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A CESSACAO DO CONTRATO DE TRABALHO

Capitulo 17 - Cessação do Contrato de Trabalho

As implicações ético-sociais

Liberdade pessoal, liberdade de empresa, estabilidade do emprego

A cessação do contrato de trabalho é um tema que coloca em confronto a liberdade


pessoal dos contraentes, na vertente de liberdade de desvinculação (pôr termo a um
contrato, e, portanto, aos seus efeitos obrigacionais), com a liberdade de empresa ou de
iniciativa económica, consagrada no artigo 61º CRP, e que leva a encarar a empresa também
como um lugar onde se concentram relações de trabalho, relações essas cujo destino pode ser
condicionado pela evolução da empresa e do negócio, pelas conveniências de quem gere.

Ou seja, a liberdade de empresa postula, em certa medida, uma liberdade de dispor


dos postos de trabalho por ela criados.

Em terceiro lugar, um princípio que se afirmou como a grande diretriz do direito do


trabalho nos anos 60 do século passado foi o princípio da estabilidade do emprego, isto, é o
princípio de que a proteção do contraente mais fraco implica, fundamentalmente e
essencialmente, a tutela da estabilidade da relação de trabalho como condição de emprego e,
portanto, como condição de subsistência. Perder um emprego pesa muito na dependência
psicológica do trabalhador e, portanto, realça a sua debilidade natural. Diga-se que, nos
regimes em que este não é um princípio primordial e não constitui uma referência
fundamental dos respetivos ordenamentos jurídicos, é evidente que a situação de
dependência psíquica, psicológica e social dos trabalhadores é diferente da dos países e
situações jurídicas em que o ordenamento acolhe este princípio como princípio fundamental.
No fundo, dizendo as coisas em termos mais vulgares e rasteiros, o medo de perder o emprego
é um dos grandes fatores que pesam na medida da dependência psicológica do trabalhador, e,
portanto, na medida da sua debilidade contratual. Assim, o princípio da estabilidade e da
segurança do emprego, que, como dissemos, é uma aquisição do direito do trabalho que
provém já do século passado, tem a ver com a mitigação da dependência psicológica, da
fraqueza que caracteriza a posição do trabalhador no confronto com a do empregador.
Encontram-se aqui vetores jurídicos que, em parte, chocam ou divergem. Por um lado, a
ordem jurídica é, naturalmente, chamada a proteger a liberdade pessoal tanto do trabalhador
como do empregador, mas não pode deixar de ter em conta que a relação de trabalho expõe a
pessoa do trabalhador numa medida que não tem paralelo no que toca à pessoa do

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empregador: este não se empenha pessoalmente, não se compromete pessoalmente, não se
vê pessoalmente constrangido pela relação de trabalho. Quem o faz e vê a sua liberdade
pessoal restringida ou limitada é, essencialmente, o trabalhador. Daí que encontremos no
nosso ordenamento jurídico e noutros, uma certa assimetria na tutela da liberdade de
desvinculação. Ou seja, vamos ver que a liberdade pessoal do trabalhador nesta vertente é
protegida e garantida muito mais intensamente do que a liberdade pessoal do empregador.
Por outro lado, no que respeita á liberdade de empresa, a liberdade de dispor do emprego
que é propiciado pela empresa naturalmente que choca com o princípio da estabilidade do
emprego em muitos casos. A liberdade de disposição por parte do empregador dos postos de
trabalho deveria, em princípio, ser irrestrita, (pois são elementos estruturais da empresa que,
para ser organizada e gerida, deve oferecer ao empresário o máximo de liberdade de
movimentos relativamente a essa mesma estrutura), mas choca totalmente com o princípio
da estabilidade do emprego.

Há aqui, pois, aspetos que divergem e chocam.

Uma das vertentes da liberdade de iniciativa económica é a disposição dos postos de


trabalho pela empresa, mas isto confronta-se com a exigência contida no princípio da
estabilidade do emprego. O empregador precisa de poder dispor dos postos de trabalho,
aumentar e diminuir os volumes de emprego, mas a ordem jurídica opõe-lhe como obstáculo
que, um emprego criado, um posto de trabalho existente deve ser, na máxima medida,
preservado. Como tal, essa liberdade de disposição é consideravelmente limitada.

O princípio constitucional da “segurança do emprego” – seus sentido e alcance

Este cruzamento de exigências, diretrizes ou princípios que se verifica sob o regime da


cessação do contrato de trabalho tem um dos seus momentos mais significativos no artigo 53º
CRP.

Este artigo é um dos poucos que o professor António Monteiro Fernandes conhece de
cor e consagra o princípio da segurança do emprego, ao estabelecer que é garantida a
segurança do emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos
políticos ou ideológicos. A segurança no emprego significa que está constitucionalmente
consagrado aquele princípio da estabilidade do emprego, que era uma diretriz mais ou menos
universalmente aceite em épocas de pleno emprego (nos anos 60, havia praticamente pleno
emprego na Europa e em Portugal, ao contrário do que veio a acontecer noutros momentos).

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Assim, a CRP garante a segurança no emprego.

À primeira vista, o que pode isto querer dizer? Pode alguém garantir a segurança no
emprego? Podem o legislador constitucional, ou o Governo, o Presidente da República, ou a
OIT fazer isto? Que sentido atribuir, do ponto de vista do direito positivo, a esta afirmação?

É uma afirmação que sobrevoa todo o regime da cessação do contrato de trabalho,


pois é o momento em que toda a segurança no emprego desaparece. É da natureza das coisas
que os contrato de trabalho possam cessar pelos mais diversos motivos.

Portanto, que sentido atribuir ao artigo 53º CRP?

O texto constitucional, desde logo, afirma como valor constitucional a segurança no


emprego. Podia não o afirmar e falar apenas na liberdade de empresa, mas não, opta por
afirmar como valor constitucional primordial a segurança no emprego. Isto não quer dizer,
evidentemente, que possa garantir a alguém a imutabilidade ou o caráter vitalício do seu
emprego. Afirmando esse valor fundamental, o legislador constitucional está, ao mesmo
tempo, a dirigir ao legislador ordinário, e, no fundo, também aos particulares uma diretriz,
nomeadamente, a de que a legislação ordinária, e, eventualmente, outros níveis de ação
pública devem pautar-se pela garantia da segurança no emprego, ao nível em que ela se
encontra em cada momento.

Isto quer dizer que, se a legislação ordinária surgir com uma alteração que implique
uma redução do nível de tutela da segurança no emprego, estará em contradição com a CRP e
poderá ser declarada inconstitucional.

E, aliás, isto já teve repercussão na jurisprudência do TC. Vejamos um exemplo. Há


relativamente poucos anos, surgiu uma proposta de lei que visava aumentar a duração do
período experimental (que é o período inicial da duração do contrato, em que tanto
trabalhador como empregador têm praticamente plena liberdade de desvinculação, sobretudo
favorável, naturalmente, à parte mais limitada na liberdade de desvinculação, que é o
empregador). O aumento deste período de liberdade transitória foi visto pelo Tribunal
Constitucional como implicando uma redução do nível de segurança no emprego e, portanto,
inconstitucional. Deve ler-se segurança no emprego como preservação do nível de proteção da
estabilidade do emprego em cada momento.

A garantia do emprego é, então, uma diretriz destinada fundamentalmente ao


legislador ordinário, mas também aos tribunais, que devem reger-se por esse princípio

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constantemente, o que nem sempre acontece, e ainda aos particulares. Assim, o princípio da
garantia da segurança no emprego tem, fundamentalmente, este sentido.

Porém, na segunda parte do artigo 53º CRP, vemos este sentido ser enriquecido ao ser
estabelecido que são proibidos os despedimentos sem justa causa. Isto significa que para que
possa haver rutura unilateral da relação de trabalho e, portanto, destruição de um posto de
trabalho, é necessário que haja uma justificação com a natureza de justa causa.

Que significado se deve atribuir à expressão “justa causa” no léxico constitucional é


algo a que voltaremos no regime do despedimento, e que não vamos agora aprofundar. Mas
deve sublinhar-se para já que uma das vertentes da garantia da segurança no emprego
consiste, justamente, na inadmissibilidade jurídica, e, portanto, na ineficácia de atos
extintivos do empregador que não sejam justificados, não assentem numa justificação que
obedeça a um certo tipo, que é a justa causa (são sempre proibidos).

A ideia de que a liberdade de disposição sobre os postos de trabalho está limitada e


condicionada, nomeadamente pela existência de uma justa causa é também uma das
projeções do princípio da segurança do emprego constante desta norma constitucional.

O regime jurídico do despedimento e a política de emprego

Como já se evidenciou, há uma questão político-legislativa muito importante em


torno do regime jurídico do despedimento, onde se confrontam opiniões contrastantes sem
que possa dizer-se que está demonstrada a verdade de qualquer delas.

A tese corrente é de que o grau de constrangimento que a lei imponha aos


empregadores do que toca à extinção unilateral do contrato de trabalho condiciona
negativamente o funcionamento deste, inclusivamente, condiciona negativamente a
promoção do emprego. Quanto mais constrangedor for o regime da cessação do emprego,
menos emprego as empresas criarão, preferindo as empresas sublaborar, quedando-se por um
volume de emprego porventura inferior ao ótimo só para não terem de, nas fases de baixa,
aguentar mão de obra de que não precisam. Há, de facto, esta tese de que é preciso liberalizar
a faculdade de despedir dos empregadores para que o emprego seja potenciado e o
desemprego seja eficazmente combatido, através da criação de postos de trabalho. Esta tese,
que é a tese em que, por exemplo, assentou a intervenção da troika entre 2011 e 2014, e era a
doutrina do governo português na altura, é sustentada por certas organizações económicas
internacionais como a OCDE, o Banco Mundial e o FMI.

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É uma doutrina que é um dos aspetos apenas de onda ideológica liberal que, na
última década, se afirmou na Europa nas várias instâncias.

Esta é uma questão política legislativa muito importante a qual, no entanto, não se pode
considerar demonstrada. Há muitos estudos que visam apurar em que medida as restrições
aos despedimentos impostas por via da lei condicionam a evolução favorável ou desfavorável
dos mercados de trabalho laborais. Há estudos que demonstram que afetam, outros que não
afeta.

É evidente que a promoção de emprego é um objetivo que interessa ao legislador de


trabalho, pois é o emprego o seu alvo.

Porém, nenhuma evidência permite considerar demonstrada essa interdependência. O que


faz, na realidade, aumentar ou diminuir a criação de emprego e, portanto, reduzir ou
aumentar a destruição de emprego, são fatores ligados essencialmente à evolução da
conjuntura económica.

Com uma legislação extremamente restritiva como a que temos, a taxa de


desemprego é atualmente baixa, comparativamente à do período da austeridade.

Este é um problema sobre o qual surgem as opiniões, mais ou menos catedráticas. Na


visão do professor Monteiro Fernandes, formada a partir de literatura produzida por
economistas, não é pela facilitação ou embaratecimento da faculdade de despedir que se
potenciam condições favoráveis à criação de emprego sólido e de qualidade, e à não
destruição excessiva de emprego. Mas esta é uma questão em aberto, aparentemente num
debate sem fim.

Claro que, havendo eleições, os partidos que ganham adotam as suas teses.

Graças ao artigo 53º CRP e ao controlo que dele deriva, não tem havido grandes
modificações na legislação sobre esta matéria, embora haja fortes pressões no sentido de ela
ser aligeirada e liberalizada.

As modalidades de cessação do contrato

Examinemos o catálogo das formas como o contrato de trabalho pode cessar, tendo
em conta que se trata de um catálogo fechado. Não é possível, por qualquer via, eliminar
alguma destas formas ou acrescentar alguma outra que não conste desta lista.

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➔ A imperatividade do regime legal
Ainda em termos preliminares, devemos atentar no que se dispõe do artigo 339º.

Esta norma estabelece que o regime é inderrogável, quer por via coletiva, quer por via
de contrato de trabalho individual, o que significa que o regime não pode ser afastado. No seu
conjunto, estes sessenta e poucos artigos constituem matéria inderrogável.

Poderá perguntar-se: que sentido tem esta imperatividade?

Em termos de política legislativa, porque a declaração de inderrogabilidade de todo


este conjunto de preceitos que regulam todas as formas de cessação do contrato de trabalho,
quer por via coletiva quer por contrato trabalho?

Veja-se que as CCT (convenções coletivas de trabalho) são negociadas entre


associações de patrões e associações sindicais.

Entre estes dois núcleos as negociações são praticamente paritárias, não se pode dizer
que existam contraentes débeis, no sentido em que os trabalhadores podem ter medo dos
patrões, mas os sindicatos não têm esse problema.

Não é de presumir ou de recear que os sindicatos aceitassem, nalgum momento,


níveis de proteção do emprego inferiores àqueles que resultam da lei.

Se o fizerem é porque, provavelmente, isso corresponde às próprias conveniências dos


grupos de trabalhadores organizados nos respetivos sindicatos.

Poderá isto corresponder a interesses coletivos. Assim, esse receio é talvez pouco consistente.

Na opinião do professor Monteiro Fernandes, aquilo que está em causa é


essencialmente é o princípio da igualdade. Como se sabe, os grupos profissionais têm
relevância e força social muito diferenciada. Os pilotos da aviação civil e comercial, ou os
controladores de tráfego aéreo, têm um peso e uma capacidade contratual de imposição dos
seus interesses que não tem comparação com os trabalhadores das empresas de segurança,
ou de limpeza, ou dos trabalhadores administrativos.

O que poderia resultar se houvesse a derrogabilidade que o artigo 339º exclui seria
haver, de grupo para grupo profissional, níveis diferentes de segurança no emprego consoante
a força negocial de cada sindicato.

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O que se pretende é um padrão nacional inderrogável, inalterável, independente do poder
social dos vários grupos profissionais em matéria de proteção da estabilidade do emprego.
Está mais em causa um nivelamento e uma padronização, igualdade quanto ao nível de tutela,
do que propriamente uma garantia dos valores constitucionais (estas últimas ideias também
estão em causa, mas não primariamente).

O Elenco Legal das Modalidades de Cessação do Contrato

No artigo 340º estão numerados (de modo não taxativo) os mecanismos pelos quais o
contrato cessa.

+ Existem outros previstos:


- Caso da denúncia do contrato no período experimental
- Caso de cessação de uma comissão de serviço externa
- um trabalhador alvo de um despedimento ilícito e por isso optar pela não
reintegração na empresa, preferindo a indemnização estabelecida no art.392º
- Decisão judicial de recusa de reintegração - art.392º

A centralidade do despedimento

No conjunto das formas de cessação do contrato de trabalho, o despedimento ocupa


um lugar central. Falamos do despedimento como uma declaração negocial extintiva do
empregador e tem de obedecer a certos requisitos ou pressupostos.

Esse fenómeno constitui, de facto, o elemento nuclear no sistema das formas pelas
quais o contrato de trabalho pode cessar, merecendo uma especial atenção. Basta ver que,
num conjunto de 66 artigos que constituem o capítulo sobre a cessação do contrato de
trabalho, 43 dizem respeito ao despedimento, ao seu regime, aos seus pressupostos e
requisitos.

A liberdade de empresa e a liberdade de despedir: a proibição dos despedimentos


sem justa causa

É aqui que se cruzam e que se têm de compatibilizar, como já dissemos, os dois


princípios: segurança e estabilidade do emprego e iniciativa económica, um apontando para

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uma certa indisponibilidade do empregador sobre os postos de trabalho, outro apontando
para uma plena disponibilidade.

O despedimento individual é regulado não só como um ato que põe em causa a


estabilidade no emprego, mas também como um ato que pode constituir abuso por parte
empregador.

Dispondo da faculdade de, em certa medida, por termos ao contrato de trabalho, o


empregador tem uma arma de sujeição ou submissão do trabalhador na sua mão, de cujo uso
pode perfeitamente abusar. Isto não só na perspetiva da estabilidade e defesa do emprego,
mas também da prevenção do abuso de poder que pode ocorrer através do despedimento.

É com base nessa dupla perspetiva que nos surge na CRP a proibição do
despedimento da justa causa e que, na lei ordinária, se exige ao empregador que invoque e
demonstre uma justificação atendível e socialmente adequável para que possa por termo
unilateralmente ao contrato.

A estrutura do regime legal: os despedimentos e o “resto” Se percorrermos o regime


das formas de cessação do contrato de trabalho, que se encontra no capítulo VII,
constataremos que essa panóplia de modalidades de cessação do contrato de trabalho
compreende essencialmente isto: despedimento e as outras formas de cessação do contrato
de trabalho.

As outras formas são, em muitos casos, em função do regime legal estabelecido para
elas, redutíveis a despedimentos.

Por exemplo, pense-se numa situação de caducidade que, como veremos, é uma das
formas de cessação do contrato de trabalho. Ela pode ser requalificada como despedimento,
isto é, pode descobrir-se por trás da aparência criada a realidade do despedimento. Algumas
das próprias situações em que a cessação é aparentemente da iniciativa do trabalhador podem
ser requalificadas como provindo do empregador. Assim, o despedimento tem uma posição
verdadeiramente central no sistema da cessação do contrato.

As outras modalidades ou são praticadas de acordo com as regras ou são


requalificadas como despedimento, sendo esse o destino comum de todas as formas de
violação do regime legal.

Cessação do Contrato de Trabalho Não Imputável ao Empregador

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Para além do despedimento, existem outras modalidades de cessação do contrato de
trabalho. As modalidade de cessação do contrato de trabalho não (imediatamente) imputável
ao empregador são:

• Revogação

• Caducidade

• Cessação do contrato por iniciativa do trabalhador

• … e ainda o Opção do trabalhador para não reintegração (remissão) o Decisão


judicial de recurso de reintegração (remissão) .

São modalidades segundo as quais o contrato cessa, não em consequência de uma


declaração extintiva do empregador, isto é, a extinção do vínculo não é efeito de uma
declaração negocial extintiva do empregador, mas de algo que não lhe é imputável.

Temos aqui a revogação, caducidade, cessação por iniciativa do trabalhador e ainda a


opção do trabalhador pela não reintegração e a decisão judicial de recusa da integração.

Algumas notas sobre as últimas duas:

Quando o despedimento é declarado ilícito, a consequência é a reintegração, visto


que o despedimento ilícito é um ato ineficaz, mas podemos ter duas situações em que a
reintegração não ocorre e, não ocorrendo a reintegração, o contrato de trabalho não
continua a vigorar e cessa.

São as duas situações acima descritas.

No primeiro caso, opção do trabalhador para não reintegração, tem direito a uma
indemnização e a consequência é meramente económica.

O segundo caso supramencionado, decisão judicial de recurso de reintegração, é


quando o trabalhador quer a reintegração e o empregador pede ao tribunal que recuse,
alegando que a integração originaria graves perturbações para o ambiente de trabalho da
empresa.

Em qualquer destas duas situações, o contrato, apesar de ter havido um


despedimento ilícito, deixa de vigorar.

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Revogação (acordo) - Noção

A revogação é um acordo, um negócio jurídico bilateral, que é formal (tem de ser


concluído por escrito) e cujo objeto consiste na extinção do contrato de trabalho pré-
existente entre os contraentes.

No fundo, a revogação é pura e simplesmente a destruição ou extinção convencional


e consensual do contrato de trabalho.

Regulada nos artigos 349º e 350º, é um regime simples porque a revogação é também
um procedimento muito simples.

Como bem se entende, na esmagadora maioria das situações, a revogação é resultante


de uma iniciativa do empregador, sendo que é ele que tem um interesse especial em ver
cessado o contrato de trabalho, e propõe ao trabalhador um acordo, que irá custar dinheiro
ao empregador.

Daí que, normalmente, a revogação seja acompanhada da estipulação de certa


compensação para o trabalhador, mas isso não é essencial à revogação.

Os efeitos económicos não estão previstos na lei, pelo que pode acontecer
compensação zero. Não tem de haver qualquer compensação. Normalmente não o há se for
da iniciativa do trabalhador.

Como se vê, a revogação pode ocultar, na realidade, um despedimento, sendo, no


fundo, um despedimento por acordo, daí que haja no regime da revogação certas cautelas
que analisaremos, para apurar a verdadeira natureza do ato extintivo.

É de referir ainda que no art.129º, é proibida a revogação quando haja o propósito de


o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade.

Trata-se ainda de um negócio formal: a lei exige documento escrito e assinado por
ambas as partes (art.349º nº2) em desarmonia com o princípio válido para a celebração do
contrato.

Por isso, se:

- For assinado somente pelo trabalhador - não é válida. Só é válida a


revogação quando existe assinatura de ambas as partes no respetivo escrito.

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- Aceitação do despedimento pelo trabalhador quer por afirmação expressa
quer por mediante dedução a partir da aceitação (por recibo assinado) da
indemnização ou compensação paga pelo empregador (art. 366º nº4).
Poderá entender-se que existe requalificação do despedimento para a
revogação? NÃO. Aqui, a resposta seria o reconhecimento da possibilidade de
revogação posterior pelo trabalhador nos termos do 350º. E se fosse viável,
vinha á superfície o despedimento.

- O trabalhador assinou um documento, em papel timbrado do empregador em


que declarava ter recebido do deste uma compensação de certo montante,
riscando a fórmula segundo o qual nada mais teria a receber. Não constava no
documento qualquer referência a cessação do contrato.
Não pode aqui considerar-se que tenha havido revogação do contrato.

Efeitos da revogação

A revogação trata-se de um acordo cujo efeito único essencial, característico é a


cessação do contrato de trabalho.

Este acordo esta apenas sujeito a uma exigência, forma escrita, que é uma
formalidade ad substanciam.

O efeito essencial é a cessação do contrato.

O que acontece e que normalmente há uma compensação económica envolvida


porque a revogação, muito embora seja um procedimento consensual, é na maioria dos casos
o produto de uma iniciativa do empregador.

É o empregador que pretende desfazer-se de um trabalhador, não quer suportar o


risco de um contencioso futuro e procura assim salvaguardar-se, tentando obter o acordo do
trabalhador no que toca ao despedimento.

A compensação “global”

Para encontrar este valor da compensação pecuniária, não há qualquer critério ou


processo de cálculo, depende da proposta do empregador e do que o trabalhador quiser
aceitar.

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Todavia, no nº5 artigo 349º, a lei refere-se à possibilidade de fixar a compensação
económica de modo global, e estabelece que se presume que se incluem os créditos vencidos.

No fundo, o que o legislador diz é que se for estabelecida uma compensação


económica definida em valor redondo, presume-se como abarcando quaisquer créditos
exigíveis pelo trabalhador, como uma forma de liquidação da relação de trabalho. Isto se
forem definidos, por exemplo 5 000 euros.

Em contraposição, há a hipótese de, com o acordo de cessação de trabalho, seja


discriminado o conjunto dos títulos pelos quais o trabalhador recebe. Pode dizer-se que cessa
o contrato e recebe x por férias não gozadas, y por trabalho complementar, entre outros.

Se houver discriminação nada se presume quanto ao carácter exaustivo da


discriminação. O trabalhador pode vir mais tarde alegar que faltam coisas, porque já não se
considera a relação de trabalho liquidada, por não ser aplicável a presunção.

Esta é uma presunção juris tantum, o que significa que pode ser afastada mediante
prova em contrário. É uma presunção manifestamente ilidível, mas a questão que se coloca é
como é que a podemos ilidir.

Ou seja, o que é que o trabalhador tem de provar para demonstrar que ainda lhe é
devido dinheiro? Não pode vir dizer que tem prova de que fez trabalho complementar nos
anos x e y e não está abrangido. Não se sabe se está ou não, visto que a abrangência da soma
global é, à partida, indefinida.

Para o professor Monteiro Fernandes, apesar de definida a compensação em termos


globais, nela não estão contidos certos valores porque, no momento em que foi acordado,
esses valores não eram conhecidos e não podiam ter sido considerados.

Um exemplo é o de haver técnicos que recebem comissões após a cessação do seu


contrato por transações por eles realizadas. Estas não estavam consumadas no momento da
revogação, nem se sabia se se vinham a verificar ou não, pelo que não podiam ter sido
consideradas no cálculo. Ainda assim, esta presunção é de difícil verificação, porque se trata
em geral de uma compensação negociada do modo mais compreensivo possível. O objetivo do

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trabalhador é liquidar a questão sem risco de contencioso, pelo que o que se pode esperar é
que não haja, na verdade, a contestação ou a exigência de prestações não compreendidas.

A remissão abdicativa

Uma questão diferente é que nestes acordos extintivos é normal incluir-se uma
cláusula do género: ambas as partes declaram que nada mais é devido. Portanto, para além do
facto de ser definida uma compensação global, ainda se reforça essa liquidação dos efeitos
económicos do contrato através de uma declaração bilateral que define como liquidadas todas
as prestações.

Chama-se remissão abdicativa a este tipo de declaração.

Trata-se de um negócio que tem como efeito a remissão, a limpeza geral de créditos e
de débitos por parte do trabalhador. Pode discutir-se a admissibilidade ou a relevância que
deve atribuir-se a uma declaração destas, tendo em conta que o trabalhador se encontra
sempre numa posição de debilidade ou de dependência psicológica que o leva a aceitar a
situação.

A jurisprudência tem considerado aceitável e relevante a remissão abdicativa


coincidente com a revogação.

O argumento que tem sido usado é que a característica de subordinação e


dependência psicológica do trabalhador face ao empregador deixa de existir com a cessação
da relação de trabalho.

O professor Monteiro Fernandes pensa que esta é uma composição duvidosa, mas é
algo que deve ser debatido e refletido.

Do seu ponto de vista, nessa fase, essa negociação desenvolve-se ainda num quadro
de desigualdade de poderes contratuais. Muitas vezes, o trabalhador numa situação de
carência económica aceita a cessação do contrato por acordo revogatório porque precisa do
dinheiro. Ou mesmo porque se o acordo não seguir para a frente, o trabalhador manterá
aquela relação, mas numa posição ainda mais vulnerável e tem medo que o empregador
dificulte o seu ambiente de trabalho por ele o ter contrariado. Há, então, uma variedade de
fatores que nos mostram que não é inteiramente verdade ou não é exato dizer que o
trabalhador recupera inteiramente a sua liberdade e vontade contratual e que a relação de
subordinação desequilibrada já não existe.

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Contudo, esta é a jurisprudência consolidada em direitos dos contratos.

Um “direito ao arrependimento”?

A questão que importa agora analisar é sobre há ou não um direito ao arrependimento


por parte do trabalhador. Aqui há uns 20 anos era muito recorrente que, quando um
trabalhador era admitido numa empresa, havia como condição de admissão ele assinar um
acordo revogatório com a data em branco, porque assim o empregador podia por a data que
quisesse e tranquilamente fazer cessar o contrato por acordo.

Atualmente, a nossa lei tem uma norma no nº1 artigo 350º que contraria estas
práticas, estabelecendo que o trabalhador tem um prazo de 7 dias para, se quiser, voltar atrás
com o acordo, isto é, pode fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho.

Porém, há uma limitação no nº4, donde se retira que esta possibilidade de voltar
atrás ou fazer cessar o acordo revogatório só existe se não tiver sido assinado
presencialmente perante um notário.

Assim, o que o regime prevê não é, na verdade, um direito ao arrependimento como já


houve outrora em legislação anterior, mas apenas uma medida, ou uma exigência formal,
destinada a excluir por completo a possibilidade de utilização fraudulenta da figura da
revogação para ocultar a realidade de um despedimento.

A Prevenção da Fraude

Existem situações em que é criado ou dissimulado um verdadeiro despedimento.


Com efeito, o art.350º admite a revogação pelo trabalhador até ao 7º dia seguinte à data em
que esse acordo produza efeitos - acto formal que deve constar de comunicação escrita ao
empregador.

Todavia, a faculdade de revogação unilateral de acordo extintivo não existe se este acordo,
estando devidamente datado, tiver as assinaturas das partes com reconhecimento notarial
presencial - art.350º nº4.

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Objetivo - Garantir a genuidade do acordo de cessação de contrato de trabalho em
particular no que respeita à sua actualidade ou coincidência entre a data da assinatura do
trabalhador e aquela em que pretende fazer valer o acordo.

Garantir que existe na realidade um acordo entre o empregador e o trabalhador no


sentido de pôr termo em certa data ao contrato de trabalhador.

Caducidade - Noção e as causas de caducidade

A caducidade, regulada entre os artigos 343º a 348.º.

Consiste na cessação do contrato que constitui consequência direta de determinado


complexo de factos objetivos. Assim, há determinados factos de que resulta a cessação, por
assim dizer, automática do contrato de trabalho, sem que ocorra ou haja necessidade de
uma declaração negocial extintiva de qualquer das partes ou de ambas.

As causas de caducidade estão definidas no artigo 343º:

• Verificando-se o termo do contrato (art.344º e 345º)

• Havendo impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador


prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;

• Reforma do trabalhador por velhice ou invalidez.

Há aqui situações de natureza muito diferente.

Há situações que, na perspetiva da cessação fundada em factos objetivos, sem


necessidade de qualquer declaração negocial, correspondem a uma verificação do termo (se
o contrato foi celebrado a termo) e a impossibilidade superveniente definitiva de o
trabalhador prestar trabalho e de o empregador receber.

Compreende-se que o contrato possa cessar em qualquer destas situações.

Por outro lado, já corresponde a outra lógica que a reforma do trabalhador por
invalidez determine a cessação do contrato por caducidade.

No atingimento de certa idade ou por ter direito a uma pensão por invalidez, nada
justifica haver uma causa adequada para a cessação do contrato de trabalho a não ser uma

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consideração de ordem político-legislativa segundo a qual os reformados devem abrir vagas
destinadas aos candidatos mais jovens.

A não ser esta consideração de política de emprego, nada há nada de contratual na


reforma que justifique ou explique o seu efeito extintivo do contrato de trabalho.

De resto, veremos que tudo isto é muito relativo e aproximativo face ao regime legal.

As causas de caducidade: o elemento volitivo

Acabamos de ver que a caducidade é normalmente definida como a cessação


automática do contrato de trabalho por efeito de um conjunto de factos ou de circunstâncias
de natureza objetiva e independente da vontade das partes.

Esta noção tradicional de caducidade não reflete adequadamente esta forma de


cessação do contrato.

A caducidade implica sempre alguma intervenção volitiva por parte de algum dos
contraentes. Assim, falar em cessação automática aqui é uma aproximação inexata. Vejamos
através das modalidades.

Nas várias modalidades de caducidade percebemos que há, em praticamente todas as


cláusulas, algum papel da vontade de uma ou outra parte.

Há um conteúdo volitivo que se insere no processo pelo qual o contrato cessa ao


abrigo do regime da caducidade.

Na alínea a), lemos que o contrato caduca verificando-se o termo estipulado. Ora,
quando o contrato a termo chega ao fim, esse termo renova-se automaticamente, pelo que é
preciso uma manifestação de vontade de uma das partes de não ver a renovação
automática, isto é, para que o contrato cesse no fim do termo estipulado é preciso que o
trabalhador ou o empregador comunique à outra parte a vontade de fazer cessar o contrato
por escrito.

Há então uma imprecisão do legislador, porque o que faz cessar o contrato é a


verificação do termo, mas também a manifestação de uma das partes no sentido em que o
contrato não continue a vigorar.

Caso contrário, um contrato a termo renova-se automaticamente.

16
Na alínea b) encontramos a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o
trabalhador prestar trabalho contratado ou de o empregador a receber.

São situações em que o se gera uma impossibilidade objetiva e definitiva de execução


do contrato.

O caso mais flagrante é o da morte do trabalhador, ou o trabalhador deixar de ter


absoluta possibilidade de prestar a atividade contratada. É claramente distinta a situação de
impossibilidade definitiva para qualquer trabalho, porque esta vem prevista na alínea seguinte.

Da alínea c), consta a impossibilidade definitiva para qualquer trabalho. Aqui cabem
as situações em que o trabalhador passa a receber uma pensão por velhice ou por invalidez.

Estamos novamente perante a ideia de um elemento volitivo na cessação do contrato:


se o empregador quiser manter o trabalhador e o trabalhador quiser continuar a trabalhar,
não há nada contra.

Não há nenhuma automatização para que, perante a reforma, o contrato cesse.

O que pode acontecer é uma das partes declarar ou manifestar a vontade de que,
perante a reforma, o contrato não prossiga.

O trabalhador pode querer mudar de vida, o que pode acontecer ou não.

A reforma depende de um requerimento do beneficiário à Segurança Social.

➔ A impossibilidade definitiva e a reforma

A caducidade só opera automaticamente no caso de morte do trabalhador.

Na alínea c) artigo 343º, não se fala em “reforma”, este não é um termo legalmente
consagrado.

De qualquer modo, a reforma significa que, por uma de duas situações:

(i) preencher certas condições de idade e carreira contributiva ou (ii) ficar com uma
incapacidade para qualquer atividade, o trabalhador tem direito a uma prestação social.

A reforma é uma causa manifestamente artificial de caducidade do contrato de


trabalho. Na realidade, no caso da invalidez há sim uma impossibilidade definitiva, mas na
velhice não.

17
Ou seja, são muito variáveis as condições em que as pessoas atingem uma pensão de
velhice.

Não há nada de forçoso que estabeleça que uma pessoa mais velha fique incapaz de
trabalhar.

Apesar de passarem a receber uma pensão social, nada os impede de trabalhar.

O que está aqui em causa são opções de política legislativa.

Conversão em contrato a termo após reforma por velhice ou idade de 70 anos.

O artigo 348º contempla duas situações.

A primeira é quando o trabalhador quer reformar-se, preenche as condições para a


pensão velhice, mas mantém-se em atividade. Não há nenhum obstáculo à cumulação da
pensão de velhice e da retribuição de trabalho.

A partir do momento em que se saiba da reforma, o empregador tem 30 dias para


dizer se, este querendo, mantém ou não o trabalhador.

Esta é uma manifestação de vontade, nº1.

A outra situação é dos trabalhadores que se recusam a pedir a reforma. Nesses casos,
o trabalhador não faz o pedido da reforma, para que o empregador não tenha a
possibilidade de fazer caducar a relação, nos termos que acabamos de ver.

O que se aplica a estes casos é que, o contrato passa a ser um contrato a termo ope
legis. Quando o trabalhador fizer 70 anos, o contrato converte-se em contrato a termo de 6
meses e a situação passa a poder ser revista de 6 em 6 meses.

Está aqui a caducidade de uma forma atípica porque o contrato acaba por cessar, não
em consequência da reforma, mas em consequência do termo.

Os limites dos contratos a termo não se aplicam aqui. O contrato pode estar assim
durante anos.

Capítulo 19 - A rutura do contrato pelo trabalhador

As vias de desvinculação do trabalhador

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O ordenamento jurídico-laboral atribui projeção à ideia de que a cessação do contrato
constitui fenómeno dotado de significação prática muito diferente, conforme o seu promotor
seja um ou outro dos contraentes.

Assim, a tutela da estabilidade do emprego, que culmina os especiais mecanismos restritivos


da liberdade de desvinculação do empregador, carece praticamente de sentido quando a
extinção do vínculo seja do interesse do trabalhador. Hão de então prevalecer sobre a
segurança do emprego (e a correlativa continuidade da relação laboral) as motivações que
conduzem o trabalhador a desvincular-se, quer a da recuperação da liberdade pessoal, quer a
de obtenção de emprego mais adequado às suas aptidões e aspirações económicas.

Nesta perspetiva, a intervenção da lei limita-se a cuidar de três ordens de preocupações:

 a de assegurar, sejam quais forem as circunstâncias, “uma via de saída” ao


trabalhador, de modo que ele não veja limitada a sua liberdade pessoal (se não pela
necessidade económica, que pode levar a manter um emprego indesejado);
 a de proteger o interesse do trabalhador nas situações em que a cessação do
contrato por sua iniciativa constitui meio de defesa contra atuações ilícitas do
empregador, sendo, portanto, induzida por (e imputável) este último;
 a de proteger o interesse económico-empresarial face à eventualidade da demissão
promovida pelo trabalhador, reduzindo o potencial perturbador que este facto pode
representar para a organização e o funcionamento da empresa.

Assim, o trabalhador dispõe de 3 vias para se libertar do contrato de trabalho:

 A resolução, que produz efeito extintivo imediato mas implica a apresentação do


motivo procedente (justa causa);
 A denúncia, que não requer motivação mas apenas a observância de um aviso
prévio;
 A rutura irregular do contrato, ou seja, a declaração extintiva sem justa causa nem
aviso prévio, que não deixa de ter o efeito prático-jurídico visado pelo trabalhador,
determinando apenas a obrigação de indemnizar o empregador.

A denúncia

A comunicação escrita exigida pelo art. 400º, nº1 do CT, constitui uma formalidade ad
probationem, limitando-se a exigência da forma escrita ao aviso prévio da denúncia e para
prova de que este respeitou o prazo de antecedência legalmente fixado, não sendo condição
da validade da denúncia.

Noção

O trabalhador dispõe de uma via “ordinária” de desvinculação: a denúncia com aviso prévio. O
caráter ordinário deste mecanismo decorre da sua formalidade, na perspetiva da lei. Quando
um trabalhador se quer desvincular, sem ter propriamente motivos graves para o fazer, mas
apenas para recuperar a liberdade pessoal ou para se afastar de uma experiência profissional
menos agradável ou compensadora, tem ao seu alcance isto meio com a vantagem sem
dispensar de qualquer justificação.

Em qualquer momento, pode o trabalhador obter a cessação do contrato,


independentemente da invocação de motivo, conquanto que avise a entidade patronal com

19
certa antecedência (aviso prévio). A lei fixa, para o efeito, o prazo normal de 30 ou 60 dias,
conforme a antiguidade do trabalhador seja de até 2 anos ou mais de 2 anos (art. 400º, nº1).

A declaração de denúncia deve ser emitida através de comunicação escrita ao empregador.


No entanto, essa exigência de forma não contende com a validade da declaração extintiva: ela
destina-se apenas a verificação do cumprimento do aludido prazo de aviso prévio; a
denúncia meramente verbal é uma declaração extintiva válida e eficaz, determinando a
imediata cessação do contrato, com as consequências próprias da extinção irregular do vínculo
pelo trabalhador (401º).

O período de aviso prévio

O “aviso prévio” É um período em que a relação de trabalho se mantém de pé, agora como
que sujeita a termo resolutivo, permanecendo, por conseguinte, de modo integral, os direitos
e obrigações recíprocos das partes, ou seja, basicamente o desenvolvimento das relações
contratuais pode, no decurso de tal lapso de tempo, gerar situações novas e anómalas, que
porventura, confiram a qualquer das partes justa causa para romper antecipadamente o
vínculo.

A função do aviso prévio é de possibilitar ao empregador destinatário a realização de


diligências necessárias a substituição de trabalhador interessado, ou até a dispensa das
funções por ele desempenhadas. Daí a variação do prazo com a antiguidade: presume-se mais
complexa e delicada a tarefa da procura de um substituto para um trabalhador mais antigo,
portanto com aptidões específicas mais desenvolvidas e uma mais profunda integração nos
moldes do funcionamento da empresa.

Esta configuração do período do aviso prévio explica a solução excecional do art. 365º:
durante o prazo de aviso prévio que o empregador deve observar no despedimento coletivo,
qualquer dos trabalhadores abrangidos pode denunciar o contrato mediante aviso prévio de 3
dias. O prazo curto explica-se pelo facto de perderem boa parte da sua relevância os interesses
do empregador no tocante à substituição do trabalhador em causa.

No decurso do prazo de aviso prévio, pode acontecer que o trabalhador revogue a declaração
de denúncia (402º). Nestes casos, a lei admite essa possibilidade dentro dos 7 dias seguintes
à receção daquela declaração pelo empregador. Essa faculdade não existe se a comunicação
da denúncia estiver datada e a assinatura do trabalhador tiver reconhecimento notarial
presencial - regime idêntico ao que se estabelece no art. 350º para a revogação e no art. 397º
para a resolução.

Trata-se de obstar a prática ilícita que consiste em o empregador exigir, no momento da


admissão do trabalhador, e como condição dela, a entrega de carta de denúncia assinada, sem
data, reservando-se o mesmo empregador a possibilidade de mais tarde datar e fazer valer
segundo a sua vontade e conveniência.

A resolução

Noção

A segunda via de desvinculação utilizável pelo trabalhador respeita a situações anormais e


particularmente graves, em que deixa de ser lhe exigível que permanece ligado à empresa
por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio. Assim, a resolução apela
imediatamente o seu efeito extintivo (394º, nº1).

20
Para que a resolução seja lícita, é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência
de justa causa. E a leitura do art. 394º evidencia que esta noção assenta também na ideia de
inexigibilidade do prosseguimento da relação de trabalho, mas agora do lado do
trabalhador.

O art. 394º não só omite um conceito geral de justa causa, como inclui uma enumeração, que
tende a ser taxativa, das situações suscetíveis de tal relevância (o “nomeadamente” constitui
indicação no sentido de que se admite a possibilidade de outras situações constituírem
suporte factual de justa causa.

Fala-se então de um “menor nível de exigência” na verificação dessa inexigibilidade, ou


mesmo de “um conteúdo e natureza substancialmente diversos” da justa causa invocável pelo
trabalhador. Há, com efeito, que ter em consideração dois pressupostos da determinação da
justa causa nestas situações:

 A exigência da salvaguarda da segurança do emprego não se aplica ao


trabalhador (quanto a ele, perfila-se apenas o imperativo “pacta sunt
servanda”);
 A resolução do contrato pelo trabalhador não tem alternativa face a
situações graves de incumprimento, ao passo que o empregador tem ao
seu dispor a escala das sanções disciplinares conservatórias.

A inexigibilidade de prosseguimento da relação de trabalho ao trabalhador coloca-se aquém


daquilo que poderia considerar-se “impossibilidade prática”: aqui avulta sobretudo a tutela da
liberdade pessoal do trabalhador face a uma situação que lhe causa perturbações graves na
vida pessoal; Não é preciso que ele caia na mendicidade, ou passe fome, ou entre em
depressão profunda.

A enumeração legal tem a vantagem de simplificar a tarefa do julgador, o qual apenas cuidará
de subsumir a situação concreta invocada pelo trabalhador num dos “tipos legais” de justa
causa, embora devendo apreciá-la em concreto (394º, nº4). Por outro lado, a tipologia legal
comporta situações que não só são inimputáveis à entidade patronal, como nem sequer se
podem inserir no contexto do funcionamento da empresa, antes surgindo na esfera pessoal
do trabalhador. Nos termos do art. 394º, nº3, al. a), o trabalhador pode romper subitamente
o contrato em virtude da “necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com
a continuação do contrato”.

Tipos de justa causa

A lei apresenta também no domínio da resolução pelo trabalhador, uma diferenciação muito
justa causa subjetiva (culposa) e justa causa objetiva (não culposa). É o que resulta do
confronto entre os nº2 e nº3 do art. 394º: o primeiro contém situações de comportamento
culposo do empregador, um segundo arruma hipóteses em que a culpa do empregador está
ausente. Esta separação tem uma projeção muito importante no tocante aos efeitos da
resolução: só quando esta se fundamente em conduta culposa do empregador, tenho o
trabalhador direito a uma indemnização. O valor desta é calculado de harmonia com os
parâmetros estabelecidos para o despedimento ilícito: Trata-se de compensar os prejuízos
patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador, dentro de uma faixa pré-definida:
entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade
(396º). O empregador é considerado responsável pela cessação do contrato.

21
A tipologia do nº2 comporta situações de facto que incorporam uma nota de imputabilidade
ao empregador. A culpa existe sempre que o empregador não demonstre além da insuficiência
económica ou financeira, a realização de diligências e a tomada de medidas de gestão
adequadas à superação da situação. No entanto, o art. 394º, nº5 define um regime especial
para os atrasos iguais ou superiores a 60 dias: nesse caso, “considera-se culposa a falta de
pagamento pontual da retribuição”.

O objetivo da lei é simplesmente o de garantir ao trabalhador nas circunstâncias de facto


descritas o direito de resolução e direito de receber indenização, independentemente do
empregador ser ou não efetivamente culpado da situação. Na realidade, mais do que uma
presunção absoluta de culpa, trata-se de afirmar um regime de irrelevância da culpa para além
de certo atraso no pagamento de distribuições. Afasta-se, com efeito, a necessidade de análise
da imputabilidade subjetiva desse facto a sucessão de factos.

Este regime articula-se com o da suspensão do contrato por iniciativa do trabalhador, nos
termos dos arts. 325º e seguintes. Um atraso (verificado ou previsível) de 15 dias serve de
fundamento à suspensão e, se o mesmo atingir 60 dias, justifica a resolução. Em todo o caso,
a sucessão de medidas não é forçosa: a resolução não depende de prévia suspensão.

São por outro lado, necessariamente culposas, isto é, subjetivamente imputáveis ao


empregador, a prática de assédio (al. b)), a aplicação de sanção abusiva (al. c)) e a ofensa à
integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei (al.
f)). A resolução “indemnizável” surge como um elemento do sistema sancionatório consagrado
pela lei para cada uma dessas situações.

No nº3 do art. 394º, surge outra tipologia: das circunstâncias susceptíveis de preencherem
justa causa (legitimando a rutura imediata do contrato pelo trabalhador), sem que seja
possível imputá-las subjetivamente, como resultado de condutas ilícitas, ao empregador.
Nestas hipóteses, são sempre pressupostos, ou o alheamento do empregador, ou a
legitimidade dos atos por ele praticados e que estejam na origem da decisão do trabalhador. A
justa causa apresenta aqui o reconhecimento da prevalência a certos interesses e
conveniências imperiosas do trabalhador, sobre a necessidade de preservar a integridade da
organização do trabalho; tendo a resolução efeito imediato, o posto de trabalho pode ficar
subitamente desguarnecido. aquela prevalência assenta no mesmo critério de inexigibilidade
que defina justa causa invocável pelo empregador para o despedimento e implica uma
apresentação em moldes idênticos (394º, nº4). A consequência para o trabalhador é ausência
de qualquer direito a compensação ou indemnização pela cessação do contrato.

O combate à fraude

Em consonância com o que estabelece no art. 350º para a revogação por mútuo acordo e no
art. 402º para a denúncia, a lei admite que o trabalhador revogue a resolução dentro dos 7
dias seguintes à sua receção pelo empregador (397º). Essa faculdade não existe se a
comunicação de resolução estiver datada e a assinatura do trabalhador tiver reconhecimento
notarial presencial; trata-se de obstar a prática ilícita que consiste o empregador exigir, no
momento da admissão de trabalhador, E como condição dela, a entrega de carta de resolução
assinada, sem data, reservando-se o mesmo empregador a possibilidade de mais tarde datar e
fazer valer segundo a sua vontade e conveniência. Com efeito, o empregador pode mesmo
exigir que o trabalhador cumpra, na resolução, o mencionado formalismo (395º, nº4),
garantindo assim a inadmissibilidade da revogação. Se essa exigência for feita, e o trabalhador
não a cumprir, deve entender-se suprido o requisito da inviabilidade da revogação, tudo se

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passando como se houvesse reconhecimento presencial da assinatura na comunicação de
resolução.

A extinção irregular do contrato pelo trabalhador

O afastamento da ineficácia

Já se observou que não tem aqui cabimento a ideia de ineficácia da declaração extintiva:
mesmo procedendo incorretamente, face aos padrões legais de conduta por que deve
orientar-se para fazer cessar o contrato de trabalho, o trabalhador obtém sempre o seu
objetivo primário. O vínculo extingue-se no momento desejado, as relações laborais cessam.

A preocupação basilar do legislador, no que toca à garantia da estabilidade do emprego que


inspira a regra da inutilização do despedimento ilícito quando a iniciativa dele pertença ao
empregador, deixa de ter cabimento em tais hipóteses. A liberdade de desvinculação do
trabalhador é e deve ser absoluta, em certo sentido: justamente no de que não pode ser-lhe
imposta a subsistência de um vínculo por ele não mais desejado. O elemento pessoalidade,
que só pode considerar-se característico da posição assumida pelo trabalhador com base no
contrato, atua aí no sentido da eliminação de qualquer obstáculo legal à eficácia da vontade
desvinculatória por ele manifestada. Todavia, se a conservação do vínculo – em nome da
segurança do emprego – perde relevância nas situações em causa, haverá ainda que atender
aos interesses que, do lado da empresa, sinalizam a mesma direção, isto é, a do
desenvolvimento normal da relação de trabalho.

No tratamento a dar à desvinculação operada pelo trabalhador deve, na verdade, ponderar-se


o prejuízo causado ao empregador e ao funcionamento da empresa pela intempestiva
demissão de um trabalhador que nela preenchia certa função.

A indemnização

O conjunto de pressupostos apontados está subjacente ao regime legal da rutura irregular


pelo trabalhador. A hipótese a considerar é a de o trabalhador, sem motivo razoável (sem
justa causa) declarar extinto o contrato, não esperando que decorra o prazo de aviso prévio
legalmente estabelecido. O contrato cessa, de facto, no momento desejado – não há
maneira de o evitar. Mas existe violação da lei e é postergado o interesse do empregador.
Que consequências deverão recair sobre o trabalhador?

A medida da responsabilidade do trabalhador é a do próprio prazo de aviso prévio que


deveria ter observado, uma vez que não apresentou justificação suficiente do ato extintivo.
Assim, caber-lhe-á pagar ao empregador uma indenização equivalente à retribuição base e
diuturnidades que corresponderiam ao lapso de tempo em falta (401º). Com esta solução,
cobrem-se não só os casos de ausência absoluta de aviso prévio (ou sejam os de resolução
sem justa causa) mas também aqueles em que, embora ouvindo comunicação antecipada de
despedimento, o período observado seja inferior ao legal (denúncia com aviso prévio
insuficiente).

Relativamente às situações de maior prejuízo para a empresa, configura o art. 399º, a


possibilidade de acréscimo da indenização na medida daquele prejuízo. o valor encontrado por
aplicação do art. 401º é o mínimo, ou seja, não depende da existência nem da dimensão dos
prejuízos causados; mas se estes forem mais importantes, a indemnização cresce até ao seu
valor. Para isso, é necessário que o empregador alega e prova em juízo a existência de

23
prejuízos extraordinários causados pela extinção irregular do contrato a que o trabalhador
procedeu.

Os danos a que a lei se refere-se são somente aqueles que decorre imediatamente da própria
irregularidade da rutura do contrato, ou seja, de modo súbito porque injustificadamente se
operou: perturbações ou quebras no processo produtivo diretamente causadas pela falha
imprevista de um dos seus elementos fundamentais.

O art. 401º prevê ainda a possibilidade de responsabilização do trabalhador por violação de


um eventual “pacto de permanência”. Nos casos em que tenham sido feitas pelo empregador
as despesas avultadas com a formação do trabalhador, pode ser estipulado entre eles que o
contrato tenha uma duração garantida, não superior a 3 anos. Se o trabalhador quiser
desvincular-se com antecipação, deve restituir “o montante correspondente às despesas” em
causa (137º, nº2).

O abandono do trabalho

A lei constrói esta figura sobre um certo complexo factual, constituído pela ausência de
trabalho e por factos concludentes no sentido da existência da “intenção de não o retomar”
(403º, nº1). Assim, o abandono pode ser constatado – produzindo-se, no mesmo momento, a
cessação do contrato – se, faltando ao serviço num certo dia, o trabalhador tiver esvaziado o
seu cacifo, deixado no local de trabalho e os bens da empresa que estavam associados à sua
atividade, e deixado um bilhete a um colega de serviço informando de que ia começar a
trabalhar noutra empresa no dia seguinte. A noção de abandono não requer - como a de
“ausência” prevista e regulada nos arts. 99º e ss. – o decurso de um certo lapso de tempo:
pode verificar-se imediatamente após a não comparência ao trabalho. O que é decisivo é a
constatação de “factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção ” de não retomar a
relação de trabalho. Se estes existem, independentemente do tempo decorrido, há abandono
e o empregador está legitimado a considerar o contrato extinto.

A hipótese de abandono também não é preenchida por uma série de faltas, ainda que
injustificadas. Ausência prolongada do trabalhador pode ter inúmeras razões e não assumir
qualquer significado quanto ao destino que ele pretende dar ao vínculo. A verificação do
abandono requer a existência de factos concludentes quanto ao propósito extintivo do
trabalhador os quais podem ser da mais diversa natureza.

Para que a situação do contrato fique assente, a lei requer ainda uma diligência do
empregador: a remessa de carta registada, com aviso de receção, para a última morada
conhecida do trabalhador, indicando os factos de que resulta o abandono e, naturalmente,
declarando este como verificado, como consequência da cessação do contrato. Tendo-se
verificado abandono, a lei faz-lhe corresponder o efeito de uma denúncia sem aviso prévio
(nº3), nomeadamente no que toca a indemnização devida ao empregador: deve cobrir os
prejuízos causados, não devendo ser inferior à importância relativa ao aviso prévio em falta.

A presunção de abandono

A ausência de trabalho, ainda que sem justificação, pode não ser acompanhada de quaisquer
factos de que seja legítimo inferir se a existência de abandono. No entanto, uma tal situação
não será também irrelevante; a não comparência ao serviço por 10 ou mais dias úteis
seguidos, “sem que o empregador seja informado do motivo da ausência”, oferece suporte
uma presunção de abandono do trabalho, o afastamento dessa presunção pode ser obtido

24
mediante “prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao
empregador da causa da ausência” (403º, nº4). Não basta a justificação da ausência em si,
nomeadamente por invocação e prova de doença prolongada; é exigível justificação do
silêncio do trabalhador por todo o período em que a sua situação foi desconhecida. Esta nota
confere relevo ao sentido da exigência de “comunicação” prévia ou posterior que é feita no
regime geral de faltas (253º).

De resto, mesmo que o motivo da ausência não seja idóneo para a justificar, o seu
conhecimento pelo empregador pode ter a virtualidade de excluir a hipótese de abandono – a
não ser que a própria natureza desse motivo permita considerar que se está perante factos
reveladores da intenção de não retoma do trabalho.

A presunção estabelecida pelo art. 403º, nº2 não constitui, porém, a única via pela qual o
abandono pode ser constatado e produzir o efeito extintivo do contrato. Ela é apenas um
mecanismo adjuvante, a utilizar em situações ambíguas. Na verdade, a verificação segura do
abandono faz-se através (de qualquer duração) e factos concludentes quanto à vontade do
trabalhador de não regressar ao serviço do mesmo empregador.

O efeito extintivo do abandono

O regime do art. 403º não é inteiramente claro acerca da questão crucial que é a de se
determinar o momento da cessação do contrato de trabalho.

Como se viu, embora fazendo equivaler o abandono à denúncia do contrato, o art. 403º, nº3
coloca a sua invocabilidade sob a condição do envio de comunicação para a última morada
conhecida do trabalhador. Não se sabe que alcance poderia ter a invocabilidade da cessação
do contrato – após a comunicação – se ela não correspondesse à constatação dessa mesma
cessação, como consequência jurídica definitiva da aplicação do regime legal. O facto de a lei a
fazer depender da comunicação do empregador explica-se pelo propósito de admitir vários
graus de tolerância por parte dele. Por outro lado, a referência à invocabilidade pode destinar-
se a excluir com clareza o facto de, dependendo a cessação do contrato de uma atitude do
empregador, ela não lhe ser imputada (como despedimento). Assim, quando concorram os
elementos da noção constante do art. 403º, nº1, o mero envio da comunicação – que pode até
não ser recebida – é suficiente para a partir dele, o empregador considere extinto o contrato.

A lei acautela as situações em que a receção é impedida ou iludida pelo próprio destinatário.
É o caso de o trabalhador não manter atualizada a sua morada no registo pessoal do
empregador; é também o caso de ele agir no sentido de se furtar à receção. Nos termos do
nº2 do art. 244º do CC, a comunicação produz os seus efeitos “quando só por culpa do
destinatário não foi por ele recebida”. Assim, se o empregador remeter a comunicação
exigida pelo art. 403º, nº3 do CT para a ultima morada conhecida do trabalhador, estará a
cumprir a condição da invocabilidade do abandono e, por conseguinte, da extinção do
contrato.

A questão é mais complexa nos casos em que não pode considerar-se preenchida a hipótese
legal de abandono (por inexistência de factos concludentes), fazendo-se funcionar a presunção
legal do art. 403º, nº2. O texto da norma sugere que essa presunção não tem limite de
duração quanto à possibilidade da sua ilisão: a qualquer momento, aparentemente, poderá o
trabalhador fazer valer o dispositivo de afastamento da presunção (nº4), mesmo que o
empregador tenha remetido a comunicação a que se refere o nº3. Esta serviria, no caso,
apenas para legitimar a invocação da cessação do contrato por abandono – mas o

25
aparecimento do trabalhador com justificação cabal inutilizaria essa cessação. É claro que,
quanto mais tardar esse aparecimento, mais difícil se tornará justificar, ao mesmo tempo, a
ausência e a falta de comunicação.

Assim, mais uma vez: ausência do trabalhador sem notícias, ainda que prolongada, e mesmo
que a sua motivação, conhecida mais tarde, não seja suficiente para justificar as faltas , não
basta para preencher abandono do trabalho. O “uso” da presunção envolve sempre
considerável incerteza jurídica, embora esta decresça com o decurso do tempo. A ilisão da
presunção pode levar a que a ausência seja qualificável apenas como um conjunto de faltas,
justificadas ou injustificadas.

Para a interpretação do art. 403º, nº3, há que reconhecer à comunicação do empregador um


alcance diferente conforme se trate de situação que preencha a noção de abandono constante
do nº1 do mesmo artigo (abandono constatado) ou de uma situação capaz de fornecer base à
presunção do nº2 (abandono presumido). No 1º caso, não se pode deixar de atender ao
segmento inicial do nº3 “O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato” e ao
facto de estar factualmente preenchida a noção legal de abandono: a comunicação tem que
tomar-se como derradeiro elo no processo extintivo; no 2º caso, a comunicação não é mais
do que uma condição de invocabilidade do abandono presumido, abrindo margem para a
ilisão por prova em contrário que o trabalhador eventualmente venha a produzir – e não tem,
portanto, só por si, efeito definitivamente extintivo.

Capítulo 20 - O regime do despedimento

O sistema do Código do Trabalho

A continuidade do regime

Sob o ponto de vista estrutural, o sistema de vias de cessação do contrato de trabalho por
iniciativa do empregador quase não sofreu alteração. Essas vias são, sucessivamente, o
despedimento por facto imputável ao trabalhador, reconduzível ao despedimento como
sanção disciplinar (351º a 358º); o despedimento coletivo (359º a 366º); o despedimento por
extinção de posto de trabalho (367º a 372º) e o despedimento por inadaptação (373º a
380º).

Há, no entanto, que assinalar uma importante alteração ao elenco das modalidades de
cessação do contrato de trabalho, conexa ao despedimento, e que, por isso mesmo, adiante
examinaremos nesse contexto: o CT introduziu a resolução judiciária do contrato, para
situações de despedimento ilícito em que o tribunal considera não dever haver reintegração
do trabalhador na empresa (392º).

A motivação do despedimento

A primeira linha de evolução que se pode destacar a propósito da restrição da liberdade de


desvinculação do empregador consiste na exigência de motivação do despedimento, isto é, na
progressiva eliminação da possibilidade de extinção do contrato de trabalho de duração
indeterminada, por iniciativa do mesmo empregador.

O despedimento, onde e quando é admitido, funda-se numa ideia – a do caráter


necessariamente temporário das relações obrigacionais – que implicava não só a liberdade de

26
desvinculação a todo o tempo mas também a paridade dos contraentes quanto à amplitude
dessa liberdade.

A suspensão do despedimento

Noção

A lei faculta ao trabalhador um meio excecional de oposição provisória à eficácia da decisão de


despedimento, em qualquer das suas modalidades: a suspensão do despedimento.

Nos cinco dias úteis seguintes à receção da respetiva comunicação, pode o trabalhador
atingido recorrer ao tribunal competente para dele obter que seja decretada a suspensão do
despedimento (386º). Esta declaração do tribunal tem o alcance de, apesar de proferido o
despedimento, manter a vinculação entre as partes até que venha a ser decidida a respetiva
ação de impugnação. Assim, o salário continua a ser devido durante o período de suspensão
– o que não equivale, no plano do trabalho economicamente dependente, à situação que
resultaria da rutura imediata do vínculo com os seus devidos efeitos.

A situação do vínculo laboral entre a decisão de suspensão e a declaração final de licitude ou


ilicitude do despedimento não deixa de ser problemática; a suspensão redunda na
manutenção do salário sem prestação de trabalho, por o empregador a dispensar. Esta
implica a ineficácia provisória do despedimento, logo faz reviver o contrato que o empregador
quis extinguir. Se a decisão definitiva for no sentido da ilicitude do despedimento, o período de
suspensão terá sido um tempo de permanência do vínculo. Se, ao invés, essa decisão for no
sentido da licitude do despedimento, ela terá o alcance de confirmar o seu originário efeito
extintivo, não só pondo termo à suspensão mas também, deixando sem suporte contratual as
prestações de trabalho e salariais que se produziram a partir dela. Neste caso, a situação da
relação entre o trabalhador e o empregador é idêntica à da invalidade do contrato de trabalho
(122º): ele “produz efeitos como válido em relação ao tempo em que foi executado”.

A suspensão do despedimento é uma providência cautelar destinada a salvaguardar a


utilidade da impugnação judicial do despedimento, dentro da perspetiva em que a nossa lei
se coloca: a de que a declaração judicial da ilicitude do despedimento pode conduzir à plena
restauração do vínculo laboral; efeito que a demora da apreciação jurisdicional do ato
extintivo do empregador tornaria inconsistente se, entretanto, o trabalhador permanecesse
fora do serviço e privado da retribuição. Trata-se pois, de “afastar o perigo de insatisfação do
direito pela demora no reconhecimento deste em julgamento definitivo” (art. 381º CPC).

O regime processual

O processo de suspensão de despedimento individual é estruturado (34º a 40º) em termos


simples e expeditos. As partes são simplesmente ouvidas, podendo apresentar qualquer
meio de prova, exceto se tiver havido processo disciplinar, caso em que só é admitida prova
documental (35º). A não comparência injustificada do trabalhador (só dele ou também do
empregador) determina, sem mais, o indeferimento do pedido de suspensão; a não
comparência injustificada do empregador tem como consequência imediata a concessão da
suspensão, a não ser que tenha sido apresentado o processo disciplinar, caso em que o juiz
decidirá perante ele (37º).

A decisão deve ser proferida na própria audiência; mas pode ser retardada até 8 dias, se a
complexidade da causa o justificar (36º). Dela cabe recurso para a Relação, em regra com
efeito meramente devolutivo; mas o empregador pode obter o efeito suspensivo se depositar

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no tribunal a quantia correspondente a 6 meses de retribuição do trabalhador – caso em que o
tribunal passará a atuar como pagador do salário enquanto a situação durar (40º).

Critério de decisão

A apreciação do pedido de suspensão, necessariamente expedita, bastar-se-á com os


elementos indispensáveis ao estabelecimento de uma convicção provisória, em termos de
“probabilidade”, “aparência” ou “verosimilhança”, sobre a licitude do despedimento. Essa
apreciação incidirá no próprio processo disciplinar (se for esse o caso) e outros documentos,
não tendo o juiz que ouvir testemunhas (35º CPT).

Os fundamentos da suspensão tanto podem respeitar às condições de forma do


despedimento (idoneidade do processo disciplinar, cumprimento das diligencias impostas pela
lei para os casos de extinção do posto de trabalho, inadaptação e despedimento coletivo)
como à procedência da justa causa invocada.

Assim, tratando-se de despedimento disciplinar, a suspensão pode fundar-se na prescrição


do direito de ação disciplinar (329º, nº 1 e 2) ou do próprio procedimento disciplinar (329º,
nº3), na pura e simples inexistência de processo como na constatação de alguma nulidade
insuprível. Esta está prevista na lei para impedir que, em casos de razoável probabilidade de
que o trabalhador tenha razão, ele seja, apesar disso, obrigado a suportar o custo da perda do
salário – o que, frequentemente o levará à desistência do posto de trabalho. A “probabilidade
séria de inexistência de justa causa” abrange a “probabilidade séria” da existência de contrato
de trabalho, e a “probabilidade séria” da existência de um despedimento. Se o juiz formar tal
convicção, a procedência deve ser deferida.

Mas é a “aparência” de justa causa que se trata sobretudo de determinar. Essa aparência
poderá, inclusivamente, no caso de despedimento disciplinar, resultar da verificação de que a
situação invocada corresponde a um dos tipos factuais que a lei enumera (351º, nº2). Os
factos a tomar em conta na decisão de suspensão são exclusivamente os alegados como
suporte do despedimento. A apreciação da probabilidade séria de existência de justa causa fica
originariamente circunscrita ao domínio factual demarcado na fundamentação do
despedimento.

O despedimento ilícito

Despedimento ilícito e a técnica sancionatória

Noção

O regime legal do despedimento sem justa causa ou sem observância das exigências
processuais respetivas reflete a qualificação implícita de ato inválido, logo juridicamente
ineficaz. “Ilicitude” é mais do que “ilegalidade”.

Os bens jurídicos fundamentais estão refletidos no art. 53º da CRP, na “garantia da segurança
do emprego”, na “proibição dos despedimentos sem justa causa”.

Ineficácia do despedimento

No ordenamento jurídico português, constitui traço comum aos regimes das várias
modalidades de despedimento (incluindo o coletivo) o conjunto dos efeitos da declaração
judicial da ilicitude (por defeito de processo ou por falta de fundamento) do ato de rutura do
vínculo pelo empregador. Esses efeitos são os indicados pelo art. 389º e correspondem ao

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tratamento normal da ineficácia do negócio jurídico: recomposição do estado de coisas que se
teria verificado sem a prática do ato.

Só assim não será no caso de “mera irregularidade” a que se refere o art. 389º, nº2,
relativamente ao despedimento disciplinar: se se tratar de “deficiência de procedimento por
omissão de diligencias probatórias” requeridas pelo trabalhador ao abrigo do art. 356º -
sendo, por outro lado, reconhecida pelo tribunal a justa causa invocada. O despedimento
irregular é, pois, eficaz, ou seja, produz o efeito extintivo que o empregador visava – embora
dê direito ao trabalhador de uma indemnização reduzida em relação à normal.

Nos casos de despedimento ilícito, em qualquer modalidade, a entidade empregadora


deverá pagar ao trabalhador o valor das retribuições correspondentes ao período entre o
despedimento e o “trânsito em julgado da decisão do tribunal” (390º, nº1)- aquilo que ele
“ganharia” se o contrato tivesse subsistido (salários de tramitação) ou “salários intercalares” e
reintegrá-lo, com a categoria e a antiguidade devidas.

Responsabilidade por prejuízos

Por outro lado, e cumulativamente com os “salários de tramitação”, o despedimento ilícito


pode implicar para o empregador responsabilidade por danos patrimoniais e não
patrimoniais que o trabalhador tenha sofrido em consequência daquele ato e das
circunstâncias que o tenham rodeado. Estes prejuízos são acessórios ou colaterais em relação
ao da perda do emprego, mas casualmente ligados ao despedimento como ato ilícito. Podem
apontar-se exemplos como a perda de acesso a gorjetas e outros benefícios dados por
terceiros, a perda de negócio em curso.

Regime dos salário intercalares

O CT explicita no art. 390º, nº2 quais são os salários devidos, e vai mesmo ao ponto de
declarar dedutíveis (para “devolução à segurança social”) os valores recebidos a título de
subsidio de desemprego.

Estas soluções permitem fazer coincidir o valor devido pela entidade empregadora com o que
corresponde à privação patrimonial efetivamente sofrida pelo trabalhador, como se da mera
reparação de prejuízos se tratasse; mas é, por outro lado, penalizadora dos trabalhadores mais
diligentes e produtivos que, com as ocupações exercidas, podem acabar por “exonerar” o
autor do despedimento ilícito relativamente a uma parte importante das consequências do
ato.

O salário de tramitação está ainda sujeito a outra dedução: a correspondente à demora na


propositura da ação de impugnação de despedimento, relativamente ao prazo “ideal” que
consiste nos 30 dias subsequentes. É a solução consagrada no art. 390º, nº2, al. b) que traduz
um mecanismo incentivador da diligência do trabalhador despedido, sem afetar a subsistência
do direito de ação propriamente dito.

Os salários de tramitação passam a ser suportados pela segurança social, e não pelo
empregador, depois de decorridos 12 meses sobre o inicio do processo de impugnação do
despedimento, isto é, depois da apresentação do referido requerimento do trabalhador;
pretende-se com tal solução evitar que o empregador seja excessivamente sobrecarregado
pelas demoras dos tribunais, no entanto, ela tem cobertura limitada: só abrange a 1ª instância,
deixando a cargo do empregador o tempo que demore o julgamento de eventuais recursos.

29
A reintegração e a indemnização “substitutiva”

A reintegração

A segunda consequência da declaração judicial da ilicitude do despedimento consiste na


reintegração do trabalhador “sem prejuízo da sua categoria e antiguidade” (389º, nº1, al. b)).

Ela só não ocorrerá numa de duas hipóteses: a 1ª é a de, até à sentença, o trabalhador se
desinteressar da reintegração e optar por uma indemnização – o que equivale a por
definitivamente o termo, de forma atípica, ao contrato de trabalho revitalizado pelo
reconhecimento da ilicitude do despedimento; a 2ª é a de, por decisão judicial, suscitada por
pedido do empregador, a reintegração ser recusada.

A lei só exige que a reintegração seja feita “no mesmo estabelecimento da empresa” e “sem
prejuízo da categoria e antiguidade”. A reintegração pode pois traduzir-se na atribuição de
uma função diferente da anterior: o legislador quis garantir o “estatuto” mas não a “posição
funcional” que o trabalhador tinha antes do despedimento. Surgem aqui oportunidades de
assédio, nomeadamente pela não ocupação efetiva. A reintegração efetiva é muitas vezes
difícil, quer por ter sido preenchida a função do trabalhador, quer por condições de ambiente
adversas.

Já referido no nº1 do art. 389º, onde se indica como efeito da ilicitude, o direito do
trabalhador a uma eventual indemnização por prejuízos, o nº3, considera-se contra-ordenação
grave a violação desse nº1. O nº1 impõe duas condutas ao empregador: o pagamento de uma
(eventual) indemnização por prejuízos (al. a)) e a reintegração do trabalhador no mesmo
estabelecimento, sem prejuízo da categoria e antiguidade (al. b)). Em que consistirá a possível
contra-ordenação? A lei dirige-se à al. b), ou seja, a não reintegração do trabalhador. Com
efeito, o não pagamento da indemnização tem outras respostas legais.

A não reintegração consiste em duas coisas cumulativas ou alternativas: não admissão “física”
no mesmo estabelecimento; não atribuição de função (ocupação efetiva), sem justificação
objetiva (caso em que a não reintegração se cruza com o assédio). Qualquer um destes
preenche a contra-ordenação grave.

A oposição à reintegração

Em todo o caso, a reintegração efetiva é muito rara, porque tanto o empregador como o
trabalhador não o desejam.

O trabalhador pode opor-se à reintegração a todo o tempo, optando pela indemnização de


antiguidade, “até ao termo da discussão em audiência final de julgamento” ( 391º, nº1), ou
seja, até à fase imediatamente anterior à decisão do tribunal, e sem necessidade de
fundamentar essa escolha. A opção do trabalhador tem que ser forçosamente acolhida na
mesma decisão. Atribuindo assim a lei um direito potestativo de conformação das
consequências finais da decisão do tribunal ao trabalhador.

Encontra-se aqui uma forma atípica de extinção do contrato de trabalho, ou uma causa de
caducidade não prevista no art. 343º do CT. Na verdade, a cessação do vínculo não é,
juridicamente, o efeito imediatamente visado pela declaração da opção do trabalhador, mas
consequência desta e do contexto em que ela surge.
O empregador, por seu turno, tem em certos casos, a possibilidade de pedir que o tribunal, na
sua decisão, rejeite a reintegração, invocando, como fundamento do pedido, “factos e

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circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do
funcionamento da empresa” (392º, nº1); mas esta possibilidade só é oferecida ao
empregador quando se trate de empresa com menos de 10 trabalhadores ou,
independentemente da dimensão da empresa, quando o despedido seja dirigente. Além disso,
o pedido deve constar logo do articulado inicial do empregador, na ação de impugnação.

A inserção do art. 392º sugere que se trata de regime aplicável a qualquer das modalidades de
despedimento, mas torna-se evidente que a hipótese considerada pelo legislador foi a de
despedimento disciplinar ilícito.

A “justificação” exigida por lei é incontrolável pelo juiz: tem o caráter de um prognóstico
quanto ao comportamento futuro de um trabalhador que poderá ter o regresso desse
trabalhador. De qualquer modo, o facto de a reintegração não ocorrer por esta razão – e de,
por conseguinte, o contrato ficar definitivamente extinto – determina uma majoração da
indemnização que o empregador deve pagar ao trabalhador, nos termos do art. 392º, nº3.

Indemnização substitutiva

O art. 391º trata de uma indemnização que o trabalhador pode receber “em substituição da
reintegração”. A indemnização em causa não é um “equivalente da reintegração” mas uma
consequência da cessação definitiva do contrato que resulta da não integração.

A determinação do valor deve ser feita pelo tribunal dentro de uma “banda” razoavelmente
larga – entre 15 a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou
fração de antiguidade – deve atender-se “ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude
decorrente da ordenação estabelecida no 381º”.

As medidas contra a dissimulação do despedimento

Constrangimentos legais

O regime jurídico do despedimento constitui a zona menos flexível do ordenamento laboral


português.

Este regime, embora admita uma gama de possibilidades de extinção do contrato pelo
empregador que, em abstrato, cobre praticamente todas as situações em que o despedimento
seria socialmente aceite, é ainda encarado como um conjunto de constrangimentos que
limitam fortemente a “flexibilidade externa” do uso da força de trabalho pelas empresas.
Acresce esse quadro de possibilidades, e os requisitos inerentes a cada uma delas, são
intocáveis pela contratação coletiva e por estipulações individuais (399º).

Como resulta da exposição antecedente, as exigências legais para a validade e eficácia do


despedimento, em qualquer das suas modalidades, dizem respeito, por um lado, à motivação
ou justificação da rutura do vínculo, e por outro, à forma e ao processo a observar na
consumação dessa rutura.

Disfarces do despedimento

A lei cuida de combater esse fenómeno, nomeadamente numa das suas manifestações típicas:
a que consiste na criação da aparência de cessação do contrato por mútuo acordo ou de
rescisão pelo trabalhador.

O expediente consiste em o empregador obter do trabalhador, como condição de celebração


do contrato de trabalho, e portanto do acesso ao emprego, documento por ele assinado, sem

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data, com o conteúdo de uma rescisão unilateral ou de um acordo de cessação do mesmo
contrato de trabalho. De posse deste documento, o empregador estaria em condições de
escolher, com absoluta liberdade, o momento e as circunstâncias da cessação do contrato,
limitando-se a escrever naquele a data mais conveniente.

Os arts. 397º e 401º estabelecem um mecanismo destinado a contrariar este expediente. Ele
consiste em, de modo alternativo: se assegurar, através de reconhecimento notarial
presencial, a coincidência da assinatura do trabalhador com a data atribuída ao ato (395º,
nº4); ou, não existindo tal garantia, oferecer ao trabalhador a possibilidade de, sendo caso
disso, neutralizar o aproveitamento simulatório do documento por ele assinado, através da
faculdade de revogação unilateral, no prazo de 7 dias, do suposto acordo de cessação. A
revogação só é eficaz se o trabalhador devolver a importância eventualmente recebida do
empregador a título de compensação pela cessação do contrato (397º, nº2 e 402º, nº2,
remetendo para o art. 350º, nº3).

O despedimento como referência residual: “despedimento de facto”

O regime de cessação do contrato é todo ele, construído sobre o pressuposto de que o


despedimento individual ilícito é a figura residual na qual desaguam todas as formas de
contrato de trabalho por iniciativa do empregador – em qualquer situação que não caiba num
dos modelos legais de extinção do vínculo laboral.

Se o empregador proceder em termos inequivocamente reveladores da vontade de não


retomar o normal curso das relações de trabalho, tudo se passará sob o ponto de vista jurídico,
como se tivesse sido declarado um despedimento.

Capítulo 21 - Despedimento individual

A justa causa disciplinar

Noção

É o instrumento de supremacia do empregador.

A noção de justa causa que o art. 351º, nº1 não é mais do que tradução ou especificação
daquele conceito no domínio restrito da ação disciplinar. Com efeito, o art. 328º inclui
“despedimento sem indemnização ou compensação” na tipologia de sanções disciplinares.

Certa infração poderá constituir justa causa quando, em concreto, se não possa exigir,
segundo as regras da boa-fé, que o empregador se limite a aplicar ao trabalhador faltoso uma
sanção disciplinar propriamente dita, ou seja, uma medida punitiva que não afete a
permanência do vínculo. Retoma-se assim, a ideia de inexigibilidade que está subjacente ao
conceito de justa causa, referindo-a aos instrumentos de defesa de conservação do contrato
que são, no terreno disciplinar, a repreensão, a sanção pecuniária, a perda de dias de férias
e a suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade .

O critério da justa causa

 O despedimento perante as restantes sanções possíveis;

32
 A apreciação da justa causa.

Impossibilidade (material) prática do prosseguimento da realização de trabalho. O critério da


justa causa é comum às outras formas de despedimento individual. Quando se diz
impossibilidade prática quer-se dizer que a um empregador normal não se poderia exigir
manter em vigor o contrato de trabalho com aquele trabalhador. Para além desta forma
geral, a lei oferece-nos uma lista com situações típicas que são consideradas pelo legislador
como suscetíveis de poderem ser assistidas (351º, nº2).

A nossa lei caracteriza a justa causa desta maneira: através de uma cláusula geral em que se
usa o critério da impossibilidade prática (nº1) e uma lista exemplificativa de situações que
constituam justa causa (nº2), é preciso que em concreto, nos termos em que a situação se
apresente uma ligação entre os dois números para poder ser usado. As situações que são
tipificadas no nº2 não são taxativas. Leva-nos a ter que considerar certos tipos de justa causa
que aparentemente são taxativos, é necessário verificar o grau de culpa do trabalhador. Tudo
tem que passar pela apreciação da culpa e da gravidade.

Quanto às exigências de procedimento ou tramitação que a lei estabelece? Estas exigências


traduzem-se no procedimento disciplinar, procedimento esse que concretize uma exigência
que a lei faz a qualquer sanção disciplinar (329º, nº6 e 353º e ss.) processo cujos momentos
fundamentais são três: é preciso que haja uma acusação (faz através de um documento que
se chama nota de culpa, que deve conter a descrição circunstanciada daquilo que o
trabalhador é acusado, quando se trata de um despedimento disciplinar de tal modo grave
que leve a prever o despedimento, o empregador tem que mostrar a intenção de despedir);
uma defesa (consiste em o trabalhador ter a oportunidade e o tempo necessário para
responder à nota de culpa – 355º (prazo mínimo de 10 dias úteis), resposta esta que o
trabalhador pode impor testemunhas e provas para fundamentar a sua defesa)) e uma decisão
fundamentada (o empregador tem que proferir e entregar ao trabalhador uma decisão
escrita e fundamentada (357º), nos factos indicados na nota de culpa, a fundamentação da
decisão deve reproduzi-los como base para a decisão de despedir).

Os factos indicados na nota de culpa são os únicos que podem ser considerados na
fundamentação da decisão; estes factos que não constavam na nota de culpa, se o
empregador quiser usar esses factos como fundamentação, terá que fazer uma nova nota de
culpa, a partir do momento em que descobriu estes novos factos, esta nota de culpa é que
delimita a factualidade e aquilo que pode vir a ser o objeto de uma ação judicial através da
culpa o trabalhador ponha em causa a decisão. O direito à audiência previa (329º, nº6) é um
direito que se concretiza na área do processo disciplinar através da possibilidade do
trabalhador consultar o processo antes de responder à nota de culpa e poder defender-se
contra os factos de que é acusado.

Um aspeto a ter em conta é que o trabalhador pode ser preventivamente suspenso depois de
receber a nota de culpa, quando a sua presença seja inconveniente (bastando dizer-lhe que a
sua presença é inconveniente) (354º). A suspensão só impede que o trabalhador trabalhe e
esteja na empresa, não o seu salário. Esta suspensão pode ser anterior à nota de culpa, desde
que o empregador justifique fundamentadamente que a presença do trabalhador seja
gravemente inconveniente. A suspensão preventiva constitui um desvio ao direito da
ocupação efetiva.

Para além do despedimento disciplinar, há o despedimento individual que se fundamenta em


causa objetiva, o que quer dizer, que sendo um despedimento personalizado, todavia a sua

33
fundamentação não inclui a culpa do trabalhador. Baseia-se em justificação que não
imputáveis ao trabalhador. Há duas modalidades: (367º e ss) o despedimento por
inadaptação do trabalhador (a qualidade e rendimento do trabalho acaba/extingue-se
significativamente; a própria qualidade do trabalho se altera) e despedimento por extinção do
posto de trabalho (tendo havido modificação do posto de trabalho ou não tendo havido
modificação do posto de trabalho, em relação ao segundo despedimento).

Despedimento por extinção do posto de trabalho

O posto de trabalho, em regra, não é algo objetivo, o posto de trabalho na maioria dos casos é
inerente a uma pessoa (p.ex., uma empresa tem 10 motoristas, há 10 postos de motoristas
(368º, nº2)). A lei indica critérios para a decisão/escolha de despedimento (alíneas do nº2).
Como em qualquer outra modalidade do despedimento individual é necessário que se prove
uma justa causa. Não é a extinção do posto de trabalho que implica o despedimento, há um
motivo para tal, pode haver extinção do posto de trabalho mas não haver esta impossibilidade
prática de continuação do trabalho (art. 368º, nº4).

O procedimento é pouco vinculativo para o empregador, neste caso o empregador conserva o


poder de escolher (369º a 371º). O empregador tem que comunicar a intenção de
despedimento indicando (fundamentando) a extinção do posto de trabalho e a intenção de
despedimento do trabalhador desse posto de trabalho. A esta comunicação que se destina a
impedir surpresas ao trabalhador, segue-se a possibilidade de a comissão dos trabalhadores
dar uma opinião sobre o assunto, dando um parecer, ou em alternativa, diz que não há razão
para o despedimento, que é uma opinião/consulta não vinculativa que o empregador ouve ou
não ouve, opinião essa que pode ser forçada pelo pedido do trabalhador ou pela inspeção de
trabalho (370º).

A decisão do despedimento tem que ser transmitida ao trabalhador formalmente (por


escrito) com esta particularidade é que esta decisão não produz efeito imediato, ou seja, a
declaração de despedimento produziria normalmente efeito no momento em que fosse
recebida pelo trabalhador, mas neste caso não é assim, no momento em que o trabalhador
recebe a notificação e o despedimento, tem que haver o aviso prévio ( 371º, nº3), que varia
com a antiguidade do trabalhador, que retarda o despedimento. Nos termos do art. 372º,
aplica-se por remissão a estas modalidades (….), o art. 366º refere-se à compensação
pecuniária a que o trabalhador despedido nestas condições, deve receber. A regra
fundamental desta compensação é de que ela é calculada (art. 366º, nº1). O que é importante
é que esta compensação tem uma relevância enorme, quer relativamente ao empregador,
quer ao trabalhador; no caso do empregador, esta compensação tem que ser paga até ao
termo do prazo do aviso prévio (384º, al. b)), portanto se esta compensação não for
integralmente paga até ao termo do prazo, o despedimento é ilícito. A compensação tem
outro efeito crucial, é que o pagamento da compensação por parte do empregador garante a
validade do despedimento, mas coloca o trabalhador numa situação tremenda, continuando a
aplicar o art. 366º, encontramos no nº4 desse mesmo artigo a regra de que se o trabalhador
aceitar a compensação, a lei diz que se presume que ele aceitou o despedimento. Uma
presunção que pode ser afastada por prova em contrário; no entanto para que o trabalhador
ilida/afastar a presunção, é preciso que ele devolva a compensação (366º, nº5); ou seja,
considera-se do ponto de vista jurídico, que o trabalhador aceitou o despedimento, não

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podendo assim instaurar uma ação sobre esse despedimento, sobre pena de má-fé. Se o
despedimento for considerado ilícito/lícito, o trabalhador recebe sempre compensação.

Despedimento por inadaptação

Modificação do posto de trabalho, ou numa mera descida na qualidade e no rendimento da


prestação de trabalho. a lei define (373º) quer para uma quer para outra, indica os sintomas
objetivos que devem ser tomados em conta para se verificar que o trabalhador está inapto
(373º, nº1), que se verificados mostra-se que há existência da inadaptação do trabalhador.
Tratando-se desses trabalhadores, considera-se inadaptação quando não se cumpram
objetivos acordados entre o trabalhador e a empresa (quadro superior e dirigente em causa).
Fundamentação do despedimento por fundamentação, é preciso a verificação dos sintomas,
mas não basta para fundamentar o despedimento, pode ser que apesar da existência dessa
inadaptação, não venha a resultar dai justa causa pra o despedimento, a justa causa é a
situação que ocorre quando depois de realizadas diversas diligências pelo empregador no
sentido de integração do trabalhador, o nível de qualidade e rendimento da prestação, com
qual o empregador espera, está fora de conta. Acresce no caso de inadaptação devida com a
modificação do posto de trabalho, que em remissão, não existe posto de trabalho alternativo.

A verificação da inadaptação em contexto de modificação de trabalho implica para o


empregador a necessidade e a obrigação de desenvolver ações destinadas a reentregar o
trabalhador (375º). Pode ele despedir de imediato o trabalhador? Não. Tem que fazer um
procedimento de informação e consulta não vinculativa + decisão com aviso prévio (375º a
378º). A compensação condiciona a validade do despedimento, e que por outro lado, sendo
recebida pelo trabalhador gera presunção de aceitação de despedimento, que só é ilidida
com a devolução da compensação do trabalhador ao empregador (366º).

Capítulo 22 - Despedimento Coletivo

O despedimento coletivo (359º) não é simplesmente um despedimento de pluralidade de


trabalhadores; pode definir-se como um despedimento de uma pluralidade de trabalhadores,
com fundamento comum, que tem que pertencer às elencadas no art. 379º, nº2. Para que
haja um despedimento coletivo, é necessária a cessão de vários contratos de trabalho ao
mesmo tempo ou com pouco tempo de diferença, mas cuja justificação não tem nada a ver
com o comportamento dos trabalhadores, mas com a empresa. O despedimento coletivo é
um instrumento à liberdade de iniciativa económica privada (61º CRP), através do qual se
concretizam decisões do empresário que são cobertas por esta liberdade, uma liberdade que
permite ao empresário criar empresas, reorganizar e destruir empresas. Liberdade cujo
exercício, podem resultar consequências aos contratos de trabalho. O regime significa um
certo grau de desvalorização do princípio da segurança do trabalho.

Há dois tipos de motivação: o encerramento de unidades de estabelecimentos de partes da


empresa, há uma relação que causa a consequência dos despedimentos; a redução de
pessoal (a empresa precisa de baixar os custos laborais), para que essa decisão seja
justificativa de um despedimento coletivo, ela tem que se fundamentar com base nos motivos
(359, nº1 ou 379º?). Tem que haver congruência (adequação) entre o motivo e o número e
categorias dos trabalhadores a despedir.

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O procedimento do despedimento coletivo (360º e ss); começa por uma informação aos
representantes dos trabalhadores da intenção de despedimento e certos fundamentos,
seguindo-se uma consulta não vinculativa e negociação acerca das dimensões do
despedimento coletivo (busca de alternativas), após o que o empregador pode manter a sua
decisão do despedimento (art. 361º) e toma decisão múltipla, que é mais uma vez, uma
decisão com aviso prévio. Aqui é que está a sede originária da sede de compensação (366º) –
pagamento da compensação e a presunção de aceitação do despedimento.

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