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Capitulo 6 - FORMAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

O quadro jurídico do recrutamento

Nas palavras do professor Monteiro Fernandes, a formação do contrato de trabalho é


sempre precedida de um processo, mas ou menos complexo e formal (na maioria das vezes
simples e informal), que, em geral, se designa por recrutamento. Em teoria, esse processo
traduz-se no confronto dos interesses e das vontades dos futuros empregador e trabalhador.
Na realidade, trata-se de um processo dominado pelo interesse e pela vontade do
empregador, na medida em que o seu motor não é a procura de emprego (por parte de um
profissional que dele precisa para viver), mas sim o desejo de preencher um posto de trabalho
(por parte de um empresário ou responsável por uma organização.

A este último cabe a fundamental decisão de admitir um trabalhador, mas pertence


também o poder factual de definir o perfil técnico, habilitacional e mesmo psicológico da
pessoa que deverá preencher o posto de trabalho, e ainda de desenhar, pelo menos em
projeto, as grandes prestações contratuais (atividade contratada e retribuição). A negociação
(individual) destas prestações só muito raramente ocorre. Daí que o recrutamento consista,
em regra, num conjunto de iniciativas e de operações conduzidas pelo futuro empregador, no
sentido de fundamentar a escolha do candidato com o qual será celebrado o contrato de
trabalho.
Recrutamento e admissão

O recrutamento é uma fase pré contratual na qual o empregador em especial, mas


também o trabalhador procura preparar a decisão de celebrar o contrato, tentando recolher
o máximo de informação sobre a pessoa ou pessoas que se apresentam como possíveis futuros
contratantes. Deve ser distinguido da noção de admissão que é um conjunto de momentos
que se inicia com a celebração do contrato de trabalho e que só se consuma e completa com
o inicio das execução da prestação de trabalho, o que pode ter uma certa distância temporal
face ao momento da celebração do contrato.

Pode acontecer que seja celebrado o contrato hoje, mas que só vá vincular as partes a
partir do ano que vem. É especialmente importante olharmos para esta distinção porque na
linguagem corrente são sempre tratados como sinónimos. De qualquer das formas, o
recrutamento antecede a admissão e consiste basicamente num processo de recolha de
informação, como já vimos.

A boa fé e a proteção da privacidade

Visando basicamente preparar a escolha do trabalhador a contratar, o recrutamento


consiste num conjunto de procedimentos, mais ou menos extenso e sofisticado, para a
obtenção, por cada um dos envolvidos, de informação útil acerca do outro.

No que toca sobretudo à parte do trabalhador ou, neste caso, dos candidatos ao emprego,
é evidente que se confrontam duas exigências juridicamente tuteladas, sendo necessário
estabelecer um equilíbrio entre ambas. A primeira resulta do artigo 102º e é, aliás, uma
reprodução do artigo 227º CC sobre a responsabilidade pré-contratual: boa fé na negociação
do contrato de trabalho.

A boa fé, neste sentido, consiste em que cada um dos futuros contraentes preste a
informação necessária e o faça com verdade e transparência. É claro que temos de perceber
que isto incide especialmente sobre o candidato ao trabalho, uma vez que este é o centro e
objeto do processo de recrutamento. É importante que este não empregue manobras ou
artifícios destinados a ilidir o empregador ou quem o represente em relação às suas
características.

O mesmo facto de estar em jogo a pessoa do candidato ao trabalho, indica também que
há que haver uma tutela da sua privacidade, sendo esta a segunda exigências juridicamente
vinculada. Têm de existir limites àquilo que pode ser exigido em termos de informações ou em
termos de processos destinados a obter dados pessoais dos candidatos. As normas que
regulam esta questão são os artigos 16º e 17º. Antes de olharmos para o regime, convém ter
em conta a situação de debilidade contratual e debilidade psicológica em que muitas vezes se
encontra o candidato. Isto porque obter a obtenção de um emprego é sempre vital.

Em jeito de regra geral, pode ler-se no artigo 16º nº1 que tanto o empregador como o
trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhes
guardar reserva quanto à intimidade da vida privada. É evidente que o artigo 17º é o que mais
interessa para o processo de recrutamento, tendo em conta que contém uma lista das
informações que não podem ser exigidas pelo empregador ao candidato.

É também tendo em conta a situação de debilidade do candidato que já referimos que o


legislador vai ao ponto de proibir o empregador de exigir certas informações que podem
representar uma intromissão agressiva na esfera privada do trabalhador e podem acabar por
funcionar como fatores de escolhas ilegítimas para preenchimento da vaga de trabalho como é
o caso da gravidez. Esta questão da gravidez é particularmente complicada no quadro de
recrutamento sobre a qual a lei toma assume a posição de proibir, mas não quando o posto de
trabalho ofereça condições que o justifiquem, artigo 17º nº1 b). Mesmo nestes casos é exigido
que o empregador forneça por escrito a fundamentação para que se exija esta informação.

Perante uma situação destas, é legítimo à candidata mentir? Por outras palavras: há aqui
um direito a mentir? Esta figura surgiu no direito penal com o sentido de que “quem é
acusado não pode, pelo facto de negar a pratica do crime, ver a sua situação agravada”, o que
significa que o direito a mentir se traduz na irrelevância da mentira. Aqui é diferente, não
estamos no âmbito do direito penal e não está em causa uma pena privativa da liberdade, mas
antes o direito ao emprego. Esta questão é muito discutida. No limite, o direito a mentir
nestes parâmetros significaria que a mentira não podia ser usada mais tarde para por termo ao
contrato ou penalizar a trabalhadora do ponto de vista disciplinar.

Ainda não há jurisprudência sobre a matéria, mas o professor Monteiro Fernandes


defende que a mentira não é nunca um direito, é um ato necessariamente censurável e,
portanto, sendo contrário à ética dificilmente pode ser aceite pelo direito, especialmente num
processo de formação vontade contratual.

Não obstante, há que perceber a lógica por trás de quem defende o contrário. Antes de
mais, a pergunta é ilegítima porque na perspetiva da ordem jurídica a gravidez não pode ser
um parâmetro da decisão de contratar, não é apenas por uma razão de privacidade, é mais do
que isso, a ordem jurídica não admite que a decisão de contratar ou não seja pautada pelo
critério de estar grávida ou não. Ora, sendo esta a posição que o ordenamento deixa
transparecer, o direito a mentir consagra a única possibilidade de, em resposta à pergunta
ilegítima, se garantir o desígnio da ordem jurídica de impedir que a gravidez seja fator decisivo
no contrato.

Se o empregador pergunta é porque esse é um fator de decisão. Se a pessoa se recusar a


responder, o empregador vai presumir que está grávida. Assim, mentir poderá mesmo ser a
única hipótese neste caso. Isto não é simplesmente considerar que a mentira é uma coisa boa,
mas aqui pode mesmo ser a única forma de preservar os desígnios do ordenamento jurídico no
que toca ao afastamento da gravidez do núcleo de informações relevantes no acesso ao
emprego.

A escolha do trabalhador a contratar

É evidente que para além da questão da articulação entre a exigência de boa fé e a


exigência de proteção da privacidade, há uma outra ordem de exigência que se manifesta ao
nível da escolha do trabalhador a contratar. Os processos de recrutamento desenvolvem-se,
em regra, de uma maneira esquematicamente semelhante. Nalguns casos é conduzido através
de uma conversa entre o empregador e o candidato, noutros casos pode encomendar-se a
uma empresa especializada para o efeito, entre outros meios.

O que importa saber é que, no final, a escolha do trabalhador que preenche o posto de
trabalho é completamente livre, sendo esta uma das prerrogativas que se contêm na
liberdade de iniciativa económica constitucionalmente protegida pelo artigo 61º CRP. É livre
ao ponto de o empregador poder escolher a pessoa que ficou pior classificada nos rankings do
processo de recrutamento. Há uma liberdade muito grande nesta escolha e há muitos e
diversos fatores que podem influenciar esta escolha.
Porém é uma liberdade condicionada fundamentalmente pelo princípio da igualdade e
não discriminação, desenvolvidos nos artigos 23º e seguintes CT. Assim, na formação do
contrato incidem estas três ordens de exigências legalmente apoiadas: boa fé, tutela da
privacidade e a igualdade e não discriminação na escolha da pessoa a contratar. O artigo 24º
nº2 tem uma longa lista de fatores de discriminação que têm de ser respeitados.

Promessa de contrato de trabalho

Terminado o processo de recrutamento, muitas vezes é celebrado um contrato promessa


de contrato de trabalho, previsto e regulado no artigo 103º. Noutros casos, as partes acordam
tudo em relação à atividade, como remuneração e horários, isto é, todas as condições em que
o trabalho será executado, mas estabelecem uma data de início posterior a esse acordo. Há
aqui duas situações que importam distinguir: a primeira é uma promessa de contrato de
trabalho, enquanto que a segunda é um contrato de trabalho com diferimento do início da
sua execução.

Além disso, há que ter em conta que o artigo 135º admite que, no contrato de trabalho,
seja estipulada uma condição ou um termo suspensivo, nos termos gerais, sendo que a sua
vigência depende da verificação de determinada condição ou termo. Para que estas
estipulações sejam válidas é necessário que sejam feitas por escrito.

Há, então, três hipóteses:

 adiamento ou promessa de vontade, promete-se apenas que se celebrará um


contrato naquelas condições;
 contrato de trabalho com termo ou condição suspensiva;
 contrato de trabalho com início de execução diferido, mas vigente desde a sua
data de formação.

Nesta matéria há um “perigosíssimo” acórdão (ac. 21/04/2010) que surgiu numa situação
muito particular: um individuo era diretor financeiro da empresa A e, a certa altura, candidata-
se num processo de recrutamento para diretor financeiro na empresa B, onde eram oferecidas
condições bastante melhores e benefícios que atraíram a sua atenção. O processo de seleção e
recrutamento desenvolveu-se até que foi chamado à administração da empresa recrutadora,
empresa B e, nessa conversa com a administração em que estava presente o presidente, foram
lhe ditas duas coisas. Primeiro disseram-lhe que era o candidato escolhido e que ia entrar ao
serviço numa determinada data, estabelecida desde logo, ficando apenas em suspenso a
necessidade de realizar exames médicos de cujo resultado positivo dependeria o contrato, e
nada mais. A segunda coisa que lhe foi dita é que estava em perspetiva um processo de a
empresa B ser comprada por outra empresa no espaço de um ano.

Na data marcada, o indivíduo fez os exames com sucesso, despediu-se da empresa A onde
estava e ficou à espera do dia em que deveria apresentar-se na empresa B para iniciar funções.
Na véspera desse dia foi chamado à administração da B para lhe dizerem que afinal o negócio
de venda se acelerou muito, o posto dele deixou de fazer sentido e, portanto, o contrato ficava
sem efeito. O indivíduo ainda pediu uma indemnização, que não foi aceite, e, inconformado,
resolveu recorrer ao tribunal.

O tribunal decidiu que o momento daquela conversa entre o candidato e a empresa B em


que lhe tinham dito que tinha sido escolhido e tinham sido apresentadas as condições, bem
como a data de início, era o momento em que tinha sido celebrado o contrato de trabalho, em
harmonia com a liberdade de forma que o código civil estabelece. O contrato ficou apenas
sujeito à condição de o sujeito passar nos exames médicos, condição esta que estava verificada
e, portanto, nada mais restava do que aguardar pela data em que a execução se iniciaria.
Assim sendo, concluiu o tribunal que o trabalhador foi ilicitamente despedido e, como tal,
foram extraídas todas as consequências que de um despedimento ilícito advinham.

Despedimento este que nem sequer podia ser legitimado por estar em curso o período
experimental. Falaremos do tema mais tarde, mas basicamente, estabelece o artigo 114º que,
durante o período experimental (período inicial de execução do contrato de trabalho),
qualquer uma das partes pode resolver o contrato sem justificação ou indemnização. Ora, no
caso concreto, como nem sequer se tinha iniciado a execução como exige a noção de período
experimental (artigo 111º), este instituto não podia ser invocado.

Tudo isto sugere que, na realidade, é muito importante ter uma noção clara daquelas que
são as nossas alternativas que medeiam um certo período entre o consenso das condições
contratuais e o momento em que se inicia a execução do contrato de trabalho. Para tal,
temos de saber identificar cada uma das três situações acima referidas.

O artigo 103º exige que a promessa de contrato assuma a forma escrita e que esse
documento conste declaração em termos inequívocos da vontade de os promitentes se
obrigarem a celebrar o contrato de trabalho. A promessa é identificável deste modo. No caso
do acórdão que acabamos de analisar, não houve promessa, houve sim um contrato formal
que nem sequer era sujeito a condição suspensiva eficaz porque, como também já se disse,
esta teria de ser feita por escrito.

Os pressupostos ou requisitos de validade do contrato de trabalho

Aplicabilidade do regime comum

Na matéria dos pressupostos ou requisitos de validade do contato de trabalho,


prevalecem quase na totalidade as leis constantes do código civil em relação aos
pressupostos dos negócios jurídicos em geral, quer no que toca à capacidade das partes, quer
no que toca ao objeto. As particularidades existem do lado do trabalhador e não do
empregador.

As particularidades

 Capacidade jurídica (idade e escolaridade)


 Capacidade para o exercício de direitos (a “maioria laboral”)
 Determinabilidade da prestação de trabalho (função)
 Possibilidade física (originária)
 Licitude da atividade e do fim

Quanto à capacidade jurídica, só pode assumir a qualidade de trabalhador o indivíduo


que tenha, pelo menos, 16 anos, nos termos do artigo 68º, e tem de ter a escolaridade
obrigatória cumprida. Estes requisitos são comuns à capacidade de exercício, isto é, à
capacidade de, em nome próprio, celebrar um contrato de trabalho. Contudo, a lei admite
algumas situações relativamente à capacidade jurídica, como ter 16 anos, mas não ter a
escolaridade obrigatória e vice-versa. Aqui admitem-se formas de acesso ao emprego atípicas.

No que toca ao objeto do contrato, no artigo 280º CC exige-se que o objeto seja possível,
lícito e determinado. Estes requisitos são naturalmente aplicáveis ao objeto do contrato de
trabalho, entendido como a atividade a que o trabalhador se obriga.
Onde há maiores especialidades é no que toca à licitude da atividade de trabalho. Há
atividades que podem ser em si mesmas lícitas, mas por estarem funcionalizadas a objetivos
ilícitos ou por estarem inseridas em processos ilícitos acabam por ser infetadas por essa
ilicitude. No artigo 124º aborda-se a hipótese de um contrato ter por objeto ou por fim uma
atividade contrária à lei ou ordem pública. Por exemplo, se alguém se obriga a conduzir carros
que vão ser utilizados em assaltos, a atividade é objetivamente lícita, mas a finalidade que
serve é ilícita. As partes que conhecem a ilicitude perdem todas as vantagens de segurança
social que decorram do contrato. É evidente que isto tem subjacente a ideia de que um
contrato que verse sobre atividades ilícitas, é um contrato caracterizado pela nulidade.

As formas de celebração do contrato de trabalho

Vejamos agora como é que surge o contrato de trabalho, sob que formas.

Contrato oral ou escrito (forma voluntária)

Nos termos do artigo 110º, o contrato de trabalho não depende da observância de forma
especial, salvo quando a lei determina o contrário. Assim, o contrato de trabalho está coberto
pelo princípio de liberdade forma, embora haja contratos que, pelas suas características
especiais, tenham de ser reduzidos a escrito.

Isto quer dizer que, em geral, o paradigma que o legislador toma como referência – o
contrato de trabalho de duração indeterminada – está coberto por este princípio da liberdade
de forma. Assim, surge muitas vezes por declarações orais ou mesmo por manifestações de
vontade tácitas. Quando é reduzido a escrito, é por opção das partes e para efeitos de prova, e
não porque exista qualquer exigência legal que o imponha.

Contrato de trabalho por adesão

Há, todavia, uma forma particular pela qual o contrato de trabalho surge em muitos casos,
o contrato de trabalho por adesão regulado pelo artigo 104º. O contrato é celebrado por
adesão quando não há negociação e, portanto, quando a conclusão do contrato resulta da
aceitação pura e simples por um contraente da proposta que lhe é apresentada por outro
contraente. Esta forma de contrato, ou este processo de celebração de contrato, é muito
comum atualmente. Um grande número de fornecimentos de necessidades quotidianas é
assim celebrado, como o programa de telemóvel, fornecimento de eletricidade ou de água, os
transportes públicos, entre outros.

A proposta, nestes termos, pode assumir a natureza de um conjunto de cláusulas


contratuais gerais, usado pelo empregador para, de modo padronizado, manifestar a sua
vontade contratual aos candidatos a emprego que venham a participar em processos de
recrutamento para a empresa. Pode ainda consubstanciar-se num clausulado individualizado,
dirigido à contratação de certo trabalhador e cujo conteúdo previamente elaborado o
destinatário não pode influenciar.

Uma das formas pode ser através da adesão ao regulamento interno da empresa. Se este
reunir as características exigidas para uma proposta contratual e para que uma declaração
de vontade possa ser considerada como uma proposta contratual, basta que o seu
destinatário o aceite para o contrato estar celebrado. Não é qualquer regulamento que
preenche as condições do artigo 104º, isto é, as condições de uma proposta negocial. Tem de
conter em si todos os elementos do conteúdo do contrato de trabalho de tal forma que a
aceitação do trabalhador seja suficiente.
A lei alude a esta hipótese pelo facto de que este instrumento do poder do empregador, o
regulamento, inclui ou pode incluir regras alusivas às carreiras na empresa, ao horário, à
retribuição, às férias, entre outros, que constituem elementos próprios do conteúdo do
contrato que o titular da empresa está disposto a celebrar.

A adesão pode ser tácita, como já vimos. Esta possibilidade é confirmada pelo artigo 104º
nº2, pelo que vale, nos termos deste preceito, como adesão tácita, a falta de oposição do
trabalhador, que deve ser deduzida por escrito, no prazo de 21 dias a contar do início da
execução do contrato ou da divulgação do regulamento, se esta for posterior. O prazo de 21
dias fixado neste artigo funda-se na necessidade de se ter como certo o efetivo conhecimento,
por parte do trabalhador, do conteúdo do documento de que conste a proposta, e de se
garantir, além disso, que o mesmo trabalhador tenha feito sobre ele a conveniente
ponderação.

Outro aspeto é que o artigo 104º não esgota as possibilidades de contrato de trabalho
por adesão. Um contrato de trabalho por adesão pode ser celebrado em qualquer documento
em que estejam reunidas as condições contratuais que o empregador está disposto a praticar
e que seja apresentado a um candidato a emprego em concreto, ou usado em geral para a
contratação de empregados por uma empresa, destinando-se a ser, globalmente, aceite ou
recusado – sendo, pois, claro que não há espaço para qualquer participação desde último na
conformação do conteúdo do contrato a celebrar –, deve considerar-se idóneo para servir de
base ao contrato por adesão.

Claro que este contrato por adesão é um instrumento potencialmente perigoso para a
consistência dos direitos dos trabalhadores. Por isso mesmo é que está condicionado pelo
regime das cláusulas contratuais gerais, artigo 105º. Através desta regulação procura-se
prevenir os abusos que podem resultar do facto de não haver negociação.

O dever de informação inicial do empregador

Outro tema importante é o dever de informação do empregador. Devemos antes de mais


recordar que o princípio consagrado pela lei em matéria de forma é o princípio da liberdade
ou consensualidade, o que quer dizer que o contrato de trabalho pode ser extremamente
simples/elementar e está celebrado.

Por isso mesmo, e com base numa diretiva europeia, o artigo 106º atribui ao empregador
a obrigação de informar o empregado acerca do que a lei designa como as informações
respeitantes às condições de trabalho que vão ser observadas. Assim, temos no nº3 uma lista
de tópicos (como a identificação da entidade empregadora, local de trabalho, descrição
sumária das funções, entre muitos outros), que parametrizam a informação que deve ser
fornecida pelo empregador ao trabalhador no início da relação e que deve ser entregue por
escrito, como exige o artigo 107º nº1.

Porém, o nº3 prevê que esse documento informativo escrito deixa de fazer sentido se o
contrato de trabalho tiver sido celebrado por escrito e contenha já as informações necessárias.
Este dever de informação inicial leva a que, em muitos casos, seja preferido pelas empresas a
celebração de contratos escritos, isto é, à adoção voluntária da forma escrita em vez de
elaborar este documento extra no momento pós celebração do contrato.
Período experimental

A experiência como regra

Nesta fase inicial temos ainda o período experimental que está regulado entre os artigos
111º a 114º. Como já se adiantou, o período experimental é o período inicial da execução do
contrato durante o qual ambas as partes dispõem do máximo de liberdade na relação.

Importa, antes de mais, perceber o porquê do período experimental. Do ponto de vista do


empregador, interessa que a situação resultante do contrato só se estabilize, na verdade,
quando o trabalhador contratado mostrar que possui as aptidões laborais procuradas. Do
ângulo do trabalhador, pode ser que as condições concretas do trabalho, na organização em
que se incorporou, tornem intolerável a permanência indefinida do vínculo assumido. O
contrato é celebrado em contexto de grande indeterminabilidade. Quanto às partes, só o
desenvolvimento factual da relação de trabalho pode esclarecer, com alguma nitidez, a
compatibilidade do contrato com os respetivos interesses, conveniências ou necessidades.

Da leitura dos nºs 1 e 2 do artigo 111º retiramos que este período experimental serve
para as partes apreciarem o interesse na manutenção do contrato. Por outras palavras,
perante a própria prática das relações de trabalho, as partes verificam se é mesmo aquilo que
querem. Nos termos do nº3, as partes podem excluir o período experimental através de
acordo escrito.

O período experimental comporta a possibilidade de a resolução ser livre, nos termos do


artigo 114º. De acordo com o nº1, esta liberdade traduz-se na faculdade de poder denunciar,
sem aviso prévio, sem invocação de justa causa e sem direito a indemnização. Esta
possibilidade, na maior parte dos ordenamento jurídico estrangeiros, implica estipulação
expressa das partes, mas no nosso país é exatamente o contrário. Nalguns casos, como em
Itália, fala-se de um contrato preliminar que corresponde ao que seria a fase inicial na
perspetiva do nosso direito. Esta é uma posição diferente do que a nossa. Entre nós, há uma
tradição legislativa muito antiga no sentido de que este período faz parte da natureza do
contrato, é implícito ao jogo de interesses natural das partes no contrato de trabalho e não
mudou.

Os períodos de experiência e a sua contagem

Como se conta o período experimental? Estabelece o artigo 113º que o período


experimental conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador. Assim, se o
contrato foi celebrado no dia 1 de outubro, mas a sua execução só começa no dia 1 de
dezembro, a data que interessa para começar a contar o período experimental é esta segunda
que corresponde à data de início de execução do contrato.

Quanto à duração, esta é definida no artigo 112º de modo escalonado em função da


natureza da atividade: 90 dias para a generalidade dos trabalhador, 180 dias para os que
trabalhadores que exercem cargos de elevada complexidade ou funções de confiança, estejam
à procura do primeiro emprego ou sejam desempregados de longa duração, 280 dias para os
trabalhadores que exerçam cargos de direção ou quadros superiores.

Também nos contratos a termo tem cabimento o período experimental: ele será de 30 ou
15 dias, consoante a duração prevista do contrato seja superior, ou não, a 6 meses, artigo 112º
nº3. Quando exista nos contratos em comissão de serviço, não pode exceder 180 dias, nos
termos do nº3.
Se nos outros países é necessária estipulação expressa para que exista um período
experimental, no nosso caso passa-se exatamente o oposto: o período experimental só pode
ser excluído ou mesmo eliminado por acordo escrito entre partes, o que se retira dos nº3
artigo 111º e nº5 artigo 112º.

A liberdade de denúncia. A frustração da experiência

Durante este período qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio
sem qualquer responsabilidade. Há assim uma máxima de desvinculação. Porém, a não
exigência de legitimação não é de carácter absoluto, quando falamos do empregador. Apesar
de no período experimental não se exigir a invocação de uma justa causa, algo substantivo,
como no despedimento, ainda assim o empregador tem de se precaver quanto à
possibilidade de a motivação da denúncia ser posta em causa, nomeadamente se for
demonstrado que esta tem uma natureza discriminatório.

Isto quer dizer que a exigência é menor, mas ainda está lá do lado do empregador. O facto
de não ser exigido para que a denúncia seja lícita que o empregador invoque justificação, não
significa que a motivação da denúncia seja irrelevante, podendo haver abuso de direito. Se for
contestado, aí sim tem de justificar com um motivo objetivo legítimo para o despedimento. Se
não conseguir provar, a alegação do trabalhador subsiste e a denúncia é considerada um
despedimento ilícito. Este é um regime excecional e se os fundamentos desta exceção não
procederem temos de aplicar o regime geral.

Capitulo 7 - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM AMBIENTE DE TRABALHO

Direitos fundamentais e contrato de trabalho

O contrato de trabalho gera obrigações recíprocas que, de alguma forma, consubstanciam


a realização do interesse contratual de cada uma das partes. Para além destas obrigações que
são os interesses laborais, há que considerar, pelo conteúdo do contrato de trabalho, o
respeito por um conjunto de direitos fundamentais que, no contexto das relações de
trabalho subordinado, são colocados em ambiente de debilidade. Isto porque um dos
contraentes exerce autoridade sobre o outro, sendo que este segundo se expõe pessoalmente
ao exercício do poder do empregador. Desta forma, estão reunidas as condições para que haja
violações de direitos fundamentais.

Direitos específicos e inespecíficos

Os direitos a que fazemos referência podem ser os direitos liberdades e garantias que a
nossa Constituição consagra, mas também podem ser direitos que se relacionam com o
ambiente das relações de trabalho em específico. É sobre estes segundos que se debruçam os
artigos 14º a 22º. Neste conjunto estão reunidos direitos que podemos considerar, à exceção
do direito à liberdade de expressão e opinião que ainda assim tem um significado particular
aqui, são direitos fundamentais específicos, específicos do ambiente laborar.

Ao lado dos direitos de personalidade e dos direitos de natureza específica, a lei trata nos
artigos 23º a 26º dos direitos inespecíficos, por serem comuns aos trabalhadores e qualquer
outro cidadão, mas que podem também ser agredidos nas relações de trabalho. É preciso, de
facto, ter a perceção de que pela relação de trabalho ser uma relação de poder, leva à
exposição de determinados direitos que é o que motiva o legislador a visar estes direitos de
forma específica.
O código de trabalho trata em primeiro lugar dos direitos de personalidade que são os
direitos que têm esta natureza específica (artigos 14º a 22º), depois trata da tutela da
igualdade e não discriminação (artigos 23º a 26º) e, por fim, trata a proibição do assédio,
incluindo o assédio sexual (artigo 29º). Tudo isto se pode agrupar dentro da rúbrica mais
ampla que é a dos direitos fundamentais no ambiente de trabalho.

Antes de aprofundarmos cada um, importa perceber que subjacente à atividade do


legislador de trabalho está uma dupla lógica no tratamento destes direitos. Primeiro, a lógica
da reiteração dos direitos de personalidade face ao ambiente particularmente hostil que as
relações de trabalho podem proporcionar, com ênfase adicional em relação à CRP e ao CC.

Depois, temos a lógica de compatibilização destes direitos de personalidade apontados


sobretudo à pessoa do trabalhador (porque este é que está numa posição vulnerável) com os
direitos fundamentais como a liberdade de iniciativa económica ou direito à liberdade de
empresa que leva à necessidade de articulação das garantias legais do trabalhador com as
condições de racionabilidade e oportunidade da organização empresarial.

É fundamental ter isto em conta porque não há empresa sem organizações empregadoras
e todo o sistema que o direito de trabalho oferece tem de ser estruturado de modo a garantir
a possibilidade organização empresarial. Isto porque se assumíssemos como absolutos os
direitos dos trabalhadores, haveria grande prejuízo para a organização de trabalho.

Liberdade de expressão

A liberdade de expressão e de opinião, enquanto direito de personalidade no contexto de


uma relação de trabalho, vem prevista no artigo 14º: “é reconhecida, no âmbito da empresa, a
liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião, com respeito dos direitos de
personalidade do trabalhador e do empregador, incluindo as pessoas singulares que o
representam, e do normal funcionamento da empresa.” Há alguns aspetos nesta norma que
merecem a nossa especial atenção. Vejamos.

 liberdade de expressão do trabalhador e tutela da reputação do empregador/empresa


Há aqui que realçar uma simetria entre o direito do trabalhador e o direito do empregador,
na medida em que o trabalhador tem liberdade de expressão e pode expor a sua opinião,
mas com respeito pelo bom nome e reputação do empregador ou da empresa. Empresa na
perspetiva da pessoa do empregador e a sua reputação e imagem.

 O normal funcionamento da empresa


A ideia de “normal funcionamento da empresa” aparece em todas as disposições de
direitos de personalidade. Esta é uma ideia que procura apelar para a compatibilidade: a
organização empregadora deve ser salvaguardada no seu normal funcionamento de modo a
que o emprego não seja posto em causa, ou seja, do exercício de direitos por parte dos
trabalhadores não devem resultar anomalias no funcionamento da empresa.

Isto coloca-nos perante uma questão pertinente: pode um trabalhador que tenha uma
opinião negativa sobre o funcionamento, exprimir a sua crítica e análise sobre a gestão
considerada negativa da empresa, sem que daí resulte uma qualquer consequência negativa
para a sua posição na empresa, nomeadamente disciplinar? Esta questão conduz-nos para um
tópico relativamente recente, o whistleblowing.
 O whistleblowing

O whistleblowing é a denúncia pública de algum facto considerado ética ou


juridicamente censurável ou negativo e que precisa de desencadear alguma reação corretiva
(que é, no fundo, o que procura). Trata-se de uma atividade de denúncia, que pode
perfeitamente ser levada a cabo por um trabalhador. A questão que se coloca é a de saber
qual a relevância e quais as consequências possíveis das denúncias sendo verídicas ou
inverídicas, nomeadamente a propósito da atuação de delegados sindicais e de representantes
de trabalhadores que são colocados perante estes factos.

Esta matéria releva muito em termos internacionais. Sobre este tema, a proteção dos
denunciantes que denunciam irregularidades ou ilicitudes verídicas, existem convenções:
Convenção 158 da OIT, Convenção ONU contra a Corrupção, Convenção de Direito Civil contra
a Corrupção do Conselho da Europa.

A nossa jurisprudência considera que a denúncia inverídica legitima a reação disciplinar


do empregador. Se, por exemplo, um trabalhador mente e diz que o empregador está a
desviar dinheiro, além da própria relevância disciplinar, entramos do campo da relevância
criminal.

A questão que se coloca é a propósito das denúncias verídicas, isto é, quando o


trabalhador denuncia factos reais, que correspondem à verdade, mas põem em causa a
imagem pública do empregador e da empresa. Na nossa jurisprudência desenhou-se uma
tendência de defender que mesmo as denúncias verídicas se consideram com potencial
disciplinar significativo porque, mesmo sendo verdadeiras, poem em causa as próprias bases
da relação de trabalho por gerarem uma situação de desconfiança irreversível entre as
partes.

O professor Monteiro Fernandes considera que isto representa um contravapor


relativamente a tudo o que resulta do direito internacional nessa matéria que visa, em
primeira linha, a defesa dos denunciantes e da relação, evitando todo o tipo de inconvenientes
ou consequências negativas nos casos de denúncia verídica. Em todo o caso, o nosso
ordenamento só tem uma maior proteção e incentivo ao whistleblowing em matéria de
assédio.

O direito à integridade física e moral

O direito à integridade física e moral, previsto no artigo 15º, é um concentrado de


garantias porque, no fundo, a tutela da integridade física e moral diz respeito a todo o tipo
de agressão ou lesão que possa atingir a pessoa, quer do ponto de vista físico, como
psicológica e moral, quer nos modos como se desenvolve a relação de trabalho. Este direito à
integridade física e moral praticamente cobre tudo o que de resto vem a seguir.

O significado jurídico positivo é, todavia, o de envolver ou implicar a atribuição ao


empregador de um conjunto de deveres de cuidado que de outra forma não teria. E, na
medida em que é o responsável pela gestão e organização do trabalho, criação e estruturação
da empresa, incumbe ao empregador um dever geral de cuidado, sendo que tem de prevenir
todas as situações que, quer no plano físico quer psicológico ou moral, possa ocorrer às
pessoas que trabalham na sua organização.
Isto projeta-se, por exemplo, nas condições de saúde e segurança no trabalho, mas
também em relação à proteção do assédio e ao uso do poder disciplinar pelo empregador
relativamente a situações de agressão ou violência. Há, portanto, um conjunto de deveres de
cuidado que tem a sua raiz na consagração deste amplíssimo direito à integridade física e
moral.
O direito à reserva da intimidade da vida privada

Depois, nos artigos seguintes, entramos no domínio fundamental da tutela que o código
do trabalho, nesta parte, desenvolve, o domínio da privacidade. Aqui trata-se da proteção da
reserva da intimidade da vida privada do trabalhador, embora continue a haver assimetria.

O artigo 16º apresenta, mais uma vez, uma visão simétrica, ao estabelecer que tanto o
empregador como o trabalhador devem guardar reserva em relação à vida privada do outro.
Não obstante, não custa perceber que a mais importante é a do trabalhador, porque é ele
que envolve a sua personalidade no compromisso contratual de trabalho. A transação que se
estabelece através do contrato de trabalho é uma transação entre disponibilidade pessoal do
trabalhador e dinheiro do empregador. Daí que seja o trabalhador a ficar mais vulnerável.
Neste sentido, há um autor francês que chega a admitir que o objeto do contrato de trabalho é
a pessoa do trabalhador.

Nada disto se pode dizer em relação ao empregador porque não é a sua pessoa que está
no contrato, mas, no limite, o seu património. Daí que a tutela da personalidade faça mais
sentido na pessoa do trabalhador, pelo que o professor Monteiro Fernandes considera que
este simetria é mistificatória.

 Um “direito de resguardo”. Os limites da privacidade

No nº2, estabelecem-se alguns exemplos de assuntos a considerar como reserva da


intimidade da vida privada como a vida familiar, o estado de saúde ou as convicções políticas e
religiosas. Este artigo abre caminho para os seguintes que versam sobre o mesmo tema.

Está, a este respeito, mais ou menos consagrada uma formulação que reconduz, no fundo,
a vida das pessoas a três aspetos: esfera íntima, esfera pessoal e esfera pública. A esfera
íntima é a que tem de ser de reserva total máxima absoluta, a esfera pessoal já merece alguma
atenção, mas o nível de tutela e reserva é já menos forte, enquanto que a esfera pública é a
que se manifesta, por exemplo, pela presença das pessoas nas redes sociais.

O que está essencialmente em causa neste direito à reserva da intimidade da vida privada
é, na realidade, a intimidade, a esfera íntima. Procura-se que as relações de trabalho não
envolvam o acesso ou a violação da esfera íntima do trabalhador por parte do empregador
ou de alguém que o represente. É esta a razão pela qual há um conjunto de restrições nos
artigos seguintes, quase todas elas inspiradas no propósito de impedimento ou limitação ao
máximo da exposição da esfera íntima do trabalhador, no âmbito e para proteção das relações
de trabalho.

Para além da esfera íntima, há também de referir os limites da esfera pessoal, que se
traduzem no acesso, para certos efeitos, a dados ou informações acerca da pessoa por outras
em momentos específicos e em função de critérios de necessidade objetiva que não estão
expressamente previstos na lei. Enquanto que a esfera íntima é impenetrável, a esfera pessoal
está parcialmente aberta, mas depende de motivos objetivos e legítimos.

É por isso que se estabelece uma proteção geral de dados no artigo 17º, que abordaremos
em seguida, bem como o próprio RGPD e a lei 58/2019 que estabelece as condições para a
aplicação efetiva do regulamento.

Salientar que o direito à reserva da intimidade da vida privada representa precisamente um


resguardo total da esfera íntima, parcial da esfera privada e praticamente inexistente em
relação à esfera pública e estabelece as formas como se pode ter acesso a certos dados da
reserva pessoal.

 O “espaço privado” no local e tempo de trabalho

A este respeito importa ainda salientar a questão da existência de um espaço privado no


local e no tempo de trabalho ou, por outras palavras, a questão da esfera pessoal e íntima
poderem abranger o local e tempo de trabalho. O facto de o local de trabalho pertencer ao
empregador e o trabalhador estar às suas ordens torna possível a concessão de um espaço
privado? É possível tutelar a privacidade durante o tempo e no local de trabalho? É concebível
que o trabalhador tenha protegida a sua privacidade durante a atividade laboral?

Veremos isto mais adiante, mas mexe com a confidencialidade de mensagens e com a
possibilidade de o trabalhar utilizar os meios de comunicação da empresa para fins pessoais,
no quadro da sua vida particular. Existe este espaço ou o trabalhador está totalmente coberto
pela autoridade no local de trabalho? Voltaremos a este tema.

A proteção de dados pessoais

O regime de proteção de dados pessoais diz respeito a um conjunto de regras e critérios,


segundo os quais se pode aceder a aspetos da esfera pessoal do trabalhador. Entre estes
aspetos, aqueles que podem representar uma especial apetência para o empregador são os
aspetos relacionados com o estado de saúde e gravidez, testes e exames médicos, entre
outros.

A proteção de dados pessoais é hoje muito blindada por disposições legais e há vários
dispositivos destinados a monitorizar e garantir o controlo de acesso a estas informações. No
nosso código do trabalho, o tema vem tratado no artigo 17º, mas para já importa destacar o
regulamento (UE)2016/679, de 27/04, conhecido como Regulamento Geral de Proteção de
Dados ou RGPD.

 O Regulamento Geral de Proteção de Dados: definições e princípios

O regulamento (UE)2016/679, de 27/04, RGPD, contém definições e princípios específicos.


Apesar de não termos possibilidade de nos perdermos por esta matéria, há, contudo, de olhar
para a definição de dados pessoais que consta do artigo 4º nº1 RGPD:

«Dados pessoais», informação relativa a uma pessoa singular identificada ou


identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa
ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como
por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por
via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética,
mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular.

Isto significa que a noção de dados pessoais incorpora dois elementos fundamentais:

 Natureza das informações: toda e qualquer informação respeitante a um pessoa,


constitui um dado pessoal;

 Elemento de identificação: uma informação referente a uma pessoa que permite


identificá-la, sendo que só passa a ser dado pessoal se permitir identificar a pessoa
titular dos dados. Se, por exemplo, alguém entrar numa sala e disser “está aqui um
criminoso”, não é um dado pessoal porque não se sabe a quem pertence esse dado. Já
se a pessoa se identificar, o facto de ser criminoso para a ser um dado pessoal.
O professor Monteiro Fernandes considera que esta definição é altamente deficitária
porque resulta de negociações extremamente intrincadas e complicadas entre os vários
estados membros. O resultado final é tecnicamente pouco louvável.

 O estado de saúde e a gravidez

O código no que toca a dados pessoais refere-se a aspetos da vida privada como
relacionamento, com quem vive, e sobretudo aqueles que podem condicionar a relação de
trabalho, como as informações respeitantes ao estado de saúde e estado de gravidez da
trabalhadora.

A este respeito, lemos no artigo 17º nº1 alínea b) que o empregador não pode exigir a
candidato a emprego ou a trabalhador que preste informações relativos à saúde ou ao estado
de gravidez, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade
profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respetiva fundamentação. Assim,
quanto às informações relativas à saúde e ao estado de gravidez, vigora o critério da
compatibilização da proteção de dados pessoais com elementos objetivos relacionados com
o funcionamento da empresa ou a natureza da atividade que o trabalhador desempenha.

 Os testes e exames médicos

Complementarmente a estas informações respeitantes ao estado de saúde e gravidez, que


não podem, em princípio, ser pedidas a não ser em situações particulares em que são
relevantes para a relação de trabalho, estabelece o artigo 19º uma proibição restrita
relativamente à exigência de realização ou apresentação de teste ou exames médicos para
comprovação das condições físicas ou psíquicas do trabalhador. Há aqui que fazer várias
precisões.

Estamos a falar de testes clínicos e não de testes psicotécnicos. Os testes psicotécnicos são
muitas vezes aplicados por empresas especializadas no âmbito dos processos de recrutamento
com o objetivo de definir o perfil psicológico do trabalhador. Estes testes de capacidade não
cabem no artigo 19º, não estando, por isso, limitados.

Tratam-se de exames clínicos cuja realização só pode ser exigida para certos fins. A parte
final nº1 artigo 19º estabelece que são admissíveis em duas situações: particular necessidade
que advenha da atividade que vai exercer; segurança de todos os que o rodeiam. Fala-se no
quadro das exigências respeitantes à segurança e saúde no trabalho. É através desta
disposição que se justificam os exames de rotina aos tripulantes de cabine dos aviões, por
exemplo.

Tendo sempre em conta este condicionamento de que se trate de garantir a segurança de


pessoas e não apenas do próprio trabalhador, mas também de terceiros, estes testes ou
exames podem englobar testes em matéria de alcoolémia ou de despiste de consumo de
droga, por exemplo, aos controladores de tráfego aéreo que, de uma forma aleatório, são
submetidos antes de iniciarem a sua atividade.

Não obstante, a lei exige sempre uma justificação escrita. O artigo 19º disposição que
complementa o nº1 artigo 17º quanto à possibilidade de questionamento de informação
sobre o estado de saúde, devendo estas normas ser relacionadas.

 Dados biométricos

O artigo 18º refere-se ainda aos dados biométricos. No fundo, são dados identificativos de
uma pessoa que permitem, por exemplo, ter a certeza que certa pessoa é o senhor X ou a
senhora Y porque há controlo pela impressão digital ou pela íris. Dados biométricos são
características individuais exclusivas de cada pessoa que permitem, no âmbito da relação
contratual, o funcionamento de sistemas de controlo de presenças do trabalhador, como a
hora de entrada e saída.

A Lei 58/2019, lei da proteção de dados que assegura a execução na ordem jurídica
nacional do RGPD, justamente prevê no seu artigo 28º nº6 Lei 58/2019 que o tratamento de
dados biométricos só é legitimo para controlo de assiduidade e controlo de acessos às
instalações do empregador. Assim, estes dados iminentemente pessoais, que permitem
identificar de forma exclusiva um certo indivíduo, só podem ser usados para esses fins.

Os meios de vigilância à distância

O tema dos meios de vigilância à distância no local de trabalho é um dos temas mais
sensíveis dentro da intimidade da vida privada e vem tratado nos artigos 20º e 21º.

 A proibição legal
O artigo 20º estabelece que a vigilância à distância no local de trabalho, mediante o
emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho
profissional do trabalhador é proibido.

O que está excluído é que o desempenho profissional seja controlado com base na
videovigilância. O nº2, porém, acrescenta que esta utilização é licita sempre que tenha por
finalidade a proteção e segurança das pessoas e bens, ou quando particulares exigências
inerentes à natureza da atividade o justifiquem. Nestes casos, o empregador tem de
previamente informar o trabalhador como prevê o nº3 acerca da existência e finalidade dos
meios de vigilância utilizados, devendo inclusive afixar avisos. Assim, o que está
completamente excluída é a hipótese de as câmaras estarem instaladas sem o trabalhador
saber.

Surge uma questão: como se pode entender que, se o empregador tem a faculdade de
dirigir e controlar o modo pelo qual o trabalhador executa a sua atividade, ou seja, se tem o
poder e a autoridade necessárias para presencialmente controlar a atividade do trabalhador,
colocando- se ao lado dele a vê-lo trabalhador, nada o impede disso, por que é que a lei o
proíbe de fazer exatamente a mesma coisa só que por meios de vigilância à distância? Como se
entende isto? Porque é que aquilo que o empregador pode fazer presencialmente, já não pode
fazer através de um sistema de CCTV?

Há diferenças, mas podemos colocar a questão de saber se essas diferenças justificam a


diferença de tratamento. O professor Monteiro Fernandes reconhece que há um certo
fundamento neste tratamento diferente porque a câmara permite atingir a própria intimidade
do trabalhador, captando e registando os mais pequenos detalhes da gestualidade do
trabalhador de forma perpétua. Esses pequenos detalhes podem envolver a própria
intimidade.

Agora, a circunstância de ele saber que a câmara está lá, está a funcionar, que pode estar a
ser observado, não o colocará em situação idêntica a ter alguém ao seu lado a ver o que ele
está a fazer? Isto porque está excluída a hipótese de ignorar que existem câmaras. Na
realidade, a videovigilância tem esse aspeto de captar tudo, o que não acontece com o
controlo presencial. Não é concebível que uma chefia passe o dia encostado ao trabalhador
vigiando-o.

A lei realça uma sujeição acrescida da intimidade do trabalhador e não olha tanto para o
argumento: também pode ser bom para o trabalhador porque pode sempre provar que
desempenhou o seu trabalho da melhor forma possível.
Os nº4 e 5 artigo 28º Lei 58/2019 referida ressalva que o material recolhido através das
câmaras só pode ser utilizado para efeitos de processo penal ou para recolher dados
relativos a responsabilidade disciplinar, mas só na medida em que possam ser penalmente
relevantes. Assim, os dados que resultem dos meios de vigilância à distância não podem ser
utilizados, por exemplo, no quadro de sistemas ou avaliação de desempenho.

 Os meios utilizáveis
Uma das discussões é se é possível as empresas de transporte ou empresas que têm
pessoal comercial circulante utilizar o GPS para controlar relevantemente, de modo a se
poderem extrair consequências, a atividade desses trabalhadores. O Supremo, agarrando-se à
letra da lei, considera que o GPS não está abrangido pela proibição legal do artigo 20º e,
portanto, não é limitado, podendo ser usado livremente para esses efeitos.

Porém, as Relações têm um ponto de vista diferente: consideram que, do ponto de vista
teleológico, se trata da mesma situação, sendo o GPS um meio de vigilância à distância que
cabe na proibição legal. O professor Monteiro Fernandes concorda com esta leitura.

 As exceções
O artigo 21º nº1 trata das exceções à proibição legal em matéria de contrato de trabalho,
estabelecendo que a utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho está
sujeita à autorização da Comissão nacional de Proteção de Dados (CNPD). Porém, o artigo 62º
nº2 lei 58/2019 estabelece que “todas as normas que prevejam autorizações ou notificações
de tratamento de dados pessoais à CNPD, fora dos casos previstos no RGPD e na presente lei,
deixam de vigorar à data de entrada em vigor do RGPD”.

Isto quer dizer que este regime de vigilância está entregue aos mecanismos da
responsabilidade do empregador, ou da parte da empresa. Assim, cabe à própria empresa
fazer este controlo e este juízo de necessidade.

É evidente que a CNPD continua investida de funções de controlo e a própria inspeção do


trabalho (ACT) tem a possibilidade de fiscalizar o cumprimento da lei neste ponto, sendo que
as situações irregulares são detetáveis e denunciáveis por estas entidades. Cabe, porém, ao
empregador assumir e organizar-se no sentido de cumprir a lei. Cabe-lhe a responsabilidade
plena (contraordenacional) no caso de instalar meios de videovigilância fora das finalidades
ressalvadas na lei, isto é, de forma abusiva.

Direito à confidencialidade das mensagens e ao acesso a informação

O direito à confidencialidade de mensagens e acesso à informação consta do artigo 22º.


Recuperemos as questões que vimos anteriormente sobre a existência de um espaço de
privacidade no local de trabalho.

Temos de ter sempre em conta que é possível haver um espaço de privacidade reservado
ao trabalhador no local de trabalho. Por isso mesmo é que a lei se preocupa em garantir que as
mensagens de natureza pessoal que possam ser enviadas através de meios de serviço são
confidenciais. Não deixam de ser da sua esfera íntima ou pessoal por estarem a ser enviados
através dos meios da empresa. Esta regra consta do artigo 22º relativamente às informações
de carácter não profissional.
Não obstante, lemos no nº2 que esta regra não prejudica a possibilidade de o empregador
estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação que coloca à disposição do
trabalhador.

Daqui resulta que o princípio de confidencialidade que protege as informações que o


trabalhador receba ou emita, de natureza pessoal, não havendo restrições por parte da
empesa, passa a não estar garantido por haver regras impostas pelo empregador. Havendo
estas regras, o empregador terá o direito de verificar o seu cumprimento.

Não pode, no entanto, estabelecer-se um sistema de incomunicabilidade através deste


nº2. O trabalhador tem de estar sempre munido de recursos que lhe permitam estabelecer
comunicação com o mundo exterior. Nem tanto ao mar nem tano à serra, basicamente. Isto
porque, no tempo e local de trabalho, o trabalhador continua a ser uma pessoa e continua a
ter uma vida pessoal fora do quadro do trabalho.

Pontos relevantes no direito à confidencialidade de mensagens e acesso à informação:

 Recordatória: o espaço de privacidade no trabalho


 A jurisprudência sobre mensagens pessoais
 O acesso à internet

A proibição do assédio

 A proibição legal e seus corolários

A proibição legal de assédio consta do artigo 29º nº1 e estão também em causa valores e
referências axiológicas idênticas às que temos estado a observar. A proibição do assédio deve
considerar-se como uma das expressões ou concretizações do direito à integridade física,
psíquica e moral.

 A necessidade da definição de assédio.


A proibição legal de assédio surge encimada por uma definição do conceito. É evidente a
necessidade de definição do conceito “assédio”, uma vez que, no desenvolvimento das
relações do trabalho, há uma enorme gama de situações que são desagradáveis,
desconfortáveis, causadoras de stress e desagrado, angústia, incómodo e inconformismo nas
relações entre as pessoas, sendo que, de entre esse mar de realidades, é necessário destacar
aquelas que podem e devem ser especificamente tratadas como objeto de específica censura
jurídica.

A definição que surge no nº2 é: “entende-se por assédio o comportamento indesejado,


nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao
emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o
efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um
ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.” Ora, o professor
Monteiro Fernandes considera que esta definição é redutora e, consequentemente, há dois
importantes temas a discutir: assédio e discriminação; a relevância dos “efeitos” e da
“intenção”.

 Assédio e discriminação

A definição de assédio é extremamente redutora porque o assédio pode basear-se ou não


num fator de discriminação. Os fatores de discriminação estão elencados no nº1 artigo 24º, e
portanto, é possível que o assédio se situe aqui, seja discriminatório, mas também é possível
que não. Há assédio não discriminatório. Vejamos um exemplo.
Imaginemos que há um trabalhador que já está em decadência, porque já tem alguma
idade, mas não é despedido porque isso implicaria indemnização altas tendo em conta o
tempo de serviço. Perante esta situação, o empregador quer pressioná-lo a sair pelo seu pé e,
portanto, decide atribuir-lhe funções menores, como contar papéis, e coloca-o a trabalhar na
cave. Ora, este empregador está a assediar esse trabalhar e este é um assédio não
discriminatório.

 A relevância dos “efeitos” e da “intenção”


Outro grande problema da definição legal é a relevância dos objetivos ou efeitos do
comportamento indesejados de que uma pessoa é alvo. Ao definir o conceito de assédio desta
forma (“(…) com o objetivo ou o efeito de(…)”), a lei admite que um comportamento
indesejado traduzido num mau relacionamento entre pessoas, baseado numa antipatia
pessoal, que tenha como efeito a pessoa sentir-se constrangida ou perturbada ou afetada na
sua dignidade, possa ser considerado assédio. Isto significa que a sensibilidade pessoal do
trabalhador conta.

Aquilo que as pessoas têm de contar no seu ambiente de trabalho é com a possibilidade
de, em função da sensibilidade de certas pessoas, um comportamento vir a produzir um
efeito que encaixe na definição de assédio do nº2 artigo 29º, mesmo que não seja essa a sua
intenção.

 O assédio sexual
A mesma distinção vale para o assédio sexual, com a diferença de que o conceito de
“assédio sexual” é definido em termos ainda mais deficientes no nº3 artigo 29º: “constitui
assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal
ou física, com o objetivo ou o efeito referido do número anterior”.

O professor Monteiro Fernandes considera que o legislador revela que nunca foi
sexualmente assediado nem alguma assediou alguém sexualmente. Os procedimentos que
integram o assédio sexual são de outra natureza. O objetivo, esse sim, é de carácter sexual,
mas os comportamentos através dos quais o assédio se faz são convites, ofertas, promessas de
promoção, abertura de perspetivas futuras muito risonhas em troca de algo. Assim sendo, em
muitos casos, a tipificação legal deixa à margem aquilo que é importante censurar, isto é, a
pressão psicológica no sentido de obter um objetivo sexual.

Capitulo 8 - AS OBRIGAÇÕES DO TRABALHADOR (JJA)

Obrigação laboral

O objeto da obrigação de trabalhar pode ser definido em termos funcionais, geográficos e


temporais como sendo o conjunto de tarefas e funções que o trabalhador se obriga a
executar num determinado local e segundo um certo horário laboral.

A posição do trabalhador na organização em que se integra pelo contacto define-se a


partir daquilo que lhe cabe fazer, isto é, pelo conjunto de serviços e tarefas que forma o
objeto da prestação de trabalho e que se determina a partir da atividade contratada com o
empregador, nos termos do artigo 115º nº1. Assim, este mesmo artigo estabelece que, em
termos funcionais, cabe às partes determinar por acordo a atividade pela qual o trabalhador
é contratado.
Isto é simples de entender até porque está de acordo com o princípio geral pacta sunt
servanda e pontualidade, segundo o qual os contratos devem ser pontualmente cumpridos.
Dadas as características do contrato de trabalho, esta estipulação pode fazer-se de várias
maneiras: por expressa e detalhada caracterização das funções visadas; por uma fórmula
genérica como “funções administrativas”; pela remissão para uma categoria cuja descrição
funcional consta da convenção coletiva aplicável ou de regulamento interno da empresa. É a
esta possibilidade que se refere o nº2 do artigo 115º.

Nalguns casos, a ocupação pelo trabalhador de um posto de trabalho ou função cujo


conteúdo está formalmente definido na organização da empresa é bastante para identificar a
atividade contratada. Mas, muitas vezes, aquilo que as partes efetivamente quiseram não
consta de nenhum documento nem pode demonstrar-se por testemunhos: tem que deduzir-se
da própria prática das relações de trabalho.

A determinação do estatuto jurídico concreto do trabalhador depende de se saber qual é


a atividade contratada, que constitui o cerne do seu compromisso perante o seu empregador.
E, quando não existe contrato escrito, ou dele não consta a indicação da natureza do trabalho,
a determinação da “atividade contratada” tem que deduzir-se da prática das relações de
trabalho, isto é, dos comportamentos pelos quais pode entender-se que as partes exprimem o
seu acordo.

 Atividade contratada e categoria

Atividade contratada e categoria são dois conceitos muito importantes. O género de


trabalho que melhor corresponda ao que realmente é feito nesse quadro pode traduzir-se por
uma designação sintética ou abreviada: contínuo, operador de consola, pintor, entre outros. A
posição assim estabelecida e indicada é a categoria do trabalhador. A categoria exprime,
assim, um género de atividade e aí há de caber, pelo menos na sua parte essencial, a função
principal que ao trabalhador está atribuída na organização.

Ao lado da atividade contratada, há uma determinada categoria que é um conceito


normativo que determina que às funções executadas corresponde uma categoria contratual
e que tem de haver uma adequação entre as funções desempenhadas e essa categoria que
lhe vai fazer corresponder um certo estatuto remuneratório hierárquico e um conjunto de
direitos e deveres que lhe são atribuídos em função da categoria-função. Então estamos a
dizer que à categoria-função exercida deve corresponder um determinado elenco normativo,
incluindo o aspeto remuneratório. Tudo isto define a posição do trabalhador perante a
organização empregadora.

Portanto, desempenha-se determinadas funções, serviços ou tarefas, e a estas


corresponde um determinado estatuto. Nessa medida, é muito importante notar que a
jurisprudência entende que a categoria do trabalhador se define pelas funções efetivamente
exercidas por ele, independentemente do nomen juris. O que conta são as funções
efetivamente desenvolvidas, substância sobre a forma.

Notar que, atualmente, a categoria não tem uma função delimitadora das tarefas
exigíveis ao trabalhador, a vontade das partes é soberana na definição de qualquer arranho de
atividades que melhor lhes convenha. O legislador quis deixar às partes a possibilidade de
combinar, por exemplo, tarefas constantes das definições de várias categorias, ajustando da
forma mais racional as qualificações do trabalhador às necessidades da empresa. A partir
desse arranjo a que chamamos de atividade contratada, encontrar-se-á a categoria a atribuir
ao trabalhador como expressão mais cabal do género predominante de trabalho envolvido no
objeto do contrato. Assim, a categoria assume fundamentalmente o papel de elemento de
conexão do trabalhador com um certo estatuto profissional na empresa.
o A tutela da categoria

A categoria do trabalhador tem uma determinada tutela. Isto é importante porque acaba
por refletir a posição contratual do trabalhador, além de sinalizar o seu estatuto
socioprofissional. Desde logo no artigo 129º nº1 que define as garantias do trabalhador na
relação de trabalho. Em concreto, a alínea e) estabelece o princípio da irreversibilidade da
progressão na carreira ou da categoria normativa com a impossibilidade legal de se baixar de
categoria. Esta é uma verdadeira proibição que a lei impõe ao empregador.

Não obstante, este artigo tem de ser conjugado com o artigo 119º, que admite a mudança
para categoria inferior mediante alguns requisitos específicos que vamos agora analisar. Temos
assim três requisitos:

 Acordo
 Que esse acordo se fundamente numa necessidade premente da empresa ou do
trabalhador
 Carece de autorização pelo serviço com competência inspetiva (IGT) do ministério
responsável pela área laboral no caso de determinar uma diminuição da
retribuição

A doutrina e a jurisprudência têm interpretado o segundo requisito no sentido de


transformar esta situação numa alternativa à cessação do contrato de trabalho, numa ideia de
que é preferível ter um emprego menor e com menos remuneração do que ficar
desempregado. De resto, tirando esta hipótese muito restrita, o trabalhador tem uma
expectativa de carreira que merce a tutela do ordenamento jurídico.

Há que ter em conta que no sentido inverso também temos o mesmo panorama: não se
pode promover uma pessoa que não o queira. Por outras palavras, ninguém pode ser
obrigado a exercer funções superiores sem o seu consentimento. O trabalhador pode
simplesmente querer exercer funções mais simples e não ter funções de chefia.

 A relevância da estrutura da empresa e da organização do trabalho

A definição da categoria do trabalhador pode depender, em grau significativo, de


elementos de natureza objetiva e pré-contratual, como o modo pelo qual a empresa se
encontra estruturada (enquanto complexo hierárquico em que a direção ou chefia do trabalho
se distribui por diferentes níveis) e o modo por que a organização dos processos de trabalho se
acha afixada pelo empresário, fatores que depois se refletem na realidade da relação de
trabalho.

Se, com efeito, é possível proceder a uma identificação e valorização objetiva do trabalho
devido quando se trata de certos tipos de profissionais cuja atividade se pode reconduzir a
modelos estabilizados, já essa determinação se torna menos líquida, se relativizada, face a um
grande número de situações funcionais com que se depara nas empresas. É, antes de mais, o
caso daquelas funções que constituem os pilares da estrutura da empresa.

Existem, com efeito, posições funcionais que são insuscetíveis de correta avaliação –
nomeadamente para efeitos de controlo da classificação profissional atribuída – sem que se
tome com um dado a estrutura da empresa, a importância dos papéis e o específico modo de
articulação estabelecido entre os vários níveis de poder e responsabilidade. O exercício do
poder de organização da empresa, pertencente ao titular dela, constitui assim um pressuposto
da classificação profissional, pois do critério do empregador/empresário dependem,
originariamente, o número e a distribuição dos postos de trabalho pelas várias funções, assim
como a classificação dos lugares (e dos trabalhadores) a que correspondam funções de
enquadramento.

Se, como é normal, não existe um critério normativo pré-estabelecido para a qualificação e
o consequente escalonamento dessas funções (isto é, se a convenção coletiva aplicável não
prevê nem define como categorias os vários níveis hierárquicos), torna-se forçoso utilizar,
como meio de verificação da classificação gizada pelo empregador, a estrutura hierárquica
que ele próprio delineou.

 A categoria e a função

Aqui há duas questões importantes. A primeira tem a ver com o facto de percebermos se é
ou não obrigatória a atribuição ao trabalhador uma das categorias convencionalmente
fixadas. É, de um modo geral, expressamente resolvido pelas próprias convenções coletivas no
sentido de ser obrigatório.

Uma vez que o critério da classificação profissional é contratualizado, assumindo assim


valor normativo, há que subsumir nos modelos categoriais previstos a função concretamente
exercida pelo trabalhador. Se não é possível o encaixe pleno, deve ser reconhecida a
categoria cujo descritivo mais se aproxime do tipo de atividade concretamente prestada. Se
duas categorias parecem igualmente ajustadas, tem que atribuir-se a mais elevada, isto é, a
correspondente às funções mais valorizadas, de entre as que estão cometidas ao trabalhador.

Estas diretrizes refletem, como se disse, o primado de um critério normativo de


classificação profissional, critério ao qual não pode substituir-se o da entidade empregadora.
Convém ter presente, neste ponto, que a categoria significa, para o trabalhador, não só a
garantia de um certo estatuto remuneratório, mas também um referencial indispensável à
salvaguarda da sua profissionalidade.

Todavia, nada impede que a entidade empregadora, enquanto titular de uma organização
de trabalho, aplique internamente o seu próprio critério de classificação de funções, definindo,
inclusivamente, designações funcionais próprias e ligando-lhes consequências privativas,
nomeadamente no que toca a remunerações. Os postos de trabalho na empresa podem,
assim, ser identificados segundo uma nomenclatura não coincidente com a convenção coletiva
aplicável consagra, e o mesmo se dirá das práticas retributivas. A convenção coletiva não é um
meio de padronização da estrutura das empresas nem um modelo imperativo de
organização do trabalho.

Assim, podemos concluir que desde que o estatuto profissional decorrente da categoria
convencionalmente aplicável esteja salvaguardado, nada impede que a situação funcional do
trabalhador, na concreta organização em que está integrado, seja qualificada e tratada de
acordo com um diferente critério e segundo uma lógica diversa. De outro modo, o sistema
convencional de classificação conferiria à organização e à gestão da empresa, naturalmente
dinâmicas, uma rigidez artificial e desnecessária. Concretizando: um trabalhador classificado à
luz da convenção coletiva aplicável, como “técnico administrativo” pode ser internamente
designado como “processador A”, desde que a sua remuneração e os restantes elementos do
estatuto correspondente àquela categoria convencional lhe estejam garantidos.

A segunda questão tem que ver com a adequação categoria/função e prende-se com a
necessidade de saber se podem ser atribuídas ao trabalhador funções diferentes das que
definem a sua categoria. Por outro lado, também procuraremos saber se têm de lhes ser
atribuídas funções integráveis na categoria.

Quanto à primeira dizemos que sim: A atividade contratada, que é o núcleo central do
objeto do contrato, pode transcender os limites da categoria atribuída ao trabalhador, pois
pode constituir uma combinação de tarefas ou funções suscetíveis de caberem em várias
categorias. O artigo 118º nº1 dispõe que o trabalhador deve, em princípio, exercer funções
correspondentes à atividade para que foi contratado, o que pode, como se viu, ir além das
tarefas enquadráveis na categoria.

Mesmo quando, nos termos do artigo 115º nº2 a atividade contratada é definida pelas
partes através de remissão para a categoria ou instrumento de regulamentação coletiva ou de
regulamento interno da empresa, continua a ser admitido ao empregador que exija ao
trabalhador uma prestação de funções mais vasta ou complexa, integrando as funções afins ou
funcionalmente ligadas a que se refere o artigo 118º nº2. De resto, o artigo 120º confere
ainda ao empregador um direito de variação temporária da atividade do trabalhador. Neste
âmbito podem ser exigidas funções não compreendidas na atividade contratada.

A correlação entre a categoria e a função efetivamente desempenhada não é, assim,


biunívoca: a categoria deve ser atribuída com base na correspondência entre a sua descrição
funcional e a atividade contratada, mas esta pode não se conter, ou não se limitar, à primeira.
Quando muito, poderá dizer-se que os elementos centrais e características da atividade
contratada se espelham na descrição da categoria atribuída.

Daqui resulta um condicionamento para a margem de manobra do empregador na


atribuição de tarefas ao trabalhador: o primeiro não pode obrigar o segundo a dedicar-se,
exclusiva ou principalmente, e a título permanente ou definitivo, à execução de tarefas sem
nenhuma correspondência na categoria. Se isto ocorrer, verificar-se-á uma das duas hipóteses:
ou tais tarefas caracterizam uma categoria superior, e esta deverá ser reconhecida
(configurando uma promoção); ou correspondem a uma categoria inferior e estar-se-á
perante uma encapotada baixa de categoria, que a lei proíbe fora do apertado
condicionamento do artigo 119º. Esta última situação pode ocorrer mesmo que se mantenha
a retribuição anteriormente paga: a tutela da categoria não visa apenas a garantia dos ganhos
do trabalhador, tem igualmente em vista a salvaguarda da sua profissionalidade. Este é
apelidado pelo professor José João Abrantes como o princípio da adequação da categoria à
função.

A flexibilidade funcional

Voltando aos artigos 115º e seguintes, sobretudo ao nº2 artigo 118º, veremos que é dito
de uma forma muito clara que a atividade contratada compreende, por força da lei,
atividades que não faziam expressamente parte do que foi contratado. Porém, isto não foi
sempre assim.

A LCT 1969 falava apenas da categoria profissional que delimitava as várias funções do
trabalhador, sendo que fora disso só tínhamos o direito de variação do artigo 120º ou
mobilidade funcional. Em 1996, foi introduzido o chamado instituto da polivalência que é, no
fundo, o preceito que estabelece que é possível incluir, por acordo das partes, atividades afins
ou funcionalmente ligadas. Isto dependia de acordo, mas o código de trabalho veio mudar esta
situação ao estabelecer que a atividade contratada abrange funções afins passou a ser
inerente ao próprio contrato de trabalho e opera ope legis.
Tudo isto porque, como nos diz o professor Monteiro Fernandes, uma compreensão rígida
do objeto do contrato de trabalho, e da categoria como elemento delimitador absoluto da
situação jurídica do trabalhador, entraria em conflito com os interesses de qualquer das
partes. O empregador veria plenamente impossibilitado qualquer ajustamento do trabalho
disponível às necessidades sempre variáveis do funcionamento da empresa. Todo o tipo de
trabalho não compreendido nas categorias existentes, por mais pontual, esporádica ou
acessória que fosse a sua necessidade, implicaria recurso a novos trabalhadores, ainda que
para exercerem atividade por curtos períodos de cada dia, ficando inativos o resto do tempo. A
rigidez da estrutura funcional inviabilizaria qualquer gestão racional do trabalho.

Por seu lado, o trabalhador, em contrapartida da plena certeza do seu papel na empresa,
veria muito limitadas (se não excluídas) as possibilidades de desenvolvimento pessoal e de
valorização profissional: encerrado no casulo da sua categoria, entregue à repetição
continuada do correspondente padrão de atividade, restar-lhe-iam as oportunidades de
mudança por iniciativa do empregador, para poder alargar ou diversificar o leque das
hipóteses de aplicação e desenvolvimento de aptidões.

A realidade das relações de trabalho, o próprio jogo dos interesses das partes, apontam no
sentido de uma certa flexibilidade funcional, isto é, para a possibilidade de se conceber a
atividade contratada como núcleo central da posição contratual do trabalhador, sem que
fiquem excluídas outras aplicações da sua força de trabalho, dentro de certos limites e
mediante determinadas condições. O CT contempla dois instrumentos de flexibilidade
funcional: a chamada polivalência (artigo 118 nºs 2 e 4), e o direito de variação da atividade
(artigo 120º)

 As tarefas acessórias

Reparemos que, nos termos no artigo 115º nº1, define-se, por acordo a atividade
contratada. Porém, por força do artigo 118º nº2, esta é mais do que o que foi contratado, são
todas as funções afins ou funcionalmente conectadas para as quais os trabalhadores estão
qualificados e que não impliquem desvalorização profissional. É aqui que assenta o instituto da
polivalência.

“Funções afins” é um conceito indeterminado que tem que ver com a conexão das
atividades contratadas e estas assim consideradas. A afinidade parece só poder significar
semelhança, proximidade quanto à natureza do trabalho. O nº3 procura clarificar, podendo
ler- se aqui que se consideram afins ou funcionalmente ligadas as funções compreendidas no
mesmo grupo ou carreira funcional. O quão esclarecedor é este artigo vai depender da forma
como cada convenção coletiva arruma as categorias, mas fornece-nos mais um dado
importante: deve tratar-se de trabalhos que envolvem aptidões psicofísicas do mesmo tipo.

O nº3 fala ainda em “funcionalmente ligadas”, o que significa que a ideia de semelhança
que se acaba de descrever não é absoluta: são também admitidas tarefas com ligação
funcional à atividade contratada que constitui a principal ocupação do trabalhador. Uma
atividade está funcionalmente ligada a outra quando é condição dela ou condicionada por ela,
ou quando é antecedente ou consequente dela, ou ainda quando ambas fazem parte da
mesma sequência.

Este é o conteúdo do instituto da polivalência que se traduz no alargamento do objeto da


obrigação de trabalho. Agora, esse alargamento do objeto funcional é ope legis, automático,
não precisa de qualquer acordo expresso nesse sentido.
 Os requisitos legais

Lendo a parte final do artigo 118º nº2 vemos que a lei exige que o trabalhador tenha
qualificação adequada para exercer essas tarefas afins ou funcionalmente ligadas à atividade
contratada. O elemento qualificação, como nos diz o professor Monteiro Fernandes, aponta
para a existência da formação profissional necessária ao adequado exercício da atividade
adicional. O trabalhador não pode ser chamado a prestar trabalho para o qual não esteja
devidamente formado ou que implique esforços (físicos ou psíquicos) desproporcionados para
as suas capacidades. No prolongamento dessa linha, atribui o artigo 118º nº4 ao trabalhador
um direito a formação profissional não inferior a dez horas anuais quando o exercício das
funções acessórias exigir qualificações especiais.

O artigo 118º nº1 vai no mesmo sentido quando exprime que o empregador deve atribuir
ao trabalhador as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional. Por
outras palavras, o poder de direção não é legitimamente exercido quando, embora dentro do
objeto do contrato de trabalho, ultrapassa o exigível ao trabalhador, nas condições subjetivas
de formação e aptidão psicofísica em que ele se encontra.

Além disso, a lei quer também evitar que o uso da polivalência se traduza em direto
prejuízo do estatuto profissional e da situação económica. É por isso que o nº2 declara que o
exercício de atividades acessórias não pode implicar desvalorização profissional. Finalmente,
o artigo 118º atribui ao trabalhador o direito à retribuição mais elevada que corresponda às
atividades acessórias, enquanto tal exercício se mantiver.

 A ampliação do objeto do contrato

O corolário mais importante da introdução deste regime na nossa lei está na


reconfiguração do objeto do contrato de trabalho a partir da “atividade contratada”. O
legislador tomou, deste modo, posição definitiva perante a questão da rigidez ou
impermeabilidade da categoria como elemento delimitador do objeto do contrato (qualidades
que lhe estavam atribuídas pela legislação anterior ao CT). Essa posição é a de que o
compromisso do trabalhador abrange não só as atividades integráveis na sua categoria, mas
ainda outras que se compreendem na “atividade contratada” e, adicionalmente, tarefas
conexas que caibam nas suas possibilidades e no seu tempo de trabalho, sem que se traduzam
em prejuízo profissional ou económico.

O direito de variação, para além do objeto do contrato

Importa também considerar o direito de variação, previsto no artigo 120º, especialmente


no que toca aos requisitos legais, a tutela da retribuição e a variação in pejus.

 A modificação unilateral do objeto do contrato

A mobilidade funcional é uma exceção ao princípio da invariabilidade da prestação que


altera o contrato de trabalho, embora de forma temporária, para funções que estariam fora
do objeto do trabalho desde que isto não implique uma alteração substancial da posição do
trabalhador, nos termos do nº1.

Isto não se pode confundir com o exercício de funções afins ou funcionalmente ligadas
porque estas já estão englobadas no objeto do contrato por força dos artigos 115º e 118º. Em
primeiro lugar porque a polivalência traduz possibilidades que se contêm no objeto do
contrato, ao passo que o direito de variação extravasa o objeto do contrato. Em segundo lugar,
há um maior risco de lesão da profissionalidade, uma vez que o regime legal não exclui a
hipótese de
desvalorização profissional, o que significa que a modificação pode ser para pior. Tudo isto faz
com que o regime do artigo 120º tenha forçosamente de ser algo de transitório, o que não
acontece no caso da polivalência.

Na perspetiva do professor Monteiro Fernandes, a “anormalidade” da desta solução


decorre do facto de a lei admitir, abertamente, que o empregador faça ao trabalhador
exigências vinculativas fora do objeto do contrato. Essas exigências, desde que obedeçam a
certos requisitos legais, devem ser obedecidas. A eventual recusa da prestação dos serviços
determinados será ilegítima e poderá acarretar consequências disciplinares.

O mesmo se diz sobre o local de trabalho. Em certas circunstâncias, o trabalhador pode


ver o seu local de trabalho alterado unilateralmente por razões de dimensão organizacional
a título excecional, nos termos do artigo 194º. Este instituto configura uma exceção ao
princípio pacta sunt servanda, previsto no artigo 406º CC.

O que quer dizer ser uma modificação não substancial da posição do trabalhador? O
primeiro sentido tem que ver com a hierarquia da empresa. No organigrama de qualquer
empresa temos várias funções distribuídas por patamares. Quando aqui falamos numa não
alteração substancial estamos a pensar desde logo no sentido vertical. Se faltar alguém nas
funções de rececionista da empresa não se pode pedir a uma pessoa hierarquicamente
superior para desempenhar essas funções. O inverso também se aplica. Ou seja, se faltar um
jurista na empresa, não se pode pedir ao rececionista, que até estudou direito, para exercer
essas funções.

Outro sentido tem que ver com a dimensão horizontal. Imaginemos que uma empresa
tem vários técnicos superiores como médicos, juristas, engenheiros e arquitetos. Aqui já não
tem que ver com a posição hierárquica, porque são todos técnicos superiores, que têm níveis
de responsabilidade hierárquica aproximados. Se faltar um jurista, não se pode passar as suas
funções para o médico, mesmo que este tenha conhecimentos para tal. Aqui não tem que ver
com as habilitações literárias ou académicas da pessoa, mas da sua posição contratual,
especialização técnica e aquilo a que ele se comprometeu a prestar.

Neste sentido, e de resto, o empregador tem aqui um poder modificativo, que funciona
não só dentro da categoria, mas também fora do próprio objeto do contrato, surge como uma
derrogação ao princípio segundo o qual os contratos não podem ser alterados
unilateralmente. A derrogação é legitimada pela necessidade do ajustamento da gestão da
força de trabalho à dinâmica própria da evolução da empresa e, portanto, como uma
emanação da liberdade de iniciativa e de organização empresarial prevista pelo artigo 80º c)
CRP.

 Os requisitos legais

Para que possa ser exercido o direito à variação tem que se obedecer a três requisitos legais:

 Interesse da empresa assim o exigir: trata-se de um interesse de carácter objetivo,


ligado a ocorrências ou situações anómalas na vida da empresa e que, portanto, se
não confunde com as conveniências pessoais do empregador;
 Ser uma variação transitória: de contrário, estar-se-ia perante uma mudança de
categoria, que só pode fazer-se nos termos do artigo 119º no caso de ser uma
descida ou através de uma promoção no caso de ser uma subida na carreira;
 Não implicar diminuição da retribuição nem modificação substancial da posição
do trabalhador;
 Ser dado ao trabalhador o tratamento mais favorável: designadamente em
matéria de retribuição e que corresponda ao serviço não convencionado que lhe é
cometido;
 Haver ordem expressa do empregador: esta deve conter o motivo e a duração da
variação.

O nº3 artigo 120º estabelece que para poder haver um controlo efetivo dessa alteração, o
legislador impõe que tem de haver de facto uma motivação do empregador que tem de indicar
a duração que não pode ser superior a dois anos. Nunca a lei definiu expressamente qual era
o tempo máximo de um prazo excecional, a doutrina entendia que eram no máximo 6 meses,
mas agora a lei vem colocar este limite nos dois anos.

O nº4 prevê que o exercício do direito à variação não pode implicar diminuição da
retribuição, tendo o trabalhador direito às condições de trabalho mais favoráveis que sejam
inerentes às funções exercidas. Há aqui uma preocupação com a tutela da retribuição. Por
outro lado, estabelece o nº5 que o trabalhador, em princípio, não adquire a categoria
correspondente às funções temporariamente exercidas. Vejamos como é que isto se conjuga.

Vamos supor que há, por qualquer motivo, um trabalhador exercício de funções de uma
categoria em termos hierárquicos superior. O que aqui se estabelece é que esse trabalhador
não sobe de categoria, exerce-as a título temporário, mas enquanto o fizer tem direito ao
tratamento remuneratório e estatutário dessa categoria superior.

Se se der o caso contrário, isto é, se o trabalhador estiver a exercer temporariamente


funções de categoria inferior, mantém a sua categoria de origem porque não pode ser
prejudicado por uma alteração que é feita por conveniência do empregador.

Em que casos é que isto é possível? Não pode ser de jurista para porteiro ou de técnico
para dirigente, mas pode ser de chefe de serviços para chefe de divisão ou vice-versa. Apesar
de envolver uma alterar hierárquica, são ambas funções de chefia e de responsabilidade pelo
que não implica uma alteração substantiva da posição do trabalhador.

O nº6 estabelece que que o disposto nestas normas sobre a mobilidade funcional pode ser
afastado por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho. Em todo o caso, este
número não era necessário porque já está estabelecido no artigo 3º nº1. É, então, possível que
a regulação coletiva, por exemplo, limite o exercício deste poder em 6 meses em vez de 2 anos
ou proíba a mobilidade funcional de todo.

Por fim, o nº2 prevê a possibilidade de as partes alargarem ou restringirem a faculdade


de exercício do direito à variação, mediante um acordo que caduca ao fim de dois anos se não
tiver sido aplicado. Anteriormente a esta norma, a LCT 1969 previa que só se podia fixar limites
ao jus variandi (direito à variação) que fossem mais apertados para o empregador, não para o
trabalhador. A partir de 2003 passou a ser possível, não só restringir esta faculdade, como
alargá-la. É evidente que quando o legislador vem dizer isso é na lógica de flexibilidade para
tornar as empresas mais competitivas. Em 2009 acrescentou-se a parte referente à criação por
acordo da cláusula de nulidade funcional. O que há de novo é dizer que caduca ao fim de dois
anos se não for aplicado. Isto para atenuar os aspetos negativos do alargamento do jus
variandi.

Deveres acessórios

Estivemos a ver a obrigação principal do trabalhador, a obrigação laboral, mas ele também
tem deveres secundários e acessórios de conduta.
O artigo 126º prevê os deveres gerais das partes, comuns ao empregador e ao
trabalhador. Esta norma estabelece que as partes devem exercer os seus direitos e deveres
enquadrados pelo princípio geral da boa fé que tem a sua expressão geral no artigo 762º CC.
A redação do nº1 artigo 126º é quase correspondente ao nº2 artigo 762ºCC. No fundo, cada
uma das partes deve ter em atenção os legítimos interesses da outra parte. O artigo 18º LCT
1969 não falava em boa fé, mas no princípio da mútua colaboração, porém essa disposição já
era interpretada de forma atualista.

Para já, cabe focar a nossa atenção nos deveres secundários e acessórios do trabalhador
que vêm no artigo 128º. São eles:

 Respeito, urbanidade e probidade


 Assiduidade e pontualidade
 Obediência
 Lealdade (noção jus laboral de lealdade; um dever geral?; as concretizações legais)
 Custódia
 Prevenção

Quanto ao dever de respeito, urbanidade e probidade, importa termos em conta que se


trata de um dever de mera convivência social, postulando um comportamento adequado à
manutenção de relações pessoais equilibradas e de qualidade, num qualquer âmbito
comunitário. Enquanto obrigação fundada no contrato de trabalho tem o sentido de prevenir
dificuldades no funcionamento da organização ou defeitos no cumprimento das prestações
de trabalho. Trata-se, pois, de uma obrigação ainda funcionalizada à boa execução do contrato
de trabalho e vem prevista no artigo 128º nº1 a).

O dever de assiduidade e pontualidade vem previsto no artigo 128º nº1 b). Este dever
inclui-se na própria obrigação de trabalho, sendo apenas uma das suas faculdades que exprime
a permanência e disponibilidade do trabalhador nos períodos estipulados. A assiduidade
significa, em suma, a observância, por parte do trabalhador, do programa da prestação de
trabalho no tempo e no espaço. Associa-se à pontualidade, isto é, ao cumprimento preciso
das horas de entrada e saída em cada jornada de trabalho. Este dever é sancionado pelo
regime das faltas, segundo o qual as faltas justificadas não podem afetar quaisquer direitos do
trabalhador.

O dever de obediência está na alínea e). Esta disposição está intimamente ligada com a
noção de subordinação jurídica, sendo que o professor Monteiro Fernandes considera,
inclusive, que completa a definição de contrato de trabalho do artigo 11º. Em geral, os
comportamentos do trabalhador no tempo e local de trabalho estão cobertos pela autoridade
do empregador e podem, portanto, envolver atos de obediência a ordens ou instruções deste.
Isto pode ir desde a roupa a vestir, regulamentos sobre a circulação no espaço de trabalho,
proibições de fumar ou de tocar nos produtos, entre outras.

Há, contudo, casos de desobediência legítima, ou seja, situações em que o trabalhador


pode recusar a obediência a um comando do empregador e tal é considerado legítimo.
Estamos a falar da parte final da alínea e): “que não sejam contrárias aos seus direitos ou
garantias”. Isto implica a ideia de que existe uma área demarcada de subordinação e de que o
poder patronal tem limites fixados pela própria lei e pelos instrumentos regulamentares
inferiores. Neste âmbito estão certamente incluídos os direitos de personalidade (artigos 14º
a 22º), assim como as garantias de igualdade e não discriminação (artigos 23º a 32º).
Por outro lado, há que considerar as garantias gerais compreendidas no artigo 129º e que
surgem, justamente, como proibições endereçadas ao empregador, ou seja, como restrições
imperativas ao seu poder de decisão. Finalmente, podem ser invocáveis dispositivos
especialmente definidos na regulamentação coletiva aplicável. Incluem-se também aqui as
ordens ilegais, nomeadamente quando a ação requerida seja criminalmente relevante e o
trabalhador se aperceba disso. A desobediência legítima está expressamente prevista no artigo
331 nº1 b), em que se considera abusiva uma sanção disciplinar aplicada ao trabalhador que
a pratique.

A alínea a) nº2 artigo 351º trata da desobediência ilegítima a ordens de superiores


hierárquicos. São atos de desobediência que não se enquadram na desobediência legítima.

Temos ainda o dever de custódia, previsto no artigo 128º nº1 g), que se traduz no facto de
o trabalhador estar obrigado a velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados
com o trabalho que lhe foram confiados pelo empregador. É uma consequência do facto de a
aplicação da força de trabalho requerer o uso de meios de produção que não pertencem ao
trabalhador, mas que lhe ficam adstritos.

Quanto ao dever de prevenção, artigo 128º nº1 i) e j), apesar de a maior responsabilidade
no que toca à manutenção das condições adequadas de segurança, higiene e saúde no
trabalho estar do lado do empregador, é também imperioso o envolvimento dos trabalhadores
na funcionalização de um sistema que previna riscos e gere um ambiente saudável no local de
trabalho. Se o empregador tem a obrigação de criar os dispositivos e disponibilizar os
equipamentos necessários à prevenção, o trabalhador deve observar, na execução da
prestação de trabalho, e em geral no seu comportamento na empresa, modelos de conduta
e procedimentos que permitam tornar eficientes esses meios.

o O dever de lealdade

Decorre do artigo 128º nº1 f) a consagração de um “dever de lealdade” do trabalhador


para com o empregador e, ainda, que são manifestações típicas desse dever a interdição de
concorrência e a obrigação de sigilo e reserva quanto à organização, métodos de produção
pu negócios do empregador. Da forma como está configurado, este dever parece ser muito
mais amplo do que aquilo que se possa pensar, daí que importa sabermos se há um dever
geral de lealdade.

Está em causa o saber se este dever tem as duas manifestações que vimos e aí se esgota,
ou então se se trata de um enunciado geral muito mais amplo. O reconhecimento de um dever
geral de lealdade é perfeitamente compatível com uma conceção contratualista e comutativa
das relações laborais. A exigência geral de boa-fé na execução dos contratos assume particular
acentuação no desenvolvimento de um vínculo que se caracteriza também pelo carácter
duradouro e pessoal das relações fundadas. Assim, na perspetiva contratualista que é a do
nosso ordenamento, o dever de lealdade reconduz-se à boa-fé na execução do contrato de
trabalho. Este dever geral de lealdade consubstancia-se, no fundo, na prevenção de
comportamentos suscetíveis de destruírem ou danificarem o interesse que levou a outra
parte a contratar.

Quanto à extensão deste dever, a nossa jurisprudência tem acolhido a ideia de que o
trabalhador deve, em princípio, abster-se de qualquer ação contrária aos interesses do
empregador, mas que também há um conteúdo positivo. Assim, deve o trabalhador tomar
todas as disposições necessárias quando constata uma ameaça de prejuízo ou qualquer
perturbação da exploração, ou quando vê terceiros, em particular outros trabalhadores,
ocasionar danos.

A natureza, a dimensão, os objetivos e o próprio estilo concreto de direção da empresa


condicionam estreitamente o feixe de específicas manifestações deste dever, bem como o
grau de exigência, quanto à conduta do trabalhador, que ele incorpora. É, por exemplo,
evidente que, nos já aludidos “cargos de direção ou confiança”, a obrigação de lealdade
constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador.
Quer-se com isto dizer que este dever, apesar de ser um dever geral e transversal a todo o
ordenamento jus-laboral, pode manifestar-se de formas e intensidade muito diferentes
consoante o caso concreto.

Como já foi dito, o dever de lealdade tem, nas relações de trabalho subordinado,
manifestações muito variadas e insuscetíveis de previsão exaustiva. Há, porém, expressões
típicas desse dever, que se traduzem em específicas vinculações do comportamento do
trabalhador. Importa então termos em conta algumas concretizações legais deste dever.

Para tal temos de olhar para a alínea f), onde podemos ler que o trabalhador não deve
negociar por conta própria ou alheia em concorrência com o empregador; não deve
divulgar informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios.
Ambas assentam no mesmo juízo normativo: a posição funcional do trabalhador, no
desenvolvimento das relações laborais, não deve instrumentalizar-se à produção de
resultados negativos para o interesse contratual do empregador.

Há um elevado nível de censura associado à concorrência e à divulgação de


informações reservadas, tendo em conta o facto de elas serem facilitadas e potenciadas
quanto aos seus efeitos pela especial posição em que o trabalhador se encontra na
organização técnico-laboral do empregador.

o Conclusão

Quando há infração de deveres do trabalho há infração disciplinar que pode no limite


levar a justa causa do despedimento. No nº2 artigo 351º, sobre o despedimento com justa
causa, temos uma série de condutas que permitem identificar mais deveres acessórios do
trabalhador, alguns que constam do artigo 128º, outros não. Lembrar, contudo, que o
elenco deste artigo é meramente exemplificativo.

Capitulo 9 - As limitações convencionais da liberdade de trabalho

A liberdade de trabalho

Uma das projeções da liberdade de escolha de profissão ou género de trabalho, consagrada no


art. 47º da CRP, é a liberdade de trabalho, no sentido da interdição de condicionamentos que
restrinjam o espaço de manobra das pessoas no que toca à constituição de relações de
trabalho. Ou seja, esta liberdade corresponde à liberdade de celebração de contratos que
tenham por objeto o exercício da atividade profissional escolhida, liberdade essa que está
compreendida na liberdade contratual em geral.
A liberdade de escolha de profissão ou género de trabalho só tem sentido se associada à
liberdade do respetivo exercício, e este efetiva-se através do seguimento de relações
contratuais livremente decididas pelo profissional.

A este propósito é importante salientar o art. 136º, nº1, que fere de nulidade os acordos
limitativos do “exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato”. Na vigência
do contrato de trabalho, o nexo de subordinação e os deveres acessórios de trabalhadores são
suficientes para garantir o controlo da atividade deste pelo empregador, logo após a cessação
do vínculo este controlo desaparece. Este artigo contém implícita uma proibição dirigida
também ao próprio profissional, revelando a inserção da matéria no domínio da ordem pública
social e as sua consequente indisponibilidade de princípio; este artigo é complementado pela
regra do art. 138º, que obsta a acordos em entre empregadores tendo por objetivo impedir a
admissão por um deles de um trabalhador que tenha sido empregado do outro.

No entanto, a referida indisponibilidade não é absoluta. A lei admite que, em certas situações,
seja legítima a salvaguarda do interesse do empregador mediante estipulações limitativas da
liberdade de exercício da profissão pelo trabalhador: O pacto de não concorrência, o pacto
de permanência e o acordo de exclusividade.

O pacto de não concorrência

Este pacto tem obrigatoriamente caráter oneroso e é sinalagmático, ou seja, gera uma
obrigação de não fazer para o trabalhador e uma obrigação compensatória para
empregador, constituindo parte integrante do conjunto do contrato de trabalho (trata-se de
uma cláusula acessória, conformadora de um efeito acessório da cessação do contrato).

Para além de circunscreverem a liberdade de trabalhar no convencionado de prazo de


abstenção de concorrência, também limitam a participação do trabalhador no mercado de
trabalho nos antecedentes períodos, assim condicionando a sua possibilidade e o seu
interesse de procurar outras alternativas profissionais e de otimizar a gestão da sua carreira,
realidade que se traduz mesmo com frequência em situações de perda de oportunidade.

O contrato de trabalho - como qualquer outro contrato - consubstancia um equilíbrio global,


um conjunto de “pesos e contrapesos” que lhe conferem uma coerência unitária, o que não se
compadece com uma análise compartimentada das diferentes partes que o integram,
nomeadamente das cláusulas atinentes ao estatuto remuneratório do trabalhador e das
respetivas à compensação estipulada como contrapartida da não concorrência.

Apesar de a compensação pela não concorrência não revestir natureza retributiva, goza da
proteção que a lei desenha para a retribuição do trabalho , gerando a sua estipulação
expectativas legítimas que não podem ser ignoradas, pelo que não é razoável permitir que as
mesmas possam ser unilateralmente frustradas pelo empregador; assim, e na ausência de
disposição legal que o consinta, não pode deixar de concluir-se no sentido da impossibilidade
de subtrair os pactos de não concorrência do princípio segundo o qual os contratos livremente
celebrados devem ser pontualmente cumprido e só por acordo dos contraentes podem
modificar-se ( art. 406º, nº1 CC).

Noção

No âmbito do seu dever de lealdade, não pode o trabalhador negociar por conta própria ou
alheia em concorrência com o empregador (art. 128º, nº1, al. f)). Esta obrigação abstensiva
vigora durante o desenvolvimento das relações contratuais. Após o termo dessas relações, o
ex-empregador pode manter um forte interesse em que o trabalhador use a sua capacidade
profissional, para os colocar ao serviço da concorrência.

A lei não estabelece qualquer restrição à conduta profissional do trabalhador após a


cessação do contrato. Tal atitude abstensiva do legislador é comum à generalidade dos
sistemas, na linha da proteção da liberdade de trabalho (136º, nº1 e 138º) que se encontra
associada ao conteúdo do direito ao trabalho (58º CRP).

Só por acordo com o trabalhador pode a entidade patronal prevenir os riscos apontados; tal
acordo toma a designação generalizada de pacto de não concorrência, muito embora não
posso estar nele em causa, estritamente, o impedimento de uma conduta concorrencial do
trabalhador, mas outro tipo de limitação à sua atividade profissional após a cessação do
contrato. A limitação da atividade profissional de um trabalhador, após a cessação do contrato
de trabalho, poderia ser tentada também através de acordo entre empregadores , pelo qual
estes procurarão proteger-se mutuamente do fator de concorrência que resulta do
aproveitamento de pessoal de uns por outros, mas isto acaba por se traduzir na compressão
do direito ao trabalho, por isso a lei proíbe-o expressamente (138º).

Requisitos legais

O pacto é expressamente admitido pelo art. 136º, nº2, desde que a sua duração não
ultrapasse certo limite (em geral, dois anos; em casos de cargos de confiança ou de acesso a
informações sensíveis, três anos – nº5 do mesmo artigo) e se verifiquem, cumulativamente,
certas condições.

Esta figura atende à necessidade de proteção de dois tipos de interesses do empregador: por
um lado, o de evitar que um concorrente venha a utilizar informações, conhecimentos ou
recursos (como a clientela) a que o trabalhador teve acesso pela especial posição que detinha
na empresa de onde agora parte; por outro lado, o de evitar o desperdício de meios investidos
na qualificação profissional trabalhador.

Assim, a al. b) do nº2 do art. 136º põe como condição da licitude do pacto o risco de prejuízos,
para entidade empregador que o subscreve, derivados do exercício da atividade do
trabalhador para além do momento em que cesse o contrato de trabalho. O “prejuízo” de que
aqui se trata refere-se aos objetivos económicos do ex-empregador, à sua clientela e ao seu
volume de negócios; é este o critério a utilizar na apreciação de cada caso concreto.

Outra condição é a de que o trabalhador seja economicamente compensado pela limitação de


atividade a que se obriga. A al. c) do nº2 do artigo 136º refere-se aqui a “uma compensação”.
Sendo evidente que se trata de prestação com natureza distinta do salário – visto que não há
prestação, mas abstenção de trabalho -, pensamos que lhe é aplicável, na generalidade, e por
manifesta analogia, o regime protetivo que a lei desenha para a retribuição do trabalho. Desde
logo, o seu valor deve assumir realmente a natureza e a dimensão de uma “compensação”
para aquilo que o trabalhador deixa de poder ganhar; trata-se, com efeito, e apesar de tudo,
do contravalor de um trabalho que o trabalhador fica privado de prestar. No entanto, o valor
pode ser reduzido equitativamente se o empregador tiver tido despesas avultadas com a
formação do trabalhador.

A terceira condição é de natureza formal: o art. 136º, nº2, al. a) exige que a cláusula limitativa
da atividade do trabalhador conste de acordo escrito, nomeadamente (mas não
necessariamente) do contrato de trabalho ou do acordo de cessação deste.
O CT não diz nada em relação à violação do pacto de não concorrência por parte do
trabalhador. Na verdade, o compromisso opera fora do alcance da lei do trabalho, após a
cessação laboral. Embora se trate de uma estipulação que pode estar integrada no contrato de
trabalho e que se relaciona com a geometria dos interesses contratuais das partes, não é
possível utilizar os meios de tutela que estão disponíveis na vigência do contrato. Resta por
isso, a via comum da responsabilidade civil pelos prejuízos resultantes da violação do pacto, a
acionar nos tribunais cíveis.

O pacto de permanência

A lei admite a celebração de pactos de permanência como forma de assegurar à empresa a


recuperação do investimento feito com uma formação profissional do trabalhador que tenha
exigido a realização de despesas extraordinárias, sendo que uma tal admissibilidade não
contraria o disposto no art. 58º, nº1 da CRP, uma vez que é razoável a proteção do
empregador nas situações em que realizou as tais despesas e da formação resultou a
valorização profissional do trabalhador. A possibilidade de desvinculação unilateral do
trabalhador não está totalmente vedada, uma vez que este sempre por essa via pode optar,
conquanto restitua ao empregador a importância por ele despendida na formação.

Tendo as partes celebrado um contrato de formação profissional e promessa de contrato de


trabalho a termo certo, no qual o trabalhador se obrigou, finda, com aproveitamento, a
formação, a exercer a atividade profissional resultante da formação ministrada , durante um
período mínimo de três anos a contar da outorga do contrato de trabalho, estamos perante
um contrato misto. Entre o contrato-promessa de trabalho e o contrato definitivo verifica-se
não só uma sequência temporal como também uma interligação, o que significa que o
contrato definitivo está condicionado pelo que foi estabelecido no contrato-promessa,
mormente quanto ao pacto de permanência, que vincula o trabalhador na vigência do
contrato de trabalho.

O trabalhador que denuncie o contrato de trabalho antes de esgotado o período de


permanência a que se vinculou torna-se responsável do prejuízo causado ao empregador.

Noção e regime legal

Se o pacto de não concorrência constitui uma limitação da liberdade de trabalho depois da


cessação do contrato, o pacto de permanência atua na vigência do contrato e destina-se a
garantir que ele dure o suficiente para que certas despesas importantes do empregador fiquem
compensadas.

Trata-se do regime contido no art. 137º: pode ser acordada entre o empregador e o
trabalhador uma duração garantida do contrato, implicando o compromisso, por parte do
segundo , de “não denunciar o contrato” por certo prazo – que não pode ultrapassar três
anos – como compensação de despesas avultadas de formação. Estamos perante algo
parecido a um “termo estabilizador”, concebido como instrumento de proteção de interesses
do empregador. A garantia de duração da relação de trabalho joga aqui, não em prol da
estabilidade do emprego, mas a favor de uma pretensão razoável do empregador, que é a de
tirar proveito suficiente do investimento que fez em formação.

Os arts. 131º a 134º do CT definem um quadro de responsabilidades formativas do


empregador no quadro da relação de trabalho – algumas delas quantificadas em concreto –
que correspondem ao nível “genérico” de formação profissional exigível ao empregador. Para
além disso, a empresa pode ser levada – inclusivamente para garantir, à sua custa,
qualificações necessárias ao exercício de certas atividades, como a de piloto de linha aérea –
a fazer “despesas extraordinárias”; verdadeiramente extraordinárias são apenas as despesas
com ações de formação que se situam para além do nível exigido pela qualificação do
trabalhador para o normal exercício da atividade para a qual foi contratado; são
extraordinárias, em sentido próprio, as despesas com cursos de aperfeiçoamento ou
atualização sobre novidades tecnológicas, que podem contribuir para a melhoria do
desempenho do trabalhador na empresa, não são requisitos de qualificação para a atividade
contratada. Essas ações de formação melhoram a empregabilidade do trabalhador, conferem-
lhe um valor acrescido no mercado de trabalho.

Este pacto surge como um instrumento de salvaguarda do interesse do empregador face ao


risco que assume com a realização das tais despesas. Parece evidente que a admissibilidade
dos pactos de permanência não se funda no caráter verdadeiramente “extraordinário” das
despesas, mas, sobretudo, na quantia avultada que elas envolvem – tal é o fator que coloca
em evidência a necessidade de uma especial proteção do interesse económico do
empregador, mesmo à custa da limitação da liberdade de trabalho do trabalhador.

Ou seja, este pacto é um compromisso de estabilidade assumido pelo trabalhador perante o


empregador, como contrapartida do acréscimo de empregabilidade de que o primeiro
beneficia. E como garantia de “amortização” de um investimento de grande valor realizado
pelo segundo; esse compromisso é consolidado por uma obrigação de restituição do
“montante correspondente às despesas nele referidas” pelo empregador na formação do
trabalhador (137º, nº2).

A “restituição” pelo trabalhador

Essa eventual obrigação de restituição de valores despendidos com a formação obriga a


algumas precisões adicionais.

 Em primeiro lugar, a existência de pacto de permanência é requisito essencial para


que o empregador possa reclamar a restituição de importâncias gastas com a
formação do trabalhador. O facto de terem sido feitas despesas de formação, mesmo
que sejam importantes, não releva para a quantificação dos prejuízos que o
trabalhador deve indemnizar, por romper irregularmente o contrato, nos termos dos
arts, 399º e 401º.
 Em segundo lugar, a mesma perspetiva de ressarcimento adequado leva a considerar
que a restituição devida, nos termos do art. 137º, nº1, não pode deixar de medir-se
pela proporção do tempo em falta relativamente à duração do contrato que foi
garantida pelo pacto. O sentido do próprio pacto de permanência é o de uma garantia
de “amortização” para um investimento particularmente significativo em formação;
logo, a hipótese de pagamento pelo trabalhador do montante total do investimento
feito pelo empregador, em caso de violação do pacto em qualquer momento, poderia
configurar enriquecimento sem causa. A garantia deste retorno é o único fator de
legitimação possível para o cerceamento da liberdade de trabalho em que redunda o
pacto; se a duração estipulada não é cumprida, a restituição deve limitar-se à
proporção do tempo em falta.

Do mesmo modo será aqui encontrar resposta para a questão de saber a partir de que
momento deverá contar-se o período de compromisso, que, como vimos, pode ser até 3 anos.
O teor da norma pertinente sugere que esse período corresponde à vigência do pacto,
começando a contar-se com a sua estipulação (tudo depende dos termos desta última). Se ela
puder ser interpretada como um compromisso a efetivar somente após a conclusão do período
de formação, a eventual desistência do profissional durante este período não estará coberta
por ele. Poderá isso sim haver lugar a ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo empregador
com base na desistência, mas não na efetivação do pacto de permanência. Se, ao invés, o
compromisso assumido pelo trabalhador, conforme a interpretação do pacto, cobrir o período
de formação, a cláusula penal poderá ser acionada em caso de desistência neste período.

O acordo de exclusividade

A possibilidade de, no contrato de trabalho, se estipular, por escrito, a obrigação de o


trabalhador não exercer, no período máximo de 2 anos subsequentes à cessação do
contrato, atividade cujo exercício possa efetivamente causar prejuízo ao empregador, com a
atribuição ao trabalhador de uma compensação adequada durante o período
convencionado, consignada no art. 146º, nº2, não viola o principio da liberdade de trabalho
consagrado no art. 47º, nº1 da CRP.

A obrigação de exclusividade, eventualmente, consignada em cláusula acessória do contrato


de trabalho, se referida a atividades correntes com a do empregador, não releva com
autonomia, na perspetiva de restrição à liberdade de trabalho, por se tratar de uma obrigação
inerente à relação laboral, por força do disposto na alínea e) do nº1 do art. 121º da CRP, como
afloramento do dever geral de lealdade. A licitude da cláusula de exclusividade que limite o
exercício de adequação e proporcionalidade, em função de um real e efetivo interesse do
empregador (atendendo ao setor económico em que a empresa se insere) correlacionado com
a natureza das tarefas objeto do contrato (tendo em conta a complexidade técnica destas, o
tempo exigido para um eficiente desempenho e a responsabilidade do trabalhador, que
podem reclamar disponibilidade total). Esta cláusula, segundo a qual o trabalhador se
vinculou a não aceitar outros trabalhos renumerados ou não renumerados por terceiros
e/ou de levar a cabo negócios por sua conta, sem o prévio consentimento do empregador, e
este se comprometeu, em contrapartida, a pagar-lhe 20% da renumeração mensal bruta, não
se verificando os fatores referidos, só pode considerar-se lícita se encarada como tendo em
vista reforçar a proteção legal contra o perigo de concorrência.

Noção e admissibilidade

Nada parece impedir, em princípio, que seja estipulada entre o empregador e o trabalhador,
para vigorar durante o período em que estejam contratualmente vinculados, para vigorar
durante o período em que estejam contratualmente vinculados, a interdição do exercício
paralelo de atividade profissional ao serviço de outra entidade. É o que se designa por
“cláusula de exclusividade”. No fundo, trata-se da assunção, pelo trabalhador, de um
compromisso de não acumulação de empregos, ou de não exercício de atividades
complementares ao serviço de outras entidades.

Por um lado, essas estipulações abrigam-se na liberdade contratual, visto que não existe
disposição legal que especificamente as impeça; por outro lado, trata-se de uma forma de
limitação da liberdade de trabalho, que pode ser legitimada por relevantes interesses do
empregador, mas que deve conter-se dentro dos limites da razoabilidade e do respeito pelos
direitos fundamentais do trabalhador. A admissibilidade jurídica deste tipo de estipulações não
tem suporte legal expresso, o art. 136º, nº1 só fere de nulidade as cláusulas que limitem a
liberdade de trabalho após a cessação do contrato.

Há que considerar a hipótese de a exclusividade ser estipulada como garantia da abstenção de


concorrência, em empresas e setores mais sensíveis sob esse ponto de vista. Mas nesse caso,
tal estipulação constituirá mero reforço ou reiteração do dever de abstenção de concorrência,
pelo que não oferece dúvidas quanto à sua legalidade.

Noutras situações, a exclusividade pode ser pretendida com fundamento na prevenção do


desgaste e da perda de aptidões do trabalhador ou no propósito de aproveitamento total de
competências ganhas com formação assegurada pela empresa, ou mesmo como forma de
acentuação da subordinação. Enquanto instrumento de limitação da liberdade do trabalho, a
cláusula de exclusividade só pode considerar-se legítima se tiver subjacente um “real e efetivo
interesse do empregador” ou não motivações arbitrárias ou inconsistentes, como uma mera
afirmação do domínio do empregador sobre a pessoa do trabalhador. É preciso que, sob o
ponto de vista do funcionamento e da economia da empresa, a exclusividade corresponda a
uma necessidade objetiva suficientemente forte para que se sobreponha à plena liberdade de
trabalho. contrato.

Nas situações em que isso ocorra, a adequação e a razoabilidade do arranjo negocial impõem
a fixação de uma compensação económica para a renúncia a ganhos complementares que a
estipulação da exclusividade implica. Na apreciação da legitimidade deste tipo de cláusulas há
que ter em conta o quadro de implicações do princípio da boa-fé na execução do contrato, o
respeito pela liberdade de trabalho e a legítima pretensão, por parte de quem vive do seu
trabalho, de aplicar variada e proveitosamente as aptidões profissionais de que dispõe, sendo
exigível a demonstração da existência de um interesse do empregador que seja relevante e
digno de proteção.

As limitações convencionais da liberdade de trabalho

A liberdade de trabalho

Uma das projeções da liberdade de escolha de profissão ou género de trabalho, consagrada no


art. 47º da CRP, é a liberdade de trabalho, no sentido da interdição de condicionamentos que
restrinjam o espaço de manobra das pessoas no que toca à constituição de relações de
trabalho. Ou seja, esta liberdade corresponde à liberdade de celebração de contratos que
tenham por objeto o exercício da atividade profissional escolhida, liberdade essa que está
compreendida na liberdade contratual em geral.

A liberdade de escolha de profissão ou género de trabalho só tem sentido se associada à


liberdade do respetivo exercício, e este efetiva-se através do seguimento de relações
contratuais livremente decididas pelo profissional.

A este propósito é importante salientar o art. 136º, nº1, que fere de nulidade os acordos
limitativos do “exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato”. Na vigência
do contrato de trabalho, o nexo de subordinação e os deveres acessórios de trabalhadores são
suficientes para garantir o controlo da atividade deste pelo empregador, logo após a cessação
do vínculo este controlo desaparece. Este artigo contém implícita uma proibição dirigida
também ao próprio profissional, revelando a inserção da matéria no domínio da ordem pública
social e as sua consequente indisponibilidade de princípio; este artigo é complementado pela
regra do art. 138º, que obsta a acordos em entre empregadores tendo por objetivo impedir a
admissão por um deles de um trabalhador que tenha sido empregado do outro.

No entanto, a referida indisponibilidade não é absoluta. A lei admite que, em certas situações,
seja legítima a salvaguarda do interesse do empregador mediante estipulações limitativas da
liberdade de exercício da profissão pelo trabalhador: O pacto de não concorrência, o pacto
de permanência e o acordo de exclusividade.

O pacto de não concorrência

Este pacto tem obrigatoriamente caráter oneroso e é sinalagmático, ou seja, gera uma
obrigação de não fazer para o trabalhador e uma obrigação compensatória para
empregador, constituindo parte integrante do conjunto do contrato de trabalho (trata-se de
uma cláusula acessória, conformadora de um efeito acessório da cessação do contrato).

Para além de circunscreverem a liberdade de trabalhar no convencionado de prazo de


abstenção de concorrência, também limitam a participação do trabalhador no mercado de
trabalho nos antecedentes períodos, assim condicionando a sua possibilidade e o seu
interesse de procurar outras alternativas profissionais e de otimizar a gestão da sua carreira,
realidade que se traduz mesmo com frequência em situações de perda de oportunidade.

O contrato de trabalho - como qualquer outro contrato - consubstancia um equilíbrio global,


um conjunto de “pesos e contrapesos” que lhe conferem uma coerência unitária, o que não se
compadece com uma análise compartimentada das diferentes partes que o integram,
nomeadamente das cláusulas atinentes ao estatuto remuneratório do trabalhador e das
respetivas à compensação estipulada como contrapartida da não concorrência.

Apesar de a compensação pela não concorrência não revestir natureza retributiva, goza da
proteção que a lei desenha para a retribuição do trabalho , gerando a sua estipulação
expectativas legítimas que não podem ser ignoradas, pelo que não é razoável permitir que as
mesmas possam ser unilateralmente frustradas pelo empregador; assim, e na ausência de
disposição legal que o consinta, não pode deixar de concluir-se no sentido da impossibilidade
de subtrair os pactos de não concorrência do princípio segundo o qual os contratos livremente
celebrados devem ser pontualmente cumprido e só por acordo dos contraentes podem
modificar-se ( art. 406º, nº1 CC).

Noção

No âmbito do seu dever de lealdade, não pode o trabalhador negociar por conta própria ou
alheia em concorrência com o empregador (art. 128º, nº1, al. f)). Esta obrigação abstensiva
vigora durante o desenvolvimento das relações contratuais. Após o termo dessas relações, o
ex-empregador pode manter um forte interesse em que o trabalhador use a sua capacidade
profissional, para os colocar ao serviço da concorrência.

A lei não estabelece qualquer restrição à conduta profissional do trabalhador após a


cessação do contrato. Tal atitude abstensiva do legislador é comum à generalidade dos
sistemas, na linha da proteção da liberdade de trabalho (136º, nº1 e 138º) que se encontra
associada ao conteúdo do direito ao trabalho (58º CRP).
Só por acordo com o trabalhador pode a entidade patronal prevenir os riscos apontados; tal
acordo toma a designação generalizada de pacto de não concorrência, muito embora não
posso estar nele em causa, estritamente, o impedimento de uma conduta concorrencial do
trabalhador, mas outro tipo de limitação à sua atividade profissional após a cessação do
contrato. A limitação da atividade profissional de um trabalhador, após a cessação do contrato
de trabalho, poderia ser tentada também através de acordo entre empregadores , pelo qual
estes procurarão proteger-se mutuamente do fator de concorrência que resulta do
aproveitamento de pessoal de uns por outros, mas isto acaba por se traduzir na compressão
do direito ao trabalho, por isso a lei proíbe-o expressamente (138º).

Requisitos legais

O pacto é expressamente admitido pelo art. 136º, nº2, desde que a sua duração não
ultrapasse certo limite (em geral, dois anos; em casos de cargos de confiança ou de acesso a
informações sensíveis, três anos – nº5 do mesmo artigo) e se verifiquem, cumulativamente,
certas condições.

Esta figura atende à necessidade de proteção de dois tipos de interesses do empregador: por
um lado, o de evitar que um concorrente venha a utilizar informações, conhecimentos ou
recursos (como a clientela) a que o trabalhador teve acesso pela especial posição que detinha
na empresa de onde agora parte; por outro lado, o de evitar o desperdício de meios investidos
na qualificação profissional trabalhador.

Assim, a al. b) do nº2 do art. 136º põe como condição da licitude do pacto o risco de prejuízos,
para entidade empregador que o subscreve, derivados do exercício da atividade do
trabalhador para além do momento em que cesse o contrato de trabalho. O “prejuízo” de que
aqui se trata refere-se aos objetivos económicos do ex-empregador, à sua clientela e ao seu
volume de negócios; é este o critério a utilizar na apreciação de cada caso concreto.

Outra condição é a de que o trabalhador seja economicamente compensado pela limitação de


atividade a que se obriga. A al. c) do nº2 do artigo 136º refere-se aqui a “uma compensação”.
Sendo evidente que se trata de prestação com natureza distinta do salário – visto que não há
prestação, mas abstenção de trabalho -, pensamos que lhe é aplicável, na generalidade, e por
manifesta analogia, o regime protetivo que a lei desenha para a retribuição do trabalho. Desde
logo, o seu valor deve assumir realmente a natureza e a dimensão de uma “compensação”
para aquilo que o trabalhador deixa de poder ganhar; trata-se, com efeito, e apesar de tudo,
do contravalor de um trabalho que o trabalhador fica privado de prestar. No entanto, o valor
pode ser reduzido equitativamente se o empregador tiver tido despesas avultadas com a
formação do trabalhador.

A terceira condição é de natureza formal: o art. 136º, nº2, al. a) exige que a cláusula limitativa
da atividade do trabalhador conste de acordo escrito, nomeadamente (mas não
necessariamente) do contrato de trabalho ou do acordo de cessação deste.

O CT não diz nada em relação à violação do pacto de não concorrência por parte do
trabalhador. Na verdade, o compromisso opera fora do alcance da lei do trabalho, após a
cessação laboral. Embora se trate de uma estipulação que pode estar integrada no contrato de
trabalho e que se relaciona com a geometria dos interesses contratuais das partes, não é
possível utilizar os meios de tutela que estão disponíveis na vigência do contrato. Resta por
isso, a via comum da responsabilidade civil pelos prejuízos resultantes da violação do pacto, a
acionar nos tribunais cíveis.
O pacto de permanência

A lei admite a celebração de pactos de permanência como forma de assegurar à empresa a


recuperação do investimento feito com uma formação profissional do trabalhador que tenha
exigido a realização de despesas extraordinárias, sendo que uma tal admissibilidade não
contraria o disposto no art. 58º, nº1 da CRP, uma vez que é razoável a proteção do
empregador nas situações em que realizou as tais despesas e da formação resultou a
valorização profissional do trabalhador. A possibilidade de desvinculação unilateral do
trabalhador não está totalmente vedada, uma vez que este sempre por essa via pode optar,
conquanto restitua ao empregador a importância por ele despendida na formação.

Tendo as partes celebrado um contrato de formação profissional e promessa de contrato de


trabalho a termo certo, no qual o trabalhador se obrigou, finda, com aproveitamento, a
formação, a exercer a atividade profissional resultante da formação ministrada , durante um
período mínimo de três anos a contar da outorga do contrato de trabalho, estamos perante
um contrato misto. Entre o contrato-promessa de trabalho e o contrato definitivo verifica-se
não só uma sequência temporal como também uma interligação, o que significa que o
contrato definitivo está condicionado pelo que foi estabelecido no contrato-promessa,
mormente quanto ao pacto de permanência, que vincula o trabalhador na vigência do
contrato de trabalho.

O trabalhador que denuncie o contrato de trabalho antes de esgotado o período de


permanência a que se vinculou torna-se responsável do prejuízo causado ao empregador.

Noção e regime legal

Se o pacto de não concorrência constitui uma limitação da liberdade de trabalho depois da


cessação do contrato, o pacto de permanência atua na vigência do contrato e destina-se a
garantir que ele dure o suficiente para que certas despesas importantes do empregador fiquem
compensadas.

Trata-se do regime contido no art. 137º: pode ser acordada entre o empregador e o
trabalhador uma duração garantida do contrato, implicando o compromisso, por parte do
segundo , de “não denunciar o contrato” por certo prazo – que não pode ultrapassar três
anos – como compensação de despesas avultadas de formação. Estamos perante algo
parecido a um “termo estabilizador”, concebido como instrumento de proteção de interesses
do empregador. A garantia de duração da relação de trabalho joga aqui, não em prol da
estabilidade do emprego, mas a favor de uma pretensão razoável do empregador, que é a de
tirar proveito suficiente do investimento que fez em formação.

Os arts. 131º a 134º do CT definem um quadro de responsabilidades formativas do


empregador no quadro da relação de trabalho – algumas delas quantificadas em concreto –
que correspondem ao nível “genérico” de formação profissional exigível ao empregador. Para
além disso, a empresa pode ser levada – inclusivamente para garantir, à sua custa,
qualificações necessárias ao exercício de certas atividades, como a de piloto de linha aérea –
a fazer “despesas extraordinárias”; verdadeiramente extraordinárias são apenas as despesas
com ações de formação que se situam para além do nível exigido pela qualificação do
trabalhador para o normal exercício da atividade para a qual foi contratado; são
extraordinárias, em sentido próprio, as despesas com cursos de aperfeiçoamento ou
atualização sobre novidades tecnológicas, que podem contribuir para a melhoria do
desempenho do trabalhador na empresa, não são requisitos de qualificação para a atividade
contratada. Essas ações de formação melhoram a empregabilidade do trabalhador, conferem-
lhe um valor acrescido no mercado de trabalho.

Este pacto surge como um instrumento de salvaguarda do interesse do empregador face ao


risco que assume com a realização das tais despesas. Parece evidente que a admissibilidade
dos pactos de permanência não se funda no caráter verdadeiramente “extraordinário” das
despesas, mas, sobretudo, na quantia avultada que elas envolvem – tal é o fator que coloca
em evidência a necessidade de uma especial proteção do interesse económico do
empregador, mesmo à custa da limitação da liberdade de trabalho do trabalhador.

Ou seja, este pacto é um compromisso de estabilidade assumido pelo trabalhador perante o


empregador, como contrapartida do acréscimo de empregabilidade de que o primeiro
beneficia. E como garantia de “amortização” de um investimento de grande valor realizado
pelo segundo; esse compromisso é consolidado por uma obrigação de restituição do
“montante correspondente às despesas nele referidas” pelo empregador na formação do
trabalhador (137º, nº2).

A “restituição” pelo trabalhador

Essa eventual obrigação de restituição de valores despendidos com a formação obriga a


algumas precisões adicionais.

 Em primeiro lugar, a existência de pacto de permanência é requisito essencial para


que o empregador possa reclamar a restituição de importâncias gastas com a
formação do trabalhador. O facto de terem sido feitas despesas de formação, mesmo
que sejam importantes, não releva para a quantificação dos prejuízos que o
trabalhador deve indemnizar, por romper irregularmente o contrato, nos termos dos
arts, 399º e 401º.
 Em segundo lugar, a mesma perspetiva de ressarcimento adequado leva a considerar
que a restituição devida, nos termos do art. 137º, nº1, não pode deixar de medir-se
pela proporção do tempo em falta relativamente à duração do contrato que foi
garantida pelo pacto. O sentido do próprio pacto de permanência é o de uma garantia
de “amortização” para um investimento particularmente significativo em formação;
logo, a hipótese de pagamento pelo trabalhador do montante total do investimento
feito pelo empregador, em caso de violação do pacto em qualquer momento, poderia
configurar enriquecimento sem causa. A garantia deste retorno é o único fator de
legitimação possível para o cerceamento da liberdade de trabalho em que redunda o
pacto; se a duração estipulada não é cumprida, a restituição deve limitar-se à
proporção do tempo em falta.

Do mesmo modo será aqui encontrar resposta para a questão de saber a partir de que
momento deverá contar-se o período de compromisso, que, como vimos, pode ser até 3 anos.
O teor da norma pertinente sugere que esse período corresponde à vigência do pacto,
começando a contar-se com a sua estipulação (tudo depende dos termos desta última). Se ela
puder ser interpretada como um compromisso a efetivar somente após a conclusão do período
de formação, a eventual desistência do profissional durante este período não estará coberta
por ele. Poderá isso sim haver lugar a ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo empregador
com base na desistência, mas não na efetivação do pacto de permanência. Se, ao invés, o
compromisso assumido pelo trabalhador, conforme a interpretação do pacto, cobrir o período
de formação, a cláusula penal poderá ser acionada em caso de desistência neste período.

O acordo de exclusividade

A possibilidade de, no contrato de trabalho, se estipular, por escrito, a obrigação de o


trabalhador não exercer, no período máximo de 2 anos subsequentes à cessação do
contrato, atividade cujo exercício possa efetivamente causar prejuízo ao empregador, com a
atribuição ao trabalhador de uma compensação adequada durante o período
convencionado, consignada no art. 146º, nº2, não viola o principio da liberdade de trabalho
consagrado no art. 47º, nº1 da CRP.

A obrigação de exclusividade, eventualmente, consignada em cláusula acessória do contrato


de trabalho, se referida a atividades correntes com a do empregador, não releva com
autonomia, na perspetiva de restrição à liberdade de trabalho, por se tratar de uma obrigação
inerente à relação laboral, por força do disposto na alínea e) do nº1 do art. 121º da CRP, como
afloramento do dever geral de lealdade. A licitude da cláusula de exclusividade que limite o
exercício de adequação e proporcionalidade, em função de um real e efetivo interesse do
empregador (atendendo ao setor económico em que a empresa se insere) correlacionado com
a natureza das tarefas objeto do contrato (tendo em conta a complexidade técnica destas, o
tempo exigido para um eficiente desempenho e a responsabilidade do trabalhador, que
podem reclamar disponibilidade total). Esta cláusula, segundo a qual o trabalhador se
vinculou a não aceitar outros trabalhos renumerados ou não renumerados por terceiros
e/ou de levar a cabo negócios por sua conta, sem o prévio consentimento do empregador, e
este se comprometeu, em contrapartida, a pagar-lhe 20% da renumeração mensal bruta, não
se verificando os fatores referidos, só pode considerar-se lícita se encarada como tendo em
vista reforçar a proteção legal contra o perigo de concorrência.

Noção e admissibilidade

Nada parece impedir, em princípio, que seja estipulada entre o empregador e o trabalhador,
para vigorar durante o período em que estejam contratualmente vinculados, para vigorar
durante o período em que estejam contratualmente vinculados, a interdição do exercício
paralelo de atividade profissional ao serviço de outra entidade. É o que se designa por
“cláusula de exclusividade”. No fundo, trata-se da assunção, pelo trabalhador, de um
compromisso de não acumulação de empregos, ou de não exercício de atividades
complementares ao serviço de outras entidades.

Por um lado, essas estipulações abrigam-se na liberdade contratual, visto que não existe
disposição legal que especificamente as impeça; por outro lado, trata-se de uma forma de
limitação da liberdade de trabalho, que pode ser legitimada por relevantes interesses do
empregador, mas que deve conter-se dentro dos limites da razoabilidade e do respeito pelos
direitos fundamentais do trabalhador. A admissibilidade jurídica deste tipo de estipulações não
tem suporte legal expresso, o art. 136º, nº1 só fere de nulidade as cláusulas que limitem a
liberdade de trabalho após a cessação do contrato.

Há que considerar a hipótese de a exclusividade ser estipulada como garantia da abstenção de


concorrência, em empresas e setores mais sensíveis sob esse ponto de vista. Mas nesse caso,
tal estipulação constituirá mero reforço ou reiteração do dever de abstenção de concorrência,
pelo que não oferece dúvidas quanto à sua legalidade.

Noutras situações, a exclusividade pode ser pretendida com fundamento na prevenção do


desgaste e da perda de aptidões do trabalhador ou no propósito de aproveitamento total de
competências ganhas com formação assegurada pela empresa, ou mesmo como forma de
acentuação da subordinação. Enquanto instrumento de limitação da liberdade do trabalho, a
cláusula de exclusividade só pode considerar-se legítima se tiver subjacente um “real e efetivo
interesse do empregador” ou não motivações arbitrárias ou inconsistentes, como uma mera
afirmação do domínio do empregador sobre a pessoa do trabalhador. É preciso que, sob o
ponto de vista do funcionamento e da economia da empresa, a exclusividade corresponda a
uma necessidade objetiva suficientemente forte para que se sobreponha à plena liberdade de
trabalho. contrato.

Nas situações em que isso ocorra, a adequação e a razoabilidade do arranjo negocial impõem
a fixação de uma compensação económica para a renúncia a ganhos complementares que a
estipulação da exclusividade implica. Na apreciação da legitimidade deste tipo de cláusulas há
que ter em conta o quadro de implicações do princípio da boa-fé na execução do contrato, o
respeito pela liberdade de trabalho e a legítima pretensão, por parte de quem vive do seu
trabalho, de aplicar variada e proveitosamente as aptidões profissionais de que dispõe, sendo
exigível a demonstração da existência de um interesse do empregador que seja relevante e
digno de proteção.

CAPÍTULO 10 – AS OBRIGAÇÕES DO EMPREGADOR

1. A obrigação retributiva
a) Significado e função da retribuição do trabalho

A retribuição no código do trabalho. A retribuição do trabalho é um dos elementos essenciais


do contrato de trabalho (art. 11º CT). Significa isto que a prestação gratuita de serviços fica à
margem deste tipo negocial.

Trata-se da principal obrigação que se investe no empregador através do contrato de trabalho,


aparecendo como contrapartida dos serviços recebidos. Este elemento de correspetividade
ressalta de diversas disposições do CT, desde o art. 11º (mediante retribuição) até ao art. 258º
(como contrapartida do seu trabalho). O salário está, à face da lei, ligado por um nexo de
reciprocidade à prestação de trabalho.

b) Conceções do salário. Sua relevância jurídica

1. Ideia geral

As várias manerias de encarar o salário. A retribuição a que o trabalhador tem direito com
base no contrato e nas normas que regem pode ser encarada de vários pontos de vista, com
reflexos jurídicos diferenciados.

Desde logo, o salário não é a mesma coisa para o trabalhador e para a entidade patronal:
aquele tende a encará-lo como meio de subsistência e a estabelecer uma correlação entre a
penosidade do trabalho e o grau de satisfação das suas necessidades pessoais e familiares;
para o empregador, ao invés, a retribuição do trabalho aproximar-se-á de um preço que se
incorpora nos custos da produção, pelo que irá confrontá-la com o rendimento obtido e, em
geral, com a capacidade económica da empresa. Ou seja: entre os padrões de avaliação do
trabalhador (necessidade próprias) e da entidade patronal (produtividade) não há
coincidência. Para um, o salário é algo como um crédito alimentar; para o outro, é o preço de
um fator produtivo. A negociação coletiva sobre a matéria salarial encontra aqui uma parte das
razões da sua dificuldade, por vezes insuperável em termos pacíficos: o critério de uma das
partes é basicamente social – o da outra é sobretudo económico.

Acresce que o salário (para além do modo por que se projeta nas esferas do trabalhador e da
empresa) tem igualmente reflexos muito importantes na conjuntura económica global: ele
repercute-se nos preços, quer pela via dos custos de produção, quer pela do nível de consumo
que possibilita. A problemática do salário é, pois, um elemento fundamental para a política
económica e, em especial, no tocante à política de preços e rendimentos.

Quer a conceção do salário como correspetivo de prestação de trabalho, quer a que faz avultar
nele o caráter de meio de satisfação de necessidades pessoais e familiares do trabalhador,
quer ainda a que sublinha o aspeto de dado e instrumento de política económica.

2) O salário como correspetivo

O salário-contraprestação. Do ponto de vista jurídico-formal, a retribuição surge como a


contraprestação da entidade patronal face ao trabalho efetivamente realizado pelo
trabalhador. Assim é que, por exemplo, as faltas não justificadas, e mesmo algumas das
justificadas, conferem (legalmente) ao empregador o direito do desconto na retribuição (art.
255º/2 e 256º/1). Outra amostra: se o trabalhador estiver temporariamente impedido, por
motivos ligados à sua pessoa (mas que não lhe sejam imputáveis), nomeadamente por doença,
de prestar trabalho, o empregador fica exonerado do pagamento do salário enquanto durar a
impossibilidade (art. 295º). O mesmo dispositivo é aplicável no caso de a interrupção do
trabalho ser devida a greve, embora esta corresponda a um direito dos trabalhadores (art.
536º).

Salário sem trabalho. Não é, porém, exato que a correspetividade se estabeleça entre a
retribuição e o trabalho efetivamente prestado – nem isso estaria de acordo com o conteúdo
preciso da relação de trabalho. É a disponibilidade do trabalhador – mais do que o serviço
efetivo – que corresponde ao salário; o trabalhador está, mais vezes, inativo porque o
empregador não carece transitoriamente dos seus serviços ou o coloca em situação de não
poder prestá-los, embora mantendo-se ele disponível e, portanto, a cumprir a sua obrigação
contratual. É sugestiva no mesmo sentido a noção legal do contrato de trabalho (art. 11º CT),
onde se diz que o trabalhador se obriga, mediante retribuição – ou seja, se coloca numa
posição de disponibilidade para o trabalho, em troca do salário.

Há outras manifestações da mesma ideia, e essas sem margem para dúvidas. É, desde logo, o
conjunto de hipóteses previstas no art. 309º/1-b, em que se englobam as situações
caracterizadas por uma impossibilidade temporária da prestação de trabalho criada pela
entidade patronal. Embora inativo, o trabalhador mantém o direito ao salário. E estão
abrangidos por esta regra não apenas os casos de encerramento decidido pela entidade
patronal, mas também aqueles em que o estabelecimento fecha por motivos que lhe sejam de
qualquer modo imputáveis.
Outro exemplo é o respeitante à suspensão preventiva do trabalhador no procedimento
disciplinar (art. 329º/5), pois corresponde a conveniências do empregador.

3) O salário como meio de satisfação de necessidades. A proteção especifica do salário

O salário-rendimento. A destinação do salário à satisfação das necessidades pessoais e


familiares do trabalhador constitui uma outra perspetiva a que o legislador atribui particular
saliência. Pode dizer-se que é essa a conceção subjacente a todo o regime jurídico da
retribuição no CT. Desde logo, o critério legal para a determinação qualitativa da retribuição
(art. 258º CT) é largamente tributário dela: assenta na ideia de regularidade do seu
recebimento pelo trabalhador, ou seja, parte da existência de expectativas deste quanto ao
grau de satisfação de necessidades correntes que os rendimentos do trabalho lhe asseguram.

Na perspetiva de se correlacionar o salário com as necessidades do trabalhador situa-se o


regime da remuneração mínima mensal garantida, art. 273º e ss CT. Tem ainda raiz
constitucional: art. 59/2 a) CRP vincula o Estado a estabelecer e a atualizar o salário mínimo
nacional tendo em conta, entre outros fatores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento
do custo de vida.

A verdade é que não se pode falar de um verdadeiro salário mínimo tendo em conta que não
há uma correlação com um mínimo de subsistência familiar previamente determinado. Era
necessário quantificar que este cobrisse as necessidades tidas como essenciais dum agregado
familiar padrão, face ao nível atingido pelos custos de vida. A lei fixa simplesmente um
montante que se tem por irredutível, obstando a que níveis remuneratórios inferiores sejam
consignados na negociação coletiva ou nos contratos individuais.

A proteção legal do salário. Todavia, as expressões mais significativas do nexo estabelecido


entre a retribuição e as necessidades do trabalhador consistem num conjunto de normas
legais que oferece uma especial tutela da integridade dos valores que compõem o salário. Essa
tutela aponta mesmo para a limitação dos efeitos normais que a atividade jurídica do
trabalhador teria sobre tal parte do seu património.

Assim, vigora a regra da inadmissibilidade da compensação integral da retribuição em dívida


com créditos da entidade patronal sobre trabalhador (art. 279º): a compensação, quando
admitida (nº2 do mesmo art.), não pode exceder, em regra, um sexto do salário.

Por outro lado, os créditos salariais são parcialmente impenhoráveis (em dois terços do seu
montante: art. 823º/1 CPC) e também parcialmente insuscetíveis de cessão (art. 280º), aliás
em medida idêntica.

Além disso, a retribuição do trabalho beneficia de importantes privilégios creditórios (art.


333ºCT), não apenas sobre os bens móveis do empregador, mas também sobre os imóveis em
que preste o seu trabalho. Os créditos dos trabalhadores são colocados em primeiro lugar
tanto num caso como no outro. Deste modo, a situação dos créditos remuneratórios e
indemnizatórios, anteriormente bastante débil, resultou consideravelmente reforçada.

De qualquer modo, é patente que as disposições referidas assentam numa conceção não
puramente retributiva do salário – antes sublinhando a inerência deste ultimo à satisfação das
necessidades pessoais e familiares do trabalhador.

Os salários em atraso. Constitui também manifestação esse modo de encarar a retribuição do


trabalho o regime aplicável nas situações de não pagamento pontual dos salários.
A relativa generalização do fenómeno, com incidência mais forte em certos períodos de
dificuldade económica para as empresas, mas com presença endémica praticamente desde os
princípios da década de oitenta, conduziu à elaboração de medidas legislativas de emergência,
claramente inspiradas na perceção da essencialidade dos rendimentos dos rendimentos do
trabalho para a economia pessoal e familiar dos trabalhadores. Art. 323º a 327º e 336º CT.

Como, desde logo, resulta do disposto no art. 232º/3, os trabalhadores com remuneração
atrasadas têm, ao abrigo do art. 394º/5, o direito de resolver o contrato por justa causa
culposa ou nos termos do art. 325º, o direito de o suspender. As condições em que estas
medidas podem ser concretizadas estão definidas nesses artigos do código. Por outro lado, se
o atraso for culposo, o empregador fica obrigado ao pagamento de juros de mora (art. 323º/2).

O fundo de garantia salarial. Esse regime oferece resposta financeira de emergência aos
trabalhadores afetados pelo atraso no pagamento de remunerações, mas não lhes faculta
meios de pronta efetivação desses créditos. Art. 336º. Este fundo assume e suporta a garantia
do pagamento dos créditos do trabalhador.

4) O salário como fator da política económica

O salário custo. Resta apontar, entre as possíveis, a visão da retribuição do salário como dado
e instrumento de política económica.

a) O principio a trabalho igual salário igual

Na determinação do valor da mesma deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade


do trabalho, observando-se o princípio de que, para o trabalho igual ou de valor igual, salário
igual.

O art. 24º CT consagra o direito à igualdade no acesso ao emprego e no trabalho, elencando,


de forma exemplificativa, fatores de causar discriminação, tais como a ascendência, idade,
sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil….

Art. 25º Quando há alguma discriminação deste tipo, o ónus da prova é do empregador,
invertendo a disposição geral do art. 342º, nº2 CC.

Já quando o trabalhador invoca a violação do princípio de salário igual, sem que invoque factos
de discriminação, cabe-lhe também o direito de fazer prova, nos termos do art. 342º, nº1.

Os princípios constitucionais sobre retribuição do trabalho. Art. 59º/1 a) CRP estabelece que
todos os trabalhadores, sem discriminação, tem direito à retribuição do trabalho, segundo a
quantidade, natureza e quantidade, observando-se o princípio de que para o trabalho igual
salário igual, de forma a garantir uma existência condigna.

Dois princípios respeitantes ao salário: o da equidade e o da suficiência.

O princípio de equidade retributiva que se traduz na fórmula para trabalho igual assume
projeção normativa direta e efetiva no plano das relações de trabalho. Ele significa,
imediatamente, que não pode, por nenhuma das vias possíveis atingir-se o resultado de, numa
concreta relação de trabalho, ser prestada retribuição desigual da que seja paga, no âmbito da
mesma organização, como contrapartida de trabalho igual. Nessa perspetiva, a jurisprudência
tem declarado o princípio como vinculante das entidades públicas e dos particulares.

Raízes deste princípio:

- Princípio geral da igualdade, art. 13º CRP

- Princípio da igualdade de tratamento

- Princípio da não discriminação, art. 13º/2 CRP

- Equidade salarial, art. 59º/1, a)

Significado do princípio de equidade salarial. Sentido geral do princípio: uma idêntica


remuneração deve ser correspondida a dois trabalhadores que, na mesma organização
ocupem postos de trabalho iguais, isto é, desempenhem tarefas qualitativamente coincidente,
em idêntica quantidade (duração). Salário igual em paridade funções, o que implica,
simultaneamente, identidade de natureza da atividade e igualdade do tempo de trabalho.
Assim, a retribuição aparece diretamente conexionada À posição funcional do trabalhador na
organização: o modo por que ele se insere na concreta articulação de meios através da qual a
empresa funcione confere-lhe um certo posicionalmente relativo na escala de salários. A uma
dada organização de trabalho corresponde uma definida organização de salários.

A identidade ou semelhança de funções não é necessariamente trabalho igual. Mesmo que os


postos de trabalho sejam idênticos, a prestação de trabalho pode ser diferente, exemplo, um
trabalhador pode ser mais pontual que outro ou mais produtivo.

A lei ordinária. Art. 59º/1, a) CRP

No que toca à igualdade retributivo, o facto qualidade do trabalho aponta no sentido da


relevância das características individuais da prestação do seu valor útil ou do seu rendimento.

Resumo: é admitida a atribuição de salário diferentes a trabalhadores da mesma categoria,


desde que se demonstre a diferença de qualidade da prestação, critérios fixados nos arts. 59º
da CRP.

Dois níveis problemáticos.

Normas ou critérios gerais – pautam a classificação das funções e o correlativo escalonamento


dos níveis de retribuição. Aí estão as convenções coletivas e as regras internas das empresas
como possíveis alvos do princípio da paridade. Art. 26º/1 CT. Os padrões remuneratórios têm
que ser gerais, colocando os trabalhadores da mesma organização em igualdade de
oportunidades.

No segundo plano, o da determinação do valor concreto da retribuição, entende-se


juridicamente possível a individualização do salário, com base em avaliação do mérito ou do
rendimento, segundo métodos objetivos e explicitados em termos genéricos – pela própria
natureza das coisas, em retribuição desiguais dentro da mesma categoria ou género de
trabalho.

b) A determinação qualitativa da retribuição

O problema. A multiplicidade das prestações.


Em muito casos, o trabalhador não recebe apenas da entidade patronal a quantia certa, paga
no fim de cada semana, quinzena ou mês, que vulgarmente se designa de salário, ordenado ou
vencimento (retribuição-base). Certo é que essa prestação regular e periódica é aquela que
não só pretende corresponder diretamente a uma certa medida da prestação de trabalho, mas
também acompanha uma dada satisfação de necessidades. No entanto, hoje são devidas
outras prestações pecuniárias (ou ganhos extrassalariais, prémios, subsídios, abonos).

|| Pág. 391 ||

c) O critério legal

Art. 258º e 260º

A noção legal de retribuição, conforme se deduz do art. 258º, será então a seguinte: o
conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar
regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada.

A retribuição é um conjunto dos valores, expressos ou não em moeda. Não se limita àquilo que
o trabalhador recebe por mês como contrapartida direta da atividade realizada nesse período.
Também cabe nela o valor de bens e do uso pessoal que, conjuntamente com uma parte
pecuniária, sejam entregues pelo empregador em contrapartida dos serviços obtidos. Art.
259º CT.

|| Pág. 392 ||

Deve incluir-se neste tipo de prestações o alojamento por vezes assegurado pelo empregador,
a alimentação.

O caráter obrigatório das prestações.

A segunda nota do critério legal de determinação qualitativa do salário consiste na


obrigatoriedade das prestações efetuadas pelo empregador.

Exige-se que as prestações sejam obrigatórias e decorrem da lei (art. 258º/1).

A periodicidade e regularidade das prestações.

Requer-se uma certa periodicidade ou regularidade no pagamento – embora possa ser diversa
de umas das prestações para outras.

Essa característica tem um duplo sentido indiciário: por um lado, sugere a existência de uma
vinculação prévia e, por conseguinte, de uma prática vinculativa; por outro, assinala a medida
das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente
entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.

A repetição do pagamento de certo valor e a convicção da sua continuidade e conduz a que o


trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expetativa – uma
expectativa que é juridicamente protegida.
A correspetividade. É necessário que exista correspetividade entre as prestações do
empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador – ou seja, noutros termos, que
essas prestações não tenham causa específica e individualizável, diversa da remuneração do
trabalho.

A função do critério legal

As várias finalidades da qualificação. Art. 258º

O âmbito do débito patronal. Saber se uma certa prestação tem caráter retributiva interessa,
em primeiro lugar, para determinar o âmbito da vinculação do empregador com base num
contrato de trabalho. Trata-se de responder a esta primeira pergunta: está o empregador
obrigado a cumprir tal prestação enquanto vigorar o contrato? Esta pergunta visa no seu
momento lógico, separar a obrigação de liberalidade e num segundo momento, concretizar o
âmbito da irredutibilidade que nos termos do art. 129º protege a retribuição.

Aquilo que, nesta primeira perspetiva, houver que considerar retribuição será insuscetível de
modificação unilateral pelo empregador. Tal suscetibilidade diz respeito não só ao valor mas
também ao título de atribuição patrimonial, no caso de ter o seu suporte na lei, em
instrumento de regulamentação coletiva ou em estipulação individual, e respeitará apenas ao
valor da prestação se ela assentar na regulamentação interna ou na prática continuada da
empresa.

O tempo do cumprimento. Pag. 396 e 397

Pag 398

Os componentes da retribuição

A retribuição base. A principal parcela da retribuição é aquela que se designa usualmente por
ordenado ou salário semanal, quinzenal ou mensal e que, como se disse, está afetada às
necessidades correntes do trabalhador.

Retribuição base - art. 262º/2, a) – é a contrapartida da atividade do trabalhador no período


normal de trabalho.

A periodicidade do seu pagamento é um ponto suscetível de estipulação individual; só que, em


regra, aparece coberto por regras constantes do regulamento interno ou pelos usos da
empresa. Note-se, entretanto, que a regulamentação coletiva manifesta há muito tempo uma
tendência generalizada no sentido da chamada mensualização do salário.

A retribuição base pode ser certa, variável ou mista (art. 261º), sendo certa a calculada em
função de tempo de trabalho (art. 261º/2), ou seja, dimensionada por certa unidade de tempo
– o dia, a semana, a quinzena, o mês – que pode até em ser integralmente preenchido por
serviço efetivo.

Pág. 400

As gratificações. Ao lado da retribuição-base, generalizaram-se gratificações de diversa


natureza, conhecidas pelas mais variadas designações: gratificação de balanço, subsídio de
pascoa, premio ou gratificação de assiduidade… sob a aparência de liberalidades
recompensatórias que o próprio termo gratificações sugere, trata-se realmente, na maioria
dos casos, de prestações salariais suplementares, caracterizadas por uma periodicidade
distinta da da retribuição base.

Trata-se de atribuições patrimoniais correlativas daquele salário. Art. 261º/2.

Aditivos e suplementos. Aditivos e suplementos especificamente previstos na lei e na


regulamentação coletiva quanto À remuneração do trabalho suplementar ou noturno, assim
como das prestações complementares correspondentes à prática de horários por turnos
(subsídios de turno), relativas a atividades perigosas (subsídios de risco) ou realizadas em
locais isolados…

As diuturnidades. Usa-se esse termo para designar o valor do complemento pecuniário a que o
trabalhador fica tendo direito desde que atinge aquela antiguidade (de categoria). Encarando a
diuturnidade como um prémio ou um estímulo, a jurisprudência não tem dúvidas em conferir-
lhe caráter salarial. Art. 262 CT

Outros suplementos – abano para falhas e o subsídio de refeição.

|| Pág. 404 e 405 ||

Art. 260º

O cálculo das mensalidades não diretamente não diretamente correspetivas. Há, depois, que
considerar a remuneração do período de férias, o subsídio de férias e o subsídio de férias e o
subsídio de Natal – prestações mensualizadas que, todavia, não têm direta correspetividade
com a prestação de trabalho nos períodos em que são devidas.

Trata-se de atribuições patrimoniais de carácter retributivo, mas que, ao contrário do


ordenado mensal e dos respetivos complementos, não tem uma relação de correspetividade
direita e contrata com certa prestação de trabalho, realizada em tempo e espaço definidos.
São valores que corrigem ou ajustam a retribuição global ao benefício auferido pela entidade
empregadora.

Art. 263º

Art. 258º

|| Pág. 406 ||

No que toca à remuneração do período de férias, a questão é simplificada pelo facto de a lei
apontar para uma ficção integral da normal execução do contacto. O trabalhador tem direito a
receber o que receberia se trabalhasse normalmente no período em que goza as férias. A
única dificuldade que se suscita é a da determinação da parte variável da retribuição, uma vez
que a sua normal base de cálculo não existe. Calcula-se com base nas comissões auferidas, um
valor médio para integrar a remuneração das férias.

|| Pág. 407 ||

Alteração da estrutura da retribuição

O princípio. A retribuição pode ter uma estrutura mais complexa: nela caberão prestações de
dinheiro e de géneros ou utilidades diretas; valores fixos e variáveis; atribuições patrimoniais
exigíveis segundo periodicidades diferentes. A composição da retribuição pode, além disso,
derivar diretamente das estipulações individuais, ou também de convenção coletiva,
regulamento interno a até uso da empresa (art. 258º/1 CT).

Desde que não resulte modificado o valor total da retribuição (art. 129º/d), a estrutura dela
pode ser unilateralmente alterada pelo empregador, mediante a supressão de algum
componente, a mudança da frequência de outro, ou, ainda, a criação de terceiro. Todavia, a
alteração unilateral só é admissível, a nosso ver, quando se refira a elementos fundados nas
estipulações individuais ou nos usos, excluindo-se, por conseguinte, os que derivem da lei ou
da regulamentação coletiva. Por outro lado, a alteração por decisão unilateral do empregador
só pode considerar-se lícita se, face às circunstâncias concretas em que se processe, não for de
molde a afetar o equilíbrio contratual. A retribuição pode, nesses casos, ser potencialmente
reduzida pela diminuição da percentagem ou pelo desvio do vendedor para outros produtos. O
princípio da irredutibilidade não é, exclusivamente, de aplicação estática.

A modificação da estrutura da retribuição traduzir-se-á, em regra, no acréscimo da parte


pecuniária fixa, mediante a eliminação de prestações em espécie ou de caráter variável. Esse
acréscimo terá que operar-se por aplicação dos critérios e métodos utilizáveis na
determinação quantitativa da retribuição.

A determinação quantitativa da retribuição

A retribuição pode ser parcial ou variável (art. 261º CT); por outro lado, verifica-se algumas
vezes que o salário não é expressamente estipulado, ou o seu ajuste é apenas verbal, não
havendo facilidade de prova posterior.

Fixação da retribuição. A indeterminação do salário está em contradição com o caráter


essencial da retribuição como elemento do contrato de trabalho. Em termos extremos, aquela
situação pode mesmo ocorrer em casos relativamente aos quais não exista sequer norma
legal, regulamentar ou convencional que cubra o silêncio das partes. Deverá ter-se por nulo o
contrato de trabalho (dada a falta de um dos elementos essenciais)? A própria lei dá pronta
resposta negativa no art. 272º/1: o julgador deverá mesmo naquelas condições, fixar o
montante da retribuição. Embora indeterminado, o salário é pois sempre tido como
determinável. Para o preenchimento de tal objetivo, haverá que recorrer a um conjunto de
fatores, de entre os quais salientaremos o nível salarial praticado para profissão ou categoria
idêntica, em atividade económica afim e na mesma região; aos usos profissionais e regionais,
aos usos da empresa.

O cômputo da retribuição variável. Questão é da determinação da retribuição que não é fixa


ou certa, mas variável. Aqui pressupõe-se a existência de uma estipulação contratual, sabe-se
à partida que as partes tiveram em mente uma certa fórmula salarial, mas a aplicação dessa
fórmula conduz a resultados variáveis de mês para mês, de semana para semana etc. o
problema põe-se sobretudo quando é necessário obter, a partir desses valores variáveis, um
quantitativo fixo que sirva de base ao calcular de indemnizações ou créditos salariais passados.

Para isso fim, estabelece o art. 261, nº3 que deverá calcular se a média dos valores
correspondentes aos últimos 12 meses e ao tempo de execução do contrato de, se for inferior,
e que a fixação da retribuição variável quando não deva praticar, se aquilo processo se fará
conforme a regulamentação aplicável ou por dentro arbítrio do julgador.
Queremos que a aplicação deste mecanismo se proceda por vezes de modo errôneo. Tudo
está em assentar numa noção clara de retribuição variável, pois é esta, e só esta, que a lei
associa ao cômputo em média dos últimos 12 meses. A retribuição variável é a que, como tal,
foi estipulada e depende de fatores variáveis ligados ao resultado da prestação de trabalho ou
da atividade da empresa, exemplo: comissões. Tem outra natureza as prestações
remuneratórias incertas, que dependem de circunstâncias episódicas, como a prestação de
trabalho suplementar ou de trabalho noturno não pré definidas como elementos da atividade
normal do trabalhador. Desde cálculo, poderão ser igualmente excluídas prestações que pela
sua razão de ser, estejam circunstancialmente ligadas ao serviço prestado de facto, exemplo
do subsídio de refeição.

É forma, lugar e tempo do comprimento

Meios de pagamento. A retribuição deve ser paga, total ou parcialmente em dinheiro, não
podendo a parte não pecuniária ser superior a metade do total, art. 259. Resulta daí desde
logo, que se as prestações em espécie ultrapassarem aqui limite, um empregador nem por isso
se há-de considerar exonerado do pagamento do valor excedente em dinheiro e o trabalhador
pode reclamá-lo por via judicial.

A nossa lei assume perante a questão, se deve ser admissível do que o cumprimento da
obrigação retributiva mediante cheque ou transferência bancária, uma atitude largamente
permissiva. Segundo o art. 276, nº2 faculta ao empregador o pagamento por cheque bancário,
vale postal ou depósito à ordem do trabalhador, independentemente de consentimento deste.
A lei exige que o valor da retribuição todavia esteja disponível na data do vencimento ou no
dia útil anterior art. 278 nº4, e que as despesas efetuadas pelo trabalhador para reembolsar ou
remunerar o correspondente sejam suportadas pelo empregador art. 276 nº2.

Lugar do cumprimento. A regra concernente ao pagamento das obrigações pecuniárias é a


domicílio do credor, art. 774 do código civil. A regra superlativa já que sob o ponto da
prevalência o acordo das partes. Relativamente à retribuição devida por contrato de trabalho,
é a regra aplicável no silêncio das partes: o pagamento deve ser feito no local de trabalho, ou
seja, no estabelecimento ou noutro lugar em que o trabalhador preste serviço, art. 277, nº1.

Tempo de pagamento. O Tempo pode desempenhar dupla função relativamente ao salário: a


de unidade de medida e de unidade de vencimento. Significa isto que a retribuição pode ser
estipulada com base na hora ou no dia de trabalho e, no entanto, vencer-se ou tornar-se
exigível, somente de semana a semana ou de mês a mês. O regime do tempo de cumprimento
das obrigações salariais diz obviamente respeito esta perspetiva. Abrange não apenas a
periodicidade do vencimento mas também a localização do momento em que a retribuição
deve ser paga, art. 278.

De qualquer modo, este regime pressupõe o princípio da anterioridade da prestação do


trabalho em relação ao pagamento da retribuição, de onde resulta face ao nexo sinalagmático
existente entre as 2 prestações, uma situação de uma certa desigualdade favorável à entidade
patronal: esta pode exprimir-se ao cumprimento total ou parcial da retribuição se, no período
correspondente, tiver faltado ou sido incompleta a disponibilidade da força de trabalho. Mas o
trabalhador já terá cumprido a sua parte quando se verificaram não pagamento da retribuição
correspondente. À exceção de não cumprimento do contrato, art. 428 do código civil jogará
em benefício do empregador. O trabalhador apenas poderá fazê-la funcionar fora da
correlação existente entre a unidade de vencimento e o salário: ou seja, poderá negar o seu
trabalho somente depois de ter decorrido o período de serviço não pago, ficando assim
posição relativamente menos consistente.

A prescrição dos créditos salariais

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Os deveres acessórios do empregador

Os deveres acessórios. Tal como o trabalhador, também o empregador tenho deveres


acessórios de conduta, fundados na situação de integração do trabalhador na organização
produtiva ordenada e dirigida por aquela entidade. Tal como a propósito da posição
obrigacional do trabalho, não vamos aqui abordar os deveres secundários em relação à
obrigação de pagamento do salário, mas sim apenas os deveres patronais que podemos
designar por acessórios. Há aqui que sublinhar uma particularidade: vários deles não estão
funcionalmente ligados a obrigação retributiva mas sim, aos requisitos de exigibilidade da
prestação do trabalho ou ao quadro ambiental em que a atividade do trabalhador vai inserir-
se, constituindo portanto, condições materiais e sociais à sua execução.

a) Dever de respeito, urbanidade e probidade

Tal como o trabalhador, o empregador deve comportar-se, no seu relacionamento pessoal


com o trabalhador, de modo adequado à manutenção de um ambiente normal de trabalho.
Deve respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade, art. 126 nº1- a. Este, ele é
responsável pela criação de boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral. O
exercício da autoridade patronal tem assim, que conjugar-se com a salvaguarda da dignidade
pessoal do trabalhador. O incumprimento deste dever situa-se num nível de sensibilidade
inferior ao correspondente ao assédio. Não é necessário que o tratamento dado ao
trabalhador seja qualificável como assédio para que o comportamento do empregador, ou dos
seus representantes, possa considerar-se violador do dever de urbanidade, e até suscetível de
preencher justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador. Um critério
adjuvante de diferenciação relativamente ao assédio poderá constituir no facto de se tratar de
manifestação isolada desrespeito ou mesmo de agressividade verbal mas não de um
comportamento continuado, como é característico do assédio.

b) Dever de cuidado e de prevenção

Ao criar, organizar e dirigir a empresa, o empregador cria riscos: não apenas um risco
económico do negócio mas também o risco para a segurança das pessoas que vão estar
integradas no processo produtivo. Estes riscos são de gravidade muito variável, mas existem
sempre, mesmo nos ambientes de trabalho onde é menos fácil imaginar acidentes ou doenças
relacionadas com o trabalho. Compreende-se que a lei atribua ao empregador obrigação de
organizar e pôr em prática as medidas adequadas à prevenção dos riscos profissionais.

Local de trabalho constitui o ambiente em que o trabalhador passa grande parte do seu
tempo. Portanto, sob o ponto de vista do bem-estar e da realização pessoal que se associam
ao trabalho, como na própria perspetiva da produtividade, a qualidade do ambiente oferecido
pelo empregador não é um elemento neutro nas relações de trabalho.

Exige-se por isso ao empregador, comportamentos previstos no art. 128, que podem ser
englobados ou que se designação de deveres de cuidado e de prevenção e correspondem, ao
conteúdo atribuído na doutrina e na jurisprudência, ao dever de assistência ou proteção do
empregador: estavam empregador assegurar as condições de higiene, de saúde e de
segurança do local de trabalho, nomeadamente pela observância das exigências legais e
regulamentares que visam a prevenção de acidentes de trabalho e de doenças profissionais,
além de lhe ser exigível que oferece aos trabalhadores o melhor ambiente de trabalho
possível, sobre os pontos de vista social e ético. Neste sentido, é exigível que o empregador
ate no sentido de prevenir e reprimir situações como as que estão descritas no art. 351, nº2,
ou as situações de assédio laboral art. 29, desde que naturalmente as conheça. É ainda exigível
ao empregador que tome medidas possíveis para favorecer a conciliação da atividade
profissional com a vida familiar e pessoal dos trabalhadores, art. 127 de nº3.

Nesta perspetiva, os poderes de controlo e disciplina que integram o estatuto do empregador


devem ser usados ao serviço da salvaguarda das referidas condições ambientais, físicas e
psicológicas, que são verdadeiros poderes deveres, cujo não exercício as suscetível de envolver
responsabilidade própria para o empregador, nomeadamente nas situações de assédio.

c) Dever de ocupação efetiva

A cooperação do empregador. A execução do contrato implica, da parte do empregador, o


fornecimento das condições materiais indispensáveis ao exercício da atividade prometida pelo
trabalhador. Incluem-se aqui a definição da categoria e da função a exercer, do local e do
tempo de trabalho, e ainda o fornecimento das matérias-primas instrumentos e máquinas
necessárias à laboração.

É sabido que, para se tornarem viável a prestação efetiva do trabalho, não basta que o
trabalhador se coloca à disposição para ela, é necessária ainda a cooperação do empregador
que se traduzirá na oferta das aludidas condições materiais e organizativas. Trata-se de uma
ilustração particularmente nítida da cooperação creditória que a lei prevê tendo em vista ao
cumprimento das obrigações, artigo 813 do código civil. Nos termos da lei civil, a omissão pelo
credor sem motivo justificado dos factos necessários ao cumprimento da obrigação faz o
mesmo credor incorrer em mora, o que, na perspetiva própria das relações de trabalho, tem
como consequência que o trabalhador fique, durante a mora, dispensado da prestação de
trabalho, conservando o direito à retribuição.

A falta de oferta pelo empregador das condições necessárias para a prestação de trabalho faz
com que se torne possível como consequência que ele não receba essa prestação e continua a
dever o salário.

O dever de ocupação efetiva. Mesmo que tenha sido completa a cooperação do empregador
na criação inicial das condições para que o trabalhador realize a prestação de trabalho, pode
acontecer que o segundo seja remetido à inatividade, ou a uma atividade diferente da normal
e destituída de conteúdo útil. É uma hipótese suscetível de se fundar na falta de trabalho, ou
noutras circunstâncias impeditivas, mas também possível em ambientes de trabalho
deteriorados no desenvolvimento de hostilidade dentro do trabalhador e o empregador ou
hierarquias, ou mesmo em situações de assédio. A questão que, há uns tempos, suscitou foi a
de saber-se, face ao direito positivo, seria viável construir um dever de ocupação efetiva do
empregador.

Ninguém põe em dúvida desde logo, existência de profissões em que a prestação de trabalho
efetivo corresponde a interesses vitais do trabalhador, podendo ainda a atividade injustificada
causar desvantagens profissionais e pessoais sérias. Exemplo, artistas atores de trabalhadores
de espetáculos em geral.
O que passei efetiva corresponde a interesses concretos, na ordem profissional ou na ordem
moral, de qualquer trabalhador, máxime, cada função se ajusta às suas específicas aptidões e
preferências. Quando um indivíduo inicia uma relação de trabalho, visa decerto,
independentemente da obtenção de rendimento de que carece, o exercício efetivo de uma
atividade profissional que, para além de eventualmente, lhe oferecer a realização pessoal e
reconhecimento social, é a condição da sua futura empregabilidade e que por consequente
fator de segurança económica. A inatividade forçada constituem regra um fator de
desvalorização pessoal e profissional para o trabalhador.

Assim, no plano ético social, é reconhecível como legítima e digna a proteção à aspiração do
trabalhador a ocupação efetiva correspondente à atividade contratada.

Dever de ocupação e cooperação patronal. O reconhecimento de um dever de ocupação


efetiva a cargo do empregador tem consequências adicionais relativamente acho que se
associam à cooperação creditória devida pelo mesmo empregador.

A cooperação do empregador incide desde logo no momento da admissibilidade do


trabalhador e condiciona todo o desenvolvimento da relação de trabalho. Traduz-se na
atribuição de uma função de um posto de trabalho correspondente, como fornecimento das
adequadas condições materiais e organizativas. Se aquela atribuição não é feita, e ainda se
estas condições não são fornecidas ou sofrem de interrupção, a prestação de trabalho torna-se
impossível e, se o empregador não dispõe de motivo justificado, incorrerá e mora com efeito
do já referido.

Diversamente, o dever de ocupação opera como verdadeiro dever de prestação do


empregador. Radicado no contrato de trabalho, traduz-se na exigência de que seja dada e
mantida ao trabalhador a oportunidade de exercer efetivamente a atividade estipulada,
salvadas situações especiais, como as resultantes do encerramento temporário da fábrica, Por
exemplo, que justificam a não ocupação efetiva. Põe assim, o reconhecimento da existência de
interesses relativos e dignos de proteção do trabalhador na efetiva execução do trabalho para
que foi contratado, servindo de fundamento a um direito do trabalhador e a uma obrigação
contratual do empregador. A não ocupação injustificada surge com violação contratual, tendo
como consequência, para além da continuidade do direito ao salário, responsabilidade do
empregador pelos prejuízos eventualmente emergentes para o trabalhador.

Uma obrigação contratual. É evidente que o dever de ocupação efetiva não tem por objetivo
fazer trabalhar o trabalhador em quaisquer circunstâncias, mesmo quando não há trabalho
para lhe dar, tendo em conta as suas qualificações, seu estado físico e psíquico, para além da
organização racional do trabalho na empresa e da tecnologia por esta utilizada. Para que se
possa exigir ao empregador que mantenha o trabalhador em atividade é necessário que, nas
circunstâncias concretas de cada momento, haja trabalho para lhe dar.

A proibição do artigo 129. A existência, no exercício efetivo de atividade profissional, de


implicações pessoais e sociais positivas, que segundo queremos, ninguém discute, não é
suficiente para que se possa sem mais considerar verificado o núcleo de interesses relevantes
sob o ponto de vista jurídico, importa obviamente verificar se tais implicações são ou não
reconhecidas pelo direito positivo.

Mas a verdade é que, há na lei, uma valoração expressa inequívoca da ocupação efetiva do
trabalhador. O artigo 129 inclui entre as garantias gerais dos trabalhadores a proibição, dirigida
ao empregador, de obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho.
Trata-se de uma obrigação abstensiva, que tem por objeto a não criação de impedimento ou
obstáculos à prestação de trabalho.

|| Página 431, 432 e 433 ||

d) Dever de formação continuada

O artigo 127, nº1-d atribui ao empregador o dever de contribuir para a elevação do nível de
produtividade e empregabilidade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe
formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação. Esta obrigação é retomada
nos artigos 131 e seguintes, onde se desenvolvem as responsabilidades do empregador em
matéria de formação contínua dos trabalhadores ao seu serviço.

O empregador é expressamente incorporado no sistema de formação profissional, como


agente de formação contínua, destinada ao desenvolvimento das qualificações do trabalhador.
Neste papel cabe-lhe obrigações recortadas com um certo rigor, como a de assegurar a
formação anualmente, a um mínimo de 10% dos trabalhadores da sua empresa e é de garantir
que cada um deles tem no mínimo 40 horas anuais de formação certificada, artigo 131,
número 2 a número 5.

Cabem do empregador elaborar um plano de formação anual ou plurianual, com base nas
necessidades das qualificações dos trabalhadores e mediante informação e consulta a cada um
dos trabalhadores envolvidos, além da comissão de trabalhadores.

Página 435

Capítulo 11 – OS PODERES DO EMPREGADOR

1. A autoridade patronal; 2. Os poderes do empregador

A autoridade patronal. Como detentor dos restantes meios de produção e empenhado num
projeto de atividade económica, o empregador obtém, por contratos, a disponibilidade de
força de trabalho alheio. Daí deriva que fique a pertencer-lhe uma certa autoridade sobre as
pessoas dos trabalhadores. De um modo geral, diz o art. 11º CT, estes ficam no âmbito de
organização e sob a autoridade do empregador. Assim, a posição patronal carateriza-se,
latamente, por um poder de organização, direção e controlo legalmente reconhecido.

Essa ampla posição de poder desdobra-se em várias faculdades, apenas implícitas no art. 11º,
mas delineadas e reguladas com algum detalhe pela lei.

Os poderes do empregador. A situação subsequente à celebração de um contrato de trabalho


permite identificar os seguintes vetores da posição jurídica do empregador:

(pag. 440, 441)

I. Poder regulamentar

Noção. Os instrumentos regulamentares do empregador. O procedimento legal. A possível


incidência contratual.

Noção. O empregador está legalmente habilitado a exercer os seus poderes de direção,


organização e disciplina do trabalho através de determinações gerais e abstratas, isto é,
emitindo regras que, em vez de serem transmitidas como atos diretivos, a cada trabalhador,
são levadas ao conhecimento geral do pessoal, por afixação ou distribuição.

Essas regras podem, assim, como adiante se dirá, constar de instrumentos comunicacionais
diversos, mas podem também ser estabelecidas por meio de um instrumento único, dotado de
aplicabilidade genérica aos elementos que constituem a organização: o chamado regulamento
interno. Este poder regulamentar do dador de trabalho refere-se à organização e disciplina do
trabalho e só se justifica, em via de regra, nas empresas de maiores dimensões e
complexidade.

Nestas, com efeito, os poderes reconhecidos genericamente ao empregador – a autoridade de


que fala o art. 11º - aparecem, por força, fracionadas pelos vários níveis de uma hierarquia: a
orientação do trabalho, nomeadamente, deixa de poder imputar-se, na prática, à vontade e
ao critério de uma só pessoa. A figura clássica do empregador dilui-se, de facto, na organização
hierárquica da empresa, em que se inserem dirigentes, beneficiários da delegação de certa
medida dos poderes patronais. Este quadro explica também, de determinado angulo, a
necessidade de um conjunto de regras básicas, alusivas à organização e à disciplina do
trabalho, que uniformizem processos, critérios e diretrizes de funcionalmente, dentro das
exigências globais da empresa.

Os instrumentos regulamentares do empregador. Ao lado do regulamento interno há que


apontar outras expressões formais do poder regulamentar, com âmbito mais restrito e,
porventura, círculos de destinatários mais específicos, mas sempre com caráter genérico e
abstrato. São as ordens de serviço, comunicações ou instruções de serviço, usualmente
emitidas pelos órgãos de gestão, mas podendo também ser oriundas de titulares da hierarquia
da empresa, reportando-se, neste ultimo caso, a setores ou departamentos definidos.

Através desses documentos, são estabelecidos, de modo mais ou menos avulso, regras de
funcionamento e critérios de interpretação e aplicação de normas a que a empresa se
encontra sujeita; são estabelecidos organigramas, cadeiras hierárquicas, quadros de pessoal,
delegações de competência; como podem, enfim, ser formalizados atos de gestão de natureza
mais concreta, por exemplo nomeações, transferências, promoções, substituições
temporárias, ect…

Apesar da diversidade do conteúdo e da amplitude destes atos genéricos de direção ou


organização, julga-se possível reconduzir todos eles – desde o regulamento interno até à
ordem de serviço que formaliza uma promoção – a uma só categoria jurídica, isto é, à daqueles
que exprimem o exercício do poder regulamentar do empregador, com apoio, não na natureza
do conteúdo de cada um deles, mas no fundamento da sua legitimidade e na forma que
condiciona a sua eficácia.

Assim, não basta que se forme a decisão ou deliberação no sei do órgão competente, ainda
que com plena observância de regras estatutárias, para que ela se transforme em
determinação eficaz. O regulamento interno e, com ele, as ordens e instruções de serviço,
são declarações recetícias, o que significa que necessitam ser levadas ao conhecimento dos
destinatários – naturalmente pela via instituída na organização – para que produzam os seus
efeitos. A publicação é, pois, o estádio pelo qual se perfeciona o ato diretivo e, igualmente,
aquele em que se torna eficaz.

O procedimento legal. A lei impõe um certo procedimento mínimo para a elaboração do


regulamento interno: a audição prévia da comissão de trabalhadores ou outra estrutura
interna de representação coletiva do pessoal (art. 99º/2 CT). Como expressão unitária do
poder regulamentar do empregador, está submetido à exigência de consulta prévia da
estrutura que mais autenticamente representante o conjunto dos trabalhadores da
organização.

Mas trata-se de um requisito unicamente respeitante À hipótese de regulamento interno


propriamente dito, ou seja, de um documento em que, de modo mais ou menos exaustivo, se
compendiem as regras respeitantes aos vários aspetos do funcionamento dos serviços. A
aplicação do art. 99º só é indiscutível no caso dos chamados regulamentos gerais de empresa
ou regulamentos internos, verdadeiros códigos de conduta pormenorizados, com não raras
implicações contratuais, e que incorporam o propósito de consagrar uma espécie de
ordenamento privativo da empresa. Aponta, de resto, nesse mesmo sentido a própria
expressão utilizada no art. 99º/2: regulamento interno de empresa.

O regime contido no art. 99º não deve, porém, ter-se por globalmente aplicável a todos os
tipos de instrumentos regulamentares produzidos pelo empregador: algumas instruções de
serviços podem ter difusão limitada a certo ou certos setores da empresa, muitas ordens de
serviço não têm implicações que justifiquem a audição da comissão de trabalhadores, por não
contenderem, direita ou indiretamente, com o volume e as condições de emprego.

Assim, a necessidade de audição da comissão de trabalhadores deve ser parametrizada pelo


conteúdo do direito de consulta a que se refere o art. 425º CT. Nem outra coisa faria sentido.
Na verdade, aquela audição não tem como razão de ser o controlo da legalidade dos atos
regulamentares do empregador, mas a possibilidade de eles produzirem efeitos negativos,
diretos ou indiretos, sobre os interesses dos trabalhadores. Só os atos regulamentares que
tenham esta potencialidade devem considerar-se no âmbito da exigência de prévia apreciação
pela estrutura que representa aqueles interesses.

A possível incidência contratual. O exercício do poder regulamentar pode, como é natural,


interferir na definição das condições de trabalho e, através delas, no conteúdo dos contratos
de trabalho. Ao lado de regras de natureza técnica, organizacional, comercial, podem surgir
outras que ampliam ou restringem os comportamentos contratualmente exigíveis aos
trabalhadores, e ainda outras que configuram o sistema remuneratório, introduzindo
condições de acesso a prémios, a comissões, a acréscimos salariais por antiguidade…

Estas regras tem objeto claramente contratual. Trata-se de uma possibilidade expressamente
admitida pela lei. Como atrás se observou, o regulamento interno pode funcionar como
proposta contratual do dador de trabalho, considerando-se celebrada – ou modificado – o
contrato pela simples adesão, expressa ou tácita, do trabalhador (art. 104º CT).

O exercício do poder regulamentar do empregador pode redundar na modificação unilateral


do contrato de trabalho, legitimada pela presunção de aceitação do trabalhador que não
reage. Esta última circunstância implica que as normas constantes de regulamento interno
devam subordinar-se À regulamentação legal e convencional das relações de trabalho- por
outro lado, justifica as mencionadas exigências de audição prévia da estrutura de
representação unitária dos trabalhadores na empresa (art. 99º/2) e de publicitação na sede da
empresa e nos locais de trabalho (art. 99º/3).

A lei admite ainda que, por convenção coletiva, seja tornada obrigatória a elaboração d
regulamentos internos quanto a determinadas matérias (art. 99º/4). A hipótese parece pouco
clara e a lei nada diz sobre o género de matéria que pode estar em causa. Julga-se que se trata
sobretudo de conferir natureza geral e abstrata a decisões pontuais do empregador com
influência nos interesses dos trabalhadores, reduzindo assim as margens de arbítrio e de
eventual diferenciação; ou, numa segunda hipótese, de forçar o empregador a exercer em
certo sentido, considerado do interesse geral, os seus poderes de autoridade. Exemplo desta
segunda possibilidade é a exigência legal de que o empregador adote nos códigos de conduta
para a prevenção e combate ao assédio no trabalho.

II. Poder disciplinar

a) Noções gerais

O conteúdo do poder disciplinar. Por fim, cabe referir, pela sua importância e delicadeza dos
problemas que levanta, o poder disciplinar.

Consiste ele na faculdade, atribuída ao empregador, de definir regras de comportamento


pessoal para os trabalhadores, verificar o cumprimento dessas regras e – tipicamente - aplicar
sanções internas aos trabalhadores cuja conduta conflitue com esses padrões de
comportamento ou se mostre inadequada À correta efetivação do contrato. Diz-se, então,
que ocorre uma infração do contrato.

Assim, o empregador dispõe da singular faculdade de reagir, por via punitiva e não
meramente reparatória ou compensatória, À conduta considerada censurável do trabalhador,
no âmbito da empresa e na pendencia do contrato.

A sanção disciplinar tem, sobretudo, um objetivo conservatório e intimidativo, isto é, o de se


manter o comportamento do trabalhador no sentido adequado ao interesse da empresa. Visa,
em primeira linha, a prevenção especial e geral. Não pode, pois, ser conceituada como reação
de sentido reparatório, destinada a atuar sobre certa situação materialmente em desacordo
com a consecução do escopo económico do dador de trabalho. É, antes, uma relação que visa,
em primeiro linha, a pessoa do trabalhador, de modo a reprimir a sua conduta inadequada, a
levá-lo a proceder de harmonia com as regras de disciplina, reintegrando-o assim no padrão de
conduta visado.

O regime do poder disciplinar encontra-se, no Código do Trabalho, enquadrado no capítulo


respeitante ao incumprimento do contrato (art. 323º e ss), ao lado da matéria respeitante ao
incumprimento das prestações pecuniárias a cargo do empregador.

O poder disciplinar constitui uma prerrogativa do empregador, mas tanto é exercido por este
como pelos superiores hierárquicos do trabalhador (art. 329º/3) mas também À própria
qualificação das condutas do trabalhador como infrações disciplinares (art. 331º).

O fundamento do poder disciplinar. A ação disciplinar se reveste no campo das relações


privadas.

Este poder fundamenta-se porque a integração do trabalhador numa organização implica a


sujeição dele a regras de conduta correspondentes Às exigências próprias da mesma
organização, isto é, destinadas a manter a coesão e a articulação funcional dos elementos
produtivos que a constituem.

A verdade, porém, é que a mencionada prerrogativa é reconhecida pela lei às entidades


patronais independentemente da existência de organização empresarial, ou mesmo de
qualquer outro tipo de organização de meios. É possível, naturalmente, ficcionar o aspeto
organizativo mesmo nas relações de trabalho mais elementares – como as que se processam
entre indivíduos, visando a satisfação de necessidades pessoas e privativas de um deles.

Posição adotada. Não se pode explicar o poder de disciplina sem direta ligação À estrutura das
relações de trabalho, tal como resultam do correspondente contrato. Vimos que por este se
transfere a disponibilidade da força de trabalho de uma pessoa para outra. O exercício efetivo
dessa disponibilidade implica uma modelação da vontade do trabalhador pelos ditames do
beneficiário do seu trabalho: o uso da força de trabalho passa pela pessoa do trabalhador. É
evidente, em terceiro lugar, que tal uso se não traduz simplesmente em fazer trabalhar, em
determinados tempos e lugares, com exata correspondência no processo global de laboração
programado. Isto envolve, ou pode envolver, a necessidade de condutas, e mesmo
abstenções, que não são apenas o trabalho especificado mas antes exprimem condições do
seu uso. Ora o trabalhador pode não cumprir alguma dessas regras – tornando-se, quanto a
ela, indisponível, ou noutros termos, orientando a sua vontade de forma desviada em relação
À da entidade patronal.

A ação disciplinar surge então como um conjunto de medidas destinadas a agir, de modo
contraposto, sobre a vontade do trabalhador, procurando modificá-la no sentido desejado –
isto é, procurando recuperar a disponibilidade perdida ou posta em causa. As sanções
disciplinares não têm, pois, primariamente, finalidade retributiva – isto é, não se destinam
apenas a retribuir a falta com um prejuízo – mas eminentemente preventiva. Por outro lado,
elas têm também uma função conservatória da vinculação entre entidade patronal e
trabalhador, na medida em que se destinam a repor a situação de disponibilidade acime
referida e, com ela, as condições de viabilidade do contrato de trabalho. Daqui resulta, além
do mais, que o despedimento do trabalhador só poderá considerar-se harmónico com a
conceção legal do poder disciplinar quando se mostre inviável ou inútil qualquer das sanções
cuja aplicação pressupõe a permanência do vínculo (a sanção pecuniária, por ex.).

b) A infração disciplinar

Noção. A lei não fornece uma noção mas indica tipos avulsos de infração: veja-se o art. 256º/2
CT. Não atua, em direito disciplinar laboral, nenhum princípio de tipicidade. A verificação da
ocorrência de uma infração disciplinar depende sempre da constatação de certos factos,
enquadrados nas suas circunstâncias de tempo e de lugar, e de um juízo concreto acerca da
sua adequação À ordem disciplinar da organização. Neste sentido, cada infração é um
fenómeno isolado que não comporta, relativamente aos critérios de valoração utilizados,
nenhuma regra senão a da coerência, ou seja, a regra da compatibilidade do juízo disciplinar
sobre certa conduta do trabalhador com os juízos disciplinares anteriormente incidentes sobre
condutas de natureza idêntica verificadas na mesma organização.

Por outro lado, a infração disciplinar tanto pode consistir numa ação como numa abstenção
ou omissão. O trabalhador está, com efeito, vinculado à observância de deveres de conduta
que envolvem atos e abstenções. Todas as obrigações assumidas pelo trabalhador no quadro
do contrato de trabalho, incluindo a obrigação de trabalho, estão, pois, dentro do perímetro
da ação disciplinar.

As infrações passivas, isto é, as que são constituídas por omissões, assumem particular
relevância no caso dos dirigentes e, em geral, dos responsáveis hierárquicos da organização,
na medida em que lhes cabe, entre outras atribuições, o exercício em concreto de uma parte
dos poderes-deveres patronais. Um ex.: a prevenção e repressão do assédio, por se tratar de
fenómenos muito centrado nos ambientes de trabalho, cabem, em primeiro linha, no âmbito
da responsabilidade dos dirigentes e chefias, em função do conhecimento que tenham de
factos que mereçam a aludida qualificação. A não intervenção por parte deles pode constituir
infração disciplinar de particular gravidade.

As condutas extralaborais. Em princípio, o poder disciplinar incide somente sobre ocorrências


que se verifiquem no local e no tempo de trabalho. São qualificáveis como infrações
disciplinares os atos e omissões do trabalhador enquanto – ao serviço, como diz o art. 98º CT
– ou seja, praticados no tempo e nas horas de trabalho. Fora desse perímetro, a subordinação
deixa de existir o trabalhador recupera a autodisponibilidade, fica fora do alcance do poder
patronal.

Este princípio é válido no que respeito À direção e organização do trabalho, que se contém nos
referidos limites – ressalvado o caso de uma ordem de prestação de trabalho suplementar a
que, nos termos do art. 227º/3, o trabalhador deva obediência. Mas o dever de lealdade,
entendido como se notou, é de âmbito muito mais vasto. Uma vez que esse dever interdita
ao trabalhador comportamentos suscetível de aniquilarem o interesse contratual do
empregador, torna-se evidente que ele estende o seu alcance para além dos limites do
tempo e do local do trabalho. Se, no seu tempo livre, o trabalhador adota procedimentos
capazes de produzirem o descrédito público da empresa ou dos seus produtos; ou se dedica
mesmo a concorrer com o empregador na venda de produtos; ou se dedica mesmo a
concorrer com o empregador na venda de produtos idênticos, ou de outras marcas; ou ainda
se, exercendo profissão que contende com a segurança de pessoas, adotar publicamente
comportamentos desregrados que possam gerar desconfiança quanto às prestações da
empresa, estará a violar o seu dever de lealdade e, por conseguinte, a colocar-se ao alcance
da ação disciplinar patronal.

Subsistem, para além dos limites do horário e do tempo de trabalho, os deveres de correção
(respeito e urbanidade) a que se refere o art. 128º/1-a. Se o trabalhador dirige cartas ou
mensagens injuriosas ao empregador, escritas fora do ambiente de trabalho, estará a violar
esses deveres. Se, deparando na rua com uma chefia da empresa de quem tem queixas, o
trabalhador a aborda de modo ameaçador ou mesmo a agride, estará, do mesmo modo e pelo
mesmo título, ao alcance da ação disciplinar do empregador.

c) As sanções disciplinares

O elenco legal. Existe um elenco legal de sanções (art. 328º/1) que inclui a repreensão, a
repreensão registada, a sanção pecuniária, a perda de dias de férias, a suspensão do
trabalho com perda de retribuição e antiguidade e o despedimento imediato sem qualquer
indemnização ou compensação. Entende-se, todavia que outros tipos podem ser fixados por
instrumento de regulamentação coletiva.

A tipologia legal de sanções disciplinares suscita algumas observações de pormenor.

A repreensão, enquanto sanção, só pode ser entendida como um ato dotado de certa
solenidade, praticado em presença do coletivo de trabalhadores, e envolvendo, nesses termos,
um certo grau de penalização moral para o visado. Mesmo nessa configuração, porém, não
parece compatível com exigências procedimentais complicadas, que vão além da audiência
prévia exigida pelo art. 329º/6 CT.
A repreensão registada, por seu turno, parece requerer documento escrito que se destine a
ser registada ou inserido no processo individual do trabalhador. De qualquer modo, inclui um
momento formação que parece pouco compatível como a mera expressão oral.

A sanção pecuniária corresponder à antiga multa e tem a particularidade de implicar a


prestação de trabalho gratuito, pois se efetiva através de descanso no salário. Todavia, a
importância pecuniária respetiva tem que ser remetida pelo empregador ao Instituto de
Gestão Financeira de Segurança Social (art. 330º/3).

O mesmo não ocorre com as retribuições não pagas em consequências da aplicação da


suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade: essas são retidas pelo
empregador, mas este é obrigado a pagar À Segurança Social, por inteiro, as contribuições a
seu cargo e a descontar na retribuição remanescente a que o trabalhador tem direito a
contribuição a cargo deste.

A perda de dias de férias é um tipo de sanção novo, alias excluindo por algumas legislações,
mas acaba por assumir dimensão relativamente moderada, pois o trabalhador tem a garantia
mínima de 20 dias úteis de férias (art. 328º/3-b).

A criação de sanções por convenção coletiva. A criação de sanções pela regulamentação


coletiva está sujeita a uma limitação genérica: não pode envolver prejuízo dos direitos e
garantias gerais dos trabalhadores, que se encontram, no essencial, compendiado pelo art.
129º CT. Resulta daí a inadmissibilidade de certos tipos de sanção que, de que uma forma ou
de outra, pertencem À mais antiga tradição da disciplina na empresa: À despromoção,
nomeadamente, opõe-se a negativa da lei à baixa de categoria. Ao invés, a conjugação do art.
328º com o teor do art. 128º/f) parece conduzir ao desaparecimento de obstáculo legal à
inclusão da transferência para outro local na lista das sanções, por determinação de um
instrumento de regulamentação coletiva.

É certo que as garantias gerais do art. 128º fazem contraponto, em primeira linha, aos poderes
de decisão unilateral do empregador; mas o art. 328º pretende, manifestamente, faze-las
atuar também como marcos de fronteira para a regulamentação coletiva. O que bem se
compreende: as cláusulas coletivas que criem novas sanções estarão a legitimar futuras
decisões unilaterais do empregador.

Daí que as convenções coletivas atuais se limitem, na sua maioria, a reproduzir o elenco legal
de sanções; e boa parte das que se desviam desse padrão não faz mais do que introduzir
escalões quantitativos de alguns tipos de pena, alargando assim o leque das reações
disciplinares disponíveis e facilitando a sua graduação.

A graduação das sanções. Suscita-se neste ponto o problema do critério de graduação das
sanções disciplinares.

Nele estão em causa dois momentos fundamentais: o da escolha do tipo de sanção e o da


determinação da medida da punição a aplicar em concreto.

Art. 330º/1 – A sanção disciplinar deve ser proporcional À gravidade da infração e à


culpabilidade do infrator, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infração.

Deve a sanção ser ajustada às características da apreciação disciplinar, em que devam ser
atendidos fatores diversos cruzados entre si, praticamente insuscetíveis de quantificação e de
comparação com outras situações. Enquanto a ideia proporcional envolve uma comparação de
grandezas, a ideia de proporcionado implica apenas uma exigência de equilíbrio, de
racionalidade global na prática disciplinar do mesmo empregador.

Está, a priori, vedado ao empregador criar novas sanções, e ultrapassar, dentro de cada tipo
ou espécie, o máximo legal. A pratica disciplinar das empresas pode seguir critérios de maior
ou menor rigor, sem que se entre necessariamente no terreno da ilicitude. 3 Faltas ao
trabalho, sem justificação, podem determinar, na empresa A, simples repreensão; enquanto
na empresa B, multa ou suspensão por igual número de dias.

Os tribunais, chamados À apreciação a posteriori das medidas disciplinares aplicadas,


confrontam-se, por um lado, com essa ampla margem de liberdade de julgamento do
empregador, e, por outro, com a obrigação de reconduzir a critérios de justiça e razoabilidade
os resultados dessa atuação do mesmo empregador. Isso obrigada a que se procure a
objetivação do critério proposto no art. 330º/1 a partir dos produtos daquele mesmo arbítrio,
o qual estará assim a limitar-se ao passo que vai sendo exercido. Assim, aquém do abuso do
poder disciplinar, que consiste na aplicação de sanções como reação a condutas corretas e
legítimas do trabalhador a censura judicial do exercício da ação disciplinar laboral só pode
contar com dois suportes: por um lado, a prática disciplinar da organização; por outro, a
razoabilidade mínima exigível na relação entre infração e sanção concreta. Quanto a este
último critério, imagine-se que um trabalhador é despedido por, num certo dia, não
cumprimentar o seu chefe; ou é alvo de uma suspensão de trabalho por uma semana por ter
errado em dois cêntimos a contagem de receita de um dia de vendas. Casos destes, que
envolvem, naturalmente, fortes condicionamentos subjetivos por parte de quem aplica as
sanções, podem considerar-se, em absoluto, desproporcionados e, portanto, ilícitos.

A referência legal À proporcionalidade deve, pois, ser entendida dum duplo sentido, apontado
à sanção justa: ela deve ser adequada em termos absolutos e em termos relativos.

d) A ação disciplinar

A função do procedimento disciplinar. Tendo, decerto, em vista o modelo de uma organização


empresarial complexa, o legislador alude, no art. 329º, a um procedimento disciplinar de que
faz parte a audiência prévia do trabalhador (nº6) e em cujo termo este pode reclamar
internamente da decisão ou recorrer a mecanismos, eventualmente existentes, de
composição de conflitos, sem prejuízo do direito de impugnar judicialmente a sanção (nº7).

O sentido deste processo de apreciação da conduta do trabalhador e de definição da sanção


eventualmente aplicável presta-se a equívocos e – na configuração que acabou por assumir na
prática das empresas.

O procedimento disciplinar laboral não se destina a apurar, imparcial e objetivamente, uma


verdade material – visa fundamentar uma decisão de parte que é a decisão disciplinar. O seu
objetivo é o de sustentar uma convicção do empregador – titular do poder de disciplina – que
pode ter-se formado antes dele, e que se exprimirá pela decisão de aplicar, ou não, certa
sanção. Esta decisão não é, como pode parecer em face da complexidade burocrática de certos
modelos procedimentais, uma decisão prejudicial: É uma reação de um contraente contra
outro, que ficará sujeita ao escrutínio judicial se houver um litígio.

A única verdadeira exigência legal, para todos os casos em que não esteja em jogo o
despedimento, é a de audiência prévia do trabalhador, artigo 329, nº6, que pode assumir
muitas formas, mas que nada impõe que seja preenchida através de escritos.
O modelo processual do despedimento disciplinar. Os termos do artigo 353 número 1 do CT,
juntamente com a nota de culpa, que contém a descrição circunstanciada dos factos
imputados ao trabalhador, o empregador deve emitir comunicação escrita da intenção de
proceder ao despedimento. Apurados os factos, através de inquérito a investigação
preliminar, o titular do poder de disciplina formula um pré juízo acerca da adequação objetiva
desses factos ao preenchimento da justa causa. Restará ainda determinar a existência e o
grau de culpa do arguido, e daí poderá resultar que o processo de sanção seja inadequado.
Mas feita a aludida comunicação, e só se o tiver sido, o processo é suscetível de conduzir à
decisão de despedimento.

Nada impede que não havendo a intenção de despedir a tramitação seguida não coincida com
os artigos 353 e seguintes do CT. A gravidade da consequência prevista para a ação disciplinar
NOS casos regulados por este preceito explica que o grau de formalização. Seja
particularmente elevado. Fora desses casos, em que a natureza da infração permite antever o
preenchimento de justa causa, a exigência processual pode reduzir se ao essencial para que
fiquem asseguradas ao trabalhador a audiência prévia e oportunidade de defesa: uma
acusação, que pode, inclusivamente, ser pronunciado oralmente, com a indicação do tipo de
sanção previsto, um prazo razoável de resposta à acusação, e uma comunicação escrita da
decisão, concretamente fundamentada.

E) Caducidade da ação disciplinar e prescrição da infração

Os parâmetros temporais da ação disciplinar. A lei estabelece atualmente 3 condicionamentos


temporais do exercício da ação disciplinar: 2 prazos de caducidade do direito da ação
disciplinar, artigo 329 número 1 e 2, e um prazo de prescrição do procedimento disciplinar,
artigo 329 número 3.

Trata-se em qualquer deles da extinção em função do decurso do tempo, de faculdades de


atuação reconhecidas ao empregador no âmbito do poder disciplinar.

O primeiro prazo, de 1 ano, refere-se ao direito de exercer o poder disciplinar, isto é, de


encetar qualquer procedimento destinado a fundamentar a eventual aplicação de uma sanção.
Conta-se a partir do momento em que os factos tenham ocorrido, independentemente do
conhecimento ou do desconhecimento deles por parte do empregador. O decurso desse
prazo traduz-se no esgotamento do poder disciplinar em relação aos factos qualificáveis
como infrações. A lei toma conta da necessidade de evitar que a perspetiva da punição de
uma eventual falta seja mantida como uma ameaça suspensa indefinitivamente sobre o
trabalhador, a fim de lhe condicionar o comportamento e, inclusive, a capacidade
reclamatória. Por outro lado, o excessivo distanciamento entre a infração e a possível sanção
não se adequa ao caráter e aos fins próprios desta última.

O prazo da caducidade, de 60 dias, assenta na ideia de que há maior ou menor lentidão do


desencadeamento do processo disciplinar exprime o grau de relevância atribuído pelo
empregador à conduta infratora. O facto de esse processo não se iniciar dentro de 60 dias
subsequentes ao conhecimento da referida conduta constitui presunção de irrelevância
disciplinar. Assim, o direito de agir contra o trabalhador, iniciando o procedimento
disciplinar, extingue-se.

Está-se perante 2 prazos de caducidade do direito da ação disciplinar: esta só pode iniciar-se
dentro de 60 dias após o conhecimento da infração e um ano depois da sua ocorrência. Claro
que, indiretamente, o que está em causa é o direito de punir: a aplicação de uma sanção
torna-se legalmente inviável sem que o procedimento seja licitamente realizado. O terceiro
prazo, também de 1 ano é também ele um condicionamento do direito de punir: trata-se de
evitar a eternização da crise disciplinar, através do prolongamento do processo. O decurso
do prazo, contado a partir da instauração do processo, com a nota de culpa, provoca a
extinção do direito de ação de disciplinar e por conseguinte do direito de punir.

O início do processo. O artigo 353, número 3 estabelece que a comunicação da nota de culpa
ao trabalhador interrompe qualquer dos 2 prazos. Esta solução tem desde logo o significado de
um reforço a ideia de que é com esta comunicação que se inicia o procedimento disciplinar.

Por outro lado, pode mostrar-se necessária a realização de inquérito preliminar para que o
complexo factual em causa possa considerar-se conhecido e assim, suscetível de servir de
base a uma acusação disciplinar. Aí se determina a interrupção do prazo no caso de o
procedimento prévio de inquérito, desde que, mostrando-se aquele procedimento necessário
para fundamentar a nota de culpa, seja iniciado e conduzido de forma diligente, não
mediante mais de 30 dias entre a suspeita de existência de comportamentos irregulares e o
início do inquérito, nem entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa.

A regra do artigo 353 número 1 harmoniza se plenamente com o sentido da caducidade


prevista no artigo 329 número 2, estabelecendo certa conexão temporal entre o
conhecimento dos factos e a acusação. Na mesma lógica, só com a conclusão do inquérito
preliminar quando realizado, deveria iniciar-se a contagem. Compreende-se que, a ser
consagrada de tal solução, em segurança do trabalhador poderia resultar seriamente é
gravada, embora o prazo do artigo 329 número 1 pareça garantir nesse ponto uma proteção
bastante.

A extinção do poder de punir. Aplicação da caducidade prevista no artigo 329 número 1.

Em rigor, a extinção do direito de punir só deveria ser impedida pela decisão sancionatória. No
entanto o procedimento disciplinar deve ser exercido nos 60 dias imediatos ao conhecimento
da infração se, entretanto, não tiver decorrido um ano sobre a sua prática.

O número 3 do artigo 353 vai introduzir um terceiro prazo decorrido o qual deixa de ser
possível a reação disciplinar: um prazo que condiciona a duração do processo, impedindo o
seu excessivo prolongamento. Depois de iniciado, o processo disciplinar não pode estender-se
por mais de 1 ano.

Capítulo 12 - O papel de empregador e as suas variações

1. O papel de empregador

Noções gerais. Como se sabe a designação de empregador é atualmente usada pelo legislador
para indicar a posição contratual daquele ou daquelas pessoas que recebem a prestação de
trabalho e estão obrigadas a pagar a retribuição ao trabalhador.

Também se observou já que o estatuto de empregador pode sistematicamente definir-se


como uma posição de poder ou autoridade que é afinal o reverso da subordinação em que o
trabalhador se coloca pelo contrário.
O que, por vezes, sucede é que a autoridade parece ser concretamente exercida, não pelo
beneficiário da prestação de trabalho mas por outros trabalhadores cuja função consiste em
dirigir a laboração, parcial ou totalmente, exemplo: chefe de secção, diretor técnico…

Mas ela pertence originariamente ao empregador, ao empresário, titular da empresa ou da


organização que é sujeito no contrato de trabalho, e é delegada nos aludidos trabalhadores
por exigências da própria organização produtiva.

Há pois que distinguir, tanto nas empresas individuais e societárias, como nas empresas
públicas e de capitais públicos, as seguintes posições típicas:

 O empresário, empregador, titular da obrigação, o indivíduo, sociedade comercial, o


estado, ou entre Público, associação
 O gestor ou administrador, mandatário do empresário
 O dirigente o chefe direto, trabalhador subordinado ao empresário.

O empregador e a empresa

A empresa no direito do trabalho. As aceções de empresa. De empresário a empregador.


Empresa empresário e empregador

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Cedência Ocasional do trabalhador

A noção legal. Fenómeno aqui também tem implicações na posição da entidade empregadora,
é a cedência ocasional de trabalhadores por uma empresa a outra. A própria lei se encarrega
de definir o conceito: disponibilização temporária de trabalhador, pelo empregador, para
prestar trabalho a outra entidade, cujo poder de direção àquele fica sujeito, mantendo-se o
vínculo contratual inicial, Artigo 288 do CT.

Esta definição evoca, desde logo, a realidade do trabalho temporário, tal como se regula nos
artigos 172 e seguintes do código. Também na cedência ocasional se estabelece uma relação
tripolar: entidade cedente, trabalhador e entidade cessionária.

Esta situação é comum às situações de exercício de atividade das empresas de trabalho


temporário e às de cedência ocasional de trabalhadores. A diferença entre estes 2 modelos
consiste em que, sendo normalmente encarada a atividade das empresas de trabalho
temporário como uma atividade lícita, desde que exercida nas condições que a lei estabelece,
a cedência ocasional é, em princípio, ilícita e proibida, estabelecendo a lei os casos em que
não opera essa proibição, artigo 289 do CT.

De resto, por comparação com o trabalho temporário, as situações de cedência ocasional tem
uma estrutura jurídica simplificada: os trabalhadores cedidos são já elementos do quadro de
pessoal da empresa cedente, pelo que não faria sentido a celebração de um contrato de
trabalho temporário. Só a cedência em si mesma, tem que ser objeto de negócios específico: o
chamado acordo de cedência ocasional, artigo 290, um acordo de utilização simplificado, que
carece de declaração de concordância do trabalhador.
Em comum com o trabalho temporário, a cedência ocasional tem a partilha dos poderes
patronais entre A Entidade cedente e a cessionária. Essa partilha é, como resulta do artigo
291, largamente pautada pelos critérios definidos a propósito do trabalho temporário, em
especial no artigo 185. Assume aqui particular relevo o poder de direção e organização do
trabalho, que fica inteiramente nas mãos da entidade cessionária. O trabalhador cedido é
enquadrado na organização desta entidade, submetida à sua hierarquia, e vinculado pelo
dever de obediência em relação ao empregador cessionário e às respetivas chefias. É este o
traço que permite distinguir a cedência ocasional da execução de prestação de serviço nas
instalações do cliente: neste segundo caso os trabalhadores envolvidos são enquadrados pela
entidade prestadora do serviço e não pela estrutura da entidade em cujos local o serviço é
prestado.

As condições de admissibilidade. Como se disse, o princípio subjacente ao regime legal é o da


inadmissibilidade da cedência. Este princípio radica na pessoalidade do vínculo laboral, na
ideia de que o trabalhador não é uma mercadoria transacionável e na necessidade de
transparência da relação de trabalho, de modo que sejam claramente atribuídas as obrigações
e responsabilidades inerentes assim, a cedência só excecionalmente, e a título temporário, é
admitida pela lei. O artigo 289 a linha um conjunto de requisitos de licitude da cedência.

Exige-se em primeiro lugar que o trabalhador cedido seja previamente vinculada à entidade
cedente por contrato de trabalho de duração indeterminada. Trata-se de um traço distintivo
relativamente às situações típicas de trabalho temporário, em que o trabalhador é contratado
para ser cedido. Ao mesmo tempo, sinaliza se o sentido útil da cedência: permitir o
aproveitamento de um trabalhador do quadro de uma empresa, que é, em certo momento,
dispensável e faz falta na outra empresa.

O segundo requisito é de capital importância: a entidade cedente e cessionário devem ter


entre si algum laço associativo ou comunidade de interesses. A cedência não surge pois como
um negócio realizado no mercado, mas como uma forma de circulação de recursos no interior
de um agrupamento formal ou informal de empresas. De novo se marca distância em relação
ao trabalho temporário, que é uma atividade comercial exercida no mercado próprio.

A terceira exigência é, no fundo, um traço de proximidade com o trabalho temporário: é


necessário a concordância expressa e formal do trabalhador.

Há uma limitação quanto à duração da cedência: dela não pode ultrapassar 5 anos.

Note-se que a lei admite a possibilidade de ajustamento de, por Convenção coletiva, destes
requisitos em qualquer sentido, ou seja, em termos de alargamento ou restrição da prática de
cedência ocasional, artigo 289 número 2.

Para além das referidas condições materiais de licitude, a cedência ocasional está também
submetida a requisitos de forma. O acordo de cedência tem que ser escrito, e conter um
conjunto de elementos fixados pelo artigo 290, nomeadamente a declaração de concordância
do trabalhador.

Mesmo sem a possível ampliação por Convenção coletiva, o conjunto das situações em que a
cedência ocasional é admitida pela lei leva a reconhecer que ela pode ser praticada com muito
considerável atitude, configurando-se como um importante instrumento de flexibilidade na
gestão de efetivos das empresas.
Com efeito, o artigo 289 do CT define um conjunto de condições que, a serem observadas,
tornam viável a cedência ocasional de trabalhadores de um grande número de casos. A
cedência ocasional surge aí como meio de aproveitamento ou rentabilização de efetivos
permanentes da empresa cedente, e que porventura se encontram em situação de
excedentários, no quadro da colaboração entre empresas. A cedência ocasional pode aí ser
vista como instrumento de gestão de pessoal em várias modalidades de agrupamentos de
empresas, como alternativa para a fórmula da pluralidade de empregadores admitida pelo
artigo 101.

A cedência ocasional ilícita. A inobservância das condições de admissibilidade legal da


cedência, tanto as de ordem material como as de ordem formal, tem como consequência a
atribuição ao trabalhador cedido do direito de optar pela permanência ao serviço do
cessionário em regime de contrato de trabalho sem termo, artigo 292 número 1, ou seja, o
direito de escolher entre o cedente e o cessionário como o seu empregador efetivo. Com o
exercício desse direito, pode gerar-se uma situação, de certo modo insólita, de sucessão de
empregador na situação contratual de outrem, por decisão unilateral de um terceiro, o
trabalhador. Simplesmente, esse fenómeno produz-se por força da lei, constituindo elemento
de um mecanismo sancionatório da ilicitude da cedência.

Este mecanismo sancionatório é contemplado pela componente contraordenacional: A


inobservância dos requisitos de admissibilidade, incluindo a concordância do trabalhador
constitui contraordenação grave, artigos 289 número 3 e 290 número 3, e a de exigências de
forma é qualificada como contraordenação leve, artigo 290 número 3.

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