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ATRIBUIÇÃO CONSTITUCIONAL
Cabe à polícia judiciária militar investigar crimes militares.
Constituição Federal
Art. 144 (...)
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
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E quanto à Polícia Federal? Pode apurar crime militar?
A Constituição Federal não fez a mesma ressalva em relação à apuração feita pela
Polícia Federal.
Poderia a Polícia Federal conduzir investigação decorrente de crime militar?
Art. 144 (...)
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e
estruturado em carreira, destina-se a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e
interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras
infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme,
segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho,
sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
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Jorge César de Assis sustenta que a Administração Militar sempre será em maior ou menor
grau afetada com os crimes militares e que atividade investigativa de crime militar pelas
Forças Armadas não é uma atribuição excepcional, mas rotineira.
ASSIS, Jorge César de. Código de processo penal militar anotado - v.1(arts. 1° a 383). 5. ed. Curitiba: Jurua. 2020. p. 46-47.
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Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo
internacional;
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou
interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as
contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no
País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o
sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da
Justiça Militar;
X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta
rogatória, após o "exequatur", e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas
referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
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O Supremo Tribunal Federal já decidiu que o tráfico internacional de drogas praticado
por militar das Forças Armadas é competência da Justiça Federal.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA - JUSTIÇA FEDERAL MILITAR VERSUS JUSTIÇA FEDERAL -
ENVOLVIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR - AFASTAMENTO. A competência para
dirimir o conflito é do Supremo Tribunal Federal, ante o fato de, em curso as ações penais
alicerçadas nos mesmos dados, o Superior Tribunal Militar haver conhecido e indeferido
habeas corpus, versando sobre a custódia, impetrado contra ato do Juízo da Circunscrição
Militar. COMPETÊNCIA - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - CONVENCAO DE
NOVA IORQUE - DECRETO LEGISLATIVO Nº 5/64 - ÁREA, VEÍCULO E AGENTE MILITARES. A
ressalva constitucional da competência da Jurisdição Especializada Militar -
incisos IV e IX - não se faz presente no inciso V do artigo 109 da Constituição
Federal. Cuidando-se de crime previsto em tratado ou convenção internacional,
iniciada a execução no Brasil e o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no
estrangeiro, ou reciprocamente, a competência é da Justiça Federal estrito senso.
STF - CC: 7087 PE, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 03/05/2000, Tribunal Pleno, Data de
Publicação: DJ 31-08-2001.
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O Delegado de Polícia pode lavrar auto de prisão em flagrante?
Pela literalidade do Código de Processo Penal Militar, sim, desde que a prisão
em flagrante não tenha ocorrido em lugar sujeito à administração militar
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Crime doloso contra a vida praticado por militar das Forças Armadas contra civis. A
quem cabe investigar?
Art. 9º (...)
As autoridades que exercem polícia judiciária militar estão relacionadas no art. 7º do CPPM.
Dentre elas se encontram:
a) Comandantes das Forças Armadas;
b) Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, em relação a entidades que, por disposição
legal, estejam sob sua jurisdição;
c) Comandantes de Região Militar
d) Diretores e chefes de órgãos, repartições, estabelecimentos ou serviços previstos nas leis
de organização básica da Marinha, do Exército e da Aeronáutica;
e) Comandantes de Unidades ou navios
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• A prova é o elemento que serve para comprovar um fato, como formar a convicção
do juiz, e possui o caráter técnico de prova quando for produzida em contraditório
judicial. Ou seja, as partes participam de sua formação.
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• Provas cautelares: se a prova não for produzida em determinado momento
haverá um risco de se perder, como uma interceptação telefônica. Pode
precisar ou não de decisão judicial. O investigado exercerá o contraditório
sobre a prova e não para a sua formação.
• Provas não repetíveis: é a prova que uma vez feita não tem como ser
repetida, como um exame de corpo de delito em razão de uma lesão corporal
leve. Com o tempo a lesão desaparece e não será possível repetir a prova.
A partir do momento em que surgem indícios de participação de detentor de prerrogativa de foro nos fatos
apurados, cumpre à autoridade judicial declinar da competência, e não persistir na prática de atos objetivando
aprofundar a investigação.
No caso concreto, um famoso “bicheiro” foi interceptado pela polícia. Ele conversava constantemente com um
Senador, a quem prestava favores. Depois de meses de conversas gravadas entre o “bicheiro” e o Senador, o Juiz
responsável remeteu os diálogos para o STF. As interceptações foram declaradas nulas por violação ao princípio do
juiz natural.
STF. 2ª Turma. RHC 135683/GO, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 25/10/2016. (Dizer o Direito)
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• As provas e elementos informativos produzidos não podem atentar contra a
hierarquia e a disciplina militar.
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Dessa forma, toda prova que comprometa a hierarquia e disciplina não deve ser feita e se produzida
será ilícita. Uma acareação entre superior e subordinado potencialmente afeta a hierarquia e disciplina.
Cícero Coimbra leciona que não se admite a acareação entre superior e subordinado, exceto quando for
o único meio de prova para busca da verdade. Enio Luiz Rossetto cita o exemplo da juntada de fotografia
pelo subordinado que exponha o superior ao ridículo. Outro exemplo, não é admitida eventual prova de
crime militar em desfavor de superior hierárquico que decorra de busca pessoal com base em fundada
suspeita e que fora realizada por subordinado, quando era possível aguardar a presença de um superior
do abordado, pois atenta contra a hierarquia e disciplina, como a hipótese em que um superior é
abordado no pátio do quartel por suspeita de portar arma ilegal, sendo que no caso poderia ter sido
acionado o Oficial de Dia para a realização da busca, pois era superior ao abordado.
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de Processo Penal Militar – Volume Único. 4.ed. Salvador: Juspodivm. 2020. p. 804.
ROSSETO, Enio Luiz. Curso de Processo Penal Militar, 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021.
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• Prisão em flagrante e preventiva. Inferior hierárquico pode prender superior?
CPPM
Prisão de militar
Art 223. A prisão de militar deverá ser feita por outro militar de posto
ou graduação superior; ou, se igual, mais antigo.
É importante discorrer sobre as fases da prisão e os termos utilizados para tratar de uma pessoa presa,
deixando, desde já, consignado, a ausência de um rigor técnico e de uma definição precisa no ordenamento jurídico
brasileiro.
Tradicionalmente, a prisão em flagrante é subdividida em quatro fases: captura; condução à autoridade
policial; lavratura do auto de prisão em flagrante; e encarceramento.
Parte da doutrina subdivide a prisão em três fases: captura, condução e lavratura do auto de prisão em
flagrante, sendo o encarceramento uma consequência da lavratura do APF. Outra parcela divide em seis fases:
prisão-captura, condução coercitiva, audiência preliminar de apresentação e garantias, lavratura do auto de prisão
em flagrante, recolhimento ao cárcere e comunicação da prisão ao juiz.
COSTA, Adriano Sousa; SILVA, Laudelina Inácio da. Prática Policial Sistematizada. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016. P. 32.
SANNINI NETO, Francisco. As 6 fases da prisão em flagrante. Publicado em Canal Ciências Criminais. JUSBRASIL. 2015. Disponível em:
<https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/321036465/as-6-fases-da-prisao-em-flagrante>. Acesso em: 14 set. 2022.
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A Resolução n. 43/173, de 09 de dezembro de 1988, da Assembleia Geral das
Nações Unidas, trata do Conjunto de Princípios para a Proteção de todas as
Pessoas Sujeitas a qualquer forma de Detenção ou Prisão, e especifica o conceito
de captura, pessoa detida, pessoa presa, detenção e prisão:
Terminologia
Para efeitos do Conjunto de Princípios:
a) "captura" designa o ato de deter um indivíduo por suspeita da
prática de infração ou por ato de uma autoridade;
b) "pessoa detida" designa a pessoa privada de sua liberdade,
exceto se o tiver sido em conseqüência de condenação pela
prática de um delito;
c) "pessoa presa" designa a pessoa privada da sua liberdade em
conseqüência de condenação pela prática de um delito;
d) "detenção" designa a condição das pessoas detidas nos termos
acima referidos;
e) "prisão" designa a condição das pessoas presas nos termos
acima referidos; (DHNET).
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A captura ocorre com a simples “voz de prisão” quando o agente é surpreendido em flagrante
delito e tem por finalidade restringir a liberdade do indivíduo para cessar a prática delitiva, analisar os
elementos que possam indicar ser o agente o autor dos fatos e, eventualmente, impedir a fuga.
Ao ser dada “voz de prisão” pelo policial ocorre a captura. Assim, é importante observar que o
Código de Processo Penal Militar (art. 230, “a”) menciona ser a “voz de prisão” o instrumento jurídico
para que o agente em flagrante passe a ter o status de “capturado”.
A captura, em termos práticos, autoriza que uma pessoa tenha a liberdade restringida para que o
policial que deu a “voz de prisão” adote as demais providências legais. Na captura o autor do ilícito
penal é retido e mantido sob responsabilidade da polícia para que seja encaminhado à autoridade
policial, que é o Delegado de Polícia nos crimes comuns e o Comandante (autoridade de polícia
judiciária militar) da área que ocorreu o crime, se este for militar.
O termo captura quando da ocorrência da prisão em flagrante é utilizado pelo Código de Processo
Penal Militar (art. 230, “a”). O Código de Processo Penal não utiliza a expressão “captura” quando
trata da prisão em flagrante.
Nesse sentido: COSTA, Adriano Sousa; SILVA, Laudelina Inácio da. Prática Policial Sistematizada. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016. P. 32.
A captura pode ser realizada por um particular, na hipótese de flagrante facultativo ou por um agente de segurança pública, em se tratando de flagrante
obrigatório.
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Como a própria lei menciona ser a captura um ato decorrente da voz de prisão é comum que se utilize o
termo “prisão”, sem rigor técnico, para se referir a toda situação de captura.
A Constituição Federal utiliza o termo “preso” por dez vezes, “detido” por uma vez, não menciona a
figura do capturado e assegura que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei” (art. 5º, LXI).
A Constituição Federal assegura diversos direitos aos presos que se iniciam com a captura, como: o
respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX); direito ao silêncio (art. 5º, LXIII) e à identificação dos
responsáveis pela prisão (art. 5º, LXIV).
O art. 136, § 3º, da Constituição Federal prevê que na vigência do estado de defesa a prisão por crime
contra o Estado deve ser comunicada imediatamente ao juiz competente e estar acompanhada da declaração da
autoridade do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação.
O Pacto de São José da Costa Rica, que possui status supralegal no ordenamento jurídico brasileiro,
quando se refere a privação de liberdade utiliza as expressões detida, retida, detenção e privado de liberdade, sem
que sejam feitas distinções dos termos (art. 7º).
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O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos utiliza os termos prisão, preso, encarcerado, sem
que sejam feitas distinções (art. 9º).
Não há no ordenamento jurídico brasileiro uma definição exata do que seja prisão ou preso e a partir de
qual momento é possível se falar que uma pessoa está presa, sendo esta uma construção doutrinária. A prisão é
um ato que se forma com o desencadeamento de suas fases, sendo atécnico dizer que uma pessoa esteja na
condição de “preso” caso tenha ocorrido somente a captura e a condução coercitiva à autoridade policial.
Lado outro, nada impede que seja utilizada a denominação “prisão-captura”, por representar uma
situação fática e consistir em um ato que impede a pessoa de se locomover livremente. Tecnicamente, nos crimes
em que a lei menciona expressamente que “não se imporá prisão em flagrante” o policial deve dar “voz de prisão”
por se tratar de um ato de captura que restringe a liberdade momentaneamente do agente para o registro da
ocorrência ou do Termo Circunstanciado de Ocorrência, se for o caso.
Art. 230. A captura se fará:
Caso de flagrante
a) em caso de flagrante, pela simples voz de prisão;
Caso de mandado
b) em caso de mandado, pela entrega ao capturando de uma das vias e conseqüente voz de prisão dada pelo executor, que se identificará.
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A “voz de prisão” não representa a prisão propriamente dita, no sentido de que a
pessoa ficará privada de seu direito à liberdade. Significa somente que a pessoa foi capturada,
momento em que passa a ficar sob responsabilidade do Estado, quando a prisão decorrer de
flagrante obrigatório.
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Superada essa discussão, como interpretar o art. 223 do Código de
Processo Penal Militar?
Em atenção à tutela da hierarquia militar, o CPPM impõe que a prisão do militar seja feita por outro
militar de posto ou graduação superior ou, se igual, mais antigo.
O art. 223 do CPPM encontra-se previsto na Seção I do Capítulo III que trata das prisões provisórias,
que é aquela que ocorre durante o inquérito ou no curso do processo (art. 220 do CPPM).
Perceba, portanto, que o art. 223 do CPPM abrange apenas as prisões provisórias, que são aquelas que
ocorrem durante uma investigação ou no curso de um processo, razão pela qual não abrange a prisão em
flagrante delito.
Logo, quando o art. 223 do CPPM assegura que a prisão de militar deverá ser feita por outro militar de
posto ou graduação superior; ou, se igual, mais antigo, refere-se às prisões decorrentes do cumprimento de
mandado judicial ou por determinação da autoridade militar nos crimes propriamente militar, na forma do
art. 18 do CPPM.
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Isso porque são situações que permitem um planejamento e organização da Administração Militar
para que um superior hierárquico ou militar mais antigo efetue a prisão, o que não ocorre na situação de
flagrante delito, que exige atuação imediata.
Importante se anotar que o art. 223 está a se referir à hipótese de prisão por
ordem judicial ou por ordem da autoridade miliar nos casos dos crimes
propriamente militares, já que a prisão em flagrante poderá ser executada
por qualquer pessoa, inclusive pelo subordinado em relação ao superior.
ASSIS, Jorge César de. Código de Processo Penal Militar Anotado: artigos 170 a 393. 2. ed. Curitiba: Juruá,
2010. p. 64.
Em se tratando de prisão em flagrante delito, aplica-se o disposto no art. 243 do CPPM que dispõe
que “qualquer pessoa poderá e os militares deverão prender quem for insubmisso ou desertor, ou seja
encontrado em flagrante delito.”
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Não há restrição no art. 243 do CPPM para que subordinado prenda superior em flagrante
delito, razão pela qual constitui na verdade um dever (flagrante obrigatório).
De toda forma, sempre que possível, é conveniente que a “voz de prisão” de militar deve ser
dada por superior hierárquico, uma vez que a hierarquia e disciplina se irradiam por todo o
sistema e nas relações que envolvem militares. Havendo um superior e um subordinado na
guarnição policial, o ideal é que o superior ao militar que esteja em flagrante delito dê “voz de
prisão”. Por outro lado, caso não haja superior hierárquico do militar no momento do flagrante
delito, o subordinado deverá efetuar a prisão-captura.
Não há nenhum impeditivo legal para que subordinado conduza, em situação de flagrante
delito, superior hierárquico que acabara de receber “voz de prisão”, no entanto, em razão da
hierarquia e disciplina, o ideal é que a condução seja feita por superior hierárquico, como
decorrência da interpretação extensiva do art. 73 do CPPM que assegura que o preso ao ser
apresentado em juízo deverá ser acompanhado por militar de hierarquia superior à sua.
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Não havendo superior hierárquico disponível para a pronta condução do militar que recebeu
“voz de prisão”, o subordinado deve conduzi-lo à autoridade policial competente para análise da
ocorrência e, se for o caso, lavratura do auto de prisão em flagrante delito.
Cícero Coimbra sustenta que “A prisão de militar, pelo art. 223, deverá ser feita por outro
militar de posto ou graduação superior, ou, se igual, ao menos mais antigo. Trata-se de previsão
de aplicação relativa, valendo para os casos em que essa possibilidade exista. Casos haverá, no
entanto, em especial na prisão em flagrante delito, em que a detenção não poderá aguardar a
chegada de alguém de grau hierárquico superior ou mais antigo, ocasião em que o mais moderno
deverá efetuar a contenção do preso até que um superior ou mais antigo chegue no local. O
registro da prisão, contudo, pelo auto de prisão em flagrante delito, por exemplo, deverá
obedecer estritamente a essa regra de respeito à hierarquia e à disciplina.”
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de Direito Processual Penal Militar: volume Único. 6. ed. São Paulo: Jus Podivm, 2022. P. 763. 26
Guilherme de Souza Nucci, por sua vez, defende que não tem sentido conferir
ao militar uma imunidade não prevista em lei, impedindo a prisão em flagrante
realizada por qualquer pessoa, inclusive militar inferior.
Paulo Cunha escreve que a prisão pode ser feita por qualquer pessoa contra
quem seja encontrado em flagrante delito. Ressalta que é possível que o superior
ou mais antigo esteja a quilômetros de distância do local ou que a integridade
física dos envolvidos esteja em risco ou a demora pode causar prejuízo à urgência
da prisão e o aguardo do superior ou militar mais antigo provocaria um
engessamento da prisão em flagrante, que não é o objetivo da lei processual.
Conclui que quando for possível o aguardar com brevidade a presença do superior
ou mais antigo, a regra deve ser respeitada e por isso entende que nada impede
que a condução seja feita pelo autor da prisão, mesmo sendo menos antigo ou
inferior hierárquico.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Militar comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. P. 267.
CUNHA, Paulo. A prisão de militar em flagrante delito: a exceção à regra do artigo 223 do Código de Processo Penal Militar. 2018. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/63795/a-prisao-de-militar-em-flagrante-delito-a-excecao-a-regra-do-artigo-223-do-codigo-de-processo-penal-militar. Acesso em: 14 set. 2022. 27
O militar pode ser preso por Delegado de Polícia nos crimes comuns?
• Nos casos de mandado de prisão, tecnicamente, a própria instituição militar deve cumprir.
• Em razão da hierarquia e disciplina, o mandado de prisão deve ser cumprido por superiores
hierárquicos, salvo situações excepcionais.
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O preso em flagrante deve ser advertido pelo militar de seu direito ao silêncio?
A não advertência do direito ao silêncio no momento da prisão em flagrante delito invalida a confissão e as
provas decorrentes da confissão. No caso a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu habeas corpus a
uma mulher condenada por tráfico de drogas por não ter sido advertida de seu direito ao silêncio no momento
da prisão em flagrante.
STF - RHC: 170843 SP, Relator: Gilmar Mendes, Data de Julgamento: 04/05/2021, Segunda Turma, Data de
Publicação: 01/09/2021.
É ilegal confissão extrajudicial gravada por vídeo por policiais enquanto o agente estava hospitalizado, pois
não foi advertido do direito ao silêncio. Dessa forma, a confissão não pode ser usada no processo nem no
tribunal do júri.
STF, HC 218.335, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática de 18.08.2022.
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A autoridade policial pode conduzir o militar para a Delegacia ou a condução
deve ser feita pela autoridade militar?
Não há vedação para que nas situações de flagrante delito, o militar seja
conduzido à Delegacia pela autoridade policial civil.
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Código de Processo Penal
Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade
competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:
§ 2o Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido
em cela distinta do mesmo estabelecimento.
Art. 296. Os inferiores e praças de pré, onde for possível, serão recolhidos à prisão,
em estabelecimentos militares, de acordo com os respectivos regulamentos.
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Código de Processo Penal Militar
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OBSERVAÇÃO!
O militar que cumpre pena (prisão com trânsito em julgado) deve permanecer
preso em organização militar?
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E se o militar tiver perdido o posto ou a graduação?
Deve ficar preso em presídio comum, em local separado dos demais presos.
Não é incomum que em presídios maiores haja uma ala para ex-militares e ex-
integrantes dos órgãos de segurança pública.
Depende.
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Não perde:
Podem perder
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Defesa na investigação criminal?
§ 1º Para os casos previstos no caput deste artigo, o investigado deverá ser citado da instauração
do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito)
horas a contar do recebimento da citação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 5º Na hipótese de não atuação da Defensoria Pública, os custos com o patrocínio dos interesses do
investigado nos procedimentos de que trata esse artigo correrão por conta do orçamento próprio da
instituição a que este esteja vinculado à época da ocorrência dos fatos investigados. (Incluído pela
Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
Cícero Coimbra Neves entende que o uso da força letal está restrito aos casos de
homicídio, de forma consumada ou tentada, incluindo as hipóteses de exclusão da ilicitude,
excesso culposo, excesso escusável, excesso doloso.
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de Processo Penal Militar – Volume Único. 7.ed. Salvador: Juspodivm. 2023. p. 402-403. 38
Renato Brasileiro de Lima entende que o objeto de investigação diz respeito à morte ou o
que a acarreta, praticados de forma consumada, ou tentada, como o homicídio e a resistência
seguida de morte, incluindo as hipóteses de exclusão da ilicitude.
Nossa posição é que deve abranger também a lesão corporal seguida de morte, pois o art.
16-A do CPPM é expresso ao prever que a investigação pode decorrer do uso da força letal em
razão do excesso culposo, isto é, abrange o homicídio culposo. Logo, como o art. 16-A aplica-se
para os casos de homicídio doloso e culposo, atende à finalidade da alteração legislativa aplicar
também para os casos de lesão corporal com resultado morte, uma vez que o homicídio, neste
caso, é culposo.
LIMA, Renato de. Manual de Processo Penal – Volume Único. 8.ed. Salvador: Juspodivm. 2020. p. 165.
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E como fica a defesa do militar?
Em que pese haver previsão de citação do investigado para constituir defensor, Renato Brasileiro de Lima,
leciona que o correto é notificação e Cícero Coimbra diz que é a hipótese de intimação, pois por ela se dá ciência de um
ato já praticado no processo penal militar.
Notificado/intimado, o investigado possui quarenta e oito horas para nomear defensor, decorrido esse prazo sem
nomeação, a autoridade responsável pelo procedimento investigatório, o encarregado (no IPM) e o Delegado de Polícia (IP),
o Promotor de Justiça (no PIC), deve providenciar a intimação da instituição a que estava vinculado o investigado ao tempo
do crime para que ela, também no prazo de quarenta e oito horas, indique um defensor para representar o investigado.
Nesse caso de intimação da Instituição pela autoridade responsável pela investigação, Cícero Coimbra alerta quanto a
possibilidade de se confundir na mesma pessoa o encarregado do IPM e o Comandante da Unidade que será intimado
presentando a Instituição, orientando que haja uma inovação na estrutura para sanar o problema.
LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal: comentado. 5. ed. Salvador: Jus Podivm, 2020. P. 165;
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de Direito Processual Penal Militar: volume Único. 6. ed. São Paulo: Jus Podivm, 2022. P. 396.
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de Direito Processual Penal Militar: volume Único. 6. ed. São Paulo: Jus Podivm, 2022. P. 399.
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No caso da instituição não indicar o profissional, conforme o §3º, incumbe à Defensoria
Pública representar o investigado e nos locais em que ela não estiver instalada, a União ou a Unidade da
Federação correspondente à respectiva competência territorial do procedimento instaurado deverá
disponibilizar profissional para acompanhamento e realização de todos os atos relacionados à defesa
administrativa do investigado.
Nos casos de não atuação da Defensoria Pública, os custos com o patrocínio dos interesses dos
investigados nos procedimentos de que trata este artigo correrão por conta do orçamento próprio da
instituição a que este esteja vinculado à época da ocorrência dos fatos investigados.
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Importante consignar que os §§ 3º, 4º e 5º foram vetados pelo Presidente da República,
todavia em 19/04/2021, o Congresso Nacional derrubou os vetos e a promulgação pelo Presidente da
República do novo texto se deu em 30/04/2021.
O veto do Presidente fundamentou-se na violação do art. 5º, inciso LXXIV, da CF o qual prevê
que incumbe ao Estado a prestação da assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos, bem como dos artigos 131, 132 e 134 também da CF os quais conferem à
Advocacia-Geral da União e às Procuradorias dos Estados e do DF a representação judicial das unidades
federativas correspondentes bem como de seus agentes públicos, conforme a jurisprudência do STF.
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei
complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos
Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
19, de 1998)
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente,
a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos
necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal . (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)
STF, ADI 3.022, Pleno, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 02/08/2004, DJ 04/03/2005.
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Na doutrina processual penal militar Cícero Coimbra concorda com os fundamentos do veto
presidencial. Na doutrina processual penal comum, Renato Brasileiro de Lima concorda com os
fundamentos do veto presidencial e defende uma leitura conforme a Constituição Federal do §2º para
compreender que onde a Lei fala “defensor” devemos compreender “Advogado da União” ou “Procurador
do Estado”, a depender se se trata de agente público federal ou estadual.
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Condução coercitiva do investigado. É possível?
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O art. 260 do CPP que autoriza a condução coercitiva do acusado que não atender à
intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não
possa ser realizado, não possui previsão semelhante no CPPM.
O STF foi provocado por meio das Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental nº
444/DF e 395/DF declarou a “incompatibilidade com a Constituição Federal da condução
coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, tendo em vista que o imputado não é
legalmente obrigado a participar do ato” e declarou a não recepção da expressão “para o
interrogatório” constante do art. 260 do CPP.
45
Ainda no julgamento, o STF decidiu que o objeto da ADPF limita-se à condução coercitiva destinada
a investigados e acusados à presença da autoridade policial ou judicial para interrogatório, o que
significa dizer que a decisão não alcança a condução coercitiva para a identificação civil do imputado
(art. 313, parágrafo único, do CPP) para a qualificação do acusado uma vez que a primeira parte do
interrogatório não é protegida pelo direito ao silêncio, para o reconhecimento pessoal (art. 226, do CPP)
ou para a identificação criminal nos casos admitidos pela Lei n. 122.037/09, que mesmo lícitas só serão
determinadas quando não houver outro meio para sua realização.
Embora não haja disposição expressa no CPPM acerca da condução coercitiva, pode ser importada
do CPP comum em razão do disposto no art. 3º, “a”, do CPPM.
Desse modo, a vedação da condução coercitiva ao investigado para o interrogatório também é
válida para o processo penal militar por ser incompatível com a Constituição e como não é
constitucional para o processo penal comum também não é para o processo penal militar, pois os
fundamentos da inconstitucionalidade são igualmente aplicáveis ao processo penal militar.
.
46
Cícero Coimbra também defende que a decisão do Supremo alcança o processo penal militar e com muito mais razão se
aplica a lógica do acordão no julgamento da ADPF 444/DF diante da previsão no §2º do art. 296 e art. 412, ambos do CPPM,
“ficando clara a sanção processual da revelia, como uma consequência assumida pelo acusado”.
Em síntese, Renato Brasileiro de Lima elenca as seguintes situações cuja condução coercitiva é ilegal:
(1) prestar declarações em Comissão parlamentar de inquérito;
(2) comparecer à audiência una de instrução e julgamento;
(3) participar de reconstituição simulada do crime ou fornecer padrões gráficos ou vocais para perícia criminal;
(4) fazer exame pericial de dosagem alcoólica;
(5) Prestar declarações em Delegacia de Polícia;
(6) Participar de acareação etc.
Por fim, conclui-se que o réu/acusado só pode ser conduzido coercitivamente para a realização de uma ação que não
implique em um comportamento ativo seu.
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de Direito Processual Penal Militar: volume único. 6. ed. São Paulo: Jus Podivm, 2022.
Art. 296, § 2º Ninguém está obrigado a produzir prova que o incrimine, ou ao seu cônjuge, descendente, ascendente ou irmão.
Art. 412. Será considerado revel o acusado que, estando solto e tendo sido regularmente citado, não atender ao chamado judicial para o início da instrução criminal, ou que, sem justa causa, se
previamente cientificado, deixar de comparecer a ato do processo em que sua presença seja indispensável.
LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal: comentado. 5. ed. Salvador: Jus Podivm, 2020. P. 792
STF, HC 119.941/DF, 2ª Turma, rel. min. Cármen Lucia, j. 25/03/2014.
STF, RHC 109.978/DF, 1ª Turma, rel. min. Luiz Fux, j. 18/06/2013
STF, HC 99.289/RS, 2ª Turma, rel. min. Celso de Mello, j. 23/06/2009.
STF, HC 93916/PA, 1ª Turma, rel. min. Cármen Lúcia, j. 10/06/2008
STF, HC 89.503/RS, 2ª Turma, rel. min. Cezar Peluso, j. 03/04/2007.
STJ, REsp 346.677/RJ, 6ª Turma, rel. min. Fernando Gonçalves, j. 10/09/2002.
47
Caso o réu em sede de interrogatório, após sua qualificação, manifeste o direito ao
silêncio, o juiz pode consignar em ata as perguntas que seriam indagadas ao réu
(perguntas do próprio juiz; Ministério Público e assistente de acusação)?
O parágrafo único do art. 305 do CPPM prevê essa possibilidade. Entretanto, a discussão ocorre
diante do inciso I, do parágrafo único, do art. 15 da Lei 13.869/2019 – Lei de Abuso de Autoridade -
que assim dispõe:
Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou
profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo:
Art. 305. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao acusado que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser
interpretado em prejuízo da própria defesa.
Parágrafo único. Consignar-se-ão as perguntas que o acusado deixar de responder e as razões que invocar para não fazê-lo.
48
Cícero Coimbra Neves e Fábio Nakaharada não veem óbice na aplicação do parágrafo único do art. 305 do
CPPM e sustentam que não pode ser considerado como crime de abuso de autoridade ou descumprimento ao direito
ao silêncio, sob o fundamento de que a conduta criminosa do abuso de autoridade é a insistência em fazer o réu
responder perguntas e não apenas a consignação das perguntas que podem ser usadas em favor da defesa do réu,
pois “evidenciará uma linha de investigação ou da imputação no processo à qual a defesa poderá se organizar para
a produção da prova”.
Em sentido contrário Renato Brasileiro de Lima, Rogério Sanches Cunha e Rogério Greco sustentam que o
ato de consignar as perguntas em ata além de atingir o direito ao silêncio é uma forma de constrangimento,
podendo se subsumir ao crime de abuso de autoridade, pois a partir do momento em que o réu exerce o seu direito
ao silêncio não pode o juiz, o Ministério Público ou o assistente de acusação formular perguntas.
NEVES, Cícero Robson Coimbra; NAKAHARADA, Fábio. Crime Militar Extravagante de Abuso de Autoridade (Lei nº13.869/2019); NEVES, Cícero Robson Coimbra(Coord.).
Crimes Militares Extravagantes – Volume Único. 2.ed. São Paulo: Juspodivm. 2022. p. 253.
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de Processo Penal Militar – Volume Único. 7.ed. Salvador: Juspodivm. 2023. p. 872-873.
LIMA, Renato de. Legislação Criminal Comentada – Volume Único. 8.ed. Salvador: Juspodivm. 2020. p. 119-121.
LIMA, Renato de. Manual de Processo Penal – Volume Único. 8.ed. Salvador: Juspodivm. 2020. p. 81.
CUNHA, Rogério Sanches; GRECO, Rogério. Abuso de Autoridade – Lei 13.869/2019 Comentada Artigo por Artigo. 1.ed. Salvador: Juspodivm. 2020. p. 144-145.
49
No âmbito do Ministério Público Militar há o enunciado 23, de agosto de 2021, da
CCR/MPM, que entende pela impossibilidade de consignar as perguntas em ata, assim dispondo:
50
Há precedente do STM que declarou a revogação de todo o art. 305 do CPPM por ferir o direito
constitucional ao silêncio. Há precedente do TJSC no mesmo em sentido.
O inciso I, do parágrafo único, do art. 15 da Lei 13.869/2019 havia sido vetado e nas razões do
veto o Presidente da República levantou, justamente, a posição sustentada pela primeira corrente que
aqui apresentamos, pois tais perguntas não respondidas pelo réu e poderiam ser úteis à defesa em sua
estratégia. Entretanto, o Congresso Nacional derrubou esse veto e veio à vigência esse tipo penal.
Em relação ao art. 305 do CPPM não entendemos que apenas o caput não foi recepcionado, mas
sim todo o dispositivo legal. O parágrafo único ao prever que as perguntas serão consignadas deriva do
caput, pois tais perguntas consignadas podem ser usadas contra o réu.
STM. APELAÇÃO nº 0000032-66.2006.7.01.0101. Relator(a): Ministro(a) MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA. Data de Julgamento: 09/12/2009, Data de
Publicação: 16/12/2009.
TJSC, Indignidade para o Oficialato n. 2011.022302-8, da Capital, rel. Roberto Lucas Pacheco, Seção Criminal, j. 26-03-2014.
51
Suficiência do Auto de Flagrante Delito
Suficiência do auto de flagrante delito
Art. 27. Se, por si só, fôr suficiente para a elucidação do fato e
sua autoria, o auto de flagrante delito constituirá o inquérito,
dispensando outras diligências, salvo o exame de corpo de
delito no crime que deixe vestígios, a identificação da coisa e a
sua avaliação, quando o seu valor influir na aplicação da pena. A
remessa dos autos, com breve relatório da autoridade policial
militar, far-se-á sem demora ao juiz competente, nos têrmos do
art. 20
Relaxamento da prisão
53
Perceba que a expressão utilizada no dispositivo se refere à “manifesta inexistência de infração
penal militar”, o que permite afirmar que a autoridade de polícia judiciária militar possui o poder-dever de
não ratificar o auto de prisão em flagrante caso constate durante a sua lavratura que o militar atuou
amparado por qualquer causa que exclua o crime, seja excludente de tipicidade, ilicitude ou
culpabilidade. A análise pelo Presidente do APF é ampla, pois assim permite o referido artigo ao
mencionar a inexistência de infração penal militar. Na prática, a principal excludente analisada é a de
legítima defesa, que exclui a ilicitude do fato. Nesses casos a autoridade que preside o APF deve
proferir o “despacho não ratificador” ou para parcela da doutrina, “relaxar” a prisão.
Não obstante o § 2º do art. 247 do CPPM diga que a autoridade militar relaxará a prisão,
entendemos que não se trata de relaxamento propriamente dito quando for decidido pela autoridade
militar, mas sim de não ratificação, pois relaxar a prisão cabe ao juiz competente.
O Código de Processo Penal Militar data de 1969 e foi publicado e entrou em vigência diante da
Constituição de 1967 que previa em seu artigo 150, § 12, que a prisão ilegal seria relaxada pelo juiz
competente.
54
Portanto, desde a origem do CPPM já havia previsão constitucional que a prisão deve ser
relaxada pelo juiz, o que se repetiu na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LXV).
Para Cícero Coimbra Neves, nos termos do §2º do art. 247 do CPPM, a autoridade de polícia
judiciária militar também pode promover o relaxamento da prisão quando verificar que é ilegal.
Na doutrina processual penal comum, Renato Brasileiro de Lima, embora reconheça que
parte da doutrina admita o relaxamento da prisão pela autoridade policial (auto de prisão em flagrante
negativo) por interpretação a contrario sensu do art. 304, §1º do CPP, entende que não se trata de
relaxamento da prisão porque nesse caso o ato complexo da prisão em flagrante não se aperfeiçoou.
Renato Brasileiro fundamenta, ainda, seu entendimento no Texto Constitucional que ao se referir ao
relaxamento da prisão ilegal atribui a competência à autoridade judiciária.
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de Processo Penal Militar – Volume Único. 7.ed. Salvador: Juspodivm.
2023. p.449-455.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 9. ed. Salvador: Juspodivm. 2021. p. 885.
55
Cícero Coimbra Neves defende a possibilidade, inclusive para excludentes de
culpabilidade, sob o fundamento que a atual ordem constitucional privilegia como norte
principal o status libertatis do indivíduo como se depreende dos incisos LXI e LXVI do
art.5º. E a autoridade de polícia judiciária militar só poderia lavrar o APF se o fato
definido como crime se consubstanciasse na ocorrência dos três substratos do crime
(fato típico; ilícito e culpável) que se depreende do art. 247, § 2, do CPPM ao prever
“verificar a manifesta inexistência de infração penal militar”.
O referido autor ressalta que tal ação da autoridade de polícia judiciária militar
não impede a persecução penal militar via IPM, mas apenas a necessidade de se
preservar o status libertatis do indivíduo que é regra da persecução penal inicial.
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de Processo Penal Militar – Volume Único. 7.ed. Salvador: Juspodivm. 2023.
p.446-447.
56
Provas que podem ser produzidas nas investigações
criminais militares
No direito probatório vige o princípio da liberdade probatória. Toda prova é válida, desde que não viole a
Constituição e as leis.
- Não se admite prova:
- Obtida mediante tortura;
- Violação do direito ao silêncio;
- Que viole a privacidade sem autorização judicial;
- Decorrente do ingresso ilegal em residência;
- Decorrente de busca pessoal sem fundada suspeita;
- Atente contra a saúde;
- Atente contra a moral (Ex.: crime sexual);
- Segurança individual ou coletiva;
- Contra a hierarquia e disciplina. 57
• É possível a realização dos seguintes procedimentos:
- Provas testemunhais;
- Apreensão de celular, de computadores, documentos;
- Perícias em geral (documentos, drogas, computadores etc.);
- Quebra de dados telefônicos, informáticos, telemático, financeiro, bancário,
fiscal, ERB;
- Exame de corpo de delito;
- Interceptação telefônica, ambiental;
- Infiltração de militares;
- Colaboração premiada nos crimes militares.
59
CENA DO CRIME
• O militar deve preservar a cena do crime e seguir, na maior medida possível, o passo a passo da cadeia
de custódia.
O que é cadeia de custódia?
Código de Processo Penal
Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos
utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em
locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu
reconhecimento até o descarte. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
Toda fonte de prova que constitui corpo de delito exige algum tipo de manejo próprio
para garantir sua integridade.
• Local do crime físico e digital;
• Cadáver encontrado no local do crime em razão de um homicídio/suicídio;
• Arma de fogo encontrada no local do crime;
• Roubo ou furto a residência;
61
E as provas imateriais, intangíveis? (Dados informáticos)
- Bit (unidade de informação digital)
- Hash (Aplicando-se uma técnica de algoritmo hash, é possível obter uma assinatura única
para cada arquivo - uma espécie de impressão digital ou DNA).
- A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas (art. 158-
B do CPP)
64
• O militar tem importantíssimo papel na cadeia de custódia.
• O registro da cena do crime é de elevada importância para o processo penal militar; sempre que
houver a captura de filmagens e fotografias do local do crime quando a militar chega deve ser
transportada para o processo penal.
• A imagem do cenário do crime nos autos é importante para o esclarecimento dos fatos, pois
permite ao julgador a visualização de onde os fatos ocorreram, o que contribui para a formação
do imaginário mais próximo da realidade de acordo com as provas que serão produzidas nos
autos.
65
Na ausência de perícia no local do crime o militar acaba por atuar no
reconhecimento, isolamento, coleta, acondicionamento e transporte.
66
E as provas digitais?
67
Casos que o STF/STJ considerou o acesso legal
68
Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos,
1 que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula
do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito
registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados.
É válida a prova obtida por acesso a agenda de celular sem autorização judicial.
2
STJ, REsp 1782386/RJ, j. 15/12/2020.
Obs.: Um sequestro em andamento é um exemplo de caso que permitiria o acesso imediato pela
polícia ao celular do abordado/preso na rua. Em relação ao crime de tráfico o STJ entende que não
há a excepcionalidade que autoriza o acesso.
71
9 A decisão judicial que autoriza a realização de busca e apreensão de
celulares é suficiente, por si só, para que a polícia acesse o conteúdo das conversas,
sendo desnecessária nova autorização judicial.
É válida como prova prints de conversa de WhatsApp, desde que não haja qualquer 10
indício de adulteração da prova ou da ordem cronológica da conversa. A alegação de
fraude na conversa pode ser comprovada pela parte que alega mediante a
apresentação da conversa em seu aparelho celular e no caso o réu se negou a
apresentar o celular para perícia, o que reforça a legitimidade da prova.
AgRg no HC n. 752.444/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de
10/10/2022.
72
Casos que o STF/STJ considerou o acesso ilegal
Esta Foto de Autor Desconhecido está
licenciado em CC BY-NC
73
1 É ilícita a devassa de dados, bem como das conversas de WhatsApp, obtidas
diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia
autorização judicial.
STJ, HC 51531/RO, 6ª Turma, rel. min. Nefi Cordeiro, j. 19/04/2016 (Informativo 583). STJ, RHC 89.981, rel.
Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 13-12-2017.
2
O exame do aparelho celular do paciente durante o flagrante constitui situação
não albergada pelo comando do art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal.
74
3 A polícia não pode acessar, sem autorização judicial, o aparelho
celular do agente e tomar ciência das conversas havidas por WhatsApp. Tais provas são
ilícitas.
12 É ilícito o acesso ao whatsapp, sem autorização judicial, nos casos de tráfico de drogas
79
14 O Superior Tribunal de Justiça decidiu que a leitura de mensagens, por
policiais, que aparecem naturalmente na tela do aparelho celular bloqueado,
mesmo sem a necessidade de inserir senha, configura violação de sigilo de
dados, logo, é ilícita a obtenção das informações contidas nas mensagens e
as provas produzidas que decorram dessas mensagens. Na mesma ocasião
decidiu que não há violação do sigilo de dados quando há somente
averiguação do próprio objeto do crime (art. 6º, inciso III, do CP), como por
exemplo, o IMEI, que é mera identificação do aparelho celular e, portanto, não
está abarcado pelo sigilo de dados.
STJ, AgRg no Agravo em Resp n. 2340362/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, 5ª Turma, j. 08/08/2023.
80
O que devo fazer para preservar provas de mensagens no
WhatsApp?
81
- Sempre que tirar o print apague o nome de quem mandou a mensagem antes
para que o número possa aparecer, já que colocamos o nome que quisermos
no número.
- Se for mensagem com conteúdo criminoso ou que você possa precisar para
provar algum fato sugiro que ative a gravação da tela do celular, pois
registrará toda a conversa na ordem que ocorreu, além de registrar as
mensagens apagadas de imediato pelo remetente. Eventual perícia poderá
comprovar que o vídeo é real e não foi editado.
82
- Caso as conversas do WhatsApp não tenham sido apagadas poderá ser
registrada ata notarial ou registrada mediante o uso de uma LegalTech
(tecnologia jurídica)
83
- Na LegalTech extrai-se toda informação relacionada à segurança da
informação. Em que pese não ser dotada de fé pública, a LegalTech atesta
tecnicamente a segurança da informação, todos os dados da comunicação, o
conteúdo das mensagens, comprova que as mensagens foram enviadas e
recebidas de determinado número e que são originais. É mais barato e pode
ser feito a qualquer momento. Hoje um site que realiza esse trabalho é o da
Verifact.
84
TÓPICOS ESPECIAIS
Diante da Lei n. 14.688/2023, a quem cabe investigar os casos de violência
doméstica e familiar contra a mulher que envolva casal de militares?
Sabemos que para a configuração da deserção exige-se a ausência do militar da unidade em que serve,
ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias, ou seja, o crime só se consuma após transcorrido o
prazo de oito dias (mais de oito dias). Desse modo, se o militar retorna antes do octídio não se consuma o crime.
Durante o período de ausência do militar inferior a oito dias, o militar é denominado de emansor (ausente). Esse
período é chamado de período de graça ou prazo de graça.
85
A redação original do art. 456, §2º do CPPM (que previa o processo de deserção de
praça, com ou sem graduação, e de praça especial, no Exército), previa a necessidade de
diligências para localização do militar ausente:
A Lei 8.236/1991 unificou o procedimento para as praças das três Forças Armadas e foi retirada a
previsão de diligências para busca do militar ausente.
Cícero Coimbra Neves ao discorrer sobre o tema entende que “recomenda-se o desencadeamento de
diligências para o seu encontro e condução ao quartel”.
Cláudio Amin Miguel e Nelson Coldibelli ensinam que “Vale lembrar que não se exige mais a realização de
diligências visando à captura do ‘desertor’, embora a autoridade militar possa tomar tal iniciativa, tendo o cuidado
de não efetuar a prisão, no interior de residência, sem autorização judicial, caso não haja consentimento do
morador. Essas diligências, aliás, deveriam ser sempre realizadas, pois em muitos casos o ‘desertor’ se encontra,
durante o período de ausência, em seu próprio endereço. Assim poderia se evitar a consumação do delito, que não
interessa à própria autoridade militar, haja vista a série de procedimentos que deve observar, desviando-se, dessa
forma, de suas funções.”
87
Abelardo Júlio da Rocha entende pela necessidade, no âmbito administrativo e não
processual penal militar, dessas diligências:
Diligências são, por assim dizer, providências de caráter operacional a serem realizadas com o específico escopo de
localizar o militar ausente e fazê-lo voltar (retornar) ao quartel, evitando, desta forma, a consumação do crime de
deserção.
Essas diligências devem ser providenciadas por determinação do Comandante da Subunidade ou de autoridade
superior.
Este procedimento é imprescindível porque demonstrará, de maneira extreme de dúvidas, que o ausente
se encontra em local incerto e não sabido, porquanto a administração militar buscou localizá-lo nos
endereços fornecidos.
A não realização de diligências pode levar à situação juridicamente embaraçosa, como, por exemplo, o caso do desertor
se achar em lugar de fácil localização, apesar de não ter sido procurado lá.
Já ocorreram no Estado de São Paulo casos em que o militar do Estado foi considerado ausente, todavia se encontrava
internado no Centro Médico da Corporação, onde deu entrada acometido de grave moléstia e inconsciente.
A partir destas experiências, atualmente, naquele Estado, um dos locais aos quais se deve necessariamente diligenciar
à procura do militar ausente, ainda que por telefone ou outro meio, é o Hospital da Polícia Militar.
88
Diante da posição explanada pelo autor entendemos que ele somente considera necessário as diligências para
fins administrativos e para evitar a consumação da deserção e não como requisito essencial para futura lavratura de
Instrução Provisória de Deserção (IPD).
Estariam autorizados a ingressar na casa sem o consentimento do morador a fim de buscar o militar
faltoso? A nosso ver se impõe a resposta negativa.
A duas porque a inviolabilidade do domicílio é garantia constitucional que só pode ser excepcionada na
presença das hipóteses expressamente previstas na própria Carta Política Fundamental, entre elas a
necessidade de realizar a prisão em flagrante delito.
89
Quanto à situação das diligências em busca do ausente em sua residência entendemos que
eventualmente possa se adentrar na residência para a captura.
O oficial subalterno comparece à residência do soldado ausente e ao chamar pelo seu nome no
portão o soldado aparece pelo lado de dentro do portão da residência e expressamente fala ao
oficial subalterno que não retornará à Unidade Militar.
Nesse caso hipotético entendemos que o soldado estaria em flagrante delito pelo crime militar de recusa de
obediência (art. 163 do CPM), portanto a guarnição de serviço comandada pelo oficial subalterno estaria autorizada a adentrar
à residência para realizar a captura do soldado que estaria em flagrante delito. Diante das diversas decisões recentes do STJ
que restringem o acesso à casa de terceiros pela polícia nas situações de flagrante delito, certamente, o nosso entendimento
não ganhará guaria na jurisprudência dos tribunais superiores.
90
Retornando ao questionamento.
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de Processo Penal Militar – Volume Único. 7.ed. Salvador: Juspodivm. 2023. p. 469.
MIGUEL, Claudio Amin; COLDIBELLI, Nelson. Elementos de direito processual penal militar. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2020. p. 186-187.
LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. ed.3. Brasília: Brasília Jurídica. 2006. p. 306.
ROCHA, Abelardo Júlio da. Aspectos administrativos a serem tomados em relação ao crime de deserção e ao desertor; ASSIS, Jorge César de
(Coord.). Deserção - Um Estudo Minucioso Sobre o Crime Militar por Excelência. 1.ed. Curitiba: Juruá. 2015. p. 39-40.
STM. HABEAS CORPUS nº 0000118-66.2012.7.00.0000. Relator(a): Ministro(a) LUIS CARLOS GOMES MATTOS. Data de Julgamento:
14/08/2012, Data de Publicação: 13/09/2012. Unânime.
STM. HABEAS CORPUS nº 0000119-51.2012.7.00.0000. Relator(a): Ministro(a) ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA. Data de Julgamento: 14/08/2012,
Data de Publicação: 03/09/2012). Unânime.
TJM/RS. Apelação Criminal n° 2.585/93, Relator Juiz Dr. Mathias Nagelstein, 1993, t. II, p. 146. Unânime.
TJM/RS. Apelação Criminal nº 2.332/89, Relator Juiz Dr. José Luiz Vieira, 1989, t. II, p. 115. Unânime.
TJM/RS. Apelação Criminal nº 2.326/89, Relator Juiz Antônio Cláudio Barcellos de Abreu, 1989, t. II, p. 98. Unânime.
TJM/RS. Apelação Criminal nº 2.291/89, Relator Juiz Dr. José Luiz Vieira, 1989, t. I, p. 61. Unânime.
92
Quais as consequências ao se lavrar o termo de deserção antes de atingido o
octídio necessário para a caracterização da deserção?
Os §§3º e 4º, do art. 456 do CPPM preveem que na lavratura do termo de deserção de praça
especial ou praça sem estabilidade ela será excluída.
Diante disso discute-se quais os efeitos do termo de deserção ser lavrado fora do prazo da
consumação do crime de deserção.
No caso de o termo de deserção ser lavrado antes da consumação da deserção poderá implicar na
atipicidade do crime de deserção, caso o militar estadual, o que depende da legislação local, seja excluído
imediatamente da instituição militar, como ocorre nas Forças Armadas para praças não estáveis e especiais.
A lavratura do termo de deserção em prazo anterior à consumação da deserção vai tornar atípica a
conduta por ter deixado de ostentar a qualidade de militar, o que impede a consumação do crime de
deserção.
93
Jorge César de Assis defende que a Administração Militar pode corrigir erros
identificados na instrução provisória e pode ser feita de ofício ou por requisição do
Ministério Público Militar, porém essa correção encontra limite no ato de exclusão. No
caso de o militar ser excluído da organização militar um dia antes da consumação do
crime de deserção, data em que é lavrado o termo de deserção não há consumação do
crime, pois o militar tornou-se civil antes disso e o crime só pode ser cometido por
militar, conforme já decidido pelo STM (HC 2005.01.034011-4). No entanto, o STF (HC
92.990-7/RS) já entendeu ser possível essa retificação, se houve erro na contagem do
prazo para a consumação do crime de deserção, com renovação do procedimento
administrativo, sem que isso implique em constrangimento ilegal, o que implica na
desconsideração do efeito extrapenal de exclusão do militar.
94
Atualmente, o STF (HC 121.190/BA; HC 126.520/RJ) tem entendido conforme as lições de
Jorge César de Assis no sentido de que a lavratura antecipada e equivocada do termo de deserção
acarreta a perda da condição de militar, antes de findar o oitavo dia de ausência, passando a ostentar
o agente a condição de civil, situação impeditiva da consumação da figura delitiva, ressaltando-se
que a retificação do termo de deserção não pode produzir efeitos pretéritos prejudiciais ao
administrado, assim, eventual equívoco na lavratura do Termo de Deserção apenas tem o condão de
afastar a tipicidade da conduta quando, a partir dele, as forças armadas excluírem o militar durante o
período de graça.
95
O STM (HC 000004640.2016.7.00.0000; APL nº 000087- 72.2015.01.0401) já decidiu também
que deve ser considerado nulo, sem renovação, o Termo de Deserção que considerou como consumado o
crime de deserção no oitavo dia de ausência do militar no período de graça, sobretudo quando o segundo
termo, ao ratificar o primeiro incide na mesma irregularidade.
Nos casos de oficiais e praças com estabilidade, ao desertarem, serão agregados – oficial: §1º
do art. 454 do CPPM; praça com estabilidade, §4º do art. 456 do CPPM -, e não excluídos da Força
Militar, razão pela qual a lavratura do termo de deserção antes de atingido o octídio legal, em nada afeta
a consumação do crime de deserção. A praça especial ou a praça sem estabilidade, após ser lavrado o
termo de deserção, serão imediatamente excluídas do serviço ativo, enquanto a praça estável é agregada.
As instituições militares estaduais devem observar as respectivas leis estaduais (art. 42, § 1º, c/c art.
142, § 3º, X, ambos da CF) que podem prever de forma diversa ao contido genericamente no Código de
Processo Penal Militar.
96
Adriano Alves-Marreiros sustenta que “No caso da praça com estabilidade e do oficial,
não é relevante, uma vez que o militar não perde esta condição, sendo agregado.”.
Portanto, a lavratura equivocada do termo de deserção antes do prazo “superior a oito dias”
afasta a tipicidade da conduta somente se o militar for excluído da Instituição Militar, o que
ocorre apenas se o militar for praça especial ou praça sem estabilidade nas Forças Armadas e em
cada estado deve verificar as respectivas leis estaduais.
Em Minas Gerais o militar não estável que deserta será excluído, mas mediante Processo
Administrativo Disciplinar Sumário, sendo a notificação por edital, nomeado um curador e o
processo seu seguimento normal à revelia do acusado. Nota-se, portanto, que não há exclusão
imediata, razão pela qual, ainda que se trate de praça não estável, em Minas Gerais, a lavratura do
termo de deserção antes do octídio legal não impede a consumação do crime de deserção.
97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar. ed.10. Curitiba: Juruá. 2018. p. 555-556.
STM, HC 7000787-87.2018.7.00.0000, rel. min. Luis Carlos Gomes Mattos, j. 12/11/2018; RESE 0000167-
22.2016.7.08.0008, rel. min. Marcus Vinicius Oliveira dos Santos, j. 14/09/2017.
STM, HC 000004640.2016.7.00.0000, rel. min. José Coêlho Ferreira, j. 26/04/2016; APL nº 000087-
72.2015.01.0401, rel. min. Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, j. 10/03/2016.
ALVES-MARREIROS, Adriano; ROCHA RAMOS, Guilherme da; FREITAS, Ricardo de Brito Albuquerque Pontes. Direito
Penal Militar - Teoria crítica & prática. São Paulo: Método. 2015. p. 1125.
98
No processo/procedimento de deserção de praça especial ou sem estabilidade o desertor, já excluído
da corporação, caso se apresente voluntariamente ou seja capturado é obrigado a realizar a
inspeção de saúde para fins de reinclusão?
O questionamento discute se o ato da inspeção de saúde do §1º do art. 457 do CPPM vai de encontro
ao direito da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere).
Art. 5º (...)
99
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos internalizada no ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto
n. 678/1992 prevê em seu art. 8º, alínea “g”, o direito ao silêncio:
Artigo 8
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se
comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena
igualdade, às seguintes garantias mínimas:
g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e
O CPPM, ao contrário do CPP, possui previsão expressa do nemo tenetur se detegere no § 2º do art. 296 “§ 2º
Ninguém está obrigado a produzir prova que o incrimine, ou ao seu cônjuge, descendente, ascendente ou irmão”.
Diante de tais posições legais (constitucional, supralegal e legal) há a discussão se o desertor, praça especial ou
praça sem estabilidade, pode se recusar a realizar a inspeção de saúde § 1º do art. 457 do CPPM visto que tal prova é
elemento essencial para sua reinclusão e requisito de procedibilidade para ação penal militar de deserção em seu
desfavor.
O autor faz analogia ao entendimento dos tribunais nos casos do crime de embriaguez
no trânsito em que mesmo na recusa do condutor em realizar o teste de etilômetro ele pode
sofrer penalidades administrativas pela autoridade de trânsito por essa recusa. Todavia, ressalta
que a eventual punição administrativa do desertor que se recusa a realizar a inspeção de saúde,
a saber: “a Administração Militar pode, por exemplo, negar a concessão de certificado de
reservista ao desertor que se recuse a ser submetido à inspeção de saúde. O mesmo raciocínio
pode ser aplicado em relação aos militares que se neguem a realizar exames médicos para
outros fins administrativos (cursos, engajamento, licenciamento e outros), ou seja, exames
médicos que não estejam condicionados à punibilidade criminal do inspecionado.”
101
Noutro sentido, Ronaldo João Roth entende pela possibilidade de se obrigar o desertor a
realizar a inspeção de saúde, pois a inspeção não depende de qualquer ação do desertor na avaliação
médica e não há qualquer procedimento médico invasivo no ato por se tratar apenas de exame clínico.
O autor faz analogia ao que ocorre no reconhecimento de pessoas que não ofende o nemo
tenetur se detegere.
O investigado, praça sem estabilidade, fora solto em audiência de custódia, após sua captura por
deserção, e fora determinado como obrigação o comparecimento quando convocado para a inspeção de
saúde. Todavia, o investigado foi comunicado diversas vezes para comparecer à Organização Militar para
realizar inspeção de saúde e não o fez.
102
Diante dessa situação o Juiz Federal da Justiça Militar determinou a condução coercitiva do investigado
para que realizasse a inspeção de saúde. Entretanto, a Polícia Judiciária Militar informou que não seria possível
cumprir tal diligência porque o acusado residia em área dominada por facções criminosas e a ação exigiria grande
risco. Sendo assim, o Juiz Federal da Justiça Militar determinou a prisão preventiva do investigado sob o
fundamento de que o fato dele não se apresentar à inspeção de saúde consistia em se furtar da aplicação da lei
penal militar.
O STM, denegou a ordem em habeas corpus e concordou com as decisões proferidas pelo Juiz Federal da
Justiça Militar, pois para o militar ser processado por deserção é indispensável que realize a inspeção de saúde e
em caso de aptidão seja reincluída às fileiras da Força Armada.
Em nossa pesquisa aos autos verificamos que fora impetrado habeas corpus contra essa decisão do STM
no STF que recebeu a numeração de HABEAS CORPUS 187.326/RJ, mas o remédio constitucional não fora
conhecido, pois a primeira instância da JMU revogou a prisão preventiva. Não encontramos os autos na primeira
instância ou eventual recurso de apelação.
103
Concordamos com a posição de Luciano Moreira Gorrilhas.
Quanto aos argumentos de Ronaldo João Roth, respeitosamente, discordamos. A inspeção de saúde
não se trata de um mero exame clínico - STJ possui precedentes autorizando o exame clínico sem anuência do
investigado -, mas sim um exame mais minucioso que vai além da simples análise clínica do médico porque a
inspeção de saúde depende da proatividade do examinado nas respostas dos questionamentos feitos pelo
médico ou equipe médica sobre seu estado de saúde. E exigindo proatividade do examinado o ato de se
submeter à inspeção de saúde deve ser totalmente voluntário por parte do investigado em razão do nemo
tenetur se detegere.
105
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GORRILHAS, Luciano Moreira. O desertor sem estabilidade pode recusar-se a ser submetido à inspeção de saúde?.
Jusmilitaris. Disponível em: < https://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/inspecaodesetor.pdf >. Acesso
em 14. jul. 2023.
ROTH, Ronaldo João. Questões Processuais do Crime de Deserção; ASSIS, Jorge César de (Coord.). Deserção - Um
Estudo Minucioso Sobre o Crime Militar por Excelência. 1.ed. Curitiba: Juruá. 2015. p. 218-220.
STF. HC 187326/ RJ. Decisão Monocrática Ministro Alexandre de Moraes. julgado em 27/01/2021.
STJ. RHC 26.432/MT, Quinta Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 22/2/10.
STJ. HC n. 178.882/RS, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 18/8/2011, DJe de 29/8/2011.
STF. Plenário. ADPF 395/DF e ADPF 444/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em 13 e 14/6/2018 (Info 906).
106
A Administração Militar pode realizar busca sem autorização do militar
e sem situação de fundada suspeita nos escaninhos de militares?
Nos quartéis, geralmente, os militares possuem armários para guardarem seus bens e
objetos pessoais e funcionais.
A administração militar pode revistar os armários, sem mandado judicial e sem que haja
denúncia de que os usuários estejam guardando objetos ilegais?
Sim, a administração pode revistar todos os armários da instituição militar, ainda que não
haja mandado ou qualquer denúncia de irregularidade. Trata-se de uma possibilidade que decorre do
poder diretivo e de fiscalização da administração.
108
A jurisprudência é pacífica pela possibilidade da administração fiscalizar os militares que
utilizem os armários da instituição.
As revistas nos armários poderão ser inopinadas, pois se dependesse de aviso prévio, de nada
adiantaria realizar as revistas. Além do mais os militares que utilizam os armários poderão ou não estarem
presentes, sendo recomendável que estejam e, em qualquer caso, sempre que possível, as revistas deverão
ser filmadas, visando a transparência e regularidade dos atos administrativos que restrinjam, ainda que por
curto período em observância ao interesse público, a intimidade, bem como para registrar a verdade real,
seja para inocentar ou acusar o militar. Na impossibilidade de se filmar, recomenda-se que se façam
presentes duas testemunhas, preferencialmente, que não tenham sofrido buscas nos armários.
Portanto, são os seguintes pressupostos que devem ser observados nos casos de revistas em armários
no âmbito das instituições militares:
Por fim, é conveniente que haja previsão em norma da instituição militar e o militar tenha ciência
expressa da possibilidade de se revistar o armário que está sob sua responsabilidade, o que, no entanto, não
torna ilegal a realização de buscas em armários, em razão da própria natureza do poder de polícia fiscalizatório
da administração pública, que permite a adoção de providências restritivas de direito, em prol do interesse
público. 111
Obrigado!
@rodrigo.foureaux
112