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BOLETIM DE FEVEREIRO DE 2023

EXTRA – PROCESSO PENAL

INQ 4923 (27/02/23): O STF é competente para julgar crimes supostamente


cometidos por militares nos atos de invasão de 8 de janeiro de 2023?

Sim. Por decisão monocrática, o ministro Alexandre de Moraes fixou a


competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar os crimes
ocorridos nos atos de vandalismo 8 de janeiro de 2023, na Praça dos Três
Poderes, independentemente de os investigados serem civis ou militares.

Competência regimental do STF para instaurar inquérito de ofício

O Regimento Interno do STF (RISTF) foi editado com fundamento no art. 119, §
3º, “c”, da Constituição Federal de 1969, mas foi recepcionado, formalmente,
pela Constituição de 1988 com o status de lei ordinária (nesse sentido: ARE
1047578 ED-AgREDEDv-AgR, Plenário, julgado em 30/11/2018; STA 10-AgR,
Plenário, julgado em 4/3/2004; Rcl 377 EI-AgR, Plenário, julgado em 2/9/1994;
AI 148475 AgR, Primeira Turma, julgado em 2/3/1993).

Em seu artigo 43, o RISTF dispõe que, se ocorrer infração à lei penal na sede
ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver
autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro
Ministro.

Em junho de 2020, por maioria, o Plenário do STF, no julgamento da ADPF 572,


entendeu que é constitucional a instauração de inquérito de ofício pelo STF, com
fundamento nesse dispositivo, ainda que as pessoas investigadas não tenham
foro por prerrogativa de função, haja vista que o STF tem a função extraordinária
e atípica de apurar qualquer lesão real ou potencial a sua independência, bem
como que as regras do Regimento Interno do STF que fundamentaram a
instauração do inquérito foram recepcionadas como lei ordinária e se qualificam
como instrumento de proteção e defesa da ordem e da constitucionalidade.

Crimes militares x Crimes de militares

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Em relação à competência especial criminal, mais precisamente da Justiça


Militar da União, o art. 124 da Constituição Federal prevê que os crimes de sua
competência serão definidos em lei.

Essa lei é o Código Penal Militar (CPM - DEL 1.001/69), que dispõe sobre os
crimes militares.

O art. 9º do Código Penal Militar estabelece as hipóteses de crime militar


praticados em tempo de paz, enquanto o seu art. 10º do prevê as hipóteses nas
quais serão considerados crimes militares em tempo de guerra. Importante
observar que o art. 9º, II, "e", do CPM, com redação conferida pela Lei n.
13.491/2017, prescreve que se consideram crimes militares aqueles previstos
não só no CPM, mas também na legislação penal comum, quando praticados
por militar em situação de atividade contra o patrimônio sob a administração
militar, ou a ordem administrativa militar.

Fato é que crime militar estará sempre no Código Penal Militar, que não tutela a
pessoa do militar, mas a dignidade da própria instituição das Forças Armadas,
por isso que se diz que a Justiça Militar não julga "crimes de militares", mas
"crimes militares" (nesse sentido: HC 118047, Segunda Turma, DJe de
21/11/2013; HC 107146, Segunda Turma, DJe de 22/6/2011; HC 100230, Rel.
AYRES BRITTO, Segunda Turma, DJe de 24/9/2010; CC 7120, Rel. CARLOS
VELLOSO, Tribunal Pleno, DJ de 19/12/2002).

Assim, não se pode confundir os “crimes militares”, aqueles previstos no CPM,


com os “crimes de militares”, ou seja, delitos praticados por membros das Forças
Armadas e previstos em qualquer legislação penal que não seja o CPM.

O caso

No contexto dos atos de vandalismo ocorridos na Esplanada dos Ministérios em


8 de janeiro de 2023, com destruição dos prédios do Congresso Nacional, do
Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, a Polícia Federal
representou pela instauração de procedimento investigativo para apuração de

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autoria e materialidade de eventuais crimes cometidos por integrantes das


Forças Armadas e Polícias Militares, sob o fundamento de que crime cometido
por militar das Forças Armadas deve ser de atribuição investigativa da Polícia
Federal, conforme art. 144, § 1º, da Constituição Federal.

Segundo a representante, com a deflagração da 5ª fase da Operação Lesa


Pátria, notadamente pelas decisões proferidas nos autos da Pet 10/921/DF e
10.931/DF, os policiais militares ouvidos indicaram possível
participação/omissão dos militares do Exército Brasileiro, responsáveis pelo
Gabinete de Segurança Institucional e pelo Batalhão da Guarda Presidencial.

A PF afirmou, por fim, que “estando o processo afeto, ratione materiae, à


jurisdição do Supremo Tribunal Federal, e cabendo à Polícia Federal atuar junto
à referida Corte na condição de polícia judiciária da União (art. 144, IV, da
CF/88), incumbência constitucional que exerce com exclusividade, restam
afastadas, no presente caso, potenciais divergências quanto a eventual
atribuição investigativa militar, na medida em que, reitere-se, (i) o caso trata de
crime contra a ordem política e social; (ii) a competência jurisdicional é do
Supremo Tribunal Federal, e não da Justiça Castrense”.

Importante mencionar que estão sob investigação nesse caso os crimes


previstos nos artigos 2º, 3º, 5º e 6º (atos terroristas, inclusive preparatórios) da
Lei 13.260/16, e nos artigos 147 (ameaça), 147-A, § 1º, III, (perseguição), 163
(dano), art. 286 (incitação ao crime), art. 250, § 1 º, inciso I, alínea ''b" (incêndio
majorado), 288, parágrafo único (associação criminosa armada), 359-L (abolição
violenta do Estado Democrático de Direito), 359-M (golpe de Estado), todos do
Código Penal.

O que decidiu o ministro Alexandre de Moraes?

Por decisão monocrática, o ministro entendeu que compete ao Supremo Tribunal


Federal o processo e julgamento dos atos supostamente criminosos praticados
em 8 de janeiro de 2023 na Praça dos Três Poderes, independentemente se os

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investigados são civis ou militares, sejam das Forças Armadas, sejam dos
Estados (policiais militares).

De início, Alexandre de Moraes reiterou sua decisão no sentido de que os atos


criminosos ocorridos em Brasília demonstraram uma possível organização
criminosa com a finalidade de desestabilizar as instituições republicanas ao
utilizarem-se de uma rede virtual de apoiadores e atuarem para compartilhar
mensagens a fim de desestruturar a democracia e o Estado de Direito no Brasil.

Nesse sentido, o ministro assegurou que a responsabilização de todos os


autores e partícipes dos crimes seria realizada com observância aos princípios
do Devido Processo Legal e do Juiz Natural, sem qualquer distinção entre
servidores públicos civis ou militares.

Segundo Alexandre de Moraes, a Justiça especial Militar da União é competente


para processar e julgar os crimes militares definidos no Código Penal Militar
(“crimes militares”), porém a Justiça Comum é competente para julgar, em regra,
os delitos praticados por membros das Forças Armadas (“crimes de militares”),
salvo se previstos no Código Penal Militar.

Assim, ao entender que nenhuma das hipóteses definidoras da competência da


Justiça Militar da União está presente na investigação (art. 9º e 10º do CPM),
mas sim dispostos na Lei Antiterrorismo (13.260/16) e no Código Penal, e não
possui relação com a função militar, Moraes fixou a competência do Supremo
Tribunal Federal para processar e julgar os supostos crimes praticados no dia
08/01/2023, independentemente de os investigados serem civis ou militares,
sejam das forças armadas ou dos estados (policiais militares).

Dessa forma, Alexandre de Moraes autorizou a Polícia Federal a instaurar


procedimento investigatório para apurar eventuais delitos cometidos por
integrantes das Forças Armadas e das Polícias Militares relacionados às
invasões da Praça dos Três Poderes em janeiro de 2023.

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