RESENHA: A noção de derrotabilidade para Herbert LA.Hart, de
Anizio Pires Gavião Filho e Alexandre Prevedello
O artigo "A Noção de Derrotabilidade para Herbert L. A. Hart", escrito por
Anizio Pires Gavião Filho e Alexandre Prevedello, publicado na Revista Direito GV, em São Paulo, apresenta uma análise detalhada da teoria de derrotabilidade do renomado filósofo do direito, Herbert Hart. No contexto do direito, “derrotabilidade” se refere à capacidade das normas jurídicas acomodarem exceções implícitas em casos particulares. A palavra "defeasibility" é frequentemente associada a essa ideia de exceções e é utilizada em diversas áreas do conhecimento. O artigo identifica diferentes circunstâncias que podem causar a derrotabilidade das normas, incluindo mudanças na interpretação de um mesmo enunciado jurídico ao longo do tempo, introdução de exceções antes não previstas no sistema jurídico, interpretação sistemática de um enunciado jurídico que pode ensejar exceções à norma que vincula, indeterminação do direito decorrente da textura aberta da linguagem e dificuldade de adaptação de uma norma geral a um caso particular, entre outras. O artigo também destaca que a derrotabilidade pode ser aplicada não apenas às normas, mas também ao raciocínio jurídico e aos conceitos jurídicos. O uso da mesma nomenclatura para fenômenos jurídicos distintos pode gerar confusão, mas é possível identificar um denominador comum: a capacidade das normas jurídicas acomodarem exceções implícitas. No entanto, existem diferenças consideráveis em relação às fontes, caracterização e objeto da derrotabilidade, bem como em relação à implicação da sua admissão na rejeição das teses positivistas de separação entre direito e moral. Sobre o conceito de derrotabilidade, este foi introduzido no contexto da filosofia do direito por Hart em seu ensaio "The ascription of responsibility and rights” (1949) para qualificar ou simbolizar o caráter refutável dos conceitos legais. O ponto central para Hart é que os conceitos legais não podem ser conectados pela linguagem a um conjunto de condições necessárias e suficientes, especialmente no common law, que é caracterizado pela ausência de fórmulas gerais que definam, por exemplo, o contrato. Os juízes têm que recorrer a casos anteriores, gerando vagueza e grande liberdade de julgamento, de forma que haveria apenas um esboço de conceito baseado em casos passados. Outra característica dos conceitos legais é o uso da palavra "a menos que", que permite o reconhecimento de exceções, reduzindo ou eliminando as consequências legais. Hart argumenta que as formulações gerais de conceitos são úteis, mas insuficientes, e novas circunstâncias sempre podem justificar a não aplicabilidade de conceitos e suas consequências legais. Essa compreensão do caráter refutável dos conceitos legais ajuda a interpretar as frases atributivas (e não descritivas) usadas no direito para explicar as consequências legais que resultam da relação entre fato e norma jurídica. Hart também chama a atenção para o erro de teorias de significado que buscam identificar o significado de um conceito legal com a indicação de suas condições necessárias. A discussão sobre se a formulação de que os conceitos jurídicos são derrotáveis, apresentada por Hart em seu ensaio de 1949, manteve-se em seus 2
escritos posteriores, especialmente em "O conceito de direito", de 1961. Embora as
expressões defeasible e defeasibility não apareçam na obra, é possível extrair uma resposta no capítulo VII do livro, onde Hart retoma o problema da aplicação de regras gerais a casos particulares, dialogando com as correntes do formalismo jurídico e do realismo norte-americano. Hart argumenta que a textura aberta do direito é intrínseca às dificuldades que decorrem da linguagem e da impossibilidade de previsão de todas as particularidades fáticas que podem surgir quando da aplicação da legislação ou do precedente. A textura aberta do direito significa aceitar a existência de exceções que não são exaustivamente especificáveis e que devem ser solucionadas pelos juízes, sem prejuízo à segurança jurídica, enquanto a maioria das regras enseja orientações ou padrões de comportamento que não exigem uma nova apreciação conforme a hipótese concreta. O reconhecimento da textura aberta do direito impõe que o Judiciário seja encarregado de definir alguns casos em que a crise de comunicação se apresenta e significa admitir a criação do direito e de regras pelos juízes. O artigo observa que Hart não abandonou completamente a teoria da derrotabilidade, mas não a reiterou em favor do atributivismo dos conceitos jurídicos. Hart rejeitou a teoria devido às críticas de Peter Geach e George Pitcher, que enfatizaram a questão do atributivismo da linguagem, que era a base do projeto de semântica jurídica de Hart. O artigo destaca que o projeto de Hart era baseado nas ideias de Bentham, que argumentava que conceitos jurídicos como direitos, deveres e obrigações são ficções lógicas que não podem ser diferenciadas por gênero inferior ou superior e são entendidas examinando as declarações em que são usadas. Hart diferiu de Bentham na ideia de que as declarações jurídicas não são descritivas de fatos, mas atributivas de direitos e responsabilidades, especialmente quando relacionadas às atividades judiciais. O artigo também discute a interpretação do ensaio de Hart sobre exceções e a importância de reconhecer exceções implícitas. O artigo conclui que o que está sujeito a exceções é uma regra cuja discrição não é absoluta, em vez do espaço conceitual sujeito à derrotabilidade. Um ponto importante é que o conceito de derrotabilidade foi usado por Ronald Dworkin como um argumento contra Hart, alegando que tal concepção demonstraria a inviabilidade de sua teoria conceitual acerca do direito. O caso Riggs versus Palmer é citado como um exemplo de uso corrente do fenômeno da defeasibility, onde uma disposição jurídica deixa de operar em razão de fatos atípicos. A derrotabilidade das regras jurídicas também pode ser considerada um fator que aproxima as obras de Hart e Dworkin. Hart foi pioneiro na busca de uma explicação para o papel das exceções nas decisões judiciais e a derrotabilidade se tornou um dos temas fundamentais da filosofia do direito. Embora Hart não tenha desenvolvido completamente a ideia, muitos autores a aprofundaram, levantando ainda dúvidas sobre a natureza da “derrotabilidade” e a extensão em que o raciocínio jurídico é essencialmente derrotável. Hart também admitiu que havia dito pouco sobre o tópico do julgamento e do raciocínio jurídico e, em especial, sobre os argumentos retirados daquilo que seus críticos designavam como princípios jurídicos. Ele afirmou que sua teoria não possui óbice na aceitação dos princípios como parte do direito, desde que incorporados pelo próprio direito. A textura aberta foi apenas uma das muitas ideias que Hart apresentou à teoria do direito, sendo que a derrotabilidade é uma forma de raciocínio jurídico distintamente diferente da lógica e do raciocínio convencionais. Por fim, o artigo resgata a teoria de Herbert L.A. Hart acerca da defeasibility, que consiste na ideia de que conceitos e regras jurídicas podem ser derrotáveis ou excepcionáveis em casos particulares, e confronta essa teoria com outras 3
concepções atuais do termo. O artigo busca verificar se Hart foi o primeiro a
empregar tal conceito no âmbito da filosofia do direito e discute as implicações desse conceito para a teoria normativa de Hart. O estudo de Hart destaca a capacidade dos conceitos jurídicos de serem derrotados. O curso da derrotabilidade segue essa linha de pensamento e, posteriormente, é aplicada às regras jurídicas. O artigo destaca que muitos que tratam da obra de Hart ignoram essa transposição e que Hart deixou de utilizar a expressão defeasible devido às críticas dirigidas exclusivamente à tese do atributivismo. O texto conclui que o entendimento de Hart sobre o conceito de direito envolve a ideia de um sistema jurídico estruturado em regras, mas que não se apresenta como algo imutável, e sim como um conjunto aberto a mudanças, que se amolda aos acontecimentos sociais relevantes e se desenvolve continuamente a partir das decisões judiciais. Em suma, com considerações pessoais, há a exploração da teoria de derrotabilidade de Hart, discutindo os diferentes tipos de normas jurídicas e como elas se relacionam entre si. Os autores argumentam que as normas jurídicas são hierarquicamente organizadas em diferentes níveis, e que as normas em níveis mais elevados podem derrotar as normas em níveis inferiores. Os autores também discutem a distinção feita por Hart entre regras e princípios, e como isso se relaciona com a derrotabilidade. Eles afirmam que, para Hart, tanto as regras quanto os princípios podem ser derrotados por outras normas jurídicas, desde que essas normas sejam hierarquicamente superiores. Além disso, os autores examinam a crítica de Ronald Dworkin à teoria de derrotabilidade de Hart. Dworkin argumenta que os princípios não podem ser derrotados por regras, porque os princípios são normas que exigem uma interpretação mais complexa e contextualizada. Os autores respondem a essa crítica argumentando que, para Hart, os princípios são normas que estabelecem objetivos a serem alcançados, e que esses objetivos podem ser derrotados por outras normas jurídicas de hierarquia superior. Concluem, portanto, discutindo a importância da derrotabilidade para a coerência e a unidade do sistema jurídico. Eles afirmam que a derrotabilidade permite que o direito seja atualizado e ajustado às mudanças sociais e políticas, garantindo a continuidade e a estabilidade do sistema jurídico. No geral, o artigo apresenta uma análise da teoria de derrotabilidade de Hart e sua importância para o sistema jurídico. Oferece uma contribuição significativa para o debate sobre o papel das normas jurídicas no sistema de justiça, e sua análise crítica e bem fundamentada é um recurso valioso para estudantes e acadêmicos interessados na filosofia do direito.