Você está na página 1de 14

Circular de oferta de franquia: função, elementos e vícios

Raif Daher Hardman de Figueiredo. Bacharel


em Direito pela UFPE. Pos-graduado em
Direito dos Contratos pela FGV/SP. Advogado.
raifdhf@hotmail.com

Arnaldo Rizzardo Filho. Bacharel e, Direito


pela PUCRS. Mestre em Direito Publico pela
Unisinos. Advogado, professor, autor.
arnaldorizzardofilho@hotmail.com.

RESUMO: O presente artigo tem por escopo compreender a circular de oferta de


franquia enquanto elemento do negócio de franquia como um todo (função e elementos) e
os efeitos de seus vícios (não entrega ou informações omitidas, falsas e inexatas) no
direito, ou seja, a nulidade ou anulabilidade do contrato de franquia, conforme parágrafo
segundo do artigo segundo e artigo quarto da “nova” lei de franquia (repetição da
“antiga” lei de franquia). Sobre os regimes de nulidade ou anulabilidade expressos na lei,
será realizada uma análise crítica.

Palavras-chaves: Contrato de franquia; Circular de Ofera de Franquia; Nulidade;


Anulabilidade.

Sumário: I. Circular de oferta de franquia e sua função; II.


Circular de oferta de franquia e seus elementos; III. Circular de
oferta de franquia e seus vícios; 4. Circular de oferta de franquia
e seus vícios; IV. Conclusão

1
I. Circular de oferta de franquia e sua função
A Circular de Oferta de Franquia (COF) é o documento elaborado pela
franqueadora para informar às candidatas a franqueada informações relevantes sobre si e
sobre a rede de franquia formatada. Trata-se de documento obrigatório e com conteúdo
mínimo previsto nos incisos do artigo segundo da Lei nº 13.966/2019 (artigo terceiro da
Lei nº 8.955/94). A finalidade precípua é reduzir a assimetria de informação quanto ao
negócio como um todo, fornecendo dados para lastrear a decisão de aderir ou não à rede.
Trata-se de mecanismo que visa proteger os potenciais franqueados, que na
maioria dos casos estão na posição de aderentes contratuais, através do disclosure das
informações essenciais ao negócio. Esse instrumento possui origem na legislação norte
americana, pioneira na regulamentação do contrato de franquia, e é utilizada em diversos
ordenamentos jurídicos mundo afora.
Nas palavras de Thiago Neves:
“A COF é um documento que visa dar prévia ciência ao
candidato à franquia de todos os aspectos inerentes ao negócio que irá ser
celebrado. Sua entrega é obrigatória, devendo apresentar,
necessariamente, todos os elementos previstos no art. 3º da Lei nº
8.955/94. É a Circular um instrumento do disclosure, pois serve como
meio de divulgação sincera, ampla e total dos dados do contrato
empresarial que se deseja celebrar. O disclosure, conforme abalizada
doutrina, é ‘o princípio da revelação total e sincera dos dados
empresariais no mercado de capitais e no de franquias empresariais’.É
ele aplicado na franquia em decorrência da boa-fé, uma vez que o futuro
franqueado irá investir o seu capital em negócio pré-existente, testado e
explorado pelo franqueado mais protegido e seguro a contratar se estiver
ciente de todos os aspectos da franquia”1.
No mesmo sentido, Marina Nascibem: “A obrigatoriedade da Circular de
Oferta de Franquia foi um marco trazido pela lei de franquia brasileira, garantindo ao


1
NEVES, Thiago Ferreira Cardoso. Contratos Mercantis. São Paulo, Editora: Atlas, 2013, p. 232.

2
franqueado uma maior transparência da contratação”2.
É proteção que se equipara, no ramo mercado de capitais, ao disclosure –
regulado e fiscalizado pela CVM – para companhias de capital aberto e, no mercado
imobiliário, ao Memorial de Incorporação, que deve ser registrado em cartório antes da
comercialização de unidades ao público. Nesses casos, há uma parte que detém todas as
informações essenciais sobre o negócio que está comercializado e outra que tem pouca ou
quase nenhuma informação. O disclosure presta-se justamente a reduzir a diferença de
conhecimentos entre partes que geralmente contratam por adesão, permitindo que o
aderente tome sua decisão consciente da organização contratual a qual poderá fazer parte.
De acordo com a legislação de regência, a COF deve ser entregue ao candidato a
franqueado dez dias antes da assinatura do contrato ou do pré-contrato de franquia ou,
ainda, do recebimento de quaisquer valores pela franqueadora ou por terceiro por ela
indicado. O intervalo entre a entrega da COF e a efetivação do vínculo contratual entre as
partes visa garantir que o candidato a franqueado terá tempo suficiente para analisar de
forma imparcial o documento e as demais condições de mercado para decidir se deve
aderir ao negócio de franquia.
A COF é, portanto, condição de validade do contrato de franquia, estando
estabelecido no parágrafo segundo do artigo segundo e no artigo quarto da nova lei de
franquia (parágrafo único do artigo quarto e artigo sétimo da antiga lei de franquia) as
consequências pela sua não entrega ou entrega a destempo ou ainda pela falta de
informação ou informações falsas nela contidas.

II. Circular de oferta de franquia e seus elementos


Para dar exata noção dos elementos que devem estar contidas na COF, faz-se
uma tipologia informacional dentre os incisos do artigo segundo da nova lei de franquia
(apliados em relação à antiga lei de franquia).
a) Informações sobre o “franqueador”: incisos II e III: qualificação sua e das
empresas a que esteja ligado; e balanços e demonstrações financeiras relativos aos dois
últimos exercícios.


2
RICHTER, Marina Nascibem Bechtejew. A relação de franquia no mundo empresarial e as
tendências da jurisprudência brasileira. São Paulo, Editora: Almedina, 2015, p. 36.

3
b) Informações sobre os “franqueados”: incisos VI e VII: perfil do franqueado
ideal e necessidade ou não de envolvimento direto do franqueado na operação e na
administração do negócio (incisos V e VI do art. 3.º);
c) Informações sobre o “negócio franqueado”: incisos I, IV, V, X, XIV, XVI,
XVII, XX, XXI e XXII: histórico do negócio franqueado; descrições do negócio, da
franquia e das atividades; indicação das ações judiciais relativas; relação dos franqueados
atuais e dos que se desligaram nos últimos doze meses; transferência e sucessão
contratuais; existência de conselho ou associação de franqueados; modelo do contrato-
padrão; concorrência entre as partes e entre os franqueados; e prazo contrarual.
d) Informações “financeiras”: incisos VIII, IX, XII e XIX: total estimado do
investimento inicial necessário à aquisição, implantação e entrada em operação da
franquia, valor da taxa inicial de filiação, valor estimado das instalações, dos
equipamentos e do estoque inicial; taxas periódicas e outros valores a serem pagos pelo
franqueado, como aluguel de ponto comercial e equipamentos, taxa de publicidade e
seguro; obrigação de adquisição de bens e serviços e insumos de fornecedores indicados
e aprovados pelo franqueador (incluindo relação completa desses fornecedores); e cota
mínima de compra.
e) Informações sobre o “território”: inciso XI: exclusividade ou preferência
sobre determinado território de atuação, possibilidade de realização de vendas ou
prestação de serviços fora de seu território e possibilidade de realização de exportações; e
regras de concorrência entre franqueados.
f) Informações sobre a “coordenação”: incisos XIII e XVIII: indicação sobre
suporte, supervisão, serviços, inovações tecnológicas, treinamentos, auxílio na análise e
na escolha do ponto, leiaute e padrões arquitetônicos prestados pelo franqueador; e
indicação das situações correspondente a penalidades, multas, indenizações e respectivos
valores.
g) Informações “pós-contratuais”: inciso XIV: XV: situação após a expiração
do contrato de franquia, em relação a know-how, processos, informações confidenciais,
segredos de indústria e negócios relacionados; e implantação de atividade concorrente à
da franquia.

4
Essa tipologia, que obviamente não é definitiva em face das diversas
perspectivas, contém sete grupos de informações que tratam da franqueadora, da
franqueada, do negócio de franquia, das finanças, do território, da coordenação e da
situação pós-contratual.

III. Circular de oferta de franquia e seus vícios


Conforme referido no final do título I, e conforme parágrafo segundo do artigo
segundo e artigo quarto, a não entrega a COF ou sua entrega a destempo, ou a falta de
informações ou existência de informações falsas na COF, causa a “nulidade” ou
“anulabilidade” do contrato de franquia.
Este é exatamento o ponto que crítico que este capítulo desenvolverá. Lembra-se
que a antiga lei de franquia, no parágrafo único do artigo quarto e no artigo sétimo
definia, no caso dos vícios citados acima, apenas a “anulabilidade” do contrato.
A alteração é a previsão de “nulidade”, portanto. Para tornar a problemática mais
palpável, observe-se as redações do parágrafo único do artigo quarto da Lei 8.955/94 e do
parágrafo segundo do artigo segundo da Lei nº 13.966/19, respectivamente.
Segundo o parágrafo único do artigo quarto da Lei nº 8.955/94,
“Na hipótese do não cumprimento do disposto no caput deste
artigo [entrega da Circular de Oferta de Franquia no prazo mínimo de 10
dias], o franqueado poderá argüir a anulabilidade do contrato e exigir
devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a
terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties,
devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos
depósitos de poupança mais perdas e danos”.
E segundo o parágrafo segundo do artigo segundo da Lei nº 13.966/19, “Na
hipótese do não cumprimento ao caput [entrega da Circular de Oferta de Franquia no
prazo mínimo de 10 dias], o franqueado poderá argüir a anulabilidade ou nulidade,
conforme o caso, e exigir devolução de todas e quaisquer quantias já pagas ao
franqueador, ou a terceiros por este indicados, a título de filiação ou de royalties,
corrigidas monetariamente”.
Observe-se, portanto, que a redação anterior era clara ao estatuir que o contrato

5
de franquia seria “anulável” quando nos casos de existência dos vícios já citados; já a
nova redação dispõe que, na hipótese desses vícios, o franqueado poderá arguir a
“anulabilidade ou nulidade” do contrato.
Pois bem, a interpretação, comparação e aplicação dos dispositivos acima não
prescindem do entendimento do conceito técnico-jurídico dos termos “anulabilidade” e
“nulidade”.

III.I. Nulidade e anulabilidade segundo o Código Civil e suas previsões nas


antiga e nova lei de franquia
Os termos “nulidade” e “anulabilidade” são conceituados de acordo com o
direito positivado, pois são conceitos técnico-jurídicos interpretados de acordo com o
contorno que lhes pretende atribuir o legislador. Nesse contexto, o Código Civil de 2002,
em sua parte geral, especificamente no capítulo da “inavalidade do negócio jurídico”,
dispõe sobre o negócio jurídico “nulo” e “anulável”.
Os artigos 166 e 167 do Código Civil prevêm expressamente as hipóteses em
que será o negócio jurídico “nulo”, e o artigo 171 prevê os casos em que será o negócio
jurídico “anulável”. Ambos os dispositivos preveem que as leis poderão estatuir outras
hipóteses de nulidade e de anulabilidade.
A simples leitura desses artigos permite perceber que o legislador distinguiu
claramente a diferença entre negócios jurídicos nulos e anuláveis, bem como as suas
consequências jurídicas. No código civil de 1916, o legislador utilizou os termos nulidade
absoluta (“nulidade”) e nulidade relativa (“anulabilidade”), ratificando que o significado
jurídico desses termos depende do direito positivado.
Embora a Lei nº 8.955/94 seja anterior ao Código Civil, entende-se que o termo
“anulabilidade” nela previsto corresponde à “nulidade relativa” do Código Civil de 1916,
passando com o Código Civil a ser regido pelas normas da “anulabilidade”.
Nulidade e anulabilidade são institutos que impactam o plano de validade do
negócio jurídico, e têm alcances distintos. De um lado, a nulidade pode ser arguida a
qualquer tempo e não convalesce pelo decurso do tempo (artigo 169 do Código Civil); o
ordenamento jurídico não suporta a sua validade, estando o negócio jurídico nulo fadado
ao extirpamento do ordenamento jurídico. De outro lado, a anulabilidade deve ser

6
suscitada pelo interessado no prazo legal, sob pena de convalescimento e incorporação ao
ordenamento jurídico. O negócio jurídico anulável pode ser convalidado pelo decurso de
prazo, pela vontade das partes (artigo 172 do Código Civil) ou pela execução voluntária
(artigo 175 do Código Civil).
Impõe-se maior gravidade aos negócios jurídicos nulos do que aos anuláveis. É
majoritário o entendimento doutrinário de que a nulidade refere-se à salva-guarda de
questões de ordem pública (infrações mais graves) e a anulabilidade a proteção de
questões de interesse privado (infrações menos graves), aos olhos do legislador. Nesse
sentido, Eduardo Nunes de Souza em sua teoria geral das invalidades do negócio jurídico:
“Bastante difundida em doutrina é a afirmativa de que a
diferença primordial entre nulidade e anulabilidade residiria no interesse
jurídico que tais modalidades visam a tutelar. Nesse sentido, a ratio das
causas de nulidade consistiria na proteção de interesses socialmente
relevantes – ou, em outra formulação, ‘de ordem pública’, ao passo que a
anulabilidade estaria voltada à tutela, em linha de princípio, dos
interesses particulares das partes”3.
Diz Hamid Charaf Bdine Júnior, “[...] a nulidade é decretada em razão do
interesse público, e a anulabilidade, para proteger o interesse privado da pessoa que é
atingida por seu efeitos”4.
Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira:
“Não tem o mesmo alcance da nulidade, nem traz o mesmo
fundamento a anulabilidade no negócio jurídico. Nela não se vislumbra o
interesse público, porém a mera conveniência das partes, já que na sua
intuição o legislador visa a proteção de interesses privados. O ato é
imperfeito, mas não tão grave nem profundamente defeituoso, como nos
casos de nulidade, razão pela qual a lei oferece ao interessado a
alternativa de pleitear a obtenção de sua eficácia, ou deixar que os seus
efeitos decorram normalmente, como se não houvesse irregularidade


3
DE SOUZA, Eduardo Nunes. Teoria Geral das Invalidades do Negócio Jurídico. São Paulo: Almedina,
2017, p. 195.
4
JUNIOR, Hamid Charaf Bdnine. Efeitos do Negócio Jurídico Nulo. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 27.

7
[...]”5.
Desse modo, a nulidade pode ser alegada por qualquer pessoa e a qualquer
tempo (artigos 168 e 169 do Código Civil). A anulabilidade apenas pode ser suscitada por
parte interessada (artigo 177 do Código Civil) e dentro do prazo decadencial. Para os
vícios previstos expressamente no artigo 178 do Código Civil, o prazo decadencial é de
quatro anos. Para todos os outros casos em que a lei não estabelecer prazo expresso,
deverá ser aplicado o prazo decadencial de dois anos, de acordo com a regra geral do
artigo 179 do Código Civil.
No caso do parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 8.955/94 (antiga lei de
franquia), portanto, o prazo decadencial para que o franqueado suscitasse a anulabilidade
do contrato por descumprimento da obrigação de entrega da COF, seria de dois anos
contados da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia6.
A nova legislação (Lei nº 13.966/2019), por outro lado, deixa o intérprete em
dúvida, na medida em que fala em “nulidade” e “anulabilidade” sem distinguir quando
seria aplicável um instituto ou outro. Nesse contexto, é importante destacar que não cabe
ao intérprete decidir quando é o caso de “nulidade” e quando é o caso de “anulabilidade”.
Cabe ao legislador eleger quais são os vícios passíveis de nulidade e quais os vícios
passíveis de anulabilidade. Trata-se de decisão exclusivamente política, conforme destaca
Arnaldo Rizzardo:
“As situações de nulidade ou anulabilidade, em princípio,
assentam-se na maior ou menor gravidade da infringência à lei. Não
necessariamente têm fundo ontológico, ou encontram razão de ser na
natureza da infração. A enumeração revela critério de política legislativa
adotada quando da fixação do grau de invalidade do negócios, podendo
variar conforme a época e o lugar”7.
Observe-se que o legislador, no caso em tela, contudo, deixou de decidir a
gravidade da falta de entrega da COF, na medida em que falou no mesmo dispositivo em
“anulabilidade” e “nulidade”, sem, contudo, distinguir quais as hipóteses de incidência de

5
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume 1, Rio de Janeiro, Editora:
Forense, 2018, p. 536.

7
RIZZARDO, Arnaldo apud JUNIOR, Hamid Charaf Bdnine. Efeitos do Negócio Jurídico Nulo. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 27.

8
um instituto e de outro. Com efeito, transformou um ponto que era claro na legislação
(anulabilidade do contrato de franquia por falta de entrega da COF) em um ponto
controverso.

III.II. Nulidade e anulabilidade do contrato de franuia em razão de vícios na


COF
Admitindo-se que que vícios de correntes da COF possam causar a nulidade ou
anulabilidade do contrato de franquia, é preciso apontar algumas hipóteses que
necessitam ser feitas no parágrafo segundo do artigo segundo da nova lei de franquia.
Veja-se que o parágrafo segundo em comento refere que “Na hipótese de não
cumprimento do disposto no § 1º, o franqueado poderá arguir anulabilidade ou nulidade
[...]”. O artigo quarto, por sua vez, dispõe que no caso de omissões ou falsidade de
informações, aplica-se a mesma sanção.
Ocorre que o parágrafo primeiro do mesmo artigo segundo apenas refere que a
“Circular de Oferta de Franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado, no
mínimo, 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou,
ainda, do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador”.
Aplicando-se os dispositivos do Código Civil que se referem à nulidade e à
anulabilidade, parece possível dizer que a falta de entrega da COF causa a nulidade do
contrato de franquia, eis que o artigo 166 do Codex, em seu inciso V, do refere ser nulo o
negócio jurídico quando “for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial
para a sua validade”.
O artigo segundo da nova lei de franquia, assim como na antiga lei, refere que
“Para a implantação da franquia, o franqueador deverá fornecer ao interessado
Circular de Oferta de Franquia, escrita em língua portuguesa, de forma objetiva e
acessível [...]”.
Pode-se então pensar em algumas hipóteses. Em primeiro lugar, pode-se dizer
que “a falta de entrega da COF” gera nulidade, pois se trata de solenidade considerada
essencial para a validade do contrato de franquia, conforme inciso V do artigo 166 do
Código Civil.
De outro lado, a entrega da COF “fora do prazo determinado pelo parágrafo

9
primeiro do artigo segundo”, e a entrega da COF com omissão ou falsidade de
informações, conforme artigo quarto da nova lei, geram também anulabilidade. Nestes
caso, a solenidade ocorreu – não foi preterida, mas de forma viciada.
Veja-se que o artigo 171 do Código Civil refere ser anulável o negócio quando
houver vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra
credores, e ainda nos demais casos expresso na lei.
Para o caso de anulabilidade do contrato de franquia por vícios decorrentes da
COF, não há erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores, mas
sim outro caso expresso na lei, no caso, o parágrafo segindo do artigo segundo na nova
lei de franquia.

III.III. Prazo para arguição da anulabilidade do contrato de franquia em razão


de vícios na COF
São muitas as demandas envolvendo contratos de franquia nos tribunais pátrios.
Muitas das vezes estão lastreadas na falta absoluta de entrega ou na entrega a destempo
da COF, na falta de informações ou, ainda, em informações falsas.
É frequente, contudo, que os tribunais afastem de plano o pedido de anulação do
contrato de franquia por considerarem que houve convalidação tácita em razão da
execução do contrato por determinado período de tempo. Embora não haja uniformização
acerca do prazo mínimo necessário, há diversos precedentes que consideram o prazo de
um ano suficiente para a convalidação:
No recurso de apelação cível nº 1062502-20.2016.8.26.0576, do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, de relatoria do do Desembargador Grava Brazil, julgado
em 06/09/2018, decidiu-se que “Circular de oferta de Franquia entregue sem relação de
franqueados e ações judiciais – Fato que não acarreta a anulabilidade do contrato após
um ano de funcionamento da unidade”8.


8
“Franquia – Ação de cobrança de multa contratual ajuizada pela franqueadora – Encerramento das
atividades antes do prazo previsto no contrato – Reconvenção pedindo anulação do contrato em razão da
circular de oferta de franquia incompleta – Procedência da ação e improcedência da reconvenção –
Inconformismo – Acolhimento em parte – Franqueadora que não cumpriu a contento as obrigações
contratuais – Insuficiência do suporte oferecido – Promessa de investimento inicial abaixo da realidade –
Exceção de contrato não cumprido – Multa indevida – Improcedência da reconvenção – Circular de oferta
de Franquia entregue sem relação de franqueados e ações judiciais – Fato que não acarreta a
anulabilidade do contrato após um ano de funcionamento da unidade – Réu que possuía condições de

10
Já no recurso de apleção cível nº 0004769-15.2010.8.07.0007, do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal, de relatoria do Desembargador Fernando Habibe, Julgadp em
26/09/2018, decidiu-se que “a execução do contrato pelo franqueado, por mais de um
ano, implicou sua confirmação tácita, o que subtrai o direito de arguir a anulabilidade
(nulidade relativa) decorrente da omissão de alguma informação na circular de oferta da
franquia”9.
E no recurso de apelação cível nº 1095181-46.2016.8.26.0100, do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, de relatoria do Desembargador José Marcos Marrone,
julgado em 08/05/2019, decidiu-se que a ausência de balancetes fica convalidade após a
execução do contrato pelo przo de um ano e três meses10.
É possível notar que o prazo decadencial de dois anos, previsto no artigo 179 do
Código Civil, poucas vezes é expressamente suscitado nos precedentes judiciais, que,

avaliar a segurança do negócio e obter as informações que não constaram da COF – Ausência de
demonstração de prejuízo decorrente de tal fato – Sentença reformada, para julgar improcednete a ação,
mantendo-se a improcedência da reconvenção – Recurso provido em parte”.
(TJ-SP - APL: 10625022020168260576 SP 1062502-20.2016.8.26.0576, Relator: Grava Brazil, Data de
Julgamento: 06/09/2018, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 06/09/2018).
9
“CONTRATO DE FRANQUIA. ANULAÇÃO: a execução do contrato pelo franqueado, por mais de um
ano, implicou sua confirmação tácita, o que subtrai o direito de arguir a anulabilidade (nulidade relativa)
decorrente da omissão de alguma informação na circular de oferta da franquia (art. 3º, da lei 8.955/94) e
da falta de uma testemunha quando da contratação. CCB 172, 174 e 175 - RESCISÃO: inexistência de
infração contratual por parte do franqueador - RECONVENÇÃO: é devido o pagamento de royalties, taxa
de propaganda, cheque devolvido por insuficiência de fundos e cláusula penal, esta mitigada em 50%
(CCB 413)”.
(TJ-DF 20100710048474 DF 0004769-15.2010.8.07.0007, Relator: FERNANDO HABIBE, Data de
Julgamento: 26/09/2018, 4ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 09/10/2018 . Pág.:
284/286).

10
“Execução por título extrajudicial – Contrato de franquia – Partes que celebraram ‘Contrato de
Concessão de Unidade de Franquia Empresarial’ em 28.8.2014 – Estabelecido no contrato que o seu
prazo de vigência correspondia a cinco anos, findando em 27.8.2019 – Embargantes que, em 11.11.2015,
comunicaram a embargada da resilição do contrato – Pretendido pela embargada o recebimento de
valores resultantes da resilição antecipada do contrato de franquia, concernentes aos ‘royalties’ do
período de 15.12.2015 a 27.8.2019 e ‘fundo de publicidade’ do mesmo período, da multa contratual, da
duplicata vencida em 15.8.2015 e das despesas com o protesto. Execução por título extrajudicial –
Contrato de franquia – Postulada pelos embargantes a anulação do contrato de franquia em questão, sob
o argumento de que houve vício de consentimento – Descabimento - Alegado pelos embargantes que a
embargada deixou de apresentar, em sua ‘Circular de Oferta de Franquia’, os ‘balanços e demonstrações
financeiras da empresa franqueadora relativos aos dois últimos exercícios’, nos termos do art. 3º , II , da
Lei 8.955 /94 - Ausência dos ventilados balancetes que não impediu que os embargantes explorassem a
franquia por, aproximadamente, um ano e três meses – Alegada anulabilidade do ajuste que ficou
convalidada”.
(TJ-SP - AC: 10951814620168260100 SP 1095181-46.2016.8.26.0100, Relator: José Marcos Marrone,
Data de Julgamento: 08/05/2019, 23ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/05/2019).

11
conforme demonstrado acima, mais comumente reconhecem a convalidação do que a
decadência do direito.
Colaciona-se agora julgador em que há menção artigo 179. Trata-se do recurso
de apelação cível nº 0033768-85.2010.8.15.2001, do Tribunal de Justiça do Estado da
Paraíba, de relatoria do Desembargador Saulo Henriques de Sá Benevides, julgado em
13.11.2018, decidiu-se que “Eventual anulação do contrato com base na não
apresentação tempestiva da Circular de Oferta de Franquia que deve ser postulada
dentro do prazo decadencial de 2 anos”11.
Duas situações novas exurgem. Em primeiro lugar, no caso de nulidade,
conforme preconiza o artigo 169 do Código Civil, “O negócio jurídico nulo não é
suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. Por conseguinte, o
negócio jurídico nulo não é atingido pela decadência ou pela prescrição.
Em segundo lugar, com a vigência da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019,
que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, a indecisão
jurisprudencial em aplicar ou não o prazo decadencial da anulabilidade ficará mais
evidente. A Declaração de Direitos de Liberdade Econômica deu nova redação do artigo
113 do Código Civil, acrescentando dois parágrafos. No inciso primeiro do parágrafo
primeiro do artigo 113, está disposto que a interpretação do negócio jurídico deve lhe
atribuir o sentido que for confirmado pelo comportamento das partes posterior à
celebração do negócio.

11
“Caso em que o prazo decadencial previsto no art. 179 do CC/02 é mencionado: AÇÃO DE NULIDADE
DE CONTRATO DE FRANQUIA CUMULADA COM INDENIZATÓRIA. DECADÊNCIA RECONHECIDA
EM SENTENÇA. IRRESIGNAÇÃO. AUSÊNCIA DE ENTREGA DA CIRCULAR DE OFERTA DE
FRANQUIA. HIPÓTESE DE ANULABILIDADE DO CONTRATO. INTELIGÊNCIA DO ART. 4º DA LEI
Nº 8.955/94. PRAZO DECADENCIAL DE 2 ANOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 179 DO CÓDIGO CIVIL
DE 2002. PLEITO INDENIZATÓRIO SUJEITO A PRESCRIÇÃO TRIENAL. CAUSA DE PEDIR DIVERSA
DAQUELA DE ANULABILIDADE DO CONTRATO. REFORMA DA SENTENÇA PARA AFASTAR A
DECADÊNCIA DO SEGUNDO PEDIDO. NÃO COMPROVAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS E MORAIS.
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. - Eventual anulação do
contrato com base na não apresentação tempestiva da Circular de Oferta de Franquia que deve ser
postulada dentro do prazo decadencial de 2 anos (art. 179, Código Civil, c.c. art. 4º, parágrafo único, da
Lei nº 8.955/94). Como a celebração do contrato se deu em 26/06/2007 e a ação foi protocolada em 16 de
agosto de 2010, ou seja, mais de um ano depois do fim do prazo previsto no art. 179, houve a decadência
do direito de anulação do contrato. O pleito indenizatório decorrente de causa de pedir diversa daquela
que deu origem ao pedido de anulabilidade do contrato, não está sujeito ao prazo decadencial, mas ao
prazo de prescrição trienal, previsto no art. 206. do Código Civil , uma vez que à relação dos autos não é
de consumo”.
(TJPB - ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 00337688520108152001, 3ª Câmara Especializada Cível,
Relator DES. SAULO HENRIQUES DE SÁ BENEVIDES, j. em 13-11-2018).

12
A questão que daí exsurge é sobre a aplicabilidade do inciso primeiro do
parágrado primeiro do artigo 113 do Código Civil para direitos sujeitos a prazos
prescricionais e decadenciais.
Para o tema do presente artigo, no caso de não entrega do contrato de franquia,
segue hígido o prazo de dois anos do artigo 179 do Código Civil (“Quando a lei dispuser
que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será
este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato”), ou aplica-se o inciso primeiro
do parágrafo primeiro do artigp 113 do mesmo Codex (Art. 113. Os negócios jurídicos
devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. § 1º A
interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: I - for confirmado pelo
comportamento das partes posterior à celebração do negócio)?
Como conciliar o inciso primeiro do parágrafo primeiro do artigo 113 do Código
Civil com os artigos 178 e 179 (que preveem os prazos decadenciais para arguição da
anulabilidade dos negócios jurídicos) e 2015 e 206 (que preveem os prazos prescricionais
dos negócios jurídicos) do mesmo Diploma?

IV. Conclusão
A nova lei de franquia dá margem a variadas interpretações no sentido de se
classificar como nulo ou anulável o contrato de franquia com vícios na COF. Também a
nova redação do artigo 113 do Código Civil, em especial no inciso primeiro do parágrafo
primeiro, dá margem a variadas interpretações sobre o prazo para se arguir a
anulabilidade dos negócios jurídicos.
Pode-se pensar que a entrega da COF no prazo indicado pela lei de franquia
constitui solenidade que a lei considere essencial para a validade do contrato de franquia
empresarial. A não entrega ou a entrega a destempo gera a nulidade do contrato de
franquia empresarial. Também pode-se pensar que a entrega da COF com informação
omitida ou falsa constitui motivo de anulabilidade do contrato de franquia empresarial.
A interpretação para essas duas situações está aberta à doutrina e a
jurisprudência, e nisso teremos a evolução do direito em relação ao contrato de franquia
empresarial.
Inobstante, se antes das noveis legislações (lei de franquia empresarial e artigo

13
113 do Código Civil) já era pouco segura a jurisprudência e a doutrina sobre os
problemas decorrrnetes da COF, certamente a segurança estará ainda mais debilitada
agora.
O momento é adequado, ainda mais porque o contrato de franquia empresarial é
uma das espécies contratuais da nova economia, a economia organizada em formato de
redes empresariais, como as associações comerciais, os pools econômicos, as joint
ventures, as plataformas econômicas (Uber e Airbnb) e as redes empresariais lato senso.

Bibliografia

DE SOUZA, Eduardo Nunes. Teoria Geral das Invalidades do Negócio


Jurídico. São Paulo: Almedina, 2017
JUNIOR, Hamid Charaf Bdnine. Efeitos do Negócio Jurídico Nulo. São
Paulo: Saraiva, 2010
NEVES, Thiago Ferreira Cardoso. Contratos Mercantis. São Paulo, Editora:
Atlas, 2013,
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume 1, Rio
de Janeiro, Editora: Forense, 2018
RICHTER, Marina Nascibem Bechtejew. A relação de franquia no mundo
empresarial e as tendências da jurisprudência brasileira. São Paulo, Editora:
Almedina, 2015

14

Você também pode gostar