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DIREITO EMPRESARIAL

CPIV
2º PERÍODO 2023
TEMAS

01 CONTRATO DE COMISSÃO. Partes. Obrigações e responsabilidades. Remuneração do comissário.


Comissão del credere.

02 CONTRATO DE CORRETAGEM. Obrigações do corretor. Remuneração. Pluralidade de credores.


Dispensa do corretor.

03 CONTRATOS DE AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO. Distinção. Obrigação do proponente e do agente.


Garantia de zona. Remuneração do agente.

04 CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO. Exclusividade da representação. Comissão sobre as vendas.


Foro competente. Natureza do crédito na falência do representado.

05 CONTRATO DE TRANSPORTE. Formação e classificação. Incidência do CDC. Cláusulas abusivas.


Transporte de passageiros. Direitos e obrigações do passageiro e do transportador. Bilhete de
passagem. Transporte benévolo e responsabilidade civil.

06 CONTRATO DE TRANSPORTE DE COISAS. Noções. Partes. Formação. Classificação.


Conhecimento de transporte. Obrigações e direitos dos contratantes. Responsabilidade civil do
transportador.

07 CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. Noções gerais. Disciplina legal.


Partes. Requisitos do contrato. Inscrição. Inadimplemento. Constituição em mora do fiduciante. Ação
processual adequada. Alienação fiduciária de imóveis.

08 CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. Noções gerais. Elementos do contrato.


Disciplina legal. Natureza jurídica. Obrigação das partes. Pagamento de valor residual garantido
(VRG). Leasing-back. Arrendamento residencial.

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09 CONTRATO DE FRANQUIA EMPRESARIAL. Definição. Características. Partes. Direito e
obrigações das partes. Contratos acessórios.

10 CONTRATO DE FACTORING. Definição. Características. Partes. A cessão de crédito ao fator.


Obrigações acessórias.

11 CONTRATO DE LOCAÇÃO EMPRESARIAL. Disciplina legal. Particularidades. Ação renovatória.


Condições. Legitimidade. Prazos. Dispensa de renovação. Procedimento na ação renovatória.

12 SHOPPING CENTERS. Aspectos jurídicos do shopping center. Conceito. Estrutura do negócio


jurídico. Personagens. Aplicação da Lei Nº 8.245/91. Res Sperata. Aluguel mínimo. Tenant mix.
Cláusula de raio. Décimo terceiro aluguel. Publicidade. Cobrança de estacionamento. Questões afins.

13 CONTRATOS BANCÁRIOS. Característica. Operações bancárias. A intervenção do Estado nos


negócios bancários. Incidência do CDC. Contrato de utilização de cofre de segurança.

14 CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. Sistema de cartão de crédito. Natureza jurídica.


Características. Direitos e obrigações das partes. Incidência do CDC.

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Tema 01:
CONTRATO DE COMISSÃO. Partes. Obrigações e responsabilidades. Remuneração do
comissário. Comissão del credere.

1ª QUESTÃO:
Bons Pneus e Acessórios de Veículos Ltda. ajuizou ação de cobrança em face de Palermo Indústria
de Pneus S/A. para receber comissões provenientes de negócios celebrados entre esta e um terceiro,
no Município de Nova Friburgo.
Alega a demandante que tais negócios se realizaram em desacordo com a cláusula de exclusividade
que a beneficiava. Assim, pleiteia indenização por perdas e danos em virtude da infração contratual.
Em sua defesa, a parte ré sustentou que a cláusula de exclusividade não se aplica à cidade de Nova
Friburgo, local onde foram feitos os negócios com terceiros, uma vez que sua abrangência territorial
estaria circunscrita à Região dos Lagos, razão pela qual não teria havido infração contratual.
Acresce, também, à sua defesa, o contrato social, demonstrando que as vendas dos pneus eram
realizadas em nome da própria autora, que prestava contas do faturamento mensalmente à ré, e que
a autora não tem registro profissional de representante comercial.
Pergunta-se: houve, como pretende a autora, celebração de contrato de Representação Comercial?
Justifique.

RESPOSTA:
O contrato celebrado não é de Representação Comercial, mas de Comissão. A respeito da distinção
entre as duas figuras contratuais, leciona Fran Martins, na obra "Contratos e Obrigações
Comerciais", 14ª ed., pág. 274, Rio de janeiro, Forense, 1984: "... aproxima-se a representação do
contrato e comissão, já que ambos visam à realização dos atos em proveito do representado. Mas
dele se destaca porque, na comissão, o comissário age e se obriga, perante terceiros, em seu próprio
nome, o que não acontece com o representante". A delimitação geográfica e a cláusula de
exclusividade, embora presentes no contrato de representação comercial (art. 27, Lei nº 4.8886/65),
não permitem que se conclua pela celebração deste contrato, posto faltar-lhe características
essenciais: a falta de representação e a do registro profissional.

2ª QUESTÃO:
Distribuidora Gasolina Confiável Ltda. celebrou contrato de comissão com Abasteça Bem Ltda. O
contrato continha cláusula expressa quanto ao percentual da comissão do comissário, bem como da
cláusula del credere. O comitente ajuizou ação de cobrança em face do comissário para recebimento
da quantia devida e não paga por determinado comprador, por venda intermediada pelo comissário.
O pedido foi julgado procedente. Correta a decisão? Fundamente.

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RESPOSTA:
A cláusula del credere, prevista nos contratos de comissão ou de representação, importa em maior
responsabilidade do comissário ou representante (art.698 CC/02). O comissário responderá pela
inexecução das obrigações com quem contratar, mesmo ocorrendo força maior ou caso fortuito.
Firmada entre o comitente e o comissário, este assume, pessoalmente, a responsabilidade pelo
pagamento a ser feito pelo comprador, na venda em que atuar como intermediário. A cláusula
implica a corresponsabilidade do agente vendedor no negócio que coordena. O comissário passa a
assumir perante o comitente, os riscos pelo pagamento de terceiros. A cláusula del credere surgiu
num momento em que o antigo comerciante, para manter seu comércio com praças longínquas,
precisava enviar a mercadoria a um comissário ou representante, que a colocava nas mãos dos
destinatários finais. Para evitar riscos maiores, o comitente exigia que o comissário se
responsabilizasse pela pontualidade ou, mesmo, insolvência de terceiros.

Tema 02:
CONTRATO DE CORRETAGEM. Obrigações do corretor. Remuneração. Pluralidade de
credores. Dispensa do corretor.

1ª QUESTÃO:
Marcos adquiriu um imóvel junto à sociedade Perfil Empreendimentos Imobiliários Ltda., ocasião
em que foi atendido por um corretor de imóveis, que lhe informou que deveria arcar com o
pagamento da comissão de corretagem, no importe de R$ 13.000,00.
Sobre o tema, responda?
a) É válida a cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação de pagar comissão de
corretagem?
b) Qual é o prazo prescricional para a pretensão ao ressarcimento da comissão de corretagem?
As respostas devem ser fundamentadas de acordo com o entendimento mais atual do C. STJ.

RESPOSTA:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. COMISSÃO DE CORRETAGEM. RECURSO REPETITIVO. SÚMULA N. 83 DO
STJ. ANÁLISE DO CONTRATO. REAVALIAÇÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO
DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SUMULAS N. 5 E 7 DO STJ.
DECISÃO MANTIDA.
1. A Segunda Seção do STJ, em sede de recurso representativo de controvérsia (tema n. 938),
concluiu pela "Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação
de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade
autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total
da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem" (REsp
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1599511/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado
em 24/08/2016, DJe 06/09/2016).
2. Afastar a conclusão de que as informações sobre a cobrança da comissão de corretagem não foram
regularmente prestadas demandaria a análise do contrato e o revolvimento do conteúdo probatório
dos autos, providências vedadas por óbice das Súmulas n. 5 e 7 do STJ.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp n. 2.148.568/MG, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma,
julgado em 24/10/2022, DJe de 3/11/2022.)

b) RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR.


INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. VENDA DE UNIDADES AUTÔNOMAS EM ESTANDE
DE VENDAS. CORRETAGEM. SERVIÇO DE ASSESSORIA TÉCNICO-IMOBILIÁRIA
(SATI). CLÁUSULA DE TRANSFERÊNCIA DA OBRIGAÇÃO AO CONSUMIDOR.
PRESCRIÇÃO TRIENAL DA PRETENSÃO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
1. TESE PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015:
1.1. Incidência da prescrição trienal sobre a pretensão de restituição dos valores pagos a título de
comissão de corretagem ou de serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI), ou atividade.
(...)
3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(REsp 1551956/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 24/08/2016, DJe 06/09/2016)
Acórdão mantido por ser o paradigma para o caso concreto.

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. COMPRA E VENDA DE
IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS A TÍTULO DE
COMISSÃO DE CORRETAGEM. PRESCRIÇÃO TRIENAL. TERMO INICIAL. DATA DO
EFETIVO PAGAMENTO. DECISÃO EM CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO
DESTA CORTE. SÚMULA Nº 568 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado
pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015
(relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de
admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. A SegundaSeção do STJ,no julgamento do REsp nº 1.551.956/SP, sob a sistemática dos
repetitivos, firmou o entendimento de que o prazo prescricional para a referida pretensão seria o
previsto no art. 206, § 3º, IV, CC/02, ou seja, o trienal. Em tal hipótese, o termo inicial do prazo
prescricional deve ser a data do pagamento.
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3. Estando o acórdão recorrido em conformidade com a orientação firmada nesta Corte, aplicável,
no ponto, a Súmula nº 568 do STJ, segundo a qual, o relator, monocraticamente e no Superior
Tribunal de Justiça poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento
dominante acerca do tema.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1580114/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado
em 22/09/2020, DJe 25/09/2020)

2ª QUESTÃO:
Caio celebrou contrato de corretagem com Euzébia, inserindo cláusula de exclusividade pelo prazo
de 6 (seis) meses, a fim de que esta mediasse a venda de seu imóvel. Passados três meses, Euzébia,
embora diligente, não conseguiu o resultado pretendido.
Por sua vez, Caio, caminhando pela praia, encontrou um velho amigo, Tício, que se
interessou pelo imóvel, vindo a efetivar a compra do bem. Euzébia, ao saber do negócio jurídico
celebrado, ajuizou ação indenizatória em face de Caio, cobrando-lhe o percentual ajustado sobre o
valor da venda do imóvel a título de corretagem.
Diante do caso concreto, indaga-se:
a) Caio tem o dever jurídico de indenizar Euzébia por inadimplemento de obrigação contratual?
b) Na hipótese de Euzébia ter aproximado as partes e o negócio não ter se realizado por
arrependimento de Caio, seria devida a corretagem?

RESPOSTA:
A) Sim. Caio deve pagar a Euzébio o percentual ajustado a título de corretagem. Isso porque, tendo
sido ajustada a cláusula de exclusividade, ainda que concluído o negócio diretamente entre as partes
sem a intermediação da corretora, Euzébia terá direito à remuneração integral pela sua corretagem,
salvo se comprovada sua inércia ou ociosidade, nos termos do Art. 726, do Código Civil.

B) Sim, pois mesmo que o negócio não fosse concluído por arrependimento de qualquer das partes,
a remuneração seria devida, conforme dispõe o art. 725, do Código Civil.

Tema 04:
CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO. Exclusividade da representação. Comissão sobre as
vendas. Foro competente. Natureza do crédito na falência do representado.

1ª QUESTÃO:

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Determinada sociedade limitada foi contratada por companhia aérea para a sua representação e
venda de passagens e serviços de transporte de cargas e fretamentos prestados por esta.
Após determinado período, a companhia aérea rescinde imotivadamente o contrato, o que faz com
que a referida sociedade limitada exija, judicialmente, a indenização prevista no art. 27, j, da Lei nº
4.886/65, com redação dada pela Lei nº 8.420/90, sob o argumento de tal norma ser de ordem
pública, de modo a prevalecer sobre a cláusula contratual que prevê a resilição sem ônus.
Por sua vez, a companhia aérea discorda da indenização pretendida, por entender que o contrato
firmado teria a natureza de simples agenciamento, característico de agências de viagens, que, em
seu entender, não se confundiria com a representação comercial.
Da análise do contrato, verifica-se que restou pactuado que a sociedade limitada desenvolveria as
suas atividades em benefício da companhia aérea e sempre se reportaria à matriz desta. Estabeleceu-
se que, para possibilitar o desempenho dos serviços contratados, a companhia aérea entregaria à
sociedade todos os formulários que se fizessem necessários. Foi prevista, ainda, exclusividade na
prestação de serviços, assim como a obrigação da agência de cumprir as normas expedidas pela
companhia aérea, de manter instalações compatíveis com o padrão por ela exigido e de vestir os
seus empregados com uniformes. Somado a isso, a sociedade limitada se obrigou a atender as
agências de turismo, dentro do limite geográfico estabelecido, inclusive fornecendo todas as
orientações necessárias, quando da abertura de crédito. Vê-se, ainda, registro da sociedade limitada
no Conselho Regional dos Representantes Comerciais.
Assiste ou não razão à companhia aérea? Responda, fundamentadamente.

RESPOSTA:
A atividade da empresa que, contratada por companhia aérea, vende passagens e serviços de
transportes de cargas e fretamentos prestados por esta, constitui representação comercial. Tendo a
representada rescindido imotivadamente o contrato, faz jus a representante à indenização prevista
no art. 27, ""j"", da Lei nº 4.886/65, com a redação dada pela Lei nº 8.420/92, eis que tal norma é
de ordem pública, prevalecendo sobre a cláusula contratual que prevê a resilição sem ônus.

Tema 05:
CONTRATO DE TRANSPORTE. Formação e classificação. Incidência do CDC. Cláusulas
abusivas. Transporte de passageiros. Direitos e obrigações do passageiro e do transportador.
Bilhete de passagem. Transporte benévolo e responsabilidade civil.

1ª QUESTÃO:
Mario propôs ação indenizatória em face de English Airlines INC. pleiteando danos materiais
decorrentes de danos ocorridos em sua bagagem durante o trajeto de transporte aéreo internacional
operacionalizado pela ré. Pretende ser indenizado no montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais)

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Em sua contestação, a parte ré defendeu o regime de indenização tarifada prevista nas
Convenções de Varsóvia e de Montreal.
Autos conclusos, decida a questão abordando, necessariamente o mais recente entendimento
das Cortes Superiores sobre o tema.

RESPOSTA:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE SEGURO.
TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. AVARIA EM MERCADORIA
TRANSPORTADA. FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. INCIDÊNCIA DA CONVENÇÃO DE
MONTREAL. CONVERSÃO DAS UNIDADES MONETÁRIAS. MARCO TEMPORAL. DATA
DA SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA
CONDENAÇÃO. PRECEDENTES.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que as normas e tratados
internacionais devem ser aplicados às controvérsias envolvendo transporte internacional, seja este
de pessoas ou de coisas, e têm prevalência sobre as disposições do Código de Defesa do
Consumidor. Precedentes do STJ e STF.
2. Considerando-se que o valor da indenização por danos materiais foi arbitrado em Direitos
Especiais de Saque, impõe-se a estipulação da data da sentença como marco temporal para a
conversão das unidades monetárias, nos termos do art. 23.1 da Convenção de Montreal.
3. A verba honorária foi arbitrada nos exatos termos do art. 85, § 2º, do CPC/2015, o qual estabelece
o valor da condenação como base de cálculo preferencial, conforme entendimento firmado pela
Segunda Seção do STJ.
4. Agravo interno parcialmente provido.
(AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1662947/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI,
QUARTA TURMA, julgado em 12/04/2021, DJe 14/04/2021)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REGRESSIVA. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. DANO EM
MERCADORIA. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. LIMITES DA
RESPONSABILIDADE CIVIL. REGIME DE INDENIZAÇÃO TARIFADA. NORMAS E
TRATADOS INTERNACIONAIS. TRANSPORTE DE PESSOAS, BAGAGENS OU CARGAS.
CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. CONVENÇÃO DE MONTREAL. ORIENTAÇÃO DO STJ.
1. Ação regressiva de indenização securitária.
2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 636.331/RJ, sob o
regime da repercussão geral (Tema 210/STF), consolidou o entendimento de que, "nos termos do
art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da
responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de
Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor".

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3. "A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, no RE 636.331/RJ, DJe 25/05/2017,
ao apreciar o Tema 210 da Repercussão Geral, firmou-se no sentido de que as normas e ostratados
internacionais devem ser aplicados às questões envolvendo transporte internacional, seja este de
pessoas, bagagens ou cargas, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal" (grifou-
se)(AgInt no AREsp 1.175.484/SP, 3ª Turma, DJe 20/4/2018).
Precedentes.
4. Agravo interno nos embargos de declaração no agravo em recurso especial não provido.
(AgInt nos EDcl no AREsp 1605415/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 16/11/2020, DJe 19/11/2020)

2ª QUESTÃO:
JOELMA e JOEL propuseram ação de reparação por danos morais em materiais em face de
EMPRESA DE ÔNIBUS RIO LINDO LTDA. alegando como causa de pedir que o filho do casal,
JOEL JUNIOR estava sendo transportado por ônibus pertencente à ré quando teve início uma
discussão envolvendo outros passageiros, o motorista e o cobrador e que um desses passageiros
acabou por sacar uma arma de fogo e desferir diversos tiros no interior do coletivo, sendo que dois
deles atingiram JOEL JUNIOR, que não resistiu aos ferimentos e veio a óbito.
O juiz da 1ª Vara Cível julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial, sob o fundamento
de que "não há nexo de causalidade entre a conduta da ré e o evento danoso".
Irresignados, os autores apelaram, aduzindo ter havido violação expressa às disposições do Código
Civil e ao CDC, pois não restou caracterizado caso fortuito na espécie, de natureza interna, o que
daria ensejo ao dever de indenizar.
A dinâmica dos autos dão conta que, após o trânsito ser interrompido por protesto de moradores da
Comunidade da Portelinha, o ônibus da recorrida se viu obrigado a modificar seu itinerário,
motivando a reclamação de um dos passageiros, chamado GILMAR, que irritado, interpelou o
cobrador da apelada, que respondeu que "não podia fazer nada, pois era apenas o cobrador". Além
disso, teria havido tumulto no interior do coletivo, pois os ocupantes dos fundos do coletivo teriam
interferido a favor do cobrador e passado a hostilizar GILMAR, que acabou por discutir de forma
calorosa com o motorista, o que exigiu a intervenção de terceiros para apaziguar a discussão. Foi
neste contexto que GILMAR sacou uma arma e passou a atirar a esmo, atingindo dois passageiros,
dentre eles JOEL JUNIOR, que estava quieto e não se manifestara durante a confusão.
Autos conclusos, decida.

RESPOSTA:
O recurso deve ser provido. Cinge-se a lide a determinar se empresa de transporte de pessoas
responde por acidente fatal ocorrido no interior do veículo, derivado de discussão envolvendo o
motorista, o cobrador e parte dos passageiros.

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Inicialmente deve ser esclarecido que o contrato de transporte de pessoas consiste em
contrato pelo qual o transportador se obriga a transportar, com segurança e conforto, pessoas e suas
bagagens, de um ponto a outro, mediante o pagamento da passagem.
O art. 734 do CC consagra a responsabilidade objetiva do transportador, de modo que, sobrevindo
dano ao passageiro ou à sua bagagem durante a execução do contrato, fica aquele obrigado a
indenizar independentemente de culpa, salvo se demonstrada a ocorrência de alguma excludente de
responsabilidade, sendo certo que a cláusula de incolumidade é insista ao contrato de transporte,
implicando na obrigação de resultado do transportador, consistente em levar o passageiro com
conforto e segurança ao seu destino.
Importante notar que o fato de um terceiro ser o causador do dano, por si só, não configura motivo
suficiente para elidir a responsabilidade do transportador, sendo imprescindível aferir se a conduta
pode ser considerada independente ou se é conexa à própria atividade econômica e aos riscos
inerentes à sua exploração. Inclusive, a súmula 187 do STF dispõe que a responsabilidade contratual
do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual
tem ação regressiva.
No caso concreto, houve uma discussão calorosa entre o cobrador e o atirador, chegando ao ponto
de se exigir a intervenção de terceiros para apaziguar a discussão, evidenciando o comportamento
do preposto da transportadora recorrida foi determinante para o acidente. Assim, ainda que o disparo
de arma de fogo dentro do coletivo possa, em principio, ser considerado como caso fortuito, essa
excludente de responsabilidade não se configura nas hipóteses em que o próprio preposto da
transportadora de alguma maneira instiga o passageiro a adotar a conduta danosa, pois a obrigação
de transportar com segurança evidentemente inclui o preparo dos funcionários para lidar com
situações de tensão, jamais discutindo de forma exacerbada com os passageiros, a ponto de provocar
reação tão violenta e extrema como o uso da arma de fogo.
A culpa de terceiro só romperá o nexo causal entre o dano e a conduta do transportador quando o
modo de agir daquele puder ser equiparado a caso fortuito, isto é, quando for imprevisível e
autônomo, sem origem ou relação com o comportamento da própria empresa. Na espécie, não há
como se imputar exclusivamente ao atirador a responsabilidade pelo infortúnio, sendo patente a
participação do preposto da ré na cadeia de acontecimentos que levou a morte da vítima, de maneira
que o evento não pode ser equiparado ao caso fortuito. Desta forma, resta caracterizado o dever de
indenizar.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO CIVIL. ACIDENTE


DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DO TRANSPORTADOR. FORTUITO
INTERNO. SÚMULA 187 DO STF. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Segundo a jurisprudência do STJ, a responsabilidade do transportador em relação aos passageiros
é contratual e objetiva, nos termos dos arts. 734, caput, 735 e 738, parágrafo único, do Código Civil
de 2002, somente podendo ser elidida por fortuito externo, força maior, fato exclusivo da vítima
oupor fato doloso e exclusivo de terceiro - quando este não guardar conexidade com a atividade de
transporte.

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2. Ademais, A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro não é
elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.? Súmula 187 do STF.
3. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1786289/CE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 23/11/2020, DJe 02/12/2020)

Tema 06:
CONTRATO DE TRANSPORTE DE COISAS. Noções. Partes. Formação. Classificação.
Conhecimento de transporte. Obrigações e direitos dos contratantes. Responsabilidade civil
do transportador.

1ª QUESTÃO:
Vênus Comércio Varejista de Roupas Ltda. ME. ajuizou ação em desfavor de Transalfa Transportes
Ltda. EPP, pois contratou os serviços da parte ré para o transporte de 704 peças de vestuário, que
foram adquiridas na cidade de São Paulo da vendedora God Way Ind. e Com. de Roupas Ltda., no
dia 29/03/2017, por R$ 33.720,00.
Segundo a demandante, as informações do documento auxiliar de conhecimento de transporte
eletrônico (DACTE) eram as mesmas da nota fiscal de venda, que indicava um volume de 36 fardos
e o peso de 790 kg. Contudo, no dia 04/04/2017, a ré entregou apenas 26 fardos de retalhos e, após
ser questionada sobre isso, relatou que foi vítima de uma fraude, pois alguém havia se passado por
representante da vendedora e trocado as mercadorias quando elas ainda se encontravam no seu
estabelecimento.
A autora afirmou que a ré se negou a ressarcir o prejuízo experimentado, motivo por que, ao final,
requereu que ela fosse condenada a pagar-lhe o valor despendido para a aquisição das peças de
roupa.
A ré apresentou contestação, quando afirmou que recebeu o telefonema de uma funcionária da
vendedora, no mesmo dia em que coletou a mercadoria e que tal funcionária solicitou a devolução
do produto sob a justificativa de que houve um erro no embarque. Acrescentou que verificou junto
à Secretária de Fazenda de São Paulo que a nota fiscal relativa à venda foi retificada, algo que
somente poderia ser feito pela vendedora das roupas, e que os produtos indicados à troca
correspondiam aos dados do novo documento fiscal, quais seja, 26 fardos, pesando 590 kg. A nova
mercadoria encontrava-se com a mesma embalagem da anterior e com os lacres intactos, mas, ainda
assim, exigiu que o pedido de substituição fosse documentado, o que, contudo, não foi feito em
virtude de a funcionária alegar que se encontrava sem acesso à internet. Ressaltou que o gerente da
parte autora conferiu a mercadoria no momento da entrega e não fez qualquer ressalva, tendo a ela
dirigido um questionamento 24 horas após a entrega, quando o fato foi comunicado à autoridade
policial.
Autos conclusos, decida a questão.

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RESPOSTA:
DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL. APELAÇÃO CÍVEL N° 0026085-96.2017.8.19.0042.
RELATORA: DESEMBARGADORA MARIA REGINA NOVA. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR. PRETENSÃO
OBJETIVANDO O PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE DANOS MATERIAIS.
MERCADORIAS TROCADAS MEDIANTE ARDIL DE TERCEIROS QUANDO JÁ ESTAVAM
NO DEPÓSITO DA TRANSPORTADORA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.
INCONFORMISMO DA TRANSPORTADORA.
- A meu ver, sem razão a Recorrente.
- O transporte de carga é disciplinado pelos artigos 743 a 756 do Código Civil. No que diz respeito
à responsabilidade do transportador a controvérsia se subsumi ao disposto nas normas dos
dispositivos 744, 749 e 750 do CC.
- São obrigações do transportador receber, transportar e entregar a coisa, emitir conhecimento de
transporte, bem como conferir a quantidade e espécie, sob pena de ser responsabilizado pela perda
e avaria da carga transportada.
- No caso em análise, os fatos são incontroversos, uma vez que a Recorrente não os nega. Apenas
os interpreta de modo a se exonerar de sua responsabilidade pela perda da carga.
- O depoimento da funcionária da Apelante, prestado em sede policial, forneceu um relato seguro e
coerente sobre a dinâmica dos fatos, que resultaram na perda dos produtos adquiridos pela Apelada,
e que estavam sob sua responsabilidade para o transporte até o Rio de Janeiro.
- O DACTE (documento auxiliar de conhecimento de transporte eletrônico) nº 56670 da Apelante,
com frete a pagar, registra os dados da carga conforme indicado na nota fiscal de venda do
fornecedor da Apelada. Esse documento cria a presunção relativa de que as mercadorias nele
discriminadas, e com aposição do recibo, foram entregues ao transportador, sendo seu ônus a
conferência dos produtos, quantidade e peso da coisa.
- Assim, se após a coleta das mercadorias, e já em seu depósito para a transição do frete com destino
para o Rio de Janeiro, a Apelante permitiu, sem a observância das cautelas devidas, que os produtos
fossem trocados através de um ardil, deve ela ser condenada ao pagamento de indenização pelo dano
material causado à Apelada em decorrência da perda das peças.
- Ademais, a fraude utilizada por terceiros poderia ser facilmente identificada, mediante
procedimentos de checagem de informações e autorizações com o fornecedor e o adquirente das
mercadorias.
- Pontua-se, desse modo, que o transporte de carga é uma obrigação de resultado, sendo a
Transportadora responsável pelos bens que não chegaram ao seu destino, não podendo se esquivar
da sua própria ausência do dever de cuidado.
- RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

2ª QUESTÃO:

DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 12


Fácil Companhia de Seguros propôs ação indenizatória decorrente de contrato de transporte contra
XYZ Transportes S.A. Narra como causa de pedir que a atividade precípua da ré é o transporte
rodoviário de cargas e que, no dia 21/11/2021, um dos veículos da ré, que é segurado pela parte
autora, foi objeto de roubo à mão armada e que, em razão disso, teve que arcar com o pagamento do
seguro.
Defende a parte autora que o roubo à mão armada seria excludente de responsabilidade civil.
Com relação ao contrato de transporte, indaga-se: o roubo de carga em transporte rodoviário,
mediante uso de arma de fogo exclui a responsabilidade da transportadora perante a seguradora se
foram adotadas todas as cautelas que dela se esperavam?
Responda, de forma fundamentada.

RESPOSTA:
Informativo 744 - 15/08/2022.
Tema: Transporte rodoviário. Roubo de carga. Adoção de todas as cautelas assecuratórias pela
transportadora. Agravamento do risco pelo segurado. Ato culposo ou doloso. Responsabilidade
Civil. Dever de indenização da seguradora. Exoneração.
DESTAQUE: O roubo de carga em transporte rodoviário, mediante uso de arma de fogo, exclui a
responsabilidade da transportadora perante a seguradora do proprietário da mercadoria transportada,
quando adotadas todas as cautelas que razoavelmente dela se poderia esperar, assim como a conduta
direta do segurado que agravar o risco da cobertura contratada, por ato culposo ou doloso, acarreta
a exoneração do dever da seguradora do pagamento da indenização.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR: O dissenso submetido à análise da Segunda Seção do STJ
diz respeito ao direito de indenização da seguradora sub-rogada nos direitos e ações da proprietária
da carga no caso de fortuito externo (roubo de carga com o emprego de arma de fogo), na hipótese
de o risco ser agravado pela transportadora.
O art. 393 do CC/2002 afasta a responsabilidade do devedor pelos prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior, se expressamente não houver por eles se responsabilizado. No seu parágrafo
único, define caso fortuito ou força maior como o fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis
evitar ou impedir.
O art. 768 do diploma civil, por sua vez, comina a perda do direito à garantia do segurado se ele
agravar intencionalmente o risco objeto do contrato, obrigando o segurado a se abster de todo e
qualquer ato que acarrete o agravamento dos riscos pactuados pelas partes.
O roubo, mediante uso de arma de fogo, é fato de terceiro equiparável a força maior, que exclui o
dever de indenizar, ainda que haja responsabilidade civil objetiva na situação em concreto. Trata-se
de fato inevitável, porém, previsível no transporte de cargas, tanto que há obrigatoriedade na
realização de seguro (art. 13 da Lei n. 11.442/2007).
A adoção de medidas de prevenção antecipada de sinistros está inserida no dever de colaboração
decorrente da boa-fé objetiva, resultando na perda do direito do segurado se ele agravar
intencionalmente o risco do objeto do contrato.
DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 13
Desse modo, o roubo de carga exclui a responsabilidade da transportadora perante a seguradora do
proprietário da mercadoria transportada, quando adotadas todas as cautelas que razoavelmente dela
se poderia esperar.
Ademais, é pacífico o entendimento no sentido de que a conduta direta do segurado que agravar o
risco da cobertura contratada, por ato culposo ou doloso, acarreta a exoneração do dever da
seguradora do pagamento da indenização.
O posicionamento do Tribunal da Cidadania buscou, assim, solução razoável para equacionar o
problema da criminalidade do roubo de cargas, evitando a empresa proprietária da mercadoria
suportar todo o ônus da perda da carga, tampouco impor tal ônus a transportadora, que não presta
serviço de segurança à carga, mas de transporte, nem a seguradora, que é contratada por imposição
legal em razão do agravamento desenfreado do risco pelos envolvidos.

Tema 07:
CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. Noções gerais. Disciplina
legal. Partes. Requisitos do contrato. Inscrição. Inadimplemento. Constituição em mora do
fiduciante. Ação processual adequada. Alienação fiduciária de imóveis.

1ª QUESTÃO:
Tupinambá Crédito e Financiamento S.A propôs ação de busca e apreensão em face de Maicon, em
razão do inadimplemento de contrato de financiamento com alienação fiduciária em garantia para
aquisição de veículo automotor.
O juízo da 2ª Vara Cível deferiu a liminar de busca e apreensão e determinou a restrição total
do veículo no sistema RENAJUD.
Irresignado, Maicon defende que ser imprescindível a comprovação simultânea do
encaminhamento da notificação ao endereço constante do contrato e seu efetivo recebimento pelo
devedor para que haja a efetiva constituição em mora nos contratos de alienação fiduciária.
Autos conclusos, decida.

RESPOSTA:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM
GARANTIA. DL 911/69. CONSTITUIÇÃO EM MORA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL.
AVISO DE RECEBIMENTO (AR) COM INFORMAÇÃO DE QUE O DEVEDOR MUDOU-SE.
COMPROVAÇÃO DO RECEBIMENTO PESSOAL. DESNECESSIDADE. EXTINÇÃO DO
PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. INDEVIDA.
1. Ação de busca e apreensão da qual se extrai este recurso especial, interposto em 16/5/19 e
concluso ao gabinete em 1º/8/19.

DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 14


2. O propósito recursal consiste em definir se é imprescindível a comprovação simultânea do
encaminhamento de notificação ao endereço constante no contrato e do seu recebimento pessoal,
para a constituição do devedor em mora nos contratos de alienação fiduciária.
3. O prévio encaminhamento de notificação ao endereço informado no contrato pelo Cartório de
Títulos e Documentos é suficiente para a comprovação da mora, tornando-se desnecessário ao
ajuizamento da ação de busca e apreensão que o credor fiduciário demonstre o efetivo recebimento
da correspondência pela pessoa do devedor.
4. O retorno da carta com aviso de recebimento no qual consta que o devedor "mudou-se" não
constitui, por si só, fundamento para dizer que não foi constituído em mora.
5. A bem dos princípios da probidade e boa-fé, não é imputável ao credor fiduciário a desídia do
devedor que deixou de informar a mudança do domicílio indicado no contrato, frustrando, assim, a
comunicação entre as partes.
6. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem extinguiu o processo sem resolução de mérito, por
ausência de comprovação da mora para o ajuizamento da ação de busca e apreensão, sob o
fundamento de o AR constar a mudança do devedor. Esse entendimento não se alinha à
jurisprudência do STJ.
7. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1828778/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
27/08/2019, DJe 29/08/2019)

2ª QUESTÃO:
Maria propôs ação declaratória de rescisão contratual c/c restituição dos valores pagos em face de
Oásis Empreendimento Imobiliário Ltda. Aduz a parte autora como causa de pedir ter adquirido
junto à parte ré o apartamento 506 do empreendimento denominado "Premium Jacarepaguá", pelo
Programa "Minha Casa Minha Vida", pelo qual se comprometeu a pagar a importância de R$
378.000,00. Contudo, em razão de dificuldades financeiras, afirma não possuir mais condições de
dar prosseguimento à avença. Assim, pretende o desfazimento do contrato.
O imóvel foi adquirido pela autora através de contrato de compra e venda com garantia de alienação
fiduciária de bem imóvel, na forma da Lei 9.514/97.
Diante do caso concreto apresentado, indaga-se: é possível a rescisão de contrato de compra e venda
de imóvel garantido por alienação fiduciária, devidamente registrada no Registro de Imóveis?
Responda, fundamentadamente.

RESPOSTA:
A) Inicialmente, deve-se destacar que não se trata de simples promessa de compra e venda de bem
imóvel. Trata-se de compra e venda mediante pagamento parcelado, com garantia de alienação
fiduciária, regida pela Lei 9.514/97, devidamente registrada no Registro de Imóveis. Tal distinção é
imprescindível, pois as regras inerentes ao desfazimento contratual, seja por rescisão ou por simples
DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 15
arrependimento do comprador (resilição) são distintas das que regulamentam o desfazimento da
promessa de compra e venda.
Enquanto na promessa de compra e venda é admitida a desistência do promitente comprador,
mediante a retenção de parte dos valores pagos por parte do vendedor, conforme disciplina o art. 53
da Lei 8.078/90 (CDC), bem como pela súmula 543 do STJ, na alienação fiduciária de bem imóvel,
devido ao seu regramento especial dado pela Lei 9.514/97, inexistindo concordância quanto a um
possível distrato, a desistência unilateral imotivada ou o arrependimento do comprador não é, por si
só, admitido como meio hábil à extinção do contrato e ao encerramento do negócio jurídico.
Na compra e venda de bem imóvel garantida com alienação fiduciária, a execução da garantia
fiduciária se procede com o inadimplemento do comprador, ocasião em que haverá o vencimento
antecipado da dívida, a consolidação da propriedade em nome do credor e a alienação do imóvel em
leilão, exigindo a lei uma sequência de atos solenes até que haja o desfazimento do negócio jurídico
e a extinção da dívida, ocorrendo superveniente restituição de valores ao comprador, sem que se
descumpra, portanto, as diretrizes da legislação consumerista.
Assim, ao revés do que ocorre nos compromissos de compra e venda em que, quando se descumpre
a obrigação, ao outro contratante se confere o direito de exigir o cumprimento forçado ou de
rescindir o contrato, na alienação fiduciária em garantia, quando há eventual falta de pagamento, a
única alternativa conferida ao credor fiduciário é a execução da garantia, realizada
extrajudicialmente perante o Registro de Imóveis competente.
A propósito, o art. 26 da Lei 9514/97 estabelece que, vencida e não paga, no todo ou em parte a
dívida e, constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do
fiduciário. Depois de consolidada a propriedade, ao fiduciário compete, dentro dos prazos da lei,
realizar leilão público para a alienação do imóvel para então, finalmente, nos termos do art. 27, §4º
da Lei 9514/97, fazer ajuste com o fiduciante
Por oportuno, é importante se dizer que, à luz do princípio da especialidade, não é cabível o
arrependimento ou a desistência imotivada por parte do comprador nos contratos de compra e venda
de bem imóvel, conforme a Lei 9514/97, publicada 7 sete anos após a vigência do Código de Defesa
do Consumidor, isto é, lex speciali derogat lex generali, regra basilar de direto que, nesta hipótese,
tem perfeita aplicação.
A interpretação sistemática de uma lei exige que se busque, não apenas em sua arquitetura interna,
mas no sentido jurídico dos institutos que regula, o modelo adequado para sua aplicação. É certo
que o regramento específicodamatéria (Lei nº 9.514/1997) passou a integrar o ordenamento jurídico
brasileiro sob algumas críticas doutrinárias, a partir de uma leitura comparativa da novel legislação
com o Código de Defesa do Consumidor. Não obstante, não há como afastar-se a prevalência da
normatização especial posterior, sobre as regras da Lei Consumerista, quando incompatíveis entre
si, resultando, pois, no afastamento dessas regras gerais e incidência da legislação de regência
específica do negócio jurídico.
A solução da controvérsia assim leva à prevalência da norma específica de regência da alienação
fiduciária de bens imóveis, concluindo-se, por conseguinte, pelo descabimento da pretensão de
resilição do contrato e de restituição das prestações adimplidas, por força dos §§ 4º, 5º e 6º, do art.
27, da Lei nº 9.514/97.

DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 16


Nesse sentido tem decidido o Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPRA E
VENDA DE IMÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. RESCISÃO DO
CONTRATO. AUSÊNCIA DE INADIMPLÊNCIA. APLICAÇÃO DA LEI Nº 9.514/1997.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NÃO INCIDÊNCIA. REGISTRO DO CONTRATO
EM CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS. PRESCINDIBILIDADE.
1. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que, diante da incidência do art. 27,
§ 4º, da Lei 9.514/1997, que disciplina de forma específica a aquisição de imóvel mediante garantia
de alienação fiduciária, não se cogita da aplicação do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor,
em caso de rescisão do contrato por iniciativa do comprador, ainda que ausente o inadimplemento.
2. A jurisprudência desta Corte Superior entende que não é necessário o registro do contrato
garantido por alienação fiduciária no Cartório de Títulos e Documentos para que o pacto tenha
validade e eficácia, visto que tal providência tem apenas o intuito de dar ciência a terceiros.
Precedentes.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1689082/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA,
julgado em 16/11/2020, DJe 20/11/2020)

Tema 08:
CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. Noções gerais. Elementos do contrato.
Disciplina legal. Natureza jurídica. Obrigação das partes. Pagamento de valor residual
garantido (VRG). Leasing-back. Arrendamento residencial.

1ª QUESTÃO:
Banco Sim S.A. propôs ação de reintegração de posse em face de André Davi objetivando a
retomada de veículo em virtude do inadimplemento de contrato de arrendamento mercantil.
O pedido de liminar foi deferido pelo juízo da 23ª Vara Cível.
Apesar das diligências, o réu e o bem não foram localizados, razão pela qual o autor postulou
a conversão da ação de reintegração de posse em ação de execução de título extrajudicial, o que foi
indeferido pelo juízo, que julgou extinto o processo sem resolução do mérito.
Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação, no qual sustenta, em suas razões, a
possibilidade de aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 911/69 aos contratos de arrendamento
mercantil, a fim de permitir a conversão da ação de reintegração de posse em ação de execução.
Pergunta-se: diante da não localização do bem objeto do contrato de arrendamento mercantil,
é possível a conversão do pedido de reintegração de posse em ação de execução, aplicando
analogicamente o Decreto-Lei nº 911/69? Responda de forma fundamentada.

DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 17


RESPOSTA:
RECURSO ESPECIAL Nº REsp 1785544(2018/0327141-8 de 24/06/2022). RELATOR:
MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA.
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
ARRENDAMENTO MERCANTIL. INADIMPLEMENTO. LIMINAR DEFERIDA. VEÍCULO
NÃO LOCALIZADO. CONVERSÃO EM AÇÃO DE EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. ART. 4º DO DECRETO-LEI Nº 911/1969.
APLICABILIDADE.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil
de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cuida-se, na origem de ação de reintegração de posse que objetiva a retomada de veículo em
virtude do inadimplemento de contrato de arrendamento mercantil. O pedido de conversão da ação
em processo executivo em virtude da não localização do bem foi indeferido, tendo sido extinto o
processo sem resolução de mérito.
3. Cinge-se a controvérsia a definir se, diante da não localização do bem objeto do contrato de
arrendamento mercantil, é possível a conversão do pedido de reintegração de posse em ação de
execução, por aplicação analógica do Decreto-Lei nº 911/1969 que estabelece normas de processo
acerca de alienação fiduciária.
4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça traçou orientação no sentido de que, em ação de
busca e apreensão processada sob o rito do Decreto-Lei nº 911/1969, o credor tem a faculdade de
requerer a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva se o bem não for encontrado
ou não se achar na posse do devedor (art. 4º).
5. A Lei nº 13.043/2014, que trouxe modificações no Decreto-Lei nº 911/1969, autoriza a aplicação
das normas procedimentais previstas para a alienação fiduciária aos casos de reintegração de posse
de veículos referentes às operações de arrendamento mercantil (Lei nº 6.099/1974).
6. Recurso especial provido.

2ª QUESTÃO:
Os sócios de Netuno Informática S/A. foram informados que a sociedade estava passando por dois
problemas simultaneamente. O primeiro, e mais grave, era a escassez de recursos para o pagamento
de dívidas de curtíssimo prazo, uma vez que os valores disponíveis em caixa e em conta corrente
não eram suficientes para o pagamento de dívidas com alguns fornecedores, que já ameaçaram entrar
com pedido de falência em caso de inadimplência. O outro problema é a necessidade, também
premente, da aquisição ou locação de uma máquina moderna de impressão, na medida em que a
atual foi definitivamente perdida em um pequeno incêndio.
Considerando a existência de bens de alto valor e liquidez dentro do imobilizado da sociedade, mas
indispensáveis para a atividade, e a absoluta falta de capital de giro, responda:
a) É possível a utilização do contrato de arrendamento mercantil para a obtenção de capital de giro
para a sociedade em questão? Em caso positivo, qual modalidade e quais os benefícios?
DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 18
b) Em relação à máquina de impressão, considerando que tais equipamentos, embora caros, ficam
rapidamente obsoletos, sem olvidar da necessidade de uma manutenção muito especializada, seria
aconselhável o arrendamento? Em caso positivo, qual modalidade e quais os benefícios?
c) Ao final de todo o contrato, quais as opções que o arrendador deve oferecer ao arrendatário?
d) Em caso de inadimplemento, além da cobrança, qual a medida que pode ser intentada pelo credor?
Quais as verbas que são devidas?
Respostas fundamentadas.

RESPOSTA:
a) Sim, por meio do leasing-back ou de retorno. A vantagem é que por meio do seu próprio ativo
imobilizado a sociedade conseguiria obter capital de giro com taxas mais baixas, haja vista o baixo
risco de inadimplemento dos contratos de leasing, diante da garantia dada ao credor. O bem dado
em garantia fica na posse do devedor, com a expectativa de voltar ao seu ativo no final do contrato
diante da possibilidade de recompra.
b) Sim, por meio da modalidade de leasing operacional. Durante a vigência do contrato a
arrendadora é obrigada a prestar serviço de manutenção em relação ao bem objeto do negócio, sem
olvidar que todos os pagamentos são lançados como despesas e o total das parcelas jamais poderá
ultrapassar 75% do valor de mercado do bem, com possibilidade de renovação do contrato com
substituição da máquina por um modelo mais moderno. (Cf. art. 7º, VII, da Res. BACEN 2309/96).
c) Arrendamento Mercantil é o contrato celebrado entre uma pessoa jurídica, denominada
Arrendadora, e uma outra pessoa, física ou jurídica, denominada Arrendatária, através do qual a
Arrendadora adquire bens MÓVEIS ou IMÓVEIS segundo a especificação da Arrendatária,
transferindo para esta a posse direta desse bem e ficando com a credora a posse indireta do bem,
mediante o pagamento de parcelas a título de aluguel, sendo certo que ao final do contrato a devedora
terá sempre as seguintes opções: 1) Extinguir o contrato devolvendo o bem; 2) Renovar o contrato
em condições previamente pactuadas; 3) Comprar o bem pelo preço residual. (art. 1º, parágrafo
único, e 5º, "c", da Lei nº 6.099/74). Cf. art. 7º, V, da Res. BACEN 2309/96).
d) Ação de reintegração de posse, com a prévia notificação do devedor. Deve ser comprovada a
notificação com a juntada do AR, sob pena de extinção do processo sem o julgamento do mérito.

Tema 09:
CONTRATO DE FRANQUIA EMPRESARIAL. Definição. Características. Partes. Direito e
obrigações das partes. Contratos acessórios.

1ª QUESTÃO:
Um produto eletrônico é adquirido por Josué num estabelecimento franqueado em que o empresário
é apenas vendedor sob licenciamento de marca de produto. Esse produto apresenta defeito de
fabricação que o torna impróprio ao uso a que se destina.
DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 19
Pergunta-se: É possível Josué responsabilizar solidariamente o franqueador e o franqueado pelos
danos sofridos, considerando-se que o primeiro fabricou e distribuiu o produto e o segundo vendeu?
Explique e embase juridicamente a resposta.

RESPOSTA:
PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. FRANQUEADORA. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ. NÃO PROVIMENTO.
1. "Cabe às franqueadoras a organização da cadeia de franqueados do serviço, atraindo para si a
responsabilidade solidária pelos danos decorrentes da inadequação dos serviços prestados em razão
da franquia" (REsp 1.426.578/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA
TURMA, DJe 22/9/2015).
2. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ).
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1090404/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA,
julgado em 21/03/2019, DJe 28/03/2019)

No contrato de franquia empresarial há um vínculo associativo entre sociedades empresárias


distintas, caracterizado pelo uso necessário de bem intelectuais do franqueador e a participação no
aviamento do franqueado. Assim, tem-se que o contrato de franquia tem relevância apenas nas
estritas esferas das sociedades contratantes, traduzindo uma clássica obrigação contratual inter
partes. Por tal motivo, afasta-se a incidência do CDC para disciplina dessa relação contratual.
Sob outro viés, por meio desse tipo de contrato, o consumidor tem acesso a produtos
vinculados a uma empresa terceira, estranha à relação contratual diretamente estabelecida entre
consumidor e vendedor. A interpretação dos artigos 14 e 18 do CDC imputa a responsabilidade pela
garantia de qualidade e de adequação a toda a cadeia de fornecimento, inclusive aqueles que a
organizam, impondo a obrigação conjunta de qualidade-segurança.
Assim, fixada, em tese, a responsabilidade civil das empresas franqueadoras perante os
consumidores, por danos decorrentes da prestação do serviço franqueado, cabível a extensão da
responsabilidade solidária de ambos.

2ª QUESTÃO:
TMA Tratamento Têxtil Ltda. ajuizou ação declaratória de resolução contratual cumulada com
indenizatória em face de Chocolates Neultrol do Brasil Franchising Ltda., objetivando a resolução
do contrato de franquia.
Afirma a parte autora que, em pouco menos de 2 (dois) anos de funcionamento, foi possível
observar que a realidade do negócio e a rentabilidade esperada não correspondiam às informações
prestadas pela franqueadora, o que só pôde ser verificado já na fase de execução do contrato.
DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 20
Argumenta a demandante que o descumprimento de dever anexo ou acessório de informação, ainda
que na fase pré-contratual, caracteriza hipótese de descumprimento contratual, apto à rescisão do
contrato por seu inadimplemento.
Pergunta-se: a conduta da franqueadora na fase pré-contratual, que deixa de prestar
informações que auxiliariam na tomada de decisão pela franqueada pode ensejar a resolução do
contrato de franquia por inadimplemento? Responda, de forma fundamentada.

RESPOSTA:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.862.508 - SP (2020/0038674-8). RELATOR: MINISTRO RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA. R.P/ACÓRDÃO: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
EMENTA: CIVIL E EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO
CONTRATUAL. FRANQUIA. BOA-FÉ OBJETIVA. ART. 422 DO CC/02. DEVERES
ANEXOS. LEALDADE. INFORMAÇÃO. DESCUMPRIMENTO. FASE PRÉ-CONTRATUAL.
EXPECTATIVA LEGÍTIMA. PROTEÇÃO. PADRÕES DE COMPORTAMENTO
(STANDARDS). DEVER DE DILIGÊNCIA (DUE DILIGENCE). HARMONIA.
INADIMPLEMENTO. CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO.
1. Cuida-se de ação de resolução de contrato de franquia cumulada com indenização de danos
materiais, na qual se alega que houve descumprimento do dever de informação na fase pré-
contratual, com a omissão das circunstâncias que permitiriam ao franqueado a tomada de decisão
na assinatura do contrato, como o fracasso de franqueado anterior na mesma macrorregião.
2. Recurso especial interposto em: 23/10/2019; conclusos ao gabinete em: 29/10/2020; aplicação do
CPC/15.
3. O propósito recursal consiste em definir se a conduta da franqueadora na fase pré-contratual,
deixando de prestar informações que auxiliariam na tomada de decisão pela franqueada, pode
ensejar a resolução do contrato de franquia por inadimplemento
4. Segundo a boa-fé objetiva, prevista de forma expressa no art. 422 do CC/02, as partes devem
comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e de lealdade, de modo a permitir a
concretização das legítimas expectativas que justificaram a celebração do pacto.
5. Os deveres anexos, decorrentes da função integrativa da boa-fé objetiva, resguardam as
expectativas legítimas de ambas as partes na relação contratual, por intermédio do cumprimento de
um dever genérico de lealdade, que se manifesta especificamente, entre outros, no dever de
informação, que impõe que o contratante seja alertado sobre fatos que a sua diligência ordinária não
alcançaria isoladamente.
6. O princípio da boa-fé objetiva já incide desde a fase de formação do vínculo obrigacional, antes
mesmo de ser celebrado o negócio jurídico pretendido pelas partes. Precedentes.
7. Ainda que caiba aos contratantes verificar detidamente os aspectos essenciais do negócio jurídico
(due diligence), notadamente nos contratos empresariais, esse exame é pautado pelas informações
prestadas pela contraparte contratual, que devem ser oferecidas com a lisura esperada pelos padrões
(standards) da boa-fé objetiva, em atitude cooperativa.

DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 21


8. O incumprimento do contrato distingue-se da anulabilidade do vício do consentimento em virtude
de ter por pressuposto a formação válida da vontade, de forma que a irregularidade de
comportamento somente é revelada de forma superveniente; enquanto na anulação a irregularidade
é congênita à formação do contrato.
9. Na resolução do contrato por inadimplemento, em decorrência da inobservância do dever anexo
de informação, não se trata de anular o negócio jurídico, mas sim de assegurar a vigência da boa-fé
objetiva e da comutatividade (equivalência) e sinalagmaticidade (correspondência) próprias da
função social do contrato entabulado entre as partes.
10. Na hipótese dos autos, a moldura fática delimitada pelo acórdão recorrido consignou que:
a)ainda nafase pré-contratual, a franqueadora criou na franqueada a expectativa de que o retorno da
capital investido se daria em torno de 36 meses; b) apesar de transmitir as informações de forma
clara e legal, o fez com qualidade e amplitude insuficientes para que pudessem subsidiar a correta
tomada de decisão e as expectativas corretas de retornos; e c) a probabilidade de que a franqueada
recupere o seu capital investido, além do caixa já perdido na operação até o final do contrato, é
mínima, ou quase desprezível.
11. Recurso especial provido.

Tema 10:
CONTRATO DE FACTORING. Definição. Características. Partes. A cessão de crédito ao
fator. Obrigações acessórias.

1ª QUESTÃO:
Celta Factoring Ltda. ingressou com ação monitória em face de Marilia objetivando a cobrança de
um cheque emitido pela demandada, no valor original de R$ 2.200,00, com vencimento aprazado
para 11/06/2012, sendo que este cheque resulta do contrato de relações comerciais havidas entre a
Marília e a sociedade Marques & Marques Ltda. para a confecção de um projeto, venda, instalação
de materiais elétricos na residência da demandada, tudo pelo montante de R$ 4.400,00, a ser pago
em duas parcelas iguais e sucessivas de R$ 2.200,00, com vencimento em 20/03/2012 e 20/04/2012.
Contudo, a demandada não teria solvido a segunda parcela do pactuado.
Em sua resposta Marília defende que a sociedade contratada não teria cumprido o contrato,
deixando de prestar mais de metade do serviço e, em razão disso, deixou de pagar a segunda parcela
do que fora avençado. Afirma que as regras sobre o direito cambial, mormente a autonomia e a
abstração conferidas ao cheque não se aplicam a presente hipótese, devendo ser adotadas as regras
de Direito Civil.
Autos conclusos, decida.

RESPOSTA:

DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 22


AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO
RECURSO ESPECIAL - CONTRATO DE FACTORING - OPOSIÇÃO DE EXCEÇÕES
PESSOAIS - IMPOSSIBILIDADE - PRECEDENTES DA SEGUNDA SEÇÃO.
INSURGÊNCIA DA AGRAVANTE.
1. A orientação jurisprudencial da Segunda Seção consolidou-se no sentido de admitir a
transferência do título de crédito - na hipótese um cheque - por endosso cambial nos contratos de
factoring com os efeitos dele decorrentes, sendo inviável opor exceções pessoais à empresa de
factoring.
Precedentes: EREsp 1439749/RS, Rel. Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 28/11/2018, DJe 06/12/2018, e EDcl nos EREsp 1482089/PA, desta Relatoria,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 02/12/2019.
2. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AgInt nos EREsp 1283369/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 29/09/2020, DJe 02/10/2020)

2ª QUESTÃO:
Ômega Factoring Fomento Comercial Ltda. ajuizou execução em face de Nacional Plásticos
Indústria e Comércio S.A. e Gilson Carlos Trindade da Silva, objetivando recebimento de nota
promissória dada em garantia de duplicatas sacadas contra a empresa Vinimaster Indústria Comércio
e Confecções Ltda., e que foram recebidas pela exequente mediante endosso subscrito pelos
executados, no âmbito de contrato de fomento mercantil.
Os executados, por sua vez, em sede de embargos à execução, alegaram nulidade dos títulos
porquanto desprovidos de aceite e de protesto regular. Subsidiariamente, aduziram tratar-se de
relação de consumo, motivo por que os encargos financeiros deveriam ficar limitados a patamares
não abusivos.
O Juízo de Direito da 7ª Vara Cível acolheu os embargos, extinguindo a execução por inexistência
de responsabilidade creditícia da embargante.
Foi correta a decisão do magistrado? Responda, fundamentadamente.

RESPOSTA:
AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. MONITÓRIA.
FOMENTO MERCANTIL. CLÁUSULA DE REGRESSO. CHEQUE DEVOLVIDO POR
MOTIVO DE FURTO/ROUBO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA EMPRESA QUE CIRCULOU
O TÍTULO.
1. "Em regra, a empresa de factoring não tem direito de regresso contra a faturizada - com base no
inadimplemento dos títulos transferidos -, haja vista que esse risco é da essência do contrato de
factoring. Essa impossibilidade de regresso decorre do fato de que a faturizada não garante a
solvência do título, o qual, muito pelo contrário, é garantido exatamente pela empresa de factoring."
DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 23
(REsp 1289995/PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
20/2/2014, DJe 10/6/2014).
2. Hipótese que não trata de responsabilidade da empresa de factoring por mera inadimplência do
título pelo emitente, mas de título cancelado pelo emitente por motivo de roubo/furto. Ademais, a
lide se desenvolve entre duas empresas relacionadas a cobranças de créditos.
3. Aplica-se, no caso, o entendimento no sentido de que não está em questão o inadimplemento, mas
a própria existência do crédito, de modo que é parte legítima para responder à ação a empresa que
transmitiu o título à empresa de factoring.
4. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a legitimidade e demais condições
da ação são aferidas nos termos em que proposta a demanda (in status assertionis). Precedentes.
5. Por outro lado, o recurso de apelação da ré (ora agravante) tratou não só da preliminar de
legitimidade ad causam, mas também de questões de fundo da lide, que não foram analisadas pelo
Tribunal porque prejudicadas na ocasião pela equivocada declaração de ilegitimidade da ré.
6. Dessa forma, devem os autos retornar à origem para que, ultrapassada a preliminar de
ilegitimidade, o Tribunal analise o recurso de apelação quanto aos demais aspectos da causa.
7. Agravo interno parcialmente provido.
(AgInt no REsp 1448030/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA,
julgado em 06/02/2020, DJe 11/02/2020)

Tema 11:
CONTRATO DE LOCAÇÃO EMPRESARIAL. Disciplina legal. Particularidades. Ação
renovatória. Condições. Legitimidade. Prazos. Dispensa de renovação. Procedimento na ação
renovatória.

1ª QUESTÃO:
Na locação de uma loja para expansão dos negócios de uma sociedade empresária foi incluída,
observando o prazo quinquenal, a locação de um apartamento anexo, do mesmo locador, para
moradia do gerente do estabelecimento, além de eventual uso de um de seus cômodos para depósito
de mercadorias. O dito apartamento é incluído na ação renovatória aforada no prazo legal.
O locador contesta o pedido de inclusão por entender incabível a utilização do instituto para imóveis
de uso residencial. Procede a defesa? Justificar.

RESPOSTA:
O art. 55 da Lei n° 8245/91 considera como locação não residencial aquela em que o locatário é
pessoa jurídica e o imóvel, inclusive anexos, destina-se ao uso de certas pessoas ligadas à pessoa
jurídica, dentre elas os gerentes.

DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 24


Consoante também a norma do art. 56, que não alberga a renovação compulsória e a não incidência
deste artigo à hipótese do enunciado, é forçoso concluir que não procede a defesa do locador,
inclusive pelo aforamento da renovatória no prazo do parágrafo 5° do art. 51 e pela observância do
prazo quinquenal, de acordo com o inciso II do art.51.

2ª QUESTÃO:
Lojas Brasileiras S.A. ajuizou ação renovatória de contrato de locação empresarial em face de Luz
Empreendimentos Imobiliários Ltda., no qual narra ser locatária de lojas e espaços junto à ré desde
2008 e, ante a iminência do termo final do contrato, preencheria os requisitos legais para a respectiva
renovação, sob as mesmas condições do negócio original, inclusive no que se refere aos valores da
contraprestação mensal (5% do faturamento ou, no mínimo, R$ 15.000,00) e ao prazo de duração
(12 anos e 11 meses).
A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos, para renovar por mais 5 (cinco) anos
a locação dos espaços comerciais.
Irresignada, Lojas Brasileiras S.A. interpôs recurso de apelação, na qual sustenta que a
limitação imposta na decisão combatida - por 5 (cinco) anos - não está prevista na lei e não pode ser
extraída de sua interpretação sistemática. Defende que a Lei 8.245/91 estabelece ser devida a
renovação compulsória do contrato locatício comercial pelo mesmo período em que vigorou o
último contrato, que, no caso, foi de 12 (doze) anos e 11 (onze) meses, podendo, portanto, ser
renovado por igual período.
O recurso deve ser provido? Responda a questão de forma fundamentada.

RESPOSTA:
RECURSO ESPECIAL Nº 1990552 (2018/0115020-4 de 26/05/2022). RELATOR: MINISTRO
RAUL ARAÚJO
EMENTA: CIVIL. LOCAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RENOVATÓRIA DE
CONTRATO DE LOCAÇÃO COMERCIAL. AUSÊNCIA DE NEGATIVA DA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. PRETENSÃO DO LOCADOR DE VER REPETIDO O PRAZO DO
CONTRATO ORIGINAL. IMPOSSIBILIDADE. PRAZO MÁXIMO DE PRORROGAÇÃO DE
CINCO ANOS. RECURSO DESPROVIDO.
1. Em sede da ação renovatória de locação comercial prevista no art. 51 da Lei 8.245/91, o prazo
máximo de prorrogação contratual será de cinco (5) anos. Assim, ainda que o prazo da última avença
supere o lapso temporal de cinco anos, a renovação compulsória não poderá excedê-lo, porquanto o
quinquênio estabelecido em lei é o limite máximo.
2. Recurso especial a que se nega provimento.

Trechos do Acórdão:

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(...) Não se trata de acessio temporis, ou seja, não se está diante de situação em que a ação
renovatória, para preenchimento do requisito temporal previsto no inciso II do art. 51 da Lei de
inquilinato, foi ajuizada com base na soma dos períodos ininterruptos de sucessivos contratos
escritos de locação. Na realidade, há um único contrato de locação comercial, trazido aos autos, com
prazo de vigência de 12 anos e 11 meses, o qual se pretende ver prorrogado pelo mesmo período
para funcionamento da empresa.
A respeito da temática, esta Corte de Justiça, desde a vigência da antiga Lei de Luvas, o
Decreto 24.150/1934 e, atualmente, com a atual Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), consagra
orientação de que o prazo máximo da renovação compulsória do contrato de locação comercial será
de cinco (5) anos, ainda que a vigência da avença locatícia supere esse período.
(...)
Após, com o advento da atual Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), revogando a antiga Lei de
Luvas, este Tribunal Superior manteve a mesma exegese, agora interpretando o disposto no art. 51
da referida Lei, mas sem perder de vista o fundamento do Eg. Supremo Tribunal Federal acerca do
Decreto 24.150/1934, de que o prazo máximo de renovação do contrato locatício deve ser de cinco
anos.
(...) Feita essas considerações, tem-se que a compreensão acolhida por esta Corte Superior
de Justiça até o presente momento é de que, em sede de ação renovatória de locação comercial
prevista no art. 51 da Lei 8.245/91, o prazo máximo de prorrogação contratual será de cinco (5)
anos, ainda que a vigência da última avença locatícia supere esse período. Assim, como dito, ainda
que o prazo da última avença supere o lapso temporal de cinco (5) anos, a renovação não poderá
excedê-lo, porquanto o quinquênio estabelecido em lei é o limite máximo.
(...)
De fato, possibilitar que a ação renovatória de aluguel comercial seja capaz de compelir o
locador a renovar e manter a relação locatícia, quando já não mais possui interesse, por prazo
superior ao razoável lapso temporal de cinco anos, certamente desestimularia os contratos de
locação comercial mais longos, pois ensejaria, de certa forma, a expropriação do imóvel de seu
proprietário. Especialmente se levar-se em conta que sucessivas açõesrenovatórias dalocação
poderão ser movidas.
Como dito pela eminente Ministra Nancy Andrighi, a ação renovatória prevista no aludido
artigo 51 da Lei do Inquilinato "não pode se tornar uma forma de eternizar o contrato de locação,
restringindo os direitos de propriedade do locador, e violando a própria natureza bilateral e
consensual da avença locatícia (REsp 1.323.410/MG). Há de prevalecer, nesses contratos de
natureza privada, a mínima autonomia da vontade, a despeito de a lei autorizar a renovação
compulsória, quando preenchidos os requisitos por ela exigidos.
Além disso, não se pode perder de vista as constantes alterações econômicas que ocorrem ao
longo do período de tempo, de maneira que se pode tornar, na prática, inviável a prorrogação do
ajuste por período de tempo maior do que cinco anos.
Destarte, o prazo máximo de cinco anos mostra-se razoável para renovação compulsória de
contratos de locação de imóveis para uso comercial, quando atendidos os requisitos legais, maxime
quando se considera poder ser a renovatória requerida novamente pelo locatário ao final de cada
DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 26
período quinquenal, o que possibilita, de certa forma, a postergação do ajuste por sucessivos
quinquênios.
Ainda nessa hipótese, entende-se que não há como fugir do raciocínio consagrado pela
jurisprudência, de longa data, de que o prazo máximo de prorrogação compulsória do referido
contrato deve ser de cinco (5) anos, pelas razoes de direito acima expostas.

Tema 12:
SHOPPING CENTERS. Aspectos jurídicos do shopping center. Conceito. Estrutura do
negócio jurídico. Personagens. Aplicação da Lei Nº 8.245/91. Res Sperata. Aluguel mínimo.
Tenant mix. Cláusula de raio. Décimo terceiro aluguel. Publicidade. Cobrança de
estacionamento. Questões afins.

1ª QUESTÃO:
Lojas Cariocas S.A. propôs ação renovatória de locação em face de Internacional Shopping Fundo
de Investimento Imobiliário Ltda. visando à renovação do contrato que tem por objeto a locação de
loja no piso térreo do Internacional Shopping.
Em sua contestação, a parte ré não se insurgiu contra a pretensão renovatória, requerendo
apenas a majoração do aluguel percentual para 2,5%, ao argumento de que o valor contratado está
abaixo do valor de mercado.
Diante do caso concreto apresentado, indaga-se: em ação renovatória de locação de espaço
em shopping center, é possível a alteração do percentual ajustado a título de remuneração variável?
Responda fundamentadamente.

RESPOSTA:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RENOVATÓRIA. LOCAÇÃO DE ESPAÇO.
SHOPPING CENTER. ALTERAÇÃO DO ALUGUEL PERCENTUAL. DISCREPÂNCIA COM
O VALOR DE MERCADO. INVIABILIDADE. AUTONOMIA DA VONTADE E PACTA SUNT
SERVANDA. JULGAMENTO: CPC/2015.
1. Ação renovatória de locação ajuizada em 10/05/2018, da qual foi extraído o presente recurso
especial interposto em 14/10/2020 e atribuído ao gabinete em 31/05/2021.
2. O propósito recursal consiste em definir se é possível, em ação renovatória de locação de espaço
em shopping center, a alteração do percentual ajustado a título de remuneração variável.
3. O contrato celebrado entre o empreendedor e o lojista é marcado por certas singularidades, as
quais o diferenciam dos contratos ordinários de locação. Por essa razão, há divergência na doutrina
sobre a natureza desse contrato. Apesar dessas singularidades, revela-se mais razoável considerar o
contrato pactuado entre o empreendedor do shopping center e o lojista como um típico contrato de
locação, com características próprias.

DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 27


4. Independentemente da natureza jurídica que se atribua a essa espécie contratual, a Lei nº 8.245/91
consagra a possibilidade da propositura, pelo lojista, de ação renovatória de locação. Assim,
preenchidos os requisitos legais previstos nos arts. 51 e 71 da referida lei, o lojista fará jus à
renovação do contrato de locação da unidade imobiliária localizada em shopping center.
5. A ação renovatória de locação tem como escopo principal a extensão do período de vigência do
contrato. E, considerando que a retribuição inicialmente entabulada guarda relação com a alteração
do prazo estipulado, também é possível a alteração do valor do locativo por essa via. Essa espécie
de ação judicial é dúplice, daí porque é juridicamente possível ao locador postular, em sede de
contestação, a majoração do valor do locativo.
6. No contrato de locação de espaço em shopping center, para a fixação do locativo, são ponderadas
as características especiais do empreendimento e que o diferencia dos demais, como a
disponibilidade e facilidade de estacionamento, a segurança do local, a oferta de produtos e serviços,
opções de lazer, entre outros. Ou seja, há uma série de fatores que influenciam na fixação da
remuneração mensal e que são alheios ao valor de mercado.
7. Frente às singularidades que diferenciam tais contratos, o art. 54 da Lei nº 8.245/91 assegura a
prevalência dos princípios da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda. Nesse sentido,
alteração do aluguel percentual em sede de ação renovatória de locação de espaço em shopping
center somente é viável caso demonstrado pela parte postulante - locatário ou locador - o
desequilíbrio econômico superveniente resultante de evento imprevisível (arts. 317 e 479 do CC/02).
Vale dizer, a dissonância entre o locativo percentual contratado e o valor de mercado não autoriza,
por si só, a alteração do aluguel, sob pena de o juiz se imiscuir na economia do contrato 8. Recurso
especial conhecido e provido.
(REsp n. 1.947.694/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, TerceiraTurma, julgado em 14/9/2021,
DJe de 16/9/2021.)

2ª QUESTÃO:
Determinado empreendedor de shopping center ajuizou ação de execução em face de um de seus
lojistas por inadimplemento do pagamento de res sperata. O executado opôs embargos à execução
alegando exceção do contrato não cumprido, fato ensejador da inexigibilidade do débito em razão
do descumprimento de contrato de reserva de área comercial para instalação de lojas-âncora, a que
se obrigara o exequente. Decida a questão de forma fundamentada.

RESPOSTA:
0164810-96.2014.8.19.0001 - APELAÇÃO - Des(a). ALEXANDRE ANTÔNIO FRANCO
FREITAS - CÂMARA - Julgamento: 13/09/2017 - SEGUNDA CÂMARA - CÍVEL - Direito Civil.
Locação de loja (quiosque) em shopping center. Devolução dos valores pagos a título de res sperata
e reparação por danos morais. Expectativa frustrada e falta de estrutura fornecida pela apelada que
não foram comprovadas. Risco inerente à atividade comercial de ambas as partes. Apelada que
jamais prometeu instalação de outras lojas ou tráfego de consumidores, tendo cobrado a res sperata
em razão da localização do shopping e da estrutura organizacional. Obras estéticas que

DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 28


configuravam obrigação dos locatárioss. Locatária que tinha ciência do estado e das condições do
shopping quando realizou a locação, pois já estava em funcionamento. Inexistência de ato ilícito e
frustração que está absorvida pelo risco (alea) do negócio. Dano moral por ricochete do marido da
locatária que não se verifica. Ausência de responsabilidade da locadora e impossibilidade de
devolução da res sperata. Recurso a que se nega provimento. (TJ-RJ - APL:
01648109620148190001 RIO DE JANEIRO CAPITAL 46 VARA CIVEL, Relator: ALEXANDRE
ANTÔNIO FRANCO FREITAS CÂMARA, Data de Julgamento: 13/09/2017, SEGUNDA
CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/09/2017)

Tema 13:
CONTRATOS BANCÁRIOS. Característica. Operações bancárias. A intervenção do Estado
nos negócios bancários. Incidência do CDC. Contrato de utilização de cofre de segurança.

1ª QUESTÃO:
Isaac ajuizou ação em face do Banco Brasileiro S.A. narrando ser militar aposentado e titular de
conta-corrente junta à instituição ré realizando transações normais de débito e crédito que envolvem
relacionamentos dessa espécie. Aduziu que o contrato estabelece cheque especial, representando
crédito rotativo, no valor de R$ 3.000,00.
Expôs o demandante que, durante o relacionamento contratual com a ré foram firmadas
várias negociações, resultando em crédito pessoal e que, aceitando a sugestão do gerente para a
obtenção de juros menores do que os do cheque especial e para a cobertura de débitos existentes,
firmou operação para renovação e consignação, no valor de R$ 130.000,00, em 85 parcelas mensais
e sucessivas de R$ 2.543,56.
Esclareceu que os débitos vêm sendo efetuados em sua conta-corrente e, todo mês, depois
que recebe seus proventos, praticamente 50% do valor depositado é descontado para o pagamento
da prestação contratual, restringindo-se o montante da verba utilizada para satisfação de suas demais
despesas pessoais.
Afirma que o réu age como verdadeiro sócio de seus proventos, não se importando com a
dignidade da pessoa humana, devendo ser determinada a proibição dos descontos para pagamento
do crédito pessoal. Assim, pretende a limitação do desconto do empréstimo em sua conta-corrente.
A pretensão deve ser acolhida?

RESPOSTA:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.586.910 - SP (2016/0047238-7) - RELATOR: MINISTRO LUIS
FELIPE SALOMÃO. EMENTA: RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÕES DE MÚTUO
FIRMADO COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCONTO EM CONTA-CORRENTE E
DESCONTO EM FOLHA. HIPÓTESES DISTINTAS. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA
LIMITAÇÃO LEGAL AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO AO MERO DESCONTO EM
CONTA-CORRENTE, SUPERVENIENTE AO RECEBIMENTO DA REMUNERAÇÃO.
DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 29
INVIABILIDADE. DIRIGISMO CONTRATUAL, SEM SUPEDÂNEO LEGAL.
IMPOSSIBILIDADE.
1. A regra legal que fixa a limitação do desconto em folha é salutar, possibilitando ao consumidor
que tome empréstimos, obtendo condições e prazos mais vantajosos, em decorrência da maior
segurança propiciada ao financiador. O legislador ordinário concretiza, na relação privada, o
respeito à dignidade humana, pois, com razoabilidade, limitam-se os descontos compulsórios que
incidirão sobre verba alimentar, sem menosprezar a autonomia privada.
2. O contrato de conta-corrente é modalidade absorvida pela prática bancária, que traz praticidade e
simplificação contábil, da qual dependem várias outras prestações do banco e mesmo o
cumprimento de pagamento de obrigações contratuais diversas para com terceiros, que têm, nessa
relação contratual, o meio de sua viabilização. A instituição financeira assume o papel de
administradora dos recursos do cliente, registrando lançamentos de créditos e débitos conforme os
recursos depositados, sacados ou transferidos de outra conta, pelo próprio correntista ou por
terceiros.
3. Como característica do contrato, por questão de praticidade, segurança e pelo desuso, a cada dia
mais acentuado, do pagamento de despesas em dinheiro, costumeiramente o consumidor centraliza,
na conta-corrente, suas despesas pessoais, como, v.g., luz, água, telefone, tv a cabo, cartão de
crédito, cheques, boletos variados e demais despesas com débito automático em conta.
4. Consta, na própria petição inicial, que a adesão ao contrato de conta-corrente, em que o autor
percebe sua remuneração, foi espontânea, e que os descontos das parcelas da prestação -
conjuntamente com prestações de outras obrigações firmadas com terceiros - têm expressa previsão
contratual e ocorrem posteriormente ao recebimento de seus proventos, não caracterizando
consignação em folha de pagamento.
5. Não há supedâneo legal e razoabilidade na adoção da mesma limitação, referente a empréstimo
para desconto em folha, para a prestação do mútuo firmado com a instituição financeira
administradora da conta-corrente. Com efeito, no âmbito do direito comparado, não se extrai
nenhuma experiência similar - os exemplos das legislações estrangeiras, costumeiramente
invocados, buscam, por vezes, com medidas extrajudiciais, solução para o superendividamento ou
sobreendividamento que, isonomicamente, envolvem todos os credores, propiciando, a médio ou
longo prazo, a quitação do débito.
6. À míngua de novas disposições legais específicas, há procedimento, já previsto no ordenamento
jurídico, para casos de superendividamento ou sobreendividamento - do qual podem lançar mão os
próprios devedores -, que é o da insolvência civil.
7. A solução concebida pelas instânciasordinárias, em vez de solucionar o superendividamento,
opera no sentido oposto, tendo o condão de eternizar a obrigação, visto que leva à amortização
negativa do débito, resultando em aumento mês a mês do saldo devedor. Ademais, uma vinculação
perene do devedor à obrigação, como a que conduz as decisões das instâncias ordinárias, não se
compadece com o sistema do direito obrigacional, que tende a ter termo.
8. O art. 6º, parágrafo 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro confere proteção ao
ato jurídico perfeito, e, consoante os arts. 313 e 314 do CC, o credor não pode ser obrigado a receber
prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.

DIREITO EMPRESARIAL - CP04 - 04 - CPIV - 2º PERÍODO 2023 30


9. A limitação imposta pela decisão recorrida é de difícil operacionalização, e resultaria, no
comércio bancário e nas vendas a prazo, em encarecimento ou até mesmo restrição do crédito,
sobretudo para aqueles que não conseguem comprovar a renda.
10. Recurso especial do réu provido, julgado prejudicado o do autor.

2ª QUESTÃO:
Rosemary Salen propôs ação de indenização por danos morais e materiais contra Banco Master S.A.,
afirmando que mantinha há mais de 30 anos cofre particular no qual depositava suas joias.
Relata a demandante que foi informada pela ré do roubo ocorrido nos cofres da agência
bancária situada na Avenida Rio Branco, Centro, no dia 28/08/2021. Assim, pretende o pagamento
da indenização por danos morais e materiais.
Em sua contestação, a instituição financeira defende a validade da cláusula expressa de
limitação de armazenagem dos bens e que os valores que excedessem ao limite estipulado deveriam
ser informados, e deveria ser contratado seguro em separado. Sustenta a inexistência de danos
morais a serem reparados.
Pergunta-se: é abusiva a cláusula meramente limitativa do uso do cofre locado, ou seja,
aquela que apenas delimita quais são os objetos passíveis de serem depositados e os limites da
indenização?

RESPOSTA:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE COFRE.
CLÁSULA LIMITATIVA DE USO. ABUSIVIDADE. INEXISTÊNCIA. ASSALTO. AGÊNCIA
BANCÁRIA. ARROMBAMENTO E ESVAZIAMENTO DO COFRE. FALHA NA PRESTAÇÃO
DO SERVIÇO. LIMITAÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR. DANO MATERIAL. CONTEÚDO
LICITAMENTE ARMAZENADO. JOIAS DE FAMÍLIA. VALOR SENTIMENTAL. DANOS
MORAIS. CONFIGURAÇÃO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil
de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. O contrato bancário de locação de cofre particular é espécie contratual mista que conjuga
características tanto de um contrato de depósito quanto de um contrato de locação, qualificando-se,
ainda, pela verdadeira prestação dos serviços de segurança e guarda oferecidos pela instituição
financeira locadora, ficando o banco locador responsável pela guarda e vigilância do recipiente
locado, respondendo por sua integridade e inviolabilidade.
3. A prática de crimes por terceiros que importem no arrombamento do cofre locado (roubo/furto)
constitui hipótese de fortuito interno, revelando grave defeito na prestação do serviço bancário
contratado, provocando para a instituição financeira o dever de indenizar seus consumidores pelos
prejuízos eventualmente suportados.

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4. Não se revela abusiva a cláusula meramente limitativa do uso do cofre locado, ou seja, aquela
que apenas delimita quais são os objetos passíveis de serem depositados em seu interior pelo
locatário e que, consequentemente, estariam resguardados pelas obrigações (indiretas) de guarda e
proteção atribuídas ao banco locador.
5. A não observância, pelo consumidor, de regra contratual limitativa que o impedia de, sem prévia
comunicação e contratação de seguro específico, depositar no interior do cofre bens de valor
superior ao expressamente fixado no contrato exime o banco locador do dever de reparação por
prejuízos materiais diretos relativos à perda dos bens excedentes ali indevidamente armazenados.
Precedente.
6. Agravo interno não provido.
(AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.206.017/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira
Turma, julgado em 25/11/2019, DJe de 27/11/2019.)

Tema 14:
CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. Sistema de cartão de crédito. Natureza jurídica.
Características. Direitos e obrigações das partes. Incidência do CDC.

1ª QUESTÃO:
Nos contratos de cartão de crédito celebrados entre Inter Administradora de Cartões de Crédito Ltda.
e seus clientes, há cláusula de mandato cuja validade está sendo contestada em ação coletiva
proposta pelo Ministério Público, sob a alegação de abusividade, por impor um terceiro na
contratação de produtos em nome do cliente e omitir ao mesmo a taxa de juros.
A defesa da administradora Inter sustenta estar obrigada a buscar recursos no mercado para financiar
as compras não pagas pelos clientes, quando estes resolvem optar pelo pagamento rotativo ou
parcelado; que a taxa de juros é informada antecipadamente na fatura do cartão. Aduziu ainda que
como não é instituição financeira, acaba arcando com o custo de captação do capital e repassá-lo
aos clientes, acrescido de outros encargos. Salienta que a cláusula-mandato é apenas um expediente
para possibilitar a contratação de crédito em favor do usuário e não é aplicada quando este liquida
seus débitos no vencimento.
Discorra sobre a ilegalidade/abusividade da cláusula-mandato inserida nos contratos de cartão de
crédito.

RESPOSTA:
A controvérsia resume em verificar a ilegalidade de cláusula-mandato que permite à operadora de
cartão de crédito que permite à operadora de cartão de crédito emitir título cambial contra o usuário
do cartão.
Inicialmente, é imprescindível esclarecer que o instituto jurídico da cláusula-mandato em
sentido amplo possui estipulações destinadas a três propósitos distintos.
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O primeiro, inerente a todos os contratos de cartão de crédito, tenham ou não sido estabelecidos com
as instituições financeiras ou com administradoras de cartão private label, é aquele por meio do qual
a administradora/mandatária do cartão se compromete a honrar, mediante anuidade e até o limite do
crédito estipulado para aquele consumidor/mandante, o compromisso assumido por este perante
comerciantes ou prestadores de serviços.
O segundo, inerente aos contratos de cartão de private label, refere-se à autorização dada pelo
consumidor à administradora do cartão de crédito para que, em seu nome, obtenha recursos no
mercado financeiro para saldar eventuais dívidas e financiamentos advindos do uso do cartão.
O terceiro, reputado abusivo pelo ordenamento jurídico, diz respeito à atribuição de poderes às
administradoras/mandatárias do cartão de crédito para emissão de títulos de crédito em nome do
consumidor/mandante.
No caso, se discute o último propósito da cláusula-mandato, ou seja, a possibilidade de se conferir
poderes às administradoras de cartões de crédito para emissão de títulos de crédito e nome do
consumidor.
Tem-se por abusiva a cláusula-mandato que prevê a emissão de título de crédito, por parte do
mandatário contra o mandante, haja vista que tal procedimento expõe o outorgante à posição de
extrema vulnerabilidade, a ponto de converter-se em prática ilegítima, eis que dela resulta um
instrumento cambial apto a possibilitar a pronta invasão de seu patrimônio por meio da compensação
bancária direta ou pela via executiva, reduzindo, inegavelmente a sua capacidade defensiva,
porquanto possibilita a obtenção de seu crédito de forma mais célere, em detrimento dos princípios
da ampla defesa e do contraditório.
A regra do instituto do mandato é que o representante deve atuar em nome do representado,
respeitando e agindo dentro dos interesses do mandante, a fim de que não haja um conflito de
interesses, tal como o estabelecido quando o mandatário atua em seu próprio interesse, celebrando
contrato consigo mesmo ou autocontrato.
Assim, não pode o representante agir objetivando o seu próprio interesse concernente ao saneamento
de eventual dívida, pois a cláusula-mandato para o saque de título cambial, por somente beneficiar
o mandatário, é considerada abusiva.
A propósito, o núcleo do conceito de abusividade presente no art. 51 do CDC está na existência de
encargos que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada perante o fornecedor, ou seja,
funda-se no desequilíbrio das posições contratuais. No caso, o desiquilíbrio decorre do monopólio
da produção das cláusulas encartadas no pacto pelo fornecedor e a nulidade da modalidade de
cláusula-mandato em comento se verifica em razão de sua potestatividade, uma vez que deixa ao
alvedrio do mandatárioa eexpedição de cambial, sem que esteja presente a indicação prévia ao
usuário do cartão, do fator externo que concorreu para a emissão da cártula, dando ciência dos
moldes segundo os quais fora concebida.
Por isso que, atendo a esses fatos, a muito o STJ editou o enunciado nº 60 da Súmula: "É nula a
obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo
interesse deste".
Desse modo, a cláusula-mandato que possibilita ao mandatário a emissão de cambial contra o
mandante, mesmo quando inserida nos contratos de cartão de crédito, é inegavelmente abusiva, pois,
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além de contrariar a própria natureza do mandato, ao posicionar de forma antagônica os interesses
do mandante e do mandatário, insere o consumidor/mandante em notória e exagerada desvantagem,
o que atenta contra a boa-fé e a equidade, violando o art. 51, IV do CDC.

2ª QUESTÃO:
Fausto propôs ação de prestação de contas em face de Golden Administradora de Cartões de Crédito
S/A. alegando que os extratos mensais enviados pela ré eram insuficientes para o esclarecimento
das operações realizadas e dos encargos cobrados.
A contestação da ré baseou-se no fato de as faturas enviadas ao autor apresentarem todos os
lançamentos efetuados e previstos, sendo as taxas de juros publicadas através dos jornais.
Pergunta-se: independentemente do recebimento das faturas mensais, pode o titular do cartão
acionar judicialmente a administradora de cartão de crédito, objetivando receber a prestação de
contas dos encargos que lhe são cobrados? Justifique.

RESPOSTA:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE CARTÃO DE
CRÉDITO. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. POSSIBILIDADE. SÚMULA 83/STJ.
AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Esta Corte Superior tem admitido a ação de prestação de contas em relação ao contrato de cartão
de crédito, para aferir a higidez dos encargos cobrados. Incidência da Súmula 83/STJ.
2. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 785.443/RJ, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe
29/06/2018)

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