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1.

REGIME JURÍDICO DO DIREITO ADMINISTRATIVO (UNIDADE II) –


PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Regime jurídico pode ser conceituado como sendo o conjunto sistematizado de


regras e princípios, que guardam entre si uma relação de coerência, unidade e integridade.

1.1 Diferença entre regras e princípios (normas jurídicas).

É certo que a partir das contribuições teóricas de Ronald Miles Dworkin e Robert
Alexy, consolidou-se o entendimento majoritário segundo o qual princípios e regras são
espécies do gênero norma jurídica1.

A partir da década de 1950, foi inaugurada uma nova fase na Ciência Jurídica, a
saber: a fase pós-positivista. Com a superação do positivismo legal2, os princípios ganham
normatividade jurídica, deixando para trás a sua mera posição subsidiária de auxiliar a
função integrativa na aplicação da lei3. Há uma aproximação entre ética e Direito. Para
tanto, contribuíram imensamente os ensinamentos de Joseph Esser, Ronald Dworkin e
Genaro Carrió.

Na fase pós-positivista, os princípios são tidos como normas vinculantes, dotadas


de imperatividade e eficácia no âmbito da ordem jurídica. Não são mais meros repertórios
de conselhos para os poderes políticos, convertendo-se, isto sim, em normas jurídicas.
São espelhos dos valores agasalhados pela sociedade, com previsão, explícita ou
implícita, na Constituição.

1
Há doutrinadores de renome que defendem a tese de que a norma jurídica (gênero) divide-se em: princípio,
regra e valores (categoria normativa autônoma). O próprio Dworkin distingue princípios, regras e “fins”
como espécies do gênero norma jurídica. Para Aragon, os valores se diferenciam dos princípios, pois têm
eficácia apenas interpretativa, ao contrário dos princípios, que possuem também projeção normativa. Esta
tríade normativa seria fruto das especulações teóricas advindas da “jurisprudência dos valores” e da
“tópica”. Todavia, consideramos, nesta sucinta obra, apenas as espécies princípios e regras, deixando de
lado os valores enquanto categoria normativa autônoma, em conformidade com o escólio de J. J. Gomes
Canotilho.
Cumpre salientar, ainda, que alguns autores não compartilham a idéia de existência de diferenças relevantes
entre regras e princípios. São os adeptos da tese da conformidade, entre outros, Hernandez Marin, para
quem os princípios não passariam apenas de um “mito jurídico”.
2
O paradigma do sistema positivista foi o Código Napoleônico de 1804. Pregava-se a auto-suficiência do
código, retratando um dos valores mais preciosos do liberalismo clássico: a segurança jurídica. Com efeito,
o código regulava (ou tentava regular) de maneira precisa e detalhada as relações jurídicas, ao passo que a
Constituição, por sua própria essência, era composta de normas abstratas e abertas a opções ideológicas e
políticas. Para a Escola da Exegese, a codificação deveria impor ao julgador um apego ao texto normativo
e à interpretação literal ou gramatical.
3
KELSEN, Hans. Teoria Geral das Normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: Fabris, 1986, p.
145-156.
A ideia de princípio4, nos dizeres de Luis Diez-Picazo, deriva da linguagem da
geometria, sendo as premissas de todo um sistema, vale dizer, designa verdades primeiras.
Não é por outra razão que são “princípios”, pois estão “ao princípio”. Nos dizeres de
Carmem Lúcia Antunes Rocha, é no princípio que repousa a essência de uma ordem e
seus parâmetros fundamentais.

Crisafulli, em conceituação formulada nos idos de 1952, afirmou:

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada


como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a
pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito
em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam e
portanto, resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam (...) estas
efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do
respectivo princípio geral que as contém.5

As funções desempenhadas pelos princípios, na fase do pós-positivismo, estão


relacionadas à condensação de valores, à unidade do sistema e à orientação do labor do
intérprete. São aplicados de modo gradual (“mais ou menos”).

Em outras palavras, princípios são, segundo Luís Roberto Barroso, “o conjunto de


normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins”.6

Já as regras são comandos de definição, com incidência adstrita a situações


específicas. Uma regra não incidirá sobre determinado fato somente se ela for considerada
inválida, ou seja, são categorias normativas aplicáveis sob a fórmula do tudo ou nada (all
or nothing). Sua aplicação se dá mediante um processo interpretativo de subsunção.

As regras, portanto, têm natureza binária. Somente admitem duas situações: ou


são válidas e se aplicam na hipótese fática ou são inválidas e não se aplicam. Em suma, a
regra é válida ou não.

Num eventual conflito entre princípios e regras hão de prevalecer aqueles, eis que
possuem uma hegemonia axiológica-normativa.7 São eles que conferem fundamento
axiológico e normativo ao ordenamento jurídico, exigindo, portanto, uma maior atividade
argumentativa por parte do intérprete. Conquanto haja entendimento contrário8, nos

4
Ulpiano, desde tempos remotos, já procurava sintetizar os princípios básicos do Direito: “Honeste vivere,
alterum non laedere, suum cuique tribuere” (Viver honestamente, não lesar a outrem e dar a cada um o que
é seu). Apud BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito
Constitucional Brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In BARROSO, Luiz
Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 29.
5
Apud. BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 230.
6
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 141
7
Em sentido contrário: ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
8
Ensina Humberto Ávila: “Conexa a essa questão está a concepção doutrinária largamente difundida no
sentido de que descumprir um princípio é mais grave que descumprir uma regra. Em geral, o correto é o
contrário: descumprir uma regra é mais grave que descumprir um princípio. E isso porque as regras têm
uma pretensão de decidibilidade que os princípios não têm: enquanto as regras têm a pretensão de oferecer
uma solução provisória para um conflito de interesses já conhecido ou antecipável pelo Poder Legislativo,
filiamos àqueles para os quais a ofensa a um princípio é de natureza (muito) mais grave
que o desrespeito a uma regra, pois os princípios retratam as opções políticas
fundamentais ou a escolha de valores éticos e sociais fundantes do Estado Democrático e
da sociedade plural, tudo em consonância com a sempre lembrada definição de Celso
Antônio Bandeira de Mello9.

As contradições entre regras, como visto acima, podem ser eliminadas mediante
a inserção de cláusulas de exceção. Por exemplo, determinada regra veicula a proibição
de abandonar a sala de aula antes de a campainha soar. Outra regra, contudo, estabelece
a obrigatoriedade de abandonar a sala quando soar o alarme de incêndio. Obviamente, a
segunda hipótese representa uma exceção à primeira. Logo, com a estipulação de uma
exceção, não há mais que falar em colisão entre regras (ALEXY, 2014, p. 179).

Contudo, quando a fixação de uma exceção não é possível, uma das regras em
conflito deve ser considerada inválida. O intérprete não pode considerar, numa única
hipótese de incidência concreta, simultaneamente válidas regras que possuem
consequências jurídicas diametralmente opostas. Se a regra é válida e aplicável ao caso
concreto, então sua consequência jurídica vale. Nessa situação, e somente nessa, é correto
o teorema de Dworkin segundo o qual as regras são aplicáveis conforme o critério “tudo
ou nada” (all or nothing fashion).

Ademais, é possível, no âmbito de incidência da regra jurídica, a fixação de


cláusulas de reserva geral relacionadas a princípios (p.ex, regras com expressões tais

os princípios apenas oferecem razões complementares para solucionar um conflito futuramente


verificável”. Afirma o autor, ainda, que o grau de conhecimento do dever a ser cumprido é maior do que
aquele presente no caso dos princípios. Por tal razão, violar o que se sabe dever cumprir é mais grave do
que malferir um princípio cujo conteúdo ainda precisa de maior complementação. Segundo o autor, o
Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de se manifestar acerca do assunto em dois importantes
precedentes: no primeiro, durante o julgamento da ADIN 815/RN, o Excelso Pretório extinguiu a ação por
impossibilidade jurídica do pedido, sob o fundamento de que não poderia afastar, com base no princípio
federativo, a regra estabelecida pelo próprio Poder Constituinte Originário a respeito da proporcionalidade
na representação no Congresso Nacional. Entendeu-se que o princípio federativo foi estabelecido conforme
a regra do art. 45 da Constituição Federal; no segundo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que não cabe
a ele realizar nova ponderação quando a própria Constituição já fez uma ponderação anterior por meio do
estabelecimento de uma regra. Emblemático é o voto do Ministro Sepúlveda Pertence: “(...) resisto, no
entanto, a admitir que à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita se possa opor, com o
fim de dar-lhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade, o interesse público na eficácia da
repressão penal em geral ou, em particular, na de determinados crimes. É que, aí, foi a Constituição mesma
que ponderou os valores contrapostos e optou – em prejuízo, se necessário, da eficácia da persecução
criminal – por valores fundamentais, da dignidade humana, aos quais serve de salvaguarda a proscrição da
prova ilícita”. Ibid. p. 90 a 107.
9
Em célebre passagem, registrou Celso Antônio Bandeira de Mello: “Princípio é, por definição,
mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a
tônica e lhe dá sentido harmônico (...)”
“Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica
ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais
grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque
representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais (...)”. Apud.
BARROSO, Luis Roberto. Op. cit. p. 143.
como “razoável”, “justa”, “reprovável” etc). Com base em um princípio (e sua cláusula
de reserva), portanto, toda regra pode tornar-se inaplicável em circunstâncias especiais.
Nessa hipótese, a existência de um princípio afasta a hipótese, defendida por Dworkin,
do caráter “tudo ou nada” que incide sobre as regras.

Por seu turno, os princípios possuem uma dimensão de peso (dimension of


weight) e, por esse motivo, quando dois princípios entram em tensão na análise concreta
dos casos difíceis (hard cases), aquele que possuir o maior peso no caso concreto
prevalecerá, sem que, com isso, o princípio de menor peso relativo no caso em concreto
se torne inválido.

No sopesamento entre princípios, valores, bens e interesses em tensão, aplica-se


a técnica interpretativa da ponderação ou balanceamento. Na esteira da lição de Luís
Roberto Barroso (2001, p. 68),

a ponderação de valores é a técnica pela qual o intérprete procura lidar


com valores constitucionais que se encontrem em linha de colisão.
Como não existe um critério abstrato que imponha a supremacia de um
sobre o outro, deve-se, à vista do caso concreto, fazer concessões
recíprocas, de modo a produzir-se um resultado socialmente desejável,
sacrificando o mínimo de cada um dos princípios ou direitos
fundamentais em oposição.

Cuida-se, pois, (a ponderação) de uma técnica que visa atribuir pesos a bens,
valores e interesses. Nunca demais lembrar que os valores, segundo a corrente pós-
positivista, configuram a vertente axiológica das normas, devendo ser promovidos pelos
princípios.

Assevera Alexy (2012, p. 93) que

As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma


completamente diversa (das regras). Se dois princípios colidem – o que
ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um
princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá
que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente
deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma
cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios
tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob
outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma
oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos
concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o
maior peso têm precedência. Conflitos entre regras ocorrem na
dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que
só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa
dimensão, na dimensão do peso.
Assim, ao menos nos casos difíceis, ou seja, nos casos em que princípios
competem pela primazia na regulamentação de determinada situação, o balanceamento
ou ponderação de valores ou princípios é inevitável (BRANCO, 2009, p. 111)

Como salienta Gonet Branco (2009, p. 114),

O juízo de ponderação, desse modo, encontra apoio em distintas


motivações filosóficas e é, de modo geral, adotado segundo uma
impressão de sua inevitabilidade – ao menos, diante de casos difíceis,
que envolvem juízos morais colidentes e demandam solução de
conflitos de interesses, bens e valores não previamente submetidos a
hierarquização absoluta.
A ponderação, para o juiz da Suprema Corte de Israel Aharon Barak,
seguindo esse viés, expressa uma técnica inescapável, que reflete a
própria complexidade de valores que compõem o Direito, construindo
pontes entre o direito e a vida pluralística, já que “exige do juiz
identificar os valores relevantes, enfrentar o tema da importância social
desses valores, além de exigir que revele o seu pensamento para os seus
confrades e para as demais pessoas, facilitando a crítica e a autocrítica”.

Portanto, na tensão entre princípios, o intérprete/aplicador deve utilizar a técnica


da ponderação, com vistas a definir o princípio que detém o maior peso no caso concreto.
Diante das possibilidades fáticas e jurídicas de realização de um princípio, há uma
restrição no que tange às possibilidades fáticas e jurídicas de realização do outro
princípio. E a solução de tal tensão dá-se mediante a fixação de uma relação de
precedência condicionada entre os princípios, com fulcro nas circunstâncias do caso
concreto (ALEXY, 2012, p. 96).

Em que pese a doutrina majoritária diferenciar apenas os “casos fáceis” (easy


cases) dos “casos difíceis” (hard cases), faz-se necessário também a conceituação e o
desenvolvimento teórico dos chamados “dilemas” ou “tragédias” constitucionais, a partir
das ideias do jurista Lorenzo Zucca.

Como exemplo de dilema constitucional pode-se citar a decisão do Pleno do


Tribunal Europeu de Direitos Humanos, ocorrida em 17 de abril de 2007. Em 12 de julho
de 2000, a Sra. Evans, junto com seu marido Johnston, iniciou um procedimento para
fertilização in vitro. Pouco tempo depois, Sra. Evans foi diagnosticada com sérios
tumores pré-cancerígenos em ambos os ovários, o que significava que deviam ser
extraídos. O hospital a aconselhou que seria possível coletar seus óvulos antes da
operação, realizar a fertilização com os espermatozoides de seu marido e congelá-los,
com o objetivo de manter viva sua esperança de ser mãe biológica no futuro.

No Reino Unido, este procedimento está estritamente regulamentado pela


legislação. A característica primordial da referida legislação é permitir a ambas as partes
revogarem seus respectivos consentimentos em qualquer momento anterior à implantação
dos óvulos no útero. Inicialmente, o Sr. Johnston confirmou à Sra. Evans seu
compromisso de ter um filho com ela. Porém, dois anos mais tarde, a relação afetiva
terminou. Como resultado, o Sr. Johnston pediu ao hospital que destruísse os óvulos
fertilizados e congelados, colocando fim às esperanças da Sra. Evans de ter um filho
geneticamente seu. A Sra. Evans, então, solicitou um mandado judicial ao Alto Tribunal
exigindo que seu marido restabelecesse seu consentimento, argumentando que ele não
podia, de acordo com o direito inglês, modifica-lo validamente. Ademais, argumentou
que a legislação inglesa era incompatível com a Lei de Direitos Humanos de 1998. O Alto
Tribunal, a Corte de Apelação e o Pleno do Tribunal Europeu de Direitos Humanos
rejeitaram, todos eles, a solicitação da Sra. Evans (ZUCCA, 2011, p. 10).

Cuida-se, no exemplo acima, de verdadeiro dilema constitucional, pois o


interesse de cada pessoa é completamente irreconciliável entre si. De um lado, o direito
da mulher de ser mãe biológica; de outro, o direito do homem de não ser pai. Se se permite
à mulher usar os embriões, o homem será forçado a ser pai contra sua vontade; se se
permite ao homem a retratação ou revogação do consentimento, se negará à mulher a
oportunidade de ser mãe biológica. Deve o Tribunal negar a maternidade à Sra. Evans ou
deve forçar a paternidade do Sr. Johnston? Eis, aqui, um dilema constitucional, ou seja,
uma situação que não pode ser solucionada satisfatoriamente pela argumentação moral.

Diante de tal contexto, portanto, torna-se relevante desenvolver uma nova


concepção teórica ao lado dos “casos fáceis” e dos “casos difíceis”.

Nos denominados “casos fáceis” (easy cases), o intérprete funciona como mero
revelador da norma, sendo aplicada a técnica interpretativa de subsunção (fato e texto)
para a solução do caso. É o que Herbert Hart chama de “zona clara de aplicação do
direito”. Os casos que recaem na zona clara são aqueles em que as questões nominais
parecem não cobrar uma interpretação mais detalhada ou aprofundada. Na zona clara, há
uma aplicação mecânica da lei, sem uma maior especulação (SGARBI, 2006, p. 133).

Por sua vez, “casos difíceis” (hard cases), na linguagem comum, são aqueles
casos de difícil resolução ou compreensão. Porém, a partir da concepção teórica de
Dworkin, “caso difícil” é aquele em que, dadas as particularidades dos “fatos
apresentados em juízo e das disposições legislativas, não é trivial identificar a regra que
os solucione ou, mesmo, atestar que elas estejam disponíveis” (apud SGARBI, 2006, p.
155).

Em outras palavras, existe um “caso difícil” quando não for possível subsumir
claramente a questão fática apresentada a uma regra pré-estabelecida pelo órgão
competente (p.ex, Poder Legislativo).

Os hard cases, para Dworkin, também ocorrem nos enfrentamentos entre


argumentos de politica e argumentos de princípio. Aqueles justificam uma decisão
política, com vistas a proteger um objetivo coletivo da comunidade. Estes, por sua vez,
justificam uma decisão garantidora de um direito fundamental do indivíduo ou de
determinado grupo. Entre estes argumentos, o juiz deve decidir por base em princípios.
Ao legislador cabe a decisão com base em argumentos de política.

A colisão entre princípios ou direitos fundamentais também configuraria um


“caso difícil”, pois a solução seria encontrada não através da simples subsunção, mas da
aplicação da ponderação ou balanceamento entre valores e interesses em jogo. Somente
após definir o princípio de maior peso relativo diante das circunstâncias jurídicas e fáticas
e, por conseguinte, a regra a ser aplicada no caso concreto, o “caso difícil” poderia ser
solucionado (Alexy).

Além dessas breves considerações, faz-se mister tecer alguns comentários sobre
a ideia de “dilema constitucional”, a partir do escólio de Lorenzo Zucca.

O dilema constitucional envolve dois elementos: a) uma eleição entre dois bens
distintos e salvaguardados por direitos fundamentais; b) a perda fundamental de um bem
protegido por um direito fundamental, independentemente da decisão judicial a ser
tomada. O dilema representa, então, uma situação mais grave que o chamado “caso
difícil” (ZUCCA, 2011, p. 11).

Além do exemplo já citado de dilema constitucional, acrescenta-se o caso das


irmãs siamesas Jodie e Mary. A vida de Mary foi definida como parasitária da vida de
sua irmã. O direito à vida de Jodie competia contra o direito à vida de Mary. Uma devia
ser sacrificada para salvar a outra. Caso não se fizesse nada, ambas morreriam. O médico
sustentava que a única maneira de salvar Jodie era matando Mary. Contudo, seus pais
rejeitaram aceitar a morte de uma para salvar a outra, baseando-se em razões religiosas.
Então, o Tribunal concluiu que Mary devia ser sacrificada, com o escopo de salvar Jodie.

A maioria dos juízes insistia que não estavam avaliando a qualidade de vida das
crianças. Contudo, eles estavam, segundo Zucca (2011, p. 15), avaliando a qualidade de
vida de ambas, destacando a anormalidade e não-naturalidade da união das gêmeas.

Outro exemplo de dilema constitucional é a famosa “escolha de Sofia”. Sofia


tem dois filhos, que estão em um campo de concentração nazista. Um oficial pede a Sofia
que escolha um dos filhos para viver, pois o outro morrerá. Se ela não escolhe nenhum,
ambos morrerão. Neste caso, a definição de um dilema não pode ser mais claro, pois
implica a eleição entre dois bens incomensuráveis e, por outro lado, a eleição de
determinado bem implicará a perda fundamental do outro (ZUCCA, 2011, p. 15).

Não há uma argumentação razoável capaz de resolver tais dilemas, sendo a


decisão uma escolha puramente discricionária. Aqui, portanto, resta válida a lição de Hans
Kelsen, na festejada obra “Teoria Pura do Direito” (capítulo VIII), para quem a decisão é
um ato de vontade, uma escolha subjetiva do julgador. Não há uma solução racionalmente
controlável para esses casos. A maioria dos juízes afirmou que o pleito da Sra. Evans
merecia forte simpatia, embora tal circunstância não tenha sido suficiente para lograr
êxito no âmbito judicial.

Com efeito, apenas poucos casos são tidos como dilemas constitucionais. São
hipóteses de conflitos genuínos entre direitos fundamentais (dilemas) aqueles conflitos
totais intradireitos, isto é, quando existem pretensões simétricas que são mútua e
totalmente excludentes. Se se favorece uma das pretensões, elimina-se a outra
definitivamente. Um nítido exemplo, como já descrito, é o caso das gêmeas siamesas
Jodie e Mary, cujo conflito total intradireitos envolve o direito (antagônico) à vida de
duas pessoas.

A eleição trágica (dilema) entre direitos fundamentais, portanto, carece de


justificação moral válida.

De igual modo, a técnica ou procedimento da ponderação oferece um suspiro de


racionalidade ao intérprete apenas nos “casos difíceis”. Ela é inadequada para resolver os
dilemas constitucionais. Em relação aos direitos fundamentais, a ponderação é útil para
determinar o alcance e a força dos direitos em determinadas circunstâncias específicas.
Contudo, não ajuda na resolução de todos os casos, especialmente nos dilemas
constitucionais. Como ferramenta, ela tem um âmbito de aplicação limitado aos “casos
difíceis”.

Em suma, nos dilemas constitucionais há eleições trágicas a serem feitas pelo


intérprete/aplicador, sem qualquer critério mínimo de racionalidade jurídica.

Como dito anteriormente, o dilema constitucional abrange dois elementos


essenciais, segundo Zucca (2011, p. 11): uma escolha entre dois bens jurídicos distintos
e protegidos por direitos fundamentais e a perda completa do bem protegido por um dos
direitos fundamentais em tensão, independentemente da decisão judicial a ser proferida.

Para o autor (2011, 12), os direitos fundamentais expressam um pluralismo


valorativo fundacional. Em outras palavras, não há qualquer argumento convincente a
favor de uma tese que ordene esses direitos em termos de um único valor superior.
Ademais, diante dos dilemas constitucionais, nem o Parlamento nem a Corte
Constitucional estão em posições razoáveis para resolvê-los.

Segue afirmando o referido doutrinador (2011, p. 17) que o conflito entre direitos
fundamentais pode ser genuíno ou espúrio. A diferença entre ambos é que os conflitos
genuínos (dilemas) implicam inconsistências normativas.
Portanto, e em resumo, há de se ressaltar, uma vez mais, que os dilemas
constitucionais não permitem uma solução argumentativa forte e convincente a favor de
certo resultado.

2 Princípios do Direito Administrativo

2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana


Trata-se do princípio constitucional mais relevante em nosso ordenamento,
espraiando-se em todos os demais ramos do Direito. Logo, não poderia o Direito
Administrativo ficar alheio à normatividade e imperatividade do princípio da dignidade
da pessoa humana.

Desde a antiguidade clássica ocorriam lutas entre indivíduos, a fim de assegurar


o gozo de alguns direitos fundamentais básicos, entre eles a vida e a liberdade. A proteção
de tais direitos, no plano filosófico, remonta ao estoicismo (Grécia), com o nascimento
(ainda prematuro) da ideia de dignidade da pessoa humana. No plano religioso, remonta
ao judaísmo e ao cristianismo, com base na ideia de que o homem foi feito à imagem e
semelhança de Deus. Com isso, ao homem seria assegurado alguns direitos elementares,
decorrentes de “leis divinas, imutáveis e eternas”.

Posteriormente, no contexto renascentista, Giovanni Pico della Mirandola, ao


explicar a ideia de superioridade do homem em relação aos outros seres, afirmou que,
sendo criatura de Deus, ao indivíduo foi outorgada uma essência indefinida, para que
fosse o artífice da sua própria vida, dotado de capacidade de ser e obter aquilo que desejar
(SARLET, 2004, p. 30).

No século XVI, ou seja, no auge da expansão colonial espanhola, Francisco de


Vitória sustentou, relativamente ao processo de exploração e escravização, que os índios
do continente americano eram, por natureza, livres e iguais, devendo ser respeitados como
sujeitos de direito, pouco importando o fato de não serem cristãos (SARLET, 2004, p.
30).

A partir do pensamento filosófico de Immanuel Kant (1724-1804), a dignidade


passa a ser vista como qualidade inerente a todo ser humano. Ela transforma o homem
em um fim em si mesmo, e não em um meio para a consecução de projetos alheios (de
outros indivíduos ou do próprio Estado).

Kant, ao enunciar a fórmula da humanidade, assevera: “Aja de tal modo que


possa tratar a humanidade, seja em sua pessoa ou na pessoa de outro, sempre ao mesmo
tempo como um fim e nunca apenas como um meio”. Para o filósofo alemão, a capacidade
de adotar um fim – qualquer que seja ele – é o que caracteriza a humanidade. Portanto, é
a capacidade racional (e moral) do ser humano que o habilita a escolher seus fins. Tratar
uma pessoa meramente como um meio – e não como um fim – é igualá-la a uma coisa,
sem propósitos próprios ou com valor simplesmente instrumental (SMITH, 2009, p.
193/195).

Resumidamente, o princípio da dignidade da pessoa humana, na lição de Cármen


Lúcia Antunes Rocha (1999, p. 23), existe

(...) para o homem, para assegurar condições políticas, sociais,


econômicas e jurídicas que permitam que ele atinja os seus fins; que o
seu fim é o homem, como fim em si mesmo que é, quer dizer, como
sujeito de dignidade, de razão digna e supremamente posta acima de
todos os bens e coisas, inclusive do próprio Estado. (...) O Estado
somente é democrático, em sua concepção, constitucionalização e
atuação, quando respeita o princípio da dignidade da pessoa humana.

Em outras palavras, o Estado deve ser um instrumento de emancipação do


homem, atendendo os fins deste. O Estado, pois, existe em prol do indivíduo, e não o
indivíduo em favor do Poder Público. Tal consideração é importante para se verificar as
contemporâneas relativizações no que tange aos princípios da supremacia do interesse
público sobre o privado e a indisponibilidade do interesse público.

Na prática jurisprudencial, o uso arbitrário e inconsequente é proporcionado pelo


conteúdo vago, ambíguo, fluido, ambivalente e indeterminado do princípio da dignidade
humana, o que dificulta uma adequada justificação filosófica.

Por inexistir previsão expressa à dignidade da pessoa humana no texto


constitucional norte-americano e fiel à sua filosofia de interpretação, o Justice Antonin
Scalia, segundo Luís Roberto Barroso, também rejeita a legitimidade do uso da dignidade
humana como conceito jurídico, porque “ela não é mencionada no texto da Constituição
dos Estados Unidos”. Ademais, afirma Scalia que a dignidade possui conteúdo vazio,
sendo invariavelmente um apelo retórico para brandir uma “coleção de adjetivos que
simplesmente ornamentam um juízo de valor e camuflam um julgamento político”.10

Em que pese as premissas e dificuldades teóricas já expostas, seria lamentável,


como ensina Ronald Dworkin, “abandonar uma ideia relevante ou mesmo um nome
conhecido pelo risco de malversação”.11 Assim, deve-se encontrar uma adequada
justificação racional para a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana,
analisando, para tanto, alguns casos concretos decididos pelo Supremo Tribunal Federal.

Sem uma maior preocupação ou justificação teórica, é comum aplicar, no âmbito


jurisprudencial, o princípio da dignidade humana para as mais diversas e inusitadas

10
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a
construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p.
44/56.
11
DWORKIN, Ronald. Justice for Hedgehogs. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2011, p. 204.
situações, transformando-o em mero apelo emocional para conquistar o auditório. Como
já ressaltou o Ministro Dias Toffoli, há certo

(...) abuso retórico em sua invocação nas decisões pretorianas (...),


transformando a conspícua dignidade humana, (...) em verdadeira
panaceia de todos os males. Dito de outro modo, se para tudo se há de
fazer emprego desse princípio, em última análise, ele para nada servirá
(...). Creio que é necessário salvar a dignidade da pessoa humana de si
mesma (STF, RE n. 363.889/DF).

A corroborar a mencionada banalização, verifica-se que as mais altas instâncias


do Poder Judiciário do país já tiveram oportunidade de aplicar o princípio da dignidade
humana para fins de: a) inconstitucionalidade da transformação de taxistas autônomos em
permissionários (STF, RE 359.444); e, b) inconstitucionalidade da “briga de galo” (STF,
ADI n. 1856/RJ); c) incorporação de gratificação por cargo de confiança exercido por
vários anos (TST, RR n. 392441-61.1997.5.06.5555); d) condensação dos princípios da
hierarquia e disciplina militares (STM, Processo n. 2009.01.051387-6); e) resolução de
casos envolvendo adoção e disputa de guarda de menor (STJ, RESP 1.068.483/RO e CC
108.442/SC); e, f) impossibilidade de extinção, por acordo coletivo, de horário de pausa
para alimentação e descanso do trabalhador (TST, RR n. 452564-72.1998.5.03.5555).

O uso desmedido do princípio da dignidade humana o transforma em argumento


fácil e rápido para criticar situações e motivar decisões, o que pode resultar em aplicações
voluntaristas e decisionismos judiciais.

Conforme aduz Bruno Cunha Weyne,

(...) todas essas decisões seriam possíveis e mais bem fundamentadas


se não houvesse o apelo ao princípio da dignidade humana, mas sim a
outras normas mais adequadas à solução dos conflitos em questão. Ao
contrário do que se poderia pensar, o uso indiscriminado desse princípio
é problemático tanto para o seu próprio prestígio quanto para a práxis e
para o discurso jurídicos. Isso porque, de um lado, o recurso constante
e desnecessário ao princípio da dignidade humana leva à sua
banalização, à perda dos seus contornos e ao enfraquecimento da sua
força normativa; de outro, porque o caráter privilegiado que comumente
se lhe atribui acaba por imuniza-lo de uma análise mais profunda sobre
o seu conteúdo, sobre as suas implicações e, principalmente, sobre os
seus possíveis usos argumentativos, o que gera o aumento da
insegurança na práxis e no discurso jurídicos, bem como representa um
obstáculo ao reconhecimento e à proteção dos direitos humanos e
fundamentais, que seriam a expressão de tal princípio.12

12
WEYNE, Bruno Cunha. O princípio da dignidade humana: reflexões a partir da filosofia de Kant. São
Paulo: Saraiva, 2013, p. 117/118.
Destarte, para uma adequada justificação teórica a partir da prática judicial,
torna-se imperioso, inicialmente, que o intérprete/aplicador imponha ao princípio da
dignidade humana um necessário caráter subsidiário em relação aos demais direitos
fundamentais, sendo a ultima ratio do poder argumentativo e da persuasão.

A dignidade há de ser vista como princípio originário do qual nascem todos os


direitos humanos fundamentais (vida, liberdade, honra, propriedade, ambiente
ecologicamente equilibrado etc), estes, sim, de conteúdos menos imprecisos e
indeterminados, que servem para delimitar as pretensões de cada parte nas relações
jurídicas existentes no interior da sociedade.

Como já asseverou a Corte Constitucional da Alemanha, citado por Luís Roberto


Barroso, “a dignidade humana se situa no ápice do sistema constitucional, representando
um valor supremo, um bem absoluto, à luz do qual cada um dos outros dispositivos deve
ser interpretado”.13

Os direitos fundamentais em espécie, em outras palavras, são normas


subordinadas ao princípio da dignidade humana. Tomando por empréstimo as palavras
de Crisafulli, a dignidade os pressupõe, desenvolvendo e especificando ulteriormente o
preceito em direções mais particulares (menos gerais). Não se pode imaginar o direito à
vida ou à liberdade sem antes pressupor que o indivíduo possui certa dignidade inviolável.
Qualquer motivação para suprimir a vida de alguém, por exemplo, parte do pressuposto
de que a mesma não detém dignidade, sendo pura animalidade ou coisificação.

O Tribunal Constitucional alemão afirma que o princípio da dignidade humana


é o ponto de partida de outros direitos fundamentais, reforçando o vínculo com estes.14
Mas a Corte Constitucional germânica “maneja o art. 1º, I (...), sem invocar a dignidade
humana de modo inflacionário, evitando sua desvalorização. Ela não é utilizada em
argumentação de forma panfletária”, conforme ensina Peter Haberle.15

Essas breves considerações já são suficientes para justificar uma redução no uso
inflacionário do princípio da dignidade humana na prática judicial nacional. Porém, como
se não bastasse a “trivialização” do argumento atinente à dignidade na jurisprudência, é
possível encontrar essa mesma desvalorização em diversos documentos normativos, por
exemplo, a previsão da dignidade humana como: a) princípio da política agrícola e
fundiária na Constituição da Bahia; b) princípio da pesquisa tecnológica na Constituição
do Rio Grande do Sul; c) princípio do planejamento urbano na Constituição do Ceará; d)

13
BARROSO, Luís Roberto. Op. cit, p. 21.
14
MENDES, Gilmar Ferreira. Observatório da Jurisdição Constitucional. Brasília: IDP, Ano 6, vol. 2,
jul./dez. 2013.
15
HABERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. In: Dimensões da
Dignidade, ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. SARLET, Ingo Wolfgang (Org.).
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 57.
princípio para manutenção de casas-albergues para idosos, mendigos, crianças e
adolescentes abandonados na Constituição do Rio Grande do Sul16.

Para evitar a banalização de relevante princípio, o intérprete necessita de


delimitação conceitual para a adequada aplicação no caso concreto, para que com isso
possa controlar racionalmente suas decisões.

2.1.1 Definição conceitual do princípio da dignidade da pessoa


humana

A partir dos ensinamentos doutrinários de Luís Roberto Barroso, tem-se que a


dignidade humana pode ser explicada, atualmente, a partir de três componentes
fundamentais: a) valor intrínseco do ser humano; b) autonomia da vontade; e, c)
princípios restritivos da liberdade.17

2.1.1.1 Valor intrínseco do ser humano

O valor intrínseco do ser humano advém da sua racionalidade e sensibilidade.


As coisas inanimadas possuem valores extrínsecos, ou seja, têm valor apenas se - e à
medida que - os indivíduos as valorizem. Uma coisa só tem valor quando uma pessoa a
considera, por exemplo, bela ou útil (valor extrínseco). Contudo, uma pessoa tem valor
intrínseco devido à sua racionalidade e sensibilidade, independentemente de seu valor aos
outros. Enquanto as coisas possuem preço, os indivíduos possuem dignidade.18

A racionalidade a configurar a dignidade humana está intimamente relacionada


com a capacidade moral do indivíduo para adotar fins para si mesmo. Logo, todo ser
humano merece respeito, mesmo aqueles criminosos contumazes, vez que permanecem
seres morais com a capacidade de melhorar. Além da racionalidade, a sensibilidade e o
bem-estar são inerentes ao ser humano, o que faz com que o valor intrínseco da dignidade
também esteja presente em recém-nascidos e pessoas com deficiência mental.

16
MENDES, Gilmar Ferreira. Op. cit., p. 88.
17
Luís Roberto Barroso utiliza a ideia de “valor comunitário” no lugar de “princípios restritivos da
liberdade”. Contudo, entendo que os princípios restritivos da liberdade individual são os valores últimos
subjacentes à concepção de comunitarismo. Portanto, concorda-se parcialmente com a definição de
Barroso, buscando apenas, quanto ao terceiro elemento, trazer a lume quais os princípios limitadores da
autonomia da vontade individual e que, portanto, fazem cumprir o “valor comunitário”. Em outras palavras,
enquanto o “valor comunitário” pode ser chamado de “valores de primeira ordem”, os “princípios restritivos
da liberdade individual” podem ser denominados de “valores de segunda ordem”.
18
SMITH, Paul. Op.cit., p. 193.
Segundo Luís Roberto Barroso,

O valor intrínseco é, no plano filosófico, o elemento ontológico da


dignidade humana, ligado à natureza do ser. Corresponde ao conjunto
de características que são inerentes e comuns a todos os seres humanos,
e que lhes confere um status especial e superior no mundo, distinto do
de outras espécies. O valor intrínseco é oposto ao valor atribuído ou
instrumental, porque é um valor que é bom em si mesmo e que não tem
preço. A singularidade da natureza humana é uma combinação de
características e traços inerentes que incluem inteligência, sensibilidade
e a capacidade de se comunicar. Há uma consciência crescente, todavia,
de que a posição especial da condição humana não autoriza arrogância
e indiferença em relação à natureza em geral, incluindo os animais
irracionais, que possuem a sua própria espécie de dignidade. Do valor
intrínseco do ser humano decorre um postulado antiutilitarista e outro
antiautoritário. O primeiro se manifesta no imperativo categórico
kantiano do homem comum um fim em si mesmo, e não como um meio
para a realização de metas coletivas ou de projetos pessoais de outros;
o segundo, na ideia de que é o Estado que existe para o indivíduo, e não
o contrário. É por ter o valor intrínseco de cada pessoa como conteúdo
essencial que a dignidade humana é, em primeiro lugar, um valor
objetivo que não depende de qualquer evento ou experiência e que,
portanto, não pode ser concedido ou perdido, mesmo diante do
comportamento mais reprovável. Ela independe até mesmo da própria
razão, estando presente em bebês recém-nascidos e em pessoas senis ou
com qualquer grau de deficiência mental19.

Com fulcro no valor intrínseco do ser humano, a Corte Constitucional alemã


deixou registrado que a pena de morte é incompatível com a dignidade humana, pois tal
reprimenda nega “uma confissão (ou comprometimento) com o valor básico da vida
humana (...), a qual ninguém pode perder, nem mesmo por comportamento tido por
socialmente indigno”.20

Do mesmo modo, ante o valor inerente à vida, o BVerfG declarou ser a lei de
segurança aérea incompatível com a dignidade humana. A lei, ao autorizar que o Ministro
da Defesa ordenasse o abatimento de aeronaves sequestradas por terroristas dispostos a
utilizá-las contra algum alvo em terra, diminuía o valor das vidas dos passageiros
(inocentes) do avião. Suas vidas possuem, pois, valor intrínseco, não podendo ser

19
BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 76/77.
20
COSTA NETO, João. Dignidade humana: visão do Tribunal Constitucional Federal Alemão, do STF e
do Tribunal Europeu. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 104.
comparadas ou “ponderadas” (em quantidade) com outras vidas a serem salvas em terra,
sob pena de a vida se transformar em valor meramente utilitarista.21

2.1.1.2 Autonomia da vontade

A autonomia da vontade se manifesta com a possibilidade de autodeterminação


consciente e responsável da própria vida. Sob a vertente da autonomia, o princípio da
dignidade da pessoa humana confere ao ser humano o direito de ser o árbitro do seu
próprio destino, buscar a sua própria felicidade, tudo isso sem interferências alheias
injustificadas. O homem não se torna um projeto de outrem, mas de si mesmo.

É o elemento ético da dignidade humana e fundamento do livre arbítrio dos


indivíduos. A autonomia significa capacidade de alguém tomar decisões e de fazer
escolhas ao longo da vida, baseadas na sua própria concepção de vida boa.

Ninguém pode renunciar à sua liberdade de julgar e pensar o que bem desejar.
Cada um é senhor dos seus próprios pensamentos e escolhas. A autonomia, própria do
juízo moral, é obtida pelo sujeito na medida em que ele constrói respostas sobre o que
deve fazer.

A confirmar a autonomia kantiana, tomemos emprestadas as palavras de Jean


Paul Sartre, para quem o “homem está condenado a ser livre”. Para o existencialista
francês, toda pessoa é completamente livre para decidir o que quer ser e fazer. 22

Conforme ensina Sartre, somos radicalmente livres e nunca podemos fugir à


necessidade da escolha individual, razão pela qual temos que aceitar essa condição e fazer
nossas opções com máxima consciência.23

Sendo livres para agir por razões morais – e não apenas a partir de desejos
egoístas -, também somos responsáveis pelas nossas escolhas e ações. É com base na

21
Idem, p. 101.
22
Apud STEVENSON, Leslie; HABERMAN, David L. Dez teorias da natureza humana. São Paulo:
Martins Fontes, 2005, p. 6
23
Idem, p. 7
autonomia da vontade e, por conseguinte, na dignidade humana que se louva certos atos
e se recrimina outros, recompensando-os ou punindo-os.

O mal resulta de nossa própria opção, de nosso equivocado uso da liberdade de


que somos dotados. Todos os aspectos de nossa vida, segundo Sartre, são de algum modo
nossa escolha e, em última análise, de nossa responsabilidade. A liberdade e
responsabilidade do indivíduo abrange tudo o que pensa, sente e faz. 24

Cada momento da vida requer uma escolha do indivíduo, razão pela qual sempre
haverá uma “angústia” em tal escolha. A angústia não é o medo de algo externo, mas a
plena consciência que a escolha a ser tomada enseja a abdicação de outras escolhas ou
opções.25

Em sua palestra “O existencialismo é um humanismo”, Sartre exemplificou a


angústia de uma escolha no caso de um jovem francês na época da ocupação nazista.
Tinha ele diante de si a escolha entre juntar-se às forças francesas na Inglaterra ou ficar
em casa com a mãe, que vivia só para ele. Consultado pelo jovem, Sartre só foi capaz de
dizer que ele era livre, “logo, faça uma opção!”.

A autonomia da vontade individual retrata, pois, a necessidade de a ação do


sujeito não ser “heterodeterminada”. A autonomia reforça o conteúdo antipaternalista da
dignidade humana, ou seja, a impossibilidade de usurpação do processo de tomada de
decisão pelo indivíduo consciente e racional.26

O BVerG, fundamentado na autonomia da vontade, decidiu que o transexual


pode alterar seus registros pessoais, após realização de cirurgia de mudança de sexo. A
esfera privada e as preferências sexuais e de gênero devem ser administradas
individualmente pelos próprios sujeitos interessados. A autodeterminação sexual do
indivíduo afasta qualquer possibilidade de ingerência paternalista do Estado ou de outras
pessoas.27

24
Idem, p. 178.
25
Idem, p. 255.
26
COSTA NETO, João. Op. cit, p. 35.
27
Idem, p. 106.
2.1.1.3 Princípios restritivos da liberdade

Luís Roberto Barroso denomina de “valor comunitário” o terceiro elemento


subjacente ao conceito de dignidade da pessoa humana. Ele ensina que o valor
comunitário deve ser entendido como dignidade enquanto restrição ou dignidade como
heteronomia. Afirma o jurista fluminense que:

Os contornos da dignidade humana são moldados pelas relações do


indivíduo com os outros, assim como com o mundo ao seu redor. A
autonomia protege a pessoa de se tornar apenas mais uma engrenagem
do maquinário social. Contudo, como na famosa passagem de John
Donne, “nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma”. A
expressão “valor comunitário”, que é bastante ambígua, é usada aqui,
por convenção, para identificar duas diferentes forças exógenas que
agem sobre o indivíduo: 1. Os compromissos, valores e “crenças
compartilhadas” de um grupo social, e 2. As normas impostas pelo
Estado. O indivíduo, portanto, vive dentro de si mesmo, de uma
comunidade e de um Estado. Sua autonomia pessoal é restringida por
valores, costumes e direitos de outras pessoas tão livres e iguais quanto
ele, assim como pela regulação estatal coercitiva (...). A dignidade
como valor comunitário enfatiza, portanto, o papel do Estado e da
comunidade no estabelecimento de metas coletivas e de restrições sobre
direitos e liberdades individuais em nome de certa concepção de vida
boa.28

De fato, cabe ao intérprete tolher interpretações excessivamente egoístas e


individualistas da dignidade humana. A dignidade, independente da identidade social,
pode ensejar certa alienação do indivíduo, pois este é, antes de tudo, um ser gregário por
excelência, ou seja, vive em comunidade (e não isoladamente), dividindo
responsabilidades e benefícios com seus pares. E essa comunidade se mantém por
diversas razões: parentesco, vínculo de sangue, consciência de solidariedade etc.
Luís Roberto Cardoso de Oliveira, citado por Julia Maurmann Ximenes, conclui
que há necessidade de se

discutir a dimensão substantiva da solidariedade, indissociável da


esfera do vivido ou das representações culturais que lhe dão sentido, e
constitutiva da identidade de qualquer pessoa ou cidadão. Ademais, é
preciso reconhecer a dignidade do cidadão enquanto membro de uma

28
BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 87/88.
comunidade, onde a identidade dos cidadãos tenha um mínimo de
substância que lhes garanta um tratamento que não seja estritamente
formal e coisificador.29

Assim, a dignidade humana não representa apenas a autonomia individual contra


eventuais arbitrariedades (estatais ou particulares), mas também a autodeterminação de
uma comunidade com valores em comum.

Nessa linha, como lembrado por Julia Maurmann Ximenes,

o próprio significado de Constituição reflete um projeto comum, um


sentimento compartilhado, uma identidade e uma história comuns de
determinada sociedade. Os direitos fundamentais compreendidos como
liberdades positivas demandam, em essência, uma cidadania ativa,
participativa no processo de deliberação pública.30

Em suma, sendo um ser social, o homem, para atingir a felicidade, deve procurar
não apenas o seu próprio bem, mas também a do grupo social a que pertence. Em verdade,
o homem não é um indivíduo em si, isto é, ninguém possui uma personalidade autônoma,
mas uma personalidade proveniente de experiências familiares, coletivas etc. Nem
mesmo o nome pelo qual o indivíduo é identificado (símbolo máximo de
individualização) tem plena autonomia, sendo composto pelos sobrenomes dos seus pais.

Sobre a falsa ideia de uma absoluta autonomia individual, o sociólogo Gláucio


Ary Dillon Soares afirma, numa adequada síntese, que

(...) desde cedo, sem que tenhamos consciência disso, somos colocados
em trilhos invisíveis que podem durar a vida inteira. Uns estão
condenados a uma vida difícil e outros a uma confortável. O que somos
e o que não podemos ser já foi decidido, mas não por nós. Herdamos
muitos limites e oportunidades. Temos alguma escolha, mas não

29
XIMENES, Julia Maurmann. O Supremo Tribunal Federal e a Cidadania à Luz da Influência
Comunitarista. Revista Direito GV. Jan/Jun 2010. São Paulo. 6 (1), p. 119/142.
30
Idem Ibidem.
podemos escolher qualquer caminho. Escolhemos dentro de limites que
não escolhemos (...).31

Para dirimir eventuais dúvidas sobre a natureza social e comunitária do ser


humano, a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha (1949), em sua parte
introdutória, afirma que a Constituição é um ordenamento de valores na defesa da
dignidade humana, sendo sua concepção de homem, contudo, não a do indivíduo
autocrático, mas a da personalidade integrada na comunidade e a esta vinculada de
múltiplas formas.

Assim, a autonomia da vontade individual não pode ser absoluta. Deve ser
compreendida dentro de um espaço comunitário, de valores mínimos compartilhados. Em
que pese a definição de “valor comunitário” proposta por Luís Roberto Barroso, tem-se
que o conceito é teoricamente insuficiente. Diz ele que os contornos da dignidade são
moldados pelas relações dos indivíduos com os outros, assim como com o mundo ao seu
redor. Mas quais são os valores ou princípios comunitários a justificar uma limitação da
autonomia individual? Como são moldadas ou a partir de que princípios são moldados os
comportamentos dos indivíduos para com os outros? Barroso traz à tona, corretamente,
porém sem maiores aprofundamentos, os princípios do dano (John Stuart Mill) e da
ofensa (Feinberg). Em verdade, deve-se indagar, em última análise, quais são os
princípios restritivos da liberdade individual e condizentes com uma convivência
harmônica em sociedade? É o que a seguir procurar-se-á demonstrar, aprofundando a
descrição teórica dos princípios do dano e da ofensa, além de acrescentar outros à
temática.

2.1.1.5 Princípio do dano ao outro

O princípio do dano ao outro, segundo Joel Feinberg, consiste em evitar prejuízo


aos direitos de outrem ou, então, punir o sujeito causador do dano. Deve-se punir em
razão do dano causado ou prevenir a exposição dos outros a algum dano. A lei visa a
coibir e evitar danos (graves) aos outros, como, por exemplo, homicídio, estupro, lesão

31
SOARES, Gláucio Ary D. Os trilhos da vida. Correio Braziliense. Caderno Opinião. dez./2012. p. 23.
corporal, furto, roubo, calúnia etc. Ao contrário do que pensava John Stuart Mill, o
princípio do dano ao outro não é o único propósito para o qual o poder pode ser exercido
adequadamente sobre a vontade do indivíduo. Evitar o dano ao outro ou punir o sujeito
que o pratica é o primeiro, mas não o único, propósito da lei.32

E nem todos os danos ao outro são ilegais. Portanto, não merecem ser proibidos
ou reparados. Sendo os danos legais ou moralmente justificados, não há de falar em
princípio restritivo da liberdade (p.ex, legítima defesa, lesão corporal decorrente de
consentimento voluntário em hipótese de cirurgia etc).

2.1.1.4 Princípio do dano (involuntário) a si mesmo

Assevera Luís Roberto Barroso que

O dano a si mesmo pode também constituir uma base aceitável para a


limitação da autonomia pessoal, como anteriormente mencionado, mas
nesse caso o ônus de comprovar a sua legitimidade vai usualmente
recair sobre o Estado, uma vez que o paternalismo deve normalmente
levantar suspeitas.33

De fato, o paternalismo jurídico trata o indivíduo adulto como um ser


racionalmente incapaz. Ofende, pois, a sua autonomia e autodeterminação para guiar o
seu projeto de vida conforme a sua própria concepção de bem ou de “vida boa”.
Enquadram-se, segundo alguns autores, como leis paternalistas aquelas que obrigam o
uso de cinto de segurança e capacete; que vedam o uso de certas drogas; que proíbem a
eutanásia voluntária, a prostituição e os jogos de azar.34 John Stuart Mill, citado por Paul
Smith, já dizia que “sobre si, seu corpo e mente, o indivíduo é soberano”.35
Como a própria nomenclatura já dispõe, o paternalismo se justifica para a
proteção de crianças, ou seja, sujeitos de direito com discernimento e autodeterminação
incompletos. Da mesma forma, protege adultos com doenças graves ou incapazes, pois
estes não possuem capacidade de julgar, com plena consciência, seus interesses em jogo.
Porém, como justificar o paternalismo jurídico em face do adulto capaz, que deseja correr
riscos voluntariamente e, consequentemente, provocar danos a si mesmo.

32
SMITH, Paul. Op. cit., p. 92.
33
BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 96/97.
34
SMITH, Paul. Op. cit., p. 96/97.
35
Idem, p. 98.
Com efeito, deve-se distinguir o paternalismo ”forte” do “fraco”. Aquele é o
paternalismo propriamente dito, onde se busca a prevenção do dano voluntário a si. Já o
“paternalismo fraco” é a prevenção do dano involuntário a si. Este, em verdade, não é um
paternalismo, esclarece Feinberg, porque não impede alguém de fazer o que quiser; ao
contrário, impede-o de fazer o que não quer e por isso não viola sua autonomia da
vontade.36
Para o paternalismo fraco ou “não-paternalismo”, segundo Feinberg, o Estado
“tem o direito de impedir a conduta prejudicial a si apenas quando ela for involuntária,
ou quando for necessária uma intervenção temporária para estabelecer se ela é voluntária
ou não”, ou quando se presume que ela não seja voluntária.37
Assim sendo, o adulto pode escolher soberanamente uma vida não saudável,
como, por exemplo, o consumo diário e excessivo de cigarros. A decisão voluntária do
sujeito, porém, exige que ele, para decidir conscientemente, seja corretamente informado
dos males da intoxicação. Logo, a venda e compra de cigarros para adultos é permitido,
desde que veiculadas as devidas advertências. Os adultos capazes, portanto, devem ser
alertados dos malefícios do cigarro, mas não impedidos de enfrenta-los.
O “paternalismo fraco” não propõe a vedação e punição do dano involuntário a
si. Na verdade, ao impedir um dano ou perigo involuntário, trata-se de um princípio
protetor da liberdade.
E quando o adulto capaz, bem informado e de maneira voluntária consente em
ser escravizado, ferido ou morto? A lei deve proibir o dano voluntário a si?
Tomando por empréstimo os ensinamentos de Feinberg, Paul Smith esclarece
que

O direito dos adultos à soberania pessoal implica o direito a perder


voluntariamente a vida, os membros ou a liberdade. Tratando-se de um
adulto capaz, informado e não obrigado a consentir, não há mal nisso.
Portanto, em princípio, deve-se permitir que adultos consintam com a
própria morte, mutilação ou escravidão. Porém, a proporção de
voluntariedade necessária para a aceitabilidade varia de acordo com a
gravidade do dano, sua probabilidade e irrevogabilidade. A escravidão,
a mutilação e a morte são gravemente prejudiciais e irrevogáveis.
Então, o padrão de voluntariedade exigido deve ser bem alto. A
aparente voluntariedade da morte, da mutilação ou da escravidão não
seria certa o suficiente, de modo que é mais seguro presumir que sejam
involuntárias para evitar o risco da escravidão, mutilação ou morte. Em

36
Idem, p. 100.
37
Idem ibidem.
particular, o desejo de ser morto (...) sugere uma racionalidade fraca e,
portanto, uma voluntariedade insuficiente para a permissão.38

Portanto, nessas hipóteses, pode-se presumir a natureza presumidamente


involuntária do consentimento, tendo em vista a gravidade e irrevogabilidade do dano.

2.1.1.6 Princípio da ofensa

O princípio da ofensa, para Feinberg, busca ser um meio eficaz de evitar ofensas
graves. A conduta não é moralmente errada em si, mas eventual imposição de uma
experiência sobre vítimas a contragosto é errado e deve ser vedada. São exemplos:
atividade sexual, defecação ou nudez em público; demonstração pública de pornografia;
demonstração pública de insígnias nazistas ou racistas; profanação pública de um símbolo
religioso. Há, nessa hipótese, uma tênue linha a separar a liberdade e a prevenção da
ofensa.

A liberdade, especificamente a de expressão, deve ser sopesada com tais ofensas,


a saber: se a nudez em público for praticada em um espetáculo teatral? E do mesmo modo
a demonstração pública de pornografia e a demonstração de insígnias nazistas?

Segundo Feinberg, citado por Paul Smith, na aplicação do princípio da ofensa,


os legisladores e juízes devem pesar a gravidade da ofensa contra a sua aceitabilidade.
Determina-se a gravidade por quatro fatores:

Primeiro, a intensidade e a duração: ofensas intensas e prolongadas são


melhores candidatas à proibição do que as triviais ou passageiras.
Segundo, a gravidade da ofensa depende de sua capacidade de difusão
(...). A ofensa não precisa ser tão difundida a ponto de ser universal em
uma sociedade, como acreditava Feinberg. O padrão da universalidade
não protegeria certos grupos raciais, étnicos ou religiosos de insultos
ofensivos. Terceiro, a gravidade de uma conduta ou material ofensivo
depende do quanto são evitáveis. A conduta ou exibição de material
ofensivo em lugares públicos não é facilmente evitável, então pode ser
proibida nesses lugares e restrita a lugares privados ou determinados.
Aqueles que se ofenderiam com nudez, sexo, prostituição ou
pornografia podem então evitar facilmente esses lugares. As pessoas
que se ofenderiam por isso podem evitar facilmente certos livros,

38
Idem, p. 102/103.
revistas, filmes, programas e sites, cujo potencial de ofensa (por
conterem nudez ou sexo, ou por questionarem, desafiarem ou
escarnecerem de crenças religiosas) não seria então um bom motivo
para a censura. Quarto, caso alguém se exponha à ofensa
voluntariamente (defensores da censura às vezes veem deliberadamente
o material que os ofende), então isso não é uma ofensa injusta, pois o
ofendido consentiu com ela.39

Como dito, o princípio limitador da ofensa, não raras vezes, entra em tensão com
a liberdade (de expressão), fruto da autonomia da vontade. Sendo essencial para a
democracia e para a própria dignidade humana, deve ser dada uma presunção de
prioridade axiológica à autonomia (liberdade). Nesse aspecto, a jurisprudência da
Suprema Corte norte-americana é rica e esclarecedora, já que a liberdade de expressão
consiste justamente na liberdade para ideias que odiamos – e não somente para ideias em
relação às quais concordamos.

A liberdade de expressão, assim como a de imprensa, é essencial ao sucesso de


uma democracia plural. O juiz federal de primeira instância de Nova York Learned Hand
chegou a afirmar que o compromisso constitucional dos Estados Unidos da América
dependia da “livre expressão da opinião como fonte suprema de autoridade”.40

No caso Whitney vs California (1927), o Justice Brandeis redigiu um voto,


acompanhado pelo Justice Holmes, que alguns consideram a melhor manifestação
judicial da causa da liberdade de expressão. Ele dizia, basicamente, que:

Aqueles que conquistaram nossa independência (...) acreditavam que a


liberdade era o segredo da felicidade e que a coragem era o segredo da
liberdade. Acreditavam que as liberdades de pensar como se quiser e de
falar o que se pensa são meios indispensáveis para a descoberta e a
disseminação da verdade política; que sem as liberdades de expressão
e de reunião a discussão seria fútil; que com elas a discussão geralmente
fornece proteção adequada contra a disseminação de doutrinas
perniciosas; que a maior ameaça à liberdade é um povo inerte; que a
discussão pública é um dever político; e que esse deve ser um princípio
fundamental do governo americano. Eles reconheciam os riscos a que
todas as instituições humanas estão sujeitas. Mas sabiam que a ordem

39
Idem, p. 95/96.
40
Apud LEWIS, Anthony. Liberdade para as ideias que odiamos: uma biografia da primeira emenda à
Constituição Americana. Trad. Rosana Nucci. São Paulo: Aracati, 2011, p. 47.
não pode ser garantida meramente pelo medo da punição por infringi-
la; que é arriscado desencorajar o pensamento, a esperança e a
imaginação; que o medo gera a repressão; que a repressão gera o ódio;
que o ódio ameaça a estabilidade do governo (...) Acreditando no poder
da razão aplicado por meio da discussão pública, eles evitaram o
silêncio coagido por lei – o argumento da força em sua pior forma.
Reconhecendo as tiranias ocasionais das maiorias governantes, eles
emendaram a Constituição para que as liberdades de expressão e de
reunião fossem garantidas.

O simples medo de danos sérios não pode justificar a repressão da


liberdade de expressão e de reunião. Muitos temiam bruxas e
queimaram mulheres (...). 41

Em conformidade com as terminologias empregadas no presente artigo, interpreta-se a


expressão “simples medo de danos sérios”, ao final da transcrição acima, como sendo “simples
medo de ofensas sérias”.

2.1.1.7 Bens públicos e “Justiça Social”

Outra forma de restringir a liberdade individual é a coerção do Estado quando


da prática da tributação, visando a suprir atividades públicas, total ou parcialmente. São
exemplos atividades públicas concernentes ao Estado: exército nacional, poder de polícia,
tribunais, prisões etc. As atividades públicas beneficiam todos. Mas a única maneira de
se obter esse fornecimento do Estado é permitir a contribuição compulsória através dos
tributos daqueles membros da comunidade mais abastados. Como ensina Paul Smith,

A obrigatoriedade possibilita ao público conseguir o bem público que


quiser, mas que não possa obter por outros meios. O suprimento estatal
de bens públicos, ao mesmo tempo em que limita a liberdade dos
contribuintes de gastar seu dinheiro como quiserem, aumenta a
liberdade dos cidadãos de terem esses bens.42

41
Idem, p. 52/53.
42
Idem, p. 109.
Em que pese as dificuldades teóricas de definição da ideia de justiça social,
tomar-se-á como parâmetro a sistemática e influente concepção delineada por John
Rawls.
Partindo de um “consenso sobreposto”, Rawls defende que a comunidade deve
buscar melhorar a vida de grupos menos favorecidos, o que justifica a imposição de leis
sobre salários mínimos, higiene, saúde e segurança no trabalho. A justiça social, aqui,
justificaria a restrição à liberdade de contrato entre empregador e empregado. Deve
existir, de igual modo, uma igualdade política entre os cidadãos, sendo que os ricos não
podem comprar influência política.

3 Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado

O Direito Administrativo brasileiro tem a sua configuração tradicional moldada


a partir da interpretação e aplicação dos princípios basilares da supremacia do interesse
público sobre o privado e indisponibilidade do interesse público pela Administração.

Segundo Bandeira de Mello (2008, p. 69), o princípio da supremacia do interesse


público sobre o privado “proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando
a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e
asseguramento deste último”. Consiste, na lição de Alexandre de Moraes (2006, p. 828),
“no direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum”.

Esse princípio, não expresso na Constituição, mas implícito, determina alguns


privilégios jurídicos em favor do Poder Público. Em razão da supremacia do interesse
público, a Administração detém prerrogativas e direitos não extensíveis aos particulares
(ex: requisição de propriedade privada, desapropriação, tombamento, limitação
administrativa). Em relação aos atos administrativos, é possível verificar essa supremacia
por força de seus atributos (presunção de legitimidade, autoexecutoriedade e
imperatividade).

Contudo, o referido princípio é fortemente impugnado pela moderna doutrina


(ÁVILA, 1999, p. 116-117; BINENBOJM, 2006, p. 140), por ausência de respaldo
constitucional e por considerá-lo um “vazio conceitual” (BAPTISTA, 2003, p. 191).

Diz Binenbojm (2006, p. 83):

É fácil constatar por que a idéia de uma prioridade absoluta do coletivo sobre o
individual (ou do público sobre o privado) é incompatível com o Estado
democrático de direito. Tributária do segundo imperativo categórico kantiano,
que considera cada pessoa como um fim em si mesmo, a noção de dignidade
humana não se compadece com a instrumentalização das individualidades em
proveito de um suposto `organismo superior´. Como instrumento da proteção e
promoção dos direitos do homem, o Estado é que deve ser sempre o instrumento
da emancipação moral e material dos indivíduos, condição de sua autonomia nas
esferas pública e privada.

Além disso, é controversa na moderna doutrina o próprio conceito de interesse


público, que pode ser identificado, no caso concreto, e a partir da técnica da ponderação,
com um interesse privado de natureza fundamental.

Tradicionalmente, o interesse público é dividido em: a) interesse primário e b)


secundário, conforme clássica lição do jurista italiano Renato Alessi. Interesse público
primário é aquele relativo à toda sociedade, legitimamente representada pelo Estado. Já
o interesse público secundário é aquele relativo apenas ao interesse do Estado enquanto
ente personalizado.

Tal entendimento é corroborado pelo Superior Tribunal de Justiça (RESP


786.328/RS), que afirma

consectariamente, a rubrica receita da União caracteriza-se como interesse


secundário da Administração, o qual não gravita na órbita dos interesses públicos
(interesse primário da Administração), e, por isso, não guarnecido pela via da
ação civil pública (...). Um segundo limite é o que se estabelece a partir da
distinção entre interesse social (ou interesse público) e interesse da
Administração Pública. Embora a atividade administrativa tenha como objetivo
próprio o de concretizar o interesse público, é certo que não se pode confundir
tal interesse com o de eventuais interesses próprios da entidades públicas (RESP
786.328/RS).

4 Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público

Conforme lição de Rafaella Ferraz (2008, p. 26-27), o princípio da indisponibilidade


do interesse público, segundo a tradicional doutrina, “consiste na impossibilidade de a
Administração Pública livremente dispor do interesse geral ou renunciar a poderes que a
lei lhe outorga. Somente o Estado, verdadeiro titular do interesse público (bem comum)
poderá, por meio de lei, autorizar a disponibilidade ou a renúncia ao interesse público”.
Podemos citar, como exemplo, o irrenunciabilidade ao dever de apurar o cometimento de
infração disciplinar, de zelar pelo patrimônio público etc.

Em suma, os bens e direitos (do povo) são confiados ao administrador público para,
como o próprio nome já diz, “administrar”, “gerenciar”, nunca para dispor. Exerce uma
atividade no interesse de outrem. Logo, não há liberdade para o administrador. Este tem
unicamente o dever de guarda, conservação e aprimoramento, pois a atividade
administrativa é um munus publico, um encargo.

5 Princípios explícitos na Constituição Federal (art. 37, caput, da


CF/88)

5.1 Princípio da Legalidade


Para Hely Lopes Meirelles (2005, p. 87), a legalidade, como princípio da
administração,

significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional,


sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se
pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a
responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso (...). Na
Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na
administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração
Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.

Trata-se de princípio imprescindível para a existência de um Estado Democrático


de Direito. Assim, ao contrário da legalidade particular (art. 5º, II, da CF/88), onde se
pode fazer tudo que a lei não proíbe (critério da não-contradição da lei, de modo a
privilegiar a autonomia da vontade), a legalidade administrativa (art. 37, caput, da CF/88)
é aquele na qual o agente público somente pode fazer o que a lei autoriza ou determina
(critério da subordinação à lei). O administrador deve buscar, sempre, a finalidade
imposta pela lei. O art. 84, IV, da CF/88 deixa evidenciado que o ato administrativo é
subordinado à lei e objetiva permitir sua fiel execução.

O saudoso jurista Seabra Fagundes já dizia: “Administrar é aplicar a lei de ofício”.

Assim sendo, a validade e eficácia do ato administrativo ficam condicionados à


observância da norma legal. Está o administrador sujeito aos mandamentos legais,
buscando sempre, em última análise, o interesse público.

Isso não significa, contudo, que a conduta do agente público tem que estar expressa
e detalhadamente prevista em lei. A conduta deve estar amparada em lei. É o que
acontece, por exemplo, com os atos discricionários, nos quais o administrador realiza um
juízo de conveniência e oportunidade na decisão a ser tomada. Por ser materialmente
impossível prever todos os casos, além do caráter geral e abstrato da própria lei, ainda
subsistirão inúmeras situações em que a Administração terá de se valer da
discricionariedade para atender à finalidade pública.

Ademais, ensina Alejandro Nieto (1994, p. 293) que “não vulnera a legalidade, o
emprego de fórmulas amplas, sempre que sua concretização seja razoavelmente factível
em virtude de critérios lógicos, técnicos ou de experiência que permitam prever, com
suficiente segurança, a conduta visada”

Todavia, atuando em desacordo com as balizas deste princípio, o agente pode


praticar ato ilegal, sujeitando-se às responsabilidades disciplinar, civil e criminal,
cumulativamente ou não.

Não podemos confundir, ainda, princípio da legalidade com o da reserva de lei. Este
último impõe que determinado assunto somente poderá ser tratado por meio de uma certa
espécie legislativa. Por exemplo, a relação de emprego protegida contra despedida
arbitrária ou sem justa causa é matéria reserva à lei complementar.

Além do mais o princípio da legalidade não se aplica somente à atividade da


Administração Pública, mas também à atividade do Legislativo e do Judiciário.

O princípio da legalidade, ainda, deve ser visto, atualmente, em seu sentido amplo,
a partir da fase pós-positivista em que vivemos. O ato administrativo não deve apenas
obediência à lei, mas antes e sobretudo ao texto da Constituição. Assim, perfeitamente
possível a análise de compatibilidade do ato administrativo com princípios tais como
razoabilidade, proporcionalidade, eficiência etc.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 105), há 03 (três) exceções


constitucionais ao princípio da legalidade: a) medidas provisórias; b) estado de defesa; c)
estado de sítio.

Como bem define Fernanda Marinela (2017, p. 75):

As medidas provisórias são medidas completamente diferentes das leis, pois


representam uma forma excepcional de regular certos direitos, forma essa
atribuída ao Presidente da República e prevista expressamente no texto
constitucional em seu art. 62 (esse dispositivo foi objeto de Emenda
Constitucional – EC n. 31, de 11.09.2001). A sua edição depende dos
pressupostos de relevância e urgência, diferentemente da lei, que só está
condicionada à relevância da matéria. Essas medidas têm prazo de vigência
definido na Constituição, 120 dias, distanciando-se da lei, que, mesmo sendo de
modalidade temporária, tem no seu próprio corpo a definição do prazo.
As medidas provisórias são normas precárias, porque podem ser desfeitas pelo
Congresso Nacional dentro do prazo para apreciá-las. Assim, se ela não for
confirmada, perde a sua eficácia desde sua edição, retirada, portanto, com efeitos
ex tunc.
Em situação oposta, tem-se a lei que, para a persistência, só depende do mesmo
órgão e, se revogada, perde a eficácia dali para frente, com efeitos ex nunc.
Portanto, as medidas provisórias não são leis, apesar de terem força de lei;
exercem o papel de uma lei, mas têm características, pressupostos e efeitos
completamente diferentes. Seria um erro gravíssimo analisa-la como se fossem
leis expedidas pelo Executivo, representando, assim, uma restrição temporal à
aplicação da lei.

O estado de defesa autoriza que o Presidente da República, uma vez decretada a


referida situação de emergência, adote medidas destinadas a preservar ou restabelecer,
em locais determinados, a ordem pública ou a paz social, ameaçadas por grave e iminente
instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções. As
medidas a serem adotadas podem restringir direitos constitucionais como o sigilo de
correspondência, de comunicações telegráficas e telefônicas, direito de reunião etc.

Por derradeiro, o estado de sítio, que também significa uma tentativa constitucional
de combater ameaças urgentes às instituições democráticas e ao próprio Estado, permite
a instauração de uma legalidade extraordinária, por determinado tempo e de âmbito
nacional, objetivando preservar ou restaurar a normalidade constitucional, perturbada por
uma agressão armada estrangeira, declaração de guerra, ineficácia do estado de defesa
etc.

Por exemplo, na hipótese de agressão armada estrangeira, todas as garantias


previstas na Constituição podem ser restringidas, desde que as restrições, dentre outros
requisitos, estejam previstas expressamente no Decreto Presidencial.

Em qualquer hipótese, tais situações de emergência constitucional estão sujeitas ao


crivo do Poder Judiciário.

5.2 Princípio da Impessoalidade

Para Hely Lopes Meirelles (1995, p. 82), “o princípio da impessoalidade, referido


na Constituição de 1988 (art. 37, caput), nada mais é que o clássico princípio da
finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim
legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de direito indica expressa ou
virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal”. Todo ato que se afastar da
finalidade pública ficará sujeito à invalidação por desvio de finalidade, nos termos do art.
2º, parágrafo único, e, da Lei 4.717/65.

Na Lei 9.784/99, que rege os processos administrativos, o princípio da finalidade


deve ser levado em conta como critério de interpretação da norma administrativa da forma
que melhor garanta a observância do fim público a que se dirige.

Por outro lado, afirma Bandeira de Mello (2008, p. 114) que o princípio da
impessoalidade “se traduz na ideia de que a Administração tem que tratar a todos os
administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem
perseguições são toleráveis”. A impessoalidade, portanto, para o citado autor,
configuraria o próprio princípio da isonomia ou igualdade.

A impessoalidade, destarte, também nos traz a ideia de que o ato administrativo não
é realizado pelo agente público enquanto pessoa natural, mas pelo órgão ou entidade
pública em nome da qual atuou. A pessoa natural apenas exterioriza a manifestação de
vontade do Estado.

De igual modo, é vedada a promoção pessoal de agentes públicos com obras, atos,
programas, serviços e campanhas públicas. Nos termos do art. 37, §1º, da CF/88, como
regra decorrente do próprio princípio da impessoalidade, o dever de publicidade dos atos
e programas dos órgãos públicos deve ocorrer de maneira desvinculada da pessoas dos
gestores públicos, impedindo, pois, que constem nomes, símbolos ou imagens que
representem promoção pessoal de qualquer autoridade público, tendo como objeto o
caráter educativo e de orientação social.
Nesse sentido, já asseverou o STF que:

O caput e o §1º do art. 37 da Constituição Federal impedem que haja qualquer


tipo de identificação entre a publicidade e os titulares dos cargos alcançando os
partidos políticos a que pertençam. O rigor do dispositivo constitucional que
assegura o princípio da impessoalidade vincula a publicidade ao caráter
educativo, informativo ou de orientação social é incompatível com a menção de
normas, símbolos ou imagens, aí incluídos slogans, que caracterizem promoção
pessoal ou de servidores públicos. A possibilidade de vinculação do conteúdo da
divulgação com o partido político a que pertença o titular do cargo público
mancha o princípio da impessoalidade e desnatura o caráter educativo,
informativo ou de orientação que constam do comando posto pelo constituinte
dos oitenta
(RE 191.668/RS. STF. 1ª Turma, Rel. Min. Menezes de Direito, julgamento
15.04.2008).

5.3 Princípio da Moralidade

Para Alexandre de Moraes (2006, p. 818),

pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o


estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua função
pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a
moralidade constitui, a partir da Constituição de 1998, pressuposto de validade
de todo ato da administração pública.

E, para Di Pietro (1991, p. 111),

não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a


imoralidade (...); o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo, contraria a ética da
instituição, afronta a norma de conduta aceita como legítima pela coletividade
administrada. Na aferição da imoralidade administrativa, é essencial o princípio
da razoabilidade.

O STF (RE 160.381/SP) já teve a oportunidade de dizer que “o agente público não
só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a
mulher de César”. E a respeito de concurso público, asseverou o STJ (RSTJ 121/01) que
“publicado o edital, lei do concurso, e identificadas as provas, a alteração da média, ainda
que para diminuir a exigência mínima, fere os princípios da moralidade e da
impessoalidade que devem presidir a edição dos atos administrativos”.

A moralidade, embora seja um conceito vago e indeterminado, está relacionada com


a obediência aos preceitos éticos, à honestidade e à boa atitude. Diz a Lei 9.784/99 que a
moralidade (administrativa) significa a atuação segundo padrões éticos de probidade,
decoro e boa-fé.

Convém ressaltar que, sendo imoral, o ato é, desde logo e de per si, ilegítimo, pois
ofensivo ao princípio da legalidade ampla ou da juridicidade. Já decidiu o TJSP que “o
controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do ato administrativo; mas
por legalidade ou legitimidade se entende não só a conformação do ato com a lei, como
também a moral administrativa e com o interesse coletivo”.
No mais, oportuno traçar algumas breves considerações sobre a distinção entre
moralidade e probidade administrativa.

A moralidade administrativa, mais do que a conduta coerente com a moral comum,


é a conduta da boa e eficiente administração, através da qual se busca as melhores
políticas administrativas. Já a probidade administrativa é uma moralidade administrativa
qualificada, cuja violação pune o agente ímprobo com a suspensão dos direitos políticos
(art. 37, §4º, da CF/88).

5.4 Princípio da Publicidade

Para Bandeira de Mello (2008, p. 114), a publicidade é o princípio constitucional


que consagra o

dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos.


Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside
no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos
administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação
aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.

A publicidade é pressuposto de eficácia do ato administrativo. Ela representa o


termo inicial para a contagem de prazos, de modo a permitir o exercício do direito de
defesa do administrado. Uma vez multado por dirigir acima da velocidade permitida na
via pública, o administrado deve tomar ciência da multa contra si aplicado para que, então,
possa exercer o seu direito de ampla defesa. Tomando ciência, ou seja, sendo publicado
o ato de aplicação da multa, inicia-se o prazo para defesa, uma vez que não se pode
defender de algo cuja existência é desconhecida. Somente após tais providências, a pena
pode ser efetivada.

A publicidade, ademais, como bem explicitado por Celso Antônio Bandeira de


Mello, viabiliza o controle e a fiscalização dos atos do Poder Público pelos interessados
diretos ou pelo povo em geral. Com a publicidade conferida ao ato administrativo,
cidadãos podem utilizar de remédios constitucionais, tais como mandado de segurança,
ação popular, direito de petição etc.

Não se pode confundir, ainda, publicidade com publicação. A publicação dar-se


mediante divulgação do ato no Diário Oficial, sendo somente uma das hipóteses de
publicidade. A publicidade pode ocorrer de várias formas: ciência pessoal no próprio
processo administrativo; por meio de correio, jornal de grande circulação, sessão
realizada de portas abertas, como na licitação etc.

O ato administrativo, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, tem na “sua


publicação o início de sua existência no mundo jurídico, irradiando, a partir de então, seus
legais efeitos, produzindo, assim, direitos e deveres” (AgRg no RMS 15.350/DF, STJ. 6ª
Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 08.09.2003, p. 367).

Todo ato administrativo, via de regra, deve ser publicado. Contudo, o princípio da
publicidade, como todo e qualquer princípio, não é absoluto, admitindo algumas exceções
de status igualmente constitucionais, a saber: a) inviolabidade da intimidade, da vida
priva, da honra e da imagem (art 5º, X); b) imprescindibilidade de sigilo por motivo de
segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII); e, c) restrição da publicidade dos
atos processuais por motivo de defesa da intimidade ou se o interesse social assim exigir
(art. 5º, LX).

Importante salientar que a publicidade há de ser oficial, não podendo existir


promoção pessoal do agente público, sob pena de improbidade administrativa. Não pode
o agente utilizar-se da publicidade em seu proveito pessoal, ainda que a pague com o seu
próprio dinheiro. Não pode fazer propaganda daquilo que é sua obrigação funcional,
conforme já visto anteriormente.

5.5 Princípio da Eficiência

Conforme Di Pietro (1998, p. 73-74), a eficiência administrativa é o princípio


constitucional que “impõe ao agente público um modo de atuar que produza resultados
favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar”, não podendo se
sobrepor, contudo, ao princípio da legalidade.

Em outras palavras, a eficiência é obtida pela máxima otimização (relação


custo/benefício) na produção de bens e serviços públicos de qualidade à coletividade. A
Constituição introduziu instrumento de promoção do princípio da eficiência, tais como:
participação do usuário na Administração, incremento na autonomia gerencial,
orçamentária, administrativa e financeira de órgãos e entidades administrativas etc.

Há de se destacar que o princípio da eficiência foi introduzido pela EC n.º19/98,


recebendo com isso conteúdo constitucional. Porém, antes mesmo da referida emenda
constitucional, a Administração deveria, em seu atuar, ser eficiente, pois previsto no art.
6º da Lei 8.987/95.

O STJ (RMS 5590/95- DF), antes da emenda, já tinha reconhecido que a


“administração pública é regida por vários princípios: legalidade, impessoalidade,
moralidade e publicidade. Outros também evidenciam-se na Carta Política. Dentre eles,
o princípio da eficiência. A atividade administrativa deve orientar-se para alcançar
resultados de interesse público”.

No tocante ao servidor público, a título de reforço argumentativo, tem-se que a


aquisição de estabilidade no cargo depende, dentre outros requisitos, da avaliação de
desempenho do servidor em estágio probatório, sendo que, nos termos do STJ (RMS
1.912-3/MG), “o estágio tem por escopo verificar se a pessoa habilitada no concurso
preenche os requisitos legais exigidos, sua idoneidade moral, a disciplina, a eficiência, a
aptidão, a assiduidade”. O servidor, mesmo após adquirir a estabilidade, pode perder o
cargo, mediante procedimento de avaliação períodica de desempenho, na forma de lei
complementar, assegurado o contraditório e a ampla defesa.

Além disso, regra constitucional a concretizar o princípio da eficiência pode ser


encontrada naquela que determina que a União, os Estados e o Distrito Federal manterão
escolas de governo para a formação e aperfeiçoamento dos servidores públicos.

6 Outros princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública


6.1 Princípio da Isonomia ou da Igualdade.

O princípio da isonomia é, conforme clássica lição de Ruy Barbosa, tratar


igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.
Porém, com o devido respeito, tal assertiva não responde às perguntas cruciais: Quem são
os iguais e quem são os desiguais? E qual é a medida de desigualdade?

Para verificar a incidência desse princípio, deve o intérprete identificar,


inicialmente, qual é o fator de discriminação e, em seguida, verificar se esse fator de
exclusão está ou não de acordo com o objetivo da norma.

Nunca assaz ressaltar que a função da lei é, por excelência, discriminar. O Estatuto
da Criança e do Adolescente, por exemplo, traz normas de proteção para pessoas em
desenvolvimento, que merecem cuidados no âmbito cultural, social, recreativo etc. O
Código de Defesa do Consumidor também traz normas protetivas para aquele indivíduo
que se enquadre na definição de consumidor, tendo em vista sua condição de
hipossuficiência e vulnerabilidade diante de fornecedores.

Tais leis, embora discriminem, não são atentatórias ao princípio da isonomia. Ao


contrário, o implementam no contexto fático, pois tais discriminações são legítimas, se
justificando em virtude de fatores lógico-racionais (incompletude no desenvolvimento
físico e psicológico de crianças e adolescentes; condição jurídica e economicamente mais
fraca do consumidor).

Assim, é preciso identificar o fator de discriminação, a fim de atender o princípio


da isonomia ou igualdade. Somente haverá ofensa ao princípio se a discriminação for
racionalmente injustificada. A igualdade é, em síntese, uma intenção de racionalidade e
de justiça.

No Direito Administrativo, institutos como o concurso público e a licitação buscam


obter o melhor candidato e a melhor proposta, ao mesmo tempo que tornam possível a
oportunidade de os interessados disputarem os respectivos procedimentos em igualdade
de condições.

A jurisprudência do STF firmou-se no sentido de “admitir que a lei estabeleça limite


de idade para o ingresso no serviço público, desde que se mostre compatível com o
conjunto de atribuições inerentes ao cargo a ser preenchido” (RMS 21.046).

Foi editada, inclusive, a Súmula 683 do STF, que diz: “O limite de idade para a
inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição,
quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.
Inexistiria ofensa ao princípio da isonomia.

Assim, para que seja constitucional a limitação de idade para ingresso no serviço
público, faz-se mister que tal limitação esteja prevista em lei, além de ser compatível com
as atribuições do cargo público a ser ocupado.

Disse o STJ que “a vedação à existência de critérios discriminatórios de idade, sexo


e altura, em sede de concurso público, não é absoluta, em face das peculiaridades
inerentes ao cargo em disputa, todavia, é imprescindível que mencionado critério esteja
expressamente previsto na lei regulamentadora da carreira” (RMS 20.637/SC). Assim, a
exigência de limita etário, por exemplo, não pode estar somente no edital, devendo
também constar na lei da carreira. Além disso, a fixação de limite etário, ainda que
previsto em lei, deve guardar pertinência com a natureza das atribuições do cargo público
a ser preenchido.

O STF (RE 184.635/MT) se posicionou no sentido de admitir a limitação de idade


para a carreira do Ministério Público do Estado de Mato Grosso (25 anos e 45 anos).

Por outro lado, o STF (ADI 1.691/DF) declarou inconstitucional a fixação de limite
de idade para o cargo de Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional, por inexistir razoabilidade
no ato. Do mesmo modo, o STF entendeu que se

tratando de concurso público para o provimento do cargo de professor, que não


exige sequer que, desde a fase inicial da carreira e durante um razoável período
de tempo nela, tenha o seu ocupante idade compatível com a aptidão física
necessária para o exercício dessa função, não há razoabilidade para estabelecer-
se a limitação de idade em causa (RE 216.929).

Ademais, é possível exigir altura mínima para provimento de cargo público, sem
que haja ofensa ao princípio da igualdade. Tal exigência, assim como o limite de idade,
deve estar prevista em lei, além de ser compatível com as funções a serem exercidas.

Assim, já disse o STF que

em se tratando de concurso público para agente de polícia, mostra-se razoável a


exigência de que o candidato tenha a altura mínima de 1,60 m. Previsto o
requisito não só na lei de regência, como também no edital de concurso, não
concorre a primeira condição do mandado de segurança, que é a existência de
direito líquido e certo (RE 148.095).

No mesmo sentido, “não é desarrazoada a exigência de altura mínima de 1,60 m,


para o preenchimento de cargo de delegado de polícia (...), no caso, a exigência mostrou-
se própria à função a ser exercida, não ofendendo, portanto, o princípio da igualdade”
(STF, RE140.889/MS).

Por fim, “só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato
a cargo público” (Súmula 686/STF). O exame psicotécnico contribui para projetar a
personalidade do candidato, auxiliando na aferição meritória do candidato. Ainda que
previsto em lei, a avaliação psicotécnica deve possuir critérios objetivos e possibilitar o
conhecimento pelo candidato dos motivos que levaram à sua reprovação, para fins de
impugnação administrativa ou judicial.

Por fim, asseverou o STF (AI 442.918-AgR) que “a administração pode anular seus
próprios atos, quando eivados de ilegalidade (Súm. 473), não podendo ser invocado o
princípio da isonomia com o pretexto de se obter benefício ilegalmente concedido a outros
servidores.”

6.2 Princípio da Proporcionalidade ou Razoabilidade.


Alguns consideram o princípio da proporcionalidade como sinônimo do
princípio da razoabilidade. Outros, no entanto, defendem que a proporcionalidade está
contida na razoabilidade (Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Hely Lopes Meirelles).

A razoabilidade, certamente, é um conceito jurídico indeterminado, podendo ser


compreendido como a atuação com bom senso e moderação. Representa um padrão de
comportamento do homem médio ou do bom pai de família (bonus pater familias).

Já o princípio da proporcionalidade, por sua vez, se decompõe em três


subprincípios:

a) adequação;

b) necessidade; e,

c) proporcionalidade em sentido estrito.

Conforme ensinamento de Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco


(2007, p. 322), a adequação “exige que as medidas interventivas adotadas se mostrem
aptas atingir os objetivos pretendidos”. A necessidade significa que “nenhum meio menos
gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos
pretendidos”. E a proporcionalidade em sentido estrito, ao fim e ao cabo, é o juízo
definitivo ou a justa medida resultante de uma “rigorosa ponderação e do possível
equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos
(...)”.

Já disse o STF que, “embora o Judiciário não possa substituir-se à Administração


na punição do servidor, pode determinar a esta, em homenagem ao princípio da
proporcionalidade, a aplicação de pena menos severa, compatível com a falta cometida e
a previsão legal” (RMS 24.901/DF. 1ª Turma, rel. Min. Carlos Britto, DJ de 11.02.2005).

Assim, a técnica da ponderação, observada no subprincípio da proporcionalidade


em sentido estrito, sopesa bens e interesses em conflito, sempre partindo de uma análise
concreta dos casos difíceis (hard cases).

Para Luís Roberto Barroso (2001, p.68),

a ponderação de valores é a técnica pela qual o intérprete procura lidar


com valores constitucionais que se encontrem em linha de colisão.
Como não existe um critério abstrato que imponha a supremacia de um
sobre o outro, deve-se, à vista do caso concreto, fazer concessões
recíprocas, de modo a produzir-se um resultado socialmente desejável,
sacrificando o mínimo de cada um dos princípios ou direitos
fundamentais em oposição.
Porém, a técnica da ponderação, muitas das vezes, lamentavelmente, leva o juiz,
o legislador ou o administrador a um subjetivismo em suas decisões, o que deve ser
evitado ao máximo.
É por esse motivo que Habermas, citado por Jane Pereira Gonçalves (2006, p.
239), critica a técnica da ponderação e, por conseguinte, o princípio da proporcionalidade
sob o argumento de que é desprovida de quaisquer parâmetros racionais. Cuida-se, para
ele, de uma fórmula retórica que fundamenta decisões arbitrárias, a possibilitar o
Judiciário decidir de maneira discricionária e irracional. O uso da ponderação demanda,
pois, uma apreciação subjetiva do intérprete e aplicador, sem qualquer possibilidade de
controle.
Não comungando inteiramente com o radicalismo de Habermas, é certo que a
ponderação encontra limites no postulado da vedação ao retrocesso e pela proibição ao
excesso. Tais postulados buscam evitar a excessiva restrição de um direito fundamental.
Dessa forma, a concretização de um princípio constitucional não pode levar à restrição
exagerada de um direito fundamental, suprimindo-lhe um mínimo de eficácia. Por
exemplo, o poder de tributar, já disse o STF (RE 18.331/SP), não pode aniquilar a
liberdade de trabalho e do direito de propriedade.

A proporcionalidade, e sua técnica interpretativa da ponderação, por exemplo,


pode ser verificada em relação à extensão do dano e a gravidade da conduta praticada.
Assim, como já visto acima, é desproporcional uma punição muito grave para uma
infração leve.

A ofensa à proporcionalidade torna o ato ilegítimo, pois não restou observada a


legalidade ampla. O ato deve ser retirado do ordenamento. Logo, o Poder Judiciário pode
fazer o controle da razoabilidade do ato, sendo este princípio, inclusive, parâmetro de
controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos.

Quando o administrador pratica determinado ato com base em conveniência e


oportunidade, não cabe ao Judiciário, via de regra, intrometer-se, sob pena de violação ao
princípio da separação de poderes. Porém, se irrazoável, esse ato poderá ser objeto de
controle jurisdicional. Exemplo é a hipótese de o administrador optar por construir uma
escola ao invés de um hospital, mesmo ciente do excesso de vagas nas escolas já
existentes e do déficit crônico no atendimento da rede pública hospitalar. Desse modo, o
controle da proporcionalidade do ato pode atingir a sua conveniência e a oportunidade.

Já disse o STF (SS 1.320-9/DF) que “o princípio da proporcionalidade visa a


inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício de suas funções que lhe são
inerentes”.

6.3 Princípio da Ampla Defesa

Derivado do princípio do devido processo legal, a ampla defesa está prevista no art.
5º, LV, da CF/88 (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurado o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes”).

Diógenes Gasparini (2000, p. 783) assevera que a ampla defesa consiste no direito
de o acusador ser ouvido, “de dar, a viva voz, sua versão aos fatos e de justificar sua
atitude, seu comportamento”. A parte deve ter assegurado o direito de se defender, ainda
que não use o prazo que lhe é concedido.

Na lição de Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco (2007, p. 525), o


direito à ampla defesa subdivide-se em:

a) direito de o litigante ou acusado ser informado dos atos praticados;

b) direito de se manifestar sobre os elementos (fáticos e jurídicos) do processo, com


a possiblidade de produção de prova que lhe seja pertinente;

c) direito de ver seus argumentos levados em consideração pelo julgador, que deverá
decidir mediante fundamentação racional, acolhendo ou rejeitando as razões
apresentadas.

Ademais, vale lembrar que este princípio não se aplica única e exclusivamente nas
relações entre indivíduo e Estado, em sede de processos administrativos ou judiciais
(aplicação vertical dos direitos fundamentais), mas também nas relações entre
particulares (aplicação horizontal), conforme já decidiu o STF (RE 158.215-4): “Na
hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-
se a observância do devido processo legal, viabilizando o exercício amplo da defesa”.

Por outro lado, o STF (MS 22.791/MS) já teve a oportunidade de decidir que não
se exige a observância de tal direito durante a sindicância administrativa, por ser mera
medida preparatória, e não de procedimento acusatório. Igual posicionamento vem sendo
adotado pelo STF (Inq 1.070) no tocante aos elementos colhidos em auditoria do Tribunal
de Contas para fins de denúncia.

O STF, com base nesse princípio, editou a Súmula Vinculante n. 03, cujo texto
garante: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o
contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação
de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade
do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”.

A destacar a relevância da ampla defesa nos processos de acusação, podemos citar,


de forma simbólica, a passagem bíblica onde Deus, diante do cometimento do pecado
original pelo primeiro casal, perguntou a Eva: “Por que você fez isso?”. Vê-se,
simbolicamente, que o próprio Deus, aquele considerado por muitos a entidade suprema
e eterno julgador de nossos atos, observou o direito de ampla defesa da acusada (Eva).
6.4 Princípio do Contraditório

Igualmente previsto no art. 5º, LV, da CF/88, e também subespécie do princípio do


devido processo legal, o contraditório consiste, segundo Odete Medauar (2003, p. 184),
na

faculdade de manifestar o próprio ponto de vista ou argumentos próprios ante


fatos, documentos ou pontos de vista apresentados por outrem.
Fundamentalmente o contraditório quer dizer `informação necessária e reação
possível´(Cândido Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno. 2. ed.,
1987, p. 93). (...) o contraditório propicia ao sujeito a ciência de dados, fato,
argumentos, documentos, a cujo teor ou interpretação pode reagir, apresentando,
por seu lado, outros dados, fatos, argumentos e documentos.

Em outras palavras, cuida-se da possibilidade de o litigante participar e influenciar


ativamente na formação da decisão, sendo, assim como a ampla defesa, corolário do
próprio Estado Democrático de Direito. Deve ser compreendido pelo binômio
“informação necessária” e “reação possível”.

O direito “sagrado” ao contraditório também pode ser facilmente observado na


passagem bíblica onde Deus, diante da desobediência do primeiro casal, perguntou a
Adão: “Onde é que você está?”. Isso nos mostra claramente a necessidade de citar toda e
qualquer pessoa para se defender das acusações que lhe são imputadas. Por tal razão, “a
citação é ato fundamental do processo, porque de outro modo não se configuraria este
como actum trium personarum, desapareceriam o contraditório e o direito de defesa, e
inexistiria o devido processo legal”, conforme já assentou o STJ (RESP 14.201/CE).

6.5 Princípio da Motivação

Conforme escólio de Bandeira de Mello (2008, p. 112),

dito princípio implica para a Administração o dever de justificar seus atos,


apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação
lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada,
nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a
consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo.

Sobre o dever de motivar, discorre Fernanda Marinela (2017, p. 108/109):

Quanto ao dever de motivar, a doutrina apresenta-se divergente. Parte dos


doutrinadores entende que a motivação não é obrigatória como regra, apesar de
reconhecer que se trata de uma medida aconselhável, entretanto só se faz
obrigatória quando existir previsão expressa em lei nesse sentido. Essa corrente
justifica dizendo que o texto constitucional (...).

Para a segunda corrente, que é majoritária, a motivação é obrigatória (...) A


motivação é exigida como afirmação do direito político dos cidadãos ao
esclarecimento do porquê das ações que geram negócios que lhes dizem respeito,
por serem titulares últimos do Poder e como direito individual a não se
submeterem a decisões arbitrárias, pois só têm de se conformar com as que forem
ajustadas às leis.

Portanto, todos os atos administrativos devem ser motivados, ou seja,


fundamentados, (STJ, RMS 3.313-9/SC), permitindo, assim, o controle jurisdicional. A
motivação do ato se torna mais evidente quando afeta interesse individual do
administrado. A ausência de motivação torna o ato inválido. Decidiu o STF (RT 605/201)
que a motivação secreta equivale à ausência de motivação em face do necessário
cumprimento ao princípio da publicidade.

Em que pese a doutrina entender que a motivação deva ser prévia e contemporânea
à prática do ato administrativo, sob pena de invalidação, o STJ decidiu, estranhamente,
que, embora o ato de remoção do servidor público por interesse da Administração deva
ser motivado, é possível que o vício de ausência de motivação seja corrigido em momento
posterior à edição dos atos administrativos impugnados. Assim, se a autoridade removeu
o servidor público sem motivação, mas ela, ao prestar as informações no mandado de
segurança, trouxe aos autos os motivos que justificaram a remoção, o vício que existia foi
corrigido (AgRg no RMS 40.427/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em
03/09/2013).

6.6 Princípio da Continuidade

Para Odete Medauar (2003, p. 144), o princípio da continuidade consiste no fato de


que as “atividades realizadas pela Administração devem ser ininterruptas, para que o
atendimento do interesse da coletividade não seja prejudicado”.

Atividade ininterrupta não significa necessariamente sem intermitência, mas


regular, vale dizer, de acordo com a própria natureza da prestação.

A continuidade da prestação dos serviços públicos passa obrigatoriamente pela


continuidade laboral dos servidores públicos. Aqui encontramos uma tensão entre o
princípio da continuidade dos serviços públicos e o direito de greve assegurado
constitucionalmente aos servidores públicos (art. 37, VII, da CF/88), nos termos e nos
limites definidos em lei específica (EC 19/98). Trata-se de lei ordinária, que, por ser de
caráter específico, não poderá conter em seu texto temas diversos ao direito de greve.
Em relação ao assunto, o STF (MI 20/DF) firmou jurisprudência, inicialmente, no
sentido de que o direito de greve dos servidores públicos não poderia ser exercido antes
da edição da lei (complementar ou ordinária/específica), tendo em vista a eficácia
limitada, ou seja, não auto-aplicável da referida norma constitucional. A Suprema Corte
apenas declarava a existência de mora legislativa, em respeito ao princípio da separação
dos poderes. Dessa forma, a decisão proferida em mandado de injunção deveria limitar-
se a aferir a inconstitucionalidade da omissão legislativa, determinando a comunicação
ao legislador para as providências necessárias à regulamentação.
Posteriormente, a Suprema Corte (MI 283), avançando no seu entendimento,
estipulou prazo para que fosse suprida a lacuna referente à mora legislativa, sob pena de
ser assegurado ao interessado a satisfação dos direitos pleiteados.
Não obstante, com o objetivo de dar máxima efetividade ao art. 37, VII, da
Constituição Federal, que prevê o direito de greve aos servidores públicos, o STF (MI
708/DF) conheceu de mandado de injunção impetrado e, no mérito, acolheu a pretensão
nele deduzido, afirmando que, enquanto não suprido o vácuo legislativo, fosse aplicada a
Lei 7.783/89.
Assim, o STF afastou-se da orientação até então consolidada, não mais limitando a
sua atuação à mera declaração da mora legislativa para a edição de norma
regulamentadora.
Sem assumir a função de legislador positivo, a Suprema Corte admitiu a
possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Poder Judiciário, através da Lei
7.783/89 (norma reguladora do direito de greve aos trabalhadores da iniciativa privada).
Teria, pois, a comunicação ao Poder Legislativo natureza mandamental. Não caberia ao
legislador escolher se concede ou não o direito de greve aos servidores públicos, por se
tratar de mandamento constitucional de caráter vinculante. Com isso, as normas
constitucionais de eficácia limitada perdem espaço, cada vez mais, para as normas de
eficácia plena, dada a força normativa que deve permear toda a Constituição Federal.
Mas quando em greve, não há que se cogitar em pagamento de remuneração dos
dias parados, pois ausente a prestação do trabalho pelo servidor público. O STJ (AgRg
no RMS 21.428/SP) já pacificou o entendimento segundo o qual “o direito de greve, nos
termos do art. 37, VII, da Constituição Federal, é assegurado aos servidores públicos,
porém não são ilegítimos os descontos efetuados em razão dos dias não trabalhados”. No
mesmo sentido: AgRg na SS 1765/DF; RMS 20.822/SP; AgRg na SS 1.363/PR; RESP
402674/SC. Há, igualmente, precedentes do STF.
O próprio Presidente Lula, líder sindical de outrora, já disse que “greve no serviço
público, sem desconto dos dias parados, não é greve, são férias”.
Embora atualmente aplicável, por analogia, a Lei 7.783/89 aos servidores públicos,
não podemos esquecer que alguns serviços públicos deverão, sempre, ser prestados em
sua totalidade, em razão da coesão social que proporcionam. “Refiro-me”, afirmou o
Ministro Eros Grau, em QO na RCl 6568, “especialmente àqueles desenvolvidos por
grupos armados. Assim os prestados pela polícia civil, que para este efeito ocupam
posição análoga à dos militares, em relações aos quais a Constituição (art. 142, §3º, IV)
proíbe a greve”.
A corroborar o entendimento acima, o Ministro Cezar Peluso observou que a polícia
civil não pode ser autorizada, como ocorreu em São Paulo, a funcionar com apenas 80%
de seu efetivo, se nem com 100% deles consegue garantir plenamente a ordem pública e
assegurar ao cidadão a segurança física e a proteção de seus bens, nos termos da
Constituição. “Os policiais civis não têm direito de fazer greve”, sustentou Cezar Peluso.
De igual modo, o Ministro Gilmar Mendes asseverou que há categorias cuja greve
é inimaginável, como, por exemplo, a de juízes, responsáveis pela soberania do Estado.
Além da greve de servidores públicos, deve-se analisar o princípio da continuidade
à luz da prestação de serviços públicos, especialmente aqueles considerados essenciais.
Como assevera Fernanda Marinela (2017, p. 99):

Para os serviços públicos, principalmente os essenciais, a aplicação do princípio


da continuidade impede a sua interrupção, salvo nas hipóteses expressamente
autorizadas por lei. A Lei n. 8.987/95, que regulamenta esses serviços, dispõe,
em seu art. 6º, §3º, que não há descontinuidade do serviço, e portanto violação a
tal princípio, na sua interrupção quando há emergência ou após prévio aviso,
motivados por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações e por
inadimplemento do usuário, considerando o interesse coletivo. Inúmeras
discussões surgiram em razão desse dispositivo, notadamente quanto ao
inadimplemento do usuário.
Para os defensores do corte, a justificativa é a própria continuidade do serviço,
tendo em vista que, se a pessoa jurídica prestadora do serviço estiver obrigada a
prestá-lo a quem não paga, ela se tornará economicamente inviável e não
conseguirá mais mantê-lo para os usuários adimplentes, em razão do equilíbrio
econômico e financeiro do contrato. Também se reconhece como justificativa
para interrupção do serviço o principio da isonomia, que exige o tratamento
desigual para os desiguais, a supremacia do interesse público protegendo a
qualidade e a manutenção dos serviços para a coletividade em geral, além da
vedação ao enriquecimento ilícito.
Seguindo essa vertente, é possível encontrar inúmeras decisões na jurisprudência
nacional que autorizam a interrupção de diversos serviços, como é o caso da
energia elétrica, telefonia, água, exigindo-se sempre prévia comunicação (RESP
1.062.975/RS. 2ª Turma. Rel. Min. Eliana Calmon, Julgado em 23.09.2008).

De qualquer forma, ainda que haja inadimplência, o corte de serviço não pode
ocorrer quando causar um prejuízo irreparável, como, p.ex., a prestação de serviços de
energia elétrica a hospitais públicos, repartições públicas etc.
De mais a mais, prevalece no STJ o entendimento de que o corte no fornecimento
de serviços públicos (agua, energia etc) deve se referir a débitos atuais, e não pretéritos.
O corte ou interrupção do serviço, portanto, é ilegítimo quando se tratar de débitos
passados, uma vez que a interrupção pressupõe o inadimplemento de conta regular,
relativo ao mês de consumo. Em relação aos débitos pretéritos, cabe a devida ação judicial
de cobrança, se for o caso.

6.7 Princípio da responsabilidade (art. 37, §6º, da CF/88)

O Estado tem o dever de indenizar os particulares por ações e omissões de agentes


públicos que acarretam danos aos administrados. No exercício da função administrativa,
a atuação dos agentes públicos é imputada à pessoa jurídica estatal a que estão ligados,
razão pela qual cabe ao Estado reparar os prejuízos decorrentes do comportamento de
seus agentes. O agente somente pode ser responsabilizado em sede de ação regressiva.
6.8 Princípio da hierarquia

A hierarquia é princípio básico para a organização e função administrativa. A


“subordinação hierárquica só existe relativamente às funções administrativas, não em
relação às funções legislativas e judiciais”. Desse princípio decorrem as seguintes
prerrogativas da administração: a) rever atos dos subordinados; b) delegar e avocar
competências; c) punir os subordinados.

6.9 Princípio da autotutela

Explica Marinela (2017, p. 105):

O princípio da autotutela estabelece que a Administração Pública pode controlar


os seus próprios atos, seja para anulá-los, quando ilegais, ou revoga-los, quando
inconvenientes ou inoportunos, independente de revisão pelo Poder Judiciário.
Esse princípio já está sedimentado em duas Súmulas do STF, que são
compatíveis, continuam válidas, sendo que a segunda complementa a primeira.
A Súmula n. 346 orienta que: `A Administração pode anular os seus próprios
atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se
originam direitos´. Enquanto a Súmula n. 473 diz que: `A Administração pode
anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais,
porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniência
ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os
casos, a apreciação judicial´.
Para reafirmar essas possibilidades de controle de atos, há hoje o art. 53 da Lei n.
9.784/99, que dispõe: `A Administração deve anular seus próprios atos, quando
eivados de vício de legalidade, e pode revoga-los por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos´.
É preciso considerar, entretanto, que esse dito controle ou revisão de atos por
parte da Administração Pública só pode ser constituído nos limites da lei, sob
pena de ilegalidade e abuso de poder.
Quanto à anulação, segundo a maioria da doutrina, trata-se de um dever, de uma
obrigação do Poder Público, que encontra respaldo no princípio da legalidade e
na própria leitura do dispositivo transcrito. No entanto, há alguns entendimentos
divergentes que sustentam ser a anulação uma faculdade com fundamento no
princípio da supremacia do interesse público. Para essa segunda orientação, o
administrador deve preocupar-se com a anulação dos atos ilegais, podendo não
fazê-la quando a sua retirada causar mais danos ao interesse público do que a sua
própria manutenção. Assim, o administrador deve anular o ato, salvo quando a
sua retirada causar danos graves ao interesse público, motivo que, considerando
sua supremacia, justifica a manutenção do ato, não podendo perder de vista a
proporcionalidade entre o benefício e o prejuízo causados, além do princípio da
segurança jurídica.
O prazo para que a Administração reveja os seus próprios atos, quando ilegais e
se deles decorrem efeitos favoráveis para os destinatários, é decadencial e de
cinco anos, contados da data em que foram praticados, conforme regra do art. 54
da Lei n. 9.784/99. Todavia, nada impede que essa ilegalidade seja corrigida
também pelo Poder Judiciário.
No que tange à revogação, a Administração estará sujeita a alguns limites
materiais, já que não há previsão quanto a limite temporal (prazo) como também
não há uma enumeração legal dessas hipóteses (...) apontam-se como as mais
indicadas pela doutrina as seguintes situações em que não se admite a revogação:
de atos vinculados, visto que eles não têm conveniência; de atos que já exauriram
seus efeitos (...); de atos que geram direitos adquiridos.

Em respeito aos princípios da segurança jurídica, da legítima expectativa


e da boa-fé, prazo para que a Administração reveja os seus próprios atos, quando ilegais
e se deles decorrem efeitos favoráveis para os destinatários, é decadencial e de cinco anos,
contados da data em que foram praticados, conforme regra do art. 54 da Lei n. 9.784/99.
Se o ato praticado pela Administração teve a contribuição dolosa ou de má-fé do
particular ou administrado, então a anulação do ato pode ocorrer a qualquer tempo.

Nada impede, ainda, que essa ilegalidade seja corrigida também pelo
Poder Judiciário.

6.10 Princípio da presunção de legitimidade.

A presunção de legitimidade determina que todo ato administrativo é


presumidamente legal (obediência à lei), legítimo (obediência à moralidade) e verdadeiro
(corresponde com a verdade).

Porém, tal presunção é relativa (juris tantum), ou seja, admite prova em contrário.
O ônus probatório cabe a quem aponta a ilegitimidade, ou seja, ao administrado/cidadão.

Como consequência dessa presunção, as decisões administrativas são de execução


imediata, com a utilização, se necessário, de meios diretos ou indiretos de coação pela
Administração.

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