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1
Faz-se referência, aqui, à ambiguidade causada por fatores lexicais, também conhecida como polissemia. Cf.
ULLMANN, Stephen. Semântica: uma introdução à ciência do significado. Tradução de J. A. Osório Mateus.
3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1973, p. 329. Há quem restrinja a ambiguidade semântica
aos casos em que o signo possui dois ou mais significados stricto sensu, vale dizer, dois ou mais significados
gramaticais ou literais. Essa parece ser a posição de Gennaro Chierchia, que diferencia significado de uso, este
decorrente dos diferentes sentidos atribuídos ao signo em situações comunicativas concretas, diversos do sen-
tido literal (Semântica. Tradução Luiz Arthur Pagani et al. Campinas: Editora da Unicamp, 2003, p. 233 et seq.).
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vestimenta que recobre o braço como o fruto da mangueira. Duas acepções dis-
tintas dadas à mesma palavra. Nesses casos, a palavra é, em si própria, ambígua.
A expressão “princípio jurídico” é, na linguagem jurídica, reconhecida-
mente polissêmica. Genaro R. Carrió discriminou, em trabalho originalmente
publicado em 1970, onze empregos diferentes.2 Longe de pretender uma enu-
meração exaustiva, destacam-se apenas três significados, identificados aqui
por “fases”. Na primeira, a expressão foi utilizada no Direito tendo em vista o
sentido da palavra na linguagem comum ou natural: como princípio significa
origem, início, a expressão foi utilizada para se referir às questões gerais de uma
dada disciplina, aos temas que devem ser apresentados a quem inicia seu estudo.
Foi nesse sentido que a palavra foi empregada por Oswaldo Aranha Bandeira
de Mello e por Ruy Cirne Lima no título de suas obras mestras.3 Essa primeira
fase está hoje absolutamente superada: ninguém mais emprega, na Teoria do
Direito, a expressão com esse significado.
Na segunda, a palavra foi dissociada do sentido comum ou natural e pas-
sou a ser empregada em sentido técnico para identificar apenas as ideias-chave,
as vigas mestras, os alicerces do sistema normativo (princípio-elemento estruturante).
Trata-se de um conceito da Teoria Geral dos Sistemas: os sistemas possuem uma
parte-dirigente e tendem a centralizar-se ao redor dela.4 Na doutrina brasileira, a
segunda fase foi difundida por Celso Antônio Bandeira de Mello5 e por Geraldo
Ataliba.6 Se apresentarmos todos os Códigos para um leigo e solicitarmos a ele
que leia os textos normativos, não tardará muito para que se perca. Será sur-
preendente se ele chegar ao trigésimo artigo. Não é assim que um estudante de
Direito lida com os Códigos. Mais do que aprender os textos dos milhares de
dispositivos, o estudante aprende, no curso de Direito, os elementos aglutinadores
das normas, que dão racionalidade, coerência, ao todo. Ele aprende os princípios
jurídicos, no significado consagrado na aqui chamada segunda fase.
Na terceira fase a expressão passa a ser utilizada para denominar as nor-
mas jurídicas que apenas estabelecem uma razão para uma decisão ou, noutros
termos, impõem que seja concretizado um valor na maior medida possível (prin-
cípio-valor positivado). Eis, respectivamente, os conceitos propostos por Ronald
Dworkin7 e Robert Alexy.8 Princípios, nessa fase, também possuem um signi-
2
CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre derecho y lenguaje. 4. ed., 2. reimpr. Buenos Aires: Albeledo-Perrot, 1998,
p. 209-212.
3
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo – v. 1. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2007; CIRNE LIMA, Ruy. Princípios de direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
4
Cf. BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas. Tradução de Francisco M. Guimarães. 3. ed. Petró-
polis: Vozes, 2008, p. 103.
5
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Criação de secretarias municipais: inconstitucionalidade do art. 43 da
Lei Orgânica dos Municípios do Estado de São Paulo. Revista de Direito Público, São Paulo, ano IV, v. 15, p.
284-288, jan./mar. 1971; Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 53-54.
6
ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 4-21.
7
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 36.
8
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2008, p. 90.
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9
Idem, p. 91.
10
Por todos: PRIETO SANCHÍS, Luis. Sobre principios y normas: problemas del razonamiento jurídico. Bogotá:
Temis, 2013, p. 67-68.
11
O assunto escapa dos limites deste estudo. No direito público, princípios são normas de estrutura de dupla
estrutura: 1ª estrutura: na hipótese, preveem a edição de uma regra; na consequência, imputam ao editor o
dever de ponderar os valores jurídicos a ela relacionados e levar em consideração o resultado da ponderação
quando da elaboração da regra; 2ª estrutura: na hipótese, preveem circunstâncias fáticas que deem a um
determinado valor jurídico uma importância suficiente para exigir a edição de uma regra jurídica, concreti-
zadora do respectivo valor; na consequência, imputam ao agente competente o dever de editar a respectiva
regra. Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 31-33.
No direito privado, princípios configuram normas de estrutura e normas de conduta e, pois, também pos-
suem dupla estrutura: 1ª estrutura: na hipótese, preveem a edição de uma regra privada; na consequência,
imputam aos particulares o dever de ponderar os valores jurídicos relacionados a ela e levar o resultado da
ponderação quando da elaboração da regra; 2ª estrutura: na hipótese, preveem a realização de uma conduta
privada que afete determinado valor jurídico, na consequência, imputam ao particular o dever de efetuar a
ponderação dos valores jurídicos concretizados e restringidos pela conduta e verificar se ela é permitida. Cf.
nosso Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 95-99.
12
Em sentido próximo: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 80-81.
13
LUHMANN, Nicklas. Sociologia do Direito II. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1985, p. 27-34. Sobre ela vide: FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Teoria da Norma Jurídica. 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2002, p. 109.
14
Sobre esse significado vide, por todos: PRIETO SANCHÍS, Luis. Sobre principios y normas, op. cit., p. 13 et seq.
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15
O equívoco é criticado tanto por Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, op. cit.,
Cap. I, rodapé 35, p. 54) como por Virgílio Afonso da Silva (A constitucionalização do direito. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 36).
16
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de Valerio Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo:
Nova Cultural, 1999, p. 492.
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17
Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 114-117; El concepto y la validez del derecho.
Traducción Jorge M. Seña. 2. ed. Barcelona: Gedisa, 2004, p. 179 et seq.; Direito, razão, discurso: estudos
para a filosofia do direito. Tradução Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 176-198.
Ronald Dworkin classifica os princípios em dois grupos: princípios em sentido estrito e políticas (Levando os
direitos a sério, op. cit., p. 36 e 141-151): os princípios em sentido estrito dizem respeito a direitos, diferente-
mente das políticas, que decorrem da competência discricionária do legislador. As classificações de Dworkin
e de Alexy são muito próximas: a busca do pleno emprego seria uma política, na terminologia de Dworkin,
e um princípio relativo a bem coletivo, na terminologia de Alexy.
18
Sobre o conceito econômico de bem público, vide, por todos, nosso Regulação administrativa à luz da Cons-
tituição Federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 95-96. Na economia, dentre tantos: BROWNING, Edgar K.;
ZUPAN, Mark A. Microeconomia. Tradução Bruna Catarine Caloi e Leila Almeida Rangel. Rio de Janeiro: LTC,
2004, p. 393-398; MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. Tradução Allan Vidigal Hastings. São Paulo:
Cengage Learning, 2008, p. 224-237; PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 6. ed., 3.
reimpr. Tradução Eleutério Prado e Thelma Guimarães. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007, p. 575-581.
19
Cf. ALEXY, Robert. Princípios formais. In: TRIVISONNO, Alexandre Travessoni Gomes et al. (Org.). Princípios
formais e outros aspectos da teoria discursiva do direito. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 13.
20
Idem, ibidem.
21
Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 331.
22
SIECKMANN, Jan-R. La teoría del derecho de Robert Alexy: análisis y crítica. Bogotá: Universidad Externado
de Colombia, 2014, p. 325 et seq.
23
BOROWSKI, Martin. La sujeción a determinaciones del legislador en la ponderación de derechos fundamen-
tales. In: CLÉRICO, Laura et al. (Coord.). Derechos fundamentales, principios y argumentación: estudios sobre
la teoría jurídica de Robert Alexy. Granada: Comares, 2011, p. 129 et seq.
24
BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales. 3. ed. Madrid: Cen-
tro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007, p. 714.
25
CLÉRICO, Laura. El examen de proporcionalidad en el derecho constitucional. Buenos Aires: Eudeba, 2009,
p. 224-227.
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4 Três modelos
Segundo o puro modelo material-formal um princípio material pode ser ponde-
rado com um princípio formal, sem que o último esteja associado a outro princípio
material. Metaforicamente, é como se num prato de uma balança estivesse um
princípio material (P1) e noutro prato apenas um princípio formal (PF). Alexy
dá como exemplo a fórmula de Radbruch, segundo a qual a injustiça extrema
não é Direito.28 Nesse caso entram em conflito, segundo ele, o princípio material
da justiça e o princípio formal da segurança jurídica: quando a injustiça não é
extrema prevalece o princípio da segurança, quando a injustiça é extrema preva-
lece o princípio da justiça.29
Considera-se muito mais fácil compreender a fórmula de Radbruch a par-
tir da distinção entre o plano jurídico da existência e o plano jurídico da validade.30 A
injustiça aberrante descaracteriza o deôntico e, pois, leva à inexistência normativa;
a injustiça não aberrante não leva à inexistência normativa, mas, sim, à invali-
dade.31 Dentre os pressupostos de existência das normas jurídicas, portanto, está a
não concretização de intolerável injustiça. Insiste-se na distinção, não efetuada
nestes termos por Alexy: norma intoleravelmente injusta é inexistente; norma
simplesmente injusta é inválida.
Alexy, de certa forma, acerta quando afirma que a justiça é um princípio
material e a segurança um princípio formal. Sua assertiva, porém, exige algumas
explicações. Em rigor, ambos são postulados normativos, pressupostos epistemoló-
gicos do Direito.32 Sem embargo, o sistema normativo pressupõe dois mandados:
realize-se na maior medida possível a justiça e respeite-se na maior medida pos-
26
SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito, op. cit., p. 148-153; Teoría de los principios,
competencias para la ponderación y separación de poderes. In: SIECKMANN, Jan-R. (Ed.). La teoría principia-
lista de los derechos fundamentales. Madrid: Marcial Pons, 2011, p. 249 et seq.
27
LIMA, Rafael Bellem de. Regras na teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 127 et seq.
28
ALEXY, Princípios formais, op. cit., p. 15.
29
Idem, p. 16.
30
Sobre ambos os planos, vide nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 121 et seq.
31
Idem, p. 133-138; Justiça deôntica. In: PIRES, Luis Manuel Fonseca; MARTINS, Ricardo Marcondes. Um diá-
logo sobre a justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 162 et seq.
32
Sobre o conceito de postulado, vide nosso Direito e justiça. In: PIRES, Luis Manuel Fonseca; MARTINS,
Ricardo Marcondes. Um diálogo sobre a justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 54-55. O conceito de pos-
tulado, aqui adotado, é o de BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 2. ed. São
Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 99-101.
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33
Sobre o conceito de decisão justa, vide nosso Direito e justiça, op. cit., p. 68-69.
34
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 625. Observa-se que a obra Teoria dos direitos
fundamentais foi publicada em 1985 e o Posfácio em 2002.
35
Cf. nosso Teoria jurídica da liberdade. São Paulo: Contracorrente, 2015, p. 25.
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36
Cf. ALEXY, Robert, Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 578-584; Tres escritos sobre los derechos
fundamentales y la teoría de los principios. Tradução de Carlos Bernal Pulido. Bogotá: Universidad Externado
de Colombia, 2003, p. 54-56.
37
ALEXY, Robert. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y la teoría de los principios, op. cit., p. 58.
38
Idem, p. 60-80.
39
Idem, p. 81-87.
40
Por todos: PRIETO SANCHÍS, Luis. Justicia constitucional y derechos fundamentales. 2. ed. Madrid: Trotta,
2009, p. 199-200.
41
BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 719.
Em minha dissertação de mestrado defendi que todos os princípios jurídicos estariam expressa ou implici-
tamente previstos no texto constitucional (Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 36). Acolhi,
posteriormente, a classificação de Bernal Pulido e retifiquei minha posição (Proporcionalidade e boa adminis-
tração. In: CAMMAROSANO, Flávia; ESTEFAM, Felipe Faiwichow. Direito público em debate. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2014, p. 19).
42
Cf. nosso Proporcionalidade e boa administração, op. cit., p. 19.
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43
Como bem doutrina José Joaquim Gomes Canotilho as normas jurídicas apresentam-se, em relação à sua
abertura semântica, numa estrutura piramidal: no ápice estão as normas mais abertas, chamadas por ele
de princípios estruturantes, abaixo os princípios constitucionais gerais, abaixo os princípios constitucionais
especiais, abaixo as regras constitucionais, todas formando um “processo bi-unívoco de esclarecimento
recíproco”, de modo que as mais densas concretizam as menos densas e a compreensão de umas dá-se
pelas outras e vice-versa (Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000,
p. 1139). Em complemento pode-se acrescentar à pirâmide, abaixo das regras constitucionais, os princípios
legislativos, as regras legislativas, as regras administrativas e as regras jurisdicionais. Logo, os princípios legis-
lativos, ao estabelecer fins imediatos, sempre concretizam os princípios constitucionais, que estabelecem os
fins mediatos.
44
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 167.
45
Idem, p. 617.
46
ALEXY, Princípios formais, op. cit., p. 26.
47
Cf. SIECKMANN, Jan-R. La teoría del derecho de Robert Alexy, op. cit., p. 337. Sobre ela vide: LIMA, Rafael
Bellem de. Regras na teoria dos princípios, op. cit., p. 139-146.
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tuada pelo Legislador e pelo Tribunal Constitucional não coincidir. Nesse caso,
devem ser ponderados apenas os princípios formais, o que sustenta a autoridade
legislativa e o que sustenta a autoridade judiciária. Nessa segunda ponderação,
Siekcmann afirma que os princípios materiais também têm relevância, pois “o
grau de afetação do princípio material constitui um elemento para estabelecer o
peso do princípio formal”.48 O modelo é de difícil manejo prático, o que justifica
seu não acolhimento. Não há razão plausível para dissociar a ponderação com os
princípios formais da ponderação com os princípios materiais. Tanto é verdade
que o próprio Sieckmann reconhece a interferência dos princípios materiais na
segunda ponderação.
48
SIECKMANN, Jan-R. La teoría del derecho de Robert Alexy, op. cit., p. 341.
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49
Afirma, por todos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Dentro de uma perspectiva positivista, o Poder Cons-
tituinte é juridicamente ilimitado, por uma razão óbvia, porque, para a doutrina positivista, não há direito
antes da manifestação do Poder Constituinte, portanto, não há direito que possa ser invocado contra o Poder
Constituinte” (O poder constituinte. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 75). De longa data, porém, José
Horácio Meirelles Teixeira fazia várias ressalvas à suposta ilimitabilidade: “Mas esta ausência de vinculação,
note-se bem, é apenas de caráter jurídico-positivo, significando apenas que o Poder Constituinte não está
ligado, em seu exercício, por normas jurídicas anteriores. Não significa, porém, e nem poderia significar, que
o Poder Constituinte seja um poder arbitrário, absoluto, que não conheça quaisquer limitações. Ao contrário,
tanto quanto a soberania nacional, da qual é apenas expressão máxima e primeira, está o Poder Constituinte
limitado pelos grandes princípios do Bem Comum, do Direito Natural, da Moral, da Razão” (Curso de direito
constitucional. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 213).
50
Sobre o conceito de função pública vide, por todos: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito
administrativo, op. cit., Cap. I-54, p. 72. Para um aprofundamento teórico vide nosso Efeitos dos vícios do
ato administrativo, op. cit., p. 37-63.
51
Cf. nosso Direito e justiça, op. cit., p. 54-55.
52
Segundo John L. Austin, atos performativos consistem em atos realizados pela enunciação linguística (Cómo
hacer cosas con palabras. Traducción Genaro R. Carrió e Eduardo A. Rabossi. Barcelona: Paidós, 1971, p.
51). Editar uma norma jurídica consiste num ato performativo, pois depende da enunciação. Como todo ato
performativo, para que seja realizado, necessita que sejam observadas determinadas condições. Eis a teoria
dos infortúnios linguísticos de Austin: caso não observadas as condições necessárias para que a expressão
performativa seja afortunada, o ato não se realiza (Idem, p. 59-60). Como bem esclarece Robert Alexy, o
constituinte que nega a pretensão de justiça, pressuposta pelo ato de editar uma Constituição, incorre numa
contradição performativa e não realiza a respectiva edição (La institucionalización de la justicia. Traducción
de José Antonio Seoane, Eduardo Roberto Sodero y Pablo Rodríguez. Granada: Comares, 2005, p. 37-40).
Sobre a associação dos postulados às contradições normativas vide nosso Direito e justiça, op. cit., p. 50-55.
53
Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 73, rodapé 17. Em assonância com esse enten-
dimento assim se manifesta o ínclito Prof. Juarez Freitas: “não se aplica a lógica do ‘tudo-ou-nada’ em
nenhuma parcela do Direito, dado que a lógica dialética ocorre no plano dos princípios e das regras, sendo a
diferença entre ambos sobretudo de carga argumentativa e de função hierárquica, dado que, por definição,
as regras devem servir aos princípios constitucionais” (Discricionariedade administrativa e o direito funda-
mental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 38).
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54
Em rigor, constituinte é apenas o originário; o reformador é constituído pelo originário. Cf. nosso Regulação
administrativa à luz da Constituição Federal, op. cit., p. 71-81. Apesar de aqui ser utilizada a expressão “cons-
tituinte reformador”, acolhe-se, portanto, integralmente a crítica a ela efetuada por BANDEIRA DE MELLO,
Celso Antônio. Curso de direito administrativo, op. cit., Cap. V, §145, p. 338-339.
55
Adota-se em linhas gerais e teoria sobra a reforma constitucional de Carlos Ayres Britto (Teoria da Constitui-
ção. Rio de Janeiro: Forense, 2003). Para um panorama sobre as limitações expressas e implícitas ao poder
de reforma vide nosso Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, op. cit., p. 71-81.
56
Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 68-70.
57
Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 93-95.
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58
Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 612-622.
59
Idem, p. 617.
60
Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 232.
61
Sobre o espaço privado, campo das condutas facultadas, vide nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p.
38 et seq.
62
Idem, p. 73.
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63
Cf. nosso Abuso de direito e constitucionalização do direito privado, op. cit., p. 40-44.
64
Cf. nosso Justiça deôntica, op. cit., p. 209.
65
Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 181; Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 72.
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66
Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 177-178.
67
Sobre a zona de incerteza ou de penumbra explica Genaro R. Carrió: “Hay un foco de intensidad luminosa
donde se agrupan los ejemplos típicos, aquellos frente a los cuales no se duda que la palabra es aplicable.
Hay una mediata zona de oscuridad circundante donde caen todos los casos en los que no se duda que no
lo es. El tránsito de una zona a otra es gradual; entre la total luminosidad y la oscuridad total hay una zona
de penumbra sin límites precisos” (Notas sobre derecho y lenguaje, op. cit., p. 33-34). Sobre o tema vide:
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, op. cit., Cap. XIX-22 a 27, p. 996-999.
No direito, a teoria foi difundida por HART, H. L. A. O conceito de direito. Tradução de Antônio de Oliveira
Sette-Câmara. 1. ed., 2. tir. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 5 e 161-176.
68
Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed., 11. tir. São Paulo:
Malheiros, 2012, p. 32-36.
69
Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: “É exatamente porque a normal legal só quer a solução
ótima, perfeita, adequada às circunstâncias concretas, que, ante o caráter polifacético, multifário, dos fatos
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da vida, se vê compelida a outorgar ao administrador – que é quem se confronta com a realidade dos fatos
segundo seu colorido próprio – certa margem de liberdade para que este, sopesando as circunstâncias,
possa dar verdadeira satisfação à finalidade legal” (Discricionariedade e controle jurisdicional, op. cit., p. 35).
70
Cf. nosso Ato administrativo. In: MARTINS, Ricardo Marcondes; BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Tratado de
direito administrativo: ato administrativo e procedimento administrativo, v. 5. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2014, p. 118; Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 180-181.
71
Cf. nosso Ato administrativo, op. cit., p. 122; Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 182.
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72
São as três espécies de relação geral de sujeição, dispostas, tendo em vista o grau de sujeição, em ordem
decrescente, cf. nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 127-128.
73
Sobre os critérios para caracterização da relação especial de sujeição vide nossos Teoria jurídica da liberdade,
op. cit., p. 128; e Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, op. cit., p. 116-119.
74
Cf. nosso Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, op. cit., p. 309-310.
75
Cf. nosso Proporcionalidade e boa administração, op. cit., p. 35 et seq. Sobre o tema assim se manifesta o Prof.
Juarez Freitas em sua notável monografia: “Importa reiterar que as escolhas são igualmente válidas somente
em abstrato, presumida a constitucionalidade da norma que as admite como tais. Já na justificativa das opções
assumidas, no plano concreto, impende verificar se a escolha, aparentemente válida, não se mostra trans-
gressora dos princípios, especialmente tendo em mente o direito fundamental à boa administração pública”
(Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública, op. cit., p. 124).
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boa administração em face da medida legislativa: quanto menos idônea for a medida
legislativa, comparada com outras medidas existentes, menos peso tem o prin-
cípio formal que dá primazia às ponderações legislativas (Pfl).76 Nesses termos,
quanto mais estiver, no caso concreto, caracterizada a existência de uma medida
melhor, em detrimento da escolhida pelo legislador, mais autorizada estará a
Administração a afastar a decisão legislativa e, com ela, o princípio formal que
dá primazia ao seu cumprimento.
Quando a medida é escolhida pela Administração incide a lei da boa admi-
nistração em face da medida administrativa: deve o agente administrativo escolher a
melhor medida.77 A escolha administrativa da medida dá-se em três hipóteses: 1.
quando a própria lei atribui à Administração a escolha da medida de concretiza-
ção (incompletude total ou parcial); 2. quando a lei fixa uma medida específica
a ser concretizada pelo Administrador e na ponderação realizada à luz do caso
concreto, a decisão legislativa é total ou parcialmente afastada; 3. quando,
apesar da falta de lei, na ponderação concreta realizada pela Administração o
princípio formal que dá primazia à decisão do legislador em prol da inação
estatal é afastado.78 Nessas três hipóteses, a medida de concretização do princí-
pio constitucional (fim mediato) e/ou legislativo (fim imediato) é definida pelo
agente administrativo. O dever de boa administração impõe, nos três casos, que
o agente escolha a melhor medida existente para a concretização do respectivo
princípio.
76
Cf. nosso Proporcionalidade e boa administração, op. cit., p. 36-37.
77
Idem, p. 37.
78
Idem, p. 38,
79
Sobre os conceitos de autonomia da vontade e autonomia privada vide nosso Teoria jurídica da liberdade,
op. cit., p. 48-59.
80
Cf. nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 74. Sem esse nome, a lei foi inicialmente proposta por SILVA,
Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito, op. cit., p. 157-158.
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Teoria dos princípios formais 83
da vontade será menor nos casos dos chamados vícios do consentimento ou nos
casos de incapacidade momentânea ou permanente. Sempre que houver algum
fator fático que atrapalhe de algum modo a consciência, a capacidade de dis-
cernimento, menor força terá o “Pfp”. Quanto mais o particular estiver cônscio
do que estiver fazendo, quanto mais estiver pleno de suas faculdades mentais e
ciente das circunstâncias em que age, maior o peso do princípio formal que dá
primazia às suas decisões.
Ademais, segundo a teoria das esferas, o espaço privado é subdividido em
quatro círculos concêntricos, de dimensões progressivamente menores: a) a pri-
meira esfera, mais alargada, é do espaço público (Pfp1); b) a segunda esfera,
menos alargada, inserida dentro da primeira, é a da vida privada stricto sensu
(Privatsphäre), abrangente de todos os assuntos que dizem respeito à vida privada
do indivíduo e que ele não quer que se tornem públicos (Pfp2); c) a terceira
esfera, inserida dentro da segunda, mas menos alargada que ela, é a esfera da
intimidade (Vertrauensphäre), confidencial, da qual participam apenas as pessoas
às quais o indivíduo deposita certa confiança e com as quais mantém intimidade;
d) a quarta e última esfera, contida na anterior e menos alargada que ela, é a esfera
do segredo (Geheimsphäre), da qual não participam sequer pessoas da intimidade
do indivíduo (Pfp4).81 Por força da lei das esferas privadas o peso do princípio for-
mal que dá primazia às ponderações do particular é maior na esfera do segredo
do que na esfera da intimidade, é maior na esfera da intimidade do que na esfera
privada estrito senso e é maior nessa esfera do que na esfera do espaço público.
Há, pois, uma ordem crescente de pesos: Pfp1 < Pfp2 < Pfp3 < Pfp4.
Os particulares podem realizar uma ampla gama de condutas não nor-
mativas, vale dizer, podem realizar fatos jurídicos; podem também editar normas
jurídicas, campo da autonomia privada ou, noutros termos, editar atos jurídicos;82
podem editar atos unilaterais, dependentes da aquiescência de outrem, e atos bila-
terais, dependentes do consentimento de outrem.83 É possível estabelecer uma
gradação: o peso da liberdade é menor quando há apenas uma vontade (fatos
jurídicos) do que quando há duas vontades ou mais (atos jurídicos) e é menor
quando há aquiescência (atos jurídicos em sentido estrito e negócios jurídicos unila-
terais) do que quando há concordância (negócios bilaterais). Eis a lei da adjunção
de vontades: nos atos bilaterais (contratos) o peso do princípio formal que dá
primazia às ponderações privadas (Pfp) é maior do que nos atos unilaterais (atos
jurídicos em sentido estrito e negócios unilaterais); e nesses o peso de “Pfp” é
81
Cf. nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 69. Sobre a teoria das esferas vide também: COSTA JR.,
Paulo José da. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995,
p. 36-37; JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos
da personalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 256-257.
82
Sobre o conceito de fato e ato jurídicos aqui adotado vide nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op.
cit., p. 58-63. É inspirado na doutrina de BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administra-
tivo, op. cit., p. 379-383.
83
Sobre a diferença entre aquiescência e consentimento, vide nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 51.
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84 Ricardo Marcondes Martins
maior do que nos fatos jurídicos (condutas não normativas realizadas por apenas
uma pessoa).84
84
Cf. nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 87-88. Essa lei foi inspirada na doutrina de SARMENTO,
Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 311.
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Teoria dos princípios formais 85
85
Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 106.
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86 Ricardo Marcondes Martins
86
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, op. cit., p. 70-76. Para um exce-
lente panorama histórico, vide HACHEM, Daniel Wunder. Princípio constitucional da supremacia do interesse
público. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 39-73.
87
ÁVILA, Humberto. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Revista
Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 24, p. 159-180, 1998.
88
HACHEM, Daniel Wunder. Princípio constitucional da supremacia do interesse público, op. cit., p. 155 et seq.
89
ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso, op. cit., p. 197-198.
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Teoria dos princípios formais 87
por precatório (art. 100), admite-se, até mesmo, a declaração de guerra (art. 84,
XIX). Essa pequena enumeração, não exaustiva, de exemplos é suficiente para
justificar a assertiva: no direito brasileiro os princípios relativos a bens coletivos
têm, no plano abstrato, maior peso do que os princípios relativos a direitos sub-
jetivos. Qual norma jurídica atribui esse peso? O princípio formal da supremacia do
interesse público sobre o privado, segundo o qual devem ser concretizados, na maior
medida possível, os interesses da coletividade. Esse princípio limita-se a atribuir
um peso adicional aos bens coletivos.90
Para apurar qual é o interesse público, deve-se efetuar uma ponderação.
Nela, devem ser considerados todos os princípios materiais incidentes. Em face
do princípio da supremacia, os princípios relativos a bens coletivos são conside-
rados com um peso abstrato maior (Pbc > Pds). Isso não significa, por óbvio,
que o resultado da ponderação sempre importará no afastamento do direito
individual. Razão prima facie não significa razão definitiva, tendo em vista que as
circunstâncias podem inverter a precedência. Efetuada a ponderação, levando-
se em consideração todos os princípios formais, dentre eles o da supremacia do
interesse público, obtém-se o interesse público a ser perseguido. Com a apura-
ção deste, a partir da ponderação dos princípios materiais e formais incidentes,
incide a regra da supremacia do interesse público sobre o privado, que, segundo Celso
Antônio Bandeira de Mello, gera três ordens de efeitos: a) atribui uma posição
de supremacia ao órgão encarregado de zelar pelo interesse público; b) atribui
uma posição privilegiada ao referido órgão; c) impõe restrições e sujeições especiais ao
referido órgão.91
O Estado está, no que se refere aos particulares, numa relação jurídica ver-
tical: não estão em igual patamar jurídico; as normas estatais impõem-se mesmo
contra a vontade dos destinatários, gozam de imperatividade. Essa verticalidade e
os efeitos dela decorrentes são resultantes da posição de supremacia que o Estado
possui em relação aos particulares – primeiro efeito da regra da supremacia.
Ademais, esta concede aos órgãos estatais certas prerrogativas para que possam
bem tutelar o interesse público – segundo efeito mencionado. A título de exem-
plo, as normas estatais gozam de presunção de validade: enquanto os particulares
podem, eles próprios, retirar do mundo jurídico as normas privadas, as normas
estatais só podem ser retiradas do mundo jurídico por meio dos próprios órgãos
estatais, elas se presumem válidas até que o órgão estatal competente reconheça
sua invalidade. As regras vigentes, ademais, estabelecem um regime processual
diferenciado para a Administração Pública: prazos maiores para recorrer e con-
testar, intimação pessoal etc. Finalmente, a regra da supremacia impõe restrições
especiais a quem torne os órgãos públicos presentes nas relações jurídicas – ter-
ceiro efeito mencionado. Trata-se de um desdobramento do caráter protetor das
normas de direito público: como a função pública consiste na defesa de interesse
90
Cf. nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 125-126.
91
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, op. cit., p. 70.
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88 Ricardo Marcondes Martins
92
Idem, p. 74-75.
93
HACHEM, Daniel Wunder. Princípio constitucional da supremacia do interesse público, op. cit., p. 194 et seq.
94
Não existem “interesses do Estado” desvirtuados do correto cumprimento do ordenamento jurídico vigente.
Por isso: o chamado interesse secundário só é juridicamente tutelado quando for coincidente com o inte-
resse primário e coincidente significa ter identidade ontológica. Cf. nosso Estudos de direito administrativo
neoconstitucional. São Paulo: Malheiros, 2015, Cap. 2.3, p. 67-73.
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Teoria dos princípios formais 89
razões suficientes”.95 Eles mesmos reconhecem: é a inércia que está por trás
do precedente.96 Pensava-se no passado que a vinculação ao precedente se dava
apenas na common law, sendo estranha à civil law.97 No direito brasileiro, atribui-
-se, cada vez mais, eficácia formal aos precedentes jurisprudenciais. Apenas a
título de exemplo, o §2º do art. 103, com a redação dada pela EC 45/04, atribui
eficácia vinculante às decisões proferidas pelo STF nas ações diretas de incons-
titucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade; o art. 103-A,
inserido pela EC 45/04, possibilita ao STF editar súmulas vinculantes em relação
aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública. O Código de
Processo Civil de 1973 atribuía, em vários dispositivos, força vinculante, ainda
que relativa, aos precedentes: art. 120, parágrafo único; art. 543-C, §2º; art. 544,
§4º, II, “b” e “c”; art. 557, caput e §1º-A. O Código de Processo Civil de 2015
deu aos precedentes eficácia formal ainda maior: art. 332; art. 489, §1º, VI; art.
927. Não se pretende aqui, contudo, analisar as regras jurídicas referentes aos
precedentes jurisprudenciais.98 Pretende-se, sim, examinar o princípio formal que
os fundamenta.
Com efeito: independente da incidência de qualquer regra constitucional
ou processual, o magistrado está, prima facie, vinculado aos precedentes juris-
prudenciais, mesmo na civil law. O resultado de uma ponderação é sempre uma
regra jurídica. Se a ponderação é concreta, ela resulta numa norma concreta para
o caso analisado. Sem embargo, ela também proporciona uma regra abstrata,
chamada por Robert Alexy de regra de precedência condicionada, conforme a lei
da colisão: “as condições sob as quais um princípio tem precedência em face de
outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência
jurídica do princípio que tem precedência”.99 Quanto mais ponderações o Poder
Judiciário realiza, no exercício da função jurisdicional, mais regras de precedên-
cia condicionada são enunciadas, formando-se uma rede de regras de precedência.100
É fundamental perceber que o magistrado está prima facie vinculado às regras de
precedência já enunciadas por ele ou consagradas na jurisprudência.101 Trata-se
de uma decorrência do princípio da universalidade, exigência própria de toda con-
cepção de justiça, de tratar de igual maneira ao igual.102
95
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. Tradução de
Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 120.
96
Idem, p. 121.
97
Para uma contraposição entre os sistemas da common law e da civil law vide, por todos: DAVID, René. Os gran-
des sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
98
Na doutrina brasileira destacam-se duas primorosas monografias sobre o tema: BUSTAMANTE, Thomas
da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo:
Noeses, 2012; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
99
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 99.
100
Cf. CLÉRICO, Laura. El examen de proporcionalidad en el derecho constitucional, op. cit., p. 188-192.
101
Por todos, afirma Humberto Ávila: “o princípio da igualdade, do qual se deduz o princípio da coerência
temporal, exige que o Poder Judiciário se vincule aos seus precedentes, salvo se tiver alguma justificativa para
a sua alteração” (Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 478).
102
Cf. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2013, p. 268.
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103
Inexiste discricionariedade no exercício da função jurisdicional: o magistrado sempre diz qual é a vontade do
Direito; ele não escolhe entre indiferentes jurídicos. Sua atividade é cognitiva e não volitiva. Cf. BANDEIRA
DE MELLO, Celso Antônio. Juízo liminar: poder-dever de exercício do poder cautelar nessa matéria. Revista
trimestral de direito público, São Paulo, n. 3, p. 106-116, 1993; Mandado de segurança contra denegação
ou concessão de liminar. Revista de Direito Público (RDP), São Paulo, ano 22, n. 92, p. 55-61, out./dez. 1989.
Sobre o tema vide também nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 113-114.
104
Cf. CLÉRICO, Laura. El examen de proporcionalidad en el derecho constitucional, op. cit., p. 194.
105
Cf. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, op. cit., p. 268.
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Teoria dos princípios formais 91
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