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Teoria dos princípios formais

Ricardo Marcondes Martins


Doutor em Direito Administrativo pela PUC-SP. Professor de Direito Administrativo da Faculdade
de Direito da PUC-SP.

Resumo: Em que pese a ambiguidade da palavra, chamam-se “princípios”


os valores positivados no sistema jurídico, mandados de otimização realizá-
veis de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas. Podem ser materiais,
se se referem a valores específicos, ou formais, se se referem a decisões jurí-
dicas. Este estudo tem por objeto os princípios formais. Após discutir o seu
conceito, examina a relação entre eles e os princípios materiais e defende
o modelo da combinação. Em seguida, divide-os em princípios formais
fundamentais e princípios formais especiais. Apresenta um panorama com-
pleto dos princípios fundamentais e trata de dois princípios especiais, a
supremacia do interesse público sobre o privado e o precedente. No exame
dos princípios fundamentais, contrapõe a discricionariedade legislativa e a
discricionariedade administrativa, bem como enuncia as leis doutrinárias
que regem o princípio formal da autonomia da vontade.
Palavras-chave: Princípios jurídicos. Princípios formais. Discriciona-
riedade legislativa. Discricionariedade administrativa. Supremacia do
interesse público. Precedentes.
Sumário: 1 Ambiguidade da expressão “princípio jurídico” – 2 Classifi-
cação dos princípios jurídicos – 3 Princípios formais: conceito – 4 Três
modelos – 5 Princípios formais fundamentais – 6 Princípios formais espe-
ciais – Referências

1 Ambiguidade da expressão “princípio jurídico”


Todo signo linguístico possui ambiguidade, admite dois ou mais sentidos
diferentes.1 O fato é evidenciado pela possibilidade de utilização do signo em
sentido figurado, diverso do sentido primitivo ou original, ou seja, do sentido con-
sagrado nos dicionários. Certos signos, contudo, possuem uma ambiguidade
independente da extensão do significado primitivo. De fato, certas palavras
possuem dois significados literais diferentes, consagrados nos dicionários do
idioma. Um exemplo didático é a palavra “manga”, que designa tanto a parte da

1
Faz-se referência, aqui, à ambiguidade causada por fatores lexicais, também conhecida como polissemia. Cf.
ULLMANN, Stephen. Semântica: uma introdução à ciência do significado. Tradução de J. A. Osório Mateus.
3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1973, p. 329. Há quem restrinja a ambiguidade semântica
aos casos em que o signo possui dois ou mais significados stricto sensu, vale dizer, dois ou mais significados
gramaticais ou literais. Essa parece ser a posição de Gennaro Chierchia, que diferencia significado de uso, este
decorrente dos diferentes sentidos atribuídos ao signo em situações comunicativas concretas, diversos do sen-
tido literal (Semântica. Tradução Luiz Arthur Pagani et al. Campinas: Editora da Unicamp, 2003, p. 233 et seq.).

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vestimenta que recobre o braço como o fruto da mangueira. Duas acepções dis-
tintas dadas à mesma palavra. Nesses casos, a palavra é, em si própria, ambígua.
A expressão “princípio jurídico” é, na linguagem jurídica, reconhecida-
mente polissêmica. Genaro R. Carrió discriminou, em trabalho originalmente
publicado em 1970, onze empregos diferentes.2 Longe de pretender uma enu-
meração exaustiva, destacam-se apenas três significados, identificados aqui
por “fases”. Na primeira, a expressão foi utilizada no Direito tendo em vista o
sentido da palavra na linguagem comum ou natural: como princípio significa
origem, início, a expressão foi utilizada para se referir às questões gerais de uma
dada disciplina, aos temas que devem ser apresentados a quem inicia seu estudo.
Foi nesse sentido que a palavra foi empregada por Oswaldo Aranha Bandeira
de Mello e por Ruy Cirne Lima no título de suas obras mestras.3 Essa primeira
fase está hoje absolutamente superada: ninguém mais emprega, na Teoria do
Direito, a expressão com esse significado.
Na segunda, a palavra foi dissociada do sentido comum ou natural e pas-
sou a ser empregada em sentido técnico para identificar apenas as ideias-chave,
as vigas mestras, os alicerces do sistema normativo (princípio-elemento estruturante).
Trata-se de um conceito da Teoria Geral dos Sistemas: os sistemas possuem uma
parte-dirigente e tendem a centralizar-se ao redor dela.4 Na doutrina brasileira, a
segunda fase foi difundida por Celso Antônio Bandeira de Mello5 e por Geraldo
Ataliba.6 Se apresentarmos todos os Códigos para um leigo e solicitarmos a ele
que leia os textos normativos, não tardará muito para que se perca. Será sur-
preendente se ele chegar ao trigésimo artigo. Não é assim que um estudante de
Direito lida com os Códigos. Mais do que aprender os textos dos milhares de
dispositivos, o estudante aprende, no curso de Direito, os elementos aglutinadores
das normas, que dão racionalidade, coerência, ao todo. Ele aprende os princípios
jurídicos, no significado consagrado na aqui chamada segunda fase.
Na terceira fase a expressão passa a ser utilizada para denominar as nor-
mas jurídicas que apenas estabelecem uma razão para uma decisão ou, noutros
termos, impõem que seja concretizado um valor na maior medida possível (prin-
cípio-valor positivado). Eis, respectivamente, os conceitos propostos por Ronald
Dworkin7 e Robert Alexy.8 Princípios, nessa fase, também possuem um signi-

2
CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre derecho y lenguaje. 4. ed., 2. reimpr. Buenos Aires: Albeledo-Perrot, 1998,
p. 209-212.
3
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo – v. 1. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2007; CIRNE LIMA, Ruy. Princípios de direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
4
Cf. BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas. Tradução de Francisco M. Guimarães. 3. ed. Petró-
polis: Vozes, 2008, p. 103.
5
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Criação de secretarias municipais: inconstitucionalidade do art. 43 da
Lei Orgânica dos Municípios do Estado de São Paulo. Revista de Direito Público, São Paulo, ano IV, v. 15, p.
284-288, jan./mar. 1971; Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 53-54.
6
ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 4-21.
7
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 36.
8
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2008, p. 90.

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ficado técnico: é a denominação dada a um tipo de norma qualitativamente


diferente das regras jurídicas. Regras imputam uma consequência a uma dada
hipótese: são, nas palavras de Alexy, determinações no âmbito das circunstâncias
fáticas e jurídicas.9 O assunto é repleto de controvérsias: há quem considere, ao
contrário de Dworkin e Alexy, inexistir diferença estrutural entre regras e princí-
pios.10 Na verdade, é possível compreender os princípios com a mesma estrutura
lógica das regras (numa simplificação, se uma hipótese, deve ser uma consequ-
ência; esquematicamente: H  C).11 Sem adentrar na discussão que o assunto
envolve, o traço fundamental da distinção é que os princípios positivam um valor
a ser concretizado, sem definir o meio de concretização, enquanto as regras esta-
belecem o meio de concretização de um valor.12 Trata-se da famosa distinção de
Niklas Luhmann entre programação finalística e programação condicional.13
Essas três fases apresentam um panorama da evolução da expressão na
Teoria do Direito, panorama esse didático, mas incompleto. Deixam, por exem-
plo, de fora o significado próprio da expressão “princípio geral do direito”,
positivada no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
(Decreto-lei nº 4.657/42), associada a uma fonte de “integração do Direito”, a ser
invocada apenas na omissão dos textos normativos expressos e dos costumes.14 A
associação desse significado à segunda fase dá-se apenas parcialmente, o que evi-
dencia a complexidade do tema: princípios, no significado próprio da segunda
fase, por evidente, não são invocados apenas na omissão dos textos normativos
e dos costumes; pelo contrário, são sempre invocados para a própria intelecção
deles. Sem embargo, o panorama apresentado pelas três fases é suficiente para
os intuitos deste estudo.

9
Idem, p. 91.
10
Por todos: PRIETO SANCHÍS, Luis. Sobre principios y normas: problemas del razonamiento jurídico. Bogotá:
Temis, 2013, p. 67-68.
11
O assunto escapa dos limites deste estudo. No direito público, princípios são normas de estrutura de dupla
estrutura: 1ª estrutura: na hipótese, preveem a edição de uma regra; na consequência, imputam ao editor o
dever de ponderar os valores jurídicos a ela relacionados e levar em consideração o resultado da ponderação
quando da elaboração da regra; 2ª estrutura: na hipótese, preveem circunstâncias fáticas que deem a um
determinado valor jurídico uma importância suficiente para exigir a edição de uma regra jurídica, concreti-
zadora do respectivo valor; na consequência, imputam ao agente competente o dever de editar a respectiva
regra. Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 31-33.
No direito privado, princípios configuram normas de estrutura e normas de conduta e, pois, também pos-
suem dupla estrutura: 1ª estrutura: na hipótese, preveem a edição de uma regra privada; na consequência,
imputam aos particulares o dever de ponderar os valores jurídicos relacionados a ela e levar o resultado da
ponderação quando da elaboração da regra; 2ª estrutura: na hipótese, preveem a realização de uma conduta
privada que afete determinado valor jurídico, na consequência, imputam ao particular o dever de efetuar a
ponderação dos valores jurídicos concretizados e restringidos pela conduta e verificar se ela é permitida. Cf.
nosso Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 95-99.
12
Em sentido próximo: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 80-81.
13
LUHMANN, Nicklas. Sociologia do Direito II. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1985, p. 27-34. Sobre ela vide: FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Teoria da Norma Jurídica. 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2002, p. 109.
14
Sobre esse significado vide, por todos: PRIETO SANCHÍS, Luis. Sobre principios y normas, op. cit., p. 13 et seq.

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São correntes dois equívocos desastrosos em relação ao tema. Primeiro:


desprezar a ambiguidade e tratar os conceitos da segunda e da terceira fase como
se tivessem a mesma referência.15 Enfatiza-se: trata-se de conceitos distintos.
Princípios-elemento estruturante dizem respeito aos elementos estruturantes do
sistema (ou subsistema) normativo; princípios-valor positivado dizem respeito às
normas que exigem a realização máxima de um valor. Certos princípios-elemento
estruturante não são princípios-valor positivado. O princípio da anterioridade tri-
butária e o princípio da motivação, por exemplo, são dois elementos estruturantes,
respectivamente, do regime jurídico tributário e do administrativo. Não são, con-
tudo, mandados de otimização, mas determinações no âmbito fático e jurídico,
autênticas regras jurídicas. Por outro lado, certos princípios-valor positivado não
são princípios-elemento estruturante. O princípio da proteção à intimidade é um
típico mandado de otimização – proteja-se à intimidade na maior medida possí-
vel – mas não é um elemento estruturante do Direito privado.
O segundo equívoco, também bastante comum, é mais grave: desprezar
um dos conceitos, como se o outro não tivesse préstimo científico. Quem nega o
conceito da segunda fase, nega a existência de uma Ciência do Direito: sem os
elementos estruturantes, o conjunto normativo deixa de ser um “ordenamento”
e passa a ser um mero amontoado de normas. Sem sistema, não há ciência, é a
velha lição de Immanuel Kant.16 Por outro lado, a correta aplicação do Direito
dá-se pela ponderação e pela subsunção, de modo que, quem nega o conceito da
terceira fase, restringe a aplicação à subsunção e, assim, a uma aplicação jurí-
dica equivocada. Por isso, há que se manter a ambiguidade na linguagem jurídica:
as duas referências são indispensáveis e, infelizmente, são denominadas pelo
mesmo rótulo.
Diante disso, para evitar o primeiro equívoco mencionado, quem se vale
da expressão “princípio jurídico” deve, caso o contexto não deixe claro, indicar
em que sentido emprega a expressão. Neste estudo, adotar-se-á o conceito da ter-
ceira fase. A expressão “princípio jurídico” será aqui utilizada para se referir aos
mandados de otimização. Não se pretende, porém, com a restrição aqui efetuada,
negar a utilidade do significado própria da segunda fase. Com efeito: apesar de
este estudo restringir-se aos princípios como mandados de otimização, não nega
a importância dos princípios jurídicos como elementos estruturantes.

2 Classificação dos princípios jurídicos


Robert Alexy classifica os princípios jurídicos em dois grupos: princípios
materiais e princípios formais. O conceito de princípios formais é bastante con-

15
O equívoco é criticado tanto por Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, op. cit.,
Cap. I, rodapé 35, p. 54) como por Virgílio Afonso da Silva (A constitucionalização do direito. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 36).
16
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de Valerio Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo:
Nova Cultural, 1999, p. 492.

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troverso, ao contrário dos princípios materiais. Material diz respeito, nessa


classificação, a conteúdo. Com efeito: o princípio material tem um determinado
conteúdo e, pois, determina a otimização de um valor específico. Classificam-se
os princípios materiais também em dois grupos: princípios relativos a direitos sub-
jetivos e princípios relativos a bens coletivos.17 Bem coletivo equivale ao conceito
econômico de bem público, vale dizer, refere-se aos bens de consumo não rival
ou não disputável e não excludente ou não exclusivo.18 A distinção é eviden-
ciada por um simples exemplo: a intimidade – proteja-se a intimidade na maior
medida possível – é um princípio relativo a direito subjetivo, e o meio ambiente
– proteja-se o meio ambiente na maior medida possível – é um princípio relativo
a bem coletivo. Fixados esses conceitos, adentra-se, finalmente, no tema central
deste estudo: os princípios formais.

3 Princípios formais: conceito


Para Robert Alexy, da mesma forma que o princípio material, o princípio
formal é um mandado de otimização realizável de acordo com as circunstâncias
fáticas e jurídicas.19 A differentia specifica é que, enquanto os princípios materiais
têm por objeto um valor específico, os princípios formais têm por um objeto uma
decisão, independentemente de seu conteúdo.20 Referem-se ao exercício de uma
competência.21 O conceito é adotado pelos seguidores de Alexy, destacando-se:
Jan-R. Sieckmann,22 Martin Borowski,23 Carlos Bernal Pulido,24 Laura Clérico25

17
Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 114-117; El concepto y la validez del derecho.
Traducción Jorge M. Seña. 2. ed. Barcelona: Gedisa, 2004, p. 179 et seq.; Direito, razão, discurso: estudos
para a filosofia do direito. Tradução Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 176-198.
Ronald Dworkin classifica os princípios em dois grupos: princípios em sentido estrito e políticas (Levando os
direitos a sério, op. cit., p. 36 e 141-151): os princípios em sentido estrito dizem respeito a direitos, diferente-
mente das políticas, que decorrem da competência discricionária do legislador. As classificações de Dworkin
e de Alexy são muito próximas: a busca do pleno emprego seria uma política, na terminologia de Dworkin,
e um princípio relativo a bem coletivo, na terminologia de Alexy.
18
Sobre o conceito econômico de bem público, vide, por todos, nosso Regulação administrativa à luz da Cons-
tituição Federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 95-96. Na economia, dentre tantos: BROWNING, Edgar K.;
ZUPAN, Mark A. Microeconomia. Tradução Bruna Catarine Caloi e Leila Almeida Rangel. Rio de Janeiro: LTC,
2004, p. 393-398; MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. Tradução Allan Vidigal Hastings. São Paulo:
Cengage Learning, 2008, p. 224-237; PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 6. ed., 3.
reimpr. Tradução Eleutério Prado e Thelma Guimarães. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007, p. 575-581.
19
Cf. ALEXY, Robert. Princípios formais. In: TRIVISONNO, Alexandre Travessoni Gomes et al. (Org.). Princípios
formais e outros aspectos da teoria discursiva do direito. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 13.
20
Idem, ibidem.
21
Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 331.
22
SIECKMANN, Jan-R. La teoría del derecho de Robert Alexy: análisis y crítica. Bogotá: Universidad Externado
de Colombia, 2014, p. 325 et seq.
23
BOROWSKI, Martin. La sujeción a determinaciones del legislador en la ponderación de derechos fundamen-
tales. In: CLÉRICO, Laura et al. (Coord.). Derechos fundamentales, principios y argumentación: estudios sobre
la teoría jurídica de Robert Alexy. Granada: Comares, 2011, p. 129 et seq.
24
BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales. 3. ed. Madrid: Cen-
tro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007, p. 714.
25
CLÉRICO, Laura. El examen de proporcionalidad en el derecho constitucional. Buenos Aires: Eudeba, 2009,
p. 224-227.

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e Virgílio Afonso da Silva.26 Na doutrina brasileira, o tema foi objeto da disserta-


ção de mestrado de Rafael Bellem de Lima.27 O princípio formal mais referido
por esses doutrinadores é o princípio que dá primazia às decisões do Legislador.
Independentemente de qual seja a decisão legislativa, esse princípio determina
que ela seja, na maior medida possível, respeitada. Segundo Robert Alexy, há
três modelos de atuação dos princípios formais: o puro modelo material-formal, o
modelo material-formal misto ou modelo da combinação e o modelo epistêmico.

4 Três modelos
Segundo o puro modelo material-formal um princípio material pode ser ponde-
rado com um princípio formal, sem que o último esteja associado a outro princípio
material. Metaforicamente, é como se num prato de uma balança estivesse um
princípio material (P1) e noutro prato apenas um princípio formal (PF). Alexy
dá como exemplo a fórmula de Radbruch, segundo a qual a injustiça extrema
não é Direito.28 Nesse caso entram em conflito, segundo ele, o princípio material
da justiça e o princípio formal da segurança jurídica: quando a injustiça não é
extrema prevalece o princípio da segurança, quando a injustiça é extrema preva-
lece o princípio da justiça.29
Considera-se muito mais fácil compreender a fórmula de Radbruch a par-
tir da distinção entre o plano jurídico da existência e o plano jurídico da validade.30 A
injustiça aberrante descaracteriza o deôntico e, pois, leva à inexistência normativa;
a injustiça não aberrante não leva à inexistência normativa, mas, sim, à invali-
dade.31 Dentre os pressupostos de existência das normas jurídicas, portanto, está a
não concretização de intolerável injustiça. Insiste-se na distinção, não efetuada
nestes termos por Alexy: norma intoleravelmente injusta é inexistente; norma
simplesmente injusta é inválida.
Alexy, de certa forma, acerta quando afirma que a justiça é um princípio
material e a segurança um princípio formal. Sua assertiva, porém, exige algumas
explicações. Em rigor, ambos são postulados normativos, pressupostos epistemoló-
gicos do Direito.32 Sem embargo, o sistema normativo pressupõe dois mandados:
realize-se na maior medida possível a justiça e respeite-se na maior medida pos-

26
SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito, op. cit., p. 148-153; Teoría de los principios,
competencias para la ponderación y separación de poderes. In: SIECKMANN, Jan-R. (Ed.). La teoría principia-
lista de los derechos fundamentales. Madrid: Marcial Pons, 2011, p. 249 et seq.
27
LIMA, Rafael Bellem de. Regras na teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 127 et seq.
28
ALEXY, Princípios formais, op. cit., p. 15.
29
Idem, p. 16.
30
Sobre ambos os planos, vide nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 121 et seq.
31
Idem, p. 133-138; Justiça deôntica. In: PIRES, Luis Manuel Fonseca; MARTINS, Ricardo Marcondes. Um diá-
logo sobre a justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 162 et seq.
32
Sobre o conceito de postulado, vide nosso Direito e justiça. In: PIRES, Luis Manuel Fonseca; MARTINS,
Ricardo Marcondes. Um diálogo sobre a justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 54-55. O conceito de pos-
tulado, aqui adotado, é o de BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 2. ed. São
Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 99-101.

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sível a segurança. Logo, esses postulados possuem a natureza de princípios. A


segurança pode ser caracterizada com um princípio formal, pois não se refere a
um valor específico. A justiça tem por objeto um conteúdo, mas difere dos outros
princípios materiais: decisão justa é a resultante da ponderação correta dos princí-
pios materiais e formais incidentes.33 Nem a segurança nem a justiça referem-se,
portanto, a um valor específico. Trata-se, por esse motivo, de um exemplo ruim
para justificar o modelo puro de ponderação entre um princípio formal (não asso-
ciado a um princípio material) e um princípio material.
O segundo modelo proposto é o modelo da combinação ou modelo material-
formal misto. Por força desse modelo o princípio formal só entra na ponderação
quando associado a um princípio material. Metaforicamente, num prato da
balança estaria um princípio material somado a um princípio formal (P1 + Pf)
e noutro prato da balança estaria outro princípio material (P2). A colisão nunca
se daria entre um princípio formal e um material, mas sim entre a soma de um
formal com um material e outro material. Robert Alexy adotou esse modelo no
Posfácio de sua Teoria dos Direitos Fundamentais e nela enunciou a lei da conexão:
“princípios formais procedimentais só podem superar princípios materiais de
direitos fundamentais se conectados a outros princípios materiais”.34 Conforme
explicado adiante, considera-se esse o melhor modelo.
O terceiro modelo, chamado de epistêmico, foi apresentado por Robert
Alexy na conferência de encerramento do Congresso Brasil-Alemanha de Teoria
do Direito e Direito Constitucional, realizado em Belo Horizonte, na Faculdade
de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em 12.02.14. Nessa con-
ferência Alexy rejeitou tanto o modelo puro como o modelo combinado. Para o
aclamado jurista, se fosse possível uma decisão fundamentada apenas num prin-
cípio formal, sem qualquer justificativa racional, ela seria não só desproporcional
como arbitrária. Concorda-se: toda imputação normativa deve fundamentar-se
em algum valor constitucional, não se aceitando mais imputações normativas
fundamentadas apenas na competência dos agentes públicos.35 Logo, é, de fato,
insustentável o modelo puro.
Alexy argumenta que pelo modelo combinado uma decisão que seria des-
proporcional poderia, por força do princípio formal, tornar-se justificada e a
assunção de uma decisão materialmente desproporcional contraria a supremacia
da Constituição. Reviu, então, a posição que adotara no Posfácio redigido em
2012 e, em 2014, rejeitou o modelo combinado, propondo, em substituição,
o modelo epistêmico. Para entender esse novo modelo, deve-se compreender
a dogmática das margens de ação. Trata-se da teoria de Alexy sobre a discriciona-
riedade do Legislador. De plano, afastam-se duas premissas: a) a atuação do

33
Sobre o conceito de decisão justa, vide nosso Direito e justiça, op. cit., p. 68-69.
34
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 625. Observa-se que a obra Teoria dos direitos
fundamentais foi publicada em 1985 e o Posfácio em 2002.
35
Cf. nosso Teoria jurídica da liberdade. São Paulo: Contracorrente, 2015, p. 25.

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Legislador não é arbitrária, pois ela é limitada pela Constituição; b) a atuação do


Legislador não é sempre vinculada, pois a Constituição não dá todas as respos-
tas. A Constituição diz muito, mas não diz tudo. Daí o conceito de ordem marco: a
Constituição é um marco dentro do qual deve atuar o Legislador.36 A partir desse
marco, apresentam-se as margens de ação legislativa.
Alexy classifica as margens de ação em dois grupos: margens de ação estru-
tural e margens de ação epistêmica ou cognitiva.37 Quando a Constituição atribui ao
Legislador a competência para escolher entre duas ou mais alternativas, confi-
gura-se a chamada margem de ação estrutural. Nesta, a Constituição simplesmente
não define a resposta jurídica devida, deixando a questão ao crivo do Legislador.
Há casos, contudo, que não é possível saber se a Constituição atribuiu ou não
uma resposta a dada situação. Nessas hipóteses, de dúvida sobre a existência de
uma resposta constitucional, configura-se a chamada margem de ação epistêmica:
atribui-se ao Legislador, em casos de dúvida, definir o caminho a ser seguido.
Alexy divide a margem estrutural em três subgrupos: margem estrutu-
ral para escolha de fins, margem estrutural para escolha de meios e margem
estrutural para ponderar.38 E divide a margem epistêmica ou cognitiva em dois sub-
grupos: discricionariedade epistêmica empírica, decorrente da incerteza relativa
às circunstâncias fáticas, e discricionariedade epistêmica normativa, decorrente
da incerteza relativa às circunstâncias normativas.39
Sobre a escolha de fins, a maioria da doutrina limita-se a afirmar a
competência do Legislador para estabelecer novos princípios jurídicos a serem
concretizados.40 Num aprofundamento teórico, acolhe-se a divisão proposta por
Carlos Bernal Pulido em finalidades mediatas e finalidades imediatas.41 Se todo fim
estatal mediato está, expressa ou implicitamente, previsto no Texto Constitucional,
a maior parte dos fins estatais imediatos são estabelecidos pelo Legislador. Logo, é
mister desdobrar o primeiro grupo em dois subgrupos: discricionariedade para
escolha do fim mediato a ser concretizado e discricionariedade para a definição
do objetivo imediato.42 Noutras palavras, há discricionariedade para escolha de

36
Cf. ALEXY, Robert, Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 578-584; Tres escritos sobre los derechos
fundamentales y la teoría de los principios. Tradução de Carlos Bernal Pulido. Bogotá: Universidad Externado
de Colombia, 2003, p. 54-56.
37
ALEXY, Robert. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y la teoría de los principios, op. cit., p. 58.
38
Idem, p. 60-80.
39
Idem, p. 81-87.
40
Por todos: PRIETO SANCHÍS, Luis. Justicia constitucional y derechos fundamentales. 2. ed. Madrid: Trotta,
2009, p. 199-200.
41
BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 719.
Em minha dissertação de mestrado defendi que todos os princípios jurídicos estariam expressa ou implici-
tamente previstos no texto constitucional (Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 36). Acolhi,
posteriormente, a classificação de Bernal Pulido e retifiquei minha posição (Proporcionalidade e boa adminis-
tração. In: CAMMAROSANO, Flávia; ESTEFAM, Felipe Faiwichow. Direito público em debate. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2014, p. 19).
42
Cf. nosso Proporcionalidade e boa administração, op. cit., p. 19.

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Teoria dos princípios formais  73

qual princípio constitucional a concretizar e discricionariedade para definição de


um subprincípio legislativo, que concretize o princípio constitucional escolhido.43
Alexy passou a distinguir a primeira lei da ponderação, também chamada de
lei da ponderação material, da segunda lei da ponderação, também chamada de lei
da ponderação epistêmica. Pela primeira: “quanto maior for o grau de não-satis-
fação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância
de satisfação do outro”.44 Pela segunda: “quanto mais pesada for a intervenção
em um direito fundamental, tanto maior terá que ser a certeza das premissas
nas quais essa intervenção se baseia”.45 A primeira rege a ponderação de pri-
meira ordem e a segunda rege a ponderação de segunda ordem. Alexy passou
a defender que o princípio formal que dá primazia às decisões do Legislador
é irrelevante na ponderação de primeira ordem; somente tem relevância na
ponderação de segunda ordem, que, para o aclamado constitucionalista, é uma
ponderação entre um princípio material e um princípio formal.46 Em decorrên-
cia do último, em certos casos de incerteza empírica dá-se prevalência à decisão
legislativa. Discorda-se de Alexy por um motivo simples: por trás de toda decisão
legislativa sempre há um princípio material. O princípio formal que dá prima-
zia às ponderações legislativas atribui um peso maior a esse princípio material.
Mesmo na margem de ação epistêmica empírica, a colisão não se dá entre um
princípio material e um formal, mas entre um princípio material e outro mate-
rial acrescido do peso de um formal.
Há um quarto modelo, denominado modelo de concepções concorrentes,
proposto por Jan-R. Sieckmann.47 Esse modelo também pressupõe dois níveis
distintos de ponderação, mas, ao contrário do modelo epistêmico, um nível é
composto exclusivamente de princípios materiais e o outro é composto exclu-
sivamente de princípios formais. No primeiro nível, tanto o Legislador como
o Tribunal Constitucional devem realizar a ponderação e buscar, cada um, sua
própria compreensão do Direito. Se os resultados das respectivas ponderações
coincidirem, os princípios formais, segundo esse modelo, não têm razão de ser.
Eles só incidem quando o resultado da ponderação dos princípios materiais efe-

43
Como bem doutrina José Joaquim Gomes Canotilho as normas jurídicas apresentam-se, em relação à sua
abertura semântica, numa estrutura piramidal: no ápice estão as normas mais abertas, chamadas por ele
de princípios estruturantes, abaixo os princípios constitucionais gerais, abaixo os princípios constitucionais
especiais, abaixo as regras constitucionais, todas formando um “processo bi-unívoco de esclarecimento
recíproco”, de modo que as mais densas concretizam as menos densas e a compreensão de umas dá-se
pelas outras e vice-versa (Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000,
p. 1139). Em complemento pode-se acrescentar à pirâmide, abaixo das regras constitucionais, os princípios
legislativos, as regras legislativas, as regras administrativas e as regras jurisdicionais. Logo, os princípios legis-
lativos, ao estabelecer fins imediatos, sempre concretizam os princípios constitucionais, que estabelecem os
fins mediatos.
44
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 167.
45
Idem, p. 617.
46
ALEXY, Princípios formais, op. cit., p. 26.
47
Cf. SIECKMANN, Jan-R. La teoría del derecho de Robert Alexy, op. cit., p. 337. Sobre ela vide: LIMA, Rafael
Bellem de. Regras na teoria dos princípios, op. cit., p. 139-146.

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74  Ricardo Marcondes Martins

tuada pelo Legislador e pelo Tribunal Constitucional não coincidir. Nesse caso,
devem ser ponderados apenas os princípios formais, o que sustenta a autoridade
legislativa e o que sustenta a autoridade judiciária. Nessa segunda ponderação,
Siekcmann afirma que os princípios materiais também têm relevância, pois “o
grau de afetação do princípio material constitui um elemento para estabelecer o
peso do princípio formal”.48 O modelo é de difícil manejo prático, o que justifica
seu não acolhimento. Não há razão plausível para dissociar a ponderação com os
princípios formais da ponderação com os princípios materiais. Tanto é verdade
que o próprio Sieckmann reconhece a interferência dos princípios materiais na
segunda ponderação.

5 Princípios formais fundamentais


Apresentados em linhas gerais os quatro modelos, considera-se que nem
Robert Alexy nem seus discípulos extraíram da teoria dos princípios formais todo
seu potencial. Nos termos expostos, defende-se de forma intransigente o modelo
combinado. Toda decisão jurídica concretiza um valor positivado no sistema nor-
mativo vigente. Logo, toda decisão jurídica, seja a decisão do constituinte, do
reformador da Constituição, do legislador, do agente administrativo, do par-
ticular ou do magistrado, consiste na concretização de um ou mais princípios
materiais, sejam princípios relativos a direitos subjetivos, sejam princípios relati-
vos a bens coletivos. Por conseguinte, é simplesmente inconcebível a incidência
de um princípio formal sem que este esteja associado a um princípio material.
Daí o conceito: princípios formais são princípios que atribuem um peso a mais
a um princípio material. Acolhe-se, portanto, sem ressalvas, a lei da conexão
formulada por Alexy: princípios formais, na ponderação, sempre atuam em
conexão com princípios materiais. Fixado esse conceito, propõe-se uma classifi-
cação dos princípios formais: há os fundamentais e há os especiais.
Os princípios formais fundamentais, além de atribuir um peso adicional aos
princípios materiais, têm, diferentemente dos formais especiais, a magna missão
de fundamentar o exercício de uma competência discricionária ou o exercício da
liberdade. Se não existissem, as competências normativas estabelecidas pelo Direito
não seriam respeitadas. Ao examinar um conflito valorativo, o jurista deve levar
em consideração as competências normativas, tendo em vista, justamente, o peso
dos respectivos princípios formais. Possuem, portanto, uma função essencial no
Direito: asseguram a separação de poderes e a liberdade privada. Deveras, ao exercer
a discricionariedade, no caso dos agentes públicos, ou a liberdade, no caso do
particular, e tomar uma decisão, a concretização do princípio material resultante
dessa decisão é acrescida de um peso adicional, dado pelo princípio formal fun-
damental associado ao exercício da competência discricionária e da liberdade.
Existem apenas cinco princípios formais fundamentais.

48
SIECKMANN, Jan-R. La teoría del derecho de Robert Alexy, op. cit., p. 341.

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Teoria dos princípios formais  75

As ponderações jurídicas iniciam-se com o constituinte (originário). A edição


de uma Constituição pressupõe uma série de ponderações, realizadas pelo Poder
Constituinte. Num equívoco generalizado, boa parte da doutrina considera-o
caracterizado pela ilimitabilidade jurídica.49 Se a tese fosse correta, o consti-
tuinte agiria livremente e decidiria apenas e tão somente pelo seu livre arbítrio.
Defende-se o contrário: o constituinte, ainda que possua uma alargada discricio-
nariedade, exerce função pública, possui o dever de tutelar o interesse do povo e
poderes instrumentais para se desincumbir desse dever.50 É limitado pelos pres-
supostos epistemológicos da Constituição, chamados de postulados normativos.51
Caso os viole, não perfará a edição da Constituição, incidindo numa contradição
performativa.52 A discricionariedade do Poder Constituinte é a mais alargada de
todos, tendo em vista que é apenas limitada pelos postulados normativos, e ali-
cerça-se num princípio formal fundamental que dá primazia às ponderações do
constituinte “originário” (Pfco). Dentre os princípios formais, “Pfco” é o que pos-
sui maior peso. Como toda norma abstrata é, em decorrência da relatividade dos
valores, prima facie,53 a ponderação constituinte pode, excepcionalissimamente,
ser afastada, em decorrência de valores opostos, à luz do caso concreto (P2 > P1
+ Pfco). Sem embargo, deve-se ressalvar: diante do grande peso de “Pfco”, esse

49
Afirma, por todos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Dentro de uma perspectiva positivista, o Poder Cons-
tituinte é juridicamente ilimitado, por uma razão óbvia, porque, para a doutrina positivista, não há direito
antes da manifestação do Poder Constituinte, portanto, não há direito que possa ser invocado contra o Poder
Constituinte” (O poder constituinte. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 75). De longa data, porém, José
Horácio Meirelles Teixeira fazia várias ressalvas à suposta ilimitabilidade: “Mas esta ausência de vinculação,
note-se bem, é apenas de caráter jurídico-positivo, significando apenas que o Poder Constituinte não está
ligado, em seu exercício, por normas jurídicas anteriores. Não significa, porém, e nem poderia significar, que
o Poder Constituinte seja um poder arbitrário, absoluto, que não conheça quaisquer limitações. Ao contrário,
tanto quanto a soberania nacional, da qual é apenas expressão máxima e primeira, está o Poder Constituinte
limitado pelos grandes princípios do Bem Comum, do Direito Natural, da Moral, da Razão” (Curso de direito
constitucional. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 213).
50
Sobre o conceito de função pública vide, por todos: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito
administrativo, op. cit., Cap. I-54, p. 72. Para um aprofundamento teórico vide nosso Efeitos dos vícios do
ato administrativo, op. cit., p. 37-63.
51
Cf. nosso Direito e justiça, op. cit., p. 54-55.
52
Segundo John L. Austin, atos performativos consistem em atos realizados pela enunciação linguística (Cómo
hacer cosas con palabras. Traducción Genaro R. Carrió e Eduardo A. Rabossi. Barcelona: Paidós, 1971, p.
51). Editar uma norma jurídica consiste num ato performativo, pois depende da enunciação. Como todo ato
performativo, para que seja realizado, necessita que sejam observadas determinadas condições. Eis a teoria
dos infortúnios linguísticos de Austin: caso não observadas as condições necessárias para que a expressão
performativa seja afortunada, o ato não se realiza (Idem, p. 59-60). Como bem esclarece Robert Alexy, o
constituinte que nega a pretensão de justiça, pressuposta pelo ato de editar uma Constituição, incorre numa
contradição performativa e não realiza a respectiva edição (La institucionalización de la justicia. Traducción
de José Antonio Seoane, Eduardo Roberto Sodero y Pablo Rodríguez. Granada: Comares, 2005, p. 37-40).
Sobre a associação dos postulados às contradições normativas vide nosso Direito e justiça, op. cit., p. 50-55.
53
Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 73, rodapé 17. Em assonância com esse enten-
dimento assim se manifesta o ínclito Prof. Juarez Freitas: “não se aplica a lógica do ‘tudo-ou-nada’ em
nenhuma parcela do Direito, dado que a lógica dialética ocorre no plano dos princípios e das regras, sendo a
diferença entre ambos sobretudo de carga argumentativa e de função hierárquica, dado que, por definição,
as regras devem servir aos princípios constitucionais” (Discricionariedade administrativa e o direito funda-
mental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 38).

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76  Ricardo Marcondes Martins

afastamento é muito difícil, de modo que o princípio (ou princípios) oposto(s)


deve(m) possuir um peso extraordinariamente significativo(s).
A Constituição pode ser alterada pelo impropriamente chamado Poder
constituinte reformador.54 Ele não o faz livremente, com base apenas no livre arbí-
trio. Também – e, sendo constituído pelo constituinte “originário”, com mais
razão – exerce função pública: altera a Constituição no dever de tutelar o inte-
resse do povo. É limitado não apenas pelos postulados normativos, mas também
pelas cláusulas pétreas expressas e implícitas e todas as demais limitações expressas e
implícitas ao poder de reforma.55 Apesar disso, possui também ampla margem
de atuação discricionária, alicerçada no princípio formal fundamental que dá
primazia às ponderações do poder reformador (Pfcr). Sendo maior o número
de obstáculos ao exercício da competência, o peso de “Pfcr” é menor do que o
peso de “Pfco”.
Cabe ao Legislador, observados os postulados normativos e todas as nor-
mas constitucionais, realizar ponderações autônomas no plano abstrato e fixar,
numa prognose do caso concreto em que a norma abstrata será aplicada, os meios
de concretização dos valores constitucionais.56 Ao contrário do constituinte ori-
ginário, não está apenas limitado pelos postulados; ao contrário do reformador,
não está limitado apenas pelos postulados e limites à reforma. Todas as normas
constitucionais, sejam as extraídas da literalidade do texto constitucional, sejam
as consideradas implícitas no Texto, limitam a discricionariedade legislativa. Sem
embargo, ainda lhe resta uma ampla margem de atuação discricionária (teoria das
margens de ação, estrutural e epistêmica, referida anteriormente). Atuação essa
alicerçada no princípio formal fundamental que dá primazia às ponderações do
legislador (Pfl). O peso de “Pfl” é menor do que o peso de “Pfcr” e, pois, que o
peso de “Pfco”. Como visto anteriormente, a doutrina em geral, ao se manifestar
sobre os princípios formais, restringe sua análise ao exame desse princípio.
Compete ao administrador, observados os postulados, as normas constitu-
cionais e o peso do princípio formal que dá primazia às ponderações legislativas,
realizar ponderações no plano concreto, em concretização dos valores consti-
tucionais.57 A discricionariedade administrativa é a mais reduzida do sistema.
Há, pois, um princípio formal fundamental que dá primazia às ponderações
da Administração Pública (Pfa). Este, porém, tem peso menor que os demais
(Pfa < Pfl < Pfcr < Pfco). Robert Alexy refere-se à margem de ação epistêmica
legislativa e afirma que, na dúvida, muitas vezes o sistema determina que se res-

54
Em rigor, constituinte é apenas o originário; o reformador é constituído pelo originário. Cf. nosso Regulação
administrativa à luz da Constituição Federal, op. cit., p. 71-81. Apesar de aqui ser utilizada a expressão “cons-
tituinte reformador”, acolhe-se, portanto, integralmente a crítica a ela efetuada por BANDEIRA DE MELLO,
Celso Antônio. Curso de direito administrativo, op. cit., Cap. V, §145, p. 338-339.
55
Adota-se em linhas gerais e teoria sobra a reforma constitucional de Carlos Ayres Britto (Teoria da Constitui-
ção. Rio de Janeiro: Forense, 2003). Para um panorama sobre as limitações expressas e implícitas ao poder
de reforma vide nosso Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, op. cit., p. 71-81.
56
Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 68-70.
57
Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 93-95.

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Teoria dos princípios formais  77

peite a escolha do Legislador.58 Dá como exemplo o caso da cannabis: segundo


ele, não há certeza científica se faz mal à saúde; na dúvida, aceita-se a decisão
do Legislador de proibir seu consumo. Nos termos expostos, para a margem
epistêmica empírica ele propõe a 2ª lei da ponderação: “quanto mais pesada for
a intervenção em um direito fundamental, tanto maior terá que ser a certeza das
premissas nas quais essa intervenção se baseia”.59
Os constitucionalistas, regra geral, restringem-se a teorizar sobre o
exercício da função legislativa. Pouco ou nada tratam do exercício da função
administrativa, cabendo aos administrativistas teorizar sobre ela. Ora, assim
como há uma discricionariedade estrutural e epistêmica legislativa, há também uma
discricionariedade estrutural e epistêmica administrativa. Dessarte: a 2ª lei da ponde-
ração também rege a função administrativa. Suponha-se que um edifício ameace
ruir, gerando grave risco à segurança dos administrados. Caberá à Administração
atuar. No mundo fenomênico, jamais haverá certeza sobre o momento da ruína,
o que há são juízos de probabilidade. Aplica-se, então, integralmente a mencio-
nada lei doutrinária: quanto mais certeza houver sobre a possibilidade de ruína,
mais estará justificada a interdição administrativa do edifício, quanto menos
certeza houver, menos estará justificada a referida interdição.60 O exemplo evi-
dencia a assertiva: assim como existe um princípio formal que dá primazia às
ponderações legislativas e, pois, justifica a discricionariedade do Legislador, há
um princípio formal que dá primazia às ponderações administrativas e justifica
a discricionariedade do Administrador.
Finalmente, existe um quinto e último princípio formal fundamental. Ele
não legitima o exercício de competência discricionária, não se refere ao exercício
de uma função pública. Dá, sim, arrimo à liberdade, vale dizer, à autonomia da
vontade, à atuação dos particulares alicerçada no livre arbítrio, campo das con-
dutas facultadas.61 Trata-se do princípio formal fundamental que dá primazia às
ponderações privadas (Pfp). O direito fundamental de liberdade possui uma dupla
natureza: existe um princípio material da liberdade, que garante a existência da
esfera de condutas facultadas e protege essa esfera de restrições não justificadas,
e um princípio formal da liberdade ou da autonomia da vontade, que acresce um peso
ao princípio material, garantindo, assim, respeito à esfera de decisão privada.62
A liberdade privada é restringida pelos postulados normativos, pelas cláusulas
pétreas, pelas normas constitucionais, pelas leis e pelas normas administrati-
vas. Trata-se do princípio formal fundamental menos pesado do sistema jurídico
(Pfp < Pfa < Pfl < Pfcr < Pfco).

58
Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 612-622.
59
Idem, p. 617.
60
Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 232.
61
Sobre o espaço privado, campo das condutas facultadas, vide nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p.
38 et seq.
62
Idem, p. 73.

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78  Ricardo Marcondes Martins

Nos termos expostos, os cinco princípios formais fundamentais possuem


diferentes pesos, sendo possível estabelecer, tendo em vista a sequência aqui
apresentada, uma ordem decrescente:63 o princípio formal fundamental que
dá primazia às ponderações do constituinte originário (Pfco), cuja discriciona-
riedade só é restringida pelos postulados normativos, é mais pesado do que o
princípio formal fundamental que dá primazia às ponderações do reformador
da Constituição (Pfr), cuja discricionariedade só é restringida pelos postulados e
pelos limites expressos e implícitos ao poder de reforma; que, por sua vez, é mais
pesado que o princípio formal fundamental que dá primazia às ponderações
do legislador (Pfl), cuja discricionariedade é restringida pelos postulados e por
todas as normas constitucionais expressas e implícitas; que, por sua vez, é mais
pesado que o princípio formal fundamental que dá primazia às ponderações
do administrador (Pfa), cuja discricionariedade é restringida pelos postulados,
normas constitucionais e todas as normas legislativas, expressas e implícitas; que,
por sua vez, é mais pesado que o princípio formal fundamental que dá primazia
às ponderações privadas (Pfp), cuja liberdade é restringida pelos postulados,
normas constitucionais, legislativas e todas as normas administrativas. A essa
ordem decrescente (Pfco > Pfcr > Pfl > Pfa > Pfp) atribui-se o nome de lei das
competências normativas.64

5.1 Discricionariedade legislativa x discricionariedade administrativa


Discricionariedade legislativa e administrativa são quantitativamente dis-
tintas. Enquanto a administrativa é restringida pelo princípio formal que dá
primazia às ponderações do Legislador (Pfl), a legislativa não é restringida pelo
princípio formal que dá primazia às ponderações da Administração (Pfa). Não
é apenas a edição de uma lei que faz incidir o “Pfl”. Quando o Legislador não
edita a lei e, pois, não impõe uma obrigação ou uma proibição, ele qualifica a
conduta como facultada e, assim, concretiza o princípio material da liberdade
e os demais princípios eventualmente concretizados pela inação estatal. Com
efeito: por força do princípio da legalidade (CF/88, art. 5º, II), deve-se entender
que a falta de regra legislativa abstrata expressa também é resultante da ponde-
ração legislativa: ao não editar a lei, o legislador considerou, no plano abstrato,
que o peso do princípio concretizado pela omissão prevalece sobre o peso do
princípio concretizado pelo agir estatal ou privado.65
Assim, havendo edição de lei, incide “Pfl” para acrescentar um peso adi-
cional ao princípio material concretizado pela lei; inexistindo edição da lei,
incide “Pfl” para acrescentar um peso adicional aos princípios materiais con-
cretizados pela inação estatal ou privada, dentre eles o princípio material da

63
Cf. nosso Abuso de direito e constitucionalização do direito privado, op. cit., p. 40-44.
64
Cf. nosso Justiça deôntica, op. cit., p. 209.
65
Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 181; Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 72.

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Teoria dos princípios formais  79

liberdade. Em ambos os casos, há uma decisão legislativa: no primeiro caso em


prol da respectiva disciplina legislativa, no segundo em prol da não disciplina.
A Administração Pública sempre deve levar em consideração, nas ponderações
que realiza, o peso do referido princípio formal. Assim, não é correto supor que
somente a lei expressa interfere na discricionariedade administrativa. A inexis-
tência de lei também interfere, pois, objetivamente, também é considerada fruto
de uma decisão legislativa. Se a Administração deve levar em consideração o
peso do “Pfl” em suas ponderações, o Legislador não necessita levar em consi-
deração o peso de “Pfa”. Consequentemente, a discricionariedade legislativa é
muito mais ampla do que a discricionariedade administrativa.
O Legislador pode editar normas legislativas completas e normas legislati-
vas incompletas.66 No primeiro caso, ele apresenta, de modo preciso, a hipótese, a
consequência e a finalidade normativas. No segundo, ele pode editar uma norma
legislativa sem indicar a hipótese, sem indicar a consequência ou sem indicar a
finalidade (incompletude total), deixando para o Administrador, à luz do caso con-
creto, respectivamente, decidir qual hipótese justifica a consequência legislativa,
qual consequência deve ser imputada à hipótese legislativa ou qual finalidade
deve ser perseguida pela hipótese e consequência legislativas (remissão expressa).
É possível, porém, que o Legislador enuncie duas ou mais hipóteses, duas ou
mais consequências, duas ou mais finalidades (incompletude parcial) e deixe para
o Administrador, à luz do caso concreto, escolher, respectivamente, a hipótese,
a consequência ou a finalidade dentre as previstas no texto legislativo (remissão
expressa). Finalmente, é possível também que o Legislador se valha de conceitos
vagos, fluidos ou indeterminados (incompletude parcial), de modo a deixar para o
Administrador definir, na zona de incerteza dos conceitos,67 se eles estão ou não
presentes (remissão tácita).
O Legislador não é livre para editar normas incompletas. Se no plano
abstrato for possível atender, de modo satisfatório, ao interesse público com a
edição de uma norma completa, deve o Legislador editá-la de modo comple-
to.68 O sistema jurídico só admite a incompletude normativa e, pois, a remissão
expressa ou tácita, quando, no plano abstrato, ela for justificada para a ótima
realização do interesse público.69 Dito isso, há que se reconhecer: a existência de

66
Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 177-178.
67
Sobre a zona de incerteza ou de penumbra explica Genaro R. Carrió: “Hay un foco de intensidad luminosa
donde se agrupan los ejemplos típicos, aquellos frente a los cuales no se duda que la palabra es aplicable.
Hay una mediata zona de oscuridad circundante donde caen todos los casos en los que no se duda que no
lo es. El tránsito de una zona a otra es gradual; entre la total luminosidad y la oscuridad total hay una zona
de penumbra sin límites precisos” (Notas sobre derecho y lenguaje, op. cit., p. 33-34). Sobre o tema vide:
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, op. cit., Cap. XIX-22 a 27, p. 996-999.
No direito, a teoria foi difundida por HART, H. L. A. O conceito de direito. Tradução de Antônio de Oliveira
Sette-Câmara. 1. ed., 2. tir. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 5 e 161-176.
68
Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed., 11. tir. São Paulo:
Malheiros, 2012, p. 32-36.
69
Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: “É exatamente porque a normal legal só quer a solução
ótima, perfeita, adequada às circunstâncias concretas, que, ante o caráter polifacético, multifário, dos fatos

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80  Ricardo Marcondes Martins

completude ou incompletude normativa interfere diretamente na configuração


de vinculação ou discricionariedade administrativa.
Para entender a assertiva, há que se diferenciar a teoria legalista da discri-
cionariedade administrativa da teoria neoconstitucionalista.70 Pela primeira, a fonte
da discricionariedade é o Legislador, de modo que ela só existe nas hipóteses de
incompletude normativa; sempre que houver completude, há vinculação. Cabe
ao Legislador, pela teoria legalista, decidir se constitui uma competência admi-
nistrativa vinculada ou discricionária. Ao revés, pela teoria neoconstitucionalista,
aqui integralmente acolhida, a fonte da discricionariedade administrativa é o
Direito globalmente considerado e não o Legislador. Discricionariedade é a
possibilidade de escolher entre duas ou mais alternativas igualmente admitidas
pelo Direito, globalmente considerado. Assim, se na ponderação à luz do caso
concreto, levando-se em consideração não apenas o peso dos princípios mate-
riais, mas também o peso dos princípios formais, o Direito admitir apenas uma
solução, haverá vinculação; se admitir duas ou mais possibilidades, haverá discri-
cionariedade. A atuação do Legislador, na teoria neoconstitucional, isoladamente
considerada, não é suficiente para definir a discricionariedade ou a vinculação.
Isso porque a norma legislativa pode ser absolutamente completa e, nas cir-
cunstâncias do caso, o Direito admitir duas ou mais soluções, caracterizando-se
a competência discricionária; e pode ser absolutamente incompleta e, nas cir-
cunstâncias do caso, o Direito admitir apenas uma solução, caracterizando-se
a competência vinculada. Assim, ao contrário do que ocorre na teoria legalista,
na neoconstitucionalista completude e incompletude normativas não implicam
necessariamente vinculação e discricionariedade administrativas. Logo, a atua-
ção legislativa não é nem condição necessária nem condição suficiente para que
haja discricionariedade ou vinculação administrativas, mas isso não significa que
seja irrelevante.
É possível afirmar que a completude normativa é um indício de vincula-
ção e a incompletude um indício de discricionariedade. Isso em decorrência da
lei da discricionariedade administrativa, segundo a qual: quanto maior for a com-
pletude normativa, maior será o peso do princípio formal que dá primazia à
ponderação legislativa (Pfl) e menor será o peso do princípio formal que dá
primazia à ponderação administrativa (Pfa); quanto menor for a completude
normativa, maior será o peso do princípio formal que dá primazia à ponderação
administrativa (Pfa) e menor será o peso do princípio formal que dá prima-
zia à ponderação legislativa (“Pfl”).71 Noutras palavras, a completude normativa

da vida, se vê compelida a outorgar ao administrador – que é quem se confronta com a realidade dos fatos
segundo seu colorido próprio – certa margem de liberdade para que este, sopesando as circunstâncias,
possa dar verdadeira satisfação à finalidade legal” (Discricionariedade e controle jurisdicional, op. cit., p. 35).
70
Cf. nosso Ato administrativo. In: MARTINS, Ricardo Marcondes; BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Tratado de
direito administrativo: ato administrativo e procedimento administrativo, v. 5. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2014, p. 118; Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 180-181.
71
Cf. nosso Ato administrativo, op. cit., p. 122; Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 182.

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Teoria dos princípios formais  81

aumenta o peso de “Pfl” e a possibilidade de configuração, no caso concreto, de


vinculação administrativa; ao revés, a incompletude normativa aumenta o peso
de “Pfa” e a possibilidade de configuração, no caso concreto, de discricionarie-
dade administrativa.
Nos termos expostos, o Legislador não é livre para editar normas incom-
pletas. Sempre que, no plano abstrato, for possível editar uma norma completa
que atenda, de modo satisfatório, o resultado da ponderação abstrata dos prin-
cípios constitucionais, o Direito veda ao Legislador valer-se da incompletude
normativa. Deve-se, porém, distinguir duas situações: as chamadas relações gerais
de sujeição e as relações especiais de sujeição. Nas primeiras, a sujeição à autoridade
estatal atinge genericamente o povo, os nacionais, ou os que estejam no ter-
ritório estatal;72 nas especiais, a sujeição à autoridade decorre de um vínculo
específico com a Administração e atinge apenas os submetidos a esse vínculo.73
Pois bem, nas relações especiais de sujeição o Direito é mais tolerante com a
incompletude normativa e com a remissão expressa ou tácita à atuação adminis-
trativa do que nas relações gerais de sujeição. Vigora, portanto, a lei da sujeição
especial: o princípio formal que dá primazia às ponderações da Administração
(Pfa) tem maior peso nas relações especiais de sujeição do que nas relações gerais
de sujeição; em sentido contrário, o princípio formal que dá primazia às ponde-
rações do legislador (Pfl) tem maior peso nas relações gerais de sujeição, do que
nas relações especiais de sujeição.74
A diferença entre a discricionariedade legislativa e a administrativa não
é apenas de grau. A diferença quantitativa, nos termos já expostos, decorre da
legalidade e, pois, do dever de a Administração atentar para o peso de “Pfl”.
Afora isso, há também uma diferença qualitativa, decorrente da boa administração.
Quando o sistema permite que o Legislador escolha uma medida de concretiza-
ção, não impõe a ele que escolha a melhor medida. Diversamente ocorre, por força
do dever de boa administração, com a Administração Pública: quando o sistema
jurídico permite a ela escolher uma medida de concretização, impõe a escolha
da melhor medida.75 Nesse tema, propõem-se duas leis doutrinárias.
O Legislador não é obrigado a escolher a melhor medida de concreti-
zação, mas a existência de medidas melhores, em relação à escolhida por ele,
gera um indício de que a ponderação legislativa foi desproporcional. Daí a lei da

72
São as três espécies de relação geral de sujeição, dispostas, tendo em vista o grau de sujeição, em ordem
decrescente, cf. nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 127-128.
73
Sobre os critérios para caracterização da relação especial de sujeição vide nossos Teoria jurídica da liberdade,
op. cit., p. 128; e Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, op. cit., p. 116-119.
74
Cf. nosso Regulação administrativa à luz da Constituição Federal, op. cit., p. 309-310.
75
Cf. nosso Proporcionalidade e boa administração, op. cit., p. 35 et seq. Sobre o tema assim se manifesta o Prof.
Juarez Freitas em sua notável monografia: “Importa reiterar que as escolhas são igualmente válidas somente
em abstrato, presumida a constitucionalidade da norma que as admite como tais. Já na justificativa das opções
assumidas, no plano concreto, impende verificar se a escolha, aparentemente válida, não se mostra trans-
gressora dos princípios, especialmente tendo em mente o direito fundamental à boa administração pública”
(Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública, op. cit., p. 124).

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boa administração em face da medida legislativa: quanto menos idônea for a medida
legislativa, comparada com outras medidas existentes, menos peso tem o prin-
cípio formal que dá primazia às ponderações legislativas (Pfl).76 Nesses termos,
quanto mais estiver, no caso concreto, caracterizada a existência de uma medida
melhor, em detrimento da escolhida pelo legislador, mais autorizada estará a
Administração a afastar a decisão legislativa e, com ela, o princípio formal que
dá primazia ao seu cumprimento.
Quando a medida é escolhida pela Administração incide a lei da boa admi-
nistração em face da medida administrativa: deve o agente administrativo escolher a
melhor medida.77 A escolha administrativa da medida dá-se em três hipóteses: 1.
quando a própria lei atribui à Administração a escolha da medida de concretiza-
ção (incompletude total ou parcial); 2. quando a lei fixa uma medida específica
a ser concretizada pelo Administrador e na ponderação realizada à luz do caso
concreto, a decisão legislativa é total ou parcialmente afastada; 3. quando,
apesar da falta de lei, na ponderação concreta realizada pela Administração o
princípio formal que dá primazia à decisão do legislador em prol da inação
estatal é afastado.78 Nessas três hipóteses, a medida de concretização do princí-
pio constitucional (fim mediato) e/ou legislativo (fim imediato) é definida pelo
agente administrativo. O dever de boa administração impõe, nos três casos, que
o agente escolha a melhor medida existente para a concretização do respectivo
princípio.

5.2 Princípio formal da autonomia da vontade


Nos termos expostos, há um princípio formal fundamental que dá pri-
mazia às ponderações privadas e, por conseguinte, assegura a competência dos
particulares para edição de normas privadas (autonomia privada), bem como
sua prerrogativa de realizar condutas facultadas (autonomia da vontade).79
Trata-se do princípio formal da autonomia da vontade (Pfp). Nos termos do modelo
combinado, aqui defendido, ele sempre atua em conjunto com o princípio mate-
rial da liberdade, que determina o asseguramento, na maior proporção possível,
da esfera de condutas facultadas. Em relação ao referido princípio formal, pro-
põem-se três leis doutrinárias.
Segundo a lei da autonomia da vontade, quanto maior for a autonomia real
das partes envolvidas, maior será o peso do princípio formal que dá primazia às
ponderações privadas.80 Bem por isso, o peso do princípio formal da autonomia

76
Cf. nosso Proporcionalidade e boa administração, op. cit., p. 36-37.
77
Idem, p. 37.
78
Idem, p. 38,
79
Sobre os conceitos de autonomia da vontade e autonomia privada vide nosso Teoria jurídica da liberdade,
op. cit., p. 48-59.
80
Cf. nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 74. Sem esse nome, a lei foi inicialmente proposta por SILVA,
Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito, op. cit., p. 157-158.

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Teoria dos princípios formais  83

da vontade será menor nos casos dos chamados vícios do consentimento ou nos
casos de incapacidade momentânea ou permanente. Sempre que houver algum
fator fático que atrapalhe de algum modo a consciência, a capacidade de dis-
cernimento, menor força terá o “Pfp”. Quanto mais o particular estiver cônscio
do que estiver fazendo, quanto mais estiver pleno de suas faculdades mentais e
ciente das circunstâncias em que age, maior o peso do princípio formal que dá
primazia às suas decisões.
Ademais, segundo a teoria das esferas, o espaço privado é subdividido em
quatro círculos concêntricos, de dimensões progressivamente menores: a) a pri-
meira esfera, mais alargada, é do espaço público (Pfp1); b) a segunda esfera,
menos alargada, inserida dentro da primeira, é a da vida privada stricto sensu
(Privatsphäre), abrangente de todos os assuntos que dizem respeito à vida privada
do indivíduo e que ele não quer que se tornem públicos (Pfp2); c) a terceira
esfera, inserida dentro da segunda, mas menos alargada que ela, é a esfera da
intimidade (Vertrauensphäre), confidencial, da qual participam apenas as pessoas
às quais o indivíduo deposita certa confiança e com as quais mantém intimidade;
d) a quarta e última esfera, contida na anterior e menos alargada que ela, é a esfera
do segredo (Geheimsphäre), da qual não participam sequer pessoas da intimidade
do indivíduo (Pfp4).81 Por força da lei das esferas privadas o peso do princípio for-
mal que dá primazia às ponderações do particular é maior na esfera do segredo
do que na esfera da intimidade, é maior na esfera da intimidade do que na esfera
privada estrito senso e é maior nessa esfera do que na esfera do espaço público.
Há, pois, uma ordem crescente de pesos: Pfp1 < Pfp2 < Pfp3 < Pfp4.
Os particulares podem realizar uma ampla gama de condutas não nor-
mativas, vale dizer, podem realizar fatos jurídicos; podem também editar normas
jurídicas, campo da autonomia privada ou, noutros termos, editar atos jurídicos;82
podem editar atos unilaterais, dependentes da aquiescência de outrem, e atos bila-
terais, dependentes do consentimento de outrem.83 É possível estabelecer uma
gradação: o peso da liberdade é menor quando há apenas uma vontade (fatos
jurídicos) do que quando há duas vontades ou mais (atos jurídicos) e é menor
quando há aquiescência (atos jurídicos em sentido estrito e negócios jurídicos unila-
terais) do que quando há concordância (negócios bilaterais). Eis a lei da adjunção
de vontades: nos atos bilaterais (contratos) o peso do princípio formal que dá
primazia às ponderações privadas (Pfp) é maior do que nos atos unilaterais (atos
jurídicos em sentido estrito e negócios unilaterais); e nesses o peso de “Pfp” é

81
Cf. nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 69. Sobre a teoria das esferas vide também: COSTA JR.,
Paulo José da. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995,
p. 36-37; JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos
da personalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 256-257.
82
Sobre o conceito de fato e ato jurídicos aqui adotado vide nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op.
cit., p. 58-63. É inspirado na doutrina de BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administra-
tivo, op. cit., p. 379-383.
83
Sobre a diferença entre aquiescência e consentimento, vide nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 51.

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maior do que nos fatos jurídicos (condutas não normativas realizadas por apenas
uma pessoa).84

5.3 Restrições a direitos fundamentais


A teoria dos princípios formais fundamentais, aqui exposta, permite com-
preender as diferenças dogmáticas entre as diversas espécies de restrições aos
direitos fundamentais. Existem quatro tipos de restrições.
1. Restrições diretamente constitucionais decorrentes de regras constitucionais fun-
damentam-se no princípio formal fundamental que dá primazia às ponderações
do constituinte originário (Pfco). A restrição extraída de uma regra constitucio-
nal originária decorre de uma decisão do constituinte e tem a seu favor o peso
do princípio formal que dá primazia às ponderações do constituinte originá-
rio (Pfco). Esquematicamente: “P1 + Pfco > P2”, sendo “P1” e “P2” princípios
materiais que se contrariam. A restrição concretiza o princípio material “P1”
e prevalece sobre “P2” em decorrência de “Pfco”. Caso a restrição decorra de
regra constitucional extraída de emenda, terá a seu favor o peso do princípio
formal que dá primazia às ponderações do reformador (Pfcr).
2. Restrições indiretamente constitucionais decorrentes de cláusula de reserva
expressa fundamentam-se tanto no princípio formal fundamental que dá prima-
zia às ponderações do constituinte originário (Pfco) como também no princípio
formal fundamental que dá primazia às ponderações do legislador (Pfl). Trata-se
de uma restrição extraída de regra legislativa alicerçada numa cláusula consti-
tucional de reserva expressa, daí ser chamada de indiretamente constitucional (o
Legislador restringe por expressa autorização do constituinte). Por decorrer de
decisão legislativa, tem a seu favor o peso de “Pfl”. Contudo, esse princípio for-
mal tem a seu favor um peso adicional, dado por “Pfco”, pois o constituinte
decidiu deixar expressa a possibilidade de o Legislador estabelecer restrições.
Esquematicamente: P1 + (Pfl + Pfco) > P2.
Conforme já afirmado, o peso de “Pfco” é maior do que o peso de “Pfl”
(PFco > Pfl). Nas restrições diretamente constitucionais decorrentes de regras constitucio-
nais, “Pfco” dá peso diretamente ao princípio material (P1 + Pfco); nas restrições
indiretamente constitucionais decorrentes de cláusula de reserva expressa, “Pfco” dá peso
ao princípio formal que dá primazia às ponderações do Legislador (Pfco + Pfl).
Por consequência, o peso de “P1” no primeiro caso é maior do que o peso de
“P1” no segundo [P1 + Pfco > P1 + (Pfl + Pfco)].
3. Restrições indiretamente constitucionais decorrentes de cláusula de reserva
implícita fundamentam-se apenas no princípio formal que dá primazia às
ponderações do legislador (Pfl). A autorização constitucional, nesse caso, não
decorre de uma regra expressa, mas da ponderação dos princípios constitu-

84
Cf. nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 87-88. Essa lei foi inspirada na doutrina de SARMENTO,
Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 311.

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Teoria dos princípios formais  85

cionais. Insiste-se: nesse caso, o Legislador estabelece a restrição também por


autorização constitucional, daí elas também serem chamadas de indiretamente
constitucionais, mas a autorização não é extraída das regras constitucionais, mas
dos princípios constitucionais. Essas restrições também decorrem de uma deci-
são do Legislador, mas, nesse caso, como inexiste regra constitucional prevendo
a competência do legislador para estabelecê-la, o peso do princípio formal que
dá primazia às ponderações legislativas não é acrescido de nenhum peso adicio-
nal. Esquematicamente: “P1 + Pfl > P2”. Por evidente, “P1” tem um peso menor
nesse caso do que tem no caso anterior [P1 + (Pfl + Pfco) > P1 + Pfl].
Eis a grande diferença dogmática entre uma restrição fundamentada em
cláusula de reserva expressa e uma restrição fundamentada em cláusula de reserva
implícita: o estabelecimento de uma restrição legislativa quando inexiste cláusula
de reserva expressa exige um ônus argumentativo maior do Legislador. A cláusula
de reserva implícita, ao contrário da expressa, não gera a incidência de “Pfco”.
4. Restrições diretamente constitucionais decorrentes de princípios constitucio-
nais não se apoiam num princípio formal; decorrem da colisão entre princípios
materiais no caso concreto (“P1” > “P2”). O peso de “P1” nesse caso, como não
é reforçado nem por “Pfco”, nem por “Pfl”, é menor do que o peso de “P1”
em todos os três casos anteriores. Mais ainda: além de não ser reforçado por
nenhum princípio formal fundamental, ele é contrariado pelo princípio formal
que dá primazia às ponderações legislativas (Pfl). Nos termos já expostos, por
força do princípio da legalidade, entende-se que a falta de regra legislativa abs-
trata expressa também é resultante da ponderação legislativa. Ao não editar a
lei, o Legislador considera, no plano abstrato, que o peso do princípio con-
cretizado pela omissão prevalece sobre o peso do princípio concretizado pelo
agir estatal ou privado. Consequentemente, na falta de regra legislativa também
incide o princípio formal que dá primazia à ponderação legislativa (“Pfl”), mas,
ao contrário da hipótese anterior, a soma “P2 + Pfl” refere-se à omissão e não
ao cumprimento da regra abstrata. Assim, nesta quarta hipótese, um princípio
oposto ao concretizado pela omissão prevalece no caso concreto, mesmo consi-
derando o peso adicional do “Pfl”. A restrição decorre da prevalência, in concreto,
do referido princípio material: P1 > P2 + Pfl.

6 Princípios formais especiais


Os princípios formais especiais também atribuem um peso adicional aos
princípios materiais, mas, diversamente dos princípios fundamentais, não pos-
suem a magna missão de fundamentar o exercício da discricionariedade ou da
liberdade. Alexy afirma a existência de cargas argumentativas em favor de deter-
minados princípios, mas não as denomina de princípios formais.85 Perceba-se:
essas cargas argumentativas não são regras, nem princípios materiais. Dessarte:

85
Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 106.

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86  Ricardo Marcondes Martins

não são uma determinação no âmbito das circunstâncias fáticas e jurídicas,


nem positivam um valor específico. Elas determinam que se respeite na maior
medida possível uma decisão. São, pois, princípios formais, denominados, na falta
de melhor rótulo, de especiais. Ao contrário dos fundamentais – que, como visto,
são apenas cinco –, os especiais são insuscetíveis de enumeração exaustiva. Há
sempre a possibilidade de, por meio da argumentação, justificar a existência
de um princípio formal especial implícito no sistema normativo vigente, que
até então não havia sido percebido pela comunidade jurídica. Neste estudo,
examinar-se-ão dois princípios formais especiais: o princípio da supremacia do
interesse público e o princípio do precedente.

6.1 Supremacia do interesse público


A chamada supremacia do interesse público sobre o privado, difundida na
doutrina brasileira por Celso Antônio Bandeira de Mello,86 vem sendo negada, a
partir de um trabalho de Humberto Ávila, publicado em 1998,87 por significativa
parcela da doutrina brasileira. Sem desprestigiar os críticos, considera-se a rejei-
ção absolutamente injustificada. Na verdade, como bem concluiu Daniel Wunder
Hachem, em magistral monografia sobre o tema, a supremacia do interesse
público possui uma dupla natureza: há que se diferenciar a regra da supremacia do
princípio da supremacia.88 Mas, ao contrário do que fez Hachem, propõe-se exami-
nar o tema à luz da teoria dos princípios formais.
Dessarte, o princípio da supremacia refere-se à relação, no plano abs-
trato, entre os princípios materiais relativos a bens coletivos (Pbc) e os princípios
materiais relativos a direitos subjetivos (Pds). Segundo Robert Alexy é possível
formular três teses sobre essa relação: pela primeira, ambos, no plano abstrato,
possuiriam pesos equivalentes (Pbc Pds); pela segunda, os princípios relativos
a direitos subjetivos teriam no plano abstrato um peso maior do que os princí-
pios relativos a bens coletivos (Pds > Pbc); pela terceira, os princípios relativos
a bens coletivos teriam no plano abstrato um peso maior do que os princípios
relativos a direitos subjetivos (Pbc > Pds). Robert Alexy defende a segunda tese:
afirma que há uma prioridade prima facie dos direitos subjetivos sobre os bens
coletivos.89 Em relação ao direito brasileiro, essa não parece ser a leitura correta
da Constituição vigente. O exame do texto constitucional de 1988 indica que ela
dá prioridade, no plano abstrato, aos princípios relativos a bens coletivos: para
tutela destes admite-se a desapropriação (art. 5º, XXIV), prevê-se a execução

86
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, op. cit., p. 70-76. Para um exce-
lente panorama histórico, vide HACHEM, Daniel Wunder. Princípio constitucional da supremacia do interesse
público. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 39-73.
87
ÁVILA, Humberto. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Revista
Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 24, p. 159-180, 1998.
88
HACHEM, Daniel Wunder. Princípio constitucional da supremacia do interesse público, op. cit., p. 155 et seq.
89
ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso, op. cit., p. 197-198.

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Teoria dos princípios formais  87

por precatório (art. 100), admite-se, até mesmo, a declaração de guerra (art. 84,
XIX). Essa pequena enumeração, não exaustiva, de exemplos é suficiente para
justificar a assertiva: no direito brasileiro os princípios relativos a bens coletivos
têm, no plano abstrato, maior peso do que os princípios relativos a direitos sub-
jetivos. Qual norma jurídica atribui esse peso? O princípio formal da supremacia do
interesse público sobre o privado, segundo o qual devem ser concretizados, na maior
medida possível, os interesses da coletividade. Esse princípio limita-se a atribuir
um peso adicional aos bens coletivos.90
Para apurar qual é o interesse público, deve-se efetuar uma ponderação.
Nela, devem ser considerados todos os princípios materiais incidentes. Em face
do princípio da supremacia, os princípios relativos a bens coletivos são conside-
rados com um peso abstrato maior (Pbc > Pds). Isso não significa, por óbvio,
que o resultado da ponderação sempre importará no afastamento do direito
individual. Razão prima facie não significa razão definitiva, tendo em vista que as
circunstâncias podem inverter a precedência. Efetuada a ponderação, levando-
se em consideração todos os princípios formais, dentre eles o da supremacia do
interesse público, obtém-se o interesse público a ser perseguido. Com a apura-
ção deste, a partir da ponderação dos princípios materiais e formais incidentes,
incide a regra da supremacia do interesse público sobre o privado, que, segundo Celso
Antônio Bandeira de Mello, gera três ordens de efeitos: a) atribui uma posição
de supremacia ao órgão encarregado de zelar pelo interesse público; b) atribui
uma posição privilegiada ao referido órgão; c) impõe restrições e sujeições especiais ao
referido órgão.91
O Estado está, no que se refere aos particulares, numa relação jurídica ver-
tical: não estão em igual patamar jurídico; as normas estatais impõem-se mesmo
contra a vontade dos destinatários, gozam de imperatividade. Essa verticalidade e
os efeitos dela decorrentes são resultantes da posição de supremacia que o Estado
possui em relação aos particulares – primeiro efeito da regra da supremacia.
Ademais, esta concede aos órgãos estatais certas prerrogativas para que possam
bem tutelar o interesse público – segundo efeito mencionado. A título de exem-
plo, as normas estatais gozam de presunção de validade: enquanto os particulares
podem, eles próprios, retirar do mundo jurídico as normas privadas, as normas
estatais só podem ser retiradas do mundo jurídico por meio dos próprios órgãos
estatais, elas se presumem válidas até que o órgão estatal competente reconheça
sua invalidade. As regras vigentes, ademais, estabelecem um regime processual
diferenciado para a Administração Pública: prazos maiores para recorrer e con-
testar, intimação pessoal etc. Finalmente, a regra da supremacia impõe restrições
especiais a quem torne os órgãos públicos presentes nas relações jurídicas – ter-
ceiro efeito mencionado. Trata-se de um desdobramento do caráter protetor das
normas de direito público: como a função pública consiste na defesa de interesse

90
Cf. nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 125-126.
91
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, op. cit., p. 70.

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alheio, o sistema impõe uma série de condicionamentos ao agir dos agentes


públicos para impedi-los de se desviar do cumprimento dos deveres funcionais.
Não são livres para contratar fornecedores de bens, realizadores de obras, pres-
tadores de serviços, devem fazer licitação; não são livres para nomear pessoal,
devem fazer concurso público; não são livres para realizar despesas, devem ter
autorização orçamentária etc. Foi o que Celso Antônio Bandeira de Mello reco-
nheceu, brilhantemente, a partir da 29ª edição de seu Curso.92
Sempre que a Administração Pública estiver presente numa relação jurí-
dica, estarão configuradas essas situações de supremacia e de privilégio e, mais
importante de tudo, incidirão essas restrições especiais protetoras dos interesses
sociais. Não há aí que se falar em ponderação: trata-se, na terminologia de Alexy,
de uma regra, uma razão definitiva realizável de acordo com as circunstâncias
fáticas e jurídicas. Daí a dupla natureza aludida por Daniel Hachem: existe o prin-
cípio da supremacia, que atribui maior peso aos bens coletivos do que aos direitos
individuais, e a regra da supremacia, que atribui supremacia, privilégios e restri-
ções a quem deve perseguir o resultado da ponderação estatal.93
Nesses termos, e só nesses termos, pode-se falar em supremacia do interesse
público sobre o privado. Essa supremacia não significa que o interesse coletivo ou
os supostos “interesses do Estado”94 sempre irão prevalecer sobre o interesse
individual. Quem afirma isso ou faz por má-fé ou por ignorância das premis-
sas teóricas de quem enunciou a teoria da supremacia. Nos termos expostos, a
definição do interesse público exige considerar o respectivo peso de todos os
interesses privados. A supremacia limita-se a atribuir um peso abstrato maior
(razão prima facie e não definitiva) aos bens coletivos (na terminologia de Alexy)
ou ao interesse geral (na terminologia de Hachem). E limita-se a atribuir notas
diferenciais significativas à situação pública em relação à situação privada, justifica-
doras de verticalidade entre Estado e particular, e de prerrogativas e de restrições
aos órgãos encarregados de tutelar o interesse público, justamente para garantir
uma tutela efetiva. Dito isso, pontua-se: o princípio da supremacia do interesse
público sobre o privado, ao atribuir um peso adicional aos princípios relativos a
bens coletivos, é um princípio formal especial.

6.2 Prevalência dos precedentes


Em seu aclamado Tratado da argumentação, Chaïm Perelman e Lucie
Olbrechts-Tyteca referem-se ao princípio da inércia por força do qual “a mudança
deve ser justificada; uma decisão, uma vez tomada, só pode ser alterada por

92
Idem, p. 74-75.
93
HACHEM, Daniel Wunder. Princípio constitucional da supremacia do interesse público, op. cit., p. 194 et seq.
94
Não existem “interesses do Estado” desvirtuados do correto cumprimento do ordenamento jurídico vigente.
Por isso: o chamado interesse secundário só é juridicamente tutelado quando for coincidente com o inte-
resse primário e coincidente significa ter identidade ontológica. Cf. nosso Estudos de direito administrativo
neoconstitucional. São Paulo: Malheiros, 2015, Cap. 2.3, p. 67-73.

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Teoria dos princípios formais  89

razões suficientes”.95 Eles mesmos reconhecem: é a inércia que está por trás
do precedente.96 Pensava-se no passado que a vinculação ao precedente se dava
apenas na common law, sendo estranha à civil law.97 No direito brasileiro, atribui-
-se, cada vez mais, eficácia formal aos precedentes jurisprudenciais. Apenas a
título de exemplo, o §2º do art. 103, com a redação dada pela EC 45/04, atribui
eficácia vinculante às decisões proferidas pelo STF nas ações diretas de incons-
titucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade; o art. 103-A,
inserido pela EC 45/04, possibilita ao STF editar súmulas vinculantes em relação
aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública. O Código de
Processo Civil de 1973 atribuía, em vários dispositivos, força vinculante, ainda
que relativa, aos precedentes: art. 120, parágrafo único; art. 543-C, §2º; art. 544,
§4º, II, “b” e “c”; art. 557, caput e §1º-A. O Código de Processo Civil de 2015
deu aos precedentes eficácia formal ainda maior: art. 332; art. 489, §1º, VI; art.
927. Não se pretende aqui, contudo, analisar as regras jurídicas referentes aos
precedentes jurisprudenciais.98 Pretende-se, sim, examinar o princípio formal que
os fundamenta.
Com efeito: independente da incidência de qualquer regra constitucional
ou processual, o magistrado está, prima facie, vinculado aos precedentes juris-
prudenciais, mesmo na civil law. O resultado de uma ponderação é sempre uma
regra jurídica. Se a ponderação é concreta, ela resulta numa norma concreta para
o caso analisado. Sem embargo, ela também proporciona uma regra abstrata,
chamada por Robert Alexy de regra de precedência condicionada, conforme a lei
da colisão: “as condições sob as quais um princípio tem precedência em face de
outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência
jurídica do princípio que tem precedência”.99 Quanto mais ponderações o Poder
Judiciário realiza, no exercício da função jurisdicional, mais regras de precedên-
cia condicionada são enunciadas, formando-se uma rede de regras de precedência.100
É fundamental perceber que o magistrado está prima facie vinculado às regras de
precedência já enunciadas por ele ou consagradas na jurisprudência.101 Trata-se
de uma decorrência do princípio da universalidade, exigência própria de toda con-
cepção de justiça, de tratar de igual maneira ao igual.102

95
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. Tradução de
Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 120.
96
Idem, p. 121.
97
Para uma contraposição entre os sistemas da common law e da civil law vide, por todos: DAVID, René. Os gran-
des sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
98
Na doutrina brasileira destacam-se duas primorosas monografias sobre o tema: BUSTAMANTE, Thomas
da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo:
Noeses, 2012; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
99
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 99.
100
Cf. CLÉRICO, Laura. El examen de proporcionalidad en el derecho constitucional, op. cit., p. 188-192.
101
Por todos, afirma Humberto Ávila: “o princípio da igualdade, do qual se deduz o princípio da coerência
temporal, exige que o Poder Judiciário se vincule aos seus precedentes, salvo se tiver alguma justificativa para
a sua alteração” (Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 478).
102
Cf. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2013, p. 268.

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90  Ricardo Marcondes Martins

Ora, se um magistrado julgar certa causa de determinada maneira num


dia e, no dia seguinte, submeter-se a ele uma causa praticamente idêntica,
espera-se que a julgue da mesma forma. A pergunta que deve fazer é: qual
norma jurídica impõe a vinculação prima facie aos precedentes? Trata-se de um
princípio formal especial que determina o respeito, na maior medida possível, às
decisões jurisdicionais anteriores. Não se trata de um princípio fundamental,
pois não tem por função justificar o exercício da competência discricionária.103
Noutras palavras, esse princípio não fundamenta um ato volitivo, uma escolha
entre duas ou mais alternativas igualmente admitidas pelo Direito. Ele sim-
plesmente determina que as decisões jurisdicionais anteriores sejam, na maior
medida possível, mantidas, atribuindo, assim, um peso adicional aos princípios
materiais concretizados por elas. Na terminologia aqui defendida, o princípio do
precedente é um princípio formal especial.
Trata-se de um princípio e não de uma regra. Logo, é perfeitamente
possível seu afastamento, que, em geral, dá-se em duas situações: a) quando o
novo caso apresentar particularidades que justifiquem o afastamento do prece-
dente; b) quando novos argumentos levarem à conclusão de que o precedente
é equivocado.104 Em relação à primeira hipótese, é evidente que, se o novo caso
nada tiver de semelhante com o anterior, o princípio formal do precedente não
incidirá. Porém, se houver semelhança, o afastamento do precedente exigirá a
enunciação das particularidades justificadoras do afastamento. Caberá ao magis-
trado indicar o que há de diferente; e mais, caberá a ele justificar por que essas
diferenças importam no afastamento do precedente. Na segunda hipótese, o
novo caso nada tem de diferente do anterior, que justifique o afastamento do
precedente, mas se concluiu que a solução anterior não foi a melhor interpreta-
ção, quer dizer, foi equivocada.
O afastamento do precedente, nas duas situações, exige um ônus argumen-
tativo: na primeira, a demonstração de que existem particularidades suficientes
a justificar uma decisão diferente; na segunda, de que a decisão anterior foi
equivocada. Com efeito: para o afastamento do precedente e do princípio for-
mal que o fundamenta, exige-se do magistrado uma carga argumentativa, vale
dizer, a apresentação de razões suficientes.105 O que se quer aqui enfatizar é que a
vinculação prima facie dos precedentes judiciais, no sistema da civil law, dá-se por
força do princípio formal especial que determina, na máxima medida possível,
o respeito aos entendimentos jurisdicionais anteriores.

103
Inexiste discricionariedade no exercício da função jurisdicional: o magistrado sempre diz qual é a vontade do
Direito; ele não escolhe entre indiferentes jurídicos. Sua atividade é cognitiva e não volitiva. Cf. BANDEIRA
DE MELLO, Celso Antônio. Juízo liminar: poder-dever de exercício do poder cautelar nessa matéria. Revista
trimestral de direito público, São Paulo, n. 3, p. 106-116, 1993; Mandado de segurança contra denegação
ou concessão de liminar. Revista de Direito Público (RDP), São Paulo, ano 22, n. 92, p. 55-61, out./dez. 1989.
Sobre o tema vide também nosso Teoria jurídica da liberdade, op. cit., p. 113-114.
104
Cf. CLÉRICO, Laura. El examen de proporcionalidad en el derecho constitucional, op. cit., p. 194.
105
Cf. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, op. cit., p. 268.

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Teoria dos princípios formais  91

Theory of formal principles


Abstract: “Principles”, despite ambiguous, are referred to as legally
determined values, or optimization orders susceptible of performance,
according to the factual and legal circumstances surrounding them. These
principles may be either material, where they refer to specific values, or for-
mal, where they refer to legal decisions. This paper is aimed at examining
formal principles. First, one analyzes their concept; then, the relationship
between them and the so-called material principles, and defends a com-
bined model. Then, one divides them into fundamental formal principles
and special formal principles, by presenting a complete overview of funda-
mental principles and approaching two special principles, the supremacy
of public interest over private interest, and the precedent. Upon exami-
ning fundamental principles, this paper contrasts legislative discretion and
administrative discretion, and introduces doctrine laws governing the for-
mal principle of autonomy of will.
Keywords: Legal principles. Formal principles. Legislative discretion.
Administrative discretion. Supremacy of public interest. Precedents.

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