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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

APLICAÇÃO DO PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA ANTERIORIDADE


TRIBUTÁRIA NO ICMS DIFAL

José Luiz de Sousa Neto


Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

RESUMO

Neste trabalho buscou se averiguar a natureza da decisão do STF no caso da LC n°


190/2022, que regulamentou o DIFAL ICMS, política ou técnica? Buscando encontrar a
resposta evidenciou se pontos de convergência e divergência em relação ao julgamento
anterior relacionado a EC 42/2003. Pelo que evidencia ao final que a decisão foi de
natureza técnica, lastreada integralmente em entendimento jurídico de plena
concordância com o ordenamento jurídico. A natureza do trabalho deste trabalho de
pesquisa é técnica, sendo uma pesquisa exploratória, lastreada na pesquisa bibliográfica
e documental.

PALAVRAS-CHAVE: ICMS DIFAL, Aplicação do principio da anterioridade, análise


de constitucionalidade da lei complementar 190/2022.

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TRF2. Graduado pela Universidade Católica de Brasília – DF.

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1 INTRODUÇÃO

Neste texto, é realizada uma reflexão da decisão do STF no julgamento das ADI‟s
7.066, 7.078 e 7.070, aos quais versam sobre a aplicabilidade do principio da
anterioridade tributária anual e nonagesimal ante a LC n° 190/2022, que regulamentou o
DIFAL ICMS. Neste julgamento fora decidido duas questões jurídicas, a primeira
relacionada a observância da anterioridade anual e nonagesimal na aplicação da Lei
Complementar 190/2022, como também a constitucionalidade do prazo de noventa dias,
previsto na citada lei, para que os Estados e Distrito Federal comecem a cobrar o
Difal/ICMS. Diante da decisão do órgão julgador em 29/11/2023, abriu se uma celeuma
quanto a validação da constitucionalidade da aparente anterioridade nonagesimal, sem a
conjugação com a anterioridade anual; além da validação constitucional da aplicação da
anterioridade anual das leis estaduais, não acompanhada da anterioridade nonagesimal.
Pelo que este trabalho vem a questionar se tal inovação é possível ou trata se de decisão
em total consonância com o ordenamento?

O contexto jurídico atual é marcado por certa insegurança, haja vista que decisões,
inclusive na esfera tributária, passaram a ser emitidas com natureza política, deixando
de lado, por vezes, o rigor técnico e a boa técnica, para que interesses estatais,
corporativos e fazendários tenham proeminência. Assim, será buscado evidências
através dos fundamentos da decisão colegiada vencedora, votos divergentes e
posicionamentos anteriores da Corte Suprema, quanto a natureza da decisão do caso em
concreto. A natureza deste trabalho é aplicada, sendo uma pesquisa exploratória, pelo
que como procedimento técnico se lastreia na pesquisa bibliográfica e documental.

Assim sendo, iremos buscar evidenciar que tal decisão tem natureza técnica, estando
alinhada as decisões anteriores do egrégio tribunal, não havendo inovação ou
modificação do atual posicionamento, permanecendo em obediência aos principios
constitucionais tributários.

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2 DOS PRINCÍPIOS

O que é um princípio dentro da ciência do Direito? Tal conceituação não é


uniforme, possuindo várias definições, visto que existem diversas significâncias deste
entre a doutrina. Conforme estudos publicados em 1970 por Genaro R. Carrió, houve
descrição de onze formas diferentes de conceituação de princípios jurídicos (1998, p.
209-212).

De todos os conceitos apresentados sobre princípios, destaca se três hipóteses, as


quais aparecem na forma de estágios, pelos quais vão se delineando gradualmente com
diferentes níveis de desenvolvimento. No primeiro estágio, tem se que o princípio é
utilizado no Direito em sua forma de linguagem comum, significando a origem, início e
os temas iniciais para um determinado assunto. Tal significado foi albergado por Ruy
Cirne Lima (2007) e Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (2007) em suas grandes obras.
Tal conceito atualmente não é mais empregado na Ciência do Direito com este
significado, apesar de ter contribuido para o aprimoramento do seu entedimento.

No segundo estágio, tal conceito é apresentado na forma de elementos de coesão


e integração da ciência do Direito, tal significado é percebido na obra de Celso Antônio
Bandeira de Mello (2000, p. 747 e 748), quando afirma que:

Princípio - já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de


um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia
sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para
sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalização do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção
das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema
jurídico positivo [...]. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir
uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a
um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É
a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o
escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o
sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a
seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com
ofendê-lo, abatem-se as vigas que os sustêm e alui-se toda a estrutura nelas
esforçada.

Com base no exposto, fica evidente que os principios neste estágio de


desenvolvimento aparecem como alicerces, vigas fundamentais de sustentação do
sistema jurídico e vetores de interpretação de normas.

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O contexto mundial vivido em meados do século XX, marcado pelas barbáries e


atrocidades cometidas em nome da lei, impulsionaram o direito para uma nova visão a
respeito dos princípios, visto que a teoria positivista em voga já não respondia aos
anseios da sociedade, ante ao seu sistema fechado de regras, a qual a compreensão de
segurança jurídica era o ideário fundamental do Direito.
Para os positivistas a lei positivada através de códigos e diplomas legais é a
expressão da vontade popular, a qual se equivale ao Direito, havendo exclusão dos
princípios não positivados e consequentemente retirando a força normativa dos mesmos.
Nesta vertente, salienta Schier (2005) que os princípios possuem uma natureza
supletiva, sendo relegados a uma segunda classe, podendo ser denominados de
verdadeiros “tapa buracos” do sistema.
Conforme leciona Mamari Filho (2005, p. 17), a natureza dos princípios gerais é
“eminentemente supletiva, integradora, na medida em que se admite que o sistema de
leis (positivas) é incapaz de regular todas as situações havidas na vida cotidiana”.
De acordo com Ricardo Vieira e Guilherme Pereira (2011) parte dos positivistas
entendiam a existência do elemento linguístico do ordenamento jurídico, marcado pela
imprecisão e ambiguidade, como uma estrutura aberta pela linguagem, no entanto, tais
situações não poderiam ser totalmente regulamentadas, neste sentido os principios
aparecem como aqueles que dirigem a interpretação dos operadores do direito.
A partir deste entendimento, diante dos hard cases, a saída era o decisionismo, a
qual é marcado por uma ampla discricionariedade dos juízes para decidir e escolher a
melhor solução, aos quais poderiam inclusive utilizar-se de elementos de
fundamentação extrajurídicos, consequentemente permitindo o desenvolvimento de
comportamentos solipsistas dos julgadores.
No terceiro estágio, como uma resposta ao positivismo jurídico, Ronald
Dworkin passa a trazer à tona a existência e a diferenciação entre regras e princípios,
inaugurando o Constitucionalismo Contemporâneo. Uma das maiores contribuições
deste autor é permitir o entendimento de que existe uma estrutura principiológica, a qual
está aberta sobre o aspecto hermenêutico, permitindo a conjugação destes com o direito
positivo, conforme Dworkin (1985, p.04):

O modelo distingue entre direito positivo – o direito nos livros, o direito


apresentado nas declarações evidentes das leis e das decisões passadas das
cortes – e o direito como um todo, que aceita a estrutura dos princípios da

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moralidade política, tomados em conjunto como a melhor interpretação do


direito positivo.

A distinção entre regras e princípios é clara, conforme leciona Dworkin (2007,


p.42-43):

[…] Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a


dimensão de peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam (por
exemplo, a política de proteção aos compradores de automóveis se opõe aos
princípios de liberdade de contrato), aquele que vai resolver o conflito tem de
levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma
mensuração exata e o julgamento que determina que um princípio ou uma
política particular é mais importante que a outra frequentemente será objeto
de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte integrante do
conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele
tem e o quão importante ele é.

Se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser válida. A decisão
de saber qual delas é válida e qual deve ser abandonada ou reformulada, deve
ser tomada recorrendo-se a considerações que estão além das próprias regras.
Um sistema jurídico pode regular esses conflitos através de outras regras, que
dão precedência à regra promulgada pela autoridade superior, à regra
promulgada mais recentemente, à regra mais específica ou outra coisa desse
gênero […]

É importante salientar que para Dworkin não existe o conceito de normas tal
qual existente no sistema jurídico brasileiro, visto que o mesmo faz parte da tradição
Common Low (Anglo-Saxônica), tendo entre esses a equivalência de conceitos entre
norma e regra. Em relação ao conceito de princípios nesta teoria, leciona Streck (2009,
p.495):

Ao contrário, ela retira seu conteúdo normativo de uma convivência


intersubjetiva que emana dos vínculos existentes na moralidade política da
comunidade. Os princípios, nesta perspectiva, são vivenciados („faticizados‟)
por aqueles que participam da comunidade política e que determinam a
formação comum de uma sociedade. É exatamente por esse motivo que tais
princípios são elevados ao status da constitucionalidade. Por isso os
princípios são deontológicos.

As proposições de Dworkin, nos levam a entender que os juízes são obrigados a aplicar
os princípios nos casos concretos, de forma a qual não os aplicando, estarão incorrendo
em erro (DWORKIN, 2002). Desta maneira, os juízes não recorrem aos princípios
apenas diante de lacunas do ordenamento jurídico, mas a todo instante, visto que os
princípios são extraídos de uma convivência intersubjetiva que emana dos vínculos
existentes na moralidade política da comunidade. Observa se que os princípios não
podem ser aplicados isoladamente, por serem um todo integrado, a qual se conjugam ao
direito positivo dentro da estrutura do sistema. Pelo exposto, observamos a

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característica deontológica (dever-ser) dos princípios, sendo que não há possibilidade de


colisão de princípios, mas sim há necessidade de interpretá-los corretamente diante de
sua estrutura harmônica. Conforme afirma Lênio Luiz Streck (2012, p 12).:

Vou explicar isso melhor: para Dworkin (1986), nem toda norma, pelo
simples fato de ser válida, é aplicável a todo e qualquer caso,
independentemente da compreensão que se tenha desse caso. Adequabilidade
é pertinência da decisão possível ao caso. Ou seja, ainda que numa disputa
argumentativa sejam construídas concepções concorrentes sobre como um
caso deva ser em princípio decidido (a tal fase interpretativa, como diria
Dworkin (1986), embora até mesmo o reconhecimento de decisões judiciais
anteriores e mesmo normas legais numa fase pré-interpretativa já é
interpretar), exige-se uma coerência de princípio – como exigência de
integridade –, ou seja, reconstruir a história institucional na sua melhor luz.

No que tange a natureza deontológica dos princípios esta é definida por Streck (2012,
p):

Trata-se de um padrão decisório que se constrói historicamente e que gera um


dever de obediência nos momentos posteriores. Isto é, os princípios
funcionam pelo código lícito-ilícito. Nessa perspectiva, princípios são
normas stricto sensu. São um “dever ser”. Não são meramente conselhos ou
mandados de otimização. Ou seja, princípios não são valores.

Tal natureza se contrapõe a natureza teleológica dos princípios, a qual entende


que os princípios estão correlacionados aos valores, aos quais mudam e se transformam
com o evoluir da sociedade.
Outro grande teórico no tema é Robert Alexy, a qual publicou em 1985 a Teoria
dos Direitos Fundamentais, a qual sofrera forte influência da obra de Dworkin, no
entanto, com diferenças substanciais, pela qual manifesta o seu objetivo de formular
uma teoria procedimental para o desenvolvimento de uma resposta racional aos
problemas encontrados. Tal autor também se contrapõe as arbitrariedades trazidas pelo
positivismo, sendo um dos mais destacáveis precursores do pós-positivismo.
O principal ponto de destaque da teoria de Alexy é a divisão das normas em
princípios e regras. O contexto marcado pelo surgimento de constituições modernas, as
quais continham grande número de direitos fundamentais, marcados pela imprecisão de
suas formulações, pelo qual abriam margem as arbitrariedades judiciais, trouxe à tona a
necessidade de dar respostas racionais a estas questões. Portanto, a distinção entre
regras e princípios é de fundamental importância para resolver esse dilema da
dogmática dos direitos fundamentais. Para Alexy, um juiz diante de um hard case

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jamais deverá decidir arbitrariamente, mas sim amparado pelos princípios jurídicos, aos
quais são normas jurídicas, o que, portanto, conduz a uma racionalidade.
Nesse diapasão, assim afirma Tomaz de Oliveira (2007, p.179):

Quando se tem um caso difícil – entendido como aquele nos quais as regras
não conseguem regular de forma subsuntiva – deve-se primeiro descobrir
quais princípios se encontram em conflito. Isso é importante. Apenas quando
não há respostas nas regras ou, para usar a terminologia alexyana, nos
mandados de definição, é que se recorre a um argumento de princípio, ou
mandados de otimização. Com a otimização implica que um princípio deve
ser cumprido na maior medida possível respeitadas as condições reais e
jurídicas, toda vez que estiver em jogo uma questão de princípio, dirá Alexy,
sempre haverá a necessidade de se ponderar.

Para Alexy (2008b, p.87) “tanto regras quanto princípios são normas, por que
ambos dizem o que deve ser”, ficando assim claro a natureza deontológica dos
princípios. No entanto, para o mesmo existe a equivalência estrutural entre princípios e
valores, o que acaba esvaindo a própria diferenciação conceitual que o mesmo houvera
realizado. Estruturalmente, princípio e valor seriam idênticos, na medida em que
ambos expressam critérios prima facie aplicáveis na avaliação de uma situação
concreta (DANCY, 2003). Nesta visão, tanto os conceitos deontológicos e axiológicos
estabelecem normas (ALEXY, 2002). Abre se então a noção de que normas possuem
uma natureza deontológica (regras e princípios), mas também possuem uma natureza
axiológica (valores e critérios de valoração).
Na conceituação de Alexy (2008b, p. 90), os princípios são normas que
“ordenam que algo deva ser realizado na maior medida possível, para dentro das
possibilidades jurídicas e fáticas existentes”. Nesta esteira, os princípios são
denominados mandados de otimização, podendo ser satisfeitos em diferentes graus,
diferentemente das normas, as quais devem ser aplicadas a maneira do tudo ou nada.
Desta maneira, fica claro que a diferença entre regras e princípios é qualitativa, posição
também defendida por Dworkin, contrapondo-se a ideia de que a diferença está no grau
das mesmas. “Nota-se, pois, que a distinção reside na própria estrutura dos comandos
normativos e não somente na sua extensão ou generalidade das proposições de dever-
ser” (BUSTAMANTE, 2002, p. 3). Toda norma é ou uma regra ou um princípio
(ALEXY, 2014, p. 91).

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Conforme leciona Virgílio Afonso da Silva (2003, p.607-630) sobre a diferença


da teoria de Alexy e Dworkin:

A principal diferença entre ambas as propostas é facilmente identificável. O


conceito de princípio, na teoria de Alexy, é um conceito que nada diz sobre a
fundamentalidade da norma. Assim, um princípio pode ser um "mandamento
nuclear do sistema", mas pode também não o ser, já que uma norma é um
princípio apenas em razão de sua estrutura normativa e não de sua
fundamentalidade.

A noção da limitação de um princípio por outro princípio, formando uma colisão


de princípios é evidenciada pelo autor, sendo que tal situação é resolvida através da
técnica de sopesamento, na qual são avaliados os pesos de cada princípio no caso em
concreto. Sendo assim, a colisão de princípios define o seu conteúdo, instituindo
obrigações prima facie, demonstrando que é possível a redução da abrangência de um
princípio por outro. É no processo de sopesamento dos princípios, por meio da teoria da
argumentação, que se abre a possibilidade de discutir os valores, visto que os princípios
serão valorados pelo sujeito que os interpreta, abrindo assim para a inserção da moral no
direito, o que acarretará a uma necessidade de avaliação dos aspectos do que é justo no
caso em concreto.
É importante destacar que o autor estabelece critérios a serem seguidos diante da
colisão de princípios, sendo que o processo se dá através da análise de quais princípios
possuem maior peso no caso em concreto, a qual seguirá a seguinte ordem: i) primeiro
serão investigados os princípios em conflito; ii) segundo, será atribuído pesos aos
mesmos, conforme as circunstâncias do caso em concreto; iii ) por último, será decido
sobre a prevalência de um sobre o outro. Além disso, é fundamental entender que Alexy
(2008, p. 116-117) compreende o princípio da proporcionalidade como algo ligado a
natureza dos princípios, assim afirmando:

Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da


proporcionalidade significa que a proporcionalidade, com suas três máximas
parciais" da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos
gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do
sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos
princípios, ou seja, que a proporcionalidade é deduzível dessa natureza. [...]
A máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorre do fato de
princípios serem mandamentos de otimização em face das possibilidades
jurídicas. Já as máximas da necessidade e da adequação decorrem da natureza
dos princípios como mandamentos de otimização em face das possibilidades
fáticas.

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Desta maneira, é observável que o conceito de princípios dentro do Direito se


desenvolveu ao longo da história, sendo que a sua modelagem sempre esteve afeta ao
contexto dos fatos, aos quais estão intrinsecamente ligados ao paradoxo da busca pela
justiça e da segurança jurídica que permeiam as sociedades.

3 DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA

3.1 Principio da anterioridade tributária anual e nonagesimal

O artigo 150, III, b da Constituição Federal trouxe vedação quanto a cobrança de


tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que os
instituiu ou aumentou. É importante notar que tal prazo é contado a partir da publicação
da lei, tendo sido cristalizado para trazer maior garantia e proteção ao contribuinte,
visando não o surpreender no aspecto financeiro, permitindo assim um maior
planejamento e preparação de sua parte quanto ao encargo estatal. Outro ponto
importante é que tal principio não é aplicado nos casos de mudanças que venham a
reduzir a carga tributário ou que não tenham qualquer impacto sobre esse carga
tributária. A carta magna trás no mesmo artigo, parágrafo 1° e em vários outros
dispositivos algumas exceções a anterioridade anual, tais como: II, IE, IPI, IOF,
Imposto Extraordinários de Guerra, Empréstimos Compulsórios, Contribuições para o
Financiamento da Seguridade Social, ICMS monofásico sobre combustíveis, CIDE –
combustíveis.

O principio da anterioridade nonagesimal ou noventena teve sua origem na


promulgação da Carta Magna de 1988, sendo que a mesma era aplicável exclusivamente
para as contribuições para financiamento de seguridade social, visto determinação do
artigo 195, paragrafo 6°. A doutrina denominou tal situação de anterioridade mitigada,
como sendo uma restrição de menor nível para o Estado. Diante da prática estabelecida
e corriqueira da época de publicar as alterações legislativas tributárias ao final do
exercício, tornou se necessário a adoção da noventena em regra geral, tendo sido isto

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implantado pela EC 42/2003, artigo 150, III, pela qual exige o cumprimento do prazo de
90 dias nas hipóteses de instituição ou aumento de tributos.

Na prática, diante do advento da EC 42/2003, visando a não surpresa, a anterioridade


(anual) e noventena (ou nonagesimal) se tornaram, em regra, aplicáveis
cumulativamente e exígiveis. Tal situação se deu em detrimento da própria razão de ser
da nonagesimal, haja vista que impede a publicação após o dia 3 de outubro, sendo esta
data o marco de 90 dias para a finalização do término financeiro, sendo possibilitada a
lei ser exigível já no próximo exercício financeiro no dia 01 de janeiro. Caso não
houvesse o cumprimento cumulativo, o ente poderia publicar tal lei em 31 de dezembro
e cobrá-la a partir de 01 de janeiro, o que evidentemente prejudicaria em muito os
contribuintes. Alguns tributos, em exceção, estão livres do principios da nonagesimal,
tais como: II, IE, IOF, Imposto Extraordinário de Guerra, Empréstimo Compulsório,
Imposto de Renda, Base de cálculo do IPTU e IPVA.

4 O CASO DO ICMS DIFAL E DECISÃO DO STF

4.1 Contexto do Difal

Com o aumento exponencial das vendas de produtos pela internet, ao chamado


ecommerce, os estados da federação começaram a perceber uma queda arrecadatória
elevada de ICMS, haja vista que tal tributo passou a se concentrar em poucos estados
produtores, retirando receitas dos estados dos consumidores finais. Esta situação trouxe
necessidade da implentação do ICMS – DIFAL pela EC 87/2015, visando o
aprimoramento do federalismo cooperativo.

Tal emenda passou assim a dispor:

Art. 1º Os incisos VII e VIII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal


passam a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 155....................................................................................

VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor


final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á
a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o

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imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado


destinatário e a alíquota interestadual;

VIII - a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à


diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII
será atribuída:

a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;

b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto;

Art. 2º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar


acrescido do seguinte art. 99:

"Art. 99. Para efeito do disposto no inciso VII do § 2º do art. 155, no caso de
operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não
contribuinte localizado em outro Estado, o imposto correspondente à
diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os
Estados de origem e de destino, na seguinte proporção:

I - para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80%
(oitenta por cento) para o Estado de origem;

II - para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e
60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;

III - para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e
40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;

IV - para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e
20% (vinte por cento) para o Estado de origem;

V - a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino."

Os Estados da federação sob convênios firmados com o Conselho Nacional de Política


Fazendária (CONFAZ) editaram leis estaduais que determinaram a cobrança do
Diferencial de Alíquotas do ICMS desde 2015. O STF em decisão exposta na ADI
5.469 afirmou que o convênio n° 236/2022 que permitiu a cobrança imediata do tributo
é inconstitucional, haja vista a necessidade de lei complementar, visto esta ser exigível
quando versar sobre obrigação tributária, contribuintes, bases de cálculo/alíquota e
créditos de ICMS nas operações ou prestações interestaduais com consumidor final não
contribuinte do imposto.

Por esta razão fora editada a lei complementar n° 190/2022, visando a estabelecer
normas de regulamentação para a cobrança do Difal/ICMS, tendo sua entrada em vigor
na data de sua publicação (05/01/2022). Tal lei previu em seu corpo a aplicação da regra

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constitucional da anterioridade nonagesimal, com expressa menção a aplicação do


artigo 150 da Constituição Federal, alínea "c" do inciso III do caput. Assim dispos a lei:

Art. 1º A Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir),


passa a vigorar com as seguintes alterações:

§ 2º É ainda contribuinte do imposto nas operações ou prestações que


destinem mercadorias, bens e serviços a consumidor final domiciliado ou
estabelecido em outro Estado, em relação à diferença entre a alíquota interna
do Estado de destino e a alíquota interestadual:

I - o destinatário da mercadoria, bem ou serviço, na hipótese de contribuinte


do imposto;

II - o remetente da mercadoria ou bem ou o prestador de serviço, na hipótese


de o destinatário não ser contribuinte do imposto." (NR)

c) (revogada);

V - tratando-se de operações ou prestações interestaduais destinadas a


consumidor final, em relação à diferença entre a alíquota interna do Estado de
destino e a alíquota interestadual:

a) o do estabelecimento do destinatário, quando o destinatário ou o tomador


for contribuinte do imposto;

b) o do estabelecimento do remetente ou onde tiver início a prestação, quando


o destinatário ou tomador não for contribuinte do imposto.

§ 7º Na hipótese da alínea "b" do inciso V docaputdeste artigo, quando o


destino final da mercadoria, bem ou serviço ocorrer em Estado diferente
daquele em que estiver domiciliado ou estabelecido o adquirente ou o
tomador, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a
interestadual será devido ao Estado no qual efetivamente ocorrer a entrada
física da mercadoria ou bem ou o fim da prestação do serviço.

§ 8º Na hipótese de serviço de transporte interestadual de passageiros cujo


tomador não seja contribuinte do imposto:

I - o passageiro será considerado o consumidor final do serviço, e o fato


gerador considerar-se-á ocorrido no Estado referido nas alíneas "a" ou "b" do
inciso II docaputdeste artigo, conforme o caso, não se aplicando o disposto
no inciso V docapute no § 7º deste artigo; e

II - o destinatário do serviço considerar-se-á localizado no Estado da


ocorrência do fato gerador, e a prestação ficará sujeita à tributação pela sua
alíquota interna." (NR)

"Art. 12.

XIV - do início da prestação de serviço de transporte interestadual, nas


prestações não vinculadas a operação ou prestação subsequente, cujo tomador
não seja contribuinte do imposto domiciliado ou estabelecido no Estado de
destino;

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XV - da entrada no território do Estado de bem ou mercadoria oriundos de


outro Estado adquiridos por contribuinte do imposto e destinados ao seu uso
ou consumo ou à integração ao seu ativo imobilizado;

XVI - da saída, de estabelecimento de contribuinte, de bem ou mercadoria


destinados a consumidor final não contribuinte do imposto domiciliado ou
estabelecido em outro Estado.

"Art. 13.

IX - nas hipóteses dos incisos XIII e XV docaputdo art. 12 desta Lei


Complementar:

a) o valor da operação ou prestação no Estado de origem, para o cálculo do


imposto devido a esse Estado;

b) o valor da operação ou prestação no Estado de destino, para o cálculo do


imposto devido a esse Estado;

X - nas hipóteses dos incisos XIV e XVI docaputdo art. 12 desta Lei
Complementar, o valor da operação ou o preço do serviço, para o cálculo do
imposto devido ao Estado de origem e ao de destino.

§ 1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive nas hipóteses dos incisos


V, IX e X docaputdeste artigo:

§ 3º No caso da alínea "b" do inciso IX e do inciso X docaputdeste artigo, o


imposto a pagar ao Estado de destino será o valor correspondente à diferença
entre a alíquota interna do Estado de destino e a interestadual.

§ 6º Utilizar-se-á, para os efeitos do inciso IX docaputdeste artigo:

I - a alíquota prevista para a operação ou prestação interestadual, para


estabelecer a base de cálculo da operação ou prestação no Estado de origem;

II - a alíquota prevista para a operação ou prestação interna, para estabelecer


a base de cálculo da operação ou prestação no Estado de destino.

§ 7º Utilizar-se-á, para os efeitos do inciso X docaputdeste artigo, a alíquota


prevista para a operação ou prestação interna no Estado de destino para
estabelecer a base de cálculo da operação ou prestação." (NR)

"Art. 20-A. Nas hipóteses dos incisos XIV e XVI docaputdo art. 12 desta Lei
Complementar, o crédito relativo às operações e prestações anteriores deve
ser deduzido apenas do débito correspondente ao imposto devido à unidade
federada de origem."

"Art. 24-A. Os Estados e o Distrito Federal divulgarão, em portal próprio, as


informações necessárias ao cumprimento das obrigações tributárias,
principais e acessórias, nas operações e prestações interestaduais, conforme o
tipo.

§ 1º O portal de que trata ocaputdeste artigo deverá conter, inclusive:

I - a legislação aplicável à operação ou prestação específica, incluídas


soluções de consulta e decisões em processo administrativo fiscal de caráter
vinculante;

II - as alíquotas interestadual e interna aplicáveis à operação ou prestação;

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III - as informações sobre benefícios fiscais ou financeiros e regimes


especiais que possam alterar o valor a ser recolhido do imposto; e

IV - as obrigações acessórias a serem cumpridas em razão da operação ou


prestação realizada.

§ 2º O portal referido nocaputdeste artigo conterá ferramenta que permita a


apuração centralizada do imposto pelo contribuinte definido no inciso II do §
2º do art. 4º desta Lei Complementar, e a emissão das guias de recolhimento,
para cada ente da Federação, da diferença entre a alíquota interna do Estado
de destino e a alíquota interestadual da operação.

§ 3º Para o cumprimento da obrigação principal e da acessória disposta no §


2º deste artigo, os Estados e o Distrito Federal definirão em conjunto os
critérios técnicos necessários para a integração e a unificação dos portais das
respectivas secretarias de fazenda dos Estados e do Distrito Federal.

§ 4º Para a adaptação tecnológica do contribuinte, o inciso II do § 2º do art.


4º, a alínea "b" do inciso V docaputdo art. 11 e o inciso XVI docaputdo art.
12 desta Lei Complementar somente produzirão efeito no primeiro dia útil do
terceiro mês subsequente ao da disponibilização do portal de que trata
ocaputdeste artigo.

§ 5º A apuração e o recolhimento do imposto devido nas operações e


prestações interestaduais de que trata a alínea "b" do inciso V docaputdo art.
11 desta Lei Complementar observarão o definido em convênio celebrado
nos termos da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, e, naquilo
que não lhe for contrário, nas respectivas legislações tributárias estaduais."

Art. 2º Fica revogada a alínea "c" do inciso II docaputdo art. 11 da Lei


Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir).

Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação,


observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea "c" do inciso III
docaputdo art. 150 da Constituição Federal.

Foram impetradas as ADI‟s 7.066, 7.070 e 7.078 no STF versando sobre o prazo para a
cobrança do DIFAL do ICMS, propostas pela ABIMAQ e Governadores de Alagoas e
Ceará, suscitando a dirimição do prazo de exigibilidade ainda em 2022 do DIFAL, ante
os principios da anterioridade anual e nonagesimal.

No que tange aos interesses envolvidos, havia de um lado a Fazenda Pública desejosa de
arrecadar o tributo ainda em 2022, do outro lado os contribuintes, na maioria empresas,
que desejavam adimplir somente em 2023, pelo que dado ao andamento do processo e
pendência de decisão, haveria a necessidade de pagamento retroativo, o que imporia
uma cifra bilhonária, principalmente ao setor do comércio.

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4.2 Decisão do STF nas ADI „s

No julgamento das ADI‟s acima citadas, o STF julgou pelo seu tribunal pleno no dia
29/11/2023, tendo como relator o Ministro Alexandre de Moraes, pelo que foram
decididas duas questões jurídicas:

1. A aplicação da lei complementar n° 190/2022 deve observar os prazos


constitucionais de anterioridade anual e nonagesimal?
2. É constitucional o prazo de noventa dias, previsto em lei complementar n°
190/2022, para que os Estados e Distrito Federal comecem a cobrar o
DIFAL/ICMS?

Em voto divergente e vencido, o ministro Edson Fachin rememorou a decisão do


ministro Dias Tofolli no tema 1093, pelo que tinha se firmado o entendimento de que
houve nova relação tributária na questão da emenda 87/2015, visto ter havido
disposição sobre sujeição tributária ativa e aspectos temporais e quantitativos do fato
gerador, portanto com nova obrigação tributária, correspondendo a instituição ou
aumento de tributo. Por isto, o mesmo seguiu o entendimento exposto pelo outro
ministro supracitado, pela constitucionalidade do artigo 3° da LC 190, com aplicação da
anterioridade nonagesimal, sendo esta, indissociável da anterioridade anual. Segundo o
mesmo, a jurisprudência do STF é no sentido de que qualquer medida que institua ou
aumente o ônus tributário tem que observar o principio da anterioridade do exercício.
Neste caminho o seu voto liga a questão da rejeição da noção de que o DIFAL trata se
de mera repartição do produto da arrecadação tributária do ICMS e apuração do tributo
devido, reafirmado isto na decisão do STF no tema 1093 pela qual exigiu a edição de lei
complementar. Por isto, reconhece a constitucionalidade do artigo 3° da LC 190/2022 .

De forma contrária, o relator Ministro Alexandre de Moraes destacou em seu voto a


singularidade da “sucessão normativa” sobre as alterações do ICMS em operações
interestaduais. Pelo que destacou o seu voto anterior no caso do tema 1093, para
sustentar que a emenda não trouxe inovação, pois já existia regime anterior que previa
essa destinação de receita, recolhida por meio do diferencial de alíquotas. Conforme
também exposto no voto, a emenda 87/2015 apenas ampliou o âmbito de aplicabilidade

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da técnica fiscal consistente no diferencial de alíquotas, visando a distribuição equânime


de recursos. Pelo que tal emenda não repercutiu na álea fiscal e economica sobre os
sujeitos passivos da tributação. O ministro entendeu que a compreensão majoritária da
CORTE do RE 1.287.019-RG e da ADI 5469 que concluiu pelo necessidade da
presença de lei complementar pelo Congresso Nacional para regulamentar o novo
arranjo fiscal trazido pela EC não é suficiente para impor a incidência do principio da
anterioridade, pelo que o mesmo expoe inclusive parecer da Consultoria Geral da
União, na qual expoe não haver correlação entre a exigencia de lei complementar e
submissão ao principio da anterioridade, haja vista que para além de ter matéria
tributária, deve se investigar o conteúdo normativo para concluir sobre a aplicação de tal
principio. Sendo que no caso do ICMS, foi observado que a lei complementar 190/2022
não versou sobre instituição ou majoração do ICMS nas operações interestaduais
destinadas a consumidor final? Conforme já relatado anteriormente, em sua visão o
ministro deixa claro que não houve tal fenômeno. Portanto, como a Lei Complementar
190/2022 não modificou a hipótese de incidência, nem a base de cálculo, mas apenas a
destinação do produto da arrecadação via técnica fiscal, pode a mesma incidir dentro do
mesmo exercicio financeiro, pois não houve instituição ou majoração de tributo. Diante
disto, conclui se que a lei versou sobre obrigações acessórias, e não sobre obrigação
principal, não se submetendo ao principio da anterioridade, sendo que obrigações
acessórias versam sobre assuntos, tais como: prazo, condições e procedimentos para
pagamento. Dessa maneira já existe entendimento da corte, sumulado na Súmula
Vinculante 50, que dispõe: “Norma legal que altera o prazo de recolhimento de
obrigação tributária não se sujeita ao principio da anterioridade”.

É interessante que o ministro destaca a natureza jurídica do principio da anterioridade,


sendo esta ligada a garantia individual do contribuinte, pelo que aquele é observado
visando dar possibilidade de programação contra a ingerencia estatal, na preservação a
segurança jurídica. Por isto, diante de tributo já existente (DIFAL ICMS), fato gerador
antes já tributado (operações interestaduais destinadas a consumidor não contribuinte),
por alíquota (final) inalterada, a ser pago pelo mesmo contribuinte, sem aumento do
produto final arrecadado, tem se portanto a inaplicabilidade do principio da
anterioridade.

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Outro ponto tratado em seu voto e de extrema importância diz respeito às leis estaduais
que implantaram a cobrança da aliquota, sendo esta uma norma geral de direito
tributário, haja vista regular um relação entre “sujeitos não diretamente vinculados”.
Portanto, estas estariam submetidas ao principio da anterioridade.

Por último, em análise a questão da constitucionalidade do artigo 3° da LC 190/2022 o


relator destacou a necessidade de buscar o pretendido pelo legislador na norma: uma
vacatio legis igual ao previsto naquele dispositivo constitucional (90 dias) ou a
aplicabilidade do principio da anterioridade nonagesimal. Diante dessa busca, o ministro
ressalta que o congresso nacional partiu da premissa errada para apor tal regramento na
lei, haja vista que interpretou que o STF havia considerado o DIFAL nas operações
interestaduais envolvendo consumidor final não contribuinte do ICMS constituiria
majoração de tributo. No entanto, tal situação já foi tratada anteriormente, sendo
considerado que isto não ocorreu. Além disto, destacou que o legislador
infraconstitucional, não tratando sobre vacatio legis, pretendeu conferir interpretação
autentica da regra sobre anterioridade tributária, no entanto, cabe a STF o monopólio da
última palavra em se tratando de interpretação constitucional. O ministro deixa claro
que o julgamento do STF na ADI 5469 e do RE 1.287.019-RG foi no sentido de que o
DIFAL intituido pela EC 878/2015 caracteriza “substancial alteração da sujeição ativa
da obrigação tributária”, em razão da criação de “uma nova relação jurídico tributária”
entre sujeitos, o que não tem haver com aumento da tributação. Portanto, incabível a
aplicação do principio da anterioridade, além de que ao STF cabe o monopólio da
ultima palavra na questão da interpretação, não podendo o congreso aplicar
interpretação autentica sobre os mesmos. Dessa forma, torna inconstitucional o artigo
3° da Lei complementar 190/2022.

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4.3 Análise da Natureza da Decisão

Diante dos fatos e considerações jurídicas apresentadas ficou evidente que a decisão do
STF no caso em questão teve um viés técnico. Diante do voto do Ministro Alexandre de
Moraes percebeu se que o STF não alterou o seu entendimento anterior, assentado no
julgamento relativo a EC 87/2015, haja vista que continua se afirmando que trata se de
nova relação jurídica tributária, no entanto, apenas mudou se o entendimento quando a
não se tratar de aumento ou instituição de tributo. Tal mudança se deu em detrimento da
abordagem do regime anterior ao da emenda, pelo que assentou se que apenas houve
mera técnica fiscal visando distribuição de recursos, visto já haver previsão anterior a
EC.

No que tange ao segundo ponto analisado no processo, verificou se que o STF


acertadamente buscou a intenção do legislador, rememorando o fato de que tal lei havia
sido editada com o entendimento equivocado de que tal regramento instituia tributos, o
que mostrou se não verificável. Portanto, a incontitucionalidade do artigo foi acertada,
não havendo em que se falar de aplicação do principio da anterioridade no caso em
questão.

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5 CONCLUSÃO

Foi analisado o conceito de principios dentro do direito, tendo sido averiguado que o
mesmo evolui na medida dos fatos ocorridos na história, pelo que o principio da
anterioridade fora positivado na constituição federal visando dar segurança jurídica ao
cidadão, para que este não seja surpreendido onerosamente na seara tributária.

Demonstraram-se os fatos e fatores envolvido na edição da emenda constitucional que


trouxe a constituição do DIFAL ICMS. Pelo que fora demonstrado todo o percusso
processual para se chegar a edição da lei complementar regulamentadora. Assim através
dos votos dos ministros pode se explanar sobre toda a celeuma jurídica, que girou em
torno da posição anterior e nova do supremo, pelo que mesmo não alterando a noção de
nova relação jurídica tributária, trouxe novo entendimento pela não afetação do
contribuinte.

Observamos que a decisão tomada pelo STF teve natureza técnica, haja vista os
argumentos muito bem embasados na boa técnica jurídica, aos quais envolveram a
averiguação do regimento anterior ao advento da EC do ICMS-DIFAL e a busca pela
intenção do legislador ao positivar a expressa menção a aplicação do principio da
anterioridade anual e nonagesimal.

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