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Introdução ao Direito II
Introdução ao Direito II
Dr. Aroso Linhares
Eduardo Figueiredo
Ano Letivo 2013/2014
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, reimpressão da 2ª edição, Coimbra Editora, 2010
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, coletânea de múltiplos textos, Biblioteca da FDUC
LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito II, 2009
JUSTO, A. Santos, Introdução ao Estudo do Direito, 3ª edição, Coimbra editora, 2006 NEVES, A.
Castanheira, «Jurisprudência dos interesses», Digesta, vol. 2º, Coimbra, 1995
CAPÍTULO III
A. Prolegómenos
1. Uma introdução
O direito como ordem de validade só pode ser associada a uma experiência de validade comunitária. Surgem
duas dimensões fundamentais reconhecidas ao direito: a validade comunitária (ligada e exigida por um autêntico ethos
comunitário) e a controvérsia prática. Assim, por um lado, identifica-se esta validade comunitária inscrita numa validade
cultural e institucional e marcada por uma nota de pessoalidade. Por outro lado, somos remetidos a considerar a
importância do direito na resolução de controvérsias juridicamente relevantes, ao mesmo tempo que procura a garantia de
uma bilateralidade e atributiva neste processo de afastamento daquilo que surge como um decisionismo arbitrário e que
não pode ser associado ao direito.
Surge assim, a necessidade de reconhecimento de um sistema jurídico que procure, através de uma mediação
dogmática entre estas duas dimensões, a estabilização necessária ao surgimento de um horizonte de validade. O julgador
deve conseguir, a qualquer momento, procurar resolver a controvérsia através do reconhecimento de um conjunto de
fundamentos e critérios constitutivos deste sistema jurídico.
2. O Sistema Jurídico1
Este surge como uma autêntica condição de tercialidade. O sujeito imparcial vai comparar as posições
juridicamente relevantes dos sujeitos da controvérsia, levando a cabo o autêntico exercício de reconhecimento de uma
bilateralidade atributiva, ao "dar a cada um juridicamente o que é seu", partindo do reconhecimento de cada indivíduo
como autónomo e responsável.
A resolução da controvérsia, ou seja, a decisão, não é entendida como produto da sua vontade, devendo traduzir
uma experimentação do sistema, surgindo como uma decisão articulada com um juízo- julgamento que se constrói com
base em fundamentos e critérios do sistema jurídico e a sua experimentação na resolução do problema prático. Este tem,
portanto, de ser um juízo decisório construído racionalmente através dos elementos estabilizados no sistema.
A decisão deve, assim, manifestar uma voluntário sustentada numa autoridade potestas, realizando o sistema e a
própria validade comunitária que o estabiliza e a ele está associada.
1
Atentar ao esquema da página 88 dos Sumários Desenvolvidos.
Para apoiar a distinção feita, importa referir a metáfora construída por Drucilla Cornell ou Adela Cortina. Esta
metáfora parte da associação dos fundamentos (principalmente dos princípios) à luz de um farol ou à orientação de uma
bússola. O problema juridicamente relevante a resolver pelo julgador assume-se como um caminho desconhecido (e
cheio de novidades/especificidades) a percorrer por um viajante. Para percorrer este caminho (cuja finalidade é alcançar a
decisão-juízo), este conta também com critérios, isto é, com um conjunto de práticas de estabilização e realização do
sistema jurídico, e que são criados por legisladores, juristas, juízes, etc... e que, são associados a mapas/itinerários.
Assim, a luz do farol surge como um fundamento, não prevendo os problemas que o caminhante irá enfrentar,
mas proporcionando uma orientação fundamental, garantindo que o seu caminho realiza certas exigências ("seguir
sempre a luz do farol"), e mostrando que não se deve afastar dessas exigências.
Já os mapas e itinerários surgem como critérios, que não se confundem com o caminho a percorrer, mas
preveem, exemplificam ou reconstroem reflexivamente várias situações-problemas, propondo alternativas e soluções
plausíveis.
Porém, o caminhante deve ter a noção de que não deve tratar a orientação oferecida pelos fundamentos como
aquela que lhe é fornecida pelos mapas. Deve ainda não procurar utilizar apenas a orientação que lhe é proposta pelos
critérios, já que este deve sempre seguir a "luz do farol" ou a indicação da bússola, procurando nunca caminhar em
sentir oposto aos destas, sejam quais forem as indicações dos critérios. Assim, os critérios devem ser sempre
confrontados com os princípios para se verificar se estes os respeitam.
B. A experiência do sistema
1.1. Princípios como direito vigente: como ratio, intentio e como jus.
[Devido à subjetividade associada a esta classificação, não é este tipo de classificação que, num contexto de prova escrita,
nos pedem para realizar.]
2
Entendida como o «conjunto de valores que, numa comunidade, dão sentido ao direito como verdadeiro direito»
(CASTANHEIRA NEVES)
3
E ainda outros apresentados na página 100 dos sumários
Princípios Transpositivos
São princípios que estão consagrados nas normas e, como tal, fazem parte de um direito vigente assimilado pela
prática de que constitui dimensão, mas que se afirmam como condições normativas de validade de uma ordem de direito
que, pelo fato de não haver alternativas plausíveis, nem precisavam de estar consagrados nas normas já que continuariam
a afirmar-se como princípios cuja verificação é fundamental e até exigida. Tratam-se de exigências a determinados
campos do direito que são fundamentais para a institucionalização de uma ordem de direito. Estes domínios em causa
(direito civil, direito penal, etc…) nunca poderiam ser pensados sem esses princípios ou renunciando ás exigências
contingentes que eles traduzem.
No sentido amplo da formulação de princípios positivos podemos, sem dúvida, incluir os princípios positivos e
transpositivos. A importância no que toca à distinção que aqui realizamos entre eles prende-se com o fato de que estes
princípios transpositivos não carecem a sua consagração positiva para serem reconhecidos.
Ex: Direito Constitucional: princípio da separação dos poderes, proteção da confiança, etc… No direito criminal
destaca-se o princípio da culpa e nullum crimen sine lege; no direito privado, com o princípio da autonomia privada,
principio do contraditório, etc…
Princípios Suprapositivos
Há um núcleo de exigências comuns a todos os domínios do direito e que surgem como fundamento de todas as
exigências desse núcleo de identidade que carateriza o direito. Estes princípios são a expressão imediata das exigências
de igualdade e responsabilidade que constituem e especificam o reconhecimento do homem-pessoa e são transversais a
toda a ordem de direito.
Estas exigências exigem um autêntico equilíbrio dialético entre o polo do SUUM e da COMMUNE:
SUUM
O Direito a reconhecer um conjunto de princípios transversais a todos os seus campos como
condição para reunir as componentes necessárias de igualdade e liberdade associadas a um plano de autodeterminação e
que se prende largamente com o reconhecimento da pessoalidade humana que está na base do polo do SUUM, enquanto
polo de garantias jurídicas de que será reconhecida a liberdade e autonomia humana.
COMMUNE
O surgimento de uma validade comunitária que sustentará a institucionalização de uma responsabilidade
comunitária reconhecida aos indivíduos e que limita a sua autodeterminação, mas apenas do modo que o direito o
permita. Impõem-se deveres e exigências, mas não arbitrárias e desmedidas. Considera-se necessária uma
institucionalização formal da responsabilidade jurídica, apresentando um esquema seguro ao nível do conteúdo e da
forma que nos permita saber exatamente quando é que este princípio inicia e termina, isto é, quais os seus limites de
atuação.
Outros exemplos serão: principio do mínimo (exigências no seio do polo do COMMUNE necessárias à afirmação da
nossa liberdade e autodeterminação.), ou o princípio da proibição do excesso, etc…
Há duas exigências fulcrais no que toca à institucionalização de uma ordem de direito, que tem sempre
subjacente uma autêntica dimensão axiológica e que se traduzem numa necessidade de segurança - associada a aquela
formalização e a aquelas garantias que esta institucionaliza - e a um conjunto de exigências de justiça (mas com as quais
não podem ser confrontadas.)
No que toca as exigências de forma e dos institutos justificados pelas exigências da segurança, torna-se vital
referir três institutos fundamentais:
A prescrição enquanto extinção de um direito que não é exercido durante um certo lapso de tempo e que se
aplica aos chamados direitos subjetivos propriamente ditos, enquanto poder ou faculdade, concedido aos indivíduos pela
ordem jurídica, de exigir um comportamento positivo ou negativo. (Art. 298/1) Neste caso, falamos de uma prescrição
extintiva ou negativa, já que consiste na perda de um direito. Há, porém, alguns direitos que não podem ser extintos,
como os direitos de personalidade já que surgem como exigências fundamentais da dialética entre o pólo do
SUUM/COMMUNE.
A caducidade enquanto extinção de um direito ou situação jurídica a cujo exercício vai associado
constitutivamente um certo prazo. Está aplica-se aos chamados direitos potestativos, enquanto poder ou faculdade de
intervir na esfera jurídica alheia, produzindo inevitavelmente efeitos jurídicos. (Art. 298/2)
O usucapião enquanto aquisição do direito de propriedade ou doutros reais de gozo resultante da posse mantida
durante um certo lapso de tempo. Falamos de uma prescrição positiva ou aquisitiva, já que o decurso do tempo conduz à
aquisição de um direito. (Art. 1287 e ss.)
Refere-se ainda o problema do caso julgado enquanto decisão judicial insuscetível de ser modificada,
afirmando-se como um princípio transpositivo do direito processual, que possibilita a compreensão desse ramo do direito
e que se encontra consagrado no art. 621 C.P.C.. Surge da necessidade de se estabelecer formalmente um limite,
procurando que no momento do iter judiciário as decisões judicias se tornem definitivas e insuscetíveis de ser alteradas
por recursos ordinários. O problema-limite que este princípio pode, efetivamente, suscitar traduz-se ainda no fato de que,
dependendo do caso concreto, o respeito pelo caso julgado pode envolver uma violação dos princípios axiologicamente
constitutivos da ideia de Direito e da sua fundamental exigência de justiça. Por isso se criaram ainda outras
possibilidades, como o recurso de revisão (art.696) para tornar possível a prossecução destas exigências de segurança e
justiça associadas a este princípio.
Consonância de função: os princípios têm que se adequar ou responder a um problema de fruição intersubjetiva do
mundo e que carece de uma resposta do direito.
O que nos permite dizer que estes princípios são princípios do direito?
Questionamo-nos acerca do sentido dos princípios normativos e da sua assimilação numa realidade histórico-
concreta, tendo em atenção o problema da vigência e da assimilação dos princípios pela comunidade em causa. Estes
princípios já não são vistos como princípios do direito natural, tal como na época do jusnaturalismo pré-iluminista. A
versão moderna encara os princípios como exigências regulativas de valor... E como verdadeiras dimensões axiológicas
que incorporam "projetos de ser”, sendo constituídos na comunidade jurídica em que pretendem ser vigentes. A verdade
é que estes não constituem princípios gerais do direito - enquanto abstrações generalizantes obtidos a partir de normas -
sendo constituídos por via doutrinária como uma base fundamentante para a construção das normas.
Falamos, assim, da evidência quase empírica imposta pelos princípios positivos no seu sentido mais restrito; de
uma resposta garantida em termos de unidade ou de concordância prático-normativa dos princípios transpositivos; e
ainda, da experimentação da função fundamentante da juridicidade dirigida aos princípios suprapostitivos.
Assim princípios beneficiam de uma presunção de validade que surgem como fundamentos para o direito e que
não vinculam enquanto validade.
Assim, perante um conflito entre um princípio jurídico e uma norma legal, de uma perspetiva jusnaturalista
preferir-se-ia o primeiro; de um ponto de vista positivista, preferir-se-ia a segunda. Assim, se estivermos perante uma lei
injusta – uma impositiva prescrição politico-legislativa político-formalmente inopugnável, mas normativo juridicamente
inválida – não poderemos deixar de privilegiar o principio e recusar a aplicação do hipotético preceito legislativo.
Entendemos a norma como uma solução-valorarão para os problemas que vão surgindo, entendendo esta como
uma norma-problema ou norma-juízo de valor. Não a consideraremos, assim, como a premissa maior que o silogismo
subsuntivo do paradigma da aplicação nos incita a prosseguir, mas como uma antecipação em abstrato de um problema,
como meio de criar uma ponderação prática fundamentada em critérios a mobilizar para uma referenciação ao caso
concreto. E quanto à intencionalidade prática da norma, importa referir dois contrapontos:
1) Interrogação da ratio legis como procura do motivo fim que determinou a decisão da norma e a sua
justificação política, social, teleológica e estratégica. Só assim consideramos uma norma como adequada, desadequada,
oportuna, inoportuna ou até capaz de articular (ou não) logradamente recursos e objetivos. Estaremos, em cada um dos
casos, a considerar a sua intencionalidade programática. A norma não vale por si mesma; é necessária uma referência à
relação entre a intencionalidade prática da norma e o fundamento do sentido da norma jurídica.
2) A problematização da ratio juris como confronto da teleologia programática da norma legal com a coerência
dos fundamentos normativos do sistema jurídico. Chegamos a conclusão que a norma é um critério que assimila a
relevância prática de um caso enquanto objetivação plausível dos princípios ou pelo contrário à conclusão de que
mobilizar a norma como critério para aquele caso significa frustrar em concreto as intenções dos princípios, pondo em
causa a sua consonância prática necessária.
A interpretação das normas conforme os princípios é fundamental para a passagem de uma ratio legis à
fundamentaste ratio juris: as possibilidades de contradição normativa compreendidas e experimentadas na perspetiva de
um problema concreto. Destaca-se o caso da lei injusta, que se afirma como autêntico não direito. Assim:
1) Perante leis que criam uma relação falhada com o sentido que os princípios normativos afirmam, podemos
prosseguir à correção da norma que pode ser sincrónica (se está relação falhada surge logo no momento da criação da
norma) ou diacrónica (se apenas surgiu por causa de uma alteração dos princípios pressupostos à constituição da norma).
Procura-se que a norma fica conforme os princípios a que deveria louvar-se.
2) Perante leis opostas aos princípios, podemos prosseguir à preterição (quando a oposição surge, desde logo,
quando a norma é constituída) ou à superação (se, no momento da sua criação, se encontrava conforme, mas com o
decurso do tempo, entra em contradição com os princípios, perdendo a sua validade.) A superação pode ligar-se ao
problema da caducidade à luz dos limites temporais normativos da lei.
Neste quadro, devemos preferir a ratio juris à ratio legis, se que os fins não podem prevalecer sobre os
princípios, sendo necessário garantir esta dimensão normativa axiológica de validade, que irá fundamentar a presunção
de autoridade das normas. Assim, e resumindo, nas palavras do Dr. Pinto Bronze: “(…) [Com isto, compreendemos
que] uma norma jurídica tenha, ao lado de um elemento ou
dimensão racional (…) um outro imperativo, decisório, volitivo, ou de autoridade – que é exatamente o resultado da
opção feita pelo legislador, dentro de várias possibilidades de escolha que se lhe abriam, para objetivar a intenção
normativa do mais ou menos indeterminado principio fundamentante da norma circunstancialmente em causa.
4) Perspetiva do Vínculo lógico com a ação combinada com a perspetiva da autonomia privada : Refere- se a
normas cuja mobilização e aplicação não depende de uma manifestação ou declaração da vontade dos sujeitos privados.
4.1.) Normas imperativas, injuntivas ou cogenses (A sua aplicação não depende da vontade das pessoas,
impondo-se-lhe e exigindo um comportamento positivo ou negativo.)
4.1.1) Precetivas: impõem um facere, independentemente da vontade dos sujeitos privados.
4.1.2) Proibitiva: Se praticarmos determinado ato estaremos a violar a corresponsabilidade que temos
pelo respeito de certos bens jurídicos com relevância comunitária. Impõem um Non facere, isto é, proíbem uma
conduta.
4
Para mais, ver JUSTO, António Santos, Introdução ao estudo do Direito, 6ª edição, paginas 150-
4.2) Normas permissivas ou dispositivas: Normas cuja produção de efeitos depende da vontade dos sujeitos
privados, já que permitem ou autorizam certos comportamentos Destacamos os direitos potestativos.
5) Perspetiva da Sanção
5.1) Leges plus quam perfectae: Determinam a invalidade dos atos que a violem e aplicam uma pena aos
infratores.
5.2) Leges perfectae: Só determinam a invalidade dos atos contrários.
5.3) Leges minus quam perfectae: Não estabelecem a invalidade dos atos contrários, mas determinam que
não produzirá todos os seus efeitos.
5.4) Leges imperfectae: Não estabelecem nenhuma sanção.
Estamos a referir-nos a um direito judicial enquanto esquemas que identificam determinadas soluções para um
caso concreto e que surge nas sentenças, identificando esse problema e originando uma solução que surgirá como
exemplo para decisões futuras - juízos decisórios. Estes juízos assimilam ou estabilizam compromissos prático-
comunitários de validade.
Trata-se de convocar uma solução de uma controvérsia concreta, assumindo-a como um exemplo (ou
precedente) para soluções futuras, mas também como um contributo da casuística enquanto resultado da realização
concreta do direito.
Surge a discussão se efetivamente este critério jurisdicional deve ser entendido como a sentença- decisão
enquanto tal ou se deve ser entendida pelo sentido fundamental do esquema de solução proposto e reconduzido ao núcleo
da sua ratio decidendi. Efetivamente, há alguns autores que consideram os critérios jurisdicionais uma autêntica
generalização construída a partir da ratio decidendi, ocupando, no plano da sua objetivação, uma posição intermédia.
Assim, os precedentes não se confundem com as decisões dos casos concretos na sua integridade e exigem uma
objetivação normativo-sistemática distinta que corresponda a proposições normativas mais gerais, relativamente a
aquelas que serviram de critério ou fundamento as decisões em causa.
Assim, o critério exemplum relevante corresponde, na sentença, à dimensão do juízo e a auctoritas com que este
se nos dirige: um juízo julgamento que corresponde ao modo como se realiza a dialética sistema-problema e que, através
do exercício da analogia - ao privilegiar os seus aspetos judicativos -, procurará uma solução sustentada no sentido
racional do sistema.
Nos sistemas de Common Law, descobrimos estes critérios sustentados numa vinculação formal - solução é
aplicada a vários casos análogos, estabelecendo uma espécie de linha de continuidade entre as decisões judiciais -, mas
também, no plano metodológico argumentativo (e esta, tanto no Common Law, como no Civil Law) de uma autêntica
presunção de vinculação que realça o seu sentido prático normativo ou a inteligibilidade como juízo. E esta presunção de
vinculação, segundo Kent prende-se como o fato de se considerar a solução para um caso passado como adequada e justa
(num sentido de "justeza"), consagrando uma autêntica presunção de justeza.
Falamos, assim, de uma aproximação dos dois sistemas: A ideia de vinculatividade absoluta teve o seu momento
culminante no seio do Common Law, no séc. XIX. Foram, depois criadas duas técnicas prático- argumentativas
importantes: distinguishing (o juiz deve comparar analogicamente os casos anteriores e presentes, realçando semelhanças
e diferenças) e overruling (caso o precedente conduza a resultados injustos, pode o juiz substitui-lo por outro, superando-
o). Através destas, o juiz liberta-se de um precedente irrazoável e, quem sabe, até de um precedente bem consolidado.
Importa, para tal, encontrar um compromisso entre as exigências da certeza e da continuidade do direito e as da justeza
da solução do caso
singular e da adaptabilidade do direito as situações de mudança. Os dois sistemas são obrigados a consolidar as suas
decisões inserindo-as no sistema.
Porém, a presunção de vinculação e de justeza é ilidível, isto é, não absoluta. O juiz pode invocar estes prejuízos
como modelos de confronto analógico de relevâncias concretas sem ter de justificar prático- normativamente essa
convocação. Refere-se o princípio da inércia argumentativa de PERELMAN que mobiliza a experiência do passado para
referir que, no caso de existência de uma prática estabilizada que levou a bons resultados e decisões, o juiz poderá
mobiliza-la sem a justificar. Esta posição é também defendida por ALEXY. O juiz só se pode afastar do modelo
(assumindo uma solução distinta) se for medologicamente constrangido a fundamentar esse afastamento através de um
autêntico ónus da contra- argumentação. Falamos, assim, de um princípio perelmeniano da inércia: as regras de
utilização dos prejuízos são as seguintes: (a) quando um precedente puder ser invocado a favor de ou contra uma decisão,
é de o invocar; (b) quem pretender afastar-se de um precedente tem o ónus da contra-argumentação.
A doutrina pode englobar a criação de fundamentos ou critérios, reportando-se a todos os escritos e reflexões de
juristas, de variedade imensa, desde a anotação casuística a um tratado. Não lhes está associada uma potestas, mas
podemos falar de uma auctoritas, defendida por ALEXY que considera que "quando são possíveis argumentos
dogmáticos, há que convocá-los”. Assim, esta reflete diferentes conceções do direito e do pensamento jurídico, sendo
importante destacar que a compreensão prático- normativa da dogmática se constrói num diálogo negativo com outras
conceções. (desde logo, superando a ciência dogmática do direito do séc. XIX - baseada na análise, concentração e
construção de conceitos. Até porque hoje a dogmática é entendida como uma “dogmática da fundamentação”.)
Trata-se de associar a dogmática enquanto tarefa prático-normativa com a jurisprudência judicial que convocam
uma unidade prático-prudencial e uma intenção hermenêutica que faz justiça ao direito vigente.
A presunção de racionalidade da dogmática é também ilidível, isto é, não absoluta. Uma vez aceite, não
significa que esta tenha de ser mantida por um tempo indeterminado. Porém, caso se pretenda abandonar uma presunção
e seguir uma nova, não basta que existam mais argumentos a favor da nova posição. É necessário que esses argumentos
sejam tão bons que não só justifiquem esta solução mas justifiquem também o rompimento com a tradição que esta
representa. Vale aqui o princípio da inércia de PERELMAN. Todo o que pretender propor uma nova solução suporta o
ónus da (contra-) argumentação.
Devemos entender a realidade jurídica em que as controvérsias se manifestam e o direito se realiza como um estrato
do sistema jurídico, já que há um conjunto de componentes de realidade não resolvidos pelos critérios e que carecem de
tratamento próprio. Importa considerar duas dimensões fundamentais reconhecidas à realidade jurídica:
A índole da dinâmica que anima o sistema jurídico é regressiva (cronologicamente, como de hoje para ontem) e a
posteriori. Isto é, a exigência da salvaguarda da específica unidade do corpus iuris determina que, aquando da sua
abertura, o novo regrida sobre o pré-disponível. Um exemplo paradigmático é o da autonomização do critério normativo
do abuso do direito que não retirou significado, mas reconstituiu, o principio da autonomia da vontade, impondo o
abandono do seu entendimento tradicional.
Assim, concluímos que a especificidade de desenvolvimento do sistema jurídico encontra a sua matriz na
conhecida reconstituição analógica do próprio discurso prático. Assim, o corpus iuris apresenta-se dinamicamente,
constituído por vários polos que interrelaciona e que se define pelo concreto nível de possibilidade de realização as
reciprocas correspondências que entre eles se estabelecem.
CAPÍTULO IV
(3) Momento Constituinte: Modos de constituição do direito que são suscetiveis de ser absorvidos pela realidade
social e que consagram a sua vigência e eficácia necessárias.
(4) Momento de Objetivação: Objetivação dos vários princípios numa vigência normativa.
Estamos a considerar a experiência jurídica em sentido próprio, isto é, enquanto processo apenas humano e
histórico do direito.
(5) Por fim, a sua dimensão de tempo é o futuro e o direito é para ela uma regra de conduta, visando o
comportamento futuro.
Destaca-se esta experiência nos sistemas de Civil Law, surgindo como experiência constitutiva polarizadora.
Reconhece-se um aumento da importância da experiência jurídica jurisdicional a par desta.
1º - Poder Constituinte
2º - Poder Legislativo Propriamente Dito 3º
- Poder Regulamentar
4º - Poder Autárquico
Todos estes níveis beneficiam de uma presunção de autoridade, ainda que me diferentes graus. Importa ainda referir
o (já revogado em 1996) instituo dos assentos em confronto com os precedentes vinculantes do common law – surgem
como forma especial de recurso para tribunais superiores, sempre que existiam confrontos jurisprudenciais em casos, à
partida, análogos. Estes visavam uma estabilização e uniformização jurisprudencial, surgindo como autênticas normas
gerais e abstratas dotadas de força obrigatória geral, que o STJ, funcionando em pleno, se via constrangido a prescrever –
considerando apenas aquele caso concreto e sem qualquer juízo prévio de oportunidade, sempre que se decidia recurso
para este plenário e tendo por base a decisão deste recurso.
A norma não poderia ser transformada, sendo a sua forma de vinculação semelhantes à das normas legais – o
critério que daqui resultava era o de uma norma legal e não de um critério jurisprudencial. Em suma, criava-se um
critério geral e abstrato com vista a aplicação genérica para o futuro.
Importa ainda referir mais dois pontos:
(1) «Julgamento de fixação da jurisprudência» (em processo penal) que se afirma como recurso extraordinário para
estabilizar a jurisprudência judicial – (art. 437º/1 do C.P.P.), não através de uma vinculação formal, mas através
do reconhecimento da possibilidade de reconhecimento de um ónus da (contra-) argumentação.
(2) «Julgamento ampliado de revista» (em processo civil) no art. 688º a 695º C.P.C. que surge como recurso
extraordinário para uniformizar a jurisprudência judicial. No fundo, desempenha uma função preventiva: nos
trâmites de um recurso ordinário, o presidente do STJ pode concluir que se poderá manifestar uma divergência
em relação a uma posição anteriormente assumida, tomando uma decisão concreta para um caso, à qual se
reconhece uma presunção de justeza.
Ambos se tratam de autênticos critérios jurisdicionais que podem ser mobilizados pelas partes e que visam a
estabilização da jurisprudência judicial.
4.1. Prolegómenos
Para iniciar o estudo desta temática temos de partir desde logo de duas proposições:
(1) O momento constituinte parte de uma dialética entre a pressuposição de uma validade comunitariamente
construída e a condição de uma contingência histórico social.
(2) Este permite-nos dar-nos conta dos modos de positivação ou de determinação normativa reconhecidos e
aos quais a experiência comunitária em causa reconhece auctoritas.
com uma dimensão material própria que será introduzido no C.C. de 1966. Verifica-se em questões de
fundamentação.
(4) Limites intencionais: Estão presentes em todas as normas e derivam da sua índole programática. Para
compreender as normas, há que as inserir num determinado contexto de significação que surge associado a um conceito
de realização. Procura-se atribuir um sentido a uma norma para dela se extrair um critério. Para tal, exige-se que se
construam juízos práticos para articular uma norma geral e abstrata a um caso singular e concreto. Muitas vezes, neste
processo, é a obtenção da premissa menor que surge como mais árdua, sendo este problema tratado de forma meramente
formal. É necessário, porém, um juízo analógico, recorrendo a critérios, que permitam a interpretação da norma e a
compreensão dos seus limites intencionais. No fundo trata-se de confrontar a prescrição legal com as circunstâncias
particulares e com a perspetivação individualizada do caso-problema.
CAPÍTULO V
INTRODUÇÃO À METODOLOGIA
O SENTIDO DO PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO COMO MOMENTO DO PROBLEMA
METODOLÓGICO DA REALIZAÇÃO JUDICATIVAMENTE CONCRETA DO DIREITO
O Método Jurídico surge no discurso do séc. XIX, como expressão do normativismo e legalismo, distinguindo-se
três notas capitais:
A exigência de conferir ao pensamento jurídico a sua autonomia discursiva, procurando conciliar uma
conceção epistemológica teorética (influenciada pelo cientismo) e uma conceção normativista do direito
que procura garantir o caráter plausível de uma perspetiva interna que vê o direito «enquanto
conhecimento do direito a partir do próprio direito ou de uma perspetiva puramente jurídica», no fundo,
dando origem a uma ciência do direito, que se afasta de outras perspetivas históricas, sociológicas,
filosóficas… e se limitam ao jurídico. Assim, o Método Jurídico seria aquele que consegue autonomizar
uma ciência do direito de todas as outras ciências.
O caráter prescritivo e normativo do Método – O Método Jurídico “como construção doutrinal que visava
prescrever, prévia e autonomamente, o modelo e o processo que o pensamento jurídico deveria cumprir
para atuar em termos especificamente jurídicos e corretos. (…) Define a priori e pretende impor a prática.”5
A ambição de racionalizar teoreticamente a prática, oferecendo-lhe as condições para uma aplicação
formalmente objetiva. Destacam-se duas tarefas-fins complementares da técnica jurídica, autonomizadas
por Jhering:
o O domínio cognitivo-racional dos materiais enquanto Direito-objeto, através da simplificação dos
materiais disponíveis utilizando três processos distintos: análise jurídica, concentração lógica e
construção jurídica.
o O tratamento das objetivações garantidas por esta técnica como possibilidade de uma prática
racional que diz respeito a cada sujeito-decisor, pressupondo um exercício continuado, mas
também, iluminado pelo fim principal da aplicação igual do «direito ao caso concreto». “Mas, o
direito existe quando se realiza. A realização é a vida e a verdade do direito, é o direito ele próprio
(…). Na pergunta relativa à realização do direito não se trata no entanto de interrogar alguma coisa
de material, mas de interrogar alguma coisa de puramente formal.” (JHERING) Assim, exige-se
que o direito cognitivamente pressuposto pelo pensamento jurídico nos surja no seu modo de ser
abstrato. ´~
5
NEVES, Castanheira, «Método Jurídico», Digesta, 2º Volume, pp. 303-
como um precipitar da história, considerando que todo o povo tem o seu direito. Para esta escola de influência alemã,
o direito objeto corresponde aos materiais dados que, emergindo das experiências consuetudinárias e legislativas (e
até dos textos do direito romano comum) constituem o direito (im)posto ao histórico comunitário elemento político.
A lei vai ter uma importância crescente enquanto direito constituída pelas forças da história e que se vai consagrar no
BGB (resultado da pandectistica do séc. XIX). O método utilizado baseava-se num método
hermenêutico/científico/aplicativo, acentuando a análise/concentração/ construção/sistematização do positivismo
jurídico à hausse. Pretende-se uma grande assimilação do normativismo para tratar racionalmente os seus problemas
( «Também através da Escola Histórica… mas para além desta e… para fora desta…»)
Destaca-se a utilização da pirâmide conceitual de Puchta que é transparente e composta por vários estratos,
estreitando-se estes conforme se sobe da base para o vértice. Quanto maior a largura, maior a abundância de matéria,
e menor a altura, isto é, a capacidade de perspetiva…. E vice-versa. À largura corresponde a compreensão e à altura
a extensão do conceito abstrato. Entendia-se o direito como sistema fechado de instituições e normas tão
independente da realidade social das relações da vida quanto pleno.
Objetivos da Jurisprudência inferior: Procura substituir o sentido normativo strictu sensu das normas por um
sentido lógico. No fundo é como se os conjuntos de normas em unidade regulativa pela referência a um certo domínio
prático formassem os institutos jurídicos suscetiveis de uma objetivação conceitualizável. É como se os materiais do
direito-objeto constituíssem a ratio cognoscendi e os institutos e conceitos proporcionassem a ratio essendi.
A jurisprudência superior terá a tarefa de construção- sistematização conceitual, partindo dos materiais
já disponibilizados pela jurisprudência inferior e reconstruindo a sua unidade em termos superiores. As normas surgiam
em relações de vizinhança (horizontais), sendo eu a unidade residia no fato de todas partirem dos mesmos conceitos e
significações (conceitos estes obtidos por indução.) Procura explorar um autêntico sistema de corpos jurídicos em sentido
estrito que, não constituindo já direito positivo, se mostra apto a conferir a tal direito a sua decisiva transparência racional
– que nos permitirá entender este direito como um unidimensional sistema de normas. Que transparência será esta? Uma
inteligibilidade expositiva, mas também constitutiva que responsabiliza a história por uma produção geradora de novos
materiais: institutos – hoje emancipados na sua organicidade histórica e da sua contingência empírica – e conceitos –
núcleos auto-subsistentes de qualidade e forças que, enquanto existências objeto, se nos impõem como correlato limite de
uma interpelação anatómica.
A interpretação das normas faria sentido com a mobilização de um critério para a resolução de um caso concreto que
carecesse de alguma clarificação ou explicação especial. Procurava-se, assim, a interpretação da norma em abstrato,
procurando fazê-la corresponder à premissa maior do silogismo subsuntivo.
No Pensamento Jurídico Romano, a interpretação visava o sentido útil da fonte, isto é, a interpretação das fontes
era feita em função de decisões concretas e descontextualizadas. Mais tarde, com os glosadores inicia-se uma
interpretação mais filológico-gramatical e com os comentadores uma interpretação dialético- argumentativa. Visavam
procurar o sentido racional das fontes. Com o jusnaturalismo, recupera-se o elemento histórico e, com o jusracionalismo,
um elemento sistemático.
Com o positivismo, entende-se que a interpretação só é necessária em normas que sejam pouco claras. Porém,
pretende-se um entendimento diferente da hermenêutica positivista, já que esta tese é insustentável pois se entende que a
clareza de uma lei só se manifestará através da sua interpretação. Assim, a interpretação é a determinação do sentido
normativo de uma fonte jurídica, mas estritamente no momento em que é mobilizada para a resolução de um caso
concreto que só será solucionado à luz dessa interpretação.
(1) Elemento Gramatical: Corresponde à sua letra ou teor verbal, isto é, o texto na sua relevância filológico-
gramatical, reconduzindo-a aos usos linguísticos que podem ser gerais ou especiais. [LETRA DA LEI]
(2) Elemento Histórico: o texto na sua relevância histórica, vinculado às circunstâncias do seu aparecimento e ás
circunstâncias em que foi elaborado – occasio legis. [ESPIRITO DA LEI]
(3) Elemento Sistemático e Lógico: O primeiro a preocupar-se com a inserção sistematicamente racional da
norma no conjunto do sistema jurídico constituído pelas normas e uma referenciação À pirâmide de conceitos; o
segundo a referir-se a uma unidade lógico-estrutural da norma legal, identificando a sua estrutura hipotético-
condicional. Hoje diz-se elemento lógico-sistemático. [ESPIRITO DA LEI]
Fora do texto encontramos vários elementos materiais que podem criar incerteza na interpretação – interesses,
valorações práticas, decisões, etc… - pervertendo a objetividade do processo hermenêutico. Falamos de um elemento
racional-teleológico que se ocupa com o fim e motivo da norma. Numa fase inicial, Savigny ensina-nos a exclui-lo
pela incerteza que este gera. No Curso de Inverno de 1802-1803, este afasta a possibilidade de consideração deste
elemento.
Mais tarde, com a obra “System des heutigen römischen Rechts de 1840”, ensina-nos a dar-lhe uma relevância
secundária e excecional. Sem deixar de o considerar um elemento extratextual, admite-se que seja convocado
excecionalmente.
Impõe-se uma distinção entre uma situação metodológica-regra – aquela em que o texto da lei a interpretar nos
aparece exprimindo claramente qual é o objeto e o fim da regulação prescrito – e uma situação metodológica excecional
– aquela em que o mesmo texto se nos expõe num estado imperfeito ou insuficiente. Só no caso de existir uma expressão
indeterminada é que se pode mobilizar este elemento extratextual. Assim, para determinar o sentido único da norma, há
que assumir a interpretação como uma operação do momento judicativo concreto.
Mas se o texto não se confunde com a sua relevância gramatical 6, não deixa esta (enquanto letra) de, na perspetiva
tradicional, desempenhar uma função autónoma inconfundível com a dos outros elementos textuais. (correspondentes ao
espírito - os sentidos que a letra da lei não admite e imediatamente exclui). Assim, esta função surge-nos como uma
prioridade analítica e cronológica, com uma força prescritiva que condiciona todo o processo interpretativo. Trata-se de
assumir uma relevância negativa da letra da lei:
(1) A letra como fronteira da interpretação (Larenz) a admitir que o intérprete deve excluir quaisquer sentidos que a
sua letra não admita já que esta assinala o limite da interpretação propriamente dita. Essa consideração deve ser
vista como desenvolvimento judicial do Direito e não como interpretação.
(2) A teoria da alusão de Engisch que defende que existe uma correspondência verbal mínima entre a relevância
gramatical da lei e o «pensamento legislativo» determinado pela interpretação. Segundo esta teoria, deve dar-se
prioridade absoluta ao teor verbal da lei relativamente a todos os outros argumentos interpretativos
mobilizáveis. Na falta de clareza, só podem ser admitidos os resultados da interpretação que possam encontrar
na letra uma qualquer expressão. Rüthers vai, mais tarde, considerar que o teor verbal da lei é um meio de
conhecimento importante para sondar a vontade do legislador… mas é apenas um meio entre vários, dando
origem a uma nova teoria da alusão.
Assim, trata-se de excluir sentidos, isto é, determinar inevitavelmente um círculo de sentidos possíveis e excluir
aqueles que não se enquadram nestes – candidatos negativos (Todos os objetos, fatos ou casos que não tenham referência
literal no texto legal). Esta relevância negativa do elemento gramatical acaba por fixar de modo prescritivo os sentidos
possíveis para a interpretação do critério jurídico.
Mas a letra também desempenha uma função de seleção, considerando os sentidos possíveis, selecionando os mais
naturais e imediatos – candidatos positivos. (Todos os objetos, fatos ou casos que tenham referência literal no texto
legal). Há ainda que reconhecer outros sentidos possíveis que correspondem a situações menos habituais dos elementos
linguísticos em causa – candidatos neutros. (Aqueles que são menos imediatamente ligados ao teor literal, mas que ainda
podem ser considerados.).
A relevância positiva podia ser considerada como não normativa – conferir á letra da lei um valor positivo
normativamente autónomo seria excluir os resultados da interpretação extensiva/ interpretação restritiva…Impõe-se,
assim, um jogo com outros elementos intratextuais.
6
“Interpretação é a reconstrução do pensamento que se exprime na lei, contanto que ele seja cognoscível na própria lei”;
“Se a tarefa da interpretação é trazer à consciência o conteúdo da lei, tudo o que não faça parte desse conteúdo, qualquer
que seja a sua afinidade com ele, rigorosamente está fora dos limites daquela tarefa”. – SAVIGNY
Pretende-se, através da análise em abstrato da norma, chegar a um sentido único. Porém, não basta a mobilização do
elemento gramatical, sendo importante a convocação de outros elementos – histórico e lógico-sistemático (A escola da
Exegese e Savigny defendem que, por vezes, se possa recorrer ao perigoso elemento teleológico) – para uma mobilização
em conjunto de forma a criar um jogo de regras ou opções com uma matriz privilegiada ao considerar o objetivo e o fim
da interpretação.
O ponto em comum entre as duas teorias é a consideração de que o objeto da interpretação é o texto da lei. Realçam
a relevância negativa da letra da lei, estando nós perante um subjetivismo e objetivismo dogmáticos, preocupados com
uma interpretação em abstrato e com inserção prioritária do texto norma no sistema das normas e dos conceitos. Quando
definido o elenco dos sentidos possíveis, trata-se de explorar internamente esse elenco.
SUBJETIVISMO OBJETIVISMO
O subjetivismo surgiu primeiro, nos inícios do século O objetivismo surge já a metade do século XIX.
XIX, tendo como corolário o legalismo pós
revolucionário.
Os argumentos jurídicos da soberania do legislador, Surge como consequência de uma conceção do direito
da separação de poderes, da vinculação do direito diferente que apoia a forma de lei a dar unicamente o ser
constituído e da segurança, encontram-se a favor do jurídico à norma legal, o princípio da publicidade e
subjetivismo. confiança, da imputação das leis ao
legislador atual, etc…
O subjetivismo traduz uma conceção epistemologicamente Parte de um entendimento espiritual da cultura e de
positivista, segundo a qual os sentidos culturais seriam uma intenção compreensiva da hermenêutica,
eles próprios entidades empíricas, e interpretá-los seria reconhecendo já na autonomia e objetividade próprias do
imputá-los psicologicamente ao seu autor, ser cultural irredutíveis manifestações histórico-culturais
perspetivando-os do espirito objetivo.
pelo processo da sua génese histórica-psíquica
O subjetivismo vê no sentido da lei a vontade do O objetivismo compreende o sentido da lei como
legislador. “normativo”.
Este concede o direito em termos imperativo- Direito concebido como uma ordem normativamente
decisionistas, isto é, como um conjunto de imperativos objetiva em que se assimila o consensus histórico, de uma
imputáveis um poder titulado no legislador. Por isso, o intencionalidade e racionalidade próprias, e perante a qual
subjetivismo se dirige ao legislador e pressupõe uma o próprio legislador será intérprete e da qual, por outro
interpretação fixa. lado, as leis são tomadas em si e não como livre criação de
alguém. Por isso, o objetivismo dirige-se á lei,
pressupondo uma hermenêutica que parte da ideia de que a
lei pode ser juridicamente mais sábia que a
intenção do seu autor.
O subjetivismo tem como principal objetivo O objetivismo tem como principal objetivo prático-
prático-jurídico, o alcance da segurança. jurídico a justeza e retidão de soluções a
obter pela interpretação.
No século XX surgiram sínteses destas teorias, com o aparecimento de teorias mistas e de teorias gradualistas. O
próprio artigo 9º comprova esta afirmação quando o nosso legislador optou por incluir nele
uma componente subjetivista – procurar o sentido histórico que o legislador atribuiu à lei – e uma componente
objetivista – recorrer a vários elementos, orientando-se em último termo pela presunção do legislador razoável.
Importa distinguirmos:
Subjetivismo Radical Há que fazer de tudo para reconstruir a vontade histórica do legislador, mas sem pôr em
causa a relevância negativa da lei.
Subjetivismo Moderado Há que reconstruir a vontade do legislador, mas o resultado a que se chega tem de
ser compatível com essa vontade, aludindo a uma teoria da alusão de modo a procurar o reflexo mínimo indispensável da
voluntas legislatoris no teor verbal do texto.
Objetivismo Histórico ou Historicista Reconstruir o sentido da lei no contexto histórico em que foi
produzido, preocupando-se como é que o legislador teria pensado e querido a lei no condicionalismo do tempo da sua
publicação.
Objetivismo Atualista Preocupa-se com a mens legis, mas no tempo atual da sua interpretação, projetando
estas preocupações numa outra presunção do legislador razoável. Realça-se a importância deste objetivismo, já com uma
assunção finalista que irá possibilitar superar a conceção tradicional, nomeadamente a teoria da limitação-expressão. O
objetivismo atualista justifica o facto de defender que não se tem que reconstituir a vontade do legislador real, pois se
presume a sua razoabilidade. No fundo presume-se que a lei, uma vez formada, se desatca do legislador, ganhando
consistência autónoma, tornando-se uma entidade viva. (MANUEL DE ANDRADE) Também Engish defende uma
interpreatitio ex nunc, com fidelidade à circunstância presente.
Esta presunção do legislador razoável traduz-se na consideração de que há uma vontade de um legislador ideal que
pensa as leis com o sentido mais razoável que o seu texto comporta, e que, para além disso, as recompõe
continuadamente em vigor com o sentido mais razoável que o seu quadro verbal vai refletindo dentro do condicionalismo
renovado em que elas vão vivendo. Há três dimensões a que a presunção do legislador razoável poderá corresponder,
enquanto beneficia o legislador hipotético com a presunção de que:
a) Consagrou as melhores soluções (razoabilidade quanto ao conteúdo ou mérito material)
b) Soube exprimir com suficiente correção o seu pensamento (razoabilidade no plano formal- expressivo)
c) Na mesma medida em que conferiu ás suas prescrições uma autêntica flexibilidade evolutiva capaz de refletir o
condicionalismo renovado em que estas vão vivendo. (razoabilidade no plano evolutivo- atualista).
O nosso art. 9º co C.C. assimila uma teoria mista ou de síntese, desde logo nos seus trabalhos preparatórios, ao falar-
se do fato do intérprete dever interpretar primeiro o sentido histórico que o legislador tivesse atribuído à lei
(subjetivismo), e recorrendo ainda a outros elementos, orientando-se pela presunção acima citada (objetivismo).
Para mais, o reconhecimento de um momento histórico nesse artigo – “circunstâncias em que a lei foi elaborada”,
relaciona-se com um certo subjetivismo atualista. A “aceitação de um valor-limite no texto” é compatível com o
subjetivismo moderado, mas tendencialmente objetivista, ligando-se ao elemento sistemático. No nº3, acolhe-se a
presunção do legislador razoável, completamente objetivista. Esta concerta- se com a teoria da alusão, presente no nº2,
consagrando uma razoabilidade nos planos material e formal- expressivo.
Savigny defendia que era o elemento gramatical, o principal elemento de interpretação da lei segundo a
teoria tradicional da interpretação. Porém, admitia a existência de outros elementos intra-textuais – histórico e
sistemático. O elemento gramatical era, assim, o elemento básico porque o objeto da interpretação se
identificava com o texto, entendendo-a geralmente com um valor negativo nas também, positivo ou seletivo.
Estes valores eram acentuados, sobretudo, pelo objetivismo, enquanto o subjetivismo negava o segundo valor
ao recusar o valor normativo à letra da lei.
Segundo Castanheira Neves, o elemento histórico é constituído, simultaneamente por quaisquer
precedentes normativos, tendo em atenção as normas legais nacionais ou estrangeiras que vigoraram na época
de formação da lei e a influenciaram; as obras da doutrina; a evolução dos próprios institutos jurídicos, da
figura, ou regime jurídico em causa. Este tem duas dimensões: uma patente no art. 9º/1 que se refere “às
circunstâncias em que a lei foi elaborada” – occasio legis (fatores políticos, sociais e económicos que
motivaram a medida legislativa em causa); trabalhos preparatórios e/ou materiais da lei. (art. 9º/1)
Quanto ao elemento sistémico, devemos considerar o contexto da lei, invocando normas reguladoras do
instituto em que se enquadra a norma a interpretar, e os lugares paralelos, através da comparação de normas
reguladoras de problemas e institutos diferentes dos disciplinados pela norma. No fundo, consideramos a
norma a interpretar na sua relação com as outras normas. A superação desta perspetiva cumpre-se assumindo
outras conceções do sistema jurídico. Destaca- se ainda a importância da pressuposição do sistema de
conceitos, impondo ao momento da interpretação dogmática considerações e argumentos que são já
inevitavelmente sistemáticos. (art. 9º/1)
Manuel de Andrade acentua, ainda, que, apesar de tudo, o objetivismo atualista dá importância ao
elemento histórico, para daí tirar as consequências para a determinação do seu atual sentido. Este também
realça que uma consideração sistemática intervém logo no primeiro momento da interpretação, quando se trata
de apurar o sentido meramente verbal da lei, já que as palavras e locuções têm uma significação particular que
só pode ser entendida a partir do atendimento ao conjunto da lei.
Quanto ao elemento racional e teleológico, este refere-se ao objetivo básico que esteve na base da
criação da norma. Este elemento é perigoso e, como tal, só pode ser mobilizado se não podermos aferir o
sentido da norma através dos demais elementos. (art. 9º/3 C.C.)
Todos os elementos devem ser mobilizados para a extração de um sentido único à norma, tendo
maior relevo aquele elemento que, perante os pontos problemáticos acentuados no caso concreto, tenha maior
força argumentativa na utilização da norma como critério de solução desses pontos. A teoria tradicional da
interpretação não tinha este entendimento.
para certo tipo de situações excecionais afirma implicitamente um principio-regra, de sentido contrário, para todos os
tipos de problemas restantes…»).
A interpretação declarativa verifica-se quando a letra e o espírito correspondem naturalmente, sendo que o texto
admite o sentido determinável pelo espírito da lei e o intérprete apenas se fixa nesse sentido que o texto naturalmente
exprime.
Assim, a interpretação extensiva trata de alargar a letra para a fazer coincidir com o espirito, procurando chegar a um
sentido que, sendo possível, nos aparece a corresponder a um uso das formulações mais extenso do que o seu uso natural.
Já a interpretação restritiva acaba por extrair da norma um sentido mais rigoroso e particular, sempre
justificadamente através da mobilização do elemento histórico e sistemático – no fundo defende que a “letra vai além do
espírito do legislador ou do pensamento legislativo”. Para tal, é necessário que se restrinja naturalmente o sentido textual
da lei para o fazer coincidir com o espírito.
Já a interpretação enunciativa verifica-se quando se infiram do preceito conclusões normativo-jurídicas que ele
virtualmente admita, já que obtidos pela simples utilização de argumentos lógico-jurídicos.
A interpretação revogatória ou ab-rogante verifica-se quando a conciliação entre a letra e o espírito é impossível,
criando-se antinomias insuperáveis.
Estas formulações da teoria tradicional são pouco felizes na consideração relativa à interpretação restritiva, mas em
especial à extensiva pois alargar a letra para a fazer coincidir com o espírito poderia levar- nos a saltar para além do
elenco dos sentidos possíveis, chegando, assim, à conclusão de que o processo interpretativo que cumprimos em abstrato
escolheu um sentido que, sendo ainda permitido pela letra, se integra no elenco dos sentidos menos naturais que pode ser
mais ou menos extenso.
O jogo destes resultados que vamos obtendo com a interpretação vai ganhando maior dinâmica à medida que a
importância do elemento racional se vai tornando mais significativa, permitindo uma experimentação mais coerente que
nos leva a admitir novos resultados, superando o entendimento tradicional que até agora privilegiámos.
Assiste-se agora a uma autêntica viragem finalista de um “segundo” Jhering que defende “(…) Purpose is the creator
of the entire law [which is] the sum of the conditions of social life in the widest sense of the term (…)”. Esta perspectiva
– sem dúvida alguma, finalista – vai conduzir à chamada Jurisprudência dos interesses ou Escola de Tübingen que se
destaca pelo extremo equilíbrio das suas propostas (que oscilam entre um respeito à tradição e uma abertura À inovação)
e pela ampla aceitação que elas justificadamente disfrutaram. É imperativo referir o incontornável contributo de Heck
que foi muito marcado pelas disputas que intranquilizavam o horizonte do direito, ajudando a inaugurar um finalismo de
matriz sociológica. (The life of law has not been logic: it has been experience – Holmes.) Heck defendeu que a
jurisprudência teleológica não é suficiente. Tem de ser aprofundada por uma análise dos interesses, isto é, por uma teoria
de conflitos que analise as normas a partir dos conflitos de interesses.
Jhering considerou que o direito deve o seu sentido a fins societariamente relevantes e tendencialmente equivalentes
que o vão adequando ás exigências de cada tempo e concorrem para assegurar a subsistência da própria sociedade em
conformidade com a ética pragmática e utilitarista. Chamou ainda a tenção para a categoria “interesse”, que deveria
substituir a vontade como elemento decisivo na constituição do direito Privado. Assim, inaugura um pólo de uma
marcadamente teleológica teoria da interpretação jurídica, com a correlativa desvalorização da letra da lei. Assim, o fim
surge como a causa natural do direito
A mediação valoradora esgota-se na preferência de um interesse sobre outro ou outros em conflito. Assim, há um
imperioso dever de obediência à lei. Porém, esta já não é o comando impositivo- voluntaristicamente pré-escrito pela
instância legislativa, mas a emblemática expressão da autonomia da comunidade jurídica – representada pelo legislador,
enquanto designação englobante dos interesses da comunidade que obtiveram vigência na lei, tendo por objetivo
solucionar um certo conflito de interesses.
Assim, não basta observar a Gebotseite da norma (o seu lado imperativo), tem também de se respeitar a Interessenseite.
Há que reconhecer um certo continuum de determinação sociológica entre os interesses em geral e os interesses de
decisão (critérios da decisão legislativa em causa) – Na sua conceção amplíssima de interesse, Heck não distinguiu os
interesses realmente concorrentes e os juízos de valor prescritos normativamente pela lei. O fim da norma deve ser
reconstruido na perspetiva do conflito de interesses que esta assimila. Importa, assim, reconhecer duas dimensões da
norma legal:
(1) Dimensão estrutural ou anatómica do comando-imperativo GEBOTSEITE
(2) Dimensão material ou fisiológica dos interesses e da solução valoradora INTERESSENSEITE
Nota: Esta vontade normativa é distinta da vontade psicológica do subjetivismo dogmático. Podemos falar de uma
interpretação teleológica, favorecendo o elemento racional-teleológico, compreendendo a lei como uma solução
valoradora de um conflito de interesses e o direito como uma função normativa de tutela e realização de interesses
sociais.
(3) A perspetiva do caso a superar a divisão estanque interpretação (em abstrato)/ aplicação. Afirma-se o
direito que se realiza na “sentença judicial”. O juízo prático de analogia impõe ao julgador a exigência de
repetir no caso concreto decidindo a ponderação teleológica na norma legal mediante uma comparação das
situações de interesses respetivamente pressupostas. A obediência pensante à vontade normativa da lei,
dando-se grande relevo ao elemento teleológico, ao exigir uma postura metodológica perante o elemento
gramatical, colocando-se em causa o teor verbal do comando.
Esta preferência do legislador não pode ser problematizada ou discutida, já que jurisprudência dos
interesses não interferia no plano dos princípios e da ratio júris, já que o seu problema se limita à ratio legis.
Para além da correção, há outros resultados determinados pela ratio legis. Assim, convocar o elemento
teleológico, considerando apenas a teleologia ao nível da ratio elgis (finalidade prática da norma enquanto tal),
pode conduzir à:
Extensão Teleológica: Há uma situação concreta em que, se partisse do fundo da perspetiva tradicional
(valorização do teor verbal), não haveriam dúvidas de que o caso se devia excluir da relevância da norma,
surgindo como candidato negativo. Porém, considerando os outros elementos, à luz da finalidade prática, o
caso poderia ser assimilado pela norma.
o Pela via da adaptação extensiva e da extensão teleológica, é possível mobilizar justificadamente
uma norma e solucionar, por sua mediação, casos concretos, quando o pensamento tradicional, ao
contrário, colocava já o decidente perante uma lacuna, impondo-lhe, na ausência de obstáculos
impeditivos, a respetiva integração.
Redução Teleológica: Se considerássemos só o elemento gramatical, concluiríamos que o caso
corresponderia À norma em si. Porém, tendo em conta os outros elementos, chegamos à conclusão que se
frustraria a finalidade da norma, se seguíssemos o teor verbal. Assim, teremos que excluir casos que, à luz
da função delimitadora do elemento gramatical, esta abrangeria.
Extensão Teleológica e Redução Teleológica não se confundem com interpretação restritiva e extensiva, pois
nas primeiras não se procura a adequação ou final correspondência entre a letra e o espirito, mas antes uma correção do
texto funda da teleologicamente (Larenz).
A acentuação do elemento teleológico implica o abandono de um sentido puramente hermenêutico e a assunção
de um sentido verdadeiramente normativo da interpretação jurídica.
Em concreto, será que a finalidade prática desta norma e a solução que encontramos para o caso, será compatível
com o horizonte de princípios normativos? Questiona-se a validade da opção do legislador, criando-se uma interpretação
conforme os princípios (ratio juris).
Se, tendo em conta a teleologia e o teor verbal da norma, se chegar a uma solução em concreto que se mostra
potencialmente violadora de exigência associadas aos princípios, devemos proceder a uma correção/preterição/superação
conforme os princípios para vencer a insuficiência normativa que existe entre a teleologia da norma e os seus princípios.
Esta correção visa atribuir um sentido à norma que corresponda às exigências dos princípios.
Esta correção da norma permite que se atribua à norma um sentido que seria decerto excluído pela relevância
negativa autónoma do elemento gramatical, mas tal é permitido sempre que a mobilização do comando expresso
implique uma incoerência entre os princípios e a prescrição normativa por eles fundamentada. Esta contradição pode
resultar de:
Assimilação errada dos fundamentos em causa
Alteração do sentido histórico que os princípios se nos impõem.
Para além do caso dos limites de validade apresentado acima, importa ainda referir a questão dos limites temporais
por caducidade: uma norma ferida de caducidade que viola os princípios, leva a que se invoquem os limites temporais
como hipótese de superação – sempre conforme com os princípios e com a mobilização de critérios dogmáticos e
jurisprudenciais – procurando-se preterir a norma de forma a torná-la de acordo com os princípios. Há, porém, a
possibilidade de não ser possível a correção da norma, graças ao conflito ratio juris e ratio legis.
No fundo, convocam-se outros elementos extratextuais, procurando fazer corresponder ao elemento teleológico a
face da ratio legis e da ratio juris. Questiona-se se devemos conferir preferência a algum destes elementos e como os
devemos conjugar entre si. Destacam-se:
Fatores Ontológicos: apelo à “natureza das coisas” e outros argumentos de natureza institucional;
Fatores Sociais: Interesses, tipificações sociais relevantes, etc…
Fatores Normativos em sentido estrito: Critérios ético jurídicos, precedentes da casuística jurisprudencial,
etc…
hipótese assimile uma situação análoga à situação omissa, tomando a analogia como critério. Reconhecem- se dois tipos
de auto-integração:
ANALOGIA LEGIS
FUNDAMENTO: Igualdade de tratamento e principio da justiça
CRITÉRIO: Autonomia de um juízo de valor justificativo do mesmo tratamento normativo
LIMITES: Analogia e argumentum ad contrario, normas de incriminação e normas excecionais. (O último não pode
ser tido como absoluto)
Parte de um caso a decidir não previsto. Desde logo, procura-se uma norma cuja hipótese subsume um outro caso
concreto, mas que é suscetivel de ser mobilizada para tratar do caso omisso, por ambos os casos se poderem dizer
análogos. A inteligibilidade racional da norma a mobilizar terá como condição o sistema categorial.
A procura do critério da analogia que permita comparar casos nas suas diferenças e semelhanças – dois casos
concretos é claro -, procurando-se descobrir este critério numa premissa lógico jurídica, isto é, nas possibilidades lógico
estruturais da norma a mobilizar ou nos conceitos e categorias que a iluminam na sua autossubsistência criteriológica e
assim num elemento lógico constitutivo do sistema jurídico – obtido por abstração a partir da norma em causa através de
um processo de indução local ou limitada porque obtida com o apoio imediato de uma única norma legal e a
convocação mediata das significações categoriais de que esta pressupõe.
Só assim se verifica a subsunção do caso omisso nesta premissa que se obteve, considerando-se ambos os casos
análogos e, como tal, abrangidos pelo campo de aplicação da norma.
ANALOGIA JURIS
Parte de um caso concreto a decidir não previsto, recorrendo aos princípios gerais como ratio obtidos por
concentração lógica. Engloba um sistema de normas que torna este caso como categorialmente inteligível e a
possibilidade de selecionar neste sistema um conjunto de normas apresentadas unitariamente como instituto lógico
categorialmente auto-subsistente.
Procura-se um critério da analogia e a exigência de o descobrir numa premissa lógico jurídica, procurando um
principio geral do direito obtido por abstração partindo de várias normas. Recorre-se a um processo de indução universal
ou generalizante porque invoca imediatamente um principio geral. A subsunção do caso omisso encontra-se na premissa
lógico jurídica assim obtida sobre a forma de um princípio geral do direito.
Há certas soluções de auto-integração que têm de ser reconhecidas como falsas analogias. O autêntico juízo analógico
é aquele que:
(1) Especifica as semelhanças e as diferenças que aproximam e distinguem dois casos concretos.
(2) O faz sem mutação de nível, mantendo a relação estrutural concreto-concreto.
(3) Com fundamento numa compreensão material e constitutivamente teleológica.
A compreensão teleológico-valoradora da analogia jurídica foi assumida pela Jurisprudência dos interesses,
refletindo-se na norma 10º/2 do código Civil português, que contem um juízo de analogia que pensa relações entre casos.
Para além da jurisprudência dos interesses, convoca-se a dialética sistema/problema (que entende o sistema jurídico
como pluridimensional e aberto, pensado numa dialética sistema-problema) como fundamento relationis e comparationis
do juízo sintético-argumentativo de analogia. Este critério não nos permite avaliar até que ponto os casos confrontados
são problematicamente semelhantes no seu sentido jurídico ou na intenção de juridicidade mas mantém se e até que
ponto a solução judicativa normativamente adequada para um dos casos é também adequada para outro.
Há uma impossibilidade de se proceder à distinção entre interpretação extensiva e analogia, sendo eu esta só seria
válida se continuássemos a reconhecer que a letra desempenha uma função negativa autónoma. A distinção a realizar,
assumida respeitando o continuum do direito, será outra:
(1) Realizações que operam pela mediação da norma como critério em cuja experimentação interpretativa
participam sempre juízos analógicos. (ANALOGIAS IMEDIATAS OU PRÓXIMAS)
(2) Realizações que operam sem a mediação da norma, convocando o critério da analogia. (ANALOGIAS
MEDIATAS OU DISTANTES)
Quanto à realização do direito sem a mediação da norma, importa insistir na pluridimensionalidade do sistema e na
exigência de, na ausência de uma norma legal, mobilizar outros critérios (doutrinais ou jurisprudenciais) que estejam
disponíveis. Na falta de outros critérios, devemos recorrer apenas aos fundamentos.
Por fim, torna-se imperativo referir o cânone do julgador como se fosse o legislador (posição do pós legalismo em
que o julgador funciona como se fosse legislador, criando uma norma como se estivesse a legislar.) e a regra metódica do
artigo 10º/3 C.C., primeiro assumido por Aristóteles e depois reabilitado por Geny durante o positivismo exegético.
Três sentidos admitidos por este cânone:
(1) Sentido político ou político-social (funcionalismo material, político ou tecnológico): O julgador orienta- se pelas
opções estratégicas do legislador ou assume-se a ele próprio como um estratega, iluminado por uma teoria
científica da legislação.
(2) Sentido jurídico tradicional (Normativismo): O julgador tem de abstrair-se do caso concreto, criando ele próprio
uma norma ou regra geral e abstrata para a plicar ao caso decidindo.
(3) Sentido jurídico capaz de assumir uma realização do direito com autonomia normativo- judicativamente
constitutiva (Jurisprudencialismo): Reconhece-se no exemplo do legislador um pólo de imputação da criação do
direito e não um modus normativo formalmente determinado. É a Posição do curso.