Você está na página 1de 27

UNAMA

CURSO: DIREITO
DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
PROFESSOR: IAN PIMENTEL

PLANO DE AULA 1

Tema: DEFINIÇÕES E ACEPÇÕES DA PALAVRA DIREITO E A PERSPECTIVA


(ENFOQUE) DO PENSAMENTO JURÍDICO – Zetética e Dogmática

1. Considerações Preliminares:

 A ampla divergência entre os juristas, quanto à definição do Direito, levou Kant a


afirmar, no século XVIII, que os “juristas ainda estão à procura de uma definição para o
Direito”. Decorridos dois séculos e meio, esta crítica, sob certo aspecto, mantém-se
atual, vez que ainda não se alcançou uma definição capaz de abranger todos os sentidos
do vocábulo.

 Por um lado, a palavra DIREITO encerra diferentes possibilidades de significados, e por


outro as definições sofrem também a influência das inclinações filosóficas do jurista.

 É possível distinguir, desde logo, entre duas grandes formas de definir o direito: através
de definições nominais e de definições reais ou lógicas.

2. Definições Nominais: as definições nominais procuram expressar o significado


da palavra em função do nome do objeto, podendo assumir a forma de definições
etimológicas ou definições semânticas.

a) Definição Etimológica: Esta espécie explica a origem do vocábulo, a sua genealogia. A


palavra Direito é oriunda do adjetivo latino directus, equivalente a guiar, conduzir, traçar,
alinhar. O vocábulo surgiu na Idade Média, aproximadamente no século IV, e não foi
empregado pelos romanos, que se utilizaram de jus, para designar o que era conforme o
direito.

b) Definição Semântica: Semântica é a parte da gramática que registra os diferentes


sentidos que a palavra alcança em seu desenvolvimento. A palavra Direito também possui
história. Desde a sua formação, até o presente, passou por significados vários. Expressou,
primeiramente, a qualidade do que está conforme o direito; designou, depois, aquilo que
está conforme a lei; a própria lei; conjunto de leis; a ciência que estuda as leis, etc.
(acepções da palavra direito).

3. Definições Reais: O direito pode ser objeto de teorias básicas e intencionalmente


informativas, mas também de teorias ostensivamente diretivas. Uma teoria configura uma
explicação sobre fenômenos, que se manifesta por meio de um sistema de proposições
interconectadas. Essas proposições podem ter função uma informativa, limitando-se apenas
a esclarecer o objeto estudado como ele é, ou podem combinar uma índole informativa
com um caráter diretivo/normativo, dizendo como o objeto estudado deve ser. Assim, o
direito, como objeto, pode ser estudado de diferentes ângulos. Para esclarecê-los, é possível
distinguir genericamente entre um enfoque zetético e um dogmático.

1
a) O Enfoque Zetético e as Definições Descritivas: A palavra Zetética deriva de zetein,
do alemão, e significa perquirir, de modo que o enfoque zetético visa saber o que é
uma coisa. No plano das investigações zetéticas, as teorias são constituídas de um
conjunto de enunciados que visam transmitir, de modo articulado, informações
verdadeiras sobre o que existe, existiu ou existirá. Uma investigação jurídica de natureza
zetética, em consequência, por se construir com base em constatações tidas como certas e
verdadeiras, dão origem à definições descritivas. As definições descritivas são
aquelas que procuram descrever o direito a partir dos seus dados ou elementos
concretos, isto é, que procuram oferecer uma definição do que ele é, de como se
encontra organizado na realidade, etc., sem, todavia, indicar como ele deve ser ou
que exigências ou valores ele deve atender. Para os autores que adotam este tipo de
perspectiva e que apresentam definições descritivas, o direito não é mais do que a forma
como ele se apresenta na realidade. Daí que essas definições busquem ressaltar aspectos
ou atributos mais formais como sendo as suas notas singulares (ex.: o direito é o conjunto
de normas impostas pelo Estado).

b) O Enfoque Dogmático e as Definições Normativas: A palavra dogmática deriva de


dokein, que significa ensinar, doutrinar, de modo que o enfoque dogmático releva o ato
de opinar e ressalva algumas das opiniões, preocupando-se, em possibilitar uma decisão e
orientar a ação, mesmo em meio à dúvida sobre o que constitui o objeto. Isto é, uma
premissa é evidente quando está relacionada a uma verdade; é dogmática, quando
relacionada a uma dúvida que, não podendo ser substituída por uma evidência,
exige uma decisão. A primeira não se questiona, porque admitimos sua verdade, ainda
que precariamente, embora sempre sujeita a verificações. A segunda, porque, diante de
uma dúvida, seríamos levados à paralisia da ação: de um dogma não se questiona não
porque ele veicula uma verdade, mas porque ele impõe uma certeza sobre algo que
continua duvidoso. Do enfoque dogmático decorrem, usualmente, as definições
normativas do Direito, que são aquelas que procuram compreender o direito a
partir de certas exigências, princípios ou valores que ele deve realizar. Isto é, para
os autores que endossam definições normativas, o direito não se limita a ser apenas um
conjunto de normas, leis, e determinações imperativas que valem e vinculam uma
determinada comunidade, mas, no fundo, configura um sistema de regras e princípios que
deve concretizar um ideal de justiça. Assim, e considerando esses valores superiores ou
esse ideal de justiça, as definições normativas procuram apresentar o direito não a partir
do que ele é de fato na realidade, mas a partir do que ele deve ser na realidade. Somente
a partir de uma definição normativa é que podem os juristas formular críticas ao conjunto
de leis e normas vigentes.

4. Direito Objetivo e Direito Subjetivo: O Direito vigente pode ser analisado sob duas
perspectivas diferentes: uma objetivo e outra subjetiva. Chama-se de direito objetivo ao
Direito tido ou visto enquanto o conjunto de normas válidas e vinculantes em
determinado período de tempo e espaço. Nesta perspectiva objetiva, o Direito corresponde
essencialmente a ordem jurídica vigente. Por outro lado, chama-se de direito subjetivo às
possibilidades ou poderes de agir que a ordem jurídica garante a alguém. Quando dizemos
que “fulano tem direito à indenização”, afirmamos que ele possui direito subjetivo. É a partir
do conhecimento do Direito objetivo (ou da ordem jurídica vigente) que deduzimos os
direitos subjetivos de cada parte dentro de uma relação jurídica.

2
5. O Estudo Zetético do Direito: O campo das investigações zetéticas do fenômeno jurídico é
bastante amplo. Zetéticas são, por exemplo, as investigações que têm como objeto o
direito no âmbito da Sociologia, da Antropologia, da Psicologia, da História, da
Filosofia, da Ciência Política etc. Nenhuma dessas disciplinas é especificamente jurídica.
Todas elas são disciplinas gerais, que admitem, no âmbito de suas preocupações, um espaço
para o fenômeno jurídico. Via de regra, essas disciplinas estudam o direito como um
fenômeno humano, social ou cultural, e visam explicá-lo a partir de proposições tidas como
verdadeiras a partir de

6. O Estudo Dogmático do Direito: São disciplinas dogmáticas, no estudo do direito, a ciência


do direito civil, comercial, constitucional, processual, penal, tributário, administrativo,
internacional, econômico, do trabalho etc. Uma disciplina pode ser definida como dogmática à
medida que considera certas premissas, em si e por si arbitrárias (isto é, resultantes de uma
decisão), como vinculantes para o estudo, renunciando-se, assim, ao postulado da pesquisa
independente. Já falamos dessa característica da dogmática. Ela explica que os juristas, em
termos de um estudo estrito do direito, procurem sempre compreendê-lo e torná-lo aplicável
dentro dos marcos da ordem vigente. Essa ordem que lhes aparece como um dado, que eles
aceitam e não negam

3
UNAMA
CURSO: DIREITO
DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
PROFESSOR: IAN PIMENTEL

PLANO DE AULA 2

Tema: TEORIA DA NORMA JURÍDICA (Parte I) – As condições de emergência do direito e


os seus atributos

1. Por que o Direito? As condições de emergência do direito: O problema universal do


direito não se identifica com os problemas filosóficos quanto ao direito, nem com os
problemas teóricos sobre o direito, nem tão pouco se trata de um problema normativo de
direito. Constitui antes a indagação pelo sentido último do direito. Esta pergunta não busca a
causa, a origem do direito, mas pelas condições de surgimento do direito. E, desde logo,
deve adiantar-se que o direito constitui apenas uma solução possível para um problema
necessário, uma vez que assenta em duas condições necessárias, mas também numa outra
meramente eventual.

a) A condição mundano-social: O mundo é um só e os homens nele muitos. Não


foram poucos os autores, que, no decurso dos tempos, enfaticamente colocaram na
origem do direito a experiência humana da escassez natural. Em todo o caso, é
irrefragável que os homens estão condenados a comungarem o mesmo mundo, de onde
deriva a necessidade de o partilharem e de nele conviverem. Porque assim é, a existência
humana encontra-se radicalmente marcada pela intersubjetividade, isto é, esse conceito
refere a reciprocidade entre todos os Homens, de tal modo que a situação ou o
comportamento de um condiciona a situação ou o comportamento do outro, sendo por
isso a situação ou o comportamento de cada um função da do outro, numa
correlatividade e recirprocidade. Por conta da correlatividade e da reciprocidade que lhe
estão associadas é que a intersubjetividade implica a exigibilidade (ou a sua
possibilidade), já que só podemos fruir da habitação do mundo pondo exigências, assim
como os outros pondo-nos exigências a cada um de nós. Esta constitui verdadeiramente a
perspectiva da justiça. O que especifica, pois, a normatividade jurídica é desde logo o seu
caráter societário, visto que as pretensões de direito emergem sempre de relações de
índole social, mas, também, a sua bilateralidade atributiva, contraposta à unilateral
imperatividade da Moral. Os mandamentos da moral correspondem a ditados categóricos
que a nossa consciência nos dirige, com independência de qualquer relação social a
propósito do mundo. Em contrapartida, porque o direito respeita às relações
intersubjectivas mediadas pelo mundo, as exigências jurídicas (os direitos) de uns
são sempre as obrigações (os deveres) de outros, e torna-se necessário fazê-los
valer, efectivá-los, isto é, sancioná-los.

b) A condição antropológico-existencial: Os dados da antropologia filosófico-cultural


contemporânea confirmam-nos a imagem do homem como um ser aberto, incompleto,
inespecializado, indeterminado e mutável. Não dispondo de uma pré-programação
instintiva total, que o determine naturalmente a assumir certos comportamentos
específicos, o homem está aberto ao mundo, isto é, permanece radicalmente livre, vendo-
se forçado a escolher. A cultura que em parte o completa é, já ela, fruto da liberdade, uma
vez que constitui uma segunda natureza ou habitat dos homens. Porque nascem

4
condenados à liberdade e não estão naturalmente programados para agir articuladamente
com os demais, os homens carecem de uma ordem intersubjetivamente partilhada que
lhes forneça critérios de ação, rumos de orientação comuns e, portanto, agregadores e
integrantes. A ordenação do mundo é uma expressão da autonomia cultural humana e
visa enquadrá-la, orientá-la, coordenando a liberdade de uns com a dos outros. As ordens
normativas (sistemas de normas como a política, a religião, a moral, a economia que
instituem regras de conduta, como o próprio direito) são, assim, resultado da capacidade
criadora do Homem, da capacidade que o Homem tem de escrutinar racionalmente sua
experiência e sua realidade, e de a compreender. A condição antropologico-existencial
culmina assim na necessidade de constituição de uma ordem de enquadramento,
fundamentação e orientação da ação humana, integração comunitária das diferenças e
estabilização da mutabilidade individual e social, visto que o Homem é por essência um
ser indeterminado individualmente e com tendência para a divergência interpessoal.

c) A condição ética da Pessoa: Se as duas condições anteriores são inevitáveis porque


identificam um problema constante para o homem que é o da ordenação do acesso ao
mundo e das relações intersubjectivas que a sua fruição origina, a terceira depende de um
compromisso cultural. É que, se virmos bem, da necessidade de uma ordem não resulta
necessário que esta tenha de ser uma ordem de direito. As relações que os homens
entabulam pela mediação do mundo podem ser organizadas e reguladas pela força, por
exemplo. A ordem em causa só será de direito se o Homem, no exercício da sua
autonomia cultural, assumir esse projeto, isto é, se às anteriores condições
acrescer uma terceira, de natureza ética, segundo a qual a ordem da convivência
intersubjetiva no mundo deve assentar em valores pela mediação dos quais nos
reconheçamos reciprocamente como pessoas, vale dizer, como sujeitos de
inviolável dignidade. Ora sem dúvida que esta resposta ao problema depende de uma
opção civilizacional que transcende o puro plano das vontades subjetivas empiricamente
contingentes. Procuremos ser mais claros e explícitos. A normatividade jurídica postula
como sua condição transcendental a liberdade do homem. Se há normas, é porque o
homem é um ser de liberdade, que se furta parcialmente à cadeia de causalidade
necessária que liga os fenômenos naturais. O direito como normatividade que visa
conferir um determinado sentido ao agir humano, fornecendo-lhe fundamentos e
critérios para agir, julgar, decidir, é simultaneamente uma manifestação da autonomia
humana e um regulativo que se lhe dirige, como vimos. A ordem instaurada pelo direito
racionaliza o mundo humano e institucionaliza determinados padrões de conduta
intersubjetivos. O problema reside porém em saber qual o conteúdo das suas normas,
qual o fundamento da sua vinculatividade num certo momento histórico, que sentido tem
para nós, afinal, essa juridicidade. Se o direito nos obriga, faz sentido perguntar porquê e
impõe-se responder que não é, certamente, por corresponder à vontade de uma maioria,
ou apenas enquanto se revela útil, mas porque exprime normativamente um
compromisso de nos reconhecermos e nos respeitarmos mutuamente como pessoas, a
implicar por isso que lhes associemos um valor intrínseco, a dignidade que cabe a um
fim em si mesmo. Para que a resposta ao problema humano da convivência no mundo
se possa proclamar de direito, em suma, é necessário que as relações intersubjetivas sejam
ordenadas institucionalmente com base nas (e segundo as) orientações de sentido que
decorrem dos valores constitutivos da ideia de pessoa humana. Com efeito, a pessoa não
é uma categoria ontológica, nem biológica, nem antropológica. É um valor, uma vez que
só reconheceremos a um ser humano a categoria de pessoa se simultaneamente formos
capazes de lhe reconhecer dignidade ética. O direito só pode existir entre homens-

5
pessoa e para tornar viável a integrante coexistência intersubjetiva de homens-
pessoa – não há direito para coisas.

2. Características do Direito:

a) Bilateralidade. O Direito existe sempre vinculando duas ou mais pessoas, atribuindo


poder a uma parte e impondo dever à outra. Bilateralidade significa, pois, que a norma
jurídica possui dois lados: um representado pelo direito de uma parte e outro pelo dever
da outra parte, de tal sorte que um não pode existir sem o outro. Em toda relação jurídica
há sempre um sujeito ativo, portador de um direito e um sujeito, que possui um dever
jurídico. A necessária presença destes dois lados constitui a bilateralidade. No interior
dessa bilateralidade ocorre uma relação intersubjetiva que é objetivamente proporcional,
isto é, a proporção estabelecida deve resultar a atribuição garantida de uma pretensão ou
ação para um, e o dever de cumprimento ou respeito dessa pretensão para outro.

b) Heteronomia/Imperatividade: é o oposto de autonomia. O Direito é heterônomo


porque, diferentemente da moral, a obrigação jurídica é indiferente da adesão interior dos
sujeitos ao conteúdo das suas normas. O direito deseja ser cumprido com a vontade, sem
a vontade e até contra a vontade do obrigado.

c) Coercibilidade: A palavra coercibilidade remete, de forma geral, à possibilidade lógica da


interferência da força – e neste caso, da força estatal – no cumprimento de uma regra de
direito. O Direito implica uma organização do poder, a fim de que sejam cumpridos os
seus preceitos. Como as normas jurídicas visam a preservar o que há de essencial na
convivência humana, elas não podem ficar à mercê da simples boa vontade, da adesão
espontânea dos obrigados. É necessário prever-se a possibilidade do seu cumprimento
obrigatório. A coercibilidade têm a ver, portanto, com a possibilidade de recurso ao
cumprimento forçado das normas jurídicas em caso de descumprimento, isto é, em caso
de Sanção.

SANÇÃO = todo e qualquer processo de garantia daquilo que se determina em


uma regra.

COAÇÃO = violência física ou psíquica, que pode ser feita contra uma pessoa
ou um grupo de pessoa.

Algumas sanções jurídicas podem, assim, envolver o uso de violência


física ou força para forçar o cumprimento das regras definidas.

d) Abstratividade: Visando a atingir o maior número possível de situações, a norma jurídica


é abstrata, regulando os casos dentro do seu denominador comum, ou seja, como
ocorrem via de regra.

6
UNAMA
CURSO: DIREITO
DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
PROFESSOR: IAN PIMENTEL

PLANO DE AULA 3

Tema: TEORIA DA NORMA JURÍDICA (Parte II) – Estrutura da norma jurídica e operações
lógicas

1. Norma Jurídica: uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma de organização ou


de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória.

a) Estrutura Proposicional: o seu conteúdo pode ser enunciado mediante uma ou mais
proposições entre si correlacionadas, sendo certo que o significado pleno de uma regra
jurídica só é dado pela integração lógico-complementar das proposições que nela se
contêm;

b) Enunciativa de uma Forma de Organização ou de Conduta: há normas de direito


cujo objetivo imediato é disciplinar o comportamento dos indivíduos, ou as atividades
dos grupos e entidades sociais em geral (norma de conduta); enquanto que outras
possuem um caráter instrumental, visando à estrutura e funcionamento de órgãos, ou à
disciplina de processos técnicos de identificação e aplicação de normas, a fim de assegurar
uma convivência juridicamente ordenada (norma de organização, ou norma
instrumental).

c) Que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória: a regra jurídica enuncia um
dever ser de forma objetiva e obrigatória, porquanto, consoante já foi exposto em aulas
anteriores, é próprio do Direito valer de maneira heterônoma, isto é, com ou contra a
vontade dos obrigados.

2. Tipos de Normas Jurídicas: As normas jurídicas assumem duas feições diferentes. Podem
ser:

a) Regras: prescrição imperativa de uma exigência (impõem, permitem ou proíbem)


que deve ser cumprida (funcionam em termos de “tudo” ou “nada”).

b) Princípios: configuram o conjunto de valores que se decantam do princípio maior


da dignidade da pessoa humana (Estado de Direito, Contraditório, Ampla Defesa,
Estado de Inocência, Igualdade, etc.) e que constituem fundamentos de validade
das demais normas do sistema jurídico.

3. Estrutura Lógica das Regras Jurídicas: Do ponto de vista lógico, as regras jurídicas se
estruturam como juízos hipotéticos, segundo um esquema de Se F é, C deve ser.... Isto é, as
regras jurídicas se estruturam de maneira binada, articulando logicamente dois elementos: a
hipótese ou fato-tipo e o dispositivo ou preceito.

a) Hipótese ou Fato-Tipo: Toda regra jurídica prevê, de forma abstrata, uma “espécie
de fato”, ou um “fato-tipo”, ao qual poderão corresponder, com maior ou menor

7
rigor, múltiplos fatos concretos. Este fato-tipo corresponde, em termos simbólicos, a
uma moldura, na qual deverá se encaixar o fato concreto de um caso para que se
possa atrair a incidência da norma e fazer desencadear a sua consequência jurídica.
Isto é, quando, na experiência social, se verifica uma correspondência razoável entre
um fato particular e o fato-tipo F, previsto na norma, o responsável por aquele fato
particular (em geral, o agente, ou o autor daquilo que resultou de seu ato) goza ou
suporta as consequências predeterminadas no dispositivo ou preceito.

b) Dispositivo ou Preceito: Como um dever-ser, a regra jurídica contém um


conteúdo jurídico que quer ver materializado na realidade. Esse conteúdo pode
ser um ato, uma abstenção, um comportamento, uma prestação e a
consequência jurídica para o seu descumprimento (a sanção jurídica). Em toda
regra de conduta há sempre a alternativa do adimplemento ou da violação do dever
que nela se enuncia. A hipoteticidade ou condicionalidade da regra de conduta não
tem apenas um aspecto lógico, mas apresenta também um caráter axiológico, uma vez
que nela se expressa a objetividade de um valor a ser atingido, e, ao mesmo tempo, se
salvaguarda o valor da liberdade do destinatário, ainda que para a prática de um ato de
violação.

Comportamento/Forma de Organização
+
Sanção Jurídica

4. Classificação das Normas Jurídicas:


4.1. Quanto ao Âmbito de Validez:

a) Espacial: As normas podem ser gerais ou locais. Gerais são as que se aplicam
em todo o território nacional. Locais, as que se destinam apenas à parte do
território do Estado.

b) Temporal: As normas podem ter vigência por prazo indeterminado ou prazo


determinado. Quando o tempo de vigência da norma jurídica não é prefixado,
esta é de vigência por prazo indeterminado. Ocorre, com menos frequência, o
surgimento de regras que vêm com o seu tempo de duração previamente fixado,
hipótese em que são denominadas de vigência por prazo determinado.

c) Material: As normas podem ser de Direito Público e de Direito Privado. As


normas de direito público são as incidem na relação entre os particulares e o
Estado. As normas de direito privado são as que regulam as relações entre as
pessoas.

4.2. Quanto à Vontade das Partes: Quanto a este aspecto, dividem-se em taxativas e
dispositivas. As normas jurídicas taxativas ou cogentes, por resguardarem os interesses
fundamentais da sociedade, obrigam independentemente da vontade das partes. As
dispositivas, que dizem respeito apenas aos interesses dos particulares, admitem a não
adoção de seus preceitos, desde que por vontade expressa das partes interessadas.

4.3. Outras Classificações

8
UNAMA
CURSO: DIREITO
DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
PROFESSOR: IAN PIMENTEL

PLANO DE AULA 4

Tema: TEORIA DA NORMA JURÍDICA (Parte III) – O modo de ser do direito: a vigência, as
fontes do direito e o sistema jurídico

1. O modo-de-existência do direito: a vigência. O direito existe se e enquanto vigorar


objetivamente em uma determinada realidade social. Isto significa que o direito só pode existir
se as normas jurídicas forem vinculativamente assumidas pelas pessoas como uma
dimensão culturalmente real da sua comunidade social. O direito é um dever-ser que é,
uma ordem normativa que as pessoas assumem como obrigatória e incorporam nas suas
condutas, adquirindo, desta sorte, uma existência histórico-cultural real numa determinada
comunidade. Não temos direito apenas porque pensamos a essência jurídica ou porque
construímos um sistema de normatividade jurídica – teremos assim tão-só pensado a
juridicidade ou quando muito construído uma possibilidade jurídica e nada mais. Para que
tenhamos direito importa ainda que a normativa juridicidade se possa reconhecer socialmente
vinculante e, portanto, dimensão determinante da vida das pessoas. Para que o direito exista –
isto é, para que as normas jurídicas sejam assumidas como obrigatórias por uma comunidade
de pessoas – é necessário que ele seja válido. Para ser válida, é preciso que a norma jurídica
esteja de acordo com os valores e princípios jurídicos intersubjetivamente partilhados na
comunidade em causa (validade material), e, também, que observe os requisitos formais
definidos para a sua formação (validade formal).

2. O modo-de-constituição: as fontes. O tema das fontes do direito remete para a questão de


saber como é que o direito se constitui, de onde surge, como que se constitui a normatividade
jurídica vigente. Isto é, o problema das fontes consiste em saber como se constitui a
juridicidade vigente, quais as vias ou os modos pelos quais essa normatividade juríridica válida
surge, se manifesta, vem à existência. Para o sabermos temos de aprofundar a compreensão da
categoria da vigência, discernindo nela quatro quatro dimensões de qualquer experiência
constituinte do direito:

2.1. Dimensão Sociológica (Fontes Materiais): O direito emerge de uma realidade e a ela
se dirige numa intenção normativamente regulativa, só podendo ser compreendido por
referência à matéria real que pressupõe e aos problemas de direito que nela se
suscitam, reclamando soluções jurídicas adequadas. O Direito não é um produto
arbitrário da vontade do legislador, mas uma criação que se lastreia no querer social. É a
sociedade, como centro de relações de vida, como sede de acontecimentos que envolvem
o homem, quem fornece os elementos necessários à formação das normas jurídicas.
Como causa produtora do Direito, as fontes materiais são constituídas pelos fatos sociais,
pelos problemas que emergem na sociedade e reclamam uma solução de direito.

2.2. Dimensão Axiológica ou Valorativa (Fontes Principiológicas): O direito só pode


emergir e responder aos problemas de disputa entre duas pessoas, se, em um segundo
momento, e na construção dessa resposta, se convocar os valores predicativos da
normatividade jurídica e que esta procura justamente realizar na prática. Além de aderir à

9
realidade problemática que o interpela, o direito tem de exprimir os valores em que se
assenta, mormente o maior deles – a dignidade humana –, resolvendo os problemas de
acordo com as orientações de sentido que o princípio da dignidade intenciona projetar na
realidade.

2.3 Dimensão Institucional (Fontes Formais): A normatividade jurídica só pode se


constituir, depois, se conseguir assumir uma das formas seguintes:

a) A Lei: A lei é a forma moderna de produção do Direito Positivo. É ato do Poder


Legislativo, que estabelece normas de acordo com os interesses sociais. Em
sentido amplo, emprega-se o vocábulo lei para indicar o conjunto de normas
jurídicas escritas de uma comunidade. Em sentido restrito, lei é o preceito comum
e obrigatório, emanado do Poder Legislativo segundo processo regular, dotado de
abstração, generalidade, imperatividade e coercibilidade.

b) A Jurisprudência: No curso da história o vocábulo jurisprudência sofreu uma


variação semântica. De origem latina, formado por juris e prudentia, o vocábulo foi
empregado em Roma para designar a Ciência do Direito ou a teoria da ordem
jurídica. Atualmente o vocábulo é adotado para indicar os precedentes judiciais,
ou seja, a reunião de decisões judiciais, interpretadoras do direito vigente. No
conceito moderno de jurisprudência, é possível distinguir duas noções: (i)
Jurisprudência em sentido amplo: a coletânea de decisões proferidas pelos
tribunais sobre determinada matéria jurídica; (ii) Jurisprudência em sentido
estrito: dentro desta acepção, jurisprudência consiste apenas no conjunto de
decisões uniformes, prolatadas pelos órgãos do Poder Judiciário, sobre uma
determinada questão jurídica. A jurisprudência se forma não apenas quando há
lacunas na lei ou quando esta apresenta defeitos. Como critério de aplicação do
Direito vigente, como interpretadora de normas jurídicas preexistentes, a
jurisprudência reúne modelos extraídos da ordem jurídica, de leis suficientes ou
lacunosas, claras ou ambíguas, normais ou defeituosas. Assim, a jurisprudência
pode apresentar-se sob três espécies: (i) jurisprudência secundum legem: se
limita a interpretar determinadas regras definidas na ordem jurídica. As decisões
judiciais refletem o verdadeiro sentido das normas vigentes; (ii) jurisprudência
praeter legem: é a que se desenvolve na falta de regras específicas, quando as leis
são omissas. Com base na analogia ou princípios gerais de Direito, os juízes
declaram o Direito; (iii) jurisprudência contra legem: se forma ao arrepio da
lei, contra disposições desta. É prática não admitida no plano teórico, contudo, é
aplicada e surge quase sempre em face de leis anacrônicas ou injustas. Ocorre
quando os precedentes judiciais contrariam a mens legis, o espírito da lei.

c) A Doutrina: A doutrina, ou Direito Científico, compõe-se de estudos e teorias,


desenvolvidos pelos juristas, com o objetivo de interpretar e sistematizar as
normas vigentes e de conceber novos institutos jurídicos, reclamados pelo
momento histórico. A atividade desenvolvida pelos juristas se revela fecunda em
três direções: na formação das leis, no processo de interpretação do Direito
Positivo e na crítica aos institutos vigentes. (i) Atividade Criadora: Para
acompanhar a dinâmica da vida social o direito tem que evoluir, mediante a
criação de novos princípios e formas. Esse aperfeiçoamento permanente da
ordem jurídica, com a substituição de velhos institutos por concepções modernas,
calcadas na realidade subjacente, decorre do labor dos juristas. É a doutrina que

10
introduz os neologismos, os novos conceitos, teorias e institutos no mundo
jurídico; (ii) Função Prática da Doutrina: Ao desenvolver estudos sobre o
Direito Positivo, os juristas lidam com uma grande quantidade de normas jurídicas
dispersas em numerosos textos legislativos. Para analisar as regras vigentes, o
jurista precisa desenvolver um trabalho prévio de sistematização, reunindo o
conjunto das disposições relativas ao assunto de sua pesquisa. Essa tarefa se revela
de grande importância, pois é a seleção das normas que irá permitir o
conhecimento jurídico. Sistematizado o Direito, desenvolve-se o trabalho de
interpretá-lo, de revelar o sentido e o alcance das disposições legais. O resultado
desse trabalho de seleção e interpretação do Direito vigente é útil para todos os
participantes na vida do Direito, não só para os profissionais, como para os
destinatários das normas; (iii) Atividade Crítica: Diante da ordem jurídica o
papel dos juristas não se limita a definir a mensagem contida nos mandamentos de
Direito. Não deve apenas dizer o Direito vigente. É indispensável submeter a
legislação a juízos de valor, a uma plena avaliação, sob diferentes ângulos de
enfoque. Deve acusar as falhas e deficiências, do ponto de vista lógico,
sociológico e ético.

d) Costumes Jurídicos: O Direito costumeiro pode ser definido como conjunto de


normas de conduta social, criadas espontaneamente pelo povo, através do uso
reiterado, uniforme e que gera a certeza de obrigatoriedade, reconhecidas e
impostas pela comunidade.

3. O modo-de-objectivação: o sistema jurídico

3.2. O direito como sistema: Um sistema é uma unidade composta por uma multiplicidade
de elementos articulados segundo uma certa ideia ou segundo determinados princípios e
que constitui, portanto, uma unitária e congruente pluralidade. Qualquer sistema tem
como notas a unidade e a coerência e o mesmo sucede com o sistema jurídico. O sistema
jurídico enquanto objetivação da normatividade jurídica vigente é um sistema material,
uma vez que os seus elementos constituintes se acham relacionados, em última instância,
como decorrências do compromisso que o princípio da dignidade humana impõe. É um
sistema aberto, não pleno, nem autosuficiente, que se modificando através dos
problemas jurídicos que o vão desafiando e a que tem de ir dando resposta. No fundo,
Isto é, trata-se de um todo normativo composto por elementos jurídico diversos, e que se
acham entre si numa coerente articulação segundo os princípios e valores normativos
através dos quais a validade do direito se traduz.

3.3. Os estratos do sistema jurídico: Depois do que se estudou acerca da vigência e das
fontes do direito, soará menos estranha a afirmação da pluridimensionalidade do
sistema jurídico. Vejamos os estratos do sistema, um a um:

a) Princípios Normativos: configuram o conjunto de valores que se decantam do


princípio maior da dignidade da pessoa humana (Estado de Direito, Contraditório,
Ampla Defesa, Estado de Inocência, Igualdade, etc.) e que constituem
fundamentos de validade das demais normas do sistema jurídico. Só se pode
dizer jurídico, se for concomitantemente um princípio de direito e do direito: (i)
De direito, por estar de acordo com o compromisso maior da dignidade
humana, e fornecer uma resposta adequada a um problema de fruição
intersubjetiva do mundo; (ii) Do direito, por o pensamento jurídico o afirmar

11
vigente, isto é, válido e eficaz no horizonte do sistema jurídico em que a pergunta
tiver sido formulada.

b) Normas Legais: configuram o conjunto de critérios jurídicos gerais e abstratos


que visam solucionar imediatamente um determinado conjunto (tipo, série...) de
problemas.

c) Jurisprudência: conjunto de soluções jurídicas construídas para problemas


anteriores, mas que se projetam como exemplos ou precedentes para soluções
futuras de outros casos.

d) Doutrina: conjunto de soluções doutrinais tratados, lições, monografias,


comentários que, inspiradas por uma certa assimilação dos princípios normativos,
são livre e racionalmente elaboradas pelos juristas a partir das normas legais e dos
precedentes judiciais.

Atenção: Ler sobre o sistema jurídico na concepção de Kelsen.

4. A Divisão da Ordem Jurídica (Direito Público e Direito Privado): A primeira divisão


que encontramos na história da Ciência do Direito é a feita pelos romanos, entre Direito
Público e Privado, segundo o critério da utilidade pública ou particular da relação: o primeiro
diria respeito às coisas do Estado, enquanto que o segundo seria pertinente ao interesse de
cada um. Há duas maneiras complementares de fazer-se a distinção entre Direito Público e
Privado, uma atendendo ao conteúdo; a outra com base no elemento formal.

4.1. O Direito Público: O conteúdo de toda relação jurídica é sempre um interesse, tomada
a palavra na sua acepção genérica, abrangendo tanto os bens de natureza material como os de
ordem espiritual. O que caracteriza uma relação de Direito Público é o fato de atender, de
maneira imediata e prevalecente, a um interesse de caráter geral. Nas relações jurídicas de
direito público, uma das partes assume uma posição de eminência, de maneira que há um
subordinante e um subordinado. O que caracteriza uma relação jurídica de direito
público é, portanto, a relação de subordinação que há entre o Estado e os
particulares.

4.2 O Direito Privado: Existem relações intersubjetivas, por outro lado, em que um dos
sujeitos tem a possibilidade de exigir de outro a prestação ou a abstenção de certo ato por
estarem no mesmo plano, contratando ou tratando de igual para igual. Quando se verifica
essa situação, dizemos que a característica central desta relação jurídica é a de uma relação de
subordinação, e assim a relação é de direito privado.

12
UNAMA
CURSO: DIREITO
DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
PROFESSOR: IAN PIMENTEL

PLANO DE AULA 5

Tema: A FORMAÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO ROMANO-GERMÂNICO (CIVIL LAW)

1. Caracterização Geral: O sistema jurídico romano-germânico é aquele se forma na Europa


continental a partir do século XIII d.C. por meio do trabalho de sistematização científica
levado a cabo por juristas universitários dos princípios e regras dos antigos direitos romano e
canônico associados aos costumes dos povos germânicos. De modo geral, o sistema jurídico
romano-germânico tendeu de forma generalizada a superestimar o valor da Lei como fonte do
direito.

2. As Bases do Sistema Jurídico Romano-Germânico: A formação do sistema de direito


romano-germânico, pois, está ligada ao renascimento cultural que se produz nos séculos XII e
XIII no Ocidente europeu, que preparou o caminho para o amplo movimento de retorno aos
valores da antiguidade clássica operado nos séculos XIV a XVI. O principal meio pelo qual as
novas ideias se espalharam, favorecendo a retomada do valor conferido ao direito romano, foi
constituído pelos novos focos de cultura criados na Europa, em especial as universidades,
dentre as quais a primeira e mais ilustre foi a Universidade de Bolonha, na Itália.

2.1. Direito Romano: O Direito Romano configura o complexo de normas vigentes em


Roma, desde sua fundação no século VIII a.C. até a codificação de Justiniano no século VI
d.C.

a) Período Arcaico (753 a.C a 130 a.C): A primeira fase da história romana, a Realeza,
inicia-se com sua fundação (753 a.C.) e perdura até o início da República. Nesse
momento, nasce o Direito arcaico. O Direito Romano Arcaico costuma ser subdividido
pela doutrina em duas subfases: a nacionalista (que vai de 753 a 242 a.C.), e a
universalista (de 242 a 130 a.C.). A fase nacionalista marca o início do ius civile, direito
que se aplicava exclusivamente às relações entre romanos. A fase universalista,
caracterizou-se pela criação da magistratura do praetor peregrinus, o juiz
encarregado de resolver problemas entre estrangeiros (os peregrinos) e entre
estes e os romanos. Ao nível das fontes do direito, durante esse período a legislação no
sentido moderno era quase inexistente, embora a tradição histórica dê notícia, também,
da existência, nessa época, de leis régias, atribuindo-as, em sua maior parte, a Rômulo,
Numa Pompílio e Tulo Hostílio. O sistema jurídico de então era, contudo, quase todo
formado por um conjunto de normas consuetudinárias de caráter jurídico-religioso,
marcadas por um alto grau de incerteza e indeterminação, e que surgiram a partir dos
longos usos dos antepassados ou da tradição transmitida pela comunidade. Com efeito,
o pouco direito escrito possuía, em geral, uma natureza mais explicitadora – e
não tão prescritiva – daquilo que se manifestava na própria prática a partir dos
casos e das disputas submetidas à resolução. Nos tempos primitivos, a
jurisprudência romana era monopolizada pelos pontífices. Esse monopólio – em
decorrência do rigoroso formalismo que caracteriza o direito arcaico – consistia em
deterem os pontífices o conhecimento, não só dos dias em que era permitido

13
comparecer a juízo (dias fastos, em contraposição aos nefastos, em que era isso
proibido), mas também das fórmulas com que se celebravam os contratos ou com que se
intentavam as ações judiciais.

b) Período Clássico: O Direito Romano Clássico inicia-se entre os anos 149-126 a.C.,
durante o período da República Romana. É o momento mais importante da história do
direito, permeando o ápice da história romana e perdurando até 305 d.C., já no
Dominato (ou Baixo Império). Esse foi o período no qual o direito e a ciência jurídica
romanos atingiram o mais alto grau de desenvolvimento de sua civilização. Nessa fase
em que a cidade imperial anexa todo o entorno do Mar Mediterrâneo, fundando sua
riqueza no comércio e no trabalho escravo, o direito perde as características arcaicas
tornando-se um pouco mais simples e adequado à velocidade das transações mercantis.
No plano das ideias, o individualismo ganha seus contornos mais acentuados. O cidadão
romano, individualmente considerado, é reconhecido enquanto proprietário, enquanto
agente que celebra contratos, enquanto pessoa que transmite seu patrimônio entre vivos
e após a morte. Desenvolvem-se as noções de propriedade privada, posse, obrigações,
contratos e responsabilidade civil. Além disso, o direito torna-se laico, ou seja, perde suas
características religiosas. Isso leva ao gradativo desaparecimento do formalismo e do
materialismo, surgindo um esboço da concepção voluntarista, respeitando a intenção dos
sujeitos de direito acima dos rituais praticados ou não. A ciência do direito então começa
a se desenvolver, já agora sem as amarras religiosas. Os juristas profissionais que se
desenvolveram durante o período trabalhavam em diferentes funções: proferiam
pareceres, a pedido de particulares; aconselhavam os magistrados responsáveis pela
administração da justiça, como os pretores; auxiliavam os pretores a preparar seus editos,
anunciados publicamente no início do mandato pretoriano e que continham uma
explicação de como exerceriam suas funções e um formulário de procedimentos
judiciais. Inúmeros grandes autores da história do direito romano, como Gaio e Ulpiano,
produziram suas obras no período. O Período Clássico apresenta o maior volume de
fontes do direito da história jurídica romana. Ao menos quatro tipos diferentes de
regimes jurídicos coexistem simultaneamente: (i) o Ius Civile, ou direito dos
cidadãos originários de Roma, contendo a maior quantidade de direitos, derivados dos
costumes originários; (ii) o Ius Gentium, ou Direitos das Gentes, regime jurídico
aplicável aos povos do Império Romano, contendo alguns dos direitos derivados do
direito civil; (iii) o Ius Honorarium, ou Direito dos Pretores, normas jurídicas que
passam a ser feitas pelos Pretores, por meio dos Editos, com a finalidade de indicar os
direitos que reconheceriam nas demandas judiciais mas que terminam criando novos
direitos ou atenuando as características de formalismo e materialismo do Direito Arcaico;
e (iv) o Ius Extraordinarium, ou Direito do Imperador, normas jurídicas que
derivam de manifestações do Imperador sobre casos concretos ou abstratos, inicialmente
de modo excepcional. Esses regimes jurídicos se expressavam através: (i) dos costumes,
da doutrina e das leis arcaicas, fontes tradicionais do Jus Civile, que enfraquecem
durante o período clássico; (ii) dos Editos dos Pretores, que configuravam a
princípio, a proclamação oral de uma espécie de programa do magistrado, sendo
que os éditos daqueles com função judiciária configuravam um verdadeiro
inventário de todos os meios de que o particular poderia valer-se para obter a
tutela de seu direito, sendo que durante a segunda fase do período, todavia, o Pretor é
proibido pelo Imperador de inovar nos Editos, que perdem importância; (iii) As
Constituições Imperiais, ou leis do Imperador, eram as fontes mais relevantes do
Ius Extraordinarium. Parecidas com as nossas leis atuais, continham regras
gerais e abstratas criadas pelo próprio Imperador. Tornam-se cada vez mais

14
frequentes na segunda metade do período clássico, sendo a única fonte a ficar
crescentemente mais forte.

c) Período Pós-Clássico: O Direito Romano Pós-Clássico, iniciado em 305, consumará as


tendências verificadas na fase final do direito clássico. O período é marcado pelo
fortalecimento sem precedentes do Imperador, que se assemelha cada vez mais a um
déspota absoluto. Esse fortalecimento materializa-se na utilização obrigatória de
sua fonte normativa como única aceita no direito, a Constituição Imperial, que
poderia ser melhor traduzida por lei, se não fosse gerar confusão com as leis arcaicas.
Em outras palavras, o Imperador determina que os Pretores utilizem apenas as
constituições para julgar os conflitos, estando proibidos de julgarem conforme os
costumes, as leis arcaicas, a doutrina ou os Editos. Com isso, o único direito que resta é
o Ius Extraordinarium. Todos os demais do período clássico desaparecem ou são
incorporados por ele. Isso reflete nas ideias jurídicas do período. Surge, por exemplo,
uma ideologia legalista, ou seja, baseada na noção de que a lei, no caso a Constituição
Imperial, é a fonte única do direito. O direito é visto como um conjunto de normas
derivadas dessas constituições. Disso decorre o novo papel da Ciência Jurídica. Os
doutrinadores transformam-se em estudiosos das constituições. Assim como hoje as
faculdades de direito ensinam o significado das leis, naquele momento os estudiosos
queriam conhecer a melhor interpretação das Constituições Imperiais. O doutrinador,
portanto, não descobre mais o direito na sociedade, mas apenas interpreta as leis
(constituições). Neste período, um fato muito relevante para o direito tem lugar. Em 527
d.C., sobe ao trono, em Constantinopla, Justiniano, que inicia ampla obra militar e
legislativa. As Institutas, o Digesto e o Código foram as compilações feitas por ordem de
Justiniano. No entanto, depois de elaboradas, Justiniano introduziu algumas
modificações na legislação mediante constituições imperiais – a que se deu a
denominação de Novellae Constitutiones ou, simplesmente, Novellae (Novelas) –, que
pretendia reunir num corpo único. A obra legislativa de Justiniano, por conseguinte,
consta de quatro partes: Institutas (manual escolar), Digesto (compilação do
direito contido nos textos e fragmentos de jurisconsultos clássicos), Código
(compilação das leges) e Novelas (reunião das constituições promulgadas,
posteriormente, por Justiniano). A esse conjunto, o romanista francês Dionísio
Godofredo, em 1538, na edição que dele fez, denominou Corpus Iuris Ciuilis
(Corpo do Direito Civil), designação essa que é hoje universalmente adotada.

d) O ressurgimento do estudo do direito romano na Idade Média – A Escola dos


Glosadores: Em 476 d.C., cai o Império Romano do Ocidente com a deposição de
Rômulo Augusto pelos hérulos (povo bárbaro), que, admitidos no exército romano, se
revoltaram e proclamaram Odoacro rei da Itália. Era a etapa final da conquista, pelos
bárbaros, do Império Romano do Ocidente. Aos hérulos sucederam os ostrogodos.
Estes, em 533, foram derrotados pelo exército bizantino de Justiniano, que, como
imperador do Oriente, desejava reunir, de novo, os dois impérios. Com a reconquista da
Itália, Justiniano enviou para aí, oficialmente, exemplares de suas compilações até então
publicadas. No século XI, verifica-se, na Europa, o ressurgimento do direito romano,
graças a Irinério, que, dando nova orientação ao ensino jurídico em Bolonha (Itália),
funda a Escola dos Glosadores. Os glosadores têm essa denominação graças às
notas (glosas) – interlineares ou marginais, isto é: entre as linhas ou à margem do
texto – que faziam à codificação de Justiniano. A escola dos glosadores dominou
nos séculos XII e XIII (de 1100 a 1300). Sua fase de esplendor vai de 1100 a 1250; os
restantes 50 anos são período de transição entre essa escola e a dos pós-glosadores.

15
Graças aos glosadores – comentaram eles quase todo o Corpus Iuris Civilis,
conhecendo-o como até hoje ninguém o conheceu –, o direito romano se tornou
acessível aos juristas medievais, que o estudaram pelas glosas. Foram eles, portanto, que
possibilitaram fosse o direito romano a base do direito privado moderno.

e) O ressurgimento do estudo do direito romano na Idade Média – A Escola dos


Comentadores: Aos glosadores sucederam os pós-glosadores, que dominaram nos
séculos XIV e XV. Entre as duas escolas, não há, propriamente, antagonismo, mas, sim,
transição. Com efeito, embora o interesse dos glosadores, no estudo do Corpus Iuris
Civilis, fosse de ordem prática, primeiro se fazia mister o conhecimento do direito
romano pela interpretação da codificação de Justiniano. Aclarado, segundo a ciência da
época, o sentido dos preceitos jurídicos romanos – obra dos glosadores –, surgia nova
dificuldade: a de aplicar, na prática, o direito romano, adaptando-o às necessidades do
tempo, e entrosando-o com as normas jurídicas então vigentes. Para esse fim
convergiram os esforços dos pós-glosadores. Daí terem abandonado o estudo direto das
fontes romanas e se utilizado dos preceitos trazidos à luz pelas glosas de seus
antecessores. Os pós-glosadores também são chamados comentadores, por terem escrito
longos comentários, onde fundiam as normas de direito romano, de direito canônico e
dos direitos locais, fazendo surgir o que se denominou direito comum.

2.2. Os Direitos Germânicos: após o declínio do Império Romano do Ocidente, a Europa


se pulveriza em uma multiplicidade de reinos e principados regionais, sobretudo de origem
germânica. Visigodos, por exemplo, instalam-se na Península Ibérica e no Sudoeste da Gália.
Ostrogodos e, depois, Lombardos, na Península Itálica. Francos e Burgúndios estabelecem-se
no centro da Europa. Os Vândalos, no norte da África. Os Anglos e Saxões, na Bretanha. O
Império Bizantino, por sua vez, toma conta do oriente europeu. Os califados e reinos
mulçumanos espalham-se na península arábica e por todo o Oriente Médio, etc. Esses povos
carregam consigo todo o seu sistema cultural, incluindo-se aí o conjunto das suas normas
jurídicas. Embora os sistemas jurídicos de cada povo germânico se diferenciassem uns dos
outros, é possível identificar quatro traços comuns entre eles: (i) a natureza autônoma do
direito, que não era ditado nem por um rei e nem por Deus, mas decorria do costume e dos
comportamentos populares; (ii) o direito não era escrito, e por isso era transmitido oralmente
por “enunciadores do direito”, motivo pelo qual deveriam utilizar fórmulas fáceis de
memorizar; (iii) o grupo de várias famílias era organizado em comunidade (que usava
comunitariamente a terra e os seus bens), e a família, por sua vez, era organizada
hierarquicamente sob a autoridade paterna; (iv) a relação de consanguinidade era de natureza
materna. À medida, contudo, que as antigas tribos germânicas passaram a se consolidar
territorialmente em reinos, suas normas jurídicas passaram a ser registradas em textos escritos,
dando origem às Leges Barbarorum, leis escritas durante a alta Idade Média, nos territórios
ocupados pelos reinos bárbaros, anteriormente pertencentes ao Império Romano. Eram
escritas em latim e geralmente eram categorizadas seguindo o modelo romano (Lex Romana
Visigothorum, a Lex Burgundionum, as Leges Langobardorum, etc.).

2.3. O Direito Canônico: O Direito Canônico é o conjunto de leis que rege a estrutura
institucional da Igreja Católica Apostólica Romana. Ele regulamenta todos os segmentos
da vida eclesiástica; sua organização, governo, ensino, culto, disciplina e práticas processuais.
O desenvolvimento do direito canônico começa propriamente no século IV porém,
diferentemente do direito romano, o direito canônico não tinha um texto inequívoco para ser
recuperado ou reconstruído. Com efeito, as tradições canônicas, desde os primeiros tempos

16
do cristianismo até esta referida época, haviam se desenvolvido de uma forma muito
particularizada e, em boa medida, contraditória; por isso nessa fase mais antiga – a fase da alta
idade média – é de singular importância para a formação do direito a atuação dos
bispos de Roma, mais tardes chamados de Papas, na institucionalização da Igreja e os
Concílios, que nesse tempo era reunião dos bispos da Igreja Católica e autoridades imperiais,
para discutir as questões relativas aos problemas da doutrina e disciplina da Igreja universal. O
termo cânon, que significa medida e foi traduzido para o latim como regula, foi empregado
desde os primeiros séculos da Igreja Católica para designar as decisões dos concílios.
O cânon tem natureza de regra, de modo que um cânone (que configurava uma decisão de
um concílio sobre uma questão disciplinar da Igreja) servia para determinar condutas e
solucionar os conflitos, sendo substancialmente uma norma jurídica. Com a construção de
normas e a consequente criação de um ordenamento e de uma exegese normativa, a criação de
um direito da Igreja, que nasceu assistemático, foi ganhando sistematicidade através dos
séculos possibilitou sua irradiação pela ciência do direito ocidental. A partir da baixa idade
média, que começa ao tempo da fundação das primeiras universidades no ocidente surgem os
textos que irão formar o Corpus Juris Canonici e, com isso, há a institucionalização definitiva do
direito canônico e de uma ciência do direito canônico. Note-se que a sistematização do direito
canônico se deu sobretudo entre os séculos IV, que foi profícuo na emanação de decretais
papais e o século XI, com a utilização do método do direito, inicialmente na
Universidade de Bolonha, para dar aos cânones um tratamento jurídico. Na formação do
direito canônico, o Decreto de Graciano, chamado pelo autor de Concordia
discordantium canonum, é um verdadeiro “divisor de águas”. A obra foi composta por
volta de 1140 e marca a divisão do nosso objeto de estudo em duas fases, a saber: a fase
precedente ao Decreto, chamada pelos estudiosos de fase do direito sem juristas e a fase que
se inicia com a obra de Graciano, que é a fase da ciência do direito canônico.

17
UNAMA
CURSO: DIREITO
DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
PROFESSOR: IAN PIMENTEL

PLANO DE AULA 6

Tema: A FORMAÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO DE DIREITO COMUM (COMMON


LAW)

1. Caracterização Geral: Dá-se o nome de common law ao sistema jurídico que foi
desenvolvido na Inglaterra a partir do séc. XII pelas decisões das jurisdições reais. Manteve-se
e desenvolveu-se até os nossos dias, e depois foi transposto para a maior parte dos países
falantes de língua inglesa. A expressão common law é utilizada desde o séc. XIII para
designar o direito comum da Inglaterra, em oposição aos costumes locais, próprios de cada
região. O sentido de common law é muito diferente do sentido da expressão “direito
comum” ou ius comune utilizada no continente europeu para designar, sobretudo a partir do
séc. XVI, o direito erudito, elaborado com base no direito romano e que serviu de sistema
jurídico supletivo às leis e costumes de cada país. A principal característica do common law é
que ele configura um sistema jurídico essencialmente jurisprudencial, que foi se
desenvolvendo a partir das decisões dos juízes reais e mantido graças à autoridade reconhecida
aos precedentes judiciais.

2. Características Principais:

a) O common law britânico configura um sistema eminentemente jurisprudencial, enquanto


no civil law a jurisprudência desempenha um papel secundário no desenvolvimento do
direito.
b) O common law britânico não foi muito romanizado, enquanto os sistemas jurídicos
europeus continentais sofreram uma influência mais forte do direito erudito elaborado a
partir de meados da Idade Média;
c) Os costumes locais não desempenharam qualquer papel na evolução do common
law, enquanto na Europa continental sua influência é considerável até o séc. XVIII
d) A legislação ocupa um papel secundário no desenvolvimento do common law, ao
contrário do Civil Law.
e) Os direitos romanistas foram codificados, enquanto a codificação é quase inexistente
na Inglaterra até os dias atuais.

3. Formação do Common Law

3.1. O Direito na Inglaterra até o Séc. XII: A história do direito da Inglaterra se assemelha
à dos países da Europa Continental até o séc. XII e XIII. A Inglaterra fez parte do Império
Romano do séc. I ao V. Após a queda do império, o território foi sendo lentamente invadido
por povos germânicos como Anglos, Saxões e Dinamarqueses, que desenvolveram aí reinos
bárbaros a partir do Séc. VI. Tal como no continente, passam a se redigir leis bárbaras, isto
é, textos de direito consuetudinário anglo-saxônico. Diferentemente do continente, esses
textos não são redigidos em latim, mas em língua germânica. Até o séc. XX, o costume
permanece a única fonte do direito na Inglaterra. Assim, passam a coexistir costumes jurídicos
anglo-saxões, costumes das cidades nascentes, costumes dos mercadores, etc.

18
3.2. A Organização das Jurisdições Reais: Os reis da Inglaterra conseguem a partir do séc.
XII impor a sua autoridade sobre o conjunto do território do seu reino. Conseguem
desenvolver a competência das suas próprias cortes jurisdicionais com prejuízo das jurisdições
senhoriais e locais, que perdem a maior parte das suas atribuições entre os séc. XII e XIII. A
princípio, o rei julgava os conflitos no seu Tribunal, a Curia Regis. Mas muito cedo foram
destacadas seções especializadas deste Tribunal para julgarem certas matérias, como o
Tribunal do Tesouro, competente para julgar litígios fiscais; o Tribunal das Queixas Comuns
(1215), para julgar os processos entre particulares relativos à posse de terras; o Tribunal do
Banco do Rei, para julgar os crimes contra a paz do reino, etc. A extensão da competência
jurisdicional desses tribunais tornou-se possível pelo processo técnico utilizado para
requerer as jurisdições reais. Qualquer pessoa que quisesse pedir justiça ao rei, podeia
endereçar-lhe um pedido; o Chanceler, um dos principais colaboradores do rei,
examinava o pedido e, se o considerasse fundamentado, enviava uma ordem chamada
writ a um xerife ou a um senhor para ordenar ao réu que desse satisfação ao queixoso.
Caso não atendesse ao dever de atender à exigência do queixoso, configurava-se a
desobediência a uma ordem real, mas o réu podia vir a Tribunal explicar por que
razão considerava não dever obedecer a ordem recebida.

3.3. O Sistema dos Writs: O sistema dos Writs data do séc. XII. Se, na origem, os Writs
eram adaptados a cada caso, logo transformam-se em fórmulas processuais que o Chanceler
passa adiante após o pagamento de taxa, sem fazer exame aprofundado prévio. Após a
Magna Carta de 1215, os senhores feudais conseguem limitar um pouco a expansão das
jurisdições reais, estabelecendo que não pode haver a criação de mais writs do que os já
existentes. Entretanto, em 1285 foi aprovado o Estatuto de Westminster II que passa a
admitir a possibilidade de o Chanceler do rei passar Writs em casos semelhantes aos casos que
ensejaram a criação dos Writs antigos. Assim, pela aplicação do princípio da semelhança,
numerosos casos novos foram incluídos na lista dos Writs existentes. O direito na Inglaterra
desenvolveu-se a partir dessa lista de ações judiciais sob a forma de ordens do rei. Em caso de
litígio, era e continua sendo essencial encontra a fórmula processual aplicável ao caso
concreto, de modo que o processo é assim mais importante do que as regras de direito
material. O common Law desenvolveu-se com base nessa lista limitada de formas
processuais, e por essa razão é fundamentalmente diferente do sistema jurídico romano-
germânico.

3.4. As Fontes do Common Law até o Séc. XV: Essa estrutura do Common Law ligada às
formas processuais tornou quase impossível o recurso ao direito romano. Apesar de algumas
semelhanças, os conceitos de direito privado romano-germânico não podiam ser utilizados na
interpretação dos atos do processo judicial inglês. O Common Law foi realmente criado
pelos juízes dos Tribunais reais. Estes tornam-se muito cedo, pelo menos desde o séc. XIV,
juízes profissionais no sentido de que se consagram exclusivamente ao estudo do direito, mas
não são, como mais tarde nas jurisdições do continente, juristas formados nas universidades
na disciplina do direito romano. São, antes, juristas práticos, formados como litigantes. Para
esses juristas, e para o tipo de sistema jurídico que desenvolveram, os precedentes judiciais ou
cases foram sempre a fonte do direito mais relevante, pois o fato de poder lembrar a um
tribunal que já se decidiu de uma ou de outra forma dá ao litigante melhores condições de
ganhar o seu processo. Tanto é assim que a partir do século XVI, as compilações impressas de
jurisprudência, os Law Reports, constituem a documentação jurídica mais importante para os
juristas. O precedente judicial não é, no entanto, uma verdadeira fonte de direito porque o
primeiro juiz que decidiu uma matéria precisou encontrar em algum lugar a fonte de
fundamentação da decisão, isto é, em alguma regra de direito material. Assim, as regras de

19
direito material (substantive law) eram extraídas, sobretudo, dos costumes jurídicos. Esses
costumes começaram a ser sistematizados sobretudo nas grandes compilações de direito, das
quais a de Bracton, de 1256, De Legibus et Consuetudinis Angliae se tornou uma das mais
notáveis.

3.5. O Período do Equity nos Séc. XV-XVIII: O common law tornou-se cada vez mais
técnico no decurso dos XIV e XV, mas como a lista de writs havia sido limitado, não se podia
dar solução satisfatória a diversos litígios, sobretudo de natureza econômica. Os juízes dos
tribunais, embora nomeados pelo rei, tinham se tornado relativamente independentes. A ideia
de recorrer diretamente ao rei na resolução dos conflitos fez nascer uma nova jurisdição e um
novo processo: o Chanceler decidia em equidade os litígios que eram submetidos à
apreciação real sem ter em conta as regras processuais (os writs) e as regras de direito
material. Aplicando um processo escrito inspirado pelo do direito canônico, o Chanceler
julgava muitas vezes segundo princípios extraídos do direito romano. Os reis da Inglaterra, no
século XVI, alargaram as jurisdições de equity, mais favoráveis ao desenvolvimento do seu
poder no sentido do absolutismo Durante muito tempo subsistiram, assim, dois tipos
jurisdições: a do common law e a do equity, cada uma observando regras processuais e
materiais diferentes. A fusão dos dois tipos de jurisdições só foi realizada em 1873 e 1875
através da Judicature Act, em que as regras de equity foram integradas no common law.

3.6. Desenvolvimento do Statute Law no Séc. XVIII e XIX: Segundo a concepção


dominante nos séculos XVIII e XIX, a legislação não ocupa senão o segundo lugar entre as
fontes do direito inglês, depois da jurisprudência. Esta concepção foi cada vez mais posta em
causa, em virtude da extensão crescente da atividade dos legisladores. A partir do séc. XIX e
sobretudo no séc. XX, diversas reformas importantes foram introduzidas por via legislativa,
especialmente na organização dos tribunais e no processo. Atualmente, apesar da importância
crescente da legislação, a Inglaterra ainda permanece um pais sem constituição escrita e sem
códigos. O próprio direito constitucional inglês se baseia nos costumes jurídicos e nos
precedentes judiciais

20
UNAMA
CURSO: DIREITO
DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
PROFESSOR: IAN PIMENTEL

PLANO DE AULA 7

Tema: A DICOTOMIA DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO E A FORMAÇÃO


DA CORRENTE JUSNATURALISTA

1. Caracterização Geral: Toda a tradição do pensamento jurídico ocidental é dominada pela


distinção entre “direito positivo” e “direito natural”. Esta distinção, que já se encontra
presente no pensamento grego e romano dá origem, posteriormente, a duas grandes maneiras
de compreender o direito, e de explicar seu funcionamento: a corrente jusnaturalista e a
corrente positivista. O Jusnaturalismo é uma doutrina segundo a qual existe e pode ser
conhecido um "direito natural" (ius naturale), ou seja, um sistema de normas de conduta
intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas fixadas pelo Estado (direito
positivo). Este direito natural tem validade em si, é anterior e superior ao direito positivo e, em
caso de conflito, é ele que deve prevalecer. O Jusnaturalismo é, por isso, uma doutrina
antitética à do "positivismo jurídico", segundo a qual só há um direito, o estabelecido pelo
Estado, cuja validade independe de qualquer referência a valores éticos.

2. A Distinção entre Direito Natural e Direito Positivo no Pensamento Clássico e a


Formação do Jusnaturalismo Cosmológico:

2.1. A Distinção: A distinção conceitual entre direito natural e direito positivo já se encontra
presente no pensamento de Platão e de Aristóteles. Dois são os critérios pelos quais
Aristóteles distingue o direito natural e o positivo: (i) o direito natural é aquele que tem em
toda parte a mesma eficácia (o filósofo emprega o exemplo do fogo que queima em qualquer
parte), enquanto o direito positivo tem eficácia apenas nas comunidades políticas em que é
posto; (ii) o direito natural prescreve ações cujo valor não depende do juízo que sobre elas
tenha o sujeito, mas existe independentemente do fato de parecerem boas ou más. Prescreve,
pois, ações cuja bondade é objetiva (ações que são boas em si mesmas). O direito positivo, ao
contrário, é aquele que estabelece ações que, uma vez reguladas pela lei, importa sejam
desempenhadas do modo prescrito pela lei, independentemente de serem intrinsecamente
boas ou más. Essa dicotomia é encontrada no direito romano, onde é a formulada a distinção
entre direito natural e o ius civile. No pensamento jurídico romano, o direito natural é aquele
que decorre da natureza das coisas ou da razão natural, e o direito positivo o que decorre das
estatuições do povo. O direito natural seria imutável no tempo, e o direito positivo o inverso.

2.2. A Concepção Jusnaturalista Clássica – entre Physis e Nomos: A teoria dominante é


da existência de um direito natural, justo por excelência, inerente à natureza material e
humana, ainda que não manifestado no regramento positivo. Assume-se a ideia de que o
direito emana da natureza, de existirem princípios legais não escritos que se superpõem ao
direito posto. Nesse ponto, há primazia dos ideais mais elevados de justiça. O que é justo está
de acordo com a ordem natural. As leis injustas devem ser subjugadas pelo ideal maior de
justiça. O sentido básico dessa fase do naturalismo jurídico é a noção de que o direito
positivo (nomos), o conjunto de regras postas pelo poder político dominante, deve
fundamentar-se no direito que emana da Natureza (physis), o qual é justo por essência,

21
porquanto decorrente do equilíbrio natural do universo. O romano Cícero defende a
existência de uma lei “verdadeira”, conforme a razão, imutável e eterna, que não muda com os
países e com os tempos. Acredita, ainda, que o homem não pode violar a própria natureza
humana. Conforme se lê na sua República, “Existe uma lei verdadeira, que é a reta razão,
conforme com a natureza, presente em todos, imutável e imperecível [...]”. Para os estoicos, a
Natureza será uma causa-eficiente que, movendo-se de per si, coloca em movimento o mundo
e os seres vivos no mundo.

3. A Distinção entre Direito Natural e Direito Positivo no Pensamento Medieval e a


Formação do Jusnaturalismo Teológico:

3.1. A Distinção: Após a queda do império romano do ocidente, o projeto unificador de


Império foi assumido então pela Igreja, fundamentando-o numa dimensão espiritual.
No século XII a Europa Ocidental estava praticamente livre do paganismo, e sua sociedade
se tornou uma sociedade eminentemente cristã, homogeneizando em larga medida os
valores e práticas das pessoas e instituições, a ponto de na Idade Média os conceitos
de sociedade e de cristandade se tornarem praticamente sinônimos. Na Idade Média, os
fundamentos do direito natural eram a inteligência e a vontade divina, vez que a sociedade e a
cultura se mostravam profundamente marcadas pela vigência de um credo religioso e pelo
predomínio da fé. Sob o império da patrística e da escolástica, a teoria jusnaturalista
apresentava conteúdo teológico, porquanto a filosofia medieval, de acentos notadamente
cristãos, surgiu da necessidade de responder às exigências da fé, ensinada pela Igreja,
considerada então como a guardiã dos valores espirituais e morais de toda a Cristandade. A
partir dessa perspectiva, assume-se a ideia de um direito natural imanente à natureza humana e
independente do legislador humano. As demais normas, construídas pelos legisladores, são
aplicações dos primeiros princípios naturais às contingências da vida, mas não são naturais,
embora derivem do direito natural. O direito natural, em sentido estrito, é o justo natural e,
em sentido derivado, são os princípios e normas jurídicas que regulam a vida social do
homem, ainda que na ausência de toda ordenação positiva.

3.2. A Concepção Jusnaturalista Medieval: A escolástica, assim, concebia o direito natural


como um conjunto de normas ou de princípios morais, que são imutáveis, consagrados ou não
na legislação da sociedade, resultantes da natureza das coisas e do homem, segundo a essência
conferida pelo Criador. Seus princípios mais próximos, por essa razão, são apreendidos
imediatamente pela inteligência humana como verdadeiros, dada a identidade natural que se
verifica no espírito. Deveras, os primeiros princípios da moralidade correspondem ao que há
de permanente e universal na natureza humana, por isso perceptíveis, de imediato, pela razão
comum da generalidade dos homens, independentemente de sua cultura ou civilização. O
jusnaturalismo teológico, respaldado no cristianismo medieval, encontra seu maior expoente
na obra de Tomás de Aquino (1225 – 1274), contudo. São Tomás de Aquino propõe uma
classificação das leis em eternas, naturais e humanas, fixando o direito natural como base do
conceito de direito. A concepção tomista de direito, pressupõe a impossibilidade da
compreensão do direito natural em sua plenitude, vez que, emanado do Deus cristão,
é eterno, ao passo que a percepção racional do homem, por mais elevado que seja em
sentido espiritual, é sempre terrena, limitada, finita. A lei eterna é manifestada ao
homem mediante brilhos de ilustração, em que a revelação de origem divina faz o
homem “ver” parte da lei eterna, perfeita e infinita, do Criador. Tal revelação ínfima,
difusa, constitui a lei natural, dada por Deus à Santa Igreja. Seus últimos princípios
permanecem incompreendidos, porque radicados na lei eterna, de onde emanou em
primeiro plano. A lei humana, por sua vez, é a que, explicitando a lei natural, traduz o

22
sentido do direito revelado para as situações práticas da vida cotidiana, valendo-se das
técnicas da dedução silogística e da determinação de princípios associados à lei
revelada. Note-se que, a despeito de teológico, o direito natural medieval tem base
racionalista: fundamentada na metafísica de Aristóteles – “o filósofo” – a teoria pregava a
construção da lei natural a partir do olhar racional sobre a revelação, que em sua maior parte
se encontrava na Bíblia.

4. A Distinção entre Direito Natural e Direito Positivo no Pensamento Moderno e a


Formação do Jusnaturalismo Antropológico e Racionalista:

4.1. A Distinção: Com efeito, o século XVII introduziu mudanças significativas na forma de
compreensão da realidade. A revolução científica, que apresentou concepções mecanicistas da
natureza, com destaque aos estudos de Isaac Newton, forneceram a base para o surgimento
do Iluminismo que, por volta do fim do século XVII, representou uma retomada da busca da
razão como forma de explicação da natureza e dos fundamentos do homem e da sociedade.
Iniciou-se um processo de afastamento das concepções teológicas de mundo, ante o
surgimento de teorias de cunho puramente racional. O enfraquecimento do poder da Igreja,
frente às transformações sociais, políticas e culturais introduzidas pelo Renascimento dos
séculos XIV a XVI, o fim do Império Romano do Oriente, no século XV e a Reforma
Protestante, do século XVI, possibilitaram a proliferação de discussões de teor cientificista,
elidindo o monopólio do saber teológico como base para a estruturação da sociedade e do
direito. Dentro deste quadro, o direito natural passa a ser compreendido como uma espécie de
sistema jurídico fundado na natureza humana e decorrente de princípios racionais extraídos da
condição humana, servindo assim também critério de correção do direito positivo, agora
identificado como o direito posto pelo Estado.

4.2. A Concepção Jusracionalista da Modernidade: O jusracionalismo iluminista da


modernidade se caracteriza por postular a possibilidade de se deduzir, pela mediação dos
mesmos métodos das ciências físico-naturais, e do mesmo tipo de pensamento lógico-
matemático que lhe era próprio, um sistema jurídico universal que valesse e vinculasse a
todos independentemente da cultura e do contexto englobante das sociedades as
quais deveria reger. Esta nova versão do direito natural, agora de índole laica e
estritamente racional, inspirava nos seus adeptos não só a crença na possibilidade de
se transcrever para os códigos e as declarações de direito as regras de convívio
deduzidas racionalmente da natureza humana, mas, também, a ideia de que este
direito certo e universal não careceria de outra fonte de soluções. O surgimento da
escola jusracionalista só foi possível pelo desenvolvimento do rigor lógico e da abstração
dentro do pensamento jurídico pelas escolas de pensamento da baixa idade média que
primeiro estudaram o "Corpus Iuris Civilis" e daquelas do renascimento (como a "escola
humanista"). Assim, surge uma nova concepção de Direito na qual interessa o alcance da
verdade, isto é, das verdadeiras obrigações, deveres e direitos que compõem o verdadeiro
Direito. Essa nova razão, vista como faculdade humana que permitiria o alcance das verdades,
permite que o direito natural fundado sobre suas descobertas adquira universalidade, já que
qualquer homem poderia descobrir as verdades do direito natural posto que elas eram
passíveis de serem descobertas através do uso da razão. Logo, enquanto na Idade Média era
Deus e a revelação divina que garantiam a universalidade do direito natural, na Idade Moderna
é a razão humana, também universal e reveladora de verdades, que vem garantir esse papel.

23
UNAMA
CURSO: DIREITO
DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
PROFESSOR: IAN PIMENTEL

PLANO DE AULA 8

Tema: A DICOTOMIA DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO E A FORMAÇÃO


DA CORRENTE POSITIVISTA

1. Caracterização Geral: No âmbito da doutrina do direito, é possível distinguir pelo menos


três usos diferentes da palavra “positivismo”. Com efeito, o positivismo designa um enfoque,
uma teoria e uma ideologia jurídicas.

1.1. Enfoque: Como modo de ver o direito, o positivismo pressupõe a distinção entre
direito real e ideal, isto é, entre o direito considerado como fato (o direito que é) e o direito
entendido como valor (o direito que deve ser), e assevera que só o primeiro interessa aos
juristas.

1.2. Teoria: Enquanto teoria, o positivismo traduz uma concepção estatal da juridicidade
que se baseia: (i) Numa teoria da coatividade quanto à definição do direito (“o direito constitui
o conjunto de normas garantidas pela força do Estado”); (ii) Numa teoria imperativa,
relativamente à definição de norma (“o direito constitui um conjunto de normas obrigatórias
e garantidas pela força do Estado”); (iii) Na consideração do sistema jurídico como um
sistema pleno e coerente (“o direito constitui um sistema coerente e unitário de diferentes
tipos de normas obrigatórias, todas elas garantidas pela força do Estado”); (iv) Na
assimilação da atividade do jurista e do juiz a uma tarefa lógica, em matéria de método da
ciência jurídica e da interpretação (“o direito constitui um sistema coerente e unitário de
diferentes tipos de normas obrigatórias, todas elas garantidas pela força do Estado,
aplicadas logicamente e intepretadas cientificamente”).

1.3. Ideologia: Por fim, na sua conotação ideológica, o positivismo reside na atribuição de
um valor positivo ao direito que é pelo simples fato de o ser, o que quer dizer que: (i) O
direito positivo, pelo simples fato de o ser, é justo; (ii) O direito serve com a sua própria
existência, independentemente do valor moral das regras, para a obtenção de certos fins
desejáveis, tais como a ordem, a paz, a certeza e, em geral, a justiça legal.

2. Os Fatores Determinantes do Positivismo Jurídico

2.1. O Fator Cultural – o Pensamento Moderno-Iluminista: O positivismo jurídico é,


desde logo, um subproduto do pensamento moderno-iluminista. O pensamento moderno-
iluminista está, no fundo, conectado às duas principais teorias do conhecimento que
favoreceram o desenvolvimento de uma nova forma de interpretar o mundo:

a) Racionalismo: O racionalismo, que encontra na inteligência de René Descartes os seus


principais fundamentos filosóficos, postula que a compreensão do mundo está centrada, e
que a sua dinâmica pode ser revelada, a partir de uma pura reflexão racional. Ou melhor,
que o conhecimento pode ser aperfeiçoado, e as condições de vida melhoradas, mediante
as descobertas ilimitadas que a razão humana pode evidenciar. De fato, o racionalismo,
antes de constituir uma certa filosofia do conhecimento com as suas muitas acentuações

24
teóricas diferentes, consiste verdadeiramente em uma atitude intelectual perante o mundo,
qual seja, a de tentar compreender os fenômenos por meio da relacionação de grandezas,
da demonstração de verdades essenciais autoevidentes, e de só considerar válido este tipo
de conhecimento.

b) Empirismo: Essa corrente de pensamento, que encontra seus desenvolvimentos mais


acentuados na filosofia de Francis Bacon, John Locke e David Hume – a despeito,
também, das suas muitas diferenças teóricas – sustenta em geral que só a experiência e a
sensibilidade do real permitem a construção do conhecimento verdadeiro e, portanto, do
conhecimento válido. Observa-se atentamente os fatos; procede-se, depois, a uma
descrição minuciosa da suas particularidades; formula-se, a partir daí, um conjunto de
proposições explicativas; experimentam-se repetidamente as respostas hipotéticas e, ao
final, intui-se uma verdade geral demonstrável a partir das suas evidências tiradas da
realidade. Eis como se apresenta metodologicamente. Em verdade, muito embora se
tenham constituído em orientações epistemológicas muito distintas – e, também,
antagônicas –, o empirismo e o racionalismo permitiram a formação de um novo tipo de
saber: o conhecimento científico. Pressupondo uma imagem de um mundo
mecanicamente cognoscível, postula-se a sua explicação por meio de um conjunto
de proposições teoréticas, lógica ou empiricamente relacionadas,
progressivamente construídas, e publicamente validadas pelo teste controlável da
razão ou da experimentação coletiva.

c) Contratualismo: O pensamento político, econômico e jurídico da modernidade constrói-


se todo a partir da assimilação da filosofia racionalista e empirista. Os contratualismos
são as teorias que visam explicar em bases ora mais racionalistas, ora mais empiristas, o
surgimento do Estado e a fonte de validade do seu poder. O seu ponto inicial geralmente é
o exame da condição humana a partir de um hipotético momento pré-comunitário de
ausência de qualquer ordem estruturada. O caos e o conflito são as condições que marcam
– no entendimento de Hobbes, Locke, Rousseau e outros – a coexistência inicial de
múltiplos indivíduos dotados de interesses diferentes e direitos iguais na disputa livre pela
usufruição do mundo partilhado. Pensa-se, então, que só um acordo de instituição de uma
lei civil, e a criação de uma entidade autárquica fortemente equipada com uma tecnologia
de governo, possa regular e arbitrar a partilha do mundo, tornando a convivência de seres
absolutamente livres possível e harmoniosa. Pensa-se no contrato social, portanto, como
hipótese e princípio regulador – através dele, explica-se o surgimento do Estado,
justifica-se o seu poder, e modula-se a sua atuação, pois, afinal, o próprio Estado serve de
garantia de proteção da vida, da liberdade, da propriedade dos cidadãos declarados no
contrato.

2.2. O Fator Antropológico – o Individualismo: Paralelamente à emergência do


subjetivismo cognitivo e prático, surge o individualismo. O individualismo é um conceito
político, moral e social que exprime a afirmação e a liberdade do indivíduo frente a um grupo,
à sociedade ou ao Estado. O Homem do renascimento passou a apoiar a competição e a
desenvolver uma crença baseada em que o homem poderia tudo, desde que tivesse vontade,
talento e capacidade de ação individual. Efetivamente, até à modernidade, os homens
autocompreendiam-se por referência ao estatuto socialmente predeterminado (camponês,
clérigo, nobre) em que estavam investidos, no quadro mais amplo da ordenação total das
coisas, e que condicionava toda a sua perspectiva do mundo e o modo de agir nele. Com a
modernidade e o iluminismo, o homem vai pretender libertar-se de todos os referentes
externos, de todas as explicações dos factos e justificações das condutas herdadas do passado,

25
e encontrá-las ele mesmo, a partir da sua razão (motivo pelo qual a liberdade moderna se
concebe antes do mais como independência e emancipação). Só que ao fazê-lo, acaba por
hipertrofiar a sua autonomia, e passa a se imaginar uma partícula indivisível (é esse o
significado de indivíduo - o indiviso e indivisível) da sociedade, capaz de se autodeterminar
totalmente com base na sua razão e dando assim origem ao individualismo.

2.3. O Fator Social – o Capitalismo: Uma vez que o homem se libertou de todas as amarras
ético-religiosas - é dizer, de todas as orientações de sentido veiculadas nos contextos sociais
em que estava mergulhado, e ancoradas em referentes transcendentes - achou-se a sós consigo
para determinar as razões da sua conduta. Nesse isolamento, os seus desejos manifestaram-se
e a o interesse converteu-se no seu principal critério de ação.

2.4. O Fator Político – as Revoluções Liberais: O grande projecto moderno-iluminista não


teria passado de uma construção ideal de filósofos se a revolução francesa o não tivesse
tornado realidade. Foram, de fato, as revoluções americana e francesa que puseram em prática
tudo aquilo que havia sido especulado filosoficamente.

2.5. O Fator Jurídico – A Proeminência da Lei e o Nascimento do Código: De todas


essas mudanças, a lei passa a ser interpretada como uma vontade geral de todos que é
também soberana.

3. Principais Correntes do Pensamento Positivista:


3.1. Positivismo Legalista ou Exegético: A Escola da Exegese foi uma corrente de
pensamento que se edificou na França oitocentista e que entendia que o direito se reduzia ao
conjunto das leis editadas e aprovadas pelo Estado. O seu modo particular de compreender o
jurídico assentava-se sobre a ideia de que a ciência do direito deveria constituir
verdadeiramente uma ciência da legislação, cabendo-lhe enquanto tal a função de sistematizar
o direito legislado e torná-lo um sistema completo, coerente e livre de contradições para que o
juiz pudesse pronunciá-lo mecanicamente na solução dos casos concretos. Assume-se aqui o
pressuposto de que a legislação tem a capacidade de esgotar todo o conteúdo normativo do
direito vigente, e sendo uma manifestação da vontade geral da nação, ao jurista cabe
fundamentalmente a tarefa de conduzir o caminho da sua sistematização, seja por meio da
revelação artificiosa da vontade do legislador obtida mediante a interpretação pura das normas
legais, seja por meio da correção do próprio sistema prosseguida através da eliminação de
lacunas, da desconstrução de ambiguidades ou da integração analógica do ordenamento.

3.2. Positivismo Científico ou Conceitual: Essa escola foi uma das concepções iniciais do
movimento positivista, contemporâneo a escola da Exegese, mas que se desenvolveu na
Alemanha, por influência da Escola Histórica, em contrapartida ao movimento de Codificação
recusado naquele momento pelo país. Surgiu pelo desvio ou paradoxo em que a Escola
Histórica incorreu, quando esta, por privilegiar a intenção científica, acabou por recuperar o
racionalismo normativo, que expulsou a dimensão histórica do direito, recuperando o estudo
do direito romano, o qual, por uma enorme depuração científica, acabou por transformar toda
a ciência em conceitual, caminhando assim para a Jurisprudência dos Conceitos. Em que pese
a escola histórica ter um pensamento de oposição a codificação, partilhava de muitas idéias
dos codificadores, em especial no tocante a necessidade de dar a uma determinada sociedade
um direito unitário e sistemático; assim como criticava o direito judiciário, mas, entendia que
seria mais eficaz uma ciência jurídica do que por intermédio da codificação, pois a ciência
jurídica proporcionaria uma maleabilidade e adaptabilidade do direito. Essa escola concebia
que assim como as demais ciências, a ciência do direito também deve pressupor de uma

26
conceitologia ou mundo dos conceitos, que estabeleçam a real denominação de termos como
norma, preceito, direito subjetivo, direito objetivo, fato jurídico, ato ilícito, propriedade, etc.
Após o jurista conceituar, ele produz a sistematização onde ocorre a subordinação das normas
mais gerais as normas menos gerais até chegar às instituições. É a expressão mais acabada do
estilo formalista logicista que pensa e constrói o direito como um sistema de conceitos. Esse
movimento foi impulsionado por Puchta (1798-1846), discípulo de Savigny, que concebia
apenas como direito científico aquele que provem do trabalho sistemático, aquele que surge
como produto de uma dedução científica. Essa escola também foi conhecida como
Pandectista, em seus primórdios, tendo evoluído para a jurisprudência dos conceitos

3.3. Positivismo Normativista ou Lógico-Normativo: Essa escola surgiu após um período


de crise pelo qual passou o pensamento positivista, no início do século XX, sendo fruto da
construção filosófica de um dos maiores expoentes do Positivismo Jurídico do séc. XX, Hans
KELSEN, o criador de uma das mais grandiosas e coerentes doutrinas jurídicas de todos os
tempos, a Teoria Pura do Direito, a qual concebe o direito como norma, constituído de
normas, sendo o estudo desta o objeto exclusivo da ciência jurídica. A máxima dessa
construção teórica está na sua concepção de validade da norma, a qual é fornecida pela
validade da norma superior. Concebe a visão de pirâmide do sistema, onde as normas têm um
caráter hierárquico, que tem por vértice a Constituição Política. Essa, por sua vez, está
fundamentada numa norma pressuposta, qual seja, uma Norma Fundamental, «Grundnorm»,
única norma que não é produzida por uma ato de vontade, a que prescreve o dever de
respeitar a primeira Constituição como obrigatória. Nesses degraus temos que da
Constituição, validada pela norma fundamental, passamos a lei, estas com suas próprias
hierarquias, chegando às decisões jurídicas, sendo que a norma superior estabelece as
características necessárias para a validade da inferior. Portanto, a regra jurídica é produto de
diversos órgãos hierarquizados que dependem da autoridade suprema da Constituição, a qual
tem sua validade posta pela Norma Fundamental, sendo esta não real e sim hipotética,
responsável pela transmissão da validade da ordem jurídica.

27

Você também pode gostar