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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Introdução ao Direito II
Dr. Aroso Linhares
Eduardo Figueiredo
Ano Letivo 2013/2014

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:

BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, reimpressão da 2ª edição, Coimbra Editora, 2010
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, coletânea de múltiplos textos, Biblioteca da FDUC
LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito II, 2009
JUSTO, A. Santos, Introdução ao Estudo do Direito, 3ª edição, Coimbra editora, 2006
NEVES, A. Castanheira, «Jurisprudência dos interesses», Digesta, vol. 2º, Coimbra, 1995
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CAPÍTULO III

A EXPERIÊNCIA DO SISTEMA JURÍDICO ENQUANTO CONVERSÃO DA VALIDADE


TRANSSUBJETIVA NUMA DOGMÁTICA ESTABILIZADA

A. Prolegómenos

1. Uma introdução
O direito como ordem de validade só pode ser associada a uma experiência de validade comunitária.
Surgem duas dimensões fundamentais reconhecidas ao direito: a validade comunitária (ligada e exigida por
um autêntico ethos comunitário) e a controvérsia prática. Assim, por um lado, identifica-se esta validade
comunitária inscrita numa validade cultural e institucional e marcada por uma nota de pessoalidade. Por outro
lado, somos remetidos a considerar a importância do direito na resolução de controvérsias juridicamente
relevantes, ao mesmo tempo que procura a garantia de uma bilateralidade e atributiva neste processo de
afastamento daquilo que surge como um decisionismo arbitrário e que não pode ser associado ao direito.
Surge assim, a necessidade de reconhecimento de um sistema jurídico que procure, através de uma
mediação dogmática entre estas duas dimensões, a estabilização necessária ao surgimento de um horizonte
de validade. O julgador deve conseguir, a qualquer momento, procurar resolver a controvérsia através do
reconhecimento de um conjunto de fundamentos e critérios constitutivos deste sistema jurídico.
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2. O Sistema Jurídico
Este surge como uma autêntica condição de tercialidade. O sujeito imparcial vai comparar as
posições juridicamente relevantes dos sujeitos da controvérsia, levando a cabo o autêntico exercício de
reconhecimento de uma bilateralidade atributiva, ao "dar a cada um juridicamente o que é seu", partindo do
reconhecimento de cada indivíduo como autónomo e responsável.
A resolução da controvérsia, ou seja, a decisão, não é entendida como produto da sua vontade,
devendo traduzir uma experimentação do sistema, surgindo como uma decisão articulada com um juízo-
julgamento que se constrói com base em fundamentos e critérios do sistema jurídico e a sua experimentação
na resolução do problema prático. Este tem, portanto, de ser um juízo decisório construído racionalmente
através dos elementos estabilizados no sistema.
A decisão deve, assim, manifestar uma voluntário sustentada numa autoridade potestas, realizando o
sistema e a própria validade comunitária que o estabiliza e a ele está associada.

3. Os valores como projetos ou exigências de plenitude


Os valores surgem como base de uma praxis comunitária, integrando os membros da comunidade
ao mesmo tempo que os responsabiliza. Os valores podem afirmar-se como experiências que procuram
plenitude (transfinitude), construindo-se como orientações para as nossas atividades práticas. Encaram o
homem como um Ser-com-os-outros, permitindo esta coexistência.
São os valores comunitários juridicamente relevantes que autonomizam este polo da Commune que
encara os sujeitos como indivíduos com direitos e deveres, procurando um homo humanus autônomo e
responsável.

4. O sistema jurídico como sistema pluridimensional


4.1. A compreensão unidimensional do normativismo
O normativismo entendia o sistema como unidimensional, considerando um direito constituído por
normas (enunciados hipotético-condicionais) com um modo-de-ser abstrato, ao exigir-se que se considere
que o direito de fato exista, mas independentemente da sua realização concreta. Este conceito está ligado ao
normativismo crescente no séc. XIX.

4.2. A compreensão pluridimensional do sistema


Surge, porém, uma nova conceção do sistema que admite a existência de vários modos de
vinculação, com diferentes presunções de vigência. E todos estes critérios vinculam o legislador, mas em
termos diferentes. Falamos assim de um sentido amplo de vinculação, longe do tipo de vinculação associado
prescritivo autoritário associado as proposições legais.

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Atentar ao esquema da página 88 dos Sumários Desenvolvidos.

Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014


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5. A distinção estrutural entre fundamentos e critérios


O fundamento deve ser entendido como warrant argumentativo, isto é, um conjunto de referências
que conferem sentido a um argumento, já que consagram exigências nucleares para a sua construção
(apesar de não conter, em si, a resolução para um problema.) há certos estratos do sistema jurídico que
devem ser tratados metodologicamente como fundamentos, isto é, como uma racionalização justificativa da
inteligibilidade de um certo domínio ou compromisso prático. Os princípios normativos são os maiores
exemplos de fundamentos que podemos encontrar. Estes distinguem-se pela manifestação de um
compromisso prático e a exigência de validade que surge como uma intenção direta de realização em
concreto.
Já o critério deve ser visto como um "operador" que surge como um esquema direto de
argumentação, podendo ser mobilizado para a realização de tipos de problemas concretos, partindo da sua
antecipação para propor caminhos/esquemas de solução. Destacam-se os exemplos das normas legais (cria
uma hipótese graças à sua estrutura), critérios da doutrina (surgem como reconstruções reflexivas de
problemas, considerando todos os seus aspetos) e critérios jurisprudenciais (existe um caso que foi resolvido
e cuja solução pode ser mobilizada para a resolução de outros casos análogos e futuros.).

Para apoiar a distinção feita, importa referir a metáfora construída por Drucilla Cornell ou Adela
Cortina. Esta metáfora parte da associação dos fundamentos (principalmente dos princípios) à luz de um
farol ou à orientação de uma bússola. O problema juridicamente relevante a resolver pelo julgador assume-se
como um caminho desconhecido (e cheio de novidades/especificidades) a percorrer por um viajante. Para
percorrer este caminho (cuja finalidade é alcançar a decisão-juízo), este conta também com critérios, isto é,
com um conjunto de práticas de estabilização e realização do sistema jurídico, e que são criados por
legisladores, juristas, juízes, etc... e que, são associados a mapas/itinerários.
Assim, a luz do farol surge como um fundamento, não prevendo os problemas que o caminhante irá
enfrentar, mas proporcionando uma orientação fundamental, garantindo que o seu caminho realiza certas
exigências ("seguir sempre a luz do farol"), e mostrando que não se deve afastar dessas exigências.
Já os mapas e itinerários surgem como critérios, que não se confundem com o caminho a percorrer,
mas preveem, exemplificam ou reconstroem reflexivamente várias situações-problemas, propondo
alternativas e soluções plausíveis.
Porém, o caminhante deve ter a noção de que não deve tratar a orientação oferecida pelos
fundamentos como aquela que lhe é fornecida pelos mapas. Deve ainda não procurar utilizar apenas a
orientação que lhe é proposta pelos critérios, já que este deve sempre seguir a "luz do farol" ou a indicação
da bússola, procurando nunca caminhar em sentir oposto aos destas, sejam quais forem as indicações dos
critérios. Assim, os critérios devem ser sempre confrontados com os princípios para se verificar se estes os
respeitam.

Diferenças entre sistemas de legislação e sistemas de common law


Há apenas diferenças de grau no que toca à diferença de ambos os sistemas:
• Nos sistemas de common law, procuram-se critérios jurisprudenciais, através da procura de precedentes,
mesmo que o problema já esteja tratado numa norma legal, sendo depois experimentados com base em
fundamentos e até outros critérios.
• Nos sistemas legislativos, procura-se, primeiramente, um critério legal, tendo depois em atenção os
fundamentos, critérios jurisprudências e doutrinais que ajudem a entender esse critério legal.

B. A experiência do sistema

1. A importância dos princípios normativos


Os princípios normativos surgem como objetivações de compromissos prático-comunitários e do seu
horizonte de validade, ganhando a sua especificidade quando são mobilizados nesta experiência de
realização destes valores. É esta estabilização do sistema, derivada da realização prática dos valores e da
sua objetivação dogmaticamente estabilizada, que os converte em fundamentos, dotando-os de uma
dimensão axiológica e uma dimensão dogmática desoneradora que acarreta consigo um entendimento dos
princípios como "expressões normativas do direito nas quais o sistema jurídico cobra o seu sentido e não
apenas a sua racionalidade". (CASTANHEIRA NEVES)
Estes têm um contexto histórico de emergência que se vai alterando, sem prejudicar o núcleo de
identidade deste princípio. Este entendimento afasta-se do pensamento jusnaturalista que considerava os
valores imutáveis. Hoje em dia, estes são entendidos como criações culturais e experiências da prática
comunitária em permanente adaptação e transformação.

Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014


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Exemplo do princípio da legalidade criminal de Feuerbach


Este princípio surge nos finais do século XVIII, associado as revoluções liberais, surgindo como
princípio derivado da relação entre direito e poder. Eram necessários limites ao sistema punitivo do estado já
que este tinha o monopólio da punição, que podia ser usado como instrumento de perseguição ou afirmação
da prepotência (em moldes arbitrários). Assim, o direito surge como fundamento e limite ao poder político,
numa autêntica ótica de justiça protetiva (inserida na segunda linha da O.J.) este afirma-se como um
princípio transpositivo do direito penal, pois não precisava de estar consagrado constitucionalmente, já que é
um princípio básico para a existência de uma ordem de direito.

1.1. Princípios como direito vigente: como ratio, intentio e como jus.

1.1.1. Princípios como Ratio


As conceções que veem os princípios como ratio, entendem estes como normas, isto é, condições
racionais e epistemológicas que se afirmam como enunciados de dever ser obtidos a partir da interpretação
das normas. Esta perspetiva está intimamente ligada a uma conceção normativista (unidimensional) do
sistema constituído só por normas racionais. (Séc. XIX) Os princípios seriam obtidos por abstração
generalizante das normas vigentes. Podemos assim entendê-los como enunciados retirados a partir das
normas e através de um exercício de concentração lógica das normas.
Estes princípios gerais de direito permitem-nos determinar cognitivamente um sistema
unidimensional, possibilitando o surgimento de um modismo normativista, sendo entendidos como operações
de conhecimento do direito-objeto.

Vejamos a perspetiva de Ihering e a Herança da Escola Histórica:


• Durante o positivismo conceitual, as principais fontes do direito da época eram a lei e o costume. Podemos
falar assim de um direito, respetivamente, imposto e posto. O contexto político e histórico levaria a uma
grande dispersão de materiais jurídicos.
• Ora, o normativismo admitia que a grande tarefa da ciência do direito (e de uma jurisprudência inferior)
seria a de reduzir esta complexidade através de uma análise jurídica numa tentativa de converter estes
materiais em normas com uma estrutura racional.
• Assim, relativamente a cada conjunto de normas, procura-se uma síntese fundamental do seu regime,
reduzindo-as para uma ou duas proposições jurídicas mais gerais que sintetizam racionalmente os
conteúdos de outras proposições e conteúdos (princípios gerais de direito).
• Estes não fazem exatamente parte do sistema jurídico, sendo usados como enunciados a recorrer para
conhecer melhor as normas. Afirmam-se, assim, como pressupostos epistemológicos associados a um
direito objetivo ("que é e não que deve ser").
• Alerta ainda para a existência de um jurisprudência superior empenhada na afirmação/criação de institutos
e conceitos e na criação de um direito dogma.

1.1.2. Princípios como intentio


Esta linha de compreensão surge com a herança neokantiana de Stammler, admitindo que os
princípios são intenções de validade ético-comunitária. Afirmam-se, assim, como intenções/exigências dos
princípios que já têm um sentido normativo, ou seja, têm índole jurídica, mas aos quais (e de origem pré-
jurídica) deve ser reconhecida maioritariamente uma índole ética. Para que estes princípios se afirmem como
direito vigente estes carecem de ser objetivados pelas normas legais ou pelos critérios da jurisprudência
judicial, dependendo de uma decisão autoritária tomada pelo legislador ou pelo juiz, que lhe vai conferir a sua
força jurídica.

Antes de se tornarem jurídicos, estes desempenham alguma tarefa?


• Podem ser vistos como intenções regulativas, manifestando compromissos comunitários, embora sem
caráter jurídico. Servem, essencialmente para orientar a construção de critérios jurídicos. É importante
reconhecer esta função regulariza para a normativa constituição do direito positivo, não confundindo,
porém, intenções regulativas com constitutivas (já que estas últimas não se verificam). Assim, quando o
legislador prescreve uma norma deve ter em atenção estes princípios que fazem parte do horizonte de
validade comunitária.
• Podem ser vistos como intenções regulativas com um caráter metodológico, isto é, como intenções (que
não constituindo direito vigente) nos surgem como apoios-arrimos para a aplicação do direito em concreto,
ajudando à resolução das indeterminações das normas legais ou para a prática de integração de lacunas a
partir de princípios pré-jurídicos sempre que não existam normas capazes de ser mobilizadas como
critérios para o problema.

Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014


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1.1.3. Princípios como jus (direito vigente)


Os princípios normativos surgem como expressão de uma validade que já é jurídica e que deriva
de um problema jurídico. Surgem como exigências que não se esgotam nas objetivações normativas feitas
dos princípios, resultando de uma vontade contingente. Afirmam-se como autênticos fundamentos
constitutivos da validade do direito, em todos os planos da sua afirmação e experimentação da juridicidade.
Enquanto as normas enunciam um ought to do, os princípios traduzem um ought to be.
A opção por esta perspetiva no seu sentido pleno (que não entende os princípios como jus
subsidiário, utilizados, portanto, apenas quando não há critérios) afirma a importância e relevo normativo e
metodológico autónomo dos princípios no que toca à realização do direito sem a mediação de um critério-
norma, impondo uma bivalência normativa. [Os princípios participam no direito vigente como intenções que
regulam a sua validade, tornando possível a integridade do direito, que depende diretamente de uma
autêntica comunidade de princípios. (Dworkin)]
É ainda de destacar a irredutibilidade dos princípios enquanto juridicidade vigente quer ás
prescrições autoritárias que fundamentam, que a regras puras de juízo e argumentação.

1.1.4. A consonância prática dos princípios


Fala-se de uma consonância prática dos princípios com as possibilidades da sua realização em
concreto. Como estes não antecipam problemas, temos de considerar que é a sua concretização que lhes
atribui um sentido, procurando garantir a consonância prática entre os fundamentos invocados (que não
preveem soluções!) e o conteúdo normativo-concreto da sua realização.

2. Classificação dos princípios entendidos como jus

2.1. Os princípios segundo a posição que ocupam na consciência jurídica geral2


 Princípios mais contingentes ou vulneráveis: falamos de princípios que partem de um
diagnóstico histórico típico da consciência jurídica geral, só tendo sentido no contexto
historicamente circunscrito em que foram criados. Ex: Princípio da preponderância do marido
no casamento (Estado Novo)
 Princípios que exprimem diretamente a intenção axiologicamente última do direito: princípios
fundamentais para a existência de uma verdadeira ordem de direito, já que lhes associamos
um conjunto de exigências axiológicas.
 Aquisições culturais irrenunciáveis que constituem o património dos princípios jurídicos
fundamentais.

[Devido à subjetividade associada a esta classificação, não é este tipo de classificação que, num contexto de
prova escrita, nos pedem para realizar.]

2.2. Os princípios segundo a posição que ocupam no sistema


Estamos perante uma classificação num plano mais metodológico que reconhece três tipos de
princípios:
 Princípios positivos
Tradicionalmente são entendidos como o conjunto de princípios que o direito vigente consagra de
uma forma explícita ou implícita. Esta perspetiva levar-nos-ia a considerar que todos os princípios
consagrados nas leis fossem considerados positivos e, como tal, o Dr. Aroso Linhares sugere uma definição
mais restrita, “produtiva e interessante” que entende que estes princípios são aqueles que o direito vigente
consagra explicita ou implicitamente para afastar orientações alternativas também plausíveis.
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Ex: Princípio do “numerus clausus” relativo aos direitos reais , perante o qual existem outras
alternativas (talvez não aceites na nossa O.J., mas que são perfeitamente legítimas). O mesmo se pode dizer
relativamente ao princípio da acusação ou da estrutura acusatória. Essa alternativa poderá passar, por
exemplo, pela opção do princípio dispositivo que é utilizado nos EUA. Já o Princípio da legalidade criminal
não pode ser entendido como positivo já que não existe alternativa plausível numa ordem de direito, apesar
de este estar consagrado na nossa CRP.

2
Entendida como o «conjunto de valores que, numa comunidade, dão sentido ao direito como verdadeiro direito»
(CASTANHEIRA NEVES)
3
E ainda outros apresentados na página 100 dos sumários desenvolvidos.

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 Princípios Transpositivos
São princípios que estão consagrados nas normas e, como tal, fazem parte de um direito vigente
assimilado pela prática de que constitui dimensão, mas que se afirmam como condições normativas de
validade de uma ordem de direito que, pelo fato de não haver alternativas plausíveis, nem precisavam de
estar consagrados nas normas já que continuariam a afirmar-se como princípios cuja verificação é
fundamental e até exigida. Tratam-se de exigências a determinados campos do direito que são fundamentais
para a institucionalização de uma ordem de direito. Estes domínios em causa (direito civil, direito penal,
etc…) nunca poderiam ser pensados sem esses princípios ou renunciando ás exigências contingentes que
eles traduzem.
No sentido amplo da formulação de princípios positivos podemos, sem dúvida, incluir os princípios
positivos e transpositivos. A importância no que toca à distinção que aqui realizamos entre eles prende-se
com o fato de que estes princípios transpositivos não carecem a sua consagração positiva para serem
reconhecidos.
Ex: Direito Constitucional: princípio da separação dos poderes, proteção da confiança, etc… No
direito criminal destaca-se o princípio da culpa e nullum crimen sine lege; no direito privado, com o princípio
da autonomia privada, principio do contraditório, etc…

 Princípios Suprapositivos
Há um núcleo de exigências comuns a todos os domínios do direito e que surgem como fundamento
de todas as exigências desse núcleo de identidade que carateriza o direito. Estes princípios são a expressão
imediata das exigências de igualdade e responsabilidade que constituem e especificam o reconhecimento do
homem-pessoa e são transversais a toda a ordem de direito.
Estas exigências exigem um autêntico equilíbrio dialético entre o polo do SUUM e da COMMUNE:

SUUM
O Direito a reconhecer um conjunto de princípios transversais a todos os seus campos como
condição para reunir as componentes necessárias de igualdade e liberdade associadas a um plano de
autodeterminação e que se prende largamente com o reconhecimento da pessoalidade humana que está na
base do polo do SUUM, enquanto polo de garantias jurídicas de que será reconhecida a liberdade e
autonomia humana.

COMMUNE
O surgimento de uma validade comunitária que sustentará a institucionalização de uma
responsabilidade comunitária reconhecida aos indivíduos e que limita a sua autodeterminação, mas apenas
do modo que o direito o permita. Impõem-se deveres e exigências, mas não arbitrárias e desmedidas.
Considera-se necessária uma institucionalização formal da responsabilidade jurídica, apresentando um
esquema seguro ao nível do conteúdo e da forma que nos permita saber exatamente quando é que este
princípio inicia e termina, isto é, quais os seus limites de atuação.
Outros exemplos serão: principio do mínimo (exigências no seio do polo do COMMUNE necessárias à
afirmação da nossa liberdade e autodeterminação.), ou o princípio da proibição do excesso, etc…

Há duas exigências fulcrais no que toca à institucionalização de uma ordem de direito, que tem
sempre subjacente uma autêntica dimensão axiológica e que se traduzem numa necessidade de segurança -
associada a aquela formalização e a aquelas garantias que esta institucionaliza - e a um conjunto de
exigências de justiça (mas com as quais não podem ser confrontadas.)
No que toca as exigências de forma e dos institutos justificados pelas exigências da segurança,
torna-se vital referir três institutos fundamentais:
A prescrição enquanto extinção de um direito que não é exercido durante um certo lapso de tempo e
que se aplica aos chamados direitos subjetivos propriamente ditos, enquanto poder ou faculdade, concedido
aos indivíduos pela ordem jurídica, de exigir um comportamento positivo ou negativo. (Art. 298/1) Neste caso,
falamos de uma prescrição extintiva ou negativa, já que consiste na perda de um direito. Há, porém, alguns
direitos que não podem ser extintos, como os direitos de personalidade já que surgem como exigências
fundamentais da dialética entre o pólo do SUUM/COMMUNE.
A caducidade enquanto extinção de um direito ou situação jurídica a cujo exercício vai associado
constitutivamente um certo prazo. Está aplica-se aos chamados direitos potestativos, enquanto poder ou
faculdade de intervir na esfera jurídica alheia, produzindo inevitavelmente efeitos jurídicos. (Art. 298/2)
O usucapião enquanto aquisição do direito de propriedade ou doutros reais de gozo resultante da
posse mantida durante um certo lapso de tempo. Falamos de uma prescrição positiva ou aquisitiva, já que o
decurso do tempo conduz à aquisição de um direito. (Art. 1287 e ss.)

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Refere-se ainda o problema do caso julgado enquanto decisão judicial insuscetível de ser
modificada, afirmando-se como um princípio transpositivo do direito processual, que possibilita a
compreensão desse ramo do direito e que se encontra consagrado no art. 621 C.P.C.. Surge da necessidade
de se estabelecer formalmente um limite, procurando que no momento do iter judiciário as decisões judicias
se tornem definitivas e insuscetíveis de ser alteradas por recursos ordinários. O problema-limite que este
princípio pode, efetivamente, suscitar traduz-se ainda no fato de que, dependendo do caso concreto, o
respeito pelo caso julgado pode envolver uma violação dos princípios axiologicamente constitutivos da ideia
de Direito e da sua fundamental exigência de justiça. Por isso se criaram ainda outras possibilidades, como o
recurso de revisão (art.696) para tornar possível a prossecução destas exigências de segurança e justiça
associadas a este princípio.

2.3. Problema da juridicidade dos princípios


O que nos permite dizer que estes princípios são princípios de direito?
Consonância de fundamentação: o princípio tem de ser expressão de exigências regulativas compatíveis
com o sentido último do direito, isto é, um conjunto de exigências que se prendem com o reconhecimento da
pessoalidade humana que o polo só SUUM nos incita a reconhecer.

Consonância de função: os princípios têm que se adequar ou responder a um problema de fruição


intersubjetiva do mundo e que carece de uma resposta do direito.

O que nos permite dizer que estes princípios são princípios do direito?
Questionamo-nos acerca do sentido dos princípios normativos e da sua assimilação numa realidade
histórico-concreta, tendo em atenção o problema da vigência e da assimilação dos princípios pela
comunidade em causa. Estes princípios já não são vistos como princípios do direito natural, tal como na
época do jusnaturalismo pré-iluminista. A versão moderna encara os princípios como exigências regulativas
de valor... E como verdadeiras dimensões axiológicas que incorporam "projetos de ser”, sendo constituídos
na comunidade jurídica em que pretendem ser vigentes. A verdade é que estes não constituem princípios
gerais do direito - enquanto abstrações generalizantes obtidos a partir de normas - sendo constituídos por via
doutrinária como uma base fundamentante para a construção das normas.
Falamos, assim, da evidência quase empírica imposta pelos princípios positivos no seu sentido mais
restrito; de uma resposta garantida em termos de unidade ou de concordância prático-normativa dos
princípios transpositivos; e ainda, da experimentação da função fundamentante da juridicidade dirigida aos
princípios suprapostitivos.
Assim princípios beneficiam de uma presunção de validade que surgem como fundamentos para o
direito e que não vinculam enquanto validade.

2.4. Relação normativa e de validade entre os princípios e as normas legais.


Se o princípio for simultaneamente positivo e contingente, a alteração autoritário-prescritiva não pode
ser feita arbitrariamente. Há que respeitar as consonâncias de fundamentação.
Quando a norma de opõe aos fundamentos normativos de um princípio transpositivo, a invalidade da
norma impõe-se-nos como um problema de coerência,
Quando a norma se opõe aos fundamentos normativos de um princípio suprapositivo, o problema é o
de reconhecer a prevalência do princípio como exigência fundantemente constitutiva da juridicidade, podendo
aludir-se a um problema transsistemático da lei injusta que se deve ao fato da lei não corresponder ao
sentido último do direito.

Assim, perante um conflito entre um princípio jurídico e uma norma legal, de uma perspetiva
jusnaturalista preferir-se-ia o primeiro; de um ponto de vista positivista, preferir-se-ia a segunda. Assim, se
estivermos perante uma lei injusta – uma impositiva prescrição politico-legislativa político-formalmente
inopugnável, mas normativo juridicamente inválida – não poderemos deixar de privilegiar o principio e recusar
a aplicação do hipotético preceito legislativo.

2.5. A convergência prudencial


Temos de reconhecer uma concordância prática aos princípios pois podem surgir problemas práticos
entre princípios. Dá-se o exemplo da compossibilidade entre o princípio da perigosidade e da culpa, devendo
privilegiar-se o princípio da culpa, sendo, porém, necessário considerar o outro e admitindo-o.

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3. As normas legais como critérios


As normas são critérios jurídicos gerais e abstratos que visam solucionar imediatamente um conjunto
de problemas. Reconhecemos uma estrutura lógica (se->então) e um programa condicional (traduzido numa
condição e sua consequência) à normas. E convém distinguir estas normas (que se prendem como o
normativismo, que as entende com base na sua estrutural racional e funda aí a sua validade) de leis
(entendidas como prescrições concretas e singulares que a programação final do Estado Providência torna
possível). Assim, reconhecemos uma dupla face da norma legal:
1) A norma legal como imperativo e como decisão impositiva de um poder e que se entende como
uma manifestação teleológica de uma voluntário política legitimada pela autoridade que invoca para a sua
prescrição. Podemos referir uma conjugação (parasitária, no dizer de Luhmann) de direito e política que
introduz um conjunto de normas que, para lá de assumirem outras necessidades práticas, assume um
programa final explícito ou implícito e que determina os fins a que se propõe, os meios a utilizar e outras
alternativas de decisão, criando uma autêntica racionalidade estratégica.
2) A norma legal como critério jurídico que se assume como um operador prático suscetível de ser
mobilizado, inserido num sistema jurídico, com cujo sentido se compromete. Isto é, estamos perante um
critério juridicamente fundamentado comprometido com o sentido do sistema jurídico, sendo que a validade
já não surge da legitimidade da entidade que emana essas normas, mas com base nos princípios que as
fundamentam e que se prende com os princípios interpretativos que a norma admite. Admitimos assim:
2.1) Uma decisão dogmática que constitui a norma deve mostrar-se assimilável a uma
dimensão do juízo-judicium.
2.2) Este juízo enquanto juízo decisório na qual a prescrição convocada como critério revele
uma racionalidade de fundamentação normativa.

Entendemos a norma como uma solução-valorarão para os problemas que vão surgindo, entendendo
esta como uma norma-problema ou norma-juízo de valor. Não a consideraremos, assim, como a premissa
maior que o silogismo subsuntivo do paradigma da aplicação nos incita a prosseguir, mas como uma
antecipação em abstrato de um problema, como meio de criar uma ponderação prática fundamentada em
critérios a mobilizar para uma referenciação ao caso concreto. E quanto à intencionalidade prática da norma,
importa referir dois contrapontos:

1) Interrogação da ratio legis como procura do motivo fim que determinou a decisão da norma e a
sua justificação política, social, teleológica e estratégica. Só assim consideramos uma norma como
adequada, desadequada, oportuna, inoportuna ou até capaz de articular (ou não) logradamente recursos e
objetivos. Estaremos, em cada um dos casos, a considerar a sua intencionalidade programática. A norma
não vale por si mesma; é necessária uma referência à relação entre a intencionalidade prática da norma e o
fundamento do sentido da norma jurídica.
2) A problematização da ratio juris como confronto da teleologia programática da norma legal com a
coerência dos fundamentos normativos do sistema jurídico. Chegamos a conclusão que a norma é um
critério que assimila a relevância prática de um caso enquanto objetivação plausível dos princípios ou pelo
contrário à conclusão de que mobilizar a norma como critério para aquele caso significa frustrar em concreto
as intenções dos princípios, pondo em causa a sua consonância prática necessária.

A interpretação das normas conforme os princípios é fundamental para a passagem de uma ratio
legis à fundamentaste ratio juris: as possibilidades de contradição normativa compreendidas e
experimentadas na perspetiva de um problema concreto. Destaca-se o caso da lei injusta, que se afirma
como autêntico não direito. Assim:
1) Perante leis que criam uma relação falhada com o sentido que os princípios normativos afirmam,
podemos prosseguir à correção da norma que pode ser sincrónica (se está relação falhada surge logo no
momento da criação da norma) ou diacrónica (se apenas surgiu por causa de uma alteração dos princípios
pressupostos à constituição da norma). Procura-se que a norma fica conforme os princípios a que deveria
louvar-se.
2) Perante leis opostas aos princípios, podemos prosseguir à preterição (quando a oposição surge,
desde logo, quando a norma é constituída) ou à superação (se, no momento da sua criação, se encontrava
conforme, mas com o decurso do tempo, entra em contradição com os princípios, perdendo a sua validade.)
A superação pode ligar-se ao problema da caducidade à luz dos limites temporais normativos da lei.

Neste quadro, devemos preferir a ratio juris à ratio legis, se que os fins não podem
prevalecer sobre os princípios, sendo necessário garantir esta dimensão normativa axiológica de validade,
que irá fundamentar a presunção de autoridade das normas. Assim, e resumindo, nas palavras do Dr. Pinto
Bronze: “(…) [Com isto, compreendemos que] uma norma jurídica tenha, ao lado de um elemento ou

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dimensão racional (…) um outro imperativo, decisório, volitivo, ou de autoridade – que é exatamente o
resultado da opção feita pelo legislador, dentro de várias possibilidades de escolha que se lhe abriam, para
objetivar a intenção normativa do mais ou menos indeterminado principio fundamentante da norma
circunstancialmente em causa.

3.1. A classificação das normas


1) Perspetiva da estrutura ou do módulo lógico: normas completas (hipótese + estatuição) e incompletas (falta a
hipótese ou a estatuição. Podem servir para evitar a repetição no sistema jurídico, sendo importante para a
articulação sistémica.
2) Perspetiva da independência ou da autossubsistência da solução conteúdo
2.1) Normas estrutural e intencionalmente autónomas: têm uma estrutura completa e produzem um
sentido completo por si, não necessitando de outras normas que completem o seu conteúdo.
2.2) Proposições normativas que não são autónomas: Não têm sentido completo, logo necessitam
de outras normas que complementem o seu conteúdo.
2.2.1) Remissões explícitas: referem expressamente as normas para que remetem. (Art. 939
C.C.) Podem ser modificativas (restritivas ou ampliativas) ou não modificativas (intra-sistemática ou extra-
4
sistemática).
2.2.2) Remissões implícitas: A norma jurídica não remte expressamente para outra norma,
mas estabelece que o fato ou situação a regular é ou se condiera igual ao fato disciplinado por outra norma
para a qual implicitamente remete. Podem ser ficções legais (Assume como existente um fato desmentido
pela realidade - art. 805/2/C) ou presunções (há uma relação entre um fato conhecido provado e outro
desconhecido que se torna verosímil graças ao outro fato. Podem ser iuris tantum - em regra são simples e
admitem prova em contrário - ou iuris de iure - são absolutas, só existindo se a legislação o determinar e não
admitem prova em contrário. Ex: artº 1260, nº 1 e 2, respetivamente.)
2.3) Proposições não normativas: Não há uma determinação direta de comportamento. Podem ser
definições (Definem uma figura jurídica para evitar a incerteza quanto ao seu sentido. Há, porém, uma crítica
do ponto de vista prático quando a algumas imprecisões.), classificações (art.203) e regras meramente
qualificativas (art.1722).

3) Perspetiva da articulação ou da coerência sistémica


3.1) Relações de especialidade espacial: normas gerais, globais ou nacionais (Aplicam-.se em todo o
território do Estado. São, em geral, leis e decretos leis); regionais (decretos legislativos regionais) e
locais (Aplicam-se apenas no território de uma autarquia local, como por exemplo as estruturas
regulamentares).
3.2) Relações de especialidade material: normas gerais ou comuns (estabelecem uma solução
dominante ou uma solução-regra para o setor de relações que disciplinam – art. 219º C.C.), normas
especiais (Em relação à especialidade de certos problemas, estas normas criam uma adaptação que
não altera o regime regra, para tornar possível a resposta à especificidade do problema. Assim,
dizemos que consagram uma disciplina nova para círculos mais restritos de pessoas, coisas ou
relações, mas não diretamente oposta ao regime comum das normas gerais), normas excecionais
(Contrariam o regime regra para resolver certos problemas específicos que se afirmam como
exceção. Assim, dizemos que consagram um ius singulare, isto é, um regime oposto ao regime
regra, num setor restrito. – art. 310º C.C.)
No que toca às normas excecionais importa referir o critério metodológico do art. 11º do C.C.
que postula a distinção entre interpretação extensiva e aplicação analógica. Porém, esta distinção é
muito discutida e até considerada impossível. (A desenvolver mais na 3ª Parte da Metodologia)

4) Perspetiva do Vínculo lógico com a ação combinada com a perspetiva da autonomia privada: Refere-
se a normas cuja mobilização e aplicação não depende de uma manifestação ou declaração da vontade dos
sujeitos privados.
4.1.) Normas imperativas, injuntivas ou cogenses (A sua aplicação não depende da vontade das
pessoas, impondo-se-lhe e exigindo um comportamento positivo ou negativo.)
4.1.1) Precetivas: impõem um facere, independentemente da vontade dos sujeitos privados.
4.1.2) Proibitiva: Se praticarmos determinado ato estaremos a violar a corresponsabilidade
que temos pelo respeito de certos bens jurídicos com relevância comunitária. Impõem um Non
facere, isto é, proíbem uma conduta.

4
Para mais, ver JUSTO, António Santos, Introdução ao estudo do Direito, 6ª edição, paginas 150-152

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4.2) Normas permissivas ou dispositivas: Normas cuja produção de efeitos depende da vontade dos
sujeitos privados, já que permitem ou autorizam certos comportamentos Destacamos os direitos
potestativos.

4.2.1) Facultativas (concessivas ou atributivas): Permitem ou facultam certos


comportamentos, reconhecendo determinados poderes ou faculdades.
4.2.2) Interpretativas stricto sensu: Determinam o alcance e o sentido de certas expressões
ou declarações negociais suscetiveis de dúvida.
4.2.3) Supletivas: São normas que estabelecem uma solução vigente para uma determinada
situação, mas só se não houver uma manifestação dos destinatários da norma que a afaste.Assim,
suprem a falta de manifestação da vontade das partes sobre determinados aspetos de um negócio
jurídico que carecem de regulamentação. – Art. 1717º C.C.

5) Perspetiva da Sanção
5.1) Leges plus quam perfectae: Determinam a invalidade dos atos que a violem e aplicam uma pena
aos infratores.
5.2) Leges perfectae: Só determinam a invalidade dos atos contrários.
5.3) Leges minus quam perfectae: Não estabelecem a invalidade dos atos contrários, mas
determinam que não produzirá todos os seus efeitos.
5.4) Leges imperfectae: Não estabelecem nenhuma sanção.

4. Critérios da jurisprudência judicial

Estamos a referir-nos a um direito judicial enquanto esquemas que identificam determinadas


soluções para um caso concreto e que surge nas sentenças, identificando esse problema e originando uma
solução que surgirá como exemplo para decisões futuras - juízos decisórios. Estes juízos assimilam ou
estabilizam compromissos prático-comunitários de validade.
Trata-se de convocar uma solução de uma controvérsia concreta, assumindo-a como um exemplo
(ou precedente) para soluções futuras, mas também como um contributo da casuística enquanto resultado da
realização concreta do direito.
Surge a discussão se efetivamente este critério jurisdicional deve ser entendido como a sentença-
decisão enquanto tal ou se deve ser entendida pelo sentido fundamental do esquema de solução proposto e
reconduzido ao núcleo da sua ratio decidendi. Efetivamente, há alguns autores que consideram os critérios
jurisdicionais uma autêntica generalização construída a partir da ratio decidendi, ocupando, no plano da sua
objetivação, uma posição intermédia. Assim, os precedentes não se confundem com as decisões dos casos
concretos na sua integridade e exigem uma objetivação normativo-sistemática distinta que corresponda a
proposições normativas mais gerais, relativamente a aquelas que serviram de critério ou fundamento as
decisões em causa.
Assim, o critério exemplum relevante corresponde, na sentença, à dimensão do juízo e a auctoritas
com que este se nos dirige: um juízo julgamento que corresponde ao modo como se realiza a dialética
sistema-problema e que, através do exercício da analogia - ao privilegiar os seus aspetos judicativos -,
procurará uma solução sustentada no sentido racional do sistema.

Nos sistemas de Common Law, descobrimos estes critérios sustentados numa vinculação formal -
solução é aplicada a vários casos análogos, estabelecendo uma espécie de linha de continuidade entre as
decisões judiciais -, mas também, no plano metodológico argumentativo (e esta, tanto no Common Law,
como no Civil Law) de uma autêntica presunção de vinculação que realça o seu sentido prático normativo ou
a inteligibilidade como juízo. E esta presunção de vinculação, segundo Kent prende-se como o fato de se
considerar a solução para um caso passado como adequada e justa (num sentido de "justeza"), consagrando
uma autêntica presunção de justeza.

Falamos, assim, de uma aproximação dos dois sistemas: A ideia de vinculatividade absoluta teve o
seu momento culminante no seio do Common Law, no séc. XIX. Foram, depois criadas duas técnicas prático-
argumentativas importantes: distinguishing (o juiz deve comparar analogicamente os casos anteriores e
presentes, realçando semelhanças e diferenças) e overruling (caso o precedente conduza a resultados
injustos, pode o juiz substitui-lo por outro, superando-o). Através destas, o juiz liberta-se de um precedente
irrazoável e, quem sabe, até de um precedente bem consolidado. Importa, para tal, encontrar um
compromisso entre as exigências da certeza e da continuidade do direito e as da justeza da solução do caso

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singular e da adaptabilidade do direito as situações de mudança. Os dois sistemas são obrigados a


consolidar as suas decisões inserindo-as no sistema.
Porém, a presunção de vinculação e de justeza é ilidível, isto é, não absoluta. O juiz pode invocar
estes prejuízos como modelos de confronto analógico de relevâncias concretas sem ter de justificar prático-
normativamente essa convocação. Refere-se o princípio da inércia argumentativa de PERELMAN que
mobiliza a experiência do passado para referir que, no caso de existência de uma prática estabilizada que
levou a bons resultados e decisões, o juiz poderá mobiliza-la sem a justificar. Esta posição é também
defendida por ALEXY. O juiz só se pode afastar do modelo (assumindo uma solução distinta) se for
medologicamente constrangido a fundamentar esse afastamento através de um autêntico ónus da contra-
argumentação. Falamos, assim, de um princípio perelmeniano da inércia: as regras de utilização dos
prejuízos são as seguintes: (a) quando um precedente puder ser invocado a favor de ou contra uma decisão,
é de o invocar; (b) quem pretender afastar-se de um precedente tem o ónus da contra-argumentação.

5. Dogmática ou jurisprudência doutrinal

A doutrina pode englobar a criação de fundamentos ou critérios, reportando-se a todos os escritos e


reflexões de juristas, de variedade imensa, desde a anotação casuística a um tratado. Não lhes está
associada uma potestas, mas podemos falar de uma auctoritas, defendida por ALEXY que considera que
"quando são possíveis argumentos dogmáticos, há que convocá-los”. Assim, esta reflete diferentes
conceções do direito e do pensamento jurídico, sendo importante destacar que a compreensão prático-
normativa da dogmática se constrói num diálogo negativo com outras conceções. (desde logo, superando a
ciência dogmática do direito do séc. XIX - baseada na análise, concentração e construção de conceitos. Até
porque hoje a dogmática é entendida como uma “dogmática da fundamentação”.)
Trata-se de associar a dogmática enquanto tarefa prático-normativa com a jurisprudência judicial que
convocam uma unidade prático-prudencial e uma intenção hermenêutica que faz justiça ao direito vigente.

Principais tarefas da dogmática:


 Propostas de modelos-critérios
 Explicitação constitutiva de fundamentos
 Esclarecimento de conceitos e usos linguísticos
 Descrição reconstitutiva do direito vigente

A tarefa da descrição reconstitutiva do direito vigente e a tarefa de esclarecimento de categorias ou


usos linguísticos não podem ser sustentadas autonomamente. A unidade intencionalmente global deve ser
cumprida em nome da racionalidade prática sujeito/sujeito.
O pensamento jurídico elaborado numa autêntica communis opinio doctorum vai afirmar-se em vários
planos consoante a autoridade que é reconhecida a determinada figura numa comunidade de juristas ou a
uma determinada corrente de pensamento. A presunção de auctoritas assume, assim, o sentido originário de
uma presunção de legitimidade histórico-cultural e que se converte numa autêntica presunção de
racionalidade.
Os modelos normativo-dogmáticos oferecem-se-nos como critérios-mapas, isto é, esquemas de
solução mais abstratos que os precedentes, mas menos concentrados e abstratos que as normas em si, e
com a tarefa de explicitação de princípios e fundamentos, iluminando-os de uma presunção de racionalidade.
As tarefas da dogmática podem sintetizar-se do seguinte modo:
(a) Função Estabilizadora: possibilita a institucionalização compensatória da abertura predicativa do
prático-normativo.
(b) Função Heurística: invenção de fundamentos e critérios específicos.
(c) Função Desoneradora: Os arrimos que disponibiliza libertam o jurista de uma problematização
sem fim.
(d) Função Técnica: Permitem que o jurista compreenda os acervos de referências de sentido.
(e) Função de Contrôle: Permite uma racionalização das decisões judicativas que institucionalmente
se vão impondo.

A presunção de racionalidade da dogmática é também ilidível, isto é, não absoluta. Uma vez aceite,
não significa que esta tenha de ser mantida por um tempo indeterminado. Porém, caso se pretenda
abandonar uma presunção e seguir uma nova, não basta que existam mais argumentos a favor da nova
posição. É necessário que esses argumentos sejam tão bons que não só justifiquem esta solução mas
justifiquem também o rompimento com a tradição que esta representa. Vale aqui o princípio da inércia de
PERELMAN. Todo o que pretender propor uma nova solução suporta o ónus da (contra-) argumentação.

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6. A realidade jurídica como estrato do sistema

Devemos entender a realidade jurídica em que as controvérsias se manifestam e o direito se realiza


como um estrato do sistema jurídico, já que há um conjunto de componentes de realidade não resolvidos
pelos critérios e que carecem de tratamento próprio. Importa considerar duas dimensões fundamentais
reconhecidas à realidade jurídica:

(a) Dimensão Institucional


Referimo-nos a uma face visível da institucionalização estabilizadora, isto é, aquela que se constitui e
persiste com caráter institucional. Importa referir as realidades económica (»institutos do direito privado»),
política («instituições de direito público») e cultural que se traduzem na autonomização de certos institutos,
manifestando um autêntico law in action - distinto dos institutos que o positivismo cientifico do século XIX
isolava como individualidades lógicas já que eram irredutíveis aos princípios ou critérios que normativamente
os conformam ou a um certo law in the books que os enquadra. – conformado com a
precipitação/cruzamento de intenções normativas e práticas sociais estabilizadas para serem reconhecidas
como realidades.
Tomamos em consideração um direito enquanto realidade (para lá dos critérios e fundamentos) e que
tem de ser tido em conta porque está em constante mutação.
Ainda se enquadram nesta dimensão os cânones que correspondem ás práticas profissionais das
distintas comunidades de juristas e que precipitam experiências coletivas inconfundíveis que nos submetem
uma pluralidade de linguagens, na mesma medida em que multiplicam os projetos de realização, os materiais
canónicos, as regras de procedimento, etc… Falamos do modo como cada entidade encara o sistema,
criando diferentes «códigos de abordagem» - embora suscetiveis de serem conciliados. No fundo, há que ter
em conta as experiências de determinação e especificação do sistema jurídico. Este exercício só pode ser
concretizado in action e em cada contexto histórico de um modo particular.
Por fim, devemos considerar os modos concretos de organização e associação que se traduzem nas
realidades simultaneamente jurídicas e sociais que correspondem ao exercício da autonomia privada ou a
práticas de realização de um certo estatuto, mais ou menos convencionalmente objetivado.

(b) Dimensão Dinâmica


Refere-se ao tratamento da controvérsia prática através de um processo judicativo-decisório, isto é, à
estabilização dos juízos decisórios como critérios vigentes no corpus iuris determinada pela tarefa prática da
jurisprudência – um direito dos juristas – e que culminam na convergência de duas coordenadas principais –
a perspetiva jurídica imposta pela normatividade e a situação que aquela normatividade é convocada a
assimilar.

A índole da dinâmica que anima o sistema jurídico é regressiva (cronologicamente, como de hoje para
ontem) e a posteriori. Isto é, a exigência da salvaguarda da específica unidade do corpus iuris determina que,
aquando da sua abertura, o novo regrida sobre o pré-disponível. Um exemplo paradigmático é o da
autonomização do critério normativo do abuso do direito que não retirou significado, mas reconstituiu, o
principio da autonomia da vontade, impondo o abandono do seu entendimento tradicional.
Assim, concluímos que a especificidade de desenvolvimento do sistema jurídico encontra a sua matriz
na conhecida reconstituição analógica do próprio discurso prático. Assim, o corpus iuris apresenta-se
dinamicamente, constituído por vários polos que interrelaciona e que se define pelo concreto nível de
possibilidade de realização as reciprocas correspondências que entre eles se estabelecem.

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CAPÍTULO IV

A PERGUNTA PELAS FONTES DO DIREITO A DIRIGIR-SE AO PROCESSO-ITER QUE


CONSTITUI E OBJETIVA O DIREITO COMO NORMATIVIDADE VIGENTE NUMA
DETERMINADA COMUNIDADE

1. Uma abordagem fenomenológico-normativa preocupada com os modos ou processos


de constituição e manifestação do direito como normatividade vinculante.

1.1. Direito como «dever-ser que é»


A vigência normativo-jurídica afirma-se com um certo âmbito espacial e num determinado momento
temporal. O direito é um «dever-ser que é» e a vigência é precisamente este modo de existência de um
dever-ser. O direito é, simultaneamente, uma específica normatividade e uma instância reguladora dos
problemas juridicamente relevantes suscitados pelo nosso encontro mundanal.
A vigência identifica, portanto, a subsistência histórico-social de uma normatividade, apresentando
uma face ideal – a validade – e outra empírica ou fatual – a eficácia. A vigência acrescenta à validade o
momento de realidade da existência histórica, que tende a estabilizar-se na institucionalização.
Mas o direito vigente também não é aquele que tenha de considerar-se eficaz, em virtude da força do
poder capaz de o impor. Se assim fosse, toda a violação dos critérios jurídicos impostos traduziria a
preterição da respetiva vigência. Falamos, assim, de expetativas normativas que são contrafactuais: os
factos que as desrespeitam não as anulam, isto é, não são bastantes para retirar vigência à validade em que
radicam. Quando é violado, o direito perde eficácia, porém não perde vigência ou validade.
O direito é uma realidade cultural, e não de pura factualidade. O direito vigente admite preterições.
Assim, quando um valor é violado, não concluímos que este perece, porque a normatividade não se reduz à
meramente fática socialidade. Os valores toleram preterições e uma cultura será tanto mais vigente quanto
maior for essa margem de tolerância. De certo modo, os valores integrantes da vigência só avultam de uma
forma explícita nas suas preterições.
Conclui-se referindo-se que a validade e eficácia traduzem, respetivamente, uma existência ideal e
uma existência real num dado horizonte temporal. Estas chamam a atenção para a nuclear bipolaridade da
vigência: a validade é o seu polo ao nível do conteúdo – plano axiológico – e a eficácia o seu polo ao nível do
fático – plano sociológico. Kant defende que a “validade sem a eficácia é inoperante e que a eficácia sem a
validade é cega.”. Assim, entre a validade e a eficácia, reconhece-se uma relação de tensão polarizada nas
exigências normativas que correm o constante perigo de perderem o contato com a realidade social.

1.2. Compreensões a superar acerca das fontes do direito


Reconhecemos quatro tipos de fontes: fontes de conhecimento (os “loci” onde se encontra o direito
ou que autenticamente o manifestam), fontes genéticas (elementos de origem do direito, que determinariam o
seu conteúdo ou o explicariam), fontes de validade (valores ou princípios que fundamentam a normatividade
jurídica) e fontes de juridicidade (constituintes da normatividade jurídica.). Importa reter que as fontes de
conhecimento do direito não são fontes do direito.
O comum positivismo jurídico normativista vê o problema das fontes e deixa por esclarecer a questão
da juridicidade das normas qualificadas por esses critérios. Importa assim superar duas perspetivas:
 Uma técnico jurídica ou hermenêutico-positiva que esgota a interrogação permitida num
problema de fontes de conhecimento do direito, condenando-nos a uma reconstituição
analítica das normas secundárias que respondem a esse problema.
 Uma político-constitucional a preocupar-se com o problema da constituição da juridicidade e
respondendo a esta com uma integral remissão desta para a autoridade-potestas político-
constitucionalmente legitimidade e para a voluntas contingente que a determina.
Devemos, neste âmbito, adotar uma perspetiva fenomenológico-normativa que nos permita
compreender o sentido prático-cultural do direito e autonomia da sua procura-projeto, referindo-se a
fenomenologia do ato constitutivo de uma especifica positivação normativa pela qual se constitui e objetiva o
direito como direito.

2. Momentos da experiência constituinte do direito e tipos de experiência constituinte


(1) Momento Material: temos de reconhecer que há uma realidade social, com o seu conteúdo histórico-
cultural ou intencional e a solicitar problematicamente uma resposta de direito.
(2) Momento de Validade: Um fundamento normativo, implicado por uma axiologia específica e a
explicitar-se em determinados princípios.

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(3) Momento Constituinte: Modos de constituição do direito que são suscetiveis de ser absorvidos pela
realidade social e que consagram a sua vigência e eficácia necessárias.
(4) Momento de Objetivação: Objetivação dos vários princípios numa vigência normativa.

Estamos a considerar a experiência jurídica em sentido próprio, isto é, enquanto processo apenas
humano e histórico do direito.

2.1. A experiência consuetudinária


Costume é o comportamento socialmente estabilizado, seja em termos de conduta, seja em termos
decisórios, em que imediatamente se exprime um normativo vínculo jurídico ou que em si mesmo se impõe
como um normativo critério jurídico. Há aqui uma unidade entre comportamento e juridicidade, não só porque
se manifestam sem qualquer mediação institucional mas também pois o seu cumprimento surge como a
realização social dessa normatividade. Assim, comportamento e juridicidade são simultâneos e indivisíveis:
cumpre-se porque é no costume jurídico e no comportamento em que ele se cumpre que se afirma e subsiste
como jurídico costume.
Tem um caráter impessoal e anónimo, objetivo e não voluntarista já que o seu sentido normativo é
manifestamente de imanência social, exprimindo uma originária autonomia normativa. Assim, envolve
práticas que se sedimentaram e assumiram uma certa identidade jurídica. O costume deixará de sê-lo se não
bastar a invocação da sua existência e se se exigir uma justificação material do seu mérito normativo.
O costume tem na sua base uma ação ou decisão que, perante uma questão suscitada pela social
intersubjetividade, souberam ser, no contexto das validades comunitárias e por referência implícita a elas, a
ação correta ou a decisão justa, ou como tais compreendidas, e que por isso se puderam tornar em ação
paradigmática ou em decisão modelo para todos os casos posteriores do mesmo tipo. Assim, constituído por
um elemento material ou corpus e um elemento espiritual ou animus.
Importa ainda referir que se trata de um critério não textual que tem um caráter imanentemente
comunitário e uma autonomia normativa própria. Este aponta, na sua dimensão de tempo, para o passado e
tem um relevo limitado no nosso ordenamento jurídico.

2.2. A experiência legislativa


Falamos da lei que desempenha a função normativo-juridicamente especifica que a diferencia de
todos os outros modos constituintes do direito. Importa referir que entendemos a lei como normas jurídicas
formais e autoritário-oficialmente prescritas por um poder com competência expressa para tanto, sendo
entendidas como constituintes do direito. Cinco notas capitais:
(1) A legislação é um modo deliberado e racional de produção do direito, atuando mediante a prescrição
de regras ou normas, numa intenção de regulamentação ou programática relativamente à realidade
social que é o seu objeto. As normas surgem como critérios-regras enquanto programas condicionais
finais, normas tout court ou leis medida, com a sua estrutura hipotético-condicional, e o seu caráter
geral e abstrato. Para mais, há que reconhecer que surgem como autênticos critérios normativos
racionais com um modo sistemático de regulamentação coerente e unitário que se evidencia por via
da codificação. É ainda capital compreender que na legislação se institui um sistema normativo que
define a sua unidade, impondo à realidade uma racionalidade própria, antecipada e logicamente
construída.
(2) Um anota de voluntarismo já que, na base da prescrição legislativa, está uma decisão que visa
alcançar determinados fins e uma imediata intenção normativa de inovação jurídica. Por vezes, esta
é mais formal do que material, correspondendo à intencionalidade da jurídica constituição legislativa,
que a inovação atinja o próprio conteúdo normativo, sendo o direito que a legislação prescreve
também por ela imediata e originariamente constituído. Assim, realça-se esta autêntica racionalidade
teleológica ou programática, marcada por uma contingência decisória e índole decisoriamente
optativa.
(3) Adquire a forma escrita de texto constitutivo e forma autêntica, afirmando-se como autênticos textos-
leis que as tornam prescrições normativas impostas de uma forma autêntica e que só nessa forma
existem.
(4) A decisória prescrição normativa formalmente imposta num texto como regra antecipada à ação e
para regulamentar, remete-nos a um poder legitimado por essa imposição: se a regra norma se
separa e autonomiza a ação, terá também o poder de se destacar das mesmas ações e realidade
para lhe impor essa regra-norma prescrita. O se titular é o poder político que a determina por motivos
e intenções não puramente jurídicas. Cada vez mais, o direito surge como instrumento de planificada
intervenção política e os Estado governam com as leis, afirmando-se a legislação como a forma por
excelência de politização do direito.

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(5) Por fim, a sua dimensão de tempo é o futuro e o direito é para ela uma regra de conduta, visando o
comportamento futuro.
Destaca-se esta experiência nos sistemas de Civil Law, surgindo como experiência constitutiva
polarizadora. Reconhece-se um aumento da importância da experiência jurídica jurisdicional a par desta.

2.3. A experiência jurisdicional


É visto como uma experiência jurídica prudencial, resultado de uma mediação normativa. No fundo
traduz-se no fato de o direito também se constituir e manifestar enquanto se realiza, procurando dar resposta
a um problema jurídico concreto, suscitado pela dúvida quanto à afirmação ou cumprimento de uma
pressuposta validade e das suas exigências normativas, quer pela violação dessa validade. Num autêntico
horizonte de intersubjetividade surge a controvérsia, culminando esta experiência com a emanação de um
juízo decisório, após cumprido o modus operandi judicativamente racional e prático prudencial que cumpre a
dialética sistema/prolema. Esta decisão judicativa emanada por um poder-auctoritas que assume uma
condição de tercialidade – com a mobilização de um terceiro imparcial que procede à mediação do caso – e
que pressupõe como fundamento uma validade comunitária e o sistema jurídico vigente.
Este juízo decisório trata-se, assim, de um juízo de índole problemático-dialética e prático-
argumentativa. Assim, a solução concreta é o resultado de uma decisão redutível a uma fundamentação
assimilável por um juízo que procede a uma autêntica criação material, mas sem inovação formal. Assim, diz-
se que este critério exemplum que se exprime num texto não é constitutivo, mas expressivo de uma ratio
decidendi, garantindo, não só, a mediação normativa entre os sujeitos partes, mas também a realização
concreta do sistema. A sua dimensão do tempo é o presente e surge como uma dimensão privilegiada de
manifestação do jurídico na sua especificidade. É essencialmente utilizado nos sistemas de Common Law.
Em suma, esta experiência tem uma grande base casuística e uma índole problemático-experimental
e indutiva que só é compatível com um sistema normativo aberto, centrando-se, igualmente, no momento de
validade de um universo jurídico específico e autónomo.

3. Algumas especificidades do nosso sistema de legislação


Comecemos por reconhecer uma hierarquia das fontes formais prescritivas, reconhecendo os quatro
níveis que são determinados por um critério de poder prescritivo:

1º - Poder Constituinte
2º - Poder Legislativo Propriamente Dito
3º - Poder Regulamentar
4º - Poder Autárquico

Todos estes níveis beneficiam de uma presunção de autoridade, ainda que me diferentes graus. Importa
ainda referir o (já revogado em 1996) instituo dos assentos em confronto com os precedentes vinculantes do
common law – surgem como forma especial de recurso para tribunais superiores, sempre que existiam
confrontos jurisprudenciais em casos, à partida, análogos. Estes visavam uma estabilização e uniformização
jurisprudencial, surgindo como autênticas normas gerais e abstratas dotadas de força obrigatória geral, que o
STJ, funcionando em pleno, se via constrangido a prescrever – considerando apenas aquele caso concreto e
sem qualquer juízo prévio de oportunidade, sempre que se decidia recurso para este plenário e tendo por
base a decisão deste recurso.
A norma não poderia ser transformada, sendo a sua forma de vinculação semelhantes à das normas
legais – o critério que daqui resultava era o de uma norma legal e não de um critério jurisprudencial. Em
suma, criava-se um critério geral e abstrato com vista a aplicação genérica para o futuro.
Importa ainda referir mais dois pontos:
(1) «Julgamento de fixação da jurisprudência» (em processo penal) que se afirma como recurso
extraordinário para estabilizar a jurisprudência judicial – (art. 437º/1 do C.P.P.), não através de uma
vinculação formal, mas através do reconhecimento da possibilidade de reconhecimento de um ónus
da (contra-) argumentação.
(2) «Julgamento ampliado de revista» (em processo civil) no art. 688º a 695º C.P.C. que surge como
recurso extraordinário para uniformizar a jurisprudência judicial. No fundo, desempenha uma função
preventiva: nos trâmites de um recurso ordinário, o presidente do STJ pode concluir que se poderá
manifestar uma divergência em relação a uma posição anteriormente assumida, tomando uma
decisão concreta para um caso, à qual se reconhece uma presunção de justeza.
Ambos se tratam de autênticos critérios jurisdicionais que podem ser mobilizados pelas partes e que
visam a estabilização da jurisprudência judicial.

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4. A especificidade do momento constituinte compreendida a partir da experiência


legislativa (da sua importância e dos seus limites)

4.1. Prolegómenos
Para iniciar o estudo desta temática temos de partir desde logo de duas proposições:
(1) O momento constituinte parte de uma dialética entre a pressuposição de uma validade
comunitariamente construída e a condição de uma contingência histórico social.
(2) Este permite-nos dar-nos conta dos modos de positivação ou de determinação normativa
reconhecidos e aos quais a experiência comunitária em causa reconhece auctoritas.

4.2. A importância da legislação reconstruida nas suas dimensões política, sociológica e


funcional.
(1) Fatores de ordem política – desde logo, aqueles que estiveram presentes no aparecimento do
legalismo moderno-iluminista e que persistiram ao dar fundamento à prerrogativa constitucional
que no Estado de direito é reconhecida à lei. Referimo-nos ás preferências de lei e reservas de
lei.
(2) Fatores de ordem sociológica – Fatores relacionados com a estrutura da sociedade dos nossos
dias e que surgem cada vez mais dinâmicas, menos vinculadas ás validades tradicionais e com
crescentes exigências de racionalização. O Direito a ser entendido como «sistema de
regulamentação» que veja a legislação como correlativa forma de constituição e de expressão
normativa.
(3) Fatores de ordem funcional – As características normativas da legislação permitem que esta
desempenhe um conjunto de funções jurídicas de maior relevância e indispensáveis à atual
ordem jurídica e social.
Importa ainda referir algumas outras funções da lei: função de ordenação político-social e
reformadora (só a lei pode intervir juridicamente num sentido estrutural e transformador); função instituinte e
planificadora regulamentar (só a lei tem capacidade institucionalizadora e organizatória, criando órgãos e
demarcando competências, planificando a atividade regulamentar do Estado, etc…); função jurídica de
integração (impõe uma solução jurídica geral e parificadora ao pluralismo social); função jurídica de garantia
(a objetividade e a certeza asseguradas pelo direito a conferir-lhe segurança).
Importa reconhecer a relação direta entre as funções político-sociais da lei e nova compreensão da
legalidade trazida pelo Estado Providência, a atender a fins; a relação ente a função jurídica de integração e
a crise ou erosão dos referentes integradores do direito; a relação direta entre a função jurídica de garantia e
as exigências de formalização do direito para garantir um esquema objetivo de determinação e
institucionalização dos limites de responsabilidade.

4.3. Os limites funcionais e normativos da lei


(1) Limites objetivos ou a falta de um critério legal: Trata-se da inexistência de uma norma para
assimilar a relevância da controvérsia jurídica a decidir – o normativismo do século XIX chamou-
lhe lacunas que tinham de ser supridas, nomeadamente através da realização do direito sem a
mediação do estrato das normas, recorrendo a outros critérios e, na falta deles, aos próprios
fundamentos… e até ao próprio dinamismo histórico de um constituindo transsistemático.
(2) Limites de validade: Exige-se que se leve a sério a compreensão dos princípios como jus e a
relação desenvolvida entre normas legais e princípios normativos. No fundo, exige-se que se
experimente a norma selecionada como critério jurídico, levando a sério a relação constitutiva
circular entre a validade comunitária e a realização judicativa. Há que não esquecer que não
posso mobilizar critérios contrários aos fundamentos histórico-socialmente fundados.
(3) Limites Temporais: Confronto do estrato das normas com o dinamismo histórico experimentado
na realidade jurídica e na compreensão realizadora e constitutiva dos princípios.
(3.1.) Norma obsoleta: Norma que se encontra no corpus iuris como formalmente vigente,
mas que, por causa do seu caráter desadequado (nomeadamente por uma alteração dos
pressupostos que existiam no momento da sua feitura), como passar do tempo, perde a sua
eficácia.
(3.2.) Superação por caducidade (Partindo do exemplo do principio da autonomia privada): O
critério previsto no C.C. de 1867 foi superado, mas manteve-se formalmente em vigor,
verificando-se, no entanto, um desajustamento no plano dos princípios, mas que se
manifesta no plano temporal – no momento da prescrição da norma, esta estava de acordo
com os princípios. Porém, passado um século, este entendimento torna-se desadequado e
surge a necessidade de criar um critério do abuso do direito – criando-se um novo critério

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com uma dimensão material própria que será introduzido no C.C. de 1966. Verifica-se em
questões de fundamentação.
(4) Limites intencionais: Estão presentes em todas as normas e derivam da sua índole
programática. Para compreender as normas, há que as inserir num determinado contexto de significação que
surge associado a um conceito de realização. Procura-se atribuir um sentido a uma norma para dela se
extrair um critério. Para tal, exige-se que se construam juízos práticos para articular uma norma geral e
abstrata a um caso singular e concreto. Muitas vezes, neste processo, é a obtenção da premissa menor que
surge como mais árdua, sendo este problema tratado de forma meramente formal. É necessário, porém, um
juízo analógico, recorrendo a critérios, que permitam a interpretação da norma e a compreensão dos seus
limites intencionais. No fundo trata-se de confrontar a prescrição legal com as circunstâncias particulares e
com a perspetivação individualizada do caso-problema.

5. Especificidade do momento constitutivo e a relação deste com o momento da


objetivação.
O legislador tem uma prerrogativa, mas não um monopólio na criação do direito. Há outras instâncias
com legitimidade para participar no processo de constituição da normatividade jurídica: a jurisprudência
judicial – cuja tarefa é dar uma resposta judicativa dos casos concretos, mas também constituir o ex novo,
enunciando-o com um fundamento e em termos que garantam a vinculação normativa implicada pela
respetiva vigência. Há também uma autêntica dogmática de fundamentação eu procura elaborar, no quadro
da dialética sistema/problema, modelos práticos de decisão para os casos jurídicos concretos.
Assim, a jurisprudência jurídica colhe na prático normativamente comprometida elaboração dogmática, o
fundamento da racionalidade de decisões judicativas que profere e a jurisprudência dogmática recebe da
experiência jurisdicional a realidade que reflete.
No processo de constituição do direito ainda importa um momento de objetivação que autonomiza a
integração, explicita ou meramente implícita – respetivamente, projetada em critérios jurídicos específicos ou
reconstitutiva do sentido na normatividade jurídica. Assim, só estamos perante direito se a especifica
validade se afirmar como societariamente eficaz.

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CAPÍTULO V

INTRODUÇÃO À METODOLOGIA
O SENTIDO DO PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO COMO MOMENTO DO PROBLEMA
METODOLÓGICO DA REALIZAÇÃO JUDICATIVAMENTE CONCRETA DO DIREITO

A) A teoria tradicional da interpretação reconstruída a partir da herança do “Método


Jurídico”

O Método Jurídico surge no discurso do séc. XIX, como expressão do normativismo e legalismo,
distinguindo-se três notas capitais:
 A exigência de conferir ao pensamento jurídico a sua autonomia discursiva, procurando conciliar
uma conceção epistemológica teorética (influenciada pelo cientismo) e uma conceção
normativista do direito que procura garantir o caráter plausível de uma perspetiva interna que vê
o direito «enquanto conhecimento do direito a partir do próprio direito ou de uma perspetiva
puramente jurídica», no fundo, dando origem a uma ciência do direito, que se afasta de outras
perspetivas históricas, sociológicas, filosóficas… e se limitam ao jurídico. Assim, o Método
Jurídico seria aquele que consegue autonomizar uma ciência do direito de todas as outras
ciências.
 O caráter prescritivo e normativo do Método – O Método Jurídico “como construção doutrinal que
visava prescrever, prévia e autonomamente, o modelo e o processo que o pensamento jurídico
deveria cumprir para atuar em termos especificamente jurídicos e corretos. (…) Define a priori e
5
pretende impor a prática.”
 A ambição de racionalizar teoreticamente a prática, oferecendo-lhe as condições para uma
aplicação formalmente objetiva. Destacam-se duas tarefas-fins complementares da técnica
jurídica, autonomizadas por Jhering:
o O domínio cognitivo-racional dos materiais enquanto Direito-objeto, através da
simplificação dos materiais disponíveis utilizando três processos distintos: análise
jurídica, concentração lógica e construção jurídica.
o O tratamento das objetivações garantidas por esta técnica como possibilidade de uma
prática racional que diz respeito a cada sujeito-decisor, pressupondo um exercício
continuado, mas também, iluminado pelo fim principal da aplicação igual do «direito ao
caso concreto». “Mas, o direito existe quando se realiza. A realização é a vida e a
verdade do direito, é o direito ele próprio (…). Na pergunta relativa à realização do direito
não se trata no entanto de interrogar alguma coisa de material, mas de interrogar alguma
coisa de puramente formal.” (JHERING) Assim, exige-se que o direito cognitivamente
pressuposto pelo pensamento jurídico nos surja no seu modo de ser abstrato. ´~

1.1. As duas grandes Escolas e a síntese em que culminaram.

(1) ESCOLA DA EXEGESE


Surge com Delvincourt, Duranton, Bugnet e tens as suas origens na conjugação do jusracionalismo
moderno-iluminista, no legalismo demo-liberal e na codificação pós revolucionária (que se pretendiam
definitivas). Para esta escola de influência francesa, o direito-objeto corresponde às normas gerais e
abstratas prescritas pelo legislador na forma de códigos (que se haviam de conhecer) como
«regulamentação total, exclusiva e definitiva de um setor da vida social». Destaca-se o Código de
Napoleão. A Lei surgiria como única fonte do Direito. Os momentos do método baseavam-se na
interpretação/integração/construção/aplicação, bem influenciada pelo positivismo jurídico à baisse. O
Normativismo e o legalismo tinham, nesta escola, uma combinação perfeita. Nesta escola, a tarefa do
jurista consistia na exegse dos textos codificados, para se conhecer a lei escrita e depois a aplicar lógico-
dedutivamente.

(2) ESCOLA HISTÓRICA E O POSITIVISMO CONCEITUAL


Surge com Savigny, Puchta, Jhering e Windsheid, surgindo como um cruzamento dialético de um
historicismo constitutivo com um idealismo conceitual e de um cientismo positivista com um racionalismo
normativista. Defende uma conceção do direito antípoda da anterior escola, ao defenderem o direito

5
NEVES, Castanheira, «Método Jurídico», Digesta, 2º Volume, pp. 303-304

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como um precipitar da história, considerando que todo o povo tem o seu direito. Para esta escola de
influência alemã, o direito objeto corresponde aos materiais dados que, emergindo das experiências
consuetudinárias e legislativas (e até dos textos do direito romano comum) constituem o direito (im)posto
ao histórico comunitário elemento político. A lei vai ter uma importância crescente enquanto direito
constituída pelas forças da história e que se vai consagrar no BGB (resultado da pandectistica do séc.
XIX). O método utilizado baseava-se num método hermenêutico/científico/aplicativo, acentuando a
análise/concentração/ construção/sistematização do positivismo jurídico à hausse. Pretende-se uma
grande assimilação do normativismo para tratar racionalmente os seus problemas ( «Também através da
Escola Histórica… mas para além desta e… para fora desta…»)
Destaca-se a utilização da pirâmide conceitual de Puchta que é transparente e composta por vários
estratos, estreitando-se estes conforme se sobe da base para o vértice. Quanto maior a largura, maior a
abundância de matéria, e menor a altura, isto é, a capacidade de perspetiva…. E vice-versa. À largura
corresponde a compreensão e à altura a extensão do conceito abstrato. Entendia-se o direito como
sistema fechado de instituições e normas tão independente da realidade social das relações da vida
quanto pleno.

1.2. Os dois positivismos projetados na delimitação dos «momentos»-operações do


método.

(a) Momento Cientifico


Este momento traduz-se na sistematização exemplar proposta por Jhering que se realizará a um direito
(im)posto ao histórico comunitário elemento político, isto é, já disponibilizado em estruturas de ordenação
contingentes, mas só se torna cognoscível quando esses materiais se tornam em proposições jurídicas.
Assim, será tarefa da jurisprudência inferior, a análise jurídica que – através de uma metáfora de “química
do Direito” – procurará descobrir dos elementos mais simples e convertê-los em proposições jurídicas,
descobrindo o alfabeto do direito e distinguindo suas vogais e consoantes (no fundo, trata-se de uma
operação de abstração-generalização analiticamente rigorosa).
Também da jurisprudência inferior é a tarefa de concentração lógica, simplificando quantitativamente
das proposições jurídicas criadas os princípios gerais do direito., descobrindo o centro lógico das normas. No
fundo, ajuda-nos a reconhecer que os princípios gerais do direito correspondem a ideais ou pensamentos
implicados nas prescrições legislativas, devendo estes ser descobertos pela tarefa lógica da concentração.

Objetivos da Jurisprudência inferior: Procura substituir o sentido normativo strictu sensu das normas
por um sentido lógico. No fundo é como se os conjuntos de normas em unidade regulativa pela referência a
um certo domínio prático formassem os institutos jurídicos suscetiveis de uma objetivação conceitualizável. É
como se os materiais do direito-objeto constituíssem a ratio cognoscendi e os institutos e conceitos
proporcionassem a ratio essendi.

A jurisprudência superior terá a tarefa de construção- sistematização conceitual, partindo dos


materiais já disponibilizados pela jurisprudência inferior e reconstruindo a sua unidade em termos superiores.
As normas surgiam em relações de vizinhança (horizontais), sendo eu a unidade residia no fato de todas
partirem dos mesmos conceitos e significações (conceitos estes obtidos por indução.) Procura explorar um
autêntico sistema de corpos jurídicos em sentido estrito que, não constituindo já direito positivo, se mostra
apto a conferir a tal direito a sua decisiva transparência racional – que nos permitirá entender este direito
como um unidimensional sistema de normas. Que transparência será esta? Uma inteligibilidade expositiva,
mas também constitutiva que responsabiliza a história por uma produção geradora de novos materiais:
institutos – hoje emancipados na sua organicidade histórica e da sua contingência empírica – e conceitos –
núcleos auto-subsistentes de qualidade e forças que, enquanto existências objeto, se nos impõem como
correlato limite de uma interpelação anatómica.

(b) Momento hermenêutico


Um momento indispensável na determinação do sentido da norma e que se afirma como um passo, por
um lado, epistemologicamente heurístico (isto, é, ratio cognoscendi dos processos científicos da análise,
concentração e construção – procura do elemento positivo.) e, por outro, um momento metódico estanque
(sustentado em abstrato).
Interpretar é atribuir à norma um único sentido, integrando-a no sistema-pirâmide, e explicitar este último,
recorrendo à perspetiva categorial-classificatória oferecida pelo sistema para vencer a indeterminação
linguística de que o texto padece. Assumimos uma conceção constitutiva da textualidade, reconhecendo eu
não há direito antes do texto e das suas componentes textuais que o caraterizam.

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(c) Momento da Aplicação


A aplicação é já um momento exterior ao Método. A aplicação do Direito ao caso concreto impõe-se-nos
pré-determinado em abstrato através da aplicação do silogismo subsuntivo que garante a relação entre o
geral e o particular sem implicações normativas. O juíz é prescritivamente representado como a “mera boca
que pronuncia as palavras da lei”, isto é, que pronuncia em concreto as palavras que a norma prescreve em
abstrato. A aplicação é um momento técnico exterior que, na sua logicidade e dedutividade, não surge como
problema. A exigência de isolar a interpretação e a aplicação em compartimento analítica e cronologicamente
estanques passa pela exigência de que a interpretação em abstrato chegue à determinação rigorosa de um
único sentido.

1.3. Críticas ao “Método Jurídico”


O Direito é um abstrato objeto pré-posto vazado em normas que os respetivos destinatários devem
mobilizar como meras formas. Este Método Jurídico apresentava, assim, três dimensões: hermenêutica,
epistemológica e técnica. Apresentavam-se várias críticas a este.
 Crítica empírica: no plano da realidade, as componentes do juízo do julgador eram mais prático-
valorativas do que lógico-axiomáticas.
 Crítica metodológica: pois a reflexão interveniente não deveria ser como se sustentava, surgindo
outras correntes que desvelaram não passar a norma de eventual pressuposto do direito
judicativamente realizando.
 Outras críticas ao positivismo e ao seu Método Jurídico:
o Não proporcionam uma fundamentação adequada ao decidente quando este não dispõe
de critérios pré-objetivados e circunstancialmente mobilizáveis.
o Não lhe fornece cânones de uma indiscutível vinculatividade
o Centrado na dedutividade lógica, não orienta o decidente nas valorações.
o Não consegue controlar as ponderações constantemente pressupostas pela reflexão
judicativo-decisória.

2. A Teoria Tradicional da Interpretação da Lei (a interpretação enquanto elaboração de


juízos abstratos)

A interpretação das normas faria sentido com a mobilização de um critério para a resolução de um caso
concreto que carecesse de alguma clarificação ou explicação especial. Procurava-se, assim, a interpretação
da norma em abstrato, procurando fazê-la corresponder à premissa maior do silogismo subsuntivo.
No Pensamento Jurídico Romano, a interpretação visava o sentido útil da fonte, isto é, a interpretação
das fontes era feita em função de decisões concretas e descontextualizadas. Mais tarde, com os glosadores
inicia-se uma interpretação mais filológico-gramatical e com os comentadores uma interpretação dialético-
argumentativa. Visavam procurar o sentido racional das fontes. Com o jusnaturalismo, recupera-se o
elemento histórico e, com o jusracionalismo, um elemento sistemático.
Com o positivismo, entende-se que a interpretação só é necessária em normas que sejam pouco claras.
Porém, pretende-se um entendimento diferente da hermenêutica positivista, já que esta tese é insustentável
pois se entende que a clareza de uma lei só se manifestará através da sua interpretação. Assim, a
interpretação é a determinação do sentido normativo de uma fonte jurídica, mas estritamente no momento
em que é mobilizada para a resolução de um caso concreto que só será solucionado à luz dessa
interpretação.

2.1. Objeto da interpretação


Para a teoria tradicional, o que se interpreta é o próprio texto da lei. Podemos considerar que na base
desta compreensão está a experiência iluminista da racionalidade e a possibilidade de reconhecer uma das
dimensões desta racionalidade na textualidade enquanto tal: não porque as formulações mobilizadas
manifestem as exigências de universalidade racional (ao ler a norma apercebemo-nos da sua generalidade e
abstração), mas porque estas constituem elas próprias esta universalidade (que não existe antes do texto e
das suas significações.). Assim, procura-se, não só uma compreensão constitutiva do texto (Compreensio
Legis), mas também uma compreensão global do texto (Extensio Legis – e do binómio inter-estra-textual).
Esta compreensão global engloba o texto como conjunto de significações e conteúdos significativos
imanentes à norma legal como prescrição auto-subsistente – Não se referindo apenas á letra, mas também
ao seu espírito que nos conduz a uma ideia de interpretação mais ampla, pressupondo uma ponderação
moderadora entre a norma mobilizada e o caso concreto. [Hoje a interpretação entende-se como um
problema normativo de compreensão do sentido que esse texto encerra.] Savigny reconhece vários
elementos ao texto da lei:

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(1) Elemento Gramatical: Corresponde à sua letra ou teor verbal, isto é, o texto na sua relevância
filológico-gramatical, reconduzindo-a aos usos linguísticos que podem ser gerais ou especiais.
[LETRA DA LEI]
(2) Elemento Histórico: o texto na sua relevância histórica, vinculado às circunstâncias do seu
aparecimento e ás circunstâncias em que foi elaborado – occasio legis. [ESPIRITO DA LEI]
(3) Elemento Sistemático e Lógico: O primeiro a preocupar-se com a inserção sistematicamente
racional da norma no conjunto do sistema jurídico constituído pelas normas e uma referenciação À
pirâmide de conceitos; o segundo a referir-se a uma unidade lógico-estrutural da norma legal,
identificando a sua estrutura hipotético-condicional. Hoje diz-se elemento lógico-sistemático.
[ESPIRITO DA LEI]

Fora do texto encontramos vários elementos materiais que podem criar incerteza na interpretação –
interesses, valorações práticas, decisões, etc… - pervertendo a objetividade do processo hermenêutico.
Falamos de um elemento racional-teleológico que se ocupa com o fim e motivo da norma. Numa fase
inicial, Savigny ensina-nos a exclui-lo pela incerteza que este gera. No Curso de Inverno de 1802-1803, este
afasta a possibilidade de consideração deste elemento.
Mais tarde, com a obra “System des heutigen römischen Rechts de 1840”, ensina-nos a dar-lhe uma
relevância secundária e excecional. Sem deixar de o considerar um elemento extratextual, admite-se que
seja convocado excecionalmente.
Impõe-se uma distinção entre uma situação metodológica-regra – aquela em que o texto da lei a
interpretar nos aparece exprimindo claramente qual é o objeto e o fim da regulação prescrito – e uma
situação metodológica excecional – aquela em que o mesmo texto se nos expõe num estado imperfeito ou
insuficiente. Só no caso de existir uma expressão indeterminada é que se pode mobilizar este elemento
extratextual. Assim, para determinar o sentido único da norma, há que assumir a interpretação como uma
operação do momento judicativo concreto.
6
Mas se o texto não se confunde com a sua relevância gramatical , não deixa esta (enquanto letra) de, na
perspetiva tradicional, desempenhar uma função autónoma inconfundível com a dos outros elementos
textuais. (correspondentes ao espírito - os sentidos que a letra da lei não admite e imediatamente exclui).
Assim, esta função surge-nos como uma prioridade analítica e cronológica, com uma força prescritiva que
condiciona todo o processo interpretativo. Trata-se de assumir uma relevância negativa da letra da lei:
(1) A letra como fronteira da interpretação (Larenz) a admitir que o intérprete deve excluir quaisquer
sentidos que a sua letra não admita já que esta assinala o limite da interpretação propriamente dita.
Essa consideração deve ser vista como desenvolvimento judicial do Direito e não como
interpretação.
(2) A teoria da alusão de Engisch que defende que existe uma correspondência verbal mínima entre a
relevância gramatical da lei e o «pensamento legislativo» determinado pela interpretação. Segundo
esta teoria, deve dar-se prioridade absoluta ao teor verbal da lei relativamente a todos os outros
argumentos interpretativos mobilizáveis. Na falta de clareza, só podem ser admitidos os resultados
da interpretação que possam encontrar na letra uma qualquer expressão. Rüthers vai, mais tarde,
considerar que o teor verbal da lei é um meio de conhecimento importante para sondar a vontade do
legislador… mas é apenas um meio entre vários, dando origem a uma nova teoria da alusão.

Assim, trata-se de excluir sentidos, isto é, determinar inevitavelmente um círculo de sentidos possíveis e
excluir aqueles que não se enquadram nestes – candidatos negativos (Todos os objetos, fatos ou casos que
não tenham referência literal no texto legal). Esta relevância negativa do elemento gramatical acaba por fixar
de modo prescritivo os sentidos possíveis para a interpretação do critério jurídico.
Mas a letra também desempenha uma função de seleção, considerando os sentidos possíveis,
selecionando os mais naturais e imediatos – candidatos positivos. (Todos os objetos, fatos ou casos que
tenham referência literal no texto legal). Há ainda que reconhecer outros sentidos possíveis que
correspondem a situações menos habituais dos elementos linguísticos em causa – candidatos neutros.
(Aqueles que são menos imediatamente ligados ao teor literal, mas que ainda podem ser considerados.).
A relevância positiva podia ser considerada como não normativa – conferir á letra da lei um valor positivo
normativamente autónomo seria excluir os resultados da interpretação extensiva/ interpretação
restritiva…Impõe-se, assim, um jogo com outros elementos intratextuais.

6
“Interpretação é a reconstrução do pensamento que se exprime na lei, contanto que ele seja cognoscível na própria lei”;
“Se a tarefa da interpretação é trazer à consciência o conteúdo da lei, tudo o que não faça parte desse conteúdo, qualquer
que seja a sua afinidade com ele, rigorosamente está fora dos limites daquela tarefa”. – SAVIGNY

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Pretende-se, através da análise em abstrato da norma, chegar a um sentido único. Porém, não basta a
mobilização do elemento gramatical, sendo importante a convocação de outros elementos – histórico e
lógico-sistemático (A escola da Exegese e Savigny defendem que, por vezes, se possa recorrer ao perigoso
elemento teleológico) – para uma mobilização em conjunto de forma a criar um jogo de regras ou opções
com uma matriz privilegiada ao considerar o objetivo e o fim da interpretação.

2.2. O Objetivo da interpretação


Pretende-se saber o que se espera atingir com a interpretação do texto. Há duas linhas fundamentais de
pensamento a ter em conta, dentro da teoria tradicional da interpretação:
 SUBJETIVISMO: (Inícios do séc. XIX – legalismo da escola exegética) Defendem que o fim da
interpretação é a reconstituição de uma intentio auctoris, dita voluntas ou mens legislatoris, isto é
a vontade histórico psicológica do sujeito legislador. Por outras palavras, pretende-se entender a
intenção do autor da lei, realizando uma interpretação filológico-histórica de forma a que
“Interpretar [seja] colocar-se em pensamento na perspetiva ou ponto de vista do legislador e
recapitular-reproduzir mental-artificialmente a sua atividade”. (SAVIGNY)
 OBJETIVISMO (Meios do Séc. XIX) considerando o fim da interpretação como reconstituição de
uma intentio operis, dita mens legis, que abstrai do legislador real para se concentrar no sentido
que o texto legal encarna e exprime autonomamente. Procura extrair o sentido normativo que o
texto exprima. Assim, defende que “É decisivo não o que o autor da lei quis, mas o que quer a
própria lei…” (KOHLER) A lei ganha vida própria.

O ponto em comum entre as duas teorias é a consideração de que o objeto da interpretação é o texto da
lei. Realçam a relevância negativa da letra da lei, estando nós perante um subjetivismo e objetivismo
dogmáticos, preocupados com uma interpretação em abstrato e com inserção prioritária do texto norma no
sistema das normas e dos conceitos. Quando definido o elenco dos sentidos possíveis, trata-se de explorar
internamente esse elenco.

SUBJETIVISMO OBJETIVISMO
O subjetivismo surgiu primeiro, nos inícios do O objetivismo surge já a metade do século XIX.
século XIX, tendo como corolário o legalismo pós
revolucionário.
Os argumentos jurídicos da soberania do Surge como consequência de uma conceção do
legislador, da separação de poderes, da vinculação direito diferente que apoia a forma de lei a dar
do direito constituído e da segurança, encontram-se unicamente o ser jurídico à norma legal, o princípio
a favor do subjetivismo. da publicidade e confiança, da imputação das leis ao
legislador atual, etc…
O subjetivismo traduz uma conceção Parte de um entendimento espiritual da cultura e
epistemologicamente positivista, segundo a qual os de uma intenção compreensiva da hermenêutica,
sentidos culturais seriam eles próprios entidades reconhecendo já na autonomia e objetividade
empíricas, e interpretá-los seria imputá-los próprias do ser cultural irredutíveis manifestações
psicologicamente ao seu autor, perspetivando-os histórico-culturais do espirito objetivo.
pelo processo da sua génese histórica-psíquica
O subjetivismo vê no sentido da lei a vontade do O objetivismo compreende o sentido da lei como
legislador. “normativo”.
Este concede o direito em termos imperativo- Direito concebido como uma ordem
decisionistas, isto é, como um conjunto de normativamente objetiva em que se assimila o
imperativos imputáveis um poder titulado no consensus histórico, de uma intencionalidade e
legislador. Por isso, o subjetivismo se dirige ao racionalidade próprias, e perante a qual o próprio
legislador e pressupõe uma interpretação fixa. legislador será intérprete e da qual, por outro lado,
as leis são tomadas em si e não como livre criação
de alguém. Por isso, o objetivismo dirige-se á lei,
pressupondo uma hermenêutica que parte da ideia
de que a lei pode ser juridicamente mais sábia que a
intenção do seu autor.
O subjetivismo tem como principal objetivo O objetivismo tem como principal objetivo
prático-jurídico, o alcance da segurança. prático-jurídico a justeza e retidão de soluções a
obter pela interpretação.

No século XX surgiram sínteses destas teorias, com o aparecimento de teorias mistas e de teorias
gradualistas. O próprio artigo 9º comprova esta afirmação quando o nosso legislador optou por incluir nele

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uma componente subjetivista – procurar o sentido histórico que o legislador atribuiu à lei – e uma
componente objetivista – recorrer a vários elementos, orientando-se em último termo pela presunção do
legislador razoável.

Importa distinguirmos:
Subjetivismo Radical  Há que fazer de tudo para reconstruir a vontade histórica do legislador, mas
sem pôr em causa a relevância negativa da lei.
Subjetivismo Moderado  Há que reconstruir a vontade do legislador, mas o resultado a que se chega
tem de ser compatível com essa vontade, aludindo a uma teoria da alusão de modo a procurar o reflexo
mínimo indispensável da voluntas legislatoris no teor verbal do texto.

Objetivismo Histórico ou Historicista  Reconstruir o sentido da lei no contexto histórico em que foi
produzido, preocupando-se como é que o legislador teria pensado e querido a lei no condicionalismo do
tempo da sua publicação.
Objetivismo Atualista  Preocupa-se com a mens legis, mas no tempo atual da sua interpretação,
projetando estas preocupações numa outra presunção do legislador razoável. Realça-se a importância deste
objetivismo, já com uma assunção finalista que irá possibilitar superar a conceção tradicional, nomeadamente
a teoria da limitação-expressão. O objetivismo atualista justifica o facto de defender que não se tem que
reconstituir a vontade do legislador real, pois se presume a sua razoabilidade. No fundo presume-se que a
lei, uma vez formada, se desatca do legislador, ganhando consistência autónoma, tornando-se uma entidade
viva. (MANUEL DE ANDRADE) Também Engish defende uma interpreatitio ex nunc, com fidelidade à
circunstância presente.
Esta presunção do legislador razoável traduz-se na consideração de que há uma vontade de um
legislador ideal que pensa as leis com o sentido mais razoável que o seu texto comporta, e que, para além
disso, as recompõe continuadamente em vigor com o sentido mais razoável que o seu quadro verbal vai
refletindo dentro do condicionalismo renovado em que elas vão vivendo. Há três dimensões a que a
presunção do legislador razoável poderá corresponder, enquanto beneficia o legislador hipotético com a
presunção de que:
a) Consagrou as melhores soluções (razoabilidade quanto ao conteúdo ou mérito material)
b) Soube exprimir com suficiente correção o seu pensamento (razoabilidade no plano formal-
expressivo)
c) Na mesma medida em que conferiu ás suas prescrições uma autêntica flexibilidade evolutiva capaz
de refletir o condicionalismo renovado em que estas vão vivendo. (razoabilidade no plano evolutivo-
atualista).

O nosso art. 9º co C.C. assimila uma teoria mista ou de síntese, desde logo nos seus trabalhos
preparatórios, ao falar-se do fato do intérprete dever interpretar primeiro o sentido histórico que o legislador
tivesse atribuído à lei (subjetivismo), e recorrendo ainda a outros elementos, orientando-se pela presunção
acima citada (objetivismo).
Para mais, o reconhecimento de um momento histórico nesse artigo – “circunstâncias em que a lei foi
elaborada”, relaciona-se com um certo subjetivismo atualista. A “aceitação de um valor-limite no texto” é
compatível com o subjetivismo moderado, mas tendencialmente objetivista, ligando-se ao elemento
sistemático. No nº3, acolhe-se a presunção do legislador razoável, completamente objetivista. Esta concerta-
se com a teoria da alusão, presente no nº2, consagrando uma razoabilidade nos planos material e formal-
expressivo.

NOTA – Sentido e Valor dos cânones interpretativos legislativamente prescritos


A natureza que acaba de reconhecer-se à I.J. não será fundamento bastante para a considerar objeto
possível de prescrições jurídico-positivas? Se deixarmos de lado o postulado de omnipotência do legislador e
do positivismo jurídico elementar, sustentam-se duas teses: autonomista (problema da interpretação é
autónomo do direito positivamente prescrito) e redutivista (as regras sobre a interpretação seriam redutíveis
ao direito positivo). Nenhuma das posições resolve o problema. É ao nível dogmático que se obtêm
resultados juridicamente vinculantes. Só compreenderemos o direito ao atingirmos a dialética entre os seus
momentos problemático e dogmático.

Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014


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2.3. Os elementos intra-textuais e a sua relevância determinada pela opção quanto ao


objetivo da interpretação.

Savigny defendia que era o elemento gramatical, o principal elemento de interpretação da lei
segundo a teoria tradicional da interpretação. Porém, admitia a existência de outros elementos
intra-textuais – histórico e sistemático. O elemento gramatical era, assim, o elemento básico porque
o objeto da interpretação se identificava com o texto, entendendo-a geralmente com um valor
negativo nas também, positivo ou seletivo. Estes valores eram acentuados, sobretudo, pelo
objetivismo, enquanto o subjetivismo negava o segundo valor ao recusar o valor normativo à letra
da lei.
Segundo Castanheira Neves, o elemento histórico é constituído, simultaneamente por
quaisquer precedentes normativos, tendo em atenção as normas legais nacionais ou estrangeiras
que vigoraram na época de formação da lei e a influenciaram; as obras da doutrina; a evolução dos
próprios institutos jurídicos, da figura, ou regime jurídico em causa. Este tem duas dimensões: uma
patente no art. 9º/1 que se refere “às circunstâncias em que a lei foi elaborada” – occasio legis
(fatores políticos, sociais e económicos que motivaram a medida legislativa em causa); trabalhos
preparatórios e/ou materiais da lei. (art. 9º/1)
Quanto ao elemento sistémico, devemos considerar o contexto da lei, invocando normas
reguladoras do instituto em que se enquadra a norma a interpretar, e os lugares paralelos, através
da comparação de normas reguladoras de problemas e institutos diferentes dos disciplinados pela
norma. No fundo, consideramos a norma a interpretar na sua relação com as outras normas. A
superação desta perspetiva cumpre-se assumindo outras conceções do sistema jurídico. Destaca-
se ainda a importância da pressuposição do sistema de conceitos, impondo ao momento da
interpretação dogmática considerações e argumentos que são já inevitavelmente sistemáticos. (art.
9º/1)

Manuel de Andrade acentua, ainda, que, apesar de tudo, o objetivismo atualista dá importância
ao elemento histórico, para daí tirar as consequências para a determinação do seu atual sentido.
Este também realça que uma consideração sistemática intervém logo no primeiro momento da
interpretação, quando se trata de apurar o sentido meramente verbal da lei, já que as palavras e
locuções têm uma significação particular que só pode ser entendida a partir do atendimento ao
conjunto da lei.
Quanto ao elemento racional e teleológico, este refere-se ao objetivo básico que esteve na
base da criação da norma. Este elemento é perigoso e, como tal, só pode ser mobilizado se não
podermos aferir o sentido da norma através dos demais elementos. (art. 9º/3 C.C.)
Todos os elementos devem ser mobilizados para a extração de um sentido único à norma,
tendo maior relevo aquele elemento que, perante os pontos problemáticos acentuados no caso
concreto, tenha maior força argumentativa na utilização da norma como critério de solução desses
pontos. A teoria tradicional da interpretação não tinha este entendimento.

2.4. O Problema dos resultados da interpretação


Procuramos entender o sentido único a que se chegou, compreendendo a opção consentida. Uma
primeira etapa passará por excluir todas as possibilidades interpretativas que não são compatíveis com a lei,
isto é, que não tenham na sua letra o mínimo de correspondência verbal – atende-se a uma relevância
prescritiva da letra consagradora de candidatos negativos.
Esta opção pode ter privilegiado, também, os significados mais naturais e imediatos, movendo-se dentro
do território que corresponde aos candidatos positivos e que se nos afirma como uma interpretação
declarativa.
Também podemos, porém, selecionar um sentido que, não sendo o mais natural, é ainda um sentido
possível – mais ou menos extenso do que aquele sentido natural -, referindo-se aos territórios dos candidatos
neutros. Importa compreender que este sentido possível (podendo ou não pertencer ao elenco-domínio dos
sentidos mais naturais) pode surgir como mais ou menos extenso do que aquele sentido natural ou apenas
lógico virtualmente contido nas suas palavras. Neste último caso, sabemos que tal é possível através dos
argumentos a maiori ad minus («a lei que permite o mais também permite o menos»), a minori ad minus («A
lei que proíbe o menos também proíbe o mais») e a contrario sensu («A lei que estabelece uma disciplina

Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014


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para certo tipo de situações excecionais afirma implicitamente um principio-regra, de sentido contrário, para
todos os tipos de problemas restantes…»).
A interpretação declarativa verifica-se quando a letra e o espírito correspondem naturalmente, sendo que
o texto admite o sentido determinável pelo espírito da lei e o intérprete apenas se fixa nesse sentido que o
texto naturalmente exprime.
Assim, a interpretação extensiva trata de alargar a letra para a fazer coincidir com o espirito, procurando
chegar a um sentido que, sendo possível, nos aparece a corresponder a um uso das formulações mais
extenso do que o seu uso natural.
Já a interpretação restritiva acaba por extrair da norma um sentido mais rigoroso e particular, sempre
justificadamente através da mobilização do elemento histórico e sistemático – no fundo defende que a “letra
vai além do espírito do legislador ou do pensamento legislativo”. Para tal, é necessário que se restrinja
naturalmente o sentido textual da lei para o fazer coincidir com o espírito.
Já a interpretação enunciativa verifica-se quando se infiram do preceito conclusões normativo-jurídicas
que ele virtualmente admita, já que obtidos pela simples utilização de argumentos lógico-jurídicos.
A interpretação revogatória ou ab-rogante verifica-se quando a conciliação entre a letra e o espírito é
impossível, criando-se antinomias insuperáveis.

Estas formulações da teoria tradicional são pouco felizes na consideração relativa à interpretação
restritiva, mas em especial à extensiva pois alargar a letra para a fazer coincidir com o espírito poderia levar-
nos a saltar para além do elenco dos sentidos possíveis, chegando, assim, à conclusão de que o processo
interpretativo que cumprimos em abstrato escolheu um sentido que, sendo ainda permitido pela letra, se
integra no elenco dos sentidos menos naturais que pode ser mais ou menos extenso.
O jogo destes resultados que vamos obtendo com a interpretação vai ganhando maior dinâmica à
medida que a importância do elemento racional se vai tornando mais significativa, permitindo uma
experimentação mais coerente que nos leva a admitir novos resultados, superando o entendimento
tradicional que até agora privilegiámos.

B) A superação da Teoria Tradicional de Interpretação reconhecida no (ou a partir do)


contributo decisivo da Jurisprudência dos Interesses

Assiste-se agora a uma autêntica viragem finalista de um “segundo” Jhering que defende “(…) Purpose is
the creator of the entire law [which is] the sum of the conditions of social life in the widest sense of the term
(…)”. Esta perspectiva – sem dúvida alguma, finalista – vai conduzir à chamada Jurisprudência dos
interesses ou Escola de Tübingen que se destaca pelo extremo equilíbrio das suas propostas (que oscilam
entre um respeito à tradição e uma abertura À inovação) e pela ampla aceitação que elas justificadamente
disfrutaram. É imperativo referir o incontornável contributo de Heck que foi muito marcado pelas disputas que
intranquilizavam o horizonte do direito, ajudando a inaugurar um finalismo de matriz sociológica. (The life of
law has not been logic: it has been experience – Holmes.) Heck defendeu que a jurisprudência teleológica
não é suficiente. Tem de ser aprofundada por uma análise dos interesses, isto é, por uma teoria de conflitos
que analise as normas a partir dos conflitos de interesses.
Jhering considerou que o direito deve o seu sentido a fins societariamente relevantes e tendencialmente
equivalentes que o vão adequando ás exigências de cada tempo e concorrem para assegurar a subsistência
da própria sociedade em conformidade com a ética pragmática e utilitarista. Chamou ainda a tenção para a
categoria “interesse”, que deveria substituir a vontade como elemento decisivo na constituição do direito
Privado. Assim, inaugura um pólo de uma marcadamente teleológica teoria da interpretação jurídica, com a
correlativa desvalorização da letra da lei. Assim, o fim surge como a causa natural do direito

Confronto da jurisprudência dos conceitos com o Movimento do direito livre:

“Movimento do Direito Livre” Jurisprudência dos Conceitos


Elevou a decisão concreta ao primeiro plano, Realça a importância do critério legal pré-
subalternizando o critério legal pré-objetivado, objetivado.
invertendo o modelo discursivo tradicional.
Absolutiza o irracionalismo voluntarista e a Absolutiza o racionalismo lógico formal
intuição emocional do justo concreto.
Admitiu explicitamente a possibilidade de Fazia do dever de obediência à lei uma pedra
decisões contra legem, por recurso a uma angular da sua identidade
jurisprudência dos sentimentos, sempre que o
sentido da norma circunstancialmente em causa

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se não revelasse inequívoco ou aceitável.


A decisão concreta é o centro de gravidade do É a norma legal que surge como centro de
discurso metodológico-jurídico, admitindo a gravidade da decisão concreta que deverá ser
mobilização a posteriori da norma legal para tomada a partir da mobilização da norma e da
controlar a decisão e para a retificar. sua interpretação.
Sustenta que na base judicativo-decisória da A base da realização do direito é a ratio.
realização do direito está a voluntas e não a ratio,
sendo que a formal racionalidade axiomático-
dedutiva era a única disponível.

Postulados metódicos da Jurisprudência dos Interesses:


(1) Princípio da obediência à lei
(2) Perspetivação do direito pelos interesses enquanto elementos transtextuais.
(3) Conceção da lei e o reconhecimento dos limites normativos da lei (com exceção daqueles que
traduzam uma mobilização juridicamente autónoma dos princípios.)
(4) Intenção prática do pensamento jurídico que deve surgir como “uma ciência normativa e prática
(…) cuja finalidade é servir a vida.”
a. Problemas normativos vs. Problemas de formulação: Os primeiros a identificar-se com as
questões juridicamente relevantes, radicadas em conflitos de interesses que têm de ser
solucionados em termos prático-teleologicamente adequados; os segundos a traduzir-se
nas preocupações associadas à articulada e empenhada exposição de soluções
acabadas de referir.
b. Sistema Interno vs. Sistema Externo – O Primeiro a dizer respeito à unitariamente
estruturada consideração dos problemas normativos e das suas soluções específicas
(Corresponde a um nexo objetivo entre as soluções dos problemas); o segundo a dizer
respeito à expositiva reprodução, determinada por objetivos didáticos, dos conteúdos
jurídicos.

1. O método da interpretação da Jurisprudência dos interesses enquanto superação


decisiva do equilíbrio da perspetiva tradicional.

1.1. A conceção de norma legal como solução valoradora de conflitos de interesses


Afirma-se uma autêntica perspetivação pelos interesses, passando estes a ser vistos como fatores
sociais extratextuais constitutivo da juridicidade. Isto é, os interesses como condições e fatos sociais ou de
realidade que se nos apresentam como motivos, forças e fins. Os interesses podem, porém, ser constituídos
por um espetro variadíssimo de fatores constitutivos, desde apetências estritamente económicas a
aspirações ideias –éticas… Porém, este espetro surge-nos submetido a um filtro de relevância puramente
empírico que procura determiná-los, como:
(1) Disposições de apetência para os bens da vida
(2) Motivos-fins de eficácia socialmente mobilizante
(3) Conteúdos de apetências individuais ou coletivas socialmente verificadas
(4) Fatos psicológico-sociais a operarem numa causalidade também sociológica.

Importa agora, analisar a relação da norma legal com os interesses:


Parte de uma determinação social do direito, recusando a ideia de que “o direito surge
imediatamente dos factos ou dos fatores sociais”, sem a mediação do legislador e do jurista em geral. A
teoria genética dos interesses defende que os comandos legais visam:
(1) delimitar os interesses – autonomizando-se como mediações normativamente irredutíveis de
juízos de valor (tipificando conflitos de interesses e as soluções correspondentes com base num ideal
social).
(2) Como todos os comandos humanamente ativos, impõem-se na sua realidade social como
verdadeiros produtos de interesses – As leis resultam dos interesses de orientação de qualquer
comunidade jurídica, lutando uns com os outros pelo seu reconhecimento. É nesta conceção que
reside o núcleo da jurisprudência dos interesses.

A mediação valoradora esgota-se na preferência de um interesse sobre outro ou outros em conflito.


Assim, há um imperioso dever de obediência à lei. Porém, esta já não é o comando impositivo-
voluntaristicamente pré-escrito pela instância legislativa, mas a emblemática expressão da autonomia da
comunidade jurídica – representada pelo legislador, enquanto designação englobante dos interesses da
comunidade que obtiveram vigência na lei, tendo por objetivo solucionar um certo conflito de interesses.

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Assim, não basta observar a Gebotseite da norma (o seu lado imperativo), tem também de se respeitar a
Interessenseite. Há que reconhecer um certo continuum de determinação sociológica entre os interesses em
geral e os interesses de decisão (critérios da decisão legislativa em causa) – Na sua conceção amplíssima
de interesse, Heck não distinguiu os interesses realmente concorrentes e os juízos de valor prescritos
normativamente pela lei. O fim da norma deve ser reconstruido na perspetiva do conflito de interesses que
esta assimila. Importa, assim, reconhecer duas dimensões da norma legal:
(1) Dimensão estrutural ou anatómica do comando-imperativo  GEBOTSEITE
(2) Dimensão material ou fisiológica dos interesses e da solução valoradora  INTERESSENSEITE

Insuficiências desta conceção do direito:


(1) Perspetiva Sociológica  Considerou apenas os interesses em situação de conflito, esquecendo eu
eles também se podem apresentar mais ou menos extensa e intensamente em convergência – Ex:
Direito comercial ou de Roscoe Pound que distinguia os interesses individuais, públicos e sociais,
incompreendendo o pensamento jurídico como um social engineering que procura ordenar as
relações humanas mediante “the balancing of competing interests”.
(2) Nunca logrou distinguir o objeto da valoração do fundamento da valoração. Daí as inconcludências
perante o problema das lacunas.
(3) Não conseguiu compreender a problemática do sistema jurídico. É certo que relevou o sistema
interno, mas nele não se nos manifesta nem a pluralidade de estratos que reconhecemos ao corpus
iuris, nem a particular dialética que o anima, nem a especifica intencionalidade que o autonomiza.
(4) Para a Jurisprudência dos interesses, o sentido do direito não implicava qualquer dimensão de
idealidade ou de espiritualidade ou apenas se propunha a considerar estas dimensões quando estas
se manifestassem como factos sociais. Isto denunciava um finalismo radicado num estrito positivismo
fático-social.

1.2. O método da interpretação


(1) Compreensão decisiva do elemento gramatical que perde o seu valor metodologicamente
autónomo e a sua função delimitadora – e assim a sua relevância normativo-prescrita. O
elemento gramatical só é considerado no jogo com os outros elementos – como elemento de
determinação do conteúdo expresso do imperativo. Só pode ser considerado como um valor
heurístico ou indiciário. (Não normativo)
(2) Procura da vontade normativa da lei a assumir um subjetivismo teleológico. A investigação
histórica suscitada pela perspetiva do caso concreto, e que permitiu selecionar a norma, e os
seus passos analíticos:
a. Imagem do comando ou imperativo  GEBOTSBILD, permite a determinação do
conteúdo expresso no texto da lei.
b. Imagem dos motivos  MOTIVBILD, permite a determinação das representações
legislativas sobre o fim da lei. Trata-se da vontade real histórico-psicologicamente
reconstruida.
c. Imagem dos interesses causais  INTERESSENBILD, permite a reconstituição dos
interesses em conflito e a compreensão da ponderação que lhe corresponde.
d. Imagem definitiva  A vontade normativa a exprimir a preferência por um dos interesses
em conflito (ou a valoração correspondente). Esta era determinada através de uma
criteriosa e cuidadosa ponderação de interesses.

Nota: Esta vontade normativa é distinta da vontade psicológica do subjetivismo dogmático. Podemos falar de
uma interpretação teleológica, favorecendo o elemento racional-teleológico, compreendendo a lei como uma
solução valoradora de um conflito de interesses e o direito como uma função normativa de tutela e realização
de interesses sociais.

(3) A perspetiva do caso a superar a divisão estanque interpretação (em abstrato)/ aplicação.
Afirma-se o direito que se realiza na “sentença judicial”. O juízo prático de analogia impõe ao
julgador a exigência de repetir no caso concreto decidindo a ponderação teleológica na norma
legal mediante uma comparação das situações de interesses respetivamente pressupostas. A
obediência pensante à vontade normativa da lei, dando-se grande relevo ao elemento
teleológico, ao exigir uma postura metodológica perante o elemento gramatical, colocando-se em
causa o teor verbal do comando.
Esta preferência do legislador não pode ser problematizada ou discutida, já que jurisprudência
dos interesses não interferia no plano dos princípios e da ratio júris, já que o seu problema se
limita à ratio legis.

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1.3. O método da interpretação corretiva


Este não é um método de interpretação próprio da jurisprudência dos interesses, como, por vezes, se
pensa. Este método parte de certos pressupostos a ter em conta.
Desde logo, o julgador considera-se autorizado para fazer uma correção da norma (graças à «obediência
pensante» à vontade normativa da lei), isto é, atribuir à norma um sentido que não fosse aceite se
considerássemos só o elemento gramatical de forma autónoma. Assim, atribuímos a essa norma – na sua
experimentação em concreto – um sentido que seria excluído pela relevância negativa do seu elemento
gramatical. Tal pode verificar-se quando:
 Estamos perante um problema jurídico no qual se reconhece uma situação real de interesses do
mesmo tipo daquela que é regulada pelo legislador (esta última deve ser reconstituída através da
imagem objetiva de interesses e da vontade normativa que a assimila). Por outras palavras, tem
de haver uma indicação clara de que determinada norma legal é suscetivel de assimilar um
problema em concreto. No fundo, a prescrição normativa tem de ser suscetivel de
analogicamente se associar ao problema.
 Temos de estar perante um problema concreto que apresenta especificidades (perante a
situação em abstrato), sendo que estes elementos específicos não foram tipificados em abstrato.
A situação está conformada atipicamente. Assim, a tipificação legal não assimila essa situação
real dos interesses que se nos oferece em termos concretos não previstos pelo legislador.
 Temos de estar perante uma atipicidade que, considerada na perspetiva do caso concreto, nos
permita reconhecer uma incongruência/conflito no interior da norma.
o Que incongruência é esta? Uma incongruência entre a expressão literal do imperativo
(Teor verbal do comando – Gebotseite) e a finalidade prática da norma (vontade
normativa – Interessenseite.). A atipicidade da situação obriga o intérprete a seguir um
só destes caminhos: sempre que se desobedeça ao elemento gramatical, estamos
perante interpretação corretiva. Consideramos que obedecer ao comando expresso
signifique manifestamente frustrar o elemento teleológico e o juízo de valor e, por isso,
devemos dar prevalência ao elemento teleológico, em caso de conflito com o elemento
gramatical.
o Exemplos de Heck : Enfermeira e Artilheiro.
o Reconhece-se uma certa insuficiência ao nível do critério de valoração, o que impede
que se tratem autonomamente os interesses. Tanto o objeto da valoração, como a
valoração em si mesma se consideram causados por interesses socialmente relevantes.

Para além da correção, há outros resultados determinados pela ratio legis. Assim, convocar o
elemento teleológico, considerando apenas a teleologia ao nível da ratio elgis (finalidade prática da
norma enquanto tal), pode conduzir à:
 Extensão Teleológica: Há uma situação concreta em que, se partisse do fundo da perspetiva
tradicional (valorização do teor verbal), não haveriam dúvidas de que o caso se devia excluir da
relevância da norma, surgindo como candidato negativo. Porém, considerando os outros
elementos, à luz da finalidade prática, o caso poderia ser assimilado pela norma.
o Pela via da adaptação extensiva e da extensão teleológica, é possível mobilizar
justificadamente uma norma e solucionar, por sua mediação, casos concretos, quando o
pensamento tradicional, ao contrário, colocava já o decidente perante uma lacuna,
impondo-lhe, na ausência de obstáculos impeditivos, a respetiva integração.
 Redução Teleológica: Se considerássemos só o elemento gramatical, concluiríamos que o caso
corresponderia À norma em si. Porém, tendo em conta os outros elementos, chegamos à
conclusão que se frustraria a finalidade da norma, se seguíssemos o teor verbal. Assim, teremos
que excluir casos que, à luz da função delimitadora do elemento gramatical, esta abrangeria.

Extensão Teleológica e Redução Teleológica não se confundem com interpretação restritiva e


extensiva, pois nas primeiras não se procura a adequação ou final correspondência entre a letra e o espirito,
mas antes uma correção do texto funda da teleologicamente (Larenz).
A acentuação do elemento teleológico implica o abandono de um sentido puramente hermenêutico e
a assunção de um sentido verdadeiramente normativo da interpretação jurídica.

1.4. Para além da Jurisprudência dos Interesses


Referimo-nos à Jurisprudência da Valoração que teve uma grande relevo ao problema da valoração,
autonomizando a perspetiva dos princípios, determinados como horizonte muito importante para a
interpretação. A jurisprudência dos interesses não considerava os limites de validade.

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Em concreto, será que a finalidade prática desta norma e a solução que encontramos para o caso, será
compatível com o horizonte de princípios normativos? Questiona-se a validade da opção do legislador,
criando-se uma interpretação conforme os princípios (ratio juris).
Se, tendo em conta a teleologia e o teor verbal da norma, se chegar a uma solução em concreto que se
mostra potencialmente violadora de exigência associadas aos princípios, devemos proceder a uma
correção/preterição/superação conforme os princípios para vencer a insuficiência normativa que existe entre
a teleologia da norma e os seus princípios. Esta correção visa atribuir um sentido à norma que corresponda
às exigências dos princípios.
Esta correção da norma permite que se atribua à norma um sentido que seria decerto excluído pela
relevância negativa autónoma do elemento gramatical, mas tal é permitido sempre que a mobilização do
comando expresso implique uma incoerência entre os princípios e a prescrição normativa por eles
fundamentada. Esta contradição pode resultar de:
 Assimilação errada dos fundamentos em causa
 Alteração do sentido histórico que os princípios se nos impõem.

Para além do caso dos limites de validade apresentado acima, importa ainda referir a questão dos limites
temporais por caducidade: uma norma ferida de caducidade que viola os princípios, leva a que se invoquem
os limites temporais como hipótese de superação – sempre conforme com os princípios e com a mobilização
de critérios dogmáticos e jurisprudenciais – procurando-se preterir a norma de forma a torná-la de acordo
com os princípios. Há, porém, a possibilidade de não ser possível a correção da norma, graças ao conflito
ratio juris e ratio legis.

No fundo, convocam-se outros elementos extratextuais, procurando fazer corresponder ao elemento


teleológico a face da ratio legis e da ratio juris. Questiona-se se devemos conferir preferência a algum destes
elementos e como os devemos conjugar entre si. Destacam-se:
 Fatores Ontológicos: apelo à “natureza das coisas” e outros argumentos de natureza
institucional;
 Fatores Sociais: Interesses, tipificações sociais relevantes, etc…
 Fatores Normativos em sentido estrito: Critérios ético jurídicos, precedentes da casuística
jurisprudencial, etc…

Continuum da realização do direito e interpretação jurídica como momento dessa realização


 A interpretação é o resultado do seu resultado, não sendo uma determinação a priori de uma
normatividade em abstrato, sendo, pelo contrário, constituída pela relação normativa entre a norma e
o caso concreto. A interpretação só se consuma no caso concreto.
 Há um continuum entre interpretação e integração. O sentido tradicional da interpretação deverá ser
superado e devemos considerar a diferenciação entre a realização do direito que possa fazer-se pela
mediação da norma e a realização do direito que já não possa operar com apoio num critério dessa
natureza.

Realização do direito, e não a interpretação, como “o” problema metodológico


 A realização do direito revela-se com dois polos: o sistema e o problema. O mesmo é dizer-se que
tem uma dupla dimensão intencional: uma dimensão sistemática e uma dimensão problemática. Se a
consideração da dimensão problemática abre continuamente o sistema e permite uma realização
adequada e justa da juridicidade, a convocação da dimensão sistemática oferece uma
fundamentação normativo-racional, uma jurídica validade, a essa mesma realização.
 A norma será apenas o eixo de um processo metodológico complexo em que ela se vê transcendida
pela intenção normativo-jurídica fundamentante manifestada pelo sistema.

2. O problema da realização do direito sem a mediação da norma

2.1. Analogia Legis e Analogia Juris


A questão da auto-integração é abordada no contexto do legalismo normativista legalista, sendo
determinado pelo conceito de lacuna, isto é, um problema jurídico que não está previsto nas normas também
apelidado de caso omisso. Esta expressão passou a ser utilizada com o normativismo porque se considera
que o sistema de normas prescrito legislativamente é fechado e autossuficiente.
O positivismo exegético reconhece a possibilidade de existência de lacunas, assim como o positivismo
conceitual, reconhecendo-se um método de auto-integração a realizar pelo próprio sistema que resolverá a
questão das lacunas. O sistema jurídico dirige-se ao caso omisso, procurando uma norma que na sua

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hipótese assimile uma situação análoga à situação omissa, tomando a analogia como critério. Reconhecem-
se dois tipos de auto-integração:

ANALOGIA LEGIS
FUNDAMENTO: Igualdade de tratamento e principio da justiça
CRITÉRIO: Autonomia de um juízo de valor justificativo do mesmo tratamento normativo
LIMITES: Analogia e argumentum ad contrario, normas de incriminação e normas excecionais. (O último
não pode ser tido como absoluto)
Parte de um caso a decidir não previsto. Desde logo, procura-se uma norma cuja hipótese subsume um
outro caso concreto, mas que é suscetivel de ser mobilizada para tratar do caso omisso, por ambos os casos
se poderem dizer análogos. A inteligibilidade racional da norma a mobilizar terá como condição o sistema
categorial.
A procura do critério da analogia que permita comparar casos nas suas diferenças e semelhanças – dois
casos concretos é claro -, procurando-se descobrir este critério numa premissa lógico jurídica, isto é, nas
possibilidades lógico estruturais da norma a mobilizar ou nos conceitos e categorias que a iluminam na sua
autossubsistência criteriológica e assim num elemento lógico constitutivo do sistema jurídico – obtido por
abstração a partir da norma em causa através de um processo de indução local ou limitada porque obtida
com o apoio imediato de uma única norma legal e a convocação mediata das significações categoriais de
que esta pressupõe.
Só assim se verifica a subsunção do caso omisso nesta premissa que se obteve, considerando-se ambos
os casos análogos e, como tal, abrangidos pelo campo de aplicação da norma.

ANALOGIA JURIS
Parte de um caso concreto a decidir não previsto, recorrendo aos princípios gerais como ratio obtidos por
concentração lógica. Engloba um sistema de normas que torna este caso como categorialmente inteligível e
a possibilidade de selecionar neste sistema um conjunto de normas apresentadas unitariamente como
instituto lógico categorialmente auto-subsistente.
Procura-se um critério da analogia e a exigência de o descobrir numa premissa lógico jurídica,
procurando um principio geral do direito obtido por abstração partindo de várias normas. Recorre-se a um
processo de indução universal ou generalizante porque invoca imediatamente um principio geral. A
subsunção do caso omisso encontra-se na premissa lógico jurídica assim obtida sobre a forma de um
princípio geral do direito.

Há certas soluções de auto-integração que têm de ser reconhecidas como falsas analogias. O autêntico
juízo analógico é aquele que:
(1) Especifica as semelhanças e as diferenças que aproximam e distinguem dois casos concretos.
(2) O faz sem mutação de nível, mantendo a relação estrutural concreto-concreto.
(3) Com fundamento numa compreensão material e constitutivamente teleológica.

A compreensão teleológico-valoradora da analogia jurídica foi assumida pela Jurisprudência dos


interesses, refletindo-se na norma 10º/2 do código Civil português, que contem um juízo de analogia que
pensa relações entre casos.
Para além da jurisprudência dos interesses, convoca-se a dialética sistema/problema (que entende o
sistema jurídico como pluridimensional e aberto, pensado numa dialética sistema-problema) como
fundamento relationis e comparationis do juízo sintético-argumentativo de analogia. Este critério não nos
permite avaliar até que ponto os casos confrontados são problematicamente semelhantes no seu sentido
jurídico ou na intenção de juridicidade mas mantém se e até que ponto a solução judicativa normativamente
adequada para um dos casos é também adequada para outro.
Há uma impossibilidade de se proceder à distinção entre interpretação extensiva e analogia, sendo eu
esta só seria válida se continuássemos a reconhecer que a letra desempenha uma função negativa
autónoma. A distinção a realizar, assumida respeitando o continuum do direito, será outra:
(1) Realizações que operam pela mediação da norma como critério em cuja experimentação
interpretativa participam sempre juízos analógicos. (ANALOGIAS IMEDIATAS OU PRÓXIMAS)
(2) Realizações que operam sem a mediação da norma, convocando o critério da analogia.
(ANALOGIAS MEDIATAS OU DISTANTES)

Quanto à realização do direito sem a mediação da norma, importa insistir na pluridimensionalidade do


sistema e na exigência de, na ausência de uma norma legal, mobilizar outros critérios (doutrinais ou
jurisprudenciais) que estejam disponíveis. Na falta de outros critérios, devemos recorrer apenas aos
fundamentos.

Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014


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Por fim, torna-se imperativo referir o cânone do julgador como se fosse o legislador (posição do pós
legalismo em que o julgador funciona como se fosse legislador, criando uma norma como se estivesse a
legislar.) e a regra metódica do artigo 10º/3 C.C., primeiro assumido por Aristóteles e depois reabilitado por
Geny durante o positivismo exegético.
Três sentidos admitidos por este cânone:
(1) Sentido político ou político-social (funcionalismo material, político ou tecnológico): O julgador orienta-
se pelas opções estratégicas do legislador ou assume-se a ele próprio como um estratega, iluminado
por uma teoria científica da legislação.
(2) Sentido jurídico tradicional (Normativismo): O julgador tem de abstrair-se do caso concreto, criando
ele próprio uma norma ou regra geral e abstrata para a plicar ao caso decidindo.
(3) Sentido jurídico capaz de assumir uma realização do direito com autonomia normativo-
judicativamente constitutiva (Jurisprudencialismo): Reconhece-se no exemplo do legislador um pólo
de imputação da criação do direito e não um modus normativo formalmente determinado. É a
Posição do curso.

AUTÓNOMA CONSTITUIÇÃO JURÍDICA


Fala-se da constituição dos critérios jurídicos de caráter transsistemático. Exige-se a essencial
historicidade da vida jurídico-social, e na medida em que a sua contínua evolução e mutação material é
insuscetivel de se bastar normativamente como um fixo ou estabilizado sistema pressuposto. Esta autónoma
constituição tem limites: (1) limites problemático-intencional (é uma questão de direito de um problema
jurídico) e (2) limites institucionais (impõem-se pela consideração de uma questão fundamental de
competência no problema da titularidade última do direito.)
Como principais critérios da autónoma constituição jurídica, havemos de considerar os princípios jurídico
normativos.

3. O problema da concorrência das normas no tempo


Ler as páginas do Dr. Pinto Bronze (833 a 874). Matéria só suscetivel de ser questionada em oral de
melhoria.

Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014

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