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Introdução ao Direito II
Dr. Aroso Linhares
Eduardo Figueiredo
Ano Letivo 2013/2014
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, reimpressão da 2ª edição, Coimbra Editora, 2010
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, coletânea de múltiplos textos, Biblioteca da FDUC
LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito II, 2009
JUSTO, A. Santos, Introdução ao Estudo do Direito, 3ª edição, Coimbra editora, 2006
NEVES, A. Castanheira, «Jurisprudência dos interesses», Digesta, vol. 2º, Coimbra, 1995
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CAPÍTULO III
A. Prolegómenos
1. Uma introdução
O direito como ordem de validade só pode ser associada a uma experiência de validade comunitária.
Surgem duas dimensões fundamentais reconhecidas ao direito: a validade comunitária (ligada e exigida por
um autêntico ethos comunitário) e a controvérsia prática. Assim, por um lado, identifica-se esta validade
comunitária inscrita numa validade cultural e institucional e marcada por uma nota de pessoalidade. Por outro
lado, somos remetidos a considerar a importância do direito na resolução de controvérsias juridicamente
relevantes, ao mesmo tempo que procura a garantia de uma bilateralidade e atributiva neste processo de
afastamento daquilo que surge como um decisionismo arbitrário e que não pode ser associado ao direito.
Surge assim, a necessidade de reconhecimento de um sistema jurídico que procure, através de uma
mediação dogmática entre estas duas dimensões, a estabilização necessária ao surgimento de um horizonte
de validade. O julgador deve conseguir, a qualquer momento, procurar resolver a controvérsia através do
reconhecimento de um conjunto de fundamentos e critérios constitutivos deste sistema jurídico.
1
2. O Sistema Jurídico
Este surge como uma autêntica condição de tercialidade. O sujeito imparcial vai comparar as
posições juridicamente relevantes dos sujeitos da controvérsia, levando a cabo o autêntico exercício de
reconhecimento de uma bilateralidade atributiva, ao "dar a cada um juridicamente o que é seu", partindo do
reconhecimento de cada indivíduo como autónomo e responsável.
A resolução da controvérsia, ou seja, a decisão, não é entendida como produto da sua vontade,
devendo traduzir uma experimentação do sistema, surgindo como uma decisão articulada com um juízo-
julgamento que se constrói com base em fundamentos e critérios do sistema jurídico e a sua experimentação
na resolução do problema prático. Este tem, portanto, de ser um juízo decisório construído racionalmente
através dos elementos estabilizados no sistema.
A decisão deve, assim, manifestar uma voluntário sustentada numa autoridade potestas, realizando o
sistema e a própria validade comunitária que o estabiliza e a ele está associada.
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Atentar ao esquema da página 88 dos Sumários Desenvolvidos.
Para apoiar a distinção feita, importa referir a metáfora construída por Drucilla Cornell ou Adela
Cortina. Esta metáfora parte da associação dos fundamentos (principalmente dos princípios) à luz de um
farol ou à orientação de uma bússola. O problema juridicamente relevante a resolver pelo julgador assume-se
como um caminho desconhecido (e cheio de novidades/especificidades) a percorrer por um viajante. Para
percorrer este caminho (cuja finalidade é alcançar a decisão-juízo), este conta também com critérios, isto é,
com um conjunto de práticas de estabilização e realização do sistema jurídico, e que são criados por
legisladores, juristas, juízes, etc... e que, são associados a mapas/itinerários.
Assim, a luz do farol surge como um fundamento, não prevendo os problemas que o caminhante irá
enfrentar, mas proporcionando uma orientação fundamental, garantindo que o seu caminho realiza certas
exigências ("seguir sempre a luz do farol"), e mostrando que não se deve afastar dessas exigências.
Já os mapas e itinerários surgem como critérios, que não se confundem com o caminho a percorrer,
mas preveem, exemplificam ou reconstroem reflexivamente várias situações-problemas, propondo
alternativas e soluções plausíveis.
Porém, o caminhante deve ter a noção de que não deve tratar a orientação oferecida pelos
fundamentos como aquela que lhe é fornecida pelos mapas. Deve ainda não procurar utilizar apenas a
orientação que lhe é proposta pelos critérios, já que este deve sempre seguir a "luz do farol" ou a indicação
da bússola, procurando nunca caminhar em sentir oposto aos destas, sejam quais forem as indicações dos
critérios. Assim, os critérios devem ser sempre confrontados com os princípios para se verificar se estes os
respeitam.
B. A experiência do sistema
1.1. Princípios como direito vigente: como ratio, intentio e como jus.
[Devido à subjetividade associada a esta classificação, não é este tipo de classificação que, num contexto de
prova escrita, nos pedem para realizar.]
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Entendida como o «conjunto de valores que, numa comunidade, dão sentido ao direito como verdadeiro direito»
(CASTANHEIRA NEVES)
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E ainda outros apresentados na página 100 dos sumários desenvolvidos.
Princípios Transpositivos
São princípios que estão consagrados nas normas e, como tal, fazem parte de um direito vigente
assimilado pela prática de que constitui dimensão, mas que se afirmam como condições normativas de
validade de uma ordem de direito que, pelo fato de não haver alternativas plausíveis, nem precisavam de
estar consagrados nas normas já que continuariam a afirmar-se como princípios cuja verificação é
fundamental e até exigida. Tratam-se de exigências a determinados campos do direito que são fundamentais
para a institucionalização de uma ordem de direito. Estes domínios em causa (direito civil, direito penal,
etc…) nunca poderiam ser pensados sem esses princípios ou renunciando ás exigências contingentes que
eles traduzem.
No sentido amplo da formulação de princípios positivos podemos, sem dúvida, incluir os princípios
positivos e transpositivos. A importância no que toca à distinção que aqui realizamos entre eles prende-se
com o fato de que estes princípios transpositivos não carecem a sua consagração positiva para serem
reconhecidos.
Ex: Direito Constitucional: princípio da separação dos poderes, proteção da confiança, etc… No
direito criminal destaca-se o princípio da culpa e nullum crimen sine lege; no direito privado, com o princípio
da autonomia privada, principio do contraditório, etc…
Princípios Suprapositivos
Há um núcleo de exigências comuns a todos os domínios do direito e que surgem como fundamento
de todas as exigências desse núcleo de identidade que carateriza o direito. Estes princípios são a expressão
imediata das exigências de igualdade e responsabilidade que constituem e especificam o reconhecimento do
homem-pessoa e são transversais a toda a ordem de direito.
Estas exigências exigem um autêntico equilíbrio dialético entre o polo do SUUM e da COMMUNE:
SUUM
O Direito a reconhecer um conjunto de princípios transversais a todos os seus campos como
condição para reunir as componentes necessárias de igualdade e liberdade associadas a um plano de
autodeterminação e que se prende largamente com o reconhecimento da pessoalidade humana que está na
base do polo do SUUM, enquanto polo de garantias jurídicas de que será reconhecida a liberdade e
autonomia humana.
COMMUNE
O surgimento de uma validade comunitária que sustentará a institucionalização de uma
responsabilidade comunitária reconhecida aos indivíduos e que limita a sua autodeterminação, mas apenas
do modo que o direito o permita. Impõem-se deveres e exigências, mas não arbitrárias e desmedidas.
Considera-se necessária uma institucionalização formal da responsabilidade jurídica, apresentando um
esquema seguro ao nível do conteúdo e da forma que nos permita saber exatamente quando é que este
princípio inicia e termina, isto é, quais os seus limites de atuação.
Outros exemplos serão: principio do mínimo (exigências no seio do polo do COMMUNE necessárias à
afirmação da nossa liberdade e autodeterminação.), ou o princípio da proibição do excesso, etc…
Há duas exigências fulcrais no que toca à institucionalização de uma ordem de direito, que tem
sempre subjacente uma autêntica dimensão axiológica e que se traduzem numa necessidade de segurança -
associada a aquela formalização e a aquelas garantias que esta institucionaliza - e a um conjunto de
exigências de justiça (mas com as quais não podem ser confrontadas.)
No que toca as exigências de forma e dos institutos justificados pelas exigências da segurança,
torna-se vital referir três institutos fundamentais:
A prescrição enquanto extinção de um direito que não é exercido durante um certo lapso de tempo e
que se aplica aos chamados direitos subjetivos propriamente ditos, enquanto poder ou faculdade, concedido
aos indivíduos pela ordem jurídica, de exigir um comportamento positivo ou negativo. (Art. 298/1) Neste caso,
falamos de uma prescrição extintiva ou negativa, já que consiste na perda de um direito. Há, porém, alguns
direitos que não podem ser extintos, como os direitos de personalidade já que surgem como exigências
fundamentais da dialética entre o pólo do SUUM/COMMUNE.
A caducidade enquanto extinção de um direito ou situação jurídica a cujo exercício vai associado
constitutivamente um certo prazo. Está aplica-se aos chamados direitos potestativos, enquanto poder ou
faculdade de intervir na esfera jurídica alheia, produzindo inevitavelmente efeitos jurídicos. (Art. 298/2)
O usucapião enquanto aquisição do direito de propriedade ou doutros reais de gozo resultante da
posse mantida durante um certo lapso de tempo. Falamos de uma prescrição positiva ou aquisitiva, já que o
decurso do tempo conduz à aquisição de um direito. (Art. 1287 e ss.)
Refere-se ainda o problema do caso julgado enquanto decisão judicial insuscetível de ser
modificada, afirmando-se como um princípio transpositivo do direito processual, que possibilita a
compreensão desse ramo do direito e que se encontra consagrado no art. 621 C.P.C.. Surge da necessidade
de se estabelecer formalmente um limite, procurando que no momento do iter judiciário as decisões judicias
se tornem definitivas e insuscetíveis de ser alteradas por recursos ordinários. O problema-limite que este
princípio pode, efetivamente, suscitar traduz-se ainda no fato de que, dependendo do caso concreto, o
respeito pelo caso julgado pode envolver uma violação dos princípios axiologicamente constitutivos da ideia
de Direito e da sua fundamental exigência de justiça. Por isso se criaram ainda outras possibilidades, como o
recurso de revisão (art.696) para tornar possível a prossecução destas exigências de segurança e justiça
associadas a este princípio.
O que nos permite dizer que estes princípios são princípios do direito?
Questionamo-nos acerca do sentido dos princípios normativos e da sua assimilação numa realidade
histórico-concreta, tendo em atenção o problema da vigência e da assimilação dos princípios pela
comunidade em causa. Estes princípios já não são vistos como princípios do direito natural, tal como na
época do jusnaturalismo pré-iluminista. A versão moderna encara os princípios como exigências regulativas
de valor... E como verdadeiras dimensões axiológicas que incorporam "projetos de ser”, sendo constituídos
na comunidade jurídica em que pretendem ser vigentes. A verdade é que estes não constituem princípios
gerais do direito - enquanto abstrações generalizantes obtidos a partir de normas - sendo constituídos por via
doutrinária como uma base fundamentante para a construção das normas.
Falamos, assim, da evidência quase empírica imposta pelos princípios positivos no seu sentido mais
restrito; de uma resposta garantida em termos de unidade ou de concordância prático-normativa dos
princípios transpositivos; e ainda, da experimentação da função fundamentante da juridicidade dirigida aos
princípios suprapostitivos.
Assim princípios beneficiam de uma presunção de validade que surgem como fundamentos para o
direito e que não vinculam enquanto validade.
Assim, perante um conflito entre um princípio jurídico e uma norma legal, de uma perspetiva
jusnaturalista preferir-se-ia o primeiro; de um ponto de vista positivista, preferir-se-ia a segunda. Assim, se
estivermos perante uma lei injusta – uma impositiva prescrição politico-legislativa político-formalmente
inopugnável, mas normativo juridicamente inválida – não poderemos deixar de privilegiar o principio e recusar
a aplicação do hipotético preceito legislativo.
Entendemos a norma como uma solução-valorarão para os problemas que vão surgindo, entendendo
esta como uma norma-problema ou norma-juízo de valor. Não a consideraremos, assim, como a premissa
maior que o silogismo subsuntivo do paradigma da aplicação nos incita a prosseguir, mas como uma
antecipação em abstrato de um problema, como meio de criar uma ponderação prática fundamentada em
critérios a mobilizar para uma referenciação ao caso concreto. E quanto à intencionalidade prática da norma,
importa referir dois contrapontos:
1) Interrogação da ratio legis como procura do motivo fim que determinou a decisão da norma e a
sua justificação política, social, teleológica e estratégica. Só assim consideramos uma norma como
adequada, desadequada, oportuna, inoportuna ou até capaz de articular (ou não) logradamente recursos e
objetivos. Estaremos, em cada um dos casos, a considerar a sua intencionalidade programática. A norma
não vale por si mesma; é necessária uma referência à relação entre a intencionalidade prática da norma e o
fundamento do sentido da norma jurídica.
2) A problematização da ratio juris como confronto da teleologia programática da norma legal com a
coerência dos fundamentos normativos do sistema jurídico. Chegamos a conclusão que a norma é um
critério que assimila a relevância prática de um caso enquanto objetivação plausível dos princípios ou pelo
contrário à conclusão de que mobilizar a norma como critério para aquele caso significa frustrar em concreto
as intenções dos princípios, pondo em causa a sua consonância prática necessária.
A interpretação das normas conforme os princípios é fundamental para a passagem de uma ratio
legis à fundamentaste ratio juris: as possibilidades de contradição normativa compreendidas e
experimentadas na perspetiva de um problema concreto. Destaca-se o caso da lei injusta, que se afirma
como autêntico não direito. Assim:
1) Perante leis que criam uma relação falhada com o sentido que os princípios normativos afirmam,
podemos prosseguir à correção da norma que pode ser sincrónica (se está relação falhada surge logo no
momento da criação da norma) ou diacrónica (se apenas surgiu por causa de uma alteração dos princípios
pressupostos à constituição da norma). Procura-se que a norma fica conforme os princípios a que deveria
louvar-se.
2) Perante leis opostas aos princípios, podemos prosseguir à preterição (quando a oposição surge,
desde logo, quando a norma é constituída) ou à superação (se, no momento da sua criação, se encontrava
conforme, mas com o decurso do tempo, entra em contradição com os princípios, perdendo a sua validade.)
A superação pode ligar-se ao problema da caducidade à luz dos limites temporais normativos da lei.
Neste quadro, devemos preferir a ratio juris à ratio legis, se que os fins não podem
prevalecer sobre os princípios, sendo necessário garantir esta dimensão normativa axiológica de validade,
que irá fundamentar a presunção de autoridade das normas. Assim, e resumindo, nas palavras do Dr. Pinto
Bronze: “(…) [Com isto, compreendemos que] uma norma jurídica tenha, ao lado de um elemento ou
dimensão racional (…) um outro imperativo, decisório, volitivo, ou de autoridade – que é exatamente o
resultado da opção feita pelo legislador, dentro de várias possibilidades de escolha que se lhe abriam, para
objetivar a intenção normativa do mais ou menos indeterminado principio fundamentante da norma
circunstancialmente em causa.
4) Perspetiva do Vínculo lógico com a ação combinada com a perspetiva da autonomia privada: Refere-
se a normas cuja mobilização e aplicação não depende de uma manifestação ou declaração da vontade dos
sujeitos privados.
4.1.) Normas imperativas, injuntivas ou cogenses (A sua aplicação não depende da vontade das
pessoas, impondo-se-lhe e exigindo um comportamento positivo ou negativo.)
4.1.1) Precetivas: impõem um facere, independentemente da vontade dos sujeitos privados.
4.1.2) Proibitiva: Se praticarmos determinado ato estaremos a violar a corresponsabilidade
que temos pelo respeito de certos bens jurídicos com relevância comunitária. Impõem um Non
facere, isto é, proíbem uma conduta.
4
Para mais, ver JUSTO, António Santos, Introdução ao estudo do Direito, 6ª edição, paginas 150-152
4.2) Normas permissivas ou dispositivas: Normas cuja produção de efeitos depende da vontade dos
sujeitos privados, já que permitem ou autorizam certos comportamentos Destacamos os direitos
potestativos.
5) Perspetiva da Sanção
5.1) Leges plus quam perfectae: Determinam a invalidade dos atos que a violem e aplicam uma pena
aos infratores.
5.2) Leges perfectae: Só determinam a invalidade dos atos contrários.
5.3) Leges minus quam perfectae: Não estabelecem a invalidade dos atos contrários, mas
determinam que não produzirá todos os seus efeitos.
5.4) Leges imperfectae: Não estabelecem nenhuma sanção.
Nos sistemas de Common Law, descobrimos estes critérios sustentados numa vinculação formal -
solução é aplicada a vários casos análogos, estabelecendo uma espécie de linha de continuidade entre as
decisões judiciais -, mas também, no plano metodológico argumentativo (e esta, tanto no Common Law,
como no Civil Law) de uma autêntica presunção de vinculação que realça o seu sentido prático normativo ou
a inteligibilidade como juízo. E esta presunção de vinculação, segundo Kent prende-se como o fato de se
considerar a solução para um caso passado como adequada e justa (num sentido de "justeza"), consagrando
uma autêntica presunção de justeza.
Falamos, assim, de uma aproximação dos dois sistemas: A ideia de vinculatividade absoluta teve o
seu momento culminante no seio do Common Law, no séc. XIX. Foram, depois criadas duas técnicas prático-
argumentativas importantes: distinguishing (o juiz deve comparar analogicamente os casos anteriores e
presentes, realçando semelhanças e diferenças) e overruling (caso o precedente conduza a resultados
injustos, pode o juiz substitui-lo por outro, superando-o). Através destas, o juiz liberta-se de um precedente
irrazoável e, quem sabe, até de um precedente bem consolidado. Importa, para tal, encontrar um
compromisso entre as exigências da certeza e da continuidade do direito e as da justeza da solução do caso
A presunção de racionalidade da dogmática é também ilidível, isto é, não absoluta. Uma vez aceite,
não significa que esta tenha de ser mantida por um tempo indeterminado. Porém, caso se pretenda
abandonar uma presunção e seguir uma nova, não basta que existam mais argumentos a favor da nova
posição. É necessário que esses argumentos sejam tão bons que não só justifiquem esta solução mas
justifiquem também o rompimento com a tradição que esta representa. Vale aqui o princípio da inércia de
PERELMAN. Todo o que pretender propor uma nova solução suporta o ónus da (contra-) argumentação.
A índole da dinâmica que anima o sistema jurídico é regressiva (cronologicamente, como de hoje para
ontem) e a posteriori. Isto é, a exigência da salvaguarda da específica unidade do corpus iuris determina que,
aquando da sua abertura, o novo regrida sobre o pré-disponível. Um exemplo paradigmático é o da
autonomização do critério normativo do abuso do direito que não retirou significado, mas reconstituiu, o
principio da autonomia da vontade, impondo o abandono do seu entendimento tradicional.
Assim, concluímos que a especificidade de desenvolvimento do sistema jurídico encontra a sua matriz
na conhecida reconstituição analógica do próprio discurso prático. Assim, o corpus iuris apresenta-se
dinamicamente, constituído por vários polos que interrelaciona e que se define pelo concreto nível de
possibilidade de realização as reciprocas correspondências que entre eles se estabelecem.
CAPÍTULO IV
(3) Momento Constituinte: Modos de constituição do direito que são suscetiveis de ser absorvidos pela
realidade social e que consagram a sua vigência e eficácia necessárias.
(4) Momento de Objetivação: Objetivação dos vários princípios numa vigência normativa.
Estamos a considerar a experiência jurídica em sentido próprio, isto é, enquanto processo apenas
humano e histórico do direito.
(5) Por fim, a sua dimensão de tempo é o futuro e o direito é para ela uma regra de conduta, visando o
comportamento futuro.
Destaca-se esta experiência nos sistemas de Civil Law, surgindo como experiência constitutiva
polarizadora. Reconhece-se um aumento da importância da experiência jurídica jurisdicional a par desta.
1º - Poder Constituinte
2º - Poder Legislativo Propriamente Dito
3º - Poder Regulamentar
4º - Poder Autárquico
Todos estes níveis beneficiam de uma presunção de autoridade, ainda que me diferentes graus. Importa
ainda referir o (já revogado em 1996) instituo dos assentos em confronto com os precedentes vinculantes do
common law – surgem como forma especial de recurso para tribunais superiores, sempre que existiam
confrontos jurisprudenciais em casos, à partida, análogos. Estes visavam uma estabilização e uniformização
jurisprudencial, surgindo como autênticas normas gerais e abstratas dotadas de força obrigatória geral, que o
STJ, funcionando em pleno, se via constrangido a prescrever – considerando apenas aquele caso concreto e
sem qualquer juízo prévio de oportunidade, sempre que se decidia recurso para este plenário e tendo por
base a decisão deste recurso.
A norma não poderia ser transformada, sendo a sua forma de vinculação semelhantes à das normas
legais – o critério que daqui resultava era o de uma norma legal e não de um critério jurisprudencial. Em
suma, criava-se um critério geral e abstrato com vista a aplicação genérica para o futuro.
Importa ainda referir mais dois pontos:
(1) «Julgamento de fixação da jurisprudência» (em processo penal) que se afirma como recurso
extraordinário para estabilizar a jurisprudência judicial – (art. 437º/1 do C.P.P.), não através de uma
vinculação formal, mas através do reconhecimento da possibilidade de reconhecimento de um ónus
da (contra-) argumentação.
(2) «Julgamento ampliado de revista» (em processo civil) no art. 688º a 695º C.P.C. que surge como
recurso extraordinário para uniformizar a jurisprudência judicial. No fundo, desempenha uma função
preventiva: nos trâmites de um recurso ordinário, o presidente do STJ pode concluir que se poderá
manifestar uma divergência em relação a uma posição anteriormente assumida, tomando uma
decisão concreta para um caso, à qual se reconhece uma presunção de justeza.
Ambos se tratam de autênticos critérios jurisdicionais que podem ser mobilizados pelas partes e que
visam a estabilização da jurisprudência judicial.
4.1. Prolegómenos
Para iniciar o estudo desta temática temos de partir desde logo de duas proposições:
(1) O momento constituinte parte de uma dialética entre a pressuposição de uma validade
comunitariamente construída e a condição de uma contingência histórico social.
(2) Este permite-nos dar-nos conta dos modos de positivação ou de determinação normativa
reconhecidos e aos quais a experiência comunitária em causa reconhece auctoritas.
com uma dimensão material própria que será introduzido no C.C. de 1966. Verifica-se em
questões de fundamentação.
(4) Limites intencionais: Estão presentes em todas as normas e derivam da sua índole
programática. Para compreender as normas, há que as inserir num determinado contexto de significação que
surge associado a um conceito de realização. Procura-se atribuir um sentido a uma norma para dela se
extrair um critério. Para tal, exige-se que se construam juízos práticos para articular uma norma geral e
abstrata a um caso singular e concreto. Muitas vezes, neste processo, é a obtenção da premissa menor que
surge como mais árdua, sendo este problema tratado de forma meramente formal. É necessário, porém, um
juízo analógico, recorrendo a critérios, que permitam a interpretação da norma e a compreensão dos seus
limites intencionais. No fundo trata-se de confrontar a prescrição legal com as circunstâncias particulares e
com a perspetivação individualizada do caso-problema.
CAPÍTULO V
INTRODUÇÃO À METODOLOGIA
O SENTIDO DO PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO COMO MOMENTO DO PROBLEMA
METODOLÓGICO DA REALIZAÇÃO JUDICATIVAMENTE CONCRETA DO DIREITO
O Método Jurídico surge no discurso do séc. XIX, como expressão do normativismo e legalismo,
distinguindo-se três notas capitais:
A exigência de conferir ao pensamento jurídico a sua autonomia discursiva, procurando conciliar
uma conceção epistemológica teorética (influenciada pelo cientismo) e uma conceção
normativista do direito que procura garantir o caráter plausível de uma perspetiva interna que vê
o direito «enquanto conhecimento do direito a partir do próprio direito ou de uma perspetiva
puramente jurídica», no fundo, dando origem a uma ciência do direito, que se afasta de outras
perspetivas históricas, sociológicas, filosóficas… e se limitam ao jurídico. Assim, o Método
Jurídico seria aquele que consegue autonomizar uma ciência do direito de todas as outras
ciências.
O caráter prescritivo e normativo do Método – O Método Jurídico “como construção doutrinal que
visava prescrever, prévia e autonomamente, o modelo e o processo que o pensamento jurídico
deveria cumprir para atuar em termos especificamente jurídicos e corretos. (…) Define a priori e
5
pretende impor a prática.”
A ambição de racionalizar teoreticamente a prática, oferecendo-lhe as condições para uma
aplicação formalmente objetiva. Destacam-se duas tarefas-fins complementares da técnica
jurídica, autonomizadas por Jhering:
o O domínio cognitivo-racional dos materiais enquanto Direito-objeto, através da
simplificação dos materiais disponíveis utilizando três processos distintos: análise
jurídica, concentração lógica e construção jurídica.
o O tratamento das objetivações garantidas por esta técnica como possibilidade de uma
prática racional que diz respeito a cada sujeito-decisor, pressupondo um exercício
continuado, mas também, iluminado pelo fim principal da aplicação igual do «direito ao
caso concreto». “Mas, o direito existe quando se realiza. A realização é a vida e a
verdade do direito, é o direito ele próprio (…). Na pergunta relativa à realização do direito
não se trata no entanto de interrogar alguma coisa de material, mas de interrogar alguma
coisa de puramente formal.” (JHERING) Assim, exige-se que o direito cognitivamente
pressuposto pelo pensamento jurídico nos surja no seu modo de ser abstrato. ´~
5
NEVES, Castanheira, «Método Jurídico», Digesta, 2º Volume, pp. 303-304
como um precipitar da história, considerando que todo o povo tem o seu direito. Para esta escola de
influência alemã, o direito objeto corresponde aos materiais dados que, emergindo das experiências
consuetudinárias e legislativas (e até dos textos do direito romano comum) constituem o direito (im)posto
ao histórico comunitário elemento político. A lei vai ter uma importância crescente enquanto direito
constituída pelas forças da história e que se vai consagrar no BGB (resultado da pandectistica do séc.
XIX). O método utilizado baseava-se num método hermenêutico/científico/aplicativo, acentuando a
análise/concentração/ construção/sistematização do positivismo jurídico à hausse. Pretende-se uma
grande assimilação do normativismo para tratar racionalmente os seus problemas ( «Também através da
Escola Histórica… mas para além desta e… para fora desta…»)
Destaca-se a utilização da pirâmide conceitual de Puchta que é transparente e composta por vários
estratos, estreitando-se estes conforme se sobe da base para o vértice. Quanto maior a largura, maior a
abundância de matéria, e menor a altura, isto é, a capacidade de perspetiva…. E vice-versa. À largura
corresponde a compreensão e à altura a extensão do conceito abstrato. Entendia-se o direito como
sistema fechado de instituições e normas tão independente da realidade social das relações da vida
quanto pleno.
Objetivos da Jurisprudência inferior: Procura substituir o sentido normativo strictu sensu das normas
por um sentido lógico. No fundo é como se os conjuntos de normas em unidade regulativa pela referência a
um certo domínio prático formassem os institutos jurídicos suscetiveis de uma objetivação conceitualizável. É
como se os materiais do direito-objeto constituíssem a ratio cognoscendi e os institutos e conceitos
proporcionassem a ratio essendi.
A interpretação das normas faria sentido com a mobilização de um critério para a resolução de um caso
concreto que carecesse de alguma clarificação ou explicação especial. Procurava-se, assim, a interpretação
da norma em abstrato, procurando fazê-la corresponder à premissa maior do silogismo subsuntivo.
No Pensamento Jurídico Romano, a interpretação visava o sentido útil da fonte, isto é, a interpretação
das fontes era feita em função de decisões concretas e descontextualizadas. Mais tarde, com os glosadores
inicia-se uma interpretação mais filológico-gramatical e com os comentadores uma interpretação dialético-
argumentativa. Visavam procurar o sentido racional das fontes. Com o jusnaturalismo, recupera-se o
elemento histórico e, com o jusracionalismo, um elemento sistemático.
Com o positivismo, entende-se que a interpretação só é necessária em normas que sejam pouco claras.
Porém, pretende-se um entendimento diferente da hermenêutica positivista, já que esta tese é insustentável
pois se entende que a clareza de uma lei só se manifestará através da sua interpretação. Assim, a
interpretação é a determinação do sentido normativo de uma fonte jurídica, mas estritamente no momento
em que é mobilizada para a resolução de um caso concreto que só será solucionado à luz dessa
interpretação.
(1) Elemento Gramatical: Corresponde à sua letra ou teor verbal, isto é, o texto na sua relevância
filológico-gramatical, reconduzindo-a aos usos linguísticos que podem ser gerais ou especiais.
[LETRA DA LEI]
(2) Elemento Histórico: o texto na sua relevância histórica, vinculado às circunstâncias do seu
aparecimento e ás circunstâncias em que foi elaborado – occasio legis. [ESPIRITO DA LEI]
(3) Elemento Sistemático e Lógico: O primeiro a preocupar-se com a inserção sistematicamente
racional da norma no conjunto do sistema jurídico constituído pelas normas e uma referenciação À
pirâmide de conceitos; o segundo a referir-se a uma unidade lógico-estrutural da norma legal,
identificando a sua estrutura hipotético-condicional. Hoje diz-se elemento lógico-sistemático.
[ESPIRITO DA LEI]
Fora do texto encontramos vários elementos materiais que podem criar incerteza na interpretação –
interesses, valorações práticas, decisões, etc… - pervertendo a objetividade do processo hermenêutico.
Falamos de um elemento racional-teleológico que se ocupa com o fim e motivo da norma. Numa fase
inicial, Savigny ensina-nos a exclui-lo pela incerteza que este gera. No Curso de Inverno de 1802-1803, este
afasta a possibilidade de consideração deste elemento.
Mais tarde, com a obra “System des heutigen römischen Rechts de 1840”, ensina-nos a dar-lhe uma
relevância secundária e excecional. Sem deixar de o considerar um elemento extratextual, admite-se que
seja convocado excecionalmente.
Impõe-se uma distinção entre uma situação metodológica-regra – aquela em que o texto da lei a
interpretar nos aparece exprimindo claramente qual é o objeto e o fim da regulação prescrito – e uma
situação metodológica excecional – aquela em que o mesmo texto se nos expõe num estado imperfeito ou
insuficiente. Só no caso de existir uma expressão indeterminada é que se pode mobilizar este elemento
extratextual. Assim, para determinar o sentido único da norma, há que assumir a interpretação como uma
operação do momento judicativo concreto.
6
Mas se o texto não se confunde com a sua relevância gramatical , não deixa esta (enquanto letra) de, na
perspetiva tradicional, desempenhar uma função autónoma inconfundível com a dos outros elementos
textuais. (correspondentes ao espírito - os sentidos que a letra da lei não admite e imediatamente exclui).
Assim, esta função surge-nos como uma prioridade analítica e cronológica, com uma força prescritiva que
condiciona todo o processo interpretativo. Trata-se de assumir uma relevância negativa da letra da lei:
(1) A letra como fronteira da interpretação (Larenz) a admitir que o intérprete deve excluir quaisquer
sentidos que a sua letra não admita já que esta assinala o limite da interpretação propriamente dita.
Essa consideração deve ser vista como desenvolvimento judicial do Direito e não como
interpretação.
(2) A teoria da alusão de Engisch que defende que existe uma correspondência verbal mínima entre a
relevância gramatical da lei e o «pensamento legislativo» determinado pela interpretação. Segundo
esta teoria, deve dar-se prioridade absoluta ao teor verbal da lei relativamente a todos os outros
argumentos interpretativos mobilizáveis. Na falta de clareza, só podem ser admitidos os resultados
da interpretação que possam encontrar na letra uma qualquer expressão. Rüthers vai, mais tarde,
considerar que o teor verbal da lei é um meio de conhecimento importante para sondar a vontade do
legislador… mas é apenas um meio entre vários, dando origem a uma nova teoria da alusão.
Assim, trata-se de excluir sentidos, isto é, determinar inevitavelmente um círculo de sentidos possíveis e
excluir aqueles que não se enquadram nestes – candidatos negativos (Todos os objetos, fatos ou casos que
não tenham referência literal no texto legal). Esta relevância negativa do elemento gramatical acaba por fixar
de modo prescritivo os sentidos possíveis para a interpretação do critério jurídico.
Mas a letra também desempenha uma função de seleção, considerando os sentidos possíveis,
selecionando os mais naturais e imediatos – candidatos positivos. (Todos os objetos, fatos ou casos que
tenham referência literal no texto legal). Há ainda que reconhecer outros sentidos possíveis que
correspondem a situações menos habituais dos elementos linguísticos em causa – candidatos neutros.
(Aqueles que são menos imediatamente ligados ao teor literal, mas que ainda podem ser considerados.).
A relevância positiva podia ser considerada como não normativa – conferir á letra da lei um valor positivo
normativamente autónomo seria excluir os resultados da interpretação extensiva/ interpretação
restritiva…Impõe-se, assim, um jogo com outros elementos intratextuais.
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“Interpretação é a reconstrução do pensamento que se exprime na lei, contanto que ele seja cognoscível na própria lei”;
“Se a tarefa da interpretação é trazer à consciência o conteúdo da lei, tudo o que não faça parte desse conteúdo, qualquer
que seja a sua afinidade com ele, rigorosamente está fora dos limites daquela tarefa”. – SAVIGNY
Pretende-se, através da análise em abstrato da norma, chegar a um sentido único. Porém, não basta a
mobilização do elemento gramatical, sendo importante a convocação de outros elementos – histórico e
lógico-sistemático (A escola da Exegese e Savigny defendem que, por vezes, se possa recorrer ao perigoso
elemento teleológico) – para uma mobilização em conjunto de forma a criar um jogo de regras ou opções
com uma matriz privilegiada ao considerar o objetivo e o fim da interpretação.
O ponto em comum entre as duas teorias é a consideração de que o objeto da interpretação é o texto da
lei. Realçam a relevância negativa da letra da lei, estando nós perante um subjetivismo e objetivismo
dogmáticos, preocupados com uma interpretação em abstrato e com inserção prioritária do texto norma no
sistema das normas e dos conceitos. Quando definido o elenco dos sentidos possíveis, trata-se de explorar
internamente esse elenco.
SUBJETIVISMO OBJETIVISMO
O subjetivismo surgiu primeiro, nos inícios do O objetivismo surge já a metade do século XIX.
século XIX, tendo como corolário o legalismo pós
revolucionário.
Os argumentos jurídicos da soberania do Surge como consequência de uma conceção do
legislador, da separação de poderes, da vinculação direito diferente que apoia a forma de lei a dar
do direito constituído e da segurança, encontram-se unicamente o ser jurídico à norma legal, o princípio
a favor do subjetivismo. da publicidade e confiança, da imputação das leis ao
legislador atual, etc…
O subjetivismo traduz uma conceção Parte de um entendimento espiritual da cultura e
epistemologicamente positivista, segundo a qual os de uma intenção compreensiva da hermenêutica,
sentidos culturais seriam eles próprios entidades reconhecendo já na autonomia e objetividade
empíricas, e interpretá-los seria imputá-los próprias do ser cultural irredutíveis manifestações
psicologicamente ao seu autor, perspetivando-os histórico-culturais do espirito objetivo.
pelo processo da sua génese histórica-psíquica
O subjetivismo vê no sentido da lei a vontade do O objetivismo compreende o sentido da lei como
legislador. “normativo”.
Este concede o direito em termos imperativo- Direito concebido como uma ordem
decisionistas, isto é, como um conjunto de normativamente objetiva em que se assimila o
imperativos imputáveis um poder titulado no consensus histórico, de uma intencionalidade e
legislador. Por isso, o subjetivismo se dirige ao racionalidade próprias, e perante a qual o próprio
legislador e pressupõe uma interpretação fixa. legislador será intérprete e da qual, por outro lado,
as leis são tomadas em si e não como livre criação
de alguém. Por isso, o objetivismo dirige-se á lei,
pressupondo uma hermenêutica que parte da ideia
de que a lei pode ser juridicamente mais sábia que a
intenção do seu autor.
O subjetivismo tem como principal objetivo O objetivismo tem como principal objetivo
prático-jurídico, o alcance da segurança. prático-jurídico a justeza e retidão de soluções a
obter pela interpretação.
No século XX surgiram sínteses destas teorias, com o aparecimento de teorias mistas e de teorias
gradualistas. O próprio artigo 9º comprova esta afirmação quando o nosso legislador optou por incluir nele
uma componente subjetivista – procurar o sentido histórico que o legislador atribuiu à lei – e uma
componente objetivista – recorrer a vários elementos, orientando-se em último termo pela presunção do
legislador razoável.
Importa distinguirmos:
Subjetivismo Radical Há que fazer de tudo para reconstruir a vontade histórica do legislador, mas
sem pôr em causa a relevância negativa da lei.
Subjetivismo Moderado Há que reconstruir a vontade do legislador, mas o resultado a que se chega
tem de ser compatível com essa vontade, aludindo a uma teoria da alusão de modo a procurar o reflexo
mínimo indispensável da voluntas legislatoris no teor verbal do texto.
Objetivismo Histórico ou Historicista Reconstruir o sentido da lei no contexto histórico em que foi
produzido, preocupando-se como é que o legislador teria pensado e querido a lei no condicionalismo do
tempo da sua publicação.
Objetivismo Atualista Preocupa-se com a mens legis, mas no tempo atual da sua interpretação,
projetando estas preocupações numa outra presunção do legislador razoável. Realça-se a importância deste
objetivismo, já com uma assunção finalista que irá possibilitar superar a conceção tradicional, nomeadamente
a teoria da limitação-expressão. O objetivismo atualista justifica o facto de defender que não se tem que
reconstituir a vontade do legislador real, pois se presume a sua razoabilidade. No fundo presume-se que a
lei, uma vez formada, se desatca do legislador, ganhando consistência autónoma, tornando-se uma entidade
viva. (MANUEL DE ANDRADE) Também Engish defende uma interpreatitio ex nunc, com fidelidade à
circunstância presente.
Esta presunção do legislador razoável traduz-se na consideração de que há uma vontade de um
legislador ideal que pensa as leis com o sentido mais razoável que o seu texto comporta, e que, para além
disso, as recompõe continuadamente em vigor com o sentido mais razoável que o seu quadro verbal vai
refletindo dentro do condicionalismo renovado em que elas vão vivendo. Há três dimensões a que a
presunção do legislador razoável poderá corresponder, enquanto beneficia o legislador hipotético com a
presunção de que:
a) Consagrou as melhores soluções (razoabilidade quanto ao conteúdo ou mérito material)
b) Soube exprimir com suficiente correção o seu pensamento (razoabilidade no plano formal-
expressivo)
c) Na mesma medida em que conferiu ás suas prescrições uma autêntica flexibilidade evolutiva capaz
de refletir o condicionalismo renovado em que estas vão vivendo. (razoabilidade no plano evolutivo-
atualista).
O nosso art. 9º co C.C. assimila uma teoria mista ou de síntese, desde logo nos seus trabalhos
preparatórios, ao falar-se do fato do intérprete dever interpretar primeiro o sentido histórico que o legislador
tivesse atribuído à lei (subjetivismo), e recorrendo ainda a outros elementos, orientando-se pela presunção
acima citada (objetivismo).
Para mais, o reconhecimento de um momento histórico nesse artigo – “circunstâncias em que a lei foi
elaborada”, relaciona-se com um certo subjetivismo atualista. A “aceitação de um valor-limite no texto” é
compatível com o subjetivismo moderado, mas tendencialmente objetivista, ligando-se ao elemento
sistemático. No nº3, acolhe-se a presunção do legislador razoável, completamente objetivista. Esta concerta-
se com a teoria da alusão, presente no nº2, consagrando uma razoabilidade nos planos material e formal-
expressivo.
Savigny defendia que era o elemento gramatical, o principal elemento de interpretação da lei
segundo a teoria tradicional da interpretação. Porém, admitia a existência de outros elementos
intra-textuais – histórico e sistemático. O elemento gramatical era, assim, o elemento básico porque
o objeto da interpretação se identificava com o texto, entendendo-a geralmente com um valor
negativo nas também, positivo ou seletivo. Estes valores eram acentuados, sobretudo, pelo
objetivismo, enquanto o subjetivismo negava o segundo valor ao recusar o valor normativo à letra
da lei.
Segundo Castanheira Neves, o elemento histórico é constituído, simultaneamente por
quaisquer precedentes normativos, tendo em atenção as normas legais nacionais ou estrangeiras
que vigoraram na época de formação da lei e a influenciaram; as obras da doutrina; a evolução dos
próprios institutos jurídicos, da figura, ou regime jurídico em causa. Este tem duas dimensões: uma
patente no art. 9º/1 que se refere “às circunstâncias em que a lei foi elaborada” – occasio legis
(fatores políticos, sociais e económicos que motivaram a medida legislativa em causa); trabalhos
preparatórios e/ou materiais da lei. (art. 9º/1)
Quanto ao elemento sistémico, devemos considerar o contexto da lei, invocando normas
reguladoras do instituto em que se enquadra a norma a interpretar, e os lugares paralelos, através
da comparação de normas reguladoras de problemas e institutos diferentes dos disciplinados pela
norma. No fundo, consideramos a norma a interpretar na sua relação com as outras normas. A
superação desta perspetiva cumpre-se assumindo outras conceções do sistema jurídico. Destaca-
se ainda a importância da pressuposição do sistema de conceitos, impondo ao momento da
interpretação dogmática considerações e argumentos que são já inevitavelmente sistemáticos. (art.
9º/1)
Manuel de Andrade acentua, ainda, que, apesar de tudo, o objetivismo atualista dá importância
ao elemento histórico, para daí tirar as consequências para a determinação do seu atual sentido.
Este também realça que uma consideração sistemática intervém logo no primeiro momento da
interpretação, quando se trata de apurar o sentido meramente verbal da lei, já que as palavras e
locuções têm uma significação particular que só pode ser entendida a partir do atendimento ao
conjunto da lei.
Quanto ao elemento racional e teleológico, este refere-se ao objetivo básico que esteve na
base da criação da norma. Este elemento é perigoso e, como tal, só pode ser mobilizado se não
podermos aferir o sentido da norma através dos demais elementos. (art. 9º/3 C.C.)
Todos os elementos devem ser mobilizados para a extração de um sentido único à norma,
tendo maior relevo aquele elemento que, perante os pontos problemáticos acentuados no caso
concreto, tenha maior força argumentativa na utilização da norma como critério de solução desses
pontos. A teoria tradicional da interpretação não tinha este entendimento.
para certo tipo de situações excecionais afirma implicitamente um principio-regra, de sentido contrário, para
todos os tipos de problemas restantes…»).
A interpretação declarativa verifica-se quando a letra e o espírito correspondem naturalmente, sendo que
o texto admite o sentido determinável pelo espírito da lei e o intérprete apenas se fixa nesse sentido que o
texto naturalmente exprime.
Assim, a interpretação extensiva trata de alargar a letra para a fazer coincidir com o espirito, procurando
chegar a um sentido que, sendo possível, nos aparece a corresponder a um uso das formulações mais
extenso do que o seu uso natural.
Já a interpretação restritiva acaba por extrair da norma um sentido mais rigoroso e particular, sempre
justificadamente através da mobilização do elemento histórico e sistemático – no fundo defende que a “letra
vai além do espírito do legislador ou do pensamento legislativo”. Para tal, é necessário que se restrinja
naturalmente o sentido textual da lei para o fazer coincidir com o espírito.
Já a interpretação enunciativa verifica-se quando se infiram do preceito conclusões normativo-jurídicas
que ele virtualmente admita, já que obtidos pela simples utilização de argumentos lógico-jurídicos.
A interpretação revogatória ou ab-rogante verifica-se quando a conciliação entre a letra e o espírito é
impossível, criando-se antinomias insuperáveis.
Estas formulações da teoria tradicional são pouco felizes na consideração relativa à interpretação
restritiva, mas em especial à extensiva pois alargar a letra para a fazer coincidir com o espírito poderia levar-
nos a saltar para além do elenco dos sentidos possíveis, chegando, assim, à conclusão de que o processo
interpretativo que cumprimos em abstrato escolheu um sentido que, sendo ainda permitido pela letra, se
integra no elenco dos sentidos menos naturais que pode ser mais ou menos extenso.
O jogo destes resultados que vamos obtendo com a interpretação vai ganhando maior dinâmica à
medida que a importância do elemento racional se vai tornando mais significativa, permitindo uma
experimentação mais coerente que nos leva a admitir novos resultados, superando o entendimento
tradicional que até agora privilegiámos.
Assiste-se agora a uma autêntica viragem finalista de um “segundo” Jhering que defende “(…) Purpose is
the creator of the entire law [which is] the sum of the conditions of social life in the widest sense of the term
(…)”. Esta perspectiva – sem dúvida alguma, finalista – vai conduzir à chamada Jurisprudência dos
interesses ou Escola de Tübingen que se destaca pelo extremo equilíbrio das suas propostas (que oscilam
entre um respeito à tradição e uma abertura À inovação) e pela ampla aceitação que elas justificadamente
disfrutaram. É imperativo referir o incontornável contributo de Heck que foi muito marcado pelas disputas que
intranquilizavam o horizonte do direito, ajudando a inaugurar um finalismo de matriz sociológica. (The life of
law has not been logic: it has been experience – Holmes.) Heck defendeu que a jurisprudência teleológica
não é suficiente. Tem de ser aprofundada por uma análise dos interesses, isto é, por uma teoria de conflitos
que analise as normas a partir dos conflitos de interesses.
Jhering considerou que o direito deve o seu sentido a fins societariamente relevantes e tendencialmente
equivalentes que o vão adequando ás exigências de cada tempo e concorrem para assegurar a subsistência
da própria sociedade em conformidade com a ética pragmática e utilitarista. Chamou ainda a tenção para a
categoria “interesse”, que deveria substituir a vontade como elemento decisivo na constituição do direito
Privado. Assim, inaugura um pólo de uma marcadamente teleológica teoria da interpretação jurídica, com a
correlativa desvalorização da letra da lei. Assim, o fim surge como a causa natural do direito
Assim, não basta observar a Gebotseite da norma (o seu lado imperativo), tem também de se respeitar a
Interessenseite. Há que reconhecer um certo continuum de determinação sociológica entre os interesses em
geral e os interesses de decisão (critérios da decisão legislativa em causa) – Na sua conceção amplíssima
de interesse, Heck não distinguiu os interesses realmente concorrentes e os juízos de valor prescritos
normativamente pela lei. O fim da norma deve ser reconstruido na perspetiva do conflito de interesses que
esta assimila. Importa, assim, reconhecer duas dimensões da norma legal:
(1) Dimensão estrutural ou anatómica do comando-imperativo GEBOTSEITE
(2) Dimensão material ou fisiológica dos interesses e da solução valoradora INTERESSENSEITE
Nota: Esta vontade normativa é distinta da vontade psicológica do subjetivismo dogmático. Podemos falar de
uma interpretação teleológica, favorecendo o elemento racional-teleológico, compreendendo a lei como uma
solução valoradora de um conflito de interesses e o direito como uma função normativa de tutela e realização
de interesses sociais.
(3) A perspetiva do caso a superar a divisão estanque interpretação (em abstrato)/ aplicação.
Afirma-se o direito que se realiza na “sentença judicial”. O juízo prático de analogia impõe ao
julgador a exigência de repetir no caso concreto decidindo a ponderação teleológica na norma
legal mediante uma comparação das situações de interesses respetivamente pressupostas. A
obediência pensante à vontade normativa da lei, dando-se grande relevo ao elemento
teleológico, ao exigir uma postura metodológica perante o elemento gramatical, colocando-se em
causa o teor verbal do comando.
Esta preferência do legislador não pode ser problematizada ou discutida, já que jurisprudência
dos interesses não interferia no plano dos princípios e da ratio júris, já que o seu problema se
limita à ratio legis.
Para além da correção, há outros resultados determinados pela ratio legis. Assim, convocar o
elemento teleológico, considerando apenas a teleologia ao nível da ratio elgis (finalidade prática da
norma enquanto tal), pode conduzir à:
Extensão Teleológica: Há uma situação concreta em que, se partisse do fundo da perspetiva
tradicional (valorização do teor verbal), não haveriam dúvidas de que o caso se devia excluir da
relevância da norma, surgindo como candidato negativo. Porém, considerando os outros
elementos, à luz da finalidade prática, o caso poderia ser assimilado pela norma.
o Pela via da adaptação extensiva e da extensão teleológica, é possível mobilizar
justificadamente uma norma e solucionar, por sua mediação, casos concretos, quando o
pensamento tradicional, ao contrário, colocava já o decidente perante uma lacuna,
impondo-lhe, na ausência de obstáculos impeditivos, a respetiva integração.
Redução Teleológica: Se considerássemos só o elemento gramatical, concluiríamos que o caso
corresponderia À norma em si. Porém, tendo em conta os outros elementos, chegamos à
conclusão que se frustraria a finalidade da norma, se seguíssemos o teor verbal. Assim, teremos
que excluir casos que, à luz da função delimitadora do elemento gramatical, esta abrangeria.
Em concreto, será que a finalidade prática desta norma e a solução que encontramos para o caso, será
compatível com o horizonte de princípios normativos? Questiona-se a validade da opção do legislador,
criando-se uma interpretação conforme os princípios (ratio juris).
Se, tendo em conta a teleologia e o teor verbal da norma, se chegar a uma solução em concreto que se
mostra potencialmente violadora de exigência associadas aos princípios, devemos proceder a uma
correção/preterição/superação conforme os princípios para vencer a insuficiência normativa que existe entre
a teleologia da norma e os seus princípios. Esta correção visa atribuir um sentido à norma que corresponda
às exigências dos princípios.
Esta correção da norma permite que se atribua à norma um sentido que seria decerto excluído pela
relevância negativa autónoma do elemento gramatical, mas tal é permitido sempre que a mobilização do
comando expresso implique uma incoerência entre os princípios e a prescrição normativa por eles
fundamentada. Esta contradição pode resultar de:
Assimilação errada dos fundamentos em causa
Alteração do sentido histórico que os princípios se nos impõem.
Para além do caso dos limites de validade apresentado acima, importa ainda referir a questão dos limites
temporais por caducidade: uma norma ferida de caducidade que viola os princípios, leva a que se invoquem
os limites temporais como hipótese de superação – sempre conforme com os princípios e com a mobilização
de critérios dogmáticos e jurisprudenciais – procurando-se preterir a norma de forma a torná-la de acordo
com os princípios. Há, porém, a possibilidade de não ser possível a correção da norma, graças ao conflito
ratio juris e ratio legis.
hipótese assimile uma situação análoga à situação omissa, tomando a analogia como critério. Reconhecem-
se dois tipos de auto-integração:
ANALOGIA LEGIS
FUNDAMENTO: Igualdade de tratamento e principio da justiça
CRITÉRIO: Autonomia de um juízo de valor justificativo do mesmo tratamento normativo
LIMITES: Analogia e argumentum ad contrario, normas de incriminação e normas excecionais. (O último
não pode ser tido como absoluto)
Parte de um caso a decidir não previsto. Desde logo, procura-se uma norma cuja hipótese subsume um
outro caso concreto, mas que é suscetivel de ser mobilizada para tratar do caso omisso, por ambos os casos
se poderem dizer análogos. A inteligibilidade racional da norma a mobilizar terá como condição o sistema
categorial.
A procura do critério da analogia que permita comparar casos nas suas diferenças e semelhanças – dois
casos concretos é claro -, procurando-se descobrir este critério numa premissa lógico jurídica, isto é, nas
possibilidades lógico estruturais da norma a mobilizar ou nos conceitos e categorias que a iluminam na sua
autossubsistência criteriológica e assim num elemento lógico constitutivo do sistema jurídico – obtido por
abstração a partir da norma em causa através de um processo de indução local ou limitada porque obtida
com o apoio imediato de uma única norma legal e a convocação mediata das significações categoriais de
que esta pressupõe.
Só assim se verifica a subsunção do caso omisso nesta premissa que se obteve, considerando-se ambos
os casos análogos e, como tal, abrangidos pelo campo de aplicação da norma.
ANALOGIA JURIS
Parte de um caso concreto a decidir não previsto, recorrendo aos princípios gerais como ratio obtidos por
concentração lógica. Engloba um sistema de normas que torna este caso como categorialmente inteligível e
a possibilidade de selecionar neste sistema um conjunto de normas apresentadas unitariamente como
instituto lógico categorialmente auto-subsistente.
Procura-se um critério da analogia e a exigência de o descobrir numa premissa lógico jurídica,
procurando um principio geral do direito obtido por abstração partindo de várias normas. Recorre-se a um
processo de indução universal ou generalizante porque invoca imediatamente um principio geral. A
subsunção do caso omisso encontra-se na premissa lógico jurídica assim obtida sobre a forma de um
princípio geral do direito.
Há certas soluções de auto-integração que têm de ser reconhecidas como falsas analogias. O autêntico
juízo analógico é aquele que:
(1) Especifica as semelhanças e as diferenças que aproximam e distinguem dois casos concretos.
(2) O faz sem mutação de nível, mantendo a relação estrutural concreto-concreto.
(3) Com fundamento numa compreensão material e constitutivamente teleológica.
Por fim, torna-se imperativo referir o cânone do julgador como se fosse o legislador (posição do pós
legalismo em que o julgador funciona como se fosse legislador, criando uma norma como se estivesse a
legislar.) e a regra metódica do artigo 10º/3 C.C., primeiro assumido por Aristóteles e depois reabilitado por
Geny durante o positivismo exegético.
Três sentidos admitidos por este cânone:
(1) Sentido político ou político-social (funcionalismo material, político ou tecnológico): O julgador orienta-
se pelas opções estratégicas do legislador ou assume-se a ele próprio como um estratega, iluminado
por uma teoria científica da legislação.
(2) Sentido jurídico tradicional (Normativismo): O julgador tem de abstrair-se do caso concreto, criando
ele próprio uma norma ou regra geral e abstrata para a plicar ao caso decidindo.
(3) Sentido jurídico capaz de assumir uma realização do direito com autonomia normativo-
judicativamente constitutiva (Jurisprudencialismo): Reconhece-se no exemplo do legislador um pólo
de imputação da criação do direito e não um modus normativo formalmente determinado. É a
Posição do curso.