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Sumários das aulas práticas Metodologia do Direito Brisa Paim Duarte

Aula 8 (22/11/2023)

Sumários das aulas práticas de Metodologia do


Direito
Brisa Paim Duarte

4. O ESQUEMA METÓDICO NA PERSPECTIVA JURISPRUDENCIALISTA DE A.


CASTANHEIRA NEVES (II)

4.3. A questão-de-direito

4.3.1. A questão-de-direito em abstrato


a) O núcleo problemático: a seleção do critério hipoteticamente aplicável. O problema do
percurso-procura levado a efeito pelo jurista de um critério normativo que possa vir a
assimilar, de algum modo, o âmbito problemático da relevância jurídica concreta. As
exigências da coordenada sistemática e da coordenada problemática [«por um lado, a
norma aplicável há-de mostrar, pela sua própria aplicabilidade, que o caso concreto (e sua
solução jurídica) é assimilável pelo sistema jurídico […]. Por outro lado, que a
normatividade jurídica que essa norma intenciona, e que, portanto, é por seu intermédio a
normatividade jurídica do sistema, será susceptível de relevar o problemático-jurídico
concreto (o mérito jurídico específico) do caso decidendo»1]. Nos sistemas de civil law,
confere-se privilégio ao estrato das normas legais, enquanto modo paradigmático de
constituição-expressão da normatividade jurídica vigente, pelo que o jurista se dirige, em
primeiro lugar, àquele estrato, à procura de uma norma hipoteticamente adequada. Nos
sistemas de common law, o privilégio é conferido aos precedentes judiciais. Procurar um
critério aplicável, de todo modo, não implica a mera mobilização de materiais jurídicos
pressupostos tratando-os como simples dados ou premissas, na sua objetividade textual,
lógica e linguística. A questão-de-direito em abstrato importa, ademais, um exercício de
autêntico «apuramento da relevância hipotética do critério em causa»2, voltado a uma
reflexão, de natureza hermenêutica (porém, prático-normativamente situada), do
particular âmbito de relevância do critério normativo selecionado, que deverá ser
investigado e apurado nas suas várias dimensões intencional e problematicamente
constitutivas, enquanto norma-problema.

b) Alusão à possibilidade de uma resposta negativa ao problema da seleção, que confirme a


ausência de um critério legislativo que lograsse assimilar o mérito do problema concreto.
E, neste caso, à possibilidade e aos limites normativos de um exercício de «autónoma
constituição normativa», no âmbito de um sistema jurídico pluridimensional: o problema

1 Cfr. C. Neves, Metodologia Jurídica, p. 167.


2 Cfr. Bronze, Metodologia do Direito, p. 332.

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da realização do direito sem a mediação das normas legais e, assim, da constituição de


analogias «mediatas ou distantes» (que «não são susceptíveis de se demarcarem […]»,
«em termos formalmente rigorosos», das analogias «imediatas ou próximas» — aquelas
assumidas na realização do direito pela mediação de um critério legal3).

c) A compreensão aproblemática do momento da seleção no horizonte do discurso do


Método Jurídico oitocentista: este encerrava-se em um «momento» meramente lógico, no
âmbito do qual o julgador deveria dirigir-se ao acervo dos factos provados em busca da
reprodução, nestes factos, das características previstas na hipótese de uma norma legal.
Se a busca fosse produtiva, consumando-se a operação de subsunção e atestando-se a
relação género-espécie entre os factos do caso e a norma, encontrava-se a norma a
aplicar. Via-se assim assumido o «momento» da seleção não como um autêntico
problema, ou exercício reflexivo multidimensional polarizado em uma comparação entre
relevâncias e âmbitos problemáticos, mas, antes, como a busca de uma relação de
identidade entre situações (aquelas manifestadas nos factos provados, na sua autonomia
empírico-explicativa, e aquelas outras antecipadas, em abstrato, nas hipóteses das
normas).

Na perspetiva jurisprudencialista, afirma-se a possibilidade de uma desconstrução


jusmetodologicamente fundada desta compreensão. E, neste sentido, o problema da
construção do «critério da norma aplicável» [o «momento prévio» ou «momento a priori» da
seleção da norma a experimentar (da norma a «interpretar», já no «momento a posteriori» da
questão-de-direito em concreto…)] adquire uma relevância metodológica distinta: é encarado
como elemento de um processo normativo-constitutivo axiológico-normativamente fundado e
prático-concretamente situado, que se vai afinando no apuramento de um verdadeiro
exercício de comparabilidade («analogia de disquisição explicitante») entre o mérito
problemático do caso concreto e a intencionalidade problemática do critério normativo
selecionável (o «problema do caso», na sua especificidade-particularidade, e o problema que
a norma a selecionar assimilou e procurou resolver). Trata-se de um juízo de comparação
entre problemas, e não do atestado de uma relação de identidade entre situações.

O exercício em causa demandará, particularmente, que se empreenda um «juízo autónomo de


juridicidade sobre o caso» (assumido o caso enquanto prius e modo da reflexão judicativa),
um juízo «fundamentalmente determinado pelas juridicamente relevantes circunstâncias
predicativas do referido caso»4, sendo ainda necessário um esforço de disquisição dos
elementos constitutivos do critério legislativo (norma-problema) hipoteticamente aplicável,
nas suas várias dimensões (histórica, problemática e teleológico-sistemática). O referido
juízo comanda um mergulho nos elementos formativos do caso (uma análise das suas

3 Pois, como nos ensina Castanheira Neves (Metodologia Jurídica, p. 272), «[a] realização do direito
em sentido prático-normativo material impõe um continuum de exigências normativas que não se
compadece com rupturas formais ou mesmo discriminações estritas entre os momentos analiticamente
diferenciáveis que admita ou suscite. Essas diferenciações são apenas distinções metodológicas
regularizas e não categorias algorítmicas de aplicação necessária e segura — o seu valor será sempre
heuristicamente relativo e problemático».
4 Cfr. Bronze, Metodologia do Direito, p. 326.

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«circunstâncias exemplares» e «não exemplares»5), no qual o jurista pode dar-se conta da sua
exemplaridade, especificidade, ajuridicidade, plurinormatividade ou atipicidade…, enquanto
aquela disquisição exige, correlativamente, um mergulho na intencionalidade prático-
normativa do referido critério (mergulho este que se operará em uma dimensão crítico-
reflexiva complexa, e que não se confunde com a mobilização intratextual normativista, de
índole hermenêutico-cognitiva, dos conhecidos «elementos» ou «fatores» da interpretação).

Bibliografia:
V., especialmente, A. C. Neves, Metodologia Jurídica – problemas fundamentais, pp.
166-176; F. J. P. Bronze, Metodologia do Direito, pp. 316-339.

5 «O caso concreto polarizador do exercício metodonomológico tem um complexo de coordenadas,


dimensões ou circunstâncias que lhe modelam a identidade – coordenadas, dimensões ou
circunstâncias essas que nem sempre assumem igual relevância» (cfr. Bronze, Metodologia do
Direito, p. 323).

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