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Aulas 1-2 (11/10/2023, 18/10/2023)

Sumários das aulas práticas de Metodologia do Direito


Brisa Paim Duarte

1) O problema metodológico-jurídico (como um metaproblema) e a relação entre


normatividade jurídica e metodologia jurídica.

Um diálogo com «O papel do jurista no nosso tempo», de A. Castanheira Neves: um eixo de


interrogações fundamentais e as respetivas respostas — «porquê?» (uma interrogação
filosófico-jurídica dirigida ao sentido do direito e a resposta pelo seu axiológico-normativo
fundamento) — «para quê?» (uma interrogação dirigida à função do direito e a resposta não
funcionalista pela realização-projeção de uma validade especificamente jurídica) — «de que
modo?» (uma interrogação especificamente metodológica dirigida aos modelos/formas de
realização do direito e a resposta pelo intencionalmente adequado (racional) modo-caminho
( δ ς/(h)odós) prático-prudencial de realização concreta).

«[O] jurista terá um papel a desempenhar e desempenhá-lo-á bem, se o Direito for uma
intenção válida, que ele assuma na sua verdadeira e indispensável função humano-social,
para o realizar em termos metodologicamente adequados.» Cfr. Neves, A. (1968). O Papel
do Jurista no Nosso Tempo. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,
44, 83-142, p. 84)

1. 1) Uma análise etimológica (μετα/meta - δ ς/(h)odós - λ γος/logos)

1.1.1. A perspetiva do fim-objetivo (μετα/meta) em diálogo com as categorias de


inteligibilidade propostas por N. Simmonds (e em confronto com o positivismo de H. Hart
em The Concept of Law, 1961). Um «conceito de classe» de direito? No máximo, um
«conceito arquétipo»...

1.1.2. A adição da partícula ν µος/nomos (F. Pinto Bronze e a referência à


metodonomologia) — a explicitação nominal da constituição de um juízo decisório ou
decisão judicativa como o fim específico do exercício metodomonológico e o confronto
com a referência ao nomos na proposta de F. Hayek (o direito como thesis vs. o direito como
nomos).

1.1.3. δ ς/odós e λ γος/logos: as possíveis relações entre a razão e o método e a opção


crítica, na proposta jurisprudencialista de A. Castanheira Neves, por uma delas: a relação
de exterioridade construtiva (o exemplo paradigmático do cientificismo dogmático do
Método Jurídico do século XIX). A relação de imanência constitutiva (o exemplo da
imanência prática no pensamento pré-moderno e, na contemporaneidade, da imanência
prático-reflexiva no Doing what comes naturally de Stanley Fish); a relação de reconstrução
crítico-re exiva como o modo privilegiado (assente na convergência-unidade entre um
«momento analítico/ teórico-descritivo» e um «momento normativo/prático-constitutivo»).
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1.2) O problema da delimitação do campo temático da metodologia jurídica (no seu
«objeto intencional» e «sentido problemático»).

Considerando que à metodologia do direito cumprirá «reflectir criticamente o método da


judicativo-decisória realização do direito» (A. Castanheira Neves, Metodologia Jurídica, p.
17), qual será exatamente o âmbito dessa realização? E, uma vez delimitado o campo
temático da metodologia jurídica, como reconhecer (delimitar...) o seu específico núcleo
problemático?

1.2.1. Trata-se de refletirmos sobre a desejabilidade e a aceitabilidade, hoje, das propostas


que nos permitem entender, como nos diz Castanheira Neves, «que haveria lugar para se
falar da realização do direito em sentido amplo, de modo a abranger, como suas duas
modalidades, tanto a prescrição legislativa como a judicativa decisão concreta: aquela seria
uma realização do direito em abstrato, esta uma realização do direito em concreto, e apenas
prolongaria, justamente na sua concretização normativa, aquela primeira» (Idem, p. 18).
Pelo que o discurso metodológico poderia abarcar, globalmente, os discursos do legislador e
do juiz, vinculando a índole da criação legislativa à da decisão judicial (e vice-versa) e
pressupondo uma linha de continuidade entre uma e outra, como se estas se orientassem
pelo mesmo sentido intencional e para a realização dos mesmos objetivos, pressupondo
ainda o mesmo tipo de racionalidade e o mesmo modelo metódico/metodológico (seriam
apenas instâncias situadas da realização de uma mesma tarefa).

Para a defesa desta visão de continuidade e de unidade, faz-se necessário assumir, como nos
ensina Castanheira Neves, ou que o legislador antecipa, em abstrato, a decisão judicial, ou
que o julgador apenas repete, em concreto, a prescrição legislativa. Esta última acepção
reflete especialmente o universo das propostas que atribuem ao julgador apenas o papel de
conhecer previamente, em abstrato, o alegado sentido autêntico das normas legais,
expressadas estas em programas condicionais (na sua universalidade racional), meramente
aplicando-as, depois, aos factos, ou o papel de implementação tática, no terreno dos casos,
da estratégia político-social traçada em um programa nal legislativo. Negligenciam-se,
assim, as várias diferenças (de índole estrutural, sistemática, intencional e metódica) entre a
legislação e a jurisdição.

É o que vemos projetar-se, respetivamente, e apesar das cruciais diferenças intencionais e


metódicas entre os dois eixos-perspetivas a seguir aludidos, por um lado,

(a) no discurso do «método jurídico» positivista (normativista e legalista) do século XIX


(dando-se aqui uma especial atenção ao seu “momento” exterior, ou «meramente técnico»,
que nos conduz diretamente ao modus operandi do julgador). Na medida em que este
método absorve do pensamento moderno-iluminista uma compreensão do direito-lei
(ateleológico e racionalmente autossubsistente) que encontra a sua validade jurídica apenas
na universalidade racional do programa condicional de uma norma-ratio geral e abstrata (e
formal em sentido estrito). E em que esta universalidade racional demanda, para a sua
preservação, que o direito- lei assim concebido e já hermeneuticamente tratado em abstrato
(pré-determinado) seja projetado na “realidade” dos casos sem alterações no seu conteúdo
normativo: o que só a mobilização de um paradigma da aplicação consegue assegurar,
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valendo-se de um raciocínio lógico-dedutivo (silogístico) que decompõe os casos em factos
isolados e empíricos e procura nestes factos a identi cação da espécie pertencente a um
gênero (norma aplicanda). Um paradigma da aplicação que se assume enquanto a
especificação metódica de uma compreensão moderno-iluminista dos princípios da
separação dos poderes e da independência do poder judicial, atento o modo como estes
princípios são assimilados no contexto de um Estado de Direito de legalidade formal.

(b) , em segundo lugar, no discurso instrumental-finalístico que determina a constituição de


um paradigma da decisão no universo dos funcionalismos materiais (estes exemplificados
nas propostas dos funcionalismos tecnológico-sociais – especialmente, no
teleotecnologismo de Hans Albert). Conduzindo-nos, neste último caso, à compreensão de
um legislador-estratega e de um juiz-tático, a quem cumpriria optar, dentre um conjunto de
alternativas equivalentes, pela alternativa de decisão que, realizando, de forma e caz, no
caso concreto, o programa final legislativo, se apurasse como a mais e ciente, de acordo
com uma lógica consequencialista (orientada para a produção de efeitos-resultados e
condicionada pela otimização dos benefícios). E, com isso, põe-se o problema da
preservação do núcleo dos princípios da separação dos poderes e da independência judicial
antes referidos, uma vez que, em tais funcionalismos, o julgador já não se ocupa da projeção
prático-prudencial de uma validade normativa especificamente jurídica, mas antes
diretamente desempenha no terreno uma estratégia autonomamente política (uma agenda de
ns político-sociais).

1.2.2. A defesa de uma proposta de descontinuidade discursiva (o reforço da rejeição de um


discurso metodológico global).

Defendendo a necessidade, e sobretudo hoje, de assumirmos uma perspetiva metodológica


que expressamente se afaste daquelas reduções, partindo do contexto de uma recompreensão
material do sentido axiológico-normativo dos princípios que fundamentam o Estado de
Direito (responsabilizando, assim, o julgador – o poder judicial – pela tarefa-compromisso
de realização histórico-concreta de uma ordem de validade especificamente jurídica, esta
inconfundível com a ordem de nalidade da política e com o seu discurso político-
estratégico), e avançando, portanto, no sentido de uma substancial distinção entre a
prescrição legislativa e a decisão judicial, a função legislativa e a função judicial (uma
distinção forte que sedimenta uma proposta de descontinuidade discursiva), o
Jurisprudencialismo de A. Castanheira Neves nos ensina que a metodologia jurídica, ao
«reflectir criticamente o método da judicativo-decisória realização do direito», assume-se
como um discurso metodológico em «sentido estrito», considerando, hoje, que o direito não
se realiza aproblematicamente (cabendo ao pensamento jurídico tematizar o sentido e os
limites dessa realização, além do modus operandi que lhe deve corresponder). Quer porque
o mesmo já não pode ser compreendido como o pressuposto dado abstrato passível de uma
aplicação puramente mecânica (que não releva a complexidade institucional e material da
experiência jurídica e que ignora, ainda, a própria intencionalidade problemática dos casos,
na novidade irredutível que nestes se anuncia), quer porque, ao relevar constitutivamente,
naquela realização, uma relação com a prática, tal relação só pode afirmar-se como uma
mediação especi camente normativa e crítica, sob pena de o direito converter-se em um
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mero instrumento ao serviço de ns contingentes e externos (uma mediação-juízo em que a
mesma praxis deverá ser regulativamente submetida aos compromissos materiais e às
exigências de fundamentação de uma validade jurídica, axiológico-normativamente
compreendida).

O que significará assumir como o núcleo problemático do discurso metodológico-jurídico


uma re exão de segundo grau, especi camente dirigida ao próprio problema daquela
realização judicativo-decisória. E reconhecer neste núcleo o específico problema da
constituição prático-prudencial de um verdadeiro juízo-decisório ou decisão judicativa.
Constituição esta que, finalmente, pautada por um discurso de fundamentação
teleonomológica, assente em uma racionalidade sistema—problema, mostra-se
inconfundível, na sua inteligibilidade metodológica, com os modi operandi antes
considerados (paradigmas da aplicação e da decisão, já que criticamente superará o
formalismo da primeira e rejeitará o voluntarismo, juridicamente descolado, da segunda).

Uma perspetiva que, na sua especificidade (já nos pressupostos e na intencionalidade


axiológico-normativa que assume, já na racionalidade em que se apoia e nas consequências
metodológicas que irradia...), afasta também uma identificação com outras versões
conhecidas da tese da descontinuidade (como aquela que F. Hayek oferece ao propor a
distinção entre direito como thesis e direito como nomos).

1.2.2.1. Continuidade e descontinuidade discursiva como «dois pólos dinámicos»: a


exploração de uma lógica de gradações e de distinções: a) a «descontinuidade forte» «na
perspetiva dos conteúdos do sistema jurídico»; b) a «descontinuidade menos robusta» «na
perspetiva da construção in fieri e dos modi operandi implicados».

Bibliogra a:

A. C. Neves, Metodologia Jurídica – problemas fundamentais, pp. 9-34;

F. J. P. Bronze, Metodologia do Direito, pp. 46-111.


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