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Marisa Branco
2º semestre 2021
Professora Ana Margarida Gaudêncio
Conteúdos a lecionar:
1. Modalidades de existência.
4. As fontes do direito.
II Parte
A metodonomologia
5. A interpretação jurídica.
6. A integração.
Bibliografia:
a) Sentido geral:
a) A exigência da consideração do princípio normativo do direito implicada pela
superação do positivismo jurídico;
INTRODUÇÃO
Retomámos o nosso estudo iniciando esta unidade curricular de introdução ao direito II,
procurando aprofundar um pouco mais as razões por que nos propomos admitir que o direito
enquanto construção histórica, na nossa matriz europeia ocidental, se nos apresenta como
uma específica normatividade, entre outras, igualmente vigentes no nosso contexto cultural,
porém, reconhecendo-lhe que é uma manifestação de uma validade específica, uma validade
de direito que exige uma reflexão sobre os seus fundamentos, características e efeitos, de
modo a diferenciar essa normatividade e essa axiologia de outras normatividades e outras
axiologias alternativas que se propõem, não apenas noutras áreas, como também como
alternativas ao próprio direito, portanto, procurando substituir esse ideário normativo
historicamente constituído por outras ordens de organização da intersubjetividade.
Isso requer que aprofundemos um pouco mais a abordagem do que seja o sentido
normativo material do direito.
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Contextualização
Este percurso que marca a transição da primeira para a segunda metade do século XX e
entrada para o século XXI do pensamento jus filosófico da escola de Coimbra, centra-se, de
facto, numa recuperação de uma ideia de axiologia fundamentante do direito, no sentido
material do direito, que segue, pela via da axiologia, da validade que uma racionalidade de
fundamentação mobiliza, embora haja outras possíveis, outras possíveis que, também
assentando na recuperação do sentido material do direito, se concentram decisivamente na
assunção que o direito deve prosseguir fins, porque visa a vida prática, porém, nessas outras
perspetivas, fazendo acentuar a prossecução de fins como critério aferidor da validade e da
viabilidade do direito e, com isso, se há compreensões que recuperam o sentido material
com base numa relação de fundamento a consequência, como esta da racionalidade de
fundamentação que o jurisprudencialismo mobiliza, outras há que vão assentar a relevância
da materialidade na relação meio-fim, portanto, numa racionalidade finalística.
• Kantorowicz, logo na segunda década do século XX, apresenta isto numa obra sobre as
épocas da ciência do direito e faz exatamente esta distinção entre pensamento jurídico
formalista e pensamento jurídico finalista:
O direito é uma ordem normativa prática, que assenta reflexão axiológica sobre o seu
sentido, e que visa a persecução de objetivos, que integra como sendo objetivos do
direito.
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Para os finalismos, o direito vale em função dos objetivos que prossiga e,
consequentemente, consiga realizar como resultados.
Este nível ainda é, de certo modo, empírico contingente, consenso em torno de, mas a
consciência jurídica geral não se fica apenas neste primeiro nível, vamos depois encontrar
um segundo nível de direitos e princípios fundamentais, que nos estados constitucionais do
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nosso tempo vemos consagrados nas Constituições, e depois um terceiro nível, um nível
último de referenciação da validade do direito, que é exatamente correspondente ao
reconhecimento intersubjetivo da pessoa enquanto sujeito com ineliminável dignidade ética,
enquanto pressuposto, que não faz do direito uma ética, porque exige que esse sujeito-
pessoa seja, simultaneamente, titular de autonomia e de responsabilidade, uma sem a outra
implicaria que já não estivéssemos deste ponto de vista perante direito.
Neste ponto em que nos encontramos, no primeiro nível da consciência jurídica geral, há
que perguntar pelas razões da passagem ao segundo nível:
Mas ainda não temos, aí, o referencial último do sentido do direito nesta perspetiva, essa
ainda não é a última linha da consciência jurídica geral.
Há um referente pressuposto de sentido, para lá desse, que tem que ver com, no 3º nível da
consciência jurídica geral, a identificação do horizonte de referência de validade - o que é
que dá validade ao direito?
O facto de se considerar a pessoa como uma aquisição axiológica mostra-nos que estamos
a falar de um conceito cultural de pessoa, há uma pressuposição de valor na ideia de pessoa,
implica toda a dimensão cultural.
• Dos mais mais diversos pontos de vista, não só do jurídico, a comunidade é condição da
pessoa, é condição de existência: a nossa subsistência implica uma certa dependência
relativamente aos outros, especialmente no inicio da vida.
• Por último, é condição ontológica: o nível de ser que atingimos enquanto pessoas
dependem muito das trocas de sentido e comunicativas que estabelecemos uns com os
outros.
Ver a pessoa na comunidade, neste sentido jurídico, vai levar-nos a por questões cruciais:
Aqui chegamos a dois corolários normativos que nos vão permitir discernir o que é e o que
não é juridicamente relevante, em cada contexto:
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Estas duas dimensões vão levar-nos a identificar a relação dialética que o sujeito estabelece
com a comunidade e as relações que os sujeitos estabelecem na comunidade entre si, a
distingirmos um polo de afirmação do eu pessoal, e um polo de integração comunitária, que
é onde encontramos a responsabilidade.
Na afirmação do Eu pessoal:
O direito está limitado no modo como interfere no eu pessoal de cada um, há dimensões
nas quais o direito não toca - há uma zona de discrição em que o direito não toca. Depois, de
um ponto de vista mais positivo, numa implicação axiológico-normativa positiva, temos já
uma ideia de convivência que resulta da atuação no âmbito da autodeterminação de cada
sujeito - princípio pacta sunt servanda - os sujeitos vinculam-se livremente no exercício da
sua autodeterminação a nível privado.
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Tomando nós a relação dialética entre autonomia e responsabilidade como o cribo
fundamental para delimitar o que é juridicamente relevante e exigível, temos de procurar
estabelecer a fronteira dessa exigência e essa fronteira implica um certo conteúdo. Portanto,
o princípio do mínimo, o que nos vai mostrar é uma tentativa de resposta à pergunta “Qual é
o conteúdo do juridicamente exigível?” E a própria resposta será no sentido de que o
conteúdo do juridicamente exigível será aquele que for essencial e só esse, para garantir a
realização da autonomia de um sujeito e da autonomia dos outros sujeitos em termos de
proporcionalidade societariemente adequada. Assim, as limitações ao exercício da
autonomia do sujeito serão aquelas que sejam cruciais para o desenvolvimento da
autonomia dos outros sujeitos - Princípio do mínimo - O juridicamente exigível é o
conteúdo que seja exatamente essencial para que, reciprocamente, o outro sujeito com que
me relaciono possa desenvolver a sua autonomia. Este princípio representa uma limitação às
limitações que a responsabilidade nos pudesse impor. Aqui temos, por exemplo, o princípio
da proporcionalidade em sentido amplo.
Quanto à forma, temos o princípio da formalização, que significa a tradução num esquema
reconhecível daquele conteúdo exigível. Por exemplo, o princípio da legalidade criminal é
uma manifestação do princípio da formalização, porque o conteúdo daquilo que é
juridicamente exigível do ponto de vista criminal é exatamente aquele que estiver
consagrado nas normas jurídicas que estabelecem crimes e estritamente no modo por que
essas normas se dirijam à realidade e, do ponto de vista da forma, este princípio exige que
qualquer ação ou omissão que deva ser reconhecida como crime deva sê-lo estritamente, se
e quando, haja lei, prévia e certa, que determine essa ação ou omissão como crime, sem
isso, não é possível reconhecer uma ação ou omissão como crime.
O princípio normativo vem propor pensar o sentido do direito conjugado com, mas
também autonomamente das outras dimensões que a sociedade nos apresenta e com que o
direito, decisivamente, se relaciona, até para ser direito.
Aula de 17/03
A aula de hoje tem como principal objetivo uma reflexão sobre um texto, publicado
pelo Dr. Castanheira Neves, que é uma síntese fundamental de pensamento que nos propõe,
sobretudo quanto ao problema da fundamentação material do direito, que é uma questão que
aqui nos tem guiado desde o inicio, já que nos propusemos a refletir sobre uma questão
prévia à operatividade prática do direito enquanto ordem normativa e que é a questão “Quid
Ius”. No fundo, o que o direito com as perguntas associadas “por que o direito” e “para que
o direito”
Isto teria de ver sobretudo com uma certa compreensão positivista que vem até da
estrutura da teoria linguística de Languedele que acaba por propor que para a ciência do
direito haja a convocar estra construção formalista que depois os movimentos superadores
na viragem para o século XX, ainda na década de 80 do século XIX com um juiz norte-
americano famosíssimo Oliver Wendel Olmes, as dimensões pragmáticas, mais fortemente
do que isso até pragmatistas, passam a entender que o direito é de facto formal neste sentido
e devem ser retiradas as racciones dicidendi dos precedentes judiciais, mas na sua aplicação
há que ter em conta, para lá dessa construção lógica dedutiva, os objetivos que através da
mesma se pretendem atingir e esta conjugação entre formalismo e pragmatismo vai
implicar, por um lado a superação do formalismo do século XIX, e por outro influir em toda
a ciência do direito anglo-saxónico até hoje, ao ponto de ate á distinção de casos fáceis e
casos difíceis também resultar do problema da relação entre o tipo de problema que se nos
apresenta, o tipo de caso, e a relação que este estabelece com o enunciado textual do
precedente, mesmo que nós estejamos num sistema de legislação, que será a norma.\
Aluno: Podemos dizer que a concessão de validade aqui apresentada no texto é bastante
diferente daquela que é apresentada por Kelsen, em que a validade encontra-se nas normas e
assim sucessivamente, a validade depende em si, do próprio direito positivo segundo
Kelsen, mas a conceção jurisprudencialista concebe essa validade de maneira diferente.
Doutora: Quando diz que a validade do direito, em Kelsen, depende do próprio direito
positivo, como é que nos apresenta a relação entre essa ideia de direito positivo e a
referência da validade do direito, em último termo, à norma fundamental?
Aluno: A Constituição atual valida-se tendo em conta a anterior. Voltamos atrás até
chegarmos à primeira Constituição feita, em que é que se valida essa primeira constituição?
Na minha opinião é um erro do pensamento de Kelsen, não sabemos bem em que é que
ficamos, porque a validade remonta à Grundnorm, mas o que é que fundamenta a primeira
constituição? Não sabemos bem.
Doutora: O que nos temos em Kelsen é uma recuperação da ideia de direito em Kant e
como, sendo o sistema jurídico, em Kelsen, composto só por normas, normas em relação
com normas, numa estrutura hierárquica, o que acontece é que a Constituição não é o vértice
da pirâmide, o vértice da pirâmide vamos encontrá-lo nessa ideia de norma fundamental ou
Grundnorm, todas as normas do sistema são criadas exceto a Grundnorm, que é uma norma
pressuposta, ou seja, é uma forma pura, à priori, é a própria intuição da ideia de direito de
que nós já falamos, quando nos referimos à formalidade da compreensão do jurídico e à
necessidade de considerar que o direito positivo, em Kant, é fundamentado num direito
natural que não é perpassado pela experiência, é uma forma pura á priori e, portanto, é um
pressuposto racional. Essa Grundnorm é uma referência ao pressuposto racional da ideia de
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direito neste sentido. Outros autores irão falar da ideia de direito noutros sentidos, autores
que são inspirados por Kant, só que vão assumir a construção de direito já num ponto de
vista mais material, até na ideia de regresso a um direito natural histórico, mas no caso
especifico de Kelsen, a construção do sistema depende exatamente desse hierarquização e
da suposição racional da Grundnorm, a qual e, concretamente, na tradução que o senhor
doutor Batista Machado nos deixou de teoria pura de Kelsen, essa Grundnorm é ela própria
formal, no sentido de que determina que deve obedecer-se à primeira constituição como
obrigatória, a constituição não é um referente último, o referente ultimo é a Grundnorm,
mas a Grundnorm remete formalmente para o pressuposto que a primeira constituição é
válida e, com isso, fecha o ciclo, o que realmente valeu a Kelsen muitas críticas.
1. Modalidades de existência;
4. As fontes do direito.
Temática a abordar:
- A análise do modo de ser do direito: o que significa dizer que o direito é positivo, que
está aí e se nos impõe? ; o que lhe dá força para se nos impor?; Qual o conteúdo dessa
imposição?
Porque vimos já, por várias vezes, e por várias razões, que o direito não se nos impõe
apenas pela sua força vinculativa, que resulta do carácter sancionatório, mas, antes, o direito
visa ser vigente, através do cumprimento espontâneo das suas prescrições, o que significaria
que os sujeitos que, simultaneamente, são seus destinatários, mas também são elementos da
comunidade que o constitui, se identificam, ainda que critico reflexivamente, com o sentido
material dessas prescrições.
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Introdução à temática:
Se até aqui nos propusemos, primeiro a analisar o direito como fenómeno e, depois,
perguntar pelo seu sentido (ou diríamos, perguntamos pelo seu sentido, inicialmente,
dissemos que o faríamos, como o senhor doutor Pinto Bronze nos diz, logo na primeira
lição, em termos maiêuticos, partindo do saber do não saber do direito, que os nossos
interlocutores trazem (que uma vez querendo ser juristas já consigo trazem também um
certo sentimento de juridicidade) e, partindo dessa primeira análise, avançámos da
estrutura para o conteúdo) - análise da insuficiência objetiva e normativa da ordem
jurídica.
Depois dessa compreensão do direito como fenómeno, da análise da ordem jurídica
enquanto manifestação objetiva do direito, passámos para a análise do conteúdo do direito
e é isso que nós vamos fazer, aliás, quando entrarmos no sistema jurídico o que diremos é:
o sistema jurídico é a organização interna da ordem jurídica, aquilo que nós externamente
vemos como ordem jurídica, a tal estrutura que nos impõe, é internamente, quanto ao
conteúdo, um sistema, vamos ver de dentro aquilo que já tínhamos analisado de fora. Ainda
antes disso, duas notas mais, quanto ao modo de ser do direito, nós vamos analisar agora o
modo de ser enquanto modalidade existência e modalidades normativas, depois ainda o
modo de ser quanto ao sistema, como é que o direito é por dentro e depois o modo de ser do
vir a ser, como é que o direito se constitui, ou por outras palavras, como é visto o problema
das fontes do direito - 3 passos fundamentais na análise do modo de ser do direito
O direito se diz o dever ser, não passará de um voto ideal se esse dever ser não for
cumprido e, portanto, o cumprimento é essencial e é, de facto, garantido pela exigência da
sancionabilidade. O direito não é um mero ser, é um dever ser, mas não é, também, um
qualquer dever ser, não é uma ordem deontológica sem efetividade prática, não, o direito é
um dever ser, ao qual compete ser, um dever ser que é, como nos diz o senhor doutor
Castanheira Neves.
A questão está agora em saber o que é que dá valor, o que é que sustenta, qual é o
por quê, o fundamento desse dever ser - este é o problema da validade do direito, do
fundamento da mesma, do qual depende a vigência:
O modo de ser especifico do direito, quanto à sua existência é a vigência, que não é
senão outro modo de dizer a positividade jurídica, a positividade é, então, outro modo de
dizer vigência e a vigência do direito é, afinal, paralela à global vigência da cultura, assim
como a cultura se vai dialeticamente desenvolvendo, também o direito se vai dialeticamente
desenvolvendo, relacionando com a realidade e os sujeitos nela e, assim, oferecendo
respostas distintas, consoante a valoração que faz dessa realidade.
A viragem que a superação do positivismo traz, (isto logo nos finais do século XIX
inícios do século XX) já propõe que o caso, enquanto problema posto ao direito, seja o
ponto de partida e, aqui, temos verdadeiramente uma alteração radical de perspetiva,
deixamos de ver a acentuação da definição da relevância jurídica do lado do sistema, para
passarmos a vê-la a partir do caso, problema, isto leva a que a relação dialética que se
estabelece entre a realidade e o sistema se inverta, o ponto de partida deixa de ser o sistema
e passa a ser o caso. É o caso, no seu tipo, no tipo de problemas que põe, que interpela o
direito. É claro que aqui é muito difícil quem nasceu primeiro, porque, verdadeiramente, nós
só concluímos pela relevância jurídica de um problema, porque esse problema interpela o
sentido do direito que entretanto historicamente vem sendo constituído. A grande novidade é
que a relevância jurídica do problema vai progressivamente deixar de estar ou não estar
previsto no enunciado literal de uma norma, na hipótese de uma norma - Esta é a grande
viragem, a grande conquista que permite a superação do positivismo, para quem abraçou
essa via, como é o caso da perspetiva jurisprudencialista.
Aula 18/03
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E, portanto, nós sabemos da validade e da manutenção da validade da honra, da
vida, da integridade física, do património, mesmo quando nos confrontamos com
crimes de difamação, de homicídio, de ofensa à integridade física ou de dano. Quem
fala destas agressões do ponto de vista jurídico-penal, que correspondem à reação
mais grave que o ordenamento jurídico apresenta para as agressões mais graves aos
bens que são mais valorizados e, por isso, jurídico-penalmente relevantes, sabe
concluir que, de facto, o que garante a validade e eficácia serem a vigência do
Direito é, não tanto que necessariamente a realidade se conforme com as suas
prescrições, mas que:
1º – Essas prescrições visam a orientação da convivência pacífica e têm uma
base de sustentação intersubjetiva que lhe garante validade;
2º – Perante a violação das suas prescrições garante, contrafactualmente, a
validade dessas prescrições, através da efetividade da aplicação das sanções
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• Art. 1305.º CC – Estabelece que o Direito de Propriedade, que é o Direito real
(direito sobre uma coisa – ius in re) mais amplo, é aquele que comporta todas as
faculdades jurídicas secundárias possíveis a um Direito real, i.e., o poder de usar,
fruir e dispor da coisa-objeto do Direito de propriedade.
Ora, o facto do Direito estabelecer que o proprietário pode usar, fruir e dispor da
coisa-objeto do Direito de propriedade, não o obriga a usar, fruir ou dispor, apenas
lhe concede essas faculdades.
Neste sentido, há uma ampla margem de manobra que os sujeitos podem
mobilizar, sobretudo no âmbito de direitos disponíveis, neste caso, nas relações
intersubjetivas particulares no estabelecimento de negócios jurídicos e no caso dos
direitos reais, como é o caso do Direito de propriedade, o Direito estabelece, muitas
vezes, um enquadramento dentro do qual os sujeitos podem livremente, desde que
não toquem nos limites estabelecidos, conformar exercendo a sua autodeterminação,
o conteúdo das relações jurídicas que estabelecem entre si.
Nota: Não há perda de eficácia por haver esta conferência de margem de atuação
livre dos sujeitos porque o que o Direito faz no âmbito dos direitos disponíveis é
assegurar-se que certos limites não são ultrapassados, p.e., os sujeitos podem
celebrar livremente negócios jurídicos, independentemente de eles estarem
tipificados na lei, i.e., nós temos contratos típicos (a compra-venda, o arrendamento,
etc.), mas também podem ser celebrados contratos atípicos, há certos contratos de
arrendamento que podem ser atípicos, por não estarem previstos, ou ser mistos, por
conjugarem elementos de contratos típicos com elementos externos.
Esta distinção entre expectativas cognitivas e expectativas normativas é trazida por Niklas
Luhmann:
As expectativas cognitivas têm que ver com aquelas que dizem respeito a fenómenos da
natureza ou até determinações empírico-explicativas, p.e., nós esperamos que o sol, sem
mais, nasça a qualquer movimento de 24h, portanto, esperamos que um dia se siga a outro
dia, e se um dia essa expectativa se frustrar, de facto, a determinação do movimento dos
astros fica posta em causa, é contraditada pela factualidade. Isto significa que as
expectativas cognitivas garantem a veracidade ou a falsidade das afirmações que lhes
subjazem.
A expectativa normativa, que é contra-factual, é uma expectativa de valor, i.e., não é uma
questão de verdeiro/falso, é uma questão de validade/invalidade ou de licitude/ilicitude. O
Direito afirma o valor da vida e esta afirmação não perde enquanto houver uma confluência
de reflexão axiológica face a esse valor, pelo facto de haver crimes de homicídio. E,
portanto, nesse caso, a factualidade que contraria a expectativa normativa, da valoração
normativa da vida, não põem em causa a afirmação da validade da vida.
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A reafirmação contrafáctica da validade da norma é a aplicação da sanção.
Claro que o reiterado incumprimento de uma norma pode levar a que, em termos
intersubjetivos, seja posta em causa a sua validade (mas isso é outra questão).
A questão está em o Direito ser uma afirmação cultural em torno de um certo consenso de
validade, que se assume vinculante e é filtrado institucionalmente através da estrutura da
democracia representativa em que vivemos, mas ao mesmo tempo esse núcleo implica
também que sejam tidas em conta as posições que dele divergem e, portanto, o Direito ao
mobilizar-se em torno de um consenso não está, com isso, necessariamente a pôr em causa
opções alternativas.
Por outras palavras, aquilo que num certo momento histórico é juridicamente relevante e,
com isso, lícito ou ilícito, é fruto da relação dialética entre a evolução anterior e a discussão
presente. O que significa que aquilo que é válido e lícito hoje podia não o ser há um bom
tempo atrás e aquilo que é hoje também poderá não o ser daqui a algum tempo, p.e., se
retrocedermos 25 anos, a valoração que o Direito Positivo dirigia às uniões de facto era
substancialmente diferente daquela que dirige hoje, porque a partir de 2001, passou haver
lei no sentido de prever e tutelar, através de normas dispositivas – concessivas e não
imperativas – a relação entre os membros de uma união de facto.
3. É difícil nós dizermos que em todos os lugares e muito menos em todos os tempos, que
todos os sujeitos se identificam com os mesmos valores, nem num mesmo contexto mais
circunscrito conseguimos dizer. E, todavia, o ideal da dignidade humana, p.e., está presente
em todos os discursos sobre intersubjetividade que possamos mobilizar. Só que o sentido de
dignidade humana é muito diferente consoante os sujeitos, os tempos e os locais (questão do
caracter cultural do Direito e daquilo que se chama Direito).
Concluímos, de facto, essa cristalização, essa objetivação que implica uma suspensão no
tempo é meramente artificial (a realidade não pára), mas sem ela nós não conseguiríamos
regular a intersubjetividade no que diz respeito ao Direito. Portanto, essa cristalização é
fundamental para as nossas vidas intersubjetivas, ao mesmo tempo que sabemos que está
sempre a ser posta em causa.
Ser sujeito de Direito, neste sentido, é algo que visa a integração de qualquer sujeito/ ser
humano.
Quem pode ser “sujeito de Direito”? Há outros sujeitos de Direito para além dos seres
humanos?
Pensemos logo nos seres animais não-humanos, seres vegetais e a inteligência artificial,
isto está a mudar e provavelmente a ideia de “sujeito de direito” do ponto de vista teórico,
do ponto de vista dogmático, sofrer alterações.
Para já, o Direito tal como o conhecemos e construímos implica que os sujeitos sejam
pessoas, já que, na verdade, nós não conseguimos comunicar e construir sentido com outros
seres não-humanos que pudessem afirmar os seus direitos (e inclusive defendê-los) e
cumprir os seus deveres. Por isso, muitas vezes, nos surgem esses outros sujeitos não-
humanos como objetos de proteção, mais do que como sujeitos.
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2. Modalidades normativas: direito objectivo e direito subjectivo
Elementos de estudo:
*Fernando José Bronze – Lições de Introdução ao Direito, 2.ª Ed., Coimbra, Coimbra
Editora, 2006, p. 581-606.
Nota: Sendo que nós já analisamos a noção de direito subjetivo, quando a propósito
da superação do positivismo - consideramos que uma das manifestações da superação do
juridicismo formal, do século 19, por uma intenção jurídica material, se dá através da
tomada de consciência que é primeiro, jurisprudencialmente traduzida, através de uma
decisão judicial, depois dogmaticamente construída e, por último, legislativamente
consagrada, do instituto do abuso do direito. Portanto, a propósito deste instituto de abuso
do direito, já fizemos uma primeira análise do sentido de direito subjetivo.
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Não obstante. olhamos agora, especificamente, para estas estas modalidades
normativas do direito subjetivo e do direito objetivo
Direito objetivo:
Direito subjetivo
No entanto, nós não somos apenas destinatários do direito, nós também somos
titulares de direitos, somos titulares de direitos de que podemos usufruir e que podemos
impor a outra ou outras pessoas.
O direito subjetivo vai ser um poder, uma faculdade, um interesse titulado por um
sujeito e que lhe compete como seu, portanto, implica um poder de uso, de imposição a
outro e de disposição. É uma expressão da autonomia individual é o direito visto da
perspectiva do sujeito, como titularidade e prerrogativa pessoal.
Esta distinção vai implicar que tomemos consciência, ponto de vista histórico, do
surgimento, não apenas da noção mas, sobretudo, da designação e da construção teórica do
que seja direito objetivo e direito subjetivo e, também, de perceber se o que está em causa é,
sobretudo, a consideração do direito subjetivo, como interesse ou como poder de vontade.
Em termos históricos, podemos dizer que o direito subjetivo, tal como o senhor
doutor Pinto Bronze refere nas lições, o direito subjetivo começou, provavelmente, como
tudo, por não existir, isto é, o surgimento do direito no contexto do pensamento jurídico
Romano, não fazia autonomização e diferenciação entre direito objetivo e direito subjetivo.
Isto é, na época romana, para o pensamento jurídico Romano, o direito era uma ordem
objetiva em que se definia o estatuto dos cidadãos e determinava a sua posição pronto os
outros e perante as coisas. Nós vimos já que, no contexto quantidade clássicas e, também,
no da idade média, o ser humano se compreende, não como, primeiro, livre e desvinculado
e, depois, convencionalmente vinculado, mas nascendo já inserido idade que o agrega e que
lhe confere sentido. Esta pressuposição de uma ordem de sentido integradora, seja ela
cosmológico, seja ela teológica, gera a ideia de que o sujeito, na relação que estabelece com
o direito é, sobretudo, seu destinatário.
Nós vimos isso por várias perspectivas, desde logo, sabemos que o direito, neste contexto
inicial, confere aos sujeitos estatutos e o status implica direitos e deveres, o estatuto de
sujeito de direito vai implicar direitos e deveres, e é conferido pelo direito objetivo, pela
normatividade vigente, aos sujeitos e é esse sentido que prevalece no pensamento jurídico
Romano, o não quero dizer que não se conhecesse o fenómeno da titularidade de direitos,
porém, não há a noção da afirmação da subjetividade, antes e independentemente, da
definição, pelo ordenamento normativo, desse status e esta é que é a diferença decisiva.
Só o pensamento moderno-iluminista, com o individualismo liberal, é que vai assumir, de
modo definitivo, que o sujeito nasce livre e desvinculado e, depois, vincula-se em função da
sua vontade, em função dos seus interesses, com os outros sujeitos e, daqui, resulta, nasce o
fenómeno “direito” e, aí, já teremos, primeiro, direito subjetivo e, depois, o direito objetivo.
Mas, historicamente, não é isso que acontece - historicamente, vemos que, primeiro,
a noção de direito aparece como direito objetivo, ordem normativa de que os sujeitos são
destinatários, conferindo estatutos e temos a ideia de que A é titular de terminado bem, só
que ainda não se constitui como direito subjetivo, que se imponha ao direito objetivo.
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Na idade média, nós vamos ter já alguns sinais, ainda ténues, de autonomização,
mas isto tem muito que ver com a manifestação fenomenológica, típica do cristianismo e
com o confronto entre a finitude do humano, face à infinitude da transcendência e, portanto,
também, essa relação faz com que o sujeito humano seja ontologicamente distinto da
entidade teológica, mas, ainda assim, que se relacionem.
Porém, só na idade moderna, com a cisão relativamente à inscrição na ordem pressuposta
cosmológica ou teísta, é que se manifesta, plenamente, a autonomia do ser humano face a
quaisquer ordens comunitárias - o individualismo e o contratualismo modernos são a matriz
racional, crucial, para a construção teórica da ideia de direito subjetivo.
É com o pensamento moderno, sobretudo, moderno-iluminista que essa ideia de que o
sujeito é, primeiro, livre e desvinculado e, depois, se vincula, portanto, primeiro sujeito
nasce livre e essa é a primeira manifestação da titularidade de um direito, ser livre, a
liberdade que os sujeitos manifestam, portanto, o subjetivismo a afirmar-se como
constitutivo do ser humano e esse subjetivismo a impor-se a qualquer ordem objetiva, aliás a
ideia de que a ordem objetiva resulta da da afirmação da subjetividade (é isso que nós
vemos no contratualismo moderno)
Teoria da vontade:
Teoria do interesse:
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• Será que o direito subjetivo é um poder de vontade reconhecido pelo direito objetivo? -
teoria da vontade
Estas são 2 reflexões fundamentais que à ideia de direito subjetivo têm vindo a ser
dirigidas, e que nessa teorização moderna, projetada no séculoXIX, foram cruciais.
Mas há, no diálogo que estabeleceram entre si, argumentos que permitem,
reciprocamente, rebater o facto de se ver o direito só como teoria da vontade, ou só como
interesse juridicamente protegido.
O que, aqui, nos importa é que, de facto, dentro das várias teorias propostas e das
discussões que entre elas se estabelecem, nós encontramos, na proposta da teoria geral da
relação jurídica, que o senhor doutor Manuel de Andrade NOS deixou, e na construção que,
consequentemente, o senhor doutor Carlos Mota pinto e, agora, nas edições mais recentes,
que o senhor doutor Paulo Mota pinto, nos deixam da teoria geral do direito civil, nós
encontramos, de facto, uma noção de técnica de direito subjetivo que agora congrega
alguma complexidade
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Prestando, agora, atenção à noção de direito subjetivo que nos foi legada por estes 2
professores e que domina, de facto, o pensamento jurídico civilista, porque é nesse núcleo
essencial, é exatamente nesse contexto do direito civil que paradigmaticamente se irão
construir as ideias que compõem o direito subjetivo. Diz-nos, então, o senhor doutor Manuel
de Andrade e o senhor doutor Mota pinto que:
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Exemplos:
Exemplos:
Até aqui, temos a noção de direitos subjetivos, propriamente ditos. Daqui em diante,
vamos encontrar a noção de direitos potestativos.
Direitos potestativos
Exemplo:
Voltemos à primeira parte da noção de modo a esclarecer o que são direitos subjetivos
propriamente ditos e direitos potestativos.
Nos direitos subjetivos propriamente ditos, nós temos, ainda, que distinguir, por um lado,
direitos de crédito, que são direitos relativos, e por outro lado, direitos absolutos, que são
os direitos reais e os direitos de personalidade.
Também na distinção entre direitos subjetivos propriamente ditos, que inclui estes
direitos relativos e os direitos absolutos, e os direitos potestativos, haverá que considerar
que do lado passivo, aos direitos subjetivos propriamente ditos, se contrapõe um dever
jurídico. Ao passo que, aos direitos potestativos, aos tais que produzem efeitos na esfera
jurídica de outrem, sem que esse outrem possa evitar a produção desses efeitos, se diz
sujeição.
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Aula dia 24/03
Elementos de estudo:
*Fernando José Bronze – Lições de Introdução ao Direito, 2.ª Ed., Coimbra, Coimbra
Editora, 2006, p. 607-650.
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É neste sentido que para reconhecermos no direito um sistema, haveremos de
encontrar no seu conteúdo, e portanto, nos elementos que o compõem, uma unidade
racional, por um lado e uma coerência, por outro. Muito havia a dizer quer quanto à
unidade racional e aos tipos de unidade racional e, ainda, também, quanto à questão da
coerência, no fundo, à relação entre os elementos que compõem o sistema, o que nos
levaria a ter de distinguir consistência de coerência (não iremos aprofundar nesta). Vamos,
sim compreender o que é que significa a coerência, nomeadamente, do ponto de vista de um
sistema jurídico que se quer fazer valer pelo sentido material das suas prescrições, mais do
que pela organização lógica formal que entre os seus elementos se estabeleça. Isto não
significa que não haja uma organização, uma estruturação lógica, pois que ela é uma
absolutamente crucial para que possamos falar de sistema enquanto unidade concatenada
de elementos racionalmente relacionados entre si.
O direito apresenta-se-nos como ordem, é como ordem que se nos dirige, é como
ordem que pretende resolver o problema a que se destina, o problema da regulação da vida
intersubjetiva e, assim, da integração comunitária. Neste sentido, de facto, nós temos no
ordenamento jurídico a projeção objetivada, a objetivação do conteúdo de juridicidade, que
estruturalmente se nos apresenta como ordem, de facto, o direito é ordem e é assim que se
nos apresenta, é por ser ordem que nos garante os efeitos de institucionalização, de
racionalização, segurança, liberdade e paz.
Vimo-lo, desde o início, quando nos propusemos a analisar, como questão previa,
para lá da busca no direito de respostas para os problemas da intersubjetividade (os
problemas de Quid Iuris), para os problemas de Quid ius, em que o direito se transforma a
ele próprio no problema a considerar, mais do que no objeto a determinar
epistemologicamente, mas no problema a considerar e compreender, em si, e no seu sentido.
No limite, diremos que o sistema, seguindo o modo como o senhor doutor pinto
bronze nos apresenta a questão, o sistema apresenta-se-nos como um topus articulador da
dialética entre a realidade e o direito, e nesse sentido, esta articulação dialética vai fazer com
que nos coloquemos de um modo decisivo perante duas categorias de inteligibilidade, isto é,
37
perante os dois mecanismos ou instrumentos de racionalização do direito e que serão, aqui,
o sistema por um lado e o problema por outro. É na relação dialética entre sistema e
problema que a dialética constitutiva e constituenda do direito se nos apresenta, é nesse
sentido que veremos a articulação entre a realidade e o sistema, os problemas e o sistema.
Mas nem todos os sistemas se apresentam nesse sentido, então, se por um lado a
dialética entre ordem, o direito visto da perspetiva institucionalizada ordem e problema, a
realidade concreta onde surgem os casos juridicamente relevantes, o sistema é então essa
articulação racional entre a ideia de ordem e a ideia de problema, vamos ver que há outros
tipos de sistema em que a relação entre ordem e problema não se apresenta do mesmo modo
e o senhor doutor pinto bronze, neste ponto, oferece-nos uma distinção entre conceções
normativistas e conceções decisionistas de sistema jurídico.
Por outro lado, sabemos que se o sistema garante a articulação entre ordem e
problema, e portanto, estabelece a dialética entre a realidade e o direito, essa articulação
dialética vai projetar-se decisivamente no modo como o direito é realizado na realidade, na
resolução dos casos concretos, nos juízos decisórios e é nesse sentido que o sistema jurídico
assume uma relevância metodológica e, dizendo como o senhor doutor pinto bronze,
metodonomológica, já que há racionalização do iter constitutivo que visa atingir um
objetivo, temos a referência ao nomos como a determinação do sentido do direito como
horizonte de referência e um sentido do direito projetado no sistema jurídico vigente, a
assimilar a relevância do contacto intersubjetivo e, com isso, da determinação da relevância
jurídica dos casos concretos que surgem na realidade prática.
Temos, por isso, vários tipos de modelos de sistema e temos vários critérios que nos
permitem identificar diferentes perspetivas de sistema jurídico. Estamos a guiar-nos pelo
modo por que o senhor doutor pinto bronze nos propõe esta tipologia dos sistemas, mas de
facto, em alguns pontos não nos deteremos em pormenorizações.
1) Critério do modelo
38
C. Um sistema funcionalmente esquematizado segundo relações sociológicas de “input
output”;
D. Um sistema de fundamentação;
Esta é uma proposta de classificação, que, aqui, já permite distinguir boa parte das
experiências de sistema jurídico que conhecemos, em termos históricos e, contextualmente,
civilizacionais.
39
tenhamos a racionalidade do sistema garantida na organização lógica dos próprios conceitos
entre si.
Não temos aqui uma construção hierarquizada, temos uma concatenação lógica, isto
é, falamos ate aqui de uma unidade racional horizontal e não vertical, porque temos no
sistema de normativismo do século XIX, normas em relação com normas num todo
articulado de normas, das quais é possível, através de operações lógicas, retirar princípios
gerais de direito e conceitos, mas os princípios gerais de direito e os conceitos, nesse
contexto, não serão mais do que desimplicações lógicas obtidas a partir das normas e,
portanto, substancialmente, ainda normas.
Nos já não estamos a falar do positivismo do século XIX, agora, estamos a falar de
um positivismo do século XX (década 30), em que permanece a referência ao direito como
exclusivamente o direito positivismo, temos aqui um positivismo, nesse sentido, e é um
positivismo normativista, porque o direito positivo é composto exclusivamente por normas,
porém, neste contexto, nós vamos encontrar as normas em relação com normas, organizadas
hierarquicamente. Significa isso, então, que teremos em todos os níveis normas, numa
estruturação triangular ou piramidal, em que mais perto da base temos normas mais
diretamente dirigidas à realidade e, à medida que vamos subindo na pirâmide, vamos
encontrando níveis de abstração e generalidade mais amplos e, mais do que isso, vamos
40
sobretudo, encontrar níveis hierarquicamente superiores. Isto assim, em patamares
sucessivos até que, chegando ao vértice dessa pirâmide, encontramos a única norma que não
é criada, que é pressuposta e que é a norma fundamental ou Grundnorm, na proposta de
Kelsen, que sendo a única pressuposta, como um pressuposto racional a priori, (de facto,
Kelsen é um neo Kantiano) que tem por prescrição a determinação de que a primeira
Constituição é obrigatória e, portanto, deve obedecer-se à primeira Constituição como
obrigatória.
Temos então, aqui, uma estruturação hierárquica, em que a validade das normas de
um determinado nível depende de essas normas, desse nível, serem criados pelo modo por
que o nível imediatamente superior determina que elas devam ser criadas, temos aqui uma
validade que é puramente formal, a construção da dinâmica do sistema implica que a
validade se traduza num problema de legitimação, quanto ao procedimento e da estrutura
hierárquica, porque cada nível da pirâmide se legitima e valida pela conformidade ao nível
imediatamente superior e isto, em sequência, nível a nível, até ao vértice em que
encontramos a Grundnorm, como Kelsen a terá dito.
Isto mostra-nos que, de facto, o positivismo, embora já não com as mesmas vestes,
permanece durante o século XX.
Esta referência tem que ver com uma das fases do pensamento de um autor da
teoria dos sistemas, que é Niklas Luhmann e que, considerando que a sociedade é um
sistema composto por vários subsistemas, vai analisar a comunicação que se estabelece
entre esses subsistemas e no que, especificamente, diz respeito ao direito, vai analisar a
relação que o direito, enquanto subsistema, estabelece com os outros subsistemas, que
constituem o sistema social. E porque?
Nós estamos a pensar num autor cujo pensamento vai desenvolver-se sobretudo nas
décadas de 80 e 90 do século XX e o que acontece é que temos aqui uma reação aos
instrumentalismos, aos funcionalismos jurídicos, que foram, por sua vez, fatores da
superação do positivismo do século XIX, como sejam o funcionalismo político, o
funcionalismo económico, (de que nós já falámos quando considerámos as relações entre o
41
direito e a sociedade, a sociedade e o direito, e que estão no fundo também englobados
naquela reflexão com que hoje começámos sobre as alternativas ao direito, nomeadamente,
do ponto de vista da instrumentalização que o direito sofreu que, resultando da afirmação da
necessidade de o direito se dedicar a considerar tendo em conta o conteúdo e não apenas a
forma, vai levar, como que ao extremo, da afirmação de que o direito não apenas deve ter
em conta o conteúdo mas como deve ser instrumento ao serviço dos outros conteúdos que a
sociedade lhe apresenta - funcionalismo económico, funcionalismo politico, são dois
exemplos cruciais deste ponto de vista).
Isto vai fazer com que o discurso se formalize, o pensamento jurídico volte a ser
considerado, sobretudo, como uma determinação epistemológica dos conteúdos do direito
positivado, a dogmática jurídica volta a formalizar-se, no fundo, há um certo regresso a um
normativismo, só que por via da superação das construções que visaram superar o
normativismo do século XIX.
O que Niklas Luhmann propõe é que o sistema jurídico que tinha passado a ser
considerado aberto na superação do positivismo do século XIX volte a fechar-se sobre si
próprio, para se proteger, que as comunicações que lhe advém do exterior sejam vistas como
estímulos, ruído que o obrigam internamente, autopoiéticamente, a reorganizar os seus
elementos e a reconstituir-se, de modo especificamente jurídico, a autopoesis, a auto
constituição interna do sistema jurídico, para responder, de modo jurídico, aos estímulos
externos de outras índoles que os outros subsistemas lhe apresentam.
Temos aqui uma tentativa de purificação do direito, desde logo a partir do discurso,
entendendo que
- Primeira fase (e é essa fase que temos aqui especificada nesta enunciação deste tipo de
sistema): o sistema jurídico recebe comunicações do exterior como inputs, vai filtrá-las
internamente e responde-lhes como outputs, como output jurídico, resposta jurídica
autónoma da pergunta.
- Mas o autor vai evoluir para a situação em que deixa de considerar esta possibilidade de
adaptação com a variante do sistema ao meio, mesmo dito como meio ambiente, para passar
a considerar que, de facto, não há verdadeiramente inputs, ou seja, os conteúdos não entram
para o sistema jurídico, constituem estímulos ruído, como comunicações que, se
pudéssemos visualizá-las,
42
embatessem nas fronteiras externas do sistema, obrigando a estruturar-se internamente e a
responder juridicamente, é aqui que entra aquela distinção entre expectativas cognitivas e
expectativas normativas, no sentido que ao direito cabe a proteção das expectativas
normativas, o que significa que no binómio direito contra o direito, o sistema jurídico vai
procurar oferecer soluções de direito e sempre nesta proteção de
direito vs/contra o direito, e vai fazer essa proteção através de normas, vai escudar-se no
esquema condicional, no programa condicional constitutivo da norma, com hipótese e
estatuição, o que leva a que se o legislador está na fronteira externa do sistema, o que está
mais próximo dos estímulos ruído e, por isso, está mais sujeito aos impulsos que advêm do
exterior, o juiz, ao contrário, estando no centro do sistema e, com isso, protegido, porque
ainda tem um outro nível, que é o nível da dogmática, como nível intermédio, se no núcleo
o juiz está protegido, está protegido sob a capa do programa condicional, se, então, e com
isso, a decisão judicial volta à aplicação lógico dedutiva e o juiz volta a um juiz
descomprometido com o sentido normativo das suas decisões.
A reação ao normativismo, a reação à reação,
porque, de facto, os funcionalismos materiais são vias superadoras da perspetiva
normativista do século XIX, acaba por cair, novamente, num normativismo.
Até aqui estamos a analisar sistemas em que temos determinações de sentido único,
o direito é constituído no sistema e projeta-se na realidade, estamos ainda a considerar
estruturas que são fundamentalmente formais.
O direito é, sobretudo, racional em virtude da forma e a unidade do sistema também é,
sobretudo, formal ou por entidade dos elementos, alínea a), ou por redução a um único
fundamento formal, alínea b), ou pela articulação interna que a clausura do sistema
garante e, também, a articulação lógica dos elementos, na alínea c).
C. Um sistema de fundamentação;
43
a analisar e que vai implicar que, primeiro, o sistema jurídico que seja um sistema aberto,
isto é, não temos uma comunicação só do sistema para a realidade, a realidade influi para a
construção do sentido normativo do sistema, é aberto, é material, não se cinge a um
descomprometimento com o sentido e intenção material das suas prescrições e da sua
realização, ao invés, é, de facto, um sistema cuja racionalidade e cuja unidade racional é
garantida pela articulação substancial intencional entre os elementos, não é uma articulação
hierárquica, nem é uma articulação de lógica formal - é uma questão de dialética substancial
entre os elementos.
Se até aqui nós vimos sistemas definidos à priori - primeiro o sistema, depois a
realidade - agora, temos uma relação dialética contínua entre sistema e problema e, deste
ponto de vista, o sistema é, de facto, um sistema à posteriori, em sentido Kantiano,
construído na relação com e pela influência da experiência (não faz dele um sistema
contingente, porque há um conjunto de filtragens que, depois, nos diferentes estratos do
sistema jurídico nós vamos encontrar de reflexibilidade jurídica, que lhe garantem uma
autonomia material e autonomia material das respostas que oferece, mas não autopoesis, e
de reconstituição regressiva, porque como da frente para trás ou de hoje para ontem, nas
imagens mobilizadas pelo senhor doutros pinto bronze, já que o sistema se
desenvolve na espiral dialética da relação entre a realidade que vai propondo novidades e o
sistema que com elas se confronta e que, por isso, é instado a reorganizar-se, a reconstituir-
se, a repensar-se, para responder de modo jurídico).
44
Aula dia 25/03
E é isso que faz com que nós consideremos que a reconstituição é regressiva, no
sentido de que se faz, mobilizando a imagem que o Sr. Dr. Pinto Bronze nos oferece, como
que da frente para trás, ou de hoje para ontem, i.e., é através da relação dialética entre os
casos novos que se apresentam e os sentidos já estabilizados pelo sistema, que o próprio
sistema evolui, daí que o desenvolvimento do sistema jurídico seja um desenvolvimento
dialético que poderíamos visualizar como espiralado. ]
Resumindo:
B) Sistema polarizado numa unidade por redução a um único fundamento puramente formal
D) Sistema de fundamentação
É quanto a este sistema que é possível dizer que, por contraposição ao Positivismo
do séc. XIX, portanto, fundamentalmente quanto ao modelo sistema da alínea a), que se diz
que é um sistema aberto (por contraposição ao sistema fechado do Positivismo), material
(por contraposição ao sistema formal do Positivismo), pluridimensional (por contraposição
ao sistema unidimensional do Positivismo) e de reconstituição regressiva a posteriori (por
contraposição à compreensão progressiva e de constituição ex novo do lado do sistema que
também caracterizava o Positivismo do séc. XIX, uma vez que o Direito era definido do
lado do sistema, antes lógico e cronologicamente antes, de qualquer eventual aplicação na
realidade.)
Este contraponto é muito rico para a compreensão da diferença entre estes sistemas,
i.e., se nós contrapusermos sistema aberto a sistema fechado… - quando estudamos o
Positivismo analisámos o facto de o Direito ser construído unilateralmente pelo sistema na
definição que estabelecesse, no fundo, a realidade juridicamente relevante é aquela que
estiver prevista no sistema e pelo modo por que o sistema a preveja. Ao mesmo tempo, é um
sistema fechado porque:
1º com este pressuposto, não vai admitir, por princípio, que a realidade seja
normativamente constitutiva.
2º não vai admitir que haja falhas, i.e., ausência de previsão.
Portanto, sistema fechado como a compreensão do sistema jurídico, na perspetiva
positivista, já que essa encerra em si aquilo que entende que deve ser juridicamente
relevante, portanto, pré-define a juridicidade antes da realidade (não quer dizer que isto seja
cronológico, necessariamente, mas é lógico, seguramente).
47
Por outro lado, contrapondo esse sistema fechado, o sistema jurisprudencialista
como um sistema aberto. De facto, a consideração de que a realidade tem uma relevância
constitutiva autónoma, i.e., os problemas que se apresentam ao Direito são juridicamente
relevantes pelas suas características, digamos que o caso é juridicamente relevante, porque o
problema que põe é um problema que exige do Direito uma resposta, concretamente, é um
problema do tipo daqueles que o Direito pretende resolver, mesmo que não esteja
diretamente previsto no sistema.
Depois, um sistema jurídico que vai, não considerar a especificidade dos problemas,
mas fazer uma tipificação lógica que exige que os problemas sejam correspondentes, como
de espécie a género, à enunciação do sistema, a contrapor à compreensão do sistema
material, que o jurisprudencialismo vai assumir, dizendo, desde logo, que o sistema é a
organização interna do conteúdo do Direito.
Portanto, é um sistema que se pauta (não pela prescrição daquilo que deva ser
juridicamente relevante), mas precisamente pela valoração da prática e pelo diálogo com
essa prática, e é esse diálogo que lhe confere a sua especificidade, sendo que ao Direito cabe
fazer uma valoração própria, a tal reflexão crítica sobre a prática, à luz de um sentido de
validade que é especificamente jurídico.
Depois, a tal ideia da construção progressiva do sistema, tal como está consagrado
para os factos, na perspetiva Positivista, e a construção regressiva a posteriori em sentido
kantiano, i.e., através da experiência na perspetiva jurisprudencialista.
2) Critério tipológico
De outro ponto de vista, mas ainda neste critério tipológico e, portanto, ainda
seguindo a categorização de Leon Roussean, que está a inspirar aqui o Sr. Dr. Pinto Bronze
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na exposição, temos um sistema que distingue, diferentemente, sistema normativista de
sistema decisionista.
Mas o sentido que é aqui pretendido com esta distinção, portanto, também com esta
afirmação de sistema como sistema decisionista é, antes, a de assumir que, enquanto os
sistemas normativistas se concentram na criação e análise de normas e fazem propender o
Direito na norma – o Direito concentra-se na norma e a norma é o prius normativo, prius de
constituição, prius metodológico e prius de realização do Direito –, a norma define,
simultaneamente, o que é o Direito e como é que ele se aplica num sistema normativista
(não precisa de mais nada a não ser de um silogismo subssuntivo que a aplique).
3) Critério histórico:
O jusracionalismo e o normativismo
50
assunção que o Direito é norma vai-se fortalecer a partir da recuperação do corpus iuris
civilis, desde os finais do séc. XI, em Bolonha, e depois projetar-se por toda a Idade Média.
É claro que o sistema jurídico, tal como vamos agora analisá-lo, já constitui uma
das propostas de superação desta redução do Direito a norma, é uma dentre várias
soluções possíveis e, por isso, cumpre explicar como é que se constitui e porque é que se
constitui conforme vamos descrevê-lo.
Sendo um sistema pluridimensional, o sistema jurídico proposto pela perspetiva
jurisprudencialista abrange os estratos que podemos agora aqui analisar.
51
- Os princípios normativos;
- A jurisprudência judicial;
- A dogmática;
- A realidade jurídica;
- As regras procedimentais.
Esta é a construção que o Sr. Dr. Pinto Bronze nos propõe, desenvolvendo já a
perspetiva que o Sr. Dr. Castanheira Neves nos apresenta, porque há aqui 2 especificações
que nos são trazidas pelo Sr. Dr. Pinto Bronze – esta autonomização que é a autonomização
do 1º estrato (o estrato do sentido) e a autonomização do estrato das regras procedimentais
– sendo que os 4 estratos que o Sr. Dr. Castanheira Neves inicialmente propôs (princípios
normativos, normas legais, jurisprudência judicial e a dogmática) vêm depois a ser
associados, ainda no âmbito do desenvolvimento do pensamento do Sr. Dr. Castanheira
Neves, pela realidade jurídica.
Portanto, vamos analisar este conteúdo explicando esta evolução e estas
diferenciações de modo, sobretudo, a compreendermos a inserção do sentido do Direito
como estrato autónomo.
Pinto Bronze autonomiza este sentido do direito como uma remissão para a
referência à validade como dimensão fundamentante constitutiva do direito, a ideia de
validade especificamente jurídica, que foi desenvolvida, aqui, no âmbito da lição sobre
princípio normativo e, portanto, remetendo para essa construção de uma intencionalidade
irredutivelmente especificando da normatividade jurídica, uma intenção que é que é
especificamente jurídica de dentro, que é originariamente jurídica dada a a diferenciação
progressiva, historicamente, entre a intencionalidade jurídica e as intencionalidades de
outras ordens normativas e vê essa intenção como deveniente, porque, efetivamente, ela não
só não é necessária, como também não é estática e, portanto, é uma intencionalidade
constituendo, em contínua constituição.
52
Isso significa que o sentido do direito, que está, aqui, autonomizado como estrato,
está, sobretudo enquanto pressuposto axiológico fundamentante de racionalidade, que
perpassa todos os outros estratos. Na verdade não faria sentido falar dos outros extratos sem
convocar o extrato do sentido do direito, este extrato assume-se como um pressuposto e
depois se vai derramando pelos extratos que se lhe segue.
Entre estes extratos não se estabelece uma relação hierárquica, mas sim uma
relação que exige a distinção entre fundamentos e critérios - O fundamento assumido como
horizonte de referência, como base axiológica de fundamentação, ao passo que o critério é
um operador prático, diretamente mobilizável para a resolução de problemas.
O que nós vamos encontrar é uma relação de fundamentação, uma relação de
fundamentação porque os critérios, que são os operadores práticos diretamente mobilizáveis
para a resolução de problemas, buscarão a sua sustentação material, a sua fundamentação,
nos fundamentos, os horizontes de referência substancial de conteúdo, bases de sustentação,
que conferem sentido aos critérios - Os fundamentos não conferem resposta imediata para a
resolução dos problemas, mas sustentam o sentido de solução que os critérios, enquanto
mecanismos imediatamente mobilizáveis para a resolução de problemas, irão construir.
Os princípios normativos;
Nós vamos encontrar fundamentos neste sentido, mas também vamos encontrar
fundamentos no estrato dos princípios normativos.
• Esta filtragem pode ser feita através do legislador, por exemplo, o legislador
constituinte que institucionaliza um determinado princípio, como princípio fundamental, o
caso do princípio da igualdade, por exemplo.
Patamar da fundamentação
Os princípios normativos também não são, por outro lado, princípios gerais do
direito. Enquanto que os princípios normativos de que estamos a falar são referentes
axiológicos, materiais sustentadores/fundamentantes do direito positivo, direito positivo
enquanto critério, porque eles são direito positivo enquanto fundamento, eles já são
jurídicos, são fundamentos dos critérios, desde logo, os critérios são consequências desses
fundamentos e portanto, os critérios resultam dos princípios, logo, as normas legais são
criadas a partir de princípios, devem obedecer aos princípios, os precedentes judiciais, as
decisões judiciais, quando são elaboradas podem ser elaboradas a partir de normas, mas não
são nunca elaboradas só a partir de normas, é preciso convocar outras decisões judiciais, as
soluções de dogmática e os princípios normativos e, portanto, o sistema jurídico funciona
sempre em continua constituição dialética. Isto significa que os princípios, enquanto
fundamentos, são a base de sustentação e de constituição dos críticos, logo, as normas legais
são criadas a partir dos princípios e, por isso, consequentemente, os outros estratos do
sistema igualmente, são criados a partir dos princípios, enquanto critérios que concretiza.
Já nos princípios gerais de direito, no modo por que o positivismo do século XIX os
constituiu, o sentido originário da ideia de princípios gerais de direito: aí temos os
56
princípios como abstracções generalizantes retiradas de conjuntos de normas, isto é, os
princípios gerais de direito são criados a partir das normas, diríamos, simplificando que de
um conjunto de normas que trata de uma determinada problemático, ou visa uma
determinada referência jurídica, abstrai-se um princípio geral de direito. Uma operação de
análise jurídica, nesta primeira fase e, depois, de concentração lógica, na abstração.
Podemos simplificar, dizendo que os princípios gerais de direito, sendo abstracções
generalizantes obtidas a partir das normas, primeiro, têm como matéria-prima as normas,
segundo, sendo só abstrações generalizantes, do ponto de vista substancial, nada de novo
trazem relativamente às normas, são como que normas mais gerais e mais abstratas, são
enunciados mais abrangentes do que as normas, que não visam conferir solução direta para
problemas práticos, mas que permitem agrupar em sentido lógico um conjunto de normas, e
que podem ser, eventualmente, mobilizados em caso de ser necessário convocar analogia
iuris - na perspectiva positivista, se perante um caso omisso, uma lacuna, um facto não
previsto na hipótese de uma norma, não fosse possível proceder à integração através da
submissão desse facto omisso à hipótese de uma norma que previsse um facto análogo,
quando não fosse possível a analogia legis, recorresse à analogia iuris, a remissão direta, por
indução, aos princípios gerais de direito que se debruçassem sobre a área do direito em que
se inserisse o facto omisso.
Para já, o que importa reter é que os princípio gerais de direito, na perspetiva
positivista, são abstrações generalizantes, obtidas a partir das normas e, neste sentido,
substancialmente, não trazem nada de novo relativamente às normas, são apenas
desimplicações lógicas.
Enquanto que os princípios gerais de direito são criados a partir das normas, os princípios
normativos não são criadas a partir das normas, contrariamente, as normas é que são criadas
a partir dos princípios normativos e obedecem-lhes, quer na sua criação, quer na sua
interpretação e consequente mobilização como critérios.
A norma é, não apenas, uma ordenação normativa para a ação, como é uma
ordenação normativa para a ação que visa oferecer uma resposta, diretamente mobilizável,
para responder aos problemas a que se dirige, é um critério. Ora, um princípio normativo
não é um operador diretamente mobilizável para tal, o princípio é a tal referência axiológica
fundamentante, em que a norma se inspira, o princípio fundamenta a norma e limita-a,
positiva e negativamente. O que confere validade a uma norma legal é a adequação do seu
sentido material ao princípio/os em que se fundamenta.
57
Distinção entre princípios como ratio, princípios como intentio e princípios como ius:
Quando o direito aborda o princípio e o filtra e o toma para si, como que esse
princípio assume uma outra figura, isto é, passando a ser construído do ponto de vista
jurídico, o seu conteúdo e os seus limites formais passam a ser aqueles que o direito lhe
confere. O princípio normativo como ius, quando se forma e quando o pensamento jurídico
o cria já o cria jurídico.
58
Os princípios normativos são princípios que exprimem o sentido de direito e que,
também, projetados como princípios vigentes, serão princípios do direito. É preciso,
também, verificar que o facto de os princípios normativos poderem ser positivados sob a
forma de norma legal, não lhes altera a sua natureza, permanecem sendo princípios. Daí que
tenhamos, na nossa Constituição, múltiplos princípios consagrados sob a forma de norma
constitucional e continuam a ser princípios (estão sob a forma de norma). Os princípios são
jurídicos, porque são princípios normativos.
Aula 07/04
Significa isto que os princípios normativos, que se se nos apresentam como direito,
fazem-nos perguntar pela sua juridicidade e pela sua justiciabilidade.
59
Quanto à juridicidade dos princípios temos de ter em conta quer a origem, quer a
sua densificação normativa – ser um princípio de direito implica, desde logo, que não
estejamos a falar de meros valores, mas de filtragem para o sistema jurídico do sentido de
alguns valores, aos quais vai referida uma compreensão de determinação da
intersubjetividade, do ponto de vista do direito.
Esta é uma opção histórico-civilizacional que faz com que um mesmo princípio possa não
ter o mesmo conteúdo em todos os locais e em todos os tempos. Ao mesmo tempo que nem
todos os princípios estarão vigentes em todos os ordenamentos jurídicos. Significa isto que
para falarmos da juridicidade dos princípios temos que os ver tanto como princípios de
direito, tanto como princípios do direito.
Com isto se diz que o relevo metodológico dos princípios normativos implica que
estejam sempre presentes no momento da realização judicativa do direito, quer haja, quer
não haja critério suscetível de ser imediatamente mobilizado como modelo de resolução
para o problema concreto.
60
Isso significa que os princípios normativos, enquanto fundamentos, são referente
essencial quer tínhamos critérios que diretamente possam ser mobilizados para resolver o
problema concreto (por exemplo, se o critério for uma norma legal, os princípios são uma
referência importante e fundamental na própria interpretação da norma legal), quer não
exista critério pré-disponível no sistema para responder àquele problema concreto, sendo
que, uma vez comprovada a relevância jurídica desse problema concreto, haverá que
constituir um critério para a sua resolução e isso possa implicar a convocação direta do
princípio normativo para essa construção.
Para intensificar a importância fundamentante dos princípios normativos, cumpre
classificá-los considerando os critérios que nos são propostos:
Critérios propostos:
2. Modo de objetificação:
- Princípios normativos escritos e (ainda) não escritos.
3. Intencionalidade normativa:
- Princípios normativos abetos e em forma de norma.
4. Origem normativa:
- Princípios que são imediatas explicitações da normatividade da ideia de direito;
Princípios que assimilam juridicamente valores e padrões ético-sociais; Princípios que
se revelam originária e especificamente jurídicos.
61
Este critério tem uma relevância crucial na delimitação recíproca da relevância dos
diferentes princípios e no próprio tratamento do problema da fundamentação do direito,
mais amplamente.
Isto requer que compreendamos de que falamos quando estamos a considerar estes
princípios:
Princípios transpositivos:
Exemplos:
63
Considerando as suas dimensões de necessidade, adequação e proporcionalidade em
sentido estrito, em que se mostra que do ponto de vista do conteúdo a intervenção há de ser
a mínima para aquele específico domínio do direito público.
Com isto, teremos o princípio da proibição do excesso como uma manifestação do
princípio suprapositivo do mínimo.
Princípios Positivos:
Isto significa que há princípios que o direito vigente consagra, de forma explicita ou
implícita, isto é, que o sistema jurídico se vê constrangido a objetivar, porque outras
alternativas seriam possíveis no enquadramento da mesma área do direito, sem que essa área
do direito ficasse posta em causa. Isso não aconteceria com o princípio da legalidade
criminal, se este fosse posto em causa, deixaríamos de ter a exigência da previsibilidade da
classificação das ações ou omissões como crime.
64
Exemplo:
Aula 08/04
2. Modo de objetificação:
- Princípios normativos escritos e (ainda) não escritos.
Há, porém, princípios que não estão escritos, não se encontram escritos ou ainda
não se encontram escritos.
65
Vimo-lo a propósito da justiciabilidade dos princípios, na possibilidade de convocar
os princípios para a orientação da resolução de problemas judicativamente considerados, os
problemas decidendos/concretos.
Esses princípios ainda não escritos mostram-se relevantes em qualquer momento do
desenvolvimento constitutivo do Direito e, portanto, quer no momento da dita criação,
desde logo, legislativa quer no momento da realização judicativa, também ela constitutiva
de Direito.
3. Intencionalidade normativa:
- Princípios normativos abetos e em forma de norma.
Naturalmente, a abertura pode ter que ver por um lado com a fase de
desenvolvimento e, portanto, com o facto de ainda não estarem escritos (conjugando com a
classificação anterior) mas, também, com as possibilidades que abrem e que podem nem
sempre estar consagradas em forma de norma, p.e., as possibilidades abertas pelo princípio
da igualdade, que estando em forma de norma, ainda não ficam aí fechados, i.e., há outras
possibilidades que podem surgir no enquadramento do Direito vigente.
Ora, os princípios abertos podem ser, ainda assim, (como há pouco foi mencionado
para os princípios não escritos) operadores mobilizáveis para a resolução de um problema
concreto, no sentido de fundamentação ou orientação fundamentante da resolução desses
mesmos problemas.
É claro que, além desses princípios abertos, que podem estar ou não escritos,
porque a verdade é que nós temos princípios consagrados sob a forma positivada, e que não
assumam, propriamente, a forma de norma no sentido de operador diretamente mobilizável
para resolução de problemas concretos. Quando se diz, p.e., no art. 13.º/2 CRP que ninguém
pode ser privilegiado ou discriminado em função de um conjunto de critérios que se
encontram lá descritos, aí não temos ainda o sentido de resolução de um problema concreto,
mas temos um princípio normativo escrito.
Ora, ainda nesta distinção há outros princípios que, estando positivados, poderão já
constituir, ainda que não completamente, resposta para problemas concretos. Mas a verdade
é que não completamente, vejamos no art. 29.º/1 CRP ou no art. 1.º/1 CP, que estabelecem o
princípio normativo transpositivo, que é o princípio da legalidade criminal. Mas a verdade é
que ainda não são critérios, efetivamente, para resolução de problemas concretos (estão num
nível intermédio) porque acabam por, depois, precisar de concretização nas diferentes
normas penais incriminadoras e demais normas instrumentais da sua aplicação para que se
efetivem na prática.
4. Origem normativa:
Além deste critério, temos ainda o critério da origem normativa, um tema que
retomamos e que já tratámos noutras perspetivas, nomeadamente, até a propósito da questão
dos diferentes níveis da consciência jurídica geral, que se conjugam aqui, de certo modo,
sobretudo com o surgimento de princípios que assimilam juridicamente padrões e valores
ético-sociais.
67
!Princípios que assimilam juridicamente valores e padrões ético-socias: resulta de
referências práticas, como é o caso do princípio da boa-fé, depois projetado para o Direito, a
sua relevância objetiva e depois verificação subjetiva.
Ora, com isto temos já, aqui, um elenco de classificações dos princípios normativos
que corrobora e reforça, assim, o sentido que lhes reconhecemos como compromissos
práticos que, simultaneamente, constituem fundamento e elemento crucial do sentido
normativo do Direito.
O estrato dos princípios normativos goza, assim, de uma presunção de validade, i.e.,
concentra-se na dimensão de fundamentação axiológica do Direito (que já vínhamos
considerando desde o estrato do sentido), a presunção de que os referentes de
fundamentação são materialmente válidos, i.e., os valores que o Direito apresenta como seus
fundamentos ou que absorve da realidade social e filtra para o sistema jurídico como
fundamentos presumem-se válidos.
É claro que isto não significa que os princípios normativos sejam universais e muito
menos intemporais.
Se a universalidade for reconduzida ao contexto comunitário ou societário a que
corresponde o sistema jurídico em vigor, ou mesmo ao conjunto cultural a que corresponde
o sistema jurídico em vigor, nitidamente, aí teremos uma ideia de propensão/ tendência para
uma afirmação universal contextualizada do sentido do princípio e até como ideal a atingir
como nós também o reconhecemos.
Ora, porém, não é garantido que numa matriz cultural radicalmente diversa um
mesmo princípio, até com o mesmo nomen, tenha o mesmo conteúdo ou que o mesmo
princípio se encontre.
E, portanto, o sentido que o Direito assume em termos culturais marca,
decisivamente, todas as suas dimensões, começando por esta da fundamentação material.
Assim, esta presunção de validade, que não implica, então, universalidade, também
não implica intemporalidade. Aliás, os princípios normativos são eles próprios, como todo o
Direito, como toda a prática em geral, princípios continuamente constituendos.
Portanto, neste sentido, vamos encontrar uma maleabilidade e uma historicidade
intrínseca ao próprio dos princípios, que leva a que esteja em continua discussão o seu
conteúdo. Alguns princípios serão mais estáveis no tempo, outros mais mutáveis e, portanto,
mais discutíveis, mas nem há sequer uma ligação necessária entre um princípio e a sua
velocidade de desenvolvimento, já que o diálogo com a realidade é crucial para a
compreensão do sentido desse princípio e do relevo das suas exceções
68
[. Não é pelo facto de encontrarmos, neste momento em que estamos em Estado de
Emergência, exceções a alguns princípios, como sejam p.e., o princípio fundamental que
confere a liberdade de circulação. Não é por existir uma exceção que muda o sentido do
princípio e os princípios estão em contínua evolução, o que leva a que p.e., o princípio da
igualdade vá sofrendo alterações, ao ponto de se reconhecerem, consoante a evolução
histórica, diferentes compreensões do que seja a igualdade e a desigualdade juridicamente
relevantes e tuteláveis.
O caso p.e. de se ter alterado o regime em função de alterações ao direito civil e,
primordialmente, ao direito constitucional, após a Revolução do 25 de abril de 1974 no
âmbito do Direito de Família, que levou a que p.e. se deixasse de tratar diferentemente
filhos nascidos na constância do casamento e filhos nascidos fora do casamento, implica
exatamente uma absorção pelo Direito do sentido diverso do princípio da igualdade.
Portanto, aqui temos como os princípios estão em continua evolução. De modo mais
longínquo e, também, mais genérico, o sentido do princípio da igualdade que o liberalismo
projetou, desde logo, na DDHC é diferente do princípio da igualdade que vamos encontrar,
dadas as especificidades que os desenvolvimentos posteriores implicaram, na DUDH.
Se nos recordarmos do sentido do princípio da igualdade na linha ascendente da OJ
e na linha descendente da OJ a igualdade está sempre presente na linha de base, na linha
ascendente e na linha descendente, mas sempre em sentidos distintos e implicando
diferentes meios para atingir, enquanto objetivo, e simultaneamente como fundamento da
construção do sentido do Direito.
Daí esta presunção de validade e, simultaneamente, a presunção assumindo-se
efetivamente, i.e., presume-se que os princípios normativos são válidos, mas a sua evolução
também mostra que o seu sentido pode de facto alterar-se. Isso sucede muitas vezes e tem
relevância metodológica essencial.
De facto, e acentuando, os princípios normativos têm uma relevância metodológica
crucial, não têm uma mera função subsidiária, i.e., não são convocados quando não haja
critério, são sempre convocados para a resolução de um problema jurídico concreto.
Portanto, se há critérios eles devem ser interpretados à luz dos princípios, se não há
critérios pode ser necessário convocar diretamente os princípios.]
Olhamos, então, primeiro, para as normas legais como critérios, sem esquecer nunca
que o facto de as mobilizarmos em primeiro lugar não lhes confere uma precedência
69
hierárquica relativamente aos outros critérios, aliás, na mobilização do sistema jurídico para
a resolução dos problemas concretos, todos os critérios hão de ser mobilizados, quer as
normas, quer os exempla (quer os precedentes judiciais, enquanto resultado do trabalho da
jurisprudência judicial, quer os modelos dogmáticos). Portanto, a própria interpretação das
normas, que no sistema de legislação, obrigatoriamente, terão de ser consideradas no
momento da resolução judicativa dos problemas concretos, mas não o são isoladamente,
são-no sempre à luz dos princípios normativos e, também, da reflexão que sobre elas existe
do ponto de vista jurisprudencial e do ponto de vista dogmático.
Portanto, nós estamos num sistema de legislação, as normas têm de ser sempre
consideradas, mas isso não significa que tenham de ser sempre obrigatoriamente aplicadas.
70
consequência jurídica da verificação em concreto da realidade que descreve da hipótese em
abstrato.
No que diz respeito à sua índole normativa, a norma é um critério geral e abstrato e,
portanto, que visa aplicar-se a todos os sujeitos que estejam na situação por ela prevista,
geral.
Esta sua caracterização mostra-nos que, de facto, a norma com esta sua estrutura
formal e no modo por que a identificamos enquanto geral e abstrata, foi já vista como a
premissa lógica pré-estabelecida/ pré-positivada/ pré-escrita para uma eventual posterior
aplicação lógico-dedutiva.
Ora, é totalmente diferente a proposta que estamos aqui a considerar e é isso que
nos leva a considerar que a norma não é um “prius” prescritivo, quer do ponto de vista
71
normativo quer do ponto de vista metodológico, é, antes, um “posterius” problemático-
normativo.
Isto porque, primeiro que tudo, o ponto de partida para a apresentação da problemática da
juridicidade, i.e., para o surgimento do Direito é, não a definição ex ante do sistema jurídico
e a delimitação unilateral pelo sistema jurídico da relevância jurídica, mas antes, o ponto de
partida encontra-se no caso decidendo.
Seguindo a proposta que o Sr. Dr. Castanheira Neves, o Sr. Dr. Pinto Bronze e o Sr.
Dr. Aroso Linhares nos apresentam, nós podemos concluir que o que nos leva à
consideração e à tomada de consciência da existência de problemas jurídicos é exatamente a
índole dos problemas.
Há certos problemas que são juridicamente relevantes e são-no, não por estarem
previstos numa norma de um sistema jurídico, mas pela interpelação que apresentam ao
sentido do Direito — podem ou não estarem previstos numa norma.
Ora, isto ainda nos leva um pouco mais longe: a considerar como é que, além esta
dimensão intencional de índole normativa, como é que os elementos constitutivos das
normas jurídicas legais se nos apresentam e que relevância prática têm.
No seu sentido interno nós vamos encontrar uma dimensão racional pragmática e
uma dimensão racional de fundamentação, é isso que nos leva a distinguir desde logo a ratio
legis e a ratio iuris de uma norma:
Ratio legis de uma norma – Prende-se com a consideração do seu objetivo, da sua razão de
ser, é isso que está em causa quando analisamos a dimensão pragmática assente na relação
que a norma estabelece com a realidade, i.e., a norma é uma resposta para problemas da
realidade e, nesse sentido, tem uma dimensão prático-pragmática, uma ratio legis.
Ora, a relação que está subjacente à ratio legis é a relação entre a norma e a
realidade. A relação que está subjacente à ratio iuris é a relação entre a norma e os
princípios normativos em que ela se fundamenta (é um problema de validade).
A ratio iuris de uma norma é a interpelação pelo sentido de validade normativa
desse norma, i.e., a sua adequação substancial ao sentido dos princípios em que se
fundamenta.
O Sr. Dr. Castanheira Neves, numa imagem profícua, diz-nos que as normas legais
são sempre duplamente transcendidas, a montante pelos princípios normativos em que se
fundamentam e a jusante pela realidade prática a que se dirigem.
De um lado, temos a maior riqueza axiológico-normativa dos princípios, que são o
estrato axiologicamente mais rico, mas, também, o menos denso do ponto de vista estrutural
sobretudo. O estrato mais denso será o das normas, porque é o único tem o suporte textual
composto pela estrutura que acabámos de referir (hipótese e estatuição). Ainda que não
fiquemos adstritos aos sentidos literais, tem uma intencionalidade normativa específica que
73
é aquela e fica cristalizada no momento da positivação. Daí que depois o problema do
desenvolvimento dos princípios normativos no tempo possa gerar problemas quanto ao
sentido interpretativo das normas.
Por agora, cumpre reconhecer a norma na sua ratio legis (dimensão prático-
pragmática), na sua ratio iuris (dimensão de fundamentação de validade normativa).
É crucial esta distinção para compreendermos não apenas a índole, mas também a
relevância pratica dos princípios (Como? Em que sentido? Com que papel prático os
convocamos?) para a resolução judicativa de problemas práticos.
Posto isto, temos aqui uma caracterização das normas legais, em geral, e cumpre
acrescentar que, de facto, concluímos que a norma legal goza de uma presunção de
vinculação e de vigência normativa que os estratos do sistema jurídica nos apresentam
auxiliam-nos muito na compreensão da sua intencionalidade e do seu conteúdo.
Portanto, há realmente a presunção de validade dos princípios normativos vai agora seguir-
se uma referência absolutamente distinta a uma presunção de autoridade das normas
legais.
" A presunção da autoridade das normas em conjugação com a presunção de validade dos
princípios é crucial para a compreensão da relevância normativa constitutiva e prática
realizanda do sistema jurídico.
74
Classificação das normas legais
- Algumas classificações
Estas classificações são uma proposta, entre outras possíveis, que parte da classificação do
Dr. Santos Justo.
A classificação das normas legais quanto à estrutura implica que se distingam normas
completas de normas incompletas:
Normas completas: São as normas que compreendem uma hipótese e uma estatuição.
Normas incompletas: São as que não contêm toda ou parte da hipótese, ou não contêm toda
ou parte da estatuição.
Há normas legais que remetendo quanto à hipótese para outras normas, não assumem a
descrição da hipótese no seu texto e apenas nos apresentam a estatuição. Assim como
também há normas que apenas apresentam previsão, como as normas programáticas e,
portanto, não apresentam estatuição.
75
Normas autónomas:
A norma, no seu sentido estrito, é uma prescrição para ação que contém uma descrição da
realidade e a apresentação da consequência da verificação dessa descrição da realidade.
" As normas não autónomas necessitam de outras normas que lhes complementem o seu
conteúdo, não possuem um sentido completo e não produzem efeitos só por si.
Normas que remetem para outras normas que lhes vão complementar o
conteúdo e essa remissão tanto por ser expressa (refere expressamente a norma ou
normas para que remete), como implícita.
As normas remissivas explicitas podem ser globais, as regras de conflitos,
sobre a aplicação de leis no espaço, são normas remissivas, remetem para um certo
ordenamento jurídico nacional ou outro.
De facto, as normas remissivas explicitas podem remeter para um artigo da
mesma ou de outra lei, como podem remeter em bloco, para um instituto ou até para
um diploma legal. Por exemplo, no âmbito do artigo 939º do CC – aplicabilidade das
normas relativas à compra e venda a outros contratos onerosos - refere-se a um
instituto de compra e venda - remissão.
Já as remissões implícitas não remetem expressamente para outra norma, mas
estabelecem, na sua prescritividade, que para se compreender o sentido daquela
norma seja necessário recorrer a outras. Portanto, vai remeter para uma situação que
é regulada por outras normas, ou vai exigir que uma certa situação seja tratada como
outra, apesar de não o ser.
76
Do ponto de vista jurídico, apresentam-se-nos, assim, partindo do artigo 349º do CC
— consideração de que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto
conhecido para firmar um facto desconhecido.
Quanto ao seu autor, podem ser legais (feitas pela lei) ou judiciais (feitas no
contexto da decisão judicativa) - 350º e 351º do CC.
Neste sentido, consideramos alguns exemplos que nos permitem considerar o que está em
causa:
São recursos que o ordenamento jurídico utiliza para efetivar as suas prescrições e,
assim, estabilizar as relações jurídicas.
Na ficção, o legislador assume como existente um facto que não aconteceu, que é
desmentido pela realidade, para poder permitir a efetivação de direitos.
Por exemplo:
- Definições legais: Enunciados definidores, através dos quais o legislador procura tornar
menos incerta a atividade interpretativa - certeza do sentido das diferentes figuras
jurídicas.
A definição não dá norma para a ação, só define a figura, daí ser uma proposição não
normativa.
- Classificações legais:
78
As normas locais são aquelas que se aplicam apenas numa localidade, por exemplo,
nas autarquias.
As normas gerais ou comuns são aquelas que estabelecem um regime regra para um
tipo de relações jurídicas situadas numa determinada área do direito e se aplicam sempre
que não haja norma especial ou excecional aplicável.
— As normas excecionais serão estabelecidas para situações que o justificam e, sempre que
não haja norma excecional, presume-se que se aplicará o regime regra.
Aula 14/04
Temos, então, neste critério do vínculo lógico com a ação (-relação) combinada com
a perspetiva da autonomia privada, dois grandes tipos de normas:
A aplicação destas normas (porque tal como o próprio nome indica elas são
imperativas) não depende da vontade dos sujeitos seus destinatários, isto é, estas normas
impõem-se independentemente da vontade dos destinatários, isto é, estas normas exigem um
comportamento e essa exigência não pode ser afastada por qualquer disposição que os
sujeitos da relação jurídica em concreto estabelecessem entre si.
Significa isso que, naturalmente, temos aí normas de fundo, são as normas cruciais
no estabelecimento das exigências que o direito apresenta às relações jurídicas.
Por outro lado, temos ainda, as normas que são interpretativas de outras normas, são
normas que delimitam, que estabelecem o sentido com que outras normas ou expressões ou
declarações negociais podem valer, ou seja, determinam o alcance e o sentido de certas
expressões ou normas legais, para delimitar o âmbito da sua vigência e, portanto, também
aplicabilidade em termos genéricos.
Exemplo: Nós analisámos na última aula a noção de definições legais e um dos exemplos
possíveis de definição legal é aquele que consta no artigo 1022º do Código Civil: temos a
noção de locação, “locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à
outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição”. No artigo 1023º, encontramos
uma norma interpretativa do artigo 1022º, o artigo 1023º tem por epígrafe “Arrendamento e
Aluguer” e consagra que a “locação diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel,
81
aluguer quando incide sobre coisa móvel”, aqui temos a interpretação, a norma
interpretativa, no artigo 1023º, da noção conferida pelo artigo 1022º.
Além destas, temos as normas supletivas da vontade que exatamente suprem a falta
da manifestação de vontade dos sujeitos intervenientes na relação jurídica das partes, sobre
determinados aspetos que necessitam, da perspetiva do ordenamento jurídico, de regulação.
Temos, então, normas supletivas, que realmente vêm suprir a falta de manifestação
de vontade dos sujeitos da relação jurídica, em matérias que a ordem jurídica reputa
essenciais para a definição daquela relação jurídica. Significa que há normas que o direito
estabelece, que sendo supletivas, isto é, admitindo que os sujeitos disponham
diferentemente na relação jurídica concreta e, portanto, cabem dentro das normas
dispositivas, se aplicam sempre que os sujeitos nada disponham relativamente ao tema, à
matéria a que se referem, quer seja por que os sujeitos concordam com o que está
estabelecido na norma dispositiva supletiva da vontade, quer por que por alguma razão,
incluindo a de lapso ou esquecimento, não tenham tratado na formação, na celebração da
relação jurídica, mormente do negócio jurídico em causa, esse ponto específico, e daí que
sejam supletivas.
82
regime de comunhão de adquiridos e, aí, de facto, a norma aplica-se — Artigo 1717º do
Código Civil.
É uma norma supletiva e, portanto, aplica-se se e quando os sujeitos nada
estabeleçam quanto àquele ponto em concreto e, por isso, aplicam-se sempre que os sujeitos
não estabeleçam nenhum regime específico quanto a esse ponto, porque concordam com o
regime supletivo ou por quaisquer outras razões, incluindo algum esquecimento e, portanto,
o direito regula supletivamente essas matérias e vinculativamente irá estabelecer esse
regime supletivo como aplicável à relação jurídica que nada estabeleceu quanto a esse
ponto: “Na falta de convenção antenupcial ou no caso de caducidade invalidade ou
ineficácia da convenção o casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de
adquiridos”.
É, então, um ponto crucial do regime jurídico do casamento — o ordenamento
jurídico entende que esse ponto não pode deixar de ser regulado e, não havendo então
convenção ante nupcial, aplica-se a norma supletiva, “Regime dos bens supletivos”, é a
epígrafe do artigo 1717º.
4. Quanto à sanção:
Aqui, nós temos várias referências a fazer, desde logo, mesmo do ponto de vista da
história do direito, já que há aqui questões que hoje se porão diferentemente daquilo que
tradicionalmente admitiríamos.
Só para vermos que a especialização do ordenamento jurídico vai implicando
muitas vezes aquilo que era considerado, de vários pontos de vista pela mesma norma, está
hoje qualificado diferentemente segundo a área do direito.
Do ponto de vista da sanção, vamos distinguir as normas em função do tipo de
sanção que estabelecem ou que não estabelecem e daí que tenhamos leis mais do que
perfeitas (leges plus quam perfectae), leis perfeitas (leges perfectae), leis menos que
perfeitas (leges minus quam perfectae) e leis imperfeitas (leges imperfectae).
As leges plus quam perfectae são leis a cuja violação corresponde mais do que uma
consequência, isto é, são leis que implicam que o sancionamento da ação ou da omissão que
as viola implica dois tipos de sanção.
Isto quando pensarmos na noção de delito, em termos tradicionais, por exemplo,
levar-nos-ia a uma conclusão que podia conjugar aquilo que hoje especificamos como
direito penal de um lado e direito civil do outro, e a verdade é que essa especialização leva
que, por exemplo, nós hoje para encontrarmos essas duas sanções tenhamos que encontrar
também normas diversas. Mas a verdade é que o que está em causa é que o mesmo
comportamento é sancionado pelo ordenamento jurídico de dois modos, leges plus quam
perfectae, porque implicam, por um lado que a nulidade do ato ou da omissão que viola a
83
norma se manifeste, o ato que viola a norma é nulo por um lado e, por outro lado, é aplicada
uma pena ao infrator e são duas coisas diversas.
Exemplos:
1. Temos a situação em que os negócios jurídicos contrários à lei, desde logo, nos termos do
artigo 280º do Código civil são nulos e, simultaneamente, se o seu objeto o implicar podem
ser, também, simultaneamente classificados como crime.
Simultaneamente, o objeto é contrario á lei, por isso é nulo, do ponto de vista civil, e do
ponto de vista criminal pode ser de facto um crime.
Depois temos a leges perfectae, que só determinam a invalidade dos atos que as
violam, por exemplo, uma compra e venda de bens imóveis que não cumpra as formas
exigíveis pelo artigo 875º do código civil — Uma compra e venda de bens imóveis que não
cumpra as formas, escritura pública ou documento particular autenticado exigidas pelo
artigo 875º do código civil serão nulas, por vício de forma nos termos do artigo 220º do
código civil.
Temos, depois, leis menos do que perfeitas (leges minus quam perfectae) e, aqui, a
sanção é diversa da invalidade do ato que viola a norma, mas temos, ainda assim, a
determinação de que o ato não produz todos, ou não produz parte dos efeitos, que através
dele se pretendia produzir.
84
Temos depois as leges imperfectae. As leges imperfectae não impõem ao infrator
qualquer tipo de sanção, não dispõem de qualquer tipo de sanção.
Exemplo:
2. Temos, por outro lado, também ainda olhando para o código civil, as obrigações ditas
naturais, aquelas que já não são judicialmente exigíveis, mas que sendo cumpridas, esse
cumprimento tem relevo jurídico — o exemplo das obrigações prescritas. No artigo 402º do
código civil nos temos exatamente a noção de obrigação natural, a obrigação diz-se natural
quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é
judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.
Digamos que esta obrigação já não é judicialmente exigível, mas se o devedor cumprir
cumpre bem, isto é, cumpre um dever jurídico e isso significa, nos termos dos artigos
seguintes, 403º e 404º, que quem cumpre uma obrigação como esta, uma obrigação natural,
não goza da condição de não ser devedor, não goza da conditio in debiti, não pode repetir,
não pode pedir que lhe seja devolvido aquilo que prestou espontaneamente o cumprimento
da obrigação natural, porque se considera que é um comportamento de um dever jurídico.
Ao mesmo tempo que o credor goza de soluti retentios, goza do direito de reter o
recebido, a título de cumprimento dessa obrigação, como obrigação jurídica.
A obrigação natural é um exemplo de situação de que, de facto, não se impõe ao
infrator qualquer tipo de sanção, o que é em si discutível, porque implicaria, desde já, que
nós considerássemos que o devedor de obrigação específica já prescrita estivesse, de algum
modo, a violar uma norma.
Como nós vimos, a legitimidade política não se confunde com a validade jurídica.
Se elas se encontrarem conjugadas, a norma efetivamente será vigente, válida e eficaz. Pode
suceder, porém, que a norma seja formalmente, esteja formalmente em vigor, mas venha a
verificar-se de que do ponto de vista da validade, isto é, da adequação normativa aos seus
fundamentos, princípios normativos, se apresentem desvios ou até contrariedades.
85
Estrato da jurisprudência judicial
- O momento da concreta realização judicativo-decisória da normatividade jurídica —
o seu específico sentido no horizonte de um sistema de legislação; a presunção de
Justeza.
Num sistema de legislação como este em que nos encontramos, o valor, isto é, a
dimensão vinculativa, a vigência normativa constitutiva dos precedentes judiciais não se
confunde com a relevância que esses precedentes assumem num sistema de procedimento
obrigatório, isto é, na nossa experiência, nos sistemas ditos de common law, porque se
nestes últimos, os precedentes judiciais têm uma força institucional formalmente
reconhecida e, portanto, não podem deixar de ser considerados como os critérios por
excelência para a decisão judicial, e porquê critérios por excelência? Porque os critérios
judiciais, estes precedentes judiciais, em muitos casos, são o resultado da mobilização de
acts de statute law ou de statotory law, mas também são e, sobretudo, são a conjugação entre
statotory e common law, por que está sempre presente a exigência da convocação dos
precedentes judiciais que são vinculativos, no sentido que assumem nas suas raciones
dicidendi para a resolução dos tais casos análogos futuros, agora presentes.
Perante um caso subiudice num sistema de common law, o juiz mobiliza a
conjugação entre statotory law que exista, porque também existe e, vinculativamente, as
decisões judiais anteriores como precedentes vinculantes.
86
Isto não significa que os precedentes no sistema de common law não possam ser
afastados, há operações reconhecidas do ponto de vista processual que admitem esse
afastamento e são, fundamentalmente, as operações de distinguishing, que nos levará à
justificação da ausência de relação suficiente entre o precedente e o caso subiudice e, ainda,
de overruling, isto é, superação da decisão anterior, na decisão presente, em virtude de se
entender, de entender o poder judicial, aquilo que gerará a jurisprudência judicial, entender
que já não é adequado aquele sentido normativo para aquele tipo de problemas concretos.
Num sistema de legislação como aquele em que nós estamos e assumindo, desde
logo, o princípio da separação de poderes e a ideia de consagração fundamental
constitucional, desde logo, do artigo 203º da CRP, que estabelecendo essa autonomia dos
tribunais, nós encontramos, efetivamente, a consideração de que essa autonomia se liga
diretamente com a relevância crucial da lei como fonte do direito.
Isto significa que, havendo normas, ela há-de ser necessariamente considerada, mas
essa consideração implica, desde logo, do ponto de vista da sua seleção e interpretação, a
87
consideração dos outros critérios e fundamentos do sistema, desde logo, as decisões
judiciais anteriores de casos análogos, em que a norma tenha sido mobilizada, para a
compreensão do sentido por que o foi, de casos, eventualmente, não verdadeiramente
análogos, mas em que a mesma norma foi convocada para a respetiva resolução e, isto,
sempre na conjugação com os restantes sentidos, aqueles que são conferidos pelos modelos
dogmáticos e, ainda, aqueles que são vigentes do ponto de vista da fundamentação, do lado
dos princípios normativos.
Falaremos aqui daquilo que, desde James Kent, ainda no século XIX e depois
passando por vários autores, nomeadamente Geovani O´ruh, mas também Yusef Esser, o
próprio Robert Alexi, Martin Kriller, entre outros, que vêm a reforçar a relevância
metodológica dos precedentes judiciais num sistema de legislação, através de uma
presunção de justeza, no sentido de adequação normativa, também dita pelos
Anglossaxónicos, que também mobilizam (e James Kent está no sistema de Common Law)
uma presunção de correção (correction), é também essa a tradução que Robert Alexi dá da
Risticait para inglês (correction) e essa presunção de correção traduz-se na consideração de
que, em principio, presume-se que a decisão que compõe o critério oferecido pelo
precedente judicial e esse critério oferecido pelo precedente judicial abstrai das
circunstâncias concretas pessoais do caso, mas trata o conjunto argumentativo e o sentido da
solução, é isso que o critério precedente judicial constitui, e esse critério presume-se, então,
que manifesta a justeza no âmbito do sistema jurídico, que justeza?
Assim…
Aula 15/04
Ao julgador cabe, não apenas convocar as normas legais (ainda que deva sempre
convocá-las quando existam) mas convocar todo o sistema jurídico. Estamos num sistema
de legislação e, portanto, a convocação das normas é absolutamente fundamental, posto que,
até pela presunção de autoridade que lhes reconhecemos se constituem uma fonte do Direito
crucial na nossa herança histórica e, portanto, havendo norma ela vai ter que ser interpretada
à luz do caso concreto. O que significa também, por sua vez, o facto de se convocar uma
89
norma e de ela ser interpretada à luz do caso concreto não garante que ela seja critério
judicativamente adequado para orientar a resposta a esse caso concreto.
Da perspetiva que estamos a analisar, essa conclusão só é atingível através da
interpretação, e por isso, para o dizer com Gustav Radbruch: “a interpretação é o resultado
do seu resultado”, o que significa que só depois de interpretar a norma à luz do caso
concreto é possível dizer se ela é ou não critério normativamente adequado para a resolução
judicativa do problema sub judice.
Estas são questões que vamos tratar do ponto de vista da interpretação jurídica.
O que significa considerar a jurisprudência judicial como estrato do sistema e qual o seu
papel metodológico?
90
Não é essa a perceção que a jurisprudência nos merece, de uma perspetiva
jurisprudencialista e também não é essa a perceção que mesmo de uma perspetiva
institucional da jurisprudência hoje se assume no nosso ordenamento jurídico.
Pesa embora, não conste do elenco formal das fontes do Direito estabelecidas, desde
logo no CC, é reconhecida hoje à jurisprudência, por um lado, o caráter de constituição do
Direito para o caso concreto, na medida em que as decisões tomadas moldam e vinculam as
relações jurídicas a que dizem respeito, portanto, também as esferas jurídicas dos sujeitos
seus destinatários, mas também porque são-no, de facto, convocadas para a orientação, a
justificação e a fundamentação das decisões judiciais que vão sendo tomadas nesta teia
dialeticamente enternecida que é, afinal, o desenvolvimento do sistema jurídico.
É por isso que, se nós compulsarmos as decisões judiciais e se virmos que podemos
partir dos exemplos dos acórdãos dos tribunais superiores, pensemos no Supremo Tribunal
de Justiça, no Supremo Tribunal Administrativo e mesmo no Tribunal Constitucional, se
compulsarmos um qualquer acórdão, iremos constatar que são convocadas não apenas as
normas legais, como também princípios e, ainda, indubitavelmente, em sustentação das
posições aduzidas, exemplos jurisprudenciais anteriores e referências dogmáticas.
91
Do ponto de vista institucional processual, vimos que as decisões tomadas em
sentido diverso das que forem estabelecidas e, mormente, fixadas pelos tribunais superiores,
no sistema jurídico português, são suscetíveis de recurso, i.e., se o jurista dissidente num
caso concreto entende afastar a decisão fixada por um tribunal superior, há de justificar do
ponto de vista metodológico e, depois, do ponto de vista institucional, essa diferente tomada
de decisão constitui em si fundamento de recurso para que o tribunal superior e pensemos
no exemplo do Supremo Tribunal de Justiça, quando haja decisão de fixação de
jurisprudência, analise o caso atual e o caso anteriormente resolvido e decida se mantém a
orientação jurisprudencial ou se a altera, em sede de recurso, se os sujeitos processuais com
legitimidade entenderem interpor recurso da decisão que divirja das anteriormente tomadas
em casos, pelo menos aparentemente, análogos.
Ora, isto significa que na dogmática temos o conjunto das reflexões de especialistas
sobre o Direito, relativamente ao Direito vigente, e, também, nas propostas de constituição
de Direito ex novo.
Assim sendo, temos verdadeiramente na dogmática o Direito dos juristas, de facto,
quando nós pensamos mesmo no sentido da classificação do pensamento jurídico:
Efetivamente, desse ponto de vista interno e dialógico, partindo do sentido do Direito, temos
num sentido amplo o Direito dos juristas a englobar quer a dogmática quer a jurisprudência,
não significa que o legislador não seja jurista, estamos só a distinguir a situação em que o
jurista é legislador daquela em que não é e, portanto, toma parte na constituição do Direito
de modos diversos – a jurisprudência e a dogmática.
Ora, cabe à dogmática escrever e refletir sobre o Direito vigente, mas também
propor modelos de solução para muitos problemas juridicamente relevantes, que vão
surgindo inovadoramente e, assim, explorar flexivamente potencialidades dos diversos
92
estratos integrantes do sistema jurídico, em consonância com as intenções prático-
normativas que os constituem e que manifestam.
Estamos, de novo, em contacto com o Positivismo do séc. XIX, isto significa que se
a dogmática, se o pensamento jurídico visou ser ciência, quer do ponto de vista dogmático
quer do ponto de vista metodológico, alias vimos quer do ponto de vista de construção
legislativa, então teve de adotar um método cientifico positivista. O que significa que à
dogmática cabia conhecer o Direito pré-dado, como objeto cognoscível, fosse dado pelo
legislador ou fosse dado pela base consuetudinária, porque vimos que na escola da exegese
o Direito foi criado sob a forma de lei, a fonte de Direito fundamental é a lei, ao passo que,
na Escola Histórica do Direito, sua contemporânea, a fonte fundamental do Direito não é a
lei, aliás, a lei e a ciência do Direito têm um papel secundário, de fonte secundária, até de
tradução para a institucionalização de uma outra fonte fundamental de base histórica,
simplificando, o costume.
Ora, seja dado na lei seja dado no costume, o Direito é, para a perspetiva positivista,
um objeto cognoscível, cabe então ao pensamento jurídico conhecer o Direito, interpretá-lo
e elaborar sobre esse Direito assim conhecido e interpretado enunciados universais de
verdade – teorias científicas sobre o Direito – e, portanto, a tarefa da dogmática é, aí, a
construtivística perspetivação do Direito já pré-dado. Cabe à dogmática fixar o sentido dos
princípios gerais do Direito – princípio como ratio, i.e., abstrações generalizantes obtidas a
partir das normas através de lógica formal depois de uma análise jurídica a abstração lógica,
para seguirmos a proposta de Rudolf Von Ihering, a sua jurisprudência inferior – e, ainda,
construir a partir da conjugação temática, portanto, da coerência entre as normas, conceitos,
enquanto definições de figuras jurídicas, obtidas por indução a partir das normas.
P.e., o conceito de contrato como indução obtida a partir do conjunto de normas que trata
das situações em que os sujeitos se vinculam entre si, para a produção de determinados
efeitos.
Vejamos exemplos.
"De facto, a dogmática tanto pode criar critérios até porque, primeiro que tudo, discute
critérios. Imaginando uma tese de doutoramento em que se discute um conjunto de artigos
ou até um artigo, uma solução do Código das Sociedades Comerciais e se discute e se
estuda dogmaticamente a história, a evolução, o sentido, a intencionalidade e depois para o
futuro se propõe uma solução diferente, i.e., a constituição de um outro critério normativo
ou legal, desde logo. Não tem de ser assim, mas esta é uma das possibilidades — a
dogmática pode criar critérios que resultem até da questão da interpretação, do sentido
interpretativo de critérios vigentes.Assim como pode propor novos e depois o legislador irá
aproveitar consoante o resultado da construção dialógica do sistema.
"Assim como também pode, portanto, no estrato da dogmática nós encontramos critérios,
mas também podemos encontrar princípios, p.e., o princípio do poluidor pagador teve
origem dogmática; o princípio do racionamento, tem origem dogmática; o princípio da
tolerância, tem origem dogmática.
Há princípios de facto que, usualmente, surgem primeiro na dogmática e, depois, vão
sendo projetados para a legislação. Aliás, mesmo que não sejam projetados para a
legislação, o facto de serem mobilizados para a resolução de problemas concretos já nos
mostra que são jurídicos e ao serem projetados na decisão judicial, vigentes.
Primeiro, são direito por eles próprios, os princípios são direito por eles próprios, são ius
por eles próprios, na medida em que são emanação da delimitação da relação intersubjetiva
que o Direito pressupõe e visa resolver. Depois, consequentemente, os princípios são
fundamentos e, desse ponto de vista, nós também encontramos no estrato da dogmática
jurídica fundamentos ou princípios. Nós vimos que no estrato do sistema jurídico, para lá do
95
estrato do sentido, que é o tal que perpassa todos os estratos (uma espécie de substrato
comum que sustenta substancialmente todos os outros), temos o estrato dos princípios
normativos, dos fundamentos por excelência e, depois, temos, sobretudo, critérios (normas
legais, critérios da jurisprudência judicial, dogmática – aqui tanto podemos encontrar
critérios como princípios e boa parte dos princípios resulta primeiro da reflexão dogmática e
só depois passa para a construção legislativa, eles não deixam de ser princípios, passam é a
ser princípios em forma de norma e depois as normas são criadas a partir deles embora
também possam ser criadas a partir dos princípios sem que o próprio principio tenha sido
posto sob a forma de norma).
À dogmática vai dirigida uma presunção de racionalidade, essa presunção de racionalidade
não se traduz naturalmente na consideração da racionalidade abstrata, formal que o
Positivismo assumia para o pensamento jurídico, à época, não é uma dogmática de
autoridade construtivística, mas uma dogmática de fundamentação.
A racionalidade que está aqui em causa não é uma racionalidade lógico-formal, também
não é uma racionalidade formal-argumentativa, é uma racionalidade de fundamentação,
portanto, de convocação material de sentido, sustentada por uma argumentação. Esta
presunção de racionalidade também pode ser suscetível de contra-argumentação, como
presunção que é.
• Temos, desde logo, uma função estabilizadora e estabilizadora de sentidos. Uma função
estabilizadora, já que a dogmática fornece sentidos que a prática jurídica vai assimilando,
portanto, temos ali uma certa estabilização, respaldo reflexivo, em que os práticos do
Direito podem salvaguardar-se reflexivamente, para determinação do sentido das suas
opções.
• Por outro lado, tem uma função heurística ou dinamizadora — a dogmática estabelece/
propõe soluções ex novo excogitadas do sentido do Direito já vigente e, portanto, na
relação dialética entre o já estabelecido e o novo, as disquisições que a dogmática vai
propondo como soluções da iure condendo, da sua função dita heurística ou dinamizadora.
• Depois, uma função técnica, porque, com isso, confere aos juristas instrumentos técnicos
de fixação de sentido, que garantem objetividade das próprias referencias de sentido.
• Por último, uma função de controlo, porque ao estabelecer uma racionalização das
decisões judicativas, vai também formando linhas, estruturas de pensamento, que acabam
por ir moldando a própria pratica, i.e., a tal ideia de existência de sentido dogmático
dominante, que vai influenciando mais decisivamente a prática, o que não significa que
não vá sendo confrontado com sentidos dogmáticos minoritários que possam até fazer o
seu caminho e virem a ser eles próprios dominantes.
Não é apenas a perspetiva positivista que põe a realidade como campo de aplicação
das normas, verdade é que boa parte das construções sistemáticas e, portanto, dogmáticas,
do direito propõem, realmente, a definição do direito através do sistema, alguma relação
entre sistema e realidade, mas a verdade é que, também aí, apesar das preocupações
materiais com a relação do sistema à realidade, a verdade é que não se reconhecem,
normativamente, contributos materiais da realidade ao sistema e, nesta perspectiva
jurisprudencialista que estamos a analisar, fruto da influência do pensamento germânico da
segunda metade do século XX, nós vamos encontrar, efetivamente, propostas em que se nos
apresentam relações dialéticas entre sistema em realidade, que implicam que não apenas a
realidade tenha relevância normativamente constitutiva para o direito, isto é, as novidades
que a realidade apresenta projetam-se no sistema de modo a participar a sua reconstrução,
na sua reconstituição, como também essa participação, o facto de haver decisões judiciais,
de haver projeção do direito na prática, é enriquecedor para o sistema, mas é mais do que
isso, é pensar que a realidade é o ponto de partida da determinação da relevância jurídica,
isto é, não é o facto de uma certa realidade estar definida no sistema jurídico como
juridicamente relevante que lhe garante a relevância jurídica, ou seja, o que faz de um
problema juridicamente relevante um problema juridicamente relevante é o tipo de
problema que esse problema é — não é muito fácil dizer quem nasceu primeiro, mas a
realidade, de facto, terá nascido antes do direito.
Mas não estamos a falar da origem histórica direito, mas estamos a falar de uma
relação dialética entre a realidade e o direito, num ponto em que se pressupõe um sentido
normativo de direito que vai dirigido à realidade e que é de construção histórica
comunitária, isto é, ser direito, hoje, no nosso contexto, implica uma fundamentação, uma
intencionalidade, uma regulação ou ordenação normativa. Aliás, também sabemos que,
historicamente, certas questões que já tiveram relevância jurídica muito elevada, a foram
97
perdendo ou deixaram mesmo de a ter e, outras que não a tinham, passaram a tê-la — Nós
podemos mesmo ver, dentro das questões que têm relevância jurídica, que continuam ainda
da tê-la, nós temos exemplos de acções ou omissões que já constituíram, por exemplo,
crimes, como é o caso do adultério e que, no ordenamento jurídico atual, não o constituem.
Há domínios na vida prática que vão ganhando relevância jurídica e outros que a
vão, progressivamente, perdendo ou até mudando a feição, o sentido da relevância prática
que vão assumindo, muito em função da realidade e, ainda, em função também da valoração
que, sobre a realidade, o direito vai fazendo e ambas são dinâmicas.
Mais ainda do que ser juridicamente relevante, a questão de saber de que tipo de
relevância e, consequentemente, tutela jurídica, uma determinada situação da realidade é
merecedora — se vai ser considerada lícita/ilícita; Se sendo considerada ilícita esse ilícito é
civil, de índole administrativa, se é um ilícito criminal…
Ou seja…
Do lado da realidade:
Do lado do direito:
Para dizermos que o direito se deve adaptar à realidade, de que adaptação falamos?
De facto, essa adaptação que o direito faz à realidade não é uma adaptação acrítica,
aliás, o direito é uma instância crítica e de validade normativamente constitutiva da prática,
o que significa que (e também por isso propusemos que o direito assuma um sentido
normativo próprio, até porque, não sendo economia, não sendo política, não sendo
tecnologia, a ser alguma coisa e, culturalmente, na nossa civilização, é-o) há de ser uma
ordem normativa crítica, com uma axiologia própria e, portanto, com um sentido normativo
próprio, que responde de uma certa maneira à realidade.
— (Essa projeção do direito na ação) Implica, desde logo, a concretização daqueles que
são mecanismos que o direito disponibiliza aos sujeitos, membros de uma comunidade, e
que estes irão mobilizar para a composição das suas relações intersubjetivas e, portanto,
para o exercício da sua autodeterminação.
99
" Ora, a realidade apresenta-se, então, como a realidade política, por um lado, a realidade
cultural, a realidade económica, científico-cultural… todas elas a confrontarem o direito e a
serem confrontadas por ele, na dinâmica constitutiva do sistema jurídico.
" À realidade vai corresponder uma presunção de eficácia, isto é, se o direito for uma
manifestação ideal, sem ligação efetiva na prática, será, exatamente, uma referência ideal,
mas não efetiva regulação para a vida intersubjetiva, mas o direito quer sê-lo e, mais do que
isso, quer que essa vida intersubjetiva se conforme, tanto quanto possível, espontaneamente
com a regulação jurídica, porque, aí, encontraremos um momento de equilíbrio dialético
entre a realidade e o sistema.
Depois do que se estudou acerca da vigência e das fontes do direito, soará menos
estranha a afirmação da pluridimensionalidade do sistema jurídico.
De facto, cada um dos estratos do sistema jurídico que identificamos apresenta uma
relevância prático-normativamente constitutiva e metodológica a diversa, e todos confluem
na construção do direito vigente e no diálogo entre esse e a realidade que o interpela.
— O sistema jurídica é aberto em todos os seus estratos, isto é, este vai ser aberto
quer ao nível dos princípios normativos, ao nível do próprio sentido (é ele próprio dinâmico/
constitutivo), (…)
Dizer que o sistema é aberto implica que reconhecemos essa abertura em todos os
seus estratos, porque todos eles se relacionam, ainda que diversamente, com a realidade a
que o direito vai dirigido;
Assim…
As fontes do direito
Vamos, agora, perguntar como é que este direito vigente é criado? Como vem à
nossa presença, como se constitui e manifesta?
Esta temática das fontes do direito, que tem origem, pelo menos, na expressão
metafórica atribuída a Cícero “fonts iuris”, tem uma tradição muito antiga e,
verdadeiramente, leva-nos a por inúmeras questões que, de facto, implicaria que nos
perguntássemos “fonte porquê?”.
102
Há vários sentidos possíveis da problemática das fontes de direito. E, para esta
matéria, é pertinente analisar um artigo de Castanheira Neves,“ Fontes do Direito”.
Na abertura desse artigo, encontramos diferentes modos de considerar esse problema e
até diferentes elencos do que sejam as fontes do direito.
1. Temos, desde logo, a ideia das fontes de conhecimento do direito, os locais onde se
encontra o direito, onde este se manifesta, o local de onde brota o direito;
2. Depois, noutro sentido, fontes genéticas (ou materiais ou reais). Estas seriam as causas
históricas, sociais, culturais, políticas, etc, os fatores que estão na origem do direito;
• As fontes genéticas serão as tais causas de surgimento de direito, mas ainda não são
constituição de direito em si, são os tais fatores que estarão na origem do surgimento do
processo constitutivo — estão atrás;
• As fontes de validade também nos remetem para o problema do fundamento, não para o
da constituição do direito em si;
• As fontes da juridicidade, aí já se põe o problema que tem que ver com o processo
constitutivo do direito.
Claro que isto implica um conjunto de opções, que, desde logo, nos leva a questionar
de que é que se fala quando se fala de fontes do direito e as respostas são muito diferentes,
consoante as referências dogmáticas.
103
Como é que se constitui e manifesta a normatividade jurídica vigente, numa
determinada comunidade histórico-concreta?
Do ponto de vista que iremos seguir, iremos reconhecer o problema das fontes do
direito como problema do processo constitutivo do direito vigente, como iter procedere,
percorrido até chegar ao direito constituído.
A perspetiva por que nos orientamos irá além da pergunta pelo suporte em que
podemos conhecer o direito vigente — irá além da pergunta pelas fontes do direito
admissíveis.
É a partir desta pergunta que vamos procurar perceber como é que o direito,
compreendido pela proposta que estamos a analisar, é constituído.
O problema das fontes do direito é um problema que não está resolvido através do
direito positivo pura e simplesmente, isto é, se o direito se nos apresenta como vigente,
constituído, projetado já na realidade com um certo sentido, isso não implica que não
tenhamos de o reconhecer na sua intencionalidade constitutiva. O sentido das fontes do
direito que se admita depende do sentido do direito que se assuma.
Se o problema, como pretendemos pô-lo, não se basta com responder assim, porque
isso implica assumir como previamente resolvido o problema do processo constitutivo do
direito, então, temos de ir para lá do direito positivo. Isto significa que o problema das
fontes do direito é um problema metapositivo.
104
2. Uma perspetiva fenomenológico-normativa das fontes do direito — O problema das
fontes como um problema de processo constitutivo do direito, saber o que é fonte, saber
como se origina e se constitui juridicamente um determinado modo específico de
manifestação do direito. Se vamos perguntar como o direito se constitui e manifesta,
então, já não é suficiente recorrer a diplomas legais, como no caso da primeira
perspetiva, porque a resposta está para trás, ou, até, para fora.
Este perspetiva assume a análise do processo de manifestação do direito, tal como
vem à nossa presença como fenómeno.
Aula 21/04
Vimos que o problema das fontes do direito, que apela a uma metáfora atribuída a Cícero,
exatamente esta metáfora “Cons Iuris”, implica, decisivamente, que estejamos perante a
consideração do modo de constituição do direito, isto é, estamos a analisar os modos por
que o direito se constitui, por que se nos apresenta como direito.
Isso significa que, neste sentido, o problema será, naturalmente, visto de diferentes
perspetivas, consoante a compreensão do direito e do pensamento jurídico que corresponda
à abordagem às fontes do direito que estivermos a considerar.
Neste sentido, temos que ver e temos de recordar que, efetivamente, quando nós
analisámos a perspetiva positivista, o problema das fontes do direito se nos apresentava
como já resolvido, isto é, tínhamos, aí, a consideração já, de que, efetivamente, sendo
identificada uma ou, eventualmente, várias fontes do direito como as fontes do direito
fundamentais, teríamos já, aí, indicada a origem do direito vigente e, nesse sentido, teríamos
aí já dada a resposta no próprio direito positivo.
De facto, o problema das fontes do direito é um problema que vai, então, depender
da conceção do direito e do pensamento jurídico correspondente.
Como disse, de facto, para o positivismo, o problema das fontes do direito seria
suscetível de resolução através da consideração do direito já constituído, porque se resolvia
a questão de saber quais os modos de constituição do direito admissíveis, perguntando por
esses modos ao próprio direito, ao próprio Corpus Iuris já pré constituído.
Do que se trataria, então, seria de saber quem teria poder para criar direito vigente e
se nos reportarmos ao positivismo legalista, a pergunta seria: “quem tem poder para criar
normas jurídicas obrigatórias?”, a resposta seria, evidentemente, “o poder legislativo” e,
nesse sentido, consequentemente, teríamos aí a resposta ao encontrarmos naquelas que
105
dissemos, segundo a classificação que nos é apresentada pelo senhor doutor Castanheira
Neves, as fontes de conhecimento do direito, como os Loki onde se encontra definido, pré
definido, no direito positivo os modos de constituição do direito admissíveis.
Isto significa que, o problema das fontes do direito, para uma perspetiva de índole
positivista, se resolveria com o conhecimento e interpretação das normas legais que
determinassem quais os modos de criação do direito admissíveis.
No nosso sistema jurídico o que é que podemos aqui encontrar, o que é que poderemos
dizer?
O nosso sistema jurídico vigente, o nosso Código Civil estabelece, nos seus
primeiros quatro artigos, e, portanto, no livro 1, parte geral, no seu título 1, das leis, sua
interpretação e aplicação, capítulo 1, fontes do direito.
" Temos assim, no artigo 1.º, exatamente, as fontes imediatas – as leis e as normas
corporativas (considerando o nº 1 do artigo 1º do Código Civil); No nº 2, tecem-se
considerações sobre o que são leis; Depois, no nº 3, uma consideração sobre normas
corporativas.
" No artigo 2.º do Código Civil, encontramos como epígrafe “assentos” e apenas a
referência a que este artigo foi revogado pelo decreto-lei nº 329/a de 95 de 12 de dezembro.
O texto deste artigo era, à época, na versão originária do Código, hoje revogada, a seguinte:
“Nos casos declarados na lei podem os tribunais fixar por meio de assentos, doutrina com
força obrigatória geral”. Temos a referência a assentos como fontes do direito, vamos ver o
que é um assento e analisar a sua história e as razões por que esse artigo 2º do Código
Civil foi revogado.
"No artigo 3.º o valor jurídico dos “usos”. No seu nº 1 os usos que não forem contrários
aos princípios da boa-fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine. No nº 2 as
normas corporativas prevalecem sobre os usos — Temos aqui um modo de constituição do
106
direito que cumpre analisar também e que cumpre analisar em contraposição com uma outra
fonte tradicional de direito, nós fizemos essa referência, remontando pelo menos ao Direito
Romano, de que as fontes fundamentais serão a lei, a jurisprudência, o costume e, em alguns
casos, a doutrina. Vimos já que, no contexto do positivismo, a lei domina e define a
admissibilidade das fontes e estamos, agora, a analisar como é que o nosso Código Civil
expõe essa temática da fonte fundamental do direito estabelecida na lei, desde logo, vimos
aqui, são fontes imediatas do direito, as leis e as normas corporativas e, depois, a relação
dessa fonte fundamental (a lei) com outras fontes. Uma das fontes admitidas, se,
naturalmente, não houver contrariedade com a lei, relativamente à lei, a admissibilidade dos
usos.
"No artigo 4.º temos o valor da equidade, estabelecendo-se que os tribunais só podem
resolver segundo a equidade, alínea a) quando haja disposição legal que o permita, alínea b)
quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível, alínea c) quando as
partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à
cláusula compromissória.
Da leitura destes quatro artigos, concluímos que, verdadeiramente, a lei tem aqui, numa
perspetiva institucional, uma prevalência como fonte imediata e como condição para a
admissibilidade de outras fontes. Esta é uma proposta que, de facto, não se reduzindo à
construção formalista que o positivismo do século XIX afirmava, se centra crucialmente na
lei como fonte fundamental e primeira.
É verdade, evidentemente, que num sistema de legislação como o nosso, a normatividade
jurídica se objetiva, sobretudo, na legislação. Porém, isso não significa que a lei seja a fonte
exclusiva (vimos já aqui que se admitem outras fontes), mas o que está, de facto, em causa é
compreender que estes quatro artigos já são eles próprio resultado do processo constitutivo
do direito, isto é, apresentam-se como direito positivo, tornando tautológico, se assumirmos
uma perspetiva político-institucional e político-constitucional das fontes do direito, o
perguntar pelo que sejam fontes do direito, isto é, se perguntamos ao direito positivo como
se constitui e manifesta o direito positivo, estamos a transformar a pergunta em resposta
sem, verdadeiramente, analisarmos o processo que está em causa, isto é, significa que
estamos a perguntar às manifestações de direito positivo como é que se constituem as
manifestações do direito positivo, ou seja, dar já por concluído o problema da sua
constituição e, portanto, estamos a perguntar ao resultado diretamente pelo seu processo
constitutivo e o resultado apenas se apresenta como tal, não estabelece em si a explicação e
a própria compreensão da intencionalidade do seu processo constitutivo.
Isso vai levar-nos a pôr o problema de outra perspetiva. Aquilo que pretendemos
saber ao perguntar: “quais são as fontes do direito?”, vai além de encontrarmos a resposta já
acabada no direito positivo.
Essa é uma impostação possível das coisas, mas não é a única. O que está aqui
verdadeiramente em causa é perguntar pela juridicidade, isto é, por aquilo que faz do direito
direito e, não pela determinação externa institucional de um conjunto de mecanismos a que
é conferida a qualificação direito, desse ponto de vista institucional, sem perguntar pela sua
relevância normativa material interna ou, por outras palavras, em vez de perguntar ao
produto acabado e receber como resposta ao produto acabado, já dado no direito positivo,
como se constituem as fontes do direito, o que se fará é, isso sim, investigar o próprio
processo constitutivo das diferentes fontes do direito, o que nos vai levar a concluir que,
efetivamente, outras fontes se podem manifestar ao lado da lei e não necessariamente
na dependência desta.
! O que se trata de saber é, então, como é advém a juridicidade ao sistema, como é que se
constitui o sistema jurídico como sistema jurídico, o que é que faz do direito vigente, direito
vigente; como se constitui e manifesta a normatividade jurídica vigente?
108
Isto significa, então, que teremos que perguntar, de modo diverso, quais os
problemas por que são apresentadas as diferentes fontes e como se constituem.
Olhemos para este modo como o direito se nos apresenta enquanto fenómeno,
estamos a considerar uma perspetiva em que o direito se nos apresenta, vem à nossa
presença como um processo em contínuo desenvolvimento e, portanto, como um
constituendo, cuja vigência se irá concentrar na relação entre validade e eficácia e por via de
uma institucionalização ganhar positividade:
É por isso que nós, em vez de uma perspetiva politico-constitucional, vamos aqui
adotar uma perspetiva fenomenológica normativa, seguindo o modo como o senhor
doutor Castanheira Neves e o senhor doutor Pinto Bronze nos a têm oferecido e esta
perspetiva fenomenológica normativa, exatamente iremos analisar como é que a
normatividade jurídica vem à nossa presença, isto é, como é que o direito se nos apresenta
como fenómeno, como se nos manifesta enquanto direito vigente.
Vamos considerar a nossa atenção nas diferentes experiências jurídicas constituintes
e não já, naturalmente, nos resultados que elas, de modo acabado, prévio e submetido à
perspetiva legal, nos apresenta.
Por isso, temos a indicação que este é um modo constitutivo do direito de índole
social, porque, efetivamente, o direito é, aqui, segregado pela comunidade nos tempos
lentos das sociedades tradicionais, mais arreigadas, mais lentamente sedimentadas, e, por
isso, também mais fortemente cimentadas, em que os horizontes de referência de valor e de
vinculatividade se encontram (se encontravam) legitimados pelo tempo. Optei pelo pretérito
109
perfeito e pelo presente porque efetivamente, embora as nossas sociedades atuais se
apresentem muito mais complexas do ponto de vista da heterogeneidade das opções, isso
não significa que, não possamos continuar a reconhecer a existência de criação de direito
sob a forma de costume.
Exemplo: Podemos convocar o artigo 348º do Código Civil que, não consagra no elenco
das fontes, evidentemente, confere relevo específico ao direito consuetudinário local ou
estrangeiro. É isso que é dito neste artigo 348º no seu nº1 e, para ficar registado, àquele que
invocar direito consuetudinário local ou estrangeiro compete fazer a prova da sua existência
e conteúdo, mas o tribunal deve procurar oficiosamente obter o respetivo conhecimento.
Estamos aqui a considerar as disposições gerais em matéria de prova e,
portanto, é possível invocar direito consuetudinário local ou estrangeiro para fazer prova da
existência de um determinado direito. Aí temos um exemplo de como, de facto, não estando
110
o costume elencado nos primeiros 4 artigos do Código Civil, afinal é, ainda assim,
considerado por outras vias, noutras instâncias, como juridicamente relevante. É notório,
naturalmente, que há aqui uma opção, mas, simultaneamente, não desaparece a relevância
do costume, ainda assim.
Enquanto num sistema de legislação a decisão judicial será feita, sempre, tendo em
conta a referência legislativa e numa compreensão mais formalística e positivista
primordialmente e, até, unicamente a referência legislativa, na construção dos sistemas de
common law a primeira referência, mesmo que haja lei, será (se houver) um precedente
judicial, em que essa lei tenha sido convocada como orientação para a resolução.
Isto muda completamente, do ponto de vista metodológico, a relevância relativa das fontes
do direito, aliás, a construção da common law implicou, ela própria, uma reiteração de
práticas, com força consuetudinária, mas das práticas estabelecidas pelos próprios ditos
oficials, mas neste caso, juízes que foram constituindo, dialeticamente, na relação entre as
racciones dicidendi de casos já resolvidos e casos novos sub iudice, portanto, nessa
interação dialética construindo o sistema jurídico de precedente vinculante.
Significará isto que a jurisprudência judicial não constitui, nos sistemas de legislação,
direito?
112
Da perspetiva fenomenológico-normativa em que estamos a pôr o problema, a
experiência jurídica jurisdicional é suscetível de ser convocada como fonte do direito.
Em que sentido?
Desde logo, mesmo que, consideremos a lei como fonte primordial, a ideia de que,
resolver um problema concreto confere, vinculativamente, a resposta do direito para essa
situação em concreto, já nos mostra uma ideia de concretização, que leva a que se considere
que, de facto, a decisão judicial é constitutiva do direito.
Mas olhemos para o modo por que, desta perspetiva dita jurisprudencialista, se assume a
relevância da experiência jurídica jurisdicional:
O que nós vamos ter aqui é uma relação dialética entre um problema e um sistema,
por mediação de um juízo, ponderação prática, orientada por uma fundamentação e
construturação argumentativa, até para a construção da justificação, que irá
constitutivamente apresentar o sentido de resolução normativamente adequada daquele
específico problema.
114
Aula 22/04
Tínhamos considerado já, de certo modo, por um lado, uma abordagem teórica e
metodológica, já tínhamos posto o problema das fontes do Direito enquanto problema de
Direito Positivo e como intencionalidade metapositiva, i.e., vimos que de facto o tema das
fontes do Direito está tratado no nosso Direito positivo e, simultaneamente, também
refletimos criticamente sobre isso, no sentido de considerar que o problema das fontes do
Direito é o problema do processo constitutivo do Direito e, nesse sentido, é preciso analisá-
lo em termos metapositivos, i.e., para lá daquilo que é essa mera referência ou a já
constituída/acabada/refletida consagração nos primeiros 4 artigos do CC, no caso do nosso
Direito positivo.
Vamos olhar para o modo como o pensamento jurídico, que vai culminar no CC de
1966, abordou a temática das fontes, porque queremos compreender porque é que a
perspetiva que estamos a analisar se afirma e se caracteriza como fenomenológica e
normativa e, portanto, polarizada na categoria vigência.
Porque é que o problema das fontes do Direito é, aqui, visto como um problema de
constituição da normatividade jurídica vigente e não já como um problema positivo (e por
isso um problema metapositivo) de reconhecimento na lei e, através desta, apenas da
consideração das fontes do Direito admissíveis, tal como uma perspetiva politico-
constitucional tenderia a acentuar?
Isso leva-nos de novo aos primeiros 4 artigos do CC, agora mais aprofundadamente:
Vimos que o art. 1.º do CC estabelece como fonte fundamental, ou seja, as fontes
imediatas: as Leis e as normas corporativas.
— A condição essencial para que uma norma seja valida, à luz da perspetiva do
sistema jurídico que temos estado a analisar, é a da adequação normativa das normas
legais na sua intencionalidade e no seu conteúdo aos princípios normativos que lhe
dizem respeito.
Claro que, no que diz respeito às Leis enquanto fontes fundamentais, de facto, nós
temos de considerar (e isso do ponto de vista institucional), em termos presentes, no nosso
sistema jurídico, que a Lei, estando nós num sistema de legislação, tem uma prerrogativa
fundamental na constituição do Direito, embora não seja, necessariamente, a sua via única.
Como vimos, outras fontes há que não apenas este em termos históricos, mas
também em termos coevos, que não podemos deixar de considerar, sobretudo, quando
pensando o sistema jurídico como pluridimensional e aberto, tal como temos vindo a
analisá-lo.
116
Isto concentrando-nos no elenco das fontes do Direito, tal como o temos, desde
logo, partindo do art. 1.º do CC e na sua determinação constitucional. Reconhecendo essa
prerrogativa fundamental que se concentra no princípio da legalidade como pilar
fundamental de um Estado de Direito e que, depois, se manifesta diferentemente nos
diferentes ramos do Direito, vimo-lo p.e., quanto ao princípio da legalidade criminal.
Mas há a considerar então, ainda neste elenco de fontes, outras dimensões cruciais.
A segunda dimensão que temos de tratar, exatamente no art. 2.º do CC, prende-se
com a problemática dos “assentos”.
“Nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos,
doutrina com força obrigatória geral.”
Ora, então o assento é, como vimos, um mecanismo que provém dos tribunais e que
permitia aos tribunais fixar doutrina com força obrigatória geral quando a lei o admitisse.
De facto, o que estamos a considerar que diz respeito à consagração no art. 2.º do
CC, em 1966, daquilo que o Códigos processuais, nomeadamente, o Código de Processo
Civil, já vinham consagrando, desde 1939, e, depois 1961, e, assim, mantendo-se até ao
Decreto-Lei 329-A/95 da admissão de um recurso específico para fixação de jurisprudência
pelo Supremo Tribunal de Justiça.
117
De facto, a designação “assento” tem essa origem histórica remota, em que nós
podemos reconhecer os “assentos” da Casa da Suplicação, que eram, afinal, mecanismos de
esclarecimento de dúvidas quanto ao sentido interpretativo e, portanto, um meio de
interpretação, há quem diga “autentica das leis” e tinham como que força legislativa.
Ora, os “assentos” atribuídos à Casa da Suplicação dizem respeito, precisamente, à
necessidade de institucionalizar o esclarecimento de dúvidas que, anteriormente, estaria
atribuído ao monarca. Essas dúvidas passaram então a ser submetidos ao Tribunal superior
do reino – à Casa da Suplicação – e constituíam interpretação vinculativa, os sentidos da
interpretação ficavam registados escritos no Livro dos Assentos e daí a designação que se
manteve até 1995.
O assento era, nos termos do então art. 768.º/3 do Código do Processo Civil, uma
prescrição que o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em pleno, emitia para resolver um
conflito de jurisprudência, uma prescrição que se vinha a converter em posição
jurisprudencial com força obrigatória e no enunciado normativo que tendo força obrigatória
geral assumia até estruturalmente a forma de um preceito geral e abstrato, como se de uma
norma legal se tratasse, i.e., o assento era o resultado de um recurso específico quando
houvesse contradição de julgados (decisões judiciais) no âmbito da mesma legislação e
118
sobre a mesma questão fundamental de Direito, o que constituía fundamento para esse
recurso e resultaria em o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em pleno, tirar um assento.
Se antes nós encontrávamos nos art. 763.º e seguintes a problemática dos “assentos”
e, portanto, a problemática dos recursos para fixação de jurisprudência, o Decreto-Lei 329-
A/95, de 12 de Dezembro veio revogar esses artigos e manteve, apenas, um recurso
ampliado de revista no âmbito mesmo do próprio Supremo Tribunal de Justiça, quando a
analisar questões, a apreciar que se lhe fossem apresentadas em sede de recurso de ampliar o
julgamento e fixar uma orientação de jurisprudência.
“Nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de
outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender
ou revogar qualquer dos seus preceitos.”
Por força desta norma, e à época art. 115.º/5 da CRP (hoje 112.º/5 CRP), a verdade
é que em 3 casos concretos, nos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 810/93; 407/94;
410/94, foi declarado inconstitucional o art. 2.º do CC, nestes termos, em sede de
fiscalização concreta da constitucionalidade, o que, nos termos do art. 281.º/3 da CRP,
determina que o Tribunal Constitucional aprecie com força obrigatória geral a
inconstitucionalidade ou ilegalidade de qualquer norma desde que tenha sido por ele julgada
inconstitucional ou ilegal em 3 casos concretos. E foi isso que aconteceu, através do acórdão
nº 743 de 1996, publicado no Diário da República a 18 de julho de 1996, em que, citando
várias expressões doutrinais, dentro das quais a perspetiva que o Sr. Dr. Castanheira Neves
também sempre prosseguiu, se determina, de facto, a declaração de inconstitucionalidade
com força obrigatória geral da permissão que o art. 2.º CC conferia aos tribunais de fixar
doutrina com força obrigatória geral.
E é essa a razão por que não temos, já, como fonte formal do Direito os “assentos”
no elenco dos 4 primeiros artigos do CC em que esta matéria é considerada.
Temos, ainda, que considerar, além dessa construção dos “assentos”, que então
vimos terem sido excluídos do elenco das fontes do Direito, podemos ainda ver que, de
facto, há outras fontes referidas.
Avancemos então para o art. 3.º do CC, que já tínhamos também considerado e que
nos fala dos usos:
“Os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis
quando a lei o determine.”
De facto, o uso, a tal prática mais ou menos constante e reiterada que não vai
acompanhada de sentimento ou convicção de obrigatoriedade jurídica e, portanto, o
elemento de corpus que reconhecemos na consuetudo que gera o Costume em termos
históricos, portanto, o Costume composto pelo corpus e pelo animus, o uso composto
apenas pelo corpus sem o animus da obrigatoriedade jurídica e, portanto, sem constituir
nesse sentido, mesmo que tradicionalmente, fonte autónoma do Direito.
Mas a verdade é que o ordenamento jurídico ainda assim não põe de parte os usos e
os usos são muito relevantes, mesmo ao nível do DI (Direito Internacional Publico, Direito
Internacional Privado) e, até, no próprio ordenamento jurídico interno, desde logo,
começando pelo próprio Código Civil, porque muitas vezes se convoca os usos como
referente de orientação, até para a determinação do sentido de uma norma ou do âmbito da
sua mobilização para a resolução de problemas concretos.
É aquilo que encontramos p.e. no que diz respeito quanto ao pagamento do aluguer,
ou mais especificamente, se assim estivermos a considerar, o pagamento da renda, mas
pensando em termos do contrato de locação, em geral, a consideração de que o pagamento
desse deve ser feito no último dia de vigência do contrato ou do período a que respeita, e no
domicílio do locatário à data do vencimento, se as partes ou usos não fixarem outro regime.
De facto, é conferida aqui a possibilidade de relevar aquilo que a prática – os usos –
determinam, para a determinação do tempo e lugar do pagamento da renda ou aluguer e é o
que encontramos como exemplo no art. 1039.º/1 do CC e, portanto, a possibilidade de que:
121
“O pagamento da renda ou aluguer deve ser efectuado no último dia de vigência do
contrato ou do período a que respeita, e no domicílio do locatário à data do vencimento, se
as partes ou os usos não fixarem outro regime.”
Aqui temos uma norma dispositiva supletiva da vontade e que mostra a relevância
dos usos. Esta relevância sempre no âmbito do CC submetida à admissão pela lei dessa dita
relevância, portanto, aí temos o funcionamento na prática da relevância de uma fonte do
Direito a que a lei reconhece, também, validade e eficácia e, por isso, vigência, deste ponto
de vista.
Mas há ainda a considerar além do valor jurídico dos usos, o valor jurídico da
equidade e, de facto, a compreensão da equidade, desde a epiqueia aristotélica à equitas
romana e ao modo como daí em diante se compreendeu a ideia de justiça particular/justiça
do caso concreto, até ao ponto em que se verifica, do ponto de vista metodológico, a
equidade enquanto determinação reflexiva da relação entre problema e sistema e da
mobilização em bloco do sistema para a resolução dos problemas juridicamente relevantes,
contrasta com a compreensão de que a equidade, enquanto justiça do caso concreto, fosse
um mecanismo extralegal, quando não mesmo extrajurídico, para a resolução das situações
em que, sobretudo, a determinação legal gerasse soluções materialmente tidas por injustas
ou que não pudessem ser assimiladas pela própria determinação legal.
2 exemplos:
" Para Orlando de Carvalho, que podemos convocar aqui diretamente na sua célebre
Oração de Sapiência: Ius – Quod Iustum?, o jurídico é “inconcebível sem essa medida das
medidas que é a aequitas” e na perspetiva do Sr. Dr. Castanheiro Neves e, portanto, na
perspetiva do Sr. Dr. Orlando de Carvalho fundamental “medida das medidas que é a
aequitas” e, para o Sr. Dr. Castanheiro Neves a equidade como um “momento da concreta
realização do direito”, que de facto é o cerne do problema metodológico.
Ora, efetivamente, a equidade surge como instrumento de racionalização da construção
da decisão judicativa e sempre convocada enquanto ideia de justiça concreta, de justiça no
caso concreto, mas também surge, e surge sobretudo na nossa herança positivista, como uma
fonte mediata do Direito que, de certo modo, podia compensar o formalismo que o Direito
estabelecesse.
É claro que, esta aequitas não é exclusiva dos sistemas de legislação, há ainda que
falar na tradição da common law, na equity e na consideração fundamental que aí também
tem o raciocínio analógico e a verdade é que a construção formalista por uma e por outra
das vias levaria exatamente a considerar que a equidade poderia contrapor-se à solução
jurídica, colocando-se assim nos antípodas do Direito e, portanto, ser um mecanismo a
afastar uma compreensão mais estritamente formalista ou a compensar o formalismo, numa
122
tentativa já da superação dessa compreensão. Portanto, a ideia da equidade irá, deste ponto
de vista, muito além daquilo que será a compensação ou a delimitação que, e sobretudo do
ponto de vista das fontes do Direito e no elenco dos primeiros 4 artigos do Código Civil se
nos apresenta, quer do ponto de vista teórico quer do ponto de vista dogmático quer do
ponto de vista metodológico, está sempre presente enquanto cânone metodológico e, por
isso, não é suscetível de ser reduzida a apenas uma fonte secundária, portanto, esta visão
que o art. 4.º nos dá do ponto de vista das fontes acaba por de novo submeter à
admissibilidade legal a referencia à equidade.
Posto tudo isto, que caminhos são esses que estão aí a ser traçados, que nos
mostram efetivamente que nós não estamos já a analisar, não estamos já a seguir a
consideração fundamental que a historia nos traz, mas, antes, e muito diversamente,
precisamos de compreender o que está em causa nesta teoria das fontes do Direito que se
propõem aqui refletir sobre, especificamente, o que está em causa quando se fala em
construção do Direito vigente?
“Tópicos para uma [reconstruída] teoria das fontes do direito” (consonante com o pré-
-determinado sentido do direito
A) A perspectiva
B) A experiência constituinte do direito – o processo constitutivo do direito vigente:
1) Momento material;
2) Momento de validade;
4) Momento de objectivação.
Ora, se nós agora nos propusermos refletir sobre esta teoria assente numa perspetiva
fenomenológico-normativa das fontes e, portanto, pressupondo o sentido do Direito que
determina essa compreensão e assumindo que o problema das fontes do Direito é o
problema do processo constitutivo do Direito vigente, teremos que ver que, em primeiro
lugar, esse processo constitutivo implica vários momentos ou etapas de constituição do
Direito vigente e, no fundo, o problema das fontes do Direito deixa de ser um problema de
determinação do ponto de partida para quem procura quais as fontes de Direito admissíveis,
para passar a ser o ponto de chegada da construção das fontes de Direito admissíveis.
123
Portanto, fontes de Direito admissíveis serão aquelas que efetivamente na
experiência jurídica constituinte se apresentarem como constituindo Direito vigente e é
exatamente isso que está em causa quando pensamos nesta experiência jurídica constituinte
enucleada numa comunidade concreta e radicada na categoria vigência.
A pergunta é então:
Postas as coisas assim, assumindo que o problema das fontes não se reduz à
determinação legal das fontes, implica a análise, o estudo dos diferentes processos
coexistentes e até conviventes da construção do Direito vigente e, portanto, vamos analisar
os diferentes momentos que esta análise propõem para a construção do Direito vigente quais
as fontes do Direito que efetivamente surgem, i.e., que modos constitutivos do Direito se
nos apresentam porque, na verdade, o processo comportará os mesmos momentos, quer nós
estejamos perante a experiência jurídica constituinte consuetudinária – o Costume – ,quer
nós estejamos perante a experiência jurídica constituinte legislativa – a Lei –, quer nós
estejamos perante a experiência jurídica constituinte jurisdicional – as decisões judiciais, a
jurisprudência judicial –, quer, acrescentemos aqui, estejamos perante a construção da
experiência jurídica dogmática através da jurisprudência doutrinal ou dogmática.
Sabemos que a experiência jurídica constituinte que aglutina o nosso período
histórico e, portanto, a nossa referência espacial e temporal (contexto) é, de facto, a lei, essa
é a experiência jurídica constituinte que se apresenta como uma determinação essencial no
sistema jurídico de legislação em que nos encontramos, ou seja, a nossa experiência
histórica mostra-nos exatamente a essencialidade da lei, há, de facto, constituição do Direito
que apenas através da lei é suscetível de produzir os efeitos pretendidos, em virtude quer da
sua legitimação jurídico-política, quer da sua própria estrutura, sua prescritividade do ponto
de vista substancial e formal, a sua generalidade e abstração são absolutamente cruciais e,
portanto, a lei goza de um conjunto de prerrogativas na constituição do Direito, nos nossos
dias, nos nossos contextos, que outras fontes não lograram realizar, mas não é a lei a única
fonte do Direito.
Portanto, o que está em causa agora é compreender quais os modos que
efetivamente são geradores de Direito vigente e o processo constitutivo implicará os
mesmos passos, momentos ou etapas, independentemente da experiência jurídica
constituinte que esteja em causa, i.e., nós teremos:
1) Momento material
2) Momento de validade
3) Momento constituinte
4) Momento de objetivação
Esta consciência é crucial para que nós compreendamos o próprio carácter evolutivo
do sentido do direito e dos princípios em que se vai precipitando, porque, só por isso, nós já
ficamos com a consciência de que os próprios fundamentos estão em contínua constituição,
e estão, mais do que isso, em contínua discussão.
Essa é uma nota que nos interpela, porque nos obriga a considerar a assunção do
sentido daquilo que projetamos na prática. Mais do que ser um técnico e portanto, ter uma
perspetiva técnico profissional sobre o direito, o jurista, no sentido especifico do termo há-
de assumir e refletir criticamente sobre, não é uma questão de assumir acriticamente, é uma
assunção crítica baseada na discussão, porque realmente essa construção dialógica do
sistema jurídico é que é suscetível de criar sentidos que sejam normativamente adequados e
com os quais os sujeitos membros de uma comunidade possam identificar-se, e a questão é
esta.
As soluções jurídicas de hoje não têm de ser as de ontem e não serão muito
provavelmente as de amanha. É preciso compreender quais são as fronteiras, do ponto de
vista formal, e mais até do que isso, qual a substancia, o que é direito do ponto de vista do
conteúdo. Nem tudo é, nas nossas vidas intersubjetivas (também já tivemos oportunidade de
o constatar).
Por outras palavras, nem todos os domínios das nossas vidas, subjetivas e
intersubjetivas (as primeiras ainda menos), são juridicamente relevantes — há domínios em
que não admitiríamos que o direito interviesse e há domínios em que o direito não tenciona
intervir.
Isto é absolutamente crucial, porque o Corpus Iuris não se constitui em abstrato ou
alheado da realidade concreta nesta perspetiva.
Agora, o Corpus Iuris vigente, o direito vigente é constituído para uma determinada
comunidade histórico concreta e por ela, o que é crucial, só assim é suscetível de ser
compreendido como dimensão da constituição de um certo modo de vida, de uma certa
comunidade jurídica, que de facto, nos interpela ao mesmo tempo que constitui uma
projeção dessa comunidade na construção de um certo sentido de intersubjetividade, que
exige aquela relação dialética entre autonomia e responsabilidade, que constitui a
comparabilidade e a bilateralidade que o direito manifesta.
Esta é, de facto, uma conquista civilizacional, porque este sentido de direito posto
assim encerra os pressupostos pré-modernos e modernos conjugados e, portanto, não reduz
o direito nem à dimensão comunitária nem à dimensão societária, vai exigir uma conjugação
histórica dessa herança e ao mesmo tempo que acentua o facto do direito ser nessa
comunidade concreta, criado pelos sujeitos membros dessa comunidade, simultaneamente,
126
projetando-se como que para fora, como projeto de realização, cujos conteúdos se
retroprojetam sobre a comunidade que lhe dá origem e, retroprojetam-se vinculativamente.
Neste sentido é que o direito se nos apresenta como um projeto de ser, que depois
assimilado no seu sentido para o sistema jurídico diretamente nos princípios normativos,
mas só neste sentido é que conseguimos perceber de facto que, a vinculatividade jurídica
não é externa à comunidade jurídica, é, antes, o resultado daquilo que goza de um consenso
substancial, não é uma questão apenas de maioria quantificada, mas será, antes, um
consenso qualitativo, um juízo material sobre a existência de conteúdos que, fazendo parte
da construção de uma comunidade em quanto comunidade de direito são vinculantes,
simultaneamente, construídos pela comunidade a que se destinam, queridos por essa
comunidade e vinculantes para essa comunidade.
Falamos, aqui, de uma auto vinculação, mais do que isso, de uma auto
transcendência axiológica. É que, de facto, o direito é uma construção de uma comunidade e
que se assume na autodisponibilidade dessa comunidade, por um lado, mas
simultaneamente como um projeto de realização que essa comunidade quer ver,
continuamente, em construção. Neste sentido, compreende-se que já não temos uma
referência ao direito natural como base de fundamentação ao direito positivo, temos uma
construção normativa que não é contingente, não se fica pela mera impiria do consenso
quantitativo, é mais do que isso, convoca um referente histórico constitutivo, densifica
materialmente aquela comunidade, o que faz com que o direito não seja um mero resultado
desse consenso — não é uma questão de se juntar um grupo de pessoas e considerar,
naquele momento, sem referenciação histórica uma qualquer opção a que se desse
vinculatividade jurídica — é muito mais do que isso e implica naturalmente o diálogo entre
a dimensão jurídica e todas as outras dimensões da sociedade, nomeadamente, da
perspetivação jurídico política, claro que também a económica, a tecnológica, as sociais, as
mais diversas, as cientificas globalmente consideradas.
127
depende da positivação legal, embora possa estar associada a ela. A positivação legal é uma
consequência da relevância jurídica, não o contrario.
128
Essa é uma questão da realidade. Como é que nós sabemos que se está a gerar
costume ou legislação ou jurisprudência judicial?
Esta, vai sê-lo por várias ordens de fatores, desde logo há questões de ordem
política, há questões de ordem sociológica, há questões de ordem funcional e há razões
históricas fundamentais, nós herdamos a estrutura do Estado de Direito, primeiro estado de
direito de legalidade formal, depois nas suas diferentes alterações até à estruturação que
hoje reconhecemos e que está em continua constituição e efetivamente há razões muito
relevantes para que, de facto, na nossa estruturação, desde logo, constitucional, a lei se
apresente como um modo de constituição do direito polarizador, não é aglutinador, não é
monopolizador, mas é um polo crucial de constituição do direito:
Momento constituinte:
Nós estamos a analisar a lei como modo constituinte, num momento constituinte do
processo constitutivo do direito vigente e, dentro dessa manifestação do momento
constituinte, estamos então a analisar os diferentes modos constituintes.
Vamos então considerar, as funções que a lei desempenha, enquanto fonte do direito,
e os limites que, embora seja a fonte do direito que domina o nosso tempo, também a lei
encontra, quer de um ponto de vista político-social, quer do ponto de vista especificamente
jurídico:
Começando, então, pelo facto da ordem jurídica se nos apresentar, sobretudo, hoje,
nos sistemas de legislação como constituída por lei. De facto, a lei enquanto fonte do
direito, é o modo constituinte polarizador do nosso contexto, no nosso tempo, no nosso
espaço. No entanto, polarizador não significa monopolizador, porque se a lei, de facto, tem
um conjunto de características e vai ligada a um conjunto de referências socio-políticas que
lhe concede esse papel crucial na construção do direito, num Estado de Direito como aquele
em que vivemos, ao mesmo tempo, isso também não significa que não haja outras fontes de
direito, significa apenas que a relação entre as fontes de direito se dá, num sistema de
legislação sempre tendo em atenção a existência de lei.
As razões por que a lei se nos apresenta como um fator crucial na constituição do
direito e, portanto, uma fonte com uma prerrogativa fundamental, são razões de ordem
política, de ordem sociológica e de ordem funcional.
" Quanto às razões de ordem política: Podemos recordar as nossas já conhecidas, porque
herdadas da institucionalização moderna do estado de direito, logo, as resultantes e,
portanto, as consequências da consagração do princípio da separação de poderes e do
princípio da legitimação democrática, o que confere à lei uma prerrogativa constitucional,
130
na constituição do direito e irá traduzir-se, por exemplo, nas reservas de lei e preferência de
lei. Há, de facto, matérias em que a constituição do direito está institucionalmente reservada
a determinados órgãos, constitucionalmente entre nós, podemos convocar a título de
exemplo, as reservas absoluta e relativa de competência legislativa da Assembleia da
Republica, nos termos dos artigos 164º e 165º da CRP.
A lei permite, assim, uma racionalização da intersubjetividade que vai, com maior
certeza, segurança e celeridade responder às novidades que a realidade vai apresentando.
Veremos que isso não é absoluto, há limites, mas, de facto, estes fatores de ordem
sociológica a marcar decisivamente a relevância da lei como fonte do direito.
" Temos ainda que reconhecer fatores de ordem funcional: As características normativas
da lei permitem-lhe desempenhar um conjunto de funções práticas na sociedade, que
nenhuma outra fonte logra cumprir com o mesmo grau quantitativo e qualitativo.
Isto significa que, há que reconhecer à lei funções político-sociais e funções especificamente
jurídicas.
• Quanto às funções politico sociais, nós encontramos a lei, por um lado a assumir uma
função de ordenação politico-social e reformadora, que traduz a capacidade que, e a
conferencia institucional, à lei da definição jurídica do programa social, isto é, da
determinação programática das opções da ordem jurídico social.
• Por outro lado, também é à lei que cabe o cumprimento de uma função instituinte e
planificadora regulamentar, porque, mesmo para o cumprimento daquela outra função
de ordenação político-social e reformadora, é à lei que cabe, institucionalmente, criar
órgãos, demarcar competências e, com isso, estabelecer, de modo planificador, a
regulamentação do estado, conferindo-lhe veste, roupagem jurídica.
131
enquadramento institucional em que àquela atuação decorre — cabem, de facto, de modo,
absolutamente crucial no nosso tempo à lei.
Essa função de integração, do ponto de vista material, vai projetar-se numa função
de garantia, a função jurídica de integração, quanto ao conteúdo, vai projetar-se numa
função jurídica de garantia, se quisermos, sobretudo, quanto já ao procedimento, porque, de
facto, a objetividade e a certeza do conteúdo do juridicamente relevante, que nos vai ser
apresentada pela função jurídica de integração, exige, simultaneamente, o conhecimento das
fronteiras, a segurança da relevância jurídica desse conteúdo e, isso, é-nos garantido pela
função jurídica de garantia da lei, desde logo, através do princípio da legalidade, tal como
vimos exemplificado no principio da legalidade criminal, mas também, no âmbito do direito
administrativo, do direito fiscal e, portanto, na pressuposição dos princípios, pilares
fundamentais do estado de direito.
Tudo isto nos mostra a relevância que a lei assume, neste contexto, como fonte do
direito.
A existência de outras fontes prende-se também, com alguns limites que a própria
lei manifesta. Como dissemos, há outras fontes, desde logo, a reconhecer que a lei
apresenta, primeiro que tudo, limites funcionais e, também, limites normativos.
Para lá destes limites ditos funcionais, que nos mostrariam a constituição do direito
que não cabe à lei, por isso, delimitação em sentido negativos, temos os limites normativos.
Os limites normativos são os limites que a lei por ser lei apresenta, são intrínsecos
ao sentido e à estrutura que as normas legais apresentam e devem apresentar, são limites que
a lei por ser lei irá manifestar limites normativos intrínsecos à própria lei.
133
Estes limites normativos apresentam-se-nos em diferentes tipos de limites
normativos da legislação. Temos que identificar limites normativos objetivos, limites
normativos intencionais, limites normativos temporais e limites normativos de validade.
Os limites normativos objetivos dizem respeito à relação entre as normas legais e a
realidade a que se dirigem. Consistem na tomada de consciência de que a realidade, a
extensão dos problemas é sempre maior, é sempre mais ampla do que o acervo das normas
legais pré-disponíveis e suscetíveis de serem mobilizadas para orientar a respetiva solução.
A realidade, em termos tradicionais, é sempre mais rica do que aquilo que o
legislador prevê. O que nos remete imediatamente para aquilo que tradicionalmente diz o
problema das lacunas.
O problema que agora se nos põe é o de compreender o que é que significa afirmar
que o facto está ou não está previsto por uma norma.
O que está em causa na determinação da relevância jurídica de um problema
concreto é a relação que se estabelece entre a intencionalidade problemática desse problema
e a intencionalidade problemático-normativa que o sistema jurídico encerra, então não
temos apenas a relação entre um facto e a letra de uma norma. Há, pelo menos, que
considerar, para lá dessa simples correspondência entre facto e letra, a comparação entre
essas duas intencionalidades — a intencionalidade problemática jurídica que o caso em si
apresenta e a intencionalidade problemática jurídica da normativa que a norma, se houver
norma que corresponda à intencionalidade, refira, encerre — isto significa que o juízo
gerador da consideração da relevância jurídica é um juízo analógico, uma analógica entre o
problema posto pelo caso concreto e o tipo de problemas a que a norma vai dirigida em
geral e abstrato.
134
Assim sendo, o limite normativo objetivo da legislação não se reduz ao mero
problema das lacunas, de facto, nós podemos ter problemas concretos que não estão na
previsão normativa de qualquer norma e, aí, temos a correspondência aquilo que
tradicionalmente se diz lacuna.
Cumpre, então, fazer um juízo sobre a relevância jurídica, mas os limites
normativos objetivos da legislação mostram, exatamente, todas as situações em que
apresenta, justificadamente, como juridicamente relevante, na relação, na comparação, na
analogia que se faz entre o tipo de problema que esse caso concreto, que estamos a analisar,
encerra e a intencionalidade que o sistema jurídico dirige a esse tipo de problemas, tal como
o que o caso encerra, o que se, desde logo, em primeiro lugar, podemos ver do ponto de
vista da existência ou inexistência de norma, depois nos levará a por questões aos
fundamentos do sistema, chegando ao limite de, eventualmente, propor a situação em que,
mesmo que um sistema jurídico não encerre em qualquer critério e nem mesmo nos
princípios estabelecidos o sentido de resolução do problema concreto, deva partir-se para
aquilo que se diz o desenvolvimento autónomo ou transsistemático do sistema jurídico e,
assim, constituir uma solução para o caso, que não estando previsto em qualquer norma e
não sendo suscetível de ser integrado analogicamente por outro critério e/ou por referência
direta aos princípios, deva ainda assim ser resolvido.
Com isto, o que é que aqui se nos apresenta quanto à compreensão do limite normativo
objetivo?
Além dos limites normativos objetivos temos que identificar os limites normativos
intencionais.
Esta distância intencional tem que ser reflexivamente percorrida por uma instância,
aquela que estiver, circunstancialmente, encarregada e legitimada para a articulação entre o
problema posto pelo caso e o sentido de orientação conferido pela norma e essa é,
maioritariamente, concentrada na decisão judicativa e, portanto, é ao jurista dissidente que
cabe percorrer essa distancia intencional entre o caracter particular em concreto do caso e o
caracter geral e abstrato da norma.
Este percurso, este percorrer da distância entre estas duas dimensões, é ele próprio
constitutiva, porque o papel do jurista dissidente não é o de mero aplicador, em sentido
lógico-dedutivo, da prescrição geral e abstrata da norma a factos, o que está em causa é a
constituição da ligação entre a intencionalidade problemática apresentada pelo caso e a
intencionalidade normativa que, no caso, havendo norma, e com ela todos os outros estratos
de sistema, encerram e manifestam intencionalmente para aquele tipo de caso.
Influência do tempo nas normas legais ao ponto de lhe constituírem um limite (limite
temporal):
As normas são abstratas e, como tal, tendem a ser intemporais — uma norma uma
vez entrando em vigor, a não ser que seja ela própria temporária, isto é, que defina o
momento da cessação da sua vigência, tende a vigorar de modo indefinido no tempo, até
que, se tal suceder, outra norma venha pôr em causa essa vigência.
136
De um ponto de vista formal, pode suceder que uma norma, estando em vigor, (e é
isso que está em causa), formalmente em vigor, ao relacionar-se com a realidade e ao
relacionar-se com o seu horizonte de fundamentação fique limitada.
Uma coisa é nós falarmos dos limites institucionais formais que as regras
secundárias estabelecem à entrada em vigor e à cessação da vigência das normas (quando é
que a norma entra em vigor, quando é que a norma cessa a sua vigência).
Radicalmente distinta desta, e é uma questão metodológica, tem que ver com a
construção da decisão judicativa, isto é, a convocação da norma que está em vigor para a
resolução de problemas concretos, e nesse momento especifico da mobilização da norma
para a resolução de problemas concretos, constatar, que já é temporalmente limitada, o
problema que se nos apresenta nos limites temporais da legislação é este, não é o primeiro.
Temos então normas que estão formalmente em vigor, são gerais e abstratas e, por
isso, tendencialmente universais e intemporais, mas que, porém, estão sujeitas à erosão do
tempo, erosão que se verifica no momento em que elas, estando vigentes, são convocadas
para os problemas em concreto. Esta é a questão, é aqui que vamos encontrar estas
limitações normativas temporais. A norma, está sujeita à dinâmica histórica, embora tenha
uma pretensão de eternidade, vai estando em vigor, confrontar-se com limitações do ponto
de vista temporal. Em que termos?
— Nós podemos ter situações em que a norma está formalmente em vigor, é convocada
para a resolução de problemas concretos e no momento da análise comparativa entre a tal
intencionalidade problemática do caso e a intencionalidade normativa da norma, se vem a
concluir que o problema da realidade não se apresenta já pelo modo por que a norma legal
intenciona aquele tipo de problemas, isto é, na relação com a realidade, a norma legal pode
ver-se limitada, em virtude da passagem do tempo, por a realidade a que vai dirigida já não
se apresentar pelo modo por que a norma a intencionava, no momento em que foi criada, e
entretanto não foi alterada, ou pode mesmo suceder que desapareça a realidade a que a
norma ia dirigida.
Temos aqui um limite normativo temporal, um limite da lei que resulta da passagem
do tempo, na sua relação com a realidade e, portanto, temos aqui uma situação em que a
norma legal, que até pode ser em geral e abstrato, válida, não é eficaz, foi perdendo ao longo
do tempo a sua eficácia, porque a realidade já não se apresenta pelo modo de que a norma a
intencionava, o que também vai impedir que ela seja convocada diretamente para resolver
aquele problema concreto.
Quando uma norma se apresenta, assim, formalmente em vigor e até válida, mas foi
perdendo, por decurso do tempo, a sua eficácia, diz-se que essa norma é obsoleta.
A obsolescência de uma norma resulta do facto de se terem operado alterações da
realidade, ao ponto de a norma legar deixar de intencionar a realidade tal como ela se
137
apresenta e aí vemos essa norma como obsoleta). Estando formalmente me vigor, ela não
será normativamente adequada para responder ao problema concreto, a que, até,
intencionalmente, ab inicio se dirigia.
Mas, a limitação normativa temporal pode não resultar da relação entre a norma e a
realidade, pode não resultar da perda da eficácia, pode, por outro lado, resultar da perda da
validade, isto é, uma norma legal que, no momento em que foi constituída era perfeitamente
válida, isto é, era a concretização espácio-temporalmente, normativamente adequada, do
sentido dos princípios normativos — a norma legal, no momento em que foi criada era a
concretização normativamente adequada dos princípios normativos em que se
fundamentava e em que deveria fundamentar-se pode ver, por força da passagem do tempo,
e assim, da alteração do sentido dos princípios normativos em que se fundamentava, posta
em causa, mais lento ou mais abrupto, a sua validade.
Retomando a exposição…
O que tem em qualquer uma destas dimensões relevância metodológica crucial para
o objetivo que aqui é prosseguido, da compreensão da relação entre, aqui, especificamente,
138
o modo constitutivo do Direito e a realidade a que vai dirigir e depois, mais globalmente, do
ponto de vista metodológico da realização do Direito na realidade que o convoca.
Em que termos?
Vimos que, nas situações em que a realidade que foi prevista em termos
normativamente adequados, no momento em que a lei foi criada, se alterou, ao ponto de não
convocar completamente já aquela norma ou de já não a colocar pelo modo por que a
convocava aquando da sua criação.
E, neste sentido, temos alterações da realidade, que podem implicar que a norma já
não constitua critério normativamente adequado para a realização do Direito, quanto aquela
concreta realidade.
Temos aqui, de facto, então, uma perda progressiva, mais ou menos lenta, mais ou
menos rápida (isso é contingencial), depende da evolução da realidade. Temos aqui
realmente uma perda progressiva da eficácia da norma, o que pode não contender com a sua
validade, sendo que essa perda progressiva da eficácia conduzirá à obsolescência da norma,
a norma já não se dirige à realidade, pelo modo por que a realidade intenciona o Direito, no
momento em que ela é mobilizada como critério para a orientação da resolução do problema
judicando. É uma norma obsoleta, a obsolescência da norma resulta, de facto, da sua perda
progressiva de eficácia, da relação que estabelece ou que vai deixando de estabelecer com a
realidade.
É neste sentido que, se poderá dizer que no sentido da evolução normativa material
do princípio já vinha ocorrendo em momento anterior à alteração legislativa e, portanto, o
que estamos a considerar aqui é o momento em que a norma legal vigente ainda não
transparece, ainda não efetiva normativamente o sentido material que o princípio,
entretanto, foi adquirindo.
Digamo-lo ainda com o Sr. Dr. Castanheira Neves como diz no curso de Introdução
ao Estudo do Direito: A norma é sempre duplamente transcendida: a montante pelos
princípios normativos em que se fundamenta; a jusante pela realidade a que vai dirigida.
De facto, aqui temos, sinteticamente, aquilo que vimos nos diferentes limites normativos
da legislação, até agora analisados — limites normativos objetivos que manifestam que a
realidade pode ser mais ampla do que aquilo que o legislador dela prevê, por diversas
razões; limites intencionais, em que à generalidade e abstração da norma se contrapõe o
caráter particular e concreto do caso e à necessária distancia intencional que é necessária
percorrer entre uma e outro; do ponto de vista dos limites normativos temporais, o problema
da perda de eficácia, o problema da perda da validade das duas dimensões: a realidade, de
um lado, e os princípios normativos, do outro.
O da norma injusta, que naturalmente não haveria de ser absorvida para o sistema
jurídico.
141
Mas estas limitações têm do ponto de vista metodológico outras implicações.
Para além do problema da norma obsoleta, do ponto de vista do lado dos limites
normativos temporais, por perda da validade, nós vamos encontrar outro tipo de problema e
problemas que se nos apresentam do ponto de vista interpretativo, i.e., a constatação de
limites normativos temporais por perda da validade nas normas legais vai conduzir a
resultados interpretativos muito específicos.
Se uma norma legal é positivada e entra em vigor num determinado momento, isso
não impede, aliás, seria absolutamente incomportável admitir que o sentido normativo dos
princípios em que ela se louva evolua, se altere com a passagem do tempo.
Se, porém, essa passagem do tempo implicar que a norma passe a estar em
contradição com o sentido dos princípios normativos, já que este último sentido dos
princípios normativos se alterou até esse ponto, e uma vez que a norma não foi alterada,
teremos de reconhecer que essa norma se está já desconforme ao ponto de se manifestar em
contrariedade com o sentido novo dos princípios normativos terá de ser superada.
142
Se a contrariedade existir ab initio, i.e., se estivermos perante um limite normativo
de validade, que não depende da passagem do tempo, não falaremos de superação da norma
conforme aos princípios, mas de preterição da norma conforme aos princípios, i.e., a norma
não deveria nunca ter constituído, naquele sentido interpretativo, elemento do sistema
jurídico, mas uma vez que constitui e que se chega à conclusão por via interpretativa que
contraria o sentido dos princípios, desde o inicio da sua vigência, então, ela deve ser
preterida – preterição conforme aos princípios – é outro resultado de interpretação.
Se a norma for obsoleta ou caduca, ela não deixa de ser formalmente vigente,
poderá vir a deixar de o ser do ponto de vista institucional se o legislador tomar posição,
mas se ela for obsoleta, no sentido de que desapareceu a realidade à qual se dirigia,
imaginemos uma situação em que: a norma prevê a proteção p.e. de uma espécie em vias de
extinção (mas aí não vamos ter caso concreto), se todos os elementos dessa espécie
entretanto desaparecerem a norma caduca nos 2 sentidos (em termos metodológicos e em
termos formais e institucionais). A norma só deixa de ser formalmente vigente se caducar
neste sentido ou no da norma temporária, i.e., decorrido o período por ela própria
estabelecido para a sua vigência ou se houver intervenção de uma norma que venha revogá-
la.
Portanto, a norma só deixa de ser formalmente vigente, e nos dias que correm isso é
cada vez mais assim, sobretudo se houver intervenção de uma norma que venha revogá-la e
eventualmente substituí-la por outra.
O momento da objetivação
Este sentido assim constituído deve ser incluído no Direito vigente, só estaremos
diante direito em sentido próprio (proprio sensu) quando uma especifica validade se afirmar
como societariamente eficaz – o modo de ser, o modo de existência do Direito é a vigência e
essa vigência ocorre em momentos diversos, consoante o tipo de experiência jurídica
constituinte em causa.
É claro que para o Costume não é determinável o momento (com data e hora) de
entrada em vigor, como nós sabemos, na sua própria constituição e legitimação, a passagem
do tempo é crucial e, portanto, não é possível dizer “entrou em vigor às 0h do dia X”, mas
para a legislação isso é possível.
Sabemos, com base no CC, na Lei 74/98, com as suas alterações posteriores, que
uma lei entra em vigor, por regra, no momento que ela própria manifesta ou decorrido o
prazo já de vacatio legis de 5 dias, mas nós sabemos o dia e hora a que entra em vigor.
144
Também sabemos que o processo judicial, em muitos casos, não termina no
momento em que a sentença é proferida em 1ª instância e, portanto, há a possibilidade de
recurso, o que significa que a cristalização só se dá por regra com o trânsito em julgado da
sentença, i.e., o momento em que a decisão já não é suscetível de recurso ordinário (e
mesmo assim ainda há a possibilidade de recursos extraordinários), mas sabemos que,
conhecendo o regime jurídico, é possível terminar o momento a partir do qual a decisão
judicial produz efeitos para os sujeitos a que respeita e, portanto, constitui Direito numa
determinada relação jurídica (isso também é determinável).
Ora, isto significa então que, se o problema das fontes é um problema meta-
normativo, i.e., um problema que sendo ínsito ao Direito vigente, à normatividade do
Direito do vigente, é um problema pressuposto, nesse sentido meta-normativo
(normatividade vigente) é, desde logo, um problema teórico, i.e., diz respeito à
determinação critico-reflexiva da análise do Direito em vigor e das possibilidades, dos
modos da sua constituição.
145
fontes do Direito são aquelas que a Lei determina – são duas questões completamente
distintas.
A metodonomologia
Em primeiro lugar, há que ter em conta que estamos a considerar uma proposta que
o Dr. Pinto Bronze nos apresenta ao falar da metodonomologia jurídica. O Dr. Castanheira
Neves fala-nos de metodologia jurídica para designar do caminho racionalizantemente
percorrido para atingir um determinado objetivo. O caminho é aquele que mobiliza uma
racionalidade especificamente jurídica, prático-normativa e de estrutura argumentativa, que
visa conduzir à construção do juízo decisório.
Odos - o caminho
Logos - racionalizantemente percorrido através de um certo tipo de racionalidade
Meta - para atingir um objetivo
146
1. Preliminares. O objeto fundamental da metodonomologia: a prático-
normativamente racionalizada realização judicativo-decisória do direito.
( Entramos numa reflexão que vai levar-nos pelas lições 17º e 19º e 20º. )
As escolas metodológicas
147
Cumpre perceber do que se trata quando se fala desta racionalidade jurídica
diretamente mobilizada para o juízo decisório.
Ao analisarmos esta evolução vamos sempre ter presente quer o tipo de
racionalidade quer a compreensão da interpretação e da próprio decisão judicial que
corresponde a cada uma das escolas.
Recorde-se que:
Significa isto que as escolas teoréticas que vamos analisar e dominaram o século
XIX são as escolas positivistas, quer os positivismos exegéticos, quer os positivismos
dogmáticos.
Nos primeiros temos o positivismo exegético francês como paradigma e, nos
segundos, no positivismo dogmático alemão, temos a escola histórica e a escola da
jurisprudência dos conceitos.
Assim, cumpre tomar consciência daquilo que são os momentos e o papel que
desempenham na construção das propostas metódicas. Esta fixação do método jurídico
positivo nestes 3 momentos implica que tenhamos que reconhecer que o direito é
149
constituído, antes e independentemente da realidade à qual se vai aplicar, ou seja, ao criar
normas legais, direito, a entidade legitimada (legislador) estamos a verificar uma construção
que é logicamente prévia ao momento da interpretação, ao momento da conceitualização e,
também, ao momento da aplicação.
O direito é criado primeiro, no sistema, é interpretado, conceitualizado e, num
momento posterior, poderá ser aplicado do sistema para os factos, relacionar-se com a
realidade dos factos empíricos, que terão relevância jurídica se corresponderem à previsão
que o sistema estabelece — A norma sai do sistema, é aplicada lógico-dedutivamente aos
factos e regressa incólume ao sistema jurídico. Com isto, o sistema permanece fechado e
autossuficiente e a realidade permanece na contingência de ser ou não juridicamente
relevante, na medida em que esteja prevista na hipótese de uma norma – isto para sintetizar
aquilo que é possível dizer, do ponto de vista metodológico, quanto às perspetivas
positivistas, e que vai corroborar a tese de que a interpretação jurídica, nestas compreensões,
é um dos momentos autónomos no pensamento jurídico e autónomo alheado da eventual
posterior mobilização doc critério-norma interpretado aos factos, ou seja, a interpretação
tem lugar em abstrato, a fixação do sentido interpretativo de uma norma, nas compreensões
positivistas, é feita no contexto do sistema, antes e independentemente da convocação da
norma como critério para a resolução de um caso concreto. Só faz sentido interpretar a
norma para concluir sobre o sentido único e verdadeiro na norma.
- Escola da Exegese;
- Escola Histórica do Direito;
- Jurisprudência dos Conceitos.
(3 grandes manifestações das compreensões teoréticas que dominaram o século XIX quanto
ao pensamento jurídico).
150
1) O direito identificado com a lei:
O CC de 1804 foi publicado nesse ano como o Código Civil dos Franceses. Em
1807, passa a assumir a designação de “Código de Napoleão”.
Nesta escola, o direito identifica-se com a lei, é esta lei criada que resulta da
institucionalização da separação de poderes no Estado demoliberal que vai concentrar-se
numa referência constitucional e que, depois, nos diferentes ramos do direito, vai propor
construções codificadas. Este movimento codificatório, que culmina no CC francês, e que
vai influenciar todas as codificações contemporâneas, é crucial para que se compreenda o
modo como o direito vai aqui proposto, pensado e aplicado na prática.
Se o Direito se identifica com a lei, quase que na contra face desta moeda temos a lei
como a única fonte do direito — Tudo o que é criado sob a forma de lei, legitimado
enquanto tal, será direito e, portanto, o direito é exclusivamente criado sob a forma de lei.
151
4) A interpretação da lei – incondicional fidelidade aos textos legais: “o culto do texto da
lei”; o subjetivismo histórico:
— Não. A ideia não era fechar o sistema positivado. Mas foi isso que acabou por
acontecer, quer por razões políticas, quer por razões científicas.
5) Casos omissos: as propostas para a aceitação do non liquet, o sistema do référé législatif;
o reconhecimento legislativo (artigo 4º CC Francês – 1804): auto- integração – analogia
legis e a analogia iuris:
Entretanto, uma vez entrando em vigor, o que acontece é que os exegetas do Código
se viram obrigados a considerar exclusivamente as respostas contidas no código ao mesmo
tempo que não poderia considerar que o juiz poderia optar pela ausência de resposta clara
para o problema concreto.
Isto significa que, por um lado, em princípio, a resposta está no Código e, por outro
lado, esta resposta terá que estar no código, porque para a Escola da Exegese não seria
possível mobilizar elementos externos ao código, o que significa que se põe de parte a auto
integração de lacunas, restam os mecanismos de auto-integração que são a analogia legis –
152
analogia através de uma lei – e a analogia iuris – através do recurso aos princípios gerais de
direito.
Nas diferentes fases da Escola da Exegese as coisas irão passar de modos muito
diversos.
Nos primeiros 30 anos do século XIX há uma fase de instalação, algumas referências ao
direito natural, ainda uma certa hesitação quanto a convocar ou não convocar a ideia de
direito natural, como interpretar o artigo 4º. Mas, na fase de apogeu, entre 1830 e 1880, as
coisas tornam-se mais claras e mais intensas, no sentido de que a determinação da vontade
do legislador, expressa no texto da lei, é crucial para a construção da escola.
O grande objetivo que a escola visa é fazer perdurar no tempo o sentido político e
jurídico que o código comporta. Irá tentar construir-se, abraçando este subjetivismo, um
conjunto de sentidos interpretativos que sejam manifestação dessa manutenção do ideário
inicial. A purificação da construção formal da teoria da interpretação vai chegar a pontos
como: procurar não apenas a vontade real, mas também a vontade hipotética do legislador,
que permitia à ciência do direito muito mais do que aquilo que seria à partida de esperar.
De facto, a Escola da Exegese foi mais produtiva do que aquilo que numa análise muito
breve poderíamos concluir.
153
Estas compreensões das escolas metodológicas referidas em termos históricos
constituem um interlúdio para a entrada nas propostas metodológicas.
É certo que nos mais dos autores desta Escola Histórica Alemã há um certo repúdio
do jusnaturalismo iluminista, sobretudo para fazer concentrar na compreensão orgânica da
evolução histórica de uma certa comunidade o sentido e o conteúdo do direito que rege esse
povo.
154
2) Natureza histórica do direito, por oposição à codificação, ao direito-legislação
Cumpre reconhecer que, por exemplo, para Savigny o que está em causa na
constituição do direito e, por isso, aquilo que vai traduzir-se por instituto jurídico, não é o
resultado da produção legislativa, mas o conjunto de práticas que correspondem à
constituição do direito nessa fonte. Por outras palavras... enquanto que a Escola da Exegese
(proposta que herdámos) vê um instituto como o conjunto dos preceitos jurídicos que
regulam uma certa figura jurídica (o instituto do contrato, o instituto da propriedade, o
instituto do casamento, etc.), para Savigny um instituto não é um conjunto de normas legais
e preceitos jurídicos, é, sim, um conjunto de práticas, a construção orgânica de uma figura
jurídica, composta pelas práticas que, efetivamente, a consubstanciariam (por exemplo, o
instituto do casamento não é aquele que regula as normas legais do casamento, é o conjunto
das relações que se estabelecem entre os cônjuges – independentemente da existência de
uma lei que pré-defina essa figura).
Esta compreensão global do texto implica que não estejamos apenas a considerar a
sua letra. Na Escola da Exegese isto também acontece, por razões diversas na origem e de
aproximação entre os dois métodos de interpretação. É uma compreensão global do texto e
constitutiva do texto, isto é, a fonte do direito (a lei) não é sem o seu texto – o texto é
constitutivo da lei – o que vai corroborar a afirmação de que: para que uma determinada
realidade seja juridicamente relevante tenha de estar prevista no enunciado textual da
lei e, primordialmente, referida literalmente na dimensão gramatical (uma das
dimensões constitutivas do texto).
155
Veremos que, a partir da segunda metade do século XIX, o autor vai assumir a
relevância desse elemento teleológico.
Aula 06/05
É juridicamente relevante o que o Direito define como tal, por via da interpretação e
nos limites da extensão lógica da analogia legis e da analogia iuris e aí fecha-se fazendo jus
à clausura que o sistema jurídico deve apresentar perante a realidade, portanto a ausência de
influência que a realidade tem no sistema jurídico.
Temos então uma comunicação que só se exerce do sistema para os factos, no sentido
inverso não há qualquer comunicação, a realidade está fora do sistema e a decisão dos casos
concretos nada acrescenta ao sistema jurídico (o que é completamente diferente daquilo que
vimos quanto à composição do sistema jurídico na proposta de sistema aberto que o
jurisprudencialismo tem vindo a assumir e a construir).
157
Isto significa que o sistema, sendo composto por normas, é um sistema fechado, das
normas são criados princípios gerais de direito (na jurisprudência dos conceitos são criados,
também, cruciais conceitos. A jurisprudência dos conceitos vai concentrar-se na dimensão
científica, na tarefa do pensamento jurídico, como construção conceitual). Com isto, temos a
perspetiva do sistema jurídico e da sua relação com a realidade.
Se era assim na Escola da Exegese, também o era assim na Escola Alemã.
• O momento hermenêutico;
• O momento cientifico-dogmático;
• O momento técnico da aplicação.
Com isto, cumpre dizer que a interpretação, sendo uma tarefa crucial pode ser
levada a cabo pela dogmática (pensamento jurídico em geral), como pela jurisprudência (ou
seja, pelo próprio juiz), o que significa que não poderá dizer-se que o juiz não interpreta. O
que acontece é que a interpretação é uma operação que tem lugar antes e independentemente
da mobilização da norma como premissa para a dedução. Mesmo que seja o juiz a fazê-lo,
quando interpreta, fá-lo de modo autónomo relativamente à realidade.
O sentido interpretativo fixado há de ser o único verdadeiro sentido com que a
norma deve vigorar, e ser mobilizada como premissa para as deduções que vierem a ocorrer.
158
civil porque estamos a falar sobretudo sobre civilistas como padrão, como paradigma e
como ponto de partida e de exemplo, vimos isto acontecer desde o DR. )
Estamos a falar de grandes romanistas, quer Hugo quer Savigny, vão procurar em
termos científicos vão procurar, por força e influencia do Romantismo quer do Idealismo e
Racionalismo alemães, a constituição histórica do Direito como, no dizer de Savigny,
manifestação do espírito de um povo (de um volksgeist) e esta compreensão histórica, que
depois chega a ser historicista, faz residir na evolução histórica, na superação progressiva
que essa evolução histórica tem na construção do espirito de um povo a fonte fundamental
do Direito.
Ao mesmo tempo que identifica as figuras jurídicas a partir das práticas que as
constituem e não das leis que as definam, foi por isso que vimos que os institutos em
Savigny são compostos pelas práticas que os constituem (dada a base consuetudinária que é
privilegiada) e não das leis que os regulem (como seria no Pensamento Positivista francês).
Com isto, nós temos esta referência fundamental a uma compreensão histórica e
orgânica do Direito, até da compreensão o sistema jurídico é visto como uma construção
orgânica, como concatenação orgânica dos elementos que o constituem, mais do que uma
construção hierarquizada externamente posta (a jurisprudência dos conceitos vai depois
alterar isso).
Com isto, verificamos que, com a dimensão histórica, vai concorrer uma dimensão
“sistemático-filosófica” – uma dimensão científica.
Isto não é contingente, é uma convicção de que com a dimensão histórica deve
concorrer uma dimensão sistemático-filosófica, para a Escola Histórica do Direito.
É com esta nota que se vai dar a passagem da Escola Histórica para a Jurisprudência
dos conceitos, é que a dimensão sistemática ou filosófica vai vencer a dimensão
histórica, isso é absolutamente crucial, vamos ver isso logo no autor de transição — Puchta
— que vai procurar construir conceitos gerais, abstratos, formais a partir de um dado
material histórico, mas separados dele e vai hierarquiza-los numa pirâmide – a pirâmide de
Puchta – e depois, será fundamentalmente desenvolvido por Rudolf von Ihering,
nomeadamente, na obra “O Espírito do Direito Romano nas Diversas Fases do seu
desenvolvimento” (Der Geist des römischen Rechts) e aí encontramos mais desenvolvida a
construção teorética dos conceitos.
160
Rudolf von Ihering vai inclusivamente distinguir ao nível da ciência do Direito, um
momento epistemológico-dogmático (epistemológico-científico), no método jurídico
positivista, vai pensar a 2 velocidades.
! Uma primeira dimensão: que diria respeito ainda ao momento hermenêutico que, em
Ihering, vai corresponder parcialmente à jurisprudência inferior, em que vamos encontrar as
tarefas de interpretação e de construção de princípios gerais de Direito.
! Depois a construção dos princípios gerais de Direito estará numa fase de transição entre
o momento hermenêutico e o momento cientifico-dogmático, para Ihering jurisprudencia
inferior (interpretação e construção dos princípios gerais de Direito)
Depois vai evoluir para uma perspetiva que há quem entenda que já estava presente
na 1ª fase e há quem entenda que é uma viragem, que é a consideração de que o Direito
está ao serviço da vida e, com isso, deve ter como objetivo responder a problemas práticos.
Quando essa viragem é assumida, já na segunda metade do séc. XIX, em obras
como “A Luta pelo Direito” e a “Finalidade do Direito”, temos estabelecidas as condições
para a superação da Jurisprudência dos conceitos pelas orientações práticas e, muito
concretamente, e até por critica no contexto alemão, pela Jurisprudência dos Interesses –
nome dado por contraposição àquela que critica (Jurisprudência dos conceitos).
O que está aqui verdadeiramente pensado/posto e que vai ser crucial para a
compreensão do Direito que iremos analisar é que, de facto, se o Direito tinha essa origem
histórica e, apesar disso, apresenta-se, ainda assim, como uma referência material, objeto
cognoscível e, por isso, consequentemente, será a, enquanto Direito pré-dado, elaborado
cientificamente ao ponto de se gerar um Direito constituído cientifico (Direito objetivo
cientifico), não por contraposição do Direito subjetivo, mas considerando o Direito
161
objetificado pela ciência do Direito e que vai assumir decisivamente a sua cientificidade e,
com isso, o rigor exigível ao pensamento jurídico neste contexto.
• Putcha:
Puchta é um neokantiano e, por isso, vai pressupor que o sentido do Direito é uma
forma pura a priori que orienta racionalmente toda a construção do sistema jurídico e, por
isso, vai propor que, partindo-se do tal dado histórico, se elaborem conceitos
progressivamente mais gerais e mais abstratos e, com isso, menos concretos, evidentemente
e, portanto, menos materialmente ricos, à medida que se sobe nos níveis que propõe para a
pirâmide de conceitos que nos apresenta.
Ora, este Direito do proprietário do prédio dominante de passar pelo prédio serviente
é, subamos o nível, um Direito sob um prédio alheio para fruição (há outros p.e., o Direito
de usufruto é o Direito sob o prédio alheio para fruição), como este segundo nível é mais
geral e mais abstrato, agrupa outros conceitos de Direitos subjetivos, que é o que está aqui
em causa, sendo um Direito sob o prédio alheio para fruição cabe no conceito que lhe é
imediatamente superior, do ponto de vista lógico, mais geral e mais abstrato, de um Direito
sobre uma coisa alheia – este ainda cabe no conceito de Direito sobre uma coisa e, por sua
vez, cabe no conceito de Direito subjetivo e que, por sua vez, cabe no conceito de Direito (e
chegámos ao vértice da pirâmide).
163
Para Puchta teria o conhecimento pleno da Ciência do Direito, mesmo no âmbito
desta genealogia de direitos em que se encaixam em cada nível, o nível imediatamente
inferior, a partilha do conteúdo do nível imediatamente superior e assim sucessivamente,
teria o conhecimento pleno da Ciência do Direito quem lograsse percorrer a pirâmide no
sentido ascendente e descendente (indutivo e dedutivo), porque, de facto, uma vez
constituído o 1º conceito, os outros seriam obtidos indutiva e dedutivamente a partir desse
sem já tocar o dado material histórico que lhes deu origem, i.e., a certa altura a
jurisprudência dos conceitos cria conceitos e relaciona-os entre si sem já voltar ao dado
material histórico que lhe serve de base constitutiva, o que vai valer-lhe a classificação de
estéril pelos críticos, acaba por se fechar num jogo lógico entre conceitos.
• Ihering:
O direito objeto que é absorvido pela ciência do direito – o tal dado histórico – vai
ser alvo de diferentes tratamentos do pensamento jurídico. Na proposta de Ihering vamos
encontrar dois momentos fundamentais: divisão entre jurisprudência inferior e
jurisprudência superior.
• Análise jurídica;
• Concentração lógica.
É com isso que podemos identificar alguns dos princípios que continuamos a
encontrar positivados no direito vigente – princípio da legalidade, princípio da igualdade,
princípio da segurança – só que aqui vistos como emanações de conjuntos de normas que
tratam de uma certa figura jurídica ou de figuras jurídicas próximas. Os princípios gerais de
direito nada de novo trazem do ponto de vista substancial, para além daquilo que as normas
já têm, são apenas o resultado de uma abstração a partir da regulamentação concreta que as
normas estabelecem para as organizar logicamente no conjunto do sistema.
164
Esta tarefa da construção de princípios gerais de direito, bem como a tarefa da
interpretação, para Ihering, estão concentradas na jurisprudência inferior.
Para Ihering, o objetivo seria chegar, por indução progressiva, aos corpos simples
do direito — Como se de uma destilação progressiva se tratasse até chegar aos conceitos
mais gerais e mais abstratos de todos – os ditos corpos simples de direito.
É claro que é ainda o próprio Ihering que, em duas obras fundamentais, vai assumir
expressamente que o direito deve servir a vida e essa é uma passagem fundamental para a
corrente da jurisprudência dos interesses.
3) O método subsuntivo:
A aplicação deste direito assim interpretado conceitualizado vai ser feita através do
método subsuntivo.
4) As orientações práticas:
Propor que o direito, como ordem normativa prática, que faz parte da construção
intersubjetiva da ação dos sujeitos, então, há de ser pensado através de uma racionalidade
prática.
165
O que significa que:
1º Se irá progressivamente considerar que o direito não é identificável com a lei ou com
as proposições normativas (consideração do direito consuetudinário em lei) ou da própria
lei→ o direito não se reduz à lei.
É uma proposta muito interessante de um autor muito dinâmico e criativo e que nos
fala desta livre investigação científica do direito, sobretudo, em duas obras fundamentais:
“Método de interpretação e fontes em direito privado positivo”, de 1899, e “Ciência e
técnica em direito privado positivo” de 1900. Estamos na viragem para o século XX.
Este autor vai criticar diretamente a perspetiva da Escola da Exegese – esta escola
percorreu todo o século XIX e, quando chegamos à última fase, existe uma fase de
decadência, em que os pressupostos desta escola de Exegese começam a ser postos em
causa. As críticas começam a pesar mais do que os pilares fundamentais. É nessa fase que
“entra” Gény, que vai criticar os pilares fundamentais do positivismo exegético.
166
Desde logo, é criticada a identificação do direito com a lei e criticada a
autossuficiência do sistema legal (a ideia de que o sistema é completo, concluso e fechado)
e a afirmação de que o direito positivo deve constituir uma regulamentação prática da
vida social e não se fechar numa construção alheada da realidade e pensada de modo
meramente científico, sem considerar as vicissitudes dessa realidade.
Gény vai reconhecer a existência de lacunas e dirá que estas são efetivas
ausências de regulamentação legal no sistema jurídico.
Este autor vai considerar que há outras fontes para além da lei. Há fontes que
podem vir a concretizar-se como lei quando são institucionalizadas, mas que são de outra
origem não apenas do legislador.
Vai implicar que se considere que o direito é constituído na sociedade, por um lado, e que
se recupere uma certa ideia de direito natural, por outro lado, ou seja, há princípios que
estão para lá daquilo que o direito positivo pode consagrar.
Gény vai sistematizar estas propostas através da distinção entre ciência e técnica
– diferença entre o dado (“le donné”) e o construído (“le construit”). Na sua proposta a
ciência referida ao dado e a técnica referida ao construído.
A ciência, que se vai ocupar do dado, vai investigar os elementos objetivos, ou seja,
os dados que estão na origem do surgimento do direito. São dados pré-legais, porque nada
obsta que estes dados vão confluir na fonte do direito lei.
Estes dados são de quatro tipos: dados reais ou naturais; dados históricos; dados
racionais; dados ideais.
Estes dados assim postos, que são conhecidos pela ciência, vão ser, depois,
elaborados pela técnica – a técnica é a elaboração das fontes formais do direito, dentre as
167
quais vai destacar- se a lei, mas não exclusivamente a lei, sobretudo a relevância do
costume.
Apesar destas notas de superação do formalismo da Escola da Exegese, Gény não
supera absolutamente o positivismo.
Portanto, continua a preferir a lei como fonte do direito, embora admita que não
é a única, tem o mérito de denunciar o caráter lacunoso do sistema jurídico e vai assumir,
muito relevantemente, quanto à interpretação, uma posição subjetivista histórica — Temos
aqui uma oscilação entre a manutenção da segurança
Temos aqui dois autores que são absolutamente fundamentais – Kantorowicz e Isay
– e que vão afirmar que, ao contrário daquilo que o positivismo, inclusive o da
jurisprudência dos conceitos, tinha afirmado, o sistema jurídico não é autossubsistente e
sem lacunas.
A lei é, naturalmente, lacunosa, portanto, mesmo nos domínios em que há lei, pode
acontecer que, ao relacionar essa lei com o caso a que se dirige, se conclua que ela, afinal,
não é adequada para o resolver.
O Direito livre é todo o direito livre da lei, ou seja, o direito que não seja criado
por lei. No sentido mais amplo, o direito livre vai exprimir todo o direito que se constitui e
se manifesta para além do direito legislado.
Em sentido mais específico o direito livre a que o “Movimento do Direito Livre” se
refere especificamente é apenas a modalidade de construção judicial de direito extra-legal –
centra-se no julgador.
Para estes autores, a sentença surge como um ato de vontade, um ato de vontade
que o jurista decidente deve tomar sem que, em qualquer caso, pudesse vir a aplicar uma
norma contra aquilo que fosse o seu sentimento de justiça — remissão para a vontade e para
o sentido de justiça do julgador, que valeu a este movimento duras críticas.
168
O “Movimento do Direito Livre” vai propor a superação do racionalismo do
positivismo exegético e, sobretudo, do positivismo conceitual e vai procurar substituir esse
racionalismo formal do positivismo por uma construção prática, que remete a um certo
voluntarismo. Não é um voluntarismo cego, mas é uma projeção para a vontade do jurista
decidente, no sentido a tomar as decisões, que na sua intuição concreta do justa, sejam as
adequadas.
Mas a verdade é que a proposta dos autores não foi tão radical quanto isso. Havia
critérios estabelecidos para admissibilidade das decisões baseadas no direito livre, porque o
que acontece é que no “Movimento do Direito Livre” estes autores vão dizer que o direito
não se reduz à lei, o sistema jurídico não é fechado e sem lacunas – porque a realidade é
muito mais rica do que aquilo que a lei pode prever. Por isso, justificam-se, em muitas
circunstâncias, a admissibilidade da decisão contra legem.
Há duas condições cumulativas que tinham de estar reunidas para que se admitisse
a decisão contra legem:
É contra esta proposta que se insurgirão múltiplas vozes, mesmo daquelas críticas e
superadoras do positivismo do século XIX, dentre as quais a voz de Heck, que irá propor,
alternativamente, a jurisprudência dos interesses.
Aula 12. 05
169
É muito interessante analisarmos esta transição, que de certo modo, comporta, além
de uma proposta, uma solução de racionalidade prática contra a racionalidade teorética das
escolas positivistas, também, uma certa crítica, que é alimentada por uma componente, até,
de manifestação (modo mais sensível, quase eufemístico), invocando elementos que vão
acabar por caricaturar as situações em que o formalismo geraria soluções irracionais ou
absurdas.
Philipp Heck, além de propor tal obediência pensante à lei, o que mostra já uma
inteligência crítica interessantíssima que lhe vai permitir contornar as tais críticas aos
voluntarismos, simultaneamente, também aborda, com grande ironia, caricaturando as
situações em que o formalismo acabaria por se contradizer a si próprio e produzir situações
irracionais. É uma crítica muito espirituosa. É muito interessante analisarmos as razões por
que Philipp Heck opta por essa assunção de uma perspetiva prático pragmática e
sociológica do direito.
Esta jurisprudência dos interesses, que surge nas primeiras décadas do século XX,
na Alemanha, primeiro que tudo, mas teve uma influência muito interessante na escola de
Coimbra.
Neste seguimento, nós não estamos a dizer que a escola de Coimbra assumiu a
jurisprudência dos interesses, não é isso que está em causa, mas a escola de Coimbra sofreu
uma grande influência da jurisprudência dos interesses na superação do positivismo,
também apontando criticas.
Mas efetivamente, é fundamental essa viragem, esse volte face que vai assumir
expressamente, não significa que o tenha feito ou que seja originalmente sua a viragem, mas
essa viragem é crucial no modo como se desenvolveu a metodologia jurídica em muitas
escolas, incluindo a nossa.
Não é unívoca, há correntes que foram recuperando sempre, quer do ponto de vista
da filosofia analítica, quer da continuação do cientismo da escola de Viena, que continuam a
propor e estão aí a propor hoje, a continuação e recuperação de uma certa pureza formalista
da ciência do direito e da teoria das ciências do direito. Sempre mantendo a intenção
teorética cognitiva epistemológica, que já vimos identificado nas propostas do século XIX
(claro que já não são as propostas do século XIX, passaram dois séculos, muitas coisas
aconteceram, mas a iniciativa de considerar que o pensamento jurídico é ciência no sentido
das ciências empírico explicativas está, continua, presente).
Como é que Philipp Heck propõe superar as dificuldades que resultam da aplicação
lógico-dedutiva, ao ponto de deixarem de fora muitos casos juridicamente relevantes ou
gerarem soluções que são a contradição da intenção, até da própria norma jurídica que é
mobilizada?
A ideia que está aqui em causa é a de que o direito persegue objetivos, e objetivos
práticos, a certa altura, a própria construção da química dos conceitos, o discurso
naturalista que mobiliza, são já, sintomas dessa perceção de que mesmo que a construção
teórica seja essa, na verdade, o direito, visa a resolução de problemas práticos, os problemas
da vida, e esse primado da vida, sobre o primado da lógica, vai ser, prosseguido por Filipe
Hack.
Nasce assim então, uma aberta polémica com a jurisprudência dos conceitos. É
assim que a jurisprudência dos interesses se posiciona, e por isso, vai assumir,
fundamentalmente, que o direito visa a prossecução de interesses práticos e, por isso, ao
contrapor a vida aos conceitos vai propor a consideração de que o caso concreto assuma a
primazia na problematização da relevância jurídica, primeiro, vai considerar que os casos
concretos se caracterizam como conflitos de interesses e isto levará, também, a fortes
criticas para.
Assim…
Nesse sentido, vai olhar para o direito como uma seleção dentre os interesses que
estão em conflito, de um deles, para o proteger. A própria construção das normas legais, vai,
aqui, ser feita a partir da consideração dos interesses em conflito, que para Filipe Hack, se
dizem interesses causais – os interesses causais são os interesses que estão em conflito, e
por isso, na origem de criação de uma norma (isto é uma das críticas que posteriormente vai
sofrer).
A norma surge como solução valoradora de um conflito de interesses (estamos agora a
pensar em normas legais).
A lei, assim constituída, a norma legal assim constituída, é composta por duas
dimensões, tem uma dimensão ou face imperativa, a dimensão de comando que consiste
na dimensão estrutural, formal, da norma, a dimensão de comando corresponde (se
quisermos) ao enunciado escrito da norma (é a sua dimensão formal). Depois, temos uma
dimensão ou face dos interesses, vai ser considerada a partir da dimensão interna, da
intenção normativa da norma. A dimensão dos interesses é a exposição dos interesses em
conflito e a seleção e proteção do interesse de opção ou valoração/ponderação – é o
interesse protegido.
Os interesses em conflito vão surgir, aqui, como a base constitutiva das normas, por
um lado, por outro lado, (?) entre os interesses e até com a própria fundamentação e fim da
proteção de certos interesses, o que também vai levar a algumas críticas.
Efetivamente, Filipe Hack, assume que o direito é composto por normas, não irá distinguir
a dimensão de norma face, por exemplo, à dimensão de princípio, acaba por reconduzir a
fundamentação e o critério para a resolução dos interesses, de certo modo, temos aqui uma
172
construção tautológica do direito, e podíamos dizer no limite, efetivamente, nós estaremos
próximos de um positivismo sociológico, a base constitutiva do direito são os interesses
privados em conflito, é uma compreensão seletiva, mas, de facto, por a base do direito na
sociedade, sobretudo nos interesses em conflito (aqui são interesses privados) e,
simultaneamente, considerar que a seleção feita pelas normas é ainda baseada na própria
valoração, ponderação, sobre esses mesmos interesses e portanto, não há uma diferenciação
entre o nível criteriológico e o nível principial (critérios e princípios).
Neste momento, estamos a assumir que as normas legais assim criadas, enquanto
soluções valoradoras de conflitos de interesses, vão ser mobilizadas para a resolução de
problemas concretos, mesmo que esses problemas concretos não representem a
concretização pura e simples do texto das normas, a relação que se estabelece, agora, entre
os casos e as normas pode ser diferente daquela que estava estabelecido, que era a da
correspondência literal entre os factos e a hipótese da norma.
A interpretação deixa de ter lugar em abstrato, para passar a ter lugar em concreto.
Significa isto que, o interprete, quando perante um caso que é um conflito de interesses, vai
procurar no sistema jurídico uma norma, em cujo a intencionalidade normativa esteja
presente uma ponderação de interesses em conflito, análogos aos interesses que estão em
conflito na situação concreta.
A construção da relação analógica, da comparação entre o problema posto em
concreto pelo conflito de interesses, a questão do caso a resolver, e problema resolvido em
abstrato, o conflito de interesses resolvido pela norma, é absolutamente crucial para se
concluir pela suscetibilidade de mobilizar aquela norma para resolver aquele caso.
O ponto de partida deixa de ser a relação literal entre os factos e a norma, para
passar a ser uma relação entre o problema posto pelo caso concreto e a intenção
normativa da norma, isto é, o sentido de orientação da resolução do conflito de interesses
que esteve na origem da norma.
Como?
! O intérprete vai, primeiro que tudo, analisar o conflito de interesses, vai procurar
determinar quais são os interesses causais, depois, vai analisar as razões por que o legislador
selecionou um interesse para proteger, vai identificar o interesse de opção ou de ponderação
ou de valoração. Posteriormente, vai, como que repetir em concreto, se isso for possível, a
opção que o legislador fez em abstrato.
Esta é uma referência introdutória àquilo que iremos encontrar, quer do ponto de
vista da interpretação, quer, depois, do ponto de vista da construção da decisão judicativa,
pois que ela deixa de assentar numa aplicação lógico-dedutiva, para passar a ser analisada
como uma analogia. A matriz analógica da racionalidade jurídica tem, aqui, um grande
impulso crucial ao longo de todo o século XX (contributos de Arthur).
O sistema jurídico vai ser aqui assumido como aberto, e aberto ao diálogo com a
novidade que os casos trazem, por um lado, e por outro lado, assumidamente lacunoso, o
pressuposto não é o de que o sistema define absolutamente a juridicidade, ou seja, a
realidade juridicamente relevante, é, antes, o de que a possibilidade de existirem casos não
previstos em normas faz parte também do desenvolvimento da vida, é um elemento
intrínseco à própria construção do direito, o que é crucial, porque Philipp Heck, também vai
propor, além da teoria da interpretação das normas, vai, depois, propor uma teoria da
integração de lacunas. Por um lado considera que a relevância jurídica não corresponde à
previsão literal, corresponde à intencionalidade normativa da norma, e portanto, no limite, a
dimensão dos interesses prevalece sobre a dimensão comando ou a dimensão formal da
norma, mas, simultaneamente, altera a posição da identificação de lacunas, porque se a
relevância jurídica, à luz da norma, não implica a previsão literal, implica a correspondência
do problema à intencionalidade com que a norma se dirige aos problemas, então, a lacuna já
não vai ser encontrada tão cedo, é possível encontrar mais soluções a partir da norma antes
de se dizer que há lacuna.
Como é que esta construção, assim posta, do direito como norma e do pensamento
jurídico pragmático, que estamos a analisar, vai propor a organização dos elementos
constitutivos do sistema jurídico em termos racionais, concatenados, dentro desse próprio
sistema jurídico? Ou por outras palavras, e simplificando, como é que estas medidas se
organizam num sistema jurídico, como é visto o sistema jurídico nesta perspetiva?
A construção do sistema jurídico vai implicar uma distinção, que Filipe Hack propõe, entre,
problemas normativos e problemas de formulação:
175
• No sistema externo temos a organização desses problemas normativos e das respetivas
soluções e, portanto, temos a organização sistemática do conteúdo do sistema.
176
(Isto é) Os interesses causais, os interesses que dão causa ao surgimento do direito, não têm
que estar, necessariamente em conflito, e portanto, podem estar, desde logo, em
concordância e ainda assim gerar direito. Essa é uma das críticas fundamentais que é feita
deste ponto de vista à jurisprudência dos interesses.
— Jurisprudência da valoração
Aula 13.05
177
Desse ponto de vista, vamos ver sobretudo, já na 2ª metade do séc. XX, desenvolver-
se um conjunto de propostas metodológicas que assentam nessa dimensão material
substancial de fundamentação e que irão projetar-se numa compreensão analógica, prático-
normativa, com convocação de uma estrutura argumentativa, para a construção da decisão
judicial e, assim, no eixo que passa boa parte da dogmática jurídica alemã, da 2ª metade do
séc. XX — vários autores vão prosseguir a proposta de constituição da decisão judicial,
concentrada no caráter problemático do caso e na sua especificidade, para a interpelação do
sistema jurídico – e estas são as influências fundamentais geradoras da compreensão da
metodonomologia que o Sr. Dr. Pinto Bronze nos apresenta. Claro que, com diferenças entre
si, todos estes autores propõem diferentemente a relação entre o problema e o sistema, mas
são as influências fundamentais da construção da proposta metodológica.
178
2) O objeto da interpretação: não a norma (critério)-texto, mas a norma (critério)-problema
3) O objetivo da interpretação:
a) o subjetivismo e o objetivismo:
5) Os resultados da interpretação;
Notas introdutórias
Neste sentido, nós podemos reconhecer que a interpretação era, aí, uma operação que
teria lugar em abstrato, antes e independentemente da mobilização da norma para a
aplicação lógico-dedutiva.
180
Do ponto de vista hermenêutico e do ponto de vista sistemático ou construtivístico,
nós vimos confluir no método jurídico o positivismo legalista francês e o positivismo
dogmático alemão – por isso é que se fala de norma como objeto da interpretação.
Portanto, a interpretação como uma operação que tem lugar em abstrato, no momento
que é lógico e cronologicamente distinto (anterior) ao da aplicação lógico-dedutiva.
Por outro lado, nós também sabemos que, para a perspetiva prático-normativa que
temos vindo a assumir e que perpassou todas as dimensões, nas diferentes áreas de
concretização do próprio direito, esta perspetiva prático-normativa, que assume como ponto
de partida para a realização prática do Direito, não as normas ou, mais amplamente, não o
sistema, mas o caso, o problema posto pelo caso concreto, vai, muito diferentemente,
assumir a interpretação jurídica como um dos passos, uma das operações que o jurista
dissidente tem de levar a cabo no momento da resolução de um problema juridicamente
relevante, aquele que está sub judice nesse momento. Só faz sentido compreender a
interpretação de um critério normativo quando perante um problema judicando.
Podemos falar da interpretação de uma norma legal, deste 2º ponto de vista, mas
como já sabemos, não são apenas as normas legais os critérios que o sistema jurídico
consagra, há outros critérios, desde logo, os critérios da jurisprudência judicial e os critérios
que resultam dos modelos dogmáticos, isso significa que qualquer um destes critérios é
objeto de interpretação, no sentido de que, para dele se poder retirar o sentido normativo
com que irá ser mobilizado para orientar a resolução do problema judicando, aí, teremos a
consideração da perspetiva prático-normativa para a construção dessa interpretação.
Portanto, podemos ter como objeto de interpretação apenas as normas legais mas
também, pelo menos, os critérios jurisprudenciais e os modelos dogmáticos (são de
índoles distintas – a norma legal é geral e abstrata, de um modo que o critério
jurisprudencial e o modelo dogmático não serão , ainda assim a interpretação será
apresentada com a mesma intencionalidade prático-normativa da relação entre o problema e
o sistema).
Claro que isto significa que, para percebermos o sentido da interpretação jurídica,
temos que ter em conta a conceção fundamental do Direito que lhe corresponde e, portanto,
também a perspetiva por que o pensamento jurídico é compreendido, é isso que leva à
afirmação de que à interpretação jurídica se reconhece esta perspetiva prático-normativa
uma índole profundamente problemática, deixa de existir aquela estabilização em
abstrato de definição de verdade, de cientificidade, no sentido das ciências empírico-
explicativas, que pudesse valer como sentido único para todas as aplicações a que a norma
fosse chamada.
Evidentemente que, para uma perspetiva segundo a qual a interpretação é uma tarefa
crucial na determinação do sentido com que a norma jurídica haja de ser mobilizada para a
realização dos problemas concretos, esta pressuposição não fará sentido e não fará sentido
não apenas porque o objeto da interpretação já não se reduz à ideia de texto da norma
interpretanda, mas também e, sobretudo porque se assume que a clareza não é incita às
palavras que compõem o texto da lei, já que, no mínimo, porque as palavras são
polissémicas, a clareza há de resultar da interpretação que da norma se faça.
Mas isto, visto assim, ainda nos poderia levar a entender que o que está em causa é
uma desambiguação da polissemia, mas o que está verdadeiramente em causa numa
perspetiva prático-normativa, como aquela que vamos abraçar, é a determinação do sentido
normativo da norma, para lá da pressuposição da literalidade, i.e., nós não vamos considerar
que o objeto da interpretação é o texto da norma, enquanto texto (norma-texto), mas a
norma enquanto problema, i.e., a norma na sua intencionalidade problemática, a norma
enquanto critério, i.e., enquanto resolução em geral e abstrato de um problema, que irá ou
não corresponder ao modo por que um determinado problema se nos apresenta, em
concreto.
De facto, esta perspetiva hermenêutico-cognitiva, dita teoria tradicional da
interpretação, acaba por se estudar na perspetiva do texto como objeto e, daí, resultam não
apenas os diferentes resultados possíveis, como também a própria delimitação da
juridicidade, i.e., a diferença entre a previsão e a ausência de previsão de uma certa
182
realidade concreta ou, por outras palavras, a diferença entre interpretação de normas legais e
integração de lacunas.
Esta é uma distinção que vem pelo menos desde a Idade Média, sobretudo a distinção
entre interpretação legislativa e interpretação consuetudinária, por um lado, e entre
interpretação jurisdicional e interpretação doutrinal, por outro lado.
Os critérios que presidem a esta distinção são: em 1º lugar, o agente interpretativo;
em 2º lugar, a diversidade de relevo jurídico ou metodológico-jurídico que corresponde a
cada um destes tipos de interpretação.
Quanto ao agente interpretativo: A interpretação dita autêntica, que pode dizer-se,
também, interpretação legislativa obrigatória ou autêntica, é a interpretação levada a cabo
pela entidade emitente da própria fonte jurídica interpretanda, muito especificamente, a
interpretação autêntica na compreensão tradicional é a interpretação de uma norma legal,
pelo legislador. De facto, o legislador tem essa prerrogativa de interpretação das normas
legais que emana, e ela está consagrada no nosso Código Civil, mormente no art. 13.º CC,
que determina a admissibilidade da interpretação autêntica, que é uma interpretação
legislativa obrigatória. Ora, a interpretação autêntica visa esclarecer dúvidas quanto ao
sentido interpretativo por que uma certa norma legal deve vigorar e as razões são de
compreensão, mas também são político-jurídicas, porque dizer-se que a interpretação é feita
pelo próprio legislador implica que estejamos perante uma interpretação feita por um órgão
com competência e legitimidade jurídico-constitucional para esta interpretação, por um lado
e, por outro, que a norma que vai interpretar seja de posição hierárquica igual ou superior à
que é interpretada.
Nos termos do art. 13.º CC, nós temos uma conjugação entre a interpretação
autêntica e a aplicação da lei no tempo, porque o que está em causa é a determinação do que
sejam e dos efeitos das leis interpretativas, ora, a lei interpretativa é a lei cujo objeto é a
interpretação de uma outra lei e cujo objetivo é a desambiguação, no fundo, o
esclarecimento das dúvidas sobre essa interpretação que o legislador pretende esclarecer.
Portanto, deve-se exatamente assim, i.e., quanto ao agente interpretativo, a interpretação
183
autêntica é feita pelo próprio legislador, quanto à sua força normativa, ela tem força de lei e,
portanto, é interpretação obrigatória.
O que nos diz o art. 13.º/1 do CC é «A lei interpretativa integra-se na lei interpretada,
ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por
sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de
análoga natureza.», isto significa que a lei interpretativa vigora a partir do momento da sua
entrada em vigor, produzindo efeitos na desambiguação do sentido da norma interpretada
desde o momento em que esta última entrou em vigor, com estas exceções que aqui se
encontram no art. 13.º/1 do CC.
Portanto, as leis interpretativas são criadas pelo legislador para esclarecer o sentido
de uma ou outra lei anteriormente entrada em vigor e para serem leis interpretativas deverão
constituir exatamente nisso, na especificação, na clarificação do sentido da lei anterior e não
em inovação normativa. A lei interpretativa tem por função, por objetivo, esclarecer o
sentido de uma lei anterior – a dita lei interpretada – mas a interpretação autêntica distingue-
se da interpretação jurisprudencial, que assumida assim em sentido amplo, vai abranger a
interpretação usual ou consuetudinária e a interpretação jurisdicional e doutrinal, neste
sentido amplo.
Quanto ao seu autor, a interpretação jurisprudencial ou doutrinal é aquela que é feita
pelos especialistas em Direito (pela dogmática) e pela Jurisprudência judicial, portanto,
neste sentido, temos aqui a reflexão sobre uma norma legal, levada a cabo pela dogmática e
pela reflexão que faz sobre o direito vigente e também levada a cabo pela Jurisprudência
judicial, pela interpretação que faz do Direito vigente e com efeitos diversos — a dogmática
visando refletir, fazer um diagnostico do Direito vigente para propor a continuação de ou a
alteração de sentidos normativos para o futuro; a jurisprudência judicial visa determinar o
sentido normativo da norma legal, se for uma norma legal, para a sua realização em
concreto.
A interpretação pode ter por objeto uma norma legal, mas também pode ter por
objeto decisões judiciais ou mesmo os próprios critérios dogmáticos, i.e., se estivermos a
falar de interpretação jurisprudencial, podemos pensar que a dogmática faz interpretação de
normas legais, a jurisprudência judicial faz interpretação de normas legais, mas também
poderão estar em causa interpretações de outros critérios em qualquer dos casos, ou de
critérios dogmáticos ou de decisões judiciais anteriores.
184
• Interpretação em sentido restrito, amplo e global
185
especificamente, aos princípios gerais de Direito e aos conceitos já constituídos ou a
constituir logicamente, mas dentro do sistema, nunca em relação com a realidade.
Claro que sabemos que esta interpretação teleológica, que é acentuada, sobretudo,
partir da Jurisprudência dos interesses, vai implicar que o elemento teleológico – a ratio
legis, o objetivo prático da norma – possa superar a vinculatividade literal e é aqui que
temos a grande viragem para a consideração pratico-normativa da interpretação jurídica
- Objeto;
- Objetivo;
- Elementos;
- Resultado
Deste ponto de vista, o texto da lei seria composto por: Elemento gramatical,
elemento histórico e elemento sistemático.
No sentido de que qualquer interpretação da norma que não tivesse ligação com os
sentidos literalmente admissíveis, estaria a excluída. O intérprete não poderia selecionar, no
âmbito da interpretação, sentidos que não tivessem ligação com a construção literal, com a
letra da lei interpretanda. Esta função negativa é negativa porque é uma função de exclusão,
é autónoma porque é desempenhada separadamente, isoladamente pelo elemento gramatical,
a lei exclui e é vinculativa porque essa exclusão não é reversível, exclui mesmo todos os
sentidos interpretativos em que o intérprete pudesse estar a pensar, que não tivessem ligação
literal com as referências liteira das palavras que compõe o texto da lei.
187
— Ora, o objecto da interpretação é, então, constituído pelo texto; O texto comporta
diferentes elementos; O elemento gramatical desempenha, primeiro que tudo e
autonomamente, sem se considerar quaisquer outros elementos, a sua função negativa, de
exclusão dos sentidos sem correspondência com a letra;
Uma vez cumprida a função negativa, haveria de cumprir a função positiva: Essa
determinaria que os sentidos a admitir como possíveis teriam que ter essa ligação, estariam
já selecionados, uma vez excluídos os que não a tivessem, e essa ligação poderia ser mais ou
menos forte, mais próximos da letra ou mais afastados, desde que considerada ainda cabível.
Para cumprir essa função positiva, uma vez excluídos os sentidos, o elemento
gramatical já não é nem autónomo nem vinculante. É necessário contar com os outros
elementos, já não é autónomo, e o sentido a que se chega já não é aquele que apenas a letra
determine, já não é vinculante. Agora, é necessária a conjugação entre o elemento
gramatical e os outros elementos intra-textuais, o elemento histórico e sistemático.
Com isto, temos de recordar também que há uma distinção tradicional, aquela que
permite separar letra e espírito, que é muito convocada para a descrição quer dos
elementos, quer dos resultados da interpretação e que vai exigir alguma explicação, para que
se possa distinguir e, ao mesmo tempo, conjugar daquilo que acabamos de dizer.
3) O objetivo da interpretação:
Este objetivo da interpretação será aquilo que se pretende obter, através da interpretação, a
sua finalidade.
a) o subjetivismo e o objetivismo:
Ponto comum das duas teorias: A consideração do texto como objeto da interpretação.
Pontos de divergência: Está naquilo que cada uma vê como aquilo que deve retirar-se do
texto da lei.
É claro que quando o objetivismo surge, surge, sobretudo, para criticar o facto de a
interpretação subjetivista ficar apegada à instância criadora e à intencionalidade originária,
ao passado; também ao facto do subjetivismo pretender ligar o sujeito da interpretação a
uma certa vontade subjetiva, como se o legislador fosse uma pessoa e não um conjunto de
pessoas e, portanto, como se houvesse uma determinação subjetiva de projeto a realizar que
o objetivismo não abraça.
189
b) As orientações mistas e gradualistas e a sua refracção no art.º 9.º do Código Civil;
Art. 9º/1: “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos
textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as
circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é
aplicada.”
Este artigo começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei,
portanto, aqui, não se põe a possibilidade de se fazer uma interpretação literal exclusiva.
Mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do
sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo
em que é aplicada — reconstituir a partir dos textos, o texto tem uma relevância
fundamental.
190
Art.9º/2: “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete, o pensamento legislativo que
não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente
expresso.”
Art.9º/3: “ Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador
consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos
adequados”
Do ponto de vista do objeto continuamos a ter uma referência ao texto, e mais do que
isso, ao texto assumindo também a referência à sua relevância literal e à sua referência
literal do ponto de vista da função negativa do elemento gramatical, já que temos aqui uma
consagração possível daquela perspectivação mais aberta dessa função excludente, desse
sentido negativo, ao estabelecer uma consagração da teoria da alusão — “Não pode, porém,
ser considerado pelo intérprete, o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um
mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” — a exigência de
um mínimo de correspondência verbal, numa alusão à teoria da alusão, mas numa
formulação ainda mais aberta — “ainda que imperfeitamente expresso”.
Estamos aqui já numa fase de transição, em que a relevância da letra da lei começa a
ser confrontada com outras perspetivações, que nos vai levar a pensar, a por o sentido da sua
vinculatividade do ponto de vista negativo.
Nos temos aqui várias menções, a consideração, nas circunstâncias em que a lei foi
elaborada, poderia indiciar um subjectivismo histórico, mas que é compatibilidade com o
objetivismo e um objetivismo atualista.
Depois temos a consagração da teoria da alusão, que também nos poderia indiciar
mais um subjetivismo, mas sabemos que a interpretação sistemática nos leva a concluir que
(e o nº3 é crucial) o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais
acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Temos aqui a dita
presunção do legislador razoável, que é, directamente, uma nota de objetivismo — temos
uma presunção do ponto de vista do conteúdo, da normatividade, presume-se que o
legislador consagrou as soluções mais acertadas e não é preciso ir investigar qual a vontade
do legislador, portanto, concentremo-nos na intencionalidade normativa que o texto
congrega; e soube, também, exprimir o seu pensamento em termos adequados, temos uma
191
presunção de razoabilidade quanto à formulação. Este artigo 9º/3 associado ao final do
n1, a atenção às circunstâncias especificas no tempo em que a lei vai ser aplicada mostra-
nos que, embora não optando decisivamente, à uma nota crucial de objetivismo atualista no
artigo 9º do CC — não fecha, deixa ao intérprete a possibilidade de, em alguns casos,
considerar, também, a vontade do legislador — aberta quanto ao papel do intérprete.
• Gramatical;
• Histórico;
• Sistemático;
• Teológico.
192
sua clareza suficiente, avançar-se-ia para a interpretação e esta interpretação
comportaria 2 operações/dimensões:
Primeiro a compreensão da lei, que seria a determinação do sentido na relação
entre a letra e a sua intencionalidade, aqui ainda de um modo mais
embrionário, a questão da história e do elemento sistemático, porque estão
ambos presentes, nem podíamos chegar a diferentes resultados, desde logo,
podia concluir-se que o sentido cabia diretamente nas palavras, teríamos
naquilo que vamos dizer a interpretação declarativa, também poderia haver
uma restrição, a interpretação restritiva e algo que designavam por
interpretação declarativa em sentido lato, que a teoria tradicional, depois,
acabou por designar por interpretação extensiva, que, para os juristas
medievais, também se poderia dizer intentio e, portanto, realmente, a busca
dos sentidos possíveis levava ao seu limite — intentio — nesta interpretação
depois dita extensiva ou interpretação declarativa em sentido lato, para os
juristas medievais
Para concluir:
Realmente é muito interessante vermos esta origem histórica, porque isso permite-
nos, a seguir, analisamos, também, como é composto cada elemento da interpretação.
193
Aula dia 19.05
Uma vez definido o objetivo da interpretação e, com isto, já vimos que, embora na
construção da interpretação dita dogmática, que reconduz o sentido interpretativo aos
sentidos previamente estabelecidos pelo sistema jurídico, sabemos já que, quer os
subjetivistas, quer os objetivistas, quer os adeptos da construção subjetivista, quer os da
construção objetivista, assumiam como objeto da interpretação o texto, tal como o
analisámos. Isto é, um texto constitutivo da norma interpretanda, portanto, a norma não é,
senão o seu texto e a compreensão do texto que está aqui em causa é uma compreensão
global, não uma compreensão restrita à letra, e portanto, a letra e o texto são dimensões
distintas, ainda que a letra seja uma das componentes do texto, mas além da letra, temos
ainda que considerar o elemento histórico e o elemento sistemático como elementos intra-
textuais —os elementos constitutivos do texto são estes.
O elemento teleológico surgiria como extra textual, e portanto, inicialmente rejeitado
pelas compreensões mais formalistas, depois, progressivamente admitido, ao ponto de,
como veremos, à luz dos contributos da jurisprudência dos interesses, se transformar na
grande alavanca da superação da dita teoria tradicional, isto é, da perspetiva hermenêutica
cognitiva da interpretação.
196
Teria que ser tida em conta a compreensão da norma, em função do seu contexto, da
sua inserção sistemática — a secção, o capítulo, o livro, consoante o diploma legal em causa
em que a norma estivesse inserida, e portanto o enquadramento sistemático, desde logo.
Depois, a fundamental relevância dos lugares paralelos, relativamente aos quais
houvesse já posições inequívocas ou esclarecidas que o legislador e/ou a própria
interpretação jurisdicional tivessem já fixado, e que pudessem auxiliar na compreensão do
sentido sistematicamente integrado daquela norma interpretanda.
Temos aí realmente um sentido da norma que se determina pela sua ratio legis, isto é, a sua
razão de ser, o seu objetivo prático. Claro que, como vimos inicialmente, começou por ser
afastado ou encarado com alguma desconfiança, quer na escola da exegese, quer na proposta
de Savigny, mas veio a ser fundamental para a própria superação da teoria dita tradicional, e
vai ser fundamental na jurisprudência dos interesses.
De facto, o nosso legislador, usa uma expressão que não é determinante, nem de uma
nem de outras posições, quanto ao objetivo da interpretação, a expressão pensamento
legislativo é propositadamente mobilizada, de modo a permitir ao interprete adequar a
feição da consideração do objetivo da interpretação, desta que é uma teoria mista, ou
gradualista, ou de síntese.
Portanto, para além da letra, o espírito, no sentido que a conjugação dos dois levará à
reconstituição do pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema
jurídico — aqui temos uma alusão direta ao elemento sistemático;
Depois, as circunstâncias em que a lei foi elaborada diretamente — referência à
ocasio legis, uma das dimensões constitutivas do elemento histórico;
As condições específicas do tempo em que é aplicada – aqui não temos referência ao
elemento histórico, note-se, o que temos, efetivamente, é ,já, uma nota de abertura, que
197
mostra que, na relação entre subjetivismo e objetivismo, o nosso legislador, embora deixem
várias referencias, a possibilidade do intérprete seguir a voluntas legislatoris, há aqui uma
abertura essencial ao objetivismo, e mais do que isso, de objetivismo atualista.
(Poderia ser um subjetivismo atualista mas no equilíbrio, e considerando nós mesmos, os
próprios trabalhos preparatórios que conduzem à redação do artigo 9º, vemos que há aqui
uma nota tendencial, que depois conjugada com o número 3 fica mais clara, de referência a
um objetivismo e um objetivismo atualista.)
Essa referência às condições específicas do tempo em que é aplicada, é uma nota relativa ao
objetivo da interpretação, um elemento da interpretação.
“Não pode porem ser considerado pelo intérprete, o pensamento legislativo que não
tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que, imperfeitamente
expresso”: Portanto, a letra delimita a interpretação válida, mas, de facto, há aqui uma
enorme abertura, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente
expresso, temos aqui, uma nota alusiva à vinculação literal no sentido negativo do elemento
gramatical que é o que está aqui enfatizado neste nº2.
Tanto podia ser compatível quanto com o subjetivismo quanto com o objetivismo,
mas a verdade é que vai sendo, sobretudo, conjugada com uma perspetivação objetivista,
que nos vai ser mais clara quando consideramos o nº3.
“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as
soluções mais acertadas, e exprimiu o seu pensamento em termos adequados.”:
Temos aqui uma questão muito relevante e que tem que ver com a dita presunção do
legislador razoável, nota típica do objetivismo. Significa que o nosso legislador estabeleceu
que, de facto, ao determinar o sentido interpretativo, se presume que o legislador foi
razoável quer do ponto de vista substancial, quer do ponto de vista formal expressivo,
“razoável, que consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em
termos adequados”.
Esta presunção do legislador razoável é uma nota de objetivismo, é o texto que é
crucial nesta análise.
Citação breve do modo como o senhor doutor Pires de Lima e o senhor doutor
Antunes Varela vêem esta consideração do objetivismo neste ponto, porque se diz que, de
facto, temos aqui referencias fundamentais a este objetivismo:
E, portanto, aqui temos uma abertura da lei viva e do seu enquadramento, da sua
conjugação com o momento em que vai ser aplicada.
Pode suceder porém, no exemplo que nós vimos, se o intérprete entende que na
conjugação dos elementos, usando o legislador o vocábulo alienação, deve assumir
alienação nos seus sentidos mais naturais, que comportam a dimensão gratuita e a dimensão
onerosa, vão permitir, ambos, estes sentidos e, portanto, ao admitir ambos estes sentidos,
teremos uma interpretação declarativa, porque são os sentidos que mais naturalmente
correspondem à referência literal alienação, que comporta, nas suas significações imediatas,
ambas as modalidades.
Mas pode acontecer que o sentido literal, imediato ou natural, significado gramatical
da letra da lei, seja mais amplo do que o espirito. O intérprete, chega à conclusão de que, ao
conjugar os sentidos literais com o espírito, isto é, com os outros elementos da
interpretação, nesta conjugação, estes últimos implicam que a letra não possa ser mobilizada
199
em todos os seus significados, isso significa que irão excluir-se alguns dos significados
literalmente possíveis para selecionar como sentido último os significados que são
admitidos pelos elementos histórico, sistemático e, eventualmente, o teleológico.
Há aqui uma interpretação restritiva, que não significa reduzir a letra, porque isso
podia implicar reduzir apenas o seu tamanho, não é isso que está em causa, implica é
restringir as significações literais, excluindo algumas que seriam comportadas no sentido
natural, literal, mas não são admitidas pelos elementos histórico, sistemático e
eventualmente teleológico.
Neste caso, temos desde logo, os argumentos a pari ou por identidade razão, se para
este caso se decide neste sentido, para aquele outro há-de decidir-se nesse mesmo sentido,
em virtude da sua identidade.
200
Argumentos afor teori ou por maioria da razão: Argumento ad minori ad maius e o
argumento ad maiori ad minus.
Argumento Ad maiori ad minus: vale para as leis permissivas, no sentido de que a lei que
permite o mais também permite o menos.
Por exemplo: a lei que permite ao proprietário vender, por maioria de razão, aí está, também
lhe permite onerar com um direito real mais restrito, por exemplo, com a constituição de um
usufruto que não implica disposição, mas apenas a oneração do ponto de vista do uso e
fruição do bem objeto direito e propriedade e, portanto, no limite, se a lei permite vender,
por maioria de razão também permite onerar, onerar com outro direito real ou até, se
quisermos, se o estabelecimento do ponto de vista obrigacional, de um arrendamento,
confere o gozo temporário a titulo obrigacional e não real.
Por exemplo: A lei que não permite ao arrendatário realizar certas disposições, também não
lhe permite, por maioria de razão, dispor da coisa/objeto do arrendamento. Para o
usufrutuário, a lei que não lhe permite determinados atos, ainda no âmbito do gozo e
fruição, por maioria de razão não lhe permitirá a alienação da coisa, até porque não é titular
do direito à nula propriedade.
Argumento Contrario Sensu: Acaba por ser mobilizado para as normas excecionais, o que
leva a que tradicionalmente se diga, se uma determinada norma é excecional, isto é, se se
admite, que, de facto, aquela norma é contrária a um eventual regime geral, se pressupõe, se
a norma é classificada como excecional, o regime geral é o seu contrário.
Estes são possíveis argumentos lógicos que conduzem à conclusão por sentidos
interpretativos, que não resultam já apenas, porque não fica claro, não resulta claro da
conjugação entre o elemento gramatical e os outros elementos, os ainda intra-textuais mas
depois também o extra-textual.
201
" A superação da teoria tradicional da interpretação jurídica
Para a perspetiva que visa, e que obtém maior sucesso, na superação da teoria
hermenêutico-cognitiva da interpretação jurídica e, portanto, para contributo decisivo que a
jurisprudência dos interesses nos vai apresentar, é isso que está em causa, há diversas notas
que temos que considerar.
Nós já conhecemos os postulados metódicos fundamentais da jurisprudência dos
interesses, vamos agora analisar como é que a teoria da interpretação, proposta pela
jurisprudência dos interesses, se nos apresenta como uma via fundamental para a superação
da interpretação dogmática, por uma interpretação teleológica e, portanto, a superação da
dita teoria tradicional da interpretação jurídica, por uma perspetiva, primeiro, em que a
interpretação tem lugar em concreto, segundo, em que se assume a dimensão prático-
pragmática da norma, como ela há-de vigorar como critério para a resolução de um
problema concreto.
Na interpretação à luz da jurisprudência dos interesses nós vamos encontrar duas notas
cruciais:
202
Aula dia 20/05
Os contributos da jurisprudência dos interesses que estão aqui sintetizado são aqueles a que
já tínhamos feito referência noutros regimes:
!Como é que ela é mobilizada para as decisões judiciais, ou seja, como é aplicada em
termos genéricos? Seguem o formulário que Philipp Heck utilizou, mas que
verdadeiramente já não correspondem à aplicação lógico-dedutiva que o positivismo tinha
assumido.
Então, o que de novo traz a jurisprudência dos interesses, face ao que tinha sido posto
genericamente?
As tais correntes de orientação teorética que tínhamos estado a analisar e que faz
suplantar também o movimento do Direito livre, que era uma das vias de superação do
positivismo, só que, a admitir diretamente que o juiz poderia, em algumas circunstâncias,
nomeadamente na ausência de clareza da norma, na ausência de norma, decidir segundo um
sentido material de justiça, foi acusado de ter caído num voluntarismo, e até voluntarismo
irracionalista e, portanto, também não propôs um modelo de racionalidade alternativo, de
facto acentua a dimensão voluntarista e acaba por não superar a racionalidade formalista
contra a qual se tinha insurgido e foi objeto de muitas críticas, que Philipp Heck consegue
evitar, portanto:
Como é que a jurisprudência dos interesses propõe que sejam interpretadas as normas
legais?
Sabendo nós que a lei é vista como uma solução valoradora de um conflito de
interesses e que é criada exatamente a partir da ponderação entre conflito e desinteresses
causais, optando por e, portanto, a prescrição da norma vai consistir em selecionar um
interesse para proteger em detrimento do outro (isto também vai surtir fortes críticas depois)
mas, optar por um interesse para ser protegido em detrimento do outro pela lei e, assim,
estabelecer que a imagem dos interesses da norma subsista na opção por um dos interesses
em conflito.
A sua imagem de comando, a sua dimensão formal estrutural, que inclui a letra e a
estrutura (essa letra em hipótese e estatuição) – é uma norma legal – claro que a imagem do
comando fica limitada aos vocábulos que a constituem.
A questão que se põe no âmbito da teoria da interpretação proposta pela jurisprudência dos
interesses é exatamente a de saber:
Ora, posto isto, o caso é agora o ponto de partida e a norma é vista na sua estrutura
formal, naturalmente vai ser analisada também no seu elemento histórico, sistemático e
teleológico e pode ser que, em nome do cumprimento do elemento teleológico, desconsidere
o sentido negativo do elemento gramatical e, por isso, eventualmente optar por um sentido
que estaria excluído da referência literal, no modo hermenêutico-cognitivo.
Para Philipp Heck, o interprete, ao considerar a norma e o caso concreto para o qual
ela vai ser mobilizada como critério de resolução, deveria, em 1º lugar, tem a norma perante
si e naturalmente irá lê-la, mas já não tem uma finalidade epistemológica, teorético-
cognitiva, ele vai lê-la à luz do problema concreto que se lhe apresenta e vai fazer uma
análise histórica da norma, i.e., vai procurar compreender quais são os interesses, quais são
motivos do surgimento daquela norma, vai fazer o percurso que o legislador fez, vai tentar
compreender as razões, desde logo históricas, da ponderação que foi feita no momento em
que a norma foi criada e vai comparar esses interesses causais e a ponderação que sobre eles
foi feita pelo legislador, vai ponderar esses interesses causais e, se concluir que o problema
em causa – conflito de interesses – e a ponderação sobre ele são análogos ao problema posto
pelo caso decidendo, a ponderação de interesses que haverá de ser feita, então, irá, partindo
desse juízo analógico, repetir em concreto a ponderação que o legislador fez — já tínhamos
à partida uma aplicação lógico-dedutiva, há um juízo analógico. Isso não implica que
tenhamos já uma superação absoluta da perspetivação positivista, porque depois vamos p.e.
ver que Philipp Heck propõe uma solução para o problema da integração de lacunas,
portanto, vai identificar verdadeiramente as lacunas, elas só não se encontram na mesma
posição em que o positivismo as encontrava.
Exemplos históricos que Philipp Heck nos dá, p.e., o exemplo do bombardeamento, o
exemplo da enfermeira, o exemplo do cavalheiro que entra na sala…
O exemplo do urso:
Neste sentido, já vemos as diferenças fundamentais que levam a que, em que alguns
casos (não é todos, não temos interpretação corretiva na jurisprudência dos interesses) mas
nestes casos específicos, em que se manifesta esta contradição no âmbito da norma à luz do
caso concreto, para a qual está a ser mobilizada como critério, podemos chegar a esta
conclusão.
207
Posição que Philipp Heck toma quanto ao objetivo da interpretação.:
Depois de tudo aquilo que foi dito, temos uma interpretação teleológica aberta ao
caso, portanto, que acentua a intenção normativa da norma e não a sua determinação formal.
Ora, neste sentido, há que considerar afinal qual é para Philipp Heck o objetivo da
interpretação?
Philipp Heck rejeitava o objetivismo puro por entender que era fundamental ao
intérprete fazer uma análise, portanto, vai fazer uma análise da vontade do legislador, só que
não da vontade do legislador que depois fica formalmente registada no texto da lei. Então,
fala-se aqui num subjetivismo teleológico, vai analisar-se a intenção que o legislador
colocou na norma, adaptada à relação com o caso concreto presente.
O objetivo da interpretação deixa de ser o sentido com que a norma pode valer no
sistema, mas o sentido com que a norma pode valer partindo da proposição dos sentidos do
sistema, mas para o caso concreto. A interpretação deixa de ser fechada para se abrir à
realidade — A resolução do problema concreto implica a convocação em bloco de todos os
estratos do sistema.
Mas pode acontecer ainda que (ainda à luz dos limites normativos da legislação) não
seja uma questão de tempo a perda da validade, há limites normativos de validade, só que
não são verificáveis em abstrato — esta identificação destes limites resulta do facto de só ao
ser interpretada à luz do problema concreto a norma poder ser considerada como inválida.
Concluindo que a norma é inválida desde o momento que foi criada, não podemos
dizer que ela vai ser superada, mas podemos dizer que vai ser preterida – preterição
conforme aos princípios, que resulta do limite normativo de validade da legislação.
209
b) O “continuum” da realização judicativo-decisória do direito e a interpretação
jurídica como momento dessa realização:
Nesta construção que é de uma racionalidade analógica e que vai fazer a comparação
entre o problema posto em concreto e o problema resolvido em abstrato, à luz de todo o
sistema, a resposta ao problema da ausência de norma vai ser diferente. Não significa que
não haja situações em que se chegue à conclusão de que não há mesmo norma, mas estamos
a ver que: pode haver norma e ser afastada e pode não haver norma e vamos ver como é que
o problema se resolve — é uma questão de intencionalidade normativa
A integração
Mas será que sempre que não haja uma norma para responder a um determinado problema
teremos sempre uma lacuna?
210
legal que o preveja. Mas pode acontecer que o problema não seja juridicamente relevante,
ou seja, pode haver situações em que estejamos perante espaços livre de direito. Há quem
entenda que o espaço livre de direito é um espaço regulado pelo direito, embora não sendo
valorado pelo direito.
Nem sempre a ausência de previsão, seja legal ou outra, significa que haja uma falha,
até porque há lacunas voluntárias, ou seja, as situações em que o legislador entendeu que
ainda não há condições para legislar. Mas, também, existem lacunas involuntárias e essa
podem consistir em falhas, porque a realidade é muito mais rica do que aquilo que o
legislador pode prever.
Os critérios da integração:
α) A analogia:
O artigo 10º do CC, que já não está na construção positivista, no seu número 1, diz-
nos que “os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos
211
análogos”. Temos aqui uma consideração da analogia legis, que reporta aquilo que
acabamos de referir para uma perspetiva mais formalista. O artigo 10º diz-nos também que
há analogia sempre que “no caso omisso procedam as razões justificativas da
regulamentação do caso previsto na lei”. As razões justificativas têm muito a ver com a
teleologia da norma, temos aqui uma referência a uma analogia teleológica, que reporta ao
sentido que Heck põe para a integração de lacunas.
Quando não fosse possível integrar uma lacuna através da analogia legis, em sentido
formal, no positivismo, abrir-se-ia uma última possibilidade – a de recorrer diretamente ao
princípio geral de direito, em que, embora não houvesse norma, se houvesse, a norma se
inseriria. Esta operação chamar-se-ia analogia iuris.
Chegados a este limite, se o facto não fosse suscetível de ser integrado, nem através
de interpretação, nem de analogia legis, nem por analogia iuris, seria considerado
juridicamente irrelevante. Daqui conclui-se que as lacunas são um falso problema, porque
ou são integradas através dos próprios mecanismos de que o sistema já dispõe, ou serão
juridicamente irrelevantes.
212
Este cânone do julgador como se fora legislador remonta a Aristóteles:
Possibilidades admitidas:
− Num sentido jurídico mais tradicional e formalista: Há quem entenda que temos
aqui analogia iuris – não sendo possível resolver o problema através da analogia legis, há
que recorrer aos princípios gerais de direito.
− Numa perspetiva mais formalista: há quem entenda que o recurso à norma que o
interprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema não é uma analogia
iuris. A construção da norma ad hoc para a resolução do problema, de um ponto de vista
mais formalista, implica que no momento em que o intérprete tenha de criar essa norma se
abstraia das circunstâncias concretas do problema, tenha em conta os princípios gerais de
direito e crie um critério cuja vigência se esgota na aplicação aquele problema concreto
omisso.
Claro que as conceções mais formalista enveredam por esse tipo de resposta. Mas,
olhando para o número 3 do artigo 10º, de uma perspetiva jurisprudencialista e pressupondo
uma ideia de sistema aberto, vamos ter de chegar à conclusão de que: nesta analogia legis
continuamos a ter a analogia entre um problema e o sistema, só que não há norma que
diretamente preveja o problema.
O que Castanheira Neves nos diz é que, quando há norma que directamente prevê o
problema, temos uma analogia imediata entre o problema e a norma e, quando não há,
temos uma analogia mediata, porque vai ser preciso estabelecer a analogia entre o problema
e eventualmente outra norma ou outro critério, ou mesmo à luz dos princípios normativos,
ou se de todo não é possível encontrar no sistema constituído a solução, esta realização de
direito sem a mediação da norma pode levar ao desenvolvimento autónomo do sistema
jurídico, que é transsistemático, ou seja, obrigar o legislador a criar uma solução/um critério
para resolver aquele problema e que passa a integrar o sistema jurídico, porque uma vez que
aquele problema é resolvido através de uma decisão judicial, entra para o estrato da
jurisprudência judicial e, como tal, é um critério a considerar para o futuro.
Estamos num sistema de legislação e se o legislador vem tomar posição quanto à
questão que não tinha solução expressa na lei, naquele momento, o estrato da norma legal
vai ter de ser considerado nos casos futuros análogos.
213
O CC de 1867, no artigo 16º, consagra que “Se as questões sobre direito e obrigações
não puderem ser resolvidas nem pelo texto da lei nem pelo seu espírito, nem pelos casos
análogos, prevenidos em outras leis, serão decididas pelos princípios de direito natural
conforme as circunstâncias do caso”. Este artigo mostra-nos que não há uma referenciação
absolutamente formalista — a maior parte dos autores entende que existe uma remissão
para os princípios gerais do direito.
O direito ou é vigente ou não é direito: O direito existe para ser vigente e se projetar
na realidade, para que, em termos práticos, o jurista, comprometido com a sua tarefa prática,
possa compreender o sentido com que desempenha essa tarefa e, simultaneamente,
compreender e projetar na realidade direito e não uma mera aplicação normativa de
critérios. Isso significa que perante os problemas da realidade, cumpre saber qual é o direito
em vigor para lhes responder.
O que está aqui em causa são questões fundamentais da vida comum, em que se nos
apresentam problemas cruciais, como por exemplo:
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