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Introdução ao Direito II

Marisa Branco
2º semestre 2021
Professora Ana Margarida Gaudêncio

Conteúdos a lecionar:

A. O sentido específico do Direito

1. A determinação do atual princípio normativo do direito;

1.1) sentido geral:

α) a exigência da consideração do princípio normativo do direito implicada pela


superação do positivismo jurídico;
b) o seu sentido geral e a sua objectivação na “consciência jurídica geral”;
c) o seu tertium genus para além do jusnaturalismo e do positivismo jurídico.

1.2) análise da consciência jurídica geral:


α) o plano da assimilação sócio-cultural e político-social;
b) o plano dos “princípios jurídicos fundamentais”;
c) o plano da dimensão axiológico-normativa última do direito:

αα) a pessoa e a comunidade;


ββ) corolários normativos: princípio da igualdade e princípio da
responsabilidade.

2. O princípio normativo e outras intenções alternativas.

2.1) referência ao valor segurança no quadro global da axiologia jurídica;

2.2) o desvio do finalismo jurídico;

2.3) a hipótese de “alternativas radicais” ao próprio direito: α) uma ordem de poder


(ordem de necessidade); β) uma ordem científico-tecnológica (ordem de
possibilidade); γ) uma ordem política (ordem de finalidade).

Capitulo II – O modo-de-ser do direito

1. Modalidades de existência.

2. Modalidades normativas: direito objetivo e direito subjetivo.


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3. A objetivação da normatividade jurídica – o sistema jurídico.

4. As fontes do direito.

II Parte

A metodonomologia

1. Preliminares. O objeto fundamental da metodonomologia: a pratico-normativamente


racionalização judicativo-decisória do direito.

2. As projeções metodológicas do pensamento jurídico até ao fim do séc. XVIII.

3. Ideias fundamentas sobre algumas das mais importantes orientações


metodonomoçógicas desde o início do séc. XIX.

4. A concorrência das normas no tempo.

5. A interpretação jurídica.

6. A integração.

7. Esboço de uma proposta unitária, analogicamente enucleada, da problemática da


racionalizada realização judicativo-decisória do direito.

Bibliografia:

•Fernando José Bronze – Lições de Introdução ao Direito, 2º Ed., Coimbra, Coimbra


Editora, 2006;

•António Castanheira Neves – Curso de Introdução ao Estudo do Direito: Lições proferidas


a um curso do 1º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, no ano letivo de 1971.72,
Coimbra, 1971-1972.

1. A determinação do atual princípio normativo do direito

a) Sentido geral:
a) A exigência da consideração do princípio normativo do direito implicada pela
superação do positivismo jurídico;

b) O seu sentido geral e a sua objetivação na “consciência jurídica geral”;

Y) O seu tertium genus para além do jusnaturalismo e do positivismo jurídico.

b) Análise da consciência jurídica geral:


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a) O plano da assimilação socio-cultural e político social;

b) O plano dos “princípios jurídicos fundamentais”

y) O plano da dimensão axiológico-normativa última do direito;

aa) a pessoa e a comunidade


bb) corolários normativos: princípio da igualdade e princípio da
responsabilidade

Aula dia 11/02/2021

INTRODUÇÃO

Retomámos o nosso estudo iniciando esta unidade curricular de introdução ao direito II,
procurando aprofundar um pouco mais as razões por que nos propomos admitir que o direito
enquanto construção histórica, na nossa matriz europeia ocidental, se nos apresenta como
uma específica normatividade, entre outras, igualmente vigentes no nosso contexto cultural,
porém, reconhecendo-lhe que é uma manifestação de uma validade específica, uma validade
de direito que exige uma reflexão sobre os seus fundamentos, características e efeitos, de
modo a diferenciar essa normatividade e essa axiologia de outras normatividades e outras
axiologias alternativas que se propõem, não apenas noutras áreas, como também como
alternativas ao próprio direito, portanto, procurando substituir esse ideário normativo
historicamente constituído por outras ordens de organização da intersubjetividade.

Isso requer que aprofundemos um pouco mais a abordagem do que seja o sentido
normativo material do direito.

B. O sentido específico do Direito

1. A determinação do atual princípio normativo do direito;

1.1) sentido geral:

α) a exigência da consideração do princípio normativo do direito implicada pela


superação do positivismo jurídico;
b) o seu sentido geral e a sua objectivação na “consciência jurídica geral”;
c) o seu tertium genus para além do jusnaturalismo e do positivismo jurídico.

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Contextualização

Falar em princípio normativo do direito como referente axiológico desta normatividade


implica que se identifique, naturalmente, aquilo que historicamente, desde logo, se assumiu
como base fundamentante do direito na matriz cultural da civilização ocidental, já que,
evidentemente, se nós mudarmos o contexto reflexivo iremos concluir, não apenas
espacialmente, mas e, sobretudo, temporal-espacialmente, que outras experiências de
construção daquilo que pode, ainda assim, designar-se sob o nome direito, são
substancialmente diferentes. Bastaria para esse efeito (em jeito de justificação) referirmo-
nos às experiências civilizacionais que, não tendo passado pelas vicissitudes históricas que
levaram á autonomização entre a ordem ético moral religiosa e a ordem jurídica,
apresentam, ainda hoje, direitos de base referencial religiosa.

Há um período absolutamente fundamental na autonomização do sentido da prática


humana face à referência transcendente e, com isso, também, do direito face a essa
referência transcendente, que é todo o período que advém desde a modernidade (e consoante
as convenções sociais que se pretenda aqui convocar) do renascimento para o presente, um
conjunto de conquistas relativas à assunção decisiva do ser humano como causa assui, como
justificação para o seu ser e a sua ação em si próprio e não numa ordem transcendente. Esta
ideia de transcendência que se assumiu com diferentes radicações, diferentes horizontes de
referência. Efetivamente, se o período pré-moderno, que nos trouxe diferentes
manifestações de referente externo ao ser humano como ordem pressuposta em que o ser
humano inscreveria, e temos várias experiências, desde logo, no período da antiguidade
clássica com a referenciação à polis, depois á civitas, com a base no limite cosmológica,
onto-cosmológica, metafísica, na perspetivação da relação entre o ser humano e uma certa
ideia de cosmos, primeiro sobretudo na Grécia Antiga, depois, reflexivamente, em Roma e
naturalmente, ainda, em Roma alterando-se essa perspetivação para uma perspetivação
onto-metafisica de índole teológica, que perdurou durante a idade media, a verdade é que a
idade moderna traz uma referenciação onto-antropológica, significa isto que, a ação humana
se assume como fundamentada numa ordem externa, pressuposta, de ordem cosmológica,
depois, de ordem teológica, depois, de ordem racional humana. A racionalidade que
constitui a fundamentação do ser e da ação humanos é, afinal, racional cosmológica, depois,
racional teológica, depois, racional humana.
Com isto, reconhecemos que a referenciação a uma ideia de direito natural perdurou
durante o longuíssimo período de tempo, desde as referenciações cosmológicas gregas, a
referenciação de uma ideia natural foi decisiva até ao limite da transição para o positivismo,
a ideia de uma ideia natural, ainda que diferentes índoles, só se dá com a afirmação de que
todo o direito se concentra no direito positivo e, com isso, a referência ao direito natural está
incita no direito positivo, ou noutras perceções, a referência ao direito natural passa a ser
supérflua, porque, verdadeiramente, o direito positivo é todo o direito, e aqui verifica-se
essa cisão entre o direito natural e o direito positivo e entramos no positivismo como matriz
fundamental que dominou o pensamento do séc. XIX.
Daí para cá, no contexto, dito pós positivista, as críticas ao formalismo e, de certo modo
mesmo, ao descomprometimento do sentido axiológico que o direito transmita foram
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apresentadas em múltiplas direções. Uma das propostas visa a recuperação do sentido
material do direito, a recuperação de uma axiologia normativa do direito, podendo esta,
também, ramificar-se em diferentes perceções, isto é, nós temos recuperações no sentido do
direito natural, até do direito natural histórico, como, por exemplo, entre nós, sobretudo,
Luís Cabral de Moncava, porque na sequência da sua compreensão de uma recuperação de
uma ideia de direito natural, até jusracionalista, da recuperação da referenciação iluminista
da racionalidade de um jusnaturalismo formal, se gerará uma noção de pessoa que é, depois,
crucial para a compreensão, já mais existencialista, que encontramos em Batista Machado e
para a perspetiva jurisprudencialista, centrando-se no personalismo que vamos procurar
compreender um pouco mais em Castanheira Neves.

Este percurso que marca a transição da primeira para a segunda metade do século XX e
entrada para o século XXI do pensamento jus filosófico da escola de Coimbra, centra-se, de
facto, numa recuperação de uma ideia de axiologia fundamentante do direito, no sentido
material do direito, que segue, pela via da axiologia, da validade que uma racionalidade de
fundamentação mobiliza, embora haja outras possíveis, outras possíveis que, também
assentando na recuperação do sentido material do direito, se concentram decisivamente na
assunção que o direito deve prosseguir fins, porque visa a vida prática, porém, nessas outras
perspetivas, fazendo acentuar a prossecução de fins como critério aferidor da validade e da
viabilidade do direito e, com isso, se há compreensões que recuperam o sentido material
com base numa relação de fundamento a consequência, como esta da racionalidade de
fundamentação que o jurisprudencialismo mobiliza, outras há que vão assentar a relevância
da materialidade na relação meio-fim, portanto, numa racionalidade finalística.

• Kantorowicz, logo na segunda década do século XX, apresenta isto numa obra sobre as
épocas da ciência do direito e faz exatamente esta distinção entre pensamento jurídico
formalista e pensamento jurídico finalista:

- Pensamento jurídico formalista: teremos a continuação da perceção de que o direito deve


ser cientificamente pensado, criado e construído;

- Pensamento finalista - o direito no sentido da persecução de fins, de respostas para a vida


prática, em vertentes mais finalistas, em relação ao direito ou em vertentes mais axiológico-
normativas, que acentuam esta relação de fundamentação e consequência, como é o caso da
perspetiva jurisprudencialista, sobre a que nos debruçamos.

O jurisprudencialismo assume que o direito está ao serviço da prática, mas não é um


teleologismo, um finalismo, porque não vê o direito como estando ao serviço de outras
ordens. É antes uma corrente teleonomológica:

O direito é uma ordem normativa prática, que assenta reflexão axiológica sobre o seu
sentido, e que visa a persecução de objetivos, que integra como sendo objetivos do
direito.

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Para os finalismos, o direito vale em função dos objetivos que prossiga e,
consequentemente, consiga realizar como resultados.

Para a perspetiva jurisprudencialista, o direito vale porque é direito, isto é, porque se


fundamenta num sentido de direito, se relaciona com a realidade e, consequentemente, vai
produzir resultados de direito, como resposta que o direito dá, uma vez refletindo sobre os
estímulos que a realidade lhe apresenta e respondendo juridicamente. O direito, com isto,
mantém uma autonomia material e intencional sem se fechar e, portanto, numa autonomia
relativa, reflexiva, em que recebe os estímulos da realidade e os filtra, como que filtra
critico-reflexivamente, para os traduzir juridicamente e, assim, estabelecer orientações de
conduta, a tal normatividade para a prática. Faz isto, quer respondendo aos estímulos, quer
antevendo eventuais alterações da realidade, o direito não é só uma resposta à história,
também tem uma dimensão prospetiva de conformação da história.
A teologia é um elemento fundamental, porque o direito prossegue fins práticos, mas o
direito não é instrumento da teologia externa, o direito assimila os estímulos que a realidade
lhe transmite, filtra-os para o sentido e linguagem jurídicos, e, depois, prescreve para a ação
as suas determinações, as suas orientações. Isto significa que o direito produz efeitos na
sociedade porque é direito; o direito, por ser direito e por assumir uma certa validade e
normatividade, produz efeitos na sociedade, o que é radicalmente distinto de dizermos que o
direito vale porque produz certos objetivos que a sociedade lhe impõe. Respondendo aos
estímulos que a sociedade lhe transmite, filtrando-os crítico-reflexivamente, do ponto
de vista substancial e formal do direito, depois responde prescrevendo orientações
para a ação.
Com isto, a pressuposição de um sentido normativo material leva, de facto, à identificação
do fundamento, do horizonte referência, e é esse fundamento que nós vemos aqui sob a
espécie de principio normativo, temos uma institucionalização histórica de um sentido, que
não é imposto de fora aos sujeitos de direito, antes, temos a determinação de um sentido que
se vai traduzir como principio normativo, que não é imposto de fora aos sujeitos, não é uma
ordem externa, ontológica, de valor imposto aos sujeitos e a estes impondo um certo sentido
de direito, o direito não é hétero determinado por um absoluto que lhe seja externo (há
autores que hoje pensam o direito assim, como uma concretização histórica sempre
imperfeita de um absoluto histórico que o transcende, alguns jus naturalistas, outros não,
outros veem o ideário de justiça como ideário da humanidade inatingível). O que aqui se
assume é que o sentido fundamentante do direito, o princípio normativo do direito que vai
aqui implicado pela superação do positivismo é construído intersubjetiva e dialogicamente.
O sentido do direito, o seu princípio normativo é construído intersubjetiva e
dialogicamente, na história, e, portanto, a historicidade é-lhe constitutiva, mas isto não
significa que o fundamento do direito seja um meramente contingente resultado de um
consenso, não é um mero consenso em torno de um conjunto de regras que,
contingentemente, podem aplicar-se agora e, depois, deixar de se aplicar pela mera
contingência. Se nós quisermos ver na validade do direito uma ideia de absoluto, de algo
que é indisponível, por ser uma conquista cultural, temos que o ver a ser como um absoluto
histórico, isto é, o sentido do direito só é absoluto porque é um pressuposto fundamental
historicamente construído, não porque seja imposto de fora. No fundo é absoluto no sentido
que é pressuposto, no sentido que há uma construção dogmática histórica que constitui o
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direito culturalmente e com o qual nos confrontamos continuamente na evolução que a
discussão crítica do direito nos impõe, nos exige, enquanto sujeitos responsáveis numa
construção de uma sociedade.
Do mesmo modo que nós tínhamos visto, analogamente à construção que nós vimos, da
ordem jurídica da sua autoridade dogmática, isto é a ideia da pressuposição de um sentido
que não sendo na verdade pressuposta indiscutível é, de facto, um acervo axiológico
indiscutível porque historicamente construído, digamos, a ordem jurídica é um pressuposto
fundamental constituendo e que, de facto, representa uma base dogmática decisiva para a
decisão prática do ponto de vista do direito, isto é o jurista não parte diariamente do 0 para
construir as suas decisões. É desse ponto de vista, a herança histórico-cultural é crucial, não
porque é assumida como uma verdade indiscutível, mas, antes, por que se manifesta como
uma experiência reflexivamente discutida e que se vai dialeticamente entretecendo, ao ponto
de, da sua evolução, se irem, sempre, convocando os pressupostos anteriormente
estabelecidos, discutindo-os para se reconstituirem e, reconstitutivamente, se tornarem aptos
para responder às exigências da prática presente e futura. Significa isto que nós podemos
discordar dos pressupostos, mas dificilmente podemos dizer que eles não existem, porque de
facto, eles estão aí, manifestam-se perante nós ao longo da história, o modo como depois
são discutidos também é diferente, há várias teorias na história, há varias narrações da
história, mas a história está ai, apresenta-se-nos como um conjunto de factos que depois será
tratada de diversos modos, ao ponto de surgirem diferentes discursos e discursos até
alternativos sobre os mesmos acontecimentos. É disto que se trata quando se fala desta ideia
de historicidade constitutiva do sentido do direito e portanto da manifestação do princípio
normativo como um constituendo, como uma normatividade em contínua constituição.

1.2) análise da consciência jurídica geral:

α) o plano da assimilação sócio-cultural e político-social;


b) o plano dos “princípios jurídicos fundamentais”;
c) o plano da dimensão axiológico-normativa última do direito:

αα) a pessoa e a comunidade;


ββ) corolários normativos: princípio da igualdade e princípio da
responsabilidade.

Se o sentido do direito se constitui intersubjetivamente, há que procurar perceber quem


são os sujeitos que o constituem, quem são, onde se encontram, em que tempo se
manifestam:

Neste ponto, o Doutor Castanheira Neves propôs-nos a referenciação da construção do


sentido do direito à pressuposição da ideia da existência de uma consciência jurídica geral.

Consciência jurídica geral é a objetivação histórica cultural da intersubjetividade jurídica e,


portanto, da intersubjetividade partilhada, quanto ao sentido do direito, consciência jurídica
geral num certo contexto e, portanto, num certo enquadramento espacial e temporal, haverá
um consenso, mais alargado ou restrito, em torno do que deva ser direito, quais os seus
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pressupostos e sentido, que estão simultaneamente em continua discussão. Portanto, esta
consciência jurídica geral é uma objetivação histórica, num momento e num espaço, e
continuamente constituenda, daquilo que deva ser direito. A consciência jurídica geral
vai apresentar-se-nos em diferentes níveis constitutivos. Se nós pensarmos a partir de uma
referenciação mais alargada e, por isso, menos específica, no sentido alargado da origem da
construção do que seja em sentido comum para essa consciência jurídica geral o direito.

De facto, se nós pensarmos numa construção do direito a nível comunitário intersubjetivo


(temos aqui, também, que discutir a diferença entre comunidade e sociedade, a partir de
Ferdinand Tunis, comunidade vai exatamente enfatizar o facto de os laços intersubjetivos na
comunidade serem espontâneos, independentes de uma prévia determinação de vinculação
convencionada, ao contrário do que acontece na sociedade, na societas que nós vimos como
artefacto que a modernidade nos confere, ao identificar cada sujeito como indivíduo e a
intersubjetividade politicamente organizada, através de um contrato de sociedade, essa
societas moderna que nós herdámos e com que contamos na construção da ideia de Estado)
mas nessa perspetiva jurisprudencialista vemos conjugar estas duas dimensões, isto é a
consciência comunitária que a intersubjetividade, mesmo a intersubjetividade juridicamente
relevante, pode ser logicamente anterior e independente da existência de um contrato social,
isto é, da consciência imediata e da consequente convenção sobre a juridicidade, e
naturalmente, não abdica da conquista fundamental que essa convencionalidade exige para a
construção jurídico política.
Temos estas duas dimensões conjugadas, uma construção sobre o direito, que conjuga a
dimensão de comunitas com a dimensão de societas, a ideia de que a congregação
intersubjetiva que pode ter relevância jurídica é mais ampla do que a que, pura e
simplesmente, resulta de um consenso de sobreposição, num contexto de construção de uma
societas no nosso tempo.

Conjugando comunidade com sociedade vamos encontrar, nesta perspetiva


jurisprudencialista, um consenso mais formalizado, mas, também, menos formalizado sobre
o que seja o direito, e, portanto, esse consenso, na sua base, num primeiro nível da
consciência jurídica geral, é um consenso em torno de um conjunto de opções e de
compromissos que são juridicamente relevantes, é aquilo que nos leva, em termos culturais
gerais, a dizer “este problema tem relevância jurídica e exige uma resposta do direito”. Isto
não surge do nada, surge da evolução histórica de que somos tributários e com a qual temos
que dialogar, assumindo-a como pressuposto com que nos confrontamos e, portanto, é dessa
discussão que, no primeiro nível, encontramos um consenso alargado em torno de um certo
sentido, isto é, de que existem problemas aos quais se dirigem, intencionalmente, pretensões
com relevância do ponto de visa do direito, que nós vamos encontrar no primeiro nível da
consciência jurídica geral, o consenso em torno de um certo sentido de validade que é
jurídico. Não diria que não existe aqui uma unanimidade, mas há um consenso geral em
torno de.

Este nível ainda é, de certo modo, empírico contingente, consenso em torno de, mas a
consciência jurídica geral não se fica apenas neste primeiro nível, vamos depois encontrar
um segundo nível de direitos e princípios fundamentais, que nos estados constitucionais do
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nosso tempo vemos consagrados nas Constituições, e depois um terceiro nível, um nível
último de referenciação da validade do direito, que é exatamente correspondente ao
reconhecimento intersubjetivo da pessoa enquanto sujeito com ineliminável dignidade ética,
enquanto pressuposto, que não faz do direito uma ética, porque exige que esse sujeito-
pessoa seja, simultaneamente, titular de autonomia e de responsabilidade, uma sem a outra
implicaria que já não estivéssemos deste ponto de vista perante direito.

Neste ponto em que nos encontramos, no primeiro nível da consciência jurídica geral, há
que perguntar pelas razões da passagem ao segundo nível:

A projeção no segundo nível de consciência jurídica geral já exige alguma


institucionalização, mesmo no nosso tempo, que tem que ver com a positivação de
princípios e direitos fundamentais, que nos Estados constitucionais se assumem como
princípios, direitos e deveres fundamentais (é aqui que encontramos, por exemplo, o
princípio do Estado de direito, da liberdade, da igualdade…).

Mas ainda não temos, aí, o referencial último do sentido do direito nesta perspetiva, essa
ainda não é a última linha da consciência jurídica geral.

Há um referente pressuposto de sentido, para lá desse, que tem que ver com, no 3º nível da
consciência jurídica geral, a identificação do horizonte de referência de validade - o que é
que dá validade ao direito?

O que dá validade ao direito é o reconhecimento decisivo e recíproco da pessoa como


horizonte último da fundamentação do direito.
O reconhecimento axiológico da pessoa é fundamental, mostra-nos que esta não é uma mera
entidade antropológica, é uma verdadeira aquisição axiológica, o que faz com que possamos
distinguir indivíduo de sujeito e de pessoa:

- Indivíduo como aquela dimensão indivisa, pressuposto autónomo que eventualmente se


relaciona com o outro;
- Sujeito que é, de facto, um ator, mas pode não ser livre;
- Pessoa, como sujeito com eliminável dignidade ética, autonomia e responsabilidade.

O facto de se considerar a pessoa como uma aquisição axiológica mostra-nos que estamos
a falar de um conceito cultural de pessoa, há uma pressuposição de valor na ideia de pessoa,
implica toda a dimensão cultural.

Reconhecendo a pessoa como um sujeito com ineliminável dignidade ética, implica


reconhecermos que o direito tem um pressuposto ético. Ao mesmo tempo, como estamos a
falar da pessoa jurídica, têm de estar presentes a dimensão da autonomia e da
responsabilidade, em simultâneo, uma sem a outra implicaria que já não estivéssemos
perante direito.
Esta pessoa não vive sozinha, não faria sentido falar de direito se não houve mais do que
uma pessoa.
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Os problemas que exigem do direito uma resposta são problemas que não admitem
permanecer na indefinição, a questão é o tipo de problema e a relação que estabelece com o
sentido do direito que se encontra vigente, num determinado contexto cultural.
Para percebermos a relação entre a pessoa e a coletividade em que se insere, temos que
acrescentar esta ideia de comunidade que vai conjugar comunidade com sociedade e que
implica, desde logo, que nós não vivamos isolados e que nas nossas vidas nos encontremos:

• Dos mais mais diversos pontos de vista, não só do jurídico, a comunidade é condição da
pessoa, é condição de existência: a nossa subsistência implica uma certa dependência
relativamente aos outros, especialmente no inicio da vida.

• Para além disto, a comunidade é, também, condição empírica: é na complementaridade


das tarefas, cultural, do contributo para a construção de uma certa comunidade que nos
leva a dizer que temos uma condição empírica, que não somos pessoas senão através da
comunidade, também deste ponto de vista organizacional.

• Por último, é condição ontológica: o nível de ser que atingimos enquanto pessoas
dependem muito das trocas de sentido e comunicativas que estabelecemos uns com os
outros.

O polo suum (eu pessoal, proprium) e o princípio suprapositivo de igualdade:

a) Implicação axiológico-normativa negativa: Neminem laedere (coexistência)


b) Implicação axiológico-normativa positiva: pacta sunt servanda (convivência)

Ver a pessoa na comunidade, neste sentido jurídico, vai levar-nos a por questões cruciais:

Mobilizando a ideia de que não vivemos isolados e, simultaneamente, nos apresentamos


como sujeitos com autonomia perante a comunidade, conclui-se que a pessoa é parcialmente
autónoma e parcialmente dependente da comunidade. Esta autonomia parcial e parcelar
apresenta-se-nos, do ponto de vista jurídico, na confrontação dialética entre autonomia e
responsabilidade.
A pergunta que se põe é: Quanto é juridicamente exigível? O quê, e até que ponto se pode
reciprocamente exigir juridicamente, num certo contexto? - O que é a autonomia e o que é
a responsabilidade? Quanto de autonomia e quanto de responsabilidade é
juridicamente exigível?

Aqui chegamos a dois corolários normativos que nos vão permitir discernir o que é e o que
não é juridicamente relevante, em cada contexto:

- Princípio da igualdade na afirmação da autonomia;


- Princípio da responsabilidade: dimensão de responder perante o outro.

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Estas duas dimensões vão levar-nos a identificar a relação dialética que o sujeito estabelece
com a comunidade e as relações que os sujeitos estabelecem na comunidade entre si, a
distingirmos um polo de afirmação do eu pessoal, e um polo de integração comunitária, que
é onde encontramos a responsabilidade.

Se pensarmos em termos do liberalismo e do positivismo, verificamos que o espaço


ocupado pela dimensão da individualidade ocupa bastante mais espaço do que o polo da
responsabilidade. Na perspetiva jurisprudencialista, propõe-se um equilíbrio continuamente
discutível e constituendo entre uma e outra das dimensões. Aqui está a dificuldade que
vamos encontrar quanto ao conteúdo e quanto à forma do que seja juridicamente relevante.
Acentua-se, desde já, que está aqui em causa, sobretudo, tomar consciência da diferença
entre os polos e perceber o modo como esta perspetiva propõe que se delimite a forma e as
suas fronteiras:

Na afirmação do Eu pessoal:

O direito está limitado no modo como interfere no eu pessoal de cada um, há dimensões
nas quais o direito não toca - há uma zona de discrição em que o direito não toca. Depois, de
um ponto de vista mais positivo, numa implicação axiológico-normativa positiva, temos já
uma ideia de convivência que resulta da atuação no âmbito da autodeterminação de cada
sujeito - princípio pacta sunt servanda - os sujeitos vinculam-se livremente no exercício da
sua autodeterminação a nível privado.

No polo da integração comunitária:

Encontramos aqui um princípio de responsabilidade, fala-se de um princípio suprapositivo


porque é manifestação da fundamentação última do direito, não depende de estar positivado
na lei. O princípio da responsabilidade é um princípio essencial deste tipo, a ausência da
delimitação da responsabilidade põe-nos muitos problemas: se afirmarmos apenas a
autonomia sem responsabilidade sabemos que podemos estar a por em causa autoria do
outro e, tão importante quanto isso, é saber até que ponto é que somos juridicamente
responsáveis pelo outro. De facto, no Direito, a responsabilidade pelo outro, no nosso
contexto cultural, não se coloca no mesmo ponto em que se coloca a responsabilidade pelo
outro, do ponto de vista ético-moral: Ex.: caridade. Quando estamos a falar de um dever
jurídico, não estamos a falar de um dever moral.

O pólo do commune - princípio suprapositivo de responsabilidade:

a) Implicação axiológico-normativa negativa - princípio do mínimo e princípio da


formalização

Na delimitação do juridicamente exigível vamos encontrar, quanto ao conteúdo, o


princípio do mínimo e, quanto à forma, o princípio da formalização:

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Tomando nós a relação dialética entre autonomia e responsabilidade como o cribo
fundamental para delimitar o que é juridicamente relevante e exigível, temos de procurar
estabelecer a fronteira dessa exigência e essa fronteira implica um certo conteúdo. Portanto,
o princípio do mínimo, o que nos vai mostrar é uma tentativa de resposta à pergunta “Qual é
o conteúdo do juridicamente exigível?” E a própria resposta será no sentido de que o
conteúdo do juridicamente exigível será aquele que for essencial e só esse, para garantir a
realização da autonomia de um sujeito e da autonomia dos outros sujeitos em termos de
proporcionalidade societariemente adequada. Assim, as limitações ao exercício da
autonomia do sujeito serão aquelas que sejam cruciais para o desenvolvimento da
autonomia dos outros sujeitos - Princípio do mínimo - O juridicamente exigível é o
conteúdo que seja exatamente essencial para que, reciprocamente, o outro sujeito com que
me relaciono possa desenvolver a sua autonomia. Este princípio representa uma limitação às
limitações que a responsabilidade nos pudesse impor. Aqui temos, por exemplo, o princípio
da proporcionalidade em sentido amplo.

Quanto à forma, temos o princípio da formalização, que significa a tradução num esquema
reconhecível daquele conteúdo exigível. Por exemplo, o princípio da legalidade criminal é
uma manifestação do princípio da formalização, porque o conteúdo daquilo que é
juridicamente exigível do ponto de vista criminal é exatamente aquele que estiver
consagrado nas normas jurídicas que estabelecem crimes e estritamente no modo por que
essas normas se dirijam à realidade e, do ponto de vista da forma, este princípio exige que
qualquer ação ou omissão que deva ser reconhecida como crime deva sê-lo estritamente, se
e quando, haja lei, prévia e certa, que determine essa ação ou omissão como crime, sem
isso, não é possível reconhecer uma ação ou omissão como crime.

Isto leva a que reconheçamos do lado da responsabilidade, vários tipos de responsabilidade:

b) Implicação axiológico-normativa positiva: modalidades da responsabilidade jurídica:

1. Responsabilidade perante as condições gerais da existência comunitária:


1.1 responsabilidade da preservação;
1.2 princípio da corresponsabilidade (strictco sensu - honeste vivere);
1.3 responsabilidade de contribuição;
1.4 princípio da solidariedade - suum quique tribuere.

2. Responsabilidade por reciprocidade:


2.1 Comutativa em geral
2.2 Contratual em particular - executio iusti

3. Responsabilidade pelo equilíbrio da integração - hominis ad hominem proportio

Modalidades da responsabilidade jurídica

• Responsabilidades perante as condições gerais da existência comunitária: Encontramos a


responsabilidade da preservação, traduzida no princípio da corresponsabilidade - quanto
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ao direito penal, somos todos corresponsáveis pela realização dos bens jurídico-
penalmente relevantes e, portanto, somos todos corresponsáveis por que oestes bens sejam
protegidos, logo, todos respondemos perante todos se algum violar esses bens - ideia da
linha ascendente da ordem jurídica, da justiça geral como honeste vivere;

• Responsabilidade de contribuição, traduzida no princípio da solidariedade. Ex: a


obrigatoriedade de pagar impostos e depois traduzida na distribuição suum quique
tribuere;

• Responsabilidade por reciprocidade, comutativa geral e contratual em particular;

• Responsabilidade pelo equilíbrio da integração - homens ad hominem proportio - que


também convoca a ideia de justiça distributiva.

2. O princípio normativo e outras intenções alternativas.

2.1) Referência ao valor segurança no quadro global da axiologia jurídica;

2.2) O desvio do finalismo jurídico;

2.3) A hipótese de “alternativas radicais” ao próprio direito:

a) uma ordem de poder (ordem de necessidade);


b) uma ordem científico-tecnológica (ordem de possibilidade);
c) uma ordem política (ordem de finalidade).

A referência à distinção entre o princípio do mínimo e o princípio da formalização é


importante para, agora, podermos pensar o princípio normativo do direito, neste horizonte
axiológico, para vermos no direito, de facto, uma referência axiológica que vai exigir-nos
uma relação fundamental entre justiça e segurança (só a justiça, sem segurança, não nos
levará ao direito, nem vice-versa), para, depois, nos podemos concentrar nas alternativas
radicais ao próprio direito (sumariamente), porque se virmos os desvios ao finalismo
jurídico, estes permitem-nos identificar várias situações em que podemos ter ordens
eficazes, até eficientes, que garantam uma sociedade pacífica, porém, não seriam por nós,
nesta compreensão, reconhecidas como direito e, portanto, seriam alternativas radicais a
ele.

O princípio normativo vem propor pensar o sentido do direito conjugado com, mas
também autonomamente das outras dimensões que a sociedade nos apresenta e com que o
direito, decisivamente, se relaciona, até para ser direito.

O direito não se sacrifica acriticamente às imposições da sociedade, antes, ele tem


uma função na sociedade e produz efeitos na mesma, porque é direito, portanto, em
13
confronto com a sociedade e com essas outras dimensões, dialogando com elas, partindo da
sua própria perspetiva e densidade normativa e axiológica. Ha uma racionalidade jurídica
que exige o tratamento especificamente jurídico das propostas externas. É nesta conjugação
dialética que falamos de uma autonomia relativa do direito, do ponto de vista do seu sentido
material.

Validade enquanto categoria no jurisprudencialismo

Aula de 17/03

A aula de hoje tem como principal objetivo uma reflexão sobre um texto, publicado
pelo Dr. Castanheira Neves, que é uma síntese fundamental de pensamento que nos propõe,
sobretudo quanto ao problema da fundamentação material do direito, que é uma questão que
aqui nos tem guiado desde o inicio, já que nos propusemos a refletir sobre uma questão
prévia à operatividade prática do direito enquanto ordem normativa e que é a questão “Quid
Ius”. No fundo, o que o direito com as perguntas associadas “por que o direito” e “para que
o direito”

Doutora: Essa ideia da autonomia, da fundamentação do direito é realmente aqui muito


forte, muito decisiva porque implica que pensemos o direito como uma manifestação
autónoma da construção civilizacional em que nos inserimos e portanto a partir de certa
altura é autonomizada a reflexão sobre a moral, sobre a ética, sobre a religião e com uma
construção de validade própria, essa é a proposta que essencialmente aqui está em causa na
construção que o Dr. Castanheira Neves nos apresenta.
Aluno: O Dr. Castanheira Neves contrariamente às outras conceções encara o direito como
sendo um sistema aberto em que o direito comunica com as várias áreas do saber e está
aberto a vários tipos de solução e não se restringe apenas ao direito positivo, nem se
restringe à sua fundamentação, ao próprio direito positivo, nem numa ordem propriamente
superior como faz o jusnaturalismo.
Doutora: A ideia de direito positivo que está aqui a mobilizar e bem, vai na perspetiva do
senhor Dr. Castanheira Neves significar direito vigente, isto é, a positividade do direito é a
vigência, o senhor doutor diz-nos mesmo que a positividade é outro modo de dizer a
vigência. Se nós procurássemos mesmo em termos etimológicos, semânticos, a positividade
é qualidade daquilo que é positivo e ser positivo neste contexto muito especifico significa
estar em vigor, e portanto, ser válido e eficaz, ser vigente, porque podemos ainda distinguir
este sentido do direito ser positivo, do direito positivado sob a forma de lei - nem todo o
direito positivo tem de estar positivado sob a forma de lei, por exemplo, as decisões
judiciais proferidas na resolução de casos constituem direito positivo, já que se impõem
vinculativamente aos sujeitos aos quais se dirigem, por vezes até a terceiros, dependendo do
tipo de decisão judicial em causa e, portanto, são direito vigente, efetivam o sistema jurídico
na relação com os problemas e são, por isso, direito vigente, podíamos dizer neste sentido
mais amplo o direito positivo. Coisa diversa é dizer que o direito positivo é o direito
positivado, como de certo modo as perspetivas positivistas afirmam, na medida em que
14
consideram que o direito não é só aquele que esta escrito sob a forma de lei, porque também
encontramos construções formalistas, não positivistas legalistas, nos sistemas de common
law. Vendo nas decisões judiciais vinculantes critérios que se impõem vinculativamente aos
casos análogos futuros e que se impõem, muitas vezes até, extraindo-se as suas racciones
dicidendi, para através delas criar autênticos enunciados gerais e abstratos como se de
normas escritas se tratasse, de modo a poder aplicar se lógico dedutivamente o sentido de
decisão ao caso análogo futuro, que passa a ser presente quando acontece.

Isto teria de ver sobretudo com uma certa compreensão positivista que vem até da
estrutura da teoria linguística de Languedele que acaba por propor que para a ciência do
direito haja a convocar estra construção formalista que depois os movimentos superadores
na viragem para o século XX, ainda na década de 80 do século XIX com um juiz norte-
americano famosíssimo Oliver Wendel Olmes, as dimensões pragmáticas, mais fortemente
do que isso até pragmatistas, passam a entender que o direito é de facto formal neste sentido
e devem ser retiradas as racciones dicidendi dos precedentes judiciais, mas na sua aplicação
há que ter em conta, para lá dessa construção lógica dedutiva, os objetivos que através da
mesma se pretendem atingir e esta conjugação entre formalismo e pragmatismo vai
implicar, por um lado a superação do formalismo do século XIX, e por outro influir em toda
a ciência do direito anglo-saxónico até hoje, ao ponto de ate á distinção de casos fáceis e
casos difíceis também resultar do problema da relação entre o tipo de problema que se nos
apresenta, o tipo de caso, e a relação que este estabelece com o enunciado textual do
precedente, mesmo que nós estejamos num sistema de legislação, que será a norma.\

Agora tornam-se mais percetível as diferenças entre o sistema de legislação, o


sistema de common law e os diferentes modos de racionalização do direito que ao mesmo
tempo que se distinguem também se aproximam. Efetivamente, quando assumimos que o
direito positivo é o direito vigente, estamos a passar para lá da referência estrita ao direito
positivado sobre a forma de lei e, portanto, parece-me que é crucial esta compreensão para
podermos dialogar, para cá do positivismo, com as compreensões nossas contemporâneas.

A relação que o direito estabelece com as outras dimensões da sociedade, a


economia, a politica, a tecnologia, a biologia, a ética… implica que por um lado o direito se
relacione com elas, esta autonomia constitutiva e de fundamentação não é uma autopoesis
no sentido formalista em que outros autores, nomeadamente Niklas Luman, a propuseram,
há vinte anos e, portanto coisas muito recentes, não é então esse enclausuramento, mas é,
antes, uma relação dialética entre o direito e a realidade, que leva a que a manutenção e a
construção da ideia de autonomia material, que aqui neste texto está enfatizada, seja
construída através de uma diferenciação dialogante, isto é, o direito relaciona-se com a
realidade, analisa os impulsos que a realidade lhe apresenta e não irá instrumentalizar-se a
essa realidade, isto é, não estamos perante uma compreensão que assuma que o direito é
tanto melhor quanto mais atingir os objetivos da economia ou da tecnologia, mas antes
numa construção que implica uma confrontação crítico-reflexiva entre esses modos de
apresentação da realidade e um certo sentido que o direito vai, historicamente, constituindo,
num certo contexto. Daí que nós tenhamos, por um lado, a resposta do direito a, muitas
vezes, não corresponder exatamente aos objetivos que lhe são imposto de fora e, por outro
15
lado, também, a conceção que a resposta do direito pode não coincidir com outras ordens
normativas que sustentam outras dimensões da vida intersubjetiva, isto é, que o direito não
vá fundamentar-se diretamente na ética ou na religião ou na moral ou em outro código de
conduta, que não a própria construção cultural da ideia de direito e, aqui, somos tributários
da transição para a modernidade. O que leva a que a autonomização da fundamentação do
direito ocorra, em termos históricos, é a cisão com a construção da fundamentação
transcendente, que depois vai conduzir, também, progressivamente, à cisão de direito
natural e direito positivo. O direito natural foi fundamental para construir essa
fundamentação do direito, desde o fundo da antiguidade clássica, até ao final da Idade
Moderna, ao longo das suas diferenças que nós analisamos primeiro do modo cosmológico,
depois onto teológico (ateísta mesmo) e depois já humano, porque o renascimento e a
modernidade trazem essa cisão fundamental em que o direito natural deixa de fazer
referência a um terceiro plano de referência teísta, para se cingir à construção racional
humana, vai ele próprio progressivamente confluir na relação entre o conteúdo de validade e
a positivação, e chegamos ao positivismo.

Outras reflexões sobre a pressuposição de uma validade constituenda como horizonte


de referência da própria construção da Constituição em relação ao estatuto jurídico do
político:

Aluno: Podemos dizer que a concessão de validade aqui apresentada no texto é bastante
diferente daquela que é apresentada por Kelsen, em que a validade encontra-se nas normas e
assim sucessivamente, a validade depende em si, do próprio direito positivo segundo
Kelsen, mas a conceção jurisprudencialista concebe essa validade de maneira diferente.

Doutora: Quando diz que a validade do direito, em Kelsen, depende do próprio direito
positivo, como é que nos apresenta a relação entre essa ideia de direito positivo e a
referência da validade do direito, em último termo, à norma fundamental?

Aluno: A Constituição atual valida-se tendo em conta a anterior. Voltamos atrás até
chegarmos à primeira Constituição feita, em que é que se valida essa primeira constituição?
Na minha opinião é um erro do pensamento de Kelsen, não sabemos bem em que é que
ficamos, porque a validade remonta à Grundnorm, mas o que é que fundamenta a primeira
constituição? Não sabemos bem.

Doutora: O que nos temos em Kelsen é uma recuperação da ideia de direito em Kant e
como, sendo o sistema jurídico, em Kelsen, composto só por normas, normas em relação
com normas, numa estrutura hierárquica, o que acontece é que a Constituição não é o vértice
da pirâmide, o vértice da pirâmide vamos encontrá-lo nessa ideia de norma fundamental ou
Grundnorm, todas as normas do sistema são criadas exceto a Grundnorm, que é uma norma
pressuposta, ou seja, é uma forma pura, à priori, é a própria intuição da ideia de direito de
que nós já falamos, quando nos referimos à formalidade da compreensão do jurídico e à
necessidade de considerar que o direito positivo, em Kant, é fundamentado num direito
natural que não é perpassado pela experiência, é uma forma pura á priori e, portanto, é um
pressuposto racional. Essa Grundnorm é uma referência ao pressuposto racional da ideia de
16
direito neste sentido. Outros autores irão falar da ideia de direito noutros sentidos, autores
que são inspirados por Kant, só que vão assumir a construção de direito já num ponto de
vista mais material, até na ideia de regresso a um direito natural histórico, mas no caso
especifico de Kelsen, a construção do sistema depende exatamente desse hierarquização e
da suposição racional da Grundnorm, a qual e, concretamente, na tradução que o senhor
doutor Batista Machado nos deixou de teoria pura de Kelsen, essa Grundnorm é ela própria
formal, no sentido de que determina que deve obedecer-se à primeira constituição como
obrigatória, a constituição não é um referente último, o referente ultimo é a Grundnorm,
mas a Grundnorm remete formalmente para o pressuposto que a primeira constituição é
válida e, com isso, fecha o ciclo, o que realmente valeu a Kelsen muitas críticas.

Capitulo II – O modo-de-ser do direito

1. Modalidades de existência;

2. Modalidades normativas: direito objetivo e direito subjetivo;

3. A objetivação da normatividade jurídica – o sistema jurídico;

4. As fontes do direito.

Temática a abordar:

- A análise do modo de ser do direito: o que significa dizer que o direito é positivo, que
está aí e se nos impõe? ; o que lhe dá força para se nos impor?; Qual o conteúdo dessa
imposição?
Porque vimos já, por várias vezes, e por várias razões, que o direito não se nos impõe
apenas pela sua força vinculativa, que resulta do carácter sancionatório, mas, antes, o direito
visa ser vigente, através do cumprimento espontâneo das suas prescrições, o que significaria
que os sujeitos que, simultaneamente, são seus destinatários, mas também são elementos da
comunidade que o constitui, se identificam, ainda que critico reflexivamente, com o sentido
material dessas prescrições.

Não é apenas o carácter sancionatório do direito, o direito se é uma ordem normativa


constitutiva de um certo tipo de intersubjetividade jurídica, numa comunidade jurídica,
então, visa de facto, pela positiva, inspirar a ação dos sujeitos aos quais se dirige e que estão
na sua origem, e não apenas impondo-se pela força, embora a existência da sanção, seja ou
não coercitiva, se nos apresente como o referente limite da diferenciação do direito
enquanto ordem normativa.

17
Introdução à temática:

Se até aqui nos propusemos, primeiro a analisar o direito como fenómeno e, depois,
perguntar pelo seu sentido (ou diríamos, perguntamos pelo seu sentido, inicialmente,
dissemos que o faríamos, como o senhor doutor Pinto Bronze nos diz, logo na primeira
lição, em termos maiêuticos, partindo do saber do não saber do direito, que os nossos
interlocutores trazem (que uma vez querendo ser juristas já consigo trazem também um
certo sentimento de juridicidade) e, partindo dessa primeira análise, avançámos da
estrutura para o conteúdo) - análise da insuficiência objetiva e normativa da ordem
jurídica.
Depois dessa compreensão do direito como fenómeno, da análise da ordem jurídica
enquanto manifestação objetiva do direito, passámos para a análise do conteúdo do direito
e é isso que nós vamos fazer, aliás, quando entrarmos no sistema jurídico o que diremos é:
o sistema jurídico é a organização interna da ordem jurídica, aquilo que nós externamente
vemos como ordem jurídica, a tal estrutura que nos impõe, é internamente, quanto ao
conteúdo, um sistema, vamos ver de dentro aquilo que já tínhamos analisado de fora. Ainda
antes disso, duas notas mais, quanto ao modo de ser do direito, nós vamos analisar agora o
modo de ser enquanto modalidade existência e modalidades normativas, depois ainda o
modo de ser quanto ao sistema, como é que o direito é por dentro e depois o modo de ser do
vir a ser, como é que o direito se constitui, ou por outras palavras, como é visto o problema
das fontes do direito - 3 passos fundamentais na análise do modo de ser do direito

Modalidade de existência, modalidades normativas

O direito se diz o dever ser, não passará de um voto ideal se esse dever ser não for
cumprido e, portanto, o cumprimento é essencial e é, de facto, garantido pela exigência da
sancionabilidade. O direito não é um mero ser, é um dever ser, mas não é, também, um
qualquer dever ser, não é uma ordem deontológica sem efetividade prática, não, o direito é
um dever ser, ao qual compete ser, um dever ser que é, como nos diz o senhor doutor
Castanheira Neves.
A questão está agora em saber o que é que dá valor, o que é que sustenta, qual é o
por quê, o fundamento desse dever ser - este é o problema da validade do direito, do
fundamento da mesma, do qual depende a vigência:

O modo de ser especifico do direito, quanto à sua existência é a vigência, que não é
senão outro modo de dizer a positividade jurídica, a positividade é, então, outro modo de
dizer vigência e a vigência do direito é, afinal, paralela à global vigência da cultura, assim
como a cultura se vai dialeticamente desenvolvendo, também o direito se vai dialeticamente
desenvolvendo, relacionando com a realidade e os sujeitos nela e, assim, oferecendo
respostas distintas, consoante a valoração que faz dessa realidade.

Vimos já perfuntoriamente no primeiro semestre, quando analisámos a superação do


positivismo que, se para a perspetiva positivista a juricidade era definida pelo sistema e,
portanto, o direito é que determinava unilateralmente o que é juridicamente relevante, o
18
sistema pré-definia a juricidade e, portanto, determinava o juridicamente relevante, ao ponto
de o que estivesse previsto no sistema ser juridicamente relevante e o que não estivesse
previsto em último termo (salvo 2 possibilidades metodológicas) não seria juridicamente
relevante, no limite se o facto de em todo não fosse suscetível de ser subsumido uma
estrutura do sistema, norma ou conceito, ou principio, pior para o facto, seria considerado
juridicamente irrelevante.

A viragem que a superação do positivismo traz, (isto logo nos finais do século XIX
inícios do século XX) já propõe que o caso, enquanto problema posto ao direito, seja o
ponto de partida e, aqui, temos verdadeiramente uma alteração radical de perspetiva,
deixamos de ver a acentuação da definição da relevância jurídica do lado do sistema, para
passarmos a vê-la a partir do caso, problema, isto leva a que a relação dialética que se
estabelece entre a realidade e o sistema se inverta, o ponto de partida deixa de ser o sistema
e passa a ser o caso. É o caso, no seu tipo, no tipo de problemas que põe, que interpela o
direito. É claro que aqui é muito difícil quem nasceu primeiro, porque, verdadeiramente, nós
só concluímos pela relevância jurídica de um problema, porque esse problema interpela o
sentido do direito que entretanto historicamente vem sendo constituído. A grande novidade é
que a relevância jurídica do problema vai progressivamente deixar de estar ou não estar
previsto no enunciado literal de uma norma, na hipótese de uma norma - Esta é a grande
viragem, a grande conquista que permite a superação do positivismo, para quem abraçou
essa via, como é o caso da perspetiva jurisprudencialista.

Se estamos a falar da vigência da cultura como horizonte da intersubjetividade, em


geral, assim, também falaremos do sentido do direito, como instância reguladora dos
problemas juridicamente relevantes, como seu um modo de ser, vigência. Vigência na
confluência entre validade e eficácia - o direito é um dever ser que é e, portanto, a vigência
é a subsistência histórico-social da normatividade jurídica.

! A vigência, enquanto essa manifestação cultural da existência do direito, é composta


por duas dimensões: Uma dimensão axiológica, a validade, e uma dimensão empírica ou
factual, de operatividade prática, a eficácia: a validade, o direito é um dever ser, a eficácia,
que é.

Aula 18/03

Estamos a considerar o sentido da vigência do Direito, em termos formais e em termos


normativo-substanciais.

A análise que estivemos a fazer, que vinha já no seguimento do modo como


tratámos o problema da relação entre o Direito e a realidade, levou-nos a distinguir,
no âmbito do modo de existência do Direito como vigência, 2 faces da modalidade
de existência como vigência:
! Validade;
! Eficácia.
19
Já que essas 2 dimensões, que constituem a vigência, confluem para o Direito
efetivamente seja presente como ordem normativa e como ordem normativa eficaz
na comunidade a que se dirige.
Significa isto que a vigência que estamos a falar implica essas 2 faces em
simultâneo – validade e a eficácia – a face ideal, axiológica, de afirmação normativa
de valores comungados num contexto específico e a face empírica ou factual de
operatividade prática, de relevância social e sociológica, respetivamente.
O Direito é um dever-ser, enquanto ordem de validade, e um dever-ser que é, ao
qual compete ser, e esta efetivação corresponde à nota da eficácia.
O Direito não existe como uma pura idealidade, o Direito visa ser efetivo na
realidade. Neste sentido, se considerássemos como dimensão essencial exclusiva ao
Direito a validade, teríamos uma ordem normativa ideal a que poderia não
corresponder (porque não corresponderia como nota essencial) a eficácia. Isto
acontece por várias razões:
! Sabemos que o Direito se distingue de outras ordens normativas, essas sim
de manifestação ideal, ou pelo menos sem a nota da efetividade que o Direito
visa atingir (sem o qual não é efetivamente direito), p.e., as ordens ético-morais,
na medida que a afirmação de validade que apresentam pesa, embora, preveja
também consequências para o seu cumprimento e o seu incumprimento, não se
considera, aí, haver uma eficácia de um modo sociatariamente relevante que a
eficácia do Direito manifesta. Isto não é equivalente a dizer que não há quaisquer
construções normativamente relevantes do ponto de vista ético-moral.
Dizermos que o Direito não é uma mera ordem ideal e, de certo modo, a
relevância da dimensão axiológica de validade é dominante noutras ordens
normativas, como seja a ordem moral, não significa que essas ordens não tenham a
sua efetividade. Só que essa efetividade não é comparável com a efetividade que o
Direito pretende ter, e daí o carácter sancionatório absolutamente diverso.
Do ponto de vista subjetivo, podemos, muitas vezes, concluir que a consequência
do incumprimento de um critério ético-moral pode ser mais gravoso para quem a
sofre do que uma consequência jurídica. Mas o nosso crivo, do ponto de vista do
Direito, não é esse: O que está aqui em causa é a determinação de um padrão
adequado intersubjetivamente (isto é meramente contextual, i.e., não podemos
considerar que aquilo que num certo lugar é fundamental do ponto de vista jurídico,
o será necessariamente em qualquer outro lugar).
Portanto, esta ordem normativa que o Direito constitui e que visa efetivar-se é
sempre constituenda (historicamente constituenda) e está em contínua discussão,
quer do ponto de vista da sua validade, quer do ponto de vista da sua eficácia. Claro
que a confluência de reflexões em torno das prescrições vigentes é fundamental para
garantir quer a validade quer a eficácia do Direito.
20
Isto também nos leva a concluir, por outro lado, se uma norma for muito eficaz
em virtude de ser muito célere e eficiente, o processo de aplicação das sanções que
estabelece não nos garante que estejamos perante uma norma de Direito, i.e., o
Direito não se caracteriza exclusivamente e não é garantido prima facie pela sanção.
O objetivo do Direito, enquanto ordem conformadora da intersubjetividade
societariamente relevante, é de que os sujeitos a que se dirige, que simultaneamente
são autores das suas prescrições, se conformem por concordância substancial com
essas prescrições. Neste sentido, nós temos um Direito que será tanto mais válido e
tanto mais eficaz simultaneamente, quanto menos, no limite, dermos por ele, i.e., se
o cumprimento das prescrições normativas resultantes da reflexão sobre a validade
do Direito se traduzir em cumprimento espontâneo e, portanto, numa eficácia que
não depende da convocação contínua das sanções quando haja incumprimento.
Então aí teremos um Direito vigente no seu sentido pleno – válido e eficaz sem
necessidade de recurso permanente à sanção.
De facto, a sanção é um mecanismo fundamental e, por isso, característico do
Direito, no entanto, não define a natureza do Direito. O Direito é caracteristicamente
sancionatório mas a sua dimensão de ordenação normativa não depende, do ponto de
vista substancial (do ponto de vista da reflexão sobre os comportamentos e da
orientação normativa para os comportamentos), da sanção. A sanção é uma
característica crucial, mas não define o conteúdo do Direito.
O Direito é uma ordem normativa substancial que usa, para a sua efetivação, a
sanção. Portanto, a sanção é um meio ao serviço da efetivação da ordenação
normativa que o Direito pretende conferir a uma sociedade.
Com isto, temos uma continua dialética entre a validade e a eficácia porque a
verdade é que, se o Direito, tal como a cultura, pretende ser vigente (embora o
pretendam em sentidos diferentes), essa vigência resulta desta constituenda dialética
contínua entre a dimensão da validade e a dimensão da eficácia. E isto pode ser
clarificado/explicado mais claramente ainda, convocando a prática, se nós nos
recordarmos de que, o que confere sentido e valor às prescrições normativas é a base
axiológica em que se fundamentam, mas ao relacionar-se com a realidade nós vamos
verificando que aquilo que comprova a validade do Direito e, neste sentido, a sua
específica contrafactualidade é, por um lado, alguma elasticidade quanto ao
cumprimento e incumprimento das suas prescrições e, consequentemente, a
referência à sanção como meio de efetivação da validade e da eficácia do Direito,
p.e., nós compreendemos a essencialidade da proteção da honra, da integridade
física, do património, e sabemos que essa proteção é crucial para a manutenção de
uma convivência pacífica, mas também sabemos que o Direito admite (é uma
determinação de orientação normativa, é uma questão de válido/ válido, justo/
injusto, lícito/ilícito), ao definir licitude, necessariamente, a ilicitude.

21
E, portanto, nós sabemos da validade e da manutenção da validade da honra, da
vida, da integridade física, do património, mesmo quando nos confrontamos com
crimes de difamação, de homicídio, de ofensa à integridade física ou de dano. Quem
fala destas agressões do ponto de vista jurídico-penal, que correspondem à reação
mais grave que o ordenamento jurídico apresenta para as agressões mais graves aos
bens que são mais valorizados e, por isso, jurídico-penalmente relevantes, sabe
concluir que, de facto, o que garante a validade e eficácia serem a vigência do
Direito é, não tanto que necessariamente a realidade se conforme com as suas
prescrições, mas que:
1º – Essas prescrições visam a orientação da convivência pacífica e têm uma
base de sustentação intersubjetiva que lhe garante validade;
2º – Perante a violação das suas prescrições garante, contrafactualmente, a
validade dessas prescrições, através da efetividade da aplicação das sanções

[Elasticidade do cumprimento das prescrições do Direito: Em termos gerais, o


facto do Direito prever prescrições para a nossa conduta não significa que:
! Não haja condutas contrárias ao prescrito – tem que ver com a violação de
normas e consequente aplicação de sanção
! Não haja condutas que, enquadrando-se dentro do que está prescrito, não
correspondem, ipsis verbis, à prescrição – violação de normas e consequente
aplicação de sanção (modelação em função da gravidade da violação da norma
jurídica) ou a não aplicação de sanção
Por outro lado, se o Direito estabelece prescrições normativas imperativas,
aquelas que não admitem qualquer estabelecimento diverso nas relações
intersubjetivas concretas, também estabelece regras ditas dispositivas, i.e., aquelas
em que confere um enquadramento, dentro do qual os sujeitos, no âmbito da
disponibilidade dos seus direitos, podem articular, em concreto, nas suas relações
intersubjetivas (na sua autodeterminação), o conteúdo efetivo que corresponderá aos
direitos e deveres estabelecidos nessas mesmas relações. p.e, a lei não define quais
são os objetos de negócio jurídico possíveis, mas define os que não são admissíveis:
• Art. 280.º CC – a determinação da nulidade de um negócio jurídico em função
da impossibilidade ou ilicitude do objeto.
Art. 280.º/1 CC – “É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou
legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável”: dentro deste
enquadramento, i.e., desde que os sujeitos não toquem este enquadramento,
poderão definir o objeto do negócio jurídico dentro da sua autodeterminação,
no âmbito da autonomia privada.

22
• Art. 1305.º CC – Estabelece que o Direito de Propriedade, que é o Direito real
(direito sobre uma coisa – ius in re) mais amplo, é aquele que comporta todas as
faculdades jurídicas secundárias possíveis a um Direito real, i.e., o poder de usar,
fruir e dispor da coisa-objeto do Direito de propriedade.
Ora, o facto do Direito estabelecer que o proprietário pode usar, fruir e dispor da
coisa-objeto do Direito de propriedade, não o obriga a usar, fruir ou dispor, apenas
lhe concede essas faculdades.
Neste sentido, há uma ampla margem de manobra que os sujeitos podem
mobilizar, sobretudo no âmbito de direitos disponíveis, neste caso, nas relações
intersubjetivas particulares no estabelecimento de negócios jurídicos e no caso dos
direitos reais, como é o caso do Direito de propriedade, o Direito estabelece, muitas
vezes, um enquadramento dentro do qual os sujeitos podem livremente, desde que
não toquem nos limites estabelecidos, conformar exercendo a sua autodeterminação,
o conteúdo das relações jurídicas que estabelecem entre si.
Nota: Não há perda de eficácia por haver esta conferência de margem de atuação
livre dos sujeitos porque o que o Direito faz no âmbito dos direitos disponíveis é
assegurar-se que certos limites não são ultrapassados, p.e., os sujeitos podem
celebrar livremente negócios jurídicos, independentemente de eles estarem
tipificados na lei, i.e., nós temos contratos típicos (a compra-venda, o arrendamento,
etc.), mas também podem ser celebrados contratos atípicos, há certos contratos de
arrendamento que podem ser atípicos, por não estarem previstos, ou ser mistos, por
conjugarem elementos de contratos típicos com elementos externos.

Distinção entre factualidade e contrafactualidade:

Esta distinção entre expectativas cognitivas e expectativas normativas é trazida por Niklas
Luhmann:
As expectativas cognitivas têm que ver com aquelas que dizem respeito a fenómenos da
natureza ou até determinações empírico-explicativas, p.e., nós esperamos que o sol, sem
mais, nasça a qualquer movimento de 24h, portanto, esperamos que um dia se siga a outro
dia, e se um dia essa expectativa se frustrar, de facto, a determinação do movimento dos
astros fica posta em causa, é contraditada pela factualidade. Isto significa que as
expectativas cognitivas garantem a veracidade ou a falsidade das afirmações que lhes
subjazem.
A expectativa normativa, que é contra-factual, é uma expectativa de valor, i.e., não é uma
questão de verdeiro/falso, é uma questão de validade/invalidade ou de licitude/ilicitude. O
Direito afirma o valor da vida e esta afirmação não perde enquanto houver uma confluência
de reflexão axiológica face a esse valor, pelo facto de haver crimes de homicídio. E,
portanto, nesse caso, a factualidade que contraria a expectativa normativa, da valoração
normativa da vida, não põem em causa a afirmação da validade da vida.

23
A reafirmação contrafáctica da validade da norma é a aplicação da sanção.

Claro que o reiterado incumprimento de uma norma pode levar a que, em termos
intersubjetivos, seja posta em causa a sua validade (mas isso é outra questão).

Por exemplo, no âmbito do direito da Família, o decreto-lei 496/77 estabeleceu na


sequência da Revolução de 1974 e da Constituição da República Portuguesa de 1976, uma
alteração profunda ao Direito da Família no ordenamento jurídico português, e isso levou a
que, p.e., deixasse de haver um tratamento diferenciado entre, quer do ponto de vista das
responsabilidades parentais quer do ponto de vista sucessório, filhos nascidos na constância
do casamento e filhos nascidos fora do casamento.
Este é um exemplo de que a validade dessas normas estaria, do ponto de vista
intersubjetivo, em causa, ao ponto de se considerar que elas, perdendo a sua validade, não
poderiam continuar vigentes. Isto também se nota, muitas vezes, do ponto de vista empírico,
através do incumprimento reiterado de normas cuja validade está em queda mesmo que isso
ainda não tenha sido considerado nas discussões intersubjetivas, nas instâncias
representativas do Estado.
--------------------------------------------------------
Notas:

1. Há uma ligação entre o problema da validade e o problema da legitimidade da


construção do Direito Positivo. Isto significa que, embora a validade seja uma questão
intersubjetiva, porque, na compreensão da construção da validade do Direito que estamos a
discutir, não há uma pressuposição de validade necessária que se imponha aos sujeitos em
convivência, a validade está em contínua discussão e isso é que leva a que, desde logo, o
Direito vá mudando, o Direito não é imune aos sujeitos que discordam da sua referência
axiológica. Por um lado (ainda no âmbito da validade) o consenso em torno de uma reflexão
que leva a que se dirija com uma certa afirmação axiológica, uma valoração positiva (dizer
“isto é valido”) e, portanto, é válido e deve ser intersubjetivamente vinculante, resulta de um
consensus omnium que vai sendo institucionalizado num Estado de Direito, como aquele em
que vivemos, e com isto, passamos a dimensão de validade para a conjugação dessa
dimensão de validade com a dimensão da legitimidade, porque no contexto de uma
democracia representativa, isto significa que as valorações que vão sendo traduzidas
positivadamente para o Direito, mormente, para um sistema de legislação, para a lei, serão
aquelas que resultam da discussão sobre essa validade entre um conjunto de sujeitos que
valoram de um determinado modo, e os que valoram de outro, essa mesma realidade. Não
há uma unanimidade, há um acordo, que não é formalizado, até que seja institucionalizado
sob o ponto de vista da democracia representativa, i.e., um acordo em torno de um certo
núcleo comum de validade, mas esse núcleo não é essencial no sentido de ser determinante
como única reflexão de validade possível ou como enunciado de verdade, é um núcleo
consensual histórico (ideia de absoluto histórico – a ideia de que o Direito enquanto acervo
axiológico representa um absoluto), porque há um consenso em torno da validade das
afirmações que o Direito toma como cruciais para a manutenção da convivência pacifica e,
ao mesmo tempo, há uma discussão em torno dessa validade. Ela não é absoluta por ser
intemporal ou indiscutível, mas sim porque os sujeitos que tomam parte na discussão
24
assumem que aquele sentido deve ser vinculante para a manutenção da convivência pacifica.
Ao mesmo tempo, a institucionalização deste referente consensual que vai gerar a
determinação vinculante, vai também considerar os sujeitos que reflexivamente possam
discordar dessa compreensão.

A questão está em o Direito ser uma afirmação cultural em torno de um certo consenso de
validade, que se assume vinculante e é filtrado institucionalmente através da estrutura da
democracia representativa em que vivemos, mas ao mesmo tempo esse núcleo implica
também que sejam tidas em conta as posições que dele divergem e, portanto, o Direito ao
mobilizar-se em torno de um consenso não está, com isso, necessariamente a pôr em causa
opções alternativas.
Por outras palavras, aquilo que num certo momento histórico é juridicamente relevante e,
com isso, lícito ou ilícito, é fruto da relação dialética entre a evolução anterior e a discussão
presente. O que significa que aquilo que é válido e lícito hoje podia não o ser há um bom
tempo atrás e aquilo que é hoje também poderá não o ser daqui a algum tempo, p.e., se
retrocedermos 25 anos, a valoração que o Direito Positivo dirigia às uniões de facto era
substancialmente diferente daquela que dirige hoje, porque a partir de 2001, passou haver
lei no sentido de prever e tutelar, através de normas dispositivas – concessivas e não
imperativas – a relação entre os membros de uma união de facto.

O Direito, enquanto regulação de intersubjetividade que estabelece um padrão de


generalidade e abstração, não toca todas as dimensões das nossas vidas.

2. A dissidência pode pôr em causa a eficácia enquanto verificação efetiva do cumprimento


das prescrições legais e das prescrições judicialmente estabelecidas. A eficácia traduz-se na
efetiva verificação na realidade do que é prescrito pelo Direito.

Quando o Direito está em vigor, a eficácia traduz-se especificamente na observância


espontânea das prescrições ou na aplicação eficaz das sanções. Haver dissidência é crucial
para a construção do sentido, i.e., a dissidência, a discussão, o desequilíbrio, os diálogos
divergentes são mais relevantes na construção da ideia de validade do que propriamente da
ideia de eficácia, porque a dissidência até pode implicar incumprimento. Se o Direito for
considerado válido num consenso mais alargado, a eficácia também aumenta.

3. É difícil nós dizermos que em todos os lugares e muito menos em todos os tempos, que
todos os sujeitos se identificam com os mesmos valores, nem num mesmo contexto mais
circunscrito conseguimos dizer. E, todavia, o ideal da dignidade humana, p.e., está presente
em todos os discursos sobre intersubjetividade que possamos mobilizar. Só que o sentido de
dignidade humana é muito diferente consoante os sujeitos, os tempos e os locais (questão do
caracter cultural do Direito e daquilo que se chama Direito).

A ideia de Direito que temos estado a mobilizar é a de que há um consenso intersubjetivo


(não garante unanimidade) em torno de um conjunto de valores essenciais para a
manutenção de uma convivência pacífica (isso é mais estável em certas áreas e menos
25
noutras), logo, naquilo que ao Direito é dado regular (e não é tudo) vai havendo consenso
historicamente constituendo. Portanto, aquilo que o Direito é em cada momento, aquilo que
o sistema jurídico consagra em cada momento é uma cristalização (como se fosse possível
suspender no tempo) um sentido para o objetivar em critérios e em princípios, sendo que os
princípios não ficam cristalizados como os critérios: os critérios se forem normas, p.e, têm
uma hipótese, estatuição, têm um texto, e embora nós não nos cinjamos ao sentido literal do
texto, de facto, há uma intencionalidade normativa que ficou ali fechada, ao passo que os
princípios, uma vez que na sua maioria não estão consagrados sob a forma de norma, e
mesmo quando estão não deixam de ser princípios, têm uma maior plasticidade quanto ao
seu conteúdo, e são moldáveis na discussão histórica quanto ao seu núcleo essencial e
quanto às dimensões mais colaterais.

Concluímos, de facto, essa cristalização, essa objetivação que implica uma suspensão no
tempo é meramente artificial (a realidade não pára), mas sem ela nós não conseguiríamos
regular a intersubjetividade no que diz respeito ao Direito. Portanto, essa cristalização é
fundamental para as nossas vidas intersubjetivas, ao mesmo tempo que sabemos que está
sempre a ser posta em causa.
Ser sujeito de Direito, neste sentido, é algo que visa a integração de qualquer sujeito/ ser
humano.

Quem pode ser “sujeito de Direito”? Há outros sujeitos de Direito para além dos seres
humanos?

Pensemos logo nos seres animais não-humanos, seres vegetais e a inteligência artificial,
isto está a mudar e provavelmente a ideia de “sujeito de direito” do ponto de vista teórico,
do ponto de vista dogmático, sofrer alterações.
Para já, o Direito tal como o conhecemos e construímos implica que os sujeitos sejam
pessoas, já que, na verdade, nós não conseguimos comunicar e construir sentido com outros
seres não-humanos que pudessem afirmar os seus direitos (e inclusive defendê-los) e
cumprir os seus deveres. Por isso, muitas vezes, nos surgem esses outros sujeitos não-
humanos como objetos de proteção, mais do que como sujeitos.

Se pensarmos na pessoa, é qualquer membro da espécie humana. Em termos culturais isto


vai sofrer muitas alterações em função do sentido cultural de pessoa, em cada contexto
civilizacional.
Na nossa matriz civilizacional e dada a evolução histórica que já pudemos descrever,
conclui-se nesta perspetiva, que a pessoa é uma aquisição axiológica, não é só uma
entidade antropológica, é também um acervo cultural que herdamos, que faz com que
a ideia de dignidade da pessoa tenha um conteúdo para lá do que ser só um membro
da espécie humana e, para o Direito, essa pessoa é sujeito de direitos e sujeito de
deveres e este é que é o núcleo fundamental de que vai resultar a ideia de validade e de
eficácia.

26
2. Modalidades normativas: direito objectivo e direito subjectivo

a) O sentido geral da distinção;

b) As divergências doutrinais quanto à conceitualização dogmática do direito subjectivo;

c) A problematização da distinção pela consideração do seu relevo numa perspectiva


histórica;

d) O problema do sentido normativo-constitutivo da distinção para a compreensão


fundamental do direito;

e) Corolário positivo-normativo da dialéctica desse sentido da distinção.

Elementos de estudo:

*Fernando José Bronze – Lições de Introdução ao Direito, 2.ª Ed., Coimbra, Coimbra
Editora, 2006, p. 581-606.

Analisamos a validade e a eficácia, enquanto manifestação do modo de ser do


direito, a existência do direito na confluência da validade e eficácia como vigência e,
agora, vamos tentar compreender, associada a esta problemática, uma classificação
tradicional que é crucial para a compreensão, não apenas da relação entre os sujeitos e o
direito, mas também para a compreensão das diferentes áreas dogmáticas do direito, que é
a distinção entre direito subjetivo e direito objetivo.

Nós consideramos que o direito regula relações intersubjetivas, de facto, a própria


construção da teoria geral da relação jurídica passa, crucialmente, pela distinção e
compreensão de cada uma destas modalidades normativas - direito subjetivo e direito
objetivo.

Abordagem perfuntória do sentido do sentido geral da distinção entre direito subjetivo e


direito objetivo:

Nota: Sendo que nós já analisamos a noção de direito subjetivo, quando a propósito
da superação do positivismo - consideramos que uma das manifestações da superação do
juridicismo formal, do século 19, por uma intenção jurídica material, se dá através da
tomada de consciência que é primeiro, jurisprudencialmente traduzida, através de uma
decisão judicial, depois dogmaticamente construída e, por último, legislativamente
consagrada, do instituto do abuso do direito. Portanto, a propósito deste instituto de abuso
do direito, já fizemos uma primeira análise do sentido de direito subjetivo.
27
Não obstante. olhamos agora, especificamente, para estas estas modalidades
normativas do direito subjetivo e do direito objetivo

Direito objetivo:

O direito objetivo corresponde à inteleção de um determinado corpus iuris, isto é, o


direito objetivo corresponde à apresentação, à manifestação fenomênica do direito, de que
os sujeitos são destinatários - direito objetivo, direito que está fora dos sujeitos e que se
impõe aos sujeitos.

É o direito enquanto normatividade vigente. É aqui que nós encontramos, no âmbito


dos sistemas de legislação, especificamente, a lei, os diferentes ramos do direito (o direito
civil, o direito comunitário, o direito comercial, o direito administrativo, o direito
constitucional direito penal e assim sucessivamente).

O direito objetivado na ordem jurídica, como normatividade que se impõe aos


sujeitos, neste sentido, direito objetivo é o direito enquanto estatuto normativo, enquanto
determinação, prescrição, com que nos deparamos, enquanto sujeitos, e de que somos
destinatários - direito objetivo impõe-se-nos, tem os sujeitos por destinatários.

Mais simplificadamente, sinteticamente ainda, o direito é, enquanto direito objetivo.


É o direito visto da perspectiva da ordem jurídica, é o sistema jurídico objetivamente
estabelecido, da perspectiva da normatividade vigente.

Direito subjetivo

No entanto, nós não somos apenas destinatários do direito, nós também somos
titulares de direitos, somos titulares de direitos de que podemos usufruir e que podemos
impor a outra ou outras pessoas.

Aqui, falamos do direito subjetivo, porque do direito visto do ponto de vista do


sujeito, como prerrogativa do sujeito, ou seja, o direito que o sujeito titula. Por isso, pode
dizer que é seu, o seu direito - o direito de propriedade, o direito de crédito, o direito de
personalidade, direito à imagem, por exemplo - como direito titulado por um sujeito.

Direito objetivo vs direito subjetivo

Ora, o direito objetivo é o direito enquanto ordenamento normativo, o conjunto das


normas legais, dos princípios vigentes, das decisões judiciais estabelecidas, que se dirigem
aos sujeitos e os assumem como seus destinatários.
Na origem, a legitimidade que herdamos é democrática e, portanto, a base da legitimação
do poder legislativo é a legitimidade eleitoral activa, de certo modo, nós somos, quer do
ponto de vista do diálogo, quer do ponto de vista institucional, simultaneamente, autores e,
depois, consequentemente, destinatários da ordem jurídica, mas esta ordem jurídica,
enquanto ordem de direito vigente, que se nos impõe, conjunto de critérios e princípios que
28
se nos impõem, é direito objetivo. O direito de cada sujeito, direito titulado por cada sujeito,
concedido por esse direito objetivo, é direito subjetivo - p.e., o meu direito de propriedade
sobre este computador, sobre casar, sobre estes óculos, etc, o meu direito à imagem- então,
se o direito objetivo é o direito enquanto estatuto normativo, enquanto conjunto de critérios
e princípios que se impõem aos sujeitos como seus destinatários, o direito subjetivo é, já,
uma prerrogativa do sujeito.

O direito subjetivo vai ser um poder, uma faculdade, um interesse titulado por um
sujeito e que lhe compete como seu, portanto, implica um poder de uso, de imposição a
outro e de disposição. É uma expressão da autonomia individual é o direito visto da
perspectiva do sujeito, como titularidade e prerrogativa pessoal.

Esta distinção vai implicar que tomemos consciência, ponto de vista histórico, do
surgimento, não apenas da noção mas, sobretudo, da designação e da construção teórica do
que seja direito objetivo e direito subjetivo e, também, de perceber se o que está em causa é,
sobretudo, a consideração do direito subjetivo, como interesse ou como poder de vontade.

Em termos históricos, podemos dizer que o direito subjetivo, tal como o senhor
doutor Pinto Bronze refere nas lições, o direito subjetivo começou, provavelmente, como
tudo, por não existir, isto é, o surgimento do direito no contexto do pensamento jurídico
Romano, não fazia autonomização e diferenciação entre direito objetivo e direito subjetivo.
Isto é, na época romana, para o pensamento jurídico Romano, o direito era uma ordem
objetiva em que se definia o estatuto dos cidadãos e determinava a sua posição pronto os
outros e perante as coisas. Nós vimos já que, no contexto quantidade clássicas e, também,
no da idade média, o ser humano se compreende, não como, primeiro, livre e desvinculado
e, depois, convencionalmente vinculado, mas nascendo já inserido idade que o agrega e que
lhe confere sentido. Esta pressuposição de uma ordem de sentido integradora, seja ela
cosmológico, seja ela teológica, gera a ideia de que o sujeito, na relação que estabelece com
o direito é, sobretudo, seu destinatário.
Nós vimos isso por várias perspectivas, desde logo, sabemos que o direito, neste contexto
inicial, confere aos sujeitos estatutos e o status implica direitos e deveres, o estatuto de
sujeito de direito vai implicar direitos e deveres, e é conferido pelo direito objetivo, pela
normatividade vigente, aos sujeitos e é esse sentido que prevalece no pensamento jurídico
Romano, o não quero dizer que não se conhecesse o fenómeno da titularidade de direitos,
porém, não há a noção da afirmação da subjetividade, antes e independentemente, da
definição, pelo ordenamento normativo, desse status e esta é que é a diferença decisiva.
Só o pensamento moderno-iluminista, com o individualismo liberal, é que vai assumir, de
modo definitivo, que o sujeito nasce livre e desvinculado e, depois, vincula-se em função da
sua vontade, em função dos seus interesses, com os outros sujeitos e, daqui, resulta, nasce o
fenómeno “direito” e, aí, já teremos, primeiro, direito subjetivo e, depois, o direito objetivo.

Mas, historicamente, não é isso que acontece - historicamente, vemos que, primeiro,
a noção de direito aparece como direito objetivo, ordem normativa de que os sujeitos são
destinatários, conferindo estatutos e temos a ideia de que A é titular de terminado bem, só
que ainda não se constitui como direito subjetivo, que se imponha ao direito objetivo.
29
Na idade média, nós vamos ter já alguns sinais, ainda ténues, de autonomização,
mas isto tem muito que ver com a manifestação fenomenológica, típica do cristianismo e
com o confronto entre a finitude do humano, face à infinitude da transcendência e, portanto,
também, essa relação faz com que o sujeito humano seja ontologicamente distinto da
entidade teológica, mas, ainda assim, que se relacionem.
Porém, só na idade moderna, com a cisão relativamente à inscrição na ordem pressuposta
cosmológica ou teísta, é que se manifesta, plenamente, a autonomia do ser humano face a
quaisquer ordens comunitárias - o individualismo e o contratualismo modernos são a matriz
racional, crucial, para a construção teórica da ideia de direito subjetivo.
É com o pensamento moderno, sobretudo, moderno-iluminista que essa ideia de que o
sujeito é, primeiro, livre e desvinculado e, depois, se vincula, portanto, primeiro sujeito
nasce livre e essa é a primeira manifestação da titularidade de um direito, ser livre, a
liberdade que os sujeitos manifestam, portanto, o subjetivismo a afirmar-se como
constitutivo do ser humano e esse subjetivismo a impor-se a qualquer ordem objetiva, aliás a
ideia de que a ordem objetiva resulta da da afirmação da subjetividade (é isso que nós
vemos no contratualismo moderno)

Neste época, se pensarmos no final do século XVIII e na projeção teórico-


dogmática, para o século XIX, surgem em várias teorias sobre a concetualização dogmática
do direito subjetivo.

Vamos aqui considerar, no século, XIX, as 2 linhas preponderantes sobre a


teorização do que seja o direito subjetivo:

Teoria da vontade:

Protagonizada, sobretudo, por Savigny.

Na perspectiva da teoria da vontade, estamos no século XIX, seria um poder de vontade


juridicamente reconhecido

Teoria da vontade significava, originariamente, por Savigny, teoria do interesse, proposta


inicialmente, por ihering.

Teoria do interesse:

Protagonizada, sobretudo, por Ihering

30
• Será que o direito subjetivo é um poder de vontade reconhecido pelo direito objetivo? -
teoria da vontade

• Será que o direito subjetivo é um interesse juridicamente tutelado? - teoria do interesse

Estas são 2 reflexões fundamentais que à ideia de direito subjetivo têm vindo a ser
dirigidas, e que nessa teorização moderna, projetada no séculoXIX, foram cruciais.

Mas há, no diálogo que estabeleceram entre si, argumentos que permitem,
reciprocamente, rebater o facto de se ver o direito só como teoria da vontade, ou só como
interesse juridicamente protegido.

O direito subjetivo, na perspectiva da teoria da vontade, (estamos no século 19) seria


um poder de vontade juridicamente reconhecido. Na teoria do interesse teríamos, já, o
interesse juridicamente protegido.
Em qualquer dos casos, primeiro, na teoria da vontade, um poder de vontade que o
direito vai reconhecer (Savigny) e, segundo, Ihering, uma teoria do interesse, direito
subjetivo como um interesse que o direito vai reconhecer.

Por exemplo, o facto de o direito subjetivo ser visto como um interesse


juridicamente protegido poderia levar a uma redução do direito ao interesse e nem sempre
direito subjetivo se confunde com o interesse, o objetivo que através deles prossegue, o
direito é o direito, nas suas faculdades, e nem sempre está em causa o interesse que através
dele possa ser buscado ou a questão do poder de vontade - o facto de subjetivo ser um poder
de vontade, também reduz as faculdades jurídicas que a ideia de direito subjetivo pode
comportar, por exemplo - o sujeito pode ser titular de um direito, por exemplo, direito de
propriedade e nem ter sequer a vontade de o exercer - gozo de um direito e exercício de um
direito são 2 coisas substancialmente distintas.

Portanto, o direito subjetivo é mais do que um poder de vontade e também é mais do


que o interesse que através dele se irá prosseguir. Além de que há interesses, até coletivos,
que são prosseguidos pelo direito, mas que não se confundem com direitos subjetivos -
quando dizemos que o direito prossegue como interesse o estabelecimento de um
determinado programa de ação educacional, esta construção não está compreendida nos
direitos subjetivos que venham, nesse contexto, a ser exercidos, enquanto construção
dogmática é anterior e distinta dessa eventual titularidade que possa vir a ser reconhecida,
posteriormente.

O que, aqui, nos importa é que, de facto, dentro das várias teorias propostas e das
discussões que entre elas se estabelecem, nós encontramos, na proposta da teoria geral da
relação jurídica, que o senhor doutor Manuel de Andrade NOS deixou, e na construção que,
consequentemente, o senhor doutor Carlos Mota pinto e, agora, nas edições mais recentes,
que o senhor doutor Paulo Mota pinto, nos deixam da teoria geral do direito civil, nós
encontramos, de facto, uma noção de técnica de direito subjetivo que agora congrega
alguma complexidade
31
Prestando, agora, atenção à noção de direito subjetivo que nos foi legada por estes 2
professores e que domina, de facto, o pensamento jurídico civilista, porque é nesse núcleo
essencial, é exatamente nesse contexto do direito civil que paradigmaticamente se irão
construir as ideias que compõem o direito subjetivo. Diz-nos, então, o senhor doutor Manuel
de Andrade e o senhor doutor Mota pinto que:

O direito subjetivo é o poder jurídico, juridicamente reconhecido pela ordem


jurídica a uma pessoa, de livremente exigir ou pretender de outrem um
comportamento positivo, ação, ou um comportamento negativo, omissão, ou de, por
um ato de livre vontade, só de per si ou integrado num ato de uma autoridade pública,
produzir determinados efeitos jurídicos que, inevitavelmente, se impõem na esfera
jurídica da outra pessoa, a contraparte, ou adversário.

Esta noção congrega vários sentidos dogmáticos de direito subjetivo, vejamos,


desde logo, o que é que está em causa, analisando cada uma das partes da noção acima,
retirada da teoria geral direito civil, do senhor doutor Mota Pinto:

Temos várias questões a considerar:

1. Há uma relação dialética fundamental entre direito subjetivo e direito objetivo,


porque o direito subjetivo é um poder jurídico reconhecido a uma pessoa, pela ordem
jurídica, portanto, nitidamente, são 2 faces do direito. Direito subjetivo é conferido aos
sujeitos pelo direito objetivo.

Estamos já num patamar diferente daquilo que o individualismo liberal tinha


afirmado, nem vamos no sentido das orientações meramente jusnaturalistas
individualistas, nem das objetivistas institucionalistas, mas há, aqui, antes, uma
conjugação dialético entre estas 2 dimensões. Neste sentido, temos neste contexto, que
considerar este poder jurídico, direito subjetivo, como uma conferência aos sujeitos pelo
direito objeto.

2. Temos aqui o poder de livremente exigir ou pretender - A exigibilidade é a


característica típica do direito, como vimos, a exigibilidade, enquanto determinação da
relevância da vinculatividade e da exigência de cumprimento estrito das prescrições
jurídicas, que se distingue de quaisquer outras pretensões, nomeadamente, aquelas que
não sejam juridicamente relevantes. Exigir de outrem é poder efetivar o seu direito,
através do cumprimento do dever respectivo, o sujeito sobre quem esse dever impender.
No entanto, há situações, de facto, em que por razões relativas, desde logo, ao tipo de
dever ou ao tempo que tem um valor fundamental nas relações jurídicas, certas
prestações consubstanciam deveres não são, ou já não são exigíveis e nesse caso, o
sujeito titular do direito subjetivo já não pode exigir, pode apenas pretender e o sujeito
titular do dever jurídico deixa de estar estritamente vinculado, em termos jurídicos, a
cumprir, poderá não cumprir porque se entende que deixou de existir exigibilidade,
porém se cumprir, cumpre juridicamente bem, porque compra uma obrigação jurídica.

32
Exemplos:

1 Um dever jurídico que corresponda a uma obrigação pecuniária que


prescreveu. Uma dívida prescrita é a considerada como não exigível, porque o titular do
direito subjetivo deixou passar o prazo da exigibilidade.
Isso significa que não poderá já exigir o cumprimento, porém, se o titular do dever
de pagamento de montante pecuniário entender cumprir, cumpre bem, portanto,
entende-se que cumpre um dever jurídico, embora já não lhe fosse exigível e, por isso,
consequentemente, o titular do direito subjetivo tem direito a reter a título de solução o
cumprimento do dever, o montante recebido, e o titular do dever jurídico devedor que
cumpriu que pagou não goza da condição de não ser devedor, não pode repetir, isto é
pedir de volta aquilo que justamente entregou, cumprindo assim o seu dever jurídico,
embora ele já não fosse exigível

2 Já no que diz respeito à própria natureza da obrigação, temos


obrigações naturais e podemos olhar para o artigo 402º do Código Civil, quanto às
dívidas prescritas, veja-se o artigo 304º. Quanto às obrigações naturais, artigo 402º do
Código Civil, pois que há, de facto, obrigações que, ditas obrigações naturais, não são
juridicamente exigíveis, de facto, as dívidas prescritas acabam por se incluir aqui, nesta
dimensão, especificamente, pois que em virtude da passagem do tempo, deixou de haver
um dever estritamente jurídico e judicialmente exigível, mas a obrigação permanece,
como obrigação natural, fundando se num dever de ordem moral ou social, mas que
corresponde a um dever de justiça, portanto, se cumprir, agora, artigo 40º3 do código
civil, não pode repetir.

3. Exigir ou pretender de outrem um comportamento positivo, uma ação, ou negativo,


omissão - De facto, há situações em que os sujeitos podem exigir um comportamento
ativo da contraparte e, outras, um comportamento negativo.

Exemplos:

1 Nos direitos de crédito o comportamento ativo do devedor é


fundamental, da entrega da coisa, ou no pagamento pecuniário;

2 No âmbito dos direitos absolutos, sejam eles direitos de personalidade


ou direitos reais, podemos ver que a exigência que se estabelece relativamente a todos
os sujeitos não titulares do direito, quer seja de propriedade, quer o direito à imagem, é
uma obrigação passiva universal, isto é, aquilo que a titularidade do direito de
propriedade ou titularidade um direito personalidade impõe aos sujeitos não titulares do
direito é a não interferência no uso, gozo e na fruição e na disposição do direito, isto é, o
título do proprietário de um qualquer bem tem o direito de usar, fruir e dispor (este é o
direito subjetivo de propriedade) e o dever jurídico correspondente é uma obrigação
passiva universal ou dever geral de abstenção, que também vale para o direito de
personalidade, o titular da sua própria imagem tem direito a que ninguém interfira e não
use, desde logo, a sua imagem, a não ser que autoriza. Aqui, o que se exige é um
33
comportamento negativo, é que todos os que não sejam titulares de direito não
interfiram no uso, gozo e fruição deste mesmo direito.

Até aqui, temos a noção de direitos subjetivos, propriamente ditos. Daqui em diante,
vamos encontrar a noção de direitos potestativos.

Direitos potestativos

Aqueles cujo exercício implica, inevitavelmente, a produção de um efeito jurídico


na esfera jurídica da outra parte. São aqueles que por um ato de livre vontade, só de per si,
integrado por um ato de uma autoridade pública, produzem efeitos jurídicos que
inevitavelmente se impõe a outra pessoa, contraparte ou adversário. Há direitos potestativos
constitutivos das relações jurídicas, modificativos de relações jurídicas e existimos de
relações jurídicas.

Exemplo:

Exemplo de um direito destrutivo constitutivo, que produz a constituição de uma relação


jurídica, por um ato unilateral do titular desse direito potestativo:

Caso da Constituição de servidão de passagem, em benefício do prédio encravado,


nos termos do artigo 1550º do Código Civil, em que, uma vez se verificando que há
um prédio encravado, isto é, um prédio que não tem contato com a via pública, e não
havendo estabelecimento contratual com um dos prédios contíguos, que tenha
contato com a via pública, é possível, unilateralmente, através da ação judicial, que o
titular do prédio encravado faça constituir sobre o prédio em que estabelecer menor
encargo e na parte em que estabeleça menor encargo, uma servidão de passagem para
garantir o acesso à via. Quanto a isto, o proprietário do prédio serviente não poderá
opor-se, no sentido de que, uma vez provado que é aquele local que menor
transtorno, objetivamente, produz, a servidão fica constituída.

Voltemos à primeira parte da noção de modo a esclarecer o que são direitos subjetivos
propriamente ditos e direitos potestativos.

Direitos de crédito e direitos absolutos

Nos direitos subjetivos propriamente ditos, nós temos, ainda, que distinguir, por um lado,
direitos de crédito, que são direitos relativos, e por outro lado, direitos absolutos, que são
os direitos reais e os direitos de personalidade.

Os direitos subjetivos relativos são aqueles em que se contrapõe um direito subjetivo do


titulado por uma pessoa, a um, ou mais, deveres jurídicos, titulados por outras pessoas,
sejam elas determinadas ou apenas determináveis. Isto significa que nos direitos subjetivos
relativos, especificamente, os direitos de crédito, a satisfação do direito subjetivo depende
da atuação do titular do dever jurídico e satisfação do direito de crédito depende de que o
34
titular do dever jurídico, efetivamente, cumpra, pague e, portanto, é um direito relativo, é
um direito que se impõe a uma certa ou certas pessoas e que depende da atuação dessas
outras pessoas.

Diferentemente, os direitos ditos absolutos, que são os direitos reais e os direitos de


personalidade, são ditos direitos absolutos, porque aquilo que traduz a satisfação do direito
subjetivo é, exatamente, a não interferência nesse direito, não por parte de certa ou certas
pessoas, mas por parte de todos os não titulares, impõem-se a todos impõe-se erga omnes.
São, por isso, absolutos, não relativos e, por isso, do lado passivo nós não vamos encontrar
um dever jurídico em sentido estrito, mas uma obrigação passiva universal, o dever geral de
abstenção.

Também na distinção entre direitos subjetivos propriamente ditos, que inclui estes
direitos relativos e os direitos absolutos, e os direitos potestativos, haverá que considerar
que do lado passivo, aos direitos subjetivos propriamente ditos, se contrapõe um dever
jurídico. Ao passo que, aos direitos potestativos, aos tais que produzem efeitos na esfera
jurídica de outrem, sem que esse outrem possa evitar a produção desses efeitos, se diz
sujeição.

Para concluir, o direito objetivo e o direito subjetivo são 2 categorias dialeticamente


constitutivas da juridicidade, o direito subjetivo manifesta a dimensão da afirmação da
autonomia dos sujeitos, que podemos ver, por exemplo, no contexto do individualismo
liberal, seria muito mais ampla do que a dimensão da integração comunitária, da
responsabilidade, que é assimilada, fundamentalmente, pelo direito objetivo. E, assim,
encontramos, aqui, 2 dimensões fundamentalmente constitutivas do direito, que nos
permitem tornar inteligível o modo como o direito se dirige aos sujeitos e como os sujeitos o
encaram - assim sendo, uma norma consagrada em qualquer diploma legal, podíamos ver,
por exemplo, o artigo 1305º do Código Civil, que consagra o conteúdo do direito de
propriedade, a norma é direito objetivo, já o direito de propriedade titulado por um sujeito é
direito subjetivo.

35
Aula dia 24/03

3. A objectivação da normatividade jurídica – o sistema jurídico

3.1) O direito como “sistema”:

a) A assimilação superadora da dialéctica "ordem"/"problema": confronto com as


concepções normativistas e decisionistas;

b) A acentuação da específica relevância metodonomológica do sistema jurídico.

Elementos de estudo:

*Fernando José Bronze – Lições de Introdução ao Direito, 2.ª Ed., Coimbra, Coimbra
Editora, 2006, p. 607-650.

Continuaremos a analisar o modo de ser do direito, avançando para uma outra


perceção do
conteúdo do sentido do direito, que tem que ver com a manifestação substancial, ao nível do
conteúdo, daquilo que analisamos estruturalmente como ordem jurídica.
Este modo de ser do direito, esta manifestação fenomênica do direito, perante nós,
enquanto conteúdo, estamos a considerá-lo da perspetiva da sua existência, das suas
modalidades normativas, do seu conteúdo e é isso que hoje iniciaremos, estudando o
conteúdo do direito enquanto sistema jurídico e, ainda, quanto ao seu processo constitutivo
na problemática das fontes do direito.
O ponto em que, agora, nos encontramos, exige que façamos uma reflexão, sintetizando o
que até aqui temos vindo a considerar.

Se do ponto de vista estrutural o direito vigente se nos apresentou como ordem


jurídica, do ponto de vista substancial, isto é, quanto ao seu conteúdo, o direito vai
apresentar-se-nos como sistema e como sistema no sentido de construção unitária e coerente
e, assim, estrutural e substancialmente unitária e coerente do direito vigente.
Por outras palavras, o sistema jurídico é a expressão do conteúdo daquilo que estrutural ou
institucionalmente reconhecemos como ordem jurídica. Ainda por outras palavras, aquilo
que é formalmente a ordem jurídica é, de uma ótica material, um sistema. O sistema
constituirá, então, o modo por que, ao nível do conteúdo, o direito se relaciona com a
realidade e esta com aquele, isto significa que, efetivamente, quando estamos perante um
ordenamento jurídico vigente, aquele que regula as relações intersubjetivas,
num certo contexto comunitário, teremos, do ponto de vista estrutural formal, a acentuação
da dimensão de ordem institucionalizada, do ponto de vista substancial, a referência ao
conteúdo e, assim, à intenção e substância da delimitação da juridicidade vigente.

36
É neste sentido que para reconhecermos no direito um sistema, haveremos de
encontrar no seu conteúdo, e portanto, nos elementos que o compõem, uma unidade
racional, por um lado e uma coerência, por outro. Muito havia a dizer quer quanto à
unidade racional e aos tipos de unidade racional e, ainda, também, quanto à questão da
coerência, no fundo, à relação entre os elementos que compõem o sistema, o que nos
levaria a ter de distinguir consistência de coerência (não iremos aprofundar nesta). Vamos,
sim compreender o que é que significa a coerência, nomeadamente, do ponto de vista de um
sistema jurídico que se quer fazer valer pelo sentido material das suas prescrições, mais do
que pela organização lógica formal que entre os seus elementos se estabeleça. Isto não
significa que não haja uma organização, uma estruturação lógica, pois que ela é uma
absolutamente crucial para que possamos falar de sistema enquanto unidade concatenada
de elementos racionalmente relacionados entre si.

O direito apresenta-se-nos como ordem, é como ordem que se nos dirige, é como
ordem que pretende resolver o problema a que se destina, o problema da regulação da vida
intersubjetiva e, assim, da integração comunitária. Neste sentido, de facto, nós temos no
ordenamento jurídico a projeção objetivada, a objetivação do conteúdo de juridicidade, que
estruturalmente se nos apresenta como ordem, de facto, o direito é ordem e é assim que se
nos apresenta, é por ser ordem que nos garante os efeitos de institucionalização, de
racionalização, segurança, liberdade e paz.

O direito sendo ordem e, com isso, garantindo a integração comunitária e, ainda,


essa determinação de segurança que é aliada de uma ideia material de justiça, esse direito
que é
ordem não é menos problema.

Como dizer que o direito é problema?

Vimo-lo, desde o início, quando nos propusemos a analisar, como questão previa,
para lá da busca no direito de respostas para os problemas da intersubjetividade (os
problemas de Quid Iuris), para os problemas de Quid ius, em que o direito se transforma a
ele próprio no problema a considerar, mais do que no objeto a determinar
epistemologicamente, mas no problema a considerar e compreender, em si, e no seu sentido.

O direito não se esgota em ser um conjunto de informações, prescrições, critérios


para a ação, é, também, uma valoração da ação e o sentido dessa valoração é que faz do
direito o problema, o nosso problema, o objeto da nossa reflexão desse ponto de vista Quid
ius.

No limite, diremos que o sistema, seguindo o modo como o senhor doutor pinto
bronze nos apresenta a questão, o sistema apresenta-se-nos como um topus articulador da
dialética entre a realidade e o direito, e nesse sentido, esta articulação dialética vai fazer com
que nos coloquemos de um modo decisivo perante duas categorias de inteligibilidade, isto é,
37
perante os dois mecanismos ou instrumentos de racionalização do direito e que serão, aqui,
o sistema por um lado e o problema por outro. É na relação dialética entre sistema e
problema que a dialética constitutiva e constituenda do direito se nos apresenta, é nesse
sentido que veremos a articulação entre a realidade e o sistema, os problemas e o sistema.

Mas nem todos os sistemas se apresentam nesse sentido, então, se por um lado a
dialética entre ordem, o direito visto da perspetiva institucionalizada ordem e problema, a
realidade concreta onde surgem os casos juridicamente relevantes, o sistema é então essa
articulação racional entre a ideia de ordem e a ideia de problema, vamos ver que há outros
tipos de sistema em que a relação entre ordem e problema não se apresenta do mesmo modo
e o senhor doutor pinto bronze, neste ponto, oferece-nos uma distinção entre conceções
normativistas e conceções decisionistas de sistema jurídico.

Por outro lado, sabemos que se o sistema garante a articulação entre ordem e
problema, e portanto, estabelece a dialética entre a realidade e o direito, essa articulação
dialética vai projetar-se decisivamente no modo como o direito é realizado na realidade, na
resolução dos casos concretos, nos juízos decisórios e é nesse sentido que o sistema jurídico
assume uma relevância metodológica e, dizendo como o senhor doutor pinto bronze,
metodonomológica, já que há racionalização do iter constitutivo que visa atingir um
objetivo, temos a referência ao nomos como a determinação do sentido do direito como
horizonte de referência e um sentido do direito projetado no sistema jurídico vigente, a
assimilar a relevância do contacto intersubjetivo e, com isso, da determinação da relevância
jurídica dos casos concretos que surgem na realidade prática.

Temos, por isso, vários tipos de modelos de sistema e temos vários critérios que nos
permitem identificar diferentes perspetivas de sistema jurídico. Estamos a guiar-nos pelo
modo por que o senhor doutor pinto bronze nos propõe esta tipologia dos sistemas, mas de
facto, em alguns pontos não nos deteremos em pormenorizações.

1) Critério do modelo

- Modelo do relacionamento entre os elementos do sistema jurídico, que lhes garante


unidade, portanto, a conferência de unidade racional aos elementos que compõe o sistema
jurídico e, por consequência, a concatenação entre esses elementos.

Podemos distinguir 5 tipos de sistemas :

A. O sistema centrado numa “unidade por identidade formal e de conceitualização


abstrata”;

B. Um sistema polarizado numa unidade por redução a um único fundamento puramente


formal;

38
C. Um sistema funcionalmente esquematizado segundo relações sociológicas de “input
output”;

D. Um sistema de fundamentação;

E. Um sistema polarizado numa unidade normativa de dialética realização a posteriori e


regressiva.

Esta é uma proposta de classificação, que, aqui, já permite distinguir boa parte das
experiências de sistema jurídico que conhecemos, em termos históricos e, contextualmente,
civilizacionais.

A. O sistema centrado numa “unidade por identidade formal e de conceitualização


abstrata”;

Vamos encontrar um sistema em que os elementos que o constituem se articulam -


isso tanto pode acontecer em termos de concatenação lógica de consistência axiomática
dedutiva, era o que acontecia nos sistemas de princípio de direito natural do jusnaturalismo
racionalista, como de recondução de identidade formal e conceitualização abstrata a uma
relação entre os elementos que compõem o sistema, em função dos temas a que se dirigem,
em rigor, dos institutos sobre que versam, de modo a que, ao nível das normas,
encontrássemos um nível mais particularizado e tivéssemos uma articulação progressiva de
conceitualização, que exige não apenas uma identidade lógica, mas também uma coerência
de conteúdo, um agrupamento em função da área a que as normas respeitam, por modo a
por indução criar conceitos, logicamente estruturados e relacionados entre si, dos mais
particulares aos mais gerais e abstratos, sendo que o sistema jurídico estaria, então,
composto por normas, na sua base, e a partir delas seriam criados conceitos por indução e
princípios gerais de direito por abstração generalizante.

Este tipo de sistema, posto assim, é globalmente e ainda, simplificadamente,


correspondente àquele que nos apresentou o positivismo normativista do século XIX, assim
como experiência primeira e, sobretudo, a sua expressão germânica e, portanto, se por um
lado nós encontramos uma unidade por identidade formal em todos os sistemas que são
logicamente concatenados, lógico formal estruturalmente concatenados e, por isso, de certo
modo também caberia aqui a construção lógica do jusracionalismo - a unidade é garantida
pela recondução aos princípios de direito natural - por outro lado, também encontramos
identidade formal de conceitualização abstrata no sistema jurídico, que sendo composto por
normas, vê a unidade racional entre elas a depender do seu agrupamento em função das
áreas sobre que versam, através de indução em conceitos dos quais seria também
possível por indução e dedução construir novos conceitos que criam, assim, uma
sistematização em dois níveis: primeiro, o nível das normas, base material de sustentação,
que afinal é aquilo que substancialmente o direito é nos normativismos e, por indução, os
conceitos, que abstraindo da materialidade da realidade a que as normas se referem e das
próprias normas leva que se alheiem esses conceitos dessa materialidade e, com isso,

39
tenhamos a racionalidade do sistema garantida na organização lógica dos próprios conceitos
entre si.

Esta segunda modalidade de identidade formal, agora, a conceitualização abstrata,


corresponde ao sistema conceitual que a construção do positivismo jurídico alemão nos irá
apresentar e que nós iremos estudar, quando analisarmos as escolas metodológicas, a partir
do século XIX.

No sistema jurídico organizado em função de uma unidade por identidade formal e


conceitualização abstrata, o que nós temos é uma relação lógica, pode ser estritamente de
consistência, mas também pode implicar coerência entre os elementos que compõem o
sistema e, nesse sentido, a unidade racional é garantida pelas relações que se estabeleçam
entre os elementos do sistema, mais particulares e mais gerais, na articulação que lhes for
atribuída, quer seja uma concatenação puramente lógica formal, quer seja uma construção
que implique também coerência normativa.

Não temos aqui uma construção hierarquizada, temos uma concatenação lógica, isto
é, falamos ate aqui de uma unidade racional horizontal e não vertical, porque temos no
sistema de normativismo do século XIX, normas em relação com normas num todo
articulado de normas, das quais é possível, através de operações lógicas, retirar princípios
gerais de direito e conceitos, mas os princípios gerais de direito e os conceitos, nesse
contexto, não serão mais do que desimplicações lógicas obtidas a partir das normas e,
portanto, substancialmente, ainda normas.

B. Um sistema polarizado numa unidade por redução a um único fundamento


puramente formal;

Este é, tipicamente, o modo constitutivo do sistema jurídico do normativismo


proposto por
Kelsen. Agora, temos uma estruturação hierárquica, temos um sistema em que a
legitimação e validade dos diferentes elementos, que são normas, o sistema jurídico é
composto exclusivamente por normas, também aqui, o direito é norma, na perspetiva
também de Kelsen, mas a relação que se estabelece entre as normas é diferente daquela que
acabámos de descrever para o normativismo do século XIX e até para o também
normativismo do final do século XVIII, no jusracionalismo.

Nos já não estamos a falar do positivismo do século XIX, agora, estamos a falar de
um positivismo do século XX (década 30), em que permanece a referência ao direito como
exclusivamente o direito positivismo, temos aqui um positivismo, nesse sentido, e é um
positivismo normativista, porque o direito positivo é composto exclusivamente por normas,
porém, neste contexto, nós vamos encontrar as normas em relação com normas, organizadas
hierarquicamente. Significa isso, então, que teremos em todos os níveis normas, numa
estruturação triangular ou piramidal, em que mais perto da base temos normas mais
diretamente dirigidas à realidade e, à medida que vamos subindo na pirâmide, vamos
encontrando níveis de abstração e generalidade mais amplos e, mais do que isso, vamos
40
sobretudo, encontrar níveis hierarquicamente superiores. Isto assim, em patamares
sucessivos até que, chegando ao vértice dessa pirâmide, encontramos a única norma que não
é criada, que é pressuposta e que é a norma fundamental ou Grundnorm, na proposta de
Kelsen, que sendo a única pressuposta, como um pressuposto racional a priori, (de facto,
Kelsen é um neo Kantiano) que tem por prescrição a determinação de que a primeira
Constituição é obrigatória e, portanto, deve obedecer-se à primeira Constituição como
obrigatória.

Significa que no nível hierarquicamente superior da pirâmide, anterior ao vértice,


nós vamos encontrar a Constituição como a norma hierarquicamente superior e, abaixo
desta, vamos encontrar o nível das normas ordinárias, mas que em Kelsen podem incluir
inclusivamente a construção consuetudinária do direito. Abaixo, teríamos a regulamentação
daquele nível ordinário ,e abaixo ainda, o que é, também muito interessante, teríamos a
consideração das normas individuais, que são as decisões construídas para os casos
concretos, isto é, a própria decisão é vista como uma norma, de facto, se o direito é norma,
as próprias decisões judiciais, na medida em que são a projeção da norma para o problema,
também se assumem elas próprias como norma.

Temos então, aqui, uma estruturação hierárquica, em que a validade das normas de
um determinado nível depende de essas normas, desse nível, serem criados pelo modo por
que o nível imediatamente superior determina que elas devam ser criadas, temos aqui uma
validade que é puramente formal, a construção da dinâmica do sistema implica que a
validade se traduza num problema de legitimação, quanto ao procedimento e da estrutura
hierárquica, porque cada nível da pirâmide se legitima e valida pela conformidade ao nível
imediatamente superior e isto, em sequência, nível a nível, até ao vértice em que
encontramos a Grundnorm, como Kelsen a terá dito.

Isto mostra-nos que, de facto, o positivismo, embora já não com as mesmas vestes,
permanece durante o século XX.

C. Um sistema funcionalmente esquematizado segundo relações sociológicas de


“input output”

Esta referência tem que ver com uma das fases do pensamento de um autor da
teoria dos sistemas, que é Niklas Luhmann e que, considerando que a sociedade é um
sistema composto por vários subsistemas, vai analisar a comunicação que se estabelece
entre esses subsistemas e no que, especificamente, diz respeito ao direito, vai analisar a
relação que o direito, enquanto subsistema, estabelece com os outros subsistemas, que
constituem o sistema social. E porque?

Nós estamos a pensar num autor cujo pensamento vai desenvolver-se sobretudo nas
décadas de 80 e 90 do século XX e o que acontece é que temos aqui uma reação aos
instrumentalismos, aos funcionalismos jurídicos, que foram, por sua vez, fatores da
superação do positivismo do século XIX, como sejam o funcionalismo político, o
funcionalismo económico, (de que nós já falámos quando considerámos as relações entre o
41
direito e a sociedade, a sociedade e o direito, e que estão no fundo também englobados
naquela reflexão com que hoje começámos sobre as alternativas ao direito, nomeadamente,
do ponto de vista da instrumentalização que o direito sofreu que, resultando da afirmação da
necessidade de o direito se dedicar a considerar tendo em conta o conteúdo e não apenas a
forma, vai levar, como que ao extremo, da afirmação de que o direito não apenas deve ter
em conta o conteúdo mas como deve ser instrumento ao serviço dos outros conteúdos que a
sociedade lhe apresenta - funcionalismo económico, funcionalismo politico, são dois
exemplos cruciais deste ponto de vista).

O que Niklas Luhmann propõe é uma recuperação da autonomia do direito, através


do descomprometimento do direito face aos objetivos que lhe são externos, dizendo, então,
que vamos recuperar a pureza e a autonomia do direito, formalizando o discurso,
descomprometendo-o do conteúdo que é prosseguido pelos ouros subsistemas e, portanto,
vamos transformar o direito num modo de redução da complexidade das relações sociais
que se estabelecem nas sociedades, por modo a que o direito possa ser um instrumento de
articulação dessas relações intersubjetivas, sem se comprometer com os objetivos que essas
ou outras dimensões lhe queiram impor.

Isto vai fazer com que o discurso se formalize, o pensamento jurídico volte a ser
considerado, sobretudo, como uma determinação epistemológica dos conteúdos do direito
positivado, a dogmática jurídica volta a formalizar-se, no fundo, há um certo regresso a um
normativismo, só que por via da superação das construções que visaram superar o
normativismo do século XIX.

O que Niklas Luhmann propõe é que o sistema jurídico que tinha passado a ser
considerado aberto na superação do positivismo do século XIX volte a fechar-se sobre si
próprio, para se proteger, que as comunicações que lhe advém do exterior sejam vistas como
estímulos, ruído que o obrigam internamente, autopoiéticamente, a reorganizar os seus
elementos e a reconstituir-se, de modo especificamente jurídico, a autopoesis, a auto
constituição interna do sistema jurídico, para responder, de modo jurídico, aos estímulos
externos de outras índoles que os outros subsistemas lhe apresentam.

Temos aqui uma tentativa de purificação do direito, desde logo a partir do discurso,
entendendo que

- Primeira fase (e é essa fase que temos aqui especificada nesta enunciação deste tipo de
sistema): o sistema jurídico recebe comunicações do exterior como inputs, vai filtrá-las
internamente e responde-lhes como outputs, como output jurídico, resposta jurídica
autónoma da pergunta.

- Mas o autor vai evoluir para a situação em que deixa de considerar esta possibilidade de
adaptação com a variante do sistema ao meio, mesmo dito como meio ambiente, para passar
a considerar que, de facto, não há verdadeiramente inputs, ou seja, os conteúdos não entram
para o sistema jurídico, constituem estímulos ruído, como comunicações que, se
pudéssemos visualizá-las,
42
embatessem nas fronteiras externas do sistema, obrigando a estruturar-se internamente e a
responder juridicamente, é aqui que entra aquela distinção entre expectativas cognitivas e
expectativas normativas, no sentido que ao direito cabe a proteção das expectativas
normativas, o que significa que no binómio direito contra o direito, o sistema jurídico vai
procurar oferecer soluções de direito e sempre nesta proteção de
direito vs/contra o direito, e vai fazer essa proteção através de normas, vai escudar-se no
esquema condicional, no programa condicional constitutivo da norma, com hipótese e
estatuição, o que leva a que se o legislador está na fronteira externa do sistema, o que está
mais próximo dos estímulos ruído e, por isso, está mais sujeito aos impulsos que advêm do
exterior, o juiz, ao contrário, estando no centro do sistema e, com isso, protegido, porque
ainda tem um outro nível, que é o nível da dogmática, como nível intermédio, se no núcleo
o juiz está protegido, está protegido sob a capa do programa condicional, se, então, e com
isso, a decisão judicial volta à aplicação lógico dedutiva e o juiz volta a um juiz
descomprometido com o sentido normativo das suas decisões.
A reação ao normativismo, a reação à reação,
porque, de facto, os funcionalismos materiais são vias superadoras da perspetiva
normativista do século XIX, acaba por cair, novamente, num normativismo.

Até aqui estamos a analisar sistemas em que temos determinações de sentido único,
o direito é constituído no sistema e projeta-se na realidade, estamos ainda a considerar
estruturas que são fundamentalmente formais.
O direito é, sobretudo, racional em virtude da forma e a unidade do sistema também é,
sobretudo, formal ou por entidade dos elementos, alínea a), ou por redução a um único
fundamento formal, alínea b), ou pela articulação interna que a clausura do sistema
garante e, também, a articulação lógica dos elementos, na alínea c).

C. Um sistema de fundamentação;

D. Um sistema polarizado numa unidade normativa de dialética realização a


posteriori e regressiva.

Na alínea d) e na alínea e) vamos encontrar sistemas que se legitimam através da


fundamentação material.

Em primeiro lugar, na alínea d) um sistema de fundamentação que podemos


encontrar, por exemplo, na proposta de Canaris, em que o sistema, de facto, passa a assumir
a diferenciação entre os critérios e os seus fundamentos e, portanto, há um problema de
intencionalidade material que começa a ser crucial, mas ainda vê a sua relação com a
realidade só em termos de concretização, isto é, só na relação entre o sistema, primeiro, e a
realidade, depois.

Na alínea e), um sistema polarizado numa unidade normativa de dialética realização


a posteriori e regressiva, corresponde à perspetiva jurisprudencialista que nós temos estado

43
a analisar e que vai implicar que, primeiro, o sistema jurídico que seja um sistema aberto,
isto é, não temos uma comunicação só do sistema para a realidade, a realidade influi para a
construção do sentido normativo do sistema, é aberto, é material, não se cinge a um
descomprometimento com o sentido e intenção material das suas prescrições e da sua
realização, ao invés, é, de facto, um sistema cuja racionalidade e cuja unidade racional é
garantida pela articulação substancial intencional entre os elementos, não é uma articulação
hierárquica, nem é uma articulação de lógica formal - é uma questão de dialética substancial
entre os elementos.

No fundo, é a coerência material que garante a unidade do sistema jurídico, aberto,


material, pluridimensional, porque não é composto, exclusivamente, por normas, vamos
encontrar outros estratos, e nomeadamente, há, aqui, uma diferenciação crucial entre
critérios e fundamentos e os fundamentos vamos encontra-los no estrato dos princípios
normativos e ainda, de reconstituição regressiva e à posteriori.

Se até aqui nós vimos sistemas definidos à priori - primeiro o sistema, depois a
realidade - agora, temos uma relação dialética contínua entre sistema e problema e, deste
ponto de vista, o sistema é, de facto, um sistema à posteriori, em sentido Kantiano,
construído na relação com e pela influência da experiência (não faz dele um sistema
contingente, porque há um conjunto de filtragens que, depois, nos diferentes estratos do
sistema jurídico nós vamos encontrar de reflexibilidade jurídica, que lhe garantem uma
autonomia material e autonomia material das respostas que oferece, mas não autopoesis, e
de reconstituição regressiva, porque como da frente para trás ou de hoje para ontem, nas
imagens mobilizadas pelo senhor doutros pinto bronze, já que o sistema se
desenvolve na espiral dialética da relação entre a realidade que vai propondo novidades e o
sistema que com elas se confronta e que, por isso, é instado a reorganizar-se, a reconstituir-
se, a repensar-se, para responder de modo jurídico).

Esta alínea e) diferencia-se da alínea d), porque na alínea d) temos um sistema em


que já há preocupações de coerência material intencional, há já diferenciação entre critérios
e fundamentos, mas a relação com a realidade dá-se só no sentido do sistema, para o
problema. Ao passo que na alínea e), no sistema reconstituição regressiva à posteriori, a
relação entre o sistema e a realidade se faz, sobretudo, do problema para o sistema, porque é
a realidade que vai interpelar o direito e, no fundo, a relação dialética entre sistema e
problema, obriga de facto a uma pressuposição do sentido do direito que o sistema já
consagra, mas apenas como condição de inteligibilidade, horizonte de referência da
compreensão da problematicidade e não da determinação da juricidade do problema.
Há problemas radicalmente novos que se impõem ao direito e que, independentemente de
estarem ou não previstos num critério, têm relevância jurídica e têm de ter uma resposta
jurídica, independentemente de vir ou não a ser constituído novo critério, nomeadamente
legislativo, para o futuro.

44
Aula dia 25/03

[O sistema jurídico é de reconstituição regressiva, mais do que de realização


regressiva.

A realização é a projeção na realidade

A (re)constituição regressiva significa que o sistema se constitui e reconstitui em


diálogo com a realidade e, portanto, não temos uma Constituição ex novo que fosse
alheada do modo como a realidade está a evoluir. Ao invés, não vamos discutir quem
nasceu primeiro (realidade ou sistema), mas no momento em que nos encontramos,
perguntar pela relevância jurídica de um problema implica ter em conta e considerar, ter
como horizonte de referência, não as soluções positivadas no sistema, mas os sentidos que
o sistema jurídico admite, i.e., o sentido do Direito vigente.

E é isso que faz com que nós consideremos que a reconstituição é regressiva, no
sentido de que se faz, mobilizando a imagem que o Sr. Dr. Pinto Bronze nos oferece, como
que da frente para trás, ou de hoje para ontem, i.e., é através da relação dialética entre os
casos novos que se apresentam e os sentidos já estabilizados pelo sistema, que o próprio
sistema evolui, daí que o desenvolvimento do sistema jurídico seja um desenvolvimento
dialético que poderíamos visualizar como espiralado. ]

Resumindo:

A descrição que apresentámos do critério do modelo quanto aos sistemas é uma


descrição introdutória e, portanto, visou apenas mostrar que temos vários tipos de sistema,
que até coevos (não há propriamente uma substituição de uns pelos outros em termos
cronológicos ou de subida de patamares), temos, diferentemente, vários tipos de sistema,
neste caso, vários modelos de sistemas jurídicos que vigoram contemporaneamente.

Os exemplos que nós demos foram:

A) Diz respeito aos sistemas jurídicos do pensamento moderno-iluminista, ainda no núcleo


do jusracionalismo, no final, e sobretudo, por excelência, ao sistema jurídico no pensamento
jurídico do normativismo positivista do séc. XIX.

É a identidade formal traduzida na relação estabelecida entre as normas, que no


fundo é a categoria substancial do Direito nesse normativismo positivista e de
conceitualização abstrata, dado o papel dos conceitos na congregação lógica entre as
normas. Aliás, os conceitos sendo produzidos por indução, a partir das normas, são
elementos agregadores lógicos/agrupamento lógico na categorização das diferentes figuras
jurídicas, podemos dizer p.e. no conceito de Contrato, é por indução obtida, nessa noção de
Contrato, aquilo que por dedução iremos encontrar nas diferentes normas que disciplinam as
relações jurídicas estabelecidas entre sujeitos (2 ou +), que se comprometem, mutuamente,
45
na produção de um determinado resultado.
Portanto, um conceito define a figura jurídica que, por indução, é retirada do
instituto que lhe corresponde e o instituto jurídico assumido como conjunto das normas que
regulam uma determinada figura jurídica.

Aqui ainda há que distinguir, na noção de instituto, a compreensão que a Escola


histórica do Direito apresentou de instituto, concretamente, a proposta de Savigny, porque
via no instituto o conjunto das práticas que constituem uma figura jurídica, p.e., o instituto
do casamento ou do Contrato, é o conjunto das práticas de vinculação livre de sujeitos para
a obtenção de determinado resultado. Já, diversamente, o instituto, no positivismo exegético
e em alguns autores o positivismo científico alemã, da escola da jurisprudência dos
conceitos, é o conjunto de normas que regulam uma determinada figura jurídica - é isso que,
sobretudo, se mantém como sentido de instituto jurídico.

B) Sistema polarizado numa unidade por redução a um único fundamento puramente formal

– Demos o exemplo do sistema de Kelsen – a pirâmide Kelseniana ou vértice na


Grundnorm.

C) Sistema funcionalmente esquematizado segundo relações sociológicas de “input –


output”

Isto já é uma reação à instrumentalização material que o Direito sofreu em algumas


compreensões das tais alternativas ao Direito, durante o séc. XX e, portanto, é uma reação
que visa reformalizar (é uma neo-formalização), porque vai atingir o objetivo da realização
da autonomia do Direito, mas não já pela via científica que o séc. XIX tinha assumido, mas
vai acabar por ver no Direito só o Direito positivo, por considerar que a dogmática é
científica construtivistica, portanto, de certo modo, há um regresso ao formalismo como
reação aos materialismos dos funcionalismos, que o séc. XX trouxe, enquanto superação do
Positivismo do séc. XIX.

D) Sistema de fundamentação

Vimos que já temos uma preocupação de distinção entre fundamentos e critérios e,


portanto, já não é um sistema cuja validade resulte da relação formal e/ou hierárquica e/ou
com catenação lógica, mais geralmente entre os seus elementos, mas um sistema visto
exatamente como substância do Direito. Só que, neste contexto, ainda é um sistema
constitutivo, i.e., é um sistema cuja constituição se dá a partir do sistema e o confronto com
a realidade é uma desimplicação, é uma consequência.

E) Sistema polarizado numa unidade normativa de dialética realização a posteriori e


regressiva

Temos um sistema material, de facto, um sistema que é substância ou conteúdo do


Direito, mas cuja realização é, então, regressiva e a posteriori, através da experiência,
46
porque o ponto de partida deixa de ser o sistema, para passar a ser o problema, i.e., o que vai
despoletar a reação do Direito é o tipo de problema que o caso concreto põe e é essa a via
que obriga, não apenas à constituição de Direito ex novo, mas à própria concretização e
reconstituição do Direito já vigente.

É nesta última experiência que se inclui a proposta jurisprudencialista de sistema


jurídico que nós iremos, mais aprofundadamente, analisar nesta Introdução ao Direito.

É quanto a este sistema que é possível dizer que, por contraposição ao Positivismo
do séc. XIX, portanto, fundamentalmente quanto ao modelo sistema da alínea a), que se diz
que é um sistema aberto (por contraposição ao sistema fechado do Positivismo), material
(por contraposição ao sistema formal do Positivismo), pluridimensional (por contraposição
ao sistema unidimensional do Positivismo) e de reconstituição regressiva a posteriori (por
contraposição à compreensão progressiva e de constituição ex novo do lado do sistema que
também caracterizava o Positivismo do séc. XIX, uma vez que o Direito era definido do
lado do sistema, antes lógico e cronologicamente antes, de qualquer eventual aplicação na
realidade.)

Este contraponto é muito rico para a compreensão da diferença entre estes sistemas,
i.e., se nós contrapusermos sistema aberto a sistema fechado… - quando estudamos o
Positivismo analisámos o facto de o Direito ser construído unilateralmente pelo sistema na
definição que estabelecesse, no fundo, a realidade juridicamente relevante é aquela que
estiver prevista no sistema e pelo modo por que o sistema a preveja. Ao mesmo tempo, é um
sistema fechado porque:

1º com este pressuposto, não vai admitir, por princípio, que a realidade seja
normativamente constitutiva.
2º não vai admitir que haja falhas, i.e., ausência de previsão.
Portanto, sistema fechado como a compreensão do sistema jurídico, na perspetiva
positivista, já que essa encerra em si aquilo que entende que deve ser juridicamente
relevante, portanto, pré-define a juridicidade antes da realidade (não quer dizer que isto seja
cronológico, necessariamente, mas é lógico, seguramente).

É claro que o Direito, no Positivismo, visa resolver problemas práticos, o modo


como pretende resolvê-los é que leva a que, p.e., eles não sejam analisados na sua
especificidade, mas sejam, antes, analisados na condição de se enquadrarem como espécies
do género que o sistema prevê.

Sintetizando, sistema fechado é a consideração de todo o Direito no sistema, o


sistema pré-define a juridicidade e, portanto, não vai dar relevância especifica
autónoma a cada caso concreto, vai é analisar se o caso concreto é uma espécie do
género daquilo que prevê, a que pretende dar relevância jurídica. Se não houver
nenhum mecanismo de auto-integração que possa responder, no fundo, o problema será
considerado juridicamente irrelevante.

47
Por outro lado, contrapondo esse sistema fechado, o sistema jurisprudencialista
como um sistema aberto. De facto, a consideração de que a realidade tem uma relevância
constitutiva autónoma, i.e., os problemas que se apresentam ao Direito são juridicamente
relevantes pelas suas características, digamos que o caso é juridicamente relevante, porque o
problema que põe é um problema que exige do Direito uma resposta, concretamente, é um
problema do tipo daqueles que o Direito pretende resolver, mesmo que não esteja
diretamente previsto no sistema.

Depois, o sistema formal do Positivismo constituído, exclusivamente, por normas,


mormente, no caso do Positivismo legalista quando for por leis (não é sempre assim, mas no
positivismo legalista foi assim).

Depois, um sistema jurídico que vai, não considerar a especificidade dos problemas,
mas fazer uma tipificação lógica que exige que os problemas sejam correspondentes, como
de espécie a género, à enunciação do sistema, a contrapor à compreensão do sistema
material, que o jurisprudencialismo vai assumir, dizendo, desde logo, que o sistema é a
organização interna do conteúdo do Direito.
Portanto, é um sistema que se pauta (não pela prescrição daquilo que deva ser
juridicamente relevante), mas precisamente pela valoração da prática e pelo diálogo com
essa prática, e é esse diálogo que lhe confere a sua especificidade, sendo que ao Direito cabe
fazer uma valoração própria, a tal reflexão crítica sobre a prática, à luz de um sentido de
validade que é especificamente jurídico.

Depois, o sistema unidimensional do Positivismo do séc. XIX, construído por um


único estrato – o das normas – porque os princípios gerais de Direito e os conceitos eram
elaborações lógicas obtidas a partir das normas. Portanto, um sistema unidimensional
composto exclusivamente por normas, ao passo que o sistema jurídico que o
jurisprudencialismo nos propõe assume um conjunto de estratos diversos – não é composto
unicamente por normas, embora naturalmente comporte normas legais, mas tem outros
estratos.

Depois, a tal ideia da construção progressiva do sistema, tal como está consagrado
para os factos, na perspetiva Positivista, e a construção regressiva a posteriori em sentido
kantiano, i.e., através da experiência na perspetiva jurisprudencialista.

2) Critério tipológico

Quanto ao critério tipológico há que distinguir “sistemas regulamentar” e “sistema


axiológico”:, por um lado, e “sistema normativista” e “sistema decisionista”, por outro
lado.

É claro que estas classificações, por estabelecerem categorias, ao mesmo


generalizações, são sempre, de certo modo, empobrecedoras de algumas características,
enquanto enfatizam outras, pois se o sistema regulamentar (não é um sistema de
regulamentos literalmente) é um sistema que se concentra, exatamente, na pré-objetivação
48
de uma planificação, i.e., é um sistema que se traduz na pré-definição dos critérios que irão
servir uma certa planificação ou programação.

A. “sistema regulamentar” e “sistema axiológico”

No sistema regulamentar, vamos ter uma regulação estabelecida previamente,


relativamente ao momento da sua mobilização, digamos que o sistema regulamentar é
criado antes e independentemente da realidade que possa vir a convocá-lo.

Assim sendo, teríamos sistemas regulamentares no Positivismo do séc. XIX, de


novo, mas também teremos sistemas regulamentares nos funcionalismos que assumam a
ideia de sistema e visem que as regulações que estabelecem sejam prévias à sua realização.
Só que a regulação que o Positivismo normativista estabelece é logicamente prévia e, nessa
sua previa determinação, encerra a sua universalidade racional (porque o Direito é norma e
essa afirmação de norma vai ser completamente independente dos objetivos que através dela
se pretendessem assumir, pois como já vimos no Positivismo, o Direito não se compromete
com o objetivo de quem no enquadramento dele age).
Já nos positivismos do séc. XX que sejam, no limite, inspirados pelos finalismos, i.e., as
construções que reduzem o Direito ao Direito positivo (até podem ser legalismos), mas que
aferem da validade do Direito, não pela sua estrita formalidade e também não pela sua
fundamentação, mas pelos objetivos que através dele é possível atingir, também assumirão
sistemas regulamentares. Portanto, ser regulamentar não significa, necessariamente, que seja
só positivista, significa é que é pré-objetivação de um programa a realizar, se o programa
vale em si e por si podemos ter um normativismo do séc. XIX (ou outro), se o programa
vale em função dos fins que através dele se pretende atingir, então teremos um
funcionalismo.
Mas ainda assim, em qualquer dos casos – regulamentação.

Contrapõe-se a esta ideia de sistema regulamentar, a de sistema axiológico, i.e., um


sistema assente numa referenciação a valores e, portanto, um sistema que faz assentar a sua
validade, não puramente na forma, não puramente nos fins que através dele é possível
atingir, mas nos valores em que se fundamenta. Portanto, agora, estamos próximos desta
axiologia material que o jurisprudencialismo afirma.

Se tivéssemos de dar um exemplo, no âmbito do critério do modelo, para o critério


tipológico, daríamos de exemplo de sistema axiológico o sistema da alínea d) “sistema de
fundamentação” e o sistema da alínea e) “sistema polarizado numa unidade normativa de
dialética realização a posteriori e regressiva”. Os anteriores seriam regulamentares, por
razões todas diferentes entre si.

B) “sistema normativista” e “sistema decisionista”

De outro ponto de vista, mas ainda neste critério tipológico e, portanto, ainda
seguindo a categorização de Leon Roussean, que está a inspirar aqui o Sr. Dr. Pinto Bronze

49
na exposição, temos um sistema que distingue, diferentemente, sistema normativista de
sistema decisionista.

Os sistemas normativistas são aqueles que naturalmente traduzem o Direito em


normas, normas que são pré-escritas e, sendo realmente normativistas, reduzem a análise do
Direito à correta compreensão da determinação dessas normas, portanto, concentram-se na
prescrição de normas.

Os sistemas decisionistas, por sua vez, concentram-se do lado da decisão, este


sufixo “-ismo” de decisionismo, implica uma redução, portanto, teríamos aqui uma redução
do sistema e até do Direito à decisão.

Mas o sentido que é aqui pretendido com esta distinção, portanto, também com esta
afirmação de sistema como sistema decisionista é, antes, a de assumir que, enquanto os
sistemas normativistas se concentram na criação e análise de normas e fazem propender o
Direito na norma – o Direito concentra-se na norma e a norma é o prius normativo, prius de
constituição, prius metodológico e prius de realização do Direito –, a norma define,
simultaneamente, o que é o Direito e como é que ele se aplica num sistema normativista
(não precisa de mais nada a não ser de um silogismo subssuntivo que a aplique).

Já o sistema decisionista, neste sentido, significa um sistema em que a tónica está


colocada na decisão e isso é que justifica que nós possamos falar de exemplos de sistemas
concentrados na decisão, desde logo, no sistema jurídico mais doutrinal em Roma, depois,
mais hermenêutico na Idade Média, mas muito concentrado na decisão (basta recordar o
papel da opinio communis doctorum na Escolástica medieval para vermos a relevância da
convocação de argumentos para a discussão das soluções das questiones mobilizadas; e
mesmo na esfera dos sistemas de common law, em que também temos um sistema a centrar-
se na decisão).
Portanto, quando se fala em sistema decisionista, neste sentido, especificamente,
que o Sr. Dr. Pinto Bronze está a mobilizar, não estamos a dizer que tudo se resume à
decisão, estamos a dizer que a tónica está colocada na decisão. Ao passo que, no sistema
normativista a tónica está colocada na prescrição de normas como o próprio nome indica.

3) Critério histórico:

O jusracionalismo e o normativismo

O critério histórico leva-nos a retomar o diálogo com os grandes períodos


históricos.

Sabemos que o sistema jurídico em Roma, no Direito Romano, era o sistema


pluridimensional e aberto, era o sistema composto por diferentes elementos (Costumei, Lei,
Jurisprudência e Doutrina), os casos tinham uma relevância crucial na constituição do
Direito. Essa tradição é só parcialmente assumida e assimilada na Idade Média, porque a

50
assunção que o Direito é norma vai-se fortalecer a partir da recuperação do corpus iuris
civilis, desde os finais do séc. XI, em Bolonha, e depois projetar-se por toda a Idade Média.

A evolução da ideia de sistema vai toda, historicamente, a partir daí, no sentido da


concentração na ideia de norma (não que a norma seja a única fonte de Direito, isso vai
acontecer no normativismo), desde a idade moderna que a concentração, sobretudo, porque
o ideário da construção da ideia de soberania e depois da ideia de separação de poderes, vai
dirigir-se no sentido de que quem cria o Direito é o legislador e quem aplica é o jurista
dissidente (o juiz – o poder judicial).

Este encaminhamento para que o Direito racionalmente constituído é o Direito


criado sob a forma de norma, leva a que, mesmo já nos jusracionalismos, i.e., nos
jusnaturalismos racionalistas que recusam, já, o estigma da experiência na construção da
ideia de Direito Natural e, portanto, veem o sistema de princípios de Direito Natural como
um sistema alheado/separado do sistema de Direito positivo, como um horizonte de
referência racional, com força até deontológica, mas que não se imiscui materialmente no
conteúdo do Direito Positivo – é uma referenciação pura a priori.

Daí para o normativismo, o passo é cortar com a fundamentação no Direito Natural


e, portanto, também no normativismo vamos encontrar a ideia de que o Direito é sobretudo
norma, que o sistema se concentra e se fecha em normas, só que desaparece a referência à
ideia de Direito Natural.

3.2) O sistema jurídico na sua compreensão e composição actuais – a sua análise:

a) O sentido do direito (a deveniente intenção irredutivelmente especificante da


normatividade jurídica) – remissão.

b) Os princípios normativos (o momento de validade da normatividade jurídica):

b1) caracterização normativa;


b2) os vários tipos de princípios jurídicos – alguns dos mais importantes
problemas implicados pela sua consideração;
b3) a sua constituição jurídica.

É claro que o sistema jurídico, tal como vamos agora analisá-lo, já constitui uma
das propostas de superação desta redução do Direito a norma, é uma dentre várias
soluções possíveis e, por isso, cumpre explicar como é que se constitui e porque é que se
constitui conforme vamos descrevê-lo.
Sendo um sistema pluridimensional, o sistema jurídico proposto pela perspetiva
jurisprudencialista abrange os estratos que podemos agora aqui analisar.

- O sentido do Direito (a deveniente intenção irredutivelmente especificante da


normatividade judicial) – remissão;

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- Os princípios normativos;

- As normas legais (o momento de imposição estratégico-política da normatividade


jurídica);

- A jurisprudência judicial;

- A dogmática;

- A realidade jurídica;

- As regras procedimentais.

Esta é a construção que o Sr. Dr. Pinto Bronze nos propõe, desenvolvendo já a
perspetiva que o Sr. Dr. Castanheira Neves nos apresenta, porque há aqui 2 especificações
que nos são trazidas pelo Sr. Dr. Pinto Bronze – esta autonomização que é a autonomização
do 1º estrato (o estrato do sentido) e a autonomização do estrato das regras procedimentais
– sendo que os 4 estratos que o Sr. Dr. Castanheira Neves inicialmente propôs (princípios
normativos, normas legais, jurisprudência judicial e a dogmática) vêm depois a ser
associados, ainda no âmbito do desenvolvimento do pensamento do Sr. Dr. Castanheira
Neves, pela realidade jurídica.
Portanto, vamos analisar este conteúdo explicando esta evolução e estas
diferenciações de modo, sobretudo, a compreendermos a inserção do sentido do Direito
como estrato autónomo.

O conteúdo constitutivo do sistema jurídico, segundo aquilo que a perspectiva


jurisprudencialista nos apresenta, implica distinguir estes estratos do sistema jurídico (7
diferentes estratos).
São, afinal, manifestações constitutivas do direito, que se interligam, dialeticamente,
garantindo, assim, a unidade ao sistema jurídico.

O sentido do Direito (a deveniente intenção irredutivelmente especificante da normatividade


judicial)

Pinto Bronze autonomiza este sentido do direito como uma remissão para a
referência à validade como dimensão fundamentante constitutiva do direito, a ideia de
validade especificamente jurídica, que foi desenvolvida, aqui, no âmbito da lição sobre
princípio normativo e, portanto, remetendo para essa construção de uma intencionalidade
irredutivelmente especificando da normatividade jurídica, uma intenção que é que é
especificamente jurídica de dentro, que é originariamente jurídica dada a a diferenciação
progressiva, historicamente, entre a intencionalidade jurídica e as intencionalidades de
outras ordens normativas e vê essa intenção como deveniente, porque, efetivamente, ela não
só não é necessária, como também não é estática e, portanto, é uma intencionalidade
constituendo, em contínua constituição.

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Isso significa que o sentido do direito, que está, aqui, autonomizado como estrato,
está, sobretudo enquanto pressuposto axiológico fundamentante de racionalidade, que
perpassa todos os outros estratos. Na verdade não faria sentido falar dos outros extratos sem
convocar o extrato do sentido do direito, este extrato assume-se como um pressuposto e
depois se vai derramando pelos extratos que se lhe segue.

O primeiro estrato é um pressuposto de fundamentação, manifestando o acervo


axiológico que serve de base de sustentação, enquanto sentido material, que nós analisamos
desde que estudamos o princípio normativo de direito e, portanto, esta autonomização,
enquanto estrato, visa frisar/acentuar a relevância do sentido no conjunto dos extratos do
sistema jurídico, um estrato pressuposto de fundamentação que vai derramar-se, como
sentido por todos os outros estados.

Entre estes extratos não se estabelece uma relação hierárquica, mas sim uma
relação que exige a distinção entre fundamentos e critérios - O fundamento assumido como
horizonte de referência, como base axiológica de fundamentação, ao passo que o critério é
um operador prático, diretamente mobilizável para a resolução de problemas.
O que nós vamos encontrar é uma relação de fundamentação, uma relação de
fundamentação porque os critérios, que são os operadores práticos diretamente mobilizáveis
para a resolução de problemas, buscarão a sua sustentação material, a sua fundamentação,
nos fundamentos, os horizontes de referência substancial de conteúdo, bases de sustentação,
que conferem sentido aos critérios - Os fundamentos não conferem resposta imediata para a
resolução dos problemas, mas sustentam o sentido de solução que os critérios, enquanto
mecanismos imediatamente mobilizáveis para a resolução de problemas, irão construir.

Posto assim, há que distinguir estratos de fundamentação, de estratos de critérios:

Os princípios normativos;

Nós vamos encontrar fundamentos neste sentido, mas também vamos encontrar
fundamentos no estrato dos princípios normativos.

Os princípios normativos são a manifestação da fundamentação da juridicidade


vigente, estão substancialmente ligados ao sentido, no fundo, são a expressão são a primeira
expressão do sentido, porque no estado dos princípios normativos nós temos uma filtragem
para o direito, através do sentido do direito, das valorações vigentes na comunidade.

Nota: No início, distinguimos 3 níveis da consciência jurídica geral - num primeiro


nível temos um consenso em torno da valoração relativa aos sentidos fundamentais para a
convivência pacífica, do ponto de vista jurídico. Este consenso é um crivo fundamental,
porque nem todas as valorações fundamentais para a convivência pacífica são jurídicas, mas
algumas são jurídicas e, portanto, consciência jurídica geral - um primeiro nível, e ainda de
certo modo contingente, daquilo que hão de ser os sentidos a assimilar, pelo direito, das
valorações vigentes numa comunidade.
Depois tínhamos um segundo nível de princípios e direitos fundamentais - Aqui já há uma
53
filtragem, uma filtragem, sobretudo, por via da institucionalização nos estados do direito,
institucionalizando certos conteúdos como princípios e direitos e deveres fundamentais
constitucionalmente.
Depois existe, ainda, um terceiro nível, que tem que ver com o horizonte
referência último, isto é, o reconhecimento recíproco dos sujeitos de direito como pessoas.

Voltando aos princípios normativos…

No princípio normativo nós vamos ter um fundamento, inspirado no sentido do


direito, todos os estratos do sistema estão inspirados no estrato do sentido, portanto, vamos
ter os princípios como a primeira filtragem inspirada no sentido do direito, daquilo que a
realidade propõe ao direito. Portanto, temos ali um primeiro nível fundamental, porque é a
grande reflexão sobre a fundamentação, sobre o sentido material, filtrada para o direito.

Os princípios normativos são, então, os sentidos fundamentantes do sentido prático


material do direito, são horizonte de fundamentação, que resulta dessa filtragem do
consenso axiológico, vigente na comunidade, para o sistema jurídico.

• Esta filtragem pode ser feita através do legislador, por exemplo, o legislador
constituinte que institucionaliza um determinado princípio, como princípio fundamental, o
caso do princípio da igualdade, por exemplo.

• Podem, também, os princípios normativos ser criados pela dogmática, o pensamento


jurídico propõe princípios novos, reflete sobre o conteúdo de princípio.

• Assim como podem, também, os princípios normativos ser criados a partir da


jurisprudência.

Quando se fala em filtragem, refere-se a uma determinada valoração social, ético


moral, económica (…) ser apresentada ao direito, refletida juridicamente à luz deste sentido
e vertida para um princípio, passando a ser um princípio jurídico, enquanto intenção prática
que constitui um fundamento normativo e constitutivo do direito.

Podemos dar exemplos:

Nós refletimos um pouco, introdutoriamente, sobre a delimitação do juridicamente


relevante, da juridicidade, tal como o senhor doutor Castanheira Neves no-la propõe. Ao
estabelecer que há uma dialética constitutiva do direito, que é fundamental para a sua
autonomização relativamente a quaisquer outras ordens materiais, que traduz a
bilateralidade atributiva e a comparabilidade, isto é, no direito há um crivo fundamental que
consiste na distinção entre o suum de cada um e a responsabilidade, isto é, a dimensão de
comune, a integração comunitária. E a filtragem, sobretudo, na limitação à limitação que a
integração comunitária apresenta ao sujeito no exercício da sua autonomia, o sujeito é
autónomo e o direito visa estabelecer as condições para que essa autonomia se desenvolva,
54
reciprocamente, ao ponto de estabelecer as limitações, e apenas essas, que sejam essenciais
para o desenvolvimento da autonomia dos outros sujeitos.
Isto significa que a delimitação do suum de cada um, com isso da relação entre o
suum e o comune, vai exigir, do ponto de vista substancial, quanto ao conteúdo, aquilo que
o senhor Castanheira Neves designa pelo princípio do mínimo, isto é, a definição do
conteúdo, do quantum de exigibilidade jurídica, que se impõe a cada sujeito.
Esta ideia de que há um conteúdo mínimo leva-nos, por exemplo, identificar o
princípio da proibição do excesso, enquanto dimensão do princípio de proporcionalidade,
em sentido amplo, que exige a articulação entre adequação, necessidade e proporcionalidade
em sentido estrito ou proibição do excesso. É típica da atuação do direito administrativo,
mas é típica de muitas outras dimensões do direito, desde logo, especificamente, ainda,
também, do direito penal, a intervenção mínima para a garantia do desenvolvimento da
autonomia dos outros sujeitos e, portanto, o princípio do mínimo como um princípio
fundamental, do ponto de vista do conteúdo, para a delimitação do direito, portanto, como
um princípio normativo primordial.
Este conteúdo juridicamente exigível há de ser reconhecível através de um
esquema formal e institucionalizado, através do princípio da formalização, quanto ao modo
e à estrutura, para que todos conheçam os limites do juridicamente exigível - é o que
acontece, se quisermos, do ponto de vista do direito administrativo, para darmos o exemplo
correspondente ao princípio da proporcionalidade, neste sentido, quanto ao princípio da
legalidade administrativa, segundo a qual (podemos ir a Constituição artigo 267º) a
administração age no enquadramento e prosseguindo a intenção da lei perspectiva

Existem outros, o princípio da legalidade criminal é outro exemplo de concretização


do princípio da formalização; O princípio da boa fé - relevância do sentido a material,
objetivo e subjetivo da boa-fé ; O próprio princípio do estado de direito, como manifestação
crucial de um princípio normativo

Assim, temos aqui os pilares substancialmente constitutivos da juridicidade.


Encontramo-nos na caracterização normativa dos princípios normativos, mas
haverá ainda algo mais a acrescentar, antes de avançarmos para esse outro tanto que há a
dizer, desde logo, quanto à classificação dos princípios ano no sistema jurídico.

Quando falamos dos princípios normativos, aqui, enquanto fundamentos materiais


cuja constituição jurídica, efetivamente, se manifesta como acima referido, estamos a falar,
então, dos fundamentos materiais que sustentam a construção de critérios. Depois vamos
encontrar critérios no estrato das normas legais, no estrato da jurisprudência, porque as
decisões judiciais podem constituir constituir critério para a resolução de casos futuros, que
na altura são presentes, assim como nos modelos dogmáticos e teremos critérios também
nas regras procedimentais.
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Na realidade na realidade jurídica, vamos encontrar a realidade dos casos, mas
como também vamos encontrar aquilo que se diz “law in action”, manifestações de
constituição do direito, pelos sujeitos, na composição das suas relações jurídicas,
nomeadamente, no âmbito do direito disponível, aí também vamos encontrar novamente
alguns critérios, pensemos, por exemplo, no direito que resulta da celebração de um
contrato, que vincula os sujeitos, tem critérios e não tem que ser a transcrição da lei e,
portanto, teremos aí o estrato da realidade a constituir direito.

Patamar da fundamentação

Patamar que congrega o sentido do direito e o estrato dos princípios normativos.

Olhando para os princípios normativos, quanto à sua constituição jurídica e à sua


caracterização normativa, analisemos a diferença entre princípios normativos, princípios do
direito natural e princípios gerais de direito:

Os princípios do direito natural são fundamentações, em alguns casos


especificamente jurídicas, noutros de ordem ético moral, que sendo externas ao direito
positivo, são, portanto, heterónomas, impostas de fora ao direito positivo, e traduzem um
horizonte ideal, podem ser histórico ou ahistórico, mas são sempre referências de ordem
normativa externa, impostas de fora ao direito positivo.
Portanto, os princípios normativos do que estamos a falar não são princípios do natural
porque eles são originário e intencionalmente, especificamente, jurídicos, quando surgem já
são jurídicos, porque eles resultam exatamente da filtragem para o direito de outras
valorações, que possam ter origem étnica ou social, ou então são mesmo princípio técnicos
que têm origem diretamente de dentro do direito.

Os princípios normativos também não são, por outro lado, princípios gerais do
direito. Enquanto que os princípios normativos de que estamos a falar são referentes
axiológicos, materiais sustentadores/fundamentantes do direito positivo, direito positivo
enquanto critério, porque eles são direito positivo enquanto fundamento, eles já são
jurídicos, são fundamentos dos critérios, desde logo, os critérios são consequências desses
fundamentos e portanto, os critérios resultam dos princípios, logo, as normas legais são
criadas a partir de princípios, devem obedecer aos princípios, os precedentes judiciais, as
decisões judiciais, quando são elaboradas podem ser elaboradas a partir de normas, mas não
são nunca elaboradas só a partir de normas, é preciso convocar outras decisões judiciais, as
soluções de dogmática e os princípios normativos e, portanto, o sistema jurídico funciona
sempre em continua constituição dialética. Isto significa que os princípios, enquanto
fundamentos, são a base de sustentação e de constituição dos críticos, logo, as normas legais
são criadas a partir dos princípios e, por isso, consequentemente, os outros estratos do
sistema igualmente, são criados a partir dos princípios, enquanto critérios que concretiza.

Já nos princípios gerais de direito, no modo por que o positivismo do século XIX os
constituiu, o sentido originário da ideia de princípios gerais de direito: aí temos os
56
princípios como abstracções generalizantes retiradas de conjuntos de normas, isto é, os
princípios gerais de direito são criados a partir das normas, diríamos, simplificando que de
um conjunto de normas que trata de uma determinada problemático, ou visa uma
determinada referência jurídica, abstrai-se um princípio geral de direito. Uma operação de
análise jurídica, nesta primeira fase e, depois, de concentração lógica, na abstração.
Podemos simplificar, dizendo que os princípios gerais de direito, sendo abstracções
generalizantes obtidas a partir das normas, primeiro, têm como matéria-prima as normas,
segundo, sendo só abstrações generalizantes, do ponto de vista substancial, nada de novo
trazem relativamente às normas, são como que normas mais gerais e mais abstratas, são
enunciados mais abrangentes do que as normas, que não visam conferir solução direta para
problemas práticos, mas que permitem agrupar em sentido lógico um conjunto de normas, e
que podem ser, eventualmente, mobilizados em caso de ser necessário convocar analogia
iuris - na perspectiva positivista, se perante um caso omisso, uma lacuna, um facto não
previsto na hipótese de uma norma, não fosse possível proceder à integração através da
submissão desse facto omisso à hipótese de uma norma que previsse um facto análogo,
quando não fosse possível a analogia legis, recorresse à analogia iuris, a remissão direta, por
indução, aos princípios gerais de direito que se debruçassem sobre a área do direito em que
se inserisse o facto omisso.
Para já, o que importa reter é que os princípio gerais de direito, na perspetiva
positivista, são abstrações generalizantes, obtidas a partir das normas e, neste sentido,
substancialmente, não trazem nada de novo relativamente às normas, são apenas
desimplicações lógicas.
Enquanto que os princípios gerais de direito são criados a partir das normas, os princípios
normativos não são criadas a partir das normas, contrariamente, as normas é que são criadas
a partir dos princípios normativos e obedecem-lhes, quer na sua criação, quer na sua
interpretação e consequente mobilização como critérios.

Os princípios normativos não são normas:

A norma é, não apenas, uma ordenação normativa para a ação, como é uma
ordenação normativa para a ação que visa oferecer uma resposta, diretamente mobilizável,
para responder aos problemas a que se dirige, é um critério. Ora, um princípio normativo
não é um operador diretamente mobilizável para tal, o princípio é a tal referência axiológica
fundamentante, em que a norma se inspira, o princípio fundamenta a norma e limita-a,
positiva e negativamente. O que confere validade a uma norma legal é a adequação do seu
sentido material ao princípio/os em que se fundamenta.

Assim, os princípios normativos (fundamentos) não se confundem com normas


legais (critérios).

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Distinção entre princípios como ratio, princípios como intentio e princípios como ius:

Princípios como ratio:

Serão os princípios que acabamos de identificar como princípios gerais do direito


do positivismo do século XIX, isto é, são emanações racionais que resultam de abstração
generalizante, obtidas a partir das normas, mas que são construções lógicas e não têm uma
densificação material diferente ou mais enriquecedora ou sustentadora da validade das
normas.

Princípios como intentio:

Permitem-nos considerar a existência de princípios, que sendo extra-jurídicos, por


exemplo, princípios morais, adquirem juridicidade e passam a ser jurídicos se e quando
forem convocados para a resolução de um problema concreto (para uma decisão judicial) ou
para a construção de uma lei.
Além de que podem, numa fase intermédia, ainda não como jurídicos, auxiliar na
interpretação de uma norma. Porém, enquanto não forem projetados para a lei ou utilizados
para a resolução de um problema judicial não terão juridicidade.

Isto significa que quando afirmamos que os princípios normativos, no sentido da


perspetiva jurisprudencialista, são originariamente direito (ius), estamos a posicionar-nos
numa posição distinta, porque mesmo que eles tenham origem em valorações comunitárias
extra-jurídicas, ao serem assimilados para o direito, não significa que estejam a ser
assimilados para o direito positivado imediatamente — Os princípios normativos quando
estão a ser mobilizados, mesmo que a consciência da sua mobilização ocorra no momento
da construção de uma lei ou de uma decisão judicial, não passam a ser norma, continua a ser
um princípio – agora, um princípio sob a forma de norma.
Nos sistemas de legislação como o nosso, a consagração sob a forma de norma garante
certa e segurança quanto: à juridicidade do princípio e quanto aos seus contornos (qual o
conteúdo e fronteiras formais da exigência).

Quando o direito aborda o princípio e o filtra e o toma para si, como que esse
princípio assume uma outra figura, isto é, passando a ser construído do ponto de vista
jurídico, o seu conteúdo e os seus limites formais passam a ser aqueles que o direito lhe
confere. O princípio normativo como ius, quando se forma e quando o pensamento jurídico
o cria já o cria jurídico.

Exemplo: O princípio da igualdade pode ter conteúdo e contornos formais distintos do


sentido que podem assimilar noutras ordens normativas práticas (ético-morais, por
exemplo). A própria ideia de justiça, do ponto de vista jurídica, implica a pressuposição do
sentido do direito na abordagem da valoração. É isso que faz desses valores princípios
normativos, como que se transmutam em princípios jurídicos, como princípios normativos.

58
Os princípios normativos são princípios que exprimem o sentido de direito e que,
também, projetados como princípios vigentes, serão princípios do direito. É preciso,
também, verificar que o facto de os princípios normativos poderem ser positivados sob a
forma de norma legal, não lhes altera a sua natureza, permanecem sendo princípios. Daí que
tenhamos, na nossa Constituição, múltiplos princípios consagrados sob a forma de norma
constitucional e continuam a ser princípios (estão sob a forma de norma). Os princípios são
jurídicos, porque são princípios normativos.

Aula 07/04

Algumas notas essenciais:

Na última aula, o tema que estávamos a considerar era o do sistema jurídico e


tendo caraterizado este sistema, genericamente, considerando-o como um sistema
polarizado numa unidade normativa de dialética realização à posteriori e regressiva, vimos
o seu conteúdo e identificámos sete estratos.
Começámos por referir o sentido do direito enquanto a construção intersubjetiva da
normatividade jurídica – a intencionalidade normativa que o sistema jurídica encerra e
transmite. Avançámos para o momento da validade nos princípios normativos.

Enquanto princípios normativos, reconhecemos uma manifestação da


fundamentação material do direito vigente, partindo de uma distinção que apresentámos –
entre fundamentos e critérios, que nos levou a dizer se o sentido do direito perpassa todo o
sistema, o estrato do princípios normativos propõe-se apresentar, cristilizadamente, o
sentido normativo que o direito vai estabelecer, numa certa evolução e historicidade
constitutiva. Esta cristalização não implica uma solidificação – o sentido dos princípios
normativos é, como todos os outros, constituendo e, portanto, eles estão em continua
dialética e dialógica constituição.

Os princípios normativos implicam que reconheçamos que não estamos perante


nem princípios de direito natural, nem perante normas legais — a distinção entre
fundamentos e critérios leva-nos a essa conclusão.

Os princípios são, antes manifestações do sentido material do direito que não


oferecem operadores diretamente mobilizáveis para problemas concretos, ou seja, não
oferecem sentidos de solução, em termos imediatos, para os problemas práticos. Porém,
ainda assim, não são, também, de utilização residual ou supletiva (não são convocados
apenas se e quando não haja norma ou outros critérios).
Antes, estão sempre presentes, quer do ponto de vista da constituição do direito a
partir da compreensão dominante num sistema de legislação, da construção através da lei,
mas não apenas da lei, também da constituição do direito feita quer ao nível da dogmática
jurídica, quer ao nível da decisão judicial.

Significa isto que os princípios normativos, que se se nos apresentam como direito,
fazem-nos perguntar pela sua juridicidade e pela sua justiciabilidade.
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Quanto à juridicidade dos princípios temos de ter em conta quer a origem, quer a
sua densificação normativa – ser um princípio de direito implica, desde logo, que não
estejamos a falar de meros valores, mas de filtragem para o sistema jurídico do sentido de
alguns valores, aos quais vai referida uma compreensão de determinação da
intersubjetividade, do ponto de vista do direito.
Esta é uma opção histórico-civilizacional que faz com que um mesmo princípio possa não
ter o mesmo conteúdo em todos os locais e em todos os tempos. Ao mesmo tempo que nem
todos os princípios estarão vigentes em todos os ordenamentos jurídicos. Significa isto que
para falarmos da juridicidade dos princípios temos que os ver tanto como princípios de
direito, tanto como princípios do direito.

Como princípios de direito estamos a considerar os princípios normativos como


manifestação do sentido de direito histórico-culturalmente constituendo – são os princípios
enquanto manifestação da ideia de direito, com diferentes densificações. Para se nos
apresentarem como princípios de direito hão de os princípios corresponder, do ponto de
vista normativo e prático:

" A uma consonância de fundamentação, ou seja, o princípio há de ser manifestação do


sentido normativo último do direito;

" A uma consonância de função, isto é, o princípio há de corresponder à reflexão sobre a


juridicidade e a delimitação da intersubjetividade jurídica, num certo contexto em que se
afirma como vigente. Temos uma referência à operatividade prática – os princípios hão de
ser valorações de juridicidade, que se possam dizer mobilizáveis para a resolução de
problemas práticos, que exigem uma resposta do direito.

Princípio do direito: temos de considerar os princípios do direito, de uma certa


normatividade vigente. Contextualmente, pode dizer-se válido e eficaz, num concreto
sistema jurídico.

Além do problema da juridicidade dos princípios, temos de considerar o problema


da justiciabilidade dos princípios, ou seja, a constatação efetiva de que são princípios
suscetíveis de serem mobilizados para a construção de uma decisão judicial e que o sejam
efetivamente.

Significa que os princípios normativos não cumprem uma função meramente


subsidiária, mas estão sempre presentes, quer no momento de constituição e construção da
legislação, quer na realização concreta daquela criação, mas que, simultaneamente, é ela
própria normativamente constitutiva.

Com isto se diz que o relevo metodológico dos princípios normativos implica que
estejam sempre presentes no momento da realização judicativa do direito, quer haja, quer
não haja critério suscetível de ser imediatamente mobilizado como modelo de resolução
para o problema concreto.
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Isso significa que os princípios normativos, enquanto fundamentos, são referente
essencial quer tínhamos critérios que diretamente possam ser mobilizados para resolver o
problema concreto (por exemplo, se o critério for uma norma legal, os princípios são uma
referência importante e fundamental na própria interpretação da norma legal), quer não
exista critério pré-disponível no sistema para responder àquele problema concreto, sendo
que, uma vez comprovada a relevância jurídica desse problema concreto, haverá que
constituir um critério para a sua resolução e isso possa implicar a convocação direta do
princípio normativo para essa construção.
Para intensificar a importância fundamentante dos princípios normativos, cumpre
classificá-los considerando os critérios que nos são propostos:

Classificação dos princípios jurídicos

Critérios propostos:

1. Posição no sistema jurídico:


- Princípios positivos; Princípios transpositivos; princípios suprapositivos.

2. Modo de objetificação:
- Princípios normativos escritos e (ainda) não escritos.

3. Intencionalidade normativa:
- Princípios normativos abetos e em forma de norma.

4. Origem normativa:
- Princípios que são imediatas explicitações da normatividade da ideia de direito;
Princípios que assimilam juridicamente valores e padrões ético-sociais; Princípios que
se revelam originária e especificamente jurídicos.

1. Posição no sistema jurídico:


- Princípios positivos;
- Princípios transpositivos;
- Princípios suprapositivos.

Cumpre ter em atenção o que são os princípios normativos, de facto.

Nem todos os princípios normativos são imediata manifestação do sentido último da


ideia de direito, porque, em alguns casos, são concretizações de outros princípios, esses sim
correspondendo a todo o sistema jurídico e, como tal, a qualquer área dogmática do direito.
Por isso, cumpre compreender, por um lado, a relação que se estabelece entre os diferentes
princípios e, por outro lado, a relação entre os princípios e os outros estratos
(nomeadamente, à luz da relevância que possam ter em termos práticos na fundamentação
dos outros estratos).

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Este critério tem uma relevância crucial na delimitação recíproca da relevância dos
diferentes princípios e no próprio tratamento do problema da fundamentação do direito,
mais amplamente.

Quando falamos na posição que os princípios normativos ocupam no sistema


jurídico, estamos a considerar princípios que diretamente emanam de, e manifestam, o
sentido último do direito e esses serão os pilares fundamentais do ordenamento jurídico
vigente, que depois, irão concretizar-se para as diferentes áreas dogmáticas, sendo que não
necessitam de estarem positivados sob a forma de norma para serem considerados princípios
normativos (princípios jurídicos e juridicamente vinculantes).

Isto requer que compreendamos de que falamos quando estamos a considerar estes
princípios:

Princípios Suprapositivos (pilares fundamentais de todo o ordenamento jurídico):

Os que emanam diretamente da ideia de direito e se manifestam diretamente como


horizonte da referência última da juridicidade.

Estes princípios suprapositivos são a manifestação imediata e mais próxima da


afirmação da ideia de direito globalmente considerada. São os princípios que determinam o
sentido material e formal da juridicidade.

Quando analisamos a construção do princípio normativo do direito – distinguimos o


polo de suum (de afirmação da autonomia e com isso as exigências da igualdade) do polo do
commune (da afirmação da responsabilidade como contra polo que exige do direito uma
resposta e que faz com que a intersubjetividade jurídica se distinga de quaisquer outras
intersubjetividades) – vimos que a delimitação da juridicidade assenta na distinção entre os
dois polos e na necessidade de estabelecer os limites materiais e formais do juridicamente
exigível.
Se ao direito cabe a delimitação de uma intersubjetividade específica, essa em que
se confronta a autonomia e a responsabilidade, de modo a delimitar a atuação dos sujeitos
numa convivência pacífica, do ponto de vista do juridicamente relevante, sabemos que os
princípios vão ser, então, manifestação dessa relação entre autonomia e responsabilidade e
sê-lo-ão independentemente do nível, da posição que ocuparem no sistema jurídico.
Porém, há princípios que são imediata e global manifestação do sentido do direito
num certo sistema jurídico. Portanto, princípios que se referem imediatamente à relação
entre autonomia e responsabilidade como delimitação última da bilateralidade característica
do direito.
Sabemos que no polo do suum encontramos as exigências fundamentais da tutela da
autonomia dos sujeitos e sabemos que no polo do commune, enquanto manifestação de
responsabilidade – de integração comunitária que traduz uma responsabilidade – constitui
um limite à afirmação do polo do suum.
Se ao direito cabe a definição dessa relação entre autonomia e responsabilidade, é
necessário conhecer os limites que cada uma dessas dimensões implicam para que a
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intersubjetividade jurídica possa constituir-se e desenvolver-se. Significa isto que, nesse
primeiro horizonte de referência, em que os princípios são imediata emanação do sentido do
direito, enquanto princípios suprapositivos, vamos encontrar a delimitação de polo de suum
e do polo de commune, assumindo que se o polo do commune, que institucionaliza a
responsabilidade é um limite ao polo do suum, esse limite não pode ser indefinido e
ilimitado.
Assim sendo, no polo do commune vamos encontrar, do ponto de vista formal e
substancial, a definição de princípios que constituem, que mostram os limites do limite que
o polo do commune, enquanto institucionalização da responsabilidade, constitui à
autonomia dos sujeitos.

Os princípios fundamentais da igualdade e da responsabilidade que são, do ponto de


vista teórico e metodológico, considerados princípios suprapositivos (princípios que
perpassam todo o sistema jurídico como horizontes de referência último da manifestação da
ideia de direito), então do lado da responsabilidade, vemos concretizados enquanto limites à
responsabilidade, o princípio do mínimo quanto ao conteúdo e o princípio da formalização
quanto à estrutura, ao esquema e forma.

O princípio do mínimo estabelece a definição do conteúdo juridicamente exigível,


será o mínimo para a manutenção de garantia da realização recíproca das autonomias e para
que esse conteúdo da exigibilidade jurídica seja conhecido, o princípio da formalização
define os limites dessa responsabilidade.

Princípios transpositivos:

Aqueles que sendo concretização dos princípios suprapositivos, se apresentam como


pilares fundamentais de cada área dogmática e, por isso, apresentar-se-ão como condições
normativo-transcendentais do sistema jurídico vigente, iluminando cada área dogmática.

Ao nível dos princípios transpositivos, encontramos nas diferentes áreas do direito


diferentes realizações deste sentido dos princípios do mínimo e da formalização. Os
princípios vistos como suprapositivos irão projetar-se nos diferentes domínios/áreas do
direito em distintos princípios.

Os princípios transpositivos, em concretização dos princípios suprapositivos, são


condições transcendentais (condições de possibilidade) em termos materiais, em termos
formais, do sentido e da inteligibilidade da área do direito a que respeitam. São os pilares
fundamentais de cada área do direito vigente.

Exemplos:

Se há pouco vimos o princípio do mínimo como um princípio suprapositivo,


poderemos ver a concretização, sobretudo no direito público (direito constitucional, direito
administrativo) desse princípio do mínimo ao nível do princípio da proporcionalidade.

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Considerando as suas dimensões de necessidade, adequação e proporcionalidade em
sentido estrito, em que se mostra que do ponto de vista do conteúdo a intervenção há de ser
a mínima para aquele específico domínio do direito público.
Com isto, teremos o princípio da proibição do excesso como uma manifestação do
princípio suprapositivo do mínimo.

Enquanto manifestação de princípio transpositivo do princípio da formalização


temos, por exemplo, um pilar fundamental de delimitação de responsabilidade, para a área
do direito penal, no princípio da legalidade criminal (nenhuma ação ou omissão pode ser
considerado como crime se não estiver como tal prevista em lei prévia à sua verificação que
a defina como tal).
Este princípio da legalidade criminal mostra-se como um pilar fundamental,
condição de inteligibilidade, até, do próprio direito penal. Não o compreenderíamos
enquanto última ratio da prática intersubjetiva, não fora esta exigência do princípio da
legalidade criminal. Temos a delimitação institucional ao nível da forma de procedimento da
intersubjetividade.

Temos outro exemplo de concretização do princípio transpositivo do princípio


suprapositivo da formalização que é, de facto, o princípio do caso julgado.

São transpositivos, porque estando embora sobretudo nos sistemas constitucionais


tais como o nosso ordenamento jurídico vigente manifesta, se encontrem consagrados em
norma legais e constitucionais, não são fundamentais por estarem consagrados em normas
constitucionais e, desse ponto de vista, significa que ser transpositivo não necessita de estar
positivado para ser juridicamente vigente. Embora no ordenamento em que nos
encontramos, na maioria, o estejam, sendo uma garantia da efetividade.

Princípios Positivos:

Já os princípios positivos não constituem pilares essenciais e/ou condições de


inteligibilidade num certo domínio do direito. São princípios que manifestam a
concretização do sentido do direito a níveis mais operativos.
Por essa razão, os legisladores tendem a consagrá-los sob a forma de norma e
positivadamente. Consagram-nos legislativamente, sobretudo, porque haveria a
possibilidade de, sem pôr em causa a índole da área do direito que respeitam, ainda assim,
continuassem a ser considerados normativamente adequados.

Isto significa que há princípios que o direito vigente consagra, de forma explicita ou
implícita, isto é, que o sistema jurídico se vê constrangido a objetivar, porque outras
alternativas seriam possíveis no enquadramento da mesma área do direito, sem que essa área
do direito ficasse posta em causa. Isso não aconteceria com o princípio da legalidade
criminal, se este fosse posto em causa, deixaríamos de ter a exigência da previsibilidade da
classificação das ações ou omissões como crime.

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Exemplo:

Artigo 219º do CC estabelece o princípio da liberdade de forma ou da


consensualidade dos negócios jurídicos, estabelecendo que, em princípio, os negócios
jurídicos serão válidos, independentemente da forma que revistam.
A exigência de forma para todos os negócios jurídicos, poderia não pôr em causa a
índole do direito das obrigações, mas colocaria, efetivamente, muitos obstáculos, até
logísticos, à celebração de qualquer negócio jurídico.
Imaginemos termos de redigir um contrato escrito cada vez que comprássemos um
café.

Aula 08/04

2. Modo de objetificação:
- Princípios normativos escritos e (ainda) não escritos.

Os princípios normativos escritos, naturalmente, aqueles que o legislador entendeu


positivar, são-no, as mais das vezes, por razões de certeza e de segurança, i.e., de facto num
sistema de legislação como aquele em que nos encontramos, a consagração escrita dos
princípios, assumam eles estritamente a forma de norma ou não, implica que haja um maior
conhecimento e, com isso, uma maior certeza quanto ao seu conteúdo substancialmente e
quanto à sua delimitação formalmente.

Há, porém, princípios que não estão escritos, não se encontram escritos ou ainda
não se encontram escritos.

Falar de princípios ainda não escritos, não significa que estejamos a


considerar apenas uma questão de tempo para os princípios passarem a escritos. Ainda que
possamos assumir essa passagem à forma escrita como uma tendência típica dos sistemas de
legislação, a verdade é que há princípios, de facto, não escritos – é o caso do princípio da
confiança, que não está expressamente assim definido legislativamente – e que estão, por
regra, numa fase da sua constituição em que ainda se encontram em constituição, o que
significa que são princípios que se vão propondo a partir das reflexões que,
progressivamente, se vão fazendo sobre o sentido e fundamento da juridicidade e, portanto,
há princípios que vão surgindo na dogmática – princípio do racionamento, princípio da
tolerância e o princípio do poluidor pagador.

Ora, estes princípios de origem dogmática, em alguns outros casos, princípios de


origem jurisprudencial, pelo menos numa certa fase do seu desenvolvimento/densificação
mantém-se como princípios não escritos, porque o que confere aos princípios normatividade
e positividade jurídicas é (não o facto de estarem escritos) o facto de serem suscetíveis de
serem mobilizados como fundamento para a realização do Direito.

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Vimo-lo a propósito da justiciabilidade dos princípios, na possibilidade de convocar
os princípios para a orientação da resolução de problemas judicativamente considerados, os
problemas decidendos/concretos.
Esses princípios ainda não escritos mostram-se relevantes em qualquer momento do
desenvolvimento constitutivo do Direito e, portanto, quer no momento da dita criação,
desde logo, legislativa quer no momento da realização judicativa, também ela constitutiva
de Direito.

3. Intencionalidade normativa:
- Princípios normativos abetos e em forma de norma.

Associada a esta, encontramos ainda a classificação à luz da intencionalidade


normativa dos princípios.Encontraremos princípios abertos e princípios em forma de norma.

Naturalmente, a abertura pode ter que ver por um lado com a fase de
desenvolvimento e, portanto, com o facto de ainda não estarem escritos (conjugando com a
classificação anterior) mas, também, com as possibilidades que abrem e que podem nem
sempre estar consagradas em forma de norma, p.e., as possibilidades abertas pelo princípio
da igualdade, que estando em forma de norma, ainda não ficam aí fechados, i.e., há outras
possibilidades que podem surgir no enquadramento do Direito vigente.

Ora, os princípios abertos podem ser, ainda assim, (como há pouco foi mencionado
para os princípios não escritos) operadores mobilizáveis para a resolução de um problema
concreto, no sentido de fundamentação ou orientação fundamentante da resolução desses
mesmos problemas.

É claro que, além desses princípios abertos, que podem estar ou não escritos,
porque a verdade é que nós temos princípios consagrados sob a forma positivada, e que não
assumam, propriamente, a forma de norma no sentido de operador diretamente mobilizável
para resolução de problemas concretos. Quando se diz, p.e., no art. 13.º/2 CRP que ninguém
pode ser privilegiado ou discriminado em função de um conjunto de critérios que se
encontram lá descritos, aí não temos ainda o sentido de resolução de um problema concreto,
mas temos um princípio normativo escrito.

Ora, se o princípio tiver, efetivamente, forma de norma em sentido estrito, vai


assumir-se na prática como um operador diretamente mobilizável para resolver um
problema concreto, mas isso não significa que se transformou/transmutou em norma, i.e.,
um princípio consagrado em forma de norma continua a ser um princípio, ainda que ele na
prática possa ser mobilizado como se fosse uma norma.

2 exemplos fundamentais neste contexto:

1º – Princípio da consensualidade ou da liberdade de forma dos negócios jurídicos (art.


219.º CC) – este dá-nos a resposta imediata à pergunta “este negócio jurídico é valido?”,
embora não revista, p.e. forma escrita.
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2º – Art. 1306.º CC estabelece que todas as restrições ao direito de propriedade que não
estejam positivadamente consagradas terão apenas relevância/força obrigacional em termos
práticos, só são considerados direitos reais, i.e., iura in re, e, portanto, como direitos
absolutos, aqueles direitos que tenham essa qualidade positivada. Portanto, aqui temos esse
princípio do numerus clausus ou princípio da tipicidade (há diferenças entre eles), esse
princípio do numerus clausus dos direitos reais é um dos exemplos de que há princípios que
estão consagrados sob a forma de norma, porque aí temos efetivamente a resposta imediata
a um problema.

Citando, especificamente, o 1306.º/1 CC “Não é permitida a constituição, com


carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito
senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não
esteja nestas condições, tem natureza obrigacional”. — Aqui temos, de facto, uma resposta
imediata para a construção da solução de um caso concreto.

Ora, ainda nesta distinção há outros princípios que, estando positivados, poderão já
constituir, ainda que não completamente, resposta para problemas concretos. Mas a verdade
é que não completamente, vejamos no art. 29.º/1 CRP ou no art. 1.º/1 CP, que estabelecem o
princípio normativo transpositivo, que é o princípio da legalidade criminal. Mas a verdade é
que ainda não são critérios, efetivamente, para resolução de problemas concretos (estão num
nível intermédio) porque acabam por, depois, precisar de concretização nas diferentes
normas penais incriminadoras e demais normas instrumentais da sua aplicação para que se
efetivem na prática.

4. Origem normativa:

- Princípios que são imediatas explicitações da normatividade da ideia de direito;


- Princípios que assimilam juridicamente valores e padrões ético-sociais;
- Princípios que se revelam originária e especificamente jurídicos.

Além deste critério, temos ainda o critério da origem normativa, um tema que
retomamos e que já tratámos noutras perspetivas, nomeadamente, até a propósito da questão
dos diferentes níveis da consciência jurídica geral, que se conjugam aqui, de certo modo,
sobretudo com o surgimento de princípios que assimilam juridicamente padrões e valores
ético-sociais.

Neste critério da origem normativa encontramos então:

!Princípios que são imediatas explicitações da normatividade da ideia de direito:


p.e., o princípio da igualdade e o princípio da responsabilidade a corresponderem à dialética
suum/ commune. Estes são realmente imediatas explicações do sentido do Direito e,
portanto, princípios que dominam todo o sistema jurídico.

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!Princípios que assimilam juridicamente valores e padrões ético-socias: resulta de
referências práticas, como é o caso do princípio da boa-fé, depois projetado para o Direito, a
sua relevância objetiva e depois verificação subjetiva.

!Princípios que se revelam originária e especificamente jurídicos: i.e., aqueles que,


tecnicamente, surgem já do crivo jurídico, que sobre a realidade se apresenta, é o caso do
princípio da não retroatividade e da não transatividade das leis, é o caso dos princípios da
culpa, do dispositivo, do contraditório (audiatur et altera pars), o princípio do caso julgado,
o princípio transpositivo.

Ora, com isto temos já, aqui, um elenco de classificações dos princípios normativos
que corrobora e reforça, assim, o sentido que lhes reconhecemos como compromissos
práticos que, simultaneamente, constituem fundamento e elemento crucial do sentido
normativo do Direito.

O estrato dos princípios normativos goza, assim, de uma presunção de validade, i.e.,
concentra-se na dimensão de fundamentação axiológica do Direito (que já vínhamos
considerando desde o estrato do sentido), a presunção de que os referentes de
fundamentação são materialmente válidos, i.e., os valores que o Direito apresenta como seus
fundamentos ou que absorve da realidade social e filtra para o sistema jurídico como
fundamentos presumem-se válidos.

É claro que isto não significa que os princípios normativos sejam universais e muito
menos intemporais.
Se a universalidade for reconduzida ao contexto comunitário ou societário a que
corresponde o sistema jurídico em vigor, ou mesmo ao conjunto cultural a que corresponde
o sistema jurídico em vigor, nitidamente, aí teremos uma ideia de propensão/ tendência para
uma afirmação universal contextualizada do sentido do princípio e até como ideal a atingir
como nós também o reconhecemos.

Ora, porém, não é garantido que numa matriz cultural radicalmente diversa um
mesmo princípio, até com o mesmo nomen, tenha o mesmo conteúdo ou que o mesmo
princípio se encontre.
E, portanto, o sentido que o Direito assume em termos culturais marca,
decisivamente, todas as suas dimensões, começando por esta da fundamentação material.

Assim, esta presunção de validade, que não implica, então, universalidade, também
não implica intemporalidade. Aliás, os princípios normativos são eles próprios, como todo o
Direito, como toda a prática em geral, princípios continuamente constituendos.
Portanto, neste sentido, vamos encontrar uma maleabilidade e uma historicidade
intrínseca ao próprio dos princípios, que leva a que esteja em continua discussão o seu
conteúdo. Alguns princípios serão mais estáveis no tempo, outros mais mutáveis e, portanto,
mais discutíveis, mas nem há sequer uma ligação necessária entre um princípio e a sua
velocidade de desenvolvimento, já que o diálogo com a realidade é crucial para a
compreensão do sentido desse princípio e do relevo das suas exceções
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[. Não é pelo facto de encontrarmos, neste momento em que estamos em Estado de
Emergência, exceções a alguns princípios, como sejam p.e., o princípio fundamental que
confere a liberdade de circulação. Não é por existir uma exceção que muda o sentido do
princípio e os princípios estão em contínua evolução, o que leva a que p.e., o princípio da
igualdade vá sofrendo alterações, ao ponto de se reconhecerem, consoante a evolução
histórica, diferentes compreensões do que seja a igualdade e a desigualdade juridicamente
relevantes e tuteláveis.
O caso p.e. de se ter alterado o regime em função de alterações ao direito civil e,
primordialmente, ao direito constitucional, após a Revolução do 25 de abril de 1974 no
âmbito do Direito de Família, que levou a que p.e. se deixasse de tratar diferentemente
filhos nascidos na constância do casamento e filhos nascidos fora do casamento, implica
exatamente uma absorção pelo Direito do sentido diverso do princípio da igualdade.
Portanto, aqui temos como os princípios estão em continua evolução. De modo mais
longínquo e, também, mais genérico, o sentido do princípio da igualdade que o liberalismo
projetou, desde logo, na DDHC é diferente do princípio da igualdade que vamos encontrar,
dadas as especificidades que os desenvolvimentos posteriores implicaram, na DUDH.
Se nos recordarmos do sentido do princípio da igualdade na linha ascendente da OJ
e na linha descendente da OJ a igualdade está sempre presente na linha de base, na linha
ascendente e na linha descendente, mas sempre em sentidos distintos e implicando
diferentes meios para atingir, enquanto objetivo, e simultaneamente como fundamento da
construção do sentido do Direito.
Daí esta presunção de validade e, simultaneamente, a presunção assumindo-se
efetivamente, i.e., presume-se que os princípios normativos são válidos, mas a sua evolução
também mostra que o seu sentido pode de facto alterar-se. Isso sucede muitas vezes e tem
relevância metodológica essencial.
De facto, e acentuando, os princípios normativos têm uma relevância metodológica
crucial, não têm uma mera função subsidiária, i.e., não são convocados quando não haja
critério, são sempre convocados para a resolução de um problema jurídico concreto.
Portanto, se há critérios eles devem ser interpretados à luz dos princípios, se não há
critérios pode ser necessário convocar diretamente os princípios.]

As normas (o momento da imposição estratégico-política da normatividade jurídica)

Um operador prático imediatamente mobilizável para a realização do Direito crucial


num sistema jurídico de legislação é, de facto, o conjunto acervo de normas legais.

As normas legais como operadores práticos diretamente mobilizáveis para a


resolução de problemas concretos são os critérios que, por excelência, em termos práticos,
se nos apresentam quer como fonte do Direito, quer como critério de resolução de
problemas concretos juridicamente relevantes, no contexto do sistema de legislação em que
nos encontramos.

Olhamos, então, primeiro, para as normas legais como critérios, sem esquecer nunca
que o facto de as mobilizarmos em primeiro lugar não lhes confere uma precedência
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hierárquica relativamente aos outros critérios, aliás, na mobilização do sistema jurídico para
a resolução dos problemas concretos, todos os critérios hão de ser mobilizados, quer as
normas, quer os exempla (quer os precedentes judiciais, enquanto resultado do trabalho da
jurisprudência judicial, quer os modelos dogmáticos). Portanto, a própria interpretação das
normas, que no sistema de legislação, obrigatoriamente, terão de ser consideradas no
momento da resolução judicativa dos problemas concretos, mas não o são isoladamente,
são-no sempre à luz dos princípios normativos e, também, da reflexão que sobre elas existe
do ponto de vista jurisprudencial e do ponto de vista dogmático.

Portanto, nós estamos num sistema de legislação, as normas têm de ser sempre
consideradas, mas isso não significa que tenham de ser sempre obrigatoriamente aplicadas.

Na proposta que estamos a analisar, sendo as normas legais critérios fundamentais,


porque estamos num sistema de legislação (e isso é crucial), elas não operam isoladamente
na resolução de problemas juridicamente relevantes.

Mas olhemos para as normas, agora, mais detidamente, considerando-as quer


enquanto critério de determinação na sua relevância, no seu momento de índole sociológica,
na determinação até da relevância jurídica dos factos e atos jurídicos, que ganham essa
relevância na relação com a previsão do Direito positivo.

Depois a norma como critério de valoração e, agora, já no seu momento


axiologicamente prático, no seu sentido especificamente jurídico.
E, ainda, e consequentemente, como critério de decisão, a posição que a norma assume no
momento judicativamente prático.

Olhando para as normas enquanto momento de objetivação da normatividade


jurídica sob a forma de lei (lei como norma – norma legal), temos aqui, de facto, uma
ligação fundamental entre o sentido do Direito e a necessidade de implementação de
programas práticos e de realização de projetos de diversa índole, sobretudo, de índole
estratégico política (construção do Direito que provém da atuação do poder legislativo –
normas legais).

1. A sua estrutura lógica (a hipótese e a estatuição)

Sabemos que a norma tem 2 dimensões fundamentais: uma hipótese ou previsão e


uma estatuição ou injunção ou consequência.

Tem ainda, em alguns casos, feito referência expressa a um elemento de ligação


entre estas duas dimensões, mas essas duas são as dimensões substanciais, por um lado, e
formalmente por outro, essenciais à constituição de uma norma.
Substanciais porque, de facto, a norma enquanto critério que dá norma para a ação
(critério normativo para a ação juridicamente relevante) há de efetivamente apresentar uma
hipótese/ descrição da realidade a que se dirige e uma estatuição – apresentação da

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consequência jurídica da verificação em concreto da realidade que descreve da hipótese em
abstrato.

2. A sua índole normativa: “posterius” problemático-normativo e não puramente “prius”


prescritivo

No que diz respeito à sua índole normativa, a norma é um critério geral e abstrato e,
portanto, que visa aplicar-se a todos os sujeitos que estejam na situação por ela prevista,
geral.

Estabelece uma padronização de casos, uma tipificação de situações, não se dirige


a casos concretos, não trata de casos concretos no seu enunciado, vai tratar de casos
concretos no momento da sua realização. Portanto, não prevê casos concretos, faz uma
tipificação da realidade e por isso é abstrata.

Esta sua caracterização mostra-nos que, de facto, a norma com esta sua estrutura
formal e no modo por que a identificamos enquanto geral e abstrata, foi já vista como a
premissa lógica pré-estabelecida/ pré-positivada/ pré-escrita para uma eventual posterior
aplicação lógico-dedutiva.

Ora, neste sentido (especificamente estamos a considerar as compreensões


normativistas do séc. XIX) a norma apresentar-se-ia aí como um “prius” normativo, i.e., a
definição do Direito ex ante relativamente à sua aplicação e como “prius” metodológico.

“Prius” normativo – a definição em geral e abstrato ex ante relativamente ao


momento da aplicação do sentido da juridicidade relevante.
“Prius” metodológico (metódico) – Trata-se de um elemento cristalizado como
mecanismo necessário para a aplicação lógico-dedutiva, porque no momento da projeção do
Direito na realidade o que nós teríamos seria a pré-definição da juridicidade na norma e a
necessidade de verificar se a realidade seria ou não uma espécie do género que a norma
descrevesse, sendo-o seria feita uma aplicação lógico-dedutiva sem que a realidade tivesse
qualquer relevância normativamente constitutiva na relação que estabelecesse assim com as
normas.

Diríamos, se pudéssemos ilustrar graficamente, a norma está no sistema, antes e


independentemente da sua aplicação aos factos e aplicação aos factos traduzida no
silogismo subssuntivo implica que a norma saía do sistema, seja lógico-dedutivamente
aplicada aos factos e regresse incólume (sem qualquer alteração) ao sistema, sendo que a
decisão traduzida na aplicação lógico-dedutiva estaria fora do sistema – seria uma projeção
do sistema na realidade, mas ficaria de fora do sistema, tal como a realidade está fora do
sistema.

Ora, é totalmente diferente a proposta que estamos aqui a considerar e é isso que
nos leva a considerar que a norma não é um “prius” prescritivo, quer do ponto de vista

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normativo quer do ponto de vista metodológico, é, antes, um “posterius” problemático-
normativo.
Isto porque, primeiro que tudo, o ponto de partida para a apresentação da problemática da
juridicidade, i.e., para o surgimento do Direito é, não a definição ex ante do sistema jurídico
e a delimitação unilateral pelo sistema jurídico da relevância jurídica, mas antes, o ponto de
partida encontra-se no caso decidendo.

Seguindo a proposta que o Sr. Dr. Castanheira Neves, o Sr. Dr. Pinto Bronze e o Sr.
Dr. Aroso Linhares nos apresentam, nós podemos concluir que o que nos leva à
consideração e à tomada de consciência da existência de problemas jurídicos é exatamente a
índole dos problemas.
Há certos problemas que são juridicamente relevantes e são-no, não por estarem
previstos numa norma de um sistema jurídico, mas pela interpelação que apresentam ao
sentido do Direito — podem ou não estarem previstos numa norma.

Num certo enquadramento cultural há certos problemas que se nos apresentam


como juridicamente relevantes e é essa a pergunta fundamental que se vai apresentar ao
Direito.

Ora, isto ainda nos leva um pouco mais longe: a considerar como é que, além esta
dimensão intencional de índole normativa, como é que os elementos constitutivos das
normas jurídicas legais se nos apresentam e que relevância prática têm.

3. Os elementos normativos constitutivos das normas jurídicas legais


– Elemento racional ou fundamento e elemento imperativo ou autoritário

De facto, a norma tem uma dimensão ou elemento imperativo ou autoritário, por um


lado, e um elemento ou dimensão racional e de fundamentação, por outro.
Quanto à dimensão autoritária ou imperativa, estamos a falar de normas legais,
estamos a falar de leis – a lei é o resultado da atuação do poder legislativo – e, nesse
sentido, apresenta-se-nos como uma prescrição imperativa, legitimada pelo órgão de que
emana.

Neste sentido, as normas legais apresentam-se-nos enquanto critérios com uma


determinação prescritiva de autoridade, já que provém do poder politicamente legitimado
para tal que é o poder legislativo, portanto, neste ponto de vista temos a norma como
imperativo.

Mas a norma não é só um imperativo, a norma é em si um critério de valoração e


um critério judicativo. Um critério de valoração da prática na intencionalidade jurídica que
encerra e, com isso, e consequentemente, um critério judicativo – um operador prático para
a resolução de problemas juridicamente relevantes.

Ora, quando estamos a considerar a norma jurídica enquanto critério normativo,


estamos a considerá-la ainda como lei, mas, agora, já do ponto de vista do seu conteúdo –
72
essa dimensão legal passa a ser vista como um pressuposto e a norma está, agora, a ser
perspetivada com critério normativo, ou seja, olhamos agora para o interior da norma, o seu
sentido interno.

No seu sentido interno nós vamos encontrar uma dimensão racional pragmática e
uma dimensão racional de fundamentação, é isso que nos leva a distinguir desde logo a ratio
legis e a ratio iuris de uma norma:

Ratio legis de uma norma – Prende-se com a consideração do seu objetivo, da sua razão de
ser, é isso que está em causa quando analisamos a dimensão pragmática assente na relação
que a norma estabelece com a realidade, i.e., a norma é uma resposta para problemas da
realidade e, nesse sentido, tem uma dimensão prático-pragmática, uma ratio legis.

Ratio iuris de uma norma – Dimensão racional de fundamentação em que encontramos o


confronto entre a teleologia pragmática, o sentido normativo prático-pragmático da norma
(ratio legis) e o sentido do direito que a fundamenta que reside nos princípios normativos e,
por intermedio destes, no tal estrato do sentido do Direito que o Sr. Dr. Pinto Bronze
autonomiza.

Ora, a relação que está subjacente à ratio legis é a relação entre a norma e a
realidade. A relação que está subjacente à ratio iuris é a relação entre a norma e os
princípios normativos em que ela se fundamenta (é um problema de validade).
A ratio iuris de uma norma é a interpelação pelo sentido de validade normativa
desse norma, i.e., a sua adequação substancial ao sentido dos princípios em que se
fundamenta.

A norma há de ser a concretização do(s) princípio(s) normativos em que se


fundamentam e é essa relação que estabelece a sua validade ou invalidade, se não for essa
concretização devida. Neste sentido vemos, de facto, que uma das dimensões que vamos
analisar, a questão da interpretação conforme aos princípios, é que as normas legais não
podem ser consideradas em qualquer dimensão, i.e., quer enquanto prescrição do
juridicamente relevante, quer enquanto critério de resolução de problemas concretos, não
podem ser consideradas isoladamente, i.e., a norma legal só faz sentido em relação com a
realidade a que se dirige, por um lado (dimensão prático-pragmática), mas, também,
conjugadamente na sua relação com os princípios normativos que a fundamentam
(dimensão de validade ou ratio iuris).

O Sr. Dr. Castanheira Neves, numa imagem profícua, diz-nos que as normas legais
são sempre duplamente transcendidas, a montante pelos princípios normativos em que se
fundamentam e a jusante pela realidade prática a que se dirigem.
De um lado, temos a maior riqueza axiológico-normativa dos princípios, que são o
estrato axiologicamente mais rico, mas, também, o menos denso do ponto de vista estrutural
sobretudo. O estrato mais denso será o das normas, porque é o único tem o suporte textual
composto pela estrutura que acabámos de referir (hipótese e estatuição). Ainda que não
fiquemos adstritos aos sentidos literais, tem uma intencionalidade normativa específica que
73
é aquela e fica cristalizada no momento da positivação. Daí que depois o problema do
desenvolvimento dos princípios normativos no tempo possa gerar problemas quanto ao
sentido interpretativo das normas.

Por agora, cumpre reconhecer a norma na sua ratio legis (dimensão prático-
pragmática), na sua ratio iuris (dimensão de fundamentação de validade normativa).
É crucial esta distinção para compreendermos não apenas a índole, mas também a
relevância pratica dos princípios (Como? Em que sentido? Com que papel prático os
convocamos?) para a resolução judicativa de problemas práticos.

Posto isto, temos aqui uma caracterização das normas legais, em geral, e cumpre
acrescentar que, de facto, concluímos que a norma legal goza de uma presunção de
vinculação e de vigência normativa que os estratos do sistema jurídica nos apresentam
auxiliam-nos muito na compreensão da sua intencionalidade e do seu conteúdo.
Portanto, há realmente a presunção de validade dos princípios normativos vai agora seguir-
se uma referência absolutamente distinta a uma presunção de autoridade das normas
legais.

As normas legais gozam de uma presunção de autoridade, em função da relação


entre o seu conteúdo normativo e a legitimação da instância de que emanam (uma sem a
outra não faz sentido, i.e., presunção de autoridade das normas não faz sentido sem a
presunção de validade dos princípios).
Há aqui esta relação dialética que, aliás, é a garantia de unidade racional e da
validade do sistema jurídico, é crucial em todos os estratos.
A própria dimensão de abertura do sistema jurídico ver-se-á em todos os estratos,
vimo-lo nos estratos dos princípios normativos na relação que estabelece com as valorações
vigentes na comunidade e que vai filtrando e, portanto, que vai discutindo e que vai
selecionando para princípios normativos. Vêmo-la no estrato das normas legais, na relação
que estabelece com o legislador e a realidade e a necessidade de responder normativa e
pragmaticamente à realidade. Vêmo-la, também, na relação entre as normas e os problemas
concretos no momento da realização judicativa.

" A presunção da autoridade das normas em conjugação com a presunção de validade dos
princípios é crucial para a compreensão da relevância normativa constitutiva e prática
realizanda do sistema jurídico.

O passo seguinte é, porém, ainda no contexto das normas analisar algumas


classificações possíveis das normas legais. Vamos analisar 4 critérios de classificação das
normas legais a partir do livro de “Introdução ao Estudo do Direito” do Sr. Dr. Santos
Justo, páginas 146 e seguintes.

74
Classificação das normas legais
- Algumas classificações

Estas classificações são uma proposta, entre outras possíveis, que parte da classificação do
Dr. Santos Justo.

1. Quanto à estrutura ou módulo lógico e à independência ou auto-subsistência da


solução-conteúdo (plenitude do sentido)

" Normas autónomas;


"Normas não autónomas: normas remissivas explícitas, normas remissivas implícitas
(ficções, presunções iuris tantum e presunções iuris et de jure);
"Proposições não normativas: definições legais, classificações legais; regras meramente
qualificativas.

Considerar a estrutura ou módulo lógico conjugada com a independência ou auto-


subsistência da solução-conteúdo já implica conjugar 2 dimensões.

A classificação das normas legais quanto à estrutura implica que se distingam normas
completas de normas incompletas:

Normas completas: São as normas que compreendem uma hipótese e uma estatuição.
Normas incompletas: São as que não contêm toda ou parte da hipótese, ou não contêm toda
ou parte da estatuição.
Há normas legais que remetendo quanto à hipótese para outras normas, não assumem a
descrição da hipótese no seu texto e apenas nos apresentam a estatuição. Assim como
também há normas que apenas apresentam previsão, como as normas programáticas e,
portanto, não apresentam estatuição.

Quanto à independência ou autosubsistência as normas completas serão autónomas e as


normas incompletas serão normas não autónomas.

75
Normas autónomas:

A norma, no seu sentido estrito, é uma prescrição para ação que contém uma descrição da
realidade e a apresentação da consequência da verificação dessa descrição da realidade.

" As normas autónomas são estruturalmente e substancialmente autónomas, expressam


sentido completo, têm um conteúdo independente de outra normas e produzem efeitos só
por si.

Exemplo: Uma norma penal incriminadora.

Normas não autónomas:

Normas remissivas explicitas, normas remissivas implícitas, ficções, presunções iuris


tantum e presunções iuris et de jure:

" As normas não autónomas necessitam de outras normas que lhes complementem o seu
conteúdo, não possuem um sentido completo e não produzem efeitos só por si.

Dentro destas, há alguns exemplos:

- Normas remissivas explicitas e normas remissivas implícitas:

Normas que remetem para outras normas que lhes vão complementar o
conteúdo e essa remissão tanto por ser expressa (refere expressamente a norma ou
normas para que remete), como implícita.
As normas remissivas explicitas podem ser globais, as regras de conflitos,
sobre a aplicação de leis no espaço, são normas remissivas, remetem para um certo
ordenamento jurídico nacional ou outro.
De facto, as normas remissivas explicitas podem remeter para um artigo da
mesma ou de outra lei, como podem remeter em bloco, para um instituto ou até para
um diploma legal. Por exemplo, no âmbito do artigo 939º do CC – aplicabilidade das
normas relativas à compra e venda a outros contratos onerosos - refere-se a um
instituto de compra e venda - remissão.
Já as remissões implícitas não remetem expressamente para outra norma, mas
estabelecem, na sua prescritividade, que para se compreender o sentido daquela
norma seja necessário recorrer a outras. Portanto, vai remeter para uma situação que
é regulada por outras normas, ou vai exigir que uma certa situação seja tratada como
outra, apesar de não o ser.

- As presunções são uma ilação entre factos desconhecidos e factos conhecidos:

A presunção é uma ilação retirada de um facto conhecido para admitir a eventual


verosimilhança de um facto desconhecido.

76
Do ponto de vista jurídico, apresentam-se-nos, assim, partindo do artigo 349º do CC
— consideração de que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto
conhecido para firmar um facto desconhecido.

Quanto ao seu autor, podem ser legais (feitas pela lei) ou judiciais (feitas no
contexto da decisão judicativa) - 350º e 351º do CC.

As presunções legais podem ser ilidíveis, ou seja, postas em causa e consideradas


simples, admitem prova em contrário (iuris tantum), ao passo que as presunções judiciais
(iuris et de jure) são inilidíveis e absolutas.

Neste sentido, consideramos alguns exemplos que nos permitem considerar o que está em
causa:

- Artigo 1260º do CC – Posse de boa-fé: A presunção iuris tantum encontramos no artigo


1260º, n. º2, do CC. O n.º 3 reflete uma presunção iuris et de jure, absoluta.

Efeito imediato das presunções (349º,350º,352º) - inversão do ónus da prova - quem


tem a seu favor uma presunção escusa de provar o facto que ela conduz. O ónus da prova
intende sobre quem vai ter de rebater essa presunção afirmando a inexistência do direito.

São recursos que o ordenamento jurídico utiliza para efetivar as suas prescrições e,
assim, estabilizar as relações jurídicas.

Se nas presunções temos uma ligação entre um facto conhecido e um facto


desconhecido, noutro recurso, as ficções legais, não há ligação entre facto conhecido e facto
desconhecido, mas sim a certeza de que aquilo que se ficciona não ocorreu, isto, também
por razões de possibilidade de prova e efetivação das prescrições jurídicas.

Na ficção, o legislador assume como existente um facto que não aconteceu, que é
desmentido pela realidade, para poder permitir a efetivação de direitos.

As ficções são completamente estranhas à verosimilhança, porque, de facto, vai


tratar-se como certo um facto que a realidade desmente. Estas ficções mostram-nos a
possibilidade de se efetivarem as prescrições jurídicas e, com isso, garantir a realização de
direitos.

Por exemplo:

- Artigo 805º do CC – momento da constituição in mora (momento a partir do qual o


devedor se considera atrasado no cumprimento). O exemplo que queremos é o do artigo
805º, n.º 2, al. c), do CC. Se o devedor impedir a interpelação, considerando-se
interpelado neste caso na data em que normalmente o teria sido - devedor que
fraudulentamente cria mecanismos para evitar a interpelação, para que assim não possa
ser constituído in mora. Nesse caso, o legislador considera in mora na data devia ter sido.
77
Proposições não normativa:

Além das presunções e das ficções, temos as proposições normativas:

- Vamos encontrar definições legais, classificações legais, regras meramente qualificativas:

- Definições legais: Enunciados definidores, através dos quais o legislador procura tornar
menos incerta a atividade interpretativa - certeza do sentido das diferentes figuras
jurídicas.

A definição não dá norma para a ação, só define a figura, daí ser uma proposição não
normativa.

Ex.: Artigo 202º do CC – define “as coisas” ;

- Classificações legais:

Ex.: Artigo 203º do CC – apresenta a classificação das “coisas”;

- Regras meramente qualificativas: São normas que assentam na qualificação de certas


relações jurídicas.

Ex.: Artigo 1722º do CC.

2. Quanto à articulação ou coerência sistemática (âmbito de validade espacial e âmbito


pessoal de validade):

" Critério da “especialidade” territorial: normas universais; globais ou nacionais; normas


regionais e normas locais.
"Critério da “especialidade” material: normas gerais ou comuns; normas especiais; normas
excepcionais.

- Critério da “especialidade” territorial:

Quanto ao âmbito de validade espacial normas universais, globais ou nacionais;


normas regionais e normas locais - vários âmbitos de vigência das normas.

As normas universais, globais ou nacionais são aquelas que se aplicam a todo o


território em que vigora um determinado sistema jurídico. Ex.: Leis da AR.

As normas regionais só se aplicam em determinadas regiões. Ex.: normas


específicas das Regiões Autónomas.

78
As normas locais são aquelas que se aplicam apenas numa localidade, por exemplo,
nas autarquias.

- Critério da “especialidade” material:

Do ponto de vista material ou pessoal temos normas gerais ou comuns, normas


especiais; normas excecionais.

As normas gerais ou comuns são aquelas que estabelecem um regime regra para um
tipo de relações jurídicas situadas numa determinada área do direito e se aplicam sempre
que não haja norma especial ou excecional aplicável.

As normas especiais são aquelas que não contrariando substancialmente os


princípios consagrados pelas normas gerais, as normas os adaptam a determinadas espécies
de relações jurídicas marcadas por um circunstancialismo particular. Ex.: Direito comercial
relativamente ao direito civil.

As normas excecionais são aquelas que consagram um regime oposto ao regime


regra, para um setor mais restrito de relações jurídicas. Tem que ver com exigências
especificas de cada setor do ordenamento jurídico. Ex.: artigo 219º CC — execro sempre
convocada do contrato de compra e venda de bens imóveis, nos termos do artigo 875º que
estabelece a exigência de forma - só é valido se for celebrado por escritura pública ou
documento particular autenticado.

— As normas excecionais serão estabelecidas para situações que o justificam e, sempre que
não haja norma excecional, presume-se que se aplicará o regime regra.
Aula 14/04

3. Quanto ao vínculo lógico com a ação (relação) combinada com a perspetiva da


autonomia privada (relação com a vontade dos destinatários):

"Normas imperativas, injuntivas ou cogenses – precetivas e proibitivas;


"Normas permissivas ou dispositivas – facultativas ou concessivas ou atributivas,
interpretativas stricto sensu, supletivas.

Avançamos para a consideração da relação entre a norma e a vontade dos


destinatários, o vínculo lógico da norma com a ação (relação) a que vai dirigida, combinada
com a perspetiva da autonomia privada, a relação entre a norma, a prescrição normativa e a
vontade dos destinatários.

Veremos que há circunstâncias em que a norma se impõem, independentemente da


vontade dos destinatários, e, portanto, em que as normas são efetivamente imperativas, não
está na disponibilidade dos seus destinatários dispor diferentemente nas relações jurídicas
que entre si se estabeleçam, mas há normas, noutros casos, em que, efetivamente, é possível,
no âmbito da disponibilidade dos sujeitos da relação jurídica, estabelecer um regime
79
jurídico diferente daquele que a norma legal define e, por isso, passa a ser considerada uma
definição de normas dispositivas.

Temos, então, neste critério do vínculo lógico com a ação (-relação) combinada com
a perspetiva da autonomia privada, dois grandes tipos de normas:

Por um lado, normas imperativas, injuntivas ou cogenses;

Por outro, normas permissivas ou dispositivas.

Normas imperativas, injuntivas ou cogenses:

A aplicação destas normas (porque tal como o próprio nome indica elas são
imperativas) não depende da vontade dos sujeitos seus destinatários, isto é, estas normas
impõem-se independentemente da vontade dos destinatários, isto é, estas normas exigem um
comportamento e essa exigência não pode ser afastada por qualquer disposição que os
sujeitos da relação jurídica em concreto estabelecessem entre si.

Significa isso que, naturalmente, temos aí normas de fundo, são as normas cruciais
no estabelecimento das exigências que o direito apresenta às relações jurídicas.

Dentro destas, vamos encontrar normas que exigem/impõem um comportamento


positivo, um facere — são as normas ditas preceptivas — são preceitos que, efetivamente,
os sujeitos estão constrangidos a cumprir, no sentido positivo de facere.
Quaisquer normas que determinem que é obrigatório, por exemplo, o uso de mecanismos
de segurança específicos no âmbito do código da estrada, por exemplo, o cinto de
segurança, temos aí já uma norma imperativa preceptiva.

E no caso em que o cumprimento exigido é um incumprimento negativo, um non


facere, teremos normas proibitivas e, portanto, aí teremos, então, as normas que proíbem
uma conduta.
Podemos permanecer no código da estrada e dar como exemplo as normas que
proíbem a ultrapassagem em determinados locais.
Temos outros exemplos, olhemos para o exemplo do direito penal, e no direito penal
vamos encontrar, nas normas penais incriminadoras, normas imperativas que, de facto, ao
criminalizarem uma conduta positiva, uma ação, a proíbem porque a criminalizam, assim
como ao criminalizar uma omissão, (omissão de auxílio é um tipo legal de crime) estão
também, a proibir essa omissão, exigindo à contrario um comportamento positivo.

Aqui temos exemplos de normas imperativas, injuntivas ou cogenses. Se estas


situações não estão na disponibilidade dos sujeitos intervenientes nas relações jurídicas,
outras há em que, efetivamente, há uma margem, sobretudo no domínio da autonomia
privada, (como vimos, aliás isso está referido na própria designação do critério em que os
sujeitos) em que os sujeitos podem livremente compor os conteúdos das relações jurídicas
que estabelecem entre si.
80
É aí que nós vamos encontrar normas que não se impõem pelo modo por que, as
últimas que referimos, imperativas, se impõem, o que não significa que não sejam
vinculativas:

São essas as normas permissivas ou dispositivas, normas que permitem


comportamentos e que admitem que os sujeitos, no âmbito da sua disponibilidade, e dentro
dos limites que a ordem jurídica estabelece, definam o conteúdo das suas relações jurídicas.

Portanto, temos aqui normas permissivas ou dispositivas, que conferem permissões,


ou que podem ser até um limite, até ao limite das normas imperativas, podem ser
substituídas pela livre composição que os sujeitos confiram à relação jurídica que
estabelecem entre si, e estas dir-se-ão:

- Por um lado, facultativas ou concessivas ou atributivas;


- Por outro interpretativas em sentido estrito (em stricto senso);
- Por outro, supletivas, portanto, três grandes.

As normas facultativas ou concessivas ou atributivas são aquelas que permitem ou


facultam certos comportamentos, reconhecendo determinados poderes ou faculdades.
Vejamos, por exemplo, a norma concessiva ou atributiva, estabelecida pelo artigo 1305º do
Código Civil, que define o conteúdo, as faculdades jurídicas secundárias que compõem o
direito de propriedade ao admitirem, ao conferirem ao proprietário o poder de usar, fruir e
dispor da coisa, objeto do direito de propriedade.
Isso significa ter-mos, realmente, uma norma que é atributiva ou concessiva, pois
que concede essa extensão (direito de propriedade é o direito real mais amplo daí que seja
também paradigma dos direitos reais) ao conceder: (1305 do CC) “O proprietário goza de
modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe
pertencem dentro dos limites da lei e com observância das restrições por elas impostas”. A
norma é dispositiva ou concessiva até ao limite das normas imperativas.
Essa conceção, exatamente nesse sentido, implica que, de facto, o proprietário goze
dessas faculdades, embora não tenha que estar continuamente a exercê-las e, nesse sentido,
aí vemos como uma norma é facultativa ou concessiva.

Por outro lado, temos ainda, as normas que são interpretativas de outras normas, são
normas que delimitam, que estabelecem o sentido com que outras normas ou expressões ou
declarações negociais podem valer, ou seja, determinam o alcance e o sentido de certas
expressões ou normas legais, para delimitar o âmbito da sua vigência e, portanto, também
aplicabilidade em termos genéricos.

Exemplo: Nós analisámos na última aula a noção de definições legais e um dos exemplos
possíveis de definição legal é aquele que consta no artigo 1022º do Código Civil: temos a
noção de locação, “locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à
outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição”. No artigo 1023º, encontramos
uma norma interpretativa do artigo 1022º, o artigo 1023º tem por epígrafe “Arrendamento e
Aluguer” e consagra que a “locação diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel,
81
aluguer quando incide sobre coisa móvel”, aqui temos a interpretação, a norma
interpretativa, no artigo 1023º, da noção conferida pelo artigo 1022º.

Além destas, temos as normas supletivas da vontade que exatamente suprem a falta
da manifestação de vontade dos sujeitos intervenientes na relação jurídica das partes, sobre
determinados aspetos que necessitam, da perspetiva do ordenamento jurídico, de regulação.

Temos, então, normas supletivas, que realmente vêm suprir a falta de manifestação
de vontade dos sujeitos da relação jurídica, em matérias que a ordem jurídica reputa
essenciais para a definição daquela relação jurídica. Significa que há normas que o direito
estabelece, que sendo supletivas, isto é, admitindo que os sujeitos disponham
diferentemente na relação jurídica concreta e, portanto, cabem dentro das normas
dispositivas, se aplicam sempre que os sujeitos nada disponham relativamente ao tema, à
matéria a que se referem, quer seja por que os sujeitos concordam com o que está
estabelecido na norma dispositiva supletiva da vontade, quer por que por alguma razão,
incluindo a de lapso ou esquecimento, não tenham tratado na formação, na celebração da
relação jurídica, mormente do negócio jurídico em causa, esse ponto específico, e daí que
sejam supletivas.

Há portanto, de outro modo, normas legais que se estabelecem, são previstas no


ordenamento jurídico, deixando margem aos sujeitos a que se destinam para dispor
diferentemente nas concretas relações jurídicas que celebram entre si, aplicando-se, porém
sempre, e aí vinculativas, na situação em que os sujeitos da relação jurídica nada disponham
quanto à matéria sobre que versam essas normas supletivas, já que elas tratam pontos
considerados essenciais pelo ordenamento jurídico para a identificação e efetivação daquela
concreta relação jurídica.

Exemplo: O regime jurídico de bens no casamento:

O nosso ordenamento jurídico estabelece três modalidades de regimes de bens de


casamentos: o regime da comunhão geral de bens, o regime da comunhão de bens
adquiridos e o regime da separação de bens, mas não exclui até que por convenção até
nupcial se estabeleçam outros regimes mistos, sempre no limite das normas imperativas.
Se não houver convenção antenupcial que defina o regime de bens que vai regular
aquele concreto contrato de casamento, e porque esse ponto é absolutamente essencial, já
que o casamento, enquanto contrato, produz efeitos pessoais e patrimoniais entre o
cônjuges, mas também entre o cônjuges e terceiros, do ponto de vista patrimonial o
ordenamento jurídico admite como essencial, não concebe que o casamento possa ser
celebrado sem que haja um regime de bens correspondente. Assim sendo, na ausência ou em
caso de caducidade ou invalidade ou ineficácia da convenção antenupcial que defina o
regime de bens que vai regular aquele concreto casamento, entende o ordenamento jurídico
que se considera que o casamento foi celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos.
Supletivamente, se os sujeitos não estabelecerem convenção antenupcial regulando o regime
de bens do casamento, o ordenamento jurídico admite que o casamento é celebrado sob o

82
regime de comunhão de adquiridos e, aí, de facto, a norma aplica-se — Artigo 1717º do
Código Civil.
É uma norma supletiva e, portanto, aplica-se se e quando os sujeitos nada
estabeleçam quanto àquele ponto em concreto e, por isso, aplicam-se sempre que os sujeitos
não estabeleçam nenhum regime específico quanto a esse ponto, porque concordam com o
regime supletivo ou por quaisquer outras razões, incluindo algum esquecimento e, portanto,
o direito regula supletivamente essas matérias e vinculativamente irá estabelecer esse
regime supletivo como aplicável à relação jurídica que nada estabeleceu quanto a esse
ponto: “Na falta de convenção antenupcial ou no caso de caducidade invalidade ou
ineficácia da convenção o casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de
adquiridos”.
É, então, um ponto crucial do regime jurídico do casamento — o ordenamento
jurídico entende que esse ponto não pode deixar de ser regulado e, não havendo então
convenção ante nupcial, aplica-se a norma supletiva, “Regime dos bens supletivos”, é a
epígrafe do artigo 1717º.

4. Quanto à sanção:

"leges plus quam perfectae


"leges perfectae
"leges minus quam perfectae
"leges imperfectae

Aqui, nós temos várias referências a fazer, desde logo, mesmo do ponto de vista da
história do direito, já que há aqui questões que hoje se porão diferentemente daquilo que
tradicionalmente admitiríamos.
Só para vermos que a especialização do ordenamento jurídico vai implicando
muitas vezes aquilo que era considerado, de vários pontos de vista pela mesma norma, está
hoje qualificado diferentemente segundo a área do direito.
Do ponto de vista da sanção, vamos distinguir as normas em função do tipo de
sanção que estabelecem ou que não estabelecem e daí que tenhamos leis mais do que
perfeitas (leges plus quam perfectae), leis perfeitas (leges perfectae), leis menos que
perfeitas (leges minus quam perfectae) e leis imperfeitas (leges imperfectae).

As leges plus quam perfectae são leis a cuja violação corresponde mais do que uma
consequência, isto é, são leis que implicam que o sancionamento da ação ou da omissão que
as viola implica dois tipos de sanção.
Isto quando pensarmos na noção de delito, em termos tradicionais, por exemplo,
levar-nos-ia a uma conclusão que podia conjugar aquilo que hoje especificamos como
direito penal de um lado e direito civil do outro, e a verdade é que essa especialização leva
que, por exemplo, nós hoje para encontrarmos essas duas sanções tenhamos que encontrar
também normas diversas. Mas a verdade é que o que está em causa é que o mesmo
comportamento é sancionado pelo ordenamento jurídico de dois modos, leges plus quam
perfectae, porque implicam, por um lado que a nulidade do ato ou da omissão que viola a

83
norma se manifeste, o ato que viola a norma é nulo por um lado e, por outro lado, é aplicada
uma pena ao infrator e são duas coisas diversas.

Exemplos:

1. Temos a situação em que os negócios jurídicos contrários à lei, desde logo, nos termos do
artigo 280º do Código civil são nulos e, simultaneamente, se o seu objeto o implicar podem
ser, também, simultaneamente classificados como crime.
Simultaneamente, o objeto é contrario á lei, por isso é nulo, do ponto de vista civil, e do
ponto de vista criminal pode ser de facto um crime.

2. Impedimentos matrimoniais: O casamento celebrado por quem é casado viola um desses


impedimentos, estamos a pensar no artigo 1601º e do artigo 1631º do código civil — o
casamento de pessoa casada é inválido e, portanto, é anulável ,ao mesmo tempo que o
infrator incorre, também, num crime de bigamia, nos termos do artigo 247º do código penal.
Portanto, aqui temos de novo a situação em que temos duas sanções de tipos diversos e em
áreas diversas do direito, para uma mesma ação violadora do ordenamento jurídico.

Depois temos a leges perfectae, que só determinam a invalidade dos atos que as
violam, por exemplo, uma compra e venda de bens imóveis que não cumpra as formas
exigíveis pelo artigo 875º do código civil — Uma compra e venda de bens imóveis que não
cumpra as formas, escritura pública ou documento particular autenticado exigidas pelo
artigo 875º do código civil serão nulas, por vício de forma nos termos do artigo 220º do
código civil.

Portanto, aí temos essa indicação da leges perfectae e determinam a invalidade dos


atos que lhe são contrários.

Temos, depois, leis menos do que perfeitas (leges minus quam perfectae) e, aqui, a
sanção é diversa da invalidade do ato que viola a norma, mas temos, ainda assim, a
determinação de que o ato não produz todos, ou não produz parte dos efeitos, que através
dele se pretendia produzir.

Exemplo: É o caso do casamento de um menor com 16 ou 17 anos, sem a autorização


dos pais ou do tutor, ou sem suprimento pelo conservador do registo civil dessa autorização.
Nos termos do artigo 1649º do código civil, o casamento é valido, mas o menor não deixa
de o ser, não deixa de ser tratado como menor quanto à administração dos bens que levar
para o casamento ou que adquira posteriormente a título gratuito, ainda que possa gozar dos
rendimentos desses mesmos bens.
Isto significa que temos, por um lado, um casamento válido, mas que não
produz todos os efeitos patrimoniais que através dele se produziriam, se não se desse o caso
da falta da legalmente exigida autorização dos pais para o casamento do menor com 16 ou
17 anos.

84
Temos depois as leges imperfectae. As leges imperfectae não impõem ao infrator
qualquer tipo de sanção, não dispõem de qualquer tipo de sanção.

Exemplo:

1. As normas constitucionais programáticas, em que não é estabelecida uma sanção, são


normas programáticas.

2. Temos, por outro lado, também ainda olhando para o código civil, as obrigações ditas
naturais, aquelas que já não são judicialmente exigíveis, mas que sendo cumpridas, esse
cumprimento tem relevo jurídico — o exemplo das obrigações prescritas. No artigo 402º do
código civil nos temos exatamente a noção de obrigação natural, a obrigação diz-se natural
quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é
judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.
Digamos que esta obrigação já não é judicialmente exigível, mas se o devedor cumprir
cumpre bem, isto é, cumpre um dever jurídico e isso significa, nos termos dos artigos
seguintes, 403º e 404º, que quem cumpre uma obrigação como esta, uma obrigação natural,
não goza da condição de não ser devedor, não goza da conditio in debiti, não pode repetir,
não pode pedir que lhe seja devolvido aquilo que prestou espontaneamente o cumprimento
da obrigação natural, porque se considera que é um comportamento de um dever jurídico.
Ao mesmo tempo que o credor goza de soluti retentios, goza do direito de reter o
recebido, a título de cumprimento dessa obrigação, como obrigação jurídica.
A obrigação natural é um exemplo de situação de que, de facto, não se impõe ao
infrator qualquer tipo de sanção, o que é em si discutível, porque implicaria, desde já, que
nós considerássemos que o devedor de obrigação específica já prescrita estivesse, de algum
modo, a violar uma norma.

Quanto às normas legais cumpre ainda, a título de clarificação, por um lado, e


sobretudo de conclusão por outro, referir, expressamente, a consideração da presunção de
vinculação ou de vigência, de que gozam e, portanto, com que vigoram no ordenamento
jurídico.
É esta uma presunção de autoridade, já que, num sistema de legislação como aquele
em que nos encontramos, as normas legais gozam, efetivamente, de uma conjugação entre
uma validade jurídica que lhes é conferida no enquadramento da fundamentação material do
sistema jurídico, mas, ao mesmo tempo, de uma legitimação política que o sistema jurídico
institucionalizado como sistema de legislação lhes confere. Isto é, auctoritas do poder
legislativo que, simultaneamente, manifesta uma potestas, confere às normas legais essa
presunção de autoridade.

Como nós vimos, a legitimidade política não se confunde com a validade jurídica.
Se elas se encontrarem conjugadas, a norma efetivamente será vigente, válida e eficaz. Pode
suceder, porém, que a norma seja formalmente, esteja formalmente em vigor, mas venha a
verificar-se de que do ponto de vista da validade, isto é, da adequação normativa aos seus
fundamentos, princípios normativos, se apresentem desvios ou até contrariedades.

85
Estrato da jurisprudência judicial
- O momento da concreta realização judicativo-decisória da normatividade jurídica —
o seu específico sentido no horizonte de um sistema de legislação; a presunção de
Justeza.

Continuando a analisar a estrutura interna do sistema jurídico avançamos para a


consideração do estrato da jurisprudência judicial.

O estrato da jurisprudência judicial corresponde ao momento da realização


judicativo-concreta da normatividade jurídica.

O que é que nos encontramos no estrato da jurisprudência judicial?

Encontramos exatamente as decisões judiciais, quer no momento da sua


constituição, e portanto, no momento em que são construídas pelo jurista dissidente e
proferidas, assim concretizando o direito para as relações jurídicas a que dizem respeito,
quer, depois, enquanto precedentes/exemplos, que constituem critérios mobilizáveis para a
resolução de problemas jurídicos análogos futuros.

Ora, a jurisprudência judicial é, então, o conjunto das decisões judiciais: sentenças,


como nome genérico e considerando tribunais singulares; acórdãos, no caso de tribunais
coletivos.

A jurisprudência judicial é, então, a tradução da atividade dos juristas dissidentes na


concreta realização judicativo-decisória da normatividade jurídica e, como resultado dessa
atuação, a mobilização de precedentes judiciais como critério de orientação para a
realização do direito, em casos análogos futuros, que depois são presentes quando se fazem
decidir.

Num sistema de legislação como este em que nos encontramos, o valor, isto é, a
dimensão vinculativa, a vigência normativa constitutiva dos precedentes judiciais não se
confunde com a relevância que esses precedentes assumem num sistema de procedimento
obrigatório, isto é, na nossa experiência, nos sistemas ditos de common law, porque se
nestes últimos, os precedentes judiciais têm uma força institucional formalmente
reconhecida e, portanto, não podem deixar de ser considerados como os critérios por
excelência para a decisão judicial, e porquê critérios por excelência? Porque os critérios
judiciais, estes precedentes judiciais, em muitos casos, são o resultado da mobilização de
acts de statute law ou de statotory law, mas também são e, sobretudo, são a conjugação entre
statotory e common law, por que está sempre presente a exigência da convocação dos
precedentes judiciais que são vinculativos, no sentido que assumem nas suas raciones
dicidendi para a resolução dos tais casos análogos futuros, agora presentes.
Perante um caso subiudice num sistema de common law, o juiz mobiliza a
conjugação entre statotory law que exista, porque também existe e, vinculativamente, as
decisões judiais anteriores como precedentes vinculantes.

86
Isto não significa que os precedentes no sistema de common law não possam ser
afastados, há operações reconhecidas do ponto de vista processual que admitem esse
afastamento e são, fundamentalmente, as operações de distinguishing, que nos levará à
justificação da ausência de relação suficiente entre o precedente e o caso subiudice e, ainda,
de overruling, isto é, superação da decisão anterior, na decisão presente, em virtude de se
entender, de entender o poder judicial, aquilo que gerará a jurisprudência judicial, entender
que já não é adequado aquele sentido normativo para aquele tipo de problemas concretos.

Neste sentido, temos a considerar que, efetivamente, estas decisões judiciais se


assumem como autênticos critérios que, num sistema de legislação, se nos apresentam,
afinal, com relevância metodológica e institucional diversas.

Analisando por partes:

Num sistema de legislação como aquele em que nós estamos e assumindo, desde
logo, o princípio da separação de poderes e a ideia de consagração fundamental
constitucional, desde logo, do artigo 203º da CRP, que estabelecendo essa autonomia dos
tribunais, nós encontramos, efetivamente, a consideração de que essa autonomia se liga
diretamente com a relevância crucial da lei como fonte do direito.

Isso está, naturalmente, sempre presente no momento em que consideramos as


decisões judiciais e, portanto, o facto de a autonomia do poder judicial se ligar à vinculação
que assume perante o direito, mas por outro lado, nós temos de verificar que, efetivamente,
o sentido das decisões judicias anteriores, do ponto de vista metodológico, é crucial para a
resolução dos casos presentes, desde logo, e no contexto do sistema jurídico que nos
encontramos, pelas exigências de unidade e coerência, que estão subjacentes à própria
racionalidade que o sistema jurídico pretende afirmar e assumir (até sob pena de não poder
ser considerado um sistema).

Efetivamente, na construção da decisão judicial, na perspetiva que estamos a


considerar, o jurista dissidente, para se desincumbir da sua tarefa de realização judicativa, há
de convocar não apenas os critérios normativo-legais, mas os restantes critérios conferidos
pelos outros estratos do sistema e, ainda, os fundamentos que encontramos sobretudo no
estrato dos princípios normativos, que perpassa todo um sistema à luz da ideia de sentido do
direito e que também podem ser construídos pela dogmática jurídica.

A mobilização do sistema para a resolução de um problema concreto, a convocação


de critérios e fundamentos concatenados, dialeticamente relacionados, que irá garantir uma
resolução normativamente adequada do problema subiudice. O caso que constituirá deste
ponto de vista, o ponto de partida para a convocação do direito, há-de ser resolvido através
da conjugação dos diferentes estratos do sistema jurídico e, portanto, o sistema jurídico é
convocado em bloco para a resolução dos problemas juridicamente relevantes.

Isto significa que, havendo normas, ela há-de ser necessariamente considerada, mas
essa consideração implica, desde logo, do ponto de vista da sua seleção e interpretação, a
87
consideração dos outros critérios e fundamentos do sistema, desde logo, as decisões
judiciais anteriores de casos análogos, em que a norma tenha sido mobilizada, para a
compreensão do sentido por que o foi, de casos, eventualmente, não verdadeiramente
análogos, mas em que a mesma norma foi convocada para a respetiva resolução e, isto,
sempre na conjugação com os restantes sentidos, aqueles que são conferidos pelos modelos
dogmáticos e, ainda, aqueles que são vigentes do ponto de vista da fundamentação, do lado
dos princípios normativos.

Com isto, temos a consideração do sistema jurídico em bloco, em critérios e


fundamentos, para a resolução dos problemas, justificadamente reconhecidos como
juridicamente relevantes.

Falaremos aqui daquilo que, desde James Kent, ainda no século XIX e depois
passando por vários autores, nomeadamente Geovani O´ruh, mas também Yusef Esser, o
próprio Robert Alexi, Martin Kriller, entre outros, que vêm a reforçar a relevância
metodológica dos precedentes judiciais num sistema de legislação, através de uma
presunção de justeza, no sentido de adequação normativa, também dita pelos
Anglossaxónicos, que também mobilizam (e James Kent está no sistema de Common Law)
uma presunção de correção (correction), é também essa a tradução que Robert Alexi dá da
Risticait para inglês (correction) e essa presunção de correção traduz-se na consideração de
que, em principio, presume-se que a decisão que compõe o critério oferecido pelo
precedente judicial e esse critério oferecido pelo precedente judicial abstrai das
circunstâncias concretas pessoais do caso, mas trata o conjunto argumentativo e o sentido da
solução, é isso que o critério precedente judicial constitui, e esse critério presume-se, então,
que manifesta a justeza no âmbito do sistema jurídico, que justeza?

A justeza implica uma coerência do sentido da decisão com o problema, por um


lado, e com o sistema, por outro, e, portanto, não é só uma questão de coerência sistémica,
do que na perspetiva jurisprudencialista que estamos a considerar, em que é tão relevante a
adequação da decisão judicial, no contexto do sistema jurídico, do lado do sistema, digamos
assim, na sua unidade racional interna, como, se não mais, a adequação ao caso concreto
dissidendo. Neste sentido, esta adequação, esta justeza, existe nas duas dimensões, com
igual relevância, é tão relevante que a decisão seja normativamente adequada ao sistema
enquanto sentido pressuposto do direito vigente, como ao problema com ponto de partida na
evocação do direito e de resolução normativamente adequada, que os casos concretos
exigem.
Portanto, esta presunção de justeza vai implicar (agora convocando também a
teoria da argumentatividade), por um lado, um principio de inércia, parte-se do principio
que as decisões judiciais anteriormente estabelecidas são normativamente adequadas e,
portanto, gozam de justeza nesse sentido, o que não significa que não seja possível afasta-
las, não apenas porque estamos num sistema de legislação, mas sobretudo por que pode
haver razões praticas, relativas ao facto de o caso concreto se apresentar de modo diverso
daquele que foi apresentado pelo caso a que corresponde o precedente judicial, e, ainda, por
alterações quer de valoração jurídica, quer da apresentação da realidade, que possam ter
ocorrido entre a decisão que se convoca como precedente e a decisão do caso subiudice.
88
Isto que significa que, se em principio o jurista dissidente há de orientar-se pela
decisão anteriormente tomada como critério, nesse precedente, pode e, portanto, aí
funcionaria o principio da inércia que densifica essa presunção, pode suceder que haja
razões para afastar o sentido do precedente e, nesse caso, cumprirá ao jurista dissidente um
ónus de contra argumentação, isto é, para decidir de modo diverso do precedente que se lhe
apresenta como dirigido a um mesmo tipo de casos, há-de justificar normativa e
argumentativamente as razões por que pretende afastar essa decisão anteriormente tomada.

Assim…

A jurisprudência judicial corresponde ao conjunto das decisões judiciais que vão


dialética/ dialogicamente sendo tomadas no âmbito do sistema jurídico; Há um contínuo
diálogo interno se compulsarem essas decisões judiciais, como exemplo do diálogo interno
que o sistema jurídico estabelece, posto que essas decisões judiciais sendo, como próprio
nome indica, decisões judiciais, convocam não apenas a lei, mas também outras decisões
judiciais e ainda referenciações dogmáticas, as citações das teorias dogmáticas que
sustentam uma e outra das soluções, para argumentativamente justificar o sentido da própria
decisão tomada.

Aí temos como esta presunção de justeza se nos apresenta, manifestando a vigência


da jurisprudência judicial e, com isso, temos, ainda, a consciência de que tal como sucedia
para a presunção de validade nos princípios normativos e para a presunção de autoridade
nas normas legais, essas presunções, tal como o próprio nome indica, podem ser ilididas. E
no caso da jurisprudência judicial, pode chegar-se à conclusão de que, por razões de
evolução do sentido da normatividade e/ou da realidade, haja necessidade pratica-normativa
de afastar o precedente, para a realização do direito no caso concreto, através do
cumprimento concreto do ónus da contra argumentação.

Em termos institucionais: O que isto significa, processualmente, é que as decisões


posteriores, tomadas em sentido diverso daquelas que foram fixadas, na fixação da
jurisprudência por parte do supremo tribunal de justiça, e que sejam tomadas no âmbito da
mesma questão de direito e da vigência da mesma legislação, serão objeto de recurso, se
outras razoes não houvesse, por essa especifica razão, para que o supremo tribunal de justiça
estabeleça se mantém o mesmo sentido de fixação de jurisprudência, ou se o altera.

Aula 15/04

Revisão da aula anterior

Ao julgador cabe, não apenas convocar as normas legais (ainda que deva sempre
convocá-las quando existam) mas convocar todo o sistema jurídico. Estamos num sistema
de legislação e, portanto, a convocação das normas é absolutamente fundamental, posto que,
até pela presunção de autoridade que lhes reconhecemos se constituem uma fonte do Direito
crucial na nossa herança histórica e, portanto, havendo norma ela vai ter que ser interpretada
à luz do caso concreto. O que significa também, por sua vez, o facto de se convocar uma
89
norma e de ela ser interpretada à luz do caso concreto não garante que ela seja critério
judicativamente adequado para orientar a resposta a esse caso concreto.
Da perspetiva que estamos a analisar, essa conclusão só é atingível através da
interpretação, e por isso, para o dizer com Gustav Radbruch: “a interpretação é o resultado
do seu resultado”, o que significa que só depois de interpretar a norma à luz do caso
concreto é possível dizer se ela é ou não critério normativamente adequado para a resolução
judicativa do problema sub judice.
Estas são questões que vamos tratar do ponto de vista da interpretação jurídica.

Neste momento, do ponto de vista da constituição interna do sistema jurídico, temos


a discutir quanto ao estrato da jurisprudência judicial é, efetivamente, a consideração do
papel que num sistema de legislação como o nosso, vigorando o princípio da separação de
poderes e da independência dos tribunais (recordemos o art. 203.º CRP).

O que significa considerar a jurisprudência judicial como estrato do sistema e qual o seu
papel metodológico?

De uma perspetiva positivista, a jurisprudência, enquanto conjunto das decisões


judiciais, estaria fora do elenco das fontes do Direito, mas mais do que isso e,
consequentemente, estaria fora do próprio sistema jurídico, i.e., se numa perspetiva
positivista como é aquela que o séc. XIX nos levou, o Direito seria norma e se,
concomitantemente, seria norma no (pressuposto/ pre-disponível, pré-constituído/
autossuficiente/fechado/ logicamente pleno) sistema jurídico, a predefinição da juridicidade
no sistema, por isso, antes e independentemente de qualquer mobilização para a resolução
do problema concreto, então consequentemente, de facto, as normas como que saíam do
sistema, isoladamente, seriam mobilizadas como premissas para a dedução (se o fossem),
respondendo desse modo aos casos concretos e regressariam incólumes ao sistema jurídico.

O que significa que da decisão judicial não resultaria qualquer contributo


normativamente constitutivo para o sistema jurídico. O sistema jurídico em nada sofreria,
em nada seria tocado pela decisão judicial.
Na verdade, a realidade jurídica seria o campo de aplicação das normas e desse ponto de
vista não deixaria/abandonaria nunca a sua índole empírica, seria ou não juridicamente
relevante na medida em que respondesse à hipótese das normas e, com essa qualificação,
poderia ser realmente elemento da construção da premissa menor, logo, objeto de aplicação
e aí se reduziria a relevância dessa mesma realidade juridicamente relevante.

Qualquer determinação de relevância jurídica partiria sempre do lado do sistema


nessa predefinição do jurídico que constituía e oferecia.
O sistema jurídico seria sempre, a constituição, a dinâmica do Direito resultaria sempre do
sistema jurídico para a realidade (tomando como ponto de partida o sistema), no sentido
inverso não haveria qualquer contribuição normativamente constitutiva, diríamos nada de
novo da realidade seria admitido para o sistema.

90
Não é essa a perceção que a jurisprudência nos merece, de uma perspetiva
jurisprudencialista e também não é essa a perceção que mesmo de uma perspetiva
institucional da jurisprudência hoje se assume no nosso ordenamento jurídico.

Pesa embora, não conste do elenco formal das fontes do Direito estabelecidas, desde
logo no CC, é reconhecida hoje à jurisprudência, por um lado, o caráter de constituição do
Direito para o caso concreto, na medida em que as decisões tomadas moldam e vinculam as
relações jurídicas a que dizem respeito, portanto, também as esferas jurídicas dos sujeitos
seus destinatários, mas também porque são-no, de facto, convocadas para a orientação, a
justificação e a fundamentação das decisões judiciais que vão sendo tomadas nesta teia
dialeticamente enternecida que é, afinal, o desenvolvimento do sistema jurídico.

É por isso que, se nós compulsarmos as decisões judiciais e se virmos que podemos
partir dos exemplos dos acórdãos dos tribunais superiores, pensemos no Supremo Tribunal
de Justiça, no Supremo Tribunal Administrativo e mesmo no Tribunal Constitucional, se
compulsarmos um qualquer acórdão, iremos constatar que são convocadas não apenas as
normas legais, como também princípios e, ainda, indubitavelmente, em sustentação das
posições aduzidas, exemplos jurisprudenciais anteriores e referências dogmáticas.

Portanto, na construção de uma decisão judicial é todo o sistema jurídico que é


convocado e, nessa situação, a jurisprudência assume de facto um caráter normativamente
constitutivo de Direito para aquele caso concreto, mas também passando a constituir a partir
do momento do proferimento dessa decisão um elemento do sistema jurídico, um elemento
do estrato da jurisprudência judicial e, por isso, consequentemente, critério suscetível de ser
convocado para a resolução de casos futuros.

Às decisões judiciais, assim compreendidas, vai dirigida uma presunção de justeza,


i.e., de adequação normativa contextualizada da decisão ao caso e ao sistema jurídico.

Efetivamente, podemos ver nas decisões judiciais, anteriormente tomadas, exemplos


que são mobilizados como critérios – operadores práticos diretamente mobilizáveis para a
resolução de problemas concretos –, não são naturalmente critérios nos mesmos termos em
que as normas legais são critérios, porque essas são critérios gerais e abstratos com hipótese
e estatuição, uma certa cristalização que tem um registo num texto, que implica uma
cristalização no tempo, numa certa opção que o legislador fez dentro das várias possíveis
que o sentido do Direito lhe conferia, ao passo que, desde logo a sua estrutura, a sua
generalidade e abstração não se identificam com a estrutura e o caráter de resolução de
problemas particulares e concretos que as decisões judiciais assumem. Mas, efetivamente,
os critérios da jurisprudência judicial, ainda que não gerais e abstratos como as normas
legais são, uma vez retiradas as referências concretas a que a decisão ia dirigida, suscetíveis
de ser mobilizados verdadeiramente como exempla, como critérios para a orientação da
relação entre a realidade posta no caso sub judice ex novo (caso novo) e o sistema jurídico
realizado em bloco aí temos a manifestação do princípio da inércia.

91
Do ponto de vista institucional processual, vimos que as decisões tomadas em
sentido diverso das que forem estabelecidas e, mormente, fixadas pelos tribunais superiores,
no sistema jurídico português, são suscetíveis de recurso, i.e., se o jurista dissidente num
caso concreto entende afastar a decisão fixada por um tribunal superior, há de justificar do
ponto de vista metodológico e, depois, do ponto de vista institucional, essa diferente tomada
de decisão constitui em si fundamento de recurso para que o tribunal superior e pensemos
no exemplo do Supremo Tribunal de Justiça, quando haja decisão de fixação de
jurisprudência, analise o caso atual e o caso anteriormente resolvido e decida se mantém a
orientação jurisprudencial ou se a altera, em sede de recurso, se os sujeitos processuais com
legitimidade entenderem interpor recurso da decisão que divirja das anteriormente tomadas
em casos, pelo menos aparentemente, análogos.

Estrato da dogmática: O momento da elaboração racionalmente fundamentaste da


normatividade jurídica; funções da dogmática; a presunção de racionalidade

A dogmática, enquanto o momento da elaboração racionalmente fundamentante da


normatividade jurídica; a dogmática, enquanto a tarefa que cabe ao pensamento jurídico na
reflexão sobre as soluções normativas já adotadas e, também, na proposta ex novo da iure
condendo, do ponto de vista do Direito a constituir, de novos sentidos de normatividade.

Portanto, a dogmática jurídica traduz a tarefa do pensamento jurídico, ao considerar


quer o Direito já vigente, constituído – iure condito – ,estabelecendo um diagnóstico dessa
vigência, refletindo criticamente sobre o seu sentido e, em muitos casos, na proposta de
soluções ex novo e, portanto, também propostas do ponto de vista do Direito a constituir –
iure condendo.

Ora, isto significa que na dogmática temos o conjunto das reflexões de especialistas
sobre o Direito, relativamente ao Direito vigente, e, também, nas propostas de constituição
de Direito ex novo.
Assim sendo, temos verdadeiramente na dogmática o Direito dos juristas, de facto,
quando nós pensamos mesmo no sentido da classificação do pensamento jurídico:
Efetivamente, desse ponto de vista interno e dialógico, partindo do sentido do Direito, temos
num sentido amplo o Direito dos juristas a englobar quer a dogmática quer a jurisprudência,
não significa que o legislador não seja jurista, estamos só a distinguir a situação em que o
jurista é legislador daquela em que não é e, portanto, toma parte na constituição do Direito
de modos diversos – a jurisprudência e a dogmática.

É claro que, o Direito dos juízes encontrá-lo-emos na jurisprudência judicial e o


Direito dos juristas, enquanto especialistas que refletem sobre o Direito, encontrá-lo-emos
na dogmática ou jurisprudência doutrinal ou jurisprudência dogmática.

Ora, cabe à dogmática escrever e refletir sobre o Direito vigente, mas também
propor modelos de solução para muitos problemas juridicamente relevantes, que vão
surgindo inovadoramente e, assim, explorar flexivamente potencialidades dos diversos

92
estratos integrantes do sistema jurídico, em consonância com as intenções prático-
normativas que os constituem e que manifestam.

A dogmática jurídica teve, na história do pensamento jurídico, papéis muito


diversos, nomeadamente, do ponto de vista intencional. Sabemos que, no contexto das
fontes, a dogmática surge pelo menos desde o DR, mas a verdade é que se nós pensarmos, e
aí com o papel constitutivo indiscutível, que foi perdurando por todo o período pré-
moderno, e que entra na Idade Moderna também com uma tarefa absolutamente crucial. A
dogmática teve sempre uma tarefa crucial, mas não sempre a mesma intencionalidade e o
grande marco de diferenciação da intencionalidade da dogmática é, de facto, a adoção do
método científico positivista pelo pensamento jurídico.

Estamos, de novo, em contacto com o Positivismo do séc. XIX, isto significa que se
a dogmática, se o pensamento jurídico visou ser ciência, quer do ponto de vista dogmático
quer do ponto de vista metodológico, alias vimos quer do ponto de vista de construção
legislativa, então teve de adotar um método cientifico positivista. O que significa que à
dogmática cabia conhecer o Direito pré-dado, como objeto cognoscível, fosse dado pelo
legislador ou fosse dado pela base consuetudinária, porque vimos que na escola da exegese
o Direito foi criado sob a forma de lei, a fonte de Direito fundamental é a lei, ao passo que,
na Escola Histórica do Direito, sua contemporânea, a fonte fundamental do Direito não é a
lei, aliás, a lei e a ciência do Direito têm um papel secundário, de fonte secundária, até de
tradução para a institucionalização de uma outra fonte fundamental de base histórica,
simplificando, o costume.

Ora, seja dado na lei seja dado no costume, o Direito é, para a perspetiva positivista,
um objeto cognoscível, cabe então ao pensamento jurídico conhecer o Direito, interpretá-lo
e elaborar sobre esse Direito assim conhecido e interpretado enunciados universais de
verdade – teorias científicas sobre o Direito – e, portanto, a tarefa da dogmática é, aí, a
construtivística perspetivação do Direito já pré-dado. Cabe à dogmática fixar o sentido dos
princípios gerais do Direito – princípio como ratio, i.e., abstrações generalizantes obtidas a
partir das normas através de lógica formal depois de uma análise jurídica a abstração lógica,
para seguirmos a proposta de Rudolf Von Ihering, a sua jurisprudência inferior – e, ainda,
construir a partir da conjugação temática, portanto, da coerência entre as normas, conceitos,
enquanto definições de figuras jurídicas, obtidas por indução a partir das normas.
P.e., o conceito de contrato como indução obtida a partir do conjunto de normas que trata
das situações em que os sujeitos se vinculam entre si, para a produção de determinados
efeitos.

Ora, caberia, então, a essa dogmática positivisticamente compreendida, uma tarefa


epistemológica, cognitiva e construtivística.
A construção em abstrato de enunciados de verdade, sobre o fenómeno conhecido “Direito
pré-dado” — o Direito como objeto pré-dado ao sistema jurídico.
Daqui o dualismo intencional, que o Positivismo apresenta, ao assumir como ordem
normativa para a prática, mas o pensamento jurídico como pensamento teorético, o que é
radicalmente diferente daquilo que temos a considerar agora da perspetiva do sistema
93
jurídico que temos perante nós – um sistema jurídico pluridimensional e aberto, o que tem
que ver com o contexto da superação do Positivismo, a recuperação desde logo da filosofia
prática e a ideia de que os problemas referentes à ação humana não são suscetíveis de
conhecimento em termos de verdade, mas de compreensão e de valoração, realmente, em
termos de validade lícito/ ilícito, válido/ inválido, mas não de verdadeiro/falso, desde logo, e
é nesta linha, na linha que estamos a analisar, essa intencionalidade por força da
consideração de que de facto os problemas relativos à ação humana não são suscetíveis de
serem meramente conhecidos, mas antes hão de ser compreendidos no seu sentido leva,
através da recuperação da filosofia prática, para a procura da fundamentação material e para
a atribuição ao pensamento jurídico da reflexão sobre o sentido dos fundamentos, mas
também dos objetivos, mas em sentido material, ao nível do conteúdo.

Portanto, as tarefas que a dogmática assume, hoje, não se reduzem à tal


determinação cognitiva e construtivística do Direito já dado, essa seria uma dogmática
meramente reprodutiva.

A dogmática de que vamos agora falar é já uma dogmática autenticamente


constitutiva de Direito. O pensamento jurídico cria Direito.

Cria Direito como? E em que suportes encontramos esse Direito constituído?

A tarefa de diagnóstico (mapping) e de reflexão critica que à dogmática assim se


reconhece e a perspetiva prático-normativa que assume, de facto, é um pensamento sobre o
Direito que parte da análise do sentido desse Direito e da sua vigência, da relação com a
realidade, para crítico-reflexivamente pensar sobre a manutenção ou sobre a alteração do
sentido normativo que está em vigor.

A dogmática jurídica é um pensamento muito próximo da prática.


- A dogmática jurídico-penal (o pensamento jurídico sobre as soluções estabelecidas pelo
Direito penal), a dogmática jurídico-administrativa, civilística, etc.

O pensamento jurídico sobre uma determinada área do Direito e que versa


imediatamente sobre a relação entre intencionalidade dessa área especifica do Direito e a
realidade a que vai referir.
Os contributos da dogmática encontramo-los, inevitavelmente, nas reflexões de
especialistas e, portanto, tanto encontraremos contributos dogmáticos na elaboração, na
leitura (se assim nos despusermos a fazê-lo) de manuais, quanto de teses, mas ainda de
artigos e mesmo em algumas peças processuais.

A construção reflexiva do sentido do Direito resulta, precisamente, dessas


materializações da reflexão que os especialistas fazem sobre o sentido, não apenas do seu
objeto de estudo, mas do seu múnus – o Direito.

Nota: É correto falar em juristas académicos quando falamos na dogmática e de juristas


dissidentes quando nos referimos à jurisprudência judicial?
94
Não é preciso rotular, mas as tarefas são de facto diferentes correspondendo ao
sentido que está a pôr nos papeis que desempenha em cada momento.

Quando a dogmática pensa problemas novos, excogitando-os da prática e da


reflexão normativa sobre essa mesma prática, a dogmática pensa e antecipa problemas ao
estudar a relação entre a realidade e o sistema jurídico. Antecipam-nos em diferentes
sentidos, nós sabemos que muitas vezes nós falamos numa corrente dogmática dominante e
outra minoritária e sabemos das evoluções que isso implica e do diálogo que se vai
estabelecendo. Basta realmente estarmos atentos muitas vezes aos próprios meios de
comunicação de massas, e sem grande esforço damos conta da reflexão dogmática diversa
que certos especialistas têm sobre uma mesma temática.

Ora, a relevância de proposta de soluções novas, de modelos de solução novos para


problemas antigos e novos, realmente, resulta e transparece na tarefa constitutiva essencial
que a dogmática tem. É que essas sugestões que a dogmática apresenta vão ser, depois,
mobilizadas por todas as outras referencias dos estratos do sistema, dos práticos do Direito
aos mais diversos níveis, como contributos para a constituição de sentido projetando-se
assim na prática.

Vejamos exemplos.

"De facto, a dogmática tanto pode criar critérios até porque, primeiro que tudo, discute
critérios. Imaginando uma tese de doutoramento em que se discute um conjunto de artigos
ou até um artigo, uma solução do Código das Sociedades Comerciais e se discute e se
estuda dogmaticamente a história, a evolução, o sentido, a intencionalidade e depois para o
futuro se propõe uma solução diferente, i.e., a constituição de um outro critério normativo
ou legal, desde logo. Não tem de ser assim, mas esta é uma das possibilidades — a
dogmática pode criar critérios que resultem até da questão da interpretação, do sentido
interpretativo de critérios vigentes.Assim como pode propor novos e depois o legislador irá
aproveitar consoante o resultado da construção dialógica do sistema.

"Assim como também pode, portanto, no estrato da dogmática nós encontramos critérios,
mas também podemos encontrar princípios, p.e., o princípio do poluidor pagador teve
origem dogmática; o princípio do racionamento, tem origem dogmática; o princípio da
tolerância, tem origem dogmática.
Há princípios de facto que, usualmente, surgem primeiro na dogmática e, depois, vão
sendo projetados para a legislação. Aliás, mesmo que não sejam projetados para a
legislação, o facto de serem mobilizados para a resolução de problemas concretos já nos
mostra que são jurídicos e ao serem projetados na decisão judicial, vigentes.
Primeiro, são direito por eles próprios, os princípios são direito por eles próprios, são ius
por eles próprios, na medida em que são emanação da delimitação da relação intersubjetiva
que o Direito pressupõe e visa resolver. Depois, consequentemente, os princípios são
fundamentos e, desse ponto de vista, nós também encontramos no estrato da dogmática
jurídica fundamentos ou princípios. Nós vimos que no estrato do sistema jurídico, para lá do
95
estrato do sentido, que é o tal que perpassa todos os estratos (uma espécie de substrato
comum que sustenta substancialmente todos os outros), temos o estrato dos princípios
normativos, dos fundamentos por excelência e, depois, temos, sobretudo, critérios (normas
legais, critérios da jurisprudência judicial, dogmática – aqui tanto podemos encontrar
critérios como princípios e boa parte dos princípios resulta primeiro da reflexão dogmática e
só depois passa para a construção legislativa, eles não deixam de ser princípios, passam é a
ser princípios em forma de norma e depois as normas são criadas a partir deles embora
também possam ser criadas a partir dos princípios sem que o próprio principio tenha sido
posto sob a forma de norma).
À dogmática vai dirigida uma presunção de racionalidade, essa presunção de racionalidade
não se traduz naturalmente na consideração da racionalidade abstrata, formal que o
Positivismo assumia para o pensamento jurídico, à época, não é uma dogmática de
autoridade construtivística, mas uma dogmática de fundamentação.
A racionalidade que está aqui em causa não é uma racionalidade lógico-formal, também
não é uma racionalidade formal-argumentativa, é uma racionalidade de fundamentação,
portanto, de convocação material de sentido, sustentada por uma argumentação. Esta
presunção de racionalidade também pode ser suscetível de contra-argumentação, como
presunção que é.

Acrescentemos só que o estrato da dogmática é caracterizado por vários autores


evidentemente, mas pensando no modo como o Sr. Dr. Pinto Bronze nos apresenta as
funções da dogmática, de certo modo aproximando-se neste ponto da proposta que Robert
Alexy também nos faz na teoria da argumentação jurídica, embora depois em termos de
conteúdo a própria dogmática não assume o mesmo tipo de intencionalidade.

Funções da dogmática jurídica

• Temos, desde logo, uma função estabilizadora e estabilizadora de sentidos. Uma função
estabilizadora, já que a dogmática fornece sentidos que a prática jurídica vai assimilando,
portanto, temos ali uma certa estabilização, respaldo reflexivo, em que os práticos do
Direito podem salvaguardar-se reflexivamente, para determinação do sentido das suas
opções.

• Por outro lado, tem uma função heurística ou dinamizadora — a dogmática estabelece/
propõe soluções ex novo excogitadas do sentido do Direito já vigente e, portanto, na
relação dialética entre o já estabelecido e o novo, as disquisições que a dogmática vai
propondo como soluções da iure condendo, da sua função dita heurística ou dinamizadora.

• Depois, temos uma função desoneradora, de facto, a dogmática ao fornecer acervos de


sentido, seria mais a dogmática construtivística, quando nos confere p.e. a noção de boa-
fé, que não está legislativamente definida: a dogmática constitui, substancialmente, o
sentido de boa-fé em sentido objetivo, subjetivo e vai desenvolvendo essa reflexão. Aí
temos uma nota de como até de uma função desoneradora, quando nós pretendemos saber
o que é a boa-fé objetiva ou boa-fé subjetiva, nós podemos socorrer-nos e, com isso,
desonerar-nos da explicação ex novo, como se do 0 partíssemos de cada uma das figuras
96
jurídicas e, portanto, evita assim a problematização sem fim de cada noção, de cada
conteúdo.

• Depois, uma função técnica, porque, com isso, confere aos juristas instrumentos técnicos
de fixação de sentido, que garantem objetividade das próprias referencias de sentido.

• Por último, uma função de controlo, porque ao estabelecer uma racionalização das
decisões judicativas, vai também formando linhas, estruturas de pensamento, que acabam
por ir moldando a própria pratica, i.e., a tal ideia de existência de sentido dogmático
dominante, que vai influenciando mais decisivamente a prática, o que não significa que
não vá sendo confrontado com sentidos dogmáticos minoritários que possam até fazer o
seu caminho e virem a ser eles próprios dominantes.

Portanto, realmente a estrutura constitutiva interna do estrato da dogmática é


dialética e também é dialética a relação que estabelece com os restantes estratos do sistema
jurídico.

Estrato da realidade jurídica: O momento da acção histórica da normatividade


jurídica; a presunção de eficácia

Não é apenas a perspetiva positivista que põe a realidade como campo de aplicação
das normas, verdade é que boa parte das construções sistemáticas e, portanto, dogmáticas,
do direito propõem, realmente, a definição do direito através do sistema, alguma relação
entre sistema e realidade, mas a verdade é que, também aí, apesar das preocupações
materiais com a relação do sistema à realidade, a verdade é que não se reconhecem,
normativamente, contributos materiais da realidade ao sistema e, nesta perspectiva
jurisprudencialista que estamos a analisar, fruto da influência do pensamento germânico da
segunda metade do século XX, nós vamos encontrar, efetivamente, propostas em que se nos
apresentam relações dialéticas entre sistema em realidade, que implicam que não apenas a
realidade tenha relevância normativamente constitutiva para o direito, isto é, as novidades
que a realidade apresenta projetam-se no sistema de modo a participar a sua reconstrução,
na sua reconstituição, como também essa participação, o facto de haver decisões judiciais,
de haver projeção do direito na prática, é enriquecedor para o sistema, mas é mais do que
isso, é pensar que a realidade é o ponto de partida da determinação da relevância jurídica,
isto é, não é o facto de uma certa realidade estar definida no sistema jurídico como
juridicamente relevante que lhe garante a relevância jurídica, ou seja, o que faz de um
problema juridicamente relevante um problema juridicamente relevante é o tipo de
problema que esse problema é — não é muito fácil dizer quem nasceu primeiro, mas a
realidade, de facto, terá nascido antes do direito.
Mas não estamos a falar da origem histórica direito, mas estamos a falar de uma
relação dialética entre a realidade e o direito, num ponto em que se pressupõe um sentido
normativo de direito que vai dirigido à realidade e que é de construção histórica
comunitária, isto é, ser direito, hoje, no nosso contexto, implica uma fundamentação, uma
intencionalidade, uma regulação ou ordenação normativa. Aliás, também sabemos que,
historicamente, certas questões que já tiveram relevância jurídica muito elevada, a foram
97
perdendo ou deixaram mesmo de a ter e, outras que não a tinham, passaram a tê-la — Nós
podemos mesmo ver, dentro das questões que têm relevância jurídica, que continuam ainda
da tê-la, nós temos exemplos de acções ou omissões que já constituíram, por exemplo,
crimes, como é o caso do adultério e que, no ordenamento jurídico atual, não o constituem.

Há domínios na vida prática que vão ganhando relevância jurídica e outros que a
vão, progressivamente, perdendo ou até mudando a feição, o sentido da relevância prática
que vão assumindo, muito em função da realidade e, ainda, em função também da valoração
que, sobre a realidade, o direito vai fazendo e ambas são dinâmicas.

Portanto, quando nós pensamos na dinâmica da realidade e mesmo quando se diz


que o direito deve adaptar-se à realidade há reticências a por dos 2 lados, e há reticências a
pôr do lado da realidade, porque nem tudo aquilo que a realidade traz de novo interpela o
direito e a fronteira da interpolação não é facilmente determinável, não é a garantida, não é
estática e não é unânime e, portanto, aquilo que deva ser ou não juridicamente relevante é
algo que está continuamente a ser problematizado.

Mais ainda do que ser juridicamente relevante, a questão de saber de que tipo de
relevância e, consequentemente, tutela jurídica, uma determinada situação da realidade é
merecedora — se vai ser considerada lícita/ilícita; Se sendo considerada ilícita esse ilícito é
civil, de índole administrativa, se é um ilícito criminal…

Ora, esta dinâmica está em contínua constituição e, portanto, a realidade, de facto,


tem uma dinâmica normativamente constitutiva indiscutível, porque é a realidade que
interpela o direito.
Se o direito de existir pré-definido num sistema e não se dirigir à realidade, no
modo porque ela, hoje, aí está, se nos apresenta fenomenologicamente, que serve o direito. e
Diz Castanheira Neves, também no curso introdução estudo direito: O direito ou é
positivo, isto é, entenda-se vigente, o direito ou é positivo ou não é, pura e simplesmente, ou
não é pura e simplesmente bem entendido, ou não é pura e simplesmente direito. O direito
existe para se realizar, sem isso não faz sentido, seria uma enunciação em abstrato de um
conjunto de prescrições, eventualmente até ideais, que, por muito válidas que fossem, não
tendo eficácia, perderiam o sentido enquanto direito.

Ora se o direito é, assim, interpelado pela prática, se visa a prática e se reconhece à


prática uma relevância normativamente constitutiva, efetivamente, a realidade, na sua
riqueza, interpela o direito de modo decisivo, levando-o a refletir internamente sobre o
sentido das suas prescrições, e, consequentemente, a ordenar, normativamente, essa prática.

Ou seja…

Do lado da realidade:

A realidade mude e, portanto, nem tudo é juridicamente relevante, é preciso


estabelecer uma dialética entre realidade e direito, para perceber do desenvolvimento da
98
realidade; da velocidade a que ela acontece; das exigências da comunidade que lhe dirige,
para a considerar, ou não, juridicamente relevante…

Do lado do direito:

Para dizermos que o direito se deve adaptar à realidade, de que adaptação falamos?

É que, se o direito for uma adaptação acrítica à realidade, não passará de um


regulativo, instrumentalizado a essa mesma realidade e, portanto, será tanto melhor, tanto
mais adequado, quanto mais reconhecer e aceitar as interpolações empíricas que a sociedade
lhe apresentar. Portanto, se o domínio fosse o da eficiência económica, o direito seria tanto
mais adequado, quanto mais promovesse a eficiência económica (tínhamos a possibilidade
da eliminação de elementos mais frágeis para a grande eficiência económica).

De facto, essa adaptação que o direito faz à realidade não é uma adaptação acrítica,
aliás, o direito é uma instância crítica e de validade normativamente constitutiva da prática,
o que significa que (e também por isso propusemos que o direito assuma um sentido
normativo próprio, até porque, não sendo economia, não sendo política, não sendo
tecnologia, a ser alguma coisa e, culturalmente, na nossa civilização, é-o) há de ser uma
ordem normativa crítica, com uma axiologia própria e, portanto, com um sentido normativo
próprio, que responde de uma certa maneira à realidade.

Há uma distinção típica da expressão anglossaxónica que distingue a law in books


da law in action e, de certo modo, a realidade jurídica também implica law in action e
implica-a de vários modos:

— (Essa projeção do direito na ação) Implica, desde logo, a concretização daqueles que
são mecanismos que o direito disponibiliza aos sujeitos, membros de uma comunidade, e
que estes irão mobilizar para a composição das suas relações intersubjetivas e, portanto,
para o exercício da sua autodeterminação.

Por exemplo: - O exemplo da realidade jurídica, que é juridicamente constitutiva, é


juridicamente vinculante, mas é realidade
- O exemplo de um concreto contrato: um contrato, enquanto relação
intersubjetiva bilateral, com, pelo menos, 2 sujeitos, implica uma vinculação recíproca que
vincula esses mesmos sujeitos. O contrato, no seu clausulado, sendo uma manifestação do
exercício da autonomia privada, no âmbito das dimensões de liberdade contratual, vai
implicar que, no âmbito de limitado pelo direito, os sujeitos tenham margem de manobra
para a livre fixação do conteúdo desse contrato, sem que estejam adstritos, em todas essas
dimensões, a reproduzir ipsis verbis as determinações legais. A verdade é que há uma
margem balizada, por exemplo pela licitude do objeto — Ora, aqui temos uma manifestação
de construção do direito na realidade, é o estrato da realidade a mostrar-se como projeção de
outros estratos, mas a constituir autonomamente direito — de facto, o contrato não é
reprodução da lei e é direito vinculante, entre os sujeitos que o celebram, pelo menos.

99
" Ora, a realidade apresenta-se, então, como a realidade política, por um lado, a realidade
cultural, a realidade económica, científico-cultural… todas elas a confrontarem o direito e a
serem confrontadas por ele, na dinâmica constitutiva do sistema jurídico.

" À realidade vai corresponder uma presunção de eficácia, isto é, se o direito for uma
manifestação ideal, sem ligação efetiva na prática, será, exatamente, uma referência ideal,
mas não efetiva regulação para a vida intersubjetiva, mas o direito quer sê-lo e, mais do que
isso, quer que essa vida intersubjetiva se conforme, tanto quanto possível, espontaneamente
com a regulação jurídica, porque, aí, encontraremos um momento de equilíbrio dialético
entre a realidade e o sistema.

Estrato das regras procedimentais: O momento técnico-praxístico da normatividade


jurídica; a presunção de prestabilidade.

Esta dimensão procedimental vai apresentarmos um conjunto de regras de decisão, o


conjunto de critérios técnicos que os juristas mobilizam no desempenho da sua função. Não apenas
da função de decisão judicial, mas também na própria construção legislativa e dogmática.

A dimensão procedimental consiste no conjunto das específicas regulae decidendi


(as leges artis, os operadores técnico-argumentativos, os expedientes dogmáticos e os
arrimos metodológicos, discursivo-praxisticamente funcionalizados) que constituem um
particular subsetor da realidade jurídica, com frequência referível ao profissional dos
sujeitos, institucionalmente incumbidos de mobilizar o direito, que o jurista deve utilizar,
para poder desempenhar, de um modus adequado, a tarefa que lhe está cometida, pois só por
sua mediação logrará normativo-consonantemente articular, em termos materialmente
redensificantes e dinamicamente projetantes, os demais estratos do corpus iuris vigente.

Portanto, os cânones metodológicos mobilizados para a seleção de normas, para a


sua interpretação, para a relação entre a norma e o caso, os operadores técnico-
argumentativo que participam na construção de cada um dos suportes do direito, enquanto
sistema jurídico…

Nesse sentido, estamos a considerar as tarefas dos juristas na construção da


normatividade jurídico vigente, portanto, temos uma presunção de prestabilidade, esse
conjunto de regras são considerados distintos das normas legais, são considerados como
sendo operadores práticos, essenciais para o desempenho da função, ou seja, instrumentais,
deste ponto de vista.

Alusão à problemática da autónoma relevância de cada um dos estratos do sistema jurídico.

Depois do que se estudou acerca da vigência e das fontes do direito, soará menos
estranha a afirmação da pluridimensionalidade do sistema jurídico.

Pensada a vinculação num sentido amplo, irredutível ao seu tradicional


entendimento em termos prescritivo-autoritários num quadro politico- constitucionalmente
institucionalizado, admitem-se vários modos dessa vinculatividade do direito, de acordo
100
com a relevância autónoma de cada um dos estratos do sistema e as respetivas presunções
de vigência: desde a referencialidade (do sentido) à eficácia (da realidade), passando pela
validade (dos princípios), a autoridade (das normas legais), a justeza (dos precedentes
jurisdicionais), a racionalidade (dos modelos práticos de decisão preconizados pela
dogmática) e a prestabilidade (dos bordões procedimentais).

A índole estrutural do sistema jurídico aberto, material e regressivo

Este sistema, assim considerado, apresenta-se-nos como aberto, pluridimensional,


material e de desenvolvimento regressivo a posteriori.

De facto, cada um dos estratos do sistema jurídico que identificamos apresenta uma
relevância prático-normativamente constitutiva e metodológica a diversa, e todos confluem
na construção do direito vigente e no diálogo entre esse e a realidade que o interpela.

Deste ponto de vista…

— O sistema jurídica é aberto em todos os seus estratos, isto é, este vai ser aberto
quer ao nível dos princípios normativos, ao nível do próprio sentido (é ele próprio dinâmico/
constitutivo), (…)
Dizer que o sistema é aberto implica que reconhecemos essa abertura em todos os
seus estratos, porque todos eles se relacionam, ainda que diversamente, com a realidade a
que o direito vai dirigido;

— Também o dizemos pluridimensional, composto pelas várias dimensões e pelas


relações que estas estabelecem entre si e com a vida prática;

— O sistema é, também, material, porque temos aqui um sistema que se concentra no


conteúdo que pretende projetar na realidade, temos uma preocupação, não apenas com ver
no direito uma regulação, mas uma regulação normativamente constitutiva, uma regulação
comprometida com os fundamentos e consequências com que se dirige aos seus
destinatários, que são, simultaneamente, seus autores.

— Um sistema, por fim, de reconstituição regressiva a posteriori, pois, como vimos, a


constituição do direito, se se dá do lado do direito, desde logo, pela via legislativa, não
acontece se não por referência à realidade que se vai apresentando (mesmo a própria
legislação, muitas vezes, é a resposta do direito à realidade, embora também possa ter um
pendor prospectivo na modelação da futura apresentação da realidade — o direito tanto
responde aos impulsos da realidade, tanto é ele próprio impulso para a modelação da
realidade).
Dizer que o sistema jurídico é de constituição regressiva, que se reconstitui como
que da frente para trás, implica dizer que — A história em que a reconstrução regressiva do
sistema jurídica reside é: perante os problemas concreto novos que o direito é convocado
globalmente no seu sentido como orientação de respostas e essa resposta novo retroprojeta-
se no sistema já vigentes enriquecendo-o e, com isso, transformando-se.
101
O ponto de partida reside no problema, a pergunta ao sistema por um sentido de
resposta, e esta implica que não possamos dizer que sai uma norma do sistema para
responder ao problema, é todo o sistema que é convocado, em todos os seus estratos, para se
relacionar dialeticamente com o problema concreto. A questão está em saber se esse
problema é análogo aos problemas a que o direito, no sistema jurídico vigente, intenciona
dar resposta. Se o for, então, haverá que procurar no sistema os critérios e fundamentos
suscetíveis de sustentar o sentido de orientação de resposta jurídica aquele problema. O que,
se por um lado, implica que não se convoquem normas isoladamente, vai responsabilizar o
jurista, não apenas pela aplicação lógico dedutiva, para vincular o jurista à consideração,
não apenas da norma, mas de todos os elementos normativamente relevantes que o sistema
jurídico disponha para a resolução daquele tipo de problema, que dirá espelhar-se no
problema concreto.

Assim…

! É um sistema aberto (à realidade material e espiritual, na sua evolução histórica e na


imprevisível problematicidade que suscita), não pleno (não completo, por não conter
resposta para todos os problemas juridicamente relevantes) nem autossuficiente (porque os
critérios que contém são insuficientes para a resolução concreta dos casos), que se
redensifica pela mediação dos problemas que o desafiam e a que tem de devenientemente ir
dando resposta, de acordo com o sentido do direito que nele dogmaticamente assim se vai
objectivando, sem todavia se lhe concluir. Um sistema, portanto, que se pode dizer
constituendo, e com uma dinâmica regressiva, uma vez que os novos problemas se
repercutem nas soluções já pré-disponibilizadas.

As fontes do direito

O problema e a perspectiva da sua consideração:

- A superação da (positivística) perspectiva "político-constitucional" (polarizada no poder)


por uma compreensão "fenomenológico-normativa" (polarizada na vigência).

Os tipos fundamentais da experiência jurídica constituinte: consuetudinária,


legislativa e jurisdicional.

Estamos, ainda, a analisar o modo de ser do direito.

Vamos, agora, perguntar como é que este direito vigente é criado? Como vem à
nossa presença, como se constitui e manifesta?

Esta temática das fontes do direito, que tem origem, pelo menos, na expressão
metafórica atribuída a Cícero “fonts iuris”, tem uma tradição muito antiga e,
verdadeiramente, leva-nos a por inúmeras questões que, de facto, implicaria que nos
perguntássemos “fonte porquê?”.

102
Há vários sentidos possíveis da problemática das fontes de direito. E, para esta
matéria, é pertinente analisar um artigo de Castanheira Neves,“ Fontes do Direito”.
Na abertura desse artigo, encontramos diferentes modos de considerar esse problema e
até diferentes elencos do que sejam as fontes do direito.

A ideia do que é fonte do direito pode apresentar-se-nos em diferentes sentidos.

1. Temos, desde logo, a ideia das fontes de conhecimento do direito, os locais onde se
encontra o direito, onde este se manifesta, o local de onde brota o direito;

2. Depois, noutro sentido, fontes genéticas (ou materiais ou reais). Estas seriam as causas
históricas, sociais, culturais, políticas, etc, os fatores que estão na origem do direito;

3. De seguida, temos as fontes de validade, a possibilidade da consideração das instâncias


que conferem validade À normatividade jurídica, os fundamentos.

4. E, ainda, fontes de juridicidade, enquanto a pergunta por aquilo que confere a um


determinado modo específico de criação de direito, a qualidade de jurídico.

Se pensarmos sobre estes 4 sentidos de fontes de direito, veremos que:

• As fontes de conhecimento, os tais locais de onde se encontra o direito, pressupõem o


direito já constituído, isto é, para termos um local onde encontramos quais as fontes de
direito admissíveis, elas têm de já ter sido determinadas, são fontes de direito já
constituídas e, portanto, os locais de conhecimento não nos explicam o processo de
constituição, já está constituído, o problema, à partida, já está resolvido;

• As fontes genéticas serão as tais causas de surgimento de direito, mas ainda não são
constituição de direito em si, são os tais fatores que estarão na origem do surgimento do
processo constitutivo — estão atrás;

• As fontes de validade também nos remetem para o problema do fundamento, não para o
da constituição do direito em si;

• As fontes da juridicidade, aí já se põe o problema que tem que ver com o processo
constitutivo do direito.

Claro que isto implica um conjunto de opções, que, desde logo, nos leva a questionar
de que é que se fala quando se fala de fontes do direito e as respostas são muito diferentes,
consoante as referências dogmáticas.

103
Como é que se constitui e manifesta a normatividade jurídica vigente, numa
determinada comunidade histórico-concreta?

Do ponto de vista que iremos seguir, iremos reconhecer o problema das fontes do
direito como problema do processo constitutivo do direito vigente, como iter procedere,
percorrido até chegar ao direito constituído.
A perspetiva por que nos orientamos irá além da pergunta pelo suporte em que
podemos conhecer o direito vigente — irá além da pergunta pelas fontes do direito
admissíveis.

É a partir desta pergunta que vamos procurar perceber como é que o direito,
compreendido pela proposta que estamos a analisar, é constituído.

O problema das fontes do direito é um problema que não está resolvido através do
direito positivo pura e simplesmente, isto é, se o direito se nos apresenta como vigente,
constituído, projetado já na realidade com um certo sentido, isso não implica que não
tenhamos de o reconhecer na sua intencionalidade constitutiva. O sentido das fontes do
direito que se admita depende do sentido do direito que se assuma.

Se assumíssemos uma perspetiva positivista, tenderíamos a admitir como fontes do


direito aquelas que o direito positivo consagra como tal e, portanto, o problema das fontes
resolver-se-ia através do conhecimento e interpretação dos artigos do direito positivo que
determinassem quais as fontes admissíveis. O que significaria perguntar ao direito positivo
como se constitui o direito positivo, o que é, no mínimo, tautológico.

Se o problema, como pretendemos pô-lo, não se basta com responder assim, porque
isso implica assumir como previamente resolvido o problema do processo constitutivo do
direito, então, temos de ir para lá do direito positivo. Isto significa que o problema das
fontes do direito é um problema metapositivo.

Portanto, temos de considerar 2 perspetivas:

1. Uma perspetiva político-constitucional das fontes do direito — Esta de pendor mais


positivista e de intencionalidade hermenêutico-cognitiva — estaria polarizada no poder,
ao concluir que serão fontes do direito aquelas que forem como tal determinadas pelo
poder legitimado institucionalmente para as definir.
Concluiria que conhecer quais as fontes admissíveis do direito, se traduziria em
conhecer e interpretar os artigos de um diploma legal, em que essas fontes do direito
estivessem estabelecidas como direito positivo.

Se falarmos da compreensão político-constitucional de um ordenamento jurídico,


como o ordenamento português, o problema das fontes do direito encontrada a sua resposta
no conhecimento e interpretação dos primeiros quatro artigos do CC.

104
2. Uma perspetiva fenomenológico-normativa das fontes do direito — O problema das
fontes como um problema de processo constitutivo do direito, saber o que é fonte, saber
como se origina e se constitui juridicamente um determinado modo específico de
manifestação do direito. Se vamos perguntar como o direito se constitui e manifesta,
então, já não é suficiente recorrer a diplomas legais, como no caso da primeira
perspetiva, porque a resposta está para trás, ou, até, para fora.
Este perspetiva assume a análise do processo de manifestação do direito, tal como
vem à nossa presença como fenómeno.

Aula 21/04

Vimos que o problema das fontes do direito, que apela a uma metáfora atribuída a Cícero,
exatamente esta metáfora “Cons Iuris”, implica, decisivamente, que estejamos perante a
consideração do modo de constituição do direito, isto é, estamos a analisar os modos por
que o direito se constitui, por que se nos apresenta como direito.

Isso significa que, neste sentido, o problema será, naturalmente, visto de diferentes
perspetivas, consoante a compreensão do direito e do pensamento jurídico que corresponda
à abordagem às fontes do direito que estivermos a considerar.

Neste sentido, temos que ver e temos de recordar que, efetivamente, quando nós
analisámos a perspetiva positivista, o problema das fontes do direito se nos apresentava
como já resolvido, isto é, tínhamos, aí, a consideração já, de que, efetivamente, sendo
identificada uma ou, eventualmente, várias fontes do direito como as fontes do direito
fundamentais, teríamos já, aí, indicada a origem do direito vigente e, nesse sentido, teríamos
aí já dada a resposta no próprio direito positivo.

De facto, o problema das fontes do direito é um problema que vai, então, depender
da conceção do direito e do pensamento jurídico correspondente.

Desse ponto de vista, dizer que a Constituição, as leis, os decretos-leis, os


regulamentos, as portarias, são fontes do direito mostra-nos o problema já acabado,
resolvido, não nos diz nada sobre o modo, o processo de constituição da normatividade
jurídica vigente que, aí, já está objetivada, nessas manifestações já assim apresentadas.

Como disse, de facto, para o positivismo, o problema das fontes do direito seria
suscetível de resolução através da consideração do direito já constituído, porque se resolvia
a questão de saber quais os modos de constituição do direito admissíveis, perguntando por
esses modos ao próprio direito, ao próprio Corpus Iuris já pré constituído.

Do que se trataria, então, seria de saber quem teria poder para criar direito vigente e
se nos reportarmos ao positivismo legalista, a pergunta seria: “quem tem poder para criar
normas jurídicas obrigatórias?”, a resposta seria, evidentemente, “o poder legislativo” e,
nesse sentido, consequentemente, teríamos aí a resposta ao encontrarmos naquelas que
105
dissemos, segundo a classificação que nos é apresentada pelo senhor doutor Castanheira
Neves, as fontes de conhecimento do direito, como os Loki onde se encontra definido, pré
definido, no direito positivo os modos de constituição do direito admissíveis.

Isto significa que, o problema das fontes do direito, para uma perspetiva de índole
positivista, se resolveria com o conhecimento e interpretação das normas legais que
determinassem quais os modos de criação do direito admissíveis.

Significa isto, assumir uma perspetiva, que diremos, “político-constitucional”, do


ponto de vista institucional, já que, a pergunta pelas fontes do direito nos levaria a
questionar quem tem poder para criar direito e a resposta ser-nos-ia oferecida através das
determinações que o poder legitimado para criar direito estabelecesse sobre quais as fontes
do direito admissíveis e, por isso, politico-constitucional, deste ponto de vista institucional.
Do ponto de vista teórico e metodológico, esta perspetiva seria conjugada com uma
intencionalidade hermenêutico-cognitiva, isto é, saber quais são as fontes do direito
admissíveis implicaria conhecer e interpretar as normas legais que estabelecessem, pelo
poder legitimado, as fontes do direito admissíveis.

No nosso sistema jurídico o que é que podemos aqui encontrar, o que é que poderemos
dizer?

O nosso sistema jurídico vigente, o nosso Código Civil estabelece, nos seus
primeiros quatro artigos, e, portanto, no livro 1, parte geral, no seu título 1, das leis, sua
interpretação e aplicação, capítulo 1, fontes do direito.

Temos aqui 4 artigos, em que são tratadas as questões referentes às fontes do


direito, tal como o legislador, em 1966, e já com uma alteração posterior, as propôs.

" Temos assim, no artigo 1.º, exatamente, as fontes imediatas – as leis e as normas
corporativas (considerando o nº 1 do artigo 1º do Código Civil); No nº 2, tecem-se
considerações sobre o que são leis; Depois, no nº 3, uma consideração sobre normas
corporativas.

" No artigo 2.º do Código Civil, encontramos como epígrafe “assentos” e apenas a
referência a que este artigo foi revogado pelo decreto-lei nº 329/a de 95 de 12 de dezembro.
O texto deste artigo era, à época, na versão originária do Código, hoje revogada, a seguinte:

“Nos casos declarados na lei podem os tribunais fixar por meio de assentos, doutrina com
força obrigatória geral”. Temos a referência a assentos como fontes do direito, vamos ver o
que é um assento e analisar a sua história e as razões por que esse artigo 2º do Código
Civil foi revogado.

"No artigo 3.º o valor jurídico dos “usos”. No seu nº 1 os usos que não forem contrários
aos princípios da boa-fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine. No nº 2 as
normas corporativas prevalecem sobre os usos — Temos aqui um modo de constituição do
106
direito que cumpre analisar também e que cumpre analisar em contraposição com uma outra
fonte tradicional de direito, nós fizemos essa referência, remontando pelo menos ao Direito
Romano, de que as fontes fundamentais serão a lei, a jurisprudência, o costume e, em alguns
casos, a doutrina. Vimos já que, no contexto do positivismo, a lei domina e define a
admissibilidade das fontes e estamos, agora, a analisar como é que o nosso Código Civil
expõe essa temática da fonte fundamental do direito estabelecida na lei, desde logo, vimos
aqui, são fontes imediatas do direito, as leis e as normas corporativas e, depois, a relação
dessa fonte fundamental (a lei) com outras fontes. Uma das fontes admitidas, se,
naturalmente, não houver contrariedade com a lei, relativamente à lei, a admissibilidade dos
usos.

"No artigo 4.º temos o valor da equidade, estabelecendo-se que os tribunais só podem
resolver segundo a equidade, alínea a) quando haja disposição legal que o permita, alínea b)
quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível, alínea c) quando as
partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à
cláusula compromissória.

Da leitura destes quatro artigos, concluímos que, verdadeiramente, a lei tem aqui, numa
perspetiva institucional, uma prevalência como fonte imediata e como condição para a
admissibilidade de outras fontes. Esta é uma proposta que, de facto, não se reduzindo à
construção formalista que o positivismo do século XIX afirmava, se centra crucialmente na
lei como fonte fundamental e primeira.
É verdade, evidentemente, que num sistema de legislação como o nosso, a normatividade
jurídica se objetiva, sobretudo, na legislação. Porém, isso não significa que a lei seja a fonte
exclusiva (vimos já aqui que se admitem outras fontes), mas o que está, de facto, em causa é
compreender que estes quatro artigos já são eles próprio resultado do processo constitutivo
do direito, isto é, apresentam-se como direito positivo, tornando tautológico, se assumirmos
uma perspetiva político-institucional e político-constitucional das fontes do direito, o
perguntar pelo que sejam fontes do direito, isto é, se perguntamos ao direito positivo como
se constitui e manifesta o direito positivo, estamos a transformar a pergunta em resposta
sem, verdadeiramente, analisarmos o processo que está em causa, isto é, significa que
estamos a perguntar às manifestações de direito positivo como é que se constituem as
manifestações do direito positivo, ou seja, dar já por concluído o problema da sua
constituição e, portanto, estamos a perguntar ao resultado diretamente pelo seu processo
constitutivo e o resultado apenas se apresenta como tal, não estabelece em si a explicação e
a própria compreensão da intencionalidade do seu processo constitutivo.

Isso vai levar-nos a pôr o problema de outra perspetiva. Aquilo que pretendemos
saber ao perguntar: “quais são as fontes do direito?”, vai além de encontrarmos a resposta já
acabada no direito positivo.

Aquilo que nós queremos compreender é, como se constitui e manifesta o


direito positivo, isto é, o direito vigente. A pergunta deixa de ser dirigida a saber quem tem
poder para criar direito e passa a ser dirigida ao próprio processo constitutivo do direito, isto
é, a pergunta é: “como se constitui e manifesta a normatividade jurídica vigente numa
107
comunidade histórico-concreta?” e já não “quais as fontes do direito admissíveis e onde é
que as podemos encontrar no sentido das fontes do conhecimento do direito”.

E, portanto, estamos, sobretudo, a perguntar sobre fontes de juridicidade (se


podermos manter a referência à classificação que na ultima semana nos ocupou), mas mais
do que isso, estamos a procurar analisar o próprio problema da constituição do direito, isto
é, as razões por que e os modos por que a lei se apresenta como fonte do direito e, com a
mesma intencionalidade, a pergunta por outros modos de constituição do direito, para além
da lei, e as condições da sua admissibilidade, enquanto fontes do direito, para além da lei,
porque verdadeiramente, se nós pressupusermos como o pensamento positivista legalista
fez, que a lei é fonte primordial do direito, concluiremos que tudo o que for criado sob a
forma de lei será direito, e que o direito será exclusivamente criado sob a forma de lei.

Essa é uma impostação possível das coisas, mas não é a única. O que está aqui
verdadeiramente em causa é perguntar pela juridicidade, isto é, por aquilo que faz do direito
direito e, não pela determinação externa institucional de um conjunto de mecanismos a que
é conferida a qualificação direito, desse ponto de vista institucional, sem perguntar pela sua
relevância normativa material interna ou, por outras palavras, em vez de perguntar ao
produto acabado e receber como resposta ao produto acabado, já dado no direito positivo,
como se constituem as fontes do direito, o que se fará é, isso sim, investigar o próprio
processo constitutivo das diferentes fontes do direito, o que nos vai levar a concluir que,
efetivamente, outras fontes se podem manifestar ao lado da lei e não necessariamente
na dependência desta.

É claro, naturalmente, como dissemos, que a normatividade jurídica se manifesta


através da lei e diríamos num sistema de legislação, sobretudo, através da lei, mas essa não
tem que ser a sua única referência constitutiva.

Como vimos, o problema das fontes, não ficando fechado na consideração do


sistema jurídico positivo, perguntando a quem tem poder para criar direito e tendo como
resposta direito já criado;

! O que se trata de saber é, então, como é advém a juridicidade ao sistema, como é que se
constitui o sistema jurídico como sistema jurídico, o que é que faz do direito vigente, direito
vigente; como se constitui e manifesta a normatividade jurídica vigente?

Portanto, vamos procurar compreender os fatores genéticos coo determinantes do


conteúdo do direito, e mais do que isso, reconhecer, efetivamente, que a criação do direito é
um processo, com vários passos constitutivos e que resultará, consoante as instâncias
constitutivas, em diferentes fontes, ou por outras palavras, em diferentes experiências
jurídicas constituintes. Vamos concentrar-nos depois em três, a legislativa, a
consuetudinária e a jurisdicional; lei, jurisprudência judicial e costume.

108
Isto significa, então, que teremos que perguntar, de modo diverso, quais os
problemas por que são apresentadas as diferentes fontes e como se constituem.

Olhemos para este modo como o direito se nos apresenta enquanto fenómeno,
estamos a considerar uma perspetiva em que o direito se nos apresenta, vem à nossa
presença como um processo em contínuo desenvolvimento e, portanto, como um
constituendo, cuja vigência se irá concentrar na relação entre validade e eficácia e por via de
uma institucionalização ganhar positividade:

É por isso que nós, em vez de uma perspetiva politico-constitucional, vamos aqui
adotar uma perspetiva fenomenológica normativa, seguindo o modo como o senhor
doutor Castanheira Neves e o senhor doutor Pinto Bronze nos a têm oferecido e esta
perspetiva fenomenológica normativa, exatamente iremos analisar como é que a
normatividade jurídica vem à nossa presença, isto é, como é que o direito se nos apresenta
como fenómeno, como se nos manifesta enquanto direito vigente.
Vamos considerar a nossa atenção nas diferentes experiências jurídicas constituintes
e não já, naturalmente, nos resultados que elas, de modo acabado, prévio e submetido à
perspetiva legal, nos apresenta.

Neste contexto, vamos distinguir, nas diferentes experiências jurídicas constituintes,


três diferentes formas e, consequentemente, três diferentes fontes constitutivas do direito.

1. A experiência jurídica constituinte consuetudinária - costume;


2. A experiência jurídica constituinte legislativa - lei;
3. A experiência jurídica constituinte jurisdicional - jurisprudência judicial;

1. A experiência jurídica consuetudinária:

Aquela que resultará na formação do costume como fonte do direito, o costume


jurídico, é muito provavelmente, historicamente, mais remota, isto é, a primeira forma de
constituição em termos históricos do direito vigente.
O costume jurídico que vem da ideia da consuetudo no direito romano, pelo menos,
concentra-se na observância reiterada, estabilizada de comportamentos que, quer pelo
seu conteúdo e fundamento, quer por essa constância, estabilização, reiteração, se
assumem como intersubjetivamente vinculantes.

Temos aqui um modo de constituição do direito em que a instância criadora e a


instância destinatária se correspondem, o direito é constituído pela comunidade em que se
projeta como vigente.

Por isso, temos a indicação que este é um modo constitutivo do direito de índole
social, porque, efetivamente, o direito é, aqui, segregado pela comunidade nos tempos
lentos das sociedades tradicionais, mais arreigadas, mais lentamente sedimentadas, e, por
isso, também mais fortemente cimentadas, em que os horizontes de referência de valor e de
vinculatividade se encontram (se encontravam) legitimados pelo tempo. Optei pelo pretérito
109
perfeito e pelo presente porque efetivamente, embora as nossas sociedades atuais se
apresentem muito mais complexas do ponto de vista da heterogeneidade das opções, isso
não significa que, não possamos continuar a reconhecer a existência de criação de direito
sob a forma de costume.

E o costume diferenciado, fundamentalmente, de uma outra experiência, a


experiência dos usos e que estão consagrados no elenco das fontes do direito formalmente
estabelecidas, no nosso Código Civil.

Olhemos para o conteúdo do costume jurídico, assim compreendido como prática


reiterada, com força vinculante e, por isso, observada como norma jurídica, no sentido de
que, norma de comportamento, embora não, evidentemente, norma legal — Norma
enquanto regulativo orientador de conduta, com específico sentido substancial e, portanto,
não é uma mera regra.

O costume, enquanto fonte, desde a sua origem histórica, implica a associação de


dois elementos, um elemento de dimensão externa ou objetiva, que é o comportamento
reiteradamente observado (corpus) e um elemento interno ou subjetivo (animus), enquanto
convicção da obrigatoriedade desse comportamento.
O costume, na sua origem, consuetudo, implica estas duas dimensões, distingue-se
dos usos, por que estes apresentam a dimensão de corpus, mas não de aminus. Portanto, os
usos são práticas reiteradas, mas não acompanhadas da convicção de obrigatoriedade desse
comportamento.

Poderíamos oferecer como exemplos alguns usos, mesmo do comércio, e até do


comércio internacional, que, mantendo-se até aos nossos dias, de facto, se apresentam com
esta característica.
Retomando aquilo que o nosso Código Civil consagra no artigo 3º, sobre o valor
jurídico dos usos, vemos que, de facto, esse valor jurídico, à luz da construção que o Código
Civil nos apresenta, determina que os usos que não forem contrários ao princípio da boa-fé
são juridicamente atendíveis quando a lei o determine.

De facto, o costume, enquanto fonte do direito, não se encontra autonomamente


estabelecido no âmbito deste elenco de fontes do direito no Código Civil, mas isso não
significa que o costume esteja afastado das possibilidades de constituição do direito que o
nosso Código Civil admite.

Exemplo: Podemos convocar o artigo 348º do Código Civil que, não consagra no elenco
das fontes, evidentemente, confere relevo específico ao direito consuetudinário local ou
estrangeiro. É isso que é dito neste artigo 348º no seu nº1 e, para ficar registado, àquele que
invocar direito consuetudinário local ou estrangeiro compete fazer a prova da sua existência
e conteúdo, mas o tribunal deve procurar oficiosamente obter o respetivo conhecimento.
Estamos aqui a considerar as disposições gerais em matéria de prova e,
portanto, é possível invocar direito consuetudinário local ou estrangeiro para fazer prova da
existência de um determinado direito. Aí temos um exemplo de como, de facto, não estando
110
o costume elencado nos primeiros 4 artigos do Código Civil, afinal é, ainda assim,
considerado por outras vias, noutras instâncias, como juridicamente relevante. É notório,
naturalmente, que há aqui uma opção, mas, simultaneamente, não desaparece a relevância
do costume, ainda assim.

A experiência jurídica consuetudinária assenta, então, na força do tempo, porque de


facto, o comportamento reiterado observado ao longo de um período mais ou menos
assumido como lentamente assimilado pelo tempo, mostra-nos, de facto, um modo de
constituição do direito, que provavelmente não seria muito facilmente compreensível, em
algumas matérias, no nosso ordenamento jurídico atual, mas isso não significa que não
exista, só significa que, a dimensão de tempo a que as nossas sociedades atualmente se
reportam, em boa parte implicam que deva ser outro tipo de fonte, por não haver suficiente
sedimentação em algumas matérias, em virtude da dimensão de tempo.
Há matérias em que, e sociedade em que, o tempo assume relevância diversa daquela que
permitiria a construção do direito com base no costume.
É, realmente, uma questão de contextualização, em termos temporais e espaciais é possível
que a construção do direito se faça até nas mesmas matérias, por via consuetudinária em
certas comunidades e por outras vias noutras.

Além desta experiência jurídica consuetudinária temos a considerar então aquela


que absorve hoje, nos sistemas de legislação e também com grande relevância nos sistemas
de common law, (não exatamente com a mesma força), a experiência jurídica legislativa:

2. Experiência jurídica constituinte legislativa (lei):

A experiência jurídica legislativa assumiu, progressivamente, a partir da Idade


Moderna, um protagonismo, que veio a trazê-la, já no período que identificamos como
positivismo legalista do século XIX, a ser considerada a fonte primordial (e, muitas vezes,
a exclusiva) do direito.

Neste sentido, temos que considerar um modo radicalmente distinto de constituição


do direito. Desde logo, a experiência jurídica legislativa já não vai assumir-se com aquela
índole social que o costume transmite, isto é, deixamos de ter a identificação entre a
entidade criadora e a entidade destinatária do direito, para passarmos a ter aqui uma
distinção fundamental, porque a experiência jurídica legislativa assume uma índole estatal,
uma remissão ao poder político, ao poder politicamente legitimado, para criar direito sob a
forma legislativa e vai cumprir-se na prescrição de normas, com uma intenção de
regulamentação para o futuro, para uma contextualizada comunidade ou sociedade, que
assume como destinatária.

É claro que a compreensão do princípio da separação dos poderes e a


institucionalização de Estado de Direito implica que os sujeitos que componham o poder
legislativo, sejam eles próprios, naturalmente, enquanto membros da comunidade,
destinatários do direito constituído (isto é estrutural neste modo de construção de estado de
direito).
111
O que está aqui em causa é que, de facto, há uma instância criadora de direito, o
legislador, em abstrato e uma instância destinatária, a sociedade.

Aqui, de facto, a construção do direito apresenta-se como um conjunto pré-


determinado de normas ou regras, que se destinam a uma aplicação futura. Temos como
dimensão temporal fundamental, exatamente essa predefinição, portanto, o futuro é a
dimensão temporal característica da experiência jurídica legislativa. Já do ponto de vista
institucional, há o reconhecimento de um poder político-constitucionalmente legitimado
para criar direito, sob a forma legislativa, e, portanto, um poder legislativo, sujeito de
criação desse direito e uma comunidade destinatária —temos esta cisão fundamental.
Depois, temos a sua intencionalidade prospetiva (essa dimensão de futuro) a
manifestar-se no modo como as prescrições são estabelecidas, na estrutura que a admitem
(com hipótese, estatuição, sendo gerais e abstratas) e, com isso, precipitando-se numa
projeção para a frente (para a realidade futura) na conformação da comunidade à qual se
destinam.

3. A experiência jurídica constituinte jurisdicional - jurisprudência judicial;

Claro que esta construção da experiência jurídica legislativa, nós compreendemos


perfeitamente estando num sistema de legislação; Num sistema de common law, os acts e a
statotory law assume de facto uma relevância crucial, alias, o poder legislativo assume uma
relevância crucial, mas tem uma articulação com a jurisprudência judicial que é diferente
daquela que nos sistemas de legislação vamos encontrar, posto que, uma vez mobilizadas
para as decisões judiciais, essas dimensões de statotory law passam a ser vistas à luz da
mobilização para as decisões judiciais, o que significa que no desenvolvimento constitutivo
do sistema jurídico, na análise de casos futuros, a convocação imediata será a da resolução
jurisdicional anterior, mais imediatamente do que a da determinação estatutária, no sentido
da statotory law que tiver tido lugar.

Enquanto num sistema de legislação a decisão judicial será feita, sempre, tendo em
conta a referência legislativa e numa compreensão mais formalística e positivista
primordialmente e, até, unicamente a referência legislativa, na construção dos sistemas de
common law a primeira referência, mesmo que haja lei, será (se houver) um precedente
judicial, em que essa lei tenha sido convocada como orientação para a resolução.
Isto muda completamente, do ponto de vista metodológico, a relevância relativa das fontes
do direito, aliás, a construção da common law implicou, ela própria, uma reiteração de
práticas, com força consuetudinária, mas das práticas estabelecidas pelos próprios ditos
oficials, mas neste caso, juízes que foram constituindo, dialeticamente, na relação entre as
racciones dicidendi de casos já resolvidos e casos novos sub iudice, portanto, nessa
interação dialética construindo o sistema jurídico de precedente vinculante.

Significará isto que a jurisprudência judicial não constitui, nos sistemas de legislação,
direito?

112
Da perspetiva fenomenológico-normativa em que estamos a pôr o problema, a
experiência jurídica jurisdicional é suscetível de ser convocada como fonte do direito.

Em que sentido?

Desde logo, mesmo que, consideremos a lei como fonte primordial, a ideia de que,
resolver um problema concreto confere, vinculativamente, a resposta do direito para essa
situação em concreto, já nos mostra uma ideia de concretização, que leva a que se considere
que, de facto, a decisão judicial é constitutiva do direito.

A perspetiva positivista que o século XIX nos ofereceu, diferentemente, assumia


que a decisão judicial não tinha qualquer relevância constitutiva do direito. Neste sentido, a
aplicação lógico-dedutiva seria uma mera declaração, em concreto, do direito constituído
em geral e abstrato e, por isso, a realidade estaria fora do sistema jurídico e a própria
decisão judicial seria considerada fora do sistema jurídico, como resultado da aplicação.
Seria vinculativa para os sujeitos envolvidos, eventualmente até para terceiros, mas
não se consideraria como constituindo direito, seria uma declaração, uma consequência,
uma projeção no sentido de aplicação, neste sentido de aplicação lógico-dedutiva que aqui
era propugnado.

É claro que, a perspetiva que estamos a considerar e a perspetiva por que


analisámos o sistema jurídico vai responder muito diferentemente ao problema de saber da
relevância constitutiva das decisões judiciais.

Veremos que em termos institucionais, quando a seguir formos pôr o problema de


saber do sentido das decisões judiciais dos tribunais superiores e, nomeadamente, dos
assentos como fontes, que a posição que vamos aqui assumir não colhe a unanimidade nas
correntes atualmente em diálogo, do ponto de vista dogmático e metodológico, mesmo logo
no âmbito do nosso sistema jurídico português e, portanto, encontramos várias respostas e
iremos aflorá-las quando tratarmos da questão da relevância dos assentos na sequência
desta exposição.

Mas olhemos para o modo por que, desta perspetiva dita jurisprudencialista, se assume a
relevância da experiência jurídica jurisdicional:

Este tipo de experiência jurisdicional, que se concentra no juízo decisório e,


portanto, estamos a considerar o momento da concretização em concreto do sentido que o
direito estabelece no diálogo que vai fazendo com a prática, e portanto, a relação que um
problema surgido na realidade estabelece com o sistema jurídico e vimos que esta relação
implica convocar a intencionalidade do sistema e, por isso, o sistema em bloco, no conjunto
de fundamentos e critérios que o constituem, para oferecer, construir, uma resposta para o
problema judicando, para o problema sub iudice, problema dicidendo, e, nesse sentido, de
facto, este tipo de experiências jurídica assume uma índole prudencial, porque o que está em
causa é um juízo (enquanto ponderação prática sustentada numa fundamentação material e
num discurso estruturado argumentativamente) de articulação entre, a relevância específica
113
que o problema concreto apresenta, enquanto intencionalidade problemática, e a relevância
normativa que o sistema jurídico confere àquele tipo de manifestação problemática.

O que nós vamos ter aqui é uma relação dialética entre um problema e um sistema,
por mediação de um juízo, ponderação prática, orientada por uma fundamentação e
construturação argumentativa, até para a construção da justificação, que irá
constitutivamente apresentar o sentido de resolução normativamente adequada daquele
específico problema.

Qual é a instância institucionalmente responsável por este modo de constituição do


direito?

Naturalmente temos aqui o jurista dissidente e, portanto, as instancias jurisdicionais.


O direito é criado, aqui, no momento em que se realiza e, portanto, a dimensão temporal já
não é o passado como o costume, nem o futuro como na legislação mas o presente, o
direito constitui-se no momento em que se realiza para o caso concreto e, portanto, não
temos aqui já a consideração do suporte da passagem do tempo (passado), nem a prospeção
que as normas legais estabelecem, mas o momento presente, a articulação no presente entre
o problema e o sistema, estabelecendo uma ligação crucial então na ponderação que o jurista
dissidente faz, entre a intencionalidade problemática do caso e a intencionalidade normativa
que o sistema manifesta.
Neste sentido, temos conjugada num momento presente uma concretização do
direito, que implica a sua realização em concreto e, com isso, efetiva constituição do direito
para a realidade jurídica daquela situação concreta, que comporta como elementos, pelo
menos dois sujeitos, um objeto e um ordenamento jurídico como contexto, e essa
referenciação leva-nos a considerar, de facto, que a decisão judicial é constitutiva do direito.

Consequentemente, isso levar-nos-á a considerar que a jurisprudência judicial se


nos apresenta tal como, desde o direito romano, fonte do direito e, portanto, superando
assim a perspetiva de construção da exclusividade, da legislação como fonte como o
positivismo legalista nos ofereceu e, nessa superação, considerar que as decisões judiciais,
de facto, podem ser mobilizadas, devem ser mobilizadas como precedentes, embora
saibamos que não num sistema de institucionalidade vinculativa como nos sistemas de
common law, mas devem ser convocados como precedentes, critérios orientadores para a
resolução dos problemas análogos futuros que se apresentem e, deste ponto de vista, de
facto, apresenta-nos aqui uma construção do direito, da autonomia intencional da
normatividade jurídica que a jurisdição (que a iuris diccio) da constituição do juízo
decisório vai manifestar.

114
Aula 22/04

Tínhamos considerado já, de certo modo, por um lado, uma abordagem teórica e
metodológica, já tínhamos posto o problema das fontes do Direito enquanto problema de
Direito Positivo e como intencionalidade metapositiva, i.e., vimos que de facto o tema das
fontes do Direito está tratado no nosso Direito positivo e, simultaneamente, também
refletimos criticamente sobre isso, no sentido de considerar que o problema das fontes do
Direito é o problema do processo constitutivo do Direito e, nesse sentido, é preciso analisá-
lo em termos metapositivos, i.e., para lá daquilo que é essa mera referência ou a já
constituída/acabada/refletida consagração nos primeiros 4 artigos do CC, no caso do nosso
Direito positivo.

A teoria tradicional das fontes do direito

A) O seu sentido e temática - crítica

Vamos olhar para o modo como o pensamento jurídico, que vai culminar no CC de
1966, abordou a temática das fontes, porque queremos compreender porque é que a
perspetiva que estamos a analisar se afirma e se caracteriza como fenomenológica e
normativa e, portanto, polarizada na categoria vigência.

Porque é que o problema das fontes do Direito é, aqui, visto como um problema de
constituição da normatividade jurídica vigente e não já como um problema positivo (e por
isso um problema metapositivo) de reconhecimento na lei e, através desta, apenas da
consideração das fontes do Direito admissíveis, tal como uma perspetiva politico-
constitucional tenderia a acentuar?

Isso leva-nos de novo aos primeiros 4 artigos do CC, agora mais aprofundadamente:

Vimos que o art. 1.º do CC estabelece como fonte fundamental, ou seja, as fontes
imediatas: as Leis e as normas corporativas.

Quanto à pertinência histórica e normativa, teórica, dogmática e metodológica da


Lei muito já dissemos, se estamos num sistema de legislação, herdamos modo constituinte
que vindo desde o DR, mesmo já desde antes, se foi consolidando progressivamente e vem
com o pensamento moderno a ser considerado modo racional de constituição do Direito, o
que vai ser reforçado pelas teorias de soberania, primeiro e, depois, pelas teorias de
separação de poderes e culminará no Estado de Direito de legalidade formal, com essa
índole institucional, com uma manifestação, cuja dimensão temporal é o futuro, com uma
propensão programática, com uma estrutura específica e, nesse contexto histórico, com as
categorias de generalidade, abstração e formalidade, que também já pudemos reconhecer.

Vamos, ainda, ter de compreender a superação da compreensão daquela formalidade


para superarmos, no sentido da intencionalidade material, que determina que a validade
normativa das normas resida, não já na sua estrutura racional e na sua formalidade, mas
115
resida na relação substancial, na relação de fundamentação que as normas, enquanto critério,
estabelecem com os princípios normativos enquanto seus fundamentos — condição
essencial para que a norma seja válida:

— A condição essencial para que uma norma seja valida, à luz da perspetiva do
sistema jurídico que temos estado a analisar, é a da adequação normativa das normas
legais na sua intencionalidade e no seu conteúdo aos princípios normativos que lhe
dizem respeito.

Claro que, no que diz respeito às Leis enquanto fontes fundamentais, de facto, nós
temos de considerar (e isso do ponto de vista institucional), em termos presentes, no nosso
sistema jurídico, que a Lei, estando nós num sistema de legislação, tem uma prerrogativa
fundamental na constituição do Direito, embora não seja, necessariamente, a sua via única.

Como vimos, outras fontes há que não apenas este em termos históricos, mas
também em termos coevos, que não podemos deixar de considerar, sobretudo, quando
pensando o sistema jurídico como pluridimensional e aberto, tal como temos vindo a
analisá-lo.

Lei enquanto fonte do direito

Sabemos que, do ponto de vista da estruturação do Estado de Direito que a nossa


Constituição consagra, há, por um lado, que reconhecer esse princípio de separação
fundamental (art. 111.º CRP), como também a própria independência dos tribunais (art.
203.º CRP) e, ainda, muito especificamente, a indicação de quais os atos normativos e quais
as relações, desde logo hierárquicas, que se estabelecem entre os diferentes atos normativos
(art. 112.º CRP).

Sabemos que, do ponto de vista hierárquico, a lei fundamental é a Constituição, que


abaixo desse nível hierárquico temos o nível da legislação ordinária e, aí, encontramos Leis,
Decretos-lei e decretos legislativos regionais. Sabemos que entre as leis da AR e os
Decretos-lei do Governo há relações muito específicas, mesmo porque se nós considerarmos
o princípio da Reserva de Lei (os art. 164.º/165.º da CRP estabelecem que as reservas
absoluta e relativa dessa competência legislativa que à AR cabe e que em matéria de
competência relativa é possível haver leis de autorização ao Governo que depois poderá
legislar sob a forma de Decretos-lei quanto a essas matérias).

Não podemos naturalmente esquecer que, sobretudo, em termos do art. 198.º da


CRP, há que considerar competência legislativa própria do próprio Governo, que além dessa
dimensão legislativa tem dimensão política e administrativa.

Posto assim, temos ainda a considerar abaixo do nível regulamentar, sempre na


obediência que é não apenas hierárquica, mas também normativa relativamente ao nível das
normas legais da lei ordinária e por via destas à própria Constituição.

116
Isto concentrando-nos no elenco das fontes do Direito, tal como o temos, desde
logo, partindo do art. 1.º do CC e na sua determinação constitucional. Reconhecendo essa
prerrogativa fundamental que se concentra no princípio da legalidade como pilar
fundamental de um Estado de Direito e que, depois, se manifesta diferentemente nos
diferentes ramos do Direito, vimo-lo p.e., quanto ao princípio da legalidade criminal.

Mas há a considerar então, ainda neste elenco de fontes, outras dimensões cruciais.

A segunda dimensão que temos de tratar, exatamente no art. 2.º do CC, prende-se
com a problemática dos “assentos”.

B) Alusão particular ao problema dos “assentos”

Os “assentos” apresentam-se-nos no art. 2.º do CC como epígrafe, mas


verdadeiramente apresentam-se-nos como revogados (revogados no Decreto-Lei 329-A/95,
de 12 de Dezembro).

O que era então o “assento”?

Olhemos primeiro à versão originária do Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de


Novembro, i.e., o decreto que aprovou o CC e, portanto, em que o art. 2.º do CC (na sua
versão de 1966), com epígrafe “assentos” estabelece o seguinte:

“Nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos,
doutrina com força obrigatória geral.”

Ora, então o assento é, como vimos, um mecanismo que provém dos tribunais e que
permitia aos tribunais fixar doutrina com força obrigatória geral quando a lei o admitisse.

Efetivamente, o instituto dos assentos é um instituto muito antigo do Direito


português e é-lo sobretudo considerando especificamente na nossa história, de facto, é um
instituto genuinamente português que constitui uma solução encontrada para garantir a
uniformidade da jurisprudência na sua institucionalização sob esta forma e fórmula, ainda
no reinado de D. Manuel I, portanto, no início do séc. XVI.

De facto, o que estamos a considerar que diz respeito à consagração no art. 2.º do
CC, em 1966, daquilo que o Códigos processuais, nomeadamente, o Código de Processo
Civil, já vinham consagrando, desde 1939, e, depois 1961, e, assim, mantendo-se até ao
Decreto-Lei 329-A/95 da admissão de um recurso específico para fixação de jurisprudência
pelo Supremo Tribunal de Justiça.

A própria designação “assento” é muito anterior a esta determinação, vejamos,


então, em que sentido…

117
De facto, a designação “assento” tem essa origem histórica remota, em que nós
podemos reconhecer os “assentos” da Casa da Suplicação, que eram, afinal, mecanismos de
esclarecimento de dúvidas quanto ao sentido interpretativo e, portanto, um meio de
interpretação, há quem diga “autentica das leis” e tinham como que força legislativa.
Ora, os “assentos” atribuídos à Casa da Suplicação dizem respeito, precisamente, à
necessidade de institucionalizar o esclarecimento de dúvidas que, anteriormente, estaria
atribuído ao monarca. Essas dúvidas passaram então a ser submetidos ao Tribunal superior
do reino – à Casa da Suplicação – e constituíam interpretação vinculativa, os sentidos da
interpretação ficavam registados escritos no Livro dos Assentos e daí a designação que se
manteve até 1995.

Os “assentos” são confirmados pela Lei da Boa Razão, de 1769, e, portanto,


perduram na história das fontes do Direito em termos teóricos e metodológicos no Direito
português e, a verdade é que, quando foi instituído, em 1832, o Supremo Tribunal de Justiça
não se estabeleceu imediatamente uma referencia à competência para proferir assentos, mas
ela vem a ser retomada numa Reforma, que ocorreu em 1926, e aí realmente com o intuito
de uniformização de jurisprudência, através da interpretação e aplicação da lei, nos casos
concretos que vieram submetidos.

De facto, isto acabou por ir fazendo reiterar no ordenamento jurídico a ideia de um


estabelecimento vinculativo de um sentido interpretativo por um Tribunal, mas que teria
força vinculativa como se de uma lei se tratasse, o que sempre pôs problemas, aliás, a
própria constituição do Supremo Tribunal de Justiça no séc. XIX já os pressupunha, mas a
verdade é que este instituto permanece no ordenamento jurídico português e o Código de
Processo Civil de 1939 consagrou a denominação de “assentos” para os acórdãos proferidos
pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da necessidade da fixação desse sentido
vinculativo de jurisprudência.

O Código de Processo Civil de 1961 reforçou essa dimensão da vinculatividade dos


“assentos”, inclusivamente, tendo eliminado a faculdade de alteração dos “assentos” pelo
próprio Supremo Tribunal de Justiça.
O Código Civil de 1966, entrando em vigor em 1967, veio atribuir então à doutrina
fixada pelos “assentos” força obrigatória geral.

Ora, neste âmbito concreto, em que nos encontramos, já no Código de Processo


Civil de 1961 e no Código Civil de 1966 o que era então um “assento”?

O assento era, nos termos do então art. 768.º/3 do Código do Processo Civil, uma
prescrição que o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em pleno, emitia para resolver um
conflito de jurisprudência, uma prescrição que se vinha a converter em posição
jurisprudencial com força obrigatória e no enunciado normativo que tendo força obrigatória
geral assumia até estruturalmente a forma de um preceito geral e abstrato, como se de uma
norma legal se tratasse, i.e., o assento era o resultado de um recurso específico quando
houvesse contradição de julgados (decisões judiciais) no âmbito da mesma legislação e

118
sobre a mesma questão fundamental de Direito, o que constituía fundamento para esse
recurso e resultaria em o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em pleno, tirar um assento.

Em termos mais explícitos e mais simplificados:

O “assento” era uma decisão judicial que procurava resolver um conflito de


jurisprudência, portanto, o “assento” é uma decisão judicial tomada pelo Supremo Tribunal
de Justiça reunido em pleno e, nesse sentido, tínhamos aí uma decisão judicial com força
reforçada, em que era resolvida a questão referente ao caso concreto que deu origem ao
recurso, estabelecendo-se a orientação jurisprudencial com força vinculativa para o futuro.
Só que, no final da decisão, ao consultar um acórdão de fixação ou uniformização de
jurisprudência hoje vemos que no final é estabelecida a jurisprudência, num determinado
sentido, com uma formulação que se destaca, antes das declarações de vencido, do restante
acórdão. E no “assento”, mutatis mutandis, porque, verdadeiramente, há uma característica
crucial que distingue o “assento” dos acórdãos de uniformização de jurisprudência, nos
“assentos” também no final dessa decisão judicial, se encontrava então a decisão de tirar o
“assento” e colocando-se entre aspas uma formulação geral e abstrata com hipótese e
estatuição que teria força vinculativa para o futuro como se de uma norma legal se tratasse.
E essa foi uma questão que durante décadas suscitou discussões doutrinais e
jurisprudenciais muito relevantes, dentro das quais podemos destacar a posição que o Sr. Dr.
Castanheira Neves sempre tomou e que veio a apresentar sob a forma de livro no “Instituto
dos “assentos” e a “Função Jurídica dos Supremos Tribunais” e que é convocada para
sustentar a tese da declaração de inconstitucionalidade do art. 2.º do CC.

De facto, o art. 2.º do CC, diz-se lá “revogado pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de


Dezembro” que é a grande reforma do Processo Civil anterior à de 2013 e que mudou,
substancialmente, todos os regimes, mas especialmente, o regime relativo aos recursos para
uniformização de jurisprudência.

Se antes nós encontrávamos nos art. 763.º e seguintes a problemática dos “assentos”
e, portanto, a problemática dos recursos para fixação de jurisprudência, o Decreto-Lei 329-
A/95, de 12 de Dezembro veio revogar esses artigos e manteve, apenas, um recurso
ampliado de revista no âmbito mesmo do próprio Supremo Tribunal de Justiça, quando a
analisar questões, a apreciar que se lhe fossem apresentadas em sede de recurso de ampliar o
julgamento e fixar uma orientação de jurisprudência.

Com isto os “assentos” deixaram o nosso ordenamento jurídico.

Sucede, porém, que na reforma dos recursos em 2007/2008 e, depois, na reforma de


2013 da Lei 41/2013, a verdade é que, não voltando os “assentos”, voltou expressamente os
recursos para uniformização de jurisprudência e isto significa que não temos já o art. 763.º
do Código de Processo Civil de 1961, mas temos os art. 688.º e seguintes, aqui numa
correspondência que foi estabelecida por esta Reforma de 2013, temos nos art. 688.º e ss. do
Código de Processo Civil o regime dos recursos para uniformização da jurisprudência,
mantendo de facto, e lendo o art. 688.º/1 mantendo a indicação de que:
119
“As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o
Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro
anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a
mesma questão fundamental de direito.”

Portanto, regressa, mas como recurso de uniformização de jurisprudência e não


como força de “assentos”, este recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Há outras formas no regime dos recursos que poderão conduzir a uniformizações de


jurisprudência, mas de facto o recurso para uniformização de jurisprudência é este que
encontramos aqui entre os art. 688.º e 695.º do atual Código de Processo Civil, sendo que os
“assentos”, tais como estavam estabelecidos no Código de Processo Civil de 196,1 e no
Código Civil de 1966 foram revogados.
Mas além de terem sido revogados, foram revogados pelo Decreto-Lei 329-A/95, de
12 de Dezembro, que teve pelo menos 2 grandes alterações ainda no período de vacatio
legis e só vem a entrar plenamente em vigor como Reforma do Processo Civil no dia 1 de
janeiro de 1997. Mas, entretanto, o problema da inconstitucionalidade, que vinha sendo há
muito suscitado, levou exatamente à declaração de inconstitucionalidade da norma do art.
2.º do CC, na parte em que atribuía aos tribunais competência para fixar doutrina com força
obrigatória geral, por força da violação do disposto no à época art. 115.º/5 da CRP (hoje
112.º/5 CRP) que estabelece que:

“Nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de
outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender
ou revogar qualquer dos seus preceitos.”

Por força desta norma, e à época art. 115.º/5 da CRP (hoje 112.º/5 CRP), a verdade
é que em 3 casos concretos, nos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 810/93; 407/94;
410/94, foi declarado inconstitucional o art. 2.º do CC, nestes termos, em sede de
fiscalização concreta da constitucionalidade, o que, nos termos do art. 281.º/3 da CRP,
determina que o Tribunal Constitucional aprecie com força obrigatória geral a
inconstitucionalidade ou ilegalidade de qualquer norma desde que tenha sido por ele julgada
inconstitucional ou ilegal em 3 casos concretos. E foi isso que aconteceu, através do acórdão
nº 743 de 1996, publicado no Diário da República a 18 de julho de 1996, em que, citando
várias expressões doutrinais, dentro das quais a perspetiva que o Sr. Dr. Castanheira Neves
também sempre prosseguiu, se determina, de facto, a declaração de inconstitucionalidade
com força obrigatória geral da permissão que o art. 2.º CC conferia aos tribunais de fixar
doutrina com força obrigatória geral.
E é essa a razão por que não temos, já, como fonte formal do Direito os “assentos”
no elenco dos 4 primeiros artigos do CC em que esta matéria é considerada.

Portanto, à luz do princípio da separação de poderes, assume-se que a


jurisprudência tem uma relevância crucial, a jurisprudência judicial tem uma relevância
crucial na constituição do sistema e, de certo modo, o que acontece é que quando perante
uma fixação de jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça uma decisão judicial
120
posterior toma posição diversa, cabe ao jurista dissidente justificar essa posição, através
daquilo que dissemos, do ponto de vista metodológico, o cumprimento do ónus da contra-
argumentação, i.e., justificando as razões da divergência para afastar a fixação de
jurisprudência, o que acabamos de ver no art. 688.º/1 do Código de Processo Civil vai levar
a que haja possibilidade de recorrer dessa decisão que toma posição diversa da fixada em
jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça uniformizada.

Aí temos essa força jurisprudencial crucial num sistema jurídico pluridimensional


que, porém, não confere aos “assentos” força de lei, portanto, que afasta os “assentos”
porque os considerou inconstitucionais e assim determinou a revogação do art. 2.º do CC,
mas convoca os acórdãos de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, e
não só, mas estes com referenciação institucional específica fundamental como orientação
da decisão de casos futuros.

Temos, ainda, que considerar, além dessa construção dos “assentos”, que então
vimos terem sido excluídos do elenco das fontes do Direito, podemos ainda ver que, de
facto, há outras fontes referidas.

Avancemos então para o art. 3.º do CC, que já tínhamos também considerado e que
nos fala dos usos:
“Os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis
quando a lei o determine.”

De facto, o uso, a tal prática mais ou menos constante e reiterada que não vai
acompanhada de sentimento ou convicção de obrigatoriedade jurídica e, portanto, o
elemento de corpus que reconhecemos na consuetudo que gera o Costume em termos
históricos, portanto, o Costume composto pelo corpus e pelo animus, o uso composto
apenas pelo corpus sem o animus da obrigatoriedade jurídica e, portanto, sem constituir
nesse sentido, mesmo que tradicionalmente, fonte autónoma do Direito.
Mas a verdade é que o ordenamento jurídico ainda assim não põe de parte os usos e
os usos são muito relevantes, mesmo ao nível do DI (Direito Internacional Publico, Direito
Internacional Privado) e, até, no próprio ordenamento jurídico interno, desde logo,
começando pelo próprio Código Civil, porque muitas vezes se convoca os usos como
referente de orientação, até para a determinação do sentido de uma norma ou do âmbito da
sua mobilização para a resolução de problemas concretos.

É aquilo que encontramos p.e. no que diz respeito quanto ao pagamento do aluguer,
ou mais especificamente, se assim estivermos a considerar, o pagamento da renda, mas
pensando em termos do contrato de locação, em geral, a consideração de que o pagamento
desse deve ser feito no último dia de vigência do contrato ou do período a que respeita, e no
domicílio do locatário à data do vencimento, se as partes ou usos não fixarem outro regime.
De facto, é conferida aqui a possibilidade de relevar aquilo que a prática – os usos –
determinam, para a determinação do tempo e lugar do pagamento da renda ou aluguer e é o
que encontramos como exemplo no art. 1039.º/1 do CC e, portanto, a possibilidade de que:

121
“O pagamento da renda ou aluguer deve ser efectuado no último dia de vigência do
contrato ou do período a que respeita, e no domicílio do locatário à data do vencimento, se
as partes ou os usos não fixarem outro regime.”

Aqui temos uma norma dispositiva supletiva da vontade e que mostra a relevância
dos usos. Esta relevância sempre no âmbito do CC submetida à admissão pela lei dessa dita
relevância, portanto, aí temos o funcionamento na prática da relevância de uma fonte do
Direito a que a lei reconhece, também, validade e eficácia e, por isso, vigência, deste ponto
de vista.

Mas há ainda a considerar além do valor jurídico dos usos, o valor jurídico da
equidade e, de facto, a compreensão da equidade, desde a epiqueia aristotélica à equitas
romana e ao modo como daí em diante se compreendeu a ideia de justiça particular/justiça
do caso concreto, até ao ponto em que se verifica, do ponto de vista metodológico, a
equidade enquanto determinação reflexiva da relação entre problema e sistema e da
mobilização em bloco do sistema para a resolução dos problemas juridicamente relevantes,
contrasta com a compreensão de que a equidade, enquanto justiça do caso concreto, fosse
um mecanismo extralegal, quando não mesmo extrajurídico, para a resolução das situações
em que, sobretudo, a determinação legal gerasse soluções materialmente tidas por injustas
ou que não pudessem ser assimiladas pela própria determinação legal.

Consideração do sentido da equidade, que mesmo do ponto de vista filosófico se


assume como padrão da realização da justiça e que tem vindo a ser cultivado, desde logo, na
nossa Escola pelos cultores da filosofia do Direito:

2 exemplos:

" Para Orlando de Carvalho, que podemos convocar aqui diretamente na sua célebre
Oração de Sapiência: Ius – Quod Iustum?, o jurídico é “inconcebível sem essa medida das
medidas que é a aequitas” e na perspetiva do Sr. Dr. Castanheiro Neves e, portanto, na
perspetiva do Sr. Dr. Orlando de Carvalho fundamental “medida das medidas que é a
aequitas” e, para o Sr. Dr. Castanheiro Neves a equidade como um “momento da concreta
realização do direito”, que de facto é o cerne do problema metodológico.
Ora, efetivamente, a equidade surge como instrumento de racionalização da construção
da decisão judicativa e sempre convocada enquanto ideia de justiça concreta, de justiça no
caso concreto, mas também surge, e surge sobretudo na nossa herança positivista, como uma
fonte mediata do Direito que, de certo modo, podia compensar o formalismo que o Direito
estabelecesse.

É claro que, esta aequitas não é exclusiva dos sistemas de legislação, há ainda que
falar na tradição da common law, na equity e na consideração fundamental que aí também
tem o raciocínio analógico e a verdade é que a construção formalista por uma e por outra
das vias levaria exatamente a considerar que a equidade poderia contrapor-se à solução
jurídica, colocando-se assim nos antípodas do Direito e, portanto, ser um mecanismo a
afastar uma compreensão mais estritamente formalista ou a compensar o formalismo, numa
122
tentativa já da superação dessa compreensão. Portanto, a ideia da equidade irá, deste ponto
de vista, muito além daquilo que será a compensação ou a delimitação que, e sobretudo do
ponto de vista das fontes do Direito e no elenco dos primeiros 4 artigos do Código Civil se
nos apresenta, quer do ponto de vista teórico quer do ponto de vista dogmático quer do
ponto de vista metodológico, está sempre presente enquanto cânone metodológico e, por
isso, não é suscetível de ser reduzida a apenas uma fonte secundária, portanto, esta visão
que o art. 4.º nos dá do ponto de vista das fontes acaba por de novo submeter à
admissibilidade legal a referencia à equidade.

Posto tudo isto, que caminhos são esses que estão aí a ser traçados, que nos
mostram efetivamente que nós não estamos já a analisar, não estamos já a seguir a
consideração fundamental que a historia nos traz, mas, antes, e muito diversamente,
precisamos de compreender o que está em causa nesta teoria das fontes do Direito que se
propõem aqui refletir sobre, especificamente, o que está em causa quando se fala em
construção do Direito vigente?

“Tópicos para uma [reconstruída] teoria das fontes do direito” (consonante com o pré-
-determinado sentido do direito

A) A perspectiva
B) A experiência constituinte do direito – o processo constitutivo do direito vigente:

1) Momento material;

2) Momento de validade;

3) Momento constituinte: especial referência à legislação; o reconhecimento, para


além dos limites funcionais, dos limites normativo-jurídicos da lei: limites
normativos objectivos, intencionais, temporais e de validade

4) Momento de objectivação.

C) A relevância prático-normativa (especificamente metodonomológica) da problemática


das fontes do direito.

Ora, se nós agora nos propusermos refletir sobre esta teoria assente numa perspetiva
fenomenológico-normativa das fontes e, portanto, pressupondo o sentido do Direito que
determina essa compreensão e assumindo que o problema das fontes do Direito é o
problema do processo constitutivo do Direito vigente, teremos que ver que, em primeiro
lugar, esse processo constitutivo implica vários momentos ou etapas de constituição do
Direito vigente e, no fundo, o problema das fontes do Direito deixa de ser um problema de
determinação do ponto de partida para quem procura quais as fontes de Direito admissíveis,
para passar a ser o ponto de chegada da construção das fontes de Direito admissíveis.

123
Portanto, fontes de Direito admissíveis serão aquelas que efetivamente na
experiência jurídica constituinte se apresentarem como constituindo Direito vigente e é
exatamente isso que está em causa quando pensamos nesta experiência jurídica constituinte
enucleada numa comunidade concreta e radicada na categoria vigência.

A pergunta é então:

Como se constitui e manifesta a normatividade jurídica vigente numa comunidade histórica


concreta?

Postas as coisas assim, assumindo que o problema das fontes não se reduz à
determinação legal das fontes, implica a análise, o estudo dos diferentes processos
coexistentes e até conviventes da construção do Direito vigente e, portanto, vamos analisar
os diferentes momentos que esta análise propõem para a construção do Direito vigente quais
as fontes do Direito que efetivamente surgem, i.e., que modos constitutivos do Direito se
nos apresentam porque, na verdade, o processo comportará os mesmos momentos, quer nós
estejamos perante a experiência jurídica constituinte consuetudinária – o Costume – ,quer
nós estejamos perante a experiência jurídica constituinte legislativa – a Lei –, quer nós
estejamos perante a experiência jurídica constituinte jurisdicional – as decisões judiciais, a
jurisprudência judicial –, quer, acrescentemos aqui, estejamos perante a construção da
experiência jurídica dogmática através da jurisprudência doutrinal ou dogmática.
Sabemos que a experiência jurídica constituinte que aglutina o nosso período
histórico e, portanto, a nossa referência espacial e temporal (contexto) é, de facto, a lei, essa
é a experiência jurídica constituinte que se apresenta como uma determinação essencial no
sistema jurídico de legislação em que nos encontramos, ou seja, a nossa experiência
histórica mostra-nos exatamente a essencialidade da lei, há, de facto, constituição do Direito
que apenas através da lei é suscetível de produzir os efeitos pretendidos, em virtude quer da
sua legitimação jurídico-política, quer da sua própria estrutura, sua prescritividade do ponto
de vista substancial e formal, a sua generalidade e abstração são absolutamente cruciais e,
portanto, a lei goza de um conjunto de prerrogativas na constituição do Direito, nos nossos
dias, nos nossos contextos, que outras fontes não lograram realizar, mas não é a lei a única
fonte do Direito.
Portanto, o que está em causa agora é compreender quais os modos que
efetivamente são geradores de Direito vigente e o processo constitutivo implicará os
mesmos passos, momentos ou etapas, independentemente da experiência jurídica
constituinte que esteja em causa, i.e., nós teremos:

1) Momento material
2) Momento de validade
3) Momento constituinte
4) Momento de objetivação

Independentemente da fonte do Direito que vier a resultar da constituição, por este


iter, portanto, na análise que estamos a propor, o processo constitutivo do Direito vigente
implica, para cada fonte, estes 4 momentos, um iter constitutivo, independentemente da
124
fonte do Direito em causa, até porque só vamos distinguir institucionalmente as fontes no
momento constituinte, é aí que vamos tomar conhecimento e compreender se a fonte que se
forma é Costume, Lei ou jurisprudência, para considerar estas nucleares e, depois, a
referencia à dogmática.
Portanto, é fundamental compreender este iter constitutivo, este processo de
construção das fontes do Direito enquanto manifestações do Direito vigente e, por isso,
é uma questão metapositiva (para lá do Direito Positivo) e até pré-positiva, porque alguns
passos estão colocados em momento anterior ao da positividade, não é a questão de
positivação sob a forma de norma legal, é o da positividade enquanto vigência e que são,
desde logo, um momento material e um momento de validade, só na junção de momento
material e de momento de validade, institucionalizando-se num momento constituinte, é que
vamos encontrar a fonte do Direito em causa, que depois se projeta/precipita no corpus iuris
vigente, exatamente no momento de objetivação.

Analisando agora os momentos do processo constitutivo do direito, cumpre percorrer, de


facto, esta proposta e portanto, considerar cada um pormenorizadamente.

Estamos a considerar, de facto, que a intersubjetividade jurídica se forma numa


comunidade historicamente concreta, portanto, num tempo e num espaço específicos e que,
ao mesmo tempo, a sua constituição, a constituição da juridicidade, é marcada por uma
historicidade específica que dialoga com a historicidade, que globalmente marca a evolução
da comunidade.

Significa isto que os sentidos, os fundamentos e os critérios jurídicos não são


universais e intemporais, são historicamente contextualizados e constituendos.

Esta consciência é crucial para que nós compreendamos o próprio carácter evolutivo
do sentido do direito e dos princípios em que se vai precipitando, porque, só por isso, nós já
ficamos com a consciência de que os próprios fundamentos estão em contínua constituição,
e estão, mais do que isso, em contínua discussão.

De facto, a historicidade irredutível que o direito manifesta é uma das suas


dimensões constitutivas essenciais, sem a qual não é possível compreender que o direito
possa assumir efetivamente sentidos, conteúdos e contornos distintos consoante as épocas,
num mesmo contexto (no mesmo espaço), e nos diferentes espaços, num mesmo tempo.

Pode até pôr-nos a questão de perceber se as regulações que vigoram em algumas


matrizes civilizacionais, quer passadas quer presentes quer futuras, poderão ser ditas direito
com as características que aqui estamos a considerar.

O direito apresenta-se-nos como um projeto cultural com características muito


específicas, com uma herança que já identificamos e, portanto, que é marcada por uma
matriz histórica, cultural, global e, por isso, filosófica, ideológica, sociológica, política e
associada a estas, naturalmente, jurídica, cuja autonomização também se dá em momentos
diversos e de modos diferentes e isso significa que o sentido que estamos a referir ao direito,
125
hoje, que é uma aquisição histórica e axiológica fundamental, não nos garante que tenhamos
exatamente o mesmo sentido, sempre.

Essa é uma nota que nos interpela, porque nos obriga a considerar a assunção do
sentido daquilo que projetamos na prática. Mais do que ser um técnico e portanto, ter uma
perspetiva técnico profissional sobre o direito, o jurista, no sentido especifico do termo há-
de assumir e refletir criticamente sobre, não é uma questão de assumir acriticamente, é uma
assunção crítica baseada na discussão, porque realmente essa construção dialógica do
sistema jurídico é que é suscetível de criar sentidos que sejam normativamente adequados e
com os quais os sujeitos membros de uma comunidade possam identificar-se, e a questão é
esta.
As soluções jurídicas de hoje não têm de ser as de ontem e não serão muito
provavelmente as de amanha. É preciso compreender quais são as fronteiras, do ponto de
vista formal, e mais até do que isso, qual a substancia, o que é direito do ponto de vista do
conteúdo. Nem tudo é, nas nossas vidas intersubjetivas (também já tivemos oportunidade de
o constatar).

Estes momentos a que se refere o processo constitutivo do direito (sucedem-se


efetivamente, nós estamos a falar de uma sequÊncia, aqui, a ordem dos fatores é crucial.
Temos de facto primeiro um momento material). Este momento material diz respeito
exatamente àquela que será a matéria-prima do direito e a matéria-prima do direito é, de
facto, uma certa realidade social.
A realidade social tem uma estrutura específica, o direito não a regulamenta e não a
regulamentará ad libitum , não é essa a intenção do direito e não é essa a intenção do direito,
sobretudo, porque não é essa a intenção que a comunidade em que o direito há-de constituir-
se, dirige àquilo que entende que deve ser direito.

Por outras palavras, nem todos os domínios das nossas vidas, subjetivas e
intersubjetivas (as primeiras ainda menos), são juridicamente relevantes — há domínios em
que não admitiríamos que o direito interviesse e há domínios em que o direito não tenciona
intervir.
Isto é absolutamente crucial, porque o Corpus Iuris não se constitui em abstrato ou
alheado da realidade concreta nesta perspetiva.
Agora, o Corpus Iuris vigente, o direito vigente é constituído para uma determinada
comunidade histórico concreta e por ela, o que é crucial, só assim é suscetível de ser
compreendido como dimensão da constituição de um certo modo de vida, de uma certa
comunidade jurídica, que de facto, nos interpela ao mesmo tempo que constitui uma
projeção dessa comunidade na construção de um certo sentido de intersubjetividade, que
exige aquela relação dialética entre autonomia e responsabilidade, que constitui a
comparabilidade e a bilateralidade que o direito manifesta.
Esta é, de facto, uma conquista civilizacional, porque este sentido de direito posto
assim encerra os pressupostos pré-modernos e modernos conjugados e, portanto, não reduz
o direito nem à dimensão comunitária nem à dimensão societária, vai exigir uma conjugação
histórica dessa herança e ao mesmo tempo que acentua o facto do direito ser nessa
comunidade concreta, criado pelos sujeitos membros dessa comunidade, simultaneamente,
126
projetando-se como que para fora, como projeto de realização, cujos conteúdos se
retroprojetam sobre a comunidade que lhe dá origem e, retroprojetam-se vinculativamente.
Neste sentido é que o direito se nos apresenta como um projeto de ser, que depois
assimilado no seu sentido para o sistema jurídico diretamente nos princípios normativos,
mas só neste sentido é que conseguimos perceber de facto que, a vinculatividade jurídica
não é externa à comunidade jurídica, é, antes, o resultado daquilo que goza de um consenso
substancial, não é uma questão apenas de maioria quantificada, mas será, antes, um
consenso qualitativo, um juízo material sobre a existência de conteúdos que, fazendo parte
da construção de uma comunidade em quanto comunidade de direito são vinculantes,
simultaneamente, construídos pela comunidade a que se destinam, queridos por essa
comunidade e vinculantes para essa comunidade.
Falamos, aqui, de uma auto vinculação, mais do que isso, de uma auto
transcendência axiológica. É que, de facto, o direito é uma construção de uma comunidade e
que se assume na autodisponibilidade dessa comunidade, por um lado, mas
simultaneamente como um projeto de realização que essa comunidade quer ver,
continuamente, em construção. Neste sentido, compreende-se que já não temos uma
referência ao direito natural como base de fundamentação ao direito positivo, temos uma
construção normativa que não é contingente, não se fica pela mera impiria do consenso
quantitativo, é mais do que isso, convoca um referente histórico constitutivo, densifica
materialmente aquela comunidade, o que faz com que o direito não seja um mero resultado
desse consenso — não é uma questão de se juntar um grupo de pessoas e considerar,
naquele momento, sem referenciação histórica uma qualquer opção a que se desse
vinculatividade jurídica — é muito mais do que isso e implica naturalmente o diálogo entre
a dimensão jurídica e todas as outras dimensões da sociedade, nomeadamente, da
perspetivação jurídico política, claro que também a económica, a tecnológica, as sociais, as
mais diversas, as cientificas globalmente consideradas.

— O direito é uma das dimensões da vida intersubjetiva, constitui um específico modo


de vida, no sentido que confere aos sujeitos (intervenientes), desde logo um certo estatuto,
uma certa dignidade (ideia de dignidade que é uma aquisição axiológica, tem matriz
filosófica e ético religiosa, porque o que nós herdamos da construção greco romana e
judaico cristã, resume muito do que somos e permite-nos inteligir o que está aqui em causa,
porque, de facto, perceber essa dignidade, por um lado, como estatuto até como resultado de
mérito e por outro lado como valor intrínseco, são duas grandes compreensões que nós
herdámos historicamente, leva-nos à própria compreensão da pessoa jurídica que, de facto,
implica o conhecimento ao sujeito de direito de um certo estatuto, um estatuto de pessoa; de
pessoa no sentido de, sujeito com ineliminável dignidade ética, autonomia e
responsabilidade).

O momento material é a base de sustentação, é a tal dimensão (matéria prima), são


as relações sociais, esse é que é o momento material, são as relações sociais que, posto tudo
isto, para uma certa comunidade devem ser juridicamente relevantes. Agora compreende-se
esta convocação longa, porque ser juridicamente relevante, neste caso, não significa só e
pode nem mesmo significar estar positivado sob a forma de lei. A relevância jurídica não

127
depende da positivação legal, embora possa estar associada a ela. A positivação legal é uma
consequência da relevância jurídica, não o contrario.

No momento material temos as relações intersubjetivas a que se dará relevância


jurídica. A realidade prático-cultural a que o direito vai dirigida, essa realidade social só
adquire essa relevância jurídica, só temos consciência de que ela tem relevância jurídica,
quando lhe associamos um momento de validade:

É aí que nós temos o juízo de valor dirigido à realidade social, no momento de


validade temos o juízo de valor que vai dirigido ao momento material, o juízo de valor de
relevância jurídica que vai dirigido à realidade como matéria-prima. É neste momento de
validade que nós vamos reconhecer que certos problemas são juridicamente relevantes, é aí
que nós vamos ter esse juízo, vamos ter aí a consciência de que os problemas são
juridicamente relevantes e, do sentido da solução desses problemas, isto é, que sentido é que
o direito deve estabelecer àquela relevância jurídica: se é licito, se é ilícito, se é justo, se é
injusto.
É o momento de validade que vai permitir estes juízos.

A realidade social apresenta-se e apresenta-se a um juízo de validade comunitário


sobre ela, o tal juízo critico, reflexivo sobre aquilo que deve ser direito.

Portanto, os dois conjugados, o momento material e o momento de validade, este


segundo, momento de validade como conjunto de valores, de princípios que traduzem o
sentido do direito numa comunidade concreta, só os dois conjugados, a realidade e o juízo
de valor, de juridicidade sobre essa realidade, só esses dois momentos juntos é que vão
permitir que venha a constituir-se direito vigente, (no primeiro não temos direito vigente,
temos uma realidade pratico social, temos a matéria-prima, no segundo momento, no
momento de validade temos o juízo de valor de direito sobre aquela realidade que permite
dizer “é juridicamente relevante” e dar uma orientação no sentido da relevância jurídica—
licito, ilícito, valido e invalido).

Já teremos aqui direito constituído?

Ainda não, temos duas dimensões fundamentais, a dimensão material e a dimensão


da validade mas ainda não temos direito constituído, só vamos ter direito constituído quando
a dialética que articula aqueles dois momentos (o momento material e o momento de
validade) se projetar institucionalmente, isto é, se projetar numa instituição qua a
comunidade em concreto considera legitimada e, por isso, vai, nessa intervenção
institucional, formar-se uma das experiências jurídicas constituintes, isto é, o modo como
aqueles dois momentos, material e de validade, se articulam vai gerar um certo modo de
constituição do direito vigente — pode gerar-se costume, pode gerar-se legislação, pode
gerar-se jurisprudência judicial.

É só neste momento é que nós de facto sabemos e sabemos porquê?

128
Essa é uma questão da realidade. Como é que nós sabemos que se está a gerar
costume ou legislação ou jurisprudência judicial?

Sabemos pelo modo como se articulam, no espaço e no tempo, a realidade e o juízo


de juridicidade sobre essa realidade e, decisivamente, pela instância que vai gerar direito
através da institucionalização daquela articulação de sentido.

Se essa institucionalização resultar da reiteração no tempo, da observância da


prática, da consideração que se vai formando na consciência da comunidade daquela prática
é juridicamente vinculante, temos costume (não é o modo mais comum de constituição de
direito no nosso tempo, mas não significa que não possa ser, tudo dependerá da situação em
concreto, do modo como, em concreto, o direito se esteja a constituir. Continua a existir,
quanto mais não seja em certas comunidades mais arreigadas, mais cimentadas, em zonas
mais isoladas, por exemplo, em que certas práticas se assumem não apenas como usos,
praticas comunitárias de utilização de certos mecanismos ou instrumentos comunitários, que
podem ter relevância ao nível dos usos – por exemplo o regime jurídico dos baldios, que
veio no final do século XX reconhecer aquilo que já há muito se fazia, do ponto de vista do
uso, mas também do ponto de vista do próprio costume, com relevância jurídica efetiva).

Mas, de facto, a experiência consuetudinária não é a experiência aglutinadora da


constituição do direito hoje, a experiência aglutinadora, aquela que vai polarizar, embora
não monopolizar, a construção do direito, hoje, é de facto a experiência jurídica constituinte
legislativa.

Esta, vai sê-lo por várias ordens de fatores, desde logo há questões de ordem
política, há questões de ordem sociológica, há questões de ordem funcional e há razões
históricas fundamentais, nós herdamos a estrutura do Estado de Direito, primeiro estado de
direito de legalidade formal, depois nas suas diferentes alterações até à estruturação que
hoje reconhecemos e que está em continua constituição e efetivamente há razões muito
relevantes para que, de facto, na nossa estruturação, desde logo, constitucional, a lei se
apresente como um modo de constituição do direito polarizador, não é aglutinador, não é
monopolizador, mas é um polo crucial de constituição do direito:

Pelas garantias políticas que apresenta, pela institucionalização que o seu


processo constitutivo permite, pela discussão que lhe subjaz, pelo modo como se
apresentam estruturalmente, pela legitimidade da sua entrada em vigor e pela
propensão que têm, muitas vezes, a constituir o único referente de sentido comum,
quando nas sociedades complexas dos nossos dias, há cada vez mais opções, quanto
aos pilares fundamentais do sentido da existência e da coexistência e, daquilo que
nos diz respeito fundamentalmente da convivência intersubjetiva (social), neste
sentido também, amplo que conjuga comunidade com sociedade.

No momento constituinte, a legislação, como polo fundamental da construção do


direito, vai trazer-nos as razões por que, de um ponto de vista positivo, a lei é a fonte mais
mobilizada, hoje, para a construção do direito, mas também, do ponto de vista negativo, que
129
nos levam a dizer que a lei, embora tenha uma prerrogativa na constituição do direito,
também tem limites, está limitada nas suas capacidades constitutivas do direito e está
limitada, desde logo, nas suas funções (há matérias em que a lei não interfere) e há limites
especificamente normativos, limites que as normas legais apresentam por serem normas
legais — limites normativos: objetivos, intencionais, temporais e de validade. E estes todos
com enorme relevância para a construção judicial e, nesse sentido, cruciais para o jurista
prático.

Aula dia 28/04

Momento constituinte:

Nós estamos a analisar a lei como modo constituinte, num momento constituinte do
processo constitutivo do direito vigente e, dentro dessa manifestação do momento
constituinte, estamos então a analisar os diferentes modos constituintes.

Vamos então considerar, as funções que a lei desempenha, enquanto fonte do direito,
e os limites que, embora seja a fonte do direito que domina o nosso tempo, também a lei
encontra, quer de um ponto de vista político-social, quer do ponto de vista especificamente
jurídico:

Começando, então, pelo facto da ordem jurídica se nos apresentar, sobretudo, hoje,
nos sistemas de legislação como constituída por lei. De facto, a lei enquanto fonte do
direito, é o modo constituinte polarizador do nosso contexto, no nosso tempo, no nosso
espaço. No entanto, polarizador não significa monopolizador, porque se a lei, de facto, tem
um conjunto de características e vai ligada a um conjunto de referências socio-políticas que
lhe concede esse papel crucial na construção do direito, num Estado de Direito como aquele
em que vivemos, ao mesmo tempo, isso também não significa que não haja outras fontes de
direito, significa apenas que a relação entre as fontes de direito se dá, num sistema de
legislação sempre tendo em atenção a existência de lei.

A lei tem uma prerrogativa fundamental na constituição do direito no nosso tempo,


nos contextos de Estados de Direito como aquele em que nos encontramos, o que não
significa que fiquem automaticamente excluídas outras formas de constituição, outras
experiências jurídicas constituintes. É assim, pelo menos na perspetiva fenomenológica
normativa que temos estado a analisar.

As razões por que a lei se nos apresenta como um fator crucial na constituição do
direito e, portanto, uma fonte com uma prerrogativa fundamental, são razões de ordem
política, de ordem sociológica e de ordem funcional.

" Quanto às razões de ordem política: Podemos recordar as nossas já conhecidas, porque
herdadas da institucionalização moderna do estado de direito, logo, as resultantes e,
portanto, as consequências da consagração do princípio da separação de poderes e do
princípio da legitimação democrática, o que confere à lei uma prerrogativa constitucional,
130
na constituição do direito e irá traduzir-se, por exemplo, nas reservas de lei e preferência de
lei. Há, de facto, matérias em que a constituição do direito está institucionalmente reservada
a determinados órgãos, constitucionalmente entre nós, podemos convocar a título de
exemplo, as reservas absoluta e relativa de competência legislativa da Assembleia da
Republica, nos termos dos artigos 164º e 165º da CRP.

" Há também fatores de ordem sociológica: Efetivamente, os tipos de sociedades em que


nos movemos no nosso tempo, dada a sua heterogeneidade e complexidade constitutiva,
rapidamente nos levam a concluir que a constituição do direito dificilmente poderia ser feita
por fontes em que a dimensão de agregação/sedimentação axiológica e tempo exigissem
uma maior densidade, por um lado, e mais longa duração, por outro, das práticas sociais às
quais se associasse, por isso, e consequentemente, vinculatividade jurídica.

No nosso tempo, a velocidade a que se desenvolvem os acontecimentos e a


diversidade de perspetivas sobre a valoração referente a esses mesmos acontecimentos leva-
nos a, de facto, reconhecer que fontes do direito como o costume, por exemplo, não
assumirão o protagonismo que a lei assume, posto que exigiriam uma maior sedimentação, e
muito mais lenta, observância para garantir a sua vinculatividade jurídica.

A lei permite, assim, uma racionalização da intersubjetividade que vai, com maior
certeza, segurança e celeridade responder às novidades que a realidade vai apresentando.
Veremos que isso não é absoluto, há limites, mas, de facto, estes fatores de ordem
sociológica a marcar decisivamente a relevância da lei como fonte do direito.

" Temos ainda que reconhecer fatores de ordem funcional: As características normativas
da lei permitem-lhe desempenhar um conjunto de funções práticas na sociedade, que
nenhuma outra fonte logra cumprir com o mesmo grau quantitativo e qualitativo.

Isto significa que, há que reconhecer à lei funções político-sociais e funções especificamente
jurídicas.

• Quanto às funções politico sociais, nós encontramos a lei, por um lado a assumir uma
função de ordenação politico-social e reformadora, que traduz a capacidade que, e a
conferencia institucional, à lei da definição jurídica do programa social, isto é, da
determinação programática das opções da ordem jurídico social.
• Por outro lado, também é à lei que cabe o cumprimento de uma função instituinte e
planificadora regulamentar, porque, mesmo para o cumprimento daquela outra função
de ordenação político-social e reformadora, é à lei que cabe, institucionalmente, criar
órgãos, demarcar competências e, com isso, estabelecer, de modo planificador, a
regulamentação do estado, conferindo-lhe veste, roupagem jurídica.

Estas funções político-sociais da lei — função de ordenação político-social e


reformadora, determinação do programa de ação social que ao Estado cabe e que o Estado
pretende instituir, e função instituinte e planificadora regulamentar, estabelecimento do

131
enquadramento institucional em que àquela atuação decorre — cabem, de facto, de modo,
absolutamente crucial no nosso tempo à lei.

A lei também desempenha funções que diremos, não já de ordem politico-social,


mas funções especificamente jurídicas.

Funções especificamente jurídicas, (olhando agora digamos de dentro, na institucionalidade


especifica do direito), que se apresentam, por um lado, como um meio de integração e,
portanto, um meio de construção de uma convivência pacifica, mesmo em horizontes
complexos e heterogéneos, como são as sociedades dos nossos dias, em que, a falta de
consenso em torno das valorações da delimitação do lícito, ilícito, valido, invalido, justo,
injusto, se nos apresentam como fatores, sobretudo, desagregadores, isto é, no momento em
que, e num espaço em que a construção de um consenso sobre um sentido material de
direito, em continuas manifestações de dissensos, a lei, muitas vezes, constitui o fator
ultimo de integração, de agregação da intersubjetividade.

À lei cabe estabelecer a fronteira, o limite último da valoração da licitude, da


ilicitude, validade, invalidade, justiça, injustiça, num certo sentido especifico, que ao direito
cabe considerar.
Sabemos que este sentido especifico é universal e imutável, sabemos que a
constituição da valoração jurídica é, ela própria, contínua e, por isso, dizemos constituenda.
Ainda assim, a institucionalização que a lei garante permite que, num certo tempo e
num certo espaço, seja reconhecida uma determinada cristalização dessas valorações,
mesmo que elas estejam em discussão, que, com isso, integra os sujeitos em torno das
valorações cristalizadas, estabilidade nos comportamentos.

Essa função de integração, do ponto de vista material, vai projetar-se numa função
de garantia, a função jurídica de integração, quanto ao conteúdo, vai projetar-se numa
função jurídica de garantia, se quisermos, sobretudo, quanto já ao procedimento, porque, de
facto, a objetividade e a certeza do conteúdo do juridicamente relevante, que nos vai ser
apresentada pela função jurídica de integração, exige, simultaneamente, o conhecimento das
fronteiras, a segurança da relevância jurídica desse conteúdo e, isso, é-nos garantido pela
função jurídica de garantia da lei, desde logo, através do princípio da legalidade, tal como
vimos exemplificado no principio da legalidade criminal, mas também, no âmbito do direito
administrativo, do direito fiscal e, portanto, na pressuposição dos princípios, pilares
fundamentais do estado de direito.

Tudo isto nos mostra a relevância que a lei assume, neste contexto, como fonte do
direito.

Reconhecendo, embora, esse acervo fundamental do ponto de vista material, do


ponto de vista procedimental, há que reconhecer também que estes fatores políticos,
sociológicos e funcionais que conferem à lei a relevância que acabámos de descrever
enquanto fonte de direito, também vão implicar que reconheçamos que a lei não pode tudo,
isto é, há, também, limites aos mais diversos níveis, às possibilidades de constituição do
132
direito através da lei e essa são, também, provenientes de fatores políticos, sociológicos e
funcionais.

Sabemos que, do ponto de vista político, a preferência da lei tem precedência na


institucionalização do Estado de Direito, mas também sabemos, simultaneamente, que há
domínios em que a prática, a realidade, continua a mostrar que o direito pode constituir-se
de modos outros, que são, ainda assim, embora não pela via legislativa, garante do estado de
direito.
É o que vemos, por exemplo, se nos recordarmos e acentuarmos a relevância
constitutiva das decisões judiciais, que não constituindo lei, constituem, ainda assim, ao
manifestarem em concreto, a concretização da intencionalidade jurídica que o sistema
manifesta face ao acervo que a realidade apresenta e do tipo de respostas que lhe confere,
estabelecendo, assim, então, o direito vigente, naquela concreta relação jurídica que é objeto
de apreciação e que vai ser, então, destinatária de uma decisão judicial.

A lei é, indubitavelmente o modo de construção do direito que polariza a


experiência constituinte no nosso tempo, porém, isso não significa que não haja outras
fontes.

A existência de outras fontes prende-se também, com alguns limites que a própria
lei manifesta. Como dissemos, há outras fontes, desde logo, a reconhecer que a lei
apresenta, primeiro que tudo, limites funcionais e, também, limites normativos.

Os limites funcionais apresentam-se-nos como que num limite negativo de tudo


quanto só a lei deve ser chamada a fazer, no âmbito de um estado de direito do tipo do
nosso, e que decorre das razões políticas, mas também de razoes sociológicas, da tal índole
estrutural das sociedades complexas dos nossos tempos e das razoes funcionais, das tais que
levam a que se reconheçam aquelas funções politico sociais e especificamente jurídicas que
acabámos de enunciar.

Há, digamos, no sentido de delimitação negativa, áreas em que, temáticas em que,


sentidos em que resta espaço para a construção de direito por outras experiências jurídicas
constituintes.
Além do exemplo da manifestação das decisões judiciais, podemos ,também,
recordar experiências de constituição estatutária ou a própria construção convencional no
âmbito da autonomia dos sujeitos intervenientes, desde logo, no direito contratual na
celebração de contratos, então, que constituem efetivamente direito vigente no âmbito da
sua relevância, embora não constituam lei.

Para lá destes limites ditos funcionais, que nos mostrariam a constituição do direito
que não cabe à lei, por isso, delimitação em sentido negativos, temos os limites normativos.

Os limites normativos são os limites que a lei por ser lei apresenta, são intrínsecos
ao sentido e à estrutura que as normas legais apresentam e devem apresentar, são limites que
a lei por ser lei irá manifestar limites normativos intrínsecos à própria lei.
133
Estes limites normativos apresentam-se-nos em diferentes tipos de limites
normativos da legislação. Temos que identificar limites normativos objetivos, limites
normativos intencionais, limites normativos temporais e limites normativos de validade.
Os limites normativos objetivos dizem respeito à relação entre as normas legais e a
realidade a que se dirigem. Consistem na tomada de consciência de que a realidade, a
extensão dos problemas é sempre maior, é sempre mais ampla do que o acervo das normas
legais pré-disponíveis e suscetíveis de serem mobilizadas para orientar a respetiva solução.
A realidade, em termos tradicionais, é sempre mais rica do que aquilo que o
legislador prevê. O que nos remete imediatamente para aquilo que tradicionalmente diz o
problema das lacunas.

Os limites normativos objetivos da legislação traduzem e são os únicos limites


normativos da legislação que vamos analisar em que isso se sucede, os limites normativos
objetivos da legislação traduzem a situação em que não há norma legal pré-disponível,
suscetível de ser mobilizada como critério para a orientação da resolução de um problema
juridicamente relevante. Aquilo que tradicionalmente se diria o problema das lacunas.
Mas a questão é, do ponto de vista teórico e metodológico, mais ampla do que a
consideração estrita do problema das lacunas. Isto porque a compreensão de lacuna implica,
realmente, a verificação da existência de um caso no contra polo da previsão literal de uma
norma, em que essa previsão e, por essa razão literal, não se verifica, isto é,
tradicionalmente, a lacuna seria a tradução da situação em que um determinado facto não
tivesse correspondência na previsão legal de uma norma.

( Entre nós, do ponto de vista metódico, estabelecida através da consagração de um cânone


metódico no artigo 10º do CC, logo após da interpretação jurídica que está prevista no artigo
9º, também proposta de um cânone metódico para essa operação. )

O limite normativo objetivo da legislação mostra a contraface da previsão que uma


norma possa fazer e, portanto, a ausência de previsão.

O problema que agora se nos põe é o de compreender o que é que significa afirmar
que o facto está ou não está previsto por uma norma.
O que está em causa na determinação da relevância jurídica de um problema
concreto é a relação que se estabelece entre a intencionalidade problemática desse problema
e a intencionalidade problemático-normativa que o sistema jurídico encerra, então não
temos apenas a relação entre um facto e a letra de uma norma. Há, pelo menos, que
considerar, para lá dessa simples correspondência entre facto e letra, a comparação entre
essas duas intencionalidades — a intencionalidade problemática jurídica que o caso em si
apresenta e a intencionalidade problemática jurídica da normativa que a norma, se houver
norma que corresponda à intencionalidade, refira, encerre — isto significa que o juízo
gerador da consideração da relevância jurídica é um juízo analógico, uma analógica entre o
problema posto pelo caso concreto e o tipo de problemas a que a norma vai dirigida em
geral e abstrato.

134
Assim sendo, o limite normativo objetivo da legislação não se reduz ao mero
problema das lacunas, de facto, nós podemos ter problemas concretos que não estão na
previsão normativa de qualquer norma e, aí, temos a correspondência aquilo que
tradicionalmente se diz lacuna.
Cumpre, então, fazer um juízo sobre a relevância jurídica, mas os limites
normativos objetivos da legislação mostram, exatamente, todas as situações em que
apresenta, justificadamente, como juridicamente relevante, na relação, na comparação, na
analogia que se faz entre o tipo de problema que esse caso concreto, que estamos a analisar,
encerra e a intencionalidade que o sistema jurídico dirige a esse tipo de problemas, tal como
o que o caso encerra, o que se, desde logo, em primeiro lugar, podemos ver do ponto de
vista da existência ou inexistência de norma, depois nos levará a por questões aos
fundamentos do sistema, chegando ao limite de, eventualmente, propor a situação em que,
mesmo que um sistema jurídico não encerre em qualquer critério e nem mesmo nos
princípios estabelecidos o sentido de resolução do problema concreto, deva partir-se para
aquilo que se diz o desenvolvimento autónomo ou transsistemático do sistema jurídico e,
assim, constituir uma solução para o caso, que não estando previsto em qualquer norma e
não sendo suscetível de ser integrado analogicamente por outro critério e/ou por referência
direta aos princípios, deva ainda assim ser resolvido.

Com isto, o que é que aqui se nos apresenta quanto à compreensão do limite normativo
objetivo?

" Nem todas as situações da realidade, comprovadamente apresentadas como


juridicamente relevantes, estão diretamente previstas por normas legais, o que não significa
que não sejam juridicamente relevantes, consequentemente, as normas legais, por serem
constituídas como são, isto é, por estabelecerem uma hipótese e uma estatuição, por serem
uma cristalização, que não se reduzindo a um texto, têm um suporte textual e, por isso, ao
delimitarem o âmbito da sua relevância, também ficam limitadas deste ponto de vista
objetivo, já que, com isso, a possibilidade da realidade não corresponder à cristalização que
as normas estabelecem é real e ocorre de facto.

Estamos perante um limite normativo objetivo da legislação quando não positivada


no Corpus Iuris, que seja suscetível de ser mobilizada para orientar e parcialmente desonerar
a resolução de um determinado caso juridicamente relevante. Este é um limite normativo da
lei que resulta diretamente da relação da lei e a realidade, e é o único tipo de limite
normativo da lei que consiste em não haver lei para responder a um problema, é um limite
normativo objetivo.

Além dos limites normativos objetivos temos que identificar os limites normativos
intencionais.

Os limites normativos intencionais são verificáveis, verificam-se em todas as


normas, desde que gerais e abstratas. Por regra, as normas legais são gerais e abstratas e, por
essa circunstância, característica essencial, estão limitadas do ponto de vista intencional e
portanto, apresentam limites intencionais.
135
As normas situam-se em regra, num plano geral e abstrato ao passo que os casos,
problemas decidendos são particulares e concretos.
O abstrato empobrece sempre a complexidade caracterizadora da realidade, a
generalidade, ao dirigir a norma a todos os sujeitos, desconsidera algumas especificidades
desses próprios sujeitos. Há, portanto, uma distância que separa o plano geral e abstrato da
norma do plano particular e concreto do caso e essa distância traduz esse limite intencional,
isto é, o limite intencional reside na constatação de que a intencionalidade da norma é geral
e abstrata, ao passo que o caso é particular e concreto, o que significa que a norma não
apresenta uma resposta automaticamente mobilizável para um problema concreto.

Esta distância intencional tem que ser reflexivamente percorrida por uma instância,
aquela que estiver, circunstancialmente, encarregada e legitimada para a articulação entre o
problema posto pelo caso e o sentido de orientação conferido pela norma e essa é,
maioritariamente, concentrada na decisão judicativa e, portanto, é ao jurista dissidente que
cabe percorrer essa distancia intencional entre o caracter particular em concreto do caso e o
caracter geral e abstrato da norma.

Este percurso, este percorrer da distância entre estas duas dimensões, é ele próprio
constitutiva, porque o papel do jurista dissidente não é o de mero aplicador, em sentido
lógico-dedutivo, da prescrição geral e abstrata da norma a factos, o que está em causa é a
constituição da ligação entre a intencionalidade problemática apresentada pelo caso e a
intencionalidade normativa que, no caso, havendo norma, e com ela todos os outros estratos
de sistema, encerram e manifestam intencionalmente para aquele tipo de caso.

Esta distância intencional corporiza os limites intencionais da legislação, que afinal


existe em quaisquer normas, desde que gerais e abstratas.

Temos ainda os limites normativos temporais:

Os limites normativos temporais, que como o próprio nome indica, decorrem da


passagem do tempo, vão obrigar-nos a referir outro tipo de problemas, porque, de facto, nos
limites temporais, nós vamos pôr a norma em relação com a realidade, por um lado e, por
outro, a norma em relação com a sua própria fundamentação material, especificamente, os
princípios normativos.

Influência do tempo nas normas legais ao ponto de lhe constituírem um limite (limite
temporal):

As normas são abstratas e, como tal, tendem a ser intemporais — uma norma uma
vez entrando em vigor, a não ser que seja ela própria temporária, isto é, que defina o
momento da cessação da sua vigência, tende a vigorar de modo indefinido no tempo, até
que, se tal suceder, outra norma venha pôr em causa essa vigência.

136
De um ponto de vista formal, pode suceder que uma norma, estando em vigor, (e é
isso que está em causa), formalmente em vigor, ao relacionar-se com a realidade e ao
relacionar-se com o seu horizonte de fundamentação fique limitada.
Uma coisa é nós falarmos dos limites institucionais formais que as regras
secundárias estabelecem à entrada em vigor e à cessação da vigência das normas (quando é
que a norma entra em vigor, quando é que a norma cessa a sua vigência).
Radicalmente distinta desta, e é uma questão metodológica, tem que ver com a
construção da decisão judicativa, isto é, a convocação da norma que está em vigor para a
resolução de problemas concretos, e nesse momento especifico da mobilização da norma
para a resolução de problemas concretos, constatar, que já é temporalmente limitada, o
problema que se nos apresenta nos limites temporais da legislação é este, não é o primeiro.

Portanto, nos limites normativos temporais da legislação que estamos a considerar,


do ponto de vista da lei como modo constituinte do direito vigente, essa limitação que
decorre da passagem do tempo refere-se à lei em concreto e em vigor e, portanto, não com a
entrada em vigor e cessação da vigência de normas.

Temos então normas que estão formalmente em vigor, são gerais e abstratas e, por
isso, tendencialmente universais e intemporais, mas que, porém, estão sujeitas à erosão do
tempo, erosão que se verifica no momento em que elas, estando vigentes, são convocadas
para os problemas em concreto. Esta é a questão, é aqui que vamos encontrar estas
limitações normativas temporais. A norma, está sujeita à dinâmica histórica, embora tenha
uma pretensão de eternidade, vai estando em vigor, confrontar-se com limitações do ponto
de vista temporal. Em que termos?

— Nós podemos ter situações em que a norma está formalmente em vigor, é convocada
para a resolução de problemas concretos e no momento da análise comparativa entre a tal
intencionalidade problemática do caso e a intencionalidade normativa da norma, se vem a
concluir que o problema da realidade não se apresenta já pelo modo por que a norma legal
intenciona aquele tipo de problemas, isto é, na relação com a realidade, a norma legal pode
ver-se limitada, em virtude da passagem do tempo, por a realidade a que vai dirigida já não
se apresentar pelo modo por que a norma a intencionava, no momento em que foi criada, e
entretanto não foi alterada, ou pode mesmo suceder que desapareça a realidade a que a
norma ia dirigida.

Temos aqui um limite normativo temporal, um limite da lei que resulta da passagem
do tempo, na sua relação com a realidade e, portanto, temos aqui uma situação em que a
norma legal, que até pode ser em geral e abstrato, válida, não é eficaz, foi perdendo ao longo
do tempo a sua eficácia, porque a realidade já não se apresenta pelo modo de que a norma a
intencionava, o que também vai impedir que ela seja convocada diretamente para resolver
aquele problema concreto.
Quando uma norma se apresenta, assim, formalmente em vigor e até válida, mas foi
perdendo, por decurso do tempo, a sua eficácia, diz-se que essa norma é obsoleta.
A obsolescência de uma norma resulta do facto de se terem operado alterações da
realidade, ao ponto de a norma legar deixar de intencionar a realidade tal como ela se
137
apresenta e aí vemos essa norma como obsoleta). Estando formalmente me vigor, ela não
será normativamente adequada para responder ao problema concreto, a que, até,
intencionalmente, ab inicio se dirigia.
Mas, a limitação normativa temporal pode não resultar da relação entre a norma e a
realidade, pode não resultar da perda da eficácia, pode, por outro lado, resultar da perda da
validade, isto é, uma norma legal que, no momento em que foi constituída era perfeitamente
válida, isto é, era a concretização espácio-temporalmente, normativamente adequada, do
sentido dos princípios normativos — a norma legal, no momento em que foi criada era a
concretização normativamente adequada dos princípios normativos em que se
fundamentava e em que deveria fundamentar-se pode ver, por força da passagem do tempo,
e assim, da alteração do sentido dos princípios normativos em que se fundamentava, posta
em causa, mais lento ou mais abrupto, a sua validade.

A norma legal pode perder a validade, progressivamente, de modo mais rápido ou


mais lento, em virtude dos princípios normativos em que ela se fundamenta terem sofrido,
eles próprios a alteração, evolução de sentido. Ora, a norma, não sendo alterada, mantém a
mesma cristalização que no momento em que foi constituída tinha admitido e, assim sendo,
se os princípios normativos sofreram alteração e a norma não, efetivamente, ela pode deixar
de ser a concretização normativamente adequada, perdendo assim a validade.
Essa perda progressiva da validade em função da passagem do tempo diz-se
caducidade, a norma torna-se caduca, perdeu a sua validade, embora possa estar ainda,
formalmente em vigor, porque a norma não foi revogada, em nenhum destes casos a norma
foi revogada, quer no problema da obsolescência, quer no problema da caducidade, a norma
não foi revogada, a norma está formalmente em vigor, o que acontece é que, no momento
em que a norma vai ser convocada para a resolução do problema concreto, o jurista
dissidente conclui que a norma é caduca ou é obsoleta.

— É caduca se foi perdendo a sua validade;

— É obsoleta se foi perdendo a sua eficácia.

Aula dia 29/04

Retomando a exposição…

Distinção fundamental entre:

Limites normativos temporais aqueles que decorrem da passagem do tempo, que


resultam da relação entre as normas legais e a realidade; Limites normativos temporais,
aqueles que resultam da passagem do tempo relativos à relação entre as normas legais e os
princípios normativos em que se fundamentam, em que deveriam fundamentar-se.

O que tem em qualquer uma destas dimensões relevância metodológica crucial para
o objetivo que aqui é prosseguido, da compreensão da relação entre, aqui, especificamente,

138
o modo constitutivo do Direito e a realidade a que vai dirigir e depois, mais globalmente, do
ponto de vista metodológico da realização do Direito na realidade que o convoca.

Em que termos?

Vimos que, nas situações em que a realidade que foi prevista em termos
normativamente adequados, no momento em que a lei foi criada, se alterou, ao ponto de não
convocar completamente já aquela norma ou de já não a colocar pelo modo por que a
convocava aquando da sua criação.
E, neste sentido, temos alterações da realidade, que podem implicar que a norma já
não constitua critério normativamente adequado para a realização do Direito, quanto aquela
concreta realidade.
Temos aqui, de facto, então, uma perda progressiva, mais ou menos lenta, mais ou
menos rápida (isso é contingencial), depende da evolução da realidade. Temos aqui
realmente uma perda progressiva da eficácia da norma, o que pode não contender com a sua
validade, sendo que essa perda progressiva da eficácia conduzirá à obsolescência da norma,
a norma já não se dirige à realidade, pelo modo por que a realidade intenciona o Direito, no
momento em que ela é mobilizada como critério para a orientação da resolução do problema
judicando. É uma norma obsoleta, a obsolescência da norma resulta, de facto, da sua perda
progressiva de eficácia, da relação que estabelece ou que vai deixando de estabelecer com a
realidade.

Diversamente, temos a relação entre a norma legal e os princípios normativos em


que se fundamenta (ou melhor: em que se fundamentava) no momento em que foi criada e
entrou em vigor, o que sucede é que, sabendo que a validade da norma resulta de/ depende
de/ está interligada intrinsecamente a validade dos princípios normativos em que se
sustenta, se a validade da norma depende de ser uma concretização normativamente
adequada do sentido dos princípios normativos em que se fundamenta, o que verificamos
nos limites temporais resultantes da perda da validade é que, no momento em que a norma
foi criada, ela era uma manifestação normativamente adequada da intencionalidade
axiológico-normativa dos princípios normativos daqueles que diretamente respeitem a essa
norma, porém, em virtude da passagem do tempo, e uma vez que a norma não foi alterada e
permanece formalmente em vigor tal qual no momento em que foi criada, publicada e
entrou assim em vigor, só que os princípios normativos a que a norma vai referida sofreram
alteração na sua intenção e conteúdo.
Sucede assim que, progressivamente, a norma foi perdendo validade, uma vez que
não foi alterada para poder ser manifestação/concretização da intencionalidade que os
princípios normativos foram adquirindo com a passagem do tempo.
Podíamos pensar aqui, desde logo, no princípio da igualdade nos diferentes sentidos.
que até institucionalizadamente, vai, historicamente, assumindo, que bem sabemos resultam
de uma evolução no sentido de igualdade formal para uma compreensão de igualdade
material e que, em concreto, implicam p.e. que, mesmo em termos institucionais, na
Constituição de 1976, se haja estabelecido o principio da igualdade, no que diz respeito às
relações entre os membros de uma mesma família, no sentido de relações entre cônjuges e
entre pais e filhos, que implique a ausência de discriminação negativa (quer num, quer
139
noutro dos casos) e no segundo, a diferenciação p.e. do ponto de vista das relações de
filiação, mas também das relações sucessórias, entre filhos nascidos na constância do
casamento e filhos nascido fora do casamento – distinção que, constitucionalmente, e
depois, através do Código Civil, se esbateu, em nome de uma compreensão diversa do
principio da igualdade.

É neste sentido que, se poderá dizer que no sentido da evolução normativa material
do princípio já vinha ocorrendo em momento anterior à alteração legislativa e, portanto, o
que estamos a considerar aqui é o momento em que a norma legal vigente ainda não
transparece, ainda não efetiva normativamente o sentido material que o princípio,
entretanto, foi adquirindo.

Portanto, em virtude da passagem do tempo temos uma perda progressiva da


validade da norma, porque o seu conteúdo não se altera se ela não for alterada
evidentemente, ela é uma cristalização, no tempo e no espaço, do sentido do Direito que a
ultrapassa e, efetivamente, isso significa que ela vai, por não ter sido alterada,
progressivamente, perdendo validade de novo (de modo mais lento ou mais rápido,
dependendo das circunstâncias conducentes à alteração do sentido dos princípios
normativos correspondentes) mas, de facto, indo perdendo validade ao longo do tempo,
acabará por se considerar caduca, portanto, a caducidade da norma resulta da alteração do
sentido normativo dos princípios em que ela se louvava no momento em que foi constituída
e, portanto, resulta da relação entre a norma e os princípios normativos em que se
fundamenta.

Por outras palavras, a obsolescência da norma é uma questão que se prende,


sobretudo, com a ratio legis dessa mesma norma, o seu objetivo pragmático, a sua relação
com a realidade. Ao passo que, a caducidade da norma, neste sentido metodológico, resulta
da perda de validade progressiva, portanto, é um problema de ratio iuris, de relação
normativa entre concretização que a norma é, e o sentido normativo dos princípios que é um
contínuo constituendo.

Digamo-lo ainda com o Sr. Dr. Castanheira Neves como diz no curso de Introdução
ao Estudo do Direito: A norma é sempre duplamente transcendida: a montante pelos
princípios normativos em que se fundamenta; a jusante pela realidade a que vai dirigida.
De facto, aqui temos, sinteticamente, aquilo que vimos nos diferentes limites normativos
da legislação, até agora analisados — limites normativos objetivos que manifestam que a
realidade pode ser mais ampla do que aquilo que o legislador dela prevê, por diversas
razões; limites intencionais, em que à generalidade e abstração da norma se contrapõe o
caráter particular e concreto do caso e à necessária distancia intencional que é necessária
percorrer entre uma e outro; do ponto de vista dos limites normativos temporais, o problema
da perda de eficácia, o problema da perda da validade das duas dimensões: a realidade, de
um lado, e os princípios normativos, do outro.

O mesmo se verificará ao avançarmos para os limites normativos de validade, não há


qualquer repetição nesta classificação já que a norma legal que sofrer deste limite normativo
140
de validade não estará (não esteve nunca) em consonância intencional com o sentido
normativo dos princípios normativos, a que vai, a que deveria ir, referida, mas não é a
concretização do sentido desses princípios normativos desde o inicio (ab initio), i.e., desde o
momento em que entrou em vigor. Portanto, se as normas não estiverem desde o início em
consonância intencional com a juridicidade trans-legal manifestada pelos princípios,
deverão ser consideradas ab initio inválidas. Este é um limite de validade, não depende do
tempo, é intrínseco desde o início à norma e, por isso, devem ser desqualificadas como leis
já não integrantes do corpus iuris vigente.

Isto significa, naturalmente, ao mesmo tempo, que e cumpre dizê-lo que em


abstrato, i.e., se considerássemos as normas legais independentemente da relação que
estabelecessem com os concretos problemas que as convocam, muito provavelmente,
nenhum destes problemas, limites normativos, se apresentaria — nós só damos conta da
existência de limites normativos objetivos, intencionais e de validade, quando perante casos
concretos que põe problemas que interpelam o Direito, o que vai ligar, necessariamente, ao
próprio modo de compreender quer a constituição do Direito (problema das fontes) quer
depois o problema da interpretação jurídica porque, de facto, mesmo sendo interpretadas em
abstrato, estas normas poderiam não suscitar quaisquer destes problemas, à exceção dos
limites normativos intencionais, sendo que esses estão presentes em todas as normas desde
que elas sejam gerais e abstratas como são por regra, mas a verdade é que, mesmo esses, só
em concreto são determináveis, nós só conseguimos chegar à conclusão de que são de facto
a norma legal sofre de um destes limites se e quando a mobilizamos como critério
orientador para a resolução de um problema juridicamente relevante, porque se, e sobretudo
quanto à questão da validade, porque isto significa que em abstrato o problema não se pôs,
só vai pôr-se em concreto e daí que a norma tenha entrado em vigor, verdadeiramente a
questão de saber se em geral e abstrato a norma já é contraria ao sentido do Direito poria
outro problema prévio:

O da norma injusta, que naturalmente não haveria de ser absorvida para o sistema
jurídico.

Os casos que estamos aqui a considerar de tipificação de limites normativos


implicam que, só em concreto, só perante a circunstância da mobilização da norma
enquanto critério para a resolução de um problema juridicamente relevante se manifesta
essa limitação, em abstrato ela poderá não se manifestar.
Claro que, nós aqui estamos a analisar a historicidade constitutiva do Direito, de
diversas perspetivas e, portanto, temos a eventualidade de a norma legal não tocar um
determinado caso concerto e, portanto, se concluir que não há critério normativo ou legal
considerado no sistema jurídico pré-objetivado que possa ser convocado como critério para
a resolução de um problema concreto, o que não significa que esse problema concreto não
seja juridicamente relevante, ao invés, significa que se a intencionalidade normativa das
normas não o absorve, outros critérios poderão fazê-lo, ou mesmo poderá ser necessário
construir, a partir do sentido dos princípios normativos, no âmbito do sistema ou já trans-
sistematicamente, um critério que permita responder ao problema concreto.

141
Mas estas limitações têm do ponto de vista metodológico outras implicações.

Olhamos de novo para os limites normativos temporais da legislação:

Para além do problema da norma obsoleta, do ponto de vista do lado dos limites
normativos temporais, por perda da validade, nós vamos encontrar outro tipo de problema e
problemas que se nos apresentam do ponto de vista interpretativo, i.e., a constatação de
limites normativos temporais por perda da validade nas normas legais vai conduzir a
resultados interpretativos muito específicos.

Do ponto de vista metodológico é pertinente convocar, desde já, para


compreendermos a relevância prático-normativo metodológica do reconhecimento destes
limites à legislação.

Vejamos então, que resultados de interpretação podem aqui encontrar-se?

Se uma norma legal é positivada e entra em vigor num determinado momento, isso
não impede, aliás, seria absolutamente incomportável admitir que o sentido normativo dos
princípios em que ela se louva evolua, se altere com a passagem do tempo.

Ora, se tal se suceder e se, em consequência disso, a norma vier a apresentar-se em


concreto, uma vez que não foi alterada e está em vigor formalmente, como numa relação
falhada, i.e., já não é uma concretização normativamente adequada, mas também não esta
ainda em contradição com o sentido novo que os princípios normativos, entretanto foram
assimilando, mas estando nessa relação falhada, que não é ainda contrária, teremos que
admitir que, efetivamente, é ainda possível recuperar, pelo menos parcialmente, o sentido da
norma, interpretando-a conforme aos princípios, e é isso que está aqui em causa – uma
interpretação conforme aos princípios – e, por isso, operando uma correção conforme aos
princípios, i.e., como que aproveitando da normatividade da norma aquilo que dela ainda se
adeque ao sentido normativo dos princípios. Temos aí uma correção conforme aos
princípios, uma correção diacrónica, em virtude do resultado da passagem do tempo,
conforme aos princípios.

Se, porém, essa passagem do tempo implicar que a norma passe a estar em
contradição com o sentido dos princípios normativos, já que este último sentido dos
princípios normativos se alterou até esse ponto, e uma vez que a norma não foi alterada,
teremos de reconhecer que essa norma se está já desconforme ao ponto de se manifestar em
contrariedade com o sentido novo dos princípios normativos terá de ser superada.

A superação conforme aos princípios (que é outro resultado da interpretação)


consiste em afastar a norma em nome da realização do sentido dos princípios normativos
que, entretanto, se alterou, ao passo que a norma não foi alterada, permanece formalmente
me vigor.

142
Se a contrariedade existir ab initio, i.e., se estivermos perante um limite normativo
de validade, que não depende da passagem do tempo, não falaremos de superação da norma
conforme aos princípios, mas de preterição da norma conforme aos princípios, i.e., a norma
não deveria nunca ter constituído, naquele sentido interpretativo, elemento do sistema
jurídico, mas uma vez que constitui e que se chega à conclusão por via interpretativa que
contraria o sentido dos princípios, desde o inicio da sua vigência, então, ela deve ser
preterida – preterição conforme aos princípios – é outro resultado de interpretação.

Se a norma for obsoleta ou caduca, ela não deixa de ser formalmente vigente,
poderá vir a deixar de o ser do ponto de vista institucional se o legislador tomar posição,
mas se ela for obsoleta, no sentido de que desapareceu a realidade à qual se dirigia,
imaginemos uma situação em que: a norma prevê a proteção p.e. de uma espécie em vias de
extinção (mas aí não vamos ter caso concreto), se todos os elementos dessa espécie
entretanto desaparecerem a norma caduca nos 2 sentidos (em termos metodológicos e em
termos formais e institucionais). A norma só deixa de ser formalmente vigente se caducar
neste sentido ou no da norma temporária, i.e., decorrido o período por ela própria
estabelecido para a sua vigência ou se houver intervenção de uma norma que venha revogá-
la.

Portanto, a norma só deixa de ser formalmente vigente, e nos dias que correm isso é
cada vez mais assim, sobretudo se houver intervenção de uma norma que venha revogá-la e
eventualmente substituí-la por outra.

Portanto, formalmente, as normas de que estamos a falar estão em vigor.

Metodologicamente ao serem mobilizadas para resolverem problemas concretos


podemos chegar a estas conclusões, que se as mobilizarmos para outros problemas
concretos podemos não chegar à mesma conclusão, porque a interpretação só faz sentido
quando a norma é mobilizada para a resolução de um concreto problema juridicamente
relevante, só aí é que faz sentido até concluir por um certo resultado interpretativo.
Portanto, a interpretação deixa de fazer sentido em abstrato e começa a fazer sentido em
concreto, i.e., no momento da convocação de um critério, para que vai ser experimentado
como operador técnico de orientação de resolução de um caso concreto, o que implica
superar/ultrapassar/substituir um conjunto de pressupostos que a teoria tradicional dita
heurético-cognitiva assume como fundamentais.

Estamos, ainda, no momento constituinte, tivemos a discutir as diferenças entre o


modo constitutivo consuetudinário, o modo constitutivo legislativo, o modo constitutivo
jurisdicional e quando à conclusão de que a lei tem uma prerrogativa fundamental na
constituição do Direito nas sociedades dos nossos dias, mas não tem um monopólio.
Chegamos por várias vias políticas, sociológicas, funcionais, mas também pela via
normativa estrita, i.e., a norma por ser norma legal também assume limitações. Podemos
não as reconhecer, mas aqui, optamos por reconhecê-las e nesse sentido, ao reconhecer
esses limites normativos, elencámo-los em limites normativos objetivos, intencionais,
temporais e de validade.
143
Ora, uma vez constituídas as fontes, porque passados o momento material, o
momento de validade, conjugando os 2, projetando institucionalmente no momento
constituinte, seja na forma de Costume, seja na forma de legislação, seja na forma de
decisão judicial, nós sabemos também que a própria dogmática pode constituir fonte, resta-
nos analisar a precipitação do Direito constituído (agora já temos Direito constituído), já
sabemos que o Direito aqui se constituiu como Costume, como Lei ou como decisão
judicial, falta o momento da objetivação –

O momento da objetivação

Ora, uma vez constituídas as fontes, porque passados o momento material, o


momento de validade, conjugando os 2, projetando institucionalmente no momento
constituinte, seja na forma de Costume, seja na forma de legislação, seja na forma de
decisão judicial, nós sabemos também que a própria dogmática pode constituir fonte, resta-
nos analisar a precipitação do Direito constituído (agora já temos Direito constituído), já
sabemos que o Direito aqui se constituiu como Costume, como Lei ou como decisão
judicial, falta o momento da objetivação:

O momento em que o Direito se torna objetivo, positivo, vigente, é a precipitação do


direito constituído no corpus iuris vigente e, quando entra em vigor, assume-se objetivado
no sistema.

Este sentido assim constituído deve ser incluído no Direito vigente, só estaremos
diante direito em sentido próprio (proprio sensu) quando uma especifica validade se afirmar
como societariamente eficaz – o modo de ser, o modo de existência do Direito é a vigência e
essa vigência ocorre em momentos diversos, consoante o tipo de experiência jurídica
constituinte em causa.

É claro que para o Costume não é determinável o momento (com data e hora) de
entrada em vigor, como nós sabemos, na sua própria constituição e legitimação, a passagem
do tempo é crucial e, portanto, não é possível dizer “entrou em vigor às 0h do dia X”, mas
para a legislação isso é possível.

Sabemos, com base no CC, na Lei 74/98, com as suas alterações posteriores, que
uma lei entra em vigor, por regra, no momento que ela própria manifesta ou decorrido o
prazo já de vacatio legis de 5 dias, mas nós sabemos o dia e hora a que entra em vigor.

Portanto, se só estamos perante Direito em sentido próprio quando entra em vigor,


na legislação nós sabemos determinar o dia e a hora.

Na decisão judicial isso também é determinável, mas é determinável em modos


diversos, porque o Direito constitui-se na decisão judicial, objetiva-se neste sentido, no
momento em que a decisão judicial é proferida.

144
Também sabemos que o processo judicial, em muitos casos, não termina no
momento em que a sentença é proferida em 1ª instância e, portanto, há a possibilidade de
recurso, o que significa que a cristalização só se dá por regra com o trânsito em julgado da
sentença, i.e., o momento em que a decisão já não é suscetível de recurso ordinário (e
mesmo assim ainda há a possibilidade de recursos extraordinários), mas sabemos que,
conhecendo o regime jurídico, é possível terminar o momento a partir do qual a decisão
judicial produz efeitos para os sujeitos a que respeita e, portanto, constitui Direito numa
determinada relação jurídica (isso também é determinável).

Nesse sentido, sabemos o momento da objetivação (claro que sabemos o momento


da objetivação da sentença da 1ª instância – é o momento do seu proferimento – ela produz
alguns efeitos logo aí, mas pode não ser ainda o sentido definitivo).

Ora, isto significa então que, se o problema das fontes é um problema meta-
normativo, i.e., um problema que sendo ínsito ao Direito vigente, à normatividade do
Direito do vigente, é um problema pressuposto, nesse sentido meta-normativo
(normatividade vigente) é, desde logo, um problema teórico, i.e., diz respeito à
determinação critico-reflexiva da análise do Direito em vigor e das possibilidades, dos
modos da sua constituição.

Portanto, o problema das fontes do Direito é o problema do processo constitutivo do


Direito vigente. Pode assumir várias formas (vimos 3 tradicionais) e, ainda, a dogmática e,
ainda, eventualmente, a construção contratual, a construção associativa estatutária.
O Direito constitui-se por diversas experiências jurídicas constituintes e não apenas a lei e
nem sempre sob a determinação legal, pode ser-lhe autónoma, embora num sistema de
legislação, institucionalmente, as mais das vezes seja de facto, submetida à lei, pelo menos,
ao crivo de reconhecimento legal.

Mas o problema das fontes não é só um problema teórico, é, também, um problema


pratico. De facto, hoje diríamos ser impensável para um jurista prático a identificação do
Direito à lei – a tipificadora do positivismo que analisamos nas suas formas mais estritas –
ora, a dialética que entretece o momento material, i.e., o momento da manifestação da
realidade, desde logo os casos concretos, e o momento da validade (as tais reflexões
constituendas sobre o sentido que a normatividade do jurídico há de assumir), essa relação
dialética vai projetar-se no momento constituinte e, assim, estabelecer/constituir Direito
vigente, quando projetado através do momento da objetivação no corpus iuris.

Portanto, esta relação dialética permanente, constituição analógica entre a


intencionalidade do Direito e a problematicidade da prática permite que, constituendamente,
também, se reconheça diferentes modos de manifestação fenomenológica constitutiva do
próprio Direito vigente, i.e., já tomar posição decisiva, porque efetivamente, não é
indiferente pressupor que as fontes do Direito são os modos constitutivos que designam os
processos de constituição do modo como o Direito se nos apresenta (como vem à nossa
presença, como está efetivamente em vigor) e não assumir como problema acabado que as

145
fontes do Direito são aquelas que a Lei determina – são duas questões completamente
distintas.

Construção da decisão judicial

— De facto é o núcleo crucial da tarefa pratica do jurista, o Direito é para se realizar na


prática (o Direito ou é positivo ou não é Direito) ,portanto, a sua efetivação prática que
resulta 1º que tudo, indubitavelmente, da observância espontânea das prescrições jurídicas
(não apenas legais), também resulta de entre essas prescrições jurídicas da concretização
judicativa que do sistema jurídico vamos reconhecendo na sua relação dialética com a
realidade, e é esta relação dialética entre sistema e problema, que vamos aprofundar o
tratarmos de uma introdução à metodologia jurídica.

A metodonomologia

Em primeiro lugar, há que ter em conta que estamos a considerar uma proposta que
o Dr. Pinto Bronze nos apresenta ao falar da metodonomologia jurídica. O Dr. Castanheira
Neves fala-nos de metodologia jurídica para designar do caminho racionalizantemente
percorrido para atingir um determinado objetivo. O caminho é aquele que mobiliza uma
racionalidade especificamente jurídica, prático-normativa e de estrutura argumentativa, que
visa conduzir à construção do juízo decisório.

Meta odos logos

Odos - o caminho
Logos - racionalizantemente percorrido através de um certo tipo de racionalidade
Meta - para atingir um objetivo

Pinto Bronze, simplificadamente, ao considerar a integração do vocábulo nomos no


vocábulo metodologia propõe que se integre especificamente, que se assuma
intrinsecamente a dimensão do corpus iuris enquanto intencionalidade normativa vigente,
assumida como horizonte pressuponentemente significante e fundamentante quer da
identificação dos problemas práticos como juridicamente relevantes, quer da própria
resposta, da construção da solução judicativamente adequada.
Portanto, temos meta odos logos, através do nomos que é o tertium comparationis
na construção do juízo analógico entre a realidade e os critérios à luz do sentido e, portanto,
indirectamente assim, porque a realidade interpela o sistema, não interpela os critérios
isoladamente, interpela sempre por via do sentido normativo que o sistema jurídico vai
concretizando.

Portanto, a metodonomologia é, de facto, esta pratico-normativamente racionalizada


realização judicativa do direito.

146
1. Preliminares. O objeto fundamental da metodonomologia: a prático-
normativamente racionalizada realização judicativo-decisória do direito.

Estamos a tratar do sentido da construção da projeção prática do direito. Esta


projeção do direito na realidade é ela própria normativamente constitutiva, ou seja, desta
perspetiva, o momento da decisão judicativa é ele próprio constitutivo do direito, daí que
perca o sentido de cisão entre o direito, de um lado, e a sua dita aplicação, do outro, mais do
que isso, entre o sistema jurídico autossuficiente, que isoladamente manifesta o sentido do
direito de modo concluso, de um lado, e do outro, a realidade como campo de aplicação das
normas. Não é disso que se trata aqui e, portanto, ao estudar esta introdução à metodologia
jurídica vista assim, estamos a analisar a construção racional da decisão judicativa.

! A metodologia, no que diz respeito ao direito, tem por objeto a prático-


normativamente realizada realização judicativa do direito e, portanto, diz respeito ao
caminho racionalizantemente percorrida pela decisão judicativa à luz do direito, para
que, em concreto, se realize a intenção prático-normativa e, portanto,
fundamentantemente regulativa do direito.

! A metodonomologia, a metodologia da judicativa realização do direito, a metodologia


adequada ao nomos, à normatividade de uma intencionalidade de validade e de realização
judicativamente decisória concentra-se num juízo decisório e, portanto, é um ponto crucial
para a vida de um jurista prático, porque o direito apresenta-se-nos com uma tarefa
problematicamente constituenda, é por mediação dos casos concretos que o sistema jurídico
se vai reconstituindo, a própria constituição do direito ex novo, desde logo pela via da
legislação, muitas vezes, faz-se por relação com os casos concretos que vão surgindo.

Estamos internamente, em termos prático-normativamente reflexivos, a analisar o


pensamento que o direito, no momento em que é mobilizado para a sua realização
judicativa, faz sobre si próprio.

Esta não é uma compreensão de metodologia unívoca, nem em termos sincrónicos


nem em termos diacrónicos, mas é nesta metodologia que vamos encontrar esta
racionalização do juízo decisório, um pensamento pratico-normativo de orientação da
realização prática do direito . Nem todas as perspetivas do pensamento jurídico, quer da
metodologia, quer da dogmática, quer da teoria do direito assumem esta índole prático-
normativa.

( Entramos numa reflexão que vai levar-nos pelas lições 17º e 19º e 20º. )

As escolas metodológicas

Verdadeiramente, ao analisarmos, de um ponto de vista histórico, as escolas


metodológicas que se destacaram sobretudo no século XIX, vamos retomar grande parte das
características do nosso antecessor positivismo do século XIX.

147
Cumpre perceber do que se trata quando se fala desta racionalidade jurídica
diretamente mobilizada para o juízo decisório.
Ao analisarmos esta evolução vamos sempre ter presente quer o tipo de
racionalidade quer a compreensão da interpretação e da próprio decisão judicial que
corresponde a cada uma das escolas.

2. As projeções metodológicas do pensamento jurídico até ao fim do século XVIII


(alusão)

Recorde-se que:

O problema metodonomológico, da racionalização da projeção prática judicativa do


direito é, naturalmente, contemporâneo de todas as compreensões do direito e, por isso,
tinhamos de recorrer, pelo menos, à autonomização do direito em Roma, essa
autonomização dá-se, por um lado, pela consideração do direito como disciplina autónoma,
por outro, da existência de magistrados especificamente identificado e a de que o
pensamento jurídico é um pensamento distinto de qualquer outro pensamento.
Nesta estrutura devemos reconhecer que em Roma a racionalidade mobilizada pela
construção judicativa é uma racionalidade retórico-prudencial. O caso é constitutivo do
direito e do sistema jurídico.

Verifica-se isto, ainda, na Idade Média — o sistema jurídico é assumido como


pluridimensional, mas também, do ponto de vista da construção da projeção do direito na
realidade, vamos encontrar uma racionalidade hermenêutico-dialética, a análise, o estudo
dos textos de autoridade, incluindo os jurídicos. Temos aqui o pensamento jurídico medieval
que é muito determinado pela recuperação do Corpus Iuris Civilis, para um tempo e um
espaço para o qual não foi constituído.

— A ideia de que pensar o direito é conhecer a prescrição dos textos de autoridade e


aplicar essa prescrição aos casos.
148
Com a Idade Moderna, a racionalidade é cada vez mais uma racionalidade que se
vai, progressivamente, tornando teorética e não, já, prático-argumentativa. Esta ideia de que
pensar é conhecer vai deixar de ser considerada (esta pressuposição dogmática de verdade
de que se retiram desimplicações lógicas), para assumir como ponto de partida o
conhecimento de um objeto, a partir do qual se constroem teorias sobre esse objeto.

3. Ideias fundamentais sobre algumas das mais importantes orientações


metodonomológica, desde o início do século XIX.

É a construção teorético-cognitiva que domina o pensamento jurídico do século


XIX. Isto é, se o direito é uma ordem regulativa da prática, assumida em diversos sentidos,
o sentido do pensamento jurídico que lhe corresponde foi, todavia, sempre, muito diverso e
assume, ainda assim, hoje, múltiplas orientações.

Pensar é conhecer o direito pré-dado como objeto e a determinar cientificamente


por um pensamento jurídico com intenção teorética, de construção de hipóteses explicativas
a confirmar pela experiência, para indutivamente criar leis sobre a realidade dos fenómenos
— temos a aplicação do método científico ao pensamento jurídico.

Significa isto que as escolas teoréticas que vamos analisar e dominaram o século
XIX são as escolas positivistas, quer os positivismos exegéticos, quer os positivismos
dogmáticos.
Nos primeiros temos o positivismo exegético francês como paradigma e, nos
segundos, no positivismo dogmático alemão, temos a escola histórica e a escola da
jurisprudência dos conceitos.

Nota: O método jurídico positivista é uma compreensão conjugada da proposta


metódica da Escola da Exegese e da proposta metódica da Escola Histórica do Direito e da
sua consequente Jurisprudência dos Conceitos.

O método jurídico positivista é composto por 3 momentos: Momento hermenêutico,


momento científico-dogmático e o momento técnico da aplicação.

Quanto aos dois primeiros momentos, devemos considerar, em algumas casos,


primeiro o momento hermenêutico e, noutros, primeiro o momento científico dogmático. Há
uma certa precedência lógica entre momento hermenêutico e cientifico dogmático, primeiro
haveria que interpretar para, depois, construir conceitualmente. É claro que, no sistema
jurídico pressuposto pré-definido, é possível tampem pensar primeiro o momento cientifico-
dogmático e, depois, perante as novidades das normas e suas aplicações, o momento
hermenêutico.

Assim, cumpre tomar consciência daquilo que são os momentos e o papel que
desempenham na construção das propostas metódicas. Esta fixação do método jurídico
positivo nestes 3 momentos implica que tenhamos que reconhecer que o direito é

149
constituído, antes e independentemente da realidade à qual se vai aplicar, ou seja, ao criar
normas legais, direito, a entidade legitimada (legislador) estamos a verificar uma construção
que é logicamente prévia ao momento da interpretação, ao momento da conceitualização e,
também, ao momento da aplicação.
O direito é criado primeiro, no sistema, é interpretado, conceitualizado e, num
momento posterior, poderá ser aplicado do sistema para os factos, relacionar-se com a
realidade dos factos empíricos, que terão relevância jurídica se corresponderem à previsão
que o sistema estabelece — A norma sai do sistema, é aplicada lógico-dedutivamente aos
factos e regressa incólume ao sistema jurídico. Com isto, o sistema permanece fechado e
autossuficiente e a realidade permanece na contingência de ser ou não juridicamente
relevante, na medida em que esteja prevista na hipótese de uma norma – isto para sintetizar
aquilo que é possível dizer, do ponto de vista metodológico, quanto às perspetivas
positivistas, e que vai corroborar a tese de que a interpretação jurídica, nestas compreensões,
é um dos momentos autónomos no pensamento jurídico e autónomo alheado da eventual
posterior mobilização doc critério-norma interpretado aos factos, ou seja, a interpretação
tem lugar em abstrato, a fixação do sentido interpretativo de uma norma, nas compreensões
positivistas, é feita no contexto do sistema, antes e independentemente da convocação da
norma como critério para a resolução de um caso concreto. Só faz sentido interpretar a
norma para concluir sobre o sentido único e verdadeiro na norma.

Nas perspetivas de superação, diferentemente, vamos assumir que a interpretação é


uma operação que tem lugar em concreto, ou seja, na relação entre o problema e o sistema.

Aula dia 05/05

O grande objectivo é fazer um contraponto entre o nosso interlocutor histórico e os


modos atuais de compreensão da interpretação e da construção judicial. Neste sentido,
vamos propor-nos a analisar historicamente as origens da metodologia jurídica, no
cruzamento entre o século XIX, o séculoXX e, agora, o século XIX, para perceberes que a
proposta que temos a apresentar, distinguindo-se quer das propostas que dominaram o
século XIX e de boa parte daquelas que perduram do século XX e XXI, tem um sentido e
razão de ser.

As orientações teoréticas: o positivismo exegético (Ècole de l’exégèse) e o positivismo


sistemático-conceitual alemão

- Escola da Exegese;
- Escola Histórica do Direito;
- Jurisprudência dos Conceitos.
(3 grandes manifestações das compreensões teoréticas que dominaram o século XIX quanto
ao pensamento jurídico).

" Escola da Exegese:

– Caracterização geral e referência ao “método jurídico” em que acabaram por fundir-se.

150
1) O direito identificado com a lei:

Relativamente à Escola da Exegese, estamos a considerar, primeiro que tudo, a


exegese do Código Civil Francês de 1804. É muito interessante analisar a interpretação
jurídica como exegese, porque é disso que se trata num culto do texto da lei que faz
primordial a sua letra e que nos vai exigir que consideremos as razões históricas que
conduzem a essa compreensão do direito.

O CC de 1804 foi publicado nesse ano como o Código Civil dos Franceses. Em
1807, passa a assumir a designação de “Código de Napoleão”.

O problema que se nos apresenta é o de, primeiro, reconhecermos que temos aí a


fonte fundamental do direito na lei. Isso acontece no código civil como paradigma do direito
privado e, ao mesmo tempo, como paradigma da codificação. É certo que a Constituição
francesa era já anterior, mas a verdade é que este culto da lei posto assim e pensado a partir
desta unificação do direito privado, é essa consideração de atingir uma construção histórica
e praticamente crucial para a unidade do sistema jurídico é que dá força fundamental ao CC
de 1804.

Nesta escola, o direito identifica-se com a lei, é esta lei criada que resulta da
institucionalização da separação de poderes no Estado demoliberal que vai concentrar-se
numa referência constitucional e que, depois, nos diferentes ramos do direito, vai propor
construções codificadas. Este movimento codificatório, que culmina no CC francês, e que
vai influenciar todas as codificações contemporâneas, é crucial para que se compreenda o
modo como o direito vai aqui proposto, pensado e aplicado na prática.

2) Lei como a única fonte do direito:

Se o Direito se identifica com a lei, quase que na contra face desta moeda temos a lei
como a única fonte do direito — Tudo o que é criado sob a forma de lei, legitimado
enquanto tal, será direito e, portanto, o direito é exclusivamente criado sob a forma de lei.

3) Dogma da plenitude lógica do sistema jurídico:

A estas afirmações associa-se o dogma da plenitude lógica do sistema jurídico, ou


seja, significa considerar que é o direito no sistema jurídico positivado sob a forma de lei
que define a realidade juridicamente relevante, é ao direito, enquanto norma legal
positivada, que cabe considerar qual a realidade a que vai dirigir.
A realidade não é juridicamente relevante se não quando o próprio direito a define
enquanto tal na lei. Este “define enquanto tal” é mais do que haver uma correspondência
parcial ou uma ligação intencional entre a realidade e esse direito positivado, é a exigência
de uma correspondência literal.
Esta aglutinação do direito pelo código implica que se concentre na relevância
determinante da letra o sentido da consideração da relevância jurídica.

151
4) A interpretação da lei – incondicional fidelidade aos textos legais: “o culto do texto da
lei”; o subjetivismo histórico:

Este dogma da plenitude lógica, a ideia da concentração no sistema jurídico da


definição da juridicidade, de modo lento, acabado e autossubsistente, implica que, ao nível
da interpretação da lei, que compõe os códigos, a interpretação da lei seja feita tomando por
base a fidelidade aos textos legais. O culto do texto da lei implica um sentido interpretativo
vinculativo — qualquer sentido interpretativo a que o intérprete pudesse chegar que não
tivesse atinência com a letra da lei seria, só por isso, excluído dos sentidos possíveis da
interpretação.

Na Escola da Exegese, o juiz é obrigado a julgar, mobilizando os mecanismos


que o Código contém, textualmente. Isto significa que a consideração de que todas as
determinações de relevância jurídica estão codificadas (estão no direito positivado sob a
forma de lei) conduz a que o juiz seja obrigado a julgar com base exclusiva dos textos
legais.

Como é que se chega aqui? Teriam os redatores do Código intenção de o estabelecer,


constituindo intencionalmente um dogma da plenitude lógica no sistema jurídico, seria esse
o plano?

— Não. A ideia não era fechar o sistema positivado. Mas foi isso que acabou por
acontecer, quer por razões políticas, quer por razões científicas.

— Logo na abertura do Código Civil, no âmbito ainda do projeto, havia um artigo 9º


que permitia o recurso à equidade, no sentido de uma recuperação do direito natural, que
desapareceu na versão final. Mas, permaneceu um outro artigo dessa dimensão preliminar
que é o artigo 4º, que proíbe a denegação de justiça: “o juiz que recuse julgar sob pretexto
do silêncio, da obscuridade ou da insuficiência da lei poderá ser perseguido como culpado
de negação de justiça”. Significa isto que, por um lado, os juízes seriam obrigados a julgar
e, por outro, seriam obrigados a julgar com os critérios constantes no código.

5) Casos omissos: as propostas para a aceitação do non liquet, o sistema do référé législatif;
o reconhecimento legislativo (artigo 4º CC Francês – 1804): auto- integração – analogia
legis e a analogia iuris:

Entretanto, uma vez entrando em vigor, o que acontece é que os exegetas do Código
se viram obrigados a considerar exclusivamente as respostas contidas no código ao mesmo
tempo que não poderia considerar que o juiz poderia optar pela ausência de resposta clara
para o problema concreto.
Isto significa que, por um lado, em princípio, a resposta está no Código e, por outro
lado, esta resposta terá que estar no código, porque para a Escola da Exegese não seria
possível mobilizar elementos externos ao código, o que significa que se põe de parte a auto
integração de lacunas, restam os mecanismos de auto-integração que são a analogia legis –

152
analogia através de uma lei – e a analogia iuris – através do recurso aos princípios gerais de
direito.

6) Construção conceitual-sistemática do direito positivo, com vista a uma aplicação do


direito objetiva e segura, prevenção dos casos omissos e domínio técnico do direito positivo:

Temos uma construção conceitual sistemática do direito positivo – o direito é um


sistema – o que visa uma aplicação do direito objetiva e segura. (e voltando ao ponto 4)
Implicava, do ponto de vista da interpretação que, também por razões políticas e por razões
científicas, o objetivo da interpretação se concentrasse na determinação da vontade do
legislador no momento em que a lei foi criada. Temos o objetivo, do ponto de vista político,
de fazer perdurar no tempo o ideário que culminou na construção do código e, do ponto de
vista científico, o desidrato de lograr no sentido interpretativo atribuído às normas legais.

O que significa falar em subjetivismo histórico?

O subjetivismo histórico implica, nas suas duas dimensões, que o objetivo da


interpretação seja subjetivista, isto é, a determinação da vontade do legislador constante no
texto da lei (subjetivismo quanto ao objetivo da interpretação). Por outro lado, será a
determinação da vontade do legislador expressa no texto da lei analisada ao momento em
que a lei foi criado (histórico).

Nas diferentes fases da Escola da Exegese as coisas irão passar de modos muito
diversos.
Nos primeiros 30 anos do século XIX há uma fase de instalação, algumas referências ao
direito natural, ainda uma certa hesitação quanto a convocar ou não convocar a ideia de
direito natural, como interpretar o artigo 4º. Mas, na fase de apogeu, entre 1830 e 1880, as
coisas tornam-se mais claras e mais intensas, no sentido de que a determinação da vontade
do legislador, expressa no texto da lei, é crucial para a construção da escola.

O grande objetivo que a escola visa é fazer perdurar no tempo o sentido político e
jurídico que o código comporta. Irá tentar construir-se, abraçando este subjetivismo, um
conjunto de sentidos interpretativos que sejam manifestação dessa manutenção do ideário
inicial. A purificação da construção formal da teoria da interpretação vai chegar a pontos
como: procurar não apenas a vontade real, mas também a vontade hipotética do legislador,
que permitia à ciência do direito muito mais do que aquilo que seria à partida de esperar.

De facto, a Escola da Exegese foi mais produtiva do que aquilo que numa análise muito
breve poderíamos concluir.

7) Esquema lógico-dedutivo de aplicação da lei:

Do ponto de vista da aplicação da lei temos a recuperação do esquema lógico-


dedutivo.

153
Estas compreensões das escolas metodológicas referidas em termos históricos
constituem um interlúdio para a entrada nas propostas metodológicas.

" Escola Histórica do Direito:

Do lado da Escola Histórica, isto é, contemporaneamente à Escola da Exegese,


temos na Alemanha uma orientação diversa, sobretudo, quanto aos materiais que constituem
o direito, mais do que propriamente relativamente às fontes. Temos uma semelhança do
ponto de vista científico, mas não já do ponto de vista político-institucional.

1) Repúdio do jusnaturalismo iluminista:

Na Escola Histórica do Direito vamos encontrar uma certa recuperação do


historicismo que partilha de uma proposta kantiana de construção do direito.

É certo que nos mais dos autores desta Escola Histórica Alemã há um certo repúdio
do jusnaturalismo iluminista, sobretudo para fazer concentrar na compreensão orgânica da
evolução histórica de uma certa comunidade o sentido e o conteúdo do direito que rege esse
povo.

Há considerações cruzadas que visa, repudiando a pressuposição do ideário do


direito natural intemporal e universal, estabelecer uma construção histórica do direito e, com
isso, vai gerar um momento de oposição à codificação, ao direito legislação.
Há várias razões de ordem política e de ordem científica, que o próprio Savigny irá
abraçar na justificação da ausência de unificação em torno de uma codificação para o direito
civil, na Alemanha, no início do século XIX.

A polémica é acesa e reportada, que ocorreu entre Savigny e Tibbo, a propósito da


viabilidade, política e científica, da codificação do direito civil na Alemanha.

Do ponto de vista político, a Alemanha não é, até à década de 70 do século XIX, um


país unificado como o foi depois. Assim, não havia do ponto de vista político, uma coesão
considerada suficiente para que houvesse uma codificação. Mas, sobretudo, do ponto de
vista científico, tendo em conta que esta proposta de que o direito é uma manifestação da
construção histórica de um povo, assumiu uma relevância crucial na oposição à construção
de direito legislado.
Se nos concentrarmos no pensamento de Savigny, isto é absolutamente notório no
modo por que considera a constituição do direito — O que está em causa na proposta de
Savigny é, não verificar uma determinação pré-institucional do direito, posto de fora, mas,
antes, de o ver como uma manifestação do orgânico desenvolvimento interno do espírito
desse povo. Com isto, cumpre considerar que a fonte fundamental do direito não poderia ser
a lei. A fonte fundamental do direito seria, nesta proposta, de base consuetudinária (o
costume). A lei e a ciência do direito constituiriam fontes secundárias.

154
2) Natureza histórica do direito, por oposição à codificação, ao direito-legislação

Cumpre reconhecer que, por exemplo, para Savigny o que está em causa na
constituição do direito e, por isso, aquilo que vai traduzir-se por instituto jurídico, não é o
resultado da produção legislativa, mas o conjunto de práticas que correspondem à
constituição do direito nessa fonte. Por outras palavras... enquanto que a Escola da Exegese
(proposta que herdámos) vê um instituto como o conjunto dos preceitos jurídicos que
regulam uma certa figura jurídica (o instituto do contrato, o instituto da propriedade, o
instituto do casamento, etc.), para Savigny um instituto não é um conjunto de normas legais
e preceitos jurídicos, é, sim, um conjunto de práticas, a construção orgânica de uma figura
jurídica, composta pelas práticas que, efetivamente, a consubstanciariam (por exemplo, o
instituto do casamento não é aquele que regula as normas legais do casamento, é o conjunto
das relações que se estabelecem entre os cônjuges – independentemente da existência de
uma lei que pré-defina essa figura).

Em Savigny encontramos duas grandes fases…

Embora seja partidário desta compreensão orgânica e histórica da construção do


direito, Savigny, ao mesmo tempo, logo no início do século XIX, fará a análise e a
sistematização do objeto e dos elementos da interpretação que a perspetiva hermenêutico-
cognitiva consagrada (teoria que domina o século XIX e que perdurou para o século XX e
XXI).
A teoria da interpretação jurídica, na compreensão que herdamos do século XIX,
assenta em quatro temas cruciais: o objeto da interpretação, o objetivo da interpretação, dos
elementos da interpretação e dos resultados da interpretação. Savigny propõe-nos uma
construção que vai ser mobilizada ao longo do século XIX, XX e até XXI.

− Quanto ao objeto da interpretação, este autor entende que o objeto da interpretação é


o texto da lei. Só que o texto não corresponde apenas à letra da lei, para Savigny, o texto da
lei é composto pela letra ou elemento gramatical, pelo elemento histórico e pelo elemento
sistemático.

Esta compreensão global do texto implica que não estejamos apenas a considerar a
sua letra. Na Escola da Exegese isto também acontece, por razões diversas na origem e de
aproximação entre os dois métodos de interpretação. É uma compreensão global do texto e
constitutiva do texto, isto é, a fonte do direito (a lei) não é sem o seu texto – o texto é
constitutivo da lei – o que vai corroborar a afirmação de que: para que uma determinada
realidade seja juridicamente relevante tenha de estar prevista no enunciado textual da
lei e, primordialmente, referida literalmente na dimensão gramatical (uma das
dimensões constitutivas do texto).

Para Savigny, os elementos da interpretação seriam o elemento histórico, gramatical


e sistemático – elementos intra-textuais. Ao passo que o elemento teleológico seria
considerado extra-textual e, por isso, à partida, e nesta primeira fase, excluído da
interpretação.

155
Veremos que, a partir da segunda metade do século XIX, o autor vai assumir a
relevância desse elemento teleológico.

Se quanto às fontes do direito a Escola Histórica e Escola da Exegese se


distinguem, quanto à intencionalidade com que o pensamento vai dirigido a essas
fontes já se aproximam, daí que se conclua na confluência das escolas pela existência de
um método jurídico positiva correspondente ao pensamento dominante no século XIX.

Aula 06/05

A ciência do Direito – o pensamento jurídico – tem por função organizar


racionalmente os materiais que compõe o sistema, que são, por maioria de razão, na Escola
da Exegese, as leis, as normas legais, que depois são agrupadas em princípios gerais de
Direito e, com isso, concatenadas logicamente no sistema, em função das temáticas sobre
que versam, da divisão interna dos diplomas legais e, por isso, o sistema jurídico é visto
como logicamente pleno.

O dogma da plenitude lógica vê-se quer do lado de dentro (digamos assim) da


organização interna do sistema, quer do lado de fora do sistema – o sistema jurídico oferece
resposta para todos os problemas juridicamente relevantes, pois que, no limite, e o limite
estaria para lá da analogia legis e da analogia iuris e para lá desse limite, a resposta pelo
Direito à realidade seria: a realidade não é juridicamente relevante, é isso que significa,
por outras palavras, dizer que a realidade não tem qualquer relevância normativamente
constitutiva nestas propostas teoréticas de construção do Direito e do pensamento jurídico.

É juridicamente relevante o que o Direito define como tal, por via da interpretação e
nos limites da extensão lógica da analogia legis e da analogia iuris e aí fecha-se fazendo jus
à clausura que o sistema jurídico deve apresentar perante a realidade, portanto a ausência de
influência que a realidade tem no sistema jurídico.
Temos então uma comunicação que só se exerce do sistema para os factos, no sentido
inverso não há qualquer comunicação, a realidade está fora do sistema e a decisão dos casos
concretos nada acrescenta ao sistema jurídico (o que é completamente diferente daquilo que
vimos quanto à composição do sistema jurídico na proposta de sistema aberto que o
jurisprudencialismo tem vindo a assumir e a construir).

Portanto, a proposta que assumimos de conferir relevância à realidade, à


jurisprudência, à dogmática, do ponto de vista constitutivo, é completamente diversa da
convicção que as perspetivas teoréticas tinham sobre o papel dessas dimensões, não
significa que não existissem, mas o papel que lhes era atribuído era completamente
diferente.

Uma alusão a estas questões:

- O pressuposto constitutivo do direito, tanto para a Escola da Exegese como para a


Escola Histórica e para a Jurisprudência dos conceitos, é a norma.
156
- Para a Escola da Exegese é a norma legal;
- Para a Escola Histórica e, consequentemente, para a jurisprudência dos conceitos
tanto podemos ter como base a norma legal, como podemos ter diretamente a base
consuetudinária – quer uma quer outra serão traduzidas em preposições normativas
pela ciência do direito e essas serão o objeto do conhecimento jurídico.

Significa isto que, se para a Escola da Exegese o direito é um dado cognoscível,


dado legal, para a Escola Histórica e para a Jurisprudência dos conceitos o direito é um dado
cognoscível, mas é um dado material histórico – tanto pode ser conferido pela lei quanto
pelo costume. Originariamente, sê-lo-á, na construção da teoria das fontes que Savigny
propõe quando assume essa predominância, pelo costume.

Assim, o elemento constitutivo do direito é, quer para a Escola da Exegese quer


para o positivismo dogmático alemão, a norma. É das normas que se criam e resultam os
princípio gerais de direito.

Os princípios gerais de direito do positivismo são abstrações generalizantes obtidas a


partir de normas, logo, como que normas mais gerais e mais abstratas. A matéria-prima
constitutiva do direito está concentrada nas normas, é das normas que resultam os princípios
gerais do direito, por abstração generalizante.

Quais as funções atribuídas à jurisprudência judicial e à dogmática?

A jurisprudência judicial tem por função a aplicação do sentido do sistema à


realidade. No sentido inverso não há qualquer contribuição constitutiva. São os factos o
campo de aplicação das normas.
Neste sentido, são factos empíricos considerados isoladamente, dificilmente se
podia, deste ponto de vista positivista, considerar um caso concreto e o problema que põe,
do ponto de vista da sua complexidade, porque isso dificilmente permitiria a subsunção.
Então, a análise da realidade a que o direito vai dirigido é análise de uma realidade
desmembrada em factos isolados – ditos factos discretos – que são a contra face do que está
definido literalmente na hipótese das normas.

Significa isto que à jurisprudência judicial cabe aplicar normas (tarefa


fundamental). Daí que a jurisprudência judicial, nesse contexto, não fosse assumida como
fonte do direito.

Do mesmo modo, a dogmática jurídica também não seria verdadeiramente fonte do


direito, seria um pensamento jurídico construtivístico, teorético-cognitivo, ao qual caberia
conhecer o direito dado (dado objeto cognoscível), interpretá-lo (a teoria da interpretação
é fundamental e muito pormenorizadamente definida pelas teorias positivistas) e criar sobre
esse dado objeto, como se de um fenómeno se tratasse, leis sobre a regularidade das
vicissitudes ocorridas com esse fenómeno direito.
— Procurar criar universais hipóteses explicativas - teorias - visando enunciados de
verdade do ponto de vista da construção do método positivista, sobre o direito.

157
Isto significa que o sistema, sendo composto por normas, é um sistema fechado, das
normas são criados princípios gerais de direito (na jurisprudência dos conceitos são criados,
também, cruciais conceitos. A jurisprudência dos conceitos vai concentrar-se na dimensão
científica, na tarefa do pensamento jurídico, como construção conceitual). Com isto, temos a
perspetiva do sistema jurídico e da sua relação com a realidade.
Se era assim na Escola da Exegese, também o era assim na Escola Alemã.

O positivismo exegético francês e o positivismo dogmático alemão partilham da


compreensão do direito como objeto cognoscível e do pensamento jurídico como
pensamento teorético-cognitivo sobre esse objeto cognoscível.

A dimensão científica é que vai permitir que, na confluência entre as Escolas,


encontremos o método jurídico positivista.

Identificar o método jurídico positivista nos seus três momentos fundamentais:

• O momento hermenêutico;
• O momento cientifico-dogmático;
• O momento técnico da aplicação.

Os dois primeiros momentos são considerados os momentos nobres da ciência do


direito, verdadeiramente científicos.
O momento hermenêutico é o momento da interpretação; o momento cientifico-
dogmático é o momento da construção de princípios e de conceitos; O momento técnico da
aplicação, considerado, até, aproblemático, porque todos os problemas científicos estariam
já resolvidos nos dois momentos anteriores, é visto como técnico e o que está em causa é a
aplicação lógico-dedutiva através do silogismo subsuntivo.

Nota crucial da interpretação, já no contexto do positivismo:

Com isto, cumpre dizer que a interpretação, sendo uma tarefa crucial pode ser
levada a cabo pela dogmática (pensamento jurídico em geral), como pela jurisprudência (ou
seja, pelo próprio juiz), o que significa que não poderá dizer-se que o juiz não interpreta. O
que acontece é que a interpretação é uma operação que tem lugar antes e independentemente
da mobilização da norma como premissa para a dedução. Mesmo que seja o juiz a fazê-lo,
quando interpreta, fá-lo de modo autónomo relativamente à realidade.
O sentido interpretativo fixado há de ser o único verdadeiro sentido com que a
norma deve vigorar, e ser mobilizada como premissa para as deduções que vierem a ocorrer.

Do lado do positivismo alemão encontramos uma perspetiva radicalmente diferente


quer do ponto de vista política (não há uma unificação política da Alemanha que permitisse
que estabelecesse condições ou assim o entendiam) quer a vertente cientifica (não havia
condições para a fixação de uma unificação codificada do Direito, mormente do Direito

158
civil porque estamos a falar sobretudo sobre civilistas como padrão, como paradigma e
como ponto de partida e de exemplo, vimos isto acontecer desde o DR. )

Estamos a falar de grandes romanistas, quer Hugo quer Savigny, vão procurar em
termos científicos vão procurar, por força e influencia do Romantismo quer do Idealismo e
Racionalismo alemães, a constituição histórica do Direito como, no dizer de Savigny,
manifestação do espírito de um povo (de um volksgeist) e esta compreensão histórica, que
depois chega a ser historicista, faz residir na evolução histórica, na superação progressiva
que essa evolução histórica tem na construção do espirito de um povo a fonte fundamental
do Direito.

Ao mesmo tempo que identifica as figuras jurídicas a partir das práticas que as
constituem e não das leis que as definam, foi por isso que vimos que os institutos em
Savigny são compostos pelas práticas que os constituem (dada a base consuetudinária que é
privilegiada) e não das leis que os regulem (como seria no Pensamento Positivista francês).

Ora, a ideia da origem do instituto em Savigny é claramente a de residir nas práticas


que o constituem.

Com isto, nós temos esta referência fundamental a uma compreensão histórica e
orgânica do Direito, até da compreensão o sistema jurídico é visto como uma construção
orgânica, como concatenação orgânica dos elementos que o constituem, mais do que uma
construção hierarquizada externamente posta (a jurisprudência dos conceitos vai depois
alterar isso).

Haverá, naturalmente, polémica quanto à viabilidade, ou ausência dela, de


constituição de uma codificação, de uma unificação, desde logo, do ponto de vista do
Direito civil e da polémica entre Savigny e Thibaut logo no início do séc. XIX – 1814,
momento em que fica registado essa polémica por escrito num texto, que tem por título “Da
vocação do nosso tempo para a legislação e para a ciência do direito” – isto foi a
contestação que Savigny fez à ideia de existência de um direito imodificável, i.e., um direito
que visasse ser intemporal, projetar-se para o futuro indefinidamente e não já ser a
manifestação de um volksgeist, isto claro que haverá vários desenvolvimentos que
conduzirão, naturalmente, à construção do Código Civil alemão já no final do séc. XIX com
entrada em vigor em 1900 – o Bürgerliches Gesetzbuch (ou BGB).

Ora, há uma grande diferença relativamente ao sentido da evolução da construção


do Direito e do pensamento jurídico, da relação do Direito e do pensamento jurídico na
Escola da Exegese.

Coordenadas fundamentais ou pilares fundamentais desta Escola e das suas propostas:

! Repudio do jusnaturalismo iluminista, sobretudo, pela critica à ideia de que o Direito


positivo se fundamenta num Direito natural que é universal e intemporal. Naturalmente,
Savigny queria afirmar a construção histórica e, portanto, estaria contra esta compreensão.
159
!Ao afirmar a natureza histórica do Direito, analisa a história como categoria
verdadeiramente constitutiva do Direito, por oposição à ideia do Direito codificado, do
Direito de legislação, isto do ponto de vista da constituição do Direito — o Direito surge
sobretudo como Direito consuetudinário – a lei será sobretudo declarativa do Direito

3) O direito como dado e objeto de conhecimento; o pensamento jurídico como “ciência do


direito”:

A ideia de que o direito surge como direito consuetudinário, do ponto de vista da


constituição. Mas, do ponto de vista do pensamento jurídico, é um dado material histórico (e
não dado legal), que é objeto do conhecimento.
A tesa da natureza histórica do direito vai implicar que o direito se ofereça como já
dado nas especificas objetivações culturais em que existe.

4) Com a dimensão histórica devia concorrer uma dimensão “sistemático- filosófica”:

Com isto, verificamos que, com a dimensão histórica, vai concorrer uma dimensão
“sistemático-filosófica” – uma dimensão científica.
Isto não é contingente, é uma convicção de que com a dimensão histórica deve
concorrer uma dimensão sistemático-filosófica, para a Escola Histórica do Direito.

A tarefa científica da dogmática jurídica vai implicar, por influência de Kant, a


construção de um sistema. Do ponto de vista da construção, quer-se privilegiar a construção
histórica, mas do ponto de vista sistemático-científico já se visa a construção de um sistema
que não pretende ser contingente histórico, mas pretende formular sentidos universais com
estruturas invariantes — a ideia de sistema separado da contingência da experiência no
sentido kantiano e que vai corporizar cientificamente o Direito

Isto é, o dado material histórico que é objeto do conhecimento é conhecido pelo


conhecimento jurídico como ciência e é a partir desse dado material histórico, afastando-se
do seu caráter empírico, vai a ciência do Direito construir sobre esse dado material histórico,
mas já depurando-se da sua contingência, enunciados de verdade, e vamos encontrar os
princípios gerais de Direito e os conceitos.

É com esta nota que se vai dar a passagem da Escola Histórica para a Jurisprudência
dos conceitos, é que a dimensão sistemática ou filosófica vai vencer a dimensão
histórica, isso é absolutamente crucial, vamos ver isso logo no autor de transição — Puchta
— que vai procurar construir conceitos gerais, abstratos, formais a partir de um dado
material histórico, mas separados dele e vai hierarquiza-los numa pirâmide – a pirâmide de
Puchta – e depois, será fundamentalmente desenvolvido por Rudolf von Ihering,
nomeadamente, na obra “O Espírito do Direito Romano nas Diversas Fases do seu
desenvolvimento” (Der Geist des römischen Rechts) e aí encontramos mais desenvolvida a
construção teorética dos conceitos.

160
Rudolf von Ihering vai inclusivamente distinguir ao nível da ciência do Direito, um
momento epistemológico-dogmático (epistemológico-científico), no método jurídico
positivista, vai pensar a 2 velocidades.

! Uma primeira dimensão: que diria respeito ainda ao momento hermenêutico que, em
Ihering, vai corresponder parcialmente à jurisprudência inferior, em que vamos encontrar as
tarefas de interpretação e de construção de princípios gerais de Direito.

! Depois a construção dos princípios gerais de Direito estará numa fase de transição entre
o momento hermenêutico e o momento cientifico-dogmático, para Ihering jurisprudencia
inferior (interpretação e construção dos princípios gerais de Direito)

! Depois: jurisprudência superior, aí já indubitavelmente ciência do Direito – a construção


de conceitos.
E esta é uma nota crucial da proposta deste autor neste contexto da Jurisprudência dos
conceitos.

Depois vai evoluir para uma perspetiva que há quem entenda que já estava presente
na 1ª fase e há quem entenda que é uma viragem, que é a consideração de que o Direito
está ao serviço da vida e, com isso, deve ter como objetivo responder a problemas práticos.
Quando essa viragem é assumida, já na segunda metade do séc. XIX, em obras
como “A Luta pelo Direito” e a “Finalidade do Direito”, temos estabelecidas as condições
para a superação da Jurisprudência dos conceitos pelas orientações práticas e, muito
concretamente, e até por critica no contexto alemão, pela Jurisprudência dos Interesses –
nome dado por contraposição àquela que critica (Jurisprudência dos conceitos).

" Jurisprudência dos conceitos:

1) O direito como entidade ideal-subsistente, alheio à realidade social e histórica:

Como o próprio nome indica, a diferença fundamental, no fundo há quem fale de


uma degenerescência da Escola Histórica do Direito na Jurisprudência dos conceitos, vai
alhear-se ainda mais da referência ao dado material histórico que serve de origem à
construção do sistema jurídico, portanto, vai distanciar-se ainda mais da relevância do dado
material histórico inicial, para afirmar a prevalência da construção científica, portanto, o
grande objetivo é a dedução de princípios jurídicos, a partir do dado material histórico e,
com esses princípios, a construção de conceitos – aí é que nós temos o núcleo fundamental
da temática aqui em causa, i.e., da Jurisprudência dos conceitos.

O que está aqui verdadeiramente pensado/posto e que vai ser crucial para a
compreensão do Direito que iremos analisar é que, de facto, se o Direito tinha essa origem
histórica e, apesar disso, apresenta-se, ainda assim, como uma referência material, objeto
cognoscível e, por isso, consequentemente, será a, enquanto Direito pré-dado, elaborado
cientificamente ao ponto de se gerar um Direito constituído cientifico (Direito objetivo
cientifico), não por contraposição do Direito subjetivo, mas considerando o Direito
161
objetificado pela ciência do Direito e que vai assumir decisivamente a sua cientificidade e,
com isso, o rigor exigível ao pensamento jurídico neste contexto.

2) A plenitude lógica do sistema: o direito lógico-conceitual, totalidade unitária e fechada,


que apenas admite um desenvolvimento implícito (a explicitação do logicamente
pressuposto, do a priori conceitual): as aparentes lacunas referem-se a casos não-jurídicos,
porque não abrangidos pelo sistema, ou traduzem apenas um insuficiente conhecimento
(insuficiente explicitação) dos conteúdos do sistema:

Em que sentido é que vamos analisar esta evolução?

Temos 2 propostas fundamentais aqui a considerar:

• Putcha:

Vamos rapidamente fazer referência, sobretudo, a Georg Friedrich Puchta, no seu


curso das instituições, porque Puchta vai falar-nos numa pirâmide conceitual que é
constituída através de uma genealogia dos conceitos.

Puchta é um neokantiano e, por isso, vai pressupor que o sentido do Direito é uma
forma pura a priori que orienta racionalmente toda a construção do sistema jurídico e, por
isso, vai propor que, partindo-se do tal dado histórico, se elaborem conceitos
progressivamente mais gerais e mais abstratos e, com isso, menos concretos, evidentemente
e, portanto, menos materialmente ricos, à medida que se sobe nos níveis que propõe para a
pirâmide de conceitos que nos apresenta.

Como é que propõe fazer isto?

O conceito é a manifestação, por um lado, de um sentido do ponto de vista da


fenomenologia, o conceito será a delimitação de sentido de uma certa figura. Ora, com isto
nós podemos ilustrar, até através de um exemplo, aquilo que consistiria no tratamento dos
diferentes conceitos nesta pirâmide.

Podemos pensar, p.e. desde logo, e usando o exemplo na metodologia da ciência do


Direito de Karl Larenz e, depois, por Nuno Espinosa Gomes da Silva, partimos, então, do
conceito da servidão de passagem (já não estamos a analisar o … mas podemos em termos
savignianos o instituto da servidão de passagem que poderá ser composto pelas praticas que
materialmente o densificam, i.e., a delimitação de um certo local, de um certo prédio por
onde se estabelece uma passagem que é reconhecida como um Direito, esta é a construção
consuetudinária) – direito a passar por um prédio alheio, para poder ter acesso à via publica
– ora, sucintamente, existindo um prédio rústico ou urbano que não tem ligação com a via
publica, é necessário garanti-la/estabelecê-la e o Direito Civil define que, se essa ligação
não for estabelecida espontaneamente e pode sê-lo através de um contrato entre o titular do
prédio do prédio encravado e um dos proprietários confinantes (vizinhos) que tenham
acesso à via publica ou que possam permitir depois esse acesso, esse pode ser estabelecido
162
contratualmente e se não o for há mecanismo judicial para especificamente constituir essa
servidão de passagem – um dos exemplos de Direito potestativo.
Uma vez constituída a servidão de passagem, o titular do prédio dito encravado ou
dominante tem direito a passar numa determinada zona, que venha a ser delimitada
contratual ou judicialmente, e há de ser, sobretudo, neste último sentido, pelo prédio em que
causar menor prejuízo e pelo local em que causar menor prejuízo ao prédio serviente.
Portanto, o titular do prédio encravado ou dominante passa a ter o direito a passar do prédio
onerado com a servidão.

Então, conceito de “servidão de passagem”, Direito de servidão de passagem – o


Direito do proprietário de um prédio encravado ou dominante de exigir a passagem que
sujeita o prédio alheio (o prédio serviente) – ora, então, este Direito, assim definido, estaria
na base da pirâmide e vamos prosseguir por níveis sucessivamente mais gerais e abstratos,
até chegarmos ao vértice da pirâmide em que vamos encontrar um conceito de Direito de
inspiração kantiana (uma forma pura a priori que determina racionalmente a validade do
Direito, portanto, não contingente).

Ora, este Direito do proprietário do prédio dominante de passar pelo prédio serviente
é, subamos o nível, um Direito sob um prédio alheio para fruição (há outros p.e., o Direito
de usufruto é o Direito sob o prédio alheio para fruição), como este segundo nível é mais
geral e mais abstrato, agrupa outros conceitos de Direitos subjetivos, que é o que está aqui
em causa, sendo um Direito sob o prédio alheio para fruição cabe no conceito que lhe é
imediatamente superior, do ponto de vista lógico, mais geral e mais abstrato, de um Direito
sobre uma coisa alheia – este ainda cabe no conceito de Direito sobre uma coisa e, por sua
vez, cabe no conceito de Direito subjetivo e que, por sua vez, cabe no conceito de Direito (e
chegámos ao vértice da pirâmide).

163
Para Puchta teria o conhecimento pleno da Ciência do Direito, mesmo no âmbito
desta genealogia de direitos em que se encaixam em cada nível, o nível imediatamente
inferior, a partilha do conteúdo do nível imediatamente superior e assim sucessivamente,
teria o conhecimento pleno da Ciência do Direito quem lograsse percorrer a pirâmide no
sentido ascendente e descendente (indutivo e dedutivo), porque, de facto, uma vez
constituído o 1º conceito, os outros seriam obtidos indutiva e dedutivamente a partir desse
sem já tocar o dado material histórico que lhes deu origem, i.e., a certa altura a
jurisprudência dos conceitos cria conceitos e relaciona-os entre si sem já voltar ao dado
material histórico que lhe serve de base constitutiva, o que vai valer-lhe a classificação de
estéril pelos críticos, acaba por se fechar num jogo lógico entre conceitos.

Além da compreensão de Puchta ainda temos a proposta de Rudolf von Ihering.

• Ihering:

Ihering, ao explicar esta indução e dedução vai exatamente convocar o vocabulário


da química, falando-se de uma química de conceitos.

O direito objeto que é absorvido pela ciência do direito – o tal dado histórico – vai
ser alvo de diferentes tratamentos do pensamento jurídico. Na proposta de Ihering vamos
encontrar dois momentos fundamentais: divisão entre jurisprudência inferior e
jurisprudência superior.

Na jurisprudência inferior os materiais jurídicos dados (consuetudinários ou


legais) vão ser utilizados para a formação de princípios gerais de direito.

Os princípios gerais de direito são resultado de duas operações:

• Análise jurídica;
• Concentração lógica.

Para esta proposta, os princípios gerais de direito são resultado da abstração


generalizante a partir das normas – sejam elas de base consuetudinária ou de base legal –
isto é, a partir desse dado material histórico, o pensamento jurídico vai, relacionando
diferentes dados, agrupá-los de modo a abstrair desses grupos/conjuntos, que tratam de
matérias próximas, princípios que possam, num nível mais geral e mais abstrato, agregar
esses diferentes dados e critérios.

É com isso que podemos identificar alguns dos princípios que continuamos a
encontrar positivados no direito vigente – princípio da legalidade, princípio da igualdade,
princípio da segurança – só que aqui vistos como emanações de conjuntos de normas que
tratam de uma certa figura jurídica ou de figuras jurídicas próximas. Os princípios gerais de
direito nada de novo trazem do ponto de vista substancial, para além daquilo que as normas
já têm, são apenas o resultado de uma abstração a partir da regulamentação concreta que as
normas estabelecem para as organizar logicamente no conjunto do sistema.

164
Esta tarefa da construção de princípios gerais de direito, bem como a tarefa da
interpretação, para Ihering, estão concentradas na jurisprudência inferior.

Já a jurisprudência superior diz respeito à construção conceitual e à organização


sistemática dos conceitos.

É aqui que vamos encontrar a operação de indução – de construção lógica, a partir


da ligação de coerência substancial entre diferentes normas, reunindo-as em institutos e
agrupando os critérios como o conjunto regulativo dessa mesma figura — o instituto é o
conjunto regulativo, a figura é o conceito.
Portanto, o conceito de contrato resulta, por indução, do conjunto de normas que regulam
a matéria contratual.

Para Ihering, o objetivo seria chegar, por indução progressiva, aos corpos simples
do direito — Como se de uma destilação progressiva se tratasse até chegar aos conceitos
mais gerais e mais abstratos de todos – os ditos corpos simples de direito.

Neste sentido, vamos encontrar na jurisprudência dos conceitos uma concentração


fundamental na proposta de construção do sistema – o sistema de conceitos – a verificar-se
como a autosubsistência racional do sistema. Há uma ontologia do sistema que faz com que
o direito seja no sistema jurídico. É aí que o vamos encontrar como direito racional,
universal e logicamente concatenado.

É claro que é ainda o próprio Ihering que, em duas obras fundamentais, vai assumir
expressamente que o direito deve servir a vida e essa é uma passagem fundamental para a
corrente da jurisprudência dos interesses.

3) O método subsuntivo:

A aplicação deste direito assim interpretado conceitualizado vai ser feita através do
método subsuntivo.

Temos um momento técnico do método jurídico positivista a confluir na


compreensão do silogismo subsuntivo, que também a Escola da Exegese afirmava como
modos operandi que o julgador deveria mobilizar para a projeção do direito, logicamente
concatenado no sistema, na realidade.

4) As orientações práticas:

Propor que o direito, como ordem normativa prática, que faz parte da construção
intersubjetiva da ação dos sujeitos, então, há de ser pensado através de uma racionalidade
prática.

165
O que significa que:

1º Se irá progressivamente considerar que o direito não é identificável com a lei ou com
as proposições normativas (consideração do direito consuetudinário em lei) ou da própria
lei→ o direito não se reduz à lei.

2. As decisões judiciais podem ser normativamente constitutivas, são criação do direito


para os casos concretos que resolvem.

Com isto, uma viragem fundamental, já que o núcleo constitutivo essencial – o


ponto de partida para a compreensão do direito no pensamento jurídico – vai,
progressivamente, transitar da norma para o caso.

A viragem para a realidade e para o pensamento prático vai marcar, decisivamente, a


evolução para as Escolas metodológicas de orientação prática — O direito não é
exclusivamente lei, o sistema jurídico não pode ser fechado, pois isso pode deixar de
fora problemas concretos que merecem tutela jurídica e o pensamento jurídico não é
um pensamento teorético, os problemas referentes à ação humana não são suscetíveis
de serem determinados como se de fenómenos da natureza se tratassem, através da
racionalidade das ciências empírico-explicativas.

As escolas metodológicas de orientação prática que vamos analisar são:

• A livre investigação científica do direto, de François Gény;


• O movimento do direito livre;
• A jurisprudência dos interesses.

Depois, na superação da jurisprudência dos interesses, vamos falar do pensamento


jurídico causal (brevemente) e da jurisprudência da valoração.

" A livre investigação científica do Direito, de F. Gény

1) Crítica ao postulado fundamental do positivismo exegético (identificação do direito com


a lei e suficiência do sistema legal):

É uma proposta muito interessante de um autor muito dinâmico e criativo e que nos
fala desta livre investigação científica do direito, sobretudo, em duas obras fundamentais:
“Método de interpretação e fontes em direito privado positivo”, de 1899, e “Ciência e
técnica em direito privado positivo” de 1900. Estamos na viragem para o século XX.

Este autor vai criticar diretamente a perspetiva da Escola da Exegese – esta escola
percorreu todo o século XIX e, quando chegamos à última fase, existe uma fase de
decadência, em que os pressupostos desta escola de Exegese começam a ser postos em
causa. As críticas começam a pesar mais do que os pilares fundamentais. É nessa fase que
“entra” Gény, que vai criticar os pilares fundamentais do positivismo exegético.

166
Desde logo, é criticada a identificação do direito com a lei e criticada a
autossuficiência do sistema legal (a ideia de que o sistema é completo, concluso e fechado)
e a afirmação de que o direito positivo deve constituir uma regulamentação prática da
vida social e não se fechar numa construção alheada da realidade e pensada de modo
meramente científico, sem considerar as vicissitudes dessa realidade.

2) Reconhecimento da material insuficiência do direito legal:

Gény vai reconhecer a existência de lacunas e dirá que estas são efetivas
ausências de regulamentação legal no sistema jurídico.

A Escola da Exegese considerava que as lacunas eram falsos problemas, ao entender


que se se verificasse a ausência de previsão numa norma, haveria de ser possível resolver o
problema, fazendo-o corresponder à hipótese de outra norma que previsse o facto análogo
(analogia legis) ou de recorrer à analogia iuris – aos princípios gerais de direito para
absorver aquele facto omisso.

Este autor vai considerar que há outras fontes para além da lei. Há fontes que
podem vir a concretizar-se como lei quando são institucionalizadas, mas que são de outra
origem não apenas do legislador.
Vai implicar que se considere que o direito é constituído na sociedade, por um lado, e que
se recupere uma certa ideia de direito natural, por outro lado, ou seja, há princípios que
estão para lá daquilo que o direito positivo pode consagrar.

3) A distinção entre ciência e técnica “le donné” e “le construit”:

Gény vai sistematizar estas propostas através da distinção entre ciência e técnica
– diferença entre o dado (“le donné”) e o construído (“le construit”). Na sua proposta a
ciência referida ao dado e a técnica referida ao construído.

A ciência, que se vai ocupar do dado, vai investigar os elementos objetivos, ou seja,
os dados que estão na origem do surgimento do direito. São dados pré-legais, porque nada
obsta que estes dados vão confluir na fonte do direito lei.

Estes dados são de quatro tipos: dados reais ou naturais; dados históricos; dados
racionais; dados ideais.

• Os dados reais ou naturais são as condições da vida social, humana em comum.


• Os dados históricos são aqueles que comportam as tradições, os costumes, etc.
• Os dados racionais implicam uma remissão para o direito natural racional do
jusnaturalismo iluminista.
• Os dados ideais, ou seja, os ideais que orientam os homens na sua vida em sociedade.

Estes dados assim postos, que são conhecidos pela ciência, vão ser, depois,
elaborados pela técnica – a técnica é a elaboração das fontes formais do direito, dentre as

167
quais vai destacar- se a lei, mas não exclusivamente a lei, sobretudo a relevância do
costume.
Apesar destas notas de superação do formalismo da Escola da Exegese, Gény não
supera absolutamente o positivismo.

Portanto, continua a preferir a lei como fonte do direito, embora admita que não
é a única, tem o mérito de denunciar o caráter lacunoso do sistema jurídico e vai assumir,
muito relevantemente, quanto à interpretação, uma posição subjetivista histórica — Temos
aqui uma oscilação entre a manutenção da segurança

Do lado do pensamento jurídico alemão, temos de distinguir o “Movimento do


Direito Livre” e a Jurisprudência dos Interesses. Estamos nas primeiras décadas do século
XX. O pensamento jurídico prático pode ter simultaneamente a prossecução de fins e a
sustentação em fundamentos.

" O “Movimento do Direito Livre”:

1) Natureza radicalmente lacuna da lei (mesmo nos domínios formalmente regulados):

Temos aqui dois autores que são absolutamente fundamentais – Kantorowicz e Isay
– e que vão afirmar que, ao contrário daquilo que o positivismo, inclusive o da
jurisprudência dos conceitos, tinha afirmado, o sistema jurídico não é autossubsistente e
sem lacunas.

A lei é, naturalmente, lacunosa, portanto, mesmo nos domínios em que há lei, pode
acontecer que, ao relacionar essa lei com o caso a que se dirige, se conclua que ela, afinal,
não é adequada para o resolver.

2) O direito manifesta-se e cumpre-se na vida jurídica através da decisão de casos


concretos:

O Direito livre é todo o direito livre da lei, ou seja, o direito que não seja criado
por lei. No sentido mais amplo, o direito livre vai exprimir todo o direito que se constitui e
se manifesta para além do direito legislado.
Em sentido mais específico o direito livre a que o “Movimento do Direito Livre” se
refere especificamente é apenas a modalidade de construção judicial de direito extra-legal –
centra-se no julgador.

3) O fundamento (criador) de direito não é a razão, mas a vontade (voluntarismo) – “O


primado da vontade” (Kantorowicz):

Para estes autores, a sentença surge como um ato de vontade, um ato de vontade
que o jurista decidente deve tomar sem que, em qualquer caso, pudesse vir a aplicar uma
norma contra aquilo que fosse o seu sentimento de justiça — remissão para a vontade e para
o sentido de justiça do julgador, que valeu a este movimento duras críticas.

168
O “Movimento do Direito Livre” vai propor a superação do racionalismo do
positivismo exegético e, sobretudo, do positivismo conceitual e vai procurar substituir esse
racionalismo formal do positivismo por uma construção prática, que remete a um certo
voluntarismo. Não é um voluntarismo cego, mas é uma projeção para a vontade do jurista
decidente, no sentido a tomar as decisões, que na sua intuição concreta do justa, sejam as
adequadas.

4) A validade da decisão contra legem (Isay, Kantorowicz):

Isto valeu a crítica fundamental de que o “Movimento do Direito Livre” estaria a


admitir, contra o racionalismo, um irracionalismo voluntarista.

Mas a verdade é que a proposta dos autores não foi tão radical quanto isso. Havia
critérios estabelecidos para admissibilidade das decisões baseadas no direito livre, porque o
que acontece é que no “Movimento do Direito Livre” estes autores vão dizer que o direito
não se reduz à lei, o sistema jurídico não é fechado e sem lacunas – porque a realidade é
muito mais rica do que aquilo que a lei pode prever. Por isso, justificam-se, em muitas
circunstâncias, a admissibilidade da decisão contra legem.

Há duas condições cumulativas que tinham de estar reunidas para que se admitisse
a decisão contra legem:

• A lei não oferecer uma solução indubitável;


• O jurista dissidente concluir, livre e conscientemente, que o poder estatal existente
no momento da decisão não teria consagrado aquela solução que está prescrita na lei a
mobilizar.

Na conjugação destas duas dimensões, aceitar-se-ia abertamente uma decisão contra


legem.

É contra esta proposta que se insurgirão múltiplas vozes, mesmo daquelas críticas e
superadoras do positivismo do século XIX, dentre as quais a voz de Heck, que irá propor,
alternativamente, a jurisprudência dos interesses.

Aula 12. 05

" A jurisprudência dos interesses

1) Perspetivação do direito pelos interesses:

A jurisprudência dos interesses apresenta-se-nos como uma corrente


metodológica, também das primeiras décadas do século XX, as obras fundamentais de
Philipp Heck, que é o principal representante desta corrente, são da segunda e terceira
década do século XX e vai, de facto, ser muito mais bem-sucedida na medida em que
assume, como ponto de partida fundamental a obediência à lei.

169
É muito interessante analisarmos esta transição, que de certo modo, comporta, além
de uma proposta, uma solução de racionalidade prática contra a racionalidade teorética das
escolas positivistas, também, uma certa crítica, que é alimentada por uma componente, até,
de manifestação (modo mais sensível, quase eufemístico), invocando elementos que vão
acabar por caricaturar as situações em que o formalismo geraria soluções irracionais ou
absurdas.

Philipp Heck, além de propor tal obediência pensante à lei, o que mostra já uma
inteligência crítica interessantíssima que lhe vai permitir contornar as tais críticas aos
voluntarismos, simultaneamente, também aborda, com grande ironia, caricaturando as
situações em que o formalismo acabaria por se contradizer a si próprio e produzir situações
irracionais. É uma crítica muito espirituosa. É muito interessante analisarmos as razões por
que Philipp Heck opta por essa assunção de uma perspetiva prático pragmática e
sociológica do direito.

Esta jurisprudência dos interesses, que surge nas primeiras décadas do século XX,
na Alemanha, primeiro que tudo, mas teve uma influência muito interessante na escola de
Coimbra.

Um exemplo crucial, desde logo, no pensamento do senhor doutor Manuel de


Andrade e, sobretudo, na sua tese de doutoramento, em que, de facto, se manifesta esta
influência decisiva na superação do positivismo, essa influência vai perdurar no pensamento
de outros autores, professores da nossa escola, como sejam o senhor doutor Orlando de
Carvalho e o senhor doutor Castanheira Neves, e no seguimento as propostas metodológicas
que temos estado a analisar nos desenvolvimentos que lhes tem dado, sobretudo o senhor
doutor Pinto Bronze e o senhor doutor Aroso de Linhares.

Neste seguimento, nós não estamos a dizer que a escola de Coimbra assumiu a
jurisprudência dos interesses, não é isso que está em causa, mas a escola de Coimbra sofreu
uma grande influência da jurisprudência dos interesses na superação do positivismo,
também apontando criticas.
Mas efetivamente, é fundamental essa viragem, esse volte face que vai assumir
expressamente, não significa que o tenha feito ou que seja originalmente sua a viragem, mas
essa viragem é crucial no modo como se desenvolveu a metodologia jurídica em muitas
escolas, incluindo a nossa.

Essa viragem metodológica centra-se sobretudo, na afirmação do caso (e não já da


norma) como ponto de partida para a construção e realização do direito, isto é, assumir
de uma vez, que o prius normativo e o prius metodológico, no âmbito do direito, é o caso e
não a norma, é a realidade que interpela o sistema jurídico e não a pré-definição, no
sistema jurídico, da realidade juridicamente relevante, é claro que, assumir isto assim
implica pôr em causa todos os pilares dos formalismos antecedentes e, em boa parte,
naturalmente, também por em causa pilares fundamentais de correntes que continuam a
afirmar, exatamente, essa primazia da pressuposição no sistema da definição estrita,
absoluta, fechada, da relevância jurídica.
170
Há aqui uma tomada de uma posição crucial que, se está aqui, se aqui se inicia, do
ponto de vista da apresentação, expressa, teórica, vai, depois, desenvolver-se e, ao longo da
segunda metade do século XX, vai desenvolver-se decisivamente, sobretudo no contexto
alemão, ao ponto de propor, em várias vertentes, as tais referências fundamentais que a
escola de Coimbra tem vindo a assumir.

Não é unívoca, há correntes que foram recuperando sempre, quer do ponto de vista
da filosofia analítica, quer da continuação do cientismo da escola de Viena, que continuam a
propor e estão aí a propor hoje, a continuação e recuperação de uma certa pureza formalista
da ciência do direito e da teoria das ciências do direito. Sempre mantendo a intenção
teorética cognitiva epistemológica, que já vimos identificado nas propostas do século XIX
(claro que já não são as propostas do século XIX, passaram dois séculos, muitas coisas
aconteceram, mas a iniciativa de considerar que o pensamento jurídico é ciência no sentido
das ciências empírico explicativas está, continua, presente).

Como é que Philipp Heck propõe superar as dificuldades que resultam da aplicação
lógico-dedutiva, ao ponto de deixarem de fora muitos casos juridicamente relevantes ou
gerarem soluções que são a contradição da intenção, até da própria norma jurídica que é
mobilizada?

Nota: Heck faz uma crítica direta à jurisprudência dos conceitos.

A ideia que está aqui em causa é a de que o direito persegue objetivos, e objetivos
práticos, a certa altura, a própria construção da química dos conceitos, o discurso
naturalista que mobiliza, são já, sintomas dessa perceção de que mesmo que a construção
teórica seja essa, na verdade, o direito, visa a resolução de problemas práticos, os problemas
da vida, e esse primado da vida, sobre o primado da lógica, vai ser, prosseguido por Filipe
Hack.

Nasce assim então, uma aberta polémica com a jurisprudência dos conceitos. É
assim que a jurisprudência dos interesses se posiciona, e por isso, vai assumir,
fundamentalmente, que o direito visa a prossecução de interesses práticos e, por isso, ao
contrapor a vida aos conceitos vai propor a consideração de que o caso concreto assuma a
primazia na problematização da relevância jurídica, primeiro, vai considerar que os casos
concretos se caracterizam como conflitos de interesses e isto levará, também, a fortes
criticas para.

É assumir como uma forma de resolução de conflitos de interesses e parte,


especificamente, da matriz do direito civil, e portanto estaríamos a pensar, sobretudo em
conflitos de interesses privados (esta seria a matriz). Por exemplo um sociólogo, mais ao
menos contemporâneo de Heck vai propor, diferentemente, esses interesses coletivos e
interesses sociais que também são públicos e não apenas privados e isso vai implicar
também, algumas criticas ao próprio Heck – Também veremos isso no pensamento
germânico.
171
O direito é perspetivado a partir dos interesses.

Quando estudámos o direito subjetivo. Para Ihering o direito subjetivo era um


interesse juridicamente protegido. Filipe Heck vai desenvolver, assumindo que o direito visa
a resolução de conflitos de interesses.

Assim…

Esta jurisprudência dos interesses vai perspetivar o direito a partir dos


interesses, vai concentrar-se nesta afirmação de que o direito visa a resolução de conflitos
de interesses. É um pressuposto fundamental que o autor nos apresenta.

2) Conceção da lei como solução valoradora de um conflito de interesses:

Nesse sentido, vai olhar para o direito como uma seleção dentre os interesses que
estão em conflito, de um deles, para o proteger. A própria construção das normas legais, vai,
aqui, ser feita a partir da consideração dos interesses em conflito, que para Filipe Hack, se
dizem interesses causais – os interesses causais são os interesses que estão em conflito, e
por isso, na origem de criação de uma norma (isto é uma das críticas que posteriormente vai
sofrer).
A norma surge como solução valoradora de um conflito de interesses (estamos agora a
pensar em normas legais).

Os interesses que estão na origem do surgimento da norma, esses tais interesses em


conflito, dizem-se interesses causais, o interesse que a norma vai selecionar, e a seleção
valoradora implica a seleção de um interesse em detrimento do outro, o interesse protegido
será o interesse de opção ou de ponderação.
(Temos já os interesses causais e o interesse de opção ou ponderação)

A lei, assim constituída, a norma legal assim constituída, é composta por duas
dimensões, tem uma dimensão ou face imperativa, a dimensão de comando que consiste
na dimensão estrutural, formal, da norma, a dimensão de comando corresponde (se
quisermos) ao enunciado escrito da norma (é a sua dimensão formal). Depois, temos uma
dimensão ou face dos interesses, vai ser considerada a partir da dimensão interna, da
intenção normativa da norma. A dimensão dos interesses é a exposição dos interesses em
conflito e a seleção e proteção do interesse de opção ou valoração/ponderação – é o
interesse protegido.

Os interesses em conflito vão surgir, aqui, como a base constitutiva das normas, por
um lado, por outro lado, (?) entre os interesses e até com a própria fundamentação e fim da
proteção de certos interesses, o que também vai levar a algumas críticas.
Efetivamente, Filipe Hack, assume que o direito é composto por normas, não irá distinguir
a dimensão de norma face, por exemplo, à dimensão de princípio, acaba por reconduzir a
fundamentação e o critério para a resolução dos interesses, de certo modo, temos aqui uma
172
construção tautológica do direito, e podíamos dizer no limite, efetivamente, nós estaremos
próximos de um positivismo sociológico, a base constitutiva do direito são os interesses
privados em conflito, é uma compreensão seletiva, mas, de facto, por a base do direito na
sociedade, sobretudo nos interesses em conflito (aqui são interesses privados) e,
simultaneamente, considerar que a seleção feita pelas normas é ainda baseada na própria
valoração, ponderação, sobre esses mesmos interesses e portanto, não há uma diferenciação
entre o nível criteriológico e o nível principial (critérios e princípios).

3) A “ciência do direito” ou o pensamento jurídico não teria uma intenção teorética ou de


puro conhecimento, mas uma intenção eminentemente prática e com uma tarefa
especificamente normativa: a distinção entre “problemas normativos” e “problemas de
formulação” e entre “sistema interno” e “sistema externo”

4) Teoria da interpretação: interpretação teleológica; a proposta da interpretação corretiva:

Do ponto de vista do pensamento jurídico, como vimos, temos a superação da


intencionalidade teorética por uma intencionalidade prática e, de facto, essa é uma
dimensão crucial.

A assunção de que os problemas da vida não são suscetíveis de serem conhecidos,


mas apenas de serem pensados, nesse sentido, serem compreendidos e, depois, resolvidos,
leva, realmente, a que esta escola da jurisprudência dos interesses nos apresente
fundamentalmente a problemática do direito a partir de uma racionalidade pratica, e isto
em todos os seus níveis, digamos assim.

De facto, é fundamental aqui, na construção do próprio direito uma valoração


pragmática das consequências que opção por um dos interesses face ao outro vai implicar,
porque, de facto, o legislador, quando cria uma norma, vai cria-la a partir desse conflito de
interesses que vai analisar, vai optar por selecionar um deles face ao outro, em detrimento
do outro e, posteriormente, no momento da interpretação, o intérprete, jurista dissidente, irá
reconstituir historicamente a evolução que levou o legislador a consagrar aquele sentido de
ponderação e não outro.

Neste momento, estamos a assumir que as normas legais assim criadas, enquanto
soluções valoradoras de conflitos de interesses, vão ser mobilizadas para a resolução de
problemas concretos, mesmo que esses problemas concretos não representem a
concretização pura e simples do texto das normas, a relação que se estabelece, agora, entre
os casos e as normas pode ser diferente daquela que estava estabelecido, que era a da
correspondência literal entre os factos e a hipótese da norma.

A dimensão de comando da norma, a sua dimensão formal, vai associada à sua


dimensão intencional, à intenção normativa da norma, a tal dimensão da imagem dos
interesses, essa imagem ainda pressupõe a imagem dos motivos, dos interesses causais, mas
estas duas dimensões são extremamente cruciais para percebermos como é que se vai
relacionar a norma com a realidade, consequentemente, como é que a interpretação jurídica
173
vai ser feita, porque se o que convoca o direito é o caso (e esse é um ponto crucial na
viragem que a critica que a jurisprudência dos interesses faz ao positivismo assume, aí
temos nitidamente que considerar que o ponto de partida para a indagação das normas são
os casos), então só faz sentido interpretar uma norma, se e quando ela vai ser mobilizada
para resolver um problema concreto.

A interpretação deixa de ter lugar em abstrato, para passar a ter lugar em concreto.
Significa isto que, o interprete, quando perante um caso que é um conflito de interesses, vai
procurar no sistema jurídico uma norma, em cujo a intencionalidade normativa esteja
presente uma ponderação de interesses em conflito, análogos aos interesses que estão em
conflito na situação concreta.
A construção da relação analógica, da comparação entre o problema posto em
concreto pelo conflito de interesses, a questão do caso a resolver, e problema resolvido em
abstrato, o conflito de interesses resolvido pela norma, é absolutamente crucial para se
concluir pela suscetibilidade de mobilizar aquela norma para resolver aquele caso.

O ponto de partida deixa de ser a relação literal entre os factos e a norma, para
passar a ser uma relação entre o problema posto pelo caso concreto e a intenção
normativa da norma, isto é, o sentido de orientação da resolução do conflito de interesses
que esteve na origem da norma.

Isto significa que o intérprete vai reconstituir historicamente essa ponderação de


interesses.

Como?

! O intérprete vai, primeiro que tudo, analisar o conflito de interesses, vai procurar
determinar quais são os interesses causais, depois, vai analisar as razões por que o legislador
selecionou um interesse para proteger, vai identificar o interesse de opção ou de ponderação
ou de valoração. Posteriormente, vai, como que repetir em concreto, se isso for possível, a
opção que o legislador fez em abstrato.

Esta é uma referência introdutória àquilo que iremos encontrar, quer do ponto de
vista da interpretação, quer, depois, do ponto de vista da construção da decisão judicativa,
pois que ela deixa de assentar numa aplicação lógico-dedutiva, para passar a ser analisada
como uma analogia. A matriz analógica da racionalidade jurídica tem, aqui, um grande
impulso crucial ao longo de todo o século XX (contributos de Arthur).

Este pensamento jurídico, assim pensado, vai propor, na sua intencionalidade


eminentemente prática, uma tarefa de especificação e sistematização, especificação
normativa e sistematização normativa, muito peculiar, quando comparada com as
construções de sistema que até aí tinham dominado, os tais sistemas formais,
autossubsistentes, fechados, plenos ou sem lacunas e que vai implicar que… — como é que
o pensamento jurídico projeta a categoria sistema e como é que o sistema jurídico vai ser
aqui compreendido?
174
Notas introdutórias:

O sistema jurídico vai ser aqui assumido como aberto, e aberto ao diálogo com a
novidade que os casos trazem, por um lado, e por outro lado, assumidamente lacunoso, o
pressuposto não é o de que o sistema define absolutamente a juridicidade, ou seja, a
realidade juridicamente relevante, é, antes, o de que a possibilidade de existirem casos não
previstos em normas faz parte também do desenvolvimento da vida, é um elemento
intrínseco à própria construção do direito, o que é crucial, porque Philipp Heck, também vai
propor, além da teoria da interpretação das normas, vai, depois, propor uma teoria da
integração de lacunas. Por um lado considera que a relevância jurídica não corresponde à
previsão literal, corresponde à intencionalidade normativa da norma, e portanto, no limite, a
dimensão dos interesses prevalece sobre a dimensão comando ou a dimensão formal da
norma, mas, simultaneamente, altera a posição da identificação de lacunas, porque se a
relevância jurídica, à luz da norma, não implica a previsão literal, implica a correspondência
do problema à intencionalidade com que a norma se dirige aos problemas, então, a lacuna já
não vai ser encontrada tão cedo, é possível encontrar mais soluções a partir da norma antes
de se dizer que há lacuna.

Como é que esta construção, assim posta, do direito como norma e do pensamento
jurídico pragmático, que estamos a analisar, vai propor a organização dos elementos
constitutivos do sistema jurídico em termos racionais, concatenados, dentro desse próprio
sistema jurídico? Ou por outras palavras, e simplificando, como é que estas medidas se
organizam num sistema jurídico, como é visto o sistema jurídico nesta perspetiva?

A construção do sistema jurídico vai implicar uma distinção, que Filipe Hack propõe, entre,
problemas normativos e problemas de formulação:

• Os problemas normativos identificam-se exatamente com as próprias questões


juridicamente relevantes, com os problemas juridicamente relevantes. No fundo, os
problemas normativos são os conflitos de interesses que cumpre solucionar em termos
pratico teleologicamente adequados, são os problemas concretos a resolver (são os
problemas que exigem do direito uma resposta, são os conflitos de interesses que é
necessário resolver, são os problemas normativos).

• Os problemas de formulação dizem respeito à organização sistematicamente articulada


das soluções dos problemas normativos. No fundo, a organização sistemática do sentido
de resolução dos problemas normativos diz-se resolução de problemas de formulação. A
organização sistemática dos problemas normativos, constitui os problemas de formulação
e vai conduzir à organização interna do sistema jurídico.

• Internamente, temos a consideração dos problemas normativos e das suas soluções, no


fundo, é o conteúdo do sistema, no sistema interno temos o conteúdo do sistema, temos a
exposição dos problemas normativos e das suas soluções.

175
• No sistema externo temos a organização desses problemas normativos e das respetivas
soluções e, portanto, temos a organização sistemática do conteúdo do sistema.

" Do ponto de vista da constituição do direito, a jurisprudência dos interesses concentra-


se na perspetivação do direito pelos interesses, vê o direito como norma legal;
" A norma legal é uma solução valoradora de um conflito de interesses;
" O sistema jurídico é composto por normas, mas agora vai ser assumidamente aberto, e
como se assume que o caso concreto é o ponto de partida para a criação do direito, por um
lado, e para a sua projeção na realidade, por outro, então, aí, a interpretação passa a fazer
sentido quando, em concreto, a norma vai ser convocada para resolver um problema e, por
isso, a interpretação só faz sentido em concreto e vai implicar uma reconstituição histórica
dos interesses causais, do interesse de ponderação e a concretização no presente daquilo que
foi pensado para a resolução daquele conflito de interesses.

A superação da jurisprudência dos interesses

A superação da “Jurisprudência dos interesses”, em resultado da sua consideração crítica (a


“insuficiência da sua base sociológica”, a “insuficiência de fundamentação”, a
“insuficiência criteriológica”, a “insuficiência sistemática”, a inconcludência da sua
cripto fundamentante “conceção do direito”)

Na sequência da jurisprudência dos interesses, ainda do ponto de vista dos


pressupostos, a jurisprudência dos interesses, apesar de todos os sucessos que logrou obter,
acabou por, sofrer também ela própria, críticas, críticas nomeadamente dirigidas à
insuficiência de fundamentação, porque não faz distinção entre fundamentos e
critérios, no fundo, assume como fundamentos e como critérios os interesses. Também será
e, consequentemente, criticada pela sua insuficiência criteriológica, por que se reduz às
normas, do ponto de vista dos critérios e ainda a sua insuficiência sistemática, por que,
embora reconheça o sistema interno, a tal construção dos problemas normativos e os
distinga do sistema externo, isto é, da exposição e organização, isto é, da concatenação
estrutural desses problemas e dessas soluções, acaba por, ao não reconhecer a diferenciação
entre fundamentos e critérios, acaba por reconduzir todo o sistema a normas.

— Pensamento jurídico causal, de Muller Erzbach

Estas críticas, associadas ao facto de a jurisprudência dos interesses assumir como


interesses causais apenas os interesses em conflito, vai levar a que outros autores
proponham soluções alternativas e vai mesmo levar à sua superação, embora recuperando-se
aquilo que dela são estas grandes conquistas, a consideração autónoma da relevância dos
casos, a própria teoria da interpretação com a assunção da perspetivação teleológica, a
abertura do sistema, a construção analógica das decisões judiciais, relativamente aos ponto
em que as criticas são apresentadas, por exemplo no pensamento jurídico causal de Muller
Erzbach encontra-se exatamente a crítica ao facto de o direito se constituir a partir apenas de
interesses em conflito.

176
(Isto é) Os interesses causais, os interesses que dão causa ao surgimento do direito, não têm
que estar, necessariamente em conflito, e portanto, podem estar, desde logo, em
concordância e ainda assim gerar direito. Essa é uma das críticas fundamentais que é feita
deste ponto de vista à jurisprudência dos interesses.

— Jurisprudência da valoração

Quanto à Jurisprudência da valoração vai centrar-se na diferenciação entre


fundamentos e critérios, na ideia que os princípios são a base axiológica que sustenta os
critérios e esta afirmação implica, de facto, uma outra viragem, aquela que vai conduzir ao
sistema pluridimensional e à própria consideração da validade das normas face aos
princípios. É agora aqui a considerar, nesta perspetivação sociológica, que Heck nos
apresenta.

Aula 13.05

Na última aula praticamente concluímos a referência à superação da própria


jurisprudência dos interesses, naquilo que agora, para nós, verdadeiramente importa e que
consiste na tomada de consciência de que, perante a insuficiência de fundamentação, a
insuficiência criteriológica e a insuficiência sociológica da jurisprudência dos interesses,
i.e., em primeiro lugar, quanto à fundamentação, o facto de não ter distinguido fundamentos
de critérios; quanto à insuficiência criteriológica, por ver nas causas do Direito, interesses
(seriam esses os critérios constitutivos – os interesses causais); também o critério de seleção
da relevância jurídica seria o interesse; e, no momento da realização concreta,
continuaríamos a ter o interesse como critério fundamental de opção e, assim, de solução
valoradora do conflito de interesses.

Ao mesmo tempo que falha do ponto de vista da fundamentação, falha do ponto de


vista criteriológico, já que essa dimensão criteriológica acaba por não considerar aquilo que
outras correntes, como a própria jurisprudência sociológica e o próprio pensamento jurídico
causal, acabaram por admitir, ao considerar os interesses que estão na origem do Direito,
mesmo que se assuma que Direito resulta de interesses e visa a prossecução de interesses,
poderão não estar em conflito.
E é desse ponto de vista que nós vamos analisar a relação entre a insuficiência
criteriológica e a insuficiência sociológica, porque, efetivamente, esse pressuposto
constitutivo da norma como solução valoradora de um conflito de interesses se apresenta
como redutor da construção do Direito para as perspetivas críticas.

Quanto à insuficiência ao nível da fundamentação as propostas que se seguem do


ponto de vista da dita jurisprudência da valoração irão assumir a necessidade de
identificação de um fundamento material para a validade dos critérios jurídicos e,
consequentemente, para a construção da realização judicativa do Direito.

177
Desse ponto de vista, vamos ver sobretudo, já na 2ª metade do séc. XX, desenvolver-
se um conjunto de propostas metodológicas que assentam nessa dimensão material
substancial de fundamentação e que irão projetar-se numa compreensão analógica, prático-
normativa, com convocação de uma estrutura argumentativa, para a construção da decisão
judicial e, assim, no eixo que passa boa parte da dogmática jurídica alemã, da 2ª metade do
séc. XX — vários autores vão prosseguir a proposta de constituição da decisão judicial,
concentrada no caráter problemático do caso e na sua especificidade, para a interpelação do
sistema jurídico – e estas são as influências fundamentais geradoras da compreensão da
metodonomologia que o Sr. Dr. Pinto Bronze nos apresenta. Claro que, com diferenças entre
si, todos estes autores propõem diferentemente a relação entre o problema e o sistema, mas
são as influências fundamentais da construção da proposta metodológica.

Por essa razão, concluímos a referência à superação da jurisprudência dos interesses.

" A Interpretação jurídica

Temática que diretamente influi na atividade do jurista pratico e é na sequência de


tudo aquilo que foi dito até agora, uma das dimensões em que, efetivamente, a assunção da
intencionalidade e a reflexão critica sobre o sentido do Direito enquanto ordem normativa
para a prática, irá assumir uma relação privilegiada com a realidade, seja qual for a área do
direito a intervir, seja qual for o operador jurídico que tenhamos em consideração.

Pontos fundamentais em que vamos concentrar a nossa análise da problemática da


interpretação jurídica:

1) O sentido do problema: não hermenêutico-cognitivo, mas prático-normativo – no


quadro da judicativo-decisória “realização do direito por mediação da norma” (ou do
critério) pré-disponível no corpus iuris; não jurídico-positivo, mas problemático-
metodológico:

Como é que o problema se nos apresenta, e como se apresenta de uma perspetiva


hermenêutico-cognitiva e de uma perspetiva prático-normativa?

Veremos que, para as perspetivas de índole positivista, ditas assim, genericamente, a


interpretação irá concentrar-se na compreensão do sentido das normas conhecidas, portanto,
conhecimento e compreensão do sentido, em termos hermenêuticos, já para a perspetiva
prático-normativa (como o próprio nome indica) e, assim, aquela por que iremos
orientarmos na proposta de superação daquelas correntes que optam por pela primeira
intenção, irá assumir a interpretação jurídica como a determinação do sentido normativo de
uma fonte jurídica, veremos como porque essa interpretação pratico-normativa só pode
determinar esse sentido quando por relação direta com a resolução de um problema concreto
e, portanto, a perspetiva deixa de ser até no que diz respeito à consagração de critérios
orientadores da tarefa interpretativa, a perspetiva deixa de ser, então, jurídico-positiva, para
ser problemático-metodológica.

178
2) O objeto da interpretação: não a norma (critério)-texto, mas a norma (critério)-problema

Iremos analisar o objeto da interpretação e, neste ponto, contrapor a noção de norma-


texto e a noção de norma-problema.
O que significa interpretar um critério? O que é o critério? E porque é que o critério é
objeto da interpretação? Se o critério é uma norma como irá ser compreendida? Como foi
compreendida a norma legal enquanto objeto de interpretação pelas perspetivas formalistas?
Como é na perspetiva prático normativa?

3) O objetivo da interpretação:

Vamos analisar o objetivo da interpretação, vamos analisar na dita perspetiva


hermenêutico-cognitiva ou tradicional. E, no objetivo da interpretação, iremos analisar:

a) o subjetivismo e o objetivismo:

O contraponto no âmbito dessa compreensão hermenêutico-cognitiva entre


subjetivismo e objetivismo

b) as orientações mistas e gradualistas e a sua refracção no art.º 9.º do Código Civil;

Depois iremos analisar as orientações mistas e gradualistas entre subjetivismo e


objetivismo e aquilo que trazem de novo e o modo como essas perspetivas mistas ou
gradualistas ou de síntese se projetaram no art. 9.º do CC – artigo que confere um
cânone metódico para a interpretação jurídica.

c) a interpretação dogmática e a interpretação teleológica

Distinguir a interpretação dogmática de interpretação teleológica

4) Os fatores ou elementos da interpretação;


Na compreensão da perspetiva hermenêutico-cognitiva e, depois, na perspetiva prático-
normativa

5) Os resultados da interpretação;

O objetivo desta sistematização é, de facto, tornar claro o enquadramento temático


que aqui vamos enfrentar, nomeadamente, na medida em que se nos apresenta partindo
dessa perspetiva dita hermenêutico-cognitiva, correspondente a uma perceção positivista do
Direito, teoria em que, mais simplificadamente, teoria tradicional, em que as temáticas
selecionadas eram as temáticas do objeto, do objetivo, dos elementos e dos resultados da
interpretação.
179
Por isso, em contraponto, iremos também propô-los aqui para os analisar no modo
por que foram assimilados pelas correntes, desde logo as positivistas do séc. XIX e depois
alguns dos seus desenvolvimentos, nomeadamente nos desenvolvimentos que vão gerar o
modo com o CC de 1966 consagra o cânone metódico, no art. 9.º e, depois, a superação por
esta intenção material, que é tributaria de toda a evolução que as escolas metodológicas de
orientação pratica nos legar.

1) O sentido do problema: não hermenêutico-cognitivo, mas prático-normativo – no


quadro da judicativo-decisória “realização do direito por mediação da norma” (ou do
critério) pré-disponível no corpus iuris; não jurídico-positivo, mas problemático-
metodológico:

Notas introdutórias

A interpretação jurídica suscita um problema particular no quadro global da


metodologia jurídica, o que só em si nos mostra que estamos aqui perante 2 perspetivas, 2
grandes opções, 2 grandes sentidos de opção, quanto ao papel que a interpretação jurídica
desempenha na atividade do jurista e quanto ao tipo de problema que põe.

De facto, para as perspetivas ditas hermenêutico-cognitivas com origem no


positivismo do séc. XIX, a interpretação era vista como uma operação que tinha lugar num
dos momentos do método jurídico positivista, num dos seus momentos nobres, o momento
hermenêutico, visava conhecer e determinar o sentido único, funcionando como sentido
único e verdadeiro da norma jurídica interpretada, sentido este com que a norma haveria de
ser mobilizada para a aplicação lógico-dedutiva, i.e., como premissa para a dedução.

Neste sentido, nós podemos reconhecer que a interpretação era, aí, uma operação que
teria lugar em abstrato, antes e independentemente da mobilização da norma para a
aplicação lógico-dedutiva.

Quando digo “norma” pareço estar já a fechar as possibilidades quanto ao objeto da


interpretação, sabemos já que não é assim, na medida em que, por um lado, o positivismo
legalista se concentrou sobretudo na Escola Exegética francesa e naquelas que influenciou,
portanto, temos fundamentalmente aí o paradigma exegético francês, em que a fonte
fundamental do Direito é a lei e, portanto, é essa, enquanto norma legal, que será o objeto da
interpretação, mas também sabemos que no positivismo cientifico ou dogmático alemão a
fonte do Direito fundamental não seria a lei, embora também houvesse lei, mas a própria
constituição consuetudinária do Direito será, para a Ciência do Direito, assumida como
norma e, portanto, é de normas que se trata, porque a Ciência do Direito elaboraria
enunciados gerais e abstratos com hipótese e estatuição, a partir das práticas
consuetudinárias. Portanto, assumiria, ainda assim, como norma, mesmo se não se tratasse
de uma norma legal, assumiria, ainda assim, como norma, o objeto da interpretação.

180
Do ponto de vista hermenêutico e do ponto de vista sistemático ou construtivístico,
nós vimos confluir no método jurídico o positivismo legalista francês e o positivismo
dogmático alemão – por isso é que se fala de norma como objeto da interpretação.
Portanto, a interpretação como uma operação que tem lugar em abstrato, no momento
que é lógico e cronologicamente distinto (anterior) ao da aplicação lógico-dedutiva.

Por outro lado, nós também sabemos que, para a perspetiva prático-normativa que
temos vindo a assumir e que perpassou todas as dimensões, nas diferentes áreas de
concretização do próprio direito, esta perspetiva prático-normativa, que assume como ponto
de partida para a realização prática do Direito, não as normas ou, mais amplamente, não o
sistema, mas o caso, o problema posto pelo caso concreto, vai, muito diferentemente,
assumir a interpretação jurídica como um dos passos, uma das operações que o jurista
dissidente tem de levar a cabo no momento da resolução de um problema juridicamente
relevante, aquele que está sub judice nesse momento. Só faz sentido compreender a
interpretação de um critério normativo quando perante um problema judicando.

Podemos falar da interpretação de uma norma legal, deste 2º ponto de vista, mas
como já sabemos, não são apenas as normas legais os critérios que o sistema jurídico
consagra, há outros critérios, desde logo, os critérios da jurisprudência judicial e os critérios
que resultam dos modelos dogmáticos, isso significa que qualquer um destes critérios é
objeto de interpretação, no sentido de que, para dele se poder retirar o sentido normativo
com que irá ser mobilizado para orientar a resolução do problema judicando, aí, teremos a
consideração da perspetiva prático-normativa para a construção dessa interpretação.

Portanto, podemos ter como objeto de interpretação apenas as normas legais mas
também, pelo menos, os critérios jurisprudenciais e os modelos dogmáticos (são de
índoles distintas – a norma legal é geral e abstrata, de um modo que o critério
jurisprudencial e o modelo dogmático não serão , ainda assim a interpretação será
apresentada com a mesma intencionalidade prático-normativa da relação entre o problema e
o sistema).

Claro que isto significa que, para percebermos o sentido da interpretação jurídica,
temos que ter em conta a conceção fundamental do Direito que lhe corresponde e, portanto,
também a perspetiva por que o pensamento jurídico é compreendido, é isso que leva à
afirmação de que à interpretação jurídica se reconhece esta perspetiva prático-normativa
uma índole profundamente problemática, deixa de existir aquela estabilização em
abstrato de definição de verdade, de cientificidade, no sentido das ciências empírico-
explicativas, que pudesse valer como sentido único para todas as aplicações a que a norma
fosse chamada.

Ora, então, teremos na interpretação jurídica a determinação do sentido normativo


de uma fonte jurídica, em termos mais tecnicamente referidos, a interpretação jurídica é
um ato metodológico de determinação do sentido jurídico normativo de uma fonte jurídica,
por modo a obter dela o sentido de orientação para a realização do Direito nos casos
concretos.
181
Esta perspetiva da interpretação significa dizer que a interpretação em sentido mais
estrito do relevo metodológico é a determinação do sentido com que uma determinada fonte
jurídica que há de ser mobilizada para a orientação da resolução de um específico caso
concreto e, depois, sobre a exigência, a necessidade da interpretação, em termos históricos,
sempre houve compreensões que entenderam que se a fonte interpretanda se exprimisse
num texto claro e inequívoco, não haveria lugar a interpretação, dado que a clareza
justificaria a desnecessidade dessa mesma interpretação.
Se este modo de ver as coisas ainda hoje é afirmado em algumas compreensões da
interpretação e da metodologia jurídicas, a verdade é que há muito que há vozes muito
contrárias a esta construção, mas não deixa de ser interessante referir que, para algumas
correntes em termos históricos, e isso foi muito relevante na Idade Média, para algumas
compreensões se o texto da fonte interpretanda fosse claro e inequívoco, não haveria lugar a
interpretação, por desnecessidade – é isso que a tese In claris non fit interpretatio visa
descrever – e a verdade é que, se os juristas medievais a afirmaram em grande força e a
verdade é que nós sabemos que a letra da lei para a Escola dos Glosadores era vista como
uma antecâmara da interpretação e, portanto, aí se discutiria da clareza ou da ausência dela,
depois, a interpretação é toda uma tarefa técnica levada a cabo pelos juristas e que vai
conduzir a diferentes resultados interpretativos – o que depois a Escola dos Comentadores
irá também reforçar e desenvolver.
Se esta tese in claris non fit interpretatio tem grande força na idade Média, a verdade
é que, entre nós, a Lei da Boa razão – a Lei de 18 de agosto de 1769 – reforça essa
relevância, o grande objetivo seria evitar o arbítrio que a interpretação poderia gerar ao
admitir, se admitisse, diferentes interpretações de uma mesma lei e, assim, admitindo que se
o texto fosse claro, não haveria lugar a interpretação.

Evidentemente que, para uma perspetiva segundo a qual a interpretação é uma tarefa
crucial na determinação do sentido com que a norma jurídica haja de ser mobilizada para a
realização dos problemas concretos, esta pressuposição não fará sentido e não fará sentido
não apenas porque o objeto da interpretação já não se reduz à ideia de texto da norma
interpretanda, mas também e, sobretudo porque se assume que a clareza não é incita às
palavras que compõem o texto da lei, já que, no mínimo, porque as palavras são
polissémicas, a clareza há de resultar da interpretação que da norma se faça.
Mas isto, visto assim, ainda nos poderia levar a entender que o que está em causa é
uma desambiguação da polissemia, mas o que está verdadeiramente em causa numa
perspetiva prático-normativa, como aquela que vamos abraçar, é a determinação do sentido
normativo da norma, para lá da pressuposição da literalidade, i.e., nós não vamos considerar
que o objeto da interpretação é o texto da norma, enquanto texto (norma-texto), mas a
norma enquanto problema, i.e., a norma na sua intencionalidade problemática, a norma
enquanto critério, i.e., enquanto resolução em geral e abstrato de um problema, que irá ou
não corresponder ao modo por que um determinado problema se nos apresenta, em
concreto.
De facto, esta perspetiva hermenêutico-cognitiva, dita teoria tradicional da
interpretação, acaba por se estudar na perspetiva do texto como objeto e, daí, resultam não
apenas os diferentes resultados possíveis, como também a própria delimitação da
juridicidade, i.e., a diferença entre a previsão e a ausência de previsão de uma certa
182
realidade concreta ou, por outras palavras, a diferença entre interpretação de normas legais e
integração de lacunas.

Se do ponto de vista intencional não assumiremos uma perspetiva hermenêutico-


cognitiva, iremos abraçar uma perspetiva prático-normativa, cumpre compreender, desde
logo, como é que cada uma delas abrange estes 4 problemas que aqui enunciamos como
sendo as temáticas centrais que a teoria tradicional privilegiou e que, em contraponto,
vamos critico-reflexivamente considerar.

No âmbito da interpretação jurídica, nós vamos encontrar, do ponto de vista técnico,


algumas distinções que temos de considerar (questões prévias), antes de nos propormos
analisar as diferentes perspectivas por que a problemática da interpretação vai ser analisada.

Olhemos então para estas especificações:

• Interpretação autêntica e interpretação jurisprudencial

Esta é uma distinção que vem pelo menos desde a Idade Média, sobretudo a distinção
entre interpretação legislativa e interpretação consuetudinária, por um lado, e entre
interpretação jurisdicional e interpretação doutrinal, por outro lado.
Os critérios que presidem a esta distinção são: em 1º lugar, o agente interpretativo;
em 2º lugar, a diversidade de relevo jurídico ou metodológico-jurídico que corresponde a
cada um destes tipos de interpretação.
Quanto ao agente interpretativo: A interpretação dita autêntica, que pode dizer-se,
também, interpretação legislativa obrigatória ou autêntica, é a interpretação levada a cabo
pela entidade emitente da própria fonte jurídica interpretanda, muito especificamente, a
interpretação autêntica na compreensão tradicional é a interpretação de uma norma legal,
pelo legislador. De facto, o legislador tem essa prerrogativa de interpretação das normas
legais que emana, e ela está consagrada no nosso Código Civil, mormente no art. 13.º CC,
que determina a admissibilidade da interpretação autêntica, que é uma interpretação
legislativa obrigatória. Ora, a interpretação autêntica visa esclarecer dúvidas quanto ao
sentido interpretativo por que uma certa norma legal deve vigorar e as razões são de
compreensão, mas também são político-jurídicas, porque dizer-se que a interpretação é feita
pelo próprio legislador implica que estejamos perante uma interpretação feita por um órgão
com competência e legitimidade jurídico-constitucional para esta interpretação, por um lado
e, por outro, que a norma que vai interpretar seja de posição hierárquica igual ou superior à
que é interpretada.

Nos termos do art. 13.º CC, nós temos uma conjugação entre a interpretação
autêntica e a aplicação da lei no tempo, porque o que está em causa é a determinação do que
sejam e dos efeitos das leis interpretativas, ora, a lei interpretativa é a lei cujo objeto é a
interpretação de uma outra lei e cujo objetivo é a desambiguação, no fundo, o
esclarecimento das dúvidas sobre essa interpretação que o legislador pretende esclarecer.
Portanto, deve-se exatamente assim, i.e., quanto ao agente interpretativo, a interpretação

183
autêntica é feita pelo próprio legislador, quanto à sua força normativa, ela tem força de lei e,
portanto, é interpretação obrigatória.

O que nos diz o art. 13.º/1 do CC é «A lei interpretativa integra-se na lei interpretada,
ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por
sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de
análoga natureza.», isto significa que a lei interpretativa vigora a partir do momento da sua
entrada em vigor, produzindo efeitos na desambiguação do sentido da norma interpretada
desde o momento em que esta última entrou em vigor, com estas exceções que aqui se
encontram no art. 13.º/1 do CC.

Portanto, as leis interpretativas são criadas pelo legislador para esclarecer o sentido
de uma ou outra lei anteriormente entrada em vigor e para serem leis interpretativas deverão
constituir exatamente nisso, na especificação, na clarificação do sentido da lei anterior e não
em inovação normativa. A lei interpretativa tem por função, por objetivo, esclarecer o
sentido de uma lei anterior – a dita lei interpretada – mas a interpretação autêntica distingue-
se da interpretação jurisprudencial, que assumida assim em sentido amplo, vai abranger a
interpretação usual ou consuetudinária e a interpretação jurisdicional e doutrinal, neste
sentido amplo.
Quanto ao seu autor, a interpretação jurisprudencial ou doutrinal é aquela que é feita
pelos especialistas em Direito (pela dogmática) e pela Jurisprudência judicial, portanto,
neste sentido, temos aqui a reflexão sobre uma norma legal, levada a cabo pela dogmática e
pela reflexão que faz sobre o direito vigente e também levada a cabo pela Jurisprudência
judicial, pela interpretação que faz do Direito vigente e com efeitos diversos — a dogmática
visando refletir, fazer um diagnostico do Direito vigente para propor a continuação de ou a
alteração de sentidos normativos para o futuro; a jurisprudência judicial visa determinar o
sentido normativo da norma legal, se for uma norma legal, para a sua realização em
concreto.
A interpretação pode ter por objeto uma norma legal, mas também pode ter por
objeto decisões judiciais ou mesmo os próprios critérios dogmáticos, i.e., se estivermos a
falar de interpretação jurisprudencial, podemos pensar que a dogmática faz interpretação de
normas legais, a jurisprudência judicial faz interpretação de normas legais, mas também
poderão estar em causa interpretações de outros critérios em qualquer dos casos, ou de
critérios dogmáticos ou de decisões judiciais anteriores.

Portanto, quanto à distinção entre interpretação autêntica e interpretação


jurisprudencial, composto pela conjugação entre o autor da interpretação (agente
interpretativo) e a força vinculativa dessa mesma interpretação, que na interpretação
autêntica é força de lei (interpretação obrigatória) e que na interpretação jurisprudencial é
uma interpretação cuja força resulta da sustentabilidade dos argumentos em que se louva e
dos sentidos que determina e que se verificam prático-normativamente adequados para a
relação entre o sistema jurídico e o problema.

184
• Interpretação em sentido restrito, amplo e global

A interpretação em sentido restrito será a interpretação estritamente da lei, a


determinação rigorosa dos sentidos constantes no texto da norma interpretanda (será esta a
posição que herdámos de Savigny, pelo menos e que assume esta compreensão restrita de
interpretação).

Num sentido mais amplo, a interpretação poderá já abranger a ideia de integração de


lacunas, claro que isto implica a superação da diferenciação estrita entre interpretação
jurídica e integração de lacunas e, portanto, implica já uma certa superação da dita teoria
tradicional.

Por último, a interpretação em sentido integral vai abranger ambas (interpretação e


integração) e, além disso, a admissibilidade de um desenvolvimento autónomo do Direito,
por sua autónoma constituição, o que só se compreende de uma perspetiva prático-
normativa, e que obriga a que se deixe de considerar como referência fundamental para a
realização judicativa a previsão da realidade em normas legais e admita a possibilidade de
além de mobilizar outros critérios constantes no sistema e/ou, no caso de não haver critérios,
diretamente os princípios, e porque os critérios são sempre mobilizados à luz dos princípios,
ou porque se não houver critérios poderá referir-se diretamente a decisão judicativa a
princípios, mas mesmo que, dada a radical novidade que o caso sub judice apresente, possa
não haver nenhuma referenciação, nem criteriológica nem principológica, põem-se a
possibilidade do desenvolvimento autónomo do sistema jurídico e, com isto, da criação ex
novo de sentidos da decisão, que não estando já consagrados no sistema, seja em que
estratos for, será, nesse sentido, integrada no sistema, para a resposta ao problema concreto

• Interpretação dogmática e Interpretação teleológica

Dizer Interpretação dogmática não significa dizer interpretação da dogmática ou


pela dogmática, a interpretação dogmática é uma interpretação que visa reconduzir os
sentidos interpretativos aos sentidos já pré-estabelecidos no sistema, no fundo, é um
sentido de interpretação que reporta o Direito interpretado ao Direito já previamente
conhecido e, portanto, o que está em causa é reduzir ao pressuposto sistema jurídico
dogmático, aos sentidos já admitidos, os sentidos que aquela fonte jurídica interpretanda
pode assumir, é projetar para o sistema e com isto conferir toda a autoridade e toda a
relevância de determinação de relevância jurídica, de determinação da juridicidade ao
sistema, concentrar no sistema os sentidos admissíveis, logo, a interpretação de qualquer
fonte estaria sempre sujeita às referências do sistema já constituído. Portanto, nem se
consideraria o caso nem a teleologia que o caso pudesse implicar reconhecer à norma, já que
este último não estaria em causa nessa interpretação.
Mais simplificadamente, poderemos dizer que a interpretação tradicional, perspetiva
hermenêutico-cognitiva, conduza a uma interpretação dogmática, porque o objetivo
fundamental era o de reconduzir os sentidos que eram atribuídos em abstrato às diferentes
normas interpretandas, aos sentidos já admitidos no sistema e, agora, muito

185
especificamente, aos princípios gerais de Direito e aos conceitos já constituídos ou a
constituir logicamente, mas dentro do sistema, nunca em relação com a realidade.

Muito diferente, a interpretação teleológica tem em conta a intencionalidade


prático-pragmática da fonte interpretanda e, mais do que isso, tem em conta a relação entre a
fonte interpretanda e o problema a que vai dirigida e, depois, para as perspetivas mais
estritamente pragmáticas ficamos por aqui, portanto, norma e a sua intencionalidade prático-
pragmática e o problema – temos aqui uma interpretação que conduza a uma decisão de
intencionalidade consequencial, finalista – se tivermos uma compreensão que conjuga a
teleologia com axiologia e, portanto, que vai mobilizar a exigência da adequação normativa
fundamentante da interpretação, i.e., a interpretação jurídica é teleológica, porque visa
cumprir a intencionalidade prático-pragmática da fonte interpretada para aquele caso
concreto, mas essa decisão não pode só ser consequencial finalista, tem de ser, em
simultâneo, normativamente adequada aos sentidos, não já estabelecidos, mas admitidos
pelo sistema jurídico.
A adequação normativa da decisão judicativa, e dentro desta da interpretação
jurídica, resulta da adequação do critério mobilizado ao problema proposto e,
simultaneamente, do critério mobilizado aos fundamentos em que se louva. A interpretação
jurídica de um critério implica sempre a sua consideração à luz dos princípios normativos, o
que vimos p.e. nos limites normativos temporais e nos limites normativos de validade da
legislação.

Claro que sabemos que esta interpretação teleológica, que é acentuada, sobretudo,
partir da Jurisprudência dos interesses, vai implicar que o elemento teleológico – a ratio
legis, o objetivo prático da norma – possa superar a vinculatividade literal e é aqui que
temos a grande viragem para a consideração pratico-normativa da interpretação jurídica

Abordagem mais profunda a esta teoria tradicional da interpretação jurídica:

Quando falamos na teoria tradicional da interpretação jurídica, falamos das teorias


que assentam no sentido vinculativo da dimensão textual do critério interpretando.

- Objeto;
- Objetivo;
- Elementos;
- Resultado

2) O objeto da interpretação: não a norma (critério)-texto, mas a norma (critério)-


problema:

Com o legalismo do séc.XIX, a interpretação jurídica passou a ser, sobretudo, a


interpretação da lei. Portanto, o objecto da interpretação, nesse sentido, é o texto da lei, já
que o texto da lei assumia uma função constitutiva, i.e., o texto constituía a lei, não era
apenas o seu registo, era um suporte constitutivo, mas não no sentido de ser um apoio e,
portanto, especificamente, não é uma mera referência descritiva, é constitutivo da norma
186
lega, o substrato da norma legal. A norma não é, senão no seu texto, e no sentido que desse
texto emanasse — a norma é no texto.
Os seus sentidos, a sua aplicação está adstrita à delimitação textual. O texto constitui
a norma.

Neste sentido, o objeto da interpretação seria a norma, enquanto texto. É essa a


herança que o que positivismo legalista nos deixa e é esse a herança que nos é deixada pra
proposta do pensamento germânico, sobretudo referido à lei.
Para Savigny, o texto é constitutivo da norma interpretando, a norma é no texto, não
é uma mera referência e, neste sentido, o texto da lei vai não apenas identificar a lei, como
delimitar a interpretação possível. Para Savigny, a interpretação jurídica seria a
determinação do sentido incito ao texto da norma. Mas, para Savigny, também, o texto da lei
não se reduzia ao elemento gramatical, portanto, há que distinguir os elementos intra-
textuais da lei (gramatical, histórico e sistemático) e o elemento extra-textual (teleológico).

Deste ponto de vista, o texto da lei seria composto por: Elemento gramatical,
elemento histórico e elemento sistemático.

Estas 3 dimensões seriam consideradas incitas ao texto da lei, são 3 dimensões


componentes do texto da lei.

O elemento gramatical desempenha, nestas teorias tradicionais, uma função


delimitadora, traduzida quer na sua dimensão negativa, quer na sua dimensão positiva,
podemos assumir que este elemento desempenha uma função negativa e uma função
positiva — a função negativa do elemento gramatical (aquele que será mobilizado 1º na
interpretação de uma norma) é autónoma e vinculativa. Em que sentido e com que efeitos?

No sentido de que qualquer interpretação da norma que não tivesse ligação com os
sentidos literalmente admissíveis, estaria a excluída. O intérprete não poderia selecionar, no
âmbito da interpretação, sentidos que não tivessem ligação com a construção literal, com a
letra da lei interpretanda. Esta função negativa é negativa porque é uma função de exclusão,
é autónoma porque é desempenhada separadamente, isoladamente pelo elemento gramatical,
a lei exclui e é vinculativa porque essa exclusão não é reversível, exclui mesmo todos os
sentidos interpretativos em que o intérprete pudesse estar a pensar, que não tivessem ligação
literal com as referências liteira das palavras que compõe o texto da lei.

— Isto vai ter diferentes projeções e interpretações em diferentes propostas de


compreensão da interpretação jurídica. Por exemplo: há correntes que entendem que,
enquanto proposta, a letra seja a fronteira da interpretação, portanto, uma compreensão mais
exigente da correspondência literal e há autores que, assumindo uma proposta menos
exigente, admitem que sejam admitidos todos os sentidos que tenham com a letra da lei uma
correspondência mínima e, portanto, só seriam excluídos aqueles que não tivessem a
correspondência mínima aos sentidos literais — Teoria da alusão. —-

187
— Ora, o objecto da interpretação é, então, constituído pelo texto; O texto comporta
diferentes elementos; O elemento gramatical desempenha, primeiro que tudo e
autonomamente, sem se considerar quaisquer outros elementos, a sua função negativa, de
exclusão dos sentidos sem correspondência com a letra;

Uma vez cumprida a função negativa, haveria de cumprir a função positiva: Essa
determinaria que os sentidos a admitir como possíveis teriam que ter essa ligação, estariam
já selecionados, uma vez excluídos os que não a tivessem, e essa ligação poderia ser mais ou
menos forte, mais próximos da letra ou mais afastados, desde que considerada ainda cabível.

Para cumprir essa função positiva, uma vez excluídos os sentidos, o elemento
gramatical já não é nem autónomo nem vinculante. É necessário contar com os outros
elementos, já não é autónomo, e o sentido a que se chega já não é aquele que apenas a letra
determine, já não é vinculante. Agora, é necessária a conjugação entre o elemento
gramatical e os outros elementos intra-textuais, o elemento histórico e sistemático.

Além destes, havia de considerar ainda um elemento extra-textual, o elemento


teleológico, que Savigny considerava que deveria ser excluído da interpretação. em primeira
instância, mas que vem depois a progressivamente a admitir, sobretudo quando houvesse
dificuldade em obter um sentido claro da conjugação dos elementos intra-textuais —
recursos a considerar.

Com isto, temos de recordar também que há uma distinção tradicional, aquela que
permite separar letra e espírito, que é muito convocada para a descrição quer dos
elementos, quer dos resultados da interpretação e que vai exigir alguma explicação, para que
se possa distinguir e, ao mesmo tempo, conjugar daquilo que acabamos de dizer.

De facto, a letra corresponde ao elemento gramatical e o espírito corresponderia aos


outros elementos, primeiro os intra-textuais e, depois, o elemento teleológico se e quando
fosse admitido.

3) O objetivo da interpretação:

Este objetivo da interpretação será aquilo que se pretende obter, através da interpretação, a
sua finalidade.

a) o subjetivismo e o objetivismo:

O objetivo da interpretação implicou, do ponto de vista, também, da evolução


histórica da interpretação jurídica, a consideração de uma polémica que se desenvolveu ao
longo do século XIX e que contrapôs as correntes subjetivistas, o subjetivismo, que se inclui
na interpretação dogmática, às correntes objetivistas, que também se inclui na interpretação
dogmática — portanto, em ambas, o objetivo é reconduzir o sentido com que a lei deve
valer aos sentidos já consagrados no sistema. Mas, ao mesmo tempo, são muito diferentes
entre si.
188
As teorias objetivistas, que sucedem a subjetivistas, vão, sobretudo, desenvolver-se a
partir da segunda metade do século XIX e, ao desenvolver-se, irão ser um dos embriões da
superação da teoria tradicional da interpretação jurídica, porque vão por a tónica na relação
entre a norma e a realidade à qual vai ser aplicada e, embora ainda vinculadas quer à
relevância negativa e positiva do elemento gramatical, quer a todo o enquadramento da
interpretação dogmática, é já este objetivismo embriões da superação dessa interpretação
dogmática, por uma teleológica.

Ora, a teoria subjetivista sustenta que o objetivo da interpretação está na


averiguação/determinação da vontade do legislador, expressa no texto da lei e, portanto,
busca a voluntas legislatoris expressa no texto da lei. O subjetivismo é sobretudo um
subjetivismo histórico, porque visa a determinação do objetivo da vontade do legislador
expressa no texto da lei, reportada ao momento em que a lei foi criada; Já para a teoria
objetivista, o objetivo da interpretação será a determinação da vontade expressa pelo
próprio texto da lei, autonomamente relativamente à vontade do legislador. Portanto, não já
a vontade do legislador expressa no texto da lei, mas o sentido objetivamente assimilado
pelo próprio texto da lei, autonomamente da vontade do legislador — Mens legis ou
voluntas legis.

Ponto comum das duas teorias: A consideração do texto como objeto da interpretação.

Pontos de divergência: Está naquilo que cada uma vê como aquilo que deve retirar-se do
texto da lei.

O subjetivismo tinha como objetivo fundamental a obediência estrita ao poder


constituído, o que, visto à luz do desenvolvimento histórico, se reportaria a fazer perdurar
no tempo a vontade inicial constitutiva dos documentos, da vontade correspondente ao
ideário revolucionário liberal que steve subjacente à construção dos documentos
legislativos, daí subjetivismo histórico. Já o objetivismo vai concentrar-se muito mais em
assegurar a justeza das soluções, face ao modo como a realidade se apresenta e, aqui, temos
o embrião da abertura que vai levar à acentuação da adequação à realidade, sobre a
adequação à vontade do legislador, que a segunda metade do séc. XIX traz — compreensão
mais comunitária, mais objetiva do Direito que irá projetar na mens legis como objetivo da
interpretação.

É claro que quando o objetivismo surge, surge, sobretudo, para criticar o facto de a
interpretação subjetivista ficar apegada à instância criadora e à intencionalidade originária,
ao passado; também ao facto do subjetivismo pretender ligar o sujeito da interpretação a
uma certa vontade subjetiva, como se o legislador fosse uma pessoa e não um conjunto de
pessoas e, portanto, como se houvesse uma determinação subjetiva de projeto a realizar que
o objetivismo não abraça.

189
b) As orientações mistas e gradualistas e a sua refracção no art.º 9.º do Código Civil;

No nosso CC, encontramos refração quer da compreensão do objeto da interpretação


que acabamos de considerar, quer do objetivo, quer, também, depois, da problemático dos
elementos.

Artigo 9º do código Civil:

Olhemos a partir da consideração ao nível do objeto e do objetivo:

É verdade que ainda hoje se insiste na disputa entre subjetivismo vs objetivismo.


Todavia, no seu artigo 9º, o nosso Código Civil optou, cautelosamente, por uma transação
entre ambas, assumindo uma posição gradualista, ou mista.

Art. 9º/1: “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos
textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as
circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é
aplicada.”

Este artigo começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei,
portanto, aqui, não se põe a possibilidade de se fazer uma interpretação literal exclusiva.
Mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do
sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo
em que é aplicada — reconstituir a partir dos textos, o texto tem uma relevância
fundamental.

190
Art.9º/2: “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete, o pensamento legislativo que
não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente
expresso.”
Art.9º/3: “ Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador
consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos
adequados”

Do ponto de vista do objeto continuamos a ter uma referência ao texto, e mais do que
isso, ao texto assumindo também a referência à sua relevância literal e à sua referência
literal do ponto de vista da função negativa do elemento gramatical, já que temos aqui uma
consagração possível daquela perspectivação mais aberta dessa função excludente, desse
sentido negativo, ao estabelecer uma consagração da teoria da alusão — “Não pode, porém,
ser considerado pelo intérprete, o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um
mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” — a exigência de
um mínimo de correspondência verbal, numa alusão à teoria da alusão, mas numa
formulação ainda mais aberta — “ainda que imperfeitamente expresso”.
Estamos aqui já numa fase de transição, em que a relevância da letra da lei começa a
ser confrontada com outras perspetivações, que nos vai levar a pensar, a por o sentido da sua
vinculatividade do ponto de vista negativo.

Quanto ao objetivo: o nosso legislador não utilizou, propositadamente, as expressões


mens legislatoris ou mens legis, pensamento do legislador ou pensamento da lei, usou,
antes, a expressão pensamento legislativo, com que abre a possibilidade, ao intérprete, deste
poder problematizar, consoante as circunstâncias, o sentido por que, na conjugação entre os
diferentes elementos, o critério haja de valer, do ponto de vista da interpretação.

Nesta construção, do ponto de vista do objetivo da interpretação, vamos encontrar a


opção pela teoria mista ou gradualista, já que vamos verificar alguma compatibilidade entre
a formulação do artigo 9º e alguma vertente, pelo menos em 1ª instância, subjetivista, mas o
domínio da expressão “pensamento legislativo”, que voltamos. Encontrar no n2, é uma
abertura à relevância do objetivismo. Veremos ainda que objetivismo no nº3.

Nos temos aqui várias menções, a consideração, nas circunstâncias em que a lei foi
elaborada, poderia indiciar um subjectivismo histórico, mas que é compatibilidade com o
objetivismo e um objetivismo atualista.

Depois temos a consagração da teoria da alusão, que também nos poderia indiciar
mais um subjetivismo, mas sabemos que a interpretação sistemática nos leva a concluir que
(e o nº3 é crucial) o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais
acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Temos aqui a dita
presunção do legislador razoável, que é, directamente, uma nota de objetivismo — temos
uma presunção do ponto de vista do conteúdo, da normatividade, presume-se que o
legislador consagrou as soluções mais acertadas e não é preciso ir investigar qual a vontade
do legislador, portanto, concentremo-nos na intencionalidade normativa que o texto
congrega; e soube, também, exprimir o seu pensamento em termos adequados, temos uma
191
presunção de razoabilidade quanto à formulação. Este artigo 9º/3 associado ao final do
n1, a atenção às circunstâncias especificas no tempo em que a lei vai ser aplicada mostra-
nos que, embora não optando decisivamente, à uma nota crucial de objetivismo atualista no
artigo 9º do CC — não fecha, deixa ao intérprete a possibilidade de, em alguns casos,
considerar, também, a vontade do legislador — aberta quanto ao papel do intérprete.

4) Os fatores ou elementos da interpretação;

Os elementos da interpretação são os fatores interpretativos, a construção interna do


sentido da norma e são, na formulação que Savigny nos propõe os elementos:

• Gramatical;
• Histórico;
• Sistemático;
• Teológico.

Do ponto de vista histórico, a autonomização de cada um destes elementos não nos


pode deixar indiferentes, boa parte deles sempre estiveram presentes, mas a sua maior
ênfase vai sendo progressiva, ao longo da histórica terão ênfases distintas e a sua acentuação
progressiva é crucial para a construção da teoria positivista da interpretação. Diremos, mas
houve sempre preocupação com a evolução histórica, na interpretação houve sempre
preocupação com referência literal, houve sempre preocupação com a integração sistemática
e houve, já agora, sempre preocupação com a determinação teleológica, mesmo que fosse
para a rejeitar na determinação científica de verdade do sentido da norma, mas olhemos um
pouco para a história, agora um pouco para cá do direito Romano, em que de facto já
encontramos estas preocupações, mas pensamos naqueles factores que nós vimos
embrionários, longínquos do surgimento do positivismo:

De facto, é muito relevante o modo como os diferentes elementos de interpretação


vão ser, aí separadamente, considerados. Por exemplo:

— Para a escola dos glosadores, o elemento literal é absolutamente fundamental,


aí vemos uma interpretação filológico-gramatical, a glosa é uma desambiguação dos
sentidos literais possíveis, sobretudo, das normas, mesmo que não sejam normas
legais, interpretandas.
— A Escola dos comentadores já vai muito para além da letra da lei e, aí, já
temos um embrião daquilo que é teoria da interpretação jurídica a que estamos a
referir-nos, de facto, é muito interessante porque para os comentadores, sobretudo, o
elemento literal não estaria propriamente dentro da temática da interpretação, seria
uma antecâmara da interpretação, primeiro, haveria que analisar o elemento literal e,
depois, então, passar-se-ia à interpretação, o que é realmente muito interessante,
porque poderia levar a que, em alguns casos, não houvesse interpretação, em virtude
da clareza atribuída ao sentido literal. Mas a interpretação compreendia, uma vez
passada essa questão do método gramatical, da análise da letra, quando não perante a

192
sua clareza suficiente, avançar-se-ia para a interpretação e esta interpretação
comportaria 2 operações/dimensões:
Primeiro a compreensão da lei, que seria a determinação do sentido na relação
entre a letra e a sua intencionalidade, aqui ainda de um modo mais
embrionário, a questão da história e do elemento sistemático, porque estão
ambos presentes, nem podíamos chegar a diferentes resultados, desde logo,
podia concluir-se que o sentido cabia diretamente nas palavras, teríamos
naquilo que vamos dizer a interpretação declarativa, também poderia haver
uma restrição, a interpretação restritiva e algo que designavam por
interpretação declarativa em sentido lato, que a teoria tradicional, depois,
acabou por designar por interpretação extensiva, que, para os juristas
medievais, também se poderia dizer intentio e, portanto, realmente, a busca
dos sentidos possíveis levava ao seu limite — intentio — nesta interpretação
depois dita extensiva ou interpretação declarativa em sentido lato, para os
juristas medievais

Ao lado desta, e ainda dentro da interpretação, teríamos a extentio legis, seria


a extensão da lei — corresponde àquilo que diríamos analogia, enquanto
mecanismo de integração de lacunas, ou seja, para os juristas medievais, não
temos uma interpretação em sentido estrito, temos uma interpretação em
sentido amplo, porque a integração faria parte da interpretação.

Interessante de constatar, o positivismo depois vai realmente separar


estritamente essas operações.

Para concluir:

• O elemento histórico vai ver-se acentuado, sobretudo a partir da escola


humanista do século XVI, não é que tivesse relevância antes, mas é, aí,
absolutamente crucial.
• O século 18, naturalmente o iluminismo, vai privilegiar o elemento sistemático,
a racionalidade axiomático-dedutiva do pensamento iluminista vai privilegiar a
integração sistemática e a relevância da integração sistemática, como elemento da
interpretação.
• Só depois teremos elemento teleológico, como vimos, para Savigny, só um
momento parcimoniosamente admissível, mas que vai ser o grande responsável
pela viragem para a superação da teoria tradicional

Realmente é muito interessante vermos esta origem histórica, porque isso permite-
nos, a seguir, analisamos, também, como é composto cada elemento da interpretação.

193
Aula dia 19.05

Resumo da aula passada:

Uma vez definido o objetivo da interpretação e, com isto, já vimos que, embora na
construção da interpretação dita dogmática, que reconduz o sentido interpretativo aos
sentidos previamente estabelecidos pelo sistema jurídico, sabemos já que, quer os
subjetivistas, quer os objetivistas, quer os adeptos da construção subjetivista, quer os da
construção objetivista, assumiam como objeto da interpretação o texto, tal como o
analisámos. Isto é, um texto constitutivo da norma interpretanda, portanto, a norma não é,
senão o seu texto e a compreensão do texto que está aqui em causa é uma compreensão
global, não uma compreensão restrita à letra, e portanto, a letra e o texto são dimensões
distintas, ainda que a letra seja uma das componentes do texto, mas além da letra, temos
ainda que considerar o elemento histórico e o elemento sistemático como elementos intra-
textuais —os elementos constitutivos do texto são estes.
O elemento teleológico surgiria como extra textual, e portanto, inicialmente rejeitado
pelas compreensões mais formalistas, depois, progressivamente admitido, ao ponto de,
como veremos, à luz dos contributos da jurisprudência dos interesses, se transformar na
grande alavanca da superação da dita teoria tradicional, isto é, da perspetiva hermenêutica
cognitiva da interpretação.

Temos de olhar para cada um dos elementos da interpretação, no âmbito desta


perspetiva hermenêutica cognitiva, para, depois, podermos também considerar o modo
como o nosso artigo 9º do Código Civil consagra esses elementos e, também, no momento
da análise da superação, visualizarmos, não apenas a alteração da posição relativa que
ocupam na tarefa interpretativa, como também a própria introdução de elementos novos e,
eventualmente até a superação da perspetiva hermenêutica cognitiva.

4) Os fatores ou elementos da interpretação — Continuação

Do lado dos elementos da interpretação, vamos encontrar o elemento gramatical, o


elemento sistemático, o elemento histórico e o elemento teleológico.

Estamos no momento hermenêutico, estamos no cerne do momento hermenêutico do


método jurídico positivista, primeiro, e depois, com algumas evoluções, vamos ver que o
nosso Código Civil, já não está estritamente na construção positivista do século XIX,
evidentemente, é um Código de transição, há várias notas de superação, dessa perspetiva
formalista que o Século XIX nos legou, mas, olhamos para o início, e se o positivismo
consagrou assim, já, na interpretação jurídica, no direito romano, boa parte destas questões
se punha.

Vamos olhar, agora, especificamente para um problema fundamental de que nós já


falámos, entre a letra e aquilo que se disse, tradicionalmente, o espírito. Este espírito
correspondia à conjugação dos elementos intra textuais, para lá da letra — se a letra
corresponde ao elemento gramatical, o espírito correspondia, primeiro que tudo, ao
194
elemento histórico e ao elemento sistemático que, conjugados entre si e conjugados com a
letra conduziriam aos resultados da interpretação.
Vem também a ser integradas, a ser considerado, mais tarde, numa compreensão mais
aberta do espírito, o elemento teleológico, que irá tomar parte ao assumir a determinação, do
objetivo prático, da dimensão prática da norma e simultaneamente da sua razão de ser, da
sua ratio legis, irá associar-se, embora, como elemento extra textual.

A letra constituía, só por si, o elemento gramatical, ao passo que o espirito se


atingiria pelo recurso aos outros três elementos.

É verdade que, quando Savigny faz a distinção entre os elementos da interpretação e


os identifica como gramatical, histórico, sistemático, além de dimensão sistemática, fala
ainda da dimensão lógica, que teria a ver com a própria construção lógica, estrutura lógica
da norma. Mas, acabou por integrar o elemento lógico no elemento sistemático e, portanto,
nós falamos de elemento sistemático como considerando as duas componentes, a inserção
sistemática e a própria estruturação lógica e, depois, ainda há a referência ao elemento
teleológico do lado do espirito.

Na compreensão hermenêutico-cognitiva, o elemento gramatical seria o elemento


básico e a interpretação iria concentrar-se no texto, logo, o primeiro contacto e a
determinação fundamental, a letra da lei.

Fundamental em dois sentidos cruciais:

• O sentido ou valor negativo: (que vimos corresponder a um sentido em que a letra


autonomamente e vinculantemente excluiria quaisquer sentidos que não tivessem
ligação com a letra da lei, de modo mais exigente, solicitando uma correspondência
direta, de modo mais aberto, conducente à superação dessa estrita consideração da letra,
quando se admitisse a existência de uma correspondência mínima — a teoria da alusão.)
Mas num ou noutro sentido, a letra delimitaria a interpretação nesta primeira tarefa pela
negativa, isto é, excluindo os sentidos que não fossem admissíveis, do ponto de vista
etimológico, primeiro, e jurídico depois, pela letra da lei.

• O sentido ou valor positivo: Neste ponto encontraríamos os sentidos possíveis, os


sentidos mais naturalmente correspondentes, desde logo, do ponto de vista etimológico e
,depois, do ponto de vista jurídico, às palavras que compõem a letra da lei, mas também
outros sentidos, que sendo ainda possíveis, se poderiam manifestar como exemplos do
que o sentido naturalmente mais correspondente à letra.

Se nós mobilizarmos um exemplo, poderíamos considerar que se a letra da lei se


reflete na alienação e o intérprete concluísse que deveriam estar incluídos, conjugada, a letra
com os outros elementos da interpretação, deviam considerar-se todos os sentidos de
alienação, quer a alienação gratuita quer a alienação onerosa, então, aí, estaríamos a
adotar o sentido mais natural, transmitido pela letra da lei em portanto, admitindo todos os
sentidos de alienação contidos no sentido etimológico e jurídico desse vocábulo.
195
Poderia também concluir-se da conjunção dos elementos, que não se deveria admitir
todos os sentidos de alienação, mas apenas, por exemplo, o de alienação onerosa, a título de
conjugação entre o elemento gramatical e os outros elementos.

Além do elemento gramatical, o elemento histórico.

O elemento histórico traduz a consideração da génese do preceito interpretando. O


que é que está aí em causa?

A consideração dos trabalhos preparatórios da elaboração do preceito interpretando,


os trabalhos preparatórios que incluem todas as discussões, anteprojetos, projetos, portanto,
toda a construção conducente ao preceito interpretando, mas para além dos trabalhos
preparatórios, há, ainda, a considerar no âmbito do elemento histórico, a circunstância
jurídico-social do aparecimento do preceito interpretando.

A circunstância jurídico-social do aparecimento do preceito interpretando, no caso do


positivismo só século XIX, uma norma, seguramente.

Que circunstâncias jurídico-sociais do aparecimento estão aqui em causa?

As circunstâncias económicas, culturais, sociais, políticas, tecnológicas, que estão na


origem do surgimento da norma interpretanda. Mas para além disso, ainda há que considerar
a história do instituto jurídico em que se insere aquela norma — as fontes legislativas em
que se inspira, os próprios preceitos anteriores que tratam da mesma figura jurídica e/ou de
figuras jurídicas próximas e, mais globalmente, a história do direito.

No elemento histórico, temos de ter em conta os trabalhos preparatórios, as


circunstâncias jurídico-sociais do aparecimento da norma (estas ditas numa expressão latina
– ocasio legis – diria respeito à ocasião da lei, são as circunstâncias que estão na origem do
surgimento da norma interpretanda) e, por último, a história do instituto jurídico em que se
insere a norma interpretanda, as fontes legislativas e mais amplamente a história do direito.

O elemento histórico foi fundamental para a perspetiva subjetivista, mas também o


foi para a perspetiva objetivista, por que, quer no subjetivismo quer no objetivismo, vamos
encontrar vertentes históricas, em alguns casos até historicistas, quer vertentes mais
atualistas. Veremos também que, para a perspetiva da jurisprudência dos interesses, a
consideração da relevância dos interesses causais vai levar que, do ponto de vista da
interpretação, a evolução histórica do direito seja crucial, embora Filipe Heck, rejeitasse
quer o subjetivismo quer o objetivismo dogmáticos.

Além do elemento histórico, o elemento sistemático.

Este elemento sistemático diz respeito à inserção sistemática do preceito


interpretando e, portanto, à consideração da unidade e coerência jurídico sistemático.

196
Teria que ser tida em conta a compreensão da norma, em função do seu contexto, da
sua inserção sistemática — a secção, o capítulo, o livro, consoante o diploma legal em causa
em que a norma estivesse inserida, e portanto o enquadramento sistemático, desde logo.
Depois, a fundamental relevância dos lugares paralelos, relativamente aos quais
houvesse já posições inequívocas ou esclarecidas que o legislador e/ou a própria
interpretação jurisdicional tivessem já fixado, e que pudessem auxiliar na compreensão do
sentido sistematicamente integrado daquela norma interpretanda.

Por último, o elemento Teleológico.

O tal elemento, inicialmente considerado perigoso, depois como remédio para a


situação patológica em que do texto da norma não fosse possível retirar um sentido claro,
mas, uma nota fundamental, a razão de ser da norma. No fundo, a dimensão prática que
corresponde ao objetivo que a norma visa prosseguir com as suas prescrições.

Temos aí realmente um sentido da norma que se determina pela sua ratio legis, isto é, a sua
razão de ser, o seu objetivo prático. Claro que, como vimos inicialmente, começou por ser
afastado ou encarado com alguma desconfiança, quer na escola da exegese, quer na proposta
de Savigny, mas veio a ser fundamental para a própria superação da teoria dita tradicional, e
vai ser fundamental na jurisprudência dos interesses.

Artigo 9º do Código Civil, do ponto de vista dos elementos da interpretação:

Voltamos ao texto do artigo 9º e, aqui conseguimos, desde logo, verificar que


segundo o nosso legislador, a interpretação não deve cingir-se à letra, mas reconstituir-se a
partir dos textos do pensamento legislativo, portanto, para além da letra, se quisermos, o
espirito (tradicional). Mas o espirito aqui visto como a referencia ao pensamento legislativo.
Esta referência ao pensamento legislativo é diretamente uma alusão ao objetivo da
interpretação, e de facto, o nosso legislador não se refere, nem ao pensamento do legislador,
nem ao pensamento do intérprete, ou seja, ao sentido autónomo que o texto da norma
apresentar, a menes legis ou voluntas legis.

De facto, o nosso legislador, usa uma expressão que não é determinante, nem de uma
nem de outras posições, quanto ao objetivo da interpretação, a expressão pensamento
legislativo é propositadamente mobilizada, de modo a permitir ao interprete adequar a
feição da consideração do objetivo da interpretação, desta que é uma teoria mista, ou
gradualista, ou de síntese.

Portanto, para além da letra, o espírito, no sentido que a conjugação dos dois levará à
reconstituição do pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema
jurídico — aqui temos uma alusão direta ao elemento sistemático;
Depois, as circunstâncias em que a lei foi elaborada diretamente — referência à
ocasio legis, uma das dimensões constitutivas do elemento histórico;
As condições específicas do tempo em que é aplicada – aqui não temos referência ao
elemento histórico, note-se, o que temos, efetivamente, é ,já, uma nota de abertura, que
197
mostra que, na relação entre subjetivismo e objetivismo, o nosso legislador, embora deixem
várias referencias, a possibilidade do intérprete seguir a voluntas legislatoris, há aqui uma
abertura essencial ao objetivismo, e mais do que isso, de objetivismo atualista.
(Poderia ser um subjetivismo atualista mas no equilíbrio, e considerando nós mesmos, os
próprios trabalhos preparatórios que conduzem à redação do artigo 9º, vemos que há aqui
uma nota tendencial, que depois conjugada com o número 3 fica mais clara, de referência a
um objetivismo e um objetivismo atualista.)
Essa referência às condições específicas do tempo em que é aplicada, é uma nota relativa ao
objetivo da interpretação, um elemento da interpretação.

Depois temos, no nº 2, a referência à teoria da alusão.

“Não pode porem ser considerado pelo intérprete, o pensamento legislativo que não
tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que, imperfeitamente
expresso”: Portanto, a letra delimita a interpretação válida, mas, de facto, há aqui uma
enorme abertura, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente
expresso, temos aqui, uma nota alusiva à vinculação literal no sentido negativo do elemento
gramatical que é o que está aqui enfatizado neste nº2.

Tanto podia ser compatível quanto com o subjetivismo quanto com o objetivismo,
mas a verdade é que vai sendo, sobretudo, conjugada com uma perspetivação objetivista,
que nos vai ser mais clara quando consideramos o nº3.

“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as
soluções mais acertadas, e exprimiu o seu pensamento em termos adequados.”:

Temos aqui uma questão muito relevante e que tem que ver com a dita presunção do
legislador razoável, nota típica do objetivismo. Significa que o nosso legislador estabeleceu
que, de facto, ao determinar o sentido interpretativo, se presume que o legislador foi
razoável quer do ponto de vista substancial, quer do ponto de vista formal expressivo,
“razoável, que consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em
termos adequados”.
Esta presunção do legislador razoável é uma nota de objetivismo, é o texto que é
crucial nesta análise.

Citação breve do modo como o senhor doutor Pires de Lima e o senhor doutor
Antunes Varela vêem esta consideração do objetivismo neste ponto, porque se diz que, de
facto, temos aqui referencias fundamentais a este objetivismo:

“O objetivo da interpretação não consiste, portanto, na menes legislatoris, mas sim na


chamada menes legis, não quer isto dizer, naturalmente, que tais autores considerem a lei
como um ser biológico dotado de vontade e inteligência próprias, trata-se de uma linguagem
figurada, metafórica, através da qual se pretende encarecer a ideia de que o interprete não
está vinculado ao pensamento do legislador real, mas, segundo uma das variantes desta
doutrina, dita atualista, há vontade de um legislador ideal que pensa as leis com o sentido
198
mais razoável que o seu texto comporta e que (?), com o sentido mais razoável que o seu
quadro verbal vai refletindo, dentro do condicionalismo renovado em que elas vão vivendo”

E, portanto, aqui temos uma abertura da lei viva e do seu enquadramento, da sua
conjugação com o momento em que vai ser aplicada.

Temos então o elemento gramatical, sistemático, histórico e teleológico e a projeção no CC.

A conjugação dos elementos conduz a diferentes resultados. Essa conjugação


implicaria sempre que se considerasse prime facie, a letra da lei, e a letra da lei no seu
sentido negativo, mas depois, ao considerar o sentido positivo, a letra da lei não seria
autónoma e vinculativa, antes, haveria de ser conjugada com os restantes elementos.

Esses elementos são então, os outros elementos primeiro, intra-textuais, depois,


progressivamente, o elemento extra-textual, mas o que está em causa, realmente,
compreender quanto ao modo por que se chega a determinados resultados, é qual o tipo de
conjugação que existe entre os diferentes elementos. E os resultados seriam a interpretação
declarativa, a interpretação extensiva, a interpretação restritiva, a interpretação enunciativa,
através de diverso argumentos lógico formais (a maiori ad minus, a maiori ad maius, a
contrario sensu) e ainda a interpretação ab-rogante ou revogatória.

Quanto à interpretação declarativa:

Se a letra e a conjugação dos elementos correspondentes àquilo que se diz o espirito


se correspondessem, naturalmente, isto é, se o significado gramaticalmente enunciado pelo
texto da lei, isto é, pela letra da lei, exprime adequadamente o sentido que a este é imputável
pelos outros elementos, corresponde ao sentido para que apontam o elemento histórico,
sistemático e teleológico quando ele estiver em causa, teremos uma interpretação
declarativa, isto é, a letra admite, sem dúvidas e sem mais o sentido determinável pelos
outros elementos, correspondem-se e, portanto, o interprete há-de fixar-se nesse sentido que
é naturalmente expresso pelo texto global (letra, elemento histórico, sistemático e
eventualmente o teleológico como extra-textual).

Pode suceder porém, no exemplo que nós vimos, se o intérprete entende que na
conjugação dos elementos, usando o legislador o vocábulo alienação, deve assumir
alienação nos seus sentidos mais naturais, que comportam a dimensão gratuita e a dimensão
onerosa, vão permitir, ambos, estes sentidos e, portanto, ao admitir ambos estes sentidos,
teremos uma interpretação declarativa, porque são os sentidos que mais naturalmente
correspondem à referência literal alienação, que comporta, nas suas significações imediatas,
ambas as modalidades.

Mas pode acontecer que o sentido literal, imediato ou natural, significado gramatical
da letra da lei, seja mais amplo do que o espirito. O intérprete, chega à conclusão de que, ao
conjugar os sentidos literais com o espírito, isto é, com os outros elementos da
interpretação, nesta conjugação, estes últimos implicam que a letra não possa ser mobilizada
199
em todos os seus significados, isso significa que irão excluir-se alguns dos significados
literalmente possíveis para selecionar como sentido último os significados que são
admitidos pelos elementos histórico, sistemático e, eventualmente, o teleológico.
Há aqui uma interpretação restritiva, que não significa reduzir a letra, porque isso
podia implicar reduzir apenas o seu tamanho, não é isso que está em causa, implica é
restringir as significações literais, excluindo algumas que seriam comportadas no sentido
natural, literal, mas não são admitidas pelos elementos histórico, sistemático e
eventualmente teleológico.

No caso do exemplo que utilizámos, se o interprete conclui que, embora o legislador


utilize o vocábulo alienação, quer pela integração sistemática, imaginemos que estamos por
exemplo dentro de uma secção que diz respeito à compra e venda, e mesmo o elemento
histórico e até o elemento teleológico, determinam que se deve apenas considerar a
alienação onerosa, então, embora o legislador tenha usado o vocábulo alienação, apenas se
admitirá a relevância de alienação onerosa para efeitos de interpretação daquele concreto
preceito, logo, teremos uma interpretação restritiva.
Aqui temos a complexidade da conjugação, que mesmo a construção positivista nos
deixa, quanto à interpretação das normas interpretandas.

A interpretação restritiva implica que o intérprete conclua que o sentido literal da


norma interpretanda é mais amplo do que aqueles que são admitidos pelos outros elementos,
logo, há que selecionar dentro dos sentidos possíveis aqueles que correspondem à letra e aos
elementos, os outros ficarão de fora desta interpretação nos casos que se forem verificando.
Pode acontecer o oposto, o sentido da letra ser menos amplo do que aquele que é
determinado pela conjugação dos diferentes elementos, dos outros elementos e aí teremos,
se concluirmos que o sentido literal é menos amplo do que aquilo que os outros elementos
determinam, teremos que considerar sentidos que já não correspondam diretamente aos mais
naturais, mas que ainda são admitidos pelas significações literais e são aqueles que os outros
elementos vão admitindo.
É necessário ter em conta que a interpretação pode ser extensiva — A conjugação entre o
sentido literal e os outros elementos, leva a que o intérprete considere que o sentido literal é
menos amplo do que aquele que os outros elementos admitem e, portanto, vai ser necessário
optar por sentidos, que sendo mais amplos do que o sentido literal, são os que correspondem
aos outros elementos, sem porem em causa a relevância literal.

Temos ainda que considerar a interpretação enunciativa, em que já não é


diretamente inferível da relação entre a letra e espírito o sentido ou os sentidos por que a
norma pode valer como resultado interpretativo, mas consideramos esses resultados através
da mobilização de argumentos lógico-jurídicos. Já não se chega à conclusão do sentido que
a norma estabelece apenas por via da relação entre os diferentes elementos, mas só já
mesmo pela utilização de argumentos lógico-jurídicos.

Neste caso, temos desde logo, os argumentos a pari ou por identidade razão, se para
este caso se decide neste sentido, para aquele outro há-de decidir-se nesse mesmo sentido,
em virtude da sua identidade.
200
Argumentos afor teori ou por maioria da razão: Argumento ad minori ad maius e o
argumento ad maiori ad minus.

Argumento Ad maiori ad minus: vale para as leis permissivas, no sentido de que a lei que
permite o mais também permite o menos.

Por exemplo: a lei que permite ao proprietário vender, por maioria de razão, aí está, também
lhe permite onerar com um direito real mais restrito, por exemplo, com a constituição de um
usufruto que não implica disposição, mas apenas a oneração do ponto de vista do uso e
fruição do bem objeto direito e propriedade e, portanto, no limite, se a lei permite vender,
por maioria de razão também permite onerar, onerar com outro direito real ou até, se
quisermos, se o estabelecimento do ponto de vista obrigacional, de um arrendamento,
confere o gozo temporário a titulo obrigacional e não real.

Argumento Ad minori ad maius: vale para as leis restritivas ou proibitivas, no sentido de


que a lei que proíbe o menos também proíbe o mais.

Por exemplo: A lei que não permite ao arrendatário realizar certas disposições, também não
lhe permite, por maioria de razão, dispor da coisa/objeto do arrendamento. Para o
usufrutuário, a lei que não lhe permite determinados atos, ainda no âmbito do gozo e
fruição, por maioria de razão não lhe permitirá a alienação da coisa, até porque não é titular
do direito à nula propriedade.

Argumento Contrario Sensu: Acaba por ser mobilizado para as normas excecionais, o que
leva a que tradicionalmente se diga, se uma determinada norma é excecional, isto é, se se
admite, que, de facto, aquela norma é contrária a um eventual regime geral, se pressupõe, se
a norma é classificada como excecional, o regime geral é o seu contrário.

Estes são possíveis argumentos lógicos que conduzem à conclusão por sentidos
interpretativos, que não resultam já apenas, porque não fica claro, não resulta claro da
conjugação entre o elemento gramatical e os outros elementos, os ainda intra-textuais mas
depois também o extra-textual.

Mas ainda temos de considerar a interpretação ab-rogante ou revogatória e esta


mostra uma situação patológica crucial, que corresponde a situações em que a conjugação
entre os elementos é de todo impossível, quer porque a expressão é absolutamente incorreta,
o que é menos provável, do ponto de vista da expressão literal, quer porque o sentido que a
letra apresenta é absolutamente incompatível com aquilo que resulta dos outros elementos,
enquanto isto resultará de uma situação patológica em que a norma está desenquadrada da
realidade à qual se dirige, ou, do lado do sistema, por ter surgido alguma alteração que
implicou uma incoerência intrassistemática e, portanto, no limite o interprete haverá de
afastar essa norma cujo sentido não é determinável.

201
" A superação da teoria tradicional da interpretação jurídica

— O contributo decisivo da jurisprudência dos interesses

Para a perspetiva que visa, e que obtém maior sucesso, na superação da teoria
hermenêutico-cognitiva da interpretação jurídica e, portanto, para contributo decisivo que a
jurisprudência dos interesses nos vai apresentar, é isso que está em causa, há diversas notas
que temos que considerar.
Nós já conhecemos os postulados metódicos fundamentais da jurisprudência dos
interesses, vamos agora analisar como é que a teoria da interpretação, proposta pela
jurisprudência dos interesses, se nos apresenta como uma via fundamental para a superação
da interpretação dogmática, por uma interpretação teleológica e, portanto, a superação da
dita teoria tradicional da interpretação jurídica, por uma perspetiva, primeiro, em que a
interpretação tem lugar em concreto, segundo, em que se assume a dimensão prático-
pragmática da norma, como ela há-de vigorar como critério para a resolução de um
problema concreto.

Na interpretação à luz da jurisprudência dos interesses nós vamos encontrar duas notas
cruciais:

• Obediência à lei (que se mantém como principio fundamental)

• Consideração de que a intenção normativa da norma é o fator determinante da


interpretação: Os elementos da interpretação surgem em conjugação entre si, sem que haja
pré determinação da relevância de um deles face aos outros, logo, no limite, a imagem do
comando da dimensão formal que a norma manifesta pode não ser aquela que corresponde
ao sentido que resulta da interpretação. O que acontece é que há situações em que se
justifica, reunidos determinados pressupostos, que o sentido interpretativo por que a
norma há-de ser considerada, não seja aquilo que a letra lhe define. Será uma situação em
que, o sentido interpretativo atribuído à norma, quando perante um determinado caso
concreto, seja exatamente correspondente a um dos sentidos positivo ou negativo do
elemento gramatical seria excluído. Um daqueles que seriam excluídos será o que vai ser
absolutamente adotado em nome da consideração da intenção normativa da norma e, no
limite, o que significa é, da acentuação do elemento teleológico.

202
Aula dia 20/05

RECONSTITUIÇÃO DE ALGUNS DO POSTULADOS METÓDICOS ASSUMIDOS


PELA JURISPRUDENCIA DOS INTERESSES:

" O princípio de obediência à lei e a perspetivação do direito pelos interesses

" A conceção de lei como solução valoradora de um conflito de interesses

" A intenção prática do pensamento jurídico: problemas normativos e problemas de


formulação; sistema interno e sistema externo

" A teoria da interpretação e relevância do elemento teleológico e o resultado


interpretação correctiva

Os contributos da jurisprudência dos interesses que estão aqui sintetizado são aqueles a que
já tínhamos feito referência noutros regimes:

!O que é uma norma?

!Como é que a norma é criada?

!Como é que é abordada pelo intérprete?

!Como é que ela é mobilizada para as decisões judiciais, ou seja, como é aplicada em
termos genéricos? Seguem o formulário que Philipp Heck utilizou, mas que
verdadeiramente já não correspondem à aplicação lógico-dedutiva que o positivismo tinha
assumido.

Então, o que de novo traz a jurisprudência dos interesses, face ao que tinha sido posto
genericamente?

As tais correntes de orientação teorética que tínhamos estado a analisar e que faz
suplantar também o movimento do Direito livre, que era uma das vias de superação do
positivismo, só que, a admitir diretamente que o juiz poderia, em algumas circunstâncias,
nomeadamente na ausência de clareza da norma, na ausência de norma, decidir segundo um
sentido material de justiça, foi acusado de ter caído num voluntarismo, e até voluntarismo
irracionalista e, portanto, também não propôs um modelo de racionalidade alternativo, de
facto acentua a dimensão voluntarista e acaba por não superar a racionalidade formalista
contra a qual se tinha insurgido e foi objeto de muitas críticas, que Philipp Heck consegue
evitar, portanto:

A jurisprudência dos interesses consegue evitar estas críticas através da afirmação do


princípio de obediência à lei que é absolutamente crucial, só que o principio de obediência à
lei que é muito inteligentemente composto, i.e., Philipp Heck vai falar de obediência à lei,
203
mas vai recusar aquilo que diz uma obediência cega à lei, ele vai propor uma obediência
pensante – propõem cumprir a intencionalidade prática que as normas estabelecem, mesmo
que isso signifique afastar a consideração literal que elas consagram, i.e., admitir, no limite,
se tal for necessário para cumprir a intenção normativa da norma, que a interpretação seja
formalmente contra legem, isto é uma situação limite, que só em certos condicionalismos
pode ocorrer, porque o que está em causa nessa possibilidade é admitir o cumprimento da
intenção que a norma assume, da sua ratio legis, i.e. fazer prevalecer o elemento
teleológico, pode prevalecer sobre a determinação formal (a dita imagem de comando, de
que falámos quando falámos da construção da norma em Philipp Heck).
Portanto, a imagem dos interesses dos interesses a suplantar a imagem do comando,
vamos ver em que condições.

Teremos aqui uma interpretação contra legem?

Se se cumpre a intenção normativa da norma, não temos interpretação


substancialmente contra legem, mas formalmente podemos ter, i.e., não cumprir o sentido
negativo do elemento gramatical, que as teses dominantes nas perspetivas hermenêutico-
cognitivas estabeleciam como fronteira da interpretação.

Como é que a jurisprudência dos interesses propõe que sejam interpretadas as normas
legais?

Sabendo nós que a lei é vista como uma solução valoradora de um conflito de
interesses e que é criada exatamente a partir da ponderação entre conflito e desinteresses
causais, optando por e, portanto, a prescrição da norma vai consistir em selecionar um
interesse para proteger em detrimento do outro (isto também vai surtir fortes críticas depois)
mas, optar por um interesse para ser protegido em detrimento do outro pela lei e, assim,
estabelecer que a imagem dos interesses da norma subsista na opção por um dos interesses
em conflito.
A sua imagem de comando, a sua dimensão formal estrutural, que inclui a letra e a
estrutura (essa letra em hipótese e estatuição) – é uma norma legal – claro que a imagem do
comando fica limitada aos vocábulos que a constituem.

A questão que se põe no âmbito da teoria da interpretação proposta pela jurisprudência dos
interesses é exatamente a de saber:

Como se interpreta uma norma? e que circunstâncias é que, eventualmente, o


intérprete pode não cumprir o sentido negativo do elemento gramatical, selecionar mesmo
um sentido que seria excluído pelo elemento gramatical, para ser aquele com que a norma
há de valer para a resolução daquele caso — a superação da teoria tradicional da superação
jurídica implicava desde logo que a interpretação deixasse de ser feita em abstrato e
deixasse de dirigir-se diretamente à determinação do único e verdadeiro sentido com que a
norma haveria de ser mobilizada como premissa para a decisão, com aplicação dedutiva –
silogismo – e ao superar essa compreensão, vai afirmar-se que a interpretação uma das
tarefas que tem de cumprir quando constrói a decisão judicativa.
204
Nesse sentido e só em concreto, i.e., à luz do problema para o qual vai ser mobilizada
como critério, faz sentido interpretar a norma.

O ponto de partida para a sua realização prática – o prius metodológico – é o caso …


norma.

Ora, posto isto, o caso é agora o ponto de partida e a norma é vista na sua estrutura
formal, naturalmente vai ser analisada também no seu elemento histórico, sistemático e
teleológico e pode ser que, em nome do cumprimento do elemento teleológico, desconsidere
o sentido negativo do elemento gramatical e, por isso, eventualmente optar por um sentido
que estaria excluído da referência literal, no modo hermenêutico-cognitivo.

Veremos porquê e em que circunstancias ou sob que requisitos:

Como se interpreta uma norma?

Para Philipp Heck, o interprete, ao considerar a norma e o caso concreto para o qual
ela vai ser mobilizada como critério de resolução, deveria, em 1º lugar, tem a norma perante
si e naturalmente irá lê-la, mas já não tem uma finalidade epistemológica, teorético-
cognitiva, ele vai lê-la à luz do problema concreto que se lhe apresenta e vai fazer uma
análise histórica da norma, i.e., vai procurar compreender quais são os interesses, quais são
motivos do surgimento daquela norma, vai fazer o percurso que o legislador fez, vai tentar
compreender as razões, desde logo históricas, da ponderação que foi feita no momento em
que a norma foi criada e vai comparar esses interesses causais e a ponderação que sobre eles
foi feita pelo legislador, vai ponderar esses interesses causais e, se concluir que o problema
em causa – conflito de interesses – e a ponderação sobre ele são análogos ao problema posto
pelo caso decidendo, a ponderação de interesses que haverá de ser feita, então, irá, partindo
desse juízo analógico, repetir em concreto a ponderação que o legislador fez — já tínhamos
à partida uma aplicação lógico-dedutiva, há um juízo analógico. Isso não implica que
tenhamos já uma superação absoluta da perspetivação positivista, porque depois vamos p.e.
ver que Philipp Heck propõe uma solução para o problema da integração de lacunas,
portanto, vai identificar verdadeiramente as lacunas, elas só não se encontram na mesma
posição em que o positivismo as encontrava.

Portanto, esta compreensão prático-normativa da interpretação jurídica vai levar a


que, efetivamente, o jurista dissidente opte progressivamente pela aplicação lógico-
dedutiva.

Em que circunstâncias seria possível verificar-se o incumprimento do sentido negativo


do elemento gramatical, da tal dimensão considerada vinculativa do elemento
gramatical?

O problema que se põe em concreto é do tipo daqueles que a norma resolve em


abstrato, só que por alguma razão (que resulta sobretudo da realidade) o conflito de
interesses presente sub judice, este dissidendo, não corresponde ao modo por que, do ponto
205
de vista da imagem do comando, a norma o prevê, ao ponto de se gerar uma contradição
interna na norma, entre a sua imagem de comando (a sua formulação) e a sua
intencionalidade normativa (se quiserem, o resultado da imagem dos interesses) — Quando
esta contradição interna surge, ao ponto de julgador se deparar perante este problema, ou
cumpre o comando, portanto, ou cumpre a dimensão formal da norma desde logo, da sua
referenciação literal e frusta a intencionalidade prática com que a norma foi criada, a
intencionalidade que pretende oferecer para a resolução do conflito de interesses em causa,
ou cumpre a dimensão do sentido dos interesses, a ponderação dos interesses, mas isso
implica desobedecer ao sentido literal. Só nestes casos é que é possível recorrer aquilo que é
um resultado novo, proposto por Philipp Heck — Philipp Heck propõe a interpretação
corretiva, é só nestas circunstâncias — há analogia entre o problema posto em concreto e
problema resolvido em abstrato pela norma, só que o modo como o problema se põe não
corresponde ao modo como o problema está previsto na imagem do comando, ou seja, na
determinação formal, começando com a letra.
Então, o interprete fica na contingência de cumprir a letra, frustrando a intenção
normativa – finalidade da norma – ou cumprir a intenção normativa da norma e para isso ter
de pôr de parte a relevância negativa do elemento gramatical, porque vai adotar um sentido
que estaria excluído pela letra.

Exemplos históricos que Philipp Heck nos dá, p.e., o exemplo do bombardeamento, o
exemplo da enfermeira, o exemplo do cavalheiro que entra na sala…

O exemplo do urso:

«(…) as carruagens dos comboios de passageiros exibiam um logótipo nas


portas, composto pela imagem de um cão, a preto, inscrita num círculo, de cor
branca, delimitado por uma coroa circular vermelha, sobre a qual se interceptavam,
em x, desenhando uma Cruz de Santo André, duas barras também vermelhas. Na gare
surgiu alguém com um enorme urso pela trela. Os funcionários de serviço deveriam
permitir que o animal seguisse viagem em uma daquelas carruagens, ou não?...».

A questão é: Na gare de comboios chega uma composição e as composições


têm ao lado das portas um sinal de proibição da entrada de cães, quer dizer não temos
a enunciação, mas se formos à lei temos, muitas vezes, até surge por estar produzido
nessa sinalética “exceto cães guia” (que era outro exemplo em que poderíamos
pensar se faria sempre sentido estar literalmente a referência aos cães guia — há
situações em que provavelmente os cães guia deverão ficar de fora por razões
sanitárias mas noutras circunstancias haveria que pensar se seria necessário a letra.)

A consideração de que a norma diria escrita “é proibida a entrada a cães” e o


caso concreto é de que há um rapaz que se aproxima, que chega ao cais de embarque
trazendo pela trela um urso. O problema que se põe é se a norma pode ser aplicada
analogicamente, é que se nós obedecemos à imagem do comando, para tirar de cão,
urso, não será fácil. Também seria muito forçado querer chegar lá através da
interpretação enunciativa, portanto, a lei que proíbe o menos também proíbe o mais,
206
se a lei proíbe o cão também proíbe o urso. Mas será que a intenção é só essa, em
termos prático-normativos?
Podíamos mudar a situação e pôr lá um gato, e agora?

Mas a questão põe-se porque, para as perspetivas positivistas, se calhar tínhamos de


recorrer à analogia para chegarmos ao gato, porque também não chegamos lá através da
referência etimológica, podia ser uma lacuna – se proíbe o cão, mas não proíbe o gato,
formalmente seria uma lacuna.

Neste exemplo, cumprir o sentido literal da norma implica atender à sua


intencionalidade prática, porque obrigaria a aceitar que o urso entrasse no comboio, no
sentido literal, implicaria isso ou então pôr em causa se era uma lacuna ou tentar chegar lá
por via da analogia legis. Compreender a intencionalidade normativa prática implica
verificar de imediato que se a intencionalidade é realmente: não entra no comboio animais
de certo porte e trigosidade.

Neste sentido, já vemos as diferenças fundamentais que levam a que, em que alguns
casos (não é todos, não temos interpretação corretiva na jurisprudência dos interesses) mas
nestes casos específicos, em que se manifesta esta contradição no âmbito da norma à luz do
caso concreto, para a qual está a ser mobilizada como critério, podemos chegar a esta
conclusão.

Depois ,daqui vamos voltar à extensão no âmbito da aplicação da norma a situações


que não estão previstas na sua letra, o que se dirá extensão teleológica, porque em nome da
sua intencionalidade prática, do elemento teleológico e o oposto, não aplicar, não mobilizar
normas para casos que estão previstos na sua letra, naquilo que se dirá uma redução
teleológica, porque se considera que para cumprir a intenção da norma, então, não deve
aplicar-se, p.e. o nosso CC trata, (embora não trate assim, mas isto é um exemplo de escola)
o art. 261.º do CC – “Negócio consigo mesmo” – e o exemplo é o exemplo de o sujeito A
que toma parte num negocio jurídico em nome próprio (consigo mesmo) e com
representante de outrem e o exemplo concreto, o nosso CC diz que é anulável, o exemplo
escola diz mesmo “nulo”. Realmente esse negócio seria inválido em nome da proteção do
representado, agora, o problema que se põe é: ainda há de ser também invalido quando o
senhor A, em nome próprio, pretende doar um bem ao representado, a doação implica um
aumento (?) prejudicará o donatário, mas a verdade é que a doação não produz efeitos sem
aceitação, i.e., nem mesmo quando é uma doação, o donatário não é obrigado a aceitar, tem
de aceitar para que a doação se cumpra. Mas, aqui, estamos a pensar na aceitação como
representante, portanto, admitindo que não está em causa nenhum prejuízo para o
representado, haveria de admitir-se a validade do negócio, embora a letra da lei diga que é
invalido.
E aqui teríamos, nitidamente, a ideia de redução teleológica, em nome do objetivo
que a norma visa prosseguir que é a proteção dos interesses do representado.

207
Posição que Philipp Heck toma quanto ao objetivo da interpretação.:

Depois de tudo aquilo que foi dito, temos uma interpretação teleológica aberta ao
caso, portanto, que acentua a intenção normativa da norma e não a sua determinação formal.

Ora, neste sentido, há que considerar afinal qual é para Philipp Heck o objetivo da
interpretação?

Se já não estamos no âmbito de uma interpretação propriamente dogmática, não está


aqui em causa discutir a vontade do legislador expressa no texto, de forma autónoma da
própria lei, expressa no texto, que seria objetivismo, porque não há esse redução ao texto,
começando na sua literalidade, mas a verdade é que Philipp Heck é de certo modo um
subjetivista só que não um subjetivista dogmático.

Philipp Heck rejeitava o objetivismo puro por entender que era fundamental ao
intérprete fazer uma análise, portanto, vai fazer uma análise da vontade do legislador, só que
não da vontade do legislador que depois fica formalmente registada no texto da lei. Então,
fala-se aqui num subjetivismo teleológico, vai analisar-se a intenção que o legislador
colocou na norma, adaptada à relação com o caso concreto presente.

Na análise da vontade do legislador, na intenção normativa com que cunhou aquela


norma e, depois, adaptada à relação analógica com o caso concreto, portanto, é já toda uma
diferente posição quanto ao objetivo da interpretação.

Alínea 6) e 7) - notas superadoras da própria jurisprudência dos interesses e, com isso, a


assimilação que, sobretudo através dos desenvolvimentos do pensamento jurídico alemão
do final da 1ª metade e da 2ª metade do séc. XX tiveram, que vai gerar uma compreensão
prático-normativa da metodologia, mas assente numa reflexão sobre os fundamentos e,
portanto, uma construção que de certo modo é tributária das evoluções da jurisprudência
da valoração e depois da recuperação da hermenêutica (?) dos problemas concretos como
os pontos de partida para o exercício metodonomológico.
O que vamos dizer a seguir vai permitir-nos compreender as razões por que as lições 19ª e
20ª são duas numa.

7) As linhas de superação da teoria tradicional da interpretação jurídica – o contributo


decisivo da jurisprudência dos interesses:

Para cá da jurisprudência dos interesses, se o objeto da interpretação se altera, ou


seja, a norma enquanto texto vai ser substituída pela norma-problema – pela
problematização do sentido com que a norma se dirige aos casos concretos. A norma é a
resolução de um problema concreto. Só se vai compreender o sentido com que essa norma
há de valer para resolver o caso concreto à luz do problema concreto, sabendo que o ponto
de partida é o problema concreto já que é esse que vai interpelar o direito. Deixamos a
referência unívoca de que o sistema define o que é juridicamente relevante e aquilo que não
estiver formalmente referido no sistema será juridicamente irrelevante.
208
Ao admitir um sistema aberto, de imediato temos a realidade como uma dinâmica
constitutiva do direito.

O objetivo da interpretação deixa de ser o sentido com que a norma pode valer no
sistema, mas o sentido com que a norma pode valer partindo da proposição dos sentidos do
sistema, mas para o caso concreto. A interpretação deixa de ser fechada para se abrir à
realidade — A resolução do problema concreto implica a convocação em bloco de todos os
estratos do sistema.

a) Os elementos normativos extratextuais e transpositivos da interpretação jurídica:

Se nos colocarmos na situação de interpretes de uma norma, haveremos de ter em


conta que além dos elementos tradicionalmente considerados e assumindo que eles têm
todos a mesma relevância, ou seja, em termos relativos, tanto vale a relevância do elemento
gramatical, quanto do histórico, do sistemático e do teleológico, há várias vertentes de
superação da teoria tradicional que vão introduzir outros elementos. Há quem fale de
elementos normativos extratextuais, que podem ter que ver com fatores sociais, a natureza
das coisas, entre outras referências.
Consequentemente, vão surgir outros resultados. Temos como exemplo a redução e
extensão teleológicas e, ainda situações em que, em virtude dos limites normativos da
legislação, nomeadamente, aqueles que resultam da relação entre a norma e os princípios,
poderá haver circunstâncias em que o intérprete conclua que a norma não é, porque nunca
foi, ou já não é em virtude da passagem do tempo, a concretização dos princípios
normativos que deveria ser, porque o sentido dos princípios se alterou.

Em qualquer circunstância em que o interprete se proponha interpretar uma norma


jurídica para a resolução de um problema concreto, essa interpretação nunca é feita a partir
de um critério exclusivamente – o sistema é convocado em bloco.

Portanto, se estamos a interpretar uma norma legal, não podemos deixar de a


interpretar tendo em conta a sua intencionalidade, a sua ratio legis, mas também as
interpretações que dela já foram feitas pela jurisprudência judicial, pela dogmática e a sua
ratio iuris. Isto significa que a norma não pode valer nunca com sentido contrário ao dos
princípios em que se fundamenta, porque isso significa que ela é inválida.

Mas pode acontecer ainda que (ainda à luz dos limites normativos da legislação) não
seja uma questão de tempo a perda da validade, há limites normativos de validade, só que
não são verificáveis em abstrato — esta identificação destes limites resulta do facto de só ao
ser interpretada à luz do problema concreto a norma poder ser considerada como inválida.

Concluindo que a norma é inválida desde o momento que foi criada, não podemos
dizer que ela vai ser superada, mas podemos dizer que vai ser preterida – preterição
conforme aos princípios, que resulta do limite normativo de validade da legislação.

209
b) O “continuum” da realização judicativo-decisória do direito e a interpretação
jurídica como momento dessa realização:

Por outro lado, se para a teoria tradicional da interpretação jurídica é crucial a


fronteira entre interpretação e integração, num sentido amplo há continuum na realização
judicativo-decisória do direito, que implica que a interpretação seja um momento dessa
realização e que não haja cisão entre interpretação e integração, ou seja, a ideia de que a
própria interpretação jurídica já comporta elementos integrativos e que uma vez que o ponto
de partida da interpretação deixa de ser a letra e que a fronteira da interpretação deixa de ser
a letra, também, então não faz sentido dizer que até aqui ainda é interpretação, porque cabe
na letra e daí para lá já é uma eventual lacuna porque não cabe na letra. Temos uma
realização judicativa que muito mais amplamente vai admitir os sentidos com que os
critérios podem valer.

Nesta construção que é de uma racionalidade analógica e que vai fazer a comparação
entre o problema posto em concreto e o problema resolvido em abstrato, à luz de todo o
sistema, a resposta ao problema da ausência de norma vai ser diferente. Não significa que
não haja situações em que se chegue à conclusão de que não há mesmo norma, mas estamos
a ver que: pode haver norma e ser afastada e pode não haver norma e vamos ver como é que
o problema se resolve — é uma questão de intencionalidade normativa

A integração

1) Referência ao tradicionalmente designado problema das lacunas:

Na perspetiva positivista do século XIX, a definição do juridicamente relevante é


feita pelo sistema e não pelo problema, ou seja, a realidade é vista como o campo de
aplicação das normas. Os factos são relevantes se estiverem previstos numa norma e estar
prevista numa norma significa corresponderem como espécie ao género que a referência
literal, a letra da norma, contém. Ou é ou não é e, não sendo, põe-se o problema de haver
uma lacuna.

Mas será que sempre que não haja uma norma para responder a um determinado problema
teremos sempre uma lacuna?

No presente nós deparamo-nos com a existência de problemas que nos deixam na


dúvida de saber se se encontram previstos ou não em alguma norma — Não é assim tão
claro.
Mas também não significa que sempre que não haja previsão no sistema, haja uma
falha.

Se o sistema jurídico não oferece resposta para um problema: a primeira questão


fundamental é pensar se o problema é juridicamente relevante ainda assim, ou seja, se é do
tipo daqueles que o sistema jurídico considera e para os quais oferece resposta. Se for, é
juridicamente relevante e, portanto, tem de ser integrado independentemente de haver norma

210
legal que o preveja. Mas pode acontecer que o problema não seja juridicamente relevante,
ou seja, pode haver situações em que estejamos perante espaços livre de direito. Há quem
entenda que o espaço livre de direito é um espaço regulado pelo direito, embora não sendo
valorado pelo direito.
Nem sempre a ausência de previsão, seja legal ou outra, significa que haja uma falha,
até porque há lacunas voluntárias, ou seja, as situações em que o legislador entendeu que
ainda não há condições para legislar. Mas, também, existem lacunas involuntárias e essa
podem consistir em falhas, porque a realidade é muito mais rica do que aquilo que o
legislador pode prever.

Olhemos para o modo como a perspetiva positivista punha o problema da integração:

Como vimos, admitindo a plenitude lógica do sistema, todas as resoluções dos


problemas que efetivamente fossem juridicamente relevantes tinham de estar dentro do
sistema. As lacunas seriam afinal só modos diversos de se apresentarem questões que o
sistema ainda poderia abarcar através de argumentos lógicos.

Os critérios da integração:

α) A analogia:

É neste sentido que a analogia é mobilizada como mecanismo de integração de


lacunas, com uma construção típica que culmina na Idade Moderna e que vai ser mobilizada
pelo positivismo do século XIX e que é diferente da noção de analogia originária.

A analogia legis, em geral, seria o primeiro mecanismo de integração de lacunas que


a perspetiva positivista iria mobilizar, perante a verificação de que o facto não estava
previsto na hipótese de uma norma, em sentido literal — Era a possibilidade de ainda ir ver
se era possível subsumir esse facto há hipótese de uma norma que, não prevendo
diretamente, previsse caso análogo.
A analogia legis é um modo de resolução, de construção lógica formal, que parte da
comparação entre dois casos – o caso omisso e um outro caso que está previsto. A
convocação deste sentido da analogia assenta no argumento “onde houver uma razão de ser
de lei aí haverá uma disposição legal”. Significa que temos uma indução e dedução
localizadas, ou seja, depois de fazer a comparação entre os dois casos, e se não
encontrássemos nenhuma norma ao qual o facto pudesse ser subsumido, então, foi procurar-
se um facto análogo que estivesse previsto num enunciado legal de uma norma. Tendo-o
encontrado, vamos verificar a indução do facto omisso à norma que prevê o facto análogo e
a dedução para o facto análogo, da solução dada ao facto previsto.

b) A autonomia constitutiva do julgador: consideração do artigo 10º, nº 3, do CC –


problematização do significado do cânone do legislador:

O artigo 10º do CC, que já não está na construção positivista, no seu número 1, diz-
nos que “os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos

211
análogos”. Temos aqui uma consideração da analogia legis, que reporta aquilo que
acabamos de referir para uma perspetiva mais formalista. O artigo 10º diz-nos também que
há analogia sempre que “no caso omisso procedam as razões justificativas da
regulamentação do caso previsto na lei”. As razões justificativas têm muito a ver com a
teleologia da norma, temos aqui uma referência a uma analogia teleológica, que reporta ao
sentido que Heck põe para a integração de lacunas.

Quando não fosse possível integrar uma lacuna através da analogia legis, em sentido
formal, no positivismo, abrir-se-ia uma última possibilidade – a de recorrer diretamente ao
princípio geral de direito, em que, embora não houvesse norma, se houvesse, a norma se
inseriria. Esta operação chamar-se-ia analogia iuris.

Chegados a este limite, se o facto não fosse suscetível de ser integrado, nem através
de interpretação, nem de analogia legis, nem por analogia iuris, seria considerado
juridicamente irrelevante. Daqui conclui-se que as lacunas são um falso problema, porque
ou são integradas através dos próprios mecanismos de que o sistema já dispõe, ou serão
juridicamente irrelevantes.

Na perspetiva de Heck, a fronteira de interpretação não está na letra e chegar à


conclusão de que existem lacunas não era algo que resultasse da consideração de que não
está na letra. Mas, antes, a conclusão de que não se encontrava nenhuma norma positivada
em cuja intencionalidade normativa pudesse fazer-se correspondência com o problema
posto do conflito de interesses sub judice.
Neste sentido, Heck propunha, em primeira instância, uma analogia legis, mas que é
teleológica, ou seja, seria necessário ir à procura de uma norma que, não resolvendo aquele
concreto tipo de conflito de interesses, resolvesse outro tipo de interesses análogo, que
pudesse ser mobilizada para um juízo analógico com aquele problema concreto. Se isso não
fosse possível, abrir-se-ia a possibilidade de se recorrer às valorações dominantes na
comunidade, quanto ao sentido de direito, relativamente aquele tipo de problema e, por
último, às próprias valorações que o juiz fizesse sobre os sentidos que a comunidade
admitisse relativamente aquele tipo de problema.

O artigo 10º do CC apresenta-nos referência a analogia legis, já com alguma


abertura que nos remete para alguma construção analógica e, no número 3, propõe-nos uma
solução diferente, que é a consagração do cânone do julgador como se fora legislador, já
que se diz que: “Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o
próprio interprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”. Este artigo
tem, ainda hoje, inúmeras interpretações.

212
Este cânone do julgador como se fora legislador remonta a Aristóteles:

Possibilidades admitidas:

− Se não houver solução no sistema, cabe ao julgador estabelecer opção -


compreensão funcionalizada do direito;

− Num sentido jurídico mais tradicional e formalista: Há quem entenda que temos
aqui analogia iuris – não sendo possível resolver o problema através da analogia legis, há
que recorrer aos princípios gerais de direito.

− Numa perspetiva mais formalista: há quem entenda que o recurso à norma que o
interprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema não é uma analogia
iuris. A construção da norma ad hoc para a resolução do problema, de um ponto de vista
mais formalista, implica que no momento em que o intérprete tenha de criar essa norma se
abstraia das circunstâncias concretas do problema, tenha em conta os princípios gerais de
direito e crie um critério cuja vigência se esgota na aplicação aquele problema concreto
omisso.

3) O sentido geral do problema do “desenvolvimento transsistemático do direito”

A consideração do espírito do sistema não tem de ser obrigatoriamente uma


manifestação de clausura do sistema.

Claro que as conceções mais formalista enveredam por esse tipo de resposta. Mas,
olhando para o número 3 do artigo 10º, de uma perspetiva jurisprudencialista e pressupondo
uma ideia de sistema aberto, vamos ter de chegar à conclusão de que: nesta analogia legis
continuamos a ter a analogia entre um problema e o sistema, só que não há norma que
diretamente preveja o problema.

O que Castanheira Neves nos diz é que, quando há norma que directamente prevê o
problema, temos uma analogia imediata entre o problema e a norma e, quando não há,
temos uma analogia mediata, porque vai ser preciso estabelecer a analogia entre o problema
e eventualmente outra norma ou outro critério, ou mesmo à luz dos princípios normativos,
ou se de todo não é possível encontrar no sistema constituído a solução, esta realização de
direito sem a mediação da norma pode levar ao desenvolvimento autónomo do sistema
jurídico, que é transsistemático, ou seja, obrigar o legislador a criar uma solução/um critério
para resolver aquele problema e que passa a integrar o sistema jurídico, porque uma vez que
aquele problema é resolvido através de uma decisão judicial, entra para o estrato da
jurisprudência judicial e, como tal, é um critério a considerar para o futuro.
Estamos num sistema de legislação e se o legislador vem tomar posição quanto à
questão que não tinha solução expressa na lei, naquele momento, o estrato da norma legal
vai ter de ser considerado nos casos futuros análogos.

213
O CC de 1867, no artigo 16º, consagra que “Se as questões sobre direito e obrigações
não puderem ser resolvidas nem pelo texto da lei nem pelo seu espírito, nem pelos casos
análogos, prevenidos em outras leis, serão decididas pelos princípios de direito natural
conforme as circunstâncias do caso”. Este artigo mostra-nos que não há uma referenciação
absolutamente formalista — a maior parte dos autores entende que existe uma remissão
para os princípios gerais do direito.

O problema da concorrência das normas no tempo:

O direito ou é vigente ou não é direito: O direito existe para ser vigente e se projetar
na realidade, para que, em termos práticos, o jurista, comprometido com a sua tarefa prática,
possa compreender o sentido com que desempenha essa tarefa e, simultaneamente,
compreender e projetar na realidade direito e não uma mera aplicação normativa de
critérios. Isso significa que perante os problemas da realidade, cumpre saber qual é o direito
em vigor para lhes responder.

O que está aqui em causa são questões fundamentais da vida comum, em que se nos
apresentam problemas cruciais, como por exemplo:

A e B celebraram um contrato de arrendamento antes do momento em que entrou em


vigor uma lei que exige forma escrita para a sua validade formal. Será que, uma vez
entrando em vigor a lei que exige essa forma escrita, o contrato passa a ser inválido?

A situação da realidade concreta em que se cristalizou também se desenvolveu ao


longo do tempo e está em desenvolvimento no momento em que entra em vigor uma lei
nova. As situações jurídicas vão sendo constituídas e a lei vai sofrendo alterações ao longo
do ponto e será que isso significa que a cada momento que a lei muda abruptamente, o
estatuto jurídico da situação também muda?

Valores em causa/exigências que se afirmam predominantemente no problema da


concorrência das normas no tempo:

» Garantir a estabilidade das soluções envolvidas;

» Solução normativo-judicativamente mais adequada de cada situação concreta;

» Salvaguarda da confiança dos intervenientes;

» Realização do interesse público

Outro exemplo será o de A e B, que celebraram um casamento, no momento em que


o regime supletivo era o da comunhão geral. A partir do momento da entrada do Código de
1966, o regime supletivo passou a ser o da comunhão de bens adquiridos.
A questão que se põe é a de saber se o casamento foi anterior ao dia 1 de junho de
1967 (entrada em vigor do CC de 66), será que isto significa o regime de bens daquele
casamento mudou? — não
214
Mas e se o que estiver em causa for a mudança do regime jurídico das causas de divórcio? -
a questão não é tão clara.

Existe um princípio geral da proibição da retroatividade das leis, ou seja, a lei só


dispõe para o futuro.

O legislador, muitas vezes, estabelece um regime transitório para cada situação, no


entanto, se há situações em que a retroatividade é proibida, também há situações em que a
retroatividade é obrigatória.

» Exemplo de situação de proibição de retroatividade: lei penal incriminadora;


relativamente à criação de impostos.

» Exemplo de situação de obrigação de retroatividade: artigo 2º do CP – se uma


determinada lei vem reduzir a moldura penal e alguém estiver a cumprir pena por esse
mesmo crime, atingindo o novo máximo de pena, saí em liberdade.

A retroatividade absoluta, por regra, é proibida. Mas há situações quer de


retroatividade inautêntica, quer de retrospetividade ( a lei só vigora para o futuro, mas
produz efeitos em relação a situações anteriores à sua entrada em vigor).

A teorização deste problema da concorrência da lei no tempo acentua-se na Idade


Moderna e a partir da ideia de que a lei não pode atacar as situações já estabelecidas. A
doutrina com maior força do ponto de vista liberal era a teoria dos direitos adquiridos, no
sentido de que os direitos já adquiridos não podiam ser trocados pelas leis novas. Mas, isto
provocava o problema de saber o que são direitos adquiridos e expetativas jurídicas, se
todos os direitos adquiridos estariam nessa situação e se outras expetativas não teriam de
estar protegidas, mesmo que não fossem direitos adquiridos.
Existiu uma formulação que se confrontou com esta – a doutrina do facto passado –
e que vai determinar que tenhamos a aplicar a um facto, por princípio, a lei em vigor no
momento em que ele ocorre (artigo 12º do CC).

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