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Sumários das aulas práticas Metodologia do Direito Brisa Paim Duarte

Aulas 6 e 7 (15/11/2023, 22/11/23)

Sumários das aulas práticas de Metodologia do


Direito
Brisa Paim Duarte

4. O ESQUEMA METÓDICO NA PERSPECTIVA JURISPRUDENCIALISTA DE A.


CASTANHEIRA NEVES (I)

4.1. A título preliminar: uma referência ao sentido da distinção, no pensamento jurídico


«tradicional» (de inspiração positivista e normativista), entre questão de facto e questão de
direito (a pressupor um direito em abstrato, constitutivamente distinto da relevância empírica
e teorético-científica dos «factos», na autoevidência destes, e a autonomizar metodicamente
momentos puramente fácticos e momentos puramente normativos). No entanto, trata-se de
uma referência e de uma especificação afinal já identificadas no discurso pré-moderno sobre
a prova forense, na sua inteligibilidade retórica — e, assim sendo, no contexto de uma
racionalidade prático-prudencial.
Esclarecimento do sentido crítico, ao mesmo tempo desconstrutivo (daquela acepção
positivista) e propositivo-refundador (no universo do exercício de uma racionalidade prático-
prudencial especificamente jurídica), em que tal distinção será assimilada no discurso
metodológico jurisprudencialista: o continuam metodologicamente relevante entre questão-
de-facto e questão-de-direito e a impossibilidade de uma autonomização dos «momentos» do
raciocínio e do exercício metodológico em etapas ou passos separados e estanques, analítica e
cronologicamente sequenciais. Uma distinção didática e a sua relevância: promover um
pensamento situado nos núcleos problemáticos enfrentados em cada «momento», bem como
nas diferentes respostas e operações metodológicas que tais núcleos permitem relevar, na sua
complementaridade reflexiva e unidade crítico-constitutiva. A prioridade do caso enquanto
ponto de partida e perspetiva interrogante. A questão-de-facto como uma pergunta prático-
normativa, na sua inteligibilidade dialética (sistema-problema), e não como uma questão
puramente empírica ou «fáctica». A natureza prático-normativa e dialética (nuclearmente
problemática) das diferentes perguntas suscitadas na questão-de-direito. A analogia como
nota estruturante da racionalidade a mobilizar, a exigir a preservação da perspetiva do caso
em todo o percurso do esquema metódico e, neste sentido, a manutenção de um esforço de
comparabilidade entre relata particulares (filtrados na sua inteligibilidade problemática). Um
panorama do esquema metódico.

4.2. A questão-de-facto: a determinação da relevância jurídica das controvérsias práticas, na


sua novidade (das perguntas de direito que estas permitem suscitar), submetidas a uma praxis
de identificação e de especificação de casos jurídicos (analogia de objetivação tematizante).
A determinação do âmbito desta relevância: os «momentos» da qualificação prático-
normativa (analogia de qualificação especificante) e da prova (analogia de comprovação
problematizante). O sentido do direito como tertium comparationis, a convocar um exercício

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de comparação entre problemas (entre o mérito problemático do caso e a intencionalidade


problemática do sistema jurídico e dos domínios práticos que este assimila-estabiliza). Um
momento aberto e heurístico, a admitir possíveis revisões-reformulações. A relevância da
preparação do jurista e da judícia judicativa neste momento inicial ou «pressuponente» do
exercício metodológico (assente na experiência que os juristas vão fazendo do sistema
jurídico e do tipo de problemas que este releva).

a) Uma concentração na identidade problemática da controvérsia probatória: a


relevância do «momento» da prova na construção do caso, enquanto experiência de
Poíēsis.

a`) Alusão aos distintos tratamentos do problema da prova, à luz da racionalidade prático-
prudencial, dialógico-dialética, tópico-retórica e argumentativa da pré-modernidade, na sua
dinâmica controversial, e da racionalidade teorético-explicativa e epistémica (cientificista) da
modernidade.

O tratamento pré-moderno e a preservação da perspetiva do caso-controvérsia, na sua


dinâmica argumentativa, situada na procura da constituição de uma verdade prática, apoiada
em modelos de credibilidade que convocam endoxa, enquanto premissas geralmente aceites
(lugares-comuns no universo de uma específica comunidade de discurso). O papel das artes
argumentativas dialética e tópico-retórica, e dos respetivos tipos de argumentação que estas
envolvem (breve referência à compreensão aristotélica). A relevância de um saber
tecnicamente orientado para as formas válidas de produção do convencimento, enquanto
experiência de verosimilhança positivamente (constitutivamente) assente numa diferença,
atenta uma teoria dos erros e das patologias da argumentação. O contraponto entre verdade
teorética e verdade prática e a os diferentes mundos discursivos que esta distinção suscita.
A relevância atual da experiência de racionalidade invocada nesta perspectiva, mas, em
simultâneo, a rejeição da possibilidade de retorno acrítico ao passado que esta opção
implicaria (incompatível com as exigências axiológico-normativas da experiência do direito
prático-culturalmente estabilizada, por um lado, e, por outro, com a pluralidade e a
complexidade da praxis contemporânea…).

O tratamento moderno e a experiência da prova enquanto intervalo-hiato teorético-científico,


a determinar a suspensão da intencionalidade jurídica (prático-normativa). A relevância do
método das ciências empírico-explicativas e a procura da certeza científica e da verdade
teorética (na sua pretensão de universalidade, invariabilidade e estabilidade), apoiadas em
hipóteses e regras gerais de explicabilidade, teorias construídas e mobilizadas com o apoio da
lógica formal. A simplificação da realidade juridicamente relevante: um acervo de factos /
dados empíricos transparentes e isolados, expostos à lógica (autoevidente) das inferências e
das induções e favoráveis a deduções. Como se cada um desses factos pudesse colher, numa
certa regra de explicabilidade, ou nos conjuntos dessas regras, que lhes fossem aplicáveis (às
quais pudessem ser subsumidos), uma explicação cabal e universalmente aceite. E como se o
julgador devesse acriticamente mimetizar, com as devidas adaptações em função da
específica circunstância discursiva e institucional em que se insere, o modus operandi da
comunidade científica (à partida o único capaz de aceder racionalmente à verdade acerca
daquilo que aconteceu fora do foro e, especialmente, de expor esta verdade em termos

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racionalmente concludentes). Uma vez identificados, neste intervalo teorético, os factos


«devidamente comprovados», este poderiam ser então enfim submetidos à operação de
subsunção, no âmbito de uma aplicação lógico-dedutiva de normas interpretadas a priori. A
rejeição desta opção.

a´´) o tratamento do problema da prova à luz de uma contemporânea racionalidade


prático-prudencial especificamente jurídica: não se trata de reconstituir simplesmente a
«teoria do status» de Hermágoras, ou de recorrer, neste sentido, acriticamente, à retórica e à
teoria da argumentação clássica e medieval, mas sim de acentuar a exigência de preservação,
durante todo o íter reflexivo, da perspetiva do caso. E de assim reconhecer que a
racionalidade prático-prudencial, na sua dinâmica controversial e inteligibilidade dialética (de
matriz inclusivamente narrativa…), é imprescindível para o tratamento da controvérsia
probatória, assumida esta já como uma especificação problemática, e não como um intervalo
ou suspensão, da controvérsia principal. Uma especificação apenas assimilável no contexto
da construção de uma verdade prática, que se estabilizará num autêntico juízo de
comprovação.

A inteligibilidade narrativa da produção da prova e da experiência do juízo prático-


normativo que a absorve: a consideração de uma narrativa multinível e a distinção entre o
plano semântico (story in the trial) e o plano pragmático (story of the trial) das narrativas
oferecidas pelas partes e pelo julgador (o contributo de B. Jackson). A controvérsia probatória
como uma especificação da controvérsia principal: as distintas versões das narrativas rivais
(estabilizadas em «teia de argumentos e contrargumentos») serão apresentadas como
manifestações de uma diferença juridicamente relevante (em uma experimentação das
exigências do princípio do contraditório) e assimiladas-tratadas por um terceiro, que irá
reconstituir, em uma nova unidade de sentido, essa diferença, integrando na sua própria teia
argumentativa-narrativa todos os elementos probatórios disponibilizados no contexto forense.
Desta reconstituição global (em que se fundem aspetos «semânticos» e «pragmáticos»),
mediada pelos diversos fundamentos e critérios de um autêntico sistema de prova
pluridimensional (e, neste sentido, conduzida em um autêntico discurso de fundamentação, a
convocar um exercício de comparabilidade que há de encontrar no tertium comparationis que
tais materiais permitem experimentar em concreto um sentido irrecusável), resultará uma
terceira narrativa (uma narrativa-terceira) que irá estabelecer a verdade prática essencial para
a fixação dos contornos do problema jurídico a resolver. Trata-se de uma construção judicial
analogicamente densificada, marcada pela preservação da perspetiva do caso e da sua
dinâmica controversial, mas «temperada» pela mobilização metodologicamente lograda dos
materiais jurídicos e dos distintos equilíbrios prático-normativos que estes permitem. E que,
como a expressão de um juízo jurídico, se reconduzirá produtivamente ao «fluxo» da
controvérsia principal. Obs.: Uma atenção especial à relevância metodológica da prova
pericial (e da presunção, ilidível, de fiabilidade, de que esta se beneficia).

Bibliografia: v., especialmente, A. C. Neves, Metodologia Jurídica – problemas


fundamentais, pp. 159-166; F. J. P. Bronze, Metodologia do Direito, pp. 300-316; J. M. A.
Linhares, «Evidence (or Proof?) as Law’s Gaping Wound […]»; «Regras de procedimento e

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de juízo, prova pericial e valoração judicativo-decisória […]», esp. pp. 13-ss (v. Material de
apoio).

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