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Hipóteses
Dado que, no dizer de Poincaré, “os fatos não falam”, o real nunca toma a iniciativa,
uma vez que só pode responder se interrogado. Temos aí a base epistemológica para
executar a fase de elaboração da problemática da pesquisa. Ela vem a ser a visão global
do próprio objeto da pesquisa e do domínio científico (disciplina) no qual ela se
desenvolve. E a problemática que permite submeter a uma interrogação sistemática os
aspectos da realidade relacionados pelo sistema das questões, teóricas e práticas, que lhe
são apresentados. As respostas antecipadas a essas questões integram a fase de
elaboração das hipóteses que devem estar presas conceitualmcnte à problemática. Uma
vez que os aspectos ou fatos da realidade não são dados, estes, quando obtidos por meio
das técnicas de investigação, já implicam supostos teóricos. A crítica epistemológica
das técnicas deve ser feita já na própria elaboração da problemática da pesquisa,
deslocando a tradicional visão da “neutralidade axiológica” das técnicas pela concepção
de técnicas como “teorias em ato”.
A explicitação conceitual vem a ser a própria consistência semântica da teoria como corpo
de conceitos. Os conceitos contêm propriedades explicativas, e sua explicitação deve se
efetuar durante a pesquisa para preparar o teste das hipóteses, ou seja, ela permite
operações referenciais sobre os objetos de investigação, na medida em que, a partir da
definição dos conceitos, estes podem ser progressivamente decompostos em indicadores
empíricos por meio do processo de operacionalização.
Dessa maneira, os
objetos científicos são “conquistados, construídos e comprovados”,
segundo Bachelard. Sua própria natureza é “instrumentada” pelas técnicas que os
coletaram e tornada significativa pelo sistema teórico que os produziu ou acolheu. Os
objetos remetem a enunciados empíricos que descrevem situações observadas, enquanto
as teorias apenas apresentam, em sua linguagem hipotética, a possibilidade de tais
situações. Dessa forma, a instância técnica e a teoria são indissociáveis. O polo técnico
é o momento da observação, do relatório dos fatos, enquanto o polo teórico é o
momento da interpretação e da explicação desses fatos. À “evidência” empírica não
pode ser separada da “pertinência” teórica; o fato é o correlato da ideia.
Por isso, pensar em sistema de hipóteses implica não apenas a articulação de várias
hipóteses dando conta dos diversos níveis de concreção do objeto, mas também
estabelecer diretrizes entre hipóteses centrais mais amplas, e hipóteses derivadas ou
secundárias mais específicas. Permite-se assim trabalhar inter-relacionando movimentos
de indução e de dedução entre as hipóteses. Uma observação se faz necessária sobre a
questão da obrigatoriedade ou não da hipótese numa pesquisa empírica. Trata-se da
presunção de que a hipótese só seria necessária em pesquisas interpretativas, tornando-
se dispensável nas pesquisas descritivas ou de caráter exploratório. Provavelmente esta
posição possa se justificar nas Ciências Exatas, que possuem um corpo teórico e
conceituai já sedimentado c em que novas linhas de pesquisa se implantam atendendo
primeiramente à necessidade de coletar e descrever dados que só posteriormente são
incorporados à teoria. Esse não é o caso das Ciências Sociais. Nestas, por um lado, a
imaturidade de seu corpo teórico e, por outro, a complexidade e a pluridimensionalidade
do objeto, suas variações históricas e seu dinamismo, praticamente as condenariam à
condição de perpétuas “ciências exploratórias”, se não se dispusessem a testar e a
elaborar permanentemente suas hipóteses. Isso torna-se mais necessário no campo
recém-delimitado da Comunicação. É evidente a crescente exigência que temos de
levantar dados empíricos a respeito dos fenômenos comunicacionais, assim como a
necessidade de sua “descrição”, que vem a ser o nível de elaboração mais próximo da
manifestação concreta desses fenômenos.
Como afirmou Bunge, sem teoria não há ciência. Pressupor que a teoria seja um “luxo”
no campo da Comunicação, ou poder abster-se dela, e uma impostura que deve ser
recusada sob pena de privar o trabalho de pesquisa realizado nesse campo da própria
condição de ciência.