Você está na página 1de 4

1 74 construção do projeto de pesquisa: fase exploratória

sc sentido, as correntes intelectuais diversas não se desenvol-


vem isoladamente e, embora frequentemente cooncorram en-
tre si, também são mutuamente afetadas e se enriquecem (Man-
nheim, 1974a).
Dentro dos princípios descritos, passo a discutit os ele-
mentos que compõem a fase exploratória de uma investiga-
ção e todas as suas etapas subsequentes. (1) Analiso alguns
conceitos fundamentais usados na prática das Ciências So-
ciais para a construção do quadro teórico da pesquisa. (2) Eni Capítulo 6
seguida, demonstro que a construção do objeto é labor teóri CONCEITOS PARA OPERACIONALIZAÇÃO
co que requer esforço prático de construção de informação, D A PESQUISA
crítica e experiência. (3) Proponho, finalmente, uma disens
são sobre o instrumento de abordagem dos dados empíricos
e de entrada exploratória no campo da investigação. Ressaltl
uma discussão sobre o tema da Amostragem Qualitativa quf BUSCAREI AQUI DEFINIR ALGUNS TERMOS apropriados
costuma ser u m dos pontos de maior impasse para o invesii K necessários ao desenvolvimento de qualquer investigação:
gador que trabalha em pesquisa de cunho compreensivo. teoria, conceito, noção, categoria, hipótese e pressupostos.

Teoria

Denomino teoria a u m conjunto coerente de proposições


•Ue inter-relaciona princípios, definições, teses e hipóteses e
MINAYO, Maria Cecilia de Souza.
•fve para dar organização lógica à interpretação da realidade
O desafio con conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. •jipírica. Toda a teoria é u m discurso científico que se consti-
14a edição. 1)1 como uma grade através da qual o seu formulador analisa
São Paulo: HUCITEC •1 fenómeno ou u m processo. Uma teoria reúne pressupos-
I e axiomas (uma afirmação cuja verdade é evidente e uni-
408 p.
almente aceita em determinada disciplina) e proposições
icamente inter-relacionadas e empiricamente verificáveis. As
posições de uma teoria são consideradas leis ou teses se já
,un suficientemente comprovadas, e hipóteses, se constituem
da problema de investigação. Na realidade, tanto leis como
leses devem estar sempre sujeitas a problematização e a
imulação pois, como lembra Bachelard (1978), nada i m -
175
176 conceitos para operacionalização da pesquisa conceitos para operacionalização da pesquisa 177
Todo conceito é historicamente construído e para se en-
pode tanto o avanço científico como verdades estabelecidas e
tender seu alcance ou para reformulá-los, nas ciências sociais,
certezas absolutas. A essência de uma teoria consiste na sua
se preconiza que sejam analisados em sua origem e percurso,
potencialidade de explicar uma gama ampla de fenómenos
de forma crítica. A própria hierarquização dos conceitos, numa
por meio de u m esquema conceituai ao mesmo tempo abran- determinada teoria, revela a que aspectos da realidade o teóri-
gente e sintético. I co dá maior atenção. Portanto, na formulação de uma pes-
Todas as teorias são historicamente construídas e expres- quisa, não é o suficiente compreendê-los como operações
sam interesses porque representam o real a partir de determi- lógicas e se estão corretamente concatenados. É preciso, além
nadas escolhas (Habermas, 1980). Elas são, por isso, formas disso, entender o sentido histórico e sociológico de sua defi-
de conhecimento e de ocultamento da verdade, na medida nição e das combinações que produzem.
em que projetam luz sobre determinados aspectos da realida
de e sombreiam outros, evidenciando limitações lógicas e so
Noções
ciológicas (Lukács, 1967; Lowy, 1985).
A relação dinâmica entre teoria e empiria se expressa n o
Faz parte do jargão da pesquisa o termo noção, que ocupa
fato de que a realidade informa a teoria, que, por sua vez, a
m lugar inferior ao termo conceito, para definir uma ideia, u m
antecede, permite percebê-la, formulá-la, dar conta dela, l.i
enômeno, u m processo menos elaborado. Etimologicamen-
zendo-a distinta, n u m processo de distanciamento, aproxim.i
€ a palavra conceito vem de concepção, isto é, está vinculada à
ção e reorganização. A teoria domina a construção do conhci i
ubjetividade referindo-se a algo humanamente construído
mento por meio de conceitos gerais considerados verdadeiros
Éara explicar fenómenos e processos. No entanto, como já
Seu aprofundamento, de forma crítica, permite desvendar dl foi dito, o termo conceito remete a uma refinada elaboração
rhensões não evidentes da realidade, mas o acesso a uma teO histórica e teórica, por isso diz respeito aos pilares do discur-
ria ajuda apenas quando o investigador faz perguntas p a u lo científico. Ao contrário, noções dizem respeito aos elemen-
nentes e inteligentes sobre a realidade que pesquisa. tos de uma teoria que ainda não possuem clareza suficiente
Conceitos fcflra alcançar o status de conceito e são usados como "ima-
• n s " para explicações aproximadas do real. No entanto, as
Toda construção teórica é u m sistema cujas vigas mestl
1
•pões também representam o esforço do pensamento para
estão representadas por conceitos. Conceitos são unidades i •screver determinadas experiências e, por isso, ocupam lugar
significação que definem a forma e o conteúdo de um.i li I •t* importância no processo de investigação, uma vez que todo
ria. Podem ser considerados como operações mentais quí f l • b e r está baseado em pré-conhecimento, todo fato e todo
fletem pontos de vista verdadeiros e construídos em rel.ii | • d o já são interpretações: "Se não quisermos que as catego-
dinâmica com a realidade (sempre dentro de u m quadm li • t t analíticas que adotamos permaneçam estranhas ao obje-
rico determinado). Os conceitos podem ser considerad< > l | | • " , diz Demo, "devemos aceitar a existência de noções pré-
caminho de ordenação teórica dos fatos, relações e proa • l " (Demo, 1981, p. 18).
sociais, devendo ser, pelo confronto com o campo emplil
permanentemente recriados e reconstruídos.
conceitos para operacionalização da pesquisa conceitos para operacionalização da pesquisa
178 179

de alto poder explicativo como classe social, género, etnia,


Categorias faixa etária. E outros termos como estado civil, religião, parti-
cipação social e participação política.
Categorias são conceitos classificatórios. Constituem-se Ao contrário, categorias operacionais são construídas com
como termos carregados de significação, por meio dos quais a finalidade de aproximação ao objeto de pesquisa (na sua fase
realidade é pensada de forma hierarquizada. Todo ser huma- empírica), devendo ser apropriadas ou construídas com a fi-
no classifica a sociedade e os fenómenos que vivência. O cien- nalidade de permitir a observação e o trabalho de campo. Por
tista o faz de maneira diferenciada: cria sistemas de categorias isso, fazem parte da elaboração específica de cada projeto de
buscando encontrar unidade na diversidade e produzir expli investigação e devem ser claras, bem definidas e, como o pró-
cações e generalizações. Na visão positiva, as categorias são prio nome indica, operativas.
consideradas "rubricas o u classes que reúnem u m grupo de Quando são construídas a posteriori, a partir da compreen-
elementos sob u m título genérico, agrupamento esse, efetn.i são do ponto de vista dos atores sociais, possibilitando des-
do em razão dos caracteres comuns desses elementos" (Bai vendar relações específicas do grupo em questão, são chama-
din, 1979, p. 117). «l.is Categorias empíricas. Categorias empíricas constituem-se em
Na Introdução à Crítica da Economia Política Marx (197 í), i l.issificações com dupla forma de elaboração: são, antes de
faz uso por diversas vezes do termo categoria para indicar con i IH lo, expressões classificatórias que os atores sociais de de-
ceitos relevantes e carregados de sentido que permitem rx i' i minada realidade constroem e lhes permitem dar sentido a
pressar os aspectos fundamentais das relações dos seres lui u.i vida, suas relações e suas aspirações. Portanto, emanam
manos entre si e com a natureza. Dentro do pensamrnii (lii realidade. Por outro lado, são elaborações do investigador,
dialético, assim como os conceitos e as noções, as categoria Já lua sensibilidade e acuidade que lhe permitem compreen-
não são entidades, são construções históricas que atravessai li las e valorizá-las, à medida que vai desvendando a lógica
o desenvolvimento do conhecimento e da prática social Pm Interna do grupo (objeto) pesquisado e descobre essas ex-
f i f . s o c s , as exploram e sobre elas criam construtos de segun-
exemplo, trabalho, classe social, família, consciência de cl.ixiil
lii irdem. Geralmente, quando u m pesquisador consegue
saúde, doença, idade, dentre outras, são categorias que t i l
i ii i-mler e compreender as categorias empíricas de classifica-
pressam a unidade das relações entre a dinâmica da históild *
i " <l.i realidade do grupo investigado, perceberá que elas são
o pensamento lógico.
n i n i i l . i s de sentido e chaves para compreensão teórica da
Para a finalidade da pesquisa social, utilizo aqui uin.i t \m
i l i . l . u l e em sua especificidade histórica e em sua diferencia-
sificação do conceito de categoria separando Categorias WM/|
iiilrrna.
ticas, Categorias Operacionais e Categorias Empíricas. C O I I - . H I I I I
categorias analíticas as que retêm, historicamente, as i r l . i n w Hipóteses
sociais fundamentais, servindo como guias teóricos c h . i l U f l
para o conhecimento de u m objeto nos seus aspecto-. > i 'i I m o as hipóteses como afirmações provisórias a respeito
Elas comportam vários graus de generalização e de a p i u * i i M É • tliii iminado fenómeno em estudo. São proposições a se-
ção. Por exemplo, hoje u m investigador social não poili >\m m i i -.i.iil.is empiricamente e depois confirmadas ou rejeita-

pensar em seus estudos as categorias de elevada a b s i m IH j H n i . i hipótese científica deriva de u m sistema teórico e
conceitos para operacionalização da pesquisa conceitos para operacionalização da pesquisa 181
180

dos resultados de estudos anteriores e portanto fazem parte tuindo o termo Hipótese que possui conotações m u i t o for-
ou são deduzidas das teorias, mas também podem surgir da mais e, por vezes, inadequadas ao objeto de estudo qualitati-
observação e da experiência, no interjogo sempre inacabado vo. Na verdade, os dois termos, pressupostos e hipóteses, são
que relaciona teoria e prática. usados, dependendo do nível de avanço do conhecimento
Goode & Hatt (1979) propõem algumas condições para a em relação ao tema da pesquisa. Nos estudos exploratórios
formulação de hipóteses em ciências sociais: (a) que sejam cabe melhor o termo pressuposto. Nos que tratam de continui-
conceitualmente claras, parcimoniosas e com poder explicati- dade e avanço de investigação é adequado usar hipótese.
vo, chegando a definir sua operacionalidade; (b) que tenham É importante, cada vez mais, ultrapassar o debate inútil
referências empíricas, isto é, que estejam relacionadas com os sobre a cientificidade das ciências sociais, exigindo que, para
fenómenos concretos que se pretende estudar; (c) que este- q u e sejam científicas e válidas, sempre apresentem dados quan-
jam relacionadas com as técnicas disponíveis, isto é, possibili- liíicáveis. Os estudos qualitativos também possibilitam cons-
tem a apreensão empírica dos aspectos que se quer investigar. truir teorias, reformulá-las, re-focalizá-las ou clarificá-las, como
Da mesma forma que os termos problematizados ante- n argumentei por diversas vezes, anteriormente. A natureza
I H . l i s aberta e interativa de u m trabalho qualitativo que envol-
riormente, as Hipóteses têm sua historia, fazem parte do qua-
dro de preocupações teóricas e práticas do investigador quan i observação participante, permite que o investigador com-
hine o afazer de confirmar ou desconstruir hipóteses com as
do se pergunta sobre os aspectos da realidade que pretende
V i i n l a g e n s de uma abordagem não estruturada. Levantando
investigar.
Interrogações que vão sendo discutidas durante o processo
O termo hipótese entrou na história da ciência pelas mãos
nabalho de campo, o investigador elimina questões irrele-
das ciências naturais e possui uma conotação positivista, uma
H i i e s , dá ênfase a determinados aspectos que surgem empi-
vez que proveio da crença de que existe conhecimento objeli
i mente e reformula suas hipóteses ou pressupostos iniciais
vo e de que essa objetividade se concretiza em provas estai is
t |uovisórios.
tico-matemáticas. Todas as correntes de pensamento das ciêí
\ observações sobre a questão das hipóteses na aborda-
cias sociais acolheram o termo e seu sentido dentro de su.tl
III <|iulitativa remetem a u m clássico da antropologia, Mali-
elaborações conceituais, mas cada uma delas o reinterpreta M
• l>i De acordo com a orientação desse investigador semi-
acordo com seu discurso teórico. Para efeitos deste traballinj
H<II | I,I 1,1 a metodologia antropológica, o pesquisador tem de
abordarei o significado dado ao termo pelas correntes eolj
merar na construção, ampliação, articulação e aprofun-
preensivistas.
iii MI.) de seu quadro teórico. É esse referencial que lhe
Na abordagem qualitativa, o termo hipótese é utilizaild
l l i i i i n . i estabelecer perguntas fundamentais para compre-
sobretudo, quando se trata de aprofundamento de eslmliJ
t i M " il.i realidade empírica. Porém, é fundamental que con-
já realizados o u de cooperação com análises quantitam | ilieriura e flexibilidade capazes de, apesar da teoria, des-
Costuma-se usar, também, o termo pressupostos quando o i f l i particularidades da realidade empírica (Malinowski,
vestigador que usa a abordagem compreensiva se refere ,i • I J 1 iilamente essas observações situam o trabalho cien-
boração de parâmetros básicos que permitem e n c a m i n l u i l •' • IH .u ima de uma postura técnica de comprovação ou
investigação empírica qualitativa. O termo Pressupostos |><i« • i " d e hipóteses.
ria ser considerado como u m conceito mais brando, siihtdj

Você também pode gostar