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Psicopatologia

Dra Ilda Morais Dr. Carlos Braz Saraiva

2 de Outubro de 2015
Conteúdo

1 Apresentação 6

2 Motricidade e Linguagem 8
2.1 Alterações Motoras Neurológicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.1.1 Alterações da Linguagem Neurológicas . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.2 Alterações Motoras Compreensı́veis Psicologicamente . . . . . . . . . . . . . 12
2.3 Alterações Motoras e da Linguagem Psicóticas . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

3 Contacto 18

4 Estado de Consciência e Atenção 19

5 Humor, Afetividade e Ansiedade 22


5.1 Ansiedade vegetativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
5.2 Ansiedade motora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
5.3 Ansiedade cognitiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

6 Pensamento 31
6.1 Alterações do curso do pensamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
6.2 Alterações da forma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
6.3 Alterações da posse do pensamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
6.4 Alterações do conteúdo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

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7 Alterações da Perceção 37
7.1 Distorções sensoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
7.1.1 Alterações de intensidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
7.1.2 Alterações da qualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
7.1.3 Alterações da forma espacial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
7.2 Enganos Sensoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
7.2.1 Ilusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
7.2.2 Alucinações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

8 Alterações da Estrutura do ”EU” 42

9 Memória 43

10 Inteligência 45

11 Funções biológicas vitais 47

Referências 49

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Introdução

Em Psicologia Levanta-se o problema da avaliação objetiva dos sintomas psiquiátricos. Ao


avaliarmos um caso clı́nico devemos ter consciência de que é difı́cil eliminar, totalmente,
a subjetividade do entrevistador. No entanto, devemos esforçarmo-nos por ser neutrais,
não permitindo qualquer envolvimento emocional com o caso e fazer uma avaliação o mais
objetiva possı́vel. Deve evitar-se a credulidade sem crı́tica pois o conhecimento exato dos
factos é mais importante do que a opinião que o doente possa ter acerca deles.
As conotações diferentes que muitas vezes se atribuem aos mesmos termos, bem como
as dificuldades reais que existem em estabelecer limites precisos entre o que é normal e
o que é patológico são as duas principais razões que dificultam a prática psiquiátrica.
Porque se levantam muitas vezes problemas de terminologia, ao utilizar-se um termo técnico,
na elaboração de uma história clı́nica, é conveniente ter o cuidado de exemplificar, com
algumas palavras do próprio doente, para facilitar a interpretação e compreensão por outros
observadores.
Quando um doente aparece na consulta deve fazer-se, não apenas uma avaliação do seu
estado orgânico, mas também do seu estado psı́quico prestando particular atenção a como
ele se apresenta, fala, pensa e sente. Os clı́nicos devem ter sempre presente que o doente
é constituı́do por um todo biológico, psı́quico e social e não apenas pela sua parte fı́sica.
A parte psı́quica que muitas vezes se esquece ou ignora pode influenciar decisivamente a
evolução de uma situação predominantemente orgânica.
No lado psı́quico, um dos aspectos mais importantes é o exame mental que corresponde

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a um corte transversal no estado e sintomatologia que o doente apresenta. Para fazê-lo é
necessária um bom conhecimento da Psicopatologia.
Para facilitar a sistematização e a orientação a seguir no exame mental apresenta-se uma
ordem a que poderá obedecer a observação e registo dos dados psicopatológicos:

1. Apresentação do doente

2. Motricidade e Linguagem

3. Contacto

4. Consciência e Atenção

5. Humor, Afetividade e Ansiedade

6. Pensamento

7. Perceção

8. Alterações da Estrutura do EU

9. Memória

10. Inteligência

11. Funções biológicas vitais

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Capı́tulo 1

Apresentação

Começa-se por fazer uma avaliação do tipo de doente a observar, anotando se ele vem por
iniciativa própria, se forçado por outros ou se enviado pelo seu médico assistente.
Isto dá logo uma primeira ideia acerca da gravidade da situação, da crı́tica que o doente
mantém sobre a sua doença e vai permitir, embora de uma forma grosseira, traçar duas
grandes linhas gerais de pesquisa posterior:

(a) Patologia Psicótica - o doente não tem crı́tica adequada e, habitualmente, vem forçado
por outros.

(b) Patologia Neurótica - o doente tem crı́tica razoável da situação e vem de livre vontade
ou aconselhado.

Quando se avalia o aspecto fı́sico (Biótopo) isso pode dar pistas de possı́veis fontes
traumáticas - por exemplo, o biótipo displásico, origina muitas vezes conflitos por alterações
da imagem corporal. Os outros biótipos que podemos encontrar são o normolı́neo, o bre-
vilı́neo, o longilı́neo, o atlético e o asténico. Classicamente, e segundo alguns autores, embora
nem sempre assim aconteça, o biótipo brevilı́neo, ou pı́cnico parece ser mais propenso ao de-
senvolvimento de doenças afetivas; o longilı́neo mais ao desenvolvimento de esquizofrenia e
o atlético e asténico mais propensos para doenças de foro neurótico.

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Pela forma como o doente se veste e cuida da sua higiene pessoal (tendo em linha de
conta, ao avaliar estes aspectos, o ambiente social em que ele está inserido) pode ver-se se
será um perfeccionista, um exibicionista ou um ”desleixado”.

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Capı́tulo 2

Motricidade e Linguagem

Em determinados casos, durante a primeira avaliação, o psiquiatra só dispõe dos dados
colhidos pela observação da apresentação do doente e do seu comportamento motor.
Para estabelecer um juı́zo prévio, podem tirar-se daqui informações muito valiosas.
Em relação à motricidade deve registar-se, de uma forma geral, se o doente está agitado,
inquieto, lento, apático, estático, hiperativo ou estuporoso.
Por vezes, não é fácil dizer se o doente está inquieto, agitado ou hiperativo, visto entre
estas três situações existirem apenas diferenças de gradação cujos limites são difı́ceis de
precisar. A inquietação é a atividade motora que traduz preocupação podendo manifestar-
se, por exemplo, por contorcer as mãos, por limpar um suor imaginário da face, etc.
A agitação é um pouco mais intensa, podendo o doente ser incapaz de estar sentado na
cadeira, - levanta-se e dá pequenos passeios pelo gabinete, volta a sentar-se, mexe-se várias
vezes, etc. - e, geralmente, é também mais duradoura.
Na hiperatividade o indivı́duo pode estar descontroladamente excitado, correndo pela
sala, agitando os braços, por vezes falando muito alto, ou gritando; pode atirar objetos,
pode tentar executar várias tarefas nunca conseguindo acabar nenhuma. A hiperatividade
pode apontar-nos, por exemplo, para a pesquisa de doenças cerebrais orgânicas ou de psicose
manı́aco-depressiva, em fase manı́aca.

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A lentificação motora para quadros afetivos do tipo depressivo.
A inquietação para quadros ansiosos. A apatia e o estupor para quadros psicóticos
esquizofrénicos, ou outros, ou para uma depressão muito grave.
Devemos também verificar a postura; se ela é tensão ou flácida, se expansiva ou retraı́da
e se há ou não esteriotipias motoras - estas últimas são mais caracterı́sticas da esquizofrenia.
Embora com algumas variações individuais e culturais, a expressão facial ou mı́mica, é
de extrema importância.

Exemplo. É caracterı́stico dos latinos uma grande expressividade emocional. Eles acompa-
nham, habitualmente, a fala com amplos gestos. Ao contrário destes, os anglo-saxónicos são
pouco expressivos, muito parcimoniosos. Assim, um latino em Londres pode, eventualmente,
ser considerado hipomanı́aco ou mesmo manı́aco, se não se tiverem em atenção as diferenças
culturais.

Tendo em conta estas variações, como se apresenta então o doente?


Alegre? Triste? Expressivo? Inexpressivo? Atemorizado? Perplexo?
Na mania, o doente está despropositadamente alegre, bem disposto, eufórico e muito
expressivo. Na depressão, o indivı́duo apresenta-se triste, pouco expressivo ou com facies
carrancudo.
Se o doente ri é importante observar se o riso é adequado ou imotivado. Neste último
caso pode tratar-se de uma esquizofrenia.
Os movimentos que têm determinado objetivo também devem ser alvo de observação
cuidadosa. Este aspecto será mais pormenorizado, oportunamente, neste capı́tulo.
Depois desta avaliação, em termos gerais, passa-se a uma avaliação um pouco mais es-
pecı́fica das alterações motoras e da linguagem.
As alterações patológicas dos movimentos pertencem, na sua maioria, a quadros neu-
rológicos. No entanto, em psiquiatria há alguns sı́ndromes que apresentam alterações carac-
terı́sticas do comportamento motor e que serão abordados mais adiante.

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Por vezes, as mesmas alterações motoras podem aparecer quer em quadros orgânicos,
quer em situações psiquicamente compreensı́veis, quer ainda em psicoses.
Algumas predominam mais nuns quadros do que noutros. Em muitos casos é impossı́vel
separá-las de acordo com os quadros em que aparecem. A divisão que se apresenta é, pois,
um pouco arbitrária em alguns aspectos, visando apenas facilitar a sua compreensão:

(a) Alterações Motoras e da Linguagem Neurológicas

(b) Alterações Motoras Compreensı́veis Psicologicamente

(c) Alterações Motoras e da Linguagem Psicóticas

2.1 Alterações Motoras Neurológicas

A regulação da motricidade depende de três sistemas:

1. Sistema Piramidal

2. Sistema Extrapiramidal, gânglios basais e mesencéfalo

3. Sistema Medular e Cerebeloso

O primeiro, quando lesado, origina paralisias simples. O segundo, alterações do tónus


muscular, da mı́mica, dos gestos e da coordenação dos movimentos - por exemplo, movi-
mentos coreicos; abolição dos movimentos pendulares inconscientes, que as pessoas fazem
com os braços durante a marcha - o terceiro, quando lesado, origina ataxias e alterações da
coordenação motora.
É importante saber distinguir as alterações motoras que têm base neurológica, estudadas
de forma mais exaustiva em Neurologia, para melhor se fazer o diagnóstico diferencial com
os quadros psiquiátricos.
Por exemplo, movimentos mı́micos automáticos, como o riso compulsivo, que se pode
confundir com o riso imotivado, são caracterı́sticos da paralisia bulbar.

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Apraxias - O doente é incapaz de fazer o movimento adequado à intenção.

Exemplo. Quer acender um fósforo e leva a caixa atrás da orelha.

Tremor estático - É um tremor que aparece quando o indivı́duo está em repouso. Pode
surgir no parkinsonismo, na tireotoxicose, no alcoolismo, no abuso de drogas e em
sı́ndromes de privação. Pode aparecer também em pessoas idosas e em personalidades
ansiosas. Por vezes pode ser um sintoma histérico.

Tremor intencional - Aparece quando se executa um movimento voluntário com deter-


minado objetivo. Resulta de alterações cerebelosas e é mais frequente na esclerose
múltipla ou disseminada.

Movimentos espasmódicos - São movimentos sacudidos que fazem lembrar fragmentos


de um movimento completo. São frequentes na coreias de Huntington e de Sydenham,
sendo mais acentuados na primeira do que na segunda.

Reflexo de apertar - O doente aperta, automaticamente, todos os objetos colocados na


sua mão. Pode desencadear-se o reflexo arrastando um objeto ao longo da palma da
mão. Se o doente estiver consciente e apresentar este reflexo unilateral, isso indica
lesão do lobo frontal do lado oposto. Se bilateral indica alteração difusa do córtex
cerebral, que pode ou não ser reversı́vel.

Reação magnética (”Grasping”) - Quando se toca a palma da mão do doente, com


um dedo ou um objeto, afastando lentamente, verifica-se que a mão do doente segue
o dedo ou o objeto como se fosse um ı́man. Pode aparecer em doenças neurológicas e
na catatonia.

2.1.1 Alterações da Linguagem Neurológicas

Disartria - É uma dificuldade em articular as palavras.

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Disfasia - O doente não é capaz de nomear os objetos embora possa reconhecê-los. Fica
muito ansioso e utiliza, com frequência, perifrasias, ou seja, em vez do nome tenta dizer
para que servem os objetos. É caracterı́stica do psicossı́ndrome cerebral orgânico.

Afasia - É uma alteração da fala que resulta das conexões transcorticais das áreas da fala,
sensitivas e/ou motoras. Há dois tipos:

1. Afasis sensorial (afasia de Wernicke) - O doente é incapaz de compreender


o que se lhe diz, apresentando, muitas vezes, logorreia sem sentido. Há, pois,
dificuldade na receção da informação. A lesão localiza-se na 1a circunvalação
temporal.

2. Afasia motora (afasia de Broca) - O doente compreende o que se lhe diz


mas não é capaz de responder. Pode apresentar estereotipias verbais. A lesão
localiza-se na 3a circunvalação frontal ascendente do hemisfério cerebral domi-
nante, geralmente o esquerdo.

Gaguez - Alteração da fala, de todos bem conhecida, e que se agrava nos estados ansiosos.

2.2 Alterações Motoras Compreensı́veis Psicologicamente

Tiques - São contrações breves, repetidas e involuntárias, de alguns grupos musculares.


Predominam na face mas podem atingir outros músculos. O doente, com grande es-
forço, pode dominá-los durante uns segundos. É frequente aparecerem em doentes
neuróticos, sendo considerados, por alguns autores, como reminiscências do movimen-
tos expressivos ou reflexos defensivos ou, ainda, respostas motoras condicionadas.

Manuseamentos - O doente manipula tudo o que estiver ao seu alcance - pequenos objetos,
o vestuário, os cabelos, etc. Traduzem, normalmente, ansiedade.

Maneirismos - Consistem na execução de gestos e movimentos dirigidos, ou na manutenção


de posturas adaptativas, de forma reiterada e pouco habitual. Podem existir em pessoas

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normais (nos artistas, por exemplo), nos adolescentes ansiosos, inseguros e imaturos,
em personalidades anormais. São também muito frequentes nos esquizofrénicos.

Perseveração - Depois de atingida a sua finalidade, o movimento continua a repetir-se de


forma persistente e desnecessária. Pode aparecer em estados ansiosos, mas também
nas esquizofrenias e doenças cerebrais orgânicas.

Compulsão - É um tendência, incoercı́vel, a executar um ato contra a própria vontade.


É tı́pica dos neuróticos obsessivos, tendo geralmente um carácter ritualı́stico e é feita
com o objetivo de diminuir a ansiedade.

Impulsão - É um ato impossı́vel de conter, súbito, que escapa ao controlo do indivı́duo.


Pode apresentar-se sob vários aspectos como, por exemplo, fugas, excentricidades, auto
e hetero agressões, satisfação de instintos, etc.

São mais frequentes em personalidades anormais, como os psicopatas, embora possam


surgir noutros quadros clı́nicos.

2.3 Alterações Motoras e da Linguagem Psicóticas

As alterações motoras psicóticas podem ser subjetivas ou objetivas. Aqui serão abordadas
apenas as objetivas.

Subjetivas

As subjetivas constituem um aspecto da alienação do pensamento e ação e formam a base


para delı́rios de passividade. Por exemplo, o doente sente que é um autómato e que as suas
ações não lhe pertencem, sendo controladas por algo exterior a ele. A partir daqui, ele vai
fazer atribuições ao que sente, elaborando toda uma série de delı́rios com que tenta explicar
esse controlo estranho. Quando um doente, no qual não exista doença cerebral orgânica,

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experimenta os seus pensamentos, sentimentos e ações como sendo estranhos a ele, isto é um
sintoma de primeira linha para o diagnóstico de esquizofrenia.

Objetivas

1. Estados Acinéticos:

Tensão muscular - Nesta situação, as maxilas do doente estão firmemente con-


traı́das, as mãos enclavinhadas (apertadas e entrelaçadas), as pálpebras espasmo-
dicamente cerradas, a cabeça rı́gida e, por vezes, sem tocar o travesseiro durante
horas - almofada psicológica. Se se tentar movimentar, passivamente,um membro
nota-se resistência.

Flexibilidade cérea - Neste caso existe um tensão muscular muito fraca e fácil de
vencer; como se fossem velas de cera, os membros do doente deixam-se colocar
nas posições mais variadas, muitas vezes incómodas e aı́ permanecem fixos. A
estas posições fixas, imóveis, que se mantêm por algum tempo, também se chama
catalepsia.

Imobilidade flácida - Tal como na situação anterior, o doente permanece imóvel


deixando mover os membros para todo o lado. Quando os movimentamos e depois
largamos, eles voltam a cair com o próprio peso, ao contrário do que acontece na
flexibilidade cérea, onde se mantêm fixos.

Posições estatuárias bizarras - Nestas situações os doentes podem ser comparados


a estátuas em posições totalmente inexpressivas, como se estivessem petrificados.

2. Estados Hipercinéticos:

Estes doentes fazem lembrar ”Robots”descontrolados, executando movimentos varia-


dos, aparentemente sem objetivo, incompreensı́veis e sem manifestarem qualquer ex-
pressão de afeto. Os movimentos do corpo são estranhos: rodopiam, esticam-se, sa-
codem os membros, apertam os olhos, metem as mãos dentro da boca, fazem caretas,

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batem com a cabeça na parede, etc. Quase todos os movimentos cessam rapidamente,
sendo logo substituı́dos por outros. Este estado pode chegar a durar semanas ou meses.

Ambos os estados, acinéticos e hipercinéticos, são caracterı́sticos da catatonia.

Obstrução - O doente fica, subitamente, incapaz de continuar ou iniciar um movi-


mento simples que noutras alturas executaria com facilidade (é o correspondente
motor do bloqueio do pensamento). É tı́pico dos esquizofrénicos.

Ambitendência - Quando vai executar um ato motor, o doente debate-se entre


tendências contraditórias de o executar ou de o suspender, tornando-se, assim, os
seus movimentos hesitantes e oscilantes. Ele faz várias tentativas que, geralmente,
não atingem o fim pretendido.

Exemplo. Quando pretendemos apertar a mão a um doente com ambitendência,


ele move a mão na nossa direção, depois pára, recomeça a movê-la, pára, etc. até
que a mão fica caı́da sem concretizar a ação.

Estereotipias - São atos motores, sem finalidade, repetitivos e executados de uma


maneira uniforme. São diferentes de perseveração. A estereotipia é um movimento
anormal espontâneo e sem finalidade. A perseveração é um movimento induzido,
repetido, mas em que a repetição desnecessária só se verifica após o doente ter
executado qualquer tarefa que lhe foi proposta.

As estereotipias são tı́picas do esquizofrénico catatónico sendo as mais conhecidas


os balanceamentos corporais, intermináveis, que por vezes estes doentes apresen-
tam. A estereotipia também pode manifestar-se na escrita ou na linguagem.

Automatismos - São descargas de movimentos involuntários, de maneira brusca e


incoordenada. Distinguem-se dos tiques por serem completamente automáticos e
incontroláveis, sendo sentidos pelo doente como estranhos a si próprio. Os tiques
são controláveis durante breves segundos e não são sentidos como estranhos.

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Sincinésias - São formas menores de automatismos. Há contrações isoladas e in-
voluntárias de pequenos grupos musculares. Aparecem também na esquizofrenia
catatónica.

Mimetismo - É a tendência a imitar a pessoa que o doente observa.

Ecopraxia - É a imitação de ações simples como, por exemplo, bater palmas, estalar
os dedos. Os doentes com ecopraxia copiam as ações do entrevistador e também
de outras pessoas do seu ambiente.

Ecolália - O doente ecoa uma parte ou tudo o que se lhe diz, repetidas vezes, quer
perceba ou não o que lhe foi dito.

Se se falar numa lı́ngua totalmente sua desconhecida, ele ecoa da mesma forma
como se tivesse percebido.

Logocolonia - É a última sı́laba da última palavra que o doente repete.

Exemplo.

Pergunta: ”Já comeu hoje?”

Resposta: ”Já comi hoje-je-je-je . . . ”

Palilália - É repetida uma palavra completa com velocidade cada vez maior e audi-
bilidade cada vez menor.

Estas últimas situações são formas especiais de perseveração. Encontram-se com


frequência em doenças neurológicas e, principalmente, na demência de Alzheimer e
no parkinsonismo.

Qualquer reação de eco pode aparecer nas seguintes situações:

(a) demências

(b) atraso mental grave, com desenvolvimento incompleto da fala

(c) catatonia

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(d) alterações do estado de consciência

(e) em crianças, na fase inicial de aprendizagem da linguagem

(f) em indivı́duos normais quando muito fatigados e desatentos.

Estereotipia verbal - É a repetição monótona de uma palavra ou frase desnecessária


ou absurda. Aparece, por exemplo, na esquizofrenia catatónica.

Verbigeração - É a repetição contı́nua de uma ou mais frases ou séries de palavras


fragmentadas. É impossı́vel compreender o que o doente diz.

Exemplo. ”Cheguei logo, cão, comboio, escrevo uma carta carro, comi viagem
de avião!!”

Neologismos - São palavras novas inventadas pelo doente, ou palavras vulgares


utilizadas por ele com um sentido diferente. São frequentes nos esquizofrénicos.

Estupor - É um estado em que o doente fica mudo e imóvel, como que paralisado.

Pode aparecer em situações clı́nicas variadas:

(a) neuroses fóbicas e histeria - estupor psicogénico

(b) doenças afetivas

(c) catatonia

(d) doenças neurológicas como, por exemplo, tumores cerebrais ou epilepsia.

Continuando a orientação da linha de pensamento inicial acerca do exame mental, e após


os registos do que pode ser observável no doente - apresentação, motricidade e linguagem -
veja-se agora o terceiro aspecto.

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Capı́tulo 3

Contacto

Que tipo de contacto estabelece o doente com o clı́nico? Que atitude tem em relação ao seu
estado?
É um contacto cordeal e adequado? - Pode não ser um caso psiquiátrico.
É um contacto superficial? - Pode ser por defesa.
É um contacto exuberante? - Pode tratar-se de uma mania, de um alcoolismo.
É um contacto difı́cil? - Pode estar deprimido.
É negativista? - Pode tratar-se de uma esquizofrenia.
É um contacto hostil ou indiferente? ”Não se rala com o que lhe está a acontecer?- Pode
ser uma personalidade anormal ou uma histeria, por exemplo.
Em alguns casos o contacto pode não ser possı́vel porque o doente vive voltado para dentro
de si. Chama-se a isto autismo e é uma situação que se pode encontrar na esquizofrenia.
Negativismo é uma forma de contacto em que existe uma resistência, aparentemente
desmotivada, a qualquer interferência. Pode encontrar-se na esquizofrenia, atraso mental
grave e demências. Pode ser passivo, quando toda a interferência é recusada e as ordens não
são executadas, ou ativo, quando o doente faz o oposto do que lhe é pedido.

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Capı́tulo 4

Estado de Consciência e Atenção

Este é um aspecto muito importante pois a valorização de toda a psicopatologia que se possa
encontrar vai depender essencialmente dele.
Assim, por exemplo, sintomas que poderiam ser classificados de esquizofrénicos, não
o poderão ser logo à partida, se o doente não estiver consciente e orientado. Alterações do
estado de consciência e orientação apontam, mais significativamente, para quadros orgânicos.
Portanto, só quando a consciência está clara é que se pode, propriamente, falar em
alucinações, ideias delirantes e delı́rios autênticos.
Podemos definir consciência como a sı́ntese que o indivı́duo faz, num dado momento, de
todas as suas atividades psı́quicas, percetivas e motoras.
Um estado de consciência claro exige, pois, que a pessoa tenha, nitidamente, diante de
si aquilo que vê, o que pensa, que saiba o que quer e o que faz; exige, por outras palavras,
consciência do ambiente e do eu.
Os sinais objetivos da clareza da consciência são:

(a) Orientação alopsı́quica - Corresponde à orientação no tempo e no espaço e pesquisa-


se perguntando a data, o local onde o doente se encontra, de onde veio, etc.

(b) Orientação autopsı́quica - Corresponde à orientação em relação a si próprio e


pesquisa-se perguntando marcos de referência pessoais - nome, idade, profissão, etc.

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O outro sinal objetivo é a capacidade de responder a perguntas e de prestar atenção.
As alterações do estado de consciência não são uniformes, podendo também ser originadas
por causas diversas, que se devem pesquisar, como, por exemplo, tóxicos variados, lesões
cerebrais, doenças metabólicas, reações psı́quicas anormais.
Há alterações do estado de consciência que são consideradas normais e que qualquer
pessoa pode experimentar como, por exemplo, o sono e o sonho.
Outras situações em que a consciência está alterada são a lipotı́mia, a hipnose, o coma -
com variadı́ssimas causas - certos estados epilépticos crepusculares e nas convulsões.
As alterações da consciência podem ser temporárias (Exemplo. crises convulsivas)
intermitentes, definitivas, flutuantes ou progressivas como, por exemplo, nas demências.
Um dos aspectos mais importantes que condiciona a clareza de todas as nossas vivências é
a atenção. Dela dependem toda uma série de alterações ligeiras da consciência - obnubilação
- que é difı́cil caracterizar dado que os doentes apenas manifestam uma distractibilidade
aumentada.
Todos nós já vivenciámos a experiência de que, por exemplo, quando estamos absorvidos
numa leitura, a intensidade da nossa consciência é menor porquanto estamos distraı́dos em
relação ao que se passa à nossa volta.
A atenção pode ser ativa ou passiva.
Ativa quando o indivı́duo foca a atenção em algum acontecimento externo ou interno.
Passiva quando é um acontecimento, interno ou externo, que atrai a atenção do indivı́duo
sem nenhum esforço consciente da sua parte.
As duas formas estão intimamente relacionadas pois quanto maior for a atenção ativa,
tanto menor será a passiva, ou seja, para que esta entre em ação a intensidade dos estı́mulos
tem que ser maior.
Alterações da atenção ativa, sob a forma de distractibilidade, ocorrem em várias situações:

(a) fadiga

(b) ansiedade

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(c) depressão

(d) mania

(e) esquizofrenia

(f) estados orgânicos

Por exemplo, nos deprimidos e ansiosos, a atenção ativa está prejudicada - diminuı́da -
porque os doentes se focam demasiado nas suas preocupações e problemas, não prestando a
atenção habitual ao que os rodeia. Daı́ o ser frequente apresentarem queixas de dificuldade
de concentração e dificuldades de memória que são de carácter subjetivo não traduzindo
lesões orgânicas.

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Capı́tulo 5

Humor, Afetividade e Ansiedade

O humor é a tonalidade afetiva que predomina num determinado momento.


Estado de humor será o estado emocional que dura já há algum tempo, constituindo
um disposição permanente - reativa ou endógena - para reagir aos acontecimentos com uma
determinada espécie de emoção que dá colorido à vida total do indivı́duo.
Assim, quando existe um estado de humor depressivo, tudo é visto pelo lado negro,
nada na vida tem graça. Pelo contrário, se o humor é elevado, como acontece na mania, a
pessoa sente-se imensamente feliz, tudo a desperta e lhe dá alegria.
No Sı́ndrome Cerebral Orgânico, o humor pode apresentar-se lábil, ou seja, sofrer va-
riações rápidas. Os doentes, passam do riso ao choro fácil e rapidamente, tendo dificuldade
em controlar as emoções. Os epilépticos podem sofrer modificações súbitas e profundas do
humor.
Nos manı́acos, e geralmente associada a fuga de ideias, pode existir elação do humor,
ou seja, um tipo de humor em que há um euforia contagiosa que nos pode levar a subestimar
a sua natureza mórbida.
O humor pode ser delirante como acontece principalmente no estado inicial da esquizo-
frenia. É algo vago e inespecı́fico com tonalidade de auto-referência. O doente sabe que à
sua volta se passa algo estranho que lhe diz respeito, embora não saiba exatamente o que é.

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É importante saber se existe uma variação diurna perguntando ao doente se o seu humor
varia da manhã para a tarde. O humor deprimido matinal é mais frequente na depressão
endógena.
Perante as várias situações da vida, o indivı́duo pode responder duma maneira global,
ficando emocionalmente relacionado com essas situações. É neste sentido que se entendem
os afetos, usando-se o termo afetividade para designar a vida emocional total do indivı́duo.
Chamam-se doenças afetivas as perturbações em que a alteração principal ou primária é a
do humor.
Os afetos podem ser superficiais como acontece, por exemplo, nos histéricos e psicopatas,
profundos ou inadequados.
Os esquizofrénicos apresentam, frequentemente, uma indiferença afetiva total ou afetos
ambivalentes; por exemplo, amam e odeiam, simultaneamente, de uma forma intensa.
Quando não existe patologia do afeto diz-se que o indivı́duo é sintónico.
Existem indivı́duos que apresentam uma resposta emocional aumentada em que o
humor varia desde a euforia à tristeza com leves mudanças do seu ambiente emocional. São
indivı́duos altamente sugestionáveis e que facilmente se comportam de forma desinibida.
Em oposição a estes existem os emocionalmente frios que apresentam diminuição da
resposta emocional, indiferença geral e ausência de sentimentos finos.
Alguns autores afirmam que a privação materna e uma infância desagradável podem
originar indivı́duos deste tipo, no entanto, há pessoas que tiveram experiências semelhantes
e que não apresentam esse temperamento, o que leva a pensar que também haja alguma
predisposição constitucional.
Devido à indiferença e pobreza emocional, estes indivı́duos podem confundir-se, por vezes,
com esquizofrénicos hebefrénicos. A distinção faz-se pela existência, nos últimos, de uma
alteração recente da expressão emocional enquanto que os primeiros foram sempre frios.
As crianças e adolescentes são dois grupos emocionalmente instáveis. Com o crescimento
surge, naturalmente, o desejo de auto-afirmação e liberdade; começa a entrada no mundo

23
adulto de responsabilidades que ainda não se compreendem bem e com que não se sabe lidar
de forma adequada, o que pode gerar conflitos de vária ordem com os adultos e, secun-
dariamente, sentimentos de insegurança, atitudes ambivalentes e expressões exageradas das
emoções.
Habitualmente, o indivı́duo adulto mantém um balanço emocional resistindo aos efeitos
dos estı́mulos externos, no entanto, cada pessoa tem o seu ponto de rutura a partir do qual
surgem alterações emocionais.
O tipo de reação e a sua duração vão depender essencialmente da personalidade do
indivı́duo (constituição, fatores de aprendizagem e socio-culturais) e da situação traumática.
Existem reações emocionais normais em que há uma variação da quantidade e não da
qualidade das emoções, ou seja, são emoções normais exageradas.
A reação emocional mais frequente é a ansiedade. Podemos defini-la como uma resposta
emocional global que apresenta sintomas a três nı́veis diferentes embora interligados:

1. Nı́vel vegetativo

2. Nı́vel motor

3. Nı́vel cognitivo

5.1 Ansiedade vegetativa

É a manifestação orgânica da ansiedade e que se traduz por queixas fı́sicas variadas ou


somatizações como taquicardia, sudação, epigastralgias, etc.
O sistema nervoso autónomo ou vegetativo regula, independentemente da consciência,
toda a atividade autónoma dos diferentes aparelhos do organismo, dos músculos lisos, das
glândulas, da fome, da sede.
É constituı́do pelo sistema nervoso simpático ou ergotrópico e pelo parassimpático ou
trofotrópico.

24
O primeiro atua facilitando que os órgãos se mobilizem, executem trabalho ou funções
violentas, acelerando a frequência cardı́aca, elevando a T.A., provocando a libertação de
glicose no sangue, etc.
O segundo facilita o restabelecimento de energia, baixando a T.A., reduzindo a frequência
cardı́aca, etc.
A atividade destes dois sistemas é coordenada por centros que se localizam no hipotálamo.
Na região anterior localiza-se o centro coordenador do parassimpático e na região posterior
o centro do simpático.
Ambos estes sistemas, com efeitos antagónicos, se encontram num equilı́brio dinâmico
que está constantemente a ser alterado por ação de vários estı́mulos internos, externos e por
modificações intracerebrais condicionadas por estados emocionais que influenciam os órgãos
efetores dos nervos vegetativos, podendo dar palidez, sudação, palpitações, diarreia, etc.
Em condições fisiológicas a ativação de um sistema inibe o outro e vice-versa. Em de-
terminadas situações este equilı́brio dinâmico pode alterar-se passando a haver desvio do
balanço ergotrópico/trofotrópico num ou noutro sentido.
Fisiologicamente verifica-se que nas emoções agudas simples como o medo, por exem-
plo, a resposta primária é parassimpática e, só secundariamente, é que aparecem descargas
simpáticas com secreção aumentada de adrenalina. Nas emoções crónicas (neuroses) estão
envolvidas descargas simultâneas ergotrópicas e trofotrópicas com consequente perturbação
do comportamento.

5.2 Ansiedade motora

São as manifestações da ansiedade visı́veis a nı́vel do comportamento como, por exemplo,


contorcer as mãos ou roer as unhas. Há um aumento do tónus dos músculos voluntários que
vai originar a sensação de tensão muscular que muitas vezes os doentes referem como dores
do tipo ”aperto à volta das têmporas”, ”peso na cabeça”, sendo outras localizações frequentes

25
as costas, o pescoço e os ombros. São devidas ao aumento do tónus muscular.

5.3 Ansiedade cognitiva

Corresponde aos pensamentos do doente. Muitas vezes referem-e a este aspecto dizendo
”sinto-me tenso”. Querem dizer não tensão muscular mas ”tensão nervosa”, ou seja, pre-
ocupação constituı́da por uma sucessão de pensamentos dolorosos, desagradáveis, que se
traduzem, geralmente, num medo difuso ante perigos reais ou imaginários. Geralmente, os
doentes apenas se apercebem do componente vegetativo, não tomando consciência da ligação
dos sintomas com os seus problemas de vida que são a causa da sua ansiedade. É frequente
fazerem atribuições incorretas ao que sentem pensando que têm doenças fı́sicas graves, o que
os leva a percorrer vários serviços de medicina e cirurgia na tentativa de as esclarecer.
As situações ansiosas são bastante frequentes na prática clı́nica, razão pela qual se deve
conhecer bem o problema da ansiedade para melhor podermos tranquilizar os doentes,
ajudando-os a interpretar corretamente os seus sintomas, cortando com a ”corrida”a vários
médicos e com o cı́rculo vicioso que se estabelece entre os três nı́veis atrás descritos. Um au-
mento de pensamentos desagradáveis leva a um aumento dos sintomas vegetativos e motores
e vice-versa. É importante que o doente perceba bem este mecanismo para não cronificar as
suas queixas.
A ansiedade pode aparecer no indivı́duo normal como reação adaptativa a determi-
nadas circunstâncias ambienciais que imponham ao indivı́duo uma expectativa de perigo,
surgindo enquanto a ação efetiva, de luta ou fuga, ainda não possa ser executada.
A ansiedade pode constituir um traço individual, ou seja, ser um aspecto contı́nuo da
estrutura da personalidade. O traço é comum e persistente, não patológico, podendo até ser
útil para um bom desempenho do indivı́duo.
Pode ser um sintoma - este é transitório, perturbador, não é comum e pode fazer parte
de vários quadros clı́nicos. Está presente em quase todos os quadros psiquiátricos e em

26
muitas situações orgânicas, como, por exemplo:

1. tireotoxicose

2. tumores suprarrenais, principalmente o feocromocitoma em que há ataques paroxı́sticos


de ansiedade e elevação das tensões arteriais

3. sı́ndrome pós-concussão

4. coreia

5. aterosclerose cerebral

6. S. de Parkinson

7. défice de magnésio e fósforo

8. sı́ndromes de privação de drogas

A ansiedade pode ainda manifestar-se como um estado, sendo um exemplo caracterı́stico


a neurose.
Um aspecto bastante importante da sua génese é o condicionamento. Se as situações
ansiógenas se repetem podem conduzir ao hábito. Quando uma sucessão dessas situações
é vencida com sucesso, a confiança do indivı́duo aumenta e o estı́mulo vai perdendo gradu-
almente o seu valor ansiógeno, mas se as experiências resultam num número crescente de
fracassos ou humilhações, a pessoa torna-se cada vez mais vulnerável aos estı́mulos ansiógenos
e, com mais facilidade, pode desenvolver estados de ansiedade patológicos.
A ansiedade pode atingir intensidade variável. Quando muito intensa pode originar um
comportamento motor caótico que pode levar o indivı́duo a ficar paralisado, estuporoso ou
apresentar hiperatividade mal dirigida podendo correr riscos graves. Isto passa-se no pânico,
situação em que existe um medo intenso que se acompanha, por vezes, deste comportamento.
Quando a ansiedade se restringe apenas a um determinado objeto, situação ou ideia,
designa-se por fobia.

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Exemplo. Fobia a sangue, a cães, fobia social, etc.

No campo psiquiátrico, como já foi referido atrás, a ansiedade pode aparecer em, prati-
camente, toda a patologia, predominando nas Neuroses.

Reação depressiva - É a reação emocional à frustração crónica e desapontamento. Pode


ser produzida por circunstâncias excecionais num indivı́duo de humor medianamente
estável ou por circunstâncias ordinárias num indivı́duo emocionalmente instável.

A emoção tı́pica desta reação é a tristeza. Pode ser normal se se segue a uma perda
ou desapontamento significativos para a pessoa e durar apenas alguns dias. Pode
ser anormal, constituindo a Depressão neurótica, se se prolonga no tempo, ou pode ser
mais gravemente patológica como na depressão endógena em que existe um humor triste
mórbido, associado a sentimentos de desespero, infelicidade, preocupações excessivas e
outros sintomas psicofisiológicos, podendo mesmo atingir intensidade delirante.

A reação depressiva pode aparecer também em doenças orgânicas ou ser induzida por
drogas.

Principais doenças orgânicas que podem induzir depressões:

1. Doenças Endócrinas

(a) Hiper e hipotiroidismo

(b) Doença de Addison

(c) Sı́ndrome de Cushing

(d) Diabetes (Hipoglicémia)

(e) Hiperparatiroidismo

2. Doenças Virais

(a) Pneumonias

(b) Hepatite

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(c) Gripe

3. Outras

(a) Artrite reumatóide

(b) Lupus eritematoso disseminado

(c) Carcinoma da cabeça do pâncreas

(d) Doenças do S.N. Central

Principais drogas que podem induzir depressão:

1. Reserpina

2. alfa-Metil-Dopa

3. Propanodol

4. Guanetidina

5. Clonidina

6. Hidralazina

7. Levodopa

8. Corticosteróides

9. Tuberculostáticos

10. Citostáticos

11. Estrogénios

12. Progesterona

13. Contraceptivos orais

Euforia - É outro tipo de reação que podemos definir como uma felicidade exagerada. É
geralmente patológica podendo, no entanto, ocorrer de forma reativa como, por exem-
plo, quando se recebe a notı́cia de uma herança inesperada. Aparece nos indivı́duos
hipertı́midos.

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Os ciclotı́midos, distı́midos e personalidades irritáveis têm curtos episódios de euforia
que não são mórbidos. Reações de euforia podem também aparecer em lesões do lobo
frontal, esclerose disseminada e esquizofrenia hebefrénica.

30
Capı́tulo 6

Pensamento

Durante a entrevista procura-se que o doente discorra de maneira espontânea para se averi-
guar se há ou não alterações do seu pensamento. O pensamento normal é aquele que atinge
diretamente o objetivo que se propõe através de uma ideia diretriz adequada.
As alterações que podemos encontrar podem ser do curso (ou corrente), da forma, da
posse ou do conteúdo.

6.1 Alterações do curso do pensamento

Designa-se de taquipsiquia a sucessão rápida de pensamentos e de bradipsiquia a situação


oposta.

Fuga de ideias - Caracteriza-se por uma sucessão rápida de pensamentos, sem direção,
sendo a associação de ideias feita por relações ocasionais, semelhanças, provérbios, di-
tos antigos, etc. É tı́pica dos manı́acos, podendo geralmente compreender-se o discurso,
embora em alguns casos mais graves este possa tornar-se incoerente. Ocasionalmente
pode encontrar-se também em esquizofrénicos excitados e em estados orgânicos, sobre-
tudo resultantes de lesões hipotalâmicas.

Inibição do pensamento - O número de ideias e imagens mentais está diminuı́do sendo o

31
curso lento. O doente exprime-o dizendo ter dificuldade em tomar decisões, ser incapaz
de se concentrar ou prestar atenção. É uma alteração tı́pica da depressão inibida.

Bloqueio do pensamento - O curso deste é interrompido, subitamente, não voltando


ao ponto de paragem, podendo surgir depois um outro pensamento totalmente novo.
Bloqueios sucessivos podem dar ao pensamento um aspecto saltitante ou de ”descar-
rilamento” de ideias.

O bloqueio e o descarrilamento são tı́picos de esquizofrenia.

Deve salientar-se que pessoas exaustas e ansiosas perdem, com facilidade, o fio da
conversa, parecendo bloquear, mas, apercebem-se disso dizendo muitas vezes ”esqueci-
me do que ia dizer”e, geralmente, retomam algum tempo depois a sua linha de pen-
samento. Estes fenómenos não são verdadeiros bloqueios, podendo designar-se de
”pseudo-bloqueios”.

6.2 Alterações da forma

Pensamento perseverante - As operações mentais persistem para além do ponto em que


são relevantes, ou seja, há uma ideia sobrevalorizada que emerge, sistematicamente,
em detrimento de todas as outras, instituindo-se como diretriz inapropriada. É muito
frequente nas alterações cerebrais focais ou generalizadas podendo também aparecer
na depressão.

Pensamento circunstancial - O pensamento atinge o seu objetivo mas até lá vai-se
processando, lentamente, com muitos detalhes triviais e desnecessários. Parece traduzir
egocentrismo, podendo fazer parte da alteração da personalidade epiléptica.

Graus moderados também podem encontrar-se em personalidades pedânticas obsessivas


e em simplórios que tentam impressionar os outros.

Pensamento tangencial - O pensamento foge sistematicamente do objetivo, mas pelas

32
respostas que o doente dá posteriormente infere-se que ele percebeu a questão ini-
cial que lhe foi colocada. Alguns esquizofrénicos negativistas apresentam este tipo de
pensamento utilizando, por vezes, para-respostas (respostas ”ao lado”).

Pensamento sobrinclusivo - O doente não é capaz de estabelecer os limites dos conceitos,


trazendo material irrelevante que prejudica as operações mentais. É caracterı́stico dos
esquizofrénicos.

Pensamento incoerente ou desagregado - Não existe qualquer articulação lógica do


pensamento. Encontra-se no sı́ndrome cerebral e orgânico em esquizofrenias residuais,
com deterioração.

Pressão do pensamento - É a sensação de que um grande número de ideias passa pela


mente do paciente. É frequente na esquizofrenia.

6.3 Alterações da posse do pensamento

O normal é o indivı́duo experimentar os seus pensamentos como sendo seus, sentindo que
é ele que os controla. Em algumas doenças psiquiátrica existe uma perda do controlo ou
sentido de posse do pensamento.

Obsessão - É a incapacidade do indivı́duo se libertar dum conteúdo da consciência, em-


bora, quando este ocorre, ele saiba que é absurdo ou sem sentido, que persiste sem causa
e contra a sua vontade, originando-lhe grande ansiedade e despertando luta interna.

A obsessão tem, pois, cinco caracterı́sticas essenciais:

1. Emana do próprio ”EU”

2. Impõe-se contra a vontade do indivı́duo

3. Desperta luta interna

4. Tem um conteúdo absurdo ou falta de sentido

33
5. Tem tendência à iteração ou repetição.

Poderá surgir como medos, impulsos, atos, imagens ou ideias obsessivas.

As obsessões associam-se, frequentemente, a rituais compulsivos caracterizando a neu-


rose obsessivo-compulsiva. Também podem ocorrer na depressão, esquizofrenia e, mais
raramente, em quadros orgânicos, principalmente, pós-encefalı́ticos.

Fobia - É um medo irracional, de um objeto, atividade ou situação que origina um desejo


irresistı́vel para evitar o objeto, atividade ou situação temidos (estı́mulos fóbicos). O
indivı́duo reconhece que o seu medo é excessivo ou desproporcionado em relação ao
perigo real que representam os estı́mulos temidos. Caracteriza a neurose fóbica.

Alienação do pensamento - O doente experimenta os seus pensamentos como estando


sob controlo de forças exteriores a ele ou tem a sensação de que outros participam dos
seus pensamentos.

Poderá dizer que tem pensamentos estranhos, vindos de fora, que lhe são impostos
por alguém que os insere na sua cabeça - inserção de pensamento - ou que à
medida que pensa os pensamentos lhe são retirados por influências externas - roubo
do pensamento - ou ainda que toda a gente sabe o que ele pensa - divulgação do
pensamento.

A alienação do pensamento é caracterı́stica da esquizofrenia devendo-se à perda das


fronteiras entre o EU e o ambiente circundante. É totalmente diferente das obsessões,
pois neste caso o doente não encara os pensamentos como estranhos a si nem como
estando fora do seu controlo, embora apareçam contra a sua vontade.

6.4 Alterações do conteúdo

Estas são constituı́das pelos delı́rios que podemos definir como falsas crenças inabaláveis
(não suscetı́veis de argumentação lógica), em desacordo com o passado cultural e social do

34
doente.
Os verdadeiros delı́rios têm origem em experiências delirantes primárias que não podem
ser deduzidas de nenhum outro fenómeno mórbido. A ideia delirante é, pois, uma ideia
errada que resiste ao confronto lógico com a realidade, sendo secundária a qualquer outro
fenómeno mórbido psicológico. Pode compreender-se partindo de uma base errada. Pode
ocorrer em todas as psicoses e em reações psicogénicas.

Exemplo. Doente que tem uma dor de barriga e afirma ter um carcinoma. Faz todos os
exames e o médico confronta-o dizendo que a sua dor abdominal não está relacionada com
o cancro. Mas o doente continua a afirmar e a acreditar que tem um cancro.

As ideias delirantes podem agrupar-se, logicamente, a partir de um erro inicial, constituindo-


se assim um delı́rio sistematizado. Quando se articulam mal dizemos que o delı́rio é insiste-
matizado.
O delı́rio bem sistematizado aparece em desenvolvimentos paranóides adiantados. O mal
sistematizado surge na fase inicial da esquizofrenia e outras psicoses agudas.
Os delı́rios primários (que não podem ser compreendidos a partir de qualquer outro
fenómeno psicológico mórbido) são caracterı́sticos da esquizofrenia aparecendo, por vezes,
em estados orgânicos, principalmente na psicose epiléptica.
Os temas ou conteúdos dos delı́rios são variados e consoante sejam profusos ou não assim
dizemos que o delı́rio é rico ou pobre.
O delı́rio de grandeza é mais frequente em doenças do espectro da esquizofrenia, na mania,
na paralisia geral; o de ciúmes no alcoolismo e na paranóia; o de doença, culpabilidade, ruı́na
ou niilismo nas depressões graves. Alguns doentes deprimidos podem dizer que já nada
existe, que perderam tudo, que parte do seu corpo está apodrecido ou que eles próprios já
estão mortos - delı́rio de COTARD.
Há ainda, entre outros, delı́rios de natureza erótica, de passividade, persecutórios, etc.
Todos podem ocorrer na esquizofrenia, sendo, contudo, os mais frequentes, nesta doença,
os de carácter persecutório, auto-referencial, de passividade ou influência.

35
Perceção delirante - É uma experiência, sempre primária, que consiste na atribuição de
um novo significado, geralmente no sentido de auto-referência, a um objeto percebido
normalmente. Esse novo significado não se compreende como originário do estado afe-
tivo do doente ou de atitudes prévias. Deve ser distinguida da interpretação delirante.

Exemplo.

de Interpretação delirante: Doente que tem um delı́rio persecutório e que ao ouvir


ranger as escadas afirma que é um detetive a espiá-lo.

de Perceção delirante: Um amigo oferece um bebida a um doente. Este vê que é uma
bebida (perceção correta) mas imediatamente foge convicto de que o amigo o está a
acusar de ser homossexual e o vai denunciar.

A perceção delirante é um sinal de primeira linha para o diagnóstico de esquizofrenia.

36
Capı́tulo 7

Alterações da Perceção

7.1 Distorções sensoriais

São alterações da perceção que resultam de uma mudança na intensidade e qualidade do


estı́mulo, ou da forma espacial da perceção. O objeto percetı́vel é real e constante mas é
percebido de forma distorcida.
Podemos dividi-las em alterações da intensidade, da qualidade e da forma espacial das
perceções.

7.1.1 Alterações de intensidade

Nas alterações da intensidade existem duas variedades que se designam por Hiperestesia e
Hipostesia. A hiperestesia corresponde a um aumento da intensidade das sensações, podendo
resultar de emoções intensas ou de uma baixa do limiar fisiológico.

Exemplo. O doente ansioso pode perceber pequenos ruı́dos como grandes estrondos.

A hipostesia é a diminuição da intensidade das sensações. Pode aparecer também na


ansiedade e depressão, provavelmente por estes doentes focarem a sua atenção nos seus
problemas e preocupações o que diminui a atenção em relação ao meio que os rodeia.

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No delı́rio, para além de existir uma atenção deficiente, o limiar para todas as sensações
está aumentado, havendo por estes dois motivos, dificuldades de perceção. Quando se aborda
um doente delirante é importante recordar isto pois se se falar alto e lentamente consegue-se,
quase sempre, que se tranquilize e coopere.

7.1.2 Alterações da qualidade

As alterações da qualidade são, fundamentalmente, distorções visuais das cores induzidas


por substâncias tóxicas, devendo ser distinguidas das alucinações.

7.1.3 Alterações da forma espacial

Às alterações da forma espacial chama-se dismegalópsia. Podem resultar de doenças da re-
tina, alterações da acomodação e convergência e de lesões centrais. Ocasionalmente, podem
ocorrer no envenenamento por atropina ou hioscina. O doente pode ver os objetos mais pe-
quenos, ou mais longe do que na realidade estão, designando-se esta alteração de micrópsia.
À alteração contrária chama-se macrópsia.
A metamorfopsia é uma perceção irregular, resultante, geralmente, da existência de
cicatrizes com retração na retina.

7.2 Enganos Sensoriais

7.2.1 Ilusões

São falsas perceções produzidas pela combinação de estı́mulos vindos de um objeto com uma
imagem mental. Em si mesmas não são patológicas podendo ser corrigidas pelo indivı́duo.
Resultam da perda de clareza da perceção e de emoções intensas.

Exemplo. Uma pessoa normal que anda à noite numa rua escura, como não distingue
corretamente o que a rodeia e vai algo receosa pode interpretar sombras inofensivas como

38
pessoas ameaçadoras. As ilusões também são frequentes em doentes delirantes.

7.2.2 Alucinações

Podemos defini-las, de uma forma breve, como ”perceções sem objeto”. A alucinação vem
de ”dentro”do indivı́duo embora ele lhe reaja como se fosse uma verdadeira perceção vinda
de fora.
Podem ocorrer em qualquer modalidade de sentido - auditivas, visuais, olfactivas, gusta-
tivas e tácteis.
Se constituı́das apenas por ruı́dos ou ”flashes”de luz designam-se de elementares; se
constituı́das por música ou desenhos são particularmente organizadas; se constituı́das
por vozes, pessoas, objetos ou animais diz-se que são organizadas.
Quando representam cenas completas denominam-se de alucinações cénicas.
As principais causas de alucinações são alterações dos órgãos sensoriais, privação de
sentidos, afeções do Sistema Nervoso Central, substâncias tóxicas alucinogénicas, emoções
intensas, sugestão e também a privação de sono. Por sugestão podem aparecer, por exemplo,
em histéricos com graves alterações do comportamento.
Os deprimidos, com delı́rio de culpa, podem ouvir vozes reprovadoras, que não são
contı́nuas como na esquizofrenia, constituı́das por uma ou duas palavras ou frases muito cur-
tas e ditas, geralmente, na 2a pessoa como, por exemplo: ”Patife”, ”Não prestas”, ”Mata-te”,
etc.
Se um doente, que parece deprimido, ouve vozes contı́nuas e persistentes deve suspeitar-se
de esquizofrenia ou doença orgânica.
Alucinações auditivas, sob a forma de vozes, são mais caracterı́sticas de esquizofrenia
sendo frequente referirem-se ao doente na 3a pessoa. Por vezes dão-lhe ordens que ele se
sente obrigado a executar - são as alucinações imperativas - outras vezes falam umas com
as outras - vozes dialogadas. Quando comentam o doente e as suas ações na 3a pessoas
chamam-se vozes comentadoras.

39
Por vezes as vozes abordam temas sexuais. São desagradáveis para o doente mas, ocasi-
onalmente, podem ser amigas e tranquilizadoras, ou então dizer disparates incompreensı́veis
ou usar neologismos.
Um tipo de alucinação auditiva, que é um sinal primário de esquizofrenia, é o eco do pen-
samento. Consiste em ouvir os próprios pensamentos falados em voz alta. Na divulgação
e roubo do pensamento, à medida que o doente pensa, outras pessoa lhe roubam os pensa-
mentos sendo estes, assim, divulgados.
É a partir destas experiências que depois o doente organiza os delı́rios na tentativa de
explicar a origem. Pode dizer que resultam de feitiçaria, de raios atómicos, de telepatia,
rádio, televisão, etc.
As alucinações visuais, embora também possam aparecer na esquizofrenia, são mais fre-
quentes em estados orgânicos agudos. No delirium tremens é frequente os doentes verem
animais, tais como ratos, insetos, aranhas, cobras - alucinações zoópsicas.
As cénicas predominam em alterações psiquiátricas associadas à epilepsia, sendo fre-
quentes visões de fogo e de cenas religiosas.
Alucinações do olfacto podem ocorrer na esquizofrenia, em estados orgânicos e, mais ra-
ramente, nos deprimidos. Por vezes, podem anunciar uma crise convulsiva epiléptica (aura).
Alucinações do gosto também ocorrem na esquizofrenia e em estados orgânicos agudos.
Alucinações tácteis - Os doentes sentem que animais passeiam pelo corpo. Podem apa-
recer na esquizofrenia, estados orgânicos e na psicose por cocaı́na. Nesta última associam-se
a ideias persecutórias e são conhecidas por ”micróbio da cocaı́na”.
Há doentes que se queixam de sensações elétricas e sexuais. Quando isto acontece na
ausência de lesão cerebral o diagnóstico mais provável é de esquizofrenia. A mulher esqui-
zofrénica pode queixar-se de ser vı́tima de abusos sexuais e o homem de orgasmos e ereções
forçados. Na privação de sono surgem alucinações hipnagógicas, situação que não é necessa-
riamente patológica.

40
Outros tipos de alucinações

Alucinações somáticas - Consistem em torções ou dores violentas que os doentes descre-


vem de forma bizarra.

Exemplo. ”Sinto que me arranca os órgãos e me rasgam a carne”.

Este tipo de alucinação é muitas vezes descrito por esquizofrénicos crónicos.

Aluciações extracampinas - O doente tem alucinações que estão fora do campo sensorial.

Exemplo. Doente que olha ao longe e diz ver alguém atrás de si.

Alucinações funcionais - Há um estı́mulo real que causa a alucinação sendo experimen-
tado ao mesmo tempo que esta.

Exemplo. Doente que ouve o chilrear dos pássaros e simultaneamente ouve a voz de
Deus. Ouve o relógio bater e ao mesmo tempo a voz de Deus, concluindo que Deus
fala com ele através dos ruı́dos.

Alucinações reflexas - Um estı́mulo num campo sensitivo produz uma alucinação noutro.

Exemplo. Doente que ao ouvir um espirro sente dor de cabeça estando convencido
que é o espirro que provoca a dor de cabeça.

Os doentes que têm alucinações reagem de formas variadas. Nos estados orgânicos ficam,
habitualmente, aterrorizados, assim como no inı́cio da esquizofrenia. Mais tarde, na esqui-
zofrenia, quando o doente pensa ter descoberto a origem das alucinações pode ficar muito
zangado e atacar pessoas que julga responsáveis por elas. Muitas vezes fica, simplesmente,
irritado devido à persistência e conteúdo abusivo das vozes.
Alguns doentes inteligentes podem aperceber-se que é anormal ouvir-se vozes, negando a
sua existência. Outros ficam serenos vivendo com as suas alucinações como se fossem velhos
amigos.

41
Capı́tulo 8

Alterações da Estrutura do ”EU”

Estas alterações podem ser devidas a perturbações da perceção, da memória, da consciência,


a atividade delirante, a perturbações do afeto e lesões orgânicas. Envolvem toda a perso-
nalidade do indivı́duo predominando na esquizofrenia. A maior parte dos sintomas esqui-
zofrénicos são aspectos da perda dos limites entre o EU e a realidade.
Muitas destas alterações já foram descritas nos subcapı́tulos anteriores (alienação do
pensamento, perceção delirante, experiências de passividade ou influência).
Referem-se apenas, brevemente, algumas ainda não abordadas:

Dissociação - Consiste na perda da identificação temporal de si próprio, podendo acontecer


nas neuroses e principalmente na histeria.

Despersonalização - É a perda da identificação espacial de si próprio. O indivı́duo não


toma consciência da sua própria atividade, julgando-se uma pessoa diferente.

Desrealização - É uma sensação de irrealidade do mundo exterior.

Auto-negação - O indivı́duo nega existir.

Alterações da imagem corporal - O doente diz que o seu corpo ou partes do seu corpo
estão diferentes do que eram.

42
Capı́tulo 9

Memória

Existem, fundamentalmente, dois tipos de memória: a memória de curto prazo (fixação) e a


de longo prazo (evocação).
Para se explorar a memória de fixação podem-se indicar ao doente dois ou três objetos,
cores ou números, pedindo-lhe que os repita pouco depois. A memória de evocação pode
avaliar-se ao longo da entrevista através dos dados que o doente vai debitando (datas de acon-
tecimentos importantes, tratamentos prévios, nomes de pessoas conhecidas, entre outros).
Podemos perguntar-lhe, por exemplo, os nomes dos três últimos Presidentes da República,
capitais dos principais paı́ses europeus, etc.
As alterações da memória podem ser amnésias ou dismnésias, ou, por outras palavras,
perda de memória e distorções da memória, respetivamente.
Há amnésias orgânicas e psicogénicas podendo as últimas ser catatı́micas, histéricas
e ansiosas. Relacionam-se com situações com grande carga emocional. Nas catatı́micas o
indivı́duo reprime memórias para tentar evitar o sentimento desagradável que elas produzi-
riam. São mais frequentes em indivı́duos neuróticos mas também podem ocorrer em pessoas
normais, correspondendo, geralmente, a uma amnésia parcial.
Na histérica ou dissociativa há perda completa de memória e da identidade, havendo
grande discrepância entre a perda de memória e a personalidade intacta pois o doente é

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capaz de desempenhar padrões complicados de comportamento, o que não acontece quando a
amnésia é orgânica. É mais frequente quando o indivı́duo tenta escapar de alguma dificuldade
ou responsabilidade.
A amnésia ansiosa deve-se à interferência da ansiedade excessiva com a perceção e a
compreensão.

Amnésias orgânicas - Devem-se a alterações da perceção e atenção e também à incapa-


cidade de um registo permanente. Por exemplo, no traumatismo craniano a amnésia
quando abrange acontecimentos anteriores ao trauma designa-se de retrógrada.

A amnésia antrógrada resulta da incapacidade de fazer registos permanentes o que


acontece em muitos estados orgânicos agudos. O doente parece estar em plena consciência
mas não recorda os factos que vão ocorrendo.

No sı́ndrome de Korsakov há uma amnésia de evocação que apresenta, geralmente, um


aspecto lacunar.
Nos estados crepusculares resultantes de epilepsia e na embriaguez patológica há, muitas
vezes, uma perda completa de memória.
Nas demências começa por perder-se a memória para factos recentes e só mais tarde se
perde para os factos remotos. Todas estas alterações são quantitativas.
AS dismnésias ou distorções da memória são alterações qualitativas. Saliente-se as con-
fabulações que são falsas memórias com que o doente preenche as suas lacunas amnésicas
como acontece, por exemplo, no sı́ndrome de Korsakov; os falsos reconhecimentos em que o
doente afirma que uma pessoa que vê pela primeira vez é seu conhecido de longa data; as
memórias delirantes que consistem em recordações falsas em que o doente baseia a sua
atividade delirante; sensação do ”déjà vu”e ”jamais vu”, de todos bem conhecida e que é
frequente na epilepsia do lobo temporal.

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Capı́tulo 10

Inteligência

Podemos defini-la, grosseiramente, como a capacidade de pensar e agir, racional e logica-


mente, mostrando a eficiência global das capacidades cognitivas.
Alterações da inteligência existem, fundamentalmente, nas demências e nas oligofrenias.
Na prática, a inteligência mede-se testando a capacidade do indivı́duo para resolver pro-
blemas e formar conceitos, usando palavras, números ou outros sı́mbolos e também material
não-verbal. Existem vários testes, para o efeito, sendo o mais usado o de Wechsler, o qual
nos dá também o grau de deterioração.
O quociente de inteligência (Q.I.) determina-se achando a relação entre a idade mental
e a idade cronológica e multiplicando por 100:

Idade mental
Q.I. = × 100 (10.1)
Idade cronológica

O Q.I. médio, normal, situa-se entre 90 e 110.


De uma forma rápida, embora não tão precisa como se utilizássemos testes psicométricos,
podemos avaliar a inteligência do doente fazendo-lhe perguntas de informação geral, tais
como nomes de governantes bem conhecidos, de capitais, distâncias, etc.; testando a sua
capacidade de compreensão e abstração pedindo-lhe, por exemplo, que explique provérbios,
semelhanças (”que semelhança existe entre a banana e a maçã?”, etc.); testando ainda o

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cálculo através de pequenas contas de subtrair ou somar; propondo-lhe que se imagine em
situações concretas difı́ceis e perguntando-lhe como as resolveria. Por exemplo : ”Que faria
se encontrasse um envelope endereçado caı́do na rua?”.

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Capı́tulo 11

Funções biológicas vitais

São a fome, a lı́bido, o sono e o instinto de conservação.


O instinto de conservação está alterado em todos os doentes que manifestam tendências
suicidas, como por exemplo, nas depressões, psicoses, distúrbios de personalidade.
Em relação à fome é bem conhecido que a anorexia com emagrecimento aparece em muitos
quadros orgânicos mas também pode ser um sintoma psiquiátrico frequente nas depressões.
Pode ser extrema em casos de anorexia mental onde o doente chega a ficar quase ”pele e
osso”. Em depressões atı́picas pode haver polifagia e aumento de peso. Há ainda doentes
que apresentam caprichos alimentares, selecionando cuidadosamente os alimentos, e outros
com aberrações alimentares, principalmente esquizofrénicos e dementes. A aberração mais
conhecida é a coprofagia (o doente come as próprias fezes).
Alterações da sede são, com mais frequência, de origem orgânica mas também pode existir
polidipsia isolada em alterações psiquiátricas.
Em relação à lı́bido esta pode estar aumentada nos manı́acos e diminuı́da ou ausente
nos deprimidos.Para além destes quadros clinicamente mais frequentes a lı́bido encontra-
se alterada, em grau variável, em muitas outras situações, como, por exemplo, em certos
sı́ndromes cerebrais orgânicos e neuroses.
Podem existir também alterações da pragmática sexual - ejaculação precoce, disfunção

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erétil e orgástica, entre outras - o que ocorre com mais frequência em indivı́duos com proble-
mas de natureza ansiosa, devendo sempre excluir-se patologia orgânica, principalmente em
casos de impotência primária.
O sono está prejudicado em quase toda a patologia psiquiátrica. A insónia inicial (di-
ficuldade em iniciar o sono) é frequente em doentes com preocupações ansiosas, como os
obsessivos, por exemplo. A insónia terminal (acordar de madrugada) é mais tı́pica da
depressão endógena. Existem outras variantes de perturbações do sono: sono leve, interrom-
pido por sonhos desagradáveis e pesadelos, sono demasiado profundo, insónia quase total,
sonambulismo, sonilóquios (falar de noite), bricomania (ranger os dentes), enurese noturna,
ritmo de sono invertido, etc., sendo este último frequente no sı́ndrome cerebral orgânico -
os doentes dormem de dia e agitam-se à noite. Na depressão atı́pica pode existir hipersónia
queixando-se o doente de dormir mais do que o seu habitual.
Antes do encerramento do capı́tulo da psicopatologia far-se-á ainda uma breve referência
ao senso crı́tico. É importante pesquisar se o doente mantém esta capacidade conservada
ou se a sua crı́tica e auto-crı́tica são inadequadas são inadequadas ou estão ausentes, o que
pode acontecer em várias situações psiquiátricas. Crı́tica e auto-crı́tica estão ausentes nas
psicoses, mas, graus moderados e variáveis de alteração desta capacidade também podem
encontrar-se em doenças afetivas, distúrbios de personalidade, entre outros.
Finalizando, relembra-se que a existência de sintomas psicopatológicos isolados tem valor
relativo, devendo o doente ser analisado como um todo, quer no seu funcionamento orgânico,
quer social e psı́quico, pois existem múltiplas relações entre estes três aspectos. O conheci-
mento da psicopatologia é essencial para o diagnóstico diferencial e consequentemente para
uma ajuda mais eficaz ao doente.

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Referências

Goas, M. (1966). Temas psiquiátricos.


Hamilton, M. (1985). Fish’s clinical psychopathology.
Jaspers, K. (1985). Psicopatologia geral.
Kaplan, H., Freedman, & Sadock. (n.d.). Comprehensive textbook of psychiatry/iii.
Sousa, M. (1985). O sistema amdp [Manual de Documentação e de quantificação da psico-
patologia].

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