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Capítulos PP (2020/2021)

Resumo dos Capítulos de Personalidade

Capítulo 4
Traços da personalidade, situações e comportamento

Abordagem de Traços

Segundo a abordagem de traços, as pessoas possuem diferenças em


características, emoções e comportamentos. Esta é a definição de traços de
personalidade. (Funder, 2016)

Segundo a psicologia da personalidade, é necessário ter em vista dois aspetos


(Funder, 2016, p. 113-114)

• Estabelecer uma relação entre o fator dominante de um indivíduo (se este


tende a tomar controlo da situação em que se encontra) e uma indicação
que possui de facto esse comportamento.
• Ter em atenção às diferenças individuais e tentar medir o quanto uma
pessoa é dominante, social ou nervosa comparada a outras pessoas.

“O foco em comparações é um ponto forte desta abordagem, porém também


pode ser apresentado como uma desvantagem, uma tende a negligenciar certos
aspetos da psicologia comuns a toda a gente, bem como as formas como cada
pessoa é única.” (Funder, 2016 p. 114)

“Todos os homens são como todos os outros; são como alguns; são como
nenhum” (Kluckhohn & Murray, 1961 - citado por Funder, 2016) - A abordagem
de traços foca-se na segunda parte (Todos os homens são como alguns) -- Pois
todos temos necessidades básicas em comum (comer, dormir, etc), porém
somos diferentes em personalidade, o que possibilita a nossa categorização em
grupos. (Funder, 2016 p. 114)

As pessoas são inconsistentes

Classificar as pessoas de acordo com os seus traços traz um grande problema,


pois o seu comportamento é tão inconsistente que não é possível estabelecer
uma caracterização detalhada com base em apenas um ou dois encontros.
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Por exemplo: Uma pessoa pode aparentar ser muito tímida ou rude em frente a
desconhecidos, mas calorosa e amigável para amigos e família; ser organizada
em público mas desmazelada em privado. Podemos afirmar então que os traços
não são os únicos que definem o nosso comportamento, o contexto também é
de extrema importância. Isto porque as situações variam e a atitude das pessoas
muda conforme os envolvidos e as regras que cada um aplica (se nos
comportamos de forma mais relaxada ou profissional). (Funder, 2016, p. 115)

Existem ainda situações que moldam completamente a nossa forma de agir,


consoante aquilo que pensamos ser mais correto para o momento (ex. alguém
concordar com alguma coisa para não levantar problemas, ainda que
normalmente expresse a sua opinião). (Funder, 2016, p.115)

É atualmente estabelecido que a inconsistência das pessoas está ligada à sua


etapa de vida: um jovem sem trabalho, filhos, carreira, objetivos definidos tem
uma personalidade muito mais inconsistente do que uma pessoa mais velha,
com família constituída, carreira feita e vida estável. ( Funder, 2016, p.115).
Ainda que existam exceções em ambos os lados.

Há psicólogos que dizem que as pessoas são tão inconsistentes no


comportamento de uma situação para a outra e que não vale a pena caracterizá-
las em traços de personalidade. A controvérsia sobre este problema é o debate
pessoa-situação. (Funder, 2016, p.115)

Debate pessoa-situação

Questão fundamental: “how well a person’s behavior in one situation can be


predicted either from his behavior in another situation or from his personality-trait
scores”(Funder, 2016, p.119), esta questão formulada pressupõem o dilema da
previsibilidade.

Previsibilidade está traduzida num coeficiente de correlação do qual tem as duas


variáveis (níveis de traços e medida do comportamento) com uma necessidade
de uma predizer a outra, seja positiva ou negativamente. A partir de 1970,
começou a haver uma descrença entre estas 2 variáveis, e mesmo nalguns
casos total ceticismo da psicologia no campo da personalidade tendo em conta
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que o coeficiente de correlação máximo é 0.4 e que este valor máximo é muito
baixo para o que seria pretendido.Chegou-se à conclusão que os traços da
personalidade eram irrelevantes na condição do comportamento (Funder,
2016).

Posição situacionista (Funder, 2016):

1º- A importância dos traços para a determinação do comportamento é


muito limitada;

2º- As situações são mais importantes do que os traços de personalidade


para determinar o que as ações humanas;

3º- As percepções que as pessoas têm umas das outras são


maioritariamente erradas, uma vez que se baseiam em traços de personalidade.

Refutações contra situacionistas:

(credibilizar a relação personalidade-comportamento)

1º refutado - Uma correlação de 0.4 afinal não é pequena. Para avaliar a sua
magnitude pode-se fazer uma comparação estandardizada absoluta ou relativa.
Na absoluta aplica-se o coeficiente de correlação em caso hipotético e testa-se
se as predições são positivas ou não, enquanto que na relativa é comparar a
previsibilidade do modelo em crítica com a dos outros métodos que se
assemelham na finalidade, como por exemplo a perspetiva situacionista. Para
avaliar de forma absoluta com r=0.4, usando o BESD-Binomial Effect Size
Display- (Rosenthal e Rubins, 1982, citado por Funder, 2016) concluíram que
70% das vezes pode ser correto a predição do comportamento pelos traços.

2º refutado – O autor recorre a uma reanálise de diversas experiências clássicas


que tentam avaliar o impacto de determinadas variantes situacionais no
comportamento humano, como por exemplo: as recompensas (Festinger e
Carlsmith, 1959, citado por Funder, 2016), a pressa e o número de espectadores
(Darley & Batson, 1967; Darley & Latané, 1968, citado por Funder, 2016) e por
último, o isolamento da vítima e a proximidade da figura de autoridade (Milgram,
1975, citado por Funder 2016).
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A conclusão do autor diz que as variantes situacionais em causa são, de facto,


importantes determinantes do comportamento, bem como certas variáveis de
personalidade (Funder, 2016).

3º refutado - Os autores opõem-se aos situacionistas pois, muitas vezes, as


intuições ficam muito perto da realidade, logo são suficientes para serem
percebidas de maneira precisa (Funder, 2016).

4º refutado - Análise de Mischel deu fruto à controvérsia dos traços. Falhas: a


sua análise foi muito curta e seletiva, tendo poucos estudos abordados para dar
uma ideia generalizada e tendo em conta o foco em estudos com falhas e com
resultados negativos já dando um enviesamento à análise (Block, 1977, citado
por Funder, 2016). Uma revisão de outras leituras revelou que a previsibilidade
de acontecimentos através de traços é melhor do que é realmente reconhecido,
mas é difícil selecionar as pesquisas de forma a normalizar (Rosenthal, 1980,
citado por Funder, 2016).

5º refutado - Melhorias na metodologia e teoria dos traços:

(1) mais experiências em contexto real, envolvido no qual a personalidade


seja claramente ativada em vez de ser em contexto laboratorial (Allport, 1961,
citado por Funder, 2016).

(2) há pessoas mais consistentes (nos seus traços) que outras, quanto
mais consistência mais fácil é predizer corretamente o comportamento (Bem e
Allen, 1974, citado por Funder, 2016).

(3) focar em tendências comportamentais mais gerais e não tanto em


ações específicas do indivíduo, facilita entender comportamento num todo, e não
só numa situação concreta (Funder, 2016)

Estas três sugestões de melhorias têm uma natureza instável: ”they represent
potential more than reality” (Funder, 2016,p.123)

Desta maneira, pode-se afirmar que os traços são importantes preditores do


comportamento humano, ao contrário do que uma posição situacionista afirma.
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Personalidade e vida

Pesquisas sugerem que os traços de personalidade afetam de maneira


importante os resultados da vida, como a saúde, longevidade. (Funder, 2016,
p.137)

A personalidade é algo que nos acompanha desde sempre e que tem um papel
preponderante uma vez que afeta muitos dos nossos comportamentos. (Funder,
2016, p.137)

Este impacto foi estudado pelos psicólogos Ozer e Benet-Martinez que


introduziram o conceito de BIG FIVE, cinco traços psicológicos mais importantes
como a extroversão, a agradabilidade, a consciencialização, o neuroticismo e a
abertura. (Funder, 2016, p.137-138)

Ozer e Benet-Martinez concluíram que pessoas mais extrovertidas e


acolhedoras são normalmente mais felizes, mais bem sucedidas e mais
saudáveis, ao contrário de pessoas hostis e conflituosas que tendem a ter mais
problemas de saúde, menos sucesso e vivem menos tempo. (Funder, 2016,
p.137-138)

Relações, trabalho e negócios

Ao longo da vida todos temos relações de e com pessoas de caráter diferente.


A personalidade de cada uma dessas pessoas coloca-nos em diferentes
situações, de acordo com as quais respondemos sem alterar a nossa maneira
de ser. (Funder, 2016, p.140)

O mesmo se passa nas relações que estabelecemos nos locais de trabalho e


nos negócios em que toda a gente é diferente, mas partilha dos mesmo objetivo,
ser bem-sucedido e fomentar um ambiente de trabalho agradável. (Funder,
2016, p.140)

Pessoas, situações e valores


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De acordo com o situacionismo, todos somos livres de fazermos o que queremos


sem o risco do nosso comportamento ser influenciado pela nossa personalidade.
(Funder, 2016, p.142)

Aos seus olhos somos todos iguais e as nossas formas de vida apenas diferem
por causa das circunstâncias em que nos encontramos. (Funder, 2016, p.142)

O situacionismo acredita que a situação é tão poderosa que determina o nosso


comportamento, deste modo, não podemos ser responsabilizados pelos nossos
atos. (Funder, 2016, p.143)

No entanto, a visão da personalidade é bastante diferente. Atribui o devido valor


ao indivíduo e acredita que este pode desenvolver a sua identidade de uma
maneira que transcenda a situação, que deixaria de condicionar o seu
comportamento. (Funder, 2016, p.143)

Pessoas e situações

Todos somos e temos traços de personalidade diferentes uns dos outros e essa
diferença influencia o modo como agimos no quotidiano, no entanto os nossos
comportamentos também podem ser sofrer a influência das situações em que
nos encontramos. (Funder, 2016, p.140-142)

O nosso comportamento é bastante similar para diferentes situações da nossa


vida, embora não seja sempre igual.. Nós temos diferentes tipos de relações, a
relação que temos com os nossos pais é diferente da relação com amigos, a
própria situação que a pessoa que estamos a interagir cria obriga-nos a agir de
formas diferentes. (Funder, 2016, p.140)

As pessoas foram agora observadas noutra situação, neste caso, no trabalho.


Todos os trabalhos exigem coisas diferentes, aos médicos é lhes exigido algo
que não é exigido a um advogado, no entanto, ambos tinham aspetos parecidos
entre eles, por exemplo o empenho no seu trabalho.

A personalidade tem uma enorme relevância para o entendimento da economia.


(Funder, 2016, p. 141)
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Num outro estudo foi feita uma comparação entre os empréstimos de diretores
de grandes empresas e os empréstimos que realizam na sua vida privada.
Chegaram à conclusão que quem arrisca mais enquanto está responsável por
uma empresa também arrisca mais na sua vida. (Gronqvist, Makhija, Yonker,
2011 citado por Funder, 2016, p.141)

A forma como a vida das pessoas se desenrola depende das habilidades que
cada um tem e que vai desenvolvendo como também da maneira como se
relaciona com os outros. (Funder, 2016, p.141)

No caso do debate pessoa-situação, durantes muitos anos as pessoas e as


situações foram vistas de maneiras opostas e que não interagiam entre elas. Na
atualidade sabe-se que as pessoas e as situações interagem uma com a outra
e desta forma é produzido o comportamento, a este fenómeno Funder em 2008
chamou de interacionismo. (Funder, 2016, p.141)

O interacionismo nasce das três formas em que as situações e pessoas


interagem. ( Buss, 1978 citado por Funder, 2016, p. 141-142)

1. “O efeito da variável personalidade depende da situação e vice-versa.”


( Funder, 2016, p. 141)

2. “As situações não são aleatórias, há certos tipos de pessoas que se


encontram a elas próprias em diferentes tipos de situações” .(Funder, 2016,
p.142)

3. “A interação vem da maneira como as pessoas mudam as situações


em virtude do que fazem nelas.” (Funder, 2016, p.142)

As pessoas são diferentes

Desde os tempos antigos, psicólogos sociais têm tido a tendência para


considerar as diferenças individuais como relativamente sem importância,
enquanto os psicólogos da personalidade colocam naturalmente essas
diferenças em primeiro plano. Depois de anos acreditando no caso contrário,
Roger Brown decidiu que os psicólogos da personalidade estavam certos, e
finalmente concordou com o que a maioria dos não psicólogos intuitivamente
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acreditou desde o início: As pessoas são psicologicamente diferentes umas


das outras e essas diferenças são importantes. (Funder, 2016, p. 145)

Capítulo 5
Avaliação pessoal: importância e precisão dos julgamentos
Introdução
A avaliação da personalidade não se restringe só aos psicólogos, todos nós a
praticamos diariamente (Funder, 2016 p. 151).
Mayer, Lin e Korogodsky (2011, citados por Funder, 2016) afirmaram que os
traços de personalidade são uma parte fundamental na maneira como pensamos
acerca dos outros e sobre nós mesmos. Com base nas nossas avaliações de
personalidade, somos nós que escolhemos as nossas amizades - essa pessoa
será confiável, útil ou honesta? E os outros fazem os mesmos julgamentos sobre
nós (Funder, 2016 p. 151).

Segundo Funder (1987, 1995, 1999, citados por Funder 2016) o termo precisão
é recorrentemente utilizado nas avaliações do julgamento (p. 151). O presente
capítulo está dividido em duas partes (Funder, 2016, p. 151). A primeira parte
incide sobre a importância das avaliações que os outros fazem acerca da sua
personalidade, as que nós fazemos dos outros, e ainda, as avaliações que
fazemos de nós mesmos (Funder, 2016, p. 151). A segunda parte foca na
precisão dessas avaliações (Funder, 2016, p. 151).

Até que ponto e em que circunstâncias é que os julgamentos realizados,


diariamente, de personalidade são consistentes entre si? Em que grau e em que
circunstâncias eles podem prever com precisão o comportamento? Como é
possível o julgamento de personalidade ser tão preciso (Funder, 2016 p. 151)?
Finalmente, como podemos compreender os outros com maior precisão?
(Funder, 2016, p. 151)

As consequências do juízo diário da personalidade


O julgamento feito pelos indivíduos reflete significativamente como funciona o
seu mundo social (Funder, 2016, p. 152). Conforme mencionado no capítulo 2,
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a sua reputação entre aqueles que o conhecem é importante, pois isso afetará
muito as oportunidades e as expectativas (Funder, 2016, p. 152).

Oportunidades
A reputação afeta as oportunidades de várias maneiras (Funder, 2016, p. 152).
Funder (2016) considera a situação da timidez (p. 152).

Zimbardo (1977, citado por Funder, 2016) afirmou que, na América, uma em
quatro pessoas considera-se cronicamente tímida. Estas têm muitas dificuldades
no processo de socialização, são muito solitárias e podem ter um profundo
desejo de ter amizades, bem como, uma interação social normal (Funder, 2016,
p. 152). Porém, o medo de socialização é tanto que acabam por ficar isoladas
(Funder, 2016, p. 152).

De Paul, Dull, Greenberg e Swan (1989, citados por Funder, 2016) observaram
que, em alguns casos, as pessoas tímidas não pedem ajuda, isto porque,
passam tanto tempo sozinhas que acabam por perder a capacidade de interagir
com os outros.

Num estudo, sujeitos tímidos e não tímidos tinham de ligar a pessoas do sexo
oposto para pedir que lhes devolvessem um simples questionário (Funder, 2016,
p. 152). De Paul (1989, citado por Funder, 2016) concluiu que a probabilidade
de os indivíduos, que tinham sido chamados pelos tímidos, não realizarem a
tarefa era maior, em comparação com o não tímido, devido ao discurso de um
indivíduo tímido ser hesitante. Um problema recorrente das pessoas com este
tipo de personalidade é que as outras, normalmente, não reconhecem que são
tímidas (Funder, 2016, p. 152). Em vez disso, acabam por considerá-las como
pessoas frias e indiferentes (Funder, 2016, p. 152).

As pessoas tímidas tentam iniciar uma conversa ou até mesmo criar uma
amizade, mas têm medo da rejeição ou de não saber o que dizer (Funder, 2016,
p. 152). Este medo advém da falta de habilidade de socializar, o que faz com
que a pessoa muitas vezes evite o contacto com pessoas conhecidas na rua
(Funder, 2016, p. 152). Um aspeto negativo desta característica é que muitas
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vezes as pessoas não tímidas ao lidar com este tipo de comportamento sentem-
se insultadas (Funder, 2016, p. 152). A verdade é que os tímidos não são
pessoas frias, nem indiferentes, simplesmente a sua maneira de agir faz com
que os outros achem o contrário (Funder, 2016, p. 152). Este julgamento acaba
por afetar negativamente as pessoas, contudo é um ciclo que se criou à volta da
timidez (Funder, 2016, p. 152). Este exemplo representa o impacto que os
julgamentos dos outros têm na vida social e como pode afetar significativamente
a personalidade e a vida dos indivíduos (Funder, 2016, p. 153).

Expectativas
Os julgamentos dos outros também podem ser afetados através das profecias
de auto- realização, mais conhecidas como efeito de expectativas (Funder, 2016,
p. 153). Estas podem afetar o desempenho e o comportamento social (Funder,
2016, p. 153).

Os efeitos da expectativa intelectual


Um exemplo para demonstrar os efeitos das expectativas intelectuais são os
estudos de Rosenthal e Jacobson (1968, citados por Funder, 2016). Estes
investigadores distribuíram a vários alunos uma série de testes e disseram aos
respetivos professores, mentindo-lhes, que os testes identificavam as crianças
que cresciam mais rápido e que era provável que no futuro estas apresentassem
um QI mais elevado (Funder, 2016, p. 153).

A verdade é que no final do ano quando os QIs foram testados e comparados, o


QI das crianças consideradas com um crescimento mais rápido, realmente tinha
aumentado (Funder, 2016, p. 153). Isto é, as crianças cujos professores
esperavam que o QI aumentasse, na verdade, tinha aumentado, embora as
expectativas tenham sido introduzidas aleatoriamente (Funder, 2016, p. 153).

De acordo com a teoria de Rosenthal, os alunos que possuem uma alta


expectativa acabam por ter um desempenho melhor, isto porque, os respetivos
professores acabam por tratá-los de maneira diferente (Funder, 2016, p. 153).
Rosenthal distinguiu quatro maneiras diferentes (Funder, 2016, p. 153).
Primeiramente, o clima, que incide na projeção da atitude emocional dos
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professores nos alunos (Funder, 2016, p. 153). Isto demonstra que existe da
parte do professor uma emoção mais calorosa relativamente àqueles que
esperam que tenham um melhor desempenho (Funder, 2016, p. 153). De
seguida, este autor apresenta o feedback, aqui também existe uma divergência
mediante a correção ou incorreção das respostas de um aluno (Funder, 2016, p.
153). Em terceiro lugar temos o input, este refere-se à maneira como os
professores tentam ensinar mais matéria e mais difícil, aos que esperam
melhores resultados (Funder, 2016, p. 153). Por último, a quarta maneira pela
qual os alunos com alta expectativa são tratados de maneira diferenciada,
chama-se produção.

Esta reflete as oportunidades extras dadas pelos professores para mostrar o que
os alunos aprenderam (Funder, 2016, p. 153).

Esta pesquisa é muito importante não apenas para ajudar a explicar os efeitos
da expectativa, mas também porque demonstra alguns dos elementos básicos
de um bom ensino (Funder, 2016, p. 153).

Conclui-se, que o ideal era que todos os alunos tivessem um tratamento idêntico
ao dado aos alunos com alta expectativa (Funder, 2016, p. 153).~

Os efeitos da expectativa social


Snyder, Tanke e Berscheid (1977, citados por Funder, 2016) realizaram uma
experiência com dois estudantes de sexos opostos, anteriormente escolhidos,
postos em diferentes partes do edifício de psicologia. À estudante feminina foi-
lhe tirada uma fotografia e disseram-lhe que ela iria conhecer uma pessoa pelo
telemóvel, mas para isso era necessário enviar-lhe uma imagem, para que a
pessoa do outro lado do telemóvel soubesse com quem estaria a falar (Funder,
2016, p. 154). Já o participante masculino não foi fotografado (Funder, 2016, p.
154).

A fotografia real da rapariga foi deitada fora e ao rapaz foram-lhe atribuídas duas
fotografias de outras raparigas consideradas muito atraentes ou menos
atraentes (Funder, 2016, p. 154). Ao rapaz foi-lhe dito que a rapariga da foto era
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com quem iria falar ao telemóvel (Funder, 2016, p. 154). A conexão telefónica foi
estabelecida, tendo os dois estudantes conversado por vários minutos, enquanto
um aparelho gravava a conversa (Funder, 2016, p.154).

Posteriormente, os investigadores apagaram o que o aluno tinha dito, deixando


apenas a voz feminina (Funder, 2016, p. 154). De seguida, eles mostraram a
gravação feminina a um outro grupo de estudantes e pediram que estes
avaliassem, entre outras coisas, quão calorosa, engraçada e equilibrada a
rapariga parecia (Funder, 2016, p. 154).

Resumidamente, se os rapazes tivessem visto uma fotografia atraente, a mulher


teria maior probabilidade de ser considerada calorosa, bem-humorada e
equilibrada (Funder, 2016, p.154). Concluindo, quando o aluno falava com uma
mulher considerada por ele como sendo atraente, o seu comportamento levava
a rapariga a responder de maneira mais calorosa e amigável, do que se ele a
tivesse achado menos atraente (Funder, 2016, p. 154).

Snyder (citado por Funder, 2016) interpretou este efeito como outra forma de
profecia auto-realizável, isto é, espera-se que mulheres atraentes sejam
calorosas e amigáveis, uma vez que os tratamentos que elas têm fá-las reagir
dessa forma.

Este estudo acaba por ser mais preocupante do que o estudo de Rosenthal,
relativamente ao QI, pois este sugere que o nosso comportamento é influenciado
pelo que os outros esperam de nós, muitas vezes com base em aspetos
superficiais como a nossa aparência (Funder,2016, p. 154). O estudo de Snyder
chega à conclusão que até um certo ponto, nós acabamos por nos tornar aquilo
que os outros querem ou percebem que somos (Funder, 2016, p. 155).

Os efeitos da expectativa na vida real


Jussim (1991, citado por Funder, 2016) sugere uma abordagem diferente
relativamente ao efeito das expectativas. Enquanto, que Rosenthal acreditava
que alguns alunos iriam melhorar academicamente, porque foi isso que lhes
disseram e Snyder considerava que as mulheres eram calorosas e amigáveis
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devido aos estereótipos que os homens mantinham sobre a atratividade, Jussim


sugere que a situação na vida real é bastante diferente (Funder, 2016, p. 155).

Se um professor quer que um aluno seja bem-sucedido, este pode basear as


suas expectativas nos resultados reais do teste da criança, bem como na
observação do desempenho da criança nas aulas e no que os outros professores
lhe disseram sobre a criança (Funder, 2016, p. 155). Um estudante que queira
que uma estudante seja calorosa e charmosa com ele, pode basear-se na
maneira como ela age com os outros e no que os amigos dizem sobre ela
(Funder, 2016, p. 155). Além disso, a pesquisa mostrou que, até certo ponto, as
mulheres fisicamente atraentes são realmente mais sociáveis e agradáveis
(Goldman & Lewis, 1977, citados por Funder, 2016). Até que ponto é que estes
efeitos de expectativas, embora totalmente falsos, podem estar corretos na vida
real? (Funder, 2016, p. 155).

Esta visão desafia a interpretação tradicional dos efeitos de expectativas, isso


implica que em vez de se restringir à introdução dos efeitos no laboratório, os
investigadores devem também estudar e avaliar os efeitos na vida real (Funder,
2016, p. 155). Até agora os estudos mostram que os efeitos são
consistentemente maiores que zero, mas é o suficiente para transformar uma
criança de baixo QI numa criança de alto QI, ou uma pessoa fria e indiferente
numa pessoa calorosa e amigável (Funder, 2016, p. 155).

Contudo, é difícil ter certezas, pois até há pouco tempo a maioria das pesquisas
estavam mais preocupadas em descobrir se existiam efeitos, do que
propriamente em avaliar a importância dos seus efeitos em relação a outros
fatores que influenciam o comportamento (Funder, 2016, p. 155).

Dois estudos sugerem que essas expectativas são mais fortes quanto mais
pessoas próximas do indivíduo têm essa expectativa por um longo período de
tempo (Funder, 2016, p. 155).
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Quando uma mãe e um pai superestimam a tendência do seu filho abusar no


álcool, ele ou ela, tenderá a aumentar esse comportamento e a viver dessa
expectativa comum (Funder, 2016, p. 156).

A compreensão dos efeitos das expectativas faz-nos refletir sobre a forma como
as pessoas afetam o desempenho e o comportamento umas das outras (Funder,
2016, p. 156). A pesquisa de Rosenthal revelou quatro fatores básicos que
provavelmente deveriam fazer parte do ensino (Funder, 2016, p. 156). A
pesquisa de Snyder sugere que se desejamos ser tratados de maneira calorosa
e amigável, o melhor é também agirmos dessa forma (Funder,2016, p. 156). Por
último, se os pais não querem que os seus filhos se tornem viciados no álcool
não devem supor o pior (Funder, 2016, p. 156).

A precisão do juízo da personalidade


Visto que as pessoas estão constantemente a fazer julgamentos relativamente
à personalidade, convém saber quando e em que grau esses julgamentos são
precisos (Funder, 2016, p. 156).

A pesquisa relativamente à precisão teve um período de inatividade, da qual


começou a emergir apenas em meados da década de 1980 (Funder & West,
1993, citados por Funder, 2016). Isto aconteceu, pois existia um problema
fundamental: por que critérios os julgamentos de personalidade podem ser
julgados certos ou errados (Hastie e Rasinki, 1988; Kruglanski, 1989, citados por
Funder, 2016, p. 156)? Alguns psicólogos acreditavam que essa pergunta era
irrefutável porque qualquer tentativa de respondê-la simplesmente colocaria a
definição de precisão de uma pessoa contra a de outra (Funder, 2016, p. 156).

Quem decide qual é a definição certa? Esse ponto de vista foi sustentado pela
filosofia do construtivismo (Funder, 2016, p. 156).

Esta filosofia sustenta que tudo o que existe são ideias humanas ou construções
da realidade (Funder, 2016, p. 156).
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A resposta à questão segundo esta vertente é ninguém, pois segundo Kruglanski


(1989, citado por Funder, 2016) todas as interpretações são meras construções
sociais. Funder (1995, citado por Funder 2016) rejeita esta ideia de que, uma vez
que não há realidade, a precisão do julgamento não pode ser avaliada de forma
significativa. Contudo, concorda que a filosofia do realismo é mais razoável
(Funder, 2016, p. 157).

O realismo crítico sustenta que a ausência de critérios perfeitos e infalíveis para


determinar a verdade não significa que todas as interpretações da realidade
sejam igualmente corretas (Roger, 1990, citado por Funder, 2016). Na verdade,
mesmo os investigadores psicológicos que argumentam que as questões de
precisão nunca podem ser resolvidas (construtivistas) ainda se questionam em
quais das conclusões de pesquisa devem acreditar ou não (Funder, 2016, p.
157). Eles reconhecem que devem fazer escolhas de forma mais razoável e a
única alternativa é parar de tirar conclusões por completo (Funder, 2016, p. 157).

Para avaliar um julgamento de personalidade, o método é o mesmo (Funder,


2016, p. 157). Primeiro, devemos reunir todas as informações para
conseguirmos decidir se o julgamento é válido ou não e de seguida fazer a
melhor determinação possível (Funder, 2016, p. 157). Embora a precisão do
resultado seja sempre incerta, a tarefa é perfeitamente razoável. (Cook &
Campbell, 1979; Cronbach & Meehl, 1955, citados por Funder, 2016).

Critérios de precisão
Avaliar a precisão de um julgamento de personalidade torna-se exatamente
equivalente a avaliar de um teste de personalidade e existe um método bastante
desenvolvido e aceite para o fazer (Funder, 2016, p. 157).

O método chama-se validação convergente (Funder, 2016, p. 157). Esta é por


sua vez alcançada pela reunião de diversas informações e quanto mais
informações diversas convergirem, mais confiável será a conclusão (Funder,
2016, p. 157). O teste do pato representa isto mesmo “se ele parece um pato,
anda como um pato, nada como um pato e grasna como um pato, é muito
Capítulos PP (2020/2021)

provável, mas ainda não de forma absolutamente positiva de ser um pato” (Block,
1989, citado por Funder, 2016).

Os critérios convergentes primários dividem-se em dois critérios: a concordância


entre juízes e a previsão comportamental (Funder, 2016, p. 158). Assim, a
pesquisa psicológica pode avaliar os julgamentos de personalidade através de
duas perguntas (Funder, 1987, 1995, 1999, citado por Funder, 2016):
(1) Os julgamentos concordam entre si?
(2) Os julgamentos podem prever o comportamento? Se as respostas
forem sim, então os julgamentos, provavelmente serão precisos (Funder, 2016,
p. 158).

Primeiras Impressões
Assim que conhecemos uma pessoa, normalmente, começamos logo a fazer
julgamentos sobre a personalidade e vice-versa (Funder, 2016, p. 158). Os
julgamentos de personalidade são feitos de forma rápida e quase automática
sem pensar (Hassin & Trope, 2000, citados por Funder, 2016). Mas serão estas
impressões precisas (Funder, 2016, p. 158)?

A cara
De acordo com uma pesquisa, cerca de 75% dos universitários acreditam que a
personalidade podia ser julgada pela aparência facial (Hassin & Trope, 2000,
citados por Funder, 2016). Estudos mais recentes começaram a enfocar o que é
chamado de propriedades configuracionais de caras, em vez do corpo isolado
(Tanaka & Farah, 1993, citados por Funder, 2016). Quando é estudada desta
forma, a validade das primeiras impressões parece mais promissora (Funder,
2016, p. 158).

Um estudo juntou alunos em pequenos grupos, onde não se falaram durante 15


minutos (Funder, 2016, p. 158). A exibição do tamanho do efeito binomial (BESD)
descrito no capítulo 2, diz-nos que classificar um estranho nesta situação, nestas
três características (extroversão, conscienciosidade e abertura para a
experiência) é duas vezes mais provável de estar certo do que errado (Funder,
2016, p. 158).
Capítulos PP (2020/2021)

Um teste realizado, para se observar a influência da componente da aparência


facial, através da previsão de preferência de votos percebeu, que quanto mais
competente parece o rosto do candidato, maior margem de vitória obtinha
(Funder, 2016, p. 158).

Berry e Wero (1993, citados por Funder, 2016) afirmaram que basta um olhar
rápido para o rosto da pessoa para se conseguir decifrar o grau em que a pessoa
é submissa ou dominante. Rule e Ambady (2008, citados por Funder, 2016)
acrescentam ainda que é possível se o indivíduo é heterossexual ou
homossexual ou ainda, no caso de negócios executivos, quanto de lucro a
empresa obtém.

Como é que podemos afirmar que esse grau de precisão é possível (Funder,
2016, p. 158)?
Aparentemente, existem aspetos de configuração do rosto que permitem que
vários aspetos psicológicos das pessoas sejam julgados com certo grau de
veracidade (Funder, 2016, p.160).

Pentovoak, Pound, Little e Perrett (2006, citados por Funder, 2016) obtiveram
pontuações de personalidade de uma grande amostra de participantes. De
seguida, selecionaram aqueles que se posicionaram entre os 10% superiores e
inferiores, em cinco características diferentes, 15 homens e 15 mulheres
(Funder, 2016, p. 160). Ambas as 15 imagens de cada grupo, foram misturadas
num num rosto generalizado não real, considerado como a média de todos os
rostos, onde foram obtidas pontuações altas e baixas para várias características
(Funder, 2016, p. 160). Estas foram a agradabilidade, conscienciosidade,
extroversão, neuroticismo e abertura para a experiência (Funder, 2016, p. 160).

Em média, os participantes foram capazes de distinguir os rapazes que


obtiveram uma pontuação alta e baixa, em termos de agradabilidade e
extroversão, mas não nas outras três características (Funder, 2016, p. 161). Para
as mulheres, os participantes conseguiram diferenciar as pontuações, não só em
termos de agradabilidade, mas também em termos de extroversão (Funder,
2016, p. 161).
Capítulos PP (2020/2021)

Em primeiro lugar, esta descoberta significa que é possível afirmar se uma


pessoa é baixa ou alta através da extroversão e da agradabilidade apenas pela
observação do rosto (Funder, 2016, p. 161). Para além disso, também é possível
fazer o mesmo para a estabilidade emocional nos homens, mas não em
mulheres (Funder, 2016, p. 161). Em segundo lugar, o nível de precisão é
impressionante (Funder, 2016, p. 161). Contudo é importante realçar que estas
descobertas são feitas em situações artificiais (Funder, 2016, p. 161).

O que estas investigações, realmente, significam na prática é que quando se


olha para o rosto de alguém, somos capazes de detetar com precisão a diferença
entre alguém que é extremamente extrovertido ou introvertido, ou extremamente
agradável ou desagradável (Funder, 2016, p. 161).

A mensagem de vários estudos recentes é que o rosto humano contém muito


mais informações sobre a personalidade do que os psicólogos tinham adivinhado
(Funder, 2016, p. 162).

Outros sinais visíveis de personalidade


Os sinais visíveis de personalidade vão para além do rosto (Funder, 2016, p.
162). Se uma rapariga se veste de forma mais elegante e tem um corte de cabelo
mais estilosos pode levar os observadores a inferir que ela é extrovertida
(Borkenau & Liebler, 1993, citados por Funder, 2016). Quando uma pessoa fala
em voz alta, os juízes tendem a inferir que ela é extrovertida (Funder & Sneed,
1993; Scherer, 1978, citados por Funder, 2016, p. 162).

Assim, quando os comportamentos observados estão intimamente relacionados


com as características que estão a julgar, as conclusões tendem a ser mais
precisas (Funder, 2016, p. 162).

Esta é uma nova maneira de olhar para o julgamento de personalidade, em vez


de se olhar para a pessoa, olhar para o quarto dela, julgar pelo tipo de música
ou a maneira como uma pessoa conta histórias (Funder, 2016, p. 162).
Capítulos PP (2020/2021)

Num estudo, os participantes tinham de escrever um conto e depois outras


pessoas tinham de o ler e avaliar como seria o escritor (Kufner, Back, Nestler &
Egloff, 2010, citados por Funder, 2016). Os leitores informam corretamente,
entre outras pistas, que a escrita sofisticada e a criatividade eram um sinal de
abertura à experiência e ao uso de palavras que descrevem emoções positivas
e orientação social indicava que o escritor tendia a ser agradável (Funder, 2016,
p. 162).

Por último, um outro sinal da personalidade é o aperto de mão (Funder, 2016, p.


162). Um estudo descobriu que as pessoas com um aperto de mão firme tendem
a ser mais extrovertidos e emocionalmente expressivas, quanto que as pessoas
com um aperto fraco eram mais propensas a ser tímidas e ansiosas (Chaplin et
al., 2000, citado por Funder, 2016)

Moderadores de precisão
Funder (2016) afirma que, em psicologia, uma variável moderadora afeta a
relação entre duas outras variáveis (p. 163). Um moderador de precisão, por sua
vez, afeta a correlação entre um julgamento e o seu critério (Funder, 2016, p.
163). A investigação sobre precisão focou-se, então, em quatro potenciais
moderadores: juiz, alvo – isto é, a pessoa que é julgada -, traço e informações
em que se baseia o julgamento (Funder, 2016, p. 163).

O bom juízo
Para os psicólogos clínicos, há pessoas que são melhores a julgar a
personalidade do que outras (Funder, 2016, p. 163). Até 1955, vários estudos
abordaram esta questão (Taft, 1955, citado por Funder, 2016), embora se tenha
revelado difícil obter uma resposta satisfatória. Estudos iniciais pareciam mostrar
que um bom juiz de uma característica ou num contexto pode não ser um bom
juiz com outros traços ou em contextos diferentes (Funder, 2016, p. 163). Porém,
a única descoberta consistente foi que indivíduos altamente inteligentes
apresentavam melhores julgamentos - mas esses indivíduos são bons seja qual
for a tarefa que lhes seja atribuída, pelo que não era certo que este traço se
relacionasse com a capacidade para julgar as pessoas (Funder, 2016, p. 163).
Capítulos PP (2020/2021)

Investigações recentes começaram a colocar questões importantes, como se os


melhores juízes de personalidade seriam homens ou mulheres, sendo que os
resultados foram ambíguos (Funder, 2016, p. 163). Um estudo agregou
classificações de personalidade de estranhos que se juntaram por alguns
minutos, sem oportunidade para se comunicarem (Funder, 2016, p. 163). As
mulheres foram melhores a julgar a extroversão e a emocionalidade positiva do
que os homens, mas não se destacaram noutros traços (Ambady, Hallahan &
Rosenthal, 1995, citados por Funder, 2016). Noutro estudo, no qual os
indivíduos tiveram a oportunidade de interagir uns com os outros, percebeu-se
que as mulheres eram, no geral, assertivas nos seus juízos, mas apenas devido
a terem uma visão mais precisa da pessoa normativa (Chan, Rogers, Parisotto
& Biesanz, 2011, citados por Funder, 2016).

Outro estudo analisou as classificações de estudantes universitários que


interagiram por cerca de 5 minutos, comparando-as aos autojulgamentos de
cada um e aos seus comportamentos em três situações laboratoriais (Kolar,
1996, citado por Funder, 2016).

Homens e mulheres não se diferenciaram quanto à precisão, mas os correlatos


de personalidade de precisão eram diferentes: sugeriam que, para os homens,
a precisão no julgamento da personalidade tem a ver com um estilo interpessoal
extrovertido e confiante, e para as mulheres é mais uma questão de abertura a
novas experiências e interesses (Funder, 2016, p. 164)

O bom juiz parece ser alguém empenhado em desenvolver e manter relações


interpessoais, algo comumente chamado de comunhão (Bakan, 1966, citado por
Funder, 2016). Vogt e Colvin (2003, citados por Funder, 2016) descobriram que
indivíduos de ambos os sexos que testaram alto na comunhão eram juízes de
personalidade precisos, e (Letzring, 2008, citado por Funder, 2016) concluiu que
a precisão estava associada a traços de habilidade social, agradabilidade, e
ajustamento. Fast, Reimer e Fundador (2008, citados por Funder, 2016)
descreveram, ainda, o comportamento de pessoas com alta capacidade de
complexidade atribucional (associada a um julgamento preciso da
personalidade) como aberto, positivo, expressivo e socialmente competente.
Capítulos PP (2020/2021)

Pessoas que tendem a utilizar termos favoráveis quando descrevendo outras,


tendem a ser mais precisas, uma vez que são, no geral, gentis e honestas
(Letzring & Funder, 2006, citados por Funder, 2016). Assim, a positividade,
característica de pessoas psicologicamente bem ajustadas, pode levar a um
melhor julgamento dos outros (Human & Biesanz, 2011, citados por Funder,
2016).

Neil Christiansen e colegas conceberam um teste para avaliar o conhecimento


sobre a relevância da personalidade no comportamento, isto é, a inteligência
dispositiva, no qual pessoas com pontuações mais elevadas foram melhores a
julgar as personalidades de indivíduos filmados no contexto de uma entrevista
de emprego, tal como a fazer juízos das personalidades dos seus conhecidos
(Funder, 2016, p. 164). Este teste identificou, com especial precisão, bons juízes
entre pessoas bastante conscientes e agradáveis (Christiansen, Wolcott-
Burnam, Janovics, Burns & Quirk, 2005, citados por Funder, 2016).

Biesanz et al. (2011, citados por Funder, 2016) questionaram se as pessoas


sabem se são bons juízes de personalidade, chegando à conclusão que a
resposta é ambígua. Sim, uma vez que a maioria das pessoas consegue dizer
quais dos seus conhecimentos pode julgar com precisão ou não – precisão sobre
ser exato (Funder, 2016, p. 165). E não, pois quem se classifica como bom juiz,
no geral, não é melhor do que quem se descreve a si próprio com uma baixa
capacidade de julgar (Funder, 2016, p. 165).

Fazer um esforço extra pode levar a uma maior precisão (Funder, 2016, p. 165)?
Letzring, Wells, e Funder (2006, citados por Funder, 2016) perceberam que
indivíduos instruídos para conhecerem o melhor possível foram apenas um
pouco mais precisos nos seus julgamentos do que participantes do estudo que
simplesmente conversaram. Biesanz e Humano (2010, citados por Funder,
2016), mais recentemente, descobriram que pessoas encorajadas a fazer
julgamentos corretos são mais precisas sobre traços invulgares, mas menos
sobre traços comuns. McLarney-Vesotski, Bernieri e Rempala (2011, citados por
Funder, 2016) adotaram a abordagem oposta, dizendo a alguns participantes do
estudo que não importava a exatidão na tarefa de julgamento, o que fez com que
Capítulos PP (2020/2021)

estes fossem menos precisos do que indivíduos que não foram desmotivados.
Assim, são necessárias várias tentativas para um julgamento exato (Funder,
2016, p. 166).

À medida que é dado seguimento a novas descobertas, espera-se um rápido


aumento da compreensão acerca do que faz com que algumas pessoas sejam
melhores juízes de personalidade do que outras (Funder, 2016, p. 166).

O bom objetivo
Num julgamento exato, quem está a ser julgado pode ser mais importante do
que quem faz o julgamento, como mostram Human e Biesanz (2013, citados por
Funder, 2016). A experiência quotidiana parece confirmar que há pessoas que
são mais facilmente julgadas com precisão do que outras (Funder, 2016, p. 166).
Mas, quem são estas pessoas (Allport, 1937; Colvin, 1993, citados por Funder,
2016)? Pessoas julgáveis são pessoas com comportamentos mais previsíveis, o
que faz com que outros cheguem mais facilmente a acordo sobre o julgamento
das suas personalidades (Human et al., 2014, citado por Funder, 2016). O
comportamento destas pessoas é coerentemente organizado e consistente,
sendo descrito por diferentes pessoas da mesma forma (Funder, 2016, p. 167).

Estes indivíduos tendem a ser estáveis, psicologicamente bem ajustados


(Colvin, 1993; Human et al., 2014, citados por Funder, 2016), extrovertidos e
agradáveis (Ambady, Hallahan & Rosenthal, 1995, citados por Funder, 2016).

Há muito que se crê ser psicologicamente saudável adotar um eu transparente


(Jourard, 1971, citado por Funder, 2016). Uma fachada psicológica produz
discrepâncias entre a pessoa que se é e a pessoa que se mostra, o que pode
levar a um sentimento de isolamento e, consequentemente, à infelicidade,
hostilidade e depressão (Funder, 2016 p.167). Agir em desacordo com a
verdadeira personalidade exige esforço, sendo psicologicamente cansativo
(Gallagher, Fleeson & Hoyle, 2011, citado por Funder, 2016). É sugerido até que
a ocultação das emoções pode ser prejudicial para a saúde física. (Berry e
Pennebaker, 1993; Pennebaker, 1992, citados por Funder, 2016)
Capítulos PP (2020/2021)

Investigação recente, baseada nesta teoria, salienta que a capacidade de julgar


por si só faz parte do ajustamento psicológico, uma vez que deriva de coerência
e consistência comportamental (Funder, 2016, p. 167). Assim, indivíduos que
acabam de conhecer uma pessoa julgável, podem fazer julgamentos exatos
difíceis de observar, como por exemplo: permanece calmo em situações tensas
(Human & Biesanz, 2011, citados por Funder, 2016).

A associação entre a capacidade de julgamento e o ajustamento psicológico


parece ser especialmente forte entre homens, sendo este um padrão enraizado
na primeira infância (Colvin, 1993, citado por Funder, 2016).

O bom traço
Há características, relacionadas com a extroversão, como a sociabilidade, mais
fáceis de julgar com precisão do que outras menos visíveis, tais como estilos e
hábitos cognitivos (Funder & Dobroth, 1987, citados por Funder, 2016). Isto
acontece mesmo quando o juiz é um estranho que observa alguém durante
apenas minutos (Fundador & Colvin, 1988; Watson, 1989, citados por Funder,
2016), ou ainda menos (Carney, Colvin, & Hall, 2007, citados por Funder, 2016).

No geral, traços que se refletem em comportamentos explícitos, como a


extroversão, são mais fáceis de julgar do que traços que se refletem em estados
mentais que nem sempre são visíveis ao exterior, como a estabilidade emocional
(Russell e Zickar, 2005, citados por Funder, 2016). Paunonen e Kam (2014,
citados por Funder, 2016) afirmam ainda que comportamentos são mais fáceis
de avaliar do que crenças.

Traços mais visíveis serem mais fáceis de ver parece uma conclusão óbvia, mas
tem algumas implicações no que diz respeito, por exemplo, aos julgamentos de
personalidade por conhecidos (Funder, 2016, p. 168). Alguns psicólogos
concluem que estes juízos se baseiam na reputação dos indivíduos já
construída, e não nas suas personalidades, tendo uma precisão duvidosa.
(Kenny, 1991; McClelland, 1972, citados por Funder, 2016). Na perspetiva de
(Clark & Paivio, 1989, citados por Funder, 2016) esta teoria é plausível, mas não
verdadeira, pois se o julgamento de personalidade dos pares se baseasse na
Capítulos PP (2020/2021)

reputação e não na observação, não se justificava a maior concordância entre


juízes acerca de traços observáveis comparativamente aos inobserváveis, uma
vez que esta descoberta implica que o julgamento se baseie na observação
comportamental direta.

Gangestad, Simpson, DiGeronimo e Biek (1992, citados por Funder, 2016)


abordaram, noutra investigação a sociosexualidade, definida como a preferência
por relações sexuais com o mínimo de conhecimento e compromisso
estabelecido com o parceiro. Para haver reprodução, é importante saber quem
está disposto a acasalar, presumindo-se, portanto, de acordo com a teoria
evolucionária, que as pessoas devem ser especialmente boas a julgar este traço
(Funder, 2016, p. 168). Constatou-se que o julgamento de diferenças individuais
nesta característica era mais preciso do que em traços irrelevantes para a
reprodução, independentemente dos sexos do alvo e do juiz, porém, notou-se
especial precisão no julgamento de ambos os sexos sobre o sexo masculino
(Funder, 2016, p.168).

Boas informações
A exatidão do julgamento da personalidade é moderada pela quantidade e tipo
de informação em que o mesmo se baseia (Funder, 2016, p. 169).

Quantidade de Informação
Carney et al. (2007, citados por Funder, 2016) afirmaram que há traços, como a
extroversão, que podem ser julgados com precisão após segundos de
observação, e traços que necessitam de mais tempo, como a instabilidade
emocional. Assim, parece que quanto mais informação, melhor. Num estudo de
(Funder & Colvin, 1988, citados por Funder, 2016), no qual os participantes foram
julgados por juízes que os conheciam há, pelo menos, um ano, e por estranhos
que viram um vídeo de 5 minutos dos alvos, percebeu-se que os julgamentos de
personalidade de conhecidos iam mais de encontro aos autojulgamentos do que
os de desconhecidos (Funder, 2016, p. 169).

O vídeo apresentado aos estranhos mostrava o participante numa conversa com


alguém do sexo oposto, e os conhecidos não o viram, baseando-se apenas nas
Capítulos PP (2020/2021)

suas interações do dia- a-dia (Funder, 2016, p. 169). Ao ser apresentado um


novo vídeo numa interação dos participantes com uma pessoa diferente, para
que os dois tipos de juízes previssem o comportamento do julgado, os níveis de
precisão foram idênticos (Funder, 2016, p. 169).

Assim, a vantagem dos conhecidos não se verifica em todas as circunstâncias,


por exemplo, quando os estranhos são previamente familiarizados com uma
situação semelhante, não acontecendo o mesmo com os conhecidos. (Colvin &
Funder, 1991, citados por Funder, 2016).

Colvin e Funder (1991, citados por Funder, 2016) encontraram, então, a única
circunstância em que estranhos e conhecidos próximos poderiam fazer juízes de
personalidade com a mesma validade preditiva. Noutra perspetiva, percebeu-se
que um conhecido próximo é capaz de generalizar as suas observações noutras
situações e experiências específicas de modo a obter um juízo preciso acerca
da situação particular a que nunca tinham assistido (Funder, 2016, p. 170).

Noutro estudo, Blackman e Funder (1998, citados por Funder, 2016)


acrescentam que um aumento da informação pode melhorar a correspondência
entre julgamentos e autojulgamentos, mas não o acordo entre juízes.
Apresentaram-se vídeos de conversas entre pessoas a alguns juízes, variando
o número de fitas entre uma (5 minutos) e seis (30 minutos), e em seguida estes
tentaram descrever a personalidade do alvo (Funder, 2016, p. 170). Verificou-se
que o consenso entre juízes não mudou significativamente entre os que viram 5
minutos de vídeo e os que viram 30, porém, a exatidão entre os julgamentos e
os autojulgamentos melhorou de forma acentuada com o aumento do tempo de
vídeo assistido (Funder, 2016, p. 170). Esta diferença parece ser causada pelo
facto de as primeiras impressões dos juízes sobre o alvo serem baseadas em
estereótipos superficiais, havendo concordância mesmo que possam estar todos
errados (Funder, 2016, p. 171). Depois de um maior tempo de observação, estes
estereótipos tendem a ser descartados, mostrando que o resultado se trata de
uma maior exatidão do que se concorda, e não de um maior acordo entre os
juízes (Funder, 2016, p. 172).
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Qualidade da Informação
É possível, pela experiência comum, aprender muito sobre alguém em pouco
tempo, tal como aprender pouco sobre alguém que se conhece há muito tempo
(Funder, 2016, p. 172).

As pessoas são restringidas por normas sociais, pelo que agem similarmente em
situações normais, mas numa situação de fraqueza pessoas diferentes tendem
a agir de forma diferente, facilitando uma observação mais informativa (Snyder
& Ickes, 1985, citados por Funder, 2016). Por exemplo, numa festa, extrovertidos
e introvertidos agem de maneira diferente, enquanto num autocarro quase todas
as pessoas agem da mesma forma, limitando-se a estarem sentadas (Funder,
2016, p. 172). Por esta razão, crê-se que uma entrevista de emprego na qual a
conversa flui de forma não estruturada é mais válida para o julgamento do
entrevistado do que uma entrevista rígida (Funder, 2016, p. 172).

Hirschmüller, Egloff, Schmukle, Nestler, e Back (2014, citados por Funder, 2016)
mostraram que observar pessoas numa situação de stress ou excitação leva a
uma maior precisão no julgamento da sua personalidade do que situações em
que as mesmas estejam relaxadas.

Assim, é possível conviver com alguém há muito tempo e ainda assim não o
conhecer, pelo facto de nunca se ter observado o mesmo numa situação de
emergência, por exemplo (Funder, 2016, p. 172). Os juízos de personalidade são
mais fáceis se ocorrer uma situação que revele o traço que se quer julgar, por
exemplo, para avaliar o trabalho de alguém é necessário observá-lo a trabalhar,
enquanto para avaliar o traço de sociabilidade é preferível observar a pessoa em
contexto de festa (Freeberg, 1969; Landy & Guion, 1970, citados por Funder,
2016).

Num estudo em que se avaliou a qualidade da informação por via de entrevistas,


os participantes tentaram classificar 100 traços de personalidade de pessoas
cujas interrogações acerca dos seus pensamentos, sentimentos e atividades
diárias ouviram (Funder, 2016, p. 173). Andersen (1984, citado por Funder, 2016)
verificou que os julgamentos mais precisos resultaram da audição das
Capítulos PP (2020/2021)

entrevistas de pensamentos e sentimentos, em comparação com as entrevistas


comportamentais. Mais recentemente, Letzring, Wells e Funder (2006, citados
por Funder, 2016) constataram que de uma conversa livre resultaram melhores
julgamentos de personalidade do que de uma conversa com pouco espaço para
falar. Para julgar a forma como as pessoas se diferenciam, é essencial haver
oportunidade de falar (Letzring & Humano, 2014, citados por Funder, 2016).

Assim, um julgamento preciso da personalidade depende da quantidade e


qualidade de informação em que se baseia, sendo que quanto mais informação
e mais relevante esta seja, melhor (Funder, 2016, p. 173).

O modelo de precisão realista


Para os moderadores de precisão terem sentido, é importante saber, em primeiro
lugar, quão exato um juízo pode ser (Funder, 2016, p. 173). O Modelo de
Precisão Realista (RAM) procura explicar como é possível avaliar as
personalidades das pessoas que se conhece (Funder, 1995, citado por Funder,
2016).

Para julgar com precisão uma característica, a partir de um atributo da


personalidade de um indivíduo, é necessária uma ação relevante do alvo que
informe sobre o traço que se pretende julgar, bem como a disponibilização desta
a um juiz, que terá de detetar a informação e de seguida utilizá-la corretamente
(Funder, 2016, p. 173). Exemplificando, julgar a coragem de alguém não é
possível se não surgir uma situação em que a pessoa possa mostrar essa
característica de forma relevante, como um incêndio (Funder, 2016, p. 173). Para
além disso, é preciso que essa situação ocorra de forma a permitir a observação
do juiz, visto que se alguém demonstrar extrema coragem, ao resgatar uma
família das chamas, mas isso não for observado, não é possível esse traço ser
avaliado com precisão (Funder, 2016, p. 173). Depois da disponibilização, é
necessário que o juiz detete a informação, reparando no herói, e, posteriormente,
que a saiba avaliar de forma adequada, deduzindo que o salvamento
demonstrou elevada coragem por parte do alvo, e conseguindo assim um
julgamento exato (Funder, 2016, pp. 173-174).
Capítulos PP (2020/2021)

Este modelo expõe a dificuldade de se obter um julgamento da personalidade


preciso perante os quatro obstáculos: relevância, disponibilidade, deteção e
utilização – que devem ser superados (Funder, 2016, p. 174). Uma falha em
qualquer destas fases, fará com que o juízo perca a sua precisão (Funder, 2016,
p. 174). É ainda implicado que os quatro moderadores de precisão sejam
resultado de acontecimentos de uma ou mais destas quatro fases (Funder, 2016,
p. 174). Assim, um bom juiz é capaz de detetar e utilizar informação
comportamental de forma correta (McLarney-Vesotski et al., 2011, citados por
Funder, 2016), um bom alvo é fiel à sua personalidade nas mais variadas
situações, a boa característica está explícita em vários contextos e é fácil de
perceber, a boa informação aumenta o conjunto de comportamentos que o juiz
observa e a probabilidade de o mesmo entender os padrões emergentes.

O mais importante, de acordo com a RAM, é que a precisão do julgamento da


personalidade pode ser melhorada de quatro formas (Funder, 2016, p. 174). Os
esforços neste sentido têm-se concentrado em tentar melhorar a forma de
pensar dos juízes, o que aborda apenas uma das quatro fases do julgamento da
personalidade – a utilização (Funder, 2016, p. 175). É possível procurar também
evolução nas outras fases (Funder, 2003, citado por Funder, 2016). Por exemplo,
as pessoas vão evitar dizer ou fazer certas coisas perante alguém que se ofende
facilmente, dificultando que este obtenha um juízo preciso, que fica
impossibilitado na fase de relevância, tal como empregados tenderão a esconder
erros de um chefe explosivo, interferindo então com a disponibilidade de
informação relevante (Funder, 2016, p. 175). A precisão do julgamento é também
afetada pelo contexto em que este é feito, sendo que situações perturbadoras
podem prejudicar a capacidade de deteção do juiz (Funder, 2016, p. 175).

Assim, ser-se um bom juiz de personalidade envolve mais do que pensar melhor
(Funder, 2016, p. 175). É necessário que se crie um ambiente interpessoal onde
as pessoas possam ser fiéis às suas personalidades e sentir-se à vontade
(Funder, 2016, p. 175). É, ainda, importante perceber que há situações em que
o julgamento pode não ser inteiramente fiável, bem como ter em mente a
relevância de ser mantida a calma e atentar, não só aos outros, como aos
próprios pensamentos, sentimentos e objetivos (Funder, 2016, p.175).
Capítulos PP (2020/2021)

A precisão é importante
É impossível escapar à avaliação da personalidade, quer seja em testes, por
psicólogos, ou por conhecidos, colegas de trabalho, amigos e por si próprio
(Funder, 2016, p. 175).

A precisão é importante precisamente por isso – é necessário compreender os


outros para se estabelecer uma interação e tomar decisões, desde as mais
pequenas às de maior relevância - e quando, de facto, entendemos as pessoas,
temos a capacidade de nos relacionarmos melhor com elas (Humano, Biesanz
et al., 2012; Letzring, 2014, citados por Funder, 2016).

Uma boa reflexão e atuação no sentido de permitir às pessoas serem elas


próprias leva, então, a uma melhoria da precisão (Funder, 2016, p. 175).

Capítulo 8
Anatomia e fisiologia da personalidade: o papel do cérebro

Capítulo 11
A psicanálise depois de Freud: aproximações à personalidade

Interpretando Freud

Funder (2015) apresenta Freud como um autor controverso, desde sempre.


Mesmo aqueles que seguiram suas linhas de pensamentos psicanalíticos
encontraram dificuldades em interpretar suas teorias sem distorcê-las. Para o
autor “existe apenas uma linha tênue entre interpretar uma teoria e revisar uma
teoria” (Funder, 2015, p. 395).

Ao longo de seis décadas, Freud escreveu centenas de artigos e dezenas de


livros. Teve,inclusive, oportunidade de, ao longo desse período, revisar, ele
próprio, parte de suas teorias. Desse modo, Quando pensamos em Psicanálise,
não nos devemos limitar ao pensamento freudiano clássico.
Capítulos PP (2020/2021)

É preciso considerar que os sucessores de Freud, ao colocar seus pontos de


vista sobre a teoria original, tornaram-se construtores a

tivos da Psicanálise (Funder, 2015, p. 395).

Neofreudianos

2.1 Apesar de ainda seguirem muito do que Freud escreveu, os neofreudianos


fizeram várias revisões de suas teorias. Funder (2015) atribui essas diferenças
teóricas, sinteticamente, a três fatores principais: a libido, que passa a ser vista
como uma motivação geral para a vida e não como apenas um fator sexual; o
espaço para o pensamento consciente e a psicologia do ego (Hartmann, 1964;
Klein, 1970; Loevinger, 1976; Rapaport, 1960, citado por Funder, 2015) em
detrimento do inconsciente, que é deixado de lado, abrindo espaço para as linhas
de pensamentos mais populares atualmente e, por último, as relações
interpessoais como causadores das dificuldades psicológicas, ao invés de
instintos e impulsos mentais (p. 395).

2.2 Alfred Adler foi um dos que acreditava que Freud focava demasiadamente
no “sexo como grande motivador do comportamento” (Funder, 2015, p 396). Ao
escrever sua teoria partiu de uma linha de raciocínio embasada no interesse
social ou desejo de se relacionar positivamente com outras pessoas (Adler,1939,
citado por Funder, 2015), ou seja, ele acreditava que, enquanto crianças, se
sofrermos por nos considerarmos inferiores aos outros em algum aspecto, ao
tornarmo-nos adultos fazemos de tudo para compensar essa fraqueza, mesmo
que ela fosse apenas imaginária.

2.3 Funder (2015) descreve Carl Jung como o maior rebelde dentre os
neofreudianos e aborda como este assistiu suas ideias se distanciarem cada vez
mais daquelas de seu companheiro Freud, levando a psicanálise para uma
vertente mais espiritual, defendendo a existência de um inconsciente coletivo
que teria sido construído ao longo da evolução da raça humana(p. 397).
“Conceitos como “mãe natureza”, “heroi”, “diabo” e “ser supremo” (...) as vezes
disfarçados de símbolos aparecem repetidas vezes em sonhos, fantasias, mitos
locais e até mesmo na literatura moderna” (Funder, 2015, p. 397). Para além de
inconsciente coletivo, Jung também desenvolveu diversas teorias sobre o que
ele chamou de “persona”, adicionando ao conceito já existente de máscara social
Capítulos PP (2020/2021)

que utilizamos no cotidiano (Funder, 2015). Ademais, Funder(2015), faz questão


de alertar o leitor sobre os perigos possíveis que podem ser causados à
verdadeira identidade do indivíduo caso ele se identifique mais com a máscara
social do que com o seu verdadeiro eu.

2.4 Diferentemente de diversos autores, Karen Horney nunca brigou com Freud
e só começou a escrever quando ele já estava no fim de sua carreira. Entretanto,
ela discordava da maneira a qual Freud enxergava as mulheres: como
obcecadas pela “inveja do pênis” (Funder, 2015). Horney tinha isto por
inconcebível e teorizou contra Freud, argumentando “que se algumas mulheres
desejam ser homens, é provavelmente porque elas veem os homens sendo mais
livres para perseguir seus próprios interesses e ambições” (Funder, 2015, p.
399). Além disso, Funder (2015) afirma que Horney escreveu livros de auto-
análise para tentar ajudar pessoas que estivessem passando por dificuldades
psicológicas, tendo desenvolvido, também, uma teoria de que as pessoas
adquirem ansiedade básica quando crianças: “o medo de se sentir sozinho e
indefeso num mundo hostil”(Funder, 2015, p. 399).

2.5 Por sua vez, mesmo se autoproclamando um Freudiano ortodoxo, Erik


Erikson foi o mais importante revisor de Freud. Ele apontou que nem todos os
conflitos se dão no inconsciente e que muitos deles, na verdade, se dão no
consciente (Funder, 2015). Erikson fez sua teoria reconstruindo os famosos
estágios de desenvolvimento da personalidade de Freud, “enfatizando não no
foco da libido física, mas nos conflitos experienciados em cada fase da vida e
seus possíveis resultados” (Funder, 2015, p. 400). Assim, Erikson criou sua
própria teoria de desenvolvimento psicossocial em que, resumidamente, acredita
que “o progresso pessoal de cada um depende das tarefas desenvolvimentais
encontradas em diferentes estágios da vida” (Funder, 2015, p. 402). Com essa
teoria, teve seu nome marcado na história da psicologia por antecipar
pensamentos modernos que, também, defendem o crescimento psicológico
como um processo constante (Funder, 2015).

2.6 Por fim, cabe destacar a teoria da relação objetal, que sempre atraiu muitos
autores, incluindo neofreudianos supracitados, e que tem como expoente a dupla
de Melanie Klein e Donald Winnicott (Funder, 2015). Como outros teoristas, eles
estudaram as relações entre as pessoas e objetos, que em termos psicanalíticos,
Capítulos PP (2020/2021)

significam: pessoas emocionalmente importantes (Greenberg & Mitchell, 1983;


Klein, 1964; Winnicott, 1958, 1965; citado por Funder, 2015). Funder (2015)
escreve sobre como Klein teve a maior parte das suas teorias desenvolvidas com
base em tentativas de tratamento psicanalítico com crianças, propondo
brincadeiras como método de comunicação para diagnóstico (Klein, 1955, 1986
citado por Funder, 2015), o que era pouco comum dentre os psicanalistas da
época. por sua vez, Winnicott já era pediatra quando foi influenciado por Klein a
ingressar na carreira da psicologia infantil, mas sua entrada tardia nesse ramo
não o impediu de ter adições essenciais para a teoria, atribuindo significado
emocional para os brinquedos utilizados pelas crianças (Funder, 2015).

Pesquisa psicanalítica na atualidade

3.1 Funder (2015) coloca a polarização dentre os ramos da psicologia (psicologia


investigativa e psicologia clínica) como motivo pelo qual as pesquisas
psicanalíticas foram lentamente sendo escanteadas, dando mais abertura às
teorias behavioristas. No entanto, ele não deixa de culpar, também, os próprios
psicanalistas por não utilizarem como fonte de pesquisa os métodos científicos
convencionais e preferirem trocar informações sobre casos práticos.

3.2 Um importante conceito nesse contexto é o de “transferência”, que “se refere


a aplicar padrões antigos de comportamentos e emoções em um relacionamento
com alguém novo” (Funder, 2015, p. 409). John Bowlby, foi o primeiro a levar
essa noção simples a algo muito mais abrangente e genérico: a vinculação
(Funder, 2015). Funder (2015) descreve a maneira a qual Bowlby buscava
entender como as primeiras experiências que um bebê tem com o amor podem
moldar parte do futuro dele, e para isso chegou em duas conclusões: a primeira
é que “a base do amor é a vinculação” (Funder, 2015, p. 410); a segunda afirma
que os ambientes perigosos que a nossa espécie foi sujeitada fizeram-nos
desenvolver um forte medo de estarmos sozinhos, medo esse que nos faz
desejar ter alguém cuidando de nós. Por isso, o bebê, logo que nasce, busca
criar vinculações com as primeiras pessoas que cuidam dele (Funder, 2015).
Depois desses vínculos serem criados, Funder (2015) afirma que a criança
analisa dois fatores principais durante esse processo de vinculação: se a pessoa
a qual ela criou esse vínculo é confiável e se ela sente que a vinculação é
recíproca. Ao fim, Funder (2015) explica métodos de avaliação psicológica para
Capítulos PP (2020/2021)

entender como a pessoa foi tratada em sua infância e conclui falando sobre quão
densos e extensos conceitos básicos freudianos podem ser.

Finaliza usando a doutrina de opostos que Freud escrevia, fazendo alusão as


maneiras pelas quais uma vinculação emocional pode dar errado: “muito
pegajosa ou muito despreocupada. O ideal está no meio, como sempre” (Funder,
2015, p. 414-415).

Conclusão

Em conclusão, Funder (2015) coloca em perspectiva toda a Psicanálise,


reconhecendo quão vasta suas teorias são. Para ele, deve o leitor buscar mais
informações sobre a Teoria Psicanalítica e chegar a conclusões por si só.
Ademais, Funder (2015) entende que a Psicanálise é mal vista pela sociedade
académica. Nesse sentido, critica a falta de crédito que Freud e os neofreudianos
recebem pelos seus estudos e proposições.

Capítulo 12
Experiência, existência e sentido da vida
Psicologia Positiva e Humanística

A psicologia humanista afirma que, como objeto de estudo, a mente é


completamente diferente de qualquer outro, pois tem consciência de que é
estudada e forma opiniões sobre si própria, sendo estes fatores que condicionam
o seu estudo.

A sua autoconsciência demonstra a existência de fenómenos exclusivamente


humanos e torna-os possíveis, incluindo a “força de vontade, pensamento
reflexivo, imaginação, introspeção, autocrítica, aspirações, criatividade,
felicidade e, acima de tudo, livre arbítrio” (Funder, 2016, p.424).

Neste seguimento, o trabalho da psicologia humanista é colocar questões sobre


estes fenómenos unicamente humanos que dão sentido à vida.

Fenomenologia: a consciência é tudo

“O insight central da psicologia humanista é que a experiência consciente do


mundo,
Capítulos PP (2020/2021)

também chamada fenomenologia de uma pessoa, é psicologicamente mais


importante do que o próprio mundo” (Funder, 2016, p.424). Por vezes, os
apoiantes desta abordagem assumem que o importante é a consciência
imediata, vendo o passado e o futuro como possíveis influências na forma como
pensamos e sentimos o presente. Compreender que a experiência presente é a
única que importa é a base do livre arbítrio.

A experiência do mundo particular de um indivíduo é chamada de construto. Este


é diferente de pessoa para pessoa e está na base de como vivemos, dos
objetivos que traçamos, e das oportunidades e obstáculos que percepcionamos
encontrar.

“De acordo com estudos recentes, situation construals estão relacionados com
personalidade e gênero (Sherman, Nave, Funder, 2013)” (Funder,2016, p.426).
No entanto estas não serão as únicas influências. Fatores como a livre escolha
podem também ter um papel importante, sendo que é através dela que
alcançamos o livre arbítrio, caso contrário estaremos a permitir que fatores
externos escolham por nós, levando à perda da autonomia tão característica do
ser humano. Neste sentido é importante que a psicologia estude como os
indivíduos percebem e experienciam a realidade.

Aquando a criação do primeiro laboratório de psicologia experimental, Wundt


defendia a introspeção, observação da própria perceção e pensamento, como o
seu método de eleição. No entanto, a fenomenologia tem sido alvo de interesse
desde os filósofos existencialistas.

Existencialismo

O existencialismo é uma corrente filosófica que surgiu como uma reação oposta
ao racionalismo europeu. Surgiu porque se acreditava que a ciência, a tecnologia
e a filosofia racional tinham perdido o contacto com a essência do ser humano.
Esta corrente começou a ganhar popularidade depois da Segunda Guerra
Mundial, uma vez que apresentava uma melhor justificação acerca dos
comportamentos e decisões tomados durante este período grotesco da história
da humanidade.
Capítulos PP (2020/2021)

O seu propósito é retomar o contacto com as experiências básicas de estar vivo


e ser um ser consciente. A sua análise começa com experiências concretas e
específicas do ser humano num determinado momento no tempo e espaço. Por
exemplo, a nossa própria existência acontece num momento ínfimo no tempo
que acaba e depois é substituído por outro.

As três partes da experiência

A experiência de estar consciente, segundo Ludwig Binswanger, é constituída


por três componentes: a experiência biológica, ou seja, a sensação de ser um
organismo biológico; a experiência social, o que alguém pensa sobre si mesmo
como ser social; e a experiência psicológica, ou a experiência da própria
experiência, isto é, como um indivíduo se sente quando se tenta compreender.

“Thrown-ness” e angústia

O termo thrown-ness foi introduzido por Heidegger (1927/1962, citado por


Funder,

2016) e segundo ele, representa uma base importante da nossa experiência.


Este conceito refere-se ao tempo, espaço e circunstâncias nas quais nascemos
e a influência que estes fatores têm em cada indivíduo. A religião, no contexto
atual, não se encaixa como fator e foi substituída pelas ciência, as artes e a
filosofia. No entanto, esta evolução não foi uma mais valia porque falha em
responder a duas perguntas fundamentais: “O que estou a fazer aqui?”, “O que
devia eu fazer?” (pp. 427, 428)

De acordo com filósofos existenciais, não existem respostas para estas duas
perguntas para além das que cada indivíduo “inventa” para si mesmo. Uma falha
na resposta a estas perguntas leva a um estado de ansiedade sobre o significado
da vida e se o indivíduo estará a viver a mesma da forma certa.

Esta ansiedade existencial é também chamada de angústia e foi um termo


apresentado por Sartre que pode ser dividido em três sensações: a angústia,
sentida por todo o ser humano devido às escolhas tomadas em vida; o
desamparo ou a solidão existencial, estamos sozinhos nas nossas escolhas
assim como na nossa própria vida; e o desespero provocado pela incapacidade
de mudar aspetos cruciais do mundo.
Capítulos PP (2020/2021)

Má fé

Que atitude deve ser tomada quando confrontado sobre a angústia existencial e
todas as experiências que a rodeiam? Segundo alguns existencialistas, esta
angústia deve ser enfrentada com coragem, aquilo que Sartre chama de
“optimistic toughness” (1965, p.49, citado por Funder, 2016).

No entanto, há uma outra solução, temporária, muito menos desafiante e


assustadora: ignorar o problema e não pensar nele. A isto chama-se viver em
má fé. É uma abordagem mais chamativa e mais comum que a primeira, no
entanto, é impossível viver desta forma pelas seguintes razões: viver a vida desta
forma é o mesmo que vender a alma por conforto, é deixar de viver a vida pela
recusa de perceber o seu verdadeiro significado e a sua substância; mesmo
rodeado de posses e bens materiais, como meio de ignorar os problemas que
advêm da existência, a infelicidade é garantida; É impossível não tomar
decisões, porque ao escolher deixar todas as decisões nas mãos de terceiros,
continua-se a escolher. Como disse Sartre (1965) “What is not possible is not to
choose... If i do not choose, i am still choosing”

Existência autêntica

Uma vez que viver em má fé é impossível, como devemos viver? Alguns


existencialistas acreditam que a melhor forma de viver é de forma honesta,
perspicaz e moralmente correta. A vida não tem significado para além daquele
que lhe é dado e viver de forma autêntica não protege ninguém da solidão e da
infelicidade. É preciso uma coragem moral para enfrentar o vazio da mortalidade
e insignificância e, é certo, que nem todos o conseguem fazer.

A alternativa oriental

A alternativa oriental é uma forma de experienciar a vida completamente


diferente do existencialismo europeu, diferença esta que pode ser explicada pelo
contexto em que ambas as visões nasceram.

Um exemplo da alternativa oriental é o budismo, que se centra não só no ser


como um indivíduo, mas no ser como parte de um todo. Todos os seres estão
interligados ao longo do tempo e todos têm igual importância.
Capítulos PP (2020/2021)

A ideia de que o momento que estamos a viver é a única coisa da qual temos a
certeza, ideia fulcral para o existencialismo, é vista como errada uma vez que o
tempo se move de forma linear. Não existe passado ou futuro, apenas presente.

Conseguir compreender os conceitos ligados ao budismo é ser-se iluminado. A


iluminação manifesta-se quando uma pessoa se preocupa com o outro da
mesma forma que se preocupa consigo mesmo, havendo uma compaixão
universal.

Humanismo otimista: Rogers e Maslow

Carl Rogers e Abraham Maslow foram dois psicólogos americanos que vieram
fundir a filosofia existencial europeia, a perspetiva de leste sobre o self, e a típica
confiança americana, de forma a apresentar uma filosofia de vida mais positiva.

Nas suas abordagens sobre a psicologia humanista, ambos começaram as


mesmas com a ênfase de que a fenomenologia é algo central e de que todo o
ser humano possui livre arbítrio. No decorrer da sua procura por esta filosofia de
vida humanista mais positiva, tanto Rogers como Maslow, adicionaram nas suas
teorias o pressuposto de que todas as pessoas são naturalmente boas e, assim
sendo, sentem a necessidade de estabelecer ligações próximas com os pares e
sentem uma necessidade inata de melhorar, não só a eles próprios mas também
o mundo e a realidade em que vivem (Funder, 2016).

Autorrealização: Rogers

Para Rogers “O organismo [pelo qual se refere a qualquer pessoa] tem uma
tendência básica e esforça-se para atualizar, manter, e melhorar a experiência
do organismo [ele próprio]” (Rogers, 1951, p. 487, citado por Funder, 2016).

Segundo Carl Rogers, uma pessoa pode ser compreendida apenas pela sua
perspetiva do fenomenal fiel, isto é, da sua visão do campo fenomenológico. Este
campo representa um panorama total da experiência consciente e é nele que os
conflitos inconscientes, as influências ambientais, as esperanças, as crenças e
as memórias se misturam. Estas componentes da mente vão sendo combinadas
de diferentes formas e em diferentes momentos, permitindo a experiência
consciente (Funder, 2016).
Capítulos PP (2020/2021)

Se as pessoas têm uma propensão para a sua autorrealização para que possam
manter e melhorar as suas vidas, o objetivo de vida e o motivo da nossa
existência seria satisfazer essa necessidade do ser humano se ir atualizando ao
longo do tempo.

A abordagem de Carl Rogers diverge em muito da abordagem tradicional do


existencialismo, visto que estes não consideravam que o motivo da existência
humana fosse intrínseco do ser (Funder, 2016).

Hierarquia das necessidades: Maslow

A teoria da psicologia humanista de Maslow (1943, 1987, citado por Funder,


2016), tal como a abordagem de Rogers, tem como base a ideia formulada de
que os seres humanos têm uma necessidade básica de se autorrealizarem. No
entanto, Maslow reitera que esta necessidade só é ativada após o ser humano
satisfazer determinadas necessidades primeiro. Assim sendo, Maslow procedeu
a uma hierarquização das necessidades, defendendo que um indivíduo tem de
suprimir as suas necessidades fisiológicas, tem de comer e beber, ou seja,
satisfazer as suas necessidades básicas de forma a sobreviver. De seguida, irá
procurar saciar a sua necessidade de segurança, de conforto e as relações
sexuais, assim como, após encontrar as mesmas, irá sentir a necessidade de
criar laços amorosos, ter um boa interação social com os pares, alcançar um
sentimento de pertença dentro de um grupo, pretendendo mais tarde, elevar-se
a determinado estatuto social e ter estima, não só por ele próprio mas também
pelos outros (Funder, 2016). A necessidade do ser humano de se autorrealizar
só iria ser ativada quando todas as necessidades acima descritas, que servem
de base que permite a autorrealização, fossem satisfeitas.

Tal como Rogers, Maslow afasta-se da abordagem do existencialismo tradicional


uma vez que vai contra o princípio de que não basta ter livre arbítrio, é necessário
satisfazer as necessidades humanas.

Esta teoria tem várias aplicações práticas no nosso quotidiano, como por
exemplo, na escolha de carreiras e na motivação de colaboradores e até mesmo
na motivação dos alunos no contexto educacional (Funder, 2016).
Capítulos PP (2020/2021)

A hierarquização das necessidades pode explicar as várias bases de felicidade


das várias culturas, dado que estas têm diferentes noções do que é ser feliz,
uma vez que percebemos as necessidades dos que pertencem a estas (Funder,
2016).

Maslow aponta para um ponto-chave ao afirmar que o dinheiro não é


considerado tão importante para as pessoas quando estas têm poucos bens
materiais e vivem uma condição financeira mais complicada, podendo dizer que
valorizam as experiências emocionais mais cedo que pessoas com um elevado
poder económico. Maslow, através da observação dos resultados de alguns
estudos e artigos (Oishi, Diener, Lucas & Suh, 1999; Howell & Howell,2008,
citado por Funder, 2016), afirma que a partir de um determinado momento na
nossa vida, o dinheiro perde grande parte da sua importância para definir a
felicidade de uma pessoa e há uma mudança de comportamento face às
necessidades emocionais e às relações sociais com as pessoas que nos são
próximas, sendo esta a “nova” base proporcionadora de felicidade na vida
humana.

Uma pessoa totalmente funcional

Tanto Rogers como Maslow, acreditavam que a melhor forma de viver é tendo
uma noção clara e objetiva da realidade e de nós próprios.

Rogers afirma que uma pessoa é feliz se for totalmente funcional, isto é, se for
capaz de responder pelas suas próprias escolhas e se conseguir manter uma
perceção da realidade sem influências neuróticas (Funder, 2016). Uma pessoa
totalmente funcional, enfrentaria o mundo sem medos, sem dúvidas relacionadas
consigo próprio e sem mecanismos de defesas neuróticas. Contudo, tal apenas
seria alcançado se a pessoa tivesse tido uma experiência positiva incondicional
por parte das pessoas que lhe são mais próximas, em especial no decorrer da
infância. Caso as pessoas só valorizassem uma outra devido ao seu sucesso, à
sua inteligência e à sua beleza física, esta poderá vir a desenvolver conditions
of worth (Funder, 2016).

Estas condições de valor vão comprometer a maneira de agir, de pensar e a


forma como o indivíduo se comporta. Estas limitações provocadas pelas
condições de valor vão contra imperativos base do existencialismo, sendo eles
Capítulos PP (2020/2021)

a crença de que o ser humano tem de observar o mundo que o rodeia com
objetividade e realismo, que todos somos livres de tomar escolhas pois todos
temos livre arbítrio, e de que o ser humano tem de ser capaz de ser totalmente
responsabilizado pelas suas ações (Funder, 2016).

As pessoas que acabam por ter efetivamente uma experiência incondicional


positiva, acabam por não desenvolver estas condições, tal faz com que as
pessoas possam viver uma vida sem ansiedade existencial, dado que a pessoa
sabe o que vale realmente. Uma pessoa totalmente funcional viveria uma vida
repleta de boas emoções, de autodescoberta, seria uma pessoa flexível e
facilmente adaptável a diferentes contextos, com uma mente aberta, resiliente
(Funder, 2016) e “mais compreensão pelos outros e maior aceitação dos outros
como indivíduos separados” (Rogers, 1951, p. 520, citado por Funder, 2016, p.
437).

Psicoterapia

A psicoterapia desenvolvida por Rogers e a psicoterapia humanista em geral,


tinham como objetivo ajudar o paciente a alcançar o seu funcionamento total.
Esta psicoterapia consistia em criar uma ligação real de carinho com o paciente
de forma a fornecer-lhe a experiência positiva incondicional que este não teve
em criança (Levine, 2006, citado por Funder, 2016).

Rogers defende que o terapeuta tinha duas funções, ajudar o paciente a


perceber os seus próprios pensamentos sem que o profissional os tentasse
alterar e fazer com que o paciente se sentisse estimado por alguém
independentemente dos seus pensamentos e das suas ações. Este processo
psicoterapêutico permite a eliminação das condições de valor antes criadas,
ajudando os pacientes a alcançar o objetivo de se tornar numa pessoa
completamente funcional (Funder, 2016).

Apesar de várias críticas e da dificuldade em conduzir esta psicoterapia, a


verdade é que influenciou o método psicoterapêutico ao mostrar que a primeira
coisa que um profissional deve fazer é ouvir o seu paciente e não impondo os
seus valores ao cliente, de forma alterar comportamentos, mas sim tentar
entender a forma como o paciente percebe o mundo ao seu redor (Funder,
2016).
Capítulos PP (2020/2021)

Construtos Pessoais: Kelly

George Kelly (1905-1967) criou a Teoria dos Construtos Pessoais, em 1955, a


qual defendia que existem inúmeras teorias individuais que o sistema cognitivo
(pensamento) de uma pessoa reúne dos vários construtos do mundo. Estes
construtos ajudam a determinar como novas experiências são construídas
(Funder, 2016).

Fonte de Construtos

Funder (2016) afirma que os construtos eram vistos por Kelly como dimensões
bipolares, isto é, escalas que variam entre um conceito e o seu oposto, como por
exemplo “bom-mau” ou “forte-fraco”. Se forte versus fraco for um dos nossos
construtos, podemos tender a ver tudo e todos em termos de força individual.

De maneira a que cada pessoa pudesse ter acesso ao seu construto pessoal foi
criado um teste denominado por Role Construct Repertory Test, ou, mais
conhecido, como Rep test. Este é caracterizado por um conjunto de perguntas:
em primeiro lugar é pedido à pessoa que identifique três pessoas que são ou
que foram importantes na sua vida; de seguida é solicitado que descreva como
duas delas são parecidas entre si e diferentes da terceira; por fim, segue-se o
mesmo processo com três ideias importantes, três traços que o indivíduo admira,
e assim por diante. Um exemplo do tipo de conclusão que é possível inferir deste
teste é se for declarado frequentemente que dois dos objetos são fortes
enquanto o terceiro é fraco, então forte versus fraco é provavelmente um dos
construtos que fazem parte da pessoa (Funder, 2016).

Algumas pesquisas feitas depois de Kelly (Bargh, Lombardi, & Higgins, 1988,
citado por Funder, 2016) mostram que construtos particulares são mais
facilmente trazidos à mente em certos indivíduos, os quais são denominados de
construtos cronicamente acessíveis. Um exemplo destes construtos é a ideia de
fracasso, este pode ser cronicamente acessível para uma pessoa, de modo que,
tudo o que o indivíduo realiza ou até considera realizar, tem sempre presente o
pensamento de que se vai tornar numa catástrofe.

Kelly acreditava que estes dados que são utilizados para desenvolver uma
interpretação, ou teoria, de como o mundo é, provém da soma das próprias
Capítulos PP (2020/2021)

experiências e perceções. Este sistema é determinado não pela própria


experiência passada, mas pela sua livre escolha - interpretação da experiência
passada. “Não importa o que tenha acontecido, poderia ter escolhido tirar
diferentes conclusões sobre o seu significado. De facto, ainda pode” (Funder,
2016, p. 440).

Este psicólogo também defendia que compreender outra pessoa significa


compreender o seu sistema de construção pessoal; que é preciso ser capaz de
olhar o mundo através dos olhos dessa pessoa, o que foi intitulado de corolário
da socialidade (Funder, 2016).

Construtos e a Realidade

“Dependendo das nossas construções pessoais, qualquer padrão de experiência


pode levar a numerosos - talvez infinitos - construtos” (Funder, 2016, p. 441).
Isto significa que escolhemos os construtos que utilizamos; eles não nos são
forçados, uma vez que outros são igualmente possíveis, a isto Kelly chamou de
alternativismo construtivo.

Os paradigmas científicos são quadros para a interpretação do significado dos


dados.

As abordagens básicas da personalidade - traço, psicanalítico, fenomenológico,


e assim por diante, são paradigmas nesse sentido. A escolha entre eles não é
uma questão do que está certo e do que está errado, mas sim qual o paradigma
que aborda o tema que interessa ao investigador; e a psicologia da
personalidade precisa de todos eles porque cada um deixa de fora algo
importante. Estes sistemas de crenças são úteis e necessários, mas uma
devoção estreita e apenas um pode fazer uma pessoa esquecer (ou pior, negar)
que outras formas de construir a realidade - outros sistemas de crenças - são
igualmente plausíveis (Funder, 2016).

A escolha de como pensar pode ter consequências psicológicas de grande


alcance.

Um estudo contrastou pessoas maximizadoras, pessoas que acreditam que se


deve sempre procurar obter o máximo possível, com pessoas satisfeitas, que
acreditam que alguns resultados, abaixo do máximo, são "suficientemente bons".
Capítulos PP (2020/2021)

As pessoas satisfeitas gozam de mais felicidade, otimismo e satisfação de vida,


as pessoas maximizadoras são propensas ao perfeccionismo, à depressão e ao
arrependimento (B. Schwartz, 2002, citado por Funder, 2016). Assim, “a forma
como escolhemos ver o mundo irá afetar tudo na nossa vida” (Funder, 2016, p.
443).

Flow: Csikszentmihalyi

Csikszentmihalyi, fenomenologista, acredita que o importante na vida são as que


vivemos a cada momento. Focou o seu trabalho na tentativa de encontrar,
compreender e explicar formas de viver ao máximo – optimal experience.

Estudou vários artistas e atletas enquanto imersos nas suas atividades


prediletas, concluindo que a melhor forma de passar o tempo é através de
atividades autotélicas, ou seja, atividades intrinsecamente agradáveis. “A
experiência subjetiva de uma atividade autotélica - o seu próprio prazer - é o que
Csikszentmihalyi chama flow” (Funder, 2016, p.443).

Podemos caracterizar flow como um estado de concentração tremendo na tarefa


em mãos, no qual perdemos a noção do tempo e acontece um pequeno aumento
de humor.

Este estado ocorre quando a atividade e os desafios que ela apresenta estão em
equilíbrio com a capacidade de quem a pratica. Quando esse equilíbrio não
existe experienciamos estados de ansiedade, preocupação e frustração (em
atividades difíceis) ou aborrecimento e ansiedade (quando as atividades são
demasiado fáceis).

Segundo o autor o segredo para melhorar a qualidade de vida é então passar o


maior tempo possível em flow, para isso devemos tornarmo-nos bons em
atividades prazerosas e que achamos valer a pena.

Em contrapartida existem três pontos negativos associados esta experiência. O


primeiro é que “apenas pessoas com alto locus de controlo, que acreditam poder
controlar os resultados da própria vida, beneficiam de experiências que
promovem flow” (J. Keller & Blomann, 2008, citado por Funder, 2016, p.444). Em
segundo, esta é uma forma solitária de encontrar felicidade. Por último, a
comunicação com um indivíduo imerso em flow é bastante difícil.
Capítulos PP (2020/2021)

Teoria da Autodeterminação: Deci and Ryan

A filosofia observou que a felicidade pode ser procurada por duas vias. A
primeira, Hedonia, que consiste em maximizar o prazer e minimizar a dor. A
segunda, Eudaimonia, é mais complexa e consiste na procura de um sentido
profundo da vida (seguir objetivos importantes, criar relações, estar consciente
e tomar responsabilidade pelas próprias escolhas).

A distinção entre as duas é a base da teoria de Deci e Ryan, intitulada de “self


determination theory” (SDT). Neste sentido, veem a Hedonia como perigosa pois
pode levar a uma vida sem profundidade ou sentido de comunidade, baseada no
materialismo. Pelo contrário definem Eudaimonia como a procura de “objetivos
valiosos por si mesmo (objetivos intrínsecos) em vez de serem meio para um fim
(objetivos extrínsecos)” (Funder, 2016, p. 445).

Segundo a SDT existem três grandes objetivos intrínsecos: a autonomia


(encontrar o próprio caminho e tomar as próprias decisões); a competência
(encontrar algo em que somos bons e tornarmo-nos melhores); e por último as
relações (criar laços significativos e estáveis).

Um estudo demonstra evidências de que pessoas que se guiavam por objetivos


intrínsecos sentiam mais bem-estar, vitalidade e emoções positivas; menos
depressão, ansiedade e sinais de doença física (Kasser & Ryan, 1993, citado
por Funder, 2016). Para além disso também contribuíam mais para o bem-estar
dos outros (Ryan, Huta, & Deci,2008, citado por Funder, 2016).

Finalmente, esta teoria afirma que os três objetivos são universais


independentemente da circunstância ou contexto cultural. Existem, no entanto,
questões que nos podem levar a refutar esta visão, como por exemplo a
incerteza de estes objetivos serem de facto internos ao ser humano ou
aprendidos culturalmente.

Psicologia Positiva

A psicologia positiva ao contrário da psicologia tradicional debruça-se sobre os


processos que promovem o bem-estar de modo a conseguir melhorar a
qualidade de vida das pessoas e evitar o surgimento de patologias.
Capítulos PP (2020/2021)

O surgimento desta vertente da psicologia é considerado o reaparecer da


psicologia humanística que, tal como foi referido anteriormente, é uma disciplina
que se preocupa em distinguir o estudo de humanos e o estudo de objetos, por
exemplo.

A felicidade é um fenómeno sempre presente na psicologia positiva, esta


defende que a felicidade é necessária na vida das pessoas e que é atingida
quando os objetivos individuais são alcançados.

Uma investigação realizada por E. Diener, Lucas, & Oishi (2002) procurou
perceber quais os fatores que afetam a felicidade e o bem-estar. Percebeu-se
que, tal como sugere a teoria de Maslow, formar relações e alcançar os objetivos
são os aspetos mais importante na vida das pessoas.

O principal objetivo da psicologia positiva é não realçar as falhas, mas sim as


forças e qualidades humanas. Enquanto que a psicologia, no geral, se centra no
tratamento de perturbações mentais, a psicologia positiva tenta realçar os pontos
fortes do carácter de cada indivíduo.

Seligman e Peterson (2004, citado por Funder, 2016) realizaram um projeto de


modo a conseguirem criar uma lista de virtudes consideradas aspetos positivos
da natureza individual das pessoas, em diversas culturas e de modo a que não
existissem juízos de valor ao tentar perceber como é que as pessoas se deviam
comportar. Os autores do The Book of Virtues foram capazes de identificar seis
virtudes. Virtudes essas que são a coragem, a justiça, a humanidade, o
temperamento, a sabedoria e a transcendência. De todas as virtudes
mencionadas as que se destacam são a justiça e a humanidade uma vez que
são consideradas pelas várias culturas como características bastante
importantes.

Ainda sobre o trabalho de Seligman e Peterson (2004) especulou-se que


possivelmente as virtudes tinham uma base evolutiva, surgindo aí a sua
universalidade. É importante também frisar que cada uma das virtudes forma
uma barreira de proteção contra tendências que podiam pôr em perigo indivíduos
e culturas. A justiça protege-nos do caos e da anarquia, a humanidade contraria
a crueldade, a sabedoria impede a ignorância.
Capítulos PP (2020/2021)

É de reforçar que cada pessoa tem as suas características e como tal, nem todos
possuímos as mesmas virtudes. Assim sendo, ao longo da nossa vida
realizamos uma procura pelas seis virtudes, contudo, é pouco provável que
alguém seja capaz de alcançar na perfeição todo o conjunto de virtudes.

A psicologia positiva é uma ciência recente, porém encontram-se em


crescimento e tenta corrigir a psicologia que destaca o lado negativo do estado
mental (Funder, 2016).

As implicações da fenomenologia

A fenomenologia é o estudo da experiência da consciência tendo as suas raízes


nas obras do filósofo e matemático Edmund Husserl, que teve como uma de
muitas influências, o trabalho do filósofo existencialista Jean Paul Sartre.

Esta área está na raiz da abordagem humanista e existencial da psicologia, em


concreto a experiência momentânea de cada ser humano consciente.

Mistério da experiência

Os antigos fenomenologistas datando até Wundt, sempre negligenciaram


paradigmas básicos e que a experiência consciente é simultaneamente um facto
e um mistério.

Tanto a ciência como a psicologia concordam que o ato consciente não é assim
tão importante ou até mesmo que este é inexistente. Há psicólogos, em especial
Rychlak (1988, citado por Funder, 2016) retrata que: “Psicologia trata a
experiência consciente como simplesmente uma forma interessante de
processamento de informação, não diferente da mesma feita por um
computador”

Outras teorias de psicólogos cognitivos (Dennett, 1984; Dennett e Weiner, 1991;


Ornstein, 1977, citados por Funder, 2016) admitem que o estado de consciência
é dos processos de maior poder na organização e processamento dos nossos
pensamentos. Dizer que este estado de consciência é simplesmente um
sentimento que temos levanta a questão: “O que significa sentir algo de forma
consciente?” (Funder, 2016).
Capítulos PP (2020/2021)

Sabemos que os nossos sentimentos, emoções, pensamentos são produto do


nosso inconsciente e, por isso, incontroláveis. O ser não pensa ou planeia o que
vai sentir a ver algo, simplesmente sente. Por exemplo, o sentimento que o ser
humano sente ao ver um gato bebé vai ser de felicidade e este é automático, é
inconsciente, não vai planear à priori que ao ver o gato bebé irá ficar feliz.

O estado consciente, ao contrário da definição de Rychlak (1988, citado por


Funder, 2016), não é igual ao processamento de informação de um computador.
O estado consciente é uma experiência humana que nem a Ciência ou a
Psicologia conseguem estabelecer um conceito objetivo e claro nem negam a
sua existência, origem e causa, este estado apenas se pode sentir.

Perceber os outros

O que a fenomenologia nos explica é que para que nós consigamos entender o
outro temos de entender a perceção que o indivíduo tem do mundo, e os seus
valores morais.

Este princípio desde o início impossibilita que julguemos o outro, pois não há
forma de provar que os meus valores ou princípios culturais estão mais corretor
ou errados que os valores e crenças de uma outra pessoa, por exemplo, o que
nos diz que a monogamia é a única forma de relações amorosas quando existem
culturas onde essa não é a norma mas sim a poligamia, por exemplo?

Isto levamos à questão dos contextos culturais e sociais. O que nos diz que a
cultura portuguesa é melhor que a indiana, por exemplo. Provavelmente, ao
consumirmos carne de vaca podemos ser vistos como bárbaros nesta cultura
onde esta é sagrada, e ninguém neste

cenário está certo ou errado.

Não podemos julgar outros costumes e valores de outra cultura na nossa própria
perspetiva, temos de a alterar para a perspetiva da cultura que queremos
entender e tirar as nossas conclusões, voltando ao exemplo do consumo de
carne de vaca, se nós virmos este ato, mas numa perspetiva hindu
entenderíamos o porquê de não consumirem esse tipo de alimento.

Capítulo 13
Variações culturais na experiência, comportamento e personalidade
Capítulos PP (2020/2021)

Variação Cultural na Experiência, comportamento e Personalidade


No Capítulo 13 apresentamos uma construção da realidade que varia entre
indivíduos e ao redor do mundo. O contexto cultural pode fazer com que as ideias
assumam significados drasticamente diferentes, e até mesmo diferir em alguns
dos valores básicos da cultura (Funder, 2016. p. 457).

A pesquisa intercultural é uma área desafiadora por envolver conceitos que para
além de difíceis são desconhecidos. Por exemplo, o termo amae da cultura
Japonesa, que significa algo “doce”, na dependência entre pais e filhos (Doi;
Tseng, citado por Funder, 2016).

Este capítulo baseia se na pesquisa do modo como a da diversidade cultural tem


implicações na psicologia da personalidade (Funder, 2016. p. 457).

Cultura e Psicologia
A psicologia da personalidade trata as diferenças psicológicas entre os
indivíduos. A cultura tem importância nesta área, pois os indivíduos diferem uns
dos outros até certo ponto por pertencerem a grupos culturais diferentes. Na
China as pessoas são, em média, mais reservadas emocionalmente e mais
atenciosas que os americanos. (Cheung e Song, citados por Funder, 2016).

Acontece também, que os membros de alguns grupos podem diferir uns dos
outros de maneiras diferentes, uma mãe japonesa que reclamou que o filho não
era tão dependente quanto deveria, uma reclamação que um pai americano
provavelmente não faria (Doi, citado por Funder, 2016).

O desafio da psicologia da personalidade é compreender as maneiras, como as


diferenças de personalidade variam de uma cultura para a outra, e se distingue
entre indivíduos em diferentes culturas (Funder, 2016. p. 458).

Diferença entre Cultura Universal e Específica


As pessoas de culturas diferentes são psicologicamente semelhantes ou
diferentes? (Funder, 2016. p. 458). Existem evidências de que a cultura
influência a forma como as pessoas variam entre as culturas e dentro delas, bem
como existem evidências de um núcleo comum à natureza humana. A psicologia
transcultural tradicional: enfatiza como as pessoas em culturas separadas são
diferentes. No entanto, nos últimos anos, uma quantidade crescente de
Capítulos PP (2020/2021)

pesquisas enfatiza que as pessoas ao redor do mundo são psicologicamente


semelhantes, e que dentro das culturas as pessoas diferem. (Tsai, Knutson e
Fung, 2006, citados por Funder, 2016).

O que é Cultura?
Este termo refere se a atributos psicológicos de grupos, incluindo segundo um
escritor “costumes, hábitos, crenças e valores que moldam emoções,
comportamento e padrões de vida” (Tseng, citado por Funder, 2016). A cultura
pode também incluir linguagem, modos de pensar e talvez até mesmo visões
fundamentais da realidade (Funder, 2016. p. 459).

O grupo cultural pode ser definido como um grupo de pessoas claramente


distintas, já tradicionalmente, os grupos culturais são definidos em termos de
etnia, nacionalidade e idioma (Funder, 2016. p. 459).

Alguns dos estudos do trabalham vão comparar norte-americanos com asiáticos


e japoneses com chineses, bem como habitantes de diferentes cidades dos EUA
(Kusserow, citado por Funder, 2016).

Observa-se que as diferenças entre grupos culturais são aprendidas, não inatas.
Temos dois processos, a inculturação, quando uma criança adquire a cultura em
que nasceu e a aculturação, se uma pessoa que se muda de um país para outro
adquire gradualmente a cultura de seu novo lar.

É improvável a genética ser base primária das diferenças culturais, sendo


observável que indivíduos de um determinado grupo étnico ou racial são pouco
mais semelhantes uns aos outros do que aos indivíduos de grupos diferentes
(American Anthropological Association, citada por Funder, 2016 ).

Para alem disso, os grupos culturais não são apenas étnicos, mas também se
podem definir com base histórica, religiosa ou até política. O psicólogo fala certa
língua e vive numa área geográfica que inevitavelmente influência a sua visão,
tornando o num membro de uma certa cultura (Funder, 2016. p. 459).

A importância das diferenças transculturais


O estudo das questões interculturais, por parte dos psicólogos é recente. Alguns
ainda não se preocupam com a variação transcultural, apesar de estarem
Capítulos PP (2020/2021)

ausentes muitos dados relevantes a que a cultura pode dar resposta. (Funder,
2016. p. 459).

Freud foi um exemplo, não se tendo preocupado com questões transculturais.


Assim como este, os psicólogos europeus e norte-americanos focam se
principalmente no contexto cultural ocidental ao medir diferenças individuais e
explorar a perceção, cognição e leis da mudança comportamental. À medida
que se expande a pesquisa, a negligência benigna fica menos sustentável. A
cultura ajuda na compreensão dos transtornos de saúde mental, intervenções e
fatores de risco (Public Health Service, citado por Funder, 2016).

O psicólogo precisa de compreender as diferenças culturais, pois aumenta a


compreensão internacional, para avaliar o grau em que a psicologia se aplica às
pessoas ao redor do mundo e apreciar as possíveis variedades de experiência
humana (Funder, 2016. p. 460).

Compreensão Intercultural

As atitudes, valores e estilos de comportamento são diferentes nas variadas


culturas e podem ter consequências, se não forem compreendidas (Funder,
2016. p. 460).

Em 1994, um adolescente americano foi condenado por pintar alguns carros


estacionados com spray, o que nos Estados Unidos provavelmente seria
considerado um ato de vandalismo punido com liberdade condicional ou uma
pequena multa. Em Singapura, o mau comportamento é levado mais a sério. Ele
foi condenado a pagar restituição, passar alguns meses na prisão e ser atingido
várias vezes com uma cana que causa cicatrizes permanentes.
Comportamentos comuns noutras culturas também podem ser chocantes se
praticados nos Estados Unidos. (Funder, 2016. p. 460).

Uma mãe deixou a filha de 14 meses a dormir no carrinho fora do restaurante,


enquanto foi jantar. Os nova iorquinos viram o bebé abandonado e chamaram a
polícia, sendo a mãe presa e a bebé colocada num orfanato. No entanto, como
retrata a figura, na Dinamarca as pessoas têm a convicção de que o ar frio e
fresco é bom para as crianças. Todos os bebés dinamarqueses ficam do lado de
Capítulos PP (2020/2021)

fora dos restaurantes mesmo com um clima gelado (Dyssegaard, citado por
Funder, 2016).

Os equívocos transculturais não ocorrem apenas fora das fronteiras


internacionais, algumas cidades do interior da América do Norte diferenciam se
culturalmente do Sul dos Estados Unidos, no primeiro com uma subcultura de
violência e medo e no Sul uma cultura de honra com demonstrações elaboradas
de respeito mútuo (D. Cohen, Nisbett, Bowdle e Schwartz, citado por Funder,
2016).

Generalização da teoria e pesquisa

Freud baseou-se nas suas próprias introspeções e na sua experiência no


tratamento de mulheres de classe média alta, sendo as suas teorias distorcidas
pelos limites do banco de dados (Funder, 2016. p. 460).

O limite do banco de dados tornou-se uma questão para a psicologia da


personalidade, sendo que a cultura afeta as formas como a personalidade é
expressa e as emoções são vivenciadas. Sendo que cada vez mais psicólogos
fazem variadas pesquisas em variados países, tornando a psicologia mais
internacional, sendo mais generalizável e uma ciência melhor (Funder, 2016. p.
462).

Variedades da Experiência Humana


A psicologia transcultural é importante para se perceber que a forma como cada
um vê o mundo advém principalmente da sua experiência e formação cultural.
Se o mundo fosse visto aos olhos de uma outra cultura, o que não é observável
para nós podia ser claro para outro. Um residente indígena da floresta tropical
sul-americana, ao contrário de um nativo da cultura ocidental, não olharia para
um automóvel e perceberia para que serve, no entanto olha para uma árvore e
apercebe se da importância da casca e da seiva da mesma (Funder, 2016. p.
462).

Observações transculturais como esta levam a questões sobre a experiência


humana em diferentes culturas.

Richard Shweder (citado por Funder, 2016), antropólogo e psicólogo cultural


intitulou os aspetos da experiência psicológica como construções próximas,
Capítulos PP (2020/2021)

sendo este o assunto mais adequado para a psicologia cultural (Shweder e


Sullivan, citados por Funder, 2016).

Segundo Triandis (1994, citado por Funder, 2016) “A cultura impõe um conjunto
de lentes para ver o mundo”. Apesar disso nunca se pode conhecer a 100% a
experiência de outro individuo na nossa cultura, muito menos entrar plenamente
na experiência de um membro de uma cultura diferente.

Como observado na figura 13.2 o estudo foi utilizar medidas de perceção,


associação entre ideias e geração de novas. Na tarefa foi pedido aos
participantes que desenhassem alienígenas e as pessoas que tinham vivido no
estrangeiro desenharam os mais criativos.

Características das Culturas


A comparação entre culturas é realizada de várias maneiras, através da
moldagem do comportamento, da experiência emocional, dos pensamentos e do
sentido de ligação com o mundo (Funder, 2016. p. 464).

Ética e Émica
Quanto à comparação cultural, existem conceitos com aspetos iguais entre
culturas e alguns aspetos mais particulares a culturas especificas. (J. W. Berry,
citado por Funder, 2016).

Ética: Componentes universais de uma ideia.

Émica: Os aspetos particulares.

Em todas as culturas as pessoas são responsáveis por deveres, no entanto os


deveres mudam de cultura para cultura. Sendo assim também para as regras,
numa cultura podem quebrar uma regra que noutra não passaria de um ato
normal. Existem conceitos demasiado próprios e que não são comparados entre
culturas. Os psicólogos têm tentado investigar conceitos éticos, que possam ser
comparados (Funder, 2016. p. 465).

Duro e Fácil
Há mais de meio século conclui-se que existiam culturais “duras” e culturas
“fáceis” (Arsenian e Arsenian, citados por Funder, 2016). Nas fáceis, por muitos
objetivos diferentes que sigam, são relativamente simples de atingir. Nas mais
Capítulos PP (2020/2021)

duras, apenas alguns objetivos são vistos como valiosos e são difíceis de atingir
(Funder, 2016. p. 465).

Realização e Afiliação
Para David McClelland (1961, citado por Funder, 2016) o aspeto central da
cultura era o grau de necessidade em alcançar o que examinava nas histórias
tradicionalmente contadas as crianças.

Nos Estados Unidos as histórias refletem uma necessidade cultural de


realização. Outras culturas refletem necessidade de amor, ou filiação. Nas
primeiras é mostrada um crescimento cultural mais rápido do que nas culturas
sem ideais de realização. No entanto a conclusão dos dados torna a direção da
causalidade pouco clara. (Funder, 2016. p. 465).

Complexidade
Segundo Triandis (1997, citado por Funder, 2016) a diferença de complexidade
entra "as culturas modernas, industriais e afluentes e as culturas mais simples,
tais como os caçadores e coletores, ou os residentes de um mosteiro"(p. 444).

No entanto, as culturas simples têm os seus padrões de relações interpessoais


e lutas políticas, sendo estas indiferentes a alguém de fora. Algumas culturas
podem então ser mais complexas que outras, não se tem, no entanto, nenhuma
certeza quanto à cultura que é mais complexa (Funder, 2016. p. 466).

Rigidez e Frouxidão
O psicólogo referido acima, diz ainda que esta dimensão contrasta as culturas
que toleram pouco o desvio do comportamento adequado, com as que permitem
um alargado desvio das normas culturais. Segundo o mesmo, as sociedades
etnicamente homogéneas e mais densamente povoadas são culturalmente mais
rigorosas, devido as pessoas viverem mais próximas são necessárias normas
mais rígidas de comportamento e quanto mais semelhantes mais concordam
com as normas (Triandis, citado por Funder, 2016).

Os Estados Unidos, diversificados e geograficamente espalhados são exemplo


de uma cultura solta. Apesar, de o grau variar sendo o centro-este do Ilinois uma
cultura mais restrita que Berkeley, sendo esta mais povoada, mas também mais
diversificada. Sendo assim, a diversidade pode sobrepor-se à densidade na
Capítulos PP (2020/2021)

determinação do aperto e soltura. Singapura é um exemplo com uma cultura


bastante apertada, com uma densa população, mas com uma organização
apertada que faz o país funcionar bem. (Funder, 2016. p. 466).

Cabeça versus coração


Sendo os limites culturais determinados de variadas maneiras os psicólogos
Nansook Park e Christopher Peterson (2010, citados por Funder, 2016)
diferenciam as “forças do coração”, como a justiça, misericórdia, gratidão,
esperança, amor e religiosidade das “forças da cabeça” tal como excelência
artística, criatividade, curiosidade, pensamento artístico e aprendizagem. Com
um inquérito na Internet os psicólogos calcularam as pontuações de várias
cidades tendo em conta as duas forças. As cidades “cabeças” foram São
Francisco, Los Angeles, Oakland e Albuquerque, já as cidades “coração” foram
El Paso, Mesa, Miami e Virginia Beach, como observado.

Quase todas as cidades aqui apresentadas foram avaliadas quanto à sua


criatividade, com base no seu número de cientistas, engenheiros, professores e
artistas, a presença da indústria de alta tecnologia e até o nível geral de abertura
e tolerância da cidade (Florida, 2002, citado por Funder, 2016). As cidades com
maior criatividade são as com maior força da cabeça e tendem a ter melhor
crescimento do emprego e padrões de imigração diversos.

O psicólogo Peter Rentfrow e seus colegas (Rentfrow, Gosling, e Potter, 2008,


citados por Funder, 2016) procuram responder ao porque das cidades variarem
em dimensões como estas. Oferecem três respostas. Devido á atração de
diferentes pessoas a diferentes cidades, ou seja, a migração seletiva. A
influência social, que afeta os valores de uma pessoa tendo efeito sobre as suas
próprias crenças. E por fim, os fatores ecológicos (Kasper, Wehr, Bartko, Gaist
e Rosenthal, citados por Funder, 2016) que são fatores externos, mas levam ao
bem-estar ou falta dele (Anderson, citado por Funder, 2016), pela pessoa.

Coletivismo e Individualismo
A forma da relação entre o individuo e a sociedade é uma forma das culturas
diferirem. Ao estudar esta relação são enumeradas culturas ao longo da
dimensão do coletivismo-individualismo (Funder, 2016. p. 469).
Capítulos PP (2020/2021)

O Auto e os outros
Em certas culturas coletivistas como no Japão as necessidades do grupo são
mais importantes do que necessidades individuais (Markus e Kitayama, citados
por Funder, 2016). O “eu” individual em japonês refere-se à “parte do espaço de
vida partilhada”, para eles é importante ninguém se destacar (Markus e
Kitayama, citados por Funder, 2016).

Em culturas individualistas, como nos Estados Unidos, a pessoa solteira é mais


importante. A independência e a proeminência são virtudes importantes, bem
como defender os próprios direito (Markus e Kitayama, citados por Funder,
2016). No entanto o individualismo isola as pessoas umas das outras, podendo
os membros de culturas individualistas mais vulneráveis a problemas como
solidão e depressão (Tseng, citado por Funder, 2016).

Como exemplos de culturas coletivistas temos principalmente o Japão, a China


e a India, enquanto que os estados unidos são um exemplo de uma cultura
individualista. Ainda dentro dos estados Unidos, as mulheres são mais
coletivistas do que os homens (Lykes, citado por Funder, 2016).

Personalidade e Coletivismo

Ao desenvolver listas de diferenças comportamentais e de atitude observou se


que a própria personalidade pode ter um significado diferente nas sociedades
coletivistas (Markus e Kitayama, citados por Funder, 2016).

A partir de um estudo do número de palavras de traço nas línguas orientais


(Norman, citado por Funder, 2016) e ocidentais alguns psicólogos começaram a
suspeitar que a personalidade no sentido ocidental (Yang e Lee, citado por
Funder, 2016) é menos significativa nos contextos orientais (Shweder e Bourne,
citados por Funder, 2016). Diferenças mais notórias entre culturas
individualistas e coletivistas (Triandis, citado por Funder, 2016) são o facto de
serem escritas mais autobiografias em países individualistas, pela importância
da autoestima (Kwan, Bond e Singelis, citado por Funder, 2016) e mais histórias
de grupo em países coletivistas, dado que a satisfação com a vida é baseada na
relação de cada um com o próximo.
Capítulos PP (2020/2021)

Uma diferença mais visível de diferença de cultura coletivista para a individualista


é a observação cuidadosa das hierarquias sociais, realizada pela primeira
cultura, e o menor cuidado e atenção às diferenças de estatuto na cultura
individualista. (Funder, 2016. p. 470).

No entanto, todos querem ser distintos, mesmo os indivíduos de culturas


coletivistas. Numa cultura mostram a sua distinção, independência e diferença
perante os outros e na cultura coletivista tentam um destacamento a partir de se
tornarem líderes, professores ou autoridades intelectuais (Becker, citado por
Funder, 2016).

Self- Regard

Numa investigação acerca da necessidade de autoestima positiva não ser tão


sentida na cultura coletivista (Heine, Lehman, Markus e Kitayama, citados por
Funder, 2016), descobriu se que os japoneses ligam o seu bem-estar individual
ao de um grupo maior, não necessitam de pensar em si próprios. Noutro estudo
percebeu se que no Japão são ensinados que quando falham tem que procurar
trabalhar pois a tarefa é importante, enquanto os canadianos (Heine, Kitayama,
e Lehman, citados por Funder, 2016), quando falharam procuraram formas de
pensar bem de si próprios noutros contextos. Isso deve-se ao facto de os
japoneses terem aprendido que o fracasso abre uma oportunidade de
aprendizagem, sempre.

Sociabilidade, Emoção e Motividade

As culturas coletivistas são mais sociáveis, os membros desta cultura passam


mais tempo com menos pessoas (Ramírez-Esparza, Mehl, Álvarez-Bermúdez e
Pennebaker, citados por Funder, 2016).

Os membros das culturas individualistas passam menos tempo com mais


pessoas (L. Wheeler, Reise e Bond, citados por Funder, 2016).

Os membros das diferentes culturas experimentam emoções de formas


diferentes. Nas culturas individualistas têm emoções mais focadas em si (Markus
e Kitayama, citados por Funder, 2016), com preocupações individuais nos
estudos e com foco na sua realização individual. No entanto devido á
Capítulos PP (2020/2021)

necessidade de destacamento podem auto representar-se descrevendo se de


maneira melhor que a real (Balcetis, Dunning e Miller, citados por Funder, 2016).

Já nas culturas coletivistas os estudantes relatam emoção ao enquadrarem se


bem no seu grupo, tem casamentos arranjados, sendo menos provável o divórcio
(Tseng, citado por Funder, 2016) e mais fundamentada em avaliações do valor
social para depender de relações e não apenas no individuo (Mesquita, citado
por Funder, 2016). Nesta cultura descrevem se de forma mais precisa pois não
precisam da autorrepresentação (Balcetis, Dunning e Miller, citado por Funder,
2016).

Consistência comportamental:

Tendo em conta a visão individualista, na autodeterminação, a causa do


comportamento está dentro da pessoa. Na cultura americana a consistência
comportamental é associada à saúde mental (Donahue, Robins, Roberts e John;
Sherman, citados por Funder, 2016).

Na cultura coletivista os membros sentem menos pressão para se comportar de


forma consistente e menos conflituosa em relação a comportamentos
inconsistentes (Markus, Mullally e Kitayama, citados por Funder, 2016), não
estando a consistência comportamental associada a saúde mental.

O estudo: os japoneses tinham uma experiência emocional mais inconsistente


do que os americanos num sentido absoluto; as suas emoções mudaram mais
de uma situação para a outra, consistência absoluta (Oishi, Diener, Scollon e
Biswas-Diener, citados por Funder, 2016). Mas tiveram uma experiência
emocional igualmente consistente num sentido relativo, porque uma pessoa
japonesa que era mais feliz do que outras numa situação também tendia a ser
mais feliz do que a maioria das outras situações. Ou seja, embora os membros
de culturas coletivistas possam ser mais inconsistentes num sentido absoluto do
que os membros de culturas individualistas, as diferenças individuais e os traços
de personalidade associados parecem ser igualmente importantes em ambos os
contextos (Church, Anderson-Harumi; Church, Katigbak, citados por Funder,
2016). Sendo a personalidade importante em qualquer parte do mundo.

Verticalidade e Compaixão
Capítulos PP (2020/2021)

A dimensão coletivismo-individualismo é um elemento básico da psicologia


transcultural, Harry Triandis sugeriu como é visível na próxima figura, que pode
haver mais categorizações- verticais ou horizontais, ver Quadro 13.1. (Triandis
e Gelfand, citados por Funder, 2016).

Nas sociedades verticais as pessoas individuais são diferentes umas das outras
podendo a sociedade coletivista vertical impor uma autoridade forte nos seus
membros (por exemplo, a China), nas sociedades horizontais tendem a
considerar todas as pessoas como essencialmente iguais, podendo ter uma
autoridade mais fraca, mas uma ética forte que impõe igualdade e partilha, (por
exemplo, Israel).

No estudo: Compara se a auto compaixão, definida como "manter emoções


dolorosas na consciência consciente, enquanto os sentimentos de cuidado e
bondade se estendem ao eu" (Neff, Pisitsungkagarn e Hsieh, citados por Funder,
2016), nos Estados Unidos, Tailândia e Taiwan. Embora a auto compaixão possa
parecer uma ideia essencialmente coletivista tanto as sociedades
ostensivamente coletivistas como os Estados Unidos individualistas caíram no
meio.

Advertências sobre coletivismo/individualismo: o caso japonês

A distinção coletivismo-individualismo entre o Japão e os Estados Unidos


(Markus e Kitayama, citados por Funder, 2016) foi posta em causa. Segundo o
psicólogo japonês Yohtaro Takano (citado por Funder, 2016) o estudo de
Hofstede não mediu ao certo o individualismo, tendo havido um erro ao
interpretar a análise de factos (Heine, Lehman, Tabela Peng e Greenholtz;
Takano e Osaka, citados por Funder, 2016), realizou-se então uma análise de
16 outros estudo, que concluiu que 11 deles relataram que os japoneses e os
americanos eram mais ou menos os mesmos nesta dimensão e os restantes
cinco encontraram efetivamente os japoneses com maior pontuação no
individualismo do que os americanos (Takano e Osaka, 1999, citados por
Funder, 2016).

Um estudo mais recente mostrou ainda que os comportamentos associados a


aspetos de situações eram notavelmente semelhantes entre o Japão e os
Capítulos PP (2020/2021)

Estados Unidos (Funder et al., 2012, citado por Funder, 2016), levando Takano
e Osaka a achar a visão de o Japão ser tão diferente dos Estados Unidos, um
mito cultural.

Takano (2012, citado por Funder, 2016) destacou a forma como um aspeto
central da teoria do coletivismo-individualismo pode levar a que os membros das
culturas coletivistas sejam vistos basicamente como "todos iguais" e mesmo
como carentes de personalidades no seu conjunto, levando ao esquecimento da
variedade de indivíduos distintos que habitam todas as culturas da Terra.

Honra, Rosto e Dignidade

Com uma nova teoria, os psicólogos Angela Leung e Dov Cohen (2011, citados
por Funder, 2016) sugerem que as culturas diferem em três dimensões a que
chamam honra, rosto e dignidade. Tendo por base, que os indivíduos são
valiosos por direito próprio, não importando aquilo que pensam deles. O objetivo
é ser se fiel a si próprio, com força e robustez interna vivendo apenas e
consoante os seus próprios valores.

Nas culturas de honra os ambientes das forças da civilização são quase


inexistentes tendo as pessoas que proteger se a si próprias, a sua família e os
seus bens. Temos como exemplo a América Latina, em que tolerar um insulta é
sinal de fraqueza, devido a uma norma social forte exigir retaliação, não
importando o custo, para não se colocar a si próprio em risco. Como podemos
observar os seus membros são sensíveis a ameaças, sendo os Estados Unidos
parte desta cultura conseguimos observar que têm taxas mais elevadas de
suicídio, concluindo ao defenderem os valores de “honra” ficam em maior risco
de depressão (Osterman e Brown, citados por Funder, 2016).

As culturas de rosto surgem em sociedades com hierarquias estáveis baseadas


na cooperação. Os membros desta protegem a imagem social umas das outras,
não insultando e tendo o cuidado de não mostrar discórdia em publico.
Respeitam toda a figura autoritária evitando a controvérsia e protegendo deste
modo a hierarquia, humildade e harmonia, (Leung e Cohen, citados por Funder,
2016), os “3H”.
Capítulos PP (2020/2021)

Leung e Cohen (2011, citados por Funder, 2016) fazem uma experiência com as
três culturas, retribuem favores tendo um comportamento de dignidade,
retribuem insultos em espécie, ou seja, um comportamento de honra, e por fim
abstêm-se de fazer batota, um comportamento facial. Aos aceitarem mais
fortemente a norma cultural os indivíduos tinham mais probabilidade de se
comportar da forma culturalmente típica.

O estudo das diferenças culturais leva à descoberta da importância das


diferenças individuais serem mais importantes que as diferenças entre
sociedades (Funder, 2016. p. 476).

Avaliação cultural e avaliação da personalidade

Triandis (citado por Funder, 2016) usa três dimensões para descrever culturas,
estas podem também descrever pessoas, já que conceitos que avaliam
diferenças entre culturas são também uma forma de avaliar a diferença entre
indivíduos.

Toda a complexidade cultural é semelhante a traços de personalidade da


complexidade cognitiva. O aperto cultural assemelha-se aos traços de
consciência e intolerância pela indecisão. Já a distinção coletivista-individualista
é idêntica a uma dimensão de valor pessoal centrado em acreditar que o
individuo é mais importante que o grupo, ideocentrismo, ou o grupo mais
importante que a pessoa, alocentrismo. Para se compreender as diferenças
transculturais, os psicólogos utilizam conceitos mais familiares, têm tentado
caracterizar as diferenças culturais consoante o grau de variância entre culturas
dos níveis médios de traços específicos. Para além dessa tentativa, utilizam
ainda a avaliação do grau em que os traços que caracterizam as pessoas numa
cultura podem caracterizar um individuo de outra. (Funder, 2016. p.

Comparar os mesmos aspetos em diferentes culturas

Níveis de extroversão no mundo (a branco os países sem dados)

Uns estudos comparativos entre chineses que vivem no Canadá e chineses que
vivem em Hong Kong, aqueles que moram no Canadá descrevem-se como
sendo mais abertos, alegres e agradáveis; essas diferenças surgem devido ao
Capítulos PP (2020/2021)

ambiente cultural (McCrae, Yik , Trapnell, Bond e Paulhus, 1998, citados por
Funder, 2016).

Nações individuais podem conter diferentes subculturas. Outro estudo


analisou grupos de características que variam em diferentes áreas dos Estados
Unidos (Rentfrow, citado por Funder, 2016). Identificaram então 3 “tipos” de
pessoas:

1. Amigável e convencional, sociável, atencioso, zeloso e tradicional. Co-


mum no meio-oeste e no sul;

2. Relaxado e criativo, mente aberta, tolerante, individualista e emocional-


mente estável (pontuação baixa em neuroticismo). Comuns na costa
oeste americana, nos estados das Montanhas Rochosas e no Sun Belt;

3. Temperamental e desinibido. Recebem notas altas em características


como impulsivo, irritável, curioso, apaixonado e competitivo. Pontuam
também relativamente alto em neuroticismo. Estados do Meio Atlântico e
do Nordeste.

Essas diferenças podem ocorrer por vários motivos, incluindo a tendência das
pessoas em migrar para áreas do país onde sentem que "se encaixam". Há a
possibilidade de que as pessoas sejam influenciadas no seu desenvolvimento
de personalidade pelas pessoas com quem interagem com o dia todo na área
onde moram e até os efeitos do clima no humor (Rentfrow, citado por Funder,
2016).

Por exemplo, outra característica que varia no mundo todo é a autoestima. De


acordo com um estudo, os residentes do Canadá têm maior autoestima do que
os de qualquer outro país do mundo, seguido por Israel, Estónia e Sérvia. Os
residentes do Japão têm a autoestima mais baixa, e os de Hong Kong e Bangla-
desh não são muito mais elevados. Esse facto pode ser significativo, pois um
estudo recente constatou que quanto menor o nível médio de autoestima de um
país, maior a taxa de suicídio (Chatard, Selimbegovic´ e Konan, citados por Fun-
der, 2016). Nesse sentido, as diferenças culturais de personalidade podem ser
uma questão de vida ou morte.
Capítulos PP (2020/2021)

Utilizando o NEO Personality Inventory (Costa, Terracciano e McCrae, 2001,


citados por Funder, 2016), descobriram que, em quase todas as culturas, as
mulheres pontuaram mais do que os homens em neuroticismo, afabilidade,
cordialidade e abertura aos sentimentos; os homens pontuaram mais alto em
assertividade e abertura a ideias.

Diferentes aspetos para diferentes culturas

As mesmas características podem ser usadas para descrever pessoas em


diferentes culturas. Os Cinco Grandes traços de personalidade (extroversão,
amabilidade, conscienciosidade, neuroticismo, abertura à experiência) podem
ser encontrados em mais de 50 culturas (McCrae, Terracciano e 78 membros do
Personality Profiles of Cultures Project, citados por Funder, 2016).

Alguns pesquisadores argumentaram que apenas três dos Cinco Grandes -


conscienciosidade, extroversão e amabilidade - devem ser considerados
verdadeiramente universais (De Raad e Peabody, citados por Funder, 2016),
porque traduzir termos de traços de personalidade de um idioma para outro é
arriscado.

Numa escala utilizada para medir a satisfação com a vida, quatro dos cinco itens
geraram diferentes padrões de resposta entre participantes chineses e
americanos (Oishi, citado por Funder, 2016).

A natureza da pesquisa exige o trabalho de psicólogos que são nativos de cada


cultura, e muitas áreas do mundo não têm as tradições ou meios para treinar e
apoiar psicólogos locais. Adotando uma abordagem diferente, um grupo de
psicólogos chineses pretendia desenvolver um Inventário de Avaliação da
Personalidade Chinesa indígena (é chamado de CPAI) (Cheung, citado por
Funder, 2016).

Pensando

Uma das questões mais intrigantes e desafiadoras que a psicologia transcultural


enfrenta diz respeito ao grau em que pessoas de diferentes culturas pensam de
maneira diferente. Por um lado, parece seguro inferir que, como os traços
comportamentais diferem entre as culturas, como acabamos de ver, o
pensamento associado ao comportamento também deve ser diferente. Em outro
Capítulos PP (2020/2021)

nível, é difícil especificar as maneiras pelas quais os processos de pensamento


em uma cultura podem diferir dos de outra (Funder, 2016. p. 483).

Pensamento independente

Vários psicólogos e educadores observaram que os estudantes asiáticos


parecem atraídos por campos que requerem estudo e memorização rotineiros,
em vez de pensamento independente, e que estão menos dispostos do que os
americanos europeus a falar abertamente em discussões em classe
(Mahbubani, citado por Funder, 2016). Um escritor vietnamita americano afirmou
que isso ocorre porque a auto-expressão é amplamente desencorajada na
Ásia… A Ásia é em geral um continente onde o ego é suprimido. O self existe no
contexto de famílias e clã… [enquanto] a América ainda valoriza o dissidente, o
inventor, o palhaço da turma, o indivíduo com uma visão. (Lam, citado por
Funder, 2016).

Um estudo mostrou que o pensamento dos americanos de origem asiática é


interrompido ao tentar falar ao mesmo tempo, ao passo que esse efeito não foi
encontrado em americanos de ascendência europeia. Assim, um estudante
asiático-americano quieto pode ficar calado porque está a pensar (Kim, citado
por Funder, 2016).

Outro escritor observou que os asiáticos são respeitosos não porque tenham
medo dos seus professores ou porque não tenham perguntas, mas porque foram
criados com a ideia de que a humildade garante uma aprendizagem melhor. Eles
são ensinados a ouvir com atenção e questionar somente depois de
compreenderem os outros. (J. Li, citado por Funder, 2016).

Valores

As questões mais difíceis na psicologia transcultural dizem respeito aos valores.


As pessoas têm sentimentos profundos sobre questões de certo e errado, e
podem não apenas ficar surpresas, mas também chateadas e zangadas quando
descobrem que outras pessoas não compartilham as suas opiniões. Assim, um
desafio particular é tentar entender como até mesmo valores aparentemente
óbvios e básicos podem variar entre as culturas e formular uma resposta
apropriada a essas diferenças (Funder, 2016. p. 484 a 485).
Capítulos PP (2020/2021)

À procura de valores universais

Podemos inferir que um valor mantido em todas as culturas é, em certo sentido,


um valor “real” que vai além do julgamento cultural, um valor que podemos ter
certeza que deve ser valorizado. Em segundo lugar, se pudéssemos encontrar
um conjunto de valores comuns, poderíamos ser capazes de usá-los para
resolver disputas entre culturas, desenvolvendo compromissos baseados nas
áreas de acordo universal (Funder, 2016. p. 485).

Um estudo influente dos psicólogos transculturais Shalom Schwartz e Lilach


Sagiv (1995, citados por Funder, 2016) identificou 10 valores como candidatos.
Os 10 valores possivelmente universais são: poder, realização, hedonismo,
estímulo, autodireção, compreensão, benevolência, tradição, conformidade e
segurança.

Outra maneira de olhar para esses valores é vê-los como objetivos que todos,
em qualquer lugar, desejam alcançar. Outra maneira de olhar para esses valores
é vê-los como objetivos que todos, em qualquer lugar, desejam alcançar.
Schwartz e Sagiv teorizam que esses valores podem ser organizados em termos
de duas dimensões. Um é a abertura para mudar a dimensão do
conservadorismo, e o outro eles chamam de dimensão autotranscendência-auto-
aprimoramento.

Diferenças culturais nos valores

Enquanto o ethos cultural individualista enfatiza a liberdade, liberdade de


escolha, direitos e necessidades individuais, alguns teóricos afirmam, o ethos
cultural coletivista enfatiza obrigações, reciprocidade e deveres para com o
grupo. O estilo coletivista de raciocínio moral impõe uma norma de grupo; o estilo
individualista enfatiza a escolha independente e individual. (Iyengar e Lepper; JG
Miller e Bersoff, citados por Funder, 2016).

O ponto de vista individualista, endossado por muitas (embora não todas)


denominações protestantes e judaicas, é que o aborto é uma questão de
responsabilidade moral e escolha individual. Pode-se deplorar o aborto e
considerá-lo uma ocorrência trágica, mas ainda endossar a ideia de que é a
mulher grávida que está mais envolvida e, no final, tudo se resume a sua decisão
Capítulos PP (2020/2021)

individual e livre. Aqueles que endossam o direito ao aborto legal e seguro não
gostam de ser chamados de “pró-aborto”; eles preferem o termo "pró-escolha".
O ponto de vista coletivista muito diferente, fortemente defendido pela Igreja
Católica e algumas das denominações protestantes mais conservadoras, é que
o aborto é moralmente errado, ponto final. A questão não se resume a uma
escolha pessoal. Tudo se resume a uma questão coletivamente determinada de
certo e errado. No debate sobre o aborto, vemos uma colisão frontal entre duas
maneiras fundamentalmente diferentes de abordar questões morais (Funder,
2016. p. 485 a 487).

As origens das diferenças culturais

Pessoas em diferentes culturas são frequentemente diferentes, porque as


mesmas características podem não se aplicar a todas as culturas (Funder, 2016.
p. 487).

Evitando o problema

A psicologia cultural, o desconstrucionismo implica que qualquer resposta para


por que uma cultura é da maneira que é teria que ser baseada nos pressupostos
de outra cultura (J. G. Miller, citado por Funder, 2016).

A abordagem ecológica

Diferentes culturas se desenvolveram, ao longo do tempo, em diferentes


circunstâncias e com a necessidade de lidar com diferentes problemas. Triandis
(1994, citado por Funder, 2016) propôs um modelo simples que pode ser
diagramado como:

O comportamento vem da personalidade, que vem do ensino implícito e explícito


durante a infância (socialização é outro nome para enculturação neste contexto),
que é um produto da cultura. O primeiro termo no modelo é ecologia significa o
layout físico e os recursos da terra onde a cultura originou, juntamente com as
tarefas e desafios distintos que esta cultura enfrentou (Triandis, citado por
Funder, 2016).

Um modelo ecológico um pouco diferente foi oferecido por Oishi e Graham


(2010, citados por Funder, 2016). Este modelo pode ser diagramado como:
Capítulos PP (2020/2021)

Neste modelo, tudo afeta todo o resto. A ecologia muda a cultura, mas a cultura
também muda a ecologia. A ecologia muda a mente, mas a mente muda a
ecologia também. Talvez o mais importante, a cultura e as mentes das pessoas
que vivem em uma cultura também mudam umas às outras com o tempo (Oishi
e Graham, citados por Funder, 2016).

Os norte-americanos valorizam a independência e as realizações pessoais mais


do que os europeus (britânicos e alemães) porque a América do Norte foi
colonizada em grande parte por imigrantes voluntários que enfrentaram a tarefa
de desenvolver um continente inteiro, novo e vazio (Kitayama, Park, Sevincer,
Karasawa e Uskul, citados por Funder, 2016).

Ao mesmo tempo em que os europeus começaram a viajar pelo mundo, em casa


muitas vezes viviam juntos em cidades nojentas. Aqueles que sobreviveram
desenvolveram ampla imunidade a doenças que eram fatais para outros povos,
como os nativos americanos, que viviam em ambientes mais limpos, é uma
vantagem irónica (Diamond, citado por Funder, 2016).

A doença pode afetar o desenvolvimento cultural de outras maneiras. Um estudo


examinou o grau em que as culturas diferem nos seus níveis médios de
extroversão, abertura e sociossexualidade. O nível médio dessas características
tende a ser mais baixo, ao que parece, em países que historicamente sofreram
com altos níveis de doenças infeciosas. Os autores especulam que
comportamento extrovertido, comportamento aberto e - talvez acima de tudo -
comportamento “sociossexual” aumentam o contato interpessoal e o risco de
contrair uma doença infeciosa. Pessoas que são mais introvertidas e menos
abertas e sociossexuais têm melhores probabilidades de sobrevivência (Schaller
e Murray, citados por Funder, 2016).

Diferenças culturais da genética

Diferenças genéticas entre grupos culturais:

1. As diferenças são pequenas, no máximo.

2. As características são susceptíveis de ser preditores ainda mais fracos do


comportamento na cultura do que no nível individual.

3. As pessoas dentro das culturas são muito diferentes umas das outras.
Capítulos PP (2020/2021)

4. Os dados disponíveis até agora podem ser explicados de várias maneiras


diferentes (McCrae, citado por Funder, 2016).

Desafios e novas direções na pesquisa transcultural

Como podemos evitar que a nossa visão de outras culturas seja influenciada
pela nossa própria formação cultural? Focar exclusivamente nas diferenças
culturais leva-nos a exagerá-las? Como é que os valores de diferentes culturas
podem ser reconciliados? Qual é a maneira certa de pensar sobre as áreas do
mundo - ou mesmo indivíduos - com mais de uma cultura? (Funder, 2016. p.
489).

Etnocentrismo

Qualquer observação de outra cultura quase certamente será influenciada pela


formação cultural do observador, não importa o quanto ele tente evitar. Os
pesquisadores correm o maior risco de cometer o etnocentrismo (julgar outra
cultura do ponto de vista da sua) quando a natureza “real” da situação parece
mais óbvia (Triandis, citado por Funder, 2016).

O exagero das diferenças culturais

A pesquisa intercultural às vezes exagera as diferenças, agindo quase como se


todos os membros de uma determinada cultura fossem iguais (Gjerde, citado por
Funder, 2016).

As diferenças culturais tendem a ser exageradas. Uma das razões é que a


psicologia transcultural há muito tempo está empenhada em encontrar
diferenças. Afinal, se as culturas fossem predominantemente semelhantes, a
psicologia transcultural não teria muito o que fazer (Oishi,; Oyserman; Takano,
citados por Funder, 2016).

Outra razão é o fenómeno psicológico que os psicólogos sociais chamam de bias


de homogeneidade de grupo externo (por exemplo, Linville & Jones; Lorenzi-
Cioldi; B. Park & Rothbart, citados por Funder, 2016).

Curiosamente, enfatizar as variações entre os indivíduos dentro de uma cultura


é uma visão individualista. Enfatizar variações entre culturas inteiras é uma visão
coletivista (Funder, 2016. p. 492).
Capítulos PP (2020/2021)

Culturas e valores

A psicologia transcultural às vezes pode levar ao relativismo cultural. Os perigos


do relativismo cultural foram descritos de forma convincente pelos psicólogos
Jack e Jeanne Block: “Se a definição absoluta [de ajuste psicológico e de certo
e errado] arrisca o perigo de uma arrogância paroquial, a definição relativa pode
estar a defender o valor da falta de valor… Na medida em que o relativismo
implica que uma cultura é tão boa quanto outra… o relativismo fornece um
fundamento lógico para a tolerância que também é um fundamento lógico para
a perpetuação do que é, ao invés do que poderia ser” (J. Block, Block,
Siegelman, e von der Lippe, citados por Funder, 2016).

Cada cultura provavelmente tem os seus próprios valores, mas talvez possamos
todos concordar sobre alguns (Funder, 2016. p. 493).

Subculturas e multiculturalismo

Alguns agrupamentos culturais são óbvios e simplificados, como a diferença


entre Oriente e Ocidente (que divide nitidamente o globo em dois) ou (quase a
mesma coisa) coletivismo e individualismo. Outra forma de agrupar pessoas é
com base no idioma ou em termos de geografia, como fronteiras políticas ou
continente de residência. Membros do mesmo grupo cultural por uma definição
podem pertencer a grupos diferentes por outra definição. Outra complicação
para o agrupamento cultural, especialmente em nações de imigrantes como os
Estados Unidos e Canadá, é que os indivíduos multiculturais pertencem a mais
de uma cultura. Por exemplo, a Califórnia inclui muitos jovens criados em famílias
de língua espanhola entre grupos familiares mexicanos-americanos amplos e
poderosos, que também frequentam escolas de língua inglesa, assistem à
televisão dos EUA e participam de outros aspetos totalmente "americanizados"
da cultura norte-americana. Por algumas estimativas, cerca de metade da
população mundial é bilíngue, portanto, muitos indivíduos podem ter duas
personalidades, nalgum sentido (Grosjean, citado por Funder, 2016).

A condição humana universal

De acordo com o filósofo existencial Sartre há um facto que se aplica a todos os


indivíduos e todas as culturas. Esse facto compreende os "limites a priori que
Capítulos PP (2020/2021)

delineiam a situação fundamental do homem no universo.": “As situações


históricas variam; um homem pode nascer escravo numa sociedade pagã, ou
senhor feudal, ou proletário. O que não varia é a necessidade de ele existir no
mundo, estar a trabalhar ali, estar no meio de outras pessoas e ser um mortal
lá… Nesse sentido, podemos dizer que existe uma universalidade do homem.”
(Sartre, citado por Funder, 2016).

As diferenças entre as regras culturais de comportamento apropriado podem


mascarar motivações semelhantes. Por exemplo, é fácil observar que os
chineses geralmente parecem menos extrovertidos do que os americanos. Eles
falam com menos frequência e menos alto, entre outras diferenças. No entanto,
a cultura chinesa tende a conter os sentimentos e considera a sua exibição
pública inadequada. Assim, é possível que um americano extrovertido ria duas
vezes mais e pareça ter sentimentos mais fortes do que um chinês extrovertido
quando os dois sentem o mesmo (McCrae, citado por Funder, 2016).

“Às vezes, as diferenças culturais de personalidade costumam desaparecer


quando pensamos que as encontrámos” (Funder, 2016. p. 496 a 497)

Capítulo 14
Aprendendo a ser: comportamentalismo e as teorias da aprendizagem social

Logo no início deste décimo quarto capítulo são consideradas duas ideias: em
primeiro lugar, afirma-se que dois estímulos repetidamente vividos em conjunto
acabarão por obter a mesma resposta. Por exemplo, se alguém nos soprar nos
olhos ao mesmo tempo que toca uma campainha, em pouco tempo o som da
campainha será suficiente para nos fazer pestanejar. Em seguida, os
comportamentos seguidos de resultados agradáveis tendem a ser repetidos, e
comportamentos seguidos de resultados desagradáveis abandonados.

Estas ideias, resumem-se, assim, ao processo de aprendizagem. Isto porque em


ambos o processo a mudança do comportamento é determinada pela
experiência. Pestanejar ao som da campainha ou trabalhar arduamente para ser
recompensado, depende do que se sucedeu no passado. Ou seja, o
comportamento foi alterado em função da experiência.
Capítulos PP (2020/2021)

Existem 2 teorias de aprendizagem da personalidade: o Comportamentalismo e


as Teorias de Aprendizagem Social. Muitos psicólogos acreditam que a
psicologia é uma ciência.
Defendem que não são os pontos de vista pessoais, as próprias opiniões, ou os
nossos processos inconscientes, mas sim a objetividade única da psicologia, os
seus factos e sentimentos concretos, que elevam a psicologia ao estatuto de
ciência.

Comportamentalismo
Os investigadores de personalidade, os psicanalistas, humanistas, e mesmo
muitos psicólogos esforçam-se para compreender os processos invisíveis da
mente (“psique”). O comportamentalismo foi criado, como forma de resposta aos
processos não observáveis da nossa mente, defendida por muitos, como
Wilhelm Wundt. O desejo de obter dados objetivos, concretos, consistentes,
levou os behavioristas a concentrarem-se nos eventos e acontecimentos
observados. Como se sucedeu com John Watson e B. F. Skinner que se
preocuparam em estudar a forma como o comportamento de uma pessoa é o
resultado direto com o meio ambiente (pessoa-meio).
Walter Mischel, escreveu: "Se aprendi alguma lição da minha vida como cientista
em psicologia, é que qualquer que seja a forma que se escolha para definir
personalidade, certamente não é uma entidade descontextualizada dentro da
mente" (2009, p. 289). Pelo que, descartam por completo a ideia de muitos
psicólogos, nomeadamente Freud, onde os processos inconscientes eram o seu
objeto de estudo. percebemos assim que esta teria defende que a única forma
válida de estudar o comportamento de uma pessoa é a partir da observação
desse mesmo comportamento. Os processos que se desenvolvem na nossa
mente são considerados inválidos uma vez que ninguém os pode verificar. Toda
a ideia de teorizar algo que não podemos ver – qualquer entidade dentro da
mente - é duvidoso. Esta ideia de que os mesmos defendem, afirma que a
personalidade das pessoas é simplesmente a soma de tudo o que se faz.
Segundo os seus investigadores, a personalidade não inclui traços, conflitos
inconscientes, processos psicodinâmicos, ou qualquer outra coisa que não
possa ser diretamente observada.
Capítulos PP (2020/2021)

Assim, surge então outro princípio de que os behavioristas defendem que diz
que as causas do comportamento são observadas no ambiente tão diretamente
quanto o próprio comportamento. Neste contexto, o ambiente refere-se às
recompensas e punições no mundo físico e social.

As raízes filosóficas do comportamento


São quatro as ideias fundamentais destacadas neste artigo: empirismo,
associativismo, hedonismo e utilitarismo.

Empiricismo
É a ideia de que todo o conhecimento provém da experiência. A experiência é o
produto direto da realidade. O conteúdo das nossas mentes é criado pelo
conteúdo do mundo e pela forma como ele nos afeta, produzindo tudo o que
vimos, ouvimos, sentimos. Desta forma, a estrutura da realidade determina a
personalidade, a estrutura da mente, e o nosso comportamento. Mas temos uma
visão oposta a esta: o racionalismo. O racionalismo sustenta que a estrutura da
mente determina a nossa experiência da realidade.

Associativismo
O associativismo é a afirmação de que duas coisas, ideias se tornam
mentalmente associadas como um só, se forem experimentados repetidamente
próximos um do outro no tempo. Muitas vezes (nem sempre), esta proximidade
ocorre como resultado de uma relação de causa-e-efeito. Em noite de trovoada,
aparecem os relâmpagos e, depois, trovões, pelo que estes dois ficam
associados na nossa mente, pela sua repetição frequente.

Hedonismo
No contexto do behaviorismo, o hedonismo afirma que as pessoas e os animais
aprendem por duas razões: para procurar prazer e evitar a dor. Assim, fornece
uma resposta pelo motivo a partir do qual as pessoas realizam uma ação. Esta
filosofia hedonista, defende então que, as ações que produzirem o maior prazer
para a maioria das pessoas a longo prazo é considerada uma boa ação. O que
quer que faça o contrário, é mau. Assim, cai sobre esta teoria muitas críticas.
(exemplos)
Capítulos PP (2020/2021)

Utilitarianismo
Tudo isto leva ao utilitarismo, teoria que afirma que a melhor sociedade é aquela
que cria a maior felicidade para o maior número de pessoas. A verdadeira crítica
desta teoria é que o seu objetivo passa pela maior felicidade para a maioria das
pessoas acima de todas as outras coisas, incluindo a verdade, a liberdade, a
dignidade.

O comportamentalista e utilitarista dos últimos dias Skinner escreveu o livro


Walden Two, onde escreve que todos estavam felizes, mas ninguém estava livre,
e considerações como a dignidade e a verdade foram consideradas irrelevantes.
Um utilitário abdicaria da liberdade pela sua felicidade.

Três tipos de aprendizagem


A ideia behaviorista de aprendizagem é semelhante à Teoria do Empirismo, no
entanto, esta concentra-se essencialmente sobre o comportamento e não sobre
o conhecimento. O comportamentalismo identifica três tipos de aprendizagem:
habituação, condicionamento clássico e condicionamento operante.

Habituação
A habituação é o processo segundo o qual existe uma diminuição da força de
resposta a um estímulo que é repetido. Os estímulos na habituação são rítmicos,
de pouca intensidade (baixa a moderada) e são específicos a um determinado
estímulo. Com o tempo, leva a um enfraquecimento da resposta. Por exemplo,
nos relógios de parede ouve-se claramente o tic-tac, mas chega a uma
determinada altura que já os ignoramos, como se não os ouvíssemos habituamo-
nos ao som.

Uma investigação experimental mostrou que uma outra resposta quase tão forte
como a original pode ser mantida, mas apenas se o estímulo mudar ou aumentar
a cada repetição. Esta é uma das formas de evitar a habituação. Mesmo o
impacto que eventos importantes têm na nossa vida podem diminuir com o
tempo (Brickman, Coates, & Janoff-Bulman, 1978). Um cantor famoso que, por
exemplo, ganhe vários prémios importantes na sua carreira, tem um momento,
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um ano feliz pelas suas conquistas, mas, a longo prazo, acaba por não ser muito
mais feliz do que era antes. A pessoa habitua-se ao seu estatuto de famoso,
tornando-se o "novo normal".

Condicionamento clássico
O condicionamento clássico é um processo de aumento de probabilidade de
resposta a um estímulo neutro após o seu emparelhamento com um estímulo
incondicional. Ivan Pavlov verificou que, assim que era apresentada comida a
cães, estes automaticamente salivavam.

Então, procedeu a uma experiência para demonstrar a existência do


condicionamento clássico.

Recorreu aos cães e colocou o som de um sino a tocar até que estes se
habituaram. De seguida, associou o som do sino ao aparecimento da comida e,
fez-se o procedimento, repetidamente.

Percebeu-se, assim, que os cães salivavam quando ouviam o sino, mesmo não
sendo apresentada a comida, uma vez que foram sucessivamente treinados,
estando já, habituados.

A descoberta Pavloviana mostrou que o condicionamento é mais do que um


simples emparelhamento de estímulos, pelo que defende que a teoria do
associativismo é errada. Os acontecimentos associam-se não apenas porque
ocorreram em conjunto, mas porque o significado de um evento mudou o
significado de outro.

Como vimos no exemplo anterior, a campainha costumava ser apenas um som,


agora significa "a comida está a chegar". No entanto, o condicionamento clássico
também pode ter um valor negativo. Por exemplo, uma pessoa que tenha medo
de agulhas sente-se ansiosa, mal-disposta sempre que tem de ir ao hospital. Ou
seja, a pessoa desenvolveu repulsa ao hospital por ter medo de agulhas, e vai
associar sempre as agulhas ao hospital, tendo sempre que vai, ansiedade, má-
disposição, mau-estar.
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A falta de ajuda aprendida


Até agora, estudámos o que acontece quando uma pessoa aprende a
associação entre estímulos. No entanto, quando ambos os estímulos aparecem
de forma aleatória, a ação torna-
se imprevisível. Esta sensação de imprevisibilidade não só é desagradável,
como também pode ter consequências importantes, como podemos ver no
exemplo apresentado pelo autor: sente-
se medo quando se sabe qual é o perigo, e existe uma razão para pensar que o
perigo é iminente.
No entanto, quando nos sentimos ansiosos pelo perigo não ser claro, ou seja,
quando não sabemos ao certo qual é o perigo, ou quando não se tem a menor
ideia de quando pode realmente chegar, é desencadeado em nós um sentimento
de imprevisibilidade.

Estímulo-resposta - Conceção de Personalidade


John Watson, behaviorista americano, defende que a atividade essencial da vida
era aprender respostas a estímulos específicos, e que, também a personalidade
de um indivíduo consiste em associações de estímulo-resposta aprendidas.
Todas as pessoas têm um processo de aprendizagem diferente, pelo que, os
estímulo-resposta para uma determinada pessoa dependerá de todo o processo
de aprendizagem que passou. Esta conceção de personalidade é uma teoria
antiga do comportamentalismo. Skinner expandiu esta teoria formulando a ideia
do condicionamento operante.

A Lei do Efeito: Thorndike


No início do século XX, Edward Thorndike colocou gatos numa caixa conhecida
por “quebra-cabeças”. Os gatos estavam famintos e podiam escapar fazendo um
ato simples como puxar um fio ou pressionar uma alavanca. Assim, a caixa abria
e o gato saía à procura de comida, voltando, no final, à caixa. Thorndike
percebeu, então, que os gatos começaram a querer escapar cada vez mais. No
início levaram três minutos a sair e, após vinte e cinco ou mais tentativas, os
gatos escapavam e procuravam comida em apenas quinze segundos.
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Técnicas de condicionamento operante Skinner


Skinner chamou de condicionamento respondente ao primeiro tipo de
aprendizagem, isto é, a resposta condicionada é essencialmente passiva, sem
impacto próprio. O segundo tipo de aprendizagem chamou de condicionamento
operante, onde o animal aprende a operar no seu mundo de forma a mudá-lo
para melhor.

Skinner inventou um processo, conhecido como a caixa de Skinner, que continha


uma alavanca que possibilitava a entrega de alimento. Colocou lá um pombo, ao
que ele começa a empurrar a alavanca para conseguir comer. Fá-lo várias vezes
até que aprende com a experiência e treino que é assim que consegue o
alimento, isto é, através do condicionamento operante. Quando uma pessoa
executa um comportamento e percebe que é conseguido um bom resultado, isto
é, consegue com isso um reforço/recompensa, então torna-se mais provável
a sua repetição. Se o comportamento for seguido de uma punição, então, torna-
se menos provável de se voltar a realizar.
As causas do comportamento
Os processos que ocorrem muitas vezes na mente humana podem produzir
erros, erros estes, que na grande maioria, levam a resultados corretos (Funder,
1987). Uma pessoa pode enganar outra e nem sequer saber a razão pela qual o
fez. Mas de uma forma geral, sabemos e estamos conscientes daquilo que
fazemos e porque fazemos certas coisas. Isto porque, em parte, as recompensas
não estão escondidas. O salário que faz com que muitas pessoas trabalhem é
uma forma eficaz e óbvia de reforço.

Punição
A punição é uma consequência aversiva de forma a impedir ou evitar que uma
determinada ação se repita. A punição funciona bem quando é bem executada,
o único problema é que quase nunca o é. Normalmente é utilizada pelos pais,
professores e chefes, isto porque, têm em comum os mesmos objetivos: iniciar,
manter e prevenir certos comportamentos.

Nos primeiros dois pontos utiliza-se muito as recompensas para congratular


alguém das suas ações ou comportamentos. Por exemplo, os professores usam
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as estrelas douradas, os pais usam chocolates e brinquedos, e os chefes usam


os aumentos e os bónus. Além disso, também se usa muito como forma de
recompensa os elogios, algo fundamental e muito eficaz nas pessoas. Já em
relação à parte de prevenir os comportamentos, muitos acreditam que é através
da punição, no entanto, também podemos utilizar a recompensa. Por exemplo,
para prevenir o uso de drogas, pode-se fornecer atividades gratificantes que não
sejam relacionadas especificamente com as drogas, como atividades de
entretenimento, culturais, que sejam tão gratificantes quanto possível, pelo que,
o uso de drogas se tornará menos atrativo.

Formas de punição
Para aplicar corretamente uma punição é necessário analisar e executar as
regras que lhe dizem respeito. A análise comportamentalista destaca cinco
princípios (Azrin & Holz, 1966).

O primeiro princípio é a disponibilidade de alternativas, ou seja, deve ser


apresentado um comportamento alternativo (recompensa) ao que está a ser alvo
de punição. O segundo refere-se à especificidade comportamental e situacional,
pelo que devemos ser claros sobre o comportamento a ser punido e quais as
circunstâncias sob as quais não deve existir punição. Por exemplo, uma criança
que não sabe ao certo porque é punida não saber distinguir se o que o
comportamento que teve foi certo ou errado. O tempo e a consistência é outro
princípio destacado. Para ser eficaz, uma punição tem de ser aplicada logo após
a ocorrência do comportamento considerado errôneo. Caso contrário, a pessoa
que está a ser punida pode não entender que comportamento é errado e voltar
a fazê-lo.

Existe também o princípio dos estímulos de punição secundários de


condicionamento, isto é, pode-se diminuir o impacto da punição, condicionando
estímulos secundários à mesma. Por fim, temos a evitação de mensagens
confusas. Devemos punir um comportamento apenas se acharmos que deve ser
punido.

Os perigos de punição
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Uma pessoa ao punir tem que ser extremamente cuidadosa. Isto porque a
punição desperta emoção e sentimentos, pelo que podemos sentir excitação,
satisfação ou até impulsos agressivos na pessoa que está a aplicar a punição,
podendo ainda deixar-se levar. A pessoa que está a ser punida também pode
sentir dor, desconforto, humilhação ou desejo de fuga, entre outros. É também,
difícil ser-se consistente, ou seja, a punição tende a variar de acordo com o
humor da pessoa que a está ou vai aplicar, acabando muitas vezes por ser
aplicada de forma pouco cuidada. Para além disso, é difícil avaliar-se a gravidade
da punição, por exemplo, uma repreensão de um professor pode ser uma
humilhação e causar muito sofrimento psicológico. Destaca-se também, neste
capítulo, que a punição pode levar ao uso indevido do poder. Isto pretende
explicar que algumas pessoas exercem o seu poder aplicando a punição às
pessoas que consideram inferiores e menos poderosas. Isto pode levar a que as
pessoas que estão a ser punidas façam o mesmo com outras.
Por fim, vemos que a punição pode motivar a sua ocultação, pois a pessoa
punida pode ter razões para ocultar comportamentos que, vendo de outra
perspetiva, podem ser alvos de punição.

Teoria da Aprendizagem Social


O behaviorismo revelou algumas limitações. Assim sendo, Kohler procedeu a
novos estudos utilizando chimpanzés, o que o levou a novas descobertas: os
chimpanzés fazem mais do que aprender com recompensas, eram capazes de
compreender a própria situação. A ideia de insight foi então aplicada ao
behaviorismo, com o objetivo de corrigir as deficiências que o mesmo
apresentava. O facto de ignorar a motivação, pensamento e cognição; o facto de
se basear em pesquisas com animais, e queres, dessas pesquisas, generalizar
leis da aprendizagem comuns a toda a espécie; o facto de ignorar a visão de
aprendizagem social, visto que também aprendemos através da observação dos
outros, e o facto de tratar o organismo como essencialmente passivo são
algumas das falhas que podemos atribuir ao behaviorismo clássico.

De modo a desenvolver novas conceções da teoria da aprendizagem social,


foram desenvolvidos estudos por parte de Rotter e de Bandura.
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A teoria da aprendizagem social de Rotter dá especial ênfase à tomada de


decisões e ao papel das expectativas. A teoria do valor da expectativa, que se
tornou o núcleo de abordagem de Rotter, enfatiza que as decisões
comportamentais eram também determinadas pela crença sobre os resultados
prováveis do comportamento. As expectativas são tidas como crenças, que
podem estar certas ou erradas, isto é, não é importante saber se um determinado
comportamento vai ou não trazer sucesso, se se acreditar que vai, vai haver uma
tentativa e vice-versa. A principal diferença entre a teoria de Rotter e o
Behaviorismo Clássico é que a visão clássica se concentra exclusivamente em
recompensas e punições reais, ao contrário das crenças enfatizadas na teoria
de Rotter. Podemos distinguir dois tipos de expectativas, as específicas e as
gerais. As específicas, tal como o nome indica, são as crenças que determinado
comportamento leva a um resultado específico. As expectativas gerais são
crenças de que alguma ação pode fazer a diferença no resultado final – chamado
locus de controle.
A teoria social de Bandura é a teoria considerada mais influente, baseia-se na
de Rotter, mas tem diferenças. Nesta teoria dá-se menos ênfase às diferenças
estáveis entre as pessoas, e considera-se mais importante a natureza social da
aprendizagem e a forma como as pessoas interagem com as determinadas
situações das suas vidas. As expectativas de eficácia reiteram que a
interpretação da realidade é mais importante que a realidade em si, o que vai um
pouco de encontro ao conceito de expectativa abordado na teoria de Rotter.
Bandura distanciou-se ainda mais do Behaviorismo Clássico. Na sua teoria, a
auto-eficácia é a crença de si mesmo, do que uma pessoa é capaz de fazer.

Segundo Bandura, as expectativas de eficácia deveriam ser o principal alvo nas


intervenções terapêuticas, visto que a mudança das crenças, levariam a
mudança comportamental. Segunda a experiência de Weinberg, Gould e
Jackson, em 1979, o aumento das crenças de auto-eficácia poderia aumentar a
motivação e o desempenho. Assim, podemos considerar que esse aumento
pode ser útil na psicoterapia, através do uso da persuasão verbal (“tu
consegues”) e da modelagem. A aprendizagem observacional é outro fator
importante na teoria de Bandura, que enfatiza que a aprendizagem é obtida
através da observação do comportamento dos outros, tendo demonstrando este
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tipo de aprendizagem através dos estudos da boneca Bobo. Quanto ao


determinismo recíprocal, que constitui uma inovação, consiste numa análise de
como as pessoas moldam os seus ambientes e como, em certas circunstâncias,
escolhem os ambientes que as influenciam -interação pessoa-ambiente ativa.

Defenda um “self-system” que se desenvolve, tendo efeitos no comportamento


independentemente do ambiente. Bandura descreveu como o comportamento
molda o ambiente – acaba por ser uma interação entre o que defende os
behavioristas e o que defendem os humanistas – isto é, as causas do que
fazemos não estão somente no mundo nem somente na mente, resultam da sua
interação.

Tendo por base os estudos realizados por Bandura, foram aprofundados estudos
no âmbito da aprendizagem social cognitiva, com destaque para Walter Mischel.

A abordagem de Mischel combina duas ideias importantes: é fenomenológica –


a interpretação individual do mundo é importante – e vê o pensamento como um
processo simultâneo em múltiplas “tracks” que intersectam ocasionalmente.

Assim, surge a teoria do sistema de personalidade cognitivo-afetiva. Segundo


sua teoria, o aspeto mais importante dos vários sistemas da personalidade e
cognição é a sua interação – interação entre sistemas. A personalidade vista
como “um sistema estável que medeia como o indivíduo seleciona, constrói e
processa as informações sociais e gera comportamentos sociais”. As diferenças
individuais na personalidade derivam de variáveis cognitivas: competências de
construção cognitivo-comportamental; estratégias de codificação e construções
pessoais; valores de estímulo subjetivo e sistemas e planos autorreguladores.

Posteriormente foi adicionada uma nova variável: afetos ou sentimentos e


emoções, visto que estes afetam o processamento de informações e o “coping
behavior”. As contingências “Se e então” constituem outro aspeto da teoria de
Mischel. Surgem como substitutas dos traços de personalidade, pois para o autor
são mais benéficas porque são mais específicas e mais sensíveis às mudanças
de comportamento tendo em conta as variadas situações.
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As abordagens de Aprendizagem para a Personalidade trouxeram contribuições


e também algumas limitações. Como contribuições temos o facto de os teóricos
de aprendizagem reconheceram que o comportamento depende do ambiente e
lembram-nos de como os ambientes físicos e sociais e as situações específicas
causam o que fazemos e moldam o que somos. Quanto às limitações, surge, por
exemplo a questão acerca da durabilidade e generalização dos efeitos das
terapias comportamentais das fobias, vícios, etc. É importante ter em conta que
as pessoas e os comportamentos são árduos de mudar.

Capítulo 16
O self: o que sabemos sobre nós próprios?
O “eu” e o “me”

O Self pode ter dois significados diferentes, o “eu” e o ``me'', apesar de estes
serem facilmente confundidos na prática (William James, 1890; citado por
Funder, 2016, p. 585). O “me” é considerado uma espécie de objeto, que pode
ser observado e descrito, como uma coleção de declarações que cada pessoa
pode fazer de si própria. Exemplificando, quando alguém se descreve como
“amigável” ou diz que tem “1.70m de altura”. Por outro lado, o “eu” é a entidade
que faz a observação e a descrição, sendo considerado como a pequena pessoa
na cabeça, podendo ser chamado de homúnculo ou mesmo alma, que
experimenta a vida e faz as decisões (Klein, 2012; citado por Funder, 2016, p.
586), sendo também relevante para a personalidade porque as pessoas diferem
no seu grau de autoconsciência (Robins, Tracy & Trzesniewski, 2008; citados
por Funder, 2016, p. 587).

O carácter evidente da autoconsciência é, de facto, muito ilusivo, fazendo-nos


reparar na seguinte situação: encontra-se atualmente entre dois espelhos, com
cada imagem a ver-se, de modo que à medida que o eu se olha a si próprio, logo
se confunde quanto ao eu que está a fazer o olhar e ao eu que está a ser olhado.
O eu que está a fazer o olhar é, assim, o “eu” (consistindo no “eu ontológico”) e
o que está a ser olhado é o “me” (“eu epistemológico”), (Hilgard, 1949; citado pro
Funder, 2016, p. 587).
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Para além do referido, psicólogos não conseguem dizer muito mais acerca do I,
sendo que a investigação recente tem muito mais a dizer sobre o Me (Funder,
2016, p. 587).

Os Conteúdos e Finalidades do Self

William James acreditava que o nosso “me” não incluía apenas as nossas
características de personalidade, mas também o nosso corpo, a nossa casa, os
nossos bens e até mesmo os membros da nossa família (James, 2008; citado
por Funder, 2016, p. 586).

No entanto, o aspeto central deste é a natureza psicológica de cada um: as


capacidades e, especialmente, as personalidades. Por exemplo, se alguém se
considera “talentoso”, isto é importante por várias razões: a autoimagem e a
necessidade de manter essa consideração pode influenciar o comportamento e
organizar assim uma vasta gama de memórias, bem como impressões e
julgamentos de outras pessoas (Funder, 2016, p. 587).

Esta organização do conhecimento é uma das funções importantes do “me”. De


facto, o psicólogo Richard Robins e colegas (2008) propõem que este tenha
quatro trabalhos importantes: o primeiro é a autorregulação (a capacidade de
conter os impulsos e manter o foco nos objetivos a longo prazo); o segundo
objetivo é como um filtro de processamento de informação (que nos guia a
concentrarmo-nos e a recordar a informação que realmente interessa,
mantendo-a organizada); o terceiro é ajudar no relacionamento interpessoal e o
quarto é o objetivo de identidade (para sabermos quem somos, onde nos
encontramos – como em que família, sociedade, comunidade), (Robins et. al.,
2008; citado por Funder,2016, p. 587).

Porém, parte da nossa identidade é a “história de vida” que contamos a nós


próprios, sobre nós próprios, sendo o autoconhecimento o fornecedor de um
marcador interno no mapa que nos diz “estás aqui” (McAdams e McLean, 2013;
citados por Funder, 2016, p.587).

O autoconhecimento, por sua vez, pode ser dividido em dois tipos: o


conhecimento declarativo, que consiste nos factos e impressões que
conscientemente conhecemos e podemos descrever, e o conhecimento
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processual, que é expresso através de ações em vez de palavras, incluindo


padrões de capacidades sociais, estilos de relacionamento com os outros que
compreendem o eu relacional e o autoconhecimento inconsciente que reside no
“eu implícito” (Funder, 2016, p. 587).

O Self Declarativo

O Self declarativo compreende dois tipos de conhecimentos ou opiniões que se


tem acerca dos próprios traços de personalidade. O primeiro consiste na opinião
própria e geral sobre se se é uma pessoa boa ou má, digna ou indigna (ou algo
no intermédio) consistindo na Autoestima. O segundo tipo é mais detalhado
contendo tudo o que se sabe ou se pensa saber sobre a própria pessoa, podendo
este tipo de autoconhecimento estar correto ou errado (Funder, 2016, p. 588).

Auto-estima

Uma grande quantidade de investigação sugere que a baixa autoestima está


correlacionada com resultados como insatisfação com a vida, falta de esperança
e depressão (Crocker & Wolfe, 2001; Orth, Robins & Roberts, 2008; citados por
Funder, 2016, p. 588), bem como solidão (Cutrona, 1982; citado por Funder,
2016, p. 588) e delinquência (Donnellan, Trzesniewski, Robins, Moffitt & Caspi,
2005; Trzesniewski et al., 2006; citados por Funder, 2016, p. 588), também
parecendo causar resultados incluindo menos satisfação com as relações e
menor satisfação com a carreira (Orth et al, 2012; citado por Funder, 2016, p.
588), podendo ser literalmente um “sinal de perigo” e um aviso de rejeição ou
mesmo exclusão social (Funder, 2016, p. 588).

De facto, países cujas pessoas têm uma autoestima mais baixa, em média,
também têm taxas de suicídio mais elevadas (Chatard et al.,2009; citado por
Funder, 2016, p. 588). Contrariamente, a elevada autoestima pode indicar
sucesso e aceitação (Funder, 2016, p. 588). Apesar disto, tentativas de reforçar
a autoestima podem ter um efeito contrário. A psicóloga Joanne Wood e colegas
argumentam que declarações como “todos os dias, em todos os momentos em
todas as maneiras, estou me a tornar melhor e melhor”, são potencialmente
perigosas, porque se a pessoa que as diz achar que são demasiado extremas
para serem plausíveis, o que era suposto melhorar a autoestima da pessoa em
questão, pode ainda fazer pior (Funder, 2016, p. 590).
Capítulos PP (2020/2021)

Por outro lado, uma autoestima demasiado elevada pode levar a


comportamentos arrogantes, abusivos e até criminosos (Baumeister, Smart &
Boden, 1996; Colvin, Block & Funder, 1995; citados por Funder, 2016, p. 589),
podendo ainda estar na base de características como o “narcisismo” que, quando
extrema, pode representar uma desordem da personalidade, que é tanto
perigoso para o sujeito que a tenha como para as pessoas em seu redor (Funder,
2016, p. 589).

Concluindo, quando se trata de autoestima, promover a saúde psicológica requer


algo mais complexo do que simplesmente tentar fazer com que todos se sintam
melhor consigo próprios (Swann, Chang-Schneider & McClarty, 2007; citados
por Funder, 2016, p. 589). Sendo ainda de salientar que o aspeto mais
importante da opinião que cada pessoa tem de si própria não é se é “bom” ou
“mau”, mas o grau em que é preciso (Funder, 2016, p. 589).

O Auto-esquema

Alguns psicólogos teorizam que o “eu declarativo” reside numa estrutura


cognitiva chamada Auto-esquema, que inclui todas as ideias sobre o “eu”
organizadas num sistema coerente (Markus, 1977; citado por Funder, 2016, p.
590). Este auto-esquema consiste então num sistema de memória onde as
pessoas que querem responder a questões sobre a sua personalidade, por
exemplo, acedem. Pode ser identificado tanto utilizando dados S (que consistem
em dados de auto-relato, como quando se responde a um questionário sobre
nós próprios) ou utilizando dados B (que consistem em observações de
comportamento através, por exemplo de tempos de reação), (Funder, 2016, p.
590).

Exemplificando, um dos primeiros estudos identificou estudantes universitários


que eram “esquemáticos para” (ou seja, tinham auto-esquemas relativos a)
traços de dependência e sociabilidade, pedindo-lhes simplesmente que se
classificassem a si próprios numa série de escalas (Markus, 1977; citado por
Funder, 2016, p. 590). Se estes dados S indicassem que um estudante se
classificou como extremamente sociável e que também classificou a sua
sociabilidade como importante, então era considerado que o estudante em
questão apresentava um auto-esquema para essa característica, e, caso
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contrário era considerado como não tendo auto-esquema para essa


característica (ou aschmatic). Os dados B, por sua vez, eram tempos de reação,
sendo que os estudantes considerados “esquemáticos” para determinada
característica respondiam mais rapidamente a traços relevantes do que os que
não apresentavam auto-esquema (Fuhrman & Funder, 1955; Markus, 1977;
citados por Funder, 2016, p. 590).

Assim sendo, uma implicação deste estudo é que a autovisão pode ter
consequências importantes na forma como se processa informação. Como
salientado pela psicóloga de personalidade cognitiva Nancy Cantor (1990), ter
um auto-esquema para um traço de personalidade como a sociabilidade, a
responsabilidade ou timidez equivale a ser um “perito” nessa área. Pesquisas
relacionadas em outras áreas da psicologia cognitiva demonstraram ainda que
peritos em qualquer domínio do xadrez ou da engenharia mecânica teriam
facilidade em se lembrar rapidamente de informações relevantes para o seu
domínio de especialização, porém que também tem a consequência de poder
limitar a visão do mundo dessa pessoa. Da mesma forma, os conhecimentos que
cada pessoa tem sobre si mesma podem ajudar a lembrar-se de muita
informação útil sobre si e a processar essa informação rapidamente, mas
também podem impedir a pessoa em questão a ver para além dos limites da sua
própria auto-imagem (Chase & Simon, 1973; Larkin, McDermott, Simon & Simon,
1980; citados por Funder, 2016, p. 591).

O auto-esquema encarna assim o conhecimento baseado na experiência


passada, mas não em qualquer experiência passada em particular. O que nos
leva à seguinte questão: “O que aconteceria se de alguma forma se esquecesse
de todas as ocasiões em que foi gentil, se elas fossem literalmente apagadas da
sua memória? Será que a sua auto-avaliação mudaria?” (Funder, 2016, p. 592).
Analisaremos um estudo de caso para que possamos responder: “Como
resultado de um ataque cardíaco que cortou o acesso de oxigénio ao cérebro,
um homem de 78 anos perdeu quase toda a sua memória de acontecimentos
específicos da sua vida. No entanto, ele ainda tinha um conhecimento geral de
si mesmo que concordava com as impressões de outros que o conheciam bem”
(Klein, Rozendal & Cosmides, 2002; citados por Funder, 2016, p. 593). Isto
permite demonstrar que uma vez formada a impressão de como se é, esta não
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depende da memória para situações específicas que se fizeram. Sendo que


estas duas bases de autoconhecimento podem existir independentemente em
setores separados do cérebro (Klein & Lax, 2010; Lieberman et al., 2004; citados
por Funder, 2016, p. 593).

Autorreferência e Memória

Outra indicação das raízes profundas do Self é as suas implicações para a


memória.

Uma velha teoria sugeria que se se repetisse algo muitas vezes na mente, tal
ensaio era suficiente para mover a informação para a memória a longo prazo
(LTM), porém, pesquisas posteriores, mostraram que a melhor maneira de obter
este tipo de memória é pensar realmente sobre aquilo de que se quer lembrar,
como pensar numa forma de o relacionar especificamente connosco próprios
(Craik & Tulving, 1975; Craik & Watkins, 1973; citados por Funder, 2016, p. 593).
Ou seja, a melhor forma de obter uma memória a longo prazo é relacionar a
informação com o self, sendo isto chamado de efeito de auto-referência, e tendo
uma área particular do córtex frontal do cérebro que pode ser especializada para
processar este tipo de informação (Heatherton, Macrae & Kelley, 2004; citados
por Funder, 2016, p. 593).

Este efeito de auto-referência explica então porque é que as memórias mais


significativas de cada pessoa duram mais tempo na memória (Funder, 2016, p.
593).

Importante notar, no entanto, que como o conceito do Self pode ter implicações
diferentes em culturas diferentes, é possível que o efeito de auto-referência
também possa funcionar de forma diferente (Funder, 2016, p. 594).

Auto-eficácia

A auto-eficácia diz respeito à confiança que uma pessoa tem na sua própria
capacidade de concretizar algo (Bandura), é influenciada pela visão que cada
pessoa tem de si e está associada às normas e padrões da sociedade que, por
sua vez, são extremamente importantes podendo ser devastadores no sentido
em que podem limitar as escolhas de determinadas pessoas (Markus & Nurius,
1986; citados por Funder, 2016, p. 594). Por exemplo, as mulheres tendem a ter
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menos escolhas na profissão que vão exercer, porque é socialmente aceite e


repetido que algumas profissões são apenas para homens e nunca para
mulheres. Outro exemplo bastante relevante são as mulheres da Arábia Saudita
que, até à pouco tempo atrás, estavam proibidas de tirar a carta de condução,
porque a condução das mulheres é alegadamente mais perigosa do que as dos
homens. Ou seja, tal como referido por Bandura, as crenças que temos sobre as
nossas capacidades estabelecem o limite do que vamos fazer (mesmo que
essas crenças sejam cultivadas por terceiros, como a sociedade).

Selves Possíveis

Será que a pessoa que somos é a única pessoa que podemos ser? Segundo
Funder (2016), a resposta é que provavelmente não. E por isso mesmo, alguns
psicólogos estudaram “possíveis eus”, as imagens que temos ou podemos
construir das formas que poderíamos ser. Sendo um facto que o possível “eu”
que se imagina para o próprio futuro pode afetar os objetivos de vida de cada
um, como as preferências de emprego ou mesmo do companheiro de vida que
pode derivar, até certo ponto, do que os próprios esperam para o futuro (Funder,
2016, p. 595).

Para além disto, é importante refletir que as pessoas, em geral, reconhecem ter
mudado no passado, mas não esperam que a sua personalidade venha a mudar
muito no futuro (Funder, 2016, p. 595).

Teoria da Auto-discrepância

De acordo com a teoria da Auto-discrepância, cada pessoa tem não um, mas
dois “eus” desejados e a diferença entre estes e o “eu” real determina como a
pessoa se sente (Higgins, Bond, Klein & Strauman, 1986; Higgins, Roney, Crowe
& Hymes, 1994; citados por Funder, 2016, p. 596). Um dos “eus” desejados é o
Self ideal,que consiste na visão do que poderia ser no seu melhor (por exemplo,
uma imagem como sendo tão bonito como um determinado modelo) e o outro é
o Self normativo, que se trata da visão do que deve ser, ao contrário do que
gostaria de ser (como a imagem de ser alguém que nunca, em situação alguma,
diz uma mentira). Porém, tanto o self ideal como o Self normativo são,
normalmente, bastante irrealistas, mas a discrepância entre o “eu real” e cada
Capítulos PP (2020/2021)

um destes “eus desejados” tem consequências diferentes, de acordo com esta


teoria (Funder, 2016, p. 596).

Assim sendo, na medida em que não se consegue atingir o Self ideal fica-se
deprimido e na medida em que não se consegue atingir o Self normativo fica-se
ansioso.

Segundo o teórico Tory Higgins (1997), estas reações diferem porque os dois
“eus” não reais representam focos diferentes da vida: o Self ideal é baseado na
recompensa reestimula a hipótese do sistema Gode Jeffrey Gray, onde a
concentração da vida é na busca de prazeres e recompensas; enquanto que o
Self normativo é baseado na punição e se assemelha ao sistema Gray ś Stop,
enfatizando o evitar de castigos e maus resultados (Tory Higgins, 1997; citado
por Funder, 2016, p. 596).

Todos os seres humanos possuem, no entanto, ambos estes tipos de “eus


desejados”, o que difere, na perspetiva de Higgins (1997), é a forma como são
equilibrados. Ou seja, se alguém perseguir principalmente a recompensa,
poderá entristecer mais facilmente; enquanto que se alguém evitar
principalmente o castigo, terá uma maior probabilidade de ficar ansioso; o que
permite concluir que a raiz da depressão é a desilusão e a da ansiedade é o
medo (Funder, 2016, p. 596).

Autoconhecimento exato

O autoconhecimento pode ser consonante ou não consonante com a avaliação

extrema. Exemplificando, uma pessoa pode achar que é bondosa, mas as


pessoas que a conhecem terem uma opinião completamente contrária. O
autoconhecimento exato tem sido, então, considerado desde há muito tempo
uma marca da saúde mental (Jahoda, 1958; Rogers, 1961; citados por Funder,
2016, p. 597) por duas razões.

Em primeiro lugar, pessoas saudáveis, seguras e sensatas o suficiente para


verem o mundo tal como ele é, sem necessidade de o distorcer, tenderão
também a ver-se a si próprias com mais precisão. Em segundo, uma pessoa com
um autoconhecimento preciso está em melhor posição para tomar as melhores
decisões para a sua vida (Vogt & Colvin, 2005; citado por Funder, 2016, p. 597).
Capítulos PP (2020/2021)

Mas como obtemos um autoconhecimento preciso? Este processo é delineado


pelo Modelo de Precisão Realista (RAM; Funder, 1995, 2003,2016, p. 597).

De acordo com este modelo, é possível obter um conhecimento exato da


personalidade de qualquer pessoa através de um processo em quatro fases:
primeiro, a pessoa deve fazer algo relevante para o traço estudado; em segundo,
a informação deve estar disponível para o juíz; terceiro, o juiz deve detetar esta
informação e em quarto o juiz deve utilizar a informação corretamente (sendo
que, inicialmente, este modelo foi desenvolvido para explicar a exatidão dos
julgamentos de outras pessoas). Porém, no fundo, acabamos por nos conhecer
a nós próprios como conhecemos outras pessoas (Bem ,1972; citado por Funder,
2016, p. 597).

Assim, se se tiver plena consciência do que se faz, e se houver uma


interpretação das próprias ações é possível termos conhecimento preciso sobre
nós próprios, o que não é necessariamente fácil, podendo também mudar com
o tempo (Funder, 2016, p. 597).

A clareza do auto-conceito aumenta entre a fase adulta jovem e a meia-idade, à


medida que as pessoas vão aprendendo mais sobre si e acumulando memórias,
mas pode tornar-se novamente menos claro à medida que as idades mais velhas
se vão instalando, quando começam a acontecer diversas mudanças físicas,
mentais e principalmente quando nos vamos tornando cada vez menos capazes
de participar na vida da comunidade (Lodi-Smith & Roberts, 2010; citados por
Funder, 2016, p. 597).

Auto-conhecimento versus Conhecimento dos Outros

Conhecermo-nos a nós próprios pode ser mais difícil do que conhecer outra
pessoa qualquer. Porém, a investigação indica que temos melhor perceção da
nossa experiência emocional pessoal do que qualquer outra pessoa (Spain et al,
2000; citado por Funder, 2016, p. 598). No entanto, quando se trata do
comportamento evidente, o cenário é bastante diferente. E isto verifica-se por
ser mais fácil de analisar o comportamento de outra pessoa, comparando o que
a pessoa faz com o que outras fazem na mesma situação (Funder, 2016, p. 598).
Capítulos PP (2020/2021)

Tomemos como exemplo o caso de alguém que se encontra numa fila do


aeroporto. Quando chega a sua vez de ser atendida, o funcionário é rude e
apressado mas a pessoa contém-se e mal tem tudo segue o seu caminho sem
sequer fazer nenhum comentário. Nesta situação, não teríamos grande coisa a
dizer sobre a nossa personalidade, porque apenas teríamos feito o que
achávamos mais apropriado. No entanto, se nos encontrássemos na mesma fila
e víssemos a reação de outras duas pessoas (uma que simplesmente ignorou a
atitude do funcionário e outra que se revoltou completamente com a antipatia do
mesmo) já teríamos uma ótima possibilidade de comparar as personalidades das
duas, devido às diferentes reações ao mesmo estímulo (Funder, 2016, p. 598).

Resumidamente, um dos grandes mal-entendidos que muitas pessoas têm sobre


o seu próprio comportamento é que ele é a resposta natural à situação e que,
portanto, “não teria podido fazer mais nada”. O mesmo sucede, por exemplo, em
pessoas alcoólicas e em pessoas com distúrbios de personalidade, que veem os
seus sintomas de forma diferente do que os veem as pessoas à sua volta,
(Thomas, Turkheimer & Oltmanns, 2003; citados por Funder, 2016, p. 599). Da
mesma forma que pessoas alcoólicas não conseguem na maior parte dos casos
reconhecer o seu problema, o seu vício, outros indivíduos podem ser igualmente
“cegos” às suas qualidades positivas ou atos considerados como "heróicos" por
outros. É o caso, por exemplo, de Lenny Skutnik que, após um avião coberto de
gelo ter mergulhado no rio Potomac em Washington, e este ter visto um dos
sobreviventes a escorregar na água, mergulhou salvando a mulher, ao contrário
de todas as outras pessoas que se encontravam no local a assistir, ficando
depois relutante com os louros que recebeu, justificando que apenas agiu sem
pensar quando viu alguém em necessidade, tal como outra pessoa qualquer faria
(Funder, 2016, p. 600).

De qualquer das formas e ocasionalmente, pode ser possível termos a opinião


de um forasteiro sobre os nossos próprios comportamentos e sobre nós. Uma
dessas ocasiões é quando usamos a nossa memória para fazer o levantamento
de alguns comportamentos passados e de como estes podem diferir do de outras
pessoas com personalidades diferentes na mesma situação. Ou seja, o tempo
pode dar uma perspetiva diferente sobre cada um à própria pessoa (Funder,
2016, p. 601).
Capítulos PP (2020/2021)

O objetivo da psicoterapia é, muitas vezes, tentar também obter uma visão ampla
do seu próprio comportamento para se descobrir onde se encontram os pontos
fortes e fracos (Funder, 2016, p. 601).

Melhorar o Autoconhecimento

De que forma podemos melhorar o nosso conhecimento sobre nós próprios?


Existem três vias básicas. A primeira pode ser através da introspeção ao
olharmos para a nossa própria mente e compreendermos quem somos. A
segunda, através do feedback de outras pessoas e a terceira, através da
observação do próprio comportamento, tentando tirar conclusões acerca dos
mesmos como se de uma terceira pessoa se tratasse (Bem, 1972; citado por
Funder, 2016, p. 601).

Em termos de RAM, a introspeção seria incluída na quarta e última fase, de


utilização (que enfatiza a importância da memória exata e da avaliação honesta
do seu comportamento). A segunda e a terceira fases, disponibilidade e deteção,
enfatizam a informação que poderá passar através de outras pessoas, tanto
diretamente como indiretamente (através da leitura de indicadores subtis e não
verbais dos que as pessoas pensam sobre nós). Na primeira fase, da relevância,
encontram-se ainda algumas das implicações mais importantes do RAM, sendo
que apenas nós conseguimos avaliar dependendo da relevância das situações
experimentadas (Funder, 2016, p. 601, 602).

Por outro lado, o autoconhecimento também pode ser limitado pela família e pela
cultura (Funder, 2016, p. 602).

O Self Processual

A personalidade não é apenas algo que se tem, é também algo que se faz. Os
aspetos únicos do que se faz compreendem o eu processual e o conhecimento
deste eu tem tipicamente a forma de conhecimento processual (Funder, 2016, p.
602).

O conhecimento processual é o conhecimento de uma classificação especial –


não está consciente do conhecimento em si e geralmente não pode explicá-lo
bem, como por exemplo o conhecimento de andar de bicicleta, sendo algo que
apenas se aprende através da prática (acompanhado da receção de algum
Capítulos PP (2020/2021)

feedback) e não por explicações orais. Tal como andar de bicicleta, as


competências sociais também são assim, devendo ser adquiridas através da
prática. O eu processual é assim constituído pelos comportamentos através do
qual se exprime quem se pensa que se é, sendo o seu funcionamento pouco
acessível a uma consciência “consciente” (Funder, 2016, p. 603).

Selves Relacionais

Um aspeto do eu processual que tem recebido particular atenção da investigação


é o auto-esquema relacional, que supostamente se baseia em experiências
passadas que orientam a forma como nos relacionamos com cada uma das
pessoas importantes nas nossas vidas (Baldwin, 1999; citado por Funder, 2016,
p. 604).

A maioria desses padrões de relacionamento com outras pessoas estão


profundamente enraizados, sendo difíceis de mudar. A teoria do apego
(Mikulincer & Shaver, 2003; Sroufe et al, 1993; citados por Funder, 2016, p. 604)
e a mais recente auto-teoria relacional (Andersen & Chen, 2002; citados por
Funder, 2016, p. 604) concordam que muitos guiões para o relacionamento com
os outros são estabelecidos cedo na vida (Funder, 2016, p. 604).

Mais tarde, através de transferência, podemos dar por nós a responder a novas
pessoas muito semelhantes a outras do nosso passado, sendo que é possível
que alguém que fosse intimidado pelo seu pai, fosse agir de forma semelhante
com o seu chefe masculino (Funder, 2016, p. 604).

Selves Implícitos

Em muitos casos, estes padrões de comportamento auto-relevantes não são


facilmente acessíveis à consciência (Funder, 2016, p. 604). Ao contrário do auto-
esquema, que é geralmente assumido como sendo cientificamente acessível e
que pode ser medido em questionários simples, os Selves relacionais e outros
aspetos implícitos do conceito de si próprio podem funcionar inconscientemente
(Greenwald et al, 2002; citado por Funder, 2016, p. 604). Nesse caso, como
podem ser medidos? O psicólogo Anthony Greenwald e colegas inventaram um
método chamado IAT ou “Teste de Aplicação Implícito”, que consiste numa
medida do tempo de reação, em que só participantes são convidados a carregar
Capítulos PP (2020/2021)

num de dois botões o mais rapidamente possível, dependendo de qual de 4


conceitos lhes é afixado. Num estudo de autoestima implícita, os quatro
conceitos “bom”, “mau”, “eu” e “não eu”. Antes do início do estudo, o
experimentador obteve 18 palavras autodescritivas de cada assunto (“eu”) e
outras 18 não auto-descritivas (“não eu”), tendo também reunido listas
separadas de palavras agradáveis (“bom”) e de palavras desagradáveis (“mau”).
Após isso o estudo poderia começar e, na primeira parte, foi pedido aos
participantes que carregassem no botão A se uma palavra “eu” ou “boa” fosse
exibida e no botão B se fosse uma “não eu” ou “má”. Na segunda parte os
emparelhamentos foram trocados, sendo necessário carregar no botão A caso
aparecesse uma palavra “eu” ou “má” e no B se aparecesse uma “não eu” ou
“boa”. A lógica é que, para alguém com autoestima elevada, as reações
deveriam ser mais fáceis e mais rápidas na primeira parte do estudo do que na
segunda, uma vez que para alguém com autoestima elevada, “bom” e “eu” estão,
geralmente, implicitamente associados no inconsciente cognitivo, tal como “mau”
e “não eu”. Porém, quando se trata de alguém com baixa autoestima, as
associações “bom” com “eu” e “mau” com “não eu” podem ser mais fracas ou
mesmo encontrarem-se invertidas. Assim sendo, o estudo resultou,
demonstrando que pessoas com uma autoestima mais elevada tinham um tempo
de reação menor na primeira parte do estudo, enquanto que pessoas com uma
menor autoestima demonstravam uma diferença menor ou mesmo contrária dos
tempos de reação entre a primeira e a segunda parte do estudo (Greenwald &
Farnham, 2000; citados por Funder, 2016, p. 605). Tornou- se, então, implícita a
autoestima, tal como outros atributos implícitos do eu como estereótipos e
atitudes (Funder, 2016, p. 605).

Estas conclusões mostram que podemos ter atitudes e sentimentos sobre muitas
coisas, incluindo sobre nós próprios, das quais não estamos inteiramente
conscientes, mas que, no entanto, podem influenciar as nossas emoções e
comportamentos. Na medida em que isto é, de facto, verdade, alguns dos nossos
padrões cognitivos que guiam o nosso comportamento estão de facto
profundamente enraizados (Funder, 2016, p. 606).

Adquirir e Modificar o Conhecimento Processual


Capítulos PP (2020/2021)

Pode o autoconhecimento ser alterado? A resposta é, de facto, sim. Porém, o


conhecimento implícito e os padrões de comportamento associados consistem
em conhecimento processual, pelo que mudá-los requer mais do que conselhos,
palestras ou mesmo boas intenções conscientes de mudança. O conhecimento
processual só pode ser adquirido ou alterado através da prática, mais
especificamente, através da prática e da receção de feedback (Funder, 2016, p.
606).

Assim sendo, um psicoterapeuta que tenta ajudar um paciente a mudar algum


comportamento pode então agir em conformidade com isto. Tendo em primeiro
lugar, de motivar o paciente a praticar a mudança de comportamento desejada
e em segundo, fornecer feedback sobre a forma como o mesmo se está a sair.
De qualquer das formas, uma pessoa que queira alterar um comportamento ou
um conhecimento processual deve ter a coragem de mudar o respetivo
comportamento relevante e lentamente mas com segurança, começando a
acumular experiências compensatórias que eventualmente gerem um novo estilo
de comportamento e uma nova perspetiva de vida. Com prática suficiente,
poderá mesmo então ser capaz de alterar a sua personalidade (Funder, 2016, p.
607).

Quantos Selves?

De acordo com alguns teóricos, não se tem um “eu” declarativo e processual,


mas sim muitos “eus”. Exemplificando, de acordo com uma teoria de Markus e
Kunda (1986), o subconjunto particular de si próprio que é ativo na memória de
trabalho e que tem efeitos conscientes e inconscientes no comportamento em
qualquer momento depende de onde se está e com quem se está, podendo a
experiência de si próprio mudar de momento para momento. Esta visão do eu
em constante mudança é chamada de autoconceito de trabalho e a teoria por
detrás da mesma afirma que uma pessoa se caracteriza não por um, mas por

muitos eus: em situações diferentes, com pessoas diferentes, surgem eus


diferentes (Markus & Kunda, 1986; citados por Funder, 2016, p. 607).

Apesar deste ponto de vista parecer razoável, também tem os seus problemas
como o de que um sentido unitário e coerente de nós mesmos é geralmente visto
como uma marca da saúde nas pessoas, sendo que aquelas que sentem que
Capítulos PP (2020/2021)

estão a agir em conformidade com o que são, sentem-se “autênticas” e


confortáveis consigo mesmas (Kernis & Goldman, 2006; citados por Funder,
2016, p. 608). Em contraste, não se saber quem se é, ou sentir que a própria
identidade está em constante mudança ou mutação pode, nos extremos, ser
considerado como um sintoma de doenças mentais (Funder, 2016, p. 608).

Pessoas que passam por grandes transições sofrem em parte porque começam
a perder a sensação de que existe apenas um “eu”. Em geral, demasiada
diferenciação de autoconceito, definida como ver-se a si próprio como tendo
personalidades diferentes em contextos diferentes, está associada a um
ajustamento psicológico deficiente. Enquanto que, por oposição, as pessoas que
são consistentes e fáceis de julgar não só tendem a apresentar o mesmo Self
em diferentes situações, como são avaliadas pelas pessoas que as rodeiam
como estáveis e psicologicamente saudáveis (Colvin, 1993; citado por Funder,
2016, p. 608).

Esta ideia, da existência de múltiplos “eus” tem sido também criticada por razões
filosóficas. Um dos teóricos mais importantes na área da aprendizagem social,
Albert Bandura (1999), argumenta ainda que os psicólogos deveriam rejeitar “o
fracionamento da agência humana em múltiplos eus”, uma vez que este
fracionamento parece exigir um eu que decide qual o “eu” apropriado em cada
situação e porque esta situação também levanta a questão de que “assim que
se começa a fracionar o eu, onde se pára?”. O ponto de vista de Bandura é que
não há forma de decidir. Embora possamos parecer pessoas diferentes ou
empresas diferentes, cada um de nós é, no final, apenas uma pessoa que
interpreta a experiência e decide o que fazer a seguir (Bandura, 1999; citado por
Funder, 2016, p. 609).

O Self verdadeiramente real

Tal como Bandura observou, por baixo de todos os “eus” reais, ideais e
relacionais ainda parece que, no fundo, exista apenas um “eu” a dirigir toda a
vida. Desta forma, aparências externas, atitudes e comportamentos mudam
através das situações e com o evoluir do tempo, mas aquela que passa pelas
experiências e que faz as decisões continua sempre o mesmo, observando tudo
(Klein, 2012; citado por Funder, 2016, p. 609). Assim, a perceção de se ser a
Capítulos PP (2020/2021)

mesma pessoa persiste durante toda a vida, podendo permanecer intacta apesar
de danos cerebrais, perda de memória e mesmo esquizofrenia (Klein, Altinyazar
& Metz, 2013; citados por Funder, 2016, p. 609).

Será então o I um simples espectador passivo, que parece existir mas que não
pode realmente influenciar muita coisa, ou será este observador interior, o eu
realmente real, a “alma” e a base do livre arbítrio? (Funder, 2016, p. 609).

Capítulo 17
Personalidade, saúde mental e física

Todos nós somos diferentes, é assim que começa o 17o capítulo do livro “The
Personality Puzzle” escrito por Funder (2015). Este capítulo retrata as sérias
implicações
que a personalidade tem sobre a saúde física.
Quando determinados aspetos da personalidade se tornam extremos são
denominados como Perturbações da Personalidade – traços considerados
“socialmente indesejáveis”. Indivíduos com perturbações da personalidade são,
ainda hoje, frequentemente, olhados de lado e postos de parte pela sociedade.
Apesar de ser difícil especificar o ponto exato em que uma variação normal da
personalidade passa a ser considerada patológica é importante termos a noção
de que estas perturbações são reais e por detrás delas existem pessoas a sofrer
(Funder, 2015). Uma pesquisa estimou que cerca de 15% dos adultos
americanos têm pelo menos uma perturbação da personalidade (B. F. Grant et
al., 2004).

O Manual de Diagnóstico e Estatística (DSM)

No início do séc. XIX, Philippe Pinel identificou aquilo a que chamou mania sem
delírio (manie sans delire) (Funder, 2015).
A primeira edição do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações
Mentais foi elaborada pela APA (American Psychiatric Association), em 1952.
Este incluía a lista e a descrição da maioria das perturbações da personalidade
conhecidas até à data, bem como outras doenças psicológicas (Funder, 2015).
Capítulos PP (2020/2021)

O mais recente Manual de Diagnóstico e Estatística, o DSM-5, também


elaborado pela APA, em 2013, aborda as perturbações da personalidade de
duas formas.
A primeira, trata-se de uma forma tradicional que é seguida por muitos clínicos
e a segunda, trata-se de uma forma que parece ter um maior fundamento
científico (Funder, 2015).

O DSM tem dois grandes objetivos, fazer com que os diagnósticos psicológicos
sejam mais objetivos, através do estabelecimento de uma lista precisa de
critérios e
permitir a identificação exata de uma perturbação, para garantir ao paciente a
responsabilidade de diagnóstico assegurada pelos seguros de saúde (Funder,
2015).

Características das Perturbações da Personalidade

Em 1923, Kurt Schneider definiu duas características acerca das perturbações


da personalidade. A primeira é que a pessoa exibe um grau extremo de uma ou
mais características da personalidade. Essa variação é incomum considerando
o contexto cultural. Freud acreditava que os extremos de qualquer dimensão
eram patológicos pois a sanidade estaria sempre algures no meio. O
comportamento extremo é sinal de uma perturbação se resultar de uma negação
ou distorção da realidade. O segundo critério fundamental para uma perturbação
da personalidade é que o padrão de comportamento extremo associado causa
grandes problemas para a pessoa e/ou para os outros (Funder, 2015).
Habitualmente, uma perturbação da personalidade causa não só algum grau de
sofrimento para a pessoa que a tem, mas também para os outros, como os
familiares, colegas de trabalho e amigos que têm de lidar com os resultados
(Heim & Westen, 2005; Yudofsky, 2005).

As perturbações da personalidade têm mais três características, que apesar de


não serem tão fundamentais como as duas anteriores, são geralmente vistas
como parte do padrão. A primeira é que são sociais, manifestam-se em
interações com outras pessoas. A segunda é que são estáveis, podem tornar-se
Capítulos PP (2020/2021)

visíveis na adolescência ou até mesmo na infância e persistir ao longo da vida


(Funder, 2015). A mudança pode ocorrer, mas geralmente demora anos
(Zanarini, 2008). Uma possível melhoria está associada, geralmente, a
aumentos da maturidade psicológica (Wright, Pincus, & Lenzenweger, 2011).
Por serem estáveis são difíceis de mudar através da intervenção terapêutica ou
mesmo através de outros meios (Ferguson, 2010). A terceira é que podem ser
ego- sintônicas, o que significa que as pessoas que as têm não percebem que
algo de errado se passa com elas (Funder, 2015).

As Principais Perturbações da Personalidade

A secção tradicional do DSM-5 lista as 10 principais perturbações da


personalidade que por serem tão extremas podem causar sérios problemas.
Estas estão organizadas em 3 grupos, o A, o B e o C.
As perturbações do grupo A são caracterizadas por padrões estranhos ou
excêntricos de pensamento. Este grupo inclui as perturbações da personalidade
esquizotípica, esquizoide e paranoide.
O grupo B caracteriza-se por padrões de comportamento impulsivos e erráticos
e inclui as perturbações da personalidade histriónica, narcísica, antissocial e
borderline (Funder, 2015). Este grupo inclui as perturbações que tendem a ser
mais estáveis (Durbin & Klein, 2006).
O grupo C compreende as perturbações caracterizadas por estilos emocionais
ansiosos e evitativos e inclui as perturbações da personalidade dependente,
evitante e obsessivo-compulsiva (Funder, 2015).

Na nova secção do DSM-5, quatro destas perturbações foram excluídas. Estas


foram a esquizoide, a histriónica, a dependente e a paranoide (Funder, 2015).

Perturbação Esquizotípica da Personalidade

As pessoas com esta perturbação são idiossincráticas, podendo experienciar


pensamentos estranhos, ter ideias incomuns, comportar-se de forma não
convencional, ter crenças supersticiosas, apresentar-se desarranjadas,
Capítulos PP (2020/2021)

experienciar desconforto em relacionar-se com outras pessoas e dificuldade em


criar relações próximas. Nenhuma
destas características é rara, mas quando se torna extrema pode querer dizer
que o indivíduo sofre de uma perturbação esquizotípica da personalidade
(Funder, 2015).

Esta perturbação pode aproximar-se da esquizofrenia, uma condição psicótica


caracterizada maioritariamente por distorções da realidade, pensamento confuso
e alucinações (Funder, 2015).

De acordo com o DSM-5, a perturbação esquizotípica da personalidade tem uma


prevalência mundial entre 0.6% (na Noruega) a 3.6% ou 4.6% (na América). Esta
perturbação parece ser mais comum nos homens e tende a ser estável ao longo
da vida (Funder, 2015).

Perturbação Narcísica da Personalidade

As pessoas que sofrem desta perturbação transmitem uma excelente primeira


impressão, o que pode causar problemas a longo prazo (Back, Shmukle, &
Egloff, 2010;
Paulhus, 1998), aparentam ser extrovertidas, confiantes e carismáticas e têm
uma autoestima exagerada. Estas pessoas estão associadas a comportamentos
prejudiciais e a instabilidade emocional (J. D. Miller & Campell, 2008).

O indivíduo que sofre desta perturbação acredita ser superior aos outros, ele não
só espera a admiração por parte dos outros como precisa dela, espera ser
tratado de forma especial. Este pode mentir, trair ou simplesmente deixar o
trabalho difícil para os outros. Ele tem falta de empatia porque acha ser a única
pessoa na Terra que importa, é rude e arrogante desprezando as conquistas dos
outros (Funder, 2015). Hitler é considerado um exemplo clássico da perturbação
narcísica da personalidade (Murray, 1943).

Esta perturbação é muito difícil se não mesmo impossível de tratar porque, mais
do que qualquer outra perturbação da personalidade, é ego-sintônica (Funder,
Capítulos PP (2020/2021)

2015). As pessoas com perturbação narcísica da personalidade têm alguma


noção de que são arrogantes e de que as outras pessoas vão deixando de gostar
delas com o tempo (Carlson, Vazire, & Oltmanns, 2011).

As estimativas da prevalência desta doença estão entre os 0% e os 6.2% em


todo o mundo (Funder, 2015).

Perturbação Antissocial da Personalidade

Os indivíduos com uma perturbação antissocial da personalidade lidam com o


mundo enganando e manipulando os outros. Estes têm atitudes perigosas que
podem incluir vandalismo, assédio, roubo e outras atividades ilegais. As pessoas
com esta perturbação são impulsivas e envolvem-se em comportamentos de
risco como condução imprudente, abuso de drogas e práticas sexuais perigosas.
Estas são geralmente irritáveis, agressivas e irresponsáveis, consideram que a
vida é injusta (Funder, 2015).

As crianças ao cuidado de pessoas com esta perturbação encontram-se sobre


um alto risco de negligência ou abuso (Funder, 2015).

A perturbação antissocial da personalidade é por vezes confundida com a


psicopatia (Mealey, 1995), no entanto, é bastante diferente (Hare, 1996). Os
psicopatas são emocionalmente frios, desrespeitam as normas sociais e são
manipuladores. A maioria dos psicopatas satisfaz os critérios para a perturbação
antissocial da personalidade, mas o inverso já não acontece. Quando combinada
com a psicopatia, a perturbação antissocial da personalidade pode ser
particularmente perigosa (Funder, 2015).

O DSM-5 aponta para a possibilidade de existir uma relação entre a perturbação


antissocial da personalidade e o estatuo económico baixo, contudo, esta
observação suscita várias questões (Funder, 2015).

As estimativas apontam para que a prevalência desta perturbação esteja entre


os 0.2% e os 3.3% sendo mais comum nos homens (Funder, 2015).
Capítulos PP (2020/2021)

Perturbação Estado-limite (Borderline) da Personalidade

A previsibilidade faz com que seja possível lidarmos com os outros e dá-nos
senso de identidade individual. No entanto, algumas pessoas são menos
consistentes do que outras e têm pensamentos, emoções e comportamentos
imprevisíveis até para elas próprias. Quando este padrão se torna extremo a
pessoa pode ser diagnosticada com perturbação estado-limite (borderline) da
personalidade. Esta perturbação é a mais severa desta lista, sendo
caracterizada por comportamentos instáveis e confusos, baixo senso de
identidade e comportamentos autodestrutivos que vão desde comportamentos
de automutilação até ao suicídio (Funder, 2015).

O humor das pessoas que sofrem desta perturbação pode mudar rapidamente
(Gunderson, 1984). De acordo com alguns escritores, a base desta perturbação
é uma
espécie de "hemofilia emocional", em que uma reação, uma vez estimulada, não
pode
ser estancada (Kreisman & Straus, 1989).

De acordo com o DSM-5, as tentativas de suicídio são comuns nas pessoas com
esta perturbação, cerca de 8% a 10% suicida-se (American Psychiatric
Association, 2013, p.664). Vários estudos defendem que a razão principal para
estas pessoas se auto- mutilarem é como forma de alívio das emoções negativas
(Klonsky, 2011; Kloonsky & Muehlenkamp, 2007).

Muitas pessoas com esta perturbação nem sequer sabem quem são, têm
dificuldade em perceber como é que os outros as veem e podem apresentar
alguma confusão sobre os seus valores, objetivos profissionais e identidade
sexual (Funder, 2015).

As relações interpessoais que estas pessoas estabelecem são confusas,


caóticas, turbulentas, imprevisíveis e instáveis pois têm tendência a ver o outro
como 100% bom ou 100% mau, sendo incapazes de perceber que as pessoas
Capítulos PP (2020/2021)

têm um conjunto de diversas características, umas boas e outras más (Funder,


2015).

Esta é uma perturbação muito complicada, especialmente porque se caracteriza


pela ausência de padrão. A personalidade do indivíduo é confusa e
desorganizada e os resultados podem ser desastrosos ou até mesmo fatais
(Funder, 2015).

Novas teorias sobre uma possível origem desta perturbação têm sido propostas.
Uma propõe que esta perturbação surge quando um fator genético de risco se
combina com um ambiente familiar inicial que não ensina as crianças a
compreender e a regular as suas emoções (Crowell, Beauchaine, & Linehan,
2009). Outra teoria sugere que esta perturbação decorre de problemas com o
sistema opioide endógeno, que regula os analgésicos naturais do corpo
(Bandelow, Schmahl, Falkai, & Wedekind, 2010, p. 623). O desenvolvimento
mais promissor assenta nas teorias que podem realmente ajudar estas pessoas.
Uma técnica chamada “terapia comportamental dialética (Linehan, 1993) ensina
formas de autocontrolo emocional.

O DSM-5 estima que a prevalência desta perturbação seja de 2% sendo que


cerca de 75% das pessoas diagnosticas com ela são mulheres (Funder, 2015).

Perturbação Evitante da Personalidade

Todos nós, por vezes, já nos sentimos inapropriados. O medo de falhar ou de


ser rejeitado pode levar a padrões de comportamento como a timidez. Desde
que sejam moderados estes medos e padrões são normais. No entanto, quando
são vividos ao extremo caracterizam a perturbação evitante da personalidade
(Funder, 2015).

O medo de falharem, de serem criticadas ou rejeitas faz com que as pessoas


que sofrem desta perturbação evitem atividades escolares, encontros de
trabalho e certas interações com os outros. Estas esperam sempre o pior, não
Capítulos PP (2020/2021)

conseguem juntar-se a um grupo para fazer uma atividade ou ter uma relação
sem o constante medo de não serem aceites. Como resultado, os outros também
não se conseguem aproximar destas pessoas (Funder, 2015).

Os indivíduos com esta perturbação têm ânsias profundas de afeto e aceitação


social e podem passar grande parte do tempo que estão sozinhos a fantasiar
sobre como seria divertido ter amigos ou um/a companheiro/a (Funder, 2015).

As estimativas apontam que a prevalência da perturbação evitante da


personalidade ronde os 2.4%, tendo igual frequência em ambos os sexos.
Em algumas pessoas, a perturbação pode começar a manifestar-se na infância
através de uma timidez intensa e piorar gradualmente à medida que crescem
permanecendo na vida adulta (Funder, 2015).

Perturbação Obsessivo-compulsiva da Personalidade

Algumas pessoas sentem uma maior necessidade de ordem e estrutura do que


outras, mas mesmo esta característica pode ir longe demais (Carter, Guan,
Maples, Williamson & Miller, 2015). O extremo problemático é chamado de
perturbação obsessivo-compulsiva da personalidade (Funder, 2015).

As pessoas com esta perturbação para além de serem teimosas estão


vinculadas
a rituais e regras podendo tornar-se viciadas em trabalhar. Estas pessoastêm
dificuldade em tirar um fim-de-semana ou mesmo uma noite de folga porque
dizem ter muito para fazer. No entanto, raramente parecem fazer muito (Funder,
2015).

As pessoas com a perturbação obsessivo-compulsiva da personalidade podem


ser incapazes de deitar qualquer coisa fora, mesmo que essa coisa não tenha
nenhum uso possível ou valor sentimental, elas acham que um dia podem vir a
precisar dela
(Funder, 2015).
Capítulos PP (2020/2021)

Indivíduos com esta perturbação podem sofrer de uma extrema ansiedade se as


coisas não acontecerem exatamente como eles querem. Em alguns casos, esta
perturbação pode ser ego-sintônica. Algumas pessoas afirmam que gostam de
ser desta forma (Funder, 2015).

Esta perturbação é, por vezes, confundida com a perturbação obsessivo-


compulsiva (POC) - ansiedade grave caracterizada por comportamentos
compulsivos que podem variar desde lavar as mãos repetidamente a rituais
bizarros de fala ou ação. A perturbação obsessivo-compulsiva da personalidade
é diferente porque geralmente não inclui essas compulsões específicas, mas
pode ser mais abrangente porque pode afetar todas as áreas da vida de uma
pessoa (Funder, 2015). Na verdade, a POC pode ser mais facilmente tratável do
que a perturbação obsessivo-compulsiva da personalidade (Foa, 2004) porque
as pessoas com a POC geralmente são mais cientes de que os seus medos,
pensamentos indesejados e ações incontroláveis são irracionais, enquanto as
pessoas com a perturbação obsessivo-compulsiva da personalidade são mais
propensas a acreditar que a maneira delas é a melhor e a mais correta (Van
Noppen, 2010, p. 1).

Alguns estudos sugerem que os antidepressivos podem tratar eficazmente a


perturbação obsessivo-compulsiva da personalidade (Piccinelli, Pini,
Bellantuono, & Wilkinson, 1995). Estas descobertas sugerem que a natureza
desta perturbação pode ser motivada por fatores como a ansiedade, depressão
e infelicidade (Funder, 2015).

O DSM-5 estima que a prevalência desta perturbação esteja entre os 2.1% e os


7.9% sendo portanto uma das perturbações da personalidade mais comum
(Funder, 2015).
Organizando e Diagnosticando as Perturbações com o DSM-5

Estas 6 perturbações da personalidade aparecem em ambas as 2 abordagens


do DSM-5. Considerada a “onda do futuro”, esta nova abordagem distingue-se
da tradicional em dois aspetos. Em primeiro lugar, observou-se uma redução
drástica da lista das perturbações da personalidade, a esta purga apenas
Capítulos PP (2020/2021)

resistiram as 6 que acabamos de desenvolver, todas as outras são atualmente


classificadas como “traço específico – perturbação da personalidade”. Em
segundo lugar, e mais importante, esta nova abordagem evita colocar as
perturbações da personalidade em grupos, em vez disso, reconhece que o
desajuste psicológico é mais uma questão de grau do que de tipo (Clark &
Watson, 1999; Krueger & Eaton, 2010). As diferenças entre a personalidade
normal e anormal não são nítidas ou distintas, elas estão ao longo de um
continuum (Funder, 2015).

Cinco traços mal adaptativos da personalidade

O novo sistema do DSM-5 organiza as perturbações da personalidade em cinco


domínios principais de características (Funder, 2015):

1- Afetividade Negativa - tendência para sentir emoções negativas como


ansiedade, depressão e desconfiança;
2- Desapego - tendência para o afastamento e evitamento de contacto emocional
com os outros;
3- Antagonismo – inclui falsidade, grandiosidade, insensibilidade e manipulação;
4- Desinibição - caracteriza-se por um comportamento descuidado e impulsivo;
5- Psicoticismo - tendência para comportamentos e experiências bizarras e para
a exibição de um comportamento excêntrico.

Diagnóstico

A nova secção do DSM-5 descreve uma nova forma de fazer o diagnóstico


psicológico (Funder, 2015). Em vez de contar o número de indicadores presentes
ou ausentes e tomar uma decisão diagnóstica do tipo “sim ou não”, que era a
base do antigo sistema, um psicólogo ou psiquiatra é aconselhado a seguir os
seguintes passos:

1- Avaliar se o “funcionamento da personalidade” da pessoa está seriamente


prejudicado e, em caso afirmativo, avaliar o grau de disfunção.
2- Aferir se pelo menos um dos seis tipos de perturbações da personalidade está
Capítulos PP (2020/2021)

ou não presente.
3- Avaliar o grau em que a pessoa é caracterizada para cada um dos cinco traços
mal adaptativos da personalidade.

Este tipo de avaliação tem como objetivo fornecer uma descrição específica da
dificuldade psicológica da pessoa em questão e do grau dos seus problemas
(Funder,
2015).

Personalidade e Perturbações

A psicologia clínica, a psiquiatria e as sucessivas edições do DSM têm


demonstrado uma maior perspicácia e imaginação na formulação das descrições
das perturbações psicológicas. Estas formulações levantam questões relativas
às consequências de descrever tantos comportamentos como patológicos; à
natureza da saúde mental; aos prós e contras dos rótulos em geral e à linha
tênue entre a personalidade normal e anormal (Funder, 2015).

As perturbações da personalidade descrevem comportamentos mal adaptativos.


Ou seja, uma pessoa considerada “má” tem uma perturbação da personalidade?
Alguns psicólogos propuseram que o “preconceito patológico”, como o racismo
extremo, a
homofobia ou outros sentimentos fortes sobre outros grupos devem ser definidos
como
uma perturbação da personalidade (Funder, 2015). Contudo, se esta proposta
for aceite,
“os autores de crime de ódio seriam candidatos a tratamento e os médicos
tornar-se-iam os árbitros responsáveis por distinguir “preconceito comum” de
preconceito patológico” (Vedantam, 2005).

Muitas perturbações da personalidade incluem padrões de comportamento


socialmente indesejável, imoral ou ilegal. Se certas pessoas mentem, enganam,
roubam ou matam, devemos evitar puni-las ou até mesmo julgá-las porque
sofrem de perturbação antissocial da personalidade e, portanto, não são
Capítulos PP (2020/2021)

responsáveis pelos seus atos? Esta questão é um enigma eterno e um dilema


de longa data na psicologia, filosofia, religião e direito. Alguns defendem que sim,
porque consideram absurdo e errado punir alguém por ter um distúrbio
psicológico. Outros têm a certeza de que a resposta é não porque alguns
comportamentos devem ser punidos independentemente da sua causa
psicológica (Funder, 2015).

Para além disso, é muito fácil cair na armadilha de categorizar comportamentos


descrevendo-os como resultados de uma doença mental. A DSM-IV descreve
tantos padrões de comportamento como formas de doença mental que ameaçou
acabar completamente com o significado do conceito. Se tudo é uma doença,
então nada é uma doença (Funder, 2015).

Saúde Mental

Não importa o quão longa e detalhada possa ser uma lista de perturbações, visto
que não nos informa sobre a natureza da saúde mental. Esta omissão é
precisamente o que motiva o movimento da psicologia positiva, focada nas
forças e virtudes humanas.

A psicologia positiva visa promover uma vida feliz e significativa. De modo mais
geral, melhorar a compreensão da personalidade normal e adaptativa, e não
apenas das doenças mentais e das perturbações da personalidade (Funder,
2015).

Rótulos

Os rótulos podem ser enganadores e, por vezes, perigosos. É preciso evitar


descrever uma pessoa de quem não gostamos como tendo uma perturbação da
personalidade. Essa descrição provavelmente é injusta e pode bloquear em vez
de promover uma maior compreensão. Ao rotular uma pessoa como tendo uma
perturbação podemos deixar de sentir que devemos ter em conta os seus
sentimentos, perspetivas e direitos ou até mesmo, deixar de ter empatia por ela.
Capítulos PP (2020/2021)

Um rótulo não é uma explicação e o facto de alguém ter uma perturbação da


personalidade levanta mais questões do que respostas (Funder, 2015).

Por outro lado, os rótulos também podem ser úteis. Por exemplo, se
observarmos que uma pessoa apresenta uma ou mais características de uma
perturbação da personalidade, devemos ficar atentos para perceber se
apresenta mais algum dos outros sintomas (Funder, 2015). Não importa o quão
desconfortáveis nos possamos sentir ao rotular as pessoas, vale a pena
aprender as características básicas das principais perturbações da
personalidade (Yudofsky, 2005).

Finalmente, é importante reconhecer que os rótulos são absolutamente


necessários, não há como escapar deles. Quanto mais precisos forem os rótulos
melhor para o psiquiatra ou psicólogo clínico que regista as impressões do
paciente. Pesquisas ou discussões sobre doenças mentais seriam
completamente impossíveis sem rótulos.

Deste modo, os rótulos presentes no DSM-5 e nas suas futuras edições irão
persistir até que algo melhor apareça (Funder, 2015).

Normal e Anormal

Embora seja um tema altamente controverso, a literatura e as pesquisas


recentes sobre perturbações da personalidade demonstram que não há uma
linha divisória nítida entre a psicopatologia e a variação normal (L. A. Clark &
Watson, 1999; Furr & Funder, 1998; Hong & Paunonen, 2011; Krueger & Eaton,
2010; Krueger & Tackett, 2003; B. P. O’Connor, 2002; Trull & Durrett, 2005).

Todos nós podemos reconhecer em nós mesmos ou nos outros certos traços ou
partes das descrições associadas às perturbações da personalidade. Contudo,
ter um leve grau de algumas características não significa que tenhamos uma
perturbação da personalidade (Funder, 2015). Devemos pensar nas
perturbações da personalidade como uma versão exagerada de um traço que na
faixa normal pode ter algumas vantagens (Oldham & Morris, 1995). Apenas
Capítulos PP (2020/2021)

quando os traços são numerosos, consistentes, graves e problemáticos é que


devemos falar em perturbação da personalidade (Funder, 2015).

Em suma, é plausível haver em cada um de nós um pouco de uma perturbação


da personalidade, e mesmo os indivíduos que sofrem deste tipo de perturbações
podem ter algumas características úteis e adaptativas. Existe portanto uma
variação entre comportamento normal e anormal, mas a linha divisória não é
nítida nem fácil de encontrar (Funder, 2015).

Personalidade e Saúde Física

Além das implicações na saúde mental, também na saúde física podemos


encontrar aspetos a relacionar com a personalidade (Funder, 2015).

Pesquisa sobre personalidade e saúde

No que diz respeito à pesquisa e ao estudo da relação entre a personalidade e


a saúde, esta encontra vários desafios nomeadamente na recolha e
interpretação de dados, especialmente dados relativos ao estado de saúde do
indivíduo. Muitos estudos utilizam os chamados dados-S (S de self-report) em
que a pessoa responde a questões acerca da sua própria saúde, o que não é
completamente confiável pois esta pode não ter a certeza acerca do seu estado
de saúde ou mesmo mentir nas respostas. Outra opção são os dados-L que
podem incluir relatórios médicos e certidões de óbito (Funder,
2015).

Ainda assim, foram estabelecidas duas relações possíveis entre a personalidade


e a saúde: a primeira é uma associação biológica que admite que um traço de
personalidade pode implicar uma “predisposição” a uma determinada reação
física que por sua vez tem implicações na saúde do indivíduo. A segunda é
comportamental e diz nos que um traço de personalidade afeta o padrão de
comportamentos que se tem e, consequentemente, este afeta a nossa saúde
(Funder, 2015).
Capítulos PP (2020/2021)

Personalidade Tipo A
A personalidade do Tipo A tratasse de um conceito da autoria dos cardiologistas
Meyer Friedman e Ray Rosenman que, tendo como exemplo alguns dos seus
pacientes, associaram a alguém que se mostrasse hipercompetitivo, ansioso ou
nervoso uma maior probabilidade de vir a desenvolver um ataque cardíaco. Mais
precisamente, teria
personalidade do Tipo A quem apresentasse um comportamento nervoso
equivalente
ao de uma pessoa viciada em trabalhar e que por vezes também se demonstra
hostil (Friedman & Rosenman, 1959). Aqueles que não possuíam estas
características seriam
do Tipo B.

Ao longo dos anos, este conceito foi sendo cada vez menos investigado e menos
aceite por falta de evidência (Funder, 2015).

Estudos recentes mostram que, no entanto, no que diz respeito à hostilidade, a


experiência repetida de encontros hostis que se traduzem em stress pode
resultar em doenças cardíacas e esperança de vida mais reduzida (Funder,
2015).

Uma pequena curiosidade é que inicialmente a pesquisa sobre este tópico era
maioritariamente subsidiada pela indústria do tabaco, que se aproveitava desta
descoberta para alguma propaganda. Estes afirmavam que os fumadores eram
provavelmente pessoas de personalidade Tipo A e consequentemente era a sua
personalidade que estava relacionada com as doenças cardíacas e com a menor
esperança de vida e não o ato de fumar (Funder, 2015).

Emoção

É relevante é perceber se existe uma relação entre as emoções e a saúde. As


emoções negativas são as que estimulam sentimentos desagradáveis e que nos
fazem sentir mal (Funder, 2015). Existe uma série de investigações realizadas
até à data que demonstram que estas emoções estão associadas a défices na
Capítulos PP (2020/2021)

saúde física, por exemplo pessoas com depressão têm tendência a desenvolver
mais facilmente doenças cardíacas (Booth-Kewley & Friedman, 1987). Por outro
lado, as emoções positivas, relacionadas com pensamentos agradáveis podem
ajudar no tratamento de algumas doenças, como é o caso do cancro (Cousins,
1979).

No entanto, apesar de muitos terem a ideia de que existe uma relação direta
entre as emoções e a saúde, isso não é verdade. Temos como exemplo 2
estudos:
1- O primeiro estudo demonstra que o neuroticismo (faz parte das emoções
negativas) se relaciona com défices na saúde. Os neuróticos são indivíduos com
uma maior tendência para o tabagismo, logo têm também uma maior
probabilidade de contrair cancro dos pulmões (Wilson, Mendes de Leon, Bienias,
Evans, & Bennett, 2004).

2- No segundo estudo são apresentadas evidências que demonstram que o


neuroticismo pode ter um impacto positivo na saúde, a longo prazo, uma vez que
a impulsividade (característica dos neuróticos) pode indicar que se é saudável,
na idade adulta (Weiss & Costa, 2005).

Em 2013, foi realizada uma investigação (Gana et al., 2013) onde se analisaram
as duas variáveis, emoções e saúde, ao longo do tempo. Os resultados obtidos
demonstraram que quem é mais saudável tem pensamentos e emoções mais
positivas, relativamente a quem tem défices na saúde que tem uma experiência
emocional mais negativa. Em suma, este estudo mostrou que défices na saúde
podem levar os sujeitos a experienciar emoções negativas, sendo que o oposto
não se verificou (a depressão está, muitas vezes, associada a doenças
cardíacas).

Um dos assuntos mais importantes nesta temática das emoções e da saúde é a


forma como as emoções negativas afetam os nossos comportamentos,
conduzindo ao stress que por sua vez afeta a nossa saúde (Funder, 2015). Os
neuróticos, pessoas com
Capítulos PP (2020/2021)

emoções maioritariamente negativas, normalmente estão mais expostos a


situações
stressantes, nomeadamente divórcios, desemprego... e estes eventos podem
conduzir
a mais problemas de saúde (Iacovino, Bogdan, & Oltmanns, 2015). Isto mostra-
nos que os traços de personalidade não são causas diretas das doenças mas
podem conduzir a uma saúde deficiente (indiretamente) (Funder, 2015).

O otimismo tem também duas facetas, pode ser algo mau ou algo bom. Ser
otimista em excesso pode ser mau, pois pode fazer com que o sujeito ignore
alguns sinais/sintomas de que não está bem, trazendo graves riscos a si mesmo
e à sua saúde (Carver, Scheier, & Segestrom, 2010); o otimismo na dose certa
é bastante positivo, pois uma pessoa com esta característica e que possua um
problema de saúde vai ter tendência a procurar mais informações, vai tentar ter
comportamentos saudáveis, que auxiliem no tratamento dessa doença (Carver
et al., 2010, p. 883).

Assim, analisando todas as investigações que referimos, conseguimos entender


que esta temática é bastante controversa e que ainda não existe um consenso
quanto à relação existente entre emoções e saúde (Funder, 2015).

Conscienciosidade

Não existe nenhuma relação biológica entre a conscienciosidade e a saúde. No


entanto, as pessoas mais conscientes têm comportamentos que auxiliam na
manutenção da saúde (condução prudente, não fumar,...) e por isso, geralmente
têm uma maior longevidade e melhor qualidade de vida, comparativamente
àquelas que tem menos conscienciosidade (Funder, 2015).

Perspetivas para melhorar a saúde

Uma das formas utilizadas para melhorar a saúde é através da mudança de


personalidade. Se todos os indivíduos se tornassem mais positivos e mais
conscientes, isso iria ter um impacto bastante favorável na saúde (Funder, 2015).
Capítulos PP (2020/2021)

Alguns estudos demonstram que a justificação para as pessoas mais


conscientes viverem mais tempo é porque fumam menos (Turino, Hill, Roberts,
Spiro, & Mroczek, 2012). O ideal seria existir uma maneira eficaz de aumentar a
conscienciosidade de todos, dado que isso iria afetar todos os nossos
comportamentos, de forma maioritariamente benéfica (Funder, 2015).

Personalidade Saudável

A personalidade saudável divide-se em dois aspetos: saúde mental e saúde


física (Funder, 2015).

A American Psychiatric Association (2013) ajuda-nos a perceber como deve ser


um indivíduo funcional a nível psicológico: Tem um mundo psicológico complexo,
totalmente elaborado e bem integrado que inclui um autoconceito geralmente
positivo, volitivo e adaptativo; uma vida emocional rica, ampla e adequadamente
regulada; e a capacidade de se comportar como membro produtivo da
sociedade, com um relacionamento interpessoal recíproco e gratificante (p. 771).

Já relativamente à parte física, há 6 indicadores relevantes (Howard Friedman


and Margaret Kern, 2014)):
• Ser capaz de fazer as coisas que deseja;
• Sentir-se bem;
• Ter pessoas que o apoiem e conseguir também apoiar os outros;
• Ser produtivo;
• Ter uma boa capacidade de memorização e tomar boas decisões;
• Manter-se vivo.

Apesar destas duas definições que apresentamos serem bastante boas,


Sigmund Freud tem uma definição bastante mais sucinta de saúde mental, “A
saúde mental é a capacidade de amar e trabalhar.”

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