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Roberto Alves Banaco -Joan a Singer Vermes - D enis Roberto Z amignani


Ricardo Cor r ea M artone ћRoberta Kovac

Personalidade é um termo consagrado, que se encontra Decorria dessa premissa a hipótese de que os problemas
no eixo principal de interesses no campo da Psicologia. psicológicos teriam sua origem nos primeiros anos de vida.
Qualquer teoria que se proponha a abordar o com porta- em geral explicados pela vivência de uma experiência forte
mento humano deve, de algum modo, dar conta de explicar e aversiva, chamada “trauma”. Q uando houvesse alguma
o que fazemos, especialmente aquilo que fazemos com falha no processo de constituição da personalidade de
certa regularidade. Mais ainda, essa teoria deve explicar alguém, dela adviriam os chamados distúrbios psicopa-
as razões pelas quais, em alguns momentos da vida, nos tológicos, ou doenças “da m ente”, e, consequentemente,
desviamos dessa regularidade. os problemas de com portam ento (esses desvios da perso-
O conceito de personalidade tornou-se im p ortante nalidade serão discutidos no próximo capítulo, “Psicopa-
porque prom etia essa explicação: destrinchar os processos tologia”).
responsáveis pela construção das características pecu- Assim, a Psicologia passou a buscar maneiras de tratar os
liares a cada indivíduo, padrões de com portam ento que desvios de personalidade e os distúrbios psicopatológicos.
o to rn am único e inconfundível em relação a todos os Para alguns teóricos, essa seria uma das características defi-
outros. Herdeira de um a cultura chamada de dualista, a nidoras da própria Psicologia enquanto ciência.
Psicologia considerava que os comportamentos (do corpo) Sendo a Análise do C o m portam ento um a das abor-
deveriam ser explicados por uma instância imaterial (que dagens do cam po da Psicologia, tam bém foi instada a
já fora chamada de espírito, alma e, mais modernamente, abordar esses temas, mas encontrou, logo de saída em sua
por “m ente”). A personalidade seria a maneira pela qual história, dificuldades em concebê-los. U m a dessas difi-
essas instâncias imateriais se relacionavam com o m undo, culdades resultava do fato de que, para alguns cientistas
exigindo teorias descritivas de sua formação, e explicativas (dentre eles, os chamados “behavioristas”, que fundariam a
de seu funcionamento. Análise do Comportamento), a Psicologia deveria se modi-
M anuais básicos, bem como obras de autores consa- ficar, de modo a atender às exigências das Ciências N atu-
grados das teorias psicodinâmicas (como Freud, Jung e rais. Seu objeto de estudo, portanto, deveria ser passível de
Adler), dedicam-se, em grande parte, à teorização sobre a observação e mensuração, mesmo por meios indiretos. Em
constituição, o desenvolvimento e os chamados desvios da função disso, para que construtos, tais como a personali-
personalidade. As primeiras hipóteses para esse processo dade, pudessem ser assumidos como seu objeto de estudo,
sugeriam que a personalidade teria sua formação durante deveriam ser redefinidos. A solução para o problema foi
os primeiros anos de vida do indivíduo e que, um a vez abordar o próprio com portam ento com o o objeto de
constituída, sofreria poucas modificações. estudo, e não como sintoma de um a entidade imaterial.
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Ainda com a preocupação de que a Psicologia se tornasse terizar certo “estilo pessoal”, que bem poderia receber
um a C iência N atural, a Análise do C o m p o rtam en to um rótulo ou adjetivo. O problem a maior é quando tal
id o to u o m étodo experimental para o estudo dos fenô- term o (o rótulo ou o adjetivo) que aponta apenas um a
menos psicológicos, e isso trouxe todas as decorrências e descrição de padrões acaba sendo adotado como causa e/
exigências para a metodologia específica dessa abordagem. ou explicação para o com portam ento do indivíduo. Essa
Logo, em vez de um modelo causal, foi adotado um modelo maneira explicativa é circular: ela parte de um a descrição
runcional para a explicação dos fenômenos comportamen- de padrões, a p artir da regularidade nom eia o padrão e
tais, dentre eles o que é concebido como personalidade. A utiliza essa própria nomeação como explicação para esses
diferença entre os dois é que, enquanto o modelo causal mesmos padrões a partir dos quais ela foi derivada.
assume que um evento (A) causa o evento (B), em um E essa interpretação do term o personalidade a que
modelo funcional, entende-se que A e B se influenciam predom ina no senso com um e, em parte, na Psicologia
ziutuam ente. Desse ponto de vista, transformações em —um conjunto de características individuais que determi-
um evento exercem funções específicas na relação com o nariam o m odo de agir de um sujeito. Frequentem ente
: utro evento, o que m uda com notável diferença a maneira ouvimos frases como: “isso faz parte da personalidade de
de encarar os problemas de com portam ento. Este capí- Fulano” ou “não é da personalidade de Cicrano agir desse
tulo tratará da concepção analítico-com portam ental do modo”. Trata-se de uma concepção na qual a personalidade
;ue com um ente se chama personalidade, na Psicologia. seria uma “bagagem” portada e apresentada pelo indivíduo
O próximo capítulo enfocará o conceito de psicopatologia ao longo da vida. Os chamados “testes de personalidade”,
pela Análise do Com portam ento. então, teriam a função de desvendar a “verdadeira n atu -
reza” de cada pessoa.
Dois aspectos sobre essa perspectiva do termo devem ser
A PER SPEC TIV A T R A D IC IO N A L DO salientados. Em primeiro lugar, nessa proposta, é atribuído
C O N C E IT O DE PERSONALIDADE à personalidade um status de objeto (no sentido de um a
coisa que o indivíduo portaria: “fulano tem um a persona-
A palavra “personalidade” tem origem no latim , e lidade forte”, por exemplo, assim como ele tem um braço
designa persona, a máscara utilizada pelos atores gregos ou um a marca de nascença). Essa característica portada é
que tinha a função de caracterizar o personagem e ampli- amplamente im portante porque determinaria as relações
ficar a voz do ator. O term o carrega a suposição de que do indivíduo com o m undo (como em uma relação causal:
personalidade é o modo como os indivíduos se apresentam a personalidade [A] determinaria o com portam ento [B]).
para o m undo, mas não exatamente como a pessoa é em Dessa maneira, a personalidade é concebida como algo a
sua “essência”. priori, definidor de um “jeito de ser”. Assim, a personali-
N a Psicologia, a proposição do conceito de personali- dade não seria aquilo que observamos em si, mas algo que
dade tem seu início no século 19, a partir dos primeiros estaria por trás do que se vê, sugerindo um a concepção
escritos de C harcot e Janet, interessados no estudo das internalista. O segundo elemento a ser destacado refere-
chamadas “personalidades anormais”. Entretanto, é a Freud se ao dualismo em butido nessa proposta: o pensamento,
que devemos os principais créditos relativos à combinação a emoção e o com portam ento (um grupo de padrões de
de teorias da personalidade com a prática psicoterapêutica comportamento individuais) afetariam os “estilos pessoais”
(Lundin, 1969/1974). (outro grupo de ações relacionadas com a interação do
C onform e A tkinson, Atkinson, Sm ith, Bem, N olen- sujeito com o m undo).
Heoksema (1953/2000), autores de um manual básico de Talvez, a ideia de personalidade mais amplamente conhe-
Psicologia: “A personalidade pode ser definida como os cida e emblemática seja aquela associada ao sistema freu-
padrões distintivos e característicos de pensamento, emoção diano. Em O mal estar da civilização, obra escrita tardia-
e comportamento que definem o estilo pessoal de interação m ente na vida de Freud e, desse modo, reflexo da conso-
de um a pessoa com o ambiente físico e social” (p. 457). lidação de sua proposta para o entendim ento do com por-
Tal definição, a princípio, parece bastante razoável: de tamento hum ano, o autor descreve claramente aspectos da
fato, podemos observar certa regularidade quando obser- personalidade que determinam a conduta hum ana m ani-
vamos o com portam ento das pessoas ao longo do tempo e festa. Id, ego e superego, instâncias psíquicas que formam a
em diferentes situações. Essas regularidades podem carac- personalidade, desempenham, cada um a seu modo, papel
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específico na vida mental. Impulsionando a interação entre b astante regulares. Por isso, com a m esm a segurança
essas instâncias estão duas grandes forças antagônicas cons- com que descrevem os a cor dos olhos, a estatu ra ou
tituintes do ser hum ano: a pulsão de vida e a pulsão de um a m arca de nascença, frequentem ente usamos adje-
morte. Claro está que o modelo freudiano de personalidade tivos p ara descrever pessoas ao nosso redor: tím id o ,
transmite a ideia de determinação psíquica (ou mental). agitado, sério, simpático, ansioso, sensível, sagaz e assim
Assim, a gênese da personalidade e, por consequência, de por diante, em u m a lista infindável. E bastante comum
suas patologias encontra-se em uma complexa relação de que pessoas in d ep en d en tes umas das outras façam as
instâncias e forças psíquicas que, a princípio, foram criadas mesmas descrições sobre um mesmo indivíduo, o que
para explicar o comportam ento hum ano normal e patoló- realça a noção de que padrões com portam entais seriam
gico. Não se trata, no caso de Freud, de negar a influência apresentados em diferentes contextos e com certa regu-
do ambiente na explicação do comportamento. Entretanto, laridade.
Freud relega ao ambiente um papel secundário ao enfatizar N o entanto, se pretendem os entender os padrões de
que a personalidade hum ana é o receptáculo e o grande com portam ento, sem recorrermos a constructos tradi-
árbitro do embate existente entre as forças psíquicas cons- cionais, precisamos com preender de que m aneira tais
tituintes do sujeito e as vicissitudes do ambiente que foram padrões são desenvolvidos e por que parecem tão pouco
introjetadas nessa mesma personalidade. variáveis ao longo da vida.
Essa breve explanação serve basicamente para que Para visualizar essa proposta, imaginemos u m bebé
possamos elucidar com mais cuidado a ideia de perso- recém-nascido. Provavelmente, nas primeiras horas de vida,
nalidade para o Behaviorismo Radical, que é divergente ele apresentará algumas ações (respostas) cujas propriedades
das premissas apresentadas por explicações internalistas, físicas parecem definidas especificamente por aspectos bioló-
quando não incompatível com elas. Entretanto, a Análise gicos (embora não se possa desconsiderar que a vida intrau-
do C om portam ento apresenta um a proposta de enten- terina seja constituída por uma série de interações com um
dim ento do com portam ento hum ano que não se furta a ambiente físico bem específico, iniciando-se uma história
explicar sua complexidade. Com o abordagem do campo de aprendizagem, ainda que não seja de natureza social).
da Psicologia, a Análise do C o m portam ento se propõe A emissão de determinadas ações do recém-nascido serão
a compreender o com portam ento hum ano em todos os consequenciadas com reforçamento primário: alimento,
seus aspectos, incluindo, entre eles, as questões clássicas calor e proteção. Entretanto, essas respostas envolvem
abordadas sob o constructo personalidade. propriedades físicas, que podem ser medidas em magni-
tude, intensidade, duração, entre outros parâmetros. Deter-
minadas propriedades do com portam ento produzirão
A N O Ç Ã O DE PERSONALIDADE mudanças ambientais, tornando-o mais provável, ou seja,
A PA R T IR DA ANÁLISE DO serão fortalecidas enquanto outras poderão exercer pouco
________C O M PO R T A M E N T O ________ ou nenhum efeito no mundo. Por exemplo, uma mãe “de
primeira viagem”, cuja gravidez foi imensamente desejada,
Provavelmente devido ao term o “personalidade” ser poderá responder mais prontamente ao início de choro do
oriundo de proposições que guardam algumas divergên- bebê do que um a mãe que precisa atender à demanda de
cias importantes em relação à Análise do Comportamento, outros filhos mais velhos antes de voltar-se aos cuidados do
raram ente ele é m encionado por estudiosos dessa abor- caçula. Nesse último caso, é possível que um a história de
dagem. Tais divergências, entretanto, não implicam que reforçamento ensine o bebê a apresentar, logo aos primeiros
a Análise do C om portam ento deva ignorar o termo; mas, sinais de fome ou desconforto, um choro alto e vigoroso,
assim como ocorre com outros tantos conceitos da Psico- desencadeando, facilmente, um a descrição de “bravo .
logia, é necessário que sejam atribuídas definições e expli- “chorão” ou “decidido”. Se o choro intenso for aversivo
cações específicas aos fenômenos descritos por eles que à mãe (e frequentem ente o é), talvez ela desenvolva um
sejam alinhadas com os preceitos teóricos da abordagem. padrão idiossincrático de reação ao choro e a outras respostas
Em concordância com m uitas abordagens da Psico- pertencentes à mesma classe.
logia, a Análise do C o m p o rtam en to reconhece que os Usamos o choro apenas a título de exemplo, mas o fato
co m p o rtam en to s de to dos os in d iv íd u o s apresentam é que desde o início da vida vão sendo estabelecidas várias
algumas características - ou, como preferimos, padrões relações funcionais entre os comportam entos do bebê e
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os comportam entos dos cuidadores, envolvendo reforça- organism o-am biente com o determ inante da co nduta
dores primários poderosos. O aspecto fundam ental a ser hum ana. O próprio Skinner (1981/2007) faz um inte-
destacado é que, na primeira fase de vida, ocorre um tipo ressante paralelo entre as instâncias psíquicas freudianas
m uito especial de interação com o m undo, na qual o indi- - id, ego e superego - e os três níveis de determinação
víduo se relaciona com alguém que detém um a concen- do com portam ento - filogênese, ontogênese e cultura.
tração específica de reforçadores, que raramente será repro- O id —entidade responsável pela energia que direciona a
duzida no futuro. Considerando-se a im portância dessa personalidade no cam inho do desejo e, segundo Freud,
história, é possível assumir que padrões de comportamento apresentaria origem biológica - seria o equivalente ao
desenvolvidos nos primeiros anos de vida da criança virão, que Skinner denom ina contingências filogenéticas; o ego
racilmente, compor o repertório comportamental apresen- - árbitro das pressões impulsivas do id e das proibições
tado ao longo da vida. do superego —seria o equivalente à história ontogenética;
Em bora se reconheça a im portância das primeiras rela- e o superego - sentinela da personalidade - correspon-
ções estabelecidas entre a criança e o m undo, não se pode deria ao que Skinner denomina contingências culturais. O
afirmar que as mesmas sejam as únicas responsáveis pela deslocamento da determinação comportam ental realizada
constituição do que se define por “personalidade”. Clara- pelo sistema skinneriano, de “dentro para fora”, ou seja, o
mente, inúmeras e complexas relações do indivíduo com deslocamento explicativo de instâncias psíquicas para rela-
o m undo devem ser entendidas como elementos respon- ções organismo-ambiente na determinação dos com por-
sáveis na criação dos padrões de comportam ento. tam entos, torna possível um a abordagem do fenôm eno
O ponto de interesse é: qual é a proposta explicativa da conhecido com o personalidade em term os científicos,
Análise do C om portam ento para o entendim ento desse tornando possível a transform ação do com portam ento
conceito e de que m aneira ela se distingue das perspec- individual por meio do manejo das condições ambientais
tivas tradicionais? Arrolamos a seguir algumas questões que
responsáveis pela produção do com portam ento, seja este
compõem a conceituação da personalidade sob a perspec-
saudável ou patológico.
tiva analítico-comportamental.
A seguir, aprofundarem os o tem a da determ inação
Em seu clássico artigo de 1981 (traduzido para o portu-
dos padrões comportam entais a partir dos três níveis de
guês em 2007), Seleçãopor consequências, Skinner explicita
seleção.
claramente sua proposta para explicar o com portam ento
hum ano que, a princípio, explicaria tam bém a persona-
lidade como fenôm eno com portam ental. O com porta- O primeiro nível de seleção: aspectos
m ento, segundo Skinner, é determinado por três grandes
herdados da personalidade
conjuntos de contingências —três histórias de interação
dos organismos com o ambiente - que invariavelmente Q uando nos referimos ao nível filogenético de deter-
selecionam aspectos diferenciados do repertório de cada minação da personalidade, estamos colocando em pauta a
indivíduo. seguinte questão: dentre os padrões estáveis de com porta-
A prim eira dessas histórias é a da espécie à qual o orga- m ento dos indivíduos, há algo de inato, que seja herdado,
nismo pertence (seleção filogenética), revelada por meio de assim como o são outras características físicas, tais como
características anatômicas e padrões herdados, entre eles a a cor dos olhos ou dos cabelos?
sensibilidade maior ou menor a determinados estímulos. A Em resposta a essas questões, poderíamos nos referir,
segunda diz respeito à seleção do repertório individual, que prim eiram ente, aos chamados padrões fixos de com por-
se dá a partir das interações operantes e condicionam ento tamento. Todos nós apresentamos alguns padrões fixos de
respondente, nas quais padrões de comportamento do indi- reação a eventos do ambiente, que são os reflexos incondi-
víduo tornam -se mais ou menos prováveis. A terceira e cionados. Esses são reflexos que garantiram a sobrevivência
última história refere-se à seleção de práticas culturais, as de indivíduos em relação a um ambiente razoavelmente
quais determ inam certos padrões de com portam ento do estável através do tem po. Assim, estímulos tão intensos
grupo que influenciarão, por sua vez, o com portam ento que possam ferir os órgãos dos sentidos são evitados. D a
do indivíduo. mesma maneira, estímulos que sejam tão irrelevantes que
Vale ressaltar que a proposta skinneriana, diferente- possam ter suas ações facilmente superadas em um a vida
m ente do sistema explicativo freudiano, enfatiza a relação não controlariam os indivíduos que participam de um a
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árdua luta pela sobrevivência, preocupados com os estí- a inibição ou o desenvolvimento de tais “dons”, mas a
mulos relevantes. herança genética, com certeza, tem parte da responsabi-
Tam bém é herdada a capacidade de o organismo lidade nessa história produzindo órgãos mais ou m enoí
responder às consequências de sua ação. A sensibilidade ao responsivos a esses estímulos.
efeito de sua ação sobre o m undo é característica presente
em todas as espécies animais a partir de certo ponto evolu-
tivo. Entretanto, a existência ou não desses padrões não
O segundo nível de seleção: aspectos
pode ser relacionada com o conceito de personalidade, aprendidos da personalidade
já que não é o que nos diferencia uns dos outros, e sim Skinner (1953/2003) defendeu que o emprego da noçã;
o que nos torna m uito semelhantes. O que há então de de personalidade ou de um “eu” seria um subterfúgio para
individual em padrões aparentem ente tão semelhantes? apresentar o que seria um “sistema de respostas funcional-
A resposta aqui remete mais a aspectos quantitativos que m ente unificado”.
qualitativos. O que há de individual na herança de padrões Em um a perspectiva funcionalista, um primeiro aspecto
de com portam ento é a intensidade com que cada evento a ser considerado ao referirmo-nos à personalidade é a
do ambiente afeta cada organismo, individualmente, seja noção de que existe um amplo conjunto de respostas de
em contingências respondentes, seja em operantes. A sensi- um indivíduo, apresentadas em diversos contextos, cuja
bilidade aos estímulos, já abordada, poderia explicar essa função é a equivalente. Por exemplo: um a pessoa identi-
diferença. ficada como tím ida provavelmente age de m aneira similar
C om base nessas diferenças herdadas, alguns pesquisa- em diversos contextos: evita alguns encontros sociais.
dores desenvolveram um a teoria denom inada “teoria da situações de exposição e eventos nos quais seja o centrc
personalidade com base na sensibilidade ao reforçamento”1 das atenções. Trata-se de um conjunto de ações emitidas
(Corr, 2008), que busca explicar, com base em aspectos em contextos discriminativos específicos e controlados pc:
neurais e psicológicos, parte da determinação de dimensões contingências de reforçamento negativo próprios. Prova-
im portantes do que é chamado personalidade. velmente, se respostas similares forem apresentadas em
Podem os to m ar com o exemplo um padrão fixo do diversos contextos, poderemos admitir que haja certa equi-
tipo respondente: a sensibilidade a eventos estranhos ou valência funcional entre as condições ambientais com as
intensos (que representam ameaça). R esponder a estí- quais o indivíduo interage. Assim, quando alguém afirma
m ulos am eaçadores com respostas de fuga, ataque ou que a “timidez” é intrínseca à personalidade de um a pessoa,
congelam ento (paralisação) é um padrão selecionado provavelmente está se referindo a tais classes amplas às
filogeneticamente. Algumas crianças, entretanto, desde comportamentos.
m uito cedo, respondem com bastante intensidade - com O que é destacado nessa explicação é o papel primordia.
choro, contração m uscular etc. - q u an d o expostos a exercido pelas interações com o ambiente na determinação
ruídos não tão intensos ou à presença de pessoas desco- do que tipicamente é caracterizado como um traço de perso-
nhecidas. Esse padrão pode se estender por toda a vida, nalidade. A influência exercida pelo contexto ambiental
como resultado da interação com outras variáveis im por- pode ser percebida quando observamos os diferentes padrões
tantes. Tal sensibilidade aum entada pode determinar, em de com portam ento que apresentamos, dependendo do
parte, um padrão mais passivo ou evitativo de interação contexto com o qual interagimos. Tanto na clínica quanto
com variáveis am bientais. O u tro exemplo é a sensibi- na vida comum observamos, por exemplo, pessoas extrema-
lidade m aior ou m enor a diferentes tipos de estímulos mente “tímidas” na interação com figuras de autoridade e
reforçadores, tais como estímulos gustativos, visuais ou absolutamente “extrovertidas” com amigos próximos e fami-
auditivos. Alguns terão um ouvido musical mais aguçado, liares. A citação de Skinner (1953/2003) a seguir destaca
outros, um paladar mais refinado para diferenciar suti- esse aspecto da constituição da personalidade:
lezas em sabores doces ou salgados, ou mais capacidade “(...) U m a personalidade pode se restringir a um
para perceber aspectos estéticos do ambiente. E claro que tipo particular de ocasião - quando um sistema
a história de interação ao longo da vida pode favorecer de respostas se organiza ao redor de um dado es-
tím ulo discriminativo. Tipos de comportamento
que são eficazes ao conseguir reforço em um a oca-
'N o original: The reinforcement sensitivity theory o f personality. sião A são m antidos juntos e distintos daqueles
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eficazes na ocasião B. Então, a personalidade de U m a condição como a apresentada no experimento,


alguém no seio da família pode ser bem diferente acrescida de outras situações nas quais estímulos aver-
da personalidade na presença de amigos íntimos” sivos são apresentados ju n tam en te com estímulos até
(p. 312). então neutros, pode desencadear um padrão com por-
tam ental repleto de esquiva de estímulos com uns e de
R etom ando o exemplo da tim idez, a rigor, é pouco reações emocionais de m edo bastante estranhas para as
provável que observemos um a pessoa “tím ida” em todo e outras pessoas. Imaginemos, ainda, que um a série de rela-
qualquer contexto, e quando isso ocorre é um caso no qual ções de reforçamento de respostas operantes seja estabele-
a Psicologia e a M edicina redobrarão as atenções. cida, como, por exemplo, a atenção dos pais contingente às
Ao assumirmos o sistema de relações estabelecidas entre reações de medo da criança. Facilmente se supõe o desen-
o organismo e o ambiente como com ponente ontogené- volvimento daquilo que se chamaria de um a criança cuja
dco do que se chama de personalidade, defendemos que personalidade é evitativa. Entretanto, dois pontos centrais
essas relações consistem em um a extensa e complexa rede devem ser discutidos a partir desses exemplos: em primeiro
de operações comportamentais. lugar, essa criança não trouxe em sua “estrutura” o medo
Lundin (1969/1972), em sua obra Personalidade: uma de certos estímulos “neutros” —em lugar disso, obser-
análise comportamental, dedicou-se, em grande parte, ao vamos um am biente propício para o desenvolvimento do
estudo do efeito dessas diferentes operações. E evidente, problema, já que apresentou dois estímulos (um neutro e
nessa proposta, que a ênfase dada pelo autor encontra-se outro aversivo) juntos. O que provavelmente ela carrega
nos processos de aprendizagem, sejam eles de com porta- é a sensibilidade (cujo limiar é determinado filogenetica-
mentos respondentes ou operantes. Vale destacar que tanto mente) para reagir perante alguns estímulos (tais como
na análise apresentada por Skinner quanto na de Lundin ruídos fortes) que, ao serem associados a estímulos neutros,
as variáveis do terceiro nível de seleção, a interação com expandem sua determinação de respostas a esses novos estí-
a cultura, ainda são pouco exploradas na conceituação da mulos. C unninghan (1998) chega a afirmar que:
personalidade. Cada um desses conjuntos de variáveis será “Um dos mais intrigantes aspectos do condicio-
explorado adiante neste capítulo. nam ento pavloviano é a habilidade adquirida do
Em relação aos processos respondentes, L undin Estímulo Condicionado (CS) eliciar ou controlar
(1969/1972) destaca o papel do paream ento entre estí- um a nova resposta na ausência do Estím ulo In-
mulos como um a característica im portante. Analisando o condicionado (US) previamente associado ao CS.
medo como um produto advindo do emparelhamento de Essa alteração nas propriedades funcionais do CS
eventos neutros com eventos aversivos, o autor apresenta (...) ilustra um a notável adaptação às condições
o clássico experim ento realizado por W atson e Rayner, ambientais (...) que m udam rapidam ente, diria
em 1920, conhecido como “o caso do pequeno Albert”: a Skinner” (p. 520).
criança, de 11 meses, que não havia tido contato com um
rato, foi exposta a um a espécie mansa e de pelagem branca Em segundo lugar, dadas as condições adequadas e a
do animal. As primeiras reações da criança perante o rato introdução de procedimentos corretos, a mesma criança
foram neutras (sem qualquer manifestação de esquiva). poderia deixar de apresentar as reações de medo, por um
Em seguida, os experimentadores passaram a apresentar processo de extinção do pareamento. Esse processo dar-se-ia,
um forte ruído a cada m om ento em que a criança dirigia- no caso do pequeno Albert, à apresentação continuada do
se para tocar no animal. Observou-se que, após algumas rato branco sem o concomitante ruído alto, e sem que lhe
combinações entre aproximação da criança ao animal e fosse possível escapar ou evitar o rato branco. Esse proce-
o barulho intenso, a mesma passou a chorar e apresentar dimento, mais tarde, veio a ser denominado Exposição com
diversas reações típicas de medo quando o animal se apro- Prevenção de Respostas, e é uma das técnicas mais utilizadas na
ximava dela. Além disso, foi constatado que, após esse literatura para o tratamento de transtornos de ansiedade.
experimento, o garoto passou a apresentar reações similares E m relação à ap ren d izag em o p e ra n te, L u n d in
diante de estímulos com propriedades físicas semelhantes (1969/1972) dedica um a generosa parte de sua obra
às do rato branco, tais com o outros anim ais peludos, analisando os efeitos dos diversos esquemas de reforça-
casacos de pele e até máscara de Papai Noel que portava m ento envolvidos na composição dos padrões com por-
um a barba branca. tam entais. Este capítulo não tem o objetivo de esgotar
150 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento

o assunto, porém consideram os interessante desta- indica o jogador de bingo com o um exemplo: quanto
carmos como alguns processos, desenvolvidos a partir de mais jogar, m aior a chance de o jogador ganhar, mas não
esquemas de reforçamento específicos, podem desencadear há predefinição sobre quando o reforço será apresentado.
as chamadas “personalidades”. Para isso, apresentamos a U m típico caso no qual se observa um esquema de razão
seguir alguns exemplos apresentados p o r Lundin, refe- variável em operação é a criança que aprendeu a insistir
rentes aos esquemas de intervalo fixo, razão fixa, intervalo nos pedidos para conseguir algo da mãe (“água mole, pedra
variável e razão variável. dura, tanto bate até que fura”). Tal padrão é reconhecido
Os esquemas de intervalo fixo produzem a discrimi- por estabelecer a chamada “persistência” ou mesmo o jogar
nação temporal, como um a das principais características. considerado patológico.
São exemplos desse esquema: ligar a televisão na hora do
É im portante salientar que Lundin (1969/1972) apre-
noticiário, trabalhar por um salário, m uitas vezes, após
sentou em sua obra um a série de explanações sobre comc
um tempo fixo de trabalho (1 hora, 1 semana, 1 mês etc.),
tais esquemas se entrelaçam, como a extinção opera em cada
engajar-se em atividades ligadas a estudo nas vésperas de
um deles e estabelece um padrão específico de responder
provas, e a criança mostrar-se obediente às vésperas do
bem como m uitas outras operações co m p o rtam en tal
final de semana prolongado, no qual poderá ser recom-
(como aquelas relacionadas com o controle de estímulos
pensada pelo “bom com portam ento”. Em linhas gerais,
contribuem para o entendim ento daquilo que se chama
apresenta-se como efeito do esquema de intervalo fixo a
chamada “tolerância à frustração” (Lundin, 1969/1972), norm alm ente de personalidade. Entretanto, além dessa;
ou seja: o sujeito aprende que é inócuo apresentar respostas operações e esquemas de reforçam ento envolvidos na;
específicas, antes de um determinado tempo - não adianta histórias comportamentais, há que se considerar a interação
pedir o salário antes de fechar o mês, ou pedir para ir ao do indivíduo com um a comunidade verbal. Essa comuni-
clube nadar antes que chegue o final de semana. E também dade exerce funções importantes ao ensiná-lo a olhar para :
típico desse esquema o “deixar para a últim a hora”, como seu próprio comportamento, descrever, analisar, avaliar sua
o entregar o trabalho ou a declaração do imposto de renda experiência e sua história, comparar com outras historiai
no últim o prazo. bem como prever relações futuras, aspectos que envolve-
O s esquemas de razão fixa tendem a produzir alta uma instância eminentemente verbal da interação com
frequência de respostas e o reforçam ento é liberado de ambiente (Wilson, Soriano, 2002).
acordo com o responder, independentem ente de certa
passagem de tempo. É o caso do artesão que ganha por
peça produzida ou do trad u to r que ganha po r lauda. O terceiro nível de seleção:
Tal esquema, especialmente quando instalado por meio aspectos verbais da personalidade
de contingências de aum ento gradual da razão, tende a
Até agora, foi possível analisar como diferentes níveis cz
produzir um tipo de com portam ento relacionado com
interação dos organismos com o ambiente dão origem a
o que chamamos com um ente de sujeito “batalhador” ou
diferentes instâncias a partir das quais se constroem carac-
“determ inado” ou “autoexigente”.
terísticas da personalidade individual. Enquanto no níve.
Por seu tu rn o , os esquemas de intervalo variável
filogenético de determ inação a seleção natural propicia
trazem com o característica a estabilidade do responder.
a constituição do organism o, com suas característica;
Lundin (1969/1972) oferece como exemplo o trabalho do
pescador, que nunca sabe exatamente quando conseguirá anatômicas e repertório inato particulares, o condiciona-
fisgar o peixe e permanece continuamente atento aos movi- m ento operante que ocorre no nível ontogenético cons-
m entos que a linha ligada à sua vara de pesca apresenta. titui a pessoa, considerada aqui um indivíduo, com se_
Lembramos, também, do vendedor de loja, que aguarda os repertório de comportamentos que lhe é único. Já quanc:
fregueses, que poderão ou não adquirir os produtos por ele nos referimos à convivência do indivíduo com a cultura
oferecidos. O autor refere-se a esse esquema como aquele estamos analisando um a história responsável pela cons-
responsável pela persistência do “co n tin u ar ten tan d o ”, trução do eu { self), entendido com o um “conjunto a
apesar dos insucessos. estados internos que acom panham o com portam ento’,
O s esquemas de razão variável produzem um alto e que pode ser observado apenas por meio de introspecção
co n tín u o padrão de responder. L u n d in (1969/1972) (Micheleto, Sério, 1993).
Personalidade 151

Esse processo tem início e manutenção a partir da deter- É a esse sujeito reflexivo, capaz de analisar e prever o próprio
minação que cada indivíduo passa a ter com relação a um comportamento, que estamos nos referindo ao analisar a
aspecto im portante na vida de outro indivíduo, consti- noção do eu, neste texto, tomado como conceito representa-
tuindo um am biente social. Nesses casos, a análise dos tivo da noção de personalidade. E é nesse sentido que alguns
comportamentos de cada um dos indivíduos considera um autores, incluindo Perez-Alvarez (1996), estendem a noção
entrelaçamento no qual a ação de um é ambiente para o apresentada por Skinner (1974/1993) e outros autores, do
outro (e vice-versa). Esse conjunto complexo de variáveis eu como um sistema unificado de respostas.
entrelaçadas seria então responsável pela formação do eu A personalidade, desse ponto de vista, resulta de uma
—daquilo que diferencia cada organismo hum ano em uma construção cultural, construção na qual o indivíduo tem
pessoa e, então, cada pessoa em um selfúnico. Em outras como fundamentos o próprio corpo e o comportamento
palavras, estamos falando de sua subjetividade: “Sem o 32 verbal da comunidade. O corpo seria, nesse processo, o
nível de seleção é impossível discutir-se a construção da elemento comum e permanente, perante o fluxo de expe-
subjetividade” (Andery, 1997; Tourinho, 2009). riências passageiras de interação com o m undo, enquanto
N a Psicologia, o conceito de selfé amplamente utilizado. o comportamento verbal da comunidade constitui a “liga”
Quando falamos sobre a personalidade de alguém, estamos que nomeia e estabelece a conexão e o sentido entre essas
descrevendo este alguém ou observando como alguém se experiências. É então que, a partir de múltiplas instâncias de
descreve. A noção de eu que os sujeitos constroem de si
interação, é estabelecido um controle discriminativo no qual
mesmos e para os outros está então intim am ente relacio-
o próprio corpo (em interação - por vezes, padronizada) é
nada com o tem a personalidade.
referência para a identidade (Pérez-Álvarez, 1996).
Tourinho (2009) analisa que o conceito de subjetivi-
Essa identidade será construída em um processo de
dade, como um a característica interna e privada do indi-
aprendizagem que, em primeiro lugar, envolve a aquisição
víduo, tem origem no contexto da sociedade ocidental
do autoconhecim ento, um repertório autodescritivo:
m oderna. Em meados do século 15, o surgim ento da
“Para o behaviorismo radical, estes termos
economia mercantilista e do modo de vida capitalista e indi-
[consciência de si ou autoconhecimento] dizem
vidualista expôs o indivíduo a uma condição de competição
respeito à extensão na qual as pessoas respondem
inexistente nos sistemas sociais precedentes. Essa condição
discriminativamente com base no com portam en-
exigiu uma nova maneira de o indivíduo lidar com a própria
to passado ou presente, nos comportam entos que
experiência. Uma vez que nesse novo contexto cada decisão
são prováveis de serem emitidos no futuro e em
tomada poderia ter implicações para a sobrevivência desse
indivíduo em um ambiente competitivo, foi necessária a condições das quais o com portam ento é função”
aprendizagem de um novo repertório. (Skinner, 1974/1993, p. 465).
Além de uma complexa rede de referências sociais, que
iria determ inar o status ocupado por esse indivíduo, ele Autoconhecimento, portanto, diz respeito à construção
teve que aprender a observar o próprio comportam ento, de um repertório descritivo e requer dois tipos de repertório,
avaliar e comparar seu desempenho com os códigos sociais ambos estabelecidos socialmente. O primeiro diz respeito
estabelecidos e prever novos cursos de ação. Esta nova à auto-observação, que consiste em observar o próprio
condição aum entou enorm em ente a complexidade das com portam ento, assim como as condições nas quais ele
relações sociais envolvidas na determinação de seu compor- ocorre e as consequências que produz (de Rose, 1997).
tam ento. Um a vez que os laços de interdependência que O segundo refere-se aos eventos privados do indivíduo,
controlam as relações entre os hom ens tenham se tornado que serão im portantes para a com unidade verbal, espe-
altamente complexos, tornou-se difícil identificar as variá- cialmente como probabilidade de ação. Skinner (1945)
veis ambientais que determinam cada instância comporta- afirma que a comunidade verbal não pode ter acesso aos
mental. A ausência ou a pouca clareza de eventos imediatos estímulos discriminativos necessários para a instalação de
que pudessem ser relacionados com o com portam ento respostas descritivas desses eventos, mas beneficia-se de
(ou a longa distância temporal entre os determinantes do seu relato pelo indivíduo. Para possibilitar a construção
comportamento e sua emissão posterior) teria dado origem desse repertório descritivo, a comunidade verbal utiliza-se
a um a noção de ausência de determinação - de sujeito de diferentes estratégias, recorrendo a aspectos públicos a
autônom o (Tourinho, 2009). eles correlacionados:
152 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento

“Apesar de a comunidade reforçadora usar m ani- Neste sentido, o eu seria um a espécie de sensorial
festações evidentes do comportam ento, o falante comum das distintas classes de ações, sentimentos,
adquire a resposta [autodescritiva] em conexão com e pensamentos” (Perez-Alvarez, 1996, p. 179).
uma quantidade de autoestimulação adicional. Esta
pode assumir praticamente o controle completo; E nesse sentido que Kohlenberg e Tsai (2001) assumem
por exemplo, quando o falante descreve seu próprio como pressuposto o conhecimento e a realidade como algo
comportamento estando com os olhos vendados. de natureza contextual e verbal. Esses autores rejeitam
Nesse caso, o falante e a comunidade reagem a es- a ideia de que qualquer coisa possa ter um a identidade
tímulos diferentes, apesar de estarem intimamente perm anente, como um ente real da natureza: “Até mesmo
associados...” (Skinner, 1957/1978, p. 73). experiências que as pessoas consideram puram ente físicas
são, na verdade, modeladas pela linguagem e pelas expe-
Assim, riências prévias” (p. 5).
“(...) os estímulos privados concomitantes aos es- Diferente disso, o “eu” que emerge das relações com
tímulos públicos (dos quais a comunidade verbal a com unidade verbal não é um “eu” concreto e objetivo,
se vale para ensinar o autoconhecim ento) servem cuja preocupação para a ciência deva ser u m a descrição
ao falante como controle privado. Enquanto para objetiva do que ele é. Temos acesso a um “eu” narrativo,
os outros a referência é um evento público, para o no sentido de que ele consiste em um a construção verbal.
sujeito sua referência é, acima de tudo, um certo E o indivíduo que, ao agir e observar sua própria experi-
tipo de evento privado (...) que pode passar a ser ência, a descreve tal qual esta experiência o permite (Pérez-
o controle antecedente para novas instâncias, que Álvarez, 1996).
não foram treinadas pela com unidade” (Perez- Nessa relação com o ambiente, com o próprio corpo
Alvarez, 1996, p. 179). em ação, com os corpos e ações dos outros indivíduos
e com a linguagem (da com unidade e, posteriorm ente,
Deste m odo, estabelece-se um responder verbal auto- do próprio indivíduo) tecendo relações verbais sobre
descritivo sob controle parcial de estímulos privados. Tal todas estas instâncias se estabelecem as narrativas sobre >;
estimulação privada será necessariamente com ponente mesmo, as quais são únicas e, ao mesmo tem po, intima-
de diferentes tipos de respostas autodescritivas, tais como m ente relacionadas com valores e normas da comunidade
aquelas relativas a comportam entos em curso, com porta- na qual ele está inserido.
m entos ocultos (que podem ocorrer em um a m agnitude
tão reduzida a ponto de serem imperceptíveis aos outros),
C O N SID ERA ÇÕ ES FIN A IS
com portam entos passados, previsões sobre com porta-
m entos futuros e descrições de variáveis de controle do O objetivo deste capítulo foi abordar o conceito de
próprio com portam ento (Skinner, 1957/1978). personalidade sob o ponto de vista behaviorista radical,
A partir de diferentes e múltiplas experiências nas quais baseado na atuação dos analistas do com portam e n ta
o único elemento com um é o próprio sujeito da ação (o Dessa maneira, a descrição de fenômenos chamados ce
eu), estabelece-se gradativam ente u m tipo de controle “personalidade” leva em consideração, diferentemente ca
discriminativo, a partir do qual se estabelece um a classe de outras abordagens psicológicas, que:
comportamentos de ordem superior, sob controle (parcial) • Personalidade diz respeito a padrões de comporta-
de variáveis privadas: m ento, explicáveis por contingências a que os indi-
“O falante pode dizer ‘eu vejo, tenho, sinto, que- víduos foram submetidos em suas vidas. Assim, œ
ro, faço...’ em um a diversidade de circunstâncias padrões de com portam ento são frutos tanto dessas
novas, incluindo a ausência de qualquer controle contingências quanto de um substrato físico, resul-
externo. Finalmente, o eu alcança a unidade fun- tante de seleção natural e da variabilidade da espécie.
cional de todas as atividades (do sujeito). Esta ter- M udanças no ambiente selecionam reações mais ou
ceira etapa constituiria propriamente a emergência menos prováveis de cada indivíduo (variações expli-
do eu como unidade funcional, um a vez que ele cadas pela variabilidade observada nos sentidos de
sintetiza o controle dado pelos estímulos privados. cada indivíduo em relação aos outros membros da
Personalidade 153

espécie) e fazem com que várias ações passem a ser relações indivíduo-am biente são necessárias para
mais ou menos prováveis em situações semelhantes que “problemas de personalidade” (ou de padrão de
subsequentes. Esse ambiente, em especial o ambiente com portam ento, como preferimos) sejam adminis-
social (o mais im portante para o ser hum ano), é trados e/ou dirimidos
m odulado pelas contingências culturais, ou seja, é • O conhecim ento dessas relações entre indivíduo e
razoavelmente estável, a ponto de se reproduzir com seu am biente físico e social pode explicar, inclu-
certa regularidade, m antendo o padrão de com por- sive, as variações observadas que venham a ser clas-
tam ento do indivíduo sificadas como problem as de personalidade, ou
• Exatam ente porque tem evidências de que esses problemas psicopatológicos. Esse tema será abordado
padrões de com portam ento são plásticos, a Análise no próximo capítulo, seguindo essas diretrizes aqui
do C o m p o rtam en to investiga que m udanças nas apontadas para explicar a “personalidade”.

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