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O CORPO DO ANALISTA:

CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO, IMAGINAÇÃO1

Eliana Borges Pereira Leite*

RESUMO

Este trabalho trata da presença de sensações e manifestações corporais entre


os efeitos que a escuta produz no analista, acompanhando seus processos associa-
tivos e de alguma maneira relacionados com o que acontece na sessão. Estes efeitos
estão presentes especialmente na clínica dos chamados “casos difíceis” nos quais está
em jogo a dificuldade de representar, mas também podem ocorrer em momentos
críticos de qualquer análise, exigindo elaboração. Para examinar estas manifestações,
é sugerida uma aproximação entre o trabalho do analista e o trabalho do ator, que tem
no corpo seu instrumento principal. O método de Constantin Stanislavski oferece ao ator
meios de construir as características físicas e psíquicas da sua personagem com
naturalidade e é utilizado para um diálogo com as formulações de Freud sobre a prática
psicanalítica, de modo a permitir uma reflexão sobre a presença do corpo do analista
na dinâmica da sessão.

Palavras-chave: Escuta. Corpo. Teatro. Figurabilidade.

Que nome podemos dar a essas correntes invisíveis


que usamos para nos comunicar uns com os outros?
Algum dia, este fenômeno será objeto
de pesquisa científica.
Constantin Stanislavski (1936/2002)

1
Este trabalho tem como ponto de partida
Este trabalho é baseado na tese de
doutorado A escuta e o corpo do analista, uma questão que, com certa freqüência, aparece
desenvolvida na PUC-SP, sob orienta- entre as considerações finais de artigos e livros
ção do Prof. Dr. Renato Mezan e com que tratam da clínica psicanalítica. Não é raro que
apoio do CNPq, e defendida em dezem- um autor, ao concluir suas reflexões sobre alguma
bro de 2005. Agradeço à Dra. Leda
Codeço Barone o incentivo para a escrita
categoria clínica, mencione como o contato com
deste artigo. o paciente que a apresenta afeta a escuta do
*
Psicanalista. Membro do Departamen- analista, de que maneira interfere em sua atenção
to de Psicanálise do Instituto Sedes Sa- flutuante e em seus processos associativos, e se
pientiae. Doutora em Psicologia Clínica, refira à ocorrência de sensações e manifestações
PUC-SP.

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corporais como um efeito particular, um analista do que se manifesta em seu


“algo mais” na comunicação analítica. corpo? Sobre esse tema pouco se fala,
Em geral, este efeito é relatado quando a como se abordá-lo pudesse representar
problemática examinada rompe as fron- alguma concessão em relação aos princí-
teiras da neurose e faz pensar em dificul- pios de um método que opera pela pala-
dades de constituição e funcionamento vra. Entretanto, um analista habita um
dos processos de representação, mas tam- corpo que faz parte da situação analítica,
bém pode ocorrer em momentos mais é parte do seu dispositivo, e não deixa de
críticos de qualquer análise. Examinar lhe fazer certa exigência de trabalho como
mais de perto estas manifestações, tentar condição inerente ao surgimento do pen-
abordá-las com os recursos da metapsi- samento e da linguagem de que fará uso
cologia, interrogar o modo pelo qual o na sessão.
corpo do analista participa do seu trabalho
— em sua dupla natureza de investigação Da escuta do corpo ao
e clínica — poderiam ser propostas de corpo em escuta
uma reflexão que, no entanto, quase sem-
pre permanece apenas sugerida. A psicanálise teve de se haver com
O corpo do analista parece ser o corpo desde as suas origens. Foi pelo
resguardado por uma sorte de recato que se manifestava em seus corpos que
investigativo, talvez o mesmo que levou as histéricas chegaram a Freud e o guia-
Freud a colocá-lo fora de vista, mas tal ram em suas investigações iniciais. Um
disposição não o exclui nem faz dele um corpo-cenário, apresentando repetida-
corpo inerte. Quem ocupa a poltrona tem mente o roteiro de uma cena traumática,
na lembrança seus tempos de divã e sabe, corpo reminiscente de uma sedução, nos
certamente, como cada sinal, um movi- primeiros tempos entendida como um fato
mento ou a quietude, a oscilação da voz e da infância, mais tarde como uma produ-
o silêncio, um suspiro, um bocejo, um ção da fantasia. A concepção de um
olhar trocado na entrada ou na saída, aparelho psíquico que recebe, representa
qualquer traço físico ou manifestação e transforma tanto as percepções do
percebida ou imaginada no analista, pode ambiente quanto as sensações corporais
se tornar o motivo de muitas conjeturas esteve presente no pensamento de Freud
que, mesmo silenciadas pelo paciente, desde muito cedo. Passando pela formu-
alimentam o movimento da análise. O lação da teoria das pulsões, das quais é a
ocultamento à visão faz da presença do fonte, o corpo percorreu um trajeto teóri-
analista uma virtualidade, faz do seu cor- co no qual adquiriu diversos registros, até
po o cenário de múltiplas possibilidades lhe ser atribuída, na segunda tópica, a
imaginárias e mobiliza o campo do afeto. condição de sede das experiências mais
Mas como acolhe e o que faz o próprio primárias e fundamentais para a consti-

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O corpo do analista: clínica, investigação, imaginação

tuição do ego. Embora privilegiasse inici- ma, observa a autora, a dificuldade ou a


almente a perspectiva surgida na clínica incapacidade de representar pode matar
das neuroses — na qual o corpo tem o espaço psíquico. De várias maneiras, o
estatuto representacional e participa dos analista se vê hoje solicitado a restaurar,
recursos de expressão simbólica do con- a fazer renascer este espaço, o que o
flito psíquico — a reflexão freudiana, a convoca a se engajar, como ocorreu com
partir das reformulações teóricas de 1920, Freud, em um projeto de redescoberta do
abriu-se a possibilidades mais amplas, psíquico (Kristeva, 1993/2002, pp.15-16).
incluindo situações nas quais as manifes- A ampliação dos horizontes da clí-
tações pulsionais podem não encontrar nica, a partir da revisão da teoria pulsio-
representação no psiquismo. Nessa pers- nal, não só trouxe a possibilidade de aco-
pectiva, o corpo pode ser capturado no lher um leque mais amplo de patologias
extravio da pulsão e tornar-se o palco de como deu origem a novos desenvolvi-
um destino alternativo, o que lança algu- mentos conceituais e solicitou a atenção
ma luz sobre uma variedade de manifes- dos analistas para situações em que se
tações inicialmente não abordadas pela pode fazer necessária a flexibilização da
clínica psicanalítica e que hoje se encon- técnica. Como André Green observa,
tram na ordem do dia. além de implicar a coexistência de dois
A dificuldade de representar é o modelos no pensamento de Freud — o
denominador comum do que, há mais de primeiro baseado no sonho, o segundo na
uma década, Julia Kristeva designou como pulsão — o advento da segunda tópica
“novas doenças da alma”, referindo-se a promove uma mudança de paradigma
problemáticas que se tornaram ainda mais que permite antecipar a inclusão, no cam-
presentes em nossos dias. Seria esta difi- po clínico, dos casos-limites e de outras
culdade o sintoma de uma época, o produ- estruturas que colocam em xeque a téc-
to de mudanças históricas, efeito da vida nica clássica (Green, 2001/2003, p. 486).
moderna sobre as condições familiares e A variedade de formulações que resul-
as dificuldades infantis? As somatizações, tam desta ampliação dá testemunho da
os estados-limites e os falsos-selves — e, vitalidade do pensamento psicanalítico,
poderíamos acrescentar, o pânico, as adi- de sua capacidade de renovação, mas
ções e as depressões — seriam variações não deixa também de produzir alguma
contemporâneas de carências narcísicas inquietação. Por certo, cada analista se
presentes em todas as épocas? Ou, por constitui à sua própria maneira e percorre
outra perspectiva, esta dificuldade passa um caminho singular em sua formação.
a se configurar a partir de uma mudança Porém, a multiplicidade de perspectivas
na escuta dos analistas que vem se refi- pode chegar a dificultar o reconhecimen-
nando na apreensão de problemáticas to e a manutenção de referências comuns
antes não percebidas? De qualquer for- entre as várias práticas ditas psicanalíti-

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cas, bem como a elucidação de suas crevem numa lógica prática, cuja vali-
diferenças. dade não resulta do seu valor de verdade
É neste contexto que me parece mas do seu valor de inteligibilidade. O
pertinente e instigante retomar a vertente método psicanalítico tem como objeto “a
indicada por Ferenczi, que tanto insistiu aventura intrapsíquica que se estabelece
na importância de investigar os processos em cada cura” e se adapta a cada situa-
em jogo do lado do analista, para nela ção intersubjetiva do vínculo entre o paci-
inscrever uma reflexão sobre o que se ente e o analista, vínculo que não se
passa com o corpo que ocupa a poltrona. confunde com uma relação interpessoal,
A especificidade da escuta analítica — os pois “diz respeito às induções recíprocas
processos que nela operam e a ruptura de dois aparelhos psíquicos em comuni-
que ela efetua em relação à escuta médi- cação” (Widlocher, 2001/2003, pp. 52-
ca — é a marca de origem da psicanálise, 53). O consenso sobre o valor de um novo
seu selo de garantia, e se o corpo do conhecimento, de um modelo ou de um
analista vem sendo cada vez mais menci- conceito gerado pelo método psicanalíti-
onado como uma superfície de repercus- co não é obtido por meio de replicação
são desta escuta, sujeita hoje à incidência experimental ou pelo teste de sua adequa-
de formas de organização psíquica que se ção a uma situação real, mas pela con-
fazem sentir mais do que se dão a ouvir, frontação das comunicações entre psica-
talvez seja o caso de retirá-lo da penum- nalistas de suas observações clínicas, na
bra e de investigar mais de perto como ele medida em que certos fenômenos podem
se inscreve e toma parte no desenrolar de ser por eles identificados e definidos em
uma análise. termos análogos. Na psicanálise, o julga-
Do ponto de vista metodológico, mento de inteligibilidade ocorre pela con-
coloca-se de início a questão do investiga- frontação de modelos, pelo questiona-
dor que investiga a si mesmo, com a qual mento do que pode faltar em um modelo
a psicanálise convive desde que Freud em relação a outro e pelo constante exa-
começou a analisar seus próprios sonhos me da articulação entre a teoria, a clínica
e deste procedimento inédito fez surgir e a técnica que ele deve possibilitar
uma concepção do aparelho psíquico e (Widlocher, 2001/2003, pp.54-58). Inves-
uma teoria do seu funcionamento. A esta tigar os processos que se passam do lado
questão, Daniel Widlocher responde ob- do analista, inclusive os que o afetam
servando que é preciso reconhecer como corporalmente, poderia contribuir para
diferencial do método psicanalítico uma ampliar a inteligibilidade do próprio funci-
racionalidade que não repousa sobre os onamento do método, tão mais necessária
mesmos princípios que sustentam as ci- quanto mais se defronta o analista com
ências naturais. Os conhecimentos que solicitações que lhe exigem flexibilidade
ela formula não são refutáveis e se ins- em relação às modalidades de trabalho

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O corpo do analista: clínica, investigação, imaginação

desenvolvidas no contexto da clínica das res extraverbais produzam efeitos que se


neuroses. combinam com a linguagem. “A comuni-
Frente à necessidade de resgatar cação verbal (representações de pala-
referências e de detectar dificuldades e vras) é acompanhada pelas representa-
variações surgidas em conseqüência da ções de coisas, pelos afetos, pelos esta-
ampliação do campo, a situação clínica é dos do próprio corpo”, diz Green, acres-
o terreno natural de investigação e refle- centando que os efeitos de sentido se
xão. Algumas considerações de André distribuem em diferentes registros, porta-
Green a respeito das características da dores, em diversos graus, de tensões que
comunicação nesta situação oferecem podem perturbar a continuidade do dis-
indicações do modo pelo qual o corpo — curso e provocar efeitos disruptivos. Do
tanto do paciente como do analista — é lado do analista, torna-se necessário “um
nela incluído. Para Green, na análise o modo de atividade psíquica que desempe-
corpo trabalha: nha o papel de receptor complementar: a
regressão formal “ (Green, 2001/2003,
Ele se esforça para trabalhar e se comu- pp.477-482).
nicar na ordem do psiquismo inconsciente Também pensando na especifici-
e da fala. O mesmo ocorre no que se refere dade da situação analítica, no que permite
ao analista — há pacientes que nos dão distingui-la de outras práticas, César
dor de cabeça, que provocam no analista
Botella chama a atenção para a importân-
estranhas sensações, às vezes até mo-
mentos de confusão, outros de irritação,
cia do funcionamento regressivo que une
angústia e até mesmo reações somáticas na sessão o psiquismo do analista e o do
(Green, 1990, p. 67). paciente:

A situação analítica se caracteriza É da regressão e de suas particularida-


como uma troca entre duas partes, analis- des que dependem as dinâmicas que sus-
citam e determinam os processos de mu-
ta e analisando, que elegem o canal verbal
dança do tratamento; ela é essencial para
como modo de comunicação. No entanto, a apreensão dos acontecimentos, para além
a relação entre o modo de comunicação do que o procedimento e a técnica podem
escolhido, a natureza do que é comunica- prever, e além da circularidade dos prelimi-
do e o objeto da comunicação é problemá- nares teóricos (Botella, 2001/2003, p. 428).
tica, pois a linguagem exerce um impacto
tanto sobre a expressão do que se dá a O estudo das modalidades e da
conhecer do psiquismo do analisando quan- amplitude da regressão permite, segundo
to sobre a recepção por parte do analista. este autor, que analistas de diversas ten-
Os planos de organização do aparelho dências se situem uns em relação aos
psíquico não são homogeneamente sensí- outros, em função do modo de considerar
veis a este impacto, permitindo que fato- a regressão na prática de cada um. Botella

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retoma o roteiro da noção de regressão na do seu próprio pensamento que Freud


obra de Freud, lembrando que ela é for- pôde apreender os fundamentos de
mulada em relação ao movimento retró- sua teoria”. E acrescenta: “Isso nos
grado do trabalho do sonho, possibilitando parece essencial para captar a especifici-
a transformação do conteúdo onírico em dade e a originalidade tanto da psicanálise
imagens de natureza alucinatória e confe- quanto da pesquisa em psicanálise”
rindo a este conteúdo uma inteligibilidade (Botella, 2001/2003, p. 432). O contato
sob a forma da figurabilidade. Embora regressivo com as dificuldades de certos
parcialmente inibida, a regressão não dei- pacientes em deixar de repetir suas expe-
xa de estar presente na vida diurna em riências mais sofridas, a manifestação da
diversas situações, e é particularmente reação terapêutica negativa, o interesse
favorecida pelas condições da sessão renovado pelo sonho, em particular o
analítica. A importância da regressão for- sonho da neurose traumática, e pelo jogo
mal, bem como da metapsicologia de repetitivo de seu neto com o carretel
1900, do modelo do sonho, ficou em parte atraíram a atenção de Freud para proces-
negligenciada durante o período em que o sos psíquicos que escapam ao regime do
foco da investigação teórica privilegiou a princípio do prazer, distintos daqueles
dinâmica das representações, como nos característicos das lembranças recalca-
trabalhos metapsicológicos de 1915. En- das. A reflexão teórica transitou do cená-
faticamente, Botella defende a sua rio das representações para o movimento
revalorização e a articulação dos dois pulsional, sem que a via regrediente da
momentos da metapsicologia, de modo a escuta deixasse de ser o meio de apreen-
poder acolher tanto os processos der a clínica. Parafraseando Freud, Botella
representacionais quanto os movimentos sugere: “As condições regressivas da
pulsionais, o além da representação que, sessão formam a via real que leva ao
na clínica dos nossos dias, se manifesta conhecimento dos processos inconscien-
pela via regrediente e requer uma inteligi- tes” (Botella, 2001/2003, p. 433).
bilidade pela figurabilidade (Botella, 2001/ Nas considerações destes três au-
2003, pp.429-431). tores encontram-se entrelaçadas as ques-
Indo ao encontro das considera- tões que me motivam a prosseguir na
ções de Widlocher, Botella também se linha de investigação que comecei a per-
refere à participação da via regrediente correr em trabalho anterior (Leite, 2001).
na produção da teoria por Freud, tanto na Minha inquietação era — e, vale dizer,
primeira tópica, a partir da análise dos continua sendo — com os efeitos das
seus próprios sonhos, quanto a partir de mudanças constatáveis na clínica con-
1920, quando fica claro que o sonho pode temporânea sobre a prática da psicanáli-
ser algo além da realização de um desejo se, descrita por seu criador como método
infantil: “... foi no estudo da regrediência de investigação e tratamento do mal-

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O corpo do analista: clínica, investigação, imaginação

estar humano, sobre o modo de conceber cessos mais primários de inscrição pulsio-
o dispositivo clínico, a situação psicanalí- nal que permite entrever, já na reflexão
tica e, em particular, a escuta do analista. freudiana, a possibilidade de uma trans-
Como modalidade de recepção do que se formação do modelo do sonho capaz de
passa com o analisando, esta escuta vem revelar outras faces de sua potência heu-
sendo solicitada a se transformar para rística e de lançar alguma luz sobre as
acolher as problemáticas que tomam for- solicitações com as quais os psicanalistas
ma na psicopatologia do nosso tempo. vêm se defrontando cada vez mais em
Frente a novas exigências, seria ainda seus atendimentos. Tanto quanto em seus
possível afirmar e preservar a referência primórdios, a psicanálise se encontra hoje
ao sonho como paradigma da constituição às voltas com a tarefa de construir uma
da situação psicanalítica e dos processos inteligibilidade, como diz Widlocher, para
que caracterizam a escuta do analista e aquilo que a aplicação do seu método
seu funcionamento psíquico, precedendo permite desvelar. A pesquisa, como os
e alimentando suas intervenções na ses- autores mencionados são unânimes em
são? Ao reconhecer o trabalho do corpo afirmar, é inerente à situação analítica,
entre estes processos, seria ainda possí- sendo suas marcas essenciais a especifi-
vel manter a correspondência, sugerida cidade do envolvimento do analista na
por Freud, entre o dispositivo analítico e o situação, a natureza singular do vínculo
espaço em que se produz e se dá a ver o que nela se instala, e o movimento regres-
sonho? sivo que favorece a revelação do funcio-
As respostas, a meu ver, são namento intrapsíquico. Face à multiplici-
afirmativas. A referência ao sonho conti- dade de novas formulações, é mais uma
nua a ancorar qualquer possibilidade de vez na fecundidade dos modelos freudia-
compreensão dos processos que emer- nos, nas suas potencialidades de renova-
gem e se desenrolam na situação analíti- ção e desenvolvimento que se encontram
ca, por mais que esta esteja sujeita, em as coordenadas que permitem navegar
nossos dias, a condições que podem ser em meio à dispersão.
bem diferentes daquelas que permitiram A ampliação do campo e a mudan-
a Freud realizar suas primeiras descober- ça de perspectiva introduzida pela segun-
tas. Tanto André Green como César da tópica tiveram efeitos significativos
Botella se referem à ampliação que a sobre a situação analítica, que passou a
segunda tópica promove quanto ao alcan- ser concebida em estreita relação com as
ce do método psicanalítico, e ambos subli- dinâmicas mais inaugurais e delicadas da
nham o interesse renovado de Freud pelo vida psíquica, ou seja, com as condições
sonho, a partir do enigma do sonho repe- de possibilidade da ligação da pulsão à
titivo da neurose traumática. É justamen- representação. Em correlação com esta
te este movimento em direção aos pro- mudança de ponto de vista, muda também

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a perspectiva pela qual levar em conta o essencialmente, se não unicamente, na


sonho como modelo do funcionamento idéia de interpretar, mas também conside-
psíquico extensível à sessão, amplia-se o rarmos as qualidades criadoras que são
seu alcance. Se a psicanálise, num pri- inerentes ao funcionamento psíquico,
poderíamos, a partir delas, do seu estudo
meiro momento, atribuiu ao sonho sua
nas sessões, começar a refletir sobre uma
importância paradigmática como via re- teoria e uma prática na qual o modelo já não
gia para o inconsciente por meio da inter- seria o da interpretação do sonho, mas o
pretação, a esta se acrescenta, na atua- estudo dos processos criativos, constru-
lidade, a importância de considerar as tores do psiquismo, na sessão como no
condições e vicissitudes da sua produ- próprio sonho. O modelo seria o do traba-
ção, já que, como Freud percebeu ao se lho do sonho, a investigação das qualida-
defrontar com o sonho da neurose trau- des que ele contém, além das que já descre-
mática, um longo caminho deve ser per- veu Freud (Botella, 2000, p. 233).
corrido para que seja possível sonhar. São
as marcas deste caminho, suas diversas Por essa perspectiva, a figurabili-
possibilidades, impasses ou impedimen- dade pode ser considerada não só como o
tos, a maior ou menor integração destes processo de transformação dos pensa-
processos desde os primórdios da vida mentos latentes em imagens visuais, como
psíquica, ou mesmo seu colapso, que cada Freud a definiu, mas também como o
analista é convocado a encontrar em trabalho pelo qual a pulsão não ligada
certas situações junto a cada analisando. encontra uma forma inicial de ingressar
Nestas condições, como observa Botella, na dinâmica psíquica. Na situação analí-
é preciso que o analista tenha disponibili- tica, o corpo se inscreve como uma super-
dade para abrir sua escuta à regressão fície de recepção e de passagem da
formal, uma regressão de natureza aluci- pulsionalidade não ligada, uma interface
natória, cujo alcance pode, por alguns de afetação ativada na regressão aluci-
momentos, transpor os limites da repre- natória do analista — que acompanha a
sentação. Numa formulação que vem ao regressão do analisando — e da qual se
encontro do meu pensamento, ele afirma: sustenta sua atividade figural de nome-
ação e construção2.
É possível que nossa cientificidade se O trabalho do sonho, Freud co-
apóie no estudo do sonho... Se não nos menta, tenta diversas vezes até chegar a
limitarmos a considerar a análise, sua teo- ser bem-sucedido. A angústia indica sua
ria e prática, como uma disciplina fundada insuficiência, seus impasses, e pode até

2
Em A figura na clínica psicanalítica (2001) sustentei a hipótese de que a psicanálise é um método de
construção e interpretação figural, tomando como referência a noção literária de figura, tal como é estudada
pelo romanista Erich Auerbach, e buscando uma aproximação desta noção literária com a figurabilidade
que opera no sonho e na sessão analítica.

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O corpo do analista: clínica, investigação, imaginação

interrompê-lo. Frente a certos impactos, quais o analista trabalha e se comunica


o aparelho de sonhar pode não dar conta com seu paciente” (Fédida, 2000, p. 4).
da sua tarefa de representação, elabora- Interessado em promover um retorno
ção e preservação da atividade psíquica. revitalizador sobre a noção de regressão,
No contexto da sessão, é a atualização Fédida sublinha a importância da percep-
destas situações que submete a escuta ção endopsíquica e das transformações
analítica às experiências mais intensas, com as quais o analista opera em sua
inclusive na forma de sensações corpo- atividade interna, e de que este se dê
rais. Tais experiências se caracterizam conta do material psíquico de que se serve
pelo predomínio de registros extraverbais para escutar, construir e interpretar: “A
de constituição do sentido que estão pre- materialidade deste material não é ape-
sentes nesta comunicação, e sua investi- nas uma produção do paciente, mas pro-
gação se inscreve no campo do estudo cede, no essencial, da capacidade aluci-
das modalidades e da amplitude da re- natória do analista, na forma hipnóide da
gressão, tema de interesse para uma pes- sua atenção flutuante” (Fédida, 2000, p. 7).
quisa dos fundamentos da prática psi- Numa perspectiva que dá desta-
canalítica atual. que aos processos criativos presentes no
Também para Pierre Fédida é cada psiquismo e também converge para uma
vez maior a importância de integrar o revalorização da figurabilidade, encon-
corpo na reflexão psicanalítica em dire- tra-se a discussão desenvolvida por
ções diferentes daquelas inicialmente Cornelius Castoriadis, em um dos seus
indicadas pela histeria. Em suas palavras, últimos trabalhos, sobre a antinomia que
“o aprofundamento psicanalítico da ques- marca a obra de Freud quanto ao tema da
tão do corpo mostra o que é feito do imaginação. Na leitura crítica oferecida
corpo do analista no tratamento, isto por este instigante pensador, destaca-se o
é, revela como na prática psicanalítica paradoxo de que Freud, autor de uma
e psicoterápica muitas coisas são im- obra na qual se poderia dizer que a imagi-
pressionadas sobre o corpo do analis- nação tem um lugar central e constitutivo
ta” (Fédida, 1999, p. 81). Referindo-se às da psique, faz todo empenho em apresen-
dificuldades no atendimento de patologias tar as produções psíquicas, em especial a
graves, como os estados-limites, os trans- fantasia e o sonho, como uma simples
tornos narcísicos e os comportamentos recombinação de coisas vividas e escuta-
aditivos, ele observa que tais situações das, de maneira a encobrir e minimizar a
dão testemunho da existência de proces- força criadora que lhes dá origem. Ao
sos regressivos que remetem a forma- tratar do trabalho do sonho, Freud dá
ções arcaicas da vida psíquica e a carên- relevo especial, entre os processos pri-
cias vitais. “No entanto”, comenta, “ge- mários, às operações de deslocamento e
ralmente nada se diz das condições nas condensação, afirmando, ao mesmo tem-

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po, que o sonho não pensa, não calcula, (ou do Id) um não-consciente que é o
não julga, mas se limita a transformar. corpo vivo, como corpo humano animado,
Para Castoriadis, esta é uma posição em continuidade com a psique. (...) Há uma
ambígua. Como ele assinala, tal transfor- presença do corpo vivo a ele próprio,
inextrincavelmente misturada com o que
mação não é de uma coisa qualquer em
consideramos habitualmente como os
outra coisa qualquer. Portanto, há no “movimentos da alma” propriamente di-
trabalho do sonho alguma forma de julga- tos. E há homogeneidade substantiva, fla-
mento, de pensamento, assim como em grante, evidente e incompreensível entre a
qualquer atividade criativa — seja ela a psique e o soma da pessoa singular (...)É
música, a escrita, ou qualquer outra —, também sob este ângulo que deveríamos
pois nenhuma obra surge somente da considerar a idéia de uma imaginação sen-
pura inspiração. Na mesma medida, a sorial e, mais geralmente, corporal
colocação em imagens em que consiste a (Castoriadis, 1991/1000, p. 273).
consideração pela figurabilidade também
está sujeita a alguma lógica própria, um Uma imaginação corporal, uma fi-
trabalho criador, sem o qual o sonho não gurabilidade que nasce no corpo — em
seria interpretável. A figurabilidade não múltiplas sensações viscerais, cinesté-
é uma operação coadjuvante do so- sicas, táteis, acústicas, visuais — e que,
nho, mas uma de suas condições, e no silêncio da sessão, movimenta o funci-
como questão em aberto é análoga à da onamento psíquico do analista em sua
delegação pela qual se constitui o repre- atividade de construção de uma lingua-
sentante da pulsão. O infigurável se torna gem singular em cada análise. Como
figurável ou figurado de alguma maneira. começar a desvelar um espaço tão íntimo?
No entender de Castoriadis, pelo trabalho
criador e indeterminável da imaginação O ator e o analista:
(Castoriadis, 1991/1999, pp. 264-265). uma aproximação possível
A criação corresponde “à obriga-
ção e ao trabalho permanente da psique Não raro, ao procurar um ponto de
de dar figurabilidade ao que, por si só, partida para abordar uma questão, Freud
não tem figura para a psique” recorria a outros campos da cultura com
(Castoriadis, 1991/1999, pp. 266-267). os quais tentava estabelecer contrapontos,
Avançando em sua proposição de confe- analogias, paralelismos que lhe permitis-
rir à imaginação o papel instituinte do sem construir caminhos de pensamento
humano e do social, Castoriadis indica até chegar ao que seria próprio da psica-
uma direção ainda mais radical: nálise. Muitas vezes a ciência e a literatu-
ra foram parceiras deste trabalho de cons-
Devemos postular, “para trás” do in- trução da teoria. Em algumas oportunida-
consciente freudiano, ou “abaixo” dele des, foi na arte teatral que encontrou os

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O corpo do analista: clínica, investigação, imaginação

recursos para refletir sobre certas proble- em termos de uma outra cena.
máticas constitutivas do humano. Perso- As considerações de Mannoni con-
nagens do teatro, Édipo e Hamlet, em tribuem para um exame mais atento da
particular, foram tomados como modelos aproximação entre o teatro, o sonho e a
de conflitos fundamentais da vida psíqui- situação analítica, aproximação mediada
ca. No, entanto, não se encontra na obra pela referência a um espaço, um disposi-
de Freud uma reflexão a respeito do tivo com seus elementos e transforma-
trabalho do ator, da singularidade do seu ções. O sonho, considerado por Freud
lugar, nenhuma tentativa de análise sobre como uma manifestação cifrada cuja in-
os processos que poderiam estar em jogo terpretação desvela o desejo inconscien-
quando o ator constrói e desempenha um te, dá origem inicialmente ao modelo do
papel, no exercício do seu ofício. A natu- aparelho psíquico que toma a forma de
reza do trabalho do ator e o que nele se um instrumento óptico com suas opera-
movimenta a partir do seu encontro com ções e efeitos, e este se estende à própria
o texto que irá pôr em cena são questões sessão analítica. Porém, nesta concep-
que não parecem tê-lo instigado, ao con- ção, apresentada no capítulo VII da In-
trário do que ocorreu em relação ao es- terpretação dos sonhos, o analista figu-
pectador e ao autor — o escritor criativo, ra como intérprete ou decifrador de um
o poeta —, sobre os quais algumas hipó- texto enigmático, um tradutor. Acompa-
teses foram elaboradas. nhando as primeiras descobertas de Freud,
Os recursos do teatro como arte, num artigo em que examina o parentesco
seus meios de expressão, embora não entre o sonho e a transferência, Mannoni
investigados diretamente, estão presen- nos lembra que, em uma primeira fase, à
tes no pensamento de Freud, que deles se época dos Estudos sobre a histeria, a
apropria — como faz com elementos de transferência foi entendida unicamente
outros campos, a física, a geologia — por meio do deslocamento e da repetição,
para tecer comparações, construindo como um obstáculo à recordação e ao
metáforas e adotando os termos que lhe trabalho da análise. O deslocamento,
parecem próprios para expressar seu mecanismo essencial na compreensão do
pensamento e dar materialidade à teoria. sonho, é o elemento comum aos dois
Nos escritos de Freud, como observa fenômenos, e “a transferência (sobre o
Octave Mannoni, “pode-se dizer que, com analista) na cura ainda é apenas um caso
muita freqüência, a vida psíquica é toda particular da transferência do desejo in-
ela comparada a um teatro com seu palco, consciente sobre uma outra representa-
seus bastidores e seus personagens” ção suscetível de se substituir a algum outro
(Mannoni, 1988/1992, p. 8). O exemplo objeto” (Mannoni, 1969/1973, p. 160).
mais imediato desta aproximação é, sem É com a análise de Dora, iniciada
dúvida, a conhecida descrição do sonho algum tempo depois da redação de A

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interpretação dos sonhos, que se impõe ras, não cessou de se defrontar com o
a Freud uma ampliação da compreensão alcance desta implicação que ultrapassa
da transferência e da sua relação com o em muito a concepção relativamente res-
sonho. O que se torna necessário admitir trita na qual Freud pensava, de início,
é que a transferência traz para o terreno poder manter a prática analítica. Neste
do jogo da análise, ou seja, para a cena sentido, J.-B.Pontalis observa que, a par
analítica, o que está representado e enco- da extensão que acabou tomando a noção
berto na cena do sonho: “Em todo caso”, de contratransferência, da qual Freud
comenta Mannoni, “nada seria compre- pouco se ocupou, merece atenção a ma-
ensível se não fosse preciso admitir que neira como os analistas se referem hoje
Dora chega com um roteiro já constituído; ao que sentem no atendimento de seus
os papéis já estão escritos e prontos para casos difíceis, com expressões como “pa-
ser distribuídos, o cenário instalado, com ralisado’’, “petrificado”, “bombardeado”,
a porta por onde, se nada mudar, ela “indefeso”, para nomear sensações de
sairá” (Mannoni, 1969/1973, p. 162). O impotência e de falta de recursos experi-
equívoco de Freud foi não ter reconheci- mentadas no próprio corpo. E esclarece:
do o papel que lhe havia sido designado. O
acting out de Dora lhe ensinou que, além Ocorre que, na dupla função que o
do deslocamento entre representações, constitui como analista — intérprete e
há na análise um espaço para a ação no objeto-suporte da transferência — a se-
qual a transferência se manifesta como gunda vem ocupar todo o espaço, mas
mudando radicalmente de sentido: o ana-
um script, e isso finalmente o leva, subli-
lista já não é exatamente um simples supor-
nha Mannoni, “a tratar a cena do sonho, o te, que permaneceria diferenciado de quem
teatro do acting out e o ‘terreno do jogo’ ele é em sua realidade, mas é efetivamente
da transferência como projeções do mes- visado. Os efeitos são sentidos nele, ge-
mo espaço” (Mannoni, 1969/1973, p. 163). ralmente após certo tempo, física e mental-
Já não basta que o analista se considere mente, estando este “e” a mais, pois ele se
como um intérprete dos deslocamentos, sente tão paralisado nos movimentos do
um decifrador de enigmas. O percurso da seu corpo quanto em seu “movimento”
noção de transferência indica-lhe uma associativo (Pontalis, 1974/1977, p. 211).
outra posição, na qual ele está implicado
no próprio desenrolar do roteiro que se Estar em cena como analista é
atualiza na cena analítica, e na qual se põe viver, com freqüência, situações nas quais
em jogo o reconhecimento ou não de um é intensa a pressão para deixar de sê-lo.
papel, o que pode decidir, como Freud É expor-se aos efeitos da transferência
aprendeu, os rumos de uma análise. ou de além dela, vindos dos limites do
De Dora até nossos dias, a clínica, analisável. Questões que colocam em
na medida em que ampliou suas frontei- jogo o exercício do ofício e cuja investiga-

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O corpo do analista: clínica, investigação, imaginação

ção talvez tenha a ganhar com o recurso para se movimentar em cena, continuou a
àquele elemento do teatro em que Freud dirigir, ensinar e escrever até sua morte,
não se deteve: o trabalho do ator. Entre as em 1938. Seu primeiro livro, A prepara-
duas situações, a do teatro e a da análise, ção do ator, foi publicado em 1936, nos
qualquer aproximação tem necessaria- Estados Unidos, antes de ser editado na
mente um limite, pois não se trata para o própria Rússia. Foi, portanto, contempo-
analista de atuar, pelo menos não no râneo de Freud, e estas poucas indica-
sentido de personificar física e intencio- ções sobre sua vida, bem como a natureza
nalmente um papel, passando à ação. e a importância da sua obra, ajudam a
Mas há também uma tensão, pois ele o lançar alguma luz sobre a ausência de
recebe, até mais de um em cada análise, uma reflexão sobre o ator nas referências
e isso o afeta, exige um trabalho de freudianas ao teatro. Antes de Stanislavski,
elaboração, talvez como cada novo per- o teatro tradicional, a não ser por raros
sonagem solicite do ator um preparo e atores mais intuitivos, caracterizava-se
uma construção antes de entrar em cena. pela adaptação de recursos de oratória,
Os destinos desta elaboração são dife- por uma técnica que hoje seria classifica-
rentes para um e outro. Contudo, até da como convencional, declamatória e
certo ponto do caminho, talvez suas expe- artificial. Foi a partir da ruptura por ele
riências sejam semelhantes. O ator em- proposta que se tornou possível ao ator o
presta aos personagens suas emoções, e uso de sua emoção e uma elaboração
com elas seu corpo. Talvez, no que ele criativa na composição da personagem.
tem a dizer sobre sua prática e seu méto- Stanislavski nunca pretendeu esta-
do, seja possível encontrar indicações belecer teorias, pois considerava sua arte
que, tanto por afinidades quanto por con- uma busca sempre ativa de novas formas,
trastes, contribuam para construir uma para a qual é necessária uma formação
compreensão da presença do corpo do ampla do ator nos planos intelectual, espi-
analista em sua escuta. ritual, físico e emocional. Receoso de que
Uma referência fundamental para seu pensamento fosse tomado como um
qualquer tentativa de aproximação ao conjunto de regras, hesitou durante muito
trabalho do ator, tal como o conhecemos tempo em dar-lhe forma escrita. Em sua
hoje, é a obra de Constantin Stanislavski. obra mais importante, o mestre russo
O grande mestre do teatro fundou, junta- transmite sua experiência e dá a conhe-
mente com Vladimir Danchenco, em 1897, cer um método que permite ao ator mo-
o Teatro de Arte de Moscou, companhia derno livrar-se de artificialismos e cons-
à qual dedicou toda a sua carreira, tendo truir as características do seu persona-
sido seu diretor por quarenta anos. Atuou gem com independência e naturalidade.
no palco até 1928, quando adoeceu gra- A imaginação, juntamente com o que
vemente. Recuperado, mas incapacitado Stanislavski designa como estado interi-

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Eliana Borges Pereira Leite

or de criação, e a memória das emo- um duplo, como chegou a se referir ao


ções são alguns dos recursos de que o escritor, na carta dirigida ao poeta Arthur
ator deve se valer em seu trabalho, recur- Schnitzler, em 14 de maio de 19223. Pre-
sos que são desenvolvidos ao longo da sua ocupado em inscrever a psicanálise no
preparação — caberia dizer formação campo da ciência, ele relutava em admitir
— e nos quais, naturalmente, o corpo está algum parentesco desta com a arte. Se o
implicado. Explicando a jovens atores a fez, cautelosamente, em relação à litera-
importância da imaginação, ele diz: tura, foi por admirar a sensibilidade de
grandes escritores para observar e retra-
Nossa arte requer que a natureza intei- tar a complexidade da alma humana e não
ra do ator esteja envolvida, que ele se por reconhecer a presença da criativida-
entregue ao papel, tanto de corpo quanto de e da imaginação no trabalho analítico,
de espírito. Deve sentir o desafio à ação, que definia como um método de investi-
tanto física quanto intelectualmente, por-
gação e tratamento. A afinidade que per-
que a imaginação, carecendo de substân-
cia ou corpo, é capaz de afetar, por reflexo,
cebia entre o escritor e o psicanalista
a nossa natureza física, fazendo-a agir repousava sobre o reconhecimento das
(Stanislavski, 1936/2002, p. 103). características literárias dos seus própri-
os escritos. Assim, para que possa ser
Certamente não dispunham desta pensada uma aproximação, ainda que
formação os atores que Freud viu nos exploratória, entre o trabalho do ator e o
palcos de Viena em sua juventude, o que do analista, é necessário, transpondo a
talvez o tenha impedido de vê-los como ambigüidade de Freud quanto às afinida-
artistas criativos, no mesmo sentido em des entre a psicanálise e a arte, conside-
que, já psicanalista, veio a considerar o rar as transformações ocorridas tanto na
poeta, o romancista ou o dramaturgo, concepção do trabalho do ator — que se
capazes de explorar as suas próprias tornou efetivamente criativo e pessoal a
paixões humanas e dar a elas formas partir da ruptura promovida por Stanis-
passíveis de serem compartilhadas. E, lavski — como do lado do analista, com o
ainda que fosse este o caso, mesmo após passar dos anos cada vez mais confronta-
seus revezes com Dora e a ampliação da do com as exigências da clínica além dos
noção de transferência seria muito pouco limites imaginados por seu criador.
provável que, em relação ao trabalho do A proposta é convidativa, porém
analista, Freud pudesse tomar o ator como ultrapassaria os limites deste artigo.

3
Esta carta não se encontra nas Obras Completas de Freud. Noemi Moritz Kon, em seu livro, Freud e
seu duplo (S. Paulo: EDUSP/FAPESP, 1996, pp.128-129) , emprega a versão transcrita por Jones em A
vida e a obra de Sigmund Freud (Rio de Janeiro: Imago, 1989, vol. 3, pp.430-431), e relaciona outras obras
em que esta carta é citada parcial ou integralmente.

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O corpo do analista: clínica, investigação, imaginação

A título de indicação do que esta desenvolver através de um constante


aproximação pode propiciar, vale adian- trabalho interior. Cada ator precisa re-
tar que a leitura de A preparação do alizar um trabalho de descoberta de suas
ator revela pontos de vista que, nascidos características humanas, boas e más,
da experiência do teatro, são muitas ve- mesmo quando estas não se manifesta-
zes convergentes com os da psicanálise, ram em sua vida, num processo que evo-
desconhecida por Stanislavski. Para o ca o da análise do analista.
diretor, o ator deve ter por objetivo utilizar Como Stanislavski em relação ao
sua técnica para fazer da peça uma rea- teatro, Freud também hesitou em escre-
lidade teatral, termo que evoca, no leitor ver e divulgar trabalhos sobre a técnica,
analista, o estatuto da realidade na clínica vendo com ceticismo o valor que tais
e a concepção de realidade psíquica for- escritos poderiam ter para os jovens ana-
mulada por Freud. Sua concepção de listas. No seu entender, a enorme diversi-
imaginação é a de um processo em ativi- dade de constelações psíquicas fazia obs-
dade permanente, tanto na vigília quanto táculo à fixação de regras, sendo mais
no sono, semelhante às concepções freu- importante o conhecimento dos funda-
dianas sobre a atividade da fantasia no mentos da terapia psicanalítica. Strachey,
devaneio e no sonho. Ao criar a vida física na introdução aos escritos técnicos de
de uma personagem, o ator, segundo a 1911-1915, ressalta que Freud nunca dei-
concepção de Stanislavski, cria também xou de insistir em que o domínio da técni-
sua vida psíquica, uma vez que o elo entre ca tinha como condição a experiência
o corpo e a alma é indivisível. A ação adquirida na clínica e, principalmente, na
física é inerente a momentos emocionais análise pessoal do próprio analista. Uma
intensos, e é através de ações e sentimen- leitura da obra freudiana que busque ras-
tos tirados de sua vida real e transferidos trear o lugar do corpo no dispositivo ana-
ao personagem que o ator cria sua vida lítico indica, desde o início, seu reconheci-
física e psíquica. A memória emocional mento de que todos os processos aními-
do ator consiste na sua capacidade de cos, tanto os pensamentos como, e de
evocar sentimentos já experimentados e modo muito especial, os afetos, são acom-
é um elemento essencial do seu processo panhados por manifestações corporais
de criação. Ao utilizar suas emoções, o (Freud, 1890/2001a, p. 118). Por obser-
ator irá encontrar, entre suas lembranças var que, enquanto escuta seus pacientes,
pessoais, aquelas mais especiais, que lhe seu corpo está sujeito a gestos e expres-
permitam expressar sentimentos análo- sões involuntárias que acompanham seus
gos aos do seu papel. Assim, a qualidade processos inconscientes é que Freud de-
do desempenho de um papel depende do cide ocultá-lo, colocando a poltrona à
repertório emocional que cada ator con- cabeceira do divã (Freud, 1913/2001d, p.
segue encontrar em si mesmo, e que deve 135). Inventa, assim, um dispositivo que

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visa tanto a evitar a contaminação da de construção de sentidos. No caso do


transferência pelas interpretações que ator, a técnica inclui, a partir do estudo da
possam ser dadas pelos pacientes aos peça, um uso intencional da imaginação e
sinais corporais observáveis no corpo do da memória pessoal, para despertar tanto
analista quanto a prover este último da as sensações como a emoção e suas
reserva necessária ao trabalho interior manifestações corporais que irão forne-
pelo qual tais sinais possam encontrar seu cer consistência à vida física e às ações
lugar na análise. A posição da poltrona do seu personagem. Para o analista, por
em relação ao divã, a retirada do analista outro lado, a solidão obtida por meio de
do campo de visão do paciente, se justifi- seu recolhimento é a condição de uma
ca pela presença do corpo em sua técnica que dispensa toda a intenção, e na
escuta, em estreita relação com seus qual a atenção flutua à deriva na escuta.
pensamentos inconscientes. Ao escrever Em lugar das circunstâncias criadas por
seu artigo “Sobre a dinâmica da transfe- um autor, que no caso do ator orientam a
rência”, em 1912, Freud já tem em mente atenção e despertam a atividade imagina-
que, como o sonho, a transferência é da tiva, é a fala do analisando que, inadver-
ordem de uma experiência presente, atu- tidamente, toca e desperta a memória, a
alizada, alucinatória, e já não supõe que o imaginação, os pensamentos inconscien-
analista possa se manter na posição de tes, as sensações e manifestações corpo-
tradutor-intérprete, como lhe parecia ini- rais do analista, e estas não se destinam a
cialmente. Em torno dos fenômenos trans- fundamentar uma ação física, mas à re-
ferenciais, cria-se um campo no qual se constituição da dimensão inconsciente
polarizam a tendência a atuar e o tra- presente nas palavras vindas do divã.
balho de discernir, e é preciso reconhe- Não é dado ao analista o tempo de conhe-
cer que aí o analista se depara com cer previamente — como um ator que
grandes dificuldades. No entanto, “não se estuda seu texto — o roteiro transferen-
deve esquecer que estas nos prestam o cial que se apresentará na fala do pacien-
inestimável serviço de tornar atuais e te nem o lugar que nele lhe será designa-
manifestas as moções de amor escondidas do. Porém, o dispositivo analítico é conce-
e esquecidas dos pacientes, pois, em defini- bido por Freud de modo a permitir o
tivo, nada pode ser vencido in absentia ou espaço e o tempo de uma recepção reser-
in effigie” (Freud, 1912/2001c, p. 105). Na vada, cujo instrumento é o inconsciente e
cenografia da análise, o corpo do analista se na qual o corpo está naturalmente impli-
oculta, mas tem sua parte de experiência, cado. O corpo do analista fornece seu
talvez tão intensa quanto a do ator no espaço a uma cena psíquica, revelando,
encontro com o seu papel. por vezes de maneira contundente, sua
Tanto para o ator quanto para o intensidade e natureza, os afetos que ela
analista o corpo é parte de um processo transporta. Mas o trabalho a ser efetuado

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O corpo do analista: clínica, investigação, imaginação

pelo analista prossegue num palco nas bordas da investigação psicanalítica,


interiorizado, afastando-se, neste aspec- como também procura fazê-la trabalhar
to, do trabalho do ator. em benefício de uma elucidação do que
pode estar nos bastidores da cuidadosa
A arte do analista formulação dos princípios que sustentam
a técnica. O que ali se encontra, o que
“Com efeito, o instrumento aními- permanece sombreado, semi-oculto no
co não é fácil de tocar”, escreve Freud, cenário da análise, é o analista em pes-
preocupado em deixar claro, já em 1905, soa. A regra da abstinência orienta a sua
que a psicanálise requer de quem a prati- conduta, diz respeito à sua atitude, mas
ca o conhecimento profundo dos seus não se aplica aos seus processos psíqui-
fundamentos, para dar suporte a uma cos. Ao contrário, ela interpõe um espa-
técnica que não se reduz à aplicação ço/tempo para que estes processos pos-
direta de alguns procedimentos (Freud, sam ser empregados, justamente, como
1905/2001b, p. 251). Mas isso não é tudo, instrumento do ofício. A análise pessoal é
a julgar pelas referências à atividade do o suporte essencial deste emprego, per-
analista como a “arte da interpretação” mitindo ao analista afinar o instrumento,
(Freud, 1923/2001e, p. 235). Ainda que regulá-lo para, na medida do possível,
tendo no horizonte sua aspiração científi- elaborar o que inevitavelmente o implica
ca, Freud deixa aparecer, aqui e ali, por e discernir como isso o informa sobre o
meio de sua linguagem metafórica — que paciente e sobre a situação analítica.
não se contenta em recorrer apenas a Estar à cabeceira de um divã é ir ao
imagens emprestadas do campo da ciên- encontro do que a fala do paciente pode
cia — indícios de uma força de atração fazer ressoar nos recantos de si mesmo,
que mantém por perto, mas a uma distân- é se deixar surpreender por movimentos
cia cautelosa, a arte e seus modos de inesperados do pensamento, e também do
produção. A imaginação, a fantasia e a afeto e do pulsional não pensado, que
especulação criativa são admitidas em fazem aparição no corpo.
certos momentos, sempre acompanha- A arte do analista põe em cena o
das por argumentos que as inscrevem seu próprio inconsciente e obtém sua
como recursos provisórios mas necessá- matéria-prima das múltiplas dimensões
rios para o avanço da investigação e da da memória, dos afetos, dos traços de
descoberta científica. experiências de uma vida real. Comparti-
Aproximar o trabalho do ator e o do lha, assim, das mesmas fontes que ali-
analista é uma tentativa que, talvez de um mentam o “estado interior de criação”, no
modo um tanto atrevido, não só procura qual, como ensina Stanislavski, germina o
tirar proveito desta “licença artística”, trabalho do ator. Daí, a meu ver, o interes-
uma certa flutuação que Freud introduz se e o envolvimento que os ensinamentos

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(71): 79-99, dez. 2006. 95


Eliana Borges Pereira Leite

do mestre do teatro podem despertar no narrativa literária e no escritor a sensibi-


analista que o lê. E também a inquietação lidade compartilhada em relação à alma
que impõe a essa leitura um movimento humana. Uma aproximação ao trabalho
oscilante e uma certa tensão — entre o do ator, tal como é dado a conhecer por
inevitável reconhecimento de semelhan- Stanislavski, talvez lhe parecesse hoje um
ças e a necessidade de demarcar diferen- recurso possível para investigar mais de
ças —, evocando a formulação de Freud perto a experiência do analista em traba-
pela qual as dificuldades do analista se lho. Como dois fios que ora se cruzam ora
colocam entre a tendência a atuar e o se afastam sem se amarrar, os dois ofíci-
trabalho de discernir. Em proporções os têm pontos de contato mas mantêm
diferentes, esta polaridade está presen- entre si um intervalo, dado pelos diferen-
te nos dois ofícios. Se a técnica, no tes destinos do corpo. Intervalo que, na
trabalho do ator, se apropria da tendên- medida do possível, cada analista é con-
cia a atuar e faz dela o meio de expres- vocado a reconhecer e sustentar no inte-
são necessário à vida física do papel, o rior da sua prática, sempre que a fala de
ator encontra seus limites na direção um paciente o afeta e desperta sua ten-
que lhe é dada pelo autor. Sua liberdade dência a atuar na reciprocidade ou na
de atuar encontra nas circunstâncias identificação, no equívoco de tomar-se
da peça tanto os elementos de criação como pessoa pelo personagem ausente a
quanto a fronteira que não pode trans- quem se destinam as demandas transfe-
por, pois não lhe é permitido mudar a renciais ou ainda outras, mais arcaicas. A
trama, decidir com pessoa pelo perso- arte do analista reside em acolher a ver-
nagem. Quanto ao analista, se o traba- dade do afeto reeditado na situação ana-
lho de discernir lhe propõe como condi- lítica sem sobrepor sua pessoa ao destina-
ção a abstinência, seu recolhimento na tário e, quase sempre, em acolher a dor
poltrona não exclui a presença da ima- sem nome do evento traumático. Susten-
ginação e do afeto, bem como do corpo tar o intervalo, fazendo do corpo o espaço
que os experimenta e fornece suas de recepção e transposição das impres-
impressões tanto à atividade associati- sões para o palco do sonho. Fazer do
va, ao trabalho de sonho e de interpre- corpo a matéria da figurabilidade.
tação, quanto ao que o precede, à cons-
trução necessária de certas passagens REFERÊNCIAS
de uma vida psíquica. Uma análise é
uma obra aberta. Botella, C. (2000). SBPdePA entrevista
Freud admitia a presença da imagi- César Botella. Psicanálise: Revista
nação — especulação criativa — na cons- da Sociedade Brasileira de Psica-
trução da teoria, assim como reconhecia nálise de Porto Alegre, 2(1), 225-
em seus escritos o parentesco com a 248.

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SUMMARY

The analyst’s body: clinic, investigation, imagination

This work deals with the presence of sensations and other bodily manifestations
among the effects that listening produces in the analyst, following his associative
processes and somehow related to what happens during the session. This effect shows
up specially in those cases in which the difficulty to represent is at stake, but it may also
happen in any analysis, in critical moments. To investigate these effects, an approach
is suggested with the actor’s work, whose body is the main instrument. Constantin
Stanislavski’s method provides the actor a way to built physical and psychological traits
of a character as naturally as possible and is employed in a dialogue with Freud’s advices
about psychoanalytical practice so as to elucidate the presence of the analyst’s body
in the session.

Key words: Listening. Body. Theater. Figurability (Representability).

98 Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(71): 79-99, dez. 2006.


O corpo do analista: clínica, investigação, imaginação

RESUMEN

El cuerpo del analista: clínica, investigación, imaginación

Este trabajo trata de la ocurrencia de sensaciones y manifestaciones corporales


entre los efectos que el processo de escuchar produce en el analista, acompañando
sus procesos asociativos y de alguna manera relacionados con lo que acontece en la
sesión. Estos efectos están presentes especialmente en la clínica de los llamados
“casos difíciles” en los cuales está en juego la dificultad de representar, pero también
pueden ocurrir en momentos críticos de cualquier análisis, exigiendo elaboración. Para
examinar estas manifestaciones, se sugiere una aproximación entre el trabajo del
analista y el trabajo del actor, que tiene en el cuerpo su instrumento principal. El método
de Constantin Stanislavski ofrece al actor medios de construir las características
físicas y psíquicas de su personaje con naturalidad y es utilizado para un diálogo con
las formulaciones de Freud sobre la práctica psicoanalítica, de modo a permitir una
reflexión sobre la presencia del cuerpo del analista en la dinámica de la sesión.

Palabras-clave: Escuchar. Cuerpo. Teatro. Figurabilidad.

Eliana Borges Pereira Leite


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Recebido em: 30/08/06


Aceito em: 02/10/06

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(71): 79-99, dez. 2006. 99

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