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elementos Ricardo

Rodulfo

novo:

de
psicanálise
da
psicanálise
tradicional
A
'd iscuVo
editora
Copyright 2008: Ricardo Rodulfo

Copyright 2023:JSFONTOURA EDITORA


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Direção Editorial: Josias S. Fontoura


Traduçãoe Revisão Técnica: Paulo Gleich
Prefácio: Andrea G. Ferrari e Sandra D. Torossian
Revisão Textual: Jeferson Mello Rocha
Capae identidade visual: Josias S. Fontoura

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Rodulfo, Ricardo
A psicanálise de novo : elementos para a
descontrução da psicanálise tradicional /
Ricardo Rodulfo ; tradução Paulo Gleich.
são Leopoldo, RS : Editora Discurso, 2023.

Título original: El psicoanálisis de nuevo:


elementos para la desconstrucción del psicoanálisis
tradicional.
ISBN 978-65-995870-4-7

1. Derrida, Jacques, 1930-2004 - Crítica e


interpretação 2. Psicanálise I, Título.

23-164384 CDD-150.195

Zndices para catálogo sistemático:


1. Psicanálise 150.195

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129


(complexo de) Édipo'
Adesconstrução do
teoria psicanalítica"
...] umdos mais sérios problemas da
(Jessica Benjamin)

Interrogação
referência habitual a obstáculos no trabalho analítico
A pesquisar em um
pesquisa do que não se pode
e seus fins - a duplo sentido: o alívio do
protocolo de pesquisa, a cura em seu
sofrimento, a preocupação pela subjetividade pode limitar-se
rapidamente,
a considerações exclusivamente clínicas, ou seja, rapidamente a
técnicas (sem uma pitada de teoria, a clínica deriva
esse plano nofundo burocrático-institucional); em segundo lugar,
pode cegar-se em uma apelação automática ao sistema dos con
ceitos,com seu imediato deslizamento àatitude dogmática (tipi
Camente,despachar toda questão invocando "a falta" ou a rocha"
do complexo de castração, sem abrir verdadeiramente nenhum

Fscritarevisadado texto com o mesmo título publicado em Actualidad Psi


cológica,n. 218 (Buenos Aires, 1994).
2.Esta segunda vertente de cura deve-se fazer retroceder de Lacan aHeidegger:
vernente da existência como preocupação, inquietude, aberta emn Sein und
Leil håmais de setenta anos, No melhor de seus alcances, a
en quem a atravessa a impressão inextinguível de uma psicanálise deixa
preocupação pela sub
Jelividade, o valor doque não tem outro valor que oda diferença.
horizonte (de) novo). Aterceira viaa que tento tomar aqur:
da o mais abertanmente possívcl, empreende-setomando aencara-
psicanalitica enn si mesma como um obstáculo para o teoria
concreto ecotidiano da psicanálisc. trabalho
Eaúnica atitude que merece o nome de interrogação.

Esclarecimentos

Semelhante proposição requer, pelo menos, duas especificações:


1. Não aponta aqualquer nível, sua máxima força se dirige ao
plano propriamente metapsicológico, ali onde funcionam
oS postulados, e a seus efeitos amiúde mais silenciosos e
constantes. De uma maneira exemplar, o princípio de inércia
tal como fora enunciado nas primeiras páginas do Projeto..."
eem cuja desconstrução³ venho trabalhando ultimamente,
depois de O brincar e osignificante. Esse trabalho, e esse
plano de incidência, temn tudo a ver como que se designa
como a problemática dos "novos paradigmas" e sua inter
pretação da psicanálise comno corpo doutrinal.
2. Por outro lado, umaproposição assim não pode ser deixada
declarativamente em um plano vagamente macroscópico.
Para ser trabalhada a sério, exige investigações textuais de
marcadas, itinerários particularizados de rotas conceituais.

Parênteses

(E um alerta para opior da compulsão repetitiva no processa


mento que geração após geração de psicanalistas e psicoterapeutas
mais ou menos psicanalisados e prenhes de psicanalisno taz

3. Evidentemente, ao nomear
sua invenção por Derrida. Para "desconstrucão", refiro-me àsua procedenc e
uma consulta r¥pida sobre o funcionamento
termo, ver "Cartaa um amigo japonês", na Revista a0
Anthropos.
4.Por exemplo, em De volta por Winnicott", Diarios
extensamente no seminário "Elnoño el hiio". ministradoClinicos, n. 6. Muito
Estudios Clínicos em em 1993 na Fundaçdo
Psicoanálisis, ainda inédito.
124
da teoria - conforme assinalado por Roudincsco, a falta de uma
referência institucional fálicamonopolizadora sc compcnsa tem com
oidez catequética no plano teórico, dado quc o significante
ainidade mais espontânea como slogan publicitário do que com
critico. 0 que no fundo mais prcocupa não tanto
oprineipio de inércia quanto a inércia dos principios. A doença
ndinica da psIcanålise parece ser uma obsessão de seus prati
cantes por suaidentidade, um pouco à maneira em que, clinica
mente, é encontrada em certos impasses narcísicos adolescentes.
Essa atitude subjetiva enquanto tal, "pré teorica - traz conse
quências mais sérias do que qualquer peripécia de um conteúdo
semântico em particular. Os analistas, como um todo, estão recua
dos de antemão diante de qualquer questionamento daquilo que
faz tempo Lacan jå assinalara como cascas significantes vazias,
somente úteis para reconhecimento entre si. O caminho torna-se
um atoleiro que não permitepassar.
De acordocom minhas ideias,tanto ritualismo deve esconder
econduzir a um fundamento föbico sob a espécie, aqui, da agora
fobia. Sem as balizas de sempre, enunciadas tranquilizadoramente
como sempre: "o recalque", "a transferência', "o (complexode)
Edipo etc. (as distintas correntes e grupelhos só introduzem
variantes na acentuação relativa de tal ou qual termo), o colega
parece sentir-se perdido ou em risco de se perder. Qualquer in
cursão mais além do habitual costuma suscitar o apressado alívio
de voltar para casa. A ideologia fQbica do Q =zero como ideal, ou
como dizia um paciente agorafQbico, a opção entre estar vivo ou
estar tranquilo resolvida a favor do segundo termo, brota de um
extremo ao outro da psicanálise. Mais que outra coisa, seus prati
cantes querem estar tranquilos. E essa atitude éomais problemático
diante de qualquer tentativa de se inquietar com "os novos para
digmas" ou comoque quer que seja.
Opior: o princípio de identidade (a psicanálise idêntica a si
mesma como umna formação não metamorfoseável) éo princípio

D. Em diversas apresentações, ainda inéditas, articulei o brincar à metamorfose, o


Drincar como potência de metamorfose. No capítulo El bricoleur de sí mismo",
do livro Clinica psicoanalitica en niños y adolescentes: una introducción (Lugar,
T986), pode ser encontrada umaprimeia indicação dessa articulação intima: brincar
Cmetamorfosear o que seja. Esse é o impulso do que dizemos ser um "brinquedo".
125
de inércia em sua realização nais absolutac autodestrutiva,
atitude de o principio de identidade primeiro" é o que pöCEssa
um
freio a qualquer atualizaçào e 0que torna 1ão conscrvadores os
analistas em geral. p0r muito conversadores que scjam sobre a
"revoluçào" tieudiana.)

Estrutura

Precisamente, o terreno que escolhi para essa discussão


n§o pouco paradigmático. Se há um termo, uma referência na
psicanálise. é oapclo ao complexo de Edipo ou, em sua abre
Viatura tampouco (e tâo pouco) problematizada, "ao" Édipo, A
pressuposição assentada, instituida, é que já foi "descoberto"
portantonada hápara ser interrogado nele. Modulá-lo conforme
a pertença tome como significante do Supereu Klein, Lacan ou
o próprio Freud depurado destes nãopode ser consideradoem
absoluto uma problematização. 0" Edipo se dápor um fato desco
bertoe indiscutível, de tal maneira que colocá-lo em suspensotende
a ser visto como um "desvio"antes que como uma posição de um
psicanalista.
Depois do que deixamos entre parênteses, éde se esperar
que a natureza deste "pôr em suspenso" seja revisada cuidadosa
mente. Não se trata de propor inversões espetaculares (por exem
plo, lê-lo a partir de um postulado impulso "flicida", tão postula
do comoo impulso "parricida"), nem de declarar sua irrelevância
ou inexistência em favor de um novo key-concept. Parece-me que
essas cOisas, em si mesmas, com seus valores não desdenháveis,
não alcançam onível da atitude psicanalítica que acabo de descre
ver, e que se apoia, éoportuno recordá-lo, no mitema de Freud
Como "pai", como "autor" da psicanálise, Oue Freud como sub
jetividade se arrogue essa relação não éo problema. O verda
deiramente surpreendenteéque tal pretensão sejatão facilmente
aceita pelos praticantes de uma disciplina que, em si mesma, se
dátão malcom a noção de autor" eque contribuiu não
pouco P
desmitificá-la. Disso se extrai a conclusão de que os psicanaIs
como conjunto institucional instituído, padecem do complexode
Edipo - sobretudo em sua inflexão de Vaterconplex - que dizen1
ter descoberto. Contraíram oconceito, E mais, eles ocaricaturaram.
126
AsiDplificaçàoque clide "eonnplexode'"devale por isso. Areferência
onceitual originária denotaalgo quc, uma mancira no linear,
sofie. Não se sofre mais 0* Edipo,
de uma 11manera emaranlhada, se
está-se naturalmete imerso nclc; um grande paradoxo, pois: o
movinentode sua promoçâo estrutural àcategoria dacultura éo
naturaliza, sem que a envergadura de semelhante operação
versalizante volte a impactar ninguém.
Aúnica coisa que se pode tentar para afetar tanta impávida
segurança na existência ontológica "do" Edipo, no Edipo como in
senarável da ontologia psicanalítica, éproceder à sua desconstrução.
Desconstruir não éimpugnar, nem desqualificar, nem eliminar
algo. Ao contrário, éum modo de desarmar que põe em evidên
cia por que funciona tão bem e tão eficazmente. Desconstruir é
desdobrar eexaminar os elementos constitutivos de umn conceito
modos que têm de operar. E, aqui, isso é muito importante
porque, tomados em sua média, os praticantes da psicanálise e
eus arredores consideram o" Édipo como uma espécie de coisa,
nãopodem visualizá-locomo um conceito de tal força e categoria
que inclusive possa obscurecer e tornar opaca a relação clínica
como que para um psicanalista é "a realidade". Isso diz respeito à
nossa primeira hipótese: os psicanalistas padecem - em geral sem
sab-lo - do complexo de Édipo. A forma de padecê-lo inclui,
em uma de suas operações fundamentais, não experimentá-lo
como um conceito (enquanto tal, aninhado e amarrado a uma
base ideológica, mítica, mito-política, como todo conceito, incluí
do o mais científico), mas como um elemento constitutivo do
empírico, algo que estáaf", na realidade empírica, presente a
si (sobretudo desde que seu descobrimento" desmascarou seus
múltiplos disfarces. Isso "capacita" hoje qualquer psicanalista ajá"sa
er que, por exemplo, "o chefe" é o pai etc., sem sombra de dúvida).
Deve-se somar a isso dificuldade que torna a justificar
tomarmos os trabalhos da desconstrução - que, no que tange à
média, os praticantes da psicanálise não têm senão uma ideia muito
sumaria do que éum conceito psicanalítico. Os mais ilustrados,
que náo são os aprendentes,o remeterão ao sistema geral da teoria,

6. Remeto àdistinção proposta porr Alicia Fernández entre aluno eaprendente,


h¯o como entidades: são posições subjetivas. Consulte-se, por exemplo, La
inteligencia atrapada(Buenos Aires, Nueva Visión,1987),.
127
como se isso bastassc, na suposiçäo de qUc cada Conceito
fodo-
portanto, o sistema todo cstá "limpo": pertence à
suas fronteiras såo nitidas, nào tem compromissos nem
cumpli-
cidades com as tramas ideológicas da cultura, em uma palavra
psicanálise,
estaria claramente diferenciado de elementos
veria condicionado nem constituido por eles. mitêmicos,
não se
Aaprendizagem da desconstrução pode ajudara varrer essas
ilusdes comovedora e ingenuamente narcisicas. Pertence ao seu
estilo mais próprio suspeitar de toda proposição binária do tino
"ciência/ideologia", "analítico/pré-analítico" etc., interessando-se
pelo rastreamento de tudo o que em um conceito não é puro
conceito, de sua ligação a tradições, repetições e mitologias que
excedem em muito, largamente, as fronteiras espaço-temporais
entre as diversas disciplinas e práticas discursivas.

Dobraduras

Seguiremos o fio de um excelente texto de Jessica Benjamin,


Thebonds of love (Nova York, Pantheon),
não traduzido nem difundido entre nós. lamentavelmente ainda
E um insistente texto
desconstrutivo, não dirigido àinvalidação frontal "do" Edipo -o
que supõe o risco de minimizar seus efeitos subjetivos -, mas a
detectar com paciência, indo e vindo da clínica ao teorético, seus
recursOS e seus componentes no que têm de mais tributário do
que Benjamin chama aproximativamente de ideias culturais",
de ninguém em particular; ditode outra maneira,
Ao longo do texto que além disso se esquemas miticos.
propõe explicitamente a
nãosimplificar a escrita freudiana -, vai se
mento de singular magnitude e importânciaoperando um desloca
para o que queremos
expor aqui: em vez de aparecer "o (complexo de) Edipo" como
O nome tomado emprestado de um
descobrimento comnoqual à
psicanálise acometeria a cultura, aparece agora "o (complexO
de) Edip0* como o peso sobre uma nova
um complexo dispositivo míticoque disciplina, a psicanalise,
condiciona como pensar as
7. Desejo agradecer a Juan Carlos Volnovich, que
8. Mas sobre esse pontode tomar um
me pos na pista dessa autor.
nome emprestado, e seus efeitos erou
vale a pena ler Marx em seu escrito El 18
Brumario.
128
nnstòes de
qucstôcs gêner0, as diferenças sex uais, e obriga inconscien
nenteessa psicanálise auma negociação com essas formações
nlógicas. 4 formu de ler desde o principio, o (eomplexo de)
}ino e exrai-lo cOmO "nOme de um conceito não depende
do método psicanalitico. Depcnde tanto mais de redes
signiticantes portadoras de veneráveis - venércas em sua capaci-
dade de propagaçäO 1deologemas e mitemas sobre a sexualidade
buntana. Acomeçar porque Freud está sumamente exposto, no
ontidoda vulnerabilidade, ao mitico. Crê (é seu ponto de par
tida en 4 interpretação dos sonhos, quando recorre àtragédia
de Sófocles e, em segundo lugar, a Shakespeare) que o mito ex
pressa "tendências primitivas" ou profundas dos seres humanos.
Nãopode pensá-lo, portanto (caso muito distinto de Marx e de
Nietzsche), como um modo social discursivo de operar para que
os "seres humanos cheguem a crer que tais ou quais crenças são
inerentes a suas tendências mais arcaicas. Era, por outro lado,
o horizonte antropológico de sua época, que ligava a mítica ao
"primitivo", "pré-lógico" etc. (ver Levy-Bruhl, Frazer).
A consequência de uma certa maneira de pensar a diferença
sexual e sua articulação como gênero na metapsicologia freud
iana pode ser rastreada, em uma leitura cuidadosa, no itinerário
que Benjamin segue. Dito em meus próprios termos: a metapsi
cologia freudiana passa ante nós por extremamente abstrata, mas
estásexualizada até a medula. Seu princípio capital, o princípio
de inércia com todas as suas variações e matrizes, está firme
mente entroncado com a imago mítica da mulher como a m«e, e a
mãe como a morte. A criança, para Freud, não dispõe de nenhum
elemento próprio que a faça desejar separar-se de sua mãæ, e sóo
faz sob ameaça externa: por essa via, Q = zero, como aspiração
originária eabsolutamente irredutível do aparelho psíquico", será
a"expressão" metapsicológica da aspiração universal já históri
ca de retornar" à mãe comno ao impasse mortuário e mortal.

9.Onão interrogável para Freud dessas protossuposições pode ser rastreado em


iem do princípio do prazer", a propósito de seu exame de um jogo infantil. Para
Freud, "éete,
inpossível" que a criança possa desfrutar da partida de sua måc, e, evi
menos ainda desejá-la. Dessa forma, só pode pensar a brincadein(una
Drincadeira que além disso defato se inaugura com a mãe presente) como ua reação
uela partida significada como perda. Primeiro vai-se a mãe, depois se brinca: se
quência que se choca com a maissuperficial observação psicanalítica da criança.
129
É interessante que opeso deSse meu antigo tema comnl:
quc a propria evposiçdo da emergência do complexo de
Com eteito, tal como surge em Freud, tal como é Édipo.
trabalhado
Cm prneipio por cle e por outros como Abraham, no viés aque
podenamos, comtodas as prudèncias do caso, considerar CoMo
0 mais 'evolutivo" nos textos, o complexo de Edip0 se desdo-
bra como fruto de um crescinento da criança no curso de
primeiros anos (descjo de ser grande", escreverá Freud), A
seuS
partir desse ponto de vista. pode ser lido como uma encruzilha
da. um acidente cssencial, de sua evolução física e psiquica (e
Freud nunca aceitarásuprimir o prefixo "pré, a marcação de
etapas anteriores ao complexo). Mas quando se superpõe a isso
a "bruxa` (um personagen feminino) metapsicologia com seus
mitemas em segredo (tanto mais quanto uma linguagem muito
abstrata. "cientificista", éo ideal para passá-los de contraban
do), o próprio complexo serávisualizado como o retorno por
excelência ao zero (d)a mãe (assim serálido o coito fantasiado
com ela como um retorno metonímico: volta do pênis aouterino
em representação do sujeito inteiro).
Em vez de nos referirmos àmisoginia freudiana, pa
mais inovador nos perguntarmos se a adesão a um mitema sem
elhante (mãe = quietude do zero) não produz psiquicamente mi
soginia por tabela e todos os terrores que se queiram, em relação
àmulher. casualmente" sinonimizada ou reduzida à imago mãe
como imago princeps. E o caminho que Benjamin segue: ela vai
mostrando como, por mais de um passo, no interior do conceito
"(complexo de) Edipo" reina e governa uma partição binária que
éo modo eo meio por excelência de pensar a diferença enquanto
sexual. E aqui já cessam os recursos para não ser esquematico,
pois oesqueleto do esquema - oque Lévi-Strauss designa como
a armadura- irremediavelmente oé. Do lado da mãe, a Nature
za; do ladodo pai, a Cultura. O "pai da liberação" se opora a
"mãe da dependência" (Benjamin examina longamente, tambem.
em que contextos ideológicos da civilização ocidental a "inde
pendencia" éaceita, também pela psicanálise, como valor sup
mo). O perigo do "fusional", de queda no "arcaico", impregna o
valores
imaginário do feminino, enquanto o' paternofica dolado dos para
mais decisivos
de racionalidade, corte" etc. Os dois eixosnarcísicofedipico eo
a desmitificação dessa oposição são: o par
par
130
pli Rrmelativo imaginário/simbolico. Arelação àmãc éassimilada
po. leviananente ao campo ameaçador do narcisismo
ado conotaçâo é quase imediatamente (termo cuja
que
psicopatológica
dos psicanalistas) e ao dualismo espccular
para a média
do imaginário. O pa
mo temo, com a mesMa leviandade, será desenhado como legali
do Jde quc restringe aqueles excessos. Mas a referência de hori
-eus znte mais distante e ampla que organiza esse sistema seescreve
. A Natureza/Cultura: a mulher como entidade ambígua em
Iha sua pertença åordem cultural, sempre propensa ànatureza (mito
a (e nré-ccológico), representante potencialmente estranho da natu
de ralidade da natureza como força negativa que nos suga paratrás
1SsO (para Freud, recordemos, em últina instância, no último arresto
eus de seu texto, 0 estranho éa vagina, "o genital feminino").
uito Pouco é oque se pode consertar disso fazendo da palavra
an materna a mediadora da Lei do Pai. Uma vez que, por definição,
por nem estᣠfalando em seu nome nem em sua posição originária de
ado "crocodilo" (ver Lacan).
rino

rece O mito anterior


em
mi Há, pois, - se seguimos o curso do texto de Benjamin ali
acão onde se abre mais além do escrito um mito anterior- anterior
mãe em todos os sentidos ao do (complexo de) Edipo: um mito
a vai
anterior nomeado como aquele sem sê-lo exatamente. Esse mito
eito diz de uma bipartição na qual o masculino écompatível com o
que
anto
cultural, o racional, a separação, a individuação, a independên
Cla, enquanto o feminino se faz cargo dos elementos inversos
tico, em uma relação de complementaridade: um tem o que outro não
omo tem. Oser potencialmente maligno da mnulher está fortemente
Ture fundamentado em que, em grandediferença com ohomem, sua
orá à motivação originária éa inveja (que não éo mesmoque dizer um
bém, desejo e muito menos um desejar). Esse mito sem nome claro,
nde Univoco, mas quecircula em inumeráveis relatos europeus e não
pre europeus, condiciona toda a apreensão clínica e teóricaque na
na o
psicanálise tenha podido ser feita do (complexo de) Edipo. Diga
lores
para
Deo de0 Ver asaga datodo
"meninalouca pelo mel", no segundo tomodas Mitologivas
Lévi-Strauss, um paradigma americano.
131
mos aue esse "Edipo" ido com aqela grade de
eatribuiço no que diz espcito apai e m-e
mãe e u
distribukes
Mas, e aqui se coNCentra o peso da genero sexo.
e
argumentação de
jamin, é esse um sistema conceitual que permite Ben-
expor
a diterença sexual, particularmente em sua abertura e
pensar
histórica
porvir? Pode-se significar essa difercnça em termos de ao
ma que a recusa como positividade, cnquanto, como éum esque-
lógica fálica, unm dos termos é o marcado positivamentepróprio da
fica afetado de irremediável negatividade? eo outro
Nesse pontode)Benjamin
destaca aaporia fundamental do conceito (complexo Édino
tal como veio funcionando concretamente desde que existe a nsi
canálise: criado para dar conta de, sendo sua função capital dar
conta de, fundarmentar como meninos e meninas fazem a
entre sexo e gênero e adquirem 1dentidade" sexual, esse articulac·o
não tem os meios para isso, já que no mais intimo de conceito
seu seio
abrigaa diferença em termos complementares e negativos:
tem e o que não tem, o com "mais Supereu e "senso de justiça" e
a que tem "menos" dessas coisas, o com leiea sem lei, o gue se
aproximaao outro da sexualidade empurrado por seu desejo e seu
*obscuro impulso de penetração* (Freud) e a quese aproxima sob
a amarga decepção do que não tem, selada e significada pela inveja.
A conclusão de Benjamin é lapidar: o conceito (complexo
de) Edipo, construído para pensar a constituição da diferença, não
serve, não éum meio conceitual idôneo, para pensá-la. O que é
muito diferente, também, de dizer esse conceito não existe, não
étal". Pelo contrário, sublinha Benjamin, nesse estatuto e
de funcionamento, esse conceito constitui um dos problemas
regime
mais graves da teoria psicanalítica" (grifomeu).
De minha parte, quero ater-me a ressaltar un ponto mais
delimitado de toda essa imensa problemática (que não dame
"soluções" mágicas, rápidas, e somente conceituais): enunciado
de forma simples, o "verdadeiro" problema é que o tanto que n
ventariamos o conceito- de modo necessariamente supericlal
vai parar, implacavelmente, nas interpretações do analista. Melhor
dito: na sua cozinha, ali onde, surdamente, são preparadas;ali onde
o psicanalista e a psicanalista se põem em jogo diante de um paciente
que émenino ou menina, homemn ou mulher.
Se a esse praticante da psicanálise SCgue parecendo bem, no
essencial, o estado de coisas da teoriano que diz respeito à diterenya
132
se seguelhe parccendo "udo bem" cm Algumas
nsiguicas..., emsuma, cOm consequências
se nada se agita ncle quanto aalguna modcrnização "lacaniana",
interpretar e analisar os materiais
sobre essas bases em que aordem
mais do quc estea desmitifica, que osmítica ressignifica oteórico
dannos guardeme guardem dele a deuses que jánão nOs guar
fiuturo que o de uma ilusão, psicanálise! Não terá outro

Reprises
Convénm retornar, dadas as complexidades do tema, à se
quência das hipóteses que venho seguindo.
1. Aprimeira que enunciei éa de que, tomados como conjunto,
os praticantes da psicanálise sofrem
(sintomaticamente)
do (complexo de) Edipo. O conceito, assim
antecipa, em sua cunhagem histórica, umvistas as coisas,
decimento neurótico dos psicanalistas. E comprofundo pa
a semiologia
mais clássica em seu conteúdo manifesto: não poder se
liberar do peso do paternal patriarcal. O conteúdo latente
éalgo mais complicado. Inclui a crença no pai e em
como um "gênio" que seria "o pai", o fundador", "o inFreud
ventor, da psicanálise. Em umn mundo onde reinavam as
pesadas trevas da época "vitoriana", teria chegado este
homemn providencial para fazer para nós um corte com
esse passado de ignorância e repressão. Alguém pode se
surpreender com a pregnância de semelhante narrativa,
digna do pior Hollywood quando se obceca em narrar a
vida de um "grande criador", mas ocerto éque funciona
no imaginário do praticante médio, às vezes matizado
com a tranquilizadora noção de "corte" na episteme (claro
que simplificada, como um Althusser "traduzido" nos
códigos dos mass media).
2. Asegunda hipótese deriva e prolonga um pouco a anterior.
Os psicanalistas creem na pureza dos conceitos psicanalíti
cos, eles os concebem dependendo por inteiro e somente
da psicanálise, depurados de toda infiltração mitopolitica
eideológica, protegidos pela mão santa de Freud, que teria
133
traçado m cirulo de giz protetor emtorno deles,onde n.
penctraria nenhunm indescjávcl influxo cxtra c,c, sobretudo,
&
pre-analítico. Por isso mesmo, a ideia de "corte" étão
tranquilizadora na vulgata profissional: garante uma sóli
da linbadivisória entre o"pré-analítico" eo "analitico"
transformando em diacronia relações de contaminacão
perfeitamente sincrônicas,
3. Como terceira hipótese, já em pleno trabalho desconstru
tivo, expus, seguindo Jessica Benjamin (e, em outro plano,
Sarah Kofiman),2 como a desmontagem por dentro do
conceito do (complexo de) Edipo nos faz descobrir n·o
apré-história da criança nem nenhum sujeito originário,
mas sim uma antiga porém ativa rede mítica onde a imago
da mulher mãe é assimilada a uma Natureza devoradora
e perigosamente arcaica, puxando para si os filhos com
seu desejo, destino de morte e psicose se não intervém
VIIRegimento paterno salvador (o mitema, diga-se de
passagem, não toma muitos cuidados pela hiperbolizada
diferença entre "o simbólico" e oimaginário": muda o
léxico sem modificar a montagem). Essa rede mítica, que
justifica religiosamente - ou seja, no político adomi
nação e a exploração exercida sobre o gênero feminino,
étotalmente prévia ao (complexo de) Edipo, mas não é
"pré"-edípica. Ela dissemina o conceito e he impõe seus
modos de leitura da diferença sexual. Preso aesse esquema
binário, o conceito do (complexo de) Edipo não pode pro
cessar a diferença senão fazendo-se cúmplice do falocen
trismo mais habitual, o de sempre, o de "todo mundo""

11. Não estranhamos reencontrar aqui, de novo, a linha, da qual e de cujos


efeitos na psicanálise me ocupei em um extenso artigo publicado primeiro nesta
mesma revistae incorporado a seguir em meu livro Estudiosclinicos (Buenos
Aires, Paidós, 1992):"Eu desejo, tu desejas... todos desejamos Schreber pal:
linha eposição em psicanálise".
12. ¿Elenigma de la myjer? (Barcelona, Gedisa, 1982). Livro ainda por ser lido
em nosSO meio.
13. FoiDerrida quem assinalou a ambiguidade da psicanálise entre uma critie
do falocentrismo e uma cumplicidade objetiva com ele. Ver o segundo estldo
de La tarjeta postal (México, Siglo XXÍ, 1988), consagrado a desconstrutr a
referência de Lacan ao "simbólico" ("El correo de la verdad'").
134
Isso ¢o que
designamos como "o mito anterior" (mas in
terior) ao conceito "nuclear"
nuclear, que problema (Freud) da psicanálise. Seé
não será
fantasmas
tas sobre a mais portar em eseu núcleo os
mitopolíticos reacionários
mulher.
"não eX-sista".
obscurantis
14 Que não cessam de atuar para que esta
4. E preciso
em relaçãoadvertir: tudo isso
aos múltiplos não esgota nem éexaustivo
precisam ser trabalhos de
desconstrução
que
empreendidosa propósito do
exemplo, não pudemos tocar nemn de longe edípico. Por
a dicotomia
endogamia/exogamia
mais anacrônica àmedida autorizada
que o
pelo conceito e cada vez
familiar se vêpenetrado
pelas novas tecnologias
de) Edipo estátodo midiáticas. De fato, o (complexo
itivos, cada um dos armado
quais
e sustentado por
épossível pôr empares opos
trabalho da desconstrução. juízo pelo
5. E novamente, a
põe em jogo sua inquietude pela clínica, alionde a psicanálise
especificidade
porvir (mas sem correr ea especificidade de seu
todos os riscos, junto aos pacientes
"que pagam para que aprendamos", segundo
Winnicott). Neste ponto, emerge uma perguntarecordava
capital,
essencial: como pode o psicanalista abrir a
como pode fazer da interrogação uma ética interrogação,
para a subjetividade, comno poderá fazê-lo sediferente de e
interrogar sobre os conceitos que deveriam lhenão pode se
servir para
ajudar que seu paciente se interrogue?

14.A expressão lacaniana étípica daquela oscilação entre uma posição de crítica,
desmitificadora, e uma cumplicidade recobridora.
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