Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
In this article we discuss the place and function of research in psychoanalysis based
on interviews. We first present quotes from Freud on the structure of manifestations
of the unconscious. For them to represent a subject, the person who is affected by
them needs time to appropriate them, and this time requires a circuit of transference.
It is difficult to hold an interview outside a specifically analytical context. We discuss
experiences under which the conditions of the psychoanalytic experience can be
pulsional > revista de psicanálise >
> Key words: Research in psychoanalysis, subject of the unconscious, interview, transference
formas representacionais que surge a psica- can no avanço destas questões seja de fun-
nálise (Lacan, 1964, 1966). Vem dar conta de damental importância. Freud foi um
uma limitação da ciência, na medida em que pesquisador, um teórico e um clínico, sendo
pulsional > revista de psicanálise >
termos da psicanálise diríamos que uma for- No que isto interessa ao tema da entrevis-
mação do inconsciente conjuga significante ta na pesquisa em psicanálise? Pois, justa-
e corpo (símbolo e pulsão, como uma forma- mente, parece-nos fundamental partir da
pulsional > revista de psicanálise >
ção de compromisso entre representantes leitura de Freud sobre a estrutura das mani-
ano XIX, n. 188, dezembro/2006
relacionando-se com um saber que ele si- trabalho de pesquisa não se situa num con-
tua todo do lado do entrevistador. Essa texto de clínica, acrescenta-se a dificuldade
posição de desimplicação é a mesma que da demanda situar-se do lado do entrevista-
o objetaliza, instrumentalizando-o a um dor e não do entrevistado. O pesquisador
ano XIX, n. 188, dezembro/2006
1> Referimo-nos aqui à experiência de uma das autoras – Ana Costa – no serviço de atendimento psicoló-
gico disponibilizado pelo COESP (UFRGS) durante os anos de 1983-1993.
>18
um saber. Esta situação exige do pesquisa- transferência pode esclarecer e fazer avan-
dor o máximo cuidado e atenção aos precei- çar a teoria. O que sempre vem de par com
tos éticos da transferência, pois as a condição de que o compartilhamento des-
condições de objetalização, instrumentali- ta experiência possa ter alguma serventia ao
zação e exteriorização do sujeito estão refor- sujeito que produz a narrativa. Isto é, que
çadas. Para que algo da ordem de um saber ele possa demandar produzi-la, sem força-
analítico se produza é preciso respeitar as gem por parte do entrevistador.
condições, por vezes mínimas, de formula- Além de propor que a hipótese se constrói
ção de uma demanda e de produção do no próprio trabalho da entrevista, haveria
“efeito surpresa”. Isto é, de certa forma, é alguma outra particularidade diferenciado-
preciso que as hipóteses com as quais o pes- ra? O exemplo do trabalho de Mees diz de
quisador em psicanálise opere sejam formu- uma certa condição particular em que as
ladas de modo a não fazer resistência a que entrevistas funcionam como testemunho de
estes dois elementos possam estar em cau- uma experiência que permanece irrepresen-
sa. Elas devem ser suficientemente amplas tável, mas que permite a enunciação de um
e indefinidas, em um primeiro tempo, para ponto de ligação com um Outro e, num se-
que possibilitem ao entrevistado formular gundo tempo da transferência, a saída da
sua própria questão e responder a ela, na experiência. Poderemos situar essas entre-
transferência, de forma singular, sem pres- vistas do lado de que se costuma denominar
crições prévias. A nosso ver a “questão” ou de “testemunho”, em que a pessoa é coloca-
“hipótese” de pesquisa é uma construção ela- da por aquilo que viveu (normalmente si-
borada a posteriori em relação ao trabalho tuações de trauma) como excluída da
de transferência. Sua formulação se faz possibilidade de comunicar. Também a prá-
acompanhar das respostas que foram possí- tica das apresentações de pacientes em hos-
veis construir naquele contexto. pitais psiquiátricos apresenta condições
O livro de Lucia Mees (2001), Abuso sexual: semelhantes. Nestes contextos, as entrevis-
trauma infantil e fantasias femininas, forne- tas permitem a enunciação daquilo que per-
pulsional > revista de psicanálise > artigos
ce-nos um exemplo dessa forma de conce- maneceu numa condição de mutismo (Costa
ber o uso da entrevista na pesquisa em e Pereira, 2004). Como é possível perceber,
psicanálise. Fruto de um trabalho realizado a pesquisa é também produção de uma ex-
num curso de mestrado em psicologia, Mees periência.
ano XIX, n. 188, dezembro/2006
realizou uma série de entrevistas com uma Que a partir destes testemunhos, obtidos
moça que havia sido abusada sexualmente através de entrevistas, o analista/
por seu pai. No seu trabalho, a autora situa pesquisador possa produzir e transmitir
as entrevistas a partir da definição de um avanços na teoria, isto se deve à sua
determinado campo conceitual. Não há, a inclusão nesta experiência pela
priori, uma questão ou uma hipótese pro- transferência. Trata-se, como já assinalamos
priamente falando. O que há é a pressupo- acima, do mesmo dispositivo em causa nas
sição de uma experiência, singularmente formações do inconsciente. O chiste é o
vivida, cuja transmissão em um contexto de mais ilustrativo dentre eles desta
>19
propriedade de inclusão e transmissão. Para to é esse terceiro velado que mantém um
que um chiste se produza é preciso não determinado encontro dos parceiros em cau-
apenas de duas pessoas – um que conta e sa. Nesse sentido, naquele momento pode
outro que escuta –, mas de um campo se construir algo a partir da estrutura discur-
compartilhado no qual o riso emerge. A siva estabelecida.
risada é, neste caso, o atestado da inclusão A estrutura do “terceiro ausente” pode ser
do ouvinte na narrativa e, ao mesmo tempo, ampliada para todas as situações de entre-
a pontuação do seu final, a atestação de vistas em psicanálise. Ela é operativa em si-
produção de um dado saber. Este saber tuações nas quais a comunicação fixa sujeito
pode ser transmitido, pode ser passado a e objeto como presenças na realidade. Tanto
outro(s), se as mesmas condições forem as entrevistas preliminares, quanto as en-
estabelecidas. trevistas-testemunho permitem uma quebra
Não estamos sublinhando, aqui, a condição dessa fixidez e a permeabilidade à inclusão
única do riso e sim da possibilidade de cons- do jogo simbólico.
tituição de uma estrutura. Esta é situada ba- Um outro modelo de entrevista é o das nar-
sicamente naquilo que Freud (1905) rativas de fim de análise, o dispositivo que
denominou de “terceiro ausente” de quem o Lacan denominou de “passe”. Lacan interes-
chiste trata. A simplicidade do objeto freu- sava-se por uma maneira de transmitir a
diano por meio do qual ele constrói suas hi- singularidade da experiência de um percur-
póteses (como são os sonhos e lapsos so de análise, por meio de um relato do
cotidianos) não deve nos iludir em relação analisante a testemunhas. Partiu do supos-
à sua facilidade. São estruturas complexas to de que a apropriação da experiência do
porque comportam hibridismos: símbolos, inconsciente, desse percurso pelo insabido,
imagens e sensações corporais. As forma- poderia ser autenticada e passada a público.
ções do inconsciente condensam num mes- O passe seria também uma maneira de saí-
mo ato esses hibridismos. Retomando da da redução à transferência com o próprio
rapidamente o texto freudiano sobre o chis- analista, o que situaria um fim de análise.
pulsional > revista de psicanálise > artigos
te, o autor propõe diferenciar duas formas Independente das dificuldades que a expe-
de comicidade: quando alguém toma o outro riência do passe trouxe – principalmente de
como objeto de riso; ou quando duas pes- ordem político-institucional – a proposta é
soas riem de algo não explicitado, que ele inovadora e traz elementos importantes
ano XIX, n. 188, dezembro/2006
>21