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TEORIAS DA PERSONALIDADE
Professor: Ricardo Torri de Araújo
Rio de Janeiro - RJ
1º Semestre / 2021
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Centro de Teologia e Ciências Humanas (CTCH)
Departamento de Psicologia
INTRODUÇÃO
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[21] Por outro lado, não são poucos os autores que recorrem ao conceito de personalidade
na tentativa de explicar o comportamento humano. Um curso de Psicologia da
Personalidade, naturalmente, reconhece o valor explicativo do referido conceito.
[22] Assim como as definições de personalidade são várias, são também numerosas as
teorias da personalidade.
[23] Por que há tantas teorias da personalidade? Há, pelo menos, três maneiras de
responder a essa pergunta. (a) Porque a psicologia da personalidade encontra-se ainda
num estágio inicial, pré-paradigmático, de desenvolvimento. (b) Porque a personalidade
humana é alguma coisa muito complexa, multifacetada, sendo necessários vários enfoques
para abarcá-la. (c) Porque há vários teóricos da personalidade; dado o caráter
autobiográfico das teorias da personalidade, com a sua abordagem, cada teórico oferece o
seu autorretrato.
[24] Talvez se possa afirmar que cada teoria da personalidade tenha a sua parcela de
verdade. Por conseguinte, a relação entre as várias teorias seria de complementaridade,
não de exclusão. Esse parecer é comum entre os autores de manuais de psicologia da
personalidade.
Referências bibliográficas:
1. ALLPORT, Gordon W. Personalidade: padrões e desenvolvimento. 2.ed. São Paulo:
EPU, Editora da Universidade de São Paulo, 1973. 724p. (Ciências do comportamento.)
2. BRASIL, Maria Auxiliadora de Souza. Curso de psicologia da personalidade. Belo
Horizonte: Lê, 1971. 156p.
3. DAVIDOFF, Linda L. Introdução à psicologia; terceira edição. São Paulo: Makron
Books, 2001. 800p.
4. FADIMAN, James; FRAGER, Robert. Teorias da personalidade. São Paulo: Harbra,
2002. 396p.
5. FEIST, Jess; FEIST, Gregory J. Teorias da personalidade. São Paulo: McGraw-Hill,
2008. 636p.
6. FRANKL, Viktor E. A vontade de sentido; fundamentos e aplicações da logoterapia.
São Paulo: Paulus, 2011. 240p. (Logoterapia.)
7. FRIEDMAN, Howard S.; SCHUSTACK, Miriam W. Teorias da personalidade; da
teoria clássica à pesquisa moderna. 2.ed. São Paulo: Pearson, 2011. 556p.
8. HALL, Calvin S.; LINDZEY, Gardner; CAMPBELL, John B. Teorias da personalidade.
4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. 592p.
9. JUNG, C. G. Memórias, sonhos, reflexões. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s.d.
364p.
10. MYERS, David G. Psicologia; nona edição. Rio de Janeiro: LTC, 2012. 668p.
11. PECK, David; WHITLOW, David. Teorias da personalidade. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1976. 152p. (Curso básico de psicologia.)
12. SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ, Sydney Ellen. Teorias da personalidade. 2.ed. São
Paulo: Cengage Learning, 2013. 480p.
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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Centro de Teologia e Ciências Humanas (CTCH)
Departamento de Psicologia
Psicanálise e caráter
Psicanálise, uma teoria da personalidade?
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Uma caracterologia psicanalítica
[16] Segundo a teoria psicanalítica, o caráter encontra a sua origem na sexualidade infantil.
[17] Antes de atingir a sexualidade adulta, o indivíduo passa por um processo de
desenvolvimento. A evolução psicossexual comporta fases sucessivas: oral, anal, fálica,
latência e genital. Ao longo desse percurso, pode haver fixações. Tendo se fixado a uma
etapa, deparando-se com alguma dificuldade posterior, o indivíduo tende a regredir ao
ponto de fixação previamente estabelecido. Satisfação insuficiente ou gratificação excessiva
podem ocasionar fixações.
[18] Os traços de caráter, por sua vez, advêm de impulsos libidinais infantis – ou seja, pré-
genitais – transformados por mecanismos de defesa. A sublimação e a formação reativa
são os mecanismos que atuam na formação do caráter.
[19] A sublimação consiste na satisfação de um impulso libidinal por meio de atividades
não-sexuais e socialmente valorizadas. Trata-se do mecanismo predominante na formação
do caráter normal.
[20] A formação reativa consiste no desenvolvimento de uma atitude em sentido oposto a
um impulso sexual recalcado. Esse mecanismo costuma concorrer para que o caráter
assuma uma feição patológica.
O caráter oral
O caráter anal
[36] Freud se interessou especialmente pelo caráter anal. Entre os textos que dedicou ao
assunto, cumpre destacar: “Caráter e erotismo anal” (1908) e “As transformações do
instinto exemplificadas no erotismo anal” (1917).
[37] Abraham publicou o artigo “Contribuições à teoria do caráter anal” (1921). Outros
psicanalistas – como Isidor Sadger (1867-1942), Sándor Ferenczi (1873-1933) e Ernest
Jones (1879-1958) – também contribuíram para a compreensão psicanalítica do caráter
anal.
[38] Talvez os psicanalistas tenham se interessado especialmente pelo caráter anal porque
ele é mais marcado do que o caráter oral. A configuração mais definida do caráter anal
decorre do fato de que o erotismo correspondente é mais censurado do que o oral.
Consequentemente, os elementos anais da sexualidade são transformados em traços de
caráter numa proporção maior do que os elementos orais.
[39] A fase anal é a segunda fase da evolução psicossexual. Ela tem lugar durante o
segundo ano de vida, quando começa o treinamento de toalete.
[40] A zona erógena da fase anal é o ânus.
[41] Nessa fase, o prazer passa a ser buscado preferencialmente na função excretória. A
criança experimenta, então, o prazer de defecar, o prazer de reter as fezes, adiando a
evacuação, bem como o prazer de ver, sentir o cheiro e brincar com as próprias fezes.
[42] O objeto da fase anal são as fezes.
[43] As crianças pequenas têm um grande apreço pelas fezes que produzem. O primeiro
presente que uma criança dá a alguém por ela amada são os seus excrementos.
[44] Na fase anal, é possível identificar duas subfases: a fase anal precoce, em que a criança
obtém prazer evacuando, e a fase anal tardia, em que o prazer é encontrado na retenção.
[45] Consequentemente, há o tipo anal-expulsivo e o tipo anal-retentivo. Esse último é
mais típico e foi descrito por Freud mais pormenorizadamente.
[46] Os traços caracterológicos anais são expressões da obediência e/ou da resistência ao
treinamento de toalete. Os traços do caráter anal resultam da sublimação de impulsos
eróticos anais ou de formações reativas contra os mesmos impulsos.
[47] O tipo anal-retentivo costuma apresentar três características principais: a ordem, a
parcimônia e a obstinação.
[48] Ordem: amor à ordem, temperamento ordeiro, hábito de manter tudo muito
organizado, gosto pela simetria, obsessão por limpeza, asseio pessoal, esmero individual,
apego à minúcia, meticulosidade, precisão, exatidão, pontualidade, regularidade,
conscienciosidade, escrupulosidade, correção, fidedignidade, formalismo, etc.
[49] Esses traços de caráter são uma expressão da obediência ao treinamento de toalete,
podendo ser também encarados como formações reativas contra o impulso de sujar-se com
as próprias fezes.
[50] Eventualmente, porém, uma pessoa de caráter anal-retentivo pode mostrar-se
excepcionalmente desorganizada, suja ou impontual, o que aponta para uma dinâmica
conflitiva.
[51] Parcimônia: ambição, cobiça, cupidez, usura, desejo de enriquecer, amor ao dinheiro,
avareza, sovinice, economia, frugalidade, mesquinhez, falta de generosidade, tendência a
acumular, prazer de possuir, apreço pela propriedade, colecionismo, tendência a guardar
objetos, gosto por arquivar, dificuldade para desfazer-se de quinquilharias, tendência a ser
mesquinho com o tempo etc.
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[52] Esses traços de caráter são uma expressão do hábito de retenção e acúmulo das fezes.
Equivalem a uma prisão de ventre psicológica.
[53] Obstinação: teimosia, perseverança, apego à própria vontade, insistência no próprio
querer, costume de aferrar-se ao próprio parecer, tendência a manter a própria posição a
despeito dos outros etc.
[54] Esses traços são uma expressão da rebeldia contra o treinamento de toalete;
manifestam a teimosia em não defecar, afirmando a própria vontade.
[55] Além do tipo anal-retentivo, há também o tipo anal-expulsivo. Caracterizam-no:
criatividade, produtividade, generosidade, magnanimidade, tendência ao desperdício,
franqueza, prazer de pintar e modelar, tendência à sujeira, desleixo, gosto pela desordem
etc.
[56] O tipo anal expulsivo pode também ganhar uma feição agressiva. Nesse caso,
caracterizam o seu comportamento a hostilidade, a destrutividade, a crueldade, o sadismo
etc.
[57] Por tudo o que ficou dito nesta seção, é fácil perceber que há uma estreita relação
entre o caráter anal e a neurose obsessivo-compulsiva.
O caráter fálico
[58] O caráter fálico é o mais sumariamente caracterizado dos três caráteres identificados
pela teoria psicanalítica.
[59] Na fase fálica, apenas um órgão sexual é reconhecido: o órgão sexual masculino, ou
seja, o pênis.
[60] O indivíduo de caráter fálico sente-se possuidor de um objeto onipotente ou sente-se,
ele mesmo, onipotente, pela identificação do ego ao falo.
[61] O caráter fálico apresenta, pois, as seguintes características: ambição, aspiração pelo
poder, autoconfiança, segurança de si mesmo, sentimento de invulnerabilidade,
narcisismo, egocentrismo, tendência enérgica a conquistar posições de liderança, decisão,
coragem, arrojo, valentia, audácia, intrepidez, agressividade, disposição para enfrentar
desafios, competitividade, hiper-masculinidade, orgulho, arrogância, ostentação,
exibicionismo etc.
O caráter social
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Bibliografia
1. ABRAHAM, Karl. A formação do caráter no nível genital do desenvolvimento da libido.
In: _______. Teoria psicanalítica da libido; sôbre o caráter e o desenvolvimento da
libido. Rio de Janeiro: Imago, 1970. p.195-205.
2. ABRAHAM, Karl. A influência do erotismo oral na formação do caráter. In: _______.
Teoria psicanalítica da libido; sôbre o caráter e o desenvolvimento da libido. Rio de
Janeiro: Imago, 1970. p.161-173.
3. ABRAHAM, Karl. Contribuições à teoria do caráter anal. In: _______. Teoria
psicanalítica da libido; sôbre o caráter e o desenvolvimento da libido. Rio de Janeiro:
Imago, 1970. p.174-195.
4. FENICHEL, Otto. Teoria psicanalítica das neuroses. Rio de Janeiro; São Paulo:
Livraria Atheneu, 1981. 672p. (Psicologia, psicanálise, psicoterapia, parapsicologia.)
5. FREUD, Sigmund. A disposição à neurose obsessiva; uma contribuição ao problema da
escolha da neurose. In: _______. O caso de Schreber, Artigos sobre técnica e outros
trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, s.d.. p.391-409. (Edição standard brasileira das
obras psicológicas completas de Sigmund Freud; 12.)
6. FREUD, Sigmund. A história do movimento psicanalítico. In: _______. A história do
movimento psicanalítico, Artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos. Rio de
Janeiro: Imago, 1974. p.11-119. (Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud; 14.)
7. FREUD, Sigmund. As transformações do instinto exemplificadas no erotismo anal. In:
_______. História de uma neurose infantil e outros trabalhos. Rio de Janeiro:
Imago, 1976. p.155-166. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas
de Sigmund Freud; 17.)
8. FREUD, Sigmund. Caráter e erotismo anal. In: _______. ‘Gradiva’ de Jensen e
outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p.171-181. (Edição standard brasileira
das obras psicológicas completas de Sigmund Freud; 9.)
9. FREUD, Sigmund. Novas conferências introdutórias sobre psicanálise. In: _______.
Novas conferências introdutórias sobre psicanálise e outros trabalhos. Rio de
Janeiro: Imago, 1976. p.11-220. (Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud; 22.)
10. FROMM, Erich. Apêndice: O caráter e o processo social. In: _______. O medo à
liberdade. 13.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. p.219-235.
11. FROMM, Erich. Psicanálise da sociedade contemporânea. 6.ed. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1970. 352p. (Biblioteca de ciências sociais.)
12. GABRIEL, Yiannis. Freud e a sociedade. Rio de Janeiro: Imago, 1988. 406p.
(Analytica.)
13. REIS, Alberto O. Advincula. Teorias da personalidade em Sigmund Freud. In: REIS,
Alberto O. Advincula; MAGALHÃES, Lúcia Maria Azevedo; GONÇALVES, Waldir
Lourenço. Teorias da personalidade em Freud, Reich e Jung. 7.ed. São Paulo: EPU,
2005. p.1-61. (Temas básicos de psicologia; 7.)
14. SCHNEIDER, Michael. Neurose e classes sociais; uma síntese freudiano-marxista. Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 1977. 362p. (Psyche.)
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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Centro de Teologia e Ciências Humanas (CTCH)
Departamento de Psicologia
Alfred Adler
[1] Alfred Adler (1870-1937) é o descobridor do complexo de inferioridade e o criador da
psicologia individual.
[2] Adler costuma ser apresentado como um discípulo dissidente de Sigmund Freud (1856-
1939), mais exatamente, como o primeiro desertor da psicanálise, como o responsável pela
cisão inaugural da turbulenta história do movimento psicanalítico.
[3] Ele próprio, contudo, não se reconhecia nessa descrição. Asseverava que nunca fora
propriamente um discípulo de Freud. Possuía já as suas próprias ideias antes de se
associar ao criador da psicanálise. Por algo em torno de uma década, colaboraram. Mas,
desde o começo, discordou de Freud sobre diversos pontos, manifestando sempre
claramente a sua divergência.
Cronologia da vida
Algumas obras
[31] Ao longo de três décadas, contando livros e artigos, Adler publicou algo em torno de
100 títulos. Segue-se uma pequena amostra.
[32] 1907: “Studie über Minderwertigkeit von Organen” [“Estudo sobre a inferioridade de
órgãos”] – em francês, “Étude sur l’infériorité des organes” ou “La compensation
psychique de l’état d’infériorité des organes”.
[33] 1912: “Über den nervösen Charakter” [“Sobre o caráter neurótico”] – em francês, “Le
tempérament nerveux”.
[34] 1914:“Heilen und Bilden” [“Curar e educar”] – em francês, “Guérir et instruire”.
[35] 1920: “Praxis und Theorie der Individualpsychologie” [“Prática e teoria da psicologia
individual”] – em francês, “Pratique et théorie de la psychologie individuelle”.
[36] 1927: “Menschenkenntnis” [“Conhecimento do homem”] – em francês, “Connaissance
de l’homme”.
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[37] 1930: “Die Technik der Individualpsychologie” [“A técnica da psicologia individual”] –
em francês, “La technique de la psychologie individuelle”.
[38] 1933: “Der Sinn des Lebens” [“O sentido da vida”] – em francês, “Le sens de la vie”.
A psicologia individual
[39] “Psicologia individual” é o nome que Adler escolheu para a sua abordagem em
psicologia. “Individual” não significa “individualista”. A expressão tem em vista a unidade
e a unicidade de cada pessoa. Ou seja, primeiramente, o fato de que cada pessoa é una
(indivisível). E, em segundo lugar, o fato de que cada pessoa é única (singular), possuindo
um estilo de vida próprio.
[40] A psicologia adleriana é, portanto, uma psicologia holista e diferencial.
[41] Além desses dois aspectos, sugeridos pelo seu próprio nome, a psicologia individual de
Adler apresenta ainda algumas características gerais que podem ser, desde já, apontadas.
[42] Determinismo ou liberdade? O ser humano é livre. Ele sofre a influência da
hereditariedade e do meio. Mas permanece livre para, servindo-se dessa matéria-prima,
moldar a própria personalidade. Cada indivíduo cria o seu próprio estilo de vida. E é
responsável por ele.
[43] Prazer ou poder? A luta pela superioridade – e não a sexualidade – é o motivo
principal do comportamento humano.
[44] Inconsciente ou consciente? Geralmente falando, as pessoas sabem o que fazem e por
que o fazem. O indivíduo é uno, e não dividido; é consciente, e não movido por impulsos
inconscientes.
[45] Fatores biológicos ou sociais? O ser humano tem uma natureza social; o homem é um
ser social. Na psicologia humana, os fatores de ordem social têm muito maior importância
do que os de natureza instintiva.
[46] Causa ou finalidade? Para compreender o comportamento de uma pessoa, as suas
expectativas em relação ao futuro são mais relevantes do que a sua experiência de vida
passada. Não se deve perguntar “por quê?”, mas “para quê?”; não “de onde vem?”, mas
“para onde vai?”. A psicologia adleriana é, portanto, uma psicologia teleológica, não
arqueológica, finalista, não causalista.
[47] Como se vê, a psicologia individual de Adler é a antítese da psicanálise de Freud. Em
todas as alternativas acima relacionadas, Freud está de um lado, e Adler do outro.
O dinamismo inferioridade-superioridade
[48] A teoria de Adler é uma teoria simples. Ela gravita em torno de um dinamismo
fundamental: a luta pela superioridade como compensação para o sentimento de
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inferioridade. No final de sua vida, Adler deu-se conta da importância de um segundo
fator: o interesse social. Comecemos, porém, pelo dinamismo identificado por Adler já no
começo de sua carreira.
[49] Esquematicamente, a dinâmica inferioridade-superioridade pode ser pensada em
duas condições: o funcionamento normal e o adoecimento psíquico. Nos termos seguintes.
[50] Dinâmica do funcionamento normal: Fragilidade infantil Sentimento de
inferioridade Compensação Luta pela superioridade.
[51] Dinâmica do adoecimento psíquico: Inferioridade orgânica / Superproteção / Rejeição
Complexo de inferioridade Supercompensação Complexo de superioridade.
[52] Tomemos cada um dos elementos que figuram nos diagramas acima a fim de
explicitar o seu significado.
[53] Fragilidade infantil: Todo ser humano começa a sua vida num estado de franca
desvantagem diante daqueles que o cercam. Comparada a um adulto, uma criança é
pequena, fraca, impotente, indefesa, desamparada, dependente. Sente-se, por conseguinte,
inferior.
[54] Sentimento de inferioridade: O sentimento de inferioridade é um sentimento
universal. Ser homem é sentir-se inferior. Todas as pessoas têm um sentimento de
inferioridade. Esse sentimento é o ponto de partida de todos os esforços humanos.
[55] Compensação: O sentimento de inferioridade impulsiona o ser humano a superar-se a
si mesmo. Sentindo-se inferior, o homem procura compensar essa inferioridade. Como?
Lutando pela superioridade.
[56] Luta pela superioridade: A luta pela superioridade é o esforço desde uma situação
“menos” para uma situação “mais”. Eis a lei suprema da vida, a principal força motivadora
do comportamento humano.
[57] Ao longo da evolução do seu pensamento, essa força foi nomeada por Adler de muitas
maneiras, como “impulso agressivo”, “protesto masculino”, “vontade de poder”, “luta pela
perfeição” e, por fim, “luta pela superioridade”.
[58] A luta pela superioridade de Adler não está distante da tendência para a
autorrealização de Kurt Goldstein (1878-1965), um conceito importante também para Carl
Rogers (1902-1987) e Abraham Maslow (1908-1970).
[59] O estilo de vida de uma pessoa é, justamente, o padrão de comportamento por ela
desenvolvido a fim de compensar o seu sentimento de inferioridade e lutar pela
superioridade.
[60] Dito isso, passemos aos termos do dinamismo inferioridade-superioridade
relacionados ao adoecimento psíquico.
[61] Inferioridade orgânica / Superproteção / Rejeição: Há três condições desfavoráveis
que podem gerar um complexo de inferioridade, concorrendo, assim, para o adoecimento
psíquico e o desenvolvimento de um estilo de vida patológico: a inferioridade de órgãos, o
mimo e a negligência.
[62] O primeiro fator identificado por Adler foi o que ele chamou de “inferioridade
orgânica” (“Minderwertigkeit”). Ao empregar essa expressão, ele tinha em mente alguma
deficiência física grave. Mais tarde, Adler percebeu que vários outros fatores poderiam ter
o mesmo efeito que essa imperfeição orgânica, tais como a doença, a debilidade, a fealdade
etc. Crianças marcadas por condições como essas tendem a se sentirem incapazes de
enfrentar os desafios da vida. Mas não estão condenadas a isso. Diante da inferioridade de
órgãos, há, na verdade, duas reações possíveis. A desvantagem pode levar uma pessoa a
tentar superar-se heroicamente a si mesma, impelindo-a a realizações de grande valor,
assim como pode abater psicologicamente o indivíduo, decorrendo em consequências
patológicas.
[63] O segundo fator patogênico identificado por Adler é o mimo, a superproteção, a
indulgência demasiada. A mãe excessivamente solícita mantém a criança numa situação de
dependência; não estimula a iniciativa, a autonomia, o desenvolvimento dos próprios
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recursos. Consequentemente, a criança não aprende a enfrentar por si mesma os
problemas da vida. Quando eles surgirem, ela provavelmente fracassará. Sem saber que o
seu fracasso decorre de uma falta de treinamento, ela poderá desenvolver um complexo de
inferioridade. Crianças muito bonitas, o filho caçula e o filho único tendem a ser mimados.
[64] Por fim, a terceira condição desfavorável que Adler reconheceu é a rejeição. Crianças
não desejadas, mal amadas, não queridas; crianças feias, deformadas, odiadas; crianças
tratadas com negligência ou maltratadas; crianças cuidadas – ou descuidadas – por uma
“madrasta”; filhos ilegítimos; meninas nascidas quando se esperava que nascesse um
menino – ou o contrário –; órfãos, crianças sem “mãe”; filhos de pais indiferentes ou hostis
– todas essas crianças tendem, com razão, a suspeitar dos outros e a não confiar em si
mesmas.
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complexo de inferioridade do indivíduo em questão, desencadeando uma
supercompensação ainda mais agressiva. Entra-se, desse modo, num círculo vicioso.
O interesse social
Terapia
Influência
[86] Durante a sua vida, Adler foi um psicólogo muito prestigiado. Hoje, contudo, ele é um
autor raramente citado.
[87] É preciso reconhecer, porém, que Adler foi o primeiro teórico da personalidade a
formular uma série de ideias que outros, depois dele, abraçaram. Ele pode ser considerado
um precursor do culturalismo, da psicologia humanista e da psiquiatria existencial.
[88] Nomeadamente, os culturalistas Karen Horney (1885-1952), Harry Stack Sullivan
(1892-1949) e Erich Fromm (1900-1980), os humanistas Gordon Allport (1897-1967), Carl
Rogers (1902-1987) e Abraham Maslow (1908-1970) e os existencialistas Viktor Frankl
(1905-1997) e Rollo May (1909-1994), todos esses autores, entre outros, apresentam
grande afinidade com o pensamento de Adler e lhe são posteriores, tendo sido
influenciados por ele.
Bibliografia
1. ADLER, Alfred. Connaissance de l’homme; étude de caractérologie individuelle. Paris:
Payot, 1949. 192p. (Bibliothèque scientifique.)
2. ADLER, Alfred. La compensation psychique de l’état d’infériorité des organes suivi de
Le problème de l’homosexualité. Paris: Payot, 1956. 256p. (Bibliothèque scientifique.)
3. ADLER, Alfred. Le sens de la vie. Paris: Payot, 1954. 208p. (Bibliothèque scientifique.)
4. ADLER, Alfred. Le tempérament nerveux; éléments d’une psychologie individuelle et
applications a la psychothérapie. Paris: Payot, 1948. 384p. (Bibliothèque scientifique.)
5. ANSBACHER, Heinz L.; ANSBACHER, Rowena R. (Eds.). The individual psychology
of Alfred Adler; a systematic presentation in selections from his writings. New York,
Hagerstown, San Francisco, London: Harper Torchbooks, 1964. 520p.
6. HANDLBAUER, Bernhard. A controvérsia Freud-Adler. São Paulo: Madras, 2005.
224p.
7. HOFFMAN, Edward. The drive for self; Alfred Adler and the founding of individual
psychology. Reading: Addison-Wesley, 1994. 398p.
8. ORGLER, Herta. Alfred Adler et son œuvre; libération du complexe d’infériorité.
Paris: Librairie Stock, 1955. 320p.
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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Centro de Teologia e Ciências Humanas (CTCH)
Departamento de Psicologia
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As duas atitudes: extroversão e introversão
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psique é um sistema autorregulado, onde vigora o princípio da compensação. O
inconsciente tende a contrabalançar a unilateralidade da consciência.
[21] Essa tendência à compensação pode também se manifestar na relação entre as
pessoas. É comum uma pessoa sentir-se fascinada por outra cuja atitude dominante seja o
oposto da sua.
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Os oito tipos psicológicos
[31] Com isso, dispomos já dos elementos em que se baseia a tipologia junguiana. Toda
pessoa tem uma atitude dominante e uma função superior. Como são duas as atitudes e
quatro as funções, há oito tipos psicológicos.
[32] O extrovertido pensante tem o pensamento como função superior e a extroversão
como atitude dominante. Trata-se de uma pessoa extremamente racional, cuja capacidade
intelectual está voltada para o mundo circundante. Tem a sua vida governada pela razão,
ocupando-se antes do objeto do que da ideia. É indutivo, não dedutivo. Exemplos:
cientistas, pesquisadores, engenheiros, economistas, contadores, governantes, políticos,
dirigentes, advogados, empresários, organizadores, administradores etc.
[33] O introvertido pensante tem o pensamento como função superior e a introversão
como atitude dominante. Trata-se de uma pessoa extremamente racional, cuja capacidade
intelectual está orientada para o mundo das ideias. Gosta de abstrações; é mais teórico do
que prático. É dedutivo, não indutivo. Os dados empíricos servem apenas para documentar
as suas teorias preconcebidas. Exemplos: filósofos, matemáticos etc.
[34] O extrovertido sentimental tem o sentimento como função superior e a extroversão
como atitude dominante. São pessoas amáveis, cordiais, afáveis, acolhedoras, calorosas,
agradáveis, emotivas, afetivas, comunicativas, sociáveis e alegres. Bem adaptadas
socialmente, costumam ter muitos amigos e sabem manter uma boa conversa. Exemplos:
atores, apresentadores de programas de televisão, líderes etc.
[35] O introvertido sentimental tem o sentimento como função superior e a introversão
como atitude dominante. São pessoas capazes de emoções profundas, dotadas de
sentimentos finamente diferenciados, mas que não exprimem externamente a sua intensa
vida afetiva. Muitas vezes, ocultam grandes paixões. São pessoas misteriosas, enigmáticas,
difíceis de compreender. Exemplos: poetas, músicos, monges etc.
[36] O extrovertido sensitivo tem a sensação como função superior e a extroversão como
atitude dominante. Tem a percepção extremamente desenvolvida; observa atentamente
todas as coisas; é um mestre em perceber detalhes. Objetivo, tem um forte senso de
realidade. É prático, concreto e eficiente. É dotado de um poderoso vínculo sensual com o
mundo exterior; compraz-se na apreciação sensorial das coisas; gosta de ver, ouvir,
cheirar, tocar, provar; apresenta uma vigorosa disposição para o prazer. Exemplos:
engenheiros, construtores, pintores de residências, degustadores de vinho, gourmets etc.
[37] O introvertido sensitivo tem a sensação como função superior e a introversão como
atitude dominante. É extremamente sensível às impressões provenientes dos objetos.
Percebe tudo; absorve os menores matizes e os mais íntimos detalhes. Por fora, não se sabe
o que está acontecendo dentro dele; mas, interiormente, a impressão está sendo captada.
Aprecia formas, cores e perfumes com uma requintada sutileza. Valoriza o prazer estético
acima de tudo. Exemplos: estetas, colecionadores de obras de arte, pintores artísticos etc.
[38] O extrovertido intuitivo tem a intuição como função superior e a extroversão como
atitude dominante. Tem grande sensibilidade para reconhecer o que está por vir. Prevê,
pressente, fareja. Adivinha o rumo que os acontecimentos irão tomar; vislumbra
desenvolvimentos futuros; enxerga o que ainda não é visível, potencialidades ainda não
realizadas. Costuma ser inovador, criativo. Exemplos: empresários, homens de negócios,
banqueiros, especuladores, jogadores da bolsa de valores, inventores, jornalistas,
casamenteiros etc.
[39] O introvertido intuitivo tem a intuição como função superior e a introversão como
atitude dominante. Tem boa intuição, mas sobre o universo interior. Normalmente, está
mais interessado no inconsciente do que no mundo objetivo. Tem uma relação frágil com a
realidade externa. Não raro, é incompreendido ou tomado por louco. Exemplos: artistas
surrealistas, místicos, videntes, visionários, feiticeiros, xamãs, profetas, sonhadores,
utopistas, excêntricos etc.
22
[40] A tipologia junguiana pode ser ainda mais específica. Há duas possibilidades para a
atitude dominante, quatro para a função superior e duas para a função auxiliar. Em
consequência, há dezesseis tipos possíveis: 2 x 4 x 2 = 16. A saber: extrovertido pensante
com a sensação como função auxiliar, extrovertido pensante com a intuição como função
auxiliar, introvertido pensante com a sensação como função auxiliar, introvertido pensante
com a intuição como função auxiliar, extrovertido sentimental com a sensação como
função auxiliar, extrovertido sentimental com a intuição como função auxiliar, introvertido
sentimental com a sensação como função auxiliar, introvertido sentimental com a intuição
como função auxiliar, extrovertido sensitivo com o pensamento como função auxiliar,
extrovertido sensitivo com o sentimento como função auxiliar, introvertido sensitivo com o
pensamento como função auxiliar, introvertido sensitivo com o sentimento como função
auxiliar, extrovertido intuitivo com o pensamento como função auxiliar, extrovertido
intuitivo com o sentimento como função auxiliar, introvertido intuitivo com o pensamento
como função auxiliar e introvertido intuitivo com o sentimento como função auxiliar.
[41] Havendo tantas possibilidades, como identificar o tipo a que pertence uma pessoa?
Para isso, há, por exemplo, o Indicador de Tipo Myers-Briggs (Myers-Briggs Type
Indicator), conhecido no Brasil como “Inventário MBTI”.
Do tipo ao indivíduo
[42] Para terminar, uma última observação. Ainda que, às vezes, seja difícil determiná-lo,
toda pessoa pertence a um tipo psicológico. Na medida em que avança no processo de
individuação, porém, a pessoa tende a superar essa identificação a um tipo específico.
[43] O nome junguiano do crescimento psicológico é “individuação”. Etimologicamente,
“individuum” significa não dividido. Individuação é, pois, o mesmo que superação da
divisão, unificação da personalidade. Trata-se do processo de transformar-se num
indivíduo, isto é, numa pessoa inteira. Individuação, noutras palavras, é o mesmo que
união, integração, reconciliação, harmonização, totalização, homogeneização, síntese. Por
meio da individuação, alcança-se um equilíbrio entre os vários elementos e dinamismos
psíquicos.
[44] A individuação consiste no desenvolvimento pleno e na diferenciação completa de
todos os sistemas da personalidade. Na individuação, a persona é reduzida; a sombra é
acolhida; a anima – ou o animus – é assumida/o; o self é realizado; a consciência e o
inconsciente são unificados. Quanto ao que nos interessa, individuar-se é desenvolver
plenamente as duas atitudes fundamentais e as quatro funções psicológicas. Nessa medida,
a individuação contradiz a lógica da tipificação, que se baseia na eleição de uma atitude e
de uma função como dominantes em prejuízo das demais. Uma pessoa individuada não
pertenceria, pois, a tipo algum, porque não teria uma atitude e uma função predominando
sobre as outras. Ela seria igualmente capaz de extroversão e introversão e teria as
faculdades do pensamento, sentimento, sensação e intuição igualmente bem
desenvolvidas.
[45] Na terapia junguiana, trata-se exatamente disto: de promover o processo de
individuação. E isso acontece fortalecendo-se a atitude oposta e desenvolvendo-se a função
inferior. Ambas fazem parte da sombra que precisa ser integrada. Em suma, para Jung,
todos temos um tipo, mas crescer é deixar de pertencer a um tipo psicológico particular.
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Bibliografia
1. DONN, Linda. Freud e Jung; anos de amizade, anos de perda. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1991. 360p.
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movimento psicanalítico, Artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos. Rio de
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completas de Sigmund Freud; 14.)
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11. VON FRANZ, Marie-Louise; HILLMAN, James. A tipologia de Jung. São Paulo:
Cultrix, s.d. 224p.
24
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Centro de Teologia e Ciências Humanas (CTCH)
Departamento de Psicologia
Viktor Frankl
[1] Viktor Emil Frankl (1905-1997) – o “prisioneiro no 119.104”, o “sobrevivente de quatro
campos de concentração”, o “psicólogo-mártir”, o “campeão do logos”, o “psicólogo da
esperança”, o “médico da doença do século” – é o criador da logoterapia e da análise
existencial.
Cronologia da vida
O experimentum crucis
O movimento existencial-humanista
[59] As teorias de Frankl foram não apenas testadas no campo de provas em que se
constituiu a sua experiência como prisioneiro. Elas têm também profundas raízes
filosóficas.
[60] De fato, o pensamento de Frankl pode ser localizado no campo da psiquiatria
existencial, ao lado de Ludwig Binswanger (1881-1966) e Medard Boss (1903-1990), entre
outros.
[61] A psiquiatria existencial, por sua vez, pertence ao movimento filosófico existencialista,
representado por nomes como Søren Kierkegaard (1813-1855), Max Scheler (1874-1928),
Karl Jaspers (1883-1969), Martin Heidegger (1889-1976), Gabriel Marcel (1889-1973),
Jean-Paul Sartre (1905-1980), Albert Camus (1913-1960) etc.
[62] Além disso, as ideias de Frankl têm afinidade com a psicologia humanista de Carl
Rogers (1902-1987), Abraham Maslow (1908-1970) e Rollo May (1909-1994), entre outros.
[63] Em suma, é possível localizar o pensamento de Frankl no quadro da assim chamada
“psicologia existencial-humanista”.
O ser humano
[68] A logoterapia é um tipo de psicoterapia. Uma psicoterapia, por sua vez, tem sempre
implicações metaclínicas. Entre elas, está, fundamentalmente, uma determinada visão do
ser humano (imago hominis), ou seja, uma antropologia.
[69] Sobre essa matéria, Frankl se insurgiu contra as visões de homem dominantes em
psicologia quando do surgimento da logoterapia. Em sua opinião, a psicanálise e o
behaviorismo, nomeadamente, ofereciam um retrato desfigurado do ser humano. Era
preciso resgatar a humanidade do homem. A logoterapia se propôs, justamente, a
28
reumanizar o campo da psicologia. Ao lado de outros autores, Frankl promoveu, assim, o
chamado “retorno do homem”.
[70] Mas, então, o que é o ser humano?
[71] O homem é um ser orientado para o logos, “em busca de sentido”.
[72] O homem é um ser autotranscendente. É um ser aberto ao mundo, voltado para fora
de si, ordenado para algo ou alguém que não é ele próprio – para um sentido a realizar,
uma causa a servir, uma pessoa a amar. O homem, em suma, é um ser-para-os-outros.
[73] O homem é um ser capaz de autodistanciamento.
[74] O homem é um ser livre, ainda que a liberdade de que disponha seja limitada. Com
efeito, o ser humano não é isento de fatores condicionantes; ele sofre determinações de
diversos tipos – biológicas, psicológicas, sociológicas etc. Não obstante, ele é livre para
tomar uma posição frente a esses fatores; ele tem a possibilidade de distanciar-se dos
condicionamentos que padece e assumir diante deles esta ou aquela atitude, podendo,
inclusive, contrariá-los. Noutras palavras, o homem não é indeterminado, mas também
não é pandeterminado. O que ele é, então? Determinado e livre.
[75] O homem é um ser responsável. A vida tem o caráter de tarefa. Cada pessoa está
encarregada de uma missão. E, por ela, é responsável. O homem responde, pois, pela
realização de um sentido. Qual sentido? Perante o quê? Ou quem? Só ele poderá dizer.
[76] O homem é tridimensional, um ser bio-psico-espiritual, provido de corpo, alma e
espírito, dotado, portanto, de três dimensões: somática, psíquica e noética; biológica,
anímica e espiritual; física, mental e noológica; corporal, psicológica e espiritual.
[77] O homem é, portanto, também um ser espiritual. Às dimensões corporal e psíquica –
tradicionalmente reconhecidas pelas teorias da personalidade –, a logoterapia acrescentou
uma terceira: a dimensão noética. “Noético” vem de “nous”, palavra grega que significa
“espírito”. “Espiritual”, contudo, não quer dizer “religioso”: o espiritual não exclui o
religioso, mas é mais abrangente do que ele. A dimensão noética pode ser dita uma
dimensão “superior”. A dimensão noética é uma dimensão especificamente humana. A
dimensão noética é o centro da pessoa humana, o seu núcleo, o seu cerne.
A vontade de sentido
O sentido da vida
[82] O homem tem, pois, “sede de sentido”. Mas... a vida tem sentido? Sim, se o ser
humano busca o sentido da vida, é porque há um sentido para ser encontrado.
[83] O sentido é uma realidade objetiva. A vida tem já um sentido. Cabe ao homem
descobri-lo, não inventá-lo; encontrá-lo, não criá-lo; achá-lo, não fabricá-lo. Não se trata,
pois, de atribuir um sentido à vida, mas de cair na conta do sentido que a vida tem. Não se
trata de injetar sentido nas coisas, mas de extrair o sentido que elas já possuem. Em vez de
ser algo dado por nós, o sentido é, para nós, um dado.
[84] Em sua busca do sentido, o homem é orientado pela sua consciência. A consciência
pessoal é o órgão do sentido.
[85] Em sua busca do sentido, o homem pode ser ajudado por valores compartilhados e
transmitidos pela tradição, assim como pode ter que encontrá-lo por si mesmo. Há, pois,
sentidos universais, próprios de situações típicas, e sentidos únicos, próprios de situações
que têm um caráter pessoal.
[86] Há três maneiras de encontrar o sentido da vida: trabalhando, amando e... sofrendo!
Pode-se encontrar o sentido da vida por meio da realização de uma ação, da criação de
uma obra, da execução de um projeto. Pode-se encontrar o sentido da vida por meio da
experiência de algo, fazendo uma vivência, desfrutando de alguma coisa – e, aqui, se
destaca a experiência do encontro amoroso com outra pessoa. Esses são os dois modos
costumeiros de encontrar o sentido da vida. No primeiro, dá-se alguma coisa ao mundo; no
segundo, recebe-se dele alguma coisa.
[87] Mas é também possível encontrar sentido para a vida no confronto com uma situação
penosa da qual não há escapatória, ou seja, no sofrimento.
[88] A esses três modos de encontrar o sentido da vida, correspondem três tipos de
valores: de criação, de experiência e de atitude. Uma pessoa pode, pois, viver uma vida
repleta de sentido realizando valores criativos, vivenciais ou atitudinais.
O sentido do sofrimento
[89] A vida tem sentido. O sofrimento faz parte da vida. Deve, pois, haver sentido também
no sofrimento.
[90] O homo patiens é o homem padecente, o homem que sabe sofrer, o homem que é
capaz de encontrar um sentido para a sua dor, transformando-a num triunfo pessoal.
[91] O sofrimento passível de ser dotado de sentido é o sofrimento inevitável. Se o
sofrimento for evitável, a coisa significativa a fazer é eliminar a sua causa.
[92] Diante do sofrimento inevitável, não há nada que o homem possa fazer para removê-
lo. Ele pode, contudo, fazer, sim, alguma coisa: pode mudar a sua atitude para com o seu
sofrimento. O sofrimento é, pois, uma oportunidade para a realização de valores de
atitude.
[93] Assumir o próprio sofrimento, aceitá-lo com humildade, suportá-lo com paciência e
dignidade, sem desesperar, enfrentá-lo com coragem, bravura e valentia, tornar-se um
exemplo para os outros, sofrer por amor a alguém, conferir ao sofrimento o valor de oferta
ou sacrifício – são maneiras de encontrar um sentido para o sofrimento; são modos de
realizar valores atitudinais.
30
[94] É sempre possível realizar algum tipo de valor. Um homem que não pode mais
realizar valores criativos – e, talvez, nem mesmo vivenciais – tem, pelo menos, a
possibilidade de realizar valores de atitude.
[95] Encontrar sentido no sofrimento é dar um testemunho extremo da capacidade
humana de encontrar um sentido para a vida. Daí que o sentido do sofrimento possa ser
considerado a forma mais elevada da experiência do sentido. Os valores de atitude ocupam
uma posição acima dos valores de criação e de experiência.
[96] Cabe, pois, ao logoterapeuta ajudar os seus pacientes a se capacitarem não apenas
para o trabalho e a fruição da vida, mas também para o sofrimento.
[97] Em alguns casos, o logoterapeuta tem ainda outro papel: não podendo curar ou aliviar
a dor dos seus pacientes, resta a ele o ofício de consolar.
[98] O sofrimento, a culpa e a morte constituem a tríade trágica da existência. Ao lado do
sofrimento, também a culpa e a morte são ocasiões para a realização de valores de atitude.
Diante dessa tríade, o homem tem, então, a chance de suportar com valentia o sofrimento,
assumir responsavelmente a própria culpa e enfrentar a morte com dignidade.
[99] A responsabilidade é uma das características fundamentais do homem. Desculpar
uma pessoa, retirar dela a responsabilidade pelos seus erros, considerando-a vítima das
circunstâncias, é também privá-la da sua dignidade humana. Assumir com
responsabilidade a própria culpa é realizar um valor atitudinal.
[100] Assim como o sofrimento inevitável, também a morte pode se configurar como uma
realidade que o ser humano não é capaz de mudar pelo agir. Se não pode mudá-la, ele
pode, contudo, mudar a sua atitude, escolhendo morrer com dignidade.
[109] Certamente, é possível encontrar sentidos parciais para situações específicas da vida.
Mas... seria também possível encontrar um sentido último (suprassentido) para o conjunto
da existência?
[110] Muitas pessoas acreditam que sim, e não poucas reconhecem em Deus o sentido
último de suas vidas. Coloca-se, assim, a questão da relação entre a logoterapia e a religião.
[111] Frankl era um homem religioso; professava a fé judaica. Muitas pessoas religiosas –
cristãos, inclusive – têm se mostrado receptivas à sua abordagem em psicologia, parecendo
reconhecerem-se ali com mais facilidade.
[112] A logoterapia não é, contudo, uma psicoterapia confessional – judaica, católica ou
protestante. A logoterapia é uma abordagem laica de problemas clínicos. A logoterapia tem
uma atitude neutra para com a religião.
[113] Um logoterapeuta pode ou não ser religioso. Um paciente de logoterapia, idem: a
logoterapia deve ser aplicável a uma pessoa independentemente de sua posição religiosa.
[114] Sendo religioso, o logoterapeuta não propõe ao paciente a sua visão de mundo. Se,
contudo, o próprio paciente introduz a sua fé religiosa como uma resposta ao problema do
sentido da vida, convém que o logoterapeuta reconheça como válida essa busca. Em suma,
a logoterapia deixa aberta a porta da religião e é receptiva a essa dimensão quando ela
entra em cena por iniciativa do paciente. A logoterapia é, enfim, uma abordagem em
psicologia aberta à transcendência.
Clínica
[122] O tempo em que vivemos é caracterizado pela propagação em escala massiva de uma
forma de neurose. A neurose coletiva contemporânea é uma neurose noogênica: o vazio
existencial.
32
[123] Frankl dizia que era da cidade de Freud, mas não do tempo de Freud. A grande
insatisfação social dos nossos dias não é de natureza sexual, mas existencial.
[124] A sociedade contemporânea tem se mostrado capaz de satisfazer a todas as
necessidades humanas – inclusive, a algumas necessidades por ela mesma criadas –, com
exceção da mais fundamental de todas as vontades do homem: a vontade de sentido.
[125] Em países ricos, muitas pessoas têm como viver, mas não têm um para quê; têm os
meios, mas não o sentido.
[126] Caracterizam a neurose de massa da atualidade: a carência de um sentido para viver,
o vácuo existencial, a ausência de interesse pela vida, a falta de iniciativa para tentar tornar
o mundo melhor, a indiferença, o tédio existencial, o niilismo etc.
[127] Os jovens são especialmente afetados por esse mal.
[128] Uma das principais causas do vazio existencial dos nossos dias é o declínio das
tradições, com o consequente desmoronamento dos valores compartilhados.
[129] Os três sintomas principais da neurose coletiva atual são a depressão, a
criminalidade e a drogadição.
[130] A depressão costuma estar associada a uma hipotrofia do sentido.
[131] O niilismo é o “pai” da violência.
[132] Para não poucas pessoas, as drogas funcionam como um anestésico para o vazio
existencial que as corroem interiormente.
[133] Além do vazio existencial generalizado, é possível identificar alguns tipos mais
específicos de neurose que também têm uma natureza noológica.
[134] A neurose dominical é uma depressão típica dos finais de semana, ocasião em que
algumas pessoas – interrompido o corre-corre do dia-a-dia – caem na conta da falta de
sentido da própria existência.
[135] A neurose do desemprego é outro exemplo de neurose noogênica. O seguro-
desemprego não basta; as pessoas precisam também de sentir que existem para algo – ou
para alguém.
[136] Também a crise da aposentadoria faz pensar no novo tipo de neurose identificado
pela logoterapia.
[137] Diante de uma neurose noogênica, o objetivo da logoterapia não poderia ser outro:
trata-se de ajudar o paciente a encontrar um sentido para a sua vida; trata-se de
conscientizá-lo do logos da sua existência; trata-se, enfim, de auxiliar o paciente a
desbloquear a sua dimensão noética.
[138] O próprio paciente deve, porém, encontrar, por si mesmo, guiado pela própria
consciência, a resposta para a pergunta sobre o sentido da sua vida. Sem sugerir ao
paciente qual possa ser esse sentido, o logoterapeuta pode – isto, sim – encorajá-lo nessa
busca, garantindo que, potencialmente, a vida tem sentido sempre.
33
[139] O modo de conduzir o paciente na busca do sentido da sua vida é o chamado “diálogo
socrático”. O diálogo socrático é a própria interlocução logoterapêutica. Por meio da
conversação, procura-se levar o paciente a “dar à luz” o sentido da sua vida. Em sua relação
dialógica com o paciente, o logoterapeuta é, pois, o “parteiro” do sentido, um “obstetra” do
espírito. Os pacientes, por seu turno, são as “parturientes”.
[140] Embora tenha sido concebida como terapêutica das neuroses noogênicas, a
logoterapia fez também contribuições importantes à compreensão e ao tratamento das
neuroses psicogênicas.
[141] No campo das neuroses psicogênicas, a logoterapia identificou alguns dinamismos
patológicos e desenvolveu técnicas psicoterapêuticas novas. Entre os fenômenos
patogênicos identificados, estão a hiperintenção, a hiper-reflexão e a ansiedade
antecipatória.
[142] A hiperintenção e a hiper-reflexão são duas atitudes distintas, mas correlativas;
normalmente, acontecem conjuntamente. A hiperintenção consiste em querer alguma
coisa com muita ênfase. A hiper-reflexão consiste em prestar atenção demasiada a alguma
coisa – no mais das vezes, a si mesmo. Ambas as atitudes podem ser nocivas
psicologicamente. A impotência, a frigidez e a insônia, por exemplo, podem resultar da
ação conjunta da hiperintenção e da hiper-reflexão.
[143] A ansiedade antecipatória é uma condição frequentemente encontrada em pessoas
neuróticas. Consiste no seguinte dinamismo. Numa determinada ocasião, uma pessoa
apresenta um determinado sintoma. O sintoma lhe é molesto, penoso. A pessoa passa,
então, a ter medo de que aquele sintoma aconteça novamente. E o medo de que o sintoma
se repita faz com que ele, de fato, sobrevenha. Estabelece-se, assim, um círculo vicioso;
forma-se um mecanismo de feedback. Esse mecanismo é típico da fobia. Exemplos: medo
de enrubescer, medo de transpirar, medo de tremer, medo de gaguejar, medo de não
conseguir dormir etc.
[144] O mecanismo da neurose obsessivo-compulsiva também tem o caráter de um círculo
vicioso. Funciona como se segue. Ao paciente, ocorre, certa vez, um pensamento obsessivo
ou uma compulsão. O impulso é moralmente censurável; provoca ansiedade. O paciente
luta, então, contra as suas obsessões e compulsões. A contrapressão, contudo, tem por
efeito aumentar a pressão. De novo, forma-se um círculo vicioso. O paciente está preso.
[145] Para combater esses mecanismos, Frankl desenvolveu duas técnicas
psicoterapêuticas: a derreflexão e a intenção paradoxal.
[146] A derreflexão é uma técnica logoterapêutica que se contrapõe à hiper-reflexão e,
indiretamente, à hiperintenção. A derreflexão consiste em levar o paciente a não se
concentrar na observação de si próprio, desviando a sua atenção para alguma outra coisa.
A atenção do paciente é, desse modo, “derrefletida”. A impotência, a frigidez e a insônia
podem ser tratadas por meio desse procedimento.
[147] A intenção paradoxal é uma técnica logoterapêutica que combate a hiperintenção e,
especialmente, a ansiedade antecipatória. A intenção paradoxal consiste em orientar o
paciente a fazer – ou, pelo menos, a desejar – exatamente aquilo de que ele tem medo e
tende a evitar. O procedimento desmonta o círculo vicioso da ansiedade antecipatória: o
medo de alguma coisa é substituído pela “intenção paradoxal” de que aquela coisa
aconteça. A técnica está indicada para casos de neurose de angústia, fobia e neurose
obsessivo-compulsiva. A intenção paradoxal é, porém, severamente contraindicada para
casos de depressão com risco de suicídio.
[148] A intenção paradoxal apoia-se na capacidade humana de autodistanciamento.
Convém formulá-la da forma o mais humorística possível. A utilização do humor com
finalidade psicoterapêutica é uma das características da logoterapia.
34
[149] A logoterapia pode ser combinada com técnicas de outras abordagens clínicas – o
comportamentalismo, por exemplo. Em psicologia, há teorias que ignoram a dimensão
noológica do ser humano, mas que, a respeito da sua dimensão psicológica, fizeram
descobertas valiosas. Por outro lado, as técnicas logoterapêuticas estão à disposição para
serem utilizadas por médicos e psicólogos que seguem outra orientação teórica –
psicanalistas, por exemplo. A logoterapia entende a sua relação com as demais escolas
como uma relação de complementaridade, não de rivalidade ou exclusão.
[150] Seja como for, a logoterapia também entende que o mais importante em psicoterapia
não são as técnicas, mas a relação humana que se estabelece entre o terapeuta e o cliente,
ou seja, o encontro pessoal entre um eu e um tu. Em última análise, a psicoterapia tem
mais a ver com a arte do que com a técnica e baseia-se mais na sabedoria do que na
ciência.
1Algo análogo pode ser dito da vontade de poder de Adler. O poder não é meta, mas meio. A meta é
a realização do sentido. O poder pode se configurar como meio caso a realização do sentido
dependa de certas condições sociais e econômicas. Faz do poder a sua meta o homem que fracassou
na busca do sentido. Ou seja, de novo, o neurótico.
35
[157] (5ª) O princípio do prazer de Freud está subordinado a um princípio superior, a
homeostase. De acordo com esse princípio, o objetivo primário de toda atividade humana é
a redução de tensão por meio da satisfação pulsional. Aos olhos de Frankl, pelo contrário, o
homem necessita de tensões, busca tensões, cria, ele mesmo, tensões – não uma tensão
excessiva, mas uma dose de tensão, uma quantidade saudável de tensão. Nomeadamente,
o organismo humano necessita da tensão que se estabelece entre dois polos: o homem e o
sentido; o ser e o dever ser; a essência e a existência; o real e o ideal. Frankl deu a essa
dinâmica existencial o nome de “noodinâmica”, por contraste com a psicodinâmica de
Freud.
[158] (6ª) A psicanálise é um método retrospectivo, voltado para o passado; a logoterapia é
uma técnica prospectiva, orientada para o futuro.
[159] (7ª) Freud é um “mestre da suspeita”. Um dos traços mais característicos da sua
abordagem em psicologia é a atitude de suspeita diante dos fenômenos que examina. Com
os aspectos nobres da experiência humana, não é diferente. Para Freud, tudo o que há de
sublime na vida do homem – o amor, a consciência moral, o senso de justiça, a
solidariedade, a arte, a religião, a ética, o sentido, os valores etc. – pode ser remontado a
alguma coisa primitiva de natureza pulsional. Tudo o que há de elevado é, na verdade, o
produto da incidência de algum mecanismo de defesa – a inibição, a sublimação, a
formação reativa, a racionalização etc. – sobre alguma exigência pulsional. Frankl pensa
diferente. A suspeita freudiana transforma fenômenos autênticos e originários em
epifenômenos. Ela reduz realidades especificamente humanas a realidades sub-humanas.
E presta, ademais, um desserviço ao apreço que se deve ter pelos valores, tendendo a
desacreditá-los. Ora, não é possível suspeitar de tudo, desmascarar tudo, a tudo rebaixar.
Há coisas que devem ser tomadas at face value (pelo que aparentam ser). Insistir em
desmascará-las desmascara apenas o insensato desejo de desqualificar o que, no homem,
há de mais humano.
[160] (8ª) Para Freud, quem ama, idealiza a pessoa amada, colocando-a no lugar do seu
ideal do eu. Consequentemente, fecha os olhos para os defeitos da pessoa amada – “o amor
é cego” –; aumenta as eventuais qualidades que a pessoa amada tenha; atribui à pessoa
amada virtudes que ela não possui. Para Frankl, o amor não é cego; pelo contrário, é
clarividente. Quem ama, é capaz de ver na pessoa amada não apenas o que ela é, mas o que
pode vir a ser: as suas potencialidades. E o amor encoraja e estimula a pessoa amada a se
tornar o que ela pode vir a ser.
[161] (9ª) Para a psicanálise, a repressão incide principalmente sobre a sexualidade. Para a
logoterapia, não apenas a sexualidade é passível de ser reprimida, mas também a
religiosidade. Além do inconsciente pulsional, há também o inconsciente espiritual. A
psicologia “profunda” não foi tão “fundo”.
[162] (10ª) Por fim, para Freud, a religião não apenas provoca neuroses, mas é, ela mesma,
uma neurose: a neurose obsessiva universal da humanidade. Para Frankl, embora o seu
objetivo não seja promover a saúde mental, a religião pode concorrer para a sanidade
psíquica do crente. Há uma correlação positiva entre religiosidade e saúde mental. A
repressão da religiosidade é que tende a ser patogênica, podendo resultar numa neurose.
Caberá, então, à logoterapia trazer à tona essa espiritualidade latente, tornar consciente o
inconsciente espiritual. Assim, longe de ser neurótica ou neurotizante, a religiosidade tem
um valor psicoterapêutico.
[163] Por tudo isso, embora respeitando Freud profundamente, Frankl considera a sua
logoterapia uma abordagem mais abrangente e mais profunda do que a psicanálise. Ele se
comparou a um anão que subiu nos ombros de seus mestres – Freud e Adler –, tornando-
se capaz de enxergar mais longe.
36
As melhores frases de Frankl
Carl Rogers
Vida e obra
[8] O pensamento de Rogers pode ser dividido em duas partes: uma teoria da
personalidade e uma teoria da psicoterapia. Comecemos pela primeira.
39
[9] O organismo, o self, a tendência realizadora – que inclui a tendência para a
autorrealização – e a necessidade de consideração positiva são os elementos fundamentais
da teoria rogeriana da personalidade.
[10] O organismo é o locus de toda experiência subjetiva. A experiência inclui tudo o que
acontece dentro do organismo e que pode se tornar consciente. O campo fenomenal
compreende a totalidade da experiência. O campo fenomenal não é, porém, idêntico ao
campo da consciência. A consciência abarca aquelas experiências que são simbolizadas. O
campo fenomenal compreende, pois, experiências conscientes (simbolizadas) e
inconscientes (não-simbolizadas). O organismo pode discriminar e reagir a uma
experiência inconsciente (não-simbolizada) por meio do mecanismo da subcepção.
[11] O self é uma porção diferenciada do campo fenomenal. O self é a ideia ou a imagem
que o indivíduo faz de si mesmo – o autoconceito ou a autoimagem. O self regula o
comportamento: o indivíduo tende a comportar-se em conformidade com o seu self. Pode-
se distinguir entre o self propriamente dito e o self ideal: o self é aquilo que a pessoa
considera ser; o self ideal, por sua vez, o que ela gostaria de ser.
[12] A tendência realizadora é a motivação fundamental do organismo. É a tendência que o
organismo tem de expandir-se, estender-se, diferenciar-se, enriquecer-se, aperfeiçoar-se. É
a tendência que leva o organismo ao crescimento, à atualização, ao amadurecimento, à
realização, ao desenvolvimento. Trata-se de uma tendência direcional positiva para
avançar, ir para frente. Trata-se de uma tendência para a realização de todas as
capacidades, potencialidades, talentos, habilidades e virtualidades do organismo. Trata-se,
enfim, da tendência que o organismo tem de concretizar a sua natureza: vir a ser o que ele
pode ser.
[13] A tendência realizadora tem uma base biológica; é uma tendência inata, inerente a
todo processo de crescimento orgânico. A tendência realizadora não é, porém, irresistível.
Longe disso, ela depende de condições favoráveis para prevalecer; trata-se de um impulso
que facilmente pode ser abafado.
[14] A tendência para a autorrealização, por sua vez, é uma expressão particular da
tendência realizadora. Trata-se da tendência para realizar aqueles aspectos da experiência
que são simbolizados como parte do self. A tendência para a autorrealização é, assim, a
tendência de realizar o self.
[15] Por fim, a necessidade de consideração positiva é uma necessidade inata, universal. De
fato, todos nós temos necessidade de ser amados pelos outros, sobretudo, por certas
pessoas, especialmente significativas, as pessoas-critério.
[16] Postas as peças no tabuleiro, temos, então, duas possibilidades fundamentais: a
congruência e a incongruência.
[17] Congruência. Quando as condições são favoráveis, isto é, quando a pessoa é
considerada positivamente de forma incondicional por parte das pessoas significativas
para ela, não há condições de valor; o indivíduo é amado como é. Então: o organismo faz
uma experiência procede a uma autoavaliação dessa experiência aceita a experiência
feita simboliza corretamente a experiência a experiência é conscientizada a
experiência é incorporada à Gestalt do self da pessoa estabelece-se uma congruência
entre o organismo e o self, a experiência e o autoconceito a tendência realizadora e a
tendência para a autorrealização operam em harmonia. Esse é o modelo da saúde psíquica.
A pessoa é ela mesma.
[18] Incongruência. Quando as condições são desfavoráveis, isto é, quando o indivíduo se
depara com a consideração positiva condicional por parte de pessoas significativas para
ele, o indivíduo introjeta no próprio self as condições de valor ditadas pelos outros. Então:
o organismo faz uma experiência avalia a experiência a partir das condições de valor
introjetadas experimenta algumas experiências (aquelas que estão em contradição com
o autoconceito) como uma ameaça ao próprio self sente ansiedade defende-se
negando a experiência, isto é, não a simbolizando ou distorcendo a experiência, isto é,
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deformando-a a experiência não é conscientizada a experiência não é assimilada à
Gestalt do self da pessoa, mas é excluída estabelece-se uma incongruência entre o
organismo e o self, a experiência e o autoconceito a tendência realizadora e a tendência
para autorrealização ficam dissociadas. Esse é o quadro do adoecimento psíquico, o
modelo de toda patologia psicológica. A pessoa tenta ser o que as outras pessoas gostariam
que ela fosse.
[19] A incongruência pode estar entre a experiência e a conscientização ou entre a
conscientização e a comunicação. No primeiro caso, a incongruência decorre da repressão;
no segundo, da inautenticidade.
[20] Pode-se também falar em congruência e incongruência entre o self e o self ideal. A
congruência entre o self e o self ideal traduz-se em alta autoestima: “eu sou o que gostaria
de ser”. A incongruência entre o self e o self ideal traduz-se em baixa autoestima: “eu não
sou o que gostaria de ser”.
[21] Relações precoces – frequentemente, com os pais – podem fomentar a incongruência.
Mas relacionamentos posteriores – com um psicoterapeuta, por exemplo – podem
restaurar a congruência. Passemos, pois, ao segundo bloco do pensamento rogeriano: a sua
teoria da psicoterapia.
Bibliografia
1. ROGERS, Carl R. Terapia centrada no paciente. São Paulo: Martins Fontes, 1975.
528p. (Psicologia e pedagogia.)
2. ROGERS, Carl R. Tornar-se pessoa. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1981. 364p.
(Psicologia e pedagogia.)
3. ROGERS, Carl R.; KINGET, G. Marian. Psicoterapia e relações humanas; teoria e
prática da terapia não-diretiva. V. I: Exposição geral. 2.ed. Belo Horizonte: Interlivros,
1977. 290p. (Estante de psicologia.)
4. ROGERS, Carl R.; KINGET, G. Marian. Psicoterapia e relações humanas; teoria e
prática da terapia não-diretiva. V. II: Prática por G. Marian Kinget. 2.ed. Belo
Horizonte: Interlivros, 1977. 220p. (Estante de psicologia.)
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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Centro de Teologia e Ciências Humanas (CTCH)
Departamento de Psicologia
Abraham Maslow
Vida e obra
[5] Segundo Maslow, o ser humano é movido por necessidades. Estas, por sua vez, estão
hierarquicamente organizadas. Nesta ordem: [a] necessidades fisiológicas, [b]
necessidades de segurança, [c] necessidades de amor e pertença, [d] necessidades de
estima e, por fim, [e] necessidades de autorrealização.
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[6] A hierarquia das necessidades de Maslow está ordenada em grau decrescente de
controle instintóide e de prepotência.
[7] As quatro primeiras necessidades são deficitárias: são acionadas por uma carência. A
necessidade de autorrealização é de outra ordem: ela não pretende suprir um déficit, mas
almeja o crescimento.
[8] A gratificação das necessidades tende a acontecer de uma maneira progressiva, uma
após a outra, na ordem acima estabelecida.
[9] Quanto mais degraus na hierarquia das necessidades uma pessoa subir, maior o seu
grau de saúde psicológica e humanização.
[10] No topo da pirâmide de Maslow, está a tendência para a autorrealização. Trata-se de
uma propensão inata, de tipo instintóide. Trata-se do motivo soberano da psicologia
humana. Trata-se, enfim, da tendência que o indivíduo tem de crescer, desenvolver-se e
realizar plenamente o seu potencial.
[11] Maslow interessou-se pelo estudo da personalidade das pessoas maduras, chamadas
“autorrealizadoras”. Segundo ele, até o surgimento do humanismo, a psicologia –
nomeadamente, a psicanálise – havia focalizado mais a enfermidade do que a saúde
mental. Freud havia, por assim dizer, fornecido a metade negativa da psicologia; tratava-
se, agora, de voltar-se para o outro lado. Foi o que Maslow se propôs a fazer: uma
psicologia da saúde.
[12] Maslow traçou o perfil psicológico das pessoas autorrealizadoras: percebem a
realidade de modo objetivo; têm um profundo conhecimento de si mesmas e se acolhem
como são; dedicam-se a algum trabalho particular; são produtivas; no trato com os outros,
são simples, naturais e espontâneas; cultivam relacionamentos profundos; são afetuosas;
são autônomas e independentes; apreciam a privacidade; amam a espécie humana; não
são conformistas; são democráticas; têm grande interesse social; são altamente éticas; são
criativas; e têm experiências-pico intensas.
As experiências-pico
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