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FUNDAMENTOS PSICANALÍTICOS 309 310 DAVID E.

ZIMERMAN

C A P Í T U L O tra o analista e vice-versa. Um exemplo disso é uma tos casos, o ego considera a própria cura como te sobre resistências, deixou um importante legado
antiga referência de Freud, comumente muito cita- um novo perigo” (p. 271). A meu juízo, Freud está sobre este tema, notadamente pelo seu enfoque da
da: “o inimigo não pode ser vencido in absentia ou aqui intuindo e prenunciando aquilo que Rosenfeld vincularidade analítica, como será descrito mais
effigie” (1912, p. 199). (1965) veio a chamar de “gangue narcisista” e adiante.
28 Em A interpretação dos sonhos (1900), os con-
ceitos de resistência e de censura estão intimamente
relacionados: a “censura” é para os sonhos aquilo
Steiner (1981) de “organização patológica”.
Neste mesmo trabalho de 1937, Freud aporta
outras importantes contribuições sobre resistências,
Entrementes, as sementes de Freud continuam
frutificando. Um exemplo disto pode ser dado a
partir de seus estudos sobre o ideal do ego. Assim,
que a “resistência” é para a associação livre. Neste como são as seguintes: o conceito de reação em Introdução ao Narcisimo (1914, p. 105) apare-
trabalho, em suas considerações sobre o esqueci- rerapêutica negativa (RTN) como sendo aderido ce o seguinte trecho “... deverá realizar (a crian-
mento dos sonhos, Freud deixou postulado que uma ao instinto de morte; a valorização do papel da ça) os desejos, não-cumpridos, de seus pais”. Ba-
Resistências das regras da psicanálise é que tudo o que inter- contratransferência, sendo que ele aponta que a seados em afirmativas desta essência, um signifi-
rompe o progresso do trabalho psicanalítico é uma resistência do analisando pode ser causada pelos cativo contingente de analistas, inspirados em
resistência” (p. 551). erros do analista, a observação de que a resistên- Lacan, que advoga um “retorno a Freud”, tem ex-
Aos poucos, com a tática de ir da periferia em cia no homem se devem ao medo dos desejos pas- traído uma significação especial para a compreen-
Desde os primórdios da psicanálise, o fenôme- direção à profundidade, Freud foi entendendo que sivo-femininos em relação a outros homens, en- são de algumas formas de resistência nas terapias
no resistência tem sido exaustivamente estudado o reprimido, mais do que um corpo estranho, era quanto a resistência das mulheres deve-se em gran- psicanalíticas. Sua formulação básica fica baseada
em sua teoria e técnica, mas nem por isso, na atua- algo como um “infiltrado”. Assim, ele começa a de parte à “inveja do pênis”; e Freud também alu- no fato de que o desejo da criança (paciente) é o de
lidade, perdeu em significação e relevância. Pelo deixar claro que a resistência não era dirigida so- de ao surgimento de uma “resistência contra a re- ser desejado pelo Outro (pais no passado; terapeu-
contrário, ele continua sendo considerado a pedra mente à recordação das lembranças penosas, mas velação das resistências” (p. 272). ta, no presente).
angular da prática analítica e, cada vez mais, os também contra a percepção de impulsos inaceitá- Muitos outros autores, contemporâneos de/ou Em outras palavras, a criança, para garantir o
autores prosseguem estudando-o sob renovados veis, de natureza sexual, que surgem distorcidos. posteriores a ele, trouxeram importantes contribui- amor dos pais, pode ter aprendido, desde sempre,
vértices de abordagem e conceitualização. Com isso, Freud conclui que o fenômeno resis- ções ao estudo das resistências, como são, entre a adivinhar e a cumprir as expectativas ideais dos
Na qualidade de conceito clínico, a concepção tencial não era algo que surgia de tempos em tem- tantos outros: Ferenczi (1918) apontou para o fato mesmos; logo, o seu desejo confunde-se como sen-
de resistência surgiu quando Freud discutiu as suas pos na análise, mas sim que ele está permanente- de que a própria regra fundamental da livre asso- do o “desejo do outro”. A não ser assim, a criança
primeiras tentativas de fazer vir à tona as lembran- mente presente. ciação de idéias podia ser usada para fins resis- de ontem – nosso analisando de hoje – correria o
ças “esquecidas” de suas pacientes histéricas. Isto Freud aprofundou bastante o estudo sobre as tenciais; Abraham (1919) descreveu com maestria grave risco de perder o amor do superego e do ob-
data de antes do desenvolvimento da técnica da Resistências em Inibição, sintoma e angústia aspectos ainda vigentes das resistências crônicas jeto externo, sendo que, sempre que isso acontece,
associação livre, quando ele ainda empregava a (1926), quando, utilizando a hipótese estrutural, de natureza narcisística; W. Reich (1933) insistia sobrevém uma reação do tipo de protesto, deses-
hipnose, e a sua recomendação técnica era no sen- descreveu cinco tipos e três fontes das mesmas. Os no fato de que o trabalho primordial do psicanalis- perança e retraimento, nos mesmos moldes que as
tido de insistência (por parte do psicanalista) como tipos derivados da fonte do ego eram: 1) Resistên- ta, de início, deveria ser a remoção da “couraça crianças, estudadas por Spitz (1945), que tiveram
o contrário da resistência (por parte do paciente). cia de repressão (consiste na repressão que o ego caracterológica” formadora do tipo de resistência abandonos prematuros. É evidente que a reprodu-
Este método de coerção associativa empregado por faz, de toda percepção que cause algum sofrimen- que ele denominou “resistência de caráter”; ção disso tudo no campo analítico configura-se sob
Freud incluía uma pressão de ordem física que ele to). 2) De transferência (o paciente manifesta uma J.Rivière (1936) fez um importante estudo sobre a forma de poderosas resistências inconscientes,
próprio procedia e recomendava como “colocan- resistência contra a emergência de uma transferên- as defesas maníacas na gênese da RTN, como uma como, por exemplo, a de um estado mental de de-
do a mão na testa do paciente, ou lhe tomando a cia “negativa”, ou “sexual”, com o seu analista). 3) forma resistencial de negação das ansiedades sistência.
cabeça entre minhas duas mãos...”(1893-v. 5, pp. De Ganho secundário (pelo fato de que a própria depressivas; Anna Freud (1936), seguindo os es- Em resumo, o que de mais importante pode ser
137; 327) a fim de conseguir a recordação e verba- doença concede um benefício a certos pacientes, boços do pai, foi a primeira a fazer uma clara siste- dito é o que a evolução do conceito de resistência,
lização dos conflitos passados. como os histéricos, personalidades imaturas,e aque- matização das defesas que o ego utiliza como re- na prática analítica, sofreu uma profunda transfor-
Freud empregou o termo resistência, pela pri- les que estão pleiteando alguma forma de aposen- sistências, demonstrando que essas não são apenas mação, desde os tempos pioneiros em que ela era
meira vez, ao se referir a Elisabeth Von R. (1893), tadoria por motivo de doença, essas resistências obstáculos ao tratamento, mas são também impor- considerada unicamente como um obstáculo de
com a palavra original widerstand, sendo que em são muito difíceis de abordar, eis que egossin- tantes fontes de informação sobre as funções do surgimento incoveniente, até os dias de hoje, quan-
alemão “wider” significa “contra”, como uma opo- tônicas). 4) As resistências provindas do id (Freud ego em geral.; M. Klein, desde 1920, com os seus do, embora se reconheça a existência de resistên-
sição ativa. Até então a resistência era considerada as considerava como ligadas à “compulsão à repe- conhecidos estudos sobre o psiquismo primitivo e cias que obstruem totalmente o curso exitoso de
exclusivamente como um obstáculo à análise, tição” e que, juntamente com uma “adesividade da a análise com crianças, propiciou uma compreen- uma análise, na grande maioria das vezes o apare-
correspondendo sua força à quantidade de energia libido”, promovem uma resistência contra mudan- são bastante mais clara acerca dos arcaicos recur- cimento das resistências no processo analítico é
com que as idéias tinham sido reprimidas e expul- ças. 5) Por fim, a resistência oriunda do superego, sos defensivos que o ego utiliza como movimentos muito bem-vindo, porquanto elas representam, com
sas de suas associações. a mais difícil de ser trabalhada, segundo Freud, por resistenciais; Rosenfeld (1965) aprofundou o estu- fidelidade, a forma de como o indivíduo defende-
O termo “resistência”, por longo tempo, foi causa dos sentimentos de culpa que exigem puni- do das resistências em pacientes de personalidade se e resiste no cotidiano de sua vida.
empregado com uma conotação de juízo pejorati- ção. narcisística, não-psicóticos, nos quais um “self idea- Assim, de modo genérico, a resistência no ana-
vo. A própria terminologia utilizada para caracte- No clássico análise terminável e interminável lizado”, patológico e de gênese precoce obriga o lisando é conceituada como a resultante de forças,
rizá-la, em épocas passadas (de certa forma, ainda (1937), Freud introduz alguns novos postulados indivíduo a um boicote e a uma permanente resis- dentro dele, que se opõem ao analista, ou aos pro-
persistindo no presente), era impregnada de expres- teórico-técnicos, e creio que se pode dizer que aí tência contra o aparecimento de genuinas necessi- cessos e procedimentos à análise, isto é, que
sões típicas de ações militares, como se o trabalho ele formula um sexto tipo de resistência: a que é dades da parte infantil dependente; Bion, embora obstaculizam as funções de recordar, associar, ela-
analítico fosse uma beligerância do paciente con- provinda do ego contra o próprio ego: “...em cer- não tenha produzido nenhum artigo explicitamen- borar, bem como o desejo de mudar. Nessa pers-
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pectiva, continua vigente o postulado de Anna ções do ego em si próprio ou no analista 6. É útil considerar as resistências em relação Etimologia
Freud (1936) de que a análise das resistências não (de perceber, sentir, pensar e discriminar), às etapas evolutivas do desenvolvimento
se distingue da análise das defesas do ego, ou seja, fuga para a extratransferência, etc. A partir emocional primitivo. Dessas, a narcisista Vou me socorrer da etimologia para clarear a
da “permanente blindagem do caráter” (p. 46). deste enfoque clínico, o importante é que, é particularmente importante por se cons- última afirmativa. Entendo como muito ilustrativo
em um dos passos cruciais da análise, pos- tituir no crisol da formação da personali- e importante o fato de que esse significado de so-
sa-se transformar as resistências egossin- dade e da identidade. Assim, a maioria das brevivência sintoniza com o que está contido na
TIPOS DE RESISTÊNCIAS tônicas em egodistônicas, para que o pa- pessoas que hoje procura análise apresen- morfologia do vocábulo “resistência” (“re” + “siste-
ciente alie-se ao terapeuta, no objetivo co- ta importantes problemas caracterológicos, ncia”). O prefixo “re” costuma emprestar quatro
Não é possível uma clara classificação ou sis- significados às palavras que ele compõe, e coinci-
tematização das resistências, por três razões: as mum de analisar e superá-las. de baixa auto-estima e de prejuízo do sen-
de que cada um deles, separadamente, conecta com
diferenças semânticas entre os autores, os múlti- 3. Uma forma também muito simplificada de timento de identidade, derivados da perma- um aspecto parcial do conceito de fenômeno
plos vértices de abordagem e a sua multidetermi- sistematizar as resistências é pelo critério nência de um estado depressivo subjacente, resistencial. Assim, “re” tanto indica: 1) A noção
nação. de suas finalidades. Assim, além daquelas muitas vezes resultante das primitivas feri- básica de “voltar atrás” – no caso, aos primitivos
O que pode ser dito é que a resistência tanto descritas por Freud (1926, 1937), vale acres- das narcisísticas. pontos de fixação – (como em: regredir, revogar...).
pode ser inconsciente quanto consciente, mas sem- centar: resistência contra a regressão (medo 2) A noção de “oposição” (como em: revoltar, re-
Tais pacientes muito regressivos, para garantir
pre provém do ego, ainda que possa vir orquestra- da psicose); contra a renúncia às ilusões provar...). 3) O significado de “repetição” (como
a sua sobrevivência psíquica, podem buscar refú-
da pelas outras instâncias psíquicas. Ela pode ex- simbióticas; contra as mudanças verdadei- em: reiterar, ressentir...). 4) O sentido de uma “busca
gio dentro do outro, ou fugindo do outro. No pri-
pressar-se por meio de emoções, atitudes, idéias, ras (pavor de uma catástrofe, caso o paci- de algo novo”(como em: reforma, re(e)evolução...).
meiro caso, na situação analítica, na busca por uma
impulsos, fantasias, linguagem, somatizações ou ente abandone as suas familiarizadas solu- Por sua vez, o étimo “sistência” deriva de “sistere,
aliança simbiótica com o seu terapeuta, o paciente
ações. Ou seja, todos os aspectos da vida mental sistens” que, em latim, entre outros, tem o signifi-
ções adaptativas); contra vergonha, culpa recorre a um excessivo emprego de identificações
podem ter uma função de resistência; daí a sua ex- cado de “continuar a existir”. A partir desta pers-
e humilhação do colapso narcísico; contra projetivas, de modo a enfiar-se dentro do analista,
trema complexidade. Clinicamente, elas aparecem pectiva etimológica, o conceito de resistência, es-
a elaboração da dor da elaboração da posi- tanto que, segundo Meltzer (1967, p. 13), essas
em uma variedade de maneiras: claras, ocultas ou pecialmente com pacientes bastante regressivos,
ção depressiva; contra os temores perse- últimas se constituem “na única defesa infalível
sutis; simples ou complexas; pelo que está aconte- pode ser entendido como sendo (1) uma volta à
cutórios próprios da posição esquizopara- contra a separação”, o que determina, nestes pa-
cendo e pelo que está deixando de acontecer. Além utilização de (2) recursos defensivos e ofensivos
nóide e contra os progressos analíticos (o cientes, uma ansiedade confusional e um pavor de
disso, cada indivíduo tem uma pletora de recursos (contra o que, ou quem, lhes representa alguma
perder a sua identidade. Quando o refúgio consiste
resistenciais, os quais variam com os distintos mo- grau extremo é a RTN). Também deve ser ameaça), (3) de um modo repetitivo e tenaz, em
em fugir do outro, este analisando o faz por meio
mentos do processo analítico. incluída a resistência que se manifesta uma busca ativa, do direito de (4) continuar a ex-
de evitações fóbicas, actings malignos (perversões,
1. As resistências poderiam ser sistematiza- como um sadio movimento do paciente psicopatias) ou pela criação de uma, sua, autarquia istir (vem do prefixo “ex” que designa “para o
contra as possíveis inadequações do seu narcisística (borderline, por exemplo). Estas últi- mundo de fora”). O contrário de re-sistir, ou seja,
das a partir da teoria estrutural, como fez de-sistir (o prefixo “de” significa privação) é que
Freud (1926), no qual ele postulou os cin- analista. mas representam organizações defensivas, rigida-
4. Uma outra tentativa de sistematização se- mente estruturadas, porquanto a necessidade de seria funesto.
co tipos clássicos atrás referidos. Sob essa A propósito, penso que a forma resistencial mais
ótica, hoje, o importante consiste em esta- ria a de baseá-la no tipo, grau e função das sobrevivência ocupa um espaço psíquico muito
maior do que o dos desejos edípicos. Dessa forma, grave é justamente a de um estado mental do anali-
belecer as inter-relações dentro das das res- defesas mobilizadas. Assim, as organiza- sando de Desistência, em cujo caso ele procede
ções defensivas podem se constituir como: na análise resulta que quanto mais frágil for o ego
pectivas instâncias psíquicas de onde se ori- do paciente, mais forte ele o é para resistir ao ana- unicamente de maneira formal e mecânica, sendo
ginam as resistências inconscientes (id, ego, inibições; sintomas; angústia; estereotipias; que o “seu único desejo pode ficar reduzido ao
traços caracterológicos; falsa identidade; lista
superego, ego ideal, ideal do ego, contra- extremo de não ter desejos”, assim esterilizando a
ego); entre essas instâncias; e delas com a formas obstrutivas de comunicação e lin- eficácia analítica.
realidade exterior. Da mesma forma, se guagem; actings excessivos, etc., etc. Isto se deve ao fato de que nos pacientes seria-
RESISTÊNCIA – EXISTÊNCIA – DESISTÊNCIA mente regredidos, antes do que desejos, existe um
partirmos da primeira tópica de Freud, o 5. Poderíamos classificar as resistências re-
lacionando-as aos pontos de fixação pato- estado de profundas necessidades, que se não fo-
importante seria a compreensão do surgi- Estes pacientes mais regressivos opõem sérias rem intuídas e satisfeitas pelo analista reforçarão
mento das resistências a partir não da sim- lógicos que lhes deram origem. Assim te- resistências às mudanças e desejam manter as coi-
ríamos, por exemplo, resistências de natu- um estado anterior de sua vida, pelo qual, muito
ples localização topográfica, mas, sim, de sas como elas estão, não porque não desejem cu- mais do que ódio, eles geram um sentimento de
como se processa o trânsito comunicativo reza narcisística, esquizoparanóide, manía- rar-se, mas é que não acreditam nas melhoras, ou decepção pelo novo fracasso do meio ambiente.
entre os sistemas consciente-préconsciente- ca, fóbica, obsessiva, histérica, etc. É claro que as mereçam, ou que correm o sério risco de Isso interrompe o crescimento do self e prejudica a
inconsciente. que se isso fosse tomado de modo absolu- voltar a sentir as dolorosas experiências passadas capacidade de desejar, o que conduz a uma sensa-
to, geraria grande imprecisão, tão óbvio nos de traição e humilhação; seu objetivo de vida é para ção de futilidade e a uma desistência de desejar e
2. Alguns autores, como Greenson (1967) ten-
é, por exemplo, que subjacente a toda fixa- sobreviver e não para viver! de ser.
tam uma classificação baseada em mani-
festações clínicas, tais como: faltas, atra- ção edípica pode estar perfilada a criança Assim, a desistência vem acompanhada de um
sos, intelectualizações, silêncio ou prolixi- avara da fase anal, a criancinha ávida da estado afetivo de indiferença, provavelmente nos
dade, segredos, sonolência, ataque às fun- fase oral, ou o bebê mágico da fase narci- mesmos moldes da indiferença que o sujeito acre-
sista. dita que tenha sofrido por parte de todas as pesso-
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as mais significativas de sua vida. A indiferença cionais mal resolvidas, com um indispensável cli- cativas melhoras nos planos de esbatimento de sin- ciente tem a finalidade de realmente comunicar algo
dessas pessoas consiste em aparentemente não de- ma de verdade e neutralidade. tomas e nos aspectos adaptativos, porém com com para o psicanalista; pelo contrário, muitas vezes,
sejar ver e nem ser visto, notado e reconhecido, Por tudo isso, sem rigidez ou tolerância exces- pobres resultados no tocante às modificações dos tal como nos ensinou Bion, o propósito inconsciente
sendo que nos casos mais graves forma-se um in- sivas por parte do analista, o setting deve ser pre- seus núcleos caracterológicos mais regressivos visa confundir o terapeuta e atacar os seus víncu-
vestimento aditivo ao “nada”, e o exagero de uma servado ao máximo em suas combinações essen- (correspondia ao que Bion chama de “parte psicó- los perceptivos. O mesmo autor enfatiza que o dom
“onipotência do masoquismo” torna-os suicidas em ciais, tendo em vista que o paciente pode desferir tica da personalidade”). Na entrevista inicial, ela da fala pode ter o propósito de elucidar e comuni-
potencial. ataques – que na verdade são defesas resistenciais disse que viera de uma interrompida psicoterapia car pensamentos, assim como também o de escon-
Em resumo, na situação psicanalitica enquanto – contra a sua manutenção. Embora tais ataques anterior, que resolvera “trocar por análise” para dê-los na dissimulaçao e na mentira. Todos nós
houver resistências que pugnam pela existência, possam ser desferidos, de uma forma ou outra, con- “aprofundar-se mais” e que escolhera a minha pes- conhecemos aqueles indivíduos fortemente narci-
ainda persiste a chama da esperança, sendo que a tra todas as “regras técnicas” legadas por Freud que, soa por me achar “muito humano”. Mais adiante, sistas para os quais é muito gratificante usar uma
pior forma de resistência é a de um estado mental devidamente transformadas, continuam vigentes na ela refere que resolvera fazer o vestibular para a linguagem onde o “bien dire” prevalece sobre o
de desistência, a qual cronifica a des-esperança (ou atualidade, quero me alongar mais detidamente nas faculdade X, ao invés da Y, que era muito melhor, “dire vrai”, e isso na situação analítica se coloca a
seja, o paciente nada mais espera da análise e da resistências do analisando contra a regra que po- porque na primeira “era muito mais fácil para pas- serviço da resistência.
vida). demos chamar de “amor às verdades”. sar”. O curso da análise foi muito penoso e inci- Da mesma maneira, pacientes em condições
Um conhecido conto, à moda de fábula, talvez O conceito de verdade na relação analítica é dentado, sempre que eu insistia em trabalhar mais regressivas podem resistir a verbalizar claramente
possa melhor ilustrar as diferenças entre resistên- fundamental em todos os aspectos teóricos e técni- incisivamente o nível da dimensão psicotizada de suas necessidades e desejos, movidos pela ilusão
cia, desistência e existência. Trata-se da história cos, e a sua importância tendo sido exaltada pelos sua personalidade. Hoje entendo que a paciente simbiótica de que o terapeuta tem a obrigação de
dos dois ratinhos que cairam no fundo de uma gar- mais notáveis estudiosos da psicanálise, sendo jus- estava coerente com a sua forte resistência a um adivinhá-los e, da mesma forma como ocorre com
rafa que estava cheia de leite e sentiram a ameaça to dar uma relevância especial às inestimáveis trabalho analítico mais sério, já que em nosso con- as criancinhas, ser obrigado a falar se constitui, para
de uma iminente morte por afogamento. Um deles contribuições de Bion acerca desta temática. trato ficara implícito que ela me escolhera, por acre- eles, em uma ferida narcísica profunda.
decidiu que seria inútil lutar contra a fatalidade e, Assim, Bion (1963, p. 1967) considerou impor- ditar que comigo seria “muito mais fácil”, que ela De forma análoga, como assinala Ferrão (1974,
passivamente deixou-se morrer afogado (equivale tante considerar que nas terapias psicanalíticas todo poderia aprofundar um vínculo que ela chamara de p. 80), “há o tipo de paciente que se dá o papel de
ao estado de desistência). O outro ratinho decidiu paciente e todo analista é portador, em algum grau, “humano” e que muito cedo mostrara que ela o “supervisor” do analista: fala por subentendidos,
lutar e, às custas de um intenso, ativo e decidido de uma parte que prefere as não-verdades (é o que queria de natureza simbiótica. A paciente se rebe- estimulando a curiosidade de seu analista para
agitar do corpo (equivale à resistência), ele mante- ele denomina como “-K”) e isso está longe de ser lara porque eu é que não estava cumprindo nosso decifrá-los, elogiam quando este consegue acer-
ve-se à tona durante um tempo prolongado, até que sinônimo de mentira ou falsidade, ainda que ocasi- acordo latente, paralelo ao manifesto, de que a con- tar e criticam-no quando supõem que ele erra;...e
de tanto leite ser batido transformou-se em queijo, onalmente possa sê-lo. fiança que ela depositara em mim o fora nas mi- há pacientes que procuram transformar a sessão
o qual então foi devorado pelo ratinho, assim abrin- Essa resistência ao conhecimento da verdade nhas prováveis limitações e incapacidades. numa verdadeira polêmica, como se a análise fos-
do um acesso ao gargalo da garrafa e daí para a tem uma ampla gama de variações no cotidiano se um jogo de opiniões”.
liberdade do mundo externo, assim garantindo o clínico, desde a mentira com intencionalidade cons- Com o termo “Ataque aos vínculos” – título de
seu direito de continuar a viver (correspondente ao ciente até as falsificações de natureza totalmente Em Relação à Interpretação um trabalho seu (1967) considerado um dos mais
existir). inconsciente, passando por situações intermediá- originais e criativos da literatura psicanalítica, Bion
rias, como as meio-verdades, sonegações, reticên- A eficácia de toda interpretação do analista, refere-se aos ataques que “a parte psicótica da per-
cias, enigmas, mensagens ambíguas, etc. A ideali- além da importância do seu conteúdo, forma, opor- sonalidade” do paciente dirige contra qualquer coi-
RESISTÊNCIAS NA PRÁTICA ANALÍTICA zação inicial, ou o denegrimento, que o analisando tunidade, finalidade e estilo de como ela é comuni- sa que ele sente como tendo a função de vinculação,
faz do seu analista, pode representar uma distorção cada ao paciente, depende fundamentalmente do que tanto pode ser de um objeto ao outro, um pen-
Dentro da concepção da contemporânea psica- resistencial necessária e útil, desde que fique claro destino que as mesmas tomam na mente deste últi- samento com outro, um pensamento com o senti-
nálise vincular, não é possível dissociar a resistên- que isso não vá se constituir num clima perma- mo. Isto nos remete a um problema muito sério re- mento e assim por diante.
cia da contra-resistência; unicamente com um pro- nente da análise. lativo à resistência na prática analítica, qual seja, o Segundo Bion, tais ataques ao analista devem-
pósito didático é que eles serão abordados separa- Um fator importante para um clima eficaz do de que as interpretações do analista, apesar de es- se não tanto ao conteúdo das interpretacões, mas,
damente, em capítulos específicos. setting é a motivação, tanto a consciente quanto a tarem certas do ponto de vista de compreensão da sim, ao fato de que este analista está compreen-
As resistências do paciente na situação analíti- inconsciente, quanto aos objetivos relativos a que conflitiva inconsciente, possam ser ineficazes. dendo e revelando o íntimo do paciente na tarefa
ca manifestam-se de múltiplas formas e em diver- ambos, analista e analisando, esperam da análise. A transmissão do conteúdo verbal do paciente de interpretar, porquanto a interpretação exitosa
sas dimensões, como as seguintes. É bastante freqüente que na motivação inicial do para o analista, e vice-versa, implica tantas variá- representa um elo, uma ligação entre dois pensa-
paciente para o tratamento analítico a busca pela veis, de tantos vértices teóricos, que se torna im- mentos, assim caracterizando uma ligação huma-
manutenção do status quo seja bem maior do que a praticável fazer, aqui, um estudo minucioso. Vou na. Os pacientes que priorizam os ataques aos vín-
Em Relação ao Setting de mudanças verdadeiras. Neste tipo de resistên- me limitar à observação de algumas costumeiras culos das interpretações são justamente aqueles que
cia, a procura do objeto externo analista pode ser- formas de resistências no ato interpretativo, como se mostram empenhados em desunir ou estabele-
vir como forma de eludir o contato com os amea- são, entre outros tantos, os seguintes asinalados por cer uniões estéreis dele com o seu analista e dele
A criação do setting constitui-se na principal çadores objetos internos. consigo próprio.
tarefa do analista para assegurar o estabelecimento Bion: os distúrbios da comunicação, os ataques
Para clarear as reflexões aqui apresentadas, vou aos vínculos perceptivos, e o fenômeno da “rever- Bion também fez uma importante contribuição
e a manutenção do processo analítico. É o setting referir uma situação clínica do início da minha ati- relativa ao destino da interpretação nos pacientes
que garante a indispensável colocação de limites e são da perspectiva”.
vidade psicanalítica, Trata-se do paciente A., cuja Assim, uma primeira observação que se impõe portadores de uma forte “parte psicótica da perso-
de hierarquia, a abertura de um novo espaço onde análise prolongou-se por muitos anos, com signifi- nalidade” quando ele descreve o fenômeno da “re-
podem ser reproduzidas antigas experiências emo- é que nem sempre a comunicação verbal do pa-
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versão da perspectiva”. Este fenômeno consiste nhamente sem citá-lo). Esta última autora faz a in- qüência: ele se sentia como um pobre ratinho, fra- oposição sistemática, porque para o endosso de sua
basicamente no fato de que o paciente que o utiliza teressante observação de que o que caracteriza es- co e humilde, enquanto eu lhe aparecia como um tese precisam configurar o analista como objeto
mantém com o analista uma “acordo manifesto e tes pacientes é que “...eles mantêm esplitada a sua gatão, grande, forte, capaz e detentor do poder. mau. Agem, como me disse este mesmo paciente
um desacordo latente”, tendo em vista o fato de parte paciente, e usam a comunicação verbal como Movido por um sentimento contratransferencial, em que ilustrei acima: para mim, a lei mais importan-
que, formalmente, possa tratar-se de um paciente uma forma de acting. Aparentemente são bastante certo momento perguntei a quem o gato e o rato te da vida, é a de Talião”. Não se julgam primaria-
assíduo, colaborador, gentil, que assente com a cooperadores e adultos, mas essa cooperação é lhe lembravam. Respondeu, prontamente: Tom e mente agressivos porquanto estão unicamente
cabeça confirmando que está aceitando as inter- uma pseudocooperação destinada a manter o ana- Jerry. A continuidade do trabalho foi em torno do justiçando através desta lei. Ou seja, como mostra
pretações, porém no fundo, ele as desvitaliza, re- lista afastado das partes infantis do “self”, real- quanto se imaginava vingando-se de todas as figu- a etimologia da palavra, estão de novo e mais uma
vertendo o significado de tais interpretações a suas mente desconhecidas e mais necessitadas”. ras autoritárias, do presente e do passado, que o outra vez (“re”)-”taliando”. Quanto mais melho-
próprias premissas que lhe são familiares e que lhe Uma das formas de resistência que pode ocor- teriam submetido e humilhado. Secreta e sutilmen- ram, mais se queixam, e isso costuma despertar
servem como defesas, logo, como resistências. rer, na esteira do narcisimo, é a que encontramos te, e fazendo da astúcia a sua principal arma, qual reações contratransferenciais dolorosas, uma sen-
O conceito de “reversão da perspectiva” não nos pacientes que desenvolveram uma “transferên- Jerry sempre levando vantajem final sobre Tom, sação no analista de vazio, desânimo e de estar sen-
tem o mesmo significado que o de um transtorno cia imitativa (Gadini, 1984, p. 9) a qual se consti- sentia-se passando de submetido a submetedor, de do vítima de ingratidão. Essas situações não são
paranóide do pensamento, ou de um controle ob- tui em uma situação “das mais temíveis e insidio- humilhado a humilhador. infreqüentes e podem contribuir para a formação
sessivo, bem como, também, não alude ao proble- sas” para o processo analítico. Temível porque se Este paciente ilustra outros tantos que, como de impasses.
ma da falsidade; na verdade, está mais próximo a organiza como resistência poderosa e tácita. Insi- ele, polido sem afetação, e com um educado res- O negativo da elaboração é o impasse, ou seja,
de um perverso que quer impor as suas premissas, diosa porque se apresenta com todas as aparências sentimento e sarcasmo, ante o temor de sofrer um este surge quando aquele se detém. Pela importân-
de forma sutil. Segundo Bion, este tipo de resistên- de uma transferência positiva. Usam a imitação, ao novo abandono agressivo, resistem à análise, rea- cia que o impasse psicanalítico – incluída a sua
cia à interpretação também não equivale àquela que invés da introjeção e, por essa razão, não conse- gindo com um furor narcista (termo de Kohut- forma mais grave, a reação terapêutica negativa –
habitualmente é conhecida como “intelectualiza- guem a estruturação de uma identidade bem-defi- 1971), para dar uma boa lição a quem representa representa para a clínica cotidiana do processo ana-
ção”; antes, ela se deve à incapacidade de pensar nida. essa injuriosa ameaça. Ocorre que estes analisandos lítico, creio ser válido a inclusão de um capítulo
destes pacientes. Ainda um outro tipo de resistência decorrente ressentidos, sem motivos aparentes, fazem uma especial, que segue mais adiante (o de número 30).
Ainda em relação ao destino da interpretação, de fixações narcisistas é a de natureza que pode-
Rosenfeld (1965) assinala o quanto os pacientes ríamos denominar “transferência de vingança” (em
narcisistas “podem aceitar e usar as interpretações alusão à expressão que Freud utilizou para carac-
do analista, mas imediatamente as despojam de terizar sua paciente Dora-1905, p. 116), a qual está
vida e significação, de maneira que apenas res- presente em pacientes que, embora de forma laten-
tam palavras sem sentido” (p. 201). te, são cronicamente ressentidos e rancorosos. Co-
mumente são analisandos que tiveram, muito pre-
cocemente, uma importante perda parental e que,
Em Relação à Elaboração por isso mesmo, acham-se no direito de, pelo resto
da vida, reivindicar o retorno do anelado, e impos-
O processo de elaboração analítica consiste, em sível estado anterior. Compensam este fracasso, e
linhas gerais, na aquisição de um insight total a as conseqüentes traições que julgam ter sofrido,
partir da integração de insights parciais. Pode-se desfigurando as situações reais e configurando ou-
dizer que, no curso da análise, um fluxo e conti- tras, nas quais aparecem como uma, privilegiada,
nuado e crescente de insight, sem que haja mudan- vítima de injustiças e humilhações, as quais rumi-
ças autênticas na vida real, está se revelando como nam de forma obsessiva e prazerosa, com fantasias
um sério indicador de resistência à análise, talvez e planos de ressarcimento e vingança. Essa carac-
uma das mais sérias, qual seja, a da resistência às terização coincide com o que Bergler (1959) cha-
mudanças. ma de “colecionadores de injustiças”. A compulsão
Fora de dúvidas, os pacientes que apresentam rancorosa, ainda que seja um derivado indireto da
o maior grau de resistência às verdadeiras mudan- inveja, diferencia-se dessa, pois não visa primaria-
ças são aqueles que, mercê de uma forte caracte- mente a destruir as capacidades do analista inveja-
rologia narcisística defensiva, funcionam no pro- do, mas sim de castigá-lo. Essa forma de resistên-
cesso analítico na condição de “pseudocolabo- cia se processa de maneira egossintônica porquan-
radores”. Essa última denominação já aparece no to o analisando se acha com pleno direito para tal,
magistral trabalho de Abraham, que aborda esta e o triunfo sobre o analista, representante do anti-
temática de resistências narcisistas (1919) e, mais go objeto abandonante e humilhador, pode passa a
recentemente, também Meltzer (1973, p. 31) con- ser, na análise, um objetivo mais importante que a
sidera estes falsos colaboradores como pacientes própria cura.
que desenvolveram o que ele denominou como Exemplifico com um analisando que se dizia
“pseudomadurez”, assim como Betty Joseph (1975, sempre amedontrado ante mim, e configurava esse
p. 414) retoma o termo original de Abraham (estra- sentimento com uma imagem que repetia com fre-

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