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Messias Eustáquio Chaves

Estruturas clínicas em psicanálise: um recorte


Messias Eustáquio Chaves

Resumo
Este artigo pretende ser uma síntese de como, a partir da experiência clínica, Freud cria a
psicanálise, e depois Lacan avança o seu campo teórico, ambos demonstrando que o inconsciente
é estruturado como linguagem, que a fala da mãe dá início a essa constituição, que a incidência da
lógica fálica no contexto da vivência edípica e da metáfora paterna é determinante da estruturação
psíquica do sujeito e do seu desejo, que a estruturação significante do inconsciente segue a lógica
borromeana de RSI e que ambas constroem as estruturas psíquicas humanas inconscientes, o
que evidencia a verdade do sujeito na clínica psicanalítica.

Palavras-chave: Inconsciente, Linguagem, Estrutura psíquica, Neurose, Perversão, Psicose,


Lógica fálica, Psicopatologia, RSI.

Es preciso, sobre el inconsciente,


ir a los hechos de la experiencia freudiana.
Lacan. Escritos 2, 1960, p. 809.

Associar livremente é o principal funda- livre e adquire a prática de se questionar,


mento da psicanálise. É através de uma investigando o próprio inconsciente, é jus-
fala solta e livremente articulada que o ta a troca nominal do termo “analisando”
analisando poderá viver a experiência de pelo termo “analisante”, já que o próprio se
uma análise pessoal. O principal funda- entrega a uma fala livre e solta, questiona
mento para o analista é escutar livremente a si mesmo e investiga o próprio incons-
as redes de significantes presentes na fala ciente. A prática clínica revela que não é
do analisando. Paradoxalmente, a escuta é fácil tornar-se um verdadeiro analisante.
livre e ao mesmo tempo ligada a cada sig- A direção do tratamento, as pon-
nificante que frui da boca do analisando. tuações, as escansões e cortes da sessão
O analista se encontra, de saída, com são atos produzidos pelo analista e não
a função de dois orifícios do corpo: boca- pelos analisantes. Atos pré-conscientes;
falar, ouvido-escutar. Em sua posição e sua o analista acreditando saber o que faz.
função, o analista opera desde o lugar de Contudo, atos analíticos como formações
objeto a, como causa de desejo e mais-de- do inconsciente acontecem tanto do lado
gozar. A prática clínica indica que, quanto do analisante, quanto do lado do analista,
mais o analista escuta em silêncio, mais um saber do qual nada se sabe, a não ser
o analisando tende a falar e, ao longo do a posteriori [só-depois].
percurso, a associar livremente, mais e No dia a dia, o inconsciente está
mais solto em sua fala, ou não. O termo amarrado com as defesas do Eu que, no
“analisando” tende a ser apropriado para tratamento, ganha o nome de resistên-
certo tempo do percurso de análise. cia. Conseguir avançar a investigação do
À medida que consegue associar as inconsciente – através das formações do
ideias de uma maneira verdadeiramente inconsciente – é ao mesmo tempo se ex-
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por ao possível encontro com a castração e Lacan, seu seguidor-defensor-progressor


simbólica: com a falta-a-ser, com a incom- dos significantes freudianos – nos assina-
pletude do sujeito, com o imponderável, lando a eficiência do percurso e nos reve-
com o impossível de dizer tudo. lando a eficácia do tratamento.
Falar livremente, associar as ideias, É sabido que Freud fez a descoberta
fazer furos no imaginário, aflorar senti- do inconsciente durante o atendimento de
mentos, desvestir as fantasias, arrancar as suas “pacientes histéricas”, que apresen-
máscaras imaginárias de esconderijos do tavam sintomas de conversão somática e
Eu, defrontar-se com o vazio de nada ser, exigiam a liberdade de falar livremente de
e, então descobrir-se sujeito, assujeitado à seu sofrimento. A partir desse fenômeno e
estrutura do seu próprio inconsciente. Eis do falar sobre ele, Freud pôde perceber as
a questão, eis as metas e o caminho do per- formações de sintomas, de atos falhos, de
curso de tratamento psicanalítico, isto é, chistes, de sonhos: as formações de um “in-
da análise até as últimas consequências. . consciente estruturado como linguagem”.
O que vem a ser um diagnóstico estru- Estrutura é uma palavra, um signi-
tural na psicanálise? O que se quer dizer ficante, que aparece em vários textos de
quando se fala de estrutura? Estrutura Freud, possivelmente em toda a sua obra,
psíquica psicanalítica: qual o significado revelando o mesmo significado com o
desses três significantes em rede? qual Lacan nos presentearia depois com
Quando pensamos na palavra “estru- suas formalizações destacadas. Há vários
tura”, ao mesmo tempo somos levados a indícios, ao longo da obra de Freud, de
pensar em outros significantes: estabilida- como – evidentemente sem saber –, ele
de, algo fixo, seguro, duradouro. apontou a Lacan, nas entrelinhas de seus
Quando pensamos na palavra “psí- textos, os sinais indicativos estruturais das
quica”, ao mesmo tempo somos levados patologias humanas.
a pensar em outros significantes: alma, Eis alguns momentos especiais, nos
psiquismo, o não biológico. quais Freud estaria comprovando o que
Quando pensamos na palavra “psica- acabo de dizer.
nalítica”, ao mesmo tempo somos levados
a pensar em outros significantes: psicaná- Freud ([1896] 1976, p. 154, grifos
lise, inconsciente, causalidade psíquica, nossos), diz:
teoria e prática dos discursos do sujeito
ao falar de seus sofrimentos. O evento precoce deixa uma marca in-
Assim, a expressão “estrutura psíquica delével na história clínica, aparecendo
psicanalítica” nos remete às evidências no representado nela por um conjunto de
âmbito do que tem sido observado, pesqui- sintomas e de traços especiais que não po-
sado, construído como teoria, organizado deriam ser explicados de outro modo; é
como um saber e devolvido ao campo do peremptoriamente requerido pelas inter-
atendimento clínico de pessoas angus- conexões, sutis, mas sólidas, da intrincada
tiadas, que sofrem de conflitos psíquicos, estrutura da neurose. O efeito terapêutico
de problemas emocionais variados. E que da análise falha se não tiver penetrado tão
pedem acolhimento, ajuda, uma escuta fundo; e então não resta qualquer escolha
movida pelo desejo ético do analista. além de rejeitar ou aceitar o conjunto [...]
Com suas estruturas clínicas, a psi- é precisamente porque o indivíduo está
canálise se sustenta na existência do “in- em sua infância que a excitação sexual
consciente estruturado como linguagem”, precoce tem pouco ou nenhum efeito na
suportada por dois pilares fundamentais: época, mas seu traço psíquico é preservado.
Freud, seu descobridor-criador-fundador, Mais tarde, quando na puberdade as rea-

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ções dos órgãos sexuais se desenvolvem ria e do discurso freudiano, efeito de sua
em nível imensurável em relação à con- escuta, de sua fala e de sua escrita. Do
dição infantil, fica claro, de um ou outro grande balaio das sementes significantes
modo, que esse traço psíquico inconsciente de Freud, Lacan soube colher o melhor,
é despertado. para fazer as suas plantações freudiano
-lacanianas, identificando-se aos signifi-
Assim, encontramos vários outros cantes de Freud.
textos em que Freud nos sinaliza para o O bebê, num tempo lógico dos seus
conceito de estrutura da linguagem do primeiros seis meses de vida, é marcado
inconsciente, tais como: A psicoterapia da simbolicamente pela Bejahung, a inscri-
histeria (1893-1895), A interpretação dos ção e afirmação primeira do significante
sonhos (1900-1901), Psicopatologia da vida Nome-do-Pai. Depois, a criança vive o
cotidiana (1901), Os chistes e suas relações estádio infantil da polimorfia perversa,
com o inconsciente (1905), A propósito de como todos vivem em seu desenvolvi-
um caso de neurose obsessiva - o homem mento bissexual humano. Depois, ao
dos ratos (1909), as neuroses de defesa, a longo da complexa vivência da metáfora
sexualidade na etiologia das neuroses, a paterna junto ao par parental, a criança é
decomposição da personalidade psíquica, confrontada com a castração simbólica, a
o sonho da paciente que Freud chama de incidência do Nome-do-Pai como Lei do
“bela açougueira”, detectando o desejo pai, da falta, da incompletude do ser.
insatisfeito da histérica. A análise que Pensar numa estruturação do incons-
Freud faz é considerada por Lacan um ciente tomando como referência a topolo-
belo exemplo de estrutura da linguagem. gia borromeana é acreditar que, havendo
Lacan ([1958] 1975, p. 601) diz: uma foraclusão do Nome-do-Pai, começa
a ser delineada uma estrutura psicótica
El deseo del sueño de la histérica en este fora da chamada crise psicótica. É uma
texto de Freud, resume lo que todo el operação de defesa.
libro explica en cuanto a los mecanismos
llamados inconscientes, condensación, Calligaris (1989, p. 13 e 17, grifo
dislocamiento [...] a la sustitución de un nosso), afirma:
término con otro para producir el efecto
de metáfora, la combinación de un tér- Qualquer tipo de estruturação do sujeito
mino con otro para producir el efecto de é uma estruturação de defesa, no sentido
metonimia [...] en el sueño solo le inte- freudiano, no sentido em que Freud fala
resa su elaboración, exactamente lo que de psiconeurose de defesa. É uma estru-
traducimos por su estructura de lenguaje. turação de defesa na medida em que se
subjetivar, existir como sujeito – barrado
Lacan, como um bom auditor de pela castração, como na neurose, ou não,
Freud – (leia-se ouvinte-leitor), como se como na psicose –, obter algum estatuto
escutasse Freud dizer enquanto o lia nas li- simbólico e alguma significação, é ne-
nhas e nas entrelinhas, conectado ao signi- cessário que o sujeito seja algo distinto
ficante freudiano, corrigindo mentalmen- do Real do seu corpo, algo Outro e mais
te desvios feitos por alguns neofreudianos do que alguns quilos de carne. Por isso,
e também se dissociando da linguística de o sujeito se estrutura em uma operação de
Saussure e de Jakobson –, deu à estrutura defesa. [...] Na neurose, há o serviço da dí-
da palavra uma formalização não estru- vida simbólica ao pai, porque o neurótico
turalista, baseando-se na experiência clí- erra e se sente culpado. Na psicose, não
nica de Freud, em sua construção da teo- há dívida, não há erros, não há culpa. O

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que há na psicose fora da crise é errância, nos facilitando o entendimento dos novos
é um andar repetidamente a ermo, cujo avanços teóricos da psicanálise.
fim é a defesa face à angústia. Apoiando-se nas descobertas e cons-
truções de Freud e nas redescobertas e
Assim como acontece com a estru- contribuições de Lacan – além da trans-
turação da neurose, a estruturação de missão de tantos outros psicanalistas re-
uma perversão pressupõe que o bebê fez nomados –, pode-se elaborar uma síntese
a inscrição da Bejahung. Enquanto o fu- das complexas e paradoxais vivências das
turo neurótico se confronta com um pai crianças, que acontecem desde o nasci-
castrado simbolicamente, um pai que faz mento até aos cinco anos completos de
valer a sua lei, o futuro perverso joga com vida, quando se constitui e se estrutura
o pai a realidade de uma lei outra. o campo do inconsciente (linguagem,
Para o sujeito perverso, a lei do pai simbólico), o campo das fantasias funda-
não é a lei simbólica no registro da falta a mentais (imaginário), o campo pulsional
ser do pai (Outro castrado). É a lei do pai (o real do instinto, das pulsões), marcando
mesmo, da pessoa de um pai fantasiado e a incompletude do ser, da falta a ser.
pensado como completo, que alimenta a Insistindo na construção teórica do
fantasia no filho, que acredita que o pai simbólico, Freud chegou à teorização das
sabe tudo sobre o sexo e o gozo, fixado a pulsões e depois à teorização da fantasia
um supereu arcaico. inconsciente. Sem saber, sinalizou para
Identificada com um pai não castra- Lacan as bases para a sua teorização dos
do e uma lei arcaica, a criança recusa a lei registros do simbólico, do imaginário e
construída no campo simbólico da falta a do real.
ser. Para fazer valer sua defesa, a criança
desmente, nega e renega constantemen- Podemos situar a tripartição lacaniana
te o Nome-do-Pai, apostando todas as real, simbólico e imaginário do seguinte
fichas no gozo da usurpação do lugar pa- modo: o real ex-siste; o simbólico insiste;
terno e de sua Lei. o imaginário consiste. Isso significa que o
É de notar que em vários textos de sua desejo do psicanalista é eminentemente
obra, Freud escreve sobre o crescimento da um aliado do simbólico e, é claro, da
criança, chamando nossa atenção para o simbolização por meio da qual a análise
que acontece desde o nascimento até aos opera (Jorge, 2017, p. 46).
5 anos completos de vida. Utiliza-se da
tragédia de Édipo Rei para elaborar o seu É possível elaborar de forma sintética,
pensamento sobre um complexo de Édipo o que Freud descobre e nos ensina que
e um complexo de castração simbólica – acontece no período da infância, engen-
vividos pela criança no campo do Outro. drando os fundamentos da constituição
No contexto edipiano, esses complexos inconsciente da neurose, da perversão e
vão se estruturando, se amarrando, se da psicose, tripartição que se revelará na
enodando no campo da fala, da palavra clínica, exatamente na sessão analítica,
e da rede de significantes de uma lingua- como estruturas neuróticas, ou perversas,
gem inconsciente. Uma leitura inicial de ou psicóticas.
analistas pós-freudianos ligava-os a uma Cada estrutura clínica psicanalítica é
teoria de desenvolvimento. o resultado de múltiplas vivências com-
Lacan, apoiando-se na lógica da ma- plexas e paradoxais de cada criança com
temática, em vários objetos topológicos, o seu par parental (mãe e pai), a partir da
especialmente na topologia dos nós bor- Bejahung, ou seja, da inscrição primeira do
romeanos, faz uma releitura esclarecedora, Nome-do-Pai (ou da falta dessa inscrição),
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de sua presença ou ausência, com as con- a consequente exposição à angústia de


sequências nos apontando três diferentes fragmentação e de aniquilamento do eu
versões desse significante paterno: a ver- -imagem corporal. Fora da crise, a busca
são que engendra as neuroses, a versão de solução será escolhida entre sublimar a
que engendra as perversões e a versão que angústia em atividades artísticas (pintura,
engendra as psicoses. escultura, criação musical, criação poética
e literária) ou em atividades locomotoras
O quadro a seguir é uma construção errantes (de errância) e outras possibili-
nossa. dades. Em crise (durante e após o surto),
a busca de solução será escolhida entre o
• Tempo do complexo de Édipo e da vivên- assassinato ou o autoextermínio, a tenta-
cia da castração simbólica. tiva de cura através das formações aluci-
natórias e/ou da construção de um delírio
• Momento lógico estruturante do incons-
(de uma metáfora delirante). Goza-se de
ciente [psiquismo] humano.
atos mortíferos tanto quanto de delírios e
• Vivência de estruturação e de amarração alucinações.
lógica do nó borromeano. • Versão do Pai Y. Presença do signifi-
• Meninos e meninas – do nascimento até cante Nome-do-Pai na estrutura chamada
os cinco anos de vida. de perversão. Recusa, renegação ou des-
• Passagem do “ser o falo imaginário da mentido (Verleugnung) da representação
mãe” (identificação imaginária com o falo da castração simbólica no inconsciente
materno imaginado) para o “ter o falo sim- (psiquismo), com a consequente transfor-
bólico do pai” (identificação simbólica com mação do afeto (angústia) numa ação de
o falo paterno, o Nome-do-Pai e sua Lei permanente desafio e transgressão à lei do
como representação simbólica no incons- pai. Goza-se da fantasia fixada na insisten-
ciente). Significa ter acesso ao registro da te busca de, paradoxalmente, ao mesmo
falta-a-ser e ao campo do desejo, como con- tempo renegar (recusar) e reafirmar a
sequente benefício da castração simbólica, realidade da castração simbólica, através
experiência gerenciada pelo pai simbólico. de uma forte perseguição da satisfação
O falo é, ao mesmo tempo, o significante da pulsional completa. Onde? Na incansável
castração simbólica e do desejo. O pai sim- busca de usurpar o lugar do pai simbólico,
bólico é a instância mediadora do desejo e este que é o Outro da linguagem, da deter-
dos efeitos de sujeito. Como sujeitos, somos minação simbólica e da ordem simbólica.
constituídos pelo significante da castração. • Versão do Pai Z. Presença do signifi-
Momento da determinação simbólica, da cante Nome-do-Pai na estrutura chamada
fixação da libido e da cristalização das de neurose. Recalcamento (Verdrängung)
fantasias fundamentais. e deslocamento da representação da vi-
vência da castração simbólica no incons-
ciente (psiquismo), com a consequente
Três versões do pai na escolha forçada transformação do afeto (da angústia)
de neuroses, de perversões, de psicoses: em fobias [como nas fobias típicas], e/ou
• Versão do Pai X. Ausência do signifi- fenômenos somáticos, e/ou somatizações,
cante Nome-do-Pai na estrutura chamada [como na histeria], e/ou ideias com-
de psicose. Foraclusão, forclusão ou rejei- pulsivas, dúvidas obsecantes, remorsos
ção (Verwerfung) completa da castração, persistentes, agressividade, ambivalência,
isto é, não inscrição do falo simbólico ou medos, formações reativas e mecanismos
da representação da castração simbó- ritualísticos de fazer/desfazer [como na
lica no inconsciente (psiquismo), com neurose obsessiva]. Tudo isso presente na
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formação dos sintomas, em que o sujeito qualquer tipo de linguagem e fica marcado
“escolhe” se submeter à Lei do Pai. Nas como impossível de dizer).
histerias, os efeitos da castração (falta) Do embate primeiro com das Ding (a
e da formação dos sintomas se revelam, Coisa) e de todos os embates subsequentes
preferencialmente, no corpo. Nas neu- com o impossível, ficam os restos com os
roses obsessivas, os efeitos da castração quais Lacan cria o conceito de objeto a –
(falta) e da formação dos sintomas se causa de desejo e mais-de-gozar, revelando
revelam, preferencialmente, no nível um efeito paradoxal.
do pensamento. Nas manifestações fó- Lacan usa a expressão “perversion”
bicas, os efeitos da castração (falta) e [père-version] para dizer de outra versão do
da formação dos sintomas se revelam, pai – a perversão – para dizer de outra ver-
preferencialmente, no deslocamento do tente estruturante da Lei do pai diferente
objeto da angústia para um animal ou daquela que estrutura a neurose. Não se
coisa. Exemplo: deslocamento do pai deve confundir “perversion” com perversi-
para o cavalo, no caso do pequeno Hans. dade. Nota-se, ao longo da transmissão de
Nas neuroses, goza-se dos sintomas e das Freud e de Lacan, que podemos ter outra
fantasias ancoradas, fixadas, cristalizadas, versão estruturante da Lei do pai, agora
enlaçadas aos sintomas. na psicose: uma versão do pai inscrita pelo
Antecipando o parágrafo seguinte, significante da falta do Nome-do-Pai, ou
cito Lacan ([1972-1973] 1985, p. 188 e seja, ato de exclusão, de ausência da Be-
196). jahung, o significante primeiro do Pai, No-
me-do-Pai, ‘semente’ da metáfora paterna.
Alíngua serve para coisas inteiramente Desta reflexão decorre que podemos
diferentes da comunicação [...] O in- conjeturar como o fizemos, a incidência de
consciente é efeito de alíngua que eu três versões do pai – a versão do pai nas
escrevo numa só palavra para designar neuroses, a versão do pai nas perversões,
alíngua materna [...] O Um encarnado a versão do pai nas psicoses.
na alíngua é algo que resta indeciso entre A complexa e lenta construção to-
o fonema, a palavra, a frase, mesmo todo pológica borromeana dessas três versões
pensamento. É o de que se trata no que acontece na primeira infância, conside-
chamo de significante-mestre. rando-se que, ao completar os cinco anos
de vida, a estrutura de cada uma delas já
está feita, construída em seus fundamentos
Vários significantes se inscrevendo, de estrutura psíquica.
se registrando, na placa matriz mental da A noção de diagnóstico psicanalítico
construção da estrutura psíquica que, uma numa perspectiva estrutural é possível sob
vez iniciada segue em frente, no campo da a existência de quatro fundamentos essen-
linguagem, criando o “baú do tesouro dos ciais: (a) a associação livre do analisando;
significantes” à disposição do sujeito. Ser- (b) a escuta dos significantes presentes
vindo-se desse tesouro dos significantes, na fala do analisando e assimilada pelo
organiza-se ao longo da primeira infância analista em sua posição de semblante de
o enlaçamento topológico de real, simbó- objeto a; (c) o fenômeno da transferên-
lico, imaginário, RSI, amarrando o que é cia presente na situação analítica; (d) o
do registro do Imaginário (linguagem de desejo-função do analista na direção do
imagens, e de fantasias, e de gestos), o que tratamento.
é do registro do Simbólico (linguagem da Identificamos no parágrafo anterior
fala e das palavras), e o registro do Real (o as três estruturas clínicas no campo da
que escapa a representação simbólica de psicanálise. Falta ressaltar que as fobias,
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inicialmente classificadas por Freud como não pode deixar de se ver aí concernido.
um tipo de neurose, passaram a ser desig- As referências diagnósticas estruturais
nadas e transmitidas por Lacan como uma advêm, então, num só registro. [...] A
placa giratória presente tanto na estrutura identidade de um sintoma nunca é senão
histérica quanto na estrutura obsessiva. um artefato a ser colocado por conta dos
A dinâmica edipiana – de ser o falo efeitos do inconsciente. A investigação
materno na identificação com o falo ima- diagnóstica precisa, então, prolongar-se
ginário da mãe e, paradoxalmente, do ter aquém do sintoma, para que se descubra
o falo paterno, na identificação simbólica a causalidade psíquica. [...] Então, no
com o pai, através da vivência da castração desdobramento do dizer se manifestam
simbólica – acontece no tempo lógico de essas referências diagnósticas estruturais
uma identificação simbólica (pelos cami- [...] que aparecem como indícios codi-
nhos da fala) com o sujeito suposto não ficados pelos traços estruturais que são,
tê-lo, a mãe, e, ao mesmo tempo, com o eles próprios, testemunhas da economia do
sujeito suposto tê-lo, o pai. Mas o sujeito desejo. Daí a necessidade de se estabelecer
suposto não tê-lo pode ser o pai, e o sujeito claramente a distinção que existe entre
suposto tê-lo pode ser a mãe. os “sintomas” e os “traços estruturais”.
Trata-se não da anatomia do corpo e
sim de imaginário enlaçado ao simbólico e É perfeitamente justificável dizer que
ao real – real que lemos como “disposição as estruturas psíquicas evidenciadas na
hereditária” (Freud) face ao enlaçamento clínica psicanalítica são efeito da consti-
com o imaginário e o simbólico –, como tuição do sujeito no campo do “incons-
resto de toda a operação significante no ciente estruturado como uma linguagem”,
processo de estruturação do inconsciente, no crescimento da criança até completar
do sujeito e do seu desejo, da escolha dos os cinco anos de vida, passando pela expe-
sintomas e dos traços estáveis da estrutura riência da dinâmica edipiana, da metáfora
de cada um em sua singularidade. paterna, isto é, da castração simbólica, da
É somente através das associações negociação com o significante fálico, e de
livres do analisando que algo da estrutura como este (o falo) se conjuga com o desejo
do sujeito é localizável, a partir da nossa e a falta. São momentos determinantes
captação dos traços estruturais e dos sinto- para o sujeito e o seu desejo, além de
mas. E percebemos a implicação lógica que favoráveis à cristalização de organizações
amarra a natureza da estrutura, enlaçando estruturais, borromeanamente enlaçadas,
o tipo do sintoma e os traços estáveis, amarradas no tempo lógico da constituição
formando uma estrutura. Então, podemos psíquica.
identificar a estrutura inconsciente desse As instituições psicanalíticas cum-
sujeito da qual o sintoma dá testemunho. prem o seu dever ético de transmissão da
Só podemos localizar isso fazendo uma boa psicanálise e da formação de novos psica-
escuta do dizer do analisando. As pulsões nalistas, seguindo os fundamentos propos-
buscam a sua satisfação e topam com as tos por Freud e por Lacan – análise pessoal,
defesas, e o resultado disso é o retorno sobre estudo teórico-clínico e supervisão clínica,
o próprio eu (ego) na forma de um sintoma. tanto quanto da formação permanente dos
psicanalistas experientes. j
Para Joël Dor (1994, p. 21-22, grifos
nossos).

A formação do sintoma é tributária da


palavra e da linguagem. O diagnóstico

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Zahar, 2008. p. 188 e 196.

Recebido em: 07/08/2018


Aprovado em: 28/09/2018

Sobre o autor

Messias Eustáquio Chaves


Psicanalista.
Sócio do Circulo Psicanalítico
de Minas Gerais (CPMG)
e do Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP).
Atendimento clínico desde 1980.
Transmissão da psicanálise
no CPMG desde 1988
e do seminário Estruturas clínicas
desde 1995.
Há 39 anos na mesma instituição.
Tem artigos publicados
na Reverso e na Estudos de Psicanálise.

Endereço para correspondência


E-mail: <mesquioves@gmail.com>

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