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A VIVÊNCIA EM GRUPOS DE ENCONTRO:

um estudo fenomenológico de depoimentos

ANTONIO ANGELO FAVARO COPPE

UFRJ/PUC Minas
2001
A VIVÊNCIA EM GRUPOS DE ENCONTRO:
um estudo fenomenológico de depoimentos

ANTONIO ANGELO FAVARO COPPE

Dissertação submetida ao de Departamento de


Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de
Psicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção de grau de Mestre em Psicologia.

ORIENTADOR:
Prof. Dr. Franco Lo Presti Seminério

UFRJ/PUC Minas
2001
A VIVÊNCIA EM GRUPOS DE ENCONTRO:
um estudo fenomenológico de depoimentos

ANTONIO ANGELO FAVARO COPPE

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________
Dr. Franco Lo Presti Seminério
Orientador

____________________________________
Dra. Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo
Membro

___________________________
Dra. Élida Sigelmann
Membro

Rio de Janeiro
2001
FICHA CATALOGRÁFICA

Coppe, Antonio Angelo Favaro


C785i A vivência em grupos de encontro: um estudo fenomenológico
de depoimentos / Antonio Angelo Favaro Coppe. – Belo Horizonte,
2001.
151f.

Orientador: Prof. Dr. Franco Lo Presti Seminério.


Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
Bibliografia.

1. Psicoterapia de grupo. 2. Psicoterapia centrada no cliente. 3.


Relações interpessoais. 4. Fenomenologia. I. Lo Presti, Franco
Seminério. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. III. Título.

CDU: 615.851.6
Capítulo 2: OS GRUPOS DE ENCONTRO

2.1: Histórico

O Grupo de Encontro tem importância tanto para a prática psicoterapêutica, como


para a Abordagem Centrada na Pessoa (A. C. P.) enquanto um referencial teórico.
Portanto, é necessário situá-lo historicamente no seio da A. C. P., inclusive para
compreender melhor o seu percurso e a proposta desta pesquisa. Ele é específico da
prática rogeriana.
É importante frisar que a palavra grupo aqui empregada refere-se a uma
experiência planejada e intensiva dentro de um contexto psicológico.
Os grupos de encontro, segundo Fadiman e Frager (1979), originaram-se em 1946
em Connecticut, EUA, com um programa de treinamento para líderes comunitários. A
proposta consistia em encontros, à noite, entre treinadores e observadores para discutir
os eventos diurnos. Esta experiência mostrou que ao darem um feedback aos
participantes, isto intensificava o vínculo entre eles.
Rogers (1970) coloca que anterior a 1947, Kurt Lewin e sua equipe do
Massachussets Institute of Technology desenvolveram a idéia de que o treino das
capacidades em relações humanas era um importante mas esquecido tipo de educação
na sociedade moderna. Em 1947, pouco depois da morte de Lewin, foi realizado o
primeiro, então chamado T-group („training groups’: grupos de treino), em Bethel,
Maine, EUA.
Alguns dos treinadores dos grupos de Connecticut se juntaram aos outros e
fundaram os „National Training Laboratories‟ (NTL), que funcionaram,
aproximadamente até 1960. Os NTL, inicialmente, foram planejados para a indústria,
em função do suporte financeiro dela. Naturalmente, a participação das pessoas nos T-
group possibilitou-lhes uma compreensão mais clara a respeito do seu próprio
funcionamento e isto levava a uma mudança significativa de personalidade.
Simultaneamente a este movimento, Carl Rogers e seus colaboradores no Centro
de Aconselhamento da Universidade de Chicago desenvolveram grupos de treinamento
para conselheiros pessoais para a Administração dos Veteranos; o objetivo era preparar
as pessoas para serem conselheiros eficazes no tratamento de problemas dos regressados
da guerra. A equipe percebeu que a melhor maneira de preparar os conselheiros era
através de grupos intensivos, onde eles tinham percepção maior de si mesmo e, a partir
desta consciência, desenvolverem um clima psicológico seguro para facilitar uma ajuda
efetiva para os regressados. Esta proposição evidencia a idéia básica da A. C. P., cuja
tese é a capacidade de a pessoa se desenvolver e crescer em harmonia consigo e com o
seu ambiente (Coppe, 1998).
A experiência tem demonstrado, qualitativamente, que mesmo ocorrendo, ainda
que minimamente, alguns efeitos negativos, a maioria dos participantes relata efeitos
altamente positivos em suas vidas. Isto confirma que a vivência intensiva de grupo é
poderosa e geradora de mudanças significativas.
As teorias que inicialmente deram suporte ao movimento de grupo foram o
pensamento de Kurt Lewin, a Psicologia da Gestalt e a Abordagem Centrada na Pessoa.
A A. C. P., além de dar a sua contribuição para a terapia, cria esse modelo de Grupos de
Encontro, que é terapêutico, embora não tenha a estrutura de um grupo de terapia.
Veremos que à medida que o interesse pelos grupos se disseminou e proliferou, várias
modalidades se desenvolveram. Rogers (1970) aponta algumas dessas modalidades: T-
Groups, Grupos de Encontro (ou grupo de encontro básico, cujo foco é o crescimento
pessoal através de um processo experiencial), Grupo de treinamento de sensibilidade,
Grupo centrado na tarefa, Grupos de percepção sensorial - de percepção corporal - de
movimento corporal, Grupos de criatividade, Grupo de desenvolvimento
organizacional, Grupo de formação de equipe, Grupo Gestáltico, entre outros.

2.2: Os objetivos e as etapas do processo de grupo

Após esse breve histórico, enfatizaremos agora o Grupo de Encontro segundo a A.


C. P. Começaremos com a definição e os objetivos do Grupo: o grupo de encontro
(Rogers, 1970) consiste numa experiência intensiva que conduz a uma maior
independência pessoal, a menos sentimentos escondidos, maior interesse em inovar e
maior oposição à rigidez institucional, objetivando, através de um processo
experiencial, incrementar o crescimento pessoal e o desenvolvimento e aperfeiçoamento
da comunicação (consigo e com os outros) e das relações interpessoais.
A filosofia do Grupo de Encontro se baseia na crença de que o grupo tem a
capacidade latente ou manifesta de se autodirigir, ou seja, a direção é dada pelo grupo
como um todo, cabendo ao(s) facilitador(es) a criação de condições que possibilitem ao
mesmo o seu desenvolvimento e crescimento, bem como a atualização dessa capacidade
de dirigir a si mesmo (Coppe, 1998).
A estruturação formal no que diz respeito à duração, número de participantes,
composição e tempo, vai depender da proposta que se fizer. Por exemplo, o grupo
proposto por nós, geralmente, é em regime residencial (os participantes vão para um
sítio, em um fim de semana - de sexta-feira a domingo), com uma média de duração de
20 horas, com 18 membros (já fizemos grupo com 09 pessoas), além da equipe de
facilitadores; o grupo, usualmente, é heterogêneo e o modo de utilização do tempo é
determinado no início do grupo.
A estruturação desejada, do ponto de vista da abordagem e que está expressa na
sua filosofia, é a implícita: o grupo é livre para escolher os próprios objetivos e
direções, com uma dinâmica de liberdade, igualdade, criatividade e afetividade. Diante
de uma estruturação assim, veremos que no começo de um grupo, geralmente, ocorre
surpresa, irritação, ansiedade, até que ele encontre os caminhos para o relacionamento
inter e intrapessoais.
De acordo com Rogers (1970), o processo grupal ocorre da seguinte maneira:
Fase de hesitação (de andar à volta): o grupo fica esperando as “regras”, como
se comportar, o que falar; ocorre uma comunicação superficial; piadas; casos. Na
medida que o incômodo aumenta e que o grupo percebe que a direção é dele, aí alguém
propõe: “vamos começar nos apresentando?”.
Resistência à expressão ou exploração pessoais: é o receio de se revelar: “posso
revelar algo tão íntimo que tenho medo do que os outros vão pensar de mim”.
Descrição de sentimentos passados: ao invés de se expressar sentimentos do aqui
e do agora, são expressos sentimentos do então e do lá, que são expressões exteriores ao
grupo (“eu tive um problema com meu marido...”).
Expressão de sentimentos negativos: quando surgem sentimentos presentes,
freqüentemente, eles são negativos e dirigidos a um outro membro do grupo (“não gosto
do seu jeito de chegar perto”) ou ao(s) facilitador(es) (“Você está sendo autoritário na
condução do grupo”).
Expressão e exploração de material com significado pessoal: se o grupo passou
pela etapa anterior sem se desintegrar e o clima de confiança se fortalece, então as
pessoas começam a ser elas mesmas com todos os riscos e isso leva à expressão de
sentimentos imediatos de significação pessoal (“à primeira vez que o vi, te achei
extremamente antipático, e agora vejo que não”).
O desenvolvimento de uma capacidade terapêutica no grupo: à medida que o
vínculo entre os participantes se estreita, simultaneamente, floresce a capacidade natural
e espontânea de ajuda entre os membros. É interessante observar que esta capacidade
não ocorre somente durante a sessão, mas também nos intervalos, quando as pessoas se
aproximam uma das outras, em função do que foi vivido, e auxiliam-se mutuamente.
Aceitação do eu e começo da mudança: a partir do momento em que as pessoas
começam a se aceitar tal como elas são e se mostram, um processo se põe em
andamento, surgindo daí um ser novo, singular e mais pleno.
O estalar das fachadas: se alguns membros ainda não se colocaram, isto
provocará uma impaciência para com as defesas. É como se o grupo fizesse um convite
para a pessoa se entregar e se dar a conhecer. Isto reflete o desejo de um encontro mais
profundo e significativo com o outro.
O indivíduo é objeto de reação (feedback) por parte dos outros: a colocação de
uma pessoa permite ao outro uma reação dele de forma que essa reação possa contribuir
para a tomada de consciência da primeira. Naturalmente, escutar como o outro nos
percebe nem sempre é muito fácil, mas se conseguimos escutá-lo, independente da dor
que isto nos causa, com certeza estamos num processo de crescimento.
Confrontação: às vezes ocorre de um indivíduo se confrontar com outro,
diretamente e em igualdade. Esses confrontos podem ser positivos ou negativos, em
função da carga emocional expressa. É um momento delicado do grupo e,
especialmente, das pessoas envolvidas, pois o medo da ruptura se presentifica.
Relações de ajuda fora do grupo: além do que foi comentado acima em
desenvolvimento de uma capacidade terapêutica no grupo, percebemos, também, que
após o término do grupo, algumas pessoas continuam se relacionando.
O encontro básico: este é um dos aspectos mais significativos do processo, pois
reflete o sentido buberiano do encontro que é EU e TU, ou seja, um momento intenso,
transcendente, onde a comunhão ontológica é experienciada (Buber, 1979).
Expressão de sentimentos positivos e intimidade: se os sentimentos expressos são
aceitos na relação, isto resulta em intimidade e mais sentimentos positivos, além da
confiança e da afetividade como um todo.
Mudanças de comportamento no grupo: quando o grupo vai caminhando para o
final, é possível observar muitas mudanças: desde o tom de voz até a expressão
espontânea do afeto. As pessoas não são as mesmas de dois dias atrás, pois ninguém sai
indiferente de um encontro consigo e com o outro.
Rogers (1970) aponta o seu interesse para as mudanças que ocorreram após a
experiência de grupo e é nesse enfoque que este estudo está baseado.
Uma outra etapa que gostaríamos de acrescentar às que Rogers propôs é: o fim do
grupo. Greening (1975) afirma que “cada grupo tem também finidade e morte” e esta é
uma temática com a qual temos de lidar, pois manter ou estimular a ilusão de que os
grupos não morrem e se dissolvem seria mascarar a realidade. Greening (1975) coloca
de maneira brilhante este momento ao dizer que temos “de lidar adequadamente com a
morte do grupo residencial intensivo num remoto ambiente idílico e com o regresso dos
participantes à inexpressividade da vida de rotina, que os levou, em primeiro lugar, a
procurar um grupo” (p. 114). Um dado interessante a registrar é o fato de nunca termos
repetido um grupo com as mesmas pessoas, apesar de várias delas terem participado de
outros.
Agora, gostaríamos de focalizar, um pouco, a pessoa do facilitador, sua condição
e o seu papel. Sabemos da importância que Rogers dá às condições internas do terapeuta
e à força que estas têm no processo de desenvolvimento do cliente / participante, além
do privilegiamento da relação em si. Mas quais são essas condições (atitudes)? Em
linhas gerais são (Coppe e Lobo, 1987): “consideração - implica o reconhecimento da
existência do outro e o respeito à sua singularidade, ao seu processo e à sua
autonomia; compreensão (empatia) - implica a captação dos sentimentos e das
significações pessoais vivenciadas pelo indivíduo, bem como a comunicação disso a
ele; congruência - implica uma autoconsciência do que está sendo vivido em relação
ao outro, o que possibilita uma relação autêntica com ele”. Essas três condições estão
intimamente relacionadas e aparecem sempre em conjunto. Conseqüentemente, a
conduta diante do outro não é função exclusiva das necessidades e desejos individuais,
mas do encontro entre essas.
Além dessas condições básicas, é função do facilitador propiciar e estar atento
para os seguintes aspectos:
Criação de Ambiente: criar um clima psicologicamente seguro para o indivíduo,
dentro dos princípios da A. C. P..
Aceitação do Grupo: aceitar o grupo exatamente no ponto em que ele se
encontra.
Aceitação do Indivíduo: aceitar o indivíduo em sua totalidade, acreditando que o
que a pessoa está colocando é o que realmente lhe acontece.
Atuar segundo aquilo que sente: estar atento a si mesmo, ou seja, estar se
escutando em todos os níveis para que possa expressar os sentimentos “persistentes”
que experimenta em relação ao indivíduo ou ao grupo.
Confrontar e dar “feedback”: confrontar os próprios sentimentos e dar o
“feddback” sobre eles, mesmo que seja doloroso.
Expressão dos próprios problemas: espera-se que o facilitador tenha se trabalhado
o suficiente para evitar a expressão dos seus próprios problemas no grupo; mas se sentir
livre para tal expressão, escutar bem o grupo para que ele não se sinta culpado.
Evitar o planejamento e os “exercícios”: sendo a espontaneidade o elemento mais
precioso e fugidio, pois ela é altamente eficaz, o facilitador deve evitar o planejamento e
os „exercícios‟; planejar estratégias pode dar idéia de um artificialismo e o seu resultado
não é bom; isso não significa impedimento ao uso de alguma técnica que possa facilitar
a expressividade emocional de um membro ou do grupo como um todo.
Evitar comentários interpretativos ou do processo: evitar comentários para que
os membros não se sintam ameaçados, observados ou analisados; se houver
comentários, que sejam oriundos do grupo.
Liberdade Experiencial: o grupo que vivencia uma liberdade experiencial aplica a
sua potencialidade terapêutica, que reside nos seus membros, na ajuda de outros (vide
Conclusão, 5.2.)
Movimento e Contato Físico: a expressão, por parte do terapeuta, através do
movimento e contato físico, deve ocorrer em consonância com o que sente, de forma
autêntica, espontânea e de acordo com o contexto grupal (Rogers, 1970). A nossa
experiência mostra que um terapeuta é efetivo na condução de um grupo quando ele,
cada vez menos, centraliza a atenção sobre si. E, segundo Wood (1983), “o sucesso (do
grupo) não é caracterizado por quão bem o facilitador se saliente na apresentação das
atitudes fundamentais, mas por quão bem a criativa sabedoria grupal provedora de
crescimento é liberada e por quão bem os benefícios do crescimento são propiciados a
seus membros” (p. 67).
Do ponto de vista operacional, apresentaremos, a seguir, um resumo sobre os
Grupos de Encontro em seus vários aspectos funcionais:
Filosofia: o grupo se “dirige” (sentido da própria direção).
Objetivo: facilitar o crescimento pessoal e o desenvolvimento e aperfeiçoamento
da comunicação e relações interpessoais.
Estrutura Extrínseca:
. Duração: 18 a 20 horas em um fim de semana.
. Número de participantes: de 8 a 18 participantes.
. Composição: pode ser homogêneo ou heterogêneo.
. Espaço: o desejável, por se tratar de um grupo residencial, é que a sua
realização seja num sítio, ou seja, as vivências se dão no mesmo
lugar.
. Tempo: o início e o término das sessões são definidas pelo grupo.
. Número de facilitadores: acima de 12 participantes é desejável 2
facilitadores.
Estrutura Intrínseca: a estruturação é implícita, onde os participantes são livres
para escolher os próprios objetivos e direções pessoais.
Dinâmica: a dinâmica do grupo é fundada na igualdade entre os participantes, na
liberdade, na presença cognitiva e afetiva.
Atuação do Facilitador : facilitar a expressão dos sentimentos e pensamentos dos
participantes. Desenvolver um clima psicológico de segurança no qual a liberdade de
expressão e a redução de defesas se verifiquem. Não dirigir para “objetivos específicos”
e, segundo Fonseca (1983) “ os promotores-facilitadores visam estar presentes no
desvelamento e construção da realidade grupal e não lhes interessa o controle da
consciência ou do comportamento dos membros do grupo (...) uma vez que confiam que
o exercício espontâneo destes conduz, inevitavelmente, à sanidade; a um genuíno e
confiável controle autógeno” (144). O facilitador deve ser responsável para com os
participantes e participar como um membro do grupo.
A proposta deste capítulo é ter tornado claros os objetivos, as etapas do processo
e as características do facilitador de grupos, permitindo uma visão ampla sobre os
Grupos de Encontro que possibilite verificar neste estudo os alcances que a experiência
intensiva de vivenciar um grupo de encontro tem para aquele que dela participa.

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