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ESTRUTURAS CLÍNICAS

Profa. Dra. Kelly Cristina Brandão da Silva


Doutora em Educação (FEUSP)
Docente da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP
Orientadora de Mestrado e Doutorado (FCM/UNICAMP)
• A clínica psicanalítica é uma clínica estrutural
e o diagnóstico em psicanálise é um
diagnóstico estrutural e não descritivo.

• Diagnóstico que só é possível se estabelecer


na transferência e, portanto, nunca a priori.

• É somente no curso do tratamento que ele se


faz, estando aí implicado o próprio
psicanalista.
• A escuta transferencial possibilita a identificação de
uma certa estrutura. Nisto consiste a distinção
fundamental entre um possível diagnóstico psicanalítico
e o que se conhece por diagnóstico psiquiátrico.

• Localiza-se aí, também, a distinção entre o discurso


médico e o discurso psicanalítico. Enquanto o primeiro
exclui a subjetividade, no segundo ela é ineliminável.

• A escuta, onde sua própria subjetividade está implicada,


é o único instrumento de que dispõe o analista e toda e
qualquer avaliação é inevitavelmente subjetiva.
• A estrutura do sujeito só é localizável pelo dizer,
e não pelo dito.

• Na prática psicanalítica, o diagnóstico é sempre


construído a posteriori.

• Freud nomeava de tratamento de ensaio, o


período anterior à análise.

• Para Lacan, esse tempo é chamado de entrevistas


preliminares.
Entrevistas preliminares

• Escuta flutuante e associação livre

• Três funções:
- A função sintomal (sinto-mal)
- A função diagnóstica
- A função transferencial
“É possível que eu tenha logrado êxito, recentemente,
em ter um primeiro vislumbre de uma coisa nova. O
problema que me confronta é o da 'escolha da
neurose'. Quando é que uma pessoa fica histérica, em
vez de paranoide? Em minha primeira tentativa
grosseira, feita numa época em que eu ainda estava
tentando tomar a cidadela à força, achei que isso
dependia da idade em que ocorria o trauma sexual -
da idade da pessoa na época da experiência. Disso,
desisti há muito tempo; mas fiquei então sem nenhuma
pista até poucos dias atrás, quando vi uma ligação com
a teoria sexual." 

(FREUD - Carta a Fliess de 9 de dezembro de 1899)


Estruturalismo / Estrutura
Lacan se inspira nos trabalhos da Linguística
(Ferdinand de Saussure e Roman Jakobson) e da
Antropologia (Claude Lévi-Strauss).

O estruturalismo tem como hipótese central que


cada um dos elementos só pode ser definido pelas
relações de equivalência ou de oposição que
mantém com os demais elementos. Esse conjunto
de relações forma a estrutura.

Por estrutura entende-se um sistema em que seus


elementos são interdependentes. Os elementos
possuem uma relação interna, de tal forma que não
podem ser entendidos isoladamente, mas apenas
em relação aos seus pares antagônicos.
Estrutura clínica
Estrutura clínica: refere-se a uma dada
ordenação e um dado relacionamento entre
os vários elementos que compõem o
psiquismo.

A estrutura não se define pelo que o sujeito


faz ou pela avaliação do seu comportamento,
mas como ele fala do que faz e do que ele
faz ao falar, na transferência.
Estrutura clínica
A psicanálise não trabalha por exaustão
classificatória. Ao contrário, a escolha de
poucos traços é suficiente para deduzir o
conjunto das formações clínicas envolvidas.
Traços que fixam uma repetição.

A hipótese do diagnóstico estrutural supõe que


de alguma forma e em algum nível o sujeito
está sempre fazendo “a mesma coisa”.

Diferentemente da psiquiatria, a psicanálise


lacaniana separa o fenômeno da estrutura.
Estrutura clínica
A estrutura é um modo de funcionamento, uma
maneira de se inscrever no campo da linguagem, o
que implica diferenciar estrutura clínica de
patologia.

No Seminário 3, Lacan divide as estruturas


clínicas em duas, sendo que o eixo que as
diferencia é a castração simbólica. Ou há a
referência à castração simbólica, ou seja, ela
está afirmada, ou não há castração simbólica.
Esquema proposta por Michele Roman Faria, em
“Lacan e as estruturas clínicas: neurose, psicose e
perversão”, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=S8YPiO8jdgc
Estrutura clínica
A estrutura clínica é um modo de lidar com a
castração simbólica:

• No nível da linguagem
• No nível da metáfora paterna
• No nível da falta no Outro

A estrutura clínica se infere dos modos de reação e


interpretação que o sujeito apresenta diante do
Outro. Sendo um dos principais marcadores
teóricos dessa passagem, o conceito de Complexo
de Édipo, com os princípios e noções que o
sustenta e que definem como destino do sujeito
uma das três estruturas: Neurose, Psicose e
Perversão.
Estrutura clínica

Lacan apoia sua noção de estrutura clínica em


três tipos de defesa propostos por Freud.
Observe-se a presença de um traço de
negatividade nesses conceitos freudianos:

- Verdrängung – recalque
- Verleugnung - recusa/ desmentido
- Verwerfung - foraclusão
“O neurótico, como também o perverso, do
mesmo modo que o psicótico, não são mais
que faces da estrutura normal. O neurótico
é o normal pois, para ele, o Outro é o único
que importa; o perverso é o normal
enquanto, para ele, o falo é o único que
importa. Para o psicótico, o corpo próprio é
o único que importa”. (LACAN)
Neurose

Recalque é a defesa neurótica diante do


confronto com a angústia de castração. O
complexo de Édipo persiste no inconsciente
manifestando seu efeito patogênico, o
sintoma. Para Freud, os sintomas não são
nada mais que a expressão deformada do
desejo infantil que sucumbiu ao recalque.
“O que eu sou no desejo do Outro?”
Neurose
Para Lacan, a estrutura de uma neurose é
essencialmente a estrutura de uma
questão. O que interessa ao sujeito vem
determinado pelo Outro. “O que o Outro
quer de mim?”

Toda neurose implica a queda da


identificação imaginária com o falo
materno.

Diferentes soluções edípicas a partir da


significação dada pela criança à distinção
anatômica entre os sexos.
Neurose
Embora a questão anatômica não seja o único
determinante da posição sexual do sujeito,
é sobre esse real do corpo que incide a
significação fálica em torno da qual se
ordena o Complexo de Édipo.

Conforme o destino que o sujeito dá a essas


significações é que se pode situar a
particularidade das posições histérica,
obsessiva e fóbica.
Neurose
O psicanalista Jöel Dor, define o sujeito
histérico como um “militante do ter” e o
neurótico obsessivo como um “nostálgico do
ser”.

Na histeria trata-se de apropriar-se do


atributo fálico de que o sujeito se acha
injustamente desprovido. Uma confissão
implícita de que o sujeito não poderia ter o
falo.
Neurose
Se o objeto do desejo edipiano, o falo,
é aquilo de que o histérico se sente
injustamente privado, ele não pode delegar
a questão de seu desejo a não ser àquele
que é suposto tê-lo.

O sujeito histérico não interroga a dinâmica


de seu desejo senão junto ao Outro, que é
sempre suposto de ter a resposta ao
enigma da origem e do processo do desejo
em questão.
Neurose
“O histérico tem necessidade de um Senhor
sobre o qual possa reinar". (LACAN)

O sujeito histérico interpela o mestre. Ele o


interroga sobre seu poder e seu saber, ele
sublinha seus limites.

Outro traço histérico é colocar-se a serviço


do outro, tentando mostrar-se a si mesmo
através do outro e, assim, beneficiar-se de
seu "esplendor".
Neurose

Freud já assinalava que o histérico deseja


sobretudo que seu desejo permaneça
insatisfeito.

As oportunidades de sedução em que o


histérico pode se engajar apoiam-se sobre
um "brilho fálico". É preciso fazer desejar
o outro.
Neurose

O sujeito histérico demanda amor do


Outro para se sentir fálico.

Tendência a triangular. “ O que esse


outro tem que despertou o desejo?”
Neurose
O obsessivo se manifesta frequentemente
como um sujeito que foi particularmente
investido como objeto privilegiado do
desejo materno, ou seja, privilegiado em
seu investimento fálico.
O excesso de amor testemunhado pelos
sujeitos obsessivos tem sua origem no
dispositivo onde a sedução erótica
materna constitui um apelo para suprir
sua insatisfação.
A criança permanece, com efeito, prisioneira
do desejo insatisfeito da mãe.
Neurose
O sujeito obsessivo evita ser confrontado
com a questão da falta.

Procura evitar toda ruptura naquilo que diz,


e, ao mesmo tempo, toda expressão de sua
subjetividade.

Demanda uma ordem e uma repetição que


anseia o absoluto.

Ocupa o lugar de objeto do gozo do outro.


Neurose

• Na neurose obsessiva, o desejo é colocado


como impossível

• O sujeito obsessivo demanda


reconhecimento, o que denota uma ilusão
de que teria o falo, bastando que o Outro
reconhecesse.
Neurose
Lacan, no seminário 16, define a fobia como uma
“placa giratória” entre a neurose obsessiva e a
histeria.

No seminário 4, Lacan refere-se ao aparecimento da


fobia como uma necessidade do sujeito. Diante da
falta do falo materno, a fobia impõe-se como uma
necessidade do sujeito.

O desejo fóbico apresenta-se como desejo


prevenido. Tentativa de garantir que a castração
não aconteça.
Neurose
No segundo tempo do Édipo, a ausência do
falo materno adquire, para a criança, o
valor de privação.
Uma vez que o sujeito fóbico se depara com a
falta, ele apela à fobia como organizador
dessa falta para a qual não há outra forma
de organização possível.
A privação materna pode tanto levar a um
apelo ao pai como, na falta do pai, ao
objeto fóbico. É a necessidade de colocar
um substituto simbólico onde falta o pai
que leva à fobia.
Perversão
Recusa ou desmentido é a defesa perversa diante
da castração.

Para Lacan, no momento em que a intervenção


proibidora do pai deveria ter introduzido o sujeito
na fase de dissolução de sua relação com o objeto
de desejo da mãe e impossibilitado que ele se
identificasse com o falo, o sujeito encontra na
estrutura da mãe o suporte e o reforço que faz
com que essa crise não ocorra.

Há um retorno que só é concebível a partir da ideia


de negação, porque só pela negação é possível
buscar, justamente naquele a quem falta, um
elemento, uma garantia, da inexistência dessa
mesma falta.
Perversão
Como supor que a mãe possa ser referência para
negar uma falta que, afinal, foi constatada nela?
 Trata-se de um paradoxo que só a posição
perversa pode sustentar.

A mãe, que não tem o falo, dita a lei como quem o


tem. É essa a denegação perversa, que não situa a
mãe nem como aquela que não tem o falo, que é
castrada, nem como aquela que o tem, que é fálica.
A mãe é aquela que não tem, mas... dita a lei como
se tivesse. Assim, na perversão, a negação e a
afirmação recobrem o mesmo ponto. É um curto-
circuito que reenvia a criança à mãe, no momento
em que ela deveria fazer um apelo ao pai.
Perversão
O pai perde sua função de endereçamento da
atribuição da privação materna. Em outras
palavras, “o pai pode continuar a dizer o
que quiser, que isso para eles não fede nem
cheira” (LACAN). Entretanto, para Lacan,
“isso não quer dizer que o pai não tenha
entrado em jogo”.

O fetiche é uma presença que substitui uma


ausência, significando, portanto o triunfo
sobre a ameaça de castração. Um modo de
gozo que aprisiona.
 
Perversão

A castração a ser desafiada é a condição de


gozo.

Dificuldade na análise: aparecimento do


sofrimento psíquico que sempre foi
tenazmente negado.
Perversão
A estrutura perversa permite ao sujeito
brilhar com tal resplandecência, que aquele
que o ouve sente-se sempre mais ou menos
ameaçado.

O saber do analista é posto à prova. O


perverso recusa ao analista o pedestal do
sujeito suposto saber.

Disposição ética para escutar.


Psicose
Lacan retoma a questão da psicose a partir do
mecanismo da Verwerfung freudiana,
denominando-o forclusion.

O termo, em francês, de origem jurídica, indica


o uso de um direito não exercido no momento
oportuno e é utilizado por Lacan para
descrever aquilo que falta no sujeito
psicótico: a castração enquanto ordenadora do
campo simbólico e, consequentemente, de suas
relações com a realidade.
Psicose
Enquanto na neurose a castração sofre
recalcamento e na perversão ela é
denegada, na psicose ela permanece
forcluída para o sujeito.

Fracassa a operação metafórica que introduz


o sujeito no campo simbólico, a operação
por meio da qual, o Nome-do-pai vem
substituir-se ao desejo materno.
Psicose
Não havendo metáfora paterna, o pai não
intervém como lei. É por isso que, para Lacan,
a psicose decorre da carência do pai.
Entretanto, essa carência não deve ser
entendida como a carência do pai na família, e
sim como a carência de uma função.

A consequência é o retorno do que ficou


forcluído, cuja manifestação clara é a
alucinação, assim como o delírio, pois tudo o
que é recusado na ordem simbólica aparece no
real.
Teorização do conceito de estruturas
clínicas na obra de Jacques Lacan
• SEMINÁRIO 3 – As psicoses (1955-56)
• SEMINÁRIO 4 – A relação de objeto (1956-57)
• SEMINÁRIO 5 – As formações do inconsciente
(1957-58)
• ESCRITOS:
- “A instância da letra no inconsciente ou na razão
desde Freud” (1957)
- “A significação do falo” (1958)
- “De uma questão preliminar a todo tratamento
possível das psicoses” (1958)
Outras referências
DOR, Jöel – “Estruturas e clínica psicanalítica”.

FARIA, Michele Roman – “Constituição do Sujeito e


Estrutura Familiar”.
- “Lacan e as estruturas clínicas:
neurose, psicose e perversão”. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=S8YPiO8jdgc

FERRAZ, Flávio Carvalho – “Perversão”.

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