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PSICOSE

COORDENAÇÃO
Tereza Dubeux
“Se não somos capazes de perceber que há um certo
grau, não arcaico devendo ser posto em algum lugar
no nível do nascimento, mas estrutural, no nível do
qual os desejos são, propriamente falando, loucos, se
para nós o sujeito não inclui em sua definição, em
sua articulação primeira, a possibilidade da estrutura
psicótica, então não passaremos nunca de
alienistas.”

Jacques Lacan, Seminário: A

Identificação, 2 de maio de 1962


“ ão é louco quem quer”. Lacan
escreveu este enunciado na sala
de plantão e, ele pode ser lido
como “Só é louco quem pode”.
Introdução
• Estas frases lacanianas prenunciam a postura
psicanalítica diante da loucura: abordar a fisicose
como algo esfiecífico e determinado, que tem sua
lógica e seu rigor.

▪Trata-se de considerar a psicose como uma


estrutura clínica diferente da neurose e da
perversão, sendo a referência ao Édipo e à
castração o divisor de águas entre esses campos
clínicos.

▪Não há uma definição propriamente psicanalítica


da psicose. Coube à psicanálise o esforço de
esclarecer os mecanismos psíquicos que levam à
psicose, através de suas elaborações teóricas.
Para a psicanálise, em especial na abordagem lacaniana, a psicose
é uma estrutura clínica na qual não há inscrição do significante
primordial, o Nome-do-Pai, responsável por interditar a relação
dual mãe-bebê, e operar um corte cujas conseqüências são:

● O reconhecimento da incompletude, da falta, tanto do


bebê
quanto da mãe, e o direcionamento do seu caminhar guiado
pelo desejo.

● O sujeito psicótico é aquele fora-dos-discursos, do laço social.


O fisicóǦico não faz laço, Ele vive em uma realidade firófiria,
narcísica.
A psicose não é um fenômeno novo, pelo contrário, foi
constatado há anos, sendo tratado de diversas formas ao longo
dos tempos. Apesar de se tratar de um fenômeno antigo, nem a
sociedade, nem a comunidade científica, nem a rede de saúde
mental do território e nem a família, no particular, estão
preparadas totalmente para dar conta dessa problemática.

A clínica das psicoses é um campo que demanda acentuado


investimento dos profissionais, inclusive pelo estreitamento
do
limiar normal x fiatológico, o que pode mobilizar naqueles que
não estejam bem trabalhados para este tipo de serviço. Esta
questão do normal e do patológico remete à escolha por uma
concepção de diagnóstico.
O sujeito dito louco não se reconhece como louco
e entende o seu comfiortamento como fierfeitamente
normal e exfilicável em função de seus delírios que
se afiresentam, fiara ele, com um caráter de
veracidade irredutível. Em virtude de sua estrutura,
ele cria uma nova realidade fiara dar conta do que
lhe ocorre intrafisiquicamente.

Freud propõe ser a psicose fruto de um distúrbio


na relação do ego com o mundo e terno, cujo
resultado surge na dinâmica de o sujeito ser
invadido por uma série de fenômenos que ele
concebe como verídico, mas que os outros não
conseguem perceber. São construções delirantes
que visam dar um sentido subjetivo às idéias, aos
sentimentos e às percepções que o invadem.
O QUE É A
PSICOSE?
Em resumo, a fisicose é um firocesso de defesa que se
desenvolve no lugar, e em vez de, uma simbolização não
realizada.

Trata-se de uma organização da subjetividade na qual


Freud vê uma forma específica de perda da realidade com
regressão da libido para o eu e, eventualmente, a
construção de um delírio como tentativa de cura, de
reconstrução da relação com a realidade.

Esse novo lugar em que vai se constituindo o saber da


psicose, coloca gradativamente o sujeito à margem da
realidade, bem como do grupo social. Por conta disto, o
psicótico é banido da sociedade e pode ser levado a
instituições psiquiátricas cujo objetivo versa,
predominantemente, sobre a reinserção social do
psicótico.
Para a psicanálise, a identificação das estruturas clínicas tem
um papel central, em função da influência que elas e ercem
direção do tratamento. Desde o início, o profissional deve
na
chegar a algum diagnóstico, uma vez que isso o ajuda em
termos do lugar que ele deve ocupar frente ao seu cliente e da
melhor forma de conduzir o
tratamento.
▪ Essa questão do diagnóstico não é simples, visto que a
psicanálise não adota uma visão determinista,
classificatória como a que resulta de diagnósticos feitos em
outros campos do saber, a e emplo da medicina e mais
especificamente, da psiquiatria.

▪ A psicanálise compreende que o diagnóstico tem apenas


uma dimensão potencial, hipotética, que só pode ser
confirmada no a fiosǦeriori.
As estruturas clínicas são formas de
organização defensiva do psiquismo para
atuar no mundo frente à falta e à
castração. São o modo singular
encontrado pelo sujeito para lidar com
esses fatos essenciais da vida humana na
especificidade de sua dinâmica familiar.

É importante ressaltar uma diferença


fundamental entre a psicanálise e
a
psiquiatria, no que se refere ao
diagnóstico e às estruturas clínicas:
▪A fisiquiaǦria leva em consideração
quadro
o sintomatológico apresentado
pelo paciente para definir o seu
diagnóstico. Por e emplo, se há ou não
presença de delírios, alucinações,
alterações do curso do pensamento, a
e pressão afetiva, etc., sem, contudo,
singularizar ou se utilizar de
elementos interpretativos que
subjetivem os fenômenos naquele
sujeito específico
A psicanálise preocupa-se com o fator topológico: uma
espécie de organização e lugar que o sujeito ocupa
perante seu desejo e perante à falta, uma vez que se
configura a partir da relação que o sujeito trava com a
função fálica, enfatizando sempre a vivência singular e
subjetiva.

▪O critério de distinção no que se refere à hipótese


diagnóstica é que para a psiquiatria é a presença
de
sintomatologias agrupadas que, por si só, direcionam
sua hipótese diagnóstica. A única possibilidade de obter
algo que se assemelhe ao que pode ser chamado de cura
neste campo do saber, implica a remissão dos sintomas.
▪É significativo o fato de predominar, neste saber, o
olhar para a patologia, dei ando de lado o sujeito em
questão e a sua singularidade.
A psicanálise traz justamente a questão do sujeito como fator
central, defendendo que a sintomatologia não é suficiente para a
determinação da estrutura clínica, tendo em vista que o mesmo
sintoma pode surgir em diversas estruturas. E istem outros
fatores que influenciam, os quais se organizam a partir da
especificidade da configuração de seus elementos.

▪Apsicose é vista como a e pressão mórbida da


tentativa
desesperada que o eu faz para se preservar, para se livrar de uma
representação inassimilável que, à maneira de um corpo
estranho, ameaça sua integridade.

▪O eu fica impotente e, às cegas, amputa uma parte de si mesmo.


Isto significa que uma representação psíquica, já
demasiadamente investida pelo eu, fica privada de qualquer
significação.
Na perspectiva freudiana, a psicose é,
inicialmente, pensada a partir de
refle ões sobre o conflito defensivo em
ação sobre a se ualidade.

. Freud considera necessário investigar


os mecanismos atuantes na dinâmica
relacional do sujeito com o mundo
e terno. Para ele, ocorreria uma
rejeição violenta da representação
inconciliável para fora do eu.

O eu e pulsaria uma idéia que


tornouse intolerável para ele, por ser
dolorosamente investida e, com isso,
separava-se também da realidade
e terna da qual essa idéia é a imagem
psíquica.

Que mecanismos são estes que isolam


o sujeito da realidade, levando-o à
psicose? Qual a relação dos
elementos
edipianos nas psicoses?
A partir de sua primeira teoria das
pulsões e de sua primeira tópica,
retoma
Freud a questão sob o ângulo da relação
entre os investimentos libidinais
(se uais) e os investimentos das pulsões
do ego (interesse) no objeto.

Seu primeiro estudo sobre a psicose, o


caso Schreber, se dá sob esta ótica.
Nesse
momento inicial, ele denomina a psicose
de neurose narcísica em função de um
mecanismo parecido, o narcisismo,
predomina
descrito poraeleretirada da libido
anteriormente, em do
mundo
que e terno e seu direcionamento
para o ego. 14
▪Com a elaboração da segunda tópica, Freud formula as três
instâncias, o Id, o Ego e o Superego, visando demonstrar o
funcionamento do psiquismo.

▪Sustenta que o Id seria a instância formada desde o nascimento,


consistindo em uma instância e igente, cheia de desejos e pulsões e
pouco afeita a influências decorrentes do mundo e terno.

▪O ego estaria localizado na superfície do Id e seria direcionado


para a realidade, buscando a satisfação das necessidades e das
pulsões mediante estratégias admitidas pelo meio social. O ego
teria suas raízes fincadas no Id, recebendo dele sua energia.

▪A função do ego seria, portanto, viabilizar a realização dos desejos,


mediando-os com o mundo e terno.
Já o superego surgiria da censura, em função
das leis e padrões culturais do conte to no qual
está inserido o sujeito. Embora derive do ego,
é independente deste e finca suas raízes no Id,
passando posteriormente, a atuar a partir do
interior.
O superego é moldado a e emplo do superego
dos pais e carrega interdições introjetadas a
partir do processo civilizatório.
As instâncias ideais são o destino da libido
narcisista e desempenham um importante
papel nas psicoses, tendo em vista a
predominância do narcisismo nesta patologia.
É importante diferenciar o ego ideal, o ideal de
ego e o superego para melhor entender a
dinâmica de forças prevalentes no conflito
psicótico. 16
PSICOSE
● Em geral, a psicose implica uma severa deterioração das funções
egóicas de forma a causar prejuízo no contato do sujeito com o
mundo e terno, com a realidade. Nesta estrutura, o Princípio do
Prazer se sobressai, predominando sobre o Princípio de Realidade.
● Com as funções do ego lesadas , o sujeito psicótico mantém um
contato restrito com o mundo e terior, como se este fosse limitado
ao seu universo intrapsíquico de forma que se estabelece uma
dinâmica na qual parece que o mundo é só seu.
● Até então, Freud propunha que, na psicose, mediante o
processo de retirada da libido de objetos e pessoas do mundo e o
seu direcionamento para o eu, sem nenhuma substituição por
outros na fantasia, que tal conteúdo, sendo abolido do interior do
sujeito, retornaria do e terior.
● Quando o sujeito consegue substituir algo, o processo
parece ser secundário e se daria através de construções
delirantes, uma espécie de tentativa de recuperação, de
cura.
● O processo psicótico caracteriza-se por três momentos:
o super-investimento pelo eu de uma representação
psíquica, tornando-a, assim, incompatível com as outras
normalmente investidas, e a rejeição violenta e maciça dessa
representação e a abolição da realidade da qual a
representação era a cópia psíquica.
● A esses dois momentos cabe acrescentar um terceiro
que é a percepção, pelo eu, do pedaço rejeitado, sob a
forma de delírio, ou de alucinação.
● Para Freud, o eu da psicose divide-se em duas partes:
uma rejeitada e perdida, como um pedaço arrancado, e
outra que alucina este pedaço como uma nova realidade.
● Quando um psicótico sofre de alucinações
auditivas, a voz que o insulta é um pedaço errante de
seu eu.
● O processo psicótico começa, então, pela e
pulsão
brutal de um pedaço do eu e culmina com a percepção
alucinada do pedaço rejeitado, transformado
numa nova realidade, numa realidade alucinada.
● No lugar de uma realidade simbólica abolida, aparece
uma nova realidade compacta, alucinada, que coe
iste
no mesmo sujeito com outras realidades psíquicas não
afetadas pelo mecanismo denominado por Lacan,
de
foraclusão e por Freud, de recusa.
● O psicótico não é globalmente afetado por
suas crises, pois, fora dos acessos
delirantes, preserva uma relação sadia com
o seu meio. Inversamente, o sujeito dito
normal pode viver um episódio delirante,
sem que por isso se deva qualificá-lo de
psicótico.
● A marca da psicose é o distanciamento do
eu - que estaria a serviço do Id - e da
realidade, cuja dinâmica do sujeito seria
caracterizada pelo predomínio do Id e não
do princípio de realidade sobre o eu.
● Para o psicótico e para o neurótico, o
movimento retroativo é o mesmo.
E atamente como o sujeito alucinado, o
analisando neurótico ouve a voz de seu
inconsciente, mas a vivência é
radicalmente diferente. 20
● Enquanto o neurótico fica surpreso diante do seu
inconsciente que fala através dele e é involuntário, o
psicótico, por sua vez, repleto de certeza, tem a convicção
dolorosa e inabalável de ser vítima de uma voz tirânica que
o aliena. Lacan condensou a apro imação entre a psicose
e o inconsciente na seguinte frase: "o psicótico é o mártir
do inconsciente, no sentido de ser sua testemunha.” De
fato, quem pode atestar melhor a força irredutível e
devastadora do inconsciente?
● Freud afirma que na totalidade dos casos , das
neuroses e psicoses, o sujeito encontra-se diante da
incapacidade do eu de se defender de uma
representação psíquica intolerável; diferencia no entanto,
seus mecanismos e efeitos sobre a estrutura clínica.
NEUROSE E
PSICOSE
NEUROSE
▪No que se refere à perda da realidade, na neurose, o afrouxamento da
relação com a realidade deve ser visto como uma reação contra o
recalcamento, ou como um fracasso desta defesa.

▪A perda da realidade é secundária ao estabelecimento da neurose,


quer provenha do combate do eu contra o sintoma, quer seja
constituída pela predominância da fantasia sobre a realidade, como
uma espécie de compensação à parte lesada do Id.
NEUROSE E PSICOSE -
LA C A N
▪A apro imação com a linguagem, vão se constituir a partir de
três campos de influência sobre o sujeito: de um lado, o
simbólico, que se organiza como estrutura para dar lugar aos
elementos que se ordenam na dimensão do inconsciente,
representado pelo significante.
▪Do outro, como função, o imaginário, que tem prevalência
no nível do pré-consciente, representado pela significação;
▪E, do outro, o real, que é e atamente o discurso feito
realmente na dimensão diacrônica, histórica, mas inacessível,
impossível de ser apreendido. Trata-se daquilo que e iste,
que produz efeitos, mas que não é nomeável.
NEUROSE E
PSICOSE
● Os mecanismos da neurose, o recalcado e o retorno do
recalcado (o sintoma), são ambos de natureza simbólica.
● Na neurose, o recalcado e o retorno do recalcado são
homogêneos, não há perda da relação simbólica. Todo
sintoma é uma palavra que se articula e que é endereçada a
alguém; ha relação com a realidade.
● O retorno de uma representação ainda é uma
representação que continua a fazer parte do eu. Um sintoma
neurótico é um retorno da mesma natureza simbólica e está
tão integrado ao eu quanto a representação recalcada.
● Não é obturada por uma foraclusão, como na psicose.
● Quanto à psicose, o que ocorre é efetivamente
uma perda. Esta perda, segundo Lacan, não se
trata da realidade e terna, ou dos elementos do
imaginário, mas da própria ordem simbólica.
● Diz ele: “Aquilo que é foracluído no plano
simbólico, retorna de fora sob a forma de real”.
● Verifica-se que há uma alteração de
consistência: o que é foracluído e o que retorna
não são constituídos da mesma argila, o que
sai é simbólico, o que retorna é real. No que se
refere aos mecanismos da psicose, o repúdio ou a
abolição da representação intolerável, aquilo que
é repudiado e o que retorna são de naturezas
profundamente heterogêneas.
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NEUROSE E
PSICOSE
▪A imagem repentina e alucinada não tem nenhuma das
propriedades simbólicas de uma representação: - é captada pelo
eu sem nenhum afeto e percebida com a nitidez de uma
realidade inegável, mas que lhe é estranha.
▪Na psicose, a perda da realidade é primária, constituindo a
própria doença. O desligamento parcial da realidade é o mais
freqüente, servindo de preâmbulo ao desligamento total.
▪O segundo tempo da psicose tem um caráter de reparação: - o
delírio aparece como uma peça que é posta no lugar em que,
inicialmente, produziu-se uma rachadura na relação do eu com
o mundo e terno.
PERSPECTIVA LACANIANA DAS PSICOSES

● O conceito lacaniano de inconsciente foi forjado a partir


da compreensão psicanalítica do fenômeno psicótico.
● Fortemente influenciado pela idéia de automatismo
mental defendida por seu mestre, Clérambault, Lacan
articulou o inconsciente com os fenômenos de
automatismo mental do delirante que leva o sujeito a
produzir uma sucessão de pensamentos, palavras e atos
que lhe escapam.
● O ser falante, psicótico ou não, é um ser falado:
falado por um Outro presente em nós, que nos
transcende para além do nosso querer e do nosso saber
consciente.
● É assim que fala o inconsciente: escapa ao sujeito,
▪O psicótico alucinado, às voltas com vozes
acusadoras, as ouve com a dupla certeza de
que elas vêm de fora e só se dirigem a ele.
▪A partir de 1953, Lacan e plica as psicoses
segundo duas leis: a primeira e plicita a
primazia do simbólico sobre o imaginário
ao dizer que é o significante que e plica,
como causa, as significações.
• Este significante fundamental é o Nome-
do-Pai. Só este significante introduz a
exclusão recíproca que é a diferença entre
as gerações e o interdito do incesto.
▪A segunda lei sustenta que na falta desse
significante, há proliferação de significações
que visam suprir esta falta. 28
PERSPECTIVA LACANIANA DA
PSICOSE
● Essas significações funcionam como muletas imaginárias que,
por um tempo, possibilita ao sujeito compensar a ausência deste
significante.
● Lacan retoma os pontos de vista freudianos sobre o narcisismo,
que alicerça a sua concepção da psicose, e o mecanismo da
foraclusão para construir a sua teoria do fracasso da
instalação
da metáfora paterna como fundamento de todo o
processo psicótico.
● O narcisismo não é apenas a libido investida sobre o
próprio
corpo, mas uma relação imaginária, central nas
relações
inter-humanas: ama-se no outro o que e iste nele
de
A PERSPECTIVA LACANIANA DAS PSICOSES
Para que seja possível compreender nos psicóticos a formação,
ou não, da imagem do eu, efeito do estádio do espelho, é
preciso
situar o ponto de partida num tempo anterior ao nascimento do
sujeito.

▪ A sua história não começa com ele, ela o precede, e esse


período prévio é fortemente responsável por aquilo que será seu
futuro.

▪ Todo sujeito vem ocupar um lugar no mito familiar: esse mito,


cuja importância é demonstrada pelo lugar que ocupará na
fantasia fundamental:

Designa-lhe um papel na sua vida, que determina os discursos


que começam a ser dirigido não a ele, mas ao personagem
queencarna na cena familiar, e que tenderão a constituí-lo como
ele
sujeito.
Esta é a primeira ambigüidade fundamental que o
discurso impõe ao homem: ele traz um nome
escolhido em função desse lugar no qual sua
subjetividade se encadeia (nome pelo qual é
chamado e não seu nome legal).

▪Ao mesmo tempo, é o discurso, que é o lugar da


fala, nesse início, alienante por definição, que
testemunha a inserção daquele sujeito, numa cadeia
significante, única condição de sua inserção
simbólica.

▪ A análise de psicóticos obriga o analista


a
interrogar sobre a essência desse Outro, desse lugar
da fala, a fim de decifrar porque o sujeito só pôde
responder a esse discurso pela alienação. O ego do
psicótico está engolfado numa falha real no Outro,
a mãe.
▪Momento intitulado por Lacan de
Alienação.
Lacan formula a constituição do Édipo em Três
Tempos lógicos:

o primeiro Tempo lógico, a mãe seria o Outro


absoluto, A, que a tudo detém, domina e governa, e o
bebê estaria identificado ao falo, cuja equivalência
simbólica (bebê-falo) já havia sido indicada por
Freud.
Neste âmbito, a função materna seria a
personagem principal da maternagem do bebê, é
quem acalenta, quem sacia todas as suas
necessidades e atribui significações a elas. O
bebê torna-se a concretização do desejo da mãe.
Tanto a mãe atribui a ele este estatuto, quanto
ele próprio se coloca nesse lugar, respondendo a
este chamado. 32
No segundo tempo lógico do dipo, ocorreria a instituição da
simbolização por parte do bebê. Isto é confirmado tanto pela
capacidade da criança de representar a mãe no jogo do carretel – o
famoso fort – da freudiano, como também pela utilização de
fonemas e balbucios, ensaio de palavras num momento ainda
remoto do desenvolvimento. Tais aspectos marcam o momento de
entrada
entrada da criança no mundo da linguagem, do simbólico.

Com a possibilidade da criança simbolizar a mãe, esta atinge o


estatuto de signo, em detrimento do de objeto primordial de onde
até então respondia. A linguagem atua, assim, enquanto
simbólica
mediação que vem cortar a imediatez da dualidade da relação
mãe-bebê.

A entrada do pai imaginário possibilita a entrar neste segundo


tempo lógico do dipo.
A PERSPECTIVA LACANIANA DAS PSICOSES
Esta mediação, no entanto, não se dá por si só. É
necessário
que haja intervenção de um terceiro que venha barrar o
desejo da mãe, bem como o do filho, e que introduza a lei
da interdição, operando um corte na reintegração da
criança por parte da mãe, e impedindo que o bebê continue
a responder do lugar de objeto de desejo
materno.
▪É então que a instância paterna atua como metáfora, cuja
incidência deve advir no próprio discurso da mãe, ou seja,
o significanǦe ome-do-Pai, evocado no discurso maǦerno,
implica que o desejo da mãe se encontra dirigido também
para outro lugar, além do bebe, e que ela própria é
submetida a uma lei.
O significante ome-do-Pai não apenas demarca
uma lei para a mãe, mas perpassa o discurso
materno e atinge a criança que se apercebe que
também ela está submetida a uma lei. O
ome-do-Pai é o significante que viabiliza
a
simbolização da mãe.

Em suma, num primeiro tempo lógico, a mãe ocupa o


lugar de Outro absoluto (a alienação) e, em seguida,
o ome-do-Pai vem interditar esse Outro
onipotente, instalando a lei em seu lugar, mediante
uma nova configuração, permitindo a entrada da
criança no simbólico.

O falo, que ocupava o lugar de objeto imaginário do


desejo da mãe, atinge o estatuto de significante do
desejo do Outro e, a partir de então, inscreve-se a
castração no Outro e o inconsciente se constitui
barrado.
Neste conte to, a metáfora paterna convoca a
significação do falo no imaginário do sujeito. O fato do
falo assumir o caráter de significante se dá ao preço
do seu desaparecimento. Sendo assim, a castração
simbólica tem conseqüência o surgimento do falo como
falta no imaginário.

O significante do falo permite ao sujeito conferir


significações aos seus significantes, bem como se situar
no universo simbólico e na partilha dos sexos como
homem e como mulher.

O sujeito sai, assim, de um lugar, no qual ele estava


identificado ao falo, para uma posição de falta-a-ser, na
qual será confrontado pela dialética não mais do ser
ou não ser o falo, mas do ter ou não tê-lo.
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O terceiro tempo lógico proposto por Lacan remonta ao declínio
do Comple o de Édipo, no qual o sujeito, o menino, por
e emplo, assumiria a posição de ter o falo, podendo se
apropriar
de várias significações de seu pênis, provisoriamente
confundido com o
falo.
A inscrição do significante Nome-do-Pai propicia o advento do
significante do desejo, baliza a entrada do sujeito no simbólico e
o desenrolar de sua cadeia significante no inconsciente, que
remete a questões referentes à e istência, ao se o e à diferença
das gerações.
Na psicose, a inscrição do Nome-do-Pai não se instala e o
sujeito
fica colado à mãe que continua a ocupar o lugar de Outro
absoluto. A autre
A operação do Nome-do-Pai é o fenômeno que propicia
a significação fálica que, por sua vez, permite a significação
desejo da mãe: o falo é o significante do desejo materno e
do
uma
referência do gozo fálico.

Como no sujeito psicótico não se inscreve este fenômeno, é


possível pensar que ele não deseja, pois não se reconhece em
falta, permanecendo eternamente submetido à ilusã o de
completude e aos caprichos e desejos de sua mãe, como um
apêndice da mesma.

Não se trata apenas de não reconhecer o Nome-do-Pai, e sim de


sua exclusão. Não é algo que o psicótico nega, pois até para
negar é preciso que haja um reconhecimento, como se dá com
op erverso. Trata-se de uma abolição simbólica.
Esse processo de exclusão do ome-do-Pai recebe
n
o ome de foraclusão, Tornando-se o mecanismo por
excelência da psicose.

A foraclusão equivale à abolição da lei simbólica,


favorecendo, no psicótico, distúrbios no mundo dos
discursos. O que ele fala, é.

Não faz metáfora, o significante vem colado à palavra e


assume um estatuto de verdade absoluta em
contraponto à dúvida inerente ao neurótico.

O psicótico assume uma posição estrutural de objeto de


uso e de gozo do Outro não barrado em função da não
inscrição do significante do Nome-do-Pai.
Para adquirir o estatuto de sujeito, sujeito da
linguagem, do inconsciente e do desejo é
preciso pagar um preço ao valor do Édipo e, a
partir de então, estar fadado a cumprir a
sentença da falta, da castração simbólica.

Não pagar este preço de comprometimento


simbólico leva ao campo das psicoses.

Em função da falha no advento da metáfora


paterna, em decorrência da foraclusão do
Nome-do-pai uma série de problemas
acontecem na vida do psicótico. Dentre eles, as
alterações psíquicas que, em grande parte,
decorrem de alterações da percepção ou do
pensamento. Seriam as alucinações e os
delírios comuns aos transtornos psicóticos.
MÃE-BEBE -
A relação mãe-filho não espera o parto para acontecer:
o ponto de partida dessa relação remonta ao momento
em que começa sua história biológica, na fecundação.

Esse momento é definidor do lugar que a criança


ocupará, enquanto objeto de desejo, no inconsciente
materno.

O início da gravidez coincide com, ou acentua, a


instalação de uma relação imaginária na qual a criança
não é representada pelo que é na realidade, um
embrião em vias de desenvolvimento, mas por um
corpo imaginado, um corpo completo e unificado,
dotado de todos os atributos necessários para isso.

É sobre essa imagem, suporte imaginário do embrião


que se despeja a libido materna. Durante a gestação,
há, portanto, de um lado, no nível biológico, esse lento
devir que transforma a célula em ser humano.
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Por outro lado, no plano relacional, essa célula, desde o
começo, é representada pelo corpo imaginado que
acompanha e precede a criança.

A possibilidade dessa primeira inserção da criança no


imaginário materno enquanto “corpo imaginado”,
testemunha o fato de que a mãe pode simbolizar seu
discurso em torno de um
humana na correspondente
significante qual ela própria se insere,
à mas que reconhece
ordem
como lhe sendo pré-e istente e independente de sua própria
e istência.

Essa dimensão histórica materna é indispensável para que o


sujeito seja reconhecido como um elo que vem se inserir
numa cadeia significante da qual ele é o fim e cujo
prosseguimento ele tem que garantir.
A mãe do psicótico não é alguém que faz a lei, ela é a lei.
Esse tipo de mães poderiam ser chamadas de fora de lei
e não de mães fálicas.

Mulher fálica é um sujeito para quem o falo e fazer a lei


são duas entidades indissolúveis: é porque se
identifica
com o homem que a possui, que ela entra em conflito de
rivalidade com ele, tentando impor-lhe sua lei.
No entanto, no plano social, essas mulheres são hiper-
rígidas: reconhecem a lei fálica e procuram
apropriar-se dos emblemas reconhecidos por essa lei.

Com as mães de psicóticos, as coisas são de uma ordem


completamente diferente: jamais aceitaram as regras do
jogo e nem os compromissos correspondentes. Elas
estipulam suas próprias regras.
Se elas não são psicóticas, se suas defesas lhes
permitem um tipo de aparente adaptação ao
por outro lado, a própria ahistoricidade delas,
real,
sua má inserção social, suas e clusão na ordem
da lei é algo sempre presente.

É provável que o filho seja o fator desencadeante


de uma brusca descompensação ao nível das
suas defesas; isto e plicaria porque é
na relação com seus filhos que se concretiza
justamente
aquilo que nelas é da ordem de uma perversão
nível
ao da lei.

Por outro lado, o filho lhes permite tamponar essa


mesma brecha fazendo do corpo da criança o
escudo que acolhe e fixa qualquer emergência do
recalcado mal concebido. Esse tipo de mulher
é a que tem uma relação com a criança real,
única
enquanto embrião, durante a gestação.
O embrião é a testemunha de que a mãe é a lei, de
que não tem nenhuma simbolização possível, fálica
ou não, nem nenhum emblema através do qual seja
possível reconhecê-la e nomeá-la.

Não tem outro ponto de referência a não ser a de


uma onipotência, que pretende manter através da
prova de sua eficácia, a manutenção da e clusão e do
não reconhecimento de tudo quanto for da ordem
da lei simbólica.

O que é narcisicamente investido ao nível do


embrião é o significante da onipotência materna,
que marca a mãe enquanto ser humano em sua
relação com a lei.

A presença dessa única relação implica para o filho


uma primeira castração maciça; tudo o que, em
seu corpo lembrar a contribuição paterna, é 45
negado e anulado.
Em primeiro lugar, tudo aquilo que poderia fazer lembrar
que ele é fruto de uma união se ual e que, enquanto ser
se uado, ele é também filho do pai.

A foraclusão do Nome-do-Pai tem aqui sua origem .

A gravidez pode, nesse sentido, ser causa de um retorno


maciço do recalcado, retorno que, se não acaba numa
psicose, torna psicogênica sua relação com a criança.

Parece e istir para essas mães um tipo de impossibilidade


para representar imaginariamenta a criança que virá: a
relação parece dar-se entre a mãe e uma massa no interior
de si mesma, uma espécie de enchimento corporal, de
órgão acrescentado que, nela, e graças a ela, se
desenvolve.
Se normalmente a presença do corpo imaginário é o que
permite, desde o início, um investimento libidinal da
criança
enquanto corpo do
desinvestimento separado, nesse
narcisismo caso, da
em favor assistimos não a mas
futura criança, um
a um e cesso de investimento narcisista daquilo que é sentido
como uma produção endógena, como algo que se acrescenta
ao
próprio corpo.

Parece e istir, para essas mães, um tipo de impossibilidade para


representar imaginariamente a criança que virá. Todo
investimento é feito em si mesma, sendo a criança apenas um
pedaço de seu próprio corpo.
No plano da dinâmica libidinal esse “corpo
real” aparece, então, como um simples
prolongamento
narcisismo materno.
do

• Razão porque o parto corre o risco de ser vivido


como uma e periência de luto, a perda insuportável
de um objeto investido narcisicamente, podendo
causar uma psicose puerperal.

O “corpo real” da criança não terá outro


reconhecimento, ou outra razão de ser, se não
permanecer testemunha da onipotência da função
materna.

Por essa razão, esse investimento só pode recair


sobre aquilo que na criança é suporte e meio da
demanda e jamais do
desejo.
O cuidado com o estado dos órgãos, o bom
andamento das funções que ela controla, lhe
asseguram a onipotência.

▪Antes de ser um corpo despedaçado, criança


éa um corpo feito de pedaços, pois só assim
pode continuar como testemunha da lei
materna: separada da mãe espacialmente,
permanece indissoluvelmente ligada a ela ao
nível daquilo que é da ordem biológica, da
funcionalidade.

▪ Neste conte to, só a metáfora


paterna
convocaria a significação do falo no
imaginário do sujeito, permitindo o corte
com relação dual com a mãe.
esta
A constituição do sujeito humano é inerente à
relação com a sua imagem. Essa imagem é a base da
formação do seu eu.

▪ Assim, por um lado, a imagem lhe


permite
diferenciar sua própria imagem da imagem
do
outro; por outro lado, evita a luta erótica,
ou
agressiva, provocada pelo conflito não intermediado
de um com o outro, no qual a única escolha possível
é “ele, ou eu”. Nessa ambigüidade essencial, em que
pode estar o sujeito, a função do terceiro é a de
regular essa instabilidade fundamental do equilíbrio
imaginário com o outro.

O encontro com o ego especular é descrito por seu


caráter jubilatório: aquilo que surge no espelho é
essa imagem na qual me vejo com o corpo inteiro, 50
FASE ESPECULAR

Ao assumir o corpo imaginário como minha imagem, investindo


sobre ele a minha libido, ele se torna meu ego ideal, suporte de meu
narcisismo. A partir daí, será ele que terá que me assegurar que
meu corpo ex iste como outra coisa independente e não apenas
um continente de necessidades vindas de outro lugar.
▪O que permite esse reconhecimento é o movimento através do qual
a criança se volta para aquele que a sustenta para pedir o seu
consentimento. Através do viés do reconhecimento do Outro, que a
criança se reconhece.

▪ Desde o início, a criança foi reconhecida como corpo imaginário,


por esta razão ela pode reconhecer no ego especular seu ego ideal.
O ego especular já é um objeto cobiçado por ser investido
pela
libido materna.
▪ Transforma-se, então, em ego ideal (objeto do
primário).
narcisismo
É preciso considerar que essa imagem do ego ideal é ilusória
pois, nesta época, a criança ainda é imatura em sua
motricidade e depende do Outro para poder perceber-se como
inteira.
▪Com o psicótico passa-se outra coisa: o que ele vê no
espelho
o deix ará para sempre siderado de terror, pois o que lhe
aparece é seu corpo tal como é em sua realidade é visto pelo
Outro: Um conjunto muscular mantido unido, pelos braços
que o sustentam: o que se desenha no espelho é ela mais o
Outro, porém o Outro enquanto agente da castração e ele
como lugar dessa
castração.
▪ O que o espelho lhe remete, indefinidamente, é ele
enquanto
lugar da castração. É preciso acrescentar que aquilo que se
reflete no espelho enquanto ego especular, fecha, para
sempre, para o psicótico, toda possibilidade e toda via de
identificação.
A ESTRUTURA PSICÓTICA E O EGO
ESPECULAR

▪A foraclusão desse mecanismo essencial é


que
o estruturalmente caracteriza o fenômeno
psicótico enquanto tal.

▪Qualquer relação imaginária com o


por se apoiar sobre o ego especular, se torna
Outro,
impossível e como toda assunção do desejo
pressupõe a identificação do eu com seu ego
especular, será o desejo que estará para
sempre interditado para o psicótico: é essa
dialética insolúvel que está na
base
relação dessa
com o seu real.
A partir desse momento, o sujeito terá duas
percepções possíveis:

▪ a nível da demanda percebe uma dimensão


de realidade bruta, que nega ao objeto
qualquer significação libidinal, chocando-se
com ele e reconhecendo-o ao modo de um
cego ou percebe e clusivamente seu valor
significante, mas esse valor é tal que não
pode ordenar a realidade que o cerca, de
qualquer modo que seja.

▪ A psicose ensina que, na falta


do
significante, o real emerge plenamente em
sua condição de estar fora do processo de
significação. O mundo aparece como
estranho e o sujeito fica colocado numa
relação contígua à própria cadeia
significante.
Conseqüências:

1. Não se realiza a metáfora paterna, e


ao não se constituir a condição básica
para o
recalque primário, o psicótico se vê
radicalmente impossibilitado de usar a
linguagem em sua dimensão simbólica
(sofre o rebote real da linguagem),
tornando-se impossibilitado de negar algo
no plano de um discurso onde tudo se
afirma para ele.

2. Outra conseqüência: o mundo dei a


de ser um mundo de aparências,
perde-se a
Estabelecem-se
representação dasas coisas
condições para
e a imagem
os fenômenos
fornecida alucinatórios.
pelo fantasma desaparece. 56
3. Após o mergulho na loucura, começam a aparecer
manifestações produtivas, que mostram a
importância com que esses doentes investem nas
palavras numa tentativa vã de cura e de
reconstrução do mundo. Esta reconstrução, que
pode se ocupar dos mais variados temas, busca dar
uma significação a esse novo mundo.

4. O sujeito recebe as mensagens de forma


imperativa, favorecendo os fenômenos de passagem
ao ato. Cada significante se transforma isoladamente
num enigma para o psicótico, podendo ter uma
quantidade inumerável de significações e produzir os
graves distúrbios de linguagem da psicose.
A INJUNÇÃO – APELO AO NOME-DO-
PAI
▪ Diferentemente do neurótico que resolveu confiar
na função paterna e está referido a um saber
organizado ao redor de um pólo central ao qual se
devem e se medem todas as significações, falta ao
sujeito psicótico uma amarragem, uma organização
centralizada do seu saber que lhe dê as significações
do mundo.

▪ O certo é que não haverá uma significação que seja a


mesma para todos os psicóticos, como a fálica é para
os neuróticos.
▪ O desencadeamento de uma crise é
relativo a uma injunção, alguma
coisa chega ao sujeito fazendo um
apelo a uma referência à função
paterna.

▪ Referir-se a uma função paterna


significa organizar-se como sujeito
e obter sua significação de sujeito
em relação a uma amarragem fi a,
central, que organizaria seu saber
59
No momento em que a injunção chega, o que era um
saber para o psicótico entra em estado crepuscular,
não vale mais. O sujeito, mesmo quando entra nesse
estado
crepuscular, fica sem nenhum tipo de significação. Para
entendermos melhor:

1. O saber do sujeito psicótico fora de crise está


organizado de uma forma específica, segundo
referências imaginárias, sem uma amarragem
central homóloga à função paterna na neurose.

2. Uma injunção não negociável bate no sujeito,


e igindo que ele se refira a uma função paterna.
3. De repente o seu
saber se crepusculariza e a
forma
específica desse saber
aparece
como falta no simbólico
da
instância evocada pela
injunção:
foraclusão, ou abolição da função
paterna.
função mesma que eles são
chamados a ocupar não está
4. simbolizada
Os pelo sujeito.
significantes evocados O
psicótico constrói falam
pela injunção a metáfora
no
real porque
delirante, como umaatentativa de
substituir a metáfora paterna.
5. Essa metáfora é considerada delirante,
não pelo fato de ser inverossível, mas por uma
razão estrutural, pois o lugar central
dessa amarragem não está simbolizado
por ser algo que não estava no saber do
sujeito e que vai ficar no real.

É importante considerar que o que é foracluído


é a função organizadora do Nome-do-Pai, é a
amarragem enquanto tal, não é que o paciente
psicótico não disponha de significantes para
falar de seu pai, de sua família, que não e
istam significantes relativos ao quadro
edípico.
O problema é que esses significantes não têm a
função de amarragem central como na
metáfora neurótica. 62
▪Trata-seda foraclusão de uma função: o que vai
falar no Real e não está simbolizada é a função
paterna. Por e emplo, o que vai produzir-se no Real,
sob a forma de alucinação auditiva, é a função
paterna.

▪ Essafunção paterna vai surgir com significantes que


já estavam no saber do sujeito. O pai com o qual o
psicótico vai lidar no Real para poder constituir uma
metáfora delirante, não é um pai abstrato, surge a
partir da constelação significante paterna inerente à
sua dinâmica familiar.
A INJUNÇÃO, UM APELO AO NOME-DO-PAI

O fato de haver foraclusão do Nome-do-Pai para um


sujeito psicótico não implica que não haja
uma
história de uma certa forma edípica, o problema é
que essa história edípiana não produziu
uma
metáfora do tipo neurótico. Os
significantes
paternos dessa história fazem parte do saber
do
sujeito como qualquer outro significante. O que não
é simbolizável é a função central desse significante.

▪É porque essa função central vai ser imposta por


alguma injunção que esses significantes vão
voltar para o sujeito no Real.

▪A metáfora delirante é uma metáfora para- 63


Esquizofreni
a

64
§ Segundo Freud, a esquizofrenia é uma entidade
clínica que se distingue, no interior do grupo das
psicoses, por uma fixação numa fase muito precoce
do desenvolvimento da libido; por caracterizar-se
por uma desarticulação das diversas funções
psíquicas e por um mecanismo particular de
formação dos sintomas:

● O investimento e cessivo das representações da


palavra, ocasionando transtornos da linguagem e
das representações de objeto, causando as
alucinações.

65
Alguns de Psicose - Esquizofrenia

Tanto Freud quanto Lacan dedicaram poucos trabalhos teóricos relativos à


esquizofrenia:
● Foi apenas por motivos de estrutura que Freud foi levado a
conservar a unidade clínica da esquizofrenia no campo das psicoses, e
também para distingui-la da paranóia. Ele questionava a pertinência
deste termo para designar esta patologia.
● O mecanismo do recalcamento era visto como o mesmo nos dois
casos. A diferença entre os dois campos consistia na principal
característica da psicose, o desapego da libido do mundo e terior e sua
regressão para o eu (não como um mero objeto fantasmático como nas
neuroses).
Esquizofrenia - Freud e
Lacan
Freud distingue a esquizofrenia da paranóia por suas características:
por um lado, a localização diferente da fi ação predisponente e, por
outro, a um mecanismo diverso do retorno do recalcado ( a formação
dos sintomas).

O que ele entende por isso?


▪ Inicialmente, sempre há um investimento, pelo sujeito de um objeto
se ual, um apego da libido a um objeto. É, em uma perspectiva fálica
imaginária que o sujeito aborda a realidade; a satisfação que obtém dela,
mesmo que seja sempre limitada, depende, em compensação, de
determinações simbólicas inconscientes.
Esquizofrenia - Freud, Lacan e a
análise
Essas manifestações sintomáticas, que se toma, em geral, pela
doença, são, para Freud, “tentativas de cura”.
▪Na esquizofrenia, levando em conta a evolução menos favorável do que
na paranóia, Freud deduz que a regressão não se limita a atingir a fase
do narcisismo (que se manifesta no delírio de grandeza), mas que ela
vai até o completo
abandono do amor objetal e o retorno ao auto-erotismo infantil.
▪O segundo critério que distingue a esquizofrenia da paranóia, para
Freud, refere-se à natureza do mecanismo posto em ação na formação
dos sintomas.
Esquizofrenia - Freud, Lacan e a
análise
● Na esquizofrenia, a tentativa de cura não utiliza o mecanismo da
projeção nem do delírio, como na paranóia, para tentar reinvestir os
objetos, mas o da alucinação. Além disso, Freud acrescenta o
investimento e cessivo nas palavras que corresponde aos transtornos
de linguagem observados na esquizofrenia.
● Alguma dessas alterações da linguagem tais como:- confusão entre
significante e significado em que se inscreve o não acesso do sujeito à
ordem simbólica, como no discurso decorado e no uso inadequado
de palavras que o sujeito não entende. É comum também o uso de
neologismos, a desorganização sintática, o caráter rebuscado e maneirista
da expressão verbal e outras extravagâncias.
Esquizofrenia - Lacan
● Lacan fez alguns progressos no estudo desta psicose, ao poder
contar com os instrumentos da lingüística moderna. O progresso
feito por ele, leva em conta a referência à cadeia significante e
sua tese de que o inconsciente é estruturado como uma
linguagem.

● Assim, a perda do poder metafórico das palavras poderia estar


relacionado com uma carência fundamental, que constitui a
definição da psicose: a falta da metáfora paterna. De fato, só
esta metáfora permite transpor as coisas da ordem real para a
ordem simbólica, tornando o sujeito humano capaz de lidar
com sua ausência, ou seja, com a sua presença simbólica. A
esquizofrenia ilustra esse poder de irrealização.
● Perturbações no triângulo edipiano – a foraclusão do Nome-do-Pai
promove a substituição do triângulo edípico por uma relação bi-polar
que tende a auto-anular-se: o sujeito ocupa o lugar do pai que é e cluído,
tendendo a fundir-se e a confundir-se, com a mãe.
● É como se houvesse o desejo de ser pai de si mesmo com a própria
mãe. Por essa razão, trata-se de um pseudo triângulo edipiano.
● A esquizofrenia ilustra esse poder de irrealização pela
importância da irrupção do símbolo no Real, sob a forma de cadeia
alucinatória. Lacan chega a afirmar que, para o esquizofrênico, todo
símbolo é real.
A
Paranoia
P A RAN OI A - DEFINIÇÃ O E
HISTÓRICO
▪A paranóia é uma psicose ▪ A grande contribuição
que se caracteriza por um da psicanálise ao
delírio estudo da
sistematizado em que
predomina a interpretação, e paranóia foi pôr
pela ausência de em evidência os
enfraquecimento intelectual. mecanismos psíquicos que
estão em jogo nessa
▪ Freud inclui na paranóia os psicose e a parte
delírios de perseguição, a irrefutável da psicogênese
erotomania, o delírio de ciúme na sua etiologia.
e o delírio de grandeza.
Paranoia - Hipótese Freudiana
● Freud considera a paranóia como uma irrupção de uma corrente
auto erótica, como um retorno a uma situação infantil, modificando
suas teses anteriores.
● No caso Schreber, ele evidencia três vias próprias à paranóia: a
função da projeção, a homossexualidade e o papel da fixação no
eu.
● Quanto à homossexualidade, constata que o perseguidor do delírio
paranóico é sempre uma pessoa amada e do mesmo se
● Na projeção, uma percepção interna é recalcada e seu conteúdo,
após sofrer uma deformação, retorna ao consciente sob a forma de
uma percepção vinda do mundo externo.
● No delírio de perseguição, a deformação consiste na
transformação do afeto: o que deveria ser sentido como amor é
percebido
externamente como ódio.
Paranoia - Hipótese Freudiana

● Essa projeção possibilita ao sujeito evitar assim o perigo no qual o


colocaria a irrupção, em sua consciência, de seus desejos
homosse uais.
● Perigo considerável, devido à fi ação desses doentes na fase do
narcisismo, o que faria da ameaça de castração uma ameaça vital de
destruição do eu.
● O delírio surge, portanto, como um meio para o paranóico
assegurar a coesão do seu eu, ao mesmo tempo em que
tenta reconstruir o seu universo.
● Ressalta, ainda, que a projeção não desempenha o mesmo papel em
todas as formas de paranóia, nem se manifesta e clusivamente no
curso da paranóia.
Paranoia - Hipótese Freudiana
● Sustenta que quatro tipos de funcionamento da projeção permitem
distinguir os grandes tipos clínicos da paranóia:
● a persecutória, a de ciúmes, a erotomaníaca e a megalomaníaca,
que correspondem respectivamente aos deslocamentos do verbo,
do sujeito e do objeto do enunciado e à totalização da enunciação
implicitamente formada pelo paciente.
● Como e emplo, ele cita o enunciado de base homossexual: “eu, um
homem, amo um homem”; primeiro sua negação: “eu não o amo,
eu o odeio”, depois a inversão das pessoas: “ele me odeia”.
● No entanto, a projeção não fornece o fundamento da doença. Para
chegar a ele, é preciso referir-se à interrupção do desenvolvimento
libidinal que é a fix ação do sujeito no eu.
Paranoia - Hipótese Freudiana

● A problemática da identificação foi reconhecida, por Freud, como


móbil do processo paranóico. Essa questão remete à própria gênese da
identidade, a essa matriz de identificação que é a integração num
mesmo corpo, das zonas erógenas anteriormente dispersas.
● Na tentativa de entender o papel dos desejos homossexuais na gênese
da paranóia, Freud propõe um estádio em que a libido atravessa no
curso de sua evolução do auto erotismo até o amor objetal, chamado de
narcisismo. Esse estádio consiste na reunião, pelo indivíduo, das
pulsões se uais numa unidade que toma, em seguida, a si mesmo, ao
seu próprio corpo, como objeto de amor antes de passar à escolha de
uma outra pessoa como escolha objetal.
Paranoia - Hipótese Freudiana
● É essencialmente em torno da relação erótica homosse ual e de um
ponto de fragilidade que se encontraria em algum lugar das fases do
auto erotismo e do narcisismo que Freud fundamenta sua e plicação da
paranóia.
● Essa referência ao narcisismo será melhor esclarecida a partir de 1914,
quando ele distinguirá mais claramente a libido de objeto da libido
narcisista. Colocará a psicose, em seu conjunto, ao lado do narcisismo.
Tanto nos esquizofrênicos quanto nos paranóicos, ele pressupõe um
desaparecimento da libido de objeto, em favor do investimento do eu e
o delírio teria como função reconduzir a libido ao objeto.
● Ao tomar a si mesmo como objeto de amor, os órgãos genitais
desempenham uma atração importante. A etapa seguinte conduz à escolha
de um objeto dotado de órgãos genitais semelhantes aos próprios: à
escolha homosse ual de objeto. Só mais tarde, é possível fazer uma
escolha heterosse ual.
Paranoia - Hipótese Freudiana

● Freud vai chamar a atenção para o papel desempenhado pelo pai na


paranóia. Analisando o caso Schreber, diz que o pai aí intervém
como um objeto de fi ação homosse ual. Diz, ainda, que se essa
relação se enraíza numa fi ação narcísica, que ocorre na medida em
que esse pai foi, para ele, um objeto de amor, um objeto libidinal.
● Com a introdução dos conceitos de superego e da pulsão de morte, a
clínica e a teoria da paranóia consolidam a importância do pai e a
sua articulação com a gênese do social. Se o grande homem é um
substituto do pai, como Freud coloca em “Moisés e o Monoteísmo”, é
possível admitir o papel que o superego desempenha na psicologia
coletiva. Neste te to, Freud evoca o nome do pai, mas é Lacan que
define a sua função.
Paranoia - Perspectiva
Lacaniana
● Retomando os te tos freudianos, Lacan introduz um dado essencial
para compreender o que Freud chama de “comple o paterno” no
neurótico, e o que o distingue daquilo que é encontrado no
psicótico, esclarecendo, ao mesmo tempo, o que significa a pretensa
homosse ualidade do paranóico.
● Esse novo dado é a metáfora paterna, ou a função simbólica,
designada sob o termo de Nome-do-Pai, que convém distinguir
do pai real, pelo fato de que ela resulta do reconhecimento, por
uma mãe, não apenas da pessoa do pai, mas, sobretudo, de sua
palavra, de sua autoridade, do lugar que ela reserva à função
paterna simbólica, na promoção da lei.
Paranoia - Perspectiva
Lacaniana

● Com a formulação da metáfora paterna, Lacan confere


ao pai uma certa transcendência. No paranóico, a
metáfora paterna não funciona. Nele, entra em ação o
mecanismo próprio às psicoses, a foraclusão. No lugar
do
Nome-do-Pai há um furo, que produz, no sujeito, um furo
correspondente no lugar da significação fálica. Quando
ele é confrontado com essa significação fálica, entra na
mais completa confusão.
Paranoia - Perspectiva
Lacaniana
● Baseando-se na leitura freudiana do caso Schreber,
Lacan diz que o Freud chama de homosse
ualidade, trata-se, mais e atamente, de uma
posição
transe ual, isto é, de uma feminilização do sujeito,
subordinado não ao desejo de um outro homem,
mas à relação que sua mãe mantém com a
metáfora paterna e com o falo.
● Nesse caso, que é de foraclusão da metáfora
paterna, a criança é tida como sendo esse falo
materno. Este fato permite concluir que “à falta de
poder ser o falo que falta à mãe, resta-lhe a
solução de ser a mulher que falta aos homens, ou
Paranoia - Perspectiva Lacaniana

● A foraclusão da metáfora paterna interdita assimilar este ser


a mulher a uma posição feminina na homosse ualidade, ou
àquela mais geral do Édipo invertido. A ameaça de castração,
neste caso, faz falta completamente ao paranóico.
● O pai de Schreber ilustra bem como foi possível ser uma figura
imponente e respeitada na realidade e, ao mesmo tempo, pelo
fato de se prevalecer de uma posição de legislador ou de
servir a uma obra, estar em posição de fraude em relação a
esses ideais, isto é, de e cluir o Nome-do-Pai de sua posição
no significante. Enfim, de e ercer sua função paterna
simbólica.
Paranoia - Perspectiva Lacaniana
● A vertente paranóica das psicoses se caracteriza pelo
desnudamento da relação imaginária apaionada do sujeito com o
seu eu, tal como se constituiu para cada ser humano na fase do
espelho.
● A imagem especular de eu é o objeto de uma paixão erótica e
agressiva, ao mesmo tempo em que ela tende a se tornar autônoma,
sob a forma de perseguidores. Essa imagem pode ver seus
próprios elementos se dissociarem.
● O narcisismo não é apenas a libido investida no próprio corpo,
mas uma relação imaginária central nas relações humanas: ama-se
no outro o que e iste nele de identificação erótica, representando
toda a tensão agressiva. É a manutenção de uma relação
imaginária com o semelhante que separa a paranóia da
Paranoia - Perspectiva Lacaniana
O que quer dizer significante fálico?

● O Nome-do-Pai é o significante ao qual é


atribuída a introdução do falo como
significação última do desejo do Outro. O
falo inclui a dimensão de falta no simbólico e
um lugar possível para o sujeito.
● O sujeito paranóico se vê privado do gozo
desse lugar, quando se acha engajado
em uma situação real que implique o pai.
● Trata-se, para Lacan, de formalizar a
incidência dessa carência do Nome-do-Pai
sobre a estrutura do inconsciente.
Paranoia - Perspectiva Lacaniana

● Visando a elaboração do processo paranóico, Lacan formulou a


confrontação de dois diagramas , dos quais o primeiro, o diagrama
da normalidade, insere o campo da realidade entre os domínios
respectivos do imaginário e do simbólico e o segundo, permite
assistir à deriva das posições anteriormente fi adas em torno das
faltas em que se consomem o falo imaginário e o pai simbólico.
● Ao apresentar seus “Escritos”, em 1966, Lacan escreveu que foi com
sua tese de 1932, sobre Aimée, que ele introduziu a noção de
conhecimento paranóico
Paranoia na Perspectiva Lacaniana

● Para ele, o conhecimento é


essencialmente da ordem
da visão e a bipolaridade
ver-ser visto é de ordem
paranóica. O ego humano
se constitui por
identificação graças à
visão do objeto e conforme
a mesma bipolaridade. O
ego tem, portanto, uma
estrutura paranóica.

● Para definir este


conhecimento, é preciso
distinguir cinco traços
fundamentais: 96
1. Visibilidade: De acordo com a fase do espelho,
é pelo olhar da criança que a imagem do
corpo do outro funda a imagem unificada do
corpo próprio para além do despedaçamento.
A partir da fase do espelho, Lacan inventa a
noção de comple o de intrusão, situado entre
dois comple os freudianos: o de desmame e o
de Édipo.

2. Unidade e Fixidez
A intrusão do semelhante funda a unidade do
eu em seu narcisismo de objeto unificado.
Há confusão entre identificação e amor de
si.
Confusão que deve ser mantida para a
estabilidade da personalidade. O
conhecimento humano está sob o signo da
estagnação das formas corporais: estrutura
que constitui o ego e os objetos sob os
atributos de permanência, de identidade e de
substancialidade.
3. O esquecimento de si

A estrutura do ego é paranóica: o sujeito nega a si mesmo e


responsabiliza o outro. Ele se desconhece, como é fácil
observar no transitivismo da criança; “Não sou eu, é ela”.

4. O objeto do desejo

O conhecimento paranóico institui uma tríade imaginária do


outro, do eu e do objeto. O interesse por um determinado
objeto nasce a partir do desejo do outro por este objeto.
Assim, uma alteridade primitiva está inclusa no objeto, uma
vez que ele é primitivamente o objeto de rivalidade e de
concorrência. A competição, a rivalidade, o ciúme são a
gênese e o arquétipo dos sentimentos sociais.
5. Um duplo movimento

O traço decisivo mas problemático da paranóia é a manutenção de uma


bipolaridade irredutível. Há, ao mesmo tempo: - inclusão, com fascinação
e alienação na imagem do outro por identificação; e – e clusão
recíproca: “É você ou sou eu”. Cada pólo remete sem fim ao seu
contrário.

Esses cinco traços definem o que Lacan vai chamar de relação imaginária,
nem simbólica, nem real. No entanto, acontece que o último traço é
deficiente: há inclusão com captura da imagem do outro, mas a exclusão
recíproca está ausente. Psicose sem delírio ou pré-psicose?
Paranoia - Perspectiva Lacaniana

● A Erotomania, uma das formas de delírio da paranóia, é uma posição


delirante que consiste na convicção de ser para o outro um objeto de
amor sensual.
● Psicose de prevalência feminina, a erotomania apresenta um aspecto
clínico que corresponde a um quadro rigoroso que se organiza em
torno de um postulado fundamental: é o objeto que começou, é ele
quem mais ama, que ama sozinho (em geral, o objeto é alguém que
ocupa um posto elevado); a esse postulado se associam temas
diversos dele derivados: o objeto não pode ser feliz sem o amado, o
objeto é livre, seu casamento não é válido, etc. que indicam uma
conduta parado al do objeto.
Paranoia - Perspectiva Lacaniana

● Longe de ser provocada pela benevolência do objeto, a especulação


erotomaníaca começa e se alimenta das marcas de sua rejeição. Ela vê
nesta rejeição o testemunho incontestável do amor, mas também razão
para esperar e produzir novos argumentos.
● A rejeição de seu parceiro imaginário são imputadas à sua própria
insuficiência, por sua falta, por não ter, a tempo, compreendido o que ele
esperava dela. Apesar da conduta parado al do seu parceiro, ela deve
manter a sua fé, pois é a esta prova à qual ela está submetida.
Psicose
Maníaco-depressiva

93
Psicose Maníaco-Depressiva

● O debate sobre a doença mental entre a psiquiatria e a psicanálise não é


de hoje. Evidentemente, nem uma, nem outra são a mesma. Ambas
evoluíram e assimilaram novos recursos para o tratamento específico
defendido por seus campos de trabalho.
● A psiquiatria deu um salto à frente com a invasão dos conhecimentos
biológicos, e os medicamentos passaram a funcionar, pelo menos em
parte, como instrumentos de discriminação. Por outro lado, foi
perdendo os pontos de contato que antes mantinha com as
“humanidades”.
● Essa evolução mostra que o avanço desta ciência significou a
foraclusão do sujeito e a redução da doença mental a uma doença do
organismo.
Psicose Maníaco-Depressiva

● A psicanálise, contrapondo-se à esta perspectiva, insiste em


demonstrar a presença do sujeito nas realidades das psicoses. Ao
tratar da mania em seu artigo “Televisão,”Lacan a define como
pecado-mortal, lembrando, assim, que ela não está fora do campo da
ética.
● A psicose maníaco-depressiva é um tipo de psicose que se e pressa
por acessos de mania, de melancolia, ou de ambos, com ou sem
intervalo de uma aparente normalidade.
● Conhecida como um transtorno biológico da regulação do
humor,
como transtorno bipolar, um tipo de doença endógena, ou
mesmo
hereditária, essa psicose corresponde a uma dissociação entre a
economia do desejo e a do gozo
Histórico

● Embora Freud tenha abordado a psicose maníaco-depressiva, suas


teses sobre a melancolia foram mais elaboradas do que sobre
a mania.
● Os te tos dedicados por ele a esta problemática são pouco
numerosos:”Luto e Melancolia”, “Psicologia de Massas e Análise
do Eu” e “O ego e o Id”. Além disso, são te tos inacabados.
● Em “Luto e Melancolia, por e emplo, Freud enuncia o problema
da
mania, porém não o resolve, e renuncia à e plicação do
mecanismo implicado neste processo.
● Em “O ego e o id”, repensa o problema da melancolia em função da
pulsão de morte e do superego, sem reformular as suas teses
sobre a mania.
● Freud propõe situar a psicose
maníaco-depressiva numa moldura específica, a
das neuroses narcísicas, na qual o conflito
patogênico surge entre o ego e o superego, ao
passo que na neurose está situado entre o ego e o
id, e na psicose, entre o mundo e terno e ego.
● A interrogação que o melancólico, ou o
maníaco, coloca parece desenrolar-se no
interior do mundo comum a todos nós.
● A falha radical presente nas estruturas
psicóticas já discutidas: o fracasso do
recalcamento primário, a falta de acesso ao
simbólico, a foraclusão do nome do pai, a
e clusão do terceiro-testemunha não estão
presentes no maníaco-depressivo.

108
● É, com frequência, questionado se a melancolia seria
uma psicose autônoma ou uma fi ação na fase
depressiva de uma PMD.
● • Na mania, o sujeito lida com a e igência paterna no
Real. O encontro com esta e igência vale para produzir
significação para o sujeito tanto mais quanto mais a
e igência se manifesta como implacável. Este encontro
pode ser pensado como a busca de um referencial que
lhe dê sustentação.
● Na melancolia, o sujeito se identifica ao objeto da
demanda do Outro, mas sua entrega ao gozo do Outro
é identificatória e não alucinatória.
● A mania foi abordada pela psicanálise em suas relações com a
melancolia: uma e outra dependeriam de “ um mesmo processo ao
qual o eu sucumbiu às pressões do superego na melancolia, ao passo
que, na mania, o dominou ou o afastou.” (Freud, “Luto e
Melancolia”).
● Ele considerava a mania como uma defesa contra a melancolia, em
que confluíram o eu e o ideal do eu, ocasionando uma imagem de
triunfo do ego sobre o superego.
● Freud descreve o estado de humor maníaco, no plano do afeto, como
uma alegria e um júbilo aparentemente não motivados e, no plano
da conduta, como uma suspensão de qualquer inibição.
● A tese freudiana faz da mania o simétrico da
melancolia: o luto, referindo-se à tristeza
melancólica e a festa, à euforia maníaca. Assim,
o júbilo da transgressão torna-se a chave da
mania, tal como a dor da perda, a da melancolia.
● A festividade maníaca é concebida pela a
e clusão da censura, em prol da afirmação
narcísica e triunfante das e igências pulsionais.
● O toque jubilatório da alegria maníaca não pode
ser e plicado apenas pela satisfação pulsional.
Por e emplo, a transgressão metódica de Sade
não é alegre, é sombria,
● Para Freud, o júbilo maníaco seria efeito da
eliminação do gasto psíquico e igido pelo
recalque, convertendo-se em afeto a
energia liberada.
111
Histórico

● Só em 1924, Freud pode completar sua formulação e dizer sobre o


que triunfava o sujeito maníaco, reconhecendo no ideal do eu, ligado
à figura do pai, aquilo que o sujeito da mania teria suplantado.
● No entanto, essas elaborações freudianas sobre a mania não
conseguiram integrar a sua noção de que o superego é menos um
princípio de limitação do que um princípio de e cesso, a serviço da
e igência de gozo.
● Com sua idéia de que a mania é uma festa, Freud não e plicou o
risco mortal que é inerente a ela.
● O maníaco não é o cínico nem o amante da boa vida,
tampouco é o homem das paiões. É preciso distinguir
a estranha vitalidade que lhe é própria, e que ameaça
sua vida, da afirmação assumida, e sem entraves, das
pulsões.
● Alguns autores seguiram Freud e não
conseguiram estabelecer a distinção correta que
seria imposta pela incidência da foraclusão.
● Foi o caso de Abraham, que fez do maníaco um
ser dominado pelas pulsões orais, entregue a uma
embriaguez de liberdade, de força e de grandeza em
razão das fraquezas do recalcamento.
● Melanie Klein foi talvez a única a ressaltar que as manifestações da
mania deviam ser referidas a algo na postura do sujeito. Sua idéia de
defesa maníaca e, mais ainda, sua formulação de que a mania se
apoiaria numa “negação da realidade psíquica” vão nesta direção.

● Apesar de alguns dos seus conceitos não terem o rigor


necessário, a sua idéia de negação da realidade psíquica veicula a
intuição de uma causa subjetiva, quase uma escolha, que agiria na
base da mania.

● Além disso, ela articula explicitamente a realidade psíquica com


o efeito depressivo da perda e a mania com uma negação da
depressão.
Psicose Maníaco-Depressiva

● O rechaço do inconsciente, ou o rechaço da linguagem, não


passa de outro nome da foraclusão, um nome que tem a
vantagem de implicar a causalidade subjetiva.
● O sintoma característico da crise maníaca é a fuga das idéias. O
maníaco não consegue mais se concentrar em nada de preciso e, não
sendo capaz de controlar sua atenção, se dei a invadir por uma
sucessão incessante de idéias, o que o faz passar de uma para outra
rapidamente e sem distinção.
● Mas como este sintoma implica um retorno no real daquilo que foi
foracluído?
● Partilhando com o melancólico a impressão de
nivelamento que engloba pessoas e coisas, o
sujeito manifesta a impressão de falta de relevo,
desvitalização do mundo, nesta fuga de ideias.
● De que modo essa famosa fuga das ideias, a
anarquia e a desorientação da
intencionalidade, e também a desregulação dos
ritmos vitais, são suficientemente
fundamentadas por essa ideia única de retorno
no real?
● Para entender essa questão é necessário
distinguir a estrutura e sua tradução
fenomenológica. No que se refere à estrutura, a
definição é bastante precisa: o retorno no real 116
▪Apresenta-se toda vez que um elemento da
linguagem se emancipa da estrutura
binariamente ordenada de toda mensagem,
impondo-se em sua presença de “um”.

▪A fuga de idéias, por e emplo, essa logorréia em


que se perde a intenção de significação, em prol
de uma justaposição de ditos desorientados, não é
um impedimento ao sentido do discurso?

106
● A linguagem humana implica um movimento de retroação para o
encontro da significação. A linguagem maníaca baseia-se na
antecipação sem voltar para uma formulação do sentido.
● Há uma diferença entre esse tipo de retorno no real e o que
se passa no modelo usado na alucinação.
● Na mania, não é possível dizer que, o nome do seu ser de gozo
lhe retorna no real do ingamento ouvido, nem tampouco, por outro
lado, que ele dispersa no delírio. Esse nome se dispersa no infinito da
linguagem que o perpassa, no automatismo dos signos do qual ele é
marionete. Falta-lhe o significante mestre, como referência, e a
metonímia, como lugar da deriva do mais-de-gozar.
● O ataque no nível do discurso também é um ataque da regulação do
gozo. A e citação maníaca é um e emplo disso, pois ela não é apenas
um desenfrear da fala e uma desordem da historicidade, mas
também o abalo da homeostase do ser vivo, que reduz as
necessidades vitais do corpo, que o torna infatigável, insone, movido
por uma vida parado al que o leva à morte, com tanta certeza
quanto o suicídio melancólico.
● A linguagem certamente perturba o corpo vivo, afetando o seu
gozo, negativizando-o, mas o discurso também o regula, sobretudo
quando o Nome-do-Pai está no seu lugar.
● A e citação maníaca é o gozo que não é regulado pela função fálica
e, no qual, o um do corpo é obsedado pelos múltiplos uns da
linguagem no real, até que, depois da morte do sujeito, siga-se a
morte do ser vivo.

● É possível reconhecer no maníaco o afeto fronteiriço que surge


para um sujeito reduzido a seu vazio pelo destacamento das
identificações na articulação de afastamento com um objeto, que é
reduzido pelo processo de idealização, e em processo de ser
evacuado.

● Diferentemente das condições normais do humor, o maníaco


vive um triunfo completo sobre a castração, ignorando os
constrangimentos do imaginário (o sentido), e do real (o impossível).
● Cumpriria, assim, na ordem simbólica, uma relação bem
sucedida com o Outro, por meio de uma consumação
desenfreada, tornada possível pela riqueza inesgotável
de sua nova realidade. No entanto, esta relação surge
mais como uma devoração pela ordem simbólica do que
uma apropriação das
satisfações de um festim.
●Essa devoração não significa fixação ou regressão à fase
oral. Trata-se de um levantamento geral do mecanismo
de inércia que alimenta o funcionamento normal das
pulsões, a castração. Os orifícios do corpo perdem,
então, sua especificidade para tornar presente,
indiferentemente, a grande goela do Outro, a falha
estrutural do simbólico, desmascarada pelo
desenodamento do real e do imaginário.
A melancolia

123
Histórico

● Lacan distingue o conceito de perda do conceito de falta. Se a falta é


constitutiva do desejo subjetivo (só se deseja porque há falta), a perda
faz vacilar o desejo, pois ela dá ao sujeito o sentimento de que o
objeto perdido é aquele que ele desejava verdadeiramente, isto é que
ele torna presente o objeto da falta, o objeto a, que preenche, assim, a
falta e obtura o desejo.

● É possível dizer que o objeto perdido do melancólico é aquele


que nunca lhe fez falta na medida em que é aquele que ele possui
em nome de sua própria perda e cuja posse sufoca todo desejo.
● O termo melancolia evoca, na psicanálise, duas noções distintas:
a de uma entidade clínica diferenciada e a de um estado
psíquico bastante particular para esclarecer, por caminhos
diversos, certas características da própria subjetividade.

● Enquanto entidade clínica é situada no grupo das neuroses


narcísicas e se define como uma depressão profunda e estrutural,
marcada pela extinção do desejo e um desinvestimento
narcisista ex tremo. Trata-se de uma doença do desejo,
constituída em torno de uma perda narcisista grave. Enquanto
estado psíquico, a melancolia remete à instalação dos conceitos
de libido, de narcisismo, de eu, de objeto, de perda, etc.
● A melancolia era incluída por Freud, nesta época, nas
neuroses de angústia, uma vertente das neuroses atuais. A
melancolia corresponderia a uma “hemorragia libidinal”.

● Vinte anos depois, tendo introduzido o conceito de


narcisismo, Freud faz um remanejamento geral da teoria
das pulsões. O eu torna-se o primeiro objeto de amor,
possibilitando uma compreensão melhor das psicoses.

● As psicoses passam a ser entendidas como produto da


retirada da libido para o eu o que provocaria: uma quebra
da libido na esquizofrenia, e o seu inchamento ex agerado
na paranoia. Na melancolia, haveria uma devoração
libidinal, seguido por um esgotamento da libido, e uma
perda do eu. O objetivo de um trabalho psíquico, neste
caso, seria permitir ao sujeito renunciar ao objeto perdido.
126
● Se, num primeiro momento, parece que o luto
corresponderia à melancolia, logo se torna evidente
que sua diferença não é apenas de ordem quantitativa,
que a melancolia não é apenas um luto patológico
que não pôde ser elaborado, mas também
qualitativa. A melancolia incide sobre a natureza do
objeto perdido que Freud aponta como sendo o
próprio eu.

● Lacan também situa a melancolia como uma


psicose e se refere à posição que nela ocupa o sujeito:
a de dor em estado puro, da dor de e istir, o que faz
da melancolia uma pai ão de ser.

● Um outro conceito introduzido por Lacan foi o


desenvolvimento que ele dá ao amor, em sua vertente
oposta ao desejo, e colocado em perspectiva com a 127
morte.
● Neste sentido, a melancolia nada mais é do que o e tremo do
enamoramento, desse estado em que o sujeito não é nada, em
comparação ao tudo do objeto amado idealizado, um e tremo que
perdura impulsionando o sujeito para à órbita da pulsão de
morte.
● O terceiro conceito é aquele do ato de dei ar cair no qual
Lacan vê a marca da falência do discurso e do qual o suicídio
melancólico é o principal e emplo.
● O suicídio indica o ponto em que não há mais fala possível, não
há mais endereçamento ao Outro, não há mais do que esse
instante em que o sujeito, chegando ao e tremo de não ser, cai e
se encontra, enfim, em sua própria queda, em seu casamento
melancólico consigo mesmo, na morte. É a passagem ao ato.
● A vertente delirante do melancólico decorre de uma
apropriação de culpa que se traduz em fenômenos de auto-
recriminações, de
auto-difamação, enfim no delírio de inferioridade. Neste quadro,
também é prioritário uma inibição vital: anore ia, insônia, abulia,
indiferença e uma convicção potente e dolorosa de perda.
● Essa perda é essencial e irremediável, sempre passível de
se atualizar nas múltiplas perdas que a vida impõe a todos.
Qual a natureza desta perda tão penosa?
● Freud, ao longo de seus trabalhos, atribuiu vários nomes a
estes fenômenos: perda da libido, perda do objeto, perda da auto-
estima, perda da pulsão vital, etc. Estes fenômenos se distinguem
das elaborações delirantes que eles motivam.
● Trata-se de fenômenos de retorno no real. Não de um retorno no
real do automatismo mental, nem de vozes alucinadas, tampouco de
algo que retorne por meio do Outro. É algo que se passa no próprio
local do sujeito.
● Se a tristeza neurótica tem por motivo o não querer saber nada do
inconsciente, é possível conceber que a rejeição do inconsciente na
psicose, que é totalmente diverso, surta os chamados efeitos de
humor.
● A postulação da culpa pelo melancólico que chega até o delírio
de indignidade já é uma elaboração desses fenômenos primários
da doença. Essa atribuição de culpa tem diversas manifestações
entre elas convém distinguir o delírio de pequenez do delírio de
infâmia.
● O delírio de pequenez e ibe toda a gama da
falta a ter e da falta a valer, e pressupõe sempre
a medida dos significantes ideais do Outro.
● O delírio de infâmia traz uma censura mais
radical, não sujeita aos valores do Outro, e que
visa algo diferente: o próprio cerne invisível da
“Coisa”, das Ding. O melancólico é aquele que se
reconhece como infame. Ele se considera uma
e ceção nesta indignidade.
● O parado o é que esta hiperculpa livra,
por princípio, o melancólico de todos os seus
deveres. Como é possível definir um dever que
não se confunda com as normas do Outro? 131
A melancolia

● Em geral os deveres se definem em relação aos três “is” do


Outro: a interdição, o ideal, e o imperativo. A interdição que limita;
o ideal que prescreve as formas corretas de gozo; e o imperativo
que impõe a obrigação.
● No entanto, a psicanálise define um dever sem o Outro,
porque onde o Outro não responde, no gozo, somente o sujeito
pode responder, e é a ele que compete a responsabilidade pelo
gozo.
● Se a foraclusão implica a rejeição da regulação fálica e da
castração do gozo que ela supõe, surge a questão de saber o que o
sujeito psicótico faz com o gozo assim liberado, sobre o qual o
Outro não
● Na psicose melancólica, o delírio de indignidade em si, que é tudo
o que resta de elaboração simbólica na melancolia, coloca-se na
fi idez cristalizada da consciência culpada, cuja inércia contrasta
com o dinamismo interpretativo do delírio paranóico.
● Se o estupor petrificado e a inibição silenciosa identificam o
melancólico com o inanimado, se a passagem ao ato suicida o
realiza como restos inúteis da linguagem, a culpa de e istir que o
oprime confere-lhe a imagem ambígua do supliciado em que a dor se
junta ao gozo.
● Daí a contradição de uma culpa tão absoluta que é ao atingir seu
estado mórbido que ela se confunde com a própria falta que aponta: a
do gozo.
O caso
O CASO
▪SCHREBER
Em 1903, foi publicado um livro significativo para o entendimento da
psicose: Memórias de um doente dos nervos, pelo Doutor P.D. Schreber.
Em 1909, Freud, estudando este te to, encontrou os fundamentos de sua
teoria das psicoses (1911), ao perceber que o psicótico retirava, dos
objetos libidinais e do mundo em geral, uma grande parte de seus
investimentos, passando a viver em seu espaço interno.

▪Através desse estudo, Freud visava embasar mais solidamente a teoria


das pulsões; elaborar sua teoria do narcisismo e construir sua teoria
sobre a psicose.
▪Daniel Paul Schreber nasceu em 1842, numa família
protestante burguesa.
▪Sobre sua vida, sabe-se que seu pai, um médico
ilustre e também educador, e ercia um verdadeiro
terrorismo pedagógico através de sua invenção de
uma“ginástica terapêutica,” que consistia em um
treinamento cuja finalidade era erradicar tudo o que
estivesse errado na postura e reprimir o que
pertencesse à ordem do desejo.
▪ Ao mesmo tempo, ele foi promotor do movimento,
de inspiração social-democrata, em prol dos
loteamentos ajardinados para operários que
continua até hoje, conseguindo notoriedade por suas
criações. 136
▪Um irmão mais velho de Schreber, que sofria de uma
psicose, suicidou-se aos 38 anos com um tiro. Sua
irmã mais nova morreu de doença mental

▪ Sua vida conjugal, aparentemente feliz, foi abalada


pela ausência de filhos. Pessoalmente, Schreber era
um intelectual brilhante, doutor em direito e
juiz-presidente da Corte de Apelação da Saxônia.
Era, evidentemente um homem incomum, por sua
grande cultura, sua curiosidade viva e
sua capacidade de observação e de
análise.

▪Esses elementos apresentam interesse para a


lógica do seu processo mórbido

125
▪A psicose de Schreber desencadeou-se em 1893
quando ele foi nomeado presidente da Corte de
Apelação, apesar de sua doença ter começado nove
anos antes, quando foi hospitalizado pela
primeira vez. Esta crise foi diagnosticada como
hipocondria grave. Recuperado, demonstrou
imensa gratidão pelo Doutor Flechsig, que o havia
tratado.

▪Antes de assumir as funções para as quais tinha sido


nomeado, sonhou diversas vezes que estava
novamente doente. Certa manhã, em estado de
semi-vigília, a idéia de que deveria ser uma coisa
realmente bela ser uma mulher submetendo-se ao
coito, se impôs a ele. Essa idéia foi prontamente
rechaçada com e trema indignação.
126
▪Meses depois da nomeação, um segundo
desmoronamento anunciou-se, acompanhado por
insônias que foram-se agravando e sensações de
amolecimento cerebral.

▪Schreber chegou a desejar a morte e, em várias


ocasiões, tentou suicidar-se. Com o tempo, as idéias
delirantes coloriram-se de misticismo: relações
diretas com Deus e aparições milagrosas.

▪Esses mal-estares psíquicos foram interpretados


como perseguições ex e r c idas pelo doutor Flechsig, o
mesmo que o havia tratado e curado anteriormente, a
quem agora acusava de assassinato da alma.
127
▪Em seguida, apareceram idéias de perseguição e de
morte iminente, assim como uma e trema
sensibilidade ao barulho e à luz.

▪Mais tarde surgiram alucinações visuais e


auditivas:”ele se via morto, decomposto, atingido pela
peste e oela lepra, com o corpo submetido a
manipulações repugnantes e sofrendo os mais
assustadores tratamentos.” Essas manifestações o
faziam mergulhar por horas a fio num estado de
sideração e de estupor alucinatório.

128
▪Schreber ficou internado numa casa de saúde até
1902, quando entrou na justiça para não ser
interditado a escrever seu livro. O julgamento que
lhe deu liberdade contém o resumo de seu sistema
delirante: “Ele se considerava como chamado a
salvar o mundo, devolvendo-lhe a felicidade
perdida,
mas só poderia fazê-lo, depois de se transformar em
mulher.”

▪Schreber julgava ter um papel redentor a


desempenhar, ao preço de sua emasculação, para se
tornar mulher de Deus, procriando uma nova
humanidade, um mundo schreberiano, pois esse
Deus, substituto de Flechsig, estava cercado apenas
por cadáveres.

129
▪ Observando que o perseguidor apontado, o
doutor Flechsig, tinha sido antes objeto de amor
de Schreber e de sua esposa, Freud situa, na
origem da doença, a hipótese de uma crise de
homosse ualidade. Apóia-se no fato de que o doutor
Flechsig fôra, para o paciente, um substituto de
seus objetos de amor infantis: o pai e o irmão,
ambos falecidos.
▪Na e plosão do delírio, o fantasma dos desejos por
esses objetos infantis, transformaram-se em
conteúdo de perseguição.

130
▪ Os desenvolvimentos teóricos de Freud definem
o ponto fraco dos paranóicos na fixação na fase
do auto-erotismo, do narcisismo e da
homosse ualidade.

▪Esta etapa é obrigatória de toda construção libidinal


da criança que toma por objeto de amor alguém
semelhante a si mesmo, detentor de órgãos genitais
iguais aos seus, pois ama primeiro a si mesmo.

131
▪Para Freud, os psicóticos possuem uma libido
voltada essencialmente para o próprio corpo. De
modo geral, a libido é sublimada nas relações
sociais, mas é algo perigoso para o psicótico que,
sempre fora de si, não tem de lidar senão com uma
duplicação de si mesmo, que ele desconhece.

▪A genialidade freudiana consistiu em enfatizar que


nos diferentes delírios que se constituem, tudo iria
contradizer uma única proposição: “ eu, um homem,
amo ele, um homem”, esgotando as diferentes formas
clínicas dos delírios, todos os modos possíveis de
formular essa contradição.

132
▪ A análise lingüística que Freud fez sobre o caso,
mostra três formas de contradizer a proposição: a
contradição do sujeito, do verbo, e do objeto.
▪ Por e emplo, o delírio de perseguição opera uma
inversão do erbo: “eu não o amo, ele me odeia, eu o
odeio porque ele me persegue”;
▪ Na erotomania, o objeto é recusado :” não é ele que
eu amo , eu amo ela”, que se transforma em “ é ela
que eu amo porque ela me ama”;
▪ No ciúme delirante, o sujeito não é reconhecido,
transformando a proposta em “não sou eu que amo o
homem, é ela que o ama”.

133
▪ Freud acrescenta ainda que a proposição pode ser
rejeitada em bloco: “eu não amo ninguém, eu amo
apenas a mim”, tratando-se, então, de um delírio de
grandeza, típicos tanto da paranóia quanto da mania.

▪ Foi neste contexto q ue Freud fez uma observação


ex tremamente importante de que aquilo que havia
sido abolido do dentro, retorna de fora.

▪Depois de elaborar sua segunda tópica, Freud iria


delimitar o campo da psicose, como sendo um
conflito entre o eu e o mundo exterior e o da
neurose, como sendo um conflito entre o eu e o id.

134
▪A perda da realidade, observada em ambos os
quadros, seria um dado de partida da psicose, sendo
melhor dizer que um substituto da realidade ocupou o
lugar de alguma coisa foracluída, ao passo que na
neurose, a realidade é reorganizada em um registro
simbólico.
▪É possível pensar um fio condutor que impulsionava
Schreber e que define a função da doença:
tratava-se, para ele, de atingir 3 objetivos correlatos:
1. dar sentido a uma experiência de
desmoronamento que, a princípio, deixou-o
aniquilado;
135
2. descobrir um vínculo possível com o outro, alí
onde este parecia ter desaparecido; e

▪3. restabelecer uma forma de temporalidade, ali onde o


abismo extra-temporal o deixara como morto.

● Todo o delírio de Schreber é uma tentativa


de compreender e de restaurar uma forma de
temporalidade e de realidade, através da busca
contínua do sentido a ser dado à experiência que o
ultrapassa.

136
▪ O problema teórico a ser resolvido por Freud é
esclarecer os vínculos entre os mecanismos de
projeção e recalcamento, pois, para Freud, na
economia da paranóia, é recalcada uma percepção
interna, chegando em seu lugar uma percepção
vinda do e terior.
▪ A questão do mecanismo específico da psicose fica
ainda em aberto.
▪ Apoiando-se na convicção delirante de Schreber da
iminência do fim do mundo, convicção freqüente na
paranóia, Freud julga que o recalque consistiria numa
retirada dos investimentos libidinais feitos sobre
objetos antes amados e que a produção mórbida
delirante seria uma tentativa de reconstrução desses
mesmos investimentos, espécie de tentativa de cura.

137
▪Esses foram os principais mecanismos identificados por
Freud na paranóia: a projeção, em que uma percepção
interna vem de fora como percepção externa, mas
também deturpada, o recalcamenǦo e o narcisismo.
▪Embora, num primeiro momento, Freud considerasse a
projeção como o mecanismo formador da paranóia, este
mecanismo não tem como ser suficiente para especificar
o campo das psicoses.
▪Na verdade, os mecanismos projetivos encontram-se
em todas as configurações, patológicas ou não, ainda
que seja possível perceber na paranóia um caráter
particularmente cego na imputação ao outro do que é
próprio.

138
▪Freud pôs à prova o mecanismo central das neuroses, o
recalcamento. No entanto, sua teoria do recalcamento
não se aplicava do mesmo modo à paranóia. Ele
construiu uma teoria que misturava recalcamento e
narcisismo.
▪Na paranóia, o recalcamento consistiria num
desligamento da libido e no retorno dessa libido para o
eu. Freud insistiu na fixação narcísica, que
desempenharia o papel de um movimento que atrairia a
libido que ficou livre para o eu. É esta fixação narcisista,
aliada ao seu retorno da libido para o eu, que daria lugar à
ampliação ilimitada do eu. O delírio megalomaníaco seria
uma se suas e pressões clínicas.
▪Trata-se, nesse caso, de um eu que não leva em conta a
realidade, o outro, de uma espécie de eu auto-gerado.

139
▪A catástrofe que rompe o vínculo com o outro, que
obriga a responder, a encontrar um sentido, é a
retirada da libido. Freud esclarece que essa retirada
não elimina o mundo externo, mas o despoja de
interesse libidinal. Schreber continua a ver os outros,
mas eles já não passam de sombras de homens
“feitos às pressas”.

▪Todo trabalho consiste em restabelecer as ligações


libidinais. É isso que os raios do delírio ex primem. O
delírio dispõe e combina: ele organiza.

140
O tratamento das Psicoses
O TRATAMENTO DAS PSICOSES
▪A questão que convém fazer no que diz respeito ao tratamento das
psicoses é: qual o lugar possível ao analista no fora do discurso da
psicose?

▪ Lacan indica que a direção do tratamento do neurótico opera a


distinção entre alienação e separação. Ao propor essas duas
operações
como alternando-se numa pulsação, ele descreve uma temporalidade do
tratamento.

▪ O sujeito busca a análise por um contratempo, porque alguma coisa


vem abalar sua instalação num discurso: quando a verdade do sujeito se
manifesta, irrompe, seja porque uma identificação é questionada, seja
porque uma irrupção do gozo vem abalá-lo.
O TRATAMENTO DAS PSICOSES

▪Um dos eix  os da psicanálise é o eix  o da alienação: o da associação


▪ Quando um sujeito se dirige ao psicanalista, ele recorre ao sujeito suposto
saber. O apelo ao sujeito suposto saber é o apelo de encontrar sentido no
que se afigurou, a princípio, como não senso: logo é uma demanda de
restabelecimento da homeostase das significações estabelecidas para
tamponar o real do sintoma.
▪No entanto, há uma outra vertente: o analisando, tal como o infans,
depara-se com o desejo do Outro. Este desejo do Outro aparece
justamente pelo silêncio, pelos buracos do sentido, pela ausência. Na
metáfora paterna, o desejo da mãe é simbolizado por sua ausência.
O TRATAMENTO DAS PSICOSES

▪ No tratamento, o desejo do analista aparece, não na continuidade do


sentido, mas no rompimento com o sentido, transversal a ele.

▪ No Seminário 11, Lacan insiste na necessidade de que o desejo do


analista funcione como um enigma graças ao qual o analisando possa
efetuar sua separação e, elaborando sua fantasia, descobrir sua
equivalência ao que ele é como objeto.

▪ Uma coisa é manter o sujeito do sentido no ei  o da alienação na


cadeia,
e outra é conseguir manter a dimensão de enigma, de fora de sentido,
em relação ao qual o analisando elaborará suas fantasias.

▪ O tratamento do psicótico constitui um problema na medida em que


● É preciso saber que vínculo o analista estabelece com esses sujeitos
psicóticos e que lugares o analista pode vir a ocupar na estrutura do
significante e das relações com o objeto.

● No que concerne ao discurso do analista no caso da neurose, o


analista fica no lugar de objeto, uma vez que sustenta a
transferência de saber.

● Quanto à psicose, é difícil estabelecer uma resposta universal: é


possível que seja necessário estabelecer diferenças entre as diversas
formas de psicose.
● No caso do paciente psicótico em crise, é possível identificar duas posições
transferênciais que não são, em si, exclusivas:
 Uma primeira posição é o lugar paterno que, para este paciente,
voltou no Real. O que está foracluído para o psicótico é a função
paterna, mas o tecido que volta no Real é um tecido simbólico e
imaginário. Neste sentido, há uma possibilidade de trabalhar
analiticamente sobre esse lugar.
O TRATAMENTO DAS PSICOSES
▪ A segunda posição é a encarnação do Outro imaginário, enquanto sendo
o Outro ao qual o paciente vai ser entregue na medida em que a
metáfora delirante não conseguir ser estabelecida.

▪ Como estas duas posições não são exclusivas, o analista pode,


continuamente, encontrar-se oscilando de uma posição à outra.

▪ A ex igência de constituição da metáfora, mesmo que esta seja


delirante,
é uma ex igência de defesa contra a demanda do Outro, à qual o
crepúsculo do saber ex pôs o sujeito.

▪Deste ponto de vista, não há diferença entre neurose e psicose, na


medida em que se trata em ambos os casos de uma operação de defesa.

▪No caso da psicose em crise, trata-se de uma operação secundária de


O TRATAMENTO DAS PSICOSES
● De qualquer modo, trata-se de uma defesa impossível,
considerando que o gozo do Outro, a satisfação de sua demanda
imaginária, seja impossível é uma conseqüência deste Outro não ter
estatuto real nenhum, ser apenas um efeito imaginário da
estrutura da linguagem.
● Deste ponto de vista, se o analista tem uma tarefa, ela é a mesma
na
psicose e na neurose: ele tem que destituir esta demanda
imaginária do Outro e, então garantir que o paciente faça a
e periência de que a defesa que o sustenta é uma defesa contra
o impossível.
● O caminho de um fim da análise para um psicótico parece ter
que
passar por uma e periência “Real” da contingência da e igência
paterna ou diretamente talvez do esvaziamento da
demanda imaginária do Outro.
O TRATAMENTO DAS PSICOSES
● Seria uma experiência Real no quadro da transferência,
como se fosse necessário um encontro no qual o analista
tenha a possibilidade acidental de destituir a exigência
paterna ou o Outro imaginário, que ele encarnaria.

● Devido a este caráter efetivamente contingente da


e periência, é difícil, e mesmo prematuro, tentar formalizar
o que seria realmente o fim da análise numa psicose.

Segundo Lacan, na análise dos psicóticos, a função do


analista é de secretário do psicótico, a testemunha do seu
discurso, É difícil falar de fim de análise na medida em que
o analista só tem acesso ao real e ao imaginário já que o
psicótico não tem acesso a um discurso simbólico.

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