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PSICOSE

Tereza Dubeux

“ Se não somos capazes de perceber que há um certo


grau, não arcaico devendo ser posto em algum lugar no
nível do nascimento, mas estrutural, no nível do qual os
desejos são, propriamente falando, loucos, se para nós o
sujeito não inclui em sua definição, em sua articulação
primeira, a possibilidade da estrutura psicótica, então não
passaremos nunca de alienistas.”
J.Lacan, Seminário: A Identificação,
2 de maio de 1962

“ Não é louco quem quer”. Lacan escreveu este enunciado


na sala de plantão e, ele pode ser lido como “ Só é louco
quem pode. ”
PSICOSE
Tereza Dubeux

INTRODUÇÃO

Estas frases lacanianas prenunciam a postura
psicanalítica diante da loucura: abordar a psicose como
algo específico e determinado, que tem sua lógica e seu
rigor.

Trata-se de considerar a psicose como uma estrutura


clínica diferente da neurose e da perversão, sendo a
referência ao Édipo e à castração o divisor de águas
entre esses campos clínicos.

Não há uma definição propriamente psicanalítica da


psicose. Coube à psicanálise o esforço de esclarecer os
mecanismos psíquicos que levam à psicose, através de
suas elaborações teóricas.
PSICOSE
Tereza Dubeux

INTRODUÇÃO
 Para a psicanálise, em especial na abordagem
lacaniana, a psicose é uma estrutura clínica na qual não
há inscrição do significante primordial, o Nome-do-Pai,
responsável por interditar a relação dual mãe-bebê,
operando um corte cujas conseqüências são: o
reconhecimento da incompletude tanto do bebê quanto
da mãe, e o direcionamento do seu caminhar guiado
pelo desejo.

O sujeito psicótico é aquele fora-dos-discursos, do laço


social. O psicótico não faz laço, Ele vive em uma outra
realidade para além daquela socialmente estabelecida.
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INTRODUÇÃO

O sujeito dito louco não se reconhece como louco e entende o seu


comportamento como perfeitamente normal e explicável em
função de seus delírios que se apresentam, para ele, com um
caráter de veracidade incoercível.

Em virtude de sua estrutura, ele cria uma nova realidade para dar
conta do que lhe ocorre intrapsiquicamente.

Freud propõe ser a psicose fruto de um distúrbio na relação do


ego com o mundo externo, cujo resultado ressoa sobre a dinâmica
de o sujeito ser invadido por um real de acontecimentos que ele
concebe como verídico, mas que os outros não conseguem
perceber. São construções delirantes que visam dar um sentido
subjetivo as idéias, sentimentos e percepções que o invadem.
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INTRODUÇÃO

 Em resumo, a psicose é um processo de defesa que se


desenvolve no lugar, e em vez de, uma simbolização
não realizada. Trata-se de uma organização da
subjetividade na qual Freud vê uma forma específica de
perda da realidade com regressão da libido para o eu e,
eventualmente a construção de um delírio como
tentativa de cura, de reconstrução da relação com a
realidade.

Esse novo lugar em que vai se constituindo o saber da


psicose, coloca gradativamente o sujeito à margem da
realidade, bem como do grupo social. Por conta disto, o
psicótico é banido da sociedade e pode ser levado a
instituições psiquiátricas cujo objetivo versa,
predominantemente, sobre a reinserção social do
psicótico.
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INTRODUÇÃO
 A psicose não é um fenômeno novo, pelo contrário,
foi constatado há anos, sendo tratado de diversas
formas ao longo dos tempos. Apesar de se tratar de um
fenômeno antigo, nem a sociedade, nem a comunidade
científica, nem a rede de saúde mental do território e
nem a família, no particular, estão preparadas
totalmente para dar conta dessa problemática.

A clínica das psicoses é um campo que demanda


acentuado investimento dos profissionais, inclusive
pelo estreitamento do limiar normal x patológico, o que
pode mobilizar naqueles que não estejam bem
trabalhados para este tipo de serviço. Esta questão do
normal e do patológico remete à escolha por uma
concepção de diagnóstico.
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INTRODUÇÃO

Para a psicanálise, a identificação das estruturas


clínicas tem um papel central, em função da influência
que elas exercem na direção do tratamento. Desde o
início, o profissional deve chegar a algum diagnóstico,
uma vez que isso o ajuda em termos do lugar que ele
deve ocupar frente ao seu cliente e da melhor forma de
conduzir o tratamento.

Essa questão do diagnóstico não é simples, visto que a


psicanálise não adota uma visão determinista,
classificatória como a que resulta de diagnósticos feitos
em outros campos do saber, a exemplo da medicina e
mais especificamente, da psiquiatria. A psicanálise
compreende que o diagnóstico tem apenas uma
dimensão potencial, hipotética, que só pode ser
confirmada no a posteriori.
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INTRODUÇÃO


As estruturas clínicas são formas de organização
defensiva do psiquismo para atuar no mundo frente à
falta e à castração. São o modo singular encontrado pelo
sujeito para lidar com esses fatos essenciais da vida
humana.

É importante ressaltar uma diferença fundamental entre


a psicanálise e a psiquiatria, no que se refere ao
diagnóstico e às estruturas clínicas:

A psiquiatria leva em consideração o quadro


sintomatológico apresentado pelo paciente para definir o
seu diagnóstico. Por exemplo, se há ou não presença de
delírios, alucinações, alterações do curso do pensamento,
a expressão afetiva, etc., sem, contudo, singularizar ou se
utilizar de elementos interpretativos que subjetivem os
fenômenos naquele sujeito específico.
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INTRODUÇÃO

A psicanálise preocupa-se com o fator topológico: uma


espécie de organização e lugar que o sujeito ocupa
perante seu desejo e perante à falta, uma vez que se
configura a partir da relação que o sujeito trava com a
função fálica, enfatizando sempre a vivência singular e
subjetiva.

O critério de distinção no que se refere à hipótese


diagnóstica é que para a psiquiatria é a presença de
sintomatologias agrupadas que, por si só, direcionam
sua hipótese diagnóstica. A única possibilidade de obter
algo que se assemelhe ao que pode ser chamado de
cura neste campo do saber, implica a remissão dos
sintomas. É significativo o fato de predominar, neste
saber, o olhar para a patologia, deixando de lado o
sujeito em questão e a sua singularidade.
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INTRODUÇÃO
 A psicanálise, por sua vez, traz justamente a questão
do sujeito como fator central, defendendo que a
sintomatologia não é suficiente para a determinação da
estrutura clínica, tendo em vista que o mesmo sintoma
pode surgir em diversas estruturas. Existem outros
fatores que influenciam, os quais se organizam a partir
da especificidade da configuração de seus elementos.

A psicose é vista como a expressão mórbida da


tentativa desesperada que o eu faz para se preservar,
para se livrar de uma representação inassimilável que,
à maneira de um corpo estranho, ameaça sua
integridade. Que mecanismos são estes que isolam o
sujeito da realidade, levando-o à psicose? Qual a
relação dos elementos edipianos nas psicoses?
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PERSPECTIVA FREUDIANA DA PSICOSE


 Na perspectiva freudiana, a psicose é, inicialmente,
pensada a partir de reflexões sobre o conflito defensivo
em ação sobre a sexualidade.

Considera necessário investigar os mecanismos atuantes


na dinâmica relacional do sujeito com o mundo externo
sob a ótica de uma rejeição radical para fora da
consciência nos casos de confusão alucinatória ou ainda
uma espécie de projeção originária da recriminação para o
exterior.

. Para Freud, ocorreria uma rejeição violenta da


representação inconciliável para fora do eu. O eu
expulsaria uma idéia que se tornou intolerável para ele,
por ser demasiadamente investida e, com isso, separava-
se também da realidade externa da qual essa idéia é a
imagem psíquica.
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PERSPECTIVA FREUDIANA DA PSICOSE


Desta forma, o eu fica impotente e, às cegas, amputa uma

parte de si mesmo. Isto significa que uma representação


psíquica, já demasiadamente investida pelo eu, fica
privada de qualquer significação.

A partir de sua primeira teoria das pulsões e de sua


primeira tópica, Freud retoma a questão sob o ângulo da
relação entre os investimentos libidinais (sexuais) e os
investimentos das pulsões do ego (interesse) no objeto.

Seu primeiro estudo sobre a psicose, o caso Schreber, se


dá sob esta ótica. Nesse momento inicial, ele denomina a
psicose de neurose narcísica em função de um mecanismo
parecido, o narcisismo, descrito por ele anteriormente, em
que predomina a retirada da libido do mundo externo e
seu direcionamento para o ego.
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PERSPECTIVA FREUDIANA DA PSICOSE

Com a elaboração da segunda tópica, Freud formula as


três instâncias, o Id, o Ego e o Superego, visando
demonstrar o funcionamento do psiquismo. Sustenta
que o Id seria a única formada desde o nascimento,
consistindo em uma instância exigente, cheia de
desejos e pulsões e pouco afeita a influências
decorrentes do mundo externo.

O ego estaria localizado na superfície do Id e seria


direcionado para a realidade, buscando a satisfação das
necessidades mediante estratégias admissíveis pelo
meio social. O ego teria suas raízes fincadas no Id,
recebendo dele sua energia. A função do ego seria,
portanto, viabilizar a realização dos desejos, mediando-
os com o mundo externo.
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PERSPECTIVA FREUDIANA DA PSICOSE

Já o superego surgiria da censura, em função das leis e


padrões culturais do contexto no qual está inserido o
sujeito. Embora derive do ego, é independente deste e
finca suas raízes no Id. Inicialmente o superego, por
advir de interdições da autoridade parental, manifesta-
se em função do exterior, passando posteriormente, a
atuar a partir do interior. O superego é moldado a
exemplo do superego dos pais e carrega interdições
introjetadas a partir do processo civilizatório.

As instâncias ideais são o destino da libido narcisista e


desempenham um importante papel nas psicoses,
tendo em vista a predominância do narcisismo nesta
patologia. É importante diferenciar o ego ideal, o ideal
de ego e o superego para melhor entender a dinâmica
de forças prevalentes no conflito psicótico.
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PERSPECTIVA FREUDIANA DA PSICOSE


 Em geral, a psicose implica uma severa deterioração das funções
egóicas de forma a causar prejuízo no contato do sujeito com o
mundo externo, com a realidade. Nesta estrutura, o Princípio do
Prazer se sobressai em detrimento do Princípio de Realidade.

Com as funções do ego lesadas , o sujeito psicótico mantém um


contato restrito com o mundo exterior, como se este fosse limitado
ao seu universo interpsíquico de forma que se estabelece uma
dinâmica na qual parece que o mundo é só seu.

Até então, Freud propunha que, na psicose, mediante o processo


de retirada da libido de objetos e pessoas do mundo e o seu
direcionamento para o eu, sem nenhuma substituição por outros na
fantasia, que tal conteúdo, sendo abolido do interior do sujeito,
retornaria do exterior. Quando o sujeito consegue substituir algo, o
processo parece ser secundário e se daria através de construções
delirantes, uma espécie de tentativa de recuperação, de cura.
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PERSPECTIVA FREUDIANA DA PSICOSE


O processo psicótico caracteriza-se, portanto, por dois
momentos: o super-investimento pelo eu de uma
representação psíquica, tornando-a, assim,
incompatível com as outras normalmente investidas, e
a rejeição violenta e maciça dessa representação e, por
conseguinte, a abolição da realidade da qual a
representação era a cópia psíquica.

A esses dois momentos cabe acrescentar um terceiro


que é a percepção pelo eu do pedaço rejeitado, sob a
forma de delírio, ou de alucinação.

Para Freud, o eu da psicose divide-se em duas partes:


uma rejeitada e perdida, como um pedaço arrancado, e
outra que alucina este pedaço como uma nova
realidade.
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PERSPECTIVA FREUDIANA DA PSICOSE

Quando um psicótico sofre de alucinações auditivas, a


voz que o insulta é um pedaço errante de seu eu.

O processo psicótico começa, então, pela expulsão


brutal de um pedaço do eu e culmina com a percepção
alucinada do pedaço rejeitado, transformado numa
nova realidade, numa realidade alucinada.

No lugar de uma realidade simbólica abolida aparece


uma nova realidade compacta, alucinada, que coexiste
no mesmo sujeito com outras realidades psíquicas não
afetadas pelo mecanismo denominado por Lacan de
foraclusão e por Freud de recusa.
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PERSPECTIVA FREUDIANA DA PSICOSE


 O psicótico não é globalmente afetado por suas
crises, pois, fora dos acessos delirantes, preserva uma
relação sadia com o seu meio. Inversamente, o sujeito
dito normal pode viver um episódio delirante, sem que
por isso se deva qualificá-lo de psicótico.

. A marca da psicose é, justamente, o distanciamento


do eu - que estaria a serviço do Id - e a realidade, cuja
dinâmica do sujeito seria caracterizada pelo predomínio
do Id e não do princípio de realidade sobre o eu.

Para o psicótico e para o neurótico, o movimento


retroativo é o mesmo. Exatamente como o sujeito
alucinado, o analisando neurótico ouve a voz de seu
inconsciente, mas a vivência é radicalmente diferente.
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PERSPECTIVA FREUDIANA DA PSICOSE

Enquanto o neurótico fica surpreso, admirado diante


do seu inconsciente que fala através dele e que é o seu
agente involuntário, o psicótico, por sua vez, repleto de
certeza, tem a convicção dolorosa e inabalável de ser
vítima de uma voz tirânica que o aliena.

Lacan condensou a aproximação entre a psicose e o


inconsciente na seguinte frase: ”o psicótico é o mártir
do inconsciente, no sentido de ser sua testemunha.” De
fato, quem pode atestar melhor a força irredutível e
devastadora do inconsciente?
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NEUROSE E PSICOSE
Freud afirma que na totalidade dos casos , das neuroses
e psicoses, o sujeito encontra-se diante da incapacidade
do eu de se defender de uma representação psíquica
intolerável; diferencia no entanto, seus mecanismos e
efeitos sobre a estrutura clínica.

 No que se refere à perda da realidade, na neurose, o


afrouxamento da relação com a realidade deve ser visto
como uma reação contra o recalcamento, ou como um
fracasso desta defesa. A perda da realidade é secundária
ao estabelecimento da neurose, quer provenha do
combate do eu contra o sintoma, quer seja constituída
pela predominância da fantasia sobre a realidade, como
uma espécie de compensação à parte lesada do Id.
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NEUROSE E PSICOSE
 Esse processo que Freud chama de rejeição,
Lacan o toma no sentido de abolição simbólica.

 Para articular essa questão, ele diz que no


começo da vida psíquica, por uma condição de
anterioridade lógica, o ser do sujeito deverá ser
colocado no mundo do símbolo, onde habitará.

Antes mesmo de nascer, o sujeito é inserido num


universo simbólico onde falam dele, onde já existe
um projeto parental para ele. A cadeia simbólica o
antecede e ele é chamado a ocupar nela um lugar.
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Tereza Dubeux

NEUROSE E PSICOSE
 Nessa aproximação com a linguagem, vão se
constituir três campos de influência sobre o sujeito:
de um lado, o simbólico, que se organiza como
estrutura para dar lugar aos elementos que se
ordenam na dimensão do inconsciente,
representado pelo significante.
 Do outro, como função, o imaginário, que tem
prevalência no nível do pré-consciente,
representado pela significação;
 E, do outro, o real, que é exatamente o discurso
feito realmente na dimensão diacrônica, histórica,
mas inaccessível, impossível de ser apreendido.
Trata-se daquilo que existe, que produz efeitos,
mas que não é nomeável.
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Tereza Dubeux

NEUROSE E PSICOSE
Os mecanismos da neurose, o recalcado e o
retorno do recalcado (o sintoma), são ambos de
natureza simbólica. O retorno de uma representação
ainda é uma representação que continua a fazer parte do
eu. Um sintoma neurótico é um retorno da mesma
natureza simbólica e está tão integrado ao eu quanto a
representação recalcada.

Na neurose, o recalcado e o retorno do recalcado são


homogêneos, não há perda da relação simbólica. Todo
sintoma é uma palavra que se articula e que é endereçada
a alguem; a relação com a realidade não é obturada por
uma foraclusão.
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NEUROSE E PSICOSE: Freud e Lacan

Quanto à psicose, o que ocorre é efetivamente uma


perda.

Esta perda, segundo Lacan, que não se trata da realidade


externa, ou dos elementos do imaginário, mas da própria
ordem simbólica.

Dizele: “Aquilo que é foracluído no plano simbólico,


retorna de fora sob a forma de real”. Verifica-se que há
uma alteração de consistência: o que é foracluído e o que
retorna não são constituídos da mesma argila, o que sai é
simbólico , o que retorna é real.
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Tereza Dubeux

NEUROSE E PSICOSE
No que se refere aos mecanismos da
psicose, o repúdio ou a abolição da
representação intolerável, aquilo que é
repudiado e o que retorna são de naturezas
profundamente heterogêneas.

A imagem repentina e alucinada não tem


nenhuma das propriedades simbólicas de
uma representação: é captada pelo eu sem
nenhum afeto e percebida com a nitidez de
uma realidade inegável, mas que lhe é
estranha.
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NEUROSE E PSICOSE
 Na psicose, a perda da realidade é
primária, constituindo a própria doença. O
desligamento parcial da realidade é o mais
freqüente, servindo de preâmbulo ao
desligamento total.

O segundo tempo da psicose tem um


caráter de reparação: o delírio aparece
como uma peça que é posta no lugar em
que, inicialmente, produziu-se uma
rachadura na relação do eu com o mundo
externo.
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PERSPECTIVA LACANIANA DAS PSICOSES

O conceito lacaniano de inconsciente foi


forjado a partir da compreensão psicanalítica
do fenômeno psicótico.

 Fortemente influenciado pela idéia de


automatismo mental defendida por seu mestre,
Clérambault, Lacan articulou o inconsciente
com os fenômenos de automatismo mental do
delirante que leva o sujeito a produzir uma
sucessão de pensamentos, palavras e atos que
lhe escapam.
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PERSPECTIVA LACANIANA DAS PSICOSES

 O ser falante, psicótico ou não, é um ser falado:


falado por um Outro presente em nós, que nos
transcende para além do nosso querer e do nosso
saber consciente.

 É assim que fala o inconsciente: escapa ao sujeito,


para voltar a seu ouvido e surpreendê-lo. O psicótico
alucinado, às voltas com vozes acusadoras, as ouve
com a dupla certeza de que elas vêem de fora e só se
dirigem a ele.

 A partir de 1953, Lacan explica as psicoses segundo


duas leis: a primeira, explicita a primazia do simbólico
sobre o imaginário ao dizer que é o significante que
explica, como causa, as significações.
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A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE


 Este significante fundamental é o Nome-do-Pai.
Só este significante introduz a exclusão recíproca
que é a diferença entre as gerações e o interdito do
incesto.

A segunda lei sustenta que na falta deste


significante, há proliferação de significações que
visam suprir esta falta. Essas significações
funcionam como muletas imaginárias que, por um
tempo, possibilita ao sujeito compensar a ausência
deste significante.
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A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE


Lacan retoma os pontos de vista freudianos sobre
o narcisismo, que alicerça a sua concepção da
psicose, e o mecanismo da foraclusão para
construir a sua teoria do fracasso da instalação da
metáfora paterna como fundamento de todo o
processo psicótico.

O narcisismo não é apenas a libido investida


sobre o próprio corpo, mas uma relação imaginária,
central nas relações inter-humanas: ama-se no
outro o que existe nele de identificação erótica, ao
mesmo tempo em que, como todo processo de
diferenciação, de desligamento, implica uma tensão
agressiva.
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Tereza Dubeux

A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE


 Para que seja possível compreender nos psicóticos a
formação, ou não, da imagem do eu, efeito do estádio do
espelho, é preciso situar o ponto de partida num tempo
anterior ao nascimento do sujeito.

A sua história não começa com ele, ela o precede, e esse


período prévio é fortemente responsável por aquilo que
será seu futuro.

Todo sujeito vem ocupar um lugar no mito familiar: esse


mito, cuja importância é demonstrada pelo lugar que
ocupará na fantasia fundamental, designa-lhe um papel
na tragicomédia de sua vida, que determina, de antemão,
os discursos que começam a ser dirigido não a ele, mas ao
personagem que ele encarna na cena familiar, e que
tenderão a constituí-lo como sujeito.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE


 Esta é a primeira ambigüidade fundamental que o
discurso impõe ao homem: ele traz um nome escolhido
em função desse lugar no qual sua subjetividade se
encadeia (nome pelo qual é chamado e não seu nome
legal).

Ao mesmo tempo, é o discurso, que é o lugar da fala,


nesse início, alienante por definição, que testemunha a
inserção daquele sujeito, numa cadeia significante, única
condição de sua inserção simbólica.

A análise de psicóticos obriga o analista a interrogar


sobre a essência desse Outro, desse lugar da fala, a fim de
decifrar porque o sujeito só pôde responder a esse
discurso pela alienação. O ego do psicótico está engolfado
numa falha, numa brecha real no Outro ( a mãe ).
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A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE


 Lacan formula a constituição do Édipo em três tempos
lógicos. No primeiro tempo lógico, a mãe seria o Outro
absoluto, que a tudo detém, domina e governa, e o bebê
estaria identificado ao falo, cuja equivalência simbólica
(bebê-falo) já havia sido indicada por Freud.

Neste âmbito, a mãe seria a personagem principal da


maternagem do bebê, é quem acalenta, quem sacia todas
as suas necessidades e atribui significações a elas. O bebê
torna-se a concretização do desejo da mãe. Tanto a mãe
atribui a ele este estatuto, quanto ele próprio se coloca
nesse lugar, respondendo a este chamado.
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A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE

No segundo tempo lógico do Édipo, ocorreria a


instituição da simbolização por parte do bebê. Isto é
confirmado tanto pela capacidade da criança de
representar a mãe no jogo do carretel – o famoso fort –
da freudiano, como também pela utilização de fonemas e
balbucios, ensaio de palavras num momento ainda remoto
do desenvolvimento. Tais aspectos marcam a entrada da
criança no mundo da linguagem, do simbólico.

Com a possibilidade da criança simbolizar a mãe, esta


atinge o estatuto de signo, em detrimento do de objeto
primordial de onde até então respondia. A linguagem
atua, assim, enquanto mediação simbólica que vem cortar
a imediatez da dualidade da relação mãe-bebê.
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A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE


Esta mediação, no entanto, não se dá por si só. É
necessário que haja intervenção de um terceiro que
venha barrar o desejo da mãe, bem como o do filho,
e que introduza a lei da interdição, operando um
corte na reintegração da criança por parte da mãe,
e impedindo que o bebê continue a responder do
lugar de objeto de desejo materno.

É então que a instância paterna atua como


metáfora, cuja incidência deve advir no próprio
discurso da mãe, ou seja, o significante Nome-do-
Pai, evocado no discurso materno, implica que o
desejo da mãe se encontra dirigido também para
outro lugar e que ela própria é submetida a uma lei.
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A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE


O significante Nome-do-Pai não apenas demarca uma lei
para a mãe, mas perpassa o discurso materno e atinge a
criança que se apercebe que também ela está submetida
a uma lei. O Nome-do-Pai é o significante que viabiliza a
simbolização da mãe.

Em suma, num primeiro tempo lógico, a mãe ocupa o


lugar de Outro absoluto e, em seguida, o Nome-do-Pai
vem interditar esse Outro onipotente, instalando a lei em
seu lugar, mediante uma nova configuração, permitindo a
entrada da criança no simbólico. O falo, que ocupava o
lugar de objeto imaginário do desejo da mãe, atinge o
estatuto de significante do desejo do Outro e, a partir de
então, inscreve-se a castração no Outro e o inconsciente
se constitui barrado.
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A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE


Neste contexto, a metáfora paterna convoca a
significação do falo no imaginário do sujeito, contudo, o
fato do falo assumir o caráter de significante se dá ao
preço do desaparecimento do mesmo. Sendo assim, a
castração simbólica tem como conseqüência seu
surgimento no imaginário enquanto falta.

O significante do falo permite ao sujeito conferir


significações aos seus significantes, bem como se situar
no universo simbólico e na partilha dos sexos como
homem e como mulher. O sujeito sai, assim, de um lugar,
no qual ele estava identificado ao falo, para uma posição
de falta-a-ser, na qual será confrontado pela dialética não
mais do ser ou não ser o falo, mas do ter ou não tê-lo.
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A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE
 O terceiro tempo lógico proposto por Lacan remonta ao
declínio do Complexo de Édipo, no qual o sujeito, o
menino, por exemplo, assumiria a posição de ter o falo,
podendo se apropriar de várias significações de seu
pênis, provisoriamente confundido com o falo.

A inscrição do significante Nome-do-Pai propicia o


advento do significante do desejo, baliza a entrada do
sujeito no simbólico e o desenrolar de sua cadeia
significante no inconsciente, que remete a questões
referentes à existência e ao sexo.

Na psicose, a inscrição do Nome-do-Pai não se instala e o


sujeito fica colado à mãe que continua a ocupar o lugar
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A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE
 A operação do Nome-do-Pai é o fenômeno que propicia a
significação fálica que, por sua vez, permite a significação
do desejo da mãe: o falo é o significante do desejo
materno.

Como no sujeito psicótico não se inscreve este


fenômeno, é possível pensar que ele não deseja, pois não
se reconhece em falta, permanecendo eternamente
submetido à fantasia de uma completude e aos caprichos
e desejos de sua mãe, como um apêndice da mesma.

Não se trata apenas de não reconhecer o Nome-do-Pai, e


sim de sua exclusão. Não é algo que o psicótico nega, pois
até para negar é preciso que haja um reconhecimento,
como se dá com o perrverso.
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A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE
 Esse processo de exclusão do Nome-do-Pai recebe o
nome de foraclusão, tornando-se o mecanismo por
excelência da psicose.

A foraclusão equivale à abolição da lei simbólica,


favorecendo, no psicótico, distúrbios no mundo dos
discursos. O que ele fala, é. Não faz metáfora, o
significante vem colado à palavra e assume um estatuto
de verdade absoluta em contraponto à dúvida inerente ao
neurótico.

O psicótico assume eternamente uma posição estrutural


de objeto de uso e de gozo do Outro – não barrado – em
função da não inscrição do significante do Nome-do-Pai.
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A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE
 Para adquirir o estatuto de sujeito, sujeito da linguagem,
do inconsciente e do desejo é preciso pagar um preço ao
valor do Édipo e, a partir de então, estar fadado a cumprir
a sentença da falta, da castração simbólica. Não pagar
este preço de comprometimento simbólico leva ao campo
das psicoses.

Em função da falha no advento da metáfora paterna, em


decorrência da foraclusão do Nome-do-Pai, uma série de
problemas acontecem na vida do psicótico. Dentre eles, as
alterações psíquicas que, em grande parte, decorrem de
alterações da percepção ou do pensamento. Seriam as
alucinações e os delírios comuns aos transtornos
psicóticos.
PSICOSE
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A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE


 A relação mãe-filho não espera o parto para
acontecer: o ponto de partida dessa relação
remonta ao momento em que começa sua história
biológica, na fecundação. Esse momento é definidor
do lugar que a criança ocupará, enquanto objeto de
desejo, no inconsciente materno.

O início da gravidez coincide com, ou acentua, a


instalação de uma relação imaginária na qual a
criança não é representada pelo que é na realidade,
um embrião em vias de desenvolvimento, mas por
um corpo imaginado, um corpo completo e
unificado, dotado de todos os atributos necessários
para isso.
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A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE


 É sobre essa imagem, suporte imaginário do embrião que

se despeja a libido materna. Durante a gestação, há,


portanto, de um lado, no nível biológico, esse lento devir
que transforma a célula em ser humano. Por outro lado,
no plano relacional, essa célula, desde o começo, é
representada pelo corpo imaginado que acompanha e
precede a criança.

A possibilidade dessa primeira inserção da criança no


imaginário materno enquanto “corpo imaginado”,
testemunha o fato de que a mãe pôde simbolizar seu
discurso em torno de um significante correspondente à
ordem humana na qual ela própria se insere, mas que
reconhece como lhe sendo pré-existente e independente
de sua própria existência.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE


 Essa dimensão histórica materna é indispensável para
que o sujeito seja reconhecido como um elo que vem se
inserir numa cadeia significante da qual ele é o fim e
cujo prosseguimento ele tem que garantir.

 A mãe do psicótico não é alguém que faz a lei, ela é a


lei. Esse tipo de mães poderiam ser chamadas de fora de
lei e não de mães fálicas.

 Mulher fálica é um sujeito para quem o falo e fazer a lei


são duas entidades indissolúveis: é porque se identifica
com o homem que a possui, que ela entra em conflito de
rivalidade com ele, tentando impor-lhe sua lei. No
entanto, no plano social, essas mulheres são hiper-
rígidas: reconhecem a lei fálica e procuram apropriar-se
dos emblemas reconhecidos por essa lei.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE

Com as mães de psicóticos, as coisas são de uma


ordem completamente diferente: jamais aceitaram
as regras do jogo e nem os compromissos
correspondentes. Elas estipulam suas próprias
regras.

Se elas não são psicóticas, se suas defesas lhes


permitem um tipo de aparente adaptação ao real,
por outro lado, a própria ahistoricidade delas, sua
má inserção social, suas exclusão na ordem da lei é
algo sempre presente.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE

É possível, e provável, que o filho seja


fator desencadeante de uma brusca
descompensação ao nível das suas defesas
(o que explicaria porque é justamente na
relação com seus filhos que se concretiza
aquilo que nelas é da ordem de uma
perversão ao nível da lei).

Por outro lado, o filho lhes permite


tamponar essa mesma brecha fazendo do
corpo da criança o escudo que acolhe e fixa
qualquer erupção do recalcado mal contido.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE

 Esse tipo de mulher é a única que tem uma


relação com a criança real enquanto embrião.

 O embrião é a testemunha de que a mãe é a lei,


de que não tem nenhuma simbolização possível,
fálica ou não, nem nenhum emblema através do
qual seja possível reconhecê-la e nomeá-la.

Não tem outro ponto de referência a não ser a de


uma onipotência, que pretende manter através da
prova de sua eficácia, a manutenção da exclusão e
do não reconhecimento de tudo quanto for da
ordem da lei simbólica.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE

 O que é narcisicamente investido ao nível do


embrião é o significante da onipotência materna,
que marca a mãe enquanto ser humano em sua
relação com a lei.

 A presença dessa única relação implica para o


filho uma primeira castração maciça; tudo o que,
em seu corpo lembrar a contribuição paterna, é
negado e anulado: em primeiro lugar, tudo aquilo
que poderia fazer lembrar que ele é fruto de uma
união sexual e que, enquanto ser sexuado, ele é
também filho do pai.

A foraclusão do Nome-do-Pai tem aqui sua


origem.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE


A gravidez pode, nesse sentido, ser causa de um
retorno maciço do recalcado, retorno que, se não acaba
numa psicose, torna todavia, psicogênica sua relação
com a criança.

Parece existir para essas mães um tipo de


impossibilidade para representar imaginariamente à
criança que virá: a relação parece dar-se entre a mãe e
uma massa no interior de si mesma, uma espécie de
enchimento corporal, de órgão acrescentado que,
nela ,e graças a ela, se desenvolve. Esse tipo de mulher
é a única que tem uma relação com a criança real
enquanto embrião.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE



Se normalmente a presença do corpo imaginário é o que
permite, desde o início, um investimento libidinal da
criança enquanto corpo separado, nesse caso, assistimos
não a um desinvestimento do narcisismo em favor da
futura criança, mas a um sobreinvestimento narcisista
daquilo que é sentido como uma produção endógena,
como algo que se acrescenta ao próprio corpo.

Parece existir, para essas mães, um tipo de


impossibilidade para representar imaginariamente a
criança que virá. A relação entre elas parece ser entre a
de uma mãe e uma massa no interior de si mesma, uma
espécie de enchimento corporal, de órgão acrescentado
que, nela, e graças a ela, se desenvolve.
PSICOSE
Tereza Dubeux
A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE

No plano da dinâmica libidinal esse “corpo real” aparece,


então, como um simples prolongamento do narcisismo


materno, razão porque o parto corre o risco de ser vivido
como uma experiência de luto, a perda insuportável de
um objeto investido narcisicamente, podendo causar uma
psicose puerperal.

O “corpo real” da criança não terá outro reconhecimento,


ou outra razão de ser, se não permanecer testemunha da
onipotência da função materna.

Por essa razão, esse investimento só pode recair sobre


aquilo que na criança é suporte e meio da demanda e
jamais do desejo.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE


O cuidado com o estado dos órgãos, o bom andamento
das funções que ela controla, lhe asseguram a
onipotência.

Antes de ser um corpo despedaçado, a criança é um


corpo feito de pedaços, pois só assim pode continuar
como testemunha da lei materna: separada da mãe
espacialmente, permanece indissoluvelmente ligada a
ela ao nível daquilo que é da ordem da funcionalidade.

Neste contexto, só a metáfora paterna convocaria a


significação do falo no imaginário do sujeito, permitindo
o corte com esta relação dual com a mãe.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PERSPECTIVA LACANIANA DA PSICOSE

A constituição do sujeito humano é inerente à relação


com a sua imagem. Essa imagem é a base da formação do
seu eu.

Assim, por um lado, a imagem lhe permite diferenciar


sua própria imagem da imagem do outro; por outro lado,
evita a luta erótica, ou agressiva, provocada pelo conflito
não intermediado de um com o outro, no qual a única
escolha possível é “ele, ou eu”.

Nessa ambigüidade essencial, em que pode estar o


sujeito, a função do terceiro é a de regular essa
instabilidade fundamental do equilíbrio imaginário com o
outro.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A ESTRUTURA PSICÓTICA E O EGO ESPECULAR


 O encontro com o ego especular, antes de mais nada, é
descrito por seu caráter jubilatório: aquilo que surge no
espelho é essa imagem na qual me vejo com o corpo inteiro,
independente, corpo que domino até poder fazê-lo
desaparecer e renascer para mim e para o Outro.

 Ao assumir o corpo imaginário como minha imagem,


investindo sobre ele a minha libido, ele se torna meu ego
ideal, suporte de meu narcisismo. A partir daí, será ele que
terá que me assegurar que meu corpo existe como outra coisa
independente e não apenas um continente de necessidades
vindas de outro lugar.

O que permite esse reconhecimento é o movimento através


do qual a criança se volta para aquele que a sustenta para
pedir o seu consentimento. Através do viés do reconhecimento
do Outro, a criança se reconhece.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A ESTRUTURA PSICÓTICA E O EGO ESPECULAR

 Desde o início, a criança foi reconhecida como corpo imaginário,


por esta razão ela pode reconhecer no ego especular seu ego
ideal. O ego especular já é um objeto cobiçado por ser investido
pela libido materna.Transforma-se, então, em ego ideal (objeto
do narcisismo primário). É preciso considerar que essa imagem do
ego ideal é ilusória pois, nesta época, a criança ainda é imatura
em sua motricidade e depende do Outro para poder perceber-se
como inteira.

Com o psicótico passa-se outra coisa: o que ele vê no espelho o


deixará para sempre siderado de terror, pois o que lhe aparece é
seu corpo tal como em sua realidade é visto pelo Outro: conjunto
muscular mantido unido, pelos braços que o aprisionam ou o
sustentam: o que se desenha no espelho é ela mais o Outro,
porém o Outro enquanto agente da castração e ele como lugar
dessa castração.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A ESTRUTURA PSICÓTICA E O EGO ESPECULAR

O que o espelho lhe remete, indefinidamente, é ele


enquanto lugar da castração. É preciso acrescentar que
aquilo que se reflete no espelho enquanto ego especular,
fecha, para sempre, para o psicótico, toda possibilidade e
toda via de identificação.

A foraclusão desse mecanismo essencial é o que


estruturalmente caracteriza o fenômeno psicótico
enquanto tal. Qualquer relação imaginária com o Outro,
por se apoiar sobre o ego especular, se torna impossível e
como toda assunção do desejo pressupõe a identificação
do eu com seu ego especular, será o desejo que estará
para sempre interditado para o psicótico: é essa dialética
insolúvel que está na base dessa relação com o seu real.
PSICOSE
Tereza Dubeux
A ESTRUTURA PSICÓTICA E O EGO ESPECULAR

A partir desse momento, o sujeito terá duas percepções possíveis:

 a nível da demanda percebe uma dimensão de realidade bruta,


que nega ao objeto qualquer significação libidinal, chocando-se
com ele e reconhecendo-o ao modo de um cego;
 ou percebe exclusivamente seu valor significante, mas esse
valor é tal que não pode ordenar a realidade que o cerca, de
qualquer modo que seja.

 A psicose ensina que na falta do significante, o real emerge


plenamente em sua condição de estar fora do processo de
significação. O mundo aparece como estranho e o sujeito fica
colocado numa relação contígua à própria cadeia significante.
PSICOSE
Tereza Dubeux
A ESTRUTURA PSICÓTICA E O EGO ESPECULAR

Conseqüências:
1. Não se realiza a metáfora paterna, e ao não se
constituir a condição básica para o recalque primário,
o psicótico se vê radicalmente impossibilitado de usar
a linguagem em sua dimensão simbólica (sofre o
rebote real da linguagem), tornando-se
impossibilitado de negar algo no plano de um discurso
onde tudo se afirma para ele.

2. Outra conseqüência: o mundo deixa de ser um mundo


de aparências, perde-se a representação das coisas e a
imagem fornecida pelo fantasma desaparece.
Estabelecem-se as condições para os fenômenos
alucinatórios.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ESTRUTURA PSICÓTICA E O EGO ESPECULAR


Conseqüências ( continuação )

O sujeito recebe as mensagens de forma imperativa,


favorecendo os fenômenos de passagem ao ato. Cada significante
se transforma isoladamente num enigma para o psicótico,
podendo ter uma quantidade inumerável de significações e
reproduzir os graves distúrbios de linguagem da psicose.

Após o mergulho na loucura, começam a aparecer


manifestações produtivas, que mostram a importância com que
esses doentes investem nas palavras numa tentativa vã de cura e
de reconstrução do mundo. Esta reconstrução, que pode se
ocupar dos mais variados temas, busca dar uma significação a
esse novo mundo.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ESTRUTURA PSICÓTICA E O EGO ESPECULAR

 Na regressão à fase do espelho, a imagem do corpo


próprio se fragmenta e modifica radicalmente a relação do
sujeito com o seu corpo. Essa regressão possibilita
explicar os vários fenômenos somáticos da psicose, assim
como as alterações em relação ao tempo e ao espaço.


PSICOSE
Tereza Dubeux

FORACLUSÃO
 A posição teórica de Lacan a propósito da
foraclusão varia conforme os seus textos e a
época de sua elaboração teórica.

 A foraclusão se elabora a partir da distinção em


três partes, que Lacan estabelece entre o mito da
atribuição universal do pênis a todos os seres
humanos (o Todo universal), a descoberta da
criança de que existe pelo menos uma pessoa
castrada, a mãe, que constitui uma exceção à
universalidade do mito (o Um da existência) e o
fato da própria falta.
PSICOSE
Tereza Dubeux

FORACLUSÃO

 Ele ressalta, portanto, três elementos, o Todo


universal, o Um da existência e a falta em si. Essa
tríade do Todo de uma ilusão, do Um de uma
exceção e da falta, constitui uma matriz que
Lacan considera segundo uma perspectiva lógica e
segundo uma perspectiva edipiana.

 A primeira perspectiva define a dimensão


simbólica e a segunda define a tríade pai, mãe e
filho.
PSICOSE
Tereza Dubeux

FORACLUSÃO
 Quer se trate de uma ou de outra dessas perspectivas, o que
está em jogo é sempre este tripé de base: o Todo, o Um e a falta,
sobre o qual atuará a foraclusão. A operação foraclusiva pode
incidir sobre o Todo, sobre o Um da existência ou sobre a falta.

Diferentemente de Lacan, Freud focalizou a foraclusão num


único elemento, o da representação intolerável, que equivale ao
Um da tríade lacaniana.

 Nos textos mais tardios, Lacan adotou uma outra posição


teórica, que se converteu em sua posição definitiva, segundo a
qual a foraclusão incide não sobre o Todo, mas sobre um
significante que seria desenvolvida à luz do mito edipiano.
PSICOSE
Tereza Dubeux

FORACLUSÃO

Esta primeira tríade simbólica do Todo, do Um e da falta,


converte-se, então, na figura ternária do todo da mãe onipotente,
do Um, dos significantes do Nome-do-Pai, e da falta representada
pelo desejo da mãe. A foraclusão se exercerá exclusivamente
sobre o significante do Nome-do-Pai.

O Nome-do-Pai, expressão de origem religiosa, não é o


equivalente ao nome patronímico de um pai em particular, mas
designa a função paterna como é internalizada e assumida pela
própria criança. É qualquer expressão simbólica produzida pela
mãe, ou pelo filho, que represente a instância terceira, paterna,
da lei da proibição do incesto.
PSICOSE
Tereza Dubeux

FORACLUSÃO
O Nome-do-Pai, entendido como expressão do desejo da mãe ou
do desejo do filho, é qualificado por Lacan de metáfora paterna,
ou seja, metáfora do desejo da criança perpassada pelo desejo da
mãe.

O Nome-do-Pai não designa alguma coisa objetiva, localizável,


nomeável, mas é qualquer expressão significante que venha
ocupar o lugar da metáfora do desejo da criança ou do desejo da
mãe.

Um sintoma, um gesto, uma palavra, uma decisão, uma ação,


todos são em sua diversidade, exemplos de significantes do
Nome-do-Pai, sendo cada um deles uma expressão singular do
desejo. O lugar do Nome-do-Pai é sempre um, mesmo que os
elementos que o ocupem sejam múltiplos.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A INJUNÇÃO – APELO AO NOME-DO-PAI


 O que define acima de tudo o Nome-do-Pai é o seguinte fato: o
significante do Nome-do-Pai é a resposta sempre renovada a um
apelo proveniente de um outro, de um semelhante externo ao
sujeito.

 A foraclusão consiste precisamente na suspensão de qualquer


resposta ao apelo dirigida a um sujeito, de ter que fornecer uma
mensagem, praticar um ato ou instituir um limite.

Por isso, a foraclusão é a não vinda do significante do Nome-do-


Pai no lugar e no momento em que ele é chamado a advir.
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Tereza Dubeux

A INJUNÇÃO – APELO AO NOME-DO-PAI

 Diferentemente do neurótico que resolveu


confiar na função paterna e está referido a um
saber organizado ao redor de um pólo central
ao qual se devem e se medem todas as
significações, falta ao sujeito psicótico uma
amarragem, uma organização centralizada do
seu saber que lhe dê as significações do mundo.

 O certo é que não haverá uma significação que


seja a mesma para todos os psicóticos, como a
fálica é para os neuróticos.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A INJUNÇÃO – APELO AO NOME-DO-PAI

 No momento em que a injunção chega, o que era um


saber para o psicótico entra em estado crepuscular, não
vale mais. O sujeito, mesmo quando entra nesse estado
crepuscular, fica sem nenhum tipo de significação. Para
entendermos melhor:

1. O saber do sujeito psicótico fora de crise está


organizado de uma forma específica, segundo
referências imaginárias, sem uma amarragem
central homóloga à função paterna na neurose.
2. Uma injunção não negociável bate no sujeito,
exigindo que ele se refira a uma função paterna.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A INJUNÇÃO – APELO AO NOME-DO-PAI

3. De repente o seu saber se crepusculariza e a


forma específica desse saber aparece como
falta no simbólico da instância evocada pela
injunção: foraclusão, ou abolição da função
paterna.

4. Os significantes evocados pela injunção falam


no real porque a função mesma que eles são
chamados a ocupar não está simbolizada pelo
sujeito. O psicótico constrói a metáfora
delirante, como uma tentativa de substituir a
metáfora paterna.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A INJUNÇÃO – APELO AO NOME-DO-PAI

 O desencadeamento de uma crise é relativo a


uma injunção, alguma coisa chega ao sujeito
fazendo um apelo a uma referência à função
paterna.

 Referir-se a uma função paterna significa


organizar-se como sujeito e obter sua
significação de sujeito em relação a uma
amarragem fixa, central, que organizaria seu
saber.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A INJUNÇÃO – APELO AO NOME-DO-PAI

5. Essa metáfora é considerada delirante, não pelo fato de


ser inverossível, mas por uma razão estrutural, pois o
lugar central dessa amarragem não está simbolizado por
ser algo que não estava no saber do sujeito e que vai ficar
no real.

 É importante considerar que o que é foracluído é a função


organizadora do Nome-do-Pai, é a amarragem enquanto
tal, não é que o paciente psicótico não disponha de
significantes para falar de seu pai, de sua família, que não
existam significantes relativos ao quadro edípico.

 O problema é que esses significantes não têm a função de


amarragem central como na metáfora neurótica.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A INJUNÇÃO – APELO AO NOME-DO-PAI

 Trata-se da foraclusão de uma função: o que vai


falar no Real e não está simbolizada é a função
paterna. Por exemplo, o que vai produzir-se no
Real, sob a forma de alucinação auditiva, é a
função paterna.
 Essa função paterna vai surgir com significantes
que já estavam no saber do sujeito. O pai com o
qual o psicótico vai lidar no Real para poder
constituir uma metáfora delirante, não é um pai
abstrato, surge a partir da constelação significante
paterna inerente à sua dinâmica familiar.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A INJUNÇÃO – APELO AO NOME-DO-PAI

 O fato de haver foraclusão do Nome-do-Pai para um


sujeito psicótico não implica que não haja uma história de
uma certa forma edípica, o problema é que essa história
edípiana não produziu uma metáfora do tipo neurótico. Os
significantes paternos dessa história fazem parte do saber
do sujeito como qualquer outro significante. O que não é
simbolizável é a função central desse significante.

 É porque essa função central vai ser imposta pela


injunção que esses significantes vão voltar para o sujeito
no Real.

 A metáfora delirante é uma metáfora para-paterna,


pseudopaterna, que responde à necessidade para o sujeito
psicótico de estruturar-se como o neurótico. É uma a
resposta à injunção.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A INJUNÇÃO: UM APELO AO NOME-DO-PAI


 A psicose é vista por Lacan como uma decorrência de uma
contingência do acontecimento: um encontro com o Real,
funcionando como uma injunção, pode romper as significações
que compensavam a falta da metáfora paterna. Por exemplo, uma
paternidade, uma revelação religiosa, uma traição conjugal, um
falecimento inesperado, uma falência profissional, uma derrota
política, etc.
 Diante de uma nova verdade, o saber falta e a interrogação
permanece suspensa. Qual vai ser a resposta psicótica a essa
interrogação?
 Para que o psicótico venha dar uma resposta, é preciso haver
coincidência, o encontro fortuito de duas eliminações: uma do
imaginário e uma do simbólico.
PSICOSE
Tereza Dubeux

CARACTERÍSTICAS DO FENÔMENO PSICÓTICO


 A Elisão ou Eliminação do Imaginário:
- O imaginário que servia de suporte e de ponto de referência
na prepsicose falha um dia. Há uma descompensação em
conseqüência de uma escolha a fazer.
2. A Elisão ou Eliminação do Simbólico:
- Uma psicose se desencadeia quando a essa falha do
Imaginário vem se acrescentar uma segunda pelo encontro
de um outro acontecimento: o apelo a um significante de
base, apelo vindo de uma autoridade dita paterna e dirigida
ao sujeito.
- Essa invocação situada no Outro, lugar dos significantes
primordiais, não é recebida pelo sujeito porque está
foracluída, abolida, sem afirmação possível.
PSICOSE
Tereza Dubeux

CARACTERÍSTICAS DO FENÔMENO PSICÓTICO

 Uma psicose se desencadeia a partir da coincidência de dois


furos: de um lado, no imaginário, e do outro, no simbólico,
pela ausência de apelo ao Nome-do-Pai.

 Desses furos, que é na verdade único, vai engendrar-se um


desencadeamento da fala conforme dois tempos sucessivos:
o da perplexidade e o da convicção.
- Perplexidade: Falas se impõem ao sujeito como vindas do
exterior sob forma de vozes, como ecos do pensamento,
como enunciações de atos a cumprir ou como comentários
deste. Após um acontecimento novo diante do qual o sujeito
não sabe o que fazer, ele sente como se sinais lhe fossem
pessoalmente dirigidos: tal frase ouvida que se repete, etc.
PSICOSE
Tereza Dubeux

CARACTERÍSTICAS DO FENÔMENO PSICÓTICO

 Há intrusão do significante: isso fala sozinho,


automaticamente, conforme uma sonoridade específica, com
o sentimento do sujeito de que ele mesmo tem a ver com
isso, isso fala para ele. O discurso interior não pára.
- Convicção: o delírio tem por função dar resposta ao
enigma: é uma tentativa de reconstrução do universo do
psicótico de modo a que ele possa pelo menos viver lá de
novo.
- O delírio dá significações às vozes já que os significantes
estão reduzidos à mera função de exprimi-los. No lugar onde
falta a metáfora paterna vem outra metáfora: a da
impregnação, a da fecundação feminina em vista da
procriação de uma nova humanidade, ou qualquer outra.
PSICOSE
Tereza Dubeux

CARACTERÍSTICAS DO FENÔMENO PSICÓTICO

 Essas significações são atribuídas ao outro: é o outro quem


tem a iniciativa, seja qual for o delírio. O outro é implicado
pelo psicótico e não o inverso.

 Na medida em que a um certo apelo o sujeito não pôde


responder, o delírio vem recobrir a relação com o Outro por
uma abundância imaginária de modo de seres que são
igualmente relações com o pequeno outro.

 O outro é poderosamente afirmado, mas sob o modo da


relação dual, imaginária, por uma proliferação de
significações. Assim, a estrutura imaginária acaba por ser
restaurada.
PSICOSE
Tereza Dubeux

CARACTERÍSTICAS DO FENÔMENO PSICÓTICO


 Freud, em sua análise de Schreber, faz questão de sustentar
que o objeto delirante seja do mesmo sexo do psicótico.

 Lacan vai dizer, no entanto, que o que Freud designa por


homossexualidade é a relação com o semelhante como
imagem, aquele que é conhecido. O heteros do Outro sexo
escapa por definição.

Elisão Restauração
1. Do imaginário 3. No real:
perplexidade
2. Do simbólico
4. No imaginário:
delírio
PSICOSE
Tereza Dubeux

DIFERENCIAÇÃO DAS PSICOSES


NEUROSE PSICOSE
HISTERIA E
S
pai que retorna no Real - dificuldade de constituição Q
pai enfraquecido / castrado do delírio U
I
- pobreza de alucinações Z
F
auditivas R
- riqueza de alucinações não E
N
auditivas I
A

Na crise de um paciente esquizofrênico, existem tentativas de constituição de um


delírio, que são permanentes e descontínuos. O que vai existir é uma tentativa de
constituição de uma metáfora delirante, numa alternância permanente entre essa
tentativa, seu fracasso e o surgimento de alucinações não auditivas. O problema é que
dificilmente constitui-se um delírio viável, um delírio com o qual o sujeito possa
sustentar-se em uma significação. O trabalho de constituição de um delírio que deveria
substituir o saber psicótico, caiu no crepúsculo. Se o delírio não chega a constituir-se
é porque o pólo a partir do qual se sustentaria a metáfora, o pai é débil, manifestando-
se pouco, ocasionando então, escassez de alucinações auditivas.
PSICOSE
Tereza Dubeux

DIFERENCIAÇÃO DAS PSICOSES


NEUROSE PSICOSE
OBSESSÃO
pai incastrado / não castrado - facilidade de constituição P
pai completo / sem falhas do delírio A
R
- alucinações auditivas A
N
- pobreza de alucinações não Ó
auditivas I
A

Na paranóia, a constelação paterna que volta no Real é o pai não castrado. Por essa
razão é possível encontrar facilidade de constituição do delírio, riqueza de alucinações
auditivas, riqueza de manifestações do pai no Real e escassez de alucinações não
auditivas. O êxito da constituição do delírio funciona como uma defesa efetiva do
sujeito, sustentando-o numa significação. As alucinações cenestésicas surgem
freqüentemente no quadro paranóico como uma tentativa de sexuação do sujeito.
Essas alucinações poderiam ser pensadas como alucinações auditivas na medida em
que seriam manifestação de uma tentativa de sexuação Real pelo pai (efeitos de sua
voz). Elas teriam a ver com a transformação do sexo do sujeito (transexualismo).
PSICOSE
Tereza Dubeux

DIFERENCIAÇÃO DAS PSICOSES


NEUROSE PSICOSE
FOBIA
pai constitucionalmente - abandono objetal à P M D
S A E
insuficiente demanda do Outro (depressão) N P
I
- excesso de significação C Í R
O A E
pai terrificante (mania) S C S
- riqueza de alucinações não E O S
I
auditivas V
A

A fobia apresenta sempre duas faces. Por um lado, existe a fobia de significantes,
como a dos objetos cortantes, dos animais etc. Por outro lado, as fobias do espaço,
que são propriamente fobias relativas à posição de objeto do sujeito, fobias de ser
punido pelo outro, aspirado no seu gozo. A referida oscilação dar-se entre um esforço
para produzir um excesso de pai, esforço este que nunca se apaga, e a queda
imediata desse esforço, um risco objetal que produz uma fobia de espaço ou ainda
uma posição depressiva. Esse tipo de constelação paterna produziria na psicose uma
oscilação entre um excesso de significação do lado da mania e um abandono objetal
do lado da depressão.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A ESQUIZOFRENIA


Segundo Freud, a esquizofrenia é uma entidade
clínica que se distingue, no interior do grupo das
psicoses, por uma fixação numa fase muito precoce
do desenvolvimento da libido; por caracterizar-se por
uma desarticulação das diversas funções psíquicas e
por um mecanismo particular de formação dos
sintomas:

-O investimento excessivo das representações da


palavra, ocasionando transtornos da linguagem e das
representações de objeto, causando as alucinações.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A ESQUIZOFRENIA

 A esquizofrenia não é um conglomerado de sintomas. Ser


esquizofrênico é mais do que ter esquizofrenia. É possível dizer
que a esquizofrenia se mantém um passo adiante do
esquizofrênico, o qual se sente vítima passiva do que lhe
acontece, como se os seus sofrimentos viessem do exterior.

A esquizofrenia não é um estado de coisas, é um


acontecimento puro da irrupção de um dizer que se mantém
sempre um passo adiante de tudo o que o esquizofrênico
exprime, e sempre marca um passo adiante de tudo que dele
pode ser dito.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A ESQUIZOFRENIA

 Esse passo adiante é, nesse caso, a própria estrutura: a


esquizofrenia é um distúrbio da emergência, um excesso
incontrolável de um dizer anárquico, que não pode se apoiar
num dito.

 Esse passo adiante é também um não foraclusivo que furta a


superfície de inscrição sob cada inscrição a vir.

 Esse não antecipado é a recusa de Freud ou a foraclusão de


Lacan. Trata-se de uma incapacidade de impor um não
pensamento no lugar do pensamento.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A ESQUIZOFRENIA

 Tanto Freud quanto Lacan dedicaram poucos trabalhos


teóricos relativos à esquizofrenia.
 Foi apenas por motivos de estrutura que Freud foi levado a
conservar a unidade clínica da esquizofrenia no campo das
psicoses, e também para distingui-la da paranóia. Ele
questionava a pertinência deste termo para designar esta
patologia.
 O mecanismo do recalcamento era visto como o mesmo nos
dois casos, diferenciando o campo das psicoses do das
neuroses, sendo sua característica principal o desapego da
libido do mundo exterior e sua regressão para o eu (não como
objeto fantasmático como nas neuroses).
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A ESQUIZOFRENIA

 Freud distingue a esquizofrenia da paranóia por suas


características: por um lado, a localização diferente da fixação
predisponente e, por outro, a um mecanismo diverso do
retorno do recalcado ( a formação dos sintomas).
 O que ele entende por isso?

 Inicialmente, sempre há um investimento, pelo sujeito de um


objeto sexual, apego da libido ao objeto. É, em uma
perspectiva fálica imaginária que o sujeito aborda a realidade;
a satisfação que obtém dela, mesmo que seja sempre limitada,
depende, em compensação, de determinações simbólicas
inconscientes.
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Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A ESQUIZOFRENIA

 Quando essas determinações correspondem a uma situação


de inacabamento do complexo de Édipo, de não assunção da
castração pelo sujeito, desencadeia-se um conflito.
 Freud põe em oposição o investimento do objeto sexual, pelo
sujeito, a uma terceira instância, edipiana, uma referência
paterna, ou seja, à própria realidade, pois são esta instância e
essa referência que a sustentam, que são seus elementos
organizadores.
 Esse conflito provoca um fracasso, uma frustração na
realidade, obrigando o sujeito a desligar sua libido do mundo
externo. O recalque permitiria esse desligamento.
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Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A ESQUIZOFRENIA

 Nesta etapa, Freud faz intervir a fixação predisponente, que


constitui a dimensão passiva do recalque, que reside no fato de
que um componente da libido não cumpre a evolução normal
prevista, permanecendo imobilizado em uma fase infantil.
É dessa localização da fixação, variável, que irá depender a
importância da regressão da libido.
 A libido, desligada do objeto pelo processo de recalcamento,
fica livre e é levada a reforçar o componente da libido que ficou
para trás e a romper “ os diques no ponto mais fraco do
edifício”.
Freud vê nessa ruptura a manifestação do fracasso do
recalque e o surgimento dos sintomas ( retorno do recalcado).
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A ESQUIZOFRENIA

 Essas manifestações sintomáticas, que se toma, em geral,


pela doença, são, para Freud, “tentativas de cura”.
 Na esquizofrenia, levando em conta a evolução menos
favorável do que na paranóia, Freud deduz que a regressão
não se limita a atingir a fase do narcisismo (que se manifesta
no delírio de grandeza), mas que ela vai até o completo
abandono do amor objetal e o retorno ao auto-erotismo
infantil.
 O segundo critério que distingue a esquizofrenia da paranóia,
para Freud, refere-se à natureza do mecanismo posto em ação
na formação dos sintomas.
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Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A ESQUIZOFRENIA

 Na esquizofrenia, a tentativa de cura não utiliza o


mecanismo da projeção nem do delírio, como na paranóia,
para tentar reinvestir os objetos, mas o da alucinação. Além
disso, ele acrescenta, posteriormente, há o investimento
excessivo nas palavras que corresponde aos transtornos de
linguagem observados na esquizofrenia. Alguma dessas
alterações da linguagem tais como:- confusão entre significante
e significado em que se inscreve o não acesso do sujeito à
ordem simbólica, como no discurso decorado e no uso
inadequado de palavras que o sujeito não entende.
 É comum também o uso de neologismos, a desorganização
sintática, o caráter rebuscado e maneirista da expressão verbal
e outras extravagâncias.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A ESQUIZOFRENIA

 Lacan fez alguns progressos no estudo desta psicose, ao


poder contar com os instrumentos da lingüística moderna. O
progresso feito por ele, leva em conta a referência à cadeia
significante e sua tese de que o inconsciente é estruturado
como uma linguagem.
 Assim, a perda do poder metafórico das palavras poderia

estar relacionado com uma carência fundamental , que


constitui a definição da psicose: a falta da metáfora paterna.
 De fato, só esta metáfora permite transpor as coisas da
ordem real para a ordem simbólica, tornando o sujeito humano
capaz de lidar com sua ausência, ou seja, com a sua presença
simbólica. A esquizofrenia ilustra esse poder de irrealização
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A ESQUIZOFRENIA

 Perturbações no triângulo edipiano – a foraclusão


do Nome-do-Pai promove a substituição do
triângulo edípico por uma relação bi-polar que
tende a auto-anular-se: o sujeito ocupa o lugar do
pai , excluindo-o.

 Tende a fundir-se e ,a confundir-se, com a mãe.


É como se houvesse o desejo de ser pai de si
mesmo com a própria mãe. Por essa razão, trata-se
de um pseudo triângulo edipiano.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A ESQUIZOFRENIA

A esquizofrenia ilustra bem esse poder de


irrealização pela importância da irrupção do símbolo
no Real, sob a forma de cadeia rompida, alucinatória
ou neológica. Lacan chega a afirmar que, para o
esquizofrênico, todo símbolo é real.

Outros fenômenos identificáveis na esquizofrenia são:


 Identificação do nascimento à morte
 Prevalência da bissexualidade : não consegue situar-
se frente à diferença dos sexos.
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Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA

Definição
 A paranóia é uma psicose que se caracteriza por um delírio
sistematizado em que predomina a interpretação, e pela ausência
de enfraquecimento intelectual.

Freud inclui na paranóia os delírios de perseguição, a


erotomania, o delírio de ciúme e o delírio de grandeza.

A grande contribuição da psicanálise ao estudo da paranóia foi


pôr em evidência os mecanismos psíquicos que estão em jogo
nessa psicose e a parte irrefutável da psicogênese na sua
etiologia.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA

Histórico
 A hipótese inicial de Freud era de que ele podia abordar as
manifestações psíquicas da paranóia à luz dos conhecimentos que
a psicanálise tinha adquirido sobre as neuroses, pois ele
acreditava que elas decorriam dos mesmos processos gerais da
vida psíquica.
 Já em 1894, Freud escrevia que as idéias delirantes deviam ser
classificadas ao lado das idéias obsessivas, sendo ambas
distúrbios puramente intelectuais; a paranóia situa-se ao lado do
distúrbio obsessivo na qualidade de psicose intelectual.
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Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


 Continuando, ele diz que se as obsessões são atribuídas a
algum distúrbio afetivo e demonstram que devem sua força a
um conflito, portanto, a mesma explicação deve ser válida para
as idéias delirantes.

 Freud afirma que: “essas pessoas se tornam paranóicas


porque não podem tolerar certas coisas, mas é necessário
ainda que seu psiquismo tenha uma disposição particular para
isso”.

 Em 1896, ele descreve o desenvolvimento do processo


paranóico na seguinte ordem: incidente, lembrança, desprazer,
retirada da crença (desconexão) e recalque.
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Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


Em conseqüência desse processo, o paranóico presume que o
outro imputa a ele o traço ou o desejo que ele renega.

No ano seguinte, surge o primado da organização edipiana e,


sem dúvida, a paranóia contribuiu para a descoberta desta
organização na mesma medida em que a elucidação do Édipo
exerceu influência sobre a análise da paranóia.

 A paranóia põe em evidência um tipo de defesa que implica a


renegação da crença, a relação do sujeito com o outro. O Édipo
sela essa investigação na medida em que confere a essa
experiência suas dimensões normativas.
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Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


 Em 1897, data em que ocorre a virada decisiva no
desenvolvimento da psicanálise, os seguintes temas
pareciam estabelecidos:

1. O elemento que mobiliza a projeção paranóica provém da


intolerância do paranóico do fato de que os outros
conheçam deles o que eles mesmos ignoram.
2. As características gerais dessa doença: a importância
atribuída à voz, ao gesto e ao tom, traduzem a cisão entre
o alter ego e a lembrança recalcada.
3. A paranóia é a estrutura que menos depende das
determinações infantis.
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Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


 Em 1899, Freud vai se preocupar com os determinantes da
‘escolha das neuroses’. Ele começa afirmando que entre as
camadas sexuais, a mais profunda é a do auto erotismo,
que não tem nenhum fim psicossexual em si, e exige
somente uma sensação capaz de satisfação localizada. Mais
tarde, o aloerotismo (homo e hetero) toma lugar, mas o
auto erotismo persiste sob a forma de uma corrente
independente.

 As neuroses (histeria e neurose obsessiva) são aloeróticas e


se manifestam por uma identificação com a pessoa amada.
A paranóia desfaz a identificação e restabelece todas as
pessoas amadas na infância, cindindo o eu em várias
pessoas estranhas.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


 Por esta razão, Freud considera a paranóia como uma
irrupção de uma corrente auto erótica, como um retorno a
uma situação infantil, modificando a sua tese anterior.

 No caso Schreber, ele evidencia três vias: a função da


projeção, a homossexualidade e o papel da fixação no eu.
Quanto à homossexualidade, constata que o perseguidor do
delírio paranóico é sempre uma pessoa amada.

 Na projeção, uma percepção interna é recalcada e seu


conteúdo, após sofrer uma deformação, retorna ao
consciente sob a forma de uma percepção vinda do exterior.
No delírio de perseguição, a deformação consiste na
transformação do afeto: o que deveria ser sentido como
amor é percebido externamente como ódio.
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Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


 Essa projeção possibilita ao sujeito evitar assim o perigo no
qual o colocaria a irrupção, em sua consciência, de seus
desejos homossexuais. Perigo considerável, devido à fixação
desses doentes na fase do narcisismo, o que faria da ameaça
de castração uma ameaça vital de destruição do eu.

 O delírio surge, portanto, como um meio para o paranóico


assegurar a coesão do seu eu, ao mesmo tempo em que
tenta reconstruir o seu universo.

 Ressalta, ainda, que a projeção não desempenha o mesmo


papel em todas as formas de paranóia, nem se manifesta
exclusivamente no curso da paranóia.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


 Sustenta que quatro tipos de funcionamento da projeção
permitem distinguir os grandes tipos clínicos da paranóia: a
persecutória, a de ciúmes, a erotomaníaca e a
megalomaníaca, que correspondem respectivamente aos
deslocamentos do verbo, do sujeito e do objeto do enunciado
e à totalização da enunciação implicitamente formada pelo
paciente.

 Como exemplo, ele cita o enunciado de base homossexual:


“eu, um homem, amo um homem”; primeiro sua negação:
“eu não o amo, eu o odeio”, depois a inversão das pessoas:
“ele me odeia”.

 No entanto, a projeção não fornece o fundamento da doença.


Para chegar a ele, é preciso referir-se à interrupção do
desenvolvimento libidinal que é a fixação do sujeito no eu.
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Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


 A problemática da identificação foi reconhecida, por Freud,
como móbil do processo paranóico. Essa questão remete à
própria gênese da identidade, a essa matriz de identificação
que é a integração num mesmo corpo, das zonas erógenas
anteriormente dispersas.

 Na tentativa de entender o papel dos desejos homossexuais


na gênese da paranóia, Freud propõe um estádio que a libido
atravessa no curso de sua evolução do auto erotismo até o
amor objetal, chamado de narcisismo. Esse estádio consiste
na reunião, pelo indivíduo, das pulsões sexuais numa unidade
que toma, em seguida, a si mesmo, ao seu próprio corpo,
como objeto de amor antes de passar à escolha de uma
outra pessoa como escolha objetal.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA

 É essencialmente em torno da relação erótica homossexual e


de um ponto de fragilidade que se encontraria em algum
lugar das fases do auto erotismo e do narcisismo que Freud
fundamenta sua explicação da paranóia.

 Essa referência ao narcisismo será melhor esclarecida a partir


de 1914, quando ele distinguirá mais claramente a libido de
objeto da libido narcisista, ao lado da qual colocará a psicose,
em seu conjunto. Tanto nos esquizofrênicos quanto nos
paranóicos, ele pressupõe um desaparecimento da libido de
objeto, em favor do investimento do eu e o delírio teria como
função reconduzir a libido ao objeto.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA

 Ao tomar a si mesmo como objeto de amor, os órgãos


genitais desempenham uma atração importante. A etapa
seguinte conduz à escolha de um objeto dotado de órgãos
genitais semelhantes aos próprios, isto é, à escolha
homossexual de objeto. Só mais tarde, é possível fazer uma
escolha heterossexual.

 Freud vai chamar a atenção para o papel desempenhado pelo


pai na paranóia. Analisando o caso Schreber, diz que o pai aí
intervém como um objeto de fixação homossexual. Diz,
ainda, que se essa relação se enraíza numa fixação narcísica,
isso ocorre na medida em que esse pai foi, para ele mesmo,
um objeto de amor, um objeto libidinal.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA

 Com a introdução dos conceitos de superego e da pulsão de


morte a clínica e a teoria da paranóia consolidam a
importância do pai e a sua articulação com a gênese do
social. Assim, se o grande homem é um substituto do pai,
como Freud coloca em “Moisés e o Monoteísmo”, é possível
admitir o papel que o superego desempenha na psicologia
coletiva. Vale ressaltar que, neste texto, Freud evoca o nome
do pai, mas vai caber a Lacan determinar a sua função.

 Se Freud, no caso Schreber, insistia sobre a integração das


zonas erógenas numa totalidade orgânica, a elaboração de
Lacan se faz em torno das noções do corpo despedaçado e
da identificação iterativa, ilustrada no estádio do espelho.
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Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


A perspectiva lacaniana da paranóia

 Retomando os textos freudianos, Lacan introduz um dado


essencial para compreender o que Freud chama de
“complexo paterno” no neurótico, e o que o distingue daquilo
que é encontrado no psicótico, esclarecendo, ao mesmo
tempo, o que significa a pretensa homossexualidade do
paranóico.

 Esse novo dado é a metáfora paterna, ou a função simbólica,


designada sob o termo de Nome-do-Pai, que convém
distinguir do pai real, pelo fato de que ela resulta do
reconhecimento, por uma mãe, não apenas da pessoa do pai,
mas, sobretudo, de sua palavra, de sua autoridade, do lugar
que ela reserva à função paterna simbólica, na promoção da
lei.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


A perspectiva lacaniana da paranóia

 Com a formulação da metáfora paterna, Lacan confere ao pai


uma certa transcendência.

 No paranóico, a metáfora paterna não funciona. Nele, entra


em ação o mecanismo próprio às psicoses, a foraclusão. No
lugar do Nome-do-Pai há um furo, que produz, no sujeito,
um furo correspondente no lugar da significação fálica.

 Quando ele é confrontado com essa significação fálica, entra


na mais completa confusão.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


A perspectiva lacaniana da paranóia

 Baseando-se na leitura freudiana do caso Schreber, Lacan diz


que o Freud chama de homossexualidade, trata-se, mais
exatamente, de uma posição transexual, isto é, de uma
feminilização do sujeito, subordinado não ao desejo de um
outro homem, mas à relação que sua mãe mantém com a
metáfora paterna e com o falo.

 Nesse caso, que é de foraclusão da metáfora paterna, a


criança é tida como sendo esse falo materno. Este fato
permite concluir que “à falta de poder ser o falo que falta à
mãe, resta-lhe a solução de ser a mulher que falta aos
homens, ou ainda, ser a mulher de Deus”.
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Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


A perspectiva lacaniana da paranóia

 A foraclusão da metáfora paterna interdita assimilar este ser


a mulher a uma posição feminina na homossexualidade, ou
àquela mais geral do Édipo invertido. A ameaça de castração,
neste caso, faz falta completamente ao paranóico.

 O pai de Schreber ilustra bem como foi possível ser uma


figura imponente e respeitada na realidade e, ao mesmo
tempo, pelo fato de se prevalecer de uma posição de
legislador ou de servir a uma obra, estar em posição de
fraude em relação a esses ideais, isto é, de excluir o Nome-
do-Pai de sua posição no significante.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


A perspectiva lacaniana da paranóia
 A vertente paranóica das psicoses se caracteriza pelo
desnudamento da relação imaginária apaixonada do sujeito
com o seu eu, tal como se constituiu para cada ser humano
na fase do espelho.

 A imagem especular de eu é o objeto de uma paixão erótica


e agressiva, ao mesmo tempo em que ela tende a se tornar
autônoma, sob a forma de perseguidores. Essa imagem pode
ver seus próprios elementos se dissociarem.

 É a manutenção de uma relação imaginária com o


semelhante que separa a paranóia da esquizofrenia.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


A perspectiva lacaniana da paranóia
 O Nome-do-Pai é o significante ao qual é atribuída a
introdução do falo como significação última do desejo do
Outro. O falo inclui a dimensão de falta no simbólico e um
lugar possível para o sujeito.

 O sujeito paranóico se vê privado do gozo desse lugar,


quando se acha engajado em uma situação real que implique
o pai.

 Tratava-se, para Lacan, de formalizar a incidência dessa


carência do Nome-do-Pai sobre a estrutura do inconsciente.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


A perspectiva lacaniana da paranóia

 Visando a elaboração do processo paranóico, Lacan formulou


a confrontação de dois diagramas , dos quais o primeiro, o
diagrama da normalidade, insere o campo da realidade entre
os domínios respectivos do imaginário e do simbólico e o
segundo, permite assistir à deriva das posições anteriormente
fixadas em torno das hiâncias em que se consomem o falo
imaginário e o pai simbólico.

 Ao apresentar seus “Escritos”, em 1966, Lacan escreveu que


foi com sua tese de 1932, sobre Aimée, que ele introduziu a
noção de conhecimento paranóico.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


A perspectiva lacaniana da paranóia

 Para ele, o conhecimento é essencialmente da ordem da


visão e a bipolaridade ver-ser visto é de ordem paranóica. O
ego humano se constitui por identificação graças à visão do
objeto e conforme a mesma bipolaridade. O ego tem,
portanto, uma estrutura paranóica.

 Para definir este conhecimento, é preciso distinguir cinco


traços fundamentais.
1. Visibilidade
 De acordo com a fase do espelho, é pelo olhar da criança que
a imagem do corpo do outro funda a imagem unificada do
corpo próprio para além do despedaçamento.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


A perspectiva lacaniana da paranóia
 A partir da fase do espelho, Lacan inventa a noção de
complexo de intrusão, situado entre dois complexos
freudianos: o de desmame e o de Édipo.

2. Unidade e Fixidez
 A intrusão do semelhante funda a unidade do eu em seu
narcisismo de objeto unificado. Há confusão entre
identificação e amor de si. Confusão que deve ser mantida
para a estabilidade da personalidade.

 O conhecimento humano está sob o signo da estagnação


das formas corporais: estrutura que constitui o ego e os
objetos sob os atributos de permanência, de identidade e
de substancialidade.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


A perspectiva Lacaniana da Paranóia
Por um lado, a erotômona se deu ao trabalho de produzir um
saber, saber promovido à dignidade de verdade, mesmo quando
o parceiro se recusa a confessar este amor; por outro lado, este
saber visa se impor ao parceiro, ponto essencial, comum com a
estrutura delirante do presidente Schreber, na qual é a ordem do
universo que é suposta reger as relações de Deus com as
criaturas.

Clérambault dizia que mais do que o amor, era a confissão de


amor que a erotômana solicitava.

Essa lógica da ocasião perdida aparece de modo enganador,


como uma segunda chance, enquanto que, para ela não houve
nenhuma primeira vez
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


A perspectiva lacaniana da paranóia
3. O esquecimento de si
 A estrutura do ego é paranóica: o sujeito nega a si mesmo
e responsabiliza o outro. Ele se desconhece como é fácil
observar no transitivismo da criança; “Não sou eu, é ela”.

4. O objeto do desejo
 O conhecimento paranóico institui uma tríade imaginária do
outro, do eu e do objeto. O interesse por um determinado
objeto nasce a partir do desejo do outro por este objeto.
Assim, uma alteridade primitiva está inclusa no objeto, uma
vez que ele é primitivamente o objeto de rivalidade e de
concorrência. A competição, a rivalidade, o ciúme são a
gênese e o arquétipo dos sentimentos sociais.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


A perspectiva lacaniana da paranóia
5. Um duplo movimento
 O traço decisivo mas problemático da paranóia é a
manutenção de uma bipolaridade irredutível. Há, ao mesmo
tempo: - inclusão, com fascinação e alienação na imagem
do outro por identificação; e – exclusão recíproca: “É você
ou sou eu”. Cada pólo remete sem fim ao seu contrário.

 Esses cinco traços definem o que Lacan vai chamar de


relação imaginária, nem simbólica, nem real. No entanto,
acontece que o último traço é deficiente: há inclusão com
captura da imagem do outro, mas a exclusão recíproca está
ausente. Psicose sem delírio ou pré-psicose?
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


A perspectiva lacaniana da paranóia
 A Erotomania, uma das formas de delírio da paranóia, é
uma posição delirante que consiste na convicção de ser
para o outro um objeto de amor sensual.

 Psicose de prevalência feminina, a erotomania apresenta


um aspecto clínico que corresponde a um quadro rigoroso
que se organiza em torno de um postulado fundamental: é
o objeto que começou, que mais ama, que ama sozinho
(em geral, o objeto é alguém que ocupa um posto
elevado); a esse postulado se associam temas diversos dele
derivados: o objeto não pode ser feliz sem o amado, o
objeto é livre, seu casamento não é válido, etc. que indicam
uma conduta paradoxal do objeto.
PSICOSE
Tereza Dubeux

ALGUNS TIPOS DE PSICOSE: A PARANÓIA


A perspectiva lacaniana da paranóia

 Longe de ser provocada pela benevolência do objeto, a


especulação erotomaníaca começa e se alimenta das
marcas de sua rejeição. Ela vê nesta rejeição o testemunho
incontestável do amor, mas também razão para esperar e
produzir novos argumentos.

 A rejeição de seu parceiro imaginário são imputadas à sua


própria insuficiência, por sua falta, por não ter, a tempo,
compreendido o que ele esperava dela.

 Apesar da conduta paradoxal do seu parceiro, ela deve


manter a sua fé, pois é a esta prova à qual ela está
submetida.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA

A MANIA
Para Lacan, a mania é um pecado mortal, uma covardia,
no sentido de significar ceder em seu desejo de saber, de
saber sobre o inconsciente que determina o sujeito.

É um pecado contra “o dever de bem dizer, ou de


referenciar o inconsciente, na estrutura”; é pecado contra
o dever freudiano que convida o sujeito à coragem da
verdade, segundo este seu enunciad0: “Ali onde isso era,
o eu deve advir”.

A mania é mortal no sentido estrito da palavra já que


pode levar à morte.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
 O debate sobre a doença mental entre a psiquiatria e a
psicanálise não é de hoje. Evidentemente, nem uma, nem outra
são a mesma. Ambas evoluíram e assimilaram novos recursos
para o tratamento específico defendido por seus campos de
trabalho.

 A psiquiatria deu um salto à frente com a invasão dos


conhecimentos biológicos, e os medicamentos passaram a
funcionar, pelo menos em parte, como instrumentos de
discriminação. Por outro lado, foi perdendo os pontos de contato
que antes mantinha com as “humanidades”.

 Essa evolução mostra que o avanço desta ciência significou a


foraclusão do sujeito e a redução da doença mental a uma
doença do organismo.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
 A psicanálise, contrapondo-se à esta perspectiva, insiste
em demonstrar a presença do sujeito nas realidades das
psicoses. Ao tratar da mania em seu artigo
“Televisão,”Lacan a define como pecado-mortal,
lembrando, assim, que ela não está fora do campo da
ética.

A psicose maníaco-depressiva é um tipo de psicose que


se expressa por acessos de mania, de melancolia, ou de
ambos, com ou sem intervalo de uma aparente
normalidade.

Conhecida como um transtorno biológico da regulação


do humor, como um tipo de doença endógena, ou mesmo
hereditária, essa psicose corresponde a uma dissociação
entre a economia do desejo e a do gozo.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA

Histórico
 Embora Freud tenha abordado a psicose maníaco-
depressiva, suas teses sobre a melancolia foram mais
elaboradas do que sobre a mania.

Os testos dedicados por ele a esta problemática são


pouco numerosos:”Luto e Melancolia”, “Psicologia de
Massas e Análise do Eu” e “O ego e o Id”. Além disso, são
textos inacabados.

Em “Luto e Melancolia, por exemplo, Freud enuncia o


problema da mania, porém não o resolve, e renuncia à
explicação do mecanismo implicado neste processo.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
Histórico

 Em “O ego e o id” repensa o problema da melancolia


em função da pulsão de morte e do superego, sem
reformular as suas teses sobre a mania.

 Freud propõe situar a psicose maníaco-depressiva


numa moldura específica, a das neuroses narcísicas, na
qual o conflito patogênico surge entre o ego e o
superego, ao passo que na neurose está situado entre o
ego e o id, e na psicose, entre o mundo externo e ego.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
Histórico
 A interrogação que o melancólico ou o maníaco coloca
parece desenrolar-se no interior do mundo comum a
todos nós.

A falha radical presente nas estruturas psicóticas já


discutidas: o fracasso do recalcamento primário, a falta de
acesso ao simbólico, a foraclusão do nome do pai, a
exclusão do terceiro-testemunha não estão presentes no
maníaco-depressivo.

É, com freqüência, questionado se a melancolia seria


uma psicose autônoma ou uma fixação na fase depressiva
de uma PMD.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
 Na mania, o sujeito lida com a exigência paterna no
Real. O encontro com esta exigência vale para produzir
significação para o sujeito tanto mais quanto mais a
exigência se manifesta como implacável. Este encontro
pode ser pensado como a busca de um referencial que
lhe dê sustentação.

 Na melancolia, o sujeito se identifica ao objeto da


demanda do Outro, mas sua entrega ao gozo do Outro é
identificatória e não alucinatória.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A MANIA
 A mania foi abordada pela psicanálise em suas relações
com a melancolia: uma e outra dependeriam de “ um
mesmo processo ao qual o eu sucumbiu às pressões do
superego na melancolia, ao passo que, na mania, o
dominou ou o afastou.” (Freud, “Luto e Melancolia”). Ele
considerava a mania como uma defesa contra a
melancolia, em que confluiriam o eu e o ideal do eu,
ocasionando uma imagem de triunfo do ego sobre o
superego.

Freud descreve o estado de humor maníaco, no plano do


afeto, como uma alegria e um júbilo aparentemente não
motivados e, no plano da conduta, como uma suspensão
de qualquer inibição.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A MANIA
 A tese freudiana faz da mania o simétrico da melancolia:
o luto, referindo-se à tristeza melancólica e a festa, à
euforia maníaca. Assim, o júbilo da transgressão torna-se
a chave da mania, tal como a dor da perda, a da
melancolia.
 A festividade maníaca é concebida pela a exclusão da
censura, em prol da afirmação narcísica e triunfante das
exigências pulsionais.

O toque jubilatório da alegria maníaca não pode ser


explicado apenas pela satisfação pulsional. Por exemplo, a
transgressão metódica de Sade não é alegre, é sombria.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A MANIA
 Para Freud, o júbilo maníaco seria efeito da eliminação
do gasto psíquico exigido pelo recalque, convertendo-se
em afeto a energia liberada.

Só em 1924, Freud pode completar sua formulação e


dizer sobre o que triunfava o sujeito maníaco,
reconhecendo no ideal do eu, ligado à figura do pai, aquilo
que o sujeito da mania teria suplantado.

No entanto, essas elaborações freudianas sobre a mania


não conseguiram integrar a sua noção de que o superego
é menos um princípio de limitação do que um princípio de
excesso, a serviço da exigência de gozo.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A MANIA
 Com sua idéia de que a mania é uma festa, Freud não
explicou o risco mortal que é inerente a ela.

O maníaco não é o cínico nem o amante da boa vida,


tampouco é o homem da paixões. É preciso distinguir a
estranha vitalidade que lhe é própria, e que ameaça sua
vida, da afirmação assumida e sem entraves das pulsões.

Alguns autores seguiram Freud e não conseguiram


estabelecer a distinção correta que seria imposta pela
incidência da foraclusão. Foi o caso de Abraham, que fez
do maníaco um ser dominado pelas pulsões orais,
entregue a uma embriaguez de liberdade, força e
grandeza em razão das fraquezas do recalcamentio.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A MANIA
Melanie Klein foi talvez a única a ressaltar que as
manifestações da mania deviam ser referidas a algo na
postura do sujeito. Sua idéia de defesa maníaca e, mais
ainda, sua formulação de que a mania se apoiaria numa
“negação da realidade psíquica” vão nesta direção.

Apesar de alguns dos seus conceitos não terem o rigor


necessário, a sua idéia de negação da realidade psíquica
veicula a intuição de uma causa subjetiva, quase uma
escolha, que agiria na base da mania. Além disso, ela
articula explicitamente a realidade psíquica com o efeito
depressivo da perda e a mania com uma negação da
depressão.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA

A MANIA
O rechaço do inconsciente, ou o rechaço da linguagem,
não passa de outro nome da foraclusão, um nome que
tem a vantagem de implicar a causalidade subjetiva.

O sintoma característico da crise maníaca é a fuga das


idéias. O maníaco não consegue mais se concentrar em
nada de preciso e, não sendo capaz de controlar sua
atenção, se deixa invadir por uma sucessão incessante de
idéias, o que o faz passar de uma para outra rapidamente
e sem distinção. Mas como este sintoma implica um
retorno no real daquilo que foi foracluído?
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A MANIA
 Partilhando com o melancólico a impressão de
nivelamento que engloba pessoas e coisas, o sujeito
manifesta a impressão de falta de relevo, desvitalização
do mundo, nesta fuga de idéias.

De que modo essa famosa fuga das idéias, a anarquia e a


desorientação da intencionalidade, e também a
desregulação dos ritmos vitais, são suficientemente
fundamentadas por essa idéia única de retorno no real?

Para entender essa questão é necessário distinguir a


estrutura e sua tradução fenomenológica.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A MANIA
 No que se refere à estrutura, a definição é bastante
precisa: o retorno no real é uma ruptura da cadeia
significante. Apresenta-se toda vez que um elemento da
linguagem se emancipa da estrutura binariamente
ordenada de toda mensagem, impondo-se em sua
presença de “um”.

A fuga de idéias, por exemplo, essa logorréia em que se


perde a intenção de significação, em prol de uma
justaposição de ditos desorientados, não é um
impedimento ao sentido do discurso?
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A MANIA
 Essa fala só parece festiva e despreocupada, assim como
desorientada, por estar livre das restrições da semântica,
emancipada do real que entra em jogo na gramática.
Lacan falou, no seu seminário sobre a angústia,em a não
função do objeto a que está implícito na constituição de
qualquer mensagem. Ele é o real que está em jogo na
gramática. Se a língua é a condição do sentido, o objeto é
a sua causa.

A linguagem humana implica um movimento de


retroação para o encontro da significação. A linguagem
maníaca baseia-se na antecipação sem voltar para uma
formulação do sentido.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A MANIA
 Há uma diferença entre esse tipo de retorno no real e o
que se passa no modelo usado na alucinação.

Na mania, não é possível dizer que do sujeito maníaco


que o nome do seu ser de gozo lhe retorna no real do
xingamento ouvido, nem tampouco, por outro lado, que
ele dispersa no delírio. Esse nome se dispersa no infinito
da linguagem que o perpassa, no automatismo dos signos
de que ele é marionete.

Falta-lhe
o significante mestre, como referência, e a
metonímia, como lugar da deriva do mais-de-gozar.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A MANIA
O ataque no nível do discurso também é um ataque da
regulação do gozo. A excitação maníaca é um exemplo
disso, pois ela não é apenas um desenfrear da fala e uma
desordem da historicidade, mas também o abalo da
homeostase do ser vivo, que reduz as necessidades vitais
do corpo, que o torna infatigável, insone, movido pr uma
vida paradoxal que leva à morte, com tanta certeza
quanto o suicídio melancólico.

A linguagem certamente perturba o corpo vivo, afetando


o seu gozo, negativizando-o, mas o discurso também o
regula, sobretudo quando o Nome-do-Pai está no seu
lugar.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A MANIA
A excitação maníaca é o gozo que não é regulado pela
função fálica e, no qual, o um do corpo é obsedado pelos
múltiplos uns da linguagem no real, até que, depois da
morte do sujeito, siga-se a morte do ser vivo.

É possível reconhecer no maníaco o afeto fronteiriço que


surge para um sujeito reduzido a seu vazio pelo
destacamento das identificações na articulação de
afastamento com um objeto, que é reduzido pelo
processo de idealização, e em processo de ser evacuado.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A MANIA
Diferentemente das condições normais do humor, o
maníaco vive um triunfo completo sobre a castração,
ignorando os constrangimentos do imaginário (o sentido),
e do real (o impossível).

Cumpriria, assim, na ordem simbólica, uma relação bem


sucedida com o Outro, por meio de uma consumação
desenfreada, tornada possível pela riqueza inesgotável de
sua nova realidade.

No entanto, esta relação surge mais como uma


devoração pela ordem simbólica do que uma apropriação
das satisfações de um festim.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A MANIA
Essa devoração não significa fixação ou regressão à fase
oral. Trata-se de um levantamento geral do mecanismo de
inércia que alimenta o funcionamento normal das pulsões,
a castração.

Os orifícios do corpo perdem, então, sua especificidade


para tornar presente, indiferentemente, a grande goela
do Outro, a falha estrutural do simbólico, desmascarada
pelo desenodamento do real e do imaginário.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A Melancolia
Lacan distingue o conceito de perda do conceito de falta.
Se a falta é constitutiva do desejo subjetivo (só se deseja
porque há falta), a perda faz vacilar o desejo, pois ela dá
ao sujeito o sentimento de que o objeto perdido é aquele
que ele desejava verdadeiramente, isto é que ele torna
presente o objeto da falta, o objeto a, que preenche,
assim, a falta e obtura o desejo.

É possível dizer que o objeto perdido do melancólico é


aquele que nunca lhe fez falta na medida em que é aquele
que ele possui em nome de sua própria perda e cuja posse
sufoca todo desejo.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A Melancolia
O termo melancolia evoca, na psicanálise, duas noções
distintas: a de uma entidade clínica diferenciada e a de
um estado psíquico bastante particular para esclarecer,
por caminhos diversos, certas características da própria
subjetividade.

Enquanto entidade clínica é situada no grupo das


neuroses narcísicas e se define como uma depressão
profunda e estrutural, marcada pela extinção do desejo e
um desinvestimento narcisista extremo. Trata-se de uma
doença do desejo, constituída em torno de uma perda
narcisista grave.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A Melancolia
Enquanto estado psíquico, a melancolia remete à
instalação dos conceitos de libido, de narcisismo, de eu,
de objeto, de perda, etc.

Distingue-se do estado de luto ao revelar claramente as


estreitas relações existentes entre o eu e o objeto, entre o
amor e a morte, e mostra, finalmente, dentro e nas
extremidades por onde carrega o sujeito, como este se
estrutura em relação à falta, e o quanto esse ser subjetivo
se constitui sobre um fundo de não ser.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A Melancolia
Histórico

Inicialmente, Freud constrói uma teoria sobre a


melancolia baseada na teoria energética que opunha a
energia sexual somática à energia sexual psíquica e na
necessidade de transformar uma em outra.

Ele emite, então, a hipótese de que a melancolia


resultaria de uma falta de descarga de energia sexual
psíquica, do mesmo modo que a angústia provinha de
uma falta de descarga de energia somática. A melancolia
era incluída por ele, nesta época, nas neuroses de
angústia, uma vertente das neuroses atuais. A melancolia
corresponderia a uma “hemorragia libidinal”.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A Melancolia
Histórico
Vinte anos depois, tendo introduzido o conceito de
narcisismo, Freud faz um remanejamento geral da teoria
das pulsões. O eu torna-se o primeiro objeto de amor,
possibilitando uma compreensão melhor das psicoses.

 As psicoses passam a ser entendidas como produto da


retirada da libido para o eu o que provocaria: a difração
da libido na esquizofrenia, e o seu inchamento exagerado
na paranóia. Na melancolia, haveria uma engolição
libidinal, seguido por um esgotamento da libido, e uma
perda do eu. O objetivo de um trabalho psíquico, neste
caso, seria permitir ao sujeito renunciar ao objeto
perdido.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A Melancolia
Histórico

Se, num primeiro momento, parece que o luto


corresponderia à melancolia, logo se torna evidente que
sua diferença não é apenas de ordem quantitativa, que a
melancolia não é apenas um luto patológico que não pôde
ser elaborado, mas também qualitativa. A melancolia
incide sobre a natureza do objeto perdido que Freud
aponta como sendo o próprio eu.

Lacan também situa a melancolia como uma psicose e se


refere à posição que nela ocupa o sujeito: a de dor em
estado puro, da dor de existir, o que faz da melancolia
uma paixão de ser.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A Melancolia
Um outro conceito introduzido por Lacan foi o
desenvolvimento que ele dá ao amor, em sua vertente
oposta ao desejo, e colocado em perspectiva com a morte.

Neste sentido, a melancolia na da mais é que do que o


extremo do enamoramento, desse estado em que o
sujeito não é nada, em comparação ao tudo do objeto
amado idealizado, um extremo que perdura impulsionado
o sujeito para à órbita da pulsão de morte.

O terceiro conceito é aquele do ato de deixar cair no qual


Lacan vê a marca da falência do discurso e do qual o
suicídio melancólico é o principal exemplo.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A Melancolia
O suicídio indica o ponto em que não há mais fala
possível, não há mais endereçamento ao Outro, não há
mais do que esse instante em que o sujeito, chegado ao
extremo de não ser, cai e se encontra, enfim, em sua
própria queda, em seu casamento melancólico consigo
mesmo, na morte.

A vertente delirante do melancólico decorre de uma


apropriação de culpa que se traduz em fenômenos de
auto-recriminações, de auto-difamação, enfim no delírio
de inferioridade. Neste quadro, também é prioritário uma
inibição vital: anorexia, insônia, abulia, indiferença e de
uma convicção potente e dolorosa de perda.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A Melancolia
Essa perda é essencial e irremediável, sempre passível
de se atualizar nas múltiplas perdas que a vida impõe a
todos. Qual a natureza desta perda tão penosa?

Freud, ao longo de seus trabalhos, atribuiu vários nomes


a estes fenômenos: perda da libido, perda do objeto,
perda da auto-estima, perda da pulsão vital, etc. Estes
fenômenos se distinguem das elaborações delirantes que
eles motivam.

Trata-se de fenômenos de retorno no real. Não de um


retorno no real do automatismo mental, nem de vozes
alucinadas, tampouco de algo que retorne por meio do
Outro. É algo que se passa no próprio local do sujeito.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A Melancolia
 Se a tristeza neurótica tem por motivo o não querer
saber nada do inconsciente, é possível conceber que a
rejeição do inconsciente na psicose, que é totalmente
diverso, surta os chamados efeitos de humor.

A postulação da culpa pelo melancólico que chega até o


delírio de indignidade já é uma elaboração desses
fenômenos primários da doença. Essa atribuição de culpa
tem diversas manifestações entre elas convém distinguir
o delírio de pequenez do delírio de infâmia.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A Melancolia
O delírio de pequenez exibe toda a gama da falta a ter e
da falta a valer, e pressupõe sempre a medida dos
significantes ideais do Outro.

O delírio de infâmia traz uma censura mais radical, não


sujeita aos valores do Outro, e que visa algo diferente: o
próprio cerne invisível da “Coisa”, das Ding. O melancólico
é aquele que se reconhece como infame. Ele se considera
uma exceção nesta indignidade.

O paradoxo é que esta hiperculpa livra, por princípio, o


melancólico de todos os seus deveres. Como é possível
definir um dever que não se confunda com as normas do
Outro?
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A Melancolia
Em geral os deveres se definem em relação aos três “is”
do Outro: a interdição, o ideal, e o imperativo. A
interdição que limita; o ideal que prescreve as formas
corretas de gozo; e o imperativo que impõe a obrigação.

No entanto, a psicanálise define um dever sem o Outro,


porque onde o Outro não responde, no gozo, somente o
sujeito pode responder, e é a ele que compete a
responsabilidade pelo gozo.

Se a foraclusão implica a rejeição da regulação fálica e da
castração do gozo que ela supõe, surge a questão de
saber o que o sujeito psicótico faz com o gozo assim
liberado, sobre o qual o Outro não exerce uma barra.
PSICOSE
Tereza Dubeux

A PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA
A Melancolia

Na psicose melancólica, o delírio de indignidade em si,


que é tudo o que resta de elaboração simbólica na


melancolia, coloca-se na fixidez cristalizada da
consciência culpada, cuja inércia contrasta com o
dinamismo interpretativo do delírio paranóico.

 Se o estupor petrificado e a inibição silenciosa


identificam o melancólico com o inanimado, se a
passagem ao ato suicida o realiza como restos inúteis da
linguagem, a culpa de existir que o oprime confere-lhe a
imagem ambígua do supliciado em que a dor se junta ao
gozo.

Daí o paradoxo de uma culpa tão absoluta que é ao


atingir seu estado mórbido que ela se confunde com a
própria falta que aponta: a do gozo.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O CASO SCHREBER

Em 1903, foi publicado um livro significativo para o


entendimento da psicose: Memórias de um doente dos
nervos, pelo Doutor P.D. Schreber. Em 1909, Freud,
estudando este texto, encontrou os fundamentos de sua teoria
das psicoses (1911), ao perceber que o psicótico retirava, dos
objetos libidinais e do mundo em geral, uma grande parte de
seus investimentos, passando a viver em seu espaço interno.

Através desse estudo, Freud visava embasar mais


solidamente a teoria das pulsões; elaborar sua teoria do
narcisismo e construir sua teoria sobre a psicose.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O CASO SCHREBER
 Daniel Paul Schreber nasceu em 1842, numa família
protestante burguesa.
 Sobre sua vida, sabe-se que seu pai, um médico
ilustre e também educador, exercia um verdadeiro
terrorismo pedagógico através de sua invenção de
uma“ginástica terapêutica,” que consistia em um
treinamento cuja finalidade era erradicar tudo o que
estivesse errado na postura e reprimir o que
pertencesse à ordem do desejo.
 Ao mesmo tempo, ele foi promotor do movimento,
de inspiração social-democrata, em prol dos
loteamentos ajardinados para operários que continua
até hoje, conseguindo notoriedade por suas criações.
PSICOSE
O Caso Schreber ( continuação )
Tereza Dubeux

Um irmão mais velho de Schreber, que sofria de uma psicose,


suicidou-se aos 38 anos com um tiro. Sua irmã mais nova
morreu de doença mental

 Sua vida conjugal, aparentemente feliz, foi abalada pela


ausência de filhos. Pessoalmente, Schreber era um intelectual
brilhante, doutor em direito e juiz-presidente da Corte de
Apelação da Saxônia. Era, evidentemente um homem
incomum, por sua grande cultura, sua curiosidade viva e sua
capacidade de observação e de análise.

Esses elementos apresentam interesse para a lógica do seu


processo mórbido.
PSICOSE
Tereza Dubeux

Caso Schreber ( continuação )

 A psicose de Schreber desencadeou-se em 1893 quando ele


foi nomeado presidente da Corte de Apelação, apesar de sua
doença ter começado nove anos antes, quando foi
hospitalizado pela primeira vez. Esta crise foi diagnosticada
como hipocondria grave. Recuperado, demonstrou imensa
gratidão pelo Doutor Flechsig, que o havia tratado.

Antes de assumir as funções para as quais tinha sido


nomeado, sonhou diversas vezes que estava novamente
doente. Certa manhã, em estado de semi-vigília, a idéia de
que deveria ser uma coisa realmente bela ser uma mulher
submetendo-se ao coito, se impôs a ele. Essa idéia foi
prontamente rechaçada com extrema indignação.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O CASO SCHREBER ( continuação )


 Meses depois da nomeação, um segundo desmoronamento
anunciou-se, acompanhado por insônias que foram-se
agravando e sensações de amolecimento cerebral.

 Schreber chegou a desejar a morte e, em várias ocasiões,


tentou suicidar-se. Com o tempo, as idéias delirantes
coloriram-se de misticismo: relações diretas com Deus e
aparições milagrosas.

Esses mal-estares psíquicos foram interpretados como


perseguições exercidas pelo doutor Flechsig, o mesmo que o
havia tratado e curado anteriormente, a quem agora acusava
de assassinato da alma.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O CASO SCHREBER ( continuação )

Em seguida, apareceram idéias de perseguição e de


morte iminente, assim como uma extrema
sensibilidade ao barulho e à luz.

 Mais tarde surgiram alucinações visuais e


auditivas:”ele se via morto, decomposto, atingido pela
peste e pela lepra, com o corpo submetido a
manipulações repugnantes e sofrendo os mais
assustadores tratamentos.” Essas manifestações o
faziam mergulhar por horas a fio num estado de
sideração e de estupor alucinatório.
PSICOSE
O Caso Schreber ( continuação )
Tereza Dubeux

 Schreber ficou internado numa casa de saúde até


1902, quando entrou na justiça para não ser
interditado a escrever seu livro. O julgamento que lhe
deu liberdade contém o resumo de seu sistema
delirante: “Ele se considerava como chamado a salvar
o mundo, devolvendo-lhe a felicidade perdida, mas só
poderia fazê-lo, depois de se transformar em mulher.”

 Schreber julgava ter um papel redentor a


desempenhar, ao preço de sua emasculação, para se
tornar mulher de Deus, procriando uma nova
humanidade, um mundo schreberiano, pois esse
Deus, substituto de Flechsig, estava cercado apenas
por cadáveres.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O Caso Schreber ( continuação )


 Observando que o perseguidor apontado, o
doutor Flechsig, tinha sido antes objeto de
amor de Schreber e de sua esposa, Freud situa,
na origem da doença, a hipótese de uma crise
de homossexualidade. Apóia-se no fato de que
o doutor Flechsig fôra, para o paciente, um
substituto de seus objetos de amor infantis: o
pai e o irmão, ambos falecidos.

Na explosão do delírio, o fantasma dos desejos


por esses objetos infantis, transformaram-se
em conteúdo de perseguição.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O Caso Schreber ( continuação )


 Os desenvolvimentos teóricos de Freud
definem o ponto fraco dos paranóicos na
fixação na fase do auto-erotismo, do narcisismo
e da homossexualidade.

 Esta etapa é obrigatória de toda construção


libidinal da criança que toma por objeto de
amor alguém semelhante a si mesmo, detentor
de órgãos genitais iguais aos seus, pois ama
primeiro a si mesmo.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O Caso Schreber ( continuação )


 Para Freud, os psicóticos possuem uma libido voltada
essencialmente para o próprio corpo. De modo geral, a
libido é sublimada nas relações sociais, mas é algo
perigoso para o psicótico que, sempre fora de si, não
tem de lidar senão com uma duplicação de si mesmo,
que ele desconhece.

A genialidade freudiana consistiu em enfatizar que nos


diferentes delírios que se constituem, tudo iria
contradizer uma única proposição: “ eu, um homem,
amo ele, um homem”, esgotando as diferentes formas
clínicas dos delírios, todos os modos possíveis de
formular essa contradição.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O Caso Schreber ( continuação )


A análise lingüística que Freud fez sobre o caso,
mostra três formas de contradizer a proposição: a
contradição do sujeito, do verbo, e do objeto.

 Por exemplo, o delírio de perseguição opera uma


inversão do verbo: “eu não o amo, ele me odeia, eu o
odeio porque ele me persegue”;

Na erotomania, o objeto é recusado :” não é ele que


eu amo , eu amo ela”, que se transforma em “ é ela
que eu amo porque ela me ama”;
PSICOSE
Tereza Dubeux

O Caso Schreber ( continuação )

 No ciúme delirante, o sujeito não é reconhecido,


transformando a proposta em “não sou eu que amo o
homem, é ela que o ama”.

Freud acrescenta ainda que a proposição pode ser


rejeitada em bloco: “eu não amo ninguém, eu amo
apenas a mim”, tratando-se, então, de um delírio de
grandeza, típicos tanto da paranóia quanto da mania.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O Caso Schreber ( continuação )


 Foi neste contexto que Freud fez uma observação
extremamente importante de que aquilo que havia sido
abolido do dentro, retorna de fora.

Depois de elaborar sua segunda tópica, Freud iria delimitar o


campo da psicose, como sendo um conflito entre o eu e o
mundo exterior e o da neurose, como sendo um conflito entre
o eu e o id.

 A perda da realidade, observada em ambos os quadros, seria


um dado de partida da psicose, sendo melhor dizer que um
substituto da realidade ocupou o lugar de alguma coisa
foracluída, ao passo que na neurose, a realidade é
reorganizada em um registro simbólico.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O Caso Schreber ( continuação )


 É possível pensar um fio condutor que impulsionava
Schreber e que define a função da doença: tratava-se, para
ele, de atingir 3 objetivos correlatos:
 dar sentido a uma experiência de desmoronamento que, a
princípio, deixou-o aniquilado;
 descobrir um vínculo possível com o outro, alí onde este
parecia ter desaparecido; e
 restabelecer uma forma de temporalidade, ali onde o abismo
extra temporal o deixara como morto.
 Todo o delírio de Schreber é uma tentativa de compreender e
de restaurar uma forma de temporalidade e de realidade,
através da busca contínua do sentido a ser dado à experiência
que o ultrapassa.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O Caso Schreber ( continuação )


 O problema teórico a ser resolvido por Freud é esclarecer os
vínculos entre os mecanismos de projeção e recalcamento,
pois, para Freud, na economia da paranóia, é recalcada uma
percepção interna, chegando em seu lugar uma percepção
vinda do exterior.

A questão do mecanismo específico da psicose fica ainda em


aberto.

 Apoiando-se na convicção delirante de Schreber da iminência


do fim do mundo, convicção freqüente na paranóia, Freud julga
que o recalque consistiria numa retirada dos investimentos
libidinais feitos sobre objetos antes amados e que a produção
mórbida delirante seria uma tentativa de reconstrução desses
mesmos investimentos, espécie de tentativa de cura.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O Caso Schreber ( continuação )


 Esses foram os principais mecanismos identificados por
Freud na paranóia: a projeção, em que uma percepção interna
vem de fora como percepção externa, mas também deturpada,
o recalcamento e o narcisismo.

Embora, num primeiro momento, Freud considerasse a


projeção como o mecanismo formador da paranóia, este
mecanismo não tem como ser suficiente para especificar o
campo das psicoses.

 Na verdade, os mecanismos projetivos encontram-se em


todas as configurações, patológicas ou não, ainda que seja
possível perceber na paranóia um caráter particularmente cego
na imputação ao outro do que é próprio.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O Caso Schreber ( continuação )


 Freud pôs à prova o mecanismo central das neuroses, o
recalcamento. No entanto, sua teoria do recalcamento não se
aplicava do mesmo modo à paranóia. Ele construiu uma teoria
que misturava recalcamento e narcisismo.
 Na paranóia, o recalcamento consistiria num desligamento da
libido e no retorno dessa libido para o eu. Freud insistiu na
fixação narcísica, que desempenharia o papel de um
movimento que atrairia a libido que ficou livre para o eu. É esta
fixação narcisista, aliada ao seu retorno da libido para o eu,
que daria lugar à ampliação ilimitada do eu. O delírio
megalomaníaco seria uma se suas expressões clínicas.
 Trata-se, nesse caso, de um eu que não leva em conta a
realidade, o outro, de uma espécie de eu auto-gerado.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O Caso Schreber ( continuação )


 A catástrofe que rompe o vínculo com o outro, que
obriga a responder, a encontrar um sentido, é a
retirada da libido. Freud esclarece que essa retirada
não elimina o mundo externo, mas o despoja de
interesse libidinal. Schreber continua a ver os outros,
mas eles já não passam de sombras de homens
“feitos às pressas”.

 Todo trabalho consiste em restabelecer as ligações


libidinais. É isso que os raios do delírio exprimem. O
delírio dispõe e combina: ele organiza.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O TRATAMENTO DAS PSICOSES


A questão que convém fazer no que diz respeito ao
tratamento das psicoses é: qual o lugar possível ao
analista no fora do discurso da psicose?

Lacan indica que a direção do tratamento do


neurótico opera a distinção entre alienação e
separação. Ao propor essas duas operações como
alternando-se numa pulsação, ele descreve uma
temporalidade do tratamento.

 O sujeito busca a análise por um contratempo,


porque alguma coisa vem abalar sua instalação num
discurso: quando a verdade do sujeito se manifesta,
irrompe, seja porque uma identificação é questionada,
seja porque uma irrupção do gozo vem abalá-lo.
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Tereza Dubeux

O TRATAMENTO DAS PSICOSES

 Um dos eixos da psicanálise é o eixo da alienação: o


da associação livre. Quando um sujeito se dirige ao
psicanalista, ele recorre ao sujeito suposto saber. O
apelo ao sujeito suposto saber é o apelo de encontrar
sentido no que se afigurou, a princípio, como não
senso: logo é uma demanda de restabelecimento da
homeostase das significações estabelecidas para
tamponar o real do sintoma.

No entanto, há uma outra vertente: o analisando, tal


como o infans, depara-se com o desejo do Outro. Este
desejo do Outro aparece justamente pelo silêncio,
pelos buracos do sentido, pela ausência. Na metáfora
paterna, o desejo da mãe é simbolizado por sua
ausência.
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Tereza Dubeux

O TRATAMENTO DAS PSICOSES

 No tratamento, o desejo do analista aparece, não na


continuidade do sentido, mas no rompimento com o
sentido, transversal a ele.

No Seminário 11, Lacan insiste na necessidade de


que o desejo do analista funcione como um enigma
graças ao qual o analisando possa efetuar sua
separação e, elaborando sua fantasia, descobrir sua
equivalência ao que ele é como objeto.

Uma coisa é manter o sujeito do sentido no eixo da


alienação na cadeia, e outra é conseguir manter a
dimensão de enigma, de fora de sentido, em relação
ao qual o analisando elaborará suas fantasias.
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Tereza Dubeux

O TRATAMENTO DAS PSICOSES

O tratamento do psicótico constitui um problema na


medida em que falta o eixo da separação.

É preciso saber que vínculo o analista estabelece com


esses sujeitos psicóticos e que lugares o analista pode
vir a ocupar na estrutura do significante e das
relações com o objeto.

No que concerne ao discurso do analista no caso da


neurose, o analista fica no lugar de objeto, uma vez
que sustenta a transferência de saber.

Quanto à psicose, é difícil estabelecer uma resposta


universal: é possível que seja necessário estabelecer
diferenças entre as diversas formas de psicose.
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Tereza Dubeux

O TRATAMENTO DAS PSICOSES

 No caso do paciente psicótico em crise, é possível


identificar duas posições transferênciais que não são,
em si, exclusivas:

Uma primeira posição é o lugar paterno que, para


este paciente, voltou no Real. O que está foracluído
para o psicótico é a função paterna, mas o tecido que
volta no Real é um tecido simbólico e imaginário.
Neste sentido, há uma possibilidade de trabalhar
analiticamente sobre esse lugar.

A segunda posição é a encarnação do Outro


imaginário, enquanto sendo o Outro ao qual o
paciente vai ser entregue na medida em que a
metáfora delirante não conseguir ser estabelecida.
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Tereza Dubeux

O TRATAMENTO DAS PSICOSES


Como estas duas posições não são exclusivas, o analista
pode, continuamente, encontrar-se oscilando de uma
posição à outra.

A exigência de constituição da metáfora, mesmo que


esta seja delirante, é uma exigência de defesa contra a
demanda do Outro, à qual o crepúsculo do saber expôs o
sujeito.

Deste ponto de vista, não há diferença entre neurose e


psicose, na medida em que se trata em ambos os casos de
uma operação de defesa.

No caso da psicose em crise, trata-se de uma operação


secundária de defesa porque a primeira defesa se
crepuscularizou.
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O TRATAMENTO DAS PSICOSES

De qualquer modo, trata-se de uma defesa


impossível, considerando que o gozo do Outro, a
satisfação de sua demanda imaginária, seja impossível
é uma conseqüência deste Outro não ter estatuto real
nenhum, ser apenas um efeito imaginário da estrutura
da linguagem.

Deste ponto de vista, se o analista tem uma tarefa,


ela é a mesma na psicose e na neurose: ele tem que
destituir esta demanda imaginária do Outro e, então
garantir que o paciente faça a experiência de que a
defesa que o sustenta é uma defesa contra o
impossível.
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Tereza Dubeux

O TRATAMENTO DAS PSICOSES


O caminho de um fim da análise para um psicótico
parece ter que passar por uma experiência “Real” da
contingência da exigência paterna ou diretamente
talvez do esvaziamento da demanda imaginária do
Outro.

Seria uma experiência Real no quadro da


transferência, como se fosse necessário um encontro
no qual o analista tenha a possibilidade acidental de
destituir a exigência paterna ou o Outro imaginário,
que ele encarnaria.

Devido a este caráter efetivamente contingente da


experiência, é difícil, e mesmo prematuro, tentar
formalizar o que seria realmente o fim da análise
numa psicose.
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Tereza Dubeux

O TRANSEXUALISMO
A diferença entre a identidade sexual e a sexuação
permite reconhecer, por um lado, os transexuais, em
quem a identidade sexual está foracluída e que
são,portanto, “fora de sexo”, e por outro, os
transexualistas, nos quais a identidade está
assegurada, mas que permanecem num impasse no
que diz respeito à sexuação.

Esta diferença estabelece o nível em que se situa a


impossibilidade, ou a recusa inicial, que acarretam,
em retorno, o aparecimento do transexualismo como
sintoma.

Otransexualismo apresenta particularidades clínicas


que lhe conferem um lugar singular tanto na clínica
quanto na terapêutica.
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Tereza Dubeux

O TRANSEXUALISMO
A medicina reconhece como sofrendo de
transexualismo o indivíduo que expressa seu
desacordo com o sexo de seu corpo e o papel social
assumido pelas pessoas do seu sexo.

Esta definição deixa ao próprio indivíduo o encargo


de definir sua patologia e o que a determina,
colocando em suspensão sua dor e seu delírio. Ele
seria o fundador, portanto, de sua própria clínica.

Além de definir sua patologia, o sujeito vai também


decidir os procedimentos terapêuticos que melhor
atendam à sua demanda explícita: modificação da
aparência sexual e mudança do estado civil, gestos
que são alegados como os únicos capazes de aliviar
seu sofrimento e de curar a sua patologia.
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Tereza Dubeux

O TRANSEXUALISMO
 A utilização pelos profissionais, médicos ou juristas,
de uma terapêutica cujos obstáculos e seu caráter
irreversivelmente mutilantes não desconhecem,
parece se sustentar num apelo ao bem, numa atitude
de compaixão. Para a psicanálise, não é na
compaixão, com os efeitos de cegamento que ela
engendra, que se pode apreciar com razão os
procedimentos terapêuticos.

A decisão dos tribunais quanto à mudança de sexo é


considerada pelos profissionais como parte integrante
da terapêutica, a título da demanda que a anima, a de
um reconhecimento simbólico e social: antes de tudo,
o transexualismo é uma questão de identidade,
portanto, não seria adequado praticar intervenção
cirúrgica se ela não puder ser seguida por uma
modificação de estado civil.
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Tereza Dubeux

O TRANSEXUALISMO
Essas singularidades fazem do transexualismo uma
síndrome à parte na clínica, em que a articulação das
posições respectivas do paciente e do médico é inabitual
a ponto de acabar invertida.

Se é verdade que o transexualismo está ficando banal,


em razão do avanço das técnicas médicas co-cirúrgicas e
da fascinação que exerce no corpo social pelos meios de
comunicação interpostos, em retorno ele exige da
medicina, da cirurgia e da justiça uma submissão sem
falhas às suas exigências, de que ele decide sozinho não
apenas as justificações, mas também as conseqüências.

O que significa admitir, a priori, o exercício sem limites


de uma demanda que só aceita uma resposta em
espelho?
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Tereza Dubeux

O TRANSEXUALISMO
 Para a psicanálise, o transexualismo se articula
clinicamente sobre dois eixos. O primeiro concerne à
identidade sexual em sua vertente identitária e sua
vertente sexual: é o eixo Real, ou é, essencialmente, a
impossibilidade de articulação do Real pelo sujeito
que está em jogo.

 O segundo concerne ao individual e ao social: é o


eixo egóico pois é ele que concerne à posição do
transexual em seu reconhecimento, não mais
identitário no sentido mais restrito do termo, mas
social.

 Neste reconhecimento social, o peso da imagem,


logo do imaginário, é considerável e tende, em nossas
culturas a se tornar preponderante.
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Tereza Dubeux

O TRANSEXUALISMO
 Os quatro pólos determinados por esses eixos: o
identitário, o sexual, o individual e o social não são
independentes. Cada um se articula com o outro.

O transexualismo é, antes de tudo, uma problemática


de identidade: o indivíduo diz não se reconhecer tal
como é; pretende ser outro que é, e é a esse título que
reclama uma modificação em seu corpo e uma
mudança de identidade.

Esse não reconhecimento de si mesmo concerne


principalmente ao sexual: o indivíduo não se
reconhece no sexo que é o seu, e é neste sexo que vão
ser feitas as modificações que ele deseja. É preciso se
perguntar sobre a natureza desse sexo reivindicado
pelo transexualismo.
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Tereza Dubeux

O TRANSEXUALISMO
 Esta natureza difere conforme a estrutura do sujeito?
Nesse sexual, interessa em primeiro lugar o corpo, o
aspecto exterior, a aparência, isto é, o imaginário, ou o
nome, a maneira como o sujeito é reconhecido pelos
outros, isto é, o simbólico?

A conjugação destes dois elementos iniciais, o identitário


e o sexual, constitui a 1ª especificidade estrutural do
transexualismo. A clínica revela que a feminilidade em
questão nesta problemática é uma feminilidade
totalizante, que não tem nada a ver com aquela que a
divisão subjetiva, instaurada pela castração simbólica,
estabelece na mulher.

O “fora de jogo” do Falo proíbe os sujeitos transexuais o


acesso à realidade de uma identidade sexual estabelecida.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O TRANSEXUALISMO
 O drama do transexual , segundo Lacan, é confundir o
órgão com o significante. Por não resolver esse drama no
significante, ele vai tentar eliminar o órgão: versão
psicótica de uma expulsão do objeto que não pôde fazer
no início.

Por falta de nodulação do Real e do imaginário pelo


simbólico que implica a identidade sexual, é impossível
para um ser falante vir a ocupar uma posição, por menos
que seja, apoiada na comunidade de seus semelhantes.

No que diz respeito à identidade, o transexual não tem


escolha a não ser entregar-se à fragilidade de
identificações não mais simbólicas, mas regradas pelo
imaginário e, neste, prevalecerá o imaginário do corpo, da
aparência, com as conseqüências que lhe são inerentes.
PSICOSE
Tereza Dubeux

O TRANSEXUALISMO

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