Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Proponho neste artigo estabelecer alguns elementos teóricos que permitam pensar nas psicoses
atuais com suas experiências discretas e certezas comuns contrapondo-se às psicoses extraordiná-
rias com suas experiências de invasão do Outro. Para tanto, recorremos ao texto De uma questão
preliminar a todo tratamento possível da psicose, de Lacan, para dar conta dessa clínica diferencial.
Frente ao impasse duas foram as posi- nomes para as novas modalidades de apre-
ções assumidas pelos diversos autores da sentação das psicoses, que estão cada vez
psicopatologia clássica: uns como Falret mais frequentes em nossos consultórios.
negaram a existência das psicoses com O que existe em comum nessa plu-
sintomatologia discreta; outros como ralidade de nomeações presentes nas
Bleuler as incluíram em alguma das gran- publicações as mais heterogêneas possí-
des categorias existentes de forma a não veis é o fato de novamente podermos nos
desmantelar os modelos psicopatológicos perguntar sobre os limites, as fronteiras
existentes. que separam a loucura da normalidade, a
Talvez por terem sido rejeitadas por psicose da neurose.
diversos autores, encontramos uma escas- Como no passado, os analistas na
sez de referências bibliográficas em relação atualidade também se dividem em duas
às psicoses normalizadas, ou seja, esses posições: de um lado, os partidários de
sujeitos cuja vida “[...] corre por caminhos um continuum, do delírio universal, dos
mais movimentados e caminham com núcleos psicóticos presentes em estágios
um passo semelhante à maioria de seus arcaicos da constituição subjetiva e, de
contemporâneos” (Alvarez, 2008, p. 53). outro lado, os que afirmam as diferenças
Nas duas últimas décadas, nos diver- estruturais irredutíveis.
sos cenários seja da clínica psiquiátrica, Sabemos que, independentemente
seja da clínica da clínica psicanalítica, a do campo teórico em que se está traba-
antiga problemática retorna: quais seriam lhando, quando se trata de um sistema
os limites, as fronteiras que separam a classificatório, é necessário incluir a classe
loucura da normalidade? O que distingue dos inclassificáveis como uma exigência
a psicose da neurose? Existem fronteiras? lógica. Porém, Bogochvol (2007, p. 41)
Como diagnosticar os loucos normaliza- adverte que o inclassificável resulta de
dos? Como classificá-los? uma dificuldade de classificar – que pode
A psicofarmacologia tenta ampliar o decorrer tanto do fato de se operar com
número de consumidores de neurolépticos determinado sistema classificatório quanto
e de outros psicofármacos abrindo a possi- de limitações inerentes ao próprio sistema.
bilidade de que pacientes jovens e supos- As dificuldades encontradas na
tamente candidatos ao desencadeamento atualidade para o estabelecimento do
de uma psicose utilizem precocemente diagnóstico desses quadros psicóticos com
medicamentos com o objetivo de prevenir sintomatologia discreta decorrem – a nos-
possíveis loucuras no futuro. so ver – de limitações inerentes ao próprio
Do ponto de vista dos manuais como sistema classificatório do ponto de vista
o DSM e do CID, onde se busca uma do campo psiquiátrico e da necessidade
classificação dos transtornos mentais de de trabalharmos com novos elementos
forma teorética, segundo seus autores, que possam nos orientar para o estabeleci-
nos deparamos com os diagnósticos de mento do diagnóstico da psicose na teoria
transtorno de personalidade borderline, psicanalítica.
transtornos psicóticos não especificados A clínica da psicose em Lacan pode
utilizados para determinados pacientes ser teorizada a partir de três momentos:
que apresentam uma sintomatologia que • A teoria da foraclusão do Nome-
foge aos critérios para diagnóstico das do-Pai. Nos anos 1950, com o Seminário 3:
categorias nosológicas clássicas dentro do as psicoses ([1956] 1985) e o texto De uma
campo da psicose. questão preliminar a todo tratamento possível
Na literatura psicanalítica, desde a dé- da psicose ([1957-1958] 1998). Aqui, nesta
cada de 1990, proliferam os mais variados primeira formalização, o objeto de inves-
48 Reverso • Belo Horizonte • ano 39 • n. 73 • p. 45 – 50 • jun. 2017
Eliane Mussel da Silva