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Depressão, doença da autonomia?

(Alain Ehrenberg)

P. 143

 Mudanças na individualidade contemporânea.


 Sucesso médico (patologia mental mais disseminada do mundo de acordo com
epidemiologistas – década de 70) e social da depressão (doença da moda ou mal
do século).
 A depressão se tornou a designadora da maior parte dos transtornos psicológicos
ou comportamentais de um ser humano (mesmo que não fossem depressão).
P. 144

 O autor investiga revistas e artigos científicos, principalmente da psiquiatria,


buscando entender como a depressão era diagnosticada, como era entendida e
quais eram as estratégias terapêuticas utilizadas para trata-la.
 Investiga também como notícias sobre a depressão eram passadas ao grande
público (como por exemplo notícias da década de 60 que visavam informar às
pessoas que depressão não era preguiça ou loucura).
 Objetivos dos jornalistas: fazer com que as pessoas possam identificar o que é a
depressão e possam procurar ajuda médica.
 Inserir a depressão no contexto das transformações das normas sociais.
 Mudança na década de 70 nos EUA  DSM III (doenças psiquiátricas).
 Ehrenberg considera que a depressão começa com a invenção do eletrochoque
(1940) e não com a descoberta dos antidepressivos (1957-58), porque a partir
desta técnica tem lugar um cenário de controvérsias idêntico ao que se verificou
no início dos antidepressivos.
P. 145

 Ao observar que a sismoterapia (efeito dos choques dos acessos convulsivos


provocados artificialmente) não funciona com esquizofrênicos, mas é eficaz em
casos de melancolia, os psiquiatras se perguntam se a técnica poderia ser aplicada
em manifestações depressivas menos graves.
 Eficácia do eletrochoque e dos antidepressivos em casos de depressão endógena
(início no próprio paciente).
 Dificuldade de definir a depressão, desde sua origem  conceito de “depressão
disfarçada” exemplifica o quão difícil é para especialistas identificarem o que de
fato é a depressão, isso inclusive já na década de 90.
 Problemas de diagnóstico e para definir diferentes tipos de depressão e
consequentemente problemas de prescrição de tratamentos.
P. 146

 O DSM III muda o estatuto da depressão de sintoma ou síndrome para uma


entidade clínica autônoma, uma doença.
 Don Kelin (EUA) demonstra a eficácia de antidepressivos nas perturbações
ansiosas que se apresentam como crises de angústia. A partir daí a neurose de
angústia (Freud) foi desmembrada em duas síndromes: ataques de pânico e
perturbações ansiosas generalizadas.
 Na década de 80 estudos atestam que as perturbações ansiosas generalizadas são
melhor tratadas por antidepressivos do que por ansiolíticos, o que – de acordo
com a farmacologia – aproxima a ansiedade da depressão  resvalar da
ansiedade na depressão.
 Neurose obsessiva passa a ser classificada como Transtorno Obsessivo-Compulsivo
(TOC).
P. 147

 A partir da década de 70 pacientes psicóticos passam a ser estigmatizados e então


classificados como depressivos (mais aceitável).
 Ponto de vista sociológico que leva a observação de uma mudança normativa na
sociedade: passagem de uma sociedade disciplinar (interdição, obediência,
autoridade) a uma sociedade regulada pelo primado da autonomia (decisão e
ações pessoais).
 O autor afirma que explora o mundo da autonomia (e do mau-estar) assim como
Foulcault explorava o mundo da disciplina (e da loucura).
 A disciplina se encontra embutida na autonomia, que lhe é superior em valor.
 Passagem da neurose à depressão (da disciplina à autonomia)  passagem de
uma patologia do conflito a uma patologia da insuficiência  de uma patologia
que transparece o desejo para uma patologia em que a impossibilidade de ação se
evidencia.
 Depressão: conflito narcísico ou de competência, de capacidade.
 Neurose: conflito de desejo (choque com a autoridade, disciplina, interdito).
P. 148

 A depressão é uma forma de nomear certo número de problemas gerados pela


regra da autonomia que prevalece hoje. Da mesma forma a neurose era a forma
de nomear os problemas gerados pelas regras disciplinares da sociedade à época
de Freud.
 Aproximação dos discursos da farmacologia e da psicoterapia à época no sentido
de verem a dualidade paciente e patologia, não levando em consideração o tecido
subjetivo que singulariza a especificidade da pessoa em determinado contexto.
P. 149

 Tensão corpo-espírito sendo retomada? Para o autor com os novos estudos de


imagem cerebral e biologia celular começam a se estabelecer novas relações entre
a psiquiatria e a neurologia e dar fim à divisão estabelecida entre essas duas áreas.
 Essa divisão advém de estudos de Freud, no final do século XIX, em que o
estudioso estabelece uma diferença entre a afasia neurológica e a afasia histérica
(esta que se passa no corpo, mas não provém de causas fisiológicas).
 Já para as neurociências, todo problema mental teria uma tradução cerebral.
 Ideia de que o cérebro é o objeto mais complexo do universo. Para o autor essa
visão pode acabar por eliminar a natureza específica dos fenômenos do espírito ao
aglutiná-los sob a classificação de “complexos”.
P. 150

 O que é o espírito? O que são fenômenos do espírito? Estão eles localizados no


cérebro?
 Alain Prochiantz: espírito resultante da adaptação do indivíduo ao meio. Isso
ocorre no cérebro? Inegável a participação do cérebro nesse fenômeno, mas é só
isso?
 O problema das neurociências está na sua dimensão redutora, de que a causa dos
fenômenos psíquicos estaria no cérebro.
 Claro que temos um corpo e tudo o que sentimos implica em mecanismos
cerebrais, mas o autor chama a atenção para o reducionismo extremo que
transforma o cérebro em ator das operações mentais, único motor dos seres.
 Destaque para a natureza social da individualidade e os conflitos morais que se
encontram de forma inconsciente nos transtornos psicológicos.
 O cérebro não é apenas um fato científico, é também um fato social  temas
relacionados ao cérebro já são de conhecimento das pessoas, da coletividade
(temas sobre sofrimento psíquico).
P. 151

 O autor chama a atenção para o fato de que na atualidade cada vez mais
problemas são definidos em termos de sofrimento psíquico e suas soluções são
propostas em termos de saúde mental, no contexto de uma medicina do bem-
estar, da qualidade de vida.
 Linguagem da vulnerabilidade individual: não quer dizer que as pessoas estão mais
vulneráveis, mas que o tema ganhou evidência.
 A saúde mental é um novo domínio da saúde, porém, o autor chama a atenção
que também é uma forma confusa de nomear uma série de problemas que
acompanham a sociedade da autonomia.
 Uso de termos de saúde mental junto a termos de saúde física com o fim de
indicar a totalidade dos indivíduos (como nos casos de legislação sobre assédio
moral)  o mundo da autonomia convoca o indivíduo em sua totalidade (física e
mental).
 Atualidade em que socializa e educa pessoas para que possam decidir e agir por si
mesmas, como uma totalidade.
 O autor afirma que em seu ponto de vista o par “sofrimento psíquico / saúde
mental” é um modo de designar estas novas formas de socialização em referência
à autonomia.
 A autonomia é uma norma, é um elemento a partir do qual somos medidos,
como antes era a disciplina.
 A autonomia é uma linguagem e como tal, é alguma coisa normativa que implica
expectativas.
P. 152

 Duas faces da questão da saúde mental: tendência à naturalização completa do


espírito pelas vias das neurociências – tentação biológica; discurso sobre o
sofrimento psíquico que se tornou uma verdadeira ideologia – tentação
psicológica.
 Na naturalização e na ideologia do sofrimento, há a noção de psíquico que no
fundo desaparece  de um lado é o social que penetra diretamente na pessoa, de
outro, cada pessoa possui um cérebro (ou cérebro-espírito).
 Por fim o autor traz a discussão sobre a dificuldade de se pensar a natureza social
do ser humano em uma sociedade individualista e para isto ele dá o exemplo dos
debates acerca da união estável. Tais debates dividiram opiniões entre
psicanalistas  aqueles que defendiam que a necessidade do simbólico enquanto
uma realidade substancial e outros que defendem a ideologia da escolha total. E
nisso se perde de vista o caráter social das relações de parentesco, que não são
estanques, mas que mudam conforme o tempo.

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