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ERIKA RHYS
Traduzido por
OLIVER SIMÕES
Aos meus amigos e à minha família.
Obrigada por encher a minha vida de alegria, risos e bons momentos.
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explicitamente declarada) é mera coincidência. Copyright © 2018 Erika Rhys. Todos os direitos
reservados no mundo inteiro.
LIVROS POR ERIKA RHYS
Herdeiro de Manhattan
Clube dos Cavalheiros, vol. 1
Clube dos Cavalheiros, vol. 2
Clube dos Cavalheiros, vol. 3
ÍNDICE
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Posfácio
Livros por Erika Rhys
1
Agosto
Nova York, NY
Uma hora e cinquenta e cinco minutos mais tarde, eu me sentei numa das
longas estações de maquiagem, fitando-me no espelho. O rosto não familiar
que me olhava de volta era exótico, e até bonito, mas não era eu.
Mas que cacete estou fazendo aqui? Essa não sou eu.
Fazendo jus ao meu nome artístico, que era Raven, Bianca e eu
escolhemos uma vestimenta toda preta para o meu teste. Eu trajava um
espartilho de miçangas elaborado que realçava as minhas curvas, juntamente
com um fio dental de renda que também tinha a função dupla de cinta-liga.
Uma saia longa cintilante até o tornozelo, com aberturas em ambos os lados,
escondiam parcialmente as minhas pernas e ao mesmo tempo me davam a
habilidade de dançar livremente. Meias-arrastão, saltos de quinze centímetros
e luvas até os cotovelos completavam o meu vestuário, que foi escolhido por
ser facilmente removível, uma peça por vez. As luvas seriam tiradas primeiro,
seguidas pela saia. Eu tiraria o espartilho por último, o que me deixaria
pelada da cintura para cima.
Eu poderia parecer uma dançarina de strip-tease, mas me sentia como
uma impostora.
Por que eles me contratariam? Eu tenho zero de experiência nisso.
Naquele momento, Bianca voltou da cabine do DJ. — Eu dei a sua
música para o DJ — disse ela. — Você entra no palco em cinco minutos.
Uma onda de pânico tomou conta de mim, mas tentei me recompor.
Calma, garota. Sua mãe precisa da sua ajuda. Você tem que fazer isso.
— Você parece nervosa — disse Bianca.
— Estou nervosa.
— Não fique nervosa. Você está maravilhosa e vai deixá-los de queixo
caído com a sua habilidade em dança. Levante o seu traseiro dessa cadeira e
dê umas reboladas. Perca a tensão. Faça alguns alongamentos.
Eu fiz, e os movimentos familiares, de algum modo, aliviaram a tensão.
— Gire os ombros para trás e para frente — disse Bianca. — Isso mesmo.
E boceje. Um bocejo grande. Relaxe o maxilar. — Ela olhou para o seu
relógio de pulso. — É melhor a gente se dirigir para o palco agora.
Eu a segui através de uma porta adjacente, que dava para a coxia direita
do palco e, em seguida, para o próprio palco. Próximos ao palco, um homem
e uma mulher estavam sentados à mesa. O espaço além deles parecia grande,
mas eu não podia ver os detalhes. O meu coração batia acelerado, e o salão
parecia embaçado ao meu redor à medida que eu tentava manter minha
respiração estável.
Bianca parou à beira do palco. — Olá, Dona Rocha. Max. Tenho a honra
de apresentar minha amiga Ilana Evans. O nome profissional dela é Raven.
— Ela se voltou para mim, abaixando a voz. — Boa sorte; espero você nos
bastidores.
Rocha me deu uma olhadela crítica através dos seus óculos angulares de
armação vermelha, reconhecendo a minha presença com um aceno agudo.
Com cabelo escuro até o queixo, num corte quadrado elegante, ela aparentava
ter seus quarenta e tantos, ou cinquenta e poucos. Seu terninho preto bem
talhado sugeria uma forma esbelta.
Max levantou-se da cadeira, caminhou até a beira do palco e me deu um
sorriso vencedor. Ele era um homem atraente em seus 35 anos, com cabelo
loiro escuro aparado, e um porte que testemunhava uma séria rotina de
malhação na academia. Assim como sua colega, ele estava ricamente vestido,
e quando apertamos as mãos, notei um relógio Dior Chiffre Rouge em seu
pulso.
— É um grande prazer conhecê-la, Raven — disse ele. — Estamos
ansiosos para ver você dançar.
— Obrigada a vocês dois por me darem a oportunidade de fazer o teste —
eu disse.
Rocha bateu palmas. — Vamos prosseguir com isso, vamos nessa?
— Claro, Isabela — disse Max. Ele se sentou ao lado dela, acenando para
o cubículo do DJ. — Rad, toque a primeira canção dela. Justify My Love da
Madonna.
Caminhei até o poste, pus uma mão sobre ele, e meu corpo tencionou
involuntariamente. A superfície de aço do poste estava inesperadamente fria,
o que apenas me lembrou que assistir vídeos de dança do poste no YouTube
não era o melhor método de preparação, mas o que mais eu poderia ter feito?
Girar em volta de um cabo de vassoura na minha sala de estar? Sem chances.
A música explodiu nos alto-falantes do palco, e eu congelei.
Era a canção errada.
Abri a boca para dizer algo, mas antes que eu pudesse soltar as palavras, a
música parou.
— Desculpem — gritou o DJ do seu cubículo. — Erro meu.
Uma fração de segundo depois, Justify My Love começou a tocar. Com
minha cabeça girando, tentei focar, e comecei a ondular o meu corpo contra e
em volta do poste. Como eu tinha zero de experiência na dança do poste,
Bianca e eu decidimos que minha dança seria um número lento e sensual.
Nada acrobático demais.
Mas eu tinha sido pega de surpresa com o erro inicial na música, e agora
estava completamente nervosa. Em vez de deixar para lá, eu estava presa aos
meus pensamentos, e não conseguia sair deles para me concentrar na música.
Relutei para atuar no poste e encontrar o meu ritmo, mas conforme a música
continuava, o suor formava-se na minha linha da sobrancelha e a ansiedade
aumentava. Eu me sentia como uma maldita impostora por tentar dançar na
frente dessas pessoas, e estava cada vez mais desconectada e fora de
compasso com a música.
Quando me despi das luvas, e então da minha saia, tentei me sentir sexy e
convincente, mas isso foi em vão. Simplesmente, eu não estava conseguindo.
E quando eu pulei, agarrei o poste gelado com minhas mãos e coxas e me
deslizei para baixo, um movimento que deveria ter sido fácil para mim, uma
das minhas mãos escorregou, perdi o equilíbrio e me estatelei com a bunda
no chão.
Que diabo me fez pensar que eu poderia fazer isso? Dois martínis e um
prato cheio de desespero, foi isso. Isso é um erro. Sou uma tola por estar
aqui.
Abruptamente, a música parou.
— Já vi o suficiente — disse Rocha secamente. — Você é uma garota
bonita, mas não é nenhuma dançarina.
Quando suas palavras me golpearam, acendeu-se uma raiva no fundo das
minhas entranhas.
— Eu sou uma dançarina — eu disse. — E das boas. Posso ser novata na
dança do poste, mas eu aprendo rápido.
Rocha me censurou com um olhar fixo de águia. — Isso aqui não é uma
escola; é um clube de cavalheiros. Nós oferecemos entretenimento para
homens. E o que eu acabei de ver faria um homem pegar no sono.
Era esse o meu fim? Ver alguém me apontando a porta de saída depois de
meia canção?
Isso não pode ficar assim. Há coisas demais em jogo.
Olhei nos olhos de Dona Rocha. — Deixe-me fazer mais uma dança para
a senhora, sem o poste. Se a senhora não gostar, não insistirei mais. Apenas
alguns minutos a mais do seu tempo, é tudo que peço.
Rocha abriu a boca, sem dúvida para recusar, mas Max deu-lhe um soco.
— Por que não? — disse ele. — Não estamos em cima da hora hoje. Ele fez
um sinal para mim. — Mais uma canção. Mostre-nos o que você tem de
melhor para mostrar.
O DJ colocou a segunda canção que escolhi para o teste, Brand New
Bitch [Puta Novinha em Folha] da Anjulie, e sem mais nada a perder, eu me
atirei em minha rotina.
Comecei com os movimentos que eu havia ensaiado com Bianca, mas
quando a música foi chegando ao clímax, algo mudou dentro de mim.
Abandonei os movimentos ensaiados e comecei a improvisar, dançando
conforme o meu instinto. O palco, as luzes, Rocha e Max, meus pensamentos
autocríticos: tudo se dissipou no momento em que me entreguei à música.
Mesmo quando desfiz meu espartilho, me sacudi para fora dele com uns
bamboleios e o joguei de lado, eu não perdi nenhuma batida da música. Não
apenas eu havia encarnado a música, mas, eu esperava estar encarnando o
que esses dois esperavam de mim.
Quando a música terminou, encarei Rocha e Max. Apesar de estar
despida até os calcanhares, das meias-arrastão e do fio dental, eu me sentia
forte. Dessa vez, eu tinha feito o que vim aqui para fazer. Eu dei o meu
melhor, e se não fosse suficientemente bom, então pelo menos eu poderia me
consolar com o fato de que eu havia dado tudo de mim.
Max falou primeiro. — Foi incrível — disse ele, voltando-se para Rocha.
— Ela só precisava aquecer um pouco.
— Desta vez foi melhor — disse Rocha. — Mas vai ser preciso mais de
uma dança passável para me convencer. Ela encostou-se em sua cadeira. — O
que mais você pode nos mostrar?
— I'm Addicted da Madonna — respondi. — Ou talvez Booty da Jennifer
López.
Ela me olhou por cima. Booty certamente combina com o seu bumbum.
Suprimi o meu impulso de revirar os olhos. Eu sabia perfeitamente bem
que o tamanho do meu bumbum era generoso, e que os meus peitos não eram
suficientemente grandes para estarem na proporção ideal com meus quadris.
— Booty, então?
— Sim, querida, nos dê uma mostra do seu bumbum.
Deixa comigo, Rocha. Vou lhe dar uma mostra do meu bumbum.
A música começou, e o meu mundo convergiu para os ritmos dela.
Movimentei-me de um lado para o outro, a passos largos, ao sabor da música,
ondulando os meus quadris e sentindo o meu sangue subir e tamborilar pelas
minhas veias. Havia uma parede espelhada grande à minha direita, contra a
qual pressionei as minhas costas. Levantei os braços, prendi as mãos e,
lentamente, mergulhei até o chão à medida que a música acelerava e sua
batida frenética explodia nos alto-falantes.
Alimentada pela euforia da dança, eu me contorci feito uma cobra parede
acima, rodopiei, e comecei a dar umas palmadas no meu bumbum, seguindo
as batidas da música. Num rabo de olho, vi Max inclinando-se para frente
enquanto Rocha retirava os seus óculos.
Eu tinha a atenção deles, agora só não podia perdê-la.
Empertiguei-me e dei chutes, arqueei minhas costas e atirei o meu cabelo
como se eu estivesse pegando fogo. Quando o ritmo baixou, eu também me
abaixei. Agachei-me até o chão e balancei para cima e para baixo, como se
estivesse montando num homem. Quando a música me disse que era para
sacudir o meu bumbum, sacudi o que eu tinha, que era maior do que o da
maioria.
Quando a música chegou ao clímax, voltei à parede e me apoiei contra
ela, e então rapidamente atirei os meus braços para os lados e sacudi o cabelo
de um lado para o outro. Eu estava começando a suar, o que era bom. O suor
era sexy. O suor dava ao meu corpo um brilho que, do contrário, ele não teria.
Senti o calor da dança me agarrar, me consumir, me dominar.
Vocês queriam bumbum? Pensei nisso quando virei meu bumbum para
eles e comecei a sacudi-lo. Aqui está um pouco do melhor que vocês já
viram.
Quando a música parou, respirei fundo, deslizei meus dedos pelo cabelo
úmido e caminhei na direção deles, pronta para ser julgada. Não importa o
que eles decidissem, pelo menos eu tinha vencido os meus medos e mostrado
a eles do que eu era capaz. Se eles não gostaram...
Foi então que, da penumbra no final do salão, uma voz grossa de homem
falou com toda certeza.
— Contratem a moça.
3
Depois que acabei de me vestir, Bianca me levou para uma volta rápida pelo
clube a caminho do escritório da Rocha. O segundo piso continha o palco, um
bar expansivo em forma de L, e cerca de cinquenta mesas de tamanhos
variados, acompanhadas de cadeiras e sofás de couro. Vermelhos escuros,
materiais luxuosos e detalhes em madeira escura faziam com que o local
fosse eroticamente carregado, porém masculino até a alma.
— Você consegue ver uma parte do terceiro piso daqui — disse Bianca.
Ela apontou para cima. — É onde ficam as áreas VIP e os quartos privês,
assim como o cubículo do DJ.
Olhei para cima e vi que uma parte do terceiro piso abria para o palco
embaixo, como num teatro. — Quantas pessoas cabem aqui? — perguntei.
— Várias centenas. A capacidade total do clube é de mais ou menos
quinhentas pessoas. Vamos lá para baixo. Vou mostrar o lounge a você, e em
seguida vamos ao escritório da Rocha.
O lounge parecia um clássico clube de cavalheiros reminiscente dos que
eu tinha visto em filmes, com painéis de mogno, poltronas de couro pretas, e
candelabros que brilhavam suavemente no espaço atualmente apagado. Um
bar com uma variação impressionante de bebidas alcoólicas caras ocupava
uma ponta do salão, e um aroma sutil e picante pairava no ar.
— Que cheiro é esse? — perguntei.
— Fumaça de charuto. Já que o clube é privado, os sócios podem fumar
aqui dentro. Mas o sistema de ventilação é excelente, tão bom quanto
qualquer um que você vai encontrar em qualquer lugar. Quando ele está
ligado, você não consegue sentir o cheiro de nada, a não ser a fragrância
emblemática do clube, que tem um cheirinho de madeira com uma pitada de
incenso. Afinal de contas, pelo menos no início, você vai passar a maioria
dos seus turnos servindo bebidas aqui. Você vai ganhar menos dinheiro que
no andar de cima, mas ainda é muito melhor do que se você estivesse
trabalhando num bar convencional. Todas as garotas que trabalham aqui
começam passando a maior parte do tempo no lounge. À medida que você
constrói uma base de clientes assíduos, Rocha vai lhe dar mais horas lá em
cima.
— Como devo me vestir aqui?
— Segundo a Rocha, sexy semi-formal.
— O que isso quer dizer?
— O tipo de roupa de coquetel que faz um homem querer arrancá-la de
você. Servir drinques aqui é uma forma de publicidade: se os homens
quiserem arrancar as roupas das mulheres, eles têm que ir lá em cima, o que
significa que vão gastar mais dinheiro. Para conseguir uma mesa lá em cima,
eles têm que desembolsar dinheiro para comprar uma garrafa de bebida cara.
Mas podemos entrar nos detalhes mais tarde. Neste momento, precisamos ir
em frente. A Rocha deve estar se perguntando em que buraco nos metemos.
Ela me conduziu para fora do lounge e por um corredor, passando por
uma série de portas pesadas de madeira, parando e batendo numa delas.
— Entre — gritou Rocha.
Bianca abriu a porta e nós entramos. Em contraste com a atmosfera
masculina escura do clube, o escritório de Rocha era arejado e moderno,
mobiliado e pintado com tons de branco e marrom escuro, com pinturas
contemporâneas de cores vivas penduradas nas paredes. Rocha estava sentada
atrás de uma mesa expansiva de vidro e aço; ela se parecia mais com um
diretor-geral de Wall Street do que a grande-dama de um clube de strip-tease
de luxo.
— Sentem-se — disse ela bruscamente, apontando para as duas cadeiras
em frente à sua mesa. — Não tenho muito tempo.
Sentamo-nos, e ela me entregou um grande envelope pardo. Quando o
peguei, fiquei surpresa com o seu peso substancial.
— Tudo que você precisa está neste envelope — disse Rocha. —
Formulário de emprego. Seguro médico. Acordo de confidencialidade.
Renúncia de responsabilidade. E o mais importante: o manual das normas do
clube. Leia-o. Memorize-o. — Ela olhou para Bianca. — Jade, você trabalha
aqui há bastante tempo. Você pode responder a quaisquer perguntas que ela
tiver.
— Claro — disse Bianca.
— Tenho direito a seguro médico? — perguntei.
— Claro que sim, querida. Queremos seu coração batendo... e sua
periquita pulsando.
Eu tomei essa como sendo para a equipe e simplesmente respondi:
"Obrigada".
Rocha acenou sua mão desprezível. — Nossas normas são destinadas a
proteger tanto os empregados quanto os clientes, e violar o regulamento,
qualquer uma das regras, resultará em rescisão imediata. Os empregos aqui
são cobiçados, as garotas fazem fila para trabalhar para nós, e se você
cometer um erro, substituirei o seu bumbum rebolante num piscar de olhos.
— Entendeu?
— Entendi — eu disse. — E obrigada pela oportunidade de trabalhar
aqui, Dona Rocha. A senhora não vai se arrepender de ter me contratado.
— Isso é o que vamos ver.
— Quando a senhora quer que eu comece?
— Sexta à noite. Aqui está o seu horário. Ela me entregou uma folha de
papel.
Peguei o papel e o examinei. Imediatamente, fiquei chocada em ver que
dois terços dos meus turnos eram no andar de cima, incluindo as noites de
sexta e sábado.
— Isso é contra o meu melhor julgamento — disse Rocha. — Prefiro que
as garotas comecem no lounge. O único motivo de você ter conseguido esse
horário é que um dos nossos clientes Classe A deu um empurrãozinho para
ajudar você.
Nick Santoro?
Só podia ser ele. Ele foi o único cliente que tinha posto os olhos em mim.
Mas por que ele insistia nisso?
— Se a senhora quiser que eu trabalhe mais horas no lounge, por mim
tudo bem — eu disse. — Eu não espero tratamento preferencial da sua parte
ou de mais ninguém.
Rocha interrompeu-me. — Irrelevante. A decisão já foi tomada. Mas
grave minhas palavras, mocinha: as outras garotas não vão deixar de notar
que você conseguiu furar a fila. E elas não vão gostar nada disso. Por causa
das exigências de um certo cliente, você acaba de se transformar em pária.
Aguarde algumas afrontas, e não pense que você vai ser a Miss Popularidade
por aqui tão cedo.
4
Dois dias depois, Bianca e eu chegamos ao clube para a minha primeira noite
de trabalho. Quando entramos no prédio e nos dirigimos aos bastidores, eu
me senti nervosa, porém energizada. Esta noite, em minha nova persona
como Raven, eu estava determinada a ser um sucesso. Eu entraria naquele
palco, provaria o meu valor, e faria um verdadeiro progresso no sentido de
ajudar a minha mãe.
Quando chegamos aos bastidores, duas outras garotas estavam sentadas
nas estações de maquiagem, preparando-se para a noite que vinha pela frente.
Uma delas era uma morena exuberante com um visual exótico; a outra, uma
loira esbelta com corpo de modelo.
— Oi, Jade — a loura gritou para Bianca. Era estranho ouvir minha
amiga ser chamada de Jade, mas eu precisava me acostumar com isso.
Chamar pelo nome artístico era uma das muitas regras do clube.
— Oi, Lucrécia — disse Bianca. — Eu gostaria que você conhecesse
minha amiga Raven, que vai trabalhar aqui. Raven, essa é a Lucrécia.
Aguarde para vê-la dançar; ela é incrível no poste. A melhor do clube. — Ela
voltou-se para a morena. — E essa é a Valência, prima da Lucrécia e mais
uma das nossas estrelas.
Lucrécia me deu um sorriso deslumbrante. — Prazer em conhecê-la —
disse ela. O inglês dela tinha um forte sotaque eslavo, e ela parecia uma
princesa nórdica: olhos azuis claros e largos, pele clara, e cabelo loiro. —
Essa sua primeira noite?
— É — eu disse.
— Desejo a melhor sorte a você. Como dizem os franceses, "merda para
você".
— Sim — acrescentou Valência. — A melhor sorte em sua primeira
noite. — Sua voz rouca com um leve sotaque era casual, mas os seus olhos
rasgados diminuíram conforme ela me avaliava da cabeça aos pés.
Bem, essa é uma que eu vou ter que conquistar.
— Obrigada — eu disse. — É um grande prazer conhecer vocês duas. —
Caminhei até uma estação de maquiagem que estava livre, a vários assentos
de Valência, e me sentei. Retirei minha fantasia da sacola, seguida dos meus
sapatos, que coloquei no chão ao meu lado. Um empréstimo de Bianca, os
sapatos de quinze centímetros eram pretos brilhantes com plataformas na cor
vermelho claro, saltos e tornozeleira.
— Sapatos bacanas — comentou Valência.
— Obrigada — eu disse. — B... Jade me emprestou.
Valência estava tentando ser legal? O tom tranquilo na sua voz não
revelava nada. Mas daí a maneira que ela olhou para mim quando Bianca nos
apresentou... Dado o comentário da Rocha de que eu seria uma pária, parecia
melhor me manter longe das outras garotas por enquanto. Com o tempo,
talvez eu pudesse fazer amizade com algumas das minhas colegas de
trabalho. Mas no momento, eu estava em estado de alerta.
Bianca sentou-se na estação perto da minha e começamos o processo de
encarnar nossas personagens de palco. Conforme nos preparávamos, mais
garotas foram entrando, e o recinto tornou-se uma colmeia de atividades.
Roupas normais eram tiradas, maquiagem e fantasias eram postas, e
conversas e risadas enchiam o salão.
Quarenta minutos antes do início do espetáculo, Dona Rocha chegou. O
seu terninho preto impecavelmente talhado era quase idêntico ao que ela
estava usando no dia do meu teste, e a puta chique em mim identificou os
seus sapatos de salto como sendo da Prada. Para complementar o visual, ela
carregava uma Birkin preta.
O seu olhar agudo percorreu todo o salão.
— Deslumbrante como sempre, Valência — disse ela bruscamente. —
Você abre o show esta noite.
A expressão de Valência tinha a presunção de um gato que havia, com
sucesso, acabado de matar a sua presa. — Obrigada, Dona Rocha — disse
ela.
Rocha voltou-se para uma ruiva voluptuosa. — Êmber, limpa essa cara e
começa de novo. Os seus olhos parecem dois buracos na cabeça. Em que
diabos você estava pensando? A moda da heroína acabou há décadas.
— Eu só queria tentar um visual diferente — disse a garota tristemente.
— Algo novo e criativo.
— Não faça isso, Êmber. Não faça mesmo. A essa altura, você deveria
saber que os seus talentos, tais como são, estão em outra parte. — Ela olhou
para mim e Bianca. — Ótimo trabalho, Jade; você vai depois da Valência.
Raven, o seu rímel é um crime contra a humanidade. Arrume isso.
Inclinei-me em direção ao espelho. Era apenas a segunda vez que eu tinha
montado Raven sem a ajuda de Bianca, e eu achava que tinha feito um bom
trabalho. O meu rímel havia realmente empelotado em alguns pontos, mas
não era tão evidente assim. Estendi a mão para pegar meu rímel,
desenrosquei o pincel e o levei em direção aos cílios.
— Pare! — disse Rocha.
Minha mão congelou em pleno ar.
Ela apontou para o tubo aberto de rímel. — Quando você comprou essa
relíquia desidratada? Quando você estava na escola secundária? Está
parecendo concreto.
— Uhhh... cinco ou seis meses atrás?
— Me dê isso.
Enrosquei o pincel de volta ao tubo e o entreguei à Rocha. Ela o tomou
com dois dedos, como se fosse tóxico, e o jogou na lata de lixo mais próxima
da minha estação, onde ele caiu com um estalido surdo. Em seguida, ela
enfiou a mão em sua Birkin, tirou um tubo de rímel Clinique de Alto
Impacto, e o jogou sobre a mesa em minha frente.
— Use este.
— A senhora está me emprestando o seu rímel?
— Não, estou te dando o meu rímel de reserva.
— Obrigada — eu disse. — Eu realmente agradeço por isso.
— Você deveria. Acabei de salvar você de si mesma, que é algo que não
precisava acontecer. Mas com esse bando de coelhinhas? Eu já vi de tudo. De
agora em diante, troque o seu rímel uma vez por mês. E em nome da minha
sanidade, compre uma marca minimamente decente.
6
Meia hora mais tarde, vi dos bastidores quando Valência entrou no palco.
Para a minha primeira noite como Raven, eu e Bianca escolhemos um
conjunto todo preto semelhante ao que eu tinha usado no meu teste: uma saia
preta brilhante de lantejoulas com longas aberturas laterais, usada sobre um
fio dental, cintas-ligas e meias-arrastão. Depois de haver plantado o meu
traseiro no chão durante o teste, desfiz-me das luvas de seda em favor de um
par rendado até o cotovelo, que eu esperava que me desse uma melhor
aderência ao poste. Já que eu não estaria no palco antes de uma hora, meus
pés estavam calçados com pantufas. Bianca havia me aconselhado a poupar
os meus pés sempre que possível.
Ela ficou ao meu lado e fazia comentários sussurrados no meu ouvido.
— Valência consegue abrir o show mais vezes que ninguém — disse ela.
— Ela pode ser uma jararaca idiota que se acha melhor que o resto de nós,
mas não há como negar: ela realmente sabe como animar a homarada.
Eu vi Valência balançar a bunda, atirar o cabelo para os lados e trabalhar
no poste. O seu ritmo era perfeito, e seus movimentos realçavam os seus
olhos sensuais escuros em forma de amêndoas. — Ela é boa.
— Ela é, mas você pode ser ainda melhor. Eu sei que você pode, e a
maioria das garotas vão vibrar se alguém, mesmo Lucrécia, conseguir
derrubar a Rainha Valência do seu trono.
— O que você quer dizer, "mesmo Lucrécia"? Ela não é a melhor
dançarina do poste aqui?
— É sim. Mas pelas costas, todos a chamam de Malucrécia.
— Malucrécia? Isso é hilário. Mas por quê?
— Longe do poste, a garota é uma desordem total. Um trem descarrilhado
de ingenuidade romântica e decepção em série.
— Todas já tivemos aquela amiga — eu disse.
— Sim, mas a Malucrécia não é apenas um imã típico que atrai cafajestes.
Falando sério, o QI dessa garota é a somatória dos seus peitos. A Valência
faz o seu melhor para mantê-la longe de encrenca, mas mesmo Valência tem
suas limitações no que ela pode fazer. Manter-se em sua própria posição
ocupa a maior parte da atenção dela .
— Bem, no que me diz respeito, Valência pode manter o seu trono — eu
disse. — Não estou aqui para competir com ela ou com mais ninguém. Essa
não é uma carreira de longo prazo para mim. Desde que eu possa ajudar
minha mãe e pagar as contas, me considero satisfeita.
A canção que estava tocando fundiu-se noutra.
— Acho melhor ir buscar os meus sapatos — disse Bianca. — Quando
terminar essa canção, é a minha vez. — Ela desapareceu nos bastidores por
um momento, e voltou em seguida, com saltos plataforma de 15 centímetros
em suas mãos. Ela deslizou seus pés das pantufas para os sapatos de salto,
verificou as tornozeleiras e, em seguida, endireitou-se. — Estes saltos são
uma maravilha para as minhas pernas, mas graças a Deus não tenho que usá-
los vinte e quatro horas por dia. Eu preferiria me matar.
— Você está deslumbrante — eu disse. — Arrase com esses homens.
Dez minutos mais tarde, Bianca deixou o palco sob uma salva barulhenta de
aplausos, e entrou novamente nos bastidores com um sorriso no rosto.
— Você foi incrível — eu disse quando ela chegou ao meu lado. — A
plateia adorou você.
Ela piscou para mim. — Aprendi uma ou duas coisas sobre como fazer
um bom strip-tease nos seis meses que trabalho aqui. Você também vai.
Quando assistir às outras dançarinas esta noite, preste atenção no que
funciona e no que não funciona. Aprenda com suas colegas de trabalho e
escute o que a Rocha disser. A mulher pode ter a língua afiada como uma
navalha... mas os comentários dela geralmente são certeiros.
— Obrigada — eu disse. — Vou escutar.
Conforme assistíamos aos próximos números de dança, Bianca
permaneceu ao meu lado, fazendo comentários em voz baixa sobre os pontos
fortes e fracos da performance de cada dançarina. Apesar de estar nervosa
com a minha própria apresentação, que estava se aproximando rapidamente,
absorvi tudo que ela dizia. Embora eu soubesse que fazer a coisa certa levava
tempo, eu estava determinada a aprender rapidamente e dar-me bem no meu
novo trabalho.
Quando Êmber entrou no palco, Bianca sussurrou para mim: — Você é a
próxima a se apresentar; vou buscar os seus sapatos para você.
— Obrigada — eu disse, grata pela sua presença solidária.
Depois que ela saiu, assisti à Êmber girar ao ritmo de uma canção de
Britney Spears. Embora ela fosse uma garota bonita, não era grande coisa
como dançarina, e minha atenção desviou-se para a plateia. De onde eu
estava nos bastidores, o fundo do salão estava escuro demais para ver bem,
mas perto das luzes pulsantes do palco, a primeira fileira de mesas estava
claramente visível. O meu olhar trancou num perfil característico.
O Sr. Classe A?
Conforme eu observava, ele voltou-se e disse algo ao homem de cabelo
claro que compartilhava sua mesa, dando-me uma visão total do seu rosto.
Definitivamente era ele.
Ao contrário da maioria dos homens na plateia, Nick Santoro e seu
companheiro estavam usando black tie. Sentado com um tornozelo cruzado
sobre o outro joelho, ele estava bebendo uma taça do que aparentava ser
uísque escocês, e parecia completamente à vontade. O seu companheiro
atirou a cabeça para trás e riu, supostamente de alguma coisa que Santoro
tinha acabado de dizer.
O branco-e-preto sóbrio do seu smoking apenas realçava os seus belos
feitios escuros, que, juntamente com a autoconfiança que ele projetava, dava-
lhe uma presença cativante. Esse homem teria se sobressaído em qualquer
multidão. Apesar de tudo que Bianca havia dito sobre ele, ou talvez por causa
disso, eu estava curiosa.
Em função do papel dele em ter me ajudado a conseguir o trabalho,
Bianca evidentemente esperava que ele fosse dar em cima de mim de alguma
forma, e eu tinha que admitir que uma parte de mim não se importaria com
isso. Afinal de contas, qual seria o dano? Não era como se eu fosse levar a
sério qualquer coisa que viesse da sua boca. Flertar com o Sr. Classe A não
passaria de uma diversão casual sem culpa.
Naquele momento, Bianca reapareceu com os meus sapatos, que coloquei
nos pés rapidamente.
— Pronta para a sua estreia? — ela perguntou.
— Mais pronta que nunca, graças a você.
Ela me abraçou. — Você pode dançar muito melhor que todas essas
garotas. Simplesmente não pense demais. Solte-se e seja você mesma, e a
plateia vai amar e animar você. Você consegue fazer isso.
O DJ colocou Anaconda de Nicki Minaj. Senti um aperto no estômago e
meu pulso subiu para a estratosfera.
Chegou a hora.
Respirei profundamente, foquei na música e caminhei para a luz brilhante
dos holofotes.
7
Depois que Bianca e eu nos separamos, fui para o salão para procurar
Santoro. O clube estava lotado e fracamente iluminado, e conforme os meus
olhos se ajustaram, olhei em volta e me deparei com a cena.
Sob as luzes piscantes do palco, Lucrécia apresentava uma série
deslumbrante de acrobacias no poste ao ritmo de um batuque balançante e de
guitarras barulhentas de uma canção da banda Poison. Ela estava tão incrível
quanto Bianca havia me dito, e eu teria adorado vê-la dançar, mas eu era uma
mulher com uma missão.
Recuperação dos sapatos.
Relutantemente, virei-me do palco para o salão. Homens aparentemente
ricos e bem vestidos de todas as idades enchiam o recinto: não havia uma
única mesa vazia à vista, e mais homens apinhavam-se em volta do bar.
Nas mesas, alguns homens assistiam à ação no palco ou batiam papo com
seus amigos, enquanto outros encostavam-se em suas cadeiras à medida que
lindas garotas seminuas se saracoteavam na fuça deles. Mais garotas
moviam-se lentamente entre as mesas, procurando oportunidades de dança e
entregando bebidas.
Na multidão, vislumbrei Santoro no mesmo lugar em que o vi pela última
vez: sentado a uma mesa próxima ao palco. O seu amigo loiro havia
desaparecido. Ele estava sozinho, bebendo a sua bebida e observando
Lucrécia. Quando me aproximei da mesa, vi os meus sapatos jogados no
chão, perto de sua cadeira.
Quando ele me viu, apontou para a cadeira vazia ao lado.
— Espero que você tenha vindo pelos seus sapatos — disse ele com um
sorriso. — Mas como me dei o trabalho de guardá-los para você, espero que
você retribua o favor me fazendo companhia por alguns minutos.
— Claro — eu disse, sentando-me ao lado dele e fazendo o meu melhor
para ignorar o fato de que Êmber estava fazendo uma dança no colo para um
tipo suado e careca de Wall Street na mesa ao lado. — Eu sou a Raven.
— E eu sou o Nick.
— Prazer em conhecê-lo, e obrigada por guardar os meus sapatos. Espero
que você não tenha se importado por eu tê-los atirado em você.
— Por que eu me importaria? Esses sapatos são o motivo de você estar
sentada aqui comigo. A propósito, parabéns pela sua apresentação desta
noite. A plateia adorou você. Por que você tirou os sapatos?
— Eu não tive escolha — respondi. — Meu sapato esquerdo cometeu
sapatocídio.
— Sapatocídio?
— Na metade de Anaconda, senti um dos meus saltos balançar e percebi
que ele estava prestes a quebrar.
— Quando você tirou os sapatos, eu sabia que algo devia estar errado,
mas você se saiu bem. Muitas dançarinas teriam perdido o rebolado, mas
você não. Você se recuperou e terminou a música. — Ele pegou a garrafa de
uísque escocês que estava na mesa ao lado e despejou dois dedos da bebida
em sua taça. — Posso te oferecer um drinque? Você fez por merecer.
— Obrigada, mas não bebo uísque escocês ou nenhum outro tipo de
uísque.
— Por que não?
— Tentei uma vez, mas ele queimou minha garganta como se alguém a
tivesse marcado com ferro quente. Tive a sensação de estar bebendo gasolina.
As suas sobrancelhas levantaram-se. — Se essa é a sua impressão, então
você nunca provou um bom malte puro. Esse é um Macallan 25 anos. Suave
como seda. — Ele estendeu uma taça para mim. — Aqui está; não seja
tímida. Experimente.
Estendi o braço para pegar a taça, e por um momento, nossos dedos se
tocaram. Com o toque, uma descarga de eletricidade me sacudiu por dentro.
Era como se o toque dele tivesse apertado um botão no meu corpo, que
despertava a atenção de cada nervo. Eu me senti mais nua do que quando
estava no palco, agudamente consciente dos meus mamilos se contraindo
contra a parte interna do meu espartilho, e do fio dental estreito entre as
minhas coxas.
Tudo bem, então obviamente preciso de um drinque.
Lentamente, puxei minha mão para trás, levei a taça até os lábios e tomei
um gole. Uma explosão de fogo líquido inundou os meus sentidos e logo
baixou, deixando um clarão morno no seu rescaldo.
Deleitada com o sabor, tomei um segundo gole, e Nick encostou-se em
sua cadeira e me olhou de cima a baixo, avaliando-me com um sorriso.
Quando os nossos olhares se encontraram, senti ondas de arrepio por
dentro. Não me causava espanto que muitas mulheres tivessem virado a
cabeça por esse homem. Durante os meus anos de faculdade, eu poderia
muito bem ter caído em sua cama sem pensar. Do seu olhar penetrante à sua
aura de controle, das curvas sensuais dos seus lábios carnudos ao seu
smoking impecavelmente talhado, tudo nele irradiava poder... e sexo.
Mas eu havia crescido desde os meus tempos de faculdade. Tinha
aprendido a duras penas que uma atração louca era apenas isso: uma descarga
intensa de hormônios galopantes que poderiam fazer uma mulher se sentir
embriagada com a vida, como se o "felizes para sempre" fosse mais que uma
fantasia de uma história de amor. Nada parecia melhor que a embriaguez
emocional, pelo menos até que não viesse a ressaca.
Coloquei a taça na mesa e novamente olhei nos seus olhos. Desta vez não
vacilei. Eu estava atraída por ele, mas isso era uma reação puramente física,
uma reação que eu entendia e sabia como administrar. Independentemente de
como sua presença me afetava, eu precisava manter meu distanciamento
emocional e minha compostura profissional.
— Então — disse ele. — O que você achou do uísque escocês?
— É bom — respondi. — Realmente bom. Deixe-me colocar os pingos
nos is. Retiro tudo que eu disse sobre não gostar de uísque escocês. Eu nunca
tinha bebido nada parecido.
Ele apontou para a taça. — É toda sua. Aproveite. Vou fazer sinal para
uma das garotas e pedir que ela me traga outra taça.
— Obrigada, mas eu realmente não deveria ficar mais tempo. Estão me
esperando nos bastidores logo. — Bianca era a única que estava me
esperando, mas ele não precisava saber disso.
— Indo embora? Tão cedo?
— Sim, mas antes de ir, eu queria lhe agradecer pelo que você disse no
meu teste... Sei que foi a sua recomendação que convenceu a direção do
clube a me contratar.
— Uma ação inteiramente egoísta da minha parte. Se você não fosse uma
dançarina talentosa, eu nunca teria te recomendado.
— Independentemente do motivo, obrigada.
Ele empertigou sua cabeça para mim. — Você me parece uma garota de
muitos talentos, e é por isso que não estou pronto para deixar você ir embora
assim. Antes de ir, que tal uma dança no colo?
Nessa eu me fodi.
Por que a minha primeira dança no colo não poderia ter sido com alguém
velho e feio? Gordo, careca, com pelo no nariz. Alguém assim. Algo que
fosse puramente comercial. Mas não! Tinha que ser com alguém que poderia
fazer o Channing Tatum entrar na corrida pelo dinheiro.
Eu tinha me preparado para esse momento. Havia imaginado como ele
seria. Mas a minha imaginação não vislumbrou a possibilidade de que minha
primeira dança no colo seria com um homem atraente mais ou menos da
minha idade, muito menos alguém como Nick Santoro. Se apenas olhar para
esse homem à mesa me deixava quente e com tesão, que diabos eu sentiria ao
encostar e roçar no seu corpo?
Mas daí eu fiz as contas. A duração média das músicas é de apenas três
minutos. Certamente, eu poderia aguentar firme por três minutos. Se não
pudesse, eu não merecia estar nesse ramo de negócio. Santoro poderia ser o
primeiro, mas certamente não seria o último. Outros clientes bonitos
certamente surgiriam.
— Claro — eu disse.
Ele enfiou a mão no paletó, tirou sua carteira, pegou uma nota de cem
dólares e a entregou para mim.
Eu me levantei, aceitei o dinheiro e o enfiei por baixo da minha cinta-liga.
Nisso, não pude deixar de notar que Êmber e uma garota cujo nome eu não
sabia estavam fazendo danças no colo para alguns homens em mesas
próximas, e que, de outra mesa, rapazes que fumavam charuto estavam me
observando abertamente. Um deles sorriu e acenou o seu charuto para mim,
como que para me excitar.
Bianca tinha razão. Isso realmente parece estranho.
Nick encostou-se em sua cadeira, separando seus joelhos, enquanto o DJ
seguiu para a próxima música, que imediatamente reconheci como Like a
Virgin da Madonna.
Quão apropriado. Não sou nenhuma virgem, mas foda-se se eu não me
sentir como uma nesse momento.
— Capriche na dança — disse ele. — Vou fazer valer o seu tempo.
— Posso ser honesta com você?
— Isso é raro nesse lugar, mas claro.
— Nunca fiz isso antes.
— Tudo bem. Não precisa dizer mais nada. Então vamos trabalhar nisso
juntos.
Posicionei-me entre suas pernas, estendi o braço para pegar nos seus
ombros e apoiei minhas mãos contra o encosto da poltrona pesada de couro.
Então, arqueei as costas e girei meu torso, mantendo uma postura que
colocava o meu traseiro no ar e lhe dava uma vista de perto dos meus peitos.
Perto demais. Conforme me mexi, inspirei o seu cheiro: distinto e
masculino com uma nota sutil do uísque escocês que ele estava bebendo. O
seu hálito quente soprava contra os meus peitos expostos, que, devo
confessar, era algo excitante.
Quando ele levou a cabeça para trás e me olhou nos olhos, o tempo parou.
As manchinhas douradas dos seus olhos castanhos claros refletiam a luz do
palco e brilhavam com uma intensidade que me inflamava. Com cada batida
do coração, cada respiração, cada roçar contra ele, eu ficava cada vez mais
excitada. Meu coração acelerado, meus mamilos endurecidos e a dor
crescente entre minhas coxas me advertiram que minha reação a ele estava
perigosamente perto de ficar fora de controle.
Eu precisava me distanciar de alguma forma, sendo assim, mudei de
posição. Mudei para uma posição em pé entre suas coxas e balancei meus
quadris de um lado para o outro. Então, joguei meu cabelo no seu rosto,
arqueei as costas e deslizei as mãos sobre meus peitos, quadris e abdômen.
Nisso, não pude deixar de notar a ereção impressionante que despontava em
sua calça preta.
Bianca tinha dito que ele era bem dotado como um cavalo.
— Gostou do que você está vendo? — ele perguntou.
Senti o meu rosto corar, mas mantive minha voz num tom normal. —
Tem muita coisa para olhar.
— Eu poderia dizer o mesmo sobre você. A propósito... você está indo
bem.
Virei-me, pairei sobre a sua virilha e mexi o meu traseiro de um lado para
outro em círculos lentos. Essa posição tinha a vantagem de me deixar virar o
rosto para longe dele, mas também significava que minha xoxota,
traiçoeiramente pulsante, estava perto demais daquele pau duro.
— Você gostaria de levar isso para um quarto privê? — ele perguntou.
Minha cabeça girou. Como eu poderia lidar com uma experiência em
quarto privado com esse homem? Apesar dos meus melhores esforços para
me distanciar dele e do que eu estava fazendo, ele não era o único que estava
excitado.
Você tem que lidar com a situação. É o seu trabalho.
Olhei de volta para ele sobre o meu ombro. — Se é isso que você quer,
precisa falar com o Max.
— Claro.
Continuei me esfregando na sua virilha e deslizando minhas mãos sobre
meu bumbum e meus quadris. Enquanto isso, minha cabeça corria a mil por
hora. Talvez quando Max dissesse a ele que eu não oferecia nenhum tipo de
contato físico, ele procuraria outra garota.
E se ele procurar, graças a Deus!
Os quartos privados eram reservados em intervalos de trinta minutos, e
como seria meia hora rebolando e me esfregando nesse homem? Isso poderia
me matar.
Não, isso me mataria. Morte por frustração sexual.
O final de Like a Virgin fundiu-se num rap que eu não reconhecia.
Afastei-me de Nick, agachei-me e recolhi os meus sapatos do chão, que
estavam ao lado da sua cadeira. Quando levantei-me, ele estendeu o braço em
minha direção e enfiou uma segunda nota de cem dólares por baixo da minha
cinta-liga.
— Você já me pagou — eu disse.
— Sempre dou uma boa gorjeta para um bom show. — O seu olhar
prendeu-se ao meu. — Vou falar com o Max imediatamente. Em seguida,
vejo você num dos quartos privês.
Olhei sugestivamente para a sua ereção e levantei minhas sobrancelhas.
— Melhor dar uns dez minutos — eu disse. — Seria uma lástima se você se
machucasse no caminho.
10
Depois que Nick saiu, debrucei minha cabeça entre as mãos. Por um ou dois
minutos, sentei-me no sofá e relutei para examinar meus sentimentos
conflitantes sobre o que acabara de acontecer.
Que horas são, afinal de contas?
Olhei para o relógio na parede e percebi que eu precisava deixar o quarto
privado imediatamente. Levantei-me, caminhei até um dos espelhos, arrumei
a minha roupa e algumas mechas de cabelo soltas. Peguei o dinheiro que
Nick havia deixado sobre a mesa, enfiei-o por baixo da minha cinta-liga sem
contá-lo e saí do quarto, descendo pela escadaria.
Quando cheguei ao pé da escada, Max estava lá.
— E então, como foi? — ele perguntou.
Se você soubesse, provavelmente me mandaria embora.
— Tudo bem... apesar de ter quebrado uma taça acidentalmente, que não
tive tempo de limpar.
— Não se preocupe com isso — disse Max. — O pessoal da limpeza vai
cuidar disso.
— Desculpe por quebrar a taça. Normalmente não sou desastrada assim.
Max deu uma palmadinha no meu braço tranquilizadoramente. — Isso
não é um grande problema, Raven. Acidentes acontecem.
Ah, sim, eu pensei. Realmente acontecem.
O resto da noite passou como um relâmpago. Eu sorri, bati papos curtos e fiz
danças no colo, mas tudo que eu conseguia pensar era em Nick e no que
acontecera entre nós no quarto privado. Eu havia arriscado o meu emprego.
Quase tinha feito sexo com um estranho total. Merda, como eu queria fazer
sexo com aquele estranho.
Como se tudo não fosse confuso o bastante, eu sentira uma conexão
verdadeira com Nick. Ele me impressionou com sua força e franqueza,
qualidades que eu admirava, em vez de ser dissimulado ou manipulador,
conforme sua reputação me levava a pressupor. Eu não conseguia conciliar o
homem que conheci esta noite com o playboy destruidor de corações que
Bianca havia descrito.
Eu queria, desesperadamente, conversar com minha melhor amiga, mas
toda vez que nos cruzávamos, estávamos cercadas de clientes ou outras
garotas. E eu não estava prestes a dizer uma palavra sobre o ocorrido até que
Bianca e eu tivéssemos uma oportunidade de conversar a sós.
No final da noite, enquanto retirava minha maquiagem de Raven e
trocava para minha roupa normal nos bastidores, eu repassava mentalmente o
que ocorrera esta noite. Repassava tudo que eu tinha feito errado. Eu estava
confiante demais. Contava que não sentiria atração por nenhum dos clientes.
Tinha me convencido de que era capaz de trabalhar num clube de
cavalheiros.
Agora, eu não tinha tanta certeza.
Nisso, Bianca caminhou até minha estação e espreitou o interior da minha
sacola. Quando ela viu os saltos vermelhos que estavam dentro da sacola, fez
um sinal positivo discreto para mim. — Ótimo trabalho. Pronta para cair fora
daqui?
Peguei minha sacola e me levantei. — Estou mais que pronta. Também
estou atordoada com a quantia de dinheiro que ganhei esta noite. Você me
disse que seria bom, mas quando o contei, fiquei chocada. Ainda estou.
— Quanto?
— Um pouco mais de nove mil dólares.
O semblante dela iluminou-se. — Nove mil na sua primeira noite?
— Contei a grana três vezes antes de acreditar.
— Parabéns — disse ela. — Você teve uma primeira noite excelente, mas
logo vai estar ganhando mais. — Ela me entregou um envelope pardo. —
Antes de irmos embora, precisamos entregar o dinheiro que ganhamos esta
noite ao Max. Coloque o dinheiro no envelope, sele o envelope e escreva na
parte externa o seu nome e o número de danças no colo que você fez esta
noite.
Conforme eu seguia as instruções de Bianca, ela me lembrou do sistema
do clube, que Rocha já havia compartilhado comigo. — Lembre o que Rocha
disse a você. Tudo que você ganhar além dos seus ganhos com as danças no
colo é considerado gorjeta. O dinheiro das danças no colo é dividido meio a
meio com o clube, mas nós ficamos com cem por cento das nossas gorjetas.
— E o dinheiro dos quartos privês? — perguntei. — Esqueci o
regulamento.
— É uma divisão meio a meio. Não há necessidade de fazer
apontamentos: Max mantém o controle dos quartos privês. Você está a fim de
comer algo tarde da noite? Estou faminta, e louca para saber tudo sobre a sua
primeira noite. — Ela baixou sua voz. — No restaurante aonde estou te
levando, vamos poder conversar livremente. Nunca vi ninguém do clube por
lá.
— Perfeito — eu disse. — Vamos.
Pendurei minha sacola no ombro e segui Bianca para fora da sala,
descendo pela escada dos fundos e atravessando o corredor que levava ao
escritório de Max, onde deslizamos nossos envelopes numa caixa de coleta
de aço inoxidável que havia na parede ao lado da porta. Em seguida,
tomamos a saída lateral que dava para a rua, onde uma fileira de táxis
aguardava. Caminhamos até o primeiro da fileira, entramos e fechamos as
portas.
— Coppelia na Rua 14 Oeste, número 207, por favor — disse Bianca ao
motorista. Conforme o táxi se afastou do meio-fio, ela apontou para uma
longa limusine preta que estava estacionada em frente ao clube. — Aquele é
o carro do dito cujo, por sinal. Está vendo a placa?
Inclinei-me em direção a ela para ter uma visão melhor. A placa dizia S-
TORO.
— Um trocadilho com o nome dele? — perguntei.
Ela bufou. — Suponho que sim, embora eu sempre tenha lido isso mais
como uma propaganda. Toro é touro em italiano, entende?
Encostei-me no assento do táxi. — Tive uma briga com ele esta noite.
Ela revirou os olhos. — Conforme o esperado, correto?
— Uhhh... não exatamente. Ele...
Bianca me deu um olhar de advertência, levantando um dedo até os
lábios. — Espere. Estaremos no restaurante em um minuto.
Quando o táxi chegou ao nosso destino, ela pagou o motorista, e nós
saímos do carro e entramos no restaurante. A decoração do Coppelia era
completamente a de um restaurante tradicional: pisos quadriculados de
azulejo, mesas de fórmica, cabines de vinil azuis e um longo bar com
tamboretes de vinil e cromo. Embora fossem quase 5 horas da manhã, o
restaurante estava repleto de um burburinho de gente, conversas e música
latina. Imediatamente gostei dele.
Avistei uma cabine aberta no final do recinto, apontei para ela e me dirigi
para lá com Bianca. Joguei minha sacola para um lado da cabine antes de me
sentar ao lado dela. Bianca sentou-se à minha frente.
— Recomendo os ovos rancheiros — disse ela. — É o que eu peço
sempre. Quase zero de carboidratos. E além disso, se eu comer qualquer coisa
mais pesada, não durmo bem.
— Depois do que aconteceu esta noite, é provável que eu não durma,
afinal de contas.
— O que você está querendo dizer com isso?
Nossa garçonete chegou com dois copos de água, que ela colocou sobre a
mesa à nossa frente.
— Obrigada — eu disse. — Nós duas vamos querer ovos rancheiros, por
favor.
— Claro, querida — disse a garçonete. — Alguma coisa para beber?
— Café, por favor — respondi.
— O mesmo para mim — disse Bianca.
Quando a garçonete desapareceu em direção ao bar, Bianca debruçou-se
sobre a mesa e olhou para mim. — Então, o que aconteceu com o Santoro? É
seguro conversar aqui: entre as pessoas e a música, ninguém vai ouvir uma
palavra que você disser.
Contei-lhe tudo. Assim que terminei, nossa comida chegou.
— Garotas, algo mais que eu possa lhes servir? — perguntou a garçonete.
— Obrigada — eu disse. — A comida parece perfeita. Acho que é só isso
por enquanto.
Depois que a garçonete saiu, Bianca voltou-se para mim. — Pelo menos,
você não fez sexo com ele. Você entende agora? Você entende porque eu te
adverti contra esse homem?
— A culpa foi tanto minha quanto dele... talvez mais minha. Eu estava
em cima dele, e é por isso que estou apavorada. Entendo que ele é um
prostituto de carteirinha, mas senti essa atração estranha por ele que não sinto
por ninguém há muito, muito tempo. Meu cérebro me diz que ele é um mau
elemento, mas tenho que admitir que o resto de mim realmente gosta dele.
— Confie no seu cérebro — disse Bianca entre mordidas. — A sua
xoxota está cobiçando o pauzão dele. Isso é tudo. Olha, você não sai com
ninguém desde que terminou com o Calebe, o que faz mais de um ano. Você
é apenas humana, e os humanos não foram feitos para o celibato.
— Pressinto para onde isso está indo...
Ela olhou nos meus olhos. — Pressente mesmo? Espero que sim. Está na
hora de você reencontrar o Pablo.
— Quem?
— Pablo. P.A.B.L.O. Pequeno Amante a Bateria para uma Luxúria
Ocasional.
Abaixei o meu garfo e fiquei olhando para ela. — Sério?
— Sério.
— Você sabe que eu nunca fui fã dessa merda.
— Bem, estou falando sério.
— De verdade? Pensei que você fosse me dizer para anunciar meu
bumbum no Match.com. Não é o que você estava me dizendo para fazer já há
alguns meses? Ou foi no OKCupid?
— Na verdade, foi no Sparkology.
— Seja lá o que for. Conheci o Calebe on-line, e olha só no que deu.
— Ah não, Ilana. Nem todo mundo que você conhece on-line é um
babaca mentiroso e traidor.
— Eu sei disso. É que depois do Calebe, eu fiz uma promessa para mim
mesma, uma promessa que eu quase rompi esta noite.
— Você quer dizer o lance de "amigos primeiro, sexo depois"?
— Isso mesmo. Se eu tivesse conhecido o Calebe melhor como pessoa
antes de nos envolver, eu poderia ter me poupado muito sofrimento e drama,
sem falar nos dezoito meses da minha vida que desperdicei com esse homem.
— Você já se bateu o suficiente com relação ao Calebe— disse Bianca.
— E o interlúdio desta noite com El Toro só prova que faz tempo demais
desde que você transou. Entendo que você tem problemas em confiar.
Diabos, todos temos, pelo menos até um certo ponto.
— Acredite em mim, estou ciente dos meus problemas de confiança. Mas
também estou ciente dos perigos de se confiar muito facilmente. Como é que
eu não poderia, depois de ter sido criada pela minha mãe? Graças ao meu pai,
que nos abandonou alguns meses depois que eu nasci, passei a minha infância
vendo-a lutar para cuidar de nós. Comparado com a maneira com que meu
pai traiu a minha mãe, o que Calebe fez comigo não foi nada.
— Não minimize o quanto aquele babaca mentiroso machucou você. Eu
estava lá, lembra? Mas é hora de parar de olhar para o espelho retrovisor e
começar a viver a sua vida. Conheça um cara legal... on-line ou na vida real.
Saia para um ou dois encontros. Esqueça o Calebe.
— Confie em mim, já superei o Calebe. Mas agora sou uma stripper. Os
caras legais não namoram strippers, e eu não mentiria sobre o meu trabalho.
Isso não seria justo, e mentir é a pior maneira de começar um relacionamento.
— Por que você acha que recomendei o Pablo? Ele tem todas as
qualidades essenciais que você precisa num homem, e ele não está nem aí
para o que você faz na vida.
— Está bem. Talvez eu tenha cutucado o Pablo com vara curta, por assim
dizer. Mas vou admitir uma coisa. Certamente, ele é mais confiável do que
qualquer homem que já conheci.
Bianca deu uma risadinha. — De acordo. O Pablo está pronto sempre que
você precisa.
— Ele não ronca, não coça o saco e nem peida na cama.
— Ele não desperdiça suas noites num estupor regado a cerveja,
assistindo ociosamente a programas de esporte profissional na TV.
— Ele nunca monopoliza o banheiro... ou deixa a tampa do vaso sanitário
levantada.
— E nunca exige nada de você... além de uma ou duas pilhas Duracell
novas.
Quando paramos de rir, o semblante de Bianca mudou. Ela apontou um
dedo para a sua têmpora. — Dããã. O que está errado comigo? Como eu
poderia me esquecer?
— Esquecer o quê?
— A sabotagem com os sapatos. A Valência sabotou você, ou não?
Eu sacudi minha cabeça. — Não sei. Não tive uma chance de examinar os
saltos no clube. Mas vamos terminar nossa comida antes de lidar com essa
pequena joia. Eu me recuso a dar à Valência o poder de estragar o meu café
da manhã.
— Bem pensado. Então coma!
Quando terminamos de comer, Bianca empilhou os pratos em um lado da
mesa. — Vamos ver aquele sapato — disse ela.
Enfiei a mão na sacola, tirei o sapato e balancei o salto frouxo, que havia
se desprendido de um dos lados da sola. Virei aquele lado do sapato em
minha direção para examiná-lo.
— Há marcas perto de onde o salto se conecta com a sola — eu disse. —
Para mim, parecem marcas de lixa. — Entreguei o sapato para ela. — Você
tinha razão completamente. A megera fodeu com o meu sapato.
Bianca olhou para o sapato de perto e, em seguida, deslizou seus dedos ao
longo da parte superior do salto. — Há também algum resíduo de cola.
Amanhã vamos levar esse assunto à Rocha. Vamos pregar o rabo dessa
jararaca traiçoeira na parede.
— Mas que prova temos de que foi ela quem fez isso?
— Temos o sapato, e também a lixa de unhas.
— Droga! Eu deveria ter pensado em pegar a lixa da estação dela, mas eu
estava tão ocupada que nem pensei nisso.
Bianca depositou o sapato sobre a mesa, enfiou a mão na sacola e tirou
um saquinho de plástico. Ela balançou o saquinho na minha frente, e seu
rosto estampava uma expressão de triunfo. — Mas eu pensei.
Dentro do saquinho, reconheci a lixa de unhas de Valência pelo seu cabo
de casco de tartaruga falso.
— Você é incrível — eu disse.
— Uma garota tem que ser habilidosa. Surgiu uma oportunidade e eu me
aproveitei dela. — Ela segurou o saquinho ao lado do meu sapato. — Dê uma
olhada. A marca vermelha na lixa combina perfeitamente com a cor do salto
deste sapato. Isso prova que foi a Valência.
— É prova suficiente para mim, mas a única coisa que associa essa lixa à
Valência é a sua palavra e a minha de que a pegamos da estação dela. Acusá-
la poderia fazer o tiro sair pela culatra contra nós. Ela poderia dizer à Rocha
que a lixa não é dela, que outra pessoa deve tê-la deixado em sua estação. Ou
ela poderia dizer que a mancha vermelha foi de fazer as suas unhas.
Bianca olhou pensativa. — Você tem razão, mas temos que fazer algo.
Você não pode simplesmente ficar de braços cruzados.
— Não, eu não posso. Principalmente agora que a Rocha me pediu para
trabalhar num número de dança especializado. Se ela gostar do que eu
inventar, ela disse que consideraria me deixar abrir o show com ele em algum
momento.
— Ah, meu Deus — disse Bianca. — Você nem vai acreditar nisso.
— Não vou acreditar em quê?
— A Rocha me pediu mais ou menos a mesa coisa esta noite. Ela deve
estar planejando agitar as coisas para a temporada de outuno. Essa é uma
grande oportunidade para nós duas. Isso nos coloca em concorrência direta
com a Valência.
— Você quer dizer que se você e eu pegarmos alguns números de
abertura, ela não vai abrir o show tanto quanto faz agora?
— Exatamente. Se Rocha nos deixar abrir, Valência vai ficar furiosa. Por
isso é que temos que denunciá-la por sabotar você com os sapatos. Ela
precisa saber que foder com qualquer uma de nós duas não lhe convém.
— E ela vai entender. — Enchi minha sacola com o sapato e o saquinho
contendo a lixa. — Amanhã no trabalho, vou esfregar essa lixa na cara dela...
e então enfiá-la no seu rabo. Isso deve fazê-la dar um maldito recuo.
— Talvez — disse Bianca.
— Você não parece ter tanta certeza.
— É porque eu não tenho. Essa não é a primeira vez que Valência
sabotou alguém. Ouvi boatos de que uma garota deixou o clube porque
Valência a assediou e finalmente fez com que ela fosse embora.
— Bem, ela não vai fazer nenhuma de nós ir embora. Precisamos dos
nossos empregos.
— Não, mas se ela não recuar depois que você confrontá-la,
possivelmente precisaremos tomar uma providência.
— Você quer dizer falar com a Rocha ou o Max?
— Talvez sim. Talvez não. Valência é esperta; nunca há prova suficiente
para incriminá-la. Estou pensando criativamente.
— O que você está querendo dizer com isso?
— Talvez a gente precise entrar no jogo dessa megera para vencê-la.
— Você está realmente pensando em sabotagem?
— Nada como o seu sapato. Você sabe que eu nunca faria mal a ninguém,
mas um prato grande e fedido de humilhação pública pode ser apenas o
necessário para pôr Valência no lugar dela.
— O que você tem em mente?
— Ah, tenho algumas ideias que fariam Valência manter sua cara longe
do clube por um fim de semana inteiro, o que lhe custaria pelo menos trinta
mil dólares.
— Ainda não posso acreditar que eu ganhei nove mil essa noite. No meu
velho emprego, eu levava dois meses para ganhar essa grana.
— Logo você vai ter noites que vão dobrar esse valor — disse Bianca. —
Nem todas as noites, claro. Os fins de semana são os melhores. Nas sextas e
sábados, raramente saio com menos de quinze mil, e uma vez fiz vinte mil.
Minha cabeça girou. — Vinte mil? Como você conseguiu?
— Com o tempo, construí uma base de clientes regulares. Agora, alguns
deles agendam uma sala privê comigo todas as semanas. A cinco mil por hora
mais as gorjetas, os quartos privês aumentam o cachê rapidamente. E é mais
fácil que as danças no colo.
— Você quer dizer o lance dos fetiches?
— Isso mesmo.
— Eu deveria ter marcado "sim" para alguns desses fetiches?
— Talvez, mas leva tempo para construir uma clientela regular, afinal de
contas. Dê a si mesma algumas semanas. Ajeite-se no seu trabalho no clube,
e comece a conhecer os clientes assíduos.
— Estou oficialmente de boca aberta.
— Acostume-se com isso. Em breve, você vai estar pagando uma entrada
para fazer a cirurgia da sua mãe... mesmo perdendo a metade da sua renda
com os impostos.
— Metade? — Que diabo é isso?
Ela sorriu para mim. — Parabéns, querida. Bem-vinda à sua nova faixa
tributária.
12
Parabéns pelo sucesso da sua primeira noite no clube. Esses sapatos devem
lhe servir melhor que o par anterior.
Melhores votos, Nick
Duas horas depois, deixei o palco com uma onda de adrenalina. Meu número
de dança tinha ido bem, e os aplausos e assobios entusiasmados que vinham
da casa lotada testemunhavam o meu sucesso.
Caminhei para os bastidores, vesti o meu roupão e me sentei em minha
estação. Enquanto retocava minha maquiagem em preparação para me
apresentar no salão, a rosa que Nick me mandara estava perto do espelho
num vaso verde que Bianca tinha me emprestado.
Embora eu não tivesse visto Nick na plateia, isso não significava que ele
não estivesse no clube. Eu estivera no palco durante dez minutos completos e
estava focada em dançar; as luzes brilhantes do palco haviam ofuscado minha
visão de forma que não conseguia ver nada além da primeira fileira de mesas.
Ele poderia estar aqui neste momento, assistindo ao show ou bebendo uísque
escocês no lounge do andar térreo.
Dentro de minutos, os nossos caminhos poderiam se cruzar. O simples
pensamento de vê-lo outra vez disparou um arrepio de excitação dentro de
mim. Fazia tanto tempo que eu não me sentia atraída por ninguém que quase
havia esquecido como a presença de um homem, ou mesmo o mero pensar
nisso, poderia colorir e transformar a minha vida, traduzindo cada momento
com possibilidades vibrantes.
Não dê o passo maior que a perna, garota.
Eu não tinha desconsiderado as advertências de Bianca acerca de Nick.
Minha melhor amiga era uma das mulheres mais sábias que já conheci, e seus
julgamentos sobre as pessoas normalmente eram certeiros.
Mas eu também sabia que muito do que ela havia me dito sobre ele veio
de fofocas no clube, e fofocas, principalmente de segundos ou terceiros,
tendiam a exagerar, distorcer, ou mesmo obscurecer a verdade. E embora eu
não pretendesse me apressar a nada com Nick, também não estava pronta
para rejeitar a ideia de que ele tinha interesse em mim.
Talvez eu o veja no salão.
Quando surgi no salão e olhei em volta, não vi Nick, o que não era nenhuma
surpresa. Devido à plateia entusiasmada, que atingiu a lotação máxima da
casa, eu não conseguia ver a maioria das mesas.
Talvez Nick tivesse pego uma mesa próxima ao palco como fez ontem à
noite? Com este pensamento em mente, passei em volta de grupos de
homens, desviei-me das garotas que estavam dançando, e consegui chegar à
primeira fileira de mesas. No palco, as luzes piscavam conforme Destiny,
uma garota moreninha a quem Bianca me apresentara mais cedo, requebrava
e girava aos ritmos rápidos de Control de Traci Lords.
Quando cheguei às mesas da frente, Nick havia desaparecido.
Mentalmente, eu me arrependi de deixar que os seus presentes me
tentassem a criar expectativas. Por que eu esperava vê-lo esta noite, afinal de
contas? O fato de que ele havia me mandado os sapatos e uma rosa
provavelmente não significava nada para ele.
Deixei de lado a minha decepção e me recordei do motivo de estar aqui.
Eu precisava parar de perder tempo e começar a ganhar dinheiro.
Com isso em mente, forcei os meus lábios a sorrir e me aproximei do
primeiro cara que acenou para mim em direção à sua mesa: um tipo executivo
nos seus quarenta e poucos, com cabelo castanho aparado e uma poderosa
gravata dourada. Ele parecia inofensivo o bastante, embora a garrafa quase
vazia de Belvedere que estava em sua mesa me fizesse imaginar o quanto ele
teria bebido.
— Oi — disse ele. — Sou o Brian. E tenho que te dizer que você é uma
dançarina incrível. Me deixa pagar um drinque pra você.
Suas palavras eram levemente trôpegas, o que confirmava que ele tinha
bebido muito. Embora eu realmente não quisesse dançar para um bêbado,
isso resumia mais ou menos uma boa parte do meu trabalho. E além disso,
dinheiro era dinheiro, então decidi aceitar a sua oferta e usá-la para colocar
uma garrafa de água sobre a mesa. Talvez ele tivesse o bom senso de tomar
um pouco dela.
— Obrigada, Brian. Meu nome é Raven, e eu adoraria um copo de água
mineral.
Brian acenou para uma garçonete próxima. — Traga à moça o que ela
quiser.
— Uma garrafa de Perrier, por favor — eu disse. — E dois copos.
— Ah sim, uma Perrier — disse a garçonete, piscando para mim
conforme ela desapareceu na multidão.
Brian agarrou o meu braço. — Você é uma garota bonita, Raven. Vamos
dançar. Você quer dançar comigo?
— Claro que quero — eu disse. Desvencilhei o meu braço dele e me
sentei na cadeira ao lado da sua. — Mas temos que seguir as regras do clube,
o que significa não tocar. E realmente preciso de um copo de água antes de
dançarmos. Estou morrendo de sede.
Ele mostrou os seus dentes num sorriso lascivo. — Você é quem manda,
linda. A noite é uma criança, e temos muito tempo.
A garçonete voltou com a nossa água e despejou um copo para cada um
de nós.
— Obrigada — eu disse, e então levantei meu copo até os lábios e bebi,
aliviada ao ver Brian me acompanhar. Quando ele colocou o seu copo vazio
sobre a mesa, eu o enchi novamente.
Ele empurrou o copo para um lado, abriu as pernas e estendeu os braços
em minha direção. — Venha cá. Vamos pôr esse espetáculo em marcha.
Você realmente quer dançar comigo, certo?
Com um entusiasmo que eu não sentia, levantei-me da cadeira e disse: —
Isso é pergunta que se faça? — Posicionei-me entre as pernas dele e comecei
a me mexer.
Ele encostou-se na cadeira e me olhou com seus olhos puxados. —
Melhor que antes.
Foquei em minha rotina de dança no colo e não disse nada, até que, na
metade da dança, senti as mãos de Brian apertar o meu bumbum. Tomei suas
mãos nas minhas e gentilmente as coloquei sobre os braços da cadeira. —
Sem contato, por favor. Regras da casa.
— Para o inferno com as regras. Vamos sair daqui e ir para algum outro
lugar. Em qualquer lugar que você quiser.
— Você sabe que não posso sair do clube com você.
— Você sabe que não vai sair, a menos que eu te pague. Está bem.
Coloque o seu preço. Eu posso pagar.
Bianca havia me aconselhado como lidar com este tipo de situação, mas
esta seria a primeira vez que eu punha o seu conselho em ação.
Eu me afastei de Brian, respirei e olhei em seus olhos.
— Estou lisonjeada, e obrigada pelo seu convite, mas realmente não
posso fazer isso. Se eu fizesse, e o clube descobrisse, eu poderia perder o meu
emprego.
— Ah — disse ele. — Eu não tive a intenção de lhe causar problemas ou
nada disso.
— Eu sei — eu disse, e então invoquei uma linha do manual de
regulamento do clube. — Mas o fato de eu não poder sair do clube com você
não quer dizer que não podemos passar mais tempo juntos. Você gostaria de
mais uma dança?
— Eu gostaria de muitas mais, mas vou aceitar tudo que vier.
— Então, outra dança?
Ele me deu uma olhada maliciosa. — Solta a fera, querida.
Ele está completamente com cara de merda. Depois desta dança, vou
inventar alguma desculpa para me livrar dele antes que ele coloque suas
mãos em mim novamente. A última coisa que quero é provocar uma cena.
Continuei a dançar. Decorrido mais ou menos um minuto sem incidentes,
meus receios se acalmaram. Talvez uma parte do cérebro empapado de álcool
de Brian ainda estivesse funcionando. Talvez ele tivesse captado a
mensagem.
Mas quando mudei para a próxima fase da minha rotina, voltando minhas
costas para ele e pairando o meu traseiro sobre a sua virilha, ele agarrou os
meus quadris e me puxou para baixo contra a sua ereção.
— Sentiu isso? — ele perguntou, ofegando contra o meu ouvido.
— Regras do clube — eu disse. — Por favor, não as quebre.
— Se você fizesse alguma ideia do meu pacote, chegaria à conclusão que
poucas regras poderiam quebrar a minha salsicha. Acredite em mim.
Quando ele me empurrou com mais força sobre a sua ereção, tentei me
livrar dele.
— Você não quer provocar uma cena — eu disse.
— Seria provocar uma cena se eu te comesse aqui mesmo?
E isso bastou para mim.
— Deixe-me ir! — eu disse. Tentei me desvencilhar dele, mas o seu
aperto era tão forte que eu relutei para me libertar; o lado esquerdo do meu
espartilho rasgou-se.
Ele me puxou para mais perto. — Vamos lá, garota. Você sabe que é isso
mesmo que você quer.
Foi então que uma voz masculina e grossa veio de trás de mim. — Tire
suas mãos de cima dela... já.
— Vai com calma, cara — disse Brian, me soltando.
Tropecei para a frente e me virei para encarar o meu salvador. Quando vi
quem era, meu rosto ficou vermelho de vergonha.
Nick.
O olhar furioso que ele dirigiu a Brian poderia ter penetrado uma placa de
aço. — Isso não é maneira de tratar uma senhorita — disse ele, colocando-se
entre mim e Brian.
Impecavelmente vestido num terno cinza escuro, Nick parecia uma torre
perto do homem menor. Sua presença completa irradiava uma fúria
controlada, e o olhar em seu rosto era quase assustador em sua intensidade.
Eu me senti aliviada, e mais que emocionada, pela maneira como ele partiu
para a minha defesa.
Mas o meu alívio se evaporou quando Brian jogou sua cabeça para trás e
soltou uma dura risada. — Caia fora, meu chapa, antes que eu leve isso para
o caminho errado. Ela não é nenhuma senhorita. Ela é uma stripper de merda.
Nisso, a mão direita de Nick apertou-se em punho cerrado. Senti até uma
falta de ar. Eu havia julgado mal o seu temperamento? Ele estava prestes a
dar uma porrada em Brian? Uma cena era a última coisa que eu queria. Olhei
em volta freneticamente, vi Max do outro lado do salão e acenei com meu
braço até chamar sua atenção e constatar que ele havia começado a caminhar
em nossa direção.
— Pede desculpas para a senhorita — Nick rosnou. Ele deu um passo à
frente em direção a Brian, e então mais um. — Ou você vai levar um soco na
boca. Então, você já sabe: escolha uma das duas.
Eu tenho que parar com isso. Agora.
Agarrei o braço de Nick e o apertei.
— Obrigada por intervir — eu disse. — Eu realmente agradeço por isso.
Mas não precisa fazer esse cara me pedir desculpas; estou bem, e ele está
bêbado demais para saber o que está fazendo. Max está a caminho. Ele vai
lidar com isso.
Nisso, Max surgiu da multidão, acompanhado por dois leões de chácara
fortes do clube, que estavam vestidos com ternos pretos. Com músculos
fortes e cabeças raspadas, eles tomaram posição em cada um dos lados da
cadeira de Brian.
— Há algum problema aqui? — perguntou Max.
— Esse filho da puta interrompeu minha dança no colo — disse Brian.
Nick empinou a cabeça na direção de Brian. — Ele estava se atrevendo
com a Raven, por isso eu intervim. Evidentemente, ele bebeu demais.
— Coloquem o Sr. Tomás num táxi e o mandem para casa — disse Max
aos leões de chácara. — Tranquilamente.
— Ei! — disse Brian, conforme os leões de chácara o puseram em pé. —
Tirem essas mãos sujas de cima de mim.
Conforme os leões de chácara o encaminharam em direção à saída mais
próxima, a sua voz desvaneceu-se com o barulho do clube, provavelmente
junto com sua ereção patética.
Max voltou-se para mim. — Você está bem, Raven?
— Estou bem — tranquilizei-o. — Nenhum dano feito... além do meu
espartilho, que está rasgado de um lado. Só preciso de alguns minutos nos
bastidores para me trocar.
— Tem certeza? — perguntou Max. — Depois de um incidente como
esse, algumas garotas preferem pegar o resto da noite de folga. Você deve
entender que a decisão é completamente sua se você vai trabalhar ou não o
resto da noite.
— Estou bem. Graças a você e ao Nick, nada realmente aconteceu. Sério,
tudo que eu preciso é de alguns minutos nos bastidores.
— Quando você voltar, aceitaria tomar um drinque comigo? — perguntou
Nick.
Eu me virei para ele e olhei nos seus olhos. Apenas momentos antes, a
noite estava indo para o inferno, mas agora parecia repleta de possibilidades.
Sorri para ele. — Eu ficaria muito feliz. Me dê apenas quinzes minutos
para me trocar, OK?
— Me encontre lá embaixo no lounge — disse Nick. — Depois do que
acabou de acontecer, tenho certeza que nós dois apreciamos um ambiente
mais tranquilo.
Nos bastidores, coloquei um novo espartilho, que era de prata escuro com
detalhes em vermelho. Estava prestes a trancar minhas coisas e voltar para o
salão, e para Nick, quando ouvi alguém entrar na sala.
— Já recebendo flores? Quem diria!
Virei-me e vi Valência de pé a alguns metros de distância, como uma
predadora à espreita. Minha raiva com o que ela havia feito comigo voltou
rapidamente e com força total. Uma olhada rápida pela sala confirmou que
estávamos sozinhas.
Eu me levantei e a encarei. — Estou sabendo que muitas garotas recebem
presentes dos clientes. Algumas de nós também recebem presentinhos
nojentos das colegas de trabalho.
Ela levantou as sobrancelhas para mim. — Não tenho certeza se estou
entendendo.
Enfiei a mão em minha sacola, peguei o sapato que ela havia sabotado e o
atirei para ela. — Na verdade, acho que você está.
Reflexivamente, Valência pegou o sapato. — Não sei quem você pensa
que é, mas obviamente não sabe quem eu sou. Quando eu disser à Rocha que
você atirou um sapato em mim, ela vai dar um pé na sua bundinha novata.
— Sério? — eu disse. — Eu não teria tanta certeza disso... principalmente
se eu me explicar mostrando isso a ela. Enfiei a mão na sacola novamente e
tirei o saquinho plástico com a lixa de unhas dela. Em seguida, dei um passo
em direção à Valência, estendi o braço para frente e balancei o saquinho em
frente ao seu rosto. — Reconhece isto?
Ela permaneceu completamente imperturbável. — Claro. É uma merda de
lixa de unhas.
— A sua lixa.
— Minha lixa? Dificilmente. Se você acha que isso me pertence, você
está enganada.
— Não, não estou. Você a usou no salto do meu sapato numa tentativa de
minar a minha apresentação.
Ela fez um gesto de desprezo. — Se alguém fez qualquer coisa com o seu
sapato estúpido, com certeza não fui eu.
— Sim, foi você. E é por isso que eu sei que foi você: você não limpou os
vestígios que deixou para trás. Você deixou esta lixa na sua estação, coberta
de pó vermelho. Pó que combina com a cor exata do salto vermelho do meu
sapato.
Valência jogou o sapato no cesto de lixo mais próximo, onde ele caiu
com uma batida forte. — Aquela lixa não estava de modo algum perto da
minha estação. Não é minha. Nunca a vi antes.
— Nós duas sabemos o que você fez. A única coisa que não entendo é
porque você fez isso. Eu mal comecei a trabalhar aqui. Você nem me
conhece. Então, qual é o seu problema comigo, Valência? Merda, por que
você está me atazanando?
— Você tomou os seus remédios hoje?
— Meus o quê?
— Os seus remédios, porque, obviamente, você é uma paranoica. Tenho
coisas mais importantes a fazer do que te atazanar. Faça-me o favor.
— Eu digo que isso é conversa fiada.
— E eu digo: procure se tratar com Frontal. — Ela suspirou. — Olha,
doçura, se isso vai te fazer sentir melhor, vá em frente e reclame para a Rocha
sobre o seu sapato feio e baratérrimo. Estou pouco me lixando. Só vou dizer à
Rocha que você obviamente está conturbada e, a essa altura, ela vai te
dispensar.
— Não preciso da Rocha nem de ninguém mais para brigar por mim.
Portanto, aqui está o meu melhor conselho; e, por favor, ouça, porque essa é a
primeira e a última advertência.
Valência revirou os olhos. — Uhhh, uma advertência. Estou com medo.
Olhei para ela de cima. — Você deveria estar. Você está brincando com
fogo, e se continuar, você é quem vai se queimar. Se você fizer algo parecido
comigo novamente, ou com minha amiga Jade, não espere se safar dessa
numa boa. Você pode ter a sua mala de truques, mas eu também tenho.
Ela riu. — Você está me ameaçando?
— Não foi uma ameaça; foi uma promessa. Ao contrário de você,
Valência, eu nunca comecei uma briga. Mas isso não quer dizer que eu não
saiba terminá-la.
E com isso, enfiei as minhas coisas no armário, bati a porta e saí.
14
Quando Nick me ajudou a entrar em sua elegante limusine preta, a vista com
que meus olhos se depararam não foi nada do que eu esperava.
Uma luz difusa embutida iluminava as poltronas aparentemente
confortáveis de couro marrom claro, que formavam uma letra U em volta dos
lados e na parte traseira do carro, como uma ferradura cuja boca estava aberta
para a divisória que nos separava do motorista. Entre os braços das poltronas
havia mesas com superfícies que combinavam com os painéis de madeira das
partes das paredes que não estavam ocupadas por janelas. O piso era de
carpete num rico tom marrom escuro, um teto solar expansivo estendia quase
por todo o teto, e uma televisão de tela grande estava montada na parede
traseira. O ambiente estava mais para sala da diretoria de uma empresa do
que a decadência fluorescente à Las Vegas de algumas limusines que eu tinha
usado para ir a festas e casamentos.
Mas no instante em que a porta do carro se fechou ao entrarmos, Nick
reivindicou minha boca com um beijo faminto e profundo, e tudo ao nosso
redor se desvaneceu. Tudo que eu tinha pensado em lhe dizer desapareceu,
incinerado pelo imediatismo do meu desejo por ele. Nossos lábios e nossas
línguas se chocaram e se enredaram, brincaram e exploraram, e o tempo
parou à medida que nos envolvíamos um com o outro.
Nick interrompeu o beijo e gentilmente afagou o meu rosto em suas
mãos. — Por mais tentador que seja passar a próxima hora com você, viemos
aqui, na verdade, para conversar.
Pousei minhas mãos em seus ombros e balancei a cabeça
provocativamente. — Você é terrivelmente perturbador, sabia?
O seu semblante se dividiu num sorriso assimétrico que eu achei
irresistível. — Eu poderia dizer a mesma coisa sobre você. Então, fale
comigo... antes de nos distrairmos outra vez.
— Eu só quero ser completamente honesta com você — eu disse. — Faz
mais de um ano que eu namorei alguém e minha última relação foi um
desastre. Eu realmente não quero que nenhum de nós se machuque, e é por
isso que preciso ter certeza que está tudo bem com você se a gente levar as
coisas devagar.
— Eu entendo — disse ele, e sua voz baixou vários tons. — Quando eu
fizer amor com você, e vou fazer amor com você, Raven, vai ser porque você
me pediu, e não vai haver nada de apressado nisso.
Ele inclinou-se para me beijar de novo, mas antes que o fizesse, havia
uma última coisa que eu precisava lhe dizer.
— Mais uma coisa — eu disse.
Ele recuou ligeiramente. — Está bem.
— Quero que você saiba meu nome verdadeiro. É Ilana. Ilana Evans.
— Ilana — disse ele. — É um nome bonito.
— Obrigada. É o nome do meio da minha mãe.
— É perfeito como você.
Em seguida, ele me puxou para os seus braços e seus lábios se
desmancharam nos meus. Deslizei meus dedos pelos seus cabelos escuros e
grossos, e rastreei meus dedos ao longo do seu maxilar, sentindo a aspereza
de sua barba. O brilho de luzes da rua ao redor filtrou pelos vidros fumados
do carro, iluminando os contornos masculinos do seu rosto e do resto do seu
corpo.
De repente, com um som esmagador, o carro deu um arranque para frente.
Airbags explodiram à nossa volta e nos prenderam um contra o outro.
— Que diabo foi isso? — perguntou Nick. — Alguém acabou de bater
em nós?
— Realmente é o que pareceu.
Gentilmente, ele arrumou uma mecha do meu cabelo que havia caído em
meu rosto. — Bem, seja lá quem for esse imbecil, eu particularmente não me
importo com a cronometragem dele.
— Espero que o seu carro esteja OK — eu disse.
— Não se preocupe com o meu carro. — Ele empurrou o airbag lateral
que estava mais próximo da porta ao lado do meio-fio, que, ao contrário dos
outros, não tinha começado a desinflar. — Esse airbag está com defeito ou o
quê? — Apesar de o fato de que alguém tinha acabado de bater no carro dele,
sua expressão era bem-humorada. — Aposto que você vê muito isso nos
bastidores.
Eu ri. — Você não ouviu nem a metade.
O motorista abriu a porta ao lado do meio-fio e olhou, com dificuldade, o
airbag. — Sr. Santoro, você está bem? Algum idiota bateu a traseira de uma
Ferrari em nós enquanto estava saindo da vaga de estacionamento. Ele fugiu
como o diabo foge da cruz, mas eu anotei o número da placa.
— Estamos bem — disse Nick. — Mas esse airbag obviamente não está.
— Quer que eu aplique um pouco de força bruta? — perguntou o
motorista. — Vai ter que ser trocado, de qualquer forma.
— Isso pode esperar. Ajude a moça a sair do carro, e daí eu saio e dou
uma olhada no estrago.
O motorista empurrou o airbag para cima com uma mão, estendeu a outra
mão para mim e me ajudou a sair e ficar na calçada. Com alguma dificuldade,
devido à sua altura, Nick abaixou a cabeça por baixo do airbag, libertou-se
do carro e foi para onde eu estava na calçada. Juntos, examinamos o para-
choque do carro.
— Sinto muito — eu disse. — O seu para-choque parece estar destruído.
Nick encolheu os ombros. — Um pequeno preço pelo prazer da sua
companhia. Por falar nisso, quando posso te ver novamente?
— Que tal esta semana, num dos meus dias de folga? Meu telefone está
nos bastidores em minha bolsa, mas se você tiver o seu, eu posso te dar o
meu número.
Ele enfiou a mão no bolso do paletó, tirou um iPhone e o entregou para
mim. Digitei o número do meu celular na sua lista de contatos e lhe devolvi o
telefone.
— Estou livre nesta segunda, terça e quarta-feira — eu disse.
Ele colocou o telefone de volta no bolso. — Tenho compromissos na
segunda e terça, mas quarta é perfeito. Você disse que gosta de filme
francês... E comida francesa?
— Isso é pergunta que se faça?
— Boa resposta. Que tal um jantar na quarta à noite? Tem um novo
restaurante francês que eu tenho vontade de conhecer. Vou te mandar uma
mensagem de texto na quarta de manhã para combinar os detalhes.
Eu sorri para ele. — Combinado.
16
Mas da próxima vez que vi Nick Santoro, isso não envolveu restaurantes de
luxo, limusines, ou comida francesa.
Era cerca de meio-dia de terça-feira, e graças ao depósito direto do meu
primeiro cheque de pagamento, eu havia passado a manhã na Universidade
de Nova York, onde me matriculei para estudar no segundo semestre e
comprei o livro didático para a minha aula de Finanças Empresariais.
Também coloquei um cheque no correio para a minha mãe. Levaria
aproximadamente de quatro a seis meses para eu pagar todas as despesas
médicas relacionadas com a cirurgia dela, mas me senti bem por ter lhe
enviado o primeiro cheque.
O dia de agosto estava ensolarado e morno, e eu não tinha nenhuma
pressa em voltar para casa. Virei no Parque Washington Square e caminhei
tranquilamente em direção à fonte que ficava no centro, que, na verdade,
estava ligada. Conforme eu caminhava, meus pensamentos me transportaram
para a conversa telefônica da noite anterior com minha mãe.
Quando conversamos, eu menti para ela sobre o meu novo trabalho.
Expliquei a súbita melhora em minhas finanças, dizendo-lhe que tive a sorte
de pegar um emprego numa firma de consultoria que me ofereceu um salário
de cem mil dólares. Detestei mentir para minha mãe, mas não havia outro
jeito. Se ela soubesse o que eu estava fazendo para ganhar esse dinheiro, ela
nunca teria aceitado isso.
Claro, sendo quem ela era, a aceitação da minha mãe só aconteceu depois
de uma bateria de perguntas.
— Estou feliz que você encontrou esse novo emprego — disse ela. —
Apesar de não saber nada sobre consultoria, sei que as firmas de consultoria
pagam bem. Mas você estava desempregada desde maio. Não entendo como
você pôde me mandar milhares de dólares quando você deve estar com suas
contas atrasadas.
Eu esperava por essa pergunta, e dei a ela a explicação que eu havia
preparado. — A firma me deu um bônus de contratação de trinta mil dólares.
Eles também dão bônus de fim de ano e bônus por desempenho em projetos
de alta prioridade. Meu salário é somente o meu salário-base. Por causa dos
bônus, vou acabar ganhando muito mais.
— Estou tão orgulhosa de você, Ilana. Você ainda nem terminou o seu
mestrado em administração de empresas, e olha só aonde você chegou.
Trabalhando para uma grande firma de consultoria e recebendo um salário
três vezes a mais do que ganhava no seu velho emprego.
O elogio de minha mãe me fez sentir mais culpada que nunca por ter
mentido a ela, mas deixei a culpa de lado e foquei no que precisava ser feito.
— É por isso que eu quero que você marque a sua cirurgia o mais rápido
possível. Agora que podemos pagar, não há por que esperar.
Por um longo momento, ela ficou em silêncio. — Você sabe que eu
detesto pegar o seu dinheiro.
— Você precisa andar novamente. Precisa ter a sua vida de volta. E esse
dinheiro é apenas uma pequena parcela do que você gastou enquanto me
criava. Lembra todos aqueles turnos extras que você trabalhou? E o segundo
empréstimo hipotecário que você pegou na casa para me ajudar na faculdade?
— Quando eu me recuperar, vou pagar cada centavo.
Eu não tinha nenhuma intenção de deixar que minha mãe me pagasse de
volta, mas decidi deixar aquela discussão para um outro dia.
— Quando você se recuperar, a gente conversa sobre isso. Neste
momento, só quero que você me prometa que vai marcar a data da cirurgia. E
me informe a data assim que estiver marcada, para eu tirar folga do trabalho
para estar com você.
Quando ela disse isto, a sua voz estava carregada de emoção: — Alguma
vez eu já te disse como sou sortuda por ter uma filha como você?
— Sortuda mesmo sou eu por ter uma mãe como você. Eu te amo, mãe...
e mal posso esperar para ver você andar novamente.
— Eu também te amo, Ilana. Meu maior arrependimento é que não
escolhi um homem melhor para ser seu pai. Se eu tivesse feito uma melhor
escolha, talvez você estivesse procurando um apartamento maior, ou
economizando para dar uma entrada em um, em vez de pagar as despesas
médicas da sua velha mãe.
— Você não é velha, e quanto ao meu pai, isso não foi culpa sua. Ele
enganou você e abusou da sua confiança.
— Graças a Deus que você é mais inteligente que eu fui. Você nunca foi
de confiar facilmente.
— Não mesmo — eu disse. — Nunca fui.
Conforme eu me lembrei da conversa da noite anterior, meus olhos
ficaram molhados. Minha mãe ainda não tinha cinquenta anos, e por mais que
eu detestasse mentir para ela, eu odiava a ideia de vê-la passar o resto da vida
numa cadeira de rodas ainda mais tempo.
Uma vez que a cirurgia tivesse sido feita e paga, eu diria toda a verdade a
ela. Ela ficaria chateada por eu ter ocultado a verdade, e odiaria o fato de que
sua filha trabalhava num clube de strip-tease. No entanto, eu também sabia
que ela entenderia. Minha mãe tinha feito muitos sacrifícios durante os anos
em que ela, mãe solteira, estava me criando e trabalhando como enfermeira.
Agora, era a minha vez de ajudá-la. Num mundo ideal, fazer strip-tease seria
a minha escolha para resolver o problema? Claro que não.
Mas tirar as roupas, e o dinheiro rápido que vinha disso, era o que eu
tinha para oferecer. Isso simplesmente poderia dar à minha mãe a
possibilidade de caminhar novamente. E eu a amava tanto que não tinha o
menor problema em fazer o que precisava ser feito.
Passei pela fonte reluzente e me sentei num banco embaixo da sombra
das árvores que dava para o centro do parque. Ao meu redor, uma parcela
vívida de nova-iorquinos desfrutavam do parque. As pessoas jaziam cooper,
andavam de skate e caminhavam com seus cachorros. Mães empurravam
carrinhos de bebê ou observavam seus filhos brincar. Ao lado da fonte, um
músico de rua dedilhava o seu violão. Perto dali, um jovem estava agachado
sobre um desenho semi-acabado na calçada, com pedaços de giz em cores
brilhantes.
Uma brisa leve farfalhou as folhas sobre a minha cabeça, e eu tive uma
profunda sensação de paz. Os últimos meses tinham sido difíceis, mas eu
ainda estava aqui, ainda em Nova York, ainda correndo atrás dos meus
sonhos. Graças à Bianca, e graças ao meu novo emprego no clube, minha
vida, aos poucos, estava novamente entrando nos trilhos. Meu plano para a
tarde era relaxar, curtir o parque por uma hora e depois almoçar num dos
meus cafés favoritos na área.
Enfiei a mão na sacola de plástico que continha o meu livro recém-
comprado, tirei-o da sacola e folheei suas páginas. Alguns momentos depois,
quando ouvi um cachorro latindo de forma aguda, olhei para cima sobre o
livro.
Foi então que vi Nick.
Ele estava de pé, a uma distância de aproximadamente 9 metros de mim.
Vestido numa camiseta verde escura agarrada ao seu torso musculoso, calça
de corrida azul escura e tênis Nike Air, ele segurava uma guia de cão por uma
ponta, e a outra estava presa a um pequeno cãozinho dálmata.
O cãozinho tensionava contra a guia e dava uns latidinhos altos,
evidentemente querendo fazer amizade com um shih-tzu que passava com
sua dona, uma mulher idosa. — Não — disse Nick. — NÃO.
Vi Nick relutar para manter o cãozinho ansioso sob controle. Ele puxou a
guia e, em seguida, abaixou-se e acariciou a cabeça do cachorrinho, como se
estivesse pedindo desculpas por mantê-lo imobilizado.
Reprimi o meu desejo de rir. Evidentemente, o Sr. Classe A não entendia
merda nenhuma de cachorro. Ele precisava de uma escola de cães mais que o
seu próprio cachorrinho.
Mas isso não era da minha conta, e, em qualquer caso, eu não tinha
certeza sequer se ele ia me reconhecer. Em minha regata casual, calça capri e
maquiagem mínima, eu não parecia nada com Raven, a stripper. E eu não
tinha certeza se queria ser reconhecida por ele, de qualquer maneira. Depois
de uma manhã correndo para lá e para cá, eu provavelmente estava parecendo
uma doida. Será que Nick ainda teria atração por mim se me visse como eu
mesma? Eu esperava que sim, mas não tinha certeza.
— Ilana?
De alguma forma, ele me reconheceu. Coloquei o meu livro sobre o
banco ao lado e esperei que meu cabelo não parecesse tão terrível quanto
geralmente era depois de uma manhã de afazeres.
— Sou eu — eu disse. — Mas como você me reconheceu?
— Vamos dizer apenas que eu consegui. Excelente cronometragem, por
sinal: eu estava para te mandar uma mensagem de texto sobre nossos planos
para o jantar de amanhã, e então olho pelo parque, e aqui está você.
— A propósito, cachorrinho fofo.
Abriu-se um sorriso no rosto de Nick. Ele caminhou até o meu banco e se
sentou ao meu lado. — Ele é muito divertido.
— Quantos anos ele tem?
— Um pouco mais de dois meses; pelo menos é o que o pessoal do
Paraíso dos Animais disse.
— Então, ele é um cachorrinho resgatado?
— Isso mesmo. Eu o adotei ontem, e o dia de hoje é somente para
acomodá-lo em meu apartamento. Ele precisa de alguns brinquedos, e esta
noite vou levá-lo para a casa de minha irmã Jana em Morristown e apresentá-
lo à minha sobrinha e meu sobrinho.
Quando vi Nick da última vez, ele disse que estava ocupado na segunda e
na terça. Suprimi um sorriso. O Sr. Classe A tinha reservado dois dias
inteiros para adotar um cachorrinho. Aparentemente, havia mais coisas acerca
dele que eu não estava vendo.
Nisso, o cachorrinho levantou a perna e fez pipi num dos tênis de Nick.
Nick rapidamente moveu seu pé para o lado e olhou, de relance, a
bagunça molhada. — Droga. Estou tentando lhe ensinar algumas boas
maneiras, mas acho que isso vai levar tempo.
Enfiei a mão na bolsa, peguei uma caixa de Kleenex e tirei vários lenços
de papel, que entreguei a ele. — Aqui está. Use isso para limpar o seu tênis.
Qual é o nome dele?
Nick inclinou-se e começou a limpar a sujeira. — Ainda estou
trabalhando nisso também. Alguma ideia?
Pensei por um minuto. — Ele é preto e branco. Você poderia chamá-lo de
Dado... ou Dominó.
Nick sentou-se ereto e jogou o Kleenex na lata metálica de lixo perto do
banco. — Dado não é ruim. Dominó parece nome de menina.
O cachorrinho fungou nos meus tornozelos, e eu me inclinei e cocei suas
orelhas. Ele abanou o rabinho e lambeu minha mão com entusiasmo. Com
uma mancha preta sobre o olho esquerdo, que lhe dava uma aparência
inusitada, ele realmente era adorável.
— Ele gosta de você — disse Nick.
— Ele realmente é fofo, e com aquela mancha em torno do olho, ele
parece um bebê pirata. Que tal chamá-lo de Pirata, ou Mancha... ou Jack?
Nick olhou pensativamente para o cachorrinho, que tinha vagado alguns
metros de distância para cheirar a base de uma árvore próxima. — Jack
combina com a personalidade dele. Ele é um verdadeiro serelepe, e ele é
destemido. Quando eu o trouxe para casa ontem, pensei que ele fosse levar
um ou dois dias para se acomodar, mas ele passeou pela casa toda.
— Os dálmatas têm a reputação de ser um tanto hiperativos.
— Ele correu por todos os cômodos, cheirou tudo ao seu alcance,
derrubou uma lata de lixo quatro vezes maior que ele, rastejou para dentro
dela e comeu os restos da minha comida tailandesa. — Nick sorriu para mim,
o que quase me matou. — Você precisava vê-lo quando eu o tirei do lixo. Ele
tinha macarrão tailandês por todo o nariz e também nas orelhas.
A imagem do Sr. Classe A tirando o seu cãozinho da lata de lixo me fez
sorrir. O Nick que eu estava vendo agora era completamente diferente da
persona que ele projetou no clube, ou mesmo quando estávamos no carro
juntos.
— Você teve que dar um banho nele? — perguntei.
— Eu resolvi esfregá-lo com um pano. Sempre que eu o pego, ele se
contorce e late como um louco. — Ele se sentou ao meu lado no banco. —
Obrigado pelas sugestões de nomes. Jack é o nome perfeito para ele.
— Jack, o dálmata — eu disse. — Gosto desse nome.
— Então, o que traz você a essa parte da cidade? — perguntou ele.
— Eu moro aqui perto, em East Village.
Ele empertigou sua cabeça para mim. — Você está brincando. Eu
também. Eu me mudei para East Village um ano atrás. Há quanto tempo você
mora por aqui?
— Quase três anos. Quando minha colega de apartamento e eu decidimos
mudar para Nova York pela primeira vez, olhamos apartamentos para alugar
em várias áreas, mas o Village pareceu ser o lugar certo para nós. Para mim,
ele combina com a minha maneira de ser como pessoa. Adoro a atmosfera
criativa e eclética, e curto a diversidade. O Village oferece muito mais nesse
sentido do que a maioria dos bairros de Nova York.
— Concordo. Morei em diversos lugares de Nova York, mas quando eu
estava pronto para comprar, essa foi a área onde eu quis ficar.
Eu não esperava que um cara como Nick apreciasse a rica diversidade do
Village; aliás, como eu também não esperava que ele fosse aparecer no
Parque Washington Square com um cachorrinho recém-adotado.
— Então, somos vizinhos — disse ele. — Com que frequência você vem
aqui?
Notei quando Jack colocou as patas na grama perto do nosso banco e, em
seguida, agachou. — No verão, venho aqui o tempo todo. A propósito, o seu
cachorro acabou de fazer cocô.
Nick não se mexeu. — Bom — disse ele. — Agora que o Jack fez o
serviço dele, posso levá-lo ao pet shop. Ele destruiu minha carteira ontem à
noite; portanto, estou achando que ele provavelmente precisa de algo mais
apropriado para mastigar.
— Ummm... sim. Você não vai apanhar aquilo?
— Apanhar o quê?
— O cocô do Jack. Você meio que tem que fazê-lo. É a lei.
— Você está brincando comigo.
— Na verdade, não estou. Está vendo todas aquelas crianças e velhos ao
nosso redor? Um deles poderia escorregar no troço do cachorro, cair de
ponta-cabeça e acabar numa cadeira de rodas.
— Você espera que eu pegue caca de cachorro?
— Na verdade, o município de Nova York espera.
— Com o quê? Com as mãos sem proteção?
Revirei meus olhos. — Você nunca teve cachorro?
— Não, nunca tive.
— Isso explica muita coisa. Você deu comida para o Jack hoje? Deu a ele
uma vasilha de água?
Ele me deu um olhar aflito. — Claro que sim.
— Bem, isso explica o troço.
Peguei meu livro do banco, apanhei a sacola de plástico que estava por
baixo dele e a entreguei a Nick. — Aqui está. Pegue isto. Limpe o cocô do
Jack. Você pode fazê-lo.
Nick se levantou do banco, pegou a sacola e, cautelosamente, a usou para
pegar o troço do cachorro e jogá-lo numa lata de lixo próxima.
— Pronto — disse ele. — Estou dentro da lei agora?
— Sim, mas você obviamente não faz a menor ideia do que é ser dono de
um cachorro. Você e o Jack precisam se matricular numa escola de
cãezinhos, e provavelmente também deveria ler um ou dois livros sobre
cachorros.
— Escola de cãezinhos?
— Sim, escola de cãezinhos. Em outras palavras: adestramento canino,
que você e o Jack precisam. Lá você vai trabalhar com um treinador
experiente que vai ensinar habilidades básicas ao seu cachorro. Sentar quando
você mandar. Vir quando for chamado. Andar com uma guia sem arrancar o
seu braço. Não morder o bumbum de nenhuma velhinha. Coisas assim.
— Você tem alguma coisa para fazer na próxima hora mais ou menos? —
perguntou Nick.
— Nada que não possa esperar.
— Deixe-me levá-la para um almoço. — Ele me deu um sorriso
vencedor. — Como você acabou de observar, eu preciso de uma consultora
de gerenciamento canino. Poderíamos encontrar uma lanchonete com mesas
ao ar livre... sabe, algum lugar que permite entrar com cachorros.
Olhei de relance para Jack, que agora estava puxando a calça de Nick
com seus dentes. — Uma lanchonete? Com esse cachorrinho? Você deve ter
perdido a cabeça.
— Por que não? Muitas lanchonetes permitem cachorros nas áreas
externas onde as pessoas sentam.
— Olha só o que ele está fazendo com a outra perna da sua calça agora:
ele está mastigando como se elas fossem um pneu. Agora, imagine ele dando
o mesmo tratamento à toalha de mesa de algum cliente. A gente nunca ia
conseguir almoçar sem provocar uma cena.
Nick estendeu a mão para baixo e acariciou a cabeça de Jack. — Você
tem razão. Antes de eu levá-lo para os restaurantes, ele vai ter que aprender
algumas boas maneiras. Até lá, acho que vou comer em casa por muito
tempo.
— Jack é um cachorrinho esperto — eu disse tranquilizadoramente. —
Isso não vai levar muito tempo. E sempre há a possibilidade de comprar
comida para viagem.
Nick demonstrou-se interessado e estalou seus dedos. — Está aí a
resposta. Você gosta de sanduíches de bacon, alface e tomate?
— Eles são uma espécie de tesouro nacional.
— Você é rápida.
— Você achou que eu fui lenta?
— Nem por um minuto. Olha, estamos a menos de cinco minutos a pé de
uma delicatessen que faz os melhores sanduíches de bacon, alface e tomate
de Nova York. Podemos pedir para viagem, e então almoçar aqui mesmo no
parque.
— Você acertou em cheio — eu disse. Levantei-me do banco, pendurei a
bolsa no ombro e peguei meu livro. — Vamos pegar esses sanduíches. E
alguma coisa para o Jack, é claro.
17
Uma hora depois, cafeinada, banhada e vestida numa calça capri de malha
preta e uma regata azul cinzenta que realçava a cor dos meus olhos, deixei o
apartamento e corri em direção ao Parque Washington Square. Embora fosse
apenas pouco mais de 10h da manhã, o dia já estava quente e opressivamente
úmido.
Quando cheguei ao parque e me aproximei do arco de pedra que marcava
o terminal sul da Quinta Avenida, avistei Nick.
Ele estava me esperando perto do arco, e já que eu não estava atrasada, eu
sabia que ele devia ter chegado antes da hora, e oxalá fosse com a expectativa
de se encontrar comigo mais cedo. O seu short atlético verde escuro caía
perfeitamente a partir de seus quadris e coxas tonificados. A sua camiseta
cinza sem mangas valorizava os seus bíceps bronzeados, que reluziam com
um leve brilho de suor. Uma barba de dois dias cobria o seu forte maxilar.
Ele trazia Jack na coleira que tínhamos escolhido juntos ontem, e quando
estendi a mão para pegá-la, o pequeno dálmata deu um latidinho e tentou me
alcançar.
Nick me deu um sorriso de parar o coração. — Ilana.
— Nick — eu disse, e parei.
Os seus olhos castanhos claros percorreram o meu corpo, observando
cada centímetro de mim. Um calafrio me percorreu da cabeça aos pés e
minha boca ficou seca.
— Você está bem — disse ele.
— Obrigada — eu disse, esperando que meu rosto não estivesse tão
vermelho como parecia. — Você também.
Jack pulou em mim e lambeu a minha mão. Eu me inclinei para baixo e
acariciei o pelo sedoso na parte de cima de sua cabeça. — Oi, Jack.
O cachorrinho mordiscou a minha mão brincando, com dentes afiados
como uma agulha.
— Jack! — eu disse, rindo. — Sem morder, por favor.
— Ele gosta de você — disse Nick.
— É mútuo. Como está se saindo com a nova guia?
— Até agora, tudo bem. Pronta para correr?
— Vamos em frente.
Corremos lado a lado em direção à esquina noroeste do parque. Quando
finalmente chegamos à esquina da Rua Macdougal, eu tinha ficado vários
passos atrás de Nick, mas estava pouco me lixando. Eu estava ocupada
demais curtindo a vista do seu traseiro perfeitamente em forma, coxas grossas
e panturrilhas lindamente musculosas.
El Toro, de fato.
Muitos rapazes que gostavam de correr eram magros demais e não
suficientemente musculosos para o meu gosto, mas, além de correr, Nick
evidentemente passava o tempo certo na academia. Os seus músculos eram
substanciais e bem definidos, que eram justamente como eu gostava.
Quando ele virou a esquina, olhou de relance sobre o seu ombro e me deu
um olhar de cumplicidade. — Está me conferindo?
Apressei o passo e o alcancei. — Eu estava curtindo a vista. Você calhou
de ser parte dela.
Ele sorriu para mim. — Tentando pular fora por uma questão técnica?
Revirei meus olhos para ele. — Tem outras coisas para olhar neste
parque, sabia?
Sua voz era provocante. — Ah, não. Você foi pega, então é melhor
admitir. — Ele diminui o ritmo e olhou para o meu bumbum incisivamente.
— Eu gosto de olhar para você, e não me importo de admitir isso.
— Você é sempre tão paquerador?
— Só com você.
Eu ri. — Você não é só paquerador, é também bajulador.
Ele fez uma careta para mim. — Eu? Não tenho tempo para besteiras.
Quero dizer cada palavra que eu digo.
Os próximos quarenta minutos voaram. Conforme continuávamos a circundar
o perímetro do parque, conversamos e rimos... muito. Jack seguia a trote ao
nosso lado, evidentemente encantado por estar ao ar livre, mesmo nesse
calor, que só estava aumentando.
Quando nos aproximamos do lado norte do parque e da Quinta Avenida,
Nick diminuiu o ritmo, voltando-se para mim. — Pronta para se refrescar
com uma vitamina? — ele perguntou. — Meu apartamento fica a meia
quadra depois da Quinta.
— Eu adoraria uma vitamina — eu disse. — Está esquentando aqui fora,
e nesse calor, também estou preocupada com o Jack. Ele não está acostumado
com isso, e nós precisamos cuidar dele também.
Desaceleramos o ritmo para uma caminhada. Quando chegamos à Quinta
Avenida, Nick apontou para um prédio de pedra calcária e tijolos marrons.
— Está vendo os toldos verdes com o porteiro em frente e as bandeiras
dos dois lados? — ele perguntou. — Aquele é o meu prédio.
Quando chegamos à entrada, o porteiro abriu uma das portas duplas de
aço escovado. — Bom dia, Sr. Santoro — disse ele.
— Oi, Russ — disse Nick, virando-se para mim. — Depois de você.
O interior do saguão me deixou estupefata. A fachada do prédio era
tênue, mas o saguão era em estilo clássico arte déco que havia sido
impecavelmente restaurado em todo o seu esplendor. Uma fileira de
candelabros iluminava o teto e a estrutura, que eram ornados e folheados a
ouro, e o piso de mármore apresentava uma incrustação elaborada em formas
geométricas.
Um segundo homem uniformizado estava sentado atrás de uma mesa
simplificada de madeira. Em ambos os lados da mesa, corredores
combinando continham fileiras de elevadores.
— Bom dia, Sr. Santoro — disse o homem.
— Oi, Steve — disse Nick, em seguida, apontando para mim. — Essa é
minha amiga Ilana Evans. Por favor, adicione-a à minha lista de aprovados.
Steve tocou em algo na tela do iPad que estava à sua frente. — Tudo
preparado, Sr. Santoro.
— Obrigado — disse Nick.
Caminhamos à fileira de elevadores do lado esquerdo, e Nick apertou o
botão "subir". Quando uma das portas dos elevadores se abriu, nós entramos.
Nick deslizou o seu cartão de acesso, apertou o botão para o décimo sétimo
andar e olhou para mim.
— Você está com tanta sede quanto eu? — perguntou.
— Tão seca quanto o Saara — respondi. — Estou fantasiando sobre
aquela vitamina perfeita que você falou.
Ele usou a borda inferior da sua camiseta para limpar o suor da testa,
oferecendo-me uma vista tentadora de músculos sarados e bronzeados, que
formavam um sólido torso em V, e uma barriga tanquinho bem definida.
Obviamente, os deuses genéticos haviam dotado Nick Santoro com um rosto
bonito e um ótimo físico, mas com abdominais assim, o homem
evidentemente também dominava a sua rotina de levantamento de pesos.
Antes que ele pudesse me flagrar babando pelo seu corpo, fixei meu olhar
nas portas do elevador. Ele já havia me flagrado admirando o seu traseiro
quando estávamos correndo no parque, e eu não estava prestes a lhe dar a
chance de chamar minha atenção pela segunda vez.
As portas do elevador davam para um largo corredor acarpetado.
— O meu apartamento fica no fundo do corredor à direita — disse Nick.
Saímos do elevador e caminhamos pelo corredor juntos, com Jack
trotando atrás de nós. Nick parou em frente a uma porta de madeira pesada e
deslizou o seu cartão de acesso no interruptor à direita da porta. Ouvi o clique
da trava de liberação, e, em seguida, ele abriu a porta.
— Entre — disse ele. — Só vou retirar a coleira do Jack, e daí vamos
para a cozinha.
Eu o segui por um corredor curto que dava para uma ampla antessala,
onde ele dobrou e soltou a guia da coleira de Jack. Quando o cachorrinho saiu
correndo rapidamente, Nick levantou-se, jogou a guia sobre uma mesa lateral
e sorriu para mim.
— Agora, que tal aquela vitamina?
— Vá à frente.
Eu o segui através de um recinto expansivo de 9 metros de altura com
paredes brancas, assoalhos de madeira de lei e janelas do chão ao teto que
davam para o centro da cidade. Com base nas janelas e no plano aberto (sala
de estar à esquerda, sala de jantar à direita, com portas de vidro que davam
para um espaçoso terraço externo), percebi que o apartamento de Nick tinha
sido completamente reformado desde a época da pré-guerra, durante a qual o
prédio havia sido construído.
Quando chegamos à cozinha, Nick apontou para uma fileira de banquetas
que ficavam ao longo de um lado do balcão da cozinha. — Sente-se. As
vitaminas vão estar prontas em um minuto.
Eu me empoleirei numa das banquetas e continuei a observar meus
arredores. Não era apenas a imensidão do espaço que me surpreendia
enormemente. De alguma forma, eu esperava que o apartamento de Nick
fosse tradicional e ultramasculino, e a realidade (ensolarado, eclético e
colorido, com arte contemporânea nas paredes) caiu como uma surpresa
agradável.
— O seu apartamento é lindo — eu disse. — Há quanto tempo você mora
aqui?
Ele desapareceu na despensa e voltou um momento depois com um
liquidificador Vitamix. — Faz quase um ano. Comprei o lugar no início do
verão passado, mas só me mudei em setembro, quando as reformas foram
concluídas.
— Você mesmo projetou o interior? — perguntei.
— Eu tomei as decisões finais, mas minha irmã Jana fez a maior parte do
design atual. Ela é arquiteta de interiores, e meus irmãos e eu sempre
pedimos o conselho dela em todas a coisas relacionadas com design. Você
tem irmãos ou irmãs?
— Não, sou filha única, mas minha melhor amiga e companheira de
quarto é como uma irmã para mim.
— Você está se referindo à Jade, certo? A garota loira que arrumou
trabalho para você no clube?
— A própria. O nome verdadeiro dela é Bianca, e nos conhecemos faz
uma eternidade. Quantos irmãos você tem?
Nick abriu a geladeira e pegou um pote de iogurte de baunilha, que ele
mediu com uma colher e colocou dentro do liquidificador.
— Somos quatro — disse ele. — Jana é a mais velha. Ela é dois anos
mais velha que eu. Depois de mim, tem dois irmãos mais novos, Lucas e
Alec.
— Você é próximo da sua família? — perguntei.
— Sou muito próximo dos meus irmãos. Minha mãe morreu oito anos
atrás, e meu pai um ano e meio depois.
— Sinto muito — eu disse. — Perder seu pai e sua mãe deve ter sido
realmente traumático.
Ele descascou uma banana e a jogou em cima do iogurte. — Foi um
momento difícil, mas isso também nos aproximou. Embora eu sinta a falta
dos meus pais, eu sei que eles estariam felizes por termos permanecido uma
família muito unida.
Embora o tom da voz de Nick fosse prosaico, algo em seu maxilar me
dizia que ele ainda lamentava a morte dos seus pais, e apesar de estar curiosa,
não o pressionei a me contar os detalhes. Quando e se ele estivesse pronto,
ele me contaria mais.
Notei quando ele adicionou dois punhados generosos de espinafre baby
ao liquidificador e o ligou por trinta segundos. Após desligar o liquidificador,
ele abriu um armário, retirou dois copos, encheu ambos com o líquido verde
claro e me entregou um deles.
— À sua saúde — disse ele.
— E à sua — eu disse. Tilintamos os copos e bebemos. Quando provei a
vitamina, o seu sabor levemente doce e suave me surpreendeu.
— Isso é muito bom — eu disse. — Estou surpresa que só tenha três
ingredientes.
— É minha receita à base de baixo teor de carboidratos — disse Nick. —
Quando estou a fim de mudar o sabor, acrescento apenas um punhado de
frutas ou morangos congelados. Quer terminar nossas vitaminas lá fora no
terraço?
— Eu adoraria.
Ele saiu da cozinha e caminhou pelo recinto principal, abrindo a porta de
vidro para o terraço. — Depois de você.
Caminhei para fora e admirei a vista conforme Nick fechava a porta atrás
de nós. O terraço dava para o centro da cidade, e como o prédio de Nick era
mais alto que as estruturas vizinhas, a vista de Manhattan era deslumbrante:
uma rica tapeçaria de telhados e arranha-céus distantes, pontuados pelo verde
das árvores e dos parques. Embora o sol estivesse quente, uma brisa leve
tornava a atmosfera significativamente menos opressiva do que havia sido ao
nível da rua.
Sentei-me numa das seis poltronas de vime que rodeavam uma mesa
baixa com a qual combinavam. Nick pegou a poltrona ao meu lado.
— Você deve gostar de relaxar aqui fora — eu disse. — A vista é
incrível.
— Eu escolhi esse apartamento pela localização e pelas vistas — disse
ele. — Não que eu tenha passado muito tempo aqui antes desse verão.
— Por que não?
— Eu costumava viajar muito a trabalho. Mas isso acabou há alguns
meses, quando vendi a FlexMap. Erguer a minha empresa foi uma ótima
experiência, mas isso também exigiu que eu passasse mais da metade do meu
tempo na estrada.
— Espero que meu próximo emprego venha com algumas oportunidades
de viagem — eu disse. — Eu sempre quis conhecer o mundo, mas o lugar
mais longe de casa que conheci foi Washington, D.C.
— Viajar a trabalho não equivale a conhecer o mundo — disse Nick. —
O que você conhece são aeroportos e distritos comerciais, que são
praticamente os mesmos em todos os lugares. Se não fossem os idiomas
usados nas placas, você mal saberia que está em um país e não em outro. E
viajar todo o tempo quer dizer que você não cria raízes, não realmente. O seu
apartamento parece uma suíte de hotel, porque você raramente está lá, e ter
um cachorro ou outro tipo de animal está fora de cogitação.
— Você realmente está gostando de ter o Jack por perto, não está? — eu
disse.
— Estou. — Nick sorriu. — Por todas as travessuras que ele apronta,
Jack me faz sentir que esse apartamento é um lar, que é um sentimento que
eu não tenho há muito tempo.
— Quando nos encontramos no clube pela primeira vez, eu nunca teria
imaginado que você fosse um amante de cães.
Ele sorriu para mim. — Eu também não teria imaginado que você fosse
mestranda em administração de empresas e viciada em negócios.
— Para constar, é uma surpresa agradável.
— Igualmente.
Quando chegamos ao prédio de Otávia, que estava localizado na Rua 11, lado
oeste, no. 311, imediatamente reconheci a fachada de oito andares de
concreto e vidro.
— Esse não foi um dos primeiros prédios verdes de Nova York? —
perguntei.
— Foi — disse Bianca. — Segundo Otávia, o prédio é completamente
autossustentável. Aquecimento geotérmico, conservação de água e o
escambau. Tem até um telhado verde.
— Então Otávia é uma ambientalista?
— Sim. Ela também é uma grande amante dos animais e dá palestras
regularmente contra o comércio de peles. Mas isto é o que você realmente
precisa saber sobre Otávia: Na sua juventude, ela foi uma modelo altamente
bem-sucedida na Itália. A mãe dela era italiana, e dizem por aí que o pai dela
era um príncipe africano exilado. Depois que Otávia se aposentou da carreira
de modelo, ela construiu uma segunda carreira como colunista de moda. Hoje
em dia, ela escreve para a Vogue, que é de onde vem o seu enorme guarda-
roupa, também conhecido como Banco dos Vestidos.
— Como vocês duas se conheceram? — perguntei.
— Lembra o estágio que eu fiz com Michael Johns no ano em que nos
mudamos para Nova York? Otávia apareceu inesperadamente numa das
nossas sessões de foto. Ela ficou impressionada com o que viu e decidiu
escrever um artigo sobre a nova linha do Michael. Michael me deixou
encarregada de garantir que Otávia tivesse tudo que fosse preciso para o seu
artigo, e, ao longo do caminho, ela e eu nos tornamos amigas.
— Você está dizendo que os estilistas simplesmente dão coisas à Otávia?
— Não somente os estilistas, como os melhores estilistas. E não somente
coisas; estamos falando de itens que custam milhares de dólares. O selo de
aprovação de Otávia pode levar as vendas à estratosfera, e todos no mundo da
moda sabem disso. A mulher tem um poder incrível, mas também é uma das
pessoas mais generosas que eu conheço. Ela deu a muitos jovens estilistas o
primeiro sabor do reconhecimento. Ela também empresta o seu guarda-roupa
aos amigos; tudo que ela espera de nós é que devolvamos qualquer roupa
emprestada lavada a seco antes de devolvê-la.
— Isso é incrível — eu disse. — A propósito, como devo chamá-la?
Suponho que ela tenha um sobrenome.
Bianca deu de ombros. — Todo mundo a trata por Otávia. Se ela tem um
sobrenome, ninguém sabe qual é. Além disso, por que ela precisaria de um?
No mundo da moda, há apenas uma Otávia. Nesse mundo, ela é tão famosa
quanto Madonna.
— Ela parece única — eu disse. — Mal posso esperar para conhecê-la.
Bianca olhou para o seu relógio de pulso. — É melhor entrarmos já.
Estamos alguns minutos adiantadas, mas Otávia não vai se importar.
Segui Bianca para dentro do saguão do prédio, onde ela saudou o porteiro
com familiaridade e então prosseguiu para o elevador.
Quando as portas do elevador se fecharam, Bianca voltou-se para mim.
— Otávia é fabulosa, mas ela não é nada senão excêntrica. Siga o meu
conselho. Não encare nada estranho que você vir no apartamento dela. Não
importa o que sair da boca dela, mantenha o rosto sério. Ah, e aconteça o que
acontecer, não chegue perto do papagaio dela. Aquela ave dá um bicada
infernal.
As portas do elevador se separaram, e eu segui Bianca pelo corredor em
direção a uma porta pesada de madeira. Quando chegamos à porta, Bianca
bateu nela com força.
Um momento depois, a porta se abriu, revelando uma mulher esbelta com
pele cor de café, olhos em formato de amêndoas, maçãs do rosto salientes, e
coque com tranças nagô, que realçavam sua cabeça lindamente moldada e
com feitios clássicos. Baseada na descrição feita por Bianca sobre a carreira
de Otávia, a mulher devia ter mais ou menos 50 anos, mas aparentava ser
pelo menos dez anos mais jovem. Ela tinha facilmente 1,82 metros de altura,
e uma presença que era quase de realeza: ela poderia ter sido a irmã da
modelo Iman.
Por outro lado, o seu traje (camiseta regata, calça jeans desgastada com
buracos nos joelhos, saltos de dez centímetros e uma echarpe amarela clara
de seda, drapeada folgadamente em volta do pescoço) não era exatamente o
que eu havia imaginado na deusa da moda que Bianca descrevera. E, além
disso, havia um número incrível de anéis que ela usava em ambas as mãos,
muitos dos quais eram enormes. Alguns do seus dedos tinham vários anéis,
um empilhado sobre o outro, e vários dedos exibiam anéis articulados, um
dos quais contendo vários quilates de brilhantes. Da massa de anéis,
sobressaíam longas unhas pretas. O efeito global se assemelhava a algum tipo
de luvas futuristas, e eu me perguntei como Otávia conseguia, afinal de
contas, dobrar seus dedos, muito menos pegar um garfo ou uma xícara de
café.
— Querida — ela disse à Bianca. — É tão bom te ver.
Elas rapidamente trocaram beijos no ar e, em seguida, Otávia agarrou os
ombros de Bianca. — Já passou MUITO tempo. Você ainda está se matando
de trabalhar naquela espelunca ridícula de strip-tease?
Bianca riu. — Ah, você me conhece. Eu sou uma mula de carga.
— Entre — disse Otávia. Ela liberou Bianca e me avaliou. — Essa deve
ser a amiga que você me falou.
— Sim — disse Bianca. — Essa é minha amiga e companheira de quarto
Ilana Evans. Ilana e eu somos amigas desde o jardim de infância, e eu
respondo por ela completamente. Ela é uma das pessoas mais confiáveis que
eu conheço.
Otávia esboçou-me um sorriso com dentes brancos e perfeitos. — Bem-
vinda — disse ela, dando um tapinha no braço de Bianca. — Qualquer amiga
desta gata é uma das minhas gatinhas.
Seguimos Otávia através de um pequeno saguão que dava para um recinto
grande e ensolarado contendo uma cozinha numa ponta e uma combinação
extravagante de cadeiras e sofás coloridos na outra. A pia da cozinha
transbordava de louças por lavar, e um aroma picante e obscuro pairava no ar.
Sobre a mesa de café, um cinzeiro de vidro repleto de pontas de cigarro preto
explicava o cheiro inusitado; evidentemente, Otávia fumava cigarros de
cravo.
Um gaiola de pássaros grande ficava no canto extremo direito da sala de
estar, e sua porta estava aberta e seus ocupantes tinham desaparecido. A
parede adjacente à gaiola tinha uma das pinturas mais bizarras que eu já tinha
visto. Centenas de picos cor de rosa e azul brilhantes espalhavam-se pela
superfície e projetavam-se até 7,5 ou 10 centímetros de comprimento. Quanto
aos contornos grossamente pintados sob os picos, a única imagem
reconhecível era de um pênis enorme verde-amarelado com sacos alaranjados
vívidos. Eu relutei para não olhar, mas nunca tinha visto uma pintura com
picos, muito menos uma cuja característica central fosse um pau gigante
fluorescente. Felizmente, Otávia pareceu não ter notado.
— Não posso te agradecer o suficiente por encontrar tempo tão em cima
da hora — disse Bianca. — Ilana vai participar de uma festa beneficente
estilo black tie no Plaza daqui a dez dias, e o guarda-roupa dela não está à
altura do desafio. O guarda-roupa dela só tem roupas de trabalho. Ternos a
dar com pau, mas nenhum vestido de noite à vista.
Otávia se jogou numa poltrona elétrica azul. — Sente-se — disse ela,
estendendo a mão para pegar os cigarros Djarum Black que estavam perto do
cinzeiro. Ela apertou um entre dois dedos que estavam carregados de anéis,
acendeu-o e deu uma longa tragada. Ao expirar, ela olhou-me de cima a
baixo. — O figurino não é mau — disse ela. — Um pouco a mais na largura
dos quadris, mas nós podemos dar um jeito nisso.
Bianca sentou-se na frente dela, e eu segui o exemplo, escolhendo uma
cadeira giratória com um assento de fibra de vidro laranja brilhante. Eu não
entendia bulufas sobre mobília, mas a cadeira tinha uma aparência retrô dos
anos 70.
— Você está sentada numa Eames Herman Miller — disse Otávia,
apontando seu cigarro para a minha cadeira. — Isso não é sublime? Eu a
encontrei anos atrás em Londres, num pequeno buraco empoeirado de uma
loja de antiguidades no Soho. Isso foi quando o Soho era cheio de tais lojas.
— Ela deu outra tragada no seu cigarro. — Hoje em dia, o Soho como que
perdeu o seu espírito, é claro. Menos corajoso, mais sofisticado... assim como
a maior parte do Village aqui em Nova York.
— Eu queria ter conhecido o Village vinte anos atrás — disse Bianca.
— Nunca queira ser mais velha do que você é, querida — disse Otávia.
— Em nosso ramo, uma pessoa nunca pode ser jovem demais... ou trepar
com demasiadas pessoas influentes. — Ela deu uma risada gutural e
fumacenta. — Na minha época, éramos muito menos pudicos. Eu poderia te
contar histórias que te deixariam de cabelo em pé.
— Conte-nos do dia que você encontrou a cadeira — disse Bianca.
Otávia inclinou-se para trás e lançou uma nuvem de fumaça no ar. — Na
década de 90, Noemi, Cláudia e eu estávamos todas em Londres, fazendo um
ensaio fotográfico para a Vogue. Um dia, choveu e molhou todo o nosso
local. Então, compramos os maiores guarda-chuvas de Londres e batemos em
todas as lojas vintage do Soho. Eu avistei essa cadeira e Noemi achou um
deslumbrante vestido de coquetel lamê Bill Blass dos anos 1960. Mas
Cláudia bateu em nós duas.
— O que Cláudia encontrou? — perguntou Bianca.
— Uma caixa de brinquedos sexuais dos anos 1930. — disse Otávia. —
O mais memorável era chamado Boné da Noite.
— Boné da Noite? — perguntou Bianca.
A voz de Otávia assumiu um tom nostálgico. — Uma invenção do Japão,
a terra dos salões de chá e das gueixas. Era um conjunto de meia dúzia de
capas penianas de borracha, com texturas variando de áspera a pontiaguda,
como pequenos cactos de borracha.
— Capas penianas de borracha? — perguntou Bianca. — Elas
simplesmente não caem... e se perdem lá dentro?
— Claro que não, garota boba! — disse Otávia. — As capas são presas a
um anel peniano. Tentei convencer Cláudia a me vender o conjunto pelo
dobro do preço que ela pagou, mas ela não quis nem saber. A safada não quis
admitir, mas eu sei o que estava se passando pela sua cabeça alemã
pervertida. Ela já estava planejando dar uns passes de mágica no bilau do
David Copperfield.
— David Copperfield — disse Bianca. — Eu esqueci que a Cláudia
namorou com ele.
— Namorou? — disse Otávia. — Eles foram noivos durante anos.
Cláudia se tornou até mesmo parte da performance de David, o que, sem
dúvida, apressou o fim daquele relacionamento. Pobre Cláudia. Durante anos,
aquela mulher infeliz foi levitada, guilhotinada e serrada ao meio, tudo em
nome do amor.
Nisso, ouvi uma batida de asas, seguida de um grasnido alto quando um
grande papagaio cinzento pousou no encosto da cadeira de Otávia.
— Olá, Pepper — disse Otávia, estendendo a mão para trás para acariciar
as penas da ave. — Você veio ver sua mamãe?
— Tina, traga-me o machado — disse a ave com uma voz rouca e aguda.
— Pepper é um cinzento africano, e ele é altamente inteligente — disse
Otávia. — Eu ensinei a ele todas as melhores falas dos meus filmes favoritos.
— Ela continuou a acariciar a ave. — Você é o meu homenzinho, não é,
Pepper?
— Anna Wintour é uma vadia — disse o papagaio em voz alta.
Com isso, eu quase ri alto, mas Bianca disparou-me um olhar de
advertência, que Otávia felizmente não notou.
— Eu não ensinei isso para ele — disse ela. — Ele aprendeu com o Jed.
O querido Jed. Uma bunda linda e um pau maravilhoso. Qualquer dia desses,
eu realmente deveria ir para além de transar com jovens de vinte e poucos
anos, mas o que posso dizer? Ainda não chegou o momento.
— Jed Parks? — perguntou Bianca. — O modelo?
— Isso mesmo. Por três semanas inteiras, eu estava completamente
amoureuse, mas depois de treparmos até chegar ao Kama Sutra, tornou-se
evidente que Jed não tinha nada mais a oferecer, ou seja, além da semelhança
com o jovem Brad Pitt e uma libido tão implacável quanto o coelhinho do
comercial das pilhas Energizer.
— Foda-me — grasnou a ave. — Não se atreva a me julgar.
— É isso mesmo, Pepper — disse Otávia, acariciando as costas do
papagaio. — Você é verdadeiramente o queridinho da mamãe. Reivindicando
a sua sexualidade. — Ela voltou-se para nós. — Como muitos dos meus
amigos, Pepper prefere levar na bunda. O maior sonho dele é voar na Parada
do Orgulho Gay. Eu participei da marcha um ano, mas sou alta demais para
esse tipo de evento (todo mundo deduziu que eu fosse uma drag queen), e um
leatherman gigante me perguntou se ele podia chupar o meu pau. — Otávia
deu uma risada fumacenta, e Bianca e eu fomos no embalo.
— O que você disse? — perguntou Bianca, depois que nossas risadinhas
diminuíram.
— Eu olhei nos olhos daquele garotão e disse: "Aqui é o poder da boceta,
querido, mas se você estiver a fim de cair de língua numa xereca de verdade,
talvez a gente possa brincar."
— E o que ele respondeu? — perguntei.
Otávia sorriu. — O pobre rapaz ficou mudo. O rosto dele, pelo menos a
parte que não estava coberta com sua barba farta, ficou vermelho flamejante.
Ele murmurou algo ininteligível e então se escafedeu no meio da multidão.
Não que eu estivesse particularmente decepcionada (nunca fui fã de pelo
facial), mas a proposição dele realmente tinha uma certa novidade. — Ela
suspirou. — De qualquer maneira, se eu soubesse que Pepper não fosse fugir
e voar a meio caminho do Atlântico, eu não o impediria de voar para a Parada
Gay. Quem sabe no que poderia dar? Talvez ele encontrasse um Paco ou um
Pepe para si. Quem sou eu para ficar no caminho do amor?
— Limpe essa bagunça! — disse a ave. — Mexa a minha salada.
— Ah, não, querido — disse Otávia. — A língua da mamãe não vai
naquele lugar de jeito nenhum.
Ela levantou-se, soprou um anel de fumaça, deixou cair sua ponta de
cigarro no cinzeiro e atravessou a nuvem de fumaça.
— Venham, meninas, venham — disse ela. — O vestido perfeito nos
aguarda.
Nós nos levantamos e seguimos Otávia em direção a uma porta no fim da
sala.
— Algo em torno da última coleção da Dior poderia funcionar — disse
Bianca. — Vocês sabem em que vestidos estou pensando?
Otávia assentiu com a cabeça. — Os que têm decotes em V, que
realçariam os ombros dela. Tenho alguns da Gaultier, que você também
deveria provar.
Passamos por uma porta e entramos numa sala grande que não poderia ter
sido mais diferente do espaço de vida caótico de Otávia. Aqui, reinava a
ordem. Roupas envoltas em plástico estavam penduradas em varais
organizados de araras de roupas de aço inoxidável. Otávia correu os dedos
rapidamente entre as araras, com sua echarpe amarela clara flutuando atrás de
si.
— Este. E este aqui. Não, aquele não. Eu o emprestei àquela vagabunda
da Ivana Price, antes de perceber que monstro era ela, é claro. Desde então,
ele é azarado.
— Azarado? — perguntou Bianca. — Como um vestido pode ser
azarado?
— Você sabe da minha sensibilidade — disse Otávia. — Quando toco
num vestido ou numa joia, entro em sintonia com eles. Sinto suas vibrações.
Acredite em mim, a energia tóxica de Ivana tem estado por todo aquele
vestido desde o dia em que ela o usou. Eu o queimaria, se não fosse um St.
Laurent vintage. Claro, Anna, ao saber de todo o feitiço naquele vestido, está
me pressionando a doá-lo para a sua coleção no Met Gala.
— Putz, como você disse não à Anna Wintour? — perguntou Bianca.
— Você não diz... a menos que você seja Otávia. Eu adverti a Anna, mas
como de costume, ela se recusou a ouvir. Tenho medo de imaginar que forças
obscuras a urucubaca daquele vestido desencadearia na coleção dela. As
lantejoulas perderiam o brilho. As contas cairiam no chão. Metade da costura
vintage insubstituível de Anna provavelmente explodiria em chamas.
— Você não está preocupada que a mesma coisa aconteça aqui? —
perguntou Bianca.
Otávia acenou com uma mão brilhante desdenhosamente. — Ah, eu sei
como lidar com isso. Toda lua cheia, faço um ritual de purificação naquele
vestido. Pepper e eu o circundamos três vezes com um feixe de ervas
fumacentas, que limpam sua aura por algumas semanas. É um processo longo
e demorado, mas em uma ou duas décadas, o vestido deve estar seguro para
ser usado novamente.
Ela agarrou um último vestido, surgido das araras, e entregou uma
braçada de roupas para mim. — Vamos começar com estes.
— Obrigada — eu disse.
— De nada. Otávia apontou para um canto da sala, onde duas cadeiras
vermelhas brilhantes ladeavam um espelho individual com moldura dourada.
— Você pode prová-los lá.
Minutos depois, nossa limusine chegou ao sul do Central Park, virou na Praça
Grand Army, e parou em frente ao Hotel Plaza, onde um porteiro
uniformizado de preto apressou-se para abrir a porta ao lado da calçada. Nick
saiu e então me ajudou a sair para a calçada.
Ao pisar na larga calçada em frente ao Plaza, parei, olhei para cima e
avistei uma fachada de vinte andares em estilo chateau, que estava iluminada
com luzes tênues que transformavam o seu tom pedra cinzenta num dourado
intenso. Contra as luzes e os arranha-céus de Manhattan, o Plaza brilhava e
reluzia com um esplendor que combinava com as joias cintilantes das
mulheres que convergiam em direção às suas portas, cada qual de braço dado
com um homem vestido de smoking.
Nick sorriu para mim. — Pronta para entrar? — ele perguntou.
Por um breve momento, hesitei. Uma parte de mim temia que alguém do
clube me reconhecesse. No entanto, como Bianca sempre dizia, mesmo que
algum homem me reconhecesse em algum lugar público, ele provavelmente
não verbalizaria o seu reconhecimento, pois isso configuraria uma admissão
pública de suas atividades num clube de cavalheiros. Quanto às
apresentações, Nick e eu tínhamos combinado há muito tempo que, quando
elas fossem necessárias, ele simplesmente me apresentaria como uma
estudante de negócios da Universidade de Nova York.
Com esse pensamento, deixei meus temores de lado e tomei o braço de
Nick. — Tão pronta como sempre estarei.
— Então vamos nessa — disse ele.
Passamos pelas portas da frente, atravessamos o saguão e começamos a
subir a escadaria monumental que dava para o mezanino.
Um pensamento bateu em minha mente. — Nick — eu disse. — Antes de
entrarmos e possivelmente toparmos com alguns dos concorrentes de negócio
que você falou, me diz uma coisa, você ainda está recebendo aquelas
mensagens de texto estranhas?
— Recebi outra ontem à noite — disse ele. — Mas vamos colocar isso de
lado por enquanto. Esta noite é para nos divertirmos, e o meu amigo
venenoso por correspondência, seja quem for, pode esperar.
Apertei o seu braço. — OK, mas espero que você me atualize sobre isso
em breve.
— Atualizarei — disse ele. — Podemos conversar sobre isso amanhã.
Quando chegamos ao topo da escada, o barulho combinado de centenas
de vozes expandiu para um rugido entorpecedor, e nos movimentamos para
um grupo espremido e denso de convidados ricamente vestidos. Entre grupos
de pessoas, vislumbrei uma variedade de obras de arte que estavam sobre
cavaletes e pedestais em volta do perímetro do recinto.
— Vamos até o terraço para pegar um drinque — disse Nick em meu
ouvido. — Mais tarde, podemos dar uma olhada no leilão de arte, depois que
a multidão se dispersar.
Conforme ele nos guiava ao redor de grupos de convidados, surgiam
vozes do burburinho das pessoas que nos rodeavam.
— Aspen? — perguntou uma voz feminina, em tom exageradamente
refinado. Virei minha cabeça em direção à voz, e a associei a uma loira
robusta com seus sessenta anos e um vestido verde de veludo decididamente
fora da moda. — Não, Tippy e eu não nos importamos com Aspen há anos. A
metade da cristandade tem uma casa em Aspen. Nós preferimos Zermatt. Não
que a Suíça não esteja até a tampa com os novos ricos, mas os suíços os
mantêm sob controle. É a água, entende? Fluxos glaciais com minérios
coloidais. Eu tomo exclusivamente água glacial, é óbvio. Ela impede as
linhas magnéticas de pararem as batidas do meu coração. As linhas estão
todas ao nosso redor, sabia? Nem todos a percebem, mas eu sim.
— Linhas magnéticas? — sussurrei para Nick. — Fluxos glaciais? De
que diabo ela está falando?
— Não é "do que ela está falando" — disse Nick baixinho. — É o que ela
está tomando. Aquela mulher é Bitsy Farnsworth; ela veio da família Astor, e
me disseram que ela toma fármacos psiquiátricos pesados. Com base no que
acabou de sair da sua boca, ela obviamente precisa deles.
Ele me conduziu através de um arco e então por um dos quatro pares de
portas duplas. Surgimos em uma sacada que era do tamanho do salão, com
meio-lances de escadas de mármore nas duas pontas, que levavam ao piso de
um recinto iluminado com candelabros. Embora o andar estivesse lotado de
convidados chiques, cujas conversas e risadas enchiam o ar, fiquei aliviada ao
constatar que havia mais espaço para respirar do que no salão que tínhamos
acabado de deixar. Graças ao fato de ter passado vinte e dois anos da minha
vida em Vermont, eu não me sentia tão à vontade em lugares lotados como a
maioria dos nova-iorquinos.
— Este é o terraço — disse Nick. — Alguém uma vez me disse que os
candelabros de cristais foram desenhados por Charles Winston, o irmão de
Harry. Vamos descer para o salão e procurar o bar.
Viramos à esquerda em direção às escadas, descemos e chegamos até o
bar, que estava cercado por uma massa de gente com uma profundidade de,
pelo menos, três ou quatro fileiras. Atrás do bar, vários atendentes
despejavam e misturavam bebidas com rapidez e profissionalismo
impressionantes; evidentemente, o Plaza sabia como dar uma grande festa.
Enquanto esperávamos a nossa vez para pedir as bebidas, observei as
colunas arqueadas simétricas que flanqueavam o recinto em cada um dos dois
lados. Uma iluminação tênue e em tom âmbar, apontando para cima, guiou o
meu olhar em direção aos tetos altíssimos, que estavam decorados com
grandes pinturas de figuras humanas em estilo renascentista.
— Esse lugar é incrível — eu disse.
Nick seguiu o meu olhar. — A maior parte desse salão data dos anos 20
— disse ele. — Há alguns anos, o Plaza fez uma grande reforma, que incluiu
a maioria das áreas em que vamos estar esta noite.
— O que posso lhe servir, senhor? — perguntou uma atendente a Nick.
— O que você quer? — Nick me perguntou.
— Um martíni de vodca — eu disse. — Com azeitonas, por favor.
— Boa ideia. Ele voltou-se para a atendente. — Dois martínis de vodca,
obrigado. Um com azeitonas, o outro com limão.
Momentos depois, com as bebidas nas mãos, nos livramos da densa
multidão em volta do bar e fomos para um pequeno espaço ao lado esquerdo
do salão, onde paramos para desfrutar dos nossos drinques.
Nick tilintou a sua taça na minha. — Tchin-tchin — disse ele com um
sorriso. — À mulher mais adorável de Nova York. Estou tão contente por
você estar aqui comigo esta noite.
Esta noite. Quando olhei para o seu belo rosto, meu coração se encheu de
emoção, e pela primeira vez, admiti a mim mesma que eu estava apaixonada
por ele. Apesar de que minha atração física tinha apenas intensificado com o
tempo desde que nos conhecemos, eu sabia no meu íntimo que o que eu
sentia por Nick ia muito além do sexo.
Esta noite íamos fazer amor pela primeira vez.
Mais tarde, talvez na privacidade do seu carro, eu encontraria o momento
perfeito para lhe dizer exatamente isso.
Levantei um brinde a ele. — A nós — eu disse. — E a você, por me
convidar a compartilhar uma noite tão fabulosa.
— A nós — disse Nick. À medida que bebíamos, nossos olhos se
encontraram por sobre as taças de martíni. Em seu olhar, vi uma emoção que
era igual à minha e reafirmava que estava na hora de levar a nossa intimidade
para a próxima etapa.
Nisso, o semblante de Nick mudou para uma carranca.
— Há algo errado? — perguntei.
— Não. Acabei de avistar Andreas Ulbrecht, lembra? O diretor-geral da
NextEdge, uma das empresas que está concorrendo comigo para comprar o
Centerpost. Ulbrecht é um filho da puta agressivo e raramente perde uma
oportunidade de se meter comigo, mas esta noite pode ser uma exceção ao
seu mau comportamento habitual, já que aparentemente ele veio
acompanhado.
— Onde ele está? — perguntei, curiosa para dar um rosto ao nome.
— Atrás de você e diretamente em nossa frente do outro lado do salão,
você vai ver um grupo de quatro pessoas. Ulbrecht é o cara mais corpulento
com cabelo preto enrolado. O sósia de Bill Gates é o segundo comandante
Trent Norcross, a ruiva é a mulher de Norcross, e a morena é a acompanhante
de Ulbrecht, que eu reconheço do clube. O nome dela é Valência.
Valência? Meu coração desabou até os meus sapatos.
Virei para a esquerda só o suficiente para vislumbrar, de rabo de olho, o
grupo de Ulbrecht e verificar se a mulher que estava ao lado dele era de fato
Valência.
Desde que aceitei o convite de Nick para acompanhá-lo a esse evento, eu
estava preocupada que algum homem do clube fosse me reconhecer. Mas
nunca considerei a possibilidade de dar de cara com uma das minhas colegas
de trabalho, muito menos uma que odiava até a minha sombra, numa festa
beneficente chique como essa.
Enquanto isso, Valência estava olhando diretamente para mim. Não havia
dúvida de que ela havia me identificado, e a expressão no seu rosto era a de
um gato que acabara de matar uma presa.
Do outro lado do salão, reconheci o seu vestido frente única como sendo
um Gaultier. Listras fortes e abstratas em tons vermelho, alaranjado e preto
realçavam sua cintura esbelta e abriam-se em volta dos quadris em uma
cascata brilhante de vários comprimentos que se estreitavam e se tornavam
translúcidos à medida que a saia se aproximava dos seus tornozelos. Seu
cabelo escuro estava preso num coque elegante, e o bracelete que reluzia em
seu pulso tinha o brilho de diamantes verdadeiros. Apesar da minha antipatia
por Valência, eu tinha que jogar na sua cara: ela estava incrível.
Enquanto eu observava, ela inclinou-se para Ulbrecht e cochichou
qualquer coisa no ouvido dele. Ulbrecht olhou de relance para mim, riu, e
então disse algo ao casal Norcross, que prontamente se virou para me
encarar.
Meu rosto corou ao perceber que Valência havia acabado de me dedurar,
e eu sabia que tinha que contar isso ao Nick imediatamente.
Mas, antes que eu o fizesse, ele proferiu o choque da noite.
Para constar, — disse ele — eu saí com Valência algumas vezes há vários
anos.
Minha cabeça girou. — Você saiu com ela? — eu disse. — O que isso
significa?
— Digamos apenas que nossas interações eram típicas da minha vida
antiga.
Engoli em seco. Apesar de chegar a um acordo quanto ao passado de
Nick e saber que ele havia deixado isso para trás, essa era a primeira vez que
eu enfrentava a realidade de saber de uma de suas ex-namoradas. Eu sabia
que isso iria acontecer algum dia, mas teria sido mais fácil se fosse alguém
que eu não conhecia. Pior ainda, eu simplesmente não conhecia Valência:
desde que ela me sabotou no clube, eu sentia antipatia por essa mulher.
— Você precisa saber que minha ligação com ela foi breve — disse Nick.
— Eu terminei assim que percebi que ela queria mais do que eu estava
disposto a oferecer. Ela não significou nada para mim, Ilana. Durante anos,
ninguém significou mais que uma simples diversão... até eu te conhecer.
— O que há de tão diferente em mim?
Ele me censurou com um olhar. — Pensei que tivéssemos superado isso.
— Eu também, mas não tenho tanta certeza disso agora.
— Então, deixe-me soletrar — disse ele. — Estou apaixonado por você,
Ilana. Desde que você entrou na minha vida, sou um homem diferente. Você
é bonita, é extremamente inteligente, e eu posso conversar com você durante
horas sobre qualquer coisa, de negócios a filmes franceses, mas o que sinto
por você vai além de tudo isso. Antes de te conhecer, eu me sentia vazio por
dentro. Durante anos, tentei preencher esse vazio com o trabalho, com
atividades como o evento desta noite, e sim... com uma longa fila de
mulheres. Mas nada do que fiz mudou como eu me sentia, até conhecer você.
Você me faz sentir vivo. Você me faz sentir de uma forma que eu achei que
nunca me sentiria.
A sinceridade na voz de Nick me trouxe de volta à realidade. Eu sabia
que estava apaixonada por ele, mas essa era a primeira vez que ele disse que
também estava apaixonado por mim. E, embora a revelação de sua história
com Valência fosse uma surpresa desagradável, ele não fez nenhum esforço
para esconder essa história. Pelo contrário, ele foi completamente franco e
honesto.
Eu sorri para ele e pisquei os olhos para esconder as lágrimas. —
Obrigado por dizer isso — eu disse. — Desculpe por duvidar de você, mas
minhas emoções me dominaram por um momento.
A intensidade do seu olhar me queimou até a alma. — Jamais duvide do
que eu sinto por você.
— Não duvidarei — eu disse. Embora eu soubesse que sempre tive
problemas em confiar, eu também sabia que com Nick, eu poderia superá-los.
Sorri para ele. — Estou feliz que isso esteja resolvido.
Quando olhei em seus olhos, uma parte de mim desejava nada mais do
que jogar meus braços em torno dele e dizer-lhe que eu também estava
apaixonada por ele, mas uma parte maior de mim exigia que eu guardasse
essas palavras para um momento que não tivesse Valência por perto.
Eu me recompus. — Agora é a minha vez de atualizar você. Você não é o
único que tem uma história com Valência.
— Conte-me mais — disse ele.
— Desde minha primeira noite no clube, ela me odeia. Lembra quando o
meu sapato quebrou no palco? Ela foi a causadora.
— Ela tentou arruinar sua primeira noite no trabalho?
— Tentou.
— Você tem certeza que foi ela?
— Positivo.
— Mas por que ela faria uma coisa dessas? — perguntou Nick. — Se
Isabela tivesse descoberto, Valência teria sido demitida imediatamente. Por
que ela arriscaria o seu trabalho para te ferrar, quando nem mesmo te
conhecia?
— Na época, eu deduzi que fosse o ressentimento por Rocha ter me dado
um ótimo horário (graças a você, por sinal), mas agora estou me perguntando
se Valência tinha alguma outra motivação. Ela ainda está apaixonada por
você?
— Acho que não — disse Nick. — Depois que terminei com ela, ela
tentou várias vezes voltar comigo, mas eu não dei a mínima. Desde então, eu
evito a mulher, e parece que ela prefere me evitar também. Naturalmente, eu
a vejo dançar no palco do clube, mas não trocamos uma palavra há pelo
menos dois anos.
— Bem, independentemente do que Valência sinta por você, ela
definitivamente me odeia, e tenho certeza que ela fez algum comentário
nojento sobre o meu trabalho para o Ulbrecht e os Norcross. A última coisa
que eu quero é te causar qualquer tipo de constrangimento público; por isso,
talvez fosse melhor eu sair discretamente.
— Só se for por cima do meu cadáver — disse Nick. — Posso não gostar
do seu trabalho, mas entendo por que você o faz. E me recuso a recuar de
Andreas Ulbrecht, que está vindo em nossa direção neste momento, com
Valência no reboque. Vamos nos manter firmes e enfrentar isso juntos. —
Ele pegou minha mão e a apertou. — Tudo bem?
— Tudo bem — eu disse. — Mas esteja preparado. Valência é uma
lutadora do gueto, e ainda mais comigo aqui... Não espero que aquela
jararaca seja educada.
Ele apertou minha mão novamente. — Não se preocupe. Se ela pisar na
bola, eu sei exatamente como tirá-la de campo.
Quando eles chegaram até nós, Valência confirmou minhas expectativas
ao falar primeiramente. — Ora, ora — disse ela. — Que surpresa encontrar
você aqui.
Olhei para ela de cima. — Boa noite, Valência. Como você deve ter
adivinhado, Nick me convidou.
Ela revirou os olhos. — Ah, aquele tipo de convite. Eu não estava ciente
que os seus serviços se estendiam tão longe, mas admito que me enganei.
Aparentemente, mesmo a senhorita que não oferece serviços extras tem o seu
preço.
Preço? Valência estava sendo apenas uma vaca odiosa, ou realmente
achava que eu era uma acompanhante paga por Nick?
— Fale por você mesma — eu disse. — Você pode estar na folha de
pagamento de alguém esta noite, mas eu não. Estou aqui como convidada do
Nick.
Nick aproximou-se de mim e eu senti sua raiva crescente. O olhar que ele
disparou contra Valência teria calado a maioria das pessoas, mas, afinal,
Valência não era a maioria das pessoas.
Ela olhou para o colar que Nick havia me presenteado. — Faça-me o
favor. Que poste você lustrou para ganhar isso? De alguma forma, não creio
que seja o de metal...
— Basta! — disse Nick, interrompendo-a. — Não sei que acordo você e
Ulbrecht têm, e não me importo, mas você deve saber que o único acordo
entre mim e Ilana é o nosso prazer mútuo na companhia um do outro. E é
melhor você tomar cuidado com o que diz sobre o seu local de trabalho e com
qualquer pessoa relacionada a ele. Isto é, a menos que você queira que a
minha amiga Isabela te mande embora por quebra de sigilo.
Valência fumegou indignada, mas a ameaça de Nick surtiu o efeito
desejado. Embora ela continuasse a me olhar furiosamente, sua boca
permaneceu fechada.
Ulbrecht me olhou de cima a baixo. — Nada mal — disse ele. — Nada
mal absolutamente.
Desviei minha atenção para ele. Em seus quarenta anos e quase tão alto
quanto Nick, porém muito mais corpulento, Andreas Ulbrecht tinha a
aparência de um ex-quarterback e a expressão beligerante de um touro
prestes a investir. Em uma das mãos, ele segurava uma taça do que parecia
ser uísque. Quando vi imagens dele na imprensa comercial, deduzi que fosse
um homem de boa aparência, mas de perto e pessoalmente, seu maxilar
estava inchado, e uma rede de capilares quebrados pulsavam em seu rosto
numa teia de aranha resultante do alcoolismo.
Ele piscou para Nick. — Vejo que nós dois apanhamos nossas frutas na
mesma árvore.
— Como? — eu disse. — Não sei de que árvore você está falando. Mas
conhecendo a sua acompanhante tão bem como eu conheço, posso lhe
assegurar que você definitivamente apanhou a fruta mais fácil. Quanto a essa
fruta específica? Espero que você saiba que ela não é nenhuma cereja.
Kumquat, talvez.
Ulbrecht deu de ombros. — Que diabo? — disse ele. — Ela é atraente, e
é tudo que me importa.
— Atraente... ou uma perua insolente? — eu disse em tom leviano.
Ulbrecht riu, e eu estava prestes a continuar, mas Nick me deu um olhar de
advertência.
Valência disparou um olhar de desprezo para o seu acompanhante antes
de focar seus olhos furiosos em mim. — Como você se atreve! — disse ela.
Ulbrecht deu um largo sorriso para Nick. — A sua é quase tão bonita
quanto a minha. — Ele lançou um braço em direção à multidão. — Não
como essas vacas feias que foram cruzadas demais. Elas me lembram da
minha ex-mulher, e de todos os motivos por que me divorciei daquela vaca.
Ele riu do seu próprio humor, o que confirmava a minha impressão de
que o uísque em sua mão não era o primeiro. Evidentemente, o homem estava
carregado. Mas o seu comentário sobre apanhar frutas deixou uma coisa
dolorosamente clara: Valência dissera a ele e aos Norcross que a
acompanhante de Nick Santoro era uma stripper. Senti um embrulho no
estômago, enojada ao constatar que o meu maior temor tornara-se uma
realidade. Não havia dúvida de que as palavras de Valência já haviam
espalhado o veneno por toda a multidão de convidados: tais fofocas corriam
mais rapidamente que a velocidade da luz.
— Vamos brindar, Santoro, — disse Ulbrecht, levantando sua taça. — Ao
namoro do lado errado da cerca.
Faiscando de raiva, Nick deu um passo à frente em direção a Ulbrecht. —
Cala essa boca suja, Andreas. Minha namorada é uma mulher de respeito. Se
você insistir em ser grosseiro com ela, as coisas vão piorar para o seu lado, e
você não vai gostar quando isso acontecer.
Apesar do dissabor do momento, eu não podia senão sentir uma vibração
ao ouvir esta palavra: namorada. Era a primeira vez que Nick me chamava de
namorada em público, e senti-me bem com isso. Mais ainda: senti que era a
coisa certa.
Ulbrecht tomou uma golada da sua bebida. — Faça como quiser, cara.
Estou pouco me cagando para onde você encontra as suas mulheres. Mas
você vai precisar de uma bebida forte logo, logo, assim que o Centerpost vir a
oferta que acabei de colocar sobre a mesa. Ela vai detonar você e o Forbes
Endicott.
— É mesmo? — perguntou Nick. — Me parece que você e a NextEdge
estão ambos com a corda no pescoço atualmente, depois das vendas péssimas
do seu novo tablet. Estão dizendo por aí que muitos dos seus melhores
funcionários já abandonaram o barco, graças aos seus drásticos cortes de
emprego.
O rosto de Ulbrecht ficou vermelho, mas ele continuou. — A
reestruturação apenas fortaleceu a NextEdge. Estamos cheios da grana, e
preparados para vencer você. O Centerpost é uma aquisição estratégica para
nós, e estamos comprometidos a fazer o que é preciso.
— Talvez você esteja — disse Nick friamente. — Mas isso ainda está
para se ver, não é mesmo? Com licença, eu e minha namorada pretendemos
nos divertir o resto da noite. — Ele pegou no meu braço. — Vamos subir as
escadas para o Grande Salão de Baile. Quero te apresentar a alguns dos meus
colegas que são membros da diretoria.
Conforme partimos, Ulbrecht gritou para nós. — Apenas lembre-se disso,
Santoro: o Centerpost é meu.
27
Depois que Jason e Hae-won nos deixaram para falar com outro dos sócios
comerciais de Jason, Nick voltou-se para mim.
— Você causou uma ótima impressão no Jason — disse ele com um
sorriso. — Você viu o rosto dele quando você descreveu suas ideias de como
comercializar os serviços do Centerpost? Quando você concluir o seu
mestrado em administração de empresas, você vai ser uma mercadoria
quente. Prevejo uma guerra de concorrentes pelos seus talentos.
Meu rosto corou em resposta ao elogio de Nick. — Espero que você
esteja certo.
— Eu sei que estou — disse ele. — Agora, que tal uma dança?
— Eu adoraria... mas antes de dançar, preciso ir até o banheiro. Ah, e
quando eu voltar, me lembre de te falar sobre minha conversa com Hae-won.
— Lembro sim — disse ele, apontando em direção a uma série de portas
não longe de nós. — Atravesse aquelas portas, vire à direita e então à
esquerda. Você quer que eu te acompanhe até lá?
— Não é preciso — eu disse. — É perto, e prometo não me perder.
Ele me deu um olhar significativo. — Não se atreva a se perder. Você
ainda me deve uma dança.
30
Dê um último beijo na sua puta novinha em folha, Santoro, porque você está
prestes a morrer. O Centerpost é meu.
Herdeiro de Manhattan
Clube dos Cavalheiros, vol. 1
Clube dos Cavalheiros, vol. 2
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