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CLUBE DOS CAVALHEIROS, VOL.

ERIKA RHYS
Traduzido por
OLIVER SIMÕES
Aos meus amigos e à minha família.
Obrigada por encher a minha vida de alegria, risos e bons momentos.
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Primeira edição do livro eletrônico @ 2018.

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explicitamente declarada) é mera coincidência. Copyright © 2018 Erika Rhys. Todos os direitos
reservados no mundo inteiro.
LIVROS POR ERIKA RHYS

Herdeiro de Manhattan
Clube dos Cavalheiros, vol. 1
Clube dos Cavalheiros, vol. 2
Clube dos Cavalheiros, vol. 3
ÍNDICE

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Posfácio
Livros por Erika Rhys
1

Agosto
Nova York, NY

— Eu não acredito que você está tentando me convencer a entrar nessa de


novo.
— E por que diabos não? — disse Bianca. Ela se sentou ao meu lado no
sofá, enxugando um reflexo de suor da testa. Tendo o ar-condicionado dado o
seu suspiro agonizante na noite anterior, estava sufocante em nosso
apartamento. — Você é uma mulher moderna, Ilana. Sexualmente liberada e
tudo mais, mesmo que esteja sem transar há mais de um ano.
— Não venha com essa de entrar na vida minha sexual. O problema é a
minha vida profissional. Eu fui entrevistada nessa cidade inteira, não consigo
encontrar um emprego e minhas economias estão quase no fim. Se as coisas
não mudarem logo de rumo, vou ter que voltar para minha casa em Vermont.
Minha melhor amiga balançou a cabeça para mim, revelando os seus
cabelos loiros. Seus olhos verdes diminuíram, e sua voz assumiu o comando.
— Você não vai embora. Nós estamos juntas nessa, lembra? Eu pago as
contas até você se recuperar. Do mesmo jeito que você me ajudou quando
mudamos para cá e eu levei algum tempo para encontrar trabalho.
— Agora é diferente.
— Como?
— Você se candidatou a uma dúzia de empregos e em um mês só
conseguiu um. Eu me candidatei a mais de cem empregos desde que fui
demitida em maio. Lá se foram quase quatro meses e ainda estou
desempregada. Talvez o universo esteja tentando me dizer alguma coisa.
— Como assim?
— Como se toda essa coisa de mudar para Nova York fosse um erro.
Como se não fosse para eu estar aqui. Como se eu devesse voltar para
Vermont e recomeçar minha vida.
Afastei meu longo cabelo escuro do rosto, olhei em volta o minúsculo
apartamento no bairro East Village que eu e Bianca compartilhamos nos
últimos três anos, e senti uma pontada de arrependimento. Eu tinha vindo a
Nova York com tanta esperança e, no começo, tudo estava dando certo: o
apartamento velho, porém bonitinho, o emprego de início de carreira em uma
startup tecnológica bacana e minha aceitação no curso de mestrado meio
período em administração de empresas na Universidade de Nova York.
Eu estava no caminho certo da vida que eu queria, até que a startup
mandou embora a metade dos funcionários, inclusive a mim, depois de não
conseguirem concretizar os investimentos de capital de risco de que eles tanto
precisavam. Até que meses de solicitações de emprego infindáveis não deram
em nada. Até que a lesão nas costas da minha mãe a deixou em dificuldade
financeira pela primeira vez na vida.
Eu não queria abandonar meu sonho de morar em Nova York, mas, a essa
altura, eu não via outra opção.
— O que você faria se voltasse para Vermont? — perguntou Bianca.
— Eu poderia conseguir de volta o meu antigo emprego de garçonete. O
salário é uma merreca, mas vai ser suficiente para ajudar mamãe a não perder
a casa, se eu morar com ela. O dinheiro da pensão por invalidez não é
suficiente. E agora o médico está dizendo que é provável que ela não ande
mais, a menos que ela passe por outra cirurgia na coluna.
— A cirurgia experimental que você me falou?
— Sim. A que o seguro dela não vai cobrir. A menos que eu ganhe na
loteria ou encontre alguma outra maneira de juntar cento e vinte mil dólares,
minha mãe vai ficar presa numa cadeira de rodas pelo resto da vida.
— E o seu mestrado, como fica? Você já fez metade dele; você não pode
desistir agora.
— A essa altura, terminar o meu mestrado em administração é a menor
das minhas preocupações. Talvez eu possa transferir meus créditos para a
Universidade de Vermont e concluir o curso lá, em um ou dois anos.
Bianca inclinou-se em minha direção. — Ilana, escuta o que eu vou dizer.
— Estou escutando.
— Você está desanimada. Você está se sentindo derrotada. Eu entendo.
Mas você precisa analisar isso com clareza.
— O que é analisar com clareza? Estou completamente fodida. —
Apanhei uma revista da mesinha de café e me abanei com ela. — E essa
umidade está me matando. Uma coisa boa de Burlington, em Vermont: pelo
menos lá não vou precisar de um ar-condicionado que esteja funcionando
para sobreviver.
Bianca levantou-se do sofá, atravessou a sala e caminhou até a cozinha
eficiente do lado oposto do recinto, retirando uma garrafa de Absolut da
geladeira. — O que essa situação exige é um bom drinque e uma abordagem
nova. Que tal um martíni bem gelado?
— Meu Deus, sim. Prepara aí.
Ela despejou a vodca numa coqueteleira, adicionou uma dose de vermute
e jogou vários cubos de gelo. Em seguida, tapou a coqueteleira e sacudiu-a
vigorosamente.
— Vamos começar pelos fatos — disse ela, enquanto despejava o
conteúdo da coqueteleira nas duas taças de martíni. — Você está quebrada.
Você está frustrada. E não está pensando de maneira clara.
— Como eu deveria estar pensando?
Ela caminhou pela sala com as taças e me entregou uma delas. — Como a
mulher de negócios que você é. Olha, você me conhece melhor que ninguém.
O fato de tirar a roupa por dinheiro fez de mim uma vadia?
— Você sabe que eu não penso assim. Você aceitou o emprego no clube
para ganhar bastante dinheiro e lançar sua própria grife.
— Exatamente — disse Bianca. Ela sentou-se ao meu lado. — Dançar é
apenas parte do meu plano de negócios. Me responde uma coisa: com o meu
atual leque de habilidades, em que mais eu poderia trabalhar nessa cidade
recebendo ao menos um quarto do que ganho no clube? Nada, absolutamente
nada. Dentro de dezoito meses, vou ter economizado o bastante para deixar o
clube e seguir em frente com a minha vida. — Ela sorveu o seu martíni e
então olhou nos meus olhos. — Se eu posso fazer isso, você também pode.
Sorvi o meu drinque. — Obrigada pelo martíni, e por acreditar em mim.
Mas simplesmente não me vejo fazendo strip-tease como uma possibilidade.
— Chama-se dança exótica. E por que não?
— Em primeiro lugar, não posso colocar "dança exótica" no meu
currículo.
— Você não precisa. Diz que você é uma consultora independente. Ou só
diz que você está na faculdade de administração, o que é verdade. Nem todos
trabalham quando estão estudando.
— Mesmo assim, fazer isso poderia arruinar a minha carreira, e eu não
posso me dar o luxo disso, principalmente agora que a minha mãe está
precisando da minha ajuda. E se eu for a uma reunião de negócios daqui a
dois anos e algum cara me reconhecer como a garota que ele pagou por uma
dança no colo?
— O cara ia ficar mais surtado que você, principalmente se ele for
casado. Além disso, é improvável que você seja reconhecida. É surpreendente
como a maquiagem e o vestuário conseguem transformar uma pessoa. Eu já
passei por alguns clientes na rua e nunca ninguém me reconheceu.
— Sério?
— Eu levo uma hora para me transformar na Jade, e quando estou pronta,
você não me reconheceria.
— Como você consegue?
— Maquiagem completa. Um visual exótico. Cílios falsos. Perucas.
— Como é que eu nunca vi nada disso? Quando você sai e volta do
trabalho, você parece completamente normal.
— Eu entro noventa minutos antes de o meu turno começar para fazer
minha maquiagem e me vestir para o trabalho. Quando termino o trabalho,
tiro a maquiagem, visto minhas roupas normais e tomo um táxi para casa.
Eu suspirei. — Você faz isso parecer tão simples.
— É simples — disse Bianca. — Mantenho o meu trabalho separado da
minha vida pessoal. Jade, o nome que eu uso no clube, não sou eu. Ela é uma
artista, uma fantasia. Ela só existe dentro daquele espaço no clube.
Nos seis meses desde que Bianca começou a trabalhar no Clube dos
Cavalheiros, muitas vezes ela me brindou com histórias dos seus clientes e
colegas de trabalho, portanto eu fazia uma ideia geral do clube. Eu sabia que
era um clube privê exclusivo que atendia somente os famosos e homens de
negócios: homens que estavam dispostos a gastar quantias astronômicas de
dinheiro para serem entretidos por belas mulheres, num ambiente seguro e
confidencial.
Bianca havia me assegurado repetidas vezes que o trabalho dela era
perfeitamente seguro, e eu acreditava nela. Mas eu não podia me imaginar
tirando a roupa na frente de uma sala cheia de homens, muito menos fazendo
danças no colo ou levando alguém para um dos quartos privados.
O que eu podia imaginar perfeitamente bem era a caminhada no hall da
vergonha que eu teria que fazer se voltasse para Vermont. As expressões no
rosto das pessoas que eu havia conhecido na escola secundária, presunçosas
ou até mesmo satisfeitas, quando soubessem que mais uma garota local não
tinha conseguido sobreviver em Nova York.
Não conseguiu se virar na cidade grande, conseguiu? O que você estava
pensando, afinal de contas? Que você é melhor que todos nós aqui? Pelo
menos, nós sempre soubemos qual é o nosso lugar.
Ficar pelada na frente de estranhos realmente era pior que encarar a
minha cidade natal, principalmente se, como disse Bianca, ninguém jamais
descobriria?
Talvez não. E eu conseguiria ajudar a minha mãe.
— Como é? — perguntei. — Sabe? ficar tão perto de gente totalmente
estranha?
— Não vou mentir para você; no começo, é esquisito. Simplesmente é.
Mas, como tudo na vida, você se acostuma. Você sabe como funciona a
dança no colo: o cliente não pode tocar em você, o que garante o controle a
você, e não a ele.
— E os quartos privados? Como eles funcionam?
— Todas as garotas preenchem formulários indicando o que topam ou
não topam fazer. O cliente diz ao gerente quem e o que ele quer, e eles
combinam as coisas nessa etapa. Nada de arriscado é permitido.
— Então não tem nenhuma pressão?
— Não, nunca nos pedem para fazer nada que não esteja marcado como
OK nos nossos formulários individuais. E os clientes conseguem o que eles
querem também; algumas garotas topam quase tudo, desde que seja seguro e
o preço, certo.
— E a parte da dança do poste?
— Os turnos duram quatro horas, durante os quais você dança no palco
dez minutos e tira a roupa até ficar de fio dental. Depois que sai do palco,
você passa o resto do seu turno fazendo danças no colo. Com a sua formação
em dança, talvez você prefira não usar o poste, embora a maioria das
dançarinas usem. — Ela ergueu a cabeça em minha direção. — Você precisa
olhar para isso como um plano de negócios, Ilana. Trabalhar no clube um ano
permitiria que você pagasse as suas contas, ajudasse a sua mãe e terminasse o
seu curso. Um ano. — Ela levantou uma sobrancelha. — E quando você se
formar e ingressar no mercado de trabalho, como uma nova administradora
de empresas, terá condições de ter um guarda-roupa executivo de verdade.
Armani. Versace. Prada.
Eu dei um tapinha no seu ombro carinhosamente. — Puta chique.
— Hilário. Então... você está preparada para isso? Com um telefonema,
eu posso conseguir um teste para você.
— E se eu não der conta do recado? — perguntei. — E se eu me sair mal?
Ou odiar tudo isso?
— Claro que você consegue. E você não vai se sair mal. Eu garanto. Mas
se você realmente odiar, pode desistir e procurar outra coisa, ou voltar para
Vermont. A essa altura da vida, e na sua situação financeira atual, é realmente
você quem decide. Acabei de te oferecer uma saída, isso é tudo.
De fato, ela havia. E o que eu tinha a perder? Se não desse certo no clube,
por qualquer motivo, pelo menos eu teria a certeza de que havia tentado tudo
ao meu alcance para manter vivos os meus sonhos.
Terminei o meu martíni e coloquei a taça na mesa à minha frente. —
Você está deduzindo que eles vão me contratar.
O rosto de Bianca iluminou-se. — Quer dizer então que você vai em
frente?
— Vou dar o melhor de mim e ver se eles me contratam. Se me
contratarem, então sim, irei em frente. Eu realmente não tenho escolha,
tenho? O tempo não está se esgotando só para mim. Ele também está se
esgotando para a minha mãe.
— Olha, Ilana, você tem beleza e talento. Você também tem todo o meu
apoio. Eu tenho habilidades incríveis em maquiagem e vestuário. A não ser
que você pise na bola, eles vão te contratar. Vou orientar você durante todo o
processo. Você só precisa fazer AQUELE teste!
— Sem pressão.
— Eu nunca disse que ia ser fácil. O que eu disse é que seria lucrativo,
provavelmente além do que você jamais imaginou.
— O que eu preciso para fazer isso? Além de tetas falsas, depilação total
e um nome de guerra?
Bianca deu uma risadinha. — Você não precisa de uma plástica nos seios.
Quanto ao resto... antes de entrarmos nos detalhes, precisamos de uma
segunda dose de martíni. Inspiração líquida.
— De acordo — eu disse. Vou preparar os martínis enquanto você
planeja minha transformação de mocinha executiva desbotada à musa da
dança do poste.
Duas horas mais tarde, Bianca finalmente deixou-me ver sua obra de arte, eu
mesma, refletida no espelho de comprimento total que ocupava o seu quarto.
E quando eu me virei, não me reconheci.
Ela havia pranchado totalmente o meu cabelo desarrumado de forma que
ele caía pelas minhas costas em ondas suaves e cintilantes. Ela havia
maquiado os meus olhos com uma variação dramática de tons iridescentes
roxos e dourados, aplicado cílios postiços, realçado minhas bochechas com
iluminador e pó bronzeador, e pintado meus lábios com vermelho intenso.
Olhei para ela no espelho. — Você tinha razão. Ninguém me
reconheceria assim.
— Eu entendo dessa merda.
Eu a abracei. — Você realmente entende.
Ela me abraçou também. — E já que somos quase do mesmo tamanho,
você pode pegar minhas roupas emprestadas.
— Você é uma graça. Minha conta bancária está murcha como a vagina
da minha avó.
— Isso é nojento.
— Bem, é verdade.
— Eu ainda não acredito que você topou.
Eu a encarei. — Por que não? Aparentemente, estou disposta a ir para
onde o vento soprar. — Inclinei-me em direção ao espelho. — Agora que
minha fantasia está pronta, preciso de um nome. Que tal Cobalt, já que meus
olhos são azuis? Você escolheu Jade por causa da cor dos seus olhos.
— Escolhi, mas Cobalt não funciona. Parece nome masculino do século
dezessete, como um ator numa peça de Shakespeare.
— Que tal Safira?
— Já tem uma Safira no clube. Garota bacana, por sinal.
— Talvez Midnight?
— Você quer que eles caiam no sono por você? Podemos encontrar algo
melhor.
— Céu? Anil? Pérola?
— Não, não e não.
— Você foi rápida.
— É porque acabei de pensar no nome perfeito. — Ela olhou para mim.
— Olhe o seu cabelo; ele é quase negro como o azeviche. Eu digo que o seu
nome é Raven.
— Raven?
— Isso mesmo: Raven. Ele é escuro, sexy e único, exatamente como
você.
Voltei-me para o espelho. Ao me ver daquele jeito, e ouvir o meu nome
artístico, tive uma sensação estranha de autoconfiança que eu não possuía
antes. Tudo isso era estranhamente empoderador. — Raven — eu disse,
enquanto me analisava. — Gosto desse nome.
— Mas você está pronta para se transformar nela?
— Estou — respondi. — Sim, estou.
2

Depois de três dias e um festival de preparativos, Bianca e eu tomamos um


táxi pela cidade até o Meatpacking District, onde eu faria o teste. A tarde de
agosto estava brilhante, quente e úmida, e a brisa leve que vinha do ar-
condicionado do táxi não era páreo para a atmosfera de sauna.
— Esse calor é uma loucura — eu disse. — Faz apenas dez minutos que
saímos de casa e já estou pingando de suor.
— Vamos entrar pela entrada lateral — disse Bianca. — O clube está
fechado durante o dia, portanto ninguém vai vê-la até você ter se
transformado na Raven. Se a Rocha e o Max estiveram por lá, eles estarão em
seus escritórios.
— Depois de todas as histórias que você me contou, não acredito que
finalmente vou conhecer a infame Isabela Rocha. Ela parece um verdadeiro
machado de guerra.
— Ah, ela pode ser. Mas a Rocha sabe tudo sobre esse tipo de negócio, e
é por isso que ela é tão exigente, e também porque ela é quem dá as cartas.
Max é a fachada da casa. O trabalho dele é assegurar que os clientes estejam
felizes. Bajular, conectar os clientes com as garotas, mandar uma garrafa
ocasional de champanhe grátis para demonstrar apreço aos nossos clientes
regulares, esse é o papel do Max.
O nosso táxi parou em frente ao prédio de tijolos de três andares que
abrigava o Clube dos Cavalheiros. Tal como os prédios circundantes, o clube
era claramente um armazém reformado. Um toldo industrial metálico
protegia a entrada de porta dupla e a calçada adjacente.
Não havia nenhuma placa. Tudo pendia para o discreto e o exclusivo.
Enfiei a mão na bolsa para pagar o taxista, mas Bianca me deteve.
— Hoje eu pago — disse ela. — Depois que você arrasar no teste e
conseguir o trabalho, vamos sair para comemorar, que é também por minha
conta.
Uma profunda sensação de gratidão encheu o meu ser. Eu era
incrivelmente sortuda por ter Bianca em minha vida. Nos últimos três dias,
ela havia trabalhado incansavelmente para ajudar a me preparar para hoje.
Escolhemos as músicas, ensaiamos os passos de dança e juntamos as peças
do meu guarda-roupa para o teste.
Saímos do táxi e Bianca me conduziu pelo canto do prédio até a entrada
lateral, onde deslizou um cartão de acesso, abrindo a pesada porta de metal,
que dava para uma escadaria.
— Os bastidores ficam no andar de cima — disse ela. — O espetáculo
começa em duas horas.

Uma hora e cinquenta e cinco minutos mais tarde, eu me sentei numa das
longas estações de maquiagem, fitando-me no espelho. O rosto não familiar
que me olhava de volta era exótico, e até bonito, mas não era eu.
Mas que cacete estou fazendo aqui? Essa não sou eu.
Fazendo jus ao meu nome artístico, que era Raven, Bianca e eu
escolhemos uma vestimenta toda preta para o meu teste. Eu trajava um
espartilho de miçangas elaborado que realçava as minhas curvas, juntamente
com um fio dental de renda que também tinha a função dupla de cinta-liga.
Uma saia longa cintilante até o tornozelo, com aberturas em ambos os lados,
escondiam parcialmente as minhas pernas e ao mesmo tempo me davam a
habilidade de dançar livremente. Meias-arrastão, saltos de quinze centímetros
e luvas até os cotovelos completavam o meu vestuário, que foi escolhido por
ser facilmente removível, uma peça por vez. As luvas seriam tiradas primeiro,
seguidas pela saia. Eu tiraria o espartilho por último, o que me deixaria
pelada da cintura para cima.
Eu poderia parecer uma dançarina de strip-tease, mas me sentia como
uma impostora.
Por que eles me contratariam? Eu tenho zero de experiência nisso.
Naquele momento, Bianca voltou da cabine do DJ. — Eu dei a sua
música para o DJ — disse ela. — Você entra no palco em cinco minutos.
Uma onda de pânico tomou conta de mim, mas tentei me recompor.
Calma, garota. Sua mãe precisa da sua ajuda. Você tem que fazer isso.
— Você parece nervosa — disse Bianca.
— Estou nervosa.
— Não fique nervosa. Você está maravilhosa e vai deixá-los de queixo
caído com a sua habilidade em dança. Levante o seu traseiro dessa cadeira e
dê umas reboladas. Perca a tensão. Faça alguns alongamentos.
Eu fiz, e os movimentos familiares, de algum modo, aliviaram a tensão.
— Gire os ombros para trás e para frente — disse Bianca. — Isso mesmo.
E boceje. Um bocejo grande. Relaxe o maxilar. — Ela olhou para o seu
relógio de pulso. — É melhor a gente se dirigir para o palco agora.
Eu a segui através de uma porta adjacente, que dava para a coxia direita
do palco e, em seguida, para o próprio palco. Próximos ao palco, um homem
e uma mulher estavam sentados à mesa. O espaço além deles parecia grande,
mas eu não podia ver os detalhes. O meu coração batia acelerado, e o salão
parecia embaçado ao meu redor à medida que eu tentava manter minha
respiração estável.
Bianca parou à beira do palco. — Olá, Dona Rocha. Max. Tenho a honra
de apresentar minha amiga Ilana Evans. O nome profissional dela é Raven.
— Ela se voltou para mim, abaixando a voz. — Boa sorte; espero você nos
bastidores.
Rocha me deu uma olhadela crítica através dos seus óculos angulares de
armação vermelha, reconhecendo a minha presença com um aceno agudo.
Com cabelo escuro até o queixo, num corte quadrado elegante, ela aparentava
ter seus quarenta e tantos, ou cinquenta e poucos. Seu terninho preto bem
talhado sugeria uma forma esbelta.
Max levantou-se da cadeira, caminhou até a beira do palco e me deu um
sorriso vencedor. Ele era um homem atraente em seus 35 anos, com cabelo
loiro escuro aparado, e um porte que testemunhava uma séria rotina de
malhação na academia. Assim como sua colega, ele estava ricamente vestido,
e quando apertamos as mãos, notei um relógio Dior Chiffre Rouge em seu
pulso.
— É um grande prazer conhecê-la, Raven — disse ele. — Estamos
ansiosos para ver você dançar.
— Obrigada a vocês dois por me darem a oportunidade de fazer o teste —
eu disse.
Rocha bateu palmas. — Vamos prosseguir com isso, vamos nessa?
— Claro, Isabela — disse Max. Ele se sentou ao lado dela, acenando para
o cubículo do DJ. — Rad, toque a primeira canção dela. Justify My Love da
Madonna.
Caminhei até o poste, pus uma mão sobre ele, e meu corpo tencionou
involuntariamente. A superfície de aço do poste estava inesperadamente fria,
o que apenas me lembrou que assistir vídeos de dança do poste no YouTube
não era o melhor método de preparação, mas o que mais eu poderia ter feito?
Girar em volta de um cabo de vassoura na minha sala de estar? Sem chances.
A música explodiu nos alto-falantes do palco, e eu congelei.
Era a canção errada.
Abri a boca para dizer algo, mas antes que eu pudesse soltar as palavras, a
música parou.
— Desculpem — gritou o DJ do seu cubículo. — Erro meu.
Uma fração de segundo depois, Justify My Love começou a tocar. Com
minha cabeça girando, tentei focar, e comecei a ondular o meu corpo contra e
em volta do poste. Como eu tinha zero de experiência na dança do poste,
Bianca e eu decidimos que minha dança seria um número lento e sensual.
Nada acrobático demais.
Mas eu tinha sido pega de surpresa com o erro inicial na música, e agora
estava completamente nervosa. Em vez de deixar para lá, eu estava presa aos
meus pensamentos, e não conseguia sair deles para me concentrar na música.
Relutei para atuar no poste e encontrar o meu ritmo, mas conforme a música
continuava, o suor formava-se na minha linha da sobrancelha e a ansiedade
aumentava. Eu me sentia como uma maldita impostora por tentar dançar na
frente dessas pessoas, e estava cada vez mais desconectada e fora de
compasso com a música.
Quando me despi das luvas, e então da minha saia, tentei me sentir sexy e
convincente, mas isso foi em vão. Simplesmente, eu não estava conseguindo.
E quando eu pulei, agarrei o poste gelado com minhas mãos e coxas e me
deslizei para baixo, um movimento que deveria ter sido fácil para mim, uma
das minhas mãos escorregou, perdi o equilíbrio e me estatelei com a bunda
no chão.
Que diabo me fez pensar que eu poderia fazer isso? Dois martínis e um
prato cheio de desespero, foi isso. Isso é um erro. Sou uma tola por estar
aqui.
Abruptamente, a música parou.
— Já vi o suficiente — disse Rocha secamente. — Você é uma garota
bonita, mas não é nenhuma dançarina.
Quando suas palavras me golpearam, acendeu-se uma raiva no fundo das
minhas entranhas.
— Eu sou uma dançarina — eu disse. — E das boas. Posso ser novata na
dança do poste, mas eu aprendo rápido.
Rocha me censurou com um olhar fixo de águia. — Isso aqui não é uma
escola; é um clube de cavalheiros. Nós oferecemos entretenimento para
homens. E o que eu acabei de ver faria um homem pegar no sono.
Era esse o meu fim? Ver alguém me apontando a porta de saída depois de
meia canção?
Isso não pode ficar assim. Há coisas demais em jogo.
Olhei nos olhos de Dona Rocha. — Deixe-me fazer mais uma dança para
a senhora, sem o poste. Se a senhora não gostar, não insistirei mais. Apenas
alguns minutos a mais do seu tempo, é tudo que peço.
Rocha abriu a boca, sem dúvida para recusar, mas Max deu-lhe um soco.
— Por que não? — disse ele. — Não estamos em cima da hora hoje. Ele fez
um sinal para mim. — Mais uma canção. Mostre-nos o que você tem de
melhor para mostrar.
O DJ colocou a segunda canção que escolhi para o teste, Brand New
Bitch [Puta Novinha em Folha] da Anjulie, e sem mais nada a perder, eu me
atirei em minha rotina.
Comecei com os movimentos que eu havia ensaiado com Bianca, mas
quando a música foi chegando ao clímax, algo mudou dentro de mim.
Abandonei os movimentos ensaiados e comecei a improvisar, dançando
conforme o meu instinto. O palco, as luzes, Rocha e Max, meus pensamentos
autocríticos: tudo se dissipou no momento em que me entreguei à música.
Mesmo quando desfiz meu espartilho, me sacudi para fora dele com uns
bamboleios e o joguei de lado, eu não perdi nenhuma batida da música. Não
apenas eu havia encarnado a música, mas, eu esperava estar encarnando o
que esses dois esperavam de mim.
Quando a música terminou, encarei Rocha e Max. Apesar de estar
despida até os calcanhares, das meias-arrastão e do fio dental, eu me sentia
forte. Dessa vez, eu tinha feito o que vim aqui para fazer. Eu dei o meu
melhor, e se não fosse suficientemente bom, então pelo menos eu poderia me
consolar com o fato de que eu havia dado tudo de mim.
Max falou primeiro. — Foi incrível — disse ele, voltando-se para Rocha.
— Ela só precisava aquecer um pouco.
— Desta vez foi melhor — disse Rocha. — Mas vai ser preciso mais de
uma dança passável para me convencer. Ela encostou-se em sua cadeira. — O
que mais você pode nos mostrar?
— I'm Addicted da Madonna — respondi. — Ou talvez Booty da Jennifer
López.
Ela me olhou por cima. Booty certamente combina com o seu bumbum.
Suprimi o meu impulso de revirar os olhos. Eu sabia perfeitamente bem
que o tamanho do meu bumbum era generoso, e que os meus peitos não eram
suficientemente grandes para estarem na proporção ideal com meus quadris.
— Booty, então?
— Sim, querida, nos dê uma mostra do seu bumbum.
Deixa comigo, Rocha. Vou lhe dar uma mostra do meu bumbum.
A música começou, e o meu mundo convergiu para os ritmos dela.
Movimentei-me de um lado para o outro, a passos largos, ao sabor da música,
ondulando os meus quadris e sentindo o meu sangue subir e tamborilar pelas
minhas veias. Havia uma parede espelhada grande à minha direita, contra a
qual pressionei as minhas costas. Levantei os braços, prendi as mãos e,
lentamente, mergulhei até o chão à medida que a música acelerava e sua
batida frenética explodia nos alto-falantes.
Alimentada pela euforia da dança, eu me contorci feito uma cobra parede
acima, rodopiei, e comecei a dar umas palmadas no meu bumbum, seguindo
as batidas da música. Num rabo de olho, vi Max inclinando-se para frente
enquanto Rocha retirava os seus óculos.
Eu tinha a atenção deles, agora só não podia perdê-la.
Empertiguei-me e dei chutes, arqueei minhas costas e atirei o meu cabelo
como se eu estivesse pegando fogo. Quando o ritmo baixou, eu também me
abaixei. Agachei-me até o chão e balancei para cima e para baixo, como se
estivesse montando num homem. Quando a música me disse que era para
sacudir o meu bumbum, sacudi o que eu tinha, que era maior do que o da
maioria.
Quando a música chegou ao clímax, voltei à parede e me apoiei contra
ela, e então rapidamente atirei os meus braços para os lados e sacudi o cabelo
de um lado para o outro. Eu estava começando a suar, o que era bom. O suor
era sexy. O suor dava ao meu corpo um brilho que, do contrário, ele não teria.
Senti o calor da dança me agarrar, me consumir, me dominar.
Vocês queriam bumbum? Pensei nisso quando virei meu bumbum para
eles e comecei a sacudi-lo. Aqui está um pouco do melhor que vocês já
viram.
Quando a música parou, respirei fundo, deslizei meus dedos pelo cabelo
úmido e caminhei na direção deles, pronta para ser julgada. Não importa o
que eles decidissem, pelo menos eu tinha vencido os meus medos e mostrado
a eles do que eu era capaz. Se eles não gostaram...
Foi então que, da penumbra no final do salão, uma voz grossa de homem
falou com toda certeza.
— Contratem a moça.
3

Quando o homem surgiu da penumbra e aproximou-se de Rocha e Max, meus


joelhos afrouxaram.
Ele era facilmente o homem mais bonito que eu já tinha visto. Alto,
moreno, e além de bonito, com traços bem definidos e lábios carnudos e
sensuais, feitos para beijar. Ele trajava um terno perfeitamente talhado cinza
chumbo que realçava a largura dos seus ombros. Um homem chamativo num
terno de negócios era como uma droga para mim. Poucas coisas me
excitavam mais.
Mas as próximas palavras a saírem dos seus lábios não eram exatamente
excitantes.
— Ela tem uma bunda gostosa — disse ele. — Boas tetas também, e ela
sabe dançar.
Boas tetas, uma bunda gostosa, e a habilidade de sacudi-la. Eu não estava
acostumada a ser vista e dissecada como se fosse um objeto inanimado.
Se você for sortuda o bastante para conseguir esse emprego, esse será o
seu novo mundo, garota. Acostume-se com ele.
Eu me preparei, encarei o grupo e esperei ouvir qual seria o meu destino.
Conforme as luzes da casa se acenderam, o olhar penetrante do homem
misterioso vasculhou o meu corpo quase nu, chegando ao meu rosto. Quando
os nossos olhares se encontraram, recusei-me a desviar o olhar, embora o
desconforto aumentasse. Minha sensação inicial de exposição mudou para
excitação... e constrangimento. Senti um calor na virilha e meu rosto corou.
Os cantos da sua boca contraíram-se, e seus olhos castanhos claros
brilharam com o que parecia ser uma diversão. Eu me senti agudamente
consciente de que esse homem sabia exatamente o efeito que ele estava tendo
em mim... e que ele estava se divertindo. O seu olhar permaneceu preso ao
meu por uma aparente eternidade, embora não pudesse ter sido mais que
alguns segundos.
Finalmente, ele voltou-se para Max e Rocha.
— Vocês deveriam contratá-la — disse ele.
— Concordo — respondeu Max. — O que você acha, Isabela?
— Tudo bem — disse Rocha com resignação. — Ela é verde como a
relva, mas vou deixá-la em forma.
O homem de terno levantou o queixo e me analisou novamente. — Sabe,
Isabela, muitos homens vão querer deitar nessa relva.
Max riu disfarçadamente, e mesmo Rocha parecia divertir-se com o
comentário. — Você tem jeito para colocar a conversa sobre a mesa, Nick —
disse ela.
Nick? Bianca não havia mencionado ninguém chamado Nick que tivesse
alguma relação com o clube. Quem seria esse cara?
— Isabela, você pode assegurar que Raven preencha a papelada para a
contratação? — perguntou Max. — Nosso cliente favorito e eu temos um
assunto importante a tratar.
As peças começavam a se encaixar. Esse tal Nick devia ser um cliente
importante... provavelmente um esbanjador. Claramente, a opinião dele tinha
um peso significativo para Max e Rocha.
— Claro — disse Rocha. Ela se levantou. — Vá para os bastidores e
coloque suas roupas, Raven. Em seguida, vá até o meu escritório.

Nos bastidores, Bianca me recebeu com um sorriso enorme e um roupão. —


Você conseguiu! — disse ela, entregando-me o roupão.
Eu me vesti e a abracei. — Obrigada um milhão de vezes — eu disse. —
Eu jamais teria conseguido sem você.
— Você deu um show, garota. Eu vi tudo dos bastidores.
— Menos a primeira música. Estraguei tudo.
— Mas você arrasou com Brand New Bitch, e Booty então nem se fala!
Você estava nos trinques. Você fez a J. Lo entrar na corrida pelo dinheiro, ou
devo dizer "pelo bumbum dela"?
Caminhei até uma das estações de maquiagem, sentei-me, e comecei a
remover minha maquiagem artística. — Quem é esse tal Nick?
Bianca sentou-se ao meu lado. — O homem que disse a eles para
contratar você? É o Nick Santoro. Ele é um dos nossos clientes Classe A.
Santoro. Nick Santoro.
O nome parecia familiar, mas eu não me lembrava de onde. Não que
fosse importante.
Eu adivinhei tanto quanto. Ele meio que me pareceu gozador.
— Ah, Nick é tudo isso. E um pouco mais.
— O que você quer dizer?
— Ele tem um problema. Ele dá em cima da garota por algum tempo.
Entope-a de dinheiro... sabe, pagando por quartos privês, que é onde
ganhamos uma nota. E então dá-lhe um pé no traseiro, sem mais nem menos.
Não dá a mínima para ela, muito menos uma dança no colo.
— Parece um cafajeste — eu disse, e em seguida me retratei. — Mas esse
cafajeste acabou de me oferecer o emprego, não é mesmo? Eu deveria ser
grata.
— Verdade, mas é melhor evitá-lo. Como muitos dos quase quarentões
que vêm aqui, ele não passa de um encrenqueiro. O dinheiro certo é da velha
clientela. Homens ricos presos em casamentos infelizes, aterrorizados com o
que um divórcio lhes custaria. Se eles começarem a gostar de você, alguns
deles pagam por um quarto privado só para conversar por uma hora. Tudo
que você tem que fazer é escutar e se esfregar neles de vez em quando.
Sabe... fazê-los sentir o que suas esposas lhes negam.
— O que é?
— Sentir como homens.

Depois que acabei de me vestir, Bianca me levou para uma volta rápida pelo
clube a caminho do escritório da Rocha. O segundo piso continha o palco, um
bar expansivo em forma de L, e cerca de cinquenta mesas de tamanhos
variados, acompanhadas de cadeiras e sofás de couro. Vermelhos escuros,
materiais luxuosos e detalhes em madeira escura faziam com que o local
fosse eroticamente carregado, porém masculino até a alma.
— Você consegue ver uma parte do terceiro piso daqui — disse Bianca.
Ela apontou para cima. — É onde ficam as áreas VIP e os quartos privês,
assim como o cubículo do DJ.
Olhei para cima e vi que uma parte do terceiro piso abria para o palco
embaixo, como num teatro. — Quantas pessoas cabem aqui? — perguntei.
— Várias centenas. A capacidade total do clube é de mais ou menos
quinhentas pessoas. Vamos lá para baixo. Vou mostrar o lounge a você, e em
seguida vamos ao escritório da Rocha.
O lounge parecia um clássico clube de cavalheiros reminiscente dos que
eu tinha visto em filmes, com painéis de mogno, poltronas de couro pretas, e
candelabros que brilhavam suavemente no espaço atualmente apagado. Um
bar com uma variação impressionante de bebidas alcoólicas caras ocupava
uma ponta do salão, e um aroma sutil e picante pairava no ar.
— Que cheiro é esse? — perguntei.
— Fumaça de charuto. Já que o clube é privado, os sócios podem fumar
aqui dentro. Mas o sistema de ventilação é excelente, tão bom quanto
qualquer um que você vai encontrar em qualquer lugar. Quando ele está
ligado, você não consegue sentir o cheiro de nada, a não ser a fragrância
emblemática do clube, que tem um cheirinho de madeira com uma pitada de
incenso. Afinal de contas, pelo menos no início, você vai passar a maioria
dos seus turnos servindo bebidas aqui. Você vai ganhar menos dinheiro que
no andar de cima, mas ainda é muito melhor do que se você estivesse
trabalhando num bar convencional. Todas as garotas que trabalham aqui
começam passando a maior parte do tempo no lounge. À medida que você
constrói uma base de clientes assíduos, Rocha vai lhe dar mais horas lá em
cima.
— Como devo me vestir aqui?
— Segundo a Rocha, sexy semi-formal.
— O que isso quer dizer?
— O tipo de roupa de coquetel que faz um homem querer arrancá-la de
você. Servir drinques aqui é uma forma de publicidade: se os homens
quiserem arrancar as roupas das mulheres, eles têm que ir lá em cima, o que
significa que vão gastar mais dinheiro. Para conseguir uma mesa lá em cima,
eles têm que desembolsar dinheiro para comprar uma garrafa de bebida cara.
Mas podemos entrar nos detalhes mais tarde. Neste momento, precisamos ir
em frente. A Rocha deve estar se perguntando em que buraco nos metemos.
Ela me conduziu para fora do lounge e por um corredor, passando por
uma série de portas pesadas de madeira, parando e batendo numa delas.
— Entre — gritou Rocha.
Bianca abriu a porta e nós entramos. Em contraste com a atmosfera
masculina escura do clube, o escritório de Rocha era arejado e moderno,
mobiliado e pintado com tons de branco e marrom escuro, com pinturas
contemporâneas de cores vivas penduradas nas paredes. Rocha estava sentada
atrás de uma mesa expansiva de vidro e aço; ela se parecia mais com um
diretor-geral de Wall Street do que a grande-dama de um clube de strip-tease
de luxo.
— Sentem-se — disse ela bruscamente, apontando para as duas cadeiras
em frente à sua mesa. — Não tenho muito tempo.
Sentamo-nos, e ela me entregou um grande envelope pardo. Quando o
peguei, fiquei surpresa com o seu peso substancial.
— Tudo que você precisa está neste envelope — disse Rocha. —
Formulário de emprego. Seguro médico. Acordo de confidencialidade.
Renúncia de responsabilidade. E o mais importante: o manual das normas do
clube. Leia-o. Memorize-o. — Ela olhou para Bianca. — Jade, você trabalha
aqui há bastante tempo. Você pode responder a quaisquer perguntas que ela
tiver.
— Claro — disse Bianca.
— Tenho direito a seguro médico? — perguntei.
— Claro que sim, querida. Queremos seu coração batendo... e sua
periquita pulsando.
Eu tomei essa como sendo para a equipe e simplesmente respondi:
"Obrigada".
Rocha acenou sua mão desprezível. — Nossas normas são destinadas a
proteger tanto os empregados quanto os clientes, e violar o regulamento,
qualquer uma das regras, resultará em rescisão imediata. Os empregos aqui
são cobiçados, as garotas fazem fila para trabalhar para nós, e se você
cometer um erro, substituirei o seu bumbum rebolante num piscar de olhos.
— Entendeu?
— Entendi — eu disse. — E obrigada pela oportunidade de trabalhar
aqui, Dona Rocha. A senhora não vai se arrepender de ter me contratado.
— Isso é o que vamos ver.
— Quando a senhora quer que eu comece?
— Sexta à noite. Aqui está o seu horário. Ela me entregou uma folha de
papel.
Peguei o papel e o examinei. Imediatamente, fiquei chocada em ver que
dois terços dos meus turnos eram no andar de cima, incluindo as noites de
sexta e sábado.
— Isso é contra o meu melhor julgamento — disse Rocha. — Prefiro que
as garotas comecem no lounge. O único motivo de você ter conseguido esse
horário é que um dos nossos clientes Classe A deu um empurrãozinho para
ajudar você.
Nick Santoro?
Só podia ser ele. Ele foi o único cliente que tinha posto os olhos em mim.
Mas por que ele insistia nisso?
— Se a senhora quiser que eu trabalhe mais horas no lounge, por mim
tudo bem — eu disse. — Eu não espero tratamento preferencial da sua parte
ou de mais ninguém.
Rocha interrompeu-me. — Irrelevante. A decisão já foi tomada. Mas
grave minhas palavras, mocinha: as outras garotas não vão deixar de notar
que você conseguiu furar a fila. E elas não vão gostar nada disso. Por causa
das exigências de um certo cliente, você acaba de se transformar em pária.
Aguarde algumas afrontas, e não pense que você vai ser a Miss Popularidade
por aqui tão cedo.
4

No momento em que saímos do clube, Bianca voltou-se para mim. — Você


faz ideia do que aquele horário significa?
Atirei os meus braços para cima e mandei um beijo para o céu de
Manhattan. — Não, e no momento, estou feliz demais para me importar com
isso. Finalmente, tenho um emprego. Um emprego real e verdadeiro. E graças
a você. E àquele tal Nick que deu uma força para me contratar.
— Eu sabia que você podia impressioná-los com a sua dança, e você
conseguiu; parabéns. Estou orgulhosa de você.
Registrei uma preocupação em sua voz. — Há um "porém" nisso, em
algum lugar. O que é?
Ela acenou para um táxi que se aproximava. — O seu horário é muito
melhor do que eu esperava, o que quer dizer que a pressão já começou. Você
vai estar no palco... e muito. Sei que pode dar conta do recado, mas temos
menos de dois dias para expandir o seu guarda-roupa e encontrar várias
rotinas adicionais de dança. Acho melhor adiarmos a comemoração do
emprego até a semana que vem... depois da sua estreia no clube, que será um
sucesso. Só temos que permanecer focadas e preparar você para isso.
A perspectiva de Bianca me trouxe de volta à realidade. — Você tem toda
razão — eu disse. — Trabalho primeiro, festa depois.
— Ah, mesmo assim vamos levantar um ou dois brindes com martíni hoje
à noite. E vamos pedir comida chinesa ou tailandesa. Vamos fazer apenas
uma comemoração com trabalho.
O táxi parou na calçada. Nós entramos e Bianca deu instruções ao
motorista para nos levar de volta ao nosso apartamento em East Village.
Conforme o motorista navegava pelo trânsito infernal do fim de tarde,
ocorreu-me um pensamento. Voltei-me para Bianca. — O meu novo horário
também significa que vou ganhar mais dinheiro?
— Muito mais. Mas a Rocha está certa: algumas garotas vão sentir inveja.
Eu vou espalhar entre elas que um certo alguém é quem deu um empurrão, o
que deve amenizar a pancada porque todo mundo lá sabe que essa pessoa
consegue tudo que ele quer. Mesmo assim, você vai precisar se precaver.
Geralmente leva seis meses ou mais para uma garota conseguir um horário
como o seu.
— Eu posso lidar com o problema. O que não posso é lidar com a
quebradeira. Graças a você, isso está prestes a acabar. Se algumas garotas não
forem com a minha cara por ser sortuda, problema delas. Tudo que me
importa no momento é ganhar bastante dinheiro para ajudar a minha mãe.
— E eu estarei lá — disse Bianca. — Se alguém se meter com você, vai
se ver comigo também.
— Mas por que Nick Santoro se meteria com o meu horário? Não
entendo.
— Não diga o nome dele aqui. Espere até chegarmos em casa. O contrato
de confidencialidade que você está prestes a assinar proíbe falar sobre o clube
ou seus clientes em público.

De volta ao nosso apartamento, Bianca preparou uma rodada de martíni


enquanto eu me sentei no sofá e examinei cuidadosamente a pilha de papéis
que Rocha havia me dado. Preenchi os formulários de emprego e assinei o
contrato de confidencialidade, mas quando li a renúncia de responsabilidade,
eu não sabia o que pensar.
— Essa renúncia parece estar dizendo que eu isento o clube de qualquer
responsabilidade por qualquer coisa que aconteça comigo lá — eu disse. —
Será que não entendi algo aqui? A Rocha não disse que as normas do clube
são para nos proteger também?
— Os sócios do clube também assinam um contrato com fins legais —
respondeu Bianca. — Eles aceitam seguir uma série de regras estritas, que
você vai encontrar no manual. E tem o pessoal da segurança e câmeras
escondidas por toda parte, que, a propósito, não são nenhum segredo à nossa
clientela.
— Você já teve problema com algum cliente? — perguntei.
— Só uma vez.
— Ele te machucou?
— Não, na verdade foi meio engraçado.
— O que aconteceu?
— Eu estava fazendo uma dança no colo para um famoso embriagado
com cara de merda numa das áreas VIP, quando ele agarrou minhas tetas e
tentou, muito ineptamente por sinal, arrancar o meu fio dental. Na frente de
meia dúzia de amigos, não menos. Então, eu lhe dei uma joelhada no saco.
Ele caiu para o lado e agarrou suas bolas enquanto dois seguranças enormes
vieram, agarraram o cara e o arrastaram para fora do clube.
— Quem era o famoso? Por que você não me contou isso?
— Eu não podia te contar antes porque assinei o mesmo contrato de
confidencialidade que você acabou de assinar. O que acontece no clube morre
no clube.
— Mas você pode me dizer agora, certo?
— Posso.
— Então, qual era o nome dele?
— Vou te dar uma dica. Galã adolescente, aspirante a rapper.
— Não! Não pode ser o Dustin Boober.
— Ele mesmo.
— Ele tem idade para ser sócio do clube? Eu pensei que ele tivesse...
digamos... dezoito.
— Você acabou de levar pau em Cultura Pop para Iniciantes — disse
Bianca. — Boober tem vinte e dois. Mas você não vai vê-lo no clube porque,
depois daquele incidente, Max o expulsou e cancelou a sua adesão. Como eu
disse, os clientes também têm que respeitar as regras. Mesmo os clientes
ricos e famosos como Dustin Boober. Se você der a mínima mostra de que
não está bem com o que está acontecendo, os seguranças partem para cima do
cara em questão de segundos.
Ela atravessou a sala com os nossos martínis, deu-me um e sentou-se ao
meu lado. — A maioria das pessoas não percebem isso, mas trabalhar num
clube de cavalheiros é muito mais seguro que sair à noite pulando de bar em
bar. Num bar, algum cara pode colocar uma droga na sua bebida. Lembra
aquela garota do nosso dormitório na faculdade? Ela acordou numa certa
manhã e percebeu que tinha sido drogada, mas não conseguia lembrar nada
da noite anterior, inclusive a identidade do cara que a drogou e estuprou.
— Nunca pensei nisso, mas você tem razão.
— Tudo que acontece no clube é consensual. Se um homem quiser algo
mais que uma simples dança no colo, ele fala com o Max, que o apresenta à
garota que estiver disposta, por um preço, a lhe dar o que ele quer.
— Mas o cara não poderia batizar a bebida da garota no clube também?
Talvez num lugar mais privado, como as áreas VIP?
Bianca balançou a cabeça. — Os seguranças o pegariam e ele perderia a
sua adesão. Lembre-se, não podemos ficar bêbadas ou chapadas no trabalho,
portanto se uma garota tropeçar, falar mole ou parecer desorientada, os
seguranças a retiram do recinto e a interrogam.
Coloquei o meu martíni na mesa, peguei uma caneta e assinei a renúncia
de responsabilidade. Em seguida, peguei o último formulário que eu
precisava preencher. O título era Extras, e ao longo de várias páginas, ele
trazia uma lista de atividades com quadradinhos "sim" e "não" ao lado de
cada item. Conforme examinei a lista, não tive certeza do que fazer com ela.
— Não sou nenhuma puritana — eu disse. — Posso lidar com coisas
como tirar a roupa e fazer danças no colo, mas esse lance de BDSM como
flagelação e amarrar as pessoas? Quer dizer, se é o que dá prazer ao fulano,
seja lá o que for, mas você me conhece; eu provavelmente iria rir no pior
momento possível e estragaria tudo.
— Deixe-me simplificar para você — disse Bianca. — Você está disposta
a fazer qualquer coisa além de uma dança normal no colo? Você sabe do que
estou falando: deixar os homens te tocar.
— Prefiro não deixar. Não, a menos que seja a única maneira de ganhar
bastante dinheiro para ajudar a minha mãe.
— Como você se sente com relação a fetiches que não exigem contato
físico?
— Fetiches? Não faço a menor ideia. Olhar para essa lista me faz sentir
tão básica quanto um vestidinho preto. Não sei nem mesmo o que é a metade
disso.
— Então faça somente danças no colo. E veja como você se sai. Depois
que estiver no clube há algumas semanas, você pode mudar os serviços extras
que quiser oferecer. Muitas mudam, principalmente quando veem o quanto
estão deixando de ganhar por não fazer coisas fáceis, como sploshing. Eu fiz
algumas vezes.
— Sploshing?
— Jogar comida e bebida no cara, que fica pelado sobre um lençol
plástico enquanto rola de prazer, se lambuzando todo.
— Ah, meu Deus.
Bianca sorveu o seu martíni. — Bebê adulto é outra boa opção.
— Bebê adulto? Que diabos isso envolve?
— Dinheiro fácil. Tudo que você tem que fazer é colocar uma fralda de
adulto no cara e dar cereal infantil para ele numa colher. Enfiar uma chupeta
na boca dele. Se ele tentar atracar a boca na sua teta, diga algo assim: "Bebê
sapeca! A mamãe disse não."
Olhei para ela aterrorizada por um momento, antes de cairmos na
gargalhada.
— Então... qualquer coisa pode ser um fetiche? — perguntei, enxugando
os olhos.
Bianca assentiu com a cabeça. — Não importa o nome que você der,
alguém sente tesão por ele.
— Meu Deus, as pessoas são esquisitas.
— Você está dizendo isso logo para mim?
De relance, olhei a lista novamente. — Fetiche por pés... bem, pelo
menos ouvi falar desse. Você chupa alguns dedos do pé. E lambe os pés
deles.
— Às vezes. Mas você sabe o que isso realmente envolve?
— Pelo tom da sua voz, acho que evidentemente não sei.
— Os fetichistas de pé inveterados gostam de pés fedorentos. Eles gostam
de pés bonitos e maduros, e você está lá para lustrá-los com sua saliva...
literalmente.
— Que nojo!
— Se você decidir fazê-lo, simplesmente faça, esperando encontrar
alguma inhaca nos dedões.
— Agora eu quero vomitar.
Ela me viu marcar o quadrinho "não". — Boa decisão. Eu também
marquei "não" para essa opção.
— OK, então provavelmente eu poderia dar conta de um bebê adulto. E
não me importaria de atirar alguns tomates podres em gente como Dustin
Boober. Na verdade, eu poderia até curtir.
— Esse é o espírito da coisa — disse Bianca. — Permita-se algumas
semanas para ter uma ideia geral e ver quanto você ganha com as danças no
colo. — Ela piscou para mim. — Se você decidir que precisa de mais
dinheiro, pode se inscrever para mais um ou dois fetiches.
— Talvez eu faça isso. — Mas por ora, vou seguir o seu conselho. Vou
ficar com as danças no colo e reconsiderar os fetiches depois de algumas
semanas de trabalho.
Marquei os últimos quadradinhos na lista dos serviços extras e juntei a
papelada preenchida, formando uma pilha organizada de páginas. Em
seguida, sorri para a minha melhor amiga.
— Obrigada por explicar tudo que acabei de assinar — eu disse. —
Agora, me fale mais sobre esse tal Nick. Por que ele pressionaria Max e
Rocha não somente a me contratar, mas também a me colocar no andar de
cima logo de cara?
— Existe somente uma razão pela qual Nick Santoro, ou qualquer cliente
Classe A, faria o que ele fez. Ele pretende te comer, e fazê-la trabalhar no
andar de cima facilitaria as coisas para ele dar em cima de você. Ele
provavelmente tem todo o seu plano de ataque já pronto.
— Infelizmente para o Sr. Classe A, os seus planos são irrelevantes.
Agradeço que a participação dele me ajudou a conseguir o emprego, mas se
ele está esperando uma foda por gratidão, ele vai ficar decepcionado.
— Você deveria saber que as garotas anteriores a você diziam coisas
parecidas — disse Bianca. — E elas geralmente iam parar na cama do
Santoro, de uma maneira ou outra. Ele é rico, ele é bonito, ele é bem dotado
como um cavalo, e sabe conquistar uma mulher com o seu charme. É difícil
dizer não para ele.
— Talvez aquelas garotas não tivessem objetivos, ou um plano — eu
disse. — Mas eu sou diferente. E você também. Você está economizando
para começar o seu próprio negócio, e eu, trabalhando para ajudar a minha
mãe. Não se preocupe comigo. Sou uma garota adulta. Seja lá o que o
Santoro aprontar comigo, eu sei me defender.
— Só lembre que homens como ele são lobos alfa, OK? Para eles, caçar
mulheres lhes dá uma espécie de "barato". Fique na sua. Seja profissional e
educada, mas não se deixe envolver por ele. O que acontece se você deixar?
— Ela virou o seu martíni de uma talagada só. — Se você deixar, você está
frita.
5

Dois dias depois, Bianca e eu chegamos ao clube para a minha primeira noite
de trabalho. Quando entramos no prédio e nos dirigimos aos bastidores, eu
me senti nervosa, porém energizada. Esta noite, em minha nova persona
como Raven, eu estava determinada a ser um sucesso. Eu entraria naquele
palco, provaria o meu valor, e faria um verdadeiro progresso no sentido de
ajudar a minha mãe.
Quando chegamos aos bastidores, duas outras garotas estavam sentadas
nas estações de maquiagem, preparando-se para a noite que vinha pela frente.
Uma delas era uma morena exuberante com um visual exótico; a outra, uma
loira esbelta com corpo de modelo.
— Oi, Jade — a loura gritou para Bianca. Era estranho ouvir minha
amiga ser chamada de Jade, mas eu precisava me acostumar com isso.
Chamar pelo nome artístico era uma das muitas regras do clube.
— Oi, Lucrécia — disse Bianca. — Eu gostaria que você conhecesse
minha amiga Raven, que vai trabalhar aqui. Raven, essa é a Lucrécia.
Aguarde para vê-la dançar; ela é incrível no poste. A melhor do clube. — Ela
voltou-se para a morena. — E essa é a Valência, prima da Lucrécia e mais
uma das nossas estrelas.
Lucrécia me deu um sorriso deslumbrante. — Prazer em conhecê-la —
disse ela. O inglês dela tinha um forte sotaque eslavo, e ela parecia uma
princesa nórdica: olhos azuis claros e largos, pele clara, e cabelo loiro. —
Essa sua primeira noite?
— É — eu disse.
— Desejo a melhor sorte a você. Como dizem os franceses, "merda para
você".
— Sim — acrescentou Valência. — A melhor sorte em sua primeira
noite. — Sua voz rouca com um leve sotaque era casual, mas os seus olhos
rasgados diminuíram conforme ela me avaliava da cabeça aos pés.
Bem, essa é uma que eu vou ter que conquistar.
— Obrigada — eu disse. — É um grande prazer conhecer vocês duas. —
Caminhei até uma estação de maquiagem que estava livre, a vários assentos
de Valência, e me sentei. Retirei minha fantasia da sacola, seguida dos meus
sapatos, que coloquei no chão ao meu lado. Um empréstimo de Bianca, os
sapatos de quinze centímetros eram pretos brilhantes com plataformas na cor
vermelho claro, saltos e tornozeleira.
— Sapatos bacanas — comentou Valência.
— Obrigada — eu disse. — B... Jade me emprestou.
Valência estava tentando ser legal? O tom tranquilo na sua voz não
revelava nada. Mas daí a maneira que ela olhou para mim quando Bianca nos
apresentou... Dado o comentário da Rocha de que eu seria uma pária, parecia
melhor me manter longe das outras garotas por enquanto. Com o tempo,
talvez eu pudesse fazer amizade com algumas das minhas colegas de
trabalho. Mas no momento, eu estava em estado de alerta.
Bianca sentou-se na estação perto da minha e começamos o processo de
encarnar nossas personagens de palco. Conforme nos preparávamos, mais
garotas foram entrando, e o recinto tornou-se uma colmeia de atividades.
Roupas normais eram tiradas, maquiagem e fantasias eram postas, e
conversas e risadas enchiam o salão.
Quarenta minutos antes do início do espetáculo, Dona Rocha chegou. O
seu terninho preto impecavelmente talhado era quase idêntico ao que ela
estava usando no dia do meu teste, e a puta chique em mim identificou os
seus sapatos de salto como sendo da Prada. Para complementar o visual, ela
carregava uma Birkin preta.
O seu olhar agudo percorreu todo o salão.
— Deslumbrante como sempre, Valência — disse ela bruscamente. —
Você abre o show esta noite.
A expressão de Valência tinha a presunção de um gato que havia, com
sucesso, acabado de matar a sua presa. — Obrigada, Dona Rocha — disse
ela.
Rocha voltou-se para uma ruiva voluptuosa. — Êmber, limpa essa cara e
começa de novo. Os seus olhos parecem dois buracos na cabeça. Em que
diabos você estava pensando? A moda da heroína acabou há décadas.
— Eu só queria tentar um visual diferente — disse a garota tristemente.
— Algo novo e criativo.
— Não faça isso, Êmber. Não faça mesmo. A essa altura, você deveria
saber que os seus talentos, tais como são, estão em outra parte. — Ela olhou
para mim e Bianca. — Ótimo trabalho, Jade; você vai depois da Valência.
Raven, o seu rímel é um crime contra a humanidade. Arrume isso.
Inclinei-me em direção ao espelho. Era apenas a segunda vez que eu tinha
montado Raven sem a ajuda de Bianca, e eu achava que tinha feito um bom
trabalho. O meu rímel havia realmente empelotado em alguns pontos, mas
não era tão evidente assim. Estendi a mão para pegar meu rímel,
desenrosquei o pincel e o levei em direção aos cílios.
— Pare! — disse Rocha.
Minha mão congelou em pleno ar.
Ela apontou para o tubo aberto de rímel. — Quando você comprou essa
relíquia desidratada? Quando você estava na escola secundária? Está
parecendo concreto.
— Uhhh... cinco ou seis meses atrás?
— Me dê isso.
Enrosquei o pincel de volta ao tubo e o entreguei à Rocha. Ela o tomou
com dois dedos, como se fosse tóxico, e o jogou na lata de lixo mais próxima
da minha estação, onde ele caiu com um estalido surdo. Em seguida, ela
enfiou a mão em sua Birkin, tirou um tubo de rímel Clinique de Alto
Impacto, e o jogou sobre a mesa em minha frente.
— Use este.
— A senhora está me emprestando o seu rímel?
— Não, estou te dando o meu rímel de reserva.
— Obrigada — eu disse. — Eu realmente agradeço por isso.
— Você deveria. Acabei de salvar você de si mesma, que é algo que não
precisava acontecer. Mas com esse bando de coelhinhas? Eu já vi de tudo. De
agora em diante, troque o seu rímel uma vez por mês. E em nome da minha
sanidade, compre uma marca minimamente decente.
6

Meia hora mais tarde, vi dos bastidores quando Valência entrou no palco.
Para a minha primeira noite como Raven, eu e Bianca escolhemos um
conjunto todo preto semelhante ao que eu tinha usado no meu teste: uma saia
preta brilhante de lantejoulas com longas aberturas laterais, usada sobre um
fio dental, cintas-ligas e meias-arrastão. Depois de haver plantado o meu
traseiro no chão durante o teste, desfiz-me das luvas de seda em favor de um
par rendado até o cotovelo, que eu esperava que me desse uma melhor
aderência ao poste. Já que eu não estaria no palco antes de uma hora, meus
pés estavam calçados com pantufas. Bianca havia me aconselhado a poupar
os meus pés sempre que possível.
Ela ficou ao meu lado e fazia comentários sussurrados no meu ouvido.
— Valência consegue abrir o show mais vezes que ninguém — disse ela.
— Ela pode ser uma jararaca idiota que se acha melhor que o resto de nós,
mas não há como negar: ela realmente sabe como animar a homarada.
Eu vi Valência balançar a bunda, atirar o cabelo para os lados e trabalhar
no poste. O seu ritmo era perfeito, e seus movimentos realçavam os seus
olhos sensuais escuros em forma de amêndoas. — Ela é boa.
— Ela é, mas você pode ser ainda melhor. Eu sei que você pode, e a
maioria das garotas vão vibrar se alguém, mesmo Lucrécia, conseguir
derrubar a Rainha Valência do seu trono.
— O que você quer dizer, "mesmo Lucrécia"? Ela não é a melhor
dançarina do poste aqui?
— É sim. Mas pelas costas, todos a chamam de Malucrécia.
— Malucrécia? Isso é hilário. Mas por quê?
— Longe do poste, a garota é uma desordem total. Um trem descarrilhado
de ingenuidade romântica e decepção em série.
— Todas já tivemos aquela amiga — eu disse.
— Sim, mas a Malucrécia não é apenas um imã típico que atrai cafajestes.
Falando sério, o QI dessa garota é a somatória dos seus peitos. A Valência
faz o seu melhor para mantê-la longe de encrenca, mas mesmo Valência tem
suas limitações no que ela pode fazer. Manter-se em sua própria posição
ocupa a maior parte da atenção dela .
— Bem, no que me diz respeito, Valência pode manter o seu trono — eu
disse. — Não estou aqui para competir com ela ou com mais ninguém. Essa
não é uma carreira de longo prazo para mim. Desde que eu possa ajudar
minha mãe e pagar as contas, me considero satisfeita.
A canção que estava tocando fundiu-se noutra.
— Acho melhor ir buscar os meus sapatos — disse Bianca. — Quando
terminar essa canção, é a minha vez. — Ela desapareceu nos bastidores por
um momento, e voltou em seguida, com saltos plataforma de 15 centímetros
em suas mãos. Ela deslizou seus pés das pantufas para os sapatos de salto,
verificou as tornozeleiras e, em seguida, endireitou-se. — Estes saltos são
uma maravilha para as minhas pernas, mas graças a Deus não tenho que usá-
los vinte e quatro horas por dia. Eu preferiria me matar.
— Você está deslumbrante — eu disse. — Arrase com esses homens.

Dez minutos mais tarde, Bianca deixou o palco sob uma salva barulhenta de
aplausos, e entrou novamente nos bastidores com um sorriso no rosto.
— Você foi incrível — eu disse quando ela chegou ao meu lado. — A
plateia adorou você.
Ela piscou para mim. — Aprendi uma ou duas coisas sobre como fazer
um bom strip-tease nos seis meses que trabalho aqui. Você também vai.
Quando assistir às outras dançarinas esta noite, preste atenção no que
funciona e no que não funciona. Aprenda com suas colegas de trabalho e
escute o que a Rocha disser. A mulher pode ter a língua afiada como uma
navalha... mas os comentários dela geralmente são certeiros.
— Obrigada — eu disse. — Vou escutar.
Conforme assistíamos aos próximos números de dança, Bianca
permaneceu ao meu lado, fazendo comentários em voz baixa sobre os pontos
fortes e fracos da performance de cada dançarina. Apesar de estar nervosa
com a minha própria apresentação, que estava se aproximando rapidamente,
absorvi tudo que ela dizia. Embora eu soubesse que fazer a coisa certa levava
tempo, eu estava determinada a aprender rapidamente e dar-me bem no meu
novo trabalho.
Quando Êmber entrou no palco, Bianca sussurrou para mim: — Você é a
próxima a se apresentar; vou buscar os seus sapatos para você.
— Obrigada — eu disse, grata pela sua presença solidária.
Depois que ela saiu, assisti à Êmber girar ao ritmo de uma canção de
Britney Spears. Embora ela fosse uma garota bonita, não era grande coisa
como dançarina, e minha atenção desviou-se para a plateia. De onde eu
estava nos bastidores, o fundo do salão estava escuro demais para ver bem,
mas perto das luzes pulsantes do palco, a primeira fileira de mesas estava
claramente visível. O meu olhar trancou num perfil característico.
O Sr. Classe A?
Conforme eu observava, ele voltou-se e disse algo ao homem de cabelo
claro que compartilhava sua mesa, dando-me uma visão total do seu rosto.
Definitivamente era ele.
Ao contrário da maioria dos homens na plateia, Nick Santoro e seu
companheiro estavam usando black tie. Sentado com um tornozelo cruzado
sobre o outro joelho, ele estava bebendo uma taça do que aparentava ser
uísque escocês, e parecia completamente à vontade. O seu companheiro
atirou a cabeça para trás e riu, supostamente de alguma coisa que Santoro
tinha acabado de dizer.
O branco-e-preto sóbrio do seu smoking apenas realçava os seus belos
feitios escuros, que, juntamente com a autoconfiança que ele projetava, dava-
lhe uma presença cativante. Esse homem teria se sobressaído em qualquer
multidão. Apesar de tudo que Bianca havia dito sobre ele, ou talvez por causa
disso, eu estava curiosa.
Em função do papel dele em ter me ajudado a conseguir o trabalho,
Bianca evidentemente esperava que ele fosse dar em cima de mim de alguma
forma, e eu tinha que admitir que uma parte de mim não se importaria com
isso. Afinal de contas, qual seria o dano? Não era como se eu fosse levar a
sério qualquer coisa que viesse da sua boca. Flertar com o Sr. Classe A não
passaria de uma diversão casual sem culpa.
Naquele momento, Bianca reapareceu com os meus sapatos, que coloquei
nos pés rapidamente.
— Pronta para a sua estreia? — ela perguntou.
— Mais pronta que nunca, graças a você.
Ela me abraçou. — Você pode dançar muito melhor que todas essas
garotas. Simplesmente não pense demais. Solte-se e seja você mesma, e a
plateia vai amar e animar você. Você consegue fazer isso.
O DJ colocou Anaconda de Nicki Minaj. Senti um aperto no estômago e
meu pulso subiu para a estratosfera.
Chegou a hora.
Respirei profundamente, foquei na música e caminhei para a luz brilhante
dos holofotes.
7

Quando entrei, requebrei a cintura, atirei o cabelo para os lados e caminhei a


passos largos para o centro do palco. As luzes estroboscópicas banhavam o
meu corpo com lampejos de cores vivas, e conforme fiquei em pé diante da
casa cheia de homens entusiasmados, a ansiedade inebriante de performance
me atingiu com um raio de adrenalina pura. Eu não havia dançado para uma
plateia desse tamanho desde o meu grupo de dança na faculdade, e quase
tinha esquecido como era a sensação. A atmosfera da expectativa, tensa
porém excitante... e empoderadora. A sensação arrepiante com todos aqueles
olhares... fixados em cima de mim.
Quando começou a cantar, agarrei a barra e girei em volta dela,
levantando minha saia no ar e mostrando rapidamente minhas coxas. Em
seguida, virei as costas para a plateia, ondulei meus quadris, soltei minha saia
e a joguei para o lado. A plateia respondeu com gritos e assobios
entusiasmados.
Encorajada pela plateia agradecida, separei os meus pés um pouco mais,
curvei-me à altura da cintura e, com as mãos nas coxas, balancei o traseiro ao
sabor da música. Entre aplausos, caminhei, me virei e dei algumas palmadas
no meu bumbum. A plateia vibrou.
Eu consigo fazer isso.
Agarrei a barra com uma das mãos, envolvi uma perna em volta dela,
atirei a cabeça e o outro braço para trás, e girei sobre um dos pés. Depois de
mais algumas voltas, caminhei a passos largos em direção à parede
espelhada, retirando minhas luvas no caminho. Quando cheguei à parede,
posicionei as costas contra ela, contorci meu corpo para baixo, e então fiz o
mesmo movimento no caminho inverso. Repeti o movimento, mas quando
me aproximei do chão, meu salto esquerdo oscilou precariamente.
Merda. Droga.
Transferi mais do meu peso para os dedos do pé e deslizei parede acima
outra vez. Conforme fiz isso, minha mente acelerou e meu coração batia
contra as costelas como um martelo. O salto não tinha quebrado
completamente, mas não havia como caminhar com ele, muito menos dançar.
Como eu iria terminar essa dança sem pagar o maior mico?
Então me ocorreu o que fazer.
Deslizei o corpo parede abaixo pela última vez, desfazendo meu
espartilho à medida que eu ia para baixo. Empurrei o traseiro contra a parede,
caí de joelhos e ondulei o meu torso, dando à plateia uma vista rápida das
minhas tetas. Ao mesmo tempo, estendi uma mão para trás e desatei a
tornozeleira do meu pé esquerdo. Em seguida, fiz o mesmo com o pé direito.
Uma vez que os meus pés estavam fora dos sapatos, deixei-os atrás por
enquanto. Endireitei o meu torso, joguei o cabelo para trás e trouxe um joelho
para a frente, plantando meu pé descalço no chão e firmando os dedos do
outro pé atrás. Usando a força das minhas pernas, levantei-me num pulo, pus
as mãos na cintura, balancei o cabelo de um lado para outro, e então retirei o
espartilho e o coloquei ao lado. Nua até a cintura, virei-me de lado para a
plateia, agachei e recuperei meus sapatos num único movimento fluido,
agarrando-os pelas tornozeleiras, um em cada mão.
Conforme a canção chegava ao pique final, consegui voltar ao centro do
palco, improvisando com os sapatos. Empertiguei-me, balançando-os de um
lado para o outro. Agachei, virei o traseiro para a plateia, e bati no meu
bumbum com os sapatos. E quando cheguei à barra, peguei os dois sapatos
com uma mão e usei a outra para agarrar a barra e girar em torno dela.
Com a música quase no final, encarei a plateia, fiz uma pose contra a
barra e levantei os sapatos para cima. — Alguém quer um sapato? — gritei.
Nisso, a plateia enlouqueceu. Homens assobiavam. Pés batiam no chão.
Taças faziam tchin-tchin.
E o olhar de Nick Santoro trancou-se no meu.
Deixei os sapatos balançar para a frente e para trás em minha mão por
uma ou duas batidas.
Por que não?
Então atirei os saltos levemente no peito dele. Os seus olhos brilharam de
forma ilegível, mas ele agarrou os sapatos facilmente. A plateia explodiu
numa salva de aplausos, que apenas se intensificou quando Santoro se
levantou, voltou o seu perfil para o salão e levantou um dos sapatos até os
lábios, beijando sua ponta.
Do canto do meu olho esquerdo, vislumbrei Bianca nos bastidores,
acenando para eu levar o meu traseiro para lá. Rocha estava de pé atrás dela,
com os braços cruzados e uma expressão sombria no rosto. Que diabo estava
acontecendo?
Com uma requebrada final dos quadris, virei-me e caminhei a passos
largos para fora do palco. As duas canções restantes da minha apresentação
tinham sido cortadas? Pensei que eu tivesse contornado bem o problema do
sapato, e a plateia certamente havia acreditado.
Mas o que eu pensava não importava, e eu tinha acabado de atirar um par
de saltos plataforma num dos clientes Classe A do clube.
O medo se apoderou de mim. Eu estava prestes a ser demitida?
8

Quando cheguei à coxia, Bianca entregou-me o meu roupão. Quando o vesti,


Rocha acenou para que eu a acompanhasse até os bastidores. Ela puxou uma
cadeira que estava próxima à minha estação, sentou-se e fixou o seu olhar
não pestanejante em mim.
— Que diabo foi aquilo? — perguntou.
Sentei-me em minha estação e girei minha cadeira para encará-la.
— No meio da música, meu salto esquerdo começou a se desfazer. Não
era seguro continuar dançando com ele. Pensei que dar um jeitinho com uma
improvisação fosse melhor que sair do palco no meio da música.
Ela acenou sua mão desprezivelmente. — Esse não é o problema. Aprecio
uma garota que pode pensar com seus botões, como você fez... realmente. O
que não aprecio é a sua falta de profissionalismo. Conferir o seu guarda-
roupa antes de entrar em cena é parte do seu trabalho.
Senti-me humilhada... e frustrada. — Mas eu conferi meu guarda-roupa
esta tarde... antes de vir para o trabalho. Conferi tudo duas vezes... inclusive
os saltos, que estavam perfeitamente bons.
— Aparentemente, você não conferiu cuidadosamente o bastante.
Minha raiva aumentou, e relutei para contê-la. — Se tem algo mais que
eu poderia ter feito, por favor me diga. Eu quero fazer o meu trabalho bem
feito... e não posso me dar o luxo de acabar sem emprego, com um tornozelo
torcido ou alguma outra lesão.
Rocha levantou as mãos. — Acalme os seus tamanquinhos, Raven.
Estamos no mesmo time. Eu não quero que você, ou nenhuma das garotas, se
machuque no trabalho. Coisas como sapatos quebrados vão acontecer, mas
espero que você faça todo o possível para evitar isso. Agora, problemas com
guarda-roupa à parte, tem algo mais que precisamos conversar.
— O que é? — perguntei.
— Não há nada de bom em falhas no sapato, mas o que você fez a
respeito disso? — Ela apontou o dedo para mim. — Você pegou o que
aconteceu, usou o que tinha e incendiou a plateia.
— Obrigada — eu disse. Senti um quê de alívio por dentro, mas eu
também estava mais do que confusa. Aonde Rocha estava querendo chegar?
— Não precisa me agradecer — disse ela. — É minha responsabilidade
descobrir e desenvolver os seus talentos, que parecem ser improvisação e
trabalho com adereços. Eu gostaria que você trabalhasse numa rotina
especializada. Algum tipo de estribilho em torno do seu nome artístico
poderia funcionar... ou se você preferir, algo inteiramente diferente. Seja
criativa. Me surpreenda.
Por um instante, eu fiquei pasma. O que havia acabado de acontecer?
Segundos depois de me dar uma bronca, Rocha estava me oferecendo uma
oportunidade?
— Obrigada, Dona Rocha — eu disse com a maior calma possível. —
Vou trabalhar nisso imediatamente.
— Me mostre o que você inventar em uma ou duas semanas. Se for bom,
e se você mantiver o seu guarda-roupa sob controle nesse meio tempo, talvez
eu deixe você abrir o show.
E com isso, ela se levantou, virou-se bruscamente e saiu da sala.

Depois que Rocha saiu, levantei-me e olhei em volta, procurando Bianca,


mas ela havia desaparecido. Eu estava ansiosa para lhe contar o que tinha
acabado de acontecer com Rocha, mas isso ia ter que aguardar uma nova
oportunidade. A parte da dança no colo do meu turno estava prestes a
começar, e eu precisava me recompor.
Sentei-me em minha estação, retoquei minha maquiagem e coloquei um
espartilho-arrastão de veludo, que empurrava os meus peitos para cima e para
dentro enquanto deixava carne mais que suficiente à vista. Mantive o mesmo
fio dental, cintas-ligas e meias-arrastão que eu havia usado no palco. Então
retirei um par novinho de sapatos pretos com tiras chamativas da minha
sacola e os inspecionei minuciosamente para ver se tinham qualquer defeito.
Agitei os saltos e puxei as tiras. Eles pareciam bons.
Quando terminei de me vestir, preparei-me para sair para o salão e fazer a
minha primeira dança no colo. Examinei-me no espelho, arrumei algumas
madeixas de cabelo que caíam no rosto, e me lembrei das palavras de Bianca.
Vai ser esquisito no começo, mas você vai se adaptar.
Naquele momento, Bianca apareceu por trás do meu ombro.
Encontrei o seu olhar no espelho. — Onde você estava? — perguntei. —
Eu estava te procurando nesse instante.
Ela abaixou-se e sussurrou perto do meu ouvido. — Precisamos
conversar. A sós. Antes de você sair para o salão. Espere eu sair, aguente
firme aqui por um minuto e me encontre na escadaria do fundo.
Assenti com a cabeça. Ela desapareceu, e vários segundos mais tarde,
ouvi a porta pesada de metal que dava para a escada se abrir e fechar. Do que
se tratava? Contei até sessenta, levantei-me e me dirigi até a porta. Quando
cheguei à porta, eu a abri, caminhei até a escada, e em seguida a fechei.
Pela expressão no rosto de Bianca, eu sabia que algo estava errado.
— O que é? — perguntei. — Você está bem?
— Tudo bem. Só estou puta da vida, só isso.
— Por quê?
— Enquanto Rocha estava falando com você, calhei de encontrar uma
lixa de unha na estação da Valência. E adivinha só. Ela tinha marcas
vermelhas por toda parte. Marcas vermelhas claras... exatamente iguais à cor
dos saltos dos seus sapatos.
O que ela estava dizendo não teve pouco impacto em mim. — Você quer
dizer que ela...
— Isso mesmo. Lembra o salto quebrado que fez Rocha dar uma bronca
em você? A megera o sabotou. Provavelmente ela serrou o salto ao meio e
daí colou as duas partes, sabendo que a cola seria fresca demais para aderir.
— Acho que é possível — eu disse. — Ela o teria feito logo depois que se
apresentou, enquanto eu e você estávamos na coxia vendo as outras garotas
dançar. Mas por que Valência faria uma coisa dessas?
— Porque ela é uma puta traíra e invejosa. Esse é o motivo.
— Mesmo assim. Isso não faz sentido. Não tem nenhum motivo para ela
me perseguir.
— Faça-me o favor. Megera não precisa de merda nenhuma de motivo.
— Não seja ingênua.
— Eu não sou. Você sabe que eu lidei com a inveja de outras dançarinas
no passado. Mas sempre era relacionado com a concorrência, como duas
dançarinas sendo testadas para o papel de prima-dona. Quem quer que seja a
concorrente de Valência, certamente não sou eu. Sou uma novata aqui, e ela é
a queridinha do clube.
— Depois conversamos sobre isso — disse Bianca. — Por ora,
precisamos voltar ao trabalho antes que Rocha sinta a nossa falta. Mas antes
de começar as danças no colo, você tem que pegar aqueles sapatos que estão
com Nick Santoro de volta. Eles são a prova. Se o salto quebrado tiver
marcas de lixa, vamos levar o caso à Rocha e ao Max.
— Você tem certeza que essa é a melhor maneira de resolver isso?
Valência é a estrela número um do clube, e metê-la em maus lençóis com
Rocha e Max seria equivalente a uma declaração de guerra. Eu não me
machuquei, não quero encrenca, e posso lidar com isso. Vou trancar minhas
coisas de agora em diante.
Bianca balançou a cabeça. — Você não se machucou, mas poderia ter se
machucado. Sem nenhuma chance; não vou deixar Valência se safar dessa.
Você tem que pegar os sapatos que estão com o Santoro.
Eu conhecia a minha amiga. Ela não estava prestes a esquecer isso. E
embora eu não estivesse pronta para acusar Valência sem uma prova
concreta, eu também precisava saber a verdade.
— Tudo bem — eu disse. — Vou pegar os sapatos.
— Ótimo. Mas tenha cuidado com o Santoro. O homem é um tubarão.
9

Depois que Bianca e eu nos separamos, fui para o salão para procurar
Santoro. O clube estava lotado e fracamente iluminado, e conforme os meus
olhos se ajustaram, olhei em volta e me deparei com a cena.
Sob as luzes piscantes do palco, Lucrécia apresentava uma série
deslumbrante de acrobacias no poste ao ritmo de um batuque balançante e de
guitarras barulhentas de uma canção da banda Poison. Ela estava tão incrível
quanto Bianca havia me dito, e eu teria adorado vê-la dançar, mas eu era uma
mulher com uma missão.
Recuperação dos sapatos.
Relutantemente, virei-me do palco para o salão. Homens aparentemente
ricos e bem vestidos de todas as idades enchiam o recinto: não havia uma
única mesa vazia à vista, e mais homens apinhavam-se em volta do bar.
Nas mesas, alguns homens assistiam à ação no palco ou batiam papo com
seus amigos, enquanto outros encostavam-se em suas cadeiras à medida que
lindas garotas seminuas se saracoteavam na fuça deles. Mais garotas
moviam-se lentamente entre as mesas, procurando oportunidades de dança e
entregando bebidas.
Na multidão, vislumbrei Santoro no mesmo lugar em que o vi pela última
vez: sentado a uma mesa próxima ao palco. O seu amigo loiro havia
desaparecido. Ele estava sozinho, bebendo a sua bebida e observando
Lucrécia. Quando me aproximei da mesa, vi os meus sapatos jogados no
chão, perto de sua cadeira.
Quando ele me viu, apontou para a cadeira vazia ao lado.
— Espero que você tenha vindo pelos seus sapatos — disse ele com um
sorriso. — Mas como me dei o trabalho de guardá-los para você, espero que
você retribua o favor me fazendo companhia por alguns minutos.
— Claro — eu disse, sentando-me ao lado dele e fazendo o meu melhor
para ignorar o fato de que Êmber estava fazendo uma dança no colo para um
tipo suado e careca de Wall Street na mesa ao lado. — Eu sou a Raven.
— E eu sou o Nick.
— Prazer em conhecê-lo, e obrigada por guardar os meus sapatos. Espero
que você não tenha se importado por eu tê-los atirado em você.
— Por que eu me importaria? Esses sapatos são o motivo de você estar
sentada aqui comigo. A propósito, parabéns pela sua apresentação desta
noite. A plateia adorou você. Por que você tirou os sapatos?
— Eu não tive escolha — respondi. — Meu sapato esquerdo cometeu
sapatocídio.
— Sapatocídio?
— Na metade de Anaconda, senti um dos meus saltos balançar e percebi
que ele estava prestes a quebrar.
— Quando você tirou os sapatos, eu sabia que algo devia estar errado,
mas você se saiu bem. Muitas dançarinas teriam perdido o rebolado, mas
você não. Você se recuperou e terminou a música. — Ele pegou a garrafa de
uísque escocês que estava na mesa ao lado e despejou dois dedos da bebida
em sua taça. — Posso te oferecer um drinque? Você fez por merecer.
— Obrigada, mas não bebo uísque escocês ou nenhum outro tipo de
uísque.
— Por que não?
— Tentei uma vez, mas ele queimou minha garganta como se alguém a
tivesse marcado com ferro quente. Tive a sensação de estar bebendo gasolina.
As suas sobrancelhas levantaram-se. — Se essa é a sua impressão, então
você nunca provou um bom malte puro. Esse é um Macallan 25 anos. Suave
como seda. — Ele estendeu uma taça para mim. — Aqui está; não seja
tímida. Experimente.
Estendi o braço para pegar a taça, e por um momento, nossos dedos se
tocaram. Com o toque, uma descarga de eletricidade me sacudiu por dentro.
Era como se o toque dele tivesse apertado um botão no meu corpo, que
despertava a atenção de cada nervo. Eu me senti mais nua do que quando
estava no palco, agudamente consciente dos meus mamilos se contraindo
contra a parte interna do meu espartilho, e do fio dental estreito entre as
minhas coxas.
Tudo bem, então obviamente preciso de um drinque.
Lentamente, puxei minha mão para trás, levei a taça até os lábios e tomei
um gole. Uma explosão de fogo líquido inundou os meus sentidos e logo
baixou, deixando um clarão morno no seu rescaldo.
Deleitada com o sabor, tomei um segundo gole, e Nick encostou-se em
sua cadeira e me olhou de cima a baixo, avaliando-me com um sorriso.
Quando os nossos olhares se encontraram, senti ondas de arrepio por
dentro. Não me causava espanto que muitas mulheres tivessem virado a
cabeça por esse homem. Durante os meus anos de faculdade, eu poderia
muito bem ter caído em sua cama sem pensar. Do seu olhar penetrante à sua
aura de controle, das curvas sensuais dos seus lábios carnudos ao seu
smoking impecavelmente talhado, tudo nele irradiava poder... e sexo.
Mas eu havia crescido desde os meus tempos de faculdade. Tinha
aprendido a duras penas que uma atração louca era apenas isso: uma descarga
intensa de hormônios galopantes que poderiam fazer uma mulher se sentir
embriagada com a vida, como se o "felizes para sempre" fosse mais que uma
fantasia de uma história de amor. Nada parecia melhor que a embriaguez
emocional, pelo menos até que não viesse a ressaca.
Coloquei a taça na mesa e novamente olhei nos seus olhos. Desta vez não
vacilei. Eu estava atraída por ele, mas isso era uma reação puramente física,
uma reação que eu entendia e sabia como administrar. Independentemente de
como sua presença me afetava, eu precisava manter meu distanciamento
emocional e minha compostura profissional.
— Então — disse ele. — O que você achou do uísque escocês?
— É bom — respondi. — Realmente bom. Deixe-me colocar os pingos
nos is. Retiro tudo que eu disse sobre não gostar de uísque escocês. Eu nunca
tinha bebido nada parecido.
Ele apontou para a taça. — É toda sua. Aproveite. Vou fazer sinal para
uma das garotas e pedir que ela me traga outra taça.
— Obrigada, mas eu realmente não deveria ficar mais tempo. Estão me
esperando nos bastidores logo. — Bianca era a única que estava me
esperando, mas ele não precisava saber disso.
— Indo embora? Tão cedo?
— Sim, mas antes de ir, eu queria lhe agradecer pelo que você disse no
meu teste... Sei que foi a sua recomendação que convenceu a direção do
clube a me contratar.
— Uma ação inteiramente egoísta da minha parte. Se você não fosse uma
dançarina talentosa, eu nunca teria te recomendado.
— Independentemente do motivo, obrigada.
Ele empertigou sua cabeça para mim. — Você me parece uma garota de
muitos talentos, e é por isso que não estou pronto para deixar você ir embora
assim. Antes de ir, que tal uma dança no colo?
Nessa eu me fodi.
Por que a minha primeira dança no colo não poderia ter sido com alguém
velho e feio? Gordo, careca, com pelo no nariz. Alguém assim. Algo que
fosse puramente comercial. Mas não! Tinha que ser com alguém que poderia
fazer o Channing Tatum entrar na corrida pelo dinheiro.
Eu tinha me preparado para esse momento. Havia imaginado como ele
seria. Mas a minha imaginação não vislumbrou a possibilidade de que minha
primeira dança no colo seria com um homem atraente mais ou menos da
minha idade, muito menos alguém como Nick Santoro. Se apenas olhar para
esse homem à mesa me deixava quente e com tesão, que diabos eu sentiria ao
encostar e roçar no seu corpo?
Mas daí eu fiz as contas. A duração média das músicas é de apenas três
minutos. Certamente, eu poderia aguentar firme por três minutos. Se não
pudesse, eu não merecia estar nesse ramo de negócio. Santoro poderia ser o
primeiro, mas certamente não seria o último. Outros clientes bonitos
certamente surgiriam.
— Claro — eu disse.
Ele enfiou a mão no paletó, tirou sua carteira, pegou uma nota de cem
dólares e a entregou para mim.
Eu me levantei, aceitei o dinheiro e o enfiei por baixo da minha cinta-liga.
Nisso, não pude deixar de notar que Êmber e uma garota cujo nome eu não
sabia estavam fazendo danças no colo para alguns homens em mesas
próximas, e que, de outra mesa, rapazes que fumavam charuto estavam me
observando abertamente. Um deles sorriu e acenou o seu charuto para mim,
como que para me excitar.
Bianca tinha razão. Isso realmente parece estranho.
Nick encostou-se em sua cadeira, separando seus joelhos, enquanto o DJ
seguiu para a próxima música, que imediatamente reconheci como Like a
Virgin da Madonna.
Quão apropriado. Não sou nenhuma virgem, mas foda-se se eu não me
sentir como uma nesse momento.
— Capriche na dança — disse ele. — Vou fazer valer o seu tempo.
— Posso ser honesta com você?
— Isso é raro nesse lugar, mas claro.
— Nunca fiz isso antes.
— Tudo bem. Não precisa dizer mais nada. Então vamos trabalhar nisso
juntos.
Posicionei-me entre suas pernas, estendi o braço para pegar nos seus
ombros e apoiei minhas mãos contra o encosto da poltrona pesada de couro.
Então, arqueei as costas e girei meu torso, mantendo uma postura que
colocava o meu traseiro no ar e lhe dava uma vista de perto dos meus peitos.
Perto demais. Conforme me mexi, inspirei o seu cheiro: distinto e
masculino com uma nota sutil do uísque escocês que ele estava bebendo. O
seu hálito quente soprava contra os meus peitos expostos, que, devo
confessar, era algo excitante.
Quando ele levou a cabeça para trás e me olhou nos olhos, o tempo parou.
As manchinhas douradas dos seus olhos castanhos claros refletiam a luz do
palco e brilhavam com uma intensidade que me inflamava. Com cada batida
do coração, cada respiração, cada roçar contra ele, eu ficava cada vez mais
excitada. Meu coração acelerado, meus mamilos endurecidos e a dor
crescente entre minhas coxas me advertiram que minha reação a ele estava
perigosamente perto de ficar fora de controle.
Eu precisava me distanciar de alguma forma, sendo assim, mudei de
posição. Mudei para uma posição em pé entre suas coxas e balancei meus
quadris de um lado para o outro. Então, joguei meu cabelo no seu rosto,
arqueei as costas e deslizei as mãos sobre meus peitos, quadris e abdômen.
Nisso, não pude deixar de notar a ereção impressionante que despontava em
sua calça preta.
Bianca tinha dito que ele era bem dotado como um cavalo.
— Gostou do que você está vendo? — ele perguntou.
Senti o meu rosto corar, mas mantive minha voz num tom normal. —
Tem muita coisa para olhar.
— Eu poderia dizer o mesmo sobre você. A propósito... você está indo
bem.
Virei-me, pairei sobre a sua virilha e mexi o meu traseiro de um lado para
outro em círculos lentos. Essa posição tinha a vantagem de me deixar virar o
rosto para longe dele, mas também significava que minha xoxota,
traiçoeiramente pulsante, estava perto demais daquele pau duro.
— Você gostaria de levar isso para um quarto privê? — ele perguntou.
Minha cabeça girou. Como eu poderia lidar com uma experiência em
quarto privado com esse homem? Apesar dos meus melhores esforços para
me distanciar dele e do que eu estava fazendo, ele não era o único que estava
excitado.
Você tem que lidar com a situação. É o seu trabalho.
Olhei de volta para ele sobre o meu ombro. — Se é isso que você quer,
precisa falar com o Max.
— Claro.
Continuei me esfregando na sua virilha e deslizando minhas mãos sobre
meu bumbum e meus quadris. Enquanto isso, minha cabeça corria a mil por
hora. Talvez quando Max dissesse a ele que eu não oferecia nenhum tipo de
contato físico, ele procuraria outra garota.
E se ele procurar, graças a Deus!
Os quartos privados eram reservados em intervalos de trinta minutos, e
como seria meia hora rebolando e me esfregando nesse homem? Isso poderia
me matar.
Não, isso me mataria. Morte por frustração sexual.
O final de Like a Virgin fundiu-se num rap que eu não reconhecia.
Afastei-me de Nick, agachei-me e recolhi os meus sapatos do chão, que
estavam ao lado da sua cadeira. Quando levantei-me, ele estendeu o braço em
minha direção e enfiou uma segunda nota de cem dólares por baixo da minha
cinta-liga.
— Você já me pagou — eu disse.
— Sempre dou uma boa gorjeta para um bom show. — O seu olhar
prendeu-se ao meu. — Vou falar com o Max imediatamente. Em seguida,
vejo você num dos quartos privês.
Olhei sugestivamente para a sua ereção e levantei minhas sobrancelhas.
— Melhor dar uns dez minutos — eu disse. — Seria uma lástima se você se
machucasse no caminho.
10

Depois de trancar os meus sapatos nos bastidores, voltei para o salão. O


trabalho de inspecionar os saltos para ver se tinha sinais de adulteração teria
que esperar por outro momento.
Vi Max em pé perto das escadas que levavam para o segundo andar. Ele
parecia refinado e bonito num elegantíssimo terno cinza que realçava a
largura de seus ombros e seu peito. Quando caminhei em sua direção, ele me
deu um sorriso tranquilo.
— Olá, Raven — disse ele. — O seu cliente está no andar de cima, no
quarto 6. Ele reservou o quarto por uma hora.
Uma hora? Estou tão morta.
— Obrigada, Max — eu disse. — Vou lá para cima agora mesmo.
— Cuide bem do Nick; ele é um dos nossos melhores clientes.
— Claro.
Voltei as costas para o Max e subi a escada para o segundo andar, com
uma sensação crescente de apreensão. Três minutos de proximidade física
com Nick quase me fizeram pirar. Como eu ia conseguir passar uma hora
com ele?
Desci pelo corredor bem equipado que dava acesso aos quartos privados.
As paredes eram revestidas com um tecido fusco escuro ricamente
texturizado. Pesadas portas de ébano se alternavam com arandelas de bronze,
valorizando a atmosfera de luxo subestimado.
Quando cheguei à porta do quarto 6, parei, respirei fundo e me lembrei do
motivo de estar aqui. Se eu quisesse ajudar minha mãe com seus problemas
de saúde e também pagar a escola e terminar meu curso, então era isso que eu
precisava fazer.
Abri a porta e entrei. O interior apresentava tons de vermelho intenso e
profundo, realçados pela iluminação sutil. Vários espelhos grandes com
armação dourada estavam pendurados nas paredes, e eu notei que o teto era
espelhado também. Nick Santoro estava relaxando num longo sofá de couro
que estava encostado na parede de trás. Uma garrafa de uísque escocês e duas
taças repousavam sobre uma mesa baixa em frente ao sofá.
— Olá, Raven — disse ele. — Foram dez minutos demorados.
Uma das suas pernas estava estirada sobre o sofá, enquanto o outro pé
repousava no chão. Ele parecia impossivelmente bonito, e por uma fração de
segundo, quase me esqueci quem eu era. E quem ele era. Talvez se
tivéssemos nos conhecido em circunstâncias diferentes...
Pare de babar, garota. Você é uma "stripper". Ele é um cliente. Ele
nunca estaria interessado em você. Que esse fato te mantenha na linha e te
guie.
Quando fechei a porta ao entrar, o barulho do clube caiu de volume, mas
a pulsação hipnótica do contrabaixo ainda vibrava através das paredes.
— Vim para cá o mais rápido que pude — eu disse. — Lamento que você
teve que esperar.
Nick deu um tapinha no sofá ao seu lado. — Uma hora é uma hora.
Venha se sentar. — Ele balançou os pés até o chão e pegou o uísque. —
Deixe-me te oferecer um drinque antes de você dançar para mim.
Atravessei o quarto e sentei-me ao seu lado. Ele despejou o uísque em
duas taças e me entregou uma.
— Obrigada — eu disse.
— Vamos conversar por alguns minutos — disse ele. Ele pôs uma das
mãos sobre o meu joelho e o esfregou gentilmente, o que me surpreendeu,
uma vez que eu havia especificado "nenhum toque físico" ou serviços extras
na minha papelada de contratação.
O Max teria se esquecido de dizer a ele que eu não ofereço contato
físico? Eu deveria dizer alguma coisa?
Mas antes que eu pudesse pensar no que dizer, ele resolveu o meu dilema
ao retirar a sua mão e recostar-se no sofá.
— Me fale sobre você — disse ele.
Fiquei em estado de alerta. Para sobreviver a isso sem fazer papel de
idiota, eu precisava manter o meu distanciamento emocional. E contar a
história da minha vida ao Nick provavelmente não era a melhor maneira de
fazer isso.
Mas eu estava curiosa. Não havia dúvida de que esse homem me
intrigava. Bianca tinha dito que muitos homens gostavam de conversar. Se eu
fizesse Nick conversar, talvez pudesse enrolar uma parte da hora com bate
papo sem ter que atuar. Talvez eu pudesse descobrir mais sobre ele sem
revelar coisas demais sobre mim.
No meu modo de ver, cada minuto gasto em conversa significava um
minuto a menos de ficar encostando e roçando nele. Um minuto a menos de
luta contra a intensidade completa da minha atração física por ele.
Quanto menos tempo eu passasse dançando, melhor seria.
— Não há muito que falar — eu disse levianamente. — Sou apenas mais
uma garota do interior que decidiu se mudar para Nova York.
— De onde você se mudou?
— Vermont. — Sorvi o meu uísque. — E você?
— Sou mais ou menos um nativo de Nova York. Cresci nos subúrbios e
me mudei para Manhattan aos dezoito anos.
— Qual subúrbio?
— Morristown.
— Já ouvi falar de Morristown, mas nunca estive lá. Como é?
— Pequeno. Histórico. Morristown gosta de ser conhecida como a capital
militar da Revolução Americana, por isso tem mais do que seu quinhão de
placas e monumentos.
— Parece bacana.
— Você gosta de bacana?
— Claro. Quem não gosta?
— Acho que depende da situação. Mas olhando para você agora, acho
que você provavelmente gostaria. Morristown é bacana e maçante. Prefiro a
cidade.
— Você está dizendo que eu sou maçante?
— Estou me perguntando o que está te segurando. Porque você está se
segurando, Raven. Só estou curioso para saber quanto tempo vai levar para
você se soltar.
— Eu disse a você que sou novata nisso.
— O que me excita. Quando a boa menina vai virar uma menina má? Em
que ponto se dá o clique? Isso é o que me intriga.
— O que você faz aqui?
— Bom desvio.
— Mas eu estou curiosa.
— OK, então vamos supor que você realmente esteja, e bola para frente.
— Ele estendeu suas mãos. — Até recentemente, eu tinha o meu próprio
negócio. Mas vendi ele há alguns meses, então, no momento, estou entre
projetos.
— Você está tomando tempo para avaliar o que fazer em seguida — eu
disse.
Ele olhou para mim, e algo em seu semblante mudou. — É isso em
poucas palavras.
— Por quanto tempo você teve o seu negócio? — perguntei.
— Oito anos.
Uma imagem começou a se formar em minha mente, e senti que eu estava
começando a sacar quem ele era. O que ele tinha acabado de dizer me fez
pensar nos parceiros na startup em que eu havia trabalhado até maio, quando
as finanças minguantes os forçaram a me demitir como também a muitos dos
meus colegas.
Os parceiros eram todos relativamente jovens, com seus vinte ou trinta
anos de idade, e trabalhavam uma quantidade doida de horas no escritório. O
negócio era a vida deles. E muitos aliviavam a pressão à noite indo a uma
infinidade de boates e bares de Nova York. "Muito trabalho, muita diversão"
era o lema deles.
Talvez Nick tivera esse estilo de vida nos últimos oito anos. Sendo assim,
a sua situação atual devia ser uma mudança enorme para ele. Provavelmente
ele tinha mais tempo em suas mãos do que sabia como usá-lo, e eu só podia
imaginar quanto desse tempo ele curtia. Ele me parecia o tipo A, e o tipo A
nunca gosta de ficar parado por muito tempo.
— Então, a sua vida está mudando — eu disse.
— Suponho que sim — disse ele. Sua voz era casual, mas o olhar em seu
rosto confirmou a minha suspeita de que a venda do seu negócio tinha sido
um momento decisivo para ele.
— Se você não se importa que eu pergunte, o que você está pensando em
fazer em seguida?
— Ah, isso e aquilo. Talvez eu viaje por um tempo. Eu sempre quis
conhecer o mundo.
— Isso parece interessante. Aonde você gostaria de ir? Algum lugar novo
e diferente?
— Na verdade, eu gostaria de voltar a lugares em que já estive. Meu
negócio me levou para cidades do mundo inteiro, mas meu trabalho me
mantinha ocupado demais e eu não podia ver muita coisa. Não achei que
fosse um problema na época, mas agora eu sinto que deveria ter tirado um ou
outro dia de folga para explorar. — Ele me deu um olhar perscrutador. —
Sabe, eu nunca disse isso a ninguém antes. É fácil conversar com você.
Eu sorri para ele. — Eu sempre quis viajar também. Paris está no topo da
minha lista. Você já esteve lá?
— Muitas vezes.
— É tão linda quanto parece nos filmes? Adoro filmes franceses.
— Melhor. É especialmente bonita à noite, quando muitos prédios e
pontes estão iluminados. E os restaurantes são incríveis. Você
definitivamente deve ir algum dia.
— Você me convenceu — eu disse. — Próximas férias: Paris.
— Você é uma mulher decidida — disse ele. Seu tom de voz era
brincalhão. — Então, quando você vai decolar para a Cidade das Luzes?
— Talvez no próximo outono.
— É muito tempo de espera.
— Tenho muita coisa acontecendo agora. — Sorvi o meu uísque e mudei
de assunto. — Mmmm. Isso é muito bom.
— Que bom que você está gostando. Que bebida você costuma tomar?
— Martíni de vodca.
— Com limão?
— Não. Às vezes gosto de acrescentar uma pitada de Tabasco e um toque
de salmoura de oliva.
Sua voz baixou um tom. — Suja e gostosa. Sei que você é gostosa,
Raven, mas não vi o seu lado sujo... ainda.
Meu Deus, a voz dele é sexy.
— Dançar é o meu lado sujo — eu disse. — Você quer que eu dance para
você agora?
Ele entornou o resto da bebida goela abaixo, colocou a taça vazia sobre a
mesa e inclinou-se para trás no sofá, de tal forma que o seu peito tensionava
apelativamente contra o seu terno. — Vamos lá. Dance para mim.
Coloquei a minha taça sobre a mesa, empurrando-a alguns centímetros
para longe do sofá, e me levantei. O DJ estava tocando uma música lenta:
Glory Box do Portishead. Posicionei-me entre suas coxas, apoiei-me contra o
encosto do sofá e comecei a me mexer. Eu me concentrei na música,
mergulhei nela e me deixei levar. Entrar na zona da dança e permanecer nela
era a minha melhor chance de atravessar isso.
Desprenda-se. Finja que ele é apenas parte da mobília.
Empurrei-me de volta para a posição de pé e comecei a fazer um
movimento em oito com os quadris enquanto deslizava minhas mãos sobre o
meu corpo. Joguei a cabeça para trás e semicerrei os olhos até que tudo à
minha volta (Nick, o sofá e o quarto) embaçou-se em formas vagas. Então,
comecei a virar lentamente entre suas pernas, dando-lhe uma variedade de
poses e ângulos que eu esperava que fossem agradá-lo. Vários minutos
depois, quando o DJ prosseguiu para uma trilha de música hipnótica, acelerei
o meu ritmo para corresponder ao seu ritmo mais rápido. Curvei-me à altura
da cintura e sacudi o cabelo sobre o rosto enquanto mexia os meus quadris
em círculos. Dobrei e, em seguida, endireitei os meus joelhos, roçando meu
bumbum contra suas coxas. Todo o tempo, apenas encontrei o seu olhar
fugazmente. Flertando comigo.
Até aqui, tudo bem. Eu consigo fazer isso.
Conforme continuei me mexendo, o meu olhar vagou pelas paredes
vermelhas e pelos espelhos que me cercavam. Com cada movimento, eu via
uma miríade de reflexos de mim mesma brilhar e ondular ao redor. Sentia-me
difusa, separada do meu próprio corpo. Eu estava por todas as partes, e em
nenhuma delas. Minha atração por ele era latente, mas pelo menos eu havia
conseguido diminuir o volume para um nível mais controlável.
Veio a terceira música, e então a quarta.
Eu estava imersa na quinta canção, um hip-hop, quando Nick falou. —
Quando você vai olhar para mim? — ele perguntou. — Quero dizer,
realmente olhar para mim.
Olhei para ele sobre o meu ombro esquerdo. — Eu estou olhando para
você.
— Não, você não está. Você apenas me olha de relance. Você está tão
distante que poderia muito bem estar em outro clube e não comigo.
Droga.
Ele me chamou à atenção. E eu não podia deixá-lo insatisfeito. E se ele
reclamasse para o Max? Olhei pelo quarto para o relógio de parede sobre a
porta.
Vinte minutos para terminar.
Era arriscado, mas eu havia me desviado de um quase-desastre esta noite.
Eu não podia me dar o luxo de ter outro.
Mergulhei para baixo e rodei os quadris, dando-lhe um close das minhas
tetas. Então, deixei minha coxa direita roçar em sua virilha. Nisso, olhei para
os seus olhos. — É isso que você quer?
Ele prendeu o meu olhar. — Você está chegando lá.
— Quanto é demasiado?
— Isso é com você. Mas para mim, quando se trata de você? Nunca é
demais.
Droga.
À medida que eu continuava a roçar contra ele, a energia sexual que
pulsava entre nós expandiu num campo magnético de tesão puro que me
cercou e me chupou para dentro. Inspirei o seu cheiro característico e o meu
coração acelerou. Cada detalhe dele, as curvas sensuais dos seus lábios
carnudos, os cílios longos e escuros que emolduravam os seus olhos, o traço
de sombra das dezessete horas que salpicava o seu maxilar, tudo neste
homem me excitava.
Conforme minha excitação aumentava, minhas roçadas hesitantes contra
o seu corpo tornaram-se mais ousadas e mais urgentes. Virei-me, atirei o
cabelo para os lados e empurrei meu bumbum contra ele. Sua respiração
tornou-se irregular, e senti sua ereção pressionar contra mim, seguida por
suas mãos no meu corpo, conforme ele agarrou meus quadris e me empurrou
mais para cima dele.
Uma voz distante em minha cabeça sussurrou que ele não deveria me
tocar. Mas, em seguida, suas mãos moveram-se até o meu torso e sobre os
meus mamilos duríssimos, e a voz desapareceu, silenciada pelo calor
crescente que corria pelas minhas veias.
Conforme eu me roçava contra ele mais e mais, ele apertou e acariciou os
meus peitos. Cada nervo no meu corpo estava pegando fogo, e meu sexo
pulsava de excitação beirando à dor. Ele beliscou os meus mamilos com
força, desencadeando uma onda de sensação até os dedos dos pés, o que me
fez suspirar.
Uma de suas mãos deslizou até minha cintura, agarrou-me com firmeza e
me puxou para trás e para cima do seu colo. O seu olhar ardente me penetrou
antes que os seus lábios reivindicassem os meus com um beijo tão eletrizante
que poderia ter alimentado os vibradores de toda a ilha de Manhattan. Nossas
línguas faziam círculos e espirais, enroscavam-se e batiam uma na outra.
Involuntariamente, minhas mãos deslizaram até o seu peito e rastrearam o
músculo duro por baixo de sua camisa branca imaculada. Sua mão mergulhou
entre minhas coxas e afagou o meu sexo. Pressionei contra a sua mão,
desejando-o, implorando pelas suas carícias mesmo quando eu estava
totalmente entregue a elas.
Com um movimento fluido, ele me virou e deitou em cima de mim. O
peso do seu corpo pressionou contra mim, e quando suas mãos fortes
soltaram o meu espartilho, senti o seu membro duro roçando em minha coxa.
Puxei sua camisa, afrouxando-a da calça, deslizei minhas mãos por baixo e
corri os meus dedos sobre os músculos sarados do seu abdômen.
Os seus lábios bateram nos meus de uma forma que me fez querer
entregar-me a ele irracionalmente e por completo. As suas mãos voltaram aos
meus peitos, brincando com suas pontas entre dedos que beliscavam.
Contornei o seu corpo com minhas mãos, agarrei o seu traseiro e me apoiei
contra ele.
— O que você está fazendo comigo? — disse ele ao meu ouvido.
O que você está fazendo comigo?
Fiquei imaginando quantas vezes ele tinha dito essas palavras para outras
mulheres. Era de verdade? Parecia de verdade, mas o que eu sabia?
Partindo do pescoço, ele me deu uma trilha de beijos, apagando os
últimos vestígios de qualquer pensamento consciente. Arqueei-me contra ele
e deslizei os meus dedos pelo seu cabelo grosso e escuro. Ele tomou um
mamilo em sua boca, circulou a língua sobre o bico, e chupou com força
antes de dar uma mordida. Gemi de prazer e arranhei minhas unhas em suas
costas conforme ele voltou sua atenção para o outro peito.
Seu hálito quente roçava a minha pele à medida que ele depositava beijos
no meu abdômen, movendo-se para baixo em direção ao meu sexo. Meu
pulso acelerou. Um toque com sua língua hábil nas minhas dobras lisas e
inchadas me faria pirar. Quando ele enfiou os seus dedos fortes no meu fio
dental, o meu corpo estremeceu de expectativa.
Quando ele abriu minhas pernas, meu pé bateu em alguma coisa. Um
barulho subitamente interrompeu-me no momento.
Levantei a cabeça, olhei sobre o ombro de Nick e notei que eu tinha
derrubado uma taça da mesa para o chão, onde ela espatifou-se. Cacos
brilhantes estavam espalhados em volta de uma pequena poça de uísque.
Enquanto eu olhava para o vidro quebrado, a consciência do que eu quase
havia feito me atingiu como um tsunami.
Eu tinha perdido o controle. Eu estava pronta, não, ansiosa, para fazer
sexo com este homem que eu nem conhecia.
E ao extrapolar os limites da dança com contato físico, eu havia rompido
o contrato com o clube. Supostamente, eu era uma profissional. Se não
constava da minha lista aprovada, eu não o devia ter feito.
Que porra estúpida sou eu?
— Me desculpe — eu disse. — É melhor eu limpar isso.
Nick tirou seu corpo de cima do meu, levantou-se e caminhou para longe
do sofá, colocando a mesa entre nós. Sentei-me no sofá, balancei os pés até o
chão e puxei o meu fio dental para cima. Com as mãos trêmulas, prendi meu
espartilho, e então olhei para ele, com minhas faces coradas de calor sexual,
tesão, confusão... e constrangimento.
Ele estava respirando ofegantemente, e eu vi frustração estampada em seu
rosto, como também um vestígio de algo mais forte. Raiva? Decepção? Eu
não tinha certeza.
Por um longo momento, nenhum de nós falou. Em vez disso, apenas
olhávamos um para o outro, avaliando-nos, como se numa espécie de choque.
Depois de um momento, vi quando ele caminhou até um dos espelhos,
arrumou sua camisa e a enfiou caprichosamente por baixo do cinto. Ele
ajustou a gravata, pareceu tomar um fôlego e, em seguida, me encarou, com
sua ereção claramente visível por baixo da calça.
— Podemos falar sobre isso mais tarde... fora do clube — disse ele. —
Meu carro vai estar esperando quando você terminar o trabalho esta noite.
— Não, peço desculpas se lhe dei a impressão errada. Essa foi minha
primeira vez trabalhando num quarto privê, e me deixei levar pelo calor do
momento.
— Por quê?
— Não sei porquê.
— Besteira. Acho que nós dois sabemos porquê... mas não temos que
discutir isso agora.
Ele colocou um maço de notas de cem dólares sobre a mesa. — Essa pode
ter sido a sua primeira vez. Mas você e eu sabemos que o que acabou de
acontecer entre nós vai além dos quadradinhos que você marcou. Te vejo em
breve.
E com isso, ele saiu do quarto e fechou a porta firmemente.
11

Depois que Nick saiu, debrucei minha cabeça entre as mãos. Por um ou dois
minutos, sentei-me no sofá e relutei para examinar meus sentimentos
conflitantes sobre o que acabara de acontecer.
Que horas são, afinal de contas?
Olhei para o relógio na parede e percebi que eu precisava deixar o quarto
privado imediatamente. Levantei-me, caminhei até um dos espelhos, arrumei
a minha roupa e algumas mechas de cabelo soltas. Peguei o dinheiro que
Nick havia deixado sobre a mesa, enfiei-o por baixo da minha cinta-liga sem
contá-lo e saí do quarto, descendo pela escadaria.
Quando cheguei ao pé da escada, Max estava lá.
— E então, como foi? — ele perguntou.
Se você soubesse, provavelmente me mandaria embora.
— Tudo bem... apesar de ter quebrado uma taça acidentalmente, que não
tive tempo de limpar.
— Não se preocupe com isso — disse Max. — O pessoal da limpeza vai
cuidar disso.
— Desculpe por quebrar a taça. Normalmente não sou desastrada assim.
Max deu uma palmadinha no meu braço tranquilizadoramente. — Isso
não é um grande problema, Raven. Acidentes acontecem.
Ah, sim, eu pensei. Realmente acontecem.

O resto da noite passou como um relâmpago. Eu sorri, bati papos curtos e fiz
danças no colo, mas tudo que eu conseguia pensar era em Nick e no que
acontecera entre nós no quarto privado. Eu havia arriscado o meu emprego.
Quase tinha feito sexo com um estranho total. Merda, como eu queria fazer
sexo com aquele estranho.
Como se tudo não fosse confuso o bastante, eu sentira uma conexão
verdadeira com Nick. Ele me impressionou com sua força e franqueza,
qualidades que eu admirava, em vez de ser dissimulado ou manipulador,
conforme sua reputação me levava a pressupor. Eu não conseguia conciliar o
homem que conheci esta noite com o playboy destruidor de corações que
Bianca havia descrito.
Eu queria, desesperadamente, conversar com minha melhor amiga, mas
toda vez que nos cruzávamos, estávamos cercadas de clientes ou outras
garotas. E eu não estava prestes a dizer uma palavra sobre o ocorrido até que
Bianca e eu tivéssemos uma oportunidade de conversar a sós.
No final da noite, enquanto retirava minha maquiagem de Raven e
trocava para minha roupa normal nos bastidores, eu repassava mentalmente o
que ocorrera esta noite. Repassava tudo que eu tinha feito errado. Eu estava
confiante demais. Contava que não sentiria atração por nenhum dos clientes.
Tinha me convencido de que era capaz de trabalhar num clube de
cavalheiros.
Agora, eu não tinha tanta certeza.
Nisso, Bianca caminhou até minha estação e espreitou o interior da minha
sacola. Quando ela viu os saltos vermelhos que estavam dentro da sacola, fez
um sinal positivo discreto para mim. — Ótimo trabalho. Pronta para cair fora
daqui?
Peguei minha sacola e me levantei. — Estou mais que pronta. Também
estou atordoada com a quantia de dinheiro que ganhei esta noite. Você me
disse que seria bom, mas quando o contei, fiquei chocada. Ainda estou.
— Quanto?
— Um pouco mais de nove mil dólares.
O semblante dela iluminou-se. — Nove mil na sua primeira noite?
— Contei a grana três vezes antes de acreditar.
— Parabéns — disse ela. — Você teve uma primeira noite excelente, mas
logo vai estar ganhando mais. — Ela me entregou um envelope pardo. —
Antes de irmos embora, precisamos entregar o dinheiro que ganhamos esta
noite ao Max. Coloque o dinheiro no envelope, sele o envelope e escreva na
parte externa o seu nome e o número de danças no colo que você fez esta
noite.
Conforme eu seguia as instruções de Bianca, ela me lembrou do sistema
do clube, que Rocha já havia compartilhado comigo. — Lembre o que Rocha
disse a você. Tudo que você ganhar além dos seus ganhos com as danças no
colo é considerado gorjeta. O dinheiro das danças no colo é dividido meio a
meio com o clube, mas nós ficamos com cem por cento das nossas gorjetas.
— E o dinheiro dos quartos privês? — perguntei. — Esqueci o
regulamento.
— É uma divisão meio a meio. Não há necessidade de fazer
apontamentos: Max mantém o controle dos quartos privês. Você está a fim de
comer algo tarde da noite? Estou faminta, e louca para saber tudo sobre a sua
primeira noite. — Ela baixou sua voz. — No restaurante aonde estou te
levando, vamos poder conversar livremente. Nunca vi ninguém do clube por
lá.
— Perfeito — eu disse. — Vamos.
Pendurei minha sacola no ombro e segui Bianca para fora da sala,
descendo pela escada dos fundos e atravessando o corredor que levava ao
escritório de Max, onde deslizamos nossos envelopes numa caixa de coleta
de aço inoxidável que havia na parede ao lado da porta. Em seguida,
tomamos a saída lateral que dava para a rua, onde uma fileira de táxis
aguardava. Caminhamos até o primeiro da fileira, entramos e fechamos as
portas.
— Coppelia na Rua 14 Oeste, número 207, por favor — disse Bianca ao
motorista. Conforme o táxi se afastou do meio-fio, ela apontou para uma
longa limusine preta que estava estacionada em frente ao clube. — Aquele é
o carro do dito cujo, por sinal. Está vendo a placa?
Inclinei-me em direção a ela para ter uma visão melhor. A placa dizia S-
TORO.
— Um trocadilho com o nome dele? — perguntei.
Ela bufou. — Suponho que sim, embora eu sempre tenha lido isso mais
como uma propaganda. Toro é touro em italiano, entende?
Encostei-me no assento do táxi. — Tive uma briga com ele esta noite.
Ela revirou os olhos. — Conforme o esperado, correto?
— Uhhh... não exatamente. Ele...
Bianca me deu um olhar de advertência, levantando um dedo até os
lábios. — Espere. Estaremos no restaurante em um minuto.
Quando o táxi chegou ao nosso destino, ela pagou o motorista, e nós
saímos do carro e entramos no restaurante. A decoração do Coppelia era
completamente a de um restaurante tradicional: pisos quadriculados de
azulejo, mesas de fórmica, cabines de vinil azuis e um longo bar com
tamboretes de vinil e cromo. Embora fossem quase 5 horas da manhã, o
restaurante estava repleto de um burburinho de gente, conversas e música
latina. Imediatamente gostei dele.
Avistei uma cabine aberta no final do recinto, apontei para ela e me dirigi
para lá com Bianca. Joguei minha sacola para um lado da cabine antes de me
sentar ao lado dela. Bianca sentou-se à minha frente.
— Recomendo os ovos rancheiros — disse ela. — É o que eu peço
sempre. Quase zero de carboidratos. E além disso, se eu comer qualquer coisa
mais pesada, não durmo bem.
— Depois do que aconteceu esta noite, é provável que eu não durma,
afinal de contas.
— O que você está querendo dizer com isso?
Nossa garçonete chegou com dois copos de água, que ela colocou sobre a
mesa à nossa frente.
— Obrigada — eu disse. — Nós duas vamos querer ovos rancheiros, por
favor.
— Claro, querida — disse a garçonete. — Alguma coisa para beber?
— Café, por favor — respondi.
— O mesmo para mim — disse Bianca.
Quando a garçonete desapareceu em direção ao bar, Bianca debruçou-se
sobre a mesa e olhou para mim. — Então, o que aconteceu com o Santoro? É
seguro conversar aqui: entre as pessoas e a música, ninguém vai ouvir uma
palavra que você disser.
Contei-lhe tudo. Assim que terminei, nossa comida chegou.
— Garotas, algo mais que eu possa lhes servir? — perguntou a garçonete.
— Obrigada — eu disse. — A comida parece perfeita. Acho que é só isso
por enquanto.
Depois que a garçonete saiu, Bianca voltou-se para mim. — Pelo menos,
você não fez sexo com ele. Você entende agora? Você entende porque eu te
adverti contra esse homem?
— A culpa foi tanto minha quanto dele... talvez mais minha. Eu estava
em cima dele, e é por isso que estou apavorada. Entendo que ele é um
prostituto de carteirinha, mas senti essa atração estranha por ele que não sinto
por ninguém há muito, muito tempo. Meu cérebro me diz que ele é um mau
elemento, mas tenho que admitir que o resto de mim realmente gosta dele.
— Confie no seu cérebro — disse Bianca entre mordidas. — A sua
xoxota está cobiçando o pauzão dele. Isso é tudo. Olha, você não sai com
ninguém desde que terminou com o Calebe, o que faz mais de um ano. Você
é apenas humana, e os humanos não foram feitos para o celibato.
— Pressinto para onde isso está indo...
Ela olhou nos meus olhos. — Pressente mesmo? Espero que sim. Está na
hora de você reencontrar o Pablo.
— Quem?
— Pablo. P.A.B.L.O. Pequeno Amante a Bateria para uma Luxúria
Ocasional.
Abaixei o meu garfo e fiquei olhando para ela. — Sério?
— Sério.
— Você sabe que eu nunca fui fã dessa merda.
— Bem, estou falando sério.
— De verdade? Pensei que você fosse me dizer para anunciar meu
bumbum no Match.com. Não é o que você estava me dizendo para fazer já há
alguns meses? Ou foi no OKCupid?
— Na verdade, foi no Sparkology.
— Seja lá o que for. Conheci o Calebe on-line, e olha só no que deu.
— Ah não, Ilana. Nem todo mundo que você conhece on-line é um
babaca mentiroso e traidor.
— Eu sei disso. É que depois do Calebe, eu fiz uma promessa para mim
mesma, uma promessa que eu quase rompi esta noite.
— Você quer dizer o lance de "amigos primeiro, sexo depois"?
— Isso mesmo. Se eu tivesse conhecido o Calebe melhor como pessoa
antes de nos envolver, eu poderia ter me poupado muito sofrimento e drama,
sem falar nos dezoito meses da minha vida que desperdicei com esse homem.
— Você já se bateu o suficiente com relação ao Calebe— disse Bianca.
— E o interlúdio desta noite com El Toro só prova que faz tempo demais
desde que você transou. Entendo que você tem problemas em confiar.
Diabos, todos temos, pelo menos até um certo ponto.
— Acredite em mim, estou ciente dos meus problemas de confiança. Mas
também estou ciente dos perigos de se confiar muito facilmente. Como é que
eu não poderia, depois de ter sido criada pela minha mãe? Graças ao meu pai,
que nos abandonou alguns meses depois que eu nasci, passei a minha infância
vendo-a lutar para cuidar de nós. Comparado com a maneira com que meu
pai traiu a minha mãe, o que Calebe fez comigo não foi nada.
— Não minimize o quanto aquele babaca mentiroso machucou você. Eu
estava lá, lembra? Mas é hora de parar de olhar para o espelho retrovisor e
começar a viver a sua vida. Conheça um cara legal... on-line ou na vida real.
Saia para um ou dois encontros. Esqueça o Calebe.
— Confie em mim, já superei o Calebe. Mas agora sou uma stripper. Os
caras legais não namoram strippers, e eu não mentiria sobre o meu trabalho.
Isso não seria justo, e mentir é a pior maneira de começar um relacionamento.
— Por que você acha que recomendei o Pablo? Ele tem todas as
qualidades essenciais que você precisa num homem, e ele não está nem aí
para o que você faz na vida.
— Está bem. Talvez eu tenha cutucado o Pablo com vara curta, por assim
dizer. Mas vou admitir uma coisa. Certamente, ele é mais confiável do que
qualquer homem que já conheci.
Bianca deu uma risadinha. — De acordo. O Pablo está pronto sempre que
você precisa.
— Ele não ronca, não coça o saco e nem peida na cama.
— Ele não desperdiça suas noites num estupor regado a cerveja,
assistindo ociosamente a programas de esporte profissional na TV.
— Ele nunca monopoliza o banheiro... ou deixa a tampa do vaso sanitário
levantada.
— E nunca exige nada de você... além de uma ou duas pilhas Duracell
novas.
Quando paramos de rir, o semblante de Bianca mudou. Ela apontou um
dedo para a sua têmpora. — Dããã. O que está errado comigo? Como eu
poderia me esquecer?
— Esquecer o quê?
— A sabotagem com os sapatos. A Valência sabotou você, ou não?
Eu sacudi minha cabeça. — Não sei. Não tive uma chance de examinar os
saltos no clube. Mas vamos terminar nossa comida antes de lidar com essa
pequena joia. Eu me recuso a dar à Valência o poder de estragar o meu café
da manhã.
— Bem pensado. Então coma!
Quando terminamos de comer, Bianca empilhou os pratos em um lado da
mesa. — Vamos ver aquele sapato — disse ela.
Enfiei a mão na sacola, tirei o sapato e balancei o salto frouxo, que havia
se desprendido de um dos lados da sola. Virei aquele lado do sapato em
minha direção para examiná-lo.
— Há marcas perto de onde o salto se conecta com a sola — eu disse. —
Para mim, parecem marcas de lixa. — Entreguei o sapato para ela. — Você
tinha razão completamente. A megera fodeu com o meu sapato.
Bianca olhou para o sapato de perto e, em seguida, deslizou seus dedos ao
longo da parte superior do salto. — Há também algum resíduo de cola.
Amanhã vamos levar esse assunto à Rocha. Vamos pregar o rabo dessa
jararaca traiçoeira na parede.
— Mas que prova temos de que foi ela quem fez isso?
— Temos o sapato, e também a lixa de unhas.
— Droga! Eu deveria ter pensado em pegar a lixa da estação dela, mas eu
estava tão ocupada que nem pensei nisso.
Bianca depositou o sapato sobre a mesa, enfiou a mão na sacola e tirou
um saquinho de plástico. Ela balançou o saquinho na minha frente, e seu
rosto estampava uma expressão de triunfo. — Mas eu pensei.
Dentro do saquinho, reconheci a lixa de unhas de Valência pelo seu cabo
de casco de tartaruga falso.
— Você é incrível — eu disse.
— Uma garota tem que ser habilidosa. Surgiu uma oportunidade e eu me
aproveitei dela. — Ela segurou o saquinho ao lado do meu sapato. — Dê uma
olhada. A marca vermelha na lixa combina perfeitamente com a cor do salto
deste sapato. Isso prova que foi a Valência.
— É prova suficiente para mim, mas a única coisa que associa essa lixa à
Valência é a sua palavra e a minha de que a pegamos da estação dela. Acusá-
la poderia fazer o tiro sair pela culatra contra nós. Ela poderia dizer à Rocha
que a lixa não é dela, que outra pessoa deve tê-la deixado em sua estação. Ou
ela poderia dizer que a mancha vermelha foi de fazer as suas unhas.
Bianca olhou pensativa. — Você tem razão, mas temos que fazer algo.
Você não pode simplesmente ficar de braços cruzados.
— Não, eu não posso. Principalmente agora que a Rocha me pediu para
trabalhar num número de dança especializado. Se ela gostar do que eu
inventar, ela disse que consideraria me deixar abrir o show com ele em algum
momento.
— Ah, meu Deus — disse Bianca. — Você nem vai acreditar nisso.
— Não vou acreditar em quê?
— A Rocha me pediu mais ou menos a mesa coisa esta noite. Ela deve
estar planejando agitar as coisas para a temporada de outuno. Essa é uma
grande oportunidade para nós duas. Isso nos coloca em concorrência direta
com a Valência.
— Você quer dizer que se você e eu pegarmos alguns números de
abertura, ela não vai abrir o show tanto quanto faz agora?
— Exatamente. Se Rocha nos deixar abrir, Valência vai ficar furiosa. Por
isso é que temos que denunciá-la por sabotar você com os sapatos. Ela
precisa saber que foder com qualquer uma de nós duas não lhe convém.
— E ela vai entender. — Enchi minha sacola com o sapato e o saquinho
contendo a lixa. — Amanhã no trabalho, vou esfregar essa lixa na cara dela...
e então enfiá-la no seu rabo. Isso deve fazê-la dar um maldito recuo.
— Talvez — disse Bianca.
— Você não parece ter tanta certeza.
— É porque eu não tenho. Essa não é a primeira vez que Valência
sabotou alguém. Ouvi boatos de que uma garota deixou o clube porque
Valência a assediou e finalmente fez com que ela fosse embora.
— Bem, ela não vai fazer nenhuma de nós ir embora. Precisamos dos
nossos empregos.
— Não, mas se ela não recuar depois que você confrontá-la,
possivelmente precisaremos tomar uma providência.
— Você quer dizer falar com a Rocha ou o Max?
— Talvez sim. Talvez não. Valência é esperta; nunca há prova suficiente
para incriminá-la. Estou pensando criativamente.
— O que você está querendo dizer com isso?
— Talvez a gente precise entrar no jogo dessa megera para vencê-la.
— Você está realmente pensando em sabotagem?
— Nada como o seu sapato. Você sabe que eu nunca faria mal a ninguém,
mas um prato grande e fedido de humilhação pública pode ser apenas o
necessário para pôr Valência no lugar dela.
— O que você tem em mente?
— Ah, tenho algumas ideias que fariam Valência manter sua cara longe
do clube por um fim de semana inteiro, o que lhe custaria pelo menos trinta
mil dólares.
— Ainda não posso acreditar que eu ganhei nove mil essa noite. No meu
velho emprego, eu levava dois meses para ganhar essa grana.
— Logo você vai ter noites que vão dobrar esse valor — disse Bianca. —
Nem todas as noites, claro. Os fins de semana são os melhores. Nas sextas e
sábados, raramente saio com menos de quinze mil, e uma vez fiz vinte mil.
Minha cabeça girou. — Vinte mil? Como você conseguiu?
— Com o tempo, construí uma base de clientes regulares. Agora, alguns
deles agendam uma sala privê comigo todas as semanas. A cinco mil por hora
mais as gorjetas, os quartos privês aumentam o cachê rapidamente. E é mais
fácil que as danças no colo.
— Você quer dizer o lance dos fetiches?
— Isso mesmo.
— Eu deveria ter marcado "sim" para alguns desses fetiches?
— Talvez, mas leva tempo para construir uma clientela regular, afinal de
contas. Dê a si mesma algumas semanas. Ajeite-se no seu trabalho no clube,
e comece a conhecer os clientes assíduos.
— Estou oficialmente de boca aberta.
— Acostume-se com isso. Em breve, você vai estar pagando uma entrada
para fazer a cirurgia da sua mãe... mesmo perdendo a metade da sua renda
com os impostos.
— Metade? — Que diabo é isso?
Ela sorriu para mim. — Parabéns, querida. Bem-vinda à sua nova faixa
tributária.
12

Depois de dormir a manhã toda e relaxar por algumas horas em nosso


apartamento em East Village, Bianca e eu pusemos nossas roupas de
ginástica e fomos cedo ao clube para iniciar as novas rotinas que Rocha pediu
que fizéssemos. Agora que nós duas trabalhávamos no clube, podíamos
ensaiar lá a qualquer hora fora do nosso horário de trabalho, e eu estava
ansiosa para praticar no palco espaçoso do clube. Nossa minúscula sala de
estar não era exatamente um lugar ideal para ensaios.
Chegamos ao clube quando faltavam alguns minutos para as 5h da tarde.
Depois que nos adentramos pela entrada lateral, subimos a escada que dava
para o primeiro andar e entramos na área dos bastidores, que estava vazia e
silenciosa.
Quando entrei no salão, notei duas caixas que estavam sobre a cadeira em
frente à minha estação.
— O que aquelas caixas estão fazendo na minha cadeira? — perguntei. —
Esperam que eu faça algo esta noite que eu não esteja sabendo?
— É mais provável que alguém tenha te mandado um presente — disse
Bianca. — Aposto que foi o Santoro.
— Os clientes nos mandam presentes?
— Recebemos flores o tempo todo, e já vi algumas garotas receber joias.
Nenhuma de nós leva isso muito a sério... mesmo os diamantes são ninharias
para a nossa clientela.
Caminhei para a minha estação. Uma das caixas era uma caixa de
floricultura longa e estreita. Levantei-a da minha cadeira, coloquei-a sobre a
minha estação e a abri.
Uma rosa única e perfeita estava envolta num papel verde claro. Peguei a
rosa, segurei-a contra a minha face e inspirei o seu aroma fresco e doce.
— Veio com cartão? — perguntou Bianca.
Coloquei a rosa perto da caixa e então olhei dentro da caixa. — Parece
que não.
— Então, abra já a outra caixa. Talvez o cartão esteja dentro.
A segunda caixa estava protegida com uma fita larga azul-clara que
estava amarrada num laço bem feito. Desatei a fita e levantei a tampa.
Quando o conteúdo se revelou, nós duas nos surpreendemos.
— Sapatos! — disse Bianca. — E não é um sapato qualquer. Louboutins.
— Confira o estilo e a combinação de cores: saltos plataforma pretos com
solas vermelhas. Eles são primos dos sapatos que usei ontem à noite, porém
melhores. São lindos.
— E olha só: estão acompanhados de um envelope.
Peguei o envelope e o abri; então li o bilhete dentro, que estava rabiscado
com letras grossas e pontiagudas.

Parabéns pelo sucesso da sua primeira noite no clube. Esses sapatos devem
lhe servir melhor que o par anterior.
Melhores votos, Nick

Entreguei o bilhete a Bianca. — Você adivinhou. Nick mandou os sapatos, e


provavelmente a rosa também.
Bianca jogou o bilhete sobre minha estação. — Então, El Toro está no seu
pé — disse ela. — Um encontro quente e o cara já está te mandando
presentes.
Eu sorri para ela. — Só me diga uma coisa. É normal receber sapatos de
presente?
— Não. Flores, joias, dinheiro... isso são coisas comuns. Mas sapatos? Eu
nunca vi isso. Evidentemente, ele quis te dar algo mais pessoal e, como você
atirou os seus sapatos quebrados nele, ele teve a oportunidade de descobrir o
tamanho do seu pé... que ele obviamente aproveitou.
— Me mandar sapatos de presente parece um gesto protetor: como se ele
não quer que eu me machuque. Ele não sabe o que a Valência aprontou. Ele
provavelmente acha que o meu sapato quebrou porque estava gasto ou tenha
sido mal feito.
— Olha, Ilana. Você está atraída pelo Santoro, e verdade seja dita. Mas
eu não começaria a atribuir motivos altruístas ao cara. No frigir dos ovos,
homens como ele só pensam em si mesmos.
— Você acha que eu devo devolver os sapatos para ele?
— Diabos, não. Isso seria um desperdício de um lindo par de saltos, e não
é como se o fato de devolvê-los fosse mudar alguma coisa. A propósito, você
definitivamente vai vê-lo esta noite.
— Como você sabe disso?
— Ele te mandou presentes. Receber presentes geralmente significa que o
cara que mandou vai estar no clube à noite para receber o lucro do seu
investimento. Os homens esperam que a gente demonstre o nosso apreço, e é
um bom negócio fazer isso.
— Estou certa em pensar que eles esperam mais que um "obrigado" por
cortesia?
— Depende — disse Bianca. — Quando um cara manda flores, um
"obrigado" e um beijo no rosto são apropriados. Quando ele manda dinheiro
ou joias, você deve tomar um drinque à mesa dele e lhe dar uma dança no
colo grátis. O clube apoia isso.
— Graças a Deus que você sabe dessas coisas — eu disse. — O manual
do regulamento não diz nada sobre presentes, muito menos sobre etiqueta
relacionada a presentes.
— Dê a si mesma algumas semanas. Você vai entender. De qualquer
maneira, independentemente do que você fizer, o Santoro vai ficar no seu pé
até ele desviar sua atenção para a próxima garota, o que, sem querer te
ofender, vai acabar acontecendo.
Ela caminhou até a sua estação, colocou suas coisas no armário embaixo,
e fechou a porta do armário.
— Tranque os seus novos sapatos... e tudo mais — disse ela. — Então,
vamos entrar no palco. Não posso esperar para tentar alguns dos passos que a
gente combinou.

Depois que Bianca e eu terminamos um ensaio longo e suado, nos dirigimos


ao banheiro nos bastidores. Era um cômodo grande com azulejos brancos,
dividido em duas seções: boxes dos chuveiros e pias de um lado, e boxes dos
sanitários e mais pias do outro.
Despi-me das minhas roupas de ginástica, tomei um banho rápido e vesti
o meu roupão. Quando voltei à minha estação e me sentei para secar o
cabelo, várias garotas estavam lá, preparando-se para a noite que estava por
vir. À medida que outras chegavam, conversas e risadas enchiam a sala.
Quando desliguei o secador, ouvi Valência e Lucrécia discutindo atrás de
mim.
— Tire isso agora — disse Valência.
— Não! — disse Lucrécia. — Eu mostro pra Dona Rocha. É bom. Sexy.
Melhor qualidade: treis mil dólar.
— Três mil dólares? — disse Valência. — Que diabo você estava
pensando?
Olhei para cima, vi o reflexo de Lucrécia em meu espelho, e tive que
concordar com a avaliação de Valência.
O decote acentuado em V do espartilho azul brilhante de Lucrécia
chegava quase ao seu umbigo, fazendo com que seus peitos já pequenos
aparentassem ainda menores. Com um fio dental no mesmo tom azul e botas
plataforma à altura da cintura, suas pernas e seus quadris esbeltos pareciam
mais infantis do que sexy. Ela era uma garota bonita, e com as roupas certas,
sua altura e magreza eram seus pontos fortes, assim como a sua dança. Mas
com essa roupa, ela estava sabotando esses pontos.
Para piorar a situação, tanto o espartilho quanto as botas tinham sido
salpicados com uma profusão de lantejoulas furta-cor. Ela parecia uma
colisão trágica de um espetáculo circense secundário com um balde de
purpurina.
Eu assistia do meu espelho à medida que a discussão continuava.
— Idiota! — disse Valência. — Quantas vezes tenho que dizer isso a
você? Nunca. Faça compras. Sem. Mim.
— Por que você sempre pentelha eu? — Lucrécia deu uma pequena volta
para exibir suas novas roupas. — O traje é bão. Porque você num gosta?
— Os homens gostam de mulheres de peito — sussurrou Valência. —
Peitos grandes. Esse decote faz seus peitos parecer um par de walnuts.
— Walnuts? O que é walnuts?
— Orekhi, sua putka matuta idiota. É inacreditável como você aprendeu
tão pouco inglês em dois anos. Eu deveria ter deixado o seu traseiro estúpido
lá na Bulgária com os cabritos do seu pai.
— Os cabrito era legal — disse Lucrécia. — Cabritos gosta de um tudo.
Eles come tudo tipo de comida. Diferente de você. Você a kuchka mais chata
que eu conheço. Você num gosta de nada que eu faço.
Valência apontou seu dedo para o rosto de Lucrécia. — E você esqueceu
tudo que eu fiz por você. Pobre priminha Bogomila, que queria dinheiro e
roupas bonitas. Eu trouxe você para os Estados Unidos. Consegui esse
trabalho para você. Ensinei tudo que você sabe.
Lucrécia balançou sua cabeça desafiadoramente. — Você tá com inveja.
Você nunca quis me trazer pros Estados Unidos. Sua mamãe fez você me
trazer. Você invejosa; Lucrécia dança mais melhor que você.
— Eu? Com inveja de você? — Valência atirou suas mãos para cima. —
Se você não fosse essa kurva de merda mais estúpida em toda a história da
nossa família, eu acharia que você estivesse usando crack. Agora vá colocar
um dos trajes que eu escolhi para você... e mexa-se antes que a Rocha chegue
aqui.
Lucrécia cruzou seus braços sobre o peito. — Não. Você num é minha
patroa. Se a Dona Rocha num gostar, então eu troco.
Logo em seguida, ouvi um par de saltos entrar rapidamente na sala,
seguidos da voz inconfundível de Rocha.
— Lucrécia — disse ela. — Ouvi o meu nome nos seus lábios, o que só
pode significar uma coisa. Que nova atrocidade você pretende infligir em
mim esta noite?
Voltei-me para o lado apenas a tempo de ver Rocha se aproximar de
Lucrécia. Como de costume, Rocha trajava um terninho preto perfeitamente
talhado, que eu estava começando a pensar que fosse o seu uniforme. O seu
corte quadrado até o queixo era elegante; sua maquiagem, impecável; e ela
usava uma Birkin preta em um braço. Quando o seu olhar agudo percorreu
Lucrécia, os seus lábios se contraíram em desagrado.
— Pensando bem, peço desculpas pela minha má escolha de palavras —
disse ela. — Atrocidade não descreve o que estou vendo à minha frente.
Fracasso. Fiasco. Ruína. Minha mente esvoaça e paira sobre o dicionário
inteiro, e o que é ainda mais surpreendente: as palavras ainda me escapam.
— A senhora num gostou? — perguntou Lucrécia.
Rocha estremeceu. — Ah, querida, está além de horroroso. Tire isso...
antes que me cause um aneurisma. Ou urticária. Graças a Deus que não tenho
um coração, porque se eu tivesse, ele estaria em choque cardíaco neste
momento.
— Mas eu gastei treis mil dólar — disse Lucrécia.
— Irrelevante. Vá. Mexa-se. Coloque alguma coisa que dê aos seus peitos
a ajuda que eles precisam desesperadamente. Eles são como crianças
famintas em programa de assistência social. Um par de peitos caídos que se
esqueceram de levantar. Ah, e um pouco de material extra em torno dos
quadris não faria mal algum. Você tem um lindo pescoço, ombros bonitos e
pernas de dar inveja. Isso é o que você deve estar mostrando.
Como Lucrécia não se mexeu, Rocha levantou sua voz. — Vá!
Quando Lucrécia se contorceu com uma expressão ferida em seu rosto,
olhei para Valência, que parecia preocupada. Apesar da dura conversa que ela
teve com Lucrécia, parecia que Valência realmente se importava com sua
prima. Quem sabia? Evidentemente, mesmo essa jararaca sabotadora de
sapatos tinha pelo menos uma qualidade redentora. Ela queria o melhor para
a sua prima.
Rocha afundou-se numa cadeira vazia, retirou a edição de agosto da
Vogue de sua Birkin e se abanou com a revista.
— Vocês garotas vão acabar me matando — disse ela. — Mais dez
segundos olhando para o traje terrível da Lucrécia, e os socorristas mais
bonitos de Nova York não teriam conseguido me ressuscitar.
— Eu disse a ela que esse traje não ia dar certo, Dona Rocha — disse
Valência. A falsa doçura da sua voz era nauseante. — Mas ela queria o seu
conselho. A senhora sabe o profundo respeito que todas nós temos pelo seu
senso de moda.
— Não me bajule — disse Rocha. — Me ouça. Todas vocês, meninas...
me ouçam. A beleza é uma ilusão. Usem a que vocês têm. A que vocês não
têm, falsifiquem. Cabelo, maquiagem, roupas... tudo isso, quando usado com
propriedade, pode fazer maravilhas, se vocês souberem usar. Todos somos
uma ilusão construída sobre um castelo de areia. Uma rajada de vento pode
soprar você, você e você para longe... e revelar coisas que nunca deveriam
ver à luz do dia. Aprendam comigo... e aprendam umas com as outras.
Ela levantou-se da cadeira. — Agora, voltem para o trabalho. Em menos
de uma hora, é hora do show.
E com isso, ela saiu da sala.
13

Duas horas depois, deixei o palco com uma onda de adrenalina. Meu número
de dança tinha ido bem, e os aplausos e assobios entusiasmados que vinham
da casa lotada testemunhavam o meu sucesso.
Caminhei para os bastidores, vesti o meu roupão e me sentei em minha
estação. Enquanto retocava minha maquiagem em preparação para me
apresentar no salão, a rosa que Nick me mandara estava perto do espelho
num vaso verde que Bianca tinha me emprestado.
Embora eu não tivesse visto Nick na plateia, isso não significava que ele
não estivesse no clube. Eu estivera no palco durante dez minutos completos e
estava focada em dançar; as luzes brilhantes do palco haviam ofuscado minha
visão de forma que não conseguia ver nada além da primeira fileira de mesas.
Ele poderia estar aqui neste momento, assistindo ao show ou bebendo uísque
escocês no lounge do andar térreo.
Dentro de minutos, os nossos caminhos poderiam se cruzar. O simples
pensamento de vê-lo outra vez disparou um arrepio de excitação dentro de
mim. Fazia tanto tempo que eu não me sentia atraída por ninguém que quase
havia esquecido como a presença de um homem, ou mesmo o mero pensar
nisso, poderia colorir e transformar a minha vida, traduzindo cada momento
com possibilidades vibrantes.
Não dê o passo maior que a perna, garota.
Eu não tinha desconsiderado as advertências de Bianca acerca de Nick.
Minha melhor amiga era uma das mulheres mais sábias que já conheci, e seus
julgamentos sobre as pessoas normalmente eram certeiros.
Mas eu também sabia que muito do que ela havia me dito sobre ele veio
de fofocas no clube, e fofocas, principalmente de segundos ou terceiros,
tendiam a exagerar, distorcer, ou mesmo obscurecer a verdade. E embora eu
não pretendesse me apressar a nada com Nick, também não estava pronta
para rejeitar a ideia de que ele tinha interesse em mim.
Talvez eu o veja no salão.

Quando surgi no salão e olhei em volta, não vi Nick, o que não era nenhuma
surpresa. Devido à plateia entusiasmada, que atingiu a lotação máxima da
casa, eu não conseguia ver a maioria das mesas.
Talvez Nick tivesse pego uma mesa próxima ao palco como fez ontem à
noite? Com este pensamento em mente, passei em volta de grupos de
homens, desviei-me das garotas que estavam dançando, e consegui chegar à
primeira fileira de mesas. No palco, as luzes piscavam conforme Destiny,
uma garota moreninha a quem Bianca me apresentara mais cedo, requebrava
e girava aos ritmos rápidos de Control de Traci Lords.
Quando cheguei às mesas da frente, Nick havia desaparecido.
Mentalmente, eu me arrependi de deixar que os seus presentes me
tentassem a criar expectativas. Por que eu esperava vê-lo esta noite, afinal de
contas? O fato de que ele havia me mandado os sapatos e uma rosa
provavelmente não significava nada para ele.
Deixei de lado a minha decepção e me recordei do motivo de estar aqui.
Eu precisava parar de perder tempo e começar a ganhar dinheiro.
Com isso em mente, forcei os meus lábios a sorrir e me aproximei do
primeiro cara que acenou para mim em direção à sua mesa: um tipo executivo
nos seus quarenta e poucos, com cabelo castanho aparado e uma poderosa
gravata dourada. Ele parecia inofensivo o bastante, embora a garrafa quase
vazia de Belvedere que estava em sua mesa me fizesse imaginar o quanto ele
teria bebido.
— Oi — disse ele. — Sou o Brian. E tenho que te dizer que você é uma
dançarina incrível. Me deixa pagar um drinque pra você.
Suas palavras eram levemente trôpegas, o que confirmava que ele tinha
bebido muito. Embora eu realmente não quisesse dançar para um bêbado,
isso resumia mais ou menos uma boa parte do meu trabalho. E além disso,
dinheiro era dinheiro, então decidi aceitar a sua oferta e usá-la para colocar
uma garrafa de água sobre a mesa. Talvez ele tivesse o bom senso de tomar
um pouco dela.
— Obrigada, Brian. Meu nome é Raven, e eu adoraria um copo de água
mineral.
Brian acenou para uma garçonete próxima. — Traga à moça o que ela
quiser.
— Uma garrafa de Perrier, por favor — eu disse. — E dois copos.
— Ah sim, uma Perrier — disse a garçonete, piscando para mim
conforme ela desapareceu na multidão.
Brian agarrou o meu braço. — Você é uma garota bonita, Raven. Vamos
dançar. Você quer dançar comigo?
— Claro que quero — eu disse. Desvencilhei o meu braço dele e me
sentei na cadeira ao lado da sua. — Mas temos que seguir as regras do clube,
o que significa não tocar. E realmente preciso de um copo de água antes de
dançarmos. Estou morrendo de sede.
Ele mostrou os seus dentes num sorriso lascivo. — Você é quem manda,
linda. A noite é uma criança, e temos muito tempo.
A garçonete voltou com a nossa água e despejou um copo para cada um
de nós.
— Obrigada — eu disse, e então levantei meu copo até os lábios e bebi,
aliviada ao ver Brian me acompanhar. Quando ele colocou o seu copo vazio
sobre a mesa, eu o enchi novamente.
Ele empurrou o copo para um lado, abriu as pernas e estendeu os braços
em minha direção. — Venha cá. Vamos pôr esse espetáculo em marcha.
Você realmente quer dançar comigo, certo?
Com um entusiasmo que eu não sentia, levantei-me da cadeira e disse: —
Isso é pergunta que se faça? — Posicionei-me entre as pernas dele e comecei
a me mexer.
Ele encostou-se na cadeira e me olhou com seus olhos puxados. —
Melhor que antes.
Foquei em minha rotina de dança no colo e não disse nada, até que, na
metade da dança, senti as mãos de Brian apertar o meu bumbum. Tomei suas
mãos nas minhas e gentilmente as coloquei sobre os braços da cadeira. —
Sem contato, por favor. Regras da casa.
— Para o inferno com as regras. Vamos sair daqui e ir para algum outro
lugar. Em qualquer lugar que você quiser.
— Você sabe que não posso sair do clube com você.
— Você sabe que não vai sair, a menos que eu te pague. Está bem.
Coloque o seu preço. Eu posso pagar.
Bianca havia me aconselhado como lidar com este tipo de situação, mas
esta seria a primeira vez que eu punha o seu conselho em ação.
Eu me afastei de Brian, respirei e olhei em seus olhos.
— Estou lisonjeada, e obrigada pelo seu convite, mas realmente não
posso fazer isso. Se eu fizesse, e o clube descobrisse, eu poderia perder o meu
emprego.
— Ah — disse ele. — Eu não tive a intenção de lhe causar problemas ou
nada disso.
— Eu sei — eu disse, e então invoquei uma linha do manual de
regulamento do clube. — Mas o fato de eu não poder sair do clube com você
não quer dizer que não podemos passar mais tempo juntos. Você gostaria de
mais uma dança?
— Eu gostaria de muitas mais, mas vou aceitar tudo que vier.
— Então, outra dança?
Ele me deu uma olhada maliciosa. — Solta a fera, querida.
Ele está completamente com cara de merda. Depois desta dança, vou
inventar alguma desculpa para me livrar dele antes que ele coloque suas
mãos em mim novamente. A última coisa que quero é provocar uma cena.
Continuei a dançar. Decorrido mais ou menos um minuto sem incidentes,
meus receios se acalmaram. Talvez uma parte do cérebro empapado de álcool
de Brian ainda estivesse funcionando. Talvez ele tivesse captado a
mensagem.
Mas quando mudei para a próxima fase da minha rotina, voltando minhas
costas para ele e pairando o meu traseiro sobre a sua virilha, ele agarrou os
meus quadris e me puxou para baixo contra a sua ereção.
— Sentiu isso? — ele perguntou, ofegando contra o meu ouvido.
— Regras do clube — eu disse. — Por favor, não as quebre.
— Se você fizesse alguma ideia do meu pacote, chegaria à conclusão que
poucas regras poderiam quebrar a minha salsicha. Acredite em mim.
Quando ele me empurrou com mais força sobre a sua ereção, tentei me
livrar dele.
— Você não quer provocar uma cena — eu disse.
— Seria provocar uma cena se eu te comesse aqui mesmo?
E isso bastou para mim.
— Deixe-me ir! — eu disse. Tentei me desvencilhar dele, mas o seu
aperto era tão forte que eu relutei para me libertar; o lado esquerdo do meu
espartilho rasgou-se.
Ele me puxou para mais perto. — Vamos lá, garota. Você sabe que é isso
mesmo que você quer.
Foi então que uma voz masculina e grossa veio de trás de mim. — Tire
suas mãos de cima dela... já.
— Vai com calma, cara — disse Brian, me soltando.
Tropecei para a frente e me virei para encarar o meu salvador. Quando vi
quem era, meu rosto ficou vermelho de vergonha.
Nick.
O olhar furioso que ele dirigiu a Brian poderia ter penetrado uma placa de
aço. — Isso não é maneira de tratar uma senhorita — disse ele, colocando-se
entre mim e Brian.
Impecavelmente vestido num terno cinza escuro, Nick parecia uma torre
perto do homem menor. Sua presença completa irradiava uma fúria
controlada, e o olhar em seu rosto era quase assustador em sua intensidade.
Eu me senti aliviada, e mais que emocionada, pela maneira como ele partiu
para a minha defesa.
Mas o meu alívio se evaporou quando Brian jogou sua cabeça para trás e
soltou uma dura risada. — Caia fora, meu chapa, antes que eu leve isso para
o caminho errado. Ela não é nenhuma senhorita. Ela é uma stripper de merda.
Nisso, a mão direita de Nick apertou-se em punho cerrado. Senti até uma
falta de ar. Eu havia julgado mal o seu temperamento? Ele estava prestes a
dar uma porrada em Brian? Uma cena era a última coisa que eu queria. Olhei
em volta freneticamente, vi Max do outro lado do salão e acenei com meu
braço até chamar sua atenção e constatar que ele havia começado a caminhar
em nossa direção.
— Pede desculpas para a senhorita — Nick rosnou. Ele deu um passo à
frente em direção a Brian, e então mais um. — Ou você vai levar um soco na
boca. Então, você já sabe: escolha uma das duas.
Eu tenho que parar com isso. Agora.
Agarrei o braço de Nick e o apertei.
— Obrigada por intervir — eu disse. — Eu realmente agradeço por isso.
Mas não precisa fazer esse cara me pedir desculpas; estou bem, e ele está
bêbado demais para saber o que está fazendo. Max está a caminho. Ele vai
lidar com isso.
Nisso, Max surgiu da multidão, acompanhado por dois leões de chácara
fortes do clube, que estavam vestidos com ternos pretos. Com músculos
fortes e cabeças raspadas, eles tomaram posição em cada um dos lados da
cadeira de Brian.
— Há algum problema aqui? — perguntou Max.
— Esse filho da puta interrompeu minha dança no colo — disse Brian.
Nick empinou a cabeça na direção de Brian. — Ele estava se atrevendo
com a Raven, por isso eu intervim. Evidentemente, ele bebeu demais.
— Coloquem o Sr. Tomás num táxi e o mandem para casa — disse Max
aos leões de chácara. — Tranquilamente.
— Ei! — disse Brian, conforme os leões de chácara o puseram em pé. —
Tirem essas mãos sujas de cima de mim.
Conforme os leões de chácara o encaminharam em direção à saída mais
próxima, a sua voz desvaneceu-se com o barulho do clube, provavelmente
junto com sua ereção patética.
Max voltou-se para mim. — Você está bem, Raven?
— Estou bem — tranquilizei-o. — Nenhum dano feito... além do meu
espartilho, que está rasgado de um lado. Só preciso de alguns minutos nos
bastidores para me trocar.
— Tem certeza? — perguntou Max. — Depois de um incidente como
esse, algumas garotas preferem pegar o resto da noite de folga. Você deve
entender que a decisão é completamente sua se você vai trabalhar ou não o
resto da noite.
— Estou bem. Graças a você e ao Nick, nada realmente aconteceu. Sério,
tudo que eu preciso é de alguns minutos nos bastidores.
— Quando você voltar, aceitaria tomar um drinque comigo? — perguntou
Nick.
Eu me virei para ele e olhei nos seus olhos. Apenas momentos antes, a
noite estava indo para o inferno, mas agora parecia repleta de possibilidades.
Sorri para ele. — Eu ficaria muito feliz. Me dê apenas quinzes minutos
para me trocar, OK?
— Me encontre lá embaixo no lounge — disse Nick. — Depois do que
acabou de acontecer, tenho certeza que nós dois apreciamos um ambiente
mais tranquilo.
Nos bastidores, coloquei um novo espartilho, que era de prata escuro com
detalhes em vermelho. Estava prestes a trancar minhas coisas e voltar para o
salão, e para Nick, quando ouvi alguém entrar na sala.
— Já recebendo flores? Quem diria!
Virei-me e vi Valência de pé a alguns metros de distância, como uma
predadora à espreita. Minha raiva com o que ela havia feito comigo voltou
rapidamente e com força total. Uma olhada rápida pela sala confirmou que
estávamos sozinhas.
Eu me levantei e a encarei. — Estou sabendo que muitas garotas recebem
presentes dos clientes. Algumas de nós também recebem presentinhos
nojentos das colegas de trabalho.
Ela levantou as sobrancelhas para mim. — Não tenho certeza se estou
entendendo.
Enfiei a mão em minha sacola, peguei o sapato que ela havia sabotado e o
atirei para ela. — Na verdade, acho que você está.
Reflexivamente, Valência pegou o sapato. — Não sei quem você pensa
que é, mas obviamente não sabe quem eu sou. Quando eu disser à Rocha que
você atirou um sapato em mim, ela vai dar um pé na sua bundinha novata.
— Sério? — eu disse. — Eu não teria tanta certeza disso... principalmente
se eu me explicar mostrando isso a ela. Enfiei a mão na sacola novamente e
tirei o saquinho plástico com a lixa de unhas dela. Em seguida, dei um passo
em direção à Valência, estendi o braço para frente e balancei o saquinho em
frente ao seu rosto. — Reconhece isto?
Ela permaneceu completamente imperturbável. — Claro. É uma merda de
lixa de unhas.
— A sua lixa.
— Minha lixa? Dificilmente. Se você acha que isso me pertence, você
está enganada.
— Não, não estou. Você a usou no salto do meu sapato numa tentativa de
minar a minha apresentação.
Ela fez um gesto de desprezo. — Se alguém fez qualquer coisa com o seu
sapato estúpido, com certeza não fui eu.
— Sim, foi você. E é por isso que eu sei que foi você: você não limpou os
vestígios que deixou para trás. Você deixou esta lixa na sua estação, coberta
de pó vermelho. Pó que combina com a cor exata do salto vermelho do meu
sapato.
Valência jogou o sapato no cesto de lixo mais próximo, onde ele caiu
com uma batida forte. — Aquela lixa não estava de modo algum perto da
minha estação. Não é minha. Nunca a vi antes.
— Nós duas sabemos o que você fez. A única coisa que não entendo é
porque você fez isso. Eu mal comecei a trabalhar aqui. Você nem me
conhece. Então, qual é o seu problema comigo, Valência? Merda, por que
você está me atazanando?
— Você tomou os seus remédios hoje?
— Meus o quê?
— Os seus remédios, porque, obviamente, você é uma paranoica. Tenho
coisas mais importantes a fazer do que te atazanar. Faça-me o favor.
— Eu digo que isso é conversa fiada.
— E eu digo: procure se tratar com Frontal. — Ela suspirou. — Olha,
doçura, se isso vai te fazer sentir melhor, vá em frente e reclame para a Rocha
sobre o seu sapato feio e baratérrimo. Estou pouco me lixando. Só vou dizer à
Rocha que você obviamente está conturbada e, a essa altura, ela vai te
dispensar.
— Não preciso da Rocha nem de ninguém mais para brigar por mim.
Portanto, aqui está o meu melhor conselho; e, por favor, ouça, porque essa é a
primeira e a última advertência.
Valência revirou os olhos. — Uhhh, uma advertência. Estou com medo.
Olhei para ela de cima. — Você deveria estar. Você está brincando com
fogo, e se continuar, você é quem vai se queimar. Se você fizer algo parecido
comigo novamente, ou com minha amiga Jade, não espere se safar dessa
numa boa. Você pode ter a sua mala de truques, mas eu também tenho.
Ela riu. — Você está me ameaçando?
— Não foi uma ameaça; foi uma promessa. Ao contrário de você,
Valência, eu nunca comecei uma briga. Mas isso não quer dizer que eu não
saiba terminá-la.
E com isso, enfiei as minhas coisas no armário, bati a porta e saí.
14

Depois de sair dos bastidores, desci as escadas que levavam à relativa


quietude do lounge no andar térreo. Depois do meu enfrentamento com
Valência, minhas veias tamborilavam de adrenalina, e dei as boas-vindas à
possibilidade de uma bebida forte em companhia de Nick.
Nick...
Quem era ele, afinal? Fofocas no clube o taxavam como um playboy frio,
mas, esta noite, ele não tinha sido nada menos que um cavalheiro. Ele me
defendeu e me salvou de Brian e de uma situação incômoda.
Quando entrei no lounge, imediatamente notei que ele estava sentado
sozinho a uma mesa no canto que oferecia uma certa privacidade. A luz
difusa de um castiçal de parede próximo fundia o seu bonito perfil num nítido
alto-relevo e aquecia o rico couro preto da poltrona em que ele estava
sentado. Uma garrafa de uísque escocês e duas taças estavam à sua frente.
Em seu terno executivo escuro e camisa branca imaculada, ele parecia tão
atraente que, por uma fração de segundo, me esqueci quem eu era e onde eu
estava. Por um momento, eu era apenas uma mulher, e ele apenas um
homem, um enigma obscuro e intrigante de homem.
Quando me aproximei da mesa, o rosto dele iluminou-se. — Foram
quinze minutos demorados — disse ele. — Estava começando a achar que
você não viria.
Sentei-me na poltrona ao lado da sua. — Desculpe. Eu queria encontrar o
traje certo para o homem que me defendeu.
O seu olhar me percorreu. — Parece que você encontrou; você está
incrível.
— Quero te agradecer pelos presentes. A rosa é linda, e os sapatos são de
morrer de inveja. E sinceramente, Nick, obrigada por intervir com aquele
cliente. Só percebi como ele estava bêbado quando já era tarde demais.
Ele me olhou por um momento. — Você realmente é nova nesse negócio,
não é?
— Novinha em folha. Mas estou aprendendo.
Nick despejou dois dedos de uísque para cada um de nós, entregou-me a
taça e, em seguida, tilintou sua taça na minha. — Para aprender a detectar
bêbados... e evitar a companhia deles.
— Vou brindar a isso com muito prazer — eu disse, tomando um gole do
uísque. — De agora em diante, quando eu vir uma garrafa de vodca quase
vazia numa mesa, vou me desviar dela.
— Decisão sábia. Posso te fazer uma pergunta?
— Pode me fazer outra se você quiser.
— Qual é a sua história? Como você acabou vindo trabalhar aqui?
Mantive a minha voz leve. — Pelo mesmo motivo que as outras garotas
aqui. Eu precisava de um trabalho, e o clube me ofereceu um. Sou grata pela
oportunidade.
— Não precisa dizer mais nada — disse ele. — Embora eu tenha certeza
que tem mais coisas nessa história.
— Você tem razão: tem. Mas é uma longa história.
— Então, me conte a versão resumida. Ou a versão longa, se for mais
fácil. — Ele me deu um olhar perscrutador. — A menos que você prefira não
falar nisso, claro.
— Não me importo em te contar, mas não quero que essa conversa seja
apenas sobre mim. Posso responder às suas perguntas se você responder às
minhas.
Ele empertigou sua cabeça para mim. — Pergunta por pergunta?
— Por que não? Essa é uma boa maneira de nos conhecermos.
— Concordo. Então, como você acabou vindo trabalhar aqui?
Sorvi o meu uísque, e então coloquei a taça sobre a mesa. — Em maio,
fui demitida do meu trabalho e passei os próximos meses preenchendo
solicitações de emprego. Inicialmente, eu precisava repor o salário do meu
antigo emprego para manter meu apartamento e continuar estudando.
— O mercado de trabalho tem sido fraco esse ano — disse Nick.
— Você está dizendo isso logo para mim? Então, dê um avanço rápido
até início de agosto. Eu ainda não tinha trabalho, e daí descobri que minha
mãe estava precisando de uma cirurgia nas costas, que vai custar mais de cem
mil dólares e que o seguro não cobre.
— Por que eles não cobrem?
— O procedimento recomendado pelos médicos dela é novo. Daqui a
dois ou três anos, pode ser que cubram, mas ela não tem tanto tempo assim.
Com o passar do tempo, as chances de recuperação completa diminuem.
Minha mãe precisa dessa cirurgia o mais rápido possível para ter uma melhor
chance de caminhar novamente.
— Foi quando você decidiu fazer o teste aqui no clube?
— Isso mesmo. Embora fosse ideia da minha melhor amiga. Ela me
convenceu a tentar.
— Ela trabalha aqui também?
— Sim. O nome artístico dela é Jade, e ela me apoiou totalmente. Ela
marcou o meu teste e me orientou em tudo, desde a dança no poste até o
guarda-roupa e as regras.
— Jade parece ser uma amiga verdadeira.
— Somos como irmãs. Nos conhecemos desde o jardim de infância e
somos colegas de quarto desde a faculdade. Enfim, ela conseguiu um teste
para mim, e você já sabe o resto; você estava lá.
— Estava, e você foi incrível, e foi por isso que eu disse à Isabela para te
contratar.
Meu rosto corou. — Obrigada. Agora é a minha vez?
— É. — Ele entornou o resto do uísque, colocou a taça sobre a mesa e
despejou uma segunda dose. — O que você quer saber?
— A mesma coisa que você acabou de me perguntar. Você sabe porque
estou aqui. E você? O que te trouxe até aqui?
— Eu sou sócio do clube há anos — disse ele. — Clubes como esse são
um bom ambiente para fazer negócios e fechar acordos. Os homens tomam
alguns drinques, assistem ao show e desfrutam da atenção de belas mulheres.
Relaxam e conversam livremente. Como resultado, muitas transações
comerciais são feitas nessas mesas. Ontem à noite, vim aqui por esse motivo:
para encontrar um velho amigo e conversar sobre uma possível oportunidade
de negócio.
— Então, para você tem tudo a ver com negócio — eu disse, suprimindo
a minha decepção. Quando começamos essa conversa, eu esperava que Nick
seria direto comigo, mas, evidentemente, esperei em vão. O que ele acabara
de me contar contradizia tudo que Bianca havia me dito sobre a sua reputação
de playboy.
— Isso mesmo — disse ele, confirmando a mentira.
Minha trepidação aumentou. Talvez as fofocas do clube sobre Nick
fossem exageradas, como em geral são as fofocas, mas, com toda certeza,
haviam de ter algum fundo de verdade. Esta noite, eu me abri para ele, e
como ele havia respondido? Esquivando-se e ocultando a verdade de mim,
justamente como fazia meu ex-namorado Calebe. Uma parte de mim queria
lhe dizer que eu sabia qual era a dele, mas ele era um cliente. Chamar a sua
atenção apenas arriscaria o meu emprego.
Termine o seu drinque, afaste-se da mesa e esqueça este homem.
Virei o resto do meu uísque e estava prestes a dar minhas desculpas, mas
antes que eu o fizesse, Nick falou, e o que ele disse mudou tudo.
— Já que estamos sendo honestos, eu devo te dizer que, no início, quando
fiquei sócio, vim aqui por outros motivos. Os motivos de praxe, suponho.
Tudo não passava de diversão. Conhecer mulheres bonitas, sem expectativas
de longo prazo de nenhuma das partes. Meu negócio era minha vida, e eu não
estava prestes a deixar nada, ou ninguém, concorrer com ele. Mas tudo isso
mudou há pouco mais de um ano, quando fiz trinta anos.
Minha cabeça girou com essa revelação. Por um lado, ele havia acabado
de admitir que passou anos de sua vida como prostituto, o que tinha a dúbia
virtude de explicar sua reputação e provar que ele não era um mentiroso por
completo. Por outro, a afirmação de que ele havia desistido desse estilo de
vida não combinava exatamente com a maneira como ele exigiu um quarto
privado menos de uma hora depois de nos conhecermos ontem à noite.
Que diabo eu deveria pensar?
Não era a minha vez de fazer uma pergunta, mas eu fiz de qualquer
maneira. — O que mudou quando você completou trinta anos?
— Aquele aniversário foi um marco que me levou a reavaliar a minha
vida. Quando reavaliei, percebi que o tipo de relações que eu estava
procurando já não me satisfazia. Eu queria mais, o que significava que eu
precisava fazer algumas mudanças. O quarto privê onde ficamos ontem à
noite? Essa foi a primeira vez em mais de um ano que eu aluguei um quarto
privê. Ir àquele quarto com você violou as minhas regras, mas não me
arrependo disso, porque foi a melhor maneira de passar um tempo com você.
Com isso, tudo que eu sabia sobre Nick começou a se encaixar. Ele havia
admitido que teve um passado que explicava os boatos do clube sobre si, e
tinha sido honesto sobre quando e porque decidiu mudar de vida.
Uma culpa incômoda tomou conta de mim. Tudo que Nick precisava era
de uma chance de contar sua história à sua própria maneira, e por causa de
fofocas e dos meus próprios medos, eu quase lhe neguei essa oportunidade.
— Obrigada — eu disse calmamente. — É a sua vez de me fazer uma
pergunta, isto é, se você quiser.
Ele estendeu o braço sobre a mesa e pôs a sua mão sobre a minha. O seu
toque me deu arrepios. A intensidade imensa da minha atração por ele me
excitava e aterrorizava.
— Sim, quero fazer — disse ele. — Mas primeiro, há algo que preciso
dizer. A maneira que eu me senti com você ontem à noite? Isso não acontece
comigo todos os dias. Na verdade, não acontece há anos. Então, quando
acontece, eu presto atenção. Sinto muita atração por você, Raven. E sei que é
mútuo, porque eu posso senti-la. Quero te conhecer melhor. Quero passar um
tempo com você.
Por um instante, eu fiquei indecisa, mas dessa vez, coloquei minhas
dúvidas de lado. Nick era o primeiro homem por quem eu sentia atração por
toda uma eternidade, e eu não estava prestes a deixar meus sentimentos
tomarem conta de mim.
— Eu gostaria disso, mas há algumas coisas que devemos conversar
primeiro, apenas para ter certeza que estamos na mesma página.
— Como assim?
— Por um lado, você precisa saber que, apesar do que aconteceu entre
nós no quarto privê, eu não sou o tipo de garota que entra de cabeça num
relacionamento com o cara, muito menos na intimidade. Não leve isso a mal:
eu me sinto totalmente atraída por você... mas não quero apressar as coisas.
— Entendido. E espero que você saiba que pode confiar em mim para te
tratar com o respeito que você merece. Tem algo mais que você quer me
dizer?
— Só que a minha vida pessoal precisa ficar separada do meu trabalho.
Se vamos nos conhecer, esse não é o tempo ou o lugar. Precisamos passar um
tempo juntos fora do clube.
Uma expressão de surpresa brilhou em seu rosto, mas ele respondeu
rapidamente. — Eu não poderia estar mais de acordo. Max te ofereceu uma
noite de folga, não ofereceu? Deixe-me te levar para um passeio o resto da
noite.
— Infelizmente, eu já recusei a oferta do Max.
— Então mude de ideia. Meu carro está ali fora. Podemos ir para onde
você quiser.
Sacudi minha cabeça pesarosamente. — Sou nova aqui, lembra? Se eu
disser ao Max que mudei de ideia, ele vai achar que eu sou uma furona. Não
posso me dar o luxo de deixá-lo ter essa impressão a meu respeito.
Nisso, Rocha entrou rapidamente no lounge e foi direito à nossa mesa.
Ela estava me procurando? Senti um aperto no estômago. Seria sobre a cena
ridícula com o cliente embriagado? Eu tinha lidado com a situação da
maneira mais profissional que pude, mas quem sabe? Talvez eu tivesse
violado alguma regra do clube sem perceber.
Conforme Rocha se aproximou da nossa mesa, Nick levantou-se.
— Isabela — disse ele calorosamente, dando-lhe dois beijinhos no rosto.
— Por favor, junte-se a nós para um drinque.
— Não existe descanso para os perversos, querido — disse Rocha
abruptamente. Eu tenho um clube para administrar e garotas para arrebanhar.
É isso aí: arrebanhar. Como ovelhas, cuja inteligência ultrapassa a da maioria
dos humanos.
Nick riu. — Tenho certeza que, como de costume, você tem tudo sob
controle.
— Alguém tem que manter as coisas em ordem por aqui. — Rocha voltou
o seu olhar afiado para mim. — Raven. Max mencionou um incidente com
um de nossos clientes. Como você está?
— Estou bem — eu disse. — Graças ao Max e ao Nick, nada realmente
aconteceu.
— Bom — disse Rocha. — Agora, graças ao entorse de tornozelo de uma
dançarina, os vômitos forçados do bebê de outra e mais um fiasco com cabelo
(o trançado da imbecil pegou fogo quando ela estava fazendo chapinha),
estou com várias garotas a menos esta noite, o que significa que vou precisar
de você para um segundo número de dança.
— O cabelo de alguém pegou fogo? — perguntei.
— Lucrécia teve que apagar o fogo dela com o extintor de incêndio; a
fumaça nos bastidores acelerou o aquecimento global por uma década, e
vamos dizer que essa garota vai estar usando perucas por vários meses. Para
ser mais direta, preciso do seu traseiro no palco em duas horas, e quando
você estiver lá, espero uma performance de cair o queixo. Com isso em
mente, tenha calma na próxima hora. Isso é uma ordem. Sugiro fazer uma
caminhada fora do clube... a menos que você prefira relaxar e curtir a sua
bebida. Ou, quem sabe, curtir o Nick; você certamente não vai errar nessa.
Quando você voltar, quero que dê o seu melhor. Entendido?
Assenti com a cabeça, tentando esconder a minha empolgação. Ela tinha
acabado de possibilitar que eu saísse do clube com Nick. — Entendido.
Assim que eu terminar o meu drinque, vou fazer uma caminhada e, em
seguida, ir para os bastidores me aprontar.
— Muito bem — disse Rocha. — Te vejo nos bastidores em uma hora. E
com isso, ela virou as costas, afastou-se e saiu do salão.
O olhar de Nick prendeu-se ao meu. — Então, temos uma hora.
— É isso mesmo — eu disse. — Uma hora.
— Temos o meu carro. Você gostaria de ir para algum lugar?
Eu hesitei. No trânsito de Nova York, uma hora era cinco minutos, e eu
tinha plena consciência de que não deveria chegar um milésimo de segundo
atrasada para Isabela Rocha. — Vamos apenas sentar no seu carro e
conversar, está bem?
Ele virou o resto do seu uísque escocês goela abaixo, colocou a taça sobre
a mesa e olhou para mim. — Vamos.
15

Quando Nick me ajudou a entrar em sua elegante limusine preta, a vista com
que meus olhos se depararam não foi nada do que eu esperava.
Uma luz difusa embutida iluminava as poltronas aparentemente
confortáveis de couro marrom claro, que formavam uma letra U em volta dos
lados e na parte traseira do carro, como uma ferradura cuja boca estava aberta
para a divisória que nos separava do motorista. Entre os braços das poltronas
havia mesas com superfícies que combinavam com os painéis de madeira das
partes das paredes que não estavam ocupadas por janelas. O piso era de
carpete num rico tom marrom escuro, um teto solar expansivo estendia quase
por todo o teto, e uma televisão de tela grande estava montada na parede
traseira. O ambiente estava mais para sala da diretoria de uma empresa do
que a decadência fluorescente à Las Vegas de algumas limusines que eu tinha
usado para ir a festas e casamentos.
Mas no instante em que a porta do carro se fechou ao entrarmos, Nick
reivindicou minha boca com um beijo faminto e profundo, e tudo ao nosso
redor se desvaneceu. Tudo que eu tinha pensado em lhe dizer desapareceu,
incinerado pelo imediatismo do meu desejo por ele. Nossos lábios e nossas
línguas se chocaram e se enredaram, brincaram e exploraram, e o tempo
parou à medida que nos envolvíamos um com o outro.
Nick interrompeu o beijo e gentilmente afagou o meu rosto em suas
mãos. — Por mais tentador que seja passar a próxima hora com você, viemos
aqui, na verdade, para conversar.
Pousei minhas mãos em seus ombros e balancei a cabeça
provocativamente. — Você é terrivelmente perturbador, sabia?
O seu semblante se dividiu num sorriso assimétrico que eu achei
irresistível. — Eu poderia dizer a mesma coisa sobre você. Então, fale
comigo... antes de nos distrairmos outra vez.
— Eu só quero ser completamente honesta com você — eu disse. — Faz
mais de um ano que eu namorei alguém e minha última relação foi um
desastre. Eu realmente não quero que nenhum de nós se machuque, e é por
isso que preciso ter certeza que está tudo bem com você se a gente levar as
coisas devagar.
— Eu entendo — disse ele, e sua voz baixou vários tons. — Quando eu
fizer amor com você, e vou fazer amor com você, Raven, vai ser porque você
me pediu, e não vai haver nada de apressado nisso.
Ele inclinou-se para me beijar de novo, mas antes que o fizesse, havia
uma última coisa que eu precisava lhe dizer.
— Mais uma coisa — eu disse.
Ele recuou ligeiramente. — Está bem.
— Quero que você saiba meu nome verdadeiro. É Ilana. Ilana Evans.
— Ilana — disse ele. — É um nome bonito.
— Obrigada. É o nome do meio da minha mãe.
— É perfeito como você.
Em seguida, ele me puxou para os seus braços e seus lábios se
desmancharam nos meus. Deslizei meus dedos pelos seus cabelos escuros e
grossos, e rastreei meus dedos ao longo do seu maxilar, sentindo a aspereza
de sua barba. O brilho de luzes da rua ao redor filtrou pelos vidros fumados
do carro, iluminando os contornos masculinos do seu rosto e do resto do seu
corpo.
De repente, com um som esmagador, o carro deu um arranque para frente.
Airbags explodiram à nossa volta e nos prenderam um contra o outro.
— Que diabo foi isso? — perguntou Nick. — Alguém acabou de bater
em nós?
— Realmente é o que pareceu.
Gentilmente, ele arrumou uma mecha do meu cabelo que havia caído em
meu rosto. — Bem, seja lá quem for esse imbecil, eu particularmente não me
importo com a cronometragem dele.
— Espero que o seu carro esteja OK — eu disse.
— Não se preocupe com o meu carro. — Ele empurrou o airbag lateral
que estava mais próximo da porta ao lado do meio-fio, que, ao contrário dos
outros, não tinha começado a desinflar. — Esse airbag está com defeito ou o
quê? — Apesar de o fato de que alguém tinha acabado de bater no carro dele,
sua expressão era bem-humorada. — Aposto que você vê muito isso nos
bastidores.
Eu ri. — Você não ouviu nem a metade.
O motorista abriu a porta ao lado do meio-fio e olhou, com dificuldade, o
airbag. — Sr. Santoro, você está bem? Algum idiota bateu a traseira de uma
Ferrari em nós enquanto estava saindo da vaga de estacionamento. Ele fugiu
como o diabo foge da cruz, mas eu anotei o número da placa.
— Estamos bem — disse Nick. — Mas esse airbag obviamente não está.
— Quer que eu aplique um pouco de força bruta? — perguntou o
motorista. — Vai ter que ser trocado, de qualquer forma.
— Isso pode esperar. Ajude a moça a sair do carro, e daí eu saio e dou
uma olhada no estrago.
O motorista empurrou o airbag para cima com uma mão, estendeu a outra
mão para mim e me ajudou a sair e ficar na calçada. Com alguma dificuldade,
devido à sua altura, Nick abaixou a cabeça por baixo do airbag, libertou-se
do carro e foi para onde eu estava na calçada. Juntos, examinamos o para-
choque do carro.
— Sinto muito — eu disse. — O seu para-choque parece estar destruído.
Nick encolheu os ombros. — Um pequeno preço pelo prazer da sua
companhia. Por falar nisso, quando posso te ver novamente?
— Que tal esta semana, num dos meus dias de folga? Meu telefone está
nos bastidores em minha bolsa, mas se você tiver o seu, eu posso te dar o
meu número.
Ele enfiou a mão no bolso do paletó, tirou um iPhone e o entregou para
mim. Digitei o número do meu celular na sua lista de contatos e lhe devolvi o
telefone.
— Estou livre nesta segunda, terça e quarta-feira — eu disse.
Ele colocou o telefone de volta no bolso. — Tenho compromissos na
segunda e terça, mas quarta é perfeito. Você disse que gosta de filme
francês... E comida francesa?
— Isso é pergunta que se faça?
— Boa resposta. Que tal um jantar na quarta à noite? Tem um novo
restaurante francês que eu tenho vontade de conhecer. Vou te mandar uma
mensagem de texto na quarta de manhã para combinar os detalhes.
Eu sorri para ele. — Combinado.
16

Mas da próxima vez que vi Nick Santoro, isso não envolveu restaurantes de
luxo, limusines, ou comida francesa.
Era cerca de meio-dia de terça-feira, e graças ao depósito direto do meu
primeiro cheque de pagamento, eu havia passado a manhã na Universidade
de Nova York, onde me matriculei para estudar no segundo semestre e
comprei o livro didático para a minha aula de Finanças Empresariais.
Também coloquei um cheque no correio para a minha mãe. Levaria
aproximadamente de quatro a seis meses para eu pagar todas as despesas
médicas relacionadas com a cirurgia dela, mas me senti bem por ter lhe
enviado o primeiro cheque.
O dia de agosto estava ensolarado e morno, e eu não tinha nenhuma
pressa em voltar para casa. Virei no Parque Washington Square e caminhei
tranquilamente em direção à fonte que ficava no centro, que, na verdade,
estava ligada. Conforme eu caminhava, meus pensamentos me transportaram
para a conversa telefônica da noite anterior com minha mãe.
Quando conversamos, eu menti para ela sobre o meu novo trabalho.
Expliquei a súbita melhora em minhas finanças, dizendo-lhe que tive a sorte
de pegar um emprego numa firma de consultoria que me ofereceu um salário
de cem mil dólares. Detestei mentir para minha mãe, mas não havia outro
jeito. Se ela soubesse o que eu estava fazendo para ganhar esse dinheiro, ela
nunca teria aceitado isso.
Claro, sendo quem ela era, a aceitação da minha mãe só aconteceu depois
de uma bateria de perguntas.
— Estou feliz que você encontrou esse novo emprego — disse ela. —
Apesar de não saber nada sobre consultoria, sei que as firmas de consultoria
pagam bem. Mas você estava desempregada desde maio. Não entendo como
você pôde me mandar milhares de dólares quando você deve estar com suas
contas atrasadas.
Eu esperava por essa pergunta, e dei a ela a explicação que eu havia
preparado. — A firma me deu um bônus de contratação de trinta mil dólares.
Eles também dão bônus de fim de ano e bônus por desempenho em projetos
de alta prioridade. Meu salário é somente o meu salário-base. Por causa dos
bônus, vou acabar ganhando muito mais.
— Estou tão orgulhosa de você, Ilana. Você ainda nem terminou o seu
mestrado em administração de empresas, e olha só aonde você chegou.
Trabalhando para uma grande firma de consultoria e recebendo um salário
três vezes a mais do que ganhava no seu velho emprego.
O elogio de minha mãe me fez sentir mais culpada que nunca por ter
mentido a ela, mas deixei a culpa de lado e foquei no que precisava ser feito.
— É por isso que eu quero que você marque a sua cirurgia o mais rápido
possível. Agora que podemos pagar, não há por que esperar.
Por um longo momento, ela ficou em silêncio. — Você sabe que eu
detesto pegar o seu dinheiro.
— Você precisa andar novamente. Precisa ter a sua vida de volta. E esse
dinheiro é apenas uma pequena parcela do que você gastou enquanto me
criava. Lembra todos aqueles turnos extras que você trabalhou? E o segundo
empréstimo hipotecário que você pegou na casa para me ajudar na faculdade?
— Quando eu me recuperar, vou pagar cada centavo.
Eu não tinha nenhuma intenção de deixar que minha mãe me pagasse de
volta, mas decidi deixar aquela discussão para um outro dia.
— Quando você se recuperar, a gente conversa sobre isso. Neste
momento, só quero que você me prometa que vai marcar a data da cirurgia. E
me informe a data assim que estiver marcada, para eu tirar folga do trabalho
para estar com você.
Quando ela disse isto, a sua voz estava carregada de emoção: — Alguma
vez eu já te disse como sou sortuda por ter uma filha como você?
— Sortuda mesmo sou eu por ter uma mãe como você. Eu te amo, mãe...
e mal posso esperar para ver você andar novamente.
— Eu também te amo, Ilana. Meu maior arrependimento é que não
escolhi um homem melhor para ser seu pai. Se eu tivesse feito uma melhor
escolha, talvez você estivesse procurando um apartamento maior, ou
economizando para dar uma entrada em um, em vez de pagar as despesas
médicas da sua velha mãe.
— Você não é velha, e quanto ao meu pai, isso não foi culpa sua. Ele
enganou você e abusou da sua confiança.
— Graças a Deus que você é mais inteligente que eu fui. Você nunca foi
de confiar facilmente.
— Não mesmo — eu disse. — Nunca fui.
Conforme eu me lembrei da conversa da noite anterior, meus olhos
ficaram molhados. Minha mãe ainda não tinha cinquenta anos, e por mais que
eu detestasse mentir para ela, eu odiava a ideia de vê-la passar o resto da vida
numa cadeira de rodas ainda mais tempo.
Uma vez que a cirurgia tivesse sido feita e paga, eu diria toda a verdade a
ela. Ela ficaria chateada por eu ter ocultado a verdade, e odiaria o fato de que
sua filha trabalhava num clube de strip-tease. No entanto, eu também sabia
que ela entenderia. Minha mãe tinha feito muitos sacrifícios durante os anos
em que ela, mãe solteira, estava me criando e trabalhando como enfermeira.
Agora, era a minha vez de ajudá-la. Num mundo ideal, fazer strip-tease seria
a minha escolha para resolver o problema? Claro que não.
Mas tirar as roupas, e o dinheiro rápido que vinha disso, era o que eu
tinha para oferecer. Isso simplesmente poderia dar à minha mãe a
possibilidade de caminhar novamente. E eu a amava tanto que não tinha o
menor problema em fazer o que precisava ser feito.
Passei pela fonte reluzente e me sentei num banco embaixo da sombra
das árvores que dava para o centro do parque. Ao meu redor, uma parcela
vívida de nova-iorquinos desfrutavam do parque. As pessoas jaziam cooper,
andavam de skate e caminhavam com seus cachorros. Mães empurravam
carrinhos de bebê ou observavam seus filhos brincar. Ao lado da fonte, um
músico de rua dedilhava o seu violão. Perto dali, um jovem estava agachado
sobre um desenho semi-acabado na calçada, com pedaços de giz em cores
brilhantes.
Uma brisa leve farfalhou as folhas sobre a minha cabeça, e eu tive uma
profunda sensação de paz. Os últimos meses tinham sido difíceis, mas eu
ainda estava aqui, ainda em Nova York, ainda correndo atrás dos meus
sonhos. Graças à Bianca, e graças ao meu novo emprego no clube, minha
vida, aos poucos, estava novamente entrando nos trilhos. Meu plano para a
tarde era relaxar, curtir o parque por uma hora e depois almoçar num dos
meus cafés favoritos na área.
Enfiei a mão na sacola de plástico que continha o meu livro recém-
comprado, tirei-o da sacola e folheei suas páginas. Alguns momentos depois,
quando ouvi um cachorro latindo de forma aguda, olhei para cima sobre o
livro.
Foi então que vi Nick.
Ele estava de pé, a uma distância de aproximadamente 9 metros de mim.
Vestido numa camiseta verde escura agarrada ao seu torso musculoso, calça
de corrida azul escura e tênis Nike Air, ele segurava uma guia de cão por uma
ponta, e a outra estava presa a um pequeno cãozinho dálmata.
O cãozinho tensionava contra a guia e dava uns latidinhos altos,
evidentemente querendo fazer amizade com um shih-tzu que passava com
sua dona, uma mulher idosa. — Não — disse Nick. — NÃO.
Vi Nick relutar para manter o cãozinho ansioso sob controle. Ele puxou a
guia e, em seguida, abaixou-se e acariciou a cabeça do cachorrinho, como se
estivesse pedindo desculpas por mantê-lo imobilizado.
Reprimi o meu desejo de rir. Evidentemente, o Sr. Classe A não entendia
merda nenhuma de cachorro. Ele precisava de uma escola de cães mais que o
seu próprio cachorrinho.
Mas isso não era da minha conta, e, em qualquer caso, eu não tinha
certeza sequer se ele ia me reconhecer. Em minha regata casual, calça capri e
maquiagem mínima, eu não parecia nada com Raven, a stripper. E eu não
tinha certeza se queria ser reconhecida por ele, de qualquer maneira. Depois
de uma manhã correndo para lá e para cá, eu provavelmente estava parecendo
uma doida. Será que Nick ainda teria atração por mim se me visse como eu
mesma? Eu esperava que sim, mas não tinha certeza.
— Ilana?
De alguma forma, ele me reconheceu. Coloquei o meu livro sobre o
banco ao lado e esperei que meu cabelo não parecesse tão terrível quanto
geralmente era depois de uma manhã de afazeres.
— Sou eu — eu disse. — Mas como você me reconheceu?
— Vamos dizer apenas que eu consegui. Excelente cronometragem, por
sinal: eu estava para te mandar uma mensagem de texto sobre nossos planos
para o jantar de amanhã, e então olho pelo parque, e aqui está você.
— A propósito, cachorrinho fofo.
Abriu-se um sorriso no rosto de Nick. Ele caminhou até o meu banco e se
sentou ao meu lado. — Ele é muito divertido.
— Quantos anos ele tem?
— Um pouco mais de dois meses; pelo menos é o que o pessoal do
Paraíso dos Animais disse.
— Então, ele é um cachorrinho resgatado?
— Isso mesmo. Eu o adotei ontem, e o dia de hoje é somente para
acomodá-lo em meu apartamento. Ele precisa de alguns brinquedos, e esta
noite vou levá-lo para a casa de minha irmã Jana em Morristown e apresentá-
lo à minha sobrinha e meu sobrinho.
Quando vi Nick da última vez, ele disse que estava ocupado na segunda e
na terça. Suprimi um sorriso. O Sr. Classe A tinha reservado dois dias
inteiros para adotar um cachorrinho. Aparentemente, havia mais coisas acerca
dele que eu não estava vendo.
Nisso, o cachorrinho levantou a perna e fez pipi num dos tênis de Nick.
Nick rapidamente moveu seu pé para o lado e olhou, de relance, a
bagunça molhada. — Droga. Estou tentando lhe ensinar algumas boas
maneiras, mas acho que isso vai levar tempo.
Enfiei a mão na bolsa, peguei uma caixa de Kleenex e tirei vários lenços
de papel, que entreguei a ele. — Aqui está. Use isso para limpar o seu tênis.
Qual é o nome dele?
Nick inclinou-se e começou a limpar a sujeira. — Ainda estou
trabalhando nisso também. Alguma ideia?
Pensei por um minuto. — Ele é preto e branco. Você poderia chamá-lo de
Dado... ou Dominó.
Nick sentou-se ereto e jogou o Kleenex na lata metálica de lixo perto do
banco. — Dado não é ruim. Dominó parece nome de menina.
O cachorrinho fungou nos meus tornozelos, e eu me inclinei e cocei suas
orelhas. Ele abanou o rabinho e lambeu minha mão com entusiasmo. Com
uma mancha preta sobre o olho esquerdo, que lhe dava uma aparência
inusitada, ele realmente era adorável.
— Ele gosta de você — disse Nick.
— Ele realmente é fofo, e com aquela mancha em torno do olho, ele
parece um bebê pirata. Que tal chamá-lo de Pirata, ou Mancha... ou Jack?
Nick olhou pensativamente para o cachorrinho, que tinha vagado alguns
metros de distância para cheirar a base de uma árvore próxima. — Jack
combina com a personalidade dele. Ele é um verdadeiro serelepe, e ele é
destemido. Quando eu o trouxe para casa ontem, pensei que ele fosse levar
um ou dois dias para se acomodar, mas ele passeou pela casa toda.
— Os dálmatas têm a reputação de ser um tanto hiperativos.
— Ele correu por todos os cômodos, cheirou tudo ao seu alcance,
derrubou uma lata de lixo quatro vezes maior que ele, rastejou para dentro
dela e comeu os restos da minha comida tailandesa. — Nick sorriu para mim,
o que quase me matou. — Você precisava vê-lo quando eu o tirei do lixo. Ele
tinha macarrão tailandês por todo o nariz e também nas orelhas.
A imagem do Sr. Classe A tirando o seu cãozinho da lata de lixo me fez
sorrir. O Nick que eu estava vendo agora era completamente diferente da
persona que ele projetou no clube, ou mesmo quando estávamos no carro
juntos.
— Você teve que dar um banho nele? — perguntei.
— Eu resolvi esfregá-lo com um pano. Sempre que eu o pego, ele se
contorce e late como um louco. — Ele se sentou ao meu lado no banco. —
Obrigado pelas sugestões de nomes. Jack é o nome perfeito para ele.
— Jack, o dálmata — eu disse. — Gosto desse nome.
— Então, o que traz você a essa parte da cidade? — perguntou ele.
— Eu moro aqui perto, em East Village.
Ele empertigou sua cabeça para mim. — Você está brincando. Eu
também. Eu me mudei para East Village um ano atrás. Há quanto tempo você
mora por aqui?
— Quase três anos. Quando minha colega de apartamento e eu decidimos
mudar para Nova York pela primeira vez, olhamos apartamentos para alugar
em várias áreas, mas o Village pareceu ser o lugar certo para nós. Para mim,
ele combina com a minha maneira de ser como pessoa. Adoro a atmosfera
criativa e eclética, e curto a diversidade. O Village oferece muito mais nesse
sentido do que a maioria dos bairros de Nova York.
— Concordo. Morei em diversos lugares de Nova York, mas quando eu
estava pronto para comprar, essa foi a área onde eu quis ficar.
Eu não esperava que um cara como Nick apreciasse a rica diversidade do
Village; aliás, como eu também não esperava que ele fosse aparecer no
Parque Washington Square com um cachorrinho recém-adotado.
— Então, somos vizinhos — disse ele. — Com que frequência você vem
aqui?
Notei quando Jack colocou as patas na grama perto do nosso banco e, em
seguida, agachou. — No verão, venho aqui o tempo todo. A propósito, o seu
cachorro acabou de fazer cocô.
Nick não se mexeu. — Bom — disse ele. — Agora que o Jack fez o
serviço dele, posso levá-lo ao pet shop. Ele destruiu minha carteira ontem à
noite; portanto, estou achando que ele provavelmente precisa de algo mais
apropriado para mastigar.
— Ummm... sim. Você não vai apanhar aquilo?
— Apanhar o quê?
— O cocô do Jack. Você meio que tem que fazê-lo. É a lei.
— Você está brincando comigo.
— Na verdade, não estou. Está vendo todas aquelas crianças e velhos ao
nosso redor? Um deles poderia escorregar no troço do cachorro, cair de
ponta-cabeça e acabar numa cadeira de rodas.
— Você espera que eu pegue caca de cachorro?
— Na verdade, o município de Nova York espera.
— Com o quê? Com as mãos sem proteção?
Revirei meus olhos. — Você nunca teve cachorro?
— Não, nunca tive.
— Isso explica muita coisa. Você deu comida para o Jack hoje? Deu a ele
uma vasilha de água?
Ele me deu um olhar aflito. — Claro que sim.
— Bem, isso explica o troço.
Peguei meu livro do banco, apanhei a sacola de plástico que estava por
baixo dele e a entreguei a Nick. — Aqui está. Pegue isto. Limpe o cocô do
Jack. Você pode fazê-lo.
Nick se levantou do banco, pegou a sacola e, cautelosamente, a usou para
pegar o troço do cachorro e jogá-lo numa lata de lixo próxima.
— Pronto — disse ele. — Estou dentro da lei agora?
— Sim, mas você obviamente não faz a menor ideia do que é ser dono de
um cachorro. Você e o Jack precisam se matricular numa escola de
cãezinhos, e provavelmente também deveria ler um ou dois livros sobre
cachorros.
— Escola de cãezinhos?
— Sim, escola de cãezinhos. Em outras palavras: adestramento canino,
que você e o Jack precisam. Lá você vai trabalhar com um treinador
experiente que vai ensinar habilidades básicas ao seu cachorro. Sentar quando
você mandar. Vir quando for chamado. Andar com uma guia sem arrancar o
seu braço. Não morder o bumbum de nenhuma velhinha. Coisas assim.
— Você tem alguma coisa para fazer na próxima hora mais ou menos? —
perguntou Nick.
— Nada que não possa esperar.
— Deixe-me levá-la para um almoço. — Ele me deu um sorriso
vencedor. — Como você acabou de observar, eu preciso de uma consultora
de gerenciamento canino. Poderíamos encontrar uma lanchonete com mesas
ao ar livre... sabe, algum lugar que permite entrar com cachorros.
Olhei de relance para Jack, que agora estava puxando a calça de Nick
com seus dentes. — Uma lanchonete? Com esse cachorrinho? Você deve ter
perdido a cabeça.
— Por que não? Muitas lanchonetes permitem cachorros nas áreas
externas onde as pessoas sentam.
— Olha só o que ele está fazendo com a outra perna da sua calça agora:
ele está mastigando como se elas fossem um pneu. Agora, imagine ele dando
o mesmo tratamento à toalha de mesa de algum cliente. A gente nunca ia
conseguir almoçar sem provocar uma cena.
Nick estendeu a mão para baixo e acariciou a cabeça de Jack. — Você
tem razão. Antes de eu levá-lo para os restaurantes, ele vai ter que aprender
algumas boas maneiras. Até lá, acho que vou comer em casa por muito
tempo.
— Jack é um cachorrinho esperto — eu disse tranquilizadoramente. —
Isso não vai levar muito tempo. E sempre há a possibilidade de comprar
comida para viagem.
Nick demonstrou-se interessado e estalou seus dedos. — Está aí a
resposta. Você gosta de sanduíches de bacon, alface e tomate?
— Eles são uma espécie de tesouro nacional.
— Você é rápida.
— Você achou que eu fui lenta?
— Nem por um minuto. Olha, estamos a menos de cinco minutos a pé de
uma delicatessen que faz os melhores sanduíches de bacon, alface e tomate
de Nova York. Podemos pedir para viagem, e então almoçar aqui mesmo no
parque.
— Você acertou em cheio — eu disse. Levantei-me do banco, pendurei a
bolsa no ombro e peguei meu livro. — Vamos pegar esses sanduíches. E
alguma coisa para o Jack, é claro.
17

Meia hora mais tarde, Nick e eu estávamos de volta ao Parque Washington


Square, sentados num banco e batendo papo enquanto apreciávamos os
nossos sanduíches. Jack deitou-se na grama próxima ao nosso banco,
mastigando um osso que Nick havia persuadido a delicatessen a lhe vender.
Conforme comíamos e conversávamos, eu me encontrei relaxando em sua
companhia. Uma forte atração rolava entre nós, mas aqui no parque, eu não
era uma stripper e ele não era um cliente classe A. Éramos apenas dois nova-
iorquinos desfrutando juntos de um almoço casual e espontâneo.
— Mmmm — eu disse. — Você não estava brincando quando disse que a
delicatessen faz os melhores sanduíches de bacon, alface e tomate de Nova
York.
— Conheço bem meu pedido para viagem — disse ele. — Tenho que
conhecer. Não sou lá essas coisas como cozinheiro.
Ele terminou o sanduíche e limpou as mãos num guardanapo de papel,
que ele jogou numa lata de lixo ao lado do banco. Então, ele olhou de relance
para o livro, que estava no banco entre nós.
— Notei o logotipo da Universidade de Nova York na sacola de plástico
que você me deu para limpar o Jack — disse ele. — Você estuda na
Universidade de Nova York?
— Estudo.
— Que curso você está fazendo?
— Fiz dois terços do meu mestrado em administração de empresas.
Por um instante, ele pareceu surpreso, mas então um largo sorriso
estampou-se em seu rosto. — Eu sabia. Há algo diferente em você. Você é
inteligente demais para estar fazendo o que faz.
— Isso é um tanto ofensivo — eu disse.
Ele me deu um olhar confuso. — Você está ofendida porque eu te acho
inteligente?
— Não, estou ofendida por você achar que as pessoas que fazem o que
faço são burras.
— Não foi o que eu disse.
— Não foi?
— Não. Mas, evidentemente, você é inteligente o bastante para encontrar
algo melhor.
— Melhor em que sentido? Com certeza, não financeiramente. Assim
como tenho certeza que você está ciente, poucos empregos pagam melhor.
Ele pausou por um momento e, em seguida, encontrou o meu olhar. —
Você está reagindo como se eu estivesse te julgando sobre o que você faz
para ganhar a vida. Eu não estou. Estou apenas dizendo que você obviamente
é uma garota inteligente, e que você deveria usar essa inteligência para
construir uma carreira verdadeira para você mesma.
— Você realmente acha que o que estou fazendo agora é a carreira dos
meus sonhos? Preciso ganhar mais dinheiro do que eu ganhava no passado, e
é exatamente isso que estou fazendo. É um negócio como qualquer outro.
— Deixe-me colocar de outra forma — disse Nick. — Não estou
criticando você. Apenas estou sendo direto. Não tenho nada além de respeito
pelo seu objetivo de ajudar a sua mãe, mas você também precisa considerar o
seu próprio futuro. Você pode estar fazendo um monte de dinheiro agora,
mas o seu emprego atual não é exatamente algo que você pode colocar no seu
currículo.
Agora que ele havia esclarecido o que ele queria dizer, eu não discordei,
mas depois dos seus comentários iniciais, eu não estava prestes a lhe dar
nenhuma folga. — Isso pode ser novidade para você, mas o mercado de
trabalho está uma merda neste momento. Sou grata pelo trabalho que eu
tenho e pelo dinheiro que ganho com ele. Depois que eu terminar de pagar a
cirurgia da minha mãe e completar o meu mestrado em administração de
empresas, vou revisitar o mercado de trabalho, mas, por ora, estou feliz onde
estou.
Ele sorriu. — Então, você concorda comigo.
— Não tenho certeza disso.
— Ah, não. Você acabou de dizer que está planejando verificar o
mercado de trabalho depois que terminar o seu curso. E um mestrado em
administração de empresas abre muitas portas. Você não vai trabalhar no
clube por muito tempo.
— Talvez não. Mas podemos sair desse assunto sobre o meu trabalho? Eu
realmente prefiro não conversar sobre meu trabalho em público, mesmo que
seja em código.
— Peço desculpas — disse ele. — Mas você é uma mulher intrigante, e
minha curiosidade me dominou.
— Desculpas aceitas, mas vamos seguir em frente, tudo bem?
Ele ergueu suas mãos. — Bola para frente. Então, você está estudando
para o seu mestrado em administração de empresas. O que está interessada
em fazer depois que terminar o seu curso?
— Estratégia de marketing para tecnologia — eu disse. — Idealmente, eu
gostaria de entrar para uma startup e participar da construção do seu sucesso.
— A construção de um negócio a partir do zero pode ser uma ótima
experiência — disse Nick. — Isso é o que eu e meus parceiros comerciais
fizemos com a FlexMap.
FlexMap?
Não é de admirar que o nome dele tinha soado familiar quando eu o ouvi
pela primeira vez. Qualquer um que acompanhasse notícias sobre negócios
sabia da FlexMap.
— A FlexMap era a sua empresa?
— Era.
— Você era um dos donos?
— Eu a fundei, juntamente com dois amigos. Nos encontramos na escola
de negócios na Universidade de Colúmbia, e começamos a empresa não
muito tempo depois que nós todos nos formamos. Fiz tanto meu curso de
graduação quanto meu mestrado em administração de empresas na Colúmbia,
e a maior parte da equipe inicial da FlexMap eram pessoas que conheci
durante os anos em que estudei lá.
Eu estava impressionada. Quem não estaria? A FlexMap era uma história
de sucesso quase lendária que começou com um pequeno grupo de jovens
visionários trabalhando num apartamento no Brooklyn. Com a ascensão de
aplicativos de mapeamento para smartphones, a empresa cresceu,
catapultando para as páginas de revistas como Forbes e Fast Company.
— Li sobre a FlexMap — eu disse. — Como tudo começou, e como ela
cresceu de uma minúscula startup até chegar à posição número um de
provedora de aplicativos de mapeamento para smartphones.
Ele levantou uma sobrancelha para mim. — Bem, isso é incomum. Eu me
sento para almoçar com uma bela mulher, e descubro que ela é uma viciada
em negócios.
Sorri ao ouvir esse comentário. Depois de meses de desemprego,
seguidos do meu trabalho no clube, eu me senti bem ao ser reconhecida como
uma pessoa de negócios. Ou pelo menos como uma viciada em negócios.
— Você deve estar muito orgulhoso do que conseguiu com a FlexMap —
eu disse.
— Nós tínhamos uma forte ideia e uma ótima equipe — disse ele. — E
tivemos sorte.
A modéstia de Nick me pegou de surpresa. Em minha experiência, os
homens de negócios normalmente agarravam qualquer oportunidade para se
gabar de suas conquistas, mas, aliás, poucos empresários que eu tinha
conhecido eram tão bem-sucedidos quanto ele.
— Sorte em que sentido? — perguntei.
— A escolha do momento. Boas ideias que estão à frente do seu tempo
muitas vezes falham, mas nós chegamos ao mercado no momento certo.
— Por isso é que vocês são considerados gênios na área de negócios.
— Eu odeio essa palavra. A imprensa comercial gosta de jogar palavras
como "gênio" à nossa volta, mas esses exageros somente distraem os leitores
de compreender o que realmente leva as empresas a ser bem-sucedidas.
— Como assim?
— As pessoas. A equipe. Mesmo uma ideia de classe mundial não vale
muito sem as pessoas certas por trás dela. Compromisso e trabalho duro. E,
mais uma vez, sorte.
Percebi que Jack tinha se levantado e estava trabalhando duro, mascando
sua guia de couro. A guia teria sido adequada para um cachorro mais velho
bem comportado, mas não duraria por muito tempo com o tratamento que o
cachorrinho de Nick estava lhe dando.
— Por falar em compromisso, — eu disse — Jack parece decidido a
destruir aquela guia. Você precisa de uma que ele não possa mastigar.
— Eu estava planejando parar na PetSmart que fica na Broadway a
caminho de casa — disse Nick. — Posso convencer você a vir comigo? Você
poderia me aconselhar sobre uma nova guia e alguns brinquedos para o Jack.
Eu tinha tempo, e, para ser honesta comigo mesma, eu não queria que a
tarde terminasse.
— Claro — respondi. — Afinal, alguém aqui precisa salvar você do seu
cachorro.
18

Quando Nick e eu chegamos à PetSmart na Broadway, escolhemos uma guia


à prova de mastigadas e vários tipos de guloseimas orgânicas para cachorros.
Em seguida, prosseguimos para a seção dos brinquedos. As prateleiras da ala
de brinquedos estavam empilhadas até o alto com uma variedade
impressionante de cordas para puxar, brinquedos para mastigar e ossos de
borracha. Enquanto Nick e eu explorávamos a seleção, Jack se estatelou no
chão próximo aos pés de Nick, evidentemente exausto com a caminhada e o
calor de agosto.
Nick pegou um brinquedo peludo que parecia uma mistura de castor com
esquilo, olhando para ele criticamente.
— A etiqueta diz que é lavável — disse ele. — Penso que seja uma coisa
boa.
— Lavável é bom, mas tente apertá-lo — eu disse.
Ao apertar o brinquedo, ele emitiu um barulho estridente, e as orelhas de
Jack se antenaram, obviamente interessadas.
— Ele gosta deste — disse Nick.
— Sim, mas imagine ouvir esse som durante horas, principalmente
quando você estiver tentando trabalhar ou dormir. — O Jack dorme perto de
você?
Nick pareceu constrangido. — Eu comprei uma cama para cachorro e
uma esteira de dormir, mas ele deixou claro ontem à noite que prefere dormir
na cama ao meu lado.
— Bem, é uma escolha pessoal, mas muita gente deixa seus animais de
estimação dormir com elas em suas camas. Lá em Vermont, uma garota
chamada Marie, com quem eu trabalhei como garçonete... ela deixava a sua
iguana dormir com ela.
— Ela dormia com uma iguana?
— Iggy, a iguana.
— Eu pensava que as iguanas mordiam.
— Iggy não. No entanto, às vezes ele cuspia em Marie.
— Isso é chato — disse Nick.
— Marie parecia não se importar. Aparentemente, cuspir é um
comportamento normal nas iguanas.
— Bem, elas realmente têm gelo em suas veias, suponho.
— Bem lembrado — eu disse.
— Mas você não pode correr com uma iguana.
— Você gosta de correr? — perguntei.
— Corro todas as manhãs. Agora que tenho Jack, penso em levá-lo
comigo. E você?
— Geralmente corro pelo menos três vezes por semana, mas relaxei nas
últimas semanas. Preciso voltar a fazê-lo.
— Você pode correr comigo e o Jack a qualquer hora. Poderíamos nos
encontrar no parque, ou em qualquer lugar que seja bom para você.
— Aceito o seu convite — eu disse. — Mas neste momento, preciso
voltar para casa. Minha companheira de quarto e eu fizemos planos de sair
hoje à noite; ela viaja amanhã para Vermont, onde vai passar alguns dias.
— Antes que você vá, vamos falar sobre o jantar de amanhã à noite. Que
tal às oito horas?
— Eu adoraria jantar com você, mas e o Jack? Ele pode não reagir bem se
for deixado sozinho. Você o tem faz apenas um dia ou algo assim. Ele ainda
está se ajustando ao seu novo ambiente.
Nick olhou pensativo. — Eu estava pensando em trancá-lo num dos
banheiros, com comida, água e brinquedos, claro.
Um pensamento bateu em minha mente. — Tenho uma ideia melhor.
— O que é?
— Vamos mudar nossos planos para o Jack ficar conosco. Poderíamos ir
correr pela manhã e daí almoçar no parque como fizemos hoje, ou se for
melhor à noite para você, poderíamos ficar no seu apartamento e pedir
alguma comida para viagem.
— Vamos fazer tudo isso — disse ele.
— O quê?
— Tudo que você acabou de sugerir. Estou livre o dia todo amanhã, e
parece que você também. Passe o dia comigo e com Jack.
Por um momento, fiquei congelada. Um dia inteiro juntos? Mais uma vez,
Nick tinha agido mais rapidamente do que eu esperava, mas se eu fosse
honesta comigo mesma, eu tinha que admitir que a sua franqueza me
excitava. Nenhum homem tinha dado em cima de mim tão abertamente,
muito menos com a confiança que cada palavra e cada gesto seu projetavam.
No transcorrer da tarde, comecei a perceber que Nick Santoro não era nada
parecido com a turma de garotos de faculdade e manhattanitas nos seus vinte
e poucos anos que eu tinha namorado no passado.
E por que ele seria?
Embora ele tivesse apenas 31 anos, ele já havia fundado, construído e
vendido uma empresa muito bem-sucedida, tornando-se um homem rico
nesse processo. Embora poucos pudessem reivindicar tais conquistas, Nick
encarava as suas numa boa. Antes, quando conversamos sobre a FlexMap, ele
teve a oportunidade perfeita para se colocar no alto, mas não fez isso. Pelo
contrário, ele atribuiu o sucesso de sua empresa ao momento certo, à sorte e a
uma equipe forte.
— Depois que corrermos, — disse ele — te prometo a melhor vitamina
pós-corrida que você já provou. Podemos ficar em meu apartamento e talvez
ver um filme na Netflix. Dependendo do que você estiver a fim de comer no
jantar, podemos pedir comida para viagem, ou preparar alguma coisa simples.
— Pensei que você não cozinhasse.
— Bem, eu sei colocar uma pizza congelada no forno.
— Então, está resolvido. Vamos pedir comida para viagem.
Ele riu. — Entendo. Você acertou em cheio. Vamos nesta: comida para
viagem.
— Às dez e meia é bom para você? — perguntei. — Já que nós dois
moramos perto do Parque Washington Square, poderíamos nos encontrar no
arco.
— Perfeito — disse ele. — Encontro marcado.
19

Na manhã seguinte, eu acordei com uma sensação de expectativa. Da janela


única do meu apartamento do tamanho de um armário, eu podia ver o céu
azul claro, que prometia um dia quente de fim de verão perfeito, que eu mal
podia esperar para desfrutar com Nick.
Nick e seu cachorrinho dálmata resgatado. A lembrança dos dois juntos
trouxe um sorriso ao meu rosto. Eu me levantei da cama, joguei o meu
roupão sobre os ombros e me dirigi à cozinha para fazer café.
Momentos antes de o café terminar de coar, Bianca surgiu do seu quarto.
Ao contrário de mim, ela estava completamente vestida de jeans e uma
camisa regata azul clara. Ela carregava uma sacola de couro marrom e estava
puxando uma mala com rodinhas vermelha clara, o que me lembrou que hoje
era o dia em que ela deixaria a cidade para visitar os seus pais em Burlington.
— Você quer um cafezinho antes de ir? — perguntei.
Ela olhou para o seu relógio de pulso. — Só um golinho. Tomei três
xícaras enquanto estava fazendo as malas, e se meu nível de cafeína ficar
mais alto do que já está, vou acabar levitando.
Enchi uma caneca de café e entreguei a ela. — Faz meses que você não
tira folga. Você deve estar empolgada.
— Estou, embora o meu desejo é que você fosse comigo — disse Bianca.
Ela me deu um olhar. — Oito horas num ônibus Greyhound, totalmente
sozinha. Quem sabe quem, ou o que, vai sentar ao meu lado? Quem sabe que
horrores esperam?
Eu ri. — A culpa é sua mesma que eu não posso ir com você. Você é a
gênia que me fez uma maquiagem digna do RuPaul e me ensinou a saracotear
contra o poste de strip-tease. Se não fosse você, neste exato momento, eu
estaria levando meu pobre traseiro de volta para Vermont.
Bianca enfiou a mão em sua sacola, tirou o seu Kindle e o levantou para
cima. — Apenas vou ter que sobreviver ao passeio de ônibus me escondendo
atrás disto. Levei uma hora ontem à noite carregando ele com um novo
material de leitura.
— O que você está lendo?
— O de costume. Romance e suspense.
— Perigo, drama e homens alfas gostosos?
Bianca enfiou o Kindle de volta em sua sacola. — Culpada da acusação.
Diabos, o que mais poderia me manter ocupada por oito horas num ônibus
Greyhound?
— Certifique-se de sentar na parte da frente do ônibus. Os bêbados
sempre fazem ponto na parte de trás, e oito horas é muito tempo para respirar
o fedor de suor de álcool e cerveja derramada.
Ela fez uma careta para mim. — Você sabe que eu evito os assentos
traseiros desde o primeiro ano da escola primária. Lembra como o Kenny
Potts costumava sentar atrás de mim no ônibus escolar e puxar o meu rabo de
cavalo?
— Kenny Potts. O pesadelo de toda menina. Nunca esqueço o dia que
você deu-lhe um tabefe na cara na aula de matemática.
Bianca deu uma risadinha. — Valeu cada minuto do sermão sobre não
violência que os meus pais me deram quando cheguei em casa da escola com
uma semana de detenção escolar. — Ela olhou para o seu relógio. — Melhor
eu ir nessa. Perder o ônibus das 11h da manhã não é uma opção, a menos que
eu queira chegar a Burlington à 1h da madrugada.
Caminhei até ela e lhe dei um abraço rápido. — Se cuida, e dê um alô aos
seus pais por mim.
Ela me abraçou também. — Te vejo na sexta-feira.
E com isso, ela agarrou a alça da sua mala de rodinhas, me mandou um
beijo no ar e saiu do apartamento.
À medida que a porta se fechou e o barulho das rodinhas da sua mala foi
sumindo, uma pontada de culpa me bateu na consciência. Eu não disse uma
única palavra sobre minha decisão de ver Nick fora do clube, ou sobre o
nosso encontro ontem no parque. Era a primeira vez que eu escondia um
segredo da minha melhor amiga, e não lhe contar tudo parecia estranho, mas
eu sabia muito bem o que ela iria dizer.
Ela me lembraria que Nick era um playboy que tinha deixado uma trilha
de mulheres decepcionadas em seu caminho. Ela me lembraria de sua riqueza
e posição, de tudo que separava o meu mundo do dele. E me lembraria que
homens como ele nunca levam garotas como eu a sério.
Se Bianca estivesse certa sobre Nick, então eu estava me preparando para
um mundo de sofrimento.
Mas e se ela estivesse errada? Senti que havia uma chance de que ela
estivesse.
Ontem, eu vi Nick num ambiente descontraído, cotidiano, e gostei do que
vi... muito. Se ele estava fingindo ser um cara legal, então ele fez um ótimo
trabalho. Levar suas palavras sobre o seu passado a sério era arriscado, mas
era um risco que eu sentia que precisava assumir.
Se acontecesse de Bianca estar certa sobre ele, o engano seria todo meu.
Eu engoliria minha decepção e seguiria em frente com a minha vida.
Mas por enquanto, eu tomei minha decisão, e ninguém, nem mesmo
minha melhor amiga, iria me fazer mudar de ideia.
Eu iria continuar me encontrando com Nick.
Daria uma chance a nós dois.
20

Uma hora depois, cafeinada, banhada e vestida numa calça capri de malha
preta e uma regata azul cinzenta que realçava a cor dos meus olhos, deixei o
apartamento e corri em direção ao Parque Washington Square. Embora fosse
apenas pouco mais de 10h da manhã, o dia já estava quente e opressivamente
úmido.
Quando cheguei ao parque e me aproximei do arco de pedra que marcava
o terminal sul da Quinta Avenida, avistei Nick.
Ele estava me esperando perto do arco, e já que eu não estava atrasada, eu
sabia que ele devia ter chegado antes da hora, e oxalá fosse com a expectativa
de se encontrar comigo mais cedo. O seu short atlético verde escuro caía
perfeitamente a partir de seus quadris e coxas tonificados. A sua camiseta
cinza sem mangas valorizava os seus bíceps bronzeados, que reluziam com
um leve brilho de suor. Uma barba de dois dias cobria o seu forte maxilar.
Ele trazia Jack na coleira que tínhamos escolhido juntos ontem, e quando
estendi a mão para pegá-la, o pequeno dálmata deu um latidinho e tentou me
alcançar.
Nick me deu um sorriso de parar o coração. — Ilana.
— Nick — eu disse, e parei.
Os seus olhos castanhos claros percorreram o meu corpo, observando
cada centímetro de mim. Um calafrio me percorreu da cabeça aos pés e
minha boca ficou seca.
— Você está bem — disse ele.
— Obrigada — eu disse, esperando que meu rosto não estivesse tão
vermelho como parecia. — Você também.
Jack pulou em mim e lambeu a minha mão. Eu me inclinei para baixo e
acariciei o pelo sedoso na parte de cima de sua cabeça. — Oi, Jack.
O cachorrinho mordiscou a minha mão brincando, com dentes afiados
como uma agulha.
— Jack! — eu disse, rindo. — Sem morder, por favor.
— Ele gosta de você — disse Nick.
— É mútuo. Como está se saindo com a nova guia?
— Até agora, tudo bem. Pronta para correr?
— Vamos em frente.
Corremos lado a lado em direção à esquina noroeste do parque. Quando
finalmente chegamos à esquina da Rua Macdougal, eu tinha ficado vários
passos atrás de Nick, mas estava pouco me lixando. Eu estava ocupada
demais curtindo a vista do seu traseiro perfeitamente em forma, coxas grossas
e panturrilhas lindamente musculosas.
El Toro, de fato.
Muitos rapazes que gostavam de correr eram magros demais e não
suficientemente musculosos para o meu gosto, mas, além de correr, Nick
evidentemente passava o tempo certo na academia. Os seus músculos eram
substanciais e bem definidos, que eram justamente como eu gostava.
Quando ele virou a esquina, olhou de relance sobre o seu ombro e me deu
um olhar de cumplicidade. — Está me conferindo?
Apressei o passo e o alcancei. — Eu estava curtindo a vista. Você calhou
de ser parte dela.
Ele sorriu para mim. — Tentando pular fora por uma questão técnica?
Revirei meus olhos para ele. — Tem outras coisas para olhar neste
parque, sabia?
Sua voz era provocante. — Ah, não. Você foi pega, então é melhor
admitir. — Ele diminui o ritmo e olhou para o meu bumbum incisivamente.
— Eu gosto de olhar para você, e não me importo de admitir isso.
— Você é sempre tão paquerador?
— Só com você.
Eu ri. — Você não é só paquerador, é também bajulador.
Ele fez uma careta para mim. — Eu? Não tenho tempo para besteiras.
Quero dizer cada palavra que eu digo.
Os próximos quarenta minutos voaram. Conforme continuávamos a circundar
o perímetro do parque, conversamos e rimos... muito. Jack seguia a trote ao
nosso lado, evidentemente encantado por estar ao ar livre, mesmo nesse
calor, que só estava aumentando.
Quando nos aproximamos do lado norte do parque e da Quinta Avenida,
Nick diminuiu o ritmo, voltando-se para mim. — Pronta para se refrescar
com uma vitamina? — ele perguntou. — Meu apartamento fica a meia
quadra depois da Quinta.
— Eu adoraria uma vitamina — eu disse. — Está esquentando aqui fora,
e nesse calor, também estou preocupada com o Jack. Ele não está acostumado
com isso, e nós precisamos cuidar dele também.
Desaceleramos o ritmo para uma caminhada. Quando chegamos à Quinta
Avenida, Nick apontou para um prédio de pedra calcária e tijolos marrons.
— Está vendo os toldos verdes com o porteiro em frente e as bandeiras
dos dois lados? — ele perguntou. — Aquele é o meu prédio.
Quando chegamos à entrada, o porteiro abriu uma das portas duplas de
aço escovado. — Bom dia, Sr. Santoro — disse ele.
— Oi, Russ — disse Nick, virando-se para mim. — Depois de você.
O interior do saguão me deixou estupefata. A fachada do prédio era
tênue, mas o saguão era em estilo clássico arte déco que havia sido
impecavelmente restaurado em todo o seu esplendor. Uma fileira de
candelabros iluminava o teto e a estrutura, que eram ornados e folheados a
ouro, e o piso de mármore apresentava uma incrustação elaborada em formas
geométricas.
Um segundo homem uniformizado estava sentado atrás de uma mesa
simplificada de madeira. Em ambos os lados da mesa, corredores
combinando continham fileiras de elevadores.
— Bom dia, Sr. Santoro — disse o homem.
— Oi, Steve — disse Nick, em seguida, apontando para mim. — Essa é
minha amiga Ilana Evans. Por favor, adicione-a à minha lista de aprovados.
Steve tocou em algo na tela do iPad que estava à sua frente. — Tudo
preparado, Sr. Santoro.
— Obrigado — disse Nick.
Caminhamos à fileira de elevadores do lado esquerdo, e Nick apertou o
botão "subir". Quando uma das portas dos elevadores se abriu, nós entramos.
Nick deslizou o seu cartão de acesso, apertou o botão para o décimo sétimo
andar e olhou para mim.
— Você está com tanta sede quanto eu? — perguntou.
— Tão seca quanto o Saara — respondi. — Estou fantasiando sobre
aquela vitamina perfeita que você falou.
Ele usou a borda inferior da sua camiseta para limpar o suor da testa,
oferecendo-me uma vista tentadora de músculos sarados e bronzeados, que
formavam um sólido torso em V, e uma barriga tanquinho bem definida.
Obviamente, os deuses genéticos haviam dotado Nick Santoro com um rosto
bonito e um ótimo físico, mas com abdominais assim, o homem
evidentemente também dominava a sua rotina de levantamento de pesos.
Antes que ele pudesse me flagrar babando pelo seu corpo, fixei meu olhar
nas portas do elevador. Ele já havia me flagrado admirando o seu traseiro
quando estávamos correndo no parque, e eu não estava prestes a lhe dar a
chance de chamar minha atenção pela segunda vez.
As portas do elevador davam para um largo corredor acarpetado.
— O meu apartamento fica no fundo do corredor à direita — disse Nick.
Saímos do elevador e caminhamos pelo corredor juntos, com Jack
trotando atrás de nós. Nick parou em frente a uma porta de madeira pesada e
deslizou o seu cartão de acesso no interruptor à direita da porta. Ouvi o clique
da trava de liberação, e, em seguida, ele abriu a porta.
— Entre — disse ele. — Só vou retirar a coleira do Jack, e daí vamos
para a cozinha.
Eu o segui por um corredor curto que dava para uma ampla antessala,
onde ele dobrou e soltou a guia da coleira de Jack. Quando o cachorrinho saiu
correndo rapidamente, Nick levantou-se, jogou a guia sobre uma mesa lateral
e sorriu para mim.
— Agora, que tal aquela vitamina?
— Vá à frente.
Eu o segui através de um recinto expansivo de 9 metros de altura com
paredes brancas, assoalhos de madeira de lei e janelas do chão ao teto que
davam para o centro da cidade. Com base nas janelas e no plano aberto (sala
de estar à esquerda, sala de jantar à direita, com portas de vidro que davam
para um espaçoso terraço externo), percebi que o apartamento de Nick tinha
sido completamente reformado desde a época da pré-guerra, durante a qual o
prédio havia sido construído.
Quando chegamos à cozinha, Nick apontou para uma fileira de banquetas
que ficavam ao longo de um lado do balcão da cozinha. — Sente-se. As
vitaminas vão estar prontas em um minuto.
Eu me empoleirei numa das banquetas e continuei a observar meus
arredores. Não era apenas a imensidão do espaço que me surpreendia
enormemente. De alguma forma, eu esperava que o apartamento de Nick
fosse tradicional e ultramasculino, e a realidade (ensolarado, eclético e
colorido, com arte contemporânea nas paredes) caiu como uma surpresa
agradável.
— O seu apartamento é lindo — eu disse. — Há quanto tempo você mora
aqui?
Ele desapareceu na despensa e voltou um momento depois com um
liquidificador Vitamix. — Faz quase um ano. Comprei o lugar no início do
verão passado, mas só me mudei em setembro, quando as reformas foram
concluídas.
— Você mesmo projetou o interior? — perguntei.
— Eu tomei as decisões finais, mas minha irmã Jana fez a maior parte do
design atual. Ela é arquiteta de interiores, e meus irmãos e eu sempre
pedimos o conselho dela em todas a coisas relacionadas com design. Você
tem irmãos ou irmãs?
— Não, sou filha única, mas minha melhor amiga e companheira de
quarto é como uma irmã para mim.
— Você está se referindo à Jade, certo? A garota loira que arrumou
trabalho para você no clube?
— A própria. O nome verdadeiro dela é Bianca, e nos conhecemos faz
uma eternidade. Quantos irmãos você tem?
Nick abriu a geladeira e pegou um pote de iogurte de baunilha, que ele
mediu com uma colher e colocou dentro do liquidificador.
— Somos quatro — disse ele. — Jana é a mais velha. Ela é dois anos
mais velha que eu. Depois de mim, tem dois irmãos mais novos, Lucas e
Alec.
— Você é próximo da sua família? — perguntei.
— Sou muito próximo dos meus irmãos. Minha mãe morreu oito anos
atrás, e meu pai um ano e meio depois.
— Sinto muito — eu disse. — Perder seu pai e sua mãe deve ter sido
realmente traumático.
Ele descascou uma banana e a jogou em cima do iogurte. — Foi um
momento difícil, mas isso também nos aproximou. Embora eu sinta a falta
dos meus pais, eu sei que eles estariam felizes por termos permanecido uma
família muito unida.
Embora o tom da voz de Nick fosse prosaico, algo em seu maxilar me
dizia que ele ainda lamentava a morte dos seus pais, e apesar de estar curiosa,
não o pressionei a me contar os detalhes. Quando e se ele estivesse pronto,
ele me contaria mais.
Notei quando ele adicionou dois punhados generosos de espinafre baby
ao liquidificador e o ligou por trinta segundos. Após desligar o liquidificador,
ele abriu um armário, retirou dois copos, encheu ambos com o líquido verde
claro e me entregou um deles.
— À sua saúde — disse ele.
— E à sua — eu disse. Tilintamos os copos e bebemos. Quando provei a
vitamina, o seu sabor levemente doce e suave me surpreendeu.
— Isso é muito bom — eu disse. — Estou surpresa que só tenha três
ingredientes.
— É minha receita à base de baixo teor de carboidratos — disse Nick. —
Quando estou a fim de mudar o sabor, acrescento apenas um punhado de
frutas ou morangos congelados. Quer terminar nossas vitaminas lá fora no
terraço?
— Eu adoraria.
Ele saiu da cozinha e caminhou pelo recinto principal, abrindo a porta de
vidro para o terraço. — Depois de você.
Caminhei para fora e admirei a vista conforme Nick fechava a porta atrás
de nós. O terraço dava para o centro da cidade, e como o prédio de Nick era
mais alto que as estruturas vizinhas, a vista de Manhattan era deslumbrante:
uma rica tapeçaria de telhados e arranha-céus distantes, pontuados pelo verde
das árvores e dos parques. Embora o sol estivesse quente, uma brisa leve
tornava a atmosfera significativamente menos opressiva do que havia sido ao
nível da rua.
Sentei-me numa das seis poltronas de vime que rodeavam uma mesa
baixa com a qual combinavam. Nick pegou a poltrona ao meu lado.
— Você deve gostar de relaxar aqui fora — eu disse. — A vista é
incrível.
— Eu escolhi esse apartamento pela localização e pelas vistas — disse
ele. — Não que eu tenha passado muito tempo aqui antes desse verão.
— Por que não?
— Eu costumava viajar muito a trabalho. Mas isso acabou há alguns
meses, quando vendi a FlexMap. Erguer a minha empresa foi uma ótima
experiência, mas isso também exigiu que eu passasse mais da metade do meu
tempo na estrada.
— Espero que meu próximo emprego venha com algumas oportunidades
de viagem — eu disse. — Eu sempre quis conhecer o mundo, mas o lugar
mais longe de casa que conheci foi Washington, D.C.
— Viajar a trabalho não equivale a conhecer o mundo — disse Nick. —
O que você conhece são aeroportos e distritos comerciais, que são
praticamente os mesmos em todos os lugares. Se não fossem os idiomas
usados nas placas, você mal saberia que está em um país e não em outro. E
viajar todo o tempo quer dizer que você não cria raízes, não realmente. O seu
apartamento parece uma suíte de hotel, porque você raramente está lá, e ter
um cachorro ou outro tipo de animal está fora de cogitação.
— Você realmente está gostando de ter o Jack por perto, não está? — eu
disse.
— Estou. — Nick sorriu. — Por todas as travessuras que ele apronta,
Jack me faz sentir que esse apartamento é um lar, que é um sentimento que
eu não tenho há muito tempo.
— Quando nos encontramos no clube pela primeira vez, eu nunca teria
imaginado que você fosse um amante de cães.
Ele sorriu para mim. — Eu também não teria imaginado que você fosse
mestranda em administração de empresas e viciada em negócios.
— Para constar, é uma surpresa agradável.
— Igualmente.

Ficamos relaxando e conversando no terraço por uma hora mais ou menos, e,


em seguida, Nick me mostrou o resto do apartamento, que era ainda maior do
que eu tinha imaginado inicialmente. O segundo piso continha dois quartos
de hóspede com banheiros integrados, como também um lounge espaçoso, de
onde dava para ver a sala de estar no primeiro piso. Além da cozinha e da
área principal com teto alto, o primeiro piso incluía o escritório de Nick, uma
sala de musculação equipada e a suíte principal.
Dentro da suíte principal, o quarto era enorme com cama trenó king size e
mesas de cabeceira combinando, como também uma área para sentar com
poltronas confortáveis de couro e uma lareira a gás. O banheiro adjacente
beirava à opulência com pias para ele e para ela, um chuveiro grande e uma
banheira retrô independente, que me levou a ter fantasias com banhos de
espuma, velas e taças de vinho tinto.
Minha mente vislumbrou Nick na banheira comigo, sentado do lado
oposto, com aquelas pernas compridas que eu tinha admirado durante nossa
corrida matinal entrelaçadas nas minhas, e, com alguma dificuldade, caí na
real. Por mais tentadora que fosse essa possibilidade, eu ainda não estava
preparada para isso.
— A banheira é de matar — eu disse.
— Não posso tomar nenhum crédito por esse quarto — disse Nick. — É a
cara da Jana. Quando eu lhe disse que tudo que eu precisava era de um
chuveiro, uma pia e um espelho para me barbear, ela me deu um sermão
sobre o que as mulheres querem de um banheiro, seguido de uma discussão
sobre valor de revenda. E então teve outra conversa... desde que minha irmã
teve seus dois filhos, ela está me pressionando a me casar... na mente dela,
esse lugar é perfeito para uma família.
— Você se vê casando?
— Claro. Quando for a hora certa. E você?
— Absolutamente. Quando aparecer o homem certo.
O olhar de Nick repousou no meu. — Talvez um dia ele vai aparecer.
Incomodada pela intensidade do seu olhar, desviei a atenção daquela
parte específica da conversa e a direcionei para a banheira.
— Não que você deveria vender esse apartamento (porque ele é
fabuloso), mas se você chegar a vender, coisas como essa banheira são uma
grande vantagem.
— Você ficaria bem naquela banheira — disse ele.
Sorri ao ouvir esse comentário. — Você também.
— Vou encher a banheira agora mesmo se você se juntar a mim.
— Ainda não estou preparada para tal... mas que tal isso? Fiquei na ponta
dos pés e beijei-o nos lábios.
Ele pousou suas mãos sobre os meus quadris, puxou-me para mais perto e
aprofundou o beijo. Por um longo momento, eu me relaxei pelo mero prazer
de beijá-lo e sentir seus músculos firmes contra minhas curvas mais suaves,
mas quando senti sua ereção crescer contra meu corpo, eu sabia que estava
brincando com fogo. Eu o desejava demais, e se eu deixasse isso prolongar
por mais tempo, extrapolaria os limites do meu autocontrole.
Eu não podia me deixar levar por esse caminho. Pelo menos, não por
enquanto. Eu queria confiar nele, mas depois dos meus erros com Calebe, eu
precisava de mais tempo.
Relutantemente, terminei o beijo e me afastei.
Ele pegou a minha mão. — Você não está pronta.
— Não estou. Mas te prometo isto: se eu me entregar a você algum dia,
não haverá nada que me segure. Eu não sou esse tipo de garota.
— Não é questão de se, e você sabe disso. É questão de quando.
— Talvez — eu disse. — Ou até mesmo provavelmente. Só preciso saber
que não estamos nos apressando a nada que possa machucar qualquer um de
nós.
Ele apertou minha mão. — Eu entendo, e não quero te pressionar. Eu não
sou um homem paciente, mas vale a pena esperar por certas coisas.
21

Durante a próxima semana, Nick e eu nos vimos em cada oportunidade.


Corremos juntos quase todas as manhãs e, como minhas aulas só começariam
em setembro, passamos grande parte dos meus dias de folga juntos. Duas
vezes, Nick combinou de deixar Jack com sua irmã, e saímos à noite: uma
noite para um jantar romântico num restaurante francês em East Village e
outra num show da Broadway.
À medida que conhecíamos melhor um ao outro, eu me sentia cada vez
mais relaxada na companhia de Nick. Embora a energia sexual entre nós
fosse uma constante, ele nunca me pressionou, apesar de que ele também
nunca vacilou em sua certeza de que estávamos destinados a ficar juntos.
Nós conversamos, flertamos, rimos juntos das palhaçadas de Jack e, a
cada hora que passávamos juntos, minha guarda baixava um pouco mais.
Nick era diferente de qualquer homem que eu já havia namorado. Ele
tinha uma autoconfiança inabalável, mas ele também era supreendentemente
modesto acerca de suas muitas realizações. Assim como eu, ele era um leitor
voraz de notícias, revistas e livros de negócios. Quando conversávamos sobre
temas de negócios, eu geralmente me via concordando com seus pontos de
vista, e quando discordávamos, as discussões animadas que se seguiam eram
fascinantes e divertidas.
Numa manhã ventosa de final de agosto, enquanto eu estava sentada com
Nick no terraço do seu apartamento depois de uma corrida, notei uma fitinha
roxa presa à sua jaqueta corta-vento.
— Qual é o motivo da fita? — perguntei.
Nick olhou para baixo em seu peito. — É de uma corrida de 5 km que eu
fiz em julho para uma fundação que eu apoio.
— Que fundação?
— A Fundação Nacional para Pesquisas sobre o Câncer. O câncer
pancreático matou a minha mãe um ano depois que terminei a escola de
negócios e, de certa maneira, o meu pai também. Ele morreu de parada
cardíaca dezoito meses depois que ela faleceu, e eu sei que a morte dele foi
causada pela perda de sua esposa de trinta e cinco anos. Quando ela morreu,
meu pai perdeu a vontade de seguir em frente.
A partir de conversas anteriores, eu sabia que os pais de Nick tinham
morrido anos atrás, mas essa era a primeira vez que ele verdadeiramente se
abria comigo sobre isso. Era bom saber que tínhamos atingido um nível de
confiança que nos permitia compartilhar até mesmo as experiências mais
dolorosas de nossas vidas.
— Sinto muito que você teve que passar por isso — eu disse. — Não
posso sequer imaginar como seria perder um dos pais, muito menos os dois
em tão curto tempo.
— Foi difícil, mas foi há anos, e tenho a sorte de ter minha irmã e meus
irmãos. E agora que Jana e seu marido Ben têm dois filhos, as férias são mais
fáceis do que costumavam ser. Eu adoro ser tio. Jana reclama que eu mimo
seus filhos demais.
— Ser tio deve ser divertido — eu disse. — Um verão quando eu estava
na escola secundária, trabalhei para uma colônia de férias em Lake
Champlain. Por ser filha única, passar tempo com as crianças era uma
novidade para mim, mas eu realmente curtia.
— Não tinha primos mais novos por perto quando você estava crescendo?
— Não, era sempre só eu e minha mãe. Eu tenho alguns primos na região
de Burlington, mas nós não tínhamos muito a ver com eles. A família da
minha mãe mais ou menos a excomungou quando ela se casou com meu pai
contra a vontade deles.
— Você nunca fala sobre o seu pai — disse Nick.
— Não há muito que dizer, porque eu nunca conheci o homem, e minha
mãe não gosta de falar sobre ele. Tudo que eu realmente sei é que ele tinha
problemas com abuso de álcool e drogas, que ele foi embora para a costa
oeste alguns meses depois que eu nasci, e que ele morreu vários anos mais
tarde num acidente de carro na Rodovia Pacific Coast. Graças à minha mãe,
nunca me senti abandonada. Tenho sorte de ter uma mãe incrível. Muitas
pessoas não têm sequer nem um dos pais.
Nick balançou a cabeça. — Que tipo de homem abandona esposa e filha?
— O tipo que nunca deveria ter se comprometido a casamento e filhos em
primeiro lugar. Minha mãe sabia que ele tinha um problema de alcoolismo
antes de se casar com ele, mas ela era jovem, ingênua e apaixonada. Ela
achava que poderia mudá-lo.
— Parece que ela passou por muita coisa.
— Passou, mas ela é a pessoa mais forte que eu conheço. Depois que meu
pai nos deixou, ela trabalhou de garçonete num restaurante e frequentou uma
escola noturna para obter o seu diploma em enfermagem. Ela trabalhou duro
durante anos para que eu pudesse ter tudo que precisava, e é por isso que é
importante para mim que ela faça aquela cirurgia. É a sua melhor chance de
voltar a andar. Ela sempre lutou por mim, e essa é a primeira vez que ela
precisa da minha ajuda. Não posso decepcioná-la... e não vou fazer isso.
— Quando vai ser a cirurgia? — perguntou Nick.
— Agora que eu arranjei um plano de pagamento, a cirurgia está marcada
para a terceira terça-feira de setembro. É arriscada, mas é também sua melhor
esperança de retomar uma vida normal.
— Suponho que você irá a Burlington para estar com ela para a cirurgia.
— Estou planejando ir na segunda-feira daquela semana e voltar na sexta.
No momento em que eu sair, ela deverá ter sido transferida do hospital para
uma clínica de reabilitação próxima, onde vai continuar a sua recuperação, e
espero que ela aprenda a andar novamente.
— Você conseguiu providenciar tudo isso rapidamente — disse Nick. —
Se você atacar o mundo dos negócios com a mesma garra que demonstrou
nesse desafio, você vai ser muito bem-sucedida.
Meu rosto corou com o seu elogio. — Espero que você esteja certo. O
clube tem sido bom para mim, e estou grata pelo trabalho, mas ter uma
carreira empresarial é obviamente meu objetivo de longo prazo.
— Você vai chegar lá mais cedo do que imagina — disse Nick. — Mas
enquanto isso, há uma coisa que preciso te pedir.
— O que é?
— A festa beneficente anual da Fundação para Pesquisas sobre o Câncer
é em setembro, e eu gostaria que você fosse minha acompanhante. É no
Plaza. Vai ter drinques, aperitivos, um leilão silencioso e dança.
À menção da palavra "dança", não pude evitar de me imaginar
rodopiando na pista de dança nos braços de Nick. Eu o tinha visto em black
tie na noite em que nos conhecemos e, definitivamente, era uma experiência
que eu queria repetir. E uma festa beneficente no Plaza? Eu nunca estive
dentro do seu famoso Grande Salão de Bailes, mas as páginas sociais da
Times muitas vezes tinham fotos dos eventos glamorosos que aconteciam por
lá com muitos astros e estrelas.
Mas se eu fosse honesta comigo mesma, havia muito mais em risco do
que uma noite de fantasia num dos locais mais lendários de Nova York. Ir à
festa como acompanhante de Nick seria minha primeira incursão verdadeira
no seu mundo, e uma parte de mim queria provar que eu podia dar conta do
recado. Não que Nick tivesse dito algo que indicasse que ele não achava que
eu fosse capaz; absolutamente. Isso era algo que eu precisava provar a mim
mesma.
Havia apenas um pequeno problema.
Embora eu tivesse uma coleção de vestidos para coquetéis pendurados em
meu guarda-roupas em casa, eu não tinha um vestido de noite. Felizmente,
isso não era nenhum contratempo. Nova York tinha muitas lojas de
consignação, onde eu tinha certeza de que poderia encontrar algo fabuloso
que fosse barato. E eu estava adiantada com o pagamento da cirurgia da
minha mãe; portanto, eu poderia me dar o luxo de tirar uma noite de folga do
clube.
— Quando é a festa beneficente? — perguntei.
— É no sábado anterior à cirurgia da sua mãe.
Rapidamente, recapitulei as datas em minha cabeça. Eu poderia trabalhar
no meu horário normal de quinta a domingo e tirar folga no sábado.
— Eu adoraria ir — eu disse.
O semblante dele iluminou-se. — Acho que você vai gostar.
— Parece que vai ser uma noite divertida.
— Vai, sim. Muito embora, dado a lista dos participantes, eu
provavelmente deveria te advertir.
— Me advertir do quê? — perguntei.
Seu semblante ficou sério. — Sou um homem de sorte, Ilana. Ao longo
dos anos, fui muito bem-sucedido, o que quer dizer que também pisei em
mais calos do que você imagina. Tem pessoas nessa cidade que me odeiam, e
algumas delas vão estar nesse evento. Uma ou outra pessoa poderá se
aproveitar da oportunidade para ser desagradável comigo... ou com você.
— Se você está preocupado que alguém possa tentar me convencer que
você é uma pessoa terrível, não se preocupe. Você está muito além disso.
Quando nos conhecemos, confesso que no início ouvi fofocas no clube sobre
você, mas eram lorotas. Se alguém disser qualquer coisa negativa sobre você
em minha presença, pode ser que eu tenha simplesmente que dar uma porrada
neles.
— Isso não vai ser necessário. Eu sou mais que capaz de me defender.
— Sei que você é, e eu estava brincando sobre dar uma porrada. Socos
verbais são muito mais o meu estilo. Mas se você vai me levar para algum
lugar público, deveria saber que eu não deixo ninguém insultar meus amigos.
Ele levantou uma sobrancelha para mim. — Amigos? É tudo que eu
represento para você?
Fiz uma careta para ele. — Não apenas, e você sabe disso. Então me diz:
o que está te preocupando com relação a esse evento?
— Provavelmente nada — disse Nick.
— Que tipo de nada?
— Estou recebendo mensagens de texto anônimas com relação à
aquisição do Centerpost.
A partir de conversas anteriores, eu sabia que Nick estava se dedicando a
várias aquisições potenciais, com a intenção de investir alguns dos bilhões
que ele havia ganhado com a venda da FlexMap em uma ou mais empresas
que ele acreditava ter um grande potencial, e assim ele poderia subir para o
próximo degrau.
— Centerpost— eu disse. É o agregador de mídias sociais, certo?
— Sim. O Centerpost desenvolveu um sistema na internet que permite
que as empresas centralizem e simplifiquem sua identidade on-line. Com
dinheiro e a liderança certa, o Centerpost poderia ser maior que o Facebook
algum dia. Estou a semanas de assinar um contrato para comprar o controle
acionário, e alguém não quer que isso aconteça.
— Quantas mensagens de texto anônimas você recebeu, e o que elas
dizem?
— A que eu recebi ontem à noite foi a terceira, e elas dizem mais ou
menos a mesma coisa: Recue na aquisição do Centerpost, ou você não perde
por esperar.
— Esperar o quê?
— Quem quer que esteja enviando os textos não dá quaisquer detalhes.
De qualquer maneira, fazer ameaças anônimas é um ato de covardia, e é por
isso que não estou inclinado a levá-las a sério.
— Quem você acha que poderia ser o remetente? — perguntei.
Nick encolheu os ombros. — Alguém de uma das outras empresas que
estão concorrendo para comprar sua participação no Centerpost. Ou alguém
dentro do Centerpost que não gosta do negócio ou das mudanças que isso
acarretaria.
— Que outras empresas estão fazendo ofertas?
— A NextEdge Systems e a Endicott Trumbull Investimentos, mas
nenhuma delas pode trazer para a mesa o que eu estou oferecendo. Além de
trazer uma enxurrada de dinheiro para o Centerpost, minha oferta também me
oferece a eles como presidente da diretoria, como também uma dúzia de
atores-chave da minha equipe anterior na FlexMap. O diretor-geral do
Centerpost já está do meu lado. Ele só precisa convencer um número
suficiente de membros da diretoria a apoiá-lo.
— NextEdge... O Andreas Ulbrecht não é o diretor-geral deles? Se eu me
lembro bem, ele tem a reputação de ser incrivelmente difícil de trabalhar. Ele
tem o hábito de gritar com executivos seniores, demitir funcionários antigos
por nada... esse tipo de coisa.
— Você nunca deixa de me surpreender — disse Nick. — Mesmo para
uma viciada em negócios, isso é impressionante.
— O divórcio de Ulbrecht deu muito que falar na imprensa no ano
passado. Algumas das coisas que li me fizeram pensar que sua má reputação
pode ser merecida, mas no contexto de um divórcio, é impossível saber em
que e em quem acreditar. Pelo que eu sei, a mulher dele simplesmente teve a
melhor equipe de imprensa.
— O que você leu foi apenas a ponta do iceberg — disse Nick. — A
maioria das pessoas prefeririam tentar dividir um donut com Chris Christie a
tentar se dar bem com Andreas Ulbrecht, e é por isso que estou apostando
que o Centerpost está apenas flertando com a empresa dele como um plano
alternativo desesperado, caso todas as outras ofertas furem.
— A ex-mulher do Ulbrecht não era uma Roosevelt ou algo assim?
— Uma Vanderbilt. Quando ela e Ulbrecht se casaram, os advogados dela
se certificaram de que ela tinha um acordo pré-nupcial férreo. Depois do
divórcio, ela foi embora com todos os seus bens e a metade dos bens do
Ulbrecht, como também a custódia primária dos seus dois filhos.
— Então, o Ulbrecht é um cara intragável. Você acha que ele poderia
estar mandando as mensagens de texto?
Nick balançou a cabeça. — Não realmente. Ele é agressivo e cruel, e mais
propenso a me encarar e fazer uma ameaça direta. Mesmo assim, acho que há
uma possibilidade.
— E a sua outra concorrente, a Endicott Trumbull?
— A Endicott Trumbull é uma firma de investimentos privados à moda
antiga com pouquíssima formação em tecnologia on-line. Eles são um clube
do Bolinha: a maioria dos seus funcionários a nível executivo são dinheiro
velho, e não há sequer uma única mulher entre os executivos de alto escalão.
Embora eu tenha cruzado com alguns deles ao longo dos anos, o único cara lá
que odeia até a minha sombra é Forbes Endicott, e também não acho que seja
ele quem está me mandando as mensagens.
— Mas por que Forbes Endicott te odeia, e por que você acha que ele não
esteja te mandando as mensagens?
— Anos atrás, eu "roubei" uma aquisição debaixo do nariz dele e, desde
então, ele guardou mágoa. Graças ao fato de o seu bisavô ter fundado a
Endicott Trumbull e sua mãe ser uma Forbes, o cara é um babaca detestável e
convencido, mas mensagens de texto anônimas não são o seu modus
operandi. Forbes Endicott é extremamente bem servido, e se ele tivesse a
grana para fazer uma oferta melhor que a minha, ele faria isso em silêncio, a
portas fechadas. Ele a faria de tal forma que ninguém, inclusive eu, teria dado
conta disso.
— Então você não tem quaisquer fortes suspeitos — eu disse.
— Não realmente. Depois da segunda mensagem, pedi ao meu segurança
para rastrear as mensagens, mas elas vieram de um TracFone, de modo que se
revelou impossível de rastrear.
— O número do seu celular é privado, correto? Você pode restringir as
possibilidades com base em quem tem, ou não, o número do seu celular?
— Tenho o mesmo número há anos; portanto, muitos dos meus parceiros
comerciais atuais e antigos o tem, inclusive a metade dos executivos seniores
do Centerpost. Além disso, temos que considerar que qualquer um deles
poderia ter dado o meu número para outra pessoa.
— Então não há como encontrar quem está te importunando com essas
mensagens anônimas?
— Não, mas como eu disse antes, não estou particularmente preocupado.
Quanto mais penso nisso, mais convencido estou de que provavelmente seja
alguém do Centerpost. Alguém que vê a minha aquisição como algo que vai
trazer mudanças e reestruturação que poderiam alterar ou eliminar os seus
postos de trabalho.
— Isso faz sentido — eu disse.
— De qualquer maneira, voltando à festa beneficente, o pessoal da
NextEdge e da Endicott Trumbull com certeza vai aparecer, então eu queria
que você soubesse o que está acontecendo.
— Agradeço que você tenha me colocado a par da situação, mas que tipos
de encontros devo esperar?
— Provavelmente nada além de uma troca de gentilezas banais e olhares
nojentos. Mas caso um ou outro deles venha a ser grosso ou desagrádavel,
pelo menos você vai saber por quê.
— Gentilezas banais e olhares nojentos? Faça-me o favor. Você está
falando com uma stripper com dois terços de um mestrado em administração
de empresas. Minha plateia no clube é muito mais difícil que o seu mundo de
negócios.
O semblante dele escureceu. — Não esteja tão certa disso, Ilana.
22

No final daquela tarde, deixei o apartamento de Nick e fui para casa.


Conforme eu caminhava pelas ruas arborizadas de East Village, me dei conta
de algo. Eu ainda não tinha aberto o jogo com Bianca sobre o fato de estar me
encontrando com Nick, e estava na hora de atualizá-la acerca disso, mesmo
que isso significasse ouvi-la me dizer que eu estava cometendo o maior erro
da minha vida.
Entre encontrar amigos e pegar horas extras no clube, Bianca esteve fora
quase todas as noites nas duas últimas semanas, o que me facilitou ter me
encontrado com Nick sem o conhecimento dela. Mas eu sabia que ela havia
planejado ficar em casa hoje à noite para lavar as roupas; portanto, esta noite
seria a oportunidade perfeita para passarmos um tempo juntas e nos
colocarmos a par do que estava acontecendo em nossas vidas.
Mesmo assim, não havia como eu entrar nessa confissão específica
despreparada. Parei numa loja de vinhos, peguei uma garrafa de Châteauneuf-
du-Pape, e daí fui a uma segunda loja, onde comprei uma rodada de queijo
brie e uma baguete fresca e crocante. Munida com os ingredientes de uma
refeição improvisada, eu me dirigi para casa.
Quando cheguei, Bianca estava estirada no sofá folheando a edição de
agosto da Vogue.
— Você está de volta! — disse ela. — E se não me engano, você parou
na padaria. Daqui posso sentir o cheirinho de pão fresco.
— Eu também comprei vinho e queijo. Faz um século que não passamos
a noite juntas, e eu achei que um piquenique em casa seria divertido.
Bianca jogou a revista sobre a mesa de café e endireitou-se no sofá. —
Você é uma gênia. Agora mesmo eu estava pensando em tirar o meu traseiro
do sofá e cozinhar alguma coisa, mas está quente demais para cozinhar, e
graças ao calor, hoje estou completamente em ritmo de lesma. Eu tinha
pensado em dar um jeito na minha montanha de roupas esta tarde, mas, até
agora, não passei da primeira carga.
Entrei na cozinha e retirei minhas compras das sacolas. — Não é de se
admirar. Devido às horas extras que você trabalhou no clube essa semana e a
semana passada, você deve estar exausta.
— Estou — disse ela. — Mas vale a pena. Cada dólar que eu ganho é um
dólar mais perto do valor que preciso para produzir e lançar a minha grife.
Coloquei o pão e o queijo nos pratos e os levei para a mesa de café.
Bianca começou a se levantar, presumivelmente para me ajudar, mas eu a
detive. — Relaxe; você fez por merecer. Volto com o vinho em um minuto.
Ela afundou-se no sofá. — Você é a melhor.
— Você pode não achar isso depois que eu te contar minha grande
novidade — eu disse, abrindo a garrafa de vinho.
Seus olhos se arregalaram. — Que grande novidade?
— Ah, eu te conto... assim que despejar uma taça de vinho para cada uma
de nós.
— Você está sendo misteriosa, o que me diz que essa novidade sua é
realmente boa... ou realmente ruim.
Enchi as duas taças, levei-as juntamente com a garrafa para o sofá e
entreguei uma à Bianca. — Saúde.
— Saúde. Agora me conta que diabo está acontecendo.
Sentei-me ao seu lado. — Comecei a me encontrar com alguém.
Suas sobrancelhas levantaram-se rapidamente, mas seu rosto rasgou um
largo sorriso. — Graças a Deus! Eu sabia que a bobagem do seu celibato pós-
Calebe não podia continuar para sempre. Então, me conta a sujeira. Você
ainda está na fase dos encontros, ou já passou para a fase das trepadas?
Eu fiz cara feia para ela. — Encontros, claro.
— Então me fala sobre ele. Quem é ele? Eu o conheço?
— Você já falou com ele, mas realmente não o conhece.
— Deixe-me adivinhar. O cara bonitinho da padaria? Ele dá em cima de
você toda vez que nós vamos lá.
— Não.
— O motorista gostoso da UPS? Se for, parabéns. Aquele shortinho curto
e bonitinho não faz muito para esconder a mala do cara.
— Não.
— Está bem. Desisto. Quem é ele?
— Antes de te dizer o nome dele, deixe-me contar um pouco sobre ele.
Ele tem o seu próprio negócio, ele é supersexy e é um corredor.
Bianca deu uma risadinha. — Bem, isso explica o seu novo compromisso
em correr todas as manhãs.
— Ele não mora longe daqui, perto do Parque Washington Square, e ele
acabou de adotar um cãozinho dálmata resgatado.
— Isso é uma doçura — disse Bianca. — Demonstra que ele tem coração.
— Ele gosta de comida e filmes franceses. O primeiro filme que
assistimos juntos foi Jules e Jim – Uma mulher para dois. Nosso primeiro
jantar foi num restaurante francês.
— Ele parece sonhador — disse Bianca. — Parabéns por encontrar um
cara que compartilha o seu fetiche por todas as coisas francesas. Mas chega
de mistério. Me diz o nome dele.
Era o momento da verdade. Eu tinha dado o meu melhor para amenizar-
lhe o choque de ouvir o último sobrenome na face da terra que ela queria
ouvir. Respirei profundamente e me fiz de aço para a reação que certamente
estava a caminho.
— Nick. Nick Santoro.
Boquiaberta, ela fitou-me abertamente.
— Não posso acreditar no que acabei de ouvir, Ilana. Você perdeu a
cabeça? O fato de Santoro bancar o bonzinho (até mesmo adotando um
cachorrinho para te impressionar) não muda em nada o fato de que ele é um
dos mulherengos mais notórios de Nova York. — Ela entornou a sua taça,
colocou-a sobre a mesa e olhou-me nos olhos. — Esse homem vai te mastigar
e te cuspir fora... assim que ele conseguir o que ele quer, claro.
— Nick tem sido honesto comigo sobre o seu passado — eu disse. — Ele
me disse que abandonou esse estilo de vida há um ano, e eu acredito nele.
Bianca revirou os olhos. — Ótimo. Você acredita em El Toro.
— Acredito. Ninguém tem um passado perfeito, e Nick tem sido honesto
sobre o dele, que é tudo que eu posso pedir. Além disso, nós nos damos
muitíssimo bem. Só faz duas semanas que começamos a nos encontrar, mas
já sinto que posso conversar com ele sobre qualquer coisa.
Ela caiu de costas contra o sofá. — Preciso de outro drinque. Primeiro o
Calebe, e agora isso? Falando sério, Ilana, estou preocupada que você esteja
fatalmente atraída por maus tipos que só acabam te machucando.
Enchi novamente a taça dela e terminei de encher a minha. — Entendo
que você está tentando me proteger. Mas você não conhece o Nick, não
mesmo. Tudo que você sabe sobre ele é baseado em fofocas que ouviu no
clube.
— Esse é um ponto justo — disse Bianca. — Mas fofoca geralmente tem
um fundo significativo de verdade.
— Nesse caso, a fofoca não mais reflete a realidade. Eu passei muito
tempo com Nick nas duas últimas semanas, e ele não é o playboy sem
coração que você pensa que ele é.
Ela suspirou. — Não há nada que eu possa fazer para te convencer a parar
de se encontrar com ele, há?
— Não... não há. Talvez Nick seja o homem que eu acho que ele é, e
talvez não seja. Mas há muito mais que as fofocas sobre ele, e eu realmente
gostei muito do tempo que passamos juntos. Ele é atencioso, superinteligente,
e tem um ótimo senso de humor. Estou bem ciente que não estamos no
mesmo nível econômico, mas Nick não nasceu mais rico que eu e você, e eu
e ele temos muito em comum.
— Você está se apaixonando por ele, não está?
— Talvez eu esteja.
Bianca ficou em silêncio por um momento. — Somos melhores amigas
para sempre, e eu me recuso a arriscar a nossa amizade por causa de um
homem. Você tomou a sua decisão, e eu respeito isso. Talvez Santoro tenha
mudado, como você diz, ou talvez não. De qualquer forma, espero que
aconteça o melhor e te desejo boa sorte. E digo isso de coração. Tudo que eu
sempre quis é que você seja feliz, e se Santoro continuar a te trazer felicidade,
então estou cem por cento de acordo.
Eu a abracei. — Isso significa muito para mim.
Ela me abraçou também. — Só quero que você seja feliz. Isso é tudo.
— Eu sei. Pelo que me consta, estou mais feliz do que estive por um
longo período de tempo. E acredite em mim, não estou usando antolhos.
Meus olhos estão totalmente abertos quando se trata de Nick Santoro.
Nós nos separamos, e então eu me lembrei.
A propósito, preciso seriamente da sua consultoria de moda para esse
evento ao qual vou comparecer.
Ela ergueu a cabeça em minha direção. — Grande encontro com El Toro?
— Você tem que parar de chamá-lo disso, sabia?
— Está bem. Prometo não chamá-lo de El Toro na cara dele. Isso é bom o
suficiente para você?
Eu ri, aliviada de que o meu segredo tinha sido revelado e o tom da
conversa tinha ficado leve. — Como estou numa necessidade desesperada do
seu conselho, vou agarrar o que eu puder.
— Então, me diga. Qual é a ocasião especial, e quanto tempo nós temos?
— Uma festa beneficente no Plaza daqui a duas semanas.
— No Plaza? O semblante dela iluminou-se. — Ora, ora. Aparentemente,
mesmo El Toro serve para alguma coisa. Graças a Deus que temos duas
semanas porque há muito a ser feito. Você vai precisar de um vestido de
noite. E novos sapatos. Sem falar nos acessórios.
— Espero que você tenha tempo de ir a algumas lojas de consignação
comigo.
— Lojas de consignação? — Bianca fez um gesto de desprezo. — Quem
precisa delas? Coloque a sua confiança em minhas mãos hábeis, porque eu
tenho o contato certo que você precisa.
— Que contato é esse? — perguntei.
— O Banco dos Vestidos.
— Banco dos Vestidos? É a loja de tesouros que parece ser?
— Ah, sim... isso e um pouco mais.
23

Dois dias depois, o Banco dos Vestidos permanecia um mistério. Toda


pergunta que eu fazia à Bianca recebia a mesma resposta. — Você vai ver.
Mas na noite de terça-feira, ela me informou que tínhamos uma consulta
na tarde seguinte.
— Diga ao seu namorado que você não está disponível para relaxar no
terraço luxuoso dele amanhã à tarde — disse ela. — Otávia me fez a
gentileza de marcar uma consulta para nós às 2h da tarde.
Dei um sobressalto ao ouvir essa pequena revelação. — Então, Otávia é a
mulher que gerencia o Banco dos Vestidos?
— Otávia é o Banco dos Vestidos. Sem ela, ele não existiria. — E Bianca
se recusou a dizer qualquer coisa além disso.

Quando chegamos ao prédio de Otávia, que estava localizado na Rua 11, lado
oeste, no. 311, imediatamente reconheci a fachada de oito andares de
concreto e vidro.
— Esse não foi um dos primeiros prédios verdes de Nova York? —
perguntei.
— Foi — disse Bianca. — Segundo Otávia, o prédio é completamente
autossustentável. Aquecimento geotérmico, conservação de água e o
escambau. Tem até um telhado verde.
— Então Otávia é uma ambientalista?
— Sim. Ela também é uma grande amante dos animais e dá palestras
regularmente contra o comércio de peles. Mas isto é o que você realmente
precisa saber sobre Otávia: Na sua juventude, ela foi uma modelo altamente
bem-sucedida na Itália. A mãe dela era italiana, e dizem por aí que o pai dela
era um príncipe africano exilado. Depois que Otávia se aposentou da carreira
de modelo, ela construiu uma segunda carreira como colunista de moda. Hoje
em dia, ela escreve para a Vogue, que é de onde vem o seu enorme guarda-
roupa, também conhecido como Banco dos Vestidos.
— Como vocês duas se conheceram? — perguntei.
— Lembra o estágio que eu fiz com Michael Johns no ano em que nos
mudamos para Nova York? Otávia apareceu inesperadamente numa das
nossas sessões de foto. Ela ficou impressionada com o que viu e decidiu
escrever um artigo sobre a nova linha do Michael. Michael me deixou
encarregada de garantir que Otávia tivesse tudo que fosse preciso para o seu
artigo, e, ao longo do caminho, ela e eu nos tornamos amigas.
— Você está dizendo que os estilistas simplesmente dão coisas à Otávia?
— Não somente os estilistas, como os melhores estilistas. E não somente
coisas; estamos falando de itens que custam milhares de dólares. O selo de
aprovação de Otávia pode levar as vendas à estratosfera, e todos no mundo da
moda sabem disso. A mulher tem um poder incrível, mas também é uma das
pessoas mais generosas que eu conheço. Ela deu a muitos jovens estilistas o
primeiro sabor do reconhecimento. Ela também empresta o seu guarda-roupa
aos amigos; tudo que ela espera de nós é que devolvamos qualquer roupa
emprestada lavada a seco antes de devolvê-la.
— Isso é incrível — eu disse. — A propósito, como devo chamá-la?
Suponho que ela tenha um sobrenome.
Bianca deu de ombros. — Todo mundo a trata por Otávia. Se ela tem um
sobrenome, ninguém sabe qual é. Além disso, por que ela precisaria de um?
No mundo da moda, há apenas uma Otávia. Nesse mundo, ela é tão famosa
quanto Madonna.
— Ela parece única — eu disse. — Mal posso esperar para conhecê-la.
Bianca olhou para o seu relógio de pulso. — É melhor entrarmos já.
Estamos alguns minutos adiantadas, mas Otávia não vai se importar.
Segui Bianca para dentro do saguão do prédio, onde ela saudou o porteiro
com familiaridade e então prosseguiu para o elevador.
Quando as portas do elevador se fecharam, Bianca voltou-se para mim.
— Otávia é fabulosa, mas ela não é nada senão excêntrica. Siga o meu
conselho. Não encare nada estranho que você vir no apartamento dela. Não
importa o que sair da boca dela, mantenha o rosto sério. Ah, e aconteça o que
acontecer, não chegue perto do papagaio dela. Aquela ave dá um bicada
infernal.
As portas do elevador se separaram, e eu segui Bianca pelo corredor em
direção a uma porta pesada de madeira. Quando chegamos à porta, Bianca
bateu nela com força.
Um momento depois, a porta se abriu, revelando uma mulher esbelta com
pele cor de café, olhos em formato de amêndoas, maçãs do rosto salientes, e
coque com tranças nagô, que realçavam sua cabeça lindamente moldada e
com feitios clássicos. Baseada na descrição feita por Bianca sobre a carreira
de Otávia, a mulher devia ter mais ou menos 50 anos, mas aparentava ser
pelo menos dez anos mais jovem. Ela tinha facilmente 1,82 metros de altura,
e uma presença que era quase de realeza: ela poderia ter sido a irmã da
modelo Iman.
Por outro lado, o seu traje (camiseta regata, calça jeans desgastada com
buracos nos joelhos, saltos de dez centímetros e uma echarpe amarela clara
de seda, drapeada folgadamente em volta do pescoço) não era exatamente o
que eu havia imaginado na deusa da moda que Bianca descrevera. E, além
disso, havia um número incrível de anéis que ela usava em ambas as mãos,
muitos dos quais eram enormes. Alguns do seus dedos tinham vários anéis,
um empilhado sobre o outro, e vários dedos exibiam anéis articulados, um
dos quais contendo vários quilates de brilhantes. Da massa de anéis,
sobressaíam longas unhas pretas. O efeito global se assemelhava a algum tipo
de luvas futuristas, e eu me perguntei como Otávia conseguia, afinal de
contas, dobrar seus dedos, muito menos pegar um garfo ou uma xícara de
café.
— Querida — ela disse à Bianca. — É tão bom te ver.
Elas rapidamente trocaram beijos no ar e, em seguida, Otávia agarrou os
ombros de Bianca. — Já passou MUITO tempo. Você ainda está se matando
de trabalhar naquela espelunca ridícula de strip-tease?
Bianca riu. — Ah, você me conhece. Eu sou uma mula de carga.
— Entre — disse Otávia. Ela liberou Bianca e me avaliou. — Essa deve
ser a amiga que você me falou.
— Sim — disse Bianca. — Essa é minha amiga e companheira de quarto
Ilana Evans. Ilana e eu somos amigas desde o jardim de infância, e eu
respondo por ela completamente. Ela é uma das pessoas mais confiáveis que
eu conheço.
Otávia esboçou-me um sorriso com dentes brancos e perfeitos. — Bem-
vinda — disse ela, dando um tapinha no braço de Bianca. — Qualquer amiga
desta gata é uma das minhas gatinhas.
Seguimos Otávia através de um pequeno saguão que dava para um recinto
grande e ensolarado contendo uma cozinha numa ponta e uma combinação
extravagante de cadeiras e sofás coloridos na outra. A pia da cozinha
transbordava de louças por lavar, e um aroma picante e obscuro pairava no ar.
Sobre a mesa de café, um cinzeiro de vidro repleto de pontas de cigarro preto
explicava o cheiro inusitado; evidentemente, Otávia fumava cigarros de
cravo.
Um gaiola de pássaros grande ficava no canto extremo direito da sala de
estar, e sua porta estava aberta e seus ocupantes tinham desaparecido. A
parede adjacente à gaiola tinha uma das pinturas mais bizarras que eu já tinha
visto. Centenas de picos cor de rosa e azul brilhantes espalhavam-se pela
superfície e projetavam-se até 7,5 ou 10 centímetros de comprimento. Quanto
aos contornos grossamente pintados sob os picos, a única imagem
reconhecível era de um pênis enorme verde-amarelado com sacos alaranjados
vívidos. Eu relutei para não olhar, mas nunca tinha visto uma pintura com
picos, muito menos uma cuja característica central fosse um pau gigante
fluorescente. Felizmente, Otávia pareceu não ter notado.
— Não posso te agradecer o suficiente por encontrar tempo tão em cima
da hora — disse Bianca. — Ilana vai participar de uma festa beneficente
estilo black tie no Plaza daqui a dez dias, e o guarda-roupa dela não está à
altura do desafio. O guarda-roupa dela só tem roupas de trabalho. Ternos a
dar com pau, mas nenhum vestido de noite à vista.
Otávia se jogou numa poltrona elétrica azul. — Sente-se — disse ela,
estendendo a mão para pegar os cigarros Djarum Black que estavam perto do
cinzeiro. Ela apertou um entre dois dedos que estavam carregados de anéis,
acendeu-o e deu uma longa tragada. Ao expirar, ela olhou-me de cima a
baixo. — O figurino não é mau — disse ela. — Um pouco a mais na largura
dos quadris, mas nós podemos dar um jeito nisso.
Bianca sentou-se na frente dela, e eu segui o exemplo, escolhendo uma
cadeira giratória com um assento de fibra de vidro laranja brilhante. Eu não
entendia bulufas sobre mobília, mas a cadeira tinha uma aparência retrô dos
anos 70.
— Você está sentada numa Eames Herman Miller — disse Otávia,
apontando seu cigarro para a minha cadeira. — Isso não é sublime? Eu a
encontrei anos atrás em Londres, num pequeno buraco empoeirado de uma
loja de antiguidades no Soho. Isso foi quando o Soho era cheio de tais lojas.
— Ela deu outra tragada no seu cigarro. — Hoje em dia, o Soho como que
perdeu o seu espírito, é claro. Menos corajoso, mais sofisticado... assim como
a maior parte do Village aqui em Nova York.
— Eu queria ter conhecido o Village vinte anos atrás — disse Bianca.
— Nunca queira ser mais velha do que você é, querida — disse Otávia.
— Em nosso ramo, uma pessoa nunca pode ser jovem demais... ou trepar
com demasiadas pessoas influentes. — Ela deu uma risada gutural e
fumacenta. — Na minha época, éramos muito menos pudicos. Eu poderia te
contar histórias que te deixariam de cabelo em pé.
— Conte-nos do dia que você encontrou a cadeira — disse Bianca.
Otávia inclinou-se para trás e lançou uma nuvem de fumaça no ar. — Na
década de 90, Noemi, Cláudia e eu estávamos todas em Londres, fazendo um
ensaio fotográfico para a Vogue. Um dia, choveu e molhou todo o nosso
local. Então, compramos os maiores guarda-chuvas de Londres e batemos em
todas as lojas vintage do Soho. Eu avistei essa cadeira e Noemi achou um
deslumbrante vestido de coquetel lamê Bill Blass dos anos 1960. Mas
Cláudia bateu em nós duas.
— O que Cláudia encontrou? — perguntou Bianca.
— Uma caixa de brinquedos sexuais dos anos 1930. — disse Otávia. —
O mais memorável era chamado Boné da Noite.
— Boné da Noite? — perguntou Bianca.
A voz de Otávia assumiu um tom nostálgico. — Uma invenção do Japão,
a terra dos salões de chá e das gueixas. Era um conjunto de meia dúzia de
capas penianas de borracha, com texturas variando de áspera a pontiaguda,
como pequenos cactos de borracha.
— Capas penianas de borracha? — perguntou Bianca. — Elas
simplesmente não caem... e se perdem lá dentro?
— Claro que não, garota boba! — disse Otávia. — As capas são presas a
um anel peniano. Tentei convencer Cláudia a me vender o conjunto pelo
dobro do preço que ela pagou, mas ela não quis nem saber. A safada não quis
admitir, mas eu sei o que estava se passando pela sua cabeça alemã
pervertida. Ela já estava planejando dar uns passes de mágica no bilau do
David Copperfield.
— David Copperfield — disse Bianca. — Eu esqueci que a Cláudia
namorou com ele.
— Namorou? — disse Otávia. — Eles foram noivos durante anos.
Cláudia se tornou até mesmo parte da performance de David, o que, sem
dúvida, apressou o fim daquele relacionamento. Pobre Cláudia. Durante anos,
aquela mulher infeliz foi levitada, guilhotinada e serrada ao meio, tudo em
nome do amor.
Nisso, ouvi uma batida de asas, seguida de um grasnido alto quando um
grande papagaio cinzento pousou no encosto da cadeira de Otávia.
— Olá, Pepper — disse Otávia, estendendo a mão para trás para acariciar
as penas da ave. — Você veio ver sua mamãe?
— Tina, traga-me o machado — disse a ave com uma voz rouca e aguda.
— Pepper é um cinzento africano, e ele é altamente inteligente — disse
Otávia. — Eu ensinei a ele todas as melhores falas dos meus filmes favoritos.
— Ela continuou a acariciar a ave. — Você é o meu homenzinho, não é,
Pepper?
— Anna Wintour é uma vadia — disse o papagaio em voz alta.
Com isso, eu quase ri alto, mas Bianca disparou-me um olhar de
advertência, que Otávia felizmente não notou.
— Eu não ensinei isso para ele — disse ela. — Ele aprendeu com o Jed.
O querido Jed. Uma bunda linda e um pau maravilhoso. Qualquer dia desses,
eu realmente deveria ir para além de transar com jovens de vinte e poucos
anos, mas o que posso dizer? Ainda não chegou o momento.
— Jed Parks? — perguntou Bianca. — O modelo?
— Isso mesmo. Por três semanas inteiras, eu estava completamente
amoureuse, mas depois de treparmos até chegar ao Kama Sutra, tornou-se
evidente que Jed não tinha nada mais a oferecer, ou seja, além da semelhança
com o jovem Brad Pitt e uma libido tão implacável quanto o coelhinho do
comercial das pilhas Energizer.
— Foda-me — grasnou a ave. — Não se atreva a me julgar.
— É isso mesmo, Pepper — disse Otávia, acariciando as costas do
papagaio. — Você é verdadeiramente o queridinho da mamãe. Reivindicando
a sua sexualidade. — Ela voltou-se para nós. — Como muitos dos meus
amigos, Pepper prefere levar na bunda. O maior sonho dele é voar na Parada
do Orgulho Gay. Eu participei da marcha um ano, mas sou alta demais para
esse tipo de evento (todo mundo deduziu que eu fosse uma drag queen), e um
leatherman gigante me perguntou se ele podia chupar o meu pau. — Otávia
deu uma risada fumacenta, e Bianca e eu fomos no embalo.
— O que você disse? — perguntou Bianca, depois que nossas risadinhas
diminuíram.
— Eu olhei nos olhos daquele garotão e disse: "Aqui é o poder da boceta,
querido, mas se você estiver a fim de cair de língua numa xereca de verdade,
talvez a gente possa brincar."
— E o que ele respondeu? — perguntei.
Otávia sorriu. — O pobre rapaz ficou mudo. O rosto dele, pelo menos a
parte que não estava coberta com sua barba farta, ficou vermelho flamejante.
Ele murmurou algo ininteligível e então se escafedeu no meio da multidão.
Não que eu estivesse particularmente decepcionada (nunca fui fã de pelo
facial), mas a proposição dele realmente tinha uma certa novidade. — Ela
suspirou. — De qualquer maneira, se eu soubesse que Pepper não fosse fugir
e voar a meio caminho do Atlântico, eu não o impediria de voar para a Parada
Gay. Quem sabe no que poderia dar? Talvez ele encontrasse um Paco ou um
Pepe para si. Quem sou eu para ficar no caminho do amor?
— Limpe essa bagunça! — disse a ave. — Mexa a minha salada.
— Ah, não, querido — disse Otávia. — A língua da mamãe não vai
naquele lugar de jeito nenhum.
Ela levantou-se, soprou um anel de fumaça, deixou cair sua ponta de
cigarro no cinzeiro e atravessou a nuvem de fumaça.
— Venham, meninas, venham — disse ela. — O vestido perfeito nos
aguarda.
Nós nos levantamos e seguimos Otávia em direção a uma porta no fim da
sala.
— Algo em torno da última coleção da Dior poderia funcionar — disse
Bianca. — Vocês sabem em que vestidos estou pensando?
Otávia assentiu com a cabeça. — Os que têm decotes em V, que
realçariam os ombros dela. Tenho alguns da Gaultier, que você também
deveria provar.
Passamos por uma porta e entramos numa sala grande que não poderia ter
sido mais diferente do espaço de vida caótico de Otávia. Aqui, reinava a
ordem. Roupas envoltas em plástico estavam penduradas em varais
organizados de araras de roupas de aço inoxidável. Otávia correu os dedos
rapidamente entre as araras, com sua echarpe amarela clara flutuando atrás de
si.
— Este. E este aqui. Não, aquele não. Eu o emprestei àquela vagabunda
da Ivana Price, antes de perceber que monstro era ela, é claro. Desde então,
ele é azarado.
— Azarado? — perguntou Bianca. — Como um vestido pode ser
azarado?
— Você sabe da minha sensibilidade — disse Otávia. — Quando toco
num vestido ou numa joia, entro em sintonia com eles. Sinto suas vibrações.
Acredite em mim, a energia tóxica de Ivana tem estado por todo aquele
vestido desde o dia em que ela o usou. Eu o queimaria, se não fosse um St.
Laurent vintage. Claro, Anna, ao saber de todo o feitiço naquele vestido, está
me pressionando a doá-lo para a sua coleção no Met Gala.
— Putz, como você disse não à Anna Wintour? — perguntou Bianca.
— Você não diz... a menos que você seja Otávia. Eu adverti a Anna, mas
como de costume, ela se recusou a ouvir. Tenho medo de imaginar que forças
obscuras a urucubaca daquele vestido desencadearia na coleção dela. As
lantejoulas perderiam o brilho. As contas cairiam no chão. Metade da costura
vintage insubstituível de Anna provavelmente explodiria em chamas.
— Você não está preocupada que a mesma coisa aconteça aqui? —
perguntou Bianca.
Otávia acenou com uma mão brilhante desdenhosamente. — Ah, eu sei
como lidar com isso. Toda lua cheia, faço um ritual de purificação naquele
vestido. Pepper e eu o circundamos três vezes com um feixe de ervas
fumacentas, que limpam sua aura por algumas semanas. É um processo longo
e demorado, mas em uma ou duas décadas, o vestido deve estar seguro para
ser usado novamente.
Ela agarrou um último vestido, surgido das araras, e entregou uma
braçada de roupas para mim. — Vamos começar com estes.
— Obrigada — eu disse.
— De nada. Otávia apontou para um canto da sala, onde duas cadeiras
vermelhas brilhantes ladeavam um espelho individual com moldura dourada.
— Você pode prová-los lá.

Depois de provar quatro vestidos, olhei para o meu reflexo no espelho e um


calafrio me percorreu da cabeça aos pés. No espelho, o olhar de Bianca
encontrou o meu.
— Ficou perfeito — disse ela. — É este.
O vestido era sem mangas e feito de um tecido preto reluzente. O decote
se aprofundava num dramático V, que realçava a largura dos meus ombros,
ao passo que a saia se abria gradualmente em camadas suaves, que sutilmente
reduziam o tamanho dos meus quadris.
— É deslumbrante — eu disse. — É o vestido mais bonito que eu já vesti.
Pela primeira vez na vida, não odeio os meus quadris.
— Você está fabulosa — disse Bianca. — Mais uma vez, o dia de alguém
é salvo pelo Banco dos Vestidos. E pela Dior, é claro.
— Leve este também — disse Otávia. Ela apertou uma bolsa clutch roxa
escura cravejada de cristais em minhas mãos, deu um passo para trás e me
examinou criticamente. — Judith Lieber nunca falha. Aquela bolsa de mão
vale tanto quanto o vestido, adiciona uma pitada de brilho e cor, e valoriza o
vestido perfeitamente. Agora, infelizmente, quanto aos sapatos, a menos que
você seja tamanho 40, a minha coleção não vai ser útil.
— Já cuidei dos sapatos — disse Bianca. — E minha caixinha de mágicas
em casa tem mais que bijuterias suficientes para completar o visual dela.
As sobrancelhas de Otávia se levantaram rapidamente. — Bijuterias? —
disse ela. — Com Dior? Como você se atreve a sugerir tal imitação? Eu não
te ensinei nada?
— Você sempre me incentivou a pensar fora da caixa — disse Bianca. —
E verdade seja dita: temos um orçamento limitado.
— Bem, nesse caso, compete a mim salvar você de você mesma — disse
Otávia. — Aguarde aqui.
Ela deixou a sala por um minuto, e quando voltou, depositou um par de
brincos na mão de Bianca. Quando me inclinei para olhar mais de perto,
quase senti falta de ar. Cada argola de ouro branco era cravejada com o que
parecia ser um quilate inteiro de diamantes. Eles eram deslumbrantes, mas eu
não tinha certeza se deveria me arriscar a tomá-los emprestados. Embora
perder um brinco fosse raro para mim, já havia acontecido antes, e, se isso
acontecesse de novo, eu não teria condições de substituí-los.
— Os brincos são da Tiffany — disse Otávia. — Com o brilho dos
diamantes, o mundo está de volta nos eixos. O pobre Monsieur Dior parou de
rolar em seu túmulo.
Eu estava prestes a manifestar as minhas preocupações, mas Bianca foi
mais rápida que eu.
— Você tem certeza? — perguntou ela. — Os brincos são lindos, e
agradecemos a sua oferta de emprestá-los, mas brincos não são vestidos. Às
vezes, todas perdemos um brinco, e nenhuma de nós teria condições de
substituir estes.
Otávia deu um olhar fulminante para Bianca. — Não me venha com
estupidez, garota. Se acontecer o pior, que não vai acontecer, eles estão
totalmente segurados. — Ela voltou-se para mim. — Experimente-os.
Bianca me entregou os brincos, que coloquei em minhas orelhas.
— Dê uma volta — disse Otávia.
Eu obedeci. Conforme me virei, Otávia bateu palmas com suas mãos
carregadas de anéis e dançou de um lado para outro num paroxismo de
prazer.
— É por isso que eu trabalho com moda — disse ela. Sua voz assumiu
um tom reverente. — Olhe só para ela, Bianca. Olhe para ela e aprenda com a
minha genialidade. Ela brilha. Ela reluz. Ela resplandece. Ela vai arrasar no
Plaza. Só os deuses vão me impedir de colocar uma tiara na cabeça dela.
Eu corei em resposta à empolgação de Otávia. — Muitíssimo obrigada —
eu disse. — Adoro tudo, e não posso te dizer o quanto aprecio a sua
generosidade.
— O prazer é meu, querida — disse Otávia. Ela abriu os braços como se
fosse para abraçar as araras de roupa que nos rodeavam. — Devido ao meu
trabalho, tudo isso é como uma chuva de estrelas caindo sobre mim. As
coisas bonitas foram feitas para serem usadas, e eu mesma não posso usar
tudo.
Nisso, Pepper voou para dentro da sala e pousou na arara mais próxima
de mim.
— Pepper! disse Otávia. — Você sabe que não deveria estar aqui. — Ela
estendeu seu braço para a ave. — Venha aqui com a mamãe.
Pepper olhou para ela. — É bom encontrar um homem duro —
resmungou ele.
— Todos não sabemos disso? — disse Otávia. — Mas pare de tentar me
distrair, Pepper. Você sabe perfeitamente bem que é hora do seu cochilo da
tarde. Hora de ir nanar na sua gaiola.
Com um grasnido alto, a ave levantou voo, circulou a sala e então parou
em cima de outra arara de roupas. — Custa muito dinheiro para aparentar tão
tosco — disse ele. — Chega de cabides de arame... jamais!
Otávia sacudiu um dedo repleto de anéis para a ave. — Realmente,
Pepper. Eu não sei o que deu em você. Você sabe que eu apoio a sua
sexualidade, mas você não está sendo um pouquinho chinfrim hoje?
A ave inclinou sua cabeça em direção a ela. — Cacete — disse ele
claramente.
Otávia olhou furiosamente para ele. — É o seu cacete emplumado que vai
passar pela faca se você não enfiar esse rabo na gaiola mais rapidamente que
a mamãe consegue dizer Caitlyn Jenner. — Ela caminhou em direção à ave,
mas quando se aproximou de Pepper, ele esvoaçou para a arara próxima, que
estava fora do alcance dela.
Otávia deu um passo à frente e lançou-se em direção à ave, que bateu as
asas e voou para longe apenas a tempo de evitar ser agarrada. Ele pulou de
arara em arara, grasnindo em voz alta. Então, com uma corrida de penas, ele
pousou pesadamente sobre o meu ombro esquerdo, com suas garras dando
pontadas em minha pele.
Eu fiquei congelada no lugar, com medo de me mexer. Bianca havia me
advertido de que Pepper era conhecido por sua bicada. As aves são
portadoras da raiva ou de alguma outra doença horrível? Eu não sabia, e
realmente não queria saber.
— Não se mexa — disse Bianca quase inaudivelmente. — Lembre o que
eu disse a você.
— Como eu poderia me esquecer? — eu disse com os dentes cerrados.
— Não se preocupe. Otávia vai distraí-lo com uma fruta ou algo assim. É
o que ela geralmente faz.
Pelos cantos dos meus olhos, vi Otávia se aproximar. Ela estava
segurando uma banana.
— Pepper — ela chamou. — Você gostaria de uma guloseima?
— Ma-mãe — resmungou a ave.
Otávia deu um passo para mais perto, e então outro. — Isso mesmo,
Pepper. A mamãe trouxe uma guloseima para você. A sua favorita.
As garras de Pepper se afundaram no meu ombro, e eu resisti o impulso
de dar-lhe um safanão e correr pela minha vida.
Otávia agora estava a apenas um metro e meio. — Vem, Pepper — disse
ela, sacudindo a fruta na frente da ave.
— Você quer um pedaço de mim? — grasnou o papagaio. — Vem, seu
filho da puta. Sim... sim... sim!
Otávia deu à ave um olhar fulminante. — Pepper, você sabe que eu adoro
o seu querido Al Pacino, mas a Meg Ryan? Você tinha que trazer à tona
aquele exemplo desastroso de compulsão por cirurgia plástica?
— Sim! — Pepper gritou e abruptamente grampeou seu bico na parte
superior da minha orelha. Instintivamente, sacudi minha cabeça para longe, e
a ave simplesmente apertou a sua bicada dolorosa.
Otávia deixou cair a banana, saltou para a frente e estendeu ambas as
mãos para pegar Pepper. Conforme ela fez isso, a ave me soltou e bateu suas
asas numa tentativa de alçar voo, mas dessa vez, Otávia foi mais rápida que
ele. Ela o agarrou firmemente, segurou as asas contra o corpo dele e o levou
em direção à porta, deixando uma trilha de chifom e uma torrente de
palavrões grasnidos. Vários segundos depois que eles desapareceram na sala
de estar, ouvimos uma batida metálica.
— Otávia fechou Pepper na gaiola — disse Bianca calmamente. Ela
abaixou-se, pegou a banana abandonada do chão e a colocou sobre uma das
cadeiras. — Vamos cair fora, você e o seu vestido, antes que algo mais
aconteça. Amo Otávia, e você sabe que amo os animais, mas aquela ave! Ele
é uma ameaça.
Inclinei-me em direção ao espelho. Minha orelha tinha uma marca
vermelha onde Pepper havia me bicado, e meu ombro tinha alguns arranhões
leves das suas garras, mas não havia nenhum sangramento. — Nenhum dano
feito. Milagrosamente, o vestido parece ter sobrevivido também.
Bianca abriu o meu zíper, e eu tirei o vestido pela cabeça, entregando-o a
ela. Quando vesti novamente as minhas roupas normais, ela examinou o
ombro do vestido.
— Há algumas pequenas marcas — disse Bianca. — Mas não é nada que
eu não possa consertar em casa.
Quando surgimos na sala de estar, Otávia se desculpou profusamente. —
Eu não sei o que deu no Pepper — disse ela. — Ele é tão criança às vezes.
— Estou perfeitamente bem — eu disse. — Muitíssimo obrigada por me
emprestar este lindo vestido, sem falar na bolsa.
— Não precisa agradecer — disse Otávia. — Ingressar os jovens na moda
é parte da minha missão nessa vida. Ajudar as pessoas é minha razão de ser.
Bianca estendeu o vestido para Otávia e apontou as marcas quase
invisíveis no ombro esquerdo. — Acho que posso consertar isto, mas caso eu
não possa, não quero que você pense que uma de nós tenha causado o
estrago.
— Você vai devolver os brincos e a bolsa, mas o vestido é da Ilana —
disse Otávia. Abri minha boca para protestar, mas ela ergueu sua mão. —
Não discuta comigo. Você é amiga da Bianca, e uma convidada em minha
casa. É o mínimo que posso fazer para me desculpar pelo comportamento
terrível do Pepper. Além disso, você nasceu para usar aquele vestido. Ficou
sublime em você. Então, deleite-se por mim. Pegue o vestido e faça bom uso
dele.
Olhei de relance para Bianca, que me fez um rápido aceno com a cabeça.
— Obrigada um milhão de vezes — eu disse. — Vou fazer.
24

Entre o trabalho, frequentar minha primeira semana de aulas no segundo


semestre na Universidade de Nova York e passar tempo com Nick, os dias
iniciais de setembro passaram rapidamente. Mais cedo que o esperado, o dia
da festa beneficente chegou.
Depois que Bianca me ajudou vestir, estilizar o cabelo e fazer minha
maquiagem, sondamos o resultado num espelho de comprimento total no
interior da porta do meu quarto. Quando me vi, eu quase não pude acreditar
no que estava vendo. Não apenas o vestido valorizava meu figurino, mas
Bianca havia domado o meu cabelo rebelde em um coque elegante, do qual
algumas gavinhas surgiam aqui e acolá. Ela havia me maquiado com olhos
sutilmente enfumaçados e lábios vermelhos escuros e intensos, e também
feito alguma mágica que realçou as maçãs do meu rosto.
— Você é incrível — eu disse. — Eu nunca fiquei tão bonita assim, e é
tudo graças a você. Só espero que você saiba como você é talentosa. Uma vez
que o mundo da moda sinta um gostinho desse talento, você vai ser tão
famosa quanto a Otávia.
— Não tenho certeza disso, mas sei de uma coisa — disse Bianca. — Se
Otávia pudesse te ver neste momento, ela teria um chilique. — O seu
semblante suavizou quando ela olhou para mim. — Você tem visão, Ilana. O
vestido, os sapatos, os brincos... tudo combina perfeitamente. Mudando de
assunto, há algo que preciso te dizer antes de você ir a esse evento.
— O que é? — perguntei.
— Eu me sinto mal por ter sido dura com você a respeito do Nick. A
gente se conhece há muito tempo e nunca vi você tão feliz como nas últimas
semanas. Ainda acho que namorá-lo é um risco (droga, namorar qualquer um
é sempre um risco), mas qualquer homem que fizer minha melhor amiga feliz
assim é um risco que vale a pena correr.
Eu a abracei. — Não tenho palavras para dizer como estou emocionada
que você tenha mudado de ideia sobre o Nick, e não vejo a hora de você
conhecê-lo apropriadamente... sabe, fora do clube. Só sei que você dois vão
se simpatizar logo de cara.
Ela me abraçou também. — Para constar, ele nunca foi um dos meus
clientes. Na verdade, quando pensei mais a fundo, percebi que nos sete meses
que trabalho no clube, não me lembro de vê-lo tanto pedindo uma dança no
colo, o que comprova a afirmação dele de que não está mais atrás das
strippers.
Quando nos soltamos, meus olhos estavam molhados, e pisquei várias
vezes para clareá-los. Ter o apoio da minha melhor amiga significava tudo
para mim.
— Estou tão contente — eu disse. — Foi a evidência de que ele desistiu
do seu velho estilo de vida que fez você mudar de ideia sobre ele?
— Em parte — disse Bianca. — Mas não é o único motivo. Eu vejo a sua
empolgação quando você sai apressada para encontrá-lo. E aquele olhar de
felicidade no seu rosto quando você volta para casa depois de passar tempo
com aquele homem? — Ela balançou a cabeça. — Se eu não confiasse na sua
palavra de que vocês dois ainda não foram para a cama, eu juraria que você
estava flutuando de volta à Terra depois de uma foda de uma vida inteira.
Em minha mente, eu já havia decidido que esta noite seria a noite. Esta
noite, depois da festa, eu me entregaria ao homem por quem, dia após dia, eu
estava me apaixonando mais profundamente.
Sorri para Bianca. — Ainda não... mas logo.
Ela me deu um olhar conhecido. — Esta noite é a grande noite, não é?
— Talvez seja.
— Bem, se não for, deveria ser. Você parece uma deusa, e o Plaza é o
prelúdio perfeito. Você não vê como isso é ideal? A civilização justaposta
contra a natureza. Sociedade, moda e dança, seguidas de sexo com tesão
maluco de arranhar os lençóis.
Eu ri. — Agora você está em sintonia com a Otávia.
— Nem de perto. A Otávia seria muito mais explícita. — Ela olhou, de
relance, para o despertador sobre a minha cabeceira. — Ainda temos uma
hora antes de Nick te buscar, e ainda precisamos encontrar um colar para
você. Deixe-me pegar minha caixa de mágicas.
Ela deixou meu quarto e voltou momentos depois com uma caixa enorme
de joias, que colocou sobre a minha cama. Ela se jogou ao lado dela e
começou a vasculhar o seu conteúdo multicolorido.
— Talvez este funcione — disse ela ao tirar um pendente de ônix e
colocá-lo ao lado da caixa. — Ou este.
Eu me empoleirei na ponta da cama e observei a montanha de joias ao
lado da caixa continuar a crescer.
— Aqui está uma outra possibilidade — disse Bianca, deixando cair um
punhado de pedras reluzentes roxas escuras sobre a pilha. Pequenas pedras
arredondadas estavam dispostas em torno de pedras maiores, formando flores
de oito pétalas, que estavam ligadas com prata esterlina. — As pedras são
ametistas. Elas podem combinar bem com a bolsa da Judith Lieber que
Otávia te emprestou.
Levantei-me, peguei a bolsa de cima da cômoda, trouxe-a de volta para a
cama e coloquei o colar contra a bolsa. — Veja isto — eu disse. — É quase
uma combinação perfeita.
Bianca examinou o par. — Podemos estar com sorte — disse ela. —
Coloque o colar, e vamos ver como ele fica com o vestido.
Levantei o colar, coloquei-o em volta do pescoço e apertei o fecho. —
Como ficou? — perguntei.
— Até agora, tudo bem. Levante-se e dê uma volta para mim.
Eu me levantei, caminhei para longe da cama e dei uma pequena pirueta.
— Ficou muito bem — disse Bianca. — Pode até mesmo ser o tal,
embora a gente deva experimentar mais alguns antes de tomar uma decisão
final.
Uma após outra, experimentamos outras peças, mas, no final, voltamos ao
colar de ametista. Quando o prendi em volta do meu pescoço pela segunda
vez, Bianca recuou e me olhou de cima a baixo.
— Isso é o que Otávia chama de destino da moda — disse ela, inclinando
sua cabeça em direção ao espelho. — Vá em frente, agora; dê uma olhada em
você.
Caminhei até o espelho e admirei o meu reflexo.
— Eu me sinto como uma princesa — eu disse. — Não posso evitar de
pensar que a qualquer momento, tudo isso vai desaparecer, e eu vou me
encontrar ao lado de uma abóbora no conto da Cinderela.
Bianca deu uma risadinha. — Pare! — disse ela. — Nunca questione a
vontade dos deuses da moda. Você não entende? Você está predestinada a
estar linda para a sua grande noite, e linda você está. Otávia estava certa:
você vai arrasar no Plaza.
— Além de mim e você, a única opinião com a qual me importo é a de
Nick — eu disse. — Se ele gostar do meu visual, então ficarei feliz.
Ela fez cara feia com sinal de falso desespero. — Sério? Uma vez que
aquele homem der uma boa olhada em você, sua única preocupação vai ser
como manter as mãos dele longe de você a caminho do Plaza. Sem beijos e
amassos na limusine, capisce? Seu cabelo e sua maquiagem exigem isso.
— Sim, sim, comandante — eu disse, brincando. — Estarei no meu
melhor comportamento... mesmo que eu não queira estar.
— A demora pode ser excitante — disse ela. — Depois que a festa
acabar, haverá sempre o resto da noite.
— Sim — respondi. — Com toda certeza haverá.
25

Meia hora depois, quando o motorista de Nick abriu a porta da limusine e me


ajudou a entrar, o olhar no rosto de Nick valeu cada minuto do esforço que
Bianca e eu tínhamos posto em minha aparência.
— Uau — disse ele. — Eu sabia que você estaria bonita. Mas, de
qualquer maneira, você é sempre bonita.
Eu ri. — Como você tem coragem de dizer isso quando já me viu em
roupas de corrida, descabelada e com suor pingando pelo rosto?
— Você é bonita mesmo descabelada... e você está deslumbrante esta
noite.
— Você também está incrível — eu disse. O branco e preto sóbrio do seu
smoking realçavam sua pele bronzeada cor de oliva e o castanho claro dos
seus olhos. Ele estava impossivelmente bonito, e mais uma vez, senti como se
tivesse entrado nas páginas de um conto de fadas.
Quando o carro se distanciou do meio-fio, Nick estendeu o braço para trás
de si e apresentou uma caixa retangular cinza clara com um logotipo da Harry
Winston.
— Tenho algo para você — disse ele. — Espero que você goste.
— Você não precisava me comprar nada, Nick.
Ele me entregou a caixa. — Claro que eu não precisava... mas eu quis.
Você vai entender quando abri-la.
Deslizei meus dedos sobre a superfície acetinada da caixa e então levantei
a tampa. Quando a abri, senti uma falta de ar. Contra o veludo cinza claro,
elos retangulares de baguete e brilhantes redondos formavam um círculo. O
ponto central do colar era um único diamante baguete grande, do qual uma
série de elos adicionais se estendiam para baixo em linha reta. Pela aparência
do colar, ele devia ter pelo menos doze quilates, e seu design evocava os anos
1920, uma década cuja moda eu sempre adorei.
— É lindo — eu disse. — Adorei.
— Quando o vi, me lembrei de você. Espero que você me dê a honra de
usá-lo esta noite... a menos que você ache que ele não combina com o seu
vestido.
Inclinei-me para o lado e beijei-lhe levemente nos lábios. — Tenho a
sensação que esse colar vai combinar perfeitamente com o meu vestido.
— Nesse caso, deixe-me te ajudar a colocá-lo.
Virei minha nuca para ele, e com dedos precisos, ele desatou o colar de
ametista e o deixou cair sobre o meu colo. Então, ele pegou os elos de
diamante e os prendeu em volta do meu pescoço.
Quando me virei para ele, ele soltou um assobio baixo. — Acertei na
mosca — disse ele. — Agora que o vejo em você, esse colar parece até
melhor do que eu tinha imaginado.
Tirei o meu estojo da bolsa de mão, abri-o e me examinei no pequeno
espelho. Pela segunda vez em menos de cinco minutos, fiquei muda. Eu mal
podia acreditar em meu próprio reflexo. Diamantes reluzentes circundavam o
meu pescoço e jaziam logo acima das minhas clavículas. Os elos que
pendiam do centro do colar complementavam o decote profundo em V do
vestido, realçando os meus peitos.
— É fabuloso — eu disse. — É a coisa mais deslumbrante que eu já usei.
Obrigada por ter me dado este presente; vou guardá-lo para sempre.
Inclinei-me para beijá-lo novamente, pretendendo um beijo leve que não
o manchasse completamente com o meu batom, mas Nick tinha outras ideias.
Os seus lábios reivindicaram minha boca com uma ferocidade que me
dominou, e suas mãos agarraram meus quadris e apertaram meu corpo contra
o dele. As minhas preocupações com cabelo, batom e o Plaza desapareceram
conforme eu me perdia na intensidade do momento, que só aumentava pela
minha decisão anterior de que, esta noite, não haveria nada que me parasse ou
me detivesse.
Mas quando voltamos para tomar fôlego, meu cérebro se ligou. Antes que
Nick e eu pudéssemos fazer amor pela primeira vez, tínhamos um evento
para ir. Agarrei os seus ombros e examinei o seu rosto de perto.
Previsivelmente, ele tinha uma mancha de batom num dos cantos da boca, e
suspeitei que meus próprios lábios parecessem os do palhaço Bozo.
— Deixei marca de batom em você — eu disse.
Ele sorriu. — Então nós dois temos marcas de batom, mas valeu a pena.
Eu ri. — De acordo, mas agora precisamos nos limpar. — Peguei a minha
bolsa, retirei um pacote de lenços umedecidos e o rasguei, abrindo-o. — Não
se mexa por um instante. Tenho que limpar o batom de você... a menos que
você queira chocar Nova York com o seu novo visual.
Seus olhos castanhos cintilaram, divertindo-se. — Melhor não — disse
ele. — Prefiro não sair na primeira página do Post de amanhã.
Toquei de leve no seu rosto até que todos os vestígios do batom fossem
removidos, e então passei aos meus próprios reparos, que eram mais
extensos. Quando terminei, fechei o meu estojo e virei meu rosto para Nick.
— Como estou? — perguntei. — Me diz a verdade.
Ele empertigou sua cabeça para mim. — Você parece uma mulher que
acabou de ser beijada apropriadamente.
— Bem, graças a você, acabei de ser. Mas que tal minha maquiagem?
— Perfeita. Você está pronta para ir à festa. E o meu colar ficou ótimo em
você.
Toquei os diamantes em volta do meu pescoço. — Adoro o colar, Nick.
Realmente adoro. Só quero que você saiba que não precisa me comprar
coisas. Eu me orgulharia de sair com você mesmo que você não tivesse dois
centavos.
— Eu sei — disse ele. — É uma das muitas coisas que eu aprecio em
você. Mas, o que é mais importante, posso interpretar o que você acabou de
dizer como que está finalmente concordando em ser minha namorada?
Sorri para ele. — Eu tinha uma leve impressão de que concordei com isso
semanas atrás.
— Eu pressenti isso — disse ele. — Mesmo assim, dizer as palavras
torna-o oficial.
Estendi minha mão para ele. — E você gosta que as coisas sejam oficiais,
Sr. Santoro? Em branco e preto, com três cópias?
Ele apertou minha mão. — Quando se trata de você, Srta. Evans, gosto
sim.
26

Minutos depois, nossa limusine chegou ao sul do Central Park, virou na Praça
Grand Army, e parou em frente ao Hotel Plaza, onde um porteiro
uniformizado de preto apressou-se para abrir a porta ao lado da calçada. Nick
saiu e então me ajudou a sair para a calçada.
Ao pisar na larga calçada em frente ao Plaza, parei, olhei para cima e
avistei uma fachada de vinte andares em estilo chateau, que estava iluminada
com luzes tênues que transformavam o seu tom pedra cinzenta num dourado
intenso. Contra as luzes e os arranha-céus de Manhattan, o Plaza brilhava e
reluzia com um esplendor que combinava com as joias cintilantes das
mulheres que convergiam em direção às suas portas, cada qual de braço dado
com um homem vestido de smoking.
Nick sorriu para mim. — Pronta para entrar? — ele perguntou.
Por um breve momento, hesitei. Uma parte de mim temia que alguém do
clube me reconhecesse. No entanto, como Bianca sempre dizia, mesmo que
algum homem me reconhecesse em algum lugar público, ele provavelmente
não verbalizaria o seu reconhecimento, pois isso configuraria uma admissão
pública de suas atividades num clube de cavalheiros. Quanto às
apresentações, Nick e eu tínhamos combinado há muito tempo que, quando
elas fossem necessárias, ele simplesmente me apresentaria como uma
estudante de negócios da Universidade de Nova York.
Com esse pensamento, deixei meus temores de lado e tomei o braço de
Nick. — Tão pronta como sempre estarei.
— Então vamos nessa — disse ele.
Passamos pelas portas da frente, atravessamos o saguão e começamos a
subir a escadaria monumental que dava para o mezanino.
Um pensamento bateu em minha mente. — Nick — eu disse. — Antes de
entrarmos e possivelmente toparmos com alguns dos concorrentes de negócio
que você falou, me diz uma coisa, você ainda está recebendo aquelas
mensagens de texto estranhas?
— Recebi outra ontem à noite — disse ele. — Mas vamos colocar isso de
lado por enquanto. Esta noite é para nos divertirmos, e o meu amigo
venenoso por correspondência, seja quem for, pode esperar.
Apertei o seu braço. — OK, mas espero que você me atualize sobre isso
em breve.
— Atualizarei — disse ele. — Podemos conversar sobre isso amanhã.
Quando chegamos ao topo da escada, o barulho combinado de centenas
de vozes expandiu para um rugido entorpecedor, e nos movimentamos para
um grupo espremido e denso de convidados ricamente vestidos. Entre grupos
de pessoas, vislumbrei uma variedade de obras de arte que estavam sobre
cavaletes e pedestais em volta do perímetro do recinto.
— Vamos até o terraço para pegar um drinque — disse Nick em meu
ouvido. — Mais tarde, podemos dar uma olhada no leilão de arte, depois que
a multidão se dispersar.
Conforme ele nos guiava ao redor de grupos de convidados, surgiam
vozes do burburinho das pessoas que nos rodeavam.
— Aspen? — perguntou uma voz feminina, em tom exageradamente
refinado. Virei minha cabeça em direção à voz, e a associei a uma loira
robusta com seus sessenta anos e um vestido verde de veludo decididamente
fora da moda. — Não, Tippy e eu não nos importamos com Aspen há anos. A
metade da cristandade tem uma casa em Aspen. Nós preferimos Zermatt. Não
que a Suíça não esteja até a tampa com os novos ricos, mas os suíços os
mantêm sob controle. É a água, entende? Fluxos glaciais com minérios
coloidais. Eu tomo exclusivamente água glacial, é óbvio. Ela impede as
linhas magnéticas de pararem as batidas do meu coração. As linhas estão
todas ao nosso redor, sabia? Nem todos a percebem, mas eu sim.
— Linhas magnéticas? — sussurrei para Nick. — Fluxos glaciais? De
que diabo ela está falando?
— Não é "do que ela está falando" — disse Nick baixinho. — É o que ela
está tomando. Aquela mulher é Bitsy Farnsworth; ela veio da família Astor, e
me disseram que ela toma fármacos psiquiátricos pesados. Com base no que
acabou de sair da sua boca, ela obviamente precisa deles.
Ele me conduziu através de um arco e então por um dos quatro pares de
portas duplas. Surgimos em uma sacada que era do tamanho do salão, com
meio-lances de escadas de mármore nas duas pontas, que levavam ao piso de
um recinto iluminado com candelabros. Embora o andar estivesse lotado de
convidados chiques, cujas conversas e risadas enchiam o ar, fiquei aliviada ao
constatar que havia mais espaço para respirar do que no salão que tínhamos
acabado de deixar. Graças ao fato de ter passado vinte e dois anos da minha
vida em Vermont, eu não me sentia tão à vontade em lugares lotados como a
maioria dos nova-iorquinos.
— Este é o terraço — disse Nick. — Alguém uma vez me disse que os
candelabros de cristais foram desenhados por Charles Winston, o irmão de
Harry. Vamos descer para o salão e procurar o bar.
Viramos à esquerda em direção às escadas, descemos e chegamos até o
bar, que estava cercado por uma massa de gente com uma profundidade de,
pelo menos, três ou quatro fileiras. Atrás do bar, vários atendentes
despejavam e misturavam bebidas com rapidez e profissionalismo
impressionantes; evidentemente, o Plaza sabia como dar uma grande festa.
Enquanto esperávamos a nossa vez para pedir as bebidas, observei as
colunas arqueadas simétricas que flanqueavam o recinto em cada um dos dois
lados. Uma iluminação tênue e em tom âmbar, apontando para cima, guiou o
meu olhar em direção aos tetos altíssimos, que estavam decorados com
grandes pinturas de figuras humanas em estilo renascentista.
— Esse lugar é incrível — eu disse.
Nick seguiu o meu olhar. — A maior parte desse salão data dos anos 20
— disse ele. — Há alguns anos, o Plaza fez uma grande reforma, que incluiu
a maioria das áreas em que vamos estar esta noite.
— O que posso lhe servir, senhor? — perguntou uma atendente a Nick.
— O que você quer? — Nick me perguntou.
— Um martíni de vodca — eu disse. — Com azeitonas, por favor.
— Boa ideia. Ele voltou-se para a atendente. — Dois martínis de vodca,
obrigado. Um com azeitonas, o outro com limão.
Momentos depois, com as bebidas nas mãos, nos livramos da densa
multidão em volta do bar e fomos para um pequeno espaço ao lado esquerdo
do salão, onde paramos para desfrutar dos nossos drinques.
Nick tilintou a sua taça na minha. — Tchin-tchin — disse ele com um
sorriso. — À mulher mais adorável de Nova York. Estou tão contente por
você estar aqui comigo esta noite.
Esta noite. Quando olhei para o seu belo rosto, meu coração se encheu de
emoção, e pela primeira vez, admiti a mim mesma que eu estava apaixonada
por ele. Apesar de que minha atração física tinha apenas intensificado com o
tempo desde que nos conhecemos, eu sabia no meu íntimo que o que eu
sentia por Nick ia muito além do sexo.
Esta noite íamos fazer amor pela primeira vez.
Mais tarde, talvez na privacidade do seu carro, eu encontraria o momento
perfeito para lhe dizer exatamente isso.
Levantei um brinde a ele. — A nós — eu disse. — E a você, por me
convidar a compartilhar uma noite tão fabulosa.
— A nós — disse Nick. À medida que bebíamos, nossos olhos se
encontraram por sobre as taças de martíni. Em seu olhar, vi uma emoção que
era igual à minha e reafirmava que estava na hora de levar a nossa intimidade
para a próxima etapa.
Nisso, o semblante de Nick mudou para uma carranca.
— Há algo errado? — perguntei.
— Não. Acabei de avistar Andreas Ulbrecht, lembra? O diretor-geral da
NextEdge, uma das empresas que está concorrendo comigo para comprar o
Centerpost. Ulbrecht é um filho da puta agressivo e raramente perde uma
oportunidade de se meter comigo, mas esta noite pode ser uma exceção ao
seu mau comportamento habitual, já que aparentemente ele veio
acompanhado.
— Onde ele está? — perguntei, curiosa para dar um rosto ao nome.
— Atrás de você e diretamente em nossa frente do outro lado do salão,
você vai ver um grupo de quatro pessoas. Ulbrecht é o cara mais corpulento
com cabelo preto enrolado. O sósia de Bill Gates é o segundo comandante
Trent Norcross, a ruiva é a mulher de Norcross, e a morena é a acompanhante
de Ulbrecht, que eu reconheço do clube. O nome dela é Valência.
Valência? Meu coração desabou até os meus sapatos.
Virei para a esquerda só o suficiente para vislumbrar, de rabo de olho, o
grupo de Ulbrecht e verificar se a mulher que estava ao lado dele era de fato
Valência.
Desde que aceitei o convite de Nick para acompanhá-lo a esse evento, eu
estava preocupada que algum homem do clube fosse me reconhecer. Mas
nunca considerei a possibilidade de dar de cara com uma das minhas colegas
de trabalho, muito menos uma que odiava até a minha sombra, numa festa
beneficente chique como essa.
Enquanto isso, Valência estava olhando diretamente para mim. Não havia
dúvida de que ela havia me identificado, e a expressão no seu rosto era a de
um gato que acabara de matar uma presa.
Do outro lado do salão, reconheci o seu vestido frente única como sendo
um Gaultier. Listras fortes e abstratas em tons vermelho, alaranjado e preto
realçavam sua cintura esbelta e abriam-se em volta dos quadris em uma
cascata brilhante de vários comprimentos que se estreitavam e se tornavam
translúcidos à medida que a saia se aproximava dos seus tornozelos. Seu
cabelo escuro estava preso num coque elegante, e o bracelete que reluzia em
seu pulso tinha o brilho de diamantes verdadeiros. Apesar da minha antipatia
por Valência, eu tinha que jogar na sua cara: ela estava incrível.
Enquanto eu observava, ela inclinou-se para Ulbrecht e cochichou
qualquer coisa no ouvido dele. Ulbrecht olhou de relance para mim, riu, e
então disse algo ao casal Norcross, que prontamente se virou para me
encarar.
Meu rosto corou ao perceber que Valência havia acabado de me dedurar,
e eu sabia que tinha que contar isso ao Nick imediatamente.
Mas, antes que eu o fizesse, ele proferiu o choque da noite.
Para constar, — disse ele — eu saí com Valência algumas vezes há vários
anos.
Minha cabeça girou. — Você saiu com ela? — eu disse. — O que isso
significa?
— Digamos apenas que nossas interações eram típicas da minha vida
antiga.
Engoli em seco. Apesar de chegar a um acordo quanto ao passado de
Nick e saber que ele havia deixado isso para trás, essa era a primeira vez que
eu enfrentava a realidade de saber de uma de suas ex-namoradas. Eu sabia
que isso iria acontecer algum dia, mas teria sido mais fácil se fosse alguém
que eu não conhecia. Pior ainda, eu simplesmente não conhecia Valência:
desde que ela me sabotou no clube, eu sentia antipatia por essa mulher.
— Você precisa saber que minha ligação com ela foi breve — disse Nick.
— Eu terminei assim que percebi que ela queria mais do que eu estava
disposto a oferecer. Ela não significou nada para mim, Ilana. Durante anos,
ninguém significou mais que uma simples diversão... até eu te conhecer.
— O que há de tão diferente em mim?
Ele me censurou com um olhar. — Pensei que tivéssemos superado isso.
— Eu também, mas não tenho tanta certeza disso agora.
— Então, deixe-me soletrar — disse ele. — Estou apaixonado por você,
Ilana. Desde que você entrou na minha vida, sou um homem diferente. Você
é bonita, é extremamente inteligente, e eu posso conversar com você durante
horas sobre qualquer coisa, de negócios a filmes franceses, mas o que sinto
por você vai além de tudo isso. Antes de te conhecer, eu me sentia vazio por
dentro. Durante anos, tentei preencher esse vazio com o trabalho, com
atividades como o evento desta noite, e sim... com uma longa fila de
mulheres. Mas nada do que fiz mudou como eu me sentia, até conhecer você.
Você me faz sentir vivo. Você me faz sentir de uma forma que eu achei que
nunca me sentiria.
A sinceridade na voz de Nick me trouxe de volta à realidade. Eu sabia
que estava apaixonada por ele, mas essa era a primeira vez que ele disse que
também estava apaixonado por mim. E, embora a revelação de sua história
com Valência fosse uma surpresa desagradável, ele não fez nenhum esforço
para esconder essa história. Pelo contrário, ele foi completamente franco e
honesto.
Eu sorri para ele e pisquei os olhos para esconder as lágrimas. —
Obrigado por dizer isso — eu disse. — Desculpe por duvidar de você, mas
minhas emoções me dominaram por um momento.
A intensidade do seu olhar me queimou até a alma. — Jamais duvide do
que eu sinto por você.
— Não duvidarei — eu disse. Embora eu soubesse que sempre tive
problemas em confiar, eu também sabia que com Nick, eu poderia superá-los.
Sorri para ele. — Estou feliz que isso esteja resolvido.
Quando olhei em seus olhos, uma parte de mim desejava nada mais do
que jogar meus braços em torno dele e dizer-lhe que eu também estava
apaixonada por ele, mas uma parte maior de mim exigia que eu guardasse
essas palavras para um momento que não tivesse Valência por perto.
Eu me recompus. — Agora é a minha vez de atualizar você. Você não é o
único que tem uma história com Valência.
— Conte-me mais — disse ele.
— Desde minha primeira noite no clube, ela me odeia. Lembra quando o
meu sapato quebrou no palco? Ela foi a causadora.
— Ela tentou arruinar sua primeira noite no trabalho?
— Tentou.
— Você tem certeza que foi ela?
— Positivo.
— Mas por que ela faria uma coisa dessas? — perguntou Nick. — Se
Isabela tivesse descoberto, Valência teria sido demitida imediatamente. Por
que ela arriscaria o seu trabalho para te ferrar, quando nem mesmo te
conhecia?
— Na época, eu deduzi que fosse o ressentimento por Rocha ter me dado
um ótimo horário (graças a você, por sinal), mas agora estou me perguntando
se Valência tinha alguma outra motivação. Ela ainda está apaixonada por
você?
— Acho que não — disse Nick. — Depois que terminei com ela, ela
tentou várias vezes voltar comigo, mas eu não dei a mínima. Desde então, eu
evito a mulher, e parece que ela prefere me evitar também. Naturalmente, eu
a vejo dançar no palco do clube, mas não trocamos uma palavra há pelo
menos dois anos.
— Bem, independentemente do que Valência sinta por você, ela
definitivamente me odeia, e tenho certeza que ela fez algum comentário
nojento sobre o meu trabalho para o Ulbrecht e os Norcross. A última coisa
que eu quero é te causar qualquer tipo de constrangimento público; por isso,
talvez fosse melhor eu sair discretamente.
— Só se for por cima do meu cadáver — disse Nick. — Posso não gostar
do seu trabalho, mas entendo por que você o faz. E me recuso a recuar de
Andreas Ulbrecht, que está vindo em nossa direção neste momento, com
Valência no reboque. Vamos nos manter firmes e enfrentar isso juntos. —
Ele pegou minha mão e a apertou. — Tudo bem?
— Tudo bem — eu disse. — Mas esteja preparado. Valência é uma
lutadora do gueto, e ainda mais comigo aqui... Não espero que aquela
jararaca seja educada.
Ele apertou minha mão novamente. — Não se preocupe. Se ela pisar na
bola, eu sei exatamente como tirá-la de campo.
Quando eles chegaram até nós, Valência confirmou minhas expectativas
ao falar primeiramente. — Ora, ora — disse ela. — Que surpresa encontrar
você aqui.
Olhei para ela de cima. — Boa noite, Valência. Como você deve ter
adivinhado, Nick me convidou.
Ela revirou os olhos. — Ah, aquele tipo de convite. Eu não estava ciente
que os seus serviços se estendiam tão longe, mas admito que me enganei.
Aparentemente, mesmo a senhorita que não oferece serviços extras tem o seu
preço.
Preço? Valência estava sendo apenas uma vaca odiosa, ou realmente
achava que eu era uma acompanhante paga por Nick?
— Fale por você mesma — eu disse. — Você pode estar na folha de
pagamento de alguém esta noite, mas eu não. Estou aqui como convidada do
Nick.
Nick aproximou-se de mim e eu senti sua raiva crescente. O olhar que ele
disparou contra Valência teria calado a maioria das pessoas, mas, afinal,
Valência não era a maioria das pessoas.
Ela olhou para o colar que Nick havia me presenteado. — Faça-me o
favor. Que poste você lustrou para ganhar isso? De alguma forma, não creio
que seja o de metal...
— Basta! — disse Nick, interrompendo-a. — Não sei que acordo você e
Ulbrecht têm, e não me importo, mas você deve saber que o único acordo
entre mim e Ilana é o nosso prazer mútuo na companhia um do outro. E é
melhor você tomar cuidado com o que diz sobre o seu local de trabalho e com
qualquer pessoa relacionada a ele. Isto é, a menos que você queira que a
minha amiga Isabela te mande embora por quebra de sigilo.
Valência fumegou indignada, mas a ameaça de Nick surtiu o efeito
desejado. Embora ela continuasse a me olhar furiosamente, sua boca
permaneceu fechada.
Ulbrecht me olhou de cima a baixo. — Nada mal — disse ele. — Nada
mal absolutamente.
Desviei minha atenção para ele. Em seus quarenta anos e quase tão alto
quanto Nick, porém muito mais corpulento, Andreas Ulbrecht tinha a
aparência de um ex-quarterback e a expressão beligerante de um touro
prestes a investir. Em uma das mãos, ele segurava uma taça do que parecia
ser uísque. Quando vi imagens dele na imprensa comercial, deduzi que fosse
um homem de boa aparência, mas de perto e pessoalmente, seu maxilar
estava inchado, e uma rede de capilares quebrados pulsavam em seu rosto
numa teia de aranha resultante do alcoolismo.
Ele piscou para Nick. — Vejo que nós dois apanhamos nossas frutas na
mesma árvore.
— Como? — eu disse. — Não sei de que árvore você está falando. Mas
conhecendo a sua acompanhante tão bem como eu conheço, posso lhe
assegurar que você definitivamente apanhou a fruta mais fácil. Quanto a essa
fruta específica? Espero que você saiba que ela não é nenhuma cereja.
Kumquat, talvez.
Ulbrecht deu de ombros. — Que diabo? — disse ele. — Ela é atraente, e
é tudo que me importa.
— Atraente... ou uma perua insolente? — eu disse em tom leviano.
Ulbrecht riu, e eu estava prestes a continuar, mas Nick me deu um olhar de
advertência.
Valência disparou um olhar de desprezo para o seu acompanhante antes
de focar seus olhos furiosos em mim. — Como você se atreve! — disse ela.
Ulbrecht deu um largo sorriso para Nick. — A sua é quase tão bonita
quanto a minha. — Ele lançou um braço em direção à multidão. — Não
como essas vacas feias que foram cruzadas demais. Elas me lembram da
minha ex-mulher, e de todos os motivos por que me divorciei daquela vaca.
Ele riu do seu próprio humor, o que confirmava a minha impressão de
que o uísque em sua mão não era o primeiro. Evidentemente, o homem estava
carregado. Mas o seu comentário sobre apanhar frutas deixou uma coisa
dolorosamente clara: Valência dissera a ele e aos Norcross que a
acompanhante de Nick Santoro era uma stripper. Senti um embrulho no
estômago, enojada ao constatar que o meu maior temor tornara-se uma
realidade. Não havia dúvida de que as palavras de Valência já haviam
espalhado o veneno por toda a multidão de convidados: tais fofocas corriam
mais rapidamente que a velocidade da luz.
— Vamos brindar, Santoro, — disse Ulbrecht, levantando sua taça. — Ao
namoro do lado errado da cerca.
Faiscando de raiva, Nick deu um passo à frente em direção a Ulbrecht. —
Cala essa boca suja, Andreas. Minha namorada é uma mulher de respeito. Se
você insistir em ser grosseiro com ela, as coisas vão piorar para o seu lado, e
você não vai gostar quando isso acontecer.
Apesar do dissabor do momento, eu não podia senão sentir uma vibração
ao ouvir esta palavra: namorada. Era a primeira vez que Nick me chamava de
namorada em público, e senti-me bem com isso. Mais ainda: senti que era a
coisa certa.
Ulbrecht tomou uma golada da sua bebida. — Faça como quiser, cara.
Estou pouco me cagando para onde você encontra as suas mulheres. Mas
você vai precisar de uma bebida forte logo, logo, assim que o Centerpost vir a
oferta que acabei de colocar sobre a mesa. Ela vai detonar você e o Forbes
Endicott.
— É mesmo? — perguntou Nick. — Me parece que você e a NextEdge
estão ambos com a corda no pescoço atualmente, depois das vendas péssimas
do seu novo tablet. Estão dizendo por aí que muitos dos seus melhores
funcionários já abandonaram o barco, graças aos seus drásticos cortes de
emprego.
O rosto de Ulbrecht ficou vermelho, mas ele continuou. — A
reestruturação apenas fortaleceu a NextEdge. Estamos cheios da grana, e
preparados para vencer você. O Centerpost é uma aquisição estratégica para
nós, e estamos comprometidos a fazer o que é preciso.
— Talvez você esteja — disse Nick friamente. — Mas isso ainda está
para se ver, não é mesmo? Com licença, eu e minha namorada pretendemos
nos divertir o resto da noite. — Ele pegou no meu braço. — Vamos subir as
escadas para o Grande Salão de Baile. Quero te apresentar a alguns dos meus
colegas que são membros da diretoria.
Conforme partimos, Ulbrecht gritou para nós. — Apenas lembre-se disso,
Santoro: o Centerpost é meu.
27

Assim que nos distanciamos de Ulbrecht e Valência, Nick voltou-se para


mim.
— Peço desculpas pelo que acabou de acontecer — disse ele. —
Conforme conversamos quando te convidei para esse evento, eu sabia que
iríamos nos deparar com um ou mais dos meus concorrentes comerciais, e
que haveria algum desagrado quando isso acontecesse. Mas eu não esperava
que Ulbrecht fosse tão porco a tal ponto.
— Se é que alguém tem culpa, sou eu — eu disse. — Metade do que ele
disse foi sobre o que eu faço na vida.
— Ulbrecht é um valentão — disse Nick. — Você pode ter sido sua
válvula de escape favorita, mas se não fosse com você, ele teria encontrado
outra maneira de se meter comigo. Ele sabia que eu estaria nesse evento, e
veio aqui esta noite com toda intenção de me provocar a revelar informações
sobre os meus planos com relação ao Centerpost.
— O que você se recusou a fazer — eu disse. — Ao contrário, você
pegou nos pontos fracos dele.
Nick olhou para mim com novos olhos. — Você sacou a minha
estratégia? Estou impressionado.
Dei um tapinha no seu braço. — Viciada em negócios, lembra? No ano
passado, um dos meus amigos da escola me emprestou um ótimo livro sobre
como lidar com valentões no local de trabalho. Eles são fáceis de reconhecer,
porque sua técnica número um é atacar, e atacar duramente.
— Os valentões perseguem qualquer coisa, ou qualquer pessoa, que eles
veem como fraqueza em potencial — disse Nick. — Mas quando o seu alvo
responde com força, como nós dois fizemos esta note, eles perdem o
rebolado.
— Ulbrecht, com certeza, perdeu — eu disse. — Você ganhou aquele
assalto. Eu só queria ter feito o mesmo com Valência. Ninguém merece uma
humilhação pública mais que aquela jararaca maliciosa.
— O que você fez foi melhor que isso — disse Nick. — Você a enfrentou
sem descer ao nível dela. Ela partiu diretamente para a baixaria, mas você
revidou com humor. Você lidou com a situação perfeitamente, e eu estou
orgulhoso de você.
— Isso significa muito para mim — eu disse. — Mas antes de irmos lá
para cima, há algo que devemos conversar.
— O que é? — perguntou Nick.
— Graças à Valência, todos nessa festa já ouviram a notícia de última
hora de que você chegou de braços dados com uma stripper. Você sabe o
quão rapidamente viaja esse tipo de notícia.
Nick pegou a minha mão. — Deixe que eles falem à vontade — disse ele.
— Confie em mim. Com essa multidão? Eu e você estamos longe de ser o
item mais atraente no cardápio.
Caminhamos para as escadas que davam para o mezanino, mas antes de
chegarmos até elas, uma mulher com porte de pássaro num vestido azul meia-
noite veio rapidamente em nossa direção. — Nícolas — disse ela com um
leve sotaque. — Como é bom te ver. — Ela aparentava ter cerca de 80 anos, e
embora a idade tivesse enrugado o seu rosto com uma rede de pequenas
linhas, seus olhos azuis claros eram joviais; seu figurino, esbelto; e as linhas
clássicas no seu rosto revelavam que na juventude, ela devia ter sido uma
beldade. Com base no seu sotaque vagamente britânico e nas voltas de pérola
ao redor do pescoço, concluí que ela devia ser dinheiro velho.
— Porcina — disse Nick, dando-lhe dois beijos no rosto. — Eu já
esperava que você estivesse por aqui.
— Onde mais você esperava me encontrar? — disse ela. — Num
necrotério? A quase dois metros de profundidade? Sentada na caixa de fogo
da lareira de alguém? Posso ter uma certa idade, mas ainda não estou morta.
Nick riu. — Pelo contrário, você é uma das pessoas mais vivazes que eu
conheço.
Ela voltou-se para mim, com o rosto brilhando de empolgação. — E
quem, pergunto eu, é essa linda criatura?
— Permita-me apresentar minha namorada, Ilana Evans — disse Nick. —
Ela está no último ano do seu mestrado em administração de empresas na
Universidade de Nova York. Ilana, essa é Porcina Hammersley, que integra a
diretoria da fundação juntamente comigo. Desde que me juntei à diretoria há
vários anos, confio na sabedoria dela. Anos atrás, Porcina fundou uma das
galerias de arte mais famosas de Nova York, portanto considere-se avisada:
ela é extremamente perceptiva.
— Nícolas é um bajulador inveterado — disse-me Porcina. — Não que
seja algo ruim, veja bem. Não há nada como um bom elogio para fazer uma
mulher se sentir jovem novamente.
Ela estendeu uma mão pequena e venosa, que eu apertei. — Encantada
em conhecê-la — eu disse.
— O prazer é meu — disse ela. — Nícolas, querido... você se importaria
terrivelmente se eu te pedisse para me trazer uma taça de Pinot Grigio? Meus
pés não são tão ágeis como costumavam ser.
— Claro — disse Nick. — Já volto.
Depois que ele desapareceu na direção do bar, Porcina chegou mais perto
e falou calmamente. — Você parece uma garota inteligente, portanto tenho
certeza que está ciente de que acabou a surpresa com relação ao que você faz
profissionalmente.
Comecei a responder, mas ela me interrompeu. — Não temos muito
tempo, portanto me ouça. Não conheço você, e não sei a sua história, mas
conheço o Nícolas, e amo esse garoto como um filho, e é por isso que vou
ajudá-la.
Com um aceno de braço, ela apontou a multidão ao nosso redor. — Todos
eles agora sabem o que você faz, e alguns vão tentar usar isso contra você.
— Ou contra o Nick — eu disse.
— Exatamente — disse Porcina. — É por isso que você deve manter a
cabeça erguida, e saiba que você é tão boa quanto qualquer um deles. Neste
momento, você está num ninho de cobras cheio de esnobismo, hipocrisia e
mau julgamento, e as víboras estão se infestando. Mas vou te contar uma ou
duas histórias que devem neutralizar o veneno deles. Ela apontou para um
homem alto com seus 60 anos, cujo rosto escarpado estava torcido num
sorriso de desdém aristocrático. — Em casa, Rufo prefere usar fraldas.
Somente fraldas, imagina você.
— Ele gosta do lance do bebê adulto? — perguntei.
— É assim que é chamado? Eu não saberia. Mas você não pode imaginar
quanta dificuldade sua pobre esposa tem em conseguir ajuda. Só na semana
passada, ela perdeu o cozinheiro. Aparentemente, a papa de bebê do Rufo
estava quente demais, e ele jogou uma fralda suja na cozinheira, por isso ela
pediu as contas imediatamente. — Ela apontou para uma mulher austera com
seus cinquenta anos, que usava um robe preto expansivo com botões frontais,
reminiscente da batina de um padre. — Olha lá, dê uma olhada na Jorgina. O
rosto dela ficaria melhor no corpo de um homem, mas esse é o menor dos
seus problemas. Sabe, Jorgina é uma lésbica que está no armário. Ela pode ter
espremido para fora um herdeiro e um suplente para o chato do seu marido,
mas não deixe isso te enganar.
— Sério? — perguntei. — Eu nunca teria adivinhado.
— Jorgina não quer que você adivinhe. Mas a portas fechadas, aquela
mulher chupou mais xoxota que um carnívoro do Ártico. — Ela apontou para
um homem baixinho rechonchudo com barba branca e cheia, que sorria com
aparente benevolência conforme discursava para um grupo de convidados. —
Aquele é o Arquibaldo. Ele se casou e divorciou quatro vezes, porque
ninguém tolera os seus hábitos nojentos.
— Ele parece tão inofensivo — eu disse. — Ele me lembra do meu
orientador na faculdade.
— Não se deixe enganar pelo seu jeito de Papai Noel. Está vendo como
sua mão esquerda está enfiada no bolso da calça?
Olhei novamente. — Estou.
— Arquibaldo é viciado em Viagra — disse Porcina. — Pior ainda, ele é
um acumulador compulsivo. A mansão na Park Avenue que ele herdou da
mãe está lotada até o telhado de jornais em decomposição, comida podre e a
maior coleção de vídeos pornôs de Nova York. A maioria, orientais, ouvi
dizer. Arquibaldo sempre teve um yen pelo exótico. Você não acreditaria os
lugares para onde ele viajou para encontrar o exótico. Ele esteve por toda
parte, de Bangkok a Dongguan.
Nisso, avistei Nick voltando com a bebida de Porcina.
— Muitíssimo obrigada — eu disse a ela, com sinceridade. — Você me
lembrou que, em comparação com algumas pessoas, minha vida poderia ser
considerada quase normal.
— Normal? — Porcina bufou delicadamente. — Quando você tiver
vivido tanto quanto eu, vai entender que não existe tal coisa. Viva a sua vida,
e não perca tempo precioso com o que as pessoas dizem. E seja boa para o
Nícolas; ele é um príncipe entre os homens. Eu deveria saber... na minha
juventude, passei da minha cota.
— Passou da sua cota de quê? — disse Nick com um sorriso, entregando
à Porcina a taça de Pinot Grigio que ela havia pedido.
— Obrigada, querido — disse ela. — Ilana e eu estávamos apenas tendo
uma conversa de meninas.
Nick riu. — O que significa que seja lá o que foi dito, você nunca vai me
dizer.
Porcina sorveu o seu drinque. — Não... mas vou te dizer algo ainda
melhor. — Ela empertigou sua cabeça para a direita. — Dê uma olhada
naquele desastre.
Eu olhei e reconheci a loira gorda de veludo verde que Nick dissera ser da
família Astor.
— Bitsy Farnsworth? — perguntou Nick. — Antes, ela estava falando de
linhas magnéticas.
— Isso só confirma as minhas suspeitas — disse Porcina.
— Que suspeitas? — perguntei.
Porcina baixou sua voz. — Bitsy jogou seus remédios na privada e deu
descarga novamente. Anota o que eu digo: dentro de uma ou duas semanas,
ela vai desaparecer de Nova York. Ela vai sumir pelo resto da temporada. Os
Astor vão mandá-la de volta para aquele lugar maluco nos dejetos congelados
do Alasca, ou é no Canadá? Eu me esqueço.
— Doença mental é uma coisa terrível — disse Nick. — Mas todos os
anos, a ciência descobre novos fármacos. Espero que os médicos de Bitsy
encontrem a pílula mágica que possa ajudá-la.
— Eu não perderia meu tempo contando esses ovos — disse Porcina. —
Bitsy tem passado por uma roda giratória de fármacos pesados desde que ela
abandonou a escola há quarenta anos. A pílula que pode consertar aquela
mulher ainda não foi inventada. Naturalmente, o seu diagnóstico é um pouco
incomum.
— O que é? — perguntou Nick.
— Esquizofrenia com hipersexualidade maníaca — disse Porcina.
— Hipersexualidade? — perguntei. — É o que parece ser?
— Na minha época, era chamado ninfomania — disse Porcina. — Mesmo
quando criança, Bitsy constantemente brincava consigo mesma.
Naturalmente, os Astor tentaram de tudo, de estabilizadores de humor a
terapia de choque a amarração das mãos dela atrás das costas. Mas Bitsy não
era nada senão habilidosa. Quando eles amarravam suas mãos, ela arrastava
os móveis. Eu me lembro bem das festas no jardim da casa da mãe dela. Bitsy
girava em volta da perna da mesa, e o terrível cãozinho poodle da sua mãe
fazia o mesmo com os convidados.
— Como a mãe de Bitsy lidou com essa situação? — perguntou Nick.
— Ah, Florência era craque. O rosto dela nunca revelava que algo
impróprio estava acontecendo embaixo da mesa de chá. Ela simplesmente
mandava uma empregada de volta à cozinha para pegar mais bolachas, que
era o seu sinal pré-combinado. Momentos depois, a babá aparecia e arrastava
Bitsy de volta ao quarto da criança... mas ninguém jamais fez absolutamente
nada sobre o cachorro.
Nick jogou sua cabeça para trás e teve um ataque de riso que era
contagiante. Eu ri até às lágrimas, e Porcina também entrou no embalo, com
uma gargalhada que era surpreendentemente robusta para o seu porte de
pássaro.
Eu nunca conhecera alguém como Porcina, mas entre o carinho óbvio por
Nick e os esforços dela em me deixar à vontade, senti que rapidamente nos
tornaríamos amigas.
— Você é uma influência terrível — disse Nick à Porcina. — Você nunca
mais vai poder olhar para aquela mulher infeliz sem pensar em poodles
tarados e mesas de chá vibratórias.
— Infeliz? — disse Porcina. — Guarde a sua compaixão para alguém que
mereça. Independentemente do nível de sanidade de Bitsy a qualquer dado
momento, ela é uma mulher singularmente desagradável. Você não faz ideia
de quantas vezes eu a vi gritar com os empregados, ou chutar aquele pequinês
adorável dela. — Ela deu uma sacudidela. — Não, a verdadeira tragédia é o
marido dela.
— Tippy? — perguntou Nick. — Ele parece legal o suficiente.
— Ele é... mas ele também é gay. Quando jovem, ele era extremamente
bonito; imagine Douglas Fairbanks sem bigode... e muito popular entre os de
sua própria espécie. A sociedade ficava alvoroçada com as fofocas sobre a
sua relação íntima com Rock Hudson. Durante os anos 80, ele era um pária, é
claro. Ninguém queria se sentar ao lado dele à mesa de jantar, por causa da
doença gay.
— Que terrível para ele — eu disse.
Porcina balançou a cabeça gravemente. — Era uma época terrível. Os
jovens não podem imaginar como era, porque nunca houve nada parecido
antes ou desde então. No espaço de um ano, eu perdi o meu gerente da galeria
e três cabeleireiros. Graças a Deus que eles finalmente inventaram fármacos
para a AIDS, ou seja lá o que a chamem hoje em dia. Sem os homens gays,
Nova York não seria Nova York. Poderia ser simplesmente Dubuque ou
Topeka.
— Você ainda não nos contou porque Tippy se casou com Bitsy — disse
Nick.
— Ah, aquilo. Alguém viu Tippy saindo do Townhouse, e deu a notícia
das suas travessuras sexuais às únicas pessoas de Nova York que ainda não
sabiam: os seus pais. George e Maude Farnsworth ficaram furiosos, e sob
ameaça de deserdá-lo, Tippy foi forçado a se casar tout de suite. Suponho que
Bitsy era a melhor esposa que Maude pôde encontrar a curto prazo. Casar seu
filho com uma Astor, mesmo uma louca dez anos mais velha que ele, era um
triunfo social medíocre, mas não se pode deixar de lamentar por Tippy.
— Fico contente que as pessoas sejam menos bitoladas atualmente — eu
disse. — Ninguém deveria ser forçado a um compromisso como o casamento.
— Casamento por amor é uma ideia moderna — disse Porcina, conforme
olhava por cima do meu ombro direito. — Na minha época, tudo se resumia a
encontrar um pretendente adequado. Indo direto ao ponto, vejo que a megera
da Francine Gardiner está vindo para cá, sem dúvida para se apresentar à
Ilana e depois ter o prazer de sair espalhando que ela conheceu alguém que
ela ouviu dizer ser uma stripper. Vamos privá-la disso, que tal?
— Eu topo — disse Nick. — Não suporto essa mulher.
— Até logo, então — disse Porcina, dando-me uma piscada conspiratória.
— Vou barrar o caminho de Francine enquanto vocês dois fogem.
E com isso, ela desapareceu na multidão.
Nick voltou-se para mim. — Então, o que você achou da Porcina?
— Ela é uma figura. E como você disse: muito perceptiva. Eu realmente
gostei dela, e gostaria de conhecê-la melhor.
— Você vai conhecê-la melhor — disse Nick. — Nos últimos anos, ela
ficou sendo uma das minhas amigas mais próximas, e frequentemente
almoçamos juntos. Da próxima vez, você deveria vir conosco.
Tomei o seu braço. — Eu adoraria.
— Eu também — disse ele. — Pronta para ir lá para cima?
— Vá à frente — eu disse. — Depois das histórias de Porcina, estou
pronta para qualquer coisa.
28

Caminhamos de volta até o saguão do mezanino, que estava menos lotado


que anteriormente.
— Enquanto estamos aqui, podemos aproveitar para ver o leilão de artes
— disse Nick. — Se encontrarmos algo que a gente goste, daremos um lance.
Quando olhei para o local em volta, uma pintura colorida e abstrata de
tamanho médio chamou a minha atenção. — O que você acha daquela ali? —
perguntei.
— Vamos dar uma olhada mais de perto — disse Nick.
Caminhamos até a pintura, que estava sobre um cavalete de alumínio, e a
examinamos juntos. Constelações de pontos brilhantemente coloridos
cintilavam contra um fundo que mudava gradualmente de azul brilhante para
um rico cinza escuro.
— Algo nela me lembra de Nova York à noite — eu disse.
Nick tomou as minhas mãos nas suas. — Entendo o que você quer dizer.
É como a vista do meu terraço à noite: as luzes da cidade contra o céu
noturno. — Ele curvou-se para baixo e leu o cartão do título que estava preso
à barra horizontal do cavalete. — O que você sabe? Podemos ter uma ideia da
visão do artista; o título é Paisagem da Cidade III. Ficaria ótimo na minha
antessala, do outro lado do corredor que dá para a porta.
— Concordo — eu disse. — Seria perfeito para aquele lugar.
Ele sorriu para mim. — Nesse caso, vamos dar um lance. — Ele nos
conduziu pelo salão em direção a uma mulher mais velha com um rosto
agradável, que usava um vestido verde escuro e um colar de rubis
deslumbrante. Seu cabelo branco como a neve estava estilizado num elegante
corte quadrado, e ela carregava uma prancheta. — Boa noite, Dorothy —
disse ele. — Eu gostaria de dar um lance na Paisagem da Cidade III.
— Você fez uma excelente escolha, Nick — disse Dorothy. — É um
quadro deslumbrante, e é de um pintor emergente. O lance mais alto no
momento é sete mil dólares, e posso lhe assegurar que ele vai valer várias
vezes mais que isso dentro de alguns anos.
— Coloque o meu lance em dez mil — disse Nick. — E se alguém
oferecer mais, por favor aumente o meu lance de acordo. Já decidi onde
pendurá-lo no meu apartamento.
Dorothy anotou o lance de Nick e então sorriu para nós. — Vou me
encarregar disso. Dê uma passada por aqui no final da noite, e ele estará
embalado para você.
— Obrigado, Dorothy — disse Nick. — Voltaremos mais tarde.
Ele me conduziu em direção aos elevadores, mas antes de chegarmos até
lá, um homem alto e esbelto entrou em nossa frente. Óculos redondos de aro
metálico, uma leve entrada no cabelo e toques de prata em suas têmporas
davam-lhe a aparência de um diretor de escola preparatória. Deduzi que ele
estivesse na casa dos quarenta.
— Olá, Nick — disse ele. — Vejo que você comprou para si outra
daquelas pinturas abstratas de vanguarda. Um pobre investimento, mas
suponho que você esteja ciente disso.
— Boa noite, Forbes — disse Nick. — Eu compro o que gosto, e nós dois
sabemos que você está ciente disso.
Forbes soltou uma risada seca. — Não espere que a história se repita.
Dois anos atrás, você roubou a aquisição da Datastream de mim, mas desta
vez, as circunstâncias são diferentes. A liderança do Centerpost entende o
poder da reputação da minha firma em Wall Street. A aquisição pela Endicott
Trumbull do controle acionário do Centerpost vai abrir caminho para uma
oferta de capitais públicos bem-sucedida dentro de um ou dois anos.
— Essa é uma maneira de olhar para isso — disse Nick. — Mas a
experiência da sua firma com tecnologias on-line é mínima. Dez anos atrás,
quando o seu pai passou a liderança da Endicott Trumbull para você, você
poderia ter feito mudanças. Você poderia ter injetado sangue novo e novas
perspectivas. Mas não fez isso, e agora está tentando correr atrás do prejuízo.
Nisso, um homem alto e bem constituído surgiu ao lado de Forbes. Com
cabelo loiro e grosso, impecavelmente penteado para trás, e traços finos, ele
era quase tão bonito quanto um galã de cinema, não fossem os seus olhos
verdes-marinhos, que eram pequenos demais para o rosto e artificialmente
brilhantes.
— Nick! — disse ele. — Forbes! — Ele me deu um sorriso brilhante. —
Sem dúvida, você dois estão matando essa adorável senhorita de tédio. — Ele
empertigou sua cabeça para Nick. — Vamos lá... apresente-nos.
Nick manteve uma máscara de cordialidade, mas eu pressenti sua
irritação. — Essa é minha namorada, Ilana Evans. — Ele apontou
primeiramente para o homem com quem ele estava conversando, e então para
o homem loiro. — Forbes Endicott e Sloan Vandervelt. Forbes é o dono da
firma de investimentos Endicott Trumbull, onde também trabalha o Sloan.
Sloan tomou minha mão e a beijou. Quando ele soltou minha mão, notei
vestígios de um pó branco perto da sua narina esquerda, e tive que resistir a
vontade de esfregar as costas da minha mão no vestido. Ulbrecht me enojava,
e antipatizei com Forbes Endicott desde o primeiro momento em que ele
abriu a boca, mas havia algo sobre Sloan que me enervava em um nível
totalmente diferente.
Sloan virou o seu olhar estranhamente brilhante para Nick. — A sua nova
namorada parece mais com uma das suas antigas, não parece? Você sabe a
qual delas estou me referindo. — Seus lábios se curvaram em meio sorriso.
— Alícia. Parece que eu me lembro de quando eles retiraram o corpo
mutilado dela do acostamento, o seu anel ainda estava no dedo morto dela.
Você se afastou daquele acidente sem ao menos um arranhão; aliás, você
sempre foi sortudo.
Fiquei congelada, sem saber o que pensar sobre a revelação de Sloan.
Embora Nick tivesse me contado muito sobre o seu passado, ele nunca disse
que teve uma noiva, muito menos uma morta. E ele estava com ela quando
ela morreu? Eu não podia imaginar algo mais horrível.
O semblante de Nick ficou sombrio. — Seu filho da puta doentio — disse
ele a Sloan, voltando-se então para Forbes. — Leve-o daqui antes que eu
quebre a cara dele. Você não está vendo que ele está com o cérebro chapado
de cocaína?
— Alícia — disse Sloan, conforme Forbes agarrava o seu ombro e
começava a arrastá-lo embora. — Sim, é com ela que sua garota se parece:
Alícia.
Conforme eles se afastaram de nós, Nick olhou para eles com uma
expressão que eu nunca tinha visto em seu rosto, uma mistura de fúria, dor e
tristeza.
Coloquei minha mão sobre o seu braço. — Você está bem?
Ele voltou-se para mim. — Não. Mas vou estar. — Ele respirou
profundamente, e então expirou. — Faz algum tempo que eu queria te falar
sobre Alícia, mas é difícil para mim falar nela, e particularmente difícil falar
sobre o acidente.
— Você não tem que falar nisso agora se você não quiser — eu disse. —
Se você quiser esperar um momento melhor, por mim tudo bem.
— Nunca vai haver um bom momento — disse Nick. Ele tomou a minha
mão e me conduziu a uma alcova próxima aos elevadores. — Espero que
ninguém nos interrompa aqui.
A alcova não oferecia privacidade completa, mas duas árvores plantadas
em vasos nos protegiam parcialmente do burburinho e dos convidados, e
também continha um banco comprido revestido de couro, no qual nos
sentamos.
Nick tomou minhas mãos nas suas. — Eu não planejava te contar sobre a
Alícia esta noite, mas ela é um capítulo da minha vida que você merece saber,
e que eu sempre pretendi te contar. Eu a amava com todo o meu coração, e
me levou anos para me recuperar da perda dela, mas com o apoio da minha
família, eu consegui superar isso. Também tive tempo para trabalhar os meus
sentimentos... o acidente de carro que tirou a vida de Alícia aconteceu há dez
anos, quando eu estava no último ano na Colúmbia. Sloan sabe sobre o
acidente porque ele estava no mesmo ano na Colúmbia, e nós morávamos no
mesmo dormitório. O quarto dele ficava apenas no fim do corredor do outro
lado do meu.
— Ele te encheu o saco esta noite somente por motivos pessoais? —
perguntei. — Ou você acha que estava relacionado com a aquisição do
Centerpost?
— Ah, é pessoal — disse Nick. — Ele pode trabalhar para Forbes
Endicott, mas não tem senioridade suficiente para estar diretamente
envolvido na oferta de aquisição. Sloan odeia até minha sombra por outros
motivos.
— Que motivos?
— Na faculdade, nós éramos amigos. Mais tarde, ele foi um dos
investidores iniciais na minha primeira empresa.
— Sloan investiu na FlexMap?
— Investiu — disse Nick. — O que eu não percebi na época foi que o seu
uso de drogas estava ficando fora de controle. Nos próximos anos, esse
comportamento tornou-se cada vez mais instável, e boatos de festas
exageradas circularam por toda a comunidade de negócios. Quando negociei
a primeira ronda de capital de risco da FlexMap, os novos investidores
insistiram em que eu me livrasse de Sloan como parte do negócio. Eles o
consideravam um risco de relações públicas, e eu não podia discordar deles.
— Como você se livrou dele? — perguntei.
— Da maneira habitual — disse Nick. — Fizemos um cheque gordo
como parte da aquisição, e nos certificamos de que ele entendia que era do
seu melhor interesse aceitar aquele cheque e ir embora. Mas, em vez de
reconhecer que seu próprio mau comportamento tinha causado a situação,
Sloan me culpou e me acusou de trair a nossa amizade. Ele se recusou a
entender que o futuro da FlexMap e de todos que trabalhavam lá estava em
jogo, e que, como diretor-geral, era minha responsabilidade garantir os
fundos que precisávamos. Eu não podia deixar que um investidor sem juízo
devido ao uso de cocaína, mesmo que ele tivesse sido amigo anteriormente,
atrapalhasse aquele negócio de capital de risco.
— Então é por isso que ele te odeia — eu disse.
— Em parte. A compensação de Sloan foi mais que generosa, baseada no
que a FlexMap valia na época, mas durante os próximos cinco anos, o valor
da empresa subiu vertiginosamente.
Entendi aonde Nick estava querendo chegar. — Então, se ele tivesse
podido continuar com suas ações, ele teria ganhado muito mais dinheiro.
— Vamos simplesmente colocar dessa forma — disse Nick. — Se Sloan
tivesse vendido suas ações quando eu vendi as minhas, hoje ele seria um
milionário. Graças ao seu fundo fiduciário, o cara nasceu milionário, mas
sempre quis mais. Ele simplesmente não está disposto a levantar um dedo
para merecê-lo.
— Chega de falar nesse canalha — eu disse. — Me conte mais sobre
Alícia.
O semblante de Nick suavizou. — Alícia era minha namorada na
faculdade, e para constar, vocês não se parecem absolutamente, além do fato
de terem cabelos longos e escuros. No verão entre o nosso terceiro e quarto
ano na Colúmbia, eu a pedi em casamento, e ela aceitou. Marcamos a data do
casamento para junho do próximo verão, depois que tivéssemos nos formado.
— Como era ela como pessoa? — perguntei.
— Ela era inteligente, bonita e engraçada pra caramba. Vocês teriam
gostado uma da outra. O dia do acidente foi o pior da minha vida. Alícia e eu
estávamos voltando de carro para Nova York de um fim de semana fora; era
fevereiro e tínhamos passado o fim de semana esquiando na casa de um
amigo em Nova Hampshire. Era tarde da noite, e eu estava dirigindo. Nós
dois estávamos usando nossos cintos de segurança, mas Alícia tirou o dela
para pegar a sua jaqueta, que estava no banco de trás. O aquecedor da velha
espelunca enferrujada do meu carro não produzia muito calor, e ela estava
com frio.
— Foi quando aconteceu? — perguntei.
Nick assentiu com a cabeça. — Quando fizemos uma curva acentuada na
estrada, uma caminhonete veio em nossa direção, do nada. O motorista estava
indo muito acima do limite de velocidade, e ao fazer a curva em alta
velocidade, ele se deslocou para a minha faixa. Mais tarde, a polícia nos disse
que ele tinha bebido. Eu desviei para evitar a caminhonete, mas não houve
tempo suficiente. Ele bateu no meu carro, e nós giramos para fora da pista e
batemos numa árvore. Alícia foi jogada para fora do carro, e eu bati a cabeça
contra a lateral do carro e apaguei. Quando voltei a mim, relutei para sair do
carro e a encontrei, mas ela já estava sem vida.
Conforme eu absorvia o final trágico da história de Nick, meus olhos se
encheram de lágrimas. Pela primeira vez, entendi completamente porque ele
tinha passado os seus vinte aos trinta anos em clubes de cavalheiros. A morte
de Alícia o destruiu, as mortes dos seus pais se seguiram nos próximos anos,
e no rescaldo de perder três entes queridos, ele afogara sua mágoa voltando-
se para o tipo de companhia que supostamente não arriscaria os sentimentos
de ninguém: o tipo que se comprava e pagava com dinheiro.
— Você deve ter ficado arrasado — eu disse.
— Fiquei — disse ele. — Foi o momento mais escuro que já tive. A
mulher que eu amava estava morta, e eu não tinha tido a chance de nem
mesmo dizer adeus. Se não fosse o apoio da minha família, não sei como eu
teria superado isso. Mas eles estavam lá para me ajudar, e graças a eles, aos
poucos eu me recompus, em todos os sentidos, menos um.
— Em qual? — perguntei, piscando os olhos para me livrar das lágrimas.
— O sentimento que Alícia e eu tínhamos um pelo outro; eu não achava
que jamais fosse sentir isso novamente. Meu pai me disse que eu estava
enganado, mas eu não acreditei nele. — Ele olhou profundamente em meus
olhos. — Até agora.
29

Com uma sensação de certeza renovada de que estávamos predestinados a


ficar juntos, deixei a alcova com Nick e nos dirigimos ao elevador para o
próximo andar e o Grande Salão de Baile. Eu sabia que estava apaixonada
por ele, e ele havia dito anteriormente que também estava apaixonado por
mim.
Assim que as portas do elevador fecharam e estávamos a sós, beijei-o
levemente nos lábios.
— Por que você me beijou? — ele perguntou. — Não que eu tenha
qualquer objeção.
— Por me falar sobre Alícia — respondi. — Por compartilhar a sua vida
comigo, mesmo quando não é fácil.
Ele me deu um olhar pesaroso. — Quando chegarmos ao Grande Salão de
Baile, eu poderia tomar outro martíni. A noite tem sido infernal.
— De acordo — eu disse. — Mas já demos de cara com dois dos seus
concorrentes para a aquisição do Centerpost, lidamos com Valência, e todos
tiveram a sua vez de falar.
— Você tem razão — disse Nick. — O pior já passou. Vamos curtir um
drinque juntos, e, depois disso, espero que você dance uma ou duas músicas
comigo.
Dei uma olhada para ele. — O que você quer dizer com "espero"? Esperei
a noite toda para você me convidar.
Saímos do elevador, atravessamos o saguão e daí entramos no Grande Salão
de Baile; a vista deste me deixou de pernas bambas. Maior e até mais
deslumbrante que o terraço, o Grande Salão era uma terra de fadas,
neoclássico e reluzente. Ao redor das bordas do salão, árvores ornamentais
estavam acesas com luzes azuis que refletiam contra o teto e transformavam o
cristal dos candelabros em cascatas de safira cintilante.
O perímetro do recinto estava repleto de convidados. No centro, casais
dançavam e rodopiavam pela pista de dança ao som de valsas vienenses.
Coloquei minha mão sobre o braço de Nick. — Primeira parada,
martínis?
Ele sorriu para mim. — É isso mesmo.
Viramos à esquerda e caminhamos em direção à área do bar, que estava
lotada. Momentos antes de chegarmos lá, Nick apontou para um homem
baixo, porém robusto, com cabelo castanho claro ondulado. Ele aparentava
ter seus trinta e poucos anos, e estava acompanhado de uma mulher oriental
pequena e atraente, que usava um vestido vermelho deslumbrante e um colar
elaborado de filigrana dourado.
— Aquele é Jason Sanders e sua esposa Hae-won — disse ele. — Jason é
o diretor-geral do Centerpost. Ele é gente boa, e eu estou ansioso para
trabalhar proximamente dele depois que a aquisição tiver sido realizada.
Ainda não conheço Hae-won muito bem, mas sei que ela é uma pediatra
neurocirurgiã. Você gostaria de conhecê-los?
— Eu adoraria — eu disse.
Quando nos aproximamos do casal, Jason avistou Nick.
— Nick Santoro! — disse ele. — Agora mesmo, eu estava dizendo a Hae-
won que possivelmente veríamos você aqui esta noite.
Os dois homens deram um caloroso aperto de mão. Depois que Nick
apresentou todos, Jason sugeriu uma rodada de bebidas juntos.
— Venha comigo, Santoro — disse ele. — As mulheres podem ficar aqui
enquanto tentamos chegar ao bar.
— Gostei da ideia — disse Hae-won. — A última vez que fomos ao bar,
alguém quase me derrubou no chão.
Conforme os homens desapareciam na confusão em volta do bar, eu sorri
para Hae-won. — Adoro o seu colar — eu disse. — É lindo, e nunca vi nada
parecido.
— É da Índia, e bem velho — disse Hae-won. — Jason me deu no
primeiro aniversário do nosso casamento. — Ela deu uma sacudidela. — Mas
eu queria não tê-lo usado esta noite.
— Por que não? — perguntei. — Parece perfeito com o seu vestido.
Ela baixou sua voz. — Mais cedo, quando Jason saiu para ir ao banheiro,
um dos homens que quer comprar a empresa dele me ameaçou. Ele disse que
se meu marido não aceitar a oferta da empresa dele, a má fortuna cairá sobre
nós.
Na ausência de Nick, eu não sabia quanto ele queria que eu revelasse;
sendo assim, escolhi minhas palavras cautelosamente. — Nick me falou
sobre as empresas que estão concorrendo contra ele para comprar o
Centerpost, e esta noite conheci vários dos homens que administram essas
empresas; alguns foram muito desagradáveis.
— Você também? — perguntou Hae-won. Ela balançou a cabeça. —
Estou contente por ter escolhido uma carreira em medicina. Entendo que meu
marido deve fazer negócio com esses homens, mas alguns deles não são
gente boa.
Ela parecia estar se abrindo comigo, então dei o meu melhor chute. — O
homem que ameaçou você é o Andreas Ulbrecht, diretor-geral da NextEdge?
— Não, foi um parceiro sênior da Endicott Trumbull. O nome dele é
Beardsley Fripp, mas todos o tratam por B. Você o conheceu?
— Não — eu disse. — Não conheci.
Hae-won passou uma vista de olhos sobre a pista de dança, e, em seguida,
sobre a área do bar. — Ele está em pé do outro lado do salão, logo depois da
multidão em volta do bar. Ele tem cerca de 1,75 metros ou 1,78 metros, com
ombros largos e cabelo curto escuro, com corte estilo militar.
Voltei-me na direção que Hae-won indicara e avistei o homem que ela
acabava de descrever. Constituído densamente com ombros e peitos largos, a
postura de Beardsley Fripp (pernas curtas rijas e separadas, e maxilar
quadrado empurrado para frente) projetava uma agressão que era reforçada
pelo seu cabelo escovinha.
— Ele parece uma figura nojenta — eu disse.
— Quando ele me ameaçou, ele espetou seu dedo contra o meu colar. —
O semblante delicado de Hae-won mudou para uma expressão de tristeza. —
Por causa desse homem horrível, não vou mais poder usar o presente do meu
marido sem me lembrar daquele momento. Quando Jason voltou do banheiro
e eu lhe contei o que havia acontecido, ele ficou furioso.
— Tenho certeza que ele ficou — eu disse.
— Jason queria brigar com ele — disse Hae-won. — Mas eu não deixei,
porque uma briga apenas faria a sua situação mais difícil do que já é. Jason
quer aceitar a oferta do Nick, mas antes de fazer isso, ele tem que persuadir
suficientes membros da diretoria a concordar com ele. Uma briga pública
com Fripp faria Jason parecer tendencioso e emocional, quando ele precisa
parecer imparcial e racional.
Olhei para Hae-won com renovado respeito. Ela não era apenas bem-
sucedida em sua própria carreira, como também manjava de negócios e da
arte da persuasão.
— Você aconselhou bem o seu marido — eu disse. — Como diretor-
geral, as recomendações dele à diretoria vão ter mais peso se parecerem
impessoais.
Nisso, Nick e Jason voltaram com nossos drinques. Nick entregou-me um
martíni, e Jason deu uma taça de vinho branco à Hae-won.
Jason levantou sua taça. — À parceria — disse ele. — Como eu disse
antes, Nick, estou confiante que posso conseguir os votos que precisamos
dentro das próximas semanas. É apenas uma questão de tempo.
Nick tilintou sua taça na de Jason, então em minha e na de Hae-won.
— Vou brindar a isso — disse ele. — Cá entre nós, Jason, vamos levar o
Centerpost ao próximo nível... e além.

Depois que Jason e Hae-won nos deixaram para falar com outro dos sócios
comerciais de Jason, Nick voltou-se para mim.
— Você causou uma ótima impressão no Jason — disse ele com um
sorriso. — Você viu o rosto dele quando você descreveu suas ideias de como
comercializar os serviços do Centerpost? Quando você concluir o seu
mestrado em administração de empresas, você vai ser uma mercadoria
quente. Prevejo uma guerra de concorrentes pelos seus talentos.
Meu rosto corou em resposta ao elogio de Nick. — Espero que você
esteja certo.
— Eu sei que estou — disse ele. — Agora, que tal uma dança?
— Eu adoraria... mas antes de dançar, preciso ir até o banheiro. Ah, e
quando eu voltar, me lembre de te falar sobre minha conversa com Hae-won.
— Lembro sim — disse ele, apontando em direção a uma série de portas
não longe de nós. — Atravesse aquelas portas, vire à direita e então à
esquerda. Você quer que eu te acompanhe até lá?
— Não é preciso — eu disse. — É perto, e prometo não me perder.
Ele me deu um olhar significativo. — Não se atreva a se perder. Você
ainda me deve uma dança.
30

Quando eu cheguei ao banheiro das mulheres, fiquei agradavelmente surpresa


ao descobrir que, ao contrário das minhas expectativas, não havia fila.
Depois de usar o banheiro, saí do box, caminhei até uma das pias do outro
lado de onde ficavam os boxes, e coloquei a minha bolsa de mão sobre o
balcão ao lado da pia. Quando terminei de lavar as mãos, sequei-as com uma
toalha impecavelmente branca, que estava no cesto em frente à pia. Em
seguida, inspecionei minha maquiagem no espelho impecavelmente polido
que se estendia ao longo de todo o balcão.
Meus lábios precisavam de um retoque, então abri minha bolsa, retirei o
batom e o reapliquei nos lábios. No exato momento em eu estava terminando,
ouvi a porta de um dos boxes se abrir atrás de mim, seguida de um clique de
saltos. Então, um par de olhos estreitos e escuros se encontraram com os
meus no espelho.
Duas vezes numa noite? Nessa eu me fodi.
— Quem diria, é a senhorita que não oferece serviços extras — disse
Valência. — Você pode achar que se safou daquela merda que me aprontou
antes, mas não se safou. Vou me vingar, e quando eu fizer isso, você vai se
arrepender de ter nascido.
Joguei o meu batom dentro da bolsa e voltei-me para encará-la. — Vamos
esclarecer uma coisa, Valência. Você é quem decidiu comprar uma briga
comigo. Que diabo você esperava, que eu fosse ficar calada, murchar e
morrer? Posso ter terminado nossa pequena discussão, mas foi você quem
começou.
— Você terminou? — Ela soltou uma risada frágil. — Sua vaca estúpida.
Você mal pode terminar um strip-tease sem cair com sua bunda gorda no
chão. Aquele filho da puta do Santoro teve que se meter e te resgatar. Ele
teve que me ameaçar de demissão só para salvar você de você mesma.
Ao ouvir o insulto contra Nick, meu sangue esquentou. — Pelo menos
estou aqui com um homem que me respeita, curte minha companhia e tem
orgulho de me apresentar como sua namorada. E você? Você não passa de
uma stripper cansada, um refugo que Ulbrecht recuperou de um Rent-a-Date
como barganha. E se você acha que Nick não me contou sobre o caso dele
com você, você está enganada. Eu já sei de tudo.
— Você não sabe nada sobre mim e o Nick — zombou ela.
— Na verdade, eu sei. Sei como ele terminou, porque terminou, e como
você tentou, e não conseguiu, conquistá-lo de volta. O seu ódio por mim
sempre teve a ver com Nick, não é mesmo? Tem tudo a ver com o que você
sente por ele, a rejeição dele por você, e o seu ciúme por ele querer ficar
comigo.
A voz de Valência pingou de sarcasmo. — Se você acha que Nick
Santoro te dá a mínima, você é tão tapada quanto minha prima Lucrécia. E
quanto a respeito, Santoro pode respeitar a sua disposição de fazer um
boquete nele, mas não passa disso.
Dei um passo em direção a ela. — O que eu tenho com Nick é verdadeiro.
Não que eu espere que você entenda. Com base em suas tetas de silicone e
seus lábios de peixe moldados a colágeno, verdadeiro não é a sua área de
expertise.
Os olhos de Valência dispararam uma chama escura. — Então, eu fiz um
pequeno trabalho. Se você tivesse a inteligência de um coelho, faria o
mesmo. Isso poderia até mesmo comprar um pouco mais de tempo com gente
como Nick Santoro... ou, pelo menos, outro colar de diamantes que você
possa vender quando ele te der um pé na bunda.
Eu toquei o anel que Nick havia me dado de presente, lembrando-me do
momento em que ele o pusera em meu dedo. Algo mudou dentro de mim, e
eu não mais me importava em detonar Valência. Independentemente do
quanto eu desprezava essa jararaca mesquinha e amarga, continuar brigando
com ela não levaria a nada, além de retardar o que eu realmente queria, que
era dançar o resto da noite com o homem que eu amava.
Com isso em mente, olhei bem nos olhos de Valência. — Você pode se
chocar ao ouvir isso, mas nem toda relação é baseada apenas em sexo,
dinheiro ou joias caras. Às vezes, as pessoas realmente gostam de passar um
tempo juntas. Às vezes, elas se preocupam o suficiente para serem honestas
entre si em vez de ficar fazendo joguinhos psicológicos idiotas. E às vezes,
presentes vêm do coração.
Ela revirou os olhos. — Você realmente é mais burra que a Lucrécia.
— E não estou nem aí para o que você pensa. A conversa está encerrada.
— Peguei a minha bolsa de mão e fechei-a.
— Você não perde por esperar — disse Valência. — Quando eu acabar
com você, você nunca mais vai se atrever a dar as caras no clube.
— Ameaças, ameaças — eu disse à medida que caminhava em direção à
porta. — A propósito, que diabo você pode fazer contra mim? Serrar o salto
de outro sapato?
— Ah, não — disse Valência. Conforme eu abria a porta e saía do
banheiro, ela gritou para mim. — Você ainda não viu nada.
31

Quando voltei ao Grande Salão de Baile, Nick estava esperando onde eu o


havia deixado, e quando ele me viu aproximando, seu lindo rosto rasgou um
sorriso.
— Isso levou mais tempo do que eu esperava — disse ele. — Por causa
da minha impaciência para dançar com você, eu quase lancei uma busca, mas
então lembrei que a fila para o banheiro das mulheres é sempre cinco vezes
mais longa que a dos homens.
— Geralmente é — eu disse. — Mas não foi isso que me atrasou. No
banheiro das mulheres, dei de cara com a Valência.
O semblante dele demonstrou preocupação. — No que deu isso?
Eu sorri para ele. — Digamos apenas que eu aproveitei o momento para
esclarecer algumas coisas.
— Como assim?
— Como o fato de que você e eu estamos juntos, e nada do que ela possa
dizer ou fazer vai mudar isso.
— Bom — disse Nick. — Mas se ela te causar problemas no clube, eu
quero saber sobre isso.
— Aconteça o que acontecer, eu vou te dizer, mas chega de Valência. Eu
me recuso a deixar que essa megera rancorosa roube mais um segundo da
nossa noite. Vou dar uma de Taylor Swift, sacudir a poeira e dar a volta por
cima.
A orquestra mudou para uma música lenta que eu reconheci como um
arranjo de Adele chamado Skyfall. Nick tomou minha mão direita em sua
mão esquerda, pousando a outra sobre as minhas costas logo abaixo da
escápula. — Vamos dançar? — disse ele.
— Absolutamente.
Sem delongas, ele me levou para a pista de dança, e, em seus braços, os
eventos da noite transcorreram lentamente. Apertada contra o calor do seu
corpo e envolta em seus braços fortes, minha felicidade estava completa.
Conforme dávamos voltas na pista, fitei os seus olhos, e a intensidade que eu
vi neles me dominou. Graças a anos de aulas de dança, meus pés se moviam
ao ritmo da música, mesmo com a respiração presa na garganta e o coração
falhando a cada duas batidas.
Nós nos movíamos como se tivéssemos passado a vida inteira um nos
braços do outro, e quando circulamos a pista pela segunda vez, eu sabia que o
momento com o qual eu sonhara finalmente havia chegado. O momento
perfeito. O momento pelo qual eu tinha esperado a noite toda.
— Nick — eu disse no seu ouvido. — Depois de uma ou duas danças,
quero que você me leve de volta para o seu apartamento. Quero fazer amor
com você esta noite.
Ele me puxou para mais perto do seu corpo. — Você sabe como eu quero
isso, mas você tem certeza? Depois de tudo que aconteceu esta noite, eu não
te culpo se você estiver na dúvida.
— O que aconteceu esta noite só fortaleceu o que eu sinto por você. Acho
que me apaixonei por você no dia em que nos encontramos no Parque
Washington Square. Você se lembra daquele dia? Você comprou sanduíches
de bacon, alface e tomate, e o Jack fez pipi no seu sapato.
Ele me deu uma olhada. — Se eu soubesse que sanduíches de bacon,
alface e tomate, e pipi de cachorrinho, fossem o caminho para o seu coração,
eu teria treinado o Jack de acordo... e providenciado uma repetição.
Eu ri. — Eu já te disse o quanto adoro o seu senso de humor? Você tem
esse jeito malicioso de saber exatamente como me fazer rir.
— É porque estou motivado — disse ele. — Eu adoro o jeito que você ri.
— Você começa com uma risadinha, mas quando os seus olhos lacrimejam,
eu sei que você está apenas se aquecendo para alguma piada de rachar o bico.
A descrição dele era certeira, e não pela primeira vez, fiquei comovida
com a sua atenção. Nenhum homem que eu namorei jamais se deu o trabalho
de notar pequenas coisas como a minha maneira de rir.
— Porcina estava certa sobre você — eu disse.
— Posso atrever-me a perguntar sobre o que ela estava certa?
— Ela disse que você é um príncipe entre os homens.
— A Porcina exagera — disse Nick. — O que eu sou é um rapaz de Nova
Jersey que sabe forçar a barra. Mas mesmo que eu não seja nenhum príncipe,
você com certeza parece uma princesa esta noite. Esse vestido está
deslumbrante em você, e se me permite dizer, escolhi o colar perfeito para
combinar com ele.
Eu sorri para ele. — Devo tomar o seu elogio da minha roupa como quem
diz que vai me ajudar a tirá-la mais tarde?
— Com todo o meu coração — disse ele. Quando terminou a música, ele
me curvou para trás e me beijou nos lábios antes de colocar-me de pé em seus
braços.
Ele falou baixinho no meu ouvido. — E quando eu tirar suas roupas, não
espere reavê-las antes do amanhecer.
32

Depois da música de Adele, que eu pensaria como a nossa para sempre, a


orquestra começou a tocar um rápido cha-cha-cha. Nick me levou para fora
da pista de dança e entre um monte de gente que estava em pé no perímetro
da pista.
— Eu não danço cha-cha-cha — disse ele. — É agitado demais para mim,
muito menos com minhas habilidades limitadas em dança. Você me perdoa
se a gente não dançar essa?
Eu ri. — Está perdoado... mas só se você prometer me tirar para a
próxima valsa. Agora que você revelou suas habilidades loucas em valsar,
saiba que eu pretendo tirar proveito delas pelo resto da noite.
Ele envolveu o seu braço em volta da minha cintura. — Estou ansioso por
isso. E não temos que nos limitar a valsas. Eu posso não saber dançar samba
ou cha-cha-cha, mas sei alguns passos irados de swing, e sei dançar tango.
Quando chegamos a uma área menos lotada contra a parede traseira do
salão de baile, Nick parou e me soltou. — Enquanto esperamos a próxima
dança que esteja dentro da minha capacidade, eu poderia dar um pulo até o
banheiro.
— Vá em frente — eu disse. — Vou estar aqui quando você voltar.
Observei Nick desaparecer na direção dos banheiros, e então voltei minha
atenção novamente para a pista de dança. As luzes do salão de baile
salpicavam os convidados de azul e dourado, e embora o desafio da música
latina animada tivesse diluído o número de dançarinos, alguns poucos
permaneciam na pista.
Conforme eu observava os dançarinos sacudirem e se movimentarem ao
ritmo do cha-cha-cha, meu coração se encheu de emoção. Cada célula do meu
corpo vibrava com a constatação de que dentro de uma ou duas horas, Nick e
eu faríamos amor pela primeira vez.
Levou tempo para eu deixar que ele entrasse em meu coração, e mais
tempo para constatar que o que nós tínhamos juntos era de verdade. Esta
noite, nós levaríamos nosso relacionamento a um novo nível de intimidade, e
eu mal podia esperar para beijá-lo interminavelmente, explorar o seu corpo e
me deliciar em cada gosto e cheiro seu.
Foi então que Beardsley Fripp parou em minha frente.
Sua postura agressiva, juntamente com seu peito largo, seus braços
compridos e seu rosto carrancudo, davam-lhe uma aparência de um macaco
que havia acabado de descobrir que sua bananeira tinha sido totalmente
queimada.
— Ora, ora — disse ele. — Você está na boca de todo mundo esta noite...
em vez de estar no colo deles, onde o seu tipo geralmente fica. Normalmente,
eu só falo com putas no seu próprio meio, mas esta noite vou fazer uma
exceção.
— Não se incomode — eu disse. — Eu sei quem você é, Fripp, e conheço
cada centímetro do seu tipo tão bem quanto você acha que conhece o meu.
Não tenho nada a lhe dizer.
Ele mostrou os seus dentes num sorriso simiesco. — Então cala a boca.
Tenho certeza que essa linda boca sua tem melhores utilidades.
— Você não passa de um covarde — eu disse. — Um homem de verdade
encararia o Nick, em vez de emboscar a namorada dele.
Fripp meteu sua mandíbula gigante em minha direção. — Sua vaca
estúpida. Eu conheço o Santoro, e sei exatamente o que estou fazendo.
Mandar o meu recado através de você vai ser muito mais eficaz.
— Caso você não tenha notado, eu não sou a Western Union. Se você
quiser mandar um recado ao Nick, você mesmo vai ter que fazer isso.
Comecei a caminhar para longe dele, mas Fripp foi rápido demais para
mim. Ele atracou sua mão peluda sobre o meu braço esquerdo.
— Não tão rápido, gatinha — disse ele. — Ainda não terminei com você.
Tentei me livrar dele, mas ele apertou a mão; suas unhas cravaram
dolorosamente na carne do meu braço.
— Deixe-me ir! — eu disse.
Ele me deu um puxão para mais perto, e seu bafo quente soprou sobre o
meu rosto um miasma fedorento de bebida e charutos.
— Preste atenção, puta — disse ele no meu ouvido. — Diga ao seu
namorado carcamano para ele tirar suas mãos sujas do Centerpost. Diga a ele
que eu conheço pessoas nessa cidade. Pessoas que conhecem pessoas, e
algumas delas ficariam felizes de acabar com você por alguns milhares de
dólares e fazer parecer que foi o Santoro.
Meus joelhos tremeram, e o salão girou à minha volta num pesadelo de
azul e dourado. — Você é louco! Ninguém jamais acreditaria nisso.
— Ah, eles acreditariam nisso em um segundo — disse Fripp. — Posso
ver desde já. Um beco escuro. Uma stripper assassinada. Uma faca com
sangue numa lata de lixo próxima. Depois desta noite, a metade de Nova
York vai saber que Santoro está trepando em você. Ele vai ser o principal
suspeito. Já que você não passa de uma puta imunda que teve a sua cota de
homens ricos e poderosos, todos vão deduzir que ele matou você por ciúmes.
Senti um medo por dentro, mas me mantive firme. — Nick jamais
deixaria alguém me machucar, e mesmo que você conseguisse fazer que me
matassem, a polícia descobriria a verdade.
— A verdade? — Fripp jogou sua cabeça para trás e riu. — Policiais
estão pouco se cagando com a verdade. Eles só estão interessados em provas,
o que é fácil o suficiente de conseguir. — Ele se inclinou para tão perto de
mim que eu pude ver cada poro do seu nariz bojudo arroxeado, e espetou dois
dedos com força contra a base da minha garganta. — O DNA do Santoro vai
estar naquela faca... e na sua boceta morta.
Nisso, algo estalou dentro de mim. Eu recuei, levantei minha mão direita
e dei um bofetão no rosto de Fripp. Ele cambaleou para trás, evidentemente
chocado, mas não soltou o meu braço esquerdo. Em resposta ao som da
minha mão golpeando o seu rosto, várias pessoas voltaram a sua atenção para
longe da pista de dança e em direção a mim, mas eu não me importava com
quem estava assistindo, muito menos com o que eles pensavam de mim. Eu
não me importava com nada, exceto me livrar desse homem malvado e
doentio.
— Me solta! — gritei. Puxei minha mão para trás e arranhei o seu rosto
escarnecedor com minhas unhas.
Com sangue no rosto, ele me soltou e cambaleou em direção à densa
massa de pessoas que estavam atrás de si no perímetro da pista de dança.
Conforme ele cambaleava para trás, passou as mãos no rosto, com uma
bochecha molhada de sangue. Seu corpo grosso bateu contra uma mulher
pequena, que reflexivamente se agarrou na jaqueta dele conforme ela caía ao
seu lado, desequilibrando-o ainda mais e levando os dois para o chão.
O acompanhante da mulher pulou para o lado dela. — Emília! Você está
bem? — Ele a ajudou a se levantar e voltou-se com raiva para Fripp, que
estava se levantando. — Caia fora — ele gritou. — Você não pertence aqui.
Você não passa de um bandido comum.
Conforme os dois homens continuavam a discutir, uma mulher mais velha
de rosto agradável tocou no meu braço. — Você está bem? — ela perguntou.
— Estou bem — eu disse. — Só preciso achar o meu namorado.
— Antes disso, deixe-me parabenizá-la por dar um tapa naquele homem
— disse ela. — Pessoas como ele não deveriam ser permitidas em eventos
como esse. Infelizmente, hoje em dia, a maioria das organizações dão as
boas-vindas a qualquer um que esteja disposto a fazer um cheque.
A bondade dela me comoveu. Aparentemente, havia algumas pessoas
decentes nessa multidão, embora, com toda a certeza, eu não tinha conhecido
muitas esta noite.
— Obrigada — eu disse.
O homem de estrutura sólida e cabelo grisalho ao seu lado dirigiu-se a
mim. — Você quer que a gente fique com você até você achar o seu
namorado?
A três metros de distância, o acompanhante da mulher que Fripp havia
derrubado agarrou Fripp pelas lapelas da sua jaqueta. Com a atenção da
multidão sobre o mais recente acontecimento do que foi sem dúvida o mais
emocionante drama da noite, percebi que agora era a minha oportunidade de
desaparecer na massa de convidados e ir em busca de Nick.
— Obrigada — eu disse. — Agradeço a sua bondade, mas não há
necessidade de ficar comigo. Sei onde está o meu namorado, então
simplesmente vou encontrá-lo.
— Tem certeza? — perguntou a mulher.
Apesar da raiva que eu sentia sobre o que Fripp tinha feito comigo,
consegui me recompor, sorrir e agradecer-lhes.
— Obrigada por sua preocupação, eu realmente a aprecio... mas preciso
tirar o sangue de Fripp das minhas unhas, e daí preciso encontrar o meu
namorado.
A mulher olhou para mim com renovado apreço. — Minha querida, você
e eu deveríamos almoçar juntas. Meu nome é Amélia Stafford, e esse é o meu
marido Charles.
— Eu gostaria disso — eu disse.
— Como posso encontrar você? — ela perguntou.
— Você conhece Nick Santoro?
— Claro. Todos conhecem Nick.
— Você pode me encontrar através dele — eu disse.
E com isso, eu me derreti no meio da multidão e segui para o corredor
que dava para os banheiros, onde eu esperava encontrar Nick.
33

Quando me aproximei do corredor que dava para os banheiros, vi Nick


saindo do banheiro dos homens. Levantei a minha mão e acenei
freneticamente, o que, combinado com o meu semblante, foi tudo que
precisou para ele saber que algo estava muito errado.
— Você está branca como a neve — disse ele ao chegar perto de mim. —
Que diabo aconteceu enquanto fui ao banheiro?
Eu contei a ele, e ao fazê-lo, o seu semblante mudou de choque para raiva
para fúria incandescente, que era diferente de tudo que eu tinha visto nele
antes.
— Onde está esse canalha filho da puta? — disse ele, procurando
loucamente pelo salão. — Eu vou encontrá-lo, e quando eu encontrar, vou lhe
dar uma lição que ele nunca mais vai esquecer. Quando eu terminar de dar na
cara desse macaco até dizer chega, nem mesmo a mãe dele vai reconhecê-lo.
Agarrei o seu braço. — Nick, brigar com aquele homem horrível não é a
resposta. Precisamos dar parte disso na delegacia de polícia.
Ele me encarou com um olhar quase desequilibrado nos seus olhos. — Na
delegacia de polícia, Ilana? A que porra isso levaria? Você tem uma
testemunha que ouviu as ameaças de Fripp e quem está disposto a apoiar a
sua versão da história?
Minha voz tremeu. — Alguns me viram dar um tapa nele, e vários me
ouviram gritar para ele me soltar e me viram arranhar aquele rosto horroroso
com minhas unhas. Ele derrubou uma mulher, e um casal bacana veio até
mim e me perguntou se eu estava bem.
— Mas alguém ouviu o que ele disse a você? Alguém ouviu o filho da
puta te ameaçar?
— Acho que não. Quando ele me ameaçou, ele manteve a voz baixa, e
por causa da música e da multidão, duvido que alguém tenha ouvido uma
palavra. Mesmo assim, devemos ir à delegacia e fazer um boletim de
ocorrência. Assim, pelo menos o que ele disse e fez esta noite vai ficar
registrado.
Nick levantou as mãos. — É a palavra dele contra a sua, e nós dois
sabemos que ele simplesmente vai negar. E eu sinto dizer isso, mas há o
problema do seu trabalho.
Senti um aperto no estômago. — Você quer dizer que ninguém vai
acreditar em mim porque sou uma stripper?
Nick assentiu com a cabeça tristemente. — Você sabe que eu te amo, e
isso não é um julgamento contra você... é a realidade. Se a gente for à
delegacia, seria a palavra de um empresário rico contra uma mulher que
dança num clube de cavalheiros, e ninguém é mais relacionado do que esse
filho da puta. Fripp joga sujo, e ele sabe exatamente que mãos lubrificar.
— Você acha que ele tentaria levar a cabo suas ameaças? — perguntei.
Nick balançou a cabeça. — Não sei. Não conheço o homem. Não sei do
que ele é capaz de fazer. Ouvi histórias sobre suas táticas de intimidação e
seu comportamento fora de controle, mas tanto quanto é do meu
conhecimento, ele nunca esteve implicado em nenhum caso de violência
real... pelo menos, não publicamente. Independentemente disso, eu me recuso
a colocar em risco a sua segurança. Preciso te proteger agora, e a maneira
mais rápida de fazer isso é caçar aquele monte de merda e fazê-lo temer por
sua vida.
Eu mantive o meu aperto no seu braço. — Se o seu objetivo é me
proteger, ir em cana por acusações de agressão não é o caminho. Fique
comigo, Nick. Ou me leve à delegacia de polícia, ou me leve para casa.
— Foda-se a polícia — disse ele. — Eles não vão fazer nada contra Fripp.
Mas eu me recuso a deixá-lo se safar dessa. De um jeito ou de outro, vou
fazer esse safado pagar pelo que ele disse, e por colocar suas mãos sujas em
você. Por esta noite, você está segura comigo. Nada e ninguém vai me fazer
deixá-la por um segundo sequer. E a primeira providência amanhã de manhã:
vou acionar as coisas para lidar com Fripp à minha maneira. A polícia não vai
fazer o que vou fazer com esse filho da puta.
— A melhor maneira de esmagar Fripp é com a aquisição do Centerpost
— eu disse. — Evidentemente, ele tem muita coisa em jogo; caso contrário,
por que ele estaria atrás de um de nós? Mais cedo, Jason Sanders disse que
ele está a poucos votos dos membros da diretoria para aceitar a sua oferta. E
enquanto você e Jason estavam pegando as nossas bebidas, Hae-won me
disse a mesma coisa. Ela também apontou Fripp para mim e me disse que ele
também a ameaçou esta noite.
— Era isso que você queria me dizer antes? — perguntou Nick. — Você
pediu para eu me lembrar de te perguntar sobre a sua conversa com Hae-won,
mas eu me esqueci.
— E dar de cara com a Valência no banheiro me deixou fora de mim —
eu disse. — Hae-won não entrou em detalhes sobre o que exatamente Fripp
disse a ela; ela apenas falou que ele disse que se a Endicott Trumbull não
tiver êxito na aquisição do Centerpost, que a má fortuna viria para ela e seu
marido. Fripp se meteu com ela mais ou menos como ele fez comigo... Hae-
won disse que ele tocou no colar dela e o apertou contra o seu pescoço. Jason
deu aquele colar para ela no primeiro aniversário de casamento deles, e Hae-
won estava realmente chateada que ela nunca mais vai poder usá-lo
novamente sem se lembrar das mãos imundas de Fripp tocando no colar e
nela.
— Nela também? — perguntou Nick. — Deduzo que Jason saiba disso.
— Hae-won contou-lhe imediatamente depois. Pelo que ela disse, a
reação de Jason foi semelhante à sua.
— Jason é um cara de ação — disse Nick. — Fripp pode ter tentado
intimidá-lo a aceitar a oferta da Endicott Trumbull, mas essa abordagem só
sai pela culatra com um homem do calibre de Jason. O que aconteceu só vai
servir de incentivo para convencer a sua diretoria a aceitar a minha oferta.
Percebendo que a raiva de Nick havia arrefecido alguns graus, deslizei
minha mão para baixo do seu braço e entrelacei meus dedos nos seus. —
Entre os seus concorrentes e Valência, tem sido uma noite e tanto.
— Você está coberta de razão — disse ele. — Me desculpe, Ilana.
— Não há por que se desculpar. Você me avisou que esperasse encrenca
por parte dos seus concorrentes.
— Eu sei, mas eu queria que esta noite fosse especial. Eu queria que fosse
só nossa.
— E tem sido. Nós sabemos mais um sobre o outro, e sabemos que
estamos apaixonados, o que supera tudo. Em comparação com isso, nada
mais importa.
O semblante dele suavizou. — Concordo.
— Olhe ao redor do salão — eu disse. — Não vejo um casal mais feliz
em nenhuma parte.
— Nem eu — disse ele. — Somos muito sortudos por ter nos conhecido.
— Tudo que aconteceu só nos aproximou e fortaleceu nosso sentimento
um pelo outro. E compartilhamos momentos incríveis, como a nossa primeira
dança. Sempre vou pensar em Skyfall como a nossa música agora.
— Estou feliz que você se sinta dessa maneira — disse Nick. — Eu
estava preocupado que o incidente com Fripp pudesse ter estragado a sua
noite.
— Esta noite pode ter sido difícil, mas foi também maravilhosa. E ainda
não acabou.
O seu olhar prendeu-se ao meu. — Isso quer dizer o que estou pensando?
Sorri para ele. — Quem você pensa que eu sou, afinal? Você realmente
esperava que eu fosse mudar de planos só por causa do canalha do Fripp?
— Foda-se ele — disse Nick. — Não quero mais ouvir o nome desse
babaca esta noite. Ele estragou a nossa noite o suficiente. O resto da noite é
para nós: só você e eu.
Apertei a mão dele. — Eu gosto de ouvir isso.
— Você e eu, nós dois — disse ele. — Agora, vamos cair fora daqui.
Partimos em direção à extremidade oposta do salão, mas não
conseguimos chegar longe. A orquestra mudou para um arranjo de uma
música que eu reconheci e que me parou de repente.
— Estão tocando Ghosttown da Madonna. É uma das minhas músicas
favoritas.
— Então vamos dançar — disse Nick. Ele me puxou para os seus braços
e me levou para a pista de dança.
Tranquei minhas mãos atrás do seu pescoço e olhei em seus olhos. —
Amo Madonna, amo essa música... e amo você.
Conforme dançávamos pertinho um do outro e nos balançávamos ao
ritmo da música, as luzes do salão refletiam contra o lindo rosto de Nick e
incidiam sobre o branco da sua camisa, formando raios azuis e dourados. À
medida que eu me entregava à dança e a Nick, as ameaças de Fripp recuaram
em minha mente.
Tudo que importava era Nick e o amor que sentíamos um pelo outro.
Conforme circulávamos pelo salão, meu coração se encheu com a sensação
de que eu era a garota mais sortuda na pista de dança. Talvez eu tivesse
beijado alguns sapos ao longo do caminho, mas meu príncipe finalmente
apareceu.
Ele havia me encontrado, lutado pelo nosso relacionamento e provado a
verdade na qual eu sempre quis acreditar: que o que sentíamos um pelo outro
era verdadeiro, e que estávamos destinados a ficar juntos. Mais tarde, esta
noite, quando a gente fizesse amor, nossa felicidade seria completa.
Quando olhamos um nos olhos do outro, o tempo parou. O salão, a pista
de dança, as pessoas à nossa volta... tudo mais se desvaneceu, eclipsado pela
felicidade de estar dançando lentamente com o homem dos meus sonhos. A
intensidade dos seus olhos salpicados de dourado ecoava a emoção que
enchia a minha alma, e eu queria que esse momento durasse para sempre.
— É tão fácil dançar com você — disse ele em meu ouvido. — É como se
estivéssemos em perfeita sincronia.
Afaguei a sua face com a minha mão. — Eu sinto o mesmo com relação a
você, o que só aumenta a minha expectativa por um tipo diferente de dança.
— Eu estava pensando a mesma coisa — disse ele. — O que você é, uma
vidente?
— Sou uma apaixonada por você, isso sim — eu disse. — Não vejo a
hora de chegar em casa.
Ele olhou em meus olhos. — Eu também não.
34

Assim que Ghosttown acabou de tocar, deixamos o Grande Salão de Baile de


mãos dadas e atravessamos o saguão em direção aos elevadores. Quando
chegamos aos elevadores, entramos em um que estava vazio e Nick apertou o
botão do andar térreo. No momento em que as portas se fecharam e
estávamos a sós, ele me apertou contra a parede do elevador e me beijou com
uma intensidade que mandou as batidas do meu coração para a estratosfera, e
a minha cabeça, para a Terra do Nunca.
— Eu te amo — ele murmurou entre beijos.
Envolvi os meus braços ao redor dos seus quadris e o puxei para mais
perto, curtindo a sensação de sua dura ereção em minha coxa. — Eu também
te amo... e não vejo a hora de fazer amor com você.
Ele afagou os meus peitos, roçando os dedos nas suas pontas, que
aqueceram e endureceram com o seu toque. — Quando chegarmos em casa,
vou dar um trato em você devagarinho — disse ele. — Primeiro, vou tirar as
suas roupas, peça por peça, marcando cada centímetro do seu corpo com a
minha boca.
— Cada centímetro? Isso poderia levar a noite toda.
— Pretendo que seja assim. — Ele me beijou novamente.
— Fazer amor até o amanhecer — eu disse, sonhando. — Até esta noite,
eu não sabia que você era tão romântico.
— Só quando se trata de você — disse ele. — Eu esperava que esta noite
fosse a noite, e na expectativa dessa esperança se tornar realidade, tomei
algumas providências.
— Como assim?
— Há uma garrafa de Cristal na geladeira, por exemplo. E quanto às
outras providências, elas vão ser reveladas a seu tempo... quando chegarmos
em casa.
— Se você continuar falando assim comigo, acho que vou querer fazer
com você no carro mesmo. Esperei há tanto tempo por isso, Nick. Acho que
não posso aguentar mais um minuto sequer.
Os lábios dele se partiram num sorriso lento e sexy. — Você vai esperar
até chegarmos em casa, e então vai esperar o tempo que for preciso.
Registrei a travessura no seu olhar. — O que você está querendo dizer
com isso?
— Você simplesmente vai ter que esperar para ver — disse ele. — Nós
dois esperamos um tempão por isso, e nossa primeira vez juntos precisa ser
perfeita.
O elevador foi parando, e quando Nick me soltou, eu vi a mala generosa
dele, que estava armada por baixo da calça. — Você vai atravessar o saguão
do Plaza com aquilo na sua calça? — eu disse. — Não que eu tenha qualquer
objeção, mas ver o seu equipamento totalmente à mostra poderia levar uma
ou duas velhinhas de cabelos grisalhos a ficarem chocadas e terem um treco.
Ou tesão. Provavelmente tesão.
Nick riu. — Eu tenho uma solução — disse ele. Ele arrancou o seu casaco
e o colocou sobre um braço, posicionando-o em frente de si. O elevador
parou, as portas se abriram, e ele me estendeu o outro braço. — Pronta? —
ele perguntou.
— Com base na armação que vi na sua calça, evidentemente não preciso
fazer essa pergunta a você.
Ele deu um sorriso maroto e olhou sugestivamente para o meu peito. —
Por falar em armação, parece que eu não sou o único prestes a sair das
minhas roupas. Se os seus mamilos estivessem mais duros, eles perfurariam o
seu vestido. Você está exibindo um par de faróis altos que chamariam a
atenção de qualquer homem de sangue quente entre aqui e a Quinta Avenida.
Tomei o seu braço e saímos do elevador. — Pelo menos, meus
probleminhas não são visíveis do Central Park — eu disse em tom de
brincadeira.
— Na verdade, eu acho que você está feliz que o meu pode ser visto do
Central Park.
— Nick!
— É verdade — disse ele. — Admita.
— Admitido.
Conforme caminhávamos em direção à saída da Praça Grand Army, Nick
inclinou-se para mim e falou no meu ouvido. — E quanto aos seus
"probleminhas"? Estou ansioso para dar um trato neles... e no resto do seu
corpo... no momento em que estivermos a sós.

Quando saímos da praça, o carro de Nick estava esperando ao lado da calçada


na entrada da frente. O motorista abriu a porta, e Nick me ajudou a entrar.
Entrei na área dos sofás semicirculares e das mesas que seguiam os lados e a
parte traseira da limusine, e me sentei no primeiro sofá do lado esquerdo,
relaxando-me no seu revestimento de couro luxuoso. Nick colocou o seu
casaco de volta, então entrou no carro e sentou-se ao meu lado.
— Que noite — eu disse, enquanto o motorista fechava a porta do carro e
voltava para o seu assento atrás do volante. — Agora que eu sei como você
dança tão bem, prevejo muito mais danças no futuro.
— Você ainda não viu nada — disse ele. — Da próxima vez, vamos
curtir um ou dois tangos... mesmo que eu tenha que subornar a orquestra para
fazer isso acontecer.
O motorista deu partida no motor, e Nick inclinou-se em direção à
divisória aberta. — Leve-nos de volta ao meu apartamento — disse ele ao
motorista.
Assim que o carro se distanciou do meio-fio e virou na Rua 58, Nick
tomou a minha mão, puxou-me sobre o seu colo e me beijou profundamente.
Embora igualmente ardente, esse beijo era diferente do momento
clandestino apressado que havíamos compartilhado no elevador. Suave e
duradouro, o beijo transmitia amor, e parecia uma preliminar para o amor que
faríamos quando chegássemos em casa.
Quando chegamos ao cruzamento com a Quinta Avenida, uma sequência
familiar de três tons soou dentro do seu casaco.
— Mensagem para você — eu disse.
Ele me beijou novamente. — Isso pode esperar até amanhã.
O carro virou, confluiu-se ao trânsito da Quinta Avenida em direção ao
sul e acelerou. Com a aceleração, ouvi o que parecia uma série de fogos de
artifício abafados saindo do carro.
Agarrei a mão de Nick. — O que foi isso? — eu disse.
Outra série de explosões se seguiu, daí uma muito mais alta, que parecia
um tiro de arma de fogo. Inadvertidamente, o carro deu uma sacudida e
pendeu para a esquerda, e então um barulho agudo esquisito reverberou no ar,
como se a lateral esquerda do carro estivesse arrastando contra o pavimento.
— O que está acontecendo? — perguntei.
— Agarre-se em mim.
Agarrei-me nele, e ao fazê-lo, vi que seu maxilar estava rígido e seu rosto,
tenso de preocupação à medida que ele olhava para a direita e a esquerda
pelas janelas, tentando descobrir a origem das explosões.
— Você está vendo alguma coisa? — perguntei.
Mas Nick não teve a oportunidade de responder.
O carro derrapou duramente para a direita, e o motorista gritou para a
gente descer.
Mas era tarde demais para descer. O carro já havia começado a guinar
descontroladamente de maneiras que não faziam o menor sentido para mim.
O tempo passava lentamente.
Tornou-se difícil respirar.
Algo esmagou contra a traseira do carro com tamanha força que fomos
levantados no ar e lançados de um lado a outro do compartimento de
passageiros, e acabamos amontoados contra o sofá em nossa frente. Por um
momento fugaz, os nossos olhares se encontraram antes de uma rajada de
tiros ecoar na noite e uma chuva de balas atingir a lateral do carro.
Eu gritei, aterrorizada pelas nossas vidas.
O carro fez um L, e Nick e eu fomos atirados contra uma das mesas.
Como se em câmera lenta, assisti aturdida quando a porta do armário
embaixo da mesa se abriu, revelando um bar. Garrafas e taças voaram e se
espatifaram ao nosso redor, chovendo sobre nós gotas de bebida e cacos de
vidro, que escorriam pelo piso quando o carro, com um impulso inesperado,
ganhou velocidade... e foi violentamente para a frente, deixando nós dois
plantados no chão.
Minha mente foi tomada pelo terror. Minha alma, pelo medo. E então,
inadvertidamente, o carro bateu em algo que eu não conseguia ver. Bati a
cabeça na mesa em frente, o corpo de Nick bateu contra a lateral da porta... e
então a escuridão me consumiu, e tudo se apagou.
Quando voltei a mim, pensei primeiramente em Nick. Estendido no piso
acarpetado da limusine, ele estava deitado de costas e parecia inconsciente.
Inclinei-me sobre o seu corpo, afaguei o seu rosto em minhas mãos e senti
uma viscosidade quente de sangue. O fato de que o socorro ainda não tinha
chegado significava que eu não poderia ter ficado desmaiada por mais de
alguns segundos; estávamos no centro de Nova York, portanto o socorro não
poderia estar longe.
— Nick! — eu disse. — Acorde! Vamos lá! Nick!
Quando ele não respondeu, plantei minhas mãos no carpete num dos
lados da sua cabeça e me inclinei para mais perto. O calor de sua respiração
contra o meu rosto me dizia que ele estava vivo, mas quando minhas mãos se
afundaram no carpete grosso, senti poças de sangue se formarem em volta
delas. O sangue de Nick estava rapidamente se infiltrando na brancura do seu
colarinho e peitilho, e, horrorizada, percebi que se ele não recebesse atenção
médica imediatamente, ele poderia sangrar até a morte. Embora eu não
pudesse ver exatamente onde ele tinha se machucado, estava claro, pela
enorme quantidade de sangue, que era algo grave.
Chamei o motorista. — Socorro! — gritei. — Nick está ferido: há sangue
por toda parte!
Mas o homem não respondeu.
Ignorei a dor na minha cabeça latejante e os cacos de vidro que foram
parar em meu cabelo, rosto e peito, apertando minha mão contra o assento ao
lado. Relutei para me levantar, e meio que rastejei, meio que tropecei até a
divisória aberta, além da qual se sentava o motorista de Nick, que estava
debruçado sobre o volante e também claramente inconsciente.
Estendi o braço através da partição, gentilmente agarrei os ombros do
motorista e o puxei para trás em seu assento. — Você tem que acordar. Você
tem. Temos que conseguir socorro imediatamente. Por favor!
Mas quando a sua cabeça caiu para o lado, eu sabia que ele não iria
acordar tão cedo... assim como Nick também não.
Além do motorista, vi que a frente do nosso carro tinha batido na traseira
de outro carro. O capô estava totalmente amassado e uma nuvem de fumaça
estava saindo dele. Uma centelha de luz alaranjada estava acesa sob o capô, e
uma chama retorcida subia na escuridão da noite, criando o que parecia ser o
tipo mais cruel de ponto de interrogação.
Agarrei o trinco da porta direita, sabendo que, antes que o carro
explodisse, de alguma forma eu tinha que tirar Nick e o motorista do carro
sozinha. Mas quando tentei abrir a porta, ela estava emperrada, e quando
apertei o botão automático, a janela se recusou a abrir. Rastejei-me para a
porta do lado esquerdo, mas nem a porta nem a janela abririam também.
Através da fumaça, vislumbrei os feitios de pele escura de um homem
afrodescendente de meia-idade através da janela acima da porta esquerda.
— Espere aí! — ele gritou. — Não se preocupe! Vou abrir essa porta para
você, OK?
— Não sou só eu! — gritei. — Meu namorado e o motorista estão presos
aqui também!
Outra voz gritou. — Deixe-me ajudar!
E outra, esta à minha esquerda. — A porta do motorista também está
emperrada.
— Tente as portas do outro lado.
O carro rangia e gemia sob os heroicos esforços de transeuntes generosos
que se apressavam a nos socorrer, mas nenhuma das portas se rendia a eles.
Olhei pelas janelas da limusine e vi que a parte inferior da fumaça que subia
do capô do carro tinha se tornado cor de laranja brilhante. O cheiro sinistro de
gasolina impregnava o ar.
— Frank, afaste-se desse carro! — disse uma mulher. — Ele está
pegando fogo!
— Saia daí! Ele vai explodir! — gritou outro homem.
Os rostos do lado de fora da janela se derretiam na fumaça cada vez mais
espessa, um estrondo baixo sacudiu a frente do carro, e percebi que todos
tinham se afastado em razão do perigo crescente. A qualquer momento, o
carro poderia explodir, e todos nós que estávamos dentro dele morreríamos
incinerados.
Meus olhos lacrimejavam com a fumaça que fumegava do carro como um
furacão tóxico, e eu comecei a ter ânsia de vômito. Estávamos presos e o
tempo estava se esgotando.
Meu coração batia violentamente em meu peito e lágrimas quentes
corriam pelo meu rosto. Era esse o nosso fim? Nick e eu realmente
morreríamos com isso?
Não. Esse não pode ser o fim. Não vou deixar que isso aconteça.
Através da nuvem de fumaça, vislumbrei minha bolsa no chão, perto dos
meus pés. Agarrei-a e procurei freneticamente o meu iPhone. Eu tinha que
ligar para 190. As pessoas na rua provavelmente já haviam reportado o
acidente por conta própria, mas no meu delírio, eu tinha que ter certeza de
que o socorro estava a caminho. Meus dedos agarraram a forma retangular do
telefone, mas quando o tirei da bolsa, vi que a tela estava esmagada. Com
pânico crescente, apertei o botão de início várias vezes, mas a tela
permaneceu escura e sem resposta.
Então me lembrei do telefone de Nick. Momentos antes da batida do
nosso carro, eu tinha ouvido o seu ringtone. Ele estava no bolso do seu
casaco.
Tossindo e sufocando, mal capaz de ver através da fumaça que estava me
oprimindo, rastejei para o lado de Nick, afastei o casaco de sua camisa
ensanguentada, deslizei meus dedos para dentro do bolso interno e retirei o
seu telefone. Quando apertei o botão de início, a tela se iluminou, mostrando
uma mensagem de texto tão mordaz quanto viciosa.

Dê um último beijo na sua puta novinha em folha, Santoro, porque você está
prestes a morrer. O Centerpost é meu.

Quando a verdade bateu à porta, meu coração desabou. O acidente de carro


não era nenhum acidente.
Eu sabia que tínhamos sido alvejados, e agora eu sabia o motivo.
Alguém queria ver Nick morto, e se o socorro não chegasse logo, esse
alguém teria realizado o seu desejo.
Enquanto uma onda de fumaça me cegava e ardia em meus pulmões, eu
sabia que o tempo estava se esgotando para todos nós. Comecei a ter ânsia de
vômito novamente. Minhas mãos foram à garganta e eu caí no chão enquanto
manchas escuras começaram a flutuar na frente dos meus olhos.
Seriam flocos de cinza o que eu estava vendo, ou eu estava morrendo?
A última coisa que senti foi quando o telefone de Nick escorregou por
entre os meus dedos enquanto os meus pulmões ardiam como fogo e a minha
visão se transformava em escuridão.
POSFÁCIO

Obrigada por ler Clube dos Cavalheiros, vol. 1! A história de Nick e


Ilana continuará em Clube dos Cavalheiros, vol. 2, e será concluída em
Clube dos Cavalheiros, vol. 3.
Sei que o seu tempo é valioso e agradeço sinceramente por ter terminado este
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