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Vicky Fênix
Copyright © 2021 por Vicky Fênix
@vickyfenix_livros
@vickyFenixLivros
Capa: J. R. Knaut
Revisão: Tatiana Luque
@tatyluselvi
Vicky Fênix
Índice
Índice
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Epílogo
Agradecimentos
Prólogo
Triiiiim
!
Olhei pro lado e não acreditei.
— Cinco horas?! Mas já? Acabei de deitar... vamos, “senhorita
Andrade”, o dia te espera.
E assim fiz. Levantei, executei os meus exercícios matinais,
tomei um copo de água com limão e um banho rápido. Não comi
nada. Estou me adaptando à nova onda do jejum intermitente e pelo
menos em dois dias da semana façoum intervalo de 16 horas entre
a última refeiçãodo dia anterior e a primeira do dia seguinte. Fiz as
contas:
— Hummm... comi ontem às oito horas, mais dezesseis...
meio-dia!!! Afff... força e foco!!
Enquanto pensava na grande quantidade de coisas que tinha
para fazer hoje, coloquei uma saia lápis preta que emoldura o meu
quadril de uma forma que me faz sentir sedutora, uma regata cereja
de cetim, que contrasta com a minha pele morena, e um sapato
preto com salto KittenHeel que ganhara. Ele me deixa elegante e
ao mesmo tempo confortáv el. Fui me maquiar no banheiro. Não
exagerava muito, mas não conseguia sair de casa sem passar pelo
menos uma base, um lápis, rímel e um batom de cor forte,
geralmente combinando com a cor da blusa. Virei minha franja para
o lado, prendi os cabelos longos em um coque, olhei no espelho e
disse:
— Bom dia, senhorita Andrade! Vai arrasar! — falei, olhando
para o espelho antes de sair do banheiro.
Peguei um blazer preto com mangas três-quartos e o vesti.
Olhei no espelho mais uma vez, mandei um beijo para mim mesma
e, quando ia sair, antes de pegar as chaves do carro, olhei para as
minhas unhas:
— Ahhhhh! — notei que uma das minhas unhas pintadas de
vermelho estava descascando. Repeti o meu mantra internamente.
— Impecável! Preciso estar impecável! — agora que eu aprendi a
me vestir como o meu chefe gosta, não quero me incomodar mais
com isso.
Voltei e retoquei o esmalte da unha, finalizando com um spray
secante, peguei a mochila que estava ao lado da minha bolsa e saí.
Geralmente eu e minha tia íamos juntas, mas hoje ela tinha
compromissos em uma cidade vizinha, por isso eu estava indo ao
trabalho sozinha.
Enquanto me aproximava do destino, olhando para o imenso
arranha-céu que surgia ao longe, formado por cubos espelhados,
lembrava de que fora construído em praticamenteum ano e que ali,
dentro daquela caixa espelhada, toda a minha vida mudara.
Recordo da minha adolescência e da meta de vida que traçara:
casar com um homem rico, poderoso e gostoso, tipo os CEOs dos
livros que eu lia. Como morava na parte rural próxima à cidade de
Gravataí, integranteda Região Metropolitanade Porto Alegre, tinha
que dar um jeito de sair dali, senão aquele objetivo nunca seria
alcançado. Cada vez as coisas ficavam mais difíceis: estudar,
trabalhar, viver. Com certeza, aquele lugar era muito pequeno para
mim. A cidade até que não era longe, mas não tínhamos transporte
público. Com o surgimento do Complexo Industrial Automotivode
Gravataí, os trabalhadores eram transportados pela própria empresa
e quem não se sujeitasse a trabalhar na equipe de montagem,
ficava ali, como eu: ilhada.
Os executivos vinham de outros países, ou outras partes do
Brasil, geralmente casados ou acompanhados de suas famílias. Já
eu, como minha avó recomendava, não queria trabalhar ali. Eu
queria mais...
Quando completei 15 anos, tive uma ideia:
— Vó, sabe a tia Nice?
— Sei, a minha filha. Ainda me lembro disso. Qual é o seu
plano agora, Sabrina?
— Enn... tãoo... — gaguejei — e se eu morasse com ela? Lá
eu poderia continuar os meus estudos, trabalhar, mandar um
dinheirinho para ajudar a senhora... a senhora já está na idade de
sossegar. Não precisa mais ficar vendendo bordados. Lembra
daquela ideia de ser voluntária na igreja?
Pisquei o olho e levei aquela buzinada. Distraí-me com as
lembranças e nem vi que, ao entrar na rotatóriapara o shopping,
tranquei um Civic preto que vinha logo atrás de mim. Olhei pelo
retrovisor, dei uma risada amarela, desculpando-me, e segui para o
estacionamento.Eu estava sob pressão... tinha acabado de tirar a
carteira de motoristae recusado um carro vermelho lindo que o meu
chefe sem noção tinha me dado. Definitivamente eu estava
extremamente irritada nessa semana.
Segui em direção ao prédio imponente, não apenas por fora,
mas também por dentro. Tinha uma ligação direta com o shopping,
que ficava ao seu lado, após a grade de vidro, que separava o seu
estacionamentoe a lateral do prédio. A entrada de granito bruto,
desenhado em mosaicos abstratos, e na parede acima da porta
automática, as iniciais SSB seguidas das palavras em inglês:
Corporationand Business. No chão havia um capacho vermelho do
tamanho da porta. Em cada uma das duas laterais da entrada, um
segurança. Mais à frentehavia uma catraca que permitia apenas a
entrada de pessoas cadastradas e identificadaspela digital. Aos
visitantes,era entregue um cartão de acesso, que era recolhido na
saída. O piso era de porcelanato branco, branquíssimo. Muitas
vezes parei para pensar em como era mantido daquele jeito, já que
a quantidade de pessoas que circulava pelos quarenta e dois
andares do prédio era grande. Quarenta, corrigi-me em
pensamento, sabendo que os dois últimos eram privados.
Nas paredes, obras de arte abstratas, pintadas de preto e
branco. Em poucas partes, o branco e o preto se encontravam e
surgiam tonalidades sutis de cinza, que só eram percebidas por
quem se dedicasse a olhá-las atentamente.Em cantos simétricos,
vasos pretos com desenhos de gravatás vermelhos, repletos de
flores brancas da espécie Apiácea, que pareciam pequenos
pinheiros com neve em seus galhos. Lembrei que em uma aula de
biologia um professor mostrara fotos das duas plantas, fazendo
menção a alguma relação com o nome da cidade. Havia também
espelhos, muitos espelhos estrategicamenteespalhados, dando a
impressão de que sempre tinha alguém olhando para quem
passava, refletindo muito bem a excentricidade do seu proprietário.
Entrei no elevador, apertei o botão do quadragésimo andar,
onde eu trabalhava como assistenteexecutiva do CEO Victor Hugo
Scheffer, o dono do prédio e articulador de negócios imobiliários em
nível local e global. Minha função era de atuar diretamente com a
rotina do senhor Scheffer: preparar a sua agenda, organizar e
direcionar contatose reuniões, gerenciar a comunicação interna e
externa, receber correspondências, fornecer suporte administrativo
aos gerentes e as suas equipes e filtrar tudo que pudesse
incomodá-lo, tendo que deduzir, inclusive, o que poderia ser um
incômodo para ele. Eu sou a "personal organizer" dos negócios
dele. O senhor Scheffer me moldou para pensar como ele, agir
como ele, e isso contribuiu muito para a minha formaçãoprofissional
e pessoal. Nunca me chamou pelo nome. Para ele, sou a senhorita
Andrade. Não sei o motivo de não gostar de nomes, mas também
nunca perguntei.
Executei por um tempo também algumas atividades extras que
não estavam em um contratooficial de trabalho, mas sim em um
tipo “diferente”de contrato que o Leo, um grande e atrapalhado
amigo meu, nos fez assinar, e durante um mês eu e o meu “chefe”
nos conhecemos melhor e eu aprendi muito com ele em todos os
aspectos da minha vida.
Capítulo 1
Sabrina há sete anos...
“Oi, linda!
Adoreite conhecer... me procura nas redes sociais.Meu nome
completo é Mateus Guimarães.
(51) 90000-0000
Um beijo,
Mateus”
Fui para casa com o meu caderno nos braços. Sentei no sofá
e refiz as minhas falas para ver se era isso mesmo que eu havia
feito: negociado a minha virgindade com o Fred... sim, era
exatamenteisso mesmo que eu tinha feito.E pior, eu não estava
arrependida, estava ansiosa. Se a nossa primeira vez fosse igual
aquele beijo alucinado que ele me deu... prometia! Não pude deixar
de lembrar das emoções que senti com o primeiro beijo que dei na
vida: no Mateus. Era bem diferente,agora era sem surpresa, tudo
programado.
— Putz! — resmunguei ao me lembrar que eu não programara
o beijo que o Fred me dera e que em nenhum momento eu tinha
percebido que ele tinha braços de polvo. Confortei-meafirmando:—
Tá, exceto por isso eu estou no controle.
Nos dois dias que seguiram fui trabalhar com a minha tia no
shopping. Como o final de ano estava chegando, o movimento
estava bem agitado. No domingo, todas as manicures estavam
atendendo quando chegou uma senhorinha aflitaquerendo fazer as
unhas:
— Nice, preciso fazer as minhas unhas, rápido! Meu filho virá
logo me buscar e não posso deixá-lo esperando!
— Desculpe dona Judite! Hoje foi só com horário agendado! —
explicou tia Nice.
— E a mocinha ali? — perguntou dona Judite apontando para
mim.
— Ela não é manicure, é a minha sobrinha... — Tia Nice
pensou um pouco e perguntou: — Ela pode ir adiantando... daí
quando alguém terminar finaliza para a senhora. Pode ser?
— Você pode fazer isso, Sabrina? — olhou quase implorando
para mim.
— Sim! — respondi já colocando um avental que estava
pendurado.
Dona Judite era uma senhorinha muito simpática. A conversa
com ela fluía. Estava toda animada porque o seu filho ia morar na
cidade. Fazia tempo que não o via e queria estar impecável. Fiz as
suas unhas do início ao fim. Eu estava acostumada a fazer as unhas
de vovó e suas amigas, todas castigadas de lidar na terra e com os
animais. Não tinha nem como comparar com as unhas de dona
Judite, que eram fáceis de fazer. Lembrei da vovó e uma saudade
apertou o meu coração. Como ela fazia faltaem minha vida. Eu
tinha a impressão que essa ferida nunca mais cicatrizaria.
Quando terminei as unhas de dona Judite ela falou:
— Que mãos de fada, menina? Muito obrigada! Quantos anos
você tem?
— Estou fazendo dezoito hoje — respondi
— Parabéns! — falou sorrindo para mim, e desafiou a tia Nice
— Nice, agora a dona do salão, vai ter que contratar mais uma
manicure. Quero ser cliente VIPdessa mocinha aqui.
No final do dia, ganhei um percentual das unhas que fize uma
gorjeta bem gorda da dona Judite. Como era o meu aniversário, eu
e tia Nice fomosa uma pizzaria descontrair um pouco. Depois deste
dia, sempre que eu podia, ia fazer um biquinho no salão. A tia Nice
não deixava me faltarnada, mas conquistar o próprio dinheiro tinha
um sabor especial.
Quando chegamos em casa tinha uma garoa fina. Tia Nice foi
ao quintal armar a sombrinha e me chamou:
— Sabrina, venha ver que estranho...
No canto direito do muro, local do episódio das folhas do
abacateiro, tinha um urso de pelúcia cuidadosamente colocado
embaixo de uma sombrinha cor-de-rosa. Nas mãos do urso tinha
uma faixa escrita: “Feliz aniversário!”
— Você sabe o que quer dizer isso, Sabrina?
— Significaque este abacateiro está derrubando ursos porque
sabia que era meu aniversário — respondi meio aflita, não
escondendo a minha perplexidade.
— Nossa! Essa é a primeira vez que isso acontece! Não vejo a
hora de o meu aniversário chegar... será que vai ter um urso
protegido da chuva para mim também? — perguntou a tia Nice rindo
e já tendo um bom palpite da procedência daquele urso...
Capítulo 7
A atitude de Fred foi fofa,confesso, mas me deixou furiosa.
Muito atrevimentoele pular o nosso muro para me deixar aquele
presente. Agora minha tia poderá desconfiar de alguma coisa.
Precisava acabar com aquilo o quanto antes... ainda mais agora que
eu estava trabalhando no salão, então tínhamos menos tempo.
Comecei a semana, como sempre. Eu queria encontrar o Fred
e fuzilá-lo,mas ocorreu da mesma formaque a semana anterior: ele
sumiu. Na quarta-feiraera a folga da minha tia e ela me disse que
teríamos visita. Eu não dei muita importância, já estava acostumada
que às vezes as amigas dela viessem em casa para conversar,
assistir a um filme ou coisas do tipo. Lá pelas dezessete horas, a
campainha tocou e minha tia foi atender. Para minha surpresa a
“visita” era ele: Frederico. Parecia que acabara de sair do banho. Os
cabelos castanhos arrumados para o lado em um topete. e Vstia uma
calça jeans e uma camisa social azul-marinho de mangas curtas.
Estava bonito. Trazia em suas mãos um arranjo de rosas vermelhas.
Eu fiquei olhando-o por alguns instantese não pude acreditar no
que via. Perguntei, sem nenhuma expressão, quase rosnando:
— O que você faz aqui?
— Eu vim... é, aqui — pigarreou. — Sabrina... —continuou
olhando para a minha tia — tia Nice, eu posso namorar com a
Sabrina?
Minha tia não ficou surpresa. Tenho a impressão de que ela
até já sabia. Olhou para mim e respondeu:
— Frederico, a Sabrina é bem grandinha! Essa decisão terá
que ser dela. Eu tenho que comprar algumas coisas no mercado e
vou deixar vocês conversarem um pouco.
Com uma cara de paisagem, a minha tia pegou a carteira e
avisou:
— Está um dia tão bonito! Irei andando, qualquer coisa peço
para eles entregarem... —e um tanto sarcástica, ela piscou para
Fred— boa sorte!
Ele precisava mesmo. As coisas estavam bem complicadas
para o lado dele. Tudo que eu queria era uma transa, uma única
transa. Depois disso, cada um seguiria o seu caminho. Era difícil de
entender isso? O meu pensamento estava tão acelerado que nem
dei importância ao fatode estarmos ali parados na frente um do
outro. Inspirei profundamente, olhei para ele e solicitei:
— Você pode me explicar o que está fazendo aqui, Frederico?
— São para você! — explicou estendendo o buquê em minha
direção.
Segurei as flores sem muita expressão, mas agradeci.
Enquanto dissipava a minha raiva: abri a embalagem; peguei um
vaso estreitoe alto que tinha ali na sala; coloquei um pouco de água
e arrumei as flores nele calmamente. Afinal, elas não tinham culpa
de estar envolvidas no meio daquela conversa. Olhei para ele e
perguntei novamente:
— Então... Frederico?
Ele se sentou no sofá,enquanto eu me sentei em uma cadeira
que coloquei estrategicamente à sua frente, e revelou:
— Sabrina... gostei de você desde a primeira vez que te vi. Fiz
de tudo para provocar ciúmes... mas pelo jeito foi em vão. Depois
que você saiu naquele dia lá de casa eu cheguei à conclusão que se
eu fizer o que você quer, do jeito que você quer... acabou para mim.
Eu quero uma chance — fez uma pausa e olhou profundamenteem
meus olhos — um mês. Nós namoramos por um mês e se você não
se apaixonar por mim... —não pude deixar de perceber uma dor em
suas palavras — eu dou o que você quer e cada um segue o seu
rumo. É pegar ou largar...
Malditotraidor!Manipulador!Não foiissoque combinamos! Fiz
uma lista mental para analisar as minhas opções e eu não tinha
muitas. Seria só um pequeno atraso em meus planos. Um mês
passaria rápido e então eu seria MULHER, terminaria com o Fred e
minha vida seguiria... sem ele. Respondi a ele, muito resistente:
— Eu... — pigarreei — pensei... — tossi. Palavra difícil de ser
pronunciada essa...— Aceito!
Como da última vez em que conversamos, ele se aproximou
de mim, fez um sinal para eu ficar de pé, cruzou os dedos das suas
mãos nas minhas, mantendo-as juntas ao lado do nosso corpo e me
beijou calmamente no início, e apaixonadamente depois. Fiquei
meio zonza, envolvida por ele, por aquele beijo.
Até que ele soltou as nossas mãos, parou de me beijar, e
falou:
— Para selar o nosso acordo, Sabrina! Minha namorada!
Leo: Parabéns!!!
Leo: Bem-vinda ao SSB.
Leo: Espero que este seja o começo de uma grande carreira.
Leo: Saiba que sempre poderá contar comigo!!
Leo: Abraço
Leonardo Velazquez
Número desconhecido:“Compreendeu?”
A tia Nice já estava deitada lendo, pelo jeito esse era um vício
passado de tia para sobrinha. Sentei-me na sua cama com a trilogia
“Peça-me o que quiser”, da Megan Maxwell e comecei a explicar
tudo de trás para frente.
— Desculpe, tia Nice! Eu tenho escondido umas coisas de
você, não sei se é por vergonha, insegurança ou sei lá o quê... —
puxei o ar e continuei: — esses livros eu ganhei dele, do senhor
Scheffer, não consigo chamá-lo de outro jeito — rimos. — Ele é um
tantobipolar, tri, quadri... sabe-se lá quantos polares existem por
aí... eu gosto muito dele. Em nenhum momento ele me tratoumal,
tocou em mim ou faltou com o respeito — minha tia escutava
atentamente.— Ele faz muitas coisas para me agradar... — contei-
lhe sobre o museu, o porta-joias, o voo fretadoe continuei: — mas,
por outro lado, ele é distante, ele se esconde, age na surdina, como
fez hoje com os livros. Ele não se compromete com nada de bom
que faz para mim...
Peguei um copo de água que estava no criado mudo de minha
tia e tomei todo o seu conteúdo.
— Na nossa segunda noite no hotel, ele me propôs uma
brincadeira erótica, tia, foi maravilhoso — suspirei, apaixonada. —
Só que no dia seguinte, e em todos os dias seguintes ele agiu, e eu
também, como se nada tivesse acontecido. E agora, ontem, ele me
enviou uma música da Madonna para eu colocar no despertador do
celular e lembrar “que o dia que ele ia me foder estava se
aproximando...”— revirei os olhos.
— Até aí tudo bem — continuei. Eu estava gostando da
“brincadeira”, até que ele disse para ver a tradução da música... ela
era uma garota de programa sadomasoquista... o restante da letra
eu nem quis ver. Ele ficajogando esse contratona minha cara... fica
brincando com os meus sentimentos e com a minha sanidade
mental... — pressionei as mãos no rosto e concluí. — Acho que é
isso, tia.
— Se eu entendi certo, o celular não caiu na privada, então?
— disse minha tia descontraída.
Fiz que sim, envergonhada.
— Querida, isso que me contou dava para escrever um livro...
não sei o que te dizer... se o que o Leo nos disse sobre ele é
verdadeiro, ele nunca deve ter namorado ou coisa do tipo. Tudo o
que faz é de cunho profissional e muito dentro da formalidade. É
uma pena que você tenha se apaixonado por ele. Ele não deve ter a
menor ideia do que seja isso. Por outro lado, ele presta a atenção
em você e é muito assertivo nos presentes que te dá, mas pelo jeito
isso não está sendo suficiente, né?
— Ai, tia, eu queria o “felizespara sempre”, mas tenho certeza
de que o fim será bem antes do “felizes” e quem dirá “do para
sempre...”
— Que escolha você tem, querida? — Ela perguntou e ficou
me encarando esperando uma resposta. — Pode desistir? Não.
Pode cancelar? Não. Se pudesse fazeralgumas dessas duas coisas
faria? Não. — Ela ia respondendo suas próprias perguntas e eu
sabia que estava certa. — Voltaria atrás para nunca ter vivido isso?
Não. Se pudesse viver isso pelo resto de sua vida, viveria? — Ela
não respondeu. E isso foi uma flechada em meu peito. — Eu sei a
sua resposta, meu amor, mas infelizmenteesse contrato é entre
duas partes. Ambas devem estar em acordo para isso continuar, e
como você sabe, desde o primeiro dia ele sempre foimuito claro em
sua posição.
Ela segurou as minhas mãos e concluiu:
— E você aceitou.
As lágrimas rolavam em meu rosto antecipando a perda que
eu teria e não queria aceitar. Como sonhar com aquilo, viver aquilo e
no dia seguinte fingir que nada daquilo existiu?
— Não alimente ilusões — por que eu não converseicom ela
antes de acreditarque poderiaser possível?— E decida, senhorita
Andrade... — Ela me encarou seriamente — você vai querer
armazenar mais algumas boas lembranças... e presentes... porque
são a única coisa que irá lhe oferecer... ou vai chegar lá como uma
boa PUTA, abrir as pernas e fazer o serviço pelo qual foi
contratada?
— Tia?! — olhei assustada para ela. Ela estava me mostrando
que ele tinha ao menos um pouco de respeito por mim, preocupava-
se comigo e que de alguma forma tentava amenizar o meu
sofrimento. Ou talvez... onosso sofrimento.
Capítulo 32
Pensei muito sobre a minha conversa com a tia Nice. Ela tinha
razão, como sempre. Tentaria levar esses 14 dias com uma leveza
maior. Já que o sofrimentoseria inevitável. Senti a necessidade de
apresentar uma postura mais ativa. Eu entraria nesse jogo como
uma jogadora à altura do meu adversário.
Acordei mais cedo, meditei um pouco, corri por alguns
quarteirões, tomei uma ducha, comi uma omelete e fui procurar a
roupa que usaria. Escolhi uma saia justa com uma camisa
estampada e um pouco transparente.Achei que era transparente
demais e coloquei uma regata justinha que ainda permitia o visual
sexy que eu procurava. Coloquei saltos um pouco mais altos dos
que usava geralmente. Retoquei as minhas unhas e aproveitei a
carona da tia Nice até o shopping.
Ao entrar por aquele escritório eu estava me sentindo mais
empoderada. Praticamentepeguei o telefoneantes que ele tocasse.
Deixei-o em cima da mesa e fui até a sala dele.
— Bom dia, senhor Scheffer, quais são as tarefas de hoje?
— Bom dia, senhorita Andrade. — Ele estava boquiaberto.
Não estava acostumado a me ver com aquele comportamento.
Olhou-me de cima a baixo e por incrível que pareça eu estava
vestida, e era assim que me sentia. — Nada em especial, senhorita.
Aproveite o dia para terminar com alguma pendência.
Pedi licença e saí da sua sala. Aquilo era a glória. Eu tinha
muitas pendências. Dia após dia ele ia me enchendo de tarefase as
coisas iam ficando acumuladas. Agora eu teria a oportunidade de
terminar com isso.
Estava em horário de almoço. Eu tinha comprado uma salada
para comer na copa. O restantedo tempo eu sempre aproveitava
para ler. Estava ali envolvida com a história que lia e não tinha
concluído no final de semana, quando ele chegou.
— Posso saber por que não atende ao telefone?— Eu sabia
do que ele estava falando... fiz-me de desentendida e fui até a
minha mesa verificar o “telefone”.
— Desculpe, senhor Scheffer... não tocou — respondi com
ironia.
— Estou falando do seu celular...
— Ahhh... tive um infeliz acidente e ele não está mais entre
nós — tenteiagir com naturalidade. — Caiu na privada — confessei.
Voltei a minha atençãopara o livro. Afinalde contas era o meu
horário de almoço, mas achei que ainda poderia me divertir um
pouco mais:
— Precisa de alguma coisa? Se por acaso precisar falar
comigo, pode ligar para o telefone da minha mesa. Em horário
comercial eu sempre atendo — estava me sentindo poderosa. —
Não pretendo comprar outro celular por enquanto... — informei-o.
Eu nunca tinha visto aquele homem sem palavras. Ele saiu da
copa absorto em seus pensamentos. Toda a intimidade que
acontecia entre nós e não era mencionada em nenhum momento,
se dava por meio do celular, ele definitivamenteera um elo
importante entre nós. Pensei que deveria ter agradecido pelos livros,
só poderiam ser dele. Mas preferi agir da mesma forma que ele. Já
que a entrega era anônima, o recebimento também seria.
No meio da tarde, ele retornou cheio de sacolas. Estava tão
envolvida com as “pendências” que não tinha percebido que havia
saído. Minutos depois o telefonetocou e fui solicitada em sua sala.
Ele entregou para mim um aparelho celular novinho em folha. Olhei
para ele sem entender e ele explicou:
— Estar sempre em comunicação com a senhorita é
fundamental.— Ele me olhava com intensidade. — Comprei um
modelo parecido com o seu, só que mais atualizado, espero que
goste. O número permanece o mesmo e quando digitar o seu e-mail
e senha os contatos anteriores serão resgatados.
— Senhor Scheffer... eu não queria... o senhor não devia... —
como falarpara ele que eu não queria estar em contatocom ele fora
dali? Desisti de tentar explicar. — Obrigada pela gentileza. Não
precisava. Pode descontar do meu pagamento no final do mês...
— Não tem de quê, senhorita. Não se preocupe, é um
presente.
Saí da sala dele com o celular em minhas mãos. Sentei em
minha mesa e fiquei olhando para ele e para tudo o que
representava naquele momento.
A tela acendeu e eu ouvi a música do U2 que escutamos no
helicóptero. Olhei para a tela ciente que ele me observava pela
câmera. E lá estava escrito: SCHEFF em letras maiúsculas. Aquilo
era o cúmulo da possessividade. Ele me dava um telefone,escolhia
uma música para eu identificarque é ele quem está ligando e ainda
se dá um apelido carinhoso, que eu não tenho a menor noção se
conseguirei usá-lo... o U2 ainda tocava. Deslizei o dedo em aceitar.
— Pode falar, senhor Scheffer — respondi com a naturalidade
de sempre.
— Era só um teste, senhorita Andrade. Estava testando se
tudo tinha voltado ao normal.
— Está tudo normal. Está tudo tão normal, senhor Scheffer,
que tive a impressão de que este é o meu celular antigo que foi
resgatado daquela privada.
Sem responder nada ele desligou.
Ànoite aproveitei olhar melhor para o meu celular novo, queria
mexer em algumas configurações, ajustar o despertador, e outras
coisas que sempre são feitasquando estamos com um celular novo.
Não pude evitar de lembrar do motivo pelo qual eu havia jogado o
meu celular antigo na privada e fiqueitentadaa verificarse ele havia
acrescentado aquela música da Madonna que tinha me enviado.
Não. Não tinha. Mas tinha outra música ali. E estava selecionada
para quando o despertador tocasse. Digitei seu nome no buscador:
“Just for my Love”, também era da Madonna.
Tive a impressão que apesar de ser sensual também, essa
música era mais leve que a outra. Consultando a tradução da letra
percebi um apelo à entrega independente de qualquer outra coisa,
como se o prazer estivesse acima de tudo. Optei por aceitar a
brincadeira. Deixei a música. Afinal de contas, que mal haveria
naquilo?
Confesso, acordar às 6h da manhã com a Madonna gemendo
no meu quarto foiuma situaçãoinusitada. Desliguei o despertador e
fiquei olhando em direção ao tetotentandome lembrar da frase que
me dissera: “Que o dia que ele ia me foder estava se
aproximando...”. Senti um arrepio percorrer o meu corpo em cada
uma das vezes que aquela cena se repetiu nesta semana. E tinha
certeza de que se repetiria até o último dia.
A semana estava passando normalmente. Estávamos
preparando contratos para um lançamento. O senhor Scheffer
queria que estivesse tudo pronto para quinta-feira,um dia antes do
evento. Eu não tinha sido avisada, nem comunicada, e muito menos
convidada para acompanhá-lo. No final da tarde, de quinta-feira,
quando fui avisar-lhe que os contratosestavam todos prontos e ele
anunciou:
— Já escolheu o vestido que vai usar?
— Como? — Eu senti um misto de friona barriga com soco no
estômago.
— Amanhã... temos um compromisso. — Ele avisou na maior
naturalidade.
— Claro — desconversei. — Estava tão envolvida com os
contratos que acabei esquecendo... quando sair daqui vou ao
shopping e vejo alguma coisa...
— Como assim? E o seu closet? — Ele olhava de uma forma
inconformada para mim.
— Desculpe, senhor Scheffer, não me sinto à vontade com
isso... — Eu estava tentando entender exatamente o que me
incomodava.
Ele levantou-se em um impulso, segurou a minha mão e me
puxou em direção à porta. Retirou um molho de chaves do bolso,
abriu a porta e me conduziu para dentro. Sentou-se em uma cadeira
que eu não reparei estar lá da última vez em que eu estive ali.
— Escolha! — Ele falouindicando a variedade de vestidos que
se encontravam ali.
Eu não sabia o que fazer. Sabia que precisava escolher um
vestido. Tinha a impressão de que se não o fizesse ficaríamos no
closet por um tempo maior do que eu queria ficar ali. Avistei um
vestido amarelo. Ele era simples, de alças. Tirei-o do armário para
observar com mais atenção. Estiquei o braço e ouvi sua voz
urgente:
— Prove-o.
Fui em direção à porta que eu sabia que era um banheiro com
o vestido. Provei e olhei para o espelho de corpo inteiro que tinha
atrás da porta. Cheguei à conclusão que ficou maravilhoso em mim.
Sua saia tinha um corte irregular com pontas e na sua frentetinha
um tecido transpassado com um detalhe bordado com lantejoulas
também amarelas que permitiam um brilho discreto conformeeu me
movimentava. Fiquei receosa se deveria mostrar para meu chefe
como o vestido tinha ficado. Levando em consideração que foi ele
quem pediu para eu provar, que seria ele a pagar pelo vestido, achei
justo pedir a sua opinião.
— Gostou? — perguntei ao sair do banheiro.
Eu estava andando na ponta dos pés, como se estivesse de
salto. Ele fez um sinal para que eu me aproximasse, indicou a
cadeira para que me sentasse e saiu em busca de alguma coisa.
Voltou com uma sandália branca altíssima. Agachou-se na minha
frente.Tomou um de meus pés com delicadeza e colocou a sandália
cuidadosamente em mim. Agiu da mesma forma com o outro pé.
Aquilo me deixou completamente desarmada, hipnotizada, nem
preciso dizer apaixonada, porque isso eu já estava. Ajudou-me a
levantar e me conduziu até onde estava outro espelho. Parou atrás
de mim, passou as pontas dos dedos em meus braços e sussurrou:
— Ficou linda, senhorita Andrade! — parecia que eu
conseguia sentir o desejo em sua voz. — Espero que não considere
a minha pequena ajuda como uma quebra em nosso contrato...
— Desta vez passa... — respondi dando-lhe um sorriso.
— Não leve nada para casa. Quero que se arrume aqui.
Sairemos juntos... daqui — não foi uma sugestão, ele estava no
controle e não havia o que contestar.
Fiz como sempre fazia quando tínhamos algum evento. Já fiz
as unhas, lavei e escovei os cabelos na véspera. Como o meu
vestido era claro achei que ficaria legal um contrastecom a pele
bronzeada, para isso passei um autobronzeador.
Trabalhei o dia todo. Quando o expediente terminou, mesmo
contrariada, fui até o closet para tomar um banho. Coloquei uma
bermuda e uma camisa de mangas curtas e me dirigi até o salão
para que tia Nice finalizasse o meu penteado e fizesse a
maquiagem. Escolhi os cabelos bem lisos escovados para trás com
a franja no estilo moicano. Como estava de amarelo preferi um olhar
mais marcante com tons de dourado. Voltei ao “meu closet” para
terminar a produção e para minha surpresa encontro o senhor
Scheffer parado na porta me esperando com o celular na mão,
olhando-me indignado.
— O que houve? — questiono.
— O que houve digo eu... — Ele estava ligeiramente alterado.
— Eu disse que era para você se arrumar aqui... chego aqui e cadê
você? Sabia que estamos atrasados?
— Sinto muito, senhor Scheffer, fui ao salão. Preciso apenas
colocar o vestido e a sandália... — pelo jeito hoje eu não teria ajuda
para isso — e o senhor? Está pronto? — questionei percebendo que
ele estava com o mesmo terno que trabalhou o dia todo.
— Apronte-se... — disse ele dirigindo-se ao elevador — volto
logo.
Chefe:Bom dia!
Você: “Verdade”
Chefe:Você e o Velazquez já se beijaram?
Não quis dar muito tempo para ele pensar a respeito da minha
resposta. E agora? Ele está me dando a oportunidade de
perguntar!!! Uau!!! O que eu pergunto para ele? Eu tinha tantas
coisas para perguntar, mas o nervosismo de ser pega de surpresa
me deixou sem ideias... já sei...
Você: Ok.
Chefe:Segunda rodada. Verdade ou desafio?
Pensei em desafio.Mas sabe-se lá o que ele iria me desafiar...
Por outro lado, se ele explorasse as minhas verdades, eu poderia
ter mais chances de explorar as suas...
Você: Verdade
Chefe:Você e o Velazquez já transaram?
Você: UM
Você: Verdade ou desafio?
Chefe:Verdade
Você: Desafio.
Chefe:Amanhã fique o dia todo sem calcinha.
Você: Mas...
Chefe:Sem “mas”..., senhorita. Boa noite!
“Senhor, aonde eu fuiamarrar o meu burro...” Ele só podia
estar brincando, mas não estava.
Chefe:Senhorita?
Você: Boa noite, senhor Scheffer
.
Chefe:Boa noite, senhorita.
Você: Verdade ou desafio?
Chefe:Verdade.
Você: Por que está levando esse contrato adiante, sendo que
apenas uma simples frase sua já resolveria isso tudo?
Chefe: Eu adoro desafiose não tenho a menor tendência de
quebrar contratos. Vou lhe presentear com um plus:Imaginoque
esta espera dará um sabor especial a esta conquista.
Chefe:Verdade ou desafio?
Você: Verdade.
Chefe: Ontem a senhorita me contou uma coisa ousada que fez.
Gostaria de saber se conseguiu seduzir o seu vizinhoe perder a
virgindade com ele...
Eu sabia que o desafio que iria propor era ousado, porém era
um jogo e eu estava disposta a jogar com todas as minhas cartas...
levando em consideração que o meu adversário não tinha piedade
de mim... então porque eu teria compaixão dele?
Chefe:Verdade ou desafio.
Você: Desafio.
Chefe: Desafio-tea conhecer a NutricionistaNúbia. Fazer uma
consulta com ela e repensar essa sua rebeldia alimentar
...
Você: É só me passar o contato...
Chefe:Sua consulta está agendada para segunda-feira às 15h.
Tia Nice: Tudo certo para amanhã. O Leo irá com a gente. Sairemos
cedo... Bj.
Tia Nice: aproveite bem a noite. Emoji de carinha piscando.
(...)”
● Salário;
● Horas extras;
● Atividades externas;
● Atividades extras;
● Ressarcimento.
Após ler isso olhei para a câmera e abri as duas mãos como
quem diz: Não estou entendendo nada.
Hoje é quinta-f eira, estou ansiosa de chegar ao escritório e ver
o que terá escrito no bilhete. Ou melhor, no último item do bilhete.
Eu fico tão impressionada como o meu chefe mesmo estando
ausente consegue me envolver tanto?A anotação de hoje é uma
pergunta: “Hoje é dia de fazer as unhas?” Eu encolho os dedos e
olho as minhas unhas, começando a dar sinais de que precisam de
cuidados. Sim, hoje é um bom dia para fazeras unhas. Olho para os
outros itens da lista e começo a me distrair com os afazeres que me
foram destinados. A tarde passa e eu vou ao salão conforme meu
chefe lembrava no bilhete.
Enquanto minhas unhas estão sendo embelezadas, eu reflito
sobre as tarefasque ele deliberadamente listou em cada um dos
meus dias da semana. Meu chefe estava sugerindo que eu voltasse
à minha rotina. Ele havia mencionado que teríamos nossas vidas de
volta e agora claramente ele fazia a indicação a isso. Como se eu
precisasse de alguma permissão ou incentivo para retomar a minha
rotina.
Pior que eu devo confessar... Eu já tinha me desacostumado a
ser eu e seguir os meus próprios planos. Ainda olhava para o celular
aguardando uma mensagem ou ligação de meu chefe traçando
rumos e metas para o meu dia. E esperava avidamente as suas
ligações noturnas. Antes de sair dei uma espiada em sua agenda,
que é compartilhada comigo em meu e-mail. Realmente estavam
agendadas reuniões externas para os três dias que esteve fora.
Para amanhã não tem nada agendado. Será que ele vai aparecer?
“Sabrina,
Parabéns pela formatura! Adorei tê-la como companhia no
baile...
Ps.: Fiquei aguardando a sua ligação (99999-9999)
Rodrigo”
“(...)
Quem eu quero, não me quer
Quem me quer, não vou querer
Ninguém vai sofrer sozinho
Todo mundo vai sofrer
(...)”
“ (...)
A primeira vez que eu vi você
Senti no teu olhar a luz do entardecer
,
Aprendi sonhar antes de adormecer
E a vida foi chegando de uma vez
E o amor se fez
Quem me dera ter você mais uma vez
E o amor se fez
Essas coisas só acontecem uma vez
(...)”
Não sei como será isso... Estou nervosa. Sei que não deveria
estar assim, que eu e o Rodrigo não temos nada oficializado.
Ficamos juntos em um baile. Tivemos um encontro interrompido e
uma aula de dança que terminou antes da hora. Eu prometi para ele
que ia ligar, mas agora vou ligar para dar uma notícia dessas? Será
que eu ligo mesmo ou deixo as coisas como estão?
Liguei:
— Alô? Quem fala? — era Rodrigo do outro lado da linha ao
atender o meu número desconhecido.
— Oi... sou eu... Sabrina — estou meio sem jeito já pensando
na notícia que terei que dar para ele.
— Sabrina! Céus, quanto tempo eu sonho em receber essa
ligação. — Ele está tão entusiasmado, que chego a pensar que está
fingindo.
— Desejo realizado! Aqui estou! — disse, divertida. — Ficou
sabendo o que houve ontem?
— Alguém desligou a chave de energia. Até que isso fosse
descoberto já eram mais de 10 horas. Como pode? Nossos
encontros sempre têm alguma surpresa...
— É — falei dando risada junto com ele.
— Falando nisso... quando nos encontraremos de novo? Já
estou com saudades. Amanhã não terei nenhum compromisso.
Deixe-me ver... domingo também não. — Ele explicou divertido
como sempre.
— Então..., eu vou precisar me ausentar por uns dias... — Ele
ficou mudo — a trabalho, Rodrigo?! Alô?!
— Oi. — Ele respondeu. — Quanto tempo?
— Quinze dias, eu acho.
— E qual é o destino?
— São Paulo.
— Vai sozinha?
— Sim. Parece que lá eu terei algumas pessoas para me
assessorarem... — Eu fiquei impressionada com isso, mas dessa
vez meu chefe me deixaria viajar sozinha.
— E quando vai?
— Amanhã às sete horas da manhã — escutei-o praguejando
do outro lado da linha.
— Vamos nos ver agora?
Eu olhei no relógio: vinte e uma horas. Observei a minha mala
em cima da cama: vazia. E respondi:
— Não tem como. Eu ainda tenho muitas coisas para fazer
hoje. Quando eu voltar, a gente se vê...
— Mas afinal, o que fará lá? — Rodrigo pergunta meio
desconfiado.
— É um evento de imóveis. A empresa em que trabalho terá
um stand lá. Eu vou acompanhar de perto o andamento das coisas.
Também participarei de Workshops, oficinas e outros tipos de
formações oferecidas durante o evento. Estou animada de poder
voltar a estudar...
— Legal — com certeza ele não estava nem um pouco
entusiasmado e não fez o menor esforço de esconder isso. — Essas
viagens ocorrem com frequência?
— Umas duas ou três vezes no ano, mais ou menos.
— Agora vejo que não sou só eu a ser escravizado pelo chefe.
— Não vejo dessa forma, Rodrigo. Eu cresço como
profissional nessas viagens. Aprendo muito.
— Eu só não entendo como alguém que trabalha no apoio
gráfico precise crescer profissionalmente...
Meu sangue ferveu.
É claro que ele não sabia que eu era assistenteexecutiva da
presidência. Eu nunca fiz questão que ele soubesse disso. Estava
literalmenteem uma encruzilhada e eu teria que resolver se deixava
ele atualizado com meu cargo ou não.
— Digamos que faz algum tempo que não trabalho mais no
apoio gráfico, Rodrigo... — contei uma meia verdade — agora eu
preciso desligar. A gente se fala, não é?
— Se você tiver tempo para mim durante esse evento e as
formações na “terra da garoa”, me liga. Estarei aqui tirando galhos
de cercas, levando a minha mãe postiça aos seus compromissos e
aguardando ansiosamente um contato seu.
— Certo — falei rindo. — Um beijo.
— Outros, Sabrina, muitos outros...
Eu não sei o porquê dessa viagem surgir nesse exato
momento. O senhor Scheffer estava refutandoesse convite já tinha
um bom tempo. E de repente, simplesmente surge com essa
novidade, mas eu estava gostando. Ficar duas semanas em São
Paulo, e sozinha!
Seria a glória para mim.
Meu chefe andava com o humor muito alterado nos últimos
dias... Eu esperava que estivesse muito mais calmo quando eu
voltasse. Fiquei meio chateada com o comentário do Rodrigo, sobre
quem trabalha no apoio gráfico não precisar de formação... Que
ignorância dele: “Todos precisam de formação... Inclusive ele, se
quiser se livrar das garras do João Victor...”
Já faz uma semana que saí de sua sala pela última vez. As
coisas aqui em casa estão uma loucura, são caixas e sacolas para
todo lado. Volta e meia pego a tia Nice chorando nos cantos, ela não
se conforma que eu passe essa nova fase sozinha, mas com o
Rodrigo me cercando por todos os lados eu preferi me afastar.
O Leo não está diferente,mas ele prefere mostrar os seus
sentimentosatravés de atitudes.Praticamentepassou a semana me
ajudando com a parte burocrática, compras e tudo mais que eu
precisarei nesta nova vida. Por enquanto eu não me preocupo com
dinheiro, meu patrão sempre dava um jeito de pagar para mim
vários bônus, que eu fui acumulando e investindo e, embora eu não
tenha concordado na época, agora serão muito úteis.
Só faltauma coisa a fazer: abastecer o meu carro. Sim, agora
eu tenho um carro. Ele é bem diferente do carro que eu tinha
ganhado dele, mas eu gostei muito. Optei por um modelo mais
popular: um corsa e é claro que tinha que ser vermelho. Para variar
o Leo está indo no posto de gasolina comigo.
Victor Hugo Scheffer
Eu sabia que estava errado, eu sabia que ela não iria gostar
quando soubesse, mas o que a gente estava vivendo era tão bom,
tão mágico que eu acreditei que minha atitudede pagar pela sua
companhia não nos levaria às últimas consequências. Mas levou. E
a cada cédula daquela que eu juntei era como se uma parte de mim
estivesse morrendo. Foi ali juntando aquelas notas que eu percebi
que a gente nunca se entenderia. Por mais que conversássemos e
nos entendêssemos, isso não duraria para sempre e com certeza
chegaria a hora que ela precisaria de mais e eu não poderia dar
nada além do que eu tinha dado para ela.
Chego em casa e constatopela enésima vez que o Amigão
deu um jeito de abrir a porta do quartinho e esparramar todas
aquelas coisas por toda a sala de jogos.
Eu desconto toda a minha raiva ali, chuto aqueles papéis e
caixas para dentro do depósito de novo, grito com fúriae o cachorro
se afasta.Eu olho com ira para ele e decido: vou jogar tudo isso
fora. Chega de passado. Chega de lembranças, mas, derrotado, não
consigo fazer isso agora.
Eu não estava mais conseguindo lidar com ela pessoalmente.
Era muito difícil encará-la, lembrar dos nossos momentos e saber
que estava tudo acabado. Quando ela pediu a demissão, confesso,
eu senti alívio. Eu nunca teria coragem de dispensá-la, porém eu
não achava justo que ela tirasse suas próprias conclusões sem ouvir
ao menos uma palavra minha.
Foi aí que uma noite, depois que ela saiu do escritório, eu me
enchi de coragem e fui ao salão de sua tia. Eu queria pedir perdão,
contar a minha versão da história, tentarjunto com ela encontrar o
meio termo, mas ele estava lá. Tive que ver aquela cena novamente
só que agora com meus próprios olhos: Rodrigo e Sabrina
conversavam em um canto. Isso foi o suficiente para me fazer
recuar. Não era justo eu atrapalhar tudo de novo, ela tinha o direito
de seguir sem mim e pelo jeito ela tinha feito a escolha dela.
No dia em que pediu demissão, quando perguntei a ela:
— Tem outra pessoa nisso?
— Tem. — Ela respondeu de uma forma curta e grossa, essa
resposta era a confirmação que eu precisava e a partir dali as
nossas vidas mudariam para sempre.
Ela fez a sua escolha. Com certeza ela ficaria com o Rodrigo.
Ele poderia oferecer a ela uma vida “normal” bem diferentedo que
eu tenho oferecido.
Hoje faz uma semana que ela saiu da minha vida e eu não
estou com a menor vontade de ir trabalhar. Subo na cobertura para
dar a ração do Amigão. Ele anda meio ressabiado comigo, depois
que descontei a minha raiva perto dele. Porém, isso não o impede
de ter esparramado todas aquelas coisas de volta.
Vencido, chego perto da porta, me sento no chão e começo
explorar aqueles flashesdo meu passado.
O cachorro parece satisfeito e senta-se ao meu lado.
Pego um álbum com fotos antigas: papai, mamãe e duas
crianças uma a cópia da outra, sorriem e posam para a foto.Em
outra foto as duas crianças brincam em um parque, tem um
cachorro correndo atrás delas. Muitas memórias que eu não tinha,
fico ali observando aquele pequeno tesouro do meu passado,
inevitável não sentir as lágrimas caindo. Agora olho para algo mais
recente: um livro. Este estava com papai no hospital, pego-o nas
mãos e folheio, para minha surpresa encontro no meio uma folhade
papel. Abro e começo a leitura, sem acreditar no teor da mensagem
escrita com uma caligrafia tremida. Quando termino de ler eu choro
imensamente emocionado. Afagoa cabeça do cachorro e agradeço:
— Obrigado! Você salvou a minha vida Amigão! — este
imediatamente salta em meu colo e comemora comigo como se
tivesse terminado de cumprir um dever.
Quando chego à frenteda casa de Sabrina acho estranho ver
o carro do Leo ali. O carro da tia dela também está guardado na
garagem. O que todos estavam fazendo em casa em um dia de
trabalho? Estaciono do outro lado da rua e toco a campainha. É a tia
dela que vem me receber.
— Bom dia! Eu preciso falar com a Sabrina. — informo a Nice.
— Bom dia! Ela não está... Foi com o Leo abastecer o carro.
— Se ela não quiser falar comigo pode dizer... — eu olho para
o carro do Leo parado atrás de mim e ela percebe que estou
confuso.
— Eles foram abastecer o carro da Sabrina. — Ela me
justifica.
— Mas ela não tem carro... — afirmo lembrando que o carro
que dei para ela está abandonado no estacionamento do prédio.
— Agora ela tem. Vai precisar de um em Porto Alegre. — a tia
dela me revela apreensiva.
— Como assim Porto Alegre? — questiono incrédulo.
— Ela está de mudança para lá. Foi obrigada, agora que
está... — eu tinha a impressão de que ela iria me falaralguma coisa,
mas interrompeu a frase quando a Sabrina e o Leo Chegaram.
— Oi! — cumprimentei-os.
“Scheffer
, meu filho,
Te amo muito.
Espero que um dia consiga me perdoar
.
De seu pai: Heitor”
“Palavras
Com Gratidão,
Vicky Fênix
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