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BOX com todos os livros da série

Será que é Amor?

Bianca - Livro 1
Michele – Livro 2
Mariana – Livro 3
Apaixonado por você
Spin-OFF do livro Mariana
Maria - Livro 4
Sempre foi você
Copyright © 2020 Vania Freire
Capa: Barbara Dameto
Diagramação: Vania Freire
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,
através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da
autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal.
Índice

Índice
**BIANCA**
Mensagem da autora
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Epílogo
**MICHELE**
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
C 5
C 6
C 7
C 8
C 9
C 10
C 11
C 12
C 13
C 14
C 15
C 16
C 17
Capítulo 18
C 19
C 20
Capítulo 21
C 22
C 23
C 24
C 25
C 26
Capítulo 27
E
**MARIANA**
Nota da autora:
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capitulo 22
Capítulo 23
Epílogo
**APAIXONADO POR VOCÊ**
Nota da autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Epílogo
**MARIA**
Mensagem da autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capitulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capitulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Epílogo
**SEMPRE FOI VOCÊ**
Sinopse
Me apaixonei assim que a vi
A terrível zona da amizade
Objetivos acima dos sentimentos
Às vezes, a vida ensina da pior maneira
Me despedindo de você
Em busca da minha felicidade
Eu continuo amando você
Vivendo um sonho
Para sempre
Agradecimento
Redes sociais
Copyright © 2019 Vania Freire
Capa: Barbara Dameto
Revisão: L.S. Santos
Diagramação: Vania Freire
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
________________________
**BIANCA**
Série: Será que é Amor?
Livro 1
Vania Freire
2ª Edição — 2019
ISBN: 978-85-924831-2-8
_____________________________
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através
de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo artigo
184 do Código Penal.
Mensagem da autora

Você já sonhou com algo que jamais imaginou realizar? Eu sonhei. Comecei a
sonhar há quatro anos quando botei a primeira frase no livro Será que é amor e postei a
história no Wattpad, e desde então nunca mais deixei de sonhar, porque é isso que cada
história é para mim, sonhos se tornando realidade. E Bianca, nossa Bianca foi o começo
de tudo, vocês não têm noção a quanto tempo eu sonho em poder mexer nessa história
novamente...
Desejo do fundo do meu coração que vocês recebam Bianca de coração ❤
Capítulo 1

Bianca
Um longo suspiro escapa entre meus lábios ao observar o prédio da empresa em
que trabalho. Sempre sonhei em trabalhar com marketing e publicidade e amo o que eu
faço. O problema são algumas pessoas que trabalham comigo.
O fato de eu ser mulher, preta, solteira, e estar acima do peso, ou seja, gorda,
incomoda algumas pessoas. Muitos acham que tenho um terrível problema. Eu me
orgulho da minha cor de pele, me acho muito gostosa com o meu excesso de gostosura,
e prefiro ficar sozinha a estar mal acompanhada.
Queria mesmo era mandar todo mundo ir se catar, mas como não posso fazer isto
dentro da empresa, quando ouço algo preconceituoso, apenas ofereço um sorriso e uma
frase inteligente, normalmente ácida. Inspiro profundamente, ponho um sorriso nos lábios
e saio do carro em direção a mais um dia de trabalho.
Assim que entro na empresa sorrindo, dou bom dia para o porteiro e recepcionista,
e vou para o elevador, que graças a Deus, está vazio. Quando saio, encontro Rafael, meu
secretário. Ter um secretário demonstra o quanto sou diferente aqui dentro.
— Bom dia, Rafael. Tudo bem?
— Bom dia, Bianca. Seu cappuccino.
— Obrigada, Rafael. Vamos passar a agenda.
— Quando quiser.
— Se eu não me engano, tenho duas reuniões hoje — especulo, tomando o
maravilhoso cappuccino. Em três anos trabalhando comigo, Rafael nunca me deu motivo
para me arrepender de ter brigado para ter um secretário sem experiência e do sexo
masculino, quando todos na empresa só têm secretárias. O que ele não tinha em
experiência, compensava com esforço e disciplina.
— Bianca, a pedido do senhor Martins, as reuniões foram canceladas. Ele
convocou uma reunião com todos os gerentes e coordenadores de equipe.
Quase engasgo com o cappuccino. Quando o chefe convoca todos para uma
reunião, é porque alguém fez algo de errado.
— Tudo bem, e quando vai ser?
— Às nove horas.
— Se será na parte da manhã, não precisa cancelar as minhas reuniões, afinal elas
estão marcadas para a tarde.
— Ele pediu... bem, não foi bem um pedido, e sim uma ordem, para cancelar todas
as reuniões de hoje e transferir para uma data posterior.
— O.k. Você já entrou em contato com as clientes que viriam hoje?
— Sim, e consegui marcá-los para amanhã na parte da manhã.
— Ok, muito obrigada.
Vejo meu secretário sair da minha sala, tomo fôlego e vou retocar a maquiagem, me
olho no espelho e gosto do que vejo. Sou alta, tenho um corpo tipo violoncelo, olhos
verdes, boca carnuda, e cabelos longos. Hoje estou com uma saia preta e blusa de seda
vermelha, com um discreto decote em ”V”, e salto alto vermelho. Retoco a maquiagem,
pego minha bolsa e vou para reunião.
Ao chegar, a sala de reunião está quase vazia, apenas encontro as secretárias da
diretoria, então aproveito para checar meu e-mail pessoal no smartphone. Estou tão
entretida, que nem reparo quando os demais chegam; até ouvir Marcela falando:
— Olha só, hoje estamos de vermelho vivo. ― Ela não esconde o deboche em suas
palavras.
Respiro fundo, me preparando psicologicamente e a encaro, sorrindo.
Marcela é uma mulher magra, ruiva e alta. Apesar de ser bonita, é mesquinha e
invejosa, não suporta o sucesso alheio, e sabe Deus lá o porquê, não perde uma
oportunidade de me irritar.
— Querida Bianca, vermelho te deixa maior do que você já é. Deveria evitar esse
tom e preferir tons mais escuros, assim, quem sabe por milagre, você pareceria menor.
Falo isso apenas para ajudar, claro — sugere com um sorriso falso.
— Querida Marcela, não sabia que além de publicitária, também era consultora de
imagem. Eu, sinceramente, acho que você deveria ser consultora, porque você está
dando tanta importância às roupas alheias que, diga-se de passagem, não lhe dizem
respeito, que se esquece dos seus projetos. Semana passada tive que pegar mais um
dos muitos projetos que você não finalizou, mas eu falo isso apenas para ajudar, claro.
Quando ela abre a boca, nosso CEO entra na sala; e logo atrás dele entra o homem
mais lindo e sensual que já vi na vida. Ele é branco, mas bronzeado, cabelos pretos,
olhos azuis, cílios de causar inveja a qualquer mulher. A entrada deles deixa todos sem
ação, até que escutamos o senhor Martins falando.
Eu saio do meu transe e foco no meu chefe, que apresenta o tal ser maravilhoso
por Fernando Lacerda.
— Como todos os senhores e senhoras sabem, não ando bem de saúde, e por
esse motivo eu estou me afastando da empresa, e deixando a cargo do meu sobrinho
Fernando Lacerda.
Enquanto meu chefe fala, o tal Fernando olha a todos com uma expressão séria. O
homem é simplesmente perfeito! Desço meu olhar pelo seu corpo o admirando, ele tem
porte atlético, ombros largos, alto, apesar da roupa formal dá para notar que tem um belo
par de coxas, e grandes mãos, confesso que tenho uma certa tara por homem de mãos
grandes.
Sinto um sorriso bobo se formar em meu rosto e subo meu olhar devagar, e reparo
que ele está trajando um refinado terno de três peças ― calça, colete e blazer ―, que cai
perfeitamente em seu corpo, provavelmente foi feito sob medida, foco em seu rosto no
exato momento em que seus olhos param em mim.
Ele me olha de cima a baixo, até aí tudo bem porque fiz o mesmo, o problema foi o
levantar de uma sobrancelha e o franzir o cenho demonstrando desagrado, muito
rapidamente, tanto que acho que ninguém além de mim repara.
Porém, eu vi, e depois disso, toda a sua beleza cai por terra, e o sorriso bobo que
conservava morre em meus lábios. Volto a prestar atenção no dono da empresa, que
continua a exaltar as qualidades do tal Fernando Lacerda.
— Meu sobrinho, depois de eu muito insistir, deixou de ser diretor de uma das
maiores empresas de publicidade de Boston, para assumir meus negócios. Portanto, a
partir de hoje, Fernando, irá me substituir na empresa.
Após soltar a bomba, se senta, e Fernando Lacerda, agradece ao seu tio, e se vira
e olha a todos por um tempo antes de começar a falar.
— Primeiro, quero me desculpar. Sei que essa reunião pegou a todos
desprevenidos, e tiveram que cancelar e remarcar alguns compromissos. No decorrer das
próximas semanas farei reuniões em particular com cada gerente de campanha. Sem
mais para o momento; apenas aguardem, minha secretária entrará em contato para
agendar as reuniões.
Assim que ele termina, todos se levantam e vão cumprimentá-lo. Eu me levantei, e
ao contrário de todos, fui falar com o seu tio.
— Olá, como o senhor está se sentindo hoje? — Ele sorri ao me ver. Sempre nos
demos muito bem.
— Estou bem, obrigado. E como você não aceitou a minha proposta de me
substituir, tive que implorar para meu sobrinho, que graças a Deus, compadeceu do meu
sofrimento.
Um detalhe sobre o meu chefe, ele é muito dramático. Acho que para mim ele
sempre será, meu chefe.
— O senhor concordou comigo que isso traria sérias dores de cabeça com sua
esposa e enteada.
Marlene, a esposa do senhor Martins, nunca perde uma oportunidade de falar do
meu peso ou que eu não faço o perfil da empresa.
O que ele tem de simpático, tem ela de antipática. São a prova viva de que os
opostos se atraem.
— Sim, Bianca, você tem razão. E por isso que pedi ao meu sobrinho para me
substituir.
Neste momento sinto um arrepio pelo corpo. Quando me viro, Fernando está atrás
de mim, me encarando. De perto ele é ainda mais surpreendente. Olho para a sua boca e
noto que seus lábios são perfeitos, e a voz do dono da empresa, me tira do meu delírio.
— Fernando, esta é a Bianca Soares.
Enquanto seu tio nos apresenta, ele continua me olhando
— Prazer, Bianca. ― Estende uma mão, noto seus longos dedos e rapidamente
desvio para seus olhos.
— O prazer é meu, senhor Lacerda. ― Novamente, desço meu olhar para sua mão
e mordo o inferior da minha bochecha ao sentir seu firme aperto.
— Apenas Fernando, por favor. ― Seu tom é baixo e marcante e causa arrepio em
todo meu corpo.
Meu chefe continua falando, não percebendo nada do que estava acontecendo. Eu
prefiro ignorar.
Neste momento, Marcela, chega e se intromete na conversa.
— Fernando, ficaria feliz em mostrar a empresa.
Eu aproveito a deixa, me despeço de todos e sigo para a minha sala. O decorrer do
dia foi tranquilo, e no final do expediente, me despeço de todos que encontro, pedindo a
Deus que nem Marcela, nem o tal Fernando apareçam em minha frente. Tive sorte.
Chego ao estacionamento, entro no carro e sigo para casa.
Moro em um apartamento no bairro Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro, próximo à
empresa. Meu apartamento é meu orgulho, eu o amo, é todo do jeitinho que sempre quis.
Já estou na cama há meia hora, e nada do sono chegar. Não consigo tirar meu
novo chefe da cabeça... seus olhos, seu toque, e principalmente sua boca. Que boca
linda que aquele homem tem!
— Ai, que raiva! Me recuso a ficar pensando em um cara que me olha daquele jeito.
— Eu me viro na cama bastante irritada e acabo dormindo.

Fernando

Finalmente chego em casa. Hoje o dia foi cansativo; primeiro a empresa, e depois,
jantar com meu tio e a atual esposa dele, Marlene. Ela é esnobe e inconveniente, que
acredita que um dia irei me envolver com sua filha, Angélica.
Em um dia de porre dormi com ela, e desde então, a evito. A mulher me infernizou
tanto que até aceitei trabalhar fora do Brasil. Passei três anos por lá, e só aceitei a
proposta do meu tio depois que ele me garantiu que sua enteada estava noiva. Assim que
soube que voltei, terminou o noivado e apareceu no jantar e sugeriu que ela trabalhasse
na empresa, infelizmente desse pedido não tive como correr.
Durante toda a noite a tratei friamente, e deixei bem claro que não haveria a menor
possibilidade de nos envolvermos novamente.
Depois de tomar banho, sento na sala com um copo de vinho, pensando em
Bianca.
Marlene deu a entender que não confia nela e que meu tio dá carta branca a
Bianca; e insinuou que deveria contratar sua filha. Na hora apenas disse que ela não
tinha o perfil da empresa. Angélica, nunca trabalhou na vida, é uma dondoca atrás de
marido rico... o que faria na empresa?
Bianca é diferente do que eu imaginei. Meu tio fala muito bem dela, e as pessoas
da empresa também... ou melhor, quase todas. O que me impressionou foram seus olhos
verdes e sua pele negra, um contraste diferente, fascinante. Pelo decote, ela parece ter
seios lindos; no entanto, ela não faz o perfil de mulher que normalmente me envolvo.
Então como explicar o fato de não conseguir tirar da cabeça aquele sorriso e os
olhos verdes?
Eu me recuso a ficar pensando em uma mulher tão fora dos meus padrões, por
mais sensual que a boca e olhos dela sejam, e o cheiro... Oh, mulher cheirosa!

Bianca

Acordo com o corpo todo doendo, tive uma péssima noite. Há duas semanas estou
assim, desde que o conheci. Por mais que tivesse tentado, não consegui tirar Fernando
da minha cabeça, com um impulso, me levanto e sigo em direção a cozinha, encontro
Maria, e sorrio ao vê-la mimando Godofredo, meu gato persa.
A vida dele é comer, dormir e encher minha casa de pelos, mas o amo demais.
Maria, é uma baiana arretada e extremamente engraçada. Ela sempre consegue
por um sorriso no meu rosto, trabalha comigo e com Michele há alguns anos, sem ela
minha casa estaria de pernas para o ar. A conheci quando ela passava por um momento
difícil e fico muito feliz ao ver o quanto ela superou e se reinventou. Maria é muito mais
que nossa funcionária é nossa amiga.
Depois de ser expulsa de casa, por Maria, que queria começar a organizar a casa
— ouvir música alta e ver novela mexicana—, dou de cara com Michele.
Michele é minha vizinha, e eu a conheço desde a minha adolescência. Ela é uma
ótima pessoa, defende quem ama com unhas e dentes, uma linda loira, alta e magra, mas
é uma tremenda barraqueira. Às terças e quintas dou carona a ela, já que faz um curso
perto do escritório. Apesar de ter uma excelente condição financeira, se recusa a comprar
um carro porque diz que vai ser mais um a poluir o meio ambiente. Ela é uma figura,
minha amiga hoje pode ser uma boa distração.
Durante todo o trajeto, Michele não parou de falar, enquanto eu apenas balançava a
cabeça e ria. A deixo no curso e sigo para o escritório; e ao entrar no prédio, cumprimento
a todos e vou para o elevador. Quando as portas estavam quase fechando, uma pasta
impede a porta, fazendo-a abrir. Fernando entra no elevador junto com um negro, alto e
forte que, quando me olhou, deu um sorriso faceiro daqueles que põe um sorriso bobo
nos seus lábios.
— Olá, meu nome é Márcio, e já vejo que vou amar trabalhar aqui. Qual é o seu
nome, linda? ― Sou pega de surpresa com o seu jeito descontraído, levanto uma
sobrancelha e ofereço um discreto sorriso.
— Pode parar! Não vai fazer aqui o que fazia em Boston. Essa é Bianca Soares,
gerente de contas, e esse é Mar.... — O tal homem lindo e sensual interrompe Fernando,
pega a minha mão, beija e diz:
— Márcio Ribeiro e é um prazer a conhecer. — Ele sorri de lado e é impossível não
retribuir.
— O prazer é meu, senhor Ribeiro.
— Apenas Márcio, por favor. ― Faço um ligeiro aceno e sorrio. — O prazer é todo
meu — Completa sem largar minha mão.
Começo a achar a situação engraçada. Meu chefe está visivelmente irritado com a
atenção que seu amigo está me dando, e quando percebo isso, meu sorriso se torna
maior. Ele deve estar achando que estou flertando com ele, o que nem sequer passou
pela minha mente. Márcio, parece ser aquele tipo de homem que ama seduzir as
mulheres, e por mais lindo que seja, não me interessa.
— Bianca, acredito que esse seja o seu andar — Meu chefe informa quase
rosnando.
— Te vejo por aí, Márcio — digo, saindo do elevador.
Caminho sorrindo para minha sala que fica de frente para o elevador, mas quando
chego no final do corredor, Fernando me chama. Paro, me viro, levanto uma sobrancelha,
e o observo vir em minha direção. Ele chega bem perto de mim, mais perto do que eu
gostaria, quase invadindo meu espaço pessoal e seu aroma me pega em cheio, desvio
dos seus olhos e foco em seu queixo, contudo, assim que vejo sua boca perfeita, uma
insana vontade de morder seu lábio inferior cruzou a minha mente.
Meu Deus, não posso pensar isso desse cara, não dele. Dou um passo para trás,
pondo um espaço maior entre nós.
— Bianca, não se envolva com Márcio. Não vou tolerar esse tipo de comportamento
aqui — ordena e soou rude.
Primeiro fiquei surpresa; depois, com raiva.
— Senhor, não existe nenhuma norma na empresa contra envolvimento entre
funcionários, visto que existem vários casais aqui dentro — argumento de forma calma.
— Não quero saber se existe ou não uma norma sobre isso. Estou dizendo para
você não ficar se oferecendo para ele ― exige dando um passo em minha direção com a
clara intenção de me intimidar.
Um lento sorriso se forma em meus lábios e minha voz soa calma e pausada.
— Primeiro, eu não me ofereci a ninguém; segundo o que eu faço ou deixo de fazer
na minha vida particular, não é problema seu.
Não desvio meus olhos dos seus e o vejo franzir o cenho, creio que meu novo chefe
achou, erroneamente, que eu sou o tipo de mulher que abaixa a cabeça quando um
homem bonito manda fazer algo.
Ledo engano.
Quando ele faz menção de falar algo, ouço Rafael me chamar.
— Bianca, que bom que chegou. Desculpe interromper, mas o senhor Souza já
ligou duas vezes, e está na linha querendo falar com a senhora.
— Obrigada, e você não interrompeu nada. O senhor Fernando já está de saída —
respondo, com os olhos fixos no meu chefe.
O som da porta sendo fechada me indica que Rafael entrou na sala. Levanto a
sobrancelha e durante alguns segundos apenas observo Fernando, que segue me
olhando intrigado, em seguida giro meu corpo com a intenção de ir para minha sala e sou
surpreendida quando ele segura meu braço, o soltando logo em seguida e aproxima seu
corpo do meu, sem realmente me tocar.
— Essa conversa ainda não acabou — sussurra no meu ouvido.
Não esperava por isso, e sinto um arrepio passar pelo meu corpo. Fecho os meus
olhos e respiro fundo buscando o ar que me foi roubado com esse inesperado contato.
Quando viro para dar uma resposta, eu o vejo se afastando e entrando no elevador.
Ficamos nos encarando até a porta fechar.
Demoro um tempo parada, olhando para porta do elevador, tentando entender o
que aconteceu. É visível que ele não gosta de mim, então por que fez essa cena toda?
Isso realmente não entendo.
— Esse homem, além de lindo, tem pegada. Pena que é um completo idiota. ―
Com um suspiro entro em minha sala.

Duas semanas depois...


Meu staff é composto por cinco pessoas, e somos responsáveis por doze contas. O
clima entre nós é agradável e cordial. Quando informei que teríamos uma reunião com o
novo Ceo, tentei passar tranquilidade para todos e creio que atingi meu objetivo, pois vejo
todos descontraídos a espera na sala de reunião.
Fernando entra, todos ficam mudos. Junto com ele, entra sua secretária e o Márcio,
que assim que me vê, sorri e pisca; e eu retribuo o sorriso. Viro meu rosto para meu
chefe, ele está me encarando com uma expressão nada agradável, o que para mim já é
normal, pois ele sempre me encara assim.
Todos sentam e ele começa a falar.
— Boa tarde a todos. Como vocês já sabem, estou assumindo a empresa. Esse ao
meu lado é o senhor Márcio Ribeiro, ele irá me ajudar nessa fase de transição. Essa
reunião é para conhecer tanto vocês quanto as campanhas publicitárias que são
responsáveis. Senhora Bianca, por favor, me apresente sua equipe e contas.
— Senhores, boa tarde. Como sabem, sou responsável por essa equipe, e
contando comigo, somos seis pessoas.
Depois de apresentar a todos e dar um resumo geral de cada conta, dou a vez a
cada um da minha equipe para que falem de suas respectivas campanhas. Tanto
Fernando quanto Márcio fazem algumas perguntas sobre o processo criativo, e até
mesmo dão algumas opiniões construtivas. A reunião foi boa, e quando todos estavam se
retirando, Fernando me pede para ficar. Estava correndo tudo bem, até ele avisar que
tiraria cinco contas minhas.
— Desculpe, mas o senhor vai tirar cinco contas nossas por quê? Até agora nunca
houve nenhuma crítica quanto ao nosso trabalho; muito pelo contrário, temos mais três
empresas querendo fechar contrato com a minha equipe.
— Estou ciente, e é exatamente por isso que vou tirar cinco ou mais empresas da
responsabilidade de vocês e passar para uma outra equipe.
Márcio concorda com ele e completa:
— É óbvio que a sua equipe é muito competente, e por isso, é tão requisitada.
Porém, se não retirarmos algumas contas, vocês não poderão atender novos clientes; a
demanda vai ficar muito alta e a qualidade de trabalho pode não ser mais a mesma.
Fernando continua:
— Por outro lado, temos equipes aqui na empresa com apenas cinco contas,
enquanto a sua está em vista de ficar com mais de quinze contas.
— Mas isso não é justo! Nós trabalhamos muito por essas campanhas, e a maioria
já está em fase de finalização.
— Bianca, vocês terão os créditos de parte da campanha. A equipe que assumir vai
estar ciente disso — Márcio explica em um tom conciliador.
— No final, sua equipe ficara com dez contas. Este será o limite para cada equipe
— diz Fernando.
— O senhor quer dizer que será o limite para a minha equipe. Sim, porque somente
a minha equipe tem mais de dez contas, e sempre foi assim — retruco, frustrada.
— Mas, como bem sabe, estamos sob nova direção e novas regras. Por favor, avise
a sua equipe sobre as mudanças. Por hora é só, pode se retirar — Fernando, lembra
soando irritado.
Demoro cerca de cinco segundos para controlar minha raiva. Levanto, saio da sala,
e ando bufando pelos corredores. Ao chegar em minha sala, peço a Rafael para chamar
todos da minha equipe, e tomo uma água para me acalmar. Quando eles chegam,
comunico as novas regras e a indignação é coletiva; mas informo sobre as novas contas,
e tento deixar a equipe motivada para futuros negócios. Depois de uma rápida reunião,
todos saem.
Estou me preparando para ir almoçar quando Rafael avisa que o Márcio Ribeiro
estava querendo falar comigo, e autorizo a sua entrada. Ele entra com um sorriso no
rosto, ainda chateada com os últimos acontecimentos, não retribuo o sorriso.
— Olá, vim te convidar para almoçar. Queria ter feito esse convite antes, mas
Fernando me prendeu nas últimas semanas. Me faz um homem feliz e almoça comigo?
— pede com um sorriso safado no rosto.
É impossível não sorrir quando um pedaço de mal caminho te convida para almoçar
assim.
— Tudo bem, acredito que almoçar com você seja exatamente o que eu preciso
agora. Você me distrai, me faz rir, e isso me relaxa. — Pego minha bolsa e saio com ele
da sala.
— Minha linda, você não tem noção do quanto eu gostaria de te relaxar, é só você
deixar. ― Pisca um olho sugestivo.
Não falo nada, apenas balanço a cabeça, sorrindo. Vamos caminhando e
conversando banalidades até o elevador, e ele mantém as mãos nas minhas costas
durante todo o caminho. Quando entramos no elevador, vejo Fernando sair de uma sala.
Ele olha para a mão de seu amigo, depois para mim e faz uma expressão nada
agradável, então vem em nossa direção. Levanto uma sobrancelha, sorrio e aperto o
botão de fechar as portas do elevador. Não deu tempo dele entrar; deve ter ficado com
raiva, e eu amei isso.
Capítulo 2

Fernando
— Filha da mãe! — Com raiva, olho a porta do elevador fechando.
Entro no meu escritório xingando baixo. Renata, minha secretária, me fita
assustada da mesa dela. Paro em frente a ela e peço que não me passe nenhuma
ligação por vinte minutos.
— Desculpe, senhor Fernando, mas o senhor tem uma reunião agora com a equipe
da senhora Marcela e já está atrasado.
Respiro fundo. Esqueci completamente, e isso nunca tinha acontecido antes.
— Por favor, se desculpe por mim, e informe a todos que em dez minutos estarei lá.
A vontade que tenho é de chutar ou quebrar alguma coisa. Sinceramente, nem eu
entendo porque estou com tanta raiva, mas o que eu queria mesmo era chutar a bunda
daquele sem vergonha e apertar o pescoço daquela atrevida. Ah, como queria.
Há duas semanas, disse a ela que não queria os dois se envolvendo, e falei a
mesma coisa para o meu amigo. Ela me deu uma resposta malcriada, e ele riu,
perguntando o porquê, e se eu estava a fim dela. Eu, claro, ri.
— Nunca vou querer algo com ela! ― Tento acreditar em minhas próprias palavras.
Mas, se não quero nada, por que essa raiva toda? E principalmente, por que eu não
paro de pensar no seu aroma? Quando a puxei e disse para ficar longe do meu amigo, foi
impossível não notar o estremecimento e arrepio que passou pelo seu corpo, e isso não
sai da minha mente. A expressão no seu rosto e o sorriso sínico que me deu agora a
pouco ao entrar no elevador me irritou ao extremo. A minha vontade era de voar no meu
amigo por estar tocando nela, e torcer o pescoço dela por estar o deixando tocá-la.
— Acho que estou ficando maluco! — grito, dando um soco na mesa.
Fecho meus olhos, sugo o ar, ajeito a gravata e vou para sala de reunião pensando
que tenho que tirar essa mulher da cabeça. Assim que entro, a primeira coisa que vejo é
Marcela vestida de rosa gritante, e com um decote que chega a ser quase obsceno. Ela
me vê, levanta sensualmente, vem até mim e me dá um beijo no rosto.
— Fernando, querido, já estava achando que não queria me ver. — Sorri e segura
meu braço.
Essa sim é o tipo de mulher que gosto. Bonita, melosa, doce, que faria tudo que eu
quisesse e não ficaria batendo de frente comigo. Então, por que não sinto nada quando
estou perto dela? Meu pau nem dá sinal de vida! E esse perfume, meu Deus, minha
vontade é mandá-la tomar banho. A voz então, nem se fala, é tão fina que irrita.
Sem sorrir, me desvencilho dela e vou para o meu lugar à mesa.
— Peço a todos, desculpas por meu atraso. Marcela, por favor, apresente sua
equipe e suas contas.
A reunião transcorreu tranquila, mas eu estava meio ausente. Minha cabeça estava
longe, em um certo casal almoçando.

Bianca

Solto uma gargalhada assim que as portas do elevador fecham. Márcio, que estava
vendo alguma coisa no celular, nem reparou nada que aconteceu. Ele me olha confuso e
pergunta:
— Por que você está rindo assim?
— Nada não. Apenas me lembrei de algo engraçado, aonde você vai me levar para
almoçar?
— Que tal uma massa? Aqui perto tem um restaurante italiano que tem um ótimo
vinho.
— Tudo bem, faz tempo que não vou a um restaurante italiano.
Márcio é uma companhia muito agradável, inteligente, e põe meu ego lá no alto
com as cantadas engraçadas dele. Pena que é muito sem vergonha. Se não fosse, até
pensaria no caso.
— Minha linda, vamos sair hoje à noite?
— Márcio, já disse que entre nós só rola amizade.
— Isso é por causa do Fernando? — Quase engasgo.
— Claro que não! Fernando é apenas meu chefe, nada mais que isso. ― Tento ser
o mais convincente o possível.
— Sei... Então por que não aceita sair para jantar comigo, mesmo como amigos? —
indaga, piscando o olho.
— Hoje não dá, já tenho compromisso.
— Cancela que faço valer a pena — sugere com um sorriso cheio de promessas.
— Já disse, não dá.
— E onde, ou com quem é o seu compromisso?
— Mas você é curioso demais! Eu faço dança de salão, e hoje eu tenho aula —
esclareço, sorrindo.
— Ah tá. Então você gosta de danças... por acaso gosta de samba?
— Eu amo samba.
— Então no fim de semana, vou te levar para uma roda de samba. Minha família
toda é do samba, e não aceito não como resposta.
— Já está querendo me apresentar para a família? Olha que acabo acreditando em
você.
— Minha linda, se você me der uma chance, eu juro que me torno um homem sério.
— Ele segura a minha mão. — E então, aceita ir no domingo?
— Sim, aceito, porém, apenas como amiga. Agora vamos voltar porque tenho muita
coisa para fazer. — Chamo o garçom. — Vamos dividir a conta — informo para o garçom.
— De jeito nenhum! Imagina se eu vou deixar uma mulher pagar a conta! — Nega
sério. Ele é gentil e cavaleiro... Pena que é um sem vergonha!
— Tudo bem, mas nas próximas dividiremos, ok?
— Então quer dizer que teremos outras vezes?
— Você faz muito bem ao meu ego.
— Bem, alguma coisa eu tenho que fazer, já que você não vai me deixar fazer bem
ao seu corpo, então tenho que me contentar com isso, mas tenho esperança de que você
mude de ideia.
Rindo, me levanto, peço licença e vou ao banheiro enquanto ele paga a conta. Na
saída do banheiro, vejo Fernando e Marcela entrando no restaurante.
Que falta de sorte!
Não consigo ouvir o que eles conversam porque estou distante, mas pela forma que
ela sorri, dá para perceber que a conversa está muito interessante.
Me aproximo de Márcio que mexe no celular e sorrir ao me fitar.
— Podemos ir. — Pisca um olho e me guia na frente dele, e quando estamos perto
da saída, Marcela o chama. Não tivemos outra alternativa a não ser ir à mesa.
— Márcio, querido, não sabia que estava aqui. Senti sua falta na nossa reunião. —
Ela o abraça e o beija no rosto.
— Como vai, Marcela? Fernando, — cumprimenta ambos. — Marcela, não são
todas as reuniões que eu participo — responde com um sorriso que não chega aos olhos.
A cada momento Márcio sobe mais no meu conceito. E pelo jeito, ele não paquera
todas as mulheres.
— Mas você poderia ter passado para me ver — pisca e Márcio fica em silêncio,
vira o rosto em minha direção e comenta. — Oi, Bianca, nem tinha te visto... e olha que é
bem difícil dado o seu tamanho.
— Oi, Marcela. Já você, é impossível não ver com esse rosa intenso e florescente.
— Desvio meu rosto para Fernando e desejo boa tarde, e ele me retribui com um aceno
de cabeça.
— Bem, vamos, minha linda? — questiona Márcio.
— Claro, um ótimo almoço para vocês — digo sorrindo, me virando para sair com
Márcio. Fernando nada falou, apenas ficou me olhando com uma expressão fechada.
Saímos e fazemos o trajeto até o escritório em silêncio. Chegando lá, ele estaciona
o carro e vira para mim sério.
— Bianca, Fernando é meu melhor amigo. Não sei o que está acontecendo entre
vocês, mas prezo, e muito pela amizade dele, e gostaria que você não me usasse para
fazer ciúmes. Fernando me olhou parecendo que a qualquer momento iria pular no meu
pescoço, e ele nunca me olhou assim, por mais safado que eu fosse.
Tomo meu tempo o observando antes de responder.
— Márcio, tem um mês que eu o conheço. Posso te garantir que a única coisa que
sentimos um pelo outro é uma antipatia mútua — esclareço respirando fundo.
— Minha linda, eu acho que você está muito enganada. — Ele franze o cenho e me
olha como se tentasse descobrir algo.
— Não estou, Márcio, e só reparar na forma que ele me olha, e vá por mim, já
recebi muito olhares assim, e sei identificar quando uma pessoa não gosta de mim pelo
peso ou pela cor de pele. No caso dele, desconfio que seja por causa do meu perfil, e
estou me lixando para o que ele ou qualquer um pense de mim; apenas quero que me
respeite. Eu me aceito e me amo exatamente como eu sou, e, diga-se de passagem, me
acho muito gostosa — confesso, sorrindo.
— Ah, nisso eu tenho que concordar. Você é muito gostosa, e seus olhos verdes
podem fazer um cara delirar.
— Você, como sempre, está fazendo bem ao meu ego.
— Em relação ao Fernando, acho que você está completamente equivocada.
Porém, vou deixar vocês descobrirem isso sozinhos, e vai ser muito interessante ver isso.
— Eu e Fernando não temos nada para descobrir e não estou te usando para fazer
ciúmes a ninguém, nem tenho motivos para isso.
— Sei. Veremos. —Ele sai do carro e abre a porta para mim. Nós nos despedimos,
e cada um segue para o seu escritório.

Fernando

Fico no restaurante me perguntando como eu acabei aqui com a Marcela, e chego


à conclusão de que a junção de fome com raiva deu nisso: um cara fazendo merda.
Ela fala gesticulando, e não perde uma oportunidade de me tocar. Apesar de ter o
perfil físico que me atrai, nunca me envolveria com essa mulher.
Minha mente vagueia, não presto atenção em absolutamente nada que ela diz,
apenas fico balançando a cabeça e pensando que Bianca vai ficar furiosa quando souber
que passei suas ex contas para ela; tenho certeza que isso vai me dar dor de cabeça.
Levanto o olhar quando a ouço chamar Márcio.
O filho da mãe está com a mão nas costas da Bianca e sussurra algo no seu
ouvido. A sem vergonha sorri para ele, e sinto uma vontade imensa de torcer o pescoço
dele. Não sei o porquê, mas desde que conheci essa mulher, eu estou cada vez mais
agressivo. Nunca fui assim... muito pelo contrário, sempre fui muito calmo e frio, do tipo
que liga o foda-se para tudo.
A conversa entre eles é rápida, e fico em silêncio com receio de dizer alguma
besteira tamanha da raiva que estou sentindo. Meu amigo percebe e se despede rápido,
chamando-a de “minha linda”.
Safado!
Depois que eles saem, almoço em silêncio enquanto Marcela, me convida para
jantar, recuso sem pestanejar.
No final da tarde, peço minha secretária para chamar o Márcio na minha sala.
— Fala, meu irmão. Tudo bem?
— Bem porra nenhuma! Não falei para ficar longe de Bianca? — questiono
revoltado.
— Epa, calma! Nós só fomos almoçar, mais nada — responde, rindo. — Se
continuar assim, vou achar que você está mais interessado do que diz. ― Soa
debochado.
— Deixa de ser tosco! Não quero nada com ela. — Levanto irritado e fixo meu olhar
na janela. — Apenas não quero confusão na empresa do meu tio.
— Pode ficar tranquilo. Somos só amigos; inexplicavelmente ela não me quer. —
Ele soa como se tivesse chocado.
Respiro aliviado quando ele diz que são só amigos e me viro para ele.
— Mudando de assunto, te chamei aqui para falar que passei duas contas da
equipe da Bianca para a equipe da Marcela.
— Mas nós não iríamos decidir depois que tivéssemos todas as reuniões?
— Sim, mas a equipe dela só tinha quatro contas, e as outras todas têm, em média,
cinco contas.
— Você não fez isso por estar com raiva por Bianca, ter almoçado comigo? Porque,
meu amigo, ela vai ficar muito revoltada!
— Óbvio que não, você sabe que já estávamos pensando nisso. Foi uma decisão
de estratégia. Eu sabia que a equipe dela, por melhor que fosse, não daria conta, e você
sabe disso.
— Sim, concordo com você. — Ele levanta. — Porém não tenho a menor dúvida
que ela vai ficar revoltada. Bem, vou embora.
— Ok, e Márcio?
— Sim.
— Fique longe dela!
— Para quem não gosta, você está muito preocupado com quem ela sai ou deixa
de sair.
— Ah, vá à merda! E suma daqui.
Viro para janela e escuto a risada dele quando fecha a porta. Olho para baixo, e a
vejo caminhando para o carro.
— Tenho que parar de pensar nessa mulher.

Bianca

Alguns dias depois


Sou daqueles tipos de pessoas que acorda e fica virando de um lado para o outro
com preguiça de me levantar, querendo mais cinco minutos na cama, meu celular vibra
indicando uma ligação, busco ele na mesinha ao lado e volto a deitar.
— Alô. ― Falo entre bocejos.
— Minha filha. Já que você não me liga, eu tenho que te ligar... nem parece que tem
mais família. Esqueceu de nós, não me ama mais, é?
Minha mãe é o drama em pessoa.
— Bom dia, minha amada e maravilhosa mãe. — Ela ri.
— Só assim para você dizer que me ama.
— Mãe, pare de drama, te liguei no domingo. Está tudo bem por aí? Papai e Gugu
estão bem?
— Sim, estão todos bem. Estou te ligando para dizer que Gustavo vai para sua
casa neste fim de semana.
— Tudo bem, mas o que houve, está tudo bem?
— Ah, minha filha, o de sempre... mulheres.
— Meu irmão não é fácil.
Meu irmão tem 16 anos, mas parece ser mais velho. Negro, alto, olhos esverdeados
e sarado, as mulheres vão ao delírio, e minha mãe quase surta, e de vez em quando, o
manda para ficar um tempo comigo.
— Ele vem hoje? Hoje ainda é quinta. Ele não tem aula hoje e amanhã?
— Ele vai depois da escola, e amanhã ele não tem aula. Tenho uma reunião com a
diretora do colégio. O seu irmão foi pego, de novo, fazendo safadeza na escola. Eu só
espero que ele não seja expulso dessa vez.
— Mãe, sinto dizer, mas a senhora vai ouvir muito. — Tento segurar o riso.
— E eu não sei! É por isso que já o quero longe da minha vista, porque sei que vou
voltar revoltada de lá, e provavelmente, vou querer esganá-lo.
— Tudo bem, mãe, só não vou poder pegá-lo no aeroporto. Mande-o ir direto para a
empresa.
— Falo com ele, e vocês conversam por telefone.
— Tudo bem, mas agora tenho que desligar, senão chegarei atrasada.
— Está bem... tudo bem, nunca tem tempo para a mãe mesmo.
Não disse, rainha do drama.
— Para mãe. A senhora sabe que te amo e como segunda é feriado, vou ver a
senhora e levar Gugu para casa, mas agora tenho que desligar. Beijos, te amo, e manda
um beijão para o papai.
— Beijos e se cuida, minha filha. Mamãe te ama demais.
No caminho até o elevador, envio uma mensagem para minha vizinha, avisando
que estou esperando por ela no carro. Quando chego na garagem, ela já está me
aguardando, encostada no carro.
— Tão cedo já na internet?
— Claro, tenho que estar antenada sempre. — Pisca e me abraça.
— Tenho uma notícia que você vai amar — comunico, já entrando e dando partida
no carro.
— Qual?
— Meu irmão vai passar o fim de semana comigo.
— Ai, Bianca! Você sabe que eu estou esperando seu irmão fazer vinte e um anos...
Me desculpe, amiga, mas ele é muito gato.
— Sabia que você ficaria feliz. Não esqueça que ele tem uma mãe muito braba...
para falar a verdade, ele só está vindo para cá porque aprontou por lá.
— Gustavo é demais. E falando em sua mãe, por que você acha que estou
esperando ele fazer vinte e um anos? Senão ela vem e me pega de tapa — justifica,
rindo.
— Eu acho que até quando ele tiver vinte e um anos, você ainda corre o risco de
ela vir te dar uns tapas se você ficar com Gugu.
— Pior que eu também acho isso — concorda, rindo.
Nesse clima descontraído, chegamos no seu curso, e logo depois estaciono na
empresa. Saio do carro, e vou andando tão distraída que nem ouço Márcio me
chamando, e me assusto quando ele toca meu ombro.
— Bom dia, minha linda. Tudo bem?
— Olá, bom dia. Tudo sim, e você? — Ele me olha de cima a baixo com um sorriso
de lado.
— Melhor agora, minha linda. Você hoje está maravilhosa. — Solto uma risada e
pego no braço dele, e vamos andando para a entrada.
— Ah, meu amigo, você e sua fala mansa. Vamos entrando que tenho que dar um
aviso na portaria.
Entramos, e depois de cumprimentar a todos na portaria, aviso que meu irmão irá
me procurar e que ele tem autorização para subir. Voltamos a conversar assim que
entramos no elevador.
— Infelizmente não vou poder ir na roda de samba da sua família. Meu irmão vem
passar o feriadão comigo.
— Então, minha mãe me ligou ontem cancelando, alguns integrantes estavam
doentes, assim que tiver outra, te aviso. E como já disse, não aceito não como resposta
— explica com um sorriso lindo. Oh, homem bonito.
—Tudo bem, vou, sim. Apenas como amigos, ok? — saliento sorrindo.
— Tudo bem, já entendi. Não posso parar de tentar, vai que um dia você mude de
ideia. — Brinca, piscando um olho. A porta do elevador se abriu e fechou e nós nem
prestamos atenção.
— Mudar de ideia exatamente do quê? Posso saber do que vocês estão falando?
— pergunta Fernando, nos surpreendendo com a sua chegada.
Capítulo 3

Bianca
Olho para frente, surpresa com o tom de voz irritado de Fernando. Acho que nunca
vou entender esse homem. Quando vou abrir a boca para dar uma resposta bem
malcriada, Márcio aperta, insistentemente, o botão para abrir a porta do elevador.
— Bom dia, meu amigo. E aí, como vai a força? Ah, já ia me esquecendo, vou ter
que ficar nesse andar... Pablo e Felipe chegam hoje, e tenho que mostrar o setor a eles.
Minha linda, a gente se fala depois. E Fernando, até mais tarde.
Ele pronuncia tudo muito rápido, já saindo do elevador, não dando chance para
nenhum de nós falar nada. Fico olhando as portas se fechando, pasma. Eu tinha razão,
Márcio é um sem vergonha... olha a situação que ele me botou! Agora estou no elevador
com um Fernando revoltado, que também olha a porta do elevador, tentando entender o
que aconteceu.
— Ele não vale nada, filho da mãe. — Soa irritado e eu fico muda, apenas aceno
com a cabeça, ele se vira para mim. — Você ainda não respondeu minha pergunta.
— Desculpe, mas que pergunta? — Eu me faço de desentendida.
— Pode parar, porque de boba você não tem nada. Do que vocês estavam falando?
E por que ele queria te convencer a mudar de ideia? ― Ele insiste e eu mais uma vez
desconverso.
— Ah, isso, nada não. Bobagem do Márcio.
— Eu quero saber o que é.
— Já disse, não é nada.
Ele se aproxima de mim devagar, e vou andando para trás até encostar na parede
do elevador, onde ele apoia uma das mãos, e com a outra, aperta o botão de parada. O
elevador dá uma estremecida e para.
— Você ficou maluco? Por que parou o elevador?
— Porque nós não vamos sair daqui até que você me fale. Por que ele estava te
convencendo a mudar de ideia? — indaga bem perto do meu rosto, me olhando nos
olhos.
Sempre me considerei uma pessoa com pleno domínio das emoções, mas perto
dele não consigo me controlar. Meu coração começa a bater rápido, desconcentrada, eu
abaixo o olhar para sua boca e noto que ele parece afetado com a nossa a proximidade,
suspiro ao ver que a sua respiração também está acelerada. Subo meus olhos e me
perco nos seus, tão azuis e nesse momento ele desvia e olha para minha boca, sinto uma
incontrolável necessidade de passar a língua pelos meus lábios, e é exatamente isso que
eu faço e logo em seguida mordo o lábio inferior, tentando conter uma vontade louca de
beijá-lo.
— Fala, eu exijo saber. — Sua voz soa rouca, ele dá um passo se aproximando
mais de mim.
Pena que o seu comando fez todo o encanto se quebrar.
— Você exige? — retruco, levantando uma sobrancelha. Ponho a mão no peito dele
e o empurro, afastando-o e indo para o outro lado, ficando de costas para ele.
— Sim, Bianca! Eu exijo! Já disse mais de uma vez que não quero que você tenha
nenhum envolvimento romântico com o Márcio.
Solto uma risada sarcástica e me viro para ele, que agora está encostado na
parede do elevador. Dois podem jogar esse jogo, penso, me aproximando dele, pondo o
meu braço na parede, bem perto do rosto dele, imitando seu movimento anterior e falo:
— O senhor é meu chefe aqui na empresa, mas fora daqui, não tem absolutamente
nada a ver com a minha vida — sussurro ao seu ouvido: — O que eu estava falando com
o Márcio é muito, mais muito, íntimo e pessoal. — Ofereço um sorriso de lado quando o
sinto estremecer. Eu me afasto e fixo em seus olhos, ele fica mudo, me observando em
silêncio. — E o que eu e o Márcio fazemos ou deixamos de fazer, não é da sua conta. —
Me afasto e aperto o botão para fazer o elevador subir.
Ficamos um olhando para o outro, ele fixa os olhos na minha boca e dá um passo
decidido na minha direção, mas a porta do elevador abre e Marcela entra.
— Olá, Fernandinho, bom dia! — Chego a sugar o ar e o solto devagar quando
ouço sua voz fina e irritante.
Fernandinho, é sério? Saio sem olhar para trás, dou alguns passos e logo percebo
que desci no andar errado.
— Merda! Esse homem me tira do tino! Nem ferrando que vou de elevador de novo
― murmuro irritada.
Decido ir de escada, afinal é só um andar. Vai que o encontro de novo e acabo
beijando ou algo a mais? Bem, pelo menos uma das minhas muitas dúvidas acabou. Ele
pode até não querer, mas não é indiferente a mim, mas daí eu deixar algo acontecer é um
grande passo.
Fico divagando até chegar ao meu escritório, coloco a agenda em dia, e peço ao
Rafael para marcar uma reunião com os empresários das contas que vão passar para
outra equipe; e peço também que marque uma reunião com minha equipe. No fim da
tarde, Márcio passa na minha sala.
— Olá, minha linda. Vim me desculpar por hoje de manhã. — Com um sorriso
hesitante, senta na cadeira em minha frente.
— Você é muito cara de pau! Relaxa, deixa para lá.
— Minha linda, o que você falou para o nosso chefe que o deixou insuportável o dia
todo?
Solto uma risada.
— E por que você acha que ele ficou assim por algo que eu disse?
— Pelo simples fato dele quase ter voado em cima de mim hoje. — Bufo.
— Ele queria saber o que estávamos conversando. Era uma coisa boba, mas ele
estava achando que era algum bicho de sete cabeças, ou algo bem pecaminoso.
— E por que você não falou que era sobre o pagode da minha família? — indaga
me fitando com uma expressão curiosa.
— Porque eu não quis. Ele não tem direito de me perguntar nada sobre a minha
vida pessoal, mesmo que seja uma coisa tão simples dessas. Confesso que fiz parecer
que era muito mais do que realmente era. — Encosto na cadeira com um sorriso travesso
nos lábios.
— Minha linda, você tem essa cara de boazinha, mas é muito... muito má. Desse
jeito eu gamo. — Ri e se levanta.
Rafael bate à porta, entra e fala que meu irmão está na portaria. Agradeço, levanto
e pego minha bolsa.
— Você vai descer agora?
— Infelizmente, não. Por mais que eu adore irritar o Fernando, eu acho que minha
cota já está esgotada hoje. Se ele me ver com você, acho que voa no meu pescoço.
Ambos saímos da sala rindo.
— Nunca pensei que você fosse covarde.
— Não é covardia, minha linda, e sim autopreservação. — Ele joga um beijo, gira o
corpo e anda em direção oposta à minha.
No caminho até a recepção, envio uma mensagem para Michele, perguntando se
ela quer ir ao cinema comigo e com Gugu. Menos de vinte segundos depois, recebo uma
mensagem dela confirmando. Quando chego na recepção, vejo Gugu mexendo no
celular, e nem repara nas mulheres que passam olhando para ele.
— Oi, maninho! Tudo bem? — Beijo o seu rosto e o abraço.
— Oi, maninha. Pô, demorou pra caramba! Já estava cansado de ficar aqui em pé.
— Pare de ser exagerado e vamos embora. Acabei de marcar um cinema com
Michele, e depois vamos comer pizza.
— Xiii, deixa eu adivinhar... não tem comida em casa?
— Está dispensando pizza? ― retruco com a sobrancelha levantada.
— Eu não — responde rápido.
Sorrindo enlaço seu braço e vamos andando quando escuto alguém me chamando.
Viro e vejo Márcio com Fernando, e ambos estão caminhando em nossa direção.
— Bianca, que coincidência boa te encontrar aqui. Um sócio de uma das empresas
que sua equipe era responsável exige sua presença na próxima reunião. — Ele soa como
se não tivesse passado na minha sala a pouco tempo.
Engulo uma risada antes de responder
— Hoje eu entrei em contato com todas as empresas para informar que a equipe
seria substituída.
— Sim, ele nos informou, mas mesmo assim exige sua presença.
— Tudo bem, marque com Rafael... ele conhece minha agenda melhor que eu.
Fernando, que até agora não tinha falado nada, não tira os olhos do meu irmão.
— Bianca, eu poderia falar com você em particular?
Minha vontade é dizer não, mas como estamos na recepção com outros
funcionários circulando, tenho que concordar.
— Claro. Márcio, você faz companhia ao Gustavo? Deixa-me apresentar vocês,
Márcio esse é o Gustavo, meu...
Antes de completar a frase, Fernando me corta.
— Depois você faz a apresentação, o meu assunto com você é rápido.
Que mania irritante esse homem tem de me cortar quando estou falando!
— Tudo bem, volto já. — Pisco para meu irmão e acompanho Fernando até uma
sala.
— O que você tem de tão urgente para me falar? — indago assim que ele fecha a
porta.
— Quero me desculpar pela cena no elevador. Você tem razão, não tenho nada a
ver com a sua vida particular.
Isso me pega desprevenida.
— Hum, tudo bem. Era só isso? — questiono, cruzando os braços.
Ele passa a mão pelos cabelos.
— Sim, era só isso.
— Ok, então, já que está tudo resolvido, vou embora. — Dando o assunto por
encerrado, desvio dele com a intenção de sair, mas ele segura meu braço. — O quê?
Quer falar mais alguma coisa?
— Você não acha que ele é novo demais para você?
— Você só pode estar brincando comigo! — esbravejo irritada saindo do seu aperto.
— Você me chama até aqui para pedir desculpas pela cena de hoje no elevador, e agora,
mais uma vez, se intromete na minha vida.
Ele me olha em silêncio por um tempo, e sou pega de surpresa quando ele põe
uma mão no meu estômago, me empurrando devagar até encostar na porta. Penso em
protestar, mas o modo como ele me olha me seduz de tal forma que me sinto incapaz de
articular uma única palavra. Respiro fundo tentando recuperar o fôlego que me foi
roubado, quando iria começar formular uma frase, ele segura a minha nuca e me beija.
Não foi bem um beijo, e sim uma mordida.
Ele morde sensualmente meu lábio inferior, o sugando e ao abrir a boca para
buscar o ar, ele me beija. Sua mão sai do meu estômago e vai para minhas costas, me
apertando, me puxando.
O beijo, que começou devagar, vai ficando cada vez mais sensual. Chupo sua
língua e ele geme na minha boca, suas mãos percorrem meu corpo e param na minha
bunda, ele a aperta e com um firme puxão aproxima meu corpo do seu, introduz uma
perna entre as minhas e eu arfo ao senti sua ereção roçando em mim, me deixando
molhada.
Sinto seus dedos elevarem o meu vestido, e aranharem a minha perna, não o
suficiente para me machucar, apenas para me fazer consciente que eles estão ali, sua
outra mão deixa minha bunda, e segue seu caminho até a minha nuca, onde ele segura
meu cabelo me mantendo cativa. O sinto em todos os lugares.
Ele me deixa sem fôlego e toda arrepiada, e eu me entrego àquele momento como
se nada mais existisse no mundo, além de nós dois naquela sala, nos beijando
apaixonadamente.
Seus lábios saem dos meus e percorre meu pescoço com pequenos beijos e
mordidas.
Encosta a testa na minha, e por breve momentos apenas nos olhamos, mordo meu
lábio inferior, ele eleva a mão e toca meus lábios.
Nenhuma palavra é dita, acho que nós dois tínhamos medo de estragar o momento,
ele me beija novamente. Nunca fui beijada assim. Ele me beija com tanta vontade, mas
ao mesmo tempo, sem pressa, de forma apaixonada e inebriante. Seu toque me enfeitiça,
entorpece meu corpo e me deixa com a esperança de que esse louco momento dure para
sempre. Nunca tinha sentido algo assim em apenas um beijo.
Ele morde meu pescoço, eu sugo o ar, completamente envolta em uma nevoa de
sedução e erotismo, algo surge em minha mente.
— Você não gosta de mim? — pergunto a ele entre gemidos.
— Não! — confirma, mordendo minha orelha. Sua voz soa rouca e me dá arrepios e
gemo alto.
— É por que eu sou gorda? ― sussurro ofegante ao senti-lo passar a língua no
meu pescoço e depois assoprar.
— Sim, não gosto de mulheres acima do peso — novamente confirma, beijando
meu pescoço e mordendo meu queixo.
— Então, por que está me beijando, já que não gosta de mim e nem de mulheres
gordas? — indago, tentando me afastar.
Ele me puxa, tenta me abraçar, mas eu ponho o braço entre nós impedindo nossa
aproximação.
— Porque não consigo te tirar da minha cabeça. Apesar de nunca antes ter me
interessado por uma mulher no seu perfil, não consigo te tirar da minha cabeça.
Putz! Ele tinha que falar isso? Como o cara pode me fazer ir quase nas nuvens, e
descer para a Terra em questão de minutos?
Completamente alheio a minha indignação ele tenta enlaçar minha cintura.
Empurro Fernando e me afasto. Se ficar perto dele, vou ceder ao desejo e a paixão
que ele me desperta. Eu me respeito demais para deixar isso acontecer... me respeito e
me aceito. E nunca, nunca mais vou deixar alguém me humilhar de novo. Já passei por
isso, e não vou deixar acontecer novamente.
Abaixo o vestido, encho meus pulmões de ar, passo a mão pelos cabelos, deixo o
ar sair devagar e me viro para ele.
Ele está de cabeça baixa e respirando com dificuldade. Ele me olha, e ficamos em
silêncio por um tempo.
— Eu me amo demais, para deixar um cara que não gosta de mulheres gordas pôr
a mão em mim.
— Bianca, você tem que entender que eu nunca me interessei por mulheres do seu
tipo físico. Isso é novo para mim, se tivesse algo com você, seria escondido... não dá para
assumir. Me desculpe se a ofendi.
— Não quero saber se é novo ou não, e eu não tenho que entender nada; e muito
menos te pedi para assumir alguma coisa.
— Olha, vamos conversar. — Ele me abraça e morde meu pescoço. — Como vou
esquecer que senti você estremecer nos meus braços quando te beijei? — sussurra em
meu ouvido.
Eu me arrepio dos pés à cabeça, mas me afasto.
— Deveria ter pensado nisso, porque, apesar de gorda, desperto muito desejo em
você, mas você não me interessa. Quero um homem que não seja fraco, que tenha
competência para lidar com uma mulher como eu. ― Fecho meus olhos engulo em seco
e completo. ― Eu me deixei levar por um breve momento, por que não tinha a certeza
dos seus sentimentos de repulsa ― explico, tentando ser convincente, só não sei se para
ele ou para mim mesma.
― Não ponha palavras em minha boca. ― Ele dá um passo em minha direção e eu
dou dois para trás, frustrado ele eleva as duas mãos ao alto. ― Como você pode dizer
que eu te repudio, depois de tudo o que houve entre nós dois, Bianca, você sentiu o quão
duro estou por você.
― Você soa como um adolescente frustrado. Jamais iria me relacionar com homem
que mais parece um moleque. — Cuspo o fitando com desprezo. — O que houve aqui
não irá se repetir. ― Profiro cada palavra com determinação o vejo engolir em seco e sem
dar a chance de ele retrucar completo. ― Eu. Não. Quero. Você — digo pausadamente,
me viro e saio, deixando um Fernando pasmo para trás.
Assim que saio da sala, estou tremendo tanto, que antes de ver meu irmão, vou ao
banheiro, e dou graças a Deus por não ter ninguém. Eu me olho no espelho, e meus
olhos enchem de lágrimas.
— Não! Não vou chorar agora. Gugu está me esperando. Sem contar que posso
encontrar Márcio ou o infeliz do Fernando no caminho. — Tento segurar o choro.
Seguro a pia com ambas as mãos e olho para o teto do banheiro.
— Agora não é hora, quando chegar em casa, eu desabo. Não vou dar o gostinho
daquele idiota me ver para baixo — afirmo, abaixando a cabeça e me olhando no
espelho.
Inspiro profundamente e saio do banheiro, e vejo meu irmão conversando com
Márcio.
— Poxa, maninha, demorou — diz meu irmão, reclamando.
— Desculpe, Gugu. Vamos, ainda temos que pegar Michele.
— Bianca, onde está o Fernando? —Márcio, questiona.
Titubeio ao ouvir o nome daquele babaca. Ainda está muito recente o que houve,
tenho que me controlar. Minha vontade era de falar um monte de desaforos sobre
Fernando, mas Márcio sempre foi um doce comigo, e não tem nada a ver com o que
houve para eu descontar minha raiva em cima dele, por isso tento dar um sorriso ao
respondê-lo:
— Não sei. Assim que nossa, digamos, reunião acabou, eu fui ao banheiro. Pensei
que ele já tinha saído. — Tento parecer o mais calma possível, apesar da raiva que estou
sentindo. Não devo ter sido muito convincente, porque ele levantou uma sobrancelha
enquanto eu falava.
— Hum, e essa, digamos, reunião acabou bem? Você está bem? — indaga
demonstrando preocupação, o que me faz sorrir.
— Estou, sim. — Me limito a dizer, evitando falar sobre o teor do assunto que
conversei com o infeliz do meu chefe.
— Pô, maninha! Vamos perder o filme e estou morrendo de fome. — Gugu me
salva da conversa, já que não queria dar mais detalhes.
— Márcio, vou ter que ir, senão meu irmão vai dar um ataque. Esse menino com
fome fica insuportável. Beijos e até amanhã. — Dou beijo no rosto dele e ele me abraça.
— Chega a ser curioso o quanto vocês ficaram amigos em tão pouco tempo —
comenta Fernando e congelo no abraço de Márcio.
— Cara, pensei que você tinha evaporado. Você sumiu. — Márcio, como sempre
soa brincalhão.
Fernando fixa os olhos nele demonstrando não ter gostado, depois abaixa o olhar,
porque ele ainda está com os braços nas minhas costas. É muita cara de pau desse
babaca! Fica com raiva porque tem um homem me abraçando, depois de tudo que me
falou. Márcio repara a sua reação e abaixa o braço. Fernando parece ficar satisfeito, vira
o rosto para o meu irmão e fecha a cara mais uma vez, e sinto vontade de dar uma
gargalhada. Sério mesmo que ele agora vai implicar com o meu irmão?
— E você, quem é? — inquire, rude, ao meu irmão.
Enquanto eu penso e pondero quase tudo antes de falar, meu irmão não. Nisso ele
é muito parecido com minha mãe.
— Sou o irmão da Bianca, por quê? Algum problema? — Meu irmão o encara.
— Então, Fernando, que tal sairmos hoje? — Márcio nota que o clima pesou e tenta
mudar de assunto.
Fernando me olha e fala:
— Sim, estou querendo esfriar a cabeça e me divertir com uma boa companhia.
— Vamos, Bianca? — Gugu ainda encara Fernando.
— Vamos, boa noite a todos — Evito olhar em direção ao meu chefe e saio com
Gugu.
— Cara metido, não gostei dele.
Sorrio triste.
— Vamos pegar Michele. — Mudo de assunto, entrando no carro e dando partida.
Pegamos Michele, que não para de falar até chegarmos ao shopping, e dou graças
a Deus por ela falar tanto e ficar entretendo meu irmão. Eu apenas dou alguns sorrisos
durante a conversa.
Fazemos um lanche antes do filme, e no cinema, mal presto a atenção no filme.
Não sai da minha cabeça o que houve, e por mais que tente, não consigo parar de
pensar.
Após a sessão, vamos jantar. Os dois estão empolgados falando sobre o filme.
Quando Gugu vai ao banheiro, Michele me olha e fala:
— Fala logo o que aconteceu.
— Não aconteceu nada.
— Como assim nada? Você está muda e para baixo. Estou falando igual a uma
matraca para fazer você sorrir, mas hoje nada está surtindo efeito.
Ofereço um sorriso triste.
— Com Gugu aqui não dá para falar.
— Então aconteceu algo? — pergunta curiosa.
— Sim.
— Ok, depois você me conta. Ele está voltando, e eu volto ao modo matraca. —
Acabo rindo, ela é maluca, mas é minha amiga.
Logo depois saímos do restaurante, e eles ainda estão falando do filme. Chegando
no nosso prédio, me despeço da minha amiga, prometendo ligar assim que der.
Dou comida ao Godofredo, e ajudo a Gugu a arrumar as coisas dele no quarto.
— Então... está rolando alguma coisa entre você e o babaca? — Paro o que estou
fazendo e o encaro.
— Quem? O Márcio?
— Não, pô! Márcio parece ser legal, estou falando do babaca.
— Fernando! É claro que não! Por que acha isso?
— Sei lá, apenas pareceu que ele estava com ciúmes do Márcio.
— É impressão sua, não temos nada.
O celular dele toca e saio para que possa ter privacidade. Entro no meu quarto,
começo a tirar a roupa para tomar banho e meu celular toca. Penso em ignorar, mas
quando vejo que é Michele, desisto.
— Alô.
— Fala tudo... — diz ansiosa.
Faço um breve relato de tudo o que houve, estava precisando desabafar.
— Mas que cara otário! Você fez muito bem, amiga. Para falar a verdade, você bem
que poderia ter dado um chute no saco desse idiota. Você é linda, maravilhosa e toda
poderosa, e se eu fosse você, faria esse escroto comer na minha mão. Amiga, se você
quiser, eu junto um pessoal e vamos descer o cacete nele, é só você dar o "ok" que
chamo uns conhecidos meus.
— Que conhecidos, Michele? Onde você vai arrumar um pessoal para descer o
cacete no Fernando? — pergunto, rindo.
— Bem, conhecer assim, ao vivo, eu não conheço, mas a internet está aí para isso.
É só falar que quer que eu vou dar o meu jeito.
— Michele, você é doidinha, mas eu te amo. Obrigada por me fazer rir.
— Tá, vai rindo. Vou me informar, você vai ver só.
Após uma péssima noite, enfim levanto, vou ao banheiro, me olho no espelho e vejo
meus olhos inchados por ter chorado e a expressão triste, e tenho vontade de me dar um
tapa na cara. Como posso deixar que um idiota me deixe assim? Eu me aceito e me amo
como eu sou; e se ele não aceita, o problema é dele, e não meu!
Depois de um banho revigorante e de caprichar no visual, volto a me olhar no
espelho e sorrio. Estou me sentindo muito linda! Passo no quarto que meu irmão está e
vejo que ele segue dormindo, deixo um recado e saio.
No caminho para o carro, vou trocando mensagem com minha amiga, garantindo
que estou bem e que não vou deixar aquele babaca me abalar. E como hoje é sexta, a
convido para balada, pois hoje quero dançar muito.
Na segunda, chego no escritório com ótimo humor.
— Bom dia, Rafael. — O comprimento, caminhando para minha sala.
Sento, e pouco tempo depois, Rafael aparece com meu cappuccino.
— Bom dia, senhora. Está com ótimo humor hoje.
— Obrigada pelo cappuccino, e sim, hoje acordei de bem com a vida, e tenho
certeza que o dia vai ser ótimo.
Capítulo 4

Fernando
Não posso dizer que acordei cedo, porque para isso teria que ter dormido, coisa
que não fiz essa noite. No momento estou no meu banheiro, debaixo do chuveiro,
tentando esfriar a cabeça. Na minha cama, tem uma mulher linda, magra, loira e nua
dormindo, balanço a cabeça e deixo a água gelada banhar meu rosto.
A noite foi uma merda!
Depois de ter saído da sala e de ter quase voado em Márcio por estar abraçando
Bianca, e de querer esganar o irmão marrento dela, fui para casa, tomei banho e me
encontrei com Márcio. Ele queria conversar sobre o que houve, e eu desconversei.
Já na boate com Márcio, todas as mulheres pareciam sem sal ou desinteressantes.
Depois de umas doses de uísque, acabei vindo para casa com a loira que está na minha
cama. Porém, o que deveria ser uma noite muito quente e sensual, se transformou no
maior fracasso. Não consegui sentir desejo por nada desse mundo, por mais que a
criatura tentasse, e ela tentou. As coisas só esquentaram quando, do nada, comecei a
pensar na Bianca. Aí meu amigo aqui de baixo rapidinho deu sinal de vida...
Foi a pior noite da minha vida! Quando fechava os olhos, pensava em olhos verdes
me olhando, uma boca carnuda e seu perfume. E quando os abria, via que não era ela
em cima de mim. Tinha que fechar os olhos correndo para não correr o risco de broxar.
O fim da picada mesmo foi, no final, chamar o nome de Bianca. Saí da cama o mais
rápido possível, e acabei passando a noite acordado, tentando entender que merda
estava acontecendo comigo.
— Bom dia, meu lindo. — A loira toda manhosa, sensual e nua, passando as mãos
no meu peito. Inexplicavelmente, não sinto nada.
— Bom dia — respondo, tirando a mão dela do meu corpo.
— Gato, que tal uma última rodada antes de sair? Não ligo se você me chamar pelo
nome da sua ex-namorada.
Que vergonha.
— Não tenho namorada.
— Ah, tá, desculpe. Pensei que Bianca, o nome que você me chamou ontem, fosse
o nome de alguma namorada que te deu o fora e você ainda não esqueceu.
Meu Deus! Está cada vez pior.
— Como disse, não tenho namorada. E no momento, estou atrasado — retruco,
tentando me livrar dela e dessa situação o mais rápido possível.
— Ok, então vou embora. — Conclui, levantando e se arrumando.
Na saída, se vira para mim e diz:
— Quando conseguir tirar a tal Bianca da cabeça, me liga, gato.
Estou tão ferrado!
Além de mal ter dormido e de ter passado uma enorme vergonha. Meu fim de
semana foi uma bosta e para enfrento um trânsito infernal até o trabalho. Hoje o dia vai
ser uma merda.

Bianca

Todo o meu bom humor vai embora, no momento em que Rafael me informa que
tenho uma reunião com o Márcio, Fernando, e Pedro Camargo em meia hora e me
arrependo amargamente por ter me produzido tanto hoje.
Dono de uma beleza cativante e extremamente sedutor, Pedro Camargo se tornou
uma pedra em meu sapato, ele é dono de uma das empresas que minha equipe
gerenciava e eu já tive a infelicidade de me envolver.
Quando percebi que ele estava comigo e com a torcida do Flamengo, terminei
nosso relacionamento, que não durou mais de três semanas; e ele não aceitou muito
bem.
Primeiro ele tentou me reconquistar, vindo com uma conversa que comigo seria
diferente, e eu não acreditei. Depois tentou me fazer ciúme, algumas cenas foram
lamentáveis, contudo, quando percebeu que não conseguiria atingir seu objetivo, passou
a criar problemas na empresa. Todas as campanhas que apresentávamos para ele, nunca
estavam boas o suficiente. Apesar de tudo, sempre me mantive calma em sua frente, por
mais que por dentro tivesse com vontade de esganá-lo e xingá-lo de todos os palavrões
possíveis.
O que mais me intriga é que eu sempre consegui parecer calma e fria nas mais
diversas situações, mas quando o assunto é Fernando, não consigo. Não tem nem dois
meses que conheço o Fernando, e já o xinguei e beijei.
Ele me desequilibra.
— Caramba, Bianca! Esquece isso! — exclamo em voz alta, fechando meus olhos
em seguida.
Esperei tanto um cara que realmente mexesse comigo, que me desestabilizasse e
tirasse do tino... que me abalasse e roubasse o fôlego. E quando isso acontece, é com
um idiota que fala que apesar de gorda, sente um grande desejo por mim. Não quero
apenas isso, não mais.
Já passei por isso. Hoje eu me olho no espelho e me vejo maravilhosa, e sei que
mereço mais. Entretanto, houve um tempo em que achava que um cara sentisse desejo
por mim já era o suficiente. Não me importava que só me procurassem para sexo, a
minha autoestima era tão baixa que isso me bastava.
Mas a verdade é que quando o desejo sexual acabava, terminava o carinho e a
atenção, e eu ficava sozinha. Não me sentia valorizada, nem amada. Ou pior, namorava
os caras que não tinham nada a ver comigo, apenas para não ficar sozinha.
Um dia cansei, um dia dei um basta. Vi que já não era mais suficiente ficar com um
homem que não me valorizasse, ou que me quisesse apenas para sexo por achar que, só
porque sou gorda, aceitaria qualquer migalha de atenção. Eu descobri que se não me
respeitar, se não me amar, ninguém mais vai fazer isso. Nunca mais serei o estepe de
ninguém, aquela pessoa que serve apenas para aliviar o tesão.
Descobri que me viro muito bem sozinha, e principalmente, que é melhor estar
sozinha que mal acompanhada. A partir desse momento, por incrível que pareça, os
homens começaram a me ver com outros olhos. Acho que por causa da minha
insegurança, só atraía homens que se aproveitavam da minha fragilidade emocional.
Porém, isso mudou. Não foi do dia para a noite, levou tempo e muitas lágrimas,
mas eu mudei. Por isso, por mais que Fernando mexa comigo, não vou ceder. Por mais
que sinta um louco desejo por ele, não vou me entregar. Se ele me quiser, vai ter que
mudar e me provar que não é só sexo. Porém, como ele já deixou bem claro que é só
tesão que sente, o melhor para mim é esquecer tudo o que aconteceu.
E quanto ao Pedro, eu o conheci em uma fase em que já estava me amando e que
não aceitava mais qualquer merda de homem. Ele achava que, por ser bonito, sexy e rico,
me teria comendo na sua mão.
Bem, isso não aconteceu...
Tomo fôlego, ergo a cabeça e sigo em direção a sala, assim que chego vejo que
Fernando, Márcio, Marcela e Pedro já estão na sala.
Pedro, ao me ver, se levanta e vem falar comigo.
— Bianca, meu anjo, você está simplesmente maravilhosa — elogia-me,
abraçando.
— Como vai você, Pedro? Boa tarde a todos. — Saio do seu abraço e sento.
— Bianca, por que você está me abandonando?
— Senhor Camargo, como lhe explicamos, a empresa está passando por uma
reestruturação, e a equipe da senhora Marcela irá acompanhar a sua conta e novas
campanhas publicitárias — explica Fernando.
— Senhor Camargo, ou melhor, Pedro, se me permite, já que agora seremos tão
próximos. É com imenso prazer e satisfação que assumo suas campanhas. Tenho certeza
que nós daremos muito bem, e farei o possível para que tudo corra a contento. —
Marcela sorri, se derretendo.
— Primeiro, é senhor Camargo. — Pedro, soa sério.
— Mas Bianca lhe chama de Pedro e tenho certeza que em pouco tempo seremos
ótimos amigos. — Marcela força um sorriso.
— Tenho intimidade com Bianca, porque ela já foi minha mulher.
Todos me encaram. Ofereço um sorriso sem graça, e vejo Márcio falar algo no
ouvido de Fernando.
— Pedro, apenas namoramos. Isso é íntimo e pessoal, não cabe um comentário
desses em uma reunião de negócios — ressalto sem jeito.
— Desculpe, meu anjo, sei que você não gosta de falar de coisas pessoais em
ambiente de trabalho.
— Como os senhores podem ver, não tenho nenhum interesse em mudar a equipe
que cuida da minha publicidade. Estou muito satisfeito com Bianca — comunica, sorrindo
para mim.
— Pedro, nada vai mudar. ― Tento uma abordagem mais pessoal ― A equipe da
Marcela é muito competente, e sua empresa vai continuar muito bem assessorada. —
Converso calmamente com ele.
— Mas prefiro você, meu anjo. ― Pedro, segura minha mão por cima da mesa.
—Senhor Camargo, isso não será possível. A equipe de Bianca está
sobrecarregada, e por isso estamos remanejando as contas — explica Fernando, sério.
— Pois mude outras empresas, eu continuarei com ela. ― Pedro, soa arrogante.
— Isso é impossível. A equipe da Bianca agora só cuida de contas novas ―
Fernando, afirma categórico.
— Acho que o senhor não está entendendo, eu só quero ela — Pedro, eleva o tom
de voz.
— Acho que o senhor que não está entendendo. Ela o senhor não tem mais —
retruca Fernando, também soando alterado.
Franzo o cenho e intercalo meus olhos de um para o outro, não acreditando no que
estou vendo. É impressão minha ou eles não estão mais falando de negócios?
— Calma, senhores. Com calma chegaremos a um acordo. — Márcio, tenta
acalmar os ânimos.
— Não tem acordo nenhum. Já disse que não abro mão de Bianca! — Pedro
declara, sem tirar os olhos de Fernando.
— Ela você não tem mais — Fernando, reafirma sem desviar os olhos.
Eu me irrito com essa disputa de quem mija mais longe, e resolvo acabar com isso.
— Pedro, você tem um contrato de exclusividade com a empresa. Ainda faltam dois
anos para terminar e a multa por quebra de contrato é alta. A equipe de Marcela, é tão
competente quanto a minha.
— Mas, meu anjo...
— Além do mais, ultimamente você tem recusado todos os esboços que fazemos,
então está mais que na hora de você ter uma outra opinião. — Eu o interrompo, retirando
minha mão do seu aperto.
— Que bom que resolvemos esse tema. Podemos passar para o próximo? —
questiona Márcio, sempre tentando conciliar as coisas.
Fernando não fala nada, mas dá para notar o quão irritado está.
— Bem, já que minha parte já está acertada, vou deixar vocês seguirem com a
reunião. Uma ótima tarde a todos.
— Bianca, te ligo mais tarde para jantarmos hoje à noite — Pedro, fala alto e é
totalmente desnecessário.
— Pedro, já tenho compromisso hoje à noite. Boa tarde.
Saio sem dar chance para ele falar mais nada.
No decorrer das próximas semanas, me tornei expect em desviar de Fernando, nas
poucas ocasiões que nos encontramos, o tratei fria e profissionalmente, mas em meus
sonhos... Ah, em meus sonhos eu, infelizmente, não consigo expulsá-lo. Se tornou
frequente acordar excitada, ofegante e logo em seguida a raiva dominava conta do meu
ser.
Quanto mais eu o desejava, mais raiva eu sentia, mas era um segredo só meu, um
desejo que não tenho a menor intenção que ele saiba que existe.
No momento, estou olhando para ele, que retribui em silêncio, estamos no elevador.
A algo no mínimo singular nos nossos encontros nos elevadores. Esse é o único lugar
onde não consigo desviar dele ou fingir, descaradamente que não o vi, e chega a ser
cômico o quanto me vejo várias vezes nessas situações.
— Bom dia — cumprimento de forma educada, porém seca.
— Bom dia, como foi o seu fim de semana?
— Foi bom, obrigada.
Volto a ficar em silêncio, não quero conversar com ele.
— Feriadão de sol. Você foi à praia?
— Sim.
— O meu tio vai organizar um jantar com o pessoal da empresa, você vai?
— Se ele me convidar, sim.
— Até quando você vai ser fria comigo?
— Senhor Fernando...
— Apenas Fernando. Nós temos que conversar, não quero você fria comigo.
— Fernando, o único assunto que tenho a tratar com você é de âmbito profissional.
Fora isso, nada.
O elevador abre no meu andar e saio tremendo, mas não vou amolecer.

Fernando

Vejo Bianca saindo do elevador sem nem ao menos olhar para trás. Como essa
mulher me intriga! É a primeira mulher que me rejeita. Sempre tive todas as mulheres que
quis, sei que tenho uma boa aparência, e associada ao dinheiro, sempre fez com que
nunca tivesse dificuldade para ter uma mulher, mas com ela é diferente. Há mais de dois
meses que ela domina meus pensamentos.
Quero acreditar que é apenas tesão ou curiosidade, sei lá. Nunca me interessei por
uma pessoa do tipo físico dela, mas a cada dia que passa, essa fixação aumenta, e esse
gelo que ela está me dando faz meu desejo por ela aumentar.
Tenho certeza que é apenas desejo, apenas sexo. Assim que foder bem gostoso
com ela, pronto, tudo passará. Isso tem que passar, é apenas uma fixação. A mais louca
da minha vida. Nunca senti isso por ninguém, mas vai passar assim que dormir com ela.
Ando repetindo isso como se fosse um mantra, e tenho que acreditar nisso porque,
se não passar, quer dizer que é algo mais sério, e se for, eu estarei muito ferrado, porque
sei que a magoei.
Mas é só sexo, tem que ser...

Bianca

Um longo suspiro escapa dentre meus lábios ao avistar Marcela no corredor da


empresa.
— Oi, Bianca.
— Oi, Marcela.
— Queridinha, por acaso está querendo conquistar alguém? Cada dia que passa,
você tenta aparecer mais arrumada; mas como continua imensa de gorda, não tem
produção que dê jeito. — Solta o veneno me olhando de cima a baixo de forma
debochada.
Tomo meu tempo fitando seus olhos, Marcela deve ter sérios problemas e eu pelo
jeito sou uma espécie de gatilho para ela. Só isso explicaria tanta agressividade.
— Obrigada pelo elogio, fico muito feliz que esteja me achando cada dia mais linda
e produzida. Mas, respondendo a sua pergunta, eu me arrumo para mim, não para
homens, e muito menos, para ganhar seus elogios. Porém, fico feliz que você tenha
reparado que a cada dia que passa, eu me amo mais, e por isso, ando caprichando na
minha aparência. — Ofereço um sorriso largo, desvio e caminho para a sala de reunião.
Sei que teria todo o direito de relatar aos meus superiores suas atitudes
preconceituosas e o assédio moral. Contudo, com o tempo eu aprendi a escolher as
minhas batalhas. Suas palavras venenosas em nada me abalam. No dia que eu me sentir
realmente incomodada, faço uma acusação formal, por enquanto, a ponho em seu devido
lugar com respostas sarcásticas, a grande verdade é que sinto pena dela.
Entro na sala, vejo Márcio, Fernando, os outros gerentes, e dois homens que não
conheço. Um é alto, loiro, é muito lindo, e o outro é magro, alto, usa óculos, é tipo nerd e
parece simpático, e não é tão lindo quanto Márcio, Fernando e o tal loiro. Esses caras
parecem que saíram de capas de revista, não dá para competir, mas o nerd é bonitinho.
Sorrio, dou boa tarde a todos, noto que mexe nos óculos e fica sem jeito... uma gracinha.
Ele começa a mexer na mesa todo atrapalhado.
— Bem, agora que todos chegaram, gostaria de apresentar a vocês. O senhor
Felipe Rangel é o novo advogado da empresa, então, qualquer dúvida jurídica, é com ele.
— Fernando, aponta para o loiro que parece ter acabado de sair da praia. O homem tinha
um bronzeado típico de quem vive na praia, não de uma pessoa que trabalha em
escritório e tribunal o dia todo.
— E esse é o senhor Pablo Silva, ele será responsável pelo setor de informática e
artes; então qualquer dúvida, procurem por ele. — Fernando apresenta o nerd bonitinho.
— Bem, a reunião é para apresentar os dois, e também para avisar que meu tio, vai
dar um jantar daqui a algumas semanas, em uma despedida mais informal para todos.
Minha secretária vai encaminhar seus convites. Por hora é só, muito obrigado.
Quando estava me levantando, Márcio veio até a mim.
— Minha linda, está fugindo de mim? Não te vi esses dias — diz, me abraçando.
Oh, homem cheiroso.
— Imagina, apenas ando muito atarefada... Como vai você? — pergunto, saindo do
seu aperto.
— Bem, minha linda, preciso do seu telefone para avisar quando terá uma nova
roda de samba.
— Claro, anota aí. — Passo meu número para ele e pelo canto do olho vejo
Fernando se aproximando de nós com Felipe, e como sempre, olhando feio para seu
amigo. A cada dia que passa, tenho a certeza de que esse cara é bipolar.
— Bianca, Felipe queria falar com você sobre os novos contratos.
— Olá, Felipe. Tudo bem? Quando você quiser, é só entrar em contato com meu
assistente, Rafael, que ele marcará uma reunião.
— Tudo bem, Bianca, mas você já fechou com as novas contas?
— Praticamente, sim. O que falta é realmente assinar o contrato. Você poderia me
acompanhar nas próximas reuniões, assim ficaria a par de tudo.
— Para mim está ótimo; mas antes quero ter uma reunião com você para ter uma
visão geral. Entro em contato com o seu assistente. Agora tenho que ir, foi um prazer
conhecê-la.
— Para mim também. — Ele é bem simpático.
Observo Felipe se afastar e ir cumprimentar os outros gerentes.
— Bianca, esse é Pablo. — Apresenta Fernando.
— Olá, Pablo. Tudo bem? — Sorrio para ele, que fica em silêncio por um tempo e
depois mexe nos óculos.
—Tuuudo bem, eee... humm, Bianca — diz gaguejando. Achei tão bonitinho que
sorri.
Márcio levanta uma sobrancelha e chama Fernando para conversar, levando-o para
longe.
— Provavelmente iremos nos encontrar muito no próximo mês. Estão entrando
algumas novas contas na minha equipe, e vamos usar muita arte... você será de grande
ajuda.
— Você é linda — elogia, olhando para mim.
— Hum, obrigada — seu elogio me surpreende.
Ele parece que se dá conta do que falou.
— Não, não é isso! Não foi isso que eu quis dizer, me desculpe.
— Então você não me acha mais linda? — Levanto uma sobrancelha e sorrio de
lado.
— Sim, você é muito linda, mas bem, não era isso que eu ia falar. Era que eu estou
aqui para ajudar vocês, então sempre que precisarem, podem entrar em contato.
Desculpe se lhe desrespeitei, não foi minha intenção... Desculpe — explica, todo
vermelho. Que bonitinho!
— Calma, gostei de ouvir. Qual mulher não gosta de ser elogiada?
— Você gostou? Desculpe, não queria ser desrespeitoso. — Ele soa tímido.
— Adorei, e não me senti desrespeitada, e sim elogiada. Muito obrigada.
Márcio se aproxima com Fernando.
— Bianca, posso falar com você? — pergunta Fernando em um tom nada
agradável.
— Ok! — respondo, indo com ele a um canto da sala. — É algo relacionado à
empresa?
—Precisamos conversar sobre nós. Vamos jantar hoje?
— Não!
— Não! ― Repete me olhando incrédulo.
― Como falei anteriormente, não temos nada a falar que não seja relacionada à
empresa — esclareço calma e ando em direção ao Márcio e ao Pablo.
Fernando não retruca, apenas me fita em silêncio.
— Então, Bianca, vamos almoçar amanhã? — Márcio indaga se aproximando de
nós, com Pablo ao seu lado.
— Não sei se vai dar, depende da minha agenda, mas provavelmente não.
— Tudo bem. Quando der, me avise.
— Pablo, será que daria para você me mostrar o tal programa agora? — pergunta,
Fernando sério.
— Claro, vamos.
— Foi um prazer conhecer você, Pablo. — Sorrio para ele.
— Pppara mim ttttambém — diz meio atrapalhado e sai com Fernando.
— Pelo jeito, você se deu bem com Pablo, o que é um verdadeiro milagre. Ele
quase não se dá bem com as pessoas, e normalmente, é bem grosso. ― Márcio revela
me surpreendendo.
— Pablo? Não o imagino sendo grosso com ninguém. Eu o achei um doce de
pessoa.
— Pablo não é doce com ninguém, minha linda. ― Pela primeira vez desde que o
conheci vejo meu amigo, sério sem o seu tão característico sorriso emoldurando seu belo
rosto.
— Será que estamos falando da mesma pessoa?
— Se ele foi gentil com você, foi porque ficou interessado em você. Fernando vai
surtar.
— Eu estou pouco me lixando para o que Fernando vai sentir.
— Minha linda, sei que ele foi um idiota com você. Ele pode ainda não ter notado,
ou está tentando se convencer do contrário, mas ele está apaixonado por você. Eu nunca
o vi sentir ciúmes por uma mulher como sente de você.
— O quê? Ele não está apaixonado por mim, ele sente tesão.
— Ele admitiu para mim, que não consegue te tirar da cabeça e que não entende o
que está acontecendo com ele.
— Mas eu sei. Ele está acostumado a ter a mulher que quer, e eu disse não. Ele
apenas está com essa fixação porque eu não cedi e não vou ceder.
— Você sabe o que dizem: quem muito odeia, no fundo ama.
— Para de falar besteira, Márcio!
Imagina, amar aquele babaca? Sinto desejo por ele, e só.
— Espere, não brigue comigo não.
— Tudo bem, mas não vamos mais falar sobre isso.
— OK! OK! Vou ficar de bico calado, apenas observando — diz, rindo. Logo depois
se despede.
Capítulo 5

Bianca
Fito Pablo sentado na minha frente me explicando sobre o programa que está
implantando na empresa, tem algumas semanas que o conheço e durante esse período,
notei que Pablo poucas vezes era gentil com as pessoas, em contrapartida, comigo, ele
sempre se demonstrou tímido e muitas vezes atrapalhado.
— Beemm, hum... bem é, isso. — Finaliza se atrapalhando ao fechar o notebook.
— Creio que compreendi tudo o que você disse.
— Bianca, eu ouvi você conversando que gosta de animes e filmes baseados em
quadrinhos, é verdade? ― indaga mudando completamente o rumo da nossa conversa,
sorrio e me encosto na cadeira.
— Eu amo animes, doramas e também esse estilo de filme — confesso sorrindo
largo.
— Hum, você gostaria, quero dizer, se você quiser, assim... é que estreou esse
filme, e gostaria, se você quiser...
— Você está me convidando para ir ao cinema? ― Tento não demonstrar meu
divertimento com o seu acanhamento.
— É, mas só se você quiser. ― O vejo mordendo o lábio inferior enquanto aguarda
a minha resposta.
— Claro, aceito sim. ― O sorriso que ele me oferece é tão largo que é impossível
não retribuir.
— Poderia ser hoje? Se você não tiver outro compromisso. ― Soa afobado e logo
em seguida desvia os olhos dos meus.
— Pode sim. Anota meu telefone e nos encontraremos. ― Tento branda a voz, com
o intuito de tranquilizá-lo e acho que surgiu efeito.
— Ok, perfeito, ótimo, ligo sim. Bem, vou deixar você trabalhar. ― Ele segura o
notebook contra o peito e sai sorrindo da sala.
Pablo parece ser um cara legal, e demonstra gostar de mim, no decorrer dos anos
eu aprendi que, temos que gostar de quem gosta da gente. Quem sabe ele não me ajuda
a tirar um certo idiota da minha mente?
No caminho para casa, comento com Michele sobre o meu encontro de hoje à noite.
Ela parece mais entusiasmada que eu.
— Bianca, que cara é essa?
— Ah, Michele, sei lá. O Pablo é um fofo comigo, mas com algumas pessoas ele é
bastante grosso, e isso me deixa meio intrigada.
— Bem, isso é realmente estranho. Mas converse com ele, seja sincera, e se no
final do encontro você continuar com essa pulga atrás da orelha, não saia mais com ele.
— É, você tem razão.
Seguimos para casa, eu pensativa e ela falando do tal paquera. Assim que
estaciono o carro, meu celular toca.
— Alô.
— Oi, Bianca. É o Pablo, tudo bem?
— Oi, Pablo, tudo bem sim. E aí, animado para o filme?
— Sim, muito. Me passa o seu endereço para eu te pegar. Pode ser às 19:30?
— Pode sim. O que você acha de comermos uma pizza depois?
— Claro, acho ótimo.
— A que horas o filme começa?
— Às oito e meia.
— Ok, anota aí meu endereço.
Passo meu endereço a ele, e me viro para Michele, que ficou o tempo todo
prestando atenção na conversa.
— Era ele, o tal que você vai sair hoje?
— Sim.
— Hei, por que essa cara?
— Só achei uma coisa estranha.
— O quê?
— Ele não gaguejou ao falar comigo no telefone.
— Mas ele não gagueja sempre que fala com você?
— Sim, mas ao telefone ele estava diferente, a voz dele estava mais firme.
— Amiga, espere... converse com ele e tire todas as suas dúvidas.
Olho para ela, surpresa.
— Quem é você? E onde está minha amiga?
— Como assim?
— Michele, você não está falando gírias, e me deu um conselho amoroso.
— Ah, meu paquera disse que não é bonito uma mulher ficar falando gírias, e como
estou caidinha por ele, estou tentando me controlar ao máximo para parecer uma mulher
mais culta e inteligente.
— Amiga, você é muito inteligente. Se você quiser mudar o seu estilo, faça isso por
você, mas não porque um homem falou para você mudar.
— Eu sei, amiga, mas sei lá... no fim de semana quero conversar com você.
— Tudo bem, vamos fazer um sábado de meninas, ok?
— Ok, agora vá ficar linda para o Pablo.
Resolvo por uma roupa básica, não dá para me produzir muito para ir ao cinema e
talvez comer uma pizza. Enquanto espero Pablo, Márcio me liga.
— Boa noite, minha linda.
— Boa noite, tudo bem?
— Tudo sim. Estou te ligando para avisar que dia vinte e dois do próximo mês, tem
a roda de samba.
— Poxa, que legal.
— E então, você vai poder ir? Estou te avisando com algumas semanas de
antecedência, para não ter desculpas. ― Até pelo telefone ele é charmoso.
— Claro, posso levar alguém?
— Claro, minha linda, quanto mais gente, melhor... pode levar suas amigas.
— Hum, e pode ser um carinha também?
— Vai me dizer que algum capengo passou a minha frente? Eu estava na fila, logo
atrás do Fernando. — Brinca e logo em seguida solta uma gostosa risada.
— Nem me fale nesse traste, mas enfim, só depois de hoje que vou saber se vou
acompanhada ou não, mas te aviso, ok?
— Hum, então tem um encontro hoje?
— Curioso você, hein.
— Já vi que tem. É um jantar romântico ou algo parecido?
— Márcio, pare de ser fuxiqueiro.
— Bianca! Mate a minha curiosidade, fale logo.
— Depois dizem que mulher que é curiosa, mas vou matar sua curiosidade: eu vou
ao cinema. Viu, nada demais. Agora tenho que desligar, beijos.
— Beijo e bom filme. Conheço alguém que vai subir pelas paredes quando souber.
— Pois ele que suba, e quando tiver bem lá em cima, caia de bunda no chão.
Beijos.
Desligo o telefone ouvindo sua risada marota, e logo depois recebo uma mensagem
do Pablo avisando que já chegou. Pego minha bolsa e saio. Dou um sorriso assim que o
vejo, ele está tão fofo, e começa a mexer os óculos assim que me vê.
— Oi, tudo bem? —pergunto, dando um beijo no rosto dele.
— Tudo bem, então, hum... deixa eu abrir a porta para você — responde
encabulado, abrindo a porta do carro.
— Uau, esse carro é show de bola. E pensando bem, ele combina com você.
— Hum, e por quê? — Ele me olha curioso.
— Porque é a sua cara ter um Camaro Amarelo igual ao do Bumblebee do filme
Transformers.
Ele solta uma gargalhada tão contagiante que acabo rindo também.
— Bianca, você é a primeira mulher que acerta o motivo pelo qual eu comprei esse
carro.
— Foi fácil, só somei os fatos.
— E que fatos são esses? — pergunta curioso, dando partida.
— Simples, ama filmes baseados em quadrinhos ou desenho animado. Fiquei
curiosa. O que normalmente as pessoas acham?
— Acham que é por causa da música de uma dupla sertaneja.
Rindo. Fomos para o shopping nesse clima descontraído. O filme foi ótimo, e na
saída, fomos a uma pizzaria do shopping.
— E aí, gostou do filme?
— Claro, estava ótimo. Pablo, nunca foi tão bom ser nerd; tem muito filme bom
estreando esse ano, e as séries baseadas em quadrinhos... essa safra está muito boa.
— Sim, é verdade; e se você aceitar, quero ver todos eles com você. Tenho que
confessar que não imaginei que você gostasse desse tipo de filme, foi uma grata surpresa
quando descobri o seu interesse.
—Para falar a verdade, sou bem eclética... em estilo musical, por exemplo, vou do
pagode ao funk, passando por música sertaneja e pop.
— Meu Deus.
— Bem, gosto não se discute.
— Mas você não me respondeu. Você gostaria de ir comigo assistir a todos esses
filmes?
— Isso depende.
— Do quê?
— De você me esclarecer algumas coisas.
— Ok, o que você quer saber?
— Bem, eu não sou de ficar enrolando, e honestamente, acho que a sinceridade é a
base de todo e qualquer relacionamento, seja amizade ou algo mais.
— Também acho. Pode tirar todas as suas dúvidas em relação a mim.
— Ok, em primeiro lugar, cadê a sua gagueira? Sim, porque por telefone, você não
gaguejou e nem agora está; porém quando me encontrou, sim. ― Jogo as palavras e fico
observando a sua reação.
Ele fica vermelho.
— Bem, como você já deve ter percebido, eu... hum... bem... gosto de você, e bem,
você me deixa nervoso... e por telefone, foi tranquilo, mas, bem, ao vivo, bem, você me
deixa assim, nervoso. — Tenta se explicar, mas se enrola no processo.
— Hei, calma, relaxe. Você estava todo descontraído há pouco. São apenas
curiosidades, relaxe. — Seguro a sua mão em cima da mesa.
Ele respira fundo e volta a falar:
— Bem, há pouco estávamos falando sobre um assunto que domino, mas
relacionamento não é o meu forte.
— Somos amigos, não somos? Relaxe e vamos apenas comer e conversar. Sem
pressão, ok?
— É que eu quero ser mais que um amigo seu. ― Põe a mão em cima da minha e
a aperta com força, não o suficiente para me machucar apenas para me fazer consciente
que está ali.
Ai, Jesus. E agora?
Fito nossas mãos juntas engulo em seco e ofereço um sorriso calmo.
— Bem, isso vamos ver com o tempo. Antes de qualquer coisa, somos amigos e
vamos nos conhecer, tudo bem?
— Tudo bem. Você tem mais alguma dúvida sobre mim? — Ele solta o ar devagar,
como se estivesse apreensivo com a minha resposta.
— Bom, uma coisa você já me respondeu. Agora gostaria de saber o porquê você
às vezes é grosso com algumas pessoas. Comigo você sempre foi muito gentil, mas com
algumas pessoas você muda completamente — indago como cenho franzido.
Ele solta minha mão e encosta na cadeira.
— Paciência é algo que, infelizmente, não tenho de sobra. E a pouca que conservo,
some quando tenho que lidar com algumas pessoas.
— Isso é, no mínimo, contraditório. Você é tímido comigo, mas bruto e sem
paciência com algumas pessoas.
— Para te explicar isso, eu teria que te contar uma longa história.
— Amigo, estamos em uma pizzaria com um rodízio maravilhoso. Vá por mim, não
saio daqui tão cedo. Então temos tempo, pode falar. — Sorrio, pisco o olho e ele retribui.
— Bem, você sabe que voltei para o Brasil há pouco tempo. Antes vivi dez anos
fora.
— Sim, e veio trabalhar na empresa.
— Isso. Bem, fui para Boston com vinte e um anos, a convite de um empresário que
conheci em uma feira de ciência e tecnologia que aconteceu na faculdade. Comecei a
trabalhar na empresa dele como design gráfico, como não consegui me adaptar com o
programa que eles usavam, acabei desenvolvendo um programa mais usual. Ele gostou
tanto que comprou, e em menos de dois meses de trabalho, me promoveu a chefe de
uma equipe de quase vinte pessoas.
— Uau, caramba! Meus parabéns.
— Bem, também achei ótimo... até assumir o cargo. Eu era mais novo que todos,
ninguém me respeitava como chefe, e me rejeitavam por ser estrangeiro. Por ser mais
novo, por me acharem inexperiente, e por causa da minha timidez, não conseguia ter uma
reação mais enérgica, e sempre ficava de cabeça baixa. Cheguei a pensar em pedir
demissão várias vezes.
— Que situação complicada! E como você resolveu isso?
Ele sorri, um sorriso triste, toma seu tempo e logo em seguida retorna ao seu relato.
— Bem, cheguei a pedir demissão depois de seis meses, pois não aguentava mais.
Não tinha amigos, nem família próxima. Estava sozinho e vivia sendo humilhado. O
programa tinha me rendido um bom dinheiro, e eu poderia voltar e abrir meu próprio
negócio. Quando fui pedir demissão, meu chefe não aceitou... falou que via um grande
potencial em mim, e eles só me humilhavam porque eu deixava; e que eu era o chefe,
portanto decidia quem ficava e quem saía e, se achasse que deveria trocar todos, tinha
carta branca para isso.
— Ele não era apenas um chefe, era seu amigo.
— Sim. Enfim, depois disso, eu... digamos... me tornei um grosso, como você
mesma disse. Essa foi minha defesa. Demiti alguns, contratei outros e passei dez anos no
cargo.
— E por que saiu?
— Nesse período desenvolvi outros programas que me renderam um bom dinheiro,
conheci o Felipe e Márcio, e eles se tornaram minha família. Quando eles voltaram para o
Brasil, não vi porquê ficar lá...
— Hum, pensei que você conhecesse o Fernando de lá.
— O Fernando trabalhava com o Márcio, mas nunca fomos muito próximos.
Digamos que ele não curte muito um nerd, acha que sou muito sem graça.
— Ele é muito preconceituoso. Eu te acho uma graça, e estou gostando muito de te
conhecer — afirmo, e volto a segurar a sua mão.
Depois de mais algum tempo de conversa, peço licença para retocar a maquiagem.
No caminho tenho a impressão de ver Fernando do lado de fora, pelo reflexo do espelho,
mas quando me viro, não vejo ninguém. Achando que foi impressão minha, sigo para o
banheiro e fico me olhando no espelho, pensando que eu poderia sentir uma faísca pelo
Pablo, já que ele é fofo e carinhoso comigo. Fecho os olhos e lembro dele me beijando,
que pegada forte ele tem.
— Jesus, Bianca! Tire esse babaca da cabeça.
No caminho até a mesa, ainda olho para o lugar que pensei tê-lo visto. Era só o que
me faltava, começar a delirar e achar que estou vendo Fernando por aí. Começo a rir
desse pensamento.
— Do que está rindo? — indaga assim que chego à mesa.
— Nada não, besteira. E então, vamos?
— Vamos sim.
Enquanto Pablo paga a conta, fico perto da porta do restaurante. Tenho a sensação
de que alguém está me olhando, e quando me viro, vejo uma senhora batendo e
chamando um cara que está caído no chão de tarado. Quando penso em me aproximar,
curiosa com a cena engraçada, Pablo chega e saímos. Ele pergunta se pode segurar
minha mão, aceno que sim, e vamos embora; mas fico curiosa com a tal cena cômica.
Saímos do shopping e seguimos para minha casa. No caminho, Pablo vai contando
mais da sua vida no exterior. Ouço em silêncio e o observo, e ele já não está mais
gaguejando... acho que isso significa que ele está se sentindo mais à vontade comigo.
Tento entender que o jeito dele agir com algumas pessoas é uma forma de defesa, mas
isso não significa que ele tem que ser tão grosso, isso me incomoda e muito.
O que mais está me deixando incomodada é o fato dele querer mais que amizade.
Sei que quando aceitei sair com ele, indaguei-me o porquê de não dar uma chance para
uma pessoa que demonstra que realmente gosta de mim. Acho que tenho que ser sincera
com ele e falar que....
Bem, falar o quê? Não tive nada com o Fernando, a não ser aquele beijo, que
acabou porque o idiota falou que, apesar de gorda, sente tesão por mim.
Não tenho nada com ele.
Não quero ter nada com ele.
Não quero sentir nada por ele.
Mas, infelizmente, não consigo tirar aquele babaca da cabeça.
— Bianca, já chegamos. — Ele toca no meu braço me assustando.
Quando olho para frente, estamos diante do meu prédio. Que vergonha! Fiquei
divagando enquanto ele falava, e não prestei atenção em nada do que ele disse.
— Minha conversa é tão chata que você se perdeu nos pensamentos.
— Me desculpe. Estou com algumas coisas na cabeça, e também fiquei pensando
no que você me perguntou.
— Que pergunta?
— Sobre você querer algo mais sério comigo.
— Sim, eu quero. Gostamos das mesmas coisas, é muito bom conversar com você,
claro, quando você presta a atenção no que eu falo.
Eu fico muito sem graça.
— Realmente, desculpe.
— Você está envolvida com alguém, e por isso não quer tentar?
— Eu não disse que não queria.
— Então você quer? — pergunta e sorri.
— Assim, pedi sinceridade a você, e também vou ser sincera com você.
— Tudo bem, pode falar.
— Tem uma pessoa, não sei ao certo o que sinto por ele, mas não quero sentir
nada.
— Não entendi.
— Bem, é complicado.
— Vou falar o que você disse no restaurante: temos tempo.
Desvio e olho para a rua e vejo que está deserta. Com a onda de assalto hoje em
dia no Rio de Janeiro, não é legal ficar por aqui.
— Bem, então vamos subir. Te ofereço um café e conversamos.
— Tudo bem.
.
Saímos do carro e seguimos para o meu apartamento. Chegando lá, o convido para
sentar na sala enquanto vou para cozinha fazer um café. Pouco tempo depois, ele
aparece na cozinha.
— Acho que o seu gato está me expulsando do sofá.
Foi impossível conter uma risada.
— Desculpe, Godofredo tem um sério problema. A noite ele gruda no sofá menor, e
eu, no grande e vemos televisão juntos... ou melhor, eu vejo e ele dorme. Meu Deus,
coisa de solteirona.
— Tudo bem, foi engraçado. Vamos continuar a conversa do carro... me conte o
que te impede de ficar comigo ― pede e eu solto um longo suspiro antes de começar a
falar.
— Não que seja um impedimento. Como disse, nem sei o que sinto por essa
pessoa, só sei que ele mexe comigo. Desculpe, eu prefiro ser sincera a te usar para
esquecer alguém... não acho isso justo — justifico, vendo que ele perde o sorriso.
— Sim, eu entendo. Ninguém gosta de ser usado.
Acabo de fazer o café e o sirvo na mesa da cozinha.
— Por isso vim pensando se falaria isso com você ou não. Não quero entrar em
nada mentindo ou enganando.
— Então, você pensa em, sei lá, entrar? ― Ele nem tenta esconder o toque de
esperança em sua voz.
— Isso vai depender de você. — Sondo, fitando seus olhos.
— Como assim?
— Você aceita entrar numa relação, sabendo que eu estou balançada por uma
pessoa? ― pergunto devagar observando sua reação.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Claro que sim.
— É o Márcio?
— O quê?! Não. — Me surpreende com o seu questionamento.
— Felipe?
— Também não. Márcio é apenas um amigo, e eu conheci Felipe no mesmo dia que
a você. Fique tranquilo, não é nenhum deles.
— E pelo que disse, vocês nunca tiveram nada muito sério, mas por quê? Você é
linda! Não imagino um homem não a desejando.
Aí, que fofo.
— Você é muito gentil comigo. Tem muitos homens que preferem o físico que a
sociedade diz ser perfeito.
— Eu não ligo. Se você aceitar ficar comigo, eu vou ficar muito feliz.
— Então tudo bem. Contudo, vamos devagar, nos conhecendo, tudo bem? —
indago mais uma vez observando as reações do seu rosto
— Tudo bem. Então eu posso beijar você?
Me aproximo dele, tiro seus óculos, seguro seu rosto e o beijo. É um beijo calmo e
carinhoso, e quando termina, estamos sorrindo.
— Então, você é oficialmente minha primeira namorada nessa volta ao Brasil. Bom,
é melhor eu ir embora, está ficando tarde. Amanhã nos vemos na empresa. Você quer
que eu te dê carona amanhã?
— Hum, não, eu vou de carro. Amanhã eu tenho aula de zumba.
— Tudo bem, nos falaremos melhor amanhã e obrigado por ter aceitado o convite
do cinema e por ter dado uma chance para a gente. — Ele me dá um leve beijo antes de
sair.
Pablo é muito fofo comigo, e apesar de não ter ficado louca de desejo com o beijo,
não quer dizer que não vai dar certo... só o tempo irá dizer. Antes de me deitar, vejo que
Pablo me enviou algumas mensagens, então sorrio e retribuo. Deixo o celular de lado
pensando: graças a Deus que ele não falou o nome do Fernando, apenas do Márcio e
Felipe.
Qual será a reação daquele babaca quando souber que eu e o Pablo estamos
juntos?
Capítulo 6

Fernando
Acordo com uma dor de cabeça tremenda. Ontem à noite tomei um porre. Meu
Deus, há muito tempo que não bebia tanto. Depois que Márcio, aquele fofoqueiro, me
ligou e revelou que Bianca tinha um encontro, eu fiz de tudo para não me importar,
dizendo a mim mesmo que ela não significava nada para mim, que o que sentia era
apenas tesão...
Passei as últimas semanas tentando me aproximar dela, e sendo ignorado de todas
as maneiras possíveis, e tudo que não era relacionado ao trabalho, ela cortava. Então
queria saber quem foi o infeliz que conseguiu o que eu não consegui.
Com isso na cabeça, segui para o shopping perto da casa dela. Sim, sei onde ela
mora, e já passei algumas vezes na frente da casa dela. Depois de várias semanas sendo
ignorado, consegui o endereço dela e passei algumas vezes na esperança de quem
sabe, encontrá-la fora do ambiente de trabalho.
Não deu certo.
Nunca fui uma pessoa ansiosa, mas foi difícil conter a curiosidade.
Chegando no tal shopping, fui ao cinema, mas estava lotado. Fiquei passeando, até
que a vi em um restaurante. Parei e fiquei pasmo quando vi com quem ela estava.
— Eu não acredito que ela preferiu esse cara tosco a mim! — exclamo irritado, não
acreditando no que estava vendo. Os dois estão de mãos dadas, parecendo um casal
romântico.
Ela levanta em direção ao que eu acho que seja o banheiro, e nossa, como ela
estava linda. Quando ela olhou na minha direção, me abaixei, pois não queria que ela
achasse que estava correndo atrás dela.
Não corro atrás de mulher nenhuma! Estava apenas curioso, só isso!
Me dirigi para o outro lado da praça de alimentação e de longe fiquei observando.
Bem, pelo menos não teve beijo. Aquele tosco, nunca o vi com uma mulher! Como esse
infeliz conseguiu sair com a mulher que eu quero ficar? Isso é um mistério para mim.
Bianca estava de costas para a porta do restaurante. Caramba, nunca a tinha visto
de calça... e que bunda era aquela! A cada dia que passa, ela está mais linda. Ela se
virou, e eu me assustei e me joguei no chão. Uma mulher louca achou que estava
querendo ver sua calcinha e começou a me bater, e depois de tentar várias vezes
explicar, o que foi em vão, acabei indo embora e vi os dois saindo de mãos dadas.
Indignado, liguei para o Márcio.
— Cara, não posso atender agora.
— Aquele nerd, sem graça e sonso, está querendo pegar a minha mulher. ― Nem
me dei ao trabalho de conter a raiva em minha voz.
— Hei, para de gritar. Cara, onde você está?
— No shopping!
— Você foi atrás da Bianca? — Ele não esconde a diversão em suas palavras.
— Eu vou esganar esse Pablo. ― Resolvo ignorar o óbvio e ameaço.
— Calma, cara. Estou na boate, me encontre aqui. — Convida com um tom de voz
risonho.
— Não estou a fim de ir para boate nenhum! Estou revoltado, Márcio! — revelo
sentindo que estou a ponto de explodir.
—Venha, vamos conversar e encher a cara — sugere e solta uma gargalhada
— Ok, daqui a pouco estou aí.
Uns vinte minutos depois, cheguei na boate. Encontrei meu amigo e pedi um
Whisky duplo.
— Agora fala, que merda que houve?
— Merda mesmo. Aquele sonso do Pablo... foi ele que saiu com a Bianca. ―
Esclareço, e logo em seguida tomo a bebida em um único gole aceno para o garçom e
peço outra.
— Pablo? Tem certeza? Ele é todo enrolado para chegar em mulher ― indaga não
escondendo o sorriso curioso.
— Vi os dois de mãozinhas dadas em um restaurante ― comento, virando outro
copo, o batendo com força no balcão e novamente peço outra bebida ao garçom.
— Pablo é uma boa pessoa. Eles merecem ser felizes ― diz, me olhando de forma
enigmática.
Virei para ele e levantei uma sobrancelha.
— Você sabia disso? — inquiro com os olhos fixos nele.
— Não. Se eu soubesse que era ele, não teria ligado para te zoar. ― Ele sorri
degustando a sua bebida vagorosamente, depois gira o copo e com os olhos fixo na
bebida completa. — Meu amigo, você sabe que pisou na bola. Bianca, não é como as
mulheres que vivem correndo atrás de você.
— Você sabe que estou há várias semanas tentando conversar com ela.
— Ah, para! Você quer é comê-la, isso sim. Pô, cara, deixa pra lá, mulher é que não
falta. Vou ficar puto se você for tirar satisfação com nosso amigo.
— Nunca fui com a cara dele, sempre o achei um sonso duas caras. Como aquele
tapado conseguiu pegar a minha mulher?
— Reparou o que você falou?
—O quê? Que ele é um sonso, duas caras?
— Não, você chamou a Bianca de sua mulher... não uma, mas duas vezes.
— É apenas modo de falar. ― Jogo as palavras de forma despretensiosa e desvio
do seu rosto, fito meu copo vazio e peço outra dose ao garçom.
— Fernando, eu nunca falo isso de mulher nenhuma, principalmente uma que eu
nunca peguei, e eu jamais ouvi você pronunciar algo parecido. Sem falar no ciúme doido
que você fica a cada vez que um homem chega perto dela... e cara, você foi ao shopping
atrás dela! Amigo, você pode ainda não ter percebido, mas está completamente
apaixonado por Bianca.
Suas palavras me pegam em cheio viro meu rosto e o fito sério, e dessa vez nem
consegui negar. Será que realmente me apaixonei e nem notei? Será que o meu orgulho
e a ideia preconcebida do que seria meu tipo de mulher me afastou da mulher por quem
acabei me apaixonando? Virei para o copo, e pensativo, o esvazio. O resto da noite é
assim, bebendo e pensando.
Agora, mesmo debaixo do chuveiro, ainda não tenho respostas para as minhas
perguntas; mas como prometi, não vou enfiar a mão naquele sonso.
Chego na empresa de cara fechada, e assim que saio do carro, vejo algo que me
congela no lugar.
Bianca e o sonso do Pablo se beijando.
Sinto como se tivesse levado um soco no estômago e um chute no saco ao mesmo
tempo, e me dou conta de que me apaixonei pela gordinha, e o nerd a roubou de mim.

Bianca

Não posso dizer que passei uma noite em claro, não muito ao contrário, contudo,
não foi uma noite bem dormida.
A consciência pesada me fez companhia durante boa parte da noite. Em minha
mente não sai a sensação que estou usando Pablo, e não me sinto bem com isso.
Busco meu celular e digito o número de Michele.
— Fala, gatona. E aí, como foi o encontro?
— Bom dia para você também, mal-educada.
— Ai! Nossa, bom dia!
— Você vai para faculdade na parte da manhã?
— Vou sim. Por quê? Vai me dar uma carona?
— Sua oferecida, vou sim... estou precisando conversar.
— Amiga. Que voz desanimada é essa?
— Quando te contar, você não vai acreditar. Estou te esperando no
estacionamento, beijos.
Termino a ligação, levanto e quando estou pronta sigo para o estacionamento
esperar minha maluquinha. Pouco tempo depois, ela chega correndo.
— Pelo amor de Deus, por que você está correndo?
— Você disse que iria me falar uma coisa que eu não iria acreditar.
— A cada dia que passa, eu tenho mais certeza de que você é maluquinha mesmo.
— Pare de me enrolar e fale logo.
— E onde está aquela mulher que ontem falou para mim que se tornaria uma
mulher mais calma, concentrada?
— Ah! Pode parar. Você é muito engraçada! Você vem, me joga a isca sabendo que
sou muito curiosa, então eu saí de casa parecendo uma louca varrida e nada! Já estamos
há dez minutos aqui e nada!
— Tá bom, tá bom, eu estou namorando — revelo, dando partida.
— Hein, como assim? Você está com o Fernando?
— Claro que não. Esqueceu o que ele fez comigo?
— Claro, desculpe. Esqueci que o odiamos desde criancinhas.
— Você nem o conhece, como pode odiá-lo?
— Amiga, esqueceu que somos fechamento? Se ele fez merda com você, fez
comigo, e mesmo sem o conhecer, não gosto dele. Mudando de assunto, quem você está
namorando? Já sei, o Márcio! Esse sim parece ser uma perdição. Mona! Vou me mudar
para a sua empresa de mala e cuia! Só tem homem bom lá, amiga.
— Não é o Márcio... e falando nisso, ele me ligou ontem me convidando para a tal
roda de samba, será dia vinte e dois do mês que vem. E aí, vamos?
— Amorrrr! É claro, mona! Vai ser babado fortíssimo.
— Olha a boca, você está parecendo uma doida.
— Quem você está namorando? — ela gritou tão alto que levei um susto.
— Ai, sua maluca! Não me assuste que estou dirigindo! Estou namorando com o
Pablo, esqueceu que saí com ele ontem?
— Pablo, o nerd estranho?
— Ele não é estranho. É lindinho, gentil e carinhoso comigo.
— Amiga, me desculpe, mas que coisa sem graça. Cadê o fogo? Você parece que
está falando de um amigo bonitinho.
— Assim, confesso que o fogo, essa coisa toda, ainda não sinto, mas acho que é
porque não nos conhecemos direito. — Tento defender algo que nem sei se acredito.
— Enfim, me conta tudo.
Vou contando tudo o que houve para ela, que também acha que foi tudo muito
apressado, mas concorda que devo dar uma chance para Pablo. Eu a deixo na faculdade
e sigo para a empresa. Assim que paro no estacionamento, noto que Pablo está me
esperando.
— Olá, bom dia!
— Olá, Bianquinha linda — Ele fala com voz engraçada e soa estranho aos meus
ouvidos.
Como? Bianquinha? Meu Deus, chega me deu calafrio.
— Te liguei e mandei várias mensagens.
Ainda estou processando o "Bianquinha". Olhei o meu celular, e notei que estava no
mudo e com várias ligações não atendidas.
— Desculpe, meu celular estava no mudo.
— Tudo bem. Posso te beijar?
Meu Deus, será que toda vez que ele for me beijar, vai me perguntar?
— Não precisa me perguntar, Pablo, afinal estamos juntos, não é?
— Sim, desculpe, é novidade para mim. Nem dormi à noite não acreditando na
minha sorte.
Que bonitinho. Seguro o rosto dele e o beijo. Quando acaba, olho para frente e vejo
Fernando observando. E duas coisas estranhas acontecem: primeiro, a expressão do
rosto dele demonstra que ele está magoado e muito triste. Segundo, sinto como se
tivesse feito algo errado, o que não fiz. Foi ele que disse que nunca assumiria uma mulher
do meu perfil, então é bom para ele ver que tem homens que não ligam se a mulher está
acima do peso ou não. Meu namorado, segura minha mão e vamos andando para
empresa, e não olho mais para trás. Assim que entramos, seu Arino, o faxineiro do prédio,
vem falar comigo.
— Oh, dona Bianca, bom dia. Olha, minha filha passou para outra fase no curso.
Muito obrigado pela ajuda, viu.
Seu Arino é um pai solteiro muito amoroso, e por não ter muito estudo, faz de tudo
para que sua filha estude. Um dia, vendo o quanto ele estava chateado por não conseguir
pagar um curso para filha, me ofereci para pagar. Depois de muito insistir, ele aceitou, e
sempre que ela avança no curso, ele me avisa todo orgulhoso.
— Ah, Senhor Arino, fico muito feliz. Assim que ela terminar, vou convidá-la para
fazer um estágio comigo. Peça para ela me ligar se tiver precisando de algum livro ou
material didático.
— Oh, dona Bianca, muito obrigado mermo. A dona é muito boa para a minha
menina. Vou mandá-la ligar sim.
— Senhor Arino, sua filha é muito esforçada e inteligente. Fico feliz em ajudar.
— Vamos, Bianca, estamos atrasados. O senhor deveria estar fazendo o seu
trabalho, ao invés de ficar incomodando pessoas de outro nível.
— Descurpa doutor, já vou voltar ao trabaio. Descurpa, dona Bianca.
— Se está com tanta pressa, pode ir andando. Nós nos falaremos depois. — Tento
manter o tom de voz calmo ao falar com Pablo, que me olha sério e sai. — Senhor Arino,
me desculpe pela forma que o Senhor Pablo, falou com o senhor.
— Imagina, dona Bianca, se descurpa não. Vou indo, tenho que voltar pro trabaio.
— Não se esquece de mandá-la me ligar. Fale que estou muito feliz, e que eu sabia
que ela iria conseguir.
Seu Arino sai de cabeça baixa, e eu fico cheia de vergonha. Como Pablo foi grosso!
Vou até onde meu namorado está, fervendo de raiva.
— Precisava ter falado assim com ele?
— Bianca, me admiro você, uma pessoa culta e inteligente. lidando com uma
pessoa que fala "trabaio", "mermo","descurpa". Não tenho paciência para gente burra,
isso me irrita.
— Pablo, nem todos têm condição de ter um estudo decente, e admiro muito o
senhor Arino.
— Como você pode admirar alguém assim?
— Admiro porque, mesmo com todas as dificuldades, mesmo ele não tendo estudo,
ele sabe o quanto isso é importante, e luta pela filha.
— Ok, não vamos brigar por causa disso. Nós nos falaremos na hora do almoço.
— Tudo bem. — Contrariada, confirmo, para evitar uma cena no local o qual eu
trabalho.
Chegamos perto ao elevador e vejo Fernando se aproximando.
— Bom dia — cumprimenta seco, e entramos no elevador em silêncio.
Pablo fica no segundo andar, e ao sair, me dá um beijo leve nos lábios e diz que me
busca para o almoço. Andamos dois andares e Fernando para o elevador.
Ai, meu Deus! De novo, não.
— Fernando, vou começar a não andar mais de elevador com você. ― Cruzo meus
braços e o encaro com a sobrancelha elevada.
— Você está com ele? — Ele resolve ignorar minha ironia.
— Sim, estamos namorando. — Os olhos dele estão tão tristes que não consigo
segurar o olhar, e abaixo a cabeça.
— Por quê? Quero dizer, é sério? Isso é realmente sério?
— Sim, é sim — confirmo, levantando a cabeça.
Ficamos nos olhando por um tempo. Ele olha para minha boca.
— Não entendo como um tosco conseguiu roubar você de mim.
— Para ele ter me roubado de você, eu teria que já ter sido sua, e eu nunca fui e
não serei.
Ele dá um passo em minha direção, ficando muito perto, inclina o corpo e encosta a
testa na minha e fecha os olhos. Meu coração dispara e minhas pernas parecem gelatina.
Inspiro longamente e o seu aroma me envolve, me fazendo fechar meus olhos
rapidamente e soltar o ar devagar.
— Eu te desejo tanto, mais tanto, que nem eu entendo como é possível. Nunca quis
alguém como quero você, mas vou respeitar a sua decisão e vou me afastar; apesar de
minha vontade ser de enfiar a mão na cara desse sonso por ter me roubado você.
Fico surpresa com suas palavras, arranho a garganta e engulo em seco antes de
falar.
— Não quero só desejo, quero tudo... desejo, paixão, e principalmente, amor. ―
Minha voz não passa de um sussurro.
— E você o ama? ― pergunta, com os olhos fixos nos meus.
— Isso não é da sua conta. ― Desvio e volto a engolir em seco.
— Eu poderia te dar tudo o que você quisesse — murmura, abaixando a cabeça e
quase me beijando.
Confesso que sou fascinada pela boca dele, seus lábios são carnudos e vermelhos.
Quando ele começa a falar desse jeito, sussurrando, vai me seduzindo e quebrando
minhas defesas.
Mas agora estou com Pablo, e nunca traí, e não vou começar agora, por mais que
Fernando me tire o chão.
O empurro, aperto o botão para o elevador voltar a funcionar, e me viro para ele.
— Me daria tudo escondido, como você mesmo disse, eu não faço o perfil de
mulher para andar ao seu lado. Afinal, você nunca assumiria uma mulher fora do padrão
preestabelecidos como perfeito, não é mesmo? O seu tudo, não é o suficiente para mim.
— Bianca, fui um idiota por ter falado isso. Estava confuso. Essa coisa que sinto por
você me pegou de surpresa, e não sabia como agir. Falei e agi sem pensar, me desculpe;
tive tempo para analisar toda a situação e hoje penso de forma diferente.
— Hoje pensa diferente porque estou namorando. E agora, somente agora, você
entendeu que não vou cair na sua conversa fiada. Agora é tarde, estou com Pablo, e exijo
que você me respeite! ― Dou um passo em sua direção, elevo um dedo e o ameaço ― E
aí de você se encostar um dedo nele!
Chega o meu andar, saio do elevador, e vou para minha sala, tremendo. Está
decidido, nunca mais entro em um elevador com ele. Sempre saio tremendo e nervosa.

Fernando

— Merda!
Descarrego minha frustração em um soco na parede do elevador. Uma coisa era os
dois estarem ficando, se conhecendo, mas daí a namorar. Será que eles estão saindo há
mais tempo?
Pensando nisso, quase esbarro em Márcio.
— Epa! Não vê por onde anda?
— Desculpe, realmente não o vi...
— Cara, o que houve?
— Vamos conversar na minha sala.
Seguimos para minha sala, assim que chegamos comento sobre o beijo e da
conversa com Bianca.
— Cara, você, mais uma vez, falou que sente desejo por ela? Você sabe que
mulher é toda cheia de mimimi, querem ouvir o tão famoso eu te amo. Se você mesmo já
se convenceu de que está apaixonado por ela, por que não disse?
Não conseguindo me manter parado, caminho em direção a janela e deixo fluir o
que está me incomodando.
— Porque ela disse que eles estão namorando.
— Namorando?
— Sim.
— Hum, isso não é bom.
— Por isso que não falei em amor, e sim que a desejo demais. Vou respeitar e me
afastar.
— Como? Cara, você não vai lutar por ela? Vai deixar assim, mole?
— Por enquanto.
— Você tem certeza que disse namorando?
Virei para ele.
— Sim, também fiquei surpreso.
— Se soubesse, a teria alertado
— Alertado sobre o quê?
— Tipo, Pablo tem aquele jeito metido e estúpido.
— Sei... é só isso mesmo?
— Claro! Olha, tenho que ir. Vamos sair hoje para curar essa sua dor de cotovelo?
E daqui a algumas semanas, tem roda de samba.
— Você convidou Bianca? Não quero vê-los se agarrando na minha frente.
— Convidei Bianca, e ela vai com uma amiga. Duvido que Pablo vá em uma roda
de samba. Ele acha que é coisa de selvagens.
— Ele é estranho, isso sim.
— Ele é gente boa, é você quem está com ciúmes. Vou indo, a gente se fala depois
para marcar sobre hoje à noite.
— Obrigado por ter me ouvido, cara...
Capítulo 7

Bianca
Resolvo deixar o conflito com Pablo para lá, e aceito seu convite para almoçar,
contudo, saliento que não gostaria que o episódio se repetisse, aproveito e aviso a ele
que não poderemos nos encontrar à noite porque tenho aula de dança de salão. Ele
pergunta se pode passar na minha casa depois, mas digo que não, pois venho muito
cansada, mas ligarei. Ele não fica muito feliz, mas aceita.
Na saída da empresa, quando estou perto do carro, ouço alguém me chamando.
Viro e vejo Márcio vindo em minha direção.
— Bianca, minha linda, está fugindo de mim? — Ele me abraça sorrindo.
— Claro que não. — Rio e beijo o seu rosto.
— Passei o dia tentando falar com você.
— Desculpe, minha tarde foi complicada, e quando te liguei, você estava em
reunião com meu namorado.
— Então, é sobre isso que quero conversar com você.
— Como assim? Não entendi.
— Temos que conversar sobre o Pablo.
Fico intrigada com o tom que meu amigo usa. Ele soa sério, sem sorriso, algo bem
pouco característico dele.
— Nós podemos jantar hoje à noite?
— Márcio, infelizmente não posso. Daqui a uma hora tenho aula de dança de salão.
— Você pode faltar hoje?
— É tão sério assim? ― indago com o cenho franzido.
— Apenas quero conversar com você. Acredito que uma hora seja suficiente. ―
Sinto que ele tenta amenizar.
Perco alguns segundos analisando o seu rosto e ele não me entrega nada, a
curiosidade me pegou em cheio.
— Então, vamos a um barzinho que tem próximo à escola de dança.
— Tudo bem, vou te seguindo.
Vou para o meu carro pensando: o que será que ele quer falar comigo? Como a
academia é perto, em cerca de dez minutos chegamos ao barzinho. Sentamos, ele pediu
uma cerveja, e eu, um suco.
— Então, Márcio. O que há de tão importante? ― Jogo a pergunta assim que
ficamos sozinhos.
— Bianca, nos conhecemos há pouco tempo, e já te considero uma grande amiga,
mas você me deixou numa situação complicada.
— Como assim?
— Você tem dois dos meus melhores amigos interessados em você. — Tenta soar
engraçado, mas não deu muito certo.
— Por isso a situação complicada? ― Relaxo meu corpo e levanto uma
sobrancelha.
— Mais ou menos.
— Pablo sempre demonstrou interesse por mim, já Fernando, só quer sacanagem
― explico a situação sem rodeios.
— Tem certeza de que Fernando só quer sacanagem? ― questiona me fitando com
atenção.
— Márcio, nós estamos aqui para falar de Pablo. Você disse que tinha algo dele
para falar. ― Me mexo na cadeira desconfortável.
— Você, como sempre, desviando o assunto quando se refere ao Fernando.
— Porque não tenho o que falar do Fernando, simples assim. ― Dou de ombros e
sorrio.
— Ok, tudo bem. Enfim, sobre o Pablo... ele é um grande cara, passou por algumas
coisas na vida que o mudaram muito, mas ainda assim, é um grande cara.
— Ele me disse que passou por algumas coisas.
— Então, primeiro eu gostaria de saber se é séria essa coisa entre vocês.
— Começamos há pouco tempo, e estamos na fase de nos conhecermos. Ainda é
muito recente para eu te dizer se vai dar certo, mas uma coisa posso te dizer: eu gosto
dele. Gosto da forma que ele me trata, e quero dar uma chance a nós dois.
— Entendo, Bianca. Como lhe disse, gosto muito de Pablo. ― Ele tenta se explicar.
— E ele de você ― confirmo e deixo um suspiro escapar. ― Ele disse que se não
fosse por você e outros amigos, ele teria vindo embora há muito tempo ― revelo com um
sorriso nos lábios.
— Sim, é verdade, apesar do seu jeito ele é uma boa pessoa. Porém, ele curte
umas coisas meio, digamos, diferentes. Mas isso ele vai lhe falar no tempo dele.
— Como assim? ― Franzo o cenho e o observo com atenção.
— Apenas mantenha a mente aberta, e se você não aceitar o que ele curte, fale
para ele. Seja clara que você não aceita e termine! Não entre numa de que você vai
conseguir modificá-lo e tal.
— Márcio, agora você me deixou preocupada ― insisto com as sobrancelhas
levantadas
— Linda, é uma coisa para ele contar, não é nada de outro mundo. Pelo pouco
tempo que lhe conheço, noto que você gosta muito de ajudar as pessoas, e pode entrar
numa de querer mudá-lo, entendeu? ― Busca minha mão sob a mesa e dá um leve
aperto.
— Devo confessar que tem razão, contudo não posso negar que fiquei intrigada
com o seu alerta. ― Solto baixando o olhar para nossas mãos juntas.
— Bianca, não posso lhe contar uma coisa pessoal, só peço que, por favor, não
comente com ele que conversamos. Estou numa situação complicada porque tenho três
amigos envolvidos numa história que eu acho que vai dar merda.
— Não tem nada disso, não existem três. ― Puxo minhas mãos e cruzo os braços.
— Se você está com Pablo apenas para fazer ciúmes em Fernando, por favor, pare.
Não o deixe se envolver, se apaixonar, e no final, se machucar. Seja sincera e jogue
limpo. Ele é um cara muito legal para passar por isso.
— Márcio, primeiro, não tenho nada com Fernando. Porém, confesso que ele mexe
comigo. Fui sincera com Pablo, disse que existe uma pessoa, porém, deixei claro que
nunca ficamos juntos. Pablo não está entrando na história enganado, e por favor, não
comente nada disso com Fernando.
— Ele não sabe que é o Fernando?
— Não, e nem precisa saber, entendeu?
— Sim, você tem razão. Não fica chateada comigo, senão meu coração vai sangrar.
― Márcio sorrir de lado de um jeito faceiro.
— Entendo em parte o seu lado, mas enfim, tenho que ir.
— Ok, te vejo na roda de samba?
— Claro, vou com uma amiga e Pablo.
— Ah! Isso eu quero ver, meu amigo numa roda de samba.
— Se ele não quiser, vou com minha amiga. Já estou atrasada.
Nós nos despedimos, e sigo para minha aula pensando em tudo que ele me disse.
Márcio me pôs uma pulga atrás da orelha.
À noite, deitada em minha cama, refletindo sobre a conversa com Márcio, meu
celular toca e ao olhar o visor vejo que é Pablo.
— Alô!
— Oi, Bianquinha.
Meu Deus! Como esse apelido me irrita.
— Pablo, meu anjo, por favor, não me chame de Bianquinha.
— Desculpe, pensei que você gostasse.
— Não, não gosto.
— Você está chateada comigo?
— Para falar a verdade, estou sim.
— Por quê? Lhe magoei de alguma forma?
— Comigo nada, mas tratou muito mal ao senhor Arino. Pablo, fiquei morrendo de
vergonha. Por favor, não faça mais isso.
— De novo essa história? ― Ele bufa demonstrando sua chateação. ― Peço
desculpas pelo meu descontrole, vou tentar, por mais difícil que seja, vou tentar ser
educado quando um ser ignorante se aproximar de você. ― Ele soa como se fosse um
grande esforço.
— Nós temos que ser educado com todos, independentemente do nível de
instrução da pessoa.
— Por favor, não vamos mais brigar por causa de outras pessoas. ― Ele tenta
encerrar o assunto.
— Tem várias pessoas ao meu redor que ou utilizam gírias, ou não se expressam
direito por falta de instrução ou por gosto mesmo. Realmente espero que você as trate
bem e com educação.
— Tudo bem, já falei que vou me esforçar ao máximo. ― Volta a suspirar como se o
assunto já estivesse encerrado.
— Estou muito cansada. Vou dormir, amanhã a gente se fala.
— Sinto que está me dispensando.
— Não, Pablo, apenas estou cansada. ― Suspiro querendo encerrar a ligação de
forma educada.
— Então amanhã passo aí para te pegar, ok?
— Amanhã é dia de dar carona a minha amiga. Nós almoçamos amanhã, e
marcamos para nos vermos à noite, tudo bem?
— Se você aceitar, vou te levar a um lugar que gosto muito amanhã à noite.
— Claro, aceito sim. Falando em sair, você vai na roda de samba da família de
Márcio?
— Deus que me livre! É claro que não.
— Bem, eu vou com uma amiga. Gostaria que você fosse comigo, mas já que você
não gosta, tudo bem, respeito a sua opinião.
— E você vai, mesmo eu falando que não vou? ― indaga soando incrédulo.
— Claro que sim! Primeiro, já tinha dito a ele que iria antes mesmo de te conhecer;
segundo eu amo samba ― esclareço em um tom calmo e pausado.
— Sim, você falou tudo, antes de me conhecer! Contudo, agora estamos
namorando, e você deve sair somente acompanhada comigo.
— Meu querido, está para nascer o homem que vai falar para mim o que eu faço ou
deixo de fazer. Meu pai bem que tentou, e conseguiu apenas até eu completar
maioridade. Eu vou sim! Você goste ou não!
— Mas, Bianca, estamos namorando.
— Sim, é verdade, estamos namorando, um começo de namoro. Então, caso você
queira que ele vá adiante, não tente mandar em mim.
— Bianca, não é correto uma pessoa comprometida ir a um evento onde vai ter um
monte de homens solteiros.
— Pablo, eu te convidei, você não quis ir. Então, eu vou com uma amiga. — Tento
abrandar um pouco a voz, mas estou muito chateada com toda essa situação. — Pablo,
independentemente de onde eu estiver, enquanto nós estivermos juntos, eu vou sempre
respeitar você.
— Bianca, eu ainda não acho certo.
— Pablo, como eu disse antes, estou muito cansada. Conversaremos amanhã.
Beijos e boa noite.
Desligo o telefone antes que ele tenha chance de falar mais alguma coisa. Onde já
se viu, querer me dizer o que fazer! Vou dormir indignada.

Fernando

Depois de recusar um convite de Márcio para uma balada, sigo para casa, tomo um
bom banho frio, sento na sala com um vinho, e reflito em tudo que aconteceu nos últimos
meses e em como a minha vida mudou. Nunca me imaginei apaixonado, e nem sei como
lidar com esse sentimento.
Há algum tempo achava que se fizesse sexo com Bianca uma única vez, tudo se
resolveria. Bem, já não acho mais isso. Hoje tenho certeza que apenas uma noite não
seria suficiente.
O mais louco nisso tudo é que eu sempre fui uma pessoa visual. Para mim, mulher
sempre foi para transar e tchau. Eu quero muito fazer amor com ela, mas também quero
contar as coisas que acontecem comigo, e que ela me fale sobre sua família e falar da
minha. Meu Deus, minha família! Se conseguir, algum dia, ficar com Bianca, minha família
vai ser uma dor de cabeça. Contudo isso é uma coisa que, infelizmente, acho que nunca
vou precisar me preocupar.
Meu telefone toca de novo, já é a terceira vez, mas não quero falar com ninguém. A
campainha toca, e sem nenhuma vontade, vou atender.
— Poxa, cara! Pensei que tinha morrido. ― Márcio invade meu apartamento e se
joga no sofá.
— Pare de ser dramático. Só não estou a fim de conversa. O que você quer? ―
questiono a caminho da cozinha e ele me segue.
— Cara, não fique assim. Está parecendo mulher! Honre as bolas, homem!
— Nunca senti isso — revelo com um suspiro desanimado.
— Cara, desculpe, mas você, literalmente, está pagando a sua língua. ― Ele cruza
os braços e se encosta na parede.
— E você acha que eu não sei! Se eu pudesse, me daria uma porrada por ter sido
tão idiota. ― Ponho o copo na pia com força.
— Aí, na boa, ou você corre atrás dela, luta e demonstra de todas as formas
possíveis o que você sente por ela, ou deixa para lá e vamos para balada, homem! Saia
dessa, já está parecendo um adolescente indeciso! Cara, tenha uma atitude de homem.
— Eu prometi a ela que não iria interferir. Se ficar em cima dela agora, só irei
afastá-la.
— Então dê um tempo. Vamos para a balada, você está precisando de sexo
urgentemente. Anda logo, levante essa bunda feia daí e vamos embora.
Acabo indo com ele. Foi bom, relaxei um pouco, mas não consegui tirá-la da
cabeça, nem mesmo quando uma linda mulher ficou dando em cima de mim
descaradamente. Não rolou. Dessa vez nem a bebida fez com que levasse alguém para
casa. Quem eu queria, não poderia ter.

Bianca

Alguns dias depois.


Depois de uma noite mal dormida, acordo pensando que não foi uma boa ideia
começar um namoro tão rápido com Pablo. Será que foi carência minha, ou medo de
acabar cedendo ao Fernando? Envio uma mensagem para minha amiga e a encontro no
estacionamento, me esperando.
— Ei, gatona. Que cara triste é essa? ― indaga franzindo o cenho.
— Bom dia para você também.
— Bom dia. Estamos mal-humoradas hoje?
— Desculpe, Michele. Vamos, no caminho te conto.
No caminho comento tudo o que houve. Estava precisando desabafar.
— Aí amiga, sai dessa. Você já passou por coisas parecidas. Você foi tão forte com
o Pedro, assim que sacou que ele não valia nada, caiu fora.
— Sim, mas estou com o Pablo há pouco tempo, e fico com medo de não estar
dando uma chance real ao nosso relacionamento, e estar me sabotando.
— Não, amiga, você não está se sabotando. Acontece que você está carente e
doida por um babaca, mesmo não querendo admitir; e para não cair na lábia dele, acabou
entrando nessa com o nerd gato. Se ele fosse um cara legal, nem diria nada.
— Não, Pablo é um cara legal! Tenho certeza que seremos ótimos amigos.
— Está vendo, você já o classificou como amigo. Seja sincera, senão você e ele
vão se machucar.
— Meu Deus, abduziram minha amiga de novo, e botaram em seu lugar um ser que
fala sem gíria.
— Para, sua boba! Quando falo cheia de gíria, você reclama.
— Eu não! Só acho engraçado. Quem reclama é seu ficante, namorado... nem sei
mais. Você não fala mais dele.
— Xii, amiga, esse subiu no telhado. Entrou numa de querer morar no meu
apartamento... vê se pode, bancar homem? Falei que o apartamento não era meu, e que
eu era a empregada.
— É, amiga, estamos muito mal em relacionamentos. Em breve, iremos nos acabar
no samba e jogar a tristeza por terra.
— Mal posso esperar.
— Michele, quando você conhecer o Márcio, vai pirar. Você é louca num chocolate.
— Aí meu Deus, vou montada. Meu amor, posso ser desprovida de bunda, mas sou
gostosa. Amiga, me aguarde... Em breve tem loira no samba.
Caímos na gargalhada juntas. Eu a deixo no curso e vou para a empresa, e quando
estou me aproximando do elevador, vejo o Senhor Arino, que quando me vê, abaixa a
cabeça.
— Bom dia, senhor Arino.
— Bom dia, dona Bianca.
— Estou esperando sua filha me ligar, senhor Arino. Ela esqueceu?
— Dona Bianca, sinto muito, mas fiquei com vergonha.
— Por favor, Senhor Arino, mais uma vez me desculpe. Peça para ela me ligar. Não
esqueça, a educação dela vem em primeiro lugar, lembra?
— Tudo bem, falo para ela ligar para a dona hoje mermo.
— Ok, vou ficar esperando, hein.
— Pode esperar, minha menina vai ligar hoje mermo.
Dou um sorriso a ele, me viro, e entro no elevador de cabeça baixa, sem reparar
quem está dentro, elevo a cabeça e me assusto ao ver Fernando.
— Não precisa ficar preocupada, eu não vou atacar você hoje no elevador.
— Você está bem? O que houve com você?
Fernando está com barba por fazer, olheiras, todo amarrotado e com uma
expressão de derrotado. Estou tão acostumada a vê-lo todo maravilhoso que levei um
susto. Parece que passou a noite em um bar, bebendo, e veio trabalhar.
— Nada, está tudo bem e perfeito. O mundo é todo maravilhoso e atrás do arco-íris
tem um pote de ouro.
— Como? Fernando, você está doente?
— Doente de amor, serve? Ou pode ser dor de corno! Porém, como nós não
estávamos namorando, então não pode ser dor de corno. Acho que é dor de cotovelo... É
assim que se fala, não é?
Fico tão atordoada que nem consigo articular uma única palavra, e o observo
incrédula. A porta do elevador se abre e Pablo entra. Ao me ver, dá um sorriso, me beija,
e olha para Fernando.
— Meu Deus, homem! Parece que um trem passou por você. O que você tem? —
Faz uma cara de nojo.
Aquilo me incomodou, e muito. Uma coisa era eu ficar feliz igual a pinto no lixo por
Fernando estar sofrendo por mim, apesar de ter certeza de que é orgulho ferido. Outra
coisa é uma pessoa ficar tripudiando dele... não gosto nada disso.
— Ele pegou uma gripe. Tem um surto de virose nesta região, por isso, está assim,
parecendo o cocô do cavalo do bandido.
Invento uma desculpa esfarrapada. Fernando me olha e levanta uma sobrancelha,
e Pablo dá um passo para trás, se afastando dele. Eu tento esconder o riso.
— Sim, realmente pareço o cocô do cavalo do bandido, e o que mais dói é o meu
cotovelo — Fernando diz em tom irônico.
Começo a tossir para disfarçar o riso. Pablo olha para Fernando, cada vez mais
assustado, e assim que as portas do elevador abrem, ele me puxa para fora.
— Meu Deus! Esse homem não devia andar na rua assim. Está passando vírus
para todo mundo!
— Sim, é verdade. Pablo, como você me puxou antes do meu andar, vou de
escada... na hora do almoço nós conversamos. Temos que conversar.
— Hoje infelizmente não vou poder. Estou todo enrolado... nos encontramos à noite.
— Tudo bem.
— Aceita jantar na minha casa?
— Aceito sim.
— Ótimo, tenho uma surpresa para você, e resolvi ir com você na roda de samba.
— Ele me beija e sai. Sigo em direção a minha sala pensando: que surpresa será essa?
Capítulo 8

Bianca
Me surpreendo ao sair do meu prédio e encontrar Pablo encostado em um carro
importado diferente do anterior.
Será que ele está pensando que isso me impressiona? Vinte minutos depois,
chegamos no apartamento dele. Assim que entro, vejo a mesa de jantar cheia de flores e
ornamentos.
— Linda mesa.
— Sim, espero que você goste. — Ele me pega de surpresa ao enlaçar minha nuca
e me beijar.
O beijo vai ficando mais intenso e eu paro. Ele beija minha testa.
— Vem, quero te mostrar uma coisa.
Ele me leva até o quarto, e a cama está cheia de pétalas de rosas vermelhas. No
canto há uma mesinha com champanhe e morangos, e uma toalha cobrindo algumas
coisas. Ele me puxa e começa a me beijar, mas dessa vez é mais agressivo, e morde
meus lábios com força.
— Ai, Pablo, assim não.
— Você não gosta?
— Não! Não curto nada que me machuque.
Vejo que ele fica decepcionado.
— Então você realmente é baunilha? — diz, sentando-se na cama, desanimado.
— Esperava que eu ficasse louca de desejo quando você me mordeu? Não curto
mordidas e nada agressivo... isso não me excita, muito pelo contrário.
— Acho que a única coisa que temos em comum é o gosto pelos filmes.
— Você esqueceu dos animes e livros — comento, sorrindo e mexendo nele com o
cotovelo.
— Falta química da sua parte, porque eu acho você linda e maravilhosa — afirma,
me olhando triste.
— Também te acho lindo e quase maravilhoso.
— Quase?
— Sim, você perde parte do encanto quando é grosso com alguém.
— Já disse que vou me controlar.
— Pablo, não dá para sermos namorados, mas quero você como amigo, gosto
muito da sua companhia. ― Resolvo ser sincera e por tudo às claras.
— Também gosto da sua. Acho que confundi as coisas, e apesar de te achar linda,
às vezes você me irrita muito por ser tão boazinha. — Caímos na risada juntos.
— Amigos, então?
— Amigos. Vamos jantar?
— Vamos sim. O bom é que você se livrou de domingo.
— Não, eu disse que iria com você, e vou. Vou ficar deslocado, mas vou.
—Vai ser legal, vamos nos divertir.
— Posso te pedir uma coisa?
— Claro.
— Não comenta com ninguém que tenho esse lado mais...
— Claro que não. Pode ficar tranquilo, isso é íntimo e pessoal, e ninguém tem nada
a ver com isso.
— Você é muito especial, Bianca. Todas as mulheres que descobriram esse meu
lado e não curtiam o que curto, ou saíram correndo, ou tentaram me mudar.
Agora entendi a preocupação de Márcio.
— Não tem nada de errado em você para mim, ou qualquer pessoa, mudar. Já te
disse que gostos não se discute é só achar alguém que curta as mesmas coisas que
você.
Ficamos em silêncio apenas jantando, mas algo me incomodava.
— Desculpe, mas o que levou você a pensar que eu curtia isso?
— Você tem todo perfil de mulher submissa.
Quase engasgo a comida.
— Como? Eu não poderia estar mais longe disso.
— Você sabe que morei fora, e lá, as mulheres grandes normalmente são
submissas. Quanto mais fortes e duronas parecem, mais submissas são na cama.
— Bem, uma coisa é gostar de uma boa pegada, coisa e tal. Mais que isso não rola
comigo.
— É, eu notei. Confesso que desejava que fosse diferente, que você sentisse o
mesmo que eu. ― Algo no seu tom me leva a crer que para ele nosso curto
relacionamento foi mais sério, muito mais sério. Engulo em seco, ele nota meu
desconforto e um sorriso surge em seus lábios. ― Mudando de assunto, ainda vamos ver
o filme?
— Claro que sim, falei sério quando disse que quero ser sua amiga. ― Desvio dos
seus olhos, busco suas mãos sobre a mesa e dou um leve aperto.
— E será que Fernando vai aceitar? ― questiona sem me olhar nos olhos.
— E o que Fernando tem a ver com isso? ― franzo o cenho.
Ele sorri de forma triste.
— Bianca, só um cego não notaria como ele te seguiu com o olhar hoje, parecendo
um cão sem dono.
— É complicado, Pablo... muito complicado. Contudo, ninguém nunca me impediria
de sair com um amigo, pode ter certeza disso.
— Fico feliz em saber.
No decorrer da noite, Pablo tentou soar descontraído, como se nosso termino não o
tivesse abalado. Não deu muito certo, contudo, eu sorria em cada vez que ele contava
algo engraçado e durante todo o jantar assegurei que realmente queria a sua amizade.
No final ele me levou para casa... enfim, não era para ser.
Nas próximas semanas, eu e Pablo nos falamos com certa frequência, porém,
confesso que senti um imenso alívio depois que fui sincera com ele e comigo e
terminamos. Algo no mínimo interessante ocorreu, flagrei Pedro e Marcela aos beijos no
estacionamento da empresa, o que de fato não foi uma grande surpresa. Ela não
escondia de ninguém seu interesse por ele, e começo a desconfiar que esse talvez seja o
motivo dela ser tão agressiva comigo.
Fernando está cada vez pior, um dia esbarrei com ele enquanto saía de um
restaurante, com Pablo. A princípio ele não me reconheceu, pois estava de cabeça baixa,
quando a elevou, e viu que eu estava acompanhada, ele intercalou os olhos entre nós
dois, depois desviou o corpo e entrou no restaurante.
Pablo pergunta se já contei sobre o término, nego e mudo de assunto. Por mais que
eu queira manter uma amizade com ele, não quero falar sobre Fernando, é algo tão
complicado que até eu evito ficar pensando.
Acordo animada com a perspectiva de me divertir, hoje é o dia da roda de samba,
envio uma mensagem para Michele confirmando o horário de nos encontrarmos.
No horário marcado, seguimos para casa de Márcio, que liga toda hora, dizendo
que estávamos atrasadas. Depois de meia hora, chegamos a uma mansão cheia de
carros parados na frente.
Assim que saímos do carro, minha amiga vira para mim pasma.
— Pensei que era uma roda de samba na comunidade. Não sabia que era um
evento chique.
— Estou tão surpresa quanto você.
Seguimos até um segurança, que depois de nos identificar, nos deixou passar, vejo
uma grande piscina com algumas pessoas. Do lado oposto, um mini palco, onde alguns
músicos estavam tocando. Outras pessoas circulando e vários garçons serviam bebidas e
comidas, e um cheiro maravilhoso de churrasco domina o lugar.
Em um canto vejo Pedro conversando com algumas pessoas e Marcela grudada
nele. Pablo fala com uma senhora negra, alta, que o abraça. Fernando está encostado
numa parede com um copo na mão. Ele está com barba de uma semana, óculos pretos,
bermuda e regata.
Meu Deus, essa cara de cachorro abandonado está me matando!
— Amigaaaa! — Michele diz, me sacudindo.
— Ai! O que foi? ― Massageio meus braços e viro meu rosto em sua direção.
— Estou no paraíso! Nunca vi tanto homem gostoso junto! Olha, pode me
abandonar aqui, que não ligo. Meu Deus, tem para todos os gostos! O carinha de óculos
é um gato, o que está encostado com carinha triste é tão lindo que dá vontade de pôr no
colo e levar para casa, mas esse chocolate derretido que está vindo em nossa direção...
Que boy magia é esse, monaaaa? Como você teve coragem de esconder isso tudo de
mim? Ai. Meu. Deus! É muito bofe bafo junto!
— Calma, Michele! Não dá chilique. O de óculos é o Pablo, o encostado é o
Fernando, e o que está vindo é o Márcio ― explico rapidamente, enquanto observo
Márcio caminhando em nossa direção.
— Aí, tadinho do Fernando, tão lindinho e tão tristinho. Para de maltratá-lo, amiga,
estou com pena dele! Olha como ele está abatido — não respondo, porque nesse
momento, Márcio chega e me abraça.
— Minha linda, finalmente chegou quem estava faltando. Falei para minha mãe que
ela iria conhecer uma linda mulher hoje, e ela está ansiosa.
— Oi, Márcio, obrigada por nos convidar. — Sorrio e noto seu olhar intenso para
Michele.
— E quem é a linda sereia do seu lado? — Márcio, soa galanteador com um sorriso
de lado. Desvio meus olhos para o lado e vejo Michele quase derretendo ao olhar para
ele.
Apresento os dois e eles ficam um bom tempo de mãos dadas, se olhando em
silêncio. Sorrio, olhando para eles. Quando finalmente soltam as mãos, Márcio nos leva
para conhecer sua mãe, uma ótima pessoa, mas muito mandona. Gostei dela, me lembra
minha mãe. Cumprimento Pablo e o apresento para Michele, e pouco tempo depois
começa a música e as pessoas começam a dançar. Minha amiga me puxa e caímos no
samba, sem culpa nenhuma de sermos felizes.

Fernando
Acordo sem nenhuma vontade de sair da cama. Ontem jantei com minha família e
só tive mais aborrecimentos. Márcio me liga, informo que não irei à festa, pouco tempo
depois a mãe dele me liga, dizendo que se não saísse da cama e fosse para casa dela,
ela ia me dar uma surra. Conhecendo a mãe dele, não duvidava.
Chego cedo, converso com a mãe de Márcio e conto a ela o que estou passando.
Ela diz que sempre achou que nunca na vida me veria sofrendo por amor. As coisas
começam a se movimentar, os convidados e equipe que vão trabalhar chegam, e pouco
tempo depois Bianca chega com uma loira muito bonita.
Achei estranho ela e Pablo chegarem separados, e quando ela começa a dançar,
simplesmente não consigo desviar o meu olhar... Ela está com um vestido que não é
curto, mas a cada vez que ela rebola, ele sobe um pouco. Não me controlo e caminho até
a pista para vê-la de perto. Pedro e uns homens que não conheço estão próximos à pista
de dança, e prende a minha atenção, quando ele começa a falar de Bianca.
— Bianca está cada dia mais linda — comenta Pedro, a olhando dançar.
— Não sabia que você curtia mulher gorda? — indaga um amigo dele, que não
conheço.
— Não curto, porém ela é muito gostosa. Ficamos durante um tempo. Ela é difícil
pra caralho, não deu para mim por nada desse mundo, mas tivemos altos pegas. Olha o
jeito que ela samba! Olha a bunda dessa mulher! ― Vejo Pedro, mordendo o lábio inferior
enquanto observa Bianca.
Não aguento mais escutar e parto para cima dele, e um grupo de pessoas nos
afasta. Fico com a mão machucada, e a mãe de Márcio manda Bianca cuidar de mim lá
em cima. Amo essa mulher! Entramos em um quarto, e Bianca, revoltada, me puxa para o
banheiro, acha uma caixa de primeiros socorros e começa a cuidar do meu machucado.
— Você ficou maluco? Por que você bateu no Pedro do nada?
— Porque ele estava falando merda de você.
— Você não pode sair batendo nas pessoas que falam merda de mim, Fernando —
enquanto ela fala, fico olhando a sua boca. Bianca tem lindo lábios carnudos, que no
momento estão em um tom vermelho irresistível. Quando para de falar, por um momento,
nós olhamos em silêncio. Ela está linda e ofegante, e não sei se é por causa da raiva ou
por causa da minha proximidade. Sei que ela não é indiferente a mim... ela pode até
negar, mas sei que me deseja, tanto quanto eu a desejo.
Ela sorri, um sorriso lento, sensual como se soubesse o poder que tem sobre mim.
Em seu rosto eu vejo todo o desejo que sente, ela eleva o queixo como se me desafiasse
a tomar uma atitude, morde o lábio inferior e levanta uma sobrancelha, e eu perco o
restante do meu controle, e a encosto na parede. Inclino minha cabeça e devagar
percorro a curva do seu pescoço, sorvendo o seu aroma, dou uma pequena mordida na
sua orelha, beijo uma marca de nascença que ela tem atrás da orelha, a sinto arfa e finco
meus dedos em sua cintura.
— Será que você ainda não entendeu que sou louco por você? ― murmuro com a
testa encostada na sua.
— Isso não é o suficiente para mim. Palavras não são o suficiente para mim. Quero
atitudes! — exige, sem desviar os olhos dos meus.
— Vou lhe mostrar o quanto te quero. — Seguro seu rosto com ambas as mãos. ―
Te quero demais. ― Repito sentindo meu coração bater descompensado.
― Me mostre, me prove o quanto você me quer. ― Suas palavras saem em meio a
um sorriso sensual, desafiando, exigindo. ― Me prove ― murmura, descendo o olhar
para minha boca e mordendo o lábio inferior e o sugando em seguida.
Não perco nem um segundo sequer, meus lábios encontram os seus macios e
úmidos, em um beijo ardente, cerco sua cintura e trago seu corpo ao encontro do meu e
percorro as suas curvas devagar, mas não é o suficiente, eu preciso tocá-la intimamente,
preciso senti-la, quero ouvi-la delirar de prazer e chamar meu nome em êxtase.
Abro meus olhos, sugo seu lábio inferior e o olhar que ela me dá faz um delicioso
arrepio percorrer o meu corpo. Sem desviar dos seus olhos, desço minha mão e subo
seu vestido devagar.
Um levantar de sobrancelha e um sorriso matreiro me deu o consentimento que
precisava para por sua calcinha de lado e foi a minha vez de fechar os olhos ao notar o
quão molhada ela estava.
Bianca segura meu rosto com ambas as mãos e sussurra próximo a minha boca.
― Me prove. ― Inclino meu corpo para beijá-la, ela recua e morde o lábio inferior.
Massageio seu clitóris e a vejo fechar os olhos, beijo sua testa, seu nariz e
levemente sua boca, enquanto a toco e ela fica cada vez mais úmida, fico de joelho e
perco a noção do tempo enquanto vejo meus dedos entrando e saindo dela, e o seus
gemidos ecoam pelo banheiro. Mordo sua coxa e assopro o local da mordida, retiro sua
calcinha, elevo meus olhos, fixo em seu rosto enquanto minha língua percorre sua
intimidade.
Bianca segura meus ombros com ambas as mãos e abre mais as pernas, sedutora
em busca do próprio prazer, joga a cabeça para trás e rebola na minha língua.
Daí em diante, naquele banheiro, só se ouviam gemidos e sussurros.
Quando tudo termina, encosto a minha testa na dela. Nunca senti tanto prazer em
satisfazer uma mulher, mas essa é diferente. Ela vai ser minha mulher!
— Minha, você é minha — afirmo, olhando nos seus olhos.
Ela me olha, passa a mão pelos meus cabelos e eu fecho os olhos. É a primeira vez
que ela me toca com carinho. Que sensação maravilhosa!
Bianca passa os dedos pelos meus lábios, me puxa para ela e me beija. É um beijo
diferente, romântico, suave, e ao mesmo tempo apaixonado. Enquanto me beija, faz um
delicioso carinho em meus cabelos e na minha nuca, e quando termina, fico com um
sorriso bobo e com os olhos fechados. Eu me assusto quando ela me empurra; abro
meus olhos e a vejo vestindo a calcinha e abaixando o vestido. Bianca se vira para ir
embora, eu fico pasmo e a seguro.
— Aonde você pensa que vai? ― Não escondo minha confusão.
— Penso não, eu vou embora. — Me encara séria.
— Para você não significou nada o que aconteceu aqui? Você agora é minha! ―
Seguro seu braço e ela o puxa dando alguns passos para trás.
— Não sou sua! Sexo não me prende. Se você me quer, me conquiste! O que
houve aqui foi sedução, e isso não me ilude. — Ela se aproxima devagar e fala de forma
calma. — Me conquiste, me prove que você realmente me quer. — Gira o corpo com a
intenção de ir embora.
— Termine com ele!
— Já terminei — responde sem se virar e vai embora, me deixando excitado e
frustrado.
Viro meu corpo e dou um passo em direção a pia, jogo água no meu rosto e me fito
no espelho. Inspiro profundamente e solto o ar devagar, tentando calmar meu corpo, faço
um ligeiro meneio negativo de cabeça.
― Ahh Bianca, eu vou conquistar você! ― Sorrio me sentindo confiante.
Pouco tempo depois, saio do banheiro em busca de Bianca e me surpreendo ao
encontrá-la dançando com um dos irmãos de Márcio, com o ciúme fervendo em minhas
veias dou um passo em direção a ambos, mas paro ao me lembrar que estou na casa da
Família de Márcio, por respeito paro e espero eles terminarem.
Quando termina seguro sua mão e a puxo para um lugar mais reservado.
— Achei que já tínhamos nos entendidos? ― Tento conter a minha irritação, não
deu muito certo.
— E eu disse que não. Falei sério sobre a conquista, e agora não posso falar
porque vou dançar com Márcio. ― Bianca sorri e fala calmamente, depois gira o corpo
com a intenção de me deixar falando sozinho.
— Eu quero falar com você agora! Vai preferir dançar com ele a falar comigo? ―
Seguro seu braço.
— Claro que sim! Se quiser, você pode esperar, que assim que a dança acabar, falo
com você. Agora tenho que ir. ― Sai do meu aperto e caminha em direção a Márcio.
Incrédulo a vejo dançando com meu amigo.
Essa mulher vai acabar comigo.
Capítulo 9

Bianca
Deixo Fernando falando sozinho e vou dançar com seu amigo. Ainda estou com as
pernas bambas pelo que aconteceu, esse homem vai ser minha perdição, mas vou cair
lutando. Ele não vai me fazer de gato e sapato. Fernando parece ser o tipo de homem
que tem tudo fácil, estala o dedo, e a mulher cai nos braços dele. E eu não sou assim,
não mais.
Encontro Márcio no meio da pista, e começamos a dançar.
— Você tinha razão. Realmente sabe dançar, deu um show com o meu irmão.
— Seu irmão é que conduz muito bem, além de ser lindo. Seus pais só fizeram
homens lindos. Sua mãe deve ficar louca com o mulherio; a minha fica surtada só com
Gugu, imagina sua mãe com três.
— Que nada, somos calmos, não damos trabalho
— E por que sua mãe está puxando a orelha de Marcos?
Márcio olha para onde aponto e rimos juntos. Ele se vira para mim, e fala, sorrindo:
— E por que Fernando voltou a me olhar como se quisesse me comer vivo?
— Eu e Pablo terminamos.
— Eu sei.
— E resolvi dar uma chance para Fernando, me conquistar.
— Não entendi. Você disse que vai dar uma chance, mas está complicando as
coisas?
— Não estou complicando, apenas disse que ele vai ter que me conquistar.
— E como ele vai fazer isso?
— Ensine a ele... você é mestre em conquista.
— Eu seduzo, não conquisto. Sedução é passageira, conquistar é algo mais sério.
Rimos juntos, e quando a dança acaba, vou procurar Michele, pois não a vejo
desde que subi com Fernando. Eu a encontro conversando com Maicon, outro irmão de
Márcio... a mãe deles gosta da letra M.
Chego perto, e noto que Michele está toda derretida por ele.
— Olá, Maicon. Posso roubar a Michele só um pouquinho?
— Só um pouco, não quero perder essa deusa de vista.
Saio puxando minha amiga, que veio de muita má vontade.
— Bianca, seja lá o que for, me conta depois. Amiga, estou ficando louca! Que
homens são esses? Estou tentando fazer Maicon cair na piscina só para ver se tem
tanquinho, e se tiver, caso com ele na hora! Aí amiga, desculpe, mas, a cada minuto que
passa, nossas chances de sermos cunhadas um dia vai diminuindo. É muito chocolate
bom, meu Deus!
Rio muito. Ela está descontrolada.
— Calma, mulher! Parece que nunca viu homem bonito na vida.
— Não tão lindos assim. É um harém de bofe bom! — diz, olhando ao redor,
piscando e sorrindo.
— Fiquei com o Fernando.
— O quê? — pergunta, falando alto.
— Fala baixo.
— Como assim? Ficou com ele? É sério?
— Sim, amiga. Foi mais forte... esse homem me tira do sério, tem o poder de virar a
minha cabeça. Se ficarmos juntos num lugar fechado, dá merda.
— Então agora vocês estão juntos?
— Não! Assim que acabou, eu disse que ele tinha que me conquistar e saí. Agora
ele quer conversar comigo, e eu estou com medo de não resistir e rolar de novo.
— E aí, o que você vai fazer?
— Bem, quero que você daqui a uns quinze minutos, vá até a cozinha e me chame
para ir embora.
— Como assim, ir embora? Você está louca, mona! De jeito nenhum que eu deixo
esse lugar, meu amor. Amiga, sua louca! Estou num mar de chocolate, tem muito bofe
bom aqui.
— Michele, por favor, juro que consigo o telefone de todos. E não esqueça que
Márcio trabalha comigo. Preciso de você.
— Tudo bem, só faço isso porque te amo.
— Não se esqueça, quinze minutos.
— Ok, vá logo, só tenho mais quinze minutos com o chocolate do Maicon.
— Meu Deus, você hoje está taradinha da Silva.
Saio procuro por Fernando, e o encontro conversando com grupo de pessoas,
aceno para ele me seguir. Chegamos na cozinha e ela está vazia. Ele me puxa para uma
porta meio aberta, que parece ser uma despensa meio escura.
— Fernando, na boa, você só pode ter fetiche ou tara por lugares fechados e meio
escuros. Eu pensei que era só elevador.
— Minha tara é você. — Segura meu rosto e me beija, devagar. Sua mão sai do
meu rosto e desce pelo meu corpo. Ele beija meu pescoço, eu seguro o seu rosto, e
ficamos nos olhando, ofegantes.
Ele é tão lindo! Os olhos estão em um tom de azul-escuro, refletindo toda a paixão
que sente. Ele me olha com tanto desejo, mas a algo a mais no seu olhar, carinho talvez,
não sei ao certo, mas isso me fez inclinar o rosto e tocar seus lábios dando um beijo casto
e logo em seguida dando mordidas, e o sinto gemer na minha boca.
Ele põe uma perna entra as minhas e volta a beijar meu pescoço; morde minha
orelha, lambe e assopra. Fico toda arrepiada.
— Você me chamou para conversar.
— Conversaremos depois.
Ele me olha e sorri de um jeito safado enquanto abaixa a alça do meu vestido, e
então morde o lábio inferior enquanto passa o dedo pelo meu sutiã, volta a me beijar,
sinto ele apertar o bico do meu seio, gemo em sua boca, ele abaixa o sutiã, desgruda os
lábios dos meus e sussurra ao meu ouvido.
― Vou te chupar bem gostoso, meu amor. ― Seu hálito mentolado faz minha pele
arrepiar.
Qualquer coerência ou juízo que eu ainda tivesse, foi embora, no momento em que
ele põe meu seio esquerdo em sua boca e dá um forte chupão. Jogo a cabeça para trás e
gemo baixinho, sentindo sua mão passear pela minha coxa e encontrar seu caminha
dentro da minha calcinha.
― Goza para mim minha gostosa, vem amor goza para mim de novo. Só que agora
no meu dedo dentro de você, e muito em breve vai ser no meu pau, vem amor, goza
minha gostosa ― sussurra palavras, obscenas seus dedos entram e saem de mim em um
delicioso vai e vem.
Nos dois juntos, naquele quarto escuro e fechado, com ele intercalando meus seios,
enquanto arremetia o dedo cada vez mais rápido e forte me levou a um rápido e intenso
orgasmo.
Ofegante, ele começa a abrir a calça e Michele me chama. Por que eu pedi para ela
vir me procurar?
— Bianca, gatona, vamos embora. — Sua voz soa divertida.
— Fique quietinha que ela vai embora, amor — Fernando sussurra.
— Vou embora porra nenhuma! Pode acabar com a safadagem e sair daí, Bianca
— Michele grita, batendo à porta.
— Que mulher empata f... — Fernando reclama, revoltado. Eu ainda estou bamba
demais para falar, ajeito o meu vestido e começo a sair, Fernando me puxa e me dá um
beijo rápido.
— Me passa o seu número, vamos nos encontrar mais tarde. — Me nego a passar
meu número.
— Nada mudou, Fernando, isso é apenas sexo. — Saio e encontro Michele rindo.
Nós nos despedimos de todos e vamos embora gargalhando. Chego em casa, tomo um
banho, e recebo uma mensagem de um número desconhecido.
2X0 para você, estou pondo gelo nas minhas bolas.

Caio na risada.
Pois eu amei, muito obrigada, foi maravilhoso.

Para mim também, sentir você delirando nos meus braços, dedos e sentir seu
gosto em minha língua, foi maravilhoso.

Fernando, vá tomar um banho frio. Boa noite.

Boa noite, meu amor. Durma bem.

Deito, sorrindo. Como eu queria ser realmente o “amor” dele, sei que é apenas
modo de falar. Acordo me sentindo muito bem.
Chegando na empresa, Rafael me avisa de todos os compromissos, e me
surpreende ao me dar um café com caramelo de uma cafeteria que eu adoro, eu
agradeço sorrindo, ele é sempre muito solicito e confesso que gosto desses pequenos
gestos. Quase todos os dias ele me traz uma surpresa, meu relacionamento profissional
com Rafael é muito cordial e eu só tenho que agradecer por isso. Pouco tempo depois,
ele me avisa que tenho uma encomenda, então entra e traz um buquê de flores. Lindas
peônias rosas e brancas com um cartão.

O Amor não começa na palavra, o amor começa no olhar. Palavras são


passageiras, olhares duram a vida inteira.
Obs.: Me perdoe por ter sido um idiota, quando te conheci, e por ter falado umas
besteiras para você. No entanto, quero que saiba que meus olhos nunca deixaram de te
seguir. Mesmo negando para mim mesmo. Sempre soube que você é perfeita para mim.
Fernando.

Estava sorrindo quando acabei de ler o cartão. Bem, ele está tentando. As flores
são lindas, mas pelo jeito, ninguém na floricultura falou para ele que isso é buquê de
casamento.
O ponto positivo é que, pelo visto, ele mesmo comprou as flores. Se fosse a
secretária teria comprado certo, mas foi bonitinho.
Pego meu telefone para mandar uma mensagem agradecendo, e vejo cinco
ligações dele e várias mensagens. Quando começo a responder, recebo uma ligação do
Pablo.
— Alô.
— Bom dia, Bianca. Tudo bem?
— Sim, tudo ótimo — respondo, olhando para as flores.
— Lembra daquele filme? Então, ele estreou na sexta passada. Como você disse
que iria comigo, comprei ingresso para hoje à noite, tudo bem?
E agora, o que eu faço?
— Bianca, você disse que seria minha amiga independentemente de qualquer
coisa. Você desistiu? ― Diante do meu silêncio ele insiste.
— Pablo, seremos amigos sim. Estou louca para ver o filme, me manda uma
mensagem com o horário.
Desligo e envio uma mensagem agradecendo as flores e mensagens para
Fernando. Pouco tempo depois, Rafael me avisa que Fernando quer falar comigo. Ele
entra, fecha a porta e se encosta nela.
Como ele está lindo! Fez a barba, está com um terno preto e blusa azul, e com um
sorriso sexy nos lábios. Levanto, dou a volta na mesa e me encosto nela.
— Lindas flores, obrigada. — Agradeço com um sorriso malicioso.
Ele se aproxima devagar e meu coração começa a acelerar. Chega perto de mim,
passa a mão pela lateral do meu rosto, segura minha nuca e me beija com paixão. Eu
amo isso nele, não pede um beijo, ele beija. Me consome, me devora e me deixa louca.
— Bom dia, meu Amor, estava doido para te beijar, por que não atendeu minhas
ligações?
— Bom dia, estava no mudo. — Não consigo chamá-lo de MEU AMOR. Só falarei
isso quando for verdadeiro.
— Vamos jantar hoje à noite? —pergunta, fazendo um carinho no meu rosto.
— Hoje não posso.
— Por que não? Esqueceu que tenho que te conquistar? — Beija meu pescoço, me
deixando mole.
— Porque hoje vou ao cinema com Pablo.
— O quê? — Suas mãos paralisam, ele se afasta e me fita com uma expressão
incrédula.
— Somos amigos, Fernando. Não estamos mais juntos, porém já havia prometido a
ele — explico dando de ombros.
Ele se afasta e mexe no cabelo.
— Você não vai mesmo. — O observo andando de um lado para o outro. — Poxa,
Bianca, você é minha mulher! Não vai ficar saindo com esse sonso de jeito nenhum! Pode
falar para ele que você tem dono, e que não vai sair com ele. Se você não falar, falo eu!
— Fico olhando para ele em silêncio, não acreditando no show que ele está dando. E ele
continua:— Queria ver se eu chegasse aqui e falasse que iria sair com uma ex. O que
você falaria?
— Não falaria nada.
— Duvido que não ficaria revoltada.
— Não teria o direito. Fernando, eu não sou sua mulher. Você não é nada meu, nós
não temos nada.
— Como assim não temos nada?
— Nós estamos nos conhecendo.
— Nós já nos conhecemos muito bem.
— Ah, para! Você entendeu o que eu quis dizer. Não somos namorados, apenas
ficamos.
— Ficamos coisa nenhuma. Você é minha! Você é minha, Bianca. — Segura o meu
rosto e me beija.
O jeito que ele fala me deixa bamba, mas se eu o deixar me dominar assim no
começo de uma relação, vou ficar igual a um cachorrinho, fazendo tudo o que ele mandar.
E isso eu não vou fazer, nunca! Eu não posso, e não vou fazer tudo o que ele quer.
Solto-me dele e me aproximo da janela.
— Você é minha, Bianca.
— E quem disse que eu sou sua? Que eu me lembre, não sou um objeto para ter
dono.
Eu me viro para a janela. Ele se aproxima por trás, passa o dedo pelo meu braço e
beija meu pescoço. Minha pele se arrepia ao seu toque e ele não perde o estremecimento
que passa pelo meu corpo.
— Tudo em você me diz que é minha. Sua pele se arrepia quando chego perto, seu
corpo dá sinais, seus olhos brilham, o que houve ontem só confirma que é minha.
Viro para ele e balanço a cabeça negativamente.
— Isso é atração física. Nós temos uma química forte, não vou negar. — Eu me
afasto, indo para o meio da sala. — Química, desejo, atração... dê o nome que você
quiser. Isso não significa que você tem algum poder sobre mim. Nunca esqueça que eu
não sou sua! Se as coisas derem certos entre nós, um irá se doar ao outro por livre e
espontânea vontade. Não tente nunca me dominar
— Você é minha, sim, Bianca! A forma com que você se entregou a mim ontem... o
desejo, a paixão e toda aquela loucura...
— Sexo não governa a minha vida, Fernando. Você me fez gozar, e isso foi ótimo
não nego, contudo, apenas mostra que você é um homem habilidoso, experiente e que
preza pelo prazer de sua companheira. Não sou o tipo de mulher que só porque o cara a
fez delirar algumas vezes, já fica loucamente apaixonada.
— Você me quer, nem adianta negar isso ― insiste parecendo uma criança mimada
que está sendo negada algo.
— Não nego, já disse que sentimos uma grande atração física. Porém, para você
ter o direito de dizer que sou alguma coisa sua, você tem que me conquistar, e não me
seduzir.
— As flores e o cartão são o quê?
—Você realmente achou que com apenas um lindo buquê, e um cartão você iria me
conquistar? Realmente achou que eu seria tão fácil assim? ― Cruzo os braços e elevo
uma sobrancelha.
— O que mais você quer, Bianca? Quer que eu fique rastejando atrás de você? Só
que eu não corro atrás de mulher nenhuma! Nunca precisei disso, sempre tive mulheres
facilmente.
— Então sugiro, vá atrás delas! Porque a mim você não vai ter facilmente.
Ele retira o terno e o vejo jogar a peça do vestuário no sofá, desfaz o nó da gravata
e caminha de um lado para o outro parecendo um leão enjaulado, demonstrando toda a
frustação que o corrói por dentro. Eu dou alguns passos em direção a minha mesa, me
sento calmamente, cruzo as pernas, e fixo meus olhos nele. Fernando, para, bufa gira seu
corpo e me olha com uma máscara de indignação em seu belo rosto.
— Eu falo isso, e você fica assim? Fria? — indaga fazendo um meneio negativo
com a cabeça.
— Qual reação que você queria que eu tivesse, Fernando? Descabelar, gritar,
xingar ou talvez chorar? De jeito nenhum. Todas essas reações dão rugas, e os cremes
estão muitos caros... nunca vou me abalar por um homem que fala para mim que não
precisa me conquistar, que tem um monte de mulher fácil para ele. Pode ir atrás delas —
sugiro, sem sorrir, mas conservando uma expressão serena.
O vejo sugar o ar com força e soltar devagar, eleva uma mão e passa em seus
cabelos diversas vezes o bagunçando no processo. Ele me fita, não sei precisamente
quanto tempo nos olhamos em silêncio, parecia uma guerra silenciosa, fria que eu não
tinha a mínima intenção de perder.
Apenas o olhava, sem pronunciar uma única palavra ou esboçar qualquer reação e
creio que assim eu deixava claro que não iria mudar de opinião. O observo franzir o
cenho, acho que ele se deu conta que, para ficarmos juntos, nesse momento, alguém terá
que ceder e que esse alguém, não seria eu.
Em seguida solta um longo suspiro, devagar, ele dá alguns passos em direção, vira
a minha cadeira, ajoelha à minha frente, pega minhas mãos e as beija.
— Desculpe. Sei que estou sendo um idiota, é que eu morro de ciúme de você com
Pablo. Admito que nunca lidei com alguém como você. Nunca uma mulher mexeu
comigo, como você mexe. Quando acho que as coisas estão bem, você vem e chacoalha
tudo. Fico inseguro, falo e faço merda. Por favor, me desculpe, não me trate com
indiferença de novo — pede, me olhando nos olhos e segurando minhas mãos.
Aí, como não perdoar um cara que te fala isso de joelhos?
— Fernando, não tenho muitos amigos, mas quero e muito ser amiga de Pablo.
Converso com ele coisas que só falo com amigos virtuais — suavizo meu tom de voz e
sorrio.
— Mas eu posso ser seu amigo também, conversaremos sobre o que você quiser...
não precisa ser com ele.
Sorrio para ele.
— Então você conhece séries baseadas em livros ou quadrinhos? — pergunto,
sorrindo divertida.
— Claro! — Ele mente descaradamente.
— A frase "O inverno está chegando” é de qual série? — indago, e ele fica fazendo
várias caretas, como estivesse pensando.
— Tudo bem! Eu confesso, não sei o que é isso.
— Fernando, você tem que confiar em mim. Ou então é melhor a gente nem
começar nada. Eu só vou ao cinema, somos amigos, e não vou deixar de ser amiga dele,
mesmo se ficarmos juntos. — Esclareço soando calma.
— Se ficarmos? Você ainda tem alguma dúvida? — Passa as mãos nas minhas
pernas.
— Todas! Todas as dúvidas possíveis. Somos muito diferentes. — Suspiro e ponho
minhas mãos em cima das suas.
— Os opostos se atraem, não é o que dizem? — Ele inclina o corpo e beija minhas
mãos, pousando os lábios levemente em ambas.
— Ou se matam. — Rio.
— Eu só quero te matar de amor.
— E eu não quero só atração física.
— Bianca, eu nunca quis nada além disso, todos os meus relacionamentos sempre
foram passageiros, mas com você, eu quero tentar. Mesmo porque apenas sexo não
será o suficiente. Houve um tempo em que eu erroneamente achei que seria só isso,
contudo, hoje eu sei que eu quero mais muito mais. Eu quero tudo. — Vejo sinceridade
em seus olhos.
Chego perto dele e o beijo devagar.
— Me conquiste. Você começou bem, gostei do cartão. Porém, não gostei do
machismo e muito menos da demonstração de possessividade. Nem um pouco. —
Brando meu tom de voz, mas creio que soou como uma ameaça.
—Desculpa. Você vai realmente sair com ele?
— Sim.
— Posso ir junto?
— Não.
— Ok, mas depois do filme, nós jantamos.
— Hoje não, outro dia.
— Por quê?
— Porque pretendo me acabar na pipoca.
— Sei! Da última vez, vocês saíram do cinema, foram para um restaurante em clima
romântico. Quem me garante que não vai acontecer de novo? — ele pergunta, e olho
para ele desconfiada.
— E como você sabe disso? Meu Deus! Fernando, você estava lá? Eu te vi, mas
pensei que estava ficando louca. Por que nos seguiu?
— Eu queria saber com quem você estava saindo... estava curioso e ainda apanhei
por sua causa.
— Bem feito! Quem mandou vir atrás de mim? Fernando, eu preciso trabalhar.
— Ok, eu também tenho que ir, nos falamos durante o dia.
Ele me beija mais uma vez e vai embora, e eu fico olhando para porta fechada,
pensando. Ele é lindo, gostoso, tem pegada e me deixa louca, mas vai me dar uma dor
de cabeça...
O dia passa agitado, com algumas reuniões, e não consigo ver Fernando no
restante do dia. No final da tarde, recebo uma ligação do tio de Fernando, me convidando
para um jantar no próximo mês, e todos os gerentes estão convidados. Chego em casa
cansada e penso em cancelar com Pablo, mas tomo um banho, me arrumo e saio.
Encontro com Pablo no cinema. Foi bom, legal e divertido. Conversamos muito, e
depois ele me convidou para jantar, mas recusei. Depois de um banho bem relaxante,
deito na cama com o celular na mão, e vejo cinco mensagens e duas ligações de
Fernando.
Mensagem de desculpas pelo que me falou de manhã.
Outra, dizendo que lamenta não conseguir me encontrar para o almoço.
Uma, dizendo para eu dirigir com cuidado.
Outra, para que eu me divirta no filme, e não com Pablo.
E a última dizendo que está morrendo de saudades do meu cheiro e beijo.
A cada hora que passa, fica mais difícil resistir a ele. Envio uma mensagem para ele
desejando boa noite, e ele me liga.
— Alô.
— Oi, meu amor. Se divertiu com o sonso?
— Não fala assim, Fernando. Pablo é muito legal.
— Legal, sei. Enfim, se divertiu?
— Sim, o filme foi muito bom, me diverti muito.
— Estou com saudade, meu amor, doido para sentir você. Onde está agora?
— Na cama.
Ele geme.
— Hum, daria tudo para estar com você agora, aí do seu lado. Que roupa você está
vestindo?
— Uma camisola e calcinha.
— Me manda uma foto.
Tiro uma foto mandando beijo, e envio a ele.
— Maravilhosa! Essa pele linda negra com essa camisola vermelha... me imagino a
subindo devagar, beijando essas coxas grossas. Você gostou da última vez, amor?
— Para, Fernando, você sabe que eu gostei. Vamos mudar de assunto. — Um
longo suspiro escapa pelos meus lábios.
— Deixa-me ir aí? — pergunta rouco.
— Melhor não, Fernando. Já está tarde, e estou cansada... deixa para outro dia.
Tenho medo de o ter aqui, e simplesmente não deixar mais ele ir. E se ele
realmente só quer sexo? Isso acabaria comigo.
Ele ficou em silêncio por um tempo.
— Ok, nos falaremos amanhã. Boa noite. — Desliga antes de me despedir.
Vou dormir pensando se agi de forma errada. Acordo atrasada, e sorrio ao chegar
na sala e encontrar Maria, dançando empolgada cantando com a vassoura na mão,
sorrindo me despeço dela e saio. Encontro Michele na garagem, me esperando.
— Bom dia, nossa estou tão confusa. ― Despejo assim que entramos no carro.
— Por que, gatona? O que houve?
Conto tudo o que houve com Fernando, e minha saída com Pablo no caminho para
o trabalho.
— Assim, Bianca, você tem razão em partes. Concordo que você tenha que pôr um
freio para o carinha não se achar o máximo, mas será que você não perdeu a mão e está
se sabotando. Tem um cara lindo, maravilhoso, literalmente de quatro por você,
mandando flores, correndo atrás... e você está fazendo doce por medo.
— Claro que não é por medo. E não estou fazendo doce e sim me impondo.
— Concordo com a parte de se impor, se tu der mole agora fodeu geral. — Ela
gesticula a mão e eu desvio os olhos do trânsito e rio da sua expressão. — Entretanto,
também sei que você está com medo de se machucar, e acha que ele vai te machucar
mais que qualquer outro já te machucou; e esse seu medo pode evitar que você viva um
grande amor.
— Nisso você tem razão, tenho medo mesmo. Já sofri bastante, e aprendi a duras
penas a me amar primeiro.
— Bianca, viver com medo é como viver pela metade. Você gosta dele, e nem
adianta negar. Se joga, amiga... dê uma chance para felicidade.
— Quando chegar na empresa, vou conversar com ele, e se ele não falar nenhuma
merda, vou retribuir o presente que ele me deu.
— Que presente? — Michele me pergunta curiosa.
— Isso é íntimo e pessoal, minha maluquinha linda — pisco um olho sorrindo, rindo.
Deixo Michele no curso e vou decidida a chegar na empresa, entrar na sala de
Fernando, jogar tudo para o alto e me entregar. Entro na empresa certa de que vou
encontrar Fernando, e antes mesmo de passar pela minha sala, vou à sala dele, mas sua
secretária me avisa que ele viajou... e pior, com a Marcela.
Vou para minha sala, cumprimento Rafael e entro, sento e verifico o meu celular.
Nenhuma mensagem ou ligação dele. O que será que aconteceu para ele precisar viajar
de uma hora para outra com Marcela?
— Ai, que raiva! — esbravejo.
Rafael bate, entra, e começamos a passar minha agenda. Na saída ele insinua que
tem um tempo que não almoçamos juntos, menciona que encontrou um ótimo restaurante
de frutos do mar e sugere irmos almoçar lá. Sorrio, porém, recuso. Minha mente hoje está
voltada para um certo babaca, que nem vontade de conhecer um novo restaurante tenho.
Logo depois ele sai e começo a trabalhar. A toda hora olho o meu celular, e nem sinal de
Fernando.
Será que ele já cansou e desistiu?
Se for assim, fico feliz que não cedi, que não caí na lábia dele, ou agora estaria
sofrendo feito uma louca. Bem, a quem quero enganar? Já estou parecendo uma louca
olhando o celular a cada cinco minutos.
Rafael bate à porta e entra comum lindo buquê de rosas brancas. Abro um sorriso
de orelha a orelha, agradeço, pego o buquê e o reviro atrás de um cartão que não veio.
— Como assim, sem cartão? — falo sozinha, revirando o buquê, à procura do tal
cartão.
Será que foi Fernando? Será que foi Pablo? E se eu agradeço a Fernando, e ele dá
crise porque outro homem me mandou flores?
E agora! O que eu faço?
Vou ficar na minha e ver se algum deles fala alguma coisa, mas estou na esperança
que seja de Fernando. Quando finalmente resolvo jogar tudo para o alto, o infeliz some. O
dia passa sem mensagens, e sem eu saber quem enviou as lindas flores. No final do dia,
pego minha amiga, e ela enche minha cabeça com mais dúvidas.
— Aí, amiga! Você deu mole. Ah, se é comigo, eu já teria deixado ele magro e seco
de tanto dar para ele.
— Esqueceu que ele aprontou comigo?
— É mesmo, ele foi um babaca com você. Ah, quer saber, graças a Deus que não
estou na sua pele, porque eu já teria dado para ele há muito tempo. Você é muito forte, e
quando crescer, quero ser como você.
Ri muito. Ela, como sempre, me divertindo.
— Me conta, algum dos meninos da festa te ligou.
— Maicon me ligou. Vamos sair amanhã, mas dessa vez vou mais devagar com
Maicon. Eu me desentendi com a mãe dele na festa por causa de uma coisa que rolou.
— Sério? Ela foi tão gentil comigo. Pensei que você estava caidinha pelo Márcio.
— Márcio é tudo de bom, mas ele não quer nada sério com ninguém.
— Isso é verdade, também notei isso assim que o conheci, lindo e sexy, mas com
jeito de malandro.
Chego em casa, tomo banho, dou comida para Godofredo, janto e fico vendo uma
série. Pego meu celular e fico louca para ligar para Fernando, mas como ele não me ligou
e nem mandou mensagem, tenho certeza que não foi ele quem mandou as flores. Deve
ter sido Pablo, agradecendo pelo cinema.
Depois de algum tempo, vou dormir pensando nele.

Três dias depois


Acordo desanimada com essa situação com Fernando, estava começando a
acreditar que ele tinha mudado, que tinha visto além da aparência, que tinha realmente
me visto.
Pelo visto, me enganei.
Chego na empresa, dou bom dia a todos, pego o elevador e dou de cara com
Marcela. Bem, se ela chegou, significa que Fernando também voltou.
Nem a olho direito, pois hoje não estou afim de escutar besteiras. Parece que ela
está pensando a mesma coisa, pois fica calada. Saio do elevador e dou um bom dia seco
para ela, que nem me responde. Entro na sala, e há um buquê de flores rosas,
novamente, sem cartão. Ligo para mesa do Rafael e peço para ele tentar descobrir de
onde é essa floricultura. Depois de alguns minutos, ele me retorna com o número.
O dia passou tão corrido que só conseguir ligar na parte da tarde, e eles me
avisaram que tem flores programadas para todos os dias da semana, mas não revelaram
quem está mandando, nem precisavam, isso é coisa de Fernando. Ele programou
segunda de manhã, e depois de não ter aceito ficar com ele segunda à noite, ele deve ter
desistido da conquista.
Então por que não cancelou as flores?
— Bianca, esqueça isso, não vale a pena, deixe para lá. O cara tenta um dia e já
desiste.
Penso nisso o resto do dia, e constato que ele não voltou de viagem. Ao final do
expediente, vou para minha aula. Já em casa, tomo banho e janto, e na cama, mais uma
vez fico olhando para o celular e pensando: será que estou agindo certo? Será que estou
sendo muito orgulhosa?
Não, isso não se chama orgulho, e sim amor próprio. Se para ele não valeu o
esforço de me conquistar, então não vale a pena ficar pensando nisso.
Finalmente é sexta feira. Chego na empresa atrasada e encontro Pablo na
recepção, prometo almoçar com ele, e vamos para o elevador numa conversa animada
sobre um filme que está para ser lançado. Entramos no elevador e continuamos a nossa
conversa, e quando a porta está quase fechando, Fernando entra.
Pablo continua falando, mas nem presto mais atenção.
— Bianca, então, vamos semana que vem?
— Oi! Sim, vamos sim — confirmo, ainda olhando para Fernando.
— Vocês vão sair de novo? — pergunta Fernando.
— Sim, por quê? Algum problema? — questiono a ele.
— Nenhum, afinal você é livre e desimpedida, pode sair com quem você bem
entender.
― Parece que, finalmente, você entendeu ― retruco não desviando meus olhos
dele.
Fernando sai do elevador, e sua reação é a confirmação de que ele realmente
desistiu de mim, suspiro desanimada, mesmo sem querer, me apaixonei por esse infeliz.
Eu me encosto no elevador, Pablo toca meu braço e sorri com simpatia.
— Bianca, não fica assim não. Ele só está com ciúmes. Vamos almoçar hoje, tudo
bem? — Apenas balanço a cabeça.
Entro na minha sala e o dia passa arrastado, almoço com Pablo e, na saída do
restaurante, vejo Fernando entrando com uma loira, linda, alta e magra. Passo por eles,
dou boa tarde com um sorriso, mas, por dentro, quero voar na jugular dele.
Não volto a vê-lo no decorrer do dia, a noite me encontro com Mariana, filha de
senhor Arino, nossa conversa foi melhor do que eu imaginava, às vezes estamos tão
envoltos em nossos problemas que nos esquecemos que há pessoas com problemas
mais sérios que os nossos.
Mariana é uma menina doce e tímida, perto de terminar a faculdade, orgulhosa do
seu pai, e é uma pessoa que eu fiquei muito feliz em ajudar. Assim que ela concluir os
cursos começará a trabalhar comigo.
A próxima semana se passa em um ritmo agitado na empresa, com várias reuniões
e os gerentes ansiosos com a festa que se aproxima. No meio da semana minha mãe me
liga e ela me avisa que, no próximo mês, eles passaram alguns dias aqui porque meu pai
vai fazer um exame.
Fico feliz, amo ter meus pais aqui em casa. Em casa ocupo meu tempo
conversando com uns amigos online, contudo, uma vez ou outra, pego meu celular em
busca de alguma mensagem ou ligação perdida.
Não tem nenhuma.
Eu e Fernando não voltamos a conversar, é como se nunca tivéssemos ficado
juntos. Ainda não sei como me sinto sobre isso e bem a verdade, estou evitando pensar
sobre.
E chega o dia do jantar, Pablo propõe para irmos juntos, recuso e prefiro ir sozinha.
Me arrumo com esmero para a ocasião.
Assim que chego noto que, boa parte dos convidados já está lá. Cumprimento o
Senhor Martins e sua esposa, vou circulando e cumprimentando os conhecidos. Vejo
Fernando em um canto com a enteada do seu tio, é a loira que vi com ele há alguns dias.
Sinto uma raiva surreal, mas disfarço e começo a conversar com Márcio e algumas
pessoas da empresa. O jantar transcorre bem. O meu ex-chefe faz um discurso, então
vamos para a mesa, e evito olhar para Fernando e sua acompanhante.
No final, ele convida a todos para um licor, e demoro um pouco à mesa. Quando
saio, ouço Fernando falando com sua acompanhante.
— Já disse que não foi para isso que pedi para me acompanhar, Kátia.
— Me convidou para fazer ciúmes naquela gorda. Acha que não reparei você a
seguindo com os olhos a noite toda?
— Bianca é linda, e se você falar mais alguma coisa para denegri-la, vai voltar para
casa de táxi.
— Nunca pensei que veria você correr atrás de uma mulher, principalmente uma
como ela.
— Como ela o quê?
— Ora, Fernando! Ela não faz o seu perfil. Você tem que ficar com uma mulher
como eu, não uma como ela.
— A Bianca é.... Bianca virou meu mundo de cabeça para baixo, ela é
independente, segura de si, inteligente, dona de suas vontades. Eu nunca conheci uma
mulher como ela, nem se passasse a noite inteira, eu conseguiria te dizer todas as
qualidades dela. Segundo você vai de táxi ou andando, mas não comigo.
Ele sai andando e deixa a babaca para trás. Quando ela vira as costas e me vê, me
olha de cima a baixo, odeio quando fazem isso comigo.
— O que um homem como aquele viu em uma mulher como você?
Minha vontade era de virar a cara dela ao avesso. Não fiz porque estava na casa do
dono da empresa e o respeitava muito, e também porque estava feliz demais por tudo
que Fernando disse.
Um sorriso lento surge em meus lábios antes de responder.
— Pelo que ouvi, ele já te deu essa resposta. — Dou um passo em sua direção e
falo: — Aceita, que dói menos. — Eu a deixo de boca aberta e vou atrás de Fernando.
Encontro Fernando conversando com um grupo de empresários, e não tinha como
falar com ele. No restante da noite, ele me evitou. Acabo desistindo, me despeço do dono
da casa e de algumas pessoas e vou embora. Quando chego ao estacionamento, sinto
que seguram meu braço. Eu me viro e me surpreendo ao vê-lo.
— Foi bom provar do próprio veneno? — ele me pergunta irritado.
— Não entendi. ― Franzo o cenho confusa.
— Fiz com você o que fez comigo, saí com uma pessoa na sua frente e te ignorei a
noite toda. E então, é bom? — revela em um tom de ironia.
Ele é um idiota! Quando penso em dar uma chance, ele faz merda.
E não satisfeito ele continua.
— Eu não corro mais atrás de você, Bianca. Cansei! Me apaixonei por você, mas se
você me quiser, vai ter que vir atrás de mim e me pedir para ficar com você, porque eu
não vou atrás de você nunca mais! Ou não me chamo mais Fernando!
Bufo e um sorriso lento se forma nos meus lábios.
— Eu nunca vou correr atrás de você, Fernando. Você já deveria saber disso.
Quando você deixar de ser um idiota, parar de ter atitudes infantis e quiser conversar, me
ligue, aí quem sabe talvez, eu te atendo — afirmo em um tom calmo. Ele fica revoltado,
vira as costas e vai embora.
Rio da sua atitude, me viro e vou para o meu carro. Chego em casa, dou comida ao
Godofredo, pego uma garrafa de vinho e me sento no sofá. Meia hora depois, meu
interfone toca.
— Senhora Bianca, tem um senhor aqui querendo subir. Ele disse que o nome dele
é Palerma, ex Fernando. — O porteiro informa, tentando segurar o riso. Sorrindo, autorizo
a subida dele.
Pouco tempo depois, a campainha toca. Abro a porta, e ele está com uma rosa
vermelha na mão.
— Oi, meu nome era Fernando, agora me chamo Palerma, mas eu sou
completamente apaixonado por você, confesso que fiquei com medo de ligar e perguntar
se gostaria de aceita namorar comigo. Resolvi apostar na minha exuberante beleza e no
meu sorriso sedutor. ― Solto uma gargalhada e ele encosta o corpo na parede. ― Me
desculpa, mais uma vez agi como um babaca, mas eu realmente estou perdidamente
apaixonado por você e a cada vez que você me esnoba eu me sinto como uma barata
tonta. ― Algo em seu tom de voz me fez sorrir, talvez seja pela confissão ou pela
sinceridade que vi em seus olhos.
— Como você descobriu meu endereço? — indago sem esconder o sorriso em
meus lábios.
— Assim, não que eu seja um perseguidor, mas não foi difícil consegui o seu
endereço e confesso que passei umas boas horas estacionado na frente do seu prédio,
na esperança de um dia te encontrar caminhando e descaradamente forjar um encontro
inesperado. A verdade é que eu queria te ver fora da empresa, nunca deu certo — revela
sem esconder um sorriso travesso. — Você está em minha pele Bianca, domina meus
pensamentos a meses, você não tem noção do quanto eu te quero.
O puxo para dentro do apartamento, fecho aporta, o encosto na parede ele inclina a
cabeça em minha direção e eu me afasto, sorrio ao vê-lo franzir o cenho.
Elevo minha mão e devagar, traço o contorno do seu rosto. Com os olhos fixos nos
meus, Fernando busca minha mão e a beija, enlaço seu pescoço, encosto meu corpo no
seu e mordo seu lábio inferior, ele sorri contra minha boca. Sinto seus braços rodear
minha cintura no exato momento em que eu o beijo.
Lento, molhado, sensual.
Suas mãos saem da minha cintura e vagorosamente, puxam meu vestido para
cima, desloco meus lábios dos dele para facilitar a retirada do vestido.
Seu olhar passeia pelo corpo e minha respiração acelera, ele eleva meu queixo,
abaixa a cabeça e beija meu pescoço. Gira meu corpo de modo que eu fique de costa
para a parede. Ele sorrir de lado enquanto abaixa uma alça do meu sutiã, introduz um
dedo na minha boca, e eu perco o fôlego quando ele inclina a cabeça e suga o bico do
meu seio.
Devagar, inicia um vai e vem com o dedo em minha boca e eu o rodeio deixando
seu dedo molhado.
Sua boca sai do meu seio e percorre um caminho de beijos molhados até a minha
orelha onde sussurra:
― Quero sua boca chupando meu pau como está fazendo com meu dedo.
Em seguida, morde um ponto atrás da minha orelha eu fecho as pernas para conter
a excitação. Seus lábios voltam aos meus, exigentes e voraz, enquanto sinto sua mão
abrir minhas pernas e se introduzir entre elas.
Eu sabia que se não parasse nossa primeira vez seria em pé encostados na porta
do meu apartamento, o que não seria uma má ideia em outro momento, mas agora eu
queria algo muito diferente.
Gentilmente o empurro e ele eleva uma sobrancelha.
— Me siga! — Giro meu corpo e caminho em direção ao meu quarto sem olhar para
trás.
— Você e essa mania de querer que eu corra atrás de você — reclama, e quando
espio pelos meus ombros o vejo vindo atrás de mim, tirando as roupas.
Entro no quarto logo depois, Fernando surge apenas de cueca e meia.
― Suas meias são muito sexys. ― Ele olha para baixo e retira as meias com
rapidez.
— Vou te mostrar, a noite inteira, que você é minha. — Promete sério, e eu sorrio
para ele.
O chamo com o dedo indicador, ele se aproxima e para em minha frente. Sem
desviar os olhos dele, abaixo sua box e sem demora introduzo seu pau em minha boca e
o chupo vagorosamente com os olhos fixos nos seus, o vejo jogar a cabeça para trás e
arremeter o quadril em minha direção. Círculo seu pau com ambas as mãos, o
masturbando sem tirar da minha boca, Fernando dá um passo para trás respirando
ofegante.
― Eu não quero gozar na sua boca, não agora. ― O observo fechar os olhos e
tomar fôlego.
Eu tiro minha calcinha e sutiã, subo na cama, me deito e flexiono uma perna no
exato momento que Fernando abre os olhos.
― Molhada, do jeito que eu gosto.
Ele sobe na cama, abre minhas pernas e me chupa dando uma atenção especial ao
meu clitóris, foi algo rápido, mas me fez gemer alto. O vejo sair do quarto e voltar com
várias camisinhas. Veste uma camisinha em seu pau, volta para cama, me beija
lentamente e eu o sinto introduzir seu pau devagar em mim.
Não posso dizer que apenas fizemos sexo, não, foi algo diferente, enquanto eu o
sentia dentro de mim, com seus olhos fixos nos meus, em cada toque ele me transmitia
que era algo a mais, e aquilo mexeu comigo, me senti, diferente e confesso que um
pouco incomodada com toda aquela intimidade trocada.
O empurrei, e girei meu corpo de modo que fiquei por cima e rebolo em seu pau
com vigor, ele enlaça meu pescoço com a intenção de me puxar para um beijo e eu
seguro seus pulsos e os prendo na cama, no processo meus seios ficam contra seu rosto
e ele o chupa devagar me levando a loucura, intensifico os movimentos e chegamos ao
ápice juntos.
Ofegante, desabo meu corpo sobre o seu e o sinto me abraçar, escorrego para
cama, viro o rosto para o lado oposto do seu e fico em silêncio tentando assimilar tudo o
que houve, enquanto meu coração bate tão forte que parece que vai sair para fora do
peito.
Giro a cabeça para o lado, achando que ele está dormindo e me surpreendo ao
notar que está olhando para mim, apoiado no braço e com um sorriso no rosto.
Ele levanta, vai ao banheiro, e na volta, fica parado na porta de braços cruzados,
me olhando.
— Sempre soube que seria assim. Você é perfeita para mim. Mandona, mas
perfeita.
Começo a rir, sentindo a tensão se desvair. Ele vem andando devagar na minha
direção e cala meu riso com um beijo, que começa devagar, mas logo vai esquentando.
Logo sobe em cima de mim, e segura meus braços em cima da cabeça.
— Agora é minha vez de mandar, e você vai obedecer.
Sorrio, o beijo e mordo seu lábio inferior.
— Faço tudo o que você quiser ― murmuro contra seus lábios.
— Olha, não fala isso... posso pedir algo que você não queira fazer.
— Tudo o que você mandar ― volto a afirmar.
— Qualquer coisa? — sussurra ao meu ouvido, e depois, morde minha orelha.
— A única coisa que não aceito é sentir dor! Fora isso, entre quatro paredes, eu sou
sua — murmuro no seu ouvido.
— Poxa! Se eu já não estivesse apaixonado por você, gamava agora. ― Apenas
sorrio, não sabendo como responder.
Sei que o desejo, mas não sei se o amo.
Ele me beija lento e sensual, depois rodeia meus seios com a língua e os chupa,
morde e aperta, alternando entre eles, desce pelo meu corpo distribuindo beijos em cada
pedaço de pele exposta.
― Vira de costas para mim amor, quero ver essa bunda linda ― murmura
me fitando com desejo.
Me viro, e não controlo um gemido quando o sinto beijar minhas costas, deita em
cima de mim e sinto que o pau dele já está duro de novo, morde minha orelha.
― Você sabe que me deixa louca quando morde minha orelha. ― Gemo manhosa.
― Eu sei, quero te deixar sempre louca amor, empina essa bunda gostosa. ― Faço
o que me pede e ele dá um tapa na minha bunda e em seguida beija onde bateu.
― Hum, faz de novo ― peço, olhando para trás.
Ele bate e beija minha bunda de novo, rouba meu fôlego ao sentir sua língua
rodeando meu clitóris e em seguida o chupando devagar, deito a cabeça no travesseiro e
rebolo contra seus lábios em pouco tempo, gozo.
Sentindo minhas pernas moles me deito na cama, sem me dar tempo para sequer
raciocinar, ele segura meu quadril, e introduz o pau devagar, segura um punhado de
cabelo e o puxa, não muito forte, mas o suficiente para me fazer gemer, morde minha
orelha e murmura:
― Você é muito apertada amor, mal entro e já me dá vontade de gozar, um dia vou
comer seu cuzinho bem gostoso, você deixa amor? ― Morde meu ombro enquanto
intensifica os movimentos.
― Já disse faço tudo o que você quiser, na hora, como e quando você quiser, mas
agora cala a boca e me fode gostoso ― peço sem fôlego.
― Vou te fazer gozar tanto que você não vai ter nenhuma dúvida que é minha. ―
Promete introduzindo uma mão por debaixo de mim e me tocando.
Paramos de falar, e no meu quarto, se ouvem os gemidos e gritos de êxtase.
Tempos depois deito na cama exausta. Ele começa a dar beijos no meu rosto
devagar, e deito a cabeça em seu peito para ficar ouvindo os batimentos do seu coração.
Eu o ouço falar algo sobre nunca mais me magoar, mas já estou praticamente dormindo e
nem presto atenção. Adormeço no peito dele e com um sorriso nos lábios.

Duas semanas depois


Acordo na cama sozinha, mas o perfume dele está aqui, nas últimas semanas me
acostumei a acordar com Fernando grudado em mim. Olho pelo quarto e nem sinal das
roupas dele. Levanto, e ouço sons vindos da cozinha, quando chego na sala, paro e
observo a cena.
Fernando, de cueca, cozinhando, dançando e cantando.
Olho para o lado e vejo que na mesa tem uma bandeja com flores, suco, frutas e
café. Volto a olhar para cozinha e parece que está fazendo ovos mexidos. Está uma zona
na cozinha e me belisco para ver se não estou sonhando... um homem lindo desses na
minha cozinha, fazendo comida para mim, de cueca e dançando.
Aí, papai! Que coisa maravilhosa!
Ele vira e vem sorrindo em minha direção com a espátula na mão, me puxa com a
mão livre e me beija. Quando o beijo começa a ficar mais quente, me solta e vai correndo
para cozinha, e pelo cheiro, o ovo queimou.
— Poxa, Bianca, me distraiu! Era para você estar dormindo, e eu levar o café na
cama para você.
Chego por trás dele, o abraço e beijo suas costas.
— Desculpe, se soubesse teria ficado deitada na cama te esperando.
Ele desliga o fogo, se vira para mim e me abraça.
—Você sempre me distrai. — Beija meu pescoço.
— Para falar a verdade, não perderia por nada você dançando e cantando de
cueca. Pensei que era um sonho.
— Então a senhorita sonhava comigo enquanto me desprezava?
— Nada a declarar. Vou esperar meu café na cama. — Saio dos seus braços e
corro para o quarto.
Passamos boa parte do dia na cama. Fomos tomar café às onze da manhã,
almoçamos às quatro da tarde... pedimos comida japonesa, já que ele não me deixou sair
da cama para fazer nada. À noite, por volta das onze, ele foi embora, não muito feliz por
estar indo.
Que homem fogoso!
Tomo banho, me deito na cama e minha mente é bombardeada por fleches de tudo
que houve nessas últimas semanas. Meu Deus, nós fizemos de tudo, menos conversar!
Meu celular toca e vejo que é Fernando. Atendo, sorrindo.
— Alô, quem está falando?
— Como assim, quem está falando? Quem mais ligaria para você em um domingo
quase meia noite?
— Calma, Fernando, estava apenas brincando.
— Sei... não gosto desse tipo de brincadeira, não gosto nem de imaginar você
falando com algum homem a essa hora.
— Fernando, não surta. Tirando Gugu, ninguém me liga a essa hora.
— Quem é Gugu?
— Meu irmão, Fernando!
— Desculpe, meu amor, eu nunca namorei antes, mas vou fazer o meu máximo
para tudo dar certo.
— Fernando, você não acha que é um pouco precipitado chamar o que nós temos
de namoro?
— Tem meia hora que saí daí e você já quer desistir de nós? Bianca nós estamos
namorando a semanas.
— Eu não chamaria de namoro, nós estamos transando feitos coelhos a duas
semanas. Não estou desistindo, Fernando e nos nunca sequer conversamos sobre isso.
Quando namoro, sou muito chata, chiclete, ciumenta, tenho mania de perseguição, isso
sem falar de todas as minhas neuroses sobre o meu corpo. Você se cansaria rápido, e eu
não quero me magoar.
— Meu amor, nunca quis ficar com ninguém a sério, mas com você eu quero. E
estou louco para conhecer essa Bianca chiclete e com mania de perseguição. Ao
contrário de você, eu sou fácil demais.
— Seu bobo. Vou me controlar ao máximo, ok?
— Pode ser um grude. Se você não tivesse me expulsado, não teria saído daí.
— Para de ser dramático, Fernando! Você não tem roupa para ir trabalhar amanhã,
e estou cansada de ver você com a mesma cueca.
— Mas eu fico mais nu que vestido!
— E eu amo cada momento que você passa nu.
— Então vamos dormir juntos amanhã? Posso dormir aí ou você aqui?
— Vou ter que confirmar se minha família vai vir para cá amanhã ou depois.
— Mas eles vão morar aí com você?
— Não, meu pai, vêm fazer um exame. Acredito que vão ficar um ou dois dias, no
máximo.
— Mas eles vão amanhã?
— Vou confirmar, se não vierem amanhã, vem no dia seguinte.
— Desculpe, amor, mas tomara que seja depois de amanhã. Quero dormir com
você amanhã, então aproveito e levo umas peças de roupas, assim não tenho que sair
para vir para casa.
— Fernando, eu acho que estamos indo rápido demais.
— Por que você acha isso? Não quer mais passar a noite comigo?
— Sim, claro que quero, mas trazer roupa? Você não acha que estamos muito
recentes para isso? ― indago devagar.
— Claro que não ― afirma categórico.
— Fernando, vamos devagar. Estamos nos conhecendo aos poucos, eu tenho
manias e você também deve ter. Vamos com calma, vamos namorar, nos curtir, nos
conhecer, sem pressa, ok?
— Se você prefere assim, tudo bem. ― Soa triste e logo em seguida completa. ―
Nunca foi tão bom. Se você deixar, pego uma peça de roupa e volto para aí. O que você
acha?
— Meu lindo palerma, apesar de ter amado passar essas vinte e quatro horas com
você, estou morta com farofa — confesso, rindo, e ouço a forte risada dele.
— Meu amor, admito que estou cansado, mas mesmo assim iria só para dormir
agarrado com você. ― Um sorriso e mordo meu lábio inferior.
— Fernando, você está me saindo um ótimo romântico. Se continuar assim, me
apaixono por você, hein? ― Brinco, soltando uma gargalhada logo em seguida.
— Você ainda não entendeu que esse é o meu objetivo? Quero que você me ame
como eu amo você. ― Ele soa sério e eu paro de rir.
— É muito cedo para falarmos de amor, vamos com calma. Uma coisa de cada vez.
— Bianca, nem eu declarando meu amor você acredita ou se rende? Mesmo depois
das últimas semanas?
— E você acha que só porque finalmente ficamos juntos acabou a conquista? Meu
lindinho, agora que vem a parte mais difícil.
— E que parte é essa? ― pergunta curioso.
— Manter o meu interesse ― revelo de forma calma.
— E como eu faço isso? ― indaga, como se realmente não entendesse.
— Sendo você. Não minta para mim, seja o mais sincero possível, me respeite.
Seja carinhoso, me dê atenção... Enfim, vamos nos conhecer aos poucos, aprendendo os
gostos e manias de cada um, sempre respeitando o espaço de cada e desejos.
— A cada momento que passa, eu estou mais apaixonado por você... e vejo que
não é só tesão, eu quero muito saber de cada mania e tara sua e realizar todos os seus
desejos; e de minha parte, não vou deixar que nada nem ninguém nos atrapalhe. Queria
estar aí agora e falar tudo isso olhando para você, assim você saberia o quanto estou
sendo sincero.
— Meu lindo, amanhã ficaremos juntos de novo, são só algumas horas.
— Muitas horas.
— Meu anjo, vou dormir, estou bêbada de sono. Alguém não me deixou dormir
ontem à noite, nem hoje durante o dia.
— Fale isso de novo.
— O quê? Que você não me deixou dormir?
— Não, você me chamou de meu anjo, é a primeira vez que você fala assim
comigo.
— Meu anjo, meu lindinho, meu lindo palerma — sussurro com voz sensual.
— Se continuar falando assim, esqueço que você está cansada e volto. Acho que
ainda não fizemos amor no quarto de hóspedes e na cozinha, porque acho que o restante
da casa já batizamos. — Rimos juntos.
— Meu anjo, fizemos muito sexo.
— Eu não fiz sexo com você, fiz amor, por isso foi tão maravilhoso.
— Assim você me derrete toda. Vou dormir e sonhar com você.
— Jura que vai sonhar comigo?
— Não será nada difícil, faço isso desde que te conheci.
— Agora sim vou dormir feliz. Durma bem, amor. Desde que te conheci, mesmo não
querendo, você é o meu primeiro pensamento ao acordar e o último ao dormir.
— Boa noite, meu anjo.
— Boa noite, meu amor.
Desligo o telefone com um sorriso enorme e sonhador. Espero que nada nem
ninguém atrapalhe.
Capítulo 10

Bianca
Saio de casa e recebo uma mensagem de minha mãe confirmando que chega hoje
e de Michele pedindo uma carona, respondo que estarei no carro esperando. Chego no
estacionamento, entro no carro, e logo depois, Michele chega.
— Aí, amiga, obrigada. ― Entra no caro ofegante.
— Bom dia, mal-educada — cumprimento, sorrindo.
— Nossa, que sorriso é esse? ― questiona cruzando os braços.
— Deve ser porque minha mãe e meu pai vêm hoje para passar alguns dias. ―
Desvio dando partida no carro.
— Oba! Vou comer bem. ― Bate palma e arranca uma gargalhada de mim.
— Você é muito oferecida. Quando você, finalmente, vai comprar um carro? ―
indago lançando um olhar em sua direção.
— Não muda de assunto. Essa cara é de quem foi bem comida, e não tem nada a
ver com a visita da sua mãe, tá. Passou a noite com o boy magia, não foi? ― retruca, me
apontando um dedo.
Acabo rindo, desde que revelei meu envolvimento com Fernando, Michele sempre
acha um motivo para brincar com o assunto.
— Bem, estamos namorando ― revelo com um sorriso bobo.
— Amiga, finalmente você seguiu meu conselho e se agarrou ao boy. Aquele bofe é
tudo de bom! Anda, derrama tudo ― pede empolgada.
— Bem, ele é tudo e muito mais. Aí, Michele, estou encantada por ele. ― Sorrio
boba.
— Se joga, mona. ― Aperta meu braço empolgada.
— Ele já está falando em trazer roupas para minha casa. Ele diz que é a primeira
vez que namora sério. Você não acha que é muito rápido? ― Desvio os olhos do trânsito
e a fito rapidamente.
— Rápido? Não. A jato, né. Você sabe que corro quando o cara quer trazer seus
trapinhos para minha casa ― relembra franzindo o cenho.
— Acho que ele está empolgado com o começo, o que é legal. Só desejo que essa
empolgação continue ― confesso suspirando.
— Amiga, só depende de você ele continuar empolgado. Mostre para ele do que
você é capaz. Porém, nada de trazer trapinhos para sua casa. ― Aconselha apontando
um dedo para mim.
— Michele, você é maluquinha, mas eu te amo mesmo assim.
Seguimos conversando. Eu a deixo no curso e sigo para o trabalho. Chegando lá,
dou bom dia a todos, falo com o Senhor Arino, e ele me diz que a filha está indo bem no
curso. Encontro Márcio no caminho do elevador.
— Oi, minha linda. Tudo bem? ― cumprimenta com dois beijos no rosto.
— Tudo bem, Márcio. Como foi de viagem? ― pergunto com sincero interesse.
— Foi ótima, em alguns meses resolvo tudo o que tenho em Boston. E como vai
você? ― indaga encostando na parede do elevador e cruzando os braços.
— Tudo bem. ― Me limito a dizer.
— Você está cada dia mais linda, quem sabe agora que terminou o namoro
relâmpago com o Pablo, você finalmente não me dê uma chance? ― Ele pisca um olho e
sorri de lado.
Começo a rir. Ele é um sem vergonha, mas o safado é bonito.
— Márcio, você não tem jeito. ― Sorrio, fazendo um meneio negativo.
— Minha linda, ainda não desisti de te fazer nora da minha mãe. ― Ele sorri faceiro
e eu solto uma gargalhada.
A porta do elevador abre e eu sigo sorrindo para Márcio.
— Sai de perto da minha mulher se não quiser levar um tapa na cara! — Fernando
exige, entrando com Marcela no elevador.
Na boa, nós temos um sério problema com elevador!
— Sua mulher? Desde quando? — questiona Márcio.
— Há alguns dias. Nós agora estamos namorando — esclarece Fernando, dando
alguns passos em minha direção.
— É verdade, Bianca? Vocês estão namorando? — Duvida Márcio, sorrindo.
— Claro que é brincadeira dele, Márcio. Imagina, é óbvio que é brincadeira. —
Marcela soa cínica.
— Sim, Márcio, é verdade — confirmo e Fernando me beija levemente nos lábios.
— Sério, Bianca? — Márcio indaga, sorrindo.
— Sim, estamos nos conhecendo melhor.
— Conhecendo melhor coisa nenhuma, estamos namorando! — Fernando retruca,
irritado.
— Fico muito feliz por você. Sempre soube que vocês terminariam juntos. ―
Márcio, volta a piscar um olho para mim.
— Então, pare de cantar minha mulher, seu infeliz.
Os dois acabam rindo e saem do elevador. Fernando volta a me beijar e diz que
vamos almoçar juntos.
Fico no elevador com Marcela, mas nem olho em sua direção.
— Como você conseguiu? — questiona, incrédula.
— Consegui o quê? — Eu me faço de desentendida.
— Ah, para! Uma coisa é um homem como Fernando querer matar uma curiosidade
com uma gorda, outra bem diferente é querer assumir. Você não faz o perfil de mulher
para ele ter ao seu lado na sociedade. Você é toda errada, é gorda, é negra... sei que tem
dinheiro, mas isso não muda nada. Você deveria ficar com um pagodeiro ou com aquele
nerd maluco. Fernando é lindo e gostoso, pode ter a mulher que bem entender... não
entendo como ele pôde assumir você. ― Ela não fez nenhuma questão de segurar o
veneno.
Sempre soube que Marcela nunca gostou de mim. Ela nunca fez questão de negar,
mas nunca realmente mostrou o quanto ela era preconceituosa. Ela fala com tanta raiva
quando diz que sou gorda e negra, como se isso fosse algum tipo de doença.
Algumas pessoas não entendem que quando se gosta, não importa peso, cor,
altura, classe social, mas o preconceito sempre vai existir.
Eu sei que eu vou enfrentar muito isso enquanto estiver com o Fernando, e apesar
de ter muita vontade de meter a mão na cara dela, não vou fazê-lo. Se fizer algo com ela,
vou ter que fazer com todos que demonstrarem o seu preconceito. Além disso, violência
não resolve nada.
— Marcela, você acha que uma mulher gorda deixa de ser uma mulher atraente? ―
questiono já sabendo a resposta que ela me dará.
— É claro que sim! ― Confirma com convicção.
— Eu sinto pena de você, porque um homem, quando gosta de uma mulher, ele
sente orgulho de demonstrar para todos, independentemente do corpo ou sua cor de
pele. Agora se nenhum homem nunca fez isso com você, não derrame sua amargura e
seu recalque nas pessoas felizes. Infelizmente, para você, ele gosta e muito da gordinha
aqui. E guarde o seu veneno atrás da sua goela, por que qualquer dia eu me irrito e te
denuncio por assédio moral. — Saio do elevador sem dar chance de ela falar algo.
Entro na minha sala, nervosa, com muita vontade de chorar e de quebrar alguma
coisa. Por mais que eu me ame e me aceite do jeito que sou, sempre machuca quando
ouço algo assim. Passo o restante do dia para baixo, mas consigo disfarçar.
Participo de uma reunião com minha equipe para uma apresentação para um
cliente, e eles nem reparam. Enfim, apesar de por dentro estar triste, consigo disfarçar
bem. Ligo para cancelar o almoço com Fernando. Sei que não deveria ficar tão abalada, e
normalmente consigo lidar com essas coisas, só que hoje não.
Ele, claro, não aceitou. Agora está na minha frente, me olhando curioso.
— O que houve com você? ― indaga me fitando preocupado.
— Nada, está tudo bem. Só não estou com fome. ― Ofereço um sorriso sem graça.
— Sei, você pode tentar enganar outro, Bianca, a mim não. Te observei por muito
tempo e sei quando você não está bem, e você não está.
— Você me observou?
— Sim, por quatro meses. Enquanto você me ignorava, sempre te seguia com os
olhos e sei como você está só em olhar. E você não está bem, meu amor.
Olho para ele. Será que ele realmente me ama ou é apenas empolgação de
começo de namoro? Essa resposta só vou saber com o tempo...
— Fernando, como você vai lidar quando algumas pessoas perguntarem o porquê
de você estar comigo? Como você irá reagir a isso?
— É por isso que você está assim? ― questiona, dando a volta na mesa, inclina o
corpo, me beija, pega minha bolsa e me puxa da cadeira.
— Aonde você está me levando?
— Vou te sequestrar por esta tarde.
— Não posso, tenho vários compromissos hoje à tarde.
— Rafael, por favor, cancele todos os compromissos da senhora Bianca. Hoje ela
não volta mais.
Rafael fica olhando para mim e para Fernando, sem saber o que fazer, mas noto
que o sorriso que ele sempre traz nos lábios vai morrendo aos poucos.
— Por favor, Rafael, cancele e remarque. Obrigada.
Mal dá tempo para falar, pois Fernando vai me puxando em direção ao elevador, e
liga para secretária dele para pedir para cancelar os seus compromissos. Chegando ao
estacionamento, vamos em direção ao carro dele.
— Vou te seguindo com o meu carro.
—Não, vamos no meu. Depois voltamos para pegar o seu.
— E para onde vamos?
— Vamos a um lugar onde vou te mostrar o quanto eu amo você, e que eu cago e
ando para que os outros falam.
Estou amando esse jeito homem das cavernas dele. Devo estar entrando na TPM
para estar tão emotiva, só pode. Seguimos em silêncio, e depois de vinte minutos,
entramos em um motel luxuoso. Ele pega a chave e seguimos para o apartamento,
estaciona, saímos do carro e entramos no quarto. É um lindo quarto. Deixo a minha bolsa
em cima da mesa, sigo para a janela, e observo a linda vista para o mar.
Não estou no clima de romance, nem de sexo. Fernando vem por trás, beija meu
ombro, me abraça.
— Vou preparar um banho de banheira para a gente — murmura no meu ouvido,
quando vou protestar, ele me cala com um beijo. — Calma, amor, é só para relaxar, você
está muito tensa. — Ele me beija de novo e vai para o banheiro.
Continuo olhando para a bela vista, meio desanimada. Pouco tempo depois, ele
volta e me leva para o banheiro, me beija devagar e tira minha roupa. Entro na enorme
banheira dupla, ele entra logo depois e senta atrás de mim, pega a bucha, e começa a
me ensaboar.
— Sei que você não acredita quando eu falo que a amo. — Começa a falar e fico
calada. — Eu vou mostrar a você todos os dias o quanto você é importante para mim —
afirma de forma calma e carinhosa e uma lágrima cai no meu rosto, mas continuo calada.
— Você me perguntou hoje o que eu vou falar quando as pessoas me perguntarem
porquê eu estou com uma mulher gorda.
— Sim.
— Vou falar que você é perfeita para mim. Que você é a mais linda, maravilhosa e
gostosa mulher que eu já tive. Vou dizer que amo cada parte do seu corpo, porque ele é
seu, e eu te amo.
Eu me viro para ele. Quero olhar nos olhos dele enquanto ele fala.
— Vou dizer que cada vez que olho para você, desde que te vi, não consegui ter
desejo por outra mulher, e que quando tentei ficar com outra com a intenção de te tirar da
cabeça, só consegui porque fechei os olhos e pensei em você, em todas as suas curvas,
que mesmo com outra mulher, na hora do ápice chamei seu nome.
Ele encosta a testa na minha.
— Vou dizer que eu a amo, e se mesmo assim alguém vier falar merda, vou rir da
cara da invejosa ou do infeliz. Sim, porque, se for homem, com certeza é um infeliz que
não tem uma mulher maravilhosa como você em sua vida; e se for mulher, é uma invejosa
por não ser tão linda como você — diz emocionado, acariciando meu rosto.
Engulo em seco, sentindo algo que ainda não sei definir.

Fernando

Nunca na minha vida imaginei fazer uma declaração de amor. Entretanto, foi tão
espontâneo, tão sincero, e realmente quis dizer cada palavra a ela. Ela não sabe, mas
hoje já ouvi algumas merdas de Marcela, que depois de uma reunião de negócios,
insinuou que seria uma melhor opção que Bianca.
Meu primeiro pensamento foi enfiar a mão na cara dela, mas como nunca seria
capaz de levantar a mão para uma mulher, não fiz. O segundo foi xingá-la, mas imaginei o
escândalo que ela faria e Marcela queria um motivo para fazer barraco. Conheço esse
tipo de mulher, quando desprezada, quer fazer escândalo. Então eu apenas lhe dei uma
advertência, que se por acaso eu a visse tratar Bianca de forma preconceituosa dentro da
empresa a despediria por justa causa.
O mais engraçado dessa situação é que nunca dei qualquer indício de que me
interessava por ela, sempre a tratei profissionalmente. Para falar a verdade, eu nunca me
envolvi com ninguém que trabalhei, apenas com Bianca. Então quando Marcela disse
isso, eu apenas fechei a cara e falei que isso era um assunto particular, e que nunca
havia lhe dado intimidade para falar da minha vida pessoal, e pedi que se retirasse. Ela
fez cara de choro. Mulher invejosa.
A outra pessoa foi Felipe, nosso advogado e amigo. Márcio estava me
parabenizando e me zoando por finalmente ter me entendido com Bianca, quando Felipe
se meteu na conversa, dizendo: “mas ela é muito gorda”. Mais uma vez, me deu vontade
de agredir alguém. Felipe até deu um passo para trás quando notou que não gostei. Eu
disse que Bianca é muito linda e que ele não tinha que se meter onde não devia. Felipe
me pediu desculpas e saiu... bem que já vi aquele infeliz olhando a bunda da minha
mulher mais de uma vez. É um safado que, com certeza, tem desejo por gordinha, mas
não admite. Bem, a verdade é que eu já fui como ele, ou até pior, mas graças a Deus,
Bianca apareceu na minha vida.
Pode ser clichê ou piegas, mas a verdade é que tudo mudou depois que a vi. E
agora, a olhando com os olhos marejados, demonstrando estar tão indefesa, a minha
vontade é de protegê-la contra tudo e contra todos. Sei que essa aparente fragilidade é
passageira, minha Bianca não é assim, ela é forte e age com cautela e frieza, mas é
maravilhoso conhecer esse lado dela, e estou muito feliz que ela confie o suficiente em
mim para deixar que eu veja esse lado que sei que poucos conhecem.
Ela me beija devagar, encosta a testa na minha, e fala:
— Eu acho que estou me apaixonando por você. Por favor, não me machuque.
— Meu amor, eu nunca vou, intencionalmente, te machucar. Você sabe que às
vezes sou um babaca e sou novo nessa história de relacionamento — prometo, beijando
a testa dela.
— Não se esqueça de palerma — completa, sorrindo.
— Sim, também.
— Sei que não é perfeito, muito menos eu. O que quero saber é se isso tudo que
me falou é verdade... é o que realmente sente?
— Sim, é o que eu realmente sinto. Você é perfeita para mim. — Volto a afirmar e a
beijo.
— Não, não sou. — Baixa a cabeça e estremece.
— Vamos sair daqui a água está ficando fria e você está estremecendo, e não é de
prazer.
Rindo, saímos da banheira, nos secamos e fomos para o quarto. Ela foi pegar a
roupa.
— Ei, aonde você pensa que vai? — Tiro a roupa da mão dela e a abraço.
— Temos que voltar. Estamos no meio do dia.
— Esqueceu que cancelei todos os nossos compromissos?
— Não vou ser boa companhia hoje, meu anjo. — Encosta a cabeça no meu ombro.
Levanto a cabeça dela, ponho o cabelo atrás da orelha, seguro seu rosto e a beijo.
Vou tirando a toalha dela e andando em direção à cama até ela deitar.
— Você sempre será uma ótima companhia.
Fazemos amor devagar, olhando um para o outro. Chegamos ao ápice e nos
beijamos.
— Eu amo você — declaro ofegante.
Ela sorri e me beija.
Não vou negar que me incomoda ela não dizer que me ama. Vou saber conquistá-la
e fazê-la acreditar que eu a amo. Passamos a tarde juntos. À noite, eu a levo para o
estacionamento, ela pega o carro e segue para casa.
Queria que ela ficasse comigo, mas me disse que seus pais chegariam hoje. Fiquei
esperando um convite para conhecer seus pais, que não veio. Confesso que também não
gostaria que ela conhecesse meu pai agora, não enquanto não tiver certeza dos
sentimentos dela por mim. Ela poderia se afastar por causa da minha família complicada.
Não quero pensar neles agora, estou muito feliz para isso. Vou para casa, tomo
banho, e recebo uma ligação de Márcio marcando uma cerveja e o encontro em um bar
perto de casa.
— Meu amigo, que sorriso é esse, hein.
— Sorriso de quem está muito feliz.
— Eu disse desde o começo que vocês ficariam juntos.
— É verdade — concordo, sorrindo.
— Como vão as coisas? Muito bem pelo que parece.
— Entre nós está tudo bem. Estaria melhor se ela acreditasse que a amo.
— Como assim amor? Vocês estão juntos há alguns dias, e você já está falando em
amor?
— Claro que sim! Passei semanas na fossa por ela e você sabe disso. Não vou
mais negar nem para mim, nem para ninguém, que a amo.
— Mas, cara... mulher como Bianca, que é independente e inteligente, corre e muito
se o cara for muito afobado.
— Não é questão de ser muito afobado. Nunca senti isso, cara, estou muito feliz.
— Nota-se, mas vá com calma, senão vou começar a estranhar. Mulher é que vem
com esse papo de amor logo no começo.
— Você fala isso porque nunca se apaixonou.
— Já sim, fui noivo de uma mulher fisicamente muito parecida com Bianca, mas
não deu certo... um dia te conto. Não estamos falando de mim, e sim de você. E por que o
casal de pombinhos não está junto hoje?
— Os pais dela estão na sua casa por esses dias. Confesso que não gostei de ela
sequer mencionar me apresentar a eles.
— Cara, para de viadagem! Está parecendo mulher falando. Estou vendo que
Bianca vai ser o homem da relação.
— Vá à merda, Márcio! Já disse não estou brincando, quero um relacionamento
sério.
— Tudo bem, eu paro. Acho legal a sua atitude, mas você sabe que os meninos vão
cair em cima, te sacaneando.
— Não ligo. Acho que tenho que ter uma atitude de homem e assumir o que eu
quero, e eu a quero. Vou conquistá-la devagar, e pelo menos ela está me dando a
oportunidade de tentar, e sei que vou conseguir. Sei que estou parecendo um
adolescente, mas estou completamente apaixonado, e Bianca é, de longe, a melhor
mulher que tive... me satisfaz por completo.
— Tem que me agradecer por não a ter conquistado. Ela teria caído na minha lábia
facilmente.
— Você não me põe medo. Tenho mais medo de um nerd que de você. Acho que
toda vez que um cara tipo intelectual chegar perto dela vou ficar incomodado. Tenho
quase certeza que ela não iria se interessar por um sedutor. — Ambos caímos na risada.
— Agora, falando sério. Você está querendo ser apresentado a família dela, e
pensa em apresentá-la a sua família agora? Já pensou na dor de cabeça que você vai
ter? Bianca não leva desaforo para casa.
— Por isso que não pedi para ela me convidar. Quero estar bem seguro do nosso
relacionamento antes de apresentá-la àquele covil de cobras.
— Você quer é se garantir, fazê-la te amar tanto, a ponto de que isso não abale
vocês.
E rimos juntos.
— Fernando, na boa, você sabe que vai dar merda.
— Sim, sei que vai.
Conversamos por mais algum tempo, e depois fui para casa. Mandei uma
mensagem para Bianca, e fui dormir pensando em como ela está me fazendo feliz, e mais
uma vez, prometendo que não vou deixar nada abalar isso.
Capítulo 11

Bianca
Assim que chego no meu prédio, fico um tempo no carro, pensando em tudo que
havia acontecido hoje. Respiro fundo, e sigo para o meu apartamento, antes de entrar
ponho um sorriso no rosto, e ao abrir a porta sou pega em cheio pelo cheiro maravilhoso
da comida da minha mãe.
— Boa noite, pai. Fez boa viagem? — pergunto ao meu pai que está sentado no
sofá assistindo tv.
— Oi, minha filha, fiz sim. Como você está linda. ― Elogia me olhando de cima a
baixo.
— Obrigada, pai.
— Mãe, como a senhora está?
— Bem, minha filha. Você está mais magra... está fazendo essas dietas malucas de
novo?
— Não, mãe, nada de dieta maluca. Apenas faço dança e tento comer menos
besteira, mas nunca vou ser magra, apenas estou mais saudável.
— Graças a Deus! Você sabe que homem gosta de carne, sempre te falei isso.
Minha mãe sempre me pôs para cima.
— Que cheiro maravilhoso é esse?
— Estou fazendo macarrão aos quatro queijos e salada verde.
— Hum, vou tomar um banho e já venho jantar. Gugu não veio?
— Não, está em época de provas, mas pedi sua tia para ficar de olho nele. Ele vai
ficar na casa dela até voltarmos. Se deixar ele sozinho em casa, aquilo vira puteiro.
— Não duvido nada. ― Rimos juntas.
— Michele vai jantar aqui amanhã. Ela se convidou há vinte minutos. ― Ela sorri ao
citar minha amiga
— Ela não tem jeito. ― Beijo seu rosto e sigo em direção ao meu quarto.
Vou tomar meu banho, e debaixo do chuveiro, observo que meu corpo está cheio
de marcas de chupão. Nunca um homem me tratou com tanto carinho e ao mesmo tempo
com tanta paixão como Fernando. Foi linda a declaração, ele demonstrou que ama meu
corpo.
Sorrindo, acabo meu banho, me visto e vou jantar com meus pais. Ponho os
assuntos em dia e fico sabendo das novidades da família. Meus pais vão dormir cedo por
causa dos exames de amanhã, aproveito para lavar a louça, e vou para o quarto.
Deito, olho o celular e vejo que tem uma mensagem de Fernando.
Meu amor, já estou sentindo a sua falta. Queria ter você aqui agora comigo.
Sorrindo, respondo:
Meu anjo, você me deixou cheia de chupões,
mas eu amei cada momento que passei com você.
Espero ansiosa pelo amanhecer pra ver e beijar
você. Beijos, e tenha uma ótima noite.
Espero um pouco, e como ele não responde, imagino que já esteja dormindo.
Apago a luz, e me deito pensando que nunca fui tão feliz.
Acordo com o toque do celular.
— Alô.
— Bom dia, meu amor.
Tiro o aparelho da orelha e vejo as horas.
— Meu anjo, são cinco horas da manhã!
— Eu sei, amor.
— Aconteceu alguma coisa? Você está bem?
— Nada aconteceu, está tudo bem.
— Meu anjo, eu não sou uma pessoa muito feliz quando sou acordada antes do
horário — digo, começando a ficar irritada.
— Hum, bom saber. — Ri.
— Ainda tenho uma hora e quarenta e cinco minutos de sono. O que houve para
você me ligar a essa hora da madrugada?
— Pode ser apenas para dizer que eu te amo?
— Meu lindinho, gosto muito de você. Contudo, dispenso declaração às cinco da
manhã.
Ouço a risada dele e fico mais irritada ainda.
— Vou desligar, hein.
— Calma, amor... é sério. — Consegue controlar o riso.
— Então fale, porque agora só tenho uma hora e quarenta minutos de sono, e pare
de rir.
— Amor, eu te liguei para dizer que te amo, que sonhei com você, e que ontem não
usei camisinha.
— Como?
— Não usei camisinha em nenhuma das vezes que fizemos amor.
— Eu sei, Fernando. Seria impossível não sentir.
— Não sei se você toma anticoncepcional, mas se não tomar, gostaria de pedir para
você não tomar a pílula do dia seguinte.
Agora sim meu sono foi embora de vez.
— Você não precisa ficar preocupado com uma possível gravidez.
— Não estou, mas se o amor que fizemos der frutos, não quero que ele seja
eliminado antes mesmo de ter a chance de se tornar uma vida.
— Fernando, essa não seria uma decisão apenas sua.
— Bianca, você é a favor do aborto?
— Fernando, eu acho que essa é uma decisão pessoal de cada mulher e ninguém
tem que julgar. Porém, eu particularmente, nunca faria um aborto. Contudo, também não
acho que usar a pílula do dia seguinte seja um aborto.
— Eu sou totalmente contra o aborto. Vejo isso acontecer na minha família com
muita frequência e não quero isso na minha vida.
— Meu anjo, já disse, não precisa se preocupar com uma gravidez indesejável.
— Nunca uma gravidez seria indesejável, Bianca. Eu iria assumir e amar, e nada é
cem por cento confiável, anticoncepcional às vezes falha.
— Eu tomo anticoncepcional diariamente porque tenho endometriose, e esse é um
dos tratamentos.
— E o que isso tem a ver com gravidez?
— Normalmente quem tem endometriose tem grandes dificuldades para engravidar.
— Mas é possível?
— Sim, é possível. A maioria das mulheres que tem esse problema recorre a
tratamento para engravidar, pois naturalmente é difícil... acontece, mas é difícil. Por isso
não precisa se preocupar, e pode voltar a dormir em paz. Eu não estou grávida, e você
não corre o risco de ter um filho meu.
— Agora.
— Como, não entendi?
— Eu quero ficar muito tempo grudado em você antes de termos filhos.
Ok, para tudo! Como assim? É impressão minha ou ele disse que quer casar
comigo e ter filhos? Ou quer apenas ter filhos comigo?
Ai, meu Deus! Como o cara joga uma bomba dessas às cinco da manhã!
— Fernando, isso é uma coisa que só o tempo vai dizer. Agora eu vou aproveitar
minha uma hora de sono. — Mudo de assunto, senão vou surtar.
— Tudo bem, minha dorminhoca linda. Vou te buscar para irmos para empresa
juntos.
— Hoje não dá, meu lindo. Vou dar carona a Michele.
— Bianca, me diz uma coisa, essa sua amiga não tem carro?
— Não, e nem pretende comprar. Amo dar carona a ela, vamos conversando e
pondo o papo em dia. Ela é minha melhor amiga, doidinha, mas muito legal. Não sou o
tipo de pessoa que fica rodeada de amigos, sou mais reservada, mas valorizo e muito os
poucos que tenho.
— Ou seja, é para eu não me meter com seus amigos.
— Sim, exatamente isso — confirmo, sorrindo.
— Ok, então nós veremos na empresa, meu amor.
— Beijos, meu anjo.
Desligo e nem tento mais dormir, porque sei que não vou conseguir.
Nem vou ficar pensando em filhos, primeiro, porque tudo é muito recente entre nós.
Segundo, porque sei que isso será uma grande dificuldade para mim, e não quero ficar
triste, nem ter esperanças de um futuro que talvez nem aconteça.
Michele com certeza vai dizer que estou sendo pessimista, mas estou sendo
realista. Esse conto de fadas não acontece com pessoas como eu. Para falar a verdade,
acho que só em livros.
Não sou nenhuma frágil, virgem e indefesa como as mulheres descritas nos
romances. Ainda é muito difícil acreditar nesse amor todo que Fernando diz sentir, está
tudo muito recente.
Perdida em meus pensamentos, nem vejo o tempo passar, e me assusto com o
despertador, dou um pulo da cama e me preparo para o dia.
— Hum, que cheiro bom! — Entro na cozinha e vejo meu pai sentado à mesa e
minha mãe fazendo café.
— Bom dia. Senta, filha, estou fazendo a tapioca que você ama.
— Bom dia, mãe. Bom dia, pai.
Sento e tomo café, a campainha toca e meu pai vai atender. Michele entra toda
feliz.
— Bom dia, tio. Bom dia, tia. Hum, que cheiro bom, estava com saudades da sua
comida.
— Senta, minha filha. Vou fazer uma tapioca para você.
Tomamos café conversando, me despeço dos meus pais, e sigo para o carro com
Michele.
Vamos conversando e ela me faz rir, como sempre. Eu a deixo no curso e sigo para
o meu trabalho. Estaciono, vejo meu namorado conversando com Márcio e o novo
advogado, Felipe, vou andando em direção a eles. Fernando me vê, vem em minha
direção e me beija com paixão.
— Que saudades que estava de você, meu amor. — Cheira o meu pescoço.
— Também estava, meu anjo. Vamos andando, senão os guardas nos prendem.
— Não sei por que, não estou fazendo nada de errado. Apenas beijando minha
namorada, e estou me lixando para quem ver e não gostar. Que se danem eles.
— Eles irão me prender por abuso sexual.
— Pode abusar que eu não ligo.
— Safado! Infelizmente, aqui não podemos, estamos na frente da empresa.
— Droga, é só chegar perto de você que fico animado.
— Almoça comigo hoje, que prometo cuidar direitinho do seu problema.
— Amor, não fala assim que fico louco, mas infelizmente, não posso. Tenho uma
reunião.
— Ok. Passo pela sua sala para te dar um beijo antes de sair.
Vamos andando em direção de Márcio e Felipe, e vejo o Senhor Arino. Eu o chamo
e vou em direção a ele.
— Como vai, Senhor Arino, tudo bem? Peça para sua filha não esquecer que
assim que terminar o curso, vai estagiar comigo, ok?
— Oh, dona Bianca! Precisa não, ela se arruma por aí.
— Claro que precisa! Fala para ela me avisar assim que terminar.
— Mas, dona Bianca, seu chefe vai se incomodar. A gente dá um jeito.
— Senhor Arino, se o meu chefe não quiser aceitar, eu pago do meu bolso.
— Desculpe, mas do que vocês estão falando? — Fernando pergunta.
— A filha do Senhor Arino está se formando em poucos meses, e eu quero que ela
estagie comigo.
— Oh, Senhor Fernando, eu disse para dona Bianca que o senhor não iria gostar.
Dona Bianca já fez demais.
— Não se preocupe, Senhor Arino, sou o chefe da Bianca e eu a autorizo a
contratar quem ela quiser como estagiária.
— Oh, muito obrigado! Vou avisar minha menina, a dona é um anjo — agradece,
despede-se, e seguimos para o elevador.
— Fernando, você disse isso por que estamos juntos?
— Claro que não, Bianca. Todos nós precisamos começar de algum lugar, e acho
muito legal o que você está fazendo pela filha do Senhor Arino. Minha decisão foi
profissional. Vai ser muito bom para ela estagiar aqui, e se for boa, talvez possamos
efetivá-la no futuro.
Entramos no elevador, que está cheio. Começo a rir, e Fernando me olha sem
entender. Eu me aproximo dele e falo no seu ouvido:
— Quando não estávamos juntos, sempre encontrávamos o elevador vazio, e você
sempre me agarrava. Agora que estamos juntos, o elevador está lotado.
— É verdade, mas te agarro assim mesmo — afirma e segura minha bunda.
Escutamos alguém reclamar e nos separamos. Rindo, saio no meu andar. Meu dia
foi tenso, culpa do meu chefe que cancelou meus compromissos ontem, mas valeu a
pena. A manhã passou correndo, e finalizou com um almoço de negócios. Na volta passo
pela sala do meu namorado para dar um beijo, e a secretária me avisa que ele está na
sala de reuniões. Vou até lá e ouço vozes alteradas.
Fernando e Pedro estão discutindo sobre um projeto, mas as vozes de ambos estão
muito alteradas, como se a qualquer momento fossem sair no tapa. Pedro começa a
provocar Fernando com insinuações sobre mim, dizendo que só ponho pressão, mas que
na hora “H”, vou fugir e fazer Fernando de babaca, como fiz com ele. Ouço Márcio
tentando acalmar as coisas, e outras vozes de deixa para lá.
Esse Pedro é um ridículo. Não sei onde estava com a cabeça de achar que algo
daria certo entre nós. O cara é um idiota que não sabe levar um não.
Respiro fundo e entro na sala.
— Boa tarde a todos, desculpe atrapalhar. ― Caminho em direção a Fernando, vejo
que ele está visivelmente abalado. Chego bem perto dele, seguro o rosto com carinho e
dou-lhe um beijo bem sensual, ouço alguém roçando a garganta e interrompo o beijo.
— Meu anjo, eu tenho algo muito sério para falar com você agora. Será que você
poderia me dar dez minutos? — murmuro sensualmente no seu ouvido, mas alto o
suficiente para o infeliz do Pedro, que estava a nossa frente, ouvir.
— Estamos em uma reunião de negócios que não pode ser interrompida — protesta
Pedro, demonstrando toda a sua insatisfação.
Inalo e solto o ar em uma forte baforada antes de retrucar.
— Mesmo? Pois para mim parecia mais uma sessão de gritaria que uma reunião de
negócios. Eu, particularmente, acho que seria interessante uma pausa para acalmar os
ânimos. ― Viro meu rosto para Fernando e sorrio. ― O que você acha, meu anjo? ―
indago fazendo um carinho em seu rosto.
— Vamos fazer uma pausa para um café e voltaremos em quinze minutos —
Fernando decide, sem desviar os olhos dos meus.
— Isso é um absurdo! Não vou sair daqui, e vamos continuar a reunião! —
esbraveja Pedro revoltado.
Pego a mão de Fernando e o levo para fora da sala.
— Se quiser, pode continuar na sala Senhor Pedro, mas tenho certeza que todos
aqui precisam de um café. Vou pedir para a secretária nos servir e faremos uma pausa —
anuncia Márcio, me piscando um olho.
Falo um obrigado mudo, levo Fernando para a sala dele, e vejo a secretária saindo
para atender ao Márcio. Assim que entramos, Fernando começa a andar de um lado para
o outro.
— Vou acabar o agredindo de novo!
— Meu anjo, calma. Ele não vale a pena.
— Ele fica me provocando, dizendo que quase te teve e outras merdas. Fico louco
só em saber que ele pôs as mãos em você.
— Meu lindo, como você disse, ele quase me teve.
Seguro seu braço, o levo até o sofá, sento em seu colo e ponho meus braços em
volta do seu pescoço.
— Mas você me tem, aqui e agora. Sou toda sua, meu anjo. — Beijo ele devagar,
conduzo minha cabeça em direção ao seu pescoço e o mordo, ele geme e dá um firme
aperto em minha coxa.
― Você está me deixando duro. ― Ele segura minha cabeça com ambas as mãos e
chupa meu lábio inferior.
Rebolo em seu colo o fazendo gemer contra a minha boca.
— Se você não parar eu vou gozar nas calças — pede segurando minha cintura.
— Prefiro que goze em minha boca. — Pisco um olho e desço do seu colo e me
acomodo entre as suas pernas.
Ele faz um contorno do meu rosto com as mãos fazendo um delicioso carinho
enquanto abro o zíper da sua calça.
Seguro seu pau com ambas as mãos o masturbando e ele inclina o rosto e me
beija, sugando minha língua no processo.
Desvio minha boca da sua e lentamente passo a língua por todo a extensão do seu
pau e em seguida o introduzo todo em minha boca o sugando vigorosamente enquanto
sigo o masturbando com as mãos.
Fernando segura meus cabelos, fito seus olhos e intensifico a sugação.
O vejo abrir e fechar a boca, sugar o ar e jogar a cabeça para traz e gemer
baixinho, pouco tempo depois, ele goza em minha boca.
Levanto e vou em direção ao banheiro, de frente ao espelho fito meu rosto e sorrio,
um sorriso travesso. Escovo os dentes e quando volto para a sala encontro Fernando na
mesma posição de olhos fechados.
— Está mais calmo? — indago mordendo o lábio inferior.
— Sim, precisava sentir que você é minha. ― Ele fecha a calça e eleva a mão em
minha direção em um convite mudo.
Dou alguns passos em sua direção e volta a sentar em seu colo.
— Fernando, estamos juntos. Não vou correr ou brincar com você, eu quero você,
quero estar com você. — Encosto a testa na sua e beijo seu nariz.
— Eu amo você, e morro de ciúmes. — Beija meu pescoço.
— Não fale assim que fico toda mole. — Seguro sua mão quando ele faz menção
de me tocar. — Não, está na hora de voltar para reunião. Não caia nas implicâncias de
Pedro.
— Esse infeliz pode falar o que quiser que não vai conseguir tirar esse sorriso do
meu rosto.
Nós nos beijamos, e ao saímos da sala, ele segue para a sala de reunião, e eu para
minha. No meio do caminho, encontro Pedro e Marcela.
Que má sorte! Tento passar por eles com um sorriso e um boa tarde, mas
infelizmente, Pedro me para,
— Quer dizer que você está namorando o Fernando? — inquire segurando meu
braço.
— Sim, por quê? algum problema? — Saio do seu aperto, cruzo os braços e levanto
a sobrancelha.
— Comigo você apenas quis brincar. — Pedro não esconde o quanto a minha
negativa o incomodou.
Marcela se mantém em silêncio me fitando com visível desagrado.
— Aposto que você vai brincar com ele como brincou comigo — Pedro, afirma
debochando.
— Primeiro, não brinquei com você. Estávamos apenas nos conhecendo e não
gostei muito do que conheci. E segundo, você tem razão, vou brincar muito, onde e
quando o Fernando quiser, porque amo brincar com ele. Desejo que tenham uma ótima
tarde. — Me despeço de ambos feliz por ter me controlado.
Capítulo 12

Fernando
Entro na sala de reunião com um sorriso de orelha a orelha. Sento e Márcio se
posiciona ao meu lado.
— Vejo que está mais calmo, cara. Pensei que você daria na cara do Pedro.
— Bem que ele merecia.
— Bianca lhe faz muito bem, nunca vi você se controlar tão rápido. Ela chamou e
você foi parecendo um cachorrinho abanando o rabo, e voltou com esse sorriso sem
vergonha.
— Ela realmente me faz muito bem, nunca encontrei uma mulher assim. Mas
depois conversaremos, o babaca do Pedro está voltando com Marcela.
— Se controla cara, não caia na pilha dele.
— Relaxe, Márcio... nada do que ele me falar vai me desestabilizar.
— Sei! Há cerca de meia hora você estava querendo pegá-lo de porrada.
— Mas aí Bianca apareceu e tudo mudou. Tudo ficou assim, digamos, mais
tranquilo.
— Nem vou perguntar o que ela fez, porque provavelmente, vai me dar uma
porrada na cara.
— Homem esperto, você me conhece — admito, rindo, e logo começo a reunião.
Pedro está com um mau humor do cão, e continua com as suas insinuações toscas, é um
idiota infeliz.
A reunião acaba tarde, e apesar de Pedro ter feito tudo para me irritar, não
conseguiu. Nada tirava meu sorriso. Antes de sair da sala, um dos executivos pergunta se
todos não gostariam de relaxar em um bar próximo.
— Bem, tenho que perguntar a minha namorada se ela quer ir. — Dou uma
desculpa, tentando sair do compromisso.
— Em tão pouco tempo, Bianca já está mandando em você? Eu nunca perguntaria
a uma mulher se poderia sair, ou pior, se ela não fosse, eu não iria. — Dispara em tom de
deboche.
Por mais que eu queira esganá-lo, estamos na empresa e não vou fazer isso aqui,
então, respiro fundo antes de falar:
— Bem, se ela não quiser ir, eu não vou. Tenho uma mulher maravilhosa e vou
fazer o possível para mantê-la sempre satisfeita. Deve ser por isso que ela está comigo, e
não com algum otário que vivia atrás dela. — Sorrio desdenhoso.
— Bem, pessoal, vamos indo para o barzinho. Você fala com Bianca, e depois nos
encontraremos lá — Márcio diz, como sempre tentando abrandar os ânimos.
Saio logo dali, antes de perder a paciência. Vou para minha sala, termino de
resolver alguns assuntos de trabalho pendentes, ligo para mulher e peço para ela passar
na minha sala antes de sair. Márcio bate à porta e entra.
— Pensei que já estivesse no bar — indago assim que Márcio entra.
— Não, tinha algumas coisas para resolver antes de ir, e também queria falar com
você a sós — revela, sentando.
— Parece sério. Aconteceu alguma coisa?
— Cara, se eu fosse você, nem comentaria nada com Bianca, e não iria ao bar.
— Por quê? Vai me dizer que você pensa como aquele Zé Ruela do Pedro?
— Claro que não! Estou muito feliz por você ter mudado tanto e estar lutando pelo
que quer.
— Então, qual é o problema de falar com Bianca?
— Falando em Bianca, já deu para notar a influência dela nas suas atitudes. Você
parecia como ela falando, cheio de ironias inteligentes.
Caímos na risada juntos.
— Ouvi tantas ironias e foras dela nesses últimos meses que acho que aprendi
alguma coisa.
— Você agiu bem, eu fiquei com medo de dar merda.
— Mudando de assunto, por que você acha melhor não irmos?
— Eu ouvi a Marcela dizendo ao Pedro, que ia chamar algumas mulheres que você
já saiu para o bar, somente para pôr ciúmes em Bianca e dar em cima de você.
— Márcio, eu e Bianca já conversamos sobre isso, sempre haverá pessoas que vão
falar por estarmos juntos.
— Cara, na boa, eles querem ver o circo pegar fogo. Você está se segurando o dia
todo por estar na empresa, imagina se alguém falar besteira para Bianca? Vai dar merda,
é melhor evitar.
— Mas são um bando de infelizes mesmo. Até entendo o porquê da raiva de Pedro,
pois se estivesse no lugar dele, conhecendo Bianca como conheço agora, também
estaria. Mas a Marcela, qual é a dessa mulher?
— Ciúme! Coisa de mulher invejosa, essas são as piores.
— E eu com medo da Angélica.
— Tinha esquecido dessa maluca. Fernando, você está muito ferrado.
— Ontem meu tio me ligou me chamando para jantar. Consegui me esquivar, mas
não vou conseguir despistá-los por muito tempo, mais cedo ou mais tarde eles vão saber
do meu relacionamento com a Bianca.
— E exatamente por que você quer despistar? Pensei que você cagava para o que
o povo falava.
— E não ligo mesmo! Mas também não quero trazer dor de cabeça para meu tio
neste momento delicado da saúde dele; e você sabe que a enteada dele é maluca.
— Nisso você tem razão. Cara, a mulher do seu tio e a filha dela vão surtar, sem
falar nos seu pai. Você está muito, mais muito ferrado.
— Eu não ligo para o que os outros pensam. Bianca é linda e não tenho porque ter
vergonha dela. O problema é que ela ainda não confia em mim, nem no nosso
relacionamento, e não quero que nada atrapalhe; e tenho certeza que Angélica e minha
família vão fazer de tudo para atrapalhar.
— Então não a leve hoje no bar.
— Acho que você tem razão, o melhor seria não a levar.
— Não me levar exatamente onde?
Levanto a cabeça, e Bianca está apoiada na porta, de braços cruzados, olhando
para nós.
— A Marcela me disse que vocês iriam a um bar para um happy hour. Se você
quiser ir, por mim, tudo bem.
— E você não liga de eu ir? Não fica com ciúmes?
Ela sorri e vem andando em minha direção.
— Não, não ligo. Afinal estamos juntos, não estamos? Você não é nenhum moleque
e me respeita, tem todo o direito de sair com amigos, como eu também tenho.
— Eu quero uma namorada assim — Márcio fala, sorrindo e piscando para Bianca.
— Some daqui, Márcio! Vá procurar uma mulher em outro lugar, essa aqui já é
minha.
— Posso falar para o pessoal que vocês não vão?
— Pode falar, porque eu não vou sozinho.
— É melhor assim, evita dores de cabeça.
— Por que Fernando teria dor de cabeça indo sozinho ao bar, Márcio? — Bianca
pergunta, levantando uma sobrancelha.
— Bianca, Marcela está querendo criar confusão, por isso é melhor vocês não irem
— afirma Márcio, e ela cruza os braços.
Merda! Que vontade de esganar Márcio! O homem não tem filtro, não sabe quando
ficar de boca fechada.
— Como assim? Deixa-me ver se eu entendi, vocês não querem que eu vá ao tal
bar porque Marcela está querendo ibope? — Bianca questiona com a mão na cintura.
— Meu amor, você mesma disse que seus pais ainda estão na sua casa.
— Mas nem ferrando que eu vou correr por que ela quer confusão. Agora sou eu
que quero ir nesse tal bar.
— Amor, seus pais...
— Pode parar, Fernando. Eu aviso aos meus pais que hoje vou chegar mais tarde,
mas eu vou, ou melhor, vamos.
Olho para cara de Márcio, querendo matar esse infeliz bocudo de merda.
— Bem, vocês decidem. — Márcio levanta a mão. O linguarudo sai de fininho. Logo
minha secretária entra e me diz que já está indo.
Bianca está andando de um lado para o outro, falando sozinha, revoltada. Vai ser
difícil fazê-la desistir dessa ideia de sair, mas eu posso desviar a atenção dela como ela
fez comigo mais cedo. Chego perto dela, a abraço por trás, dou um cheiro no pescoço
dela, e a sinto ficar arrepiada. Ponho o cabelo dela de lado, e percorro seu pescoço com
beijos e pequenas mordidas.
— Meu anjo, aqui não.
Viro-a de frente e a beijo devagar. Desço a mão e a aperto, aproximando seu corpo
do meu.
— Fernando, alguém pode entrar.
— Não tem ninguém aqui, ninguém vai atrapalhar. Tenho uma fantasia com você
faz tempo.
— E qual é?
— Fazer amor com você na minha mesa.
Ela sorri, tira alguns papeis, senta na mesa cruza as pernas e apoia ambas mãos
na mesa de modo que elas fiquem em suas costas e inclina o corpo para trás.
— Então, realize a sua fantasia. — Ela sorrir, um sorriso faceiro e sensual.
— Como eu amo o seu jeito, sua segurança, sua sensualidade. Pensando melhor,
por que, ao invés de fazermos no escritório, não passamos algumas horas maravilhosas
em um lugar bem aconchegante? — questiono, beijando e mordendo o pescoço dela.
— Seria maravilhoso —responde e sai da mesa.
— Seria? Você me disse que seria minha sempre, como e quando eu quisesse.
— Sim, e sou. Só que hoje não.
— Amor, se for pelo seus pais, antes das nove da noite te levo para casa. Vamos,
amor?
— Outro dia, meu anjo. De jeito nenhum que eu vou correr de um confronto com a
Marcela. Se o seu objetivo é desviar minha atenção, esqueça, por que mesmo que você
não queira, eu vou.
— Amor, esqueça isso... não vale a pena.
— Fernando, se nos acovardarmos agora, vamos viver sempre assim, nos
escondendo; e isso não aceito. Nunca fui mulher de correr de um desafio, e não vou
começar agora. Vou na minha sala me arrumar e retocar a maquiagem para ir ao bar. —
Ela me beija e sai, e eu tenho a nítida sensação que isso vai dar ruim...

Bianca

Saio da sala de Fernando com as pernas tremendo e louca de raiva. Se ele acha
que pode me controlar com sexo, está muito enganado. Imagina querer que eu mude de
ideia! Vou resmungando e nem vejo Pablo pela minha frente, e acabo trombando nele.
— Ei, calma. O que houve?
— Desculpe, Pablo, nem te vi.
— Bem, isso eu notei. Você está bem?
— Sim, tudo bem.
— Bianca, você é uma péssima mentirosa. Me fala, o que houve? Por que você
está toda agitada?
— Meu amigo, não quero ficar te ocupando com os meus problemas. Não é nada,
não se preocupe.
— Como você mesma acabou de dizer, somos amigos. Então fale.
— Tudo bem, mas não aqui no corredor. Venha até a minha sala.
Vamos andando, e assim que chego na minha sala, peço café ao meu secretário e
falo que ele pode sair mais cedo.
— Então, Bianca, o que está te irritando tanto?
— Nossa colega de trabalho, Marcela, está armando para mim e Fernando.
— Ah, é isso.
— Como assim, é isso?
— Na empresa só se fala disso. Para falar a verdade, essa mulher só sabe
reclamar de você e dizer que Fernando é maluco.
— Que ela vive destilando o seu veneno por aí, eu sei, mas chegar ao ponto de
querer armar para mim, é demais.
Começo a andar de um lado para outro, ficando cada vez mais revoltada.
— Quem ela pensa que é? Mas isso não vai ficar assim não!
— A maioria desse povinho mal-educado e ignorante daqui está esperando ansioso
por hoje à noite.
— Então tem gente esperando ver barraco, é isso?
— Sim, pessoas sem educação. Você não vai hoje à noite, ou vai?
— Claro que eu vou.
— Bianca, como você pode se rebaixar a esse ponto? Essa mulher é vulgar, ela,
com certeza, vai fazer um escândalo. Não vá, eu te peço.
— Pablo, te falo a mesma coisa que disse ao Fernando, se abaixarmos a cabeça
agora, sempre vão tentar fazer algo.
— Mas, Bianca, pense bem... você está se guiando pela raiva, pense com clareza.
— Pablo, você me ajudou, me deu uma visão melhor da situação.
— Fico feliz de ter sido útil e ter tirado essa ideia da sua cabeça.
— Não disse que desisti de ir, apenas vou me comportar de uma forma diferente da
que ia antes.
— Então você realmente vai.
— Sim, agora mais que nunca.
— Tem certeza?
— Sim, não se preocupe. Vou matar Marcela de raiva. Ela está esperando uma
reação minha, que não vai conseguir.
— Você quem sabe... se quiser, eu te acompanho. — Põe a mão no meu ombro.
Sorrio com o gesto de amizade dele.
— Primeiro, tire a mão da minha mulher. Segundo quem vai acompanhá-la sou eu
— exige Fernando irritado.
Pablo se afasta, Fernando vem por trás e me abraça.
— Que eu saiba, você não é marido dela para ela ser sua mulher — questiona
Pablo em tom de deboche.
— Isso é um mero detalhe. Ela é minha mulher e pronto — retruca, mexendo os
ombros.
— Não, você é o namorado dela, apenas isso — Pablo alega, cínico.
— Você quer levar um soco, apenas isso — Fernando esbraveja, irritado.
— Vamos parar por aqui — interrompo os dois.
— Bianca, sinceramente, não sei como uma mulher culta e inteligente como você
pode ficar com esse grosseiro? — Pablo indaga, indignado.
— Bem, além de ser lindo, gostoso, ter um pau enorme e ser bom de cama? —
Fernando retruca de forma debochada, e eu fico vermelha de vergonha.
— Fernando! — Chamo a sua atenção, olhando horrorizada para ele.
— Amor, ele está me provocando. — Fernando se defende.
— Mas é um grosseiro, vulgar e mal-educado! — Pablo, critica olhando Fernando
de cima a baixo.
— Pablo, por favor! E Fernando, cale a boca.
— Tudo bem, Bianca, vou me retirar, porque gosto muito de você e não vou descer
ao nível desse ser desprezível. — Pablo se aproxima de mim, me dá um beijo no rosto,
levanta a cabeça e sai.
— Mas é muito seboso e esnobe! — comenta vendo meu amigo ir embora.
— Ele apenas reagiu ao que você disse. Por que você foi grosseiro com ele?
— Você está defendendo-o?
— Nem comece.
— Como assim, nem comece? O tosco fala merda, e você quer que eu fique
calado.
— Meu anjo, não vamos brigar. Sempre vão haver pessoas que falam coisas que
nos irritam. Não dá para responder com provocação todas às vezes.
— Não consigo me segurar quando alguém diz que você não é minha. —
Reconhece, beijando levemente meus lábios.
— Eu sou sua e você sabe disso. O que os outros pensam não me interessa.
— Bianca, conheço o Pablo há muitos anos, e ele sempre correu de discussão
comigo. Sempre foi assim, ele não sabe discutir.
— Enfim, deixa isso para lá. Agora vou retocar a maquiagem para irmos, me espera
só uns minutos.
— Tudo bem.
Beijo Fernando e entro no banheiro, retoco a maquiagem, e penso que tenho que
conversar com o Pablo e com Fernando. Eles vão ter que manter a paz, principalmente,
se Pablo quiser manter uma amizade comigo, vai ter que aceitar que estou com
Fernando. Não quero uma discussão a cada vez que nos encontrarmos. Isso é uma dor
de cabeça para outra hora, agora meu foco é Marcela. Saio do banheiro e o vejo
mexendo no meu celular. Cruzo os braços e observo.
— Encontrou algo interessante aí? — Ele me olha e continua a mexer no meu
celular na maior cara de pau. — Fernando, isso é invasão de privacidade!
— Você pode olhar o meu.
— Eu não quero olhar o seu celular. Eu quero que você não fique fuxicando o meu.
Não tem nada aí que te interesse.
— Você tem muito amigos nas redes sociais e em grupos. E, pelo que eu vi, um
monte que fica falando merdas. Você já contou a eles que agora tem dono?
Aí meu Deus, lá vamos nós de novo...
— Fernando, meu anjo, não confunda eu dizer que sou sua namorada com você ser
meu dono. ― Cruzo os braços e o encaro sem sorrir.
— Então você ainda não disse?
— Ainda não mudei o perfil nas minhas redes sociais. ― Dou de ombros.
— E por que não? Pelo pouco que li, tem vários caras na net que são loucos por
gordinhas. Quer continuar recebendo cantadas desses pervertidos, é isso?
— Não é nada disso, Fernando! Nós estamos namorando há pouco tempo.
— Você e essa merda de tempo! Bianca, nos conhecemos há meses!
— Meses de brigas. Só nos entendemos há algumas semanas.
Ficamos nos encarando. Ele respira fundo, abaixa a cabeça e dá um sorriso triste.
— Uma mulher que eu fiquei queria algo a mais na nossa relação, mas eu não
queria nada sério e vivia dando desculpas. Ela me disse que, um dia, eu sentiria na pele o
quanto isso dói... Ela tinha razão.
— Não é desculpa. Só acho que está tudo muito cedo.
— Quem quer, faz; quem não quer, arranja desculpas. Eu quero ficar com você e
demonstro para todos que te quero, mas você não.
— São apenas amigos virtuais. Já disse que quero levar as coisas devagar, não me
pressione.
— Amigos virtuais que fazem parte da sua vida. Tudo bem, vai ser do jeito que você
quer. Vou te esperar no carro. — Ele sai da sala magoado, e fico olhando a porta fechada.
Será que estou fazendo errado? Será que me preservando para não me machucar,
estou, sem querer, machucando alguém que gosta de mim?
Olho para o meu celular e vejo que ele estava olhando um grupo que faço parte, e
tinham vários comentários de homens sobre fotos que algumas mulheres postaram. Não
minhas, pois nunca postei fotos nesse grupo. Apesar de fazer parte de vários grupos, não
costumo interagir muito, ou seja, a cena de ciúmes dele foi sem sentido, porque esses
elogios não eram para mim. Pensando bem, como eu me sentiria se fosse ao contrário?
Apesar de que nunca pediria para ele mudar o perfil por mim.
Dou uma risada alta. Eu seria mais sutil e só daria um toque, mas isso depois de
um bom tempo de relacionamento, mas com Fernando é tudo para ontem. Olho para o
relógio e lembro que daria uma carona a Michele. Desligo tudo, pego meu celular e bolsa
e saio da sala. No caminho para o estacionamento, ligo pra minha amiga e aviso que não
vou poder dar carona a ela.
Faço um resumo do que aconteceu, e ela me pergunta se quero ajuda para dar na
cara de Marcela. Chego ao estacionamento rindo, e vejo meu namorado falando com
Márcio.
— E então, vamos?
— Vamos, sim. Vou com Fernando, levei meu carro para manutenção.
— Márcio, vá levando meu carro, eu vou com Bianca.
— Tudo bem, encontro vocês lá.
Seguimos para o carro, entro, e ele senta no carona. Seguimos em silêncio, com
ele mexendo no celular. Estaciono o carro, tiro o cinto de segurança e me viro para sair.
Ele me para.
— Me desculpe, eu odeio esse clima ruim entre nós. Passamos meses assim e não
quero isso nunca mais, vou tentar não pressionar e deixar as coisas acontecerem no seu
tempo.
— Meu anjo, eu quero ficar com você, mas vamos com calma, não quero me
machucar, eu gosto de você, Fernando. Eu não grito isso aos quatro ventos, mas não
significa que não seja verdade.
Ele me dá um sorriso lindo, segura meu rosto e encosta a testa na minha.
— Eu te amo. —Ele me beija devagar, demonstrando tudo o que sente. — Vamos
para outro lugar, amor. Eu quero você agora.
— Meu anjo, você sabe que temos que entrar.
Ele sai do carro, dá a volta, e abre a porta para mim. Fernando pega a minha mão,
me ajudando a sair, me puxa e prende meu corpo contra o carro e me beija com paixão e
desejo. Sinto uma luz, e logo depois ouço a voz de Márcio.
— Ei! Vão para um motel. ― Soa brincalhão.
— Bem que eu queria, mas Bianca quer ir a essa merda de bar. — Fernando
reclama.
— Vamos logo acabar com isso ― digo decidida.
Entramos no bar de mãos dadas. O lugar é tão sofisticado que nem parece um bar.
Logo avisto Marcela, Pedro, e algumas pessoas da empresa. Nós nos aproximamos do
grupo, e cumprimentamos a todos.
— Ora, ora, quem resolveu aparecer — ironiza Pedro.
— Nando, querido, estávamos te esperando ansiosos — diz Marcela, me
ignorando.
— Fernando agora é pau mandado, só sai se a namorada deixar. — Pedro provoca.
— Imagino o medo que Bianca deve ter dele sair sozinho — Marcela diz com sua
voz irritante.
— Então, hoje deu ruim para você, Bianca —Pedro afirma, rindo.
— Eu também acho. Daqui a pouco ela vai sair correndo, puxando o Nando. —
Marcela ri.
Os dois continuam falando como se eu não estivesse na frente deles. Sinto que
Fernando está a ponto de explodir e aperto a mão dele, pedindo calma.
— Pedro, você está muito mal informado, Fernando pode ir onde ele bem entender.
O problema é que ele está tão apaixonado por mim, que não consegue ficar longe.
Fernando pede uma bebida para nós, e sento entre ele e Márcio.
— Tem certeza, queridinha? Hoje Nando vai ver muita mulher realmente gostosa.
Vamos ver se essa paixão resiste — Marcela fala em tom de deboche.
Na boa, essa mulher só pode ter perdido a razão! Como ela fala isso, na frente de
todo mundo?
— Vaca, querida! Ops, Marcela, querida. Nem tinha te visto aí — digo de forma
calma, e Márcio tenta segurar o riso, mas Fernando dá uma gargalhada alta.
— Nando, sua ficante é muito mal-educada — diz manhosa, olhando para
Fernando.
— Primeiro, meu nome é Fernando, nunca te dei intimidade para me chamar de
Nando; segundo ficante é o caralho, Bianca é minha mulher! E exijo que você a respeite.
— Mulher? Pensei que eram apenas namorados! — Pedro questiona.
— Isso é um mero detalhe... — Fernando solta, dando os ombros.
Olho ao redor e reparo que tem muitas mulheres que nunca tinha visto na mesa, a
maioria me olha de cima a baixo e cochicha entre si, dando risadinhas. Tomo minha
bebida e respiro fundo. Eu sabia que seria assim, vim preparada.
— Você está bem? Na hora que você quiser, saímos — Fernando sussurra ao meu
ouvido.
A cada hora que passa, ele me deixa mais confiante sobre nós dois.
— Está tudo bem. — O tranquilizo, sorrindo, o olhando nos olhos.
Durante a meia hora seguinte, foi um vai e vem de mulheres. A nenhuma eu insultei
abertamente, sempre com um sorriso no rosto, nunca me alterando, e todo insulto ia com
um pedido de desculpas. Olhava para o lado às vezes e via Marcela furiosa. A cretina
realmente achou que eu armaria um barraco a cada mulher que chegasse se oferecendo
para Fernando. Idiota.
Claro que fiquei por perto, afinal quem gosta, cuida, mas deixei que todas elas o
beijassem e o abraçassem, e somente quando passavam do ponto, eu sutilmente falava
algo. Algumas eram tão burras que nem entendiam.
Depois de uns quarenta minutos, começamos a nos despedir.
— Como assim, vocês já vão? — Pedro pergunta meio irritado.
— Sim, foi um prazer estar aqui com vocês — respondo com um sorriso.
— Está correndo, Bianca? Cansou de ver mulheres dando em cima do seu homem?
— Marcela questiona debochada.
— Agora sim você entendeu, ele é meu! Não tenho porque ficar com raiva das
mulheres o admirarem, afinal ele é lindo... e como você mesma acabou de admitir, ele é
meu homem. Desejo a todos que ficam uma ótima noite — eu me despeço sorrindo.
Saímos e deixamos Pedro e Marcela frustrados por não terem conseguido o que
queriam. Imagina se daria esse gostinho a eles. Nunca!
Capítulo 13

Fernando
Mesmo que ela não fale o que sente por mim, ela demonstra com essas atitudes.
Sei que estamos há pouco tempo juntos, mas para mim, é tudo muito intenso. Talvez seja
porque lutei contra esse sentimento por muito tempo, e nesse meio tempo, fiz e falei
muita merda.
Paro próximo ao carro e fico olhando para ela.
— Meu amor, você foi perfeita! Eu pensei que você surtaria quando visse aquele
bando de mulheres. ― Sorrio sem graça.
— Fernando, eu entrei em um relacionamento com você sabendo que você antes
era galinha. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, encontraria uma das muitas mulheres
que você já ficou.
— Não vou negar, era um safado.
— Nem tem como negar, Fernando.
— Mas isso ficou no passado, agora só quero você.
— Assim espero. Você foi assim comigo, lembra?
— Sim, meu amor. Infelizmente eu lembro, e estou pagando as consequências dos
meus atos.
— Como assim?
— Está comigo, mas não se entrega totalmente.
— Eu me entrego, Fernando, só que é muito recente. ― Volto a salientar.
— O que eu sinto é muito intenso, e pouco me importa quanto tempo nós estamos
juntos. Eu te quero há muito tempo.
— Fernando, você disse que não iria mais me pressionar.
— Ok, tudo bem, vou deixar no seu tempo, eu entendo. Eu causei essa sua
desconfiança.
— Fernando...
— Não! Já disse eu entendo, mas não quer dizer que não me machuque.
— Fernando, vamos com calma, dê tempo ao tempo.
— Ok.
Dou um beijo na testa dela e me aproximo do meu carro.
— Espere! — Viro. Ela vem em minha direção e me beija com paixão e desejo.
Sinto no beijo dela tudo o que ela não me fala em palavras.
— Cara, na boa, vocês têm que parar de ficar se pegando em estacionamento. Vão
para um motel! — grita Márcio, rindo.
Encosto minha testa na dela e sorrio. Com um simples beijo, ela me acalmou.
Como eu amo essa mulher, mesmo ela não acreditando.
— Vou levar esse empata beijo para casa.
— Empata foda, isso sim, porque vocês estavam quase transando em pé no meio
do estacionamento — Márcio diz rindo.
Beijo-a de novo, e mais uma vez, escuto Márcio reclamar.
— Vai lá, senão ele vai continuar perturbando.
— Ok, nos falamos mais tarde.
Vou andando em direção ao carro, mas Bianca chama Márcio, conversa alguma
coisa com ele, eles riem. Ele balança a cabeça confirmando algo.
— Posso saber o que vocês estão falando? — pergunto irritado.
— Segredo, meu anjo — Bianca diz com um sorriso matreiro e vai em direção ao
carro dela, mexendo no celular.
Entro no carro puto e olho para Márcio zangado.
— Que segredo é esse que você tem com a minha mulher?
— Cara, você está precisando de tratamento. Ela não é sua mulher, e sim sua
namorada! Diga-se de passagem, a poucas semanas.
— Até você! Já disse, isso é um mero detalhe e não desvie do assunto, que
segredo é esse?
— Ah, cara, pergunte a Bianca.
— Estou perguntando a você!
— Calma, Fernando! Quando se trata de Bianca, você se descontrola muito fácil. O
que você pensa, que vou roubá-la de você? Ela apenas queria a foto que tirei de vocês.
— Desculpe, eu sei que surto quando o assunto é Bianca. Mas que foto é essa?
— Tirei essa foto hoje no estacionamento. Vocês estavam se pegando quando
cheguei e tirei a tal foto.
— E para que ela queria?
— Bem, isso ela não me falou. Na boa, cara, você anda muito estressado.
— E não era para estar! Hoje passei por uma prova de fogo. Pensei que Bianca
surtaria ou me largaria.
— Cara, acho que é o pior pesadelo de todo homem é ter no mesmo lugar várias
ex-namoradas e sua atual.
— Quando entrei e vi aquelas mulheres, pensei que teria confusão na certa.
— Sinceramente, eu achei que Bianca desceria a mão em todo mundo — o safado
comenta, rindo.
— Ela foi perfeita.
— Realmente foi, me diverti horrores essa noite. A cada mulher que aparecia, você
ficava branco, arregalava os olhos e suava frio — zomba.
— Não sei como Marcela conseguiu achar todas essas mulheres.
— Agora falando sério, acho que você deveria tomar cuidado com essa mulher.
— Minha vontade é despedi-la amanhã, mas não posso por que não foi dentro da
empresa. Contudo, já a advertir que se a ver assediando moralmente Bianca, a demito
por justa causa.
— Outra coisa. Vá mais de leve com Bianca. Já falei isso com você, está muito em
cima, cara.
— Hoje eu mexi no celular dela e vi que tem um monte de amigos online, um monte
de caras falando merda... e pior, nem mudou o status dela nas redes sociais.
— E você já mudou o seu?
— Sim! Já deixei bem claro para todos que agora tenho dona.
— Você está parecendo mulher... elas que ficam cobrando essas coisas.
— Só quero deixar bem claro para todos esses tarados que ela está comigo.
— Não pressione, mulher não gosta disso. O problema é que você está
acostumado com mulher que fica correndo atrás de você, mas Bianca não é assim.
— Eu sei disso, disse a ela que ia ser no tempo dela.
Continuamos a conversar, e Márcio fica dizendo que pareço uma mulherzinha. Será
que homem não pode expressar seus sentimentos por uma mulher que os outros acham
que ele virou um fraco? Isso é preconceito, e estou pouco me ligando para o que os
outros pensam. Vou continuar, sim, a demonstrar o quanto eu a amo.

Bianca

Chego em casa e meus pais já estão dormindo. Tomo banho, janto, e vou para o
meu quarto. Olho meu celular e vejo várias mensagens de Michele. Dou um resumo do
que aconteceu, mas ela acaba me ligando.
— Agora, fala tudo direito. Como assim você não deu na cara daquela vaca?
— Michele, eu bem que queria, mas descobri que ela queria me humilhar e me
fazer passar vergonha.
— É muito recalque envolvido. Essa mulher não presta, ainda acho que deveria dar
na cara dela.
— Tinha várias pessoas da empresa lá. Se me descontrolasse, como eu manteria o
respeito dentro da empresa depois?
— Você é muito racional. Se fosse comigo, a essa hora ela estaria no hospital se
remendando. Disse que se precisasse, era só me chamar que eu a encheria de tapas
para você.
— É por essa e outras que eu amo você.
— E o Fernando nessa história toda?
— Ele ficou o tempo todo ao meu lado, se controlou ao máximo em relação ao
Pedro.
— Outro recalcado. Como não conseguiu ficar com você, agora quer complicar sua
vida.
— Então, mais ou menos isso. Michele, tinha muita ex do Fernando lá... não sei
como Marcela encontrou essas mulheres, mas já estava preparada para isso. Sabia que,
mais cedo ou mais tarde, acabaria encontrando com uma.
— Bem, você sabe que ele era bem galinha.
— Sim, sei, mas ele ficou ao meu lado o tempo todo, me defendendo e deixando
claro que estamos juntos.
— Aí, amiga, eu quero um Fernando para mim. Não o seu Fernando, mas um
homem como ele.
— Eu entendi, sua boba, sei que você nunca me trairia.
— Ainda bem que sabe.
— Uma coisa boa consegui tirar disso tudo, Fernando sempre fala que nunca
namorou a sério, que nunca assumiu nenhuma mulher, que nunca quis nada sério e hoje
à noite vi que isso é verdade.
— Eu disse, ele é perfeito.
— Perfeito ele não é, nenhum homem é, e não esqueça como ele me tratou no
início.
— Sim, é verdade, mas volta ao assunto do bar.
— Algumas das mulheres tomaram um susto por causa do meu perfil, que era bem
diferente de todas elas.
— Aposto que todas sebosas, você é linda.
— Obrigada, minha amiga. Todas ficavam impressionadas quando ele dizia que
estávamos juntos, que eu era mulher dele.
— Como assim mulher dele? Vocês casaram e não me avisaram?
— Claro que não, Michele. Fernando anda surtando com o nosso relacionamento,
fala para todo mundo que sou mulher dele, e ainda fica revoltado quando alguém diz que
não somos casados, diz que isso é um mero detalhe.
— Aí, que fofo.
— E deu um show porque ainda não mudei meu status nas redes sociais.
— E por que você não fez isso?
— Ah, Michele, você sabe que ainda estou com um pé atrás nessa relação. É tudo
muito recente.
— Bianca, para uma mulher muito inteligente, você está sendo muito burra! Que
vontade de ir aí agora e te dar uns sacodes! Só não vou porque seus pais estão
dormindo.
— Meu Deus, por que tudo isso?
— Porque você está sendo burra. Você tem um cara que está demonstrando de
todas as formas possíveis que quer ficar com você, que te ama, te defende, te chama de
“minha mulher”, e você fazendo cu doce. Você está maluca?
— Michele, você sabe que tenho razão para ficar com um pé atrás... e ele mesmo
disse que esperaria o meu tempo.
— Ai, meu Deus, um homem desses não cai nas minhas mãos.
— Deixa de ser boba, Michele.
— Boba está sendo você! Pare de ficar pensando no passado, no que ele disse, e
concentre-se nas ações dele. Poxa, Bianca, quantas vezes ficamos sentadas, enchendo
a cara, idealizando o homem perfeito?
— Muitas, tomamos muitos porres. O cara perfeito para mim era bem diferente do
seu.
— Sim, é verdade, mas você está com o cara perfeito para você, que diz que a ama
todos os dias, e você se segurando. Amiga, ele chegou, o seu cara perfeito chegou, não
deixe o passado atrapalhar o seu presente. Sua felicidade está à sua frente.
Minha garganta aperta, e sinto as lágrimas caírem em meu rosto.
— Bianca, por anos eu ouvi você dizendo que não mudaria por homem nenhum,
que o cara perfeito para você iria te amar do jeito que você é, e ele que teria que te
conquistar e lutar para ficar com você... que seria romântico, carinhoso, amoroso, e não
teria vergonha de demonstrar isso.
— Michele, eu... — Não consigo falar e começo a chorar.
— Amiga, ele chegou, você não vê? É o Fernando. Ele começou como um ogro, é
verdade, mas depois ele fez tudo o que você sempre quis que um cara fizesse por você:
ele correu atrás, te conquistou, é amoroso, não tem vergonha de dizer para todos o que
sente, não tenta fazer você mudar, e te ama como você é. Não deixe que o orgulho,
mágoas e decepções passadas interfiram no agora. Busque a sua felicidade.
Não consigo articular uma palavra. Só ouço e sinto as lágrimas rolarem.
— Comece a demonstrar a ele todo esse amor que eu sei que você sente. Sei que
não vai ser fácil, você também sabe. Contudo, vocês se amam, e ainda vão enfrentar
muitas coisas. Porém, lute pela sua felicidade, amiga, como você lutou hoje.
— Michele, eu amo você, sabia? E fico muito feliz em ter você na minha vida.
— Também amo você, você é minha amiga-irmã. Sabe que sua família é a minha
família.
— Obrigada por abrir meus olhos. Às vezes estamos tão apegados a certos
acontecimentos que não conseguimos ver as situações no todo.
— Eu sei. Normalmente é você que me puxa a orelha. Quando meus pais faleceram
e me deixaram a herança, foi você que me ajudou a ter equilíbrio, a não meter os pés
pelas mãos, a reconhecer quando um cara só está a fim do meu dinheiro, e fico muito
feliz de estar retribuindo um pouco.
— Bem, a parte do equilíbrio não deu muito certo, né?
Caímos na risada.
— Obrigada, vou seguir o seu conselho.
Falamos por mais algum tempo, e desligo com um sorriso nos lábios. Levanto, lavo
meu rosto, vou à cozinha beber um pouco de água. Quando chego lá, minha mãe está
com a geladeira aberta. Eu a abraço e a beijo.
— Fome à noite, mãe?
— Que susto, Bianca! Vim tomar um copo de leite, não te vi chegar.
— Cheguei agora a pouco. E como foram os resultados dos exames do papai?
— Tudo bem. Seu pai não entende que depois de certa idade, todo ano tem que
fazer uma revisão geral. Aproveitei e também fiz os meus, também deu tudo certo.
— Que bom, fico feliz. Mãe, tenho uma coisa para lhe contar.
— Fala, filha. Está tudo bem?
— Sim, mãe... é que estou namorando, e queria que vocês o conhecessem antes
de irem, tudo bem?
— Oh, minha filha, fico tão feliz por você. Ele te faz bem?
— Muito bem, mãe... ele me faz muito bem.
— Mas, filha, vamos embora amanhã depois do café. Seu irmão já aprontou por lá,
e temos que chegar antes do almoço.
— Mas já? Pensei que ficariam por mais uns dois dias. Sinto muita falta de vocês!
— Também sentimos, minha filha, você tem que aparecer mais. Por que você não o
convida para tomar café da manhã aqui? Assim o conheceremos antes de ir.
— Tudo bem, vou ligar para ele.
— Faça isso, afinal você conhece seu pai, e sabe que nem eu, nem ele, vamos
tranquilos sem conhecer seu namorado.
Rindo, me despeço da minha mãe e vou para o meu quarto; pego meu celular e
vejo que Fernando mandou convites e curtiu publicações. Mudo meu status em todas as
minhas redes sociais, e troco minha foto por aquela que Márcio tirou.
Pronto, agora eu estou, oficialmente em um relacionamento sério. Sorrindo, ligo
para Fernando.
— Olá, meu anjo, você chegou bem em casa?
— Sim, meu amor. Estava aqui agora pensando em te ligar e você me liga.
— É muito amor na causa. Dá uma olhada no meu perfil... a propósito, já aceitei o
seu convite.
Ele fica em silêncio, e pouco tempo depois, fala:
— Agora sim eu durmo feliz. Gostei que você não pôs namorando. Para mim,
parece muito pouco pelo tanto que te amo, acho que relacionamento sério combina mais
comigo.
Rimos juntos.
— Meu amor, estou esperando ansiosa uma conversa entre você e Michele. Tenho
certeza que vou rachar de tanto rir.
— Para tudo! Do que você me chamou?
— De meu amor.
— Fala de novo.
— Meu amor, eu amo você, Fernando.
— Queria tanto estar com você agora, meu amor. Eu te amo tanto, mais tanto.
— Eu sei, e quanto a querer estar comigo, o que você acha de tomar café da
manhã comigo e aproveitar para conhecer meus pais?
— Meu Deus, não sei o que houve com você nesse espaço de horas, mas por
favor, continue assim.
— Uma ótima amiga abriu meus olhos em relação a algumas coisas que eu estava
ignorando.
— E que coisas seriam essas?
— Que você não é um homem perfeito, isso é fato, mas é perfeito para mim.
— Você também é perfeita para mim, já te disse isso várias vezes; e vou ficar muito
feliz em conhecer meus sogros.
Falamos por mais algum tempo. Pouco tempo depois, desligo, apago as luzes e
deito.
Fico pensando, ou melhor, rezando para que minha mãe não encha Fernando de
perguntas e que meu pai não implique com ele. Ponho o despertador para tocar duas
horas mais cedo que o normal, assim dará tempo para dar uma produzida básica,
conversar um pouco com meus pais, dar um pulo na padaria para comprar pães
fresquinhos, leite, queijo.
— Meu Deus, estou parecendo uma adolescente apresentando o primeiro
namorado para seus pais! — constato em voz alta.
Mas é assim que me sinto, uma adolescente apaixonada, e nunca me senti assim.
Quero que tudo dê certo, me sinto tão feliz que sinto vontade de pular. Volto para a cama,
e depois de ficar imaginando mil e uma coisas para amanhã, acabo pegando no sono
com um sorriso nos lábios.
Feliz demais!
Na manhã seguinte acordei cedo, antes do despertador dar sinal de vida. Meus pais
ainda estão dormindo, então pego minha bolsa e saio apressada para ir à padaria. Entro
no elevador e fico contando os segundos até ele finalmente abrir. Passo pelo porteiro, dou
bom dia, e o homem resolve conversar comigo, logo hoje que estou com pressa.
— Dona Bianca, está tudo bem? — ele pergunta, levantando uma sobrancelha.
— Claro que sim! Só que estou atrasada, tenha um bom dia. — Saio andando
rápido em direção à porta de entrada, e o homem me para de novo.
Ai, meu Deus, é hoje!
— Senhor Roberto, me desculpe, mas eu estou realmente atrasada.
— Mas, senhora Bianca, tem certeza de que está tudo bem? — diz frisando o "tem
certeza". Eu mereço!
— Senhor Roberto, está tudo bem, está tudo ótimo e maravilhoso.
Tento sair mais uma vez e ele me para de novo. Isso já está ficando chato.
— Mas a Senhora vai sair assim? — Ele aponta para mim de cima a baixo.
— Assim como? — questiono, não entendendo nada e querendo logo ir à padaria.
— Descabelada e descalça!
Meu Deus! Eu me olho no espelho do corredor e noto que eu estou descalça, e com
o cabelo parecendo um ninho de pássaros. Na minha pressa de sair, esqueci de passar
uma escova no cabelo, saí descalça, e peguei uma bolsa sofisticada.
Estou um desastre ambulante, que vergonha!
— Hum, bem. Obrigada — agradeço, entro no elevador e tento manter a pose.
Assim que o elevador fecha, me olho no espelho do elevador horrorizada. Acabo
rindo de toda situação, pois na pressa de impressionar o Fernando com um maravilhoso
café da manhã, saí igual a uma maluca de casa.
Realmente amo aquele homem. Há muito tempo que eu não faço nada para
impressionar um homem, desde que resolvi me amar acima de tudo, mas o amor é isso,
te faz cometer loucuras.
Entro em casa, minha mãe está saindo do quarto e leva um susto ao me ver.
— Nem fale nada, mãe, por favor ― peço passando por ela correndo.
Ao sair do quarto ouço minha mãe, que está no quarto com o meu pai, rindo
horrores. Aposto que é da minha cara! Saio de fininho, quando voltar, lido com isso. Ao
passar pela entrada, Senhor Roberto me dá um sinal de positivo, dizendo que agora sim
está bom.
Que vergonha!
Vou à padaria, compro tudo que quero. Na volta encontro minha mãe na cozinha.
— Agora sim é minha filha. O que foi aquilo mais cedo? ― Minha mãe não disfarça
o riso.
— Minha amada mãe, já estou muito nervosa para a senhora ficar me zoando, ok?
— Meu Deus! Para que tudo isso? Quantas pessoas virão tomar café aqui?
— O Senhor também, pai? Mãe, vai fazendo café enquanto tomo banho, ok?
— Calma, filha, vai dar tudo certo.
— Deus te ouça — sussurro, indo para o banheiro.
Fernando tem um histórico de falar e fazer merda. Porém vou no que Michele disse,
esquecer o passado e focar no futuro. Depois de estar devidamente arrumada, vou para a
cozinha.
Meu pai está acabando de pôr o café na mesa.
— Pai, há muito tempo que não vejo essa cena lá em casa, mamãe e Regina que
fazem tudo. Falando nela, que saudades do bolo de cenoura com chocolate maravilhoso
que Regina faz.
— Ela não para de falar que está com saudades de você, minha filha.
— Também estou, pai. Vou passar o próximo feriado lá, e aproveito e levo Fernando
para conhecê-la.
— Pode parar por aí, deixe eu ver a cara desse tal "namorado" primeiro.
— Pai, pelo amor de Deus! Já tenho vinte e cinco anos, pare com esse ciúme bobo.
— Sei.
A campainha toca e entro em pânico.
— Por favor, pai, pegue leve... ele é novo nessa história de namoro sério.
Minha mãe sai da cozinha e abre a porta enquanto eu estou implorando ao meu pai
para não dar uma de pai ciumento. Vou para sala com meu pai atrás de mim. Fernando
está lindo, com um terno preto, blusa branca e gravata vermelha, e com um sorriso que
visivelmente já derreteu o coração da minha mãe. Ele entrega um buquê de flores a
minha mãe, e eu dou graças a Deus por não ser parecido com buquê de casamento.
Ele me olha e o sorriso dele aumenta. Sorrio de volta, e parece que o mundo para e
que só nós dois estamos na sala. Ele caminha devagar em minha direção. Dou um passo
para ir ao encontro dele, e meu pai entra na nossa frente.
— Olá, sou Otávio, pai da Bianca.
— Olá, sou Fernando, e estou muito feliz em finalmente conhecê-los.
— Finalmente? Pensei que vocês estavam juntos há pouco tempo? — Meu pai
comenta confuso.
— Eu também pensei que estavam há pouco tempo. Há quanto tempo estão
juntos? — minha mãe questiona.
Quando abro a boca para falar que estamos juntos a algumas semanas, Fernando
me corta.
— Senhora Bruna, Senhor Otávio, apesar de estarmos juntos há pouco tempo, eu a
amo com tanta intensidade que para mim, é como se estivesse a vida inteira me
preparando para ela. — Fernando esclarece, me olhando de forma apaixonada.
Pronto, agora ele ganhou minha mãe de vez e conseguiu dar uma amolecida no
meu pai... e eu estou aqui, com um sorriso bobo no rosto. Chamo todos à mesa, e ao
contrário de todas as minhas inseguranças, tudo corre às mil maravilhas. Depois do café,
eu os deixo conversando e vou acabar de me arrumar. Quando estou quase pronta, ouço
uma batida na porta.
— Pode entrar.
Fernando entra, fecha a porta, se encosta nela e põe as mãos nos bolsos.
— Meu amor, você fica muito sexy nessa posição. ― Meu olhar passeia por ele
vagorosamente.
Ele dá um sorriso de lado, desencosta da porta, e caminha em minha direção, e me
abraça.
— Fala de novo — pede, cheirando meu pescoço.
— Meu amor ― murmuro e em seguida sorrio largo.
Ele percorre meu pescoço com beijos até chegar em meus lábios e me beija
devagar, mas me abraça mais forte. Nossas línguas embalam em uma dança sensual,
suas mãos tocam meu corpo devagar, o tipo de toque que um homem da quando
conhece os lugares certos para fazer uma mulher suspirar, e ele sabe todos os lugares
que me fazem suspirar. Ele segura meu rosto com carinho, interrompe o beijo e encosta a
testa na minha.
— Meu amor, eu estou ansioso para ouvir você dizer isso enquanto fazemos amor.
Mordo de leve o seu lábio inferior, desloco meus lábios beijando o caminho até a
sua orelha e falo:
— Eu estou ansiosa para te falar o quanto eu te amo enquanto seu pau estiver
dentro de mim — sussurro, e ele dá um gemido como se tivesse sofrendo.
— Maldade sua falar essas coisas agora, quando não posso fazer nada.
— Não sei do que você está falando. — Eu me faço de desentendida e viro para
retocar o batom.
Ele me abraça por trás. Sinto sua ereção, e sou eu quem dá um gemido dessa vez.
— Se seus pais não estivessem aqui, não sairíamos hoje do seu quarto.
— Promessas, promessas, promessas — provoco, encostando nele.
— Vamos passar a noite juntos. Você escolhe, na minha casa ou aqui? — pede e
morde minha nuca.
— Meu amor, se você não parar, vou esquecer que os meus pais estão aqui ―
gemo mexendo meu quadril.
Ele se afasta, andando para trás até encostar na parede e fica me olhando.
— Como vou sair assim? — Aponta para a ereção.
— É só fechar o terno. — Mordo meu lábio inferior para conter um riso e caminho
em sua direção, fecho o seu terno fitando seus olhos.
— É melhor eu voltar para a sala — ele afirma, mas não sai do lugar.
— Deixa-me limpar a marca do batom.
Vou até a penteadeira, pego um algodão, e limpo as marcas que estão ao redor dos
lábios e no pescoço. Ele me dá um beijo e sai. Depois de uns dez minutos, encontro
Fernando conversando com os meus pais.
— Pai, vou levá-los ao aeroporto, e de lá sigo para a empresa.
— Meu amor, eu levo vocês e depois seguimos para a empresa... assim fico um
pouco mais com seus pais.
Com essas palavras Fernando conquistou mais um sorriso da minha mãe.
Seguimos para o aeroporto no carro do Fernando, e a cada minuto que passava, minha
mãe demonstrava gostar mais dele. Já meu pai, perdeu um pouco da cara emburrada.
Depois de todas as despedidas, seguimos para o escritório, e no caminho pegamos
um trânsito terrível. Depois de mais uns quarenta minutos chegamos na empresa.
Fernando sai do carro e abre a porta para mim. Saio do carro, ele me abraça e me beija.
Está tudo tão perfeito, com meus pais foi maravilhoso, nada deu errado. Fernando não
falou nem fez besteira, meu pai se comportou bem, parecia um sonho.
Saímos do carro e caminhamos abraçados para a empresa e quando estamos
chegando próximo ao elevador, o senhor Arino me chama.
— Dona Bianca!
— Olá, Senhor Arino, bom dia!
— Bom dia. Bem, eu queria apenas avisar que minha filha se forma mês que vem.
Dona Bianca, mais uma vez, muito obrigado por tudo que a senhora fez pela minha
menina.
— Que notícia maravilhosa! Fico muito feliz com isso. Assim que ela se formar,
peça para ela me procurar, a vaga dela está garantida comigo.
Eu me despeço do Senhor Arino e vou em direção ao Fernando. Entramos no
elevador.
— Vou ter que passar na sua sala. Ontem saí de lá tão depressa que esqueci minha
pasta. O que o Senhor Arino disse que te deixou tão feliz?
— Que a filha dele vai começar a trabalhar comigo no próximo mês. Ela é muito
doce, tímida e gentil.
— Trabalhando com você, essa timidez vai embora rápido.
— Você está dizendo que vou corromper a garota?
— Não, meu amor; apenas que ela vai aprender a ser mais confiante com você.
— Sei, sei.
Saímos do elevador de mãos dadas e vamos em direção a minha sala. No meio do
caminho, Solange, uma das publicitárias que faz parte da minha equipe, me para e tira
uma dúvida de trabalho. Fernando pede licença e vai até a minha sala buscar sua pasta.
Quando acabo de tirar todas as dúvidas de Solange, sigo em direção a minha sala
e vejo Fernando conversando com seu tio, e com Angélica grudada em seu pescoço.
Paraliso, puxo o ar com força e o solto devagar. Tomo alguns minutos analisando a
cena em minha frente. Volto a respirar fundo, ponho um sorriso forçado nos lábios, e
caminho em direção a eles. Meu ex-chefe, quando me vê, abre um sorriso.
— Bianca, minha filha, como vai você? ― Sou recebida com um abraço afetuoso.
— Vou bem, Senhor Martins, e o senhor? ― Retribuo com um sorriso sincero.
— Vou indo. E você? Cada vez mais linda. ― Ele aperta minha mão e indaga
demonstrando interesse.
— Estou bem obrigada, estamos todos com saudades do senhor por aqui. ―
Concluo com um sorriso afetuoso.
Evito ao máximo olhar para Fernando para não correr o risco de cometer um
desatino.
— Eu também, minha filha. Essa empresa foi minha vida por muitos anos, mas hoje
vim por Angélica. Ela vai começar a trabalhar com o Fernando a partir de hoje.
Meu Deus!
— Sim, ontem à noite falei para o papai que quero trabalhar com você, Nandinho.
Quero aprender tudo o que você me ensinar. — Angélica beija o rosto de Fernando,
deixando a marca do batom.
Tenho certeza que vou ter que tomar um relaxante muscular hoje, pela força que
estou fazendo para não cometer um desatino. Com certeza irei ficar com o corpo todo
doendo.
— Angélica é apaixonada pelo Fernando, e não duvido nada que eles acabem se
casando um dia. Não fazem um lindo casal, Bianca? — comenta em um tom confidente.
Bem que eu desconfiei que o dia estava bom demais para ser verdade. Parece que
a fase de amor e paz mal começou e já acabou.
Capítulo 14

Bianca
Observo Fernando em silêncio, e não respondo ao Senhor Martins, que continua a
falar, e começo a pensar em várias coisas negativas.
Será que me enganei?
Por que esse infeliz não fala nada? E ainda por cima deixa essa sem vergonha
grudada nele? Se fosse ao contrário, ele estaria surtando.
Será que porque ele já teve o que quis e...
Pare de ficar pensando em merdas, Bianca!
Ele deve ter um bom... bom não, um ótimo motivo para deixar Angélica grudada
nele desse jeito. Pense positivo, tente confiar nele! Cadê aquela mulher confiante que
você se gaba tanto de ser?
Fico pensando coisas positivas enquanto desvio o olhar do meu namorado com a
quenga. A sem vergonha parece uma rã grudada nele, e forço um sorriso para o seu tio,
que continua falando, alheio ao clima tenso.
— Eles são perfeitos juntos. Sonho com o dia em que eles se casarão e me darão
netos.
— É mesmo? Então eles estão noivos? — pergunto ao seu tio tentando não
demonstrar minha raiva.
— Ainda não, mas a esperança é a última que morre, minha filha — explica,
sorrindo radiante.
— O Senhor tem razão, a esperança é a última que morre. — Concordo e desvio
meus olhos para Fernando. — Em contrapartida, certos planos morrem fácil, fácil —
completo de forma calma e séria.
Ah, mas se esse infeliz acha que hoje ou qualquer data próxima vai fazer amor
comigo, ele está muito enganado.
Noto que Fernando fica pálido, mas nada do que ele falar agora vai mudar a merda
que ele já fez. Por que ele ficou pálido? Por que deixou essa sem vergonha grudada nele
na minha frente, vinte e quatro horas depois de eu finalmente falar que o amo?
Que ódio!
Por mais que eu queira pegá-los de tapa. Eles não, ele, sim porque dos dois quem
tem um compromisso comigo é ele, não ela. Sempre soube que ao namorar com um
homem como Fernando, teria que aturar um monte de mulheres se oferecendo para ele.
Uma coisa é uma mulher se oferecer, e outra bem diferente é o seu namorado, o
cara que vive dizendo que você é a mulher dele e que a ama, aceitar o abraço e não se
afastar, ou não deixar bem claro que ele tem alguém. Ontem, no bar, quando aquele
bando de mulheres se oferecia, ele descartava, e agora está com essa perua aguada
grudada nele, e me olhando como se tivesse me desafiando a fazer algo.
Coitado dele se acha que vou fazer um escândalo ou agir como mulher das
cavernas, cega de ciúme. Ok, tudo bem, eu confesso, estou louca de ciúme. Não vou
demonstrar isso agora, na frente do dono da empresa, que não tem nada a ver com isso.
Viro o meu rosto para não olhar para ele. Porém sei que ser ignorado o irrita muito. E isso
sei fazer muito bem.
— Fiquei muito feliz em revê-lo e espero que apareça mais por aqui.
— Obrigado, Bianca. Sinto muita falta daqui, vou tentar vir mais vezes.
— Angélica, lhe desejo boa sorte no novo emprego. — Evito olhar para Fernando.
— Pode ter certeza que vou; eu e Nandinho vamos nos dar muito bem. — Ela volta
a beijar o rosto dele.
— Tenho certeza que você irá se dar muito bem com o Senhor Lacerda. —
Concordo deslizando meu olhar sobre ele friamente.
— Acho que agora ela não o deixará escapar — Brinca, meu ex-chefe, com um
sorriso largo.
Sinto uma imensa vontade de chorar, mas não farei isso. Pelo menos não aqui.
— Bem, tio, isso seria impossível de acontecer agora — informa o Fernando.
— Meu filho, mais cedo ou mais tarde você vai ter que se comprometer.
— Mas já estou comprometido, tio, e em um relacionamento sério — explica
Fernando, olhando para mim. — E eu estou completamente apaixonado por ela, tio —
continua falando, mal ele sabe que por fora estou com uma aparência serena, mas por
dentro estou querendo esganá-lo. — Porém, ela não sente nem um pouco de ciúmes de
mim, tio — esclarece, sai do abraço da aguada e dá um passo em minha direção.
Se ele encostar em mim agora, eu acho que bato nele. Ele parece que sentiu o
perigo e parou ao meu lado.
— Não deve ser nada sério, papai. Nandinho nunca quis um relacionamento sério
com ninguém. — Angélica volta a se aproximar de Fernando, parecendo um polvo,
tentando abraçá-lo; mas ele se afasta antes que ela consiga.
— Bianca é a mulher que eu amo, e nós estamos juntos — Fernando, revela
passando o braço pelo meu ombro e beijando minha cabeça. Mal ele sabe que a merda já
está feita. — Ela é minha mulher, e eu estou completamente apaixonado por ela — ele se
explica e eu continuo calada. É minha vez de fazer silêncio.
— Mulher? ― Seu tio, indaga confuso.
― Eles não estão casados, apenas namorando. — Angélica, debocha.
— Isso é mero detalhe. Ela é minha mulher e ponto! — cospe Fernando irritado.
Angélica fica vermelha e visivelmente contrariada.
— Meu filho, como você deixa eu falar essas coisas e fica calado? Me perdoe,
Bianca, eu não sabia. — Ele soa muito envergonhado.
— O Senhor não tem motivo para se desculpar. A culpa foi de Fernando, que
deixou essa situação continuar — asseguro tentando tranquiliza-lo.
— Eu queria apenas provocar um pouco de ciúmes nela, tio; fique tranquilo —
declara Fernando, me abraçando.
Eu o afasto. Ah, se ele soubesse como estou com raiva dele...
— Ah, meu filho, você ainda tem muito o que aprender sobre relacionamentos —
Seu tio diz, rindo.
— Nisso concordamos, Senhor Martins — admito sem sorrir.
— Fernando, meu filho, todo homem inteligente, quando está em um
relacionamento sério, faz de tudo para não irritar sua mulher — explica seu tio, como se
revelasse um grande segredo.
— Já disse, ela não é mulher dele. Eles não estão casados, papai!
Nem me dou ao trabalho de respondê-la, nem sequer olho em sua direção.
— E eu já disse que ela é minha mulher.
Bem, como eu sei que Fernando se estressa com esse assunto, tenho certeza que
logo vai querer entrar em uma discussão com Angélica.
— Bem, eu tenho que começar a trabalhar. Mais uma vez, foi um prazer lhe rever.
— O abraço e me viro para ir para minha sala. Fernando segura o meu braço.
— Ei, não vai me dar um beijo?
Puxo o meu braço.
— Não.
— Como assim não? Amor, eu só estava brincando. Queria ver você com ciúmes,
apenas isso.
— Faz o seguinte, vai mostrar o trabalho para Angélica, tenho certeza que ela está
ansiosa.
— Estou mesmo, Nandinho, louca para aprender com você — Angélica declara, e
sua voz chega até a mim causando arrepios.
Fernando nem se vira e continua olhando para mim. Parece que só agora ele
entendeu que não gostei nem um pouco da "brincadeira".
— Angélica, minha filha, vamos deixar o casal em paz. Fernando, encontro com
você na sua sala. Foi um prazer revê-la, Bianca.
Seu tio sai e vai puxando Angélica pelo braço, e a sem vergonha não queria ir e sai
reclamando. Oh, mulher ridícula! Fernando pega minha mão e me leva para minha sala.
Minha vontade é de não ir, mas estávamos no corredor da empresa e alguém poderia
acabar vendo a discussão, porque, com certeza, teremos uma.
Assim que entro sigo direto para o telefone, e peço a Rafael para não passar
nenhuma ligação por vinte minutos.
Fernando, anda na minha direção e eu desvio.
— Meu amor, foi apenas uma brincadeira. Você sabe que eu a amo.
— Sei, Fernando? Menos de vinte e quatro horas depois de eu falar que te amo,
quando eu acho que estou vivendo em pleno mar de felicidade, você resolve, do nada,
me provocar ciúmes? ― Cruzo os braços e faço um meneio negativo.
— Você está desconfiando do meu amor? — questiona incrédulo.
— Você me fez desconfiar dele quando deixou aquela mulher grudada em você,
parecendo um polvo.
— Mas...
— Mas nada! Pior mesmo foi quando o seu tio disse que vocês faziam um lindo
casal e você ficou quieto, minha vontade era de te esganar. — Ele fica calado enquanto
falo. — Ou quando deixou ela chamá-lo de Nandinho com aquela voz tosca e... — Paro
de falar quando ouço a risada dele. — Você, você está rindo de mim? ― questiono
apontando o dedo indicador para mim.
Ele dá um passo em minha direção e tenta me beijar. Eu o afasto.
— Meu amor, você está com ciúmes. — Ele sorrir convincente, e mais uma vez,
tenta me beijar.
Estou aqui quase me rasgando de raiva, e o homem feliz porque estou querendo
esganá-lo por ter deixado uma sem vergonha quase se esfregar nele?
Ah, senhor! Dai-me paciência, porque se me der força, hoje faço picadinho de
Fernando.
— Some da minha frente, Fernando! ― Fecho meus olhos aponto em direção a
porta.
— Meu amor, eu te amo... essa foi a melhor prova de amor que você poderia me
dar.
— Quer dizer que você acha que ciúme é demonstração de amor? O que você
acharia se fizesse a mesma coisa para ver se você realmente me ama?
— Sim, quero dizer, não. Bianca, depois de tanto tempo correndo atrás e
demonstrando o meu sentimento, queria sentir que você realmente me ama, que me quer
como eu te quero.
Fico em silêncio, cruzo meus braços e o observo e ele continua.
— Sei que existe uma forte atração sexual entre nós, mas pela primeira vez na
minha vida, isso não basta, não é o suficiente.
Continuo calada.
— Sempre fui eu que corri atrás, você nunca teve que lutar por mim, mas a cada dia
que passa, eu venço uma batalha para ficar com você. — Ele anda de um lado para o
outro.
Abro a boca para opinar, contudo ele eleva a mão não me dando chance de falar.
— E, quando finalmente acho uma oportunidade para te provocar ciúmes, você
duvida do meu amor? Eu estou decepcionado com você. ― Bufo ao notar sua expressão
de desagrado.
— Fernando, qual reação você achou que eu teria? ― indago, calmamente.
— Achei que você tomaria uma atitude, marcaria seu território ― Ele fala como se
realmente esperasse que eu tomasse essa atitude.
— Não sou cachorro para marcar território, e nunca daria escândalo porque o meu
namorado estava dando mole para outra mulher... provavelmente terminaria com ele. ―
Solto as palavras devagar sem desviar meus olhos dos dele.
— Pois você me decepciona. — Ele sai da sala demonstrando estar magoado, e me
deixando de boca aberta.
Estou completamente incrédula! Como ele conseguiu reverter a situação, e ainda
sair como vítima dessa história?
Não vou pensar mais nisso agora, vou trabalhar, e à noite vou chamar Michele para
dançar e conversar. Ela está se saindo muito bem como ouvinte e dando ótimos
conselhos.
E quanto a Fernando, hoje não quero ver a cara dele!

Fernando

Saio indignado da sala de Bianca e sigo em direção à minha sala. Chegando lá,
encontro Angélica e meu tio conversando com Márcio e Pablo. Bem, meu tio está
conversando com Pablo, e Angélica dando em cima de Márcio, que está com cara de
pânico. A cena está tão engraçada que acabo rindo alto.
— Meu filho, se está rindo, significa que está tudo bem entre você e Bianca. ― Meu
tio pergunta e Pablo olha para mim, levanta sobrancelha e sorri. Esse sonso ainda acha
que vai pegar minha mulher. Tosco!
— Está tudo bem, tio — respondo, com os olhos fixos em Pablo. Nerd sonso!
Não é porque eu estou muito chateado com Bianca que eu vou desistir dela. Não
vou dar brecha para Pablo. Esse sonso continua me olhando com um sorriso naquela
cara de tacho.
— Nandinho! Fala para mim que não é nada sério com aquela mulher — pede
Angélica com voz irritante.
— Angélica, eu já disse que é sério, que Bianca é minha mulher. ― Reafirmo já
perdendo a pouca paciência que tenho.
— Angélica! Já chega! ― Meu tio exige energético.
— Mas, papai! ― Angélica choraminga, será que ela não vê o quão ridícula está?
— Eu exijo que você respeite a Bianca. ― Meu tio volta a exigir, e Angélica abaixa a
cabeça, contrariada. Pablo fica mexendo no celular, e Márcio respira aliviado por Angélica
ter saído de cima dele.
— Bem, vamos começar a trabalhar...
Botei meu tio a par de como estava a empresa, e ficou acertado que Angélica a
princípio passaria uma semana trabalhando com Pablo, depois com Márcio, e por último
comigo. Depois de meia hora, meu tio foi embora com Angélica, que não ficou muito feliz
por não começar de imediato a trabalhar comigo. Meu tio me conhece, sabe que estou no
limite com ela, e não estou no clima de ficar a ouvindo falar merda de Bianca. Pablo sai
com eles, e não sei o porquê, mas o sonso saiu com um sorriso convencido nos lábios, e
mexendo no celular.
Será que ele estava falando com a Bianca?
Será que ela vai levar a sério a ameaça de me fazer ciúmes?
— Fernando, você está com cara de quem quer descer a porrada em alguém. —
Márcio franze o cenho e quebra a cabeça para o lado.
— Você acha que Bianca o usaria para me fazer ciúmes? — indago com os olhos
fixos em Pablo.
— Quem? Pablo? — Márcio intercala os olhos entre mim e ele.
— Sim. — Confirmo, passando os olhos de Márcio para Pablo.
— Por que ela faria isso? Bianca não é o tipo de mulher que usa esse tipo de
artimanhas. — Conclui demonstrando interesse.
Prefiro me manter em silêncio, ainda olhando para a porta por onde Pablo saiu.
— Qual foi a merda que você fez para estar com esse cagaço todo? ― Não foi bem
uma pergunta e sim uma constatação.
— Usei a Angélica para fazer ciúmes na Bianca ― revelo cruzando os braços.
— Puta merda! Para que você foi fazer uma besteira dessas?
— Eu queria que ela sentisse ciúmes, que demonstrasse o que sente, que lutasse
por mim. ― Tento me explicar e acabo dando de ombros.
—Cara, você quer fazer a mulher correr, só pode. ― Márcio não esconde a
zombaria em cada palavra.
— Só eu que corro atrás — admito, jogando um olhar nele e desviando para porta.
— E você já está cansado? — inquire levantando uma sobrancelha.
— Claro que não, eu amo a Bianca, mas quero que ela me ame da mesma forma,
com a mesma intensidade. Fico com medo de tê-la pressionado a dizer que me ama, eu
queria uma reação espontânea, como o ciúme.
— Cara, isso é com o tempo. E qual foi a reação dela? — Sorrir de lado como se já
soubesse a minha resposta.
Dou uma risada triste.
— Bianca não se alterou. Eu pensei que ela arrancaria Angélica aos tapas de perto
de mim, mas ela agiu como se não ligasse, e depois ainda disse que nunca daria show
por minha causa. Eu sou um babaca, isso sim. Cada vez que um cara chega perto dela,
eu surto, quero voar em cima e rasgar o infeliz, enquanto ela nem liga. — Suspiro
frustrado.
Márcio começa a rir alto.
— Se for para ficar rindo da minha cara, pode ir embora.
— Desculpe, cara, é que eu nunca na minha vida pensei que teria esse tipo de
conversa com você. — Márcio busca uma cadeira, senta e cruza as pernas. ― É muito
surreal.
— É, eu sei, estou pagando por todos os meus pecados, por todas as vezes que
esnobei uma mulher. — Reconheço, me dirigindo a janela cerrando o punho e os
mantendo rente ao meu corpo. — Eu nunca imaginei que um dia iria agir assim por causa
de uma mulher e o pior é que eu não consigo me controlar.
— Fernando, agora falando sério: Bianca é diferente das mulheres que você está
acostumado. Ela não vai correr atrás de você, não vai fazer escândalo cada vez que uma
mulher der mole ou cantar você.
— Eu sei.
—Então, amigo, vá com calma. Bem, para falar a verdade, eu particularmente acho
que você vai cortar um dobrado para reverter essa situação.
— Você acha que ela vai sair com o Pablo? — Entro em pânico.
— Cara, eu conheço a Bianca há pouco tempo, mas tenho certeza de que ela é
fiel... isso se vocês ainda estiverem juntos. — Soa evasivo levantando ambas as mãos.
— Como assim, se ainda estamos juntos? Claro que estamos juntos!
— Bem, você a conhece, e provavelmente ela não vai querer te ver pintado nem tão
cedo, isso se quiser te ver de novo. — Frisa os lábios e balança a cabeça negativamente.
Nem respondo a ele, e já vou saindo. Ele ri e me segura.
— Me larga, homem! Vou conversar com ela e resolver isso agora.
Márcio continua a rir e a me segurar.
— Calma, Fernando, eu só estava te zoando. Você está parecendo um adolescente
amando pela primeira vez, descontrolado, inseguro e impulsivo. Está hilário — o infeliz
fala, rindo.
— Você não imagina como eu fico feliz em ser o motivo de sua diversão — digo
irônico. — Mas a verdade é que nem eu me reconheço, eu não estou conseguindo ser eu,
entende? E pare de rir! — esbravejo irritado.
— Agora, sério, dê um tempo para ela esfriar a cabeça. Deixa-a sentir sua falta, e
se ela realmente te amar, virá atrás de você. Cara, você sabe o jogo melhor que muito
homem, sabe muito bem como as coisas funcionam.
― Aí é que está o problema, dessa vez, eu não tenho a mínima vontade de jogar.
Eu não quero apenas uns momentos de prazer e depois cada um segue a sua vida. Creio
que por isso sempre foi fácil, eu gostava da sedução, do sexo sem amarras, eu nunca
realmente me envolvi. Contudo, dessa vez eu mergulhei tão profundamente, sem
nenhuma reserva que estou completamente no escuro. — Fecho meus olhos e tento
organizar meus pensamentos. — Você tem razão, vou ficar na minha. Apenas por hoje,
mas vou.
Conversamos por mais um tempo e ele foi para a sala dele, e eu finalmente fui
trabalhar.
Capítulo 15

Bianca
Passei o dia todo muito estressada. Pablo me enviou uma mensagem perguntando
se queria almoçar com ele, e como não estava com cabeça para conversar nem para ser
simpática com ninguém, marquei para um outro dia. Tenho que almoçar com ele em
breve, pois quero falar com ele sobre Mariana, filha do Senhor Arino. Quero pedir para ela
ficar algum tempo no setor dele, trabalhando diretamente com ele, para pegar
experiência. Eu penso mais sobre isso no futuro, agora não tenho cabeça.
Ligo para Michele, e a chamo para sair depois do trabalho. Fernando passou o dia
todo sem entrar em contato comigo, o que eu gostei muito. Não queria ver a cara dele
nem pintado de ouro! No final do dia, ao sair da empresa, Márcio me chama.
— Bianca, espere!
— Olá, Márcio. Tudo bem?
— Sim, e com você?
— Tudo bem, Bianca. Nós poderíamos tomar alguma coisa e conversar um pouco?
— Infelizmente, hoje não vai dar... vou sair com a Michele agora.
— É sobre o Fernando, Bianca.
— Eu imaginei. Desculpe, mas não quero falar sobre ele agora.
— Bianca, Fernando é como um irmão para mim e ele está muito mal.
— Eu também estou. Estávamos bem, ele não precisava me testar.
— Bianca, é complicado, os dois lados têm razão e erros nessa história, então não
vou julgar nem entrar no mérito de quem está ou não certo. Mas, por favor, entenda que
ele nunca se apaixonou. Meu amigo, está parecendo um menino que realmente nunca
amou, porque ele nunca se deixou levar por esse sentimento.
— Márcio, por favor, eu não quero...
— Tudo bem, mas não esqueça que ele ama você, e que está inseguro por achar
que forçou você a se declarar.
— Você é um ótimo amigo, Márcio.
— Eu sei que sou o máximo.
Sorrindo, dou um beijo no rosto dele, sigo para o carro e desligo o celular, pois não
quero falar com ninguém. Pego Michele na faculdade e vamos para um barzinho próximo.
Falo tudo o que houve hoje, e ela fala algo parecido com o que Márcio disse.
Sinceramente, acho que esses dois dariam um ótimo casal, afinal são ótimos
conselheiros amorosos alheios, já a vida pessoal deles é uma bagunça que dá dó!
Ficamos por uma hora conversando, depois fomos para casa. Prometi a ela que pensaria
em tudo.
Tomo um banho, deito na cama, e rolo para um lado e para o outro. Desisto de
dormir, ligo o celular e vejo que tem uma mensagem do Fernando.
Não importa o que eu faça ou o que você fale, eu continuo amando você.
Depois de olhar esta mensagem, tomo uma decisão, a de ir falar com ele. Levanto,
ponho a primeira roupa que encontro pela frente e saio. No carro, me dou conta que não
sei onde Fernando mora, então ligo para Márcio, que fica muito feliz e rapidamente me dá
o endereço.
Quando chego em frente ao endereço, perco a coragem e fico olhando o prédio
dele.
— Vamos, Bianca, coragem! Vá atrás da sua felicidade, não seja covarde. —
Respiro fundo e saio do carro.
Na portaria me identifico, e o porteiro liga para Fernando, que libera minha entrada.
Entro no elevador pensando em tudo que vamos conversar. Sim, porque precisamos
conversar e nos entender. Nós nos amamos, e com muito diálogo, tenho certeza que tudo
vai dar certo.
Saio do elevador prometendo que vou ter paciência em ouvir tudo o que ele tem a
falar, que vou ter muita calma, e só depois que ele desabafar, que falarei. Com tudo bem
decidido em minha mente, sugo o ar, o solto em uma forte baforada e toco a campainha.
Fernando abre a porta e me convida para entrar.
— Fernando, precisamos conversar.
Ele me interrompe com um beijo apaixonado, segura minha nuca com uma das
mãos, e com a outra a minha bunda, me puxando para ele.
— Fernando, precisamos conversar — repito entre os beijos.
— Depois. Agora eu quero você. ― Ele me aperta, beija meu pescoço e desliza até
a minha orelha dando pequenas mordidas no processo.
— Assim é covardia. Você sabe que não resisto a essas mordidas, são muito boas.
― Gemo, ao sentir o contato de suas mãos com a minha pele.
— Não quero jogar limpo, quero você na minha cama. Agora! ― Suga meus lábios
enquanto abre o zíper da minha calça.
O beijo devagar chupando sua língua, tiro sua camisa e no processo retiro as
minhas, passo minhas unhas em sua pele, o arranhando de leve e beijo seu peito, e
percorro um caminho de beijos e mordidas até ficar de joelhos.
Levanta a cabeça e sem desviar o olhar tiro sua calça devagar, vejo o quanto ele
está excitado.
— Eu amo você — murmura segurando meu rosto e inclinando o corpo e tocando
os meus lábios levemente.
—Entenda uma coisa de uma vez por todas, eu não vou ficar falando isso vinte e
quatro horas por dia, mas nunca se esqueça que eu amo você. Não falaria isso, sem
realmente sentir ― declaro enquanto abro o zíper da sua calça.
Ponho pau dele na minha boca e o chupo devagar. Sinto ele estremecer e o chupo
com mais intensidade.
Ele me puxa e me beija, gira meu corpo e morde meu ombro.
—Você chupa muito gostoso amor, mas não quero gozar na sua boca agora, quero
estar dentro de você e ouvir você dizer que me ama enquanto goza ― murmura enquanto
sinto sua mão entrando em minha calcinha.
— Onde fica o seu quarto? ― Suspiro ao sentir seu dedo tocando meu clitóris.
— Terceira porta à esquerda — responde sem cessar os movimentos.
Saio do seu aperto, e repito a cena que fiz a algumas semanas em meu
apartamento. Tiro minha blusa, deixo no chão, e caminho devagar até o quarto, tirando
peça por peça vagorosamente. Quando chego na porta do quarto, estou nua. Olho para
trás, e Fernando está na sala, me olhando com desejo.
Foi a cena mais excitante que já vi na vida.
Saber que o cara que você ama te deseja faz você se sentir maravilhosa. Sob o
olhar apaixonado e cheio de desejo dele, me sinto perfeita.
Olho para ele, sorrio, entro no quarto e me deito na cama. Ele entra e para na porta.
— Se você soubesse quantas vezes eu sonhei em ter você assim na minha cama
— revela tirando suas roupas com os olhos fixos em mim.
— Então pare de falar e venha me amar. — Sem nenhum pudor, abro minhas
pernas.
— Se toca para mim — pede tocando seu pau lentamente.
Faço o que ele me pede, o vejo mordendo o lábio inferior e logo em seguida
caminha decidido para a cama, sobe nela e substitui meus dedos pela sua língua,
roubando meu fôlego e me fazendo gemer.
Ele me saboreia devagar como se degustasse de algo muito gostoso, minha
respiração acelera, movo meu quadril em direção aos seus lábios sentindo um poderoso
orgasmo sendo construído, murmuro seu nome como um mantra, peço para não parar,
não preciso indicar o que ele deve fazer, Fernando parece conhecer cada sistema
nervoso que me leva ao delírio, quando estou sentindo os primeiro indícios de um
poderoso orgasmo ele para.
Demoro alguns segundos ao me dar conta, tomo fôlego para protestar e sinto o ar
sendo roubado dos meus pulmões ao senti-lo entrar em mim. Fernando arremete o
quadril com vigor, introduzindo ambas as mãos em baixo da minha bunda de modo que
não haja nenhum espaço entre nós, inclina a cabeça e suga meu seio e rebola causando
uma fricção no meu clitóris a cada vez que mexe o quadril, e um poderoso orgasmo me
pega de jeito, me fazendo gritar como nunca fiz.
Fernando não cessa os movimentos, eleva a cabeça encosta a testa na minha e
ofegante sussurra contra meus lábios.
― Eu amo você.
Volta a roubar meu fôlego ao acelerar os movimentos introduzindo uma mão entre
nossos corpos para tocar vigorosamente meu clitóris.
Volto a atingir o clímax, mas dessa vez ele me acompanha.
― Eu amo você ― murmuro com a respiração ofegante e ainda o sentindo pulsar
dento de mim.
Fernando gira o corpo, de modo que deite na cama e minha cabeça pousa em seu
peito. Ele emana um longo suspiro e me aperta em seus braços.
Algum tempo depois, quando nossas respirações voltam ao normal, sinto que é um
bom momento para conversarmos.
— Fernando... — Ele me interrompe, me beija levemente nos lábios saindo da
cama.
— Vou preparar a banheira para a gente.
Sinto que Fernando está evitando conversar, e toda vez que tento falar, ele começa
a me beijar; e como não resisto a esse homem, acabamos fazendo amor. Fernando, mais
uma vez, me convence a deixar a conversa para depois, seduzindo com tanto amor e
paixão, que era impossível pensar em algo além do prazer que ele estava me
proporcionando.
Mas após algumas horas de pura paixão e loucuras, estamos na banheira. Ele está
sentado atrás de mim, fazendo uma deliciosa massagem.
— Amor, vamos conversar? — Uso um tom calmo.
— Para quê palavras, se podemos demonstrar o quanto nos amamos com atos? —
Beija meu pescoço, ele sabe que é um dos meus pontos fracos.
— Amor, você tem noção do quanto eu amo isso? — Gemo sentindo meu corpo
estremecer.
— Então apenas aproveite — diz e começa a descer a mão, seguro a mão dele
perto da minha virilha.
— Você não quer? — pergunta, mordendo a minha orelha.
— Eu amo fazer amor com você, só que agora nós precisamos conversar.
— Deixe para depois, amor... isso está melhor.
— Sim, está maravilhoso, mas não podemos viver só de paixão.
— Eu acho perfeito, viver assim, amando você.
— Amor, eu também quero viver amando você; e por mais que eu ame fazer amor
com você, isso não resolve os nossos problemas.
— Eu pensei que depois dessa noite maravilhosa, nossos problemas tinham
acabado.
— Mas não é assim que funciona, pelo menos não comigo.
— E como funciona? Com mais carinhos? — questiona e vira meu rosto para um
beijo enquanto passa as mãos pelo meu corpo.
Giro meu corpo, beijo devagar seus lábios, seguro seu rosto e falo, olhando nos
olhos dele:
— Amor, não adianta tentar me seduzir. Nós temos que conversar.
— O que você quer é acabar com esse clima maravilhoso que estamos. Passou a
noite toda tentando quebrar o clima, e eu te seduzindo.
Ele sai da banheira, põe um roupão e deixa o banheiro. Senhor, dê-me paciência!
Meu namorado acha que tudo se resolve com sexo, e não é assim. Saio da banheira, e
quando vou pegar uma toalha, noto um roupão rosa dobrado.
A primeira reação é perguntar a ele qual foi a sem vergonha que largou o roupão
aqui. Ele disse que nunca tinha tido um relacionamento sério, mas teve intimidade o
suficiente para a tal fulana deixar um roupão na casa dele.
Pego o roupão já pronta para brigar quando noto um “B” vermelho gravado nele.
Abro o roupão e vejo que está escrito "Bianca" em enormes letras vermelhas. Michele
diria que é brega, mas eu achei lindo. Ponho o roupão e ele coube... vejo a etiqueta, é
GG. Se eu já não estivesse apaixonada por ele, gamaria agora!
Saio do banheiro quase andando nas nuvens. Como eu posso dizer que ele teve
uma atitude de adolescente hoje de manhã, se a minha primeira reação foi quase ter um
ataque de ciúmes só por ver o roupão? Procuro por ele pela casa e o encontro na sala,
de frente para a janela, olhando a chuva. Estava tão concentrada em nós que nem
percebi que em algum momento começou a chover.
Ele nota a minha presença e fala sem se virar:
— Vamos a sua tão desejada conversa. Evitei ao máximo porque sei que toda vez
que conversamos, brigamos — explica desanimado.
Seguro um sorriso, caminho até ele, o abraço por trás e beijo suas costas.
— Não quero brigar — sussurra segurando meus braços e dando um leve aperto.
— Também não quero, meu amor. Você ficaria feliz se visse a cena que quase fiz
agora.
— Que cena? Do que você está falando? — Gira o corpo e me olha confuso.
— Primeiro, obrigada pelo roupão... ele é lindo. — Não consigo controlar o sorriso
bobo.
— Márcio disse que você acharia brega. ― Ele segura as abas do roupão e me
beija levemente nos lábios.
— Pois eu amei! Ele foi a causa do meu quase ataque de ciúmes. Achei que era de
uma outra mulher, que tinha deixado aqui e já vinha tirar satisfações com você, louca da
vida. ― Escondo meu rosto em seu peito.
Ele dá uma gargalhada gostosa, o que faz com que aquele clima ruim que tinha se
instalado se desfaça.
— Se eu soubesse que uma simples peça de roupa teria provocado essa reação,
não teria feito aquela cena hoje. Me desculpe, sei que me excedi. ― Ele eleva minha
cabeça e encosta a testa na minha.
— Amor, eu também deveria ter deixado claro que estávamos juntos, mas ainda
estava insegura. ― Entrego algo que guardava a sete chaves.
— Você, insegura? Impossível! Você é sempre tão segura de si ― retruca incrédulo.
Pego a mão dele, o levo até o sofá, e sento em frente a ele.
— Fernando, eu estou tão insegura em relação a nós como você. Insegura e com
medo de que algo dê errado, porque te amo muito.
Ele fica em silêncio, me olhando.
— Meu anjo, em relação a hoje de manhã, eu teria agido de forma diferente se você
tivesse ficado ao meu lado, falado algo, ou me dado algum indício de que você não queria
esconder de seu tio que estávamos juntos.
— Eu queria ver a sua reação. Desculpe, agi como um idiota... se fosse ao
contrário, teria surtado.
— Fernando, quando Pedro e Marcela tentaram criar um conflito entre nós,
conseguimos sair mais fortes porque estávamos na mesma sintonia. Tínhamos
conversado antes e sabíamos que eles jogariam baixo.
— Sim, você foi perfeita.
— Então, meu anjo, se não fiz escândalo ali no meio daquelas pessoas que só
queriam nosso mal, por que você achou que faria logo na frente do seu tio, que tanto
gosto?
— Sim, você tem razão em relação a isso. Sei que agi errado.
— Eu também agi de forma errada, pois deveria ter deixado claro que estávamos
juntos. Nós dois erramos achando que estávamos certos. Contudo, nunca vou fazer um
escândalo na frente de todos porque uma mulher está dando em cima de você. Porque
eu não tenho um compromisso com elas, tenho com você. E se você estiver me passando
segurança, elas podem fazer o que quiser que não irá me incomodar.
— Bianca, amo você, mas não quero que somente eu fique gritando aos quatro
ventos o meu amor.
— Fernando, dificilmente eu vou gritar aos quatro ventos nosso amor. Vou falar para
você, vou demonstrar a você.
— Então você quer uma coisa escondida?
— Claro que não. — Tomo um longo suspiro. — Se fosse para ser uma coisa
escondida, não teria o apresentado aos meus pais. O que eu estou querendo dizer é que
a minha demonstração de amor a você fará com que todos saibam que eu te amo, não
preciso gritar aos quatro ventos, só preciso falar e demonstrar a você.
— E quando um nerd sonso aparecer? Como ele vai saber que você é minha?
— Nerd sonso? — Franzo o cenho e o encaro sem ter noção do que ele está
falando.
— Sim, tremo só em pensar em um nerd perto de você. Você tem uma queda por
caras atrapalhados, com óculos e espinhas, ou seja, nerd e sonso!
— E se um sarado se aproximar? — indago, achando graça da sua explicação.
— Fico tranquilo, sei que você não se impressiona com músculos e beleza.
Acabo rindo muito.
— Fernando, você é o meu primeiro namorado que tem ciúmes de um nerd.
— Prefiro não falar dos seus antigos namorados.
— Desculpe, você tem razão, mas você pode ficar tranquilo — asseguro sentando
em seu colo.
— Posso mesmo?
— Sim, você sempre vai ser meu preferido... não importa, nerd ou sarado, sempre
vou preferir você. Posso te pedir uma coisa? — pergunto, beijando o pescoço dele.
— O que você quiser. — Suspira.
— Promete que nunca mais vai deixar uma mulher grudada no seu pescoço, se
esfregando em você... sequer muito perto de você?
Ele dá uma gostosa risada e me deita no sofá.
— Amo quando você é ciumenta, mas prometo deixar bem claro que minha mulher
é muito ciumenta, então elas têm que manter um metro de distância — responde,
beijando meu pescoço.
— Não precisa falar isso para as mulheres, seu bobo; apenas sutilmente deixe
saberem que você tem uma pessoa, simples assim.
— Poxa, que balde de água fria. Eu já pensando em pôr uma coleira, e claro,
colocaria uma em você. A sua seria preta com letras rosa fluorescentes. Estaria escrito:
Propriedade de Fernando, encoste e perca o dedo.
Ambos rimos.
— Fernando, seria uma coleira enorme. E por que rosa florescente?
— Bianca, você tem um gato preto com uma coleira rosa... e pior, o bicho é macho.
— A coleira do Godofredo é linda! Tenho um gato muito chique.
Rimos e nos beijamos. Fernando fica me olhando e sorrindo.
— O meu problema era achar que você não sentia ciúmes. No começo do nosso
relacionamento, você disse que quando namorava, você era ciumenta, chiclete, que vivia
grudada... E comigo nada, por isso pirei e achei, enfim, você sabe. — Ele senta no sofá e
segura minha mão. — Bianca apesar de ser um homem experiente no quesito sedução
em contrapartida em relacionamento estou no escuro, e andando em ovos. Já falei várias
vezes que nunca senti o que eu sinto por você e às vezes, muitas vezes, acho que você
ainda não compreende a complexidade disso. Eu nunca fui inseguro em nenhum quesito
da minha vida e, no entanto, agora estou. Para mim não é uma opção esse
relacionamento não dar certo, eu te amo.
— Fernando, eu prometi a mim mesma que com você seria diferente. Eu sempre
conseguia acabar meus antigos relacionamentos com ciúme excessivo e cobrança, e
queria fazer diferente; mesmo porque sou uma pessoa diferente. Muitas coisas
aconteceram desde o meu último relacionamento, eu aprendi a me amar, e
principalmente, a me aceitar. A mesma insegurança que você citou, eu também sinto.
― Pois não parece. ― Ele bufa descrente. ― Eu sinto como se você soubesse que
me tem ao redor do seu dedo e me sinto frustrado por achar que não consigo estar à
altura, entende.
Foi impossível não sorrir.
― Fernando, você já se olhou no espelho? Você é o objeto de desejo de oito entre
dez mulheres. A vida me bateu tão forte tantas vezes que eu me defendo e confesso que
criei barreiras de segurança ao meu redor. Entretanto, eu estou entendendo o seu ponto
de vista. E eu fico muito feliz em ser a pessoa que você escolheu amar tão intensamente,
e eu vou tentar ao máximo não te decepcionar. No entanto, também quero que você
compreenda que esse não é o meu primeiro relacionamento sério e em minha alma trago
marcas amargas do passado. Eu não sou frágil e muito menos indefesa, e escolho muito
bem as minhas batalhas, não vou ficar brigando por qualquer coisa. ― Abro meu coração
como nunca fiz antes.
Não sei definir por quanto tempo ficamos em silêncio cada um processando o que o
outro revelou. Devagar eu vejo um lento sorriso surgir em seus lábios e sorrio junto.
— Eu sou um homem de muita sorte por ter você. Eu te amo. ― Fernando, segura
meu rosto e me beija.
— Também te amo.
— Sobrevivemos a nossa primeira “DR”. ― Ele eleva uma sobrancelha e sorrir.
— É verdade, foi muito bom expormos tudo o que sentimos.
Alguns dias depois....
Acordei com uma sensação maravilhosa, solto um forte gemido. Abro meus olhos e
vejo lindos olhos azuis me olhando enquanto Fernando me chupava, abri mais as pernas,
elevei os quadris e não tirei os olhos dele até gozar. Ele sobe beijando todo meu corpo,
beija minha boca e me penetra roubando meu fôlego no processo, fazemos amor devagar
nos olhando sem palavras, apenas com beijos e gemidos e gozamos juntos.
— Forma deliciosa de acordar — murmuro depois que consigo recuperar o fôlego.
— Se depender de mim, vamos acordar assim todos os dias — diz, beijando o meu
pescoço.
— Não faz assim... você sabe que seu beijo no meu pescoço me deixa toda mole.
― Viro, deitando de lado, tentando fugir do seu beijo e me levantar. Ele me segura pela
cintura.
— Fernando, temos que levantar. Ainda tenho que ir em casa e trocar de roupa. ―
Ontem após um dia exaustivo de trabalho vim para a casa dele e isso se tornou frequente
nos últimos dias.
— Me explica uma coisa primeiro?
— O quê?
— São só meus beijos no seu pescoço que te deixam mole, ou você fica assim com
outro cara a beijando?
Viro meu rosto para ele, e vejo Fernando descabelado e sorrindo de lado. Esse
homem lindo, todo gostoso, que qualquer mulher sonharia em ter na cama, está inseguro
por minha causa. Sorrio lentamente, giro meu corpo e subo em cima dele, sentando em
seu quadril e inclinando o corpo.
— Só com você. Qualquer outro que beije meu pescoço, eu não sinto nem
cosquinha — sussurro próximo a sua boca.
Ele me dá um lindo sorriso e beija meu pescoço. Eu me arrepio toda e solto um
longo gemido.
— Amo te ver assim, toda manhosa e dengosa, entregue a mim.
Ele começa a me beijar, e mais uma vez fazemos amor. Tomamos banho juntos e
seguimos para minha casa em carros separados. Na portaria do meu apartamento, faço
algo que já deveria ter feito a algum tempo, aviso ao porteiro para pôr a placa do carro de
Fernando na lista de permitidos, porque ele vai frequentemente utilizar minha outra vaga.
Sempre que ele vem a minha casa, deixa seu carro estacionado na frente do prédio,
quem sabe essa minha ação traga mais segurança para ele sobre nós e os meus
sentimentos.
— Bom dia, dona Bianca. A esposa do síndico vai ficar louca da vida, é ela quem
usa a sua outra vaga.
— Bom dia, tudo bem? Por favor, avise ao síndico e a esposa que a partir de hoje,
não autorizo mais ninguém que não seja este carro que está atrás do meu, a ficar na
minha outra vaga. Comprei o apartamento com duas vagas, e a partir de agora, usarei as
duas. Anote o número da placa desse carro, e qualquer problema, mande vir falar comigo.
Entro na garagem e Fernando estaciona na minha vaga extra, que está vazia. A
esposa perua do síndico deve ter ido à academia, e quando voltar, terá uma surpresa.
Saio do carro e encontro Fernando com um sorriso enorme no rosto.
— Por que está sorrindo assim? — indago enquanto entramos no elevador e
seguimos para o meu apartamento.
— Porque agora entendi o que você quis dizer há algumas noites sobre não gritar
aos quatros ventos, mas demonstrar e que todos saberiam. — Sorrio para ele. — Agora
sim senti que tenho dona. Já volto a pensar em coleira de novo...
Saímos rindo do elevador, e vejo Michele quase quebrando a campainha.
— Michele, eu não estou em casa — saliento o óbvio e a vejo levar um susto e virar
com os olhos arregalados.
— Amiga, quer me matar do coração? Já estava pensando em chamar o corpo de
bombeiros para resgatar seu corpo. Há dias que não te vejo, Maria também está
preocupada ― reclama com ambas as mãos na cintura.
— Pare de ser exagerada. — Rio e abro a porta.
Ela e Fernando entram. Meu namorado assim que entra, tira o paletó, põe a pasta
de trabalho em cima da mesinha de centro, pega a mala de roupas que trouxe e coloca
ao lado do sofá, senta e pega Godofredo no colo e começa a fazer carinho, parecendo
estar muito à vontade, como se estivesse em casa.
Michele olha a cena e me puxa para o lado.
— Mas ele já veio de mala e cuia? Mona, você não disse que iria devagar, que não
grudaria no bofe? — Joga um olhar para a mala e logo em seguida para mim.
— E vou, fique tranquila. Sei que você só quer o meu bem. — A acalmo e sigo em
direção a cozinha em busca de um copo de água, com ela atrás de mim.
— Ainda bem que você sabe disso, só quero ver se vai me abandonar.
— Nunca, e você sabe. — Volto para a sala e Michele me segue.
Ela cruza os braços e resmunga.
— Hum, sei nada, ele já trouxe seus trapinhos para cá. Agora você não vai mais me
dar carona, nem vamos ter nossas farras em boates, rindo da cara dos babacas atrás da
gente. — Michele faz bico.
— Ei, eu ouvi isso! ― Fernando avisa, não disfarçando que estava prestando a
atenção na conversa.
— Viu! Ele ainda por cima se intromete, e vai ficar se metendo nas nossas
conversas. — Ela aponta para ele, olhando para mim.
— Ela é minha mulher. É claro que vou me meter nas conversas dela.
— Pois ela é minha amiga antes de ser sua mulher, e fazemos muitas coisas juntas.
— Mas não vão mais às boates sozinhas para os homens ficarem cantando minha
mulher.
— Ok, isso não faremos mais, mas fazemos muitas outras coisas juntas, e você não
pode se meter só porque ela é sua mulher.
— Claro que posso, ela é minha mulher!
— Só porque ela é sua mulher, não quer dizer que você pode ser meter nas nossas
conversas. Que graça, vê se pode! Entrou no ônibus agora e já quer sentar na janela.
— Como? Que janela? Que ônibus? Do que você está falando?
— Está vendo, Bianca? Além de intrometido, é lento — Michele diz, apontando para
Fernando.
Fico parada olhando esses dois sem noção discutirem. Há muito tempo estava
imaginando como seriam esses dois juntos, e sabia que se bicariam de primeira.
— Michele, lembra da nossa conversa? Você mesma disse que ele é o cara, e ele é
importante para mim. Então, por favor, tenha um pouco de paciência e o ensine... ele não
conhece suas gírias, mas com um pouco de paciência, ele pega.
— Bianca, ela não fala nada que tenha algum sentido — Fernando reclama,
apontando para Michele.
— Fernando, Michele é, e sempre será, muito importante na minha vida. Então seja
um homem inteligente e se entenda com ela, caso não queira brigar comigo.
— Você brigaria comigo por causa dela? E todo o amor que você sente por mim,
cadê?
— Sim, brigaria. Eu te amo e você sabe disso, mas se você não se entender com a
Michele, isso será um ponto de discórdia entre nós.
Ele fica em silêncio, me olhando, chocado.
— E tem mais, se estamos juntos, é graças a ela!
— Como assim, graças a ela?
— Michele que me incentivou a te dar uma chance. Depois foi ela quem disse que
estava me apegando ao passado, e deveria esquecer todas as merdas que você já fez e
me declarar a você.
Ele fica em silêncio e passa as mãos pelo cabelo.
— Michele sempre me põe na linha quando estou muito orgulhosa.
— Mas...
Ele começa a falar e eu o corto.
— E o mais importante, ela foi a única que não implicou por você me chamar de sua
"mulher", nem disse que é muito cedo você me chamar assim, e você nem notou isso.
Meu amor, por favor, tenha paciência. Se você a conhecer, vai se surpreender com a
pessoa gentil, corajosa, que sempre defende quem ama com unhas e dentes. Ela é
simplesmente maravilhosa, minha única e melhor amiga.
— Também te amo, amiga. — Michele se emociona e me abraça por trás.
— Bem, agora vocês dois se entendam, vou me arrumar. Já estamos atrasados
demais.
Saio da sala e sigo para o meu quarto, rezando para que eles se entendam.
Capítulo 16

Fernando
Estou agora sentado no sofá do apartamento de Bianca, pensando em como fui me
meter nessa situação. À minha frente está uma loira alta, corpo que a grande maioria
chamaria de perfeito, linda, e que há alguns meses seria meu ideal de mulher.
Como as coisas mudam, e como o mundo dá voltas e nos surpreende. Hoje não
troco minha Bianca por ninguém, pois para mim ela é perfeita. Ela tem todas as curvas
que amo. No passado, eu já teria feito de tudo para transar com a mulher à minha frente.
Hoje, no entanto, não sinto nada.
Há alguns dias eu fiz a merda de provocar ciúmes na Bianca com Angélica, e desde
então a doida fica me ligando e mandando mensagens, achando que quero algo com ela.
Meu medo é Bianca interpretar essas mensagens de forma errada.
Meu tio me pediu para ter paciência com sua enteada, porque ela me ama
escondido há muito tempo, e sempre acreditou que ficaríamos juntos. Ainda pediu para
não ser grosseiro, nem me afastar bruscamente dela, porque ela é muito sensível. Ou
seja, a doida da mulher inventou um monte de mentiras e meu tio caiu. Não quis ficar
contrariando-o, pois ele não está bem de saúde; mas eu tenho certeza que essa tosca vai
aprontar.
E agora estou aqui, com uma loira, que pela cara brava, quer voar no meu pescoço,
e eu não morro de amores por ela também. Contudo, por amor a Bianca temos que nos
entender. Sim, porque minha mulher deixou bem claro que sua amiga não vai sair da vida
dela, e pior, ainda brigaria comigo por ela. E como não sou burro, vou tentar dar uma de
"fofo" para cima dessa aí, que deve ser outra tosca.
Michele estava resmungando de cabeça baixa, e achei melhor começar logo.
— Bem, Michele, vamos esquecer esse mal-entendido. Nós dois gostamos da
Bianca e temos que nós dar bem, então vamos ficar na paz. — Termino a frase com um
sorriso maravilhoso que faz as mulheres ficarem loucas.
Pronto, fiz minha parte, agora é só esperar minha gostosa.
Só que não!
Ela virou a cabeça devagar e olhou para mim, como se eu tivesse duas cabeças.
— Tudo bem, porra nenhuma! ― Aponta um dedo para mim, enquanto a outra mão
pousa em sua cintura.
Mas, hein!
— Você está pensando o que dá vida? Que sou babaca! Sou loira, mas não sou
burra, não. ― Joga as palavras emanando raiva pelos poros.
— Mas eu não te chamei de burra, apenas quero ficar em paz com você. — Volto a
dar o “sorriso".
Sabe, estou começando a achar que meu sorriso já não é tão potente assim.
Antigamente as mulheres quase tiravam as calcinhas quando sorria assim para elas.
Bianca não caiu, e pelo jeito estranho que Michele está olhando para mim, dar uma de
"fofo" com ela não deu certo.
— Pode parar de mostrar os dentes para mim! Bianca disse que você costumava
agir como um babaca quando se conheceram, e agora eu estou entendendo. Não vou
me dar bem com você só porque você disse que ambos "gostamos" da Bianca!
— Mas...
Ela me interrompe.
— Agora, você vai ficar calado e me ouvir, depois você fala. — Se senta em minha
frente e aponta um dedo para mim.
— Ok, pode falar — concordo e fico em silêncio. É melhor não contrariar.
— Eu não gosto da Bianca, eu a amo como a irmã que eu não tive. Ela e a família
dela são as únicas pessoas que eu tenho na vida; eles me adotaram como da família
desde que meus pais morreram. Bianca já sofreu demais por amor e por causa do seu
peso, e ela teve que aprender a ser forte na marra.
Ela levanta e começa a andar de um lado para o outro.
— Apesar de ter aprendido a se amar e se aceitar como ela é, ter aprendido a ser
dura e grossa em certas ocasiões, Bianca ainda é muito sensível. Ela é reservada, mas
muito carinhosa; e sempre que preciso, está aqui. Ela ama você! Então, se você apenas
gosta dela...
— Eu amo a Bianca, nunca senti isso por ninguém. Sei que às vezes sou um idiota,
como agora a pouco, mas amo a Bianca — interrompo Michele, que me olha em silêncio.
— O que eu sinto pela Bianca é novo para mim. Eu ainda estou aprendendo a lidar com
tudo isso, e não tenho vergonha de falar isso, porque é verdade. Sei que ainda vou fazer
muita merda... tenho um ciúme surreal, e estou sentindo muita inveja por toda essa
cumplicidade que vocês duas tem.
— Fernando, ela já sofreu demais. Por favor, não faça minha amiga sofrer.
— Sei que estamos juntos há pouco tempo, mas sei que quero passar o resto da
minha vida com ela. Não vou te prometer que nunca vou deixá-la com raiva, porque em
relacionamentos muitas vezes faço merda, mas nunca a farei sofrer por livre espontânea
vontade. Eu a amo.
— Assim, cumplicidade você só vai ter com o tempo. Vou acreditar em você, mas
se você a fizer sofrer, você me paga. Se pensar em traí-la, eu te enfio a porrada, corto
suas bolas e te faço engoli-las! — Michele me ameaça sem nem ao menos piscar. Ela é
boa em ameaças.
— Admiro seu empenho e sua dedicação pela sua amizade com Bianca, mas não
me faça ameaças. — Franzo os olhos e minha voz soa fria.
— Acho que você não entendeu, Fernando... não é uma ameaça, é uma promessa.
Você tem o poder de machucar, e muito, a Bianca; então a trate com carinho e amor que
tudo vai ficar bem entre nós dois. — Ela dá um passo em minha direção e me encara.
Fico em silêncio, mas doido para retrucar. Uma coisa é evidente, ambos amamos
Bianca, e tenho que aceitar que Michele é uma parte importante da vida dela.
— Estamos entendidos? —indaga elevando o queixo.
— Entendidos! — Ofereço a mão a ela.
Ela me olha e aperta a mão.
— Bem, como prometi a Bianca que me entenderia com você, vou logo te deixar a
par de algumas coisas.
— E quais seriam? — Cruzo meus braços.
— Você pode até ser o boy magia da Bianca, e já ter trazido seus paninhos de
bunda para cá. Minha amiga, me dá carona duas vezes na semana, então seja um bofe
inteligente e não interfira nas nossas conversas, você tem todo jeito de chiclete.
— Você quis dizer fofocas.
— Fofocas não, apenas simples atualizações locais. Não é porque Bianca é sua
mulher que você vai interferir.
— Bianca tem razão, você é a primeira pessoa a não implicar quando a chamo de
minha mulher.
— Mas ela é sua mulher!
— Mas normalmente as pessoas falam que temos muito pouco tempo de namoro.
Mero detalhe.
— Na boa, isso é tudo recalque. Dê um beijinho no ombro para os recalcados e
manda todo mundo ir para puta que pariu. — Michele começa a falar de uma forma
engraçada, e isso faz com o clima ruim acabe.
Boa parte do que ela diz não posso, em sã consciência, falar a ninguém, mas é
inegável que ela é uma ótima amiga.
Acabo rindo, entrando no clima, e falando as barbaridades que poderíamos fazer
com os preconceituosos. Caímos na gargalhada juntos, e nesse clima descontraído,
Bianca volta, me abraça e beija.
— Vamos parar com o agarramento que já estamos atrasados. — Michele ordena
com a mão na cintura.
Vamos no carro da Bianca e deixo o meu na garagem dela, já que pretendo voltar
para cá hoje à noite, então não havia motivo para irmos em dois carros. Vou todo o trajeto
sorrindo com o jeito despojado de Michele e com as altas gargalhadas que Bianca dá.
Pensando bem, até que ela não é tosca.
Quando me lembrei da ameaça de Michele, ri alto.
— Por que você está rindo, amor?
— Michele ameaçou me bater e cortar as minhas bolas.
— Michele!
— Amor, não brigue com ela, foi apenas uma brincadeira.
— Brincadeira porra nenhuma! Junto um povo e te pego de porrada se você vacilar
com a Bianca. Estou de olho em você — ela volta a me ameaçar seriamente.
De queixo caído, olho para Bianca, e ela está disfarçando o riso, olhando para
janela.

Bianca

Sigo ouvindo as ameaças que Michele faz a Fernando, e ele me olha cada vez mais
assustado. Com muita vontade de rir, viro para a janela, tentando controlar o riso.
Graças a Deus que eles estão se dando bem. Apesar das várias ameaças, é visível
que ela o aceitou, o que me deixa muito feliz. Quero que Michele sempre faça parte da
minha vida, e não foi uma ameaça em vão quando falei para Fernando que brigaria por
ela. Ela esteve comigo e me apoiou em muitas situações, foi uma pessoa fundamental na
minha terapia, sempre me dando força e me dizendo que sou muito mais do que os
outros dizem.
As pessoas sempre estranharam a nossa amizade. Algumas pessoas diziam que
Michele só era minha amiga por interesses financeiros... o que eles não sabiam é que ela
é milionária, mas não gosta de ostentar; e isso é umas das coisas que gosto nela.
Já me falaram tanta baboseira. Uma menina uma vez me disse que Michele só era
minha amiga porque eu era gordinha, e ela ficaria mais bonita ao lado de uma gorda.
Bem, como Michele estava junto, a menina levou um soco na cara tão rápido que eu só
me dei conta do que aconteceu quando ela caiu de bunda no chão. Foram muitas brigas
e confusões nesses mais de quinze anos de amizade.
E agora estou aqui, tentando segurar o riso ao ouvir Michele e Fernando.
— Você tem noção que peso o dobro de você? — Fernando pergunta a ela.
— E daí? Tu é grande, mas não é dois! — Michele retruca de forma debochada.
— Bianca, sua amiga é muito sem noção.
Não consigo mais me segurar e começo a rir.
— Já te disse que chamo uns amigos e eles te pegam. — Ela volta a ameaça-lo.
— Que amigos? Amor, ela não está bem — cochicha para mim. Volto a virar para a
janela para não rir da expressão engraçada que Fernando está fazendo. Ele ainda vai
levar muitos sustos até conhecer Michele melhor.
Pensando bem, depois de quinze anos, eu ainda levo sustos, mas claro, não vou
falar isso para ele. Chegamos no curso de Michele, e ela sai do carro fazendo gestos com
os dedos e dizendo está de olho nele.
— Amor, eu achei que estávamos nos entendendo, mas acho que ela não gostou
de mim. Meu sorriso arranca-calcinhas está falhando.
— Sorriso arranca-calcinhas? E por que você daria um sorriso assim para Michele?
— Bem, o tosco, sonso, vulgo Pablo, sempre disse que consigo fazer as mulheres
ficarem todas sem ação com meu sorriso, que ele sempre chamou de arranca-calcinhas.
Meu sorriso sempre fez as mulheres mais sorridentes, e digamos, mais maleáveis.
— E você queria deixar Michele mais maleável?
— É claro! Ela estava com cara de quem voaria em mim, mas não deu muito certo.
Você ouviu as ameaças. Não vou desistir, e serei sempre gentil com ela para não entrar
em conflito com você, mesmo ela ameaçando tirar as minhas pobres bolinhas.
Não me aguentei e dei uma alta gargalhada.
— Isso mesmo, ri de mim... sou ameaçado e você ainda ri.
Quando ia começar a falar, ouço Michele gritar para esperarmos.
— Pronto, lá vem ela com mais ameaça. Agora vai tirar meus pelos com pinça.
— Bianca, não esqueça que hoje é dia de pizza e ver séries lá em casa.
— Tudo bem, eu levo a pizza.
— E você, Fernando, leve umas cervejas e suco de laranja.
— Eu estou convidado?
— Mas é um tonto mesmo, hein, Bianca?
— Mulher do céu, você não me disse... disse não, ameaçou, para não me meter
nos assuntos de vocês?
— Ah, isso é quando conversamos no carro, mas você passou no teste. E não
esqueça a cerveja! Bianca só toma suco de laranja, e vai ser bom tomar cerveja com
alguém. Beijinho e até à noite!
Michele sai saltitando, feliz da vida. É a vez de Fernando cair na gargalhada e
acabo rindo junto. Depois que ele se acalma da crise de riso, dá partida no carro.
— Ela é sempre assim? — pergunta em tom de riso.
— Sim, nunca é monótono perto de Michele.
— Notei. Acho que me enganei em relação a ela não ter gostado de mim.
— Sim, Fernando. Ela já gostava de você antes de te conhecer, porque você está
me fazendo feliz.
— E aquela marra toda?
— Bem, ela já gostava de você, mas tinha que mandar o recado dela — explico,
sorrindo.
— Recado recebido.
Assim que chegamos ao estacionamento, ele desliga o carro e vira para mim.
— Eu te amo. Não importa se estamos juntos há pouco tempo ou não, eu te amo!
Seguro o rosto com carinho e o beijo.
— Amo você, mas você sabe que muitas pessoas vão fazer de tudo para
brigarmos, então, não se esqueça: Eu amo você!
— Eu sei! Agora, eu sei. E prometo sempre conversar com você antes ou depois de
algum conflito.
Saímos do carro e fomos de mãos dadas para a empresa. Cumprimentamos as
pessoas que encontramos e entramos no elevador, e logo depois entram Pedro, Marcela
e Angélica conversando.
— Nandinho, estou ansiosa para começar a trabalhar com você. Tenho certeza que
nós daremos muito bem. — Angélica agarra o braço de Fernando e põe a mão no
abdômen dele.
Mas é muito sem vergonha!
— Angélica, já falei para você parar com essas merdas. Respeite a minha mulher,
porra! Ou vou falar ao meu tio que é impossível você trabalhar comigo, já que não me
respeita. ― Fernando soa ríspido enquanto a afasta.
Que bonitinho, ele apreendeu direitinho... Estou dando pulinhos por dentro,
enquanto por fora, continuo com cara de paisagem.
— Não foi o que você falou ontem à noite, Nandinho. ― Angélica provoca, com um
sorriso zombeteiro.
— Não falei nada ontem à noite, Angélica. Nem te vi à noite ― Fernando retruca
indignado.
— Como não, Nandinho? Esqueceu que você, depois de tudo, respondeu minhas
mensagens? Não me trate assim, estou com saudades — Angélica, fala em um tom
choroso e novamente tenta se aproximar de Fernando.
Cansei de ouvir essa sem vergonha falar merdas!
Quando ela tenta se aproximar de novo de Fernando, entro na frente dele, que me
abraça pela cintura.
— Angélica, querida, é muito feio uma mulher ser humilhada assim na frente dos
outros, você não acha? — questiono sorrindo.
Ela me olha horrorizada
— Ele passou a noite comigo! ― Joga toda sua raiva e frustração para fora.
Sinto a respiração de Fernando acelerar em minhas costas e faço um ligeiro carinho
em seus braços que me cercam firmemente.
— Ah, Angélica, tão bobinha você. Antes de tentar criar uma intriga, dizendo que
meu namorado me traiu, deveria confirmar se ele dormiu sozinho, com outra mulher... —
Eu me aproximo dela devagar e continuo falando: — Ou se ele passou a noite fazendo
amor comigo. A noite toda!
Vejo seu rosto atingir um tom de vermelho e sorrio lentamente.
— Sabe, eu até te entendo... sei o quanto ele é gostoso, afinal ele me mostra isso
toda hora; e também o quanto me quer, me ama, e me deseja. — Dou dois passos e paro
bem perto dela, que começa a ficar assustada. — Apesar de entender, eu tenho um certo
limite de paciência. Portanto, a próxima vez que você pôr a mão nele na minha frente,
você não irá gostar do que irá acontecer com você. Espero que tenha entendido — digo
de forma lenta e calma, mas muito séria, em tom de ameaça.
Angélica e Marcela ficam de boca aberta. Acho que elas nunca esperavam que eu
tivesse essa reação, mas paciência tem limite! Algumas pessoas confundem educação
com idiotice. Eu me alterei, não gosto disso, mas ela merecia um aviso. Ela está abusada
demais, passando dos limites.
— Nunca vi você se alterar, se bem que você não elevou a voz. Estou admirado,
mandou seu recado sem baixaria. Eu fui um idiota por te perder. — Pedro me olha
admirado. A última parte, ele diz em um sussurro.
Mas Fernando ouviu. Ele, que até o momento estava em silêncio, voltou a me
abraçar pela cintura.
— Mas essa mulher é minha.
A porta abre e saímos do elevador, deixando Marcela e Pedro discutindo, e
Angélica ainda passada com a minha ameaça. Entramos na minha sala e Fernando pede
ao Rafael que não passe nenhuma ligação por uma hora, pois estaremos em reunião.
— Meu anjo, e que reunião é essa? ― pergunto assim que entramos na sala e noto
que Fernando fecha a porta e logo em seguida a tranca.
— Bianca, desci no seu andar porque eu prefiro esperar outro elevador ou ir de
escada a ter que olhar na cara deles agora. ― Ele passa ambas as mãos nos cabelos e
puxa o ar e o solta com força.
— Meu amor, vamos ter que encontrá-los, e temos que ser civilizados. Eu me
descontrolei, em contrapartida, não me arrependo, contudo isso não vai se repetir. Mas
que reunião é essa que teremos? ― indago com o cenho franzido.
— Ver você lutando por mim me deu um tesão enorme, e não vou conseguir
esperar até a noite.
Ele nem me deixa falar. Com uma das mãos segura minha nuca e me puxa para um
beijo gostoso, gira meu corpo e me empurra devagar, sem parar de me beijar, indo a
parede.
Como hoje estou de vestido, ele levanta até a minha cintura. Interrompe o beijo
desloca os lábios pelo meu pescoço e vai subindo até morder a minha orelha. Dou um
alto gemido quando o sinto descer a mão.
— Quietinha, amor... vamos fazer amor agora, mas você tem que ficar quietinha.
Amo ouvir você gemer, mas agora você vai ficar caladinha — sussurra no meu ouvido.
Arregalo os olhos quando ele rasga minha meia calça, põe minha calcinha de lado e
toca meu clitóris devagar. Abro a boca e deixo o ar sair e o puxo rápido, Fernando
intensifica os movimentos, e introduz dois dedos ao mesmo tempo em que me beija e
suga minha língua.
Meu coração bate descompensado, a adrenalina corre solta em minhas veias, eu
gemo em sua boca e ele morde meu lábio inferior. Sinto um poderoso orgasmo sendo
construindo e do nada ele cessa os movimentos, e eu engulo em seco ao vê-lo levar os
dedos aos lábios e saboreá-los, logo em seguida ele sorrir, o sorriso mais safado que eu
já vi em Fernando.
Ele segura minha cintura e gira meu corpo, de modo que eu fique de frente para a
parede.
Sinto sua mão descer o zíper do vestido devagar até a base da minha coluna, ele
beija um ombro enquanto desce a alça do vestido pelo meu braço e repete o movimento
no outro braço. Erroneamente, eu pensei que ele iria retirar todo o meu vestido, mais
Fernando tinha outros planos.
Suas mãos percorrem as laterais do meu corpo até a minha coxa e sobem trazendo
o vestido consigo e o deixando enrolado em minha cintura, com calcinha e sutiã a mostra.
Ele fica de joelho, tira minha calcinha, morde minha bunda e um grito morre em
minha garganta.
― Abre as pernas e empina a bunda para mim amor. E não se esqueça, sem um
ruído, afinal não queremos que ninguém saiba o que estamos fazendo aqui. ― Sua voz
soa rouca e causa um delicioso arrepio em meu corpo.
Faço o que ele me pede e mordo o lábio inferior para me impedir de gemer alto
quando sinto sua língua, lambendo toda extensão da minha intimidade e em seguida
concentrando no clitóris e chupando forte.
Novamente ele para quando estou perto de gozar, me penetra devagar, mas logo
depois intensifica os movimentos e quando solto um gemido mais longo, ele vira meu
rosto e começa a me beijar enquanto mete mais rápido.
— Goza comigo meu amor, sem fazer barulho, minha gostosa.
Sussurra no meu ouvido e volta a me beijar e a me tocar.
Tenho um dos orgasmos mais poderosos que já tive na vida, não sei se era porque
era muito erotismo, ou porque era escondido, ficamos ofegantes por um tempo.
Ele sai de dentro de mim e vou ao banheiro cambaleando, tiro minha meia que está
acabada e a calcinha, levo um bom tempo até novamente me sentir apresentável e ao
voltar para a sala, encontro Fernando sentado, todo jogado no sofá, de calça. Vê-lo assim
dá uma vontade de fazer tudo de novo, e de novo.
Ele me olha e dá um sorriso de lado.
— Você está muito sexy assim. Pena que não podemos continuar o dia todo. —
Pisco o olho para ele.
— Isso tudo é seu. Vou sair daqui agora, porque se ficar me olhando com essa
carinha de safada que você está fazendo, vou mandar tudo para o alto e fazer tudo de
novo, várias e várias vezes. — Fernando me dá um beijo rápido e vai ao banheiro.
Encosto na mesa, sorrindo.
Ele sai do banheiro impecável, mas com um sorriso travesso no rosto. Assim que
Pedro o vir, vai sacar o que houve entre nós.
Ele me abraça e beija.
— Isso tudo foi só para mostrar ao Pedro que sou sua? — pergunto, levantando
uma sobrancelha.
Ele solta uma gargalhada gostosa.
— Você é muito inteligente e observadora. Você sabe que sou ciumento, e quando
ele falou aquilo, eu... Fiz merda de novo, não foi? Me desculpe. — Ele coça e me olha
preocupado.
— Fernando...
— Por favor, não fique com raiva de mim, mas gostei e não foi pouco da forma
como você ameaçou Angélica.
— Nem me lembre que falei isso e me rebaixei ao nível dela.
— Você se arrepende?
— Não, falaria tudo de novo.
— Então, isso me encheu de desejo, e o que aquele infeliz disse me deu muita
raiva. Desculpe, eu...
Calo meu namorado com um beijo.
— Você pode erra assim todo dia. Só tem um problema.
— E qual é?
— Estou sem calcinha, você rasgou a minha — comunico, sorrindo. Ele encosta a
testa na minha, me olha, beija, fala que me ama no meu ouvido e sai.
Meu Deus, esse homem vai me levar à loucura!
Levo uns dez minutos para me organizar e falo para Rafael que pode passar as
ligações. A manhã passa agitada não volto ver Fernando creio que ele deva estar tão
atarefado quanto eu, e no final da manhã, Michele me liga. Conto para ela o que houve
no elevador e falo por alto o que houve no escritório.
— Ele te pegou no escritório? ― grita em meu ouvido
— Michele, fale baixo ― peço contendo o riso.
— Não vou perguntar os detalhes sórdidos, porque sei que você é muito discreta
em relação a isso. Amiga, se eu tivesse um homem desses, deixava ele me bagunçar
todo dia.
Rimos juntas e desligo. Rafael bate à porta e entra com uma sacola. Noto que ele
está com a expressão fechada, algo não característico dele, que sempre trouxe um
sorriso nos lábios.
Franzo o cenho, mas escolho não fazer comentários, agradeço, e quando ele sai,
abro o pacote. Dentro, tem uma linda calcinha vermelha e um cartão.

Tem muito lobo mau andando por aí para eu deixar minha lindinha solta.
Sério, chamou minha.... de lindinha?!
Minha genitália agora tem nome? Rindo, vou ao banheiro e ponho a calcinha. Mais
uma vez ele me surpreende ao acertar meu número. Sorrindo, envio uma mensagem
agradecendo.
Pode ficar despreocupado, sua “lindinha” já está
devidamente coberta. Obrigada.
Ele me responde rapidamente.
Graças a Deus! Estava preocupado com ela desprotegida, afinal, tenho que cuidar
do que é meu!
Graças a Deus! Eu estava preocupado com ela desprotegida. Afinal, tenho
que cuidar do que é meu!
Rio muito da mensagem.
. Mais uma vez, você adivinhou o meu número.
Serviu direitinho.
Você ainda não entendeu? Não estou adivinhando, eu já toquei e beijei cada
pare do seu corpo e o memorizei.
Sei o seu tamanho pelo meu toque, e amo cada curva do seu corpo.
Pronto, depois de ler essa linda declaração, fico com um sorriso bobo...
Esse homem ainda acabará comigo.
Capítulo 17

Bianca
Recosto na cadeira com um sorriso contagiante em meus lábios. Estou me sentindo
como uma adolescente com o seu primeiro amor. Nunca me senti assim, tão completa.
Em todos os meus antigos relacionamentos, sempre tinha aquele sentimento
unilateral, como se eu gostasse mais que a pessoa de mim... e de certa forma era
verdade. É triste, mas nunca me senti amada. E para me sentir especial, fazia loucuras
pelo cara, me humilhava somente para ter atenção e sexo.
Acho que por isso me tornei uma pessoa cética e incrédula em relação aos
relacionamentos, mas nunca deixei de acreditar no amor... Só achava que nunca
aconteceria comigo.
E Fernando, nossa... ele começou como um ogro e agora é um aprendiz de
príncipe. Ele me completa, mas põe minha vida de cabeça para baixo. Ele é muito
intenso, e é impossível para mim não ter várias inseguranças.
Será que para ele isso não é apenas uma paixão avassaladora? Porque é inegável
que me deseja, mas será que é amor?
A verdade é que apesar de ele surtar a cada vez que alguém fala isso, nós temos
pouco tempo juntos, e muitas pessoas contra, querendo fazer de tudo para nos separar,
então ainda não dá para ter certeza de nada. Mas não menti todas as vezes que falei que
o amo.
E como não amar Fernando?
Além de ser um homem lindo, está sempre fazendo demonstrações públicas de
afeto em uma época em que é difícil ouvir um homem falar "eu te amo" entre quatro
paredes, quanto mais querendo gritar para todo mundo ouvir, e que me defende toda vez
que alguém quer me menosprezar pelo meu peso. Memorizou meu manequim apenas
com toques e beijos.
Eu posso até ter dúvidas se é realmente amor ou uma forte atração que ele sente
por mim, mas eu não faço nem a metade do que ele faz para mim. Não fico gritando meu
amor ao mundo. Sei que muitas vezes sou fria com ele, mas estou completamente
apaixonada; e mesmo muitas vezes não demonstrando, eu o amo. E vou abrir minha vida
a ele, apesar de todos os medos e inseguranças. Sim, tenho muitas inseguranças que
nenhum terapeuta conseguiu extinguir.
Consegui ser mais forte e me amar, principalmente aceitar aquilo que não tem como
mudar. Mesmo que eu emagreça, nunca vou ser pele osso; e nem quero! Quero ser
saudável e isso eu sou. Faço exercícios físicos, tento controlar a alimentação, perdi peso
gradativamente, meus exames estão em dia e em ordem. Mas nunca vou ser magra, sei
disso, aceito e me amo do jeito que eu sou. E pelo que parece, Fernando também.
Envio uma mensagem a ele avisando que vou buscar Michele, e ele me pede para
passar em sua sala antes de sair. Ao sair, me despeço de Rafael, que passou o dia todo
me olhando estranho e sendo frio comigo.
Que situação!
Passei o dia morrendo de vergonha dele, pois tenho quase certeza que ele ouviu
alguma coisa, e desde então, está diferente.
Michele a algum tempo supôs que ele sentia algo por mim. O que eu encaro como
um profissional dedicado e gentil, ela vê como um homem que apenas espera a
oportunidade de eu dar uma brecha para termos algo a mais.
Será que Michele tem razão? Será que eu confundi admiração profissional com
interesse pessoal?
Não, Rafael sempre foi gentil e profissional... deve ser impressão minha.
Com a mente povoada de dúvidas, chego à sala de Fernando e sua secretária fala
que posso entrar.
— O Senhor Lacerda disse que a mulher dele pode entrar sempre que quiser na
sala dele, a Senhora é a única que tem esse privilégio — confidencia com um sorriso
simpático.
Sem graça, agradeço e bato à porta, entro e a fecho. Ele está sentado, analisando
uns documentos e tem outros em sua mesa. Fernando levanta da mesa assim que me vê
e vem andando devagar em minha direção. Amo quando ele faz isso, parece um tigre que
vai atacar sua presa a qualquer momento.
— Meu amor, hoje o dia foi de constrangimento. Passei o dia achando que Rafael
nos ouviu de manhã, e agora eu...
Ele segura minha nuca e me beija, me calando. Como disse, um tigre... e eu amo
ser sua presa.
— Desculpe te cortar, amor, mas estou há oito horas e trinta minutos sem sentir teu
gosto e estou morto de saudades. — Beija meu pescoço. Tem como não amar esse
homem?
— Nem me lembro mais o que ia falar. Você me desconcentra. Nunca ninguém me
fez sentir assim.
Ele me oferece um sorriso imenso.
— Muito bom saber disso, pois é recíproco. Penso em você o dia todo. O tempo
que estou com você nunca é suficiente, sempre quero mais.
— Daqui a pouco você cansa.
Saio do abraço dele e vou para janela, e todas as inseguranças vêm com tudo. É
engraçado, há muito tempo não me sinto assim. Todo esse amor que sinto por ele anda
me deixando muito frágil e insegura, e odeio me sentir assim. Posso não demonstrar, mas
estou com medo.
Ele me abraça por trás, beija minha cabeça.
— Nunca! Amo você, e não vai se livrar de mim tão fácil.
Beijo a mão dele.
— Ei, o que houve?
Eu me viro e o beijo.
— Desculpe, amor, são apenas neuras. Deve ser TPM, uma coisa que deve estar
acostumado a lidar.
Ele me olha como se tivesse ficado louca.
— Não! Eu não estou acostumado com nada disso, e pior que alguns amigos falam
que quando a mulher chega nessa época do mês, fica um pouco louca. — Fernando me
olha de cima a baixo de maneira engraçada.
— Fernando, suas namoradas ou irmãs nunca tiveram TPM? ― pergunto o fitando
contendo um sorriso.
Agora me dou conta de uma coisa, não sei nada sobre a sua vida. Não sei se tem
irmãs, onde seus pais moram, enfim, nada, somente que ele é sobrinho do Senhor
Martins.
— Amor, você sabe que nunca tive nada sério com ninguém, e não tenho irmãs.
— E sua mãe? Ela não mudava de comportamento nessas épocas? A minha era só
Jesus na causa nessa época do mês. ― Especulo, analisando sua expressão.
— Minha mãe faleceu quando eu tinha onze anos, e nunca quis ficar perto o
suficiente de todas as mulheres que meu pai teve.
— Me desculpe, eu não sabia. Bom, a verdade é que não sei quase nada sobre
você ou sua família.
— O que você tem que saber é que você é a melhor coisa que já aconteceu na
minha vida. — Ele me beija devagar e eu me derreto toda.
— Fico muito feliz em ouvir isso. Entretanto, quero saber mais sobre você,
Fernando.
— Eu vou te contar tudo sobre mim e minha família, mas não é uma história bonita
de se ouvir. Mudando de assunto, me fale mais dessa TPM, que é tão temida pelos
homens. ― Leio um pedido mudo em seus olhos, sorrio e, por enquanto, deixo o assunto
morrer.
— Bem, em cada mulher ela age de uma forma diferente. Em mim apenas fico
muito sensível, carente, chorona, e com uma vontade incontrolável de comer doce ou
chocolate.
— Pois eu acho que vou amar essa tal de TPM, estou louco para te ver toda
sensível e carente.
— Eu sou tão fria assim com você?
— Não é que você seja fria, Bianca, mas sinto que você se segura, como se não
estivesse inteira no nosso relacionamento.
— Fernando, eu...
— Xiii, não precisa me explicar. Você está me deixando entrar aos poucos. Vou
saber esperar, sei que vale a pena.
Beijo o pescoço dele, e Fernando dá um gemido.
— Meu amor, se continuar fazendo isso, não vamos na casa da Michele hoje, e
tenho certeza que ela vai me torturar.
— Quando estou com você esqueço tudo. Tenho que buscá-la no curso, então
iremos ao mercado comprar guloseimas para nossa sessão de séries. Você quer carona?
— Meu amor, acho que ainda vou demorar uma hora para sair daqui. Vou de táxi
para sua casa ou direto para casa da Michele, é só me dar o endereço.
— Ela é minha vizinha, Fernando, moramos no mesmo prédio. Façamos o seguinte,
como vou levar mais ou menos esse tempo fora, te ligo quando estiver saindo do
mercado, e se já tiver terminado, te dou uma carona.
Deixo a sala depois de beijá-lo.
Pego Michele e vamos ao mercado, e durante todo o tempo, ela diz que passou o
dia rindo das caras que Fernando fez. E, claro, falamos sobre minha discussão com
Angélica.
— Mona, na boa, você sabe que nunca fui com a cara dessa safada assanhada dos
infernos.
— Às vezes me esqueço que você conhece Angélica há mais tempo que eu.
— Infelizmente estudamos juntas. Essa safada sempre quis ser minha amiga por
causa da minha posição social e do dinheiro dos meus pais, mas logo vi que não valia
nada.
— Bem, você estava certa.
— Mas Bianca de Deus, por que você não enfiou a mão na cara dela? Ela tocou no
seu homem!
— Porque nunca desceria ao nível dela.
— Ah, mas se essa perua um dia der em cima de algum homem meu, minha amiga,
eu a seguro pelo cabelo e dou na cara para aprender a não mexer com homem
comprometido. ― Michele soca a mão demonstrando o que faria e eu rio.
— Bem, eu ouvi falar que ela arrasta um pé pelo Márcio. ― Jogo um olhar para ela
e logo desvio para o carrinho de compras.
— O quê? — ela grita e várias pessoas nos olham.
— Michele, fale baixo!
— Quero dizer, não tenho nada com ele... tipo, saí com o irmão dele, não com ele,
mas não deu em nada, não senti nem uma cosquinha de ter algo a mais com ele. Além do
mais, pelo pouco que eu conheci, vi que Márcio é um safado; e se está com Angélica, só
mostra que tenho razão.
— Não deu em nada, porque você só pensava no outro irmão. ― Implico e seguro o
riso.
— Prefiro não comentar! — Empina o nariz e vai para a sessão de pipoca. Vou
atrás dela, rindo.
Na saída do mercado ligo para Fernando, que fala que está me esperando no
estacionamento. Quando chego, vejo que ele está conversando com Márcio.
— O seu "prefiro não comentar" está ali todo lindo ao lado de Fernando.
Michele leva um tempo analisando Márcio e morde os lábios.
— Amiga, você quer um lencinho para limpar a baba. — Rio.
— Vá à merda, Bianca! Fernando vai surtar se ouvir você chamar outro homem de
lindo.
— Confessa que você arrasta um carrinho de mão por ele.
— Amiga, ele é um safado, cachorro e sem vergonha. E a verdade é que eu arrasto
um Boeing por ele, mas é complicado.
— Ele é bem mulherengo.
— Eu sei, amiga.... e também tem a família... Como disse, é complicado.
— Hei, não fica assim não. Sexta vamos sair e conversar, ok?
— E o Fernando?
— Michele, depois das ameaças que você fez, duvido que ele vá se incomodar.
Caímos na risada juntas. Fernando e Márcio se aproximaram, e saio do carro para
falar com Márcio.
— Olá, linda sereia! Não fala mais comigo? — Márcio pergunta olhando para
Michele, que o olha friamente por um tempo.
— Oi, como vai o seu irmão? — Michele pergunta a Márcio friamente.
Pela primeira vez, desde que eu conheço Márcio, o vejo perder o sorriso.
— Você deve saber melhor que eu. — Devolve no mesmo tom.
Notando o clima tenso, Fernando se despede de Márcio e entramos no carro. Pela
primeira vez em muito tempo Michele fica em silêncio todo o trajeto. Quando chego no
meu prédio, vejo uma movimentação, e logo à frente um carro de polícia e um carro
guincho. O porteiro me vê e vem em minha direção correndo.
— Dona Bianca, graças a Deus que a senhora chegou!
— Calma, Senhor Roberto, o que houve?
— Estava igual a um louco ligando para o seu celular.
— Meu celular descarregou. O que houve?
— A dona Amanda chamou a polícia e o carro guincho para tirar o carro do seu
amigo da sua vaga.
— O quê? Essa mulher está maluca, só pode. Na boa, Bianca, se você não fizer
nada, compro o seu barulho. Estou doida para dar na cara de alguém hoje! — esbraveja
Michele alterada.
— Essa é a tal mulher do síndico? — Fernando me pergunta.
— Sim. — Entro na garagem e vejo a confusão que está.
Estaciono na minha vaga, saímos do carro, e um policial vem falar comigo; mas
antes dele chegar, Amanda, uma perua que casou com um homem mais velho que é o
síndico do prédio, vem na minha direção apontando o dedo.
— Ô, gordinha! Este carro está parado na minha vaga! Tire agora ou vou dar parte
e mandar rebocar.
— E quem você pensa que é para falar assim com a minha mulher? — Fernando
questiona irritado.
Amanda, que até o momento não tinha visto Fernando, muda de atitude e o tom de
voz.
— Sou a mulher do síndico. Esse carro é seu? ― Ela sorri para Fernando.
— É. E essa vaga é da minha mulher, portanto ela pode usar à vontade. E se você
não mudar o tom de voz ao falar com ela, aproveito que a polícia está aqui e dou parte de
você por apropriação indevida. A vaga não é sua para você fazer o escândalo que está
fazendo.
— Chupa essa, mocréia! — Michele provoca. Nunca vi uma pessoa para gostar
tanto de barraco como ela.
Suspiro, olho sonhadora para Fernando. Nenhum namorado nunca me defendeu
assim, ou seja, só fiquei com babacas até agora!
Logo em seguida franzo o cenho com o pensamento. Agora sim tenho certeza que
estou de TPM.
— Senhora Bianca!
Saio do meu devaneio com a voz do policial me chamando.
— Desculpe.
— Hum, tudo bem. A vaga é da senhora?
— Sim, tenho duas vagas.
— Mas eu usava uma delas até hoje de manhã, e do nada, ela pôs esse carrão
aqui. — Amanda, que ficou calada depois que Fernando deu um fora nela, volta a falar. —
Não é certo, Senhor policial! Fala que ela não pode fazer isso! — Amanda pede chorosa.
Sinto vontade de rir da voz ridícula que ela faz, porém me controlo. Mas Michele dá
uma gargalhada alta.
— Larga de ser burra, Amanda. A vaga é dela, e ela faz o que quiser com ela —
afirma Michele debochada.
— Senhora Amanda, como a Senhora Bianca, é proprietária da vaga, a senhora
não tem o direito de estacionar nela.
— Mas até hoje de manhã eu ficava na vaga! Pode perguntar ao porteiro.
— Isso acontecia porque seu marido me pediu, e eu deixei. Porém, agora não deixo
mais... principalmente depois desse escândalo.
— Bem feito, sua ridícula! — Michele volta a debochar.
— Para, Michele! Eu poderia ficar em uma das suas vagas, você tem três vagas e
não usa nenhuma.
— De jeito nenhum que você fica em uma das minhas vagas! Está pensando o quê,
que sou boazinha como Bianca? Te enfio a mão na cara se você se meter a besta e
estacionar na minha vaga. — Michele encara Amanda.
— Bem, senhor, se está tudo resolvido, podemos nos retirar? — pergunto ao
policial.
— Claro, Senhora Bianca, está tudo resolvido. Só fica na sua vaga ou de qualquer
outro proprietário quem o mesmo autorizar.
— Obrigada e boa noite — agradeço, vou andando e pego o braço de Michele,
porque conheço minha peça.
— E onde eu vou estacionar o meu carro? — Amanda com voz chorosa.
— Enfia no...
Não deixo Michele terminar de falar, e saio puxando-a.
— Vamos embora, Michele.
— Eu vou dar na tua cara se você parar na minha vaga. — Michele grita, apontando
para Amanda.
Procuro Fernando para me ajudar, e ele está escorado no carro, caindo na
gargalhada.
— Fernando!
Ele vem rindo e me ajuda a tirar Michele dali. Ela continua ameaçando Amanda,
que fica horrorizada. Até o policial tenta disfarçar o riso.
— Michele, pelo amor de Deus, chega! E você, pare de rir, Fernando.
— Bianca, nunca ri tanto na minha vida. — Tenta controlar o riso.
— Mona, vou acordar às cinco da manhã. Se eu ver o carro dela na minha vaga,
vou no apartamento do síndico dar na cara dela — Michele afirma em tom de ameaça, e
Fernando volta a rir alto.
Esses dois ainda acabarão comigo...
Capítulo 18

Bianca
Saio do elevador com Fernando ainda rindo horrores, e Michele segue para o
apartamento dela fazendo cada vez mais ameaças. Ficamos de nos encontrar em meia
hora na casa dela.
Chego em casa, dou comida ao meu gato, e Fernando ainda rindo das graças de
Michele, vai à cozinha beber alguma coisa. Vou ao quarto e começo a tirar a roupa, e
sinto um arrepio percorrer o meu corpo quando ele me surpreende com um beijo no
pescoço.
— Gostosa! — sussurra enquanto beija meu pescoço e minha orelha.
Viro, ponho meus braços ao redor do pescoço dele, o beijo, e ele me abraça.
— O que você acha de esquecermos essa pizza e ficarmos aqui assim, juntinhos,
fazendo amor a noite toda? — ele sugere, beijando meu pescoço.
— Eu amaria... só que dar um bolo na Michele não é uma coisa inteligente a fazer.
Ele dá uma risada gostosa e aproveito para beijar o pescoço dele. Ele geme e me
beija intensamente, mordendo meu lábio inferior no final do beijo.
— Então pare de me provocar.
Seguro o rosto dele e começo a beijá-lo devagar.
— Amor, mais tarde teremos a noite toda para ficarmos agarradinhos.
— Para fazer amor, não só agarradinhos.
— A espera deixa tudo mais gostoso. — Eu me afasto dele e pego uma lingerie e
um vestido.
— Amor, eu mal dou conta do quanto você é maravilhosa... não tem como ficar
melhor. O que você mostrou para mim até hoje foi mais que perfeito.
Fico um tempo o admirando. Ele está sem o terno, a camisa está aberta, mostrando
o abdômen. Ele está lindo, e é notável o desejo nos olhos dele. Me faz muito bem saber
que ele fica assim por minha causa, e também me sinto como uma boba por todas as
coisas que pensei sobre ele não me amar, apenas sentir desejo por mim.
Esse homem me ama.
— Isso é covardia. Não faz essa cara de safada que você me deixa com mais
desejo ainda.
Sorrio, largo a roupa na cama e vou andando devagar para o banheiro sem sutiã,
só de calcinha, e toda orgulhosa da reação que o meu corpo, que para mim é imperfeito,
causa nele. Entro no banheiro, sorrindo, abro o chuveiro; e antes de pôr a cabeça de
baixo d’água, o sinto atrás de mim.
— Amor, você bateu o recorde ao tirar a roupa. — Sorrindo, olho para baixo e vejo
que ele ainda está de meia. — Você esqueceu a meia. — Rio, me viro, entro no chuveiro
e começo a me ensaboar.
— Tá de brincadeira? Você faz uma cara como se quisesse me devorar, e
realmente acha que vou pensar em tirar a porcaria da meia, mulher!
Ele tira a meia, falando e me beija intensamente.
— Não me canso de dizer o quanto você é maravilhosa.
— Você me faz muito bem... faz bem a minha autoestima, me faz feliz.
— Você me faz muito feliz, Bianca. Nunca me imaginei me sentir tão completo e
não quero que isso acabe nunca.
— Em seus olhos me vejo perfeita, e eu te amo por isso e por muito mais.
— Já te falei várias vezes que você é maravilhosa, e por favor, acredite quando eu
digo que para mim você é perfeita.
Tem como não o amar? Tomamos banhos juntos. Saio do banheiro com um roupão
e Fernando enrolado com uma toalha.
— Hum, pensei que sua empregada tinha guardado minhas roupas. — Retira umas
peças de roupa da mala.
— Não tenho empregada, Fernando, apenas uma pessoa, Maria, que faxina a
minha casa duas vezes por semana. Ela é mais uma amiga que uma funcionária, você
ainda não a conhece porque sempre sai daqui antes dela chegar. — Ele me olha como se
eu tivesse duas cabeças.
— Como você consegue sobreviver sem uma empregada? Quem faz sua comida?
Lava sua roupa? Enfim, quem organiza sua vida? Eu não sei o que seria da minha vida
sem a pessoa que me ajuda — pergunta horrorizado.
— Faço minha comida, lavo minha roupa na máquina de lavar roupas e seco na
secadora, e algumas mando para lavanderia. Eu organizo minha casa, e duas vezes por
semana, Maria vem dar uma geral, se você achou Michele engraçada, espera até
conhecer Maria. — Tento conter um riso, mas falho miseravelmente.
— E quem vai guardar as minhas roupas? — Aponta para sua mala.
Quando eu disse para Fernando que era para ele trazer algumas peças de roupas,
pensei que ele traria uma ou duas, mas não, ele trouxe uma mala! Exagerado ao extremo.
— Amor, meus pais tem uma ótima condição financeira, mas eu tenho uma vida
estável. Um apartamento legal e uma vida confortável, mas não sou milionária como você
e Michele. Você vai guardar sua própria roupa, vai ser legal e divertido, eu te ajudo. E
pare de fazer essa cara de horrorizado que sua mão não vai cair.
Beijo ele e acabo de me vestir.
— Amor, não seria melhor irmos para minha casa? Faz uma mala e ficamos lá, o
que você acha? — sugere e pisca um olho.
— Fernando, meu amor, relaxe... vamos apenas guardar algumas roupas.
Guardamos as roupas dele com ele sempre reclamando e seguimos para o
apartamento de Michele. Uma coisa que acabo de descobrir nesse pouco tempo de
convivência com Fernando é que ele é um mimado! E vou ter que ter muita paciência com
ele. Michele nos recebe com uma bacia de pipoca.
— Michele, às vezes eu sinto uma raiva, do fundo do meu ser, do seu metabolismo.
Nunca vi comer tanto e não engordar.
— Mona, pare de neura que você é muito gostosa. E segundo, você sabe que sou
um pato. — Michele faz careta.
— Bonito apartamento, Michele.
— Obrigada, sinta-se em casa. Só não traz os seus paninhos de bunda para cá,
como fez na casa de Bianca. Vou buscar uma cerveja para você. — Michele aponta para
Fernando e eu fico horrorizada.
— Que paninho de bunda? — ele indaga assim que Michele vai buscar a cerveja.
— Coisas de Michele. — Desconverso com um sorriso sem graça. Às vezes tenho
vontade de esganá-la.
— Bianca, vamos ver a última temporada. Estou louca para saber o que acontece,
afinal de contas, o inverno veio, foi embora, e nada de conseguirmos ver a série.
— Também estou muito ansiosa. Acho que em uns cinco dias terminamos se
conseguirmos ver dois episódios por dia, aí passamos para outra.
— Bem, o senhor encrenca aqui, com certeza, vai empatar. Então, vamos vendo
quando der, o que você acha?
Olho para Fernando e vejo que ela tem razão. Ele vai reclamar se todos os dias
passar duas horas vendo séries com Michele.
— Você tem razão, põe logo.
— Já é a segunda vez que ouço você falar que o inverno está chegando. Por acaso
é alguma série sobre o tempo? — Fernando questiona curioso, e eu e Michele
começamos a rir e explicar sobre a série Game of Thrones.
Três horas depois de muita pizza e várias risadas, damos a noite por encerrada.
— Até que a série é boazinha — Fernando fala bocejando.
— Boazinha? A série é maravilhosa! E você dormiu a maior parte do tempo! —
Michele defende a série.
— É verdade, amor. Toda hora que olhava, você estava dormindo. — Faço carinho
nele.
— A culpa é sua, que ficou fazendo cafuné na minha cabeça.
Rindo, nos despedimos e vamos embora.
Mudo de roupa e faço minha higiene, e quando chego no quarto, Fernando está
dormindo nu na cama. Deito na cama devagar para não o acordar, mas assim que
encosto a cabeça no travesseiro, ele me abraça por trás, beija meu pescoço e volta a
dormir. Eu me aconchego no calor dos seus braços e adormeço com um sorriso no rosto.
Acordamos cedo e saímos do apartamento com Fernando animado, pensando que
veria uma briga de Michele com a Amanda, mas graças a Deus, a mulher do síndico não
tinha parado na vaga de Michele. Fernando ficou decepcionado. Ele, pelo jeito, gosta de
um barraco. Vamos em carros separados, e quando chego à empresa, ele está me
esperando no estacionamento. Saio do carro e vou ao encontro dele.
— Não entendo porque você não veio comigo, assim voltaríamos juntos — salienta
e me beija levemente nos lábios
— Fernando, sempre fui independente e não vou mudar agora. Além disso, muitas
vezes saio antes de você. — Concluo dando de ombros.
— É só você ficar me esperando, é simples. — Ele soa como se fosse óbvio.
— Fernando, eu amo você, mas você precisa entender que não vou parar a minha
vida por estarmos juntos. — Defendo meu ponto falando em um tom calmo.
— Não estou dizendo para você parar sua vida, amor. Hoje, por exemplo, tenho um
jantar de negócios que você vai me acompanhar, e depois, vamos para sua casa ou para
minha... se você tivesse vindo no meu carro, ficaria mais fácil.
— Rafael não me falou de nenhum jantar. — Busco em minha memória e não
recordo nada.
— O jantar não é com nenhum cliente seu — informa soando como algo banal.
— Se não é com nenhum cliente meu, por que eu iria participar? — indago com o
cenho franzido.
— Porque você é minha mulher, e você tem que ir aos mesmos lugares e
compromissos que eu — retruca como se fosse algo óbvio.
— Não, não tenho. — Cruzo meus braços e o fito séria.
— Mas é claro que tem. Qualquer mulher ficaria feliz em me acompanhar em um
jantar desses. Muitas já tentaram, mas você é a primeira que eu vou levar.
— Deixe-me ver se entendi. Você não está me pedindo, está me dizendo que eu
tenho que ir, como se fosse uma obrigação. É isso mesmo? — questiono já sabendo a
resposta.
— Faz parte das obrigações de ser minha mulher, me acompanhar em jantares e
recepções; e às vezes nós recepcionaremos.
Por algum tempo que não sei definir apenas o observo, perplexa. Até compreendo o
que ele está querendo dizer, mas isso seria em uma outra etapa do nosso
relacionamento. Estamos na fase de nos adaptarmos, de curtirmos. Quero ser a
namorada, não a esposa. Apesar de intenso, estamos juntos há algumas semanas, e se
formos muito rápido, as coisas podem se atrapalhar e dar errado.
— E você pensava em me perguntar se eu quero ou posso ir? — pergunto, e ele
fica me olhando confuso. — Não, Fernando, eu não vou te acompanhar. Já tenho
compromisso hoje. Você vai no seu jantar e depois nos encontramos.
— E você vai me deixar sozinho? E se alguma mulher oferecida me cantar? ―
revida e soou com uma ameaça a qual eu não gostei nem um pouco.
— Meu amor, você é lindo e muito gostoso. Sempre vão existir mulheres dando em
cima de você. Tenho que confiar que você não vai ceder a elas. ― Tento branda o tom de
voz e parecer calma o que não condiz com a raiva que estou sentindo por dentro.
— Sim, mas você tem que... — interrompo.
— Fernando, eu tenho um monte de neuras em relação a nós dois, mas nenhuma
delas é sobre eu ficar vigiando cada passo que você dá, afinal isso acabaria com o nosso
relacionamento. Vá ao seu jantar de negócios, eu vou ao meu compromisso, e no próximo
jantar, você me avisa com antecedência, que aí sim eu te acompanho.
— Qual o seu compromisso? ― inquire com o cenho franzido.
— Tenho aula de dança de salão hoje ― informo dando de ombros.
— Você não vai ao jantar comigo por causa de uma aula de dança?
— A questão não é a aula de dança, e sim você ter decidido que eu vou sem me
consultar.
— Mas você é minha mulher! Você tem que fazer o que eu quero! Você disse que
faria o que eu quisesse!
— Eu sou sua namorada. E faço o que você quiser, mas apenas entre quatro
paredes. Fora delas, não!
— É a mesma coisa.
— Não, Fernando, não é. E não confunda eu me doar e ter confiança em você com
te dar o direito de mandar na minha vida e nos meus desejos. ― Tomo uma forte
respiração e solto o ar devagar e volto a falar em um tom calmo. ― Isso jamais irá
acontecer, você já deveria saber disso. ― Expresso toda a minha insatisfação com seu
comportamento.
— Então, quer dizer que você só é minha para sexo? ― Soa indignado.
— Sou sua em todos os momentos, mas você sempre tem que me perguntar se eu
aceito fazer algo, e não decidir por mim. Quando fomos ao bar, você me perguntou se
queria ir. Por que agora seria diferente? ― pergunto com a indignação borbulhando
dentro de mim.
— Porque naquela época ainda estávamos pisando em ovos, agora estamos juntos
de fato. ― Ele soa como se realmente acreditasse que está certo.
Abaixo a cabeça inspiro profundamente e antes de dizer algo, corro os olhos ao
redor e me lembro que estamos conversando no estacionamento da empresa, e não é o
melhor lugar para conversarmos.
— Fernando, à noite conversaremos melhor. Esse não é o melhor lugar para
fazermos isso.
— Você não vai?
— Não! Você não pediu, intimou. Você teve tempo suficiente para me perguntar se
eu queria ou poderia ir.
— Então vou levar outra pessoa.
— Faça como você achar melhor.
— Cadê aquela mulher que ontem estava falando para Angélica não encostar em
mim? Hoje está cagando se eu levar outra mulher para jantar?
— Ela continua aqui, a diferença é que Angélica estava se oferecendo e você
dizendo não. Agora você está dizendo que vai levar outra mulher para jantar, então vá, e
tenha um ótimo jantar! Não vou dizer o que você deve ou não fazer, Fernando, sua
cabeça é seu guia. Já te falei mais de uma vez, não sou de fazer escândalo ou barraco,
mas saiba que toda ação tem uma reação.
— Você não quer ir comigo!
— Então a cada vez que eu disser não, você irá me ameaçar de sair com outra
pessoa? — Ele fica em silêncio, me olhando. — Fernando, não vai ser por ameaça que
vou fazer as suas vontades. Você pode levar outra pessoa à vontade. Tenha um ótimo
dia.
— O que exatamente isso quer dizer?
— Como disse antes, toda ação tem uma reação. Tenha um ótimo dia, Fernando.
O deixo me olhando intrigado e entro na empresa. Se ele pensa que vai me
manipular, está muito enganado! Eu o amo, mas não vou baixar a cabeça para tudo o que
ele quer, mas não vou mesmo.
Entro na empresa furiosa com Fernando. O que ele está pensando? Que pode
mandar em mim? Que só porque estou apaixonada por ele, vou baixar a cabeça para
tudo que ele falar?
Se ele pensa dessa forma, está muito enganado. Por mais que o ame, não vou
fazer tudo o que ele quer. Ele está acostumado a mulheres desesperadas por status
social, dinheiro, e claro, por ele. Cago e ando para status social, sei o meu valor. Tenho o
meu dinheiro e não preciso dele para me bancar. A única coisa que tenho em comum com
as mulheres que ele estava acostumado a sair é que sou louca, desesperada, por ele.
Contudo, isso não significa que vou fazer tudo o que ele quer.
No corredor próximo a minha sala, encontro Pablo.
— Olá, Pablo, bom dia. Tudo bem?
— Olá, Bianca, melhor agora, você não fala mais comigo desde que começou a
namorar Fernando.
— Desculpe, meu amigo, realmente dei uma sumida. Não foi por causa do
Fernando, e sim por causa do trabalho.
— Se é assim, desculpo. — Sorri e põe a mão no meu ombro.
— Pablo, poderia almoçar hoje? Gostaria de conversar com você sobre uma coisa.
— Posso saber o que está acontecendo aqui? — questiona Fernando, soando
alterado.
— Bom dia para você também, Fernando. — Pablo o cumprimenta, e Fernando o
olha com cara de quem vai voar nele, vira para mim e pergunta:
— Por que você o convidou para almoçar? — pergunta em um tom alto e grosso.
Respiro fundo, e peço a Deus serenidade e paciência, porque a minha já está se
esgotando. Infelizmente, minhas orações não são atendidas.
— Primeiro, fale baixo comigo, nunca alterei meu tom de voz com você e não
admito que você o faça. Se quer gritar com alguém, procure uma pessoa que queira ouvir
seus gritos, pois meu ouvido não é pinico — digo sem alterar o tom de voz, mas de forma
firme e séria. Fernando se assusta e arregala os olhos.
— Bianca, eu ...
Não o deixo falar, Fernando esgotou minha paciência por hoje. Primeiro quer
mandar na minha vida, e agora quer controlar com quem eu falo. De jeito nenhum que
deixo isso acontecer!
Amo homens controladores nos livros que leio e deliro com eles, mas na minha vida
jamais deixaria um homem, por mais que o ame, controlar minhas vontades e com quem
eu falo ou deixo de falar.
— Segundo e mais importante, Pablo é meu amigo, e falo ou almoço com ele
sempre que eu quiser. E nem você, nem ninguém, vai controlar com quem eu falo ou
deixo de falar. — Fernando me olha irritado, mas em silêncio. — Pablo, me liga para
almoçarmos. Fernando, tenha um bom dia.
Capítulo 19

Bianca
Entro na minha sala e deixo os dois no corredor, e nem reparei se alguém tinha
visto minha explosão. Nunca gostei de me relacionar com pessoas do meu trabalho para
não misturar as coisas, pois odeio esse tipo de desavença, mas não deu para segurar e
esperar para depois, não nesse caso.
Quando comecei a namorar Fernando deixei bem claro que não iria me desfazer da
amizade de Pablo; mas parece que Fernando esqueceu tudo o que eu falei, ou está
achando que, agora que ele levou algumas peças de roupas para minha casa, me tem na
sua mão e que farei tudo que ele mandar.
Ele está muito enganado se pensa assim.
Cinco minutos depois que entro na minha sala, Rafael aparece com meu
cappuccino de chocolate quentinho, e com um sorriso largo no rosto.
— Rafael, qualquer dia desses eu caso com você! Você não imagina o quanto
estava precisando disso. ― Recosto na cadeira saboreando a bebida quente e fechando
os olhos.
— E eu seria o homem mais feliz do mundo. Quero dizer, claro que estou
brincando, imagina você querer alguma coisa comigo. O que eu quis dizer é que qualquer
homem que tivesse a sorte de casar com você seria muito feliz. — Ele balbucia
atrapalhado, e eu o olho sem saber o que falar.
— Rafael, eu... ― Me dou conta que minhas palavras foram inapropriadas e tento
me desculpar, mas ele me interrompe.
— Me desculpe, isso foi muito antiprofissional. Por favor, esqueça tudo que falei e
vamos passar a agenda. — Ele está visivelmente constrangido.
― Eu que tenho que me desculpar, nunca fiz nenhum comentário desse tipo e isso
não voltará acontecer. ― Sorrio para ele que não me retribui o sorriso, apenas me fita em
silêncio, resolvo desconsiderar e jogar o incidente no fundo da mente e passamos a
agenda do dia, e vejo que tenho uma reunião com Marcela na parte da manhã.
— Rafael, Senhora Marcela adiantou o motivo da reunião? ― indago com o cenho
franzido.
— Ela disse que queria conversar sobre a conta do Senhor Pedro Camargo. ― Me
responde com a voz distante como se seu pensamento estivesse longe.
— Ok, obrigada.
— Mais uma vez, me desculpe por...
— Não vamos falar mais sobre isso... tudo bem. — Eu o interrompo, sorrindo.
Ele me olha por um tempo, depois me dá um sorriso triste e sai. Observo a porta
fechada com o cenho franzido, ultimamente venho notando, algumas reações e atitudes
de Rafael que andam me intrigando. Mordo o interior da minha bochecha respiro fundo e
resolvo deixar para pensar nisso em outro momento.
Começo a trabalhar, e por volta das onze da manhã, Rafael anuncia que Marcela
está à minha espera. Ela entra sorrindo friamente e a cumprimento. Nossa reunião é
objetiva e muito profissional. Ela queria alguns dados sobre a antiga campanha
publicitária que fiz para a empresa do Pedro, e está descobrindo que não é nada fácil
trabalhar com ele.
— Bem, tenho que admitir que não vejo nada de errado na sua antiga campanha.
― Conclui soltando um longo suspiro.
— Os motivos de Pedro não a ter aprovado foram pessoais, não profissionais ―
revelo recostando na cadeira e a observando.
Ela olha por um tempo para os papeis e começa a guardá-los em uma pasta.
Quando está tudo organizado, ela fica parada de cabeça baixa, e noto que o rosto dela
está meio vermelho.
— Mais alguma dúvida? — pergunto depois que ela fica um bom tempo em silêncio.
— Posso lhe fazer uma pergunta? — ela fala com um tom de voz diferente do que
estou acostumada. Pensando bem, desde que ela entrou na sala, está com a voz e jeito
diferentes.
— Aposto que não há nada do âmbito profissional nessa pergunta.
— Não, é pessoal.
Nunca vi Marcela desse jeito. Ela parece acuada, como se estivesse muito triste.
Sei que o certo seria mandá-la se catar, porém fiquei muito curiosa com essa tal pergunta.
— Ok, pode perguntar. ― Inclino o corpo para frente, curiosa com o que ela quer
saber.
— Você não tem medo dele largá-la? Dele procurar outra pessoa se você não fizer
o que ele quer? Não seria melhor parar de falar com o Pablo do que correr o risco de
perder o Fernando?
Pela forma que fala, ela viu o que houve no corredor. Eu a olho fixamente enquanto
ela fala, e a respondo calma e de forma firme:
— Não, Marcela, nenhum. Se ele terminar comigo porque não fiz o que ele quis,
vou ficar triste e feliz... triste por ter perdido o meu tempo por quem não valia a pena, e
feliz por ter me livrado dele.
— Mas você não vai sofrer?
— Claro que vou, eu o amo.
— E ele ama você.
— Sim, mas isso não é motivo para eu fazer o que ele quer, na hora, e do jeito que
ele quer. Amá-lo não me torna uma marionete para ele manipular ao seu bel prazer.
— Eu não entendo como você pode não ter medo. Conheço várias mulheres que
estão cheias de raiva de você e queriam estar no seu lugar. Como você pode não ter
medo de perdê-lo?
— Ele que deveria de ter medo de me perder! E quanto a essas mulheres, se ele as
quisesse, ele poderia ter tido quantas ele desejasse num estalar de dedos. Não vai ser
por isso que vou baixar a cabeça e aceitar toda besteira que ele falar.
— Eu faria qualquer coisa para ter um homem que demostrasse seu amor por mim
como ele faz por você. E mesmo fazendo de tudo, ainda não consigo. — Essa última
parte ela fala em um sussurro, e uma lágrima cai no seu rosto.
— Eu não.... nunca mais faço de tudo para agradar a um homem. Já fiz isso e me
arrependo horrores. Aprendi a duras penas que em um relacionamento, tudo tem que ser
em comum acordo, ou não existe relacionamento. Claro que sempre um tem que ceder,
mas nada além do seu limite, e que isso não seja rotina.
— Eu não tenho limite para fazer quem eu amo feliz.
— E isso te faz feliz? Vale a pena passar por cima de tudo para fazê-lo feliz? —
pergunto. Ela baixa a cabeça e não responde. Vejo que ela respira fundo e levanta.
— Por favor, não comente com ninguém sobre essa conversa, é muito pessoal.
— Essa conversa morre aqui.
Ela me olha por um tempo.
— Você nunca vai ficar com Pedro?
— Não!
— Ele não vai desistir de você ou de atrapalhar o seu namoro.
— E você, para deixá-lo feliz, vai ajudá-lo? E o que você ganha com isso, Marcela,
ajudar o homem que você ama a perseguir o relacionamento da sua ex, e pior, ajudá-lo a
reconquistá-la, em que isso te faz bem ou feliz? — pergunto e ela apenas me olha. —
Será que fazer qualquer coisa por quem se ama realmente vale a pena? — Ela respira
fundo e sai sem me responder.
Essa foi, sem sombra de dúvidas, a conversa mais surreal que já tive na minha
vida. Recebo uma mensagem de Pablo dizendo que está vindo me buscar para o almoço,
e respondo que estou esperando por ele. Vamos a um restaurante italiano perto da
empresa. Hoje o dia está tão tenso que quero me esbaldar nas massas, e à noite me
acabarei na dança do salão.
Fazemos nosso pedido, e ele segura minha mão sobre a mesa. Respiro fundo.
Infelizmente acho que meu amigo pensa que, toda vez que brigo com meu namorado, ele
tem uma chance de que as coisas entre nós deem certo. Porém, como vai dar certo se
falta química? E isso não tem como fingir, somos ótimos como amigos, mas só isso.
Retiro a mão da mesa, e ponho nas minhas pernas. Ele fica olhando para mesa e sorri
triste.
— Você não me convidou para fazer ciúmes nele, não é? ― indaga me fitando
desanimado.
— Nunca faria isso. Não gosto desses tipos de jogos quando namoro, nem em
qualquer relacionamento ― asseguro soando firme.
— E por que me convidou?
— Queria falar com você sobre trabalho.
— Sobre trabalho? E por que não pediu uma reunião?
— Porque não é nada com as minhas contas. É sobre trabalho, mas é um pedido
pessoal, um favor pessoal.
— Não estou entendendo.
O garçom chega com os pedidos, e simplesmente esqueço da conversa e da
educação para comer, tamanha fome que sinto.
— Amo ver você comer. — Sinto seus olhos em mim e sorrio sem graça.
— Me desculpe, hoje meu dia foi tenso; e em dias assim, eu como.
— Você come com vontade, com tesão... é lindo.
— Ok. Você é a única pessoa no mundo que acha excitante uma mulher comer.
— Eu acho tudo em você lindo e sexy.
— Não vamos por aí, Pablo, você sabe que não rola.
— Eu sei, desculpe. — Ele solta um longo suspiro e volta a falar. — O que você
queria me pedir?
— Vou contratar uma pessoa daqui a mais ou menos dois meses. Ela está se
formando em TI, e gostaria que a deixasse estagiar com você.
— Todo mundo está mandando pessoas para o meu setor agora. Fernando mandou
aquela mulher fútil que só sabe falar de maquiagem, e desde que descobriu que tenho
algum dinheiro, anda me convidando para sair, mas não fala duas frases com coerência.
É uma idiota, e a única coisa que tem de boa é a bunda e a boca. — Pablo joga as
palavras não escondendo a raiva que sente.
Tinha esquecido o quanto grosso e estúpido ele pode ser. Fico chocada com a
forma que ele fala da Angélica. Como assim, boca e bunda? Será que ele transou com
ela? Não vou perguntar nada. Vou me fazer de desentendida, pois há coisas que é
melhor não saber.
— Bem, eu vou ignorar o quão inapropriado você foi ao se referir a Angélica, em
relação a Mariana é uma menina muito inteligente, tem vários cursos de capacitação e
línguas, e está se formando em TI. Ela vai trabalhar comigo, mas pensei que seria legal
ter uma experiência na área em que está se formando.
— Pela forma que você está se referindo, parece ser uma pessoa que está muito
bem preparada. Contudo, ela pode estar mentindo, tem muitos que mentem para entrar
em um bom emprego, e no final, não sabem nada. ― Pablo não consegue disfarçar o
seu mau humor.
— Não, conheço Mariana tem bastante tempo e sei de todo o potencial dela. Ela é
esforçada, humilde e muito tímida, mas extremamente inteligente.
Ele me olha por um tempo e franze a testa.
— Por acaso essa é a filha do faxineiro que você ajuda nos estudos?
— Sim, é a filha do Senhor Arino.
— Pensei que você pagava um cursinho de inglês.
— O quanto ou como eu a ajudei não vem ao caso, mas não faria se não soubesse
que ela tem potencial.
— E você quer que eu a ponha no meu setor como um favor?
— Assim que você começar a trabalhar com a Mariana, vai ver o potencial dela e a
respeitar profissionalmente... não é isso que me preocupa.
— E o que te preocupa?
— O que eu quero é que você seja gentil com ela. Como eu disse, ela é muito
tímida e humilde; e você às vezes é bastante grosso, por isso estou te pedindo que seja
gentil com ela.
— Bianca, você sabe que odeio pessoas burras, e acho difícil a filha do faxineiro ser
tão inteligente como você está dizendo.
— Meu querido amigo Pablo, fiz esse pedido porque prezo muito a nossa amizade,
e não gostaria que ficasse um clima chato entre nós por você maltratar a minha protegida,
por que o que você estiver fazendo a ela, vai fazer a mim. Entendeu? — Friso soando
firme.
— Desculpe, sei que sou preconceituoso. Pode ficar tranquila, não vou morrer de
amores por ela, mas vou tratá-la com respeito e profissionalismo.
— Obrigada, é exatamente isso que quero. Porém, acho que você se surpreenderá
com a Mariana.
— Duvido muito! Todavia, faço o que for preciso para não perder a sua amizade.
Gosto muito de você.
Aperto a mão dele por cima da mesa.
— Obrigada.
— Posso saber o que está acontecendo aqui? — exige Fernando irritado.

Fernando
Como um dia que começou perfeito fica tão ruim? Depois do meu desentendimento
com Bianca, encontro Angélica no caminho da minha sala, que toda melosa, ainda me diz
que nunca preferiria outro cara a mim, e que se eu desse uma chance a ela, nunca me
deixaria falando sozinho. Nem me dou ao trabalho de responder.
No entanto, a verdade é que o que ela disse mexeu comigo. Sei que não devia,
mas mexeu. Não o fato de eu ficar com ela, isso jamais; mas o fato de que eu queria que
Bianca fosse mais maleável. Pensei que agora que estamos juntos as coisas iriam ser
mais fáceis com ela, mas não são.
O dia passa estressante, com Angélica toda hora mandando mensagens. Se ela
está pensando que, por causa do meu desentendimento com Bianca, vou lhe dar uma
oportunidade? Ela está muito enganada.
E, para completar, minha secretária me avisou hoje que vai ter que se afastar por
um tempo por motivos de doença familiar. Vou ter que encontrar outra enquanto ela
estiver fora. Vou para um almoço de negócios, e assim que entro no restaurante, vejo
Bianca e o sonso do Pablo, e ela segurando a mão dele.
Não consigo me controlar, é mais forte que eu; e quando vejo, já estou em frente a
eles exalando todo o meu desagrado.
— Posso saber o que está acontecendo aqui? — pergunto irritado, e eles me olham
assustados.
— Fernando, pelo amor de Deus, fale baixo! Estamos apenas almoçando — Bianca
pede, olhando ao redor.
— Calma, Fernando, não está acontecendo nada demais. — Pablo ri.
— Você, cale a boca, seu nerd tosco.
— Fernando! Me desculpe, Pablo, outra hora nos falamos — Bianca diz, pegando a
bolsa e se levantando.
— Tudo bem, depois te ligo — Ele responde sorrindo para ela, e minha vontade é
de tirar o sorriso do rosto dele a tapa.
— Liga porra nenhuma! — esbravejo irritado.
— Fernando, pelo amor de Deus, vamos embora! — ela pede, me puxa pelo braço
e acabo cedendo, mas minha vontade é de dar uns tapas naquele infeliz.
Chegamos no estacionamento. Ela fecha os olhos e respira fundo várias vezes. E
só agora, mais calmo, que me dou conta do escândalo que fiz, falando alto no meio de
um restaurante lotado, mas ela tinha que estar tocando nele?
— Isso foi algum tipo de vingança? ― questiono a olhando com o cenho franzido.
— Que vingança? Do que você está falando? ― retruca demonstrando confusão.
— Por causa de hoje de manhã.
— Mais uma vez esse assunto! Fernando, eu já não lhe disse que não faço esse
tipo de jogos.
— E por que você estava alisando-o?
— Eu estava agradecendo um favor que ele vai fazer para mim, apenas isso.
— E por que foi almoçar com ele logo hoje que brigamos? Bianca, você sabe como
me sinto em relação a vocês dois juntos, sabe que sinto ciúmes dele. Você fez isso para
me deixar com raiva?
— Acho que você não ouviu quando eu disse que não faço jogos. Você tem noção
da vergonha que me fez passar agora? Do escândalo sem motivos que deu no
restaurante?
Passo a mão pelo cabelo nervoso, sei que fiz merda.
— Cada vez que eu abraçar ou for almoçar com alguém você vai fazer uma cena
dessas? Nosso relacionamento vai ser assim? Você gritando, fazendo escândalo,
querendo que eu faça e haja do modo que você quer? É assim que você quer, é dessa
forma que você acha certo?
— Por um orgulho bobo você não aceitou ir no jantar, e ainda fica saindo com o
Pablo. Bianca, eu não peço muito e me dou por completo a você. Nunca fiz por ninguém
as coisas que faço por você, e mesmo assim, não é o suficiente para você?
— Nunca disse que não é o suficiente, mas não vou aceitar ser mandada por você.
— Só porque falei para você ir no jantar e não sair mais com Pablo, estou
mandando em você? Estou governando sua vida?
— Começa assim. Cedo e faço o que você quer, vou onde você me mandar ir, sem
me consultar primeiro, não falo mais com meu amigo... depois você vai achar uma outra
coisa que você não goste, e vou ter que parar de fazer para te fazer feliz. Isso eu não
quero para minha vida, não vou me anular para te fazer feliz. Não vou mudar meu jeito
por você. Em um relacionamento nos adaptamos, e às vezes cedemos pelo bem do
relacionamento, mas não devemos nós anular.
— Você está exagerando.
— Talvez, mas não é isso que eu quero para mim, não mais. Já passei por isso, e
essa experiência me deixou com profundas marcas na alma. E não vou passar
novamente.
— O que você quer dizer com isso?
Ela baixa a cabeça e respira fundo. Ficamos por um tempo em silêncio, e quando
ela me olha, vejo que está segurando as lágrimas. Sinto um medo surreal, e me lembro
das palavras de Márcio dizendo que vou acabar a perdendo.
Quando ela abre a boca para falar, eu a interrompo com um beijo apaixonado,
tentando demonstrar todo o amor que eu sinto por ela nesse beijo. Quando acaba,
estamos ofegantes. Beijo a testa dela e uma lágrima cai dos seus olhos.
— Fernando... — interrompo e encosto minha cabeça na dela.
— Não fala nada agora. Estamos ambos estressados e poderemos falar coisas que
serão irreversíveis. Vá para sua aula de dança e depois conversaremos.
Beijo Bianca mais uma vez.
— Não esqueça que eu te amo.
— Precisamos conversar.
— Eu sei, mas não agora. Vá para sua aula e depois conversaremos.
Abro a porta do carro dela, espero-a entrar e a beijo, e fico olhando enquanto ela
sai do estacionamento. Sei que estou sendo um covarde em fugir da conversa, mas o
medo de perdê-la falou mais alto.
Não posso negar, sou um homem apaixonado.
Capítulo 20

Fernando
Observo o caminho que o carro de Bianca seguiu e meu coração bate
descompensado, puxo uma forte respiração, fecho meus olhos e solto o ar devagar. Sinto
alguém bater no meu ombro, me viro e dou de cara com Pablo.
— Não quero falar com você agora. ― Minha voz não passa de um sussurro.
— Me desculpei por você com os empresários que estavam te esperando.
Fiquei tão transtornado que esqueci que tinha um almoço de negócios.
— Obrigado ― agradeço sem fita-lo.
— Vamos conversar. ― Tenta novamente.
— Agora não... não estou com cabeça e, no momento, não quero mais brigar com
ninguém.
— Não quero brigar com você, quero conversar. Sei que nunca nos demos bem,
mas sou amigo da Bianca, e não vou me afastar só porque você quer.
Respiro fundo, quando a compreensão que ele não vai desistir de ter uma conversa
comigo chega até a mim.
— Tudo bem, vamos tomar alguma coisa.
— Você não vai almoçar?
— Perdi a fome.
Fomos a um bar e pedi uma cerveja. Pablo pediu um suco.
— O que você queria falar comigo? ― Tomo um longo gole da bebida gelada e
solto um longo suspiro.
— Ela o ama, isso é um fato. ― Ele vai direto ao ponto e ganha a minha atenção.
— E você a quer, isso também é um fato. ― Jogo as palavras e observo as reações
do seu rosto.
— Sim, mas ela não me quer. E hoje, mais uma vez, ela me disse isso, e também
deixou bem claro que só quer ser minha amiga. Você sabe que não tenho muitos amigos,
e não vou desistir da amizade dela por sua causa.
Fico em silêncio olhando para ele.
— Nunca fomos muito amigos, mas por gostar muito da Bianca e querer a felicidade
dela, vou te dar um conselho.
Meu Deus, cheguei ao fundo do poço. Estou ouvindo conselho do nerd sonso dos
infernos.
— Então você concorda que a felicidade dela está ao meu lado?
— Ela acha isso, e contra todas as probabilidades, ela preferiu você a mim.
Dou um sorriso triste.
— Bianca é uma mulher inteligente, sensível, ama artes, séries, animes e filmes e
você não gosta de nada disso... sei por que te conheço há anos...
— É verdade.
— Já eu, amo tudo isso. Seriamos o par perfeito; mas não somos porque falta
algo... falta o amor, a paixão, a loucura que vocês sentem um pelo outro.
— Eu a amo, mas somos tão diferentes. Ambos somos teimosos.
— Fico lisonjeado por você estar sentindo ciúmes de mim, mas não há motivo para
isso. Apesar de termos gostos compatíveis em muitas coisas, ela não sente por mim o
que sente por você. Ela já tentou sentir, mas não conseguiu.
— Nem me lembre disso...
— Ela escolheu você.
— Sim, mas...
— Mas nada, Fernando. Pelo pouco que entendi da história, você está querendo
mudar o jeito dela ser. Pense comigo: será que se ela mudar, você vai continuar a
amando com a mesma intensidade?
— Ela conversou com você sobre o nosso relacionamento?
— Não, Bianca é muito discreta sobre a sua vida pessoal. Como eu tenho certeza,
que ela não conversou com você sobre o nosso breve relacionamento.
— Não, ela não falou nada.
— Volto a falar, não seja o ogro, burro e idiota que eu sempre achei que você fosse.
— Olha quem fala, o nerd, sonso, tosco dos infernos.
Rimos juntos.
— Confie nela... ela o ama. Bem, a verdade é que isso fez que o nível de QI dela
desse uma abaixada, mas ninguém é perfeito.
— Sabe, Pablo, até que você não é tão tosco.
— Sabe, Fernando, até que você não é tão burro, mas ainda continuo achando
você ogro e idiota.
Nós nos despedimos, e no carro liguei para a única pessoa que me ajudaria nessa
confusão que me meti.
Michele!
Bianca

Ligo para empresa e informo a Rafael que tive um contratempo e que só voltarei
amanhã. Vou para casa; preciso ficar sozinha e pensar em tudo que aconteceu. Chego
em casa, tomo um banho relaxante e depois vou para varanda. Meu apartamento tem
uma linda vista para a praia, e olhar as ondas me relaxa.
Toda essa situação com Fernando tem sido esgotante e sufocante. Nós dois
pulamos muitas etapas. O namoro tem que ser uma coisa leve, gostosa, divertida... uma
época de conhecimento e de adaptação. Entretanto, está sendo intenso e muito
estressante.
Claro que temos momentos maravilhosos, como todas as vezes que ele fala e
demonstra o quanto me ama, que ele não tem a mínima vergonha de gritar para todo
mundo o quanto me quer. Fernando tem muitas coisas boas, mas algumas ruins.
Não lido bem com alguém mandando em mim. Os únicos que tinham esse poder
eram meus pais, mas desde que entrei na faculdade e comecei a morar sozinha, eu
mando na minha vida. É muito difícil para mim abrir mão dessa liberdade.
Meu telefone toca, me tirando de meus pensamentos.
— Alô!
— Filha!
— Oi, mãe. Tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
— Não, filha, está tudo bem. Liguei para saber se você e seu namorado virão para
o feriado.
— Sinceramente, não sei, mãe.
Faço um resumo curto da minha história com Fernando. Minha mãe sempre foi
minha amiga, e é uma ótima ouvinte.
— Pelo o que você me falou e o que vi quando o conheci, está claro que esse
homem a ama.
— Eu sei, mãe, mas às vezes isso não é o suficiente. Somos muitos diferentes.
— Minha filha, veja seu pai e eu... somos completamente diferentes.
— É verdade, mas vocês se entendem, mãe.
— Porque muitas vezes eu cedo, e o seu pai também.
— Então eu vou ter que me anular para fazê-lo feliz?
— Não digo se anular, minha filha, e sim ceder em algumas coisas pelo bem do
relacionamento, como ele também vai fazer. Pelo que entendi, você é a pessoa mais
centrada na relação, então cabe a você dar o primeiro passo se quiser manter esse
relacionamento.
— Mãe, eu não engulo ele não ter me avisado antes do jantar, e ainda dizer que vai
levar outra no meu lugar.
— Isso só mostra o quanto ele é imaturo, minha filha. Se você ama esse homem,
você vai ter que baixar a guarda e ceder. Se não fizer isso, seu relacionamento vai virar
um campo de batalha, e o amor que vocês sentem um pelo outro vai voar pela janela.
Suspiro alto.
— Minha filha, do jeito que eu te conheço, aposto que esse homem vem cedendo e
baixando a guarda para você desde que te conheceu. — Sorrio e não falo nada. —
Pondere tudo o que eu falei e você verá que eu tenho razão, afinal são mais de vinte e
sete anos vivendo com um homem orgulhoso e cabeça dura... e você sabe que ele faz o
que eu quero. Sua avó uma vez me disse uma coisa, que quando ouvi pensei que era
bobagem, mas é a mais pura verdade: “O homem é a cabeça da casa, mas a mulher é o
pescoço, e o pescoço move a cabeça para onde ele quiser”.
Depois de mais algum tempo de conversa, desligo e pondero tudo o que ela me
falou. Fernando é um executivo, e como sua namorada, vou participar de muitos
compromissos com ele.
Mas fiquei muito chateada por ele não me comunicar antes. Porém também sabia
que um relacionamento com ele não seria nada fácil, pois ele está acostumado a estalar
os dedos e as mulheres fazerem tudo o que ele quer. A algum tempo já tinha me
convencido de que teria que ter mais paciência, coisa que não tive.
Saio da varanda decidida a resolver esse impasse, já que um de nós tem que ceder
e, pelo jeito, seria eu. Quando penso em ligar para ele, recebo um vídeo da música Não
precisa mudar e várias mensagens.

Me desculpe, não quero que você mude, se mudasse, não seria mais você
Eu te amo do jeito que você é.
Desculpe pela cena no restaurante, já me entendi com Pablo.
Não se preocupe. ele está inteiro, não tirei nem um pedacinho dele. Apesar de
muito querer...
Vou ao jantar sozinho. Você é a única mulher que quero ao meu lado.
Não desist de nós, eu te amo.

Acabo de ler as mensagens, chorando.


Não respondo a ele, e faço o que deveria ter feito hoje o dia todo. Em vez de agir
com a cabeça, agora vou agir com o coração e surpreendê-lo. Ligo para Rafael e peço
que ele descubra o horário do tal jantar. Vinte minutos depois, ele retorna e diz que é um
jantar de gala, e peço para ele alugar uma limusine para me pegar uma hora antes do
evento.
Mudo de roupa e vou para o shopping, compro um vestido lindo, passo no salão e
faço pacote completo. Chego em casa duas horas antes da limusine chegar, tomo banho,
me visto, e capricho na maquiagem para esconder a cara de quem chorou boa parte da
tarde. O porteiro me avisa que a limusine está a minha espera. Dou o endereço do
apartamento do meu namorado, e assim que paro na frente do prédio dele, ligo para ele,
que rapidamente atende.
— Fernando, eu...
— Meu amor, que saudades de você! Como me controlei para não ligar para você a
cada cinco minutos desde que você saiu do estacionamento, mas Michele me garantiu
que isso só faria você ficar mais chateada.
Ele fala tudo muito rápido, e o seu tom de voz é tão amoroso que sorrio só em ouvi-
lo falar.
— Também estou com saudades. Odeio brigar com você.
— Nunca mais vamos brigar!
Solto uma gargalhada.
— Fernando, meu amor, ainda iriemos brigar muito... ambos somos cabeça dura,
mas me diga uma coisa, você ligou para Michele para pedir conselhos?
— Sim, ela te conhece melhor que eu. Gostou da música?
— Sim! Foi você que escolheu ou Michele?
— Eu escolhi. Ela achou cafona, eu achei bonitinha, e que tinha tudo a ver com o
nosso momento.
— Amei a música e amo você.
— Eu amo mais.
— Você já está pronto para sair?
— Sim, como disse na mensagem, vou sozinho. Não quero ninguém ao meu lado
que não seja você.
Se ele tivesse falado isso hoje de manhã teria evitado boa parte da nossa briga.
Porém, como eu quero resolver as coisas e não as complicar, não toco no assunto.
— Como também tenho uma parcela de culpa em nossa briga, peço desculpas por
não ter tido paciência e discernimento o suficiente, mas para me desculpar, aluguei uma
limusine para você. Está esperando na porta do seu prédio.
— Sério?
— Sim, é só você descer e entrar no carro.
— Amor, não precisava...
— Fernando, nós mal ficamos bem e você já quer me contrariar?
— Não, estou descendo agora. Te ligo do carro.
Ele desliga correndo e solto uma gargalhada. Saio do carro e fico esperando do
lado de fora. Quando ele sai do prédio e me vê, ele tem duas reações: primeiro, de
surpresa, pois para e me olha como se não acreditasse; depois abre um lindo sorriso e
vem andando em minha direção devagar. Não consigo tirar o sorriso bobo de meu rosto.
Quando ele está bem próximo, começo a falar.
— Todos os livros e filmes românticos que li e vi até hoje mostram apenas o homem
fazendo isso, esperando a mulher amada na porta de casa encostado em uma limusine.
— Pisco um olho, e ele solta uma gargalhada gostosa. — Porém, como sou uma mulher
de atitude, eu quis fazer isso. Esperar o cara que eu amo toda linda, e levá-lo para jantar
em uma limusine. Então, está se sentindo em um conto de fadas?
— Estou me sentido o próprio "Cinderelo".
— Você é o meu príncipe, mas eu que chego com o cavalo branco... ou melhor,
com a limusine — digo, sorrindo. Ele encosta seu corpo no meu, segura meu rosto com
carinho e me beija, e eu me derreto contra ele.
— Você está linda. — Ele elogia. Entramos no carro e seguimos para o jantar em
um clima gostoso de muitas declarações de amor. Chegando lá o motorista abre a porta,
e saímos do carro, e Fernando segura minha mão e a beija. Entramos sorrindo, mas logo
o sinto endurecer. Olho para ele e para frente e logo vejo Angélica e Marlene
conversando com um homem e uma mulher que pareciam ser pai e filha.
— O que foi, amor?
— Aquele casal falando com Angélica e sua mãe são meu pai e sua mulher.
Caramba, eu pensei que eram pai e filha! Escolho não comentar nada.
— É, eu sei... meu pai gosta de ninfeta — diz olhando para frente.
Como não tenho nada de bom para falar, resolvo ficar calada. Ele segura meu
braço e me leva para um canto.
— Queria evitar esse encontro até que você tivesse mais confiança no meu amor
por você, até que nós dois tivéssemos mais tempo de relacionamento e uma base mais
sólida. Por favor, não esqueça que eu a amo — me pede, soando nervoso.

Fernando

Estava muito angustiado com tudo que aconteceu hoje. Depois de conversar com
Michele, que me deu as mais inusitadas dicas e depois de muito refletir, só segui uma:
mandar mensagens ao invés de aparecer com flores e me ajoelhar pedindo desculpas,
pois isso seria muito dramático, mas eu estou desesperado.
Quando o celular toca, saio correndo para atender; e quando vejo quem é, abro um
grande sorriso. Daí em diante foi pura emoção. Ela me surpreendeu, e me deixou sem
fôlego quando a vi encostada na limusine me esperando.
Ela estava linda...
Não a deixei falar muito, não precisava. Esse foi um daqueles momentos mágicos
que palavras só atrapalham. Momento esse que eu nunca imaginei que viveria, sempre
ouvi falar, mas nunca vivenciei.
Conheço muito pouco, ou nada, sobre o amor.
Conheço o amor entre amigos... tenho ótimos amigos. Vi muitos deles sofrerem por
amor, e sempre achei ridículo e idiota o fato de deixarem a felicidade deles depender de
outra pessoa.
Conheço o amor de mãe para filho, pois minha mãe me amou incondicionalmente,
mas também amou o meu pai com a mesma intensidade e só sofreu, até que desistiu de
tudo.
Amo meu tio, e ele é muito diferente do seu irmão. Meu pai não conhece esse
sentimento que nos faz achar a vida mais bela e acreditar que tudo é possível. É isso que
o meu amor por Bianca me proporciona. O que sinto por ela me faz ver a vida mais
colorida, mas também é muito angustiante, sufocante, e às vezes doloroso quando
brigamos ou nos desentendemos. Contudo, momentos como o de agora, em que a vejo
linda, com um sorriso amoroso, me fazendo essa linda declaração de amor, fazem tudo
valer a pena.
Sei que ela nunca vai sair berrando aos quatro ventos o que sente, ela é mais
contida; mas em pequenos gestos me demonstra o quanto me ama. Sei que para ela foi
difícil voltar atrás e ir ao jantar, com esse gesto me mostra que é flexível, e bem, não vou
tocar mais nesse assunto, serviu como aprendizado.
A verdade é que todos os nossos atritos serviram como aprendizado. Estou fazendo
um curso intensivo de como lidar com Bianca; e apesar de às vezes ser bem complicado,
é, sem sombra de dúvidas, delicioso.
Seguimos para o jantar, a minha vontade é fazer amor com ela aqui mesmo dentro
da limusine. Infelizmente para mim, ela não deixou, me deixou com uma promessa para
mais tarde que espero ansioso.
Saio da limusine animado. Antes tinha certeza que o jantar seria tedioso, mas ao
lado dela sei que será maravilhoso. É simplesmente impossível ficar com tédio ao lado de
Bianca. Assim que saio do carro, dou a mão para ela sair, beijo sua mão e ela sorri.
Seguimos abraçados, e assim que entramos, paro, não acreditando no que estou vendo.
Ainda é muito cedo, não queria que Bianca encontrasse com eles agora. Meu pai está
com a sua mulher.
Meu pai foi a pessoa que me ensinou a não acreditar no amor e a achar que isso é
um sentimento para otário. A pessoa que brincou com o sentimento da minha mãe e de
muitas outras mulheres. O homem que se casou com a mulher que eu estava envolvido
somente para me mostrar que pode. E ela, que se dizia apaixonada por mim, se casou
com ele achando que me faria ciúmes. Ledo engano, pois pouco me importava com os
dois, e dei várias gargalhadas por causa deles.
Meu pai depende de mim agora, e eu faço de tudo para ficar o mais longe o
possível dele. Ele casou com minha mãe por dinheiro e viveu uma vida boêmia mesmo
depois de casado, mas depois que eu nasci, minha mãe passou todos os seus bens e
dinheiro para o meu nome; e depois que ela morreu, herdei tudo.
Ela deixou uma boa pensão vitalícia para meu pai. Dinheiro esse que nunca dá para
satisfazer as extravagâncias dele. Normalmente eu o mando se virar, mas há alguns
meses dei dinheiro para ele ficar longe. Estava começando a sentir algo por Bianca e
sabia que eles fariam de tudo para atrapalhar. Sei o quanto ele é preconceituoso, e Lisa,
a mulher dele, é venenosa. Por isso queria que quando Bianca os conhecesse, nosso
relacionamento estivesse com uma base bem profunda e que nada o abalasse. Agora é
rezar para que o nosso amor seja forte o suficiente...
Capítulo 21

Bianca
Fico olhando para Fernando, não entendendo a sua reação. Penso em perguntar
que mal há em conhecer seu pai e madrasta. Contudo, do jeito que ele está tenso, dá
para notar que essa vai ser uma longa conversa, e esse não é lugar para esse tipo de
assunto, e nem temos tempo para isso.
— Relaxe, amor, tudo vai dar certo. ― Tento acalmá-lo, fazendo um ligeiro carinho
em suas mãos.
— Eles não são gente boa. São preconceituosos e maldosos. ― Alerta me fitando
com o uma expressão preocupada.
— Amor, estou acostumada a lidar com gente assim, e você já provou isso na pele.
Já disse, relaxe e vamos curtir o jantar, e depois vamos aproveitar a noite toda.
Beijo Fernando e o sinto relaxar.
Dizer que não fiquei com um uma pulga atrás da orelha é mentira, mas ele já estava
tenso e preocupado demais para eu ficar fazendo mil e uma perguntas. Mais tarde,
quando ele estiver mais relaxado, conversaremos sobre isso. Ele volta a me beijar, e logo
depois voltamos para o salão. Fernando cumprimenta algumas pessoas e me apresenta
como sua namorada. Quando ficamos sozinhos, cochicho no seu ouvido:
— Aprendeu que sou sua namorada?
— Não, você é minha mulher! Entretanto, estou cansado de todo mundo reclamar
por causa de uma simples assinatura de papel. Muito em breve vamos resolver esse
mero detalhe.
Como assim? Para tudo! O que ele quis dizer com isso?
O observo surpresa, com medo de perguntar o que ele quis dizer com isso. Um
grupo de pessoas começa a falar com ele, e tenho tempo de me recompor, fechar a boca
que estava aberta e pôr um lindo sorriso nos lábios. Sinto ele ficar tenso de novo quando
Angélica, Marlene, o pai e madrasta dele se aproximam de nós.
— Fernando, querido, que saudades! — Marlene diz, o abraçando.
— Marlene, como vai meu tio?
— Ele está bem, mas preferiu descansar hoje.
— Nandinho, querido, mal nos falamos na empresa. — Angélica ia abraçá-lo, mas
ela me olha e levanto uma sobrancelha. Ela desiste.
Acho que ela deve estar se lembrando da minha ameaça no elevador. Fernando
ignora Angélica e se vira para mim.
— Amor, você já conhece a Marlene?
—Sim, como vai, senhora Marlene? — Ela faz cara de quem chupou limão e
balança a cabeça em comprimento.
— Este senhor é meu pai, Rubens; e a esposa dele, Lisa. — Os dois fazem a
mesma cara de quem chupou limão e nada falam.
— Pai, Lisa, esta é minha namorada... Bianca, o amor da minha vida.
A tal madrasta me olha de cima a baixo. O pai dele balança a cabeça em
desaprovação. Marlene fica de boca aberta como se não acreditasse... e eu fico doida de
vontade de dar uma gargalhada na cara de todo mundo, mas, claro, me seguro.
Marlene é a primeira a falar:
— Rubens, querido, é claro que Fernando está brincando. ― Ela soa como se
realmente não acreditasse.
— Desculpe, Marlene, onde exatamente você acha que estou brincando? Estou
curioso para saber — Fernando retruca rude.
— Eu disse, mamãe, eles estão juntos — confirma Angélica com voz chorona.
— Calma, meu amor. — Ela vai abraçar Angélica e se vira para Fernando. — Como
você pôde? Você sabe o quanto Angélica gosta de você. ― Marlene não esconde o seu
desagrado.
— Fernando, meu filho, por favor, seja mais discreto. Está claro que essa menina o
ama — O pai de Fernando pede o censurando.
— Eu não tenho absolutamente nada a ver com o que ela sente ou deixa de sentir
— retruca Fernando muito frio e rude.
— Isso é tudo culpa sua! E você, não fala nada vendo o sofrimento da minha filha?
— Marlene se dirige a mim.
Sinto uma vontade louca de rir na cara dela. Respiro fundo e olho para Fernando.
Ele segura minha mão e a beija.
— Desculpe, senhora Marlene, mas não discuto com pessoas desequilibradas. O
que vocês querem é começar uma discussão. Mas, como acabei de falar, não bato boca
com pessoas sem noção.
— Você está me chamando de maluca?
— Se a senhora entendeu assim, não posso fazer nada. — Ela abre a boca e
Fernando a interrompe:
— Marlene, sempre a respeitei como esposa do meu tio, mas nunca mais tente
ofender minha mulher de novo.
Todos olham para ele com espanto e eu apenas sorrio, escolho permanecer em
silêncio.
— Sua mulher? Vocês se casaram? — pergunta Lisa, abrindo a boca pela primeira
vez.
— Mero detalhe. O mais importante é que exijo que a respeitem. Caso contrário,
podem esquecer que eu existo.
Esse é meu homem! Que orgulho.
— Fernando, você nunca falou assim comigo — Marlene diz com voz chorosa.
— Isso porque a senhora nunca me desrespeitou antes.
— Mas eu não desrespeitei você, meu filho. Eu te adoro!
— Você desrespeitou a minha mulher, e para mim é a mesma coisa. Entenda uma
coisa de uma vez por todas, nunca tive nada sério com a Angélica, e nunca vou ter. Já
deixei isso bem claro para ela. Eu estou com Bianca, ela é minha namorada, minha
mulher, e meu tudo. Não é uma coisa passageira nem muito menos, brincadeira. Se a
ofender, estará ofendendo a mim diretamente.
Meus olhos enchem de lágrimas, mas respiro fundo e seguro. Ele às vezes me
deixa louca, mas também me enche de orgulho ver o amadurecimento dele. Em pensar
que há alguns meses ele estaria do outro lado, e hoje está aqui, segurando minha mão e
me defendendo.
Marlene e Angélica ficam pálidas depois da resposta dele. O pai o encara com os
olhos arregalados. E Lisa olha para mim com raiva. E eu sorrio para eles. Saímos de
perto, cumprimentamos mais algumas pessoas e fomos sentar. Seguro a mão dele e sinto
que ele ainda está tenso.
— Ei! Calma.
— Fico louco da vida quando alguém tenta te desmerecer.
— Amor, lembra o que falei no início do nosso relacionamento? Vamos ver muito
isso, e teremos que lidar da melhor maneira possível.
— Amor, não consigo dar respostas irônicas e de duplo sentido como você, passo
logo para ignorância.
Sorrindo, o beijo.
— Até entendo sua reação de agora há pouco, mas na maioria das vezes nem vale
a pena. A melhor resposta é mostrar a esses invejosos e infelizes o quanto estamos
felizes.
Chego perto do ouvido dele e falo baixinho:
— A verdade é que ouvir você me defendendo daquele jeito me deixou louca de
desejo. — Consigo arrancar um sorriso dos seus lábios e sorrio satisfeita.
— Desculpe interromper, mas parece que estamos sentados juntos. — O pai pede
com um sorriso frio nos lábios.
Esses dois querem nos desestabilizar. Depois de olhar para o pai por um tempo,
Fernando pega minha mão, a beija, e volta a olhar para eles.
— O engraçado é que não faço a mínima ideia do que o vocês estão fazendo aqui.
Já que este é um jantar de negócios, e vocês são dois desocupados. — Ele solta,
olhando para o pai e segurando minha mão por cima da mesa.
Lisa, a madrasta dele, senta olhando para nossas mãos juntas. A verdade é que
não dá para chamar essa mulher de madrasta de Fernando, pois ela parece mais com
uma irmã bem mais nova dele. Só que não é! E pela sua expressão, a criatura não está
gostando nada de nós dois juntos. Há cinco minutos estava pensando que era
preconceito por minha cor de pele ou peso, mas começo a desconfiar que tem mais coisa
nessa história.
Decidi chamá-la de "Lisa, a criatura", claro que mentalmente... Meu Deus! Estou
parecendo Michele. Quando contar a ela que botei um apelido na madrasta do Fernando,
ela vai dar pulos de alegria, e com certeza vai inventar uns piores.
Aí me pergunto, isso também não é uma forma de preconceito? Afinal, eu estou
formando uma ideia pré-concebida de uma pessoa. Estou fazendo algo que tanto
abomino que façam comigo?
— Será que a sua "amiga" se sentiria incomodada, meu querido Fernando? — Lisa
indaga não escondendo seu desprazer em me ver ali.
Bem, a criatura acaba de me tirar um grande peso na consciência.
— Bianca não é minha "amiga", ela é minha mulher. Pensei que já tinha deixado
isso bem claro — diz Fernando, se alterando.
— Qual é o seu nome mesmo? — pergunto, sabendo que isso irá irritá-la.
— Meu nome é Lisa, e você sabe muito bem — retruca em tom rude.
— Desculpe o meu esquecimento, é que eu só me lembro do nome de pessoas que
valem a pena serem lembradas. E quanto a se sentarem, claro que sim! Afinal, esse é um
lugar público. Eu e meu amor somos educados, e seria uma indelicadeza mandar vocês
se retirarem — meu tom de voz é calmo e olho para meu namorado. — Meu amor, não se
aborreça com a Lisa, afinal algumas pessoas são um tanto, digamos... limitadas. —
Fernando tenta segurar o riso, me dá um rápido beijo na boca e fala no meu ouvido:
— Amo quando você faz isso. Amo você sendo má.
— Então, meu amor, se prepare, porque você vai ver isso a noite toda — digo
sorrindo.
— Desculpe estar interrompendo o momento romântico do casal, mas por acaso
você me chamou de burra? — indaga Lisa revoltada.
Beijo Fernando e falo olhando para ele:
— Viu, amor, algumas pessoas às vezes são mais lentas, mas em algum momento,
elas acabam percebendo que somos um casal. Querendo ou não, vão ter que nos aceitar.
Viro para Lisa.
— Lisa, em momento algum chamei você de burra. Apenas falei que algumas
pessoas são limitadas — explico pausadamente, como se tivesse falando com uma
criança.
Fernando solta uma alta gargalhada e relaxa. O jantar seguiu nesse clima, ela
jogando indiretas sobre o meu peso, sobre minha cor, sobre achar que estou atrás do
dinheiro do meu namorado e muitas outras. Respondi cada uma com muita ironia, e
sempre com um sorriso nos lábios.
É engraçado que algumas pessoas falam coisas para magoar quem sempre foi
gorda, achando que é a primeira vez que elas ouvem isso. Ou pior achando que ela não
tem a consciência que é gorda.
Não importa se você é muito alta, muito magra, muito gorda, muito isso ou muito
aquilo. Todo mundo tem o seu calcanhar de Aquiles. Aquele ponto onde, se a pessoa
toca, machuca. Sempre ouvimos pessoas que falam coisas que elas acham sábios
conselhos:

Ah! Seu rosto é lindo, mas se você emagrecesse, ficaria melhor.

Você ficaria ótima se ganhasse uns cinco quilos.

Você não acha que é muito alta para usar salto?

E por aí em diante...
Sendo que, depois de um tempo, você acaba nem rebatendo mais. Você escuta e
dá um sorriso. Agora quando as pessoas falam em tom de maldade, eu não tolero. Ah,
mas não tolero mesmo! Porque ninguém tem absolutamente nada a ver com a minha
vida. Sou saudável, me amo e ponto.
O jantar acaba e o pai de Fernando o chama para conversar. Ele me olha e aceno
com a cabeça para ele ir. Ele sabe que não tem com o que se preocupar, pois sei lidar
com gente como Lisa. Mesmo assim ele me beija e fala que me ama em meu ouvido.
Baixo a cabeça, sorrindo... gosto tanto desses gestos dele. Essa preocupação em sempre
ter a certeza que eu saiba que ele me ama é algo tão raro em homens hoje em dia.
Fico imaginando o que os amigos dele falam, se ficam zoando por ser tão
expressivo, por não ter vergonha nem medo de dizer a quem quer que seja que me ama.
De me dizer, sempre que tem uma oportunidade, o quanto ele me ama. Assim que ele e o
pai saem da mesa a criatura, vulgo Lisa, volta a atacar.
— Estou aqui te olhando, e não entendo o que um homem como Fernando viu de
interessante em você.
E lá vamos nós outra vez.
— Bem, eu poderia lhe dar uma imensa lista de todas as minhas qualidades, porém
como tenho certeza que você não está interessada, nem vou me dar ao trabalho.
Sinceramente, acho que quem poderia responder melhor a sua pergunta seria o
Fernando, afinal, a não ser que você seja cega e surda, deve ter notado o quanto ele me
ama. Então pergunte a ele... tenho certeza que você vai achar a resposta, digamos,
interessante.
— Você se acha muito esperta e inteligente.
— Nossa! Obrigada pela parte que me toca. Fico muito feliz quando sou elogiada.
— Eu não te elogiei.
— Mesmo? Nossa, me chamar de esperta e inteligente, para mim, é um grande
elogio.
— Para mim, elogio é quando sou chamada de linda e gostosa.
—Bem, tem gosto para tudo nessa vida, não é mesmo? Afinal você encontrou seu
par. Está certo que ele deve ter o triplo da sua idade, mas pelo menos você não vai mais
ficar para titia, já é um motivo para comemorar. — Pisco um olho e soou debochada.
Nossa, Michele estaria dando tapinhas nas minhas costas.
— Sua ridícula e estúpida! ― Lisa demonstra todo a sua raiva.
— Ai, meu Deus! Já não sou mais inteligente e esperta? Você muda de opinião
muito rápido, Lisa, deveria procurar um psiquiatra. Isso, na maioria das vezes, tem
tratamento.
— Olha aqui, sua...
— Chega, cansei de ouvir você falando besteira. Você pensou o quê? Que sou uma
virgem gorda, tímida e inocente que se apaixonou pelo cara rico? Que sentaria aqui,
falaria meia dúzia de ofensas, e eu sairia correndo e chorando por você ter me chamado
de gorda?
— Sua...
Interrompo mais uma vez.
— Eu já falei, chega! Como sou boazinha, vou esclarecer algumas coisas para
você. Não dependo de Fernando para me sustentar, tenho o meu dinheiro. Eu sou gorda,
isso é um fato e eu não tenho nenhum problema em relação a isso. Você não é a
primeira, e duvido muito que será a última pessoa a me chamar de gorda, ou seja, se
quer me ofender, seja mais criativa. Não sou tímida e há muito tempo não sou inocente,
portanto, cada vez que me ofender, vai escutar coisa pior de volta. E, por último e mais
importante, eu cago e ando para o que falam ou deixam de falar de mim.
— Você é uma grosseira, Fernando caiu de nível.
— Lisa, se seu intuito era me deixar para baixo, chorando, ou criar um atrito entre
Fernando e eu, sinto dizer, não vai conseguir.
Ela franze o cenho e me observa com raiva.
— Porém, como estou me sentindo muito boazinha hoje, vou te dizer o que vai
acontecer.
Eu me aproximo da mesa e falo baixo para ela ouvir:
— Daqui a alguns minutos, Fernando vai voltar para a mesa. Ele provavelmente vai
me beijar e vamos embora para minha casa ou a dele.
— Fernando não dorme na casa de ninguém.
— Bem, sinto informar, ele não só dorme na minha casa como já até levou uma
mala de roupas para se trocar pelas manhãs.
— Isso é impossível.
— Enfim, pense o que quiser. Concluindo, quando chegarmos na minha casa ou na
dele, ele vai me mostrar a noite toda, de várias formas e muitas vezes, o quanto ele me
ama. E você provavelmente vai passar a noite pensando o que a gordinha aqui fez para
ele ficar assim.
— Sua...
— Já falei que chega por hoje, chega! Não vou mais ouvir merdas de você. ― Uso
um tom agressivo.
Ela fica de boca aberta me olhando.
— Volto a falar, não sou nenhuma bobinha inocente que vai ficar assustada com
meia dúzia de palavras ofensivas ou uma cara feia de nojo. Se me ofender, ofendo duas
vezes mais.
Fernando chega com o pai, e está visivelmente alterado.
— Vamos, meu amor — pede nervoso.
Abraço e o beijo no pescoço, e falo baixinho para só ele ouvir que vai ficar tudo bem
e que o amo. Sinto que ele estremece e dá um sorriso.
— Amor, o que você acha de irmos para o meu apartamento? — digo alto o
suficiente para Lisa ouvir.
Estou tão Michele hoje. Ela vai ficar feliz demais quando contar isso a ela. Bem,
nem estou tanto como Michele, pois com certeza ela já teria dado na cara da criatura e a
jogaria para fora daqui a base de pontapé.
— Ótima ideia, meu amor.
— Não esqueça o que eu falei. — O pai de Fernando ameaça, olhando para ele.
O pai do meu namorado mal olha para mim, não que eu fizesse questão. Saímos e
seguimos para minha casa, e durante todo trajeto, Fernando seguiu tenso. Assim que
chegamos, ele começa a falar.
— Bianca, eu sei que...
Não o deixo falar e o beijo. Claro que quero saber o que realmente está
acontecendo, porque é óbvio que ele não ficaria tenso dessa forma se ele não fosse me
contar alguma merda. Mas o dia de hoje já foi muito estressante para nós dois e agora
não quero conversar. Ele interrompe o beijo e segura meu rosto. Sei que precisamos
conversar. Amo uma “DR”, mas no momento, depois de todas as coisas negativas que
passamos hoje, eu só quero demonstrar de corpo e alma o quanto eu o amo. Beijo
Fernando com paixão, demonstrando todo amor que sinto por ele, que finalmente desiste
de conversar e se entrega ao desejo que sentimos.
Sei que estou usando uma tática que ele mesmo já usou comigo, mas ele está tão
tenso e demonstra tanto medo de me perder que sinto que, neste momento, ele precisa
disto.
Há momentos em que nenhuma palavra é suficiente, mesmo as mais lindas. Sinto
que mesmo que passasse horas declamando meu amor a ele, Fernando ainda ia se sentir
inseguro, com medo do que quer que ele fosse me contar terminasse com o nosso
relacionamento. Ele interrompe o beijo, segura meu rosto e me encara, e eu vejo o quanto
ele está angustiado e preocupado.
— Preciso te contar. Você tem que saber por mim, para que quem sabe assim, você
entenda e não desista de nós.
— Amor, o que aconteceu no passado, fica no passado.
— E se o passado voltar para atormentar sua vida e tentar abalar o futuro?
— Nós lidaremos com ele.
— Amor, eu quero contar que...
— Shiiii...Você sabe que amo discutir a relação, e sinceramente acho que uma boa
conversa resolve praticamente tudo, mas nesse momento, não.
Achei linda essa iniciativa dele de querer conversar, de querer me explicar tudo. De
não ficar escondendo nada. Porém, no momento, quero demonstrar com toques e todo o
meu corpo o quanto eu o amo.
Pisco um olho para ele, giro o corpo e caminho para o corredor tirando o vestido,
quando estou apenas de lingerie com liga e meia 7/8 viro meu rosto para ele.
― Você sabe que amo discutir a relação, sinceramente acho que uma boa conversa
se resolve praticamente tudo. ― Tiro meu sutiã enquanto falo suavemente.
― Você está de sacanagem? Porra Bianca liga e meia 7/8 é covardia. ― Sorrio
sedutora ao vê-lo engolindo em seco.
― Agora eu não quero conversar. Depois nós conversamos. ― Tiro a calcinha
devagar, fico com a meia e o salto alto e volto a olhar por cima do ombro.
― Agora eu quero ser amada pelo homem que eu amo.
Entro no quarto e quando ponho uma perna na cama Fernando me puxa e beija
meu pescoço enquanto passa a mão pelo meu corpo, ele segura meu cabelo e morde
meu ombro e sua mão desce pela minha barriga e me toca.
― Deita na cama ― ordena em um tom autoritário que me deixa cheia de tesão.
Faço o que ele me pede e o observo tirar a roupa devagar sem desviar os olhos dos
meus, quando termina, sobe na cama tirando minha meia devagar e depois fica olhando
para mim em silêncio.
Ele me olha com tanto desejo e tesão que começo a passar a mão pelo meu corpo
para aliviar o tesão que estou sentindo. Ele fica me observando enquanto toco meus
seios, mas quando desço a mão ele me interrompe.
― Para! Abra as pernas para mim. ― Sua voz soa rouca, um tom profundo que me
dá tanto tesão que solto um alto gemido.
― Você gosta disso, não é meu amor. Gosta que eu mande em você na cama. ―
Não foi uma pergunta ele sabe que eu gosto.
― Amo quando você manda em mim, mas somente na cama! Aqui eu faço tudo o
que você quiser ― confirmo abrindo as pernas e ele sorri de lado quando vê o quanto
estou molhada.
Ele inclina o corpo, beija minha perna e me chupa forte, põe minha perna em seu
ombro, introduz um dedo em mim, sem cessar os movimentos com a língua. Rápido, forte
e intenso. O orgasmo me pegou tão rápido que me deixou sem fôlego.
― Vira. ― Sua voz não passa de um profundo sussurro.
― O que? ― Ainda estou naquele lugar maravilhoso pós orgasmo que não entendi
o que ele falou.
― Vira, quero você de quatro. ― Com as pernas trêmulas faço o que ele mandou.
― Já disse que sinto muito tesão quando você fica assim todo machão na cama. –
Viro de quatro olhando para ele por cima do ombro.
Ele dá um tapa de leve na minha bunda, segura meu cabelo, vira meu rosto, me
beija e me penetra, introduzindo seu pau profundamente enquanto segura meu seio
firmemente.
Em cada beijo, em cada caricia, em cada toque. Quero que ele saiba que seja lá o
que vá me falar, vamos saber lidar com isso juntos. Fazemos amor mais uma vez só que
devagar, olhando nos olhos, ele a todo momento dizendo o quanto me ama e que não
quer me perder. Exausto, Fernando desaba ao meu lado, sugando o ar com força e pouco
tempo depois adormece.
Saio da cama devagar e vou ao banheiro, entro no chuveiro e fico um tempo
embaixo d'água, pedindo a Deus que me ajude a compreender o que eu ainda nem sei, e
que me dê paciência para suportar tudo o que está por vir. Não vou desistir do Fernando
por nada, e não se encontra um amor assim todos os dias. Eu sei, procuro há muito
tempo...
Nunca senti com ninguém o que sinto com ele. Vivo um amor de novela, daqueles
que você só vê em filmes ou em livros. Contudo, diferente das mocinhas dos filmes ou
livros, não corro ou me assusto com qualquer coisa. Saio do chuveiro e me enrolo no meu
roupão rosa. Amo esse roupão, e acho que deve ser porque foi Fernando que me deu.
Vou para o quarto e a cama está vazia.
— Fernando! ― O chamo buscando pelo apartamento.
— Estou na cozinha! ― grita de volta.
Quando chego na cozinha, paro e admiro a cena. Ele está com uma sunga branca,
com a geladeira aberta e com a mão no queixo. Ele me olha e volta a olhar para a
geladeira.
— Amor, estou para te perguntar isso a algum tempo, você não tem comida nessa
casa, não? Aqui só tem fruta... não tem nada pronto.
Rindo, vou até ele e o abraço por trás.
— Meu amor, não tenho ninguém que deixe a comida pronta para mim; todos os
dias eu preparo minha comida. Vai, sente lá na sala que vou fazer um sanduíche para
você.
Ele vira me beija e cheira meu pescoço.
— Amo seu cheiro. Vou tomar um banho enquanto prepara o sanduíche... Faz uns
cinco, estou morto de fome. — Ele me beija e sai.
Quando acabo de preparar, ele volta e me ajuda a levar os sanduíches e o suco
para a mesa.
— Michele tem razão, você tem uma coisa com suco de laranja.
— É verdade, amo suco de laranja.
Conversamos coisas triviais enquanto comemos. Quando ele come o último
sanduíche, toco no assunto que tanto me angustia.
— Agora que você está mais relaxado e alimentado, vamos conversar.
— Engraçado, eu pensei que você falaria assim que chegássemos aqui.
— Era visível que você estava nervoso e temeroso do que ia me contar, de que
pudesse abalar nosso relacionamento. E não queria conversar com você daquele jeito.
— É verdade, estava muito nervoso.
— Mas agora está mais relaxado, e vamos conversar.
Capítulo 22

Bianca
Fernando começa falando da sua mãe, uma herdeira inglesa. Seu pai se casou com
ela apenas pelo dinheiro. Os dois nunca viveram bem, o pai sempre a traiu e nunca teve a
menor vergonha, nunca escondeu de ninguém... nem quando a mãe ficou doente, o pai
parou.
— Meu amor, eu sinto muito. — Seguro a mão dele.
— Ele continuou a vida como se nada estivesse acontecendo, como se a mulher
não estivesse morrendo, e cagava para o que eu sentia em relação a tudo. Depois que
minha mãe faleceu, ela deixou tudo para mim.
Sento ao lado dele e o abraço.
— Ele tentou contestar o testamento, mas não conseguiu. Ele recebe uma boa
pensão, mas nunca é suficiente. Depois disso fui viver a minha vida o mais distante
possível dele. Após alguns anos ele apareceu querendo se aproximar. Na época, já
morava em Boston e estava saindo com uma mulher, não éramos namorados, nem
tínhamos nada sério, era apenas sexo.
Respiro fundo e sinto ciúmes em ouvi-lo falar de outra mulher, mas não o
interrompo.
— Essa mulher, no entanto, se apaixonou por mim; e quando notei que para ela as
coisas estavam ficando sérias, parei de vê-la. Digamos que ela não aceitou muito bem, e
fez um monte de merda que não vale a pena falar agora. Nessa mesma época meu pai
ainda tentava se aproximar, e como sabia que era apenas para conseguir dinheiro,
sempre o mantinha distante. Não sei bem como os dois se conheceram, mas meu pai
casou com a mulher que eu pegava achando que eu a amava, e a mulher casou com ele
achando que me faria ciúme.
— Então Lisa já foi sua namorada? — tento perguntar o mais calma o possível.
— Não exatamente minha namorada. Saí com ela algumas vezes, mas sempre
deixei claro que era apenas sexo para mim, nada além disso.
— Entendi. Bem, agora dá para entender algumas coisas, mas por que seu pai
estava te ameaçando?
— Liza casou com ele grávida e dizia que o filho era meu, mas como nunca transei
com ela sem camisinha, não acreditei; e pouco tempo depois, ela perdeu o bebê. Meu pai
estava ameaçando contar isso a você e achou que você se afastaria. Você é uma
ameaça para ele, Bianca.
— Por que eu sou uma ameaça?
— Porque ele viu o quanto eu a amo. E falei que quero você para sempre na minha
vida.
— Amo você, Fernando, mas tudo entre nós é muito recente, apesar de muito
intenso.
— Eu falo que quero você na minha vida para sempre, e você me joga um balde de
água fria.
— Fernando, você sabe que eu o amo. E o meu sonho é ter você para sempre na
minha vida, ficaria imensamente feliz se esse sonho se realizasse.
— No que depender de mim, vou fazer o impossível para que isso aconteça.
— Fernando, por que o seu pai está aqui?
— Há alguns meses ele apareceu, e eu dei dinheiro para ele sumir. Provavelmente,
o dinheiro acabou e ele voltou querendo mais, e agora está ameaçando contar as coisas
que te contei.
— Desculpa, mas por que você deu dinheiro a ele? ― indago com o cenho franzido.
— Por sua causa ― revela suavemente.
— Como assim? ― sua resposta me surpreende.
— Eu estava naquela fase em que eu queria te pegar de qualquer jeito...
Bato nele com uma almofada.
— Aí, não me bate. — Ele ri e me beija.
— Enfim, acabei dando dinheiro para ele não me atrapalhar naquele momento.
Imagina, você já era difícil com minha família infernizando, nunca ficaríamos juntos.
Infelizmente tenho que concordar com ele. Se com ninguém contra, no começo já
foi difícil, imagina com alguém atrapalhando.
— As pessoas começaram a tentar atrapalhar depois que ficamos juntos.
— Sim, mas aí você já tinha provado o quanto eu sou gostoso, e já tinha gamado
na minha pessoa.
— Deixe de ser convencido, Fernando.
Ele me deita no sofá e começa a beijar o meu pescoço.
— Você estava gamadinha em mim, foi paixão à primeira vista.
— Ah, mas não foi mesmo! Foi aversão à primeira vista, isso sim.
Rimos juntos, e quando paramos, ele fica olhando para mim, sorrindo, e fala com
uma voz rouca:
— Você, para mim, é a realização de um sonho que eu nem sabia que tinha. Nunca
pensei em ter com alguém o que tenho com você, essa cumplicidade, esse sentimento
que me deixa sem fôlego e em êxtase, eu nunca tive e nunca pensei em ter. Eu te amo
tanto, mais tanto, Bianca. — Ele me beija e eu me derreto.
Sei que teremos muitas dores de cabeça de agora em diante, mas gostei e muito
dele ter me contado tudo e não ter deixado brecha para intrigas. Eles podem vir que
estaremos preparados. Pelo menos, eu acho.
Depois da nossa conversa, fomos dormir. Pensei que acordaria grudadinha no
Fernando, ou então que ele me acordaria daquele jeito que tanto amo, mas nunca
imaginei que acordaria numa gritaria, com xingamentos e sons de objetos quebrando.
— Socorro! Ladrão!
— Meu Deus, o que é isso? — Levanto correndo. Vou para a sala e quase tenho
um ataque com a cena cômica.
Maria, é muito mais que uma pessoa que me ajuda, ela é uma das pessoas que
mais gosto no mundo, a qual eu tenho um orgulho absurdo. E, no momento, está
correndo pela sala atrás de Fernando com uma vassoura.
— Moça, pelo amor de Deus! Bianca é minha Mulher! — Fernando fala enquanto
corre de Maria.
— Que mané mulher, seu lazarento mentiroso! Ela não me disse que casou, seu
safado dos infernos! Está querendo se aproveitar de Bianca. — Maria tenta bater em
Fernando com a vassoura.
— Aí! Para de tentar me bater. Moça, eu não disse que ela é minha esposa, ela é
minha mulher.
— Mentiroso, safado de uma figa!
Começo a rir descontroladamente. Fernando ouve e começa a gritar:
— Bianca, pelo amor de Deus, fala para essa... Mulher, que você é minha mulher!
— Mulher, você conhece esse safado lazarento?
— Bianca! — Fernando grita, já desesperado.
Tento segurar o riso e explico a Maria:
— Maria, esse é o Fernando, meu namorado. Desculpe por não ter avisado que
agora você veria mais alguém no apartamento. — Rindo vou até Fernando. — Desculpe,
amor, mas estava muito engraçado ver um homem do seu tamanho correndo da Maria,
uma baixinha de menos de um metro e meio.
Fernando, revoltado, não aceita meu beijo e senta no sofá com a mão no peito.
— Você ri porque não foi você que tomou o susto. Acordei cedo para fazer uma
surpresa e levar café na cama para você... e, do nada, aparece essa baixinha com a
vassoura na mão, me chamando de ladrão e jogando a casa em cima de mim — Ele diz
chateado.
— Oh, tadinho. — Beijo-o e tento segurar o riso, mas é impossível
— Amor, eu nem tive tempo para respirar. Saí correndo e ela veio atrás de mim, me
xingando. Nunca vi uma mulher tão... nem sei que palavra dar, só sei que corri. — Ele
conta a história com os olhos arregalados, e estou tentando segurar o riso ao máximo,
porque é visível que ele está muito chateado.
— Mulher, você sabe que eu sou uma mulher séria. Aí eu entro aqui, vejo esse
homem enorme de cueca branca. Oxente, eu olhei e fechei os olhos... olhei mais uma
vez, achei que era um sonho e fechei os olhos de novo. Voltei a olhar e tive a certeza de
que era tentação do coisa ruim, então não pensei duas vezes, peguei a vassoura e fui
para cima para dar nele! — Maria explica gesticulando.
Depois de ouvir isso, não aguento e caio na risada. Até Fernando, que estava com
raiva, riu.
— Bianca, me desculpe, mas é muita tentação. O homem é bonito demais! Não
estou acostumada com essas coisas, não.
Depois de muito riso, Fernando levantou para ir tomar banho e se arrumar.
— Bianca, mais uma vez, me desculpe, mas ele é lindo demais! — diz Maria,
olhando de forma sonhadora para Fernando, que sai apressado para o quarto.
Rindo, vou para o quarto e escuto ele falando no banheiro:
— Bando de mulheres malucas! Uma, primeiro quer me bater, depois me chama de
lindo. A outra, dona do hospício, assim que me conheceu me ameaçou. Bianca só tem
amiga doida.
Sorrindo, entro no banheiro e tomamos banho juntos. Saio do banheiro primeiro e,
logo depois vem Fernando, que rápido se arruma. Já eu, bem, o meu drama de sempre:
qual roupa vestir?
— Amor, você está há uns dez minutos olhando o guarda-roupa. Vou tomar café e
te espero na sala.
Acabo de me arrumar e vou para cozinha, e quando chego, ouço Fernando
conversando com Maria e rindo de toda a situação, sorrindo me junto a eles.
Uns quinze minutos depois, encontro Michele na garagem e saímos. Dou carona ao
Fernando até o prédio dele para ele pegar o seu carro e depois sigo com Michele.
— Mona, me conta tudo! Como foi a noite? Ele se desculpou direitinho? — Michele
me pergunta assim que ficamos sozinhas.
— Michele, você já pode abrir um escritório como conselheira romântica — sugiro
rindo.
— É melhor ajudar os outros quando se está todo enrolado, assim se esquece um
pouco dos problemas.
— Como assim? Michele, eu tenho sido uma péssima amiga, não é mesmo?
— Claro que não! Por que diz isso?
— Às vezes você deixa escapar umas coisas que me levam a crer que você está
enfrentando algum problema que não me falou, que eu estou tão envolvida nos meus que
não estou prestando atenção.
— Bianca, tem acontecido algumas coisas, sim, não tenho como negar, mas ainda
não é tempo de falar disso, quero dizer, ainda não quero falar sobre isso.
— Você sabe que pode contar comigo para tudo. Como você mesma diz, somos
fechamento.
— Eu sei, amiga. Você e sua família são minha família — ela diz emocionada.
— Nós a amamos muito, e qualquer problema, qualquer dificuldade que você tenha,
me fale que vamos enfrentar juntas. Você sabe que te defendo de tudo e de todos, mas
por favor, se abra comigo. O que está acontecendo, qual é o problema que você está
enfrentando? — pergunto preocupada.
— Assim você me faz chorar, também a amo. Você é a irmã que eu não tive, mas
não se preocupe.
— Como não vou me preocupar com você falando que é melhor se envolver nos
problemas dos outros do que nos seus próprios? Você sempre foi para cima, alto astral...
até de TPM você é risonha.
— Relaxa... me dê um tempo para acertar as coisas na minha cabeça que te conto
tudo.
Quando paro no sinal, fico olhando para ela, que força um sorriso. Conheço bem
Michele para saber que não adianta tentar tirar nada dela agora. Quando ela não quer
falar, é igual a uma mula empacada.
— Tudo bem, vou respeitar o seu tempo, mas que ele seja curto, senão paro de te
contar tudo.
― Eu vou te contar, só preciso de tempo.

Alguns dias depois


Chego na empresa, dou bom dia e sigo para o elevador. Antes de passar pela
minha sala, resolvo dar uma passada na sala de Fernando. Chegando lá, tomo um susto
por não ver a secretária dele. No lugar dela há uma menina linda, de aparência frágil. Ela
tem cabelos castanhos longos, olhos claros, rosto angelical e sorri para mim de forma
meiga.
Aí eu me recordo que Fernando comentou sobre sua secretária que iria entrar de
férias e Rafael, disse que conhecia uma pessoa para indicá-lo, eu só não imaginava que
ela fosse tão jovem.
— Bom dia, meu nome é Bianca. Por favor, poderia anunciar ao Fernando que
quero falar com ele. — Sou o mais gentil possível, sorrindo de forma amigável.
— Claro, só um momento. Senhor Fernando, uma Senhora chamada Bianca está
querendo falar com o senhor. Ok?
— Só um minuto, ele...
Fernando abre a porta e a interrompe.
— Meu amor! Por que você não entrou? — Ele me beija e olha para menina, que
está vermelha. — Carolina, essa é minha mulher. Ela não precisa ser anunciada ―
informa segurando a minha cintura.
— Desculpe, eu não sabia. Quero dizer, ela não falou nada... me desculpe, é meu
primeiro dia e ainda estou aprendendo. Mais uma vez, me desculpe. ― Carolina fica
muito nervosa e começa a tremer. Fernando vai até ela e põe a mão no seu ombro.
— Calma, não precisa ficar nervosa. Bianca é muito educada e discreta, por isso
perguntou se eu poderia atendê-la antes de entrar. ― Fernando branda a voz.
— Obrigada. Senhor Fernando, isso não vai acontecer de novo — ela agradece e
olha para Fernando ainda vermelha, muito tímida e parecendo indefesa.
O monstro do ciúme, que até então estava adormecido, acorda e não gosta nada
dessa situação. Era só o que faltava...
O dia passou agitado, com várias reuniões e muito trabalho. Vários clientes entram
em contato para reclamar do gerenciamento de Marcela e pedindo para que as contas
voltem para a minha equipe. Fernando e Márcio até que tiveram uma boa ideia em dividir
as contas, mas na prática, não está dando muito certo, porque a equipe da Marcela não
está dando conta.
Porém a minha agitação não era só por isso. Passei o dia todo inquieta e muito
ansiosa, pois precisava, e muito, conversar com Michele, ela anda evitando nossa
conversa a alguns dias e isso está me deixando muito curiosa.
Envio uma mensagem para Fernando avisando que não sabia se poderia dormir na
casa dele hoje à noite porque iria conversar com a Michele. Expliquei que estava muito
preocupada com ela, mas não entrei em detalhes do porquê da minha preocupação,
afinal é um assunto pessoal, o qual ele não tem nada a ver. Se a Michele me autorizar, eu
conversarei com ele sobre o problema dela; fora isso, não. Ele não gostou muito, mas
aceitou.
Quando saio da empresa, eu o vejo falando algo com Carolina enquanto ela
digitava em um tablet, e às vezes ela olhava para ele com adoração. Inexplicavelmente,
me deu uma raiva surreal. Sabia que se me aproximasse talvez fosse grossa, e ela não
estava fazendo nada de errado, apenas estava encantada por um homem lindo. Porque é
isso que Fernando é, ele é lindo, sexy, maravilhoso, mas é meu!
E esse sentimento de posse, essa raiva inexplicável, esse ciúme que nem
imaginava que sentia, me deu um medo tão grande que fingi que não tinha os visto. Foi
uma atitude covarde. Tinha medo da minha reação, achei melhor recuar e fui para o meu
carro. Entrei, respirei fundo e liguei o carro, mas infelizmente, não tinha como não passar
por eles na saída do estacionamento. Peguei o celular, e daria a desculpa de que não os
tinha visto caso ele falasse comigo depois. Não deu certo; Fernando me vê e começa a
acenar. Paro o carro ao lado deles e abaixo a janela, sorrindo. Ele se apoia na janela,
segura minha nuca e me beija.
— Por acaso ia embora sem falar comigo? — ele pergunta, abrindo a porta do carro
para eu sair.
— Estava no celular e não tinha visto vocês — respondo, sorrindo sem graça.
Ele levanta uma sobrancelha e me abraça. Em seus braços esqueço de tudo e de
todos.
— Eu te amo — ele sussurra no meu ouvido, como se tivesse sentido minha
insegurança.
— Eu te amo mais — digo e me afasto para olhar para o seu rosto. Ele sorri como
se tivesse ganho um presente e me dá vários beijos.
— Se até às onze da noite você não aparecer, vou para sua casa — afirma contra
minha boca.
— Meu amor, é só uma noite dormindo sozinho.
— Não durmo mais sem você, estou completamente viciado em você — fala contra
os meus lábios e começa a beijar meu pescoço.
Olho para Carolina, que nos observa com uma expressão que não sei identificar.
— Olá, Carolina. Como foi o primeiro dia de trabalho? — pergunto a ela.
— Muito bom, Fernando é maravilhoso — responde olhando para ele de forma
sonhadora, que não nota porque ainda está beijando meu pescoço.
— Sim, meu amor é maravilhoso, e tenho muita sorte por ele me amar tanto — digo
com uma expressão séria.
Ela baixa a cabeça e o cabelo dela cai sobre o rosto como uma cortina. Carolina é
muito bonita, não muito alta, tem longos cabelos castanhos com franja, olhos castanhos,
um rosto meigo e uma aparência um pouco frágil. Mas sei lá, algo nela não me cai bem,
não sei explicar. Fernando encosta a testa na minha.
— Irrevogavelmente apaixonado por você. Apaixonado só não, porque paixão é
uma coisa que dá e passa. Carolina, você está olhando para a mulher da minha vida.
— Ela é uma mulher de muita sorte — ela fala em um tom seco.
— Eu que sou por tê-la na minha vida — ele diz e me beija mais uma vez.
Estou igual a uma manteiga derretida. Sei que ele não me dá motivos para ter
ciúmes... muito pelo contrário, ele me demonstra, de várias formas, o quanto me ama.
Porém esse sentimento é irracional, não tem um porquê, e para muitas pessoas, não
precisa ter motivo. Por mais racional e sensata que eu seja, parece que sou esse tipo de
pessoa.
Não vou fazer um barraco como Fernando faz toda vez que estou com Pablo, mas
começo a entendê-lo um pouco.
Capítulo 23

Bianca
Depois de me despedir deles, sigo para casa, tomo um banho e vou para casa de
Michele. Pedimos uma pizza e começamos a conversar. Ela me conta a confusão entre
ela, Márcio e o irmão dele.
— Michele, você mesma já disse que gosta de Márcio. Por que ficou com o irmão
dele?
— Bianca, eu acho o Márcio... um safado, cachorro, sem vergonha.
— Para, Michele, Márcio é gente boa e amigo. Tenho que confessar que ele tem um
jeito de safado, mas é muito, muito bonito.
— Bonito, não; ele é lindo! Ele parece um chocolate derretido, e minha vontade é
comer, lamber, beijar, e de preferência deixá-lo amarrado na minha cama ao meu bel
prazer — ela soa sonhadora.
— Meu anjo, se gosta tanto dele, por que saiu com o irmão dele?
— Ontem, um colega da faculdade fez aniversário e comemoramos em um
barzinho. Estava tudo bem, até que vi Márcio entrando no bar com o irmão. Márcio estava
com uma mulher grudada no pescoço dele quando entrou, mas assim que ele me viu,
saiu, tirou o braço dela de cima dele, e fez menção de vir em minha direção; mas eu
estava tão louca de ciúmes que virei as costas. ― Relata demonstrando todo ciúme que
sentiu.
Fico em silêncio e a deixo desabafar.
— Bianca, senti tanta raiva que minha vontade era de rasgar aquela mulher, mas
não podia, pois ele não é meu. Se ele fosse, eu teria enfiado a mão na cara dela por tocá-
lo, mas não pude fazer nada, e por isso virei as costas. Tremia tanto e me deu uma
imensa vontade de chorar ali mesmo, na frente de todo mundo — ela revela com lágrimas
nos olhos.
Vou até ela e a abraço.
— Oh, minha amiga, por que você não me falou que gostava tanto dele? Por que
não desabafou comigo?
— Bianca, eu sei que ele não quer nada sério com ninguém, e você sabe o que já
passei com os caras que só querem saber do meu dinheiro.
— Meu anjo, você é linda, é o sonho de consumo da maioria dos homens. Só que,
infelizmente, encontrou alguns sem vergonhas pela frente. Eu nunca gostei deles, mas
isso não vem ao caso agora. Você já tentou conversar com ele? Porque pelo que você
me disse, até agora vocês só se encontraram assim, por acaso.
— Não, até hoje só o encontrei por acaso, e todas as vezes, ele abalou meu
mundo.
— Ainda não entendi onde o irmão dele entra nessa história?
— Maicon veio me cumprimentar e começamos a conversar, mas sempre que
olhava na direção do Márcio, ele estava me olhando. A tal mulher estava grudada nele de
novo, e quando ela começou a beijar a orelha dele, fiquei louca de ciúmes. Como sabia
que ia acabar fazendo merda, resolvi ir embora e o irmão dele se convidou para me trazer
para casa, e na saída eu o vi a beijando. Aí, minha amiga, você me conhece, com raiva
faço besteira. Menti e o fiz acreditar que já tinha ficado com Maicon.
— Então foi um misto de raiva com ciúmes?
— Está mais para estupidez e ciúmes.
— Amiga, não faça mais isso. Não vale a pena se você fica tão para baixo assim.
— Bianca, pensei bem hoje o dia todo e vou deixar essa história para lá. Não vai
dar em nada, principalmente agora que deixei a entender que fiquei com o irmão dele...
enfim, vou seguir em frente.
— O que você acha de, antes disso, tentar conversar com ele? Vou marcar um
jantar para nós quatro: eu, você, Fernando e Márcio. Assim vocês têm a chance de se
conhecerem e conversarem, o que você acha?
— Tudo bem, marca e veremos, mas agora me fale tudo o que tem acontecido com
você.
Conto para ela que conheci o pai e madrasta de Fernando, conto toda história. Falo
do barraco que a mãe da Angélica deu, e de como Fernando me defendeu.
— Na boa, Bianca, me desculpe, mas Fernando deveria ser fabricado em série. Eu
quero encontrar um homem assim para mim.
— Você vai, meu anjo, tenho certeza.
— Hei, que cara é essa? O que você não está me contando?
Falo da nova secretária do Fernando, e de como me senti ao perceber que ela
estava interessada nele.
— Gata, não pira! Até a Maria, que prometeu nunca mais chegar perto de homem,
pirou quando viu Fernando. Você vai ter que aprender a lidar com isso porque vão
sempre aparecer muitas assim.
— Eu sei, mas... sei lá, essa menina me passou uma coisa estranha, não sei dizer
ao certo. Michele, ela parece uma dessas secretárias dos livros de romance, toda frágil,
que o chefe se apaixona e quer proteger.
— Não surta, gata, Fernando te ama.
— Eu sei, ele falou isso em alto e bom som na frente dela, sei que é uma
insegurança boba minha, mas vai passar.
— Mas uma coisa tenho que concordar com você, tenho pavor dessas que se
fazem de boazinhas. Elas são as piores.
Meu celular vibra avisando que chegou uma mensagem. Olho e vejo que é
Fernando, ele pergunta se já acabei e se ele pode vir para minha casa.
— É o Fernando, tinha falado que não poderia dormir na casa dele hoje, e ele disse
que não conseguiria dormir longe de mim e viria para minha casa se eu não fosse para
dele.
Michele me olha, levanta, vai até a porta e abre.
— Mete o pé daqui agora. Está fazendo o que aqui, sua louca? Se um homem lindo
daqueles fala isso para mim, eu desmaio na hora.
— Eu vim conversar com você, sua boba.
— Muito obrigada pela conversa, mas mete o pé daqui antes que eu te chute para
fora. Bianca, vá ficar com esse ser maravilhoso, e não o deixe ter dúvida de que você é a
mulher da vida dele. Pare de pensar besteira, se essa talzinha vier de graça, eu desço a
mão nela, pode deixar comigo!
Rindo, saio do apartamento de Michele e envio uma mensagem avisando a
Fernando que estou indo para casa dele. Vou relaxar e tirar essa menina da cabeça; deve
ter sido impressão minha e, no final, ela deve ser uma menina legal. Pego uma peça de
roupa que vestirei amanhã e sigo para casa dele.
Assim que toco a campainha, ele abre a porta, me puxa para dentro e me beija com
tanta paixão que parece que não nos vemos há dias. Fazemos amor em pé, encostados
na porta, e agora estamos na banheira, com ele nas minhas costas, me fazendo carinho.
— Por que você veio com uma bolsa tão pequena de roupa?
— Amor, apenas peguei a roupa que vou usar amanhã.
Ele vira meu rosto para ele e me beija.
— Eu quero que você traga uma mala, como eu fiz na sua casa. Até pedi a minha
empregada para separar uma boa parte do meu guarda-roupa para você.
— Tudo bem, vou trazer.
— Amanhã, você vai trazer amanhã. E também quero as chaves do seu
apartamento... já mandei fazer as chaves daqui, estão em cima da mesa e ficam com
você a partir de hoje; você entra e sai daqui a hora que quiser. Por favor, amor, quero que
você se sinta em casa aqui como me sinto na sua.
— Tudo bem.
— Amo quando você faz o que eu quero sem reclamar — ele diz em tom de
brincadeira.
— Isso é porque você me pediu com jeitinho, mas não abuse.
Ele solta uma risada alta.
— Eu te amo tanto, Bianca.
— Eu amo mais.
— Adoro quando você fala assim, fala mais.
Viro para ele e sento em seu colo. Seguro seu rosto e o beijo.
— Eu te amo muito, mais muito mais.
Ficamos namorando até ficarmos enrugados, saímos da banheira e vamos dormir.
Acordei com Fernando grudado em mim, e como sempre, chegamos atrasados no
trabalho.
E, nesse ritmo, se passaram dois meses, ele dormindo na minha casa ou eu na
dele, mas nunca sozinhos. Passamos o feriado na casa dos meus pais e correu tudo
bem; até com meu irmão Fernando quase se entendeu. Os dois ainda se bicam às vezes.
Ainda não consegui marcar o jantar, pois Michele vive fugindo e o Márcio também.
Foram dois meses tranquilos e sem maiores complicações. O pai e a madrasta do
Fernando não deram mais as caras, Angélica parece que mudou o foco para Pablo; coisa
que para mim ainda é difícil de acreditar. Marcela e Pedro também não aprontaram nada.
Creio que minha conversa com Marcela há alguns meses surgiu efeito, não ouvi
mais nenhuma gracinha dela, e Fernando também comentou que a advertiu, acho que
agora ela está cuidando da sua própria vida e esquecendo a minha.
Já Carolina, bem, a cada dia que passa tenho mais certeza de que ela é sonsa,
mas nunca comentei isso com Fernando, porque para ele, ela é um anjinho frágil. Evito, a
todo custo, demonstrar ciúme, porém está cada dia mais complicado. Ela não esconde
que o quer, mas parece que só eu reparo isso. Para Fernando, ela é apenas muito
indefesa, e isso está começando a me tirar do sério.
Sabe quando está tudo muito calmo? Tipo aquela calmaria antes da tempestade,
então, é assim que me sinto agora...

Fernando

Esses dois últimos meses tem sido perfeito. Eu e Bianca estamos mais unidos. Não
passamos uma noite sozinhos, se bem que isso é mais culpa minha que dela. Ela, às
vezes, até tenta dormir sozinha, mas sempre apareço na sua casa à noite ou de
madrugada. Foi uma jogada de mestre trocar chaves dos nossos apartamentos... ela
nunca veio no meu sem ser convidada, mas eu sou mais cara de pau e vou na casa dela
sempre que quero, principalmente de madrugada. Aprendi a lidar com a Maria, mas ela
ainda me dá medo. Muito doida! Pensando em loucura, me lembro da dona do hospício,
Michele. Na boa, tenho pena do homem que for ficar com ela, vai cortar um dobrado. Oh,
mulher brava!
Nesses dois meses, perdi as contas de quantas vezes ela se meteu em confusão.
Isso sem falar que vive me roubando Bianca. Hoje mesmo, o certo seria estar com ela em
casa, namorando no sofá, e depois, eu dormiria enquanto ela via uma das muitas séries
que gosta, e que eu, apesar de tentar gostar, depois de quinze minutos no máximo estou
dormindo.
Mas nada de ficar namorando no sofá, isso porque Michele, a brava, catou minha
mulher para conversar. Não sei o que elas tanto conversam, mas sou esperto demais
para me meter nisso. Isso não significa que não sinta ciúmes, é mais forte que eu, sinto
ciúmes até da sombra da minha mulher.
Não falei para Bianca, mas dei o dinheiro que meu pai pediu para me deixar em
paz. Ele ainda acha que minha mulher não sabe de nada sobre o meu passado e vou o
deixar continuar pensando assim. Paguei porque queria paz, queria curtir esse momento
com ela, e sabia que Lisa e o meu pai complicariam minha vida. Sei que fiz errado e sei
que é um paliativo, e que mais cedo ou mais tarde, eles voltarão. Também sei que Bianca
vai ficar revoltada se souber.
Passamos o feriado na casa dos seus pais, dois dias maravilhosos... a não ser pelo
fato de não podermos dormir juntos. Encontrei uma pessoa com quase o mesmo nível de
ciúmes que o meu: o irmão dela. Oh, carinha marrento! Mas ele não é de todo ruim, só é
um chato!
E a mãe dela me lembra a de Márcio, e nos damos muito bem; com o pai também...
meu problema é com o irmão. Ele tem que aprender que vim para ficar.
O telefone toca, é a Carolina me comunicando que meu amigo quer falar comigo.
Aviso que pode mandar entrar.
Carolina foi um achado, acho que ainda não agradeci a Rafael, secretário de Bianca
o suficiente, pela ótima indicação, e mesmo quando minha secretária voltou, mantive
Carolina como auxiliar dela e minha assistente pessoal. Tenho que reconhecer que o
trabalho aumentou, e também que fiquei numa situação complicada pois um dia antes
dela ser dispensada, ela entrou na minha sala chorando, dizendo que passaria
necessidade, que não saberia o que fazer da vida, que era sozinha e órfã. Enfim, com
pena, dei o cargo de assistente pessoal.
Márcio entra e levanto para cumprimentá-lo. Nesses dois últimos meses, quase não
nos vimos.
— E aí, agora veio para ficar de vez? — pergunto a ele.
Márcio passou os dois últimos meses mais viajando que por aqui. Ele estava
cuidando de assuntos burocráticos da empresa, e também pessoais.
— Sim, vendi o meu apartamento em Boston. Não tem sentido mantê-lo se não
pretendo voltar a morar lá — esclarece sentando-se em minha frente.
— Se você acha melhor... eu não pretendo me desfazer do meu.
— Você pode, afinal é milionário. Eu não, tenho uma boa condição financeira,
contudo não posso me dar o luxo de manter dois apartamentos em países diferentes.
— E você já escolheu uma casa ou apartamento por aqui?
— Ainda não. Por enquanto estou com minha mãe, mas vou procurar essa semana.
Está ficando complicado lá. — Ele solta um longo suspiro.
— Ainda a situação com o seu irmão? Vocês nunca se deram muito bem desde
aquela mulher. — O irmão dele seduziu sua ex noiva.
— Sim, e agora é, mais uma vez, uma mulher. Mas mudando de assunto, como vão
você e a Bianca? — Desconversa, indicando que não quer se aprofundar no assunto.
— Estamos ótimos, cada dia mais apaixonados — revelo com um sorriso satisfeito
nos lábios.
— Parou de pegar no pé do Pablo.
— Graças a Deus ela não voltou a sair com ele, e estou muito feliz com isso.
— Fico feliz que tudo esteja bem.
— Bem não, ótimo
— Que bom. E essa Carolina ainda está por aqui? — indaga indicando a porta com
a sobrancelha.
— Não entendo o que você tem contra. Ela é uma ótima pessoa — retruco
cruzando os braços.
— Isso é porque eu tenho um faro para... deixa para lá — ele comenta depois de
me observar por um tempo.
— Faro para o quê, Márcio? Não incomode a Carol, ela é uma ótima menina —
alerto em um tom sério.
— Ela não é uma menina, é uma mulher que está apaixonada por você — sugere
no mesmo tom.
— Você está ficando maluco, isso sim. Para mim Carol é como uma irmã, passou
por várias situações difíceis na vida e me vê como seu protetor, só isso. — Justifico dando
de ombros.
— Sei, e o que Bianca acha disso tudo? Ela já te viu defendendo a "Carol" desse
jeito? — inquire com a sobrancelha levantada.
— Bianca não fala nada. Ela é muito segura de si e sabe que eu a amo. Mesmo
porque não teria o que falar... já disse, para mim, Carol é como uma irmã mais nova. —
Volto a salientar o óbvio.
— É impressionante o quanto você é tonto às vezes. — Ele faz um ligeiro meneio
de cabeça e franze os olhos.
— É mesmo? E por que eu seria tonto?
— Cara, preste a atenção! Essa tal de Carolina vai te trazer problema.
— Pare de falar besteira, Carol é um anjo. Os únicos que implicam com ela são
você e Michele.
Márcio dá um sorriso, sei que ele sente algo pela Michele.
— Mudando de assunto, vamos marcar um jantar, nós quatro. Bianca sempre fala
nisso. — Sorrio ao ver seu rosto mudar ao tocar no nome de Michele.
— Tudo bem, pode ser no próximo fim de semana. Agora tenho que ir. Já ia me
esquecendo, você vai na conferência na França?
— Vou sim... não sei como vou ficar quatro dias longe da minha mulher, mas
infelizmente, não tenho como cancelar.
— E por que ela não vai com você?
— Ela está cheia de trabalho aqui, tive que remanejar algumas contas.
— Como assim? Quando viajei, deixei tudo organizado.
— Sim, mas alguns clientes antigos não se adaptaram ao trabalho da equipe da
Marcela e tive que remanejar. Dois novos foram para Marcela e dois antigos voltaram
para Bianca, e agora a equipe dela está tendo que refazer toda a campanha.
— Bianca ficou com raiva? — Ele não esconde o sorriso de zombaria.
— Bem, digamos que fiquei de castigo por três dias.
Ele solta uma gargalhada.
— Cara, eu amo a Bianca.
— Pode parar com a brincadeira.
— Para de ser tão ciumento, Fernando.
— Nunca, a cada dia, eu a amo mais. Já não chega ter que ficar vendo aquele
bando de homens a admirando na dança de salão.
— Cara, você é uma figura, mas agora sério, tome cuidado com essa Carolina, e
mais cuidado ainda com Bianca, se ela ouvir você defendendo a Carolina assim, pode
pensar que você está interessado nela. Aí, meu amigo, você vai estar lascado.
Ele sai da sala, e logo depois, Carol entra e me avisa que tenho um almoço de
negócios que esqueci. Estou comprando um apartamento para morar com Bianca, que
será a nossa casa, e não mais a minha ou a dela.
Essa semana falei que não quero esperar muito para ter filhos, e ela sorriu e
desconversou, mas eu não estava brincando, falei sério. Durante a semana fiz várias
perguntas aleatórias para saber como ela gostaria que fosse nossa casa e fiz uma lista,
mas como dormi na sua casa, deixei a lista em casa.
— Carol, avise ao corretor que vou me atrasar. Esqueci um documento em casa e
terei que passar lá primeiro. — Solto um longo suspiro.
— Nando, se você quiser, posso passar por lá e pegar. — Oferece prestativa.
— Faria isso por mim? — pergunto sorrindo.
— Claro, faço qualquer coisa por você. Quero dizer, tudo o que você mandar...
Bem, acho que não estou conseguindo me expressar direito. — Ela se atrapalha e seu
rosto fica vermelho.
— Eu entendi, Carol, se acalme. E muito obrigado por me ajudar. O documento está
em cima da mesa, na sala de jantar.
Entreguei as chaves da minha casa a ela, que saiu da sala toda vermelha, cheia de
vergonha. Coitada, ela é muito tímida. Márcio que tem uma cabeça maliciosa e só pensa
em maldades, Carol é como a irmã que nunca tive.
Capítulo 24

Bianca
A cada dia que passa, está mais complicado aguentar Fernando falando que essa
tal de Carolina é um anjo. Agora, só para completar, tem essa viagem que os dois vão
fazer juntos.
Estou tentando, juro que estou tentando não sentir ciúmes, ser sensata, ficar
tranquila, não tratar mal a Carolina; mesmo porque ela nunca me tratou mal ou mesmo
falou qualquer coisa maliciosa na minha frente. Então eu não tenho motivos para criar um
mal-estar entre mim e Fernando por causa dela.
Contudo, mesmo ela nunca me dando um motivo explícito, esse mal-estar existe
em relação a ela. Ainda estou conseguindo não passar isso para minha relação com
Fernando, pois quando estamos juntos, não falamos nada sobre trabalho, e assim o
assunto Carolina não surge. Porém, não consigo evitar não me sentir mal.
Ela é boazinha demais, perfeitinha demais, solícita demais para o meu gosto. Fiquei
roxa de raiva quando Fernando resolveu mantê-la na empresa e lhe dar o cargo de
assistente pessoal. Como disse, estou me segurando... só não sei até quando.
Michele quer conversar uma coisa que ela diz ser sério, o que já me deixou com
uma pulga atrás da orelha. Outra coisa que está me deixando angustiada é essa mania
que Fernando tem de apressar as coisas. Ele de novo, falou sobre filhos; e apesar de já
ter lhe dito que tenho endometriose e que por isso poderia ser difícil engravidar, ele não
levou a sério na época, e voltou a tocar no assunto. Está muito cedo, quero curtir muito
nós dois antes de pensar em ter filhos, mesmo porque sei que, por causa do meu
problema, será muito difícil.
Recebo uma mensagem de Michele desmarcando nosso encontro, pois ela disse
que está toda enrolada com os trabalhos da faculdade e remarcou para amanhã.
Aproveito para fazer uma surpresa para Fernando, e vou ao apartamento dele preparar
um jantar romântico, mas me surpreendo ao chegar e encontrar Carolina no quarto de
Fernando, deitada na cama, cheirando a roupa dele.
Para tudo! Não tem sensatez que resista a uma cena dessas! Ela só pode estar de
brincadeira.
— Posso saber o que está acontecendo aqui? — pergunto e ela leva um susto.
— Desculpa, senhora Bianca, não sabia que a senhora apareceria por aqui. Nando
pediu para eu pegar uns documentos para um jantar de, digamos, negócios que vamos
ter — responde, levantando da cama.
— Ah, tá! E esses documentos estão escondidos na cama? — questiono, já
querendo dar na cara dela, mas me seguro.
— Desculpe, senhora, isso não vai mais acontecer. — A sonsa, como sempre, dá
uma de boazinha.
Eu a observo em silêncio, é impressionante a capacidade que ela tem de corar, de
se fazer de frágil e indefesa, mas não caio nessa. E que história é essa de "Nando"?
Desde quando eles têm esse tipo de intimidade?
— Preste bem atenção no que eu vou falar, se eu a pegar na cama do meu
namorado de novo, você vai ter um bom motivo para ficar com o rosto vermelho, mas
será de tapas! — ameaço revoltada e ela se faz de ofendida. Seus olhos enchem de
lágrimas e ela começa a digitar no telefone.
Era só o que me faltava.
— Nando... me desculpe... estou muito nervosa, é que a senhora Bianca, não
entendeu por que eu estou aqui e... Ai, Nandinho... Sim, vou sim.
Começo a sentir uma raiva surreal vendo essa criatura chorar na minha frente,
falando ao telefone com Fernando, soluçando, como se eu tivesse batido nela. E pior, o
chamando de Nando ou Nandinho. Ela põe no viva voz e olha para minha cara com um
sorriso de lado. E ouço Fernando a consolando.

— Carol, fica calma. Meu anjo, vou explicar tudo a Bianca, foi apenas um mal-
entendido. Carol? Carol, você está bem?

Fico passada ao ouvi-lo falar. Que história é essa de tratar a assistente de "meu
anjo", de "Carol"?
Não aguento ficar calada e falo alto para ele ouvir.
— A Carol, por enquanto, está muito bem, Fernando, mas se ela não sair da minha
frente agora, eu vou enfiar a mão na cara dela.
— Você ficou maluca, Bianca? O que ela fez para você agir assim com ela? Carol é
uma menina muito sensível e frágil. Por favor, meu amor, se acalme. Seja lá o que você
tenha visto, foi apenas um mal-entendido. — Fernando tenta me acalmar.
Não acredito! Meu Deus, ele está defendendo-a?
Desligo o telefone e olho para Carolina, que está limpando o nariz e fungando.
Perco o pouco de paciência que tenho, pego-a pelo braço e saio a puxando pelo
apartamento até a porta, e ela vai gritando:
— Você não pode fazer isso! Esse apartamento não é seu, Nandinho tem razão,
você está ficando maluca.
— Esse é o apartamento do meu namorado!
— Vamos ver por quanto tempo ele vai ser seu namorado — responde com ironia.
— Finalmente mostrando as caras. Prefiro assim, afinal, estou acostumada a lidar
com piranha.
— Olhe para mim, sou tudo o que ele precisa. E você não faz o perfil dele.
Olho de cima a baixo.
— Queridinha, para a sua desgraça, ele prefere a mim, ele escolheu e quer a mim.
Agora vá embora antes que eu dê na sua cara!
Ponho ela para fora e fecho a porta.
Ando de um lado para outro. Minha vontade é de ir embora, mas me sento, afinal
tenho que dar a chance dele me explicar o que está acontecendo. Porque Fernando tem
muito, mais muito que me explicar.

Fernando
Não acredito que Bianca desligou. Estou tão surpreso que demoro a reparar que o
meu celular está tocando. Quando o pego, vejo que é a Carol.
— Fala, Carolina! — Atendo sem um pingo de paciência e com a mínima vontade
de ser educado com ninguém.
— Ai, Nandinho, ela me agrediu! — ela diz, soluçando, e não consigo entender
nada.
— Não compreendi, Carolina, o que houve? — pergunto, mas ela continua
chorando e soluçando. — Onde você está, Carolina? — indago bufando impaciente.
— Estou sentada numa praça. Não sei se vou para a delegacia ou hospital, estou
sentindo dores — ela responde fungando.
— Delegacia? Hospital? Meu Deus, o que houve? — questiono, já ficando
preocupado.
— A senhora Bianca me agrediu — diz e começa a chorar mais uma vez.
Não acredito, simplesmente não é possível!
— Carolina, onde você está? — volto a perguntar a ela.
— Estou na pracinha, próxima ao seu prédio. — Sua voz sai entre soluços.
— Ok, me aguarde que estou indo para aí.
Saio do escritório e busco meu carro e sigo rápido para ver como ela está. Não
acredito que Bianca a agrediu, simplesmente não é possível. Vou ver como ela está, e
depois conversar com Bianca.
Demoro vinte minutos para chegar na tal praça. Estaciono e logo vejo Carolina
sentada, de cabeça baixa e soluçando baixinho. Analiso de longe e noto que ela não está
visivelmente machucada, então chego perto e toco o ombro dela. Ela se assusta, levanta,
me abraça e começa a chorar. Depois de um tempo, a afasto e a observo.
Não vejo nenhum sinal de agressão.
— O que houve, Carolina? — pergunto sério a ela.
— A senhora Bianca me agrediu — responde soluçando e volta a me abraçar.
Volto a olhar para o rosto e corpo dela, procurando sinais de agressão física. Não
encontro nada, e isso começa a me irritar.
— Carolina, você me ligou dizendo que foi agredida e que estava querendo ir à
delegacia e ao hospital. Me desculpe, mas não estou vendo sinais de agressão física em
você.
— Nandinho, ela foi muito estúpida e ignorante comigo, disse que me bateria,
agarrou meu braço com muita força, e depois me pôs para fora do seu apartamento,
como se fosse a casa dela.
Fico sem reação. Ela está descontrolada, como se a tivessem espancado. Essa
história está mal contada, Bianca não é uma pessoa agressiva... muito pelo contrário, ela
põe a pessoa no seu devido lugar só com palavras, não parte para agressão física. Se
Michele tivesse junto, aí seria outra história. Eu a afasto mais uma vez.
— Carolina, não estou entendendo. Essa história está muito mal contada, Bianca
não é uma pessoa agressiva.
Posso estar revoltado com toda essa situação, mas não vou deixar ninguém
difamar minha mulher.
— Nandinho, não grita comigo... estou muito sensível por causa da agressão que
sofri.
Respiro fundo, ficando cada vez mais irritado. Mulher chorando me irrita.
— Ela me ameaçou, segurou o meu braço com força e me botou para fora do seu
apartamento como se fosse dela. — Ela tenta me abraçar de novo, só que dessa vez, a
seguro pelos braços.
Minha paciência acabou.
— Primeiro lugar, Bianca é minha mulher, e o apartamento é tão meu quanto dela.
Bianca não é uma pessoa agressiva, ela deve ter falado algumas coisas que você não
gostou e ter estranhado sua presença no nosso apartamento, e você deve ter falado algo
para que ela fosse agressiva com você.
Ela me olha assustada.
— Nandinho! Você está defendendo a Bianca? Mesmo depois de tudo que eu
disse? As coisas que ela falou para mim foram horríveis! Estou muito abalada — ela soa
magoada.
— Carolina, eu sempre vou defender minha mulher. Sempre! — afirmo categórico.
— Mesmo ela fazendo coisas erradas, me agredindo? Eu poderia dar queixa dela
na delegacia por agressão. — Ela funga e limpa as lágrimas com as mãos.
Dou dois passos para trás.
— Carolina, volto a repetir, sempre vou defender minha mulher. Até agora, só estou
ouvindo um lado da história. Você tem todo o direito de ir até a delegacia e prestar queixa.
Enquanto você faz isso, vou procurar um advogado para representar a minha mulher —
esclareço em um tom sério.
Carolina me olha por um tempo, baixa a cabeça, e logo depois me olha com uma
expressão frágil, e fala muito abalada:
— Não vou fazer isso por sua causa. Por favor, me leve para casa — pede e vejo
seus olhos cheios de lágrimas.
Levo Carolina para casa, e ela vai o tempo todo reclamando que o braço está
doendo, então pego o braço dela e vejo algumas marcas de dedos, mas como ela é muito
branca e bastante frágil, acho que essas marcas poderiam ter sido feitas até mesmo por
mim quando a afastei. Como não tenho certeza, resolvo ficar em silêncio.
Chegando em frente à sua casa, ela pede que eu fique um pouco com ela. Isso já
estava começando a ficar estranho, já não parecia um relacionamento profissional ou de
amigos. Estou começando a ficar preocupado que ela esteja adquirindo algum tipo de
paixão platônica por mim. Isso não seria nem um pouco interessante, e provavelmente,
complicaria e muito a minha vida com Bianca.
Depois de dizer que tinha que ir para casa, deixo Carolina com uma cara de
cachorro que caiu da mudança. Amanhã vou ter uma séria conversa com ela, e deixar
bem claro que nosso relacionamento é apenas profissional e que seremos, no máximo,
amigos.
Entro no carro e me preparo para o que vou enfrentar em casa. Sim, porque eu
tenho certeza que Bianca está lá. Ela não é o tipo de mulher que corre de uma discussão,
e algo me diz que essa vai ser uma das boas. Estou muito chateado com Bianca,
primeiro, por ela ter desligado o celular. Segundo, mesmo não tendo certeza do que
houve, está claro que ela exagerou com a Carolina... Vou pedir a Bianca para se
desculpar com Carol...

Bianca

Fico andando de um lado ao outro no apartamento de Fernando.


Como ele pôde me chamar de maluca?
Como ele pôde defendê-la!
Será que está acontecendo alguma coisa entre eles?
Não, isso não acredito. Mesmo porque ele não teria fôlego para isso. Não acredito
que esteja acontecendo algo, pelo menos, não da parte dele.
Mas ela se faz de santa e ele sente peninha.
Estou com tanta raiva que minha vontade é de ir embora e não olhar na cara dele
por uma semana. Sento no sofá e ligo para a única pessoa que me entenderia, com quem
eu posso desabafar e falar tudo que me aflige, minha melhor amiga.
Michele!
Conto a ela, e como esperado, ela me pergunta por que não dei na cara da
Carolina. Ela pergunta se eu quero que ela vá na casa da Carolina dar nela, e chega a
ficar com raiva quando digo que não. Já estou me sentindo mal por tê-la tirado daqui da
forma que tirei, quanto mais bater nela.
Nunca faria uma coisa dessas. Bem, talvez fizesse... Nem sei mais.
Michele me faz rir e isso me acalma um pouco. Ela me aconselha a esperar e
conversar com Fernando, e depois, ligar para ela e contar tudo. Eu a amo demais, e não
quero nem imaginar como seria minha vida sem ela. E só para completar, estou naqueles
dias, com uma cólica imensa e uma vontade doida de chorar.
Que raiva!
Faço o que Michele aconselhou-me, sento no sofá de frente para a porta e fico
esperando Fernando. Depois de mais de uma hora, Fernando finalmente chega. Toda a
calma que consegui conversando com Michele já tinha ido embora com a espera, e
estava cheia de raiva de novo.
Assim que o vejo, tomo meu tempo o observando em silêncio. Ele está com terno
nos braços, a camisa meio aberta, e com marcas de batom na camisa.
Está de sacanagem! Como assim?
Fico olhando para ele, sentada, de pernas cruzadas. Eu me recuso a falar alguma
coisa, porque se eu falar, vai dar ruim. Ele chega perto de mim, tenta me beijar e eu viro o
rosto.
Ele senta ao meu lado e pergunta:
— O que aconteceu, Bianca? — Não respondo. Ao invés disso, olho para ele e
pergunto:
— Onde você estava? — Ele baixa a cabeça respira fundo. — Você estava com a
Carolina?
— Sim, estava — confirma soltando o ar em uma forte baforada.
Levanto para ir embora e ele segura o meu braço.
— O que foi, Fernando? Você chega em casa a essa hora, todo sujo de batom, com
a camisa aberta e, quando pergunto se você estava com ela, você ainda confirma. Eu vou
embora! — Me solto do seu aperto e dou dois passos para trás.
— Calma, não é nada do que você está pensando. Estava tentando acalmá-la. —
Ele levanta e volta a segurar meu braço.
— Ah! Tadinha dela, você estava tentando consolar, coitada dela. Me largue, eu vou
embora. — Me solto em um firme puxão.
— Calma, Bianca, se acalme. Ela estava pensando em ir à polícia e abrir um
boletim de ocorrência sobre sua agressão — revela demonstrando irritação.
— Agressão! Ela disse que eu bati nela? Que raiva eu estou sentindo agora,
deveria ter quebrado a cara dela. Fernando, o que você tem com essa mulher?
— Pelo amor de Deus, Bianca, não tenho nada com ela. Ela é apenas, minha
secretária.
— É mesmo? E o que a sua "secretária" estava fazendo na sua cama, cheirando
sua blusa?
— Ela estava na minha cama? Você tem certeza?
— Ah, não, não tenho. Afinal de contas, eu sou maluca. Não foi isso que você disse
em alto e bom som?
— Você deve ter entendido errado. A Carol é uma menina muito frágil, muito
delicada.
— Coitadinha da Carol. E que intimidade toda é essa, Fernando? Desde quando
você a chama de Carol e ela te chama de Nandinho?
— Nada demais, é apenas uma forma carinhosa de tratar. Eu a vejo como uma irmã
mais nova. Eu sinto carinho, ela é muito insegura, apenas isso. Você sabe que eu amo
você, nunca trocaria você por ninguém. Nunca trairia você.
— Eu não sei de mais nada, Fernando. Não depois de entrar no apartamento do
meu namorado, encontrar uma mulher deitada na cama, cheirando uma camisa dele... e
principalmente, depois que meu namorado foi consolar essa mulher.
— É ridículo você desconfiar de mim. Já disse que não aconteceu nada, que ela,
para mim, é como uma irmã.
— E o que ela sente por você, Fernando?
— Eu não sei, eu acho que é a mesma coisa. Ela me vê como seu protetor, já disse
que ela é muito tímida, frágil e insegura.
Meus olhos estão cheios de lágrimas, então me viro e limpo o rosto. Não vou
chorar, pelo menos não agora.
— Bianca, por favor, nós estávamos tão bem. Deixe isso para lá, não foi nada
demais.
Respiro fundo e me viro para enfrentá-lo.
— Há alguns meses você fez um escândalo porque eu estava almoçando com o
Pablo.
— Aquilo foi diferente. Esse tosco era, ou é apaixonado por você. Cheguei aqui
pensando em falar para você pedir desculpas a ela, mas depois da sua reação, até
desisto.
— Como é que é, Fernando? Você quer que eu peça desculpas a ela? — pergunto
indignada.
— Claro! Você tinha que ver o estado em que a encontrei, toda desestabilizada...
Você é mais forte que ela, Bianca.
— Eu não acredito que eu ouvi isso — murmuro sentindo como se tivesse levado
um soco no estômago.
— Não estou me referindo a peso, se foi isso que você pensou, já dei várias provas
que a amo exatamente como você é, que não mudaria nada em você. — Tenta
esclarecer, mas em nada ameniza a minha dor.
— É mesmo? E você está se referindo exatamente a quê? — indago em um fio de
voz.
— Você sabe se defender, não leva desaforo para casa. Nesse sentido, você é mais
forte que ela... ela é, tímida, sozinha no mundo.
— Na boa, eu tenho que sair daqui. Se eu ouvir você defendendo essa mulher mais
uma vez, eu vou pirar.
— Bianca, nós estamos bem, não tem motivo para isso. Você está fazendo uma
tempestade em um copo d'água.
— Fernando, imagina a cena: você chega na minha casa para preparar um jantar,
aí você encontra um homem na minha cama, cheirando minhas roupas. Depois, eu brigo
com você, no viva voz, enquanto o cara fica se fazendo de sonso, e quando finalmente
chego em casa com o batom todo borrado, ainda fico defendendo o cara. — Respiro
fundo para me acalmar e volto a falar: — Agora, me diz qual seria sua reação? Apesar de
você falar que eu estou fazendo tempestade em um copo d'água, até agora estou muito
civilizada.
— Bianca, já disse, deve ter sido um mal-entendido.
A minha vontade é de gritar e bater nele. Como ele ainda pode continuar a
defendendo?
— Não acredito que você ainda a está defendendo.
— Bianca, eu não estou defendendo; apenas estou dizendo que deve ter sido um
mal-entendido.
— Então, vamos fazer o seguinte, vamos dar um tempo enquanto você resolve
esse mal-entendido com a sua Carol, porque eu não tenho estômago para aceitar essas
merdas.
— Você está querendo dar um tempo na nossa relação por causa de uma besteira?
— Estou, porque você não está entendendo a gravidade da situação e está vendo
tudo como um grande mal-entendido. Então vamos dar um tempo para pensarmos em
tudo que aconteceu.
— Isso é ridículo e infantil, não somos adolescentes para dar um tempo. Eu não
dou um tempo, e se você não confia em mim, então não tem por que ficarmos juntos.
Sinto como se tivesse levado um segundo soco no estômago e vejo meu lindo
castelo desabando. Todos os sonhos construídos até agora... é como se tudo virasse pó.
Pego minha bolsa e vou para a porta de saída.
— Bianca, onde você vai?
Respiro fundo.
— Eu vou embora, Fernando. Caso você não tenha reparado, você acabou de
terminar nossa relação.
— Bianca, não ponha palavras na minha boca, não falei isso.
— É verdade, ao invés disso, você falou muitas outras coisas: me chamou de louca,
de ridícula, infantil, e me acusou de ter assustado sua frágil e indefesa, digamos, amiga.
— Bianca, por favor, vamos esquecer isso. Nós nos amamos.
Parece que ele se dá conta do que estou prestes a falar e começa a vir em minha
direção.
— Pode parar exatamente onde você está, Fernando. Acho que já falamos demais,
eu já me magoei demais. E, como você disse que não dá tempo, que isso é coisa de
adolescente, então estou terminando nosso relacionamento. Acabou!
Ele me olha assustado, com os olhos arregalados, e eu aproveito que ele ficou sem
ação e saio tremendo, não conseguindo andar direito. Mal vejo o que está à minha frente,
as lágrimas me cegam, e não consigo respirar. Infelizmente acabou. E agora, como vou
viver sem meu palerma?
Capítulo 25

Bianca
Muito abalada, sigo para o estacionamento, entro no carro, sento, ponho a cabeça
no volante e falo em voz alta:
— Agora não é o momento de chorar.
Respiro fundo, ligo o carro e tento dirigir com a maior atenção possível até o meu
prédio, afinal não é porque eu estou quase surtando, que vou ser imprudente no trânsito.
Quando finalmente chego, entro no elevador tremendo, tanto que demoro a conseguir
apertar o botão, e ao invés de parar no meu andar, vou para cobertura. Pouco depois de
tocar a campainha, Michele abre a porta e não me seguro mais. Começo a chorar.
Michele me abraça, fecha a porta e me leva até o sofá.
— Bianca, o que houve?
— Eu e Fernando terminamos — revelo entre soluços.
— Não estou entendendo nada. Vou pegar um pouco de água com açúcar para
você se acalmar. — Ela beija minha cabeça e vai em direção à cozinha.
Não consigo me acalmar, nem parar de chorar. Toda raiva e frustração acumulada
nas últimas horas vem à tona e não consigo me controlar. A cada vez que me lembro de
tudo que aconteceu, sinto uma raiva surreal.
Michele volta, põe uma caixinha de lenço no meu colo, e me dá um copo de água
com açúcar.
— Agora me fala, o que aconteceu para você chegar aqui assim? Quem eu vou ter
que mandar matar?
Mesmo triste, Michele me fez sorrir entre soluços.
— Eu e Fernando terminamos. — Volto a dizer um pouco mais calma.
— Como assim, terminaram? — indaga com os olhos arregalados.
— Pedi um tempo para ambos pensarmos direito em tudo o que tinha acontecido, e
ele disse que não aceitava um tempo, que se não confiava nele, era melhor terminar. Eu
terminei.
— Vocês terminaram por causa daquela mandada? Sim, porque eu tenho certeza
que aquilo veio mandada por alguém. Era para vocês conversarem e se entenderem, e
não terminarem. — Ela lamenta, fazendo um ligeiro carinho em meus braços.
— Michele, ele chegou quase uma hora depois que desligamos, com a blusa aberta
e manchada de batom; e quando perguntei onde ele estava, ele me disse que estava a
consolando.
— Você disse para ele que ela estava na cama dele?
— Sim, e ele praticamente me chamou de maluca de novo. Disse que eu tinha
imaginado coisa, que eu tinha entendido errado. Michele, mesmo depois de tudo que eu
falei, de tudo o que tinha acontecido, ele ainda estava defendendo a “Carol”.
— Não acredito!
— Pois pode acreditar. Ele ainda me disse que ela queria abrir um boletim de
ocorrência na delegacia, e que era ridículo eu sentir ciúmes. Como ele pôde defendê-la
depois de tudo que falei?
— Cara, Fernando, pisou na bola mesmo. Se acalme, Bianca.
Bebo um pouco de água, e a cada detalhe que me lembro da nossa conversa, sinto
ainda mais raiva.
— Quando ele disse que era ridículo sentir ciúmes, falei que quando ele me viu com
o Pablo, ele deu um escândalo. E agora que eu vejo o modo que ele trata essazinha, ele
fala para mim que não é nada disso, que estou imaginando coisas. Como assim,
imaginando? Peguei a louca cheirando a roupa dele, na cama dele!
— Bianca, você sempre foi racional, e normalmente mandaria uma dúzia de
alfinetada para essa filha de uma égua. Você até que se segurou muito. Mona, minha
mão está coçando... tomara que eu não encontre essa sonsa na minha frente.
— Michele, sempre fui racional, mas há situações que por mais racional que seja,
simplesmente não consigo agir com coerência. A mulher estava na cama do meu
namorado! Até essa parte eu estava calma, porque ele não estava com ela. A minha
calma saiu pela janela, quando Fernando começou a defendê-la.
— Aí complica. Se fosse eu, já teria depenado ela.
— Michele, ela parece aquelas meninas frágeis e desprotegidas, tem cara de
sonsa. Visualmente não tem nada de oferecida.
— Essas são as piores.
Depois de uma hora conversando, o celular de Michele toca.
— É o Fernando. — Ela vira o celular em minha direção mostrando o visor.
— Não quero falar com ele agora.
— Ok.
Vou para o banheiro molhar meu rosto, enquanto Michele fala com Fernando.
Quando volto, ela ainda está falando com ele.
— Tudo bem, Fernando, amanhã eu passo por aí. Ok, vou desligar agora. — Ela
desliga e me olha. — Ele está preocupado com você, disse que ligou várias vezes. Estava
pensando em ir na sua casa, e o convenci a deixar sua raiva passar.
— Obrigada, mas sinceramente, não sei se essa raiva passa.
Conversamos por mais uma hora, e resolvo ir para casa. Quando chego, olho meu
telefone e decido deixá-lo desligado, tomo banho e me deito. Em dois dias, Fernando
viaja com ela, e agora que deixei o caminho livre, ela vai aproveitar. Não tenho estômago
para aceitar essas coisas, vou deixá-lo descobrir sozinho quem ela é, não vou ficar dando
soco em ponta de faca. Quanto mais gritar e espernear, mais ela vai sair como a menina
frágil e desprotegida, e eu a louca que quer fazer mal a ela.
Se ele realmente me ama, vamos voltar. Se era tudo apenas ilusão... bem, vou
deixar o tempo me mostrar se no final era realmente amor, ou apenas uma emoção
passageira.
Depois de uma noite muito mal dormida, acordo com uma olheira terrível e com os
olhos inchados de tanto chorar.
Que raiva!
Tomo um banho e fico um bom tempo com o rosto na água. Saio, me arrumo e
capricho no visual. Se aquela mosca morta está pensando que vai me ver para baixo,
está muito enganada. Chego na empresa e vou para o elevador, rezando para não dar de
cara com Fernando, mas não tenho sorte, e o vejo encostado no elevador de braços
cruzados, lindo como sempre. Reduzo o passo e vou andando devagar em direção a ele.
Ele me olha de cima a baixo e morde os lábios, levanto a sobrancelha. Paro na frente do
elevador ao lado dele.
— Bom dia, Fernando! — Tento ser educada enquanto aperto o botão do elevador.
— Precisamos conversar.
— Sim, eu sei; porém agora não é o local nem momento para isso — digo e
balanço a cabeça de forma negativa.
— Bianca, por favor.
— Fernando, eu...
Não completo a frase porque, Carolina chega e fala com ele, ignorando
completamente a minha presença. E depois eu que sou a infantil!
Escolho ficar em silêncio e me viro para o elevador. Não vou fazer um escândalo, já
me estressei muito por causa dessa criatura sonsa. O melhor que faço é fingir que ela
não existe. Entretanto, como estava ao lado deles, era impossível não ouvir.
— Ai, Nandinho, se não tivesse falado com você, não teria conseguido dormir à
noite. Muito obrigada, Nandinho do meu coração, sua ligação me acalmou, e eu consegui
dormir mais calma. — Sua voz manhosa chega até a mim causando arrepios de repulsa.
Quando você acha que o negócio está ruim, ele piora! Não me aguento e olho para
eles, e a vejo grudada no braço de Fernando. Volto a olhar para o elevador, senão vou
esganá-lo e a ela.
— Carolina, fico feliz que você tenha dormido melhor; mas só liguei para você
depois que você me mandou uma dúzia de mensagem, dizendo que estava tendo uma
crise de pânico. — Pelo canto do olho o vejo tirando as mãos dela do seu braço.
Fingida. Falsa. Sonsa. Cretina e ordinária. Quando esse homem vai entender que
essazinha o está enganando?
— Nandinho, sua voz me acalmou.
Senhor, dai-me paciência, e faça que esse elevador chegue logo.
— Carolina, isso é um pouco de exagero da sua parte.
— Nandinho, você não tem noção do quanto é especial para mim.
Estou com vontade de vomitar, chorar... dar na cara dele e dela. Dou graças a Deus
quando o elevador chega, entro e aperto o botão do meu andar, pego meu celular, e
finalmente, o ligo. Ele parece que está tendo um ataque de tanto que vibra. Dou uma
olhada rápida, e vejo que tem várias mensagens de Fernando; não olho as mensagens,
mas não apago. Fecho o aplicativo de mensagens e olho as atualizações nas redes
sociais.
Os dois entram, e Carolina começa a falar toda eufórica:
— Mal posso esperar pela nossa viagem. Paris é uma cidade linda e muito
romântica.
Olho para cima e vejo quanto falta para o meu andar. Não estou mais aguentando
ficar no mesmo ambiente que essa mulher.
— Carolina, será uma viagem de negócios, não terá absolutamente nada de
romântico nessa viagem. — Fernando a repreende em um tom seco.
— Eu sei, mas não vamos ficar vinte e quatro horas trabalhando, não é mesmo? —
ela fala segurando o braço dele.
Seguro o meu celular com tanta força que meus dedos chegam a ficar brancos. Ela
está me provocando, mas não vou cair na armadilha dela. Já basta Fernando, que está
sendo um babaca. Vou deixá-la falar o que quiser e não vou abrir a boca; ele vai
descobrir sozinho quem ela realmente é. Meu andar finalmente chega, dou um passo
para fora e Fernando segura meu braço.
— Espere, vou com você.
Minha vontade é de mandá-lo ir à merda, mas me controlo.
— Nandinho, estamos cheios de trabalho hoje; você vai acabar se atrasando —
informa a criatura falsa com uma voz meiga, que embrulha o meu estômago.
— Carolina, não me lembro de lhe dar o direito de controlar o meu tempo.
Estou com tanta raiva, que nem dou um sorriso pelo fora que Fernando dá nela.
— Nandinho, só estou falando isso por causa da viagem. — A criatura soa como se
tivesse magoada.
— Pois tenho coisas mais importantes para fazer agora. Na minha sala tem uma
amiga me esperando. Ofereça água a ela, café, suco ou o que ela quiser. Peça desculpas
por mim, mas fale que estou com Bianca, e assim que possível, vou falar com ela. Peça
para ela me esperar e não ir embora.
Ele sai do elevador e não dá chance para Carolina falar nada. A curiosidade fala
mais alto e pergunto quem está esperando por ele.
— Que mulher é essa que está na sua sala te esperando?
— Michele. Pedi a ela que viesse aqui para conversarmos.
Michele vai conhecer Carolina. Pela primeira vez no dia, dou um sorriso...

Michele

Fernando me ligou hoje de manhã, querendo saber se Bianca dormiu aqui em casa,
se ela estava bem, se tinha conversado com ela... enfim, ele está desesperado. Faz
besteira, caga nas calças, depois fica me ligando. Falei a verdade para ele, que não faço
milagre. E que para conversar com Bianca, teria que conversar com ele antes, para saber
a versão dele da história. Pelo o que Bianca falou, ele só fez e falou merda. Fernando
pediu para nos encontrarmos na empresa hoje de manhã, e aqui finalmente estou.
Para tudo!
Há meses que eu quero entrar nessa empresa, gente! É muito homem bom por
metro quadrado! Logo de cara, vi o Pablo... pegaria fácil se ele não tivesse sido
namorado de Bianca, porque com ex de amiga minha não rola. Ele é uma gracinha com
aqueles óculos, tão bonitinho, mas o que ele está fazendo com a lombriga da Angélica
grudada nele? O coitado deve ter ficado mal da cabeça depois que levou um pé na bunda
de Bianca, só pode!
Um dia vou chamar Maria para ficar aqui na frente, comendo pipoca e vendo esses
homens passarem. Já até imagino a cena... Maria, de boca aberta, dizendo que é tudo
tentação, e eu babando nesses homens lindos. Com certeza seriamos presas por
assédio, mas iriamos felizes.
Um arrepio passando pelo meu corpo me alerta que ele está por perto, sinto as
mãos dele na minha cintura e fico toda trêmula.
— Está perdida por aqui, linda sereia? — sussurra no meu ouvido.
Sinto como se tivesse me tornado uma gelatina, e sem conseguir evitar, solto um
fraco gemido. Eu me afasto, viro para ele, e o olho de cima a baixo. Ah, minha tentação.
Márcio!
Ele está sorrindo de lado, de um jeito safado. Ele sabe o efeito que tem sobre mim.
Ele sabe que é só aparecer e sorrir, para me desequilibrar.
Cretino!
Sorrindo de forma sensual, chego perto dele e beijo seu rosto. Oh, homem
cheiroso! É um chocolate derretido, pura tentação, e com certeza, minha perdição. Sinto
ele estremecer quando beijo o seu rosto, e sei que o desejo é recíproco. Ele segura
minha cintura com força e sussurra no meu ouvido:
— Não faz assim, senão paro de me controlar.
Jesus apaga a luz e esconde a vela. Que pegada esse homem tem!
— Para que se controlar? — sussurro no seu ouvido.
Sinto ele estremecer e encostar o corpo no meu. A essa altura eu já tinha
esquecido onde estava e o que eu vim fazer, só pensava nesse homem maravilhoso. Até
que uma vaca o chama:
— Marcinho, você esqueceu sua carteira na minha casa.
Eu me afasto dele, e me viro para ir embora. Ele segura o meu braço, e a ridícula
fala:
— Quem é essa aí, Marcinho?
— Quem eu sou não te interessa, sua ridícula. — Olho a mulher de cima a baixo. —
E você, seu cachorro, sem vergonha, cretino. Não fale mais comigo! — digo revoltada,
apontando um dedo para Márcio.
Saio dali como? Virada no samurai! Louca da vida, vou para sala de Fernando.
Assim que chego, uma senhora muito simpática me atende e fala que Fernando ainda
não chegou.
Como Bianca falou que a sonsa é novinha, ela ainda não deve ter chegado.
Começo a conversar com a senhora e pergunto sobre a talzinha, e ela começa a soltar os
podres da sonsa. Peço para que se a sonsa chegar antes de Fernando, ela me deixe
cinco minutos sozinha com ela, porque tenho uma coisa particular para falar; e para
minha sorte, isso acontece.
A talzinha entra na sala como se fosse uma rainha e começa a ser grossa com a
senhora; depois me olha de cima a baixo e põe a mão na cintura.
— Nandinho pediu para avisar que vai se atrasar, mas você pode ir embora. — Ela
olha com desprezo. — No momento ele está lá falando com a gordinha, que daqui a
pouco vai virar ex... isso se já não virou. — Debocha soltando um risinho no final.
Sorrio e olho para a senhora, que observava a cena com os olhos arregalados.
— A senhora poderia nos dar dez minutinhos a sós?
— Claro, minha filha.
Assim que ela sai pela porta, levanto tão rápido que a sonsa nem tem tempo de
correr. Eu a pego pelos cabelos e a encosto na parede.
— Sua sem vergonha, preste bem a atenção no que eu vou falar, porque isso é
apenas um recado — ameaço próximo ao seu ouvido.
— Aí, meu cabelo, está doendo! Sua maluca, vou dar queixa na polícia. — Sua voz
soa assustada.
— Foda-se estou pouco me lixando, você pode dar queixa na polícia e no raio que o
parta. Como disse, isso é apenas um aviso. Minha vontade é de enfiar a mão na sua cara,
mas como sei que Bianca não gostaria, não vou fazer.
— Nandinho vai...
— Nandinho vai Porra nenhuma! Para você, é Fernando! Tome vergonha na cara, e
pare de dar em cima no homem da minha amiga, senão vou te quebrar toda. — Prenso a
cara dela com mais força na parede. — Você está entendendo? E não pense que não
cumpro, sua vagabunda.
A solto e me sento com a alma lavada. Queria mesmo era dar na cara dela, mas
deixa para uma próxima.
— Agora pode tirar essa farsa de coitadinha da cara, que não caio nessa, não. E
detalhe, duvido que Fernando ainda caia. E queridinha, vai no banheiro dar um jeito
nessa sua cara tosca e sonsa. Você já é ridícula normal, descabelada só piora. — A fito
com desprezo.
— Vou contar tudo para o Fernando! — Ela respira fundo e eleva a cabeça
desafiadora.
— Aeee, parabéns! Aprendeu a falar direito, o nome dele é senhor Fernando para
você. —Debochada, bato palmas.
— Vou falar tudo para ele. — A ridícula volta a ameaçar.
— Foda-se, Tô nem aí, você pode falar para quem quiser. Estou cagando e
andando. Será apenas mais um motivo para te enfiar a mão. — Dou de ombro com um
sorriso zombeteiro nos lábios.
A senhora Regina volta com um café, e a tosca vai ao banheiro dar um jeito na fuça
dela. Eu me sento para esperar o babaca do Fernando, e vou falar isso na cara dele,
porque só sendo um babaca, para acreditar nessa tosca. Ele que me aguarde, porque vai
sobrar para ele também...
Capítulo 26

Fernando
Fiquei sem ação quando Bianca falou que tinha terminado. Sem reação, sem fala,
sem fôlego. Simplesmente paralisei, como se não acreditasse no que estava ouvindo.
Bem, para falar a verdade, eu não acreditava... ela só podia estar brincando. Não era
verdade.
Vi Bianca sair pela porta e sentei no sofá, tentando entender o que houve.
Acordamos bem, estamos há dois meses bem, tudo calmo. Não posso acreditar que uma
coisa boba possa ter levado a isso, porque ao meu ver, tudo o que houve foi uma
besteira.
Carol é apenas uma menina sozinha que se apegou a mim, nada demais. Deve ser
uma dessas paixonites e logo passa. Isso nunca deveria interferir no meu relacionamento
com Bianca, pois eu a amo e ela sabe disso! Já provei isso várias vezes, e ela também
me deu várias provas, coisas sutis, como dar um tempo de sair com o Pablo, ou quando
sai com ele, Michele vai junto.
Ela me convidou para ir à dança de salão, porque sabia que eu tinha ciúmes; o que
não melhorou em nada, porque ver aqueles homens a agarrando só piorou o meu ciúme.
Pelo menos marquei meu território, estufei o peito, dei um beijão nela, daqueles bem
sensuais, no meio da sala de aula, que só faltou gritar: essa mulher é minha, porra! Ela,
claro, ficou revoltada e me deu um gelo de algumas horas, mas dormimos juntos e
fizemos amor de manhã.
Sei que ela nunca me trairia, mas o ciúme que eu tenho dela, é uma coisa que
deixei de tentar entender há muito tempo. Morro de ciúme e ponto. E ela é tão viciada em
mim, como eu sou nela. Por isso o que ela me disse me deixou sem ação. Como uma
coisa assim pode sequer passar pela cabeça dela?
— Como eu vou dormir sem ela? — eu me pergunto em voz alta na sala vazia. —
Como eu vou viver sem ela? — sussurro.
Levanto do sofá com a intenção de ir atrás dela, mas desisto e volto a sentar. Uma
coisa que aprendi no nosso relacionamento é que se Bianca estiver com raiva de mim, o
melhor é deixar a raiva dela passar, e depois pedir desculpas e reverter a situação.
Solto um suspiro e busco meu celular, noto que recebi várias ligações e mensagens
da Carol e resolvo retornar.
— Aconteceu alguma coisa, Carol? — pergunto seco.
— Ai, Nandinho, não precisa ser grosso. Liguei porque estava preocupada com
você.
— Está tudo bem, Carolina. O que você quer? — indago já sem paciência.
— Não estava conseguindo dormir de tanta preocupação, com medo de que ela
tivesse feito alguma coisa com você — ela diz com voz chorosa.
— Está tudo perfeitamente bem, eu e Bianca estamos ótimos. Agora tenho que
desligar. Boa noite! — Desligo o telefone puto.
Fico imaginando que se Bianca estivesse aqui, com certeza ela não gostaria dessa
ligação. Amanhã, vou ter uma conversa séria a com a Carolina. Já passou mais de duas
horas que Bianca saiu, e começo a ligar para o celular dela, que vai direto para caixa de
mensagem. Ligo para casa dela e só chama.
Ligo para casa de Michele.
— Michele, ela está aí?
— Sim.
— Estou ligando para ela direto, ela está com o celular desligado.
— Fernando, ela não quer falar com você. Você, cara pálida, fez merda; e não sei
se ela vai querer voltar contigo.
Aí começa a bater o pânico, porque, até então estava pensando que era apenas
uma briguinha boba.
— Como assim? Foi apenas um desentendimento... chama ela que vou pedir
desculpas e tudo passa.
— Fernando, o problema é que você não está entendendo a gravidade do assunto.
E não vou chamar, ela não quer falar com você agora.
— Michele! Pede para ela falar comigo — peço desesperado.
— Fernando, me desculpe, mas não vou falar isso com ela antes de conversar com
você, e saber o seu lado da história.
— Então, eu vou aí.
— Não vem aqui hoje. Ela está de cabeça quente e só vai piorar a situação. Vamos
fazer o seguinte, amanhã cedo vou ao seu escritório e nós conversaremos.
— Tudo bem, cuida dela por mim.
— Ok, tenho que desligar agora.
Desligo o telefone e penso em sair para encher a cara, mas logo desisto, não
adiantaria nada. Tomo um banho frio e vou tentar dormir, coisa que não consigo, pois
sinto falta dela. Passo a noite praticamente acordado, e de manhã, ligo para Michele para
confirmar nosso encontro. Chego cedo na empresa e fico esperando Bianca chegar. Ela,
como sempre, está linda.
Eu me preocupo com Carolina, mas Bianca sempre vem em primeiro lugar. A
espero se aproximar e minha vontade é de lhe dar um beijo bem gostoso, mas ela me
trata friamente.
Logo Carolina chega e ignora Bianca completamente. Acho estranho, afinal ela
sempre demonstrou ser gentil com todos, pelo menos na minha frente. Será que Márcio
tem razão e estou fazendo papel de bobo? Não, isso é impossível! Acho que Carolina só
está assim porque se desentenderam, apenas isso.
Saio do elevador com Bianca, e tive que dar um fora na Carolina, porque estava se
intrometendo demais na minha vida. Assim que entramos na sua sala, fecho a porta, a
encosto na parede e a beijo. Ou melhor, tento beijar, Bianca rejeita meu beijo.
Ela se afasta e vai para janela.
— Você nunca me rejeitou — murmura.
— Dessa vez minha mágoa está maior que meu desejo, Fernando. Nem tudo se
resolve com um beijo.
Vou até ela e a abraço por trás.
— Eu te amo tanto — sussurro no seu ouvido e a sinto estremecer.
— Eu também te amo, Fernando.
— Então vamos esquecer essa bobagem, meu amor.
Ela sai dos meus braços e caminha para a sua mesa.
— Esse é o problema, Fernando, para mim não foi bobagem. Você me magoou,
não acreditou em mim.
— Bianca, por favor, não vamos voltar ao assunto.
— Fernando, alguma vez lhe dei motivos para não acreditar em mim?
—Amor, eu confio mil por cento em você.
— Então por que não confiou em mim ontem?
— Bianca...
— Fernando, não vou pedir para você acreditar em mim. Não pedi ontem, nem vou
pedir hoje.
— Bianca, eu confio em você... você que parece não confiar em mim. Está agindo
como se eu a tivesse traído, e já falei que não tenho nada com a Carolina.
— Fernando, você acreditou nas merdas que ela falou, e me chamou de maluca,
infantil, entre outras coisas. Se isso não é um tipo de traição, é o quê?
— Tudo bem, desculpe, ok? Eu errei, me desculpe, não vai acontecer de novo.
Ela dá um sorriso triste e balança a cabeça.
— Fala para mim. Na sua opinião, o que houve ontem? — me pergunta triste.
— Você não vai esquecer isso, não é mesmo?
— Não, Fernando... não há menor chance de eu esquecer o que houve ontem.
— Ok, e como resolvemos isso?
— Achei que tínhamos resolvido isso ontem.
— Nós nunca iremos terminar. Nunca!
Ficamos encarando um ao outro. Dou a volta na mesa, me ajoelho na frente da
cadeira dela, seguro o seu rosto e a beijo. Dessa vez ela corresponde, e sinto que Bianca
chora enquanto me beija e isso corta meu coração. Paro o beijo e encosto minha testa na
dela, e ela fala em um sussurro, como se estivesse sofrendo tanto ou mais que eu:
— Fernando, nós terminamos ontem.
Beijo as lágrimas e fico olhando para mulher que eu amo.
— Jamais vamos terminar, Bianca.
— No momento eu te odeio mais que te amo. Eu preciso de um tempo.
— Você vai ter esse tempo enquanto eu estiver viajando a trabalho para Paris.
Quatro dias, esse é o máximo de tempo que eu dou.
Do nada ela me empurra com tanta força que eu me desequilibro, e caio de bunda
no chão.
— Some da minha frente, Fernando!
— O que houve? Pensei que estávamos nos entendendo.
— Seu idiota, você declara seu amor a mim, e depois diz que vai viajar a Paris com
aquela sonsa. Some da minha frente, Fernando.
Bianca fala aos gritos, depois senta e começa a chorar. Nunca a vi se descontrolar
assim, estou sem saber o que fazer ou falar.
— Meu amor, eu...
— Já falei para você sumir da minha frente. Fernando, eu não posso nem olhar
para você agora. Some daqui!
— Não vou sair daqui e deixar você assim, chorando. Por favor, meu amor.
Ela limpa o rosto, fecha os olhos e respira fundo, como se quisesse se controlar.
— Fernando, por favor, me deixe sozinha.
— Bianca...
— Por favor, Fernando. Outra hora nos falamos.
Respiro aliviado.
— Ok, então depois nós conversamos.
Tento beijá-la, e ela mais uma vez, vira o rosto, me rejeitando. Saio da sala dela me
sentindo um merda e dou de cara com Pedro. E o dia só piora!
O infeliz me olha com um sorriso sonso e fala:
— Fernando, tive uma ótima notícia hoje. Um passarinho verde me disse que você
e Bianca tinham brigado e provavelmente, terminaram. É verdade? — ele pergunta com
um sorriso cínico.
Franzo o cenho e fico olhando para Pedro, pensando em como esse infeliz sabe
que briguei com Bianca. E ele me oferece um sorriso tosco, me fitando satisfeito.
— Você, como sempre, está muito mal informado. Eu e Bianca estamos muito bem,
obrigado — retruco, sorrindo.
Quando o infeliz abre a boca para falar, Marcela se aproxima dele e o abraça por
trás. Ele tira as mãos dela de cima dele e olha para ela com cara feia. Pelo menos, a
chegada dela tirou o sorriso tosco dele do rosto.
— O que você quer, Marcela? — ele pergunta a ela de forma estúpida.
Até hoje não entendi qual é a da Marcela. Pedro vive a humilhando na frente de
qualquer um, e ela anda igual a um cachorrinho atrás dele. Nem na minha época de
safado eu fazia isso com as mulheres, sempre deixei claro que era só sexo.
Bem, mas isso não é da minha conta, eu os deixo discutindo e vou para minha sala.
Assim que chego, vejo Michele sentada mexendo no celular. Carolina vem em minha
direção chorando. Infelizmente, para ela, no momento, não sou a pessoa mais indicada
para consolar ninguém... eu que estou precisando de consolo.
Tento passar direto por ela, mas Carolina segura meu braço e me abraça chorando.
— Fernando, ela... — Não a deixo falar.
— Agora não, Carolina — a interrompo, abaixando os braços dela.
Desvio meus olhos para Michele, e a vejo com a sobrancelha levantada e braços
cruzados, me olhando com raiva. Era só o que me faltava...
Olho para Carolina e vejo que ela me olha magoada, baixa a cabeça e volta a
chorar. Fico me sentindo mal por isso, e quando dou um passo em sua direção, Michele
me chama. Ou melhor, grita.
— Fernando!
Levo um susto com o grito de Michele. Volto a olhar para Carolina e ela está
olhando com raiva para Michele. Acho isso estranho, mas nem consigo pensar a respeito,
porque Michele segura meu braço e sai me puxando para a minha sala.
Mal entramos, e ela começa a me bater com a bolsa.
— Hei, pare com isso. Por que você está me batendo?
— Por quê? Mas é muito sem vergonha! Na boa, não sei se você é tapado,
burro, babaca ou é sem vergonha mesmo!
— O que eu fiz, Michele? — pergunto e ela volta a me bater. — Pare com isso,
Michele! Não estou com humor para seus ataques.
— Mas o bofe é muito ridículo. Preste atenção, seu tapado! Você ainda não se
tocou que essa sonsa está te enrolando?
— Lá vamos nós de novo...
— Vamos não, gato, porque eu estou metendo o pé. — Ela gira o corpo e caminha
em direção à porta.
— Michele! Onde você vai? Não íamos conversar?
— Conversar o quê, Fernando? Bianca tem razão de ter terminado com você.
Porque ou você está pegando essa sonsa, ou quer pegar... ou ainda pior, você é muito
tapado. Seja como for, de jeito nenhum, vou ficar aqui falando igual a uma louca, para um
cara que não quer ver o que está na sua frente.
— Michele, por favor, senta, vamos conversar. Vou explicar tudo o que houve, e
você vai entender e me ajudar com Bianca.
— Fernando, quando te conheci, disse que Bianca era especial.
— Eu sei que ela é especial. Eu a amo. — Ficamos nos olhando. Ela fecha os olhos
e respira fundo, como se tivesse tentando se controlar.
— Fernando, você pediu para eu vir aqui para conversarmos, e depois dar uma
força, para que fique tudo bem entre você e Bianca.
— Sim, mas você não está me deixando explicar o que houve.
— Você não precisa explicar mais nada; o que eu vi lá fora foi mais que suficiente,
para não querer levantar um dedo para o ajudar a voltar com Bianca, não com essa cobra
rondando. Cantei a pedra logo quando o conheci.
— Traduz isso porque não entendi nada.
— Esqueci que você é lento. — Ela bufa impaciente. — Assim que nos
conhecemos, disse que sempre defenderia a Bianca.
— E você vai defender a Bianca de mim? Pelo amor de Deus! Você e Bianca estão
agindo como se eu a tivesse traído. Quantas vezes tenho que dizer que eu a amo?
Michele, eu não vivo sem ela. Essa situação toda com a Carolina chega a ser ridícula.
Não tenho nem quero ter nada com essa menina; sinto pena dela porque ela é sozinha e
me vê como um protetor, como um irmão mais velho. É apenas isso, não tem por que
esse carnaval todo, — grito, frustrado. Ela fica me olhando de braços cruzados. — Já
estou de saco cheio, isso tudo é uma bobagem. A menina não fez nada demais para
provocar em vocês essa reação toda.
— Seu idiota! Primeiro, não é menina, é mulher. Segundo ela o quer como homem,
não como amigo ou irmão. — Michele aponta um dedo para mim revidando no mesmo
tom que usei.
— Tudo bem, Michele, confesso que algumas atitudes que ela vem tomando desde
ontem são, no mínimo, estranhas. Contudo, eu acho que é no máximo uma coisa boba.
Vou conversar com ela, e não vou deixar isso atrapalhar meu relacionamento com Bianca.
— Enquanto você conversa com a "menina”, o seu relacionamento com a Bianca já
foi para o brejo, seu idiota.
— Michele, mesmo eu explicando, você não entende?
— Quem não está entendendo a situação é você, Fernando. Isso não é uma
bobagem, nem é coisa de criança, você vai perder a Bianca.
— Ela não vai me abandonar, a Bianca me ama — afirmo seguro e Michele ri.
— Ela se ama mais, Fernando. Minha amiga já passou por coisas parecidas, e por
mais que ela te ame, eu duvido que ela vai ficar contigo enquanto não resolver a situação
com a sonsa. — Devolve soando convencida.
— Michele, eu não tenho nada com a Carolina... ela é apenas a minha assistente, e
não tenho nada para resolver com ela. — Volto a afirmar me sentindo cansado.
Michele dá um sorriso triste.
— Fernando, no começo, quando Bianca falou de você, eu sentia um ódio mortal
por você, porque você era um idiota e falava merdas por causa do peso dela. Depois você
se tornou o príncipe que ela sempre sonhou. Mesmo com desconfianças, dei um voto de
confiança, porque você demonstrava que realmente gostava dela.
— Eu a amo, Michele — a interrompo em um tom suave ao ver as lágrimas dela
caindo.
— Então, por que você voltou a se tornar o tonto, o idiota de antes, Fernando?
Cadê o cara que eu conheci há alguns meses, que batia no peito dizendo que Bianca é
sua mulher, que não deixaria ninguém a fazer sofrer? E, muito menos, botaria uma sonsa
acima de Bianca.
— Michele, sempre vou defender Bianca e nunca vou deixar ninguém na frente
dela.
— Sabe qual é o seu problema? Você acha que ataques vem sempre em forma de
fogo aberto, mas muitas vezes eles vêm em silêncio, rasteiros... e quando você nota, te
derrubam no chão.
— Michele...— Ela não me deixa terminar.
— Não, não temos mais o que falar. Eu não vou falar para Bianca voltar para você,
mas também não vou falar merdas de você para ela, porque você está cego. E o mais
triste nisso, é ver que um lindo amor vai morrer por causa disso.
— Michele, você está muito enganada. Nunca o meu amor por Bianca vai acabar, e
vou garantir que o que ela sente por mim, nunca acabe. Se para isso tiver que me afastar
de Carolina, é o que vou fazer.
— Me desculpe, mas do jeito que você está com essa sonsa, cheio de cuidados,
duvido que isso vá acontecer. Enfim, vou embora... nem vontade de bater mais em você
eu tenho, e já dei meu recado.
— Você já me bateu, Michele! — Tento brincar, mas não dá muito certo.
— E você merece apanhar ainda mais. — Volta a ameaçar com o dedo em minha
direção. — Agora vou ver Bianca. E você, vê se deixa de ser burro. Só vou falar uma
coisa: comece a prestar a atenção nessa sonsa, que você vai ver que eu e Bianca temos
razão.
Ela vai embora e chamo Carolina na minha sala. Ela entra com uma expressão de
choro, e começa a reclamar que Michele foi grossa com ela, que ainda está fragilizada
depois do que houve com Bianca, que a agrediu...
E enquanto ela fala, começo a reparar em algumas coisas. A mais importante, é
que ela está me tratando de forma muito diferente e pessoal. Quando esse
relacionamento mudou que eu não notei? Quando deixou de ser apenas profissional?
Será que todos estão certos e eu errado?
— Por favor, Nandinho, me ajude! Não fiz nada para merecer isso, é muito injusto a
forma como elas estão me tratando. — Ela chora. Eu apenas a observo sério. —
Nandinho, você sabe que sou muito sensível, e elas estão sendo muito duras comigo.
Principalmente a Bianca... ela parece ter muita raiva de mim, e eu nunca fiz nada para
ela.
— Carolina...
— Nandinho, por que você está me chamando de Carolina, e não de Carol? Pensei
que fossemos amigos.
— Carolina, você é minha assistente, trabalha para mim; mas não somos amigos
íntimos.
— Eu pensei que...você gostasse de mim, Nandinho. — Ela chora.
Essa situação já está me irritando.
— Carolina, por favor, se controle. E meu nome é Fernando. Foi um erro da minha
parte permitir que isso fosse longe demais, pois você confundiu as coisas. — Sugo uma
boa quantidade de ar e o solto devagar antes de começar a falar. — Se você não
consegue separar as coisas, sinto informar, mas não será possível continuar trabalhando
comigo.
Ela me olha assustada.
— Você nunca falou dessa forma comigo.
— Estou falando dessa forma, porque você está tomando uma intimidade que não
tem nada a ver com o nosso relacionamento, de patrão e empregada.
— Pensei que éramos mais que isso.
— Até poderíamos ter sido amigos, mas essa situação mudou a partir do momento
que você se desentendeu com a minha mulher.
— Mas eu não fiz nada, Nandinho! Ela me agrediu e você ainda a defende! — ela
fala e volta a chorar.
— Carolina, eu sempre vou defender a minha mulher. Sempre!
— Nandinho!
— Por favor, de agora em diante, só me trate por Fernando. E não me importa
quem tem ou não culpa, ou você volta a se comportar e me trata de maneira profissional,
ou não trabalha mais para mim — saliento de forma fria e séria.
Ela me olha e sinto que está magoada, mas tinha que dar um jeito nessa situação
que já estava saindo do meu controle.
— Você acha que consegue isso, Carolina? — indago com os olhos fixos nela.
— Sim, senhor Fernando — murmura e desvia os olhos do meus.
— Ótimo, agora, em relação a viagem...
— O senhor mudou de ideia, não vou mais com o senhor? — pergunta apreensiva.
— Mesmo que eu quisesse, não teria como mudar. Vamos viajar depois de amanhã.
Será uma viagem de apenas quatro dias, mas de muito trabalho. — Ela dá um pequeno
sorriso. — Por enquanto, é só.
Ela se levanta e penso em uma coisa.
— Carolina?
— Sim?
— Você, por acaso, conhece Pedro Camargo?
— Não, quem é ele? — responde assustada.
— Ele é um cliente da empresa.
— Nunca ouvi falar. Mais alguma coisa?
— Não, apenas isto.
Carolina sai e fico pensando em tudo que aconteceu hoje, e principalmente na cara
de espanto da Carolina, quando perguntei sobre o Pedro.
Será que realmente estou enganado em relação a Carolina?
Capítulo 27

Bianca
Assim que Fernando sai da minha sala, vou ao banheiro lavar meu rosto e refazer
minha maquiagem. Não sei por que estou tão descontrolada, nunca fui de ficar chorando
assim, principalmente na frente de outras pessoas. Fernando tem o dom de me tirar do
sério!
Respiro fundo, volto para sala e começo a trabalhar. Uma hora depois Michele me
manda uma mensagem, perguntando se pode passar pela minha sala. Respondo que
sim, e aviso a Rafael para não passar nenhuma ligação por uma hora.
Quando ela entra e fecha a porta, começo a chorar. Ela larga bolsa dela no sofá e
me abraça.
— Gatona, o que houve? Por que você está chorando?
— Michele, por mais que eu tente, eu simplesmente não consigo parar de chorar.
— Mona, não fica assim; por favor, se acalme. Senta no sofá que vou pegar um
pouco de água para você se acalmar.
Sento no sofá e tento controlar o choro, mas as lágrimas continuam saindo. Não
estou me entendendo, não estou me reconhecendo. Michele volta, tomo água e tento
parar de chorar.
— Michele, nem eu mesma estou me entendendo. Você sabe que não sou assim,
descontrolada dessa forma. Não sei o que está acontecendo comigo. Eu acho que essa
situação toda com Fernando está me deixando muito abalada.
— Amiga, acabei de vir da sala dele. Se você quiser, eu volto lá e dou mais umas
porradas nele.
— Michele, você bateu no Fernando?
— Amor, aquele bofe merecia uma seção de tapas, e até que bati pouco porque
fiquei com pena dele. Nunca vi um homem tão tapado na minha vida.
— Você é louca, mas eu te amo.
— Agarrei aquela sonsa da Carolina pelos cabelos e a tampei na parede. Queria ter
dado uns tapas nela, mas deixei meu recado. Ela sabe que se aprontar, eu dou na cara
dela. — Rimos juntos. — Bianca, não acredito que Fernando vai viajar para Paris com
essa sonsa.
— Eu sei que é uma viagem de trabalho... ele me chamou para ir com ele várias
vezes, mas não posso porque tenho compromissos aqui na empresa e não dá para
desmarcar. Mas, agora nós terminamos, ele pode ir com quem ele quiser que eu não ligo.
— Mal acabo de falar e volto a chorar.
— Gatona, não chore. Ele me disse que vocês nunca vão terminar.
— Michele, o amo demais, mas simplesmente não posso aceitar essa situação. Se
eu aceitar isso, só vai piorar, é apenas a ponta do iceberg. Essa mulher vai fazer da
nossa vida um inferno. E ele acha que é tudo brincadeira, que é um absurdo. Enfim, vou
sofrer muito, mas é melhor terminar tudo agora que ter mais dor de cabeça no futuro.
— Falei isso para ele, e ele disse que conversaria com ela.
— Independentemente do que ele resolver, eu preciso de um tempo. Estou muito
abalada.
— O que você acha de tirar umas miniférias?
— Não posso tirar férias agora, Michele. Isso aqui está uma loucura com as
besteiras que Marcela anda fazendo.
— Não estou dizendo uma grande, e sim uma semana. Você tem uma equipe
competente, se organiza e semana que vem nós viajamos.
— Michele! — Ela levanta, pega a bolsa e me olha. — E para onde iríamos?
— Sei lá, eu resolvo isso. Vamos curtir a vida, mona!
Ela me abraça, beija, e sai dizendo que vai planejar a tal viagem. Até que não seria
má ideia...
O restante do dia passou com muito trabalho e reuniões. A incompetência da
Marcela está me trazendo muita dor de cabeça, então aproveito para adiantar algumas
coisas, e mesmo não dando certeza para Michele, deixo a minha equipe avisada de que
talvez fique uma semana fora.
No final do dia, vou para casa, tomo um banho, janto, sento no sofá para ver um
filme e meu celular toca.
— Alô!
— Você está bem? — pergunta Fernando.
— Sim, estou bem. E você?
— Sinto sua falta. É ridículo ficarmos separados por uma besteira.
E lá vamos nós de novo...
— Fernando, não vou voltar a esse assunto.
— Tudo bem, vem para cá ou me deixa ir aí. Você não sente minha falta? Eu não
durmo direito sem você.
Fecho meus olhos e sinto uma lágrima molhar meu rosto.
— Claro que sinto sua falta. Meu amor por você não vai acabar do dia para noite.
— Então, vamos deixar tudo para lá, meu amor. Eu não vou deixar você terminar
comigo. Nós nunca vamos terminar, Bianca.
— Fernando, por favor...
— Tudo bem, vou deixar você ter o seu tempo, mas quando voltar de viagem, tudo
volta ao normal.
— Vamos ver, Fernando. Eu não sei o que vai acontecer nessa viagem.
— Bianca, você sabe que é uma viagem de negócios... todo ano meu tio viaja para
Paris.
— Sim, eu sei, mas você vai com a Carolina... Está complicado de aceitar.
— Bianca, você não confia em mim? Não acredita que eu amo você?
— Sim, Fernando, acredito que você me ama; mas tem outros fatores que estão me
fazendo mal. Fernando, se continuarmos conversando do jeito que eu estou, magoada e
estressada, vou acabar falando algumas coisas que você não vai gostar, e você vai falar
coisas que vão me magoar mais ainda. Enfim, o melhor é a gente dar um tempo para
esfriar a cabeça.
— Nunca quero magoá-la, Bianca.
— Você me magoa cada vez que você diz algo relacionado a Carolina, pela forma
que você fala dela.
— Conversei com ela hoje, e deixei bem claro que não vou mais admitir
intimidades, que se ela não mudar, para de trabalhar para mim.
Ele me surpreendeu. Não imaginei que ele teria essa atitude depois da forma que
ele a defendeu.
— Por que mudou de opinião? Por que você teve essa atitude depois de defendê-la
tanto?
— Você sempre vai vir em primeiro lugar para mim. Não quero que ir viajar e deixar
você pensando besteira.
Como sempre, Fernando me surpreende.
— Vou desligar. Amanhã de manhã vou aí, e nem adianta falar que não!
— Tudo bem, pode vir de amanhã.
— Eu amo você Bianca, nunca se esqueça disso — ele sussurra e eu solto um
suspiro.
Desligo o telefone e fico com um sorriso bobo no rosto, e assim, adormeço.
Depois de uma noite muito mal dormida, acordo com um enjoo terrível. Levanto
correndo e vou para o banheiro vomitar.
— Bianca, está passando mal? — Maria bate à porta do banheiro.
Como não respondo, ela entra no banheiro e segura meu cabelo. Eu me apoio na
pia e escovo os dentes, estou me sentindo uma merda. Volto a deitar na cama, e Maria
vai até a cozinha buscar um copo d'água para mim.
— Bebe um pouco de água que vou ligar para Michele. Cadê o Fernando?
— Não precisa chamar a Michele, já estou bem...
Mal termino de falar e corro para o banheiro. Quando volto para cama, Michele está
entrando no quarto com Maria.
— Mona, o que você tem? — Michele pergunta preocupada.
— Sei lá, Michele. Algo que comi deve ter caído mal.
— Ou deve ser muito estresse — sugere se sentando na cama.
— Sim, pode ser também. — Faço uma careta sentindo uma nova onda de enjoou.
— Será que alguém pode me dizer cadê o Fernando? — questiona Maria.
— Maria, nem te conto, eles terminaram. Lembra daquela sonsa que eu vivo
falando para Bianca que vai aprontar? Então, ela aprontou... e pior, Fernando caiu —
Michele fala e puxa Maria para sentar na cama.
— Não creio! — Maria diz, horrorizada, e as duas começam a conversar como se
eu não estivesse presente.
— Pode acreditar, Maria. Ela se finge de sonsa. Bianca a pegou na cama de
Fernando, cheirando uma roupa dele. Depois ela disse que Bianca a agrediu. E pior,
Fernando acreditou na cretina.
— Simplesmente não posso acreditar. Não creio nisso, gente! Não. Não. Não e não!
Aquele homem é lindo demais para ser burro. Me desculpe, Bianca, mas aquele homem é
lindo demais! Não é possível que ele seja um babaca. — Maria fica lamentando.
Meu telefone toca. Estou me sentindo tão mal que ponho no viva voz, olho para as
meninas e faço sinal de silêncio.
— Alô.
— Senhora Bianca. — Não acredito que essa sonsa está ligando para mim.
— O que você quer, Carolina?
— Senhora Bianca, Nandinho pediu para avisar que mais tarde um portador vai
passar para pegar uns documentos aí na sua casa. Ele precisa desses documentos para
a nossa viagem de hoje. Ai, estou tão ansiosa para ir a Paris com Nandinho... não precisa
se preocupar, vou cuidar muito bem dele.
— Vai para o inferno! — Desligo o telefone e começo a chorar.
— Mas gente, que rapariga! E Fernando, que decepção. Sabia que aquela lindeza
toda tinha que ter um defeito. — Maria soa indignada.
— Eu vou dar na cara dessa safada! — diz Michele revoltada.
O interfone toca e Maria vai atender.
— O porteiro falou que Fernando está subindo — Maria revela, olhando para mim e
logo em seguida para Michele.
— Eu não quero falar com ele agora. Ele mentiu para mim ontem à noite... disse
que tinha falado com ela, mas, pelo jeito, não falou nada — comento cheia de raiva.
— Calma, Bianca, eu acredito que ele falou sim. Essa mulher que está querendo
criar atrito entre vocês. Maria, explica para ele que Bianca não quer falar com ele agora.
Dá o seu jeito e despacha o bofe burro, pede para ele entrar em contato com ela depois.
— Michele tenta me acalmar e Maria sai para atender a porta.
— Michele, se ele não tivesse dado brecha, ela não teria como criar atrito entre nós
dois.
— Poxa, Bianca! Marque seu território, pegue ela pelo cabelo e prenda o seu
homem.
— Para depois não conseguir ter mais paz? Eu tenho que confiar nele, não quero
um cara que eu tenha que ficar correndo atrás, que eu tenha que ficar vigiando todos os
passos... não quero isso para minha vida. Eu quero confiar na pessoa que eu amo, e não
ter que ficar sendo um escudo para as outras mulheres. Quando uma mulher chegar, seja
de que forma for, ele tem que falar não, da mesma forma que quando um cara me canta,
eu falo não. Não dou brecha. Se ele não pode fazer isso por mim, então não vale a pena
ficar com ele.
— Mas, homem...
— Nem termine de falar essa história de que o homem é assim mesmo, isso não
existe. Estou com Fernando porque ele me mostrou ser diferente. Ele não teve medo ou
vergonha de demonstrar seus sentimentos e se abrir, e por isso me entreguei, me
apaixonei. Ele me mostrou que mereço ser amada dessa forma e não aceito nada menos
que isso. Eu vou viajar com você.
— Ok, Bianca, tudo bem, você tem razão, temos que nos valorizar. Mas fique
calma. Você está nervosa... não tome nenhuma decisão assim, e como você mesma
acabou de falar, Fernando ama você, e já demonstrou isso muitas vezes. Volto a falar,
essa vaca, cachorra e sem vergonha está querendo separar vocês, e não deixe que ela
consiga. Vamos viajar, você relaxa e depois toma uma decisão.
Levamos um susto quando Fernando entra no quarto com Maria falando atrás dele
com uma vassoura na mão.
— Me desculpe, Bianca, mas dei umas vassouradas nele... Tenho que agradecer a
Deus que tanta tentação assim tenha um defeito... — Michele cai na gargalhada e sai
arrastando Maria, ainda falando, para fora do quarto.
— Que decisão é essa que você vai tomar? Já disse que não vamos nos separar. E
que viagem é essa?
— Você não vai viajar com a sua Carolzinha?
— Bianca, vou viajar a trabalho e você sabe muito bem disso.
— Não me importa! Você poderia levar outra secretária da empresa. Enfim, você vai
viajar com a Carolzinha, e eu vou viajar com a Michele.
— Se você pode tirar esse tempo para viajar com a Michele, pode vir comigo para
Paris.
— Vou viajar semana que vem. Essa semana não posso por causa de
compromissos na empresa.
— Bianca...
— E outra coisa, pede para Carolzinha não ligar mais para minha casa. Fernando,
eu estou no meu limite com você e com essa mulher. Agora saia da minha frente que o
seu perfume está me enjoando. — Empurro Fernando para fora do quarto e vou mais
uma vez vomitar.
Assim que, finalmente, paro de vomitar, tomo um banho demorado e me visto para
ir ao trabalho, mas estou me sentindo tão enjoada que não estou com a mínima vontade
de tomar café. Vou para a sala e encontro Maria e Michele conversando. Graças a Deus
Fernando foi embora; não estava com a mínima vontade de olhar, nem muito menos falar
com ele. Pelo menos, não por enquanto.
Preciso organizar meus pensamentos, e principalmente, preciso me acalmar.
— Como você está? — Michele me pergunta preocupada.
— Me sentindo o cocô do cavalo do bandido — respondo desanimada.
— Vou trazer alguma coisa para você comer — Maria diz, levantando.
— Maria, não consigo sequer pensar em comida — reclamo enjoada.
— Oxe! Tem que comer alguma coisa, senão vai ficar fraca. E como é que você vai
trabalhar e dar conta daquele homem, maravilhoso e tonto se não se alimentar direito? —
ela me pergunta com a mão na cintura.
— Maria, até meia hora atrás você estava xingando o Fernando. O que houve, já
mudou de opinião?
— Aquele homem te ama! Vou fazer um chá com torrada — ela afirma, indo em
direção à cozinha.
— O que aconteceu? — pergunto a Michele.
— Bem, depois que você expulsou Fernando do quarto, ele veio aqui para a sala
arrasado. Bianca, nunca vi Fernando assim! Bem, para falar a verdade, nunca vi homem
nenhum daquele jeito. Ele pediu para falarmos com você, disse que não consegue viver
sem você... Enfim, foi de cortar o coração.
Surpresa, ouço Michele falar e não consigo dizer nada e ela, então, continua:
— Até então queria dar uns tapas nele, mas agora estou com pena do infeliz. Maria,
que é mais fraca, assim que ele chegou na sala com cara de cachorro que caiu da
mudança, já estava toda caidinha por ele de novo. Ele te ama, Bianca, é um tonto, mas a
ama.
Bem, agora entendo a reação da Maria.
— Também o amo, Michele, mas se ele não der um jeito nessa situação com a
Carolina, não sei como poderemos continuar.
— Foi demais essa sem vergonha ligar para você; estou com vontade de quebrar a
cara dela. Você falou para ele que ela ligou?
— Apenas pedi para ela não ligar mais para cá. E você não é a única que quer dar
umas porradas nela. Não vou fazer isso, essa é exatamente a reação que ela espera de
mim. Ela me provoca para me ver desequilibrada e depois sair de vítima da história.
— Não consigo ser calma como você. Se fosse comigo, já estaria na empresa
dando na cara dela e a jogando lá de cima.
Maria volta com o chá. e faço uma careta só por sentir cheiro.
— Bianca, me diz uma coisa, há quanto tempo você está enjoada assim? — Maria
me pergunta com a sobrancelha levantada.
— Começou hoje. Deve ter sido algo que comi ou porque ando muito estressada.
— Pois, para mim, você está grávida — Maria sugere e dou um sorriso triste.
— Não posso engravidar, Maria. Vários médicos já me disseram que por causa do
meu problema, seria quase impossível. Além do que mais, estava no período até ontem.
— Pois para Deus tudo é possível — Maria diz sorrindo.
Não consegui sair de casa, sem tomar um pouco do chá com torradas. Deixei
Michele na faculdade e segui para a empresa.

Carolina
Desligo o telefone sorrindo e olho para Rafael, que está sentado à minha frente,
nervoso.
— E aí, como foi? — ele me pergunta ansioso.
— Perfeito! Duvido que ela não tenha ficado com uma pulga atrás da orelha. Ficou
com tanta raiva que me xingou e bateu o telefone na minha cara.
— Ótimo! Finalmente conseguimos abalá-los. Já não aguentava mais ouvir Bianca
fazendo sexo com aquele homem. Todos os dias finjo que saio para almoçar e volto dez
minutos depois... é impossível não os ouvir — ele diz não escondendo a raiva que sente.
— Você é masoquista!
— Estava tudo perfeito antes dele. Tínhamos jantado uma semana antes, e ela
estava começando a me ver, como algo mais que um simples secretário. — Ele anda de
um lado para o outro.
— Ela é tão rica assim para valer o sacrifício de ficar com ela? Não entendo o
motivo de Fernando estar com ela. Qual o problema de vocês? Fernando é louco por ela,
Pedro é um surtado... e você, bem, você eu entendo, queria mudar de vida e casar com a
gordinha. E como você conheceu o pai dele? Isso você nunca me contou.
— Bianca não tem tanto dinheiro, mas os pais dela têm. E pelo que eu ouço nas
tardes românticas deles, não vou precisar procurar amantes... Em relação ao pai de
Fernando, certo dia ele foi a empresa, creio que Fernando deu dinheiro a ele para se
afastar, não sei bem ao certo, enfim, ele entrou em contato comigo querendo que eu
passasse os podres de Bianca e deixou claro o seu interesse em separar ambos. — Ele
finalmente se senta à minha frente.
— E o que você falou de Bianca para ele? — indago curiosa.
— Nada Bianca é do tipo certinha, então não sei de nada que ele poderia usar.
Porém, um dia escutei a secretária de Fernando, falando que se afastaria por motivos de
saúde, aí vi uma oportunidade de separá-los. Todo homem poderoso gosta de uma
mulher submissa, frágil e desprotegida. Expliquei meu plano ao pai dele, ele aceitou
pagar e eu entrei em contato com você, daí em diante você sabe. Só não contava que
demoraria tanto! Pensei que seria mais fácil. Julguei erroneamente que Fernando se
envolveria com você, achava que o que ele sentia por minha chefe era apenas tesão.
—Ele a ama demais. Por mais que me insinuasse, por mais que eu tentasse, no
máximo que consegui fui a sua pena, eu peguei esse sentimento e o usei ao nosso
benefício.
— Por outro lado, Bianca é inteligente demais, e mesmo eu jogando algumas
indiretas e você fazendo todo seu teatrinho com Fernando, foi difícil! Mas finalmente,
conseguimos! Em Paris você o embebeda e dorme com ele, ou pelo menos induz que fez
isso. E por aqui vou consolá-la, e finalmente, conseguir atingir meus objetivos. — Rafael
comemora sorrindo.
— Não será tão fácil assim, afinal tem o descontrolado do Pedro. Dá para acreditar
que ele já chegou a me oferecer dinheiro para ajudá-lo a separar os dois? Claro que me
fiz de ofendida... mal ele sabe que já fui muito bem paga — revelo rindo.
— Esse cara é um playboy que está com o orgulho ferido. Ontem falei para ele que
Fernando e Bianca brigaram, aposto que ele foi jogar isso na cara de Fernando. Quando
mais irritado ele ficar, mais fácil vai ser conseguir o que queremos. Tirar Pedro do meu
caminho vai ser fácil. Vou falar para Bianca que vai ficar uma situação muito delicada se
ela continuar na empresa. Saímos da empresa, e Pedro vai parar de perturbar.
— E Michele? Essa louca quase me bateu ontem.
— Vou ser o cara perfeito que consolou a amiga. Não preciso me preocupar com
ela, mas, para tudo isso dar certo, você tem que ir a Paris com Fernando!
— Não se preocupe, eu vou; e já comprei uma coisinha para pôr na bebida dele. —
Sorrio, mostrando o comprimido.
— Perfeito! Bem, vou para a minha mesa ser o secretário perfeito. — Rafael sai
sorrindo da sala, e fico imaginando o que Bianca faria se soubesse que a pessoa que ela
tanto confia e deu uma chance na empresa a está traindo. Bem, do jeito que ela é
democrática, provavelmente, falaria algo calmo e cínico e o despediria. Já Michele o
estaria esperando na esquina! Só em pensar nessa mulher sinto calafrios.
Capítulo 28

Bianca
Assim que saio do carro, vejo uma mulher loira e baixinha, de cabeça baixa na
porta da empresa. Sorrindo, vou em direção a ela.
— Mariana, meu anjo, por que você está aqui fora? Poderia ter me aguardado na
minha sala. Meu Deus, nós tínhamos agendado algo para hoje? — pergunto, a
abraçando. Ela fica vermelha e põe o cabelo atrás da orelha.
— Não, senhora Bianca, me desculpe aparecer assim, sem avisar. Por isso preferi
ficar esperando aqui fora.
— Aconteceu alguma coisa? E por favor, me chame de Bianca.
— A senhora... quero dizer, você tinha falado para ligar essa semana... e como não
consegui falar com você, meu pai, digamos, me deixou meio louca e acabei vindo aqui,
mas fiquei com vergonha de entrar. — Balbucia visivelmente constrangida.
Devido à situação com Fernando, acabei deixando meu celular desligado por quase
dois dias.
— Se você estiver muito ocupada, eu volto outro dia. — Ela soa sem graça e muito
vermelha.
Fico olhando para ela e reparo a diferença entre uma pessoa que é tímida e
humilde de verdade, e uma que é sonsa. Mariana é uma menina meiga, gordinha, tímida,
meio desajeitada, usa óculos e é tão bonita, mas tenho certeza que ela não tem noção do
quanto ela é linda. Ela é nova, tem vinte e um anos, e é extremamente inteligente.
Contudo, é muito, muito insegura.
— Ai, meu Deus! Estou atrapalhando! Desculpe ter vindo assim, vou embora,
desculpe.
— Calma, Mariana! Eu que tenho que me desculpar com você. Nos últimos dias
meu telefone esteve desligado. Estou querendo ligar para você desde a semana passada,
mas tem acontecido tantas coisas que eu acabei não ligando. Vamos à minha sala tomar
um café e conversar. E se o Pablo estiver por aí, mostro onde você vai começar a
trabalhar.
— Pensei que trabalharia com você.
— Então, refletir e vi que seria melhor para você ir direto para a área que domina. E
você vai trabalhar com o Pablo. Não se preocupe, vou ficar por perto, e aí de quem mexer
com você. — A tranquilizo quando noto que ela fica preocupada. Ela sorri e seguimos
para minha sala.
— Esse Pablo não fica na empresa?
— Pablo tem a sua própria empresa, e aparece por aqui duas vezes por semana.
Depois de conversarmos um pouco na minha sala, mostro a empresa para Mariana
e acabamos encontrando Pablo, que infelizmente, estava com Angélica grudada no
pescoço dele. Mesmo depois de dois meses que esses dois estão juntos, ainda não
consigo entender o que Pablo viu na Angélica além do visual, pois por mais que eu não
goste da criatura, não tem como negar que ela é muito bonita; mas para mim, a beleza
dela vai por terra por ela ser uma pessoa mesquinha, fútil, invejosa e interesseira.
— Olá, Pablo, estava te procurando. Bom dia, Angélica. — Tento ser educada. Não
é porque não vou com a cara da criatura que vou ser mal-educada.
Angélica começa a falar com voz irritante, que eles estão planejando uma viagem
romântica, e enquanto ela fala, reparo que Pablo nem falou comigo. Ao invés disso ele
está olhando fixo para Mariana. Olho para Mariana e ela também está olhando para ele,
mas baixa a cabeça com um sorriso tímido. Volto a olhar para o Pablo, que está olhando
para ela e sorrindo de lado. Conheço esse tipo de sorriso...
— Me desculpe, não apresentei vocês. Pablo, essa é a Mariana.
— Pra... prazer... é... Hum... Mariana — ele gagueja e ajeita os óculos.
Ele fica tão fofo quando fica todo atrapalhado. Só o vi falando assim comigo.
— Prazer em conhecê-lo, Pablo. — Mariana o cumprimenta de forma meiga, fica
vermelha e oferece a mão a ele, que a pega rapidamente.
— O pra.. pra... prazer é to... todo...me...me...meu.
É tão bonitinho os dois juntos, e volto a ver aquele Pablo que me encantou há
alguns meses. É visível o encantamento de ambos. Eles continuam de mãos dadas,
olhando um para o outro, e simplesmente esqueceram de mim e de Angélica, como se os
dois estivessem em um mundo paralelo, só deles. Angélica, que também notou o clima de
romance entre os dois, interrompe, se apresentando:
— Oi, fofinha, eu sou a Angélica, namorada do Pablo. E você, quem é? — Angélica
abraça Pablo, e Mariana dá um passo para trás, envergonhada, e baixa a cabeça.
— Angélica, vou deixar uma coisa bem clara desde agora. Eu exijo que você
respeite a Mariana. Ela vai trabalhar aqui na empresa com o Pablo, e se eu sequer ouvir
que você falou alguma besteira para ela, vou fazer valer aquela promessa que fiz a você
há um tempo. Mariana é minha amiga, e se mexer com ela, mexe comigo. Entendeu?
— Calma, desculpe. Não precisa ficar nervosa, foi apenas forma de falar.
—Algumas palavras magoam e muito, portanto comece a pensar antes de dizer
algo. Tenho certeza que você sabe que Pablo, não liga muito para o perfil físico, quando
se interessa por uma mulher. Talvez seja por isso que ele fica tão encantado toda vez que
vê uma "fofinha" na frente dele.
Angélica olha para Pablo.
Parece que só agora ela se dá conta de que enquanto estamos discutindo, Pablo
está novamente de mãos dadas com Mariana, conversando, completamente alheio ao
que acontece ao seu redor. A vaca parece que se lembra de algo, e dá um sorriso cínico.
— Pablo, agora me lembrei, ela deve ser a filha do faxineiro que a Bianca tinha
pedido, encarecidamente, que você desse emprego — Angélica diz em um tom
debochado.
Pablo dá dois passos para trás e olha para Mariana dos pés à cabeça.
— Você é filha do faxineiro nordestino? — pergunta em um tom incrédulo,
preconceituoso.
Pronto, o Pablo fofo e carinhoso desceu pelo ralo.
— Sou, sim! E tenho muito orgulho do meu pai e das minhas raízes nordestinas,
visse. — Mariana eleva a cabeça e estufa o peito.
Todo aquele clima de romance que tinha entre os dois acaba, e eles se olham com
desprezo mútuo. É muito triste quando o preconceito entra no meio de uma história que
tinha tudo para ser linda.
— Pablo, acho melhor Mariana trabalhar comigo ao invés de com você — interfiro
receosa quando noto o clima tenso entre eles.
— De forma alguma, agora fiquei curioso para saber se ela é tão inteligente como
você diz — Pablo fala sem tirar os olhos de Mariana.
— É só marcar a data e a hora que eu dou a prova — responde Mariana.
Cadê a Mariana tímida, gente?
—Você é muito convencida e prepotente — rebate Pablo com raiva.
— Não é questão de ser convencida ou prepotente. Posso ser insegura em muitos
aspectos da minha vida, mas em relação ao meu trabalho, sei que dou conta do recado
— ela retruca, o encarando.
Eu estou quase pulando e batendo palma. Que orgulho! É isso aí, menina, não dá
mole para ele, não! Claro que não falo nada, apenas olho para Pablo e levanto uma
sobrancelha.
— Te espero segunda às nove em ponto. Por acaso é desse tipo de pessoa que
chega atrasada?
— Pode ter certeza que na hora marcada estarei lá, senhor.
— Pode me chamar de Pablo.
— Prefiro tratá-lo por senhor.
Pablo fica olhando para Mariana, depois pega a mão de Angélica e sai.
— Ai, meu Deus! Fui grossa com o meu futuro chefe! — Mariana diz receosa.
— Calma, relaxe. Pablo mereceu, e você apenas se defendeu. Fique tranquila —
asseguro, segurando as suas mãos.
— Bianca, minha linda, que sorte a minha te encontrar aqui.
Olho para trás e vejo Pedro com Marcela. Oh, senhor, me dê paciência!
— Como vai, Pedro? Tudo bem, Marcela? — pergunto a ambos.
Marcela apenas faz um gesto afirmativo com a cabeça.
— Muito melhor agora que te vi. E quem é esse anjo que está ao teu lado? —
Pedro não espera ser apresentado, pega a mão de Mariana, a beija, e se apresenta
sorrindo.
Era só que me faltava! Também conheço esse sorriso. Pedro parece estar
interessado em Mariana. Olho para Mariana e vejo que ela está assustada, o observando.
Viro para Marcela, e chega a me dar pena dela, que está com os olhos cheios de
lágrimas. Quando ela vai entender que esse cara não vale suas lágrimas? Porém, não
vou me meter nisso, já tenho problemas demais. Principalmente porque o perfume que
ela está usando está revirando meu estômago.
Mariana me olha e repara que não estou bem, então nos despedimos deles e entro
no banheiro do corredor para vomitar. Quando acabo, lavo meu rosto, me olho no espelho
e vejo que estou pálida.
— Você está melhor? — pergunta preocupada.
— Sim, o perfume dela me enjoou.
— Você está grávida de quantos meses? — questiona sorrindo.
— Não estou grávida, não posso engravidar. Você é a segunda pessoa que fala
isso hoje, mas até ontem estava no período menstrual... não tem como estar grávida —
respondo triste.
— Meu pai disse que minha mãe, menstruou até o quinto mês de gestação.
— Eu tenho endometriose. Por causa disso já tirei um ovário, não posso engravidar.
— Para Deus, tudo é possível — Mariana comenta e fico em silêncio por um tempo.
Quando me sinto melhor, saímos do banheiro, mostro mais algumas coisas para ela, e
depois me despeço, e a agradeço por ter me ajudado. Vou para minha sala, e passo a
manhã pensando no que Mariana e Maria falaram.
Para Deus, tudo é possível!
Peço ao Rafael para marcar uma consulta com minha ginecologista o mais rápido
possível, e ele consegue um horário na hora do almoço. Saio do escritório muito ansiosa,
mas com medo de ter esperança depois de ter ouvido, por tantos anos, que não poderia
ter filhos. Vou em direção ao elevador assim que ele abre. Fernando me olha e sorri
enquanto entro no elevador.
— Estava indo à sua sala. — Ele sorri e me olha como se não me visse há muito
tempo. Com saudade, e muito amor.
Mesmo não querendo, ele rouba um sorriso de mim. Como amo esse homem! Ele
me deixa louca, me tira do sério, mas me desarma cada vez que sorri assim para mim.
Desvio para Carolina, e aperto o botão para o elevador parar no próximo andar.
— Senhor Fernando, estamos atrasados, e como viajaremos amanhã... — ela
começa a falar, mas a interrompo.
— Saía — ordeno assim que a porta abre.
— Você não é minha chefe. Nandi...
— Se você não sair daqui agora, eu não respondo por mim. Sai daqui agora! —
grito. Minha paciência esgotou... acho que ela durou até demais.
— Fernando! — Ela olha assustada para Fernando, que me olha sorrindo.
— Sai, Carolina. Nós nos falamos depois do almoço — ele responde, sem desviar
os olhos dos meus e sorrindo de lado.
Assim que ela sai e as portas do elevador se fecham, encosto Fernando na parede
e o beijo.
Demonstrando no beijo toda paixão, carinho, ciúme, desejo, e principalmente, amor
que sinto por ele. Ele segura minha nuca, e com a outra mão vai descendo pelo meu
corpo e me segura com força. Mordo o lábio inferior dele e ele geme na minha boca.
— Minha gostosa, que saudades estava do seu corpo, do seu cheiro. Por favor,
pare de me maltratar. Eu te amo, Bianca. — Ele levanta meu vestido e me lembro da
consulta que tenho com a ginecologista, ou seja, nada de sexo. Suspirando, me afasto
dele.
— O que houve? — Ele me agarra por trás e morde meu pescoço.
— Eu não posso — digo gemendo.
— Eu sei que você quer. — Sua mão novamente levanta meu vestido.
— Sim, eu quero, mas não posso... tenho um compromisso, agora, não dá. —
Ofegante, saio do seu abraço.
Ele encosta na parede do elevador e fica me olhando com uma cara safada.
— Pode tirar esse sorriso convencido do seu rosto. Se você não der um jeito na
Carolina, vamos continuar separados.
— Ah, de novo isso, Bianca?
— Fernando, ela ligou para minha casa hoje de manhã, pouco antes de você
chegar. Volto a falar, se você não resolver essa situação, vamos continuar separados —
afirmo, apontando o dedo. Ele me encosta na parede tão rápido que levo um susto, e me
beija forte, selvagem e muito sensual. Passa a língua pela minha orelha e fala
sussurrando:
— Seu corpo é meu, você é minha. — Ele morde minha orelha. — Nós nunca
vamos terminar, nunca! — ele promete e volta a me beijar, só que agora devagar, me
mostrando o quanto me ama. Depois me solta, e ajeita o meu vestido. — Você vai chegar
atrasada para seu compromisso, amor. E não esqueça: você é minha; e eu, seu. Você é
meu tudo, meu Felizes para sempre, meu sonho realizado... sonho esse que eu nem
sabia que tinha. E nada, nem ninguém, nunca vai mudar isso. — Ele beija minha testa,
me vira, e me empurra para sair do elevador.
Saio do elevador meio zonza e bamba. Ele me desequilibra e eu gosto disso. Sigo
em direção ao estacionamento, entro no meu carro e respiro fundo. Sorrindo, vou para
minha consulta.
Não precisei explicar todo meu caso para a médica, pois ela conhece meu histórico.
Conto tudo que eu estou sentindo, e ela pede um exame de sangue, diz que fica pronto
em uma hora e posso ver o resultado pela internet. Ela pede que quando tiver o resultado
do exame, ligue e marque uma outra consulta.
Vou ao laboratório, tiro sangue, e a enfermeira me dá uma senha para acompanhar
o resultado em uma hora pela internet. Saio do laboratório e vou almoçar, mas estou tão
ansiosa que não consigo comer. A médica me deu uma esperança que estava com medo
de ter. Não consigo comer nada, apenas tomo um suco e volto para a empresa. Assim
que saio do carro, dou de cara com Carolina. Tento desviar, mas ela entra na minha
frente.
— O que você quer, garota? — Cruzo os braços e a encaro.
— A minha viagem para Paris com o Nandinho foi antecipada para hoje à noite —
ela fala, e sinto como se ela tivesse me dado um soco.
Olho para frente, vejo Fernando se aproximando. Já que ele não acredita quando
eu falo, quem sabe agora vendo, ele acredite.
— E daí?
— Daí, vê se não atrapalha — ela diz com um sorriso debochado.
— E minha mulher atrapalharia exatamente o quê, Carolina? — pergunta Fernando
com muita raiva.
— Vocês que se entendam, eu tenho mais o que fazer. — Saio, e os deixo
conversando no estacionamento, e vou para a minha sala. Estou ansiosa para saber se
meu sonho vai finalmente se realizar...

Fernando

Hoje de manhã saí do meu apartamento animado, achando que finalmente tudo se
acertaria. Até cheguei a comprar, pela internet alguns DVDs das séries que ela ama, que
sempre durmo vendo. Sei que ela ficará feliz quando receber. Já desisti de tentar
entender as séries que ela gosta, mas amo ficar no sofá com ela, vendo os tais episódios.
Bem, ela vê, e eu durmo agarrado a ela. Ontem quando nos falamos por telefone, parecia
que estava tudo bem. Pensei que conversaríamos e esqueceríamos toda essa bobagem
hoje no café da manhã, e que finalmente conseguiria voltar a dormir.
Desde que toda essa confusão começou, não sei o que é dormir direito.
Simplesmente não consigo, pois sinto falta dela. Cheguei ao seu apartamento animado,
no entanto, assim que a porta abriu, Maria me disse que ela não queria falar comigo. Não
dei atenção a ela e fui à procura de Bianca, e ela mal me deixou abrir a boca, falou um
monte de coisas e me pôs para fora, dizendo que meu cheiro causava enjoo. Saí do
quarto sem norte, sem ação. Será que ela está deixando de me amar?
Vou para a sala e sento no sofá de cabeça baixa. Estou começando a perceber que
Bianca realmente está levando isso muito a sério... não é uma brincadeira, nem um ciúme
bobo, e estou correndo um sério risco de perdê-la.
— Oh, Fernando! Não fica assim não. Você é um tapado, mas me corta o coração
ver um homem assim. Principalmente, ele sendo tão lindo. — Maria me consola.
Normalmente rio das coisas que Maria fala, mas neste momento, nem ela consegue
me fazer levantar a cabeça. Michele senta ao meu lado e toca no meu braço.
— Ei, bofinho! Não fica assim, não. Tome uma atitude, homem! — diz Michele.
— Michele, se fosse com qualquer outra mulher, eu já teria mandado tudo à merda.
Bianca é especial e diferente. Eu a amo muito, não estou sabendo lidar com essa
situação. Situação essa que normalmente ela tiraria de letra e, no entanto, se tornou uma
coisa enorme. Ela praticamente acabou de dizer que está sentindo nojo de mim, que
estou causando enjoo nela... Michele, acho que ela está deixando de me amar, e eu não
sei viver sem ela, não sei dormir sem ela. —Sinto uma dor imensa no peito ao pensar que
isso é realmente sério, e não uma briga boba.
Maria senta ao meu lado e me abraça.
— Fernando, não fica triste; ela já estava enjoada antes de você chegar — Maria
diz me apertando.
— Será que ela está doente? — pergunto preocupado.
— Não, é só enjoo matinal. Eu acho que ela está...
— Ela deve ter comido alguma coisa. Ela não está com nojo de você, Fernando.
Está apenas indisposta. Vamos parar com esse chororô que até já perdi a vontade de
bater em você. —Michele interrompe Maria.
— Mas você há de concordar que ela está diferente. Bianca não age dessa forma.
Ela é contida e sabe lidar como ninguém com as mais diversas situações. Não estou
conseguindo entender nem suportar essa situação. Até então achei que era uma
bobagem, mas estou percebendo que é muito mais sério.
— Fernando, eu disse que para ela era sério, mas você não quis acreditar. Em uma
coisa você tem razão: Bianca está muito nervosa e estressada, e essa não é uma reação
comum dela — confirma Michele.
— Michele, mulher grá...
— Maria, pelo amor de Deus! Vá buscar alguma bebida para esse homem, que pelo
jeito, essa conversa vai render — Michele novamente interrompe Maria.
Ficamos conversando mais algum tempo e vou para o escritório com o ânimo um
pouco melhor, sabendo que não é nada pessoal, pois ela já estava enjoada quando
cheguei. No caminho tomo uma decisão; não queria, mas vou afastar Carolina. Se é ela
que está trazendo esse desconforto a Bianca, então vou me afastar dela. Sei o que é ter
raiva e ficar louco de ciúme, fico assim quando um homem fica perto da minha mulher.
E a verdade é que Carolina não consegue me tratar apenas como patrão. Mesmo
depois da nossa conversa, ela continua a me tratar por "Nandinho" ou outra forma nada
profissional. Chego à empresa e vou direto para a sala do Márcio.
— Fala, Fernando. E aí, como vão as coisas? — ele me pergunta enquanto me
cumprimenta.
— Meio complicadas...
Conto a ele tudo que aconteceu, e ele houve em silêncio; coisa rara se tratando de
Márcio.
— E, no momento, estou nessa situação com Bianca. — Um longo suspiro escapa
dentre meus lábios.
— Cara, estou falando há dois meses que essa mulher ia dar dor de cabeça.
— Márcio, a verdade é que boa parte da culpa é minha. Carolina é carente e
romântica, e confundiu minha preocupação e amizade com outra coisa.
— Ela deve ter feito como a maioria das mulheres: viu um romance nessa relação,
e deve ter imaginado que você se apaixonaria por ela. — Supõe balançando os ombros.
— Sim, e o meu grande erro foi não ter percebido e cortado isso antes. Foi preciso
essa confusão toda, para perceber que para ela era muito mais que uma amizade.
— E o que você vai fazer agora?
— Márcio, sinceramente, não sei. Provavelmente, vou ter que demiti-la, o que me
deixa muito mal, porque mesmo indiretamente, fui responsável por essa situação e não
tenho o que reclamar dela profissionalmente.
— Como sou seu amigo, vou quebrar esse galho para você. Como não tenho
secretária e você disse que ela é responsável, manda para mim.
— Que boa ideia! Muito obrigado! Você não vai se arrepender, ela é ótima
profissional.
— Veremos, mas se ela tentar interferir na minha vida pessoal, ela será demitida! —
Alerta, sério.
— Você é o chefe dela de agora em diante. Vou pedir ao RH para fazer a
transferência.
Falamos por mais um tempo e saio com o ânimo renovado da sala, louco para
contar para Bianca. Aviso ao RH da transferência de Carolina e o dia segue tranquilo. Na
parte da tarde faço uma pausa para ir à sala de Bianca contar a novidade. Estou ansioso
para saber o que ela vai achar. Para minha surpresa, eu a encontro no elevador.
Ela está diferente, expulsa Carolina do elevador e volta a ser minha mulher, mas a
verdade é que amo essa mulher de qualquer jeito. Mal-humorada, de TPM, com raiva,
estressada, ciumenta... Enfim, mesmo quando me diz que não me quer mais e me manda
embora, ainda a amo. Ela sai meio zonza, e fico satisfeito em saber que ainda causo esse
efeito nela!
Saio do elevador com um sorriso bobo e vou para um almoço de negócios. Na
volta, vejo Carolina conversando com Bianca, e chego a ficar feliz por achar que estão
conversando, o que já seria um começo; mas vejo que Carolina começa a impedir Bianca
de passar, então caminho em direção a elas, e me surpreendo ao ouvir a conversa.
Eu me senti traído. Carolina conseguiu conquistar a minha confiança, ela conseguiu
fazer com que sentisse pena, que quisesse protegê-la e demonstrou ser uma pessoa
frágil e indefesa, mas pelo que vejo, ou melhor, pelo que ouço, de frágil e indefesa ela
não tem nada. A forma que ela está falando com Bianca é até muito agressiva, e neste
exato momento, me sinto um idiota por ter acreditado nela, por tê-la deixado entrar na
minha casa, por ter posto em dúvida tudo o que Bianca falou.
Meu Deus, Bianca não se enganou e não aumentou. Não é uma coisa de ciúme ou
uma coisa boba, Michele e Márcio têm razão, e Maria também em me chamar de babaca.
E eu igual a um idiota passei o dia tentando encontrar uma forma de comunicar a
Carolina que ela agora irá trabalhar com Márcio.
Depois que grito com Carolina, Bianca vai embora e me deixa sozinho com ela.
— Carolina, você ainda não me respondeu, o que minha mulher atrapalharia? —
Volto a indagar e observo suas reações.
— Senhor Fernando, eu... — ela tenta falar, mas não a deixo terminar.
— Quero a verdade, Carolina, porque finalmente notei que de você só vem mentira
— digo, e ela faz menção de começar a chorar. — Também não quero saber de seus
choros — falo de forma rude. Estou sem um pingo de paciência.
— Fernando, por favor, me desculpe — ela pede chorando.
— Pensando bem, não me interessa o que você tem a dizer, porque não vou
acreditar em qualquer coisa que você falar. Ah, e outra coisa, você não trabalha mais para
mim.
— Fernando, por favor, preciso desse trabalho — suplica tentando encostar em
mim.
— Nunca mais encoste em mim. Nunca mais se aproxime como se fôssemos
amigos. Não somos amigos, e você deveria ter pensado no seu emprego antes de tentar
interferir no meu relacionamento com minha mulher. A sua sorte é que hoje de manhã
você foi transferida e agora trabalha com Márcio; e é a ele que você vai se reportar a
partir de hoje. Ele é o seu chefe agora.
— Fernando, eu amo você! — confessa, chorando.
— Isso é um problema seu, não meu.
— Mas você dizia que éramos amigos, que sentia um carinho...
— Você falou bem, dizia! Porque hoje nem mais pena sinto; mas quero,
sinceramente, de todo meu coração, que você se dane! — Saio da frente dela antes que
acabe fazendo uma besteira, e ligo para Márcio.
— Márcio, preciso de um favor de irmão.
— Lá vem merda! Quando você fala isso, sei que vem bomba. O que você quer?
— Preciso que você me substitua na viagem para Paris.
— Você não vai mais viajar para Paris?
— Não, você pode me substituir?
— Por que não vai mais? O que houve?
— O que houve, te explico outra hora. O real motivo é que eu tenho que
reconquistar a minha mulher, e agora tenho certeza que essa viagem vai nos separar
ainda mais. Por favor, meu amigo, me ajude.
— Não lhe reconheço mais, Fernando. Desde que você conheceu Bianca você
virou uma mulherzinha. Deus me livre isso acontecer comigo... É ruim que uma nega me
ponha cabresto.
— Pois eu tenho quase certeza, que uma loira arrasa quarteirão já tem a sua coleira
faz tempo. Só quero ver o que sua mãe achará disso, mas isso é outra história. Me ajuda,
cara!
— Ok, vá dar uma de mulherzinha e correr atrás dela feito um cachorrinho.
— Amo ser o cachorro dela. — Termino a ligação rindo, e ligo para a floricultura.
No começo do nosso relacionamento, ela me disse que queria ser conquistada. E
sei como fazer isso. Vou reconquistar e seduzir minha mulher de forma que ela nunca
mais duvide que sou todo dela.

Carolina

Fico olhando Fernando ir embora frustrada.


— Droga! Como tudo pôde dar tão errado? — Ando de um lado para o outro
irritada. Pego meu celular e ligo para Rafael.
— Preciso falar com você agora! — digo, assim que ele atende.
— Não posso sair agora. Bianca acabou de chegar e está muito estranha — ele
sussurra.
— Fernando me transferiu para Márcio, e acho que cancelou a viagem. Dá seu jeito
e desce agora! Estou no estacionamento — esbravejo irritada.
— Estou indo.
Dez minutos, ele chega.
— Qual foi a besteira que você fez? Por que ele cancelou a viagem? — Rafael me
pergunta irritado.
— Ele pegou uma conversa minha com Bianca e surtou. Disse que me transferiu
para Márcio, e sinceramente, não sei se ainda vamos a Paris... provavelmente não.
— Bianca pediu para marcar uma consulta urgente com a sua ginecologista, achei
isso muito estranho, e agora isso — ele comenta andando de um lado para o outro.
— Você acha que ela está grávida? O que vamos fazer agora? — pergunto, ele
para de andar, e fica me olhando com raiva.
— Você, eu não sei. Eu vou voltar para o escritório, ser o secretário perfeito e saber
o que está acontecendo.
— E o seu grande plano, como fica? — pergunto com a mão na cintura.
— Neste momento, é hora de dar um passo para trás e avaliar toda a situação.
Depois, eu decido o que fazer. — Ele vai embora.
Entro na empresa e sigo para o escritório de Márcio. Rafael tem razão, neste
momento não há nada a fazer.
Capítulo 29

Bianca
Chego na minha sala correndo e ligo o computador, entro na internet e fico
atualizando a página a cada cinco minutos até sair o resultado.
— Meu Deus! — Incrédula, ponho a mão na boca e sinto as minhas lágrimas
caírem.
Por um momento esqueci como era respirar. Sempre ouvi que nunca seria possível,
de vários médicos e alguns especialistas. Ponho a mão na minha barriga e respiro fundo.
Leio e releio várias vezes, sorrio sem acreditar no que vejo, e começo a chorar e rir ao
mesmo tempo. Contra todas as possibilidades, ao contrário de tudo que ouvi até hoje...
— Eu estou grávida! — sussurro, olhando a tela do computador.
Levanto e começo a andar de um lado para o outro. Estou, sem sombra de dúvidas,
vivendo o momento mais feliz da minha vida! Não sei se choro ou se rio, pego o telefone
vinte vezes para ligar para minha mãe, para o meu pai e para Michele, mas,
principalmente, para Fernando. E todas as vezes, desisto antes de completar a ligação.
Resolvo não falar com ninguém agora. Quero ter certeza, quero fazer uma
ultrassonografia e mais exames. É tudo muito surreal.
— Meu Deus, eu estou grávida! — exclamo feliz demais, e também apavorada
demais.
Ligo para médica, comunico o resultado do exame e ela me indica uma obstetra, e
consigo marcar consulta para o dia seguinte. A tarde passa como se eu estivesse
sonhando, e nem o fato de ter largado Fernando conversando com Carolina me
incomoda... nada importa, eu vou ter um filho ou filha. Nunca pensei que isso fosse
acontecer comigo, sempre soube que não era possível, mas aconteceu, e tudo se tornou
pequeno demais diante deste momento, tão maravilhoso que estou vivendo. Estou
literalmente sentindo um carrossel de emoções.
Não vou dizer para o Fernando que eu estou grávida. Pelo menos, não agora. Vou
deixá-lo viajar com Carolina, resolver essa situação com ela, e depois eu falo para ele.
Quero, neste momento, estar feliz e plena... depois eu pensarei nos problemas.
Não quero influenciar a sua decisão. Quero que a decisão dele de se afastar de
Carolina, seja única e exclusivamente dele, não influenciada por um filho. Não vou fazer
do meu filho uma barganha. Ele vai decidir sozinho, só não sei se vou aceitar se ele
decidir mantê-la como sua assistente.
Enquanto estou divagando, sobre possíveis situações que possam acontecer entre
mim, Fernando e a sonsa da Carolina, Rafael me avisa que chegaram flores para mim.
Peço para ele entrar e me assusto.
— Mas o que é isso? — pergunto assustada quando vejo cinco buquês de
casamento. Aposto que são do Fernando. Quem mais em sã consciência me mandaria
buquê de casamento? Ele ainda não entendeu que existe uma grande diferença entre
buquê de flores normais e um de casamento?
— Obrigada — agradeço aos rapazes sem graça.
Assim que eles saem, olho os buquês. São lindos e cada um tem um cartão.

Meu amor. — O primeiro.

Você acha que não aprendi que essas lindas flores são para casamento? — Ao ler
o segundo, fiquei curiosa e fui para o próximo.

Bobinha, eu aprendi. Ok, foi a duras penas, já que nunca tinha mandado flores a
ninguém. — Sorri com o terceiro e passei para o outro.

Mas você, meu amor, é especial... Você merece tudo e muito mais. — Sorrindo, li o
último cartão.

Uma vez você me falou que não queria ser seduzida, e sim conquistada. Algumas
coisas que aconteceram fizeram que você ficasse magoada e chateada comigo, e por
isso hoje, eu estou a reconquistando. Não que eu tenha a perdido, porque isso NUNCA
vai acontecer! Ficamos apenas estremecidos. Aguarde, isso é só o começo. Ainda tem
muito mais...

Termino de ler o cartão com a testa franzida. O que será que Fernando preparou
para mim? Homem só manda flores quando faz besteira. Bem, mas Fernando não segue
nenhuma regra. Será que isso significa que ele perdoou Carolina, e viajará com ela?
Sinto uma lágrima cair e a limpo.
— Meu Deus, cadê o meu controle? Acho que são os hormônios da gravidez que
estão me deixando muito emotiva. — Eu me pergunto em voz alta.
Pelo menos agora, tenho uma desculpa palpável, do porquê ando tão emotiva e
descontrolada. Uma hora depois, Rafael entra com uma caixa de bombom e um cartão.
Noto que ele está com uma expressão fechada.
— Está tudo bem, Rafael?
— Tirando o fato de que virei garoto de entrega, não poderia estar melhor. — Ele
põe a caixa de bombom com grosseria em cima da minha mesa, e se vira para sair.
— Rafael, vou relevar o que acabou de acontecer, porque é a primeira vez que você
se comporta assim, e sempre foi um bom profissional; mas caso não esteja satisfeito, me
avise que providencio sua demissão. — Eu o advirto de forma séria e calma, o olhando
friamente.
— Me desculpe, senhora, isso não voltará a acontecer. Estou com alguns
problemas pessoais... estou apaixonado por uma mulher, que ainda não reparou que sou
o melhor para ela — confessa, me olhando intensamente. — Mesmo depois de tudo o
que eu fiz, para ela me notar. — Conclui com os olhos fixos em mim.
Franzo o cenho e me recordo que foi Rafael que indicou Carolina, como secretária
de Fernando. Prefiro acreditar que tudo não passou de uma infeliz coincidência, contudo,
não posso mais ignorar as suas atitudes.
Suspiro fundo e começo a falar com calma.
— Rafael, eu poderia falar para tentar conquistá-la, para lutar por esse amor.
Porém, se essa mulher já tem uma pessoa e não consegue enxergá-lo como homem,
então o melhor é deixar para lá e seguir em frente. Há coisas na vida que às vezes nos
predem, e deixamos passar maravilhosas oportunidades. — Ele me olha em silêncio por
um tempo.
— Agora vejo que, mesmo antes do atual romance dela, eu não tinha chance. Ela é
inteligente demais. Talvez a senhora, tenha razão e o melhor seja eu pedir demissão.
— Sim, acredito que seja o melhor. Porém se você pedir demissão, vai perder seus
direitos. Eu demito você, e dou uma ótima carta de recomendação — sugiro, levanto, vou
até ele e aperto sua mão. — Desejo boa sorte, Rafael. — Ele me olha por um tempo, e
depois sai.
Bem, perdi um ótimo funcionário, mas tenho certeza de que deixei de ter algumas
dores de cabeça. Contudo, não posso negar que algumas coisas que ele mencionou me
deixaram com uma pulga atrás da orelha.
Começo a achar que, talvez, Michele tenha razão e Carolina foi realmente mandada
para atrapalhar meu relacionamento com Fernando, e que Rafael tenha algo com isso.
Enfim, se realmente foi ele, já o excluir da minha vida.
Escolho não pensar sobre isso nesse momento e volto para minha mesa, pego o
cartão e o leio.

Hoje me disseram que pareço um cachorrinho correndo atrás de você. Nunca


pensei que seria tão bom ser cachorro! Descobri que sou mais feliz desde que você
entrou na minha vida. —Termino de ler chorando, ele está se superando.

Na saída, recebo um lindo buquê de flores amarelas e um urso de pelúcia enorme,


com mais de um metro, e mais um cartão.
Achava que não existia amor perfeito até conhecer você; simplesmente não
consegui e muito menos quero tirar você da minha vida! Te amo para sempre.

Jesus, como ele acha que vou levar isso para casa?
Senhor Arino e algumas pessoas da minha equipe me ajudaram a levar tudo para o
meu carro. Antes de sair, passei pelo escritório de Fernando, mas a secretária dele disse
que ele não estava lá. Perguntei sobre Carolina e ela disse que também não estava.
Saio de lá tendo a certeza de que as flores, bombons, urso enorme e todos os
cartões foram apenas porque ele realmente viajará com ela. Amei as flores, amei os
cartões e mensagens pois mostram o carinho e preocupação dele comigo. Sei que a
viagem é de negócios, mas não consigo aceitar essa situação. Fernando viajar com
Carolina não desce.
Chego no meu prédio, e envio uma mensagem para Michele me ajudar a levar tudo
para o meu apartamento.
— Meu Deus, Bianca! Assaltou uma floricultura? — pergunta, olhando tudo
assustada.
— Fernando me deu — informo, tirando do carro o enorme urso que, no momento,
está todo amassado.
— Bianca, que cafona e brega!
— Cafona nada. Tudo é meio brega, eu sei, mas é lindo e fofo.
— Mas, Bianca, é buquê de casamento.
— Michele, Fernando nunca tinha dado flores a ninguém, dá um desconto —
explico, rindo.
— Bem, ele é o seu boy magia, mas não deixa de ser cafona e brega.
Rio do que ela fala. É meio brega, mas qual pessoa apaixonada não fica meio
brega e cafona. Para mim é tudo lindo. Não tenho noção de onde vou pôr esse urso
enorme no meu apartamento. Michele chama Maria, que estava acabando uma faxina no
apartamento dela, para nos ajudar; e ela, literalmente, surta quando vê as flores e o urso.
Quando finalmente levamos tudo para meu apartamento, tomo um banho e elas
ficam conversando. Enquanto estou no banheiro, toda hora ouço a campainha tocar,
quando acabo, vou para a sala e levo um susto ao ver sete buquês de flores na minha
sala.
— Bianca, não tem mais onde pôr tantas flores. — Michele ri, pondo algumas flores
em um vaso em cima da mesa.
— Mas é tudo tão lindo! O urso, as flores, é lindo. Oh, homem lindo e romântico —
comenta Maria de forma sonhadora.
— Bianca do céu, o que você fez para o homem estar mandando tantas flores
assim? — pergunta Michele.
— Mulher, me conte seu borogodó? Preciso de um homem desses, louco por mim
— pede Maria e começo a rir.
Conto a elas tudo que houve hoje, ocultando a gravidez.
—Oxe! Mesmo ele descobrindo que a tal não presta, ele ainda vai viajar com ela?
— questiona Maria.
— Maria, é trabalho, ela é assistente pessoal dele, por isso que ela vai. O problema
é que eu não estou conseguindo lidar com isso — enquanto falo, sinto as lágrimas
caírem.
— E quem aceitaria uma coisa dessas, Bianca? Essa sonsa nem esconde mais que
quer o seu boy — diz Michele revoltada.
— É verdade, mas por que ele está mandando essas flores e bombons? Será que é
consciência pesada por ter perdoado a sonsa mesmo depois do que ela fez?
Michele senta ao meu lado e me abraça, a campainha toca e Maria vai atender.
Olho para a porta e vejo Fernando com flores e uma caixinha na mão.
— Fernando, o que você está fazendo aqui? Carolina me disse que a viagem foi
antecipada e que vocês iriam viajar hoje à noite — pergunto, não acreditando que ele
estava na minha frente.
— Não pude ir, não com você tão triste. — Ele anda devagar em minha direção.
— Mas é um compromisso profissional importante.
— Você é mais importante, você sempre vai vir em primeiro lugar para mim.
— Mas se você não for, vai comprometer a reputação da empresa.
— Mandei Márcio em meu lugar. Nada é mais importante que você; sempre vou pôr
você em primeiro lugar, porque você é o meu tudo. Nada...
— Desculpe interromper o lindo momento romântico. Eu entendi errado, ou você
mandou Márcio com a sonsa para Paris? — Michele interrompe a linda declaração de
amor que Fernando estava fazendo aos gritos.
— Sim, ele...
— Você só pode estar de sacanagem comigo! — diz Michele interrompendo
Fernando.
— O quê? Por quê? — pergunta Fernando, não entendendo nada do que ela está
falando. E não é só ele, Maria e eu também olhamos para ela.
Maria sai puxando Michele para fora do meu apartamento.
— Vamos embora, Michele! Pare de interromper esse lindo e maravilhoso e tudo de
bom de homem. Meu Deus! E você, Michele, me conte essa história desse Márcio,
porque alguma coisa tem para você estar dando esse ataque todo.
Pela primeira vez na minha vida, eu vejo Michele sem graça.
— O quê! Não, não tenho nada com ele. E não estou dando ataque nenhum, só
achei muito estranho ele ter mandado o Márcio com aquela sonsa, sem vergonha, para
Paris. — Michele olha para Fernando e aponta um dedo para ele. — Você me paga,
Fernando, você me paga! Você está na minha lista negra agora! — diz enquanto é
arrastada pela Maria.
Elas saem e nós caímos na risada. Quando controlamos o riso, ele põe as flores na
mesa e a caixinha no bolso, segura meu rosto com carinho e me beija. Quando termina o
beijo, ficamos nos olhando em silêncio.
— Elas são loucas, mas mesmo assim, gosto delas.
— Ainda não acredito que você está aqui, que você desistiu da viagem por minha
causa. Já pensou no que seu tio vai falar em relação a isso?
— Conversei com ele essa tarde, expliquei toda situação e ele me deu a bênção em
algo que estou querendo fazer há muito tempo.
Ele se ajoelha à minha frente e pega a caixinha.
— Ai, meu Deus! — Ponho a mão na boca.
— Você quer casar comigo?
— Sim! — Ele parece não ouvir e tira um papel do bolso. — O que é isso? —
pergunto curiosa.
— Bem, você sabe que às vezes eu falo algumas besteiras. Então para convencer
você a casar comigo, meu tio me deu a ideia de escrever umas coisas. Assim não corro o
risco de falar merda e você ficar revoltada.
— Mas, Fernando, eu... — Queria dizer que já tinha aceitado, mas ele me
interrompeu.
— Por favor, só me houve.
— Ok
— Quando te conheci, falei muita merda. Depois, como você não saía da minha
cabeça, achei que era uma coisa carnal e que tudo passaria, que era apenas sexo. Mas
não era. Eu me apaixonei por você e, quando percebi, você estava com outro. — Fico em
silêncio e com um sorriso enorme vendo este lindo homem de joelhos à minha frente. —
Bianca, pela primeira vez na minha vida, eu chorei por uma mulher. Chorei por você,
brochei por você, briguei por você, e faria tudo de novo. Porque você, meu amor, vale
tudo isso e muito mais. — Ele respira fundo para tomar fôlego e continua: — Bianca eu
amo você... sei que estamos juntos há apenas alguns meses, mas não preciso de anos,
para saber que você é a mulher que eu quero passar o resto da minha vida.
— Fernando, eu... — Ele não me deixa terminar.
— Sei que você pode achar que é prematuro, que estou pulando etapas... Enfim,
todas essas coisas racionais que você ama falar. Contudo, não vou desistir de oficializar
nossa união e fazê-la minha mulher diante de Deus e dos homens. Nunca mais quero
ouvi-la dizer que terminamos, porque nós somos para sempre.
— Fernando, eu já...
— Ah, e eu quero tudo que tenho direito. Fraque, padrinhos, dama carregando
flores, você em um lindo vestido, véu e grinalda, igreja e festão. Sei que você não pode
ter filhos, mas podemos adotar; e se você não quiser adotar, tudo bem. Bianca, eu a
quero do jeito que você é, não quero que mude; e se for preciso, vou pedir todos os dias
até você aceitar ser minha esposa. — Quando ele acaba, estou chorando, ele levanta, me
abraça e me beija. — Por favor, aceite ser minha esposa e me faça feliz para o resto da
minha vida — ele sussurra no meu ouvido.
— Fernando, aceitei o seu pedido há quinze minutos — respondo assim que
consigo me controlar.
Ele me olha incrédulo.
— Você aceitou, é sério? Assim, fácil? Eu já estava preparado para lutar por você.
A floricultura vai entregar flores a semana toda.
— Pelo amor de Deus, cancela.
— Nós vamos nos casar! — ele fala, me beijando.
— Sim, uma coisa simples, só amigos.
— Simples de jeito nenhum! Quero uma coisa enorme, quero mostrar para o mundo
a grande sorte que eu tenho em ter uma linda e maravilhosa mulher e que me ama. — Ele
volta a colocar um joelho no chão, põe o anel no meu dedo, e beija a minha mão.
— Eu estou grávida — sussurro.
Ele paralisa e fica me olhando, e depois, observa a minha barriga.
— Você está grávida? — ele pergunta incrédulo.
— Sim! — respondo chorando.
Ele põe os dois joelhos no chão, me abraça pela cintura, beija minha barriga, depois
levanta e me beija.
— Você me disse várias vezes que não podia ter filho — ele diz, me levando para o
quarto.
— Sempre ouvi que não podia, mas hoje várias pessoas me disseram que poderia
estar grávida por causa do meu enjoo, e meu comportamento mudou. Estou muito
desequilibrada, frágil.
— E ciumenta! Coisa que eu amo. Meu Deus! Vou ser pai. — Ele comemora com
um sorriso enorme.
— Sim, e ciumenta. Como estava no meu período até alguns dias, não acreditava
ser possível. Duas pessoas me disseram hoje que para Deus tudo é possível, e acabei
indo à minha médica, e fiz um exame de sangue que confirmou a gravidez.
— E por que você não me avisou antes?
— Porque você ia viajar com a Carolina, e eu queria que você resolvesse isso
primeiro. Principalmente, porque não queria que a minha gravidez te influenciasse.
— Ela não trabalha mais para mim, trabalha para o Márcio.
— Michele vai te esganar.
— Pelo grito que ela deu, acho que sim. Você sabe se tem algo acontecendo entre
eles? — ele pergunta, beijando o meu pescoço.
— As coisas entre eles são complicadas.
— Mas isso é uma outra história. Agora eu quero fazer amor com minha linda
mulher que está grávida da minha filha.
— Filha? Pensei que você preferiria um filho!
— Não, prefiro uma menina linda, gordinha, com seus olhos, me chamando de
papai... Pensando bem, ela vai crescer e os marmanjos vão cair em cima. Isso se resolve
facilmente, teremos uma menina, e depois, alguns meninos para me ajudar a defendê-la.
— Meu Deus! Você já está pensando em futuros filhos. — Rio.
— Claro, teremos no mínimo três. Agora chega de falar dos nossos futuros filhos,
porque eu quero celebrar que você está grávida da minha menina, e fazer amor com você
a noite toda. — Do nada ele para e desvia os olhos para a minha barriga. — Será que
podemos? Quero dizer, você está gravida e estava no ciclo. — Ele me olha preocupado.
— Sinceramente, não sei, vou a primeira consulta com a obstetra amanhã.
—Então vou passar a noite inteira te beijando e dizendo que te amo, mas sem sexo,
não quero que nada aconteça com o nosso bebê.
E ele fez, Fernando passou a noite me mostrando com cada toque, com cada beijo,
o quanto me ama e o quanto está feliz por eu estar grávida.
Acordo de uma forma maravilhosa, com Fernando trazendo café da manhã na
cama. Bem, o ovo está queimado, a torrada tostada, e o suco sem açúcar, mas o que vale
é a intenção; então como tudo com um sorriso nos lábios e depois corro para o banheiro e
vomito tudo. Sinceramente, não sei se foi apenas enjoo da gravidez ou porque estava
tudo muito ruim.
Fomos a consulta juntos, e choramos juntos quando ouvimos os batimentos
cardíacos do nosso bebê pela primeira vez. Estou grávida de sete semanas. E Fernando
tinha razão, é uma menina. Durante o exame, ele literalmente pirou, falando sobre as
roupas que compraria, da escola que ela estudaria, que montaria uma creche na empresa
para não ficar longe dela. Entre outras coisas que ele queria para nossa filha.
Fernando fez várias perguntas à obstetra, e indagou, várias vezes, se poderíamos
fazer amor, mas se não pudesse, ele ficava na mão na boa, pois o mais importante era eu
e o bebê. Claro que a médica ficou olhando para ele encantada. E eu, morta de vergonha.
Depois que ele tirou todas as muitas dúvidas que ele tinha, pude perguntar se a
minha endometriose traria algum problema. Expus minha preocupação por causa do
sangramento, que para mim era mera menstruação, não entendia como eu podia estar
grávida de sete semanas e ter menstruado normalmente. Ela questionou se o
sangramento era tipo uma borra de café, se sangrei por menos tempo que o normal e
perguntou quantas vezes isso ocorreu e se eu passei por algum estresse recentemente.
Informo que mês passado e a dois dias atrás e que sim, ultimamente ando muito
estressada. Nesse momento Fernando segura minha mão e a aperta eu desvio o olhar
para ele e vejo ali uma sombra de preocupação.
A médica me explicou que a primeira, provavelmente foi um sangramento de
implantação de embrião, a segunda pode ser um deslocamento de placenta ou
ocasionada pelo estresse.
Prendi a respiração quando ela mencionou deslocamento de placenta, mas ela me
acalmou disse que na ultrassonografia que acabamos de fazê-la não detectou nenhum
problema.
Ela pediu mais alguns exames, mas me disse para ficar tranquila, que tem várias
pacientes com endometriose e que tiveram uma gravidez tranquila.
Fiquei mais calma depois de conversar com ela.
Desde que descobriu a gravidez, Fernando está me tratando como se fosse um
cristal muito frágil, que a qualquer momento, poderia quebrar. Mesmo ele não querendo,
fomos trabalhar, pois por ele eu ficaria em casa de repouso.
Todo mundo que Fernando encontrava, ele dizia que nos casaremos e que eu estou
grávida. A princípio fiquei com raiva, por ser uma coisa nossa, íntima. Entretanto, a
felicidade dele era tanta, e tão contagiante que era impossível não sorrir vendo-o contar
ao mundo sobre a nossa felicidade.
Entramos no elevador, e logo depois, ele para.
— O que houve? — pergunto ao Fernando.
— Não sei, vou ligar para a recepção.
A recepção nos informou que houve uma queda de luz, e por isso o elevador parou,
mas que já tinha acionado os técnicos. Fernando pediu para eles não demorarem, porque
a mulher dele estava grávida e não podia ficar muito tempo em pé. Comecei a rir por
causa da situação, enquanto Fernando andava de um lado para o outro, nervoso e
reclamando.
— Qual é a graça, Bianca? Você não acha melhor sentar no chão para não se
cansar.
— Estou bem, Fernando. Estou rindo porque, pela primeira vez, estamos presos
nesse elevador sem ser por nossa vontade.
Ele para e começa a rir, vem andando em minha direção e me prende na parede.
— Você me fisgou nesse elevador — ele fala, mordendo minha orelha.
— Você me seduziu várias vezes nesse elevador — respondo, mordendo o pescoço
dele.
— Nesse elevador, me apaixonei por você — diz, encostando a testa na minha.
— Nesse elevador, você me disse que sentia ciúmes e me amava. Aquele dia, foi a
primeira vez que você tirou meu o chão. — Mordo seus lábios e ele geme na minha boca.
— Amo você, Fernando. Sempre sonhei com uma pessoa assim, como você, que me
amasse como eu sou. Você nunca tentou me fazer mudar. E o amo demais por essa
razão, e por outras inúmeras qualidades que você tem. Quero que você seja meu marido,
o pai dos meus filhos, meu melhor amigo. Meu amor, meu tudo — confesso, e ele,
sorrindo, põe a mão na minha barriga. — Nunca na minha vida imaginei que seria tão feliz
— Assim que acabo de falar, ele me beija.
Agora eu sei que é amor! Não é uma coisa passageira, não é só sexo, nem atração
física...
É amor! E é para todo o sempre.
Epílogo

Fernando
Acordo assustado. Olho a cama e não vejo Bianca. Levanto e vou procurá-la, e a
encontro na cozinha, comendo sanduíche com sorvete. Devo confessar que os desejos
de Bianca são muito estranhos. Várias vezes ela me fez levantar de madrugada para
comprar algo louco. É claro que vou feliz da vida, sem reclamar.
Nunca na minha vida imaginei que seria tão feliz, com minha mulher grávida da
minha filha. Bianca está linda grávida, e o meu desejo por ela triplicou. Quando descobri a
gravidez, fiquei com muitos receios, principalmente em relação ao sexo. Fiquei com medo
de que, por causa do instinto maternal, ela perdesse o desejo por mim, mas para minha
grande surpresa, isso não aconteceu. O desejo dela só aumentou. A médica dela disse
que isso é normal nos primeiros meses, e que no último daria uma diminuída.
Como ela ainda está no começo da gravidez, está a pleno vapor. Já perdi dois
quilos, estou com olheiras, e Michele me chamou de boneco de Olinda ontem, pois disse
que estou igual a um farrapo, e que Bianca está me deixando fino. Maria disse que faria
umas gemadas, que estou muito fraquinho. Márcio falou que Bianca está me dando uma
surra na cama. É verdade, estou parecendo um farrapo, mas estou feliz da vida!
Nunca fiz tanto sexo na minha vida. Sexo, não, amor! Com minha mulher, eu faço
amor. Eu adoro cada pedaço e curva do corpo dela. Desde que descobrimos a gravidez,
me mudei de vez para o seu apartamento. Estamos procurando uma casa, mas Bianca
não quer deixar Michele sozinha.
Chego perto dela e a abraço por trás.
— Sentiu fome, meu amor? — pergunto em seu ouvido e a sinto estremecer. Amo
como o corpo dela reage ao meu toque e aos meus beijos.
— Eu vou engordar tanto que vou explodir, e você não vai mais me querer — ela
fala, chorando.
Isso tem acontecido com uma certa frequência, Bianca está muito sensível com a
gravidez. Ela está mais carinhosa, amorosa, mas muito carente, muito insegura. Eu estou
amando tudo isso. Não a parte da insegurança, mas o fato dela estar tão grudada e
dependente de mim. Amo isso! Amo poder mimá-la com vários presentes e ela não
reclamar. Desde que nos conhecemos, sonho com ela assim. Estou pensando seriamente
em manter essa mulher eternamente grávida!
Mas quando esses momentos passam, ela volta a ser a mulher independente e
segura que me faz correr atrás dela como um cachorrinho, e eu vou feliz da vida.
Viro Bianca para mim e a beijo.
— Eu sempre vou te amar. Meu amor, você está linda grávida da nossa filha! E
cada vez eu te desejo mais. Só de te olhar, eu fico excitado.
— E se eu ficar muito feia quando estiver perto de tê-la? Vou estar inchada e não
vou conseguir mais fazer sexo — ela me pergunta com voz chorosa.
— Primeiro, não fazemos sexo. Fazemos amor! Quando nós dois estamos juntos
fazendo amor, estamos amando um ao outro. E eu não preciso de uma penetração para
amar você. Se você ficar inchada, vamos lidar com isso. Meu amor, para mim você nunca,
em tempo algum, jamais será menos que linda. Quando estiver perto de ter nossa filha,
vou amar seu corpo de outras formas. Com carinhos, massagens, e fazer o impossível
para que você fique confortável... e isso, meu amor, para mim, é o mais importante. Há
tempo para tudo! Quando estiver perto de ter nosso bebê, vai ser o tempo de tornar tudo
o mais confortável para você. Mas agora, minha gostosa, vamos aproveitar para nos
amarmos intensamente. Quero que você não tenha nenhuma dúvida que eu sou louco
por você, e a amo desesperadamente. — Eu a beijo, não deixando dúvidas do quanto eu
a amo.
Ela sorri para mim de um modo muito sensual. Daí em diante, naquela cozinha só
se ouvem gemidos e declarações de amor...

Bianca

Acordo com Fernando agarrado a mim. Eu me aconchego mais a ele e o ouço


gemer.
— Meu amor, estou sem forças para fazer qualquer coisa, mas se você quiser, pode
abusar de mim que eu deixo — ele murmura sonolento.
Desde que descobri a gravidez, junto com o desequilíbrio emocional, veio esse
louco desejo. Sei que nessas últimas três semanas estou impossível. Mas vá! Dê um
desconto. Duvido que se uma mulher tivesse um homem lindo, gostoso e maravilhoso
desse ao seu bel prazer, não abusaria à vontade. Principalmente quando ele diz que pode
abusar à vontade...
Quando acaba, ele fica com os olhos fechados, sorrindo.
— Eu amo ser abusado por você.
Levanto, vou ao banheiro, tomo banho, me visto e vou para cozinha tomar café.
— Bianca, sua louca! Você vai deixar o bofe seco. — Michele ri, alisando a barriga.
Fiquei três dias sem falar com ela, quando me disse que estava grávida de quase
quatro meses e tinha me escondido a gravidez. Eu me senti traída, fiquei revoltada, comi
muito chocolate, e claro, fiz amor com Fernando, mas não consigo ficar muito tempo sem
minha amiga doidinha, e estou com ela sempre. Por isso não quero me mudar daqui
agora. Michele precisa de mim, e eu vou ficar por ela... e, graças a Deus, Fernando me
entende.
— Vá à merda, Michele — falo e ela ri.
— Bianca, ele já levantou? Menina, estou com dó do homem. Vou fazer uma
gemada para ele. Tadinho dele, gente — diz Maria.
— Não, ele ainda está dormindo. E podem parar de me zoar, o que vocês estão é
com inveja, isso sim, — digo, abrindo a geladeira e pegando um suco.
— Estamos mesmo! Eu, então, estou verde; e Maria, amarela de inveja. Nós não
temos uma sorte dessas, né, Maria? — comenta Michele.
— Oxe! Você quer dizer eu, né, fia? Porque você tem aquele homem, aquele
chocolate derretido. Meu Deus, que homem é aquele atrás de você, Michele! Não dou
uma sorte dessas — Maria fala se abanando.
— É complicado, Maria, é muito complicado... — Michele alisa a barriga que está
começando a aparecer.
— Bem, mas isso é outra história... Mudando de assunto. O que vamos fazer para o
jantar de hoje à noite? Afinal, é meu jantar de noivado, meninas. Hoje é dia de festa! —
Comemoro animada.
— Eba! Então, Fernando encomendou um jantar em um restaurante famoso. Você
prefere aqui, ou lá em casa que é maior? Quantas pessoas virão? — Michele me
pergunta, e eu fico olhando para ela sem entender.
— Como assim, encomendou um jantar? Mas eu comprei tudo! Você sabia disso?
— questiono olhando para Michele.
— Eu não! Ligaram do restaurante agora a pouco para confirmar a hora. Bianca,
você sabe que Fernando a está tratando como se fosse de cristal. Ele não deixaria que
você chegasse perto da cozinha, ou fizesse algum esforço. — Michele ri.
Fernando está com tantos cuidados comigo que às vezes me deixa louca! Sei que
ele está assim por preocupação e amor, mas às vezes, muitas vezes, acho que ele está
exagerando, porém, tento ao máximo não reclamar.
— Bem, além de nós, vem meus pais, Gugu, Pablo e Angélica; Mariana e o pai, e
Márcio... — Olho para Michele.
— Meu Deus! Será que ele vai trazer a Carolina? — Michele me pergunta.
— Sinceramente, não sei, meu anjo — respondo, segurando a mão dela.
— Bianca, esse povo todo não vai caber aqui! É melhor ser no apartamento de
Michele — diz Maria, olhando ao redor.
— Fernando reservou jantar para quantas pessoas? — pergunto a Michele.
— Para cinquenta pessoas! Estou dizendo, ele está surtado. — Ela ri.
— Olha quem fala! Mulher, você está pirada desde que ficou grávida. E ainda anda
me deixando doida! — Maria fala para Michele.
— Esqueci que não se pode falar mal de Fernando perto da Maria — Michele diz,
rindo.
— Fernando não está normal. Michele, pode ser no seu apartamento? Você não vai
ficar incomodada por causa de Márcio e a possível acompanhante dele? — pergunto a
Michele, e ela me dá um sorriso triste.
— Bem, talvez eu fique balançada em algum momento, mas meu amor, vou pôr um
vestido bafônico e uma sandália maravilhosa! E esse ano só tenho que agradecer, vou
ser mãe e tia ao mesmo tempo! E o melhor de tudo é que nunca mais vou me sentir
sozinha! Vou ter meu projetinho de princesa sempre comigo. — Ela se emociona.
Abraço Michele, e como ambas estamos sensíveis, começamos a chorar.
— Por que minhas mamães preferidas estão chorando? — questiona Fernando,
nos abraçando. Ele beija a cabeça de Michele e me beija na boca.
— Vamos agitar! Vou ligar para uma decoradora que conheço e ver se ela
consegue fazer uma decoração em pouco tempo. — Michele sai e puxa Maria.
— Onde você vai encontrar alguém para fazer uma decoração hoje? Hoje é sábado,
Michele. — Fernando pergunta rindo e me abraçando por trás.
— Meu amor, com dinheiro se consegue tudo. — Ela ri.
— Vê se não se esforça muito, hein! Tome cuidado com minha sobrinha-afilhada!
Não vai se esforçar muito! — pede Fernando. Eu amo o fato dele se preocupar com ela
tanto quanto comigo.
— Bofe do meu core, estou grávida, não doente. Pode ficar tranquilo, vou cuidar
muito bem da sua sobrinha-afilhada. — Ela sai, rindo.
— Bom dia! — falo, o beijando.
— Meu amor, o que você vai fazer hoje? — ele pergunta, beijando meu pescoço.
— Vou buscar meus pais e Gugu. Também vou comprar algumas coisas e depois,
ao salão e... — Ele me interrompeu com um beijo.
— Eu vou buscar seus pais e seu irmão. Já deixei tudo organizado para hoje à
noite. Tudo bem você ir ao salão; de restante, descanse e relaxe... Quero que você
aproveite a noite, e não fique cansada. — Ele me dá pequenos beijos.
— O jantar vai ser na casa de Michele.
— Eu ouvi quando entrei na sala. Também tenho que ficar de olho nela, para ela
não se cansar.
— Eu amo o cuidado que você está tendo com ela, muito obrigada, meu amor.
— Ela é importante para você, e também gosto daquela doidinha.
O dia passa corrido; e Michele tinha razão, pagando um pouco a mais, ela
conseguiu uma decoração em tempo recorde. À noite, na festa, minha mãe não sabia
quem paparicava mais, se a mim ou a Michele. Meu pai e Fernando estavam achando
que éramos inválidas. Michele mandava Fernando ir à merda toda hora. Mas, com meu
pai, ela ficava quietinha.
Mariana chegou com o pai, e ele ficou muito tímido e envergonhado; mas Fernando
começou a conversar sobre futebol com ele, e em pouco tempo, ele já estava entrosado
em uma conversa com meus pais e Gugu. Pablo chegou com a noiva, Angélica... ainda
não entendi o que ele tem na cabeça. Michele diz que é titica de galinha, e infelizmente,
tenho que concordar com ela.
Maria veio poderosa em um salto quinze e um vestido vermelho, mas estava se
segurando em tudo e em todos com medo de cair, pois não sabe andar de salto. Michele
a zoou muito. Eu e Michele também estávamos de vermelho. E estávamos lindas e
maravilhosas!
Márcio surgiu sozinho. Graças a Deus! Se ele tivesse trazido Carolina, ia dar ruim.
Ele passou a festa olhando para Michele, e em um determinado momento, eles sumiram.
A mesma coisa aconteceu com Pablo e Mariana. Tenho certeza que um dia eles acabarão
juntos; mas isso é outra história...
O jantar foi lindo. Meu pai fez um discurso emocionado, agradecendo a Fernando
por cuidar das suas meninas, e dizendo que seria duplamente feliz, porque suas meninas
lhe dariam netos. Michele e eu choramos, e Fernando me consolou. E, quando Gugu foi
abraçar Michele, Márcio o impediu e a abraçou. Ela relutou no começo, mas depois
aceitou.
Levanto minha taça para um brinde.
— Primeiro, gostaria de agradecer a todos por virem! Esse ano foi um ano de fortes
emoções, aprendizado, mudanças e de felicidades. A maior delas é a minha gravidez, e a
alegria de estar grávida com minha melhor amiga. Aquela que fecha comigo em qualquer
situação; e a felicidade de conhecer o amor da minha vida, meu noivo e futuro marido,
meu norte, meu tudo! Fernando, eu te amo hoje e sempre.
Fernando me abraça e beija ao som de palmas e vivas de pessoas que nos amam.

Cinco meses depois....


Depois de muitas conversas, e de tentar de todas as formas possíveis que
Fernando mudasse de ideia, nos casamos em uma enorme cerimônia. Tinha tudo o que
ele queria: eu vestida de noiva, véu e grinalda, ele de fraque, igreja lotada, chuva de
arroz... Enfim, tudo que um enorme casamento tradicional poderia ter, ou melhor, quase
tudo. Fernando queria doze padrinhos, porém, Michele disse que se ele convidasse mais
alguém além dela, ela daria na cara de cada uma delas e na dele também, e que ela tinha
acabado de ter bebê e não poderia ser contrariada. Há dois meses Michele nos deu um
susto e teve um parto prematuro. Depois de passar um tempo na incubadora, sua linda
filha está bem e saudável. Moral da história, depois de muita conversa que eu, claro, não
me meti, ficou decidido que teríamos três casais de padrinhos: Michele e Márcio; Mariana
e Pablo; Maria e Victor. Os organizadores quase surtaram dizendo que teria que ser um
número par, porém, Michele mandou eles irem à merda.
Foi uma linda cerimônia. A festa, depois, foi melhor ainda. Passamos nossa lua de
mel na Grécia. A princípio ficamos em um hotel, porém ele surtou achando que tinha
muitos homens olhando para mim na piscina, e alugou uma casa em uma ilha particular.
E agora estou eu aqui, sentada na varanda, sentindo minha filha mexer, e sorrindo
ao vê-lo vindo em minha direção.
— Ela está mexendo — digo assim que ele chega perto. Ele se abaixa, beija minha
barriga e fica falando palavras amorosas para nossa filha. Depois, me beija. —
Finalmente você realizou o seu desejo, e me trouxe para uma ilha deserta — digo,
sorrindo; e ele solta uma gargalhada gostosa.
— Você está feliz? — pergunta, fazendo carinho no meu rosto.
— Feliz demais! Amo você, mesmo você surtando às vezes — respondo, seguro
seu rosto e o beijo com carinho.
— Eu a amo mais — ele afirma, encostando a testa na minha e passando a mão na
minha barriga.

Algumas semanas depois....


O grito que dou ecoa pelo quarto e com ele sinto mais lágrimas banharem meu
rosto.
—Pelo amor de Deus, alguém faz alguma coisa. — Fernando berra demonstrando
todo o seu desespero.
—Pelo amor de Deus alguém tira esse homem daqui! — Grito quando sinto uma
nova contração me rasgando por dentro.
Estou em trabalho de parto a mais de cinco horas, e a cada minuto está mais
dolorido e Fernando está dando mais trabalho que eu.
— Meu amor o que eu posso fazer para ajudá-la. — Ele segura minhas mãos e a
aperta com força.
— Senhor, por favor, se acalme, você está deixando sua esposa nervosa.
Abro a boca para novamente alguém tirar ele de perto de mim, quando sinto que
sou rasgada por dentro e a médica, pede para eu empurrar.
— Empurra amor, mas respira — Fernando pede fazendo a respiração cachorrinho
que aprendemos no curso de gestação.
Agarro sua mão, e já sem força empurro e sinto uma dor descomunal e logo em
seguida sinto as mãos da médica, sinto minha filha, deslizando de dentro de mim, sinto as
lágrimas banhando meu rosto. Sugo o ar e volto a fazer força, e de repente um forte grito
invade a sala, sei que é de Fernando, mas não viro meu rosto para ele, em minha frente
vejo como em câmera lenta a médica retirar minha filha e a entregar ao enfermeiro, sigo
ela com os olhos e desabo na cama sem forças.
Nesse exato momento eu tenho medo até de respirar, então eu prendo a respiração
e espero, enquanto aperto fortemente a mão de Fernando.
Um silêncio tenso se estabelece no quarto, tenho medo de perguntar o que houve
então eu apenas espero, até que do nada ela chora, um som fraco e eu expulso o ar que
prendia no peito e deixo toda a emoção escapar.
A enfermeira traz nossa filha enrolada em uma manta rosa e a entrega a Fernando.
Que nesse momento está com o rosto molhado de lágrimas.
— Nossa filha é linda como você meu amor. — Ele inclina o corpo e pela primeira
vez eu a vejo e nesse momento eu sei que nunca mais serei a mesma, porque a partir de
agora eu sou mãe.
Algumas horas depois, recostada na cadeira, amamento minha filha com Fernando
ao meu lado.
— Que nome vamos dar a ela? — indaga sussurrando.
— Fernanda — murmuro com os olhos fixos nela e ouço ao fundo Fernando
fungando.

Dois anos depois...


O enjoou que me embrulha o estômago me deixa preocupada a alguns dias, antes
de chegar em casa passo na farmácia e compro um teste de gravidez.
Sem fazer alarde, chego em casa e encontro Fernando, dormindo com nossa filha
no sofá, enquanto na tv, passa um desenho animado, sorrio ao ver a cena, e sigo em
direção ao nosso quarto.
A ansiedade me domina a cada segundo que passa, eu levo um susto ao ouvir
minha filha me chamando, saio do banheiro e a encontro no meio do quarto.
— Mamãe. — Ela se joga em meu colo e eu pego o teste que ainda não saiu o
resultado e o deixo próximo da cama.
— Amor da vida da mamãe. — A aconchego em meu peito e deito na cama fazendo
cosquinha nela.
Algum tempo depois, entretida com minha filha, que nesse momento faz uma festa
na banheira, me esqueço completamente do teste e me surpreendo quando Fernando
entra no banheiro aos berros.
— Vamos ter outro filho! —Ele balança o teste alegremente em suas mãos.
E eu apenas sorrio, já sabendo o quão louco ele fica quando estou gravida.
Alguns meses depois dei à luz a Marcelo e um ano depois a Guilherme.
Dezoito anos depois...
Sorrio ao ver Fernanda dançando com seu par em sua festa de formatura, desvio
os olhos dela e meu sorriso morre ao notar Fernando fazendo gestos de ameaça ao
rapaz, suspiro e faço um meneio negativo com a cabeça.
Esse homem não muda.
Corro os olhos pelo local e vejo, Marcelo e Guilherme imitando o pai.
Caminho em direção a Fernando que nota a minha presença e desvia os olhos para
mim e sorri, e aquele sorriso me pega em cheio, mesmo zangada retribuo.
— Como pode depois de mais de vinte anos você me fazer sentir borboletas no
estômago quando o vejo sorrindo. — Sorrio e o beijo levemente nos lábios.
— Eu sinceramente não seio porque você se surpreende, sempre te disse que
seriamos pra sempre. — Ele pisca um olho matreiro. — Além é claro de eu ser esse ser
lindo e maravilhoso. — Foi impossível conter uma risada.
— Eu amo você — sussurro contra seus lábios.
— Eu amo mais. — Ele encosta a testa na minha e me fita nos olhos.
A vida é uma coisa engraçada, cheia de altos e baixos. E de escolhas que sempre
têm uma consequência. Há alguns anos eu fiz uma escolha. Escolhi acreditar no amor
desse homem. Às vezes é difícil, afinal, não somos perfeitos, mas nunca desistimos um
do outro, primeiro porque nos respeitamos, é uma admiração mútua, mas, principalmente,
porque nos amamos.
E como não amar Fernando?

Fim
Copyright © 2019 Vania Freire

Capa: Barbara Dameto


Revisão: L.S. Santos
Diagramação: Vania Freire
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência.

______________________
**MICHELE**
Série: Será que é Amor?
Livro 2
Vania Freire
2ª Edição — 2019
_____________________
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Capítulo 1

Michele
Há um prazer surreal em acordar cedo e ficar rolando na cama, sem
nenhuma vontade de levantar. Aproveitando o momento, fito o teto e
penso em minha vida.
Não tenho muito o que reclamar, possuo uma ótima condição
financeira, bons amigos. Em contrapartida, não tenho família, nem um
único ser vivo para chamar de minha família de sangue. Meus pais
morreram há muitos anos.
Solto um suspiro ao me recordar dos meus pais e um sorriso triste
brinda meus lábios.
Eles me amaram tanto, mas tanto, que mesmo após vários anos
desde sua morte, eu ainda sinto fragmentos desse amor, sempre que me
sinto melancólica ou em momentos como esse, em que as memórias de
um passado feliz invadem a minha mente.
Ouço meu celular vibrar, sugo um punhado de ar e o solto em um
longo suspiro. Estico o braço e o busco em cima da mesinha ao lado da
minha cama.
Um sorriso lento se forma em meus lábios ao ler a mensagem:

Bom dia, meu anjo. Vou passar no seu apartamento daqui a


pouquinho.
Você dormiu bem?

Meus pais não estão mais comigo, mas eu tenho Bianca...


Sabe o que uma mensagem de carinho e interesse genuíno faz a
uma pessoa que acordou meio melancólica? Eu te digo: ela põe um
sorriso largo nos lábios da pessoa.
Sentindo o bom humor voltar ao meu corpo, levanto, tomo banho e
vou escolher uma roupa. Pego a primeira coisa que vejo, depois de me
vestir, olho-me no espelho. Vou para cozinha tomar café e respondo a
mensagem.
Para que comprar um carro, se posso andar de carona?
Minha melhor amiga, Bianca, é uma negra de olhos verdes, linda.
Sabe aquele tipo de mulher que arrasa quarteirão? Então, Bianca é assim.
Mesmo acima do peso, tem uma autoestima tão elevada e tanta confiança
em si, que atrai todos os olhares por onde passa. Está sempre impecável
e de salto, minha amiga é uma diva, uma verdadeira gordelícia, e eu tenho
muito orgulho de tudo o que ela superou para chegar onde está agora.
Bianca e sua família ocuparam um buraco que residia em meu
coração. Com amor, carinho e aceitação, eles me adotaram como membro
da família. Não sei se eu ainda estaria aqui se não fosse por eles. Eu os
conheci quando estava no começo da adolescência, meus pais tinham
morrido há pouco tempo e uma tia, já idosa ficou responsável por mim,
mas a verdade é que ela mal conseguia cuidar de si mesma.
Eu era uma menina de 13 anos, com muito dinheiro e nenhum juízo.
Bianca, não gostou da minha marra e não gostei do seu nariz empinado.
Um dia, eu chamei para briga alguém que não poderia lidar — isso sempre
acontecia—, e para minha total surpresa, ela entrou na frente e não deixou
a menina me descer a porrada.
Naquele dia, eu conheci a família Soares e ganhei uma família. Eles
me aceitaram como eu sou, com toda a minha maluquice, meus palavrões
e minhas manias.
Confiro as horas no relógio da cozinha e constato que estou
atrasada. Pego uma maçã e caminho em direção à porta, a abro e me
assusto ao ver Maria.
― O que você está fazendo aqui hoje, Maria? ― questiono, apenas
para implicar com ela.
― Michele, hoje é segunda, é meu dia aqui. Me diz uma coisa,
quando você vai contratar alguém para me ajudar? Levo três dias para
arrumar essa casa! ― Maria reclama com a mão na cintura.
Maria cuida da minha casa três vezes por semana. Bem, está mais
para cuidar da minha vida. Ela é mais que minha funcionária, é minha
amiga; mas sempre implicamos uma com a outra. Ela é baiana, baixinha e
arretada.
E, é claro, louca de pedra.
― E eu te pago quase cinco vezes a mais para somente você, e
mais ninguém, trabalhar aqui. Sabe que gosto de preservar a minha
intimidade. Mas se quiser sair, tudo bem! Contrato no mínimo umas cinco
pessoas com o salário que te pago... Vai, pode ir, me abandona, me deixa
aqui às mínguas, com o apartamento todo sujo. Vou à Bahia contratar
outras pessoas para me ajudar. — Descaradamente, finjo que limpo uma
lágrima que nunca caiu.
― Vocês já estão brigando de novo? ― Bianca indaga ao sair do
elevador.
― Bianca, amiga, que bom que você chegou para me defender. ―
Sou dramática, eu confesso.
― Ôxe, Bianca! Vê se pode! Essa Michele está dizendo que vai me
trocar por cinco ― revela indignada ― E pior, disse que vai para à Bahia
buscar gente para trabalhar aqui. Agora vê se eu posso com isso? Posso
não, um dia vou embora e não volto mais. ― Maria ameaça, gesticulando.
― Maria, sua louca! Você acabou de dizer para eu arrumar alguém
para te ajudar aqui ― digo com mão na cintura e Bianca se acaba de rir.
― Uma coisa é eu falar e outra, bem diferente, é você dizer que vai
arrumar. Agora, veja só, quer me tirar do meu trabalho. Vai para sua
faculdade e me deixa trabalhar em paz! ― Ela me põe para fora do meu
apartamento.
― Gente, temos que levar Maria ao médico, porque ela não está
normal, não ― afirmo horrorizada, olhando para Bianca, que ainda ri alto.
― Michele, vocês se amam. Não imagino você vivendo sem a Maria.
― Bianca salienta com um sorriso nos lábios.
― Nem eu, por isso pago uma verdadeira fortuna para ela nem
sequer pensar em me abandonar. ― Eu a abraço e vamos andando para o
elevador.
― Você sabe que ela não está aqui só por isso. Ela não te deixaria
mesmo que você não pudesse pagar. ― Bianca comenta ainda sorrindo.
― Sim, eu sei. Vocês duas são as únicas amigas que tenho —
declaro e recebo mais um sorriso de Bianca.
― Aqui! Quero ninguém trabalhando aqui não, hein. Se outra baiana
entrar aqui, eu vou embora. Mas vê se posso com isso. Eu, hein! ― Maria
abre a porta, fala e fecha na nossa cara.
Vamos para o estacionamento rindo muito. Bianca me conta sobre o
tal novo patrão, diz que ele só fala e faz merda, mas sinto que ela sente
algo a mais por ele, porém prefiro ficar na minha. Se ela diz que não gosta
dele, então também não gosto, mesmo não o conhecendo.
Somos fechamento! O que pega para ela, pega para mim. Fez com
ela, fez comigo. E ela é assim comigo também. Sempre que precisei, ela
estava lá, pronta para me ajudar. Já terminou com um namorado porque o
safado me cantou, e ainda disse para ela que eu dei mole para ele. Ela
acreditou em mim. Por essas e outras que digo que Bianca é minha irmã
de alma.
Ela me pergunta sobre o carinha que estou saindo. Eu o conheci na
empresa que faço estágio. O bofe é lindo, gato e tem tudo para dar certo.
― Amiga, eu acho que esse vai dar certo ― comento, empolgada.
― Michele, vá com calma. Você sempre cria muita expectativa e no
final dá tudo errado e você fica mal. Você já o levou para a sua casa? ―
questiona preocupada.
― Claro que não. Ele não sabe da minha situação financeira.
― Ok. E com ele você sente algo?
― Assim, acho que nunca vou conhecer aquele cara que me faça
ver fogos de artifício, como dizem nos livros, e estou cansada de procurar.
Com ele é legal, gozo, mas nada de fogos de artifícios. Estou começando
a achar que isso é propaganda enganosa.
― Michele, eu também nunca senti nada disso que falam nos livros,
apenas umas cosquinhas. Não faça como eu fazia, não fique com alguém
que não te faz bem apenas para não ficar sozinha. Não vale a pena,
amiga. ― Bianca pede, preocupada.
― Não vou fazer. Se perceber que ele não está me fazendo bem, eu
termino.
― Promete?
― Prometo! Mudando de assunto, deixa eu te falar as últimas que
fiquei sabendo... ― Engatamos em uma conversa divertida. Sempre faço
isso quando um assunto me incomoda, troco para outro engraçado. Bianca
me conhece, e sabe que quando mudo o rumo da conversa é porque não
quero mais falar sobre aquilo. E ela me respeita e sabe esperar meu
tempo.
Problemas com relacionamentos sempre fizeram parte da minha
vida. Eu era a diferente, a menina rica que preferia brincar de bola com os
meninos a ficar de vestido e brincar de boneca. Meus pais sempre me
deram liberdade e respeitaram meu jeito, digamos, excêntrico de ser.
Homens sempre foram um problema. Eles vêm facilmente, meu tipo
físico favorece. Sou loira, alta, tenho olhos azuis, sei que tenho pernas
lindas e um belo par de seios que fazem os homens babarem, isso tudo de
frente, mas quando viro as costas, só Jesus na causa! Pense em uma
pessoa sem bunda? Eu! Porém sou desprovida de bunda, mas gostosa.
Em sua maioria, os homens são uns cretinos e traidores que só
estão atrás de sexo ou do meu dinheiro. Quero um homem que abale
minhas estruturas, aquele cara que me faça perder o ar só de olhar. Sabe
aquele tipo que te joga na parede e te chama de lagartixa? Que te
esculhamba toda e que no outro dia não te deixa nem andar, porque as
pernas estão bambas de tanto virar os olhinhos a noite toda? Então, sonho
com um assim...
Bianca me deixa na faculdade e segue para o trabalho.
O dia passa tranquilo e à noite encontro Caio, o carinha com quem
estou saindo. Tomo coragem e o convido para ir ao meu apartamento. Aí,
as coisas começam a desandar... A primeira coisa que ele fala é que
pensava que eu era uma loira gostosa sem um tostão no bolso e que fiquei
muito mais gostosa agora que ele sabe que tenho dinheiro. Puts! O pouco
desejo que nutria por ele acabou ali. Inventei uma desculpa e pedi para ele
ir embora.
Passo o resto da semana o evitando. Bianca me convida para ir a um
pagode, coisa que amo! Adoro sambar e não é porque não tenho a bunda
de uma mulata que não sei requebrar os ossinhos, meu amor!
No dia, fico muito animada, pois além de conhecer o namorado
relâmpago de Bianca, o tal do Pablo, vou conhecer o tal do Márcio que ela
tanto fala. Parece que ele é tudo de bom e não sei por que, mas estou
ansiosa e nervosa para conhecer esse homem.

Márcio
Acordo, levanto da cama e fico admirando as duas lindas mulheres
nuas que ainda estão dormindo. A noite foi maravilhosa. Deixo-as
dormindo e vou para o banheiro tomar um banho. Hoje é dia de roda de
samba e ainda tenho que tirar Fernando de casa… o cara está depressivo
depois que uma gordinha linda deu um fora nele.
Voltei para o Brasil há três semanas e já começaram as dores de
cabeça. Formei-me em economia e fui trabalhar com um amigo em Boston
para fugir dos problemas familiares. Gostava de uma mulher que acabou
escolhendo meu irmão e minha mãe queria que eu seguisse a tradição da
família, o samba, mas sempre gostei de números. Amo o samba, mas me
identifico mais com o mundo financeiro. Aproveitei a situação complicada
para sair do país e seguir meu sonho.
Fui feliz vivendo fora do Brasil, consegui uma ótima estabilidade
financeira e pude melhorar a vida da minha mãe, que ficou feliz com minha
volta. Principalmente porque ela quer que eu me case com a filha de uma
amiga. O que ela quer mesmo é me ter por perto. Sei o quanto ela sofreu
com toda situação entre, eu e meu irmão, mas foi a melhor coisa que fiz na
época e, por mais que já tenha se passado mais de oito anos, ainda me
lembro da traição que meu irmão e minha ex-noiva me fizeram.
Por isso, hoje em dia sou safado de carteirinha. No entanto, não
engano, nem crio falsas ilusões. Com todas as mulheres que saio, sou
carinhoso, romântico na dose certa, entretanto sempre deixo bem claro
que não quero nada sério. Vou levando a vida assim, uma aqui, outra ali,
sem assumir ou enganar ninguém.
Quando voltei para o Brasil, uma me balançou: Bianca. Mas logo vi
que meu amigo Fernando, mesmo não admitindo, estava gostando dela. E
essas últimas três semanas foram muito engraçadas por ver Fernando, o
famoso pegador, que nunca quis nada com ninguém, que sempre tratou
todas as mulheres como merda, ficar de quatro, todo apaixonado por uma
gordinha e ela ainda trocar ele pelo meu outro amigo nerd, o Pablo.
Toda vez que me lembro disso, rio alto por causa das ironias do
destino. Saio do banho e vejo que elas estão acordadas me esperando.
― Marcinho gostoso, vem deitar aqui na cama. ― Larissa, uma
exuberante ruiva, pede.
― Vem, meu gostoso da cor do pecado, por favor. ― Yumi, uma
linda oriental, implora percorrendo o corpo com as mãos.
Sorrindo de lado, tiro a toalha e meu sorriso aumenta ao vê-las
saírem da cama e caminharem em minha direção. Acho que hoje vou
chegar atrasado na roda de samba...
Infelizmente, não pude ficar com as meninas por muito tempo, pois
minha mãe não parava de ligar e nada melhor para cortar o clima do que
sua mãe ligando. Deixo as meninas em suas respectivas casas e sigo para
a casa de Fernando. Depois de muita briga e discussão, ele resolve ir à
roda de samba.
Assim que chego, vou à procura da minha mãe. Não vi todos os
meus irmãos desde que voltei de viagem e estou evitando um em
particular.
Maicon...
Tem oito anos que não o vejo e, apesar de não ter esquecido a
traição, por minha mãe tentarei ao máximo evitar qualquer atrito. Olho ao
redor e tomo um susto ao ver Pablo na roda de samba.
― Cara, essa Bianca é boa mesmo. Sim, porque só ela para te fazer
vir em uma roda de samba. ― Sorrindo, eu o abraço.
― Sim. ― Ele confirma sem graça.
― E aí, cadê ela? ― questiono.
―Ela ainda não chegou. Nós meio que terminamos… quero dizer,
ela terminou comigo ― informa, meio cabisbaixo.
― Poxa, cara, sinto muito. O que houve? — Nem sequer me esforço
para segurar a pergunta.
Esse é um sério defeito que tenho, sou muito curioso!
― Digamos que diferenças inconciliáveis. ― Pablo desconversa e
corre os olhos pelo lugar. Vejo-o respirar fortemente, me oferecendo um
sorriso fraco em seguida.
― Sei. — Engulo minha curiosidade e não volto a tocar no assunto
—, mas vamos animar! Mulher gostosa é o que não falta aqui. — Dou um
tapinha conciliador em seu ombro e vou cumprimentar os convidados.
Vejo Fernando, com uma expressão deprimida, conversando com
minha mãe. O coitado deve estar levando uma dura. Uma gostosa entra
na minha frente e começa a puxar conversa e logo estou rodeado de
lindas mulatas... Como senti falta disso!
Vejo Maicon entrando com duas mulheres. Me olha e eu aceno com
a cabeça para ele, que retribui. Durante os anos que se passaram, nunca
quis saber o que aconteceu com eles, mas, claro, meus irmãos sempre
deixavam escapar alguma coisa.
Monique, minha ex-noiva, era uma gordinha linda, negra, mas muito
insegura. Não acreditava que eu a amava nem mesmo depois do pedido
de casamento. Não sei bem e nem procurei saber como eles se
envolveram ou qual foi o real motivo. Quando descobri, não quis ouvir as
explicações dela... O engraçado é que me afastei de todas as minhas
amigas mulheres para ela não sentir ciúmes e, no final, eu quem fui traído.
Sei que eles se separaram pouco tempo depois que fui embora. Não
vou mentir que fiquei triste em saber que ela o pegou com outra mulher.
E foi assim, distraído e pensando no passado, que a vi. Nunca
imaginei que iria sentir isso de novo, não assim, do nada. Não estava
preparado para isso e muito menos queria. Minha vida tinha se tornado
tranquila, organizada. Gosto da minha vida assim, calma e sossegada,
prefiro ela assim. Mas no momento em que a vi, eu soube que minha vida
nunca mais seria a mesma.
Uma maravilhosa sereia acabou de balançar meu mundo!
Vou até elas, beijo e abraço Bianca, que me apresenta a sereia que
balançou minhas estruturas: Michele.
Aperto a sua mão e sinto uma eletricidade passar por mim.
Aproximo-me dela com um sorriso que sei que derrete as mulheres, e com
ela não é diferente... Sinto-a estremecer quando a abraço.
Que cheiro gostoso! Não é só o perfume, o qual reconheço a marca,
pois apesar de cara, o aroma não é tão gostoso assim. É o cheiro dela
misturado com o perfume. Aroma de mulher gostosa, e eu quero esse
cheiro nos meus lençóis. Quero essa mulher na minha cama.
Apresento-a para alguns convidados e a levo para conhecer minha
mãe, mas o tempo todo de mãos dadas com Michele. Sinto-me bem de
mãos dadas com ela, muito bem. Um sentimento de posse que há anos
não sentia faz morada em meu coração, Michele não tenta soltar sua mão
da minha, nem uma única vez fez menção de sair do meu aperto e eu
gosto disso. A festa, desde que a vi, se resumiu a esta linda sereia que
está em minha frente.
Enquanto minha mãe conversa com Bianca, aproveito o som alto,
que nem está tão alto assim, para falar no seu ouvido. Era apenas uma
desculpa para novamente sentir sua essência.
― Linda sereia, me faz um homem feliz e diz que você é solteira ―
sussurro e sopro a sua orelha.
Ela fecha os olhos e eu sinto seu corpo estremecer em meus braços,
aperta as pernas, como se estivesse tentando obter algum controle. E eu
não quero que ela tenho nenhum controle.
Fiquei extasiado só de vê-la fazendo isso. Bem, a verdade é que
estou excitado desde que a vi entrando. Eu nunca tive uma reação assim
com mulher nenhuma. Sempre fui um cara que gosta de conteúdo. A
mulher, para me interessar, tem que ter um bom papo. Contudo, com ela
foi diferente. Foi instinto. Desejo a flor da pele. E uma vontade, uma
atração tão forte... E agora, vendo-a olhar para a minha boca, ainda sem
responder a minha pergunta, com a respiração ofegante, a única coisa que
penso é: DANE-SE! Se essa mulher tem alguém, a partir de agora, ela vai
ser minha.
Bianca a puxa para a roda e as duas começam a sambar, mas
Michele nunca desvia seus olhos dos meus.
É como se ela estivesse dançando e rebolando para mim. E eu estou
quase salivando ao olhar para ela. Já notei que não usa aliança, então que
se dane se tem namorado, porque ele acabou de perder.
Nunca fiz isso, jamais fui assim. Sempre respeitei os
relacionamentos alheios. Não sei o que é, se é loucura, excitação ou
paixão... Dê o nome que quiser. Só sei que minha vontade agora é segurar
ela pela nuca, chupar a sua boca, encostá-la em um canto, e que se dane
o mundo.
― Dá para disfarçar? ― Levo um susto com a voz da minha mãe.
― O quê? ― Eu me faço de desentendido.
― Deixa de ser bobo, menino! Sou sua mãe e já tive sua idade.
Vocês estão praticamente se comendo com os olhos. ― Minha mãe, que
nunca teve papas na língua, nem é do tipo de mandar indireta, fala
abertamente.
― Ela vai ser minha! Mãe, essa mulher vai ser minha ― afirmo, sem
desviar o olhar de minha sereia.
Jogo um olhar para minha mãe e vejo que ela está olhando para
frente em silêncio e com uma expressão nada boa.
Conheço essa cara, vem merda por aí...
― Se você está falando que ela vai ser mais uma das suas muitas
ficantes, tudo bem. Contudo, você que não se atreva a trazer uma
branquela patricinha para dentro da minha casa! Honre sua cor, e case-se
com uma negra! ― Minha mãe diz, cheia de raiva.
― Com quem eu caso ou deixo de casar, é problema meu! Sou
maior de idade e vacinado, e da minha vida cuido eu! E me decepciona
uma pessoa que sempre sofreu com o racismo e preconceito como a
senhora falar algo assim.
― É exatamente por isso que falo. Senti na pele o racismo e seria
muita decepção para mim um filho meu se casar com uma patricinha
metida a besta e ainda por cima loira.
Quando vou retrucar, começa uma confusão perto da pista de dança
e vou ver o que está acontecendo.
Fernando estava brigando com Pedro, um ex-caso da Bianca.
Depois que conseguimos separá-los, minha mãe manda Bianca cuidar dos
ferimentos de Fernando e eu vou segurar Pedro, que ainda quer briga. O
homem está todo ferrado e ainda quer confusão, mas seus amigos o
convencem a ir embora.
Quando a confusão acaba, corro meus olhos pelo ambiente a
procura de minha sereia e a não encontro em lugar nenhum.
― Procurando pela branquela patricinha? Seu irmão, Maicon, está
conversando com ela lá na cozinha. ― Minha mãe diz em um tom
venenoso e me assusto.
― Mãe! Nunca ouvi a senhora falando assim. Sempre foi uma
pessoa boa e amorosa com todos. O que aconteceu nesses anos em que
fiquei fora? ― indago triste, não reconhecendo minha mãe.
― Apenas não vou ficar de braços cruzados vendo outra sem
vergonha fazer meu filho sofrer. E, pior, essa ainda é branca! Volto a falar:
honre a sua cor. ― Ela sai, não me dando a chance de rebater.
Vou ter uma séria conversa com minha mãe. Não aceito isso. Ela
está fazendo com Michele o que fizeram com ela. Ela não conhece
Michele para fazer um pré-julgamento. Também não conheço Michele,
mas vou ter o maior prazer de conhecer e memorizar cada pedacinho dela.
Sigo para cozinha e pela segunda vez no dia essa mulher abala meu
mundo. Vejo meu irmão abraçado a ela. Tudo o que houve há oito anos
volta a minha mente com tudo. Sinto como se tivesse levado um soco,
seguro o ar e fico paralisado, olhando, até que ouço minha mãe falando:
― Não disse?! Ela não é mulher para você! Você tem que ficar com
alguém igual a você, meu filho... ― Não a deixo terminar de falar, giro meu
corpo e saio de perto dela e da imagem de Michele e Maicon abraçados.
A cada passo que dou, meu coração bate acelerado, minha
respiração sai rápido e mal presto a atenção em quem está em minha
frente, bato de frente com uma mulher, e quando vou me desculpar ela
sorri para mim e me olha de um jeito que demonstra tudo o que está
sentindo naquele momento.
Seu nome é Solange, estava conversando com ela antes de pôr
meus olhos em Michele e todas as mulheres perderem o interesse para
mim.
Michele.
Volto a sentir meu peito comprimir, solto o ar devagar e fixo no rosto
da mulher a minha frente, que sorri de lado. Aproximo meu rosto do dela e
sussurro ao seu ouvido.
— Quer subir comigo? — Me afasto, vejo seu sorriso aumentar
enquanto faz um meneio afirmativo.
Levo Solange para o meu antigo quarto e faço sexo com ela,
pensando em Michele, e quando estamos quase terminando, a porta do
quarto se abre e pelo espelho do quarto a vejo chamando meu nome
sorrindo.
Vejo o sorriso de Michele morrer em seus lábios, suas lágrimas
começarem a cair e em seu rosto uma dor tão profunda que me sinto sujo;
o que é muito estranho e louco, já que nos conhecemos hoje. Entretanto,
sinto como se a tivesse traído, mesmo não tendo nada com ela.
Quando ia abrir a boca para falar alguma coisa, Maicon surge atrás
dela, abraça sua cintura, gira seu corpo e ela pousa a cabeça em seu
ombro. Antes de fechar a porta, ele sorri para mim e pisca um olho. O
cretino armou tudo e eu caí feito um patinho! E agora, como sair dessa
situação?
Capítulo 2

Michele.
Estou andando nas nuvens. Não há outra definição para o que estou
sentindo.
Quando Bianca me convidou para ir a roda de samba, nunca
imaginei que iria sentir isso. Pressentia que algo iria acontecer, porém
jamais poderia supor que fosse algo assim, tão forte.
Já tinha ouvido falar, lido sobre, vi em filmes, mas nunca achei que
aconteceria comigo. Assim que pisei nesta casa, que, diga-se de
passagem, é uma senhora mansão, vi que estava em um mar de doces
para todos os gostos.
Tinha boy bom para todos os lados. Porém, assim que vi esse
chocolate, meu Deus… Que homem lindo é esse!
Ele parece um chocolate derretido, no sentido mais gostoso da
palavra e desde que o vi, os outros se apagaram. Quando ele falou no
meu ouvido, senti um gostoso arrepio percorrer meu corpo. Quando ele
segurou minha mão, senti uma agradável eletricidade.
Ele não tem rosto de menino, muito menos de moleque. Ele tem
rosto de homem. Tem um sorriso faceiro que seduz, e um olhar cheio de
promessas. E não só quero, como vou aceitar tudo o que vier desse
homem. Ele pode me jogar na parede e me chamar de lagartixa, que eu
vou simplesmente amar e pedir mais.
Ele me pergunta se sou comprometida, mas não consigo articular
uma única palavra. A sua voz no meu ouvido, sussurrando, me
desestabilizou a tal ponto que perdi a fala. Só sabia sentir.
Bianca me puxa para a roda de samba e finalmente desperto do
encanto que esse chocolate derretido me lançou. Na roda, me solto, rebolo
olhando para ele, requebro e sambo.
Sim, meu amor! Eu sambo muito! Não é porque sou desprovida de
bunda que não sei balançar o meu esqueleto.
Logo depois começou uma briga entre Fernando e o babaca do
Pedro. A mãe de Márcio, que foi muito simpática comigo e com a Bianca,
vem até onde estamos e diz para minha amiga ir cuidar de Fernando. Ela
não entendeu nada, mas logo saquei que a mãe de Márcio queria deixá-
los a sós para que se entendessem. Incentivei Bianca a ir cuidar do boy
magia gostoso com cara de cachorro que caiu do baú de mudança.
Assim que Bianca sai, a mãe de Márcio vira para mim com uma
expressão completamente diferente e logo levanto a sobrancelha.
― Michele é seu nome, não é mesmo? ― Ela me pergunta com tom
de desprezo.
― Isso mesmo, e a senhora é Lúcia. Sua casa é linda e a festa está
ótima! ― Resolvo ser simpática e ignoro seu tom ao falar comigo.
― Sim, sou dona Lúcia, e isso aqui não é uma simples festa. É
samba de raiz, mas claro que uma pessoa como você nunca iria entender
a diferença.
O tom que a mãe de Márcio está usando está começando a me
irritar. Todavia, como estou feliz da vida e doida para achar meu chocolate,
resolvo, novamente, ignorar.
― Eu sei que é uma roda de samba, é apenas um modo de falar. Isto
aqui está bom demais! — comento, procurando meu chocolate derretido.
Sim, porque esse homem vai ser meu!
― Pelo que vejo, está procurando meu filho, Márcio. Fique sabendo
que ele não banca mulheres como você… ele apenas usa e joga fora.
Você vai ser mais uma na longa lista de putas dele. E nem pense que vai
consegui se meter aqui. Na minha casa só entra mulher direita. Ele pode
até ficar com mulheres fáceis e oferecidas como você, mas para casar,
para ele assumir, para eu deixar entrar na minha casa, não vai ser
qualquer uma, não. Quando ele se casar, vai honrar a cor, vai se casar
com uma mulher negra. ― Soa extremamente arrogante e, a princípio,
olho para ela estarrecida.
Mas se essa velha coroca está pensando que sou dessas de ficar
calada, ela está muito enganada!
Sou loira sim. Sou rica sim. Porém, também sou muito barraqueira e
não levo desaforo para casa.
― Primeiro, não dependo de homem para porra nenhuma. Sou linda,
me sustento e se eu quiser dar para ele, vou dar quantas vezes eu quiser.
Nem a senhora e nem ninguém tem absolutamente nada a ver com isso.
Quer dizer que se um cara paquerar, tudo bem, mas se uma mulher
paquerar, é puta e sem vergonha? Pois eu pouco me importo com o que a
senhora ou qualquer um pensa a meu respeito! Não devo satisfação a
ninguém. E quanto a sua casa, a senhora pode embrulhar e... Bem, por
respeito ao Márcio, não vou dizer o que poderia fazer com a casa.
― Você me respeite! Sua... ― Eu a interrompo.
― Respeito se conquista! Está pensando o quê? Que eu sou
bobinha, que sou de abaixar a cabeça? Porra nenhuma! Sou bagunça não,
meu amor. Sou dessas que se vir com um quente, vai levar cinco fervendo.
― Se essa bruxa do 71 está pensando que vai me humilhar e vai ficar
assim, está muito enganada.
― Olha aqui, sua...― Volto a interrompê-la.
― Olha aqui a senhora. Enquanto me tratar bem, vou lhe tratar bem,
mas não me julgue sem me conhecer. Não sou uma pobre coitada que não
tem onde cair morta, que está atrás do possível dinheiro do seu filho. O
que eu quero é ele e que ele me pegue bem gostoso. E se, para a
senhora, isso é ser safada, dane-se! Eu cago e ando para o que qualquer
um pensa de mim. E mais, se isso é ser puta, vou ser a puta dele com
muito prazer. ― Como falo alto, algumas pessoas ficam olhando na nossa
direção.
Um dos filhos dela, Maicon, me tira dali e me leva para a cozinha
para beber um pouco de água e me acalmar. Não estava nervosa, estava
com raiva porque ele não me deixou falar mais coisas para ela.
Ele ficou um tempo conversando comigo e me falou que a mãe agiu
assim porque já sofreu muito preconceito em sua vida. Isso não justifica as
suas atitudes. Não fiz nada para ela agir assim comigo.
Maicon é gentil, bonito, mas não é o Márcio. Não sinto nada por ele.
Ele me fez rir e ficamos um tempo conversando. Ele me chamou para sair,
mas eu disse que já estou comprometida.
E estava mesmo, pois desde o momento em que vi Márcio, estava
comprometida. Eu já sou dele. Foi uma coisa de pele, instinto, não sei bem
definir. A mãe dele pode arrumar a confusão que quiser. Nada vai me fazer
desistir desse homem.
Pergunto ao Maicon onde deve estar Márcio, e ele me fala que seu
irmão deve estar em seu antigo quarto.
Vou até lá e o que vejo me deixa sem fala. Vejo Márcio transando
com uma mulher. A primeira coisa que vem a minha cabeça é dar na cara
dele e dela.
Mas quando dou um passo a diante, travo, não posso fazer isso. Ele
não é nada meu. Sinto uma lágrima cair do meu rosto e noto que estou
chorando. Não só por estar vendo um homem, que acabei de conhecer,
transando com outra, mas sim pelo fato de que em poucas horas e em
alguns contatos, ele me fez sentir mais do que qualquer homem que já
tive. Choro pelo fim de algo que poderia ser maravilhoso, mas que
infelizmente nem vai começar...
Maicon me tira do quarto e ficamos perto da piscina conversando.
Ele ficou o tempo todo me elogiando e me fez sorrir. Infelizmente, eu não
conseguia sentir nada por ele. Pouco tempo depois, Bianca e as
confusões dela com Fernando, me fazem esquecer um pouco a minha
desilusão amorosa. Não falo nada para ela. Eu a conheço e sei que ela
brigaria com Márcio por mim.
E a verdade é que eu acho que fantasiei uma linda história de amor.
Tudo aconteceu apenas na minha cabeça, mas para ele não foi nada. Se
ele tivesse sentindo algo, não teria ficado com aquela mulher.
Quando finalmente chego em casa, me sinto mais sozinha que
nunca. Sinto-me deprimida e com raiva.
― Poxa, Michele! Você deveria ter sacado que aquele homem
gostoso, aquele verdadeiro boy magia, era um safado, cachorro e sem
vergonha. ― Grito e minha voz ecoa pelo apartamento vazio.
Pego uma cerveja na geladeira, e depois de umas cinco já estou
mais calma... Recebo uma ligação do Caio, e o convido para vir na minha
casa.
Não queria ficar sozinha essa noite. Queria ser amada e adorada,
como eu imaginei que Márcio faria.
Mas não foi assim, pois Caio não era Márcio. E por mais que ele
tentasse, nem cosquinha sentia. E no final, ainda me senti mal...
Assim que acaba, peço para ele ir embora e invento uma mentira,
digo que a patroa está para chegar. Aí o infeliz me fala que a camisinha
estourou, e que era para eu tomar um remédio, porque ele não podia
assumir filho nenhum.
Mando-o ir à merda e bato a porta na cara dele.
Por mais carente que esteja, nunca mais atendo a ligação desse
babaca. E amanhã sem falta compro o remédio. Sigo para a cozinha abro
a geladeira pego duas garrafas de vinho e caminho em direção ao meu
quarto de cabeça baixa. Com violência tiro os lençóis da cama e os jogos
no chão.
Sentindo as lágrimas banharem meu rosto, sento-me no chão e
encosto meu corpo na parede, abro uma das garrafas de vinho. Com a
garrafa encostada nos meus lábios, solto um longo suspiro antes de ingerir
um longo gole.
Hoje eu preciso de álcool para esquecer a merda que eu fiz por
carência. Sim, porque ficar com esse babaca é fazer merda.
***
Meu pescoço doendo me indica que eu não dormi na cama, pisco
algumas vezes e abro meus olhos devagar, e solto um gemido quando os
acontecimentos da noite anterior me pegam em cheio. Resolvo esconder
tudo em um lugar bem escondido da minha mente, escolho ser prática e
resolver o que eu consigo no momento.
Com esse pensamento em mente, ligo para a farmácia e peço a
pílula do dia seguinte. Assim que chega, tomo e me arrasto a até a cama e
volto a dormir, pouco tempo depois, acordo enjoada, e corro para o
banheiro, passando mal.
Depois de pôr tudo o que tinha e o que não tinha para fora, tomo
banho e vou para sala. Maria está limpando a sala com fone de ouvido,
cantando música sertaneja.
― Maria, pelo amor de Deus, fala baixo!
― Meu Deus, Michele! Que susto.
― Maria, eu te imploro, para de cantar, pelo amor de Deus.
― Ôxe! Já vi tudo. Vou preparar alguma coisa para sua ressaca. Vá,
sente aí que volto já, já.
Mal ela sai da sala me jogo no sofá, me sentindo uma merda. Maria
volta com uma coisa horrível para beber.
― Meu Deus do céu! O que é isso?
― Anda logo, toma isso que você melhora.
― Mais o que é isso? Tem um cheiro horrível.
― É chá de boldo. Toma que você melhora.
Tomo o tal chá horrível e volto a me deitar. À tarde, acordo um pouco
melhor. Tomo banho, vou para cozinha comer alguma coisa e vejo que
Maria tinha deixado uma sopa e um bilhete dizendo para eu tomar tudo e
que tinha mais chá e suco na geladeira.
Peguei meu celular e vi que tinha mensagens de Bianca dizendo que
estava preocupada comigo. Respondi que estava bem, apenas de
ressaca.
A verdade é que não tiro aquele homem da minha mente. No
entanto, a cada vez que me recordo, vem aquela imagem dele transando
com aquela mulher e fico com raiva de mim mesma por ainda sequer
pensar nele.
A outra mensagem é de um número desconhecido dizendo que
amou me conhecer e me convidando para sair.
Meu coração palpitou pensando que talvez fosse Márcio. Não sabia
o que fazer, se deveria retornar a mensagem, se ligaria. Fiquei andando de
um lado para o outro com o celular na mão.
Pensei em ligar para Bianca e pedir a sua opinião, mas ela está toda
enrolada com o boy magia dela e ela também já tinha dito que Márcio era
safado...
Fecho os olhos e me recordo do arrepio que passou pelo meu corpo
quando ele sussurrou ao meu ouvido.
― Ai, meu Deus! O que eu faço?
Esse homem é tudo o que eu sonhei e muito mais. Quando começo
a digitar o número para retornar à ligação, volto a me lembrar dele com
aquela mulher. Por mais revoltada que eu estivesse, foi impossível não
reparar na bunda dele. E que bunda! O bofe é tudo de bom! Costas toda
malhada… não vi o abdômen, mas tenho certeza que também é perfeito e,
pela expressão de êxtase da vadia, ele deve ser uma coisa de louco!
― Sinceramente, não sei se estou com mais raiva ou inveja! ―
Desisto de fazer a ligação, e me sento no sofá, desanimada. ― Aquele
tosco é um bofe de tirar o chapéu! E eu passei a noite com uma lombriga
torta, que tristeza! — Suspiro, triste.
Meu telefone volta a tocar, e vejo que é o mesmo número.
―Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! E agora, eu atendo ou não? Calma,
mulher, é só um homem. Um homem gostoso e que lhe deixou molhada
apenas ao sussurrar no seu ouvido. ― Respiro fundo e atendo ao telefone.
― Alô!
― Oi Michele. É o Maicon, tudo bem?
― Ah! Oi, é você. Tudo… tudo bem. ― Não tive como disfarçar a
decepção.
― Estou atrapalhando?
― Não, pode falar.
― Enfim, liguei para saber como você estava depois daquela cena
horrível que você viu e te convidar para sair hoje à noite… você aceita?
― Eu estou bem ― respondo desanimada.
― Até que foi bom você ter visto Márcio naquela cena
comprometedora. Assim você descobre logo, antes de se envolver, que ele
não é para você.
Aquilo me incomoda. Como assim não é para mim? Só falta o
Maicon ser tão surtado como a sua mãe. Sim, porque aquela senhora faz
xixi fora da casinha. Só pode!
― Vai me dizer que você pensa igual a sua mãe que, só porque
temos a cor de pele diferente, não podemos nos envolver? ― questiono,
indignada.
― O quê? Não, nada disso. Muito pelo contrário, eu estou muito
interessado em você.
― Então por que falou que ele não é para mim?
― Porque ele não consegue ser fiel. Foi assim com a ex-noiva dele.
Como eu gostei de você, e vi seu interesse por ele, queria te prevenir.
― Entendi. ― Esse aí está achando que sou idiota. É mais um que
quer sexo e meter o pé. Para o azar dele, não sinto nada por ele.
― Então você aceita?
― Sim, tudo bem, mas hoje não.
― Amanhã então?
― Tudo bem, amanhã...
Conversamos por mais algum tempo e depois desligo.
***
Foi bom sair com Maicon. Ele me fez sorrir, porém seremos apenas
amigos. Se ele acha que vai ocorrer algo além disso, está muito
enganado. Durante duas semanas, nos falamos quase todos os dias e
saímos mais umas três vezes. Ele até tentou um beijo, no entanto deixei
claro que só queria amizade. Ele ficou visivelmente revoltado. Azar o dele.
Em uma das vezes que saímos, encontramos Márcio na balada com
duas mulheres. Por mais que eu já tenha ódio mortal delas por terem
tocado nele, tenho que admitir que as vagabas eram lindas. Que ódio!
Aí, você pensa: Michele, vai ficar na merda de novo? Vai tomar um
porre e dormir com outro babaca? Só que não, meu amor! Aprendi que
não vale a pena e que me sinto muito mal depois. Sorrio quando noto que
ao invés de ele prestar a atenção nelas, ele não tira os olhos de mim.
Meu amor! Depois que eu notei que ele fazia cara feia a cada vez
que um homem chegava perto, me soltei.
Quis que ele sentisse a mesma raiva que eu estava sentindo...
Paquerei, ri alto, fiz de tudo para chamar a sua atenção; as vezes,
disfarçadamente, olhava em sua direção, e quando notava que ele estava
irritado com a atenção que estava recebendo, mais eu me soltava.
Quando a música acabou, fui ao banheiro cansada e toda suada. Ao
entrar, caminhei até a pia, abri a torneira para lavar meu rosto e pescoço,
fechei meus olhos ao sentir o frescor da água fria em minha pele quente,
suspirando em puro deleite e, ao abrir meus olhos, vi Márcio atrás de mim.
― Por que você está fazendo isso? ― Ele questiona em um tom
rouco que me arrepia dos pés à cabeça.
Ele, como sempre, está maravilhoso. Um verdadeiro boy magia. Um
homem de tirar o chapéu, que exala sensualidade. Márcio sorri de lado e
vem andando em minha direção enquanto eu continuo de costas, olhando
para ele pelo espelho.
― Eu não tenho noção do que você está falando. ― Me faço de
desentendida, abro a torneira novamente, molho minha mão e passo pela
minha nuca.
Márcio está tão próximo que sinto o calor que emana do seu corpo.
Ele assopra a pele molhada do meu pescoço, segura meu quadril com
força, e me puxa para ele. Coloco minha mão sobre a pia para me
equilibrar, com medo de não me controlar e me jogar em seus braços.
― Pare de me provocar! ― Ele morde minha orelha e beija meu
pescoço.
Aí é sacanagem com a loira aqui, né, gente. Aí, você me diz, pelo
amor de Deus, como uma pessoa consegue não gemer e não ficar
molhada com um homem desses lhe segurando por trás, roçando uma
coisa enorme em você? Não dá, gente! Não tem como!
Eu estou como? Quase derretendo aqui! Parecendo uma gelatina,
toda trêmula. E se isso que ele está roçando em mim for o que eu estou
pensando... Aí eu gamo de vez.
― Por que você foi ficar com meu irmão na festa? Você era minha!
Eu queria você para mim. ― Beija meu pescoço, segura meu cabelo e vira
meu rosto para ele. ― Eu queria tanto você. ― Ele morde e chupa meu
lábio inferior.
Eu perdi a capacidade de falar desde que esse chocolate derretido
se encostou em mim e soprou meu pescoço.
Gira meu corpo de modo que eu fique de frente para ele, introduz
uma perna entre as minhas e eu arfo quando segura minha cintura e me
puxa ao encontro de seu corpo. Solto o ar devagar ao sentir sua mão
passando pelo meu rosto e o seu dedo pelo meu lábio inferior, enquanto
segura meu cabelo com força; não o suficiente para machucar, apenas
para me fazer gemer. Percorre meu pescoço com pequenos beijos e
mordidas, e quando está perto da minha boca, já estou salivando e
desejando desesperadamente um beijo daquela boca gostosa. Enquanto
isso, a porta do banheiro abre e as vagabas que estavam com ele entram
no banheiro.
Eu estou tão desorientada pela excitação, que demoro um tempo
para entender o que elas estão falando.
― Marcinho, meu amor! O que você está fazendo aqui? — indaga
me olhando de cima a baixo.
Tento sair do seu aperto, mas Márcio segura minha cintura
firmemente.
― Me solta, Márcio! ― ordeno, imprimindo mais força e conseguindo
me desvencilhar dele.
Fito-o por alguns segundos, esperando uma reação que não vem.
Ele desvia os olhos de mim e fita as mulheres. Resolvo não esperar o que
ele vai dizer e saio do banheiro batendo a porta com força e me
surpreendo ao esbarrar em Maicon.
— Me tira daqui, por favor — imploro, segurando as lágrimas.
Maicon não questiona, apenas enlaça minha cintura e quando
estamos saindo da boate, Márcio me chama.
― Precisamos conversar! ― Ele pede ao chegar perto de mim.
Antes que eu abra a boca, Maicon fala.
― O que você precisa é ficar longe dela! Isso por acaso é uma
vingança pelo que aconteceu no passado? ― Maicon pergunta, me
abraçando.
― O que aconteceu no passado? ― questiono, curiosa.
― Eu fiquei com a noiva dele e por isso ele está correndo atrás de
você, para se vingar de mim, porque sabe que gosto de você. ― Maicon
explica segurando meu rosto. Ele tenta me beijar e eu o afasto.
― É verdade? E Maicon ficou com sua ex-noiva? — Viro meu rosto
para Márcio e jogo a pergunta com o coração batendo descompensado.
― Sim, é verdade, mas... — Ele suspira e passa ambas mãos pelo
cabelo.
― Não quero saber de mais nada! Não se aproxima mais de mim! ―
Eu não o deixo terminar, e saio dali com Maicon.
Durante o trajeto para minha casa, choro por mais uma vez ter me
enganado, ter me iludido... Ele não quer nada sério, é apenas uma
vingança.
O problema é que eu o quero tanto, que chego a temer que não seja
mais apenas desejo...
Capítulo 3

Michele
Por mais que tente, não consigo evitar as lágrimas que insistem em
cair e fico revoltada comigo mesma por não conseguir me controlar.
― Loirinha, fica assim não… meu irmão não vale nada. ― Maicon
passa a mão pelo meu cabelo.
― Como você pode dizer isso do seu próprio irmão? — retruco,
fungando e limpando meu rosto.
― Porque o conheço! Ele é meu irmão, conheço todo histórico dele,
e sei que ele trata as mulheres como merda.
Fico um tempo olhando para Maicon e depois viro para a janela.
Não gosto quando ele fala de Márcio dessa forma. Pelo que Bianca
disse, ele é uma ótima pessoa. E também safado é gostoso… e que
pegada foi aquela?
Não consigo segurar um suspiro ao me recordar da forma como ele
mordeu os meus lábios e quase me beijou. Como eu queria sentir os
beijos dele! Ah se esse homem fosse meu… eu duvido que ele iria atrás
de outra.
Primeiro que eu não daria folga para ele; e segundo, iria dar na cara
dele e na de qualquer vagabunda que se metesse a besta...
Mas, infelizmente para mim, ele não é meu. E se o que Maicon falou
é realmente verdade, ele só quer se vingar e mais nada.
Volto a suspirar desanimada e Maicon interpreta errado, pois achou
que eu estava chorando.
― Loirinha, vou subir com você, preparar um banho gostoso e te
fazer relaxar. Em pouco tempo, você nem vai mais se lembrar de Márcio.
Não chore mais por ele, minha linda. Vou consolar você… como amigo,
claro. Vou preparar uma bebida e você vai relaxar. ― Ele aproveita que
parou no sinal vermelho para me abraçar e beija o meu cabelo.
Epa! Epa! Epa! Esse bofe está pensando que sou trouxa, só pode,
para vir com essa conversa de Zeca Lourenço para cima de mim! Será
que ele realmente acha que vou cair nesse papo tosco de querer ser só
amigo e me ajudar a relaxar? Ah tá! Sei bem como ele quer me relaxar.
― Se você não quiser ir para a sua casa, não tem problema, vamos
para a minha. ― Ele insiste.
― Você não mora com a sua mãe?
― Sim, mas...
― Deus que me livre! Olha, Maicon, já disse que somos apenas
amigos e nada mais. Muito obrigada por esse gesto tão gentil da sua
parte. No entanto, neste momento, quero ficar sozinha. E pode ficar
despreocupado que eu sei relaxar sozinha.
Depois de falar isso seguimos em silêncio até meu prédio. Ele mal
fala comigo quando saio. Estou pouco me lixando se Maicon ficou
revoltado, mas não vou voltar a cometer o mesmo erro só porque estou
com raiva de Márcio.
Já fiz isso e me senti o cocô do cavalo do bandido depois...
Tomo um banho relaxante, pego uma garrafa do meu vinho preferido
e vou para sala.
Bianca me liga, e começamos a conversar sobre a confusão que
está o relacionamento dela com Fernando.
Dou um esporro nela! O boy magia é tudo o que ela sempre sonhou
em um homem. Não estou falando na parte física, que é óbvia, e sim do
fato de ele estar indo atrás, muito preocupado em não apenas seduzir,
mas conquistar. Ele realmente quer algo mais com ela, algo sério, e
Bianca fica se fazendo de difícil. Poxa! Eu aqui na merda, sofrendo por um
cara que não está nem aí para mim e ela esnobando de um homem tudo
de bom!
Mas entendo essa reação da Bianca. Ela já sofreu muito por causa
do peso e de caras que ficavam com ela apenas para sexo, mas não
assumiam um relacionamento por ela ser gordinha. Bianca fez terapia por
muito tempo para aprender a se amar e a se valorizar. Não foi uma época
fácil, nós duas já sofremos muito.
Ao mesmo tempo que quero que ela fique com um cara que está
demonstrando que realmente se interessa por ela, tenho medo de que
esse relacionamento deles, faça com que ela se afaste de mim. Bianca e a
família dela são o que eu tenho de mais precioso. Sei que qualquer
besteira que eu fizer, eles estarão lá para mim.
Bianca me pergunta como estou, e digo que estou bem...
Mas não estou bem, estou cansada de ficar sozinha, cansada de ser
a estepe, de ser a mulher troféu. Quero um cara legal. Quero o Márcio!
Mas também não quero falar sobre isso agora com Bianca. Às vezes é
melhor ouvir os problemas alheios do que resolver os nossos.
Depois de mandar Bianca fisgar o homem dela, fico pensando: por
que não faço o mesmo? Por que não vou atrás do Márcio? Por que não
corro atrás daquilo que realmente quero e agarro com unhas e dentes?
É tudo muito complicado e eu não sei se vale a pena o estresse que
com certeza a mãe e o irmão dele trarão, isso sem falar as mulheres atrás
dele.
Não vou atrás dele. Porém, se um dia ele vier atrás de mim, ah, meu
amor! Agarro de um jeito que nunca mais solto.
Durmo com esse pensamento, na esperança de quem sabe um dia
ele vir até mim.
***
As semanas passam entre idas à faculdade e ao trabalho. Às vezes
vou à balada com Bianca, mas Fernando sempre nos segue e fica
escondido, olhando se alguém está querendo pegar a sua mulher.
Gente, na boa, ele é surtado da Silva!
Nessas últimas três semanas não vi Márcio. Acho que o que Maicon
falou infelizmente é verdade e ele só queria vingança. E quando viu que eu
não queria nada com Maicon, seu interesse acabou...
Mas ainda sonho com ele todas as noites, e ainda tenho a esperança
de que ele venha atrás de mim.
Acordei enjoada e corri para o banheiro. Em certo momento, Maria
aparece para saber como estou.
― Michele, maltratou o Figueiredo de novo, fia? ― Ela me pergunta,
enquanto segura meu cabelo.
Lavo a boca e depois olho para ela.
― Que merda é Figueiredo, Maria?
― Ôxe, é o fígado! Você encheu a cara ontem, deve ter tomado
todas para estar com essa ressaca.
― Que mulher linguaruda! Há semanas que não ponho álcool na
boca. Só tenho saído para balada com Bianca e o Fernando fica andando
atrás dela igual a um louco; nem dá para encher a cara. Ontem ele estava
com uma peruca e achou que nós não iríamos notá-lo na boate. Ele é
muito tosco, Maria.
― Mas o homem é bom demais. — Suspira, sonhadora.
― Maria, toda vez que você fala assim me lembro de quando você o
conheceu e ficou correndo atrás dele com uma vassoura. — Rio com
gosto da recordação.
― Claro! Imagina meu susto… um homem daqueles só de cueca na
casa de Bianca. Achei que era um tarado. Não sabia se atacava ou batia
nele ― comenta, rindo.
― Então, estou devagar quase parando, só tem sangue na minha
veia alcoólica. — Sigo em direção ao banheiro jogo uma água no rosto e
pego a escova e a pasta de dente. Noto que Maria está encostada na
porta, me olhando com atenção. — É sério, Maria, não é ressaca, acho
que estou com alguma virose.
Maria desvia o olhar do meu rosto, fita minha barriga e depois volta a
focar em meu rosto.
― Então, fia, você está é de barriga. — Ela dá de ombros como se
não tivesse acabado de soltar uma bomba.
Puta merda!
Capítulo 4

Michele
Fico paralisada, olhando para Maria, com a escova de dente na
boca.
Grávida!
Acabo de escovar os dentes e saio do banheiro.
― Está maluca, Maria? Só pode! Eu não estou grávida. Há um bom
tempo eu não viro os olhinhos.
― Menina! Você está de barriga.
― Você está é louca, Maria. Não tenho como estar grávi... ― Não
termino a frase e me lembro da noite da roda de samba. Eu tomei remédio
no dia seguinte, tenho certeza.
Puta merda! Eu passei mal e vomitei.
― Não, não e não. Eu não posso estar grávida daquele idiota! ―
Ando de um lado para o outro.
― Você quer que eu chame Bianca? Você está muito nervosa! ―
Maria pergunta, preocupada.
― Não! Bianca está cheia de problemas com o bofe dela. Ontem ela
me ligou desesperada, para desabafar sobre umas merdas que ele fez.
Com certeza estão fazendo sexo de reconciliação. Desencana, Maria, que
não estou grávida.
― Se estiver grávida, você nunca mais vai estar sozinha, Michele.
Trabalho para você e Bianca há anos e sempre ouço você dizer que às
vezes se sente muito sozinha. ― Maria comenta e eu paro de andar e me
viro para ela.
― Maria, eu conheci um cara há mais ou menos um mês e meio e
ele é... bem, eu tenho quase certeza que ele é o cara. E se eu realmente
estiver grávida... não vai rolar. ― Desolada, caminho em direção à sala,
me sento no sofá e abaixo a cabeça.
Maria se abaixa a minha frente e põe a mão no meu joelho.
― Calma, mulher. Primeiro faz um exame para ver se você
realmente está grávida. Depois a gente pensa no resto. E se esse cara for
macho porreta, não vai correr, não, muito pelo contrário.
― Obrigada pelo apoio, Maria ― agradeço, quase chorando.
― Você sabe que eu e Bianca vamos te ajudar a cuidar do projetinho
de Michele. Aff! Já posso até ver o projetinho. ― Começo a rir.
― Projetinho, Maria? E por enquanto não vou falar nada com Bianca,
vou confirmar primeiro. Ela vai surtar se descobrir que estou grávida, vai
querer ir atrás do carinha. Enfim, assim que ela resolver a vida dela, eu
falo. E você, bico calado!
― Tudo bem, não falo nada. Você sabe que ela vai ficar fula da vida,
não sabe?
― Eu sei, Maria. Vou confirmar se realmente estou grávida, aí,
quando me acostumar com a ideia, eu conto para ela. Não quero trazer
preocupação para Bianca agora.
― E quando vai fazer o exame para saber se está ou não de
barriga? ― Maria indaga com a mão na cintura.
― Agora! ― Levanto-me indo em busca do meu celular.
Consigo marcar o exame e a consulta para hoje na parte da manhã.
― Pronto, vou fazer um exame de sangue daqui a meia hora e, logo
depois, a consulta médica.
― Eita! Conseguiu rápido. ― Maria ri.
― Meu amor, com dinheiro a gente consegue quase tudo. ― Rio e
vou para o banheiro tomar banho e me arrumar. Em seguida, sigo para a
clínica no shopping.
Estou tão nervosa com o resultado do exame que fiz há uma hora
que estou andando de um lado para o outro, esperando ficar pronto.
Paciência é algo que não tenho, tanto que já roí todas as minhas
unhas. Quando a atendente chama meu nome e entrega o envelope, fico
com medo de abrir e resolvo esperar a consulta médica.
Passo mais meia hora olhando o envelope até ser atendida pela
médica.
― Então, Michele, o que posso fazer por você? ― indaga minha
ginecologista.
― Bem, para começar, pode me dizer o resultado desse exame que
não tive coragem de abrir. ― Nervosa, entrego-o a ela.
Ela me olha e pega o envelope, abre, e eu fico tremendo.
Ela sorri e aí eu penso: “lascou tudo, estou grávida!”.
― Meus parabéns, Michele! Você está grávida de,
aproximadamente, seis semanas. ― Ela me parabeniza, sorrindo, e eu
começo a chorar. ― Calma, pelo jeito não era o resultado esperado. Vou
pedir um copo de água com açúcar para você se acalmar. ― Ela pede
para a secretária trazer a água e eu choro copiosamente.
Poxa, eu sou inteligente, não sou de dar bobeira, como isso pode
acontecer comigo? Ainda mais daquele idiota. Quando me lembro do pai
do meu filho, meu desespero aumenta.
Depois de meia hora, mais calma e com a consulta com o obstetra já
marcada, saio da clínica ainda desorientada, pensando o que vou fazer da
minha vida. Dinheiro nunca foi problema para mim, mas tê-lo também
nunca me garantiu uma felicidade plena. Desde que meus pais morreram,
eu me sinto sozinha, por mais que a família de Bianca esteja sempre
comigo e que eu saiba que posso contar com eles, não é a mesma coisa.
Lembro-me das palavras de Maria: Você nunca mais vai estar
sozinha. E é verdade, agora eu tenho meu filho. Repouso a mão na
barriga ainda inexistente.
― Jesus! Eu vou ser mãe? ― murmuro, emocionada.
Demoro a perceber que estão falando comigo e quando levanto a
cabeça e vejo Márcio, penso: “é, o Universo está conspirando contra mim”.
Márcio, meu Boy magia, meu lindo chocolate derretido, o homem mais
gostoso que já vi na vida… que, infelizmente para mim, de meu não tem
nada. No entanto, sonhar não custa nada, e na minha atual condição vai
ficar no sonho mesmo.
Ele continua a falar, e eu só consigo focar naquela linda boca, que
nunca vou beijar, no peito que nunca vou tocar e, quando me dou conta,
estou agarrada a ele, beijando-o como se o mundo fosse se acabar dali a
alguns minutos.
Estava pouco me lixando se tinha alguém olhando. Só queria beijar
esse homem, sentir ele nem que fosse um pouco. Nem que seja uma
única vez...
Despedir-me de Márcio foi como me despedir de um sonho lindo e
gostoso. Porque é isto que ele é para mim, um sonho. Quase gozei ao
apenas beijá-lo e quando ele me segurou em seus braços e retribuiu o
beijo, eu vi as portas do paraíso. Sei que nunca vou conseguir entrar, e sei
que ele me faria ir às nuvens e voltar.
Cheguei em casa e dei graças a Deus que Maria não estava lá, pois
não queria falar com ninguém. Queria ficar quietinha na minha e chorar.
Hoje eu vou chorar, amanhã eu voltarei a ser a mulher alegre que todos
conhecem.
Deitada em minha cama, penso que tudo podia ser diferente; que se
não tivesse encontrado Márcio transando com aquela mulher,
provavelmente o filho seria dele...
Mas vida que segue, não sou de ficar chorando pelo leite derramado.
Falo para Maria que não consegui fazer o exame, que vou esperar mais
um mês para ver se minha menstruação desce.
Quero, por enquanto, guardar minha gravidez só para mim...
Dois meses se passaram, e muitas merdas aconteceram com Bianca
e Fernando. Divirto-me horrores com eles e amo comprar as brigas de
Bianca. Ela é muito boazinha, e eu parto logo para a ação!
Nesse meio tempo, vi Márcio poucas vezes. Bianca me disse que ele
estava viajando para vender os imóveis dele em Boston. Nas vezes que
nos vimos, ele sempre conseguia um motivo para implicar comigo, e
acabávamos discutindo.
Não atendi mais às ligações de Maicon. Já notei que ele é uma cobra
criada e se ele imaginou que eu fosse uma loira burra, estava muito
enganado. Afastei-me assim que notei que ele não valia coisa nenhuma.
Estou com três meses e meio de gestação e ainda não falei para
ninguém.
Comecei a aceitar melhor a minha gravidez; os enjoos diminuíram e
meu obstetra gato me ajudou muito. Quase surtei quando conheci meu
obstetra, não chega aos pés de Márcio, mas é um colírio para os olhos.
Bianca anda me pressionando para conversarmos e eu ando
fugindo. Por enquanto, tenho conseguido. Entretanto, sei que não vou
poder fingir que não estou grávida para sempre.
Aconteceram tantas coisas que nunca parecia ser o momento certo.
Ia conversar com ela ontem e me preparei psicologicamente para ouvir as
broncas que com certeza iria receber, mas Bianca chegou aqui chorando
dizendo que tinha terminado com Fernando e não tive clima para dizer a
ela que estou grávida.
Quase uma semana se passou nessa confusão de Bianca e
Fernando e eu não encontrava uma brecha para contar que estava
grávida.
Fernando me ligou hoje de manhã pedindo que fosse à empresa e
tomara que não encontre a tal sonsa da Carolina, que está infernizando a
vida da Bianca e, de quebra, atrapalhando a minha. Porque se eu a
encontrar, vai dar merda.
Para tudo!
Há meses que eu quero entrar nesta empresa, gente! É muito
homem bom por metro quadrado. Logo de cara vejo o Pablo. Pegaria fácil
se ele não tivesse sido namorado de Bianca, porque ex de amiga minha,
não rola.
Ele é uma gracinha com aqueles óculos. Tão bonitinho! O que ele
está fazendo com a lombriga da Angélica grudada nele? O coitado deve
ter ficado mal da cabeça depois que levou um pé na bunda de Bianca, só
pode.
Um dia vou chamar Maria para ficar aqui na frente, comendo pipoca
e vendo esses homens passarem. Já até imagino a cena, ela de boca
aberta dizendo que é tudo tentação e eu babando nesses homens lindos.
Com certeza seríamos presas por assédio, mas iríamos feliz.
Sinto um arrepio passando por meu corpo e sei que ele está por
perto. Suas mãos seguram firmemente minha cintura e eu fico toda
trêmula.
― Está perdida por aqui, linda sereia? ― sussurra ao meu ouvido.
Nesse exato momento, pareço uma gelatina ambulante e, sem
conseguir evitar, exalo um fraco gemido. Afasto-me, viro para ele e olho de
cima a baixo a minha tentação.
Oh, homem gostoso! Fazem dois meses que não o vejo e, vê-lo
assim, sorrindo de lado, de um jeito safado, faz meu coração dar
cambalhotas. E ele sabe o efeito que tem sobre mim. Ele sabe que é só
aparecer e sorrir que minha calcinha fica molhada.
Cretino!
Sorrindo de forma sensual, me aproximo devagar e beijo seu rosto. É
mais forte que eu, não consigo me segurar perto dele. Sei que prometi a
mim mesma me manter distante, mas não consigo. Oh, homem cheiroso!
É um chocolate derretido, pura tentação e com certeza é minha perdição.
Pena que eu não posso...
Sinto-o estremecer quando beijo o seu rosto, e sei que o desejo é
recíproco. Ele segura minha cintura com força e sussurra no meu ouvido:
― Não faz assim ou paro de me controlar. — Seu hálito mentolado
faz cocegas na minha pele, me deixando arrepiada.
Jesus, apaga a luz e esconde a vela! Que pegada esse homem tem!
Deveria de ter trazido uma calcinha extra.
― Para que se controlar? ― sussurro no seu ouvido.
Ele estremece ao encostar o seu corpo no meu e constato o quão
excitado está. A essa altura eu já tinha me esquecido que estava grávida,
onde estava e o que eu vim fazer. Só pensava nesse homem maravilhoso.
Até que uma periguete o chama.
― Marcinho, você esqueceu sua carteira na minha casa.
Puta merda!
Afasto-me dele e me viro para ir embora. Ele segura o meu braço e
eu saio do seu aperto em um forte puxão.
— Não fale mais comigo! ― Aponto um dedo para ele, revoltada.
Safado, gostoso, cretino de uma figa!
Sei que não tenho direito de ficar com raiva, afinal fui eu quem disse
para ele seguir a vida, mas vou pôr a culpa nos hormônios irracionais da
gravidez.
Saio dali como? Virada no samurai, puta da vida, e vou para sala de
Fernando. Assim que chego, uma senhora muito simpática me informa que
Fernando ainda não chegou.
Como Bianca falou que a sonsa era novinha, ela ainda não deve ter
chegado.
Começo a conversar com a senhora e pergunto sobre a talzinha e
ela começa a soltar os podres da sonsa.
Peço para que, se a sonsa chegar antes de Fernando, ela me deixe
cinco minutos sozinha com ela. E, para minha sorte, isso acontece.
A talzinha entra na sala como se fosse uma rainha e começa a ser
grossa com a senhora. Depois me olha de cima a baixo e põe a mão na
cintura.
― Nandinho pediu para avisar que vai se atrasar e que você pode ir
embora. ― Ela me olha com desprezo ― Ele está lá falando com a
gordinha que, obviamente, daqui a pouco vai virar ex… isso se já não
virou. ― Ela debocha.
Sorrio e olho para a senhora, que por sua vez encarava a cena com
os olhos arregalados.
― Será que a senhora poderia nos dar dez minutinhos a sós?
― Claro, minha filha.
Assim que ela sai pela porta, levanto tão rápido que a mandada nem
tem tempo de correr.
Pego-a pelos cabelos e a encosto na parede.
― Sua vaca, presta bem atenção no que eu vou te falar, porque isso
é apenas um recado.
― Ai, meu cabelo, está doendo! Sua maluca, vou fazer um boletim
de ocorrência!
― Dane-se! Estou pouco me lixando. Você pode dar queixa na
polícia e no raio que a parta. Como disse, isso é apenas um aviso. Minha
vontade e de lhe enfiar a mão na sua cara, mas como sei que Bianca não
iria gostar, não vou fazer.
― Nandinho vai...
― Nandinho coisa nenhuma! Sua vaca! Para você é Fernando! Toma
vergonha na cara e para de dar em cima do homem da minha amiga,
senão vou dar na sua cara!
Prenso a cara dela mais forte na parede.
― Você está entendendo? E não pense que não cumpro a
promessa, sua vagabunda.
Solto-a e me sento com a alma lavada. Queria mesmo era dar na
cara dela, mas deixa para uma próxima...
― Agora pode tirar essa farsa de coitadinha que não caio nessa não.
E, detalhe, duvido que Fernando ainda caia. E, queridinha, vai ao banheiro
dá um jeito nessa sua fuça tosca e sonsa. Você já é ridícula normal,
descabelada só piora.
― Vou contar tudo para o Fernando.
― Parabéns! Aprendeu a falar direito. O nome dele é senhor, para
você. ― Bato palmas, debochada.
― Vou falar tudo para ele. ― A ridícula ameaça mais uma vez.
― Dane-se! Você pode falar para quem quiser, estou cagando e
andando. Será apenas mais um motivo para lhe enfiar a mão na cara.
A senhora Regina volta com um café e a tosca vai para o banheiro
dar um jeito em sua fuça. Me sento para esperar o babaca do Fernando…
Sim, vou falar isso na cara dele. Porque só sendo um babaca para
acreditar nessa tosca. Ele que me aguarde, porque vai sobrar para ele
também...
Quando Fernando chegou, desci o sarrafo nele e só não bati mais
porque fiquei com pena. O infeliz é bonitinho e ama Bianca, mesmo
fazendo merda.
Por que todo homem, por mais inteligente que seja, fica tosco e bobo
quando uma sonsa aparece na frente deles se fazendo de vítima?
Tenho paciência para isso não, gente!
Depois de dizer horrores para Fernando, saio da sala dele e vou ver
Bianca, que também está na merda. Quando ela se acalma, saio da
empresa e encontro Márcio encostado em um carro. Penso em passar por
ele com apenas um simples sorriso, mas ele me chama com o dedo.
Busco o ar com força e o solto devagar, caminhando sem pressa em
sua direção.
― O que você quer, Márcio? ― Paro a uma distância segura, assim
não sinto o delicioso aroma que emana do seu corpo e tento manter meus
hormônios sob controle.
― O que eu quero você sabe. Quero você, sereia. Quero você na
minha cama gemendo gostoso e chamando meu nome a noite toda ―
sussurra, se aproximando de mim.
Assim já é sacanagem! Poxa, estou aqui me fazendo de forte, apesar
de muito excitada! Aí o cara vem e manda essa pra mim, poxa! Tenho
estrutura para isso não, gente. Covardia! Como resistir?
― Então chama a sem vergonha, a gali...
Ele não me deixa terminar, dá um passo decidido em minha direção,
enlaça meu pescoço e toma minha boca em um beijo profundo. Aí, lascou
tudo! Eu esqueci até o meu nome. Aquilo não foi um beijo, ele me
consumiu. Sua língua entra em minha boca no exato minuto que sua mão
segura minha cintura, me trazendo ao encontro de seu corpo.
Arregalo os olhos quando ele gira meu corpo, me prende no carro e
uma de suas mãos se desloca para a minha bunda enquanto a outra
segue segurando firme em minha nuca. O carro dele era grande e com
vidros fumê e ninguém pôde nos ver.
Márcio me mantém cativa e, enquanto sua mão passeia
vagorosamente pelo meu corpo e aperta o bico do meu seio esquerdo, eu
arfo e um sofrido gemido emana do fundo da minha garganta.
― Alguém pode nos ver ― murmuro entre gemidos.
Ele morde seu lábio inferior, sorri de um jeito faceiro e volta a me
beijar bem gostoso, fazendo minhas pernas estremecerem, Termina o
beijo com uma mordida e, sem desviar os olhos dos meus, desce a mão
até a minha calça, a abre, põe a mão na minha virilha e começa a me
tocar.
― Hum.... Do jeito que eu sempre sonhei. Sonho com você há quase
quatro meses, minha sereia. Desde que te conheci, almejo saber o seu
gosto. Ninguém pode nos ver daqui — sussurra ao meu ouvido enquanto
me toca e em poucos minutos me leva ao êxtase, ele me abraça até minha
respiração voltar ao normal, mas não cessa os movimentos.
Ele beija minha testa, tira a mão de dentro da minha calça, tomando
o cuidado de fechá-la, pisca um olho e chupa seu dedo, gemendo. Eu
literalmente perco o fôlego ao vê-lo fazer isso.
Inclina a cabeça, beija um ponto atrás da minha orelha e sussurra
enquanto ajeita minhas roupas:
― Quem sabe agora que eu te dei um gostinho de como pode ser
bom nós dois juntos, você não muda de ideia e aceita nos dar uma
chance. ― Ele arruma o terno e a gravata e sai com um sorriso safado no
rosto.
E eu?! Bem, eu fico ali, trêmula, bamba e desorientada, sem saber o
que fazer da minha vida agora. Principalmente sem saber... Ah, não sei
mais de nada.
Só sei que ele é um safado, cachorro, sem vergonha, e um filho da
mãe gostoso!
C 5

Michele
Depois que me recupero, saio do estacionamento e pego um táxi
para casa. Quando chego, vou direto para o banheiro tomar um banho frio.
Quem ele pensa que é para fazer isso comigo? Que direito ele acha que
tem?
Ele é gostoso? É! Ele me faz ficar com as pernas bambas? Faz! Mas
daí me fazer gozar alucinantemente no meio do estacionamento e... nem
sei o que dizer. O pior é que me deixou ansiando por mais. Que ódio!
Poxa! Uma coisa era um beijo e imaginar como ele poderia ser, outra
bem diferente é ele me pegar de jeito, me fazer delirar em seus dedos e
me deixar com água na boca e um gosto de quero mais.
Mas eu não posso.
Começo a chorar debaixo do chuveiro, pois a cada encontro que
tenho com ele, fica mais evidente para mim que ele é o cara que vai me
levar às nuvens, como nenhum outro nunca conseguiu.
Saio do banho e deito-me na cama, ligo a televisão e acabo
dormindo. À noite, vou ver como Bianca está. Minha amiga está péssima.
Falo para ela que poderíamos viajar, que alugaria um jatinho e iríamos
para qualquer lugar bem longe desses homens gostosos e maravilhosos
que estão nos deixando louca!
Claro que não contei minhas segundas intenções. A verdade é que
não estou contando um monte de coisas para Bianca e começo a ficar
preocupada se minha amiga vai me perdoar pelas omissões. A minha
intenção era de não trazer mais preocupações para sua cabeça, porque
sei que ela vai pirar quando souber do meu projetinho...
Meu projetinho!
Desde que Maria falou isso, só consigo chamar meu bebê de
projetinho. Porque é isso que ele ou ela é. Ainda não consegui ver o sexo,
mas acho que meu projetinho é uma menina...
Depois de conversar com Bianca, vou para casa dormir. Acordo com
Maria me chacoalhando, e dizendo que Bianca está passando mal. Me
levanto rapidamente e sinto uma rápida tontura.
― Meu deus! As duas estão prenhas! ― Maria afirma, sacudindo a
cabeça.
― Maria, pare de falar besteira e vamos ver como Bianca está! ―
Desvio do assunto e vou em direção à casa de Bianca com meu lindo
pijama do Piu-Piu.
― Você não tem vergonha de andar com essa coisa horrorosa, com
esse pinto amarelo enorme? ― pergunta Maria, implicando com meu
pijama que está mais para um grande macacão amarelo com três Piu-
Pius: um grande na frente e dois na bunda.
― Meu pijama é lindo! É você quem implica com tudo. Vamos logo,
mulher arretada.
Seguimos para a casa de Bianca. Logo depois, Fernando chega e
fico conversando com Maria na cozinha.
― Você não acha que já passou da hora de contar para Bianca que
você está grávida? ― Maria me pergunta e eu engasgo com o café que
estou tomando.
― Não sei do que você está falando ― Eu me faço de desentendida
― Maria! Esqueci-me de te falar ― grito em euforia, e ela leva um susto.
― Mas, mulher! Qualquer dia desses vocês me matam de susto.
Ande, desembuche, fale logo.
― Fui à empresa em que Bianca trabalha, ontem.
― Não! E aí, mulher, como foi?
― Mona, maravilhoso! Tudo de bom! Aquele lugar pode ser o nosso
novo ponto turístico. Muito homem gostoso por metro quadrado. ― Eu me
abano.
― Mulher! Fala uma coisa dessas para mim não, que dá até calor.
Tem coisa, assim, da categoria de Fernando? Sim, porque Bianca que me
desculpe, mas que homem é esse? ― Maria comenta séria e eu me acabo
de rir.
― Maria, tem é muitos!
― E me diz uma coisa, quando nós vamos para lá? Estou pensando
em largar vocês e pôr meu curriculum lá. Quem sabe, se com muita
oração e ajuda divina, eu não consigo um desses para mim ― diz, com
olhos sonhadores.
― Maria, você não pode me abandonar nunca! E não se esqueça
que estamos com raiva do bofe magia de Bianca. ― Com a mão na
cintura, tento controlar o riso.
― Você tem razão, Michele, estamos de mal com Fernando ―
afirma, fazendo cara de raiva.
Fernando, depois de conversar com Bianca, que provavelmente o
expulsou do quarto, entra na sala com cara de cachorro abandonado e
Maria se derrete toda. Mulher frouxa, só porque viu um homem lindo
arrasado e chorando pela mulher amada, já ficou toda derretida.
É muito ruim que eu ficaria assim, meu amor! Contudo, devo
confessar que deu uma peninha dele. Aposto que é porque os hormônios
da gravidez estão me tirando do meu normal! Normalmente eu já teria
dado uns tapas para ele parar de graça e voltar a ser homem. E, no
entanto, estou eu aqui batendo no seu ombro e o consolando enquanto
Maria vai pegar um copo de água.
Que merda! Estou ficando frouxa, também. Depois de sair do
apartamento de Bianca, vou para o meu para tomar banho e me produzir.
Sim, meu amor! Produzir-me, não apenas com uma roupinha. Hoje
terei consulta com o meu obstetra gato e quero estar maravilhosa! Estou
grávida, mas não estou morta, não. Vou para a consulta toda montada.
Vestido lindo, salto alto, cabelos soltos, maquiagem bafo, mas não
exagerada. Olho-me no espelho e vejo que estou gostosa, sem bunda,
mas muito gostosa!
Chego ao consultório na hora marcada, e logo sou atendida.
― Bom dia, Michele, como você está? ― ele pergunta, segurando
minha mão com um aperto forte.
Pena que não sinto nada, mas ele é um colírio de tão lindo e fofinho.
Seu nome é Marcos, ele é alto, gordinho, é um gato. Parece um grande
urso que dá vontade de agarrar e não sair mais dos seus braços.
Se minha mente não estivesse com o pensamento fixo em um tal
chocolate derretido, eu iria amar ser abraçada e me deleitar com esse
lindo ursinho. Quando ele sorri, é impossível não retribuir. Ele transmite
uma calma e uma paz tão grande que me faz muito bem. A mim e à
torcida feminina do Flamengo, pelo que vejo na sala de espera.
― Melhor agora. ― Pisco e ele dá uma gargalhada maravilhosa que
me faz sentir até calor.
Amo paquerar!
― Vamos ao exame. ― Ele sorri, cortando a paquera.
Ele faz isso com tanto tato que parece que está acostumado a sair
de cantadas. E deve estar mesmo, pois as grávidas devem pirar nesse
sorriso. Eu piro fácil!
― Vamos ver como está meu projetinho.
A enfermeira entra e me ajuda na mesa de exames. Engraçado,
notei que na hora do exame a enfermeira não sai da sala.
Eu, particularmente, acho que alguma paciente já tentou atacá-lo, só
acho.
― Então, preparada para ouvir o coraçãozinho e saber o sexo do
seu anjinho? ― Ele pergunta com uma voz calma, sorrindo. Ai, que
vontade de agarrar esse homem, gente!
― Sim ― respondo, toda derretida, olhando para ele.
De repente ouço tum... tum... tum... tum... e imediatamente sinto meu
coração disparar e meus olhos se encherem de lágrimas que nem me dou
o trabalho de segurar, acho que nunca vou estar preparada para ouvir
esse som que já se tornou a melodia mais linda do mundo: o som do
coração do meu projetinho.
Marcos me oferece um lenço, segura minha mão e sorri de forma
adorável.
― Michele, seu anjinho é uma menina. Meus parabéns. ― Ele
revela, segurando minha mão como se soubesse que eu precisava desse
apoio. Começo a chorar copiosamente e ele me abraça. Gente, eu tinha
razão, que abraço gostoso. Sinto-me tão acolhida, tão confortável, é tão
bom. Queria embrulhar ele em uma caixa e levar para casa, só para ter
esse abraço sempre que eu quisesse. Infelizmente para mim, aquilo durou
muito pouco.
Quando a consulta acaba, saio da sala dele sorrindo, com a mão na
barriga que está começando a aparecer. Olho para frente e vejo um monte
de mulheres olhando para mim. Vacas! Todas elas querem tirar uma
casquinha do meu obstetra fofo e gato.
Sigo para faculdade e depois para o shopping e, pela primeira vez,
compro uma roupa para meu projetinho… minha anjinha, minha
princesinha.
Durmo feliz, abraçada com a roupinha. Acordo cedo e vou para o
apartamento de Bianca para combinarmos nossa viagem. Se Fernando vai
para Paris com a vaca sonsa, eu e Bianca faremos exposição de nossas
figuras maravilhosas na Grécia. Quem sabe não encontramos dois bofes
gregos, mandões e gostosos. Estou tentando convencê-la, quando
Fernando chega e me joga a bomba.
É Márcio quem vai com a vaca sonsa para Paris.
Poxa! Eu fiquei como? Puta da vida. Saí dali arrastada por Maria,
fazendo várias ameaças a Fernando, que me olhava assustado.
― Como ele pode fazer isso comigo?! ― Entro em casa irada e fico
andando de um lado para o outro. ― Como eu vou lidar com Márcio e a
sonsa juntos? Sem poder dar na cara dela.
― Do que você está falando, mulher? Quem é Márcio? — Maria me
pergunta com o cenho franzido.
Antes que eu responda, a campainha toca e ela vai atender. E, para
a minha surpresa, é Márcio.
Mas eu estou como? Virada no samurai, porque ele vai viajar com a
vaca da Carolina.
― Márcio, o que você está fazendo aqui? ― pergunto, revoltada.
― Precisamos conversar. ― Ele entra, vem andando em minha
direção e para perto de mim.
Maria olhava para Márcio de cima a baixo, de boca aberta.
– Meu Deus! Esse aí que é o Márcio? Jesus! Esse também trabalha
lá na empresa, não é? — ela pergunta, admirada, mas Márcio e eu
ficamos em silêncio, nos encarando.
― Aff! Mulher, você tem razão. Aquela empresa é uma fábrica de
homem bom. Ôxe que deu até calor. Olhe, não estou aguentando ficar
aqui, tá brabo pro meu lado, viu. De um lado é Fernando e agora é esse
aí. Deus me defenderá, só ele na causa. ― Maria reclama, pega sua bolsa
e sai se abanando.
― O que você quer, Márcio? ― indago com a mão na cintura.
― Isso. ― Ele sorri daquele jeito faceiro que me deixa de pernas
bambas e vem andando em minha direção. Me segura pela nuca e me
beija.
Quando seus lábios tocam os meus e sua língua encontra a minha
em uma dança perfeita, mais uma vez me vejo entrando em um universo
só nosso, onde nada mais importa a não ser seus braços envolta do meu
corpo me apertando firmemente. Se estava com raiva de alguma coisa,
esqueci do que era no momento em que ele apertou minha bunda com
força ao encontro do seu corpo.
Ai, meu amor, eu me esqueci até do meu sobrenome.
Que homem é esse, que me consome e me desequilibra... Ai, nem
sei. Só sei que, quando vejo, estou quase nua.
Ele me beija com desejo, mordendo e chupando meus lábios,
segurando-me com força e roçando no seu... Meu Deus do céu! Se isso
tudo que estou sentindo for o pau, eu estou ferrada!
Dou conta disso tudo não, gente! Estou acostumada com coisas
finas, que mais parecem lombrigas tortas. Contudo, isso que estou
sentindo é de outra categoria, é master gold. Se ele não pegou uma
mandioca e botou nas calças, eu, com certeza, não vou conseguir andar
por vários dias!
Mas, meu amor! Andaria de cadeira de rodas com um sorriso nos
lábios e feliz da vida.
Mas não posso!
Gemendo de frustração, eu me afasto dele. Ele passa mão pela
cabeça e gira o corpo, ficando de costas, respirando fundo. Lentamente,
desço meu olhar pelo seu lindo corpo e, sinceramente, não sei o que é
melhor, se é vê-lo de frente ou de costas...
Que bunda é essa que esse homem tem, gente?!
Para minha tristeza, é maior que a minha.
Ele se vira para mim e vejo o volume em suas calças.
Momentaneamente esqueço como se respira, suspiro e passo a língua
pelos meus lábios. Aperto as pernas, para assim, quem sabe, conseguir
acalmar o fogo que me consome.
― Como posso me controlar se você fica me olhando assim? ―
Márcio vem andando em minha direção, segura meu cabelo e morde meu
lábio inferior.
Ai, papai! Faz isso comigo não.
― Por favor, para — peço com voz fraca, gemendo.
― Por que, minha sereia? Você me quer tanto quanto eu te quero.
Pare de fugir, de resistir. Sinta como eu te quero ― ele sussurra ao meu
ouvido, roçando em mim.
― Eu não posso. ― Minha voz não passa de um sussurro.
Ele encosta a testa na minha. Nós dois estamos com a respiração
acelerada.
― Por que você está fazendo isso comigo? Conosco. Sei que você
está tão excitada quanto eu. Você me quer ― murmura, olhando em meus
olhos.
Com um simples amasso ele está me dando mais prazer do que
qualquer outro homem que eu já tive.
Que simples, o quê! Não tem nada de simples em Márcio. Ele não
me beija, e sim me consome. Aperta-me com vontade e me deixa de
pernas bambas.
― Márcio, por favor… Eu não posso ― imploro e ele se afasta.
― Eu não entendo, por que você resiste? O que nós sentimos é puro
fogo e paixão. Nunca senti um desejo tão grande como sinto por você.
Sonho com seu gosto, seu toque. Mesmo à distância, eu sinto o cheiro da
sua excitação. Deixe-me saciar o meu desejo e te provar. ― Ele passa a
língua nos lábios, e eu quase entro em combustão instantaneamente.
Estou acostumada com isso, não, gente! É muita... é muita coisa
para mim, gente. Aí, como você resiste?
Meu amor, eu desisto! Rendo-me!
Quando ia me jogar em cima dele e mandar todas as precauções
para o alto, o telefone dele toca.
― Merda! Fala, Carolina. Sim... sim... — Ele se volta para mim — Só
um minuto, é trabalho. ― Ele informa e se afasta para falar com a
vagabunda!
Primeiro eu fico de boca aberta, não acreditando no que eu estou
vendo. Graças à vaca mor recupero minha sanidade e me lembro por que
estou com raiva dele.
Ele vai para Paris com a Carolina!
O fogo que passa pelo meu corpo nesse momento não é mais de
excitação, e sim de raiva. O carinha está aqui falando aos montes no meu
ouvido, me seduzindo, e do nada para tudo e atende a uma ligação dela!
Estou sendo irracional? Sim, estou! Porém, obviamente, todos os
que me conhecem já notaram que ser racional não faz parte do meu
cotidiano. Então, é claro que estou pronta para um barraco!
Meu amor! Posso ser rica e linda, mas faço um barraco como
ninguém.
― Não creio no que estou vendo. ― Cuspo com a mão na cintura.
― Só um minuto, Carolina ― diz, e me olha sorrindo ― Michele,
meu docinho, assim que eu acabar de falar com minha secretária,
voltamos ao nosso assunto, ok? ― Ele pede, gira o corpo de modo que
fique de costas para mim e volta a conversar com a vaca.
Parem o mundo que eu quero descer, gente! O que ele está
pensando? Que eu sou um cachorrinho que vou ficar quietinha,
sentadinha, esperando ele acabar de falar com a vaca para depois me dar
atenção? Ou, como ele mesmo falou, para voltarmos ao nosso assunto?
Porra nenhuma!
Ele não me conhece, mas vai conhecer agora!
― Meu querido, não sou mulher de ficar esperando nada, não! Você
é gostoso? É. Me deixa zonza? Deixa. Mas, daí a pensar que eu vou ficar
quietinha no cantinho enquanto você fala com a vaca mor? É muito ruim,
hein! Pode meter o pé daqui! ― Aponto para porta da rua.
― Minha sereia, relaxe… se acalma. E uma questão de trabalho,
daqui a pouquinho conversaremos. ― Sua voz soa branda, achando que
vai me convencer, mas isso só faz a minha raiva aumentar.
― Calma porra nenhuma! Entende uma coisa, Márcio: não sou uma
mulher boazinha e nem compreensiva. Não vou ficar quietinha no canto
enquanto o meu bofe está conversando com uma vaca ao telefone.
Quando você vier me ver, me dê total atenção! Caso contrário, nem venha.
Mete o pé! Vaza! Já sei que você vai para Paris com a vaca mor. Anda,
pode ir embora! ― Aponto para a porta, transbordando de raiva.
O infeliz, ao invés de ir embora, sorri para mim e desliga o telefone
na cara da Carolina. Eu, claro, amei! Mas continuo zangada.
Sou bagunça não, meu amor! Se a gente der mole, eles montam na
gente e nos fazem de gato e sapato. Principalmente quando o bofe é gato,
aí que eles se acham. E, é ruim de eu deixar isso acontecer, hein!
― Seu bofe… Gostei de saber que você já me considera seu. — Ele
vem andando em minha direção devagar, sorrindo de um jeito sexy que ele
sabe que eu amo.
Oh, merda! Seja mais forte, mulher! Não se renda a um simples
sorriso.
O celular dele volta a tocar, então levanto a sobrancelha e cruzo os
braços. Ele pega o aparelho e, sem desviar os olhos dos meus, desliga.
― Sabe, sereia, você é maravilhosa. Com raiva fica mais linda e
sexy do que já é. ― Ele morde o seu lábio inferior.
Ai, papai!
Ele chega perto de mim, passa a mão pelo meu rosto, mas quando
sinto que ele vai segurar minha nuca para me puxar para um beijo, eu viro
de costas para ele e me afasto.
Ele dá uma risada gostosa, me segura pela cintura, me puxa para
ele, e sinto o quanto ele está excitado. Ele põe o meu cabelo de lado,
morde meu pescoço e sussurra ao meu ouvido.
― Você é tão linda e cheirosa. Eu quero ser seu e quero que você
seja minha ― sussurra, mordendo minha orelha.
Gente, esse homem é algum mágico, só pode! Eu estava louca da
vida com ele, e não uma, mas duas vezes ele conseguiu reverter a
situação e me fez esquecer o porquê de minha raiva.
― Eu quero provar você antes de viajar… quero sentir você, quero
ouvi-la chamando o meu nome em êxtase. Vou levar seu gosto comigo
enquanto eu estiver fora e quando eu voltar, nada e nem ninguém vai lhe
tirar da minha cama por, no mínimo, uma semana.
Isso é demais para mim, gente! Estou acostumada com isso, não.
Estou aqui, como? De pernas bambas e ofegante.
Ele me pega no colo e me leva até perto da mesa. Sorrindo, Márcio
me olha nos olhos e desce minha calcinha encharcada. Depois sobe,
passando as mãos devagar pelas minhas pernas e pelas laterais do meu
corpo. Me senta na mesa e me beija, abrindo minhas pernas.
Com um sorriso safado no rosto e sem desviar os olhos dos meus,
Márcio passa a língua devagar na minha buceta, logo em seguida a
saboreia como se não houvesse amanhã. Daí em diante ele me fez muito,
mas muito, feliz. Em pouco tempo, eu tive o orgasmo mais alucinante da
minha vida! E ele continuou a me fazer muito feliz.
Quando eu já estava quase desidratada de tanto delirar e sem voz
de tanto gritar o seu nome, ele se levanta, lambendo os lábios como um
gatinho, segura minha nuca e me beija. Em seguida, me abraça e sussurra
ao meu ouvido:
― Nesse exato momento, eu queria te ter até nenhum de nós
aguentarmos andar. Está difícil me controlar, principalmente depois de
ouvir você chamando o meu nome. ― Sinto-o estremecer, como se
estivesse fazendo um grande esforço para se controlar.
Não consigo articular uma única palavra, apenas gemer. Ele segura
meu rosto com ambas as mãos e faz um ligeiro carinho na minha
bochecha.
― Mas não vou fazer isso. Sei que você ainda tem dúvidas sobre
nós dois. Não vou te seduzir, para amanhã você se arrepender e não
querer mais olhar na minha cara. Pelo pouco que eu te tive, já percebi que
não seremos um caso de uma noite. Eu estou completamente louco de
desejo por você. Te quero demais para te seduzir hoje e você fugir
amanhã. Então, vou te dar um tempo para se acostumar que estamos
juntos. Eu vou viajar e quando voltar, você será só minha. ― Sua voz soa
com tanto carinho, com tanta paixão, que começo a chorar. Sempre sonhei
com um homem assim. Conheci seu lado safado, mas o carinhoso e
compreensivo me desarmou.
― Eu não posso ― sussurro, abaixando a cabeça.
Ele levanta meu queixo e me beija com tanta doçura que sinto
lágrimas banharem meu rosto. Nunca fui beijada assim.
― Você não entendeu, Michele. Você já é minha, linda sereia. Fiquei
todo esse tempo esperando você se acostumar com isso. Cansei de
esperar você vir até mim. Eu não vou recuar e muito menos desistir.
Resolva os seus assuntos. Se estiver com alguém, termine, porque eu não
compartilho ― exige contra minha boca e volta a acariciar meu rosto.
― Márcio, eu não posso porque estou grávida ― revelo, cabisbaixa.
Márcio interrompe a carícia e levanta meu rosto.
― Você tem certeza? Nunca vi você com nenhum homem e sei de
todos os seus passos nesses últimos meses ― indaga, franzindo o cenho.
― Sim, estou grávida de três meses e meio. Ontem eu descobri que
é uma menina ― confirmo, sorrindo tristemente.
― Três meses e meio? Então foi na mesma época da roda de
samba? ― ele pergunta, se afastando e andando de um lado para o outro,
com a mão na cabeça.
― Para ser mais exata, foi na noite da roda de samba. ― Deixo
escapar, e só me dou conta que falei em voz alta quando Márcio para de
andar e me olha estranhamente.
― Naquela noite, você saiu da casa da minha mãe com Maicon... eu
preciso de um tempo para assimilar tudo isso. ― Ele se vira para sair.
Para tudo! Ele está achando que minha filha é do Maicon?
Saio da mesa apressada e vou correndo até a porta.
― Márcio! Espera! ― peço, parando na porta enquanto ele está
chamando o elevador.
― Agora não, eu preciso de um tempo. Quando eu voltar, nós
conversaremos ― diz com a voz mais branda e entra no elevador.
Ele parecia devastado, mas mesmo assim foi carinhoso comigo. Viro-
me, começo a chorar e a bater na parede. Ouço o som do elevador e,
achando que era Maria quem chegava, nem me viro de tão desolada que
estou. Falo, com a cabeça encostada na parede:
― Ai, Maria! Ele acha que estou grávida de Maicon… e que
engravidei no dia da festa. Ele nem me deu a chance de explicar.
― Você está grávida, Michele? E não me falou nada! ― Ouço a voz
de Bianca, me viro assustada. Eu a vejo com a mão na cintura e Fernando
de boca aberta.
Agora sim, fodeu geral!
C 6

Michele
De todas as formas que eu pensei em contar para Bianca que eu
estou grávida ― e foram muitas ―, jamais imaginei que seria assim.
Nunca em minha vida imaginei que Bianca me olharia assim e que a culpa
fosse minha. Ela me olha com tanta tristeza, como se eu a tivesse
magoado profundamente, que começo a ficar desesperada.
Entro em casa e ela entra atrás de mim.
― Você está grávida? ― Sua voz soa incrédula.
― Sim. ― Sento-me no sofá com as mãos na cabeça, que parece
que vai explodir a qualquer momento.
― Está grávida de quantos meses? Ou melhor, há quanto tempo
você sabe que está grávida? ― Eu suspiro, sabendo que ela vai pirar
agora.
― Estou grávida de três meses e meio e sei há dois meses ―
respondo de cabeça baixa.
― Dois meses? Você sabe há dois meses que está grávida e não me
disse nada? Meu Deus, Michele! Eu pensei que éramos amigas e irmãs!
Eu te conto tudo da minha vida. Há meses venho dizendo que você está
estranha, que precisamos conversar, e você fugindo. Você não confia em
mim? Em nossa amizade? ― Minha amiga começa a chorar e Fernando a
abraça.
― Se acalma, amor. Você não pode ficar nervosa. ― Fernando beija
o seu cabelo enquanto eles caminham para saída.
― Bianca, por favor, me deixe explicar. ― Me desespero ao ver que
ela está indo embora e sinto um medo surreal de perder sua amizade.
― Explicar o que, Michele? Que você não confia em mim? O que
você pensou? Que eu iria te recriminar? ― ela pergunta, soluçando, olha
magoada para mim e eu começo a chorar.
― Bianca, você estava cheia de problemas, eu não queria te trazer
mais um. Eu ia te contar, só estava esperando o melhor momento. ―
Soluço.
Fernando põe Bianca sentada no sofá e vai para cozinha.
― Melhor momento? Michele, desde quando nós precisamos de
melhor momento para falar alguma coisa uma para a outra? ― questiona,
chorando.
Fernando volta com dois copos de água com açúcar e nos entrega.
― Pelo amor de Deus! Vocês precisam se acalmar. As duas estão
grávidas e precisam ficar calmas. ― Ele pede em um tom nervoso,
enquanto Bianca e eu bebemos a água.
― Você também está grávida? ― pergunto, chocada.
Bianca tem endometriose e por causa disso fez várias cirurgias para
tentar amenizar as dores que sentia quando ficava menstruada. Eu estava
junto quando a médica disse que ela dificilmente teria filhos por métodos
naturais.
― Sim! E adivinha quem foi a primeira pessoa para quem eu pensei
em contar, depois de Fernando? Saí da consulta e vim direto para cá. ―
Ela chora e Fernando que estava sentado ao meu lado, corre para
consolá-la.
― Bianca, por favor, me desculpe. Eu só não queria trazer mais
problemas para você. ― Lamento, e Fernando volta para o meu lado.
― Michele, você sempre diz que somos fechamento! Se você estiver
com problema, não importa o que eu estiver passando, eu vou deixar tudo
de lado para te dar atenção, você sabe disso! Pensando bem, você não
sabe ou não acredita nisso. Só isso explica ter me escondido por dois
meses que estava grávida! ― Ela se levanta para ir embora.
― Bianca, por favor, me deixe explicar. Eu sei que você teria parado
tudo por mim, por isso não quis contar antes ― suplico, chorando.
― Agora eu não quero ouvir suas explicações. Estou muito magoada
e posso falar coisas que me arrependerei depois. Quando minha mágoa
passar, a gente conversa. ― Ela sai e eu começo a chorar
desesperadamente.
― Michele, calma. Pense no seu filho. Bianca está chateada, mas
ela vai se acalmar e vocês vão conversar. Você mesma sempre me disse
que quando ela está com raiva, é melhor deixa-la sozinha. Vou ver como
ela está e, por favor, acalme-se, pois tudo vai se acertar. ― Ele beija
minha cabeça e sai.
Fico sentada chorando, desolada. Choro por Márcio, que foi viajar
achando que estou grávida do irmão, e por Bianca, que está magoada
comigo. Sei que não vou conseguir passar por isso sem Bianca. Estou me
fazendo de forte, mas a verdade é que estou morrendo de medo.
Depois de uma hora chorando, levanto-me, tomo um banho e ponho
meu pijama da Minnie ― amo pijamas tipo macacão, de desenho animado
―, vou para o quarto me deito e volto a chorar.
― Michele! ― Fernando chama, batendo na porta.
― Entre!
― Bianca me pediu para vir ver como você está. Aproveitei e trouxe
essa vitamina, pois você precisa se alimentar direitinho agora. ― Ele me
oferece um copo enorme de vitamina. Mesmo decepcionada, Bianca se
preocupa comigo e ainda manda seu bofe magia ver como eu estou.
― Ei, vamos… pare de chorar e tome a vitamina. Seu corpo não está
acostumado com você chorando assim e daqui a pouco ficará desidratada.
― Sorrindo, ele se senta na cama.
― Ela está muito chateada?
― Ela está magoada, mas vai passar. Você está indo ao médico e
fazendo pré-natal? ― Demonstra toda a sua preocupação.
― Estou sim. Só não contei porque ela estava tão descontrolada
ultimamente, que não queria trazer ainda mais problemas.
― São os hormônios da gravidez ― diz, todo orgulhoso.
― Cara, ela está grávida! Eu estava junto quando o médico disse
que provavelmente ela não engravidaria, a menos que tentasse
inseminação artificial.
― Sim! Para Deus tudo é possível. E, claro, o fato de eu ser perfeito
também contribuiu muito ― brinca, convencido.
― Deixa de ser besta e tosco, Fernando.
― Bem, agora vou te deixar descansar. Fica bem, amanhã passarei
por aqui para ver como você está.
― Fernando! ― Eu chamo, fazendo com que retorne. ― Fale para
Bianca que eu a amo e que... ― Não consigo terminar e começo a chorar.
Ele me abraça e garante que ela também me ama. Afirma que
Bianca só precisa de um tempo...
Foram três dias sem praticamente sair da cama. Fernando veio aqui
em casa várias vezes e, quando estava no trabalho, ligava para saber se
estava tudo bem. Mas Bianca não deu as caras... Sei que quando minha
amiga está com raiva o melhor é dar espaço para que ela se acalme. Já
estou para lá de desesperada e nem unhas tenho mais.
Levanto-me e tomo um banho, já decidida a ir até lá e me ajoelhar no
chão para pedir desculpas, ficar na porta chorando e, bem, fazer todas as
coisas que sei que a deixam louca... Só não posso ficar sem minha amiga.
Quando saio do banheiro, me assusto ao ver Bianca sentada na
minha cama. Temos a chave da casa uma da outra e sempre tive liberdade
de entrar na casa dela a qualquer hora, assim como ela na minha.
― Agora que eu estou mais calma, vamos conversar. Conte-me
tudo. ― Ela pede de forma calma e firme.
Bianca é assim, ela consegue ficar calma e fria nas mais diversas
situações. Enquanto eu já saio querendo dar voadora em meio mundo, ela
sempre tem uma resposta ácida, e normalmente não se rebaixa às
recalcadas. Já eu dou na cara delas. Mas quando está muito revoltada
com alguém que ama, ela fica na dela até se acalmar, com medo de
machucar a pessoa. Porque, meu amor, quando ela está puta com uma
pessoa, ela põe a criatura no chão só com palavras. Conto para ela tudo o
que houve, inclusive Márcio ter saído daqui achando que o filho era de
Maicon.
― Por isso que você ficou tão revoltada com Fernando? Você ama o
Márcio e ele vai viajar com a Carol. ― Bianca me pergunta depois de ouvir
em silêncio, por mais de uma hora, o meu drama.
― Mona, nem sei se amar é bem o que eu sinto por ele. Sinto um
louco desejo… olho para ele e pego fogo. Sinto um ciúme irracional e
estou me roendo só de pensar que ele está em Paris com ela neste exato
momento.
― Michele, se ele voltar aceitando a gravidez e querendo algo sério,
você vai ficar com ele estando grávida de outro? Você transaria com ele?
Teria um relacionamento com ele, sabendo que a mãe e o irmão vão ficar
em cima? ― Bianca me pergunta, e eu não sei o que responder.
― Eu não sei. Em relação à família dele, eu os mandaria se ferrar.
Contudo, estou grávida de outro, e transar com ele... Não sei se me
sentiria bem e como ele se sentiria. E depois que a gravidez avançar e não
puder mais fazer sexo, como seria?
― O cenário que você está me descrevendo é de um cara que só
quer sexo; e pelo que você me disse, ele afirmou que quer algo mais sério
com você.
– Bianca, isso foi antes de eu revelar que estou grávida e ele sair
daqui achando que era de Maicon. E, para falar a verdade, estou tão
confusa sobre meus sentimentos em relação ao Márcio, que não sei se é
só desejo o que sinto por ele. Às vezes acho que estou completamente
apaixonada por ele, mas outras acho que não. ― Bianca me abraça.
― Então, aproveite esse tempo para pensar. Eu não acredito que
seja só desejo. Porém, isso você tem que descobrir sozinha. Agora,
mudando de assunto, me fale do meu sobrinho ou sobrinha ― pergunta,
alisando minha barriga.
― Sobrinha! É uma menina ― revelo, toda feliz.
― Meu Deus! A minha também! Não acredito que estamos grávidas,
juntas, e de duas meninas. ― Ela grita.
― Não acredito que estamos grávidas juntas! Fernando está
insuportável, se achando o super-homem, mas o bofe veio tantas vezes
aqui saber como estou, que perdoo ele. ― Começamos a rir juntas
― Fernando está completamente atordoado. Ele está querendo te
levar à minha médica, para poder acompanhar sua gravidez também. ―
Ela sorri.
― Imagina se eu largo meu obstetra gato? Bianca, ele parece um
ursinho de pelúcia de tão fofinho e charmoso.
― Michele, já está paquerando o médico?
― Amiga, ele é lindo, fofo, simpático e me conforta quando vou às
consultas. Eu me sinto bem perto dele, mas é apenas isso. Já sei! Vou
marcar uma consulta para você conhece-lo, o que você acha?
― Tudo bem, mas se ele for isso tudo, Fernando, sem sombras de
dúvidas, irá surtar ― afirma e acabamos rindo juntas. ― Outros que vão
pirar são meus pais ― comenta e eu fico branca feito fantasma. ― Pela
sua expressão, noto que você se esqueceu de minha mãe. Se eu fiquei
com raiva por ter me escondido a gravidez, ela vai pirar ― diz, rindo.
― Meu Deus! Estava tão preocupada por estar escondendo meu
projetinho de você, que me esqueci de seus pais. Sua mãe vai falar até
ficar rouca. ― Eu me apavoro.
― Não se preocupa, vamos revelar juntas. Projetinho, Michele? E,
por favor, promete nunca mais me esconder nada. ― Bianca segura minha
mão.
― Sim, projetinho de princesa! Mais uma vez, me desculpe, e
prometo nunca mais esconder nada de você. Confesso que estou
preocupada com o que seus pais vão pensar de mim. Você tem um
namorado e o cara te ama, já eu… bem, o pai da minha filha é um babaca
que, assim que se deu conta que a camisinha furou, disse para eu dar um
jeito nisso, porque ele não queria filhos de uma pobre. Eu disse para o
infeliz que eu era empregada e não dona da casa. ― Sinto as lágrimas
caírem.
― Amiga, estamos juntas e misturadas! Esqueceu-se de que o que
pega para você, pega para mim? ― Com carinho, ela seca minhas
lágrimas.
― Essa é minha fala. ― Rio.
― Mas é a verdade, Michele. Você não está sozinha. Eu estou com
você e minha família com certeza vai estar… Até Fernando está. ― Bianca
sorri.
― Fernando está piradinho da Silva.
― Sim, está. Agora vamos parar com a sessão drama e me diz: o
que você já comprou para sua princesa? ― Ela pergunta, animada.
― Apenas uma roupinha ― respondo, sem graça.
― Pois vamos agora mesmo para o shopping. Afinal, temos um
projetinho de princesa a caminho. Ah, Michele, só você mesmo para
chamar sua filha de projetinho de princesa. ― Ela ri, me animando para
sair.
Sei que sempre posso contar com minha amiga. Bianca é meu
fechamento.
Enquanto me arrumo, penso em Márcio. Como será que ele está, lá
em Paris?
***
Bianca tinha razão. Os pais dela surtaram e me deixaram louca
quando eu disse que estava grávida. Eles prometeram vir no final de
semana para cuidarem de mim. Senti-me tão amada... Consegui marcar
uma consulta para Bianca e é claro que fui junto. Imagina se eu perderia a
chance de ver meu médico gato?
Fernando surtou quando viu que o médico era todo carinhoso,
fofinho e que conhecia as séries que Bianca ama. Mas como quem manda
é Bianca, ele deu show e ficou de bico, mas não conseguiu fazer Bianca
mudar de opinião, e ela também foi se consultar com Marcos. Saímos do
consultório suspirando e Fernando bufando de raiva.
Bianca passou a me paparicar e eu a ela. Quase todos os dias fomos
ao shopping comprar roupinhas e o tempo foi passando. Não voltamos a
falar mais de Márcio, pois Bianca entendeu que era uma coisa que eu
tinha que resolver dentro de mim antes de voltar a tocar no assunto. Ela
mudou os seus planos com Fernando por causa da minha gravidez e isso
era tudo o que eu não queria. Mas, como sempre, ninguém conseguiu
fazê-la mudar de ideia. Fernando e Bianca adiaram os planos de se
mudarem, e decidiram deixar para depois que tivermos os bebês.
Os três dias de viagem de Márcio se tornaram duas semanas e
durante esse tempo não tive notícias dele. Pelo jeito, era somente desejo
da parte dele. Já da minha... bem, achei melhor não pensar mais na
possibilidade de nós dois juntos.
Mas à noite, quando estou na minha cama, é impossível não lembrar
tudo o que ele fez comigo. Isso eu não consigo esquecer.
Descobri que ele tinha voltado de viagem da maneira mais irritante
possível. Estava eu, em um domingo de manhã, andando pelo calçadão,
vendo os bofes lindos na praia e tomando uma água de coco, quando vi
Márcio passando de carro com a vaca mor da Carolina sentada no banco
do carona. Eles pararam no sinal e a ridícula estava rindo de algo que ele
falou.
Eu fiquei como? Puta da vida. Mas o que eu podia fazer? Porra
nenhuma! Ele não era meu, não tínhamos nada. Mas isso não me impediu
de começar a chorar no meio da rua. Peguei um táxi para casa, mas, ao
invés de seguir para a cobertura, fui para o apartamento de Bianca.
Mesmo tendo a chave do apartamento dela, toco a campainha. Semana
passada, quando entrei com minha chave, fiquei sem graça ao pegar eles
namorando no sofá.
Fernando abre a porta todo esbaforido. Entro e bato de leve nos
ombros dele. O infeliz chega a estar meio bambo.
― Fernando, meu amigo, Bianca vai acabar te matando. ― Rio,
entrando no apartamento. Esses dois me fazem esquecer as minhas
desilusões amorosas.
― Mas morro feliz. ― Ele desaba no sofá e eu começo a rir.
Bianca chega com um sorriso nos lábios, diva, como sempre. Ela
beija Fernando e fala para ele ir dormir que daqui a pouco vai se deitar
com ele. O pobre coitado vai se arrastando para o quarto.
― Mona, você está acabando com o bofe. O bichinho chega a estar
mais magro e com olheiras.
― Vai à merda Michele! O que aconteceu com você para estar aqui a
essa hora da manhã de um domingo? Você não gosta de caminhar na
praia? ― ela me pergunta indo para cozinha e volta com uma melancia
enorme que me dá água na boca ― Além de ficar de olho na minha
melancia. Vem, se senta aqui, vem comer comigo e expor seus problemas.
Sim, porque para você aparecer aqui a essa hora é certeza de que houve
alguma merda ― pede, sentando-se à mesa e repartindo a melancia.
― Sim, aconteceu. Vi Márcio de carro passeando com a vaca mor
pela orla ― revelo desanimada, pegando um pedaço de melancia e
comendo.
― Amiga, fica assim não. ― Senta-se ao meu lado, me abraçando.
― Você sabia que ele tinha chegado? Você não disse que ele não
gostava dela? ― pergunto a ela.
― Fernando sempre fala que Márcio não gosta de Carolina.
― Por isso eu digo que esse tipo de mulher, que se faz de
coitadinha, é o pior. Até homens mais vividos caem nessas histórias.
― E eu não sei? Quase terminei com Fernando por causa dessa
Carolina. Não sabia que Márcio tinha voltado. Essa semana, estive tão
atarefada que nem vi Pablo na empresa. Tenho que perguntar a ele como
andam as coisas com Mariana ― comenta, pegando um pedaço de
melancia.
― Mariana? Quem é essa? ― pergunto, comendo o pedaço da
melancia.
― É a filha de um senhor que trabalha na empresa. Comentei com
você que ajudo nos estudos dela.
― Mas ela trabalha na empresa? Pensei que ela era criança.
― Não, ela tem vinte e um anos e está começando na faculdade. Eu
notei um interesse dela pelo Pablo e dele por ela.
― Ué, mas o Pablo não está com a loira aguada da Angélica?
― Então, por esse e outros motivos, fiquei preocupada. Primeiro,
Pablo é muito preconceituoso e já falou horrores sobre o pai de Mariana.
Segundo por causa do envolvimento dele com Angélica, que é uma vaca.
Mariana é muito tímida e dificilmente vai saber lidar com as grosserias do
Pablo em relação ao pai dela ou com as merdas que Angélica pode falar
ou fazer.
― Que babado forte! Eu pensei que o Pablo era muito doce. Você
sempre falou tão bem dele. Apresente-a para mim. Se eu for com a cara
dela, vou lhe ensinar umas coisinhas.
― Vou apresentar. Mas, mudando de assunto, você viu os dois se
beijarem? Você acha que Márcio e ela estão juntos? ― indaga de forma
calma e carinhosa.
― Mona, não sei, fiquei tão desolada que peguei o primeiro táxi que
vi pela frente.
― Michele, o que você sente pelo Márcio? ― Ela volta a perguntar e
não desvia os olhos do meus. Eu respiro fundo antes de falar.
― Bianca, eu ainda não sei. Sei que sinto desejo, ele me deixa
louca. E sinto que é mais do que apenas uma simples atração física. Mas
também sei que não pode rolar nada ― confesso, desanimada.
― Amiga, não pensa assim. Se ele realmente gostar de você,
acredito que sua gravidez não vai ser um empecilho.
― Mona, como não seria? Márcio é do samba, da noite. Claro que
uma namorada grávida ou com um neném recém-nascido, vai ser um
empecilho para ele.
― Meu anjo, quando se ama, tudo se supera ― diz de forma
carinhosa.
― O que existe entre nós é atração. Eu posso até sentir algo mais
por ele, mas acredito que ele não. Nós nunca tivemos a chance de ficar
juntos para sabermos o que realmente sentimos um pelo outro. Quando
comecei a pensar na possibilidade, descobri que estava grávida. E, por
mais que eu queira ficar com ele — e eu quero! —, tenho que pensar na
minha filha. Eu já estou emocionalmente na merda; imagine ter que ficar
em casa cuidando dela enquanto meu namorado sai à noite. Ou minha
filha ficar ouvindo besteiras da mãe dele… vai dar merda. E, pelo que eu vi
na roda de samba, ele é muito ligado a mãe. Não vejo uma solução sem
dores de cabeça e, no momento, eu quero ficar na minha, mesmo ficando
completamente arrasada quando o vejo com outra.
― Meu anjo, você pode sempre contar comigo, nem que seja apenas
para desabafar e comer melancia. ― Bianca sorri e me abraça.
― Obrigada, gatona! Sei que sempre posso contar com você.
― Meu Deus, vocês acabaram com a melancia! ― Fernando entra
na cozinha com cara de sono e começamos a rir.

Márcio

Já deu para notar que minha sereia é ciumenta e possessiva, mas,


desde que a fiz delirar no estacionamento, estou louco de desejo. Se antes
já estava difícil tirar essa mulher da minha cabeça, imagine depois que a
ouvi gemendo meu nome?
Quando Fernando me pediu para ir a Paris com Carolina, para
substituí-lo, a única coisa que pensei foi: Michele vai ficar revoltada!
Assim que Fernando virou as costas, fui ver minha sereia. Cansei de
me segurar, de esperá-la vir até mim. Essa mulher gostosa vai ser minha!
A viagem a Paris duraria de três a quatro dias e eu não queria passar esse
tempo me masturbando feito um lunático, pensando nela.
Quando chego em sua casa, eu a ouço falando umas coisas. No
entanto, só vejo a boca em forma de coração linda que ela tem. Assim que
ficamos sozinhos, a beijo. Ela me afasta, mas depois invisto de novo. Aí
meu telefone toca e ela fica uma fera ao descobrir que estou falando com
a secretária.
Mesmo pedindo um tempo para resolver os assuntos da viagem e
dizendo que já retomaríamos de onde tínhamos parado, ela não quis saber
e me expulsou. Fiquei surpreso; é a primeira vez que uma mulher me
expulsa. Elas estão sempre fazendo de tudo para me agradar. Porém
Michele não é igual a todas, ela é uma sereia linda, dona do seu nariz e
que sabe o que quer. E eu sei que ela me quer, mesmo negando.
Ela estava tão linda com raiva, com o rosto vermelho, respiração
ofegantemente, e com os lábios ainda inchados dos meus beijos. Movido
pelo desejo e pelo fogo que essa mulher me faz sentir, encerro a ligação e
a beijo.
Fiz o que queria ter feito desde que a conheci e quando vi que ela
estava fraca de tanto delirar de prazer, levantei e a beijei, mas senti que
ela ficou insegura. Sei que ela não esteve com ninguém, pois nesse tempo
em que estive fora, deixei uma pessoa observando-a, já que fiquei
preocupado com a forma que ela falou comigo na última vez que a vi.
Além disso, eu queria ter certeza de que ela não estava com meu irmão.
Quando ela me disse que estava grávida, eu quase surtei. Quando
disse que engravidou no dia da roda de samba, fiquei com tanta raiva que
saí dali com medo de falar alguma merda e magoá-la.
― Essa mulher era para ter sido minha, porra! ― gritei dentro do
elevador ao sair de sua cobertura.
Saí dali meio desnorteado e Carolina me ligava a todo instante. Fui
para casa, tomei um banho frio e, pela primeira vez na minha vida, sinto
vontade de chorar por uma mulher. Nem quando minha ex-noiva me traiu
com o meu irmão eu fiz isso. Saí pegando um monte de mulher, fiquei
puto, mas nunca chorei por uma mulher. Até hoje...
Viajar com Carolina acabou se tornando uma surpresa. Ela, ao
contrário do que eu imaginava, acabou se mostrando compreensiva e
educada e aguentou todo o meu mal humor e estupidez. Depois de
resolvermos tudo em Paris, eu não quis voltar para o Brasil. Ainda não
estava pronto para ver Michele grávida do meu irmão.
Maicon, mais uma vez, me passou a perna. Se ele e minha mãe não
tivessem aprontado, provavelmente esse filho seria meu. Por mais que eu
esteja louco pela Michele, e sei que ela é por mim, não consigo aceitar que
ela esteja esperando um filho do meu irmão.
Na minha última noite em Paris, tomei um porre e contei tudo para
Carolina, que também me contou que sua vida não foi nada fácil. Vi que
Fernando tinha razão, que ela não era tão má ou já teria vindo embora
depois que a tratei tão mal. Nós nos tornamos amigos e quando resolvi
passar duas semanas na Inglaterra para clarear a mente, eu a chamei
para vir comigo e ela aceitou. Não aconteceu nada entre a gente; primeiro
porque ela é apaixonada pelo Fernando e segundo porque eu não consigo
nem sequer pensar em ficar com alguém. Fomos apenas duas pessoas
tristes tentando curar nossas feridas.
Quando voltei para o Brasil, assim que saí do avião, recebi uma
ligação da minha mãe me intimando para um almoço em família. Não
queria ir, mas Carolina me incentivou a ir e disse que era uma chance para
tirar a limpo essa história com Maicon. Convidei-a para ir junto e no dia do
almoço peguei Carolina na casa dela. Ao passar pela orla, vejo Michele
correndo para pegar um táxi. Ela estava linda como sempre. Por um
momento me esqueço de toda a nossa situação e falo para Carolina que
iria parar o carro para ir atrás de Michele, mas a secretária me faz uma
pergunta que me fez pensar:
― Marcinho, você não acha melhor esperar a conversa com o seu
irmão? Como você vai ficar com ela se o seu irmão estiver em cima?
Afinal, ela está grávida dele. Ele sempre vai se meter entre vocês. ― Ela
segura meu braço.
Será que eu estou preparado para ficar com uma mulher grávida de outro
homem?
C 7

Márcio
Cheguei à casa da minha mãe com Carolina e ela não fez questão
de esconder o seu desagrado. Essa reação dela toda vez que me vê com
uma mulher que não seja negra, está me irritando profundamente.
Comprimento meus irmãos, e minha mãe vem andando em minha
direção com uma negra linda.
― Isabela, esse é Márcio, meu filho. Isabela é filha de uma amiga de
infância. ― Minha mãe fala, me apresentando a ela.
Agora sim entendi a expressão da minha mãe quando me viu
chegando acompanhado de Carolina. Essa deve ser a filha da tal amiga,
com quem, graças a sua imaginação fértil, ela acredita que irei me casar. A
Isabela é perfeita, com um corpo e rosto lindos. Mas, infelizmente para
minha mãe, certa sereia loira e encrenqueira me enfeitiçou. E, mesmo que
não tivesse conhecido Michele, minha mãe nunca iria conseguir que eu
fizesse algo que eu não queira.
― É um prazer te conhecer, Isabela. ― Beijo a sua mão. Não é
porque estou irritado com minha mãe que vou destratar uma mulher que
não tem nada a ver com a situação.
― Bem, vou deixar vocês se conhecerem melhor. Ô, coisinha, vem
comigo que vou te mostrar a casa. ― Minha mãe chama Carolina.
― Muito obrigada, senhora, mas, como não conheço ninguém aqui,
acho melhor ficar ao lado de Marcinho.
Minha mãe, que não gosta de ser contrariada, retruca com raiva.
― Mas a casa é minha e eu vou ter o maior prazer em lhe fazer
companhia. ― Minha mãe segura seu braço e não lhe dá a chance de
replicar.
Vejo-a ir, desolada, e fico imaginando se minha mãe fizesse isso com
Michele. Ela chamaria minha mãe de tudo quanto é nome, mas duvido que
fosse sair do meu lado. Penso, sorrindo, sentindo saudades da minha
barraqueira.
Será que algum dia ela será minha?
― Em menos de um minuto, vi você sorrindo e com expressão triste.
― Isabela comenta, com voz meiga.
Ela parece ser o tipo de mulher meiga, calma, tranquila e previsível.
E eu gosto do fogo e do imprevisível.
― Me fale de você? ― indago, desviando o assunto.
Ela me oferece um sorriso meigo e muda de assunto, começando a
falar da vida dela. Assim como eu, ela também morou fora.
Duvido que Michele me deixaria mudar de assunto. Meu Deus, além
dessa mulher não sair da minha cabeça, agora resolvi comparar as
atitudes de outras mulheres com as que ela provavelmente teria!
Depois de meia hora, Carolina volta para o meu lado. Ela parece um
pouco abalada, mas não comenta nada. O almoço transcorre calmo até
Maicon chegar com duas mulheres, e minha mãe fica revoltada.
Eles começam a discutir, porém, como sempre, Maicon consegue
que minha mãe fique calma. Ele comenta que vai viajar com as mulheres,
que está precisando relaxar. Relaxar não sei do que, o vagabundo não faz
nada. No entanto, como sempre, minha mãe concorda e apoia sua
viagem. Quando ele diz que vai ficar uns seis meses fora, chego ao meu
limite.
― E você não vai ver seu filho nascer? ― questiono, encarando-o.
― Que filho, homem? Ficou maluco? ― Ele ri, debochando.
― Seu filho ou filha com Michele. Ela está grávida! ― Minha vontade
era de voar para cima dele e enchê-lo de tapas.
― Maicon, meu filho, isso é verdade? ― Minha mãe pergunta em um
tom desesperado ao Maicon.
― Claro que não, mãe! Eu nunca tive nada com ela. Ela deve estar
querendo dar o golpe da barriga. Mas a mulher é burra e estúpida e se
esqueceu de que eu nunca dormi com ela. Michele é uma ferrada na vida
e muito metida a besta, cheia de não me toques, só que não tem onde cair
dura. Admira-me muito você cair na história de uma aproveitadora que
quer dar o golpe da barriga e comer meu dinheiro. ― Ele soa revoltado e
eu começo a rir.
― Eu sabia que ela era uma biscate sem vergonha que só quer se
aproveitar dos meus filhos. ― Minha mãe diz, com raiva.
― Se aproveitar de que, Maicon? Você não tem onde cair morto. E,
mãe, mesmo se juntasse o dinheiro de todos nessa sala não chegaria aos
pés da fortuna de Michele. Ela é milionária! ― Eu me levanto, não
aguentando mais ficar no mesmo ambiente que eles.
― Você está mentindo, ela é empregada numa cobertura. ― Maicon
afirma, descrente.
― Não, seu idiota, a cobertura é dela. Nota-se que você nunca subiu
até a cobertura dela. Se tivesse subido teria visto uma foto dela imensa na
sala e várias outras espalhadas. Ela não precisa do dinheiro que minha
mãe dá a você.
― Márcio! Não fale assim com seu irmão! ― Minha mãe se altera.
― Se ela não quer dar o golpe da barriga, então por que ela te disse
que o filho dela era meu? E já que ela é tão rica, eu bem que posso
assumir o bastardinho. ― Ele ri.
― Ela não falou, fui eu quem deduzi errado. E você fique longe dela.
― Vou em direção a ele e um dos meus irmãos me segura.
― Ela pode até ser rica, mas é uma vagabunda que nem sabe quem
é o pai do seu filho. Não quero nenhum filho meu perto de uma mulher
assim. ― Minha mãe exige e mais uma vez me decepciono com ela.
Quando ia abrir a boca para falar umas verdades para ela, meu irmão,
Marcelo, me segura.
― Cara, deixa isso para lá… não vale a pena. ― Marcos, meu irmão
mais velho, diz, ficando a minha frente.
Saio da casa da minha mãe, cheio de raiva, e sem me despedir dela.
Acredito que esse não é o melhor momento para falar com ela e eu
necessito de distância de Maicon. Carolina, obviamente, me acompanha.
― Marcinho, calma, por favor. Estou tão triste, sua mãe me disse
coisas horríveis. ― Carolina reclama com voz chorosa, o que me irrita.
Todo esse tempo que passamos viajando, em nenhum momento ela se fez
de coitadinha como está fazendo agora e isso me tira do sério.
― Pelo amor de Deus, mulher! Pare de me chamar de Marcinho!
Odeio que me chame pelo diminutivo! Eu tenho quase 1,90 de altura, e
posso te garantir que não tenho nada, absolutamente nada, de pequeno.
― Marcinho... Desculpa, Márcio, é apenas uma forma carinhosa de
chamar. Eu gosto muito de você ― diz com uma voz mansa e isso me
irrita ainda mais.
― Eu vou me acalmar assim que conversar com a Michele. ― Vou
em direção ao carro.
― Mas, Márcio, você vai ficar com ela? Mesmo ela estando grávida
de outro homem? E, pelo que eu entendi, nem ela mesma sabe quem é o
pai. ― Carolina questiona, eu paro de andar e me viro para ela, devagar.
― Ela pode até ter dinheiro, mas não tem nenhuma classe. Michele até já
me agrediu na empresa a mando daquela mulher horrorosa do Nandinho
― comenta e eu fico em silêncio, encarando-a.
Como eu pude pensar que essa mulher tinha mudado ou que era
diferente do que eu achava dela? Acho que o choque de saber que
Michele estava grávida, e que o bebê provavelmente era do meu irmão,
abalou minha mente. É a única explicação plausível para um cara
inteligente e experiente como eu cair numa roubada dessas. E ela
continua a dizer besteiras.
― Eu pensei que você iria me ajudar com o Fernando e eu iria lhe
ajudar a provocar ciúmes na Michele. Assim ela veria que perdeu um
partidão. ― Depois de alguns segundos, chego à conclusão de que essa
mulher é louca. ― Eu sei que você, também se interessou pela Bianca,
então é uma forma de você se vingar das duas ao mesmo tempo. ― Fico
olhando, pasmo, para a cara dela. Como essa mulher sabe tantas coisas
sobre a gente?
― Carolina, me deixa explicar algumas coisas para você. Primeiro,
considero Fernando um irmão e nunca iria tentar conquistar a mulher
dele. Tinha, sim, um interesse por Bianca no começo, contudo isso
acabou no momento em que eu me dei conta de que ela e Fernando se
gostavam.
― Como vocês podem se interessar por aquela mulher? Ela é gorda
e ainda por cima engravidou para segurar Fernando. ― Ela estava ao meu
lado quando Fernando ligou todo feliz dizendo que Bianca estava grávida
e que eles iriam se casar. Foi nesse dia que tomei o porre. Estava com
inveja, essa é a verdade. Ao mesmo tempo, também estava muito feliz por
meu amigo ter a mulher que ama e por ela estar grávida dele.
― Bianca é gorda, isso é um fato. Ela exala confiança, sabe que é
gostosa e pouco se importa com o que o resto do mundo pensa dela. E
não há nada mais sexy para um homem que uma mulher que sabe seduzir
e não fica se fazendo de coitadinha.
Carolina fica cada vez mais irritada.
― Não me faço de coitadinha! Eu fui agredida, tanto pela Bianca,
quanto pela Michele! ― Ela diz, com voz chorosa.
― Carolina, eu não sou Fernando e suas lágrimas não me comovem.
E, outra coisa, se quiser continuar trabalhando para mim, é bom que de
agora em diante você nunca mais fale algo que desrespeite Bianca ou
Michele. ― Entro no carro. Ela entra e fica em silêncio por um tempo,
depois começa a falar.
― Você está realmente pensando em ficar com a Michele? Não
acredito nisso. Ela está grávida! ― Ela me pergunta, incrédula.
― O que eu vou ou não fazer em minha vida não é da sua conta.
Você é apenas a secretária da empresa em que eu trabalho, nada mais
que isso.
― Eu pensei que éramos amigos. Na viagem nos demos muito bem.
Eu pensei que você me entendia, que gostava de mim. ― Lamuria com os
olhos cheios de lágrimas.
― Carolina, eu pensei que tinha me enganado em relação a você ou
que você tinha mudado. Ledo engano, você nunca vai aceitar a relação de
Fernando e Bianca e eles são meus amigos. Se você for um pouco
inteligente e quiser continuar a trabalhar na empresa, você vai mudar a
forma como trata a Michele, porque, se tudo der certo, vamos ficar juntos,
sim! E você conhece muito bem a Michele e, no que Bianca pensa, ela
age. ― Assim que paro o carro na frente da sua casa, ela sai, chorando.
Se ela pensa que lágrimas me comovem, está muito enganada.
Estou me sentindo um idiota, pois, por um tempo, realmente acreditei que
ela tinha mudado.
Sigo para casa e tomo um banho. Minha vontade é de ir agora para a
casa de Michele e conversar com ela, coisa que deveria ter feito há muito
tempo, mas estou muito estressado e tenho certeza que convencê-la a dar
uma chance à gente não vai ser nada fácil. Também tem a gravidez. Será
que vou consegui lidar com isso? Sem falar em minha família que com
certeza vai fazer de tudo para nos perturbar. Será que vale a pena entrar
em um relacionamento com tantos problemas prováveis e futuras dores de
cabeça? Adormeço pensando nisso.
Acordo cedo, tomo meu banho, me arrumo e vou para a empresa.
Assim que chego em minha sala, vejo Carolina sentada.
― Bom dia, senhor Ribeiro. ― Me cumprimenta, séria. Parece que
ela entendeu o recado.
― Bom dia, Carolina. ― Entro em minha sala. No decorrer do dia,
tratamo-nos de maneira fria e profissional. Na hora do meu almoço, passo
na sala de Fernando, mas o encontro apressado e já arrumando as coisas
para sair.
― Cara, por que a pressa? ― pergunto, rindo.
― Bianca tem uma consulta com um doutorzinho metido a besta e
paquerador que deixa ela toda sorridente. E eu, claro, vou lá para garantir
que ele não vá dizer nenhuma besteira para minha mulher ― comenta
enquanto acaba de pôr alguns documentos na pasta.
― Cara, já falei que mulher não gosta que fique assim, em cima,
correndo atrás feito um cachorrinho. Pelo amor de Deus, homem! Ela está
grávida de você e vai ao médico… é normal. ― Rio.
― Você fala isso porque não viu o quanto Michele fica toda derretida
com ele, chamado de médico gato para lá e pra cá ― debocha, com um
sorriso sarcástico
― Não que eu tenha nada a ver com isso, mas a Michele vai junto
com Bianca nessa tal consulta? ― indago como quem não quer nada.
―Não! Michele viajou ontem à noite para a casa dos pais de Bianca
e vai ficar lá por uns dias. Por que você acha que eu estou com tanta
pressa? Minha mulher vai ficar sozinha com o tal obstetra.
― Então ela viajou ontem... Muita calma nessa hora, Fernando. Você
não me disse que o tal médico era obstetra e que ele fica com conversinha
mole para cima delas!
― Por que você acha que estou tão desesperado para chegar nessa
consulta? E você me atrapalhando, com conversinha de Zeca Lourenço.
Conheço-lhe Márcio! E sei que você está interessado em Michele. E, se
você continuar dando uma de otário, vai acabar perdendo para o
doutorzinho metido a besta e paquerador que ela chama de “meu médico
fofinho e gato”. ― Imita a voz e os trejeitos de Michele e eu começo a rir.
― Fernando, você vai pirar até Bianca ter o bebê, além de que está
mais magro e com olheiras. ― Me olha com raiva. ― Agora sério, Michele
está grávida e cheia de neura quando se trata de ficarmos juntos. Eu sinto
um louco desejo por ela, não posso negar isso, mas ficar com uma mulher
grávida, com uma família como a minha, não vai ser nada fácil. Eu vou me
sentar e conversar com ela. Fernando, minha família vai pirar… minha
mãe já está falando um monte de merdas e eu nem sei quem é o pai do
filho ou filha dela. ― Sigo Fernando, que sai apressado da sala.
― Nunca pensei que você fosse covarde, Márcio. E você sabe muito
bem que o que sente por ela é mais que desejo ― afirma, sério, enquanto
espera o elevador, e eu fico mudo. ― Se você deixar que preconceitos
bobos ou o que as pessoas vão pensar ou falar façam você desistir de
uma mulher maravilhosa como a Michele, então você não é o homem que
eu sempre achei que fosse ― alega e eu sou incapaz de articular uma
única palavra.
― Se eu não me engano, Michele só volta em alguns dias. Bianca
vai fazer um jantar de noivado lá na casa dela e nós gostaríamos muito
que você fosse.
― Tudo bem, eu vou sim. Michele vai estar lá? ― pergunto, não
tentando mais disfarçar minha curiosidade.
― Sim, vai. E elas lá se separam! Bem, aproveita esse tempo que
ela vai estar longe para pensar em tudo. Se você perceber que o que
sente é apenas atração, então nem chegue perto de Michele. Nesse
momento ela precisa de paz e de uma pessoa que realmente queira ficar
com ela a sério. Além do que mais, Bianca vai ficar revoltada e nervosa e
minha mulher não pode se estressar, porque ela está grávida da minha
filha! Bem, agora deixe-me ir ou chegarei atrasado à consulta da minha
mulher. ― Aperta o botão do elevador repetidamente
― Fernando, vocês não são casados! ― afirmo para implicar com
ele. Fernando fica puto quando alguém diz que Bianca não é legalmente
sua mulher.
― Vai à merda, Márcio! Isso é um mero detalhe. Ah, quer saber, vou
de escada. ― Desiste do elevador e eu começo a rir.
― Ei, espera! Em relação à Michele, vou pensar em tudo o que você
falou. Se for apenas desejo, vou me afastar. ― Ele acena e desce as
escadas correndo.
Não falei para o Fernando que há tempos eu sei que o que eu sinto
por Michele não é apenas desejo... Isso eu vou falar no ouvido dela,
quando estiver dentro dela.
C 8

Michele
Assim que saio do apartamento de Bianca, vou para o meu, tomo um
banho, faço um balde de pipoca, pego sorvete e vou para sala ver minhas
séries.
Amo séries de todos os tipos, mas minha paixão são os desenhos
animados e me divirto horrores com eles. Quero que no quarto da minha
filha, meu projetinho de princesa, tenha vários desenhos de todos os
personagens que amo; de Piu-Piu e Frajola, passando por Johnny Bravo,
e por aí em diante...
Estou eu, comendo minha mistura que para mim é deliciosa, mesmo
que nunca antes na vida tenha pensado em misturar pipoca e sorvete, só
pode ser coisa da gravidez, e me assusto quando Bianca entra no meu
apartamento reclamando. Gente, ela anda muito estressada.
― O que houve agora, Bianca? ― pergunto, mergulhando a pipoca
no sorvete.
― Fernando está me deixando louca. Que mistura nojenta, Michele!
E esse pijama é terrível, mesmo tendo a margarida na frente. ― Ela se
senta ao meu lado e pega meu pote de sorvete para comer.
― Bianca, meu amor, primeiro vai à merda! Depois, meus macacões
são lindos e confortáveis e minha pipoca com sorvete de chocolate está
ótima. Você que está muito chata. ― Pego uma pipoca e enfio no sorvete
que estava em sua mão.
― Você tem razão, tem horas que nem eu mesma me aguento.
Fernando está me sufocando com esses cuidados excessivos ― reclama,
pegando um punhado de pipoca para comer, e eu levanto a sobrancelha,
mas fico calada. Ela já está muito revoltada para ser zoada.
― O que houve?
― Gugu aprontou mais uma das suas e minha mãe vai ter que ir à
escola dele, só que eles têm uma consulta médica. Queria ir à escola no
lugar da minha mãe para que ela fosse ao médico, mas Fernando surtou,
dizendo que eu iria me estressar na escola, que ele iria e eu ficaria em
casa descansando. Aí eu pergunto, eu estou cansada do quê? Já expliquei
que gravidez não é doença. E sem falar que ele cismou que vai à consulta
com o doutor Marcos amanhã. ― Ela relata, logo em seguida pega minha
colher, enfia no pote de sorvete e logo em seguida na boca.
― Gata, dá um desconto para o bofe magia! O coitado está muito
preocupado com você e te ama horrores. E eu vou para casa dos seus
pais, estou precisando sair daqui. Acho que se vir Márcio com a vaca mor
de novo, eu piro de vez.
― Eu sei que ele me ama, também o amo demais! Nem eu sei por
que ando tão estressada. Sou uma megera! Ele faz tudo para me agradar
e eu só reclamo! ― Ela começa a chorar.
― Mona, os hormônios da gravidez estão nos fazendo ficar loucas.
― Eu a abraço, e a campainha toca. Levanto-me para abrir, já sabendo
que é Fernando.
― Amor, o que houve? Por que você está chorando? ― Ele passa
direto por mim, já fazendo várias perguntas, e se ajoelha na frente de
Bianca.
― Eu sou uma bruxa horrorosa com você, mas eu te amo tanto.
Michele vai para casa dos meus pais para mim. ― Ele limpa as lágrimas
dela.
― Você não é uma bruxa meu amor, só está nervosa. ― Os dois
começam a se beijar.
Eu pensei que seria um beijinho rápido, mas não, eles estavam
quase se comendo e se esqueceram de que eu estava bem ali, na frente
deles. Quando Fernando deitou Bianca no sofá foi demais para mim. Vê se
pode isso, gente?!
Poxa! Estou há meses sem sexo, num tesão constante, e desde que
Márcio... Aí, não posso nem pensar em Márcio, que chega me dar um
calor...
― Vocês dois podem meter o pé daqui! Vão fazer amor no sofá de
vocês, aqui não. ― Abro a porta e tento segurar o riso por ver uma Bianca
sem graça e um Fernando envergonhado.
― Obrigado por ir no lugar dela. ― Fernando agradece ao sair do
meu apartamento abraçado com Bianca. Amo esses dois e aposto que
agora vão se amar até não aguentarem mais. Que inveja!
Será que Márcio está na cama com a vaca mor agora?
Imagino meu chocolate pondo aquela boca nela, boca que me fez
delirar.
― Chega, Michele! Você é gostosa, é poderosa, mesmo sendo
desprovida de bunda... Vamos agitar e chega de ficar chorando pelos
cantos por causa de homem ― repreendo-me.
Ligo para os pais de Bianca e os aviso que irei para lá no lugar dela.
Acabo passando uma semana com os pais de Bianca. Converso
muito com a mãe dela, que me dá ótimos conselhos.
― Michele, você sabe que te amo e te considero minha filha loura! ―
Tia Bruna me faz um carinho no rosto.
― Sim, eu sei. Amo demais a senhora e o tio Otávio. ― Deito a
cabeça na mão dela.
― Então vou te pedir para ficar calma. Não se estresse, tudo tem o
seu tempo! Se for para vocês ficarem juntos, vocês vão ficar. O que eu não
quero é ver você nessa agonia, pois isso não vai fazer bem nem para você
e nem para a linda princesa que vai nascer daqui a alguns meses. Se a
família dele é tão complicada, então dê um tempo para você e curta sua
gravidez com calma. Se for para vocês ficarem juntos e a mãe dele te
infernizar, me avisa que vou lá dar uns tapas nela. Mas se for para isso
acontecer, o melhor é vocês esperarem nossa linda princesa nascer. ―
Ela me abraça, beijando minha cabeça.
Tia Bruna é das minhas, resolve tudo no grito e na porrada; já seu
Otávio é mais manso, calmo e sensato, porém, cabeça dura toda vida.
Bianca puxou isso dele.
― Vou fazer isso, apesar de que eu tenho certeza que ele não vai
querer ficar com uma mulher que está grávida de outro... Minha prioridade
neste momento é meu projetinho de princesa. ― Passo a mão na barriga,
doida para vê-la grande e sentir minha princesa mexer. Estou com mais de
quatro meses e até agora nada, é muito frustrante! Pelo jeito minha filha
vai ser calminha, o contrário da mãe.
― Nos últimos dois anos, eu pensei que você estava esperando
Gugu crescer e confesso já estava aflita, não sabendo o que iria fazer da
minha vida! Afinal, vocês são meus filhos. ― Ela comenta de um jeito
cômico.
― Ah, mas eu estava mesmo! A senhora sabe fazer filhos, hein.
Gugu é lindo! Pena que é novinho. E eu também estava com medo da
provável surra que a senhora iria me dar. ― Rimos juntas.
― É, você não me esperou! Mas vou te paparicar demais, viu. ―
Gustavo entra na cozinha, rindo e me abraçando.
Gente, esse menino de apenas dezesseis anos já é um gato,
imagine quando ficar adulto? Tenho pena do mulherio! Negro, alto,
malhado e de olhos verdes. Vai ser um verdadeiro boy magia.
― Gugu, meu gato, infelizmente um tal chocolate derretido roubou
meu coração ― comento de forma dramática e todos nós caímos na
risada.
Nesse clima descontraído, fico por mais dois dias lá e depois volto
para casa. Assim que chego, brigo com Maria. Que saudades que eu
estava das nossas discussões semanais. Maria trabalha três vezes por
semana na minha casa, e três na casa de Bianca. Como moro numa
cobertura duplex, há algum tempo ela vem reclamando que é muita coisa
para ela, então entrei em contato com uma agência de empregos e eles
enviaram algumas pessoas para que ela pudesse escolher com quem
queria trabalhar. Sim, porque eu não sou maluca de contratar alguém sem
avisar a Maria antes. Mas a doida expulsou todas, dizendo que dá conta
do trabalho sozinha… vai entender!
Depois do nosso momento de excentricidade, do tipo que eu amo,
vou para casa de Bianca. Ela me revela que vai fazer um jantar de noivado
e que chamou Márcio. Tento disfarçar e digo que está tudo bem. No
entanto, confesso que fiquei receosa de Márcio aparecer com a vaca.
Tento não ficar pensando nisso e passo a semana tranquilamente.
Inclusive, marco uma consulta com meu obstetra gato para a próxima
semana.
No dia do jantar, chego cedo na casa de Bianca e encontro Fernando
com uma expressão de cansaço. O coitado está mais magro, com
olheiras, mas com um sorriso lindo no rosto. O infeliz ainda diz que vai
morrer feliz, quando comento que Bianca vai acabar matando-o. Enquanto
ele vai fazer o café, atendo ao telefonema de uma empresa que queria
confirmar quantas pessoas iriam para o jantar.
Aí, foi uma confusão só! Bianca deu um show, dizendo que sempre
fez as coisas, Fernando deu outro, pois, segundo ele, ela não iria fazer
nada grávida, porque não poderia se estressar, e eu ria horrores com os
dois. Depois de muito bafafá, tudo acabou com eles se beijando e indo
para o quarto, quase se comendo. Na boa, eu acho que esses dois brigam
já na intenção do sexo de reconciliação, só acho! Enfim, ficou resolvido
que seria na minha cobertura.
Fiquei como louca com o telefone em uma mão e o cartão de crédito
na outra, mas consegui tudo em tempo recorde.
Deixei os profissionais cuidando dos últimos detalhes e fui para o
salão de beleza. Sim, porque se vou receber meu chocolate derretido e a
lambisgoia da Carol, quero estar poderosa, maravilhosa e arrasando para
ele ficar babando em mim, mesmo estando com ela ao seu lado.
Caminhando pelo shopping, passo por uma loja que tem um vestido
vermelho na vitrine; entro, compro-o e saio com um sorriso no rosto.
Assim que chego, tomo um banho, me arrumo e me olho no espelho.
Com um sorriso, noto que estou muito gostosa, minha barriga ainda está
pequena e o vestido de seda a disfarçou. Viro de lado para ver como ficou
atrás e, bem, na frente está melhor. Acho tão injusto que certos homens
tenham mais bunda que mulheres! Mas, mesmo desprovida de bunda,
estou um arraso! A humildade passou longe hoje, estou nem aí. Quando
vou para a sala, vejo que Bianca e Maria já estão lá, e nós três estamos de
vermelho.
― Monas, estamos muitos sexys e gostosas. ― Bianca e Maria
sorriem, mas noto que Maria está se segurando nos móveis.
― Maria, por que você está meio bamba? ― questiono com as
sobrancelhas levantadas.
― Mulher! Não sei andar de salto ― responde e eu começo a rir.
― E por que você veio de salto, criatura, se não sabe andar? ―
Maria suspira dramaticamente. Bianca, por mais que tente, não consegue
segurar o riso.
― Mas, mulher, pense comigo: A festa é de Bianca e Fernando,
certo? Então eu pensei cá com os meus botões: vou pôr um salto alto,
vestido chique e fazer carão para ver se consigo um homem na categoria
que vocês conseguiram. ― Ela comenta seu plano para conseguir um
futuro marido.
― Maria, e como você pretende paquerar, se nem consegue ficar em
pé? ― Bianca indaga quando consegue parar de rir.
― Oxe! Mas já tenho tudo planejado. Vou ficar ali, encostada
naquela cômoda a noite inteirinha, fazendo cara de sexy, até um gostosão
vir falar comigo. Agora me dê licença, viu, que daqui a pouco os homens
bons começam a chegar. ― Ela vai, bamba da silva, em direção ao móvel
e Fernando a ajuda a chegar ao local almejado, depois vem em nossa
direção, nitidamente confuso.
― Maria disse que vai ficar encostada ali, esperando os homens
bons… que homens são esses? ― Ele não esconde seu desagrado, e
Bianca respira fundo para tentar falar com ele através de risos.
― Maria está achando que vão vir várias pessoas para o jantar, mas
só convidamos família, Márcio, Pablo e Mariana ― Bianca esclarece e
volta a rir.
― Tadinha! Vou falar com ela. E vocês parem de rir ― comenta, mas
também tenta segurar o riso.
― Vai falar, nada! Deixe-a sonhar. Vai que, por milagre, um príncipe
aparece para Maria? Gente, vou retocar a maquiagem, chorei de tanto rir.
― Sorrindo, vou ao meu quarto. Quando volto, vejo que Márcio já chegou.
Ele está maravilhoso de terno preto. Quando ele me nota, vem andando
devagar em minha direção, me olhando dos pés à cabeça, demorando-se
em meus seios.
Sempre tive seios grandes, mas com a gravidez eles aumentaram, e
o vestido que escolhi os deixou em evidência. Afinal, tenho que valorizar a
fartura na frente, já que atrás... Só tristeza!
― Oi, minha sereia. ― Ele sorri de forma sensual.
― Oi, chocolate ― respondo, sorrindo.
― Será que podemos conversar à sós? ― Ele morde o lábio inferior
e eu quase gemo.
― E você vai deixar sua acompanhante sozinha? ― indago, me
lembrando de que ele está com a vaca mor.
― Minha sereia, eu estou livre, leve e solto, pelo menos por
enquanto. ― Ele pisca e eu engulo seco. ― Além do mais, você sabe que
eu vim aqui única e exclusivamente para ver você. ― Ele abranda a voz e
eu me esqueço completamente de como se fala.
Estou acostumada com isso, não, gente! Esse homem é pura
sedução.
Engulo em seco, giro o corpo, caminho até o quarto de hóspedes e
nem me dou ao trabalho de saber se ele está vindo atrás de mim, pois sei
que sim.
Entramos no quarto, eu fecho a porta e me encosto a ela.
― O que você queria falar comigo? ― Finjo que estou no controle
das minhas emoções, no entanto, me sinto uma marionete pronta para ser
conduzida por ele.
― Você está grávida de Maicon? ― Joga a pergunta sem desviar os
olhos dos meus. Ele é direto, sem rodeios e eu gosto disso.
― Não.
― Tem ou pretende ter algum contato com o pai do seu filho? ―
questiona, cruzando o braço no peito.
― Filha! Vou ter uma filha. Mas não, não tenho e nem pretendo ter.
― Ele sorri, descruza os braços e vem andando na minha direção. Márcio
põe uma mão na parede perto do meu rosto e com a outra vai subindo
devagar pela lateral do meu corpo.
― Márcio, não. São muitas coisas envolvidas. Sua família, com
certeza, não vai aceitar. E eu quero paz na minha gravidez. Vamos ser
amigos e, quando eu tiver minha princesa, aí a gente pensa... Faz isso
não, por favor… beija aí não, isso é covardia ― peço com a voz trêmula.
Ele para a mão na altura dos meus seios e beija meu pescoço enquanto
passa o polegar devagar pela lateral deles.
― Xiii, se lembra de que eu te disse que quando voltasse de viagem
você seria minha? Ainda dei um tempo a mais, pois precisava resolver
algumas coisas. Contudo, agora, minha sereia, você é minha. ― Ele pega
minhas mãos, prende em cima da minha cabeça, e me beija.
Estou acostumada com isso, não, gente! É homem demais para mim.
Ele segura meus braços com uma mão e com a outra segura meu
seio enquanto me beija. Márcio morde e chupa meu lábio inferior e, antes
que eu pudesse falar algo, ele volta a me beijar.
Sempre sonhei com um homem que me bagunçasse toda, mas
sempre achei que quando isso acontecesse, eu iria conseguir raciocinar
direito... Ledo engano! Estou eu aqui toda mole, nem sabendo meu nome,
com um riacho descendo pelas minhas pernas. Quando ele morde minha
orelha e põe minha calcinha de lado, eu até tento falar alguma coisa, mas
o único som que sai de mim é um longo e sofrido gemido quando o sinto
me tocando.
― Amo saber que te deixo assim, toda descontrolada, e muito…
muito molhada ― sussurra devagar no meu ouvido, enquanto me toca, e
quando nota que estou chegando ao limite, começa a me beijar e eu
chego ao êxtase com ele mordendo meu lábio inferior e me olhando nos
olhos.
Ele me pega nos braços quando nota que minhas pernas estão tão
bambas que mal consigo ficar em pé. Márcio me leva nos seus braços até
o sofá e se senta, comigo em seu colo.
― Você é linda delirando de prazer. ― Ele me abraça, eu passo os
braços em volta do seu pescoço e, por um momento, quero esquecer que
tudo existe e acreditar que tudo vai ficar bem. ― Minha sereia, tudo vai dar
certo ou eu farei dar! Somos bons juntos. ― Ele beija minha cabeça e põe
a mão na minha barriga.
Abraçada a ele, sinto uma paz tão grande. Sinto-o acariciar minha
barriga e pela primeira vez sinto minha filha se mexer. Levo um susto e
prendo a respiração.
― Viu, até a minha pequena sabe disso. Você já escolheu o nome da
minha pequena? ― Ele ri enquanto alisa minha barriga e um pânico que
nunca senti antes na minha vida toma conta de mim.
― Ela não é sua pequena, é minha filha! Eu não estou procurando
um pai para meu projetinho de princesa, eu vou ser tudo para ela! ―
Nervosa, tento sair do seu colo.
― Projetinho de princesa? ― questiona, sorrindo.
― Sim! Eu ainda não escolhi o nome da minha filha. E pare de ficar
com esse sorriso besta nos lábios, porque estamos brigando! ― Olho para
aquela boca linda e carnuda e sinto um arrepio passar pelo meu corpo.
― Minha sereia, eu sei que a pequena vai ser sua filha...
― Só minha! Eu vou ser seu tudo! — afirmo, o interrompendo.
― Sim, minha linda. Eu quero e vou ter você, então é natural que eu
acabe desenvolvendo um laço sentimental com sua pequena ― comenta,
com um jeito manso, tentando me acalmar.
Olho para ele, desconfiada, com os olhos semicerrados.
― Mas você é malandro! Vem com essa fala mansa, achando que
vai conseguir me fazer mudar de ideia e que eu vou fazer o que você
quer? Sou tonta não, meu amor. Sou loura, mas não sou burra! ― Saio do
seu colo e ele fica me olhando, pasmo ― Você é gostoso? É. Você me faz
virar os olhinhos? Faz. Porém eu tenho coisas mais importantes na minha
vida nesse momento, meu amor! Meu projetinho de princesa é minha
prioridade. É meu, somente meu! Vou ser o tudo dela. Claro que ela vai ter
muitos tios, e os pais de Bianca, que já a adotaram como neta, mas a
principal serei eu. É por isso que neste momento não podemos ficar
juntos. Depois que ela tiver algum tempo, e se nós ainda quisermos algo,
aí nós tentaremos. Mas por enquanto vamos ser somente amigos. ―
Depois do desabafo, viro de costas. Ficar olhando para ele, que está
sentado com as pernas abertas, e ver aquele volume enorme nas calças
dele, não está fazendo bem para a minha sanidade mental e equilíbrio
emocional.
Respiro fundo e tento me arrumar. Estou toda bagaçada, o homem
me esculhambou inteira! Fico pensando que se apenas com carícias o
chocolate já me bagunça toda, imagina quando... Ai, papai! Não posso
nem pensar nisso que já sinto um delicioso arrepio pelo meu corpo. Ouço-
o soltar uma gargalhada gostosa e mordo meu lábio inferior para conter
um gemido que brota no fundo do meu ser. Ele me abraça por trás, segura
meu quadril, me puxa para ele e sussurra no meu ouvido.
― Vai ser do jeito que você quer, minha sereia. Se você quer que
sejamos apenas amigos agora, então seremos amigos! Entretanto, eu
quero ter livre acesso a sua casa e, principalmente, a sua vida... Como
amigo, claro. Tudo bem para você? ― pergunta com sua voz sensual e
logo em seguida morde meu pescoço. Perco a capacidade de articular
uma frase coerente.
― É, hum. Cla... claro. Mas, assim... apenas, assim, apenas como...
um amigo. Quero dizer, como amigo. Ai, Jesus! Morde assim não ―
imploro, gaguejando.
― Minha linda, apenas estou demonstrando todo o carinho que sinto
por você, mas acho melhor voltar para a festa. ― Passa as mãos pela
lateral do meu corpo, roçando em mim e eu mais uma vez não sei o que
falar.
― Hum... que festa? ― sussurro, apoiando minha cabeça nos
ombros dele, dando-lhe livre acesso ao meu pescoço. Ele passa a língua
devagar, depois assopra e eu deliro.
― Minha linda, vamos? Todos estão esperando. ― Quando ele me
solta, eu me seguro na primeira coisa que vejo. Estou tão excitada que mal
estou me aguentando em pé.
― Vai indo na minha frente, que... que daqui a pouquinho eu vou ―
peço, respirando ofegante. Ele se aproxima, segura minha cintura e me
puxa para ele. Márcio me olha com um sorriso safado, lambe os lábios e
beija o canto da minha boca.
― Não demore, minha linda sereia. Eu, como um bom amigo, vou
ficar te esperando ― sussurra perto da minha orelha e sai. Enquanto eu
fico na sala, bamba e trêmula, tentando conter a minha respiração e
excitação.
Estou acostumada com isso, não, gente!
Estou começando a achar que tê-lo como amigo vai ser minha
perdição. Mas pelo menos ele aceitou ser apenas meu amigo. Agora eu só
tenho que controlar os meus hormônios.
Entrei em pânico quando ele chamou minha filha de sua pequena.
Uma coisa sou eu sair machucada de uma relação com ele, outra é minha
filha; e tenho que manter isso bem claro para ele.
Respiro fundo algumas vezes, tentando recuperar algum controle.
Passo as mãos pelo vestido e saio do quarto ainda um pouco bamba.
Assim que volto para a sala, vejo que outras pessoas chegaram.
Maria está encostada em um canto, toda sorridente, e conversando com
um senhor, muito bonito por sinal. Quem é esse homem? Noto Angélica
com cara de limão azedo em um canto, sozinha. Vejo Márcio conversando
com Fernando e olhando para mim com um sorriso típico de quem está
aprontando. Bianca chega perto de mim com um copo de suco.
― Amiga, o que aconteceu com você? ― Ela me dá o suco, que
tomo tudo em um gole só.
― Mona! Babado fortíssimo. Depois te conto. ― Pego outro copo de
suco com o garçom que passava perto de mim.
― Para de graça e adianta logo! Sabe que sou curiosa! ― sussurra
com raiva.
― Resumindo, Márcio me bagunçou inteira ― respondo,
sussurrando para ela.
― Sério! Vocês transaram? ― indaga, de boca aberta.
― Não! Ele só… enfim, me bagunçou... E decidimos ficar apenas
como amigos! A única coisa que ele exigiu foi ter livre acesso a minha
casa e saber tudo da minha vida. Mas como amigo, apenas isso. ― Ela
sorri, olhando para mim. ― Por que você está sorrindo? ― questiono,
desconfiada.
― Porque, minha amiga, você está ferrada! ― afirma, rindo.
― Você acha que ele está armando para mim? ― Levanto uma
sobrancelha, assustada.
― Minha querida, Márcio é um sedutor atípico. Se você impôs uma
restrição, ele não vai bater de frente com você. A maioria dos homens
bateria no peito e diria que você tem de ser dele. Márcio não, ele desvia.
Michele, chego a ter pena de você. E pela cara que ele está fazendo
enquanto conversa com Fernando, minha amiga, você está muito ferrada.
Quando ia falar alguma coisa, vejo uma gordinha linda, com cara de
boneca de porcelana vindo para a sala com Pablo. O nerd gatinho está
atrás dela olhando para a sua bunda descaradamente. A aguada da
Angélica o puxa para um canto e os dois começam a discutir.
Bianca segura minha mão e me puxa em direção à menina, que está
com os olhos cheios de lágrimas.
Sabe quando você olha para uma pessoa e gosta dela de cara?
Então, foi isso que aconteceu assim que cheguei perto dela. Ela tem uma
expressão de fragilidade tão grande, que dá vontade de colocá-la no colo
e defendê-la do mundo.
― Michele, essa é Mariana. Mariana, essa é minha amiga, e
praticamente irmã, Michele. ― Bianca nos apresenta e eu fico
emocionada. Ela sabe que tenho ciúmes da nossa amizade. Entretanto, ao
conhecer Mariana, entendo porque Bianca quis ajuda-la.
― Gata, o que houve? Por que você está com essa carinha triste?
Pablo, o gato nerd, falou ou fez alguma coisa com você? Pode falar, que
eu vou lá e dou na cara dele! ― pergunto, já começando a ficar puta.
― Calma, Michele! O que houve, Mariana? ― Bianca questiona
calmamente, e ela nos olha assustada.
― Não houve nada. Ele... só disse que não vai mais… mas eu, eu
não posso... Eu só pensei que, depois de tudo o que passamos... que eu
não... ― Ela responde, com a voz trêmula.
É óbvio que deve ter acontecido alguma coisa. Ela está toda
bagunçada e trêmula e, apesar do rosto triste, dá para perceber que eles
tiveram alguma coisa. Olho para Bianca e, pela expressão dela, vejo que
ela está pensando a mesma coisa.
― Mona! Se preocupa não, vou te defender, tá? Sei que hoje não dá
para conversar direito, mas vamos sair amanhã para almoçar e vamos
conversar. ― Beijo o rosto dela e a abraço enquanto Bianca a abraça do
outro lado.
Ela sorri, tímida. Gente, amei essa menina! Ela é tão fofinha, tão
tímida e tem um rostinho de boneca indefesa. Vou defendê-la, gente! E ai
de quem se meter a besta...
C 9

Márcio
Vejo Michele e Bianca abraçando Mariana e ouço Fernando falar.
― Pablo está comprovando que é um tosco ao se casar com
Angélica quando é visível para qualquer um que ele está vidrado em
Mariana. ― Fernando comenta. Olho para onde Pablo está e vejo-o
discutir com Angélica.
― Vou tentar mais uma vez conversar com ele e tentar tirar de sua
cabeça essa ideia doida de se casar com Angélica somente para ter status
social. Ele vai fazer uma merda na vida dele. ― Volto a olhar minha sereia,
que olha para Pablo com raiva.
― E você conseguiu se resolver com Michele? ― Meu amigo
pergunta, desviando os olhos de mim para Michele.
― Ainda não… ela quer que sejamos só amigos. ― Sorrio.
― E você vai desistir assim? Deixe claro que ela é sua, homem!
Pegue ela de jeito e diga que ela não tem escolha, que ela é sua e ponto.
― Claro que não. Michele é do tipo de mulher que me surpreende a
cada minuto, e vi hoje que dar uma de macho alfa com ela, nesse
momento, não é a melhor jogada. Ela está em modo leoa, protegendo sua
cria. Então vou ser amigo, seduzindo aos poucos, e vou me tornar
indispensável para ela. Vou fazer com que ela simplesmente não consiga
mais viver longe de mim. Minha sereia vai vir para mim de livre e
espontânea vontade, louca de desejo e completamente apaixonada por
mim. ― Sorrio, olhando para Michele.
― Coitada da Michele! Ela vai conhecer a sedução e conquista de
um verdadeiro malandro carioca. ― Fernando ri e eu solto uma
gargalhada vendo Michele virar a cabeça em minha direção e levantar
uma sobrancelha.
Ah, minha linda sereia, você não tem noção do que eu estou
preparando para você...
Passo toda a festa de olho em Michele. Sempre que tenho uma
oportunidade, eu a toco, e fico feliz em ver como ela reage ao meu toque.
O que anda me incomodando é o irmão de Bianca, o tal de Gustavo,
ou Gugu, como Michele o chama. Sei que ele é um adolescente, mas
infelizmente, tenho que admitir que o garoto tem boa pinta, e ele não perde
uma oportunidade de tocar ou abraçar Michele.
Já me imaginei jogando-o pela janela umas três vezes... Meu Deus!
Sempre fui um cara controlado, nunca fui de sentir ciúmes. No entanto,
aqui estou, pensando em mil formas de esganar o moleque.
O jantar transcorre tranquilo e muito animado. Bianca faz uma
declaração para Fernando e todas as mulheres que estão na mesa
choram. Bem, Fernando também!
Olha, na boa! Não reconheço mais Fernando… o abduziram e
colocaram outro no seu lugar! Ele nunca foi tão mulherengo como eu, mas,
em compensação, sempre tratei as mulheres muito bem, com muito
carinho, atenção e honestidade. Sempre deixava claro que não queria
nada sério. Já Fernando nem precisava dizer que não queria nada sério,
pois tratava as mulheres como se elas fossem merda. E o pior é que elas
ainda voltavam! Ele sempre teve as mulheres que quis e nunca assumiu
nenhum relacionamento. Entretanto, agora está aqui na minha frente, com
os olhos cheio de lágrimas! Corre atrás de Bianca feito um cachorrinho,
tem ciúmes até da sombra dela. E se alguém fizer algo para magoar ela,
ele é capaz de esganar a pessoa.
Desde que ele começou seu relacionamento com Bianca, fico
zoando e dizendo que ele tem que parar de correr atrás dela. E, no
entanto, estou eu aqui, querendo jogar um adolescente pela janela só
porque ele tem a irritante mania de toda hora abraçar Michele colocar a
mão em sua barriga.
Eu nunca serei como Fernando, nunca! Vou conquistar e seduzir
Michele, mas não vou ficar como um cachorrinho… isso jamais.
― Márcio, posso falar com você em particular? ― Bianca me
pergunta e vai andando em direção a uma sala. Começo a segui-la e olho
em direção a Fernando e o vejo nos olhando. Levanto a sobrancelha e ele
levanta os ombros como se não soubesse o que Bianca quer comigo.
Bianca entra em uma sala, se senta em um sofá e eu em outro.
― Márcio, gostei de você assim que te vi, tivemos uma ótima
empatia e te considero um amigo. Quando ainda estava naquela fase de
não querer nada com Fernando e eu estava envolvida com o Pablo, você
me pediu para não magoar os seus amigos. Então, agora sou eu quem
peço isto: não magoe Michele! Ela é minha melhor amiga, é minha irmã e
toda minha família a ama. Michele é uma mulher forte, briga com unhas e
dentes para defender os amigos, tanto que se esquece de se defender. Ela
está frágil com a gravidez. Se você acha que é apenas desejo, tome um
banho frio e se afaste, por que se você a magoar, eu acabo com você. E
se sobrar alguma coisa de você, minha mãe e meu pai darão cabo do
resto. Será que eu estou sendo bastante clara, Márcio? ― Bianca me
ameaça de forma calma e pausada e em momento nenhum levanta a voz.
― Bianca, eu te considero uma amiga, mas não gosto de ser
ameaçado ― retruco em um tom irritado.
― Ah, desculpa! Você achou que era uma ameaça? ― diz, irônica,
levantando uma sobrancelha.
― É claro que isso foi uma ameaça ― afirmo, irritado.
― Bem, então eu não fui clara o suficiente. Isso não foi uma ameaça
e sim uma promessa. Magoe a minha amiga e te prometo que vai levar um
bom tempo até você conseguir usar o que tem entre as pernas ― afirma
de forma fria, olhando nos meus olhos. Confesso que me deu um frio na
espinha, então fechei as pernas e engoli em seco.
― Bianca, tentei ficar afastado, ponderei todos os prós e os muitos
contras… minha família, ela grávida... O mais sensato seria desistir e partir
para outra, porém eu não consigo. Tentei por mais de um mês… desde
que viajei estou tentando. Simplesmente não consigo mais ficar longe.
Bianca fica me olhando por um tempo, depois sorri.
― Ok, então surpreenda-a. Michele até hoje só teve homens sem
vergonha, sem caráter e que queriam se aproveitar dela. Mas você,
Márcio… você tem o poder de magoá-la como nenhum deles teve. Por
favor, seja especial para ela. Michele é uma mulher maravilhosa e merece
ter uma pessoa especial na vida dela ― diz, emocionada, e eu a abraço.
― Prometo que não vou machucá-la.
― Posso saber que porra é essa? ― pergunta Fernando, irado,
tirando Bianca dos meus braços.
Bianca e eu rimos e voltamos para a festa. Conversei, ou melhor, fui
ameaçado pela mãe e pelo pai de Bianca. Se as ameaças de Bianca me
deram um frio na espinha, as da mãe dela me deixaram pálido. Quando o
pai dela veio falar comigo, já estava desorientado e intimidado por tantas
ameaças.
Todas essas, digamos, "conversas" me causaram certo terror
sombrio. Na boa, vai levar um bom tempo para esquecer tudo o que a mãe
de Bianca disse que faria comigo se eu magoasse Michele... A única coisa
boa nisso tudo foi saber que Michele não é tão forte quanto aparenta ser e
isso me fez repensar minhas atitudes...
Não mudei tanto assim, ainda vou seduzi-la e conquista-la, só que de
forma diferente...

Michele
Estou me divertindo horrores na festa. De longe, vejo Maria em uma
conversa animada com o pai de Mariana, um senhor muito bonito e
simpático chamado Arino. E não é que a baiana arretada se deu bem?!
Até Mariana, que estava triste, se animou com a cena hilária de
Maria se segurando no seu pai para ir até a mesa. A coitada não estava
conseguindo se equilibrar no salto alto.
― Michele, por que Maria está fazendo bico a noite toda? ― Gugu
me pergunta.
— Na teoria louca de Maria, Bianca e eu só conseguimos homens
bons porque temos bocão. Então ela pintou os lábios de vermelho, e está
fazendo bico para fingir que tem bocão. E, olha, deu certo… ela conseguiu
um bom partido — respondo rindo e Gugu ri alto. Quando olho para frente,
vejo Márcio olhando para ele com cara feia.
― Michele, minha filha, infelizmente não consegui trazer a jaca e
nem a tapioca ― tia Bruna se desculpa. Chego a ter água na boca só em
pensar em jaca.
― Tudo bem, tia. Segunda-feira vou revirar o Rio de Janeiro atrás de
jaca e tapioca de manga com goiaba ― prometo com voz sonhadora.
― Não se preocupe que eu vou atrás dessa jaca para você matar o
desejo, mas manga com goiaba é estranho, Michele ― Gugu diz, rindo.
― Desejo de grávida não se discute. ― Bianca retruca.
Emocionei-me horrores com a declaração de amor que Bianca fez a
Fernando. Depois do jantar, vi Bianca chamando Márcio para conversar, e
ele saiu do quarto rindo com ela. Logo depois a mãe de Bianca o chamou
para conversar e ele saiu do quarto pálido. Por último, foi o pai de Bianca e
Márcio saiu do quarto até meio bambo.
― Bem, eu até ia chamar o carinha para conversar, mas estou com
pena dele depois de passar por Bianca, meu pai e, principalmente, minha
mãe. ― Gugu me abraça e eu começo a sorrir, me sentindo amada pela
família da minha amiga.
Todos começam a se despedir. Maria, que está dormindo aqui desde
que descobriu a minha gravidez, se retira para o quarto. Apenas Márcio
ainda não foi embora.
Ele vem andando devagar em minha direção, me segura pela cintura
e beija meu pescoço.
― Almoça amanhã comigo, minha amiga? ― Ele pede, mordendo
minha orelha. Não consigo segurar um gemido.
― Não posso, amanhã vou almoçar com Mariana ― respondo com a
voz fraca.
― Tudo bem, então eu tomo café da manhã com você. Dorme com
os anjos, minha sereia ― sussurra no meu ouvido.
Ele vai embora e eu vou direto para um banho frio. Ponho uma
camisola confortável e vou dormir sorrindo, pensando em Márcio.
Acordo sentindo beijos nas minhas costas. Sinto uma leve mordida
na minha nuca e ouço uma voz sensual falando comigo.
― Bom dia, minha sereia. ― Márcio beija meus ombros.
Gente, pelo amor de Deus! Estou eu aqui tendo um sonho para lá de
erótico com o homem e acordo com ele beijando minhas costas! Estou
acostumada com isso, não, gente! É muito banho frio para apagar o fogo
que esse homem me faz sentir...
― Como você entrou aqui? Nem fala! Não quero saber, vai embora
que eu quero dormir. ― Ponho o travesseiro na minha cabeça.
― Maria abriu a porta quando estava saindo. Tem certeza de que
não quer comer o que eu trouxe para você? Está quentinho e tenho
certeza que você vai amar devorar tudinho. — Ele beija minhas costas, tira
o travesseiro e sussurra no meu ouvido: ― Eu trouxe jaca, tapioca de
manga com goiaba e chá de erva doce para você não enjoar depois de
matar seu desejo. ― Ele morde minha orelha e sinto-o levantar da cama.
Viro-me e vejo que ele está lindo ― quando esse homem não está
lindo? ― Ele veste uma calça de moletom preta e uma regata verde.
Sento-me na cama e ele põe uma bandeja na minha frente, pega um
pedaço de jaca, encosta-se na parede e chupa o caroço, me olhando.
― Mata seu desejo, minha sereia. Tudo isso é só para você. ― Ele
pisca o olho e chupa o dedo.
Sinceramente, não sei qual desejo mato! Se o da jaca e da tapioca
ou dele!
Esperava que ele me deixasse louca de desejo. Já estava
preparada, e os gelos no congelador estavam prontos para uso...
Mas não, ele joga baixo! Aparece aqui, me deixa hiperexcitada, me
acordando com beijos no pescoço. Depois fica chupando o caroço da jaca,
me olhando com desejo e, quando o olho de cima a baixo, vejo que ele
está excitado.
Estou acostumada com isso, não, gente! Esse homem quer me
deixar louca...
Fico olhando-o chupar os dedos e solto um sofrido gemido. Ele se
aproxima, se inclina e beija o canto da minha boca.
― Minha sereia, estou me controlando ao máximo para não saciar
todo o desejo que tenho por você. Porém não vou fazer isso. Quero que
você me conheça e quero conhecer você… quero que você tenha
confiança em mim e me deixe fazer parte da sua vida de forma completa,
não só na cama. ― Ele beija meu pescoço, e nem tento segurar o gemido.
Seria impossível… esse homem me deixa louca. ― Não é só desejo entre
nós, Michele, e vou te mostrar isso. Minha sereia, eu vou te conquistar,
vou ganhar sua confiança e, quando eu conseguir, quando finalmente você
for minha, tenho minhas dúvidas se algum dia vou deixar você ir. Eu te
quero demais, e há muito tempo não sinto por alguém o que estou
começando a sentir por você. ― Faz carinho no meu rosto e me olha nos
olhos. Eu suspiro, sonhadora. ― Aproveite seu café e não se esqueça de
tomar o chá para não enjoar. À noite, te ligo ― sussurra no meu ouvido.
Ele beija minha testa e vai embora. E eu fico como? Cheia de água
na boca!
Gente, juro que estava seriamente pensando em esquecer tudo e ir
para cima dele, mas ele me surpreendeu. Pensei que ele iria aproveitar a
minha descarada excitação para ficar comigo, porém Márcio me deu um
beijo e foi embora.
Suspirando, já que não posso devorar Márcio, devoro o café da
manhã delicioso que ele preparou para mim. Acabo-me na jaca e na
tapioca e, no final, tomo o chá. Diferente de todos os outros dias, não
enjoei. Sorrindo, levanto-me da cama. Tomo banho, visto uma roupa
confortável e ligo para Bianca para pegar o telefone de Mariana.
Ligo para Mariana e marco com ela no restaurante do shopping.
Chego mais cedo ao shopping, entro em uma loja de roupas de
bebês e me acabo! Amo comprar roupas para minha princesa. Apaixono-
me por uma cadeira de amamentação. Sento nela, e fico pensando na
minha filha.
― Boa tarde, posso ajudar em alguma coisa? ― pergunta a
atendente sorridente.
― Amei essa poltrona. ― Recosto na cadeira e fecho os olhos.
― A senhora já decorou o quarto do seu bebê?
― Ainda não ― respondo, desanimada.
― Temos parceria com uma empresa de decoração, e as nossas
clientes estão amando o trabalho delas ― informa, empolgada.
― Não estava pensando em contratar uma decoradora. Quero algo
simples e bonito. As decoradoras costumam fazer coisas muito chamativas
e não é o meu estilo.
― Vou te mostrar o portfólio deles. Eles respeitam a vontade das
clientes. É uma decoradora e uma arquiteta que são uns amores. ― A
menina fala tão empolgada, que está claro que ela ganha algo com as
indicações. Aceito ver o tal portfólio apenas para não deixar a moça sem
graça, mas com a convicção de que não vou contratar uma decoradora.
Surpreendi-me com o tal portfólio. As fotos eram simplesmente
lindas! Era cada quartinho mais lindo que o outro, uns muito sofisticados e
glamorosos, e outros mais simples e alternativos.
― Eles não seguem um padrão ― comento enquanto olho as fotos,
encantada.
― Não, eles fazem o que você quer. Olha, fica com o cartão deles.
E meu nome está atrás… por favor, não se esqueça de falar meu nome. ―
Praticamente implora. Sabia que a vendedora estava levando algum nisso.
Saio da loja cheia de bolsas e empolgada. Assim que as festas de
fim de ano passarem, vou entrar em contato com o tal escritório de
decoração.
Vou andando tão animada e pensando em vários temas para o
quarto do meu projetinho de princesa que bato de frente numa pessoa e
todas as minhas bolsas caem no chão.
― Me desculpe, estou tão feliz pensando na minha princesa que
nem olhei para a frente. ― Abaixo para pegar minhas bolsas.
― Era só o que me faltava, dar de cara com você no shopping! ―
uma voz fala com cinismo.
Meu dia estava tão bom! Acordei com meu chocolate derretido me
enchendo de carinho e me trazendo um delicioso café para matar meus
desejos, mas agora, ao olhar para cima, dou de cara com a mãe dele.
Suspirando alto, pego minhas bolsas e me preparo para o barraco. Se
essa senhora está achando que vou abaixar a cabeça e sair correndo, ela
não me conhece! É ruim de eu correr de uma briga, meu amor.
― Pois meu dia estava maravilhoso até encontrar a senhora! ―
afirmo, com a mão na cintura.
― Mas você é uma sem classe mesmo. E eu exijo respeito. ― Ela
eleva o tom de voz e me olha com desprezo.
Será que ela está pensando que se começar a falar alto, eu vou sair
correndo? Meu amor, essa senhora não me conhece. Sou dessas que joga
a bolsa no chão, tira a calcinha da bunda… no meu caso falta bunda, mas
tá valendo mesmo assim. Elevo uma mão à cintura e me preparo para o
embate.
― Respeito se adquire, e a senhora nunca fez absolutamente nada
para ter o meu. E se dê por satisfeita que eu a estou chamando por
"senhora" porque a "senhora" é tão insignificante para mim que nem de
seu nome eu me lembro ― retruco em um tom alto, chamando a atenção
de todos que passam e ela me olha assustada. ― O que foi?! Pensou que
eu ia abaixar a cabeça e sair correndo só porque a senhora falou alto?
Pois aprenda uma coisa: se gritar comigo, eu grito mais alto. Corro de
briga não, meu amor. E barraco é comigo mesmo ― esclareço, soando
sarcástica.
― A única coisa que eu quero é que você mantenha distância dos
meus filhos! Já estou sabendo que você engravidou e não sabe quem é o
pai, o que não me surpreende em nada! Mas não tente dar o golpe da
barriga no meu filho, ele está conhecendo uma boa moça do nível dele. ―
Ela me olha de cima a baixo.
NOJENTA!
― Presta bem atenção, senhora… eu sou rica! Não preciso dar o
golpe da barriga em homem nenhum! Não sou eu que corre atrás do seu
filho, é ele quem não consegue me esquecer. Fazer o que se sou
maravilhosa!
Ela me olha de cima a baixo, empina o nariz, gira o corpo e vai
embora.
Vou revoltada para o restaurante. Quem essa mulher pensa que é
para falar assim comigo e falar da minha vida? Só de pensar que se ficar
com Márcio, terei que ver essa mulher com certa frequência... Não gosto
nem de pensar nisso.
Assim que chego ao restaurante, encontro Mariana. Ela está com
óculos, com um vestido florido e cheirando um livro. Cheirando um livro? É
isso mesmo que estou vendo!
― Mariana, meu anjo, por que você está cheirando o livro? ―
pergunto, assim que chego perto dela.
― Oh! Oi, Michele, tudo bem? ― Ela me abraça.
― Sim, tudo. ― Ponho as bolsas em uma cadeira e sento em outra.
― Então, estava muito ansiosa esperando o lançamento desse livro
e quase surtei quando passei na livraria e o vi. Ele é tão, tão maravilhoso.
Vou passar o fim de semana lendo-o várias vezes ― explica, beijando o
livro.
Mais uma fanática por livros na minha vida. Bianca quase tem um
orgasmo quando sai um novo livro de uma série que ela gosta. E agora
Mariana...
― Entendo. Eu prefiro ver filmes e séries… sou muito elétrica para
ficar parada lendo. E já sei que os livros nos levam ao maravilhoso mundo
da fantasia. Mona, pode cortar o discurso que está na ponta da sua língua,
pois escutei isso a vida inteira de Bianca. ― Ela cora e sorri
envergonhada. ― Me fale de você ― peço e quando ela vai abrir a boca, a
fecha e empalidece.
Desvio meus olhos dos seus e fixo na direção que ela está olhando.
Vejo Márcio entrando com Pablo. Eles sentam em uma mesa e logo
começam a conversar.
― Gata, você sabe que o nerd gato está com a loira aguada, não
sabe? ― indago de forma gentil.
― Sim, eu sei. Estou trabalhando para ele há mais de dois meses e
acho que estou gostando dele ― responde, sem graça.
― Amor! Você está arrastando um caminhão por ele! ― afirmo e
Mariana fica mais vermelha ainda.
― Michele, ele é lindo, inteligente e extremamente gentil. E tem uma,
digamos, surpreendente preocupação com o meu bem-estar. Ele parece
não notar a minha aparência e sempre me traz chocolate quente e
bolinhos de manhã. Quando me esqueço de almoçar porque fico enrolada
no trabalho, briga comigo e ele mesmo vai buscar um lanche e me obriga
a comer. Temos os mesmos gostos sobre várias coisas. Entretanto, ele
não aceita bem as minhas origens e muito menos o fato do meu pai não
ter muita instrução... Sei que sente desejo por mim, porém é só. Pablo
nunca vai me ver como uma pessoa para um compromisso sério. Olhe
para mim e para noiva dele. E, o mais importante, mesmo que queira algo
sério, nunca ficaria com ele sem que aceitasse meu pai ― revela com uma
expressão triste.
― Você é linda, Mariana. Pablo é gato, mas ele é complicado.
― No que ele é amoroso e carinhoso comigo, ele é grosso e
ignorante com meu pai. Michele, meu pai me criou sozinho e, mesmo não
tendo estudo, ele trabalhou a vida inteira para me garantir o melhor ensino
possível. Dedicou a vida dele a mim e eu nunca vou sentir vergonha do
meu pai, muito menos das nossas origens. Somos nordestinos, sim, e
tenho muito orgulho disso. As oportunidades que tenho hoje em dia
surgiram por causa do esforço e dedicação dele. É por causa do meu pai
que evito me envolver com Pablo. Mas ontem ele me beijou e... enfim,
prefiro não falar sobre o que houve. — Ela abaixa a cabeça,
envergonhada.
É óbvio que Pablo a bagunçou toda! Mas se Mariana não quer falar
sobre isso, vou ficar na minha.
― Mona, o bofe nerd é tosco, então não vale a pena. Levante a
cabeça, você é gata, maravilhosa e tem bundão! Tenho certeza que em
breve um boy magia vai aparecer e vai te esculhambar todinha, vai te tirar
o chão, o ar e prometo que tudo vai parecer certo e perfeito ― digo,
pensando em Márcio. Ela me olha e dá um sorriso meio incerto.
― Eu acho que você me elogiou, só que não entendi metade do que
você falou. ― Ela faz uma careta engraçada e eu começo a rir.
Ouço algumas risadas altas e, curiosa, olho em direção ao local e me
surpreendo. Umas cinco mulheres estão em volta da mesa em que Márcio
e Pablo estão, e Márcio fica sorrindo para elas. Que raiva! Olho para frente
e respiro fundo. A cada risada que as oferecidas dão, dá vontade de ir lá e
esganar uma por uma.
― Elas são lindas, perfeitas e sofisticadas. Eu nunca vou conseguir
chegar em um homem assim... Sou muito tímida e odeio chamar atenção.
― Mariana comenta, desanimada.
― Amor! Aquelas ali são todas galinhas! Você dá de dez a zero
nelas! Acho melhor irmos para outro lugar, se eu ficar mais um minuto
ouvindo essas oferecidas em cima do meu hom... Quero dizer, do meu
amigo, não vai prestar. ― Pedimos a conta, e quando estávamos saindo,
Márcio me vê, se levanta e caminha em minha direção. Ele segura minha
cintura, me puxa para ele e beija o canto da minha boca. Oh, pegada! Mas
estou como, depois de ver as vacas? Virada no samurai!
― Mete o pé! Volta lá e fica mostrando os dentes para aquele bando
de oferecida! ― digo, revoltada, e ele tem a cara de pau de rir. Será que
ele não percebeu que eu estou a ponto de esganá-lo?
― Mostrando os dentes? Minha sereia, amo quando você é
possessiva. À noite passarei na sua casa. ― Tenta me abraçar e eu o
afasto.
― Sorrindo, mostrando os dentes… dá no mesmo. E nem pense em
aparecer na minha casa depois de passar a tarde com essas oferecidas.
Vamos, Mariana. ― Saio puxando Mariana, que estava conversando com
Pablo.
Saímos do shopping, almoçamos em uma churrascaria e ficamos até
a noite conversando. Chego em casa morta com farofa e com os meus pés
inchados. Entro pensando em tomar banho e pedir uma massa. Assim que
passo pela sala, sinto um aroma maravilhoso vindo da cozinha.
― Maria! Você está cozinhando para mim? Mulher, se for alguma
massa, juro que vou dar o que você me pedir. ― Rio e paro de boca
aberta assim que entro na cozinha.
Vejo Márcio cozinhando com um sorriso sexy na boca. Ele larga a
faca, seca a mão no pano de prato e vem andando devagar na minha
direção. Tira as bolsas da minha mão, me segura pela cintura e beija
minha testa.
― Já estava ficando preocupado! Vá tomar um banho que o jantar
está quase pronto. Depois vou fazer uma massagem nos seus pés, que
estou vendo que estão um pouco inchados ― Ele me vira e me dá um leve
empurrão em direção ao quarto ― Ah! Estou fazendo macarrão com frutos
do mar e vou cobrar a promessa que você fez ao entrar na cozinha.
Eu estou de boca aberta, passada, rosa chiclete. Não acredito no
que estou vendo… passei a tarde xingando e imaginando mil formas de
esganar esse homem e quando chego em casa, encontro-o na minha
cozinha, cozinhando para mim e me prometendo massagem nos pés!
Estou acostumada com isso, não, gente!
C 10

Michele
Caminho em direção ao meu quarto, completamente incrédula.
Márcio está na minha cozinha, preparando o jantar e prometendo uma
massagem...
Inacreditável!
Entro no banheiro, tranco a porta, pego meu celular e ligo para
Bianca, que me atende ofegante.
― Bianca, preciso falar com você urgentemente! ― sussurro.
― Só um minuto, Michele ― a ouço sussurrar, dizendo ao Fernando
para que ele fique quieto.
― Bianca, passa para o Fernando. ― A ouço rindo.
― O que foi, Michele? Estou há mais de vinte e quatro horas sem
ficar sozinho com minha mulher! ― Ele reclama.
― Olhe aqui, Fernando, você pode ser bofe magia mor lindo de
morrer, mas eu cheguei primeiro, meu amor! Eu sei que meus tios e Gugu
passaram o dia fora e vocês, provavelmente, passaram o dia na cama!
Portanto, levante-se, vá tomar um toddynho para recuperar as forças e me
deixa desabafar com minha a amiga em paz! Estou ficando estressada e
eu estou grávida! ― Faço chantagem emocional e ele, resmungando, diz
para Bianca que vai tomar um banho.
― O que você falou para ele sair rapidinho? ― Bianca pergunta,
rindo.
― Entre outras ameaças, disse que estava grávida e ficando
estressada ― revelo.
― Tadinho, Michele, faz isso não… você sabe como ele se preocupa
com você. Mas, me diz, o que houve?
― Bianca, estou surtando! Márcio está na minha cozinha preparando
um jantar, que por sinal está muito cheiroso... E hoje de manhã trouxe café
da manhã com todos os meus desejos ― revelo, nervosa.
― Não! Ele encontrou jaca onde? ― Bianca me pergunta mais
interessada na jaca que nos meus problemas.
― Foco, Bianca, foco! Guardei um pouco de jaca para você, amiga...
Enfim, ele está aqui, depois que de eu passar o dia xingando-o.
― Michele, o homem traz um café com todos os seus desejos de
grávida e você fica revoltada? Amiga, seus hormônios estão piores que os
meus!
―Vou te explicar o que houve...
Faço um breve resumo do meu encontro com a mãe do meu
chocolate, nossa discussão — estava mais para o meu barraco, mas deixa
quieto —, e o fato dela dizer que ele está saindo com alguém que ela
aprova e das oferecidas em volta dele.
― Bem, nisso tudo, a única coisa boa é sua aproximação com
Mariana. Michele, sempre terão mulheres em volta de Márcio… pelo amor
de Deus, ele é um gato! E, infelizmente, as mulheres não são cegas, então
supere isso. Imagina se eu desse um ataque a cada mulher que olha ou
canta Fernando? Já teria pirado faz tempo! ― Ela expõe de forma calma.
― Mona, não tenho sua calma. Sou dessas que vai logo dando uma
voadora nesse bando de vaca.
― Meu anjo, você acha que um relacionamento em que o ciúme se
faz presente de forma agressiva pode dar certo?
― Por isso que falo que não dá certo eu e Márcio! E, me diz, o que
eu faço agora Bianca? Ele está cozinhando para mim e está super gostoso
na cozinha ― pergunto, desesperada.
― Fica calma e converse com ele. Exponha suas dúvidas, fale o que
houve com a mãe dele. Ele me disse na festa que vocês não se
conheciam, e é verdade. Relaxa e aproveite.
Fernando volta, diz que meu tempo acabou, e desliga o telefone.
Ele desligou na minha cara! Esse homem está perdendo o amor à
vida... Rindo, vou tomar banho e fico um bom tempo no chuveiro pensando
em como vou resistir a esse homem.
Quero Márcio desesperadamente, mas não vejo como isso poderia
dar certo, principalmente com a família surtada dele. O problema é que ele
não facilita minha decisão de não rolar nada... Primeiro o café da manhã,
agora um jantar com massagem!
Estou acostumada com isso, não, gente!
Esse homem é demais para mim! Sou loira, mas não sou burra não,
meu amor! Vou pôr um dos meus pijamas confortáveis e brochantes. Ele
deve estar pensando que vou aparecer sexy… tadinho, ele não me
conhece.
Decidida, hidrato meu corpo, passo perfume e pego meu pijama mais
divertido e vou para cozinha decidida a resistir aos encantos de Márcio.
Assim que me vê, ele começa a rir alto. Puta merda! Até a risada
desse homem é gostosa.
― Minha sereia, eu amo Bob Esponja. Se o seu intuito era ficar
desinteressante, não deu certo. Para mim, você é gostosa até com uma
melancia na cabeça. ― Ele vem até mim sorrindo, daquele modo safado
que amo, inclina a cabeça e sorve o aroma que desprende do meu corpo.
― Sexy, gostosa e cheirosa. ― Ele dá pequenos beijos no meu pescoço.
E eu fico como? Passada a ferro! Incrédula e com cara de boba. Ele
me leva para a mesa de jantar e puxa a cadeira para mim.
― Carinho, você quer suco de uva ou de laranja? ― pergunta,
fazendo carinho no meu rosto, e eu fico toda mole com a forma carinhosa
que ele se dirige a mim.
― Se vamos comer massa, pensei que tomaríamos um pouco de
vinho ― digo, aproveitando o carinho que ele faz no meu rosto. Estou
parecendo um gatinho carente, só falto ronronar...
Tristeza!
― Carinho, você não pode tomar álcool... temos que pensar na sua
princesa. Vou trazer suco de uva ― sugere e segue para cozinha.
Quase chorei, gente! Carinhoso e pensando na minha filha. Tá osso!
Tá difícil resistir. Ele traz o suco e põe no copo para mim, depois pega a
massa, me serve e se senta ao meu lado.
Gente, além de gostoso, sabe cozinhar. A massa está uma delícia.
Depois do jantar, ele diz que depois lava a louça e me conduz para a sala.
Sento-me no sofá, ele se acomoda ao meu lado, põe meus pés na sua
perna e começa uma deliciosa massagem.
Quero outra vida para mim não, gente!
― Você vai ganhar uma inimiga mortal se Maria chegar amanhã e
encontrar a cozinha uma zona ― falo com os olhos fechados, amando a
massagem.
― Relaxa, carinho, ela vai encontrar tudo limpinho. Você já falou com
seu obstetra sobre o inchaço nos seus pés? ― Olho para os meus pés e
vejo que realmente estão muito inchados.
― Não, porque eles nunca tinham ficado assim. Deve ser porque me
estressei hoje. ― Volto a fechar os olhos.
― Minha sereia, com o tempo você vai entender que várias podem
falar comigo, mas eu só quero você. ― Ele me olha de forma carinhosa.
― Elas não estavam apenas falando, Márcio, estavam tocando, e
muito! ― Eu me irrito ao lembrar daquelas vacas em cima dele.
― Meu anjo, eu tenho um passado, digamos… movimentado. Mas
eu estou aqui, não com elas. Eu prefiro ficar aqui fazendo massagem nos
seus pés.
― Não foi apenas isso. Encontrei sua mãe no shopping e tivemos
uma conversa, pode-se dizer, calorosa.
― Então deve ser por isso que ela não para de me ligar. E, minha
sereia, aposto que você rodou a baiana. ― Ele ri.
― Rodei mesmo, fiz barraco, falei alto... Enfim, sua mãe achou que
se falasse alto, eu iria correr e morrer de vergonha. É ruim de eu correr de
um barraco, hein, meu amor! ― digo e sua risada só aumenta.
― Eu quero ser seu amor. ― Fico vermelha e me lembro de algo que
a mãe dele falou.
― Sua mãe disse que você está saindo com uma mulher que ela
aprova ― menciono, de forma debochada, mas, por dentro, estou com
medo da resposta dele.
― Conheci a filha de uma amiga da minha mãe assim que voltei de
viagem. Jantamos algumas vezes, porém não aconteceu nada. Fui sincero
com ela e disse que uma linda sereia tinha me enfeitiçado. Eu quero você,
Michele. Quero conhecer você. Quero ficar com você ― ele esclarece em
um tom carinhoso, me olhando nos olhos.
― Márcio, até a torcida do Flamengo sabe que eu sinto um desejo
insano por você. Mas eu estou grávida e por mais que eu queira te devorar
inteiro… e, vai por mim, eu quero, tenho todos os motivos do mundo para
achar que não vai dar certo. ― Sinto as minhas lágrimas caírem.
― Carinho, relaxa. Tudo se ajeita com o tempo. Entendo todas as
suas dúvidas e quero apostar em nós. Eu te disse hoje cedo que temos
que nos conhecer e por isso estou aqui hoje. Você quer sorvete? ― Ele
muda de assunto do nada.
― Quero! ― sorrio, sei que ele está mudando de assunto para me
fazer sorrir.
Ele levanta e volta com uma taça enorme de sorvete com cobertura
de chocolate.
― Sorvete de pistache com cobertura de chocolate. ― Senta-se no
sofá e eu fico passada.
― Como você sabe que eu amo pistache? ― Tento pegar a taça.
― Fiz minhas pesquisas. E em relação a cobertura de chocolate, não
sei o porquê, mas eu acho que você ultimamente está louca para,
digamos, provar um chocolate ― diz, piscando o olho para mim, fazendo-
me rir outra vez. Tento tirar a taça da sua mão, mas ele não deixa. ― Eu
vou te dar na boca. ― Leva uma colher de sorvete cheio de cobertura a
minha boca. Um pouco do chocolate cai no meu queixo, ele limpa com o
dedo e o chupa.
Passamos um bom tempo assim, ele me dando sorvete, às vezes
falando algo engraçado. Sempre que caía a calda ou um pouco de
sorvete, ele limpava e chupava seu dedo em seguida e isso estava me
deixando louca.
― Não faça isso. Põe logo uma colher de sorvete na sua boca e para
de pegar o pouco que cai da minha boca ― imploro desesperada.
Ele me dá uma colher de sorvete lotada com o propósito de cair
sorvete e ele passar o dedo e chupar.
Se esse homem chupar os dedos mais uma vez, não respondo por
mim.
Márcio põe a taça de sorvete em uma mesinha próxima ao sofá e
inclina o corpo em minha direção.
― Michele, sabe quando você luta consigo mesma em uma briga
entre a razão e o desejo? É a luta que estou travando agora. Sei que
ambos queremos, no entanto, se cedermos ao desejo, amanhã você pode
acordar e se arrepender do que houve e aí eu vou ficar arrasado. Eu quero
mais que apenas uma noite, muito mais! ― Morde meu lábio inferior.
― Eu sei que estou parecendo uma chata, sempre falando no
mesmo assunto. ― Sou interrompida por um beijo leve nos lábios.
― Você perguntou por que eu não tomei o sorvete. É porque eu
quero você nua a mercê de minhas vontades, lambuzar seu corpo inteiro
de sorvete para saboreá-lo em você. ― Márcio enfia o dedo na taça e o
passa nos meus lábios, passa a língua, em seguida suga meu lábio
inferior, e eu quase gozo. ― Por mais que eu deseje, e você sabe o
quanto desejo, minha sereia, eu entendo e respeito as suas dúvidas e
receios e sei que não são infundados. Mas vou adicionar mais uma coisa
na nossa, digamos, amizade ― fala próximo a minha boca.
― E o que seria? ― pergunto em um sussurro.
― Beijos. Eu quero beijar você sempre que eu desejar. ― Morde os
lábios, e eu gemo.
Ai, papai!
― Amizade com beijos é namoro. ― Sorrio.
― Carinho, é exatamente isso que estou te pedindo. Namora comigo
e me faz um homem feliz? Vou saber respeitar seu tempo e sanar todas as
suas dúvidas e angústias. Te prometo que não vamos fazer sexo, pelo
menos não com penetração ― Me beija, um beijo quente e sensual.
Quando termina, ele beija minha testa e me dá a taça. Márcio se levanta,
pega uma almofada e põe debaixo dos meus pés. E mais uma vez, me
surpreende. ― Carinho, relaxe, tome seu sorvete enquanto vou lavar a
louça do jantar. Afinal, minha namorada tem uma pessoa que a ajuda e é
muito exigente. ― Beija-me mais uma vez e sai.
― Gato, você é bofe magia mor gostoso e um delicioso chocolate
derretido. Mas eu ainda não decidi se quero namorar você. Tem muita
coisa envolvida. ― Me ajeito no sofá e ponho uma colher de sorvete na
boca. Quem sabe o gelado do sorvete apague um pouco desse fogo que
me consome?
Ele me olha e abre um lento sorriso, tão sexy que quase engasgo
com o sorvete.
― Gata, exatamente por saber que sou tudo isso, eu e a torcida do
Flamengo sabemos que você já aceitou ser minha namorada. E não acaba
com o sorvete! Tenho planos muito interessantes para ele ainda esta noite.
― Ele pisca o olho e vai para cozinha, assoviando.
Safado, gostoso e... Ai, gente! Esse homem é demais para mim... E
agora, o que eu faço? Ouço-o ir para cozinha assoviando e cantando o
refrão da música do Thiaguinho: “Eu sou o cara para você!”
Fecho meus olhos e suspiro, desesperada. Como saio dessa agora?
Ou melhor, eu quero sair dessa? Claro que não!
Quem resiste a um homem desses? Cansei de lutar contra o meu
desejo. Suspiro e olho para os meus pés inchados… eles nunca ficaram
assim. Será que Márcio tem razão, e eles ficaram assim porque me
estressei hoje com a mãe dele e as vacas em sua volta?
Sugo e solto o ar devagar, noto que Márcio parou de assoviar e
cantar e está falando alterado com alguém. Sei que é horrível, uma total
invasão de privacidade, mas ele está na minha casa! E se ele realmente
quer um relacionamento comigo, é bom saber logo de cara que sou
intrometida e curiosa mesmo!
Vai que ele está falando com uma daquelas oferecidas? Ou pior, que
ele está falando com a mulher que a mãe dele acha ideal?
Sorrateiramente, levanto-me do sofá, vou andando devagar e paro
na porta da cozinha para ouvir melhor a conversa. Se ele estiver falando
manso com alguém, eu o ponho para fora à base de tapa!
― Mãe, já disse que a senhora não manda na minha vida ― diz,
alterado. Márcio está com o celular no bolso, conversando com a mãe —
está mais para discutindo — enquanto lava louça.
Agora que não saio daqui mesmo!

Márcio

Depois de um jantar perfeito e de ter mimado Michele, vou para a


cozinha feliz da vida, assobiando e cantando. Sei que a deixei louca e que
ela não vai mais resistir a mim. Porém também falei sério quando disse
que iria saber esperar o tempo dela. Entendo todas as suas dúvidas e
neuras, afinal de contas ela está grávida. Sei que não vai ser fácil, mas
não vou desistir, e vamos enfrentar cada fase juntos.
Escolho no celular um pagode gostoso, coloco meus fones de ouvido
e começo a lavar a louça e organizar a cozinha.
Meu celular toca e atendo pelo fone.
― Alô!
― Márcio, meu filho, esqueceu que tem mãe? ― Minha mãe
pergunta e suspiro alto.
― Boa noite, mãe. Como vai a senhora?
― Bem, tirando o fato que tenho um filho desnaturado, que há
semanas não fala comigo! ― menciona, revoltada. Estava demorando...
― Mãe, hoje estive na sua casa e a senhora tinha saído.
― E por que não ficou me esperando? Só fui ao shopping comprar
algumas coisas ― indaga, magoada.
― Me desculpe, mãe, mas Maicon estava em casa. A senhora sabe
que não nos damos bem.
― Meu filho, vocês têm que se entender! Irmãos não podem brigar
assim. E que lugar era esse que é mais importante que a casa da sua
mãe? Isabela estava aqui, e ficou decepcionada quando viu que você não
viria ― pergunta, e respiro fundo, me preparando para discussão.
Poderia mentir e inventar que estava em qualquer outro lugar, no
entanto, estou com Michele e não sou homem de me esconder. Já passou
o tempo em que minha mãe governava minha vida.
― Mãe, dificilmente conseguirei resolver meus problemas com
Maicon em um futuro próximo. Já deixei bem claro para Isabela que entre
nós acontecerá apenas amizade e que estou gostando de outra pessoa ―
informo devagar a última parte e ela fica em silêncio por um tempo.
― Isabela é uma boa moça negra, inteligente, linda… ela é perfeita
para você! E essa mulherzinha a quem você se refere não é mulher para
você. Ela até pode ser rica, mas não tem classe nenhuma! Hoje à tarde a
encontrei no shopping e ela me humilhou, me fez passar vergonha na
frente de todos. E pior, está grávida e nem sabe de quem. Pelo amor de
Deus, meu filho! Afaste-se dessa mulher! ― Me pede, chorando.
― Mãe, se ela a fez passar vergonha, foi porque a senhora a
provocou. ― Perco a pouca paciência que conservava.
― E você ainda a defende? ― indaga, soando horrorizada.
― Mãe, eu amo a senhora, mas não vou ficar ao seu lado se vejo
que está fazendo algo errado.
― Meu filho, ela não vale nada! Ela fica correndo atrás para você
assumir o filho dela. Uma mulher que nem sabe quem é o pai do seu filho!
Márcio, meu filho, afaste-se dessa mulher. Isabela sim é uma mulher
perfeita para você.
― Mãe, seja sincera, essa implicância que você tem com a Michele é
por causa da sua cor de pele? Se a senhora não gosta de pessoas
brancas, por que trata Fernando tão bem? A senhora demonstra gostar
muito dele, mãe. Várias vezes já disse até que ele é como seu filho! E ele
é branco! ― questiono, magoado. É muito triste ver uma pessoa que
sofreu tanto com preconceito e racismo, como a minha mãe, fazer o
mesmo com outra pessoa.
― Não tenho absolutamente nada contra pessoas brancas. E nunca
mais ouse duvidar do meu amor pelo Fernando! Considero aquele menino
como se fosse meu filho! Tenho várias amigas e conhecidos brancos ―
responde, irritada.
― Então é só com a Michele? Qual é o seu problema com ela? ―
inquiro, irritado.
― Eu quero que todos os meus filhos casem com negras! Em toda
minha vida, vi que os homens negros bem-sucedidos sempre casam com
louras, com uma mulher troféu. Eles desvalorizam as mulheres de sua
raça! Isso é um fato, Márcio, você sabe e não pode negar, temos vários
amigos que fizeram isso. Sempre disse que meus filhos nunca seriam
assim, e nunca iriam virar as costas para sua raça depois que ficassem
ricos. ― Infelizmente, não posso debater com ela. Vi vários amigos
fazendo isso...
― Mãe, não se manda no querer, no coração. E eu quero Michele!
Não vou desistir dela porque a senhora fez uma promessa.
― Márcio, ela não é mulher para você, vai ser mãe solteira! Meu
filho, já parou para pensar como vai ser isso depois que essa criança
nascer? Você vai perder a liberdade e criar o filho de outro homem? Meu
filho, eu só sonhei coisas boas para você, Isabela é uma ótima menina e
ela gosta de você. Márcio, meu filho, desejo passa.
― E se não for apenas desejo? Mãe, eu estou me apaixonando pela
Michele e estamos namorando.
― Márcio! Depois de tudo o que eu disse, você ainda quer continuar
com essa mulher? ― pergunta, irritada.
― Nada do que a senhora falou irá me influenciar. Não vou desistir
dela, mãe ― afirmo, determinado.
― Eu não quero essa mulher como minha nora! Não quero que meu
filho se torne um clichê idiota, que esnoba uma linda mulher negra por
causa de uma mulher troféu! Uma loira, burra e oferecida! Essa mulher
não sabe o que é respeito, ela não perde uma oportunidade de me
enfrentar!
― A senhora não a respeita, então ela apenas se defende. Mãe, a
senhora está sendo preconceituosa! ― afirmo, irritado.
― Eu, Márcio? Eu sou a última pessoa que seria preconceituosa.
Você sim está sendo preconceituoso ao preferir uma mulher troféu a uma
linda negra, de boa família e, principalmente, preferir uma mulher que está
grávida de Deus sabe lá quem!
― Preconceito, mãe! A senhora acha mesmo que sou esse tipo de
homem, que só porque a situação financeira melhorou, vou desprezar uma
mulher por causa da sua cor de pele, situação financeira ou corpo? Fui
noivo de uma negra gordinha por três anos! Era louco por ela, até que eu
peguei seu filho amado Maicon com ela na cama! Então não venha me
chamar de preconceituoso. ― Me altero e levo um susto ao ser abraçado
por trás. Michele beija minhas costas, tira um dos fones, e sussurra no
meu ouvido.
― Estamos juntos e misturados! ― Ela beija meu pescoço e eu
respiro aliviado.
Minha mãe, depois de um tempo de silêncio, volta a falar.
― Márcio, isso é passado! Seu irmão se arrependeu e esse assunto
não tem nada a ver com o fato de você estar desprezando uma linda
mulher de uma boa família. ― Tenta explicar em um tom irritado. Sinto
Michele dando pequenos beijos nas minhas costas e entrelaço nossas
mãos.
― Mãe, a realidade é que eu estou com Michele e isso não vai
mudar. Independentemente do que a senhora, ou qualquer outra pessoa
fale! Michele é uma mulher forte, que defende quem ela ama com unhas e
dentes. Ao contrário do que a senhora acha, ela não está procurando um
pai para a filha dela. Esse, entre outros motivos, foi o que nos manteve
afastados até hoje. Porém, foi porque ela não quis. Estou tentando ficar
com essa linda mulher há muito tempo, era ela quem não queria porque se
dependesse de mim, já estaríamos juntos há muito tempo! ― Viro-me
para Michele e falo com minha mãe pelo fone, olhando nos olhos de
Michele. ― Não é apenas desejo, estou me apaixonando por ela e não
vou desistir. Por favor, mãe, respeite minhas escolhas. Se a senhora
realmente me ama, vai querer me ver feliz. ― Termino a ligação e limpo as
lágrimas de Michele, que fica emocionada.
― Chocolate, assim você acaba comigo. Estou acostumada com
isso, não! ― diz, emocionada. Eu a beijo, e sinto suas lágrimas caírem.
― Minha linda Sereia, como você disse: estamos juntos e
misturados! Contra tudo e todos. ― Limpo as suas lágrimas e suavemente
beijo seus lábios que neste momento estão trêmulos.
― Vamos, vou lhe pôr na cama. ― Viro-a de costas e a empurro
para o quarto.
― Márcio, eu...
― Eu sei... dia estressante e o clima passou depois dessa conversa
com minha mãe. Vou te pôr na cama, lhe dar um beijo, desejar boa noite e
ir para o meu apartamento. ― A interrompo, dando-lhe pequenos beijos
enquanto a levo para o quarto.
― Dorme comigo? ― Me pergunta, assim que me deito na cama.
― Sério? Eu durmo nu! ― respondo, rindo.
― Jura! Ai, papai... Jesus, apaga a luz e esconde a vela! ― diz,
naquele tom que só ela sabe fazer, e caio na gargalhada.
―Tudo bem, eu durmo. Vou tomar um banho e volto já. ― Beijo-lhe
e ela bate palmas.
― Vai voltar nu? — Não esconde a ansiedade em sua voz. — Bem,
não estou no clima para nada hoje à noite, mas qual a louca não gostaria
de ver você nu? Eu, e claro, a torcida do Flamengo com certeza
gostaríamos, gato!
― Volto já. Desculpa, eu menti… não vou dormir nu hoje. Isso é para
o futuro. ― Pisco e saio do quarto enquanto a ouço lamentar.
Rindo, entro no banheiro. Debaixo do chuveiro, penso na minha
discussão com minha mãe e volto a ficar irritado. Quando retorno ao
quarto, Michele está dormindo de boca aberta e babando! Minha vontade é
de tirar uma foto, porém acredito que ela daria um ataque.
Sorrindo, deito-me ao lado dela, que me abraça e se aconchega no
meu peito.
― Hum... Meu chocolate derretido... Só meu! ― ela murmura e volta
a dormir.
Essa mulher, a cada minuto que passa, se torna muito importante
para mim...
Beijo a sua cabeça e adormeço sorrindo. E com ela nos meus
braços, me esqueço de tudo e de todos.
C 11

Michele
Depois de passar uma noite maravilhosa agarrada como um polvo ao
meu chocolate derretido, acordo, mas me recuso a abrir os olhos. Queria
poder ficar assim com ele para sempre. É bom demais! Ainda de olhos
fechados, passo a mão devagar pelo seu abdômen e sinto os gominhos,
cheiro o peito dele e gemo baixinho. Gente, esse homem é cheiroso
demais! Abro meus olhos devagar e observo-o dormindo, lindo, cheiroso e
gostoso.
Aí a ficha cai!
― Puta merda! ― Xingo baixinho e saio da cama devagar para não o
acordar, pego um vestido e calcinha e vou rápido para o banheiro.
Sei que sou linda, maravilhosa e, apesar de ser desprovida de
bunda, sei que sou gostosa! Porém, acordo igual a um espantalho com
olheira, e um bafo de matar um gambá! Nunca que vou deixar o meu bofe
magia mor me ver nesse estado, gente! Meu bofe! Meu Deus, estou
namorando Márcio! Entro no chuveiro fazendo dancinha, feliz da vida.
Lembrete mental diário: Acordar todos os dias antes do Márcio,
escovar os dentes e dar um jeito na fuça, depois voltar a me deitar linda e
maravilhosa, como se nada tivesse acontecido.
Com isso em mente, tomo um banho rápido e escovo os dentes com
a intenção de voltar para cama… até que ouço um grito de Maria.
O que Maria está fazendo aqui, gente? Era para ela só voltar depois
das festas de fim de ano. Estou eu aqui, pensando em me deitar de fininho
e fingir estar dormindo, para, quando acordar, ele me ver linda e
maravilhosa, aí vem Maria atrapalhar os meus planos. Saio do banheiro
frustrada, pronta para uma boa discussão com Maria. Mas assim que a
vejo, paro e a observo olhando para Márcio deitado na cama só com uma
cueca branca.
A pobre coitada está escorada na parede. Toda a vontade que tinha
de discutir com ela foi embora. Maria chega fica estrábica enquanto olha
para Márcio.
Tadinha, gente! Entendo a reação dela, nós não estamos
acostumadas com isso, não! A maioria das mulheres que entrassem no
quarto e vissem Márcio, esse lindo chocolate derretido, deitado na cama
somente de cueca branca, iria ficar de boca aberta.
― Jesus... ― Maria diz de boca aberta e o sem vergonha do meu
namorado sorri e pisca o olho para ela. A pobre coitada dá uma titubeada
e se abana.
― Maria, fecha a boca! Márcio, seu sem vergonha, se cobre! ―
Maria nem nota minha presença e Márcio solta uma gargalhada.
Cretino!
― Está muito quente para me cobrir, Carinho ― diz, se divertindo
com a situação.
― Então se veste e vai para a sua casa antes que Maria fique
zarolha. Feche a boca, Maria! ― Perco a paciência com a tosca.
― Carinho, meu apartamento está uma zona… me deixe ficar aqui
mais um pouquinho. ― O safado mente descaradamente. Maria já está
começando a babar.
― Fecha a boca, Maria! ― grito com ela e mais uma vez a tosca me
ignora.
― Seu Márcio, sou ótima faxineira, não cobro caro e ainda faço
compra. ― Se oferece, ainda meio zarolha, e eu não creio no que estou
ouvindo.
― Maria, sua oferecida! Primeiro que você cobra caro, muito caro.
Segundo, se não parar de secar meu namorado, esqueço da nossa
amizade e te jogo escada a baixo. ― A ameaço e, pela primeira vez desde
que entrou no quarto, ela olha em minha direção.
― Namorado? ― pergunta.
― Sim! ― respondo, irritada.
Maria fica olhando para mim e se volta para Márcio, de boca aberta.
Depois vai até a cadeira e se senta.
― Aff! Vou aguentar isso não! Na casa de Bianca é o Fernando, que
tem a bunda melhor que a minha e fica lavando louça de cueca. Agora
aqui é esse homem lindo maravilhoso da cor do pecado, andando de
cueca branca por aí! Seu Márcio, vou fazer meu currículo e você leva para
a empresa que vocês trabalham. Porque aqui não dá mais para mim, não!
Posso com isso, não! ― reclama e meu chocolate começa a rir e se cobre.
A criatura falou de uma forma tão desesperada, que minha raiva foi
embora.
― Maria, para de show que você não vai me abandonar nunca! Além
do mais, pelo que me recordo, você se deu bem na festa de Natal. ―
Lembro, rindo.
― Nem vem mudando de assunto. Na casa de Bianca, eu entro
gritando igual a uma louca, avisando que estou no apartamento, com
medo de pegar os dois se agarrando pelos cantos e, pelo que parece, vou
ter que fazer isso aqui também. ― Maria sai do quarto reclamando. Olho
para Márcio e caímos na risada juntos.
Ele me puxa para a cama e me beija.
― Passei no teste de Maria?
― Se dê por satisfeito por não ter levado nenhuma vassourada.
Fernando levou umas vassouradas ao conhecer Maria. ― Rio ao me
recordar.
― Sério? ― pergunta, beijando meu pescoço.
― Sim. ― Gemo, segurando sua mão, que desce pela minha
barriga.
― Não! Maria está aqui. ― Nego, ofegante, e ele encosta a testa na
minha.
Meu telefone toca e eu atendo, frustrada.
― Michele, Bianca pediu para eu dar uma ajuda à mãe dela no
mercado… e Fernando, para variar, não quer deixá-la ir porque está
enjoada. ― Maria informa, rindo.
― Ok, até mais tarde ― respondo olhando para Márcio, que sorri e
desce a mão até a minha calcinha, me olhando.
― Agora vou te fazer delirar bem gostoso ― sussurra no meu ouvido
enquanto me toca.
Ele me faz delirar, sem desviar os olhos, depois me beija devagar, de
forma sensual.
― Amo te ver assim, toda mole depois do êxtase. ― Me beija e
depois se levanta e eu vejo o quanto está excitado e é enorme.
Ai, Papai!
― Você vai aonde? ― pergunto rouca, mordendo os lábios.
― Tomar um bom banho frio! E pare de ficar mordendo os lábios
com essa cara de tarada, pois eu cumpro minhas promessas. Se voltar
para cama agora, vamos fazer amor até ficarmos esfolados e sei que
depois você vai ficar com a consciência pesada e isso será um motivo
para você terminar comigo. Carinho, não vamos fazer amor até que você
esteja pronta e tenha confiança em mim. Se cedermos ao desejo, isso
nunca vai acontecer. Você sempre vai ficar achando que só quero sexo e
que quando eu cansar vou te dar um pé na bunda. Minha sereia, não vou
dar motivos para você desistir de nós. — Me beija devagar, vai andando
em direção ao banheiro enquanto eu babo na bunda perfeita dele que,
para minha tristeza, é maior que a minha. Oh, injustiça! ― E nem adianta
olhar pelo buraco da fechadura. Sou um homem muito difícil e vai ter que
me provar que não quer apenas meu corpo. ― Entra no banheiro, rindo, e
me deixa de boca aberta.
― Gato! Você não é essa “Coca-Cola” toda não, meu bem ― digo de
forma debochada.
― Gata! “Coca-Cola”? Não... sou apenas um chocolate muito
gostoso, que você está salivando para provar.
Safado! Cretino! Gostoso!
Meu telefone toca e eu atendo, irritada.
― Alô!
― Como assim você está namorando e eu sou a última a saber?
Conta tudo! ― Bianca questiona, rindo.
Maria fofoqueira da porra!
― Mona, estou com o bofe magia mor chocolate derretido e vou te
contar tudo! ― revelo animada, e conto tudo para minha amiga.
Passamos duas semanas nesse clima gostoso e durante esse tempo
ele ficou mais na minha casa que na dele. Fizemos todos os passeios que
namorados fazem, fomos ao cinema, a restaurantes e conversamos muito.
Ele me contou da noiva e a traição dela com Maicon. Falei da morte dos
meus pais e de como às vezes me sinto sozinha, mesmo estando com
várias pessoas em volta.
Apesar de Bianca ter nos convidado para a festa de réveillon e da
mãe dele o ter chamado para a festa dela, que nem ferrando eu iria, nós
preferimos passar o ano novo juntos. Ele preparou um jantar no
apartamento dele, depois me lambuzou com sorvete e limpou com a boca.
Noite maravilhosa, virei muito os olhinhos!
Nesse período, Márcio me fez delirar de várias formas possíveis,
mas nunca com penetração. Tenho certeza que ele anda pondo gelo nas
bolinhas... Só acho!
Uma coisa tenho certeza: o homem está tomando um banho frio
atrás do outro. Ontem tentei seduzi-lo e ele saiu correndo daqui como se o
coisa ruim estivesse atrás dele. Não é que o homem está se fazendo de
difícil, gente!
Márcio disse que só vou brincar no play quando quiser algo sério,
que ele não vai ser meu boneco do prazer. Agora repare na ironia da
coisa, corri dele por meses e agora ele corre de mim!
Vê se pode isso, gente!
E também, ele quer ir à minha consulta de amanhã. Acho que quer
ter certeza que podemos fazer amor sem prejudicar meu projetinho.
Às vezes, finjo que estou dormindo e ouço-o conversando com meu
projetinho de princesa, sussurrando contra a minha barriga fazendo várias
promessas que aquecem meu coração. Fala que, se eu deixar, vai cuidar
de mim e da minha princesa. Márcio diz essas coisas beijando e fazendo
carinho na minha barriga. Meu projetinho sempre se mexe quando ele
passa mão na minha barriga e fala com ela.
A cada dia que passa, esse homem conquista mais meu coração por
ser tão cuidadoso e carinhoso. Faz de tudo para me agradar, mas ainda é
cedo para falar em algo mais profundo. Só sei que, a cada dia que passa,
sou mais dele e ele meu.
Agora, olhando-o dormir ao meu lado, com o corpo frio depois de
mais um banho gelado, suspiro feliz. Logo meu sorriso se apaga ao pensar
que amanhã ele volta ao trabalho, ou seja, volta a ter aquele bando de
vacas em volta dele.
Na manhã seguinte, acordo e procuro por Márcio na cama, mas só
sinto o cheiro dele.
Toda vez que dormimos juntos, durmo com a intenção de acordar e
seduzi-lo, mas toda manhã quando acordo, ele já saiu da cama. Acho que
ele pressente o perigo e foge. Levanto-me, tomo um banho, ponho um
vestido leve e vou para cozinha procurar algo para comer.
Quando chego à cozinha, vejo Maria sentada com os cotovelos
apoiados na mesa, embasbacada, olhando para Márcio, que está
mexendo alguma coisa no fogão.
Ele está de calça e camisa social com as mangas dobradas e rindo
de alguma coisa que Maria tinha falado.
— Maria, já disse para você para de babar no meu namorado! —
Entro na cozinha, vou até Márcio e dou-lhe um beijo rápido.
— Mulher, olhar não tira pedaço e seu homem é um pedaço de mau
caminho... — Maria ri e Márcio acompanha.
Desde que começamos a namorar, os dois se tornaram grandes
amigos e vivem trocando receitas culinárias. Para meu total espanto, um
dia Bianca e eu os pegamos fazendo tricô juntos.
Gente! Juro que, quando eu e minha amiga vimos a cena, ficamos de
boca aberta por meia hora. Márcio, além de ser lindo e gostoso, ainda por
cima gosta de cozinhar e faz tricô! É um ser em extinção. Eu acho que ela
tem razão, só acho!
— Carinho, fiz um mingau de aveia com banana e canela. Tem chá
de maçã e torradas na mesa — Márcio diz, carinhoso.
Gente, ainda não me acostumei com isso!
Todos os dias ele faz café da manhã e está sempre preocupado com
meus enjoos ou alimentação. Ele tirou o sal da minha alimentação porque
fez uma pesquisa na Internet e viu que o excesso de sal na gravidez pode
elevar a pressão arterial e fazer mal ao bebê e à mãe.
E é por isso que hoje vou à empresa marcar território. Porque, meu
amor, aquele bando de vacas têm que saber que esse homem é meu! E
claro, vou chegar de surpresa e não vou avisar a ele. Quero ver qual será
a sua reação ao me ver.
Bianca, disse que estou procurando cabelo em ovo. A verdade é que
depois de só ter cafajeste e safado na minha vida, é muito difícil acreditar
que tudo isso seja verdade.
Ficamos dez dias direto juntos e hoje ele volta para empresa, quero
ver se ele me assume na frente de todos ou vai inventar desculpas. Está
na hora de todos saberem que estamos juntos.
Sento-me à mesa. Ele põe o mingau a minha frente, me beija e sai
da cozinha. Maria e eu suspiramos juntas.
— Mulher, você ganhou na loteria com esse homem — Maria diz, se
abanando.
— Sim, mas hoje vamos pôr ele à prova — sussurro.
— Vamos? — Maria me pergunta, confusa.
—Sim! Eu vou à empresa de surpresa e você vai comigo. Se eu ver
alguma merda, você me segura para não esganar ele. Agora fica quieta,
não quero que ele saiba. — Ouço Márcio voltar para cozinha. Ele está de
terno e gravata, e como sempre, lindo.
— Carinho, sua consulta é as cinco da tarde? — pergunta, beijando
minha cabeça
— Sim, eu posso ir sozinha, Márcio.
— Sim, pode, porém, eu vou junto. Tenho muitas dúvidas para tirar
com o seu médico. Às quatro da tarde te pego aqui para irmos.
— Não precisa, Márcio. Nós nos encontramos lá.
— Carinho! Eu quero te levar… deixa, vai — pede, distribuindo
pequenos beijos no meu pescoço, deixando-me trêmula.
— Sim. Te espero aqui — respondo, toda mole.
Ele sai feliz e manda um beijo para Maria, que fica se abanando.
—Aff! Mulher, que homem é esse? Ainda bem que você largou dessa
ideia louca de ir na surdina para a empresa — diz, suspirando.
— Mudei porra nenhuma. Meu amor, esse aí está achando que com
alguns beijinhos e palavras doces consegue me enganar? É ruim, hein!
Agora que iremos mesmo nessa empresa, de surpresa.
Tomo meu café e ligo para o consultório do meu médico gato para
confirmar a consulta. Ligo para a loja de decoração e um funcionário me
avisa que há vagas na agenda a partir de fevereiro. Marco uma visita e
desligo.
Passo o dia em casa tranquila, lendo, vendo Maria dançando feito
uma louca enquanto escuta música baiana. Por volta das três da tarde,
tomo banho e escolho um vestido de arrasar quarteirão.
Meu amor! É ruim que eu apareço desarrumada naquele antro de
bofes maravilhosos! Chego na sala e encontro Maria, toda arrumada, me
esperando.
— Que é isso, hein! Está poderosa, Maria. Vai encontrar algum bofe
por lá? — pergunto, rindo.
— Quem sabe eu não vejo minha paquera por lá... — diz, com um
sorriso matreiro, enquanto passa o batom vermelho. Rindo, saímos do
apartamento rumo à empresa.
Assim que passamos pelas portas de vidro, Maria para do nada e
fica olhando para tudo de boca aberta.
— Parou por quê? Temos que passar na sala de Bianca antes de ir à
de Márcio — digo impaciente, puxando-a.
Maria se solta e vai em direção ao gato nerd Pablo, abre a bolsa e
tira um papel.
Pronto, agora ela vai rachar a minha cara de vergonha!
— Moço, vim deixar meu currículo aqui — diz com um sorriso de
orelha à orelha e eu quero que um buraco se abra para eu entrar.
Pablo a olha de cima a baixo e fala com voz de deboche.
— Senhora, não faço parte do RH e acredito que a cota de retirantes
nordestinos já tenha sido preenchida. — Soa arrogante e devolve o
curriculum.
Nojento!
Antes que eu abra a boca, Maria fala.
— Ôxe, miséria! Quando entrei por aquela porta eu pensei: “Aff! Que
homem mais lindo”. Aí, quando chego perto e falo com você, seu filho de
uma égua, vejo que pode ser lindo por fora, mas é podre e ridículo por
dentro. Seu preconceituoso da peste! — Maria rebate, me enchendo de
orgulho. Pablo ajeita os óculos e sai de cabeça baixa.
Na boa, não sei o que Mariana vê nesse cara. Está certo, ele é nerd
e gato, mas é tosco!
Com a cabeça erguida, seguimos para o elevador e vamos para a
sala de Bianca. Infelizmente, não sei onde é a sala de Márcio. Chegando,
vejo Rafael, o secretário gatinho de Bianca, que eu tenho certeza que tem
uma queda por ela, só ela ainda não percebeu isso. Esse aí não me
engana, não.
Eu o cumprimento e ele avisa à Bianca que estamos aqui. Ela abre a
porta, surpresa.
— Michele, Maria! O que estão fazendo aqui?
— Eu vim ver Márcio — respondo, me sentando.
— E eu vim para segurar ela, caso queira dar em alguém. — Maria
informa e Bianca começa a rir.
— E como não sei onde fica a sala dele, vim aqui perguntar — sorrio.
— E ainda dei de cara com um filho da moléstia! — Maria diz,
revoltada.
— Bianca, você não vai acreditar! Maria tentou entregar um
curriculum ao Pablo.
— Não acredito! Maria quer nos abandonar? — Bianca pergunta,
rindo.
— Mas mulher, aqui é um lugar bom demais! — Maria retruca,
sonhadora.
— Pablo tentou humilhá-la e ela acabou com ele. Foi muito
engraçado. Ele ficava mexendo nos óculos, nervoso.
Ficamos conversando e rindo por mais um tempo e Bianca me diz
onde fica a sala de Márcio. Assim que chego, avisto a vaca, vulgo
Carolina, sentada. Ela está calma, singela e com aparência frágil e
indefesa. Essas são as piores! Fazem-se de santinhas, e quando você vê,
já roubaram seu homem. Isso quase aconteceu com Bianca.
— Boa tarde, senhorita Carolina. Por favor, avise ao senhor Ribeiro
que a namorada dele está aqui para vê-lo — peço, educada.
A Cobralina me olha e fica pálida. Deve estar se lembrando das
ameaças que lhe fiz quando ela estava dando em cima de Fernando.
Vaca!
— Desculpe, Senhorita Michele, mas o Senhor Ribeiro só recebe
com hora marcada.
— Querida! Não sou qualquer pessoa, sou a namorada dele. Liga
para ele agora e avisa que estou aqui. Anda, agora! — mando, irritada.
Gente, eu tentei, juro que tentei ser educada, mas essa criatura não
deixa!
Ela liga, nervosa. Em pouco tempo, Márcio aparece na porta,
sorrindo.
— Carinho, algo me dizia que você não iria seguir o meu conselho.
— Claro que não! Agora, por favor, avisa a sua secretária que eu
posso entrar na sua sala na hora que eu quiser — peço com as mãos na
cintura.
— Carinho, depois faço isso. Vamos entrar, Fernando está na minha
sala. — Ele beija minha cabeça e tenta me levar para sala, mas
obviamente não vou.
— Depois nada! Fala agora ou vou embora — ameaço e o infeliz
sorri.
— Senhorita Carolina, minha namorada tem livre acesso a minha
sala. — Ele informa, me puxando para sala e eu vou fazendo gestos,
mostrando que estou de olho nela.
Quando entro na sala, vejo que ele não está só com Fernando, mas
também com cinco mulheres, para minha má sorte, todas lindas.
—Meninas, quero lhes apresentar minha namorada, Michele. —
Sento-me, parecendo um pavão.
Fico observando a reunião e, quando acaba, saímos. Maria segue
Fernando, perguntando pelo pai de Mariana. Sabia que ela tinha algum
interesse em vir comigo...
Passo encarando Carolina, que abaixa a cabeça. Ela é sonsa, mas
não é burra! Sabe com quem mexe. Bianca é toda racional; eu já parto
logo para uma voadora.
Saio da empresa abraçada com Márcio, e vendo as invejosas
virarem os pescoços. Esse chocolate derretido é só meu! penso, sorrindo.
— Estou ansioso para conhecer esse médico que Fernando fala que
você tanto gosta e que fica toda dengosa perto dele.
Merda, me esqueci desse detalhe. Márcio, meu chocolate derretido,
versus Marcos, meu médico fofo e gato.
Ai, meu Deus!
C 12

Márcio
Esses últimos dias têm sido, no mínimo, divertidos. Michele é
carinhosa, geniosa e, claro, muito brigona. Nunca vi uma pessoa arrumar
tanta confusão!
Em duas semanas a vi discutir com várias pessoas e uma delas foi a
mulher do síndico. A tal mulher mexeu nas plantas que ela tem na vaga da
garagem. Quem tem plantas em vaga de garagem? Só Michele, é claro!
Ela tem duas vagas na garagem do prédio, as quais encheu de plantas e
artesanatos e, pelo que entendi, a tal mulher acha isso um absurdo e quer
alugar umas das vagas.
Michele se recusa a comprar um carro. Ela diz que o Rio de Janeiro
já tem muitos carros e quando Bianca não pode dar carona, ela vai de
ônibus ou táxi.
Nunca conheci uma pessoa como Michele. Mulheres normalmente
amam compras e shoppings e ela tem tudo para ser uma patricinha e
dondoca. Tem uma condição financeira invejável, mas preferem as coisas
simples da vida, como passear na praia. Na primeira vez que fomos
caminhar na praia, aconteceu algo inusitado. Uma senhora pediu dinheiro
para ela e disse que os filhos estavam com fome e ela não tinha condições
de trabalhar. Por um momento pensei que ela iria ignorar a mulher, mas
como de costume, ela me surpreendeu.
Ela disse à mulher que não iria lhe dar dinheiro, mas pagou um
lanche e fez algumas perguntas. Depois levou a mulher a um
supermercado e fez uma boa compra, então pegamos um táxi e fomos à
casa da tal mulher. Quando vi o caminho, notei que era uma comunidade.
Pensei que ela não iria querer entrar, no entanto, ela não só entrou na
comunidade, como falou com todo mundo e ainda ajudou a carregar as
compras. A casa da mulher era muito humilde, mas em nenhum momento
Michele demonstrou qualquer desagrado, muito pelo contrário.
Quando estávamos voltando para casa, perguntei o porquê de ela
simplesmente não dar o dinheiro à mulher. Ela me disse que não teria a
certeza que o dinheiro iria para a comida. Disse que não poderia resolver
os problemas de todos, mas por um bom tempo, aquelas crianças teriam
comida.
Quem olha de fora, pensa que ela é uma loira gostosa, barraqueira e
brigona… Ela é tudo isso, e muito mais. Michele é carinhosa, amorosa, se
faz de durona, mas não é.
O que para mim no começo era apenas desejo, com o tempo se
tornou muito mais... Algo que não sabia definir. Porém, nesse curto tempo
com Michele, tive a certeza que me apaixonei por ela. Quero proteger e
cuidar, não só dela, mas também de sua filha. O único problema é ela
deixar.
Estamos namorando há duas semanas e neste tempo conheci Maria,
que é uma figura, ama muito e defende Michele e Bianca. Um dia, quando
cheguei na casa de Michele, eu a vi fazendo um sapatinho de tricô. Ela me
viu e fez uma cara engraçada; então sentei ao lado dela e ela me mostrou
o sapatinho. Nesse momento, Michele e Bianca entraram e ficaram
paradas, nos olhando, e depois começaram a rir. Maria se tornou minha
parceira na cozinha. Eu amo cozinhar e ela, como toda boa baiana, sabe
uns quitutes maravilhosos. Ela é uma figura!
Mantive minha promessa de “sem penetração”. Michele tentou várias
vezes me tocar, porém, não permiti. Conheço cada pedaço daquele
delicioso corpo e sei que se deixar aquela linda boca chegar perto de mim,
não iria conseguir manter minha promessa. No entanto, está cada dia mais
complicado...
Hoje acordei cedo, tirei os braços de Michele do meu corpo, me
levantei devagar, sem acordá-la, e fiquei olhando-a dormir, nua e serena.
Ela estava linda e foi impossível não ficar excitado vendo-a assim. Fui para
debaixo do chuveiro e tomei um banho frio.
Apesar de nosso pouco tempo juntos, acredito que Michele já
percebeu que eu vim para ficar, independente de tudo e de todos. Falei
com minha mãe duas vezes desde que comecei a namorar Michele e nas
duas vezes discutimos. Meus amigos não entenderam muito bem o porquê
de estar com uma mulher que está grávida de outro homem, se há várias
mulheres disponíveis e loucas por mim. Modéstia à parte, sei que sou um
negro gostoso.
Alguns se afastaram pelo simples fato de que, nesse tempo, não fui
para a balada. Preferi ficar com minha loira vendo séries, comento pipoca
e fazendo-a gritar meu nome várias e várias vezes. Estou viciado nela.
Saio do banheiro e vejo que ela ainda está dormindo, então visto
uma calça e vou para a cozinha preparar o seu café da manhã. Chegando
lá, vejo que Maria já está organizando as coisas.
Enquanto preparo o café, conversamos e rimos muito. Quando
Michele chega, já estou acabando de fazer o seu mingau, então dou um
beijo nela e vou acabar de me vestir. Na saída, peço a ela que me espere,
pois irei buscá-la para a consulta médica. Ela me olha, levanta a
sobrancelha e diz um sim muito doce.
Tenho certeza de que ela vai aprontar!
Chego na empresa e falo com todos com um sorriso charmoso,
minha marca registrada. Sei que as mulheres ficam loucas quando sorrio
assim. Mas meu sorriso vacila ao me lembrar de Michele e imaginar que
ela faria cara feia para as mulheres e para mim. Bem, a verdade é que eu
acho que ela bateria em mim. só acho!
Mudo o sorriso para algo menos sensual e, no caminho para o
elevador, vejo Fernando.
— Que cara é essa? Cadê o sorriso que você diz que faz as
mulheres se jogarem em você? — Fernando pergunta, rindo.
Esse infeliz, desde que comecei a namorar Michele, não faz outra
coisa a não ser me provocar.
— Agora sou um homem comprometido, não posso mais ficar
fazendo as mulheres se jogarem aos meus pés. — Aperto o botão do meu
andar.
— Sei, você está é com medo de Michele acabar com a sua raça, se
te ver sorrindo de um jeito safado para alguém — zomba e eu dou de
ombros.
— Sou um homem prevenido, apenas isso — falo em minha defesa.
— Márcio, Márcio. Lembra quando você disse que eu estava como
cachorrinho atrás de Bianca? E olha como você está agora! — debocha,
rindo.
— Não sei do que você está falando. — Me faço de desentendido,
ouço-o rir e faço cara de paisagem.
De forma alguma darei meu braço a torcer. Prefiro me fazer de
desentendido.
— Mulher nenhuma manda em mim. Fernando, você quem fica cheio
de “mimimi” atrás de Bianca e estou muito atrasado no momento. — Saio
rápido e o ouço rindo.
O dia é muito atarefado. Durante a tarde, volto a encontrar Fernando
em uma reunião e ele volta a implicar comigo. E eu, obviamente, volto a
me fazer de desentendido. Sou perito em sair de situações complicadas e
alguns até me chamam de sabão, o que não sou, é claro… apenas evito
confusão. Se ela está do meu lado, vou para o mais longe possível! Aí
você me pergunta: Como uma pessoa assim pode se apaixonar por uma
mulher barraqueira, que não corre de uma boa briga e, pior, muitas vezes
procura confusão? Nem eu sei responder.
Enquanto penso no nisso, ouço uma voz alterada do lado de fora da
sala. Respiro fundo e sorrio.
Eu sabia que ela não iria ficar calminha me esperando e se fizesse
isso, não seria Michele. Chego à recepção e ela me pede para falar na
frente de Carolina que ela é minha namorada. Tento desconversar, porém
Michele não é o tipo de mulher que dá para enrolar. Sorrindo, informo a
Carolina que Michele é minha namorada, e que ela pode entrar em contato
comigo a qualquer hora. Entramos na sala, onde Fernando sorri,
debochado. E eu volto a fazer cara de desentendido. Apresento Michele
como minha namorada a todos na sala e ela se senta, sorrindo e feliz.
Fernando aproxima a cadeira da minha e eu sei que lá vem merda.
— Vou mandar fazer uma coleira com o nome Michele para você. —
O infeliz fala e eu, claro, finjo que não ouvi.
Não é porque estou apaixonado por ela que significa que ela manda
em mim... É claro que não! Apenas gosto de vê-la feliz.
A reunião acaba, e uma das gerentes começa a conversar comigo e
põe a mão no meu braço de forma íntima. Sim, já fiquei com ela. E sim,
estou... digamos, com certo receio do que Michele vai fazer. Apenas certo
receio, é claro.
— Já acabou, gato? Podemos ir? — Michele indaga com a mão na
cintura, encarando a mulher. Inexplicavelmente, ela se afasta de mim, diz
que se lembrou de um compromisso urgente e sai. Eu tenho certeza que
não teve nada a ver com o fato de Michele estar olhando para ela com
raiva.
— Claro, minha sereia, vamos. — Beijando-a, não toco no assunto.
Sei que daria merda se falasse algo e seria pior se ela descobrisse que já
fiquei com a mulher. Todo bom malandro evita confusão...
Enquanto saímos, digo para ela que estou ansioso para conhecer
seu obstetra e sinto que ela fica tensa. Será que Michele estava se
interessando pelo médico?
Ao chegar, logo somos atendidos e Michele fica toda dengosa com o
Dr. Marcos. Ele é atencioso e cheio de sorrisos. Fernando tinha razão, ele
é perigoso.
— Então, doutor Marcos, tenho algumas dúvidas. Primeiro em
relação ao inchaço nas pernas dela. Podemos fazer amor sem riscos para
o bebê? Ela pode ficar comendo doces o dia todo? — Continuo fazendo
perguntas e vejo Michele sorrindo.
— Então vocês estão juntos? — pergunta e eu abro um sorriso como
se dissesse: “Essa você perdeu, amigo!” Apoio a mão na perna de Michele
e ela a segura.
— Sim, estamos juntos e misturados, né, gata? — Imito seu modo de
falar, pensando que vou deixar Michele sem jeito. Michele sorri e entrelaça
os dedos nos meus.
Porém, como sempre, ela me surpreende.
— Sim, Dr. Marcos. Márcio e eu estamos namorando e estou doida
para devorar esse chocolate derretido todinho e me esbaldar nesse boy
magia. Estou ansiosa para ele me jogar na parede e me chamar de
lagartixa. Mas como ele está cheio de preocupações, preferiu tirar todas as
dúvidas antes de... bem, você sabe... né, gato? — Michele sorri e pisca o
olho.
Marcos abre a boca e fica vermelho. A princípio fico estarrecido, mas
depois começo a rir alto.
Estou completamente apaixonado por essa mulher.
C 13

Michele
Confesso que fiquei apreensiva assim que saí da empresa com
Márcio, afinal iríamos ver o meu obstetra lindo, gato, fofinho, máster, Dr.
Marcos. Suspiro alto só de pensar nele. Dr. Marcos parece um grande urso
felpudo que quando vejo, sinto vontade de morder e agarrar...
Chegamos ao consultório e, como sempre, estava lotado. Muitas
mulheres vão atrás do médico gato fofo.
Entramos no consultório e faço de tudo para me controlar e não ficar
uns bons dez minutos abraçada com Dr. Marcos. Dessa vez, a enfermeira
não entrou na sala; e isso só confirma a minha desconfiança de que ela só
entrava junto para evitar que o médico fosse atacado.
Vamos fazer a conta: médico fofo, gato, carinhoso e amoroso.
Somado a mulheres grávidas, com os hormônios loucos, é igual a ataque
na certa, gente! E como hoje eu vim com meu bofe magia, a enfermeira ―
que deu uma boa secada no Márcio ― deve ter pensado que não
precisaria se preocupar e não entrou.
Márcio começa a fazer várias perguntas ao Marcos, referentes à
gravidez e ao inchaço nas minhas pernas. Eu estou achando tão bonitinho
o interesse dele. Está cada vez mais difícil manter a minha decisão de não
deixar Márcio se envolver na minha gravidez. Mesmo porque o cara é um
enxerido e se mete em tudo. Bianca diz que eu sou fofoqueira, mas
Márcio… Puts! Ganha fácil de mim.
Ele já sabe praticamente tudo da minha vida. Quer saber todos os
meus desejos de grávida e hoje, depois da consulta, quer comprar roupas
para minha filha, porque disse que menina não pode ter só rosa. E eu,
como uma boba, estou aceitando tudo isso sorrindo. Culpa dos hormônios,
é a única desculpa plausível que encontro para concordar com essas
atitudes, sem dar um ataque.
Em um determinado momento Márcio me olha, sorri e deixa claro
para Marcos que estamos juntos. Não muito satisfeito, Márcio ainda tentou
me fazer ficar com vergonha.
Vê se pode isso, gente! Mas tem que comer muito arroz com feijão
para conseguir tal proeza. Caso ele não saiba, quando Deus me fez, ele
falou: “Você vai ser linda, rica, desprovida de bunda, mas gostosa e sem
um pingo de vergonha nesse corpo.”
Confirmei ao Marcos que quero pegar Márcio de jeito e o infeliz está
correndo da raia porque está com medo de me machucar. Não inventei
nada, disse a mais pura verdade.
Dr. Marcos ficou tão vermelho que eu acho que sua vontade era
desaparecer dali. Já Márcio, depois de um bom tempo de boca aberta,
passado por eu ter apenas falado a verdade, começou a gargalhar. Eu
acho que foi puro nervosismo, só acho.
— Bem, voltando ao assunto da gravidez, quando você começou a
notar os inchaços? Vejo no seu arquivo que essa é a primeira vez que me
relata isso. — Marcos muda de assunto.
— Marcos, não é nada demais. Márcio está exagerando. — Sorrio.
— Pelas minhas pesquisas, qualquer inchaço nas pernas durante a
gravidez é preocupante. E todos os dias suas pernas estão inchadas.
Talvez isso se deva ao fato de todo santo dia ela se alterar. — Márcio
explica ao médico.
— Todo dia você se estressa, Michele? — Marcos me pergunta.
— Marcos, esse povo que me estressa! Não é culpa minha! —
retruco e me faço de inocente.
— Sei… vem, vamos ver como está sua menina. — Sorrindo, ele se
levanta, pega um robe e me entrega, vai para sala de exames e me
aguarda. Entro no banheiro e pouco tempo depois estou deitada na cama,
escutando e vendo meu projetinho de princesa pela tela do monitor.
— Como ela cresceu! Agora já dá para ver o formato dela direitinho.
— Emocionada, sinto às lágrimas caírem. Márcio segura minha mão e
quando olho para ele, vejo que está olhando fixo e sorrindo para o monitor.
Algumas pessoas dizem que sabem o momento exato em que
começaram a amar alguém. Eu posso dizer que sou uma delas. Foi
segurando as mãos de Márcio, vendo um lindo sorriso aos poucos se
formar nos seus lábios, os olhos ficarem marejados. Quando Marcos liga o
ultrassom e a sala é tomada pelo vigoroso batimento cardíaco do meu
projetinho de princesa, ali, naquele exato momento, eu comecei a amar
Márcio. Não era mais uma coisa que eu não sabia identificar… não era
apenas desejo, era amor.
Lembro-me que durante muito tempo duvidei que isso fosse
acontecer comigo. Estou tão acostumada a me envolver com homens de
péssimo caráter, que demorei a ver que na minha frente estava um cara
legal, um chocolate que primeiro me enlouqueceu de desejo. Acho que
não consigo mais imaginar como seria minha vida sem ele ali, me
perturbando para não comer algo que poderia ser prejudicial a minha
gravidez, não me estressar, ficando sem graça quando falo uma besteira
e, principalmente, fazendo de tudo para me agradar.
Ele começou a rir e limpar o rosto das lágrimas que caíram. Foi um
momento magico e muito especial. Sem sombra de dúvidas, agora eu sei
que amo esse homem.
— Estou vendo que vocês estão emocionados, vou dar um tempo
para se recomporem. Encontrarei vocês na minha sala e conversaremos
sobre o exame. — Marcos sai da sala e Márcio e eu continuamos nos
olhando.
Acho que não foi só comigo, algo mudou dentro de nós dois. Ele
pega uma toalha e começa a limpar minha barriga, então fala baixinho
com minha filha.
— Minha linda princesa, hoje pela primeira vez te vi e ouvi seu
coração. Foi a coisa mais linda que já vi e ouvir na minha vida. Prometo
cuidar e te defender de tudo e de todos — diz e começo a chorar. Ele
levanta, emocionado, me beija e limpa meu rosto — Minha linda sereia,
acho que acabo de descobrir que amo você. Deixe-me cuidar de você e
ser o pai da sua filha, por favor — pede, me beijando. Quando vou
responder, ouvimos uma batida na porta. Era a enfermeira perguntando se
estamos prontos. Peço mais cinco minutos, seco o rosto e vou ao banheiro
trocar de roupa. Quando saio, Márcio segura minha mão e, sorrindo,
entramos no consultório.
— Michele, sua princesa está bem. Você está com vinte e duas
semanas de gestação. Como fiquei preocupado com o inchaço relatado e
achei sua pressão um pouco alterada, vou pedir alguns exames, mas pode
ser pela emoção de ver e ouvir sua filha. Peço que assim que estiverem
prontos, você os traga para eu verificar. Vou te indicar uma nutricionista
para você seguir uma alimentação mais saudável. — Marcos informa
enquanto preenche várias guias de exames.
— Pode ficar despreocupado que vou cuidar muito bem delas de
agora em diante. E ai dela se reclamar. — Márcio sorri apertando minha
mão.
— Tenho certeza disso. Foi impossível não notar o quanto você se
emocionou ao ver a filha de Michele. — Marcos sorri.
— O que eu senti ali ao ver e ouvir o coraçãozinho dela... eu não sei
explicar em palavras. Foi algo forte, maravilhoso e muito... muito bom —
Márcio diz, emocionado e eu volto a sentir meus olhos cheios de lágrimas.
— Então cuide bem delas. Conheço Michele há pouco tempo, mas é
impossível não notar que ela é muito especial. Você é um homem de muita
sorte. — Marcos me olha, sorrindo.
Sei não, mas acho que se o chocolate derretido não tivesse
aparecido na minha vida, talvez o Dr. Gato e eu daríamos um bom caldo...
só acho!
— Sim, sei que tenho muita sorte dela ser toda minha — Márcio diz,
sério, frisando o “minha” e encara Marcos, que pigarreia.
É impressão minha ou teve certa marcação de território aqui e
agora?
Gente! Estou acostumada com isso, não.
Estou a ponto de me abanar aqui, e tentando controlar o sorriso de
orelha a orelha.
— Enfim, assim que os exames estiverem prontos, traga-os para
mim. No mais, está tudo bem. — Marcos fala, sorrindo, levanta e aperta a
mão de Márcio.
Tá vendo, gente? Como não gostar dele. Gato, gentil, educado e
fofíssimo.
Levanto-me e o abraço, enquanto escuto Márcio fazendo barulho
com a garganta. Só não fico mais tempo tirando uma casquinha de
Marcos, porque Márcio poderia usar isso como desculpa e agarrar alguma
vaca. Beijo o rosto de Marcos e quando estou saindo, me lembro de que
ele não respondeu algo importantíssimo.
— Dr. Marcos, pelo amor de Deus, o senhor não me respondeu se
eu posso fazer um sapeca ia-ia hoje — pergunto, ansiosa, e ele me olha
como se não entendesse. Márcio leva uma mão ao rosto.
— Me desculpe, mas não compreendi. O que é isso? — Marcos me
indaga, confuso.
— Dr. Marcos, descabelar o palhaço, afogar o ganso, fuque-fuque,
nheco-nheco, brincar de cavalinho, dar um tapa na menina, pimba na
gorduchinha... — Conforme explico, o médico vai ficando vermelho quando
compreende a que me refiro e Márcio põe as duas mãos no rosto.
— Pelo amor de Deus, Michele, nós já entendemos — Márcio diz,
envergonhado.
— Não sei por que vocês estão com tanta vergonha. Por acaso eu
falei que quero fazer sexo até não poder sentar no outro dia? Que quero
ficar três dias andando manca? Não falei nada disso! — Márcio começa a
rir descontroladamente de puro nervosismo! E Dr. Marcos começa a
gaguejar.
— Então, doutor... posso? — questiono, ansiosa.
— Não há nenhum impedimento clínico para intimidade. — Marcos
responde, sorrindo sem graça.
— Obrigada Dr. Marcos. Partiu tetel agora! — Pego minha bolsa e
saio puxando Márcio, que sai da sala pedindo desculpa.
Eu, hein, não sei para que ele pediu desculpa. Não falei nada
demais.
— Michele, eu não acredito que você teve coragem de falar essas
coisas na frente do médico. Nunca vi um homem tão vermelho. — Ele ri,
ligando o carro.
— Não falei nada demais. — Dou de ombros.
— Sereia, vamos para casa. Vou preparar um banho gostoso e
relaxante... — Não consegue terminar, pois levanto a mão, interrompendo-
o.
— Pode parar por aí! Márcio, eu quero ir ao primeiro motel que você
encontrar. Estamos na Barra e eu moro em Botafogo, é muito longe! —
explico, desesperada, e ele começa a rir.
— Tudo bem, vamos para um legal que tem aqui por perto. E quanto
ao que te perguntei… você me deixa fazer parte da vida da sua filha? —
pergunta. Eu fico em silêncio por um tempo, e vejo que ele aperta o
volante com força e muito tenso.
— Quando chegarmos ao castelinho vermelho, nós conversaremos.
— Apoio a mão na perna dele e sinto-o relaxar.
— Castelinho vermelho? É impressionante a capacidade que você
tem de inventar nomes engraçados. — Ri alto e eu fico feliz por tê-lo feito
relaxar pelo menos por enquanto, porque nossa conversa vai ser tensa.

Márcio

Enquanto dirijo a caminho do motel, recordo-me de tudo que


aconteceu hoje. A emoção que senti ao ouvir o coração da filha de Michele
foi algo que nunca imaginei sentir na vida e nem sei como descrever. E se
ela deixar, também será minha filha.
Até entrar naquela sala de exame, eu tinha um cuidado especial pela
gravidez de Michele, mas era apenas isso, um cuidado, porque Michele
sempre deixou bem claro que não queria que eu me envolvesse em nada
referente à sua filha ou, como ela mesma diz, seu projetinho de princesa.
Mas agora está diferente. Não é apenas a filha da minha namorada.
Algo mudou dentro de mim naquela sala de exame e começou a nascer
um amor que antes eu só havia ouvido falar. Sinto vontade de defender e
lutar por essa princesa, antes mesmo de ela nascer.
É engraçado, porque já ouvi isso de alguns amigos que se tornaram
pais. Alguns sentem assim que descobrem que a companheira
engravidou, outros apenas quando a criança nasce e tem aqueles que a
companheira não consegue ter filhos e partem para a adoção.
Esses sempre me intrigaram. Eu não entendia como você poderia
desenvolver um amor, um carinho e uma vontade inexplicável de proteção
assim que vê a criança ou mesmo ao ouvir seu coração bater. Até
acontecer comigo. Agora eu entendo que não importa se a filha de Michele
é minha filha biológica ou não, eu já a amo! E se Michele deixar, eu serei o
pai dessa princesa e iriei amar e protegê-la pelo resto da minha vida.
E por esse motivo, não quero levá-la a um lugar em que levo as
mulheres com frequência, quero algo especial. Sempre a ouço falando que
as coisas que faço são diferentes de tudo que ela já viveu e eu quero que
nossa primeira vez também seja.
Aí que vem o problema: Michele está me olhando, lambendo os
lábios e literalmente batendo palma. Nunca vi uma mulher tão empolgada
para ir a um motel, ou melhor, castelinho vermelho. Eu sei que ela vai dar
um ataque assim que perceber que a estou levando para a casa dela.
— Mas que porra é essa, Márcio? Eu disse que queria ir ao tetel e
me esbaldar em você. Você vai sair magro e seco de lá de dentro! Pensei
que hoje finalmente iriamos... Só que não! — Ela olha para a janela,
irritada.
— Michele, você vai continuar a falar palavrão perto da nossa
princesa? Acho melhor não, o ideal seria começar a mudar o seu
vocabulário a partir de agora. — Ela vira a cabeça devagar e me olha
como se eu tivesse surtado.
— Me deixa ver se eu entendi: você nem comeu a fruta e já quer
podar os galhos? Sério mesmo! — Cruza os braços e eu começo a rir.
Até nas discussões ela é engraçada.
— Minha linda sereia, eu nunca seria louco de, como você mesma
disse, "podar" você. Apenas acho melhor você dar uma maneirada com os
palavrões. Imagine nossa princesa falando “porra” e “puta que pariu” antes
de falar mamãe? — explico. Ela faz bico para o lado e quebra a cabeça,
me olhando desconfiada.
— Sei… até que você não está errado. Vou dar certa modificada nos
palavrões, mas não vou parar de falar! Ok, apenas modificar. — Aponta o
dedo para mim.
— Ok. E como seriam essas modificações? — pergunto sorrindo.
— Isso eu não sei ainda, merd... mercadoria. — Empina o nariz e
vira para a janela. É inevitável não rir quando noto que ela substituiu
merda por mercadoria.
Paro em frente ao seu prédio e noto que ela está limpando as
lágrimas. Tenta abrir a porta para sair e eu as travo.
— O que foi, Márcio? Você já deixou bem claro que não quer que
nada aconteça, então apenas me deixe ir embora. Estou morrendo de
vergonha por ter sido tão oferecida. Achei que estávamos na mesma
sintonia, que você queria o mesmo. Por favor, abre a porta — pede,
chorando.
Eu seguro o seu rosto e ela abaixa a cabeça. Eu a levanto, beijo
suas lágrimas e depois a beijo devagar.
— Você é especial demais para mim, para nossa primeira vez ser em
um motel de beira de estrada — asseguro, olhando-a nos olhos
— Mas eu não ligo. — Me olha com os olhos vermelhos.
— Mas eu ligo! Minha sereia, vou fazer nossa primeira vez tão
memorável que quando estivermos velhinhos, você ainda vai se lembrar
dela. E não pense que não te quero, olha como você me deixa só por estar
perto de você. — Coloco a sua mão entre as minhas pernas
— Eu te quero tanto, há tanto tempo — declara, me beijando.
— Apesar de estarmos juntos há pouco tempo, eu te quero há mais
de quatro meses. Você me pediu calma, me pediu para ir devagar e eu
não segui nenhuma das suas regras. Bem, apenas uma. E por causa
dessa regra, estou há algumas semanas pondo gelo nas bolas. — Rio e
ela sorri junto.
— Ninguém fez as coisas que você faz para mim. Nunca fui tratada
assim. — Funga, emocionada.
— Então deixa eu te surpreender mais uma vez. Me deixa
transformar nossa noite em algo inesquecível. Minha sereia, você merece
muito mais que um motel de beira de estrada. Desejo te amar, te adorar
devagar, sem um tempo predeterminado. Deixe-me fazer isso. — Limpo as
suas lágrimas.
— Estou acostumada com isso, não, gente! — Eu a beijo, depois
destravo as portas, saio do carro e a ajudo a sair.
— Vá para casa e relaxe. Às nove da noite, esteja pronta para o que
estou preparando para você. — Eu a encosto no carro, coloco uma perna
entre as suas e roço devagar fazendo-a gemer — Isso é só para você
saber o quanto eu te quero. E hoje à noite você vai finalmente ser minha…
e pode ter certeza que nunca vou deixar você ir. — Eu a beijo mais uma
vez, aperto sua bunda, e sinto-a estremecer.
— Estou acostumada com isso, não, gente — diz de forma
sonhadora, eu dou-lhe um último beijo, então me afasto e entro no carro.
— Às nove esteja pronta!
— Ei! Você vai embora? Como assim você vai embora e vai me
deixar assim? Você sabia que eu sou uma pessoa muito curiosa? Eu não
vou sobreviver até as nove da noite! — se desespera.
— Michele, são apenas algumas horas. Aproveite esse tempo e
relaxe.
— Relaxar! Você vem, bagunça minhas emoções e quer que eu
relaxe? Jesus, me amarrota, que eu estou passada! — Reclama, com a
mão na cintura enquanto dou partida e envio um beijo para ela. E ela,
claro, me xinga.
Como eu amo essa mulher!
Quero que nossa noite seja do jeito que ela sempre sonhou, por isso,
assim que chego em casa, ligo para a única pessoa que provavelmente
sabe de quase todos os sonhos e desejos de Michele: Bianca. Mas é
Fernando que atende.
— Cara! Bianca sabe que você está atendendo às ligações dela? Ela
vai surtar! — pergunto, rindo.
—Vai à merda, Márcio! Estou apenas verificando se algum tosco dos
infernos anda enviando mensagens para ela. Você ligou, então tive que
atender antes que ela percebesse que estou, digamos, fazendo a
verificação diária — sussurra e eu começo a rir.
— Você está cada dia mais surtado.
— Vai à merda, Márcio!
— E você tinha razão, o tal obstetra é um perigo.
— Eu não falei? E depois você ainda me chama de neurótico!
— Eu vou ser pai! Bem, Michele e eu ainda temos que conversar,
mas cara, não tenho nem como descrever a emoção que senti quando
ouvi o coração da nossa princesa bater — comento, emocionado.
— E depois eu quem sou o apressado? O surtado? E o que você
queria com minha mulher? Enfim, não posso falar agora! — ele sussurra.
— Bianca, amor, seu telefone estava tocando, por isso atendi… é o
Márcio... — ouço Fernando tentando se explicar por estava mexendo no
celular dela e rio horrores.
— Márcio! O que houve? Aconteceu alguma coisa com Michele?
Para de rir e me responde! — Bianca pede irritada e eu respiro fundo.
— Eu vou ser o pai da filha de Michele… bem, isso se ela deixar —
explico e a ouço soluçar.
— Seu infeliz, o que você falou para minha mulher chorar? Ela está
grávida, não pode ter fortes emoções... — Fernando me repreende e antes
que eu pudesse responder, Bianca volta e fala para Fernando ficar calmo,
que ela só está feliz.
— Estou tão feliz por vocês! Mas você sabe que vai demorar um
pouco para essa ideia entrar na mente de Michele. Ela é pior que mula
quando cisma com algo. Porém, não desiste que vou te ajudar — promete,
ainda emocionada.
— Então… é por isso que eu te liguei. Quero que você me ajude.
Hoje vai ser nossa primeira noite, e eu quero que seja do jeito que ela
sempre sonhou. E como sua melhor amiga, acredito que você deva saber
como ela desejava que fosse sua noite perfeita.
— Ai, que fofo! — Se emociona e ouço mais uma vez Fernando
brigando, querendo o telefone, e me ameaçando de porrada. E Bianca,
mais uma vez, o manda ficar quieto.
— Márcio, anota aí tudo o que você precisa saber para a noite dos
sonhos de Michele. — Se empolga e eu pego uma caneta e papel, e anoto
tudo.
Quando acaba, desligo o telefone e releio a lista, que me faz rir.
Obviamente, a noite perfeita de Michele não seria algo tradicional...
Vou fazer tudo o que ela sempre sonhou e vou dar o meu toque
pessoal. Quero que ela não tenha dúvidas do quanto é especial para mim,
e do quanto está mudando minha vida para melhor.
E, principalmente, quero falar que a amo... Meu Deus, estou
parecendo uma mulherzinha! Entretanto, agora entendo porque Fernando
falava que quando eu realmente amasse alguém, iria querer fazer de tudo
para fazê-la feliz.
E eu a amo tanto e, a partir desta noite, ela não vai ter mais dúvidas
disso.
C 14

Michele
Observo Márcio ir embora, revoltada. O que ele estava pensando na
vida? Será que ele não tem noção do quanto sou curiosa? Entro no meu
apartamento bufando de raiva e encontro Maria na sala, vendo novela.
Vou contar algo sobre Maria: ela ama novela. Ama não, é viciada! Do
tipo que chora e xinga os personagens. Ela é doidinha da silva, mas a amo
demais e sempre me divirto com ela, mas nem sempre foi assim.
Quando ela começou a trabalhar comigo, não trazia dentro si esta
alegria que hoje emana dela, algo muito triste aconteceu no seu passado,
contudo, com o tempo ela mudou e um dia disse que na parte da tarde iria
parar tudo para ver as novelas mexicanas. Claro que fiquei horrorizada, no
entanto, depois de alguns anos, até me acostumei com as tais novelas.
Confesso que amo as vilãs das novelas mexicanas. Sei lá, me identifico
com elas fazendo as maldades e rindo disso.
Maria está tão vidrada, que demora uns cinco minutos para reparar
que estou na sala, sentada no sofá ao seu lado.
— Ué, já chegou? — pergunta, me dando uma rápida olhada, e
desviando o olhar para televisão.
— Não, ainda estou lá. É uma miragem ao seu lado — ironizo e
cruzo os braços.
— Ui, estamos estressadas. O que aconteceu? — questiona, sem
desviar a cara da televisão.
— Márcio não me quer! — comento e começo a chorar.
— Você ficou louca, é? Mulher, esse homem é doido por você! Quem
me dera ter um da categoria dele fazendo todas as minhas vontades —
diz, se abanando.
— Ele não quis ir ao motel perto do consultório. Ele disse que prefere
esperar para termos uma noite especial, mas eu o quero para ontem! Não
ligo se for em um motel de beira de esquina — choramingo.
— Larga de ser besta, mulher. O cara querendo fazer uma noite
especial e você está reclamando! — Se irrita, sem desviar os olhos da
televisão. Maria até conversa na hora das novelas, mas nunca, jamais,
olha na sua cara. Sempre fica com os olhos focados na televisão.
— É… talvez você tenha razão. Mas ai dele se passar de hoje. Estou
quase subindo pelas paredes. — Irritada, cruzo as pernas.
— Mudando de assunto, já escolheu o nome da sua filha? Estava
pensando em alguns lindos demais. Tipo: Maria do Bairro, Maria
Mercedes, Marimar, Maricruz... — comenta e não vê os meus olhos
arregalados porque os seus nunca desviam da televisão.
— Maria! Todos os nomes começam com a letra "M", e todas são de
personagens de novelas mexicanas. — Rio e, como começa o comercial,
ela finalmente olha para mim.
— Mas mulher, sua filha vai ser chique demais! Tem que ter nome de
estrela de tevê. Mas também tem aquela, das revistas em quadrinhos, a
Mônica, é um nome bonitinho também. Mas eu prefiro Mariluz, Maysa... —
Começo a rir, mas como o comercial acaba, a criatura volta a dar atenção
ao drama mexicano.
— E por que todos com a letra "M"? — pergunto rindo.
— Claro, assim fazem a família M, M, M. O trio M. Tipo: Maribel,
Magali... — E ela continua a falar nomes com a letra M. Eu levanto e vou
atender à campainha, rindo.
Ao abrir a porta, o porteiro do prédio me entrega uma caixa enorme e
um buquê de flores amarelas. Amo flores amarelas! Tipo, paixão total por
flores e rosas amarelas.
Ele entra, põe a caixa e as flores na mesa e dá uma secada em
Maria, que nem nota porque continua vidrada na televisão. Ele vai embora
de cabeça baixa e desanimado.
— Aí. Meu. Deus! Pare o mundo que eu ganhei flores! — comemoro,
dando pulinhos. — Maria, sua louca! O porteiro te deu maior secada e
você nem reparou.
— E você que acha que não vi? Apenas fingi que não vi. Aprendi
com vocês. Tenho uma lista de coisas a fazer para conseguir um marido e
estou seguindo passo a passo — responde, olhando para televisão.
— E que passos são esses? — questiono, cheirando as flores.
— Primeiro: batom vermelho. Segundo: sempre no salto. Terceiro:
tenho que me fazer de difícil. Quarto: devo me sentir o último biscoito do
pacote. Quinto: maltratar os homens. Mas minha lista ainda não está
completa, ainda estou observando vocês para adquirir mais
conhecimentos — explica e eu começo a rir.
Paro de prestar atenção em Maria quando abro a caixa e vejo um
lindo vestido vermelho.
— Meu Deus! Não acredito. — Pego o vestido da caixa. Ele era
lindo, e eu entrei em desespero por achar que não iria caber em mim,
afinal estou grávida e inchada. Olho o cartão e me emociono.

"Sei que você prefere dourado e amarelo, porém amo você de


vermelho. E a partir de hoje à noite, minha linda sereia, você é toda
minha."

Achei estranho não ter o nome do Márcio no cartão. Olhei na frente,


no verso e nada. Vou para o buquê de flores e encontro o que procurava.

"Muito provavelmente, você está com uma pulga atrás da orelha


por não ter assinatura no cartão. Não preciso assinar, você sabe
quem é o seu dono. Esteja preparada para essa noite!"

— PUT... FRUTA. QUE. CAIU! — grito, olhando para o cartão.


— Que fruta, mulher! — Maria pergunta, me olhando, porque na
televisão está passando o comercial.
— Prometi ao Márcio que não ia mais falar palavrão por causa do
meu projetinho... Preciso ligar para Bianca urgentemente. — Pego o
telefone, digito o número do celular de Bianca e Fernando atende.
— Fernando? Bianca vai lhe descer o sarrafo quando ver você
mexendo no celular dela.
— Estou apenas fazendo minha verificação diária. Mas hoje está
difícil, toda hora um liga! Será que vocês não entendem que sou apenas
um homem apaixonado, zelando pela sua mulher? Sou tão
incompreendido — reclama, magoado. O cara está todo errado e ainda
quer sair por cima da história. Só Fernando para mandar uma dessas!
— Estou tão ansiosa para falar com Bianca, que nem quero zoar
você. E não se esqueça que estou grávida e não posso me estressar. —
Mal acabo de falar e ele já sai gritando, chamando Bianca. Fernando é um
boy magia surtado, piradinho das ideias, loucamente apaixonado pela
Bianca e todo seu excesso de gostosura. Mas vira e mexe Bianca tem que
puxar Fernando para a realidade, pois às vezes ele surta. Bem, a verdade
é que eu concordo com boa parte das coisas que ele faz. Vou copiar essa
ideia da verificação diária do celular… tenho que conversar mais com
Fernando.
Escuto Bianca brigando com Fernando por ele estar novamente
mexendo no celular dela.
— Bianca! Mona, estou surtando. Tem como você vir aqui agora, tipo
assim, para ontem? — peço ansiosa.
E uns dez minutos depois Bianca entra pela porta, claro, com
Fernando atrás. Ele senta ao lado de Maria e começa a conversar sobre
novela.
Mas, hein? Deixa para lá, nem vou perguntar agora. Meu foco são os
cartões, flores e o vestido.
Bianca e eu demos vários gritinhos e pulos quando lhe mostrei as
flores, o vestido e os cartões.
— Michele, ele adivinhou que você iria ler o cartão do vestido
primeiro que o das flores. Amiga, esse homem te conhece e te ama. Se
você não casar com ele, eu vou brigar muito com você! — A puxo para o
meu quarto.
— Mona, ele me pediu para ser o pai da minha filha. Tipo, aconteceu
algo mágico hoje à tarde na sala de exame… ele se emocionou ao ouvir o
coração do meu projetinho de princesa. Enquanto limpava minha barriga,
falou que vai protegê-la do mundo. Fiquei com um nó na garganta. Ele não
quis ir a um motel mais perto quando eu disse que queria transar. Todos os
homens que conheci até hoje teriam parado o carro na esquina e feito ali
mesmo, mas Márcio quer algo especial. Ele disse que quer algo para
lembrarmos quando estivermos velhinhos. — Sinto minhas lágrimas
caírem.
— Amiga, ele chegou! Seu homem perfeito chegou! — Ela seca
minhas lágrimas.
— Estou grávida, nem sei se o vestido vai dar em mim. Ele quer
assumir minha filha, mas isso vai trazer tantas dores de cabeça — digo,
desanimada.
— Primeiro, caso não tenha reparado, o vestido é para gestante. A
parte de cima é flexível, e a de baixo tem camadas sob camadas… não só
vai dar, como vai ficar perfeito. Segundo, e mais importante, Márcio é um
cara inteligente. Nunca vi uma pessoa correr de uma confusão como ele, é
um verdadeiro sabão. No entanto, ele está brigando, está lutando por você
há meses. Ele entrou no relacionamento sabendo todos os prós e contras.
Você não mentiu, nem o enganou e você é maravilhosa! Merece um
homem assim, apaixonado. E se ele quiser ser o pai da sua filha, deixe
que seja. Se ele quiser ser o homem da sua vida, deixe-o ser. Há meses
você falou para mim que eu estava cega, que o homem da minha vida
estava na minha frente. O seu homem chegou! Agora só falta você cumprir
o que me disse e não deixar ninguém tentar tirar ele de você. Agarre sua
felicidade com unhas e dentes! — Ela sorri e vejo a felicidade estampada
no seu rosto.
— E se... — Começo, mas sou interrompida por Bianca.
— “E se” nada! Claro que você terá dores de cabeça, todo
relacionamento tem. É um desafio diário, mas quando há amor, tudo se
resolve. É hora de você ser feliz! Agora, chega de choro que é hora de
você começar a tomar banho, afinal, temos muito o que fazer. Vou ligar
para o cabeleireiro, manicure e maquiadora que contratei e dizer que eles
já podem vir. Você vai ficar um arraso! — Bate palma, levantando.
— Mas você já tinha marcado com eles? Não! Você sabia que Márcio
ia fazer isso e não me falou nada? — pergunto, passada.
— Prefiro não comentar. — Bianca sorri e eu jogo uma almofada
nela.
Assim que ela sai do quarto, entro no banheiro. Do jeito que conheço
Bianca ela já deve ter tudo organizado. Preparo a banheira e tomo um
banho de espuma. Meia hora depois, Maria bate na porta e diz que os
profissionais já estão me esperando e que a casa está cheia de flores.
Nas próximas três horas ganho flores, joias, sapatos e perfume de
Márcio, enquanto faço as unhas e sou maquiada. O cabeleireiro deixa meu
cabelo solto com cachos e, no final, o vestido ficou perfeito. Coloquei as
joias que ele me deu e o perfume. Até o sapato foi ele quem enviou. Hoje
estou toda produzida por ele e estou amando isso.
Nenhum homem me tratou assim com tanto carinho e cuidado,
querendo realizar todas as minhas fantasias...
Quando estava pronta, Bianca e Maria sorriam e choravam e diziam
que eu estava linda. Como eu amo essas duas! Quando a campainha
toca, nós três levamos um susto. Vou abrir toda animada, mas não é
Márcio e sim um rapaz muito bonito, que diz que seria meu
acompanhante.
Fiquei parada de boca aberta por uns três minutos, até que o boy
magia deu um pigarro e eu pedi para ele repetir.
Olho para trás e vejo Maria anotando algo em um caderninho; Bianca
sorrindo e eu, claro, ainda não acredito que isso está acontecendo e
continuo de boca aberta.
O boy magia me dá o braço, e eu saio com um sorriso que chega a
doer na mandíbula, de tão largo que está. Seguimos para a limusine que
está parada na frente do prédio.
Saí dali como? Andando nas nuvens.
Márcio está me proporcionando a noite perfeita. Noite perfeita
demais, gente!
Quando olho para fora, vejo que estamos chegando a um heliporto.
Estou tão encantada que nem notei o caminho que seguimos. O carro para
e o boy magia sai. Logo depois, ele abre a porta para mim e me guia até o
helicóptero. Entramos e depois de cumprirmos todas as normas de
segurança que o piloto pediu, levantamos voo. Quarenta minutos depois
chegamos a uma ilha com uma casa enorme. O helicóptero pousa no
gramado e o boy magia me dá um cartão.

"Siga as rosas"

Agradeço e ele me ajuda a sair do helicóptero. Assim que ele voa,


começo a pular e a fazer uma dancinha doida. Depois vou procurar as tais
rosas. Dez minutos depois, encontro um caminho de rosas amarelas e no
final dela tem uma linda e enorme tenda e Márcio está parado na frente
dela, com uma rosa amarela na mão.
A primeira coisa que vem na cabeça é ajoelhar e agradecer a Deus
pela graça obtida. Mas consegui me segurar e comecei a andar devagar
em direção a ele. Sentia-me como se tivesse andando nas nuvens, como
se estivesse vivendo um sonho. Quando finalmente chego perto dele, ele
sorri de lado de um jeito sexy, me dá a rosa, segura minha cintura e me
puxa para um beijo carregado de desejo e paixão.
Com Márcio sempre foi assim, sempre senti essa loucura quando
estou perto dele. Os beijos dele nunca são algo singelo. Ele me consome,
me devora, e eu adoro isso.
Ele segura minha nuca e aperta a minha bunda enquanto me beija,
me deixando louca. Quando termina, me olha sério.
— Você sabe que a partir do momento que você entrar nesta tenda,
você será minha. — Me olha sério.
— Sou sua há tanto tempo. — Tento beijá-lo, mas ele segura meu
rosto com ambas as mãos e me olha por um tempo sério.
— Não, você não era minha. Nunca senti por ninguém o que eu sinto
por você. Eu amo você e te quero para sempre. Quero cuidar de você e da
sua princesa e quero que ela seja minha filha. Não é apenas desejo, é
amor. Desejo que você seja minha mulher e me deixe ser o pai da sua
filha. Michele, eu quero casar com você… portanto, quando você entrar
nessa tenda, saiba que será minha, não somente hoje, mas para sempre.
— Enquanto se declara, Márcio acaricia o meu rosto e eu sinto as minhas
lágrimas caírem.
— Passei três horas ficando linda para você, aí você vem e fala
essas coisas e eu começo a chorar… acaba com todo trabalho. Estou
acostumada com isso, não, Márcio — reclamo, chorando. Ele sorri e limpa
minhas lágrimas. — Devo estar parecendo uma palhaça.
— Você está linda… você sempre está maravilhosa para mim, minha
sereia. Você aceita ser minha mulher? — pede, fazendo carinhos no meu
rosto.
— Aceito! Mas você será meu, completamente meu! Isso quer dizer
que é sem olhar para os lados, nem ter amiguinhas, nem... — Ele não me
deixa terminar, me pega no colo, e me leva para a tenda.
Assim que entro, vejo uma linda mesa com flores e cristais. Mas ele
passa direto por ela, e me leva para uma cama cheia de pétalas de flores,
me põe no chão e me vira de costas.
— Queria fazer tudo devagar e com calma. Minha intenção era jantar
e te seduzir aos poucos, mas cheguei ao meu limite, eu te quero agora —
diz com voz rouca, e começa a beijar minhas costas enquanto tira o meu
vestido. Quando ele chega ao chão, Márcio morde minha bunda.
Eu, pela primeira vez em minha vida, fico muda. Não preciso dizer o
que ele tem que fazer para me levar à loucura… ele sabe como tocar meu
corpo como nenhum homem jamais fez.
Ele me vira de frente e já estou apenas de calcinha, que já está para
lá de molhada. Ele sobe as mãos pelas laterais das minhas pernas e
passa o dedo pelo cós da minha calcinha, depois desce a peça devagar e
me lança um sorriso safado. Eu esqueço até de como se respira. Márcio
me pega no colo e me leva para cama, me deita devagar e me beija.
Ele beija, morde, chupa cada parte do meu corpo e, depois de dois
orgasmos, me dou conta que ele ainda está de fraque.
— Você ainda está vestido — digo ofegante.
— Essa era uma parte da sua fantasia, ser amada pelo seu homem
enquanto ele estivesse de fraque. Agora vem a segunda parte. — Ele sai
da cama e dá um clique em um controle, então ouço uma música
dançante. Ele vai para frente da cama e começa a tirar a roupa, dançando
devagar.
— Aí. Meu. Deus! Você vai fazer um strip-tease para mim? Vai
dançar também? — pergunto, animada.
— Você vai ver. — Ele começa a tirar peça por peça, dançando de
forma sensual. Quando ele está apenas de cueca box, solta uma risada
safada e quando a música muda, se vira de costas e começa a dançar.
Bem, primeiro fico parada, chocada, não acreditando nos meus
olhos. Esse homem, com essa bunda enorme — que inveja! — está
rebolando na minha frente!
Estou acostumada com isso, não, gente!
Depois, mais uma vez, tenho vontade de agradecer a Deus... E por
último, claro, surto total!
Começo a pular na cama, nua, gritando feito louca, rindo feliz da
vida, batendo palmas e vendo esse monumento de homem dançando para
mim. Meu homem! Todo meu!
Rindo, vou até ele. Eu o viro para mim e o beijo. Quando nosso beijo
termina, ele começa a rir.
— Tem noção que passei as últimas três horas treinando essa
dança? Agora você pode ter certeza que eu te amo e se algum dia falar
isso para alguém, eu nego! — ele ameaça, rindo.
— Amei a dança e eu amo você. — Beijando-o, eu o empurro para
cama e noto que a música muda. Agora está tocando “Ainda bem”, de
Marisa Monte.
Faço o que quero fazer há meses e, literalmente, devoro meu
chocolate. E ele é todo grande, enorme. Eu já disse que era grande? Meu
amor, a coisa é gigantesca. Perto disso, tudo o que eu vi até hoje eram
meras lombrigas finas, tortas e desengonçadas.
Fazer amor com Márcio foi tudo o que eu sonhei e muito mais. Ele é
carinhoso, mas firme. Fala que há muito tempo sonha em me fazer dele,
pergunta se estou confortável por causa da barriga, menciona que
pesquisou a melhor posição e não corríamos o risco de machucar a nossa
princesa.
— Cala a boca e faz amor comigo! — exijo ofegante e ele me
obedece direitinho. Daí em diante, pelas próximas três horas, a única coisa
que fiz foi gemer e gritar o nome dele a cada vez que tinha um orgasmo.
E, meu amor, como eu chamei o nome dele! Nunca virei tanto os olhinhos
em um curto espaço de tempo.
Agora estou eu aqui, deitada na cama e tomando fôlego. Márcio,
ofegante, foi buscar água para mim. Eu gozei tanto que acho que estou
desidratando… só acho. Mas se ele pensa que a noite acabou, ele está
muito enganado.
São meses querendo esse homem, junto com os hormônios da
gravidez, dá uma Michele ninfomaníaca. Amanhã eu saio daqui de cadeira
de rodas, mas com um sorriso que de longe as invejosas vão falar, mortas
de inveja: “Essa foi muito bem fodida!”.
Ele me dá um copo de água e eu me sento na cama para beber;
então olho para meu corpo todo marcado. Márcio me encheu de chupões
e parece que participei de uma briga.
— Desculpa, te enchi de marcas — diz envergonhado.
— Bem, ainda faltam algumas partes sem marcas, mas a noite é
uma criança. Meu amor, você vai sair daqui seco de tanto que vou me
aproveitar de você — sorrio de forma sensual e ele dá uma gargalhada
gostosa, se levanta, vai até a mesa de jantar e pega uma caixinha.
— Bem, para se aproveitar de mim, tem que aceitar meu anel. — Ele
pega o meu copo de água, depois fica de joelho na minha frente. —
Michele, minha linda sereia, aceita ser minha esposa, minha mulher? Me
aceita como o pai da sua filha e me faz um homem feliz. Você aceita se
casar comigo? — ele pede, abre a caixinha e dentro tem um lindo anel
com um diamante amarelo.
Fruta que caiu! E agora?
C 15

Michele
Fico de boca aberta, olhando aquele anel enorme. É um diamante
amarelo, lindo, e eu não sei o que dizer para ele. Sinto meu projetinho se
mexer e ponho a mão na barriga. Ela deve ter sentido que fiquei ansiosa.
O engraçado é que ela passou a noite toda quietinha e não mexeu em
nenhum momento, porém agora está se mexendo, e muito. Márcio
percebe que fiquei ansiosa, põe a mão em cima da minha barriga, beija-a
e começa a fazer um carinho e meu projetinho aos poucos se aquieta.
Agora veja só! Ela nem nasceu e ele já a conquistou.
Márcio é assim, tem jeito com as pessoas. Com um sorriso faceiro e
seu jeito carinhoso, além de ser gostoso toda vida, consegue conquistar a
todos. Mas será que sou um projeto de caridade dele? Será que ele está
querendo casar apenas para ser um pai para minha filha?
— Márcio, você me pediu em casamento somente para ser um pai
para minha filha? Sou algum tipo projeto de caridade? — pergunto
enquanto ele beija e conversa baixinho contra a minha barriga.
Ele levanta a cabeça, sorri, segura meu rosto e me beija de uma
forma sensual, me deixando toda mole.
— Eu amo seu jeito egocêntrico de ser. Amo seu jeito de não levar
desaforos para casa, amo seu jeito de ser brincalhona, amo o fato de você
me matar de vergonha às vezes e de viver dando nomes engraçados às
pessoas. Amo o fato de você ser imprevisível, por você estar sempre com
um sorriso no rosto. Amo o jeito que você defende seus amigos, mesmo
que às vezes… muitas vezes, você briga com eles mesmo os amando
muito. Eu amo você e, sim, quero ser o pai da sua filha. Mas,
principalmente, quero ser o seu marido, seu amante, seu amor, seu
companheiro. Aquele com quem você pode contar em todas as horas. Eu
quero muito que você aceite ser minha mulher — diz, me olhando sério,
mas de forma carinhosa. Eu começo a chorar. — Ei, declaro meu amor e
você chora? Você não sente o mesmo? Não quer se casar comigo? —
pergunta e vejo seu sorriso se apagar um pouco.
— Eu amo você demais! — Eu me emociono.
— Então por que está chorando? — indaga, voltando a sorrir, e limpa
minhas lágrimas.
— Porque nenhum homem nunca falou assim comigo. Quando vão
me elogiar, sempre falam de características físicas. Quando descobrem
que tenho uma boa condição financeira, mudam suas atitudes comigo.
Mas você nunca nem ligou para isso. Nenhum homem nunca me tratou
como você me trata. — Choro. Ele me empurra na cama e fica em cima de
mim, se apoiando nos braços.
— Não quero saber de outros homens, principalmente se eles não te
trataram como você merece. Eu sou seu homem agora, então esqueça os
outros, esqueça a forma como eles te trataram, e foque em nós dois —
pede, me olhando nos olhos.
— Mas você não acha que é muito cedo? Tipo, sua mãe vai surtar
e... — Começo, mas sou interrompida com um beijo.
— Já vi você com vários humores, mas nunca com medo. Desde
quando se preocupa com o que os outros vão falar ou pensar de você? —
questiona, sorrindo de lado.
— É que antes era somente eu a prejudicada. Mas agora meu
projetinho vem em primeiro lugar.
— Eu sei disso, quero que ela venha em primeiro para mim também.
Deixe-me cuidar de vocês. Juntos vamos enfrentar tudo e todos. Vamos
formar uma linda família juntos. — Ele morde meu queixo devagar,
fazendo-me rir. — Meu amor, vou começar a achar que você é bipolar.
Uma hora chora e outra, ri… qual o motivo do riso?
— Maria acha que se nos casarmos, vamos formar uma família M,
M, M. — rio.
— Família M, M, M? — Me pergunta, rindo.
— Sim, Maria surtou. Eu particularmente acho que é a convivência
com Fernando, que anda surtadinho da silva.
— Só o Fernando, sei... E você não tem influenciado em nada —
indaga, rindo.
— Claro que não! Eu sou a pessoa mais normal, centrada e séria
que eu conheço — afirmo indignada e sabe-se lá Deus o porquê, Márcio
começa a rir.
— Claro que é! Você é muito centrada — Ri e me beija.
— Enfim, Maria sugeriu que nossa princesa tenha um nome que
comece com a letra "M", assim seríamos a família M, M, M. Ah, e tem
mais, nosso projetinho tem que ter nome de novela mexicana, porque para
ela são todas divas — comento, séria, fazendo-lhe sorrir.
— Maria é uma figura, contudo, gostei da ideia da nossa filha ter um
nome que comece com "M". E o que você acha da nossa filha ter um
nome com a letra inicial dos nossos nomes? — pergunta, sorrindo.
— Contanto que não seja nada que se pareça com nome de uma
personagem de novela mexicana, tudo bem. Nada contra as novelas
mexicanas. Não sei por que, mas eu amo as vilãs. Elas são mais
divertidas.
— É a sua cara gostar das vilãs. Entretanto, você reparou que você
disse "nossa filha"? Quando eu falei pela primeira vez, você não me
corrigiu dizendo que era somente sua. — Não consegue conter o sorriso
em seu belo rosto.
— Márcio, posso ser tudo, menos burra. Você cumpriu o que me
prometeu, fez com que a nossa primeira vez fosse algo memorável. Quero
contar aos meus netos que andei em um tapete de pétalas amarelas e que
no final tinha um lindo príncipe, um verdadeiro chocolate derretido, me
esperando com um lindo anel de diamante amarelo.
— Mas você está pulando algumas partes bem gostosas — disse, se
acomodando entre minhas pernas e me tocando devagar.
— Esses são detalhes que só dizem respeito a nós dois. Imagine se
vou sair por aí revelando a nossa intimidade? Vai que alguma vaca ouve e
tenta te roubar de mim. Desço a marmelada nela — começo a suspirar.
— Ninguém nunca vai conseguir me roubar de você. Eu sou seu,
todo seu. — Me beija enquanto me toca.
— Acho bom mesmo, porque depois que nos casarmos, você será
legalmente meu. E ai de alguma filha de uma boa mãe se tentar roubar
você de mim, ou mesmo te olhar diferente, desço a bolacha nela. E,
falando nisso, cadê meu anel? — pergunto, olhando para os lados.
— Michele, estou com o dedo dentro de você e você falando em
bater em uma mulher que você acha que futuramente irá me cantar? Dá
para se concentrar em mim, por favor?! — pede, sorrindo.
— Gato! Espere um pouquinho. Deixe-me pôr meu anel. Vai que
você muda de ideia. É ruim de eu deixar essa chance passar. E também
quero que você ande de anel — afirmo, saindo da cama, e começo a
procurar a caixinha pelo quarto.
— Epa! Eu te dei um anel e quero me casar com você, mas em
momento nenhum disse que usaria um anel. Quero dizer, isso é só depois
de nos casarmos. Pensando bem, alguns amigos meus não usam anel,
então ainda vou pensar no caso. — Enquanto ele fala, eu procuro meu
anel.
— Fruta que caiu! Só porque eu parei para pensar um pouquinho, a
paçoca do anel sumiu! Márcio, levanta da cama e me ajuda, pipoca! — Eu
me desespero, procurando.
— Por que você está falando engraçado? Bem, a verdade e que
você sempre fala engraçado, porém agora está um pouco mais —
pergunta, sorrindo e saindo da cama.
— Você me pediu para parar de xingar, então eu… digamos, estou
substituindo algumas palavras de baixo calão. Cadê o meu anel? — grito
irritada, quando não encontro o anel.
— Michele, eu te amo, mas você às vezes é doidinha. E calma que o
anel não sumiu, está na cabeceira. — Ele pega o anel, sentando-se na
cama, depois pega a minha mão e põe o anel.
— Ele fica lindo na minha mão. — Me emociono, admirando meu
lindo anel.
— Bem, não sei por que eu achei que iria simplesmente ficar de
joelhos, fazer o pedido, você iria se emocionar e aceitar sorrindo. Você já
se deu conta de que ainda nem me disse o tão esperado “eu aceito”? —
indaga, de braços cruzados.
— Meu amor, eu nunca vou fazer o que você imagina, isso é fato.
Aceite logo para não se decepcionar no futuro — retruco, olhando meu
lindo anel e imaginando a cara das invejosas.
— Já percebi isso — Eu o empurro e ele cai na cama, rindo —Tá
vendo, você é imprevisível — diz enquanto subo em cima dele e o beijo de
forma apaixonada. Quando acaba, traço o contorno do seu rosto com os
dedos.
— Você conhece todos os meus defeitos, todos os meus problemas,
sabe que tenho bunda pequena e que infelizmente a sua é maior que a
minha. ― Ele dá uma gostosa gargalhada ao me ouvir. ― Sabe que sou
barraqueira mesmo, que amo sambar na cara das inimigas. Mal posso
esperar para mostrar meu anel bafônico para todas as mal-amadas. E,
mesmo assim, você me ama. E eu amo você, meu chocolate derretido.
Você é o meu sonho realizado e eu não estou acostumada com tudo isso.
Márcio, você é um homem maravilhoso e eu sou a mulher mais sortuda do
mundo por você querer que eu seja sua esposa e companheira. E minha
filha, nossa filha, vai ser uma menina de muita sorte por ter um pai
maravilhoso, como eu tenho certeza que você será. Meu boy magia mor
suprassumo master, eu aceito ser sua esposa. — Ele me puxa e me beija
com paixão, desejo e loucura.
— Eu amo você, minha linda sereia.
— Eu amo mais, meu chocolate derretido. Acho melhor você ligar e
encomendar uma cadeira de rodas para mim e uma maca para você,
porque eu vou sair daqui sem andar e você, seco e desidratado. Meu
amor, a noite ainda não acabou, eu pretendo me esbaldar em você. E
assim que eu conseguir andar, a primeira coisa que vou fazer amanhã é
comprar um anel para você. E você vai usar! Ai de você se não usar —
ameaço, seria.
— Não devo estar fazendo direito, você ainda consegue falar e
pensar. Acho que está na hora de te pegar de jeito. — Me vira e fica por
cima de mim.
— Ai, Meu Deus! Você estava pegando devagar até agora? —
pergunto, horrorizada. Eu já estava bamba com ele pegando "devagar".
— Sim, minha linda sereia… você vive dizendo que não está
acostumada com isso, então resolvi pegar leve. Mas, já que você não fica
quieta, está na hora de te mostrar todo o meu molejo.
Ele, literalmente, me mostra todo o seu molejo e consegue o que
quer, porque dali em diante, eu não me recordo nem do meu nome, quanto
mais consigo articular uma palavra com coerência, que não seja seu nome
aos berros em todos os orgasmos. E, meu amor, foram muitos!
Acordo agarrada ao Márcio igual a um polvo. Sinto-o beijar minha
cabeça e, sorrindo, apoio meu queixo no peito dele.
— Gata, ainda não estou seco, nem desidratado. — Sorri, piscando o
olho.
Caímos na gargalhada juntos.
— Meu amor, você me bagunçou inteira! Posso não estar
desidratada, mas com certeza vou sentar de gatinho por uns dois dias.
— O que você acha de lhe bagunçar mais um pouquinho? — Ele
morde minha orelha.
— Meu amor, bem que eu gostaria, mas como você e a torcida do
Flamengo bem sabem, não estou acostumada com TUDO isso. Então,
estou inchada e dolorida. Provavelmente vou ter que me sentar de ladinho
hoje. — Márcio começa a rir. — É sério! Gato, fizemos amor cinco vezes e
parei de contar meus orgasmos quando cheguei ao décimo. Nos livros não
falava nada sobre ficar toda dolorida. Fui fazer xixi agora há pouco e vi
estrelinhas coloridas — esclareço, desolada, e ele ri ainda mais.
— Amo isso em você, o fato de não ter papas na língua.
— Ué, gente, mas todo mundo faz xixi. Além do mais, seremos
marido e mulher em breve e até lá já quero estar acostumada com tudo
isso. — Mordo os lábios.
— Você vai se acostumar, vamos fazer todos os dias... Bem, está na
hora de voltarmos para a civilização. O helicóptero vem nos buscar em
duas horas.
— Mas já? Quero ir não. Quero ficar aqui agarradinha com você para
sempre. — Eu o abraço.
— E eu que pensei que você queria exibir seu anel para o mundo...
Mal ele termina de falar e eu dou um pulo da cama, porém, minhas
partes íntimas doloridas não me deixam ir muito longe.
Ele levanta correndo e vem em minha direção, preocupado.
— O que houve, você está passando mal? — pergunta, me
segurando por trás.
— Calma, amor, estou apenas toda assada… vou andar de gatinho
até chegar em casa e me deitar de ladinho. Mas repara no sorriso e na
minha cara de quem foi bem amada a noite toda. Estou feliz igual a pinto
no lixo, meu chocolate derretido. Apenas vou andar devagarzinho até me
acostumar com tudo isso. — Vou andando devagar para o banheiro.
Márcio começa a rir e passa por mim.
— Sente-se um pouco que vou preparar o ofurô para você relaxar. —
Ele me dá um beijo e vai preparar meu banho.
— Estou tentando imaginar o quanto você gastou nisso tudo. E, meu
amor, prefiro ficar em pé esperando. Dá para sentar não. Gato, você me
esculhambou inteirinha. — Cruzo os braços. Ele ri e termina o que estava
fazendo.
— Não vou lhe dizer quanto gastei, no entanto, posso lhe dizer que
valeu cada centavo. — Ele me pega no colo, me põe na água e eu suspiro
ao entrar. Logo depois, ele entra e se senta atrás de mim, iniciando, em
seguida, uma massagem deliciosa.
— Márcio, você é o homem dos meus sonhos. Consegue me
surpreender a cada momento. Eu imaginei que você seria o cara safado,
que me levaria à loucura e você foi isso e muito mais. Foi romântico,
carinhoso e realizou fantasias que eu nem sabia que tinha. — Me
aconchego nele.
— Não sou romântico, mas você me faz querer fazer coisas que
sequer um dia imaginei fazer. Coisas que antes achava ridículas e que, no
entanto, agora faço feliz, apenas para ver um sorriso seu.
— Ai, meu Deus! Me boy magia é tão fofo. — Me emociono.
— Pensei que iria deixar você feliz, não chorando. — Ele vira meu
rosto para ele.
— São os hormônios da gravidez. Choro até com comercial de
margarina, imagina com você falando essas coisas lindas. — Choro e ele
me beija sorrindo.
— A vida com você nunca será monótona… eu amo você.
— Eu também te amo — afirmo, chorando.
Depois de vinte minutos saímos do ofurô e começamos a nos vestir.
Meu lindo e maravilhoso chocolate derretido pensou em tudo, inclusive em
trazer uma peça de roupa extra para mim. Contudo, não me importaria de
colocar aquele vestido lindo de novo. Já no helicóptero, dou adeus à linda
ilha na qual passei a melhor e mais romântica noite da minha vida até
hoje. Sim, porque meu chocolate me surpreende todos os dias, e tenho
certeza que teremos muitas noites maravilhosas. Quando finalmente
paramos na frente do meu prédio, ele sai do carro e abre a porta para
mim.
— Não vou poder subir, pois tenho que ir para a empresa. Jante
comigo hoje à noite? — pergunta, fazendo um carinho no meu rosto.
— Eu aceitei me casar com você, é claro que aceito jantar com você.
Mas, me diz uma coisa, você vai passar o dia todo na empresa?
— Sim, meu dia hoje está cheio de reuniões. Por quê? O que você
está aprontando, Michele?
— Eu? Nada! Apenas queria saber onde você vai passar o dia todo.
Você sabe que sou ciumenta, nem tento negar.
— Sim, sei. Entretanto, também sei que você ama aprontar. E por te
conhecer, já vou me preparar psicologicamente para hoje, seja lá o que
esteja planejando.
— Como você faz mal juízo da minha pessoa.
— Apenas te conheço, meu amor. Ao invés de aprontar, descanse,
pois hoje à noite tem mais — pede com um sorriso safado, me beija e vai
embora.
E eu fico como? Com cara de tacho na calçada, pensando em como
vou sobreviver a esse homem.
Não sei como vou fazer, mas é ruim eu correr dele, gente. Nem que
eu tenha que andar de gatinho todos os dias. Que homem! Quando entro
no meu apartamento, vejo Maria, Bianca e Fernando tomando café. Assim
que me vê, Bianca vem correndo em minha direção.
— E aí? Como foi? — me pergunta, ansiosa.
— Perfeito, lindo é maravilhoso — respondo, abraçando-a.
— Michele, desculpa virmos para cá tão cedo, Bianca simplesmente
não estava se aguentando de tanta ansiedade. Queria até ligar para você,
eu que não deixei — Fernando se desculpa.
— Somos irmãs de alma, Fernando. Eu e Bianca somos fechamento,
o que pega para uma, pega para a outra. Sei o quanto ela estava
preocupada. Uma vez vocês se desentenderam e Bianca demorou a
chegar em casa e nem atendia o telefone. Eu quase arrombei a porta dela.
— Eu me lembro, foi no dia que eu trouxe algumas peças de roupa
para a casa do meu amor. — Sorri e abraça Bianca, que fica toda
derretida. Maria o olha, sonhadora.
— Algumas peças? Fernando, você trouxe uma mala enorme com
seus paninhos de bunda depois de algumas semanas de namoro.
— Mero detalhe. Por que você está andando assim? Você não está
se sentindo bem? Quer que eu chame o médico? — pergunta preocupado.
Ele é um fofo, completamente sem noção e fora da casinha, mas um fofo.
— Dei a noite todinha, estou toda esculhambada. — Ele arregala os
olhos, então abre e fecha a boca, como se não acreditasse no que eu
acabei de falar.
— Michele! — Bianca ri.
— Misericórdia! Quem me dera ter uma sorte dessas. Deu até calor
agora — diz Maria, de pura inveja.
— Maria! — reclama Bianca e todos riem. Fernando se despede e as
duas se sentam ao meu lado.
— Mulher, fale tudo e não nos esconda nada! — Maria pede séria,
fazendo-nos rir.
Conto tudo para elas. Maria ouve tudo de forma sonhadora e, no
final, mostro-lhe meu anel.
— Estou tão feliz por você. — Bianca me abraça.
— Eu estou morrendo de inveja! Mas também estou muito feliz por
você. — Maria sorri.
— Obrigada, Monas, mas agora vou descansar porque à tarde vou
comprar um anel para meu noivo. Vocês acreditam que Márcio acha que
não vai usar aliança? Tadinho dele, tão iludido.
— Isso mesmo, dá mole não. Aposto que tem um monte de rapariga
atrás daquela belezura de homem. — Maria suspira.
— Bianca, você me ajuda a procurar um anel perfeito para o meu
Boy magia?
— Claro que sim. Vamos nos encontrar na hora do almoço. Agora
tenho que ir. Beijo! E descanse a... enfim, você sabe. — Ela ri.
— Meu amor, ele não me jogou na parede, mas me jogou na cama e
me chamou de lagartixa a noite toda! Só não desidratei porque a toda hora
ele me dava água. Entretanto, vou andar de gatinho o dia todo! O
problema é que eu estou doida para fazer tudo de novo, mas estou toda
trabalhada na assadura. — Suspiro, triste.
— Mulher, conheço uma mistura de ervas para você pôr sua
perseguida em banho-maria, que tenho certeza que até a noite ela estará
nova em folha e pronta para outra. — Maria garante e Bianca e eu
olhamos para ela de olhos arregalados.
— Jura?! Então me passe a receita porque eu ando precisando. —
Bianca pede, animada.
— Eu e a torcida do Flamengo sabemos que você anda precisando.
Você e Fernando são dois coelhos. — Rio.
— Prefiro não comentar — responde Bianca.
— Maria, como você conhece essa mistura de ervas? Você já deu a
noite toda e ficou toda assada? — pergunto rindo.
— Claro que não! Mas como sonho com isso todas as noites, resolvi
me precaver e procurar algumas receitinhas. Vou fazer a mistura de ervas
para você, porque você está toda trabalhada no bagaço. Que inveja! —
Maria sai para fazer o tal chá e Bianca vai embora.
E eu fico no sofá, como Maria diz, toda bagaçada. Mas com um
sorriso de quem foi muito bem amada! E orando para que o tal banho-
maria de ervas faça efeito e eu possa me acabar no chocolate derretido a
noite todinha...
Eu ainda me acostumo com isso, gente!
C 16

Michele
Depois de ficar duas horas, literalmente, de molho na banheira e sair
de lá parecendo um maracujá seco, estou me sentindo muito melhor.
Completamente recuperada e pronta para outra. Não é que a tal mistura
de ervas deu certo? Estou me sentindo novinha em folha. Maria ter me
apresentado essa misturinha de ervas foi a melhor coisa que aconteceu na
minha vida!
Porque, meu amor, meu chocolate derretido deu cabo de mim! Mas
agora, ele que me guarde! Conheci a misturinha do poder! Agora sim
ninguém me segura. Depois de dormir até as duas da tarde, acordo com o
telefone tocando. Era da loja de decoração marcando uma visita para
daqui a duas semanas. Desligo feliz da vida e ligo para Bianca.
— Mona, a loja bafo de decoração acabou de ligar e marcou uma
visita para ver o quartinho do meu projetinho — informo, toda
entusiasmada, assim que ela atende.
― Boa tarde para você também, Michele! Antes de qualquer coisa,
me diga: a tal mistura de ervas fez efeito? Isso sim muito me interessa.
— Bianca, você não tem noção do quanto! Fiquei duas horas na
banheira, saí mais enrugada que uma vovozinha de cento e cinquenta
anos, mas estou pronta para outra.
— Não acredito que deu certo! — Bianca exclama, incrédula.
— Meu amor! Maria achou a cura milagrosa para mulheres que,
como eu, não estão acostumadas com homens muito bons de cama.
— É sério isso, Michele? — ela me pergunta, rindo.
— Amigaaaa! O babado é fortíssimo! Olha, funciona assim: Você
enche a banheira de água meio que fervendo, aí você põe os matinhos…
quero dizer, as ervas, na banheira, mas deixa a água dar uma esfriada,
senão você vai se queimar e, ao invés de resolver, vai piorar a situação.
Enfim, depois que a água estiver numa temperatura suportável, você entra
na banheira e fica por umas duas horas.
— Duas horas? Michele, não tenho tanto tempo disponível para ficar
duas horas na banheira.
— Mona, o que são duas horas para quem quer dar a noite inteira?
Você fica duas horas, sai igual a um maracujá seco e pronto! Novinha em
folha. — Mal acabo de falar e nós duas caímos na risada.
— Você está cada dia mais doida, Michele — diz quando consegue
controlar o riso.
— Duvido se você não vai pedir a lista dos matinhos do poder…
quero dizer, ervas, para Maria.
— Claro que vou! Assim que chegar em casa — confirma e
novamente caímos na risada. — Mas mudando de assunto, vou marcar na
minha agenda a visita da decoradora. Quero estar no dia que a
decoradora for ao seu apartamento e se eu gostar das suas ideias,
contrato para decorar o quarto da minha filha. Isso assim que Fernando se
decidir por uma casa.
— Pensei que vocês tinham decidido pela casa com piscina. —
Desde que comecei a namorar Márcio, e depois de muito brigar, finalmente
os convenci que vou ficar bem e que eles podem se mudar, mas Fernando
põe defeito em todas as casas.
— Eu também! Mas Fernando implicou com a piscina, então
voltamos às buscas. A verdade é que ele só vai se mudar depois que sua
filha nascer e ele tiver certeza que está tudo bem. Amo-o ainda mais por
se preocupar com você.
— Eu já desconfiava, ele é um surtado fofo.
— Acredita que tive que pôr senha no meu celular para ele parar de
ficar bisbilhotando minhas mensagens? Mas nem assim ele para de mexer
no meu celular! — Reclama, indignada.
— Amiga, aceita que dói menos. Eu particularmente acho que
Fernando está certíssimo de cuidar do que é dele.
— Você fala isso porque é tão surtada quanto ele. E aposto que
neste exato momento, está pensando em uma maneira de conseguir ficar
alguns minutinhos com o celular de Márcio.
— Por isso que te amo, você me conhece como ninguém. — Rimos
juntas.
― Mudando de assunto, você vai poder ir à joalheria comigo? —
pergunto assim que consigo segurar o riso.
― Sim, vou sim. Você vai sair a que horas?
― Pode ser daqui a uma hora no shopping?
― Tudo bem, nos encontraremos lá.
Despedimo-nos, vou para cozinha almoçar e encontro Maria vendo
novela. Passo por ela dando boa tarde e ela acena sem tirar os olhos da
televisão. Depois de almoçar, tomo banho, me arrumo e quando estou
quase saindo, ela me chama.
― Me espera que vou junto ― pede, apressada, pegando sua bolsa.
― Você quer ir comigo e Bianca escolher a aliança do Márcio? E as
novelas? Vai abandonar o drama mexicano? ― pergunto, rindo.
― Com muito pesar, hoje não vou ver minha novela. Mas amanhã
vejo o que Maricruz vai fazer. Eu acho que ela não vai vender o cassino ―
comenta em tom de confidência, como se eu tivesse noção do que ela
está falando.
― Maria, eu não sei nem quem é Maricruz!
― Mulher, Maricruz é da novela Indomável. No começo, ela é meio
mosca morta, mas depois ela...
― Pode parar! Estou com pressa para escolher a aliança de Márcio.
Quero dar a ele ainda hoje na empresa, na frente de todas as mocinhas da
Cruz Vermelha.
― Mocinhas da Cruz Vermelha? ― indaga, não entendendo nada.
― Se eu ainda estivesse falando palavrão, diria na frente daquele
bando de putas! Mas, como não falo mais palavras de baixo calão, não
posso as chamar de quengas, putas, oferecidas dos infernos... Então vou
chamá-las de mocinhas da Cruz Vermelha ― explico, abrindo a porta.
― Enfim, você sabe que eu amo novela. Mas não posso perder um
acontecimento desses, afinal, estou fazendo um curso intensivo de como
conseguir um homem bom!
― Maria, vou fazer uma campanha: #Mariaquercasar. ― Rio ao
fechar a porta.
― Pois faça que eu quero mesmo, viu! Anoto tudinho o que vocês
fazem para conseguir encontrar um homem da categoria que vocês
encontraram. ― Maria confessa com uma cara engraçada, mordendo os
lábios, e eu caio na gargalhada.
Encontramos Bianca no shopping.
Depois de passarmos mais de uma hora entrando e saindo de
joalherias, me apaixono por um anel lindo e exótico. Achei a cara de
Márcio.
― Achei! Eu quero esse! ― Mostro a vendedora, que olha o anel,
depois me olha de cima a baixo.
― Desculpa, senhora, mas esse anel é muito caro. É uma edição
limitada e feita por um designer italiano e parcelamos no máximo em três
vezes no cartão. Poderia lhe mostrar um mais de acordo com sua
condição financeira. ― A vendedora informa, me olhando com desprezo.
Senhor, me dê paciência, porque se me der força, quebro a cara
dessa escrota!
Bianca, que estava de longe falando ao celular, me conhece o
suficiente para saber que estou a ponto de dar na cara da tosca, põe a
mão no meu ombro, se aproxima do balcão e, sorrindo, fala de forma
calma:
― Boa tarde, poderia, por gentileza, chamar o seu superior?
― Se a senhora desejar posso te mostrar os modelos exclusivos que
temos. ― A ridícula sorri para Bianca.
Bianca é aquele tipo de mulher que de longe nota-se que tem
dinheiro. É uma gordelícia linda, chique, que só anda no salto. Diferente de
mim, que faço o tipo meio hippie peituda e desprovida de bunda e só me
produzo para ir a um encontro. Já Bianca é do tipo que não vai à padaria
se não estiver muito bem maquiada e arrumada, eu vou de boa de chinelo.
Nós duas somos completamente diferentes uma da outra, mas
somos fechamento, o que pega para uma, pega para a outra. Chego a
sentir pena da escrota.
Mentira! Sinto pena porra nenhuma. Ops! Truta nenhuma. Às vezes é
tão difícil não falar palavrão. Tem coisa mais gostosa do que mandar uma
pessoa que está te enchendo o saco ir para a puta que pariu? Mandar
uma infeliz se foder é libertador, gente! Você se sente até mais leve
depois.
― Você parece ter algum sério problema de audição. Acredito que fui
bem clara ao pedir gentilmente para falar com o seu superior. ― Bianca
sorri de forma calma, sem alterar a voz, porém todos os que estão na loja
olham para ela e rapidamente chega um senhor e começa a pedir
desculpas.
― Boa tarde, me chamo Rodrigo, sou o gerente da loja. Em que
posso ajudar?
― Boa tarde, senhor Rodrigo. Eu poderia perder meu tempo
informando o quanto a sua funcionária está claramente despreparada para
o atendimento ao público. Como gerente da loja, seria de sua
responsabilidade treiná-la, pois é visível a sua incompetência ao instruir a
sua funcionaria sobre como se deve tratar um cliente, independente da
sua visível ou não condição financeira e nem vou perder meu tempo
fazendo um longo discurso sobre o incidente que acabei de presenciar. ―
Bianca sugeriu de forma calma e todos olham para ela de boca aberta.
Quase todos. Eu estou louca para rir e Maria está com uma cara de
que a qualquer momento vai bater palmas. Porém, nós seguramos.
― Me desculpe. Se a senhora de alguma forma foi destratada na
nossa loja. ― O tal Rodrigo fica com a cara vermelha de vergonha.
― Em momento algum eu fui destratada. Não é a mim que o senhor
deve um pedido de desculpas e sim para minha amiga, que pediu um anel
e sua funcionária supôs erroneamente que ela não teria condições
financeiras de arcar com seu pedido. Eu, particularmente, sairia dessa loja
ligando para o meu advogado e entraria com uma ação de discriminação
contra vocês. Mas, como conheço minha amiga, ela provavelmente ainda
quer o anel. Por esse motivo, peço encarecidamente que o senhor
concretize a venda desse anel. E o pagamento será à vista ― Bianca
explica, calma e sorrindo. Como eu amo essa mulher! Eu já teria quebrado
meia loja, mas amo ver Bianca sendo Bianca.
― Claro, qual seria a forma de pagamento que a senhora gostaria de
usar? ― pergunta, olhando para Bianca, que ia abrir a boca para mais
uma vez humilhar o cara sorrindo, mas me cansei de ficar quieta.
― Meu querido, quem vai pagar o anel sou eu! E como minha amiga
falou, vai ser pago no cartão de débito! E não precisa dar desconto não, tá
― informo, tirando meu cartão de dentro da carteira. Quando o homem vê
meu cartão Black, seus olhinhos chega a brilhar.
Daí em diante, até champanhe o cara me ofereceu, me deu vontade
de mandá-lo enfiar a taça no lombo, mas como Bianca não gosta de
barraco, me segurei. Saímos da loja com Bianca de nariz em pé, Maria
rindo igual a uma hiena e eu doida para dar na cara de alguém.
Entrei em outra loja que fui muito bem tratada. Pena que não tinha o
anel que eu gostei ali.
― Boa tarde, senhora, em que posso ajudar? ― pergunta a
vendedora, de forma atenciosa.
― Boa tarde, por acaso vocês fazem gravação em aliança?
― Fazemos sim. A senhora gostou de algum modelo particular?
― Infelizmente não vim aqui primeiro, você é muito educada. Eu já
tenho o anel, apenas gostaria de gravar algo nele.
― Sem problemas, a gravação demora cerca de uma hora. O que a
senhora gostaria de gravar? ― ela pergunta, dando papel e caneta.
Sorrindo, escrevo. Ela, quando olha, sorri discretamente, pega o
anel, o papel e os leva para dentro, depois volta e me dá a nota. Enquanto
pago, vejo Bianca escolhendo um cordão com dois corações e pedindo
para fazer uma gravação.
― Vamos comer alguma coisa enquanto esperamos? O que você
pediu para escrever no pingente? ― pergunto à Bianca quando saímos da
loja.
― Mandei gravar a frase “Meu Precioso” em um coração, e no outro
o nome de Fernando. Assim quem sabe ele não tira a louca ideia de me
dar uma gargantilha escrita "Pertence a Fernando". ― Ri e eu fico quieta,
olhando para o lado.
― E você, o que mandou gravar? Pela cara que acabou de fazer, foi
algo bem parecido com Fernando. Nunca vi duas pessoas pensarem de
forma tão parecida quanto vocês dois ― indaga, rindo.
― Bem, por dentro, mandei gravar "Melhor que chocolate". Por fora,
mandei gravar "Pertence a Michele". ― Bianca começa a rir e Maria anota
tudo no caderninho.
Depois de lancharmos, voltamos na loja. Bianca põe o cordão com
os pingentes e eu levo a caixinha para Márcio. E ai dele se não usar...

Márcio

Sempre achei que todos os homens que ficam fazendo tudo o que as
mulheres querem eram uns maricas. Por muitas vezes, impliquei e ri da
cara de muitos dos meus amigos. Minha mãe sempre fala coisas como:
“Não cospe para o alto que pode cair na cara”, “A língua é chicote do
rabo”, entre outras coisas... E eu sempre dizia que nunca iria me fazer de
babaca para mulher nenhuma. E, no entanto, estou eu feliz da vida por ter
realizado todos os desejos da minha sereia. Solto uma gargalhada ao me
lembrar de todas as coisas que fiz, inclusive dançar para ela, e faria tudo
de novo só para vê-la feliz.
Carolina me informa que Fernando quer falar comigo e eu autorizo
sua entrada.
― Qual o motivo de tamanha felicidade? ― Fernando me pergunta
ao entrar na minha sala.
― Minha sereia aceitou meu pedido de casamento ― respondo,
sorrindo.
― Meus parabéns. ― Ele aperta minha mão.
― Agora pode me zoar à vontade. Pode falar que virei um
cachorrinho... Mas a verdade é que agora eu entendo a maioria das suas
atitudes. Faço qualquer coisa para ver minha sereia feliz.
― Fico feliz por vocês, Michele é louca, mas é uma pessoa
maravilhosa. Porém, devo confessar que estou preocupado com como sua
mãe vai reagir a essa notícia. Márcio, eu gosto da sua mãe, demais, mas
sou louco pela minha mulher e Bianca é a melhor amiga e defensora
fervorosa de Michele. Para você ter uma ideia, no começo do nosso
relacionamento, ela deixou bem claro que provavelmente iríamos terminar
se eu não me entendesse com Michele. E olha que Bianca é pinto perto da
minha sogra. Digamos que dona Bruna seja uma mistura de Bianca e
Michele elevada a mil... Meu sogro passa um dobrado.
― Vou conversar com minha mãe esta semana. E eu sei
perfeitamente o quanto Bianca defende Michele. Hoje, assim que cheguei
à empresa, ela já estava na minha sala, me esperando. Bianca veio me
parabenizar pelo casamento, e disse que estava muito feliz por mim e por
Michele, que gosta muito de mim, mas que não pensaria duas vezes antes
de cortar minhas bolas, caso a faça sofrer.
Conversamos e rimos mais algum tempo. E ouço uma falação do
lado de fora da sala.
― Aposto dez milhões de dólares que é Michele ― Fernando
debocha olhando para a porta.
― Nem me dou ao trabalho de apostar. Primeiro porque não tenho
esse dinheiro, segundo porque conheço minha sereia e sabia que ela iria
querer mostrar o anel para todas as mulheres da empresa. ― Rindo, vou
abrir a porta.
Assim que abro, vejo que Michele, Bianca e Maria estão na sala.
Bianca está sentada, mexendo no celular, Maria está anotando alguma
coisa em um caderninho e Michele está fazendo biquinho e mostrando o
anel para Carolina. Ela está fazendo uma expressão tão engraçada que a
vontade que eu tenho é de rir; mas como sou malandro, não me meto a
besta de rir da cara dela... Nem imagino o que ela faria se me pegasse
rindo dela. A verdade é que tenho até medo de pensar, afinal estamos
falando de Michele e ela é imprevisível.
Fernando passa por mim igual a uma bala e senta-se ao lado de
Bianca, que desliga o celular assim que ele chega ao lado dela.
― Por que você não me deixa ver o que você estava escrevendo no
seu celular? ― Fernando pergunta à Bianca. Ela o beija e mostra um
pingente com dois corações.
― Olha o que eu comprei e mandei gravar. ― Ele lê e encosta a
testa na dela. Os dois entram em um mundo só deles, como se não
tivesse ninguém ao redor.
― Márcio, meu chocolate derretido, conhecer você foi uma das
coisas mais gostosas que me aconteceu. Você é carinhoso, amoroso,
gentil, safado, gostoso, bom de cama... Falando em bom de cama, Maria
me preparou um banho de matinho do poder! Meu amor, já estou prontinha
para outra. ― Ela pisca um olho e eu solto uma gargalhada. ― Enfim, meu
boy magia mor chocolate derretido, comprei esse lindo anel e mandei
gravar algumas coisinhas nele, para você nunca se esquecer de mim. ―
Ela me beija e me dá uma caixinha.
― Pertence à Michele. ― Abro a caixinha e leio em voz alta,
sorrindo.
― Por que você não gravou Pertence à Fernando? ― Fernando
pergunta à Bianca, que fica de boca a aberta.
― E então, Márcio, você vai ou não usar a aliança? ― Michele me
pergunta com a mão na cintura.
C 17

Michele
Chego ao escritório de Márcio e logo noto a cobra da Carolina. Abro
um sorriso enorme.
― Boa tarde, Carolina. ― Estou tão feliz que até a trato bem, me
direciono a ela sem ironias. Mas a criatura me olha de cima a baixo, e
continua olhando para o computador.
Hoje o dia todo eu tentei não fazer barraco. Procurei ser calma, mas
os barracos me perseguem, gente!
Bianca entra na sala, dá “boa tarde” seco e senta no sofá. Maria faz
a mesma coisa, tira seu caderninho da bolsa, fica olhando para a cara de
Carolina, fazendo careta.
Respiro fundo e tento mais uma vez.
― Boa tarde, Carolina. Você poderia, por favor, avisar ao Márcio que
estou aqui e que gostaria de falar com ele? ― peço, educada.
Estou a ponto de esfregar meu anel na cara dela. Só não fiz porque
o barulho da porta se abrindo desviou minha atenção, meu chocolate
surge com uma expressão de quem está segurando o riso. Eu levanto a
sobrancelha e ele o engole.
Fernando passa por ele como um raio atrás do celular de Bianca,
que o enrola, mostrando o pingente. Eu respiro fundo, faço uma mini
declaração e dou o anel para Márcio, que ao ler a descrição, começa a rir.
― Você vai ou não usar meu anel, Márcio? ― questiono, pondo a
mão na cintura.
― Bem, acho que isso é uma coisa de casal. Fernando e Maria,
vamos sair e dar privacidade a eles ― Bianca pede de forma democrática.
― De forma alguma que eu saio daqui! Esse é um momento épico.
Por anos, ouvi Márcio zoando todos os nossos amigos que ficaram noivos
ou se casaram, eu mesmo fui muito zoado por ele ― Fernando afirma,
cruzando os braços, e sorri.
― Ôxe! Desculpe-me, Bianca, mas estou fazendo um curso intensivo
de como se pôr um anel no dedo de um homem. Vou até pegar meu
caderninho. ― Maria pega o tal caderninho.
― E aí, Márcio, vai pôr o bambolê de otário no dedo? ― Fernando
indaga rindo.
― Bambolê de otário? ― questiono, me virando para Fernando.
― Por anos, Márcio chamou aliança de bambolê de otário. Todos os
nossos amigos que se casaram e usam aliança, ouviram isso ― Fernando
responde, rindo.
―Você está se divertindo, não é? ― Márcio pergunta a Fernando.
― Com certeza! ― Fernando responde gargalhando e leva uma
cotovelada de Bianca.
― Então, Márcio, você vai ou não pôr a aliança bafônica que eu
comprei e mandei gravar singelas palavras, lindas, românticas e
verdadeiras?
― Singelas palavras? Michele, você gravou “Pertence à Michele”! Só
falta mandar fazer uma tatuagem com seu nome... Nem tenha ideias,
odeio tatuagem. ― Brinca quando começo a sorrir imaginando "Pertence
à Michele" escrito nas suas costas.
― Não vou negar que gostaria, mas me contento com você usando o
anel.
― Michele, minha sereia, eu disse que não sou de usar anel. Eu
comprei seu anel do jeito que você sempre sonhou porque eu queria fazer
você feliz. Posso usar um cordão com pingente com a letra "M", o que
você acha? ― ele sugere de um jeito manso, com um sorriso de lado e
piscando o olho.
Ainda vai levar um tempo até me adaptar a toda malandragem desse
homem. Posso estar de pernas bambas, mas é ruim que Márcio me
enrola.
― Um pingente com a letra "M", as cocotas podem entender como
"Márcio". Ou você usa o anel, ou não tem casamento! ― anuncio com a
mão na cintura.
― Michele, não curto anel, mas eu a amo e quero me casar com
você.
― Márcio, é importante para mim. Durante anos eu sonhei com um
cara igual a você, só que você superou todas as minhas expectativas.
Você é tudo o que eu sempre sonhei e muito mais, e eu quero que todas
as oferecidas do mundo saibam que você é meu. Só meu. ― Ando em
direção a ele e coloco meus braços ao redor do seu pescoço.
― Não será um anel que vai evitar que elas cheguem perto de mim,
Michele, e sim eu falar que não estou disponível. E eu não estou
disponível, porque eu quero estar com você. Só você. ― Declara, me
dando pequenos beijos.
― Você disse que ama me fazer feliz. Você usar o anel me faria
imensamente feliz. ― Eu o beijo.
― É tão importante assim para você, eu usar o anel? ― pergunta,
segurando meu rosto.
― Sim, muito! ― respondo convicta.
― Tudo bem. ― Me dá a caixinha. Eu tiro o anel e coloco em seu
dedo, depois o beijo com paixão. Ouvimos um clique, um choro e palmas.
― Vou mostrar para todos os nossos amigos casados que agora
você está usando um bambolê de otário. ― Fernando, rindo, mexe no
celular.
― Foi tão lindo! Desculpe o choro, são os hormônios da gravidez. ―
Bianca limpa as lágrimas.
― Mulher! Tu é porreta por demais. Conseguiu amolecer o homem!
Eu anotei tudinho, depois não me aguentei e tive que bater palmas. ―
Maria diz, batendo palmas e assoviando.
Márcio e eu nós olhamos e rimos. Olho para a criatura das trevas,
vulgo Carolina, e mostro-lhe nossas alianças. Em resposta, ela faz cara de
bunda. Cretina!
― Bem, agora que todos já viram que Márcio aceitou usar a aliança,
vamos dar privacidade ao casal. ― Bianca vai empurrando Fernando e
Maria para fora da sala.
― Obrigada pela força hoje, Mona. ― Mando beijinhos para ela.
― Não se esqueça, estamos junto e misturado. Sempre! ― Ela sai
mandando beijos.
Fernando e Maria saem resmungando. Márcio segura minha mão
para entrarmos em sua sala. Mas antes de ir, eu dou uma olhada na cara
da vaca e discretamente dou um beijinho no meu ombro. Ela me olha
como se não acreditasse que fiz aquilo.
Muito tosca!
Assim que entramos na sala, Márcio solta uma gargalhada.
― Era necessário isso? ― pergunta ainda rindo.
― Claro que sim! Assim, ela passa logo para as quengas de plantão
que você tem dona e que sua dona é ciumenta, loira, desprovida de
bunda, mas muito gostosa.
― Eu sou seu há muito tempo e todas sabem disso. ― Ele me dá
um sorriso safado, que sabe que me deixa toda mole.
― Mas é sempre bom mandar um recado extra. Você é só meu,
chocolate derretido. ― Mordo os lábios.
Ele me pega e me prende na parede tão rápido que me deixa sem
fôlego, me faz virar os olhinhos, delirando de prazer.
Acho que nunca vou me acostumar com a pegada desse homem,
gente!
Ele segura minha bunda com força, não o suficiente para machucar,
apenas para me fazer consciente de que está ali, abre minhas pernas com
a sua perna e começa a roçar sua ereção enorme, grande, gigantesca e
minha calcinha que já estava molhada, fica em tempo de miséria. E eu fico
em pleno delírio. Meu chocolate me beijava, mordia meu pescoço,
sussurrava palavras obscenas na minha orelha enquanto roçava no ponto,
devagar, mas ao mesmo tempo forte, me levando a loucura. Quando ele
puxou meu cabelo com força e me deu um chupão mais forte no pescoço,
eu gozei soltando um gemido alto e ele me cala com seus beijos.
Gente, o homem me fez gozar apenas roçando!
Aí eu te pergunto se não é para pôr "pertence a Michele" em uma
aliança. Claro que sim, gente!
Estou acostumada com isso, não!
Quando tudo acaba, fico encostada na porta, bamba, com as pernas
trêmulas e toda esculhambada. O cabelo devia estar igual a um ninho de
passarinho, de tanto que Márcio mexeu e puxou. Ele me beija devagar e
sussurra no meu ouvido:
— Isso é apenas uma amostra de como vai ser nossa noite.
Fruta que caiu! Carambola, dê-me força! E haja matinho do poder...
porque, meu amor, como diz Maria: Misericórdia! Hoje eu vou pecar... e
muito!
Levo um bom tempo grudada na parede igual a uma lagartixa. Agora
sim eu entendo aquela expressão: “Me joga na parede e me chama de
lagartixa”.
— Quer ajuda para se sentar? ― pergunta, sorrindo, e o telefone da
mesa começa a tocar.
― Eu. Es... Estou bem. Muito bem. Pode... pode atender ao telefone
― gaguejo, ofegante.
Márcio vai em direção à mesa e atende à ligação, sem desviar os
olhos de mim. Sorrio para tranquilizá-lo. Amo esse cuidado que ele tem
comigo. Depois de uns bons dez minutos, me sinto confiante para andar
até o banheiro, sempre sendo seguida pelo olhar de Márcio.
Assim que entro no banheiro e acendo a luz, a primeira coisa que
penso é: “Crê em Deus pai! Que mafuá de cabelo é esse?”. Tento me
organizar, jogo uma água na cara, porque tem batom vermelho até na
minha testa. Meu chocolate me bagunçou toda! Mas estou feliz demais.
Depois de dar um jeito na cara, saio do banheiro com um sorriso feliz
e dou de cara com duas mulheres que, infelizmente, eram lindas e muito
bem arrumadas. Fico parada analisando as duas, que estavam com um
sorriso bobo para Márcio do tipo “ai se eu te pego...”.
Minha vontade era de falar: Tirem o olho que esse homem é meu,
pipoca!
Mas como ainda estou sobre efeito do poderoso orgasmo, ponho um
sorriso nos lábios e saio do banheiro, cumprimentando-as de forma
educada.
― Boa tarde.
Uma morena me olha, sorrindo. A outra era uma loira linda, que me
olha de cima a baixo.
― Quem é você? ― pergunta com um sorriso falso.
Depois o povo me chama de barraqueira, que arrumo confusão à
toa. Eu tento ser educada, gentil, até sorrir, mas a moradora da casinha da
luz vermelha está me provocando. Antes que eu abra minha boca para
falar uma merda para ela, Márcio intervém. Como sempre, ele corre de
uma confusão enquanto eu amo um bom barraco.
― Essa linda e maravilhosa mulher é Michele, minha noiva. Amor,
essas são Suzana e Rogéria, elas trabalham na empresa. ― Márcio sorri e
pisca um olho para mim. O safado sabe que esse sorriso travesso e essas
piscadas de olho acabam comigo. E eu apenas sorrio, feliz demais por ele
ter dito que estamos noivos, para elas.
― Meus parabéns, Márcio e Michele ― a morena diz em um tom
gentil, sorrindo. Gostei dela! Estava olhando para meu o boy magia
querendo devorar ele inteiro, mas depois que soube que eu era a noiva
dele, está tentando controlar os olhares. Gostei, mostra que não é
moradora da casinha da luz vermelha.
― Noiva? ― indaga a loira, que infelizmente é linda e que com
certeza tem a bunda maior que a minha. Não gostei dela! Essa, com
certeza, tem uma suíte máster na casinha da luz vermelha.
— Sim, Suzana. Michele é minha noiva e está grávida da minha filha!
— Márcio fala sério. Minha vontade era de beijar ele todinho! Tive até que
respirar fundo para controlar a emoção.
A tal vaca… Ops! Suzana, me olha de cima a baixo e cala a boca.
Essa, com certeza, já deu para ele!
― Amor, você está em uma reunião de trabalho, nos falamos à noite.
― Eu o beijo com paixão.
Ao me despedir, Rogéria levanta e me abraça, felicitando-me pela
gravidez. E a quenga da Suzana chega perto de mim, mas quando vai
abrir a boca, eu chego perto do ouvido dela e sussurro:
― Antes que você abra a boca para falar merda, entenda uma coisa:
ele está comigo porque me ama, está usando o meu anel. Aceita que dói
menos. Ah, e o mais importante, não sou uma dessas dondocas indefesas
que ouve tudo calada, eu sou de descer a porrada! Então, pense bem
antes de falar alguma merda ou tentar dar em cima do meu boy magia ―
termino de falar sorrindo e a talzinha fica de boca aberta, horrorizada,
olhando para minha cara.
Essas toscas estão achando que vão dar em cima do meu chocolate
e eu vou correndo brigar com ele? É ruim, hein! Eu desço o sarrafo nelas!
Bem, pelo menos ameaço, e depois arrumo alguém para bater nelas. Sou
muito boa em ameaças e barracos, já em partir para mão... Sou alta,
magrela, desprovida de bunda e no momento só tenho barriga e peito. Não
tenho força na mão, mas ninguém precisa saber disso, não é? As minhas
ameaças e barracos surtem muito efeito.
Mando um beijo para Márcio, que está controlando o riso, não sei o
porquê, já que só falei a verdade. Rogéria também está vermelha e tenta
segurar o riso. Já a Suzana, que infelizmente comprovei que tem bundão
― Que inveja! ― ainda me olha com a boca aberta.
Viro-me, meu cabelo quase bate na cara dela e saio andando e
balançando os ombros. Dicas para mulheres que, como eu, são
desprovidas de bunda: na falta de bunda, mexa o cabelo e balance os
ombros!
Saio da sala, passo pela vaca da Carolina, que me olha com
desprezo e jogo um beijo para ela, que fica cheia de raiva.
Amo irritar essa vaca!
Passo na sala de Bianca e me surpreendo ao encontrar Maria
tentando consolar Mariana, que chora copiosamente.
― Pablo se casou nesse fim de semana com Angélica ― Bianca
sussurra para mim.
― Não creio! E ele não falou para ninguém que iriam se casar? ―
murmuro chocada.
― Não, eles viajaram para fazer compras. Bem, isso era o que
Angélica andava cacarejando pela empresa semana passada ― Bianca
volta a sussurrar.
― Essa mulher não presta! Aposto que fez questão de tripudiar de
Mariana ― comento, revoltada.
― Então você conhece a figura. Pelo que parece, viajaram para
fazer as compras para o casamento e acabaram se casando em Las
Vegas ― Bianca explica e eu fico horrorizada.
― Eu tinha certeza que ele arrastava um bonde por Mariana ―
afirmo.
― Eu também! Sinceramente não entendo por que ele se casou com
Angélica, se claramente gosta de Mariana. ― Bianca parece indignada.
― Mas vocês duas querem parar de fofocar enquanto a menina está
se esvaindo em lágrimas aqui na nossa frente?! ― Maria exige com raiva.
― Desculpe, gata, é que eu fiquei passada com essa história de
casamento. Se você quiser, eu arrumo um povo para descer o sarrafo
nele. ― Faço um carinho na cabeça de Mariana, que está vermelha de
tanto chorar.
― Que povo, Michele? ― Bianca pergunta com a mão na cintura.
― Mulher! Eu sei que tu não conhece ninguém que dê uns
catiripapos nesse filho de uma égua ― Maria zomba, também com a mão
na cintura.
― Como diz meu amigo e futuro compadre, Fernando, isso é mero
detalhe. A internet está aí para isso, gente! ― retruco, resolvendo o
assunto. Não sei por que todo mundo riu, até Mariana, que está chorando,
deu uma risada e limpou as lágrimas.
― Obrigada por me fazer rir. Vocês são maravilhosas. ― Mariana
sorriu.
― Gata! O nerd pode ser gato, mas não vale suas lágrimas. Se você
quiser, eu ameaço e xingo ele todinho. Posso não ser boa na mão, mas
ameaço que é uma beleza ― ofereço séria e todo mundo volta a rir. ― É
sério, gente! Dou uns bons tapas na cara, grito e ameaço, mas quando a
situação fica crítica, sempre aparece um abençoado que me livra de levar
uma surra. Mas se um dia não aparecer, eu caio para dentro, saio toda
arrebentada, mas não corro da briga ― digo convicta e elas riem ainda
mais e até eu dessa vez rio junto.
Depois de ficar conversando por mais algum tempo, me despeço
delas, pego Maria pelos braços e vamos embora da empresa. A verdade é
que eu meio que tive que sair puxando Maria, pois a cada homem bonito
que ela via, parava para admirar. E, meu amor! Nunca vi um lugar para ter
tanto homem bonito por metro quadrado. E, infelizmente, muita mulher
linda. Maria vê o pai de Mariana e vai conversar com ele, pouco tempo
depois volta com um sorriso enorme.
Porém, saí dali confiante, porque, apesar de ter um monte de
mulheres lindas, sei que meu chocolate derretido me ama e é todinho
meu. E, claro, ele tem um anel no dedo com um lembrete para nunca se
esquecer.
Assim que chego em casa, tomo um bom banho e tenho uma
brilhante ideia. Quero proporcionar ao meu chocolate derretido todo o
prazer que ele me proporcionou hoje à tarde. Mas aí vem o problema: não
tenho noção do que fazer.
Até meu chocolate, só conheci meras lombrigas finas, que mal
beijavam e já queriam ir para os finalmente. Mas meu chocolate derretido,
não… ele gosta de me deixar louca nas preliminares e eu quero fazer o
mesmo com ele. Vou fazer um strip-tease, e depois fazê-lo, literalmente,
delirar.
Mas como nunca fiz um strip-tease na vida, vou para o único lugar
onde vou encontrar todas as informações que preciso. Internet!
Acabo meu banho, me visto, sento na cama, pego meu notebook e
começo minhas pesquisas. Vou pedir a Maria para preparar os matinhos
do poder. Porque, meu amor, com certeza amanhã vou precisar fazer uso
deles...
Carolina
Engulo seco e suspiro resignada ao observar Michele saindo da sala
de Márcio. Ao passar por mim ela, obviamente, não perde a oportunidade
de me provocar. Bem, não chamaria de provocação e sim de ameaça.
Desde que tive o desprazer de conhecê-la, ela não perde uma única
oportunidade de me intimidar. E dada a sua fortuna, junto com a total falta
de noção, confesso que tenho um temor sombrio e, por precaução, evito
provocá-la.
Contudo, admito que às vezes, muitas vezes, é mais forte que eu e
quando me dou conta que não consegui segurar a língua, prendo a
respiração e um incontrolável calafrio de puro medo toma conta do meu
corpo, por não ter a noção de qual reação Michele vai ter dado o fato do
quão imprevisível ela é.
Arfo e uma incontrolável irritação toma conta do meu ser.
― O que eu ainda estou fazendo aqui? ― murmuro, olhando para a
porta fechada da sala de Márcio.
Ele se mostrou uma enorme decepção. A princípio, pensei que ele
tinha os mesmos objetivos que o eu, no entanto, ele se mostrou tanto ou
mais babaca que Fernando.
Fernando... para mim é impossível não pensar nele sem suspirar em
pura frustração.
Tínhamos tudo para dar certo, deveríamos ser o casal perfeito! Ver
ele todos os dias com aquela gorda... Que ódio!
Baixo a cabeça e observo a linda pulseira que adorna meu pulso, um
presente de Pedro Almeida. Esse é outro que é louco por Bianca. Não
entendo o que esses homens veem nessa mulher.
Pedro tem um caso com Marcela, mas vive a humilhando. Com
Fernando não deu certo a minha faceta de secretária frágil e indefesa, no
entanto, Pedro, o homem que se acha o mais esperto e sagaz de todos
por causa da sua fortuna, está há duas semanas correndo atrás de mim
feito um cachorrinho.
Recosto na cadeira e repenso minha vida.
Vim parar nesta empresa porque o pai de Fernando me pagou uma
boa soma para separá-lo de Bianca. Com a ajuda de Rafael, que na época
era secretário de Bianca, nós quase conseguimos. Porém, infelizmente
não deu certo.
Rafael pediu demissão e hoje está noivo de uma mulher enorme de
gorda e absurdamente rica. Ele pode até não admitir, mas creio que goste
desse tipo físico, dada a sua fascinação por Bianca.
Depois de Fernando pagar uma pequena fortuna ao seu pai, ele,
digamos, me dispensou da tarefa de tentar separar Fernando e Bianca.
Acredito que tenha se dado conta que nada do que fizéssemos daria certo.
Bianca é inteligente demais para cair em intrigas e tem uma amiga louca.
Fecho meus olhos e um profundo gemido brota no fundo do meu ser
ao me recordar de quando Michele, digamos, me deu o que ela chamou de
recado e eu, de agressão física. Fiquei dois dias com terríveis dores de
cabeça, de tanto que ela puxou meu cabelo.
Duas executivas saem da sala de Márcio e nem se dão ao trabalho
de me dar bom dia.
― O que eu ainda estou fazendo aqui? Tenho o dinheiro que o pai de
Fernando me deu e tenho Pedro comendo na minha mão. Cansei! Não
preciso disso ― sussurro, com raiva.
Decidida, pego minha bolsa e me dirijo à sala de Márcio. Bato à porta
e, ao entrar, vejo-o de cabeça baixa analisando alguns documentos.
Suspiro e tento conter um gemido que brota na minha garganta.
Márcio é o tipo de homem que você tem certeza que te faria muito feliz na
cama e confesso que, por diversas vezes, me toquei pensando nele.
Rosto másculo, lábios grossos, dentes branquíssimos, longos cílios e
olhar amendoado, porte forte e atlético, uma linda pele negra que, nas
poucas vezes que toquei, pude sentir que apesar de ser um homem
grande de mais de 1,90 de altura, tem a pele sedosa, macia e gostosa ao
toque. O aroma dele é algo incrível, ultimamente, ele usa o mesmo
perfume todos os dias. Acredito que isso seja coisa de Michele.
Apesar de ser um homem lindo ao todo, o seu sorriso de lado,
safado e faceiro é o seu ponto forte. Ele te prende com o olhar e te seduz
com o sorriso.
― Deseja algo, Carolina? ― questiona sorrindo.
Acredito que ele não tenha noção do quanto o seu sorriso abala as
estruturas das mulheres. Ou talvez saiba, dado o modo como larga os
papéis, se encosta à mesa e levanta a sobrancelha.
Arranho a garganta, fingindo um pigarro enquanto me recomponho.
É quase impossível estar a sua frente e não ficar abalada.
― Vim informar minha demissão ― digo séria, assim que consigo
recuperar a fala.
Um lento sorriso surge nos seus lábios e novamente vejo-me
seduzida. Desvio o olhar da sua boca, suspirando fundo.
― Confesso que me questionava quanto tempo você demoraria a
perceber que não vai conseguir atingir seus objetivos. Porém, é
indiscutível que você é uma ótima secretária. De qualquer forma, acredito
que você terá mais êxito na empresa do nosso cliente, Pedro Camargo. ―
Ele pisca um olho, sorrindo e eu perco de vez a capacidade de falar algo
coerente.
― Ma… mas, como você sabia? Digo, não tenho absolutamente
nada com o senhor Pedro Camargo ― balbucio, tentando disfarçar minhas
reais intenções.
― Eu, particularmente, acho que vocês se merecem. Fico com um
pouco de pena da Marcela, mas acho que ela sabia no que estava se
metendo ao se envolver com Pedro. — Foi simplesmente impossível não
ficar impressionada com suas palavras. ― Não se assuste, apenas fiz meu
dever de casa. Logo depois que voltamos de viagem e notei que você não
tinha mudado, me dei conta que não sabíamos absolutamente nada sobre
você. ― Sorrindo, ele abre uma gaveta e tira de lá uma pasta. Eu fico
pálida. ― Confesso que até eu, que já vi de um tudo na vida, fiquei
impressionado ― diz, sorrindo.
― Eu… eu... ― tento explicar o que não tem explicação, mas ele me
interrompe.
― Nem se dê o trabalho, apenas me entregue sua carta de
demissão e siga sua vida. Como disse antes, você e Pedro formam um
casal perfeito. Você é exatamente o que ele precisa para se tornar um
homem de verdade.
Completamente atordoada, entrego a minha carta de demissão e
saio da sua sala e do prédio o mais rápido possível.
Já do lado de fora, finalmente respiro aliviada. Com um sorriso fugaz,
pego meu celular e começo a pôr meus planos em ação.
― Pedro... estou tão desolada! Acabei de ser demitida. Você poderia
me encontrar no estacionamento da Martins? Estou me sentindo tão triste
e desorientada... ― imploro com voz chorosa e desligo em um choro
aparentemente compulsivo.
Sento-me em um banco, cruzo as pernas e, com um sorriso, espero
Pedro chegar.
Capítulo 18

Michele
Depois de fazer uma pesquisa minuciosa na internet, seleciono
vários vídeos com danças sensuais e começo a treinar no quarto, afinal,
não quero fazer feio na frente do meu chocolate derretido. Quando estou
entretida nos movimentos e caras e bocas, Maria entra no quarto e fica
parada, me olhando.
― Mas, mulher! O que você está fazendo? ― questiona, me olhando
de forma engraçada.
― Estou ensaiando algumas danças sensuais. Quero deixar meu
chocolate derretido louco. Tenho que mostrar para ele que também sei
deixa-lo bambo e desorientado, como ele sempre me deixa ― respondo
sem desviar o olhar do notebook, imitando os passos da dança.
Maria sai correndo do quarto como se tivesse deixado a panela no
fogo e depois volta toda esbaforida com o caderninho na mão. Eu perco o
passo da dança e começo a rir.
― Mas mulher! Tu sabe que estou fazendo um curso intensivo de
como conseguir um homem bom. Tenho que anotar tudinho! ― Maria pega
o nome dos vídeos de dança.
― Vem dançar comigo, Maria! Vamos treinar ― convido, e a próxima
hora é só de diversão e altas gargalhadas.
Eu e Maria tentando fazer uma dança sensual... Uma tristeza,
gente… só Jesus na causa!
― Ainda bem que não dependo disso para viver. Você pelo menos
tem peitão e cabelão, já eu, não tenho nada! Não sei como vou arrumar
um homem bom, você sempre diz que é desprovida de bunda, eu sou
desprovida de tudo! ― Maria se senta na cama, triste.
― Maria, você é mais que minha empregada, é minha amiga e
companheira. Não sei o que faria sem você e você sabe disso. Além de
defender seus amigos, você é muito amorosa com seu jeito meio tosco. ―
Ela ri e eu limpo uma lágrima que cai do seu rosto.
― Mas nada disso atrai um homem bom ― comenta, triste.
― Maria, se o cara não souber reconhecer todas as suas inúmeras
qualidades, ele não vale a pena. Você é batalhadora, honesta… sem falar
que é engraçada toda vida. ― Sento-me ao lado dela.
― Sabe, Michele, eu sofri tanto quando morava na minha terra.
Resolvi largar tudo e tentar a sorte no Rio. Mas prometi para mim mesma
que nunca mais iria querer um homem na minha vida. Mas aí conheci
Fernando e vi o quanto um homem maravilhoso daqueles pode amar e se
dedicar a uma mulher. Fernando é daquele tipo de homem capa de revista,
que você só vê com mulheres tipo modelo. Não que Bianca não seja linda,
ela é, mas ela não é modelo. Ela é gordinha, não é do tipo que baixa a
cabeça e fez o coitadinho passar o pão que o diabo amassou, mesmo
assim ele não desistiu dela. E depois apareceu o Márcio… esse é uma
perdição de homem e, no entanto, te ama tanto que vai assumir sua filha
como dele. Esses dois homens me fizeram ter esperanças de novo, mas
eu não sou uma gordinha gostosona como Bianca, nem sou uma loira alta
e peituda como você. Sou baixinha, magrinha, completamente sem graça
― ela diz, desanimada.
― Maria, você trabalha comigo há muito tempo, e sabe das merdas
que eu já passei com homem. Eu nunca poderia imaginar que na minha
vida apareceria alguém como Márcio. Sonhava, claro, porém, achava que
nunca iria conseguir. Ele me viu além da aparência, além do sexo, além do
desejo. E a mesma coisa aconteceu com Bianca e Fernando. O pobre
coitado teve que batalhar para conseguir ficar com ela, porque ela já tinha
sofrido tanto que não dava brecha para ele chegar muito perto. Não
desista, continue anotando tudo no seu caderninho e, quando "o cara"
chegar, você põe tudo em prática. Mas agora vamos parar de chororô,
porque eu tenho que aprender essa dança e, pelo amor de Deus, prepare
os matinhos do poder para mim, porque amanhã eu vou fazer uso dele! ―
Eu a abraço e ela começa a rir.
Pouco tempo depois Maria volta ao seu normal meio doido de
sempre. Eu acabo de ensaiar minha dança e parto para procurar a música
perfeita. Depois, encomendo um jantar romântico, tomo um banho de
banheira bem relaxante, visto uma lingerie sensual e fico esperando meu
chocolate derretido chegar.
Assim que ele entra, para e sorri de lado. Amo esse sorriso safado
que ele dá. Vou até o som e coloco a música.
― Minha sereia, você está maravilhosa. ― Ele sorri, tirando o terno e
o jogando no sofá. Quando ele vai tirar a gravata, eu a seguro e puxo-o
para mim.
― Não tira a roupa… vem e senta aqui. ― Puxando-o pela gravata,
faço-o se sentar em uma cadeira.
― Está mandona hoje, minha sereia. ― Sorri, sentando-se na
cadeira.
― Hoje você é todo meu e eu vou usar você ao meu bel prazer. ―
Sento-me em seu colo.
― Sou todo seu ― afirma com um sorriso safado.
Seguro o rosto dele e o beijo enquanto me mexo de forma sensual
no seu colo. Sinto que está me apertando com mais força, saio do colo
dele e fico de costas para ele tirando a roupa devagar. Quando estou
apenas de calcinha e meias 7/8, sento-me de volta em seu colo, de costas
para ele e começo a me mexer, a rebolar, sinto-o cada vez mais duro e fico
cada vez mais molhada.
Ele segura minha cintura, morde minha orelha e me chama de
gostosa enquanto rebolo no seu colo. Quando puxa meu cabelo com força,
saio do seu colo e ele ri alto. Danço de forma sensual, depois volto, apoio
ambas as mãos no seu ombro e rebolo forte e gostoso em seu colo,
enlouquecendo-o como ele fez comigo de manhã.
Meu chocolate puxa meu cabelo, aperta meus seios, eu roço mais
forte, rebolando. Mordo sua orelha e ele geme alto. Volta a segurar meu
cabelo e me beija enquanto aperta meus seios. Ele morde meu lábio
inferior e pede no meu ouvido para não parar de rebolar. Quando sinto que
estou quase gozando, saio do seu colo e sorrio ao vê-lo ofegante. Me
introduzo entre suas pernas e fico de joelho na sua frente, tiro sua gravata
e, devagar, abro sua camisa. Meu chocolate me fita em silêncio, apenas
com aquele sorriso safado que me deixa louca.
Beijo todo o seu peito, abro suas calças sorrindo para ele e faço algo
que quero fazer desde que conheci este homem. Ponho meu chocolate
derretido na boca e sinto-o estremecer, finalmente eu consegui
desequilibrar esse homem. Ele segura meu cabelo, me pede para parar
com voz desesperada. Mas eu não paro, o sugo, beijo e volto a pôr seu
pau em minha boca e o chupo devagar, olhando em seus olhos e ele goza
na minha boca.
Aí que começa a confusão...
Como vocês sabem, meu chocolate derretido é grande, enorme,
imenso! E quando ele gozou, eu engasguei com o "negócio" comecei a
tossir, a ficar vermelha. Márcio não sabia se virava os olhinhos ou me
ajudava.
Tristeza, gente!
Quando enfim ele conseguiu ficar de pé, me levou ao banheiro, onde
lavei o rosto e escovei os dentes. Depois, olhamos um para o outro e
caímos na risada.
Meu chocolate me pega no colo, me leva ao banheiro, me dá um
delicioso banho e mais uma vez me faz virar os olhinhos. Quando tudo
acaba, Márcio me seca e me leva para cama.
― Você não jantou. Quer algo para comer? Temos que alimentar
nossa princesa ― pergunta, beijando minha barriga.
― Gato, depois de tanto gritar em pleno delírio, nada passa pela
minha garganta. ― Mal acabo de falar e caímos na risada.
― Gata, você vai comer alguma coisa, sim. Vou fazer um sanduíche
e um suco. No final, nem tocamos no jantar.
― É verdade. Eu estava interessada em me fartar de certo
chocolate. ― Rio enquanto ele beija, antes de ir pegar meu sanduíche.
― Por que você está com essa cara? ― ele pergunta ao retornar
com uma bandeja com sanduíche e suco, que traz até a cama.
― Eu pensei que ia conseguir te deixar louco. Daqui a pouco você
desiste de mim… não consigo acompanhar o seu ritmo ― respondo,
desanimada.
― Minha linda sereia, você me deixa louco vinte quatro horas por
dia, de todas as maneiras possíveis. E você, hoje à noite, me pôs tão
doido que por um momento fiquei desorientado sem saber nem onde
estava. Estava em pleno delírio, tudo culpa sua, minha sereia. Eu te amo,
meu amor. Eu te amo demais! E não é o sexo que me prende a você, não
é o desejo. É muito mais que isso. É o seu jeito louco de ser, o seu sorriso,
é tudo. Eu nunca, jamais, em tempo algum, vou ficar entediado ou achar
você desinteressante, porque isso é simplesmente impossível, meu amor.
― Limpa minhas lágrimas, que caem enquanto ele fala.
― Meu chocolate, eu te amo tanto.
Passamos a noite entre risadas e delírios. Na manhã seguinte, tive
que fazer uso do matinho do poder de Maria.
Depois de passar boa parte da manhã de molho, na banheira
recheada dos matinhos do poder, saio igual a um maracujá, mas pronta
para outra. Depois de me vestir com um macacão confortável, vou à casa
de Bianca, que hoje não foi trabalhar por se sentir mal. Bem, a verdade e
que ela me ligou dizendo que Fernando fez um verdadeiro escândalo
porque ela acordou meio tonta e enjoada e não a deixou ir trabalhar.
Assim que entro no seu apartamento, eu a vejo toda arrumada,
pronta para sair.
― Bianca, você não disse que iria ficar em casa hoje? ― pergunto
sorrindo, me jogando no sofá dela, e Godofredo, o gato enorme preto com
uma coleira rosa brilhante que Bianca tem, vem para o meu colo.
― Bom dia para você também. Eu disse que Fernando não queria
que eu fosse trabalhar. E como eu estava muito enjoada, preferi deixa-lo
pensar que eu iria fazer o que ele queria, se não ele nunca iria parar de
falar e minha cabeça estava explodindo ― explica, passando batom.
― Mulher! Tadinho do Fernando… um homem daquele, todo
cuidadoso e você o enganando. ― Maria, a fiel defensora de Fernando,
disse.
― Maria, estou apenas desviando. Anota isso no seu caderninho:
uma mulher inteligente desvia de dores de cabeça. Ela deixa a pessoa
achar que ganhou e depois vai às forras. E é exatamente isso que estou
fazendo. E você, Michele, melhorou? Hoje de manhã quando te liguei,
você estava toda dolorida ― Bianca explica sorrindo.
― Sim, estou melhor graças à milagrosa misturinha de ervas de
Maria. Maria, você vai ficar milionária com essa porção mágica ― afirmo
rindo.
― Ôxe! Quero ficar rica não. Quero apenas um homem bom, que me
ame, para chamar de meu ― diz sonhadora.
― Você vai conseguir, tenho certeza. Mas quando encontrá-lo, não
faça tudo que ele quer. ― Bianca sorri e pega a bolsa.
― Você vai sair agora, me dá uma carona até ao shopping? Vou
encontrar Márcio no lá para comprarmos algumas coisas para meu
projetinho de princesa. ― Levanto-me rapidamente.
― Você vai assim? ― questiona, me olhando de cima a baixo e
levanta uma sobrancelha. Aí eu me lembro de que estou com um macacão
tipo pijama, com um enorme Bob Esponja.
― Saí da banheira tão relaxada que peguei a primeira coisa
confortável que vi. Em cinco minutos me troco. ― Saio correndo e ouço
Bianca falando que me espera no estacionamento.
Dez minutos depois, nos encontramos e seguimos conversando
sobre nossos relacionamentos. Ela me deixa no shopping e eu fico
olhando algumas lojas e me apaixono por um carrinho de bebê, lindo. Tiro
uma foto e envio para Márcio, que diz que também gostou. Ele me envia
uma mensagem dizendo que está estacionando e que em alguns minutos
me encontra na loja.
Seleciono várias coisas e a atendente é muito gentil e simpática,
principalmente depois de eu dizer que o pagamento será à vista. No
momento em que estou efetivando a compra, ouço alguém me chamando
e sinto um arrepio na costela.
Viro-me e fico pálida. É o Caio, o pai biológico do meu projetinho.
― Michele! Tudo bem? Você não me ligou mais. Nossa, você está
grávida! Não é meu, não, é? ― indaga com uma expressão de repulsa,
assustado e com certo medo.
Eu o olho de boca aberta, sem conseguir falar nada. Nunca imaginei
que iria olhar na cara dele de novo. A minha única reação é pôr a mão na
minha barriga, como se assim eu conseguisse proteger minha filha.
― Olha, você sabe que o que rolou entre a gente não foi nada sério
e eu não quero ter filhos, pelo menos não com você. Eu estou namorando
uma mulher cheia de dinheiro e se ela souber que engravidei uma... perco
essa oportunidade ― sussurra com raiva, nervoso, olhando para os lados.
Eu sempre fui o tipo de mulher que fala tudo na cara de todos, mas
neste momento não consigo falar nada, só consigo sentir.
Sinto raiva de mim mesma por ter perdido meu tempo com essa
merda de homem. Fecho meus olhos e sinto uma lágrima cair, faço uma
oração pedindo forças a Deus e mais uma vez agradecendo por ter
colocado um homem maravilhoso como Márcio na minha vida e por não
ter deixado que esse escroto na minha frente fosse o pai da minha filha.
Porque pai não é o que faz, isso qualquer um pode fazer. Pai é quem
cria, quem dá amor, quem ama incondicionalmente, independentemente
do sangue ou da cor, que luta e briga com tudo e todos. E este ser que
está na minha frente não é o pai da minha filha. Ele é o progenitor, o
doador de esperma, nada mais que isso.
Sinto uma dor no meu coração ao imaginar o quanto ela poderia
sofrer se tivesse contato com uma pessoa assim, principalmente se
soubesse que ela já é milionária antes mesmo de nascer. Aposto que se
ele soubesse desse fato, provavelmente iria querer até disputar a guarda
dela comigo, só para ter dinheiro, ou então iria pedir um bom dinheiro para
sumir. Não quero isso para minha filha. Não quero esse homem perto da
minha filha.
Inspiro fundo e, quando vou abrir a boca, a atendente me chama.
― Senhora, suas compras já estão todas embaladas. A senhora
quer que entregue ou vai retirar na loja? Como pagou tudo à vista, tem um
desconto especial nas próximas compras. ― A vendedora quase beija a
minha mão. Ela deve ter ganho um bom bônus pelas minhas compras.
Assim que ela sai, Caio segura meu braço.
― Como é que você conseguiu comprar nessa loja que só tem
produtos caros e ainda pagar à vista? ― questiona e me olha desconfiado.
Eu começo a entrar em pânico, com medo de ele descobrir a minha real
condição financeira.
― Michele, amor, está tudo bem? ― Márcio pergunta com uma voz
forte.
Eu nunca na minha vida fiquei tão aliviada ao ouvir meu nome. Me
solto de Caio e vou até Márcio, que abraça minha cintura e põe uma mão
na minha barriga, como se quisesse proteger nosso projetinho de
princesa.
Tem como não amar esse homem, gente? Mesmo sem saber o que
está acontecendo, ele tenta nos proteger.
― Não, amor, apenas encontrei um velho conhecido ― respondo,
séria. Agora sim, me sinto protegida, porém, ainda estou abalada.
― Prazer, sou Márcio, noivo da Michele e pai da filha dela ― meu
chocolate se apresenta com uma voz grossa, autoritária, que normalmente
me deixaria molhada, mas que neste momento só me faz suspirar aliviada
por ele estar aqui. Ele dá um forte aperto de mão em Caio, que geme de
dor. Acho que até ouvi os dedos dele estalando. Deu-me até vontade de
sorrir.
― Ele é o pai? ― Caio pergunta, olhando para mim.
― Sim, sou o pai. Ela está grávida da minha filha! Por quê? Algum
problema? ― Márcio indaga, pondo-me atrás dele e encarando Caio, que
dá uns passos para trás.
― Não, não. Imagina! Nossa, que alívio… parabéns para vocês! ―
Caio sai rápido e vai em direção a uma mulher, que o esperava do lado de
fora, de cabeça baixa. Eu particularmente acho que ele estava com medo
de Márcio descer o sarrafo nele, só acho.
― É ele? ― pergunta, tentando controlar a respiração. Nunca o vi
com tanta raiva. Márcio sempre é calmo, no entanto, nesse instante, ele
parece que vai matar ou esganar alguém a qualquer momento.
― Sim. ― Abaixo a cabeça, envergonhada por um dia ter me
envolvido com Caio.
― Nunca mais eu quero esse homem perto de você ou da minha
filha. ― Me abraça forte e eu começo a chorar.
Simplesmente não consigo me controlar. Como é possível que o
homem que gerou a minha filha sinta repúdio sem nem ao menos
conhecê-la? E, por outro lado, outro que não tem nenhum laço de sangue
com ela, a ama e a defende incondicionalmente. Eu acho que eu nunca
vou conseguir agradecer o suficiente por tudo o que Márcio fez por mim
hoje.
Sou barraqueira sim, amo uma boa discussão, só que Caio me
pegou desprevenida, e a rejeição dele me deixou sem fala, sem ação. Há
muito tempo, me defendo sozinha, brigo pelas minhas coisas. Desde que
meus pais morreram, me sinto sozinha. Tenho Bianca e a família dela,
também tenho Maria e sei que eles me amam tanto quanto eu os amo,
mas não é a mesma coisa.
Às vezes, mesmo rodeada de pessoas, nos sentimos sozinhos e
com um vazio que não sabemos definir o porquê de estar ali. E, pela
primeira vez em muito tempo, o vazio que trago dentro de mim foi
preenchido. Não me sinto mais sozinha, agora eu tenho minha filha e
Márcio e sei que ele não vai correr quando um problema aparecer.
Até as pessoas mais fortes têm seus momentos de fraquezas.
Amanhã eu brigo, amanhã eu luto e ameaço Deus e todo mundo, mas hoje
eu quero apenas o abraço, o carinho, o amor e a proteção desse homem
maravilhoso. Hoje isso é mais que suficiente...

Márcio
Acordo sorrindo e olho para minha sereia nua deitada ao meu lado.
Ela está linda. Beijo a sua barriga, sinto nossa filha se mexer e abro um
enorme sorriso. Michele fala que ela sempre mexe quando chego do
trabalho, como se soubesse que o pai chegou.
Eu fico todo bobo, com um sorriso enorme. Sempre que beijo a
barriga de Michele, ela se mexe. Tenho a foto dela em 4D no meu celular e
mostro para todo mundo. Ando ouvindo muitas merdas, mas escuto tudo
calado. Eu sei que mereço, já zoei muito meus amigos.
Beijo Michele, que reclama e diz que está precisada de tal matinho
do poder. Não tenho noção do que ela está falando, mas se tratando de
Michele, deve ser algo muito louco. E é claro que nunca vou falar isso para
ela.
Vou para o banheiro e me recordo que ela quase acabou comigo
essa noite. Mal ela sabe que penso em zumbis, grilos e em várias coisas
que tenho medo para que tudo não acabe antes de começar.
Deus que me livre ela descobrir que tenho medo de grilo. Já até
imagino vários grilos na nossa cama caso eu apronte alguma coisa.
Cruzes!
Saio do banho, preparo o seu café da manhã, me despeço e vou
trabalhar. Ficamos de nos encontrar no shopping para comprar algumas
coisas para nossa filha. Minha filha! O amor que sinto por esse ser que
ainda nem nasceu é algo que não sei explicar. Apenas sinto e ponto.
Assim que chego à empresa, fico sabendo das notícias do dia.
Ontem estava tão concentrado em pensar no que Michele faria comigo, se
por acaso sugerisse usar o anel apenas quando saíssemos juntos, que
nem quis saber das novidades. Pensei em cada merda, cada coisa
mirabolante que ela poderia fazer, desisti da ideia e até que estou
gostando do anel. Ele tem estilo e é bonito.
Mas Fernando me pôs a par das novidades. Pablo se casou com a
Angélica. Primeiro achei que era zoação, mas quando vi que era verdade,
fui atrás dele para saber que merda passou na cabeça dele. Tem mais ou
menos um mês que ele me disse que estava apaixonado pela Mariana e
agora se casa com a Angélica? Infelizmente, não consegui encontrá-lo e
na parte da tarde fui para o shopping encontrar Michele.
Recebo uma foto de Michele assim que chego ao shopping, aviso
que estou estacionando e que em breve a encontro na loja. Estou
gostando muito do fato de ela estar pedindo minha opinião a cada coisa
que pensa em comprar para nossa filha.
Nossa filha!
Sorrio ao imaginar nossa menina e, sendo filha de Michele, com
certeza será arteira. Saio do carro e sigo sorrindo para a loja. Chegando
lá, meu sorriso vacila. Noto pela expressão corporal de Michele que ela
não está bem.
Sei identificar como uma mulher está somente por olhar para ela.
Digamos que são anos de prática, observando as mulheres. Fazer o quê?
Não tenho como negar que sempre fui um malandro e que amava
observar as mulheres. Sempre soube quando valia a pena ou não investir
numa cantada apenas de observar a expressão corporal de uma mulher.
E, nesse momento, minha linda sereia está com medo, algo que eu nunca
a vi sentir.
Observo o cara que está com ela, e noto que ele está segurando o
braço dela com força e isso me dá uma raiva surreal. Imediatamente, dou
um passo para frente, com vontade de esganar o homem, no entanto, paro
no segundo passo. Não sou assim, nunca agi assim. Sempre pensei muito
e analisei as situações, normalmente saio de fininho quando vejo que vai
dar confusão.
Entretanto, nunca me apaixonei. Acho que a palavra “apaixonar” é
muito pouco para o que sinto por essa mulher. Eu a amo! Amo tudo nela e
por ela eu enfrento tudo e todos. Porém, não vou sair pegando esse cara
de porrada, vou mostrar para ele que essa mulher é minha! E se ele for um
cara inteligente, nunca mais vai pôr a mão nela.
Como todo bom malandro, chego de fininho. Contudo, infelizmente
não consigo me controlar, e chamo Michele em um tom mais elevado, sem
conseguir mascarar a minha raiva. Ela a princípio se assusta, depois
respira fundo como se ficasse muito feliz e aliviada em me ver. Michele
vem em minha direção e eu a abraço pela cintura, sinto que ela está
tremendo e isso me dá mais raiva ainda.
Apresento-me para o indivíduo a minha frente, mas minha vontade
era de dar um soco nele. Porém, me controlo. Não gosto deste homem,
tudo nele me dá raiva, ódio, e algo me diz que ele é o pai biológico da
minha filha! Ele demonstra um alívio quando afirmo que sou pai da filha de
Michele e sai correndo. Minha vontade era de ir atrás dele e o pegar de
tapas, mas olho para Michele e desisto. Ela precisa de mim aqui e não
preso por enfiar a porrada nesse infeliz. Eu a abraço forte e falo que não
quero esse homem nunca mais perto dela ou da nossa filha e ela começa
a chorar.
― Ele me disse coisas horríveis. ― Mal consigo entender o que ela
diz entre soluços.
Sento-me num sofá e a ponho no meu colo. Estou pouco me lixando
que estamos no meio da loja. Minha sereia precisa de mim e eu estou aqui
para ela.
― Ele sabe que... ― pergunto, receoso.
― Não, nunca. Ele não merece saber. Você é o pai da minha filha e
pronto.
― Nossa filha! ― Seguro o rosto dela, que volta a soluçar ― Nossa
filha! Michele, você é minha mulher e está carregando a nossa filha. E
vamos legalizar isso o mais rápido possível. Eu amo você, minha sereia, e
não quero esperar para casarmos, não quero esperar para que você seja
legalmente minha. Eu prometo defender você e nossa filha sempre, para
mim vocês sempre virão em primeiro lugar, sempre serão minha
prioridade. Minha linda sereia, você me completa e por você tudo vale a
pena. Não quero uma grande cerimônia… quero apenas eu, você e nossa
filha e isso me basta. ― Beijo-a e ouço palmas.
Olho em volta e vejo algumas mulheres da loja nos olhando e
algumas estão limpando as lágrimas. Michele enxuga suas próprias
lágrimas, respira fundo e me olha.
― Gato, estamos fazendo muita exposição da figura. Deixe para
fazer essa linda declaração entre quatro paredes. ― Michele olha de cara
feia para as mulheres, que estavam suspirando.
Pronto, Michele já voltou a ser a Michele que conheço. O momento
fragilidade passou assim que ela ouviu algumas mulheres suspirando por
causa das declarações que fiz a ela. Ela levanta do meu colo, segura
minha mão e me puxa para o caixa. Uma mulher segura meu braço, me
parando.
― Se ela não aceitar, eu me caso com você agora. ― A mulher sorri
sonhadora para mim.
Pronto, agora deu ruim de vez. Já imagino Michele pegando a
mulher pelos cabelos e dando na cara dela. Até seguro a respiração e fico
pronto para segurá-la, caso ela se atraque com a tal mulher. Mas ela não
seria Michele se não me surpreendesse.
― Meu chocolate derretido é muito carinhoso e romântico. E é claro
que eu já aceitei me casar com ele! Mostre seu anel para ela, gato ― ela
falou um "gato" tão alto que me assustei e como demorei a levantar a mão,
ela pegou minha mão e mostrou à mulher ― Olhe como é linda a aliança e
repara no que está escrito. ― Sinto vontade de gargalhar, mas me
controlo, porque sei que ela está se controlando para não arrancar os
dedos da mulher que está massageando minha mão de uma forma nada
singela.
― “Pertence à Michele”. Quem é Michele? ― a mulher pergunta.
― Eu, é claro! Esse lindo e maravilhoso chocolate derretido é todo
meu. ― Michele entra na minha frente e eu continuo a segurar o riso.
― Você é uma mulher de muita, mas muita sorte. ― Outra mulher
morde os lábios e eu noto que Michele está chegando ao seu limite.
Resolvo intervir.
― Muito obrigado, lindas damas. Vamos, minha sereia. ― Seguro
Michele pela cintura. Ao sair, escuto "oh, lá em casa" e alguns suspiros.
Seguro a cintura de Michele mais firme quando ela faz menção de voltar
para a loja.
Quando estamos longe, paramos, olhamos um para o outro e caímos
na gargalhada.
Seguro o rosto dela e a beijo.
― Eu amo você, minha sereia.
― Eu amo mais, meu chocolate derretido. Puta merda! Eu queria ter
uma bunda daquelas ― exclama do nada.
― Olhe a boca, Michele! Uma hora você está falando que me ama e
no segundo seguinte cobiçando a bunda alheia! Pois saiba que amo a sua
bundinha. ― Seguro a sua bunda e ela ri.
― É sério, gato. Acho mulheres tipo plus size lindas...
Viro-me para olhar a tal mulher que Michele estava elogiando e levo
um susto ao reparar que é a minha ex-noiva.
― Ela não é linda?
― Ela é minha ex-noiva.
― Fruta que caiu!
Ela mal acaba de falar e Monique me olha e vem sorrindo em nossa
direção. É engraçado, tem vários anos que não a vejo… desde que ela me
traiu com Maicon. Sempre imaginei que iria sentir raiva, ou rancor dela e,
no entanto, não sinto nada.
― Márcio! Quanto tempo! Não sabia que você tinha voltado para o
Brasil ― diz, sorrindo.
― Voltei tem alguns meses. Essa é Michele, minha noiva e mãe da
minha filha ― apresento, segurando a cintura de Michele.
Monique olha Michele e sorri.
― Prazer, Michele. Meu nome é Monique e fico muito feliz que vocês
vão se casar, desejo muita felicidade para ambos e que seu anjinho venha
com muita saúde e paz ― diz sorrindo, apertando a mão de Michele.
― Obrigada. ― Michele responde, sorrindo.
― Você não imagina o quanto eu fico feliz em te ver bem e feliz,
Márcio. Sempre vou torcer por você e desejo que vocês sejam muito
felizes ― se despede, sorrindo.
Assim que ela vai embora, Michele fala, olhando para mim.
― Até que ela foi simpática.
― Sim, foi. Ela faz parte do meu passado que, graças ao amor que
sinto por você, está enterrado. Talvez nosso reencontro fosse regado a
magoas e acusações se eu não tivesse te conhecido e me apaixonado
loucamente por você. Você é louca, barraqueira, encrenqueira, mas me faz
muito bem, minha linda sereia.
― Gato, você ainda não entendeu que sou dessas! ― ela começa a
falar um monte de coisas engraçadas, mas sei que é para sair desse clima
estranho. Minha sereia está fazendo a mesma coisa que fiz com ela, me
dando apoio com seu jeito engraçado, me fazendo rir para não pensar na
traição do meu irmão com minha ex-noiva.
Essa linda e louca mulher é perfeita para mim. Ela me completa e me
faz feliz como nenhuma outra foi capaz de fazer.
C 19

Michele
Depois de passar uns vinte minutos falando besteiras, Márcio segura
minha nuca e me beija.
― Obrigado por você existir na minha vida. Bem, mas viemos aqui
para comprar roupas e coisinhas para nossa filha, então vamos.
E as próximas três horas são dedicadas ao meu projetinho de
princesa. Quando estava anoitecendo, comecei a me sentir meia zonza,
mas achei que era uma coisa que logo iria passar. Porém, Márcio notou e
encerrou nosso dia de compras e fomos para casa. Como o mal-estar não
melhorou, ele resolveu ligar para meu obstetra fofo gato, que pediu para
eu ir a uma emergência.
Quando cheguei ao hospital, estava me sentindo tão mal que nem
liguei para enfermeira que estava comendo Márcio com os olhos. Após ter
feito todos os exames, o médico plantonista me informou que minha
pressão estava muito elevada, me receitou um remédio e pediu para
informar meu obstetra, coisa que Márcio fez assim que saímos da sala do
médico. Antes de chegar ao carro, ele já tinha agendado uma consulta
para o dia seguinte. Bem, a verdade é que ele queria ir para a casa do
médico gato naquele momento, mas, como disse que estava cansada e
com sono por causa do remédio, ele cedeu.
Assim que chegamos em casa, tomei banho, e já estava me
preparando para dormir quando ele apareceu no quarto com um
sanduíche e um suco.
― Nem pense em dormir antes de comer alguma coisa. Desculpe-
me, minha sereia, hoje não prestei atenção em você direito. Não devíamos
ter ficado tanto tempo andando no shopping. ― Márcio se senta na cama
e põe a bandeja na minha frente.
― Gato, você não é o culpado e sabe bem disso. Hoje me estressei
demais. O que me relaxou um pouco foi comprar as coisas para nossa
filha. Eu já estou me sentindo melhor. ― Seguro o seu rosto e depois o
beijo. Como eu amo esse homem!
Depois de lanchar, dormimos abraçados. Acordei recebendo beijos e
café na cama.
Na consulta com meu obstetra fofo gato, fiquei um pouco
preocupada. Ele disse que gravidez com pressão alta é algo muito grave,
e recomenda repouso e suspensão do sexo, por enquanto. E, pior, falou
isso na frente de Márcio. Saí dali como? Soluçando!
Como assim ficar sem meu chocolate derretido, gente? Sem sentir
aquela coisa enorme, grande, gigantesca… já disse que era grande, né?
Então, como vou ficar sem virar os olhinhos, gente? Mas como é para o
bem do meu projetinho de princesa, tive que aceitar. Chorei muito, mas
aceitei.
Desse dia em diante não consegui fazer mais nada na minha vida
sozinha. Até na faculdade Márcio deu um jeito de fazer amizade para pedir
o pessoal para me vigiar. Coisa que para ele foi fácil. Na minha turma, só
mulher malcomida; e sei disso porque eu era integrante do clube, até
conhecer meu chocolate. Ele deu um jeito no meu problema.
Foi só Márcio chegar com aquele sorriso safado e conversa macia
que, pronto, tinha toda a turma babando por ele e passando tudo o que
faço e não faço na faculdade. Maria se mudou de mala e cuia para a
minha casa. Márcio pediu para ela ficar comigo nos dias em que ele fez
uma viagem de negócios e, no final de uma semana, ela já estava
morando lá em casa. Apesar de reclamar, amo tê-la como companhia.
Nesse ritmo, se passam seis semanas.
Acordo cedo porque hoje é dia que os decoradores vêm ver o
quartinho do meu projetinho de princesa. Quando saio do banho, encontro
uma bandeja com meu café e Márcio acabando de se arrumar. Visto meu
macacão do Piu-Piu, a roupa mais confortável que tenho. Estou com sete
meses de gestação e tudo começa a incomodar. Sento-me para tomar
meu café, porque sei que Márcio não vai sair enquanto não me ver comer.
Márcio deu entrada nos documentos para o nosso casamento e
conseguiu uma licença especial para nos casarmos daqui a uma semana.
Resolvemos fazer apenas um jantar com os mais íntimos.
― Fernando vai pegar os pais e o irmão de Bianca no aeroporto e
vamos jantar com eles ― comenta, pondo a gravata.
― Eu sei, minha tia me ligou ontem à noite. Ela disse que só volta
depois que a filha de Bianca e meu projetinho nascerem. ― Como minha
tapioca com doce de abóbora. Graças a Deus parei de sentir enjoo e
agora posso comer as delícias que Márcio faz para mim, sem vomitar
depois.
Ele me beija e vai trabalhar e eu me acabo na tapioca e no suco de
cupuaçu. O dia passa tranquilo e, à tarde, me deito para descansar e me
pôr a par das novidades pela internet. Quando me levanto para beber
água, encontro vários produtos de limpeza espalhados.
― Maria, sua louca, eu disse que não era para fazer faxina hoje
porque vem o decorador. Maria! Por que você está parada na porta igual a
uma estátua? ― Olho para porta e vejo Maria igual a uma tosca, parada.
― Mulher, corre aqui agora! Porque não estou crendo nos meus
olhos ― Maria pede com o sotaque baiano carregado.
― Maria, já falei que a cada dia que passa você viaja mais na
maionese. Eu particularmente acho que é a sua convivência com
Fernando, porque aquele ali é louco de pedra. Eu acho que sou a única
pessoa sã entre vocês. Acho, não, tenho certeza! ― comento, andando
em direção à porta. Quando chego lá, paro, estatelada. Até esqueço-me
de respirar.
Sabe aquele tipo de homem, lindo másculo e perfeito que só existe
em novela mexicana? Então, tinha um parado na minha porta.
― Crê em Deus pai! ― Olho para o Deus grego à minha frente,
depois olho para mulher que está junto dele e arregalo os olhos. Meu
Deus, esses são os decoradores. Sem desviar os olhos deles, ligo para
Bianca.
― Mona, sobe aqui agora! E, no caminho, mate o infeliz do porteiro
que não avisou que os decoradores estavam chegando. E se prepara
psicologicamente porque tem um deus grego aqui, o bofe é tipo Gold. E,
pelo amor de Deus, mantenha Fernando longe! ― Desligo o telefone e
olho para Maria, que está olhando para o cara de olhos esbugalhados e
boca aberta. Ela me lembra do cara do filme “O Máscara”, estava quase
babando em cima do bofe.
― Tome tento, mulher! Fecha essa boca, limpa essa baba e foca no
caderninho! ― Sacudo os ombros dela. Ela desperta do transe, limpa a
baba, pega os produtos de limpeza e sai correndo.
É doida, essa mulher! No entanto, eu a compreendo… se eu não
tivesse meu chocolate derretido, estaria aqui agora, me afogando numa
poça de baba. O homem é do tipo de deixar qualquer mulher de boca
aberta.
Assim que Maria sai e os convido para entrar. Ela se apresenta como
Cristina e o bofe gato é Victor. Até o nome do homem é bonito, gente.
Peço para eles aguardarem um pouco que minha amiga já está chegando
e, pouco tempo depois, Bianca chega. O tal Victor fica babando por
Bianca, que caga e anda para ele. Se ele soubesse do perigo que corre,
nem olharia para ela. É sério, gente… Fernando está surtadinho da silva.
Cristina é uma mulher gordinha, muito bonita e parece ter ficado
intimidada com Bianca, mas depois se solta. Enquanto conversamos sobre
a decoração do quarto do meu projetinho, a campainha toca e eu tenho
certeza de que é Fernando. Até suspiro alto, já imaginando o show que ele
vai dar assim que ver o Victor.
Maria surge com o vestido vermelho que usou na festa de noivado
de Bianca e Fernando. Ela estava de batom vermelho, salto alto, se
segurando pelas paredes e piscando o olho para Vitor. Bianca e eu
olhamos aquilo, passadas, tipo não crendo no que estamos vendo.
Bianca me olha, indica Maria com a cabeça e eu apenas sussurro
"caderninho" e olho para Victor. Ela entende na hora e faz de tudo para
segurar o riso. Quando Maria finalmente consegue chegar até a porta,
Fernando entra e, ao ver Victor, dá um beijo cinematográfico em Bianca. É
claro que ele ia dar seu show básico de sempre.
― Fernando, mete o pé, rala, vaza daqui! Bianca e eu vamos ver a
decoração do meu projetinho de princesa. ― Passo a mão na barriga.
― Michele, você tem que aprender a fazer as coisas sem a minha
mulher! Você reparou que você ainda está com o pijama do Piu-Piu? ―
Fernando me repreende, grudado em Bianca e olhando feio para o Victor.
― Desculpe-me pela falta de educação. Fernando, esses são Victor
e Cristina, eles vão fazer a decoração do quartinho da filha de Michele. E
pare de implicar com a roupa de Michele! Se ela se sente confortável
vestida de Piu-Piu, deixe-a assim ― Bianca briga com ele.
― Vocês são casados? ― Victor pergunta à Bianca, com uma
carinha triste.
O bofe tudo de bom, achou que teria chance com Bianca. Tolinho
ele, né, gente… nem imagina o louco de pedra que é Fernando.
― Sim! Ela é minha mulher. ― Fernando entra na frente de Bianca e
encara Victor.
Não disse, surtadinho da silva!
Olho para Maria e ela está olhando para Victor com cara de tarada.
Eu sou a única sã aqui, gente! Não sei por que o povo ri quando digo
isso, é a mais pura verdade.
― Não, não somos casados. Nós somos noivos. ― Bianca entra na
frente de Fernando.
― Isso é um mero detalhe! Ela está grávida da minha filha e vamos
ter esse bendito papel assinado em algumas semanas. Ela é minha
mulher, sim! ― Fernando afirma de forma orgulhosa, agarrando Bianca.
― Fernando, nós ainda não decidimos sobre a data do casamento e
isso não é assunto para se resolver agora ― Bianca diz séria, olhando
para ele.
― Como não decidimos? Vamos nos casar em algumas semanas.
Amor, acho melhor deixar Michele resolver sozinha a decoração do
quartinho de princesinha ou então chamar o Márcio. E nós dois vamos
para a empresa, pois tenho algo muito importante a falar com você ―
Fernando pede com uma voz de pura sedução, a abraçando, e a beija.
― Fernando vá você para a empresa. Eu avisei que só vou à tarde.
Agora eu estou ocupada resolvendo um assunto muito importante para
Michele. Mais tarde nos veremos. Beijos e te amo. ― Bianca se despede
de Fernando.
Eu aproveito que Bianca o pôs para correr e vou empurrando-o para
a porta. Imagina se o deixaríamos afugentar o deus grego da decoração.
Um bofe lindo desses só deve ter boas ideias… Fernando para na porta e
começa a ameaçar.
― Preste atenção! Você não deixa esse Zé Ruela chegar perto de
Bianca!
― Seu tosco! Você sabe que Bianca não precisa que ninguém a
defenda.
― Eu vou ligar para Márcio e dizer que tem um Zé Mané aqui! ― ele
ameaça, pegando o celular.
― Olhe aqui! Sou uma mulher grávida, não posso me aborrecer e
você está me aborrecendo. ― Ele vai embora resmungando. Fernando é
tão bobinho, nunca vi um homem ter tanto medo de mulher grávida como
ele.
Volto para dentro e encontro Maria parada no mesmo lugar. Bianca e
os decoradores não estão mais na sala.
― Onde eles estão? ― pergunto e tento segurar o riso. Ela está
muito engraçada.
― Bianca foi mostrar o quarto da sua bebê. Acuda-me aqui, mulher!
Não estou conseguindo andar com o salto alto ― pede, se apoiando na
parede.
― Maria, pelo amor de Deus, por que você pôs essa roupa? E o
mais importante, por que você põe salto se não consegue andar com ele?
― indago, tentando segurar o riso.
― Você viu a categoria daquele homem? Ele merece salto alto e
roupa de festa. Vou usar tudinho que aprendi e anotei no meu caderninho.
Esse é daquele tipo de homem que vai me deixar de pernas bambas ―
explica enquanto dou o braço para ela.
Caminhamos para o quarto com Maria se apoiando em mim e
fazendo bico. E eu tento segurar o riso. Tenho que ensiná-la a ser sexy.
Ela não está acostumada com isso, não, gente!
Depois de uns bons quinze minutos, finalmente chegamos ao quarto.
Andar com Maria segurando meu braço, é difícil demais. Toda hora parava
para rir e só voltava a andar quando conseguia controlar o riso.
Quando chegamos ao quarto, estava com a barriga doendo de tanto
rir. Assim que passamos pela porta, Maria encontra uma cadeira e se
senta. A criatura chega a suspirar de alívio. Aposto que estava com medo
de cair do salto.
Nota mental: ensinar Maria a andar de salto.
― Michele, Bianca nos falou que você não quer nada convencional.
Diga-nos o que você deseja para o quarto da sua filha ― Victor pede e eu
ouço Maria gemer.
Até a voz do homem é bonita. Fico olhando para ele, tentando achar
um defeito no cara. Ele não tem defeito, porém, não sinto nada por ele. Ele
é lindo, simplesmente perfeito, no entanto, não é meu chocolate derretido.
Aquele ali é só sorrir de lado para me deixar toda mole e bamba.
― Bem, é mais fácil eu dizer o que não quero. Não quero babados e
lacinhos, nem nada de princesas. Nada de vários tons de rosa e nem de
bege. Quero Piu-Piu e Frajola, Bob Esponja e coisas coloridas. Ah, e
também quero uns dinossauros ― comento e Cristina começa e rir.
― Michele, você precisa se decidir. ―Victor sorri.
― Michele, Márcio vai amar um babadinho e lacinho ― Bianca
comenta, rindo.
― Mas eu não quero nenhum babadinho! ― afirmo, batendo os pés.
― Ok, quero que feche os olhos e me diga o que você mais gostaria
de ter no quarto da sua filha ― Victor pede e, mais uma vez, Maria geme.
Faço o que ele me pede. Fecho os olhos e imagino uns quartos
cercados de bichinhos lindos e fofinhos e engraçados.
― Eu quero um monte de bichinhos fofinhos e engraçados, mas
nenhum babadinho...
Conversamos por mais de uma hora. Foi engraçado e divertido. Na
despedida, Cristina puxa Bianca para conversar e Maria resolve conversar
com Victor. Até que ela vai bem, ele fala um pouco da vida dele, diz que
voltou para o Brasil há pouco tempo. Ele é simpático e atencioso e Maria
consegue se controlar direitinho.
Estou tão orgulhosa dela. Ela está segura e confiante, está até
sorrindo sem babar. Mas a coisa desanda na hora da despedida, quando
ele beija a sua mão.
Gente, a criatura se encosta na parede, vai descendo e
simplesmente cai no chão.
Eu corro e a seguro de um lado, Victor segura do outro e começa a
assoprar bem próximo ao rosto de Maria, que começa a ficar estrábica,
vendo aquele homem lindo a sua frente. Olho para Bianca, que ainda está
conversando com Cristina e noto que ela observa a cena como se não
acreditasse no que está vendo.
Victor pega Maria no colo e a leva para o sofá. A sem vergonha deita
a cabeça no peito dele, se aproveitando da situação. O problema foi que,
na hora de colocar ela no sofá, Maria não queria largar o pescoço de
Victor. Que vergonha!
― Maria, você vai quebrar o pescoço de Victor. ― Sorrindo sem
graça, tento puxar os braços dela do pescoço do bofe.
Depois de muito custo e alguns beliscões, Victor consegue se soltar
e me olha assustado.
― Bofe, dá um desconto, vai. Ela não está acostumada com tudo
isso, não! Os neurônios dela entraram em pane quando você a pegou no
colo ― peço e ele começa a rir. Depois se abaixa e beija a testa de Maria,
que fica com cara de tosca sonhadora no sofá.
Enquanto abano Maria, Bianca vai se despedir dos decoradores, que
ficaram de voltar em uma semana para me mostrar o projeto.
― Meu Deus, que vergonha! Maria do céu, você surtou? ― Bianca
pergunta, horrorizada.
― Amiga, desiste, o boy magia beijou o rosto de Maria e, neste
momento, ela não está entre nós. Provavelmente está viajando na
maionese, imaginando mil safadagens com Victor. ― Mal acabo de falar e
eu e Bianca caímos na risada.
― Ainda bem que o pai de Mariana não a viu babando pelo Victor.
Ela iria perder um pretendente. Eles ficaram de ir a minha casa, porém,
como sabia que não iria estar lá, pedi para eles me procurarem aqui ―
Bianca comenta, rindo.
Logo depois a campainha toca, Bianca vai atender e é Mariana que
entra, com o pai logo atrás. O pai de Mariana, quando vê Maria caída no
sofá, corre para socorrê-la. Começa a perguntar o que houve, e eu fico
com cara de tacho, sem saber o que falar. Uma coisa é eu ficar brincando
com Maria na frente de Bianca, no entanto, jamais iria falar para um
estranho que ela quase desmaiou porque um gostosão que parece ter
saído de uma novela mexicana beijou o rosto dela. Essa é uma imagem
preciosa que vou recordar sempre que estiver me sentindo triste.
― Ela teve um breve mal-estar ― Bianca explica com um sorriso
sem graça.
― É esse tempo doido. Mas quando voltarmos para João Pessoa,
tudo vai melhorar ― o pai de Mariana comenta. Fazendo carinho na
cabeça de Maria.
― O quê? ― Bianca e eu gritamos juntas.
― Maria não pode ir embora. O que será da minha vida sem ela,
gente? ― Eu me desespero.
― Senhor Arino, Maria não mencionou em nenhum momento que iria
viajar ― Bianca comenta calmamente, mas torcendo as mãos.
― Depois de nos casarmos, vamos voltar para minha terra. É isso
que viemos falar para a senhora, estamos indo embora ― Ele faz um
carinho no rosto de Maria.
― Pai, não sabia que o senhor queria se casar ― diz Mariana,
chocada.
― Mas é claro que quero, minha filha. Maria é trabalhadora e
humilde. Depois de nos casarmos, vamos voltar para Bahia ou João
Pessoa… isso ainda não decidimos, mas não vamos ficar aqui ― ele diz,
convicto.
― Crê em Deus pai! ― digo, horrorizada.
― Pai, a Maria é muito nova para o senhor... ― Enquanto Mariana
dialoga com o pai, vou até Maria e dou umas boas sacudidas no seu
ombro.
― Desperta, mulher! Que história é essa de você nos abandonar? ―
Ela abre os olhos, encara ao redor e fica horrorizada ao se dar conta que
estão todos olhando para ela. Não disse que ela estava viajando na
maionese?
― Mas eu não vou! Vim para cá para tentar uma vida melhor. Arino,
você é muito gentil e eu gosto muito de você, mas eu quero mais da vida,
não quero voltar para o lugar de onde vim. Eu não tenho mais nada lá.
Não tenho nada que me faça querer voltar, só péssimas lembranças ―
Maria explica, triste, e eu me sento ao seu lado.
― Você não tem família aqui também e nem nada que te prenda
aqui. Eu vou te respeitar e te tratar bem, Maria. Eu e minha filha vamos
voltar para o nordeste. Minha menina está sofrendo muito. E eu queria
muito que você fosse com a gente. Viemos agradecer tudo o que a
senhora fez para gente, Dona Bianca. ― Ele se levanta e vai para o lado
da filha e Bianca se acomoda no lugar dele, ao lado de Maria.
― Arino, eu tenho algo muito importante que me prende aqui: essas
duas ao meu lado. Bianca e Michele me mostraram um mundo novo, elas
são mais que minhas patroas. Sei que me consideram sua amiga e hoje
em dia eu as considero minha família. E eu nunca iria abandonar as duas
neste momento tão especial da vida delas ― Maria explica, segurando
nossas mãos. Bianca e eu não seguramos a emoção.
― Eu também te considero da minha família, Maria ― afirmo,
chorando e a abraçando.
― Você vai abandonar tudo que conquistou aqui, Mariana? Seus
estudos, trabalho. Tudo? ― Bianca pergunta a Mariana assim que
consegue se recompor.
― Meu pai há muito tempo quer voltar para a terra dele, Bianca, e
depois dos últimos acontecimentos, não vejo mais motivos para ficar aqui.
É tudo muito constrangedor. Além do mais, como vou ficar aqui sozinha?
― ela comenta sem graça, olhando para os lados.
― Isso é fácil. Você pode ficar comigo. Assim você acaba seus
estudos e, de quebra, eu te ensino algumas coisinhas também ― sugiro,
resolvendo o problema.
― Imagina, Michele! Você vai se casar agora e daqui a alguns
meses tem um bebê. Eu só vou atrapalhar ― Mariana alega,
envergonhada.
― Gata, você já reparou no tamanho do meu apartamento? Moro em
um tríplex com seis quartos, você não vai atrapalhar. E tenho certeza de
que Márcio não irá se incomodar.
― Mesmo assim, não acredito que seja uma boa ideia ― Mariana
argumenta, sem graça.
― Mariana, Fernando e eu vamos nos mudar em algumas semanas,
você pode ficar no meu apartamento ― Bianca a convida, tentando
convencê-la a ficar.
― Não vou deixar minha menina morando sozinha nesse Rio de
Janeiro ― Arino afirma zangado e olhando feio para Maria.
― Maria pode ficar com ela no apartamento de Bianca e, assim, ela
não irá ficar sozinha. Isso sem falar que Bianca vai morar praticamente na
esquina e eu moro a alguns andares a cima ― explico, tentando
convencê-los.
― Mariana, não deixe que a atitude de outros mude o futuro que
você sonhou para você ― Bianca pede calma para Mariana.
― Mariana, não seja covarde, não corra. Nós vamos te ajudar a
enfrentar essa situação ― digo para ela com firmeza.
― Mariana, não deixe que um homem defina quem você é. Seja
forte, conquiste tudo o que você sonhou. Aproveite a oportunidade que
está na sua frente e a agarre com unhas e dentes. Não são todos os dias
que encontramos pessoas querendo nos estender a mão. Eu sei disso, eu
passei por isso, mas eu fugi, passei anos fugindo ― Maria confessa e
Mariana limpa as próprias lágrimas. ― Arino, eu gosto muito de você, mas
como amigo. Eu não quero ficar com uma pessoa apenas porque ele vai
me tratar bem e me respeitar. Eu quero e mereço mais que isso. Essas
duas fortes mulheres me mostraram que mereço mais ― explica para
Arino.
― É isso que você quer, minha filha? ― Arino pergunta a Mariana,
que nos olha indecisa.
― Mariana, se você abaixar a cabeça e fugir agora, você vai fazer
isso pelo resto da sua vida. Você não fez nada de errado, e não tem por
que ir embora. Você tem um futuro promissor na empresa e está quase
terminando a faculdade. Desilusões amorosas todos têm. Agora é hora de
respirar fundo, levantar a cabeça, e mostrar para todo mundo quem é você
― Bianca aconselha, segurando a mão de Mariana.
Mariana fecha os olhos, respira fundo e olha para o pai.
― Sim, pai. Eu vou ficar.
C 20

Michele
Abraçamo-nos depois que Mariana aceitou morar no apartamento de
Bianca.
― Mas eu vou viajar daqui a três dias. A senhora vai se mudar
quando? — o pai de Mariana pergunta a Bianca.
— Vou me mudar em três semanas, uma semana depois do
casamento de Michele — ela responde ao senhor Arino.
— E minha menina vai ficar sozinha nesse Rio de Janeiro todo esse
tempo? — pergunta, preocupado.
— Mariana pode ficar aqui até Bianca se mudar. Depois ela e Maria
se mudarão para o apartamento de Bianca. Maria já trouxe seus paninhos
de bunda para a minha casa na semana passada. — Sorrio. Maria me olha
com raiva.
— Vou ficar bem, Pai. O senhor pode ir tranquilo — Mariana
tranquiliza o pai.
— Tudo bem, então. — O senhor Arino suspira alto.
Ficamos mais meia hora conversando e Mariana ficou de se mudar
em dois dias. Depois que Mariana e o pai foram embora, Bianca foi para a
empresa. Bem, a verdade foi que eu praticamente a expulsei da minha
casa. Fernando estava ligando para ela, para mim e até para Maria a cada
cinco minutos, querendo saber se o Victor já tinha ido embora e, mesmo
todas nós dizendo que o Deus Grego Master Gold, vulgo Victor, não
estava mais aqui, o tosco não acreditou e continuava ligando. Somente
quando ele me perguntou o que eu faria se Victor fosse uma mulher tipo a
Jennifer Lopez ― morro de inveja da bunda daquela mulher ―, enfim, só
de imaginar ela na minha casa com Márcio, foi que compreendi o
desespero do meu amigo e mandei Bianca ir correndo para a empresa.
Não sei por que, mas em algumas atitudes, me identifico muito com
Fernando.
Depois que Bianca saiu, Maria finalmente se levantou do sofá no
qual estava desde o beijo que Victor deu no seu rosto, tirou o sapato e foi
resmungando para o quarto, dizendo que não teve tempo para analisar o
caderninho direito e que foi pega desprevenida. Mas que da próxima vez
que Victor viesse, ela estaria preparada.
Como assim, gente? Tenho até medo de imaginar o que Maria vai
aprontar da próxima vez. Apesar de que acho difícil ela se superar. Só de
me lembrar dela, caindo no chão depois que o boy magia beijou sua mão,
me dá vontade de rir. Bem, mas estamos falando de Maria e seu
caderninho, então tudo pode acontecer.
Passo o restante da tarde me atualizando das notícias online e
fazendo como meu estimado amigo e futuro compadre Fernando diz: “Uma
verificação diária nas redes sociais de Márcio”.
Meu amor, como tem cocota residente da casinha da luz vermelha
nas redes sociais do meu chocolate derretido! Assim que entrei, exclui a
metade. A outra metade, as, vulgo, “amiguinhas”, estou de olho. Depois de
mandar meu singelo recado, algumas me chamaram de louca ciumenta,
coisa que não neguei. Sou ciumenta, sim, sou dessas que faz barraco,
sim. E estou pouco me lixando se o povo gosta ou não. Eu sei o quanto foi
difícil encontrar um homem como meu chocolate derretido e não sou
evoluída como Bianca que deixa Fernando livre, leve e solto porque sabe
que a ama. Sou mais parecida com Fernando, que vigia e põe para correr
qualquer concorrente. Acho que é por isso que a gente se dá tão bem. Só
acho.
Depois de passar a tarde fazendo mil e uma ameaças às cocotas
online, acabo pegando no sono. Sou acordada com beijos nas minhas
costas.
— Faz isso não, eu estou impossibilitada de virar os olhinhos —
gemo, sem me virar, e Márcio dá uma gargalhada gostosa que me deixa
toda arrepiada.
— Minha linda sereia, também não está sendo fácil para mim. Mas é
para o bem da nossa filha. E por ela e por você tudo vale a pena. — Ele
beija minhas costas.
O comentário dele me fez lembrar de um comentário que uma filha
de uma boa mãe fez na foto do perfil de Márcio. Ele postou uma foto
beijando minha barriga e uma filha de uma quenga disse, na maior cara de
pau, para ele ligar para ela quando estivesse muito estressado, que ela o
relaxaria. O que a infeliz não sabia é que eu tenho a senha dele. Moral da
história: primeiro xinguei ela todinha, depois excluí, claro.
Mas Márcio é um homem sensual. Um homem com um desejo
sexual voraz e intenso. Estamos há seis semanas sem sexo e isso
começa a me preocupar. Principalmente porque estou com sete meses de
gestação e pelo que Dr. Marcos disse, até o final da gestação, nada de
sexo. E depois vem o resguardo. Será que nosso relacionamento
sobrevive a isso? Apesar dos momentos intensos e de amá-lo loucamente,
estamos juntos há pouco tempo.
— Ei, o que essa cabecinha está pensando? Você só fica muda
assim quando começa a pensar besteira — pergunta, beijando minhas
costas.
É impressionante o quanto ele me conhece, mas não vou ficar
falando dos meus medos de que ele acabe não aguentando ficar tanto
tempo sem sexo. Vou fazer o que eu faço de melhor, mudar de assunto.
— Os pais de Bianca já chegaram? — questiono, me virando para
ele, pondo um sorriso mais falso que nota de três reais no rosto.
— Sim, há umas três horas. Peguei-os no aeroporto e os levei para a
casa de Bianca — responde, me fazendo um carinho no rosto.
— Ótimo, então vou lá falar com eles. Gugu também veio? — indago
sorrindo e Márcio perde o sorriso.
— Sim, o tal Gustavo também veio. Ele passou a viagem
perguntando sobre você. Vocês já tiveram alguma coisa? — pergunta,
segurando meu rosto.
Eu aqui, toda preocupada e com medo de Márcio não aguentar ficar
sem sexo, e ele preocupado se já fiquei com um garoto de dezesseis
anos. Não me aguentei e comecei a rir.
— Não estou achando a mínima graça, Michele. Fiz-lhe uma
pergunta e quero uma resposta. Você já ficou com o Gustavo? — volta a
questionar, sério.
— Meu chocolate derretido, eu ainda estou viva. Só isso mostra que
nunca fiquei com Gugu. O garoto tem dezesseis anos, a mãe dele teria me
matado e jogado meu corpo para os crocodilos comerem se eu tivesse
ficado com ele. Sempre disse que iria esperar ele fazer vinte e um anos —
respondo, rindo.
— Você não vai esperar mais nada! Em duas semanas será minha
mulher e ai dele, se olhar diferente para você. E você pode parar de falar
que vai esperar-lo fazer vinte e um anos. Pode acabar com as esperanças
dele, ou então eu acabo — afirma irritado e eu me derreto toda, com um
sorriso enorme.
— Meu chocolate possessivo e ciumento, adoro ver você com
ciúmes! Isso sempre foi uma brincadeira minha com Bianca — explico com
um enorme sorriso.
— Ok, mas acabou a brincadeira. Ele pode estar levando a sério e
eu não estou gostando muito disso — pede, ainda sério.
— Ok, se você não gosta, vou parar com essa brincadeira. —
Sorrindo, eu o puxo para um beijo.
Assim que acaba o beijo, ele me pega no colo, me leva para o
banheiro e vou gargalhando.
— Antes de irmos jantar na casa de Bianca, vou te dar um gostoso
banho para você tirar todas as bobagens que eu sei que você estava
pensando. — Tira minhas roupas, me pega no colo e me põe na banheira.
Logo depois, tira sua roupa e se senta atrás de mim.
— Eu não estava pensando em besteira nenhuma — afirmo,
teimosa.
— Minha linda sereia, eu te conheço muito bem. Sei o quanto está
preocupada por não estarmos podendo fazer amor. Sei que andam
passando bobagens pela sua cabeça. Por isso que te dei todas as senhas
das redes sociais que faço parte e finjo não ver você mexer no meu celular
quando acha que estou dormindo. Não ligo porque não tenho nada a
esconder. Eu te amo, Michele. Não vai ser porque não estamos fazendo
amor, que vou desistir de você ou da nossa filha. Nós dois temos a vida
para nos amarmos e terei tempo para saborear, devorar e marcar cada
parte do seu corpo de novo. Mas agora é o tempo da nossa filha e por ela
vale a pena ficar sem fazer amor com você, pois eu não quero que nada
coloque você ou ela em risco. Não fique pensando bobagem, não sinto
desejo por outras mulheres, nenhuma me interessa. Quero você, amo
você e é por você que eu uso um anel dizendo que pertenço à Michele. Eu
o uso com orgulho porque sou todo seu, minha linda sereia — explica e
me beija.
Não estou acostumada com isso, não, gente!
Não consigo falar nada, somente chorar. Ele me dá banho, falando o
tempo todo o quanto ele me adora, que eu estou linda grávida. Quando
tento tocá-lo, ele segura minha mão.
— Deixa-me te dar prazer. Te fazer delirar nas minhas mãos ou na
minha boca — peço, sussurrando ao seu ouvido.
— Não. ― Ele segura meu rosto e me beija.
— Por que não? Eu vou amar te dar prazer. — Mordo sua orelha e
ele geme.
— Eu não quero sentir prazer sozinho. Se você não pode, nós dois
não podemos. Eu vou saber esperar, meu amor. O que são três meses
comparados a uma vida de pleno amor e delírios? — Ele começa a passar
óleo de maracujá no meu corpo.
Ele leu em algum lugar que esse óleo ajuda a acalmar. Meu amor,
não existe maracujá suficiente no mundo que me faça acalmar com esse
homem passando as mãos no meu corpo. No entanto, sei que ele precisa
disso, Márcio precisa desse contato da mesma forma que eu precisava
das senhas dele. Ele me deu as senhas e eu dou isso a ele, mesmo sendo
um sacrifício enorme sorrir e não o atacar. Depois que ele acaba de passar
o óleo de maracujá no meu corpo, fica ofegante e vejo o volume enorme,
grande, gigantesco na sua calça. Ele respira fundo e diz que vai tomar um
banho frio e, enquanto isso, eu vou atrás de gelo para ver se acalmo o
fogo que me consome.
Depois que Márcio saiu do seu banho frio, seguimos para o
apartamento de Bianca. Fui recebida com beijos e abraços pelos pais de
Bianca e eles me mostraram as roupinhas e brinquedinhos que
compraram para meu projetinho de princesa. Decidimos que todos iríamos
jantar fora. No restaurante, conversamos e rimos muito. O clima estava
agradável e descontraído.
Quando estamos na cama agarradinhos, me lembrei de que não falei
com Márcio sobre os decoradores.
— Gato, me esqueci de te falar, os decoradores são show de bola —
comento, empolgada.
— Eu imagino. Fernando entrou no meu escritório hoje,
desesperado, dizendo que um galã metido a besta estava aqui e queria
que eu viesse até aqui de qualquer jeito. Ele achava que Bianca e você
estavam sendo seduzidas pelo tal Victor e saiu revoltado quando eu disse
que não viria porque estava lotado de reuniões — explica, rindo.
— Não creio que aquele linguarudo do Fernando foi falar para você
que Victor estava tentando nos seduzir! Bem, a verdade é que o boy ficou
caidinho por Bianca, mas depois que Fernando apareceu, marcando
território, o pobre coitado ficou até com medo. — Rimos.
— Eu nunca viria aqui. Morro de ciúmes de você, mas confio no meu
taco. Sei que você me ama e confio em você. — Beija minha orelha.
— Eu, sinceramente, admiro você e Bianca por serem assim. Eu não
sou. Sou barraqueira mesmo, sou de marcar em cima mesmo. Não nego
isso para ninguém, sou direta, sou de perguntar na lata. Você me
conheceu assim. Talvez um dia eu consiga controlar o ciúme que sinto por
você, mas não garanto nada — comento, olhando-o séria.
— Dizem que os opostos se atraem e nós somos a prova viva disso.
Sei que você é ciumenta, possessiva e barraqueira. Sei que não leva
desaforo para casa, que marca em cima. Sei disso tudo. Quando decidi
me envolver com você, quando decidi que queria você para sempre na
minha vida, eu sabia que isso tudo iria acontecer. Nenhuma das suas
atitudes é surpresa para mim, Michele… você nunca fez tipo ou me
enganou. Eu te conheço, minha sereia. Às vezes, você me surpreende e
me mata de vergonha, mas nada que umas boas gargalhadas não
resolvam. Eu não quero que você mude em nada, e amo você exatamente
do jeito que você é: brigona, marrenta, ciumenta. A minha vida ficou mais
divertida desde o dia em que a vi. Minha vida se tornou maravilhosa a
partir do momento em que você aceitou ser minha mulher. — Beija minhas
lágrimas.
— Eu te amo tanto, Márcio, mas tanto, que eu não sei mensurar com
palavras o que sinto por você. Você me aceita como sou, sem nunca pedir
para mudar. — Olho nos seus olhos enquanto ele limpa minhas lágrimas.
— Isso não é de todo verdade, lhe pedi para maneirar nos palavrões.
— Ele ri.
— Bem, você pediu para não falar mais tanto palavrão e eu estou
tentando ao máximo não usar mais palavras de baixo calão. Porém, como
não consigo parar de mandar um filho de uma boa mãe tomar um bom
suco de caju em Itú, estou substituindo certas palavras por adjetivos,
digamos, com a mesma intensidade — explico e ele começa a rir. —
Tenho mais uma coisa para lhe contar. Mariana vai morar com a gente por
um tempo. Bianca e Fernando vão se mudar em três semanas e ela vai
morar no apartamento de Bianca com Maria.
— Por mim, tudo bem… se elas quiserem, também podem morar no
meu apartamento. Ele está vazio.
— É verdade, tinha me esquecido dele. Mas é melhor aqui, perto de
mim e de Bianca, que vai morar quase na esquina. Você sabe que Maria
não é muito normal, e Mariana está arrasada com o casamento de Pablo.
Até hoje ainda não entendi por que ele se casou, se é visível que ele
arrasta um bonde pela Mariana.
— Pablo teve seus motivos, mas isso é outra história. — Márcio me
abraça e beija meu ombro.
— Sim, é verdade, isso é outra história. Amanhã, vou comprar meu
vestido com a mãe de Bianca. Você acha que vou ficar feia vestida de
noiva, estando grávida de sete meses? — indago apreensiva.
— Minha linda sereia, não há como você ficar feia. Eu te acho linda,
maravilhosa e sexy vestida com o pijama do Piu-Piu e Frajola, então é
claro que vou te achar linda grávida e vestida de noiva. Minha noiva,
faltam duas semanas para ser minha mulher...
Márcio fica falando o quando me ama até eu pegar no sono.
Acordo no dia seguinte com meu café da manhã e um bilhete
amoroso ao lado. Tomo meu café, depois um banho, ponho um vestido
confortável, tomo meu remédio de pressão e vou para a casa de Bianca.
Assim que chego, tia Bruna pergunta se já tomei café, porque ela
estava fazendo panqueca para mim. Sento-me à mesa e beijo o pai de
Bianca e o irmão, que está mexendo no celular.
— Tomar eu já tomei, mas vou comer sua panqueca também. Meu
chocolate derretido só sai de casa depois de deixar meu café da manhã
pronto. Ele sempre advinha o que eu quero — respondo, toda sorridente.
— Minha filha, que homem! Você ganhou na loteria acumulada com
esse homem maravilhoso. E a cor, meu Deus, você tem razão em chamá-
lo de chocolate derretido. E como é galante — tia Bruna fica tecendo
elogios ao meu chocolate derretido e eu fico igual a um pavão, cheia de
orgulho.
— Dona Bruna, a senhora se esqueceu de mim? Até ontem eu era o
genro perfeito! — Fernando questiona, indignado, sentando-se à mesa
com Bianca.
— Meu filho, você ainda é meu genro perfeito. Mas o Márcio é um
homem de tirar o chapéu — explica, colocando as panquecas na mesa, e
eu começo a rir.
— Mãe! — Gustavo diz, chateado.
— Meu filho, antes de mãe, eu sou mulher e tenho olhos. Seu pai
sabe que é o homem da minha vida, mas nem por isso eu fiquei cega —
Tia Bruna comenta, pondo mais panquecas na mesa. O pai de Bianca
continua lendo o jornal como se nem fosse com ele. Fernando e Gustavo
olham para ela, indignados, e eu e Bianca caímos na risada.
Tomamos café da manhã nesse clima descontraído, no meu caso, o
segundo café da manhã. Depois que Fernando e Bianca saem para
trabalhar e tia Bruna vai se arrumar para sairmos, toco no ombro de Gugu.
— Preciso falar com você. — Eu o puxo para a varanda.
— Sabia que mais cedo ou mais tarde você iria me dizer que ainda
está me esperando — diz sorrindo.
É aí que eu me dou conta de que Márcio tinha razão. Para Gustavo,
aquela brincadeira estava se tornando algo sério. Respiro fundo e começo
a falar de forma calma.
— Gugu, você é meu pequeno lindo dos olhos verdes e sempre vai
ser. Um dia, não muito distante, você vai se tornar um homem que vai
arrasar corações. Bem, pelo que sua mãe fala, já é. Mas, para mim, você
sempre será o irmão da minha melhor amiga, o filho da minha tia e do meu
tio, o garoto lindo e perfeito da cor do pecado e olhos verdes. Sempre vi
em você um príncipe encantado, aquele garoto que quando crescesse
seria o cara perfeito, cavalheiro e romântico, que não seria safado, não
faria uma mulher chorar. Enfim, sempre vi em você o homem perfeito que
faria a sua escolhida muito feliz.
— Mas ela não é você, é isso que você quer dizer? — pergunta
triste.
— Não, meu anjo, não sou eu. Eu agradeço todos os dias por ter
encontrado o cara perfeito para mim e esse cara é o Márcio. Eu ainda vejo
você como um futuro homem perfeito que vai saber conquistar uma mulher
e que, principalmente, nunca vai brincar ou vai fazer uma mulher sofrer.
Mas, para mim, é, sempre foi e sempre será, um príncipe — asseguro de
forma gentil.
— Você tem muita fé em mim — comenta, com um sorriso triste.
— Gustavo, homens bonitos, safados e cretinos tem muitos. Mas
homens lindos, gentis e cavalheiros, são poucos; e eu tenho certeza de
que você será assim. Porque se não for, Bianca, sua mãe e eu estaremos
aqui para te dar uns sacodes — ameaço, sacudindo os ombros dele, que
começa a rir. — Agora vamos, tenho que comprar meu vestido de noiva e
eu duvido que meu tio vá para o shopping com a gente, então eu preciso
dos seus braços para carregar as bolsas. Ah, e, por favor, pare de
provocar o Márcio… meu chocolate derretido é muito ciumento e eu não
quero que nada o irrite. Somente eu posso irritá-lo, qualquer outra pessoa
que o irrite me deixa fula da vida — peço séria e Gugu começa a rir.
— Fula da vida? — pergunta, rindo.
— Eu não posso mais falar palavrão, pipoca! — respondo irritada e
ele gargalha na minha cara.
Deixo-o rindo e vou para a sala procurar pela mãe de Bianca.
Encontro-a brigando com meu tio, que não queria sair de jeito nenhum.
Não disse, sabia que ele não ia querer ir.
— Mãe, Michele não pode falar mais palavrão. — Gugu revela, rindo.
— Mas por quê? — Tia Bruna questiona me olhando horrorizada.
— Márcio me pediu, e eu estou fazendo o máximo possível para não
usar mais palavras de baixo calão — explico calma, mas por dentro estou
muito fula da vida por Gugu ainda está rindo da minha cara. Agora o infeliz
está sentado no sofá e segurando a barriga.
— Ah, minha filha, que tristeza. É libertador mandar alguém se fu...
Ops! Em respeito a você vou evitar falar na sua frente. — Tia Bruna se
desculpa, dando tapinhas consoladores no meu ombro.
— Para de rir, Gustavo! Você está parecendo uma hiena rindo. Quer
saber, vai tomar caju! Seu grandessíssimo salame mingue — digo irritada,
e todos caem na risada… até meu tio ri.
Eu fico como? Revoltada! Pego minha bolsa e saio. Tia Bruna e
Gugu me encontram no elevador, ainda estão tentando segurar o riso.
Olho para cara deles com raiva, mas minha tia está fazendo uma cara
muito engraçada para tentar segurar o riso, e acabo rindo junto.
No shopping, minha tia me faz entrar em várias lojas de noiva, até
que encontramos uma que ela gostasse do atendimento. Minha tia é uma
mistura minha com Bianca. Ela é cheia de classe, mas faz um barraco
como ninguém. Se alguém a olha torto ela é do tipo que pergunta: “Tá
olhando o que?”. Eu simplesmente a amo, é minha Diva.
Depois de vestir vários vestidos, me apaixono por um. Ele era longo,
marfim, de um ombro só. Deixou-me linda e confortável.
— Esse é lindo — comento, emocionada.
— Sim, mas vamos testar mais um — Tia Bruna sugeriu sorrindo.
Vou para o provador trocar de roupa, mas eu tenho a certeza de que
já escolhi meu vestido. Visto o vestido que minha tia escolheu. Esse não
tem nada a ver comigo; muito babadinho, muito frufru. Paro na frente dela
e levanto uma sobrancelha.
— Ok, esse não tem nada a ver com você — afirma, rindo.
Estava rindo, e dei uma volta para ela ver o laço enorme nas minhas
costas. Quando olho para frente, vejo a mãe de Márcio e Maicon me
olhando através do espelho. Ele me olha surpreso, e ela, com raiva.
Meu sorriso morre. Acompanho com o olhar ela entrando na loja e se
aproximando de mim. Com as mãos na cintura, ela me pergunta de forma
irritada.
— Posso saber o que significa isso? Se seu intuito é se casar com
meu filho, pode esquecer. Eu nunca vou deixar meu Márcio casar com
uma vagabunda, uma safada que nem sabe quem é o pai do seu filho,
uma sem vergonha, uma puta louca que quer dar o golpe do baú nele! —
questiona de forma agressiva, apontando o dedo para mim.
— Com quem a senhora acha que está falando? — tia Bruna
pergunta com a mão na cintura.
— Estou falando com essa vagabunda na minha frente. Essa mulher
está tentando me afastar do meu filho! Essa sem vergonha sem classe,
que não vale nada...
Tudo aconteceu tão rápido, que quando dei por mim, minha tia já
estava pegando a mãe de Márcio no tapa no meio da loja de noivas, e
todo mundo, inclusive eu, ficamos chocados olhando a cena.
Capítulo 21

Michele
Olho a mãe de Bianca atracada com a mãe de Márcio, passada.
Bem, a verdade é que eu estava sorrindo sem mostrar os dentes,
cheia de vontade de dar uma boa gargalhada. Tia Bruna está fazendo o
que eu não posso fazer, que é dar uns bons sacodes na mãe de Márcio.
Mas logo a turma “do deixa disso” apareceu e acabou com a minha
diversão.
— Mãe, pelo amor de Deus! Olha o mico! — Gugu puxa tia Bruna
pelo braço.
— Me solta, Gustavo! Eu vou dar na cara dela! Quem ela pensa que
é para falar essas coisas horríveis da Michele? — Tia Bruna diz, revoltada.
Que emoção, gente! Ver tia Bruna me defendendo é maravilhoso, e
de quebra dar uns sacodes na jararaca ambulante. É bom demais gente!
— Tia, deixa essa Senhora para lá, não vale a pena — sugiro com
um sorriso enorme no rosto. Minha vontade era de bater palmas para tia
Bruna.
Que orgulho!
— Ela me agrediu! Vou à delegacia dá parte de vocês. Vou falar para
meu Márcio que vocês me agrediram.
A mãe do Márcio, que sempre anda muito bem arrumada, estava
toda descabelada, com batom e maquiagem borrados.
— A senhora pode ir à delegacia e ao raio que o parta. Estou pouco
me lixando para você. Ah, mas, no caminho da delegacia, passe no
banheiro… sua cara está mais amarrotada que nunca — debocho.
— Sua cretina, você realmente acha que meu filho vai querer alguma
coisa com você depois de você agredir a mãe dele? — indaga, com um
sorriso na cara.
— Não foi Michele quem deu na sua cara, fui eu! Me solta, Gustavo!
— Minha tia tenta se soltar, porém Gugu continua segurando-a. Eu acho
que se ele a soltar, ela vai voar em cima da mãe de Márcio de novo. Só
acho.
— Não importa. Agora sim, meu filho vai ver que classe de mulher é
você. Vamos ver quem ele vai escolher, a família que sempre o amou e
esteve ao lado dele, ou uma safada aproveitadora que agrediu a mãe dele.
E aí me dou conta que ela sempre quis isso. Todas as vezes que ela
me provocou, foi esperando uma reação agressiva minha. Mas, até então,
sempre me segurei por ela ser a mãe de Márcio. Ela pode não prestar,
mas é a mãe dele.
— Você fez isso de propósito, me provocou de propósito? Será que
você não entende que Márcio me ama? — questiono com raiva.
— Meu filho é muito especial para ficar com uma qualquer como
você. Ele merece uma boa mulher. Conheço as mulheres da sua laia, que
só se interessam por um negro quando ele tem dinheiro. Mas com meu
filho, não! Vá atrás de um jogador de futebol. Se você fosse uma mulher
decente, não seria abandonada pelo pai do seu filho e não precisaria ficar
caçando homem para ser pai do seu filho — insinua com raiva.
Vai me subindo uma quentura, uma coisa estranha, uma raiva. E
começo a ver meu futuro.
Será que toda vez que encontrar essa mulher, vai ser isso?
Será que ela nunca vai nos deixar em paz?
Será que minha filha vai passar por isso?
— Márcio me falou que a senhora já sofreu muito preconceito. Como
pode uma pessoa que já passou por isso, que já sofreu na pele o que é
ser rejeitado pela cor, pode fazer isso com outra pessoa? — pergunto,
indignada.
— Exatamente por isso que não aceito você. Sei que você nunca
poderia sentir o que uma mulher negra, que passou pelas mesmas coisas
que eu e ele, já passamos — afirma com raiva.
— E o que isso tem a ver com o nosso amor? Eu não preciso do
dinheiro do Márcio, eu tenho o meu dinheiro e aposto que é, no mínimo,
dez vezes mais do que Márcio tem. Eu o amo com todo o meu ser, com
toda a minha força. Não o quero para ser o pai da minha filha, eu o quero
para ser meu homem, meu amigo, meu companheiro, meu tudo, minha
vida. Ele é a melhor pessoa que eu já conheci na vida, me mostrou o que
é ser verdadeiramente amada, me mostrou que posso confiar nele, que ele
sempre vai estar lá para mim. — Fecho os olhos, sentindo minhas
lágrimas caírem e minhas pernas formigarem.
— Michele, você está bem? — Gugu me pergunta, preocupado, e eu
afirmo com a cabeça, respirando fundo. Pelo canto do olho, vejo sua mãe
saindo do seu aperto e buscando o celular na bolsa, acho que irá informar
Bianca ou Márcio sobre o que está ocorrendo, nem me dou o trabalho de
impedi-la.
— Lindas palavras, mas, na prática, as coisas são diferentes. Quero
ver como será quando seus amigos ricos e brancos olharem para ele de
forma diferente; quando seu filho nascer de cabelinhos louros e olhos
claros, olhar para ele e ver que ele não é o pai. Quando vocês saírem na
rua e as pessoas verem que você e seu filho são brancos e louros e ele,
negro. Aí, sim, eu quero ver você fazendo esse lindo discurso. Eu não
quero que o meu filho passe pelas mesmas coisas que eu passei, por isso
brigo por ele, brigo com você, brigo com o mundo. Nenhuma mãe quer
isso para um filho! — diz, com raiva.
— EU AMO O MÁRCIO! — afirmo aos berros — Eu estou pouco me
lixando se alguém vai falar isso ou aquilo ao nos ver juntos. A
preconceituosa é a senhora. Desde o dia em que a conheci, a senhora me
rejeita pela minha cor, pela forma de me vestir e de falar. A senhora nunca
me conheceu, mas me prejulgou. Julgou-me como uma puta interesseira.
— Passo a mão na nuca, sentindo um formigamento.
— Eu só quero proteger meu filho! Ele já foi enganado e sofreu muito
— alega, indignada.
— A senhora quer tanto proteger seu filho Márcio, que fica passando
a mão na cabeça de Maicon, é ele quem dormiu com a ex-noiva de
Márcio. Que tipo de proteção é essa? — debocho.
— Hei! Não me põe no meio da confusão, eu estou apenas
apartando a briga. — Maicon se defende.
— Márcio, para mim, é meu tudo. Meu chocolate derretido. Meu
homem perfeito. Eu morro de ciúmes até da sombra dele — explico,
começando a me sentir mal.
— Pois eu quero ver ele ficar com você depois que souber que você
me agrediu. Aí meu filho vai ver que eu tenho razão, que você só está com
ele por interesse. Não acredito que você possa amar meu Márcio — ela
debocha.
— Por quê? Por que ele é negro? Olha em volta! Repara na pessoa
que te deu um sacode. Ela é negra, eu a amo como se fosse minha mãe e
ela me ama como sua filha. E você teve a prova disso quando ela deu na
sua cara por você me insultar. Ao contrário da senhora, não sou uma
pessoa preconceituosa. Pouco me importa a cor de Márcio, ou melhor…
importa, sim, porque eu amo o fato de ele ter a cor maravilhosa que tem.
Ele não seria meu chocolate derretido se fosse diferente. — Começo a ver
pontinhos pretos na minha frente e minha nuca começa a latejar e a doer.
— Quando seu filho…
— Filha! — Eu a interrompo.
— Quando você tiver sua filha, você vai me entender — afirma com
raiva.
— Minha filha, meu projetinho de princesa. Nunca procurei um pai
para ela, mas Márcio se apaixonou por ela ao ouvir seu o coraçãozinho
bater. Por isso ele quer adotar minha filha. Não é por causa dela que
iremos nos casar. Eu o rejeitei, mesmo apaixonada por ele, por causa de
vocês, pois não queria nada disso. Não queria esse tipo de confronto,
queria paz. Eu não vou atrás de confusão… a senhora que, sempre que
me vê, quer fazer barraco.
— Essa criança não vai ser minha neta. Eu não a quero perto dos
meus netos! — assegura com desprezo.
— Pois eu quem não quero você perto da minha filha, NUNCA! Não
quero a sua negatividade, seu preconceito, sua ignorância perto da luz da
minha vida, do meu projetinho, que já é tão amada por mim e por Márcio
— grito, ofegante.
— Posso saber o que está acontecendo aqui? — Ouço a voz de
Márcio questionando em um tom irritado.
— Meu filho querido, que bom que você chegou! — a mãe de Márcio
diz, com voz chorosa. — Fui agredida de várias formas, tanto física como
verbalmente. — Ela se joga nos braços dele, chorando e eu vejo aquela
cena, indignada.
— Mas é muito cara de pau! Essa senhora chegou aqui aos gritos,
xingando Michele de tudo quanto é nome. Não me segurei e dei uns bons
tapas na cara dela e não me arrependo! Se Gustavo não tivesse me
segurado, teria dado mais! — tia Bruna explica com raiva.
— Meu filho, foi horrível. Depois que essa mulher me bateu, a outra
sem-vergonha falou coisas horríveis para mim. Me tire daqui meu filho, por
favor — implora e vai arrastando Márcio para a saída.
E, mais uma vez, eu fico de boca aberta, não acreditando que Márcio
vai cair na conversa fiada da mãe dele.
Será que ela tinha razão ao dizer que ele iria ficar ao lado dela, por
ela ser mãe dele?
Mil e uma coisas passam pela minha cabeça. Eu o vejo falando algo
com a mãe, mas não consigo entender nada, por que os pontinhos pretos
começam a se tornar grandes círculos pretos e, de repente, não vejo mais
nada.
— Michele, Michele... — ouço a voz de Márcio me chamando
desesperado. Isso é a última coisa que ouço antes de desmaiar.

Márcio
Sabe quando tudo parece perfeito, mas tão perfeito, que você chega
a levantar uma sobrancelha e desconfiar? Então, é assim que minha vida
está agora.
Perfeita!
Tenho uma mulher muito louca, mas igualmente a mais sexy e
maravilhosa do mundo ― Como sei disso? Muita experiência! ― e vou ser
pai. Se alguém tivesse me dito isso há um ano, que eu estaria feliz,
praticamente casado e à espera de uma filha, eu teria rido e muito da cara
do otário. Sim, porque para mim, homem que pensava em casinha, com
cerquinha branca, cachorro, mulher e filhos, era, no mínimo, um otário.
O meu pensamento era o seguinte: para que fazer uma feliz se tem
tantas mulheres infelizes por aí, precisando de carinho e atenção? E eu,
como sempre fui um cara muito legal, saía por aí distribuindo o máximo de
amor possível. Ok, tudo bem, eu confesso que eu era um sedutor. No
entanto, nunca fui mau caráter. Sem vergonha e safado, sim, confesso.
Mesmo porque não tenho como negar isso. Mas mau caráter, nunca.
Sempre deixei bem claro para todas que iria fazê-las delirar, ter a
melhor noite de sexo de suas vidas, ter tantos orgasmos quanto possível
em uma noite. E nunca falhei! Porém, também deixava claro que era
somente isso que tinha a oferecer. Desejo, sedução, delírios e uma noite
de prazer e êxtase. Nada a mais.
Minha vida estava bem assim, sem dores de cabeças e maiores
perturbações. Mas eu soube desde o primeiro momento em que vi
Michele... Eu soube que minha vida calma tinha ido para o ralo. Eu até
tentei me enganar, achando que era apenas desejo, mas sou inteligente
demais para ficar me fazendo de burro por muito tempo.
E eu acho... acho, não, tenho certeza de que nunca vou me
arrepender de ter jogado todos os meus medos para o ar e entrado de
cabeça num relacionamento com uma pessoa tão diferente de mim, mas
que me faz tão feliz e a quem eu amo com paixão e loucura.
Sim, loucura, porque Michele me deixa louco no sentido mais amplo
da palavra. Não estou falando apenas no sexual, e sim na vida no geral.
Minha vida nunca será monótona com ela ao meu lado.
Aí, você me pergunta: Como um cara malandro e experiente como
você foi ficar de quatro, loucamente apaixonado por uma mulher ciumenta,
barraqueira e que ama uma confusão?
As respostas para essa pergunta são inúmeras. Amo o sorriso dela
quando ajuda alguém e pede para essa pessoa não contar para ninguém.
Amo como ela defende seus amigos com unhas e dentes e não pensa
duas vezes antes de dar na cara de alguém para defender outra pessoa.
Amo o fato de, apesar de ser milionária, ela ser também extremamente
simples. Amo quando ela me seduz e me deixa louco vestindo um pijama
de Piu-Piu e Frajola ― Na boa, nunca imaginei que alguém ficaria sexy em
um pijama com um enorme Frajola na barriga e dois Piu-Pius na bunda. ―
Amo o jeito apaixonado, e ao mesmo tempo abnegado com o qual ela
encara a vida. E, principalmente, amo o jeito que ela me ama. Sem
amarras, sem reservas, sem jogos. Ela me ama como eu a amo, com
loucura, obsessão e paixão.
A diferença é que ela é mais expressiva, ela expõe mais do que eu.
Eu morro de ciúmes de Michele. E como não iria sentir? Ela é linda! Mas
sou mais contido, reservado. Enquanto eu penso dez vezes antes de fazer
algo, ela age e depois pensa.
Enfim, onde algumas pessoas veem defeitos, vejo qualidades. Eu a
amo e ponto! E estou vivendo o melhor momento da minha vida. Ou
estava, até receber uma ligação da mãe de Bianca, avisando que minha
mãe e Michele estavam discutindo em uma loja de roupas de vestido de
noivas e que Michele não parecia estar bem.
Quando recebi a ligação, estava na empresa em uma reunião com
Bianca e Fernando e, por cerca de meio minuto, fiquei calado, tentando
processar o que ela disse.
— Desculpe, mas a senhora poderia repetir — peço, confuso.
— O que houve? — questiona Bianca, que está na minha frente.
— Sua mãe está dizendo que Michele e minha mãe estão discutindo
em uma loja no shopping, e que Michele não parece bem — respondo, me
levantando e indo em direção à porta.
— Eu vou com você. — Ela vem atrás de mim.
— Mas você não vai mesmo! — Fernando a impede, irritado.
— Fernando, eu amo você do fundo do meu coração. Estamos juntos
há alguns meses, e você já deveria ter aprendido que ninguém controla os
meus passos. Então você tem duas alternativas: ou fica brigando com as
paredes, ou vem atrás de mim. Porque não existe força no universo que
me impeça de ir ver como Michele está agora — Bianca alega de forma
fria e calma.
Na boa, às vezes eu tenho medo dessa mulher e pena de Fernando.
Bem, ele fala a mesma coisa de Michele e eu, então estamos quites.
Nós dois demos a sorte ― ou o azar ― de nos apaixonarmos por
mulheres fortes e decididas. E como nenhum de nós dois é idiota ― ou
maluco ― de ficar contrariando, Fernando faz exatamente o que eu faria.
— Vou pegar a chave do carro e encontro vocês no estacionamento
— ele diz, saindo puto da sala. Eu o entendo. Sim, o entendo muito bem.
Nós até podemos fazer o que elas querem, mas isso não significa que
fazemos sorrindo. Muito pelo contrário... fazemos putos da vida.
Enquanto vejo Fernando sair da sala, bufando de raiva, vou para a
minha sala, pego minha pasta e quando chego ao estacionamento Bianca
já está lá falando ao celular. Ela desliga e me olha com tanta raiva que até
dou um passo para trás.
— O que houve? Mais alguma coisa aconteceu? — pergunto,
receoso.
— Presta bem atenção no que eu vou lhe falar. Eu amei a sua mãe
quando a conheci, ela foi uma pessoa gentil e carinhosa comigo, mas ela
acabou de passar dos limites. Minha mãe acabou de me contar que se
atracou com ela na loja, porque sua mãe chegou já xingando Michele de
tudo quanto era nome. Então, quando chegarmos lá, se você não der um
jeito na sua mãe, eu darei — ela me ameaça com raiva, respirando com
dificuldade.
— Bianca eu gosto muito de você, mas não me ameace… Eu já
estou com a cabeça cheia — sugiro, irritado.
— Eu não faço ameaças, Márcio, eu dou aviso. E é exatamente isso
que estou fazendo agora, porque eu sei que você ama Michele. Eu sei que
você não concorda com sua mãe, mas também sei que por ser sua mãe,
tudo fica mais complicado. Minha mãe disse que Michele está respirando
com dificuldade e toda hora está pondo a mão na nuca... Você sabe
melhor do que ninguém que ela está tendo problemas na gravidez. Então,
por gostar de você demais, eu aviso: se você não der um jeito na sua mãe,
eu darei — me ameaça de forma fria, me encarando sem piscar e ficamos
um olhando para outro.
— Vamos, entrem — Fernando pede, parando o carro ao nosso lado.
— Eu vou com meu carro — afirmo irritado, sem desviar o olhar de
Bianca.
— Entre no carro, Márcio! A última coisa que eu quero é você
dirigindo irritado e estressado. Depois vou ter que falar para Michele que te
irritei a ponto de você bater em um poste. Entre no carro, agora! — Bianca
ordena de forma irritada e tem a ousadia de apontar o dedo para o carro.
Olho para Fernando, não acreditando no que estou ouvindo.
— Desiste, cara, entra logo na porra do carro. Se você revidar, vou
dar na sua cara, vamos nos atrasar e ela vai ficar mais puta ainda. Entra
logo, porque sua mãe e sua mulher grávida e com pressão alta estão se
pegando no shopping — pede com um suspiro desanimado.
Volto a olhar para Bianca, que levanta uma sobrancelha. Eu respiro
fundo e entro no carro como? Puto da vida! Como disse antes, nós até
fazemos o que elas querem, mas fazemos com raiva.
Fernando me olha como se falasse: “Eu te entendo, meu amigo… eu
te entendo”.
Sigo para o shopping apreensivo com o que vou encontrar ao chegar
lá.
Vou todo trajeto até o shopping, revoltado. Bianca, que sempre
demonstrou ser uma pessoa calma e serena, passou a viagem inteira
reclamando e resmungando. Olho para Fernando e ele está segurando o
volante com força. Na boa, não sei o que está acontecendo com essas
mulheres. Pelas minhas pesquisas, vi que mulheres grávidas às vezes
ficam alteradas. Só não imaginei que ficavam tão alteradas.
Respiro fundo e mordo a língua para não falar nada, faço uma
oração silenciosa para chegarmos rápido e para que tudo esteja bem. Aí,
começa a me bater certo desespero. Se Bianca, que é uma pessoa calma
e tranquila, está alterada, fico imaginando como Michele está.
Misericórdia!
— Fernando, tem como você ir mais rápido? Estou com pressa para
chegar e confesso que estou com medo do que eu vou encontrar lá —
peço, nervoso. — Desculpa, amigo, mas se ficar por muito tempo neste
carro, com Bianca reclamando desse jeito, eu vou surtar.
Fernando me olha com um olho meio aberto o outro meio fechado,
com um tique engraçado na boca, como se estivesse se controlando para
não voar no meu pescoço.
— Olha como você deixou minha mulher nervosa! Isso não faz bem
para ela nem para a minha filha! — resmunga com raiva.
Jesus! Tinha me esquecido que Fernando surta quando alguém
incomoda Bianca.
Vamos ao meu saldo até o momento: noiva grávida passando mal.
Minha mãe e a sogra de Fernando brigando. Bianca resmungando,
dizendo que tenho que dar um jeito nessa situação, ou ela dará. Fernando
revoltado e querendo me esganar por ter irritado a mulher dele.
Para uma pessoa que sempre correu de uma boa confusão, me meti
em várias ao mesmo tempo. O pior disso tudo é que eu acho que a
brincadeira ainda nem começou. Só acho.
Resolvo ficar quieto e, quando finalmente chegamos, Fernando me
deixa na frente do shopping e diz que vai estacionar e me encontrar na
loja. Entro apressado, procurando a tal loja de roupa de noivas. Quando
finalmente encontro, vejo minha mãe discutindo com Michele, o safado do
meu irmão em um canto fazendo cara de riso, a mãe de Bianca com cara
de que a qualquer momento vai dar na cara de alguém e seu filho,
Gustavo ― não vou com a cara desse moleque, talvez seja pelo fato de
ele gostar de Michele ― segurando a mãe.
— Posso saber o que está acontecendo aqui? — questiono aos
gritos, assustando todos na loja.
Minha mãe vem em minha direção e Michele me olha assustada.
Minha mãe começa falando que foi agredida, a mãe de Bianca entra na
discussão e diz que minha mãe agrediu Michele verbalmente e ela
revidou, agredindo minha mãe... Enfim, um circo de horrores.
Minha mãe me puxa em um canto e começa a falar que nunca foi tão
humilhada na vida.
— Mãe, por que a senhora entrou na loja para agredir Michele? O
que passou pela cabeça da senhora? — pergunto a minha mãe, que
começa a chorar. — Maicon, você viu tudo isso e não fez nada? — indago,
me dirigindo ao Maicon.
— Eu tentei segurar, mas você sabe como nossa mãe é. — Ele
levanta as mãos.
Volto a olhar para minha mãe, que chora copiosamente.
— Mãe, pelo amor de Deus, quando você vai aceitar que eu amo
Michele? — Seguro os braços dela e ouço Bruna gritando. Olho em
direção de Michele e vejo-a caindo. Gustavo corre e a segura antes que
ela caia no chão.
Vou em sua direção e minha mãe segura meu braço.
— Você vai preferir ela a mim? Sou sua mãe, eu fui agredida, e você
ainda vai cair no fingimento dela? — minha mãe pergunta, revoltada.
— Sim! Porque ela e a minha filha são a razão da minha vida. —
Com raiva, saio de perto dela e vou correndo em direção a Michele.
Apenas olho com raiva para Gustavo e ele sai de perto dela. Eu a
pego no colo de forma gentil e começo a chamar o seu nome.
— Michele, Michele! — chamo, mas ela não reage.
Bruna aparece com um pano molhado e põe em frente ao rosto dela.
— Isso é álcool. Ela já vai reagir — tenta me acalmar e eu prendo a
minha respiração. Tudo em minha volta se apaga, só vejo Michele, só me
preocupo com ela. Minha mãe fala alguma coisa, mas não presto atenção.
Bianca chega e para na porta com os olhos arregalados ao ver
Michele desmaiada no meu colo. A princípio, pensei que ela iria dar um
escândalo ao ver a amiga desmaiada; porém, como sempre, Bianca me
surpreende.
— Quem é o gerente da loja? — ela pergunta, de forma séria, e uma
senhora pequena sai de trás do balcão com os olhos arregalados.
— Sou eu — diz de forma assustada.
— Boa tarde, me desculpe por todo o inconveniente… todos os seus
danos serão ressarcidos por aquele senhor ali — Bianca explica,
apontando para mim — A senhora poderia, por favor, chamar o corpo de
bombeiros, enfermeiro, médico... Enfim, o setor responsável quando uma
pessoa passa mal no shopping — pede de forma calma e seria. A mulher
fica parada, olhando para ela, assustada.
Bianca põe a mão na testa e respira fundo.
— Que a senhora é uma lesada, isso eu já entendi. Sim… porque só
uma pessoa sem iniciativa alguma vê uma confusão dessas na loja a qual
gerencia e não chama os seguranças. Mas, pelo amor de Deus, chame os
paramédicos! — ela termina a frase aos gritos e a mulher sai do transe e
vai correndo pegar o telefone.
Mal ela pega o telefone e Fernando entra na loja segurando um
senhor pelos braços e diz que ele é médico.
— Onde você achou esse homem? E de onde você saiu? — Gustavo
pergunta a Fernando.
— Eu vim logo atrás de Bianca e quando vi Michele desmaiada,
pensei que Bianca poderia ser a próxima a desmaiar e saí à procura de
um médico. Achei esse senhor, que gentilmente aceitou me ajudar — ele
explica, indo em direção à Bianca — Fique calma que o médico já está
aqui, ela vai ficar bem. — Ele beija a cabeça de Bianca.
— Fernando, tem certeza de que o médico "gentilmente" aceitou te
ajudar? O homem está com a boca suja de comida. Você o tirou de seu
almoço? — Bruna pergunta ao Fernando enquanto observa o médico
examinar Michele.
— Isso é mero detalhe. O importante é que ele está aqui para ajudar
Michele, e Bianca, se ela precisar — responde, fazendo cara de paisagem.
Em um futuro próximo, agradecerei por ele ter tido a ação que eu
não consegui ter, mas no momento estou preocupado demais com
Michele. O médico abre sua pasta, tira um lenço e limpa sua boca, que
realmente ainda estava suja de comida.
Eu acho que Fernando saiu gritando por médico e o primeiro que
levantou a mão, ele saiu arrastando até aqui. O cara provavelmente estava
almoçando e Fernando nem o deixou limpar a boca. Mas, como Fernando
disse, isso é mero detalhe.
— Boa tarde, sou o Dr. Augusto. Qual é o nome dela? — pergunta
enquanto a examina.
— Michele — respondo, preocupado.
Michele começa a se mexer, abre os olhos e olha ao redor,
assustada.
— O que houve? — ela pergunta, confusa.
— Você desmaiou, meu amor, e o Dr. Augusto está lhe examinando
— explico, beijando a sua testa.
— Isso é charme dela para tentar te enganar e tirar sua atenção do
verdadeiro problema. Eu fui agredida por essas duas! — minha mãe
insinua com deboche.
— E vou dar na sua cara de novo se você não parar de perturbar —
a mãe de Bianca fala, revoltada.
— Cale a boca, mãe! — mando, irritado.
— A pressão dela está muito elevada. Ela precisa ir para o hospital
com urgência. No caminho, avise ao seu obstetra para encontrá-los lá. —
explica, olhando-a preocupado.
— Ok. Bianca, você liga para o Dr. Marcos? — pergunto e ela pega o
telefone e começa a digitar.
Ajudo Michele a se levantar, mas ela ainda está cambaleante.
— Eu não estou me sentindo bem — ela avisa e deita a cabeça no
meu ombro.
— Sei que o momento é delicado, mas ela tem que tirar o vestido de
noiva, se não, sou eu quem terei que pagar por ele — uma atendente da
loja fala, sem graça.
— Eu acerto tudo com vocês, o valor do vestido que ela está vestida
e todos os ônus da loja. Márcio, vá com Michele para o hospital, que te
encontramos lá. — Fernando pega a carteira e se dirige ao caixa.
— Eu vou com você, Márcio. Bianca, você vai com Fernando depois
para o hospital e isso não se discute. Não vou ficar preocupada com
minhas duas filhas grávidas — Bruna fala, olhando sério para Bianca.
— Mas mãe! — Bianca tenta argumentar.
— Nem mais, nem menos mãe. Fernando, cuide dela. Encontro
vocês no hospital — Bruna afirma, séria.
Seguro Michele pela cintura e tento sair com ela da loja, porém sou
impedido pela minha mãe, que para na minha frente.
— Saia da minha frente. Maicon, tire-a da minha frente — ordeno,
nervoso.
— Meu filho, precisamos conversar — Minha mãe implora chorando.
— Nisso a senhora tem razão, precisamos ter uma seria conversa.
Só que neste momento minha prioridade é minha mulher e filha. — Tento
sair da frente dela que, mais uma vez, me para.
— Essa criança não é sua filha e nunca será minha neta! E muito
menos vou aceitar essa mulher como nora! — ela afirma com raiva.
— Então não temos mais nada para conversar, porque onde a minha
filha e a minha mulher não são aceitas, eu também não sou — advirto,
sério, olhando-a magoado.
— Você é meu filho, meu sangue. Ela não é sua filha de sangue,
você não tem responsabilidade com ela.
— E a senhora acha que isso me importa? Estou pouco me lixando
se biologicamente não temos laços sanguíneos, ela é minha filha e ponto.
E a sua atitude em relação a minha filha só fará eu me afastar da senhora,
porque eu nunca irei me afastar da minha filha por causa da senhora ou de
qualquer pessoa. E muito menos quero estar perto de quem não quer o
bem da minha filha. Agora, saia da minha frente! — volto a pedir. Pego
Michele no colo e saio da loja com a mãe e o irmão de Bianca atrás de
mim.
Ouço minha mãe me chamando, contudo, nem me dou o trabalho de
me virar. Minha mãe não tem noção do quanto me magoou ao renegar
minha filha. Sinceramente, espero que um dia ela entenda que não
importa se eu e minha filha temos laços sanguíneos ou não; a única coisa
que me importa é que eu a amo mesmo sem nunca a ter tocado, mesmo
sem conhecer o seu rostinho ao vivo. Tenho uma foto em 4D que mostro
para todos e ela está linda naquela imagem amarelada.
Hoje, vi que nunca vou poder mostrar essa foto para minha mãe.
Infelizmente, nunca vou poder compartilhar com ela a alegria que sinto a
cada vez que chego em casa e beijo a barriga de Michele, sentindo minha
princesa se mexer. Hoje, eu entendi que minha mãe provavelmente nunca
vai compreender isso. E isso é muito triste.
C 22

Márcio
Assim que saímos, entramos em um táxi. Gustavo vai na frente,
Bruna, mãe de Bianca, Michele e eu atrás. Michele deita a cabeça no meu
ombro e murmura sonolenta:
— Meu chocolate, sinto muito pelo que houve com sua mãe. Eu
tentei me controlar ao máximo.
— Minha sereia, esquece isso. Nada disso me importa. A única coisa
que quero e desejo é que você e nossa bebê fiquem bem. Quem não quer
você e minha filha bem, não me importa. — Beijo a sua cabeça.
— Mas ela é a sua mãe. Eu tentei evitar ao máximo esse confronto
— explica de forma triste.
— Eu sei disso, meu amor. Não sei de tudo o que houve naquela loja
e a verdade é que nem quero saber. O pouco que vi já foi muito
decepcionante para mim. E é com muita tristeza que falo que não quero
minha mãe perto da nossa filha. Eu lhe prometo que nunca vou deixar que
ela, nem ninguém, magoe nossa princesa — afirmo e Michele começa a
chorar. Beijo-lhe a cabeça e fico dizendo que tudo ficará bem.
Assim que chegamos ao hospital, vejo o Dr. Marcos na porta,
esperando.
— Como ela está? — pergunta preocupado, vindo em nossa direção.
Antes que eu conseguisse falar alguma coisa, Michele começa a
vomitar e desmaia. Eu a pego no colo, mas logo aparece um maqueiro.
Coloco-a na maca e ela é encaminhada para a emergência.
— Assim que estabilizá-la, venho falar com você. Peço que, por
favor, faça a ficha dela. — Dr. Marcos fala e sai correndo, entrando por
uma porta verde. Eu fico parado, sem ação, me sentindo impotente e
olhando para a porta.
— Márcio, vou fazer a ficha dela — Bruna informa e eu apenas
balanço a cabeça, não desviando os olhos da porta.
— Michele é forte. Vamos confiar em Deus que vai ficar tudo bem. —
Ela põe a mão no meu braço. Eu não falo nada. Tenho medo até de
pensar em... Prefiro apenas ficar olhando para porta e orando que tudo
fique bem com minha mulher e filha.
Quarenta minutos depois, Bianca e Fernando chegam. Eu ainda
estou no mesmo lugar, parado na frente da porta. A falta de notícias vai
me deixando cada vez mais preocupado e temeroso.
Bruna, Gustavo e Fernando pediram para que eu me sentasse várias
vezes, me ofereceram água, café, mas eu não consigo beber nada, muito
menos sair de onde estou. Só consigo ficar olhando para essa porta verde,
e fazer preces silenciosas.
Bianca para ao meu lado e segura a minha mão. Ela não fala nada,
não me oferece nada, não tenta me abraçar e muito menos pede para eu
me sentar. Apenas segura a minha mão. Eu aperto a sua mão forte, acho
que a machuquei... Não sei ao certo. Ela apenas retribui o aperto e nada
fala. Fica ao meu lado, segurando minha mão, aguentando meu aperto em
silêncio. E eu agradeço silenciosamente por isso.
Neste momento, não quero falar com ninguém, não quero ser
abraçado, não quero comer nada, nem mesmo me sentar. Até eu ter
certeza de que Michele e minha filha estão bem, eu quero ficar
exatamente onde estou: de pé, olhando a porta verde por onde Michele
entrou desmaiada em uma maca.
Uma hora se passa e nada de alguém vir nos dar uma resposta, eu
já estava a ponto de pôr a porta da emergência abaixo quando Dr. Marcos
aparece com uma expressão nada agradável. Largo a mão de Bianca e
vou em sua direção. Confesso que até parei de respirar até ouvi-lo falar
que Michele está estável.
— Michele, no momento, está estável — informa de forma calma,
assim que chego perto, e eu abaixo a cabeça apoiando as mãos no joelho
e respirando fundo.
— Graças a Deus — ouço Bianca falar.
— Márcio, Michele e o bebê estão estáveis no momento, mas ela vai
ficar em observação — fala, pondo a mão no meu ombro.
— Se ela está bem, por que vai ficar internada? — ouço Bianca
perguntando.
— Sim, Bianca… ela vai ficar alguns dias em observação —
responde calmo, dirigindo-se à Bianca, mas em momento algum tira a mão
do meu ombro. — Márcio, precisamos conversar em particular — pede,
apertando meu ombro, e aí me dou conta de que ele não está me
contando tudo, que é mais sério do que ele está deixando transparecer.
— Ok, eu... Tudo bem — digo, meio desorientado, porque é
exatamente assim que eu estou: desorientado.
— O quê? Não! O senhor vai falar na minha frente o que está
acontecendo com Michele! Ela é minha amiga, minha irmã e eu quero
saber. Eu tenho que saber se ela está bem. — Bianca começa a chorar e
Fernando a abraça.
— Calma, Bianca, vai fica tudo bem — Fernando lhe consola.
— Bianca, eu não posso cuidar de duas grávidas ao mesmo tempo.
Eu preciso que você mantenha a calma, pelo bem da Michele e pelo seu.
Como já disse, no momento, Michele está estável. Eu vou conversar com
o Márcio em particular e depois conversarei com você. Você é uma pessoa
calma e fria e eu preciso que você seja assim agora, pelo seu bem e pelo
bem do seu bebê — o médico pede, olhando sério para Bianca, que põe a
mão na barriga e respira fundo, visivelmente tentando recuperar o
controle.
— Eu vou com o Márcio, Michele é como se fosse minha filha — a
mãe de Bianca fala, acompanhando-me até a sala. O que eu agradeço,
porque a verdade é que estou apavorado.
Dr. Marcos nos leva a uma sala e, assim que entro, pergunto o que
realmente está acontecendo. Ele se senta, pede para nos sentarmos e
começa a falar em um tom calmo.
— Michele está em um quadro de pré-eclâmpsia. É algo muito
perigoso na gravidez. Eu já tinha alertado a ela sobre a pressão alta, pedi
para que seguisse uma alimentação saudável, livre de sódio, e evitasse
aborrecimentos — informa e eu prendo a respiração.
Eu fiz muitas pesquisas sobre eclampsia quando vi suas pernas
inchadas, principalmente depois que ela passou mal há duas semanas por
causa da pressão alta. Mas pensei que, como ela não fazia parte do grupo
de risco, era só controlar sua alimentação e tomar os remédios para a
pressão que estaria tudo bem. E estava, até hoje de manhã.
— E como está a bebê? — Bruna pergunta, nervosa.
— Também estável. Como disse, Michele está, no momento, estável
e vai ficar internada. Vamos fazer o acompanhamento diário da gestação,
e verificar se a pressão dela se estabiliza. Porém, como ela está em um
quadro de pré-eclâmpsia, corre um sério risco de termos que fazer uma
cesárea de emergência.
— Meu Deus — Bruna diz, nervosa.
— Mas, mas... Nossa princesa ainda é muito pequena. Michele
acabou de fazer sete meses — lembro-lhe, preocupado.
— É exatamente por isso que ela ficará em observação — Dr.
Marcos explica.
— Michele ou nossa filha correm risco de morte? — pergunto, aflito.
— Digamos que o quadro dela requer cuidados. Michele precisa
fazer um exame diário, chamado Doppler.
— Eu fiz um Doppler ano passado, mas foi um exame cardíaco.
Michele está com problema no coração? — Bruna pergunta, aflita.
— Não, ela vai fazer um ultrassom com Doppler todos os dias — Dr.
Marcos responde.
— E para que serve esse exame? Por que ela precisa fazê-lo? Por
que ela precisa ficar internada? Desculpe-me por tantas perguntas, mas
eu preciso saber para conseguir me acalmar... Isso se eu conseguir me
acalmar — Desculpo-me pelo nervosismo.
— Te chamei para conversar para esclarecer todas as suas dúvidas
e pode fazer quantas perguntas quiser. Mas, respondendo as suas
perguntas, Michele precisa ficar internada porque ela vai fazer exames de
sangue diários para determinar a contagem de plaquetas, o funcionamento
do fígado e dos rins do bebê e controlar a pressão e evitar que ela entre
em eclampsia. Ela vai fazer exames de urina para identificar altos níveis
de proteína e o ultrassom fetal com estudo Doppler, para saber como está
o bebê. Vamos fazer verificações diárias na frequência cardíaca do bebê e
ela também receberá medicações para fortalecer o coração, rins e
pulmões do bebê — esclarece de forma calma.
— Então é certo que nossa filha irá nascer prematura — questiono,
nervoso.
— Márcio, provavelmente, sim. Vamos tentar postergar isso ao
máximo, já que ela está bem amparada. No momento, ela e a bebê estão
estáveis e a gestação está com uma centralização de baixo grau, mas é
uma gravidez centralizada — fala, calmo.
— Gestação centralizada? — Bruna pergunta, confusa.
— É uma gestação de alto risco. Na pré-eclâmpsia pode-se ocorrer a
centralização e isso prejudica a chegada de sangue oxigenado para o
bebê, o que pode prejudicar seu metabolismo e desenvolvimento e fazer
com que ele entre em um estado de sofrimento dentro do útero. É por isso
que Michele irá ficar internada. Temos que fazer verificações diárias para
evitar que o bebê entre em sofrimento. O mais importante é evitar que ela
entre em um quadro de eclampsia, o que pode ser fatal tanto para ela,
quando para o bebê — informa.
— Meu Deus! — Bruna exclama e eu nem respiro.
— O momento agora é de manter a calma e evitar trazer estresse
para Michele. Vocês a conhecem muito bem para saber que apenas o fato
de ficar internada já será um grande estresse para ela. Então, peço que
vocês a mantenham entretida, mas sem trazer problemas de fora.
— Minha filha está em sofrimento? — pergunto angustiado.
— No momento, não. Fiz todos os exames e eles demonstram que
ela está estável. Não está cem por cento, mas estável. Como disse, vou
manter a gestação até quando der e Michele já começou a tomar
medicações para prevenção, caso tenha que fazer uma cesariana de
emergência. Michele acordou muito nervosa, preocupada com você, sua
mãe... enfim, peço que você mantenha as preocupações o mais longe
possível dela. Ela está em um momento muito delicado — responde, sério.
— Sim, nada mais vai incomodar Michele, eu lhe prometo isso. Eu
posso vê-la agora? — pergunto, ansioso.
— Como ela estava muito agitada e a pressão não abaixava, tive que
administrar um sedativo. No momento, ela está dormindo e provavelmente
irá dormir por algumas horas. Mas você pode ficar com ela, assim Michele
ficará menos agitada quando acordar. Amanhã de manhã eu virei refazer
os exames e conversar com ela — explica.
Agradeço a ele e saímos da sala.
— Vou buscar algumas coisas que provavelmente ela irá precisar.
Venha comigo, tome um banho e depois você passa a noite com ela,
Márcio. — Bruna sugere assim que saímos da sala e eu balanço a cabeça.
— Eu não vou conseguir sair do hospital antes de ver Michele —
respondo, convicto.
Assim que chegamos à recepção do hospital, noto que Bianca está
com a mão na cintura, olhando para frente com uma expressão irritada.
Olho na direção que ela está olhando e vejo minha mãe entrando com
Maicon. Respiro fundo e vou em direção à Bianca.
— Você pode resolver isso para mim? No momento eu só quero ver
Michele e não quero saber de mais dores de cabeça — peço, sério.
— Resolvo com todo prazer — responde, sorrindo — Ela está bem?
Michele e a bebê estão bem? — Bianca questiona, segurando meu braço.
— Estável, mas inspira muitos cuidados. Ela não pode se aborrecer
e eu não quero me aborrecer. Não quero pensar em nada que não seja na
minha mulher e filha. Por favor, resolva esse assunto por mim. — Nem
espero sua resposta, vou para a recepção e peço informações sobre o
quarto de Michele.
Enquanto me encaminho para o elevador, ouço a minha mãe me
chamar. Sei que Bianca e, de quebra, Fernando vão resolver essa
situação para mim. A verdade é que eles não vão resolver, vão apenas
impedir que eles me perturbem, pois eu vou resolver isso, mas não agora.
Agora é o momento de cuidar da minha mulher e da minha filha.

Bianca
Márcio me pede para cuidar da situação e sai. Minha mãe vem logo
atrás dele, acompanhada pelo Dr. Marcos.
― Bianca, você está bem? ― Dr. Marcos me pergunta, pondo a mão
no meu ombro.
― Sim, estou bem ― tranquilizo-o ― Como está Michele? ―
pergunto, preocupada.
― O caso dela requer cuidados, mas ela está bem. Bianca, vou te
pedir o mesmo que pedi ao Márcio, não deixe que ela se aborreça ― pede
de forma calma.
― Pode ficar tranquilo, nada vai perturbar a paz de Michele enquanto
ela estiver internada. Eu garanto isso.
Despeço-me dele e vou em direção à mãe de Márcio, que está no
balcão pedindo informações. Minha mãe me para e fala, nervosa.
― Você pode se sentar que eu vou resolver isso. Vou dar mais uns
tapas na cara dessa mulher ― afirma, já pronta para a briga.
Sinceramente, às vezes tenho sérias dúvidas se Michele não é filha
biológica da minha mãe. Nunca vi duas pessoas tão parecidas.
― Mãe, a senhora vai até a casa de Michele fazer uma pequena
mala para ela e para sua filha que, pelo que entendi, pode nascer a
qualquer momento. ― Minha mãe bufa de raiva.
― Vou ligar pra Maria e ela resolve isso. Eu vou ali dar na cara
daquela mulher, porque o que dei foi pouco. Vou esfregar a cara dela no
chão! ― minha mãe fala, esfregando as mãos. Ela me parece um touro
pronto para briga. Meu Deus!
― Maria? Sério mesmo? Você conhece Maria, ela vai fazer um
drama assim que souber que Michele está internada. Vai fazer de tudo,
menos fazer o que tem que fazer. Temos que ser objetivas. Dr. Marcos não
me contou, mas levando em conta o fato dele ter chamado o Márcio em
particular, a coisa é séria e a senhora sabe disso porque estava lá. Agora
não é hora de partir para a mão e sim de resolver as coisas. Então seja a
mulher fria que eu sei que a senhora também é e foque naquilo que tem
que se resolver. Vá para a casa de Michele, faça uma pequena mala para
ela e para sua princesa. Ah! E não se esquece de por aqueles pijamas
engraçados dela, ela se sente mais confortável com eles ― tento acalmar
minha mãe.
― É impressionante! Acho que nunca vou consegui me acostumar
com a sua capacidade de se manter fria nas mais diversas situações, nem
parece ser minha filha. Bem, a verdade é que você é seu pai todinha ―
minha mãe reclama, me olhando de cima a baixo.
Ouvi isso a vida inteira!
― Amor, seu pai chegou ― Fernando informa, vindo em nossa
direção.
― Você chamou seu pai? Não creio ― minha mãe fica revoltada.
― Mãe, eu não poderia deixar a senhora ir para casa sozinha,
nervosa como está.
― Eu não estou sozinha, eu estou com seu irmão. ― Se irrita.
― Mãe, Gugu não conta, né. A senhora dá um grito e ele faz o que a
senhora quiser. Por isso, chamei meu pai. Olha, vá até a casa de Michele
e volte rapidinho. Vai ficar tudo bem, eu prometo. ― Beijo o seu rosto e ela
sai resmungando.
― É impressão minha ou estou vendo a mãe e irmão de Márcio na
recepção? ― Fernando pergunta, olhando para a recepção.
― Sim, Márcio pediu para eu cuidar disso. Mas, como sei que você
não vai me deixar cuidar disso sozinha e eu não estou com a mínima
disposição de gastar energia brigando com você, convido-lhe para ir
comigo conversar com ela. ― Vou em direção à mãe de Márcio.
― Se você se aborrecer, vamos embora! ― ele afirma, segurando
meu braço. Sorrio e dou um beijo nele.
― Meu amor, sei que você vai cuidar para que nada me aborreça. E
eu, realmente, só quero conversar ― esclareço. Ele segura minha mão,
pisca para mim e vamos caminhando em direção à mãe de Márcio.
Assim que ela nos vê, vem em nossa direção e fala, nervosa.
― Fernando, meu filho, onde está Márcio? Ele não atende as minhas
ligações, não sei o que está acontecendo ― pergunta nervosa.
Depois que Márcio saiu da loja com minha mãe, Michele e Gugu, a
mãe e o irmão dele foram embora enquanto Fernando e eu cuidávamos
dos acertos financeiros da loja. Queria conversar com ela lá, mas,
infelizmente, não consegui.
― Dona Lúcia, o que a senhora está fazendo aqui? Por favor, vá
para casa. Márcio está de cabeça quente, preocupado com a mulher e
filha. Não é o melhor momento para vocês conversarem ― Fernando tenta
convencê-la.
― Essa criança não é filha dele, nem ela é esposa dele! ― diz com
raiva.
― Dona Lúcia, quando a conheci há alguns meses, a senhora
demonstrou ser uma pessoa legal e gentil. Deu muito apoio e incentivou
Fernando a me conquistar, me elogiou e disse que se Fernando não
tivesse aparecido, a senhora me queria como sua nora ― comento de
forma calma.
― E o que isso tem a ver com a nossa situação atual? ― questiona,
nervosa.
― Tem tudo a ver, porque hoje em dia vejo que a senhora tem
atitudes preconceituosas em relação a um relacionamento inter-racial. O
que me deixa bastante confusa, já que a senhora incentivou, e muito, o
meu relacionamento com Fernando e, caso a senhora não tenha notado,
eu sou negra e ele é branco ― Aponto para Fernando e eu. ― Posso ter
olhos verdes e, como algumas pessoas dizem de forma popular, cabelo
"bom" e pele um pouco mais clara. Alguns até me chamam de mulata. Mas
eu sou negra! E tenho muito orgulho disso ― afirmo, seria.
― Nunca duvide que eu amo Fernando como se fosse meu filho e
quero sempre o bem dele. Incentivei vocês porque você me demonstrou
ser uma boa pessoa ― explica, nervosa.
― Então, por favor, mate a minha curiosidade, porque eu não estou
conseguindo compreender. Porque entre mim e Fernando, que somos um
casal inter-racial, a senhora apoiou, incentivou e até deu vários conselhos
para ficarmos juntos. Porém, com seu filho, a senhora faz esse escândalo
todo e demonstra ser uma pessoa preconceituosa; o que para mim e
incompreensivo, já que com certeza já sentiu isso na pele. Eu, quase que
diariamente, sinto na pele o preconceito por ser gorda, por ser
independente, por causa do meu relacionamento com Fernando, entre
outros motivos. Sinto na pele o racismo por ser negra, pois são duas
coisas diferentes ― ela fica séria, me olhando confusa.
― Como assim? Preconceito e racismo são a mesma coisa. ―
Maicon fala, abrindo a boca pela primeira vez.
Olho para ele e levanto a sobrancelha. Ainda não sei qual é a desse
cara.
― Não, não é. Preconceito é uma ideia formada antecipadamente. O
preconceito é resultado das frustrações das pessoas e podem até se
transformar em raiva ou hostilidade. Muitas vezes pessoas que são
exploradas, oprimidas, "mal-amadas", não podem manifestar sua raiva
com o opressor, então deslocam sua hostilidade para outros que
consideram inferiores, resultando aí a discriminação e o preconceito. ―
Respiro fundo e volto a falar mais calmamente. ― Racismo é a convicção
sobre a superioridade de determinada raça. Porém não existe racismo
contra brancos, ou seja, a senhora está sendo preconceituosa e se
continuar com as mesmas atitudes, acabará perdendo seu filho. Agora, eu
volto a perguntar: é por que Michele é loira? Por que ela é milionária? Por
causa das roupas que veste ou seu modo de falar? ― pergunto e
Fernando aperta minha mão. Eu olho para ele e faço uma pequena
afirmação, mostrando que está tudo bem. Meu amor sempre está
preocupado com o meu bem-estar.
Respiro fundo e volto a falar.
― Ela é minha amiga, minha melhor amiga. Do tipo irmã que fecha
comigo em qualquer ocasião. E ela não merece ser tratada dessa forma.
Se não gosta dela, tudo bem, é seu direito. Mas exijo que a respeite. Eu
estou há meses tentando entender como uma pessoa que para mim se
demonstrou ser gentil e compreensiva, passou a ser uma pessoa capaz de
atitudes tão mesquinhas. Qual é a diferença entre Fernando e eu, e
Michele e Márcio? Ambos somos casais inter-raciais! Em ambos os casos,
isso foi o que menos importou. Eu e Fernando tivemos vários problemas
para ficarmos juntos, mas a cor nunca foi um deles. Ele me rejeitou logo
de cara por causa do meu físico, por eu ser gorda, mas não pela minha cor
de pele. E eu acredito que para Michele e Márcio foi a mesma coisa.
Michele relutou, e muito, antes de ter um relacionamento com Márcio, por
medo de chegar exatamente onde ela está agora: deitada em uma cama
de hospital, correndo o risco de perder não só a filha, mas a própria vida.
― Fecho os olhos, respiro fundo para manter a calma e volto a falar: ―
Foi Márcio quem veio atrás dela. Ele não desistiu de Michele e fui eu quem
a incentivou a ficar com ele. Ela tinha medo do que a família dele iria fazer
e queria uma gravidez calma e tranquila. Em nenhum momento Michele
enganou Márcio, ela não precisa disso. Ela nunca procurou um pai para
sua filha, e não precisava procurar por isso. Ela tinha meu apoio e o apoio
da minha família. Digo, apoio emocional, porque de financeiro, ela não
precisa. Ela é rica. Não só rica, ela é milionária. Então, volto à pergunta:
por que o preconceito? Qual o propósito de querer atrapalhar o
relacionamento deles? ― Quando acabo de falar, ela me olha com os
olhos arregalados.
C 23

Bianca
― Eu pensei que você iria me entender, por ter passado por coisas
semelhantes. Eu conheço Fernando e sei que ele é uma boa pessoa, essa
é a diferença. Quem me garante que essa mulher não quer brincar com
meu filho? Quem me garante que essa criança não irá hostilizá-lo por ele
ser negro? ― Lúcia questiona em um tom alterado.
― Isso eu posso garantir, dona Lúcia. ― Fernando diz, me
abraçando ― Michele é uma ótima pessoa. Ela é amorosa, extrovertida e
sincera. Eu sei que está querendo protegê-lo de um perigo que a senhora
acha que ele está correndo. Mas ele não está! Conheço Márcio há anos,
sei de tudo o que ele passou e nunca o vi tão feliz como ele é com
Michele. A senhora só está conseguindo se afastar dele. Para falar a
verdade, eu acredito que a senhora até já tenha conseguido isso. Michele
e sua filha são a vida dele agora e eu o entendo, porque Bianca e a nossa
filha são a minha vida e por elas eu mato e morro sem remoço, sem
pensar duas vezes. A senhora sabe o quanto eu lhe gosto, e por isso
estou tentando fazê-la entender a gravidade da situação. A senhora está
contra a melhor amiga da minha mulher, sendo que Michele e Bianca são
como unha e carne; uma defende a outra, uma luta pela outra. Ficando
contra Michele, Bianca vai entrar na briga e, em consequência, a senhora
não irá perder apenas a Márcio, mas a mim também, pois eu sempre vou
estar ao lado da minha mulher. Sempre vou estar do lado de Bianca, tendo
ela razão, ou não, estando certa, ou não. Eu sempre vou estar ao seu
lado, incondicionalmente. Da mesma forma que eu acho que Márcio estará
ao lado de Michele. Acho, não, tenho certeza ― Fernando esclarece de
forma gentil, tentando fazer a mãe de Márcio entender a gravidade da
situação.
E eu, mesmo ao meio de um turbilhão de pensamentos e
sentimentos negativos em relação a toda essa situação triste e
angustiante, suspiro apaixonada por esse homem, que todos os dias
demonstra em momentos simples, e às vezes importantes como esse, o
quanto me ama e me apoia, independentemente da situação. Sei que
posso contar com ele sempre. Sinto meus olhos lacrimejarem, mas respiro
fundo, tentando, assim, buscar um pouco do controle que as palavras de
Fernando me roubaram.
Dona Lúcia põe a mão na boca e não fala nada, então vejo as suas
lágrimas silenciosas caindo. Não consigo ter pena, nem empatia pelo seu
sofrimento. Toda a admiração que um dia senti por ela caiu por terra ao ver
seu comportamento em relação a Michele. Um dia a admirei por ser uma
mulher forte e determinada, que criou seus filhos sozinha, mas hoje, vendo
o modo irracional e incompreensivo com que ela trata Michele, nem pena
consigo sentir. Ela simplesmente está colhendo o que plantou. Acredito
que, com as palavras de Fernando, ela se deu conta que está perdendo
não só seu filho, mas Fernando também.
Quando ela ia abrir a boca para falar alguma coisa, as portas do
hospital se abrem e por ela entra uma Maria desesperada e descabelada.
Com um lenço torto na cabeça e um pano de prato no bolso. Aos prantos e
gritos, ela pergunta por Michele.
― Michele! Michele! Não morra! Não, Não! ― Maria grita, chorando
desesperada e se põe de joelhos no chão.
Tudo bem que o caso de Michele requer cuidados, mas não é para
tanto! Eu acho que o problema é que Maria anda vendo muita novela
mexicana. Acho, não, tenho certeza!
Toda a recepção do hospital parou para olhá-la. Eu confesso que,
por milésimos de segundos, pensei em duas coisas:
Primeiro: acho que vou fingir que não conheço.
Segundo: tentarei sair de fininho e fugir da vergonha que com
certeza ela passará.
Olho para Fernando e vejo que ele olha horrorizado para a cena.
Tadinho, meu amor não está acostumado com os ataques de Maria...
Respiro fundo, aceno para a mãe de Márcio em despedida e sigo em
direção a minha doida favorita.
― Maria, por favor, acalme-se ― peço, segurando-a pelos braços e
a ajudando a se levantar.
Ela me olha, respira fundo, tentando se conter. No entanto,
novamente começa a chorar. Eu a abraço forte e fico fazendo carinho nos
seus braços. Olho em direção a Fernando e ele me olha de lado, ainda
conversando com a mãe de Márcio. Ou seja, ele fingiu que não viu toda a
situação para não passar vergonha. Não posso culpá-lo, pensei em fazer a
mesma coisa.
― Como ela está? Sua mãe me ligou há alguns minutos pedindo
para eu fazer uma mala. Eu saí desesperada, peguei o primeiro taxi que vi
pela frente e vim para cá. Falando nisso, o homem está lá fora me
esperando… ele disse que ia chamar a polícia se eu não aparecesse para
pagá-lo ― ela explica, fungando.
― Meu Deus! Eu sabia que isso ia acontecer! Michele está estável,
mas vai ficar internada. Não sei bem de toda a situação, só minha mãe e
Márcio sabem. Vamos lá pagar o tal motorista antes que isso nos traga
mais problemas. ― Puxo-lhe pelos braços e vou em direção à saída.
Chegando lá fora, a confusão já estava armada, porque o tal do
taxista estava fazendo um escândalo. Pedi desculpas e paguei a corrida.
― Ôxe! O cabra pensou que eu ia dar o calote nele. Sou mulher
disso, não! Apenas fui ali e já ia voltar ― Maria diz revoltada enquanto a
puxo para dentro do hospital.
Senhor! Daqui a pouco seremos expulsas daqui. Que vergonha.
Assim que passamos pela porta, vejo Fernando vir em nossa
direção. Procuro a mãe de Márcio com os olhos e não a vejo.
― Convenci a mãe e o irmão de Márcio a irem embora. ― Fernando
me beija e olha para Maria, com uma sobrancelha levantada.
― Eu ainda não entendi qual é a do Maicon. Agora, em relação à
Maria... bem, é a Maria, né. Enfim, melhor deixar para lá.
E caímos na risada. Só Maria para nos fazer rir numa situação
dessas.
― Até agora eu não entendi como Michele veio parar aqui ― Maria
pergunta, confusa.
Explico toda situação para ela, que fica revoltada com tudo o que
houve.
Meia hora depois, minha mãe volta e pergunta sobre a mãe de
Márcio, que eu lhe digo que foi para casa.
Passamos a próxima hora angustiados, esperando Márcio sair.
Quando ele finalmente sai, sua expressão é de uma pessoa arrasada. Ele
está abatido e preocupado. Se senta, põe a mão na cabeça e começa a
chorar. É desolador vê-lo assim. Meu primeiro pensamento foi que houve
algo mais sério, então me sento ao seu lado e seguro sua mão.
― Michele está bem? ― pergunto em um sussurro, mas por dentro
estou angustiada.
― Ela terminou comigo. Disse que não queria mais problemas e
dores de cabeça ― explica assim que consegue se controlar.
Maria e minha mãe sentam-se ao lado dele. Respiro fundo, vou até a
enfermeira e pergunto se Michele ainda pode receber visitas. Ela me diz
que pode e eu entro decidida a fazer minha amiga mudar de ideia, ou ao
menos tentar, mas confesso que a entendo, pois os piores pesadelos dela
se concretizaram.
Será que vale a pena enfrentar todo esse drama familiar por um
relacionamento que tem tão pouco tempo? Eu sou a prova que sim.
Fernando e eu estamos juntos há menos de um ano e nos amamos
loucamente. Espero conseguir convencê-la de que Márcio é o seu felizes
para sempre...

Michele
É engraçado como a vida pode mudar em algumas horas. A minha
mudou completamente. Agora estou em uma cama de hospital, olhando
para o soro, ouvindo o barulho da máquina que está controlando minha
pressão e os batimentos cardíacos da minha filha. Coloco a mão na
minha barriga ao sentir meu projetinho se mexer.
Estou com medo.
Acho que medo é muito pouco para definir o que eu estou sentindo
neste momento. Estou apavorada, aterrorizada, angustiada. Estou
sentindo um temor descomunal de que algo aconteça com a minha filha,
meu projetinho de princesa. Confesso que não estou com medo de que
algo aconteça comigo, mas sim com ela. Sei que, se algo acontecer
comigo, Bianca e sua família vão cuidar da minha filha.
Olho para o aparelho que controla como ela está, angustiada, com
medo de respirar até ouvir o bip, bip que indica que tudo está bem, por
enquanto. Esse sempre foi meu medo, chegar a esta dolorosa e terrível
situação. Amo meu chocolate derretido de forma louca e desesperadora,
mas vou ter que aprender a viver sem ele, porque simplesmente não
posso passar por isso de novo.
Há meses, eu evito um confronto com a mãe de Márcio. A verdade é
que eu nem sei por que ela tem tanta raiva e rancor de mim. Eu acredito
que não seja um preconceito para com todos da minha raça, porque ela
ama Fernando. O preconceito dela é pessoal e direcionado somente a
mim.
O engraçado é que eu sempre me dei bem com a maioria das
pessoas. Bem, tirando as vacas invejosas, safadas, moradoras da casa da
luz vermelha e cocotas dos infernos. Eu me dou bem com todo mundo,
gente! Sou super de bem com a vida e não sei por que essa senhora
resolveu implicar com a minha cara.
Não preciso do filho dela financeiramente, preciso dele para... Ai,
meu Deus… preciso de Márcio para ser feliz. Mas vou ter que aprender a
viver sem ele. Não quero nem imaginar essa mulher fazendo minha filha
passar o que ela me fez passar. Eu poderia, sem sombra de dúvidas,
cometer um desatino, se algum dia ela humilhasse minha filha. Não gosto
nem de imaginar.
E Márcio... Ela é a mãe dele! Como eu poderia pedir para ele
escolher entre a mim e a sua mãe? Na loja, vi o quanto ele ficou
balançado. Bem, não me lembro muito bem do que houve da loja ao
momento que estou agora. Tudo parece como umas sombras e pedaços
de lembranças, entre estar acordada e desmaiada.
Lembro-me do desespero de Márcio e da tia Bruna, da urgência do
sempre tão calmo Dr. Marcos, que hoje, pela primeira vez, não vi tão
calmo. Muito pelo contrário, ele estava preocupado por causa da minha
pressão e dos resultados dos exames. Ele não me disse o grau de
gravidade do meu caso, no entanto, eu acredito, pela falta do seu sempre
presente sorriso e pelo fato de ter ficado internada, que deva ser sério.
Volto a olhar para o medidor de batimento fetal. Fecho os olhos e
ouço a porta se abrir. Pelo perfume, sei que é o meu chocolate derretido.
Respiro fundo e sinto uma lágrima cair ao constatar que terei que me
despedir de um pedaço de mim, porque é isso o que Márcio é. Em pouco
tempo, ele se tornou um pedaço de mim.
Sinto-o segurar minha mão e beijar minha testa e meus lábios.
― Como você está, minha sereia? ― pergunta, fazendo um carinho
no meu rosto e eu finalmente abro meus olhos e o encaro.
Ele é tão lindo. Tudo nele é lindo. Sua cor, seu jeito de ser. Ele é
simplesmente maravilhoso. Eu tenho plena ciência de que nunca, nunca
mais, vou encontrar alguém que me ame como ele me ama, ou que eu
ame com a intensidade que eu o amo. Sou completamente louca por ele,
mas vou aprender a viver sem tê-lo, pelo bem da minha filha.
― Eu amo você. Sou completamente apaixonada e surtada por você
e eu tenho certeza de que você sabe disso. Você é o sonho que eu nunca
imaginei que se realizaria. Eu nunca fui amada por alguém como eu sou
por você. Eu nunca imaginei que alguém como você existisse, pois, para
mim, homens como você eram coisas de livros e filmes. Você é um
verdadeiro príncipe encantado e devasso, ao mesmo tempo. É meu sonho
realizado e eu amo você como nunca imaginei amar alguém. ― Sinto
minhas lágrimas caírem.
― Eu também te amo, minha sereia, e não vou a lugar nenhum.
Você… está falando como se fosse uma despedida ― brinca, sorrindo.
Que sorriso lindo ele tem. Ele sorri de lado, de um jeito faceiro e
safado, que me encanta e seduz.
― Porque é uma despedida, Márcio ― explico, chorando.
― Como assim uma despedida? Michele, eu te amo, eu sou louco
por você. Eu... eu sei que a situação é complicada, que minha mãe... ―
começa, mas não o deixo terminar de falar.
― Sua mãe não vai nos deixar em paz e, nesse momento, tudo o
que eu quero é isso, paz ― afirmo de forma triste.
― Michele, minha sereia, juntos nós vamos conseguir resolver tudo.
Você e nossa filha... Vocês são tudo para mim. ― Ele segura minha mão.
― Márcio, tudo o que eu sempre tive medo está acontecendo. Eu
não planejei essa gravidez, mas ela é minha esperança de nunca mais me
sentir sozinha. Minha filha vem em primeiro lugar, Márcio. O Dr. Marcos
não me disse a gravidade, mas eu sei que é algo muito sério, ou eu não
ficaria internada ― esclareço, olhando-o tristemente.
― Você nunca mais vai se sentir sozinha, porque eu sempre vou
estar lá para você. ― Ele beija minhas mãos. ― Eu não vou desistir de
vocês, minha sereia. Você e nossa filha são tudo para mim. ― Me olha
nos olhos.
― Mas sua mãe não vai nos deixar em paz, Márcio. E isso é tudo o
que eu quero nesse momento: paz. ― Fecho os olhos, respiro, ponho a
mão na minha barriga e falo firme: ― Porque quero paz e tranquilidade na
reta final da minha gravidez, é por isso que eu estou terminando com você.
― Mal acabo de falar e começo a chorar. A dor que eu estou sentindo ao
dizer isso é insuportável para mim. Sinto minha filha se mexendo, agitada,
o aparelho ao meu lado começa a apitar e uma enfermeira entra no quarto.
― A senhora tem que se acalmar. Se continuar alterada, vou
precisar cancelar suas visitas ― a enfermeira informa, séria, olhando as
máquinas.
― Ela está nervosa por minha causa, vou embora. Tem um monte de
amigos querendo vê-la. ― Márcio sorri para a enfermeira.
A infeliz até perde o rumo do que ia fazer quando olha o sorriso de
Márcio. Vaca!
― É… assim… hum... Tudo... Tudo bem. ― A enfermeira sai, toda
atrapalhada, da sala. Não disse que era uma vaca de olho no homem
alheio?
Mas ele não é mais meu homem, não é mais meu chocolate
derretido. Meu Deus! Como eu vou viver vendo esse monte de vaca dando
em cima de Márcio, gente? Sinceramente, não sei. Vou me fazer de cega
e surda.
Enquanto eu estou no meu drama existencial, Márcio chega perto da
minha barriga, se abaixa, e começa a falar baixinho com minha filha.
― Princesinha do papai, mamãe está muito nervosa. Papai vai sair
mais cedo, mas amanhã eu volto para te dar um beijo. Quero que você
fique bem e que cuide da sua mamãe até papai voltar ― diz, beija minha
barriga e minha filha se acalma.
É impressionante a conexão que eles têm. Ela sempre se mexe
quando ele está por perto.
― Eu terminei o nosso relacionamento, Márcio… Não quero você
aqui amanhã ― sussurro fungando e o vejo fechar os olhos, respirar fundo
e depois me olhar, magoado. Chega a me dar uma palpitação no coração
ao ver o olhar triste e magoado dele.
― Você pode ter terminado nosso relacionamento, mas nós dois
ainda vamos ter uma filha juntos. Ou você vai me afastar dela? ― ele me
pergunta, magoado.
― Você ainda quer ter contato com ela, mesmo que não estejamos
juntos?
― Eu quero vocês duas na minha vida e, se não for para ficarmos
juntos, vou tentar lidar com isso, mas você não vai conseguir me separar
da sua filha, da nossa filha! Não foi da boca para fora quando eu disse que
ela era minha filha e não sou homem de voltar atrás nas minhas decisões.
Vou sair agora porque você está muito nervosa. Amanhã volto para ver
como você e nossa filha estão ― ele esclarece, já saindo da sala.
― Você vai dormir no meu apartamento? ― pergunto, fungando.
― Não. ― Ele responde sem se virar.
― Vai dormir onde? ― indago, levantando a voz e uma sobrancelha.
― Acredito que isso já não seja da sua conta, afinal, você terminou
comigo. ― Ele sai e me deixa com cara de tacho e de choro.
Enquanto estou chorando todas as minhas lamúrias, Bianca entra no
quarto, cruza os braços e me olha com raiva.
― Agora nós duas vamos conversar.
O engraçado é que quando conhecemos uma pessoa há muito
tempo, sabemos como ela está apenas por olhar para ela. Eu conheço
Bianca há anos e sei que ela está no seu limite. Sei disso pelo modo como
ela está mexendo no cabelo. Apesar de ter lindos cabelos longos e
ondulados, Bianca nunca mexe no cabelo, a não ser que esteja fula da
vida.
Bianca respira fundo e caminha em minha direção, devagar. Ela
segura minha mão e fala com voz mansa e calma, mas sei que por dentro
está fervendo de raiva… conheço a figura.
― Antes de falarmos da sua completa e total insensatez, quero
saber como você está.
― Eu estou péssima. Mas, clinicamente, acho que bem, pelo menos
por enquanto. Quero lhe pedir uma coisa ― respiro fundo, sentindo as
lágrimas caírem.
― Nem se meta a besta para falar besteira. Você já está fazendo
merda demais. Nada vai acontecer com você. Você vai ficar bem! ―
Bianca afirma calma, mas vejo seus lábios tremerem levemente.
― Você nem sabe o que eu vou lhe pedir! ― digo, indignada.
― Claro que sei. ― Bianca inspira profundamente, solta o ar devagar
e volta a falar, com a voz embargada ― Você vai me pedir para cuidar da
sua filha se algo acontecer com você, mas nada vai acontecer com você.
Pare de ficar pensando besteira.
― Mas, Bianca, eu tenho que deixar tudo certinho!
― Michele, você não precisa deixar nada certinho, porque tudo vai
dar certo, ok? ― Ela segura minha mão com força. ― Agora, vamos falar
de Márcio. Eu sei que os hormônios da gravidez às vezes nos induzem a
fazer algo sem sentindo, mas dessa vez você se superou. Terminar com o
Márcio? Você surtou de vez? ― ela me pergunta, indignada.
― Bianca, eu... eu tenho que pensar na minha filha. A raiva que a
mãe dele sente por mim é algo surreal e incompreensível. Eu não a quero
perto de mim ou da minha filha. ― Abaixo a cabeça e sinto as lágrimas
caírem. ― Como eu vou pedir a ele para escolher entre mim e a mãe dele,
Bianca? Ela é uma bruxa, mas é a mãe dele ― explico, desanimada.
― E ele ama você, Michele. Não só você, mas a sua filha também.
Você não precisa pedir para que ele escolha um lado, porque ele já
escolheu e é ao seu lado que ele vai ficar. ― Ela seca minhas lágrimas
que, por mais que eu tente, não consigo controlar, muito menos a dor
dilacerante no peito desde que Márcio saiu do quarto.
― Bianca, meus piores pesadelos se tornaram realidade. Estou
numa cama de hospital e nem sei o que realmente está acontecendo
comigo. Dr. Marcos ainda não me falou nada, apenas disse que era para
eu descansar. ― Respiro e cruzo os braços, irritada. ― Você sabe o
quanto eu sou inquieta. Me dá uma vontade surreal de esganar uma
criatura de meu Deus quando me mandam descansar. Só não o mandei
procurar carambola, porque eu gosto muito do Dr. Fofinho gato. ― Mal
acabo de falar e Bianca solta uma gargalhada.
― Michele, meu anjo, eu sei de tudo isso. Porém, também sei que
Márcio é o homem dos seus sonhos.
― Meu chocolate é perfeito. Nunca vou encontrar um homem como
ele.
― Então, não jogue sua felicidade fora. Não a deixe escapar pelos
seus dedos. Deixe Márcio lutar ao seu lado. Não estou dizendo que será
fácil, mas, Michele, vocês se amam. Ele não merece isso, meu anjo, e
você não merece passar por isso ― ela pede, segurando minha mão.
― Você tem noção do quanto foi difícil para eu dizer a ele que
terminamos? Foi triste, doloroso e nunca vou me esquecer do olhar
magoado dele. E eu ainda não sei como vou conseguir viver sem ele. Mas,
neste momento, a minha filha é minha prioridade. ― Eu me emociono e a
máquina que controla minha pressão da uns bipes estranhos.
― Sei o quanto é difícil, afinal passei por algo parecido com
Fernando. Também sei que você odeia ouvir isso, mas você precisa ficar
calma. Não vou insistir nesse assunto agora porque você está muito
emocionada e passou por um grande estresse hoje. Em outra
oportunidade, conversaremos melhor. ― Bianca seca minhas lágrimas.
Ela é sempre assim, calma e coerente, nas mais diversas situações.
Bem, não em todas... pelo menos, não quando Fernando está envolvido.
Aquele homem consegue desequilibrar e tirar toda a calma da minha
amiga.
― Sonhei e pedi tanto um homem perfeito e quanto ele aparece,
vem com uma mãe doida a tiracolo... Fruta que caiu! ― Começo a chorar
e Bianca me abraça, consolando-me.
Enquanto estou envolta em um mar de sofrimento, Maria põe a
cabeça no quarto. Ela sorri, entra no quarto e fecha a porta.
― Mulher, como foi difícil te achar! ― ela comenta, vindo em nossa
direção.
― Maria, como você conseguiu entrar aqui? A enfermeira disse que
era um de cada vez. ― Bianca pergunta, olhando para ela.
― Estava em cólicas para falar com Michele. Como você está,
mulher? Quase tive um siricutico no coração, de tão preocupada que
estava. Mas encontrei um bondoso guarda que me ajudou. Ok, tudo bem,
eu disse que iria desmaiar e ele gentilmente me ajudou ― Maria explica
com um sorriso.
Bianca começa a me falar da cena que Maria fez na porta do hospital
e, pela primeira vez desde que entrei neste hospital, eu sorrio.
― Mulher, estou com dó de Márcio. Eu não tenho estrutura
emocional para ver um homem bom daqueles chorar. Dá vontade de pôr
no colo e consolar. Só não faço porque ex de amiga minha é mulher para
mim e eu não gosto dessa safadagem, não. Mas olhe bem, mulher, eu
penso assim, mas o mulherio da rua... Bem, você bem sabe como elas
ficam quando veem um tipão como Márcio. ― Maria dá tapinhas gentis no
meu ombro e eu volto a chorar.
― Maria!
― O quê? Apenas disse a verdade. Ele foi embora com cara de
cachorro que caiu do carro da mudança. Deu muita dó do homem. Você é
doida de desprezar um homem daquela categoria ― Maria diz, desolada.
― Ele disse se foi para o meu apartamento? ― pergunto, secando
as minhas lágrimas com um lenço que Bianca me deu.
― Ele não disse. Mas se tu quiser, eu posso ficar assim, digamos, de
olho nele para tu ― Maria em um tom conspirador.
― Não que eu esteja pedindo alguma coisa, afinal, terminei com ele,
mas, tipo, seria bom saber se ele está lá no meu apartamento, tipo assim,
apenas estou com medo de ele dormir ao relento... mas não estou lhe
pedindo nada. ― Pisco um olho para Maria.
― Entendo, entendo. Eu, sutilmente, vou dar uma de detetive e te
conto tudinho. Fique tranquila que enquanto você estiver aqui, pensando
na cagada que tu fez, vou manter o mulherio longe. Vou usar todas as
técnicas de investigação que sei ― Maria afirma com um olho meio aberto
e outro fechado.
― Que técnica de investigação, Maria? ― Bianca pergunta, rindo.
― Mas, Bianca, há anos que eu vejo novela e séries de investigação
policial. É claro que eu aprendi algumas coisas ― Maria explica de forma
convicta.
― Maria, quero deixar bem claro que não estou te pedindo nada ―
esclareço e pisco um olho para ela, que retribui.
― Vocês duas são doidinhas, isso sim. ― Bianca ri.
Ficamos conversando por mais um tempo. Depois, Bianca e Maria
vão embora e eu fico sozinha, olhando para o teto, pensando em tudo o
que eu fiz. Em pouco tempo, volto a chorar, até dormir.
Depois de uma noite terrível, tomo um banho e visto uma daquelas
roupas horríveis de hospital. Eu já sou pálida, estou parecendo um
fantasma com esse roupão ridículo e pior, com a minha bunda ― ou a falta
dela ― de fora.
Assim que saio do banheiro, sinto um cheiro maravilho e meu
projetinho começa a se mexer junto com meu estômago, que ronca. Sabia
que Márcio estava no quarto antes mesmo de abrir a porta do banheiro.
Ele estava lindo, vestindo um terno preto, blusa branca, e uma
gravata vermelha. Ele já fez cada coisa comigo com essa gravata... Mas
isso acabou, Michele! Seja forte, mulher!
Mas é sacanagem! Eu termino com o homem e ele aparece lindo,
gostoso, e ainda me traz o café da manhã?
Estou acostumada com isso, não, gente! Normalmente, quando
termino com um cara, sou xingada de puta pra baixo.
Ao me aproximar, noto que ele está cantando uma música...

"Você jogou fora o amor que eu te dei


O sonho que sonhei, isso não se faz
Você jogou fora a minha ilusão, a louca paixão
É tarde demais
Que pena
Que pena, amor
Que pena..."

E agora, como eu vou lidar com isso?


C 24

Michele
Depois de ficar um minuto em transe olhando Márcio cantar, sou
denunciada pelo meu estômago traiçoeiro, que ronca ruidosamente.
Márcio para de cantar, se vira e me olha de uma forma tão intensa que eu
chego a titubear e dar uns passos até encostar a parede. Mas rapidamente
respiro fundo, levanto o queixo, balanço os ombros e vou para a cama
como se esse homem lindo, cheiroso, todo trabalhado na gostosura não
estivesse na minha frente tentando testar a minha sanidade mental.
O problema é que, ao passar por ele, meus olhos vão direto para a
bandeja recheada de coisas gostosas e meu estômago traiçoeiro ronca
mais alto. Eu tento manter a pose, me sento na cama e cruzo minhas
pernas, mas por mais que eu tente, não consigo parar de olhar para a
bendita bandeja. Bem, a verdade é que eu não sabia o que eu desejava
mais, se era a bandeja cheia de coisas gostosas ou ao homem ao lado
dela. Eu parecia aqueles cachorros que ficam na frente da padaria,
salivando, desejando as coisas gostosas que tem ali dentro.
Tristeza!
Por mais que eu tente, simplesmente não consigo evitar de
praticamente babar ao olhar para eles.
Márcio, sem nenhum pingo de dó da minha pessoa, sorri de lado,
daquele jeito que ele sabe que me deixa sem ar. Safado! Ele se aproxima
da cama, andando devagar, se ajoelha na minha frente, beija minha
barriga e começa a conversar com a minha filha… nossa filha.
― Minha princesa, papai trouxe um delicioso café da manhã para
você ― diz com um tom de voz manso enquanto beija minha barriga.
Sacanagem! Eu fico como? Toda arrepiada. Toda trabalhada na
tremedeira.
Depois, ele se levanta devagar e me encara com uma sobrancelha
levantada.
― Como você passou a noite? ― ele me pergunta em um tom rouco.
Ele está tão próximo de mim que sinto a sua respiração no meu rosto.
Neste exato momento, eu não tenho a capacidade de raciocínio o
suficiente para dizer um simples "bem", então eu apenas balanço a
cabeça, feito uma marionete.
Ele olha para a minha boca, passa a língua nos lábios devagar e
depois morde o lábio inferior. E eu, mais uma vez, tenho aquela sensação
de parecer um cachorro na frente da padaria. Estou quase salivando,
gente!
Ele se afasta e põe a bandeja a minha frente.
― Antes que você pense que vim aqui atrás de você, quero deixar
bem claro que minha filha está acostumada a comer bem no café da
manhã. E ela poderia não se sentir bem ao comer a comida do hospital ―
esclarece, se sentando no sofá do quarto e cruzando as pernas.
Eu, como não tenho noção do que falar e tendo a convicção da
vergonha que já passei hoje ao praticamente babar em cima dele, prefiro
comer em silêncio, enquanto sou observada por ele.
Sutilmente, olho para a sua mão e noto, com certo alívio, que ele
ainda conserva a aliança. Sei que é uma coisa meio louca, afinal eu
terminei com ele ontem, mas fico feliz que ele ainda a esteja usando.
Pouco tempo depois de acabar o café da manhã, meu médico fofo
gato entra no quarto.
― Como está minha paciente preferida hoje? ― ele pergunta
sorrindo de um jeito meigo.
― Eu e meu projetinho de princesa estamos muito bem hoje.
Quando vamos poder sair daqui? ― pergunto, ansiosa.
― Que bom, fico feliz em saber. Quanto à alta, infelizmente não será
possível ― ele informa em um tom calmo.
― Por quê? A nossa filha não está bem? ― Márcio questiona. Ele
segura minha mão e eu a aperto, agradecendo o conforto.
― Sua pressão continua um pouco elevada. Michele, você entrou em
um quadro de pré-eclâmpsia, por isso vai ter que continuar internada. Hoje
de manhã você fez alguns exames e eles me mostram que eu ainda não
posso lhe mandar para casa. A verdade é que vamos começar a nos
preparar para uma possível cesariana de emergência. A partir de hoje,
você começará a tomar alguns medicamentos, para ajudar a fortalecer
coração e pulmão da sua filha ― ele esclarece.
É engraçado como às vezes as informações chegam até você como
se fossem ondas e te deixam bamba, sem rumo, sem eixo, sem chão. Eu
tenho até medo de respirar. Eu sabia que era grave, mas não tão grave.
Começa a bater um desespero, uma dor no peito, uma falta de ar e sinto
as lágrimas caírem pelo meu rosto e molharem minha mão, que estava
firmemente apertada com a do Márcio.
Abro minha boca, mas não sai nada. Estou sem fala. O que é algo
bastante incoerente para uma pessoa articulada e encrenqueira, que briga
com Deus e todo mundo. Mas neste momento estou sem fala.
Márcio segura meu rosto com ambas as mãos e fala de forma firme.
― Calma, eu estou aqui. Tudo vai dar certo ― pede, me olhando nos
olhos, e eu sinto minhas lágrimas caírem.
― Eu terminei com você ontem ― digo, soluçando.
― Mas eu não vou a lugar nenhum, nunca ― afirma e eu me perco
nos seus olhos.
― Michele, eu preciso que você mantenha a calma. Esse é um
procedimento normal nesse caso, apenas uma forma de prevenção. Mas,
para que tudo dê certo, eu preciso que você colabore e tente manter a
calma. Eu sei que isso é muito difícil para você, mas, por favor, faça um
esforço. ― Dr. Marcos segura a minha mão.
Eu apenas balanço a cabeça, estou abalada demais para falar
alguma coisa em relação a isso. Ainda estou processando a informação de
que estou com pré-eclâmpsia.
Márcio começa a fazer várias perguntas sobre o meu caso e o da
minha filha, mas eu não participo, apenas escuto e nada falo. Depois de
algum tempo, Dr. Marcos vai embora prometendo voltar no outro dia, ou
antes, caso haja alguma emergência.
Eu me deito na cama, de lado, passo a mão na minha barriga e
começo a chorar. Sinto Márcio se deitando na maca comigo e me
abraçando.
― Você pode me mandar embora mil vezes, que mil e uma vezes eu
vou voltar. Estamos juntos e misturados, minha sereia. ― Ele me abraça
forte e depois fica dizendo ao meu ouvido que tudo vai dar certo.
Depois que me acalmo, viro-me para ele e falo de forma séria.
― Eu não mudei de ideia. Não estamos mais juntos.
― Sei. Então me explica uma coisa, se não estamos mais juntos, por
que você mandou Maria ficar atrás de mim como um cão de guarda
raivoso? Qualquer mulher que chega perto de mim, Maria só falta voar em
cima. ― Ele se levanta da cama. ― Mas eu acredito que, como
terminamos, você não tem nada a ver com isso, não é mesmo? ― ele diz
em um tom irônico, arrumando a gravata.
E eu fico imaginando a cena de Maria afastando o mulherio de perto
de Márcio.
Respiro fundo, tentando controlar o riso, e falo com a maior calma e
inocência do mundo.
― Eu não tenho noção do que você está falando ― esclareço,
batendo os cílios suavemente. Contudo, por dentro estou batendo
palminhas para Maria. Fico encarando Márcio inocentemente.
― Você tem certeza de que não sabe do que eu estou falando,
Michele? ― Márcio me pergunta, cruzando os braços.
― Volto a repetir que não tenho noção do que você está falando. ―
Faço cara de inocente. Bem, estava mais para cara de pau.
Ele dá uma risada gostosa, que me deixa toda arrepiada, e vem
andando em minha direção devagar. Ele se abaixa, me olhando nos olhos,
e beija a minha barriga, sem desviar o olhar. Depois começa a conversar
com minha filha, que se mexe em resposta, me deixando surpresa.
― Minha princesa, papai vai trabalhar, mas à noite eu volto para ver
como você passou o dia ― sussurra e me deixa toda mole.
Depois, se levanta devagar, me olha nos olhos, em seguida encara
minha boca, sorri de lado e passa o dedo devagar pelo meu rosto. E eu?
Bem, eu não estou mais neste recinto, e sim virei uma gelatina ambulante.
― À noite eu volto. ― Ele levanta meu queixo para olhar para ele. ―
E nem adianta dizer para não vir, minha filha precisa jantar bem. ― Ele
pisca um olho, aproxima o seu rosto do meu, ainda segurando meu
queixo, e eu fecho meus olhos, esperando, ansiando por um beijo dele...
Beijo esse que não veio.
Ele beija minha bochecha e raspa a barba no meu rosto e eu me
esqueço até como se respira. Depois, ele pisca um olho para mim e vai
embora, me deixando toda zonza.
Passei o dia recebendo visitas. A família de Bianca me visitou na
parte da manhã e Bianca veio com Maria na parte da tarde. Ri demais com
elas, principalmente pelo fato de Bianca ter proibido Maria de vir sozinha
ao hospital, depois do escândalo que ela deu. Como eu queria ter visto
essa cena! Maria em seu momento drama mexicano e Bianca tentando
fazê-la voltar à razão. A iludida da Bianca acha que isso é possível, Maria
perdeu a razão há muito tempo, gente! Aquilo ali é doida, mesmo.
Mas eu a amo, mesmo ela sendo doida de pedra. Sei lá, me
identifico com ela demais, gente. Só não tenho noção do porquê, já que eu
sou completamente sã e uma pessoa muito coerente.
Maria, vulgo defensora dos homens gostosos abandonados por
mulheres burras, no caso eu, põe-me a par de tudo o que Márcio fez. Ele
dormiu em casa ― graças a Deus ― e ela me disse que a mãe dele foi lá
querendo falar com ele e eles discutiram. Ele não me disse nada disso. A
verdade é que ele estava apenas preocupado com minha filha. Nossa
filha!
Mais uma vez, Márcio me surpreendeu, pois ele agiu como se tudo
estivesse bem. Agora eu me sinto a pior pessoa do mundo por ter
terminado com ele. Porém, por mais triste que esteja, e por mais que as
atitudes dele tenham me surpreendido, nada mudou de ontem para hoje.
Muito pelo contrário, a atitude da mãe dele de ir até minha casa depois de
tudo o que aconteceu, só mostra que ela não vai nos deixar em paz.
― Michele, não fica assim, não chora. ― Bianca me abraça.
― Bianca, eu queria tirar tudo das costas de Márcio. Terminei para
que ele não tivesse que escolher entre a mãe dele e eu, para ele não
sofrer com isso. E, no entanto, as coisas só pioraram para ele. Agora está
sofrendo pelos dois lados e ainda faz eu me sentir uma merda por tratar
tão bem a mim e a minha filha ― murmuro, chorando.
― Meu anjo, eu lhe disse ontem que ele não iria desistir de você.
Márcio escolheu um lado no momento em que ele quis ficar com você,
Michele. Ele já sabia que não seria nada fácil e vai ficar
independentemente do que acontecer, mesmo você não querendo ―
Bianca assegura e eu me acabo de chorar.
― Mulher, deixe de ser burra! Eu aqui feito uma louca atrás de um
homem como ele e você recusando? Oh, sua sorte é que não fico com ex
de amiga minha, se não já teria usado todas as táticas do meu caderninho
nele ― Maria diz de forma séria, mas com voz engraçada e mesmo
estando triste, ela consegue me fazer sorrir.
Conversamos por mais algum tempo e logo depois elas vão embora.
À noite, Márcio vem me visitar. Ops, visitar nossa filha, como ele
mesmo fala. No entanto, ele joga todo o seu charme. Sorri, beija a minha
barriga, passa o dedo pelo meu braço, mas eu aguento firmemente.
Em nenhum momento ele falou sobre a mãe. Em nenhum momento
ele me pediu para voltar. Ele só ficou ali do meu lado, fazendo carinho na
minha barriga. Quando comecei a chorar por passar mais uma noite no
hospital, ele me pegou no colo e disse que tudo iria passar, que tudo daria
certo.
Aí, você me diz, tem como não amar um homem desses, gente? Eu
não estou acostumada com isso, não, gente.
Dormi pensando nele e acordei com ele no meu quarto, trazendo o
café da manhã. Seguimos nesse ritmo por doze dias. Nesse tempo, se
houve algum problema com a mãe dele, não fiquei sabendo. Todos os dias
ele vem de manhã e fica até o médico ir embora. Depois, vem à noite, usa
todo o seu charme de forma descarada e vai embora. Confesso que já não
estou tendo mais forças para resistir a ele.
Meus amigos vêm todos os dias e a verdade é que são poucos os
momentos durante o dia em que estou sozinha, sem ter Maria, Bianca ou
tia Bruna por perto. Mas não é a mesma coisa… não é como estar em
casa.
Minha filha está bem, contudo, não é nada fácil todos os dias ser
furada várias vezes por causa dos exames de sangue e dos outros
inúmeros exames que faço. Minha pressão está sempre oscilando e acho
que é a agonia de ter que ficar no hospital, sem ter a certeza de que tudo
vai dar certo, de que minha filha vai ficar bem. E, claro, tem a preocupação
constante com Márcio solto por aí.
Eu sei que a culpa é minha de estarmos separados. Se tudo tivesse
dado certo, amanhã eu estaria me casando com Márcio e pensar nisso me
deixa deprimida. A verdade é que eu nem dormi essa noite. Eu estou cada
dia mais emocional, toda manhã o expulso do quarto e toda tarde fico
ansiosa esperando a hora de ele chegar. Eu não estou bem, não, gente,
tenho a noção de que não estou no meu normal.
Quando ele entra no quarto com meu café da manhã, eu começo a
chorar e me viro na cama, ficando de costas para ele. Ele põe a cesta em
cima da mesa e se deita ao meu lado, pousando a mão na minha barriga.
― O que houve, minha sereia? ― sussurra no meu ouvido.
― Eu não sou sua sereia ― digo, fungando.
― Você sempre será a minha sereia, sempre. ― Beija meu ombro.
― Tome um banho gostoso, mande a tristeza embora, que eu trouxe uma
coisa muito gostosa para você comer. ― Ele me vira.
― Não aguento mais ficar aqui, Márcio. Não aguento mais esta
situação. Todo dia pergunto ao Dr. Fofo gato se meu projetinho está fora
de perigo e ele me diz que não, mas ela está estável. Se nada disso
tivesse acontecido, nós estaríamos nos casando amanhã ― explico entre
soluços.
― Minha sereia, eu já pensei em tudo. Não se preocupe que tudo vai
dar certo.
― Tudo o quê? E eu não sou sua sereia! Você cancelou no cartório?
― pergunto, fungando.
― Claro que cancelei no cartório, afinal não vamos mais nos casar
no cartório. Agora, quero que você tome um gostoso banho, porque hoje
eu chamei alguns profissionais para te deixar mais linda ainda.
― Eu não tenho motivos para ficar bonita. Quero ficar bagaceira, feia
de doer. É assim que estou me sentindo por dentro, o cocô do cavalo do
bandido.
Ele segura meu queixo e vira meu rosto para si. Márcio beija minha
testa, meus olhos cheios de lágrimas, minhas bochechas, meu nariz, meu
queixo. Não beijou minha boca, mas eu fiquei igual a uma tonta, de lábios
abertos esperando um apaixonado beijo que não veio.
― A qualquer momento você pode ter nossa filha. Você quer que ela
nasça e ache que você é uma pessoa triste e deprimida? ― ele pergunta,
secando meu rosto.
― Mas eu estou assim agora, triste e deprimida.
― Exatamente, você está assim agora. Mas você não é sempre
assim. Você é como um raio de sol que quando chega ilumina todos ao
seu redor. Minha sereia, eu contratei vários profissionais para lhe mimar o
dia todo. Agora, levante-se e vá tomar um bom banho, que hoje não posso
ficar por muito tempo, tenho muitas coisas para resolver. ― Ele me tira da
cama no colo e me leva até o banheiro.
― Ok, mas quero deixar bem claro que não sou mais sua sereia, nós
terminamos!
― Minha sereia, você nem imagina o que lhe aguarda. ― Ele me dá
um leve beijo nos lábios, depois pisca um olho e sai com cara de safado.
Safado gostoso.
Eu fico no banheiro, olhando para a porta, com a sobrancelha
levantada, tentando imaginar o que ele estava querendo dizer com isso.

Márcio
Minha vida nesses últimos doze dias pode ser classificada como
triste e confusa. Tudo está muito complicado. A situação com minha mãe,
as complicações de saúde de Michele e nossa filha. O pior de tudo é o fato
de não poder tocar nela do jeito que eu quero. Tenho tentado ao máximo
respeitar a decisão mais louca que ela já tomou, de terminar nosso
relacionamento. Respeito, porém, confesso que estou dificultando e muito
a vida dela.
Estou me fazendo sempre presente, e confesso que às vezes até
pego pesado, e nos momentos que vejo que ela está fraquejando, que
está quase cedendo, me afasto. Quero que Michele volte para mim por
vontade própria, não apenas porque a seduzi. Todavia, uma boa dose de
sedução ajuda, isso não vou negar.
Amo vê-la tremendo, me olhando com desejo e paixão. Entretanto,
não é só isso que eu quero dela. Quero que ela necessite de mim como o
ar que ela respira, que quando estivermos separados, ela não consiga
dormir ou mesmo se alimentar direito. Quero... quero que ela me ame
como eu a amo.
E como eu amo essa mulher!
Há doze dias que eu não sei o que é dormir sem pensar em como
minha sereia ou minha filha estão. Há doze dias que todas as vezes que
almoço, penso se ela se alimentou direito. Há doze dias que minha vida
perdeu parte do brilho. Ela é meu norte, meu sol, a razão dos meus
sorrisos. Vê-la triste me faz sentir uma dor surreal no peito, dor essa que
disfarço com sorrisos e frases de duplo sentindo.
Tento ao máximo não passar para ela o caos que está minha vida,
pelo menos não enquanto ela estiver no hospital. Para ela, demonstro
estar sempre bem, com um sorriso despreocupado e despretensioso.
Dizer que não estou triste, contrariado, chateado, puto por ela ter
terminado o nosso relacionamento seria mentira. Contudo, compreendo as
suas razões. O que ela ainda não compreendeu é que eu vim para ficar, e
nada, nem mesmo ela vai me fazer desistir.
Doze dias que minha mãe inferniza minha vida. Há doze dias que eu
me recuso a recebe-la ou mesmo falar com ela por telefone. Queria minha
atenção voltada somente para Michele e nossa filha. Mas hoje, marquei
uma reunião familiar na casa da minha mãe. Tenho que dar um basta
nisso! Amanhã começa uma nova fase da minha vida, e não vou deixar
nada, nem mesmo a minha mãe atrapalhar esse dia.
Saio do hospital depois de deixar o café da manhã para minha sereia
e ligo para Maria. Sinceramente, não sei como seria essa triste fase sem
Maria por perto. Com suas, digamos, excentricidades, ela consegue me
fazer sorrir nos meus momentos mais deprimentes.
― Bom dia, Maria. Está tudo certo? Não se esqueça de não falar
nada para Michele quando vier visitá-la. Quero surpreendê-la amanhã.
― Mas, homem, você conhece Michele. Ela vai querer nos esganar
quando descobrir que a enganamos. Mas olhe, nunca vi coisa mais
romântica. Vou escrever isso no meu caderninho… meu futuro marido vai
ter que fazer coisas assim para mim. ― Maria suspira, o que me faz rir.
― Maria, você não vive dizendo que não quer mais homem na sua
vida? ― pergunto, rindo.
― Não quero homem ruim. Eu quero homem bom, da mesma
categoria de você e de Fernando. Dois homens bons demais! Se vocês
não fossem praticamente casados com as minhas patroas e amigas, eu
botava meu batom vermelho e todos os truques do meu caderninho à
prova. Mas vocês para mim são apenas fontes de inspiração para procurar
meu homem perfeito ― Maria diz com uma voz engraçada, fazendo-me
dar boas gargalhadas.
Depois de conversarmos por mais alguns minutos, desligo o
telefonema, agradecendo tudo o que ela tem feito por mim nesses dias.
Sigo para o estacionamento e, quando estou entrando no carro, recebo
uma ligação de Fernando.
― Como você está, cara? ― Todo dia Fernando me liga e pergunta a
mesma coisa. E todos os dias, respondo a mesma coisa.
― Indo.
― Eu te admiro muito, Márcio. Não teria a força que você está tendo
se estivesse na sua situação.
― Sou obrigado a ter, Fernando. Michele não está bem fisicamente,
e muito menos psicologicamente. Tenho que me manter calmo, mesmo
que por dentro esteja despedaçado.
― Eu nunca que iria deixar Bianca terminar comigo. Ela até já tentou
uma vez, mas não deixei!
― Fernando, eu nunca vi um homem fazer tanto drama, quanto você
fez quando Bianca quis terminar com você. Deu até vergonha de ser seu
amigo. Só faltou você se jogar no chão e pedir para ela não lhe abandonar.
Tristeza, senti vergonha alheia da sua pessoa. ― Rio ao me lembrar do
drama que Fernando fez na época.
― Meros detalhes que eu prefiro não comentar. ― Caímos na risada
juntos. ― Mudando de assunto, você vai conversar com sua família hoje?
― ele me pergunta e meu sorriso morre nos meus lábios ao me lembrar
dos meus problemas.
― Sim, estou indo para lá agora. Chega de correr dessa conversa.
Tudo tomou uma proporção enorme. A partir de amanhã, começarei uma
nova história.
― Cara, você tem noção que Michele vai surtar? Bianca está
doidinha com todos os preparativos, porém a todo o momento ela fala que
Michele vai ficar doida da silva... Ah, antes que eu me esqueça, para de
dar tarefas para minha mulher! Bianca está grávida e não pode se
aborrecer ― Fernando ordena revoltado e volto a rir com ele.
― Cara, na boa, você é maluco! Vou resolver minha vida de solteiro,
afinal esses dias estão chegando ao fim...
― Você pensa em fazer uma despedida? Esquece, ou melhor, nem
pense nisso. Imagina o que Michele faria, caso soubesse que você foi para
uma noitada? Tenho até medo de pensar. ― Fernando ri, e só de imaginar
as possíveis coisas que Michele faria, começo a rir também.
Desligo o telefone e vou para a casa da minha mãe. Ao chegar lá,
encontro meus irmãos e sinto que a nossa conversa não será nada
agradável.
E realmente não foi.
Deixei que eles falassem tudo o que queriam. Meus irmãos me
acusaram de abandonar nossa mãe por causa de uma mulher, que a
família tinha que vir em primeiro lugar, que nossa mãe estava passando
necessidades, que estava deprimida, que poderia ficar doente e que se
viesse a morrer de tristeza, a culpa seria minha. Depois de ouvir por mais
de uma hora meus irmãos me taxarem como o pior filho da face da terra,
minha mãe chora em um canto como se ela fosse a vítima de toda a
situação.
E eu, infelizmente, me dou conta que a minha família não era a
perfeita e unida família do samba que eu imaginava.
― Bem, agora que vocês falaram o que bem queriam, eu gostaria de
fazer apenas uma pergunta: quantos filhos nossa mãe tem? Por acaso sou
filho único? Até agora, arquei com tudo sozinho! Porém, a partir de hoje,
não serei o único responsável por tudo, não mais. Se ela estava passando
necessidades, por que nenhum de vocês vieram ajudá-la? A partir de
agora, todas as despesas da nossa mãe serão divididas entre nós. Já que
estão querendo me pintar como o vilão da história, então vou fazer meu
papel direito. ― Quando acabo de falar, todos os meus irmãos estão me
olhando com os olhos arregalados.
― Mano, você nunca reclamou de arcar com todas as despesas.
Essa mulher realmente fez a sua cabeça ― diz Mauro, meu irmão do
meio.
― Sim, é verdade, nunca reclamei. Entretanto, isso foi antes de
querer formar a minha própria família e a pessoa que deveria me apoiar e
estar o meu lado nesse momento tão especial da minha vida, fez de tudo
para atrapalhar. Ela humilhou a minha futura mulher, julgou sem ao menos
conhecê-la, foi preconceituosa, racista e prepotente. E o pior de toda essa
situação é que ela não reconhece que agiu errado ― explico de forma
séria e todos ficam em silêncio.
― Márcio, eu reconheço que agimos errado em pôr toda a
responsabilidade nas suas costas. Nisso você está coberto de razão. Mas
ignorar a nossa mãe como você está fazendo, não está certo ― Marcos,
meu irmão mais velho, que até o momento não tinha aberto a boca para
falar um “ai”, fala de forma calma.
― Marcos, você tem mulher e adotou dois filhos. Imagina se nossa
mãe humilhasse sua esposa a ponto da pressão dela subir e ela parar no
hospital em estado grave. E a sua mulher, aquela que lhe fez voltar a
acreditar no amor depois de uma triste desilusão amorosa, termina o
relacionamento com você apenas para que você não tenha que decidir
entre ela e a sua mãe. Agora me diz, qual seria sua reação? Iria continuar
a tratando todos como se nada tivesse acontecido? Desculpe-me, mas eu
não sou assim. Não consigo agir como se nada tivesse acontecido. Não
perdoo nossa mãe pelo que ela fez com a minha mulher, pelo menos não
no momento ― explico nervoso e Marcos fica em silêncio.
― Ela não é mais a sua mulher. Você acabou de dizer que ela
terminou com você. ― Maicon fala de forma cínica, e eu simplesmente o
ignoro. Já tenho problemas demais para me preocupar com ele.
― Meu filho, por favor, eu não ando bem. Seu afastamento anda me
fazendo muito mal. ― Minha mãe afirma com voz chorosa.
― Eu cresci com uma forte e decidida mulher, da qual eu muito me
orgulhava. Essa mulher me ensinou a respeitar a todos e a nunca me
sentir inferior por causa da minha cor de pele ou situação financeira. Essa
mesma mulher sempre me ensinou que toda ação têm uma reação. Mãe,
eu não vou mentir e dizer que deixei de amar a senhora, mesmo porque
isso seria impossível! Porém, estou extremamente magoado e
decepcionado. Michele e nossa filha são minha vida, mãe. Essa é a única
coisa que a senhora tem que entender, e não há nada nesse mundo que
me faça mudar de ideia e desistir dela ou da nossa filha ― esclareço,
emocionado.
Meus irmãos e minha mãe não falam mais nada. Acho que eles
finalmente entenderam o quanto eu amo Michele… agora só falta ela
finalmente entender isso.
C 25

Michele
Sabe aquela nítida sensação de que estão lhe escondendo alguma
coisa? Então, passei o dia todo assim. Fui paparicada o dia todo!
Cabeleireira, manicure, massagista, esteticista, depiladora. Veio até um
tiozinho para fazer acupuntura, mas como morro de medo de agulhas,
gentilmente recusei. No final do dia estava me sentindo linda, cheirosa e
maravilhosa.
Mas fiquei com uma pergunta na cabeça: como Márcio conseguiu
que esse povo todo entrasse aqui? Bem, não vieram todos ao mesmo
tempo e não recebi nenhuma outra visita, a não ser dos profissionais. O
mais estranho foi Bianca e Maria não terem aparecido. Tudo muito
estranho.
À noite, me deito na cama do hospital, linda e bela, pensando em mil
e uma possibilidades enquanto espero Márcio chegar. Vou lhe fazer mil
perguntas e ele vai ter de me dizer o que está acontecendo. Para minha
grande surpresa, recebo uma entrega com o meu jantar. E nada de
Márcio!
Como assim, gente! Ele me dá um dia de princesa e some? Eu não
estou mais acostumada a comer sozinha.
Será que ele me deu esse dia cheio de mimos como uma
despedida? Será que ele desistiu? Será que ele não me quer mais?
Michele, sua louca! Você que terminou com ele. Agora aguente!
Não liguei para ele e nem para ninguém. Ele também não me ligou.
Eu também não quis jantar. Passei a noite lamuriando e sentindo falta do
meu chocolate derretido. E pior, tendo a certeza absoluta de que consegui
afastá-lo de vez.
Era o que eu queria? Era! O problema é que eu não tinha noção da
sensação de vazio que iria sentir quando ele finalmente desistisse de mim.
Começo a me lembrar da voz do Dr. Marcos na consulta de hoje,
dizendo que estava muito preocupado, porque minha gestação estava
centralizando. Começo a sentir uma angústia por toda a situação que
estou vivendo e por estar sozinha. Mas isso é culpa minha, eu o mandei
embora. Depois de insistir por doze dias, ele finalmente foi. Sinto uma dor
tão grande que chega a me dar falta de ar, uma dor na nuca, um enjoo
estranho. Ouço o som de bip, bip ao longe e não vejo mais nada.

Márcio

Estamos todos reunidos na casa de Bianca e Fernando discutindo os


preparativos para o casamento. Maria só sabe dizer que Michele vai nos
pegar de paulada, que vai contratar um povo para dar na gente. Coisas de
Maria. Porém, eu sei que ela vai ficar, digamos, meio revoltada. Ah, isso
vai.
Bianca sumiu com meu celular. Ela disse que para tudo dar certo,
Michele teria que ficar uma noite sem me ver ou falar comigo. Bianca
acredita que só assim ela vai ver a falta que faço, e amanhã irá aceitar o
casamento surpresa. E eu estou orando para que ela tenha razão.
Mas a falta que ela está me fazendo está me deixando meio louco.
Não consigo ficar sentado nem me concentrar em nada. Não consigo
comer ou mesmo beber. Estou inquieto, assustado e estranhamente
preocupado.
― Márcio, calma, meu amigo. Amanhã você será um homem
casado. Sorria, homem. ― Fernando sacode meu ombro. ― Queria estar
no seu lugar, queria estar nervoso por meu casamento com Bianca... Mas
ainda faltam dois meses ― ele diz, sorrindo.
― Fernando, vocês só não se casaram ainda porque você não quer
um casamento e sim um acontecimento ― comento sem sorrir.
― Eu apenas acho que o mundo tem que saber que Bianca é minha
mulher. Tantas pessoas que se incomodam com um mero pedaço de
papel, que eu quero ter certeza absoluta de que o máximo de pessoas
possível saiba que assinamos o tal papel e nunca mais me perguntem se
somos casados. Apenas isso, nada demais, meros detalhes a serem
resolvidos. ― Fernando volta a sacudir meus ombros.
O casamento de Bianca e Fernando será um grandioso evento, que
ele está estranhamente cuidando de cada detalhe. Eu não sei por que
ainda me surpreendo com algo que Fernando faça, principalmente quando
é algo em relação à Bianca. Eu apenas acho que Bianca deveria ficar de
olho nesses tais meros detalhes a serem resolvidos. Só acho.
― Estou preocupado com Michele. Estou sentindo um... não sei
explicar ao certo. Uma agonia, uma inquietação. ― Levo a mão ao peito
ao sentir uma sensação estranha.
― Calma, meu amigo. É apenas expectativa para o dia de amanhã.
Relaxa, tudo vai dar certo.
― É o que eu espero. ― Sorrio.
Vamos conversando para onde Maria e Bianca estão discutindo
sobre flores e afins, quando meu celular toca. Bianca pega o celular, olha o
visor e me entrega sorrindo.
― É do hospital, provavelmente Michele pedindo para alguém te
ligar, para saber se você não vai vê-la hoje. Sim, porque ela jamais ligaria.
― Bianca me entrega, sorrindo.
Pego o celular com um sorriso enorme no rosto, mas ele vai
morrendo aos poucos quando atendo e ouço a pessoa pedindo para os
familiares comparecerem ao hospital.
― O que houve, Márcio? Aconteceu alguma coisa com Michele? ―
Bianca me pergunta assim que desligo.
― Eles apenas disseram para os familiares irem ao hospital ―
respondo, apático, com medo até de respirar. Fico com o celular na mão,
olhando para o nada, com um temor surreal.
― Meu Deus! ― Maria põe a mão no rosto.
― Calma, Bianca... ― Fernando tenta falar, porém, Bianca o corta.
― Agora não, Fernando! Me dá o seu celular, Márcio ― ela pede,
tirando o celular da minha mão.
Bianca liga para Marcos e fica olhando para mim com os olhos
cheios de lágrimas enquanto fica monossilábica ao telefone.
― O que houve? O que o Dr. Marcos falou? ― indago em um
sussurro.
― Não consegui falar com ele, a sua secretária me disse que ele
está em uma cesárea de emergência ― responde, abraçando Fernando.
E eu, que até o presente momento estava apático, com medo até de
respirar, finalmente desperto e meu dou conta de que a luz da minha vida
está precisando de mim. Que meu raio de sol, extrovertida e barraqueira,
neste exato momento pode estar tendo a nossa filha.
Saio correndo da casa deles e chego ao hospital em tempo recorde.
Tenho absoluta certeza de que no percurso levei várias multas. Estou
pouco me lixando para isso, minha total preocupação é Michele e minha
filha.
Assim que chego ao hospital, sou informado que Michele está sendo
operada, e assim que tiverem maiores informações eles informarão.
Minha primeira reação foi de querer esganar o atendente e ter uma
informação exata do que realmente estava acontecendo, mas respirei
fundo e fiquei andando de um lado ao outro. Vinte minutos depois, Bianca,
Fernando e Maria chegaram.
Confesso que não prestei muita atenção no fato de Maria entrar
chorando e aos berros no hospital, apenas ouvi por alto Bianca brigando
por ela, mais uma vez, fazer uma cena de novela Mexicana. Não entendi
direito, também não queria saber. Talvez em outra hora, quando esse
tormento da espera passasse. Naquele momento, eu só sabia orar para
que tudo desse certo, que tudo ficasse bem. Eu só tinha duas coisas em
mente.
Michele e minha filha.
***
Bianca

Hoje foi, sem sombra de dúvidas, um dos dias mais divertidos e


atarefados da minha vida. Michele não sabe, mas passei o dia no hospital,
com vários profissionais para decorar a capela do hospital, onde será
realizada a cerimônia. Cerimônia essa que ela ainda não sabe que será
realizada. Só peço a Deus que ela não surte na hora do sim e resolva
dizer não. Se isso acontecer, eu mesma vou dar uns sacodes nela.
Porém, obviamente, eu já tenho um plano devidamente orquestrado
para evitar esse, digamos, incidente. Vou fazer uso da psicologia reversa.
Basicamente, trata-se de adotar uma determinada postura, para que o
outro adote a postura contrária. Ou seja, vou pedir ao Márcio para fazer
exatamente o inverso do que ele está fazendo, e isso irá fazer Michele
repensar a sua decisão de terminar o relacionamento.
Só não contava que seria tão difícil fazer Márcio passar um único dia
sem ver nem falar com Michele. O combinado foi Márcio não ver Michele
até a hora da cerimônia. Mas ele conseguiu? Claro que não. Hoje de
manhã, ele foi levar o café da manhã para ela.
Depois de tudo organizado, recebo uma ligação dos meus pais
avisando que chegam hoje à noite. Ligo para alguns amigos de faculdade
de Michele, convidando-os para a cerimônia. Agradeço à administração do
hospital e sigo para casa, com Fernando me deixando louca, a toda hora
perguntando se me alimentei direito. Reclamo, mas amo o jeito que ele me
trata.
Maria foi a minha maior dor de cabeça hoje. Meu Deus! Toda hora
ficou dizendo que Michele daria cabo de nós duas. Não a deixei visitar
Michele, duvido que ela fosse conseguir ficar calada.
À noite, estávamos em um clima descontraído em casa, quando o
telefone toca e tudo muda. Depois que liguei para Dr. Marcos e a sua
secretária me fala que ele está em uma cessaria de emergência, Márcio
vai apressado para o hospital.
Maria começa a chorar desesperadamente. Eu tento ficar calma,
mas as minhas lágrimas vêm de uma forma que simplesmente não
consigo controlar. Fernando nos oferece água com açúcar. Respiro fundo,
tentando, assim, conseguir algum tipo de controle e não cair no total e
completo desespero. Fernando segura meus braços e me olha nos olhos.
― Amor, calma, respira... Isso, respire fundo. Como você sempre
fala, esse é o momento de ficar calma. Pense na nossa filha, pense em
você e, principalmente, fique calma por Michele. Eu preciso de você calma
para eu poder me preocupar com Márcio, que saiu daqui correndo. Deve
estar dirigindo feito um louco pelas ruas. Mas eu não consigo me
preocupar com ninguém se você não estiver bem ― ele implora, me
olhando nos olhos e vejo a preocupação refletida nele.
― Fernando, Michele... ― Não consigo acabar de falar e começo a
chorar.
― Meu amor, só vamos saber o que está acontecendo quando
chegarmos ao hospital. Por favor, eu preciso que você fique calma ―
Fernando pede, encostando a testa na minha.
Respiro fundo, tentando recuperar um pouco do meu controle, então
o beijo e logo depois seguimos para o hospital. No caminho, vamos em
total silêncio e nem Maria comentou nada. Porém, assim que chegamos
ao hospital, tudo mudou.
Maria mais uma vez me fez passar vergonha, ao se pôr de joelhos
no chão, aos prantos, pedindo pela vida de Michele e sua filha. Um guarda
se aproxima dela com a intenção de ajudá-la ― ou a colocar para fora do
hospital, sinceramente, não sei ao certo ― e Maria agarra o guarda e
começa a chorar compulsivamente. Na boa, Maria tem que parar de ver
novela Mexicana!
Dessa vez, Fernando não pôde fazer cara de paisagem e teve que
me ajudar a desgrudar Maria do guarda. Logo que conseguimos, pedi mil
desculpas ao guarda, que me olhava pálido, com os olhos esbugalhados e
assustados. Essa Maria me mata de vergonha!
Desde que resolveu casar, ela não anda nada bem. Mas também,
convivendo diariamente com Michele, boa coisa não podia dar. Essas duas
são loucas de pedra, mas eu as amo mesmo assim.
Quando finalmente vi Márcio, parei de brigar com Maria e respirei
fundo. Ele parecia que nem respirava enquanto olhava para a porta de
saída dos médicos. Fiz a mesma coisa que há doze dias, não falei nada,
apenas segurei sua mão. Maria o abraçou e Fernando ficou ao meu lado.
Ficamos nós quatro olhando para porta, cada um fazendo sua própria
oração silenciosa, pedindo, orando, implorando para que tudo desse certo.
Ficamos assim por duas horas, até que uma enfermeira sai, procurando
por Márcio.
― Sou eu! Minha filha e minha mulher estão bem? ― Márcio
perguntou em um sussurro, como se fizesse uma prece.
― Boa noite, sou a Dra. Eliane Machado. Sua filha nasceu. Ela é
prematura, requer cuidados. Por enquanto, ficará na UTI para
procedimentos padrões e assim que estiver liberada a visita, uma
enfermeira vira avisar ― responde, sorrindo.
― Graças a Deus! Mas ela está bem? Quero dizer, mesmo
prematura, ela está bem? ― Márcio questiona, nervoso.
― Ela requer cuidados por ser prematura. Em breve a pediatra irá
dar maiores informações ― a médica explica em um tom profissional.
― E Michele, como ela está? Ela está bem, já posso vê-la? ―
Márcio pergunta, sorrindo.
― Infelizmente, a paciente teve algumas complicações e ainda está
na sala de cirurgia. Assim que tivermos maiores informações, lhe informo
― esclarece em um tom formal e sai, deixando um Márcio arrasado para
trás.
Toda a emoção e calma que eu consegui manter até agora, vai por
água abaixo. Eu não consigo conter a emoção, começo a chorar.
Fernando me abraça forte e diz baixinho que tudo vai ficar bem. Eu queria
conseguir ser forte para dizer isso ao Márcio, porém, neste exato
momento, estou com um medo surreal de que algo possa dar errado com
a minha maluca preferida.
E por mais louco e inusitado que possa parecer, a única pessoa que
conseguiu manter a cabeça fria e dar o apoio que Márcio precisava
naquele momento, foi Maria...
Mais uma vez estávamos nós quatro orando, pedindo, suplicando
que tudo desse certo e nossa loira barraqueira ficasse bem, que tudo
terminasse bem.
***
Márcio

Acho que foram as piores horas da minha vida. Acho, não, tenho
certeza.
O medo por não saber se tudo estava bem era algo terrível e
assustador. Mais uma vez, estava olhando para uma porta, esperando que
um enfermeiro, médico ou qualquer pessoa viesse me dar alguma notícia.
Maria, Bianca e Fernando estão ao lado. Eles não falam nada, nem
eu. Neste momento, não há muito que falar, eu acredito que todos nós
estejamos concentrados em apenas orar e pedir para que tudo fique bem.
Quando a médica finalmente veio, deu uma notícia maravilhosa.
Minha filha tinha nascido e estava estável. Entretanto, minha felicidade
durou pouco. Logo depois, ela disse que Michele tinha tido algumas
complicações e ainda estava em cirurgia.
Ela falou, virou as costas e foi embora; e com ela foi junto todo o
meu controle. Eu simplesmente não conseguia parar de chorar. Eu me via
sufocado em uma nuvem de desespero e terror. Um medo surreal de não
ver mais o sorriso da minha sereia.
Em meio aos meus soluços e o desespero sufocante, ouço Fernando
tentar acalmar Bianca. Eu queria poder dizer que tudo vai ficar bem, mas
não consigo. Agora, o meu medo é maior que a minha esperança.
Maria segura meu rosto com ambas as mãos e fala de forma firme:
— Márcio! Márcio! — Ela me faz olhá-la. — Márcio, você tem que
reagir!
— Eu não consigo, Maria. Minha sereia vai... — não consigo terminar
de falar, a dor é, por demais, sufocante.
— Márcio! Nesse momento a única coisa que você pode fazer por
Michele é se manter firme e forte e cuidar da pequena dela… da sua filha.
Márcio, seja forte por elas. Agora, mais do que nunca, você precisa ser
forte por elas. — Maria seca minhas lágrimas — Agora não é hora de se
desesperar, é hora de manter a esperança. Michele está em uma mesa de
cirurgia com ótimos profissionais, lutando pela vida e não podemos nos
dar o luxo de perder as esperanças. Respire fundo, levante a cabeça,
encontre força no fundo do seu ser e se mantenha firme, haja o que
houver. Não é mais sobre você e Michele, e sim sobre você Michele e a
filha de vocês. A partir de hoje, você será uma das pessoas mais
importante para essa menina que acaba de nascer. Respire fundo que
esse não é o momento de cair — Maria pede de forma firme.
Dizer que não me surpreendi com as palavras de Maria, seria
mentira. Mas no meio do caos emocional em que eu me encontrava, foi a
pessoa mais doida que eu conheço que me deu um pouco de sanidade
mental.
Respiro fundo, olho para Bianca e vejo que Fernando e ela estão
olhando Maria, de boca aberta. Acredito que eles estejam sentindo algo
parecido com o que estou sentindo agora, achando que Maria, nossa
louca e pirada Maria, em poucas, singelas e verdadeiras palavras, nos
trouxe um pouco de equilíbrio.
Isso é tão surreal.
Porém, vou agradecer eternamente por ela ser a única que
conseguiu manter a cabeça fria e não cair em total e completo desespero,
como eu e Bianca fizemos. O mais engraçado é que nós dois sempre nos
vangloriamos por sermos pessoas equilibradas. No entanto, como se
mantém o equilíbrio quando se corre o risco de perder o amor da sua
vida?
Sorrio e respiro fundo. Abraço e beijo a cabeça de Maria.
— Obrigado, minha baiana arretada — digo abraçado a ela.
— Ôxe. Sou baiana, meu nego, caio fácil, não! Estou acostumada a,
literalmente, levar muita pancada da vida. Aprendi que enquanto há
esperanças, não devemos desistir jamais. E olha, me largue, viu. Se não,
daqui a pouco é capaz de Michele se levantar da mesa de cirurgia e dar na
minha pessoa por tamanho atrevimento, por estar abraçando você. —
Maria se afasta, me fazendo sorrir.
Ela até pode ter uns momentos de equilíbrio e sabedoria, mas essa
mulher ainda é louca!
Alguns minutos depois, uma enfermeira avisa que a filha de Michele,
nossa filha, já pode receber visitas. Bianca me olha e põe a mão no meu
ombro e diz, sorrindo:
— Vai conhecer sua filha, meu amigo.
Apesar de estar sentindo um medo surreal, por Michele ainda estar
em cirurgia, sorrio, me levanto e vou atrás da enfermeira para conhecer a
minha filha, emocionado.
A enfermeira me informa que tenho que pôr um roupão, touca, luvas
e máscara para entrar na UTI neonatal e que em breve a pediatra irá falar
comigo. Depois de estar devidamente vestido, entramos numa sala onde
tem várias incubadoras.
Nunca, enquanto eu viver, vou me esquecer desse momento. A
cada passo que dava atrás da enfermeira eu podia ouvir meu coração
bater acelerado, a respiração presa, as mãos suando, o nervosismo à flor
da pele.
Quando a enfermeira para, se vira para mim e sorri.
— Essa é a sua filha — ela sussurra.
Eu olho para a incubadora, emocionado; e se, por acaso, eu tivesse
alguma dúvida de que eu era o pai da filha de Michele, se essa dúvida
existisse em mim, ela teria ido por terra no exato momento em que a vi.
— Minha filha — murmuro emocionado, sentindo as minhas lágrimas
caírem.
Sempre me vangloriei de ser um cara que controlava as emoções,
normalmente as disfarçava com um sorriso sedutor. Ninguém nunca
realmente soube o que eu sentia. Contudo, desde que conheci Michele,
não tenho controle de mais nada. E agora que a vi, que conheci minha
filha, eu tenho a plena consciência que minha filha tem o controle das
minhas emoções.
— Ela é tão linda. Tão pequena, mas tão linda como a mãe — afirmo
emocionado — Eu posso pôr a mão nela, segurá-la nos meus braços? —
pergunto sorrindo, sentindo algo que nunca senti.
Quero colocá-la no meu colo e protegê-la de tudo e todos.
— É lindo ver um pai tão emocionado ao ver sua filha — uma mãe
que está sentada fala. E várias outras concordam.
— O meu marido quando viu nosso filho disse que ele parecia um
macaco, pequeno e enrugado — diz uma outra mulher.
— A minha filha é linda — afirmo, olhando para minha princesa.
Eu simplesmente não consigo desviar o olhar da minha filha. Fico
ouvindo as outras mulheres me elogiando pelo falo de estar emocionado,
mas minha princesa é o centro do meu universo nesse momento.
A enfermeira me explica como faço para tocar na minha princesa.
Ela é toda enrugadinha, muito pequena, mas tão linda e tão perfeita. E
parece ser tão serena, mesmo estando entubada e ligada a vários
aparelhos.
— Boa noite, senhor, meu nome é Joana Marques. Sou a pediatra da
sua filha...
A pediatra me informa que minha princesa está estável, mas seu
estado inspira cuidados. Faço várias perguntas e ela gentilmente me
responde a todas. Quando lhe pergunto quando vou poder pegá-la no
colo, ela sorri.
— Agora, caso o senhor queira. — Ela sorri e, como estou tomado
pela emoção, sem conseguir articular uma única palavra, apenas balanço
a cabeça.
Sento em uma poltrona ao lado da incubadora e duas enfermeiras
tiram minha filha de lá e a colocam deitada no meu peito. Sinto o coração
dela batendo no meu peito, acelerado. Ponho a mão nas suas costas e a
olho, gravando cada parte do seu rosto. Ela é perfeita, linda e calma.
— Ela é linda — comento emocionado e sinto que todos em volta
também estão.
Passei quarenta minutos com a minha filha no peito, sentindo o seu
cheiro, contando todos os dedinhos. Ela é muito cabeluda, mas em
nenhum momento abriu os olhos. Acho que é porque ela nasceu hoje, não
sei ao certo. Quando as enfermeiras a colocaram de volta na incubadora,
senti como se tivessem tirado um pedaço de mim. Fico por mais meia hora
olhando, completamente encantado por minha filha. Depois respiro fundo e
saio com uma esperança renovada, à procura de notícias de Michele.
Quando estou saindo, a enfermeira me pergunta o nome da minha filha.
Fico a olhando por um tempo e, sorrindo, me dou conta que eu e
Michele nunca nos decidimos por um nome. Ficou em comum acordo que
decidiríamos quando víssemos o rostinho dela.
Volto para perto da incubadora, passo a mão pela pequena
passagem e passo os dedos na cabecinha dela. Ela se mexe e abre um
pouco os olhos, então vejo que seus olhos são azuis como os de Michele.
Ela é linda, serena e calma.
— Marina. O nome da minha princesa é Marina — digo, sorrindo.
Saio da UTI neonatal sorrindo e quando chego na sala de espera,
vejo Maria chorando agarrada a um segurança. Na mesma hora, meu
sorriso morre e eu me esqueço até como se respira. Procuro Bianca com
os olhos e a encontro sorrindo.
Ela me olha e fala emocionada:
— Está tudo bem, Michele está bem.
E finalmente respiro fundo e sorrio.
Tudo vai ficar bem.
C 26

Michele
Sabe aquela nítida sensação de que parece que passou um
caminhão em cima de você? Então, é assim que me sinto neste momento.
Meu corpo inteiro dói, até o simples ato de respirar dói.
Não abri meus olhos, mas sei que Márcio está ao meu lado. Mesmo
cheia de dores, e sem realmente vê-lo, sei que ele está aqui.
— Ela está viva? — pergunto, ainda de olhos fechados, sentindo
minhas lágrimas caírem.
Tenho medo de abrir meus olhos. Estou com medo de ser obrigada a
viver em um mundo onde minha filha não esteja.
Não me lembro muito bem do que houve, tudo está meio nublado.
Lembro-me de sentir uma forte dor na nuca e depois só tenho flashes de
memórias que não sei ao certo se são reais ou sonhos. Não ouvi minha
filha chorando ao nascer e nem ouço barulhos que me levem a crer que
minha filha está aqui no quarto comigo, bem e viva.
Sinto Márcio fazer um carinho no meu rosto e secar minhas lágrimas.
Eu não preciso abrir meus olhos para saber que é ele quem está me
tocando. Conheço Márcio pelo seu suave, e ao mesmo tempo marcante,
perfume. Ele sempre usa a mesma fragrância. A verdade é que, desde
que falei que gosto deste cheiro, ele não muda. Eu o conheço pelo seu
toque, minha pele vibra a cada vez que ele me toca. Nunca senti isso,
ninguém nunca me fez sentir como ele me faz. Sua presença é tão
marcante que eu sei que é ele que está ao meu lado, mesmo sem abrir
meus olhos.
Sinto-o beijar meus lábios devagar e depois sussurrar ao meu
ouvido.
— Nossa filha é linda. — Ele mal acaba de falar e eu abro meus
olhos.
E ele, claro, está lindo. Com uma expressão cansada, com bolsas
nos olhos, mas lindo.
— Você a viu? Ela está bem? Por que ela não está aqui? — pergunto
nervosa, tentando me levantar.
A felicidade ao ouvi-lo falando da minha filha foi tamanha que por um
momento me esqueci de todas as dores que sentia. Porém, ao tentar me
levantar, elas se fizeram presentes e gemi de dor.
— Calma, minha sereia. Nossa Marina está bem e ela é linda —
responde, me ajudando a deitar e me beijando suavemente nos lábios.
— Eu quero vê-la, Márcio. Quero segurar minha filha no meu colo —
imploro emocionada.
— Meu amor, você está debilitada e precisa se recuperar da cirurgia.
— Então traga ela para mim, por favor. Eu preciso saber, ver com os
meus próprios olhos que ela está bem.
— Meu amor, nossa filha está bem. Ela é linda e perfeita, mas nossa
Marina é prematura e precisa de cuidados especiais, por isso, ela está na
incubadora — Márcio explica, me fazendo um carinho no rosto.
— Você não está mentindo para mim? Ela está realmente bem? —
Mal acabo de falar e ele dá uma gostosa gargalhada.
— Marina é linda! Passei a noite em claro, velando o sono dela e o
seu e agradecendo a Deus por vocês estarem bem. Vocês duas quase me
mataram de susto... Vou te mostrar as fotos que tirei dela. — Ele me beija
e vai até a mesinha pegar seu celular.
Nesse momento, a porta se abre e Dr. Marcos entra.
— Bom dia, Michele. Márcio. Como você está, Michele? — pergunta
com um sorriso.
— Sentindo muitas dores, mas louca para ver e pôr minha filha no
colo — respondo, sorrindo.
— Eu entendo. — Dr. Marcos sorri, depois respira fundo e volta a
falar. — Michele, houve algumas complicações no parto...
— Dr. Marcos, por favor, deixe de lado todos os termos técnicos dos
quais eu entendo absolutamente nada e, por favor, seja bastante claro e
direto. Deu tudo certo? Não vou poder ter mais filhos? — Enquanto faço
várias perguntas ao meu médico fofo gato, Márcio segura minha mão.
— Dr. Marcos, Michele ficou com alguma sequela? — Márcio
pergunta em um tom preocupado.
— Bem, vou tentar ser o mais claro possível. Não, nenhuma sequela.
E sim, você vai poder ter mais filhos. Michele, houve algumas
complicações, porém, conseguimos um resultado satisfatório. Mas você
precisará ficar de repouso e depois que tiver alta, fazer um
acompanhamento clínico. Infelizmente, são comuns mulheres que tiveram
eclampsia, continuarem a apresentar um quadro de pressão arterial
elevada após o parto — ele explica de forma calma.
— Eu sempre tive a certeza de que tinha escolhido o melhor médico
do mundo. Além de fofo e gato, é claro — Pisco um olho para ele — Só
não te abraço porque até a minha unha está doendo. ― Sorrio e mando-
lhe um beijo.
Ele dá uma risada gostosa e começa a examinar meus pontos. Estou
com uma cicatriz enorme, com dreno e cheia de dores. Quando pergunto
se ele poderia me passar um remédio poderoso para eu conseguir levantar
e ver minha filha, ele diz que vai mandar uma enfermeira me dar uma
medicação. Hoje, por causa da cirurgia, não poderei fazer muito esforço e
a UTI neonatal fica em outro andar, mas que passaria no dia seguinte para
ver como estava. Parabeniza-me por minha filha e sai.
Márcio me olha com uma cara brava.
— O que foi? — pergunto, ainda chateada por não poder ver minha
filha hoje.
— Michele, mesmo cheia de dores e de pontos, você ainda paquera
o médico? E pior, na minha frente! O que Marina vai pensar disso? — ele
indaga, apontando o celular para mim.
— Para tudo! Marina? Você escolheu o nome da minha filha?
Escolheu sem mim? Marina? — questiono, revoltada ao me dar conta que
ele já escolheu o nome da minha filha.
— Nossa filha! — Márcio me olha sério.
— Minha filha! Nós terminamos e você me abandonou! Nem veio
jantar comigo ontem.
— Michele, o nome da NOSSA filha é Marina — Márcio diz tão sério
que não me atrevo a falar nada. Apenas olho para ele com os olhos
arregalados.
— Michele, Marina pode não ter meu sangue, mas ela é minha filha e
dona da metade do meu coração. A outra metade é sua. — Ele segura
meu rosto com carinho.
Como se fica com raiva de um homem que fala isso para você, te
olhando sério e demonstrando todo o amor que sente não só por você,
mas por sua filha?
Acho que nunca vou me acostumar com isso, gente!
A emoção é tanta que eu não consigo articular uma única palavra.
— Michele, eu te amo. E ontem eu não vim jantar com você porque
Bianca, literalmente, escondeu meu celular e me segurou em casa. Se
você não tivesse passado mal, neste exato momento estaríamos casados.
— Ele me dá um leve beijo e eu fico olhando encantada para ele, levo um
tempo para entender o que ele falou.
— Casados! Como assim, casados? — pergunto, não entendendo
nada.
— Minha sereia, estávamos organizando um casamento surpresa —
ele responde com um sorriso safado que tanto amo.
— Nós, quem?
— Eu, Bianca e, claro, Maria.
— Tudo um bando de traidoras! E quem lhe garante que eu iria
aceita me casar com você? — debocho.
— Eu e a torcida do Flamengo sabemos que você não resiste a mim.
Além do mais, Maria e Bianca iriam me ajudar. Mas se mesmo assim você
não aceitasse, eu iria implorar de joelhos, até você me aceitar como seu
marido, seu companheiro, seu homem, seu amor. — Ele me beija.
Fruta que caiu! Tem como não amar esse homem, gente?
— Agora veja como nossa filha MARINA é linda. E veja com o nome
combina com ela. — Me mostra as imagens da nossa filha.
Sim, nossa filha! Sim porque é isso que Marina é, nossa filha.
Independentemente do sangue, da sua família de tudo... Marina é nossa
filha.
— Ela é tão pequenininha e já está entubada... Tem certeza de que
ela está bem? — pergunto emocionada ao finalmente ver minha filha.
— Sim, minha sereia. E nossa Marina é pequeninha, mas forte, linda
e valente — Márcio explica, orgulhoso.
Se eu já não fosse completamente apaixonada por esse homem,
sem sombra de dúvida, gamaria agora!
— Eu já entrei em contato com meu advogado para tratarmos da
adoção. — Ele beija meu cabelo.
— Adoção? Eu pensei que era só você a registrar como sua filha. —
pergunto, confusa.
— Eu quero fazer tudo certo. Na certidão de nascimento da nossa
filha, a princípio virá apenas o seu nome. E depois que o juiz liberar, esse
documento será substituído por um no qual conste meu nome. Meu
advogado me garantiu que não virá nenhuma informação de que ela foi
adotada na certidão. Quero fazer tudo certo, dentro da lei, para não dar
brecha para termos dores de cabeça no futuro. E quanto ao nosso
casamento, assim que você puder ficar de pé, nos casaremos.
— Mas, mas... Eu ainda não disse sim! — eu me faço de
desentendida e debochada.
— Michele, você já abusou sexualmente de mim, me assediou, me
fez usar um bambolê de otário escrito “pertence à Michele”. Deu-me uma
filha e agora quer me abandonar. Você não tem vergonha, não? Estou
passado! — ele reclama com a mão na cintura.
E eu fico como? Chocada!
— Olha, nunca pensei que você fosse esse tipo de mulher. Se eu
soubesse que você apenas queria se aproveitar sexualmente de mim e
depois jogar fora, eu nunca que iria aceitar usar esse anel — ele diz
indignado.
E eu continuo de boca aberta, não crendo no estou ouvindo. Nunca
na minha vida imaginei que um dia iria ver o sempre calmo e educado
Márcio virado no samurai.
Mas, gente, mesmo revoltadinho, ele é lindo e gostoso. Porque até
rodando a baiana ele é educado, gente. Se fosse eu, já teria mandado uns
trinta “fruta que caiu”, no mínimo.
— Cansei de ser seu brinquedinho sexual! Cansei de ver você
brincar comigo. Michele, ou decide aceitar se casar comigo e me tornar um
pai de família decente, ou eu tiro essa aliança e eu vou ser o pai solteiro
mais galinha existente da face da Terra. — Me dá o ultimato, ameaçando
tirar o anel do dedo. E eu continuo como?
Horrorizada!
Dizer que estou surpresa é algo efêmero. Eu estou passada! Nunca
esperaria uma atitude dessas de Márcio, mas é impossível dizer que não
me sinto lisonjeada.
Um homem lindo, amoroso, romântico, carinhoso, sexy, todo
trabalhado na gostosura, fazendo ameaças para mim, euzinha, me casar
com ele.
Estou acostumada com isso, não, gente!
No momento em que abro a boca para dar a resposta, êxito ao me
lembro da sua família e abaixo o olhar.
Amo Márcio com toda força do meu ser, mas não quero passar por
tudo aquilo de novo.
— Márcio, eu... — começo, mas sou interrompida.
— Não pense em ninguém além de nós dois e nossa filha. Baseie
sua resposta no que você sente por mim, não em problemas externos —
pede, me olhando intensamente.
Titubeio, é impossível não hesitar.
— Márcio nossos problemas não acabaram porque Marina nasceu —
explico, com cabeça baixa.
Ele vem em minha direção, se senta na cama, levanta meu rosto e
me beija de leve nos lábios.
— Você me ama? — ele questiona.
— Você sabe que sim, mas... — Ele põe o dedo nos meus lábios.
—Você me ama? — ele volta a perguntar.
— Sim — admito, sentindo minhas lágrimas caírem.
— Então aceite ser minha mulher, me deixe cuidar de você e da
nossa filha. Eu já provei mais de uma vez que você e nossa filha sempre
virão em primeiro lugar para mim — pede carinhosamente.
— Mas a sua família... eles não vão nos deixar em paz, Márcio —
afirmo triste e abaixo a cabeça.
— Se você aceitar se casar comigo, minha família será você e nossa
filha. Nós três, contra tudo e contra todos. Eu não vou deixar ninguém
maltratar vocês, eles terão que passar por cima de mim primeiro. Aceita,
minha sereia? — ele pede, levantando meu rosto.
E eu, neste exato momento, não tenho mais argumentos para negar.
Desde que meus pais morreram, tive que ser forte e aprendi a me
defender. Mas quando vi não só a mim, mas também minha filha em um
estado crítico, fiquei com medo. E Márcio foi a minha defesa, ele não
desistiu, mesmo quando o mandei embora. Ele lutou por mim, por minha
filha… nossa filha.
— Por muitos anos, eu me defendi sozinha, porém, não quero mais.
Eu quero andar ao seu lado, ser sua mulher, que você seja o pai dos meus
filhos, meu marido, meu melhor amigo, meu homem, meu tudo — seguro
seu rosto e falo, olhando-o nos seus olhos. — Pode falar para o mulherio
que você tem dona. Você é todo meu, porra! Sim, eu aceito me casar com
você, meu chocolate derretido — afirmo e o beijo apaixonadamente.
Quando acaba, ele está sorrindo e eu também.
— Foda-se a porra toda! Vou lutar por você, da mesma forma que
você luta por mim — grito e ele começa rir.
— Michele! Nós não conversamos sobre você falar palavrão? —
Márcio me repreende.
— Gato, você tem que entender que um foda-se e um porra são
libertadores! Você se sente até mais leve depois que manda um foda-se
bem dado — explico com convicção.
— Michele! — ele diz horrorizado.
Bufo.
— Tudo bem, vou voltar para o fruta que caiu — digo, resignada.
Ele ri e me beija.
Passo o dia recebendo várias visitas. Meu amigo da faculdade,
Rogerio, finalmente conhece Márcio e quase tem um piripaque. Eu sei que
meu chocolate é maravilhoso, mas deixei claro que podia olhar, porém se
encostasse um dedo em Márcio, daria na cara dele! Não é porque estou
impossibilitada de andar que vou deixar qualquer um tirar uma casquinha
do meu chocolate. Mas o sem vergonha deu um abraço em Márcio na
saída e se afastou com olhos sonhadores. Cretino!
Fernando, Maria, Bianca e a família vieram me ver. Deram-me vários
presentes, me falaram que minha filha é linda. E a cada vez que ouvia
isso, meu coração se enternecia.
Agora à noite, estou com Bianca ao meu lado e ela está me dizendo
tudo que planejou para o meu casamento.
— Você me paga! Vou aprontar no seu casamento. Fernando e eu já
temos tudo armado — a ameaço e ela começa a rir.
— Eu não quero nem imaginar como será esse dia — Bianca diz,
rindo.
— Pare que eu não posso rir, estou toda trabalhada no remendo —
imploro, tentando controlar o riso.
— Tenho uma surpresa para você. — Ela tira um tablet da bolsa. —
Ligue, você vai gostar de ver o vídeo — explica, sorrindo.
Sorrindo, ligo o tablet e em pouco tempo começa o vídeo. Minhas
lágrimas começam a cair. É um vídeo de Márcio com minha filha no colo.
Ela é muito pequena e frágil e está cheia de fios, mas o sorriso de Márcio
é contagiante. É impossível não ver o sorriso orgulhoso dele e não me
emocionar. Ele fala todo orgulhoso, olhando para a enfermeira, que a filha
dele é linda.
— Uma enfermeira fez esse vídeo, jogou em sua rede social e
viralizou. Está em tudo que é lugar. Todo mundo está querendo conhecer
Márcio. Chega a ser engraçado. — Bianca sorri.
— Eu espero que essa vaca, ops, enfermeira tenha deixado bem
claro que esse homem é meu! — ameaço ainda sorrindo.
— Seu? Que eu saiba, você não o quer. Olha o perigo que você está
correndo. Márcio está sendo chamado como papai mais gostoso do ano —
Bianca comenta com um sorriso.
— Pois já aceitei casar com ele, meu amor. Eu estava
momentaneamente fora de mim, louca, pirada de medo e temor. Porém já
estou voltando ao meu normal, já estou ficando centrada e focada. E
assim que consegui levantar, vou deixar bem claro para essas vacas que
esse chocolate é meu — digo decidida e ela começa a rir.
— Michele, você quer dizer que está mais pirada que nunca, né? —
ela diz, rindo.
Conversamos por mais um tempo, logo depois Márcio vem e passa a
noite comigo. O coitado passou a noite sentado em uma poltrona pequena.
Bem, a poltrona não era pequena, ele que é enorme. Amo muito tudo isso!
Eu o mandei dormir em casa, mas ele disse que, se a família dele
estava no hospital, então ele dormiria no hospital.
Nunca vou me acostumar com esse homem, gente! Ele é perfeito
para mim.
Passo a noite agitada, cheia de dores e, a cada gemido que dava,
Márcio dava um pulo e chamava uma enfermeira. Elas chegavam ao
quarto com cara revoltadas, mas assim que viam Márcio, sorriam. Vacas!
De manhã, Dr. Marcos me visitou e avisou que ainda não poderia me
levantar. Passo mais um dia em tristeza, ouvindo todos falarem da minha
filha. Márcio fez vários vídeos e me mostrou, mas não era a mesma coisa.
Tenho mais uma noite mal dormida, mas pela manhã uma boa
notícia: finalmente tiram meu dreno! Depois de um banho, que mais
parecia que estava indo para a morte, pude me sentar numa cadeira de
rodas e Márcio me levou para ver minha filha.
No caminho, várias mulheres param para falar com ele, mas minha
ansiedade de finalmente ver e tocar na minha filha era tamanha que nem
dei muita bola.
Quando finalmente chego à UTI, Márcio e as enfermeiras colocam-
na no meu colo. Eu não consegui controlar a emoção. Chorei
copiosamente. Ali, naquele momento, com minha filha no colo pela
primeira vez e Márcio ao meu lado, tudo fez sentido. Finalmente, eu não
estou mais sozinha. Não mais. Agora, eu tenho minha família.
Duas semanas se passam, eu ainda não tive alta porque
descobriram que as minhas dores eram por causa de uma alergia à
anestesia. Minha filha também não teve alta, ganhou trezentas gramas e
Márcio comemorava cada grama como se fosse uma grande vitória.
Márcio praticamente mora no hospital, para a alegria do mulherio. Ele vai
para casa apenas para tomar banho e trocar de roupa e volta. Maria ou
Bianca ficam aqui quando ele está fora.
A pediatra de Marina não nos deu uma previsão de alta e, quanto a
mim, somente depois que acabarem os medicamentos. Por isso,
decidimos seguir o plano original e nos casarmos na capela do hospital.
Maria está surtando, o que é normal. Bianca está surtando e isso,
sim é anormal. Fernando... bem, esse aí já surtou faz tempo!
Márcio anda esbanjando sorrisos para todos os lados, pois nosso
casamento é hoje. Maria vai trazer meu vestido, pois a costureira veio há
uma semana e fez os ajustes. Estou empolgada e feliz, afinal, vou me
tornar oficialmente dona da porra toda! Ou seja, oficialmente dona do meu
chocolate derretido.
Aí você pensa comigo: se antes eu já me fazia de dona, imagina
agora de papel passado? Quero ver alguém se meter a besta de meter um
dedo no meu chocolate, meu amor. Meto a mão na cara!
Sou ciumenta mesmo, sou barraqueira, tomo conta mesmo e ele é
meu mesmo. Todo meu e ponto final.
Enquanto estou eu pensando em mil e uma coisas a fazer com as
moradoras da casinha da cruz vermelha, batem na porta.
Achando que era a Maria com o vestido, falo para entrar e fico muda
ao ver a mãe de Márcio.
O que essa mulher quer comigo nessa altura do campeonato, gente?
Tá de sacanagem que ela veio bagunçar o meu coreto?
Há um mês, eu peguei leve por causa de Márcio. Há um mês, eu
estava grávida e tinha que pensar primeiro na minha filha. Mas agora... Ela
pode vir quente que eu estou fervendo!
Capítulo 27

Michele
Fico passada, olhando a mãe de Márcio na minha frente.
Sinceramente, não sei o que ela ainda quer comigo. Acho que não temos
mais nada para conversar. Depois de ficar uns dois minutos olhando para
ela, meu primeiro pensamento foi de mandá-la ir embora.
No entanto, me segurei. Queria ver o que ela queria comigo e se ela
quiser briga, estou pronta para brigar.
— O que a senhora quer comigo? — pergunto, olhando-a intrigada.
— Não vim para brigar e sim para conversar — ela me responde de
forma calma e eu fico mais passada ainda.
— Desde que me conheceu, a senhora nunca quis conversar
comigo. A senhora me julgou desde o primeiro momento, nunca realmente
me conheceu. Por que o interesse em querer conversar agora? —
questiono, intrigada.
Ela sorri e se senta no sofá.
— Você tem ótimos aliados. Foi difícil chegar até aqui e conversar
com você — diz, sorrindo.
É algo surreal ver a mãe de Márcio sorrindo e sendo gentil comigo.
— Não tenho aliados, tenho ótimos amigos — afirmo, olhando-a
séria.
Ela sorri e abaixa a cabeça.
— Nunca pensei que Fernando, um garoto que sempre me
considerou sua mãe, iria ficar contra a mim — comenta com um sorriso
triste. — Bianca foi outra que tive que convencer para conseguir falar com
você. Bem, não só ela… O pai dela que me disse que te considerava sua
filha, uma mulher baixinha que só sabia ficar pulando e me ameaçando…
essa eu não sei o nome — completa, me olhando intrigada.
Não foi difícil saber de quem ela se referia.
— Essa mulher se chama Maria, ela trabalha comigo há anos —
explico, olhando-a intrigada.
— Ela é sua empregada? Ela te defendeu como se fosse uma
grande amiga — indaga espantada.
— Eu não soube explicar direito. Maria não é apenas minha
empregada, ela é minha amiga. Não consigo mais imaginar minha vida
sem ela. Maria é uma mulher maravilhosa e humilde, a quem eu
orgulhosamente chamo de amiga. E tenho a felicidade de ela me
considerar sua amiga — esclareço, e olho para ela, séria. — Quanto a
Fernando, ele é apaixonado por Bianca, ele ama o chão que ela pisa. E
Bianca fecha comigo em qualquer situação, o que pega para mim pega
para ela e, consequentemente, pega para ele. A família de Bianca me
considera um membro da sua família.
— É impressionante o quanto a família dela lhe defende — ela diz,
pensativa.
— A senhora está surpresa porque somos de cores diferentes? A
senhora realmente acha que isso, em algum momento, fez alguma
diferença para mim ou para eles? Eu lhe respondo: nunca! Isso nunca teve
a mínima importância, nem o fato de eu ser milionária teve alguma
importância. Eles me amam da mesma forma que eu amo eles. A senhora
me julgou sem realmente me conhecer. Julgou a minha aparência, minha
condição financeira, meu modo de falar, de vestir e de agir — falo em um
tom calmo. — Eles me amam e me apoiam exatamente como eu sou,
nunca tentaram me mudar em nada, nunca me julgaram ou olharam para
mim de forma diferente.
Bianca ficaria tão orgulhosa de mim. Ainda não falei nenhum único
palavrão! Não estou me reconhecendo. Acho que eu estou esperando ela
dar um passo em falso para eu rodar a baiana.
— Então me fale de você — ela me pede.
— Por que agora? Por que deveria, depois de tudo o que a senhora
fez comigo? — pergunto, intrigada.
— Porque eu me dei conta que eu estou perdendo meu filho. Você e
sua filha são a família dele agora e eu não quero que meu filho se afaste
de mim. Ele ficou anos fora do Brasil e agora que finalmente voltou, eu...
eu queria que ele fosse feliz, eu queria defendê-lo, coisa que eu não fiz
quando ele estava noivo — comenta em um tom triste.
— Ele ficou noivo de uma mulher que faz o perfil que a senhora
considera perfeita para ele. E o que ela fez com ele? Não só ela, o que o
seu filho Maicon fez com ele? O que não entendo é que, se a senhora
queria tanto defendê-lo, então por que apoia tanto Maicon? — questiono,
séria.
— Eu... Maicon nunca teve as oportunidades de Márcio. Ele... ele
não é tão inteligente quanto o Márcio. Agora você tem sua filha e, se você
tiver outros filhos, você entenderá o quanto é difícil para uma mãe escolher
um lado — sussurra em um tom triste.
— Não, acho que nunca vou entender. Mas isso não é da minha
conta — digo, levantando-me da cama e indo pegar um copo de água.
— Por favor, eu gostaria de realmente conhecer você e saber da sua
história — ela pede e eu quase derrubo o copo.
A mãe de Márcio, a mulher que passou meses me esculachando,
está pedindo para eu contar minha história, para me conhecer melhor.
Isso é algo tão surreal!
E esse é um daqueles momentos decisivos, que às vezes aparecem
na nossa vida. Eu tenho duas opções: ou eu me sento, converso com ela e
tentamos nos acertar, coisa que acho que levará um bom tempo; ou eu
chuto o pau da barraca e a mando procurar caju.
Respiro fundo, pensando no que fazer. Estou muito inclinada a
mandá-la para a fruta que caiu.
— Peço perdão por tudo o que eu falei sobre você e sua filha. Eu
realmente achei que você era uma coisa passageira e somente agora eu
vejo que você é a mulher que meu filho escolheu para a vida dele. E eu,
realmente, quero conhecer você e a minha neta — suplica.
E quando eu acho que não poderia ficar mais passada, ela vem e me
surpreende.
Viro-me devagar e olho para ela. Ela está chorando e eu estou
chocada. Nunca, jamais, em tempo algum imaginei essa mulher me
pedindo desculpas e chorando.
— Como eu posso confiar, que a senhora não irá descriminar minha
filha como fez comigo? Se a senhora disser para ela um terço do que falou
para mim, eu não respondo por mim. A senhora foi preconceituosa, me
jugou pela minha aparência e cor de pele — digo alterada ao me lembrar
de tudo o que ela me disse.
— Eu realmente o quero conhecer, Michele. Estou aqui suplicando,
pedindo perdão por tudo o que falei. Eu prometo nunca maltratar sua filha.
Eu… confesso que vim aqui com a intenção de falar apenas com meu
filho, não queria falar com você. No entanto ao procurar meu filho, ouvi
falarem de um tal vídeo e procurei saber o que era. E ao ver aquele vídeo,
eu vi que vocês são a família dele. O pai de Márcio o olhava daquela
forma quando o segurou pela primeira vez no colo, com orgulho, com
amor, com devoção, disposto a dar a vida por aquele pequeno ser que
estava em seu colo. Naquele momento, eu amei o pai de Márcio mais que
tudo na vida. E agora eu entendi, finalmente entendi, que realmente estou
perdendo meu filho, que não adiantava ir até ele e pedir desculpas, pois eu
devia desculpas a você — explica chorando e eu fico sem ação. — Eu
não quero mais brigar. Meu filho está feliz, como há muito tempo eu não
vejo. Por favor, me desculpe por tudo o que eu disse — ela suplica.
Foi impossível não me emocionar por tudo o que ela disse.
Será que vale a pena viver em guerra? Será que uma pessoa que
me pede perdão não merece uma segunda chance?
Agora eu sei que Márcio ficará ao meu lado independentemente do
que eu decidir. E agora? O que eu falo para essa mulher que está
suplicando pelo meu perdão. Será que é sincero, ou tem algo por trás
disso?
Eu quero viver em paz com Márcio e a única coisa que me deixava
em dúvida se iríamos conseguir isso, era a família dele, ou melhor, a mãe
dele. Por mais que ele fale que minha filha e eu somos a sua família
agora, eu sei que no fundo ele está triste com toda essa situação com a
mãe dele.
E nesse exato momento, eu entendo algo que a tia Bruna sempre
fala: depois que casamos e somos mães, não pensamos mais apenas em
nós, e sim no bem da nossa família. Eu quero ser feliz, não quero ficar
vivendo de mágoas e amarguras. Como Bianca sempre diz, isso dá rugas
e os cremes são caros.
— Eu também quero viver em paz com Márcio, contudo, seria
impossível para mim me tornar sua melhor amiga do dia para outro.
Algumas palavras ferem mais que uns bons tapas na cara — digo, me
referindo aos tapas que ela levou da mãe de Bianca.
Meu amor, estou tentando ser boazinha, mas nunca que iria deixar
passar essa oportunidade. Sou dessas que joga na cara mesmo!
— Cometi muito erros e sei que eles não serão apagados. Mas estou
aqui tentando, estou pedindo desculpas. Quero um futuro de paz para a
nossa família, porque você agora faz parte da minha família — diz em um
tom conciliador.
Que merda! Não é que ela tem razão?
Respiro fundo e começo a falar da minha vida.
Conto que meus pais faleceram e que os pais de Bianca me
acolheram e me consideram da família. Falo da relação que eu tive com o
progenitor da minha filha... aquilo não pode nem ser chamado de pai
biológico. Explico-lhe por que fiquei com ele naquela noite.
— Então, se eu não tivesse interferido no dia da festa,
provavelmente a sua filha seria biologicamente de Márcio — me pergunta,
chocada.
— Provavelmente, sim. Porém eu errei e assumo meu erro. Eu me
deixei levar pela emoção... mas não me arrependo, porque hoje eu tenho a
minha filha.
— Agora entendo as atitudes de Márcio — murmura.
— A senhora pode não saber, mas eu lutei para não me entregar a
ele. Eu resisti o máximo que pude. No entanto, foi simplesmente
impossível não ceder. Ele é perfeito. Márcio é tudo o que eu sonhei e
sempre tive a certeza de que nunca teria. Eu o amo e mesmo amando,
desisti dele para que ele não perdesse a família que tanto ama. Mas, ainda
assim, ele não desistiu de mim, nem da minha filha… nossa filha. Ele
vinha todos os dias ao hospital e me deixava louca, porque eu o mandava
embora todos os dias, mas todos os dias ele voltava. Nunca nenhum
homem fez por mim o que ele fez, o que ele faz. Ele me trata como se eu
fosse seu bem mais precioso. Eu sempre fui tratada como objeto de
desejo, mas ele nunca me tratou assim. Ele sempre viu além da aparência,
ele realmente me viu. — Quando acabo de falar, estamos chorando.
Ela segura minha mão, pede desculpas e sai aos prantos.
Logo depois, Bianca e Maria entram e vêm me abraçar.
— Você quer que a gente dê na cara dela? Ainda dá tempo de pegar
ela antes que saia do hospital. — Maria pergunta, indo para a porta.
Maria é doida, mas sempre me faz sorrir nas piores situações.
— Não, está tudo bem. Tivemos uma conversa. Bianca, você ficaria
orgulhosa de mim se tivesse assistido à conversa. Eu não xinguei, não me
descontrolei. Conversei de forma calma, nem parecia eu — comento,
ainda emocionada.
— Você sempre me orgulha e não quero que você mude nunca! —
Ela me abraça.
— Ôxe! Mas nem um foda-se tu mandou? — Maria me pergunta,
passada.
— Maria, eu estava preparada para esculachar a mulher, mas ela me
desarmou. Ela me pediu perdão por tudo que fez, foi algo meio surreal.
— Será que ela foi sincera? E o mais importante, você perdoou? —
Bianca questiona.
— Bianca, não deu tempo para falar se a perdoava, porque ela saiu
correndo depois que falei tudo o que houve.
— Mas você vai perdoar ela? Depois de tudo o que lhe fez? Não
creio — Maria me pergunta, horrorizada.
— Maria, eu quero viver em paz. Não vou dizer que vou confiar
cegamente nela, muito menos que vou arreganhar minha casa, ou vida,
para ela. Foi lindo e emocionante tudo o que ela me falou, porém, só o
tempo vai dizer se é verdadeiro ou não. Se é sincero, que bom… se for
falso, ela pode vir quente que eu estou fervendo e bem preparada.
— Agora, vamos parar de falar em coisas tristes e vamos tratar do
casamento! As flores, a capela e o juiz já estão confirmados. Fernando
levou Márcio para ver o terno e os convidados já estão confirmados —
Bianca vai falando, andando de um lado para o outro.
— Mas olhe, Bianca está deixando todo mundo doidinho — Maria
sussurra e eu tento segurar a risada.
— Eu ouvi, Maria! Gente, isso é um hospital. Tudo tem que ser bem
organizado para não atrapalhar a rotina do hospital. Bem, agora só falta
você provar o vestido.
Enquanto Bianca fala horrores, Maria me ajuda com o vestido, que
ficou lindo.
Depois de conversar por mais algum tempo, elas vão embora e eu
fico pensando em tudo o que aconteceu hoje.
À noite, depois de ficar um pouco com a minha filha, deito-me na
cama triste por não ter visto meu chocolate derretido. Acredito que a
correria da organização do casamento o impediu de vir me ver.
Quando estou quase pegando no sono, sinto um peso na cama e
sorrio ao sentir um casto beijo nos meus ombros.
— Pensei que você não poderia vir me ver. — sussurro, pegando sua
mão e beijando.
— A última vez que não vim te ver à noite, você me deu o maior
susto da minha vida. Nunca mais quero passar por aquilo, minha sereia.
Enquanto você estiver internada, minhas noites serão aqui, ao seu lado.
Bem, não exatamente ao seu lado, mas deitado na poltrona — comenta,
dando pequenos beijos nos meus ombros.
— Sua mãe veio me ver hoje — murmuro.
— Eu sei.
— Ela me pediu perdão.
— Eu sei.
Viro e fico de frente para ele.
— Eu tenho medo de deixar nossa filha perto dela. Desculpe falar
isso, ela é sua mãe e tal, mas você sabe que não sou de guardar merdas
— sussurro e ele sorri.
— Eu amo você, amo por muitas razões, e umas dela é a sua
sinceridade. Meu amor, não posso dizer que minha mãe está sendo
sincera, pois isso somente o tempo dirá. Porém, não me sinto à vontade
em deixá-la perto da nossa filha, pelo menos não por enquanto. Mas
mudando de assunto, faltam algumas horas para eu ser legalmente seu —
diz com um sorriso safado.
Sabe aquele meio sorriso de lado, piscando o olho, que é pura
sedução? Aquele tipo de sorriso faceiro que te deixa rindo feito boba?
Então, é assim, ele sorri e eu fico aqui rindo feito boba.
Ainda sorrindo, ele passa o dedo devagar pelo meu rosto, segura
meu queixo e sussurra perto dos meus lábios.
— A partir de amanhã, você será eternamente minha. A partir de
amanhã, começa um novo caminho da nossa história, da nossa família. Eu
e você sabemos que nem tudo será um mar de rosas, mas eu prometo
que por toda a minha vida eu vou lutar por nós dois e pela nossa família.
Você é a pessoa mais importante da minha vida, você me mostrou o
significado da palavra amor e trouxe alegria à minha vida e... minha sereia,
você fez de mim uma pessoa melhor. — Ele limpa minhas lágrimas e me
beija. Acredito que ele tentou, em um beijo, demonstrar todo amor, carinho
e paixão que ele sente por mim. E conseguiu.
— Eu... eu... — Até tento articular uma palavra, mas estou
emocionada demais para conseguir falar.
Ele sorri e volta a me beijar.
Dormimos abraçados na cama do hospital. Acordo sozinha, mas ao
lado tinha um bilhete e uma rosa.

"Em algumas horas, tu serás eternamente minha "

Levanto-me devagar, mas feliz da vida. Ainda sinto dores por todo o
corpo. Vou ver minha filha e uma enfermeira oferecida me diz que Márcio
já passou por lá. Essas vacas estão se aproveitando do meu chocolate
derretido.
Tudo moradora da casinha vermelha!
Quase fiz um barraco, mas aí me lembro de que vou me casar hoje e
não posso me estressar.
Assim que volto para meu quarto, Bianca está me esperando. Ela me
ajuda com o vestido e com a maquiagem. Algum tempo depois, Maria
chega com o buquê.
— Você está linda. — Bianca se emociona e Maria me olha e
começa a chorar.
O pai de Bianca entra no quarto e me pede para deixá-lo me levar
até o altar. Aí é minha vez de chorar. Bem, não só eu, Maria e Bianca me
acompanham no chororô.
Saio do quarto acompanhada do pai de Bianca, com ela e Maria
atrás. Seguimos para a capela, que fica no prédio anexo.
Antes de entrar, fecho os olhos e respiro fundo, emocionada.
Sinto tocarem meu ombro, abro os olhos e vejo que é Bianca
sorrindo para mim. Ela pega um lenço e limpa minhas lágrimas.
— Ainda bem que fizemos uma maquiagem à prova de água. —
Tento sorrir, mas sai uma careta.
— Estou tão feliz por você. Feliz por você ter encontrado uma
pessoa que vai saber te fazer feliz e vai te amar como você merece ser
amada. Minha querida, te desejo toda felicidade do mundo! — Maria me
abraça, emocionada.
Bianca está visivelmente emocionada. Ela me olha, treme os lábios e
me abraça forte. Depois, segura meu rosto com ambas as mãos e eu seco
as suas lágrimas. Ela não fala nada, eu não falo nada. Esse momento não
requer palavras. Eu sei e ela sabe o que uma sente pela outra.
Entro na capela com o pai de Bianca e, ao invés de ouvir as
tradicionais músicas lentas e melosas de casamento, eu vejo meu
chocolate derretido todo trabalhado na gostosura, com um microfone na
mão cantando a música Sugar do Maroon5.
Parei, estatelada, de boca aberta, completamente chocada, vendo-o
cantar.

“Yes, please
Won't you come and put it down on me?
I'm right here, 'cause I need
Little love and little sympathy
Yeah, you show me good loving
Make it alright
Need a little sweetness in my life
Sugar
Yes, please
Won't you come and put it down on me?
My broken pieces
You pick them up
Don't leave me hanging, hanging
Come give me some
When I'm without ya
I'm so insecure
You are the one thing, one thing
I'm living for”[1]
Ele cantava e dançava, me chamando com o dedo indicador. Não
olhei em volta, pois meus olhos estavam grudados naquele homem lindo e
maravilhoso. Meu chocolate derretido me dizendo que eu preciso adoçar
sua vida....
Gente, quando eu acho que me acostumei com esse homem, ele
vem e faz isso!
Estou acostumada com isso, não, gente!
Vou sorrindo, caminhando em sua direção e ouvindo o suspiro do
mulherio. Podem suspirar à vontade, porque esse homem é meu, meu
bem! Quando chego perto do altar, ele agradece ao pai de Bianca, me
puxa pela cintura e me beija.
Sabe aquele beijo desavergonhado, que lhe deixa vermelha,
excitada e quem estiver em volta fica constrangido com tamanha
safadagem? Então, foi assim que ele me beijou na frente do juiz de paz e
da capela cheia de invejosos.
Tirando Bianca e Maria, claro. Pensando bem, põe Maria no rolo. A
mulher deve estar morrendo de inveja.
Escutamos o juiz de paz tossir de forma nada discreta e Márcio
finalmente me solta.
— Desculpe-me interromper, mas o beijo é para o depois do sim —
O juiz fala e todos na capela riem.
Viro-me para os convidados, bato palma para chamar a atenção de
todos e falo revoltada:
— Pode parar com a graça e todo mundo pode parar de mostrar os
dentes que aqui não é nenhum comercial de pasta de dente, tá? — Viro-
me para o juiz, que me olha assustado. — Se antes o mulherio daqui já
desconfiava que o homem tinha pegada, imagina agora depois desse
beijo. E o senhor pode começar com o casamento, que eu quero pôr um
anel no dedo esquerdo desse delicioso chocolate derretido para mostrar
para todo mundo que esse homem é meu! — ordeno ao juiz e Márcio
começa a rir.
— Eu amo essa mulher! — ele fala e me beija.
Pisco o olho para ele, e o juiz oficializa a nossa união.
Agora, sim, esse chocolate é oficialmente meu!

Fim.
E

Dois anos depois...


Estou olhando meu chocolate com nossos filhos na praia e me
lembrando da nossa história.
Uma semana depois do casamento no hospital, Marina e eu tivemos
alta. Foi uma época complicada. Não tinha noção que era tão complicado
cuidar de uma criança prematura. Chorei muito, sofri muito, mas meu
chocolate nunca me abandonou e sempre esteve ao meu lado. Marina
vivia mais no hospital que em casa. Foi uma fase difícil, conturbada, mas
passamos por ela.
Vinguei-me de Bianca no casamento dela. Tudo o que ela não queria
e não gostava, tinha no casamento. Foi um verdadeiro acontecimento.
Fernando parecia um lindo pavão tosco.
Maria usou todos os truques do caderninho para tentar conquistar
um homem bom, mas não conseguiu.
Bianca estava linda, perfeita. Ela reclamou, mas sei que amou a
festa. Foi linda.
Alguns meses depois, a filha de Bianca, Fernanda, nasceu. Eu
sinceramente acho que Fernando deu mais trabalho na maternidade que
Bianca. Acho, não, tenho certeza! O homem fez um verdadeiro escândalo.
Foi engraçado ver.
Maria ainda está em busca do seu homem bom. Eu acho que ela já
encontrou, mas não quer admitir… só acho.
Dizer que minha vida nesses últimos dois anos foi um mar de rosas é
uma enorme mentira. Ser casada com um homem lindo e gostoso é muito
complicado, gente. É difícil demais manter o mulherio longe. No entanto,
meu chocolate derretido nunca olha para elas, apesar de elas não tirarem
os olhos dele. TUDO VACA!
Infelizmente, tive várias dores de cabeça com a mãe de Márcio. Ela
queria impor sua presença na nossa casa e eu, claro, não deixei. Isso
gerou um grande mal-estar, que só foi contornado quando Miguel nasceu,
há um ano. Sim, eu continuo pondo nome nos meus filhos com a letra “M”.
E sim, engravidei apenas quatro meses depois de ter tido Mariana. Mas,
gente, por favor, compreendam, eu estava em plena seca e desesperada
pelo meu chocolate. Me lambuzei tanto que engravidei. Minha gestação
foi, no mínimo, complicada. No entanto, deu tudo certo. Miguel nasceu por
cesárea, meu médico fofo gato Dr. Marcos teve o atrevimento de me dizer
que eu não tinha passagem. Isso porque ele não sabe o quanto Márcio é
grande, enorme, gigantesco. Porém, depois que Miguel nasceu, eu
entendi. Meu filho nasceu com quase quatro quilos! Ele é lindo demais,
gente. Sei que vou pôr muita mulher para correr.
Não posso dizer que a mãe de Márcio é uma má avó para Marina,
muito pelo contrário, ela tenta ser boa, eu sei que ela está tentando. No
entanto, é visível a preferência dela por Miguel. E, digamos, tudo é muito
complicado.
Já Maicon, esse acredito que nunca vá tomar jeito. Há seis meses,
ele se casou com um uma mulher rica, mas, assim que ela descobriu as
traições, se divorciou e ele voltou a morar com a mãe.
Sorrio ao ver Bianca vir remando em minha direção. Ela está grávida
de sete meses e está andando de pernas abertas.
― Gata, você está andando muito engraçado ― digo, assim que ela
consegue se sentar ao meu lado.
― Eu acho que o objetivo dos nossos maridos é nos manter grávidas
e em casa ― ela reclama, pegando minha água de coco ― Pelo menos eu
estou indo para o segundo, já você, para o terceiro ― ela debocha.
― Quarto, descobrimos ontem que são gêmeos. Pelo menos dessa
vez esperei Miguel fazer sete meses ― explico, passando a mão na minha
barriga e sorrindo.
Sorrindo, ambas olhamos para nossos lindos e gostosos homens.
Márcio está todo feliz com Marina e Miguel e Fernando está todo
orgulhoso da sua linda morena de olhos verdes. Nunca vi homens tão
ciumentos com seus filhos.
― Bianca, me ajuda a levantar que eu vou lá dar na cara daquelas
mulheres que estão olhando para Márcio ― peço, desesperada, ao ver
duas mulheres se aproximando deles.
― Michele, eu finalmente sentei! Não surta, relaxa que elas estão
apenas admirando nossos lindos filhos.
Vejo que as mulheres brincam com as crianças e vão embora.
Sorrindo, respiro aliviada. Nunca que vou para de cuidar do meu
chocolate derretido.

5 anos depois

Pouso a cabeça no peito de Márcio, ofegante.


— Qualquer dia desses você acaba comigo — Márcio murmura
assim que consegue recuperar o folego.
— Pare de mentira que sou eu que mesmo depois de tantos anos
ainda não me acostumei com tudo isso — sussurro elevando a cabeça e
gemendo ao senti-lo pulsando dentro de mim.
Sorrimos juntos, ele segura minha nuca e me puxa para um beijo
enquanto o sinto endurecer dentro de mim e eu gemo alto.
— Xiii... geme baixinho para não acordar as crianças — pede,
elevando o quadril e arretando com força dentro de mim.
Choramingo e fazemos amor nos olhando nos olhos.
Algum tempo depois, enquanto estamos na banheira, Márcio acaricia
minha barriga reta.
— Vamos marcar uma consulta com o Dr. Marcos amanhã — diz
mordendo a minha orelha.
Franzo o cenho e, girando meu corpo, o olho intrigada.
— Por quê? — faço a pergunta devagar com as sobrancelhas
levantada.
— Porque, você, minha sereia, está novamente grávida — joga as
palavras com uma certeza que me faz titubear.
Eu estava desconfiada, mas queria esperar algumas semanas antes
de ter certeza.
— E como você sabe?
— Seus loucos desejo. — Rimos juntos.
No dia seguinte, confirmamos a gravidez.

3 anos depois

— Fruta que caiu! Me dá logo essa bagaça de anestesia! — Caio


ofegante na cama, sentindo mais uma contração me rasgar por dentro.
Dr. Marcos pede ao anestesista que aplique a anestesia e eu suspiro
aliviada.
— Eu juro nunca mais virar os olhinhos, nunca mais vou me esbaldar
no chocolate.
— Michele, você fala isso toda vez que está na sala de parto. — Dr.
Marcos tem a cara de pau de zoar da minha cara.
Mas nem tenho tempo de brigar, logo depois a sala é tomada por
tensão quando ele começa a cessaria, sim mais uma vez eu não tive
passagem para um parto normal e dessa vez eu tentei até quase perder as
forças.
Alguns minutos depois, ouço Melissa nascer e ouço o choro
compulsivo de Márcio que até então estava calado observando tudo,
segurando minha mão.
— Seis filhos, minha sereia, agora chega, não tenho mais coração
para passar por outro parto.
Apenas sorrio com nossa caçula no colo.
7 anos depois

Com um sorriso sereno no rosto, vejo cinco, dos meus seis filhos,
correndo pelo quintal atrás dos cachorros.
Um dia, eu me senti sozinha. Hoje, com meus filhos e meu
chocolate, não há um único dia que não me sinta amada.
Franzo o cenho ao ver Márcio caminhar de mãos dadas com Marina,
nunca vi um pai tão ciumento. Bem, tem Fernando, mas aquele ali é
piradinho das ideias.
Marina, hoje com 17 anos, quer estudar fora do país e Márcio está
tendo dificuldade em aceitar que sua menina cresceu e quer voar sozinha.
Vejo-o beijar sua cabeça e ela abraçar sua cintura com força. Marina
vai em direção aos irmãos e Márcio caminha cabisbaixo até a mim.
— Meu bebê quer morar fora — ele soa desolado.
— Meu chocolate, sabíamos que um dia isso iria acontecer. — Sorrio
e acaricio seus braços.
Ele deita a cabeça nas minhas pernas e fita nossos filhos.
— Nós formamos uma linda família, minha sereia — sussurra e vejo
um sorriso feliz em seus lábios.
— A família M, meu chocolate derretido. — Sim, o nome de todos os
nossos filhos começa com a letra M.

À noite, deitados na cama, com um sorriso maravilhoso depois de


virar muito os olhinhos, faço uma oração silenciosa e agradeço a Deus
pela minha linda família e meu delicioso chocolate derretid

o.
Fim.
Copyright © 2020 Vania Freire

Capa: Barbara Dameto

Revisão: L.S. Santos

Diagramação: Vania Freire

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência.

________________________
**MARIANA**
Série: Será que é Amor?
Livro 3
Vania Freire
2ª Edição — 2020
________________________
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Nota da autora:

A construção da narrativa e dos diálogos dos personagens Arino e


Mariana fogem à norma padrão da língua portuguesa, adequando-se ao
uso cotidiano da região e padrões de vida e instrução de cada um.

Desejo no fundo do meu coração que vocês se encantem e se


emocionem com essa história que aborda preconceitos, fortes valores
familiares e principalmente amor.
Prólogo
Mariana
Às vezes a vida nos coloca de frente a situações que julgávamos
impossíveis acontecer. Para compreenderem algumas das minhas atitudes
vocês primeiro têm que conhecer a história do meu pai...

Arino
Nunca tive uma vida fácil. Caí na lida muito cedo. Nunca tive um pai
na minha vida, nem sei o que é isso. Minha mãe criou os nove filhos
sozinha na garra e na coragem. Mulher do sertão, nunca deixou suas crias
para trás. Ficávamos todos juntos, passamos muita necessidade, mas
seguimos unidos. E por mais que ela fizesse comida, nunca dava para
todo mundo.

Passei muita fome na minha vida. Vivíamos em completa miséria no


sertão da Paraíba.

Quando completei oito anos, minha mãe já cansada da vida no sertão


se mudou para João Pessoa e fomos todos na traseira de um caminhão.
Não levamos nada. Não tínhamos nada para levar. Somente uns trapos de
roupas velhas e a roupa do corpo.

Não vou dizer que foi fácil, porque não foi. No entanto, estar na cidade
grande era melhor que no sertão, ali tinha água e trabalho.

Minha mãe trabalhou em tudo que é trabalho para pôr comida na


nossa boca e depois de dois anos nessa vida, ela começou a trabalhar em
uma grande mansão em Cabo Branco, bairro nobre de João Pessoa, na
residência dos Kannenberg, que com pena da nossa família, deixou que
morássemos na casa do caseiro.

E foi ali que a conheci, Alyssa Kannenberg, menina linda, nunca tinha
visto alguém como ela. Era loira, tinha uma pele macia e sedosa e grandes
olhos azuis. Ela era perfeita e roubou meu coração quando eu ainda tinha
oito anos de idade.
Não entendia muito bem o que ela falava no começo, apesar de ela
falar em português, tinha um sotaque carregado e eu era um completo
analfabeto. Alyssa teve paciência comigo e me ensinou a ler e a
escrever...

Os anos foram passando e com eles alguns entes queridos


descansaram, incluindo minha querida mãe e tempos depois eu comecei a
trabalhar como jardineiro na casa dos Kannenberg.

Quando fiz quinze anos, minha amizade com Alyssa mudou. Vivemos
um romance escondido, por três anos, até que ela engravidou. Seus pais
não aceitaram a gravidez e queriam que ela abortasse, implorei para que
ela fugisse comigo e assim ela o fez.

Fomos morar em uma casa humilde e por um mês tudo foi perfeito,
até que a realidade se fez presente. O pouco dinheiro que tinha guardado
acabou e comecei a trabalhar em dois empregos para nos sustentar.

Alyssa não estava acostumada à pobreza, ela nunca passou


necessidade na vida, sempre viveu no luxo, nunca precisou trabalhar. E
por mais que a amasse desesperadamente, eu era um simples jardineiro
sem muita instrução.

Acredito que ela achou que os pais iriam mudar de ideia e a sustentar.
Ou, pelo menos lhe dar uma ajuda financeira.

Mas isso não aconteceu.

Ela aprendeu que a vida não era o conto de fadas que ela imaginava
e teve que começar a trabalhar. Porque apenas com a minha renda,
mesmo com os dois salários, não supriam suas necessidades e do bebê
que estava por vir.

Em poucos meses o lindo amor que outrora existia, foi acabando


quando a realidade se fez presente. O relacionamento se resumia a brigas
e discussões, principalmente depois que Mariana nasceu, minha linda
filha. Aquele foi sem sombra de dúvida o dia mais feliz da minha vida.

Nos meses seguintes Alyssa vivia chorando e triste, e eu trabalhava


demais para consegui dar o mínimo de conforto para ela. Nunca era o
suficiente, ela não gostava de nada do que eu fazia. Dizia que era tudo
inferior, coisa de pobre, que ela nasceu para viver na riqueza.
Até que um dia cheguei em casa e encontrei Mariana aos berros no
berço, toda sujinha e um bilhete ao lado do berço, no qual reconheci a
linda letra de Alyssa.

Com um suspiro triste, peguei minha filha no colo e cuidei das suas
necessidades básicas e depois de banhada e adormecida, respirei fundo e
peguei o bilhete. Confesso que já sabia o que estava escrito ali, contudo,
com mãos trêmulas li o bilhete:

Sinto muito, eu juro que tentei. Essa vida não é para mim.

Não chorei, nem me desesperei. Sou homem disso não. Tomei um


banho e na manhã seguinte fui à mansão dos seus pais com nossa filha
no colo.

Fui escorraçado de lá. Meus irmãos perderam os empregos e toda


minha família que ainda morava lá, foi expulsa. Levei todos para morar na
casa que dividia com Alyssa.

Três anos se passaram e eu não ouvi falar mais de Alyssa, também


não procurei saber mais dela. A última notícia que tive foi que toda família
tinha voltado pra Inglaterra. Para mim aquela mulher morreu e é assim que
vou criar minha filha, como se a mãe dela tivesse morrido.

Não voltei a me envolver com ninguém, meu coração foi ferido por
demais, todo o meu amor é voltado para minha filha. Ela é linda e é a cara
da mãe. Não puxou quase nada de mim, somente os olhos. Tem traços
europeus como a mãe. É loira, tem olhos verdes, gordinha e linda. Razão
da minha felicidade e é o meu aconchego.

Semanas depois, recebi uma proposta de trabalho no Rio de Janeiro e


com o coração partido, deixei minha menina aos cuidados da minha
família. Vim na garra e na coragem, tentar uma vida melhor para minha
filha. Ela ia ter tudo o que eu não tive, nem que para isso eu tivesse que
me matar de trabalhar.

E foi o que eu fiz por um ano. Passei um ano sem ver minha menina,
trabalhando em dois empregos, era porteiro de manhã e à noite trabalhava
lavando louça em um restaurante. Para não gastar dinheiro, comia as
sobras da comida do restaurante. Meu dinheiro ia todo para poupança com
a intenção de comprar uma casinha e trazer minha menina.
Consegui comprar uma casinha na favela da Rocinha, humilde, mas
era minha. Fiz um quartinho todo rosa para minha filha, tudo muito simples
e comprado em um brechó.

Fui todo feliz buscar minha menina. Qual não foi minha tristeza ao
chegar lá de surpresa e ver que minha menina estava muito magra e com
marcas de agressões. Minha menina quase não me reconheceu, meu
coração sangrou de dor e de raiva por ter confiado em minha família.

Eu nunca poderia imaginar que eles iriam fazer isso com minha linda
menina. Estava tão magrinha e debilitada que temi por sua vida.

Corri com ela para o médico, estava tão desidratada que passou dois
dias no hospital. Até pensei em ir bater boca e passar a faca em todo
mundo. Queria saber o que eles faziam com o sofrido dinheiro que eu
mandava para minha filha não depender de ninguém, com as roupinhas
que comprava com tanto gosto e ficava imaginando o quão linda ela ficaria
nelas.

Porém, depois de dois dias no soro, minha filha finalmente me


reconheceu. Chamou-me de painho. Aí eu vi que minha menina precisava
de mim e não iria cometer uma loucura e a deixar ficar sozinha de novo.

Assim que minha menina teve alta voltamos para o Rio. Nem passei
em casa para falar com a minha família ou para pegar roupa alguma. Seria
capaz de cometer um desatino, tamanho ódio no coração.

Eles para mim morreram! Minha filha é minha vida e a única família
que possuo. Vou viver por ela, lutar por ela, Mariana vai ser o que eu
nunca fui. Vou ser sua mãe e seu pai. Nunca vou deixar que nada lhe
faltasse, ela vai estudar e ser alguém na vida.

Fiz esse juramento enquanto voltávamos para o Rio, para a


esperança de uma vida melhor. E deixei todas as tristezas e amarguras no
passado.

Não vou lhe dizer que esses dezoito anos foram fáceis, porque não
foi. E hoje minha menina é meu orgulho. Ela é inteligente por demais.

Eu confesso que quando notei que ela era muito inteligente, fiquei com
receio de ela sentir vergonha de mim. Afinal sou um humilde faxineiro de
dia e um porteiro à noite. Sim, ainda trabalho em dois empregos. Coloquei
Mariana em todos os cursos que pude pagar e há dois anos encontrei um
anjo na minha vida: Dona Bianca. Ela me ajuda nos estudos da minha
menina a colocou em boas escolas e ajudou no material.

Um dia Mariana esqueceu o caderno em casa e eu fui todo


envergonhado entregar o caderno. Minha menina estava ao lado de alguns
amigos e eu achei que ela iria ficar constrangida de me ver lá. Sei que não
falo direito, não tenho estudo, o pouco que aprendi foi com a rapariga da
mãe dela.

Estava com roupa de trabalho, limpinho, mas não arrumado como o


povo da faculdade. Minha filha parece com eles, ela é linda, meiga. É
jeitosinha mesmo, num sabe!

Enfim, entreguei o caderno e saí humildemente para não causar


nenhum constrangimento, no entanto, qual não foi minha surpresa quando
minha menina me puxou pela mão, beijou meu rosto, bateu no peito e
disse:

— Pessoal, orgulhosamente apresento a vocês meu herói, meu


painho. ― Ela me apresentou me abraçando. E eu fiquei acanhado por
demais.

Queria sair dali. Não estou acostumado a lidar com pessoas muito
classuda. Pois, minha menina mais uma vez me surpreendeu. Mesmo eu
dizendo que não precisava, ela largou os amigos e foi comigo ao ponto de
ônibus, ficou conversando comigo e eu notava que os amigos dela
olhavam e cochichavam. Muito aperreado, pedi:

— Minha fia, vá ficar com seus amigos, meu ônibus já está vindo.
Pode ir, vá.

— Painho, não fique avexado. O senhor trabalha mais que aquele


bando de desocupados e eu tenho é muito orgulho de ser sua filha, senhor
Arino.

Ela não arredou o pé do meu lado até que meu ônibus chegou. Me
deu um beijo, pediu a benção e falou para tomar cuidado.

Me recordo que entrei no ônibus orgulhoso como um pavão. Posso


não saber direito das coisas, mas eu sabia que todo meu esforço valeu a
pena.
E é exatamente por isso que, nesse exato momento, estou com o
coração partido, me sentindo perdido no meio da sala de Seu Pablo.

— Meu Deus... Como ele pôde? ― Minha voz soa angustiada.

Eu me sento no refinado sofá do Seu Pablo, sentindo uma dor tão


profunda na alma que a vontade é de me rasgar todo para ver se ela
passava.

Vontade de gritar.

De quebrar alguma coisa.

De tentar de alguma forma fazer esse sentimento angustiante


passar...

Mas não posso, pelo menos não agora, vou respirar fundo e guardar
esse sentimento dentro de mim, porque eu sei. Oh Meu Deus! Eu sei que
minha filha vai voltar daquele quarto, tão destruída quanto eu fiquei a vinte
e dois anos atrás quando a mãe dela foi embora.

Agora eu não posso sofrer, porque ela precisa de mim.

Então eu puxo o ar fundo, reprimo toda gastura que estou sentindo,


levanto a cabeça e fico com os olhos grudados na porta, esperando
minha fia sair.
Capítulo 1
Mariana
Um longo suspiro escapa pelos meus lábios. Fito o teto e mordo o
lábio inferior, viro meu rosto e olho o relógio na mesinha ao lado da cama e
ele me mostra que ainda é muito cedo. Volto a olhar o teto e mordo o
interior da minha bochecha

Desisto de tentar dormir, sugo o ar e o solto em uma forte baforada,


decidida me levanto da cama, sigo em direção à janela e a abro. Um
sorriso surge em meus lábios ao ver o sol nascer entre nuvens no
horizonte.

Moramos numa humilde casa na favela da Rocinha no Rio de Janeiro.


Sou feliz aqui, apesar de ter poucos amigos. Bem, a verdade é que eu
tenho uma única amiga Nayana ― ou Nay como ela gosta de ser chamada
―, vamos começar um estágio juntas, porém em áreas diferentes, na
empresa em que minha madrinha trabalha.

Esse é o motivo de toda a minha ansiedade e da minha noite em


claro.

Bianca não é realmente a minha madrinha, nossa diferença de idade


é de apenas cinco anos, mas estamos anos-luz de distância em quesito de
autoconfiança. Bianca exala autoconfiança, ela é uma grande executiva.
Já eu, exalo timidez. Porém, sou boa com computadores, sempre fui. Com
o incentivo de meu pai e ajuda de Bianca, estou fazendo faculdade na
área que sempre sonhei.

Um forte vento frio me faz estremecer e consequentemente fecho a


janela, volto meu corpo, respiro fundo, elevo o queixo e como toda
baixinha arretada decido encarar os futuros desafios de frente.

***

— Bom dia, painho. ― O beijo e me sento para tomar café.

— Dia, fia. Olhe, não se esqueça de ir à empresa hoje, viu?! ―


relembra me olhando sério.
— Eu acordei cedo para sair com o senhor, senão acho que não vou
ter coragem.

— Mas é cedo por demais fia, Dona Bianca só chega às oito da


manhã. Volte a dormir mais um cadinho. ― Meu pai sempre tão carinhoso
e preocupado comigo.

— Prefiro ir com o senhor. ― Pego sua mão e a beijo e ele sorri sem
graça e começa a me servir cuscuz. ― Painho, eu estou tão nervosa que
nem consigo comer direito. ― Faço um ligeiro meneio negativo afastando
o prato.

— Minha fia, você tem que se alimentar direito. ― Meu pai me serve
uma xícara de café.

— Painho, já lhe disse que estou imensa de gorda! Tenho mais de


noventa e cinco quilos. ― Rio e meu pai faz uma expressão irritada.

Ele não gosta quando me chamo de gorda de forma depreciativa ou


me menosprezo de alguma forma.

— Você é linda por demais! É a coisa mais perfeita que já fiz na minha
vida, é meu orgulho e você sabe que eu fico aperreado por demais quando
você fala assim. Você é a fia mais linda e perfeita do mundo inteirinho ―
meu pai afirma chateado.

Tem como não amar meu pai?

Levanto-me com lágrimas nos olhos.

— Desculpa painho, só estava brincando. ― Beijo o seu rosto.

— Brincadeira de muito mau gosto, viu?!

— Painho, apesar do fato de estar imensa de gorda, eu não tenho


nenhum drama em relação ao meu próprio corpo. E isso eu devo ao fato
do senhor sempre me dizer o quanto eu sou linda, independentemente do
número que a balança marque. ― Sorrindo volto a beijá-lo.

— Pois eu lhe acho linda por demais! Mas olhe, acabe logo de comer
e depois vamos para a empresa ― meu pai pede, beijando minha cabeça.
Logo pegamos nosso ônibus e depois de uma hora de viagem
chegamos à empresa. Quando finalmente estou na frente da empresa,
paro admirada com o prédio, ele é lindo. É moderno, tem um enorme
MARTINS em letras douradas com um fundo preto.

Quando meu pai nota que parei, se vira e me chama.

— Vem, fia.

— Painho, eu acho melhor esperar Dona Bianca aqui fora. Não


consegui falar com ela e vou ficar sem jeito lá dentro ― explico, ele insiste
por mais um tempo depois acaba cedendo, beija meu rosto e entra na
empresa.

Passo a próxima hora vendo um festival de gente linda, elegante e


sofisticada entrando no prédio e me olhando de modo estranho. Acredito
que não seja apenas por causa do meu corpo avantajado como diz Nay, E
sim, pelo fato de estar vestida com uma calça jeans, uma blusa preta com
os dizeres; Marvel vs DC. Sem a menor sombra de dúvida, minhas roupas
destoam de toda aquela sofisticação.

Resolvo ignorar os olhares e começo a jogar no celular, algum tempo


depois ouço alguém me chamando de longe, levanto a cabeça e vejo
Bianca vindo em minha direção.

Sempre me impressiono quando vejo Bianca. Ela é uma linda negra


de olhos verdes, parece uma modelo plus size.

— Mariana meu anjo, por que você está aqui fora? Poderia ter me
aguardado na minha sala. Meu Deus! Nós tínhamos agendado algo para
hoje? ― ela questiona me abraçando e fico com vergonha por ter vindo
sem termos nada marcado.

— Não senhora Bianca, me desculpe aparecer assim sem avisar. Por


isso preferi ficar esperando aqui fora.

— Aconteceu alguma coisa? E por favor, me chame de Bianca.

— A senhora... quero dizer, você tinha falado para ligar essa semana
e como não consegui falar com você, meu pai me deixou meio, digamos,
louca e acabei vindo aqui, mas fiquei com vergonha de entrar ― respondo
rápido, meio desajeitada e fico mexendo nos meus óculos. Faço muito isso
quando fico nervosa e sempre fico nervosa perto de Bianca. ― Aí meu
Deus! Estou atrapalhando? Me desculpa ter vindo assim, vou embora.
Desculpa.

— Calma, Mariana! Eu que tenho que me desculpar com você, nos


últimos dois dias meu telefone está desligado. Estou querendo ligar para
você desde a semana passada, porém têm acontecido tantas coisas que
eu acabei não ligando. Vamos para minha sala tomar um café e
conversamos. E se o Pablo estiver por aí, mostro onde você vai começar a
trabalhar.

— Pensei que iria trabalhar com você? ― indago, confusa.

— Então, refleti e vi que seria melhor pra você ir direto para a área
que você domina. Você vai trabalhar com o Pablo, mas não se preocupe
que vou ficar por perto e aí de quem mexer com você. ― Ela sorri e eu fico
preocupada.

— Esse Pablo não fica na empresa?

— Pablo tem a sua própria empresa e aparece por aqui duas vezes
por semana ― ela explica sorrindo e entramos na empresa.

Fico impressionada com a decoração e refinamento do lugar. Tão


longe da minha realidade. Acho tudo muito bonito, mas prefiro meu
cantinho humilde com meu pai.

Passo por ele a caminho do elevador e beijo seu rosto, ele fica
envergonhado e Bianca sorri para mim.

Depois de conversarmos por um tempo na sua sala, Bianca começa a


me mostrar a empresa, me apresenta para algumas pessoas, sempre
deixando claro que eu era sua protegida. A cada vez que ela falava isso eu
ia ficando mais nervosa. Acho que vou sair daqui sem óculos de tanto que
mexo nele.

Foi assim, nervosa e acanhada que eu o vi pela primeira vez.

Não sou o tipo de pessoa que imagina um lindo príncipe encantado.


No entanto, sempre sonhei em viver um grande amor, não sonho com um
lindo cara sexy, forte e milionário. Quero um amor que me faça esquecer
tudo em minha volta.
Ele olhou para mim, mexeu nos seus óculos, sorriu de lado e tudo ao
meu redor desapareceu.
Capítulo 2
Mariana
Apesar de sonhar com esse momento, nunca acreditei que isso iria
acontecer. Pelo menos não comigo. E, no entanto, estou eu aqui olhando
para o homem dos meus sonhos.

E ele é lindo. Aos meus olhos ele é lindo.

Ele não é o cara mais forte e malhado que já vi. Muito menos o mais
sexy... Porém, ele tem um “quê” especial que não sei ao certo explicar.

Ele é loiro, tem olhos castanhos, usa óculos, está vestindo uma calça
jeans com blazer e uma blusa preta escrita DC forever.

Mas hein?! Tirando o fato dele está totalmente equivocado em relação


a DC. Ele é um típico nerd e eu estou encantada por ele.

Ouço de longe Bianca nos apresentando, mas não consigo focar em


nada ao meu redor a não ser nele.

― Me desculpe! Não apresentei vocês. Pablo essa é a Mariana.

― Pra... prazer... é é é... hum Mariana ― ele gagueja, ajeitando os


óculos e soou tão fofo.

― Prazer em te conhecer, Pablo. ― Nunca fiquei tão nervosa ao


cumprimentar alguém. De forma trêmula levanto minha mão e ele a pega
rápido.

― O pra... pra... prazer é to...todo m... me... meu ― volta a gaguejar e


me oferece um sorriso adorável.

Eu não sei mensurar o que eu sinto nesse momento. Todo meu corpo
treme... Sinto suas mãos geladas e seu aperto é firme, enquanto as
minhas mãos estão trêmulas. É reconfortante saber que ele está tão ou
mais afetado que eu.

Ele sorri para mim e sei que não estou sentindo tudo isso sozinha,
isso é real. Realmente está acontecendo.
Estou fascinada por um homem que sei somente o nome...

Pablo!

Normalmente sempre que ouço esse nome, sinto um calafrio pelo


meu corpo que em nada lembra prazer...

Ele me faz recordar de um cantor com um estilo musical que meu pai
ama e eu não. Mas, por respeitar o meu pai por demais, nunca comentei
isso em voz alta.

No entanto, o arrepio que percorre meu corpo, o calafrio que me faz


suspirar não tem absolutamente nada de ruim. É gostoso e prazeroso.

Pablo!

De hoje em diante passei a gostar desse nome.

Fico ofegante ao sentir a excitação tomar conta do meu corpo.


Envergonhada por tamanho descontrole, abaixo a cabeça. Sinto que ele
aperta minha mão mais forte e se aproxima de mim. Meu coração bate tão
forte que parece que vai pular pela minha boca. Dou-me conta que estou
ofegante e passo a língua pelos meus lábios que ficaram incrivelmente
ressecados.

Pela primeira vez ele desvia os olhos dos meus e olha para minha
boca e morde o lábio inferior. E eu não consigo controlar o gemido.

Enquanto estamos no nosso próprio mundo em uma névoa de pura


sedução e encantamento, ouço algo que me deixa extremamente
envergonhada.

― Oi fofinha, eu sou Angélica, namorada do Pablo. E você quem é?


― informa uma linda e loira mulher abraçando Pablo. Dou um passo para
trás, sinto meu rosto queimando de pura vergonha e inclino cabeça.

Pablo ainda tenta segurar minha mão, mas a puxo de forma firme. Ele
dá um passo em minha direção com a namorada firmemente grudada
nele.

― Angélica, eu vou deixar uma coisa bem clara desde agora. Eu exijo
que você respeite a Mariana. Ela vai trabalhar aqui na empresa com o
Pablo, se eu sequer ouvir que você falou alguma besteira para ela, vou
fazer valer aquela promessa que te fiz há um tempo. Mariana é minha
amiga e se mexer com ela, mexe comigo. Você entendeu? ― Bianca a
ameaça.

Eu mal ouço o que elas falam, tamanha a minha decepção e


vergonha. Demorei anos para sentir isso por alguém e quando sinto, o
homem pelo qual me encantei tem namorada. E ela é linda e
completamente diferente de mim.

― Calma, desculpa. Não precisa ficar nervosa foi apenas forma de


falar. ― A tal namorada debocha. E minha vergonha aumenta a cada
segundo que se passa.

― Então se eu te chamar de caveira ambulante, sim, porque você tem


mais osso que pele, será apenas uma forma de falar, certo? Sabe
Angélica, você não tem bunda, não tem carne, é pele e osso. Talvez seja
por isso que Pablo fica tão encantado, toda vez que vê uma "fofinha" na
frente dele ― Bianca rebate. Angélica olha para Pablo e eu queria que o
chão se abrisse na minha frente para eu entrar.

Receosa, levanto meu olhar e noto que Pablo me olha fixamente, ele
se aproxima e segura novamente minha mão.

― Por favor, não segure minha mão. A sua namorada está próxima de
nós, isso não é legal ― imploro tentando sair do seu aperto.

― Ela não é minha namorada, é apenas a mulher que estou dormindo


no momento ― ele esclarece de forma firme e crua e meu queixo quase
cai.

Enquanto ainda estou processando as suas palavras, volto a sentir


um arrepio pelo meu corpo, e o sinto fazendo um carinho no meu pulso
com o seu polegar.

― Pablo, meu amor, ela deve ser a filha do faxineiro que a Bianca
tinha te pedido encarecidamente que você desse emprego ― Angélica
comenta sarcástica.

Pablo larga minha mão de forma abrupta, dá dois passos para trás e
me olha dos pés à cabeça.
― Você é a filha do faxineiro nordestino? ― questiona em um tom
incrédulo, com um misto de desrespeito e preconceito.

Para tudo! Cadê o cara sexy e meio desengonçado, que somente


"dorme" com a loira?

Para onde foi o homem que me encantou e tirou meu fôlego ao


somente segurar minha mão?

Creio que passo uns cinco segundos incrédula, até me dar conta de
que ele falou do meu pai! Como se o fato do meu pai ser faxineiro e
nordestino fosse algo a se envergonhar.

A forma que ele falou do meu pai, fez subir um esquentamento pelo
meu corpo que não tem absolutamente nada a ver com prazer e meu
sotaque nordestino se faz mais presente.

Todo aquele clima de romance e sedução que antes existia entre nós
dois acabou e nós olhamos com desprezo mútuo.

Respiro fundo, levanto o queixo ― toda baixinha com raiva faz isso
―, ponho a mão na cintura e falo exalando orgulho pelos meus poros.

― Sou Mariana, filha do senhor Arino, faxineiro e nordestino, sim. E


fique o senhor sabendo que tenho muito orgulho do meu pai.

Nesse exato momento, estou sentindo tanta raiva por um ser que mal
conheço e julguei erroneamente ser o cara dos meus sonhos. O homem
perfeito para mim irá respeitar e não humilhar meu pai.

― Pablo, acredito que seja melhor Mariana trabalhar comigo ―


Bianca sugere, receosa.

― De forma alguma, agora fiquei curioso para saber se ela é tão


inteligente como você diz ― nega sem tirar os olhos de mim.

― É só marcar a data e a hora que eu te dou a prova ― afirmo,


atrevida.

Ele levanta uma sobrancelha.

― Você é muito convencida e prepotente ― alega sério.


― Não é questão de ser convencida ou prepotente. Posso ser
insegura em muitos aspectos da minha vida, contudo, em relação ao meu
trabalho, sei que dou conta do recado ― retruco sem desviar o olhar.

― Te espero segunda às nove da manhã em ponto. Por acaso é do


tipo que se atrasa para o trabalho?

― Pode ter certeza, que na hora marcada estarei aqui, senhor.

― Pode me chamar de Pablo.

― Prefiro te tratar por senhor.

Pablo me olha, depois pega a mão de Angélica e sai.

― Ai meu Deus! Fui grossa com o meu futuro chefe. ― Me dou conta
da merda que fiz, ele não é um amigo ou um possível romance e sim meu
chefe!

― Calma, relaxa. Pablo mereceu e você apenas se defendeu. Fica


tranquila. ― Bianca segura a minha mão.

Bianca me apresenta a algumas pessoas e duas horas depois nos


despedimos.

Vou ao encontro do meu pai e o encontro limpando o hall de entrada


do prédio, paro e fico observando as pessoas passarem por ele, como se
ele fosse invisível. É assim que algumas pessoas agem quando veem uma
pessoa da limpeza.

Ver meu pai, limpando o chão e dando bom dia a todos que passam
por ele e na maioria das vezes ser ignorado, me enche de orgulho de ser
filha desse homem que consegue ser gentil, mesmo quando quase todos
são hostis com ele.

A maioria dos homens, se passasse pela metade do que meu pai


passou, se tornariam rudes, grossos ou mesmo estúpidos, mas Seu
Arino... ele não é assim. Essa é apenas uma das inúmeras razões que me
fazem ter muito orgulho de ser sua filha.

Vejo um homem se aproximar e ao contrário do que imagino, ele para,


e começa a conversar com meu pai. Curiosa, me aproximo para vê-lo
melhor e fico impressionada. Nunca vi um homem como aquele na minha
vida.

Eu tenho a mania de comparar algumas pessoas com personagens


de HQ, e esse homem que está falando com meu pai é, sem sombra de
dúvida, o Super-Man. Não, o Clark Kent de óculos e desajeitado. Não,
esse homem é sério e tem uma aura de poder o envolvendo.

Meu pai me vê e acena. Quando me aproximo, ele me apresenta.

― Senhor Lacerda, essa é minha fia Mariana. ― De perto fico mais


impressionada.

Ele é alto ― todo mundo acima de 1,60 é alto perto de mim ― forte,
tem cabelos pretos, olhos azuis e cílios que fariam qualquer mulher morrer
de inveja.

― Muito prazer, Mariana, pode me chamar de Fernando. Você que vai


trabalhar com a minha mulher? Bianca é só elogios ao seu respeito. ― Até
a voz do homem é linda.

Mas hein?! Ele é o marido da Bianca? Nem sabia que ela era casada.

― Eu vou trabalhar com Pablo. Você é marido da Bianca? Ela nunca


me disse que era casada ― pergunto, confusa.

― Mariana! ― Meu pai me repreende.

― Por favor, me desculpe senhor Fernando, foi indelicado da minha


parte ― peço, envergonhada.

― Ainda não somos casados, mas isso é um mero detalhe. Bianca é


minha mulher e ponto ― Fernando, afirma de forma categórica.

― Compreendo, mais uma vez, me desculpa.

Ele conversa mais um pouco com meu pai e logo depois se despede.
Quando ficamos a sós, meu pai me diz que ele é CEO da empresa e isso
me fez ficar mais encantada ainda ― um homem na sua posição parar
para falar com meu pai, enquanto ele limpa o chão ― e feliz por Bianca ter
um homem assim na sua vida. O orgulho que ele demonstra quando se
refere a ela é encantador.
Saí da empresa sorrindo e sonhando em um dia algum homem se
referir a mim assim, levo um susto quando puxam meu braço. Olho para
trás e me assusto ao encontrar Angélica me olhando com raiva.

― Olha aqui, sua gorda retirante, fique longe de meu namorado,


entendeu? ― me ameaça bufando de raiva.

Eu poderia me indispor e dizer tudo o que ela merece ouvir, porém,


estou na frente do meu futuro lugar de trabalho. E isso iria afetar não
somente a mim, mas ao meu pai também. Por esse motivo, dou as costas
ao invés de lhe dar uma merecida resposta.

― Ei! Você está me ouvindo? ― Novamente segura meu braço.

― Eu não quero aquele homem nem pintado de ouro! Ele será meu
chefe, nada mais que isso. Portanto, se está tão preocupada, sugiro ficar
ao lado do seu homem e não correndo atrás de mim. ― Vou embora sem
dar a ela a chance de revidar.

***

― Miga, não dá para subir agora. O bicho está pegando lá em cima.


― Nay toca no meu ombro e me leva para um bar na esquina, sentamos e
pedimos um refrigerante. Olho em volta e vejo vários vizinhos e moradores
por perto.

Todo morador de comunidade sabe que quando têm polícia na


entrada do morro, é porque lá em cima as coisas estão complicadas.

― Obrigada ― agradeço e pago a bebida.

― Miga, o que você tinha na cabeça? Já ia subindo a ladeira sabendo


que os homens estão aí? Tá loca, miga?

Nay sempre se refere aos policiais como "Os Homens"

Essa é a minha realidade. Sou moradora de uma comunidade, que


apesar de "pacificada", com certa frequência ocorrem confrontos entre
policiais e bandidos. Bandidos esses que eu vi crescer, muitos eram
amigos de escola que no decorrer do tempo e circunstâncias entraram
para o mundo do crime e não saíram mais. Muitos já até morreram.
Os que não morreram estão tão enraizados na criminalidade, que nem
reconheço mais. Não são mais os moleques que eu via na escola, hoje em
dia são criminosos procurados pela polícia. E há muitos anos não tenho
contato com nenhum deles.

Sempre entro alerta na comunidade, isso é algo cotidiano para todos


os moradores. Nunca sabemos quando pode haver um confronto. Mas,
hoje em especial estava desatenta, pensando em certo nerd lindo que
quase roubou meu coração.

O que houve com Pablo hoje de manhã foi um lindo sonho, mas logo
a realidade se fez presente. Não sou uma nerd rica, sou filha de um
humilde homem que faz de tudo para eu realizar meus sonhos. E meu
sonho não é um lindo nerd de óculos e, sim trabalhar com tecnologia. E
Pablo será meu chefe, pelo que Bianca disse ele tem uma empresa de
tecnologia com sede no exterior e filial no Brasil. Eu tenho muito que
aprender com ele.

Pablo é meu chefe, um chefe arrogante e preconceituoso. É o


primeiro homem que mexeu comigo, mas não vou deixar isso influenciar
no trabalho. Esse sentimento não vai ficar à frente do meu sonho.

― Miga, estou falando há meia hora e você no mundo da lua! O que


houve? ― Nay questiona segurando minha mão.

Respiro fundo e quando vou falar sinto um beijo na minha cabeça.

― Nay, minha filha, você já almoçou? Mari, querida, que carinha triste
é essa? ― Vera pergunta me abraçando.

Aconchego-me em seus braços e sinto uma enorme vontade de


chorar. Inspiro profundamente e tento controlar as minhas emoções.

― O que houve, minha querida? Isso tá com cara de ser problema


com homem. Fala para mim. Quem magoou seu coraçãozinho? ― Vera
indaga fazendo carinho no meu rosto.

― Eu me encantei por um homem que pensei que era o cara perfeito


e quando ele soube de quem sou filha, ele se demonstrou preconceituoso
em relação às minhas origens ― relato com um longo suspiro e logo mudo
de assunto.
***

Depois de uma tarde tensa, sorrio ao ver meu pai chegando em casa.

― Fia, morri de preocupação com você, vi o confronto pela televisão.


Até tentei te ligar, mas só dava desligado. Fiquei em uma agonia só a
tarde toda.

― Me desculpa, painho, fiquei jogando e meu celular descarregou.


Fiquei em um barzinho com Nay até as coisas se acalmarem e depois
subimos.

Meu pai sorri e vai tomar banho e quando volta o jantar já está pronto.
Jantamos na sala vendo televisão. Quarenta minutos depois, meu pai
estava dormindo no sofá. Ele sempre faz isso. Resolvo chamá-lo. Ele me
dá boa noite e vai para seu quarto e eu fico na sala lendo até sentir sono.

***

Às nove horas em ponto, depois de passar no RH, estou na frente da


secretária do Pablo. Ela me olha sorrindo e eu retribuo.

― Bom dia. Sou Mariana Teixeira.

― A senhorita é aguardada pelo senhor Silva. ― Ela me indica a


porta. Sorrio ao ouvir seu sobrenome "Silva" Pablo tem o mesmo
sobrenome que meu pai, qual seria a reação dele caso soubesse disso?
Provavelmente agiria com descaso.

Entro em sua sala e noto que ele está sentado em uma elegante
cadeira, atrás de uma refinada mesa de vidro, com três monitores à sua
frente.

Pablo hoje está diferente, não me lembra em nada o homem


atrapalhado que gaguejava enquanto me cumprimentava ontem. Ele está
de perfil, vestindo um terno escuro que de longe nota-se que é caro. Está
compenetrado olhando alternadamente entre os monitores. Até seus
óculos estão diferentes hoje.

Suspiro aliviada.

Será mais fácil lidar com todas as emoções conflitantes que esse
homem me faz sentir. Quase me apaixonei por uma ilusão e graças a
Deus o homem que está em minha frente, não é o mesmo meigo e
desajeitado nerd que a princípio me encantou.

Noto o exato momento em que ele percebe que estou na sala. Seus
longos dedos, que vigorosamente digitavam nos teclados, param. Ele
fecha os olhos, suga o ar e ao exalar, emite um pequeno suspiro. Abre os
olhos e gira a cadeira em minha direção.

Por um tempo nos olhamos, ele me avalia de cima a baixo e não sei
identificar a emoção que vi refletida em seus olhos. Algo cru, rude e ao
mesmo tempo... Prefiro não me aprofundar em analisar seu olhar. Tenho
medo de gostar do que vier a descobrir.

Pablo não sorri ao me analisar, sinto seu olhar me percorrer dos pés à
cabeça e quando foca em meus olhos, vejo que ele respira fundo.
Inexplicavelmente, me dá uma incontrolável vontade de sorrir, entretanto,
me controlo.

Ao contrário do que eu pensava, essa versão mais séria de Pablo é


mais perigosa que a versão meiga. O Pablo desajeitado me encantou de
uma forma, como nenhum outro fez nos meus quase vinte e dois anos de
vida. Mas, esse homem que está na minha frente, esse homem que, a
princípio, eu inocentemente achei que poderia lidar, está me fazendo sentir
coisas que eu nem sabia que poderia sentir.

Ele me olha de uma forma diferente, não sei ao certo como explicar,
mas é... diferente. Com os olhos ele indica a cadeira e eu sei que ele quer
que eu sente. E com apenas um olhar, sinto como se ele estivesse me
controlando, como se houvesse uma linha imaginária entre nós dois.

Balanço a cabeça na tentativa de quebrar esse estranho contato,


fecho meus olhos por um segundo, buscando readquirir um pouco do meu
controle perdido.

― Mariana! ― Seu tom de voz ao dizer meu nome é de advertência e


ao ouvi-lo sinto um arrepio passar pelo meu corpo.

Meu Deus! O que está acontecendo comigo? ― me questiono em


uma prece silenciosa.

― Abra seus olhos, Mariana. ― Seu tom agora é mais ameno, porém,
ainda existe um ‘quê’ de advertência.
Vagarosamente, abro meus olhos e o encaro, ele indica a cadeira em
sua frente com um olhar, ando até a cadeira e me sento.

― Bom dia, senhor. ― O cumprimento abaixando a cabeça e o ouço


soltar um gemido, que causa certo tremor de prazer em meu corpo.

― Por favor, me chame de Pablo. ― Soa rouco e cada palavra parece


uma carícia.

― Prefiro senhor ― sussurro, ainda de cabeça baixa.

― Me olhe, Mariana. ― Novamente aquele tom que não consigo


identificar, que está me desequilibrando. E que por mais que tente não
consigo desobedecer.

Elevo minha cabeça e foco primeiro nos botões do seu terno escuro,
reparo no seu longo pescoço e vejo que sua respiração está acelerada.
Olho sua boca e noto que ele prende os lábios de forma firme, como se
estivesse se controlando, olho em seus olhos e finalmente me recordo que
esse é o homem que humilhou meu pai. O encaro de forma fria e levanto
meu queixo.

Ele nota o exato momento em que o seu encanto sobre mim se


quebra e suspira triste.
Capítulo 3
Mariana
Um constrangedor silêncio se instaura entre nós.

― Mariana eu... ― Ele começa a falar e o interrompo.

― Fui ao RH e formalizei meu estágio. Como ontem o senhor estava


com dúvida se eu teria conhecimento o suficiente para o cargo, hoje achei
que seria interessante trazer os certificados dos meus cursos
extracurriculares, estou no penúltimo período do curso superior de
tecnologia em gestão da tecnologia da informação... ― Mostro todos os
meus certificados e ele segura minha mão.

A princípio fico paralisada com o formigamento que sinto com o seu


toque, porém, logo puxo a mão. Ele observa suas mãos vazias e depois
me olha.

― Mariana, sobre ontem eu...

― Por favor, eu gostaria que o senhor me pusesse a par das minhas


obrigações. ― Novamente o interrompo respirando fundo.

― Eu gostaria de explicar que...

― Não há o que explicar, senhor. Não seremos amigos, o senhor será


meu patrão e eu sua estagiária. Não precisamos gostar um do outro,
apenas nos respeitarmos.

― Você não gosta de mim, Mariana? ― me pergunta com um olhar


cândido que me desconcentra.

― Eu...Eu... ― Hesito em responder. A verdade é que não quero


gostar dele, no entanto, é impossível negar a forte atração que nos une.

Desconcentrada, abro e fecho a boca. Não precisei responder, o que


foi bom, não tenho uma resposta para o seu questionamento. Somos
interrompidos por Angélica, que entra na sala empolgada e visivelmente
feliz.
― Amorzinho! Você se esqueceu de deixar o cartão de crédito. Afinal,
tenho que providenciar meu enxoval. ― A voz de Angélica soa fina e
irritante.

Enxoval?

― Vocês estão noivos? ― indago, confusa.

Ontem ele me disse que ela era apenas uma mulher que ele dormia,
me deu a entender que não era ninguém importante...

― Ele me pediu em casamento ontem à noite ― Angélica esclarece


sorridente, me mostrando um anel com um diamante enorme.

Olho rapidamente para o diamante e depois para ele. Por dois dias
seguidos esse homem me decepciona. O observo fechando os olhos e
respirando fundo.

― O que você quer, Angélica? ― questiona, claramente tentando


conter sua irritação.

― Amorzinho! Eu preciso começar a organizar o nosso casamento e


preciso do seu cartão. ― Angélica vai até ele e o beija no rosto, depois
olha para mim e sorri cinicamente.

Levanto-me e organizo todos os meus papéis que estão sobre a


mesa, e paraliso ao sentir Pablo segurando a minha mão, um arrepio de
raiva passa pelo meu corpo e rapidamente saio do seu aperto.

― Ainda não terminamos ― adverte em um tom ameno.

― Acredito que no momento, o senhor tenha assuntos particulares a


tratar. ― Continuo a organizar meus papéis sem olhá-lo.

― Espera, por favor. ― Sua súplica me faz parar e olhar para ele.

Ele pega a carteira do bolso interno do seu refinado terno, retira um


cartão e entrega a Angélica sem desviar os olhos de mim. Ela pega o
cartão e o beija.

― Amorzinho, nosso casamento será... ― Angélica para de falar


quando Pablo levanta a mão.
― No momento estou ocupado, Angélica. ― Ele a dispensa em um
tom seco.

Angélica sorri como se não se abalasse pelo modo no qual foi tratada,
volta a beijá-lo e sai dizendo que o casamento de ambos será
maravilhoso, que já enviou uma nota para as colunas sociais.

Enquanto ela se vangloriava do seu recente noivado e futuro


casamento, Pablo não desvia os olhos dos meus.

Estou sentindo uma raiva surreal, mas não dele e sim de mim, por ter
me encantado novamente por esse homem. Ele conseguiu me
desequilibrar em suas duas versões, hora meigo e desajeitado e em outra,
sério e... algo que ainda não sei definir, que me seduziu e me fascinou. Por
um breve momento, ele me teve em seu domínio e a parte mais
assustadora e que eu acho que gostei... Não sei ao certo.

― Mariana... ― Ele levanta e se aproxima e eu dou um passo para


trás.

― Por favor, senhor, me ponha a par das minhas obrigações ― peço


friamente.

Pablo respira fundo e resignado volta a sua mesa.

― Você desempenhará funções ligadas ao desenvolvimento de


sistema de segurança online e aplicativos... ― explica todos os nuances
relacionado ao futuro trabalho.

― Sim, senhor. Mas a Martins não é uma empresa de publicidade?

― Sim, mas você não vai trabalhar para Martins, e sim para mim.

― Mas a Bianca... ― Ele não me deixa terminar.

― Você não trabalha para Bianca, e sim para mim. ― Relembra,


arrogante.

― Certo. E quais são os dias que virei para a empresa, visto que o
senhor nem todos os dias estará aqui.

Ele sorri vagarosamente.


― Acredito que não tenha entendido, Mariana. Você vai estar onde eu
estiver, seja aqui, na minha empresa ou na minha casa.

― Na sua casa?

― Sim, tenho toda uma infraestrutura em casa e muitas vezes


trabalho lá. ― Nota meu olhar confuso e sorri. ― Acredito que para você
seja uma grande surpresa, porém, entendo que será muito enriquecedor
para o seu aprendizado. Então, você deve ficar onde eu estiver. Terei um
imenso prazer em lhe ensinar, acredito, também, que você seja uma aluna
obediente ― profere a última parte em tom rouco e eu tenho certeza
absoluta de que ele não estava se referindo ao trabalho.

O observo em silêncio. Ele sorri, creio que tenha ficado feliz em não
ser contestado. Pablo sorri porque não tem noção do fogo inexplicável que
sobe pelo meu corpo.

Sabe quando você está com tanta raiva que seu corpo treme, mas
não consegue articular uma única palavra? Então, é exatamente assim
que estou neste momento.

Aproveito esse meu momento de inércia para observá-lo. Vejo seus


olhos castanhos brilhando através das lentes dos seus óculos
sofisticados. Pablo exibe uma expressão de contentamento e satisfação.
Como se tivesse tido êxito em algo...

Ele morde os lábios inferiores, e seus olhos passam vagarosamente


pelo meu corpo, me avaliando com cobiça e pela primeira vez desde que o
conheci, me senti mal. Não era mais algo que me encantava, e sim, como
se eu fosse um mero objeto de desejo e satisfação sexual. Senti-me como
a próxima foda fácil e isso me causou uma enorme repulsa.

Acredito que dada a minha falta de ação, ele talvez possa pensar que
ainda estou sob o seu domínio e é com certo conforto que vejo seu sorriso
aos poucos morrer em seus lábios. Ele retira seus óculos, pega um lenço
em seu refinado terno e começa a falar enquanto os limpa.

― Mariana, é muito fácil ler as suas emoções. ― Põe os óculos e


sorri anasalado ― Você ainda é muito inocente e inexperiente para
conseguir mascará-las.

― E você consegue ler todo mundo? ― pergunto com ironia.


― Não todo mundo, mas você, sim.

― Acredito que esteja ocorrendo um grande equívoco. ― Respiro


fundo tentando assim quem sabe conseguir controlar a moléstia que me
consome, mas como sempre ocorre quando estou com raiva, meu sotaque
se faz presente. ― Acreditava ter vindo para um estágio, no qual iria
adquirir experiência profissional, no entanto, o seu comportamento e ações
em nada me remetem a algo relacionado com um ambiente profissional. O
senhor está me assediando.

Pablo senta ereto enquanto seu rosto endurece.

― Em momento algum foi minha intenção te desrespeitar.

― Oxe! Mas desrespeitou. Pelo amor de Deus! O senhor está noivo,


mas o seu recente compromisso não foi impedimento para o senhor fazer
insinuações impertinentes ao meu respeito.

― Mas, mas... ― o interrompo levantando a minha mão direita.

― Nem mais ou menos mais. Concordo com o senhor que sou nova e
inexperiente, porém, não sou boba. Sei identificar um assédio.

― Eu... mas... eu pensei q... que... ― Pablo gagueja, ajeitando os


óculos.

― Seja lá o que o senhor tenha pensado evidentemente se


equivocou. E por que está gaguejando agora?

― Eu... ― Pablo fecha os olhos e respira fundo, depois me olha com


o cenho franzido. ― A princípio me senti à vontade com você e quando
isso acontece normalmente não gaguejo ― esclarece, pausadamente
como se esforçasse para não gaguejar. ― Creio que o mesmo se deva ao
seu sotaque, que a priori não era tão evidente. ― Faz uma expressão de
desgosto.

― Pois eu amo meu sotaque, já lhe disse que tenho muito orgulho de
ser nordestina ― afirmo, altiva e orgulhosa.

― Sim, você já deixou bem claro o seu, digamos... orgulho. Todavia,


isso não vem ao caso nesse momento. Peço desculpas se de alguma
forma fui inconveniente, isso não voltará a acontecer. Obviamente estava
equivocado, eu pensei que talvez... ― pronuncia a última parte em um
sussurro.

― Talvez? ― indago o incentivando a continuar.

― Esse assunto está encerrado Mariana ― declara em um tom seco.


― Aqui estão meus contatos, me envie um e-mail com os seus. ― Ele me
passa um cartão preto com letras prateadas onde tem alguns números de
telefone e e-mail.

― Ok.

― Esses são os projetos que a MARTINS está trabalhando no


momento... ― Pablo assume uma postura profissional, que em nada me
lembra do sedutor que tanto me abala.

Como pode um homem ter tantas personalidades?

― Ok. ― Meio confusa analiso os papéis a minha frente.

― Minha secretária te levará até a sala que você irá trabalhar.

Atordoada, eu pego todos os papéis de qualquer jeito e me


encaminho para porta.

― Mariana, eu não gosto do seu sotaque.

Paro e comento sem me virar.

― Há alguns minutos você me fez uma pergunta, na qual eu não tinha


resposta.

― E agora tem?

― Sim, eu não gosto de você. ― Meu sotaque se faz orgulhosamente


presente em cada palavra. Saio da sala sem saber qual foi a sua reação.

Fecho a porta e encosto-me nela segurando firmemente os papéis


que ele me deu, respirando ofegante. Sempre fui uma pessoa acanhada,
pacífica e extremamente tímida. Nunca fui de ter grandes rompantes
emocionais, muito pelo contrário. Ainda não consegui me acostumar com
as emoções que esse homem me provoca...
Abro meus olhos e noto que a secretária do Pablo está me
observando, enquanto fala ao telefone, ela sorri como se soubesse o
quanto é difícil lidar com seu chefe.

― Olá, sou Ruth, secretária do senhor Silva ― cumprimenta, me


estendendo a mão. ― Por favor, me acompanhe. O senhor Silva me pediu
para te levar até a sala a qual irá trabalhar.

Ruth é uma simpática morena alta e esbelta, ela me leva até uma sala
com uma mesa de vidro, computador e um pequeno sofá. Não é uma
grande sala, mas é bonita.

― Não imaginei que iria ter uma sala. ― Olho em volta encantada.

― Bem, a princípio você iria trabalhar na sala do senhor Silva, mas


acredito que ele tenha mudado de ideia ― ela murmura. ― Enfim, estou a
sua disposição para o que precisar.

Ruth sai da sala e vou até a janela. A vista é linda, a empresa fica
localizada no bairro de Botafogo, situado na cidade do Rio de Janeiro.
Enquanto admiro a linda paisagem penso no que Ruth disse.
Provavelmente Pablo mudou de ideia depois de tudo que lhe disse.

Ele deve ter pensado que iria aceitar ser sua amante ou sua próxima
foda. Talvez, tenha imaginado que por causa da forte atração que ambos
sentimos, eu iria ser uma conquista fácil. Confesso que em alguns
momentos, me vi tão presa no seu domínio que não conseguia nem
raciocinar direito...

Pablo é um homem com múltiplas personalidades e cada uma delas


me encantou, fascinou e me seduziu. Mas, o orgulho pelas minhas origens
e o meu amor pelo meu pai é mais forte que esse desejo recém-
descoberto.

Não vou aceitar ser amante de ninguém e muito menos uma foda
fácil. Esperei até hoje por uma pessoa que realmente vai valer a pena me
entregar. E não será um simples... Quem eu quero enganar? Não tem
nada de simples no que eu sinto pelo Pablo. É complexo e confuso, é um
emaranhado de sentimentos que ainda não sei definir. Ele consegue me
levar do desejo ao ódio em poucos minutos.
Suspirando, sento-me e começo a analisar os projetos, isso eu
entendo, é algo fácil de resolver, já minha relação com Pablo é
extremamente complicada.

Concentrada no trabalho eu não vejo a manhã passar, não volto a ver


Pablo, o que foi bom para mim, ainda estou abalada.

Na saída vejo meu pai, ele está limpando o chão, algumas vezes para
e cumprimenta as pessoas, na maioria das vezes é ignorado. Vou até ele e
o beijo. Meu pai fica acanhado com a minha aproximação, acredito que vai
levar um tempo até ele se acostumar.

***

Quando estou triste, cozinho. Bem, a verdade é que cozinho triste,


feliz... Enfim, gosto de cozinhar.

Hoje resolvi preparar uma paçoca de carne, quando meu pai chega,
vejo o sorriso estampado no seu rosto. Gosto de vê-lo sorrindo.

― Mas, fia, lá da ladeira já dá para sentir o cheiro. ― Em um gesto


carinhoso ele beija minha cabeça. ― Cê fez fava, foi? ― pergunta com um
sorriso enorme.

― Fiz sim, também fiz paçoca de carne e para sobremesa fiz cartola.
― Sorrio ao ver meu pai abrindo as panelas.

― Oxe, que vou correndo tomar banho. ― Meu pai sai da cozinha
apressado.

Arrumo a mesa com todos os pratos e quando meu pai volta, senta-se
com um sorriso enorme.

― Painho, como foi seu dia?

― Foi bem, fia, foi bem.

Sempre pergunto ao meu pai como foi seu dia e a resposta é sempre
a mesma: "Foi bem, fia" E hoje eu sei que seu dia não foi bom. Passei as
últimas três horas na cozinha, fazendo guloseimas que meu pai gosta,
para tentar compensar, nem que seja um pouco, o dia ruim. Respiro
aliviada ao ver o seu sorriso e a felicidade que ele demonstra ao saborear
a comida da sua terra. Nossa terra.
Meu pai foi humilhado o dia todo, por várias pessoas. E agora, eu
tenho a certeza de que isso é algo que acontece com certa frequência.
Mas ele nunca me disse isso e acredito que nem vá dizer. Para mim, ele
sempre mostra estar bem. São em pequenas ações como essa, que meu
pai demonstra ser o grande homem que é, sempre tentando me proteger.
Ele provavelmente sabe que eu ficaria triste, caso soubesse a forma que
ele é tratado.

― Olhe, está bom por demais. Mas, fia, me diga como foi seu dia? ―
ele me pergunta com um sorriso satisfeito estampado no rosto.

Meu pai não precisa saber e com certeza se preocuparia, com as


minhas angústias emocionais, sorrindo, respondo.

― Foi bem, painho, foi tudo bem.

***

Depois do jantar, seguimos nossa rotina. Assisto séries e meu pai


dorme no sofá e algum tempo depois o chamo para dormir no seu quarto.
Vou para meu quarto pego um romance leve e divertido e ponho uma
música suave, amo ler ouvindo música. Só que hoje, tenho um motivo
especial para ler algo leve, nada muito complexo. Não quero nada que me
faça lembrar o que eu estou firmemente tentando esquecer.

Entretida na leitura, demoro a perceber que meu celular está tocando.


Ao olhar o visor não reconheço o número, porém a curiosidade fala mais
alto e atendo.

― Alô. ― Ouço a pessoa inspirar e ficar em silêncio. ― Se você não


se identificar vou desligar.

― Mariana ― O ouço sussurrar meu nome e mesmo sem se


identificar, eu sei quem é. É o homem que estou inutilmente tentando tirar
dos meus pensamentos.

― Pablo ― murmuro seu nome e o ouço exalar um sofrido gemido


que me arrepia.

Seguro o celular até meus dedos ficarem brancos e engulo em seco.


Fecho meus olhos tentando me acalmar, não posso ter essa reação todas
às vezes que ligar. Ele é meu chefe!
― O que o senhor deseja? ― questiono, em um tom profissional, o
mais frio e seco possível.

― Me desculpa ― sussurra e me deixa sem fala.

Toda a minha falsa frieza cai por terra e eu prefiro ficar muda a dizer
algo que vá me arrepender depois.

E ele continua...

― Eu prometi à Bianca que iria me controlar e te tratar bem e não foi


isso que aconteceu hoje.

Um estranho sentimento de decepção me invade.

― O senhor está me pedindo desculpas por causa da Bianca?

― Sim, não cumpri o que prometi a ela.

― Ok.

―Mariana.

― Oi.

― Me desculpa?

― Tudo bem, senhor Pablo. Só peço que isso não volte acontecer.

― Por favor, me chame de Pablo.

― Prefiro senhor.

― Mariana. ― A sua voz soa como uma advertência.

― Não vou mudar de opinião ― afirmo, convicta.

Ficamos em silêncio um ouvindo a respiração do outro.

― Te aguardo amanhã às nove horas.

― Senhor, como conseguiu meu telefone? Ainda não passei meus


contatos por e-mail ― questiono, curiosa.
Ele soa como se tivesse e rindo baixinho.

― Eu sei tudo sobre você, Mariana. Tenha bons sonhos. ― Ele


desliga e fico olhando para o celular.

Como assim ele sabe tudo sobre mim?

Desisto de ler, deito a cabeça no travesseiro tentando ao máximo não


pensar em Pablo.

***

Na manhã seguinte eu estou na minha sala em frente ao computador,


trabalhando no sistema que Pablo está desenvolvendo para MARTINS.
Ouço duas batidas na porta.

― Entre ― digo sem desviar os olhos da tela.

― Bom dia, Mariana. ― Me arrepio ao ouvi-lo dizer meu nome, soa


como uma agradável carícia.

― Bom dia, senhor. ― Me viro e ao observá-lo, sorrio anasalado e


abaixo a cabeça.

― Qual o motivo do seu sorriso, Mariana, está rindo de mim ou para


mim? ― indaga em um tom de brincadeira.

O encaro surpresa, Pablo me apresenta a mais uma de suas múltiplas


personalidades. Ele está com um tênis branco, calça jeans e uma blusa
com os dizeres "Batman, o mais inteligente de todos"

― Nunca vi tanta inverdade em uma única frase. Homem de ferro é


mais rico, mais inteligente e muito mais bonito ― respondo, apontando
para sua camisa.

Ele me olha horrorizado e passamos os próximos vinte minutos em


uma calorosa e divertida discussão, ambos defendendo nossos
personagens favoritos. Do nada ele para e sorri para mim, se aproxima e
põe uma caneca em cima da mesa.

― Estava quente, acho que agora nem tanto. É chá de erva-doce. ―


Sorri largo.
― Eu não gosto de chá. Você não sabe tanto de mim quanto pensa.
― Sorrio de lado e ele solta uma gostosa gargalhada.

― E o que você gosta de beber pela manhã? Pensando bem... ― Ele


põe ambas as mãos na mesa e inclina o rosto em minha direção, ficando a
centímetros de mim. Sinto como se tivesse mil borboletas no meu
estômago e minha respiração fica presa na garganta. ― Não precisa dizer,
eu vou descobrir. ― Se afasta carregando um sorriso confiante e sai me
deixando de queixo caído.

Respiro fundo e fecho meus olhos tentando readquirir o equilíbrio e


minha compostura.

― Meu Deus! Eu não tenho estrutura emocional para lidar com esse
homem ― murmuro, desolada.

Depois de uns bons dez minutos tentando entender meu controverso


chefe e suas inúmeras personalidades, desisto e volto ao trabalho. Na
planilha que a secretária de Pablo me entregou tem tantas coisas que
acredito que não vou sair daqui de dentro nem para tomar café.

Será que Pablo me deu tantas tarefas, achando que eu não


conseguiria cumpri-las e iria pedir a sua ajuda? Se esse era o seu intuito,
ele pode se sentar e esperar. É difícil e por vezes complicado, mas por
enquanto estou dando conta.

Não volto a ver Pablo e na saída procuro por meu pai e não o
encontro. Sigo minha rotina de faculdade e depois em casa cumpro as
tarefas domésticas e quando meu pai chega, sua marmita já está pronta.
Hoje meu pai trabalha à noite e não dorme em casa.

Ao me deitar me recordo da divertida conversa que tive com Pablo.


Meu celular toca e ao olhar o visor atendo sorrindo.

― Boa noite, senhor.

― Boa noite, Mariana.

― A que devo sua ligação? É quase meia noite, sua noiva não
reclama pelo fato de o senhor ligar para uma mulher a essa hora? ― Me
dou conta do que acabei de falar e já me arrependo. ― Me desculpe, isso
não é da minha conta.
― Minha noiva não se intromete nos meus assuntos pessoais.

― Nós não temos assuntos pessoais. Nossos assuntos são de teor


profissional. ― Não sei se afirmo para ele ou para mim mesma.

Ele solta uma profunda e gostosa gargalhada.

― Mariana, tudo que envolve você é íntimo e muito pessoal. Meu


noivado é mais um acordo profissional que emocional.

―Mas existe um compromisso?

― Sim, existe.

― Em que posso ajudá-lo, senhor? ― Tento ser a mais fria possível


para acabar com o clima de intimidade.

― Mariana, você poderia me ajudar de inúmeras maneiras. Porém,


tenho minhas dúvidas se você aceitaria... Só por estar falando com você
agora já me faz muito bem ― confessa a última parte em um delicioso e
rouco sussurro.

Sinto uma imensa vontade de perguntar quais são essas coisas, no


entanto, prefiro ficar calada.

E ele continua...

― O motivo da minha ligação é que amanhã trabalharemos na minha


casa. Vou enviar o meu endereço por mensagem de texto.

― Ok ― digo completamente confusa. Não trabalharemos juntos no


escritório porque vamos trabalhar na sua casa? Mas fico calada.

Ainda estou atordoada com o fato de que apenas com uma conversa
comigo, já faz com que ele se sinta bem...

― Mariana.

― Sim.

― Você vai ficar bem, sozinha essa noite?

― Mas..., mas, como você sabe que eu estou sozinha?


― Isso não vem ao caso. Por favor, me responda. Você vai ficar bem
sozinha? ― A súplica em sua voz me amolece.

― Sim, estou acostumada a ficar sozinha.

― Tenha bons sonhos, Mariana. ― Ele desliga me deixando de boca


aberta.
Capítulo 4
Mariana
Na manhã seguinte na hora marcada estou em frente ao endereço
que Pablo me enviou por mensagem.

Era a entrada de um condomínio de luxo, no alto da Boa Vista, um


lugar onde vivem os ricos e famosos. Espero minha entrada ser liberada e
caminho por aproximadamente quinze minutos até parar em frente a uma
enorme mansão.

― Uau ― digo ao reparar nos detalhes da exuberante casa de Pablo.

Toco a campainha e perco uma batida do meu coração, quando Pablo


abre a porta vestindo uma calça de moletom preta e uma regata branca
cavada. Ele está suado e ofegante, como se estivesse correndo.

Vejo uma gota de suor descer pela lateral do seu rosto, lentamente
percorre pelo seu pescoço e segue seu caminho pelo seu liso peitoral se
escondendo por baixo do tecido.

Eu engulo em seco e passo a língua pelos meus lábios que ficaram


ressecados.

― Bom dia, Mariana ― murmura meu nome com um sorriso arrogante


como se soubesse o quanto me abala.

― Bom. Dia. Senhor ― digo, pausadamente, tentando recuperar


minha recém-perdida sanidade.

Estava praticamente babando em cima dele.

― Por favor, me acompanhe ― sorri, sedutor.

Envergonhada pelo meu descontrole o sigo de cabeça baixa. Ele me


leva até uma ampla cozinha.

― Por favor, sente-se. ― Constrangida, faço o que ele me pede.

Ele põe duas enormes rosquinhas recheadas com chocolate e uma


xícara de café com leite na minha frente. Meu café da manhã preferido.
― Mas... Mas... ― balbucio confusa.

― Eu disse que sei tudo sobre você, Mariana. Por favor, tome o seu
café enquanto eu tomo banho ― pede e eu olho o café a minha frente
confusa demais para articular uma única palavra.

Como ele descobriu isso?

― Mariana.

― Oi ― respondo ainda olhando o café como se ele fosse algo do


outro mundo.

―Você está linda essa manhã. ― Chocada me viro e o vejo seguir


por um corredor, me deixando descompensada.

― Meu Deus, eu não tenho estrutura pra lidar com esse homem ―
murmuro, olhando o corredor vazio.

Viro-me para o café e depois de olhar por dois minutos com a


sobrancelha levantada, tentando imaginar como ele descobriu que amo
isso, me rendo às rosquinhas, deliciosas por sinal, e ao café com leite.
Saboreio minhas rosquinhas devagar, quando termino, lavo o prato e a
xícara e fico observando a bela vista pela janela da cozinha.

Sinto o exato momento em que Pablo volta, ele para atrás de mim,
cheira meu cabelo, eu estremeço e prendo a respiração.

― Você gostou? ― sussurra na minha orelha, ele está tão próximo


que posso sentir o calor que emana do seu corpo.

Afasto-me e me apoio na pia, fecho meus olhos, mordo meu lábio


inferior para conter o gemido que brota no fundo do meu ser. Mas fracasso
e respondo em um murmuro torturante.

― Sim.

Sinto seus dedos, passarem pelas laterais dos meus braços e fico
sem ar e estremeço com o arrepio que passa pelo meu corpo.

― Por favor, não faz isso ― suplico, sufocando um gemido.


Ele nada fala, entrelaça sua mão esquerda na minha e murmura ao
meu ouvido.

― Vem comigo. ― Tento resistir, mas a verdade é que estou com


medo da crescente atração que sinto por ele. ― Vem, vou te levar ao meu
escritório. ― Pablo sorri, como se soubesse do meu receio e tentando me
acalmar.

Ele me leva a um amplo escritório, sem soltar a minha mão.

― Quero te mostrar no que estou trabalhando ― revela, empolgado.

A sua casa é muito luxuosa, entretanto, até entrar nesse escritório eu


não tinha visto nada que realmente me impressionasse.

― Acho que estou no paraíso. ― Solto sua mão e olho ao redor


encantada.

O escritório era imenso, dividido em várias partes. Ando em direção a


estante e chego a estender a mão para tocar numas miniaturas, porém,
desisto. Se fossem minhas eu também as guardaria em suas embalagens
originais e ficaria revoltada se alguém chegasse perto.

― Eu tinha certeza de que você iria gostar do meu escritório ― Pablo


diz perto de mim, estava tão encantada que nem o notei se aproximando.

― Amei tudo e esse console é lindo demais!

― Em um futuro próximo lhe convido para jogar comigo, agora vem.


― Ele segura minha mão e me leva até a sua mesa e põe um notebook na
minha frente. Dá a volta na mesa, senta-se na minha frente, liga seu
computador e começa a me enviar arquivos.

― Esses são os projetos que estou desenvolvendo nesse momento...

Pelas próximas três horas ele me põe a par dos seus projetos e eu
fico fascinada com toda complexidade do seu trabalho. Empolgada, faço
várias perguntas e ele responde todas com uma paciência que achava que
ele não teria. Ao contrário do que imaginei, realmente trabalhamos e
muito. O tempo com ele foi tão produtivo que nem vi a hora passando.

Meu celular toca e vejo que é uma mensagem de Nay, confirmando


nosso almoço, respondo, sorrindo.
― Namorado? ― Pablo questiona com um semblante fechado.

― Não, é a minha amiga. Marquei de almoçar com ela.

―Pensei que você iria almoçar comigo. ― Segura minha mão por
cima da mesa.

―Meu estágio é somente na parte da manhã, à tarde eu vou para


faculdade. Acho que seria muito antiprofissional almoçarmos juntos ―
respondo, puxando a mão.

― Você nunca ouviu falar em almoço de negócio?

― E você falaria sobre negócios comigo durante o almoço?

Pablo sorri travesso e encosta na cadeira.

― Não. Mas acho que já deixei bem claro que o que sinto por você,
não tem a ver com negócios.

― E o senhor, além de ser noivo, também deixou bem claro que iria
me respeitar como prometeu à Bianca.

Pablo sorri contido e abaixa a cabeça.

― Ah Mariana, você sempre me pondo no meu devido lugar. A cada


minuto que passa, você me encanta mais. ― Ele se levanta dá à volta na
mesa e estende a mão para mim. ― Vamos, vou te levar até a empresa.

― Mas ainda falta uma hora para terminar meu horário e eu posso ir
de ônibus.

― Sim, você pode. Entretanto, eu não quero que você vá de ônibus.


― Ele se aproxima de mim e segura meu queixo. ― Enquanto estiver sob
minha proteção eu cuido de você.

― Eu não estou sob sua proteção ― sussurro, trêmula com a carícia


que ele faz no meu queixo.

― Você ainda não se deu conta, mas em breve vai entender ― Pablo
fixa seu olhar em minha boca, e passa o dedão pelo meu lábio inferior que
está trêmulo e eu o mordo e tento me controlar...
Sinto-me indefesa, ofegante e desnorteada com todas as emoções
conflitantes que ele me faz sentir.

Como eu vou resistir a esse homem?

Por mais que eu queira e infelizmente para mim é impossível dizer


que não o quero. Não posso! Por inúmeras razões, não posso ceder a
esse ardor, desejo, paixão... Não sei ao certo o nome desse sentimento
que sinto por Pablo.

― Por favor, não faz isso. Você é noivo ― imploro, nervosa.

Pablo se afasta, passa as mãos nos cabelos e caminha em direção à


janela.

― Eu... eu já disse que, o meu relacionamento com a Angélica, é algo


mais profissional que pessoal. E o que eu sinto por você é... Eu não sei
definir. Tem poucos dias que te conheço e... nossa! ― Ele se vira para
mim e joga as mãos para o alto ― Nunca me senti assim. Há alguns
meses senti algo parecido pela, mas não assim, não tão forte ― confessa
em um tom agoniado. Confesso que fiquei curiosa para saber de quem ele
se referia, entretanto, no momento estou mais preocupada na situação
complicada na qual me encontro do que em seus romances antigos.

― Mas existe um compromisso. Eu nunca seria amante de alguém.


Meu pai pode ser humilde, mas é um homem honrado, nunca que iria
magoá-lo dessa forma. Seria vergonhoso, humilhante e uma decepção por
tudo que ele representa para mim.

Ele segura meu rosto e encosta a testa na minha.

― Eu sei que você também sentiu ― sussurra, me olhando nos olhos.

― Sim. Não vou negar, mas não posso. Não somente pelo fato de
você ser noivo, mas, também, pelo modo como você se referiu ao meu pai
e às minhas origens. ― Ele me solta e começa a andar de um lado para o
outro.

― Eu passei por muitas coisas que no momento, prefiro não comentar


― Pablo está visivelmente insatisfeito ― Prometi para mim mesmo que iria
chegar a certo padrão de vida. Financeiramente, atingi meus objetivos.
Todavia, socialmente ainda não, e Angélica é o meu caminho para isso.
Ela quer meu dinheiro e eu sua posição social. ― Ele se vira para mim, me
olha e não consigo identificar o que vejo nos seus olhos, prefiro ficar em
silêncio.

― E você, Mariana, é uma brincadeira do destino comigo. Por anos


eu lutei para consegui superar tu... tudo... o... o... que passei ― Ele respira
fundo como se tentasse se acalmar e controlar a gagueira ― Mariana, eu
estou a um passo de atingir a ascensão social que tanto almejo, tudo
estava caminhando perfeitamente bem... Até conhecer você ― revela,
pausadamente.

Estou sem conseguir articular uma única palavra, primeiro porque não
sei o que ele passou. Curiosidade me define nesse momento. No entanto,
apesar de curiosa, nada do que ele possa ter passado justifica a forma
como ele trata meu pai. E isso apenas de ouvir falar, nunca realmente vi
Pablo conversando com meu pai, não sei qual seria a minha reação caso
ele o destratasse na minha frente, ou melhor, eu sei. Partiria para
ignorância sem a menor sombra de dúvida.

Vendo que me mantive em silêncio, ele continua.

― Você é linda e há alguns dias que seu encantador sorriso e sua


forma delicada, tímida e muitas vezes atrevida de ser, não saem da minha
mente. ― Ele se aproxima de mim e passa o dedo pela lateral do meu
rosto. ― Mariana, você é um lindo anjo inocente, seria perfeita se não
fosse filha de um faxineiro ignorante e se não tivesse esse sotaque.
Mesmo sabendo que não poderemos ter nada, não vou conseguir me
manter afastado. Saber que você mora em uma favela cercada de perigos,
está me fazendo perder o sono ― fala como se tivesse me fazendo a mais
linda declaração de amor.

E eu realmente acho que ele acredita que está certo em tudo que diz.
E isso é muito triste, enquanto ele fala, sinto minhas lágrimas caírem.

― Pois tire suas mãos de mim. E nunca mais se aproxime. ― Bato


em sua mão e me viro de costas, me afastando dele. Ele me abraça pelas
costas e eu me debato tentando sair do seu aperto.

― Por favor, me entenda. Você se tornou uma fixação para mim,


contudo, eu não posso desistir dos meus sonhos. Eu tenho motivos para
ter esses objetivos.
― Eu não entendo você! Eu não quero entender você. A única coisa
que eu quero é que você me largue.

Sinto sua respiração no meu cabelo e aos poucos seus braços me


soltam do seu aperto. Viro-me e nós olhamos em silêncio.

― Vamos, vou te levar.

― Já disse que não precisa ― digo, alterada.

― E eu já disse que vou. ― Ele segura minha mão e me puxa para


fora do escritório, mal dá tempo de pegar minha bolsa.

Durante todo o caminho até a empresa não nos falamos. Assim que
ele para na frente da empresa, saio do carro e o ouço me chamando. Mas
me recuso a olhar para trás.

Seco minhas lágrimas antes de encontrar Nay.

― O que houve com você? ― ela indaga assim que me vê.

― Nada. Apenas meu chefe me deixando louca ― respondo dando


um sorriso triste.

― Como assim, Miga?

― Dorme lá em casa hoje que te conto tudo... Aí. O que houve? ―


reclamo do beliscão que ela me dá, olho na direção em que aponta e vejo
um homem alto e negro com um sorriso tão branco que de longe se nota.

O homem é de tirar o fôlego, ele vem andando em nossa direção e


quanto mais se aproxima maior fica seu sorriso. Ele nos olha de cima a
baixo e fala com uma voz que mais parece uma doce melodia.

― Bom dia, meninas. ― Ele nos cumprimenta piscando o olho


esquerdo, sorrindo de lado, de modo faceiro, depois segue seu caminho e
só então eu me lembro como se respira.

― Meu Deus! O que foi isso? Quem é esse homem?

― É o Marcio Ribeiro, ele não é lindo? ― Nay sorri, sonhadora.


Ambas olhamos na direção que ele segue e o vemos dando pequenos
sorrisos e arrancando suspiros por onde passa.

― Todos os dias, passo por aqui a essa hora só para vê-lo passar.

Vejo Pablo entrar no Hall da empresa e puxo o braço de Nay.

― Tá louca, Mari! Por que está me puxando no melhor da festa? ―


indaga, revoltada.

― A festa já acabou, visse ― retruco a caminho do ponto.

― Eita! Olha o sotaque aí gente. Pelo visto está "aperreada" ― afirma


Nay levantando ambas as mãos.

Mordo meus lábios para conter as lágrimas e com um leve aceno de


cabeça confirmo que não estou bem.

Sigo com Nay para um restaurante próximo da empresa.

― Miga, agora me diga o que houve? ― Nay pergunta assim que nos
sentamos.

Sorrio diante da visível impaciência da minha amiga.

― Nay, agora eu só quero almoçar. Mas à noite conversamos melhor,


mesmo porque nem eu e muito menos você tem muito tempo de almoço.

― É tão sério assim?

― Não digo sério, está mais para complicado. Pode se dizer que são
complicações amorosas.

Nay segura minha mão por cima da mesa e sorri como se me


entendesse. Almoçamos conversando sobre o lindo e sensual Márcio. Nos
despedimos com a promessa de conversarmos depois.

***

À noite, em casa, faço tudo meio distraída, tentando não pensar em


nada, mas infelizmente para mim, não consigo tirar as palavras de Pablo
na minha cabeça.

― Fia, está tudo bem? ― Meu pai toca meu braço.


O olho e noto que ele está com um semblante preocupado.

― Está sim, painho. Já vou pôr o jantar na mesa. ― Sorrio para


tranquilizá-lo.

Durante o jantar Nay chega, senta e se serve. Ela e meu pai embalam
em uma conversa engraçada e eu sinto que estou em modo automático,
mexendo na comida e sorrindo ocasionalmente. A verdade é que estou
assim o dia inteiro.

― Minha menina, diga para o seu pai o que está lhe aperreando.
Chega está me dando gastura te vê assim. Tu sabe que eu fico
incomodado por demais, quando você fica só mexendo na comida. Vai
ficar magrinha, magrinha desse jeito. ― Meu pai fala em um tom agoniado,
levanto-me, vou até ele e o beijo no rosto.

― Fica preocupado não, painho, não estou com fome porque almocei
com Nay naquele restaurante perto da empresa e depois lanchei na
faculdade.

― Cê tá com a cabeça nas nuvens. Só estou te reparando desde que


cheguei, o que está acontecendo, hein?

― Painho, já disse estou bem. Apenas estou me adaptando à nova


rotina.

― Sei, sei. ― Meu pai se levanta da mesa desconfiado.

Nay me ajuda a organizar a cozinha e logo depois vamos para o meu


quarto.

Conto-lhe tudo o que está acontecendo e ela fica tão confusa quanto
eu.

― Mari, esquece esse homem. Ele não é para você. Você sabe que
só me envolvo com cara errado, não faça o mesmo que eu. ― Nay segura
minha mão.

― Eu sei que não é. Mesmo se fosse, a forma como ele fala... Nay ele
nem sabe... Bem a verdade é que eu acho que ele sabe onde moro. ―
Sorrio de forma triste ― ele diz saber tudo sobre mim.

― Como assim?
― Não sei ao certo, acho que ele andou me investigando. Ele seria
perfeito, se não fosse tão idiota.

O telefone de Nay toca, ela se desculpa e fala que tem que ficar com
os irmãos. Assim que ela sai, meu pai entra. Ele se senta na cama e beija
minha cabeça.

― Fia, cê sabe que sou burro, não sei muito das coisas, sou ignorante
mesmo num sabe... ― Levanto a mão o interrompendo.

― Fala assim não, painho, o senhor não é burro! Apenas não concluiu
seus estudos. Mas é um homem honesto e honrado e eu tenho muito
orgulho do senhor.

― Fico feliz por demais em ouvir isso, fia, mas não muda o fato de eu
não ter muito conhecimento das coisas. Mas sou vivido, já passei por
muitas situações difíceis nessa minha vida e sei que você está sofrendo.
Eu te conheço minha menina e sei que esse tipo de sofrimento é coisa do
coração, e eu fico agoniado por demais, por não saber lhe dizer as
palavras certas para lhe acalmar. Nessas horas que eu queria ter mais
estudo, num sabe?! Saber dizer palavras bonitas, para você entender o
quanto é especial. ― Enquanto ele fala, não consigo segurar minhas
lágrimas e abaixo a cabeça.

Meu pai faz um carinho no meu rosto e levanta meu queixo e continua
a falar.

― Você é bonita por demais, minha menina, e eu sempre tive medo


de um cabra safado magoar seu bom coração. Mas olhe, não derrame
lágrimas por quem não lhe merece, viu?! Você é uma menina inteligente
por demais, mas é nunca que eu poderia imaginar que teria uma fia assim,
como você. ― O abraço apertado antes dele terminar de falar.

― Painho, o senhor... ― Tento falar entre lágrimas e ele me aperta me


dando o conforto que eu tanto preciso.

― Eu queria por demais que você falasse o que tanto está


esmagando seu coração. Mas se você ainda não consegue, tudo bem. Só
quero que saiba que sempre vou estar aqui, viu?! Posso não saber dizer
as coisas certas, mas fico aqui com você. ― Meu lamento aumenta com
essas palavras.
Como pode o único homem por quem me encantei repudiar um
homem como meu pai?

― Painho, o senhor é maravilhoso e suas singelas palavras, tocaram


e acalentaram meu coração por demais. Não preciso de palavras
inteligentes e elaboradas, preciso de sentimento e palavras carinhosas
carregadas de amor e isso o senhor sempre me deu. Muito obrigada. ―
Meu pai me abraça por um tempo e não falamos mais nada.

Meu pai sempre foi um homem calado, porém, carinhoso e protetor


comigo. Eu acredito que ele entendeu que não quero tocar no assunto
agora. Pouco tempo depois ele se despede e eu me deito e fico olhando
para o teto pensando em tudo o que houve.

Meu celular toca e eu não preciso olhar para saber que é ele, não vou
atender. Não quero falar com ele.

O celular continua tocando insistentemente por meia hora. Ele vibra


me indicando que recebi uma mensagem, o pego pensando que era de
Nay e noto que é uma mensagem de Pablo.

"Mariana! Se você não atender o celular eu vou bater na sua


porta."

Achei graça da mensagem e respondi de forma irônica.

"Se esqueceu de que sou uma favelada nordestina? Duvido você


subir o morro para bater na minha porta."

"Por favor, me atenda eu preciso falar com você."

"Não."
"Deixa-me ouvir sua voz, eu só preciso saber se você está bem."

"Não."

Desligo o celular para não responder mais nenhuma mensagem. Eu


não estou bem, e o que ele me disse me abalou profundamente, mas ele
não precisa e nem vai saber disso.

***

Na manhã seguinte chego na empresa e vou direto para minha sala.


Ao entrar vejo na mesa, uma bandeja com um pequeno vaso de flores,
rosquinhas, café e um cartão.

"Bom dia, Mariana”

A vontade que tive foi de rasgar o cartão, no entanto, o coloquei no


mesmo lugar e me sentei. Apesar de estar com água na boca, não toquei
em nada.

Duas horas depois, ouço a batida na porta e o perfume de Pablo


invade a sala enquanto ele se aproxima.

― Bom dia, Mariana ― cumprimenta, sentando-se a minha frente.

― Bom dia, senhor ― respondo, séria.

― Vejo que não tocou no café.

― O senhor é um bom observador.

― Mariana... Por favor, eu... ― Não o deixo terminar.

― Senhor, não vou mais falar nada que não seja sobre trabalho.
― Eu não consigo parar de pensar em você. É mais forte que eu. Eu
gosto de você. ― Tenta segurar minha mão e eu rapidamente saio do seu
aperto.

― Pois aprenda. Não me tira da sua mente, mas não aceita as


minhas origens ou de onde eu vivo. Eu sinto um orgulho imenso do meu
pai.

― Mas ele é um ignorante, não fala direito... Como você pode se


orgulhar disso?

― Seus valores estão muito distorcidos. Como você pode dizer que
não para de pensar em mim, que gosta de mim se você não me entende,
não compreende meu mundo?

― Então me dá a chance de te entender, de te conhecer.

― Entenda meu pai, o conheça, o respeite. Compreenda que não


importa se eu vivo em uma comunidade, aquele lugar é nosso! Meu pai o
comprou com o suor do seu rosto e eu sou muito orgulhosa disso. Reflita
que eu amo as minhas origens, tenho muito orgulho de ser nordestina, de
ser filha de um homem que não teve muito estudo que sofreu o pão que o
diabo amassou, mas mesmo assim ainda mantém um coração íntegro,
humilde e generoso. Enquanto você não entender isso, não me procure
para nada que não seja algo relacionado ao trabalho. Não me ligue de
madrugada, não faça jogos emocionais comigo, não use a atração que eu
sinto por você para me manipular. Porque o meu amor e orgulho pelo meu
pai é mais forte que esse sentimento que eu sinto por você.

― Então você não nega que sente algo por mim.

― Como eu vou negar isso, se a cada vez que eu o encontro, ou você


me liga eu perco o fôlego? Você mesmo já me disse que eu não tenho
experiência o suficiente para saber mascarar meus sentimentos... ―
Respiro fundo para tentar me controlar. ― Eu não vou ceder a esse
sentimento Pablo. Vou acabar com ele enquanto ainda está no começo ―
sussurro, triste.

Ficamos em silêncio por um tempo e vejo o quanto ele está


incomodado com toda essa situação. Acredito que por ser nova, ingênua e
até meio inocente, ele talvez tenha achado que iria conseguir me seduzir e
manipular. Ledo engano.
Ele se levanta abruptamente e caminha em direção da porta, antes de
sair para e fala sem me olhar.

― Isso não acabou, Mariana. Não se deixa de ter atração por uma
pessoa de um dia para o outro. O que sentimos é paixão e isso não acaba
fácil.

― Toda paixão precisa ser incentivada, alimentada e no que depender


de mim, isso não mais vai acontecer.

Ele se vira, me olha por um tempo e depois sai.

Sinceramente, espero que ele tenha entendido e que daqui para


frente me veja apenas como uma funcionária. E quanto a mim, vou
esmagar esse sentimento e tentar simplesmente esquecer que um dia
quase me apaixonei por Pablo.
Capítulo 5

Mariana
Posso definir as minhas últimas oito semanas como torturantes.
Acredito que, sem sombra de dúvida, essa seja a melhor definição para o
que estou passando. Tenho a todo custo evitado ceder ao desejo à paixão
que me consome.

Por inúmeros motivos, infelizmente, só posso olhar para a mulher que


domina todos os meus pensamentos e anseios. Contudo, apesar dessa
restrição que impus a mim mesmo, por mais que eu tente, e eu tento e
muito! Simplesmente não consigo desviar meus olhos dela.

Mariana.

Até o simples ato de falar o seu nome é prazeroso. Mariana é a


personificação de tudo o que eu não quero, de tudo que eu mais abomino
na minha vida, e, no entanto, a mesma mulher que simboliza todos os
meus demônios interiores, é a dona do meu coração. Parece bobo, meio
ridículo. Mas essa é a minha realidade.

Estou completamente apaixonado por ela. Desisti de tentar enganar a


mim mesmo.

Eu sou uma pessoa aditiva, tenho uma aptidão a vícios e à


dependência. Descobri esse traço da minha personalidade há muitos
anos, durante um curto período de análise. Meus vícios sempre foram
relacionados a algo intelectual ou tecnologia. Livros, jogos, animes, séries,
enfim. Nunca fui idiota o suficiente para me envolver com drogas, cigarro
ou álcool. Provavelmente acabaria viciado.

Entretanto, nunca me viciei ou mesmo fui obcecado em uma pessoa,


mesmo porque a maioria das pessoas que conheci até hoje me
decepcionaram de alguma forma, a começar pelos meus pais, porém,
esse não é um assunto que eu goste de recordar. Prefiro mantê-lo
enterrado, bem fundo no meu inconsciente.
Obviamente, eu sei que o que me aconteceu no passado interfere e
muito, nas minhas decisões atualmente. Todavia, é algo no qual eu não
consiga ou mesmo queira mudar.

Há muitos anos, ainda na adolescência, eu fixei algumas metas para


minha vida adulta. E me orgulho de ter atingido algumas.

Não sou mais o garoto, magrelo e franzino, de óculos, que vivia com
os livros debaixo do braço e era motivo de chacota no meio no qual vivia.
Eu sofri muito bullying e até mesmo algumas agressões, porém, o mais
interessante é que isso não acontecia na escola e, sim no seio familiar.

Hoje eu sou um rico, um empresário de sucesso. Ainda conservo


meus óculos, mas hoje, eles são das marcas mais sofisticadas e caras que
o dinheiro pode comprar. E tenho muito dinheiro. O suficiente para evitar
estar próximo de pessoas que me remetam ao meu passado, seres que
veem o simples fato de você gostar de ler algo tão abominável que mereça
ser castigado, repreendido. Pessoas ignorantes e semianalfabetas.
Pessoas que acham que um garoto de dez anos que sabe ler e escrever o
básico, não precisa de mais estudo, de mais conhecimento, que já pode
cair na "lida"

Pessoas que acham que concluir o ensino médio, é mais que o


suficiente. Fazer faculdade é coisa de desocupado que não quer "trabaiá"

Odeio pessoas assim, tenho os meus motivos e muitas marcas na


minha alma e no meu corpo, para tamanho sentimento de repulsa.

Hoje, eu tenho pleno domínio das minhas emoções, a única pessoa


que me fez perder o equilíbrio foi Bianca. Fiquei encantado por aquela
linda negra, exótica, mesmo fora do perfil pré-estabelecido como perfeito,
exalava uma segurança que me fascinava. Eu quis aquela mulher como há
muito tempo não queria algo. Naquele período, eu já tinha alcançado a
maioria dos meus objetivos e tinha posto minha lista de lado.

Mas Bianca não me quis.

Seríamos perfeitos juntos, no entanto, ela preferiu Fernando. Até


aquele momento, era algo muito fora da minha compreensão. Bianca e
Fernando, são o casal mais improvável que eu sequer poderia prever,
porém, apesar disso, é impossível não notar o carinho, paixão e
principalmente amor que os une. Contudo, eu não entendia como essa
relação poderia sequer existir.

Fernando é um ser estúpido e machista. Nunca nos entendemos, ele


sempre fez questão de demonstrar o quanto era superior a mim, talvez,
isso se deva ao fato dele ter uma aparência na qual as mulheres ficam
abobadas. Já Bianca é culta, inteligente... Não compreendia o
relacionamento deles, até conhecer Mariana.

Mariana...

Meu vício e minha obsessão, apesar de não me aproximar muito, sei


tudo sobre ela, aonde vai, o que faz e principalmente com quem faz. Os
momentos mais difíceis são à noite, quando sei que ela está naquele
casebre caindo aos pedaços, que para minha total incompreensão, ela
tanto se orgulha. Meus receios se devem à violência que a rodeia. Mariana
não merecia estar naquele lugar, eu queria poder tirá-la de lá e trazê-la
para mim, sob a minha proteção, para amá-la e adorá-la, mas não posso,
porque ela não viria sozinha. E por mais que eu a queira, e eu a quero
muito, não consigo aceitar o que é tão querido por ela: suas raízes, suas
tradições.

No decorrer desses dois meses a segui algumas vezes e em várias


ocasiões a vi entrar no centro cultural nordestino. Não consigo entrar
naquele lugar.

Todos os dias levo seu café da manhã e por duas semanas ela não o
tocou. Depois, aos poucos, começou a aceitar. Mas, também, não voltei a
ligar para ouvir sua doce e suave voz.

Hoje, como de costume, encontrei uma desculpa para ir ao seu


escritório. Bato, entro e paro na porta. É lindo ver todas as expressões do
seu corpo ao sentir a minha presença.

Primeiro, ela segura a respiração, logo em seguida, endurece o corpo.


Depois, solta o ar vagarosamente pelos lindos lábios carnudos, enquanto
lentamente levanta a cabeça e finalmente me olha. Por mais que ela se
esforce, e eu sei que Mariana luta contra esse sentimento que nos une.
Ela miseravelmente falha e não consegue mascarar todas as emoções
que eu vejo refletida nos seus lindos olhos. Ela me quer, eu sei disso. E
ela sabe que eu sei.
Conforme me aproximo, seu suave aroma de canela me envolve.
Mariana normalmente cheira a flores, acredito que seja um perfume
barato, desses que vendem em revistas. Tenho dúvidas se teria condições
financeiras de arcar com um bom perfume. Porém, essa fragrância ― que
sem sombra de dúvidas deve ser terrível ― modifica ao se misturar com
seu cheiro natural e fica completamente singular, uma fragrância somente
dela. Mas hoje está diferente. Hoje, ela cheira a canela e chego a salivar,
tamanha vontade que tenho de pô-la sentada na mesa e saboreá-la.

Não consigo reprimir um leve gemido só de imaginar a cena. Mariana


sentada na mesa com os braços presos atrás do seu lindo corpo, a minha
mercê, se subjugando a mim.

Olho nos seus olhos e vejo ali refletido, o desejo que me queima. Sua
respiração está acelerada, suas bochechas vermelhas, ela passa a língua
em seus lábios, como se de repente ficassem secos. Como eu queria
chupar a sua língua nesse exato momento.

― Bom dia, senhor ― murmura, tomando fôlego e eu sorrio porque


sei o efeito que causo nela.

Acredito que esse é um dos motivos da minha obsessão por ela.


Mariana me olha como se eu fosse a pessoa, mais sexy e desejável da
face da Terra. Nunca, ninguém me olhou assim, nunca sequer imaginei
que um dia, alguém me olharia dessa forma.

E isso me encanta e fascina.

A cada vez que ela diz a palavra "senhor" a imagino, vestida com
roupas de couro preta, linda, imponente, sensual e ao mesmo tempo
submissa amarrada a minha cama, ao meu bel prazer. Às vezes, me pego
imaginando o que ela faria caso soubesse, como eu a quero. Acredito que
ela saiba que eu a desejo, mas ela não tem noção de como a desejo.

Será que fugiria?

Será que iria me repudiar?

Posso estar muito enganado, mas seu modo de dizer "senhor",


mesmo que inconsciente, me leva a crer que ela não fugiria ou me
repudiaria. Muito pelo contrário, e essa quase certeza me atormenta
diariamente.
― Bom dia, Mariana. ― Sento cruzando as pernas e escondendo
minha potente ereção. Não serei vulgar e deixá-la perceber o estado no
qual me encontro por sua causa. Ao contrário de Mariana, há muito tempo
aprendi a mascarar meus sentimentos.

Bem, nem sempre consigo. Às vezes... Muitas vezes falho.


Principalmente, quando sou obrigado a lidar com pessoas burras e
estúpidas, isso me irrita e não consigo disfarçar meu desagrado. A
verdade é que não faço nenhum esforço para isso. E isso me remete ao
meu ponto de conflito com Mariana, seu pai e tudo que o envolve.

― O que posso fazer pelo senhor? ― me pergunta com voz cândida,


mordendo o lábio inferior.

Sei que ao contrário de Angélica, que usa várias artimanhas sensuais,


todas muito bem calculadas, Mariana não morde os lábios com a intenção
de me seduzir. É algo natural. Ela é naturalmente sedutora.

Ah Mariana, você será a minha perdição.

Fixo nos seus olhos e respiro fundo para readquirir meu controle que
foi terrivelmente abalado, pela doçura e ingenuidade que vejo refletida no
seu olhar.

― Mariana, eu ficaria imensamente feliz, em te dar uma enorme lista


do que você poderia fazer por mim.

Foi inevitável não sentir um delicioso arrepio percorrer minha espinha,


ao ver seus lindos olhos arregalarem e sua boca fazer um "Oh",
extremamente sexy assim que ela compreende o que disse.

Mariana abre e fecha a boca várias vezes, como se não acreditasse


ou tivesse perdido a capacidade de falar. Dizer que isso não é lisonjeiro
seria uma ridícula mentira, eu simplesmente amo as suas reações.

― Calma, relaxa, respira ― peço e é impossível não sorrir, ao notar


um tom avermelhado se formar nas suas bochechas. Ela está
simplesmente adorável, mais uma vez, busco lentamente o ar e volto a
sentir o aroma de canela.

― Você mudou o seu perfume?

― Como?
― Seu perfume, hoje você está com aroma de canela.

Ela sorri e abaixa o olhar, depois volta a me fitar e eu noto que ela
nesse momento está no controle de suas emoções.

― É o cheiro de um óleo corporal que ganhei.

― De quem? ― Foi impossível conter o tom de ciúmes. ― Quem te


presenteou?

― Uma amiga. Por quê? ― Sorri, mas noto que não revelou quem é a
amiga.

― Por nada, está preparada para a apresentação de hoje? ― Mudo


de assunto e ela sorri nervosa.

― Sim e não. Confesso que estou apreensiva. ― Noto seu sorriso se


apagando aos poucos e torcendo as mãos

― Por quê? Não vejo motivos para o seu nervosismo. Você sabe cada
detalhe do projeto, estamos às últimas oito semanas trabalhando nele. ―
Seguro sua mão por cima da mesa, porém, ela rapidamente sai do meu
aperto.

― Estou segura em relação ao projeto. ― Ela se levanta e lentamente


caminha até a janela ― Meu problema é falar em público, sou muito tímida
tenho receio de me atrapalhar toda e não conseguir apresentar o projeto.
― Sua voz soa angustiada com os braços tensos rentes ao corpo.

Levanto com calma e paro próximo a ela, tão perto, que consigo sentir
o calor que emana de seu corpo.

― Eu entendo o que está sentindo agora. É mais fácil fazer o projeto


que demonstrá-lo ― sussurro e noto que ela prende a respiração.

― Talvez seja melhor seguir a sugestão da Angélica e a deixar


apresentar o projeto, ela é mais... Enfim, ela não iria se atrapalhar ―
suspira e abaixa a cabeça.

― Não! Angélica não sabe absolutamente nada sobre o projeto. Eu


vou estar lá se precisar de ajuda e não vou desviar meus olhos de você. ―
Seguro seus ombros e novamente ela prende a respiração. ― Não tenho a
menor sombra de dúvida que irá se sair bem, mas se precisar, eu vou
estar lá para você ― sussurro no seu ouvido e sinto seu corpo tremer.

― Por favor, não faz isso.

Desço minha mão direita, passando vagarosamente pelo seu braço,


enlaço sua cintura e a puxo ao encontro do meu corpo. Ela solta um
sofrido gemido.

― Você prometeu que iria se manter afastado.

Com a mão esquerda seguro um punhado do seu cabelo, sinto o


quanto ele é sedoso e macio, e viro seu rosto para mim.

― Eu não tenho mais forças para conseguir ficar longe de você, eu te


quero demais ― murmuro contra a sua boca, ela fica ofegante, com os
lábios entre abertos como se buscasse o ar. E perco o pouco autocontrole
que me restava e mordo seu lábio inferior e a sinto suspirar contra a minha
boca.

Esse, sem sombra de dúvida, foi um dos momentos mais sensuais da


minha vida, essa é a primeira vez que a toco, que verdadeiramente a toco.
Sinto-a trêmula nos meus braços, a aperto mais contra o meu corpo, para
ela sentir o que faz comigo. Olhando nos seus olhos, chupo seu lábio
inferior com força e ela geme.

O telefone da mesa toca a assustando e ela se solta no meu aperto,


afastando-se de mim. Enquanto ela atende a ligação, sou tomado por uma
profunda raiva, tanto por não ter conseguido manter o meu controle,
quanto por termos sido interrompidos.

― Você é noivo! ― Relembra em um tom acusador e eu me viro e a


vejo.

Ela está linda e extremante sexy, com o lábio inferior inchado.

― Eu não consigo mais, Mariana ― confesso, derrotado. ― Vou


terminar meu relacionamento com Angélica hoje à noite.

― Esse não é o único motivo que nos mantém afastados. Também


tem o modo que você trata o meu pai.

― Mariana...
― Não! ― Ela levanta uma mão, me interrompendo ― Nem adianta
vir com desculpas ― Sua voz soa alterada e seu sotaque começa a se
fazer presente. E pela primeira vez algo interessante acontece, não sinto
um arrepio de repulsa ao ouvir esse sotaque que me remete a lembranças
nada agradáveis. Muito pelo contrário, um tímido sorriso se forma nos
meus lábios.

Mariana continua falando nervosa, descrevendo todas as qualidades


do seu pai, e seu sotaque a cada momento mais forte. E para minha total e
completa surpresa, soa bonitinho, talvez se deva ao fato de que tais sons
estejam saindo dos seus lábios. Lábios esses que há alguns minutos
estava sugando e mordendo.

― Oxe! Por que você está sorrindo? Eu estou aqui me esgoelando, e


você fica com cara de bode sorrindo? ― Ela para e põe as mãos na
cintura.

― Eu... eu só estou surpreso.

― E com o quê?

― Seu sotaque.

―O que tem ele? Tu sabe que quando estou aporrinhada, ele vem
mais forte.

― Sim, sei. Mas essa é a primeira vez que eu o acho bonitinho. Como
disse antes, vou terminar meu relacionamento com Angélica hoje.

― E vai tratar meu pai diferente?

Me aproximo e ela dá um passo para trás. Inspiro fundo, tentando


controlar a irritação e passo as mãos pelos meus cabelos.

― Vou tentar, isso é o máximo que posso prometer ― digo,


resignado.

― Pois "tentar" para mim não é o suficiente. Me mostre que mudou na


forma que você trata meu pai, ou pouco me importa se você vai se separar
de Angélica ou não. Eu não vou ficar com você.

― Mariana... ― Tento mais uma vez contornar a situação, mas ela me


interrompe levantando a mão.
― Sou nova, mas não sou tapada. Já deixei bem claro as minhas
regras, ou você as segue, ou me esquece. Agora me dê licença que tenho
que ir para a reunião. ― Ela passa por mim, pega os papéis na mesa e sai
da sala me deixando com a plena convicção que essa mulher será a
minha ruína.

Levo alguns segundos para controlar o turbilhão de emoções que


povoam meus pensamentos. Saio e vou para a sala de reuniões, ainda
sem conseguir encontrar uma solução plausível para meus tormentos.

Quero Mariana. Desisti de lutar contra esse sentimento. Mas, para tê-
la, tenho que desistir dos meus anseios e enfrentar coisas pelas quais
ainda não me sinto preparado. Encontro-me em uma situação conflituosa e
extremamente angustiante.

***

A reunião foi ótima, apesar do aparente nervosismo, Mariana se sai


bem e no final é elogiada por todos. Meus olhos não desviaram dela um
único segundo.

― Cara, você deveria ao menos disfarçar, sua noiva está do seu lado.
― Márcio sussurra ao meu lado.

Somos amigos há muitos anos e nem me dou ao trabalho de me fazer


de desentendido. Ele me conhece o suficiente para saber que estou
interessado em Mariana.

Ao final da reunião, me levanto com a intenção de conversar com


Mariana, no entanto, desisto ao vê-la conversando com Bianca e logo
depois as duas saem da sala juntas. Volto a sentar suspirando, frustrado.

― Pablo. ― Ouço Fernando me chamando e inspiro entediado.

― Fernando. ― O cumprimento sem me dar ao trabalho de olhar para


ele. O ouço respirando fundo, como se estivesse tentando se controlar.

― Para provar à minha mulher que eu mudei...

― Bianca não é a sua mulher. ― Viro a cadeira, o encaro e falo com


um sorriso cínico. Confesso que sinto um prazer mórbido em lhe dizer
isso.
― Isso é um mero detalhe! Bianca está carregando minha filha no
ventre e é minha mulher e ponto ― revela em cólera depois suga o ar
como se buscasse o equilíbrio antes de continuar ― Enfim, para
demonstra para minha MULHER, que eu sou superior às nossas
diferenças e como sei que ela te considera um amigo, gostaria de te
convidar para o nosso jantar de noivado amanhã à noite. Será algo
informal, vou lhe passar o endereço da casa de Bianca por e-mail. ― Ele
soa como se tivesse memorizado um discurso.

― Meus sinceros parabéns pela gravidez. Não há necessidade de


enviar o endereço de Bianca, caso tenha esquecido, nós já fomos
namorados. A não ser que tenha se mudado, conheço o endereço dela.

― Não abusa, seu tosco dos infernos. ― Ele vem em minha direção
com os punhos cerrados e Márcio surge no meio.

― Epa! Então, eu também estou convidado. E por acaso, Michele


estará lá? ― Márcio pergunta em um tom descontraído.

― Sim, Michele estará lá e é obvio que você está convidado. ―


Fernando responde para Márcio sem desviar o olhar de mim, depois sorri
e fala em um tom soberbo ― Sabe Pablo, você até pode ter namorado
Bianca, mas foi por um curtíssimo tempo. Entretanto, você não teve
competência para satisfazer uma mulher como ela e tenho sérias dúvidas
se terá para manter o interesse de Mariana. É obvio para todos que você a
quer, mas é frouxo demais para admitir. E no final, não ficaria surpreso se
outro homem aparecesse e fizesse o que você não é homem o suficiente
para fazer. Assumir a mulher que ama. ― Ele arruma a gravata e sai da
sala com um sorriso estúpido me deixando com a nítida sensação de ter
levado um soco no estômago.

Será que eu corro o risco de novamente ver a mulher que eu estou


apaixonado nos braços de outro homem?
Capítulo 6

Mariana
Estou trêmula, estou tremendo da cabeça aos pés! O motivo de estar
tão desestabilizada não é porque estou demonstrando o programa que
ajudei Pablo criar. Não, não é esse o motivo. Até duas horas atrás eu
estava com um medo surreal dessa apresentação, não dormi à noite
memorizando tudo o que iria falar, tive até dor de barriga, tamanho
nervosismo. Não é que eu não entenda, ou não saiba o que tenho que
falar. Eu sei tudo sobre esse projeto, posso descrever todos os mínimos
detalhes, de trás pra frente. Passamos as últimas oito semanas focados
nisso.

Apesar de ter vários executivos à minha frente, atentos ao que eu


estou falando, meu nervosismo se deve ao fato de que há menos de meia
hora Pablo me beijou. Bem, aquilo não foi bem um beijo, ele chupou meu
lábio inferior e acabou com todo o meu autodomínio.

Agora nesse exato momento eu estou em modo automático,


descrevendo para os executivos da MARTINS o programa, mas minha
mente está naquele momento, aquele pequeno espaço de tempo em que
eu me esqueci de tudo e de todos, em que me deixei levar pela paixão que
me consumia e que durante oito semanas, eu usei todo o meu
autocontrole para não me entregar para Pablo.

Durante toda a apresentação sinto seus olhos em mim, no entanto,


em momento algum olhei em sua direção. Talvez seja por medo de sequer
conseguir terminar a apresentação. Assim que terminei, algumas pessoas
me cumprimentam, porém, estou completamente aérea, retribuo os
cumprimentos com um sorriso forçado. A verdade é que nem sei ao certo
quem falou comigo. Estou com raiva de mim mesma, por não ter sido forte
o suficiente, por ter me deixado levar pelo seu toque... ah... seu toque na
minha pele foi algo que me consumiu, me tirou o fôlego e a sanidade.

Enquanto estou nesse conflito interno, Bianca para na minha frente,


me observa por alguns minutos, sem falar uma única palavra segura
minha mão e me tira da sala. Estou tão abalada, que não questiono onde
ela está me levando, apenas a sigo confiando que ela vá me ajudar a
resolver essa angústia que me consome.

Entramos em sua sala e ela finalmente solta a minha mão me sento


no sofá, apática e logo depois ela me oferece um copo d’água.

― O que houve, Mariana? E por favor, nem se dê ao trabalho de dizer


que está tudo bem, porque obviamente não está ― Bianca questiona com
tom calmo, mas sério.

― Eu não posso me entregar a ele e estou me sentindo uma merda


por não conseguir resistir ao seu toque. Sinto como se a paixão que sinto
por ele estivesse me consumindo, Pablo me disse que iria se separar de
Angélica ― não tento mais controlar minhas lágrimas ―, mas eu não
posso, Bianca, isso seria o mesmo que desonrar meu pai e minhas raízes
― confesso e sinto minhas lágrimas banharem meu rosto.

Bianca se senta ao meu lado e me abraça e é engraçado porque


nesse momento eu não queria desabafar, não queria mais falar sobre o
assunto. Só queria ser abraçada e chorar, para assim, quem sabe as
minhas lágrimas, ao caírem, levam junto as minhas angústias.

Algum tempo depois, mais calma e no controle das minhas emoções,


Bianca segura meu rosto com ambas as mãos e fala de forma calma:

― Eu tenho uma vaga ideia do conflito que você está passando. E


acredito que no momento você não queira falar muito sobre o assunto.
Mas, quando quiser, saiba que pode contar comigo. ― Ela me abraça.

― Obrigada por me deixar desabafar sem fazer questionamentos.

― Tenho algo a lhe contar. Eu estou grávida ― revela, emocionada.

― Oh meu Deus! Meus parabéns, estou tão feliz por você.

― Obrigada, daqui a algumas semanas, Fernando e eu iremos


oferecer um jantar de noivado, algo íntimo apenas para amigos e ficaria
imensamente feliz se você e o seu pai comparecessem.

― Vou falar com meu pai, você sabe o quanto ele é acanhado. Mas
vou fazer o máximo para irmos.

― Tudo bem, perto da data eu te envio uma mensagem confirmando.


Despeço-me de Bianca e sigo para minha sala, não encontro Pablo no
trajeto e nem na saída da empresa, mas encontro meu pai. Respiro fundo
e sorrio ao abraçá-lo, ele me pergunta se estava tudo bem, afirmo que sim,
que apenas ainda estava nervosa pela apresentação, mas que foi tudo
bem. Não sei se ele acreditou, pois fez uma cara de desconfiado, mas
sorri durante todo tempo em que estive com ele, tentando passar uma
tranquilidade que não sentia no momento.

Nem me dei ao trabalho de ir à faculdade, provavelmente não iria


conseguir prestar atenção em nada.

Chego em casa, tomo banho, me deito na cama e ignoro as


mensagens de Nay. Não estava querendo falar com ninguém. Nesse exato
momento estou me sentindo fraca e impotente. Por mais que eu queira, e
eu quero e muito, simplesmente não consigo tirar da minha mente a
imagem dos braços de Pablo me enlaçando, me acariciando, puxando
meu corpo ao encontro do seu, sua boca sussurrando ao meu ouvido e me
deixando sem fôlego. Ele mordendo meu lábio inferior, enquanto estava
trêmula nos seus braços, e quando achei que isso, sem sombra de
dúvidas, era a coisa mais sexy que já tinha me acontecido, ele olhou no
fundo dos meus olhos e sugou meu lábio inferior com força, sem desviar
seus olhos dos meus.

E algo forte, primitivo, aconteceu dentro de mim. Naquele momento eu


queria fazer tudo o que ele quisesse. O que ele mandasse, naquele
momento eu faria, porque eu queria ser dele.

Nunca fiquei tão excitada na minha vida, nunca senti tanto desejo de
me entregar a alguém. E se aquele telefone não tivesse tocado,
provavelmente teria cedido à paixão que me consumia.

Contudo, assim que me vi livre daquela névoa de paixão, quando a


consciência do que eu quase fiz veio à tona, me senti horrível e esse
sentimento perdura até agora.

Como eu posso querer Pablo, como eu posso desejá-lo e o pior de


tudo, por que eu não consigo esquecê-lo?

Por oito semanas eu, orgulhosamente, consegui me manter forte e


esconder esse sentimento, trabalhamos várias vezes na sua casa, porém,
ele nunca me tocou ou mesmo voltou a mencionar algo que não fosse
profissional. Entretanto, às vezes via seu olhar em minha direção. Durante
esse período, descobrirmos vários gostos em comuns, livros, animes,
histórias em quadrinhos ―Tirando a péssima preferência dele pela DC e
eu pela maravilhosa Marvel ― temos muitas coisas em comum, muitas
afinidades. Em contrapartida, temos muitas diferenças e opiniões
diferentes, sobre assuntos que para ele são coisas triviais, sem
importância e que, para mim, são de suma importância.

Depois de passar a tarde na cama pensando em algo que não queria


pensar, me levanto e começo a preparar o jantar. Ligo o som e ponho o
CD de Marília Mendonça e me distraio com as músicas, até começar a
tocar a música: COMO FAZ COM ELA.

"Como faz com ela

Se quando beija morde a boca dela

Fala besteira no ouvido

Como faz comigo

Tudo o que eu preciso

Se é melhor com ela"

Sinto minhas lágrimas caírem e nem dou ao trabalho de limpá-las,


porque ao mesmo tempo em que penso em Pablo fazendo com a noiva o
que fez comigo, sinto uma raiva surreal de mim mesma por sequer pensar
nisso.

No nosso primeiro contato, ele me disse que ela era apenas uma
mulher que ele dormia, disse em um tom seco, como se isso fosse algo
sem grande relevância.

Será que o que aconteceu essa tarde é algo sem importância?


Apenas um desejo sexual que ele quer saciar.

Será que estou nesse conflito interno, me martirizando por um homem


que apenas quer passar uma noite comigo e depois voltar para noiva?
Quando meu pai chega estou terminando de fazer a sua marmita.
Depois do banho, ele se senta à mesa e segura minha mão.

― Painho, fiz escondidinho de macaxeira com carne do jeito que o


senhor gosta. ― Tento sair do seu aperto, mas ele me mantém firme.

― Fia, de longe eu senti o cheiro e subi a ladeira com água na boca.

― Pois então me solte, para pôr seu prato e o senhor comer


quentinho. ― Sorrio, tentando mais uma vez me soltar, porém, meu pai me
mantém em seu aperto.

― A comida pode esperar, fia, estou aperreado por demais, preciso


conversar com você, mas é agora. ― Meu pai adverte em um tom sério.

― Mas o que houve, painho, aconteceu alguma coisa? ― Me sento e


pergunto preocupada.

― Pois me diga você, fia. O que está acontecendo? Todo dia vejo a
sua gastura, como se algo tivesse te consumindo por dentro. Vejo a sua
alegria se apagando aos poucos e não aguento mais te ver assim. Para
um pai, é difícil por demais ver um fio sofrendo e eu estou vendo você
sofrer, fia. ― Ele segura minhas mãos e as beija e eu fico sem fala por um
momento.

― Não... painho, imagina, está acontecendo nada não, era apenas


nervosismo de apresentar meu primeiro projeto. Mas já apresentei deu
tudo certo, e agora as coisas vão melhorar. Não se preocupe comigo ―
afirmo, só não sei ao certo se estou falando para ele, ou para mim mesma.

― Sabe fia, eu sou um homem vivido. Já passei por muita coisa


nessa vida. E sei que essa gastura é coisa do coração, num sabe. ― Nego
com a cabeça assustada com as suas palavras ― Nem adianta tentar
negar. Já passei por isso, já senti esse fogo que nos consome, que nos tira
o tino e o chão. ― Com um suspiro desolado, meu pai se levanta e vai até
a pia, aperta ambas as mãos no mármore com tanta força, que vejo seus
dedos ficarem brancos.

Inspira e suspira fortemente e começa falar em um tom triste de cortar


o coração.
― Sabe, fia, eu sei o que é fazer de um tudo para não querer alguém,
para não querer gostar, para não querer amar. Eu sei, fia, o quanto é difícil,
ver a pessoa que se gosta todos os dias e não poder chegar perto. O
quanto é difícil lutar contra o querer. Passei isso na pele, num sabe?! ―
confessa em um tom sofrido. ― E eu sei que é isso que está acontecendo
com você. Eu vejo seu olhar para o senhor Pablo, como também vejo o
dele para você.

― Pai, o senhor está enganado ― digo, ofegante e horrorizada com o


fato do meu pai ter notado.

― Estou não fia, ele te olha como eu olhava para sua mãe. Com
desejo, paixão, loucura, querendo e com raiva de querer, fazendo de um
tudo para conseguir se controlar, mas no limite. Eu vivi isso.

Com um suspiro derrotado, eu desisto de negar o óbvio.

― Mas com o senhor foi diferente, pai. Você e minha mãe tiveram um
final feliz, ela largou tudo por você e te aceitou como o senhor era. O amor
de vocês só acabou porque ela morreu.

Vejo meu pai abaixando a cabeça e seu corpo tremendo, acredito que
nossa conversa o está fazendo recordar tudo que passou com minha mãe
e provavelmente sentindo sua falta. Meu pai quase nunca fala da minha
mãe, quando a menciona, sempre comenta que ela me amou muito.
Porém, não sei praticamente nada sobre o relacionamento dos dois, essa
é a primeira vez que ele fala que lutou contra o sentimento que tinha por
ela.

― Minha situação com Pablo é complicada.

― Porque ele não me aceita e muito menos gosta do fato de ser


nordestino, eu sei disso. Mas, fia, me diz uma coisa. Você gosta dele?

― Isso não importa, painho.

― Fia, mas é nunca que eu quero ser o impedimento de você ser


feliz. Eu já aturei muita coisa nessa vida, num é uma cara feia que vai me
fazer ficar mal, visse. Se ele cuidar bem de você e te fizer feliz, num
importa como ele me trata, tanto que te trate bem.
― Para mim importa, painho ― murmuro entre lágrimas. ― Além do
mais ele é noivo.

Meu pai se vira e me olha com carinho.

― Não é mais, não. Hoje à tarde foi um escarcéu só lá na empresa.


Dona Angélica fez um fuzuê danado. Ele desmanchou o noivado na frente
de todo mundo. E quando a Dona Angélica começou a falar mal de você,
fia, chega me deu um esquentamento por dentro, tamanha vontade que
tive de voar na goela dela. Mas nem precisei dar um passo, porque Seu
Pablo lhe defendeu com fervor e ali eu tive a certeza de que aquele
homem te ama. ― Ouço o relato de meu pai, incrédula, talvez seja por
isso que Nay passou a tarde tentando falar comigo.

― Como eu posso ficar com uma pessoa que não aceita o senhor? ―
Me sentindo derrotada, elevo ambas as mãos e seguro a minha cabeça.

― Fia, cê já parou para pensar que talvez esse homem não saiba o
que é o amor? Ou ser amado? Eu amei e por pouco tempo fui amado e
você é o fruto desse amor. E apesar de tudo que passei, eu não me
arrependo um único dia de ter conhecido sua mãe, porque ela me trouxe
você, e eu te amo por demais, minha fia. Dou meu sangue e minha vida
por você. E não ligo se o homem que você ama não goste de mim, tanto
que ele lhe trate bem e me deixe ver você de vez em quando, eu já fico
feliz por demais. ― Meu pai soa calmo e eu não consigo articular uma
única palavra.

Esse maravilhoso e benevolente homem, mais uma vez está


pensando mais na minha felicidade que na dele. O abraço chorando.

― Nunca, mas é nunca, que vou ficar com um homem que não te
aceite, painho. Jamais! Eu te amo e me orgulho demais de ser sua filha.
Se Pablo quer alguma coisa comigo, ele vai ter que aprender a te respeitar
e aceitá-lo como você é ― prometo, beijando seu rosto e meu pai
acanhado abaixa o olhar.

― Oh fia, eu sou um velho ignorante, mal sei ler, escrever ou falar


direito. E eu não quero jamais ser o impedimento da sua felicidade, viu!?
― declara emocionado.

― Eu nunca conseguiria ser verdadeiramente feliz, ao lado de um


homem que não respeita o senhor.
Ficamos abraçados por um tempo, depois do jantar meu pai vai
trabalhar. Perco a fome com todas as revelações que meu pai fez.

Pablo tinha falado que iria terminar o noivado, entretanto, achei que
era da boca para fora. Não imaginei que ele realmente iria fazer isso. Mas,
o que mais me tirou o chão, foi o fato do meu pai saber dos meus
sentimentos por Pablo.

Lavo a louça, tomo um banho frio, para tentar parar de pensar em


tudo, mas não consigo.

Deito-me na cama e finalmente pego meu celular. Tinha mais de vinte


mensagens de Nay, não visualizei nenhuma. Suspirando deixo o celular de
lado, e quando estou quase pegando no sono, ele toca. Olho o visor e vejo
que é Pablo. Tem dois meses que ele não me liga à noite. Resolvo ignorar
e recebo uma mensagem dele.

Por favor, atende.

Meu celular volta a tocar, várias vezes e depois de ignorar as ligações,


atendo.

― O que você quer Pablo? ― questiono com raiva.

― Você! ― ele afirma com tanta sinceridade que me desconcentra. ―


Eu quero você na minha cama, amarrada delirando de prazer, te quero à
minha mercê, quero adorar cada pedaço do seu corpo. Eu quero você no
sentido mais amplo da palavra, Mariana ― revela com tanto fervor e
paixão que me deixa sem fala.

― Mariana, eu te quero tanto, mas tanto, que não consigo mais me


controlar, não depois do que houve essa tarde, depois de sentir você
tremendo nos meus braços e entregue a mim. Eu sei que você me quer
tanto quanto eu te quero. Meu medo é você não saber lidar, do modo
como eu quero você.

― Eu... eu não... ― balbucio e não termino a frase.

― Nem se dê ao trabalho de negar o que sente por mim. Eu sei que


você me deseja e confesso que estou completamente obcecado por você.
Eu tentei, Mariana, eu juro que tentei. Por semanas travei uma batalha
interna, entre o te querer e os meus objetivos. Porém, desisto. Hoje à tarde
eu desisti e estou aqui humildemente confessando que te quero, te quero
demais.

Não consigo articular uma única palavra.

― Meu problema, Mariana, é que eu tenho gostos, digamos


singulares. No entanto, estou tão fascinado, que por você eu cedo, para
ter você eu faço o que você quiser.

― Inclusive, aceitar e respeitar meu pai e minhas raízes? ―


questiono, e ele fica em silêncio ― O seu "qualquer coisa" para me ter é
apenas quando é conveniente para você, Pablo.

― Mariana, depois de tudo o que falei, eu me declarei para você... ―


O interrompo.

― Sabe o que é o mais triste nisso tudo? Há menos de uma hora,


meu pai, um homem humilde e maravilhoso, me disse para eu ficar com
você. Pablo, meu pai sabe o que você sente por ele e, mesmo assim, ele
me deu a benção para ficar com você! Porque ele me ama.

― Então o problema está resolvido, podemos ficar juntos. Terminei


meu noivado essa tarde, nada mais nos impede.

― Você não entende mesmo, não é!?

― Não, Mariana! ― rebate, exaltado ― Se seu próprio pai, um


semianalfabeto, reconheceu que eu sou o melhor para você, qual é o
empecilho agora?

― Eu nunca irei ficar com um homem que não respeita ou aceita meu
pai ― grito, nervosa.

― Mariana... ― o interrompo.

― Pablo, eu estou apaixonada por você, não vou negar isso. Porém,
enquanto você não mudar em relação ao meu pai, não teremos
absolutamente nada! Quer um conselho? Volta para sua noiva, prenda-a
na cama e sejam felizes para sempre! Seu idiota. ― Desligo o celular e o
taco na parede.

E começo a chorar, primeiro por causa do idiota do Pablo e segundo


por causa do meu celular.
Capítulo 7

Mariana
Depois de passar uma noite terrível, acordo com o corpo todo
dolorido, e com a cabeça parecendo que vai explodir a qualquer momento.
Ainda deitada, suspiro triste, porque sei que estou longe de resolver meus
conflitos internos.

Depois de um banho frio, vou preparar o café e me surpreendo com


meu pai e Nay conversando na cozinha.

— Bom dia, painho. Caiu da cama, Nay? — Sorrio a abraçando e logo


em seguida, beijo o rosto do meu pai.

— Bom dia, fia. — Meu pai me cumprimenta com um olhar


examinador — Você está bem? — questiona, preocupado.

Sorrio e afirmo com a cabeça, não acreditando que minhas palavras,


iriam conseguir transmitir a confiança necessária para acalmá-lo.

Meu pai inspira e suspira profundamente e balança a cabeça em


negação, no entanto, nada fala. Acredito que nem meu sorriso conseguiu
acalmá-lo. Estou começando a perceber que meu pai me conhece muito
bem.

— Mari, passei o dia todo ontem tentando falar com você! — Nay
reclama aborrecida. — Hoje, já te liguei várias vezes e seu celular só dá
caixa postal.

Mal ela termina de falar, e eu me recordo da besteira que fiz ontem,


ao arremessar meu celular contra a parede. Meu desatino me trouxe mais
dores de cabeça, agora, além de ter problemas emocionais, tenho
problemas de comunicação. Isso sem falar que minha vida estava naquele
aparelho.

Sou daqueles tipos de pessoas que anota tudo no celular, além de


todo o entretenimento, como jogos e inúmeros aplicativos funcionais,
minha agenda da faculdade, cursos e do trabalho estavam nele. Sei que
vou recuperar grande parte dos dados, contudo irá levar tempo e um
trabalho que não precisaria ter se não tivesse atirado ele na parede.

— Houve certo acidente com meu celular, ele caiu acidentalmente no


chão — informo, abaixando a cabeça para esconder a mentira deslavada.

— Fia, nunca vi, na minha vida, ninguém tão zelosa com as coisas
como você — Meu pai comenta em um tom suspeito.

— Mari, você tem esse celular há dois anos e nem um risco, um único
risquinho sequer! É difícil acreditar que uma pessoa tão cuidadosa com
seus pertences como você, tenha deixado seu celular, com todos os seus
vídeos e animes... — Quanto mais Nay enumera as coisas que tinham no
meu celular, mais agonia me dava.

— Acontece! Quem nunca deixou algo cair acidentalmente? E tenho


como reaver os dados à maioria estava no cartão de memória — retruco,
tentando encerrar o assunto.

— Fia, na saída do trabaio vou passar em uma loja de celular e fazer


um crediário. É só você escrever o nome do modelo direitinho, que eu
compro outro. — Meu pai me dá um bloquinho para anotar o modelo.

— Não se preocupe com isso, painho. — Ando em sua direção e beijo


seu rosto. — Eu já recebi dois salários e o senhor ainda não me deixou
gastar um tostão aqui em casa.

— Mas veja só, pois é nunca que vou deixar minha fia me sustentar.

— Não é sustentar painho, e sim te ajudar.

— Mas não precisa, viu?! O que eu ganho está dando para pagar as
contas e guardar um dinheiro e daqui alguns meses iremos lá para João
Pessoa procurar um terreninho para construir nossa casinha. Ou você se
esqueceu da conversa que tivemos há alguns meses? Desistiu de ir
comigo, fia? — meu pai questiona me olhando fixamente, como se
tentasse descobrir minhas reais emoções.

A verdade é que eu tinha me esquecido completamente dessa


conversa com meu pai. Desde que conheci Pablo minha vida basicamente
se resumiu a tentar, de todas as formas possíveis, resistir à atração que
sinto por ele. Todo o restante meio que ficou em segundo plano, mas
agora, meu pai recordando dessa antiga conversa, soa como uma leve
brisa de esperança no meu horizonte.

Meu estágio termina em alguns meses e ficar longe de Pablo é tudo o


que eu preciso para conseguir readquirir o domínio e o controle da minha
vida.

Abraço fortemente meu pai e, sorrindo, beijo seu rosto.

— Vixe, agora sim. Um sorriso verdadeiro. — Meu pai, segura meu


rosto com ambas as mãos e sorri para mim.

— Eu amo o senhor por demais, painho, e não precisa se preocupar


com o celular. Quero comprar com o dinheiro que estou guardando do meu
estágio. E por favor, nem tenta me impedir, Seu Arino.

Meu pai ainda tenta por mais um tempo me fazer mudar de ideia,
depois desiste e vai trabalhar resmungando.

— Miga sua loca! — Nay solta um grito que me assusta.

— O que foi?

— Mari, pelo amor de Deus! Por que você não me disse que tinha se
entendido com Pablo? Poxa, sou sua melhor amiga! — Nay sacode meus
ombros.

— Primeiro, mal estamos nos vendo nas últimas semanas, segundo


meu único relacionamento com Pablo é de patrão e empregada. — Saio
do seu aperto, e respondo olhando para todos os cantos da casa enquanto
falo, menos para Nay.

— Ah! Para de graça! Não estamos nos vendo por que aquela
empresa está nos escravizando. Minha chefa, a jararaca da Marcela, está
tirando meu couro. Ela já não gostava muito de mim, depois que o
namorado dela me chamou de linda, na sua frente, aí que ela resolveu
acabar comigo mesmo. Tenho chegado tão cansada, que nem estou me
alimentando direito. Minha mãe anda louca com isso. Chegamos ao fim do
ano e começam os ensaios na Sapucaí. Aí você conhece a pessoa, ela
fica uma pilha e me estressa mais que o costume.
— Realmente. Estou te achando mais magra, ao contrário de mim que
nesses dois meses engordei horrores! Não sabia que Marcela namorava...
Bem, a verdade é que eu quase não saio do escritório, não sei da vida de
ninguém ali. E quanto às namoradas chatas, ambas, estamos na mesma
situação. Angélica perturba a minha vida e vive pondo minha autoestima
para abaixo do subsolo. Às vezes, muitas vezes, na verdade, ao chegar
em casa depois de um dia de trabalho e de mais um confronto com
Angélica, eu me olho no espelho e tenho que fazer um exercício mental e
me recordar tudo o que meu pai passou a vida me dizendo. É engraçado
como, às vezes, uma pessoa desconhecida abala nossa autoestima —
comento, cabisbaixa.

— Miga! Marcela não tem o porquê ter ciúmes de mim, não tenho o
menor interesse em homens brancos, ricos e metidos a besta. E o tal de
Pedro, namorado, ou seja, lá o que ele é dela, é tudo isso. Sabe aquele
tipo de homem que só tem uma boa aparência mais por dentro não vale
nada? É ele.

— Eu o conheci quando fui à empresa pela primeira vez. E você tem


razão, muito bonito por fora, mas por dentro...

— Já o seu caso, minha amiga com excesso de gostosura é bem


diferente do meu. Angélica tem todos os motivos do mundo para ter
ciúmes. Você não tem noção do show que foi ontem! Pablo faltou pouco
voar em cima dela quando ela começou a falar de você.

— Meu pai mencionou algo, mas, Nay, a Marcela também não tem
motivos para ter ciúmes, que eu me lembre, você estava toda caidinha
pelo Márcio. — Tento mudar de assunto e dá certo.

― Não, claro que não... imagina...

Por uma hora Nay fala da sua paixão platônica ― Márcio Ribeiro ―
revelou que descobriu as redes sociais dele e que o está seguindo em
todas, que ele é muito gentil... Enfim, enquanto ela exaltava todas as
qualidades e de como Márcio era um ser maravilhoso eu me organizava
para o trabalho.

Em toda minha angústia e emoções conflitantes, em nenhum


momento eu pensei em como estaria o clima na empresa, pelo breve
relato de meu pai e de Nay, deu para ter uma pequena noção do que
houve e isso começa a me assustar. Porque me parece que foi algo
grande e como sou muito tímida, só em pensar em entrar e todo mundo
me olhar e comentar, já sinto calafrios.

— Nay, você se tornou uma perseguidora — digo, em tom de


brincadeira e ela ri. Mordo os lábios e indago hesitante — Nay, tinha
muitas pessoas ao redor do Pablo e da Angélica na hora do conflito? —
pergunto, fazendo uma careta com medo da resposta.

— Miga, aquilo não foi um conflito! Eles pareciam barraqueiros foi um


escândalo. Tinha algumas pessoas em volta, mas minha diva Bianca,
chegou com o deus grego dela e acabou com a confusão rapidinho. —
Conforme Nay vai relatando tento conter um incontrolável gemido de pura
frustração.

Que vergonha! Será que todos sabem? Contudo, saber exatamente o


quê? Não existe nada entre mim e Pablo. Todavia, esse nada, me fez
lançar meu celular na parede. Desisto de reprimir o gemido ao me recordar
do meu celular.

A campainha toca e Nay atende a porta já que eu estou em completa


inércia pensando em como irei ter coragem em aparecer na empresa.

— Hum, Mariana, você poderia vir aqui, por favor, tipo agora? — Nay
balbucia e isso me tira do estado de torpor. Nay é a pessoa mais
desenvolta que eu conheço nunca a vi sequer hesitar antes de falar algo,
quanto mais balbuciar.

Curiosa, caminho em direção a Nay e ao observar quem está parado


a minha porta entendo o porquê de Nay estar balbuciando...

Pablo está na minha porta! Dizer que eu estou surpresa, seria muito
pouco. Estou chocada.

— Bom dia, Mariana. — Pablo me olha e sorri hesitante.

— O que... o... — Não consigo completar a frase.

Olho para Nay e observo que ela está tão incrédula quanto eu.

— O que você está fazendo aqui?

— Você não atendeu minhas ligações, seu sinal de celular saiu do


meu radar, e... eu, eu, fiquei... preocupado — responde, titubeando.
Sabe aquelas situações nas quais você simplesmente não acredita
que esteja vivendo? Então, é exatamente assim que me sinto nesse exato
momento.

Pisco algumas vezes e observo ao redor e noto que alguns vizinhos


estão olhando em nossa direção. O que é compreensível, afinal não é
sempre que vemos um homem como Pablo aqui em cima. Ele destoa
completamente do local no qual está. Não somente pelas roupas caras e
imponentes, acredito que seja mais pelo fato de sua postura superior e
prepotente.

Volto a olhar ao redor e depois para ele. Não sei se gosto dele aqui.
Essas pessoas humildes, apesar de, digamos, curiosas, são ótimos
vizinhos cresci com eles e não quero de forma alguma Pablo humilhando-
as, mesmo porque creio que ele não saia vivo daqui se cometer tamanho
desatino.

— Como você subiu a comunidade sozinho? — Nay finalmente sai do


seu estado de torpor e faz uma excelente pergunta a Pablo.

Viro meu rosto para ela e noto que apesar de questionar Pablo ela
ainda o olha como se não acreditasse que ele estivesse ali, na sua frente.
Eu compreendo esse sentimento.

Apesar da comunidade ser, digamos, oficialmente, pacificada. Para


nós, moradores, sabemos que a realidade é bem diferente da que a
imprensa informa. Essa aparente tranquilidade, não condiz com a nossa
realidade.

— Está tudo bem por aí, Mariana? — indaga um dos meus vizinhos.

Forço um sorriso calmo, viro meu rosto em sua direção e tento


demonstrar uma tranquilidade que na realidade não sentia.

— Sim, Seu Jorge, está tudo bem — respondo, sorrindo e ao mesmo


tempo dou uma cotovelada em Nay que a princípio resmunga, mas ao
olhar ao redor e notar que algumas pessoas estão observando, também
força um sorriso.

— Eu... fiquei preocupado, ontem você desligou de forma abrupta e


logo depois seu sinal sumiu... A princípio, imaginei que sua bateria tinha
acabado, mas como hoje de manhã você ainda não estava online... eu...
Enfim, fiquei preocupado. — Enquanto ele faz seu relato eu faço um
esforço sobre-humano para manter o sorriso calmo e uma expressão de
tranquilidade porque sei que meus vizinhos ainda nos observam.

Mas por dentro, estou completamente surtada.

— E eu que sou perseguidora? — Nay sussurra não preciso olhar em


sua direção para saber que ela também está forçando um sorriso e falando
entre os dentes.

— Por favor, senhor. Entre! — peço trêmula, assim que ele entra,
fecho a porta com um sorriso tranquilizador, como se dissesse aos
vizinhos que está tudo bem. No entanto, eu tenho a absoluta certeza que
no máximo até amanhã, todos na comunidade saberão que um homem
veio me visitar.

Solto um gemido ao imaginar o que irão inventar, sei o quanto a


imaginação de uma pessoa fuxiqueira pode ser fértil. Contudo, não posso
ser leviana ao afirmar que todos que estavam observando, eram
fofoqueiros. Sei que para alguns a preocupação era genuína, muitos me
viram crescer e nunca viram um homem na minha porta, muito menos um
como Pablo.

Pablo observa minha casa com uma expressão curiosa.

— Agora entendo o acidente no seu celular. — Nay faz aspas com as


mãos com uma expressão irônica

Nem me dou o trabalho de responder.

— Vou ficar no seu quarto para dar privacidade a vocês. — Nay


caminha em direção ao meu quarto.

— Você também mora aqui? — Pablo questiona observando Nay.

— Não, mas também não posso sair daqui agora e deixar vocês dois
juntos aqui sozinhos.

— Eu preferiria conversar com Mariana em particular — Pablo pede


em um tom sério.

— Nota-se que você nunca subiu numa comunidade. Metade do


morro já deve estar falando que Mariana recebeu um homem, se eu sair e
deixar vocês dois sozinhos, não quero nem pensar nas coisas que vão
inventar — Nay retruca fechando a porta do meu quarto.

Acompanho Nay com o olhar e depois me viro para Pablo que me


olha intensamente. Ele anda em minha direção e eu faço um gesto de
negação e dou um passo para trás. Ele para, suspira fundo e se vira de
costas, caminha até a janela e olha a vista.

— Como você pode se orgulhar em morar em um lugar desses? —


indaga sem olhar para mim.

— Você veio até aqui para me ofender? — questiono com raiva.

— Não, vim porque estava preocupado. — Vira e me olha.

— O que significa ‘eu estar no seu radar’?

— O que aconteceu com o seu celular? — retruca com uma


sobrancelha levantada.

Nós olhamos por um tempo, suspirando sigo para cozinha e mesmo


sem me virar sei que ele me segue.

— Pablo, mesmo com a minha aparente racionalidade, sou arretada e


você ontem me levou ao limite. Minha vontade era de tacar alguma coisa
em você, porém, como você não estava na minha frente e estávamos
falando no celular, arremessei o aparelho na parede — comento como se
fosse algo trivial.

Bebo um copo d’água e olho em sua direção e me surpreendo ao vê-


lo sorrindo.

— Se eu tivesse em sua frente ontem, você teria lançado o celular em


mim? — pergunta ainda sorrindo.

— Sem a menor sombra de dúvida — afirmo séria e ele sorri e dá um


passo em minha direção.

— Terminei meu relacionamento com Angélica — revela dando outro


passo.

— É, você me disse ontem... O que significa ‘eu estar no seu radar’?


— Volto a questionar.
— O que significa exatamente, eu prefiro não dizer. Porém, posso
falar que sempre sei onde você está — confessa parando a minha frente.

— Isso é meio assustador.

Ele analisa meu rosto com uma expressão de carinho e algo a mais
que não sei identificar. Contorna meu rosto com o dedo, delicadamente
põe meu cabelo atrás da minha orelha esquerda, suspira e sorri.

— Você é tão linda. Eu quero você, Mariana, desisti de lutar —


declara, olhando para minha boca e aproximando o seu rosto.

Viro meu rosto, antes que ele me beije e me afasto.

— Olhe ao redor Pablo, olhe pela janela. Essa é a minha realidade. As


minhas condições de ontem ainda são as mesmas de hoje. As coisas não
mudam em um passe de mágica somente porque você quer — afirmo,
fitando-o séria.

— Eu vim até aqui porque estava preocupado com você porque, eu...
— Ele passa ambas as mãos pelos cabelos, vira de costas e balança a
cabeça de forma negativa. — E mesmo assim, você não cede com essas
condições ridículas!

— Elas não são ridículas, Pablo. Você veio até aqui porque ficou
preocupado comigo, foi... — suspiro triste. — Dizer que não foi
surpreendente seria mentira. Da mesma forma, dizer que não me senti
lisonjeada, não seria verdade.

Viro de costas para ele e o sinto se aproximar. Seus braços me


rodeiam, ele beija meu pescoço e um incontrolável arrepio passeia pelo
meu corpo.

— Me deixa lhe mostrar o quanto eu lhe quero — murmura no meu


ouvido dando pequenas mordidas. — Para de pôr empecilhos bobos que
nos impedem de ficarmos juntos. — Mal ele acaba de falar e eu saio do
seu aperto.

Ambos respiramos ofegantes.

— Não vou mudar de ideia, Pablo. Você que tem que mudar de
atitude, enquanto não respeitar meu pai e aceitar nossas origens. Não
existe ‘nós’. Como te disse ontem volta para sua noiva e sejam felizes para
sempre. Vocês se merecem.

Ele me observa sério, com os braços rentes ao corpo e é visível que


está tomado pela raiva. Suspirando, ele põe os óculos e sai pela porta sem
se despedir e eu finalmente consigo respirar.

— Mari, você está bem? — Nay pergunta receosa, alguns minutos


depois.

— Vou ficar...

Ela não questiona apenas me abraça e eu agradeço silenciosamente.

***

Chego ansiosa à empresa e apreensiva, sigo para a minha sala.


Assim que entro, vejo uma pequena caixa na mesa. Curiosa, me aproximo,
pego a caixa e ao abrir o envelope, noto que é um celular de última
geração com um cartão.

Para garantir que você continue no meu radar...

“Esse homem vai acabar comigo.” ― penso fazendo um gesto


negativo com a cabeça.

Com um sorriso bobo, abro a caixa e me assusto quando a porta abre


abruptamente e Angélica caminha furiosa em minha direção e eu a
observo assustada.

— Calma, não precisa se preocupar. Só vim te agradecer, não sei o


que você falou para o meu noivo, mas hoje à noite vamos juntos ao jantar
de noivado de Fernando... Então, obrigada fofinha, foi simplesmente
ridículo da minha parte, sequer imaginar que ele iria querer algo sério com
você. — Ela sai da sala rindo e eu olho a porta de boca aberta.
Capítulo 8

Mariana
Levo cerca de dez minutos de cabeça baixa, tentando de alguma
forma controlar as lágrimas, que por mais que as limpe, seguem caindo e
banhando meu rosto. Arfo, fungando e fecho meus olhos. A decepção e
mágoa que sinto são tão fortes, que beiram a uma dor física.

Porém, sinceramente, não sei o porquê de estar tão decepcionada, já


que eu o mandei fazer isso. Ele apenas fez o que eu pedi e voltou para
Angélica.

Busco o ar, tentando obter o controle das minhas emoções. Com um


suspiro triste, abro a caixa e o primeiro pensamento que surge a minha
mente e arremessá-la contra a parede mais próxima, no entanto, não
cometo tal desatino novamente.

Um breve sorriso surge nos meus lábios ao contemplar o lindo


aparelho a minha frente. Há anos que sonho com um smartphone desses,
mas provavelmente nunca teria condições financeiras de arcar com o
mesmo. A minha realidade é muito diferente, o valor que iria gastar, sem a
menor sombra de dúvida iria fazer falta no fim do mês, não de um, mais de
alguns meses. O valor desse aparelho paga fácil no mínimo três ou mais
salários.

Contudo, apesar de toda situação conturbada na qual me encontro,


tenho na minha frente um dos meus sonhos de consumo. Não posso dizer
que não fiquei contente e jamais iria devolver um aparelho desses. Sou
orgulhosa, mas não sou burra.

Não vou mais pensar em Pablo e Angélica juntos, eles se merecem.

Com isso em mente, suspiro e decidida a não gastar sequer mais um


minuto pensando neles, abro minha bolsa, pego meu chip na carteira,
insiro no aparelho e com um sorriso triste, começo a mexer nele.
Passo a manhã tensa, com receio que a qualquer momento Pablo
entraria na minha sala, porém, isso não aconteceu.

No final da manhã recebo uma mensagem de Bianca solicitando a


confirmação da minha presença e a do meu pai no seu jantar de noivado.
E me dou conta, que no meio dessa confusão, eu simplesmente me
esqueci do tal jantar e nem mencionei o convite ao meu pai.

Na saída, vou à procura de meu pai e ao encontrá-lo, comunico sobre


o jantar.

— Mas, fia, tenho roupa para ir a lugar chique, não — ele alerta
apreensivo.

— Calma painho, não se preocupe. Vou resolver isso agora à tarde,


vou comprar uma roupa bem bonita e o senhor vai muito lindo.

— Fia, nem sei falar direito, não sei me comportar em um lugar assim,
vou ficar avexado por demais! — confessa, aflito apertando as mãos —
Vou te fazer passar vergonha, fia! Eu acho melhor você chamar sua
amiga, Nay, ela está mais acostumada com coisas de grã-fino — pede,
receoso.

— Pois se avexe não, jamais irei passar vergonha com o senhor do


meu lado, muito pelo contrário, vou é ficar orgulhosa por demais. — Sorrio
acalmando-o.

Meu pai ainda tenta por um tempo me fazer mudar de ideia, mas
acaba aceitando. Envio uma mensagem para Nay pedindo ajuda.

Entendo muito de tecnologia, todavia, quando o assunto são roupas...


sou uma negação. Já Nay é de longe a pessoa mais estilosa — depois de
Bianca — que eu conheço.

Passamos uma hora olhando várias lojas plus size, me encanto com
um vestido, com estampa de oncinha, ficou lindo no meu corpo, completo
o look com um cinto largo, meia e salto alto. Senti-me linda e sexy. Com
incentivo de Nay, passo no salão e faço algo que não faço há anos, corto
meu cabelo. Há muito tempo que tenho o cabelo reto e longo. Agora ele
está em camadas e, ao me olhar no espelho, me vejo provocante e
sensual.
Nunca imaginei que usaria esses dois adjetivos para me definir em
algum momento da minha vida, mas é exatamente assim que me sinto.

Despeço-me de Nay que tem um compromisso e saio do salão com


várias bolsas e com um sorriso confiante, com a certeza de que estava
linda. Esbarro em alguém e minhas bolsas caem, me desculpo sem olhar a
pessoa e me abaixo para recolher minhas coisas.

— Cuidado por onde anda, orca! — Paraliso ao ouvir o tom venenoso


de Angélica.

Respiro fundo, acabo de recolher meus pertences e me levanto, com


a intenção de lhe desejar uma boa tarde e seguir em diante. Mas, para
minha surpresa, ela não está sozinha. Uma senhora que é a sua cópia, um
pouco mais velha e Marcela a acompanham.

Ótimo! Agora ela vai me humilhar com plateia.

Abro a boca para me despedir educadamente e sair rápido daquela


situação. Porém, Angélica me interrompe levantando a mão e dá uma
volta ao meu redor.

— Nota-se que foi às compras, pelo jeito vai deixar de comer carne
por um mês, para comprar uns farrapos de roupas em loja de
departamento e com esse cortezinho ridículo — diz me analisando. —
Querida, esse repicado deixou a sua cara mais redonda do que já é e essa
testa enorme está mais evidente — assegura, debochada.

— Realmente querida, você está lamentável — A senhora ao seu lado


diz balançando a cabeça e me olhando de forma depreciativa. — Deveria
pensar em perder alguns quilos.

— Mãe, nem se ficasse seca conseguiria tirar essa cara de pobre que
ela tem. — Angélica afirma rindo.

Elas seguem me ridicularizando e em poucos minutos, elas


conseguiram acabar com toda a minha felicidade e confiança. Estou tão
envergonhada, que nem consigo respirar direito e com medo de olhar ao
redor e ver que outras pessoas presenciaram a minha humilhação.

Olho para Marcela e noto que me observa com pena.


— Boa tarde, senhoras. — Ouço alguém falando, só que não
respondo, estou me esforçando ao máximo em continuar controlando a
minha respiração, e não ter um colapso, tamanho constrangimento.

— Boa tarde, Márcio — Angélica sorri e eu fecho os olhos e tento


inutilmente segurar as lágrimas, falho, e elas correm livres e banham meu
rosto. Agora minha humilhação está completa.

— Mariana, a cada dia que te vejo você está mais linda. E hoje está
simplesmente radiante. Deixe-me te ajudar. — Ele tira as bolsas que
segurava tão firmemente, que meus dedos estavam brancos.

— Não, precisa, obrigada — digo, pausadamente em um sussurro.

— Não precisa agradecer, minha linda. — Ele segura meu rosto e


delicadamente limpa minhas lágrimas — afinal uma mulher com tamanha
beleza, não pode de forma alguma machucar essas delicadas mãos. —
Ele pisca sorrindo de lado e é simplesmente impossível não retribuir o
sorriso.

— Márcio, acho que você anda precisando de óculos — Angélica sorri


irônica.

— Sério? Você acha mesmo isso? Bem, vou lhe confidenciar algo. —
Ele aproxima seu rosto em direção a ela e fala em um tom confidente. —
Sinto em lhe dizer, mas não sou somente eu que acho Mariana linda. E eu
tenho certeza de que você sabe quem é a outra pessoa que tem a mesma
opinião que a minha. — Foi impossível não sentir certa satisfação ao ver o
sorriso de Angélica morrer aos poucos.

Márcio segura meu braço, deseja boa tarde ao trio e me tira daquela
situação constrangedora. Ele me leva até o seu carro e ao entrar estou tão
envergonhada, que não me atrevo a olhar em sua direção.

— Ei, moça bonita, você está bem? — indaga calmamente.

— Sim, somente envergonhada. — Atrevo-me a olhar em sua direção


e ele está me olhando sorrindo.

— Agora eu entendo o porquê de Pablo estar apaixonado por você.


Além de linda, você conserva uma inocência sedutora e cativante, que é
um convite ao pecado — revela com um sorriso faceiro e eu fico vermelha.
— Não se preocupe, meu coração já tem dona — sussurra, conspirador.

E foi impossível não sorrir. Márcio é um conquistador nato, acredito


que seduzir, seja algo tão natural para ele como respirar.

— Vamos, moça bonita, me passa seu endereço que vou te levar para
casa. — Pisca o olho esquerdo.

— Não precisa, você já fez muito me tirando daquela situação


vexatória, muito obrigada pela ajuda, aqui na frente tem um ônibus que
passa na minha rua — informo pegando minhas bolsas.

— Pablo arranca minhas bolas se ele souber que te deixei ir para


casa sozinha depois do que passou.

Informo o endereço e vamos o caminho todo conversando. Márcio é


tão galante que é impossível não se sentir bem ao seu lado. Ele tem o
dom de elevar o nosso ego.

Ele me leva até a porta da minha casa, vai todo caminho segurando
as minhas bolsas e derretendo corações por onde passa. Agradeço, ele
pisca o olho e vai embora, sendo seguido por vários olhares. A mulher que
se casar com ele terá que ter muito autodomínio para lidar com tantas
mulheres o cantando. Ele é um convite explícito ao pecado...

No cair da noite, meu pai chega e eu estou acabando de me vestir,


ouço ele falando que vai tomar banho enquanto me maquio, quando
termino me olho no espelho e não consigo mais ter o mesmo
deslumbramento da tarde.

Angélica conseguiu tirar o brilho das coisas.

Ao sair do quarto vejo meu pai estudando seu reflexo no espelho do


corredor e sorrio orgulhosa.

— Mas o senhor está muito lindo, painho — digo com um sorriso e ele
olha para baixo acanhado.

— Oxe fia, eu nem tô me reconhecendo com essa roupa toda chique


num sabe. Até que eu tô bem-apessoado. Mas, fia, você está linda por
demais! — Me elogia com um lindo sorriso nos lábios.
Sorrindo saímos e uma hora depois chegamos ao endereço que
Bianca me passou por mensagem. Nos identificamos na portaria e
seguimos para cobertura, noto que meu pai está tenso e seguro sua mão
tentando passar um pouco de tranquilidade. Assim que chegamos à porta,
tocamos a campainha e Fernando atende com um largo sorriso.

— Sejam bem-vindos! Como estou feliz de ter vocês aqui. — Bianca


nos cumprimenta vindo em nossa direção, ela me abraça de forma
calorosa e beija o rosto do meu pai que fica envergonhado com a
demonstração de carinho.

— Eu que agradeço por nos convidar, Dona Bianca. — Meu pai não
esconde o quanto está acanhado.

Sorrindo agradeço à Bianca e entrego o presente que comprei. Ela


abre e dá um sorriso como se fosse algo muito valioso, ao invés de uma
simples lembrança.

A campainha volta a tocar e eles nos dizem para ficarmos à vontade e


vão atender. Observo ao redor e vejo que tem poucas pessoas, acredito
que a maioria é da família.

Até meus olhos pararem em Pablo. A intensidade que ele me olha, me


faz perder a respiração, me sinto presa, sem conseguir desviar o olhar, ele
está lindo. Angélica o abraça e eu viro meu rosto quebrando nossa
conexão.

Suspiro tristemente e viro para meu pai e com surpresa o vejo com
Fernando e Márcio em uma divertida conversa sobre futebol. Sorrio ao
notar que meu pai está se divertindo.

Sinto tocarem no meu braço e viro meu rosto sorrindo, mas ele morre
nos meus lábios ao notar que é Pablo.

— Preciso falar com você, por favor — suplica quando me vê negando


com a cabeça.

Para evitar uma cena no jantar de noivado de Bianca, sigo com Pablo
até uma sala e assim que entramos ele fecha a porta.

Com raiva, viro para ele e por um breve momento, nós observamos
em silêncio. Ambos estamos com a respiração alterada, como se
tivéssemos fazendo um grande esforço para nos controlar. Inspiro
profundamente buscando readquirir o controle perdido, fecho meus olhos,
suspiro tentando encontrar no fundo do meu ser uma calma inexistente,
contudo, falho miseravelmente, ao abrir meus olhos o vejo vindo em minha
direção com uma expressão decidida.

— Sua noiva está... — Ele não me deixa terminar a frase, me puxa


pela nuca e me beija.

Pablo pressiona firmemente seu os lábios contra os meus e por um


breve momento fico parada, apática, como se não acreditasse ― e
realmente ainda não acredito ―, que aquilo estivesse acontecendo.

Pablo está me beijando, suspiro contra seus lábios, ele pressiona seu
corpo contra o meu e tenta abrir meus lábios com a língua.

Pablo está me beijando!

Desperto e me dou conta que não é um sonho, está acontecendo!


Pablo realmente está me beijando.

Com raiva, o empurro e lhe dou um tapa no rosto, ele me olha


incrédulo e vagorosamente leva a mão esquerda em direção ao seu rosto
que está começando a ficar vermelho.

Ofegante dou dois passos para trás.

― Por que você me bateu? ― questiona, irritado.

― Você me beijou! ― retruco, tentando controlar o tom da minha voz,


contudo, minha vontade era de gritar.

― Sim..., mas... eu, eu pensei que... ― balbucia, fecha os olhos


passa ambas as mãos nos cabelos, inspira fundo, como se tentasse
controlar a raiva, vira de costas para mim e dá um soco na parede.

Assusto-me com sua explosão. Nunca o vi assim. Pablo sempre se


demostrou frio e controlado. O observo fazendo um gesto de negação
com a cabeça, suspira derrotado e encosta a testa na parede.

― Eu pensei que você também quisesse. Eu sei que você me quer,


Mariana, você pode negar o quanto você quiser, mas eu sei e você
também sabe ― murmura em um tom sofrido e angustiado.
Ao ouvi-lo falar com tamanha angústia, foi impossível não dar um
passo em sua direção, no entanto, paro ao me lembrar de que ele voltou
com Angélica.

― Como você pode me beijar estando noivo? E pior! Sua noiva está
na sala ao lado ― digo com raiva e ele me olha confuso.

― Como?

― Não se faça de desentendido, Pablo!

― Eu te disse ontem que terminei meu noivado.

Olho para ele incrédula será que ele está pensando que sou alguma
idiota?

― Sua noiva teve o imenso prazer de me dizer que você tinha


mudado de ideia e que reataram o noivado e a maior prova disso é que
vocês dois vieram ao jantar juntos!

― Mas nós não voltamos!

― E o que você está fazendo aqui com ela, Pablo? Não me faça de
idiota! ― Viro de costas irritada, se continuar olhando em sua direção vou
acabar cometendo um desatino e jogando algo em sua direção.

― Mariana... ― segura meus braços.

― Não encosta em mim! Vai agarrar sua noiva ― digo com raiva
saindo do seu aperto e caminho em direção à porta, com o intuito de sair
daquela sala e ficar o mais longe possível dele. Entretanto, paro no meio
do caminho ao ouvi-lo rir.

Olho incrédula em sua direção, não acreditando que ele está rindo de
mim. Perco completamente a mente, pego a primeira coisa que vejo pela
frente e arremesso em sua direção.

Ele segura a almofada no ar e ainda tem a ousadia de rir mais alto.


Vejo sua reação de boca aberta e um esquentamento vai surgindo pelo
meu corpo. Ando em direção à mesa com a intenção de pegar algo que
realmente o machuque e tire aquele sorriso besta da sua cara.
― Calma, senão você vai destruir a sala de Michele ― pede, rindo
vindo em minha direção.

― Nem se mete a besta de chegar perto de mim, visse! E pare de rir


da minha cara ― digo com forte sotaque nordestino.

Ele para e aos poucos sua expressão muda, agora ele não ri mais.
Ele me olha como se fosse sua presa e eu ofego tamanha intensidade na
qual ele me observa e caminha em minha direção.

Levanto um braço o impedindo de chegar perto de mim.

Ele baixa o olhar para meu braço e me surpreende ao segurar meu


pulso e com força, o põe atrás do meu corpo e me puxa em sua direção.

Primeiro fico sem reação pelo susto, depois tento sair dos seus braços
e ele me segura mais forte.

― Para, Mariana. Eu não vou te largar!

― Para você de zombar da minha cara!

― Não estava zombando, só achando lindo a sua cena de ciúme. ―


Sorri, prepotente.

Eu fico tão incrédula que paro e o olho de boca aberta. Ele abaixa a
cabeça e chupa meu lábio inferior e eu viro a cabeça e tento mais uma vez
sair do seu aperto.

― Me solta ― peço, sussurrando.

― Não! ― Ele segura meu queixo e vira meu rosto em sua direção,
livro meu rosto do seu aperto e olho para o lado.

― Mariana, eu não voltei com ela ― suspira alto.

― Você veio com ela, Pablo e ela teve o imenso prazer de dizer isso
na minha cara. ― Volto a afirmar.

― Mariana, eu não voltei com ela, o tio de Fernando é marido da mãe


de Angélica, ele não está se sentindo bem e por isso que Angélica me
pediu para trazê-la. Nós não voltamos! ― Abaixa a cabeça e beija meu
pescoço. ― Eu só quero você, desisti de lutar contra mim mesmo. ― Ele
morde meu ombro e eu reprimo um gemido.

Ele dá pequenas mordidas ao longo do meu ombro, até meu pescoço.


Percorre meu pescoço com beijos demorados, morde minha orelha e eu
arfo.

― Acredite em mim, por favor, eu estou completamente apaixonado


por você ― sussurra ao meu ouvido e depois chupa minha orelha e eu
perco a capacidade de raciocinar.

Ele beija minha bochecha com tanto carinho, que olho em sua direção
e o que vejo nos seus olhos me faz perder o ar.

Pablo me olha de uma forma como nunca me olhou, com... não sei
definir, não quero pensar, não agora.

Sem saber o que fazer, encosto minha cabeça no seu peito e sinto
seu coração batendo acelerado, ele segura meu rosto com ambas as
mãos, o sinto beijar meus cabelos, levanta meu rosto e encosta a testa na
minha.

— Eu acho que amo você ― sussurra contra minha boca e me beija.

E eu me deixo ser beijada, mesmo porque, nesse exato momento sou


apenas emoção, não tenho a menor condição de pensar.

Enquanto me beija, ele segura meu rosto, delicadamente, com ambas


as mãos, como se tivesse medo de que a qualquer momento eu fosse
fugir. Faz um gostoso carinho na minha bochecha e é tudo tão delicado,
tão calmo, tão diferente do fogo que me consome por dentro, que tomada
pela emoção, sinto uma lágrima cair.

Ele para, me olha, beija meus olhos e limpa minhas lágrimas.

— Me ajude a mudar, me ajude a ser o homem que você merece,


porque eu não tenho mais forças para ficar distante de você ― ele implora
e eu, guiada por uma emoção, que até então era desconhecida para mim,
o beijo.

Ao contrário dele, não sou delicada, nem calma.


O beijo com paixão, loucura, desejo. Ele segura minha nuca,
aprofundando o beijo com a mão livre. O ouço jogando algumas coisas no
chão, logo depois, ele segura minha cintura e me põe sentada na mesa.

Arfo surpresa.

— Eu sou muito pesada.

— Você é muito gostosa! ― Sobe a mão pelas minhas pernas as


abrindo, sem desviar os olhos do meu, se põe entre elas, segura minha
bunda e me puxa ao seu encontro.

Abro a boca, surpresa, e ele volta a me beijar.

Levo minhas mãos aos seus cabelos, ele interrompe o beijo. Abro
meus olhos, sem desviar o olhar, ele morde meu lábio inferior, segura
minhas mãos e as prende atrás do meu corpo com a mão esquerda.

Segura meu queixo com a mão direita e me beija de um modo


selvagem, quando termina estou sem fôlego. Ele levanta meu queixo, beija
meu pescoço e eu arfo.

Ali, sentada naquela mesa, com Pablo entre as minhas pernas,


segurando minhas mãos nas minhas costas, beijando e mordendo meu
pescoço e eu sentindo o quanto está excitado, eu simplesmente não
consigo raciocinar, só sentir.

Ele me desequilibra, me faz perder o fôlego e a razão. Será que eu


estou preparada para ter algo sério com uma pessoa tão instável quanto
Pablo?

Perco a linha de raciocínio, quando ele me puxa ainda para mais


perto, colando seu corpo ao meu, e um delicioso arrepio toma conta de
mim ao sentir sua mão subir pela minha coxa trêmula, apertar minha
cintura, percorrer devagar a lateral do meu corpo e apertar o bico do meu
seio. Suspiro e solto um sofrido gemido, seguro a respiração, ao sentir
uma leve mordida no meu pescoço, arfo e ele me beija.

Sempre tive medo de um contato mais íntimo com Pablo, eu sabia


que ele tinha o poder de me desequilibrar, de me tirar do tino, de me
desestabilizar. Em seus braços, me vejo envolta em uma nuvem de
sedução e erotismo, os quais eu não tenho força para lidar. Em seus
braços, eu esqueço tudo ao meu redor.

Quando o beijo termina estou ofegante, ele inspira no meu pescoço,


como se tentasse memorizar meu cheiro, dá pequenos beijos até a minha
orelha e fala com um tom de voz revelando toda paixão que o consome.

— Esquece tudo, só pense em mim e em você, só em nós dois em


mais ninguém ― murmura, mordendo minha orelha e em meio a névoa de
desejo na qual me encontro, suas palavras me trazem à realidade.

Só pense em mim e em você...

Juntando forças não sei de onde eu o empurro. Ele se desequilibra e


cai sentado no chão, aproveito o quão atordoado está para sair da mesa,
ofegante.

Pablo me olha como se não acreditasse no que acabei de fazer, ele


põe ambas as mãos no rosto e esfrega vigorosamente, murmurando algo
que não consigo compreender, levanta e anda em direção ao bar, pega
uma bebida que não sei o nome, bebe em um só gole e põe o copo sob o
balcão com força.

Assusto-me com a sua agressividade e me abraço. Ainda estou


ofegante, meu corpo permanece quente, porém, não mais estou em uma
névoa de paixão.

― Eu... eu não posso! Entre nós dois tem muita coisa... São muitos
fatores envolvidos para ser algo apenas sobre nós dois ― sussurro de
cabeça baixa.

— Mariana...

— Por favor, não fale nada. Eu... nesse exato momento, não tenho
estrutura emocional para consegui dialogar ou mesmo ter uma conversa
coerente. ― Abaixo a cabeça e viro de costas.

― Mariana, eu sei que fui muito, digamos intenso, simplesmente não


consegui me controlar ― Ele segura seu cabelo e demonstra uma
expressão frustrada ― Meu objetivo inicial era ter uma conversa tranquila
com você, mas assim que te toquei, perdi o controle. ― Seus braços me
rodeiam, respiro fundo e saio do seu enlaço,
― Não posso, Pablo, os motivos que nos separam continuam os
mesmos ― afirmo triste.

― E se eu mudar? ― indaga com raiva e ele gira meu corpo e segura


meu queixo ― E se eu mudar? ― volta a pronunciar, só que em um tom
rouco, me olhando nos olhos. ― Se eu mudar, você nos dá uma chance?

Abro e fecho a boca sem conseguir articular uma única palavra.

Ele beija minha testa, minhas bochechas e sussurra ao meu ouvido.

― Eu vou tentar mudar por você, Mariana, porque simplesmente não


consigo mais me manter afastado. ― Tenta me beijar e eu saio dos seus
braços, caminho até a porta e saio o ouvindo chamar meu nome.

Meio atordoada vou em direção à sala. Assim que chego, fecho os


olhos e respiro fundo.

Levo um susto ao ouvir a voz de Bianca.

― Mariana, gostaria de te apresentar minha amiga e praticamente


irmã, Michele. ― Bianca sorri ao me apresentar uma exuberante loira.

A mulher era simplesmente linda, cabelos longos dourados, com


ondas que iam até o meio das costas. Ela era alta, olhos claros e apesar
da gravidez, era incrivelmente sexy.

Ela me olha, sorri de uma forma meiga, inclina a cabeça para o lado e
levanta uma sobrancelha.

― Gata, o que houve? Por que você está com essa carinha triste?
Pablo, o gato nerd, falou ou fez alguma coisa com você? Pode falar que eu
vou lá e dou na cara dele! ― Michele fala enérgica e eu a olho assustada.

― Calma, Michele! O que houve, Mariana? ― Bianca questiona


calmamente.

― Não houve nada. Ele... só disse que não vai mais..., mas eu, eu
não posso... Eu só pensei que depois de tudo que passamos... que eu
não... ― balbucio com voz trêmula.

Para minha total e completa surpresa Michele me abraça.


― Mona! Se preocupa não, vou te defender, tá? Sei que hoje não dá
para conversar direito, mas vamos sair amanhã para almoçar e vamos
conversar. ― Ela beija meu cabelo e Bianca me abraça do outro lado.

Sorrio e me sinto acolhida.

― Obrigada ― digo sem jeito.

O jantar transcorre com um misto de fortes emoções, cenas no


mínimo inusitadas e um verdadeiro pesadelo.

Foi lindo presenciar a emocionante declaração de amor que Bianca


fez a Fernando, acredito que todos os presentes se emocionaram.

Foi no mínimo curioso notar o interesse de meu pai em Maria, nunca


vi meu pai interessado em ninguém antes. E muito menos imaginei que ele
iria se interessar por uma pessoa tão, tão... Ainda não sei defini-la,
acredito que leve certo tempo até eu ter uma opinião definida sobre ela,
até porque não gosto de fazer pré-julgamentos. Digamos que Maria, seja
singular...

E pesadelo, por ver Pablo de braços dados com Angélica, apesar de


que, em vários momentos no decorrer da noite, vi o casal discutindo. No
entanto, nesse momento Pablo está sentado na minha frente me
encarando enquanto, Angélica o abraça.

Que situação constrangedora!

Logo após o jantar, meu pai nota meu desconforto e me chama em


um canto.

― Está tudo bem, fia? ― meu pai questiona preocupado, e eu nem


me dou ao trabalho de dizer que está tudo bem.

― Estou com um pouco de dor de cabeça, o senhor se importa de


irmos embora? ― peço, realmente me sentindo mal.

Meu pai faz um gesto afirmativo com a cabeça, contudo, noto que
ficou desanimado, me sinto pior ainda. Já que há muito tempo não o via
tão animado, hoje vi meu pai sorrindo e se divertindo e para a minha
completa e total surpresa, paquerando. Confesso que fiquei chocada!
Antes de sair, nos despedimos de todos, ou quase todos, pois evito ir
na direção em que Pablo e sua noiva, ou seja lá o que Angélica é dele. No
entanto, quando ele nota que estou saindo sem lhe dirigir a palavra, ele se
desvencilha de Angélica e vem em minha direção.

Viro meu rosto e reparo que meu pai está todo sorridente se
despedindo de Maria.

― Mariana, por favor, precisamos conversar.

― Sabe, Pablo, você já está se tornando repetitivo. Sempre diz que


precisamos conversar, mas ambos sabemos que não temos mais nada a
conversar. Volta lá para sua noiva ― digo em um tom baixo, porém,
enfurecido.

―Eu já disse que ela não é mais a minha noiva! ― Soa frustrado.

― Pois não foi o que pareceu, já que você deixou que ela te
agarrasse a noite toda ― retruco com raiva.

Ele segura meu braço e ambos levamos um susto ao ver Michele


batendo no seu braço.

― Presta atenção! Toca nela assim de novo, que eu dou um tapa no


meio da sua cara ― Michele o ameaça apontando um dedo.

― Mas. Eu, mas... ― Pablo gagueja e ajeita os óculos.

― Nem menos, nem mais! Tu é nerd e gato? É. Fica sexy gaguejando


e falando enrolado? Fica. Mas daí a querer dá uma de macho alfa na
minha casa, é muito ruim, hein bofinho! Meto a mão na sua cara ―
Michele volta a ameaçar com a mão na cintura.

Eu juro que nunca na minha vida vi uma mulher rica fazer um barraco,
NUNCA. Bem, mas eu não conhecia Michele...

Olho para Pablo e vejo que ele observa Michele horrorizado. A cena é
tão inusitada que eu tenho uma crise de riso.

― Tadinha gente, está rindo de nervoso, né meu bem? ― Ela dá


pequenos tapinhas no meu ombro ― Mas, olha, fica tranquila, tá?! Vou
pegar seu número com Bianca e amanhã vamos dar um passeio no
shopping, e eu vou te ensinar a pôr determinados homens em seu devido
lugar! ― Levanta a sobrancelha em direção a Pablo. Que ainda a olha de
boca aberta.

Ela segura meu braço e me tira de perto de Pablo, me leva até meu
pai e à Maria, que voltou a ficar escorada em uma parede. Bem, a
verdade foi que ela passou a noite escorada na parede. Eu acho que ela
não está passando muito bem, ela fica fazendo bicos meios estranhos.

― Mariana, acho que Bianca já te apresentou à Maria. Ela trabalha


comigo. Na verdade, Maria é mais minha amiga, que minha empregada.
Liga não, bem, a bicha é louca, mas é gente boa, tá? Te garanto que você
vai gostar dela. ― Apenas aceno, surpreendida demais com o jeito
despojado de ser e de falar de Michele.

Ao contrário do que imaginava, saio do jantar sorrindo. Depois de uma


hora chegamos em casa e meu pai foi todo o caminho falando animado do
jantar e, principalmente, de Maria. Depois de um demorado banho e de
finalmente me deitar na cama, volto a sorrir ao me lembrar da expressão
de espanto que Pablo fez ao ouvir Michele.

Eu acredito que será no mínimo interessante conhecer Michele...


Capítulo 9

Angélica
Faço parte daquele seleto grupo de pessoas que nascerão para
casar, viver no luxo e serem paparicada. E fielmente acredito que mereço.
Principalmente depois que meu padrasto, deixou claro que a vida de luxo
na qual estava acostumada, tinha seus dias contados e já estava na hora
de arcar com minhas necessidades.

Sou linda e perfeita! E sempre tive a convicção que não seria difícil
encontrar um bom partido.

Tenho pele alva e macia, longos cabelos lisos loiros, que adornam
um rosto com traço fino e sofisticado, lábios graciosos, olhos azuis
cativantes e um pescoço altivo. Tive uma educação austera e rígida, na
qual aprendi como ser uma perfeita socialite para casar-se, e ser muito,
adorada e mimada pelo meu marido.

Por muitos anos achei que esse, marido, seria Fernando Lacerda,
minha paixão de infância. No entanto, depois de uma linda noite de amor,
ele começou a me evitar. Lidei com a situação como sempre lido, fingindo
que está tudo bem, e me divertindo com coisas fúteis. Afinal
uma perfeita socialite, nunca iria fazer um escândalo e manchar a sua
imagem. Não, isso jamais, imagem é a única coisa que eu tenho.

Sim, tenho consciência desse fato, e me agarro a ele com unhas e


dentes.

Antes de, literalmente, embebedar Fernando e finalmente passar a


noite juntos, eu estava com uma pessoa que me dizia que queira me dar
as estrelas.

Victor.

Um lento e triste sorriso surge em meus lábios ao me recordar do


artista, que tocou meu corpo com maestria. Contudo, infelizmente ele
estava muito longe de ser o homem que eu consideraria perfeito, era para
ser algo, escondido, mas ele quis tudo e infelizmente não pude dar.

Ele me mostrou um sentimento que eu não conhecia, mas que não


consegui retribuir, Victor me excluiu da sua vida, mas eu não tinha tempo
para lamentar, tinha um meta a cumprir.

Meus planos eram, engravidar depois de uma noite de sexo com


Fernando, não deu certo. Quando ele viajou, me envolvi com um homem,
muito mais velho, todavia minha mãe me garantiu que ele me daria todo o
conforto o qual merecia, e seria verdadeiramente adorada. E fora assim,
por um tempo, festas, viagens, joias e muitos mimos. Contudo, na
intimidade, bem, digamos que nem sempre era bom. Meu ex noivo era um
dominador... E nem sempre, quase nunca era bom.

O tempo passou e Fernando retornou, vi ali meu sonho renascer, no


entanto, nada deu certo. Contra todas as probabilidades, Fernando se
envolveu com Bianca Soares, uma mulher completamente fora do perfil de
mulheres no qual ele se envolvia. E com imenso desgosto o vi mudar por
ela, o vi a mimar do jeito que eu sonhava ser mimada por ele.

Por um curto espaço de tempo, almejei uma doce vingança. Ajudei


Marcela a encontrar as ex de Fernando, a grande maioria faz parte do meu
círculo social, porém, logo vi que nada o faria desistir dela e eu a invejei
por isso. Não somente por ter Fernando, e sim por ter alguém que a
adorasse.

Quando conheci Pablo, vi nele a chance de ser tratada como


realmente merecia, afinal, ele aparentava ser tímido e desajeitado, o qual
eu imaginava que iria conseguir manipular ao meu bel prazer. E foi com
surpresa que em vinte minutos de conversa, constatei que ele era um
dominador, que por baixo daquela aparência de homem atrapalhado existe
outro, ou melhor, vários outros.

É digamos, complicado lidar com Pablo, ao contrário do que antes


imaginava, ele não me mima, pelo menos não emocionalmente, nisso ele
é bem frio. Nunca gostei muito de sexo, principalmente dominação, mas
com ele é, agradável. Pablo sabe dar prazer a uma mulher, confesso que
foi surpreendente para mim.

Pablo é ambicioso e sagaz, fizemos um acordo mudo. Ele me dá o


luxo e a vida de conforto a qual eu mereço, em contra partida, sou o cartão
de passagem para a sua entrada no ciclo social que tanto almeja.

Tudo estava perfeito, até ela aparecer.

Mariana!

Desde então Pablo mudou, não que ele algum dia tivesse sido
amoroso, acredito que ser carinhoso não é um traço dá sua personalidade,
ele era gentil. Sexo, praticamente não fazemos mais. E nas poucas vezes
que acontece, o sinto longe, como se realmente não estivesse ali, comigo.

Sei que nesses momentos está pensando nela.

Eu não queria me envolver, queria que fosse apenas algo, digamos,


vantajoso para ambas as partes. Desde a minha primeira decepção com
Fernando, todos os meus relacionamentos eram assim. Uma troca de
interesse, sem um real envolvimento emocional.

Mas me envolvi, eu acho que foi por causa do sexo. Nunca antes
tinha tido prazer, outrora não me agradava ser submissa , no entanto, com
Pablo, foi... Diferente. Ele é um amante habilidoso e sempre buscava o
meu prazer, me submeter a ele nunca me trouxe dor, como aconteceu no
passado... Apenas prazer e satisfação sexual, emoção essa que antes era
desconhecida para mim.

E quando ele me disse que queria desfazer nosso acordo, que não
me queria mais. Não lidei muito bem, não consegui ser fria e agir como se
pouco me importasse. Primeiro tentei seduzi-lo, não deu certo. Depois o
lembrei dos seus objetivos, não surgiu o efeito desejado.

Tentei de tudo e nada, absolutamente nada o abalava, ele saiu dá


sala e disse um simples, acabou. Nesse momento, tudo caiu em completo
esquecimento. Por um breve momento, me esqueci de que fui educada
para ser uma moça de fino trato para casar.

Fiz um verdadeiro escândalo na recepção dá empresa, pela primeira


vez na minha vida, pouco estava me importando com o que as pessoas
iriam falar de mim ou dá minha aparência. Contudo, não surgia efeito, não
importava o quanto gritava, Pablo continuava a andar em direção à saída
me ignorando completamente.

Até que toquei no nome dela.


Mariana!

Imediatamente ele parou, e pela primeira vez vi Pablo tendo uma


emoção que não era controlada e meticulosamente calculada, o vi
descontrolado, a defendendo com vigor e paixão. E naquele momento fui
tomada por um misto de emoções conflitantes.

Ódio.

Amor.

Inveja.

Eu o amei, e o odiei ao mesmo tempo, e principalmente invejei


Mariana.

Ha muito custo consegui o convencer, a não desistir de ser meu


acompanhante no jantar de noivado de Bianca e Fernando. Ele sabia o
que já senti por Fernando, algo parecido o que ele sentiu por Bianca.
Acredito que por pena, ele cedeu as minhas sinceras súplicas. Dizer que
não me sentir momentaneamente humilhada, seria mentira. Porém, logo
sorri como se nada tivesse acontecido, e ao sair dá sua sala, não me
contive ao passar a frente dá sala de Mariana e quis que ela sentisse um
pouco do amargo, que estava sentindo no fundo do meu ser.

E consegui, saí dali vitoriosa ao ver o sofrimento estampado no seu


rosto. Contudo, essa momentânea felicidade durou até a noite.

Esse jantar foi um dos piores momentos dá minha vida!

Naquele momento mais que nunca, tive que fazer valer toda a
disciplina na qual fui educada, e sorrir serenamente, para todos, como se
tudo estivesse perfeitamente bem.

Entretanto, nada estava bem.

De um lado vendo minha paixão de infância, declarando seu amor


publicamente e feliz com uma noiva gorda e grávida. Por outro o meu
atual, quase ex noivo, sumido com Mariana, uma gorda nordestina, em
algum canto dá casa.
Sei que não sou bem vinda nesse lugar, sei que ninguém me quer aqui.
Porém, mantenho a pose, altiva e linda.

Quando Pablo volta, observo que está visivelmente abalado. No


decorrer dá noite demonstro para todos que estamos bem, em vários
momentos o abraço e quando ele desviava, discutíamos.

Durante toda noite, noto os olhos de Pablo vagar em direção a


Mariana, e neles a paixão claramente refletida.

Eu quero que ele sinta isso por mim.

Quero essa paixão, quero ser consumida pelo fogo que vi arder em
seus olhos ao defender Mariana.

E eu vou lutar e muito por isso.


Capítulo 10

Pablo
Deitado em minha confortável cama, observo o luxo que me rodeia e
sorrio com pura satisfação. É engraçado o quanto, às vezes, nos
acostumamos com algo e simplesmente apagamos ― ou no meu caso,
tento apagar ao máximo ―, o passado.

Ontem tive um choque de realidade ao ir à casa da Mariana.

Levanto-me da cama angustiado ao me recordar do local onde


Mariana mora. O problema em si não foi à casa dela, era humilde, mas
limpa. Esse fato não me surpreendeu, dada à clara mania de organização
que ela demonstra ter no escritório...

Entro no box, ligo o chuveiro e sinto a água gelada banhar meu corpo,
apesar do leve estremecimento, ponho a cabeça embaixo do jato gelado,
com o intuito da água fria apagar todas as minhas dolorosas lembranças.

Quando fui à sua casa, na comunidade, fui dominado pelo pânico e


recordações torturantes invadiram minha mente. A princípio titubei, algo
me dizia para ficar o mais longe o possível daquele local, contudo, minha
preocupação com bem-estar de Mariana falou mais alto. A cada passo que
dava, os odores me causavam calafrios, ao entrar em sua residência, vi o
quão eram precárias as suas instalações e mais uma vez me questionei:
Por que ela se orgulhava daquilo?

Não me demorei lá por vários motivos, o mais importante dele, era ter
a consciência que se ficasse por mais tempo, em um cômodo apertado
sentindo o delicioso aroma que emanava do seu corpo, muito
provavelmente iria sucumbir ao desejo que me queima.

Ao sair da comunidade passo em uma loja e compro um telefone


celular de última geração. Deixo em sua mesa, sigo para minha sala e lá,
encontro Angélica me esperando.

Nossa conversa foi complicada.


Ontem Angélica agiu de forma desequilibrada, algo que eu achava
muito pouco provável que ela fizesse um dia. Porém, como tenho
aprendido, nunca conhecemos completamente as pessoas, nem a nós
mesmos. Até há algum tempo, estava convicto que iria me casar com ela,
e alcançar todos os meus objetivos, e, no entanto, hoje, meus desejos e
anseios mudaram. E ela não está aceitando essa nova realidade muito
bem, eu a entendo, também relutei em aceitar.

Eu e Angélica tínhamos tudo para dar certo, sexualmente somos


compatíveis, ela é submissa aos meus desejos e dizer que isso não me
agrada seria uma grande mentira. Ambos somos ambiciosos, sei que ela
não me ama, como acredito que ela saiba que eu também não nutro esse
sentimento por ela. Então, a meu ver, seríamos um grande casal, sem
conflitos e perturbações amorosas envolvendo nosso relacionamento.

Seria perfeito, se Mariana não tivesse aparecido em minha vida.

Relutante, e com um pouco de pena, a levo no jantar de noivado de


Bianca. Sei o quanto essa situação é difícil para ela, afinal ela foi por anos
apaixonada por Fernando, e seria para mim também se esse novo e
importuno sentimento por Mariana não tivesse surgido, sorrateiramente,
tirando o meu controle. E em contrapartida me fazendo superar o que
sentia por Bianca.

No caminho, Angélica tenta me seduzir, o que foi constrangedor para


ambos, pois não senti nada e esse episódio a deixou irritada. Nesse clima
nada agradável, chegamos ao jantar.

Bianca como sempre estava belíssima, a gravidez lhe trouxe uma


suavidade e candura, que antes não era um traço da sua personalidade.

Algum tempo depois, Mariana chegou com o pai.

Mariana hoje estava magnífica, seu vestido emoldurava seu corpo,


aos meus olhos, lindo corpo e fonte dos meus desejos e sonhos mais
sórdidos e perversos.

Era simplesmente impossível desviar o olhar da sua deliciosa figura,


não me contento em apenas observar, a convido para conversarmos em
um lugar mais calmo.
Brigamos, discutimos e ela me mostrou o fogo que eu sabia que
existia por baixo do seu olhar tímido.

Beijar Mariana foi tudo o que imaginei e mais um pouco, seus lábios
são macios e deliciosos. A senti insegura e trêmula nos meus braços e
isso me fez acreditar que ela não tinha muita experiência. O que só aflorou
mais ainda o meu desejo, entretanto, me controlei e a beijei suavemente
deixando que ela aos poucos se acostumasse com meu toque.

Ao me introduzir entre suas pernas, o cheiro da sua excitação me


bateu em cheio, segurei suas mãos atrás do seu glorioso corpo, ela gemeu
e mordeu os lábios inferiores e eu perdi o pouco de controle que ainda
possuía, me vi desesperado arremetendo meu quadril vigorosamente em
direção ao seu centro, enquanto percorria seu pescoço com beijos e
mordidas.

Implorei, para ela não pensasse em nada, somente em nós dois.


Somente eu e ela. E sou surpreendido com ela me jogando ao chão,
demoro cerca de dez segundos, atordoado não acreditando no que
acabou de acontecer.

Depois de dizer uma série de insultos, ela sai da sala, me deixando


excitado e irritado.

Quando finalmente consigo me acalmar, volto para o jantar e a tortura


começa. Passei a noite intercalando entre discussões com Angélica, e
seguir Mariana com o olhar, sem nunca poder me aproximar.

Uma verdadeira tortura!

Quando noto que ela está se despedindo, em um ato impulsivo a


seguro pelos braços, mas sou impedido por Michele.

A verdade é que impedido não seria bem a palavra, fui ameaçado.


Fiquei tão perplexo que a deixei ir.

Ao voltar para casa, Angélica nos põe em mais uma situação


constrangedora ao tentar novamente me seduzir.

Foi simplesmente patético.

E agora, debaixo do jato gelado, tento inutilmente me esquecer de


tudo, ou melhor, quase tudo.
Nunca poderia me esquecer do quão maravilhoso foi ter Mariana
gemendo em meus braços. Sinto a excitação tomar conta do meu corpo e
vigorosamente me toco, buscando meu prazer solitário e quando chego ao
ápice, clamo pelo seu nome.

― Mariana... ― murmuro ao sentir os tremores de prazer tomando


meu corpo.

Marquei de encontrar Márcio para almoçarmos no shopping, sei que


desse encontro virão vários interrogatórios. Há um tempo Márcio tenta
conversar comigo, porém, sempre dou uma desculpa para fugir. Não
queria conversar nem ao menos admitir o que sentia.

Mas agora, não consigo mais esconder e essa conversa, esse


desabafo será bem-vindo.

Antes de ir ao encontro de Márcio, sigo para a empresa, queria


desesperadamente ver Mariana, mesmo que seja para somente dar seu
café da manhã e lhe desejar um bom dia.

Sigo para o escritório, sério, sem muita paciência para retribuir os


cumprimentos que me são dirigidos. Sinceramente, não sei por que ainda
tentam, já deveriam saber que não sou uma pessoa muito sociável.

Entro na sala de Mariana e inspiro profundamente, seu delicioso


aroma está impregnado no ambiente, deixo seu café da manhã na mesa,
com um cartão com um pedido para me procurar assim que chegar. Virou
nosso ritual, todos os dias trago seu café da manhã. Anseio com o dia que
vou levar o café para ela na cama, na minha cama, com ela nua me
esperando graciosa rodeada por lençóis de fios egípcios e todo o luxo que
ela merece e eu terei o imenso prazer em oferecer.

Vou tratá-la como uma rainha eu quero que ela seja minha, para
proteger, amar e adorar cada pedacinho do seu corpo.

Com um sorriso fugaz sigo para meu escritório e enquanto espero ela
chegar reviso alguns projetos. Ouço uma batida na porta e sorrindo
autorizo a entrada, meu sorriso morre em meus lábios conforme a porta se
abre e o pai de Mariana adentra em minha sala.

― O senhor me descurpa, mas eu preciso falar com o senhor! ―


anuncia com um sotaque repugnante.
― Acredito que não temos absolutamente nada para falar. Por favor,
ponha-se daqui para fora! ― ordeno irritado. A simples presença desse
homem me tira a pouca paciência que ainda conservo.

― Bem, senhor Pablo, o senhor vai me descurpar, mas ando


aperreado por demais e não arredo o pé daqui até o senhor me dizer quais
são suas intenções com a minha menina, visse!

Perplexo, observo surpreso o ser a minha frente. Fiquei surpreso com


a sua audácia em me desafiar. Pessoas humildes normalmente ficam
intimidadas e retraídas em minha presença e essa sempre foi à atitude da
pessoa que está na minha frente, até o momento.

Depois de analisá-lo por um tempo, franzo o cenho. Confesso que a


princípio queria tirá-lo da minha frente a todo custo. Contudo, minha
curiosidade foi aguçada.

― Tenho sérias dúvidas que algo que você vá me dizer, me interesse


de alguma forma ― alerto seco.

Para minha grande surpresa, ele sorri e abaixa a cabeça e isso me faz
recordar de Mariana. Ela sempre faz isso quando ― por suas palavras ―,
irá me pôr no meu devido lugar.

Sorrio irônico, jamais um semianalfabeto como esse, terá argumentos


para nem sequer dialogar comigo, quanto mais "me pôr no meu devido
lugar"

Ele indica a cadeira com o queixo e eu aceno para ele se sentar.


Fecho meus olhos e inspiro profundamente, buscando uma calma
inexistente, por causa dela.

Mariana...

Por mais que eu queira pôr esse homem para fora da minha sala aos
gritos, ― e vai por mim, eu quero― não vou fazer isso por causa dela. O
mínimo que ela pode fazer é reconhecer esse enorme esforço que estou
fazendo por sua causa.

Ele me observa por um tempo sorrindo, com um semblante calmo, e


isso me deixa ainda mais intrigado.

― Sabe, doutor...
― Não tenho doutorado para ser chamado de doutor. ― O interrompo
secamente.

Ele continua sorrindo como se não se abalasse com a forma que me


dirijo a ele. Estranho, a cada momento que passa, esse homem mantém
mais a minha atenção.

― Eu sei, num sabe, é apenas um modo respeitoso de falar ― ele


explica sorrindo.

―Por favor, vá direto ao assunto.

― Sabe, Seu Pablo, não tenho muita instrução, mas estou


acostumado a lidar com pessoas, com todo tipo de pessoas, e não me
importo mais o que elas sentem por mim, ou mesmo pela forma com que
elas me tratam. Quando era moço, eu era da ‘pá-virada’, vixe! Eu era
o catiço, num sabe? ― ele comenta sorrindo e o observo abismado.

― Por favor, vá direto ao assunto ― volto a repetir ―, pouco me


importa como o senhor era antes ou como se comporta agora.

Ele sorri, abaixa a cabeça e volta a falar como se eu não tivesse o


ofendido intencionalmente.

― Como estava dizendo, tudo eu queria resolver na peixeira, num


sabe?! Mas tudo mudou depois que eu tive Mariana. Nossa! Minha vida
mudou, meu modo de ver a vida mudou. Deixei de ter ‘pavio curto’, porque
minha menina só tinha a mim nessa vida. E por ela, eu aprendi a engolir
muita coisa. Larguei minha terra e vim para esse Rio de Janeiro para ela
ter uma vida melhor...

― E aposto que ela teve que brigar com unhas e dentes. Para ter uma
instrução superior, não é mermo? Tenho certeza de que o senhor está
muito feliz, por ela agora está pondo dinheiro em casa, não é mermo? E
sem a menor sombra de dúvida, acha que é um desperdício de tempo ela
trabalhar e ainda estudar, não é mermo? ― indago irritado, imitando seu
tom de voz e ele tem a audácia de novamente sorrir e abaixar a cabeça
em negação.

― Acho que o senhor não ouviu direito o que eu falei, num sabe?! ―
sorri calmo ― Mas vou repetir. Eu te entendo Seu Pablo. Já fui
assim, aperreado com tudo, sentindo uma raiva que vem de dentro e não
se acalma por nada nesse mundo. E essa raiva nos consome, nos
maltrata, aperreia nosso juízo a tal modo, que a gente não consegue
segurar ela e sai jogando para tudo que é lado. Eu te entendo num sabe?!
Já fui assim como o senhor. ― Sua voz soa séria e eu perco a fala.

Em algumas palavras, esse homem semianalfabeto e ignorante me


tirou a capacidade de articular uma única palavra, engulo em seco e ele
continua a falar.

― Mas eu mudei. No dia em que minha Mariana nasceu, ela foi como
uma luz para mim, a luz da minha vida e por ela eu mato e morro! Eu vim
para esse Rio de Janeiro para ela ter uma boa vida. Deixei ela um ano
com minha família e consegui dois serviços aqui no Rio, todo mês
mandava um dinheirinho para minha família cuidar da minha menina e
quando consegui comprar uma casinha, humilde, eu sei, mas era nossa,
eu arrumei ela bonitinha... Enfim, fui lá na minha terra buscar minha filha e
encontrei ela toda maltrapilha e judiada...

Ele para de falar e inspira fundo fechando os olhos, como se estivesse


buscando algum controle, como se essas recordações o abalassem
profundamente e eu estou com a respiração suspensa, ouvindo seu relato
e me dando conta do quão Mariana já sofreu, e meu instinto de proteção
aumenta a cada minuto.

― Sabe, quase fiz uma besteira depois que vi minha linda menina
daquele jeito, mas me segurei por ela e a trouxe comigo para o Rio.
Continuei a trabaiá em dois empregos, botei minha fia em tudo que foi
curso que vi pela frente, tudo o que eu podia eu dei à minha menina, há
dois anos Dona Bianca me viu aperreado, por não saber como iria pagar a
faculdade e os cursos de Mariana, mesmo trabaiando em dois empregos
estava difícil para mim, num sabe... ― Levanto a mão o interrompendo.

― Se não conseguia pagar, por que não tirou ela de um dos cursos e
falou para ela procurar um emprego? Duvido que não fez isso! ―
questiono em um tom debochado.

― Mas homem, tu não tá ouvindo o que estou dizendo, não é? Eu já


disse que os estudos da minha fia é importante por demais para mim. É
nunca que eu iria deixar minha fia trabaiá e atrapalhar seus estudos. Era
mais fácil eu arranjar três serviços do que ela trabaiá em um! ― ele diz
com raiva e pela primeira vez o vejo descontrolado e fico surpreendido
com sua resposta.
― Você incentivou Mariana a estudar? Tem certeza de que não foi
Bianca quem fez isso? ― pergunto, incrédulo.

― A Dona Bianca me ajudou por demais! Depois que minha menina


acabou os cursos ela arranjou esse estágio para ela. O senhor se lembra?
O senhor estava junto no dia que ela me disse que iria conseguir um
estágio aqui.

Me recordo desse encontro, o modo como o tratei nesse dia, foi um


dos motivos para Bianca terminar nosso breve relacionamento.

— Minha menina é inteligente por demais, ela sempre tirou notas


boas. É uma menina doce, de bom coração e jeitosinha por demais! ―
afirma sorrindo.

É impossível não notar o orgulho implícito em seu tom de voz.

― Sabe Seu Pablo, não tenho instrução nem muito menos sei falar
bonito, mas sei o que é sofrer do coração e eu sei que minha fia está
sofrendo! Como também sei que a causa desse sofrimento é o senhor. E
eu amo minha menina por demais para deixá-la cair na mão de
um cabra que só vai fazer mal a ela, num sabe?! Eu até disse para ela que
não me importava que você me tratasse mal, tanto que a tratasse bem,
fosse carinhoso e amoroso com ela. Criei minha filha com muito amor e
carinho, Seu Pablo e não vou deixar que nenhum cabra a maltrate, visse?!
― afirma sério e mais uma vez ele me deixa sem fala.

Ele nota, que estou sem argumentos e ele continua.

― Há dois dias eu vi o modo que o senhor defendeu minha menina na


frente de todo mundo. E ontem o senhor foi grudado feito um carrapicho
com sua noiva à festa de noivado de Dona Bianca. Então eu volto a
perguntar o que o senhor quer com a minha menina? ― indaga, sério.

E algo que para mim era impossível, aconteceu, fico sem fala diante
de um nordestino ignorante!

Abro e fecho a boca sem conseguir falar, um tanto surpreso por ele ter
conseguido me encurralar.

― Não...e... bem, não ... fo-fo, foi isso que... ― Fico com raiva de mim
mesmo por estar gaguejando na frente desse ser inferior e demonstrando
uma fraqueza, há muito tempo superada.

Fecho meus olhos e inspiro e solto o ar devagar, aperto meus punhos


com raiva, com vontade de socar algo.

― E o senhor nem pense em dizer que não é da minha conta, visse!


Minha Mariana é sim, e muito, da minha conta e volto a falar que criei
minha filha com muito amor e carinho e não vou deixar nenhum cabra a
maltratar.

Abro meus olhos surpreendido com suas palavras porque era


exatamente isso que eu iria dizer.

― Vim aqui e abri meu coração para o senhor, não precisava, eu sei,
mas queria que o senhor entendesse o tamanho do meu amor, do meu
bem querer por minha fia. Então, por favor, me diga, porque eu não estou
entendendo mais é nada, visse. Faz é tempo que tenho notado seus
olhares para minha menina, viu?! Mas eu também sei que minha fia me
ama tanto quanto eu a amo. Por isso, no dia que vi o modo como o senhor
enxotou a sua noiva e defendeu minha menina na frente de Deus e todo
mundo, eu conversei com minha fia e lhe disse que não me importava o
modo como o senhor me tratasse, mas ontem tava o senhor com sua
noiva grudada feito carrapicho em você. Eu não estou entendendo mais é
nada, num sabe?!― indaga em um tom confuso e apesar do forte sotaque,
eu o compreendo.

E eu finalmente compreendo Mariana.

E apesar de não gostar, sou obrigado a reconhecer que o Pai de


Mariana, apesar de ser semianalfabeto, não me soa mais tão ignorante...
Ama sua filha e está na minha frente a defendendo do que ele acha que
irá machucá-la, no caso eu.

Suspiro frustrado.

Minha frustração é por ter, finalmente, entendido por que Mariana não
vai ficar comigo enquanto eu não começar a tratar seu pai bem.
Infelizmente, eu tenho que admitir que ele é diferente do que eu
imaginava, o fato dele ter lutado pela educação dela, me surpreendeu de
forma inigualável.
Quando ele entrou em minha sala, nunca, em nenhum momento eu
poderia sequer imaginar que ele iria revelar algo parecido com isso.

Um nordestino semianalfabeto me surpreendeu e isso para mim é


muito surreal. Resignado, começo a fazer algo que eu nunca poderia
sequer imaginar, dar uma explicação ao pai de Mariana.

― Meu relacionamento com Angélica terminou, contudo, ela não está


aceitando esse término muito bem.

― E quais são suas intenções com minha fia? O que tu quer com
minha fia? ― questiona me olhando firme e seu olhar me incomoda a tal
ponto que me levanto e vou para janela, respiro fundo tentando readquirir
algum autodomínio, entretanto, falho e revelo a verdade nua e crua sem
nenhum tipo de máscara ou subterfúgio.

― Tudo! ― murmuro angustiado― Eu quero tudo com ela. Meu único


e maior empecilho é você. ― Viro em sua direção.

O pai de Mariana não desvia, fixa o olhar em mim altivo, orgulhoso e


sério. Por um tempo nos olhamos, travando uma luta silenciosa.

― Sabe, Seu Pablo, aprendi a duras penas como ser um homem


calmo, mas sou frouxo não, visse?! Cê acabou de dizer que quer de um
tudo com minha menina. E isso significa exatamente o que? Minha fia é
pobre, mas é moça direita e tem um pai que a defenda ― assegura em um
tom sério, com o olhar fixo nos meus.

Sorrio, porque vi muito de Mariana nele, e confesso que brotou em


mim certa curiosidade. Saber como ele conseguiu ― a duras penas―, ser
um homem mais sereno.

Serenidade não faz parte do meu vocabulário, talvez Mariana me


traga a calma que necessito para minha vida.

Mas para tê-la eu preciso me entender com ele.

― Quero que Mariana seja minha no sentido mais amplo da palavra.

― De papel passado? ― indaga.

― O que exatamente significa isso? ― questiono confuso.


― Tu ia casar com a Dona Angélica, assumiu ela para Deus e todo
mundo. E agora tem o atrevimento de dizer, na minha cara, que quer de
um tudo com minha menina. Pois lhe digo uma coisa! Se quiser ficar com
minha menina tem que ser tudo direitinho. Namorar, noivar e depois se
casar de papel passado, e digo mais! O namoro tem que ser em minha
casa.

― O que?! Isso já é demais. ― Rebato, indignado.

― Eu tenho pra mim, que o senhor já deve ter notado que minha
menina é tinhosa. Modéstia à parte, criei minha fia muito bem, dentro dos
bons costumes. Então, se o senhor quiser algo sério com minha menina,
te convido para jantar em minha casa hoje à noite. E me pedir,
oficialmente, a mão da minha menina, se o senhor não aparecer, acho
melhor esquecer que ela existe, viu?! E passar bem! ― Ele sai da minha
sala e me deixa sem fala.

Abalado caminho até o sofá e me sento. Passo dois minutos de boca


aberta, incrédulo. E é assim, em total estado de torpor que Márcio me
encontra.

― Ei! Pablo! ― Márcio estala os dedos em minha frente.

― Com... como você entrou aqui?

― Sua porta estava aberta... O que você tem, cara?

― Eu... Nossa, eu tive um encontro surreal com o pai da Mariana.

― Vamos almoçar e você me diz tudo o que houve...

Seguimos para o shopping próximo a empresa e durante o almoço


exponho parte da minha angústia, não toda, apenas alguns trechos. Não
consigo me expor por completo, principalmente hoje. Depois do encontro
com o pai de Mariana me sinto...vulnerável. E esse é um sentimento que
pensei que jamais iria sentir novamente.

Depois de ouvir meu relato, Márcio me observa calmo e com um


sorriso.

— Fico feliz que meu tormento pessoal, seja uma fonte de alegria
para você.
— Sabe, Pablo, te conheço há anos. E nunca uma mulher te abalou
assim. Bianca te balançou e por um tempo cheguei a ficar preocupado,
admito. Mas nunca te vi assim! E te ver sem controle de uma situação, lhe
faz parecer mais humano, menos frio e calculista. Meu sorriso é de
felicidade. Essa menina, uma linda mulher por sinal, irá lhe fazer muito
bem.

― Mas... ― Márcio me interrompe levantando a mão.

―Deixa-me te explicar um dos grandes segredos da vida ― fala,


sisudo ― quando se luta contra o amor, o bem-querer, nosso destino é ser
infeliz e você quer essa mulher. Eu falo por mim, desisti de lutar. Me rendi
à Michele e vou conquistá-la. ― Ele sorri observando um ponto específico
atrás de mim. Viro meu rosto e vejo Michele e Mariana entrando no
restaurante.

Sorrio. Ela está linda. Vestida de modo simples, calça jeans e blusa
com a Mulher Maravilha estampada com os dizeres "Se você não tem
coragem, nem adianta ter vontade"

As duas não nos veem e senta e fazem seus pedidos e embalam em


uma conversa.

― Seu sorriso me diz que você também deixou de lutar.

Viro-me para Márcio e o observo intrigado. Será que realmente deixei


de lutar? Será que vou me render a essa paixão e aceitar o convite do pai
de Mariana e ir à sua casa?

Algumas mulheres se aproximam da mesa e começam a conversar


com Márcio e me salvam de dar uma resposta que ainda não tenho. Viro
meu rosto em direção a Mariana e a observo intrigado...

Será que a paixão que eu sinto por Mariana, é mais forte que a minha
aversão a tudo que a rodeia e que lhe é de suma importância...
Capítulo 11

Mariana
Depois de uma péssima noite de sono, na qual passei entre dormindo
e acordando, tentando de todas as formas possíveis não pensar em Pablo,
e em suas mãos passeando pelo meu corpo, na boca dele beijando ao
longo do meu pescoço, nas deliciosas mordidas e o quão fiquei excitada
quando ele segurou minhas mãos atrás do meu corpo...

― Eu tenho que tirar esse homem da minha mente! ― digo em voz


alta, jogando as palavras ao vento.

É assim que eu me sinto a cada vez que afirmo categoricamente para


mim mesma. Que nunca mais vou pensar em Pablo de forma romântica.
Ele vem e faz algo que me faz jogar as minhas palavras ao vento. E todas
as minhas convicções ficam abaladas.

Levanto-me da cama com o corpo dolorido, como se tivesse feito um


grande esforço físico. Essa situação com o Pablo está me abalando não
só emocionalmente, mas também fisicamente. Acabo descontando todas
as minhas frustrações na comida...

Tudo seria mais fácil se ele fosse mais... mais... menos Pablo.

Menos preconceituoso, mais educado, mais gentil com os que não


têm as mesmas condições financeiras ou culturais que a dele...

Com um suspiro entro debaixo do chuveiro e sinto a água fria banhar


meu corpo, olho para baixo e observo o quanto os últimos acontecimentos
andam me fazendo mal, não somente ao meu corpo com vários quilos a
mais ― sou daqueles tipos de pessoa que se está ansiosa ou triste come
―, quanto a minha mente...

Depois de passar um bom tempo debaixo d'água lamentando a minha


vida, me visto, vou fazer café e me surpreendo ao encontrar meu pai já
arrumado e se preparando para sair.
― Painho! O senhor já vai? Mas não é muito cedo? ― indago, dando
um beijo no seu rosto.

― Eu tenho algumas coisas para resolver, fia ― responde sem o seu


habitual sorriso calmo.

― Painho, está tudo bem? O senhor parece agitado.

― Fia, estou aperreado por demais! Essa noite não dormi tamanha
gastura. Mas eu vou resolver isso é hoje! ― beija minha cabeça e logo
depois sai de casa.

Confesso que fiquei preocupada, porém, meu pai é sensato demais


para cometer algum desatino, acredito que deva ser algo relacionado ao
seu trabalho...

Algumas horas depois, entro em minha sala e vejo a bandeja com o


café e a rosquinha que todos os dias Pablo traz para mim. Fecho meus
olhos e inspiro profundamente, exalo um leve gemido ao sentir, ainda que
fraco, o seu perfume no ar. Pequenos fragmentos da noite anterior
invadem minha mente e um delicioso tremor percorre meu corpo.

Balanço a cabeça para quem sabe assim, apagar essas torturantes


memórias.

Não vejo Pablo na parte da manhã e ao sair encontro meu pai


assoviando enquanto limpava o chão.

― Painho! Fico feliz em ver que o senhor está mais calmo. O senhor
me deixou preocupada. ― Sorrio ao beijar seu rosto.

― Fia, quando chegar em casa prepare um jantar daqueles, viu?!


Com comida típica da nossa terra, regado com muita pimenta, num sabe.
Porque eu acho que hoje teremos visita, num sabe?!

― O senhor acha? Como assim! Não estou entendendo nada ―


indago, confusa.

― Pois eu não vou abrir minha boca para falar um aí. ― Beija meu
rosto e sai assoviando me deixando de boca aberta.

Saio da empresa sorrindo e feliz por meu pai estar mais calmo.
Sigo ao ponto de ônibus e depois de quarenta minutos salto em frente
ao shopping. Vou em direção à praça de alimentação e quase tenho uma
parada cardíaca ao passar por uma livraria e ver que o meu livro tão
aguardado está em exposição. Entro feliz em saber que dessa vez vou
poder comprar o livro. Não só ele, mas a série toda!

Sempre fiquei acanhada em pedir meus romances para o meu pai. O


seu dinheiro sempre foi tão sofrido! Normalmente, comprava em sebo,
onde os livros são mais baratos. Contudo, agora trabalhando, posso me
dar a esse luxo.

Saio da livraria com um sorriso imenso cheirando meus livros novos e


é assim que Michele me encontra.

Vamos conversando em direção ao restaurante e enquanto eu tento


convencê-la o quão maravilhoso é o cheiro de um livro novo, ela diz que
ouve isso direto de Bianca, mas prefere séries e filmes.

Nesse clima descontraído sentamos e ela me indaga em relação a


Pablo. Explico por alto, afinal sou muito reservada em relação a minha
intimidade.

Ouço umas risadas ao fundo e curiosa viro em direção ao som.


Surpresa eu vejo lindas mulheres em torno de uma mesa ocupada por
Márcio e Pablo.

Suspiro triste.

― Nunca vou ser como elas. Sou tímida demais, não sei ser sexy e
desenvolta como elas ― comento, triste vendo Pablo sorrindo para as
mulheres.

―Amor! Aquilo é tudo um bando de oferecidas. Você dá de dez a zero


nelas. Gata, quem me dera ter a sua bunda, eu, mesmo desprovida de
bunda, sou melhor que essas vacas ― Michele afirma com raiva.

Viro meu rosto em sua direção sorrindo é impossível não rir com o
jeito engraçado que Michele fala.

― Gata, vamos sair daqui, antes que eu vá lá dar na cara delas! ―


Ela se levanta, segura minha mão, mas somos interrompidas por Márcio
que, com um sorriso sensual, enlaça sua cintura.
Homem corajoso, poucos chegariam perto de uma mulher exalando
raiva por todos os poros como Michele está neste exato momento. Por
precaução, instintivamente seguro meus livros contra meu peito, dou dois
passos para trás e levo um susto em esbarrar em alguém.

― Me desculpe, eu... ― Viro meu corpo e interrompo uma desculpa


ao ver Pablo em minha frente. E eu perco o ar.

Será que vai ser sempre assim? Todas as vezes que me encontrar
com ele acidentalmente, vou sentir essas borboletas no estômago, essa
incapacidade de falar, nem sequer um simples "oi", sem ficar vermelha ou
nervosa?

Todos os dias no escritório me preparo psicologicamente para


encontrar Pablo e aprendi às duras penas não deixar transparecer como
ele me afeta. Pelo menos eu acho que aprendi.

Mas agora, nesse exato momento, olhando para sua boca, toda a
cena de ontem vem em minha mente. Arfo soltando um leve gemido.

Ele segura minha mão, seus olhos recaem sobre meus lábios e eu
instintivamente mordo o lábio inferior.

― Precisamos conversar...

Fecho meus olhos e suspiro profundamente.

― Pablo, por acaso eu já disse que essa é a frase, que você mais fala
para mim? Nós já conversamos, Pablo, muitas vezes! E sempre chegamos
ao mesmo ponto, seu preconceito às minhas origens. ― Relembro
tentando sair do seu aperto.

― Algumas coisas mudaram, Mariana.

― Mudaram de ontem para hoje?

― Sim, de ontem para hoje. Por favor, acredite em mim, precisamos


conversar.

― Não acredito em você!

Pablo abre a boca e Michele me puxa. Vou com ela, mas meu olhar
fica pousado nele por um tempo.
Saímos do shopping e seguimos para uma churrascaria, depois que
fazemos nossos pedidos Michele segura minha mão por cima da mesa.

― Gata! O boy é tosco, nerd e bonitinho, mas não abaixa a cabeça


para ele não, senão ele monta, aí vai fazer de você gato e sapato.

Rio da sua observação.

― Michele, eu nunca conheci alguém como você.

― Eu sou babado fortíssimo, meu amor! ― diz e rimos juntas.

E nesse clima descontraído passamos a tarde. Michele com seu jeito


extrovertido de ser me fez esquecer, por um tempo, os meus dramas
emocionais.

***

À noite em casa sorrio depois de preparar ― a pedido do meu pai ―


uma receita típica nordestina, fiz um sarapate com bastante pimenta, como
meu pai gosta, um arroz branco e para sobremesa fiz um cuscuz de
tapioca. Meu pai deu a entender que seu convidado, amava comidas
nordestinas, então acredito que ele vá gostar...

Meu pai está com um sorriso todo prosa, depois de tomar banho me
sento no sofá e começo a ler meu livro recém-adquirido. A campainha toca
e meu pai pede para eu atender.

Estranho o seu pedido já que o convidado é dele. Intrigada, caminho


até a porta, abro e fico surpreendida.

Pablo está a minha frente com um buquê de rosas vermelhas.

Há muito custo meu olhar recai nas rosas e depois volto a olhar para
seu rosto, de boca aberta. Depois de um longo silêncio, no qual ele me
observa com um sorriso sem graça eu simplesmente começo a rir, quando
um pensamento fugaz passa pela minha mente:

“Pablo, um homem sofisticado e soberbo comendo sarapatel, na


humilde casa do faxineiro que ele tem um prazer sórdido em humilhar.”

Isso será no mínimo interessante.


Depois de soltar uma sonora gargalhada, tento a todo custo reprimir o
riso, enquanto sou observada por Pablo, que faz uma expressão de total
incredulidade.

Inspiro profundamente e aperto firme meus lábios, mas falho e bolhas


de ar escapam.

Com medo de abrir a boca e dizer um simples "entra" e voltar a crise


de riso, dou um passo para trás e indico com o braço para ele entrar.

Pablo dá dois passos e meu pai vai ao seu encontro e aperta sua
mão.

Nesse exato momento, me belisco e meu sorriso morre nos meus


lábios. Nunca, jamais poderia imaginar uma cena assim.

Será que o sentimento que Pablo diz sentir por mim, é verdadeiro?

Será que ele está disposto a realmente mudar por mim?

Meu pai me chama, e estou tão absorta em meus pensamentos que


demoro a responder.

― Fia, mas olhe que flores mais lindas. ― Meu pai aponta para as
flores.

― Sim, painho, são realmente lindas. ― Caminho até Pablo sem olhar
em seus olhos, pego as flores e vou em direção à cozinha.

Ponho-as em um vaso, tentando entender o que Pablo está fazendo


aqui. Volto para sala e paraliso ao ver Pablo sentado no sofá... acanhado.

Acanhado? Pablo? Isso é algo que eu nunca imaginei acontecer, mas


essa noite, estou tendo várias surpresas.

― Seu Pablo, fique à vontade. ― Meu pai se senta.

Pablo está tudo, menos à vontade.

― Sabe, Seu Pablo, sou homem de meias palavras não, num sabe!?
Pois então vamos direto ao assunto e me fale. O que lhe traz aqui em
minha humilde residência? ― meu pai questiona e confesso que seguro a
respiração.
Pablo olha para mim e vira seu rosto para meu pai depois volta a olhar
para mim.

E eu perco o ar com a intensidade que ele me observa.

― O senhor hoje entrou no meu escritório e impôs a condição de que


para ficar com sua filha eu teria que vir aqui e formalizar isso. ― Ele
desvia os olhos dos meus e vira para meu pai. ― Eu quero Mariana no
sentido mais amplo da palavra, e eu vim até aqui, para falar isso e aceitar
as suas condições, seja lá quais forem.

Absorvo cada palavra que Pablo diz e elas me abalam de tal forma
que cambaleio até o sofá e me sento.

E ele continua.

― Acredito que o senhor saiba o quão é difícil para mim estar aqui
agora. Contudo, eu compreendi que sem sua aprovação, Mariana nunca
aceitará ser minha.

― E "o ser minha" quer dizer exatamente o que? Minha filha é moça
de família, visse! ― Meu pai soa sério e eu engulo em seco.

Pablo sorri cruza as pernas e fala em um tom mais ameno.

― Quero que Mariana seja minha namorada.

― Sabe, Seu Pablo, sei o quanto foi difícil o senhor engolir sua
soberba e vim até a minha casa fazer esse pedido. E isso me mostra que
o senhor realmente quer algo sério com a minha menina. Mas, não é só a
mim que o senhor tem que perguntar não, num sabe?! ― Meu pai vira o
rosto na minha direção ― Mariana minha fia, cê quer namorar Seu Pablo?
Você tem noção do quanto de dor de cabeça que tu vai ter, cê aceita?

Abro e fecho a boca, várias vezes atordoada. Pablo questiona meu


pai, e respiro aliviada por pelo menos por enquanto não precisar
responder.

― Não compreendo. O senhor me deu a entender que se eu viesse


aqui, e aceitasse as suas condições, poderia ter Mariana.

― Oxe! O senhor está achando que minha fia é uma mercadoria, é?


Mas é claro que eu tenho que perguntar a ela primeiro, antes de tomar
uma decisão ― meu pai diz sério olhando para Pablo e depois vira o rosto
para mim ― Então fia, antes de dizer que eu aprovo esse namoro, eu
preciso saber se você aceita.

― Eu... eu... ― Atordoada com o questionamento, balbucio sem


conseguir articular uma palavra com coerência.

― Você aceita ser minha namorada, Mariana? ― Pablo indaga suave,


me olhando intensamente.

Suas palavras chegam até a mim como ondas, que me encantam e


me fascinam, o primeiro pensamento que brota em minha mente é sim. No
entanto, nada falo. A prudência não deixa.

― Bem, acho que minha fia precisa de um tempinho para pensar, não
é mermo? Vamos jantar e assim dá tempo para minha menina pensar um
pouquinho. ― Meu pai se levanta e vai em direção à cozinha.

Pablo se senta ao meu lado e segura minhas mãos e acaricia meu


pulso. Por um tempo nos olhamos em silêncio. Seu olhar recai em meus
lábios, ele se aproxima e eu recuo. Ele abre a boca para falar algo, mas é
interrompido pelo meu pai.

― Mas olhe que hoje minha menina caprichou! Está bom por demais.
― Meu pai indica a cozinha com o braço para Pablo que engole em seco.

― Eu... Bem, eu vim apenas para fazer o pedido formal de um


relacionamento sério com Mariana. Muito obrigado pelo convite, no
entanto, infelizmente terei que recusar o jantar ― Pablo diz pausadamente
como se estivesse fazendo um enorme esforço.

Não posso negar que ele está tentando. Há alguns dias ele teria
falado poucas e boas se meu pai lhe dirigisse a palavra. E, no entanto,
agora está... tentando.

― Mas o senhor vai fazer esta desfeita à Mariana? Rapaz, ela passou
horas preparando esse jantar especialmente para você.

Pablo vira o rosto para mim incrédulo e eu começo a entender as


reais intenções do meu pai. Confesso que bateu certa pena de Pablo, só
um pouquinho.
― Você que cozinhou, para mim? ― Pablo pergunta com um sorriso
encantador.

― Bem... Eu, eu... ― Meu pai me interrompe.

― Pedi minha filha para fazer um jantar caprichado para um


convidado especial. Minha fia tem mãos de fada na cozinha, Seu Pablo,
mas venha, o senhor não vai fazer essa desfeita à sua pretendente, não
é mermo? ― Meu pai sorri e indicando a cozinha.

Elevo uma sobrancelha observando Pablo que alterna entre olhar


para mim e meu pai. Depois de respirar fundo, ele se levanta e caminha
decidido em direção à cozinha. Meu pai me oferece a mão e pisca um
olho.

Ao chegarmos noto que Pablo está contemplando a cozinha com um


olhar enigmático.

O convido a sentar, sirvo meu pai e logo depois a ele, que me olha
intensamente enquanto faço seu prato.

Logo depois sento e faço meu prato e, acanhada, começo a comer de


cabeça baixa. Estou tensa e receosa, com medo da reação de Pablo,
quando ele souber o que ele está comendo.

― Nossa esse sarapatel está delicioso! E com essa pimenta... Está


simplesmente perfeito. — Pablo solta um longo gemido.

Eu simplesmente perco o ar e escuto um estalar de talheres, viro em


direção ao meu pai e noto que ele deixou o garfo cair e observa Pablo de
boca aberta. Viro meu rosto e incrédula, vejo Pablo pondo pimenta em
cima do sarapatel e depois o saboreá-lo com olhos fechados.

Estou completamente chocada!

― Eita! Você tem um pé no Nordeste, hein Seu Pablo! ― meu pai


sorri faceiro e Pablo se engasga.

Ele começa a tossir, descontroladamente, enquanto meu pai dá


alguns tapinhas em suas costas, eu levanto e lhe ofereço um copo de
água. Quando a crise cessa, ele está vermelho, sinceramente não sei se é
pelo esforço que fez ou por acanhamento...
― Eu... eu, acho melhor, acho que... eu d deveria ir ― Pablo balbucia
enquanto afasta a cadeira e se levanta.

― Mas o senhor vai embora, sem saber a resposta da minha fia.


― Meu pai tenta segurar o riso, ele está se divertindo com a situação.

Pablo inspira profundamente e fala com um sorriso pretensioso.

― Eu sei a resposta da sua filha e acredito que o senhor também


saiba. Desejo que todos tenham uma boa noite. ― Ele sai me deixando
atordoada e meu pai rindo.

Limpo a cozinha revoltada, com a prepotência de Pablo e por ter


ficado... Nossa, eu não falei nada! Durante todo o jantar eu não consegui
articular uma única palavra.

Ter Pablo e meu pai em um clima harmonioso foi tão surreal, que me
tirou a capacidade de tecer um diálogo coerente.

Seguro a pia com força, abaixo a cabeça, sinto minhas lágrimas


banharem meu rosto e me assusto quando meu pai toca meus ombros.

― Fia, o amor nem sempre é algo fácil de levar, num sabe. Às vezes,
muitas vezes é preciso ser forte. Esse Seu Pablo... ele é um homem
atormentado por demais, fia. Mas eu realmente acredito que ele goste de
você, ter vindo aqui, apesar de todo o preconceito dele, mostra que ele
está disposto a mudar, mas meu medo é por você! Eu te criei em uma
redoma, num sabe. Quis te proteger do mundo por demais! E agora não
sei se você está pronta, para a intensidade do sentimento que vejo nos
olhos de Seu Pablo. Você é linda por demais, minha fia, mas também
ainda é muito inocente para as maldades desse mundo de meu Deus. Mas
se decidir ficar com ele, você vai ter que ter pulso firme, fia! E, também,
tem que ter em mente que nada vai ser fácil, viu!? Pense com carinho, fia.
O que você resolver seu painho vai te apoiar.

― Sinceramente, não sei se vale a pena, painho...

Meu pai me abraça, beija minha cabeça e sai da cozinha.

Acabo de arrumar tudo, tomo banho e pego meu livro para ler. Meu
celular treme, avisando que recebi uma mensagem. Sei de quem é a
mensagem e hoje me recuso a ler algo que ele tenha escrito.
Acordo assustada e me dou conta que dormi lendo, sorrindo pego o
livro no meu peito e o fecho. Tapeio a mesinha na lateral da cama, até
chegar ao meu celular, o pego e leio as mensagens.

"Estou pensando em você" 00:01

" Amanhã vamos trabalhar em minha casa" 00:10

"Bom dia! Em uma hora estarei aí." 6:45

"A cada dia que passa, uma emoção inebriante, que jamais
sequer imaginei sentir, toma conta de mim... Bom dia, Mariana." 6:46

"Minha namorada." 6:47

Visualizo a última mensagem, porém, não respondo. Pablo não irá


gostar da minha resposta ao seu pedido de namoro.
Capítulo 12

Mariana
Depois de um bom banho frio, sigo para cozinha e encontro meu pai
fazendo café e conversando animadamente com Nay. Sorrindo, beijo meu
pai e abraço Nay.

— Bom dia, Painho! Bom dia, sumida! — Sorrio para ambos.

— Nossa que sorriso lindo, há algo que queira me contar? — Nay


questiona com um sorriso — Alguma novidade, algo interessante que
tenha acontecido? — ela indaga fazendo aspas com ambas as mãos e
meu pai ri.

— Não. Por que a pergunta? — Franzo o cenho e calmamente tomo


meu café.

— Ah deixa de ser besta! Miga, o morro todo já está falando do "moço


grã-fino", que veio aqui ontem, — ela faz uma pausa dramática — algumas
pessoas relataram que ele tinha um ar, assim meio esnobe, então eu juntei
um mais dois e deu em seu chefinho Pablo. — Faz as sobrancelhas
subirem e descerem, de uma forma engraçada e meu pai ri e sai da
cozinha.

Nay se senta ao meu lado e me belisca.

— Ai! O quê?

— Como assim? O quê?! — pergunta, indignada.

— Ok, Pablo veio aqui ontem — digo após um longo suspiro —, foi
muita pretensão minha achar que poderia receber uma visita em minha
casa sem que o morro todo ficasse sabendo.

— Ah para miga! Você sabe que aqui só tem fofoqueiros. — Nay


pega um pedaço de pão e passa manteiga, enquanto a observo de forma
interrogativa. — Está me olhando assim por quê? Sou sua melhor amiga e
isso me dá certos privilégios. Eu hoje, por exemplo, já chamei dois de
fuxiqueiros por sua causa. Eu sei que deveria ser o ser superior que o
povinho daqui acha que eu sou, contudo, a curiosidade é um bichinho
terrível que não me deixou seguir para o trabalho sem passar aqui antes e
saber o que houve — comenta com uma falsa desolação e é impossível
não rir.

Enquanto tomamos café, comento com Nay tudo o que houve e


quando termino meu relato, ela me observa com olhos sonhadores.

— Aí meu Deus! Que fofo! Ele veio aqui, pediu seu pai e agora vocês
estão namorando? — pergunta com um sorriso enorme.

Levanto-me, limpo a mesa e evito encarar Nay.

— Não estamos e nem vamos namorar — sussurro, enquanto levo a


louça a pia.

— Ei! O que houve? Tipo o cara veio aqui! As dúvidas que você tinha
em como ele iria tratar seu pai, acabaram. Qual é o problema agora, Mari?
— Nay questiona.

— Tudo, Nay! TUDO! — Seguro a pia e abaixo a cabeça — Por que...


porque somos muito diferentes — viro em sua direção —, Nay ninguém
muda de um dia para noite. E Pablo é... complicado... Tem a ex, atual...
nem sei o que Angélica é, e para a minha paz emocional, eu prefiro não
me envolver.

— Tem certeza disso? E essa paixão que você sente por ele?

— Vai passar Nay, tem que passar — afirmo com voz trêmula, Nay se
levanta vem em minha direção e me abraça.

Meu pai nos encontra assim.

— Está tudo bem, fia?

— Está sim, painho. Está tudo bem — respondo com um sorriso, ele
abaixa a cabeça em negação, suspira vem em minha direção e beija
minha cabeça.

Logo depois ele se despede, Nay vai para o trabalho e eu acabo de


me arrumar e me preparar psicologicamente para dizer a Pablo que não
aceito ser sua namorada.
***

Uma hora depois estou à frente da casa de Pablo, inspiro


profundamente e toco a campainha. Pablo abre a porta com um sorriso
cativante e foi impossível não sorrir com ele.

Ele segura minha mão e me puxa para dentro, nós olhamos por um
tempo ainda sorrindo, desço meu olhar pelo seu corpo e noto que ele está
com a camisa molhada e pequenas gotas de suor descem livremente pelo
seu abdômen.

— Estava correndo — aponto para seu abdômen sorrindo ele eleva


sua mão até o meu rosto e põe uma mecha de cabelo atrás da minha
orelha, — Márcio comentou o que houve no shopping. Por que você não
falou comigo? Você é minha, Mariana! — Segura meu rosto com ambas
as mãos, saio do seu aperto e me distancio dele e nego em um sussurro.

— Não, não sou. Mesmo que eu fosse, eu não falaria, eu tenho que
aprender a lutar minhas próprias batalhas, Pablo.

Ele dá um passo em minha direção com a mão elevada, acredito que


com a intenção de me tocar, porém, novamente recuo.

— Eu... eu pensei que... — ele suspira, põe ambas as mãos nos


cabelos e fica de costas para mim —, eu pensei que nossos atritos, tinham
sido resolvidos ontem.

— Minhas dúvidas, minhas incertezas não acabam de um dia para


noite, Pablo. Por esse motivo, eu acho melhor não nos envolvermos —
revelo, decidida, mas trêmula.

Vira para mim, me observa por um tempo, caminha em minha direção


e eu prendo a respiração.

Meu primeiro pensamento é: “Ele vai me beijar e eu com certeza não


vou resistir...”

Para minha surpresa, ele sorri e segura minha mão.

— Venha, pedi um café especial para você. — Ele me leva para


cozinha e eu o sigo atordoada com a sua mudança brusca de assunto.
— Eu...eu já tomei café antes de sair de casa — balbucio olhando a
mesa recheada de guloseimas —, você tem que parar de me dar café da
manhã, a cada dia eu engordo mais. ― Brinco para esconder eu
nervosismo.

Ele afasta a cadeira, eu me sento e sinto um delicioso arrepio


percorrer meu corpo quando ele sussurra ao meu ouvido.

— Rosquinha de baunilha recheada com frutas vermelhas.


Cappuccino de chocolate suíço com licor de menta e uma pitada de
pimenta.

— Chocolate, menta e pimenta? Isso dá certo junto? — indago,


duvidosa.

— Faça uma pequena degustação e me diga o que achou.

Curiosa, pego a xícara e aproximo do meu rosto, sinto o delicioso


cheiro do chocolate e menta, receosa, bebo um pequeno gole e fecho
meus olhos.

— Está sentindo o doce do chocolate, o frescor da menta e a deliciosa


ardência da pimenta? — ele sussurra ao meu ouvido enquanto saboreio a
exótica e ao mesmo tempo deliciosa bebida. — E a cada dia que passa,
aos meus olhos, você está mais linda, nunca, jamais pense que para mim
você é menos que maravilhosa — murmura dando pequenos beijos no
meu pescoço me deixando excitada.

Arfo, ao sentir o ardor da pimenta, junto com os suaves beijos que ele
dá no meu pescoço enquanto fala o quão sou perfeita aos seus olhos,
quando estou a ponto de me virar e me jogar em seus braços, ele se
afasta, e eu prendo a respiração ansiosa pelo seu próximo movimento.
Porém, como sempre Pablo me surpreende.

— Eu compreendo que, por enquanto, você não esteja preparada


para o quão forte é meu desejo e minha paixão por você. — Ele se
aproxima por trás, toca meu rosto e eu fecho meus olhos, apreciando seu
contato, meu corpo está em chamas, não só pela pimenta, e sim por ele, e
ele sabe disso. — Pedi esse cappuccino para que, enquanto você o
degusta, tenha uma breve sensação do que eu quero com você.
Tomo mais um longo gole do cappuccino e as sensações são mais
acentuadas.

— O que você quer comigo, Pablo? — indago, ofegante sem olhar em


sua direção.

Ele encosta seu corpo ao meu, põem meu cabelo de lado e sussurra
ao meu ouvido.

— Tudo! Quero que nosso relacionamento seja tão doce quanto o


chocolate com avelã, tenha o frescor da menta e uma boa dose de
pimenta. Que seja quente e sensual e principalmente com muita paixão, —
Dá uma leve mordida no meu ombro, contudo, com força o suficiente para
eu gemer com uma deliciosa dor que me faz perder o ar. — Eu sou um
Dom, Mariana.

Pablo beija o local aonde mordeu depois caminha em direção ao


corredor como se nada tivesse acontecido. Do nada para e vira para mim
sorrindo malicioso.

— Quando acabar me espere no escritório, hoje quero começar a


desenvolver um novo programa, vamos trabalhar muito. — Pisca o olho e
segue o seu caminho, me deixando de boca aberta, completamente
atordoada.

"Eu sou um Dom, Mariana"

— Misericórdia! — sussurro ainda absorvendo sua revelação tão


impactante.

Observo a mesa na minha frente e tomo meu café, sem realmente me


dar conta do ato em si, porque em minha mente, começam a povoar todos
os livros de romances eróticos que tenho lido ultimamente. E fico vermelha
e ao mesmo tempo excitada.

Inquieta, me levanto e começo a andar, divagando de um lado para o


outro.

— Será... será que ele vai... será que eu vou.... será que ele tem um
quarto escuro? Será que... será que é igual aos livros? Será que dói? Será
que a dor é gostosa? Não! Eu disse que não queria namorar.
Volto a me sentar e dou uma enorme mordida na rosquinha e sinto o
delicioso sabor das frutas vermelhas. E novamente solto um sofrido
gemido ao me recordar das suas palavras sussurradas ao meu ouvido.
Decidida pego o cappuccino e o tomo em um único gole e arfo ao sentir o
ardor da pimenta.

Sigo para o escritório decidida a dizer não! A não deixar que nada,
absolutamente nada aconteça.

Sento-me, olho para o lugar à minha frente, ainda vazio, mordo o lábio
inferior e imagino um longo discurso para justificar o porquê eu não aceito
namorar ele. No entanto, como de costume ele me surpreende.

Pablo entra no escritório sorridente e falando sobre um novo


programa, passamos as próximas 4 horas trabalhando e quando chega a
hora de eu ir embora, ele me leva até a porta, beija meu rosto, me dá bom
dia e fecha a porta na minha cara.

E eu fico com cara de tacho, olhando para porta não entendendo,


absolutamente, nada!

***

Assim que consigo me recuperar do que houve sigo para faculdade,


mas a todo o momento, pensando em mil possibilidades do que poderia
acontecer, e do que não aconteceu e fico com raiva de mim mesma por ter
esse pensamento.

Sou tão complicada, ainda tenho tantas coisas a resolver dentro de


mim. Como eu posso me envolver com alguém...

Suspirando, tiro da bolsa o livro que comprei ontem e me embalo na


leitura. Em dado momento, as coisas começam a esquentar na história, o
livro relata uma relação Dom e submissa... Fecho o livro vermelha e
ofegante e volto a me recordar das palavras de Pablo:

"Eu sou um Dom, Mariana"

— Jesus! — falo em voz alta e só me dou conta disso quando uma


senhora toca meu braço.

— Você está se sentindo bem, minha filha? — ela indaga preocupada


e eu estou tão atordoada que demoro a responder.
— Sim, sim... estou sim. — Ofereço um sorriso calmo.

— Você está com as bochechas vermelhas e ofegante, tem certeza de


que está bem? Você teve uma má notícia, vi que você estava
compenetrada na leitura. Desculpe a minha curiosidade, mais que livro é
esse? Ele está em uma capa tão linda é um livro romântico? Na minha
juventude eu amava ler histórias românticas... — Enquanto a curiosa
senhora na minha frente divaga, eu tento encontrar uma saída.

Não tem como eu falar para ela, que estava lendo um livro erótico o
qual eu botei uma capa florida, para que ninguém saiba que é um livro
erótico. E estou vermelha porque eu li uma cena erótica e me recordei da
frase que meu chefe sussurrou ao meu ouvido e fiquei excitada e
ofegante.

Não tem como mesmo!

— Então, que livro é esse? É um romance ou um livro técnico?


Desses que se estuda para uma aula. — A senhora curiosa pergunta com
um sorriso doce.

— Pode se dizer, que na atual conjectura é, digamos, um livro...


técnico — pigarreio para conter o riso — Talvez, haja a possibilidade de eu
ter uma aula prática, mas acredito que não vá acontecer, eu não tenho os
pré-requisitos necessários para o curso em questão.

— Oh minha jovem, não desista, tenha coragem, — ela se levanta


devagar, dada a sua avançada idade e aperta o botão de parada — E
quanto ao livro, eu amo Silvia Day. — Ela pisca os olhos direito para mim,
me deixando chocada e sai andando devagar.

Acompanho com o olhar até ela sair do ônibus, acena para mim e
retribuo o aceno encabulada e mais vermelha ainda.

Solto uma risada ao me dar conta que, hoje, fui surpreendida duas
vezes.

***

À noite deitada em minha cama lendo meu livro ouço meu celular
tocar. Olho o visor e vejo que é Pablo.

— Boa noite, senhor. — Atendo, sorrindo.


— Boa noite, Mariana. — Mordo meus lábios para conter um gemido.
— Amanhã te aguardo aqui em casa, para continuar o que não concluímos
hoje.

Em dúvida se ele estava falando do trabalho ou de.... Eu prefiro não


questionar.

— Ok.

— Mariana — ele sussurra.

— Sim.

— Vou dormir pensando em você, tenha uma ótima noite.

Ele desliga o telefone e eu finalmente solto o ar que estava preso


desde o momento que ele sussurrou meu nome.

***

Na manhã seguinte estou na frente da casa de Pablo, respiro fundo


toco a campainha e novamente ele me atende suado e ofegante, sorri,
segura minha mão me leva até a mesa, me oferece um café exótico,
sussurra algumas palavras ao meu ouvido e vai tomar banho me deixando
completamente excitada e desorientada. Logo depois, trabalhamos toda a
parte da manhã e vou para a faculdade...

***

Seguimos esse ritmo por duas semanas, Pablo não voltou a tocar em
relacionamento, nem a falar novamente que era Dom. Algumas vezes
chego a pensar que sonhei que ele disse algo. Ele não me toca mais de
modo intencional. Apenas quando chego em sua casa, segura minha mão
e me leva até a cozinha, sussurra os ingredientes do café em meu ouvido,
sem verdadeiramente me tocar. E confesso que isso está me deixando
louca, estou há duas semanas em uma excitação constante e em uma
ansiedade sem fim.

E ele não fala nada!


Durante esse tempo, fomos três vezes à empresa depois que
trabalhamos em sua casa e nesses momentos encontramos meu pai, e
para minha total e completa surpresa, Pablo o tratou razoavelmente bem.
Não esperaria que ele se tornasse o melhor amigo do meu pai, eles são de
universos diferentes, a simplicidade do meu pai é o oposto da sofisticação
de Pablo.

Mas ele o tratou com respeito e o cumprimentou. Ele está tentando...

Hoje, mais uma vez chego à sua casa e suspiro já sabendo que vou
sair daqui trêmula de desejo, porém firme na minha convicção de não me
relacionar com ele. Toco a campainha e diferente dos outros dias, ele me
atende com o cabelo molhado denunciando um banho recém-tomado.

— Bom dia, Mariana. — Ele sorri e eu retribuo.

Entro e aguardo ele me levar até a cozinha. Ele me observa, sorrindo.

— Ué? Hoje não tem café hipercalórico? Já sei, se convenceu que eu


estou imensa de gorda? — falo sorrindo, virando de costas para ele e indo
em direção ao escritório.

— Eu quero você, Mariana — sussurra e eu estanco.

— Pablo, nós já conversamos... — Ele enlaça minha cintura, morde


meu ombro e sussurra em meu ouvido a música de Henrique e Juliano –
Vai namorar comigo, sim.

"Vai namorar comigo, sim

Vai por mim igual nós dois não tem

Se reclamar "cê" vai casar também, com comunhão de bens

Seu coração é meu e o meu é seu também....

Vai namorar comigo, sim"

Foi impossível não sorrir.


— Como você sabe que eu gosto de música sertaneja? — questiono
rindo e me viro para olhar para ele.

— Se esqueceu que eu sei tudo sobre você? — Relembra com um


sorriso encantador enquanto eleva uma mão e coloca o meu cabelo atrás
da orelha. — Não vou dizer que gosto, porque seria uma grande mentira,
todavia, confesso que alguns trechos dessa música em especial, tem
muito a ver com a nossa história. Você vai namorar comigo, sim! — Sorri
convicto e meu sorriso morre aos poucos em meus lábios.

Desvencilho-me dele e vou em direção ao escritório, deixo minha


bolsa na mesa e caminho até a janela. Seu marcante perfume denuncia
que ele está se aproximando.

— Não sou o tipo de mulher para você, Pablo. Nós somos muito
diferentes, sem falar que... Nossa! Você anda em meio de pessoas
sofisticadas, sei que esse é o mundo que você almeja... E eu sou simples,
tenho gostos simples, prefiro muitas vezes ficar sozinha lendo um bom
livro. Não tenho o perfil físico das mulheres da alta sociedade, sou tímida
demais, gorda demais, sou...

Pablo me interrompe, gira meu corpo, segura meu rosto com ambas
as mãos e fala olhando nos meus olhos.

— Será que você ainda não entendeu? — questiona em um tom


angustiado — É exatamente por tudo isso que somente você serve, só
você...

Ele me beija e eu deixo de resistir...

Suas mãos passeiam devagar pelo meu corpo, ele enlaça minha
cintura e me puxa para mais perto. Ele interrompe o beijo e encosta a testa
na minha buscando o ar. Beija meu nariz, bochecha, testa. Dá um passo
para trás e pela primeira vez, ele não pega em minhas mãos, ao invés
disso, com um pedido mudo estende a mão em minha direção.

E naquele momento eu soube que ele estava me propondo, muito


mais que um pedido de namoro. Ele queria que eu fosse dele,
completamente dele.

Fitei suas mãos por um tempo, elevei minha cabeça e observei seu
rosto. E vi toda a paixão que ele sente por mim, contudo não era só isso,
era muito, muito mais. E nesse momento tomei uma decisão que sei que
mudara toda a minha vida.

Eu sou dele.

Apertei firmemente sua mão, ele sorriu e nada falou. Me levou em


direção ao corredor e para em frente a uma porta, acredito que seja seu
quarto, um local o qual ainda não conhecia na casa.

— Tem certeza? — questionou, me olhando sério, com um tom de voz


que me arrepiou inteira.

— Sim.

Ele abriu a porta e ao entrar notei que o quarto estava escuro,


pesadas cortinas negras impediam que o sol entrasse no ambiente, que
era iluminado por algumas velas e no chão várias pétalas de rosas
vermelhas, davam um tom de romance encantador.

Fascinada, olhei ao redor e apesar da pouca iluminação, era visível


que era um quarto muito sofisticado.

Aí começo a me questionar:

Será que ele já trouxe Angélica aqui? Claro que sim. Não tenho corpo
dela., mas ele disse que...

Interrompo a linha de pensamento quando Pablo me vira e me beija.


Sua língua entra em minha boca de forma voraz, sugando, chupando.
Suas mãos descem pelo meu corpo, até abaixo da cintura, ele aperta forte,
me puxa em direção ao seu corpo, aperta minha bunda e eu arfo em sua
boca.

Ele morde meu lábio inferior e abraçados me guia até a cama, me dá


um leve empurrão e eu caio sentada. Ele tira a blusa devagar me olhando
nos olhos e eu sou incapaz de desviar. Quando a blusa passa pela cabeça
ele a joga no chão e eu desço meu olhar pelo seu peito, devagar, até o cós
da sua calça... Ele é lindo, forte, mas sem ser muito musculoso e tem uma
fina linha de pelos dividindo o abdômen, tão sexy que minhas mãos coçam
para tocá-lo e sentir se os pelos são tão macios quanto parecem. Contudo,
fico acanhada, seguro os lençóis com força, mordo meu lábio inferior e
abaixo a cabeça.
Pablo pega minhas mãos e põe em seu peito e solto um longo
suspiro.

— Nenhuma mulher esteve aqui antes de você. — Desvio meus olhos


do seu peito para seu rosto. — Quando comprei essa casa, prometi para
mim, ela seria meu recanto pessoal... Até que eu conheci você e eu quero
dividir tudo com você, Mariana.

— Pablo eu nunca... Eu sou virgem — confesso, sem olhar em seus


olhos.

Ele segura meu rosto com ambas as mãos, me beija suavemente e


fala contra meus lábios.

— Me toque, Mariana. — Ele se afasta, e me olhando, segura minha


mão contra seu corpo desce até o seu abdômen e devagar sobe com elas
e depois solta.

Ofegante, passo um dedo pelo caminho de pelos e sinto que é mais


macio que imaginava, olhando em seus olhos elevo meu rosto até seu
peito e o beijo sem desviar os olhos dos seus.

Ele geme e é um som gostoso que me arrepia e me faz mais


confiante. Dou pequenas mordidas e o sinto suspirando fundo. Desço
minhas mãos pela lateral do seu corpo e abro o botão da sua calça, ele me
surpreende e me empurra na cama. E eu caio rindo.

— Você me deu um sust...

Ele não me deixa terminar, deita-se em cima de mim se apossando da


minha boca com um vigor surpreendente, roubando meu fôlego. Ele
segura minhas mãos em cima da minha cabeça.

— Você me pediu para tocá-lo... Não posso com as mãos presas. —


Sorrio.

— Se você pôr as mãos em mim, isso acaba antes de terminar, você é


sexy demais — sussurra e morde meu lábio inferior.

Ele me ajuda a sentar na cama, tira minha camisa, e começa a


percorrer meu corpo com pequenas mordidas e beijos, tira minha calça,
meus sapatos e a cada pedaço de pele exposto era devidamente beijada.
Sobe pelo meu corpo dando pequenos assopros pela pele molhada
pelos seus beijos, me fazendo arrepiar. Sua língua invade minha boca em
uma dança sensual, perfeita, enquanto suas mãos percorrem meu corpo
com ardor, paixão e desejo, tira meu sutiã, olha para meus seios, assopra
e eu prendo a respiração, devagar, me olhando nos olhos, ele leva sua
boca até meu seio esquerdo e eu finalmente solto o ar que estava preso
em meu peito, logo depois, ele dá a mesma atenção ao outro. Um longo
momento depois, desce pelo meu corpo, me beijando, vagorosamente, tira
minha calcinha, morde minha intimidade, sobe com a língua lentamente
até a minha virilha, assopra e eu arfo.

— Eu quero que você segure a grade e não solte! Entendeu,


Mariana? — ordena com um tom de voz calmo e ao mesmo tempo
autoritário que me leva a um excitamento quase insuportável.

Sem conseguir articular uma única palavra, apenas aceno com a


cabeça, e logo depois, quando sinto sua língua tocando a parte mais
sensível do meu corpo, eu perco a capacidade de falar, muito menos
raciocinar. Entre meus lábios só saem longos e tortuosos gemidos. Depois
de algum tempo em uma deliciosa tortura, jogo a cabeça para trás e grito
seu nome, ao atingir um delicioso orgasmo.

Ele sobe pelo meu corpo, segura minha nuca e me beija com paixão.

Desce da cama, tira a calça vagorosamente me olhando nua,


completamente a sua mercê, com as mãos ainda segurando firmemente a
grade da cama e a respiração ofegante depois de um delicioso orgasmo.
Põe uma camisinha, me beija e sussurra ao meu ouvido.

— Agora eu quero que você me toque, porque agora eu vou te fazer


minha.

E ele fez, carinhosamente, suavemente, lentamente, no meu tempo, a


todo o momento me olhando nos olhos, me beijando, me tocando,
buscando sempre o meu prazer em primeiro lugar.

Chegamos ao ápice juntos, ofegantes, sorrindo, mas em nenhum


momento nossos olhos se desviaram um do outro.

— Pela primeira vez em minha vida eu fiz amor e eu acho que só foi
tão especial porque foi com você, Mariana. Você é minha! — Ele me beija.
E eu nem penso mais em negar, porque essa é a verdade.

Eu sou dele...

Mas será que ele é meu?


Capítulo 13

Pablo
Mariana dorme placidamente em meus braços, enquanto passo meus
dedos suavemente pelos seus cabelos, não quero acordá-la sei o quão
exausta está. Nossa primeira vez foi... intensa.

Digo, nossa, porque apesar de não ser mais virgem, nunca tinha feito
amor antes. Então, de certa forma, para mim, também foi uma primeira
vez.

Devagar, com receio de acordá-la, saio da cama e a observo.

Mariana está linda deitada em minha cama, há tanto tempo almejo


isso e para minha felicidade, a realidade é muito melhor que qualquer
sonho que eu posso já ter tido.

E como eu sonhei! Ao mesmo tempo travei uma luta interna para que
isso não acontecesse, porém me rendi e acredito que nunca irei me
arrepender.

Enquanto a observo, me recordo que há alguns dias fiz algo que há


muito tempo julgava impossível, fiz por ela. Contudo, não posso mentir e
dizer que sentir uma curiosidade insana, de conhecer mais desse homem
a quem Mariana tem um amor incondicional e uma devoção, que para mim
é surpreendente.

E para minha grande surpresa não foi de todo ruim, todavia, não
posso dizer que foi um dos momentos mais agradáveis da minha vida. Não
foi!

Senti-me deslocado e desconfortável...

Aquele lugar me remete a um período da minha vida que ficou para


trás e eu faço questão que continue lá.

Entretanto, apesar de me sentir deslocado, era impossível não notar


que o amor, carinho e, principalmente, o respeito imperam naquele lugar
tão humilde e desfavorável...

Angustiado por recordações impertinentes que povoam minha mente,


sigo até a janela.

O que Mariana diria caso soubesse que cresci em um lugar muito


mais humilde do que o local a onde ela reside agora. Onde o amor, carinho
e o respeito nunca se fizeram presente, que na verdade, sempre fora um
sonho distante, até que um dia, eu simplesmente desisti de sonhar. E foi
no dia em que fui espancado até ficar inconsciente, somente porque faltei
à lida, por ser dia de prova na escola, fui escorraçado daquele lugar
miserável, unicamente porque sonhava, almejava um futuro melhor e
acreditava que somente iria conseguir através dos estudos.

Deixei de sonhar com um lar amoroso.

Até conhecer Mariana. Por sua causa voltei a sonhar e acreditar que
talvez fosse possível.

Com um longo suspiro, viro meu corpo em direção à cama. Por duas
semanas a deixei acreditar que tinha desistido, aos poucos fui minando
sua resistência. Foram dias complicados os quais tomei muito banhos frios
e debaixo dos jatos de água gelada, clamava seu nome, enquanto
buscava meu êxtase solitário.

Climatizei o quarto de modo que ela se sentisse confortável e acredito


que tenha tido êxito. Entre as sombras vejo o contorno avantajado do seu
voluptuoso corpo parcialmente coberto por lençóis de seda.

Abro a cortina e a luz do sol ilumina o ambiente e a figura que


placidamente dorme em minha cama.

Linda!

Devagar me aproximo, enquanto em minha mente povoa lembranças


de algumas horas atrás. Foi perfeito, Mariana se entregou a mim
plenamente. Poder tocar, beijar, saborear e memorizar cada parte do seu
corpo foi um dos momentos mais plenos da minha vida, um dos, porque
estar dentro dela foi simplesmente sublime.

Nossos olhos não desviaram um segundo sequer, ao penetrar em seu


corpo senti a barreira. Ela segurou o ar e mordeu seu lábio inferior. Com
calma, delicadamente e ao mesmo tempo firme, a fiz minha. Vi seus olhos
encherem de lágrimas, a respiração ficar ofegante com receio de
machucá-la, parei. Ela não reclamou, não falou, não precisava. Eu via
tudo refletido em seus olhos. Tudo o que ela estava sentindo...

Esperei ela se acalmar, se acostumar comigo dentro dela, esperei ela


ter a confiança que, ao me mexer, não iria machucá-la, esperei até ter a
certeza de que ela estava bem, que ela queria mais. Quando tive essa
certeza, foi simplesmente perfeito...

Nunca fui assim, delicado, calmo, paciente, no entanto, Mariana é


diferente, ela me tem em suas mãos, só que ainda não percebeu isso.

Sorrindo, me aproximo da cama lentamente, puxo o lençol revelando


seu corpo nu. Subo na cama beijo suas costas, e sinto sua pele reagir ao
meu toque.

Sigo beijando suas costas, vagorosamente, até a sua nuca, mordo


sua orelha, introduzo minha perna direita entre suas coxas grossas e
macias, gentilmente pressiono e para minha surpresa, ela oferece
resistência. Mordo seu ombro e sussurro em seu ouvido.

— Abre as pernas para mim e eleve o quadril. — A sinto estremecer


sob meu corpo e volto a morder seu ombro para conter um gemido.

— Eu... — murmura enquanto puxo seu cabelo e a forço, gentilmente,


a olhar para mim.

— Abre as pernas para mim, Mariana — sussurro olhando em seus


olhos, abaixo meu olhar para sua boca e chupo seu lábio inferior.

Ela se afasta do meu aperto e encosta à testa no travesseiro me


oferecendo uma linda visão da curva do seu pescoço. Não resisto, passo a
língua vagorosamente depois assopro e sinto sua pele se arrepiar.

— Eu estou muito dolorida — revela, ofegante com o rosto contra o


travesseiro.

— Eu sei. — Passo meus dedos por entres seus sedosos cabelos, o


seguro e viro sua cabeça em minha direção. — Você confia em mim,
Mariana? — indago, olhando em seus olhos.
— Eu te dei minha virgindade. — Sorri, contudo, noto que está
desconfortável.

— Você me deu muito mais que a sua virgindade e você sabe disso.
Entretanto, para essa relação dar certo, o que jamais pode faltar entre nós
dois é confiança. Você tem que ter absoluta certeza que eu sempre vou
cuidar de você e garantir o seu bem-estar. Você confia em mim, Mariana?
— volto a questionar.

— Não sou submissa, Pablo — murmura com as bochechas


vermelhas, tímida e ao meu ver ela está encantadora, sorrio. Ela desvia o
olhar e morde o interior da bochecha.

Inspiro profundamente e em silêncio saio de cima dela e vou em


direção ao banheiro. Preparo a banheira com sais e água morna, pego um
remédio e quando retorno ao quarto alguns minutos depois, o encontro
vazio.

Mariana
Magoada!

Nesse exato momento esse é o sentimento que me define. Pablo sai


da cama e vai em direção ao banheiro com um suspiro frustrado,
demonstrando que não estava muito feliz com a minha recusa.

Inconformada com a sua atitude, deito a cabeça no travesseiro


sufocando um gemido torturante e sinto minhas lágrimas banharem meu
rosto.

— Será que ele é tão insensível, a ponto de não entender que eu


estou dolorida? — murmuro entre soluços — essa foi a minha primeira
vez...

Com um impulso me levanto da cama, me visto e saio do quarto o


mais rápido que consigo, sigo em direção à sala. Quando alcanço a porta
sinto seus braços laçar minha cintura.

— Onde você pensa que vai? — Pablo sussurra ao meu ouvido, me


gira e questiona olhando em meus olhos — Você se arrependeu, Mariana?
— indaga em um sussurro.

Sinto um misto de emoções que vai de mágoa a raiva, por ele não ter
compreendido que é tudo muito novo para mim. O mundo que ele quer me
apresentar me excita e ao mesmo tempo me apavora em uma intensidade
assustadora.

Sinto raiva pelo meu descontrole emocional, por nesse exato


momento, estar chorando. Seus dedos limpam as lágrimas que banham
meu rosto, sinto o estremecimento que passa pelo meu corpo ao sentir
seu toque carinhoso.

Sinto muitas coisas, porém, nenhuma delas é arrependimento.

Como eu posso me arrepender de ter sido amada? Pode ter sido uma
ilusão, algo que somente eu senti... Nesse exato momento eu sou uma
bagunça total! Contudo, seria uma enorme mentira dizer que me
arrependi. Quando há alguns minutos, ao sentir seus beijos nas minhas
costas e pedir para abrir as pernas, mesmo dolorida, a excitação tomou
conta do meu corpo e ele sabe disso.

— Não... eu... eu não me arrependo — balbucio, fungando.

— Então por que as lágrimas? Por que está tentando fugir? — Ele
segura meu rosto com ambas as mãos, e ao aproximar seu corpo do meu,
eu sinto o aroma que emana dele. Não é mais só o seu cheiro marcante e
algo a mais, é o seu cheiro misturado ao meu... nosso cheiro! Que me
embriaga de tal forma que inspiro profundamente e solto o ar em um
sofrido gemido.

— Vem comigo? — sussurra, entreabrindo meus lábios com o polegar


esquerdo.

— Eu não estou preparada para entrar em seu mundo, Pablo —


revelo desviando meu rosto.

— Não existe mais meu mundo, Mariana, existe nosso mundo.


Nossas escolhas, nossos limites, você vai me dizer os seus e eu irei
respeitá-los.

— Sério? Há alguns minutos você saiu da cama chateado porque eu


disse que estava dolorida para transar — replico e o encaro de forma
desafiadora. Ele se afasta dando alguns passos em direção à sala, para, e
começa a falar sem olhar para mim.

— Eu não queria transar, depois do que tivemos eu tenho sérias


dúvidas se algum dia, vou querer transar novamente. Nós fizemos amor,
Mariana, e para mim de certa forma, também foi como uma primeira vez —
gira seu corpo e vem andando em minha direção. — Eu sei que foi sua
primeira vez, sei que nesse momento você está, digamos, desconfortável.
Eu queria... eu quero sentir seu corpo junto ao meu, quero seus suspiros e
gemidos de excitação, quero ver suas bochechas vermelhas, porque você
está envergonhada pela forma como seu corpo reage ao meu. Sei que
você tenta se conter, como está tentando agora. — Para na minha frente
invadindo meu espaço, perto demais para a minha sanidade mental.

Segura meu rosto com ambas as mãos e passa, vagorosamente, seu


polegar esquerdo pelos meus lábios, arfo e ele introduz o dedo na minha
boca, olhando-me nos olhos, mordendo seu lábio inferior. Sem desviar
meus olhos dos seus, sugo seu dedo ele geme e eu gosto disso.

— Viu o poder que tem sobre mim? Eu sei que apesar de


inexperiente, você gosta disso. — Ele se aproxima do meu rosto e
sussurra ao meu ouvido, enquanto abre o zíper da minha calça, começa a
me tocar devagar e introduz e tira o dedo da minha boca ao mesmo ritmo
que me toca e eu o sugo muito excitada — Você gosta do meu
descontrole, do jogo, da sedução, isso lhe excita, te seduz. Eu
compreendo o que é isso, porque é exatamente isso que sinto.

Ele se afasta e me observa, sugando seu dedo enquanto ele me toca,


não fala nada, mas vejo o prazer refletido em seu rosto, o vejo ofegar,
morde o lábio inferior enquanto me toca mais rápido e ao mesmo tempo
entrando e saindo com o dedo dos meus lábios.

E naquele momento me dou conta que ele tem razão. Eu gosto de


satisfazê-lo, eu gosto de ver seus olhos brilhando de excitação. Naquele
momento entendi que, apesar de me submeter, eu que tinha o poder. Ele
sorri, enquanto eu chegava ao êxtase e mordia seu dedo, sem desviar os
olhos dos meus.

Ele segura minha nuca e me beija com paixão, sua língua invade
minha boca em uma sincronia perfeita, enquanto meu corpo ainda lateja
do intenso orgasmo.
— Eu acredito que você tenha me compreendido, Mariana — sussurra
ao me ouvido, se afasta e me estende as mãos. — Vem comigo — pede
com um sorriso.

Mordo meus lábios e seguro suas mãos. Ele me leva de volta ao


quarto, ao contrário do que eu pensei, não vamos em direção à cama, e
sim ao banheiro. Pablo dá um passo para trás e indica com a cabeça, ao
entrar, noto encantada uma enorme banheira, cheia de espuma.

— Eu não lhe abandonei na cama porque estava revoltado. Eu sabia


que você estava dolorida, vim preparar a banheira com água morna para
você ficar mais confortável — sussurra ao meu ouvido, fazendo eu me
sentir uma idiota.

— Eu... eu... — Não consigo formular uma desculpa e ele me


interrompe abraçando minha cintura, puxando meu corpo ao encontro do
seu e eu sinto sua excitação.

— Eu compreendo que você seja inexperiente. No entanto, algo que


você deve entender, desde já, é que você sempre deve acreditar que eu
nunca vou fazer algo para te machucar intencionalmente. Entre quatro
paredes, te quero sem reservas, sem pudores e confiando a mim o seu
prazer. Eu prometo cuidar de você, te adorar, te amar. Seu prazer sempre
virá em primeiro lugar para mim. Você confia em mim, Mariana? —
sussurra no meu ouvido.

Eu abro e fecho a boca algumas vezes e como não consigo articular


uma frase com coerência, apenas afirmo com a cabeça.

Ele morde meu ombro, sai de trás de mim ficando em minha frente,
porém, de costas para mim. Tira sua calça ficando nu, entra na banheira,
senta entra as espumas e me observa.

— Tire as suas roupas e me faz companhia na banheira. — Ele pede


em um tom de voz rouco, que me arrepia dos pés à cabeça.

Tiro minha roupa, devagar, envergonhada com as imperfeições do


meu corpo. Caminho até a banheira entro e me sento no lado oposto do
dele.

— Sente em meu colo, Mariana — pede com aquele tom de voz tão
irresistível para mim, hesito por breve momento, depois me movo até a
onde ele está, entretanto, sento-me ao seu lado.

— Mariana, sente em meu colo, de frente para mim — ordena em um


tom mais forte.

Com um suspiro, sento-me em suas pernas, de lado e viro meu tronco


para ele. Ele joga a cabeça para trás e rir. Depois me olha e sorrindo
segura meu rosto, me puxa em sua direção e me beija.

Abre minhas pernas, de modo que eu fique com as pernas em volta


dele e me aproxima do seu corpo. Sinto seu membro latejando contra meu
sexo.

— É assim que eu quero, sem reservas, sem meio termo, sem


barreiras. Não vou te penetrar porque sei que ainda está dolorida. Mas não
abro mão de sentir seu calor contra o meu. — Segura minha bunda não
deixando nenhum espaço entre nós dois.

Suspiro e ponho minhas mãos em seu ombro.

— Agora, vamos conversar.

Tombo a cabeça para o lado e o observo sem compreender? É sério


que ele realmente acha, que vou conseguir ter uma conversa coerente
nessa posição? Sentindo-o duro e latejante, enquanto ele segura minha
bunda e arremete o seu quadril em direção ao meu centro, me tirando o
ar...

Ele só pode estar brincando comigo!

Pela expressão que Pablo me olha, concluo que ele estava falando
sério quando disse que queria conversar.

— Precisamos conversar, Mariana. — Passa um dedo entre meus


seios, sem nunca interromper o movimento do quadril, sem conseguir me
controlar, exalo um gemido.

— Não... não consigo e muito menos quero conversar agora —


retruco, movendo meu quadril ao seu encontro, seguro seu rosto, tiro o
cabelo que cisma em cair na sua testa. São apenas algumas mechas, mas
lhe dá um ar despojado, diferente do Pablo sempre muito arrumado,
sofisticado e com gel nos cabelos. Bem... nem sempre. Em sua casa ele
sempre está... menos Pablo.
Mordo seu lábio inferior, sua mão direita sai do meu quadril, passeia
pelas minhas costas e segura a minha nuca. Sua mão esquerda segura
meus seios e aperta com força o suficiente para me fazer gemer de dor,
contudo, foi impossível dizer que não gostei.

— Não tente me provocar, Mariana, você ainda não está preparada


para o que eu quero de você.

—O que você quer de mim?

— Tudo! — Ele me beija e eu gemo em sua boca quando ele aperta o


bico do meu seio. Pablo interrompe o beijo, morde a curva do meu
pescoço e sussurra ao meu ouvido enquanto movo meu quadril, em um
ritmo alucinado, friccionando meu centro ao encontro da sua ereção,
buscando aliviar a tensão que toma conta do meu corpo. — Vamos
informar hoje ao seu pai que estamos juntos, não somente a ele, mais a
todos — diz entre pequenas mordidas e beijos.

Cesso meus movimentos e endureço o corpo, ele sente o exato


momento da minha mudança e interrompe seu delicioso carinho.

— Existe problema em seu pai saber que estamos juntos, Mariana? —


questiona, me olhando nos olhos.

— Bem, meu pai não... Mesmo porque ultimamente tenho notado que
não consigo esconder algo dele — confesso com um pequeno sorriso sem
graça.

— Tenho que confessar que a perspicácia do seu pai, foi uma


agradável surpresa para mim — revela, pondo meu cabelo atrás da orelha
e acariciando meu rosto.

— Então, meu pai e Nay... deles não tenho como esconder,


entretanto, gostaria que nosso caso fosse algo íntimo e pessoal — falo
pausadamente, temendo a sua reação.

— Caso?

— Bem... nosso... É, enfim não sei que nome dar ao que estamos
começando.

— Nós não estamos tendo um caso, Mariana, há algumas horas eu te


disse que queria muito mais que isso, eu quero tudo, Mariana. Tudo! —
assegura sério e em um tom autoritário.

— Eu... eu prefiro que... Assim por enquanto, além de Nay e meu pai,
não quero que ninguém saiba. Até eu ter certeza de que não é apenas
algo passageiro. — Mal acabo de proferir as palavras e Pablo se
desvencilha de mim, sai da banheira, se enrola em uma toalha e anda de
um lado para outro, mexendo em seu cabelo.

Mesmo em meio à tensão que nos encontramos, sorrio e o observo.


Sempre que Pablo está nervoso ou com raiva de algo, ele puxa os cabelos
e anda de um lado para outro, confesso que ele fica lindo assim.

— Mariana!

— Oi, desculpa. — Fico vermelha por ter sido pega admirando-o, ao


invés de estar prestando atenção no que ele estar falando. Por dois meses
contive meus olhares a ele, sempre com medo de deixá-lo notar o quanto
ele me afetava ou qualquer outra pessoa. E agora tê-lo em minha frente
somente de toalha, depois de tudo o que houve entre nós...

Deixo-me levar e por um breve momento, me esqueci de que ele não


está nada feliz com a minha decisão em manter o que temos em segredo.

— Mariana, eu... eu desisti de tudo por você, dos meus sonhos, dos
meus anseios. Fiz tudo o que você queria, fui até ao seu pai, te pedi em
namoro em sua casa. Nossa! Você não tem noção do quanto foi difícil para
mim, ir até aquele lugar? — questiona me olhando atentamente.

Não gostei de ouvir isso, nada disso.

Levanto-me da banheira, e começo a me secar em silêncio.

— Mariana! — Fecho meus olhos ao ouvi-lo dizer meu nome, soou


como um pedido mudo.

— Pablo, é exatamente por isso que eu quero que nosso caso fique
entre nós dois.

— Isso o que, Mariana?

— Você acabou de jogar na minha cara os sacrifícios que fez por mim,
eu não pedi para você abdicar dos seus sonhos ou anseios para ficar
comigo. Eu sei que ainda sou muito imatura e você também sabe que sou
orgulhosa. Não vou conseguir ficar ouvindo isso calada por muito tempo. E
tenho sérias dúvidas se o que temos irá durar. Somos muito diferentes,
Pablo — digo enquanto me visto evitando olhar em sua direção.

Giro meu corpo, saio do banheiro e vou em direção à sala. Minha


intenção era pegar minha bolsa e ir para casa chorar até não aguentar
mais. Porém, Pablo enlaça minha cintura impedindo a minha saída.

Tento me desvencilhar e ele me surpreende sussurrando ao meu


ouvido:

— Me desculpa.

Paro ao ouvir seu pedido de desculpas.

— Por favor, me desculpa. Eu... eu me descontrolei quando você


disse que o que temos é apenas um simples caso. Você é minha, Mariana!
Não aceito menos que tudo.

— Pablo, eu... — Ele gira meu corpo e me beija, com carinho,


devagar, seus dedos adentram em meus cabelos fazendo uma deliciosa
carícia. Quando o beijo termina, ele encosta a testa na minha e sussurra
em um tom rouco — Eu compreendo que para você ainda seja tudo muito
novo, que você ainda não esteja preparada, entretanto, não vou aceitar
que você diminua o que estamos começando... Isso está longe de ser
apenas um caso, Mariana.

— Pablo, eu sei que... Bem, a verdade é que eu não sei de mais


nada. Eu sei de fatos. E o fato é que há pouco tempo você era noivo e
odiava meu pai... Então, por enquanto, eu prefiro que ninguém além do
meu pai e Nay saibam do nosso relacionamento. Até eu... até eu ter
certeza de tudo isso.

— E se eu não aceitar esse termo, Mariana.

— Então paramos por aqui.

Ficamos um tempo um olhando para o outro, em silêncio. Pablo


abaixa a cabeça e suspira.

— Vou te levar para casa — fala em um tom triste, vira-se de costas e


caminha em direção ao seu quarto.
Acho que sua intenção era pôr uma roupa, já que ainda se encontrava
com a toalha envolta do seu quadril.

— Não precisa. — Pego minha bolsa e saio sem dar a chance de ele
retrucar.

Ele não veio atrás de mim e eu agradeci por isso.

***

À noite, deitada na cama depois de uma tarde pensativa e jantar em


silêncio, o qual meu pai passou o tempo todo me observando, sem falar
absolutamente nada. Acredito que ele tenha notado que o meu estado
emocional estava abalado demais para conversar. Ele apenas beijou
minha cabeça e foi para seu quarto.

Viro-me na cama e olho meu celular, passei boa parte da noite com
vontade de ligar para Pablo, mas me contive.

Suspiro e viro novamente na cama ficando de frente para a parede. E


meu celular toca. Em minha ânsia de atender, desequilibro e caio da cama.

— Alô — falo gemendo de dor.

— Mariana! Você está bem? O que houve? — Pablo soa preocupado.

— Estou bem, apenas caí da cama feito jaca madura. — Tento ser
divertida, mais falho miseravelmente.

Pablo fica em silêncio e eu começo a roer minhas unhas.

— Eu aceito — diz depois de um longo silêncio.

— O que? — sussurro, confusa.

— Os seus termos. Eu aceito que, por enquanto, nosso


relacionamento seja, digamos, discreto. — Sua voz soa em um tom de
advertência e um lento sorriso surge em meus lábios.

— Você aceita? — sussurro, feliz.

— Por enquanto, aceito.

— Ok.
— Boa noite, Mariana.

— Boa noite, Pablo!

Ele desliga e eu me deito na cama com o coração batendo


descompassadamente.

***

Na manhã seguinte, chego ao escritório no horário habitual, sigo para


minha sala e encontro uma bandeja com café e guloseimas em minha
mesa.

Sorrindo me aproximo e noto que tem um bilhete na bandeja.

Minha Mariana,

Às 9:00hrs vou à sua sala.

Quero te encontrar sentada em cima da sua mesa, sem calcinha!

Obs.: Se me desobedecer, você será castigada!

Seu Pablo.

Acabo de ler o bilhete de boca aberta.

Estou surpresa e confesso que um pouco excitada.

Tomo café olhando para o bilhete e para o relógio, e a cada minuto


que passa, minha excitação se torna mais latente e a indecisão toma conta
de mim.

Será que devo obedecer e esperá-lo sem calcinha sentada na mesa


do escritório?
Capítulo 14

Mariana
Não! Não vou tirar calcinha nenhuma!

Ando de um lado para o outro, olhando fixamente para o bilhete por


mais de quarenta minutos. Suspirando em negação, deixo em cima da
mesa, decidida a não fazer a loucura de ficar sem calcinha no escritório.

Inspiro profundamente e ligo o computador. Porém, a todo o


momento meus olhos desviavam da tela para o bilhete.

― Esquece isso, Mariana! Pablo com certeza estava brincando ―


murmuro de cabeça baixa.

― Não, eu não estava brincando. ― Me assusto com a entrada


silenciosa de Pablo.

― Que susto, Pablo!

― Me desculpe, não foi minha intenção te assustar. Você estava tão


compenetrada em seus pensamentos, que não me ouviu bater na porta
antes de entrar. ― Sorri amável, sentando-se a minha frente.

Hoje Pablo não lembra em nada o homem descontraído e despojado


de ontem. Ele está muito sofisticado, com terno, gravata e gel nos cabelos
e uma expressão soberba... Tão Pablo.

Ele põe uma sacola em cima da mesa. Intrigada, desvio meus olhos
dele para a sacola, ela é rosa tem um laço de cetim branco, depois volto a
olhar em sua direção com a sobrancelha levantada em uma clara
interrogação. Pablo sorri de lado e cruza as pernas.

― Eu tinha quase absoluta certeza, que você não iria fazer o que lhe
pedi ― diz em um tom rouco que soa como uma agradável carícia, que me
arrepia dos pés à cabeça.
― Nós... ― Engulo em seco. ― Nós estamos em horário de trabalho
― digo, pausadamente.

Pablo descruza as pernas, levanta, contorna a mesa devagar,


passando um dedo pelo contorno. Seu movimento durou cerca de meio
minuto no máximo, contudo, cada passo que dava em minha direção meu
coração bombeava mais rápido, acelerado, quando ele finalmente parou a
minha frente, prendi a respiração, esperando, ansiando pelo seu próximo
movimento.

Ele inclina em minha direção e sussurra ao meu ouvido:

― Respira, Mariana. ― Sorri e eu fico vermelha de vergonha.

Ele segura minha mão e me puxa em sua direção. Enlaça minha


cintura, junta nossos corpos a tal ponto que não haja espaço entre nós.
Segura minha nuca, me olha nos olhos, desvia para minha boca e eu abro
meus lábios esperando um beijo... Que não veio.

Depois de alguns segundos de boca aberta, abro meus olhos e o


observo confusa. Ele está me olhando sério.

― Eu deixei claro no meu bilhete que, teria um castigo, caso eu


chegasse aqui e você não estivesse sentada na mesa, sem calcinha. ―
Passa o dedo nos meus lábios.

― Seu castigo será não me beijar ― sussurro e mordo seu dedo de


leve.

― Ah, minha doce Mariana... ― Eleva meu rosto, morde meu queixo,
segue um caminho de pequenos beijos do meu queixo ao meu ouvido
onde sussurra ― Abdicar de seus lábios, não seria um castigo para você e
sim uma tortura para mim. ― Seus dedos entram em meus cabelos e me
beija.

Não um simples beijo. Nada com Pablo é simples, nunca. Ele me


consome, sua língua entra entre meus lábios me acariciando e exigindo
uma resposta à altura da paixão que te consome, que nos consome.

Ele desvia dos meus lábios, eu arfo e mordo meu lábio inferior. Nesse
exato momento eu faria o que ele quisesse e ele sabe disso.
Com um sorriso misterioso, ele desce até por um joelho no chão, sem
desviar os olhos dos meus. Suas mãos acariciam meus tornozelos e
vagorosamente sobem pelas minhas pernas, adentram na minha saia até
a altura da minha virilha, e, sem falar absolutamente nada, ele tira a minha
calcinha sem nunca desviar o olhar do meu. Levanta-se, e pelo seu olhar
eu sei que ele quer que eu não me mova, sorrio mordendo o lábio inferior.

É engraçada essa nossa conexão, mesmo ele não dizendo


absolutamente nada, eu sei o que ele quer que eu faça.

Ele volta em alguns instantes com a sacola, desfaz o laço e retira uma
caixa. Curiosa, inclino a cabeça ao ver retirar algo rosa da caixinha.

― O que é isso? ― indago, intrigada.

― Uma Butterfly. ― Ele pisca para mim e ajusta as fitas.

― Uma borboleta? ― Isso não me parece uma borboleta... Quer


dizer, parecer até parece, mas...

Ele sorri e eleva minha perna direita, depois à esquerda e devagar


ajusta a borboleta no meu centro.

― Você vai ficar com ela até a hora de ir embora. ― Ajeita minha
roupa e se levanta.

― Mas, mas, mas. ― Estou tão atordoada que mal consigo formular
uma frase ― Pablo! Eu vou andar e isso vai cair! ― balbucio, apavorada.

―Não, ela não vai cair. Não se preocupe ― afirma, sorrindo.

Ele acaricia meu rosto, segura meu queixo e me beija e eu sinto uma
vibração vinda da borboleta e arfo em sua boca.

― Meu Deus! ― Encosto a testa em seu ombro ao passo que sinto a


vibração se intensificar.

Pablo segura minha cintura com a mão esquerda e com a direita eleva
meu rosto.

― Como você é linda, quando está gozando ― murmura, enquanto


um surpreendente orgasmo toma conta do meu corpo, me roubando o
fôlego e o olhando surpresa ― confesso que passei a noite procurando o
vibrador perfeito para você, contudo, valeu a pena.

Ele me beija, devagar, com carinho. Depois me dar um casto beijo na


testa, pega a bolsa e se encaminha para saída.

― Pablo! Você não está esquecendo nada? ― indago, olhando para a


bolsa rosa.

― Esse será o seu castigo, Mariana ― revela com um sorriso


malicioso

― Passar o dia sem calcinha? ― questiono, sorrindo com uma


expressão incrédula.

― Não. ― Ele retira um pequeno controle rosa do bolso, aperta um


botão e volto a sentir a borboleta vibrar em uma intensidade avassaladora.
Seguro a borda da mesa e solto um sofrido gemido. Sinto seu olhar fixo
em minha direção, enquanto novamente sou surpreendida por um
orgasmo que rouba meu fôlego ― Seu castigo será ficar com a borboleta
até a hora em que eu vier tirar. E na hora que eu quiser você irá gozar.
Tenha um bom dia, Mariana ― explica com um sorriso incrivelmente
sedutor nos lábios.

Ele vai embora me deixando perplexa.

Meu Deus!

Recosto na cadeira e fecho meus olhos ainda ofegante. Depois


seguro meu rosto com ambas as mãos e uma incontrolável gargalhada
brota em minha garganta.

― Não acredito que isso está acontecendo comigo ― murmuro, rindo.

Fico em pé, mas minhas pernas fraquejam e eu volto a sentar.

― Meu Deus! Será que... não, ele não vai fazer isso ― digo entre
risos.

O telefone da mesa toca e minha secretária avisa que Bianca e uma


amiga gostariam de falar comigo, acabo me desesperando e o pânico
toma conta de mim.
Será que Pablo vai ligar o vibrador enquanto eu estiver conversando
com Bianca?

― Meu Deus! Vou tirar isso agora! ― Levanto-me rápido, com a


intenção de ir ao banheiro, mas sou surpreendida com a entrada de
Michele e Bianca.

Com um sorriso amarelo, um longo suspiro e uma pequena prece


silenciosa, vou ao encontro delas orando para que Pablo não queira me
castigar nesse exato momento.

Confesso que estou com o corpo tenso, coluna dura e reta. Estou com
medo até de respirar. Com medo da borboleta começar a vibrar.

— Você está bem, Mariana? — Bianca questiona.

— Sim... sim, tudo... tudo bem. — Me atrapalho ao responder.

— Para mim, você parece que foi toda bagunçada, gata! Você se
entendeu com o nerd gato tosco, não é mesmo?

— Michele! — Bianca a repreende.

— O que foi, gente? Bianca, olha os olhinhos dela! As bochechas


estão vermelhas. Está na cara que ela virou os olhinhos recentemente —
Michele fala e eu a olho de boca aberta, horrorizada e minhas preces
aumentam com medo de Pablo ligar o maldito botão — Antigamente, eu
até ficaria verde e amarela de inveja de você. Mas meu amor! Agora eu
tenho meu bofe máster, meu chocolate derretido, tudo de bom. Apesar da
gente ainda não... Mesmo assim, Mona, o babado é fortíssimo! — Ela se
abana e eu olho para Bianca morta de vergonha.

Bianca balança a cabeça e emana um suspiro.

— Querida Mariana! Há algum tempo, eu perderia meu tempo me


desculpando pelo intrometimento de Michele. Porém há alguns meses,
desde que Fernando entrou na minha vida eu desisti de vez de sentir
vergonha alheia. — Bianca esclarece, dando os ombros.

— Mas ué, gente! Falei nada demais. — Michele levanta as duas


mãos com a cara mais inocente possível e depois vira para Bianca — Vai
me dizer que você também não acha que ela foi todinha bagunçada? —
Michele cruza os braços, e eu ponho ambas as mãos em meu rosto.
— Isso não é problema seu, Michele! — Bianca volta a repreender
Michele, no entanto, foi impossível não notar o divertimento em sua voz.

— Esquece a vergonha e fala para sua amiga aqui. Foi bom, mona?
— Michele questiona tocando no meu braço.

— Não, quero dizer... Sim... quero dizer... Não houve nada entre a
gente — balbucio envergonhada.

— Hum, prefere manter escondidinho — A voz de Michele soa


engraçada — Faz bem, gata! O mulherio está caindo em cima! — Mal ela
acaba de falar e Bianca solta uma sonora gargalhada e eu a acompanho
de puro nervosismo.

— Chega, Michele, você está constrangendo Mariana. Ela não está


acostumada com seu jeito extrovertido. — Bianca vira o rosto em minha
direção e sorri serenamente enquanto eu aperto meus dedos, tensa. —
Meu anjo, não precisa comentar se você não quiser, como disse
anteriormente: há algum tempo desisti de sentir vergonha alheia. —
Bianca diz de forma carinhosa e eu solto um longo suspiro.

— É que... é... bem... nossa! É tão complicado. — Me atrapalho toda


ao tentar explicar algo, que eu nem sei ao certo o que é.

— Vai por mim, gata! Eu entendo. E olha, não precisa falar nada, tá?
— Michele segura minhas mãos por cima da mesa — Mas se você
precisar de ajuda, ou estiver em uma situação na qual você se vê sem
saída, não hesite em nos procurar. Posso ser magra alta e desprovida de
bunda, mas arrumo um povo para dar na cara desse nerd gato, fácil, fácil.
— Michele oferece dando pequeno tapinhas em minhas mãos e eu a
observo de boca aberta enquanto Bianca volta a rir.

— Aí, Michele... Enfim, sem comentários. — Bianca respira fundo,


acredito que tentando controlar a crise de riso enquanto eu olho de uma
para outra incrédula — Mas mudando de assunto. Viemos aqui para lhe
convidar para ser madrinha do meu casamento.

— Isso mesmo, gata! Eu e Fernando estamos organizando um


casamento bafônico! E gostaríamos muito que você fosse uma das
madrinhas. — Michele sorri feliz.
— Você e Fernando? Mas o casamento não é de Bianca e Fernando?
— questiono, confusa.

— Ah meu anjo... Para preservar minha sanidade mental, há algum


tempo desisti de ficar entre esses dois quando eles resolvem alguma
coisa. — Bianca sorri, divertida e é impossível não sorrir junto.

— Então, gata, você aceita ser uma das madrinhas de Bianca? —


Michele indaga, sorrindo largo.

Intercalo o olhar de uma para outra. Elas são tão diferentes, Michele é
loira, magra e exuberante, extrovertida e completamente sem filtro. Bianca
é gordinha, negra, ponderada, elegante e sofisticada. Michele é fogo e
confusão em pessoa. Já Bianca é um mar de calmaria. Como essas duas
podem ser amigas, é algo que não compreendo. Porém, é impossível não
notar o sentimento de amor fraternal mútuo que as envolve.

— Ficaria imensamente feliz em aceitar. — Sorrio para ambas.

Michele bate palmas, já Bianca apenas sorrir e eu retribuo.

— Ah me esqueci de falar! Bianca vai chamar o nerd gato para


padrinho. Então provavelmente vocês serão um par na igreja. — Mal ela
acaba de falar e eu arregalo meus olhos balançando a cabeça em
negação — Gata, relaxa, amor! Qualquer coisa a gente ‘se junta’ e dá na
cara dele. Simples assim! — Michele diz, dando de ombros e Bianca ri.

Bianca se levanta, contorna a mesa e segura minhas mãos. Não me


levanto da cadeira, pois tenho medo de qualquer mísero movimento a
borboleta volte a vibrar.

— Mariana, meu anjo, muito obrigada por aceitar ser uma das minhas
madrinhas e, por favor, não se preocupe com Pablo. Tenho certeza de que
tudo vai dar certo — Bianca assegura segurando minhas mãos.

Ela me passa tanta confiança, que por um breve momento, creio que
no final tudo realmente dará certo.

— E como eu já disse várias vezes. Caso tudo der errado ‘a gente


junta um povo’ e dá nele — Michele fala séria e eu começo a rir. Acredito
que seja toda a tensão acumulada, junto com essas duas mulheres tão
especiais.
Conversamos por mais algum tempo, depois elas vão embora e eu
respiro aliviada por Pablo não ter me "castigado".

Sorrindo, sigo a rotina de trabalho, até que sou surpreendida pela


entrada de Angélica em meu escritório, seguida pela secretária se
desculpando, por não ter a impedido de entrar sem ser anunciada.

Depois que a secretária se desculpa e sai, fixo meus olhos em


Angélica, que anda de um lado a outro.

Ela é linda! Rosto angelical, perfume marcante que chegam até mim e
me envolve de forma agradável. Angélica é delicada, graciosa,
sofisticada... Simplesmente perfeita.

Como eu posso competir com uma mulher assim?

Ela, vagorosamente, passa um dedo pela estante tirando uma poeira


imaginária. Na estante do escritório tem várias miniaturas de personagens
da Marvel, a maioria Pablo me presenteou. Confesso que a cada miniatura
que me dava, ele conquistava um lugar em meu coração, principalmente
dada a sua paixão pela DC — coisa que juro que não entendo, já que a
Marvel é mil vezes melhor que a DC —, agora nesse exato momento,
tenho medo que meu pobre coração não saia ileso do meu envolvimento
com Pablo.

— Pablo ama você — Angélica fala com voz fina. A única coisa que
destoa em toda sua graciosidade é a sua voz. Fina e irritante.

Demoro alguns bons segundos paralisada, sem sequer respirar


depois que ouvir essa frase.

— Nem tente negar! — Ela vira o corpo e me olha sorrindo, confesso


que senti um frio na espinha — Eu sei que ele ama você da mesma forma
que você sabe que nunca será boa o suficiente para ele.

— Como é que é? — questiono, indignada. A ordinária tem a cara de


pau de rir.

— Apesar dele te amar, você sabe que não é o que Pablo precisa. É
bobinha demais, inocente demais, pobre demais — afirma com desprezo
me olhando de cima a baixo.
— Angélica eu estou trabalhando! Não jogue em cima de mim suas
frustações pessoais, as quais não me dizem respeito. Por favor, sai daqui!
— Meu corpo inteiro treme, fecho meus olhos e inspiro profundamente
fazendo um enorme esforço para me manter calma, pelo menos,
superficialmente — Se você tem problemas pessoais com Pablo, resolva
com ele! Mas, por favor, me deixa trabalhar em paz — digo,
pausadamente.

Angélica apenas sorri e continua, como se eu não tivesse falado nada.

— Pablo é ambicioso, aprendeu a viver no luxo, gosta de coisas que


você não vai ser capaz de dar. Você será uma boa distração, uma
novidade, e quando essa novidade passar, ele vai voltar para mim. Ele vai
retomar os objetivos, sonhos e anseios...

Ela continua a falar e eu não consigo rebater, porque eu infelizmente


acho que ela está certa.

— Acredito que esteja na hora de você se retirar, Angélica. — A voz


de Pablo soa alta e exigente e um constrangedor silêncio se instaura no
ambiente.

Eu estou envergonhada, por mais uma vez não conseguir me


defender, já que Angélica trouxe à tona todos os meus temores.
Capítulo 15

Mariana
Fecho meus olhos, não acreditando que me encontro nessa situação
tão constrangedora. Ouço os saltos de Angélica batendo contra o chão e
isso me indica que ela está se aproximando de Pablo.

— Oh meu querido, estava morrendo de saudades suas. — Não


preciso abrir meus olhos para saber que ela o está abraçando, contudo, a
curiosidade de saber se ele retribui o abraço era tamanha que ao abrir
meus olhos, com grata surpresa, o vi repelindo seu abraço, e suspirei
aliviada.

— O que você está fazendo aqui, Angélica? — Pablo questiona,


saindo do seu aperto.

— Apenas vim conversar com a queridinha da Bianca. — Angélica


olha em minha direção, porém, logo desvia para Pablo — Ou será a sua
queridinha agora?

Pablo sorri e fala em um tom tão frio que me deu calafrios, e me dou
conta que ainda não retirei a bendita borboleta. A conversa com Bianca e
Michele me relaxou a tal ponto, que esqueci completamente dela.

— Angélica, você me conhece a tempo o suficiente para saber que


não dou satisfação da minha vida pessoal a ninguém.

— Eu sou ninguém agora, Pablo? — Angélica questiona irritada


deixando de lado toda a sua graciosidade — EU SOU SUA NOIVA! —
Grita em plenos pulmões e eu a observo, incrédula.

— Angélica, acredito que o seu estado emocional descompensado,


afetou a sua memória — Pablo fala com uma expressão séria — Nós
terminamos o nosso, digamos, relacionamento há algumas semanas.

— Não! — Angélica literalmente bate o pé no chão como uma criança


mimada — Você em um momento de desequilíbrio, levado por estúpidos
desejos tolos, rompeu nosso relacionamento, mas eu não rompi nada!
Então ainda somos noivos, sim! — afirma e volta a bater o pé.

Eu observo a cena que desenrola à minha frente, sem acreditar que


isso realmente está ocorrendo.

— Você está descontrolada, Angélica. Sugiro que saia e se


recomponha — Pablo pede em um tom de desprezo.

Angélica abaixa a cabeça e ri de forma irônica.

— Eu estou descontrolada? Pablo você que está cego! — Ela vira o


rosto em minha direção. — Olha essa garota! Ela é ridícula, Pablo! — Ela
vira para ele. — Você é um homem inteligente, culto e tem grandes
anseios. Como pode ficar com uma gorda favelada, filha de um ignorante?
Como essa mulher vai te elevar? O que aconteceu com os seus sonhos?

Canso de ficar quieta, enquanto essa louca me humilha, ponho


minhas mãos em cima da mesa, elevo meu corpo e grito.

— Cala a sua boca, sua doida! Você entrou no meu escritório só para
falar um monte de asneiras! Ponha-se daqui para fora! Caso contrário, eu
vou lhe mostrar a favelada nordestina que eu sou! — ordeno, enfurecida.

Angélica vira seu corpo em minha direção e aponta um dedo para


mim.

— Você não é nada aqui dentro para me mandar sair da sala! É


menos que nada, só porque Pablo está te dando um pouquinho de
atenção, já está começando a achar que é gente? Pois ponha-se no seu
devido lugar, sua gorda nordestina e ridícula!

— Chega Angélica, você passou todos os limites! Sai daqui agora! —


Pablo pede com um tom de voz irritado, porém, Angélica continua a falar.

— Está achando que só porque está com ele... — A interrompo aos


gritos.

— Eu e o Pablo não temos nada! — esbravejo, direciono meu olhar


colérico para Angélica.

Angélica me olha sorrindo e vira para Pablo, viro meu rosto em sua
direção e titubeio com a intensidade do seu olhar.
Pablo me olha com um misto de raiva e mágoa. Esses sentimentos
emanam dele com tanta intensidade que chegam até a mim de tal forma,
que não consigo sustentar o olhar, desvio, me sento e abaixo a cabeça.
Contudo, sinto seu olhar em minha direção.

Angélica solta uma sonora gargalhada e viro meu rosto para ele.

— É por isso que você me trocou? — indaga, olhando para nós dois.

Arrisco olhar em sua direção, porém, desviando do seu rosto.


Apreensiva, o noto botando as mãos, sutilmente, no bolso e me recordo da
borboleta. Apavorada, elevo meu rosto e faço um pedido mudo, movendo
meus lábios, implorando para que ele não fizesse. Em resposta, recebo
um levantar de sobrancelha e logo em seguida começo a sentir o zumbido.

— É por isso que você desistiu dos seus sonhos e objetivos? Por uma
mulher que nem sequer tem a coragem de assumir o que vocês têm? —
Angélica destila um pouco do seu veneno em cada palavra.

Sinto a intensidade da borboleta aumentar e mordo meu lábio inferior,


para conter um gemido. Seguro a borda da mesa e direciono meu rosto
em direção a Pablo. Ele não está mais com uma expressão de raiva. Não,
sem sombras de dúvidas, ele não está com raiva. Sinto a intensidade
aumentar e diminuir. E começo a ofegar desesperada.

Angustiada e muito apavorada, intercalo o olhar entre Angélica — que


segue de costas para mim, me insultando — e para Pablo, que está com
uma expressão segura, sedutora, misteriosa e cínica, como se não
estivesse controlando meu orgasmo com um botão.

Com a respiração ofegante, sinto uma gota de suor banhar meu rosto
e volto a fazer uma súplica muda em sua direção.

Ele sorri e pega Angélica pelos braços.

— Angélica, eu entendo o que você está sentindo nesse exato


momento, e você sabe que já senti isso. No entanto, preciso que você
compreenda que eu não posso seguir com o nosso acordo, porque você
não é ela — ele aponta em minha direção sem desviar os olhos de
Angélica —, e nesse momento ela é o que eu quero e preciso
independente de qualquer coisa e principalmente acima de tudo e de
todos. Não me importa suas origens, seus graus de parentescos ou onde
more. Ela está em minha pele e eu não quero tirar ela do meu sistema. Eu
não vou me afastar dela, independente do que você falar ou fizer,
compreende isso, Angélica? — pergunta em um tom sério, enquanto a
leva até a porta.

Eu quase tenho um orgasmo com sua declaração, ele não disse que
me ama, contudo, afirmou que me quer com tanta intensidade que me
deixou muito excitada.

Angélica sai do aperto de Pablo e fala com voz embargada.

— Eu sei que isso vai passar, ela vai sair do seu sistema da mesma
forma que Bianca saiu, e eu apenas vou aguardar essa fase passar, para
seguir com os nossos planos. — Angélica sai batendo a porta, me
deixando intrigada.

Pablo diz à secretária que não queremos ser incomodados tranca a


porta e vem andando em minha direção determinado. Sinto que ele
desligou a borboleta, me levanto, a retiro, contorno a mesa, elevo meu
braço oferecendo a borboleta para ele enquanto questiono.

— O que Angélica quis dizer quando mencionou que Bianca, já esteve


em seu sistema?

Ele sorri, pega a borboleta com a mão esquerda, enquanto segura


minha mão direita, o vejo pondo-a no bolso e tomo um susto quando ele
gira meu corpo, de modo que sua mão direita fique na minha barriga,
pressionando meu corpo ao encontro do seu. Ele morde meu ombro.

— A pergunta que você deveria me fazer é: Por que eu liguei a


borboleta enquanto Angélica lhe insultava? — indaga, beijando o local que
havia mordido, depois assopra, e eu sinto um delicioso arrepio percorrer
meu corpo — A resposta é que, na próxima vez que isso acontecer, sim,
ambos sabemos que ela provavelmente irá fazer isso novamente. Enfim,
na próxima vez que isso acontecer, você recorde que quase gozou na
última vez, sorria com essa pequena travessura secreta e não se deixe
abater pelas provocações — sussurra, dando pequenos beijos na curva do
meu pescoço.

— Você fez isso para me ajudar? — questiono, incrédula.


— Sim! Mudando de assunto, você está sem calcinha e excitada e eu
estou com raiva por você ter afirmado que não temos nada — murmura,
mordendo minha orelha —Se incline sobre a mesa e enrole o vestido até a
cintura — ordena com um tom de voz tão sedutor que para mim é
simplesmente impossível negar.

Inclino meu corpo, e elevo o vestido até a minha cintura.

— Abra as pernas para mim, Mariana.

Faço o que ele me pede e exalo um pequeno gemido.

— Não quero que você faça nenhum ruído, você vai gozar sem
gemer, — ordena em um tom rouco — Você entendeu, Mariana, não
importa o que eu faça, você não vai emitir nenhum ruído.

— Sim — sussurro, excitada e arregalo meus olhos ao sentir um tapa


na minha bunda.

Prendo a respiração quando o ouço tirar o cinto, ele fica em silêncio e


eu receosa e apreensiva. Minha mente é invadida por cenas de livros
eróticos e imagino mil e uma coisas.

Será que ele vai bater com o cinto na minha bunda? Como vou andar
depois? Descobri que as coisas descritas em alguns livros, nem sempre
condizem com a realidade, eu por exemplo, ainda estou dolorida depois e
ter feito amor uma única vez com Pablo ontem, entretanto, nos livros as
personagens virgens — como eu era — fazem sexo a primeira vez e
depois parece coelho, enquanto eu ainda me encontro dolorida...

Ofego ao sentir a língua de Pablo invadir minhas dobras, estava tão


envolta em meus devaneios que quase gemi, porém, recordei da sua
ordem e mordi meu lábio inferior. Pablo me fez delirar em sua língua, sem
poder dar um único som. Quando o orgasmo me atingiu, mordi meu braço
para conter o gemido.

Ofegante, deitei minha cabeça na mesa e não mudo de posição,


acreditei que ele deveria querer se satisfazer agora, então continuei na
mesma posição. E, novamente, Pablo me surpreendeu ao elevar minha
perna, logo depois à outra e sinto que ele está pondo minha calcinha.
Quando penso em questionar, ele me gira, segura meu pescoço e me
beija, sedento, urgente, com paixão, segurando forte e me puxando contra
sua ereção. Afastamo-nos para tomar fôlego.

— Tem certeza de que isso é um castigo para mim? — indago com


uma sobrancelha levantada e ele sorrir — Você não... quero dizer, você
está... — Aponto para sua ereção e ele ri.

— Não sou nenhum adolescente que não consegue conter os seus


impulsos sexuais, porém, com você é mais difícil, mas confesso que é uma
deliciosa tortura. — Ele sorri e eu sorrio junto toda boba ao saber que é tão
torturante para ele se conter — Eu estou feliz com o que você me dá, não
vou tomar além do que você pode me dar. Sei que você ainda não se
recuperou totalmente da sua, da nossa primeira vez. Eu posso esperar,
valerá a pena. — Em um gesto carinhoso põe meu cabelo atrás da orelha
e me dá um pequeno beijo.

— Você vai para faculdade?

— Sim.

— Quer carona?

— Não.

Ele me observa por um tempo depois balança a cabeça.

— No dia em que você for altiva e confiante, com todos que a rodeia
como você é comigo, eles irão compreender o fascínio que eu tenho por
você. — Ele caminha em direção à porta, mas para antes de abrir — Me
esqueci de comentar, seu pai me convidou para jantar amanhã e eu vou
revelar que estamos juntos. Se não me engano ele está entre as pessoas
nas quais você concordou que podem saber do nosso, digamos,
relacionamento. Tenha um bom dia, Mariana. — Ele pisca um olho e sai
me deixando de boca aberta e pernas bambas.

Passo um bom tempo de boca aberta, olhando a porta fechada.


Depois sigo para o banheiro, ligo a torneira, molho minhas mãos e rosto,
elevo minha cabeça e me olho no espelho.

A imagem que vejo refletida me surpreende, estou com o cabelo


revolto no rosto e pescoço avermelhados e respiração um pouco ofegante.
Estou bonita e sexy.

Sorrio mordendo meus lábios inferiores e ponho a mão na boca, ao


me recordar de tudo o que houve.

A borboleta, Bianca, Michele, Angélica e... Pablo

Com um sorriso maroto me lembro de que quase cheguei ao êxtase,


enquanto Angélica me insultava, me dou conta que Pablo tinha razão.
Acredito que toda vez que encontrar com Angélica, vou reviver os fatos
que ocorreram hoje.

― Meu Deus! ― Rio muito até a barriga doer.

Quando consigo me recompor, me ajeito e saio do banheiro. Envio


uma mensagem para Nay, informando que estarei no saguão em alguns
minutos. Pego minha bolsa e na saída do escritório cumprimento a
secretária um pouco acanhada, receosa de ela ter ouvido algo, porém, ela
me responde um "boa tarde" calmo e sereno. Sua expressão de aparente
tranquilidade, não me deixa descobrir se ela ouviu algo ou não. Saio dali o
mais rápido possível prometendo a mim mesma que jamais farei algo
parecido no escritório novamente.

Ao chegar ao saguão não encontro Nay, meu celular vibra e vejo que
é uma mensagem dela avisando que irá demorar. Olho ao redor e noto
que meu pai está envolto em uma animada conversa com Bianca, Michele
e Fernando.

Meu pai segura uma vassoura, enquanto Michele gesticula, Bianca


balança a cabeça em negação e Fernando gargalha. Sorrindo me
aproximo e embalamos em uma agradável conversa até meu pai se
despedir, com a desculpa que tinha que retornar ao trabalho.

Logo depois vejo Nay saindo do elevador e faço um gesto com a mão
para ela se aproximar.

― Gata, amei o seu visual. Aposto que tem um monte de bofe


correndo atrás de você! ― Michele elogia Nay.

― Nay, esses são Bianca, Michele e Fernando, essa é a minha


melhor amiga Nay.
Nay está vestindo um lindo vestido azul florido e as mechas do cabelo
também estão azuis.

― Bem, respondendo a sua pergunta.... assim... quem eu quero, nem


sabe que eu existo. Quem eu não quero, nem quero ver pintado de ouro,
vive correndo atrás de mim ― Nay comenta, sorrindo.

― Você não é a nova estagiária do Márcio? ― Fernando questiona. O


engraçado é que ao invés de olhar para Nay, seus olhos estão em Michele
e sua expressão matreira. Bianca vira o rosto em sua direção com o
semblante nada agradável, já Michele tomba a cabeça para o lado com
uma expressão pensativa e sorri de um modo bem estranho.

― Mona, eu só espero que quem você queira, não seja meu


chocolate derretido. Sei que meu boy magia só tem olhos para mim.
Porém, eu sou muito ciumenta e não nego! Posso ser loira, magrela e
desprovida de bunda, mas dou na cara de qualquer uma que se meta a
besta com meu boy. ― Michele ameaça dando um passo em direção a
Nay que provavelmente sentindo o perigo, deu dois passos para trás.

Fernando solta uma gargalhada, Bianca eleva a mão ao rosto e


abaixa a cabeça em negação e eu olho a cena chocada!

Pela primeira vez na minha vida, vejo Nay titubear.

― Não... não trabalho para o Sr. Ribeiro. Sou estagiária da Marcela.


― Nay gagueja, engolindo em seco.

― Meus pêsames. Essa tal de Marcela não presta. ― Michele dá


pequenos tapinhas no ombro de Nay que a olha receosa.

― Michele! ― Bianca a recrimina.

― O que? Não falei nenhuma mentira ― Michele retruca, olhando


para Bianca e vira seu rosto em direção a Nay ― Gata, não esqueça o que
eu disse, te achei maravilhosa, se você se meter a besta com meu
chocolate derretido, eu meto a mão na sua cara ― Michele, gesticula na
direção de Nay.

Juro que minha vontade era de tirar uma foto de Nay agora, ela olha
para Michele com os olhos arregalados e assustada. Como sou sua amiga
segurei sua mão e a defendi.
―Não é o Márcio, é do Pedro que ela gosta ― falei o primeiro nome
que me veio à cabeça e Nay geme.

― Que merda, hein gata! Esse aí não vale nada. ― Michele volta a
dar tapinhas consoladores no ombro de Nay, e eu tenho a vaga impressão
que ela queria desaparecer dali.

― Pelo amor de Deus Michele, vamos embora! Fernando você pare


de rir agora! Nay foi um prazer te conhecer, Mariana. Meu anjo, em outro
momento conversamos. ― Bianca se despede, levando uma Michele
reclamando e Fernando rindo horrores.

Nay vira o rosto em minha direção assustada.

― Mari do céu! O que foi isso?

― Isso, é Michele. A namorada do Márcio Ribeiro ― esclareço,


sorrindo.

― Miga, fiquei assustada! De qual comunidade ela é?

― Nay, ela é muito rica!

― Mentira!

― Juro! Vem, vou te contar tudo sobre a namorada do grande amor


da sua vida. Ah! E me desculpe por mentir e falar que você gosta do
Pedro.

― Imagina, miga, eu que te agradeço por me tirar daquela situação.


Ai meu Deus! Eu pensei que ela ia voar em cima de mim. Você viu a cara?
Meu... quero dizer, senhor Ribeiro! Nem me atrevo mais a sonhar com ele.
Deus me livre, Michele pode até ser rica, mas miga... Deus me livre irritar
essa mulher, você viu como ela me ameaçou? Parecia as mulheres lá do
morro! Deus me livre... ― Nay segue todo o caminho até a faculdade
falando sobre as ameaças e lamentando não poder mais sequer sonhar
com Márcio. Eu ri muito.

***

Estou em casa ansiosa com a chegada de Pablo. Não voltei a falar


com ele desde a nossa travessura no escritório ontem à tarde. Meu pai
chegou faz duas horas, descontraído, comentando que Pablo o desafiou a
fazer uma comida típica nordestina novamente.

Eu não consigo conceber a ideia de Pablo pedir uma comida


nordestina a meu pai, contudo, fiz baião de dois com feijão tropeiro.

― Mas, fia, se acalme. Chega está me dando gastura de ver você


assim, andando de um lado para o outro. ― Mal meu pai acaba de falar e
a campainha toca.

Corro em direção à porta ao chegar paro, sugo o ar tentando me


acalmar e abro a porta.

Pablo está lindo, trajando terno e gravata e um lindo buquê na mão.

― Boa noite, Mariana. ― Ele sorri e elevando a mão em minha


direção, agradeço e pego as flores dou um passo para trás.

Pablo entra em minha residência e ao contrário da sua última visita, o


jantar segue tranquilo. Pablo não olhava a simplicidade da minha casa,
seus olhos não desviavam de mim, nunca. Mesmo enquanto conversava
com meu pai e eu não conseguia controlar o sorriso bobo nos lábios.

― Pelo que entendi você saiu de João Pessoa criança, e a sua mãe?
― Pablo pergunta em determinado momento.

― A mãe dela morreu pra gente! ― Meu pai limpa a garganta,


acredito que tenha notado que foi grosseiro ― Quero dizer, a mãe de
minha fia morreu poucos meses depois que ela nasceu ― meu pai revela
em um tom mais ameno.

Pela primeira vez Pablo desvia os olhos de mim e vira seu rosto em
direção ao meu pai, com o cenho franzido.

―Meu pai não gosta de comentar sobre minha mãe ― esclareço,


segurando a mão do meu pai.

― Claro, eu compreendo. ― Pablo se desculpa.

Logo após o jantar os dois vão para sala enquanto eu faço café.
Assim que fica pronto, sigo para sala com café e bolo. Encontro Pablo e
meu pai conversando sobre o local ao qual meu pai morava quando eu era
criança.
― Por que você está tão interessado em meu passado? ― indago,
sorrindo oferecendo café e bolo.

― Quero saber tudo sobre você ― ele sorri e pisca um olho ― Hum...
bolo baeta. ― Pablo saboreia o bolo com um gemido de satisfação, viro
meu rosto para meu pai que me olha sorrindo.

― Fia, mas repare que esse Seu Pablo tem um pé na terrinha ― meu
pai fala, Pablo se engasga e eu rio.
Capítulo 16

Mariana
Meu pai segue fazendo insinuações eu tentando segurar o riso e
Pablo cada vez mais desconfortável, até que ele diz algo que faz meu pai
ficar mudo e eu engolir em seco.

― Seu Arino, hoje eu vim aqui para comunicar, que Mariana e eu


estamos em um relacionamento sério.

Viro meu rosto e eu olho apreensiva para meu pai, que me observa
com uma expressão séria.

― Isso mermo que você quer, fia?

― Sim, painho, eu gosto dele por demais.

― Senhor Arino, apesar de Mariana aceitar ser minha namorada, ela


prefere assim e eu não aprovo, enfim, ela prefere que ninguém além do
senhor e uma amiga saibam do nosso relacionamento. Volto a salientar
que não compactuo com essa decisão, por mim todos ficariam sabendo.
― Pablo deixa claro em cada palavra seu descontentamento com minha
decisão.

― Oxe! Mas porque, fia?

―Painho... Eu prefiro por enquanto que ninguém saiba ― digo meio


desconfortável por ser o centro das atenções.

Meu pai me olha por um tempo, depois balança a cabeça em


afirmação como se entendesse meus motivos. Logo em seguida vira seu
rosto para Pablo e franze o cenho.

― Me diga uma coisa, Seu Pablo, o senhor vai se aproveitar dessa


vontade de minha fia para andar por aí, como se não tivesse
compromisso? ― meu pai indaga e Pablo por milésimos de segundos o
olha incrédulo.
― Mas... mas... eu... é ela que não quer assumir publicamente o
nosso relacionamento e o senhor ainda vira o jogo contra mim?

― Pois aqui tem jogo nenhum não, Seu Pablo, é coisa muito séria,
visse. Eu entendo é muito minha fia, num sabe!? O senhor é um homem
vivido, estudado. Já minha fia é uma boa menina, humilde. Mariana tem
razão em ter certos receios em relação ao senhor, principalmente pela
forma que o senhor nos tratava ― meu pai retruca em um tom sério. ―
Cabe ao senhor mudar a forma como ela pensa. Então eu volto a
questionar. Senhor vai agir como um homem solteiro enquanto minha filha
está meio hesitante, ou vai mostrar que é um cabra macho e vai fazer de
um tudo para dar a segurança que ela precisa para assumir publicamente
um relacionamento com o senhor?

Um silêncio se instala entre nós. Pablo olha meu pai como se não
acreditasse que um senhor humilde pudesse lhe falar tais coisas, e eu
sinto um orgulho indescritível do meu pai, intercalo o olhar de um para
outro.

― Em minha última visita, eu deixei claro quais eram as minhas reais


intenções com Mariana. De lá para cá, meus sentimentos por ela só
aumentam, o senhor pode ter absoluta certeza de que irei fazer tudo que
estiver ao meu alcance para Mariana ter mais segurança em si e em nosso
relacionamento. ― Pablo enfatiza.

― Pois eu tenho sérias dúvidas se o senhor entendeu o que eu quis


dizer, num sabe?! Mas Mariana é ajuizada por demais, ela vem brigando
com esse sentimento que ela tem pelo senhor há muito tempo, e não vai
ser eu que vou impedir a felicidade dela. Mesmo com o coração
pequeninho, com medo de minha filha sofrer, eu dou a bênção. Porque eu
sei ― meu pai fecha os olhos e respira fundo ―, eu sei o que é paixão e
quando ela nos pega pelo pé, não tem família, não tem dinheiro, não tem
nada que nos prenda. Eu já vivi isso e por mais que eu queira proteger
minha filha, se eu a impedir, corro o risco de perder, também já vi isso
acontecer... Eu amo minha fia por demais, Seu Pablo, dou minha vida pela
minha menina. Então eu só posso orar, num sabe?! Orar para o senhor
entender a pérola que tem em suas mãos e cuidar muito bem dela ― meu
pai diz emocionado e eu me jogo em seus braços.

― Eu te amo por demais, painho.


― Senhor Arino, eu... ― Pablo fala em um tom de voz que nunca
ouvir antes, viro meu rosto em sua direção e o vejo de olhos fechados,
como se estivesse tentando recuperar o domínio de suas emoções ― Eu...
eu sou completamente apaixonado por Mariana. Nunca senti por alguém o
que eu sinto por ela, eu prometi esperar pelo seu tempo e volto a afirmar
que vou dar o meu melhor para que tudo dê certo ― declara com voz
trêmula e eu segura sua mão.

― Pois eu só espero que o seu melhor seja o suficiente ― meu pai


adverte e o encara.

Após um tempo assim, Pablo é o primeiro a desviar o olhar. Ele


respira fundo e se levanta.

― Bem, acredito que já esteja na minha hora.

― Vou dar privacidade para vocês dois ― meu pai se levanta e


caminha em direção ao seu quarto, quando chega se vira e olha para
Pablo ― Seu Pablo, gostei da sua atitude em vir aqui comunicar que
vocês estão juntos. ― Meu pai faz um movimento afirmativo com a cabeça
e entra no quarto.

Sou pega de surpresa quando Pablo segura minha nuca e me beija.


Sua língua invade minha boca me reivindicando, suas mãos seguram meu
corpo como se tivesse medo de que fosse escapar.

Ele não precisa ter esse medo, eu sou dele.

― Eu... eu... ― ele balbucia, não completa a frase e volta a me beijar


com paixão.

Nos separamos ofegantes, ele encosta a testa na minha e sussurra


contra meus lábios.

― Eu estou completamente apaixonado por você e vou fazer de tudo


para que você tenha a confiança necessária para assumir publicamente
que estamos juntos. ―Ele morde meus lábios e eu sorrio.

― Me dá algum tempo.

― Todo tempo do mundo, desde que você esteja comigo ― Ele volta
a me beijar ― Amanhã quero você em minha casa às oito e, por favor,
leva algumas peças de roupas. Assim evitamos o incômodo de você ter
que vir à sua casa todas as vezes que fazemos amor.

― E nós vamos fazer amor amanhã?

Ele sorri e segura meu lábio inferior entre os dentes, o suga eu gemo
em sua boca.

― Amanhã não vamos só fazer amor, vou lhe apresentar alguns


brinquedos e te mostrar o quanto é bom foder bem gostoso ― murmura
contra minha boca, me beija sensualmente e sai me deixando de pernas
bambas.

***

Não posso dizer que passei uma noite tranquila. A ansiedade me


dominou a tal ponto, que não consegui pregar os olhos. As palavras que
Pablo sussurrou ao meu ouvido ficaram martelando em minha mente a
noite toda.

Pela manhã, meu pai me questionou por que eu estava tão inquieta,
dei uma desculpa qualquer e saí sem tomar café. Não havia necessidade,
pois sei que Pablo sempre tem algo especial para mim.

Ao chegar na sua residência, sou surpreendida ao encontrá-lo me


esperando na porta. Ele segura minha mão, a beija, abre a porta para eu
entrar e logo que fecha me dá um firme puxão e me beija mais forte.

― Bom dia, Mariana ― sua voz soa ofegante encostando a testa na


minha.

― Bom dia, senhor. ― Retribuí com um sorriso maroto e ele geme.

― Amo quando você me chama de senhor, fico imediatamente duro


― sussurra, mordendo minha orelha ― Vem, vou lhe alimentar depois
tenho algo interessante para lhe mostrar.

Depois de literalmente me alimentar com um exótico café da manhã,


Pablo me leva até seu quarto e diferente da nossa primeira vez, o quarto
não está em um clima romântico, não mesmo. O clima que predomina é de
pura sedução e erotismo.
As cortinas estão semiabertas, dando uma luminosidade agradável ao
ambiente, na cama uma colcha de seda preta, quatro algemas, uma pena
grande, e uma caixa branca.

― Pela ruga na sua testa, imagino que mil coisas estão passando em
sua mente nesse exato momento. ― Pablo enlaça minha cintura e me
puxa ao seu encontro. Sinto sua ereção e suspiro.

― Apenas... Nem sei o que falar ― sussurro.

Pablo põe meu cabelo de lado, beija minha nuca, se afasta de mim e
caminha em direção à cama. Senta-se, abre a caixa devagar e estende a
mão em minha direção. Seguro sua mão, ele me puxa e me vira de modo
que fique de costas para ele entre suas pernas.

Sinto ele baixar o zíper do meu vestido e beijar cada pedaço de pele
exposta.

― Quero que você vista a lingerie que está dentro da caixa. ― Ele tira
meu vestido me deixando apenas de calcinha e sutiã. Curiosa, viro minha
cabeça em direção à caixa e vejo uma peça de couro preta, não consegui
identificar o que era. Porém, sem sombras de dúvidas é bem diferente do
conjunto rosa com coração branco de algodão que estou usando.

― OK.

― Vista isso, vou te aguardar aqui ― pede em um tom rouco que me


arrepiou dos pés à cabeça e me entrega a caixa.

Sigo em direção ao banheiro trêmula. Fecho a porta, ponho a caixa


em cima da bancada e pego a peça em minhas mãos.

― Misericórdia! ― Olho a peça em minhas mãos com os olhos


arregalados.

É um espartilho de couro preto e a parte do busto é... inexistente! Tem


quatro tiras que acredito que seja para prender uma meia... Volto a olhar a
caixa e encontro um par de meias sete oitavos e um sapato de salto alto
preto. Reviro toda a caixa e não encontro nenhuma calcinha.

―Oxe! Ele quer que eu fique com os seios de fora e sem calcinha? ―
Me olho no espelho e vejo que minhas bochechas estão vermelhas ― Ave
Maria estou avexada antes mesmo de pôr essa roupa... bem isso não
pode ser chamado de roupa. Aff! E agora o que eu faço de minha vida? ―
murmuro andando de um lado para outro com a roupa grudada no peito.

Paro, fecho meus olhos inspiro profundamente, devolvo a roupa a


caixa e, decidida, tiro minha calcinha e sutiã. Vestir o corpete foi uma
tarefa árdua! Nunca na minha vida tinha visto algo assim, suspirei aliviada
quando finalmente terminei. Pus as meias sete oitavos pretas, prendo a
liga e calço o salto alto. Toda a minha coragem foi embora no momento
que eu me olhei no espelho.

― Meu Deus! ― Me surpreendo com a imagem que vejo refletida, o


corpete se aderiu as minhas curvas, o contraste de minha pele branca com
o negro do couro deu um ar de sensualidade aliado aos meus seios
desnudos e as meias de renda.

― Mariana? ― Ouço Pablo me chamando.

― E... e... Acho que não vai dar certo isso, não.

― Me deixe ver como você está?

― Olhe... Esse tipo de roupa é para mulher magrinha. ― O ouço


rindo.

― Você está rindo de mim, e olhe que nem me viu ainda. Mas é
nunca que saio desse banheiro!

― Mariana, você está falando com um forte sotaque e isso me mostra


o quanto você está nervosa. Já meu riso, se deve ao disparate que você
disse, para mim é impossível que você esteja menos que linda,
independente da roupa a qual esteja usando ― releva sério e eu encosto a
testa na porta. ― Desde o dia que te conheci, sonho em te ver com esse
corpete, amarrada a minha cama ao meu bel prazer. Realize meu desejo,
minha Mariana ― fala a última frase em um tom sério, forte, rouco, que me
arrepia inteira.

Com um misto de vergonha e ansiedade abro a porta.

O encontro sentado, na cama, sem camisa. Ele me olha e todo meu


acanhamento vai embora. Ele é substituído pelo desejo e fogo que eu vejo
refletido em seu olhar.

― Linda ― murmura em um gemido.


Me aproximo dele com passos curtos é a segunda vez que uso salto e
ainda estou me habituando a usar, quando estou próximo a ele, me
desequilibro e caio de joelhos entre as suas pernas. Ele segura meu rosto,
com ambas as mãos e me beija de forma sexy me seduzindo e me
excitando, ele introduz um dedo em minha boca e eu o chupo, sem desviar
os olhos dele.

Com um sorriso sedutor, ele abre o zíper da calça, põe ambas as


mãos na cama, de modo que elas fiquem atrás do seu quadril, inclina o
corpo para trás e me olha. Ele não me pede, não precisa, ele sabe que eu
quero fazer isso. Nunca tinha dado prazer ao um homem com a minha
boca. O bom de ler muitos livros eróticos é que aprendemos algumas
coisas. E ouvi Pablo gemendo, murmurando meu nome como um mantra,
segurando meu cabelo e por último soltando um longo e torturante gemido
quando alcança o êxtase. Eu vi que valeu a pena cada página lida.

Pablo beija meus lábios, ainda com o sabor agridoce da sua essência,
e aperta o bico dos meus seios. Gemo em sua boca...

Ele me deita na cama, me prende com as algemas, morde, chupa,


lambe e adora cada pedacinho do meu corpo. Quando acho que não mais
vou aguentar ter um único orgasmo, ele cumpre a promessa que me fez
ontem. E eu finalmente compreendo a diferença entre fazer amor e ser
fodida.

Pablo fez coisas com meu corpo que nunca tinha lido em lugar algum,
nunca poderia imaginar que uma simples pena pudesse dar tanto prazer,
que ser vendada, amarrada e amordaçada iria me fazer delirar em êxtase.

Pablo me levou ao limite do prazer, me seduziu, me domou e eu


deixei. Pedia mais e mais, sedenta por tudo o que ele poderia me mostrar.
Eu aceitei. Eu gostei.

Nos dias seguintes seguimos o mesmo ritmo. A cada dia uma roupa
diferente, um brinquedo erótico diferente, uma nova forma de me fazer
delirar. Eu deixava, aceitava, eu amava, me entregava de corpo e alma.

Nossas manhãs eram regadas a muito sexo, descobertas e muitas


declarações. Não voltamos a fazer nada no escritório. Conversamos e
decidimos que o local de trabalho seria respeitado, mas na casa de Pablo,
não tinha regras.
Ah! Em sua casa eu era dele para o seu bel prazer.

Eu estava viciada em Pablo, matava aula à tarde para passar a tarde


na cama, sofá, banheira ou amordaçada e presa à cama ou à parede,
enquanto ele entrava em meu corpo duro e forte.

Às vezes, fazíamos amor, esses momentos eram calmos regados de


sentimentos não ditos em cada movimento e chegávamos ao êxtase
juntos.

Nos intervalos Pablo me alimentava, me dava presentes, roupas, dizia


que queria me levar para viajar, para conhecer o mundo, aprender outras
línguas. E eu sorria ouvindo seus planos para um futuro incerto.

No domingo meu pai e eu levamos Pablo no Centro Luiz Gonzaga de


Tradições Nordestinas, mas conhecida popularmente como Feira dos
Paraíbas, lugar simplesmente maravilhoso. Foi engraçado ver Pablo
olhando para tudo horrorizado, mas fechando os olhos em puro delírio ao
saborear comidas típicas nordestinas e no final tentando, toscamente,
dançar forró.

Meu pai ria horrores e jurava de pé junto que Pablo tinha um pé no


Nordeste. Sempre que Pablo ouvia algo parecido, ele fechava o semblante
e logo mudava de assunto.

Eu não ligava muito para isso, focava no fato dele ter se proposto a ir
e conhecer um pouco da minha realidade e minha cultura. Ficava feliz com
o seu esforço.

Nesse dia, passamos nossa primeira noite juntos. Noite essa que não
pisquei o olho, na qual Pablo mais uma vez me fez ultrapassar todos os
meus limites. Eu gostei, sempre queria mais e mais. Aceitava a sua
dominação, suplicava por ela, amava deixar ele satisfeito.

Tinha me tornado algo que eu julgava impossível, uma submissa entre


quatro paredes. Fora delas não me deixava dominar, eu era dona das
minhas vontades e anseios e seguia firme em não querer que ninguém
soubesse do nosso envolvimento. Passaram-se oito semanas num
relacionamento intenso e secreto.

Nesse período não voltei a encontrar Angélica, coisas que estranhei já


que trabalhávamos na mesma empresa. Bianca e Michele eram visitas
constantes. Há alguns dias Michele ficou noiva de Márcio, ela fez questão
de mostrar o enorme anel de noivado a todos, não só o dela, mas o de
Márcio também, onde se lia gravado na aliança "Pertence à Michele"...
Nay chorou copiosamente.

Pablo questionava muito sobre a minha infância em João Pessoa e o


que eu me recordava daquela época. Isso se tornou algo cotidiano e eu
achava fofo, para mim, era como se ele estivesse querendo conhecer as
minhas raízes. E me dava esperança de que poderíamos ter um futuro
juntos. Que não era somente uma louca paixão, que com o tempo iria se
apagar. Ele estava finalmente me compreendendo e aceitando como eu
sou, sem querer me mudar.

Pablo viajou por dois dias e eu sofri agoniada sentindo sua falta. E
isso me deu a certeza que não poderia mais esconder de ninguém o
quanto o amava. Ele me surpreendeu ao convidar a mim e ao meu pai
para jantar em sua casa, e eu vi ali o momento perfeito para revelar que
queria que todos soubessem do nosso relacionamento.

No dia do jantar meu pai estava nervoso, mas bonito que só. Fez a
barba, comprou roupas novas. ― Coisa que nunca fazia ― Meu pai dizia
que tinha certeza de que seria uma ocasião especial, que Seu Pablo iria
pedir a minha mão. Eu sorri. Estava nervosa e ao mesmo tempo feliz por
meu pai estar tão animado.

Chegamos à casa de Pablo no horário combinado, ele abriu a porta,


cumprimentou meu pai, me beijou levemente nos lábios e nos convidou
para entrar. Notei que a mesa da sala de jantar estava luxuosamente posta
e tinha algumas pessoas ― acredito que eram de algum buffet― dando os
últimos retoques. Achei no mínimo estranho, já que ele sabia o quão
simples nós somos. Pablo mais uma vez nos surpreendeu, ao dizer que
ele tinha uma agradável surpresa para o jantar, uma convidada muito
especial.

Sorri, imaginando que seria Bianca, embalamos em uma animada


conversa, meu pai pede licença e vai ao banheiro. Pablo aproveita que
estamos sozinhos, senta-se ao meu lado se inclina em minha direção e a
campainha toca. Sorrindo, ele se levanta e vai atender.

Ele voltou acompanhado com uma linda mulher por volta dos quarenta
e poucos anos, magra, loira, olhos claros e muito sofisticada, de longe
nota-se que ela tem muita classe.
Ela sorri para mim e põem a mão contra a boca emocionada, eu sorrio
confusa e viro meu rosto para Pablo.

― Mariana, quero te apresentar uma pessoa muito especial, tenho


certeza de que com ela você irá aprender a ter mais confiança em si, vai
aprender a ser mais sofisticada e a dar uma chance para as coisas mais
refinadas. Enfim, vai se desprender de algumas coisas que não lhe deixam
evoluir e descobrir outras.

― Mas, hein? ― Intercalo o olhar entre eles ― A senhora é


professora de etiqueta? Ou algo parecido? ― indago, confusa.

― Não, Mariana, eu sou sua mãe.


Capítulo 17

Arino
Ando pelo corredor da casa de Pablo olhando tudo admirado. Ao
entrar no banheiro a luz se acende sozinha, um cheiro de flores e um
aroma suave invade o ambiente.

― Eita! Rico é besta até no banheiro. ― Rio, lavando minhas mãos e


olhando tudo ao redor.

Me olho no espelho, sorrindo, mas aos poucos o sorriso vai deixando


meu rosto e vejo refletida a imagem de um pai preocupado.

Meu coração se enche de alegria ao ver minha fia tão alegre e feliz.
Mas, no fundo, bem lá no fundo, uma parte de mim ainda não confia em
Seu Pablo.

Sei que ele é apaixonado por minha fia. Não posso negar isso, mas
também sei que paixão nos consome, queima e arde como fogo, porém,
com o tempo ela se apaga.

Só rezo que minha Mariana não seja como eu, que, infelizmente, amei
desesperadamente uma mulher que era apenas apaixonada por mim. E
quando o fogo da paixão se apagou e a realidade se fez presente, ela foi
embora, sem olhar para trás. Levando com ela meu coração e me
deixando com minha fia.

Nunca mais amei ninguém.

Não quero essa vida para minha fia. Quero que ela viva todas as
coisas lindas da primeira paixão e depois siga em frente. De forma
alguma, desejo que ela seja como eu, que amei intensamente uma mulher
e por mais que eu queira, mais que eu tentasse, mesmo depois de tudo o
que ela fez, nunca consegui esquecê-la completamente.

Meu coração sangrou de dor, de revolta, de angústia e de saudades.


Nunca mais quis saber dela.
Mas nunca a esqueci.

Nem tinha como, minha fia é a imagem esculpida e escarrada da mãe,


Mariana é mais formosa, tem mais corpo, é verdade. Mas é tão linda, ou
mais que a mãe, quando jovem.

Até há alguns anos me pegava pensando no que aconteceu com ela.


Se a vida lhe tratou bem, se ela conseguiu tudo o que queria, se valeu a
pena ter nos deixado...

Meu amor se transformou em mágoa, mas eu a sufoquei bem no


fundo de mim... Foi preciso. Caso contrário, passaria o tempo todo falando
mal dela para minha fia, e minha menina, mesmo pequenininha, já tinha
sofrido por demais nessa vida. Não precisava crescer achando que não foi
querida, que não era amada, que a mãe não a quis. Não nos quis, que a
abandonou e seguiu sua vida.

Não queria isso para minha menina.

Menti, sim! Que meu Padim pade ciço me perdoe. Mas foi preciso,
menti para proteger minha menina.

Em João Pessoa, minha menina era chamada de enjeitada, quando


viemos para o Rio, eu prometi que ela teria uma boa vida.

Eu já vivia na pele o preconceito contra os nordestinos, aqui no Rio de


Janeiro, e sabia que minha fia, também passaria por isso. Mesmo sendo a
cara da mãe, ela iria passar na pele o quanto era ruim ser descriminada
pelo lugar de nascimento, modo de falar e sua cultura.

Não queria que além do preconceito pelas nossas origens, ela ainda
fosse descriminada pelas atitudes de sua mãe. Não queria que ela
crescesse com a dor de saber que a mãe não a quis, não nos quis. Que
preferiu ao luxo, à vida de restrições que teria se ficasse ao nosso lado.

Sim! Eu menti e minto para minha fia, sei que isso é errado, mas
prefiro isso a ver ela sofrer.

Mesmo sofrendo, nunca falei um aí sequer contra a mãe da minha fia.


Nunca!

O amor não correspondido castiga por demais a nossa alma, e eu não


quero esse sofrimento para minha fia é nunca!
Mas o que eu posso fazer? É nada! Mariana e Seu Pablo estão se
queimando de paixão um pelo outro...

Saio do banheiro e ponho um sorriso nos lábios. Estou com medo,


confesso, mas não quero que minha fia nunca desconfie que estou com
essa gastura, às vezes, muitas vezes, fingimos que está tudo bem para o
bem de quem amamos.

Com o sorriso posto, sigo em direção à sala, mas pelo caminho ouço
uma voz que faz meu coração acelerar, sinto um arrepio ruim pelo corpo e
minha testa fica molhada de suor. É um tom de voz que não ouço faz
muito tempo, mas nunca esqueci.

Paro e levo uma mão ao peito e sinto meu coração bater acelerado.
Fecho meus olhos e respiro fundo para tentar me acalmar.

― Deve ser minha cabeça pregando uma peça em mim. Eu pensei


nela agora a pouquinho e minha mente está brincando comigo ― murmuro
de olhos fechados, mas a voz não para.

Acelero o passo tentando chegar o mais rápido possível à sala, a


cada passo sinto a batida do meu coração mais forte, potente.

Um suor frio banha meu rosto ― um passo.

Estou com medo ― dois passos.

Estou ansioso ― três passos.

Estou temeroso ―quatro passos.

Estou.... ― Chego à sala e perco a linha de pensamento ao vê-la.

Alyssa Kannenberg

― Alyssa ― sussurro, assombrado com a visão em minha frente.

Ela me olha assustada.

― Pablo... você... você não disse que Arino estaria presente. ― Ela
se atrapalha a falar com Pablo.

― Foi você que achou ela, Seu Pablo? ― questiono com raiva.
― Pai... Pai, ela... ela está dizendo que é minha mãe. ― Minha filha
está sentada no sofá pálida me olhando assustada.

Olho rápido em sua direção, mas logo volto meu olhar para o meu
fantasma.

Alyssa.

― O que você veio fazer aqui?

― Pablo me disse que Mariana precisava da minha ajuda ―


esclarece de cabeça baixa.

― Pois você não está alguns anos atrasada, não?

― Ah pelo amor de Deus, Arino! Há dez anos que eu ajudo


vocês financeiramente.

―Mas como é que é? Cê tá é doida!

― Há dez anos eu procurei sua família no Nordeste e comecei a


enviar dinheiro para vocês, através deles ― revela com voz trêmula. ―
Vocês nunca receberam nada? ― questiona, duvidosa.

― Pois eu nunca vi a cor do seu dinheiro! E tem mais! Você disse dez
anos? Há dez anos? É isso mesmo? Cê sabe quantos anos Mariana tem?
Não? Pois eu te digo, 22 anos! Você esperou doze anos para ir procurar
a fia que você abandonou em casa sozinha. ― Fecho meus olhos
tentando conter a emoção ― Pois é nunca que eu vou me esquecer
daquele dia, em que eu cheguei em casa e encontrei minha fia, bebezinha
de colo, chorando toda sujinha no berço e um bilhete seu. Tu se lembra
disso? ― Tremia tanto que cerrei o punho para me conter.

― Mariana, por favor, vamos conversar em particular. ― Pablo chama


Mariana que olha a cena pálida.

― Fia. ― Dou um passo em sua direção, mas ela levanta e balança a


cabeça em negação.

― Vou conversar com Pablo em outro cômodo, enquanto o senhor


conversa com... com ela ― aponta para a Alyssa ― Daqui a pouco vamos
embora. ― Ela sai meio cambaleante e entra em um quarto seguida por
Pablo.
― Ela se tornou uma linda mulher. ― Alyssa fala e eu a olho de cima
a baixo.

Ela está linda como sempre, coberta do luxo, mas com o jeito frágil
que um dia eu dei a vida para proteger.

Como amei essa mulher!

― Pelo que entendi, há dez anos você sabe onde eu e Mariana


estávamos e nunca quis saber como ela estava passando. Por que
apareceu aqui agora?

― Já disse, Pablo me falou que ela precisava da minha ajuda. Ele


sabe ser bem convincente. ― Sorriu de um jeito que embrulhou o meu
estômago.

― E tu já conhecia ele é? Eu não estou entendendo mais é nada. ―


Ando de um lado para outro arretado de minha vida.

― O conheci tem uns quinze dias, ele entrou em contato comigo disse
que me achou pela internet, mas que também tinha contratado um
detetive, algo assim. Me contou da sua paixão pela nossa filha... E eu me
recordei como era sentir essa primeira emoção. ― Sua voz soa sonhadora
e meu coração perde um compasso.

Primeira emoção, foi isso o que eu fui para ela. Eu já sabia, mas ouvir
isso depois de tantos anos... dá um incômodo estranho no peito.

E ela continuou alheia ao meu desconforto.

― Com palavras, ele me mostrou o quanto eu poderia ajudar Mariana,


que eu poderia realmente ajudá-la . Nunca a procurei porque não me
achava digna o suficiente para tal aproximação. Eu sabia que você seria
mais que o suficiente para ela. Eu era imatura, egoísta, inconsequente e
não medi a proporção dos meus atos. Mas, quando esse estranho me
disse o quanto ela é maravilhosa... Isso é mérito seu, Arino ― Uma
lágrima cai do seu rosto e começa a subir uma quentura pelo meu corpo
― Ele me disse que queria levá-la para conhecer o mundo, pôr o céu e as
estrelas aos seus pés. Que iria tratá-la como uma rainha, venerá-la, amá-
la e cobri-la de lindas joias... Levá-la para conhecer lindos lugares
refinados... mas ela não tinha o refinamento necessário para tal... e eu
poderia ajudá-la. Então eu vim e mais uma vez eu não pensei... eu
apenas... Apenas queria que minha filha tivesse o que eu não tive, amor e
riqueza ao mesmo tempo.

― Você achou, não só você, mas Seu Pablo... Vocês acharam que...
Meu Deus! Era por isso todas aquelas perguntas cada vez que me via e eu
besta achando que ele estava querendo se dar bem comigo, por causa da
minha fia... E o tempo todo ele estava querendo me passar uma rasteira.
― Ponho a mão na cabeça.

― Ele disse que você mentiu pela nossa filha.

― Mariana não é sua fia! É minha fia... Minha! ― afirmo com lágrima
nos olhos ― Você disse dez anos... Há dez anos você se lembrou de que
tinha parido uma menina... Depois de doze anos de abandono e mesmo
sabendo onde ela estava, sim, porque eu nunca mudei de endereço...
Você nunca, nunca veio procurar ela. ― Cada palavra que sai da minha
boca é carregada de mágoa e ressentimento.

― Arino, me deixe explicar...

― Tem nada que explicar, num sabe. Pelo menos não para mim. A
época que eu queria alguma explicação passou faz é tempo. Quero saber
de nada de sua vida, não. Nem seus motivos para fazer o que fez. Quero
saber não, a única coisa que eu quero é que suma de minha frente, antes
que eu cometa um desatino ― peço ofegante exalando raiva pelos poros.

― Arino eu...― diz com os olhos marejados, depois pega a bolsa e


sai.

Eu me sento no sofá sentindo uma dor tão profunda na alma que a


vontade é de me rasgar todo para ver se ela passava.

Vontade de gritar.

De quebrar alguma coisa.

De tentar de alguma forma fazer esse sentimento angustiante


passar...

Mas não posso, pelo menos não agora. Vou respirar fundo e guardar
esse sentimento dentro de mim, porque eu sei. Oh Meu Deus! Eu sei que
minha filha vai voltar daquele quarto, tão destruída quanto eu fiquei há
vinte e dois anos quando a mãe dela foi embora.
Agora eu não posso sofrer, porque ela precisa de mim.

Então, eu puxo o ar fundo, reprimo toda gastura que estou sentindo,


levanto a cabeça e fico com os olhos grudados na porta, esperando
minha fia sair.

***

Mariana
Ando em direção ao quarto cambaleando. Ao entrar vou direto para o
sofá de frente à cama. Meu coração bate acelerado, minha pele está
queimando e minha mente está uma bagunça só.

Minha mãe! Meu Deus!

Apoio meus cotovelos nos joelhos, inclino meu corpo e descanso meu
rosto em minhas mãos.

Nada mais faz sentido.

Sinto o toque de Pablo em meu joelho e me afasto de forma abrupta.

― Não. Me. Toque ― ordeno, pausadamente, de forma ríspida sem


elevar a cabeça.

O ouço suspirar e o encaro.

―Por que você fez isso? Por que você... ― Desvio o olhar por alguns
segundos, meu corpo está tremendo tanto, que ponho ambas as mãos no
sofá para servir de apoio ― Por que você trouxe aquela mulher?

Pablo solta o ar devagar, tenta mais uma vez segurar minhas mãos e
eu rapidamente me afasto antes que seus dedos me toquem.

― Eu não sabia que ela tinha te abandonado, eu pensei... eu... eu―


Ele fecha os olhos, provavelmente tentando controlar a gagueira ― Eu
pensei que seu pai tinha te afastado dela. Ele mentiu para você a sua vida
toda, Mariana.

― Não ouse falar mal do meu pai!

― Mas ele...
― O meu relacionamento com meu pai não lhe diz respeito!

― Como não? Nós estamos juntos, Mariana, então é compreensível


que eu me interesse com tudo relacionado a você.

Pablo sentado à minha frente está me causando uma dor tão


insuportável que levanto e caminho para a janela.

― Não existe mais nós, Pablo.

― Mariana! Como você pode falar isso? ― Seu tom chocado me faz
virar o corpo e olhá-lo fixamente.

― Você só pode estar louco, se acha que teríamos alguma chance


depois do que aconteceu hoje. O mais triste é que eu vim com a firme
convicção de revelar que eu queria que todos soubessem, mas, olhe,
graças a Deus! Que eu não abri a boca.

― Mariana, eu entendo que foi um choque para você saber que seu
pai mentiu sobre sua mãe está viva. Talvez você esteja um pouco
chateada, contudo, nada que em uma conversa não se resolva. Estou
muito feliz por você finalmente ter aceitado, que todos saibam do nosso
relacionamento.

―Oxe! Um pouco chateada? ―indago, incrédula

― Obviamente, você está magoada com toda essa triste situação,


mas seu pai...

―Para! ― grito e ele me olha assustado.

― Mariana...

― Para de falar do meu pai! ― Elevo ambas as mãos ao meu rosto ―


Você não compreendeu nada. ― Não consigo mais segurar as lágrimas e
viro de costas.

Sinto seus braços me enlaçar e me afasto do seu aperto de forma


ríspida.

― Já disse para não encostar em mim!

― Mariana, por favor, vamos conversar.


Viro meu corpo em sua direção.

― Mas nós estamos conversando, aqui e agora ― aponto para o


chão. ― Eu só me envolvi com você porque eu pensei, Jesus, eu pensei
que você tinha compreendido, me compreendido e me aceitado como eu
sou. Sem tentar me mudar e me moldar ao seu bel prazer. Você foi até a
minha casa, comeu com meu pai, pediu minha mão em namoro. Eu achei
que você finalmente tinha entendido..., mas não! Você me enganou... Não
só a mim, mas ao meu pai também.

―Seu pai mentiu para você, Mariana! ― Pablo põe ambas as mãos
na cabeça e puxa o cabelo. ― Isso que você não quer aceitar!

― Pablo a minha relação com meu pai não lhe diz respeito! Isso que
você parece não aceitar! O que estamos conversando aqui é sobre nós,
sobre o quão errado foram suas ações. É isso que você não está
entendendo.

― Eu apenas quis ajudar, Mariana, eu achei que você ficaria feliz em


saber que sua mãe está viva.

― Feliz por você magoar meu pai? E a propósito, como você a


encontrou?

― Contratei um detetive e em alguns dias ele me deu o seu endereço


e telefone. A princípio conversamos por telefone e há dois dias fui vê-la. ―
Ele anda de um lado ao outro ― Ela me disse que voltou há dez anos para
o Brasil e que ajudava vocês financeiramente, mas tinha receio de te
encontrar. Eu deduzi que seu pai tinha afastado vocês, afinal ele mentiu
dizendo que ela tinha morrido, convidei ela para vir aqui e... Nossa! Não
imaginei que daria essa confusão toda!

Minha cabeça doía tanto, que parecia que a qualquer momento iria
explodir.

― E você, mesmo depois de conhecer meu pai, comer em sua mesa,


e principalmente saber o quanto ele é importante para mim. Você nos
convidou para um jantar em sua casa, onde meu pai veio todo animado e
feliz achando que você iria me pedir em casamento ― Sorrio de forma
triste ― Meu Deus! Você abriu a porta sorrindo, me beijou, cumprimentou
meu pai e logo depois abriu a porta para essa mulher e ainda disse que
ela iria me refinar? Pois quem precisa de refinamento é você, Pablo! É
você.

―Mariana, você não está compreendendo o ‘X’ da questão.

― Não Pablo, você que não está entendendo o ‘X’ da questão! Não
importa o que meu pai fez, eu tenho certeza de que ele teve seus motivos.
Você não deveria ter se metido em uma história que não é sua, você não
deveria ter magoado meu pai.

― Mariana, tudo que envolve você, é sim da minha conta, então essa
história também é minha, porque é a sua história e você é minha.

― Não sou mais!

― O que?

― Não sou sua! Lá bem no fundo do meu subconsciente eu sabia,


mesmo querendo mascarar com os sentimentos que eu sentia por você,
eu sabia que algo assim poderia acontecer. Por isso nunca quis que você
falasse para ninguém do nosso envolvimento.

― Você sentia? Não se deixa de amar uma pessoa de um dia para


noite Mariana, há algumas horas você entrou aqui me amando e agora
está dizendo que sentia?

― Há algumas horas você não tinha magoado meu pai e virado minha
vida de pernas ao ar ― retruco de forma fria.

Algo estranho está acontecendo comigo, sinto um frio me envolvendo.


Algo gelado tomando conta do meu ser. Outrora, quando algo assim...
Não! Nunca pensei em viver algo assim. Antigamente quando Pablo fazia
algo que mexesse com meus brios, um esquentamento subia pelo meu
corpo e eu era só ação, emoção, fogo e paixão.

Porém, algo está mudando, não poderia ser diferente, meu coração foi
profundamente abalado. As lágrimas não descem mais tão livremente pelo
meu rosto, sinto meu coração se fechar, criando uma barreira de proteção,
para nunca, nunca mais se machucar.

Chega a ser engraçado, já li vários livros os quais eu recriminava os


homens frios, que não se envolviam. Agora eu compreendo, isso acontecia
porque seus corações já tinham sido tão machucados, que eles criaram
uma barreira de proteção.

Acho que nunca mais vou ser a mesma.

― Mariana, eu sei que eu errei. Errei querendo acertar, errei porque


não queria que você se sentisse mal em futuros jantares, ou ocasiões
sociais. Apesar de falar quase todos os dias da sua beleza para você, eu
via a sua insegurança, via que você não conseguia rebater à altura
algumas pessoas. Você é um diamante bruto, Mariana e eu amo você por
isso! Mas, a verdade, é que o mundo não é muito bom com pessoas assim
e eu não queria que você se magoasse. Mariana, eu sou rico, muito rico e
você sabe disso, eu convivo com pessoas esnobes, vou a jantares
sofisticados e todas as vezes que te convidei, você declinou do meu
convite, porque não iria se sentir à vontade. Eu não queria que você se
sentisse inferior, eu não queria que você fosse recriminada nesses
lugares, por essas pessoas... Eu só queria ajudar. ― Ouço seu relato em
silêncio.

― Nunca pedi a sua ajuda.

― Mariana, nós vamos conversar e resolver isso. Eu vou pedir


desculpas a seu pai e tudo vai ficar bem.

― Certas ações não se resolvem com um simples pedido de


desculpas, são como palavras jogadas ao relento, não surte nenhum
efeito. ― Elevo minha cabeça e falo de forma fria, séria e calma. ― Eu
não quero mais você, Pablo. Não quero que você me toque, nem fale
comigo. De preferência, volte a tratar meu pai como antes. Naquela época,
você era mais honesto. ― A cada palavra que profiro Pablo fica mais
pálido.

― Você está falando isso porque está com raiva, assim que a mágoa
passa r vamos sentar e conversar e tudo vai ficar bem ― pede em um tom
calmo, mas noto que está visivelmente nervoso, apertando as mãos. ―
Nós nos amamos, Mariana, vamos consegui resolver isso.

Sabe quando você está ferido e quer ferir na mesma proporção?


Estou me sentindo assim agora.

― Mas eu não amo você, Pablo, como eu posso amar uma pessoa
que faz o que você fez hoje?
― Você me ama! Seu corpo me diz todos os dias que você me ama!
―Pablo afirma em cólera ― Você é minha, Mariana!

― Isso é paixão, não amor! Você foi meu primeiro homem, é sedutor e
me fez delirar. Muitos outros homens irão aparecer em minha vida, irei me
apaixonar muitas outras vezes, irei delirar com muitos outros. Mas, amar,
realmente amar, somente irei amar, quem me aceitar como eu sou. Como
você disse, sou um diamante bruto, sem refinamento, sem classe. Uma
mulher que quando está com raiva, fala com um sotaque forte e que acima
de tudo, ama e se orgulha do seu pai! Eu sou assim e não vou mudar.
Muito menos por alguém como você.

Pablo titubeia como se tivesse levado um tapa e eu sinto certo prazer


mórbido nisso.

― Mariana, eu amo você ― murmura arrasado.

― Pois eu apenas fui apaixonada por você. Por um tempo até cheguei
a imaginar que era amor, mas agora, eu vejo que foi apenas paixão.
Sugiro que você volte para Angélica e siga seus planos anteriores.

Pablo anda de um lado ao outro, depois para e me olha e vejo a raiva


refletida em sua face.

― Você tem certeza disso?

― Sim, sem nenhuma sombra de dúvidas ― afirmo sem um pingo de


emoção em minha voz.

Pablo ofega e diz com voz embargada.

― Então seguirei seu conselho e me casarei com Angélica.

― Que seja feliz! Porque eu vou procurar um homem que me faça


feliz não só na cama, mas fora dela também.

Pablo me olha chocado com lágrimas nos olhos.

Diferente de como eu entrei no quarto, de forma cambaleante,


magoada e indefesa, saio dele exalando confiança em cada passada.
Antes de sair, olho para trás e vejo Pablo sentado na cama com os
cotovelos nos joelhos e as mãos no rosto. Não falo nada, fecho a porta
silenciosamente, sabendo que nós dois nunca mais seríamos os mesmos.
Ao fechar a porta, ando firme em direção à sala, mas a cada passo,
sinto minhas pernas fraquejarem, o ar fugir dos meus pulmões. Até que
não consigo mais me segurar em pé, encosto a parede, fecho meus olhos,
arfo e sinto um gemido se formar em minha garganta.

Sinto que estou deslizando pela parede, todos os meus membros


estão parecendo gelatina. Antes que eu chegue ao chão, sinto fortes
braços me laçar, elevo a cabeça e me deparo com meu pai.

Pela expressão do seu rosto, ele está tão ou mais abalado do que eu.

― Pai... eu... ― Elevo uma mão ao meu peito, sinto como se meu
coração estivesse sido esmagado. Dói tanto, mais tanto, que sinto uma dor
física.

― Aqui não fia, aqui não ― meu pai murmura em um tom triste, como
se ele estivesse sentindo a mesma dor que eu.

― Dói tanto, pai ― sussurro em lamento.

― Eu sei, fia, mas agora não é hora de amolecer. ― Meu pai segura
meu rosto com ambas as mãos e limpa minhas lágrimas. ― Entramos aqui
de cabeça erguida, e é assim que vamos sair. Não importa que por dentro
a gente esteja destroçado. Pois, nós não vamos dar o gostinho a nenhum
deles de nos ver assim. Vamos sair daqui de cabeça erguida! A gente não
fez nada errado, não. ― Meu pai desvia os olhos dos meus, engole em
seco e diz com voz embargada. ― Ou melhor, você não fez, já eu, mas
aqui não é hora nem lugar para essa conversa, em casa eu vou lhe
explicar todos os motivos que me levaram a mentir esse tempo todo para
você, minha fia.

Me apoiando em meu pai, saímos da casa de Pablo, ambos com o


coração arrasados. O trajeto até a minha casa foi feito em silêncio, minha
cabeça latejava, não tinha nenhum controle sobre as minhas lágrimas que
desciam livremente pelo meu rosto. Era um choro silencioso, eu mal
respirava, olhava fixo pela a janela do ônibus, sem realmente ver nada.

Em minha mente refazia todas as perguntas que Pablo me fez, sobre


a minha infância em João Pessoa...

***
Quando finalmente chegamos em casa, minha vontade era de me
jogar na cama e pedir a Deus que toda essa dor fosse embora. Eu só
queria dormir e esquecer. Contudo, meu pai precisava me explicar
algumas coisas. Eu precisava entender o porquê das mentiras. Então, por
mais que eu quisesse me jogar na cama e chorar até ficar sem lágrimas,
eu não podia.

Sentei-me no sofá, deitei a cabeça no encosto, fechei meus olhos e


questionei com voz embargada:

― Por que, pai? Por que o senhor mentiu para mim? ― Não tive mais
forças para sufocar o soluço, a dor que sentia por dentro, era forte demais.

Hoje me magoaram tanto e por mais que eu quisesse tirar meu pai
dessa equação, eu não podia. Porque em uma coisa Pablo tinha razão,
independente dos motivos, meu pai mentiu para mim a vida toda. Então eu
precisava desesperadamente ouvir o seu relato, os seus motivos antes
que eu desabasse de vez. Porque eu sei, meu Deus, eu sei que eu estou
por um fio.

Fixo meus olhos em meu pai e o vejo sentado no sofá, de frente para
mim. Contudo, ele não me encarava, ele olhava para o nada, ele puxou o
ar com força, fechou os olhos e começou a falar.

― Eu sempre imaginei quando teria essa conversa com


você, num sabe?! Primeiro eu pensei que seria quando você ainda era
pequeninha, mas você veio machucada demais de João Pessoa. Depois
pensei em te revelar quando te levei pela primeira vez para você conhecer
nossa terra, mas aí encontramos com nossos parentes e deu aquela
confusão que você já sabe. É tudo que eu vivi com Alyssa voltou em
mente. ― Meu pai fecha os olhos e eu vejo uma lágrima descer em seu
rosto.

Nunca vi meu pai chorar.

Depois de breves segundos, os quais eu acredito que ele estava


relembrando de momentos dolorosos, ele volta a falar com voz
embargada.

― Parte do que te contei foi verdade, viu?! Quando conheci sua mãe,
eu ainda era moleque, fomos amigos e aos poucos ela se tornou meu
mundo, ela tinha meu coração em suas mãos. ― Ele olha a mão aberta e
fica olhando para ela. ― Seus pais não aceitaram nosso namoro e ela
fugiu de casa para viver comigo. Eu tinha um dinheiro guardado e fomos
morar em um bairro muito humilde, muito diferente da mansão que ela
vivia.

Meu pai respira fundo e tosse algumas vezes, mas sua mão continua
elevada, só que agora está trêmula.

― Sabe fia, por um tempo nós fomos realmente felizes. Eu quero que
você saiba que você foi feita em um momento muito feliz em minha vida,
onde o amor era minha companhia constante e eu achava que ele iria ficar
sempre ao meu lado, num sabe?! Mas não foi assim que aconteceu,
não, fia. Sua mãe estava acostumada ao luxo e o dinheiro que eu tinha
durou pouco, logo ela teve que começar a trabalhar. Mas nunca o dinheiro
dava, aí vieram as brigas. Ela queria roupas chiques, ir a lugares bonitos e
eu não podia pagar por aquilo, num sabe?!

Meu pai fecha os olhos e um soluço escapa entre seus lábios.

― Quando recebia, a levava para tomar sorvete, dar um passeio na


pracinha, coisa que antes ela gostava, mas com o tempo começou a achar
coisa muito pouca. Mas, fia, como eu amava aquela mulher... Então, eu
arranjei outro trabalho, mas mesmo com dois empregos, não tinha
condições de bancar os luxos de Alyssa. Aos poucos eu vi o amor dela...
Amor não, amor quem sentia era eu! A paixão dela ir embora. Mas eu me
segurava na esperança de que quando você nascesse, as coisas voltariam
a ser como antes. Porque para mim, ela ainda era meu sol...

Meu pai fecha a mão com força e não tenta mais conter as lágrimas
que descem livremente pelo seu rosto.

― Você nasceu e as coisas pioraram... Até que um dia eu cheguei em


casa e te encontrei no berço toda sujinha e um papel ao lado. Quando eu li
aquele bilhete, eu sabia que ela tinha me deixado, nos deixado. Ah minha
fia, aquilo destroçou meu coração. Mas mesmo depois de ler aquele
bilhete eu fui a sua casa, com você nos braços. Fui escorraçado de lá, e
toda a minha família que trabalhava ali, também foi.

Meu pai limpa o rosto de forma dura e respira fundo.

― Segui em frente, dois anos se passaram e nunca mais ouvi falar de


sua mãe, também não fui procurar. Logo depois vim para o Rio, juntei um
dinheiro e quando fui te buscar...― Meu pai soluça com voz embargada e
eu me sento ao seu lado e o abraço forte.

Meu pai murmura entre lágrimas.

― Eu menti porque não queria que você se sentisse uma rejeitada fia,
eu te amo por demais. Eu tentei ser pai e mãe, te proteger de tudo eu
nunca poderia imaginar que veria aquela mulher de novo... Me desculpe,
minha fia, por favor, me perdoa. ― Meu pai se curva e chora um pranto
sofrido de puro lamento.

Abraço suas costas e choro. Por ele. Por mim. Por nós dois.

Quando consigo me recompor. Fico de joelhos em sua frente, limpo


sua face e falo olhando em seus olhos vermelhos de tanto chorar.

― Eu te desculpo, painho, o senhor errou tentando acertar. Deu sua


vida por mim, todo dia se sacrifica por mim. O senhor foi o melhor pai e
mãe que eu poderia ter tido. Não vou mentir e dizer que não estou
magoada, porque eu estou. Mas, acima de tudo, eu amo o senhor e sei
que o que o senhor fez foi para o meu bem.

Meu pai faz um gesto afirmativo, limpa o rosto, beija minha testa,
levanta-se e vai em direção ao seu quarto, antes de chegar, me olha e fala
em um tom triste.

― Eu desejo do fundo do meu coração que você não seja como eu,
que amei intensamente apenas uma mulher em minha vida. ― Ele entra
no quarto e eu me deito no sofá em posição fetal e soluço baixinho com
medo de que as palavras de meu pai se confirmem e eu nunca mais ame
alguém, com a mesma intensidade que eu amo Pablo.

Sim, meu pai não foi o único que mentiu, hoje eu menti para o homem
que eu amo...
Capítulo 18

Mariana
Na manhã seguinte ao acordar, inspiro profundamente e me levanto
da cama com vigor. Me recuso a ficar mais um dia chorando, mesmo que
por dentro esteja destroçada. Pablo sempre diz que eu não consigo
mascarar meus sentimentos, que sou transparente para ele. Pois bem, ele
não vai ver nem uma única emoção passar pelo meu rosto.

Contudo, de baixo da água fria, deixo a dor acumulada em meu peito


fluir livremente e faço uma promessa silenciosa:

― Independente dos eventos, por mais triste e humilhante que possa


ser, não só hoje, mas de agora em diante. O único lugar que me permitirei
chorar será aqui, debaixo do chuveiro ― murmuro de cabeça baixa.

A água fria, que banha meu corpo, destoa das lágrimas quentes que
desce continuamente pelo meu rosto.

Hoje faço algo que nunca faço. Me maquio. Nunca liguei muito para
isso, mas hoje foi preciso, para esconder os traços de uma noite a qual
passei chorando e quase não dormi.

Ao chegar à cozinha encontro meu pai tomando café da manhã.

― Bom dia. Fia. Você dormiu bem?

Faço um gesto afirmativo com a cabeça e me sento à mesa.

―E o senhor, painho? ― Olho para o relógio e franzo o cenho ― O


senhor não está atrasado para o trabalho? ― indago, começando a tomar
o café e minha mente é invadida por recordações dos exóticos cafés da
manhã que Pablo me servia, respiro fundo e fecho meus olhos, tentando
tirar essas lembranças da minha cabeça.

― Sabe, fia, essa noite eu tomei uma decisão. Estou com as férias
atrasadas nos dois... ― Meu pai faz uma pausa e fala vagorosamente ―
trabalhos. ― Ele sorri, feliz por ter conseguido dizer a palavra
corretamente.

Tenho notado que ultimamente, meu pai tem tentado falar o mais
correto possível. Não comentei nada, porque para mim, isso nunca fez
grande diferença. Então apenas retribuo o sorriso, mas ele morre aos
poucos em meus lábios quando um pensamento desagradável povoa a
minha mente.

― Pai, tenho notado que o senhor está mudando seu modo de falar,
por acaso o senhor fez isso por causa do Pablo?

― Bem, fia, vou negar isso não, num sabe?! Seu Pablo é um homem
grã-fino e eu pensei que vocês iriam se casar. Então eu comecei a ter
umas aulinhas de português com a Maria. Ela não sabe muita coisa
também não, mas ela aceitou me ajudar a falar um pouquinho melhor. ―
O sorriso dele aumenta ao falar de Maria.

― Maria é aquela moça que trabalha com Bianca e Michele?

― Ela mesma. ― O sorriso de meu pai se abre quando menciono o


nome de Maria ― Eu ando falando melhorzinho? Ainda tenho muito que
melhorar num sabe?! Eu vou continuar firme para falar direitinho.

― Sim, painho, está sim. Seu jeito de falar nunca me incomodou, e


confesso que não gostei de saber que o senhor quis mudar por causa de
Pablo.

― Não foi só por ele, mais por você, fia. Com ele você iria andar em
lugar muito chique e eu não queria fazer você passar vergonha. ― Meu
pai beija minha cabeça e volta a se sentar.

Engraçado, meu pai disse praticamente a mesma coisa que Pablo


disse ontem, com algumas ressalvas. Pablo agiu de forma egoísta, já meu
pai foi altruísta. Ele, como sempre, pensou em meu bem-estar em primeiro
lugar.

Mudo de assunto, porque a simples menção de Pablo já me causa um


aperto no coração.

― Mas, qual foi à decisão que o senhor tomou?


― Ah sim! Então, como estava dizendo, estou com minhas férias
vencidas e eu vou aproveitar para ir a João Pessoa tirar a limpo essa
história que sua... ― Ele dá uma pausa, suga o ar, bufa, fecha olhos e
volta a falar com tom um pouco alterado ― Preciso saber o que realmente
aconteceu, num sabe?! Se é verdade que eles ficaram com o dinheiro, se
sim, eles vão ter que devolver tudinho para aquela mulher.

― Calma, painho, nem vou dizer para o senhor deixar isso para lá,
porque sei que é questão de honra. Mas, se acalme, por favor ― imploro,
segurando sua mão.

Ele faz um gesto de afirmação com a cabeça, inspira e depois sorri. Aí


eu noto que meu pai tomou a mesma decisão que eu, seguir em frente e
não deixar que eles nos abalem. Todavia, quando seus nomes são
mencionados.... É impossível não demonstrar o quanto eles mexem com a
gente.

Acabamos de tomar café e seguimos para a empresa, de cabeça


erguida. Ao chegar me despeço de meu pai que segue para o
departamento pessoal e eu para minha sala, orando para não ver nem
Pablo, nem Angélica na minha frente.

Confesso que fico feliz ao ser informada, pela secretária, que ele tinha
viajado. Solto o ar que nem tinha reparado que estava preso e mais
relaxada sigo um dia de trabalho tranquilo.

***

Duas semanas se passaram, durante esse período não vi nem Pablo,


nem Angélica. Meu pai conseguiu pegar as férias que tanto almejava e em
alguns dias viaja para João Pessoa. Não voltamos a mencionar o que
ocorreu na casa de Pablo, nem a tocar no nome de minha mãe.

Ela foi à empresa um dia, contudo, me recusei a atendê-la. Talvez em


algum momento da minha vida eu queira questionar o porquê de ela ter ido
embora, mas no momento tenho muita coisa na cabeça para querer mexer
nesse assunto.

Durante esse período eu dei graças a Deus, por não ter permitido que
Pablo revelasse o nosso envolvimento para alguém. Então, na empresa
ninguém ficou sabendo o que houve. Todos os dias eu ia trabalhar e
tentava ao máximo não deixar transparecer que por dentro estava
destruída. Sorria, era gentil com todos, somente meu pai e Nay sabiam o
quão era difícil estar ali, com medo de que a qualquer momento Pablo
aparecesse.

Ainda não estava preparada para vê-lo novamente.

Enquanto na empresa eu era só sorrisos, em casa... Bem, em casa,


debaixo do chuveiro, deixava toda a dor que estava em meu peito sair. Ali
sozinha, com a água batendo em meu rosto e longe dos olhos de quem
me quer bem, eu me permitia chorar. Na frente de meu pai e de Nay,
jamais.

Quando contei a Nay tudo o que houve, a raiva que emanava dela
quase se comparava à dor que eu sentia. Nay chorou comigo, sofreu
comigo e me ajudou a jogar todos os presentes dele fora. Menos o celular,
esse ela não deixou. A verdade era que ela não queria que eu jogasse
nenhum presente que recebi de Pablo fora. Mas, eu simplesmente não
conseguia suportar as lembranças dele no meu quarto.

Meus dias eram apáticos, sem cores. Não via muita graça nas coisas
e por mais que sentisse uma raiva surreal de Pablo, lá fundo, bem lá no
fundo, mesmo não querendo, sentia falta da ilusão chamada Pablo.

Sim, porque Pablo foi uma linda ilusão que eu criei em minha mente.

***

O dia amanheceu como todos os outros dias de verão no Rio de


Janeiro, claro e lindo lá fora, porém eu o vi triste e nublado, segui a rotina
de banho, choro e maquiagem para esconder as olheiras e café que me
fazia recordar Pablo e empresa.

Desde que contei para Nay o que houve, vamos juntas para a
empresa. Sempre entramos na empresa de mãos dadas e antes de cada
uma seguir para sua sala, ela me dá um abraço e pede para eu ser forte.

Nay tem me ajudado muito nesses dias sombrios.

Hoje não foi diferente, entramos na empresa de mãos dadas,


entretanto ao contrário dos outros dias, encontramos Pablo e Angélica
abraçados.
Ao me deparar com o casal eu simplesmente me esqueço como se
respira, meu peito dói tanto que elevo a mão a ele e sinto meu coração
bater acelerado.

― Respira amiga, levanta a cabeça e segue ― Nay sussurra ao meu


ouvido me desviando do casal e me levando em direção ao elevador.

Estou tão atordoada que me deixo ser guiada por ela.

― Calma Mari, respira e segue o baile ― Nay pede apertando minha


mão.

Sugo o ar com força e me obrigo a exalar devagar, tentando me


recuperar do choque.

― Ora, ora, ora. Olha quem nós vemos por aqui. ― Ouço a voz de
Angélica, atrás de mim.

Olho de relance para Nay, que faz um gesto negativo com a cabeça,
como se pedisse para eu ignorar.

Meu corpo inteiro está trêmulo.

― Você já sabe da novidade, Mariana? ― Angélica volta a falar e eu


fecho meus olhos e peço a Deus força para me livrar dessa situação, elevo
a cabeça e olho para cima para ver o quanto faltava para esse bendito
elevador chegar.

― Eu e Pablo nos casamos em, Las Vegas, você não vai nos desejar
felicidade? ― Sua voz soa debochada.

Quando a compreensão do que ela diz chega até a mim, eu perco


meu chão, vejo tudo nublado em minha frente, ofego, pois sinto falta de ar,
meu peito dói. Tudo isso em questão de segundo.

Nay aperta minha mão com força, eu inspiro profundamente, me


lembro da promessa que fiz, ponho um sorriso falso nos lábios e viro meu
corpo de modo que fique de frente para eles, me aproximo a ponto de
nossos narizes se encontrarem, ela dá um passo para trás e Pablo põe a
mão entre nós duas, acredito que com medo de que eu meta a mão na
cara dela.
― Que sejam muito felizes ― digo sem um traço de emoção na voz,
contradizendo tudo o que sinto por dentro, viro meu rosto em direção a
Pablo e volta a falar. ― Desejo que a vida dos dois seja um mar de
felicidade. ― Minha voz soa fria, calma sem nenhum traço de ironia ou
entoação.

Dou um passo para trás e seguro a mão de Nay.

― Nay, querida, acho melhor irmos de escada, afinal de contas agora


vai entrar no elevador um casal recém-casado e eles exalam riqueza e
sofisticação. E nós somos pobres faveladas, eu ainda tenho um, porém a
mais, sou nordestina! E jamais eu vou querer contribuir para baixar o nível
deles. ― Nay dá uma sonora risada enlaça meu braço e viramos de
costas.

― Mariana. ― Ouço a voz de Pablo me chamando e estanco.

Viro meu corpo e fixo meus olhos nele. Não demostro raiva, rancor,
ódio, decepção... Não demostro absolutamente nada do que estou
sentindo.

De agora em diante de mim ele só terá frieza e desprezo.

― Sim.

― Eu... ― Ele não completa a frase e dá um passo em minha direção.

― Se for sobre trabalho, o senhor pode marcar com a secretária uma


reunião. Apesar de eu estar bastante sobrecarregada essa semana,
acredito que ela vá conseguir um horário para o senhor, afinal o senhor é
meu chefe.

Antes de virar de costas e seguir meu caminho, noto que Pablo me


olha de um modo estranho e inclina a cabeça, pensativo. Creio que ele
não esperava essa reação, talvez esperasse choro, raiva, gritos...

Mas ele só terá meu desprezo.

***

Em casa à noite, deitada em minha cama com os olhos fixo no teto,


sinto uma lágrima descer pela lateral do meu rosto. Mexo a mandíbula e
sinto um incômodo, o que não deixa de ser compreensível. Depois de um
dia tenso, o qual eu passei forçando o sorriso para todos e principalmente
para meu pai, que a todo o momento me olhava e perguntava como eu
estava. Eu claro, respondia que estava tudo bem. Embora nada estivesse
bem, nada.

Queria estar anestesiada, e não sentir absolutamente nada. Mas eu


sinto tudo, tudo.

Eu mandei Pablo casar com Angélica, eu não o quero novamente em


minha vida, eu sei que ele me faz mal. Então sinceramente, eu não
entendo porque eu sinto essa dor em meu peito a cada vez que penso
nele e por mais que eu tente, e eu tento muito, não pensar, muitas vezes
minha mente me trai e me pego relembrando todos os momentos lindos
que passamos. Momento esses que a cada dia que passa me faz ter a
certeza de que eu vivi isso sozinha, que eu imaginei um Pablo que na
realidade não existe.

Viro na cama, deito-me de lado e fixo meus olhos em meu celular. Há


duas horas eu recebi uma ligação de Pablo, não atendi. Não tem mais
nada que eu queria ouvir dele. Se a intenção dele ao casar era me
machucar, ele conseguiu. Ver aquela aliança de casamento acabou
comigo.

Porém, eu vou seguir em frente. Com o coração aos pedaços, mas


vou seguir em frente. Vejo a luz do meu celular piscando, me alertando
que estou recebendo uma ligação, viro na cama de modo que fique de
costas para o celular, ignorando a ligação. Não sei quem está me ligando,
nesse momento estou envolta em mar de dor e sofrimento, sem nenhuma
condição de ter uma conversa saudável com alguém. Amanhã vou estar
melhor, mas hoje, o melhor é ficar bem quietinha no meu canto até essa
dor passar. Fecho meus olhos sentindo as lágrimas que por mais que tente
não consigo cessar.

Na manhã seguinte não estava melhor. Muito menos nas semanas


que se seguiram. Não estava preparada para dor lancinante, que sentia a
cada vez que via Angélica com Pablo. Nem o fato de eu o ver tratá-la
como se ela fosse um nada aliviava a dor.

Ainda doía, e muito.

Ao contrário do que imaginava, Pablo não voltou a tratar meu pai


como antes, muito pelo contrário, ele era cortês nas poucas vezes que o vi
de longe falando com meu pai. Não sei ao certo o que meu pai lhe dizia,
mas não parecia ser algo muito agradável, já que ele sempre saía de
cabeça baixa com o semblante desanimado.

Nunca perguntei ao meu pai o que ele e Pablo falavam em suas


breves conversas, todavia, meu pai também nunca mencionou nada.
Acredito que não queria me machucar mais. Como se isso fosse possível.
Pablo já fez esse serviço com maestria.

Depois de dois meses as coisas perderam a graça, não estava mais


conseguindo acompanhar as aulas da faculdade. Eu estava presente, mas
minha mente estava em outro lugar. Não conseguia mais manter o sorriso
falso no rosto. Eu estava apática, monossílaba, falava o mínimo possível.

No trabalho não estava mais produzindo como antigamente. Passava


horas para resolver um problema que normalmente resolveria em questão
de minutos. Eu não estava nada bem. Pablo tentou se aproximar algumas
vezes, eu o afastava com um simples balançar de cabeça e mudava de
direção. Eu estava chegando ao meu limite, não aguentava mais.

O estopim foi em uma manhã, em que eu estava me preparando para


o trabalho, meu pai falava todo animado que já tinha comprado a
passagem para João Pessoa, reservado o hotel e em alguns dias viajaria.
Durante o período da viagem, eu iria ficar na casa de Nay, meu pai não
queria que eu ficasse sozinha na comunidade.

― Está pronta, fia? Vamos para o trabalho senão vamos chegar


atrasados ― meu pai questiona.

Levanto-me, caminho em direção à pia para lavar a xícara de café,


abro a torneira e começo a pensar: vou ter que forçar um sorriso ao entrar
na empresa, sorriso esse que não consigo mais dar. Vou ter que ver Pablo,
ver Angélica discutindo pelos cantos. Pablo me olhando querendo se
aproximar...

― Eu não suporto mais isso, painho. ― Apoio ambas as mãos no


mármore gelado, abaixo a cabeça e choro.

― Oh fia, eu que não aguento mais ver você nessa gastura. Você
emagreceu, anda caidinha, pensa que essa maquiagem me engana?
Ouço todas as noites seus soluços. ― Meu pai vira meu corpo em sua
direção e segura meu rosto com ambas as mãos. ― Vem comigo para
João Pessoa, fia, não tem mais é nada para a gente aqui não. Não
aguento mais lhe ver sofrendo por aquele cabra, que tem a cara de pau de
todo dia me perguntar como você está, que diz que lhe ama e casa com
outra. Toda vez que ele vem falar comigo eu me seguro para não dar um
murro na cara dele. Vamos embora, fia, por favor ― eu pai implora.

― Painho, o estágio, a faculdade, meus cursos...

― Fia, larga tudo isso para lá! Eu não quero mais lhe ver sofrer.
Vamos recomeçar em João Pessoa. Vamos, fia. ― Meu pai insiste e me
abraça.

― Eu vou pensar, hoje eu não vou para a empresa, eu não consigo


olhar na cara de Pablo.

― Tá bom, fia. Pense direitinho e à noite você me dá uma resposta.

Meu pai segue para o trabalho e eu tiro a roupa, maquiagem, fecho as


cortinas, deito-me na cama e durmo quase o dia todo, ou tento. As
palavras de meu pai não saem da minha mente. E eu acho que ele tem
razão, não tenho mais nada que me prenda no Rio.

***

À tarde Nay, passa em minha casa e conversamos.

― Você é a única coisa que me prende aqui ― digo, segurando sua


mão.

― Não fica por minha causa, Mari, seu pai tem razão, você está
definhando por causa desse escroto do Pablo. Acredita que ele veio me
perguntar de você hoje, só não mandei ir à merda porque poderia ser
demitida.

Sorrio do jeito engraçado que Nay, comenta.

― Mari, eu amo você, mas existe internet, telefone. Sempre vamos


estar conectadas e nas férias eu vou te ver. ― Nay, assegura com
lágrimas nos olhos.

― Eu sinto como se eu estivesse fugindo ao invés de encarar o


problema ― comento de cabeça baixa e Nay, me abraça.
Ficamos um tempo abraçadas sem nada falar. Nay está passando por
algumas coisas com o namorado da sua chefe, que vive atrás dela e eu
acho que ela está começando a sentir algo por ele. As coisas também não
estão nada fáceis para ela.

Quando meu pai chega, eu o informo que vou com ele para João
Pessoa, ele me abraça feliz e eu retribuo dando o primeiro sorriso sincero
em dias.

Ligo para Bianca e pergunto se poderia conversar com ela, me sinto


na obrigação de dar uma explicação à Bianca, principalmente depois de
tudo o que ela fez por mim. A princípio achei estranho por ser Fernando, e
não Bianca, a atender ao telefone, porém, ele logo passa para ela e eu
prefiro não comentar o assunto. Bianca como sempre é calma e muito
gentil, me informa que na parte da manhã estará na casa de Michele que
eu poderia encontrá-la lá.

Na manhã seguinte, acordo um pouco mais tarde, pois fiquei até de


madrugada arrumando a mala, já que meu pai viaja em três dias.

Ao chegarmos ao prédio em que Bianca e Michele moram, nos


identificamos e o porteiro libera nossa entrada. Entramos no elevador e
seguimos direto para a cobertura, quando a porta do elevador abre, vejo
uma mulher branca, de longos cabelos castanhos tão baixinha quanto eu e
gordinha. Ela sorri e eu retribuo. Ao sair do elevador, vou de encontro com
um corpo, não, aquilo não era um corpo era uma muralha. Me desequilibro
e quase vou ao chão, sou amparada por fortes mãos.

Elevo a cabeça, para me desculpar e vejo o homem mais bonito que


eu já vi na minha vida. Ele era alto, tinha cabelos castanhos com mechas
douradas, olhos amendoados, lábios grossos e um sorriso que me deixou
atordoada. O homem era lindo.

Abro e fecho a boca, completamente sem fala com a visão que está
na minha frente. Ele eleva a mão ao meu queixo e com um leve
movimento fecha minha boca, que é quando me dou conta que estou com
cara de maluca olhando para o homem.

― Por favor, me desculpe ― peço envergonhada.

― Você está bem, bela? ― Até a voz do homem é bonita, forte e


potente.
― Sim, sim. Mais uma vez me desculpe.

― Vamos, fia. Bianca deve estar nos aguardando na casa da senhora


Michele ― meu pai diz já em frente ao apartamento de Michele.

― Ah sim, claro. ― Dou um passo para o lado e finalmente saio da


frente do homem que mais parece um ator que saiu de uma novela
mexicana.

Devo confessar que tenho um fraco por novelas mexicanas, e esse


ser na minha frente, parece um daqueles lindos e sensuais mocinhos que
todo bom drama mexicano tem.

Dou um passo e o ser, lindo, segura meu braço.

― Qual seu nome, bela? ― sua voz soa sexy é com leve sotaque.

― Mariana ― sussurro, ainda impressionada com a sua beleza.

― Meu nome é Victor. Victor Ramires. ― Ele beija minha mão sem
desviar os olhos dos meus ― Guarde meu nome, bela, sem a menor
sombra de dúvida voltaremos a nos encontrar. ― Ele pisca o olho, sorri de
lado, vira o corpo e caminha em direção ao elevador me deixando,
literalmente de boca aberta.

Um lento sorriso se forma em meus lábios ao ver a porta do elevador


fechando e o tal ser lindo, chamado Victor, piscando um olho para mim.

― Olha, mas esse aí é pintoso hein, fia ― meu pai comenta tocando a
campainha da casa de Michele

― Oh... Se é. Painho, se é. ― Sorrio ainda com os olhos fixos no


elevador.

Nunca poderia imaginar, que um homem assim poderia se interessar


por mim e sim, ele deixou bem claro seu interesse. Victor exala confiança
pelos poros, é atlético, sexy e sedutor. Apesar de lindo e ter feito muito
bem ao meu ego, ele não faz o meu tipo. Contudo, o cara que faz o meu
"tipo" quebrou meu coração em mil pedaços.

Poucos minutos depois Bianca abre a porta, com seu semblante


sempre calmo e nos convida a entrar no apartamento. Lá, me deparo com
uma cena no mínimo inusitada.
Maria, a empregada de Bianca e Michele, se encontra deitada no
sofá, aparentemente desacordada e Michele a abanando. Estanco ao ver
os acontecimentos que ocorrem em minha frente, meu pai passa por mim
andando em passos rápidos e chega ao sofá em questão de segundos.

Assustada, viro meu rosto em direção a Bianca que sorri, enlaça meu
braço e sussurra.

― Não se preocupe, meu anjo, Maria... digamos, teve apenas um


mal-estar ― Bianca explica calmamente.

Faço um ligeiro meneio e viro meu rosto em direção a cena, meu pai
se senta no sofá e põe a cabeça de Maria em seu colo.

Maria parece tudo, menos bem.

― É esse tempo doido. Mas quando voltarmos para João Pessoa,


tudo vai melhorar ― meu pai comenta, fazendo carinho na cabeça de
Maria.

― O quê? ― Bianca e Michele gritam juntas.

― Maria não pode ir embora. O que será da minha vida sem ela,
gente? ― Michele pergunta em pleno desespero.

― Senhor Arino, Maria não mencionou em nenhum momento que iria


viajar. ― Bianca comenta calma, mas torcendo as mãos.

― Depois que nos casarmos vamos voltar para minha terra. É isso
que viemos falar para a Senhora, estamos indo embora. ― Meu pai faz um
carinho no rosto de Maria.

― Painho, não sabia que o senhor queria se casar! ― menciono


chocada.

― Mas é claro que quero, minha fia. Maria é trabalhadora e humilde, e


depois que a gente se casar, vamos voltar para Bahia ou João Pessoa...
Isso ainda não decidimos, mas não vamos ficar aqui ― Meu pai soa
convicto.

― Creio em Deus Pai! ― Michele eleva uma mão em direção à boca.


Ela começa a andar de um lado para outro.
Meu queixo quase vai ao chão, Maria é uns vinte anos, no mínimo,
mais nova que meu pai.

― Painho, a Maria não é muito nova para o senhor... ― Interrompo


meu comentário, quando vejo Michele indo em direção a Maria e dá umas
boas sacudidas em seu ombro.

― Desperta, mulher! Que história é essa de você nos abandonar? ―


Maria abre os olhos, olha ao redor e fica horrorizada ao se dar conta que
estão todos olhando para ela ― Não disse que ela estava viajando na
maionese!? ― Michele afirma apontando um dedo para Maria.

― Mas eu não vou! Vim para cá para tentar uma vida melhor. Arino,
você é muito gentil e eu gosto muito de você, mas eu quero mais da vida,
não quero voltar para o lugar de onde vim. Eu não tenho mais nada lá.
Meus pais já morreram, não tenho nada que me faça querer voltar, só
péssimas lembranças ― Maria explica triste e Michele se senta ao seu
lado.

Observo tudo em silêncio, ainda estou digerindo a ideia, que meu pai
quer se casar.

― Você não tem família aqui também e nem nada que te prenda aqui.
Eu vou te respeitar e te tratar bem, Maria. Eu e minha filha vamos voltar
para o Nordeste... minha menina está sofrendo muito. E eu queria muito
que você fosse com a gente ― meu pai olha para Maria, depois vira o
rosto em direção a Bianca ― Viemos agradecer tudo o que a Senhora fez
para gente, Dona Bianca. ― Ele se levanta do sofá caminha em minha
direção e Bianca senta no lugar dele ao lado de Maria.

― Arino, eu tenho algo muito importante que me prende aqui... essas


duas ao meu lado. Bianca e Michele me mostraram um mundo novo, elas
são mais que minhas patroas. Sei que me consideram sua amiga e hoje
em dia eu as considero minha família. E eu nunca iria abandonar as duas
nesse momento tão especial da vida delas ― Maria explica segurando as
mãos de Michele e Bianca e as duas ficam visivelmente emocionadas.

― Eu também te considero da minha família, Maria. ― Michele chora


a abraçando.

― Você vai abandonar tudo que conquistou aqui, Mariana? Seus


estudos, trabalho... Tudo! ― Bianca indaga assim que ela consegue se
recompor.

― Meu pai há muito tempo quer voltar para terra dele, Bianca, e
depois dos últimos acontecimentos, não vejo mais motivos para ficar aqui.
É tudo muito constrangedor. Além do mais, como vou ficar aqui sozinha?
― retruco sem graça, olhando para os lados.

― Isso é fácil. Você pode ficar comigo! Assim você finaliza os seus
estudos e de quebra, eu te ensino algumas coisinhas também ― Michele
sugere.

Intercalo o olhar entre elas. Michele e Bianca estão grávidas, seria no


mínimo complicado ficar com elas.

― Imagina, Michele! Você vai se casar agora e daqui a alguns meses


terá um bebê. Eu só vou atrapalhar ― alego constrangida.

― Gata, você já reparou no tamanho do meu apartamento? Moro em


um triplex com seis quartos, você não vai atrapalhar. E tenho certeza de
que Márcio não irá se incomodar ― Michele diz com seu jeito irreverente
de ser.

E eu começo a presumir que elas talvez saibam ― ou no mínimo


desconfiem ―, do meu envolvimento com Pablo. Aí me recordo que no dia
seguinte que descobri o casamento de Pablo, Bianca, Michele e Maria
foram à empresa fazer sabe-se lá Deus o que e me pegaram em uma
situação constrangedora a qual eu chorava copiosamente.

― Mesmo assim não acredito que seja uma boa ideia. ― Volto a
argumentar, sem graça.

― Mariana, Fernando e eu vamos nos mudar em algumas semanas,


você pode ficar no meu apartamento ― Bianca informa, tentando me
convencer.

― Não vou deixar minha menina morando sozinha nesse Rio de


Janeiro ― Meu pai afirma zangado e olhando feio para Maria.

Vou em sua direção e enlaço seu braço. Meu pai não comentou
comigo o quão forte são seus sentimentos por Maria, por isso tamanha a
minha surpresa ao saber que ele pensava até em se casar com ela.
Todavia, não posso questionar isso. Não revelei praticamente nada do
meu relacionamento com Pablo, meu pai não faz a mínima ideia do quanto
eu me entreguei de corpo e alma a esse relacionamento.

― Maria pode ficar com Mariana no apartamento de Bianca e assim


ela não irá ficar sozinha. Isso sem falar que Bianca vai morar praticamente
na esquina e eu moro a alguns andares acima ― Michele sugere, tentando
nos convencer.

― Mariana, não deixe que a atitude de outros, mude o futuro que você
sonhou para si ― Bianca pede com a sua sempre presente calma.

― Mariana, não seja covarde, não corra. Nós vamos te ajudar a


enfrentar essa situação. ― A voz de Michele soa firme.

― Mariana, não deixe que um homem defina quem você é. Seja forte,
conquiste tudo o que você sonhou. Aproveite a oportunidade que está na
sua frente, e a agarre com unhas e dentes. Não são todos os dias que
encontramos pessoas querendo nos estender a mão. Eu sei disso, eu
passei por isso, mas eu fugi, passei anos fugindo ― Maria revela e eu
sinto dor imensa no peito porque é exatamente isso que eu estou fazendo.
Fugindo, querendo ir o mais longe possível, para assim, quem sabe, essa
dor que me aflige possa diminuir. Não acredito que ela vá terminar assim
de um dia para outro. Não, não vou esquecer tudo o que eu vivi com Pablo
de uma hora para outra. Foi tudo intenso demais, perfeito demais e ao
mesmo tempo doloroso demais.

Inspiro profundamente tentando conter as lágrimas e Maria continua.

― Arino, eu gosto muito de você, mas como amigo. Eu não quero


ficar com uma pessoa apenas porque ele vai me tratar bem e me respeitar.
Eu quero e mereço mais que isso. Essas duas fortes mulheres me
mostraram que mereço mais ― Maria explica de forma carinhosa para
meu pai que apenas acena.

Não tento mais conter as lágrimas, elas fluem livremente pelo meu
rosto.

― É isso que você quer, minha fia? ― Meu pai me questiona e eu não
sei o que responder.

Bianca levanta, anda em minha direção, limpa minhas lágrimas e


segura minha mão.
― Mariana, se você abaixar a cabeça e fugir agora, você vai fazer
isso pelo resto da sua vida. Você não fez nada de errado e não tem por
que ir embora. Você tem um futuro promissor na empresa e está quase
terminando a faculdade. Desilusões amorosas todos têm. Agora é hora de
respirar fundo, levantar a cabeça, e mostrar para todo mundo quem é
você. ― Bianca me aconselha, aumentando seu aperto em minhas mãos.

Sinto, que além de calma, o quão forte aquela mulher é. Viro meu
rosto para Michele que acena a cabeça e pisca um olho para mim, fixo em
Maria e leio um "Fica" silencioso em seus lábios.

Três mulheres tão diferente fisicamente quanto em suas


personalidades, Três pessoas que estão se disponibilizando a me ajudar
não só financeiramente, mas psicologicamente.

Inspiro e fecho meus olhos e por breves segundos me recordo de tudo


que eu passei. Meu pai me criou para ser uma mulher de fibra, não uma
covarde, está na hora de eu fazer jus a tudo que meu pai passou por mim.

Exalo o ar lentamente, levanto meu queixo ― sou baixinha e Bianca é


muito alta ― Bianca sorri para mim, como se soubesse a minha resposta.

― Sim, pai. Eu vou ficar.


Capítulo 19

Mariana
Assim que a confirmação de que iria ficar e aceitar a ajuda que me era
oferecida, saiu pelos meus lábios, fui abraçada por Michele, Bianca e
Maria simultaneamente.

Sorrio com o entusiasmo delas, que começam a falar tudo o que


queria me ensinar ou me mostrar. Confesso que foi impossível não ficar
um pouco apreensiva, todavia, estava feliz. Era contagiante estar rodeada
por mulheres tão empoderadas.

― Fia. ― A voz do meu pai soa em um tom receoso.

Ainda com um sorriso incerto, fixo meus olhos em meu pai e vejo que
ele está com uma expressão apreensiva. Me desvencilho do cerco
afetuoso o qual estou e caminho ao seu encontro. Sem necessidades de
palavras o abraço forte, sei que meu pai precisa disso, eu preciso disso.
Nossa vida está prestes a mudar, nunca nos separamos, e sinceramente
não sei como conseguirei lidar com a saudade, com a falta, que sem a
menor sombra de dúvida, ele irá me fazer.

― Tem certeza de que quer ficar, fia? ― meu pai indaga em um fio de
voz trêmula que chega me deu certa agonia. Meu pai desvia os olhos do
meu e fixa em Bianca ― Mas, eu vou viajar daqui a três dias. A senhora
vai se mudar quando? — Meu pai questiona Bianca.

— Vou me mudar em três semanas, uma semana depois do


casamento de Michele — Bianca responde.

— E minha menina vai ficar sozinha nesse Rio de Janeiro todo esse
tempo? — inquire, preocupado.

— Mariana pode ficar aqui até Bianca se mudar. Depois ela e Maria se
mudarão para o apartamento de Bianca. Maria já trouxe seus paninhos de
bunda para minha casa na semana passada — Maria vira seu rosto para
Michele com uma expressão nada agradável ― Gata vou te ensinar muita
coisa ― Michele promete e pisca um olho.

― Fiquei imensamente feliz que você aceitou o nosso convite ―


Bianca comenta, pondo meu cabelo atrás da minha orelha e retribuo com
um sorriso.

— Vou ficar bem, Pai. O senhor pode ir tranquilo.

— Tudo bem, então. — O Senhor Arino suspira alto.

Maria caminha em minha direção e me abraça.

― Oxe! Que a gente vai se dar bem junto. ― Maria aperta seu enlaço
em volta da minha cintura.

Assinto e viro meu rosto em direção ao meu pai.

― Oh painho! Eu preciso ficar, o senhor me entende. Eu preciso! Foi


como elas souberam expressar tão bem, eu não posso deixar que as
atitudes de outros interfiram no meu futuro. Futuro esse, que o senhor
trabalhou arduamente, pai. Não posso fazer isso, não é apenas por mim,
mas pelo senhor também.

― Me desculpa interromper, senhor Arino, mas duvido que daquele


nerd tosco, se meta a besta dentro da minha casa. E se ele sequer pensar
nisso, meto a mão na cara dele ― Michele afirma com seu jeito irreverente
de ser.

Meu pai inclina a cabeça de lado e a observa abismado, depois desce


a vista, foca em sua proeminente barriga e levanta uma sobrancelha.

― Mas a senhora está grávida. ― Meu pai indica o óbvio.

― Mas não estou morta, meu amor! Sei que sou alta, magra... ―
Michele interrompe a sua já tão conhecida frase " alta, magra e desprovida
de bunda" ― Bem, já não estou mais tão magra, mas minha mão ainda
funciona perfeitamente e eu tenho dinheiro para pagar alguém para dar na
cara dele! ― Ela levanta as duas mãos como se o assunto estivesse
resolvido.

Maria ri, Bianca eleva uma mão ao rosto e meu pai sorri pela primeira
vez desde que entramos no apartamento.
― Senhor Arino, eu te garanto que Pablo só irá se aproximar de
Mariana se ela permitir ― Bianca assegura calmamente, sorrindo.

― Seu Arino, não se preocupe, vou resolver o seu problema ―


Michele se aproxima de meu pai e dá pequenas batidinhas em seu ombro,
logo em seguida vira o rosto para Maria. ― Maria troca essa roupa tosca.
Bianca ― reparando, continua ― Você não precisa trocar nada, já acordou
perfeita! ― Michele cruza os braços e começa a divagar ― Olha gente, eu
queria ser assim sabe, mas todo dia eu tenho que levantar mais cedo e
dar um jeito na fuça para poder não matar meu boy magia de susto.

Foi impossível não sorrir com o comentário nada apropriado de


Michele, mas como diz Bianca, é melhor deixar para lá que a tendência é
só piorar.

E ela continua...

― Então seu Arino, para a sua paz de espírito. Bianca, Maria e eu


vamos na empresa agora ameaçar Pablo e dizer que se ele falar um aí eu
prometo que dou na cara dele, tá? Fica tranquilo tudo vai dar certo. Eu
ameaço que é uma beleza. Tem alguma dúvida? Pergunta para o
Fernando. Duvido que Pablo chegue perto de Mariana depois que eu
trocar umas palavrinhas com ele... ― Ela continua a falar e meu pai a
observa com uma expressão cada vez mais abismada.

― Olhe, Michele nunca foi normal. Mas depois que ficou grávida.
Vixe! ― Maria, balança a cabeça tira o sapato e se encaminha em direção
a um corredor.

― A onde você vai, Maria? ― Bianca questiona.

― Oxe! Trocar de roupa. Se acha que vou aparecer linda de bonita


para brigar com aquele filho de rapariga? ― Maria retruca com as mãos na
cintura e eu noto que ela está extremamente bem arrumada e maquiada.

Reparo que ela está vestindo o mesmo vestido que usou no noivado
de Bianca. Um vestido de seda vermelho, muito bonito por sinal, mas o
porquê de ela estar vestida assim há essa hora, não tenho noção.

Bianca fecha os olhos, inspira profundamente como se estivesse


tentando recuperar a calma e volta a falar.
― Maria, você e Michele não vão à empresa. Michele hoje vai se
encontrar com a minha mãe para escolher o vestido.

― Eu vou é terminar a minha faxina, isso sim. ― Maria dá de ombros


e continua seu caminho pelo corredor.

― Gata, se você quiser pode vim hoje mesmo. ― Michele segura


minha mão.

― Muito obrigada, Michele, mas vou deixar para vir em três dias,
assim passo mais tempo com meu pai antes da viagem dele ― Viro meu
rosto em direção a Bianca ― Bianca eu sei que é pedir demais, mas...
Será que eu poderia voltar para empresa apenas na segunda?

― Não se preocupe, eu converso com o Pablo. ― Ela promete calma,


mas não sorri.

― Agora sim, eu tenho até pena do Pablo. ― Michele gargalha alto.

Pouco tempo depois eu e meu pai nos despedimos e seguirmos para


nossa casa. O caminho foi feito em silêncio, tínhamos muitas coisas para
conversar, mas nenhum dos dois queria fazer isso em público.

***

Ao entrar em casa, o silêncio que nos envolvia foi quebrado.

― Fia, eu sei que você deve ter um monte de perguntas em sua


cabecinha. Mas, por hora, quero falar disso não. Nem sei se vou querer
falar um dia. Maria foi uma doce ilusão, eu imaginei que poderia
recomeçar, num sabe?! Mas, mais uma vez a vida me mostrou que não
levo jeito para as coisas do amor ― Meu pai se senta no sofá cabisbaixo
― Olhe, fia, estou com o coração apertadinho por ficar esse tempo fora e
te deixar aqui, visse. ― Sento-me no sofá ao lado e seguro sua mão.

― Painho, não desista das coisas do amor não, Maria só não era para
o senhor. Vocês estão em estágios diferentes da vida. Mas, olhe, se é isso
que o senhor realmente quer, se finalmente está aberto para um novo
relacionamento, eu não tenho a menor dúvida que vai fazer fila de tanta
mulher querendo ficar com um pintoso como senhor. ― Cutuco ele com os
ombros e ele sorri acanhado.

― Oxe! ‘Cê’ acha?


― Claro que sim, painho!

―Fia, eu estou é orgulhoso por demais com você, mesmo com o


coração pequeninho. Estou com muito orgulho de você não abaixar a
cabeça para eles, não seja como seu pai, fia. Abaixei a cabeça há anos e
nunca mais levantei. Nisso Maria tem razão, viu?!

Abracei meu pai, e por mais que eu quisesse conversar sobre os seus
sentimentos em relação à Maria, eu respeitei sua vontade de reservar
seus sentimentos só para ele. Eu bem entendia isso.

***

Três dias passaram voando e agora estou eu aqui no aeroporto me


despedindo de meu pai. Com o coração pequeno já cheio de saudades,
com rosto banhado em lágrimas vejo meu pai seguindo para o embarque.
Permaneço mais um pouco no aeroporto, logo depois sigo para o
apartamento de Michele.

Ao chegar me identifico e o porteiro libera minha entrada e muito


solícito me ajuda com as malas no elevador. Imagina minha surpresa ao
chegar no andar de Michele e encontrar Victor ― sim, eu lembro muito o
nome dele, e não só o nome, diga-se de passagem ―, encostado na porta
de Michele mexendo no celular.

Hesito na porta do elevador, respiro fundo e vou em sua direção,


quero dizer, em direção ao apartamento de Michele. Ele eleva a cabeça no
exato momento em que as portas do elevador se fecham e sorri.

― Eu tinha absoluta certeza de que iríamos nos encontrar novamente,


bela. ― A voz de Victor soa sexy e rouca.

Tudo em Victor é lindo, não existe outra definição para dar a ele, o
simples ato de mexer os lábios é lindo. Ele é todo lindo e ponto!

Sorrio porque não há nada a falar.

Victor é aquele tipo de homem tão bonito, que rouba a nossa


capacidade de raciocínio coerente e para não correr o risco de falar
algumas besteiras, prefiro ficar calada.

― Como você conseguiu ficar ainda mais bela em três dias? ― elogia
guardando o celular no bolso traseiro ― Se continuar nesse ritmo, será
impossível não me apaixonar. ― Ele sorri e eu retribuo.

― É um prazer te reencontrar, Victor.

Ele dá um passo em minha direção, segura minha mão direita e a leva


até seus lábios e dá um beijo casto.

― Ah bela, o prazer é todo meu.

Mais uma vez fico sem saber o que falar, então novamente, me
mantenho em silêncio e apenas sorrio.

― Você veio à procura de Michele? ― Victor indaga, quebrando o


constrangedor silêncio, mas permanece segurando minha mão.

― Sim.

― Eu também, mas creio que não tem ninguém em casa.

― Oh! ― Minha única reação foi abrir e fechar a boca, logo em


seguida desloco a vista dele para minha mala.

― Estava trocando mensagens com Bianca Soares, você a conhece?

― Sim. ― Estou ridiculamente monossílaba, me dá certo nervoso


estar tão próximo a um homem tão bonito.

Até parece que nunca vi um homem bonito. Bem, já vi claro. Mas


nunca um tão lindo.

― Então, Bianca me informou que Michele foi hospitalizada há dois


dias. E pelo que parece, Maria não está aqui.

― Oh meu Deus! ― Fixo os meus olhos na mala pensando o que iria


fazer. Sentar aqui e esperar... É o jeito.

― Pela sua reação, você também não sabia.

― Hum, não... ― O observo de forma interrogativa e questiono. ―


Desculpa, mas o que você está fazendo aqui?

Victor solta uma gostosa gargalhada que foi impossível não sorrir.
― Sou um artista, um pintor para ser mais exato ― revela com
orgulho ― Há alguns meses conheci uma pessoa em Veneza, Cristina
Gonçalves, você a viu comigo há alguns dias. Enfim, ela me convidou para
trabalhar em sua empresa de design de interiores e cá estou eu.

― Você vai decorar o apartamento de Michele? ― inquiro meio


incrédula.

― A verdade é que eu farei uma pintura no quarto, quem cuida da


decoração ao todo é Cristina.

― Nossa! ― Em minha mente só vem um pensamento. Vou ver esse


homem todo dia! Assim quem sabe eu paro de pensar no... Não acredito
que eu pensei em Pablo com esse monumento em minha frente,
dedicando toda a sua atenção a mim.

― E o de Bianca também. Isso, claro, se o noivo dela deixar. ― Ele ri


baixinho e eu me dou conta que estou divagando sobre Pablo na frente
dele.

― Fernando é... Fernando. ― Sorrio e dou de ombros sem saber


como defender o possesivo noivo de Bianca.

Meu celular vibra, peço desculpa e me afasto.

Vejo que chegou duas mensagens, uma de Pablo, outra de Bianca.


Pablo me envia mensagens constantemente e eu nunca vejo. Mais uma
vez ignorei e abri a de Bianca. Que me pede desculpas e avisa que no
máximo em duas horas Maria iria chegar.

― Então, Bianca me enviou uma mensagem dizendo que em duas


horas Maria chega ― informo a Victor, sem desviar os olhos do celular.

Minha curiosidade em abrir a mensagem de Pablo está tamanha,


principalmente porque quando recebemos uma mensagem aparecem às
primeiras palavras. E as primeiras palavras da última mensagem de Pablo
são: “Pedi o divórcio.”

― Então, você aceita.

― O que? ― pergunto com os olhos fixo no celular e com os dedos


coçando para abrir a mensagem.
Victor ri e sua risada ecoa pelo corredor me fazendo desviar do
celular.

― Você é a primeira mulher que me ignora completamente ―


comenta, sorrindo me fazendo ficar envergonhada.

― Me desculpe.

― Porém, como você é muito linda e nesse momento tenho a sua


total atenção. ― Ele pisca um olho e eu fico mais encabulada ―, vou
repetir o convite. Aceita tomar um café comigo? Afinal ainda temos mais
duas horas de espera ― Victor fala sorrindo.

Ao admirar o belo sorriso que emoldura seus lábios o deixando com


uma aparência mais jovem, contudo, ainda mantendo a sua tão marcante
sensualidade. Algo como uma leve brisa toca meu coração de uma forma
que eu julguei não sentir mais. E me vejo em uma situação a qual tenho
que decidir logo.

Não era um simples café. A forma como ele sorria, a intensidade


como me olhava, o tom rouco em sua voz comigo... Tudo nele deixavam
claro que ele estava interessado em mim.

Desvio os olhos dos seus e fixo no celular em minhas mãos. Pablo me


enviou uma mensagem, dizendo que estava se divorciando. E por mais
que eu não queira sentir nada por ele, eu sinto.

Eu ainda amo Pablo.

Entretanto, Pablo me magoou profundamente e esse lindo homem em


minha frente, surge em minha vida como uma brisa suave, trazendo um
gostoso sorriso de volta aos meus lábios.

Pablo. Meu passado.

Victor. Talvez meu futuro.

Qual escolher?

Diante do meu silêncio, Victor segura minha mão e a leva aos lábios,
e novamente dá um casto beijo.

― Você é linda e jovem demais para perder o seu sorriso.


― Há pouco tempo eu fui machucada demais, por isso ainda acho tão
difícil sorrir.

― Então, aceite meu convite para um café e me dê a chance de tentar


pôr um pouco, bem pequeninho mesmo, nem que seja um singelo e
pequeno sorriso em seus lábios.

― Só um café ― inquiro com a sobrancelha levantada.

― Só um café. ― Ele faz sinal da cruz com os dedos os beijando.

Ele sorri, eu retribuo e tomo uma decisão. Vou tentar deixar o passado
para trás e ir em busca de um novo futuro.

― Ok, eu aceito tomar, só um café com você ― falo pausadamente.

Ambos sabemos que eu estava aceitando muito mais que um café,


estava dando uma nova oportunidade para meu coração. Quem sabe esse
lindo e cativante homem, tão diferente de Pablo... Apesar de termos
trocados poucas palavras, deu para perceber que Victor além de sexy é
engraçado e despojado. Victor parece ser uma pessoa fácil de lidar.

Completamente diferente de Pablo, que com sua intensidade e


inconstâncias, me deixavam em um eterno carrossel de emoções.

Victor me oferece um braço e sorrindo me conduz em direção ao


elevador, quebrando o silêncio com histórias engraçadas. A todo momento
ele me fazia sorrir.

Sim, talvez esse seja um bom começo.

― Espera!

Paro antes de entrar no elevador e Victor vira o rosto em minha


direção me olhando de forma interrogativa.

― Você desistiu?

― O que? Não! ― Sorrio e aponto para a minha mala ― É que não


posso deixar a mala aqui. ― Victor suspira e soa como um alívio.

―Podemos levá-la, então. Deixo no meu carro enquanto, tomamos o


café. ― Piscando um olho, se dirige até a mala, retorna e me oferece o
braço.

― Vamos?

― Sim.

***

As duas horas de café se transformaram em quase quatro horas de


conversa muito agradável. Era tão fácil conversar com Victor, ele é
daquele tipo de pessoa que te deixa à vontade, nunca abordando assuntos
polêmicos ou quando mencionava algo que me deixava desconfortável, ele
rapidamente mudava de assunto.

Me falou da sua vida em Veneza, como foi morar lá. E me surpreendi


ao saber que ele saiu do Brasil depois de uma desilusão amorosa, largou
tudo. Saiu do emprego, vendeu a casa e foi tentar a vida como pintor em
Veneza.

Victor é um aventureiro que conhece o mundo e sabe se lá Deus


porque se interessou por mim.

Comentei com ele sobre meu pai, e meu amor por ele. Victor apenas
sorriu e eu gostei disso.

Victor me surpreendeu mais uma vez quando mencionei que era de


João Pessoa e ele disse que conhecia e amava o lugar.

Ele era perfeito.

Quatro horas depois de sairmos do prédio de Michele, estávamos


novamente em frente à sua porta, tocando a campainha.

E nossa! Hoje era o dia de surpresas.

Maria abriu a porta, vestida em um longo vestido verde musgo,


extremamente maquiada e o cabelo em um coque alto com alguns fios
soltos e saltos altíssimo. Maria estava linda.

― Olá, Victor. ― Maria soa como uma gata manhosa viro meu rosto
em direção a ele que desvia o rosto de Maria para mim e depois para
Maria.
Me deu vontade de rir. O Pobre coitado não sabia o que fazer.

― Você quer entrar, Victor? ― Maria volta a falar com um tom de voz
rouco.

Ela ignorou completamente a minha presença.

― Oi, Maria, tudo bem? ― A cumprimento sorrindo, ela desvia os


olhos de Victor e foca em meu rosto, me olhando com espanto.

Ela realmente não tinha me visto! Mais uma vez tento controlar o riso.

―Mas mulher, tu tá aí? Mas venha, se achegue, me deixa te dar um


cheiro menina. ― Se afasta meio cambaleante da porta e se joga em
meus braços me apertando forte.

― Venha entre, olha que fiquei feliz que você veio. ― Sorri,
segurando meu rosto. Depois faz uma expressão engraçada como se
lembrasse de algo e volta a encostar a porta fazendo um bico estranho e
fixa seus olhos em Victor.

― Você não quer entrar, Victor? ― Maria volta a falar com um tom de
voz que deveria ser sensual, só que não é. Pelo menos não aos meus
ouvidos.

Victor volta a intercalar o olhar entre nós duas, depois dá uma


desculpa e vai embora.

Maria suspira alto, tira os sapatos e sorri para mim.

― Tem jeito não. Nem eu ficando igual às mulheres das novelas


mexicana, ele repara em mim. Pois eu desisto! Vou é procurar outro
homem bom, tipo da categoria de Seu Fernando e Seu Márcio. Mas entre,
venha, entre. ― Maria fala com seu gostoso sotaque baiano.

Entro sorrindo e o restante da tarde se passa em um clima agradável.


Maria é muito engraçada.

À noite em meu novo quarto deitada em uma confortável cama e


depois de passar duas horas ao telefone com Nay, relatando meu "café
com o Victor". E de me certificar que meu pai chegou bem a João Pessoa.
Suspiro pensando nas voltas que o mundo dá.
Meu celular vibra e vejo que recebi duas mensagens, uma de Pablo,
outra de Victor.

Mais uma vez ignoro a mensagem de Pablo e sorrindo abro a de


Victor. Passamos quase uma hora trocando mensagens e no final ele me
convida para almoçar no dia seguinte. Aceitei por dois motivos, primeiro:
Gosto da sua companhia. Segundo: Amanhã volto ao trabalho e saber que
iria almoçar com Victor, talvez me ajude a resistir a uma possível investida
de Pablo.

***

Acordo cedo, minha mente já está condicionada a acordar cedo e me


preparar psicologicamente para uma condução lotada, no entanto, não
estou morando na Rocinha, e sim, na cobertura de Michele que é muito
perto da empresa. Contudo, só me recordo disso depois de já está
arrumada para o trabalho. Sigo para cozinha e paro ao ver Márcio
cantando e cozinhando.

― Oi, Mariana, tudo bem? Passou bem a noite? ― Márcio pergunta


sem desviar os olhos da panela.

― Ah hum, bem... ― respondo, meio abobada.

― Venha, Mariana, se achegue e vá logo se acostumando, Seu


Márcio ama preparar o café da manhã de Michele, mesmo ela estando
internada e tendo terminado com ele. ― Maria olha para Márcio com um
olhar sonhador.

Márcio responde com uma gargalhada.

― E como está Michele e o bebê? ― questiono sentando-se em uma


mesa.

― Minha sereia está... ― Márcio fecha os olhos e vejo suas mãos


tremendo ― Ela vai ficar bem, minha filha também vai ficar bem.

― Oh homem, fica assim não, viu?! Acaba comigo ver um homão


desses chorando, vá se sentar que eu termino aqui. ― Maria dá tapinhas
consoladores nos ombros de Márcio.

― Não, eu... ― Márcio inspira profundamente antes de voltar a falar―


Eu estou bem, ou melhor, vou ficar bem quando levar esse café para
minha sereia e nossa filha.

― Mas pelo que Maria falou Michele, ela terminou com você. ― Mal
acabo de falar e tenho vontade de bater em minha boca ao ver o olhar
triste de Márcio desviando para panela.

― Agora vê se pode! Logo Michele terminar com um homão desses,


estão botando alguma coisa diferente naquele soro. Só pode! ― Maria diz
indignada ― Fica assim não, viu Seu Márcio? Logo, ela volta ao normal. O
normal de Michele, né?!

Márcio ri e o clima ruim vai embora.

Márcio me dá carona até a empresa e antes de eu sair do carro, ele


segura minha mão.

― Mariana, vou te pedir algo, por favor, ouve o que Pablo tem a dizer.
A história nem sempre é o que parece. Pablo tem um passado que
influencia e muito em suas atuais atitudes.

― Me desculpe, Márcio, mas não creio que a fatos no passado dele


que justifique ele ter tratado meu pai da forma que tratou e ainda ter
casado com Angélica.

― Pelo que eu sei, você disse a ele que não o queria mais, Mariana.
Michele falou isso para mim há dois dias, no meu caso, entrou em um
ouvido e saiu pelo outro. Para mim nada mudou.

― Viu? Ela te mandou ir embora e todo dia você volta. ― Aponto o


óbvio.

― Nem todo mundo é igual, Mariana, algumas pessoas estão tão


destruídas por dentro que, acham que o melhor é se afastar para não fazer
o outro sofrer mais. Apenas, por favor, o ouça. Só isso que te peço.

― Tudo bem, Márcio, por você, se Pablo vier conversar comigo eu


vou ouvir o que ele tem a dizer.

Márcio sorri e ao sair do carro respiro fundo e imediatamente me


arrependo da promessa que fiz. Sigo em direção à empresa, apreensiva,
contudo, não encontro Pablo. Passo toda a amanhã olhando a porta,
esperando o momento que ele iria entrar em meu escritório, porém isso
não acontece.
***

No final da manhã saio do escritório, me despeço da secretária e no


corredor avisto Pablo saindo de sua sala, sugo o ar, o esperando vim até a
mim, prometendo a mim mesmo que iria cumprir a promessa de Márcio.

Meu corpo treme, sinto minha pele ficar fria e minhas mãos molharem
de suor.

Pablo para ao me ver, hesita, ele está de óculos escuro ― Pablo


nunca usa óculos escuro ―, por isso não consigo ver seus olhos.

Por um momento que parecem horas apenas nos olhamos.

Mas como eu prometi a Márcio, eu vou cumprir. Vou escutar Pablo.

Pablo abre a boca como se fosse falar algo, mas a fecha logo em
seguida e ao contrário do que imaginava ele não fala nada, apenas volta a
entrar em sua sala e eu solto o ar que estava prendendo. Caminho em
direção ao elevador sem olhar em direção de sua porta.

Acho que ele entendeu que não temos mais nada a falar...

Eu deveria ficar feliz, era isso o que eu queria...

Então, por que dói tanto?


Capítulo 20

Mariana
Eu errei

Eu só tive a noção da dimensão do meu erro quando entrei em meu


quarto com Mariana, enquanto tentava, por várias vezes, esclarecer o
porquê de ter tomado a atitude de ir procurar sua mãe. Porém, ela não me
deixou sequer concluir uma explicação. Mariana parecia uma leoa
defendendo seu pai, de quem aos olhos dela, o estava ameaçando, no
caso eu.

Desisti de dar qualquer justificativa no exato momento em que


compreendi o quanto eu errei. Errei ao me aproximar de Mariana, errei ao
achar que conseguiria fazer ela compreender o quão profundo são meus
sentimentos por ela, não é apenas desejo, não é apenas paixão... É amor,
loucura, devoção.

Eu errei por achar que ela teria maturidade o suficiente para entender
que, em um relacionamento todos cometemos erros, que não sou perfeito,
mas que a amo. Amo mais que a mim mesmo.

Eu errei, eu não deveria de ter me aproximado de Mariana, não


deveria ter deixado me guiar por essa paixão que me consumia e me
queimava por dentro. E que em uma velocidade assustadora se
transformou em um amor que beira a loucura.

E agora com as pernas trêmulas, sento-me em minha cama e ouço


em silêncio ela dizer que nunca me amou, que foi apenas desejo, paixão,
que irá se entregar a outro...

Cada palavra que sai de sua boca chega até a mim como finas
agulhas, perfurando meu coração. Que já foi tão maltratado e que por ela
voltou a bater mais forte. Por ela, voltei a acreditar em um futuro, em um
amor, em um para sempre.
Eu errei quando não expliquei o quão profundo eram meus
sentimentos, quando dizia que a amava, que iria adorá-la e protegê-la, não
era da boca para fora. Não era algo dito no calor da emoção, do sexo, do
êxtase.

Mariana bate a porta do quarto levando com ela toda a esperança do


nosso feliz para sempre. Levando consigo todo meu amor e devoção, me
deixando em um buraco negro, frio, sem um pingo de esperanças.

Não vou atrás dela e cometer o mesmo erro de antes.

Deixei-a ir acreditando que eu a tinha traído. Que tinha traído seu pai.
Que não a compreendia, que não o compreendia.

Sim, eu o compreendo, eu entrei em seu mundo, mesmo sabendo que


todos os meus medos iriam novamente povoar minha mente.

Por Mariana, eu enfrentei meus maiores temores, eu subi a


comunidade, comi em sua mesa. Fui a festas infantis, ao Centro de
Tradições Nordestinas, eu fiz tudo o que ela queria, todas as imposições
que fez, eu cedi. E ao contrário do que ela imaginava eu compreendi seu
mundo. Todavia, ela nunca sequer deu uma chance para compreender o
meu. Nunca.

Ela nunca, nem uma vez, questionou por que eu sou assim, nunca. A
verdade é que Mariana nunca olhou além das suas convicções, para ela o
mais importante sempre foi seu pai e eu compreendermos o seu mundo. E
eu compreendi, mas ela nunca se deu ao trabalho de compreender o meu.

Não odeio o senhor Arino, sei que esse deve ser o pensamento dela
nesse momento, no passado sim, não vou negar. A simples imagem
daquele homem me remetia a um passado que eu queria a todo custo
manter enterrado em meu inconsciente. Entretanto, depois de realmente o
conhecer, as coisas mudaram para mim, não o odeio, mas ele errou.

Por amá-la, por querer protegê-la, seja lá qual for o seu motivo, ele
errou.

Meu maior erro foi achar que já tínhamos uma conexão tão profunda,
que me permitia consertar coisas do seu passado, me enganei, eu errei.
Ao contrário do que Mariana acha minha intenção não foi humilhar
seu pai, e sim, de deixar tudo às claras. Sem mentiras! Achei
erroneamente, que poderia ter uma conversa civilizada, madura, onde os
erros seriam expostos, porém resolvidos.

Não tinha a mínima dúvida que Mariana iria perdoar o seu pai, isso
nem sequer passou em minha mente. Se tivesse alguma dúvida disso, não
o teria convidado para o jantar.

Seu Arino ganhou meu respeito ao me convidar à sua casa, mesmo


sabendo qual era meus sentimentos em relação a ele. Não queria ocultar
dele que a mãe de Mariana viria jantar aqui, por isso o convidei. Achei que
seria uma grande surpresa para ambos, todavia, absolutamente nada saiu
como eu esperava.

Alyssa me contou uma história que não condizia com a que o pai de
Mariana revelou a algumas horas. O jantar de reconciliações, que eu em
minha mente fantasiosa idealizei, deu tudo errado.

Eu errei em não explicar para Mariana que, como mulher de um


empresário, ela teria que participar de jantares, eventos e festas
sofisticadas. Esse é o meu mundo! Mundo esse que Mariana nunca deu
uma chance para compreender. Por várias vezes a convidei e ela sempre
recusava, dizia que não saberia comer com os talheres grã-finos, ou que
tipo de roupa usar... Eu não queria ter um relacionamento escondido, eu
não queria esconder minha mulher.

Eu sei que grande parte da falta de confiança de Mariana é por falta


de conhecimento. No começo, eu pensei que a convivência com Bianca
iria trazer essa confiança a ela, mas isso não ocorreu. Mariana continuava
a recusar meus convites. Ela via um simples jantar em um lugar mais
sofisticado como uma afronta a ela.

Eu não me importo com as roupas que ela veste, eu não me importo


se ela não sabe usar os talheres, mas ela se importa, se sente inferior e eu
não sabia mais como mudar essa situação. Eu errei por achar que se
encontrasse uma pessoa que a fizesse confiar o suficiente, que a ajudasse
a ser sofisticada, como ela achava que era de minha vontade, então talvez
ela ganhasse a confiança necessária para andar de cabeça erguida ao
meu lado.
Eu compreendi o seu mundo, mas falhei ao fazê-la compreender o
meu.

Errei ao não explicar o que significava ser um Dom... Que não era
apenas algo relacionado ao sexo. É muito além disso. Significa cuidar,
amparar, adorar e não deixar que nada, nada a machuque. É tomar para
mim a responsabilidade de resolver todos os seus problemas, é amparar, é
zelar...

Errei ao não explicar que o mundo não era o lugar legal o qual ela
imagina. Eu errei por não explicar que, apesar de compreender, não
mudaria minha vida e viveria com ela no mundo dela. Isso seria inviável,
impossível. No entanto, poderíamos encontrar um meio termo, o qual eu
visitaria o seu mundo e ela o meu.

Errei ao não dizer que com ela eu queria tudo, do quão forte eu a
queria.

Errei ao querer protegê-la.

Errei ao querer ensiná-la.

Errei por amar demais.

Eu errei.

Contudo, não vou errar novamente. Mariana me fez acreditar em um


futuro, futuro esse que ela acabou de amassar, jogar no chão e pisar como
se fosse uma doce ilusão.

Ela não me ama! Ela afirmou com todas as letras que foi apenas uma
diversão, algo sexy, proibido e sensual.

Para ela foi apenas paixão enquanto para mim foi muito, muito mais
que isso.

Ela foi... é meu tudo.

Jogo a cabeça para trás e suspiro e até o simples ato de respirar dói,
tudo dói. Eu estou acostumado a conviver com as amarguras do passado,
que machuca e maltrata. Entretanto essa dor, esse frio, essa escuridão.
Sinto que nunca vai passar.
Mariana foi meu sol, eu queria te dar o mundo. Embora ela não
estivesse preparada para recebê-lo...

Fecho meus olhos e tomo uma decisão, a única forma de não ir atrás
de Mariana é me casando com Angélica.

Angélica não espera amor, carinho ou qualquer tipo de envolvimento


emocional comigo. E eu não quero mais sentir.

Nunca mais.

Pego meu celular e faço a ligação que mudaria minha vida.

― Angélica, você ainda quer se casar comigo?

Termino a ligação de modo frio, o que contradiz completamente da


euforia que Angélica demonstra em suas palavras. Enfatizo que seria um
casamento de aparências, como o plano original, a única diferença era
que, dessa vez, não queria nenhum envolvimento sexual com ela. Nem
esse fato foi o suficiente para diminuir um pouco a sua tão aparente
felicidade, que destoava da minha infelicidade.

Saio do quarto e sigo em direção à sala, ela está vazia o que condiz
com o meu interior, vazio. Dispenso o buffet que tinha contratado para o
jantar e, apático caminho em direção ao banheiro, retirando minha roupa
pelo caminho. Entro no boxe ligo o chuveiro e sinto a água gelada tocar
minha pele, sinto o arrepio que passa pelo meu corpo e arfo, fecho meus
olhos e encosto a testa na parede fria.

E depois de muitos anos, faço algo que jurei nunca mais fazer. Eu
choro, soco a parede, grito, urro!

Mas nada faz a dor passar...

A vontade que eu tenho é de sair daqui correndo subir a comunidade


e implorar de joelhos desculpas a Mariana. Prometer, solenemente, que
iria fazer qualquer coisa que ela quisesse, contato que ela ficasse ao meu
lado.

Elevo meu rosto e deixo a água fria banhar minhas lágrimas. Não vou
atrás de Mariana, não vou voltar a cometer o mesmo erro, vou me casar
com Angélica e esse casamento será como construir uma muralha de
proteção ao meu redor, que me impedirá de fazer algo que quero, mas que
não fará bem nem a mim ou à Mariana. Por mais que eu a ame e meu
Deus, como eu amo essa mulher! O melhor para nós dois e seguir
caminhos separados, ou vamos continuar nos machucando, me casando
com Angélica eu vou conseguir ir em frente... infeliz, mas vou seguir minha
vida.

Uma vez eu li em um lugar algo, que na época ao meu ver era algo
ridículo: “Se você ama alguém, deixe-o livre. Se ele voltar, é seu. Se não,
nunca foi...”

Chega a ser engraçado. Porque em um curto espaço de tempo, eu


deixei duas mulheres que amei irem embora.

Bianca foi a primeira, eu achei que quando acabasse a emoção que


ela sentia por Fernando ― que eu julgava fugaz, um homem tão diferente
dela, como a água e o vinho ―, que ela voltaria para mim. Então a deixei
ir. E ela nunca voltou... E eu sofri calado por meses esperando algo que
nunca aconteceu. Foi quando conheci Angélica, ambos estávamos
sofrendo. Nós dois juntos, parecíamos ser ‘um bom acordo’... Contudo, o
inesperado, uma paixão que me tirou o chão, me tirou dos trilhos, me
desequilibrou e eu me entreguei.

Não completamente, confesso. Entreguei meu corpo, alma, coração...


Todavia uma parte de mim, a parte danificada, machucada, a parte que eu
quero esquecer a todo custo... Essa parte eu não entreguei.

Talvez com medo de que se Mariana soubesse ou me visse tão


aberto, exposto, ela se assustaria, ou pior, teria pena. E isso eu não quero.
Prefiro que ela me odeie a sentir pena do meu passado.

Desligo o chuveiro, me enrolo em uma toalha e me olho no espelho.

― Dessa vez eu não vou ficar vendo a mulher que eu gosto com outro
e esperar, inutilmente que ela veja que me ama e volte para mim. Não vou!
Vou me casar com Angélica ― afirmo vendo a imagem de um homem
destruído refletida no espelho.

Dois dias depois, eu e Angélica viajamos para os Estados unidos. O


fato de eu e Angélica termos duplas cidadania, nos ajudou a casar
rapidamente em Las Vegas. Para mim tudo foi automático, sem
sentimento, sem envolvimento, frio, como eu me sentia. Depois de todos
os trâmites legais concretizados, voltamos ao Brasil. Angélica até tentou
algumas vezes algo mais íntimo, disse que teríamos que ao menos
consumar o casamento. No entanto deixei claro que, no momento, não
tinha o menor interesse nisso.

E como poderia? Como eu poderia tocar em outra mulher se em


minha mente estava viva cada toque de Mariana, cada beijo, carícias,
loucuras... Não posso, não consigo.

Às vezes a saudade é tão sufocante que eu envio mensagens para


ela, mensagens essas que eu sei, a verdade é que eu tenho certeza, que
ela nunca lerá.

Essa mensagem que há algum tempo eu chamaria de um ato


estúpido, bobo e inconsequente. Hoje em dia eu encaro como uma terapia.
Nelas eu me decomponho e revelo meu verdadeiro eu.

Um homem que ama uma mulher, porém com muitos traumas. Um


homem extremamente apaixonado, todavia, com medo de voltar a sofrer.
Um homem que, por isso prefere ficar longe, por achar que também seria
o melhor para ela.

Loucura, eu sei. Às vezes eu tenho a nítida sensação de que estou


ficando louco. Mariana se tornou minha obsessão. E me manter afastado
dela, tirá-la do meu radar, não tentar interferir em sua vida, não tentar
cuidar, proteger; é uma das coisas mais difíceis que já fiz em minha vida.
Uma vez um psicólogo me disse, que por eu ter uma personalidade
aditiva, um dia eu iria ficar obcecado por algo. Até conhecer Mariana
minha obsessão sempre fora crescer financeiramente, e alcançar status, e
manter meu passado enterrado! Nunca imaginei que seria uma pessoa.

Nunca imaginei que meu foco mudaria tanto.

Reencontrar Mariana foi como levar um soco no estômago. Ela estava


linda, altiva, respondeu Angélica a altura.

Eu precisava, necessitava apenas tocar nela. E quando o fiz, minha


mente foi povoada de imagens e sensações que me recuso a esquecer,
nossos momentos, só nossos. Isso ninguém consegue tirar de mim.
Contudo, mas uma vez Mariana me surpreendeu.

Ela não titubeou, ela não estremeceu ao meu toque, ela nem sequer
demostrou uma única emoção. Foi fria e profissional.
Ao mesmo tempo em que a total falta de sentimento me
desestabilizou, me encheu de orgulho. E só me deu mais certeza que para
ela foi, sim, somente uma emoção do momento, uma paixão a qual o fogo
se apagou quando fiz algo que ela não gostou. Mariana está mudando,
está mais confiante em si, está amadurecendo.

Isso tudo longe de mim.

A separação foi o melhor para nós dois, mesmo que me destrua por
dentro, dia após dia, foi o melhor. Ela está bem, está melhor sem mim, e
isso é o que importa no momento.

Em um acordo nada amigável, comprei um apartamento para


Angélica. Não queria que ela morasse em minha casa, somente uma
mulher, por um breve espaço de tempo ocupou aquele lugar.

Moramos em casa separadas, apesar de reclamar e muito, Angélica


rapidamente se conformou. Acredito que deva ter percebido o quão
destruído eu estou. Nunca comentei com ela o porquê meu
relacionamento com Mariana ter acabado, ou mesmo o porquê de ter
mudado meus planos em relação ao nosso casamento.

E ela nunca perguntou.

Angélica aparentemente era feliz, vivia em um apartamento luxuoso,


tinha um cartão com um alto limite. Essa era a minha parte do acordo, dar
a ela a liberdade financeira que ela tanto almejava. Contudo, essa suposta
felicidade, poderia ser algo apenas para mascarar o que realmente ela
leva em seu íntimo.

Disso eu entendo, porque faço o mesmo.

Tenho evitado ao máximo ir à empresa, me comunico com Mariana


somente por e-mail ou através de sua secretária.

Dei um aviso à Angélica; mantenha-se o mais longe possível de


Mariana. Caso ela ousasse agir como outrora, nosso acordo terminaria e
eu a deixaria sem nada. Ela aceitou sem pestanejar. Afinal ela conseguiu o
que queria, nos casamos. Mesmo que seja um casamento de aparência,
mesmo que eu nunca, nem sequer uma vez a tenha tocado depois que
nos casamos. Ela está feliz com nosso acordo, ou melhor, aparenta estar.
Apesar de querer me afastar de todos, Márcio, não me deixou fazer
isso. Ligou diversas vezes e quando viu que não queria atender veio até a
minha casa. E digamos, ele é uma pessoa difícil de ser ignorado.

E agora estamos aqui sentados em meu escritório jogando vídeo


game. E ele finalmente toca no assunto que tanto queria evitar.

― Casado com Angélica. ― Não foi bem uma pergunta.

― Sim.

― Mas, apaixonado por Mariana? ― indaga.

― Não sou apaixonado, eu amo Mariana ― retruco.

― Cara, o que você está fazendo com a sua vida! Que vontade de te
dar uma porrada, para ver se você acorda!

Sorrio anasalado.

―O melhor para nós dois é ficarmos separados...

Passo umas duas horas explicando a ele tudo o que houve e ao final
ele apenas faz um ligeiro meneio com a cabeça.

― Tudo o que eu e minha sereia temos de sobra, faltou em vocês. A


boa e velha DR.

― Ela nunca verdadeiramente se interessou em querer saber algo a


mais de mim.

― E você por um acaso deu alguma abertura para ela fazer uma
pergunta? Pablo, sou seu amigo há anos! Conheço seus gostos, sua
necessidade de dominação, mas o motivo de você ser assim, você nunca
me revelou. E todas as vezes que eu tocava nesse assunto, você
desconversava. Acho que é tão natural para você fugir desses assuntos,
que você nem nota que repele qualquer tipo de revelação sobre o seu
passado.

Viro meu rosto em sua direção surpreso.

― Como seu amigo eu aprendi a te aceitar como você é. Te considero


um irmão, apesar de todas as suas imposições, restrições e limitações.
Fico mudo, sem falar absolutamente nada, apenas o observo.

― Em um relacionamento, a gente se abre por inteiro, se joga sem


paraquedas, sem reservas sem limites.

― Mas e se... ― Márcio me interrompe.

― Não existe, mas e se. Você me disse que queria amar, proteger e
zelar. Mas, para uma mulher deixar um homem cuidar dela, de toda a vida
dela, ela tem que confiar plenamente nele. E se você não se entregou, não
se revelou completamente, você não poderia nunca exigir isso dela.

Apoio ambos os cotovelos em meus joelhos, inclino meu corpo e


descanso meu rosto em minhas mãos.

― Eu sei que errei, Márcio ― admito sentindo uma terrível dor em


meu peito.

― Os dois erraram, meu amigo, e fugir, sim porque esse casamento é


uma fuga. Fugir não vai resolver nada, muito pelo contrário, só irá fazer
com que ambos sofram. Vocês precisam conversar, mas antes, você
precisa se desculpar com o pai dela e principalmente procurar terapia, não
faça essa cara. ― Márcio ri enquanto me entrega um folheto. ― Bianca
me pediu para te entregar.

― É sério? Márcio, eu já fiz terapia e não deu muito certo ― informo


pegando o folheto e lendo a descrição “CoDA - CoDependentes anônimos"
― É a cara de Bianca fazer isso. ― Sorrio triste. ― Para ser sincero ela já
tinha me dado esse panfleto o qual eu ignorei completamente. Mas, talvez,
seja hora de rever os meus conceitos em relação à terapia.

― Apenas tenta, vai fazer bem a você.

Após algum tempo, Márcio vai embora com a minha promessa de que
vou conversar com o senhor Arino, já com Mariana... Não tenho certeza.

***

No primeiro dia que voltei à empresa depois do amargo encontro com


Mariana, a primeira pessoa a que eu vejo é seu pai.

Com um suspiro vou ao seu encontro.


― Bom dia, senhor Arino. ― O cumprimento e vejo-o dar uma leve
estremecida. Creio que seja de pura raiva. Seus dedos agarram tão fortes
a vassoura, que chegam a ficar brancos. Muito provavelmente está
imaginando meu pescoço no local daquela vassoura.

― Mas, olhe ― Ele eleva o rosto e vejo refletida em sua expressão o


quanto a minha aproximação o desagrada ― Mas é muito atrevimento de
sua parte vir falar comigo, visse.

― Eu queria convidar o senhor para um café e conversamos. Acho


que lhe devo uma explicação dos meus atos.

Ele eleva a outra mão ao cabo da vassoura e enlaça fortemente,


depois fecha os olhos.

― Meu padim padi ciço, me ajude a não relar com a fuça desse cabra.
― Ele soa como se estivesse fazendo uma oração.

― Eu acredito que nesse momento o senhor deve estar ressentido


com meus atos, contudo eu... ― Ele não me deixa terminar.

― Devo estar ressentido?! Seu Pablo, eu estou tão aperreado, que


chega está me dando uma gastura da moléstia, num sabe?! E você ainda
tem o descaramento, de vir até a mim e dizer que quer se explicar? Pois
eu estou aqui pedindo ajuda ao meu padim padi ciço para não voar em
sua goela.

― Sua raiva é dirigida a mim ou a senhora Alyssa? Porque o meu


erro, foi tentar consertar um erro seu. Eu agi errado, admito; e gostaria de
me desculpar e conversar com o senhor.

― Não fale o nome daquela uma perto de mim.

―Tudo bem, já percebi que no momento não conseguiremos ter uma


conversa saudável, no entanto, não irei desistir. Todos os dias irei lhe
perguntar se está disposto a me ouvir.

― Pois quem o senhor deveria falar era com minha fia, não comigo.

― Eu a amo...

― Pois parece que não, visse. Esse anel aí em seu dedo, me mostra
que tu é um moleque, um cabra safado! Não foi sujeito homem com minha
menina, visse. ― Ele exala raiva em cada palavra e eu achei por bem, não
retrucar.

― Bem, como disse. Todos os dias irei lhe fazer a mesma pergunta.

― Pois eu quero é que tu se lasque, visse?! Me deixe limpar meu


chão.

O observo enquanto ele se afasta e quanto retomo o caminho para o


elevador, vejo que Mariana estava nos observando, quando ela nota que a
estou olhando, ela desvia o rosto. E eu decido ir pelas escadas.

Por semanas eu tentei falar com o pai de Mariana, por semanas ele
me disse, com todas as letras que queria que eu, literalmente me... Enfim,
ele não queria conversar comigo. Todavia eu não vou desistir, um dia vou
conseguir conversar com ele.

Durante esse período compareci a vários eventos acompanhado de


Angélica. Vi coisas que me fizeram ver que o quão eu estava iludido por
esse mundo que para mim era perfeito. Em sua grande maioria, são
pessoas frívolas, supérfluas e superficiais, demonstrando uma falsa
felicidade, aparentando ter uma vida maravilhosamente perfeita.

Um dia, na saída de uma dessas festas, um jovem manobrista


entregou a chave do meu carro e fez um comentário.

― O senhor é um homem de muita sorte, é casado com uma mulher


linda e sofisticada. Dirige um carro lindo, parece ser muito rico! E nossa,
está sempre em festas chiques. É a quarta festa que eu trabalho como
manobrista e o senhor foi a cada uma dela com um carro diferente. Pois
meu sonho é ser assim igual ao senhor...

Ele continua falando o quão feliz eu devo ser por viver cercado de
riqueza, beleza e sofisticação. E ao observá-lo dizendo em um tom
sonhador que um dia quer ser como eu, me recordo que há muitos anos,
eu falei a mesma coisa para um homem, há muitos anos eu fui como esse
rapaz, e sonhei, desejei, almejei ter tudo isso.

Isso se tornou meu foco, meu objetivo e agora que eu alcancei o tão
cobiçado status. A ponto de causar inveja a um pobre rapaz, me sinto mais
desafortunado que ele.
Eu tenho tudo que sempre sonhei, mas me sinto um miserável por
não ter o que realmente preciso.

Mariana.

Ao contrário do que uma vez ouvi, com um sorriso triste dou um


conselho diferente ao rapaz.

― Nesse exato momento você me fez recordar o meu passado. Há


muitos anos, eu estava na mesma posição que você.

― Ah tá! Vai me dizer que o senhor chique desse jeito, nasceu pobre?
― O rapaz questiona incrédulo.

― Sim, pobre a ponto de pedir esmola na rua, de muitas e muitas


noites dormir com fome. E nessa época recebi um conselho; foque em
seus objetivos e não deixe que nada, nem ninguém lhe tire o foco. E eu
segui esse conselho com unhas e dentes, contudo, pelo anseio de atingir
meus sonhos, me cegou de tal forma, que hoje apesar de ter tudo o que
eu sempre sonhei, me sinto mais pobre do que jamais fui.

― Mas o senhor tem tudo! ― Ele aponta para o carro, viro meu rosto
em direção ao carro e noto que Angélica me observa com os olhos cheios
de lágrimas ― Eu sou um ferrado na vida, louco para casar com minha
nega, meu sonho é poder levá-la a uma festa dessas, ou levá-la a lugares
bonitos, mas não tenho um tostão no bolso.

― Você tem razão, financeiramente eu tenho tudo! Todavia, nesse


exato momento você é mais rico que eu.

― Eu rico?! Agora o senhor está brincando com a minha cara ― ele


sorri, irônico ― Trabalho em dois empregos e ainda faço bico de
manobrista, hoje mesmo, deixei de ficar com a minha nega, para estar
aqui! Para construirmos um futuro melhor para nós dois. Tenho nada de
rico, moço ― debocha.

― Você ama a mulher a ponto de preferir o trabalho, ao invés de estar


com ela?

― Claro que sim! Afinal, estou aqui por ela ― afirma como se fosse o
óbvio.
― Posso garantir que ela preferiria que você estivesse com ela... Aí
está a sua riqueza, não a troque por coisas supérfluas. É um conselho de
quem fez isso, e hoje tem tudo, no entanto, se sente oco por dentro.

Pego minhas chaves, entro no carro e pelo retrovisor noto que o rapaz
me olha de forma interrogativa.

Desvio o olhar para Angélica e vejo algumas lágrimas banhando seu


rosto.

― Precisamos conversar, Angélica.

― Eu sei, mas aqui não. Conversamos no meu apartamento ― pede


com voz embargada.

O caminho até o seu apartamento foi feito em silêncio e ao


chegarmos, Angélica se dirige até o bar e me serve um copo de whisky, e
caminha até a janela. Tomo um longo gole da forte bebida, eu realmente
estava precisando. Essa conversa não será nada fácil.

― Me desculpe... ― Mal começo e ela me interrompe.

― Não precisa concluir ― Ela se vira e sorri de forma triste ― eu sei


que você quer o divórcio.

― Sim, me desculpe, eu não deveria ter te envolvido nisso.

― Eu... me dê apenas uma semana para tirar minhas coisas daqui e


voltar para o apartamento dos meus pais ― pede, cabisbaixa.

― Esse apartamento é seu, Angélica, como todas as joias que lhe dei.
Por um ano irei lhe dar uma pensão.

― Você não precisa.

― Sim, eu preciso, sim. Agora eu vejo que agi errado, deveria ter
enfrentado os meus problemas em vez de... Enfim, me desculpe.

Ela sorri um sorriso triste enquanto, novamente algumas lágrimas


correm livre pelo seu rosto.

Ela vira de modo que fique novamente de frente para a janela. Após
um longo suspiro ela começa a falar.
― Quando eu te conheci, vi que você era tão frio e machucado quanto
eu. Então, eu erroneamente achei que seria fácil. Mesmo em sua frieza
você era intenso e sedutor. E eu, mesmo não querendo, acabei me
envolvendo. Contudo, com a certeza de que você nunca iria se entregar.
Era um bom acordo, prazer e luxo. Porém, sem nenhum envolvimento
emocional da sua parte. Para mim, naquele momento, era um acordo
benéfico porque apesar da falta de emoção, dentro e fora do quarto, você
era somente meu...

Ela inspira e volta a falar com voz embargada.

― Mas aí, você conheceu Mariana, e eu vi que você era capaz de


sentir algo, além do desejo sexual. Você foi o primeiro homem a me fazer
sentir algo na cama, me fez ver que ser submissa não significava somente
dor. Eu gostei de ser cuidada e amparada, mas nunca fui amada. E não
sentia falta disso, até eu ver como você era com Mariana.

Ela vira em minha direção, seu rosto é a máscara de uma profunda


dor e eu sinto essa dor em mim. Me dói vê-la assim.

― Quis essa emoção para mim, eu queria ser amada como você a
ama, eu quero que você olhe para mim com o mesmo encantamento e
adoração que você olha para ela. E quando você me ligou dizendo que
queria casar comigo. Eu nem sequer pensei duas vezes, porque eu vi ali a
chance de ter o que ela tinha. Nunca, nunca questionei o que houve entre
vocês porque ao meu ver, ela foi muito burra por ter deixado você ir. Eu
queria te segurar com unhas e dentes.

Ela leva ambas as mãos ao rosto e eu a abraço.

― Me desculpa, por favor, me perdoa. Eu não sabia que você se


sentia assim em relação a mim ― sussurro ao seu ouvido e ela me
abraça.

― Essa é a primeira vez que você me abraça, que você toca em mim
desde que nos casamos.

Ficamos ali abraçados, ambos chorando nossa infelicidade em um


abraço que nos trazia um conforto mútuo.

Seguro seu rosto com ambas as mãos e seco suas lágrimas.


― Volta para ela, Pablo ― ela sugere entre lágrimas ― Por um tempo
eu desejei o homem apaixonado que eu julgava não existir, e você só foi
assim com ela, por ela. Por mais que eu fizesse tudo o que você quisesse,
eu nunca, nem uma vez consegui fazer você sorrir para mim como você
sorria para ela.

Eu beijo sua testa.

― Me desculpa, eu só faço as pessoas próximas a mim sofrerem ―


digo com voz embargada, pela primeira vez ficando completamente
exposto para Angélica.

― Até hoje à noite eu ainda tinha a esperança de que, com o tempo,


você fosse me olhar de forma diferente, mas ao ouvir tudo o que você
falou para aquele rapaz, eu sei que isso nunca vai acontecer.

Fico em silêncio, porque nós dois sabemos que ela está apenas
relatando um fato.

― E eu quero sentir essa emoção, eu quero que um homem me ame


tão loucamente que nenhuma outra mulher seja capaz de ocupar o meu
lugar. ― Volto a abraçá-la e sinto minhas lágrimas caírem ― Eu quero ser
amada, adorada, quero paixão, quero desejo, carinho, mas principalmente
quero amor. ― Ela chora em meu peito, eu a pego no colo e a levo até o
sofá.

Por um longo tempo, deixamos o silêncio nos envolver, cada um em


seu próprio mundo recheado de dor e desilusão.

― Você encontrou algo que todos buscam, mais poucos acham. Vá


em busca da sua felicidade.

― Encontrei e como um idiota perdi e tenho sérias dúvidas que algum


dia, ela irá me querer de volta.

― Então, implore o seu perdão. Se não der certo, pelo menos você
tentou. E se algum dia, você achar que está pronto para um novo amor.
Me procure, mas só se estiver inteiro, só se verdadeiramente estiver
disposto a me dar uma chance real.

Saio do apartamento e da vida de Angélica com a certeza de que,


independente do que houver entre mim e Mariana. Nunca mais voltarei.
Porque eu tenho plena convicção que se Mariana não me perdoar e me
aceitar de volta, eu nunca mais irei conseguir deixar outra mulher entrar
em meu coração. E Angélica merece um homem inteiro, não um que
seguirá a vida amando outra mulher.

***

No caminho de casa, paro em um bar e pela primeira vez em minha


vida tomo um porre. Envio várias mensagens para Mariana, relatando tudo
o que houve. Não vejo o dia amanhecendo, só me dou conta que já é de
manhã, quando os seguranças do bar me convidam a me retirar.

Cambaleante, vou até a um ponto de táxi, sei que não tenho a mínima
condição de dirigir, e nem quero.

Algumas horas depois, acordo na sala com uma terrível dor de


cabeça, mas com um entusiasmo que nunca sentir antes.

Vou lutar por Mariana!

Envio uma mensagem dizendo que vou pedir o divórcio. Tomo um


banho gelado, e pela primeira vez desde que brigamos, não choro no
chuveiro escondido de todos. Muito pelo contrário, estou animado.

Pego um táxi, e sigo para o bar aonde deixei meu carro. Meu intuito
era sair dali e ir até a casa de Mariana. Há alguns dias a secretária dela
me disse que ela não foi à empresa. Bianca também tentou falar comigo,
conversa essa que evitei a todo custo.

E foi assim, com o peito transbordando de esperança que eu a vi com


outro homem. Por um breve espaço de tempo eu me esqueci até como se
respirava.

Eu senti tantas emoções ao mesmo tempo; incredulidade, mágoa,


rancor e principalmente dor. A vendo sorrir para outro homem como ela
sorriu uma vez para mim, eu vi toda a esperança de que eu tinha se
quebrar em cacos tão pequenos que dificilmente seriam colados
novamente.

Eu vi que ela não mentiu ao dizer que iria se entregar a outro. E o que
mais doía era ter a certeza que eu contribuí para isso ao me casar com
Angélica.
De repente fui tomado por uma louca vontade de ir até aquele homem
e dizer para ele não olhar para ela sim, porque ela era minha! Mas desisti
antes de dar o primeiro passo. Ao vê-la jogar a cabeça para trás e soltar
uma sonora gargalhada, ao ver o modo como aquele homem a admirava
encantado.

Ela estava feliz, radiante.

E vi que aquele homem, poderia ser o que ela precisava. Que talvez
ele não tivesse um passado tão fodido, que o impedia de se abrir
completamente. Que talvez, ele a fizesse feliz como eu não consegui
fazer. Que ele não erraria como eu errei, que ele não precisaria passar por
tudo isso para ver que a única coisa que realmente importava era ela...

Eu estou danificado demais para ser bom o suficiente para ela.

Mais uma vez eu vou deixar a mulher que eu amo ser feliz com outro
homem. Contudo, ao contrário do que aconteceu com Bianca, dessa vez,
eu sei que nunca vou me recuperar.

Sentindo uma dor surreal em meu peito virei de costas, com meu
rosto molhado por lágrimas traiçoeiras.

Entro em meu carro e sigo em direção a minha casa.


Capítulo 21
Mariana
Saio da minha sala e ando distraída em direção ao elevador mexendo
no celular e sorrindo confirmo o almoço com Victor, esbarro em algo e
quando elevo o olhar vejo que é Pablo. Ele rapidamente desvia e segue
seu caminho e eu mantenho a pose firme até a porta do elevador fechar,
logo em seguida solto o ar que mantinha preso em minha garganta e me
encosto a parede fria do elevador...

Em frangalhos! É assim que estou me sentindo nesse exato


momento...

Chega a ser engraçado, pois para mim essa expressão sempre foi
algo muito sem noção, ouso dizer até um pouco cômica. Contudo, é
exatamente assim que me sinto agora; despedaçada, desolada, em
frangalhos.

A cada vez que encontro Pablo, sofro um desgaste emocional tão


grande, que quando me afasto me sinto devastada.

O mais interessante é que pouco nos falamos, apenas o essencial,


entretanto, apesar da falta de palavras, nossos encontros são intensos.
Envolto em várias emoções conflitantes, no meu caso, a principal é a
raiva.

Eu não consigo perdoar Pablo!

O fato dele não falar nada me dá mais raiva ainda.

Confesso que parei de respirar, quando vi Pablo entrando no


restaurante que estava almoçando com Victor. Contudo, ao contrário do
que eu imaginei, Pablo não fez absolutamente nada ao me ver
acompanhada. Porém, era impossível não notar o sofrimento explícito em
sua face. Todavia, não falou absolutamente nada!

Sentou-se e almoçou sozinho.

Nas poucas vezes que ousei olhar em sua direção, via seus olhos
tristonhos fixos em mim. Nesses momentos sentia um gosto amargo em
meu íntimo. Então rapidamente desviava e dava a devida atenção a quem
merecia.

Victor...

Direcionei toda a minha atenção a Victor e ali fiquei. Não vi Pablo indo
embora, não voltei a olhar em sua direção, é melhor assim.

Dói demais olhar para ele... E bem a verdade é que não quero
entender por que me incomoda tanto o seu sofrimento.

Prefiro esconder esse ligeiro incômodo junto com todo o sentimento


que, infelizmente, ainda tenho por ele.

Olho para Victor e sorrio.

Ficar com Victor é como navegar em águas calmas e tranquilas. Victor


é carinhoso, sereno, amoroso, simplesmente encantador.

E ele está esperando meu tempo, como se soubesse que estou


tentando me refazer por dentro.

Não escondi que, no momento ― mesmo não querendo ―, meu


coração segue completamente ocupado, mesmo que amargado, ele no
momento ainda é de Pablo. E a cada vez que ele abaixa a cabeça ao me
olhar, ou vejo, seus olhos tristes e vermelhos, denunciando um recente
choro. É impossível para mim não amolecer.

Mas eu não posso de forma alguma me esquecer do que ele fez


comigo e com meu pai.

Não posso.

Então, a partir desse dia, eu resolvi fingir, que não vejo seus olhos me
seguindo, não vejo em seu rosto uma expressão de puro sofrimento a
cada vez que me ver com Victor.

Não comentei com Victor o que houve, creio que seja algo íntimo e
pessoal, quero que minha história com Victor seja recheada de bons
momentos.

E até o momento ele está me proporcionando isso!


Há algumas semanas saímos todos os dias, almoçamos e jantamos
juntos. A casa de Michele anda vazia por causa da sua internação. Márcio
quando não está na empresa, está no hospital. Bianca e Maria estão
envoltas na organização de um casamento surpresa. Não sei qual será a
reação de Michele. Mas creio que será no mínimo interessante já que ela
afirma categoricamente, que não quer mais Márcio...

Tenho que concordar quando Maria diz que botaram algo no soro de
Michele.

Viver com Maria é uma imensa alegria. Ela foi um bálsamo em meu
sofrimento. Apesar de estar muito preocupada com Michele, ela sempre
tece comentários engraçados.

Também não comentei com ela o que houve entre mim e Pablo.
Maria, respeitou e não fez perguntas que eu não estava preparada para
responder.

Acredito que só eu e ele temos a dimensão do quão profundo fomos e


do quanto nos machucamos no percurso.

Converso com Nay todos os dias, em uma de nossas conversas ela


me revelou que sua mãe diz está sentindo muita falta de meu pai. Essa
revelação me surpreendeu, pois sempre acreditei que era uma brincadeira
de Dona Vera. Nunca sequer passou pela minha mente, que a mãe de Nay
tivesse um interesse real em meu pai, e creio que ele também não irá
acreditar.

Meu painho... que saudades tenho dele, ontem em nossa conversa


por telefone, ele me disse algo que me intrigou. Entre outras coisas,
comentou que não precisou fazer muito em João Pessoa, que quando
chegou lá tudo já estava resolvido. Apesar de muito questionar, ele não
entrou em maiores detalhes, apenas disse que conversaríamos melhor
quando ele voltasse para casa em alguns dias.

Mas não foi isso que me pois uma pulga atrás da orelha, e sim um
comentário; Ele me pediu para eu recordar, o que ele me disse na primeira
vez que Pablo foi em nossa casa:

À
"Fia, o amor nem sempre é algo fácil de levar, num sabe?! Às
vezes, muitas vezes, precisa ser forte. Esse Seu Pablo... Ele é um
homem atormentado por demais, fia. Mas eu realmente acredito que
ele goste de você, ter vindo aqui, apesar de todo o preconceito dele,
mostra que ele está disposto a mudar, mas meu medo é por você! Eu
te criei em uma redoma, num sabe?! Quis te proteger do mundo por
demais! E agora não sei se você está pronta, para a intensidade do
sentimento que vejo nos olhos de Seu Pablo. ’CÊ’ é linda por demais,
minha fia, mas também ainda é muito inocente para as maldades
desse mundo de meu Deus. Porém, se decidir ficar com ele, você vai
ter que ter pulso firme, fia! E tem que ter em mente que nada vai ser
fácil, viu?! Pense com carinho, fia, o que você resolver seu painho vai
te apoiar."

Meu pai voltou a salientar, que o que eu decidir ele vai me apoiar, e
confesso que não compreendi por que ele citou o nome de Pablo. Ele
deveria estar com tanta ou mais raiva que eu...

Não consigo parar de pensar em minha conversa com meu pai, seu
pedido fica martelando em minha mente como se fosse um sino me
dizendo que algo não está batendo direito.

― Bela, está tudo bem? ― Victor toca meu braço.

― Me desculpe.

― Estava com o pensamento distante ― Ele desvia o olhar do


trânsito, me olha rapidamente e volta a olhar para frente ―, sua mente
vagou até ao meu concorrente? ― pergunta sorrindo e fico sem graça.

― Ok? Não imagina! E que concorrente? Já te disse que sou solteira.

― Solteira? Eu pensei que estávamos namorando.

― Ah... ― Abro e fecho a boca sem conseguir falar uma única


palavra.

― Calma, estou brincando. Digamos que estamos nos conhecendo


melhor. ― Ele pisca e volta à atenção para o trânsito.

Com um suspiro viro meu rosto em direção à janela.


Victor me convidou para um jantar que eu julguei ser como os outros o
qual ele já me levou, mas ao chegar à recepção de um luxuoso hotel vi
que estava redondamente equivocada. Era um lugar ricamente refinado,
do tipo que Pablo me convidava e eu sempre recusava, me senti um
pouco desconfortável por estar ali.

Victor me apresentou a todos como sua namorada, e me deixou um


tanto incomodada, mas não neguei.

Apenas sorria.

Em determinado momento o puxei em um canto e questionei:

― Por que você está me apresentando como sua namorada?

― Porque é esse o meu desejo, Mariana. Quero que você me dê a


chance de chegar até o seu coração.

― Victor...

― Eu sei... Apesar de você não ter falado absolutamente nada. Eu


tenho a certeza de que nesse momento o seu coração é ocupado por uma
pessoa. E eu creio que ele deve ter te machucado, caso contrário você
nunca me daria a chance de sequer tomar um café comigo.

Victor sorri, segura meu rosto com ambas as mãos, vejo seu lindo
rosto lentamente se aproximar do meu, com uma clara intenção de me
beijar, contudo, antes de tocar meus lábios, ele para como se tivesse me
dando a oportunidade de negar, de impedir o beijo.

Mas quero seguir em frente, quero tirar Pablo da minha mente e do


meu coração.

Fixo em seus lábios, subo a vista devagar, admirando seu lindo rosto
até chegar a seus olhos. E ele me olha com carinho, esperando o meu
tempo. Sorrio e ele beija levemente meus lábios. Depois se afasta. E fico
de olhos fechados esperando sentir toda aquela loucura que eu sentia,
quando Pablo me beijava. Porém, não sinto nada.

Com um suspiro desvio e surpresa, vejo Angélica me observando.

Nunca poderia imaginar que ela estaria no mesmo ambiente que eu.
Mas, a verdade, é que esse é o ambiente que ela frequenta e Pablo
almeja.

A intrusa aqui sou eu.

Isso me enfurece de tal maneira que seguro o rosto de Victor e o beijo


profundamente tentando sentir nem que seja um pouco de emoção..., mas
o que eu senti não chega nem perto da paixão que me envolve, quando
Pablo me toma em seus braços. Sinto uma louca vontade de gritar de
raiva e frustação.

Victor é perfeito!

Ele suga meu lábio inferior e aprofunda o beijo. E eu tento me


entregar, eu tento senti-lo, quero desejar, quero tantas coisas...

Interrompo o beijo, encosto a cabeça em seu peito e choro.

Eu estou desapontada comigo mesma.

Victor me embala sussurrando coisas carinhosas, beijando minha


cabeça e dizendo que estava tudo bem.

Quando consigo me controlar ele segura meu rosto, seca minhas


lágrimas e me beija de leve nos lábios.

― Está tudo bem ― ele não pergunta e sim afirma. ― Calma, respira.
Eu sei o que é isso. Oh bela! Eu te entendo mais do que você pode
imaginar.

― Eu... Desculpe-me.

― Xiii. Calma, tudo bem. Eu já passei por isso. Sei o que é amar uma
pessoa a tal ponto que nenhuma outra, por mais perfeita que seja, consiga
ocupar o lugar. Vamos aproveitar a noite e curtir a companhia um do outro.
― Victor beija a minha testa e pisca um olho me fazendo sorrir.

Ele eleva minha mão aos lábios me olhando nos olhos.

― Vamos voltar ao salão? ― pede e eu assinto sorrindo. É impossível


não sorrir para ele.

Ao virarmos vejo que ele para e prende a respiração. Viro meu rosto
em direção a que ele está olhando e noto Angélica olhando fixamente para
ele, e logo depois desvia os olhos para mim. Victor solta a minha mão e
vira de modo que fique de costas para Angélica. Confusa, ponho a mão
em seu braço e noto que ele está ofegante.

― Está tudo bem?

― Me desculpe ― Ele fecha os olhos e inspira profundamente ―,


apena vi uma triste lembrança do meu passado. ― Sorri de forma triste e
me surpreende ao me beijar.

Um beijo voraz, ávido, forte. E mais uma vez fico à espera de uma
explosão de emoções... que não vem.

Ele interrompe o beijo e encosta a testa na minha. Respirando


ofegante, depois sorri e me leva em direção à mesa.

Apesar de minha mente ser povoada de questionamento, me seguro e


evito fazer perguntas.

Seguimos em direção à mesa do jantar e ao sentar entro em pânico.


Tem tantos talhares e copos em minha frente quem nem sei por onde
começar. Fui educada por meu pai, um homem humilde que muito me
orgulho. Em nossa humilde mesa sempre teve garfo, faca e colher.
Contudo, em minha frente tem dois garfos, duas colheres e duas facas, de
tamanhos diferentes. Há também alguns copos, de tamanhos e formatos
diferentes.

Nunca sequer me vi em uma mesa assim, e recusei todas as vezes


que Pablo quis me orientar. Minha mente vagueia, até o dia em que Pablo
quis me ensinar a usar esses talheres e eu me neguei por achar que ele
estava querendo me refinar por causa das minhas origens.

Será que meu orgulho me cegou a tal ponto que não conseguir
identificar uma ajuda e a confundi com uma afronta?

Enquanto me questionava, viro meu rosto em direção a Victor em


busca de ajuda. Creio que ele, por me ver morando em um lugar
sofisticado ― como é a cobertura de Michele―, julgou que eu saberia as
regras de etiqueta em um jantar sofisticado. Contudo, noto que Victor está
envolto em uma animada conversa. Fixo em meu prato, engulo em seco e
literalmente começo a suar frio com receio de que possa causar algum
constrangimento ao meu acompanhante.
Mordo meu lábio inferior e corro meus olhos pela mesa em busca de
uma ajuda silenciosa, e paro em Angélica. Imediatamente fecho meus
olhos e meneio em negação já esperando o olhar de deboche dela. Depois
respiro fundo e a enfrento com uma coragem que julgava não existir.
Contudo, ao invés do olhar de deboche que imaginei encontrar. Noto que
ela me observa de uma forma que nunca me olhou, depois desvia o olhar
para um garfo, o pega, e volta a fixar a vista em mim.

Compreendo que ― sabe sé lá Deus porque ― ela está se dispondo


a me ajudar, e durante todo o jantar, sigo suas recomendações silenciosas
à risca.

Por causa de Angélica — uma pessoa que nos últimos meses fez de
tudo para me humilhar —, eu não passei vergonha. Dizer que estou
surpresa com essa atitude dela seria eufemismo.

Estou passada, chocada.

Não consegui agradecer o seu ato, ainda incompreensível para mim.


Pois, logo depois que terminaram de servir o jantar, Victor me levou em
direção a um casal de amigos e não vi mais Angélica.

Apesar das fortes emoções, foi uma noite agradável. Contudo, foi
impossível não soltar um suspiro triste.

Victor nota meu semblante triste e logo em seguida nos despedimos.

No percurso até o apartamento de Michele recebo uma mensagem de


Maria me informando que o bebê de Michele nasceu e que ambas estão
bem. Sorrio emocionada sinto uma descarga emocional passando pelo
meu corpo. Viro meu rosto em direção à janela e sinto grossas lágrimas
banharem meu rosto.

— O que houve, bela?

— Michele teve o bebê.

— Mas...

— Está tudo bem — o interrompo passando a mão pelo meu rosto. —


Ela e a filha estão bem.

— Então por que chora?


— Hoje eu me dei conta de algo, e essa descoberta me abalou
profundamente.

— Você quer conversar sobre isso? Aceita tomar um café em minha


casa?

— Victor, eu... — Ele me interrompe.

— Apenas conversar, bela, nada além disso, digamos que hoje não foi
uma das minhas melhores noites, fantasmas do passado surgiram para
assombrar o meu presente.

Faço um ligeiro meneio concordando. Não sei se quero conversar,


mas com certeza não quero ficar sozinha.

Noto que Victor sorri de forma triste, enquanto dirige rumo ao seu
apartamento. Volto a atenção para a janela, fecho meus olhos e encosto
no confortável banco do carro, suspiro, e começo a me questionar:

É isso mesmo que quero?

Não sou mais nenhuma criança e nem mais tão inocente a ponto de
não saber que, duas pessoas tristes e carentes juntas, correm um sério
risco de se envolverem, para assim, quem sabe mascarar nem que seja
um pouco a dor que carregam em seus corações.

Victor é carinhoso e sedutor, contudo, essa noite me esclareceu


algumas coisas; a principal foi que eu não analisei, amplamente, a minha
história com Pablo. Agi por impulso e movida pela raiva. Porém, isso não o
exime de seus erros.

Pablo errou comigo e com meu pai.

O segundo foi a infeliz confirmação de que eu e Victor não temos


química. O que de fato é algo muito louco, já que ele é um homem lindo e
exala sensualidade pelos poros.

Talvez a minha falta de emoção se deva ao fato que, em minha


mente, ainda estão vivos todos os momentos que vivi com Pablo.

Não, não seria uma boa ideia ir ao apartamento de Victor, acredito


que ambos estamos feridos demais, para nos abrirmos e desabafar. Eu só
quero tirar os pensamentos torturantes da minha mente. Victor seria um
bom consolo, e isso não seria justo com ele.

Principalmente depois da forma carinhosa que ele me tratou. Victor é


perfeito demais! E se eu dormir no seu apartamento hoje, muito
provavelmente irei cometer um novo erro.

Sinto o carro parar, viro meu rosto em sua direção e começo uma
desculpa:

— Victor eu... — Paro de falar no exato momento em que reparo, que


estou em frente ao prédio de Michele.

— Creio que ambos sabemos, que não iríamos ficar somente em um


simples café dessa vez. — Ele eleva a mão em direção ao meu rosto e faz
um ligeiro carinho em minha face —, eu já vivi uma situação parecida, e
saí terrivelmente machucado, a ponto de largar tudo e sair do país.

— Victor, eu sinto muito. — Seguro sua mão, junto a minha face.

— Eu quero ser mais que um consolo, para os momentos solitários.


Eu já fui o refúgio de alguém, e não deu muito certo.

Inclino a cabeça me sentindo mal por ter passado por minha mente,
que me envolver com ele iria me ajudar a esquecer de Pablo.

— Me desculpe... — Começo uma desculpa, mas Victor me


interrompe.

— Não, bela, não se desculpe. Eu me dispus a esperar, eu que estou


indo ao seu encontro. Algo em seu olhar me cativou a tal ponto que não
sabia bem o que era até hoje. Eu me vi em você, eu já senti essa dor que
você carrega em seu peito. E isso me fez querer te proteger, fazer essa
dor passar.

Fico em silêncio ouvindo seu relato.

— Me envolvi. Você é encantadora, Mariana. Confesso que iria seguir


meu desejo de conquistar um lugar em seu coração, todavia hoje, eu vi
algo que me fez recordar que, às vezes, não importa o quão especial você
seja para uma pessoa. Você pode amar uma pessoa desesperadamente,
contudo, às vezes isso não é o suficiente. Principalmente se essa pessoa
já leva alguém em seu coração. Como disse antes, eu já passei por isso.
Abro e fecho a boca várias vezes, nesse momento, me sinto incapaz
de falar. Victor, limpa minhas lágrimas e beija minha testa.

— Não chora, bela. Você não irá se livrar de mim tão fácil assim — ele
levanta meu queixo — seremos amigos, bons amigos. — Faz um ligeiro
carinho em meu queixo e beija minha testa.

Saio do carro triste, entretanto sabendo que foi a melhor decisão para
ambos.

***

Na manhã seguinte, depois de uma noite mal dormida, cheguei cedo


ao escritório. Meus planos eram, trabalhar tranquilamente, desviar de
Pablo e à tarde ir visitar Michele e a bebê, depois seguir para a faculdade.

Logo de início, o trabalhar tranquilamente, foi interrompido quando


minha secretária me informou que Angélica estava me aguardando.
Depois de sua atitude de ontem, infelizmente, não posso me recusar a
recebê-la, no entanto, se ela tentar me humilhar, ela verá do que uma
nordestina arretada é capaz!

Vejo Angélica entrar na sala trajando um sofisticado vestido, e uma


bolsa que sem a menor sombra de dúvida, é caríssima. Angélica é a
imagem de uma mulher rica e refinada, o aroma de seu adocicado
perfume envolve o ambiente. Fixo meus olhos no seu e a observo
caminhar lentamente em minha direção.

— Bom dia, Mariana — me cumprimenta educada e é impossível não


levantar uma sobrancelha.

— Bom dia, Angélica — retribuo intrigada. — Por favor, sente.

— Ultimamente, aprendi a não usar de rodeios, então vou direto ao


assunto. — diz, sentando-se à minha frente. — Eu e Pablo estamos nos
divorciando.

Pablo tinha me enviado uma mensagem sobre isso — mensagem


essa que não abri, apenas li a palavra divórcio —, contudo, ouvir Angélica
falando foi, impactante.

— Sinceramente, eu não sei por que, você acha que isso é da minha
conta. — Tento disfarçar meus sentimentos.
Um misto de emoções e confesso um doce sabor de vingança.

Angélica apenas sorri.

— De todos os homens que me envolvi, Pablo, foi o que mais me


surpreendeu. Sempre frio e contido. Nos conhecemos quando... — elevo
uma mão a interrompendo.

— Olha, Angélica, muito obrigada pela ajuda que você me deu ontem,
porém, isso não nos torna amigas, e não tenho a menor vontade de saber
como você e Pablo se conheceram.

— Sabe qual é o seu maior defeito?

— Não tenho a menor dúvida que você vá me dizer, só ainda não


entendi é porque você acha que essa informação me interessa.

Angélica me surpreende ao sorrir.

— Você está tão preocupada com o seu mundinho, que não vê o que
está em frente aos seus olhos.

Ponho os olhos em branco. Sei que foi uma atitude infantil, porém foi
mais forte que eu.

— Não sei o que houve entre você e Pablo ele nunca comentou algo,
no entanto, sei que você o machucou mais que Bianca.

— Bianca? O que Bianca tem a ver com essa história?

Angélica, recosta na cadeira e sorri.

— Você nunca sequer se interessou em saber o passado de Pablo?


Mariana, você o teve em suas mãos! O Pablo que eu conheci, jamais, faria
a metade do que ele fez por você. Eu faria qualquer coisa para que ele me
olhasse, da mesma forma como ele te olha.

— O que Bianca tem a ver com essa história? — questiono, ignorando


que suas palavras mexem comigo.

— Bianca e Pablo namoraram por um curto período, logo depois ela o


trocou por Fernando. Exatamente como você fez. Trocou Pablo por Victor.
Não recebo essa informação de forma agradável. Sinto-me de alguma
forma traída, não compreendendo o porquê de eles terem escondido isso.

— Pela sua expressão, noto que ficou impactada com a informação.


Isso só mostra que você nunca, nunca realmente se interessou por Pablo?
Você acha que ele nasceu assim? Frio e calculista. Ninguém nasce assim,
Mariana, todos no decorrer de nossas vidas, sofremos influências, temos
encontros e desencontros, mágoas e decepções que nos mudam, nos
forjam, nos transformam. E você não pode negar isso, porque você
também mudou e nem de longe lembra a pobre menina inocente de alguns
meses. — Angélica se levanta e caminha em direção à janela.

— Porém, às vezes algo surpreendente acontece. Algo que nos faz


lembrar de como já fomos um dia — vira em minha direção e me olha séria
— Você foi esse algo na vida de Pablo, por você ele desistiu de tudo, sem
questionar, seguiu todas as suas vontades e desejos. E o que ele ganhou?
Vulgarmente falando, um belíssimo pé na bunda na primeira briga.

— Você não tem noção do que ele fez? Você não faz ideia do quanto
ele me machucou e ao meu pai — vocifero, irritada.

— Vê se cresce, garota! Amadureça!

— Ah... Nisso nós concordamos, eu amadureci na marra! Pessoas


como você e Pablo foram os responsáveis por me machucar a tal ponto.
Hoje não sou mais como fui um dia. Hoje, eu te enfrento, sem medo, sem
abaixar a cabeça. Eu mudei, Angélica, não sou mais a mesma. Por isso
que não aceito o que Pablo fez. Posso ter errado, confesso, mas ele errou
mais.

— Você acha que em um relacionamento ninguém nunca, jamais vai


te machucar? Que seu companheiro nunca vai fazer algo que te
desagrade, que suas vontades sempre serão aceitas e cedidas. Que você
nunca precisará ceder ou perdoar, você acha que irá encontrar a pessoa
perfeita, que jamais irá cometer um erro? Se você pensa assim, o melhor é
ficar sozinha. Porque isso é impossível! Todos nós cometemos erros.

— Como você cometeu com Victor? Ele não me disse o que houve
entre vocês, mas pela sua expressão ontem e por ter citado o nome dele a
pouco, imagino que você o tenha magoado terrivelmente — inquiro e vejo
Angélica perder a cor, fechar os olhos em engolir em seco.
— É exatamente por isso que estou aqui hoje. Victor foi um dos
maiores erros que eu cometi em minha vida. Me finquei tão fortemente ao
meu orgulho, que deixei... — Angélica inspira, depois solta o ar devagar e
fala com voz embargada — Digamos que eu cometi com o Victor, o
mesmo erro que você está cometendo com Pablo. Deixei o único homem
que me amou ir embora, porque na época eu acreditava que amava
Fernando, que ele era o amor da minha vida.

— Você não sabe nada da minha história com Pablo. — Volto a


afirmar, terrivelmente abalada.

— Nisso você tem razão, nem sei quais foram os motivos que levaram
você a querer esconder um relacionamento com Pablo, ou o que houve
para você tomar atitude de excluir ele da sua vida — Angélica pega sua
bolsa e caminha em direção à porta, antes de sair ela para. — No entanto,
eu tenho a plena convicção que nunca mais você irá encontrar um homem
que te ame, como ele te ama.

— Eu não quero Pablo!

— Não se preocupe, tenho sérias dúvidas se algum dia ele virá atrás
de você, como disse antes. Você não sabe absolutamente nada dos
fantasmas da vida de Pablo, foi apenas mais uma das muitas pessoas que
o magoaram e o excluíram de sua vida. Espero que o seu orgulho seja um
bom companheiro, Mariana, por experiência própria, eu posso dizer que
não é.

Angélica sai da sala me deixando sem fala, mas com um pensamento


fixo em minha mente, preciso saber se é realmente verdade que Pablo e
Bianca já se envolveram, se sim, porque nunca me disseram nada.
Capitulo 22

Mariana
Com a inquietude e a dúvida me consumindo por dentro, saio da
minha sala e sigo em direção a de Bianca, contudo ao chegar, sua
secretária me informa que ela avisou que não iria hoje. Creio que por
causa do nascimento da filha de Michele.

Resignada, saio da empresa. Minha mente não para de criar


conjunturas e hipóteses, do porquê Bianca e Pablo nunca terem
comentado um possível envolvimento.

A angústia me exaure a tal ponto, que prefiro ir andando até o


hospital. É um percurso razoavelmente longo, cerca de 40 minutos de
caminhada. Contudo, não posso dizer que seria um percurso
desagradável, longe disso. Necessitava desse tempo para tentar acalmar
meus ânimos.

Enquanto divago, avisto de longe Pablo saindo de um prédio e


apresso o passo. Ao me aproximar, ouço um pouco da conversa que ele
estava tendo com um senhor.

— Fiquei muito feliz por você ter desabafado, Pablo, saiba que todos
que participamos do "CoDA" estamos em situação semelhante, porém,
obviamente, cada um passou por percursos diferentes. Mas em igual no
sofrimento. Te espero na próxima reunião.

Pablo não profere nenhuma palavra, apenas aceita o abraço do


senhor que segue o seu caminho.

— Pablo. — Ele vira o corpo de modo que fique a minha frente.

Em sua expressão é visível a surpresa em me ver. Sinceramente não


sei se sua estranheza é por causa do meu surgimento, ou pelo simples
fato de eu me dirigir a ele. Coisa que não faço há semanas.
— Ma... Ma... Mariana — hesita algumas vezes e murmura meu nome
em um tom rouco.

Noto que seus olhos estão vermelhos, e seus longos cílios úmidos. E
isso me leva a crer que ele se emocionou recentemente.

Desvio dele e fixo a vista no prédio o qual ele saiu, e logo depois viro
meu rosto em sua direção intrigada. E algo que Angélica me disse martela
em minha mente.

"Você não sabe nada sobre Pablo, nunca se interessou em


saber"

— O que você está fazendo aqui? — questiono com a sobrancelha


levantada.

— Eu... — ele vira o rosto em direção ao prédio, depois me olha —


É... Bianca me indicou esse lugar... e, bem, não só ela, meu terapeuta
também... Ele está me fazendo bem.

— Bianca indicou? — Foi impossível conter a pitada de ciúme em


minha voz.

— Sim, Bianca e Márcio, para ser mais exato.

— Hoje eu fiquei sabendo que você e Bianca namoraram, só não


entendo o porquê de você nunca ter me falado nada disso.

Pablo franze a testa e me observa de forma interrogativa, depois


abaixa a cabeça e meneia negativamente.

— Você não tem esse direito, Mariana. Não tem.

— Não tenho? — retruco, indignada.

— Não! Mariana, eu errei com você e peço perdão por isso. Errei por
te amar demais, errei por querer cuidar de você, abraçar os seus
problemas como se fosse meus... — Elevo minha mão e o interrompo.
— Eu nunca lhe pedi para você cuidar de mim! — replico, enfurecida.

— Eu lhe disse que era um Dom, Mariana, e julguei erroneamente que


você entenderia toda a cumplicidade que isso envolve. No entanto, eu me
enganei. Errei com seu pai, admito isso. Entretanto, já pedi perdão a ele, e
creio que ele entendeu as minhas razões.

— Como? Você pediu perdão ao meu pai e ele te desculpou? Quando


foi isso? — Indago, confusa.

Pablo sorri e noto que seus olhos estão rasos de lágrimas.

— Fiz com ele o mesmo que com você, enviei várias mensagens e fui
ao seu encontro quando ele estava disposto a me ouvir. Me desculpei,
pedi perdão, cheguei ao ponto de me ajoelhar em sua frente implorando a
sua compreensão. Posso dizer sinceramente que para mim, fez muito
bem. Foi como exorcizar um passado que sempre me maltratou. Seu pai é
a personificação de tudo o que eu sempre odiei. Meu rancor, nunca foi em
relação a ele, e sim ao que ele representa — revela, emocionado.

Fico tão impressionada que apenas abro e fecho a boca, sem


conseguir proferir uma única palavra.

— Me expor para o seu pai, faz parte de um processo, que eu creio


que seja longo. Eu não sou perfeito, Mariana, estou a anos luz disso. —
Ele dá um passo em minha direção e eu recuo, ele para, inclina a cabeça
e começa a murmurar — Eu sou uma pessoa aditiva e recentemente
descobri que tenho codependência e amo demais. A ponto de pôr os
desejos e a felicidade da pessoa que amo acima das minhas. Por isso
essa necessidade de cuidar de todos os âmbitos da vida da pessoa que eu
amo, no caso você.

Ele relata um tom tão sofrido, sem me olhar nos olhos, mas vejo aos
poucos seu rosto ser banhado por lágrimas e isso me deixa atordoada e
boquiaberta que sinto como se tivesse sido jogado um saco de cimento
contra meu peito, involuntariamente, dou outro passo para trás, elevo uma
mão ao peito e outra a minha boca.

Não tenho certeza como Pablo interpreta a minha reação, nem eu ao


certo sei sinceramente o que estou sentindo nesse exato momento.
Discretamente ele limpa seu rosto apagando os vestígios das
lágrimas.

— Me desculpe, lhe revelar isso é um dos passos do tratamento — diz


dando um passo para trás — Eu sei que não posso lhe pedir nada, nem ao
menos tenho essa intenção, principalmente sabendo como você está
magoada com as minhas ações. Eu desejo que você seja muito feliz,
Mariana, e eu sinto muito por toda a dor que lhe causei, sinto muito por
estar tão ferrado, que não consegui ser o homem que você merece.
Contudo, quero que saiba que eu te amo mais que a mim mesmo — ele dá
outro passo para trás, volta a limpar o rosto e fala com voz embargada —
Apesar de todo o amor que eu sinto por você, eu sei que você merece
uma pessoa que não tenha tantos demônios para enfrentar. E eu tenho
muitos, Mariana, eu os revelei nas mensagens que enviei para você,
porém, pela sua expressão noto que nunca leu minhas mensagens, o que
de fato não me surpreende. Então, eu vou me afastar de vez, não só
fisicamente, como também virtualmente. A partir de hoje, eu não envio
mais mensagem, estou saindo da empresa, não se preocupe, seu estágio
está garantido. Eu apenas necessito me afastar, para assim, quem sabe,
eu consiga um dia viver sem esse tormento que me aflige.

— E que tormento é esse? — sussurro.

— Outrora, eu poderia dizer sem sombras de dúvidas, que o meu


maior tormento era o meu passado, contudo, agora eu sei que ver você
começar a amar outra pessoa, tocar em outro homem, é a pior dor que eu
já senti alguma vez em minha vida. E o mais triste e doloroso nessa
situação, é saber que você está certa em seguir em frente. Eu não sou
bom o suficiente para você. — Pablo vira e vai embora me deixando sem
ar.

Atordoada, entro no prédio de onde ele saiu, e vejo no painel as siglas


que aquele senhor pronunciou; "CoDA - CoDependentes anônimos"

Impulsionada pela curiosidade, me dirijo ao elevador com a intenção


de ir ao local, ao chegar, a sala, toco a campainha e sou atendida por uma
mulher muito simpática que me explica que ali é um grupo de apoio e me
dá um panfleto;
"Damos-lhe as boas-vindas a CoDependentes Anônimos – CoDA,
um programa de recuperação dos codependentes, em que cada um
de nós compartilha experiências, força e esperança de que, com
nossos esforços, encontraremos a liberdade onde havia escravidão e
paz onde havia desordem em nosso relacionamento conosco e com
os outros."

Saio dali tão desorientada que nem sei ao certo como cheguei ao
hospital, para minha sorte — ou azar — as primeiras pessoas que eu vejo
ao entrar no hall do hospital são Bianca e Fernando.

Sem sequer raciocinar, caminho em sua direção com a clara intenção


de esclarecer todas as minhas dúvidas. Minha mente está uma confusão
só, eu sou uma bagunça total.

— Bianca — chamo e ela e Fernando viram em minha direção


sorrindo.

— Mariana. — Ela me abraça. — A filha de Michele nasceu, e ela se


chama Marina — diz emocionada.

Sorrio, mas creio que não consigo disfarça que não estou bem, não
estou nada bem.

— Você está bem, Mariana? — Bianca questiona.

— Não, eu não estou nada bem. — Nem me dou ao trabalho em


disfarçar — Bianca, porque você não me disse que se envolveu com
Pablo, porque me enganou, por que mentiu para mim? — inquiro rápido,
não conseguindo me controlar.

Vejo aos poucos o sorriso de Bianca morrer e a voz de Fernando


chega até a mim como um trovão.

— E desde quando minha mulher é obrigada a revelar seus antigos


relacionamentos?

Atordoada, viro meu rosto em direção a Fernando que me olha com


uma expressão nada agradável.
— Por um acaso, você revela todos os pontos de sua vida para
Bianca, ou seja, lá, para qualquer outra pessoa? Creio que não. — A voz
de Fernando soa em um tom irritado.

— Ah... eu... me... por favor, me desculpe, não foi minha intenção
ofendê-los — balbucio, constrangida.

Intercalo o olhar entre Fernando de braços cruzados e Bianca que me


olha calmamente, porém, sem o seu tão característico sorriso.

— Olha... — Fernando pausa, vira seu rosto para Bianca e por breves
segundos eles esquecem que estou aqui, entram em um mundo só deles o
qual palavras não são necessárias. Eles se entendem pelo olhar. Foi
rápido, apenas alguns segundos, mas o suficiente para eu perceber, e seja
lá qual foi a comunicação entre ambos, o tom de Fernando para comigo
mudou.

Fernando vira seu rosto em minha direção, morde o lábio inferior, inala
profundamente, e volta falar em um tom mais ameno.

Eu prendo a respiração com receio pois sei que fui longe demais...

— Mariana, ele não é o único errado nessa história. Mesmo não


gostando dele, em um ato de pura bondade, eu me dispus a ajudá-lo, mas
o nerd é tão tosco que se recusou a seguir meu conselho.

— Como exatamente você se dispôs a ajudar Pablo, Fernando? —


Bianca inquire em um tom de suspeita.

— Bem, vendo que ele estava perdendo a mulher, para o tosco


internacional metido a besta, dei algumas sugestões para ele recuperar a
mulher dele.

— Fernando, que conselho? Ou você apenas quis ajudar Pablo para


manter Victor o mais longe o possível? — Bianca indaga.

— São meros detalhes que não vem ao caso — Fernando retruca,


Bianca bufa impaciente e eu, sabiamente, prefiro me manter em silêncio.

— Voltando ao assunto em questão. Ele errou, com certeza. O "X" da


questão é, ele errou sozinho? — Fernando questiona e o observo confusa.

— Como? Mas eu, nunca fiz... — Fernando me interrompe.


— Não? E o fato de você querer esconder o relacionamento de
vocês? Desde já peço desculpas por invadir a sua privacidade, contudo,
você me deu esse direito ao questionar a privacidade da minha mulher, e
de quebra a minha também.

Abro e fecho a boca, olhando de um para o outro e engulo em seco,


envergonhada.

— Ele... Pablo te disse que estávamos envolvidos? — pergunto de


cabeça baixa.

— Me deixe te contar algo, quando Bianca em um momento de


desiquilíbrio, se envolveu com o nerd tosco dos infernos, ele não perdeu a
oportunidade de mostrar para todos que eles estavam juntos, contudo,
com você ele não fez isso. Mas, respondendo a sua pergunta. Não, o
tosco não me revelou que vocês estavam juntos, nem precisou. —
Enquanto Fernando fala, reparo que ele, nunca, menciona o nome de
Pablo, se refere a ele sempre como tosco. Obviamente eu não comento
absolutamente nada sobre isso. Estou tremendo tanto que sinceramente
nem sei como ainda estou de pé. Fernando é muito intimidador.

— Não compreendi? Se ele não te falou como você soube?

— Um dia ele era o tosco triste, com cara de cachorro que caiu da
mudança te seguindo com olhos por toda a empresa. Sério! Era
deprimente. Logo em seguida ele mudou, continuava um tosco, só que
exalando felicidade pelos poros, parecendo um cachorro abanando o rabo.
Porém, nenhum comentário sobre o um possível relacionamento. E pelo
seu histórico, ele nunca ficaria em silêncio. E isso me levou a crê, que o
pedido de reservar o relacionamento partiu de você. Aí eu te questiono, e
se fosse ao contrário? Se partisse dele a vontade de não falar para
ninguém que vocês estavam juntos? Eu passei por isso, Mariana, não é
legal, um homem se sente um merda, mas aceitamos porque amamos.

Nesse exato momento sou incapaz de formular uma única frase, e


apenas engulo em seco e Fernando continua.

— Eu sei muito pouco o que houve ele não se abriu completamente


comigo, mas o pouco que ele me revelou foi o suficiente para reconhecer
que e vai por mim isso foi muito difícil — esclarece com uma expressão
angustiada — Enfim, fui obrigado a reconhecer que ele não errou sozinho,
pelo menos nessa história, porque aquele ali...
— Fernando! — Bianca o recrimina.

Fernando olha para Bianca como se só estivesse falando verdades,


depois fixa os olhos em mim. Eu estou assustada demais, respirando
rapidamente tentando a todo custo não deixar que o pranto me domine.

— Enfim, eu e o Márcio o acompanhamos em algumas sessões de


terapias... A princípio eu não queria, mas foi bom e eu não posso negar
que ele não esteja tentando melhorar. Não existe relacionamento perfeito,
Mariana.

— O de vocês dois são — murmuro emocionada.

— Não, não é. Eu amo Bianca demais. Eu luto diariamente pelo nosso


relacionamento, para manter ela ao meu lado, porém, todo santo dia eu
faço uma merda. E ela também luta, diariamente, por me amar, me
desculpar, por saber que não sou perfeito que cometo inúmeros erros, no
entanto, nós dois juntos somos perfeitos. Não porque não temos
problemas, longe disso, mas sim porque não desistimos. — Fernando
segura a mão de Bianca e encosta a testa contra a dela e eles entram em
um mundo só deles.

Dou alguns passos para trás, me afastando, viro meu corpo e


caminho em direção à saída, e sinto braços me enlaçando. O delicioso
aroma do perfume de Bianca me envolve, e eu me deixo ser levada por ela
até um pequeno jardim perto de uma capela.

Sentamos em um banco e eu desisto de segurar toda a aflição que


trago em meu coração, simplesmente, não consigo mais conter as
lágrimas, a angústia nem muito menos a dor.

Algum tempo depois, Bianca eleva meu rosto e limpa minhas


lágrimas. Indica com a cabeça uma pequena capela.

— Estamos organizando o casamento de Michele ali. Obviamente ela


ainda não sabe — ela sorri —, assim que for possível, eles se casarão
naquela capela.

— Eu pensei que ela tinha terminado com Márcio — comento,


aceitando o lenço que Bianca me oferece.
— Sim, ela terminou. E ele não desistiu. Como eu terminei com
Fernando, e ele também não desistiu. E eu vou ser eternamente grata por
isso.

— Pablo me disse para ser feliz, que não iria mais entrar em contato
comigo. Pablo desistiu de mim.

— E se ele viesse atrás de você, você o aceitaria de volta? Estaria


disposta a ouvi-lo? Pablo te ama muito, Mariana, contudo, ele tem
algumas coisas a resolver consigo mesmo primeiro.

— Antes não, mas tantas coisas mudaram de ontem para hoje,


descobri coisas que sequer imaginava. Você sabe o que ele tem? Angélica
mencionou que ele tem algumas coisas que não me revelou, ele também
disse algo parecido.

— Sim.

— O que é?

— Não é um segredo meu para lhe contar, Mariana.

— Por que ele nunca me disse nada?

— Seja sincera, Mariana. Quando você realmente quis ouvir? —


Bianca questiona calmamente fazendo um ligeiro carinho em minha
cabeça. Como se soubesse como estou desamparada nesse momento.

— Estou tão confusa, Bianca. São tantas novas revelações nessas


últimas vinte e quatro horas. Todas as minhas convicções estão caindo por
terra. Não sei mais o que pensar, até ontem eu tinha certeza absoluta de
tantas coisas, mas até meu pai perdoou Pablo... Minha cabeça está
explodindo. — Inclino minha cabeça de modo que fique com ela apoiada
em minhas mãos.

— Amar nunca foi e nunca será fácil, Mariana, envolve perdoar,


aceitar que o nosso companheiro não é perfeito, ceder, e muitas vezes
fingir demência. — Bianca diz a última parte sorrindo.

— Fingir demência? Como se faz isso? Meu sangue é quente demais


para isso, Bianca. Confesso que primeiro reajo e depois penso. Por
exemplo, ontem me livrei de passar um enorme constrangimento porque,
pasme, Angélica me ajudou. Porém, anteriormente, Pablo tinha me
oferecido ajuda, e eu interpretando erroneamente neguei — confesso
desolada.

— Faltou diálogo entre vocês.

— Mas nós conversamos muito, Bianca.

— Conversaram mesmo, Mariana? Ou apenas você falou e ele


seguiu? Isso não é um diálogo, Mariana. Em um relacionamento os dois
cedem, você pode me afirmar, honestamente, que você em algum
momento cedeu em relação a Pablo?

— Eu fiquei com ele mesmo sabendo que não gostava do meu pai. —
Saliento em minha defesa.

— Isso foi uma decisão sua! Você não cedeu, apenas seguiu um
desejo que alforrava em seu coração. Ceder é muito mais que isso,
Mariana. É renunciar, abrir mão, e se render, consentir e principalmente
aceitar. Pelo que Pablo me disse, ele fez tudo isso e você Mariana?

— Eu... — Abro e fecho a boca buscando em minha mente, um


momento em nossa história em que eu realmente cedi em algo, desde que
eu e Pablo começamos a nos envolver.

E para minha absoluta surpresa junto com uma imensa angústia, não
encontro.

Viro meu rosto assustada para Bianca e ela analisa minha expressão
com carinho.

—Veja bem, isso não anula os erros de Pablo, entretanto, você tem
que compreender que também tem a sua parcela de culpa. O amor não é
algo fácil, no entanto, eu te garanto que vale muito apena lutar por ele.

— Estou muito confusa. Agora sei que tenho que conversar com
Pablo.

— Se dê um tempo, ele também precisa desse tempo. Quando toda a


mágoa, ressentimento e angústia não mais ocupar seu coração, você o
procura, não tenho a menor sombra de dúvida que ele irá te esperar.

Maria nos interrompe, falando algo sobre uma confusão com


seguranças. Antes de Bianca ir, mais uma vez me desculpo pelo
inconveniente, ela apenas sorri e vai ajudar Maria.

Pego minha bolsa e vou em direção ao ponto de ônibus, com a


intenção de ir para casa. Amanhã eu visito Michele e o bebê, hoje não sou
uma boa companhia para ninguém.

Estou tão confusa que o melhor é me afastar e refletir.

***

À noite, deitada olhando para o teto, sentindo as lágrimas banharem


meu rosto, me recordo de tudo o que ocorreu desde o momento em que vi
Pablo pela primeira vez. Tentei analisar a história pondo de lado os meus
sentimentos, não pensando como ele, mesmo porque isso seria
impossível. Pablo é complexo e complicado demais.

Mas sim, como uma pessoa de fora. E noto que, desde o início Pablo
me dava indícios de uma instabilidade emocional, de uma intensidade de
sentimentos que me atordoava, porém, ao mesmo tempo era impossível
não me encantar com cada demonstração de carinho.

Começou de forma singela, pela forma de falar, como me tratava.


Notava que comigo era diferente, mas nunca entendi o porquê. As
palavras que Pablo pronunciou martelam em minha mente, assim que
cheguei à casa de Michele fiz uma pesquisa minuciosa sobre CoDa.

A pesquisa me fez compreender melhor todas as atitudes de Pablo,


mas a pergunta é: É isso que eu quero? Eu estou preparada para esse
carrossel de emoções? Não seria mais fácil seguir nossos caminhos
separados?

A quem eu quero enganar?! Seguir caminhos separados não está


sendo nada fácil. Até ontem eu, sinceramente, nem imaginava que,
apenas eu tinha verdadeiramente sofrido em nossa história. Contudo,
agora sei que ambos sofremos em igual intensidade. Não, igual não. Se
Pablo tem realmente todas as síndromes, ele sentiu mais, e mesmo assim
me deixou livre para amar outra pessoa.

Em suas palavras ele não é perfeito para mim..., mas e eu? Sou
perfeita para ele?!

Em minha imaturidade, errei achando que estava acertando.


Errei ao defender as minhas convicções, sem ao menos dar uma
chance de entender as dele... Mas por que, meu Deus, por que Pablo
trouxe minha mãe de volta?

Minha mente é uma bagunça total, me viro na cama de modo que eu


fique de frente para a mesinha, que está a lateral da cama com meu
celular. O pego e desbloqueio a tela.

Bianca se reservou ao direito de não me dizer nada sobre o passado


de Pablo. No entanto, Pablo me disse que revelava tudo em suas
mensagens.

Hesito em ler, não sei se estou preparada para saber. Passo um bom
tempo olhando para tela e sorrio ao ver o nome de meu pai piscando,
indicando uma ligação.

— Oh painho, o senhor não tem noção o quanto eu queria falar com o


senhor.

— Oxe! E porque não me ligou, fia?

— Ah painho... minha mente está uma zoeira só.

— Eu sei.

— O senhor sabe? Virou vidente, foi? — brinco em um tom triste.

— Seu Pablo me ligou e me disse que falou com você, ele está
preocupado e pediu para saber como você está.

— Oh painho... — Não consigo terminar, estou emocionada demais.

— Fia, eu volto em uma semana. Passe esse tempo aqui comigo em


João Pessoa. Eu preciso te mostrar um lugar, assim quem sabe, você
compreenda como eu compreendi.

— Painho, tem meu trabalho...

— Fia, pelo menos o fim de semana, é importante.

— Tudo bem, na sexta eu vou. Painho, por que você perdoou Pablo
depois de tudo o que ele fez? Ele trouxe a mãe de volta, invadiu nossa
privacidade, o que ele fez foi muito errado, pai!
— Porque eu entendi, que ele errou tentando acertar. Como eu fiz, fia.
Eu errei tentando acertar, menti para te proteger. Agi errado. O certo seria
ter lhe falado que sua mãe estava viva, queria te proteger e menti.

— Ai, painho, minha cabeça está estourando. Mas estou entendendo


o que o senhor quer dizer.

— Fia, ninguém é perfeito, viu?! Nem seu pai. Quando você me disse
que iria namorar Seu Pablo, eu te disse que não sabia se você estava
preparada, para intensidade dos sentimentos que eu via nos olhos daquele
homem. Amor não é algo fácil de se levar, fia...

Me despeço de meu pai com a promessa que, no fim de semana vou


ao seu encontro.

Inspiro profundamente e tomo uma decisão, ao invés de ler as


mensagens resolvo ligar para ele. O telefone toca algumas vezes e
quando estou desistindo ele atende.

— Mariana. — Sua voz soa rouca em meus ouvidos e me causa um


tão familiar arrepio no corpo.

— Nós podemos conversar? Eu posso ir aí? — inquiro e ele fica mudo


— Pablo? Se você não quiser...

— Eu quero! — O ouço respirar ruidosamente e logo depois murmura.


— Sou incapaz de negar algo a você, Mariana, só você que ainda não
entendeu isso. Vou pedir um carro para te buscar.

— Você sabe aonde estou?

O ouço sorrir, um sorriso triste.

— Eu sempre sei a onde você está, Mariana. Em vinte minutos ele


chega aí... Mariana?

— Sim.

— Você está disposta a me ouvir?

— Sim, por isso te liguei.

— Você leu minhas mensagens.


— Não, seja lá o que for, quero ouvir de você.

— O que te fez mudar de ideia?

— Ninguém é perfeito, Pablo, você não foi o único que errou nessa
história e nós dois merecemos conversar, nem que seja pela última vez. —
Desligo tremendo.

Já está mais que na hora de enfrentar meus problemas de frente sem


correr, apesar de toda angústia e confusão que minha mente se encontra.

Não vou seguir o conselho de Bianca e nem de meu pai. Dessa vez
vou deixar meu coração me guiar...
Capítulo 23

Mariana
Por alguns segundos me esqueço como se respira, olho o aparelho
em minhas mãos como se ele fosse algo do outro mundo. E na verdade,
para mim nesse exato momento ele foi o condutor de uma esperança que
já tinha deixado de sentir.

Nunca sequer poderia imaginar que Mariana iria entrar em contato


comigo, depois de nossa conversa de hoje à tarde.

Deixo o ar sair e o sugo novamente. Repito o processo por algumas


vezes até conseguir controlar a minha respiração. Engulo em seco, acesso
o aplicativo de transporte e peço um carro para pegar Mariana na casa de
Michele.

Deixo o telefone em cima da mesa e caminho em direção ao meu


quarto, vou direto para o banheiro, tiro minha roupa e entro em baixo de
uma ducha fria. Inclino minha cabeça e deixo a água gelada cair sobre a
minha pele me arrepiando, tentando buscar certo equilíbrio para a
conversa mais difícil da minha vida.

Vinte minutos depois estou andando de um lado para o outro. Ansioso


demais para ficar sentado estanco quando ouço a campainha, corro até a
porta, mas paro antes de abri-la. Respiro fundo, abro a porta e a vejo.

Que saudades.

Incapaz de falar algo com medo de revelar toda a emoção que


carrego dentro do meu peito, dou um passo para trás e a deixo entrar,
fecho meus olhos ao inalar o delicioso aroma de canela que a envolve.

Noto que ela também está nervosa, torcendo as mãos e olhando para
o sofá.

A última vez que Mariana veio aqui... Nossa, não gosto nem de me
lembrar.
― Por que você foi atrás de minha mãe? ― questiona, simples rápido
e direto. Sem rodeios apesar do seu aparente nervosismo. Sorrio, Mariana
está mudando. E eu gosto disso.

― Você nunca me deu uma brecha para lhe apresentar algo mais
sofisticado, quando desconfiei que sua mãe tivesse viva, eu achei,
erroneamente, que talvez um ente querido fosse lhe ajudar. Peço
desculpas, tive boas intenções, porém agi de forma errada.

Mariana se senta de modo que fique de frente, e eu prefiro continuar


de pé, estou nervoso demais para me sentar.

― Semana passada estive em João Pessoa, além de conversar com


seu pai, resolvi algumas pendências financeiras.

― Você deu dinheiro a minha mãe?

― Fiz o que tinha que fazer para consertar o erro que cometi ao trazê-
la novamente a sua vida.

― Meu pai sabe disso?

― Sim, não escondi nada dele.

― Mas escondeu de mim.

― Você não estava disposta a me ouvir, e eu fugi, o casamento foi


uma fuga desesperada. Casamento esse que nunca foi consumado, como
poderia se você está sob minha pele? Não consigo conceber, nem sequer
a ideia de tocar alguém, que não seja você, Mariana.

Ela me olha e vejo que seus olhos estão rasos de lágrimas. Fecha os
olhos e vejo grossas lágrimas banharem seu rosto.

― Me fale de você, como você nunca fez. Parece que todos sabem
da sua vida menos eu.

― O único que sabe, que realmente sabe tudo do meu passado é seu
pai. Eu dividi isso com ele.

― Por favor, me faça entender, esclareça esses pontos obscuros, me


ajude a compreender.
Caminho em sua direção, inclino meu corpo de modo que fique de
joelhos em sua frente e começo meu relato, olhando em seus olhos, me
expondo, revelando todo o meu passado.

― Nasci em Pilar, uma periferia de Recife, sou filho de uma mulher da


vida, nasci em um prostíbulo e no decorrer de minha primeira infância tive
muitos pais e tios... Todos, em algum momento me agrediu, tanto físico,
quanto emocionalmente. Aos nove anos vi minha mãe ser assassinada na
minha frente, apesar da pouca idade, essa cena me acompanha até hoje.
O medo, a impotência por não ter sido capaz de protegê-la é um
sentimento constante. ― Segundo os terapeutas, essa é a origem do meu
instinto de proteção tão aflorado. ― Eu tentei, em minha inocência achei
que com um cabo de vassoura conseguiria impedir que o assassino
continuasse a esfaqueá-la, porém, falhei. E a sua irá se voltou para mim. É
uma lembrança viva em minha mente, enquanto estava indefeso,
semiconsciente via os olhos sem vida de minha mãe fixo em mim e por
eles sangue fluindo livremente. Fui tão espancado nesse dia que fiquei
dias internado, não sei ao certo quanto tempo.

O conselho tutelar encontrou uns familiares de minha mãe, em São


José ― João Pessoa, e eu fui morar com eles. Até hoje me recordo da
felicidade que senti quando cheguei naquela vila, achando que pela
primeira vez em minha vida teria um lar decente, uma família, sem homem
entrando e saindo do quarto, sem passar a noite no relento, muitas vezes
na chuva enquanto minha mãe "trabalhava".

Contudo, absolutamente nada foi como eu imaginava. A Vila era


formada por quatro casas todas de familiares de minha mãe, e todos me
viam como o fruto de uma desgraça. Essa era a frase que mais ouvia. O
conselho tutelar me matriculou em uma escola e com quase dez anos,
pela primeira vez em minha vida tive contato com os livros, e eu vi ali uma
fuga da vida em que eu levava. Todas as crianças ficavam tristes em ir
para escola, mas eu adorava. Ficava lá o maior tempo possível, só ia
embora quando fechava.

Apesar de ter quatro casas na Vila, não tinha morada certa, dependia
do humor e da boa vontade. Um olhar fora de hora, uma expressão de
felicidade ou mesmo ficar até um pouco mais tarde lendo, já era motivo o
suficiente para agressão. Até o conselho tutelar, que até então, vinha
olhando por mim me abandonou. Creio que julgaram, por estar em uma
escola e em meio a um ceio familiar, estava protegido... Ledo engano.
Então eu aprendi a ser invisível, falava o menos possível, voltei a dormir
no relento, me alimentava somente na escola e assim fui crescendo.

O único motivo de felicidade, aquele que trazia alegria em minha alma


era a descoberta do conhecimento, meu empenho era tamanho que fui
subindo de série, e em pouco tempo estava acompanhando as outras
crianças de minha idade.

Até que um dos meus tios achou que por estar quase concluindo o
ensino médio, eu não precisava mais estudar, que já poderia "cair na lida"
quando me recusei levei uma das maiores surras da minha vida... Mais
uma vez fui internado, como era muito magro e desnutrido passei um bom
tempo no hospital, infelizmente eu ainda era menor de idade e o medo de
voltar para aquele inferno me fez fugir do hospital.

Vaguei pelas ruas, mas nunca parei de estudar. Lembro-me que a


primeira vez que fui à escola depois que tinha fugido do hospital, cheguei
fedendo e morto de fome. Uma merendeira com pena me trouxe roupas
usadas.

E assim sobrevivi por quase três anos, muitas vezes via meus primos
na escola, contudo, meus familiares nunca se preocuparam em me
procurar. Em contrapartida, nunca partiu de mim o desejo de revê-los,
exceto uma, a única que eu tenho a agradecer, uma tia que sempre
renovava a minha matrícula na escola, ou quando achava um curso
gratuito, ela fazia a inscrição, não sem antes ouvir uma boa dose de
humilhações e insultos, afinal para que um menino de rua quer fazer curso
de inglês? Creio que foi um acordo mudo, eu não os perturbava e eles me
dava acesso aos estudos. Fiz muitos bicos, dormia em carros usados, ao
relento, pedi esmola, muitas vezes parei em hospitais por agressões e
abusos que... prefiro não comentar.

Quando completei o ensino médio, trabalhava como flanelinha, nunca


vou me esquecer do dia em que minha vida mudou. Foi em uma festa, um
senhor, sofisticado, trajando roupas elegantes, me olhou e me disse que
se lutasse eu conseguiria ser como ele, me recordo que disse que amava
tecnologia, no entanto, que ninguém daria uma oportunidade a um menino
de rua. Ele me deu, me chamou para trabalhar em sua empresa, eu
agarrei essa oportunidade com unhas e dentes, e aos poucos fui
crescendo. Vendo minha dedicação, a empresa financiou minha faculdade
e logo depois de formado, fui convidado para trabalhar em Boston e
aceitei. Lá não foi um mar de rosas. Mas tive que lutar por meu espaço.

Comecei como design gráfico, como não consegui me adaptar com o


programa que eles usavam, acabei desenvolvendo um programa mais
usual. Em menos de seis meses de trabalho, fui promovido a chefe de
uma equipe de quase vinte pessoas.

Eu era completamente despreparado emocionalmente para o cargo,


ninguém me respeitava como chefe e me rejeitavam por ser estrangeiro.
Por ser mais novo, por me acharem inexperiente e por causa da minha
timidez e gagueira, me sentia inferior, não conseguia ter uma reação mais
enérgica e sempre ficava de cabeça baixa. Cheguei a pedir demissão
depois de três meses, pois não aguentava mais. Não tinha amigos, nem
família. Estava sozinho e vivia sendo humilhado. O programa que
desenvolvi tinha me rendido um bom dinheiro e eu poderia voltar e abrir
meu próprio negócio.

Meu chefe não aceitou meu pedido de demissão, disse que via um
grande potencial em mim e eles só me humilhavam porque eu deixava e
que eu era o chefe, eu decidia quem ficava e quem saía e se eu achasse
que deveria trocar todos, eu tinha carta branca para isso.

Até aquela época, ainda trazia comigo a personalidade submissa de


quem sempre foi subordinado a outro, acho que a maioria das pessoas
que passaram a vida sendo humilhados são assim. Não consegue ser
energéticos, abaixam a cabeça ao ver uma pessoa em uma posição
superior. Muitas vezes, essa servidão não é por medo ou falta de brio, não,
pessoas assim apenas desviam e evitam sofrer novos insultos.

Me vi obrigado a forjar uma nova personalidade, essa foi minha


defesa. Fui obrigado a mascarar o menino ingênuo, que apesar de todas
as adversidades da vida ainda vivia em mim. Tornei-me outra pessoa, frio,
calculista, ouso dizer que sem a menor sombra de dúvidas, intransigente e
muitas vezes grosseiro.

Demiti alguns, contratei outros e passei dez anos no cargo.

Nesse período desenvolvi outros programas, conheci Márcio,


Fernando e alguns amigos que você ainda não conhece e eles se
tornaram minha família. Quando eles voltaram para o Brasil, não vi o
porquê continuar em Boston.
Em Boston eu conheci o mundo BDSM, conheci muitas mulheres
submissas, e me vi realizado nesse meio. A dominação e toda a
complexidade que a envolve me fascina.

Mas nunca me envolvi emocionalmente.

Ao voltar para o Brasil conheci Bianca e nossa, pela primeira vez em


minha vida me envolvi. Porém, Bianca nunca teve olhos para mim, não
como um homem e sim como amigo. Meu envolvimento com Angélica se
deu porque nós dois estávamos de coração partido. Então era um bom
acordo.

Porém, eu conheci você e tudo mudou daí em diante você já sabe. ―


Quando termino de minuciar toda a minha história, vejo refletido no rosto
banhado de lágrimas de Mariana o único sentimento que eu não queria
que ela tivesse por mim.

Pena.

― Mariana, eu passei por coisas terríveis, algumas me reservo no


direito de não revelar tamanha a atrocidade que me foi cometida, porém
eu sobrevivi, eu venci, eu me reinventei não sou motivo de pena. ―
Levanto e caminho em direção à janela.

― Meu pai tinha razão, você tem um pé no Nordeste. ― Ela tenta


fazer uma brincadeira, contudo, sua voz soa embargada.

Viro meu corpo em sua direção e vejo o quanto está sofrendo. Eu


preferiria, nunca ter revelado meu passado para ela, se assim pudesse
impedir toda a dor que está sentindo.

Não quero que Mariana sofra, nunca! Prefiro sofrer em seu lugar.

― Mariana, eu estou danificado, essa é a mais pura verdade. Pela


primeira vez em minha vida estou tentando me consertar, me remendar.
Por tanto tempo camuflei tão profundamente meu passado, que achei que
estava tudo bem. Todavia, você me fez ver que não estava nada bem ―
murmuro de cabeça baixa. ― Quando eu vi você com aquele homem,
sorrindo, feliz, despreocupada eu vi que você merece um homem que
esteja inteiro, não um tentando se reconstituir.
― Agora eu compreendo ― afirma entre lágrimas. ― Estou me
sentindo uma idiota estava tão preocupada com os meus problemas que
não olhei ao redor, não olhei para você. Você tem toda a razão de não me
querer mais? ― sussurra em um tom triste.

― Eu te amo mais que a mim mesmo ― retruco. ― E por te amar


demais eu sei que você merece alguém melhor que eu. ― Minha voz soa
trêmula, deixar Mariana livre é uma das coisas mais difíceis que já fiz em
minha vida.

Volto meu corpo em direção à janela, sorvo o ar e o prendo, não quero


ver Mariana ir embora, não quero ver ela deixando minha vida. Sofro em
silêncio na espera de ouvir a porta bater quando ela partir.

Arfo no exato momento em que Mariana encosta o seu corpo contra o


meu, seu perfume me envolve, meu corpo estremece, fecho meus olhos e
cerro o punho para conter a louca vontade de virar meu corpo e fazê-la
eternamente minha.

― Você não respondeu minha pergunta, você não me quer mais? ―


sussurra ao meu ouvido, e eu perco o fôlego e pouco de autocontrole que
tão fervorosamente buscava manter.

Giro meu corpo, enlaço sua cintura, enrosco meus dedos em seus
sedosos cabelos o puxo de modo que ela inclina a cabeça. Olho em seus
olhos.

Estão vermelhos pelas recentes lágrimas, mas brilhantes. Mariana


está ofegante, seus lindos lábios carnudos estão entreabertos,
convidativos e eu sei como são saborosos.

Encosto minha testa na sua e sussurro contra a sua boca.

― Por toda a minha vida, não haverá um único dia em que eu não vá
querer você.

― Então, eu sou sua ― murmura e morde meu lábio inferior e o suga.

Sou pego pela surpresa, franzo o cenho e nesse momento sou


incapaz de falar um aí sequer.

― Eu sou sua para amar, para proteger, para adorar, para cuidar,
desde que você não tome mais nenhuma decisão sem antes me consultar.
― Nunca, nunca mais. Eu... eu prometo ― balbucio, ainda não crendo
em meus ouvidos.

― Pablo, vamos construir juntos o nosso mundo, não o meu ou o seu,


mas o nosso. Se você me quiser com todas as minhas imperfeições,
orgulho e imaturidade, eu sou sua ― declara, soluçando e eu a beijo.

Tomo seus lábios matando a saudade que me consome, que nos


consome, absorvendo sua doçura, entre lágrimas, soluços, sorrisos,
desculpas, perdões e redenção. E então fazemos amor. Nós entregamos à
paixão que nos exaure, com juras de amor e a promessa de um recomeço,
onde trilharemos nossos caminhos, construindo nosso futuro, tendo a
absoluta certeza que não será nada fácil, contudo, com o
comprometimento de nunca, jamais desistir do amor.
Epílogo

Mariana
Quatro anos depois,

Vagorosamente me levanto da cama e envolvo meu corpo nu em um


lençol de seda, caminho até a janela, a abro e fecho meus olhos e sinto a
minha pele aquecer com o agradável sol da manhã.

Estamos em Veneza hospedados no Belmond Hotel Cipriani, que fica


situado na ilha de Giudecca e oferece uma vista deslumbrante do canal de
Veneza e do Palácio Ducal.

Viro meu rosto em direção à cama e observo Pablo dormindo


placidamente, sorrio e retorno meu olhar para a paisagem, sigo uma
gôndola que atravessa calmamente o canal.

Nesse período aconteceram muitas coisas.

Como prometido fui ao encontro de meu pai em João Pessoa, fui


sozinha e viajamos para o local onde Pablo passou a infância, foi sofrido
ouvir o seu relato, mas ver o lugar aonde ele viveu foi perturbador.

Também fomos visitar os familiares de meu pai e vi que eles viviam


confortavelmente, em virtude do valor que minha mãe dispusera por anos,
achando que o valor iria para mim, Pablo ressarciu financeiramente minha
mãe que sumiu e, durante esse período, nunca entrou em contato comigo,
creio que tenha sido melhor assim. Já meus familiares perderam a renda
extra. E de quebra ganharam um belo de um processo. Que ao final das
contas foi convertido em cestas básicas.

Meu pai voltou diferente para o Rio, mais risonho, mais leve e aberto a
um novo amor. Ele precisava desse fechamento em sua história, foi bom
para ele. Como ele me disse naquela época, foi algo bom de algo ruim.

Meu pai finalmente libertou seu coração e a Vera, mãe de Nay,


agarrou essa oportunidade. A grande verdade foi que meu pai não teve a
menor chance de resistir à Vera.

Sorrio, meu pai está feliz.

Casou-se novamente, está amando e feliz. Pablo tentou comprar uma


casa para eles, fora da comunidade, mas nenhum dos dois quis sair de lá.
Vera é engajada no mundo do samba, respira Mangueira e confesso que
me tirou boas risadas ver meu pai tentar se arriscar a sambar.

Não deu certo.

Eles têm um bom acordo, ele com a sofrência e ela com o samba.

Eles criaram um mundo só deles e estão felizes assim.

Bianca está gravida do seu segundo filho, Fernando continua tão ou


mais ciumento. É lindo ver os dois juntos.

Michele está gravida de gêmeos, ela já tinha dois filhos com Márcio,
ela diz que é difícil demais não se esbaldar em seu chocolate derretido,
segue ameaçando todos — homens e mulheres —, que olhem para Márcio
com interesse, ama exibir a aliança dele que na qual está escrito “Pertence
à Michele”.

Márcio, ah Márcio, segue sendo Márcio, com seu sorriso faceiro que
seduz até um poste! Encanta a todos levando os filhos consigo para todo
lugar. Chega a ser engraçado, um no canguru e outra no carrinho. Fico
pensando o que ele fará quando os gêmeos nascerem...

Michele e Bianca estão bem, seguindo a vida e enfrentando o grande


desafio que é a vida a dois.

Maria, não trabalha mais para Bianca e Michele, contudo, seguem


amigas inseparáveis. Ela abriu uma loja de produtos nordestinos em
sociedade com o meu pai, mas a sua especialidade são os chás do poder
— Sim, já fiz uso do chazinho milagroso — e faz um tremendo sucesso.
Continua tão ou mais excêntrica e segue em busca do seu grande amor,
mas creio que ela o encontrou há algum tempo, só que prefere não
comentar. Acredito que um dia ela conte essa história melhor...

Nay, está estudando moda na Inglaterra, está mais fashion do que


nunca. Pasmem: ela se casou com Pedro, ex-namorado da sua chefe
Marcela que a deixou grávida. Porém, é um casamento de conveniência...,
mas olhe... Foi um drama daqueles!

Angélica está viajando pela Europa, desde o divórcio que não a vejo.
Sei que mantém contato com Pablo, se gosto disso? Claro que não! Mas
evito falar sobre o assunto da mesma forma que ele evita falar sobre a
minha amizade com Victor.

Victor, por causa dele que estamos em Veneza.

Victor se tornou muito importante para mim, uma amizade sincera a


qual muitas vezes, quando as coisas ficavam difíceis chorava em seu
ombro. Presenteou-me com maravilhosos conselhos.

Victor se tornou um bom amigo.

Depois de um tempo morando no Brasil e trabalhando com Cristina,


Victor, voltou a morar em Veneza, ele nunca me disse ao certo o porquê
da sua decisão em voltar, creio que tem algo a ver com Angélica. Porém,
essa é uma história que ele vai contar quando estiver pronto para isso.

Victor está fazendo uma exposição de suas obras em uma galeria em


Veneza e estamos aqui para prestigiá-lo.

— Pablo... — murmuro ao sentir seus braços me enlaçando e o leve


beijo em meu ombro.

— Senti sua falta na cama. — Viro meu corpo de modo que fique de
frente a ele, que pega minha mão e beija minha aliança sem desviar os
olhos do meu. Ele faz isso todos os dias desde que nos casamos há quase
quatro anos.

Observo seu rosto, calmo e sorridente.

Pablo mudou tanto. Nós dois mudamos.

Não foi uma caminhada fácil, não foi mesmo. A terapia e os grupos de
apoio o ajudaram. Ele segue em terapia, creio que vá precisar para
sempre. Fui em algumas sessões com ele. Foi preciso, foi bom, muito
esclarecedor.

Não vou lhe dizer que Pablo se tornou um doce de pessoa, não, creio
que esse traço de sua personalidade, ele só reserva para mim. Contudo, já
não é mais tão austero, frio e intransigente.

Quanto a mim, confesso que foi difícil crescer, amadurecer, saber que
nem sempre as coisas acontecem quando queremos, e sim, quando tem
que ser. Aprendi a ser mais tolerante, condescendente, flexível.

Aos trancos e barrancos aprendi que nem toda briga vale a pena, às
vezes, é melhor ceder, que lá na frente ganho mais.

Cedi em algumas coisas; aceitei me casar alguns meses depois que


nos reconciliamos. Assim que o divórcio dele saiu. Entendi que Pablo
precisava disso, e eu sabia que não importava o que acontecesse, o quão
difícil ficasse as coisas, nunca mais iria fugir.

Demorei a me adaptar a vida de casada, tive que impor alguns limites


para Pablo, como por exemplo, parar de rastrear o meu celular.

Cedi ao sair da empresa; Pablo me pediu para me dedicar somente à


faculdade e fazer todos os cursos que eu sempre quis, porém nunca
pude. De início, meu primeiro pensamento foi bater pé, discutir e dizer
não! Todavia, respirei fundo e aceitei. E no final foi bom para mim.

Terminei a faculdade, fiz vários cursos e viajamos muito.

Obviamente eu sabia que o seu pedido tinha segundas intenções,


como ficar mais disponível para ele. Entretanto, eu seria hipócrita em
negar que amo a sua atenção, dedicação e devoção a mim.

Em contrapartida mostrei o lado bom das coisas simples, comida


caseira, churrasco com amigos e para minha total e completa surpresa se
tornou uma tradição todo segundo domingo do mês irmos ao Centro de
Tradições Nordestinas.

Então eu cedo, em pequenas coisas, ele cede em outras. E assim


criamos um universo paralelo só nosso. Onde somos livres e exploramos
nossos desejos ao limite do prazer. Pablo me mostrou seu lado mais
lascivo, libidinoso, lúbrico e eu amei cada descoberta. Mas, posso dizer
sem a menor sombra de dúvida que, não sou submissa. Porém, amo seu
lado escuro e depravado.

— Como minha princesa está hoje? — Pablo inclina o corpo e beija


meu ventre avantajado.
Estou grávida, com cinco meses de gestação.

Uma coisa que ele cedeu, Pablo não queria ter filhos, mas desde que
nos casamos, eu queria. Porém, sabia que naquele momento crítico, nem
de longe, era o melhor momento. Então eu esperei estarmos estáveis, ele
estar seguro de que eu não iria abandoná-lo, ele ter a certeza que eu
jamais iria desistir de nós. Não toquei no assunto de filhos. A verdade foi
que eu nunca sequer mencionei isso, era um desejo que guardava dentro
de mim. Porém, em alguns momentos, era impossível disfarçar esse
desejo. Principalmente convivendo com crianças tão adoráveis quanto os
filhos de Michele e Bianca.

E foi depois de uma festa de aniversário do filho de Michele, que ao


chegarmos em casa, à noite, quando fui tomar a pílula anticoncepcional,
ele segurou minha mão e me perguntou se eu queria ter um filho com ele.

Recordo-me de estar tão emocionada que apenas fiz um ligeiro


meneio afirmativo, enquanto nem me dava o trabalho de conter a emoção.

Naquela noite fizemos amor com carinho, amor e devoção, sem jogos,
sem brinquedos ou bondage apenas eu, ele e nosso amor.

Quando descobri que estava grávida, o esperei chegar em casa


ansiosa, e confesso que um pouco receosa.

Nunca enquanto viver vou me esquecer da expressão de Pablo, ao


dizer que ele ia ser pai.

Ele abria e fechava a boca, lágrimas caiam livres em seu rosto, ele se
ajoelhou em minha frente e prometeu ao nosso filho que sempre iria
protegê-lo. Depois enlaçou minha cintura e chorou, um pranto doloroso de
partir o coração. Sabendo todo o histórico dele, me senti impotente
naquele momento. Então apenas, me deixei ser abraçada enquanto fazia
pequenos carinhos em sua cabeça. Até ele se acalmar.

Recordo-me que a primeira vez que ouvimos o coração do meu bebê


bater foi o dia que eu mais chorei na vida, porém não se comparou ao dia
que descobrimos o sexo do bebê. Pablo tinha certeza de que seria
menino, já tinha comprado várias coisas azuis e quando o médico disse
que seria menina, segurei a respiração e o olhei apreensiva.
E naquele momento ocorreu algo que eu não achava possível, amar
mais Pablo. Ele sorria e grossas lágrimas banhavam seu rosto. Ele elevou
minha mão a sua boca e a beijou por diversas vezes e quando o médico
limpou minha barriga, ele se inclinou e cochichou que ela seria a nossa
princesa.

Foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida.

No decorrer dos anos eu vi Pablo colando cada pedacinho que estava


faltando, as terapias trouxeram muitas coisas submersas à tona, às vezes
era tão triste, tão doloroso que me sentia uma inútil. Então nesses
momentos apenas o abraçava e dizia que nunca, jamais iria abandoná-lo.

E é o que estou fazendo agora.

Carinho em sua cabeça, enquanto o vejo mais uma vez prometendo a


nossa filha que sempre estaria ali para ela.

Ele ergue o corpo, limpa minhas lágrimas.

— Você me trouxe de volta à vida, estava morto por dentro antes de


você.

— Eu amo você — afirmo, incapaz de dizer absolutamente mais nada.

Pablo sempre fez isso, desde a primeira vez que o vi, ele tem a
capacidade de me deixar sem fala, sem fôlego, sem ar.

Ele consegue me levar ao extremo, sendo apenas ele,

Pablo.

Fim
Copyright © 2019 Vania Freire

Capa: L.A Capas- Larissa Aragão


Revisão: Margareth Antequera
Diagramação: Vania Freire

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
__________________________________
**APAIXONADO POR VOCÊ**
SPIN-OFF DO LIVRO
MARIANA
Vania Freire
1ª Edição — 2019
________________________________
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,
através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da
autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal.
Nota da autora

Apaixonado por você, é um romance que contém expressões típicas do Nordeste,


no caso, João Pessoa, e por possuir personagens singulares, foram preservadas as
peculiaridades de cada um deles.
A construção da narrativa e dos diálogos dos personagens Arino e Mariana fogem à
norma padrão da língua portuguesa, adequando-se ao uso cotidiano da região, padrões
de vida e instrução de cada um.
“A vida de ninguém é repleta de
momentos perfeitos. E se fosse, não
seriam momentos perfeitos. Seriam
Apenas normais. Como você poderia
Saber o que é a felicidade se nunca
tivesse experimentado as quedas?”
PS Eu te amo
Prólogo
Caminho ao lado da minha filha pelo corredor da igreja, nervoso que só eu, ela está
linda por demais! Mariana, está se casando com um homem o qual, por muito tempo, fez
de um tudo para evitar se envolver.
Parte dessa recusa era por minha causa, por eu ser um nordestino. Veja bem,
minha Mariana nunca sentiu vergonha de mim, muito pelo contrário, ela brigava com
quem fosse por minha causa, até mesmo com o homem que amava.
No decorrer desse último ano aprendi algumas coisas, hoje em dia tenho um pouco
mais de instrução do que na época que conheci Pablo, mas o orgulho pelo meu Nordeste.
Ah... esse continua intacto.
Eu sinceramente acho que desde que o senhor... Ops! Ele não quer mais que eu o
chame de senhor, enfim, desde que Pablo colocou os olhos em cima da Mariana, ele se
apaixonou, e eu acho que aconteceu o mesmo com minha filha.
Mas até os dois finalmente ficarem juntos, foram meses de sofrimento.
Seu Pablo tinha alguns traumas no passado, ele me fez passar o pão que o diabo
amassou, mas de certa forma eu o entendia, aquela raiva e rancor que ele levava no
peito, era tão grande que ele não conseguia ― e eu acho que nem mesmo queria ―,
conter e transbordava em ondas de fúrias para cima de todo mundo ao seu redor.
Pablo viveu algumas desgraças que nenhum ser humano deveria passar e, hoje sei
que eu representava tudo o que ele mais odiava...
Mas minha linda Mariana, uma menina meiga e ao mesmo tempo tinhosa que só, o
fez passar um perrengue daqueles para conquistá-la.
Pablo teve que fazer as pazes com seu passado, para ser feliz ao lado de Mariana
e minha menina, aprender que as vezes é preciso ceder.
Chegamos ao altar e, Mariana entrega o buquê de flores à Dona Bianca, vira o rosto
para mim e sorri. Meu coração quase explode de emoção, meu sorriso é tão largo que
chega a doer a mandíbula.
A cerimônia é linda por demais, o amor que emana dos dois faz a todos suspirar.
Acho que não tem uma única viva alma nessa igreja que não esteja emocionado,
discretamente, pego o lenço em meu bolso e corro a igreja com os olhos e prendo a
respiração ao avistar a mãe de Mariana, Alyssa Kannenberg, sentada no último banco da
igreja.
Nossos olhares se encontram e ela sorri. Não retribuo, não conseguiria.
Franzo o cenho e desvio meus olhos do dela e faço uma prece silenciosa a Padim
Pade Ciço que não deixe que essa mulher estrague a felicidade de minha filha.
Graças a Deus tudo correu bem, fico um tempo na porta da igreja vendo minha filha
e Pablo seguirem para o local que será realizado a festa.
― Arino. ― Fecho meus olhos ao reconhecer a doce voz aveludada de Alyssa. ―
Podemos conversar.
― Não, não temos mais nada a conversar, o tempo de conversa passou, esperei
mais de vinte anos por essa conversa, desde o dia em que você abandonou Mariana no
berço, sozinha em nossa casa.
Ouço-a suspirar e seu perfume chega até a mim, me fazendo consciente do quão
próxima ela está.
― Por favor, Arino, eu queria explicar... Pablo, quando quitou a dívida, me contou
tudo o que realmente aconteceu e eu queria te dar esse dinheiro.
Uma raiva subia pelo meu íntimo queimando tudo por dentro.
Giro meu corpo e a encaro.
Alyssa regula idade comigo.
Ambos temos 40 anos, no entanto, enquanto os anos de trabalho e noites em claro
preocupado em como iria cuidar de uma filha sozinho me deram algumas rugas e alguns
fios grisalhos e muitas marcas de expressão, a ela o tempo foi um bom companheiro,
Alyssa continua tão linda quanto há 22 anos, no dia em que ela deixou a nossa filha e a
mim, deixando apenas um bilhete e indo embora sem olhar para trás.
― Não há nada mais o que explicar não Alyssa, eu te disse isso por telefone
quando estava em João Pessoa.
Sinto sua avaliação em mim, ela me olha de cima a baixo.
Houve um tempo em que um simples olhar dela botava fogo em meu corpo, mas
agora não sinto nada e agradeço a Deus por isso.
Eu achei que nunca iria deixar de amar essa mulher.
Sofri por ela.
Chorei por ela.
Mas agora, ela não significava mais nada para mim.
― Você se tornou um homem muito bonito Arino.
Bufo, balanço a cabeça negativamente, inclinando a cabeça e olhando minhas
mãos calejadas.
― Siga sua vida Alyssa, e deixe as nossas em paz, você já fez muito estrago.
Ela não me respondeu, mas em seu olhar eu vejo que ela irá fazer exatamente ao
contrário.
Viro meu corpo e sigo em direção a saída.
Hoje é dia de festa e, decidido caminho para o carro que está me esperando para
me levar para a festa de casamento de minha filha, e não, de pensar em coisas tristes.
“ É tão particular o meu
Encontro quando é com você
O meu sorriso quando tem o
teu pra acompanhar
As minhas histórias quando
você para pra escutar
A minha vida quando tenho
Alguém pra chamar
De vida”
Singular - AnaVitória
Capítulo 1
Há meses que vejo Mariana inquieta, chega a me dar uma gastura vê-la andando
de um lado para o outro, fingindo que está tudo bem, quando eu sei que não está. E eu
tenho quase certeza que o nome de toda essa inquietação é o senhor Pablo.
Por diversas vezes vi o modo como ele observava Mariana, quando acha que
ninguém está vendo, mas eu vi.
Umas das coisas interessantes de se trabalhar em serviços gerais é que nos
tornamos invisíveis para algumas pessoas.
Já trabalho nisso há tanto tempo que já estou acostumado, sempre tento ser
educado com todos, mas pessoas como o senhor Pablo fazem questão de não notar a
minha existência.
Houve uma época em que isso doía por demais, mas hoje em dia não levo mais
para o meu coração. A vida me ensinou que o problema era com eles e não comigo.
Suspiro ao ver minha linda menina mais uma vez se olhar no espelho.
Mariana é formosa que só, sempre foi gordinha, bochechas rosadinhas, é linda por
demais, ela nunca teve problemas com espelho até começar a trabalhar com o senhor
Pablo.
Talvez, se a mãe não tivesse nos abandonados ela poderia ajudar Mariana, mais
que eu, chega a me dar um aperto no peito ao me lembrar da mentira que há anos conto
para minha filha. Para ela, a mãe morreu, não queria que minha filha sofresse por ter sido
abandonada, ainda bebê, pela mãe, então menti que a mãe tinha morrido, logo após ela
nascer.
Volto a suspirar e olho o horário em meu relógio, hoje é o noivado de dona Bianca.
Eu posso dizer sem a menor sombra de dúvidas que minha vida pode ser dividida
em, antes de Bianca e depois de Bianca.
Dona Bianca trabalha em uma das empresas em que eu trabalho ― sim, tenho dois
empregos, de dia sou faxineiro e a noite sou porteiro ―, enquanto eu sou um simples
faxineiro, ela é uma publicitária toda chique e elegante.
Ela era uma das poucas pessoas que sempre que me via, me cumprimentava e
tirava um tempinho para conversar comigo, e foi assim, em uma conversa em um
momento de puro desespero que desabafei minhas preocupações quanto aos estudos de
Mariana.
Foi com grande surpresa que ouvi de dona Bianca que ela iria me ajudar.
A princípio não acreditei, mas no dia seguinte, dona Bianca pediu para conhecer
minha Mariana e desde então, custeia a faculdade e os cursos de minha filha.
Serei eternamente grato a ela.
Em minha vida poucas vezes encontrei pessoas que me estenderam a mão, dona
Bianca e Vera foram as únicas.
Vera, o simples pensamento em relação a ela faz meu coração palpitar, ela é minha
vizinha.
Uma linda negra, rainha de escola de samba, mãe guerreira e tão bonita por dentro
quanto por fora. Perdi as contas de quantas vezes ela me ajudou nos últimos anos.
A verdade é que eu sinto medo dos meus sentimentos por ela. O sentimento me faz
recordar o que eu senti pela mãe de Mariana.
Não quero nem pensar, em passar por aquele sofrimento novamente, por esse
motivo a mantenho afastada, somos amigos, o que ela precisar, ela sabe que pode contar
comigo, mas jamais algo além disso.
― Painho, está tudo bem? ― Mariana indaga me trazendo de volta ao momento
atual.
― Oxi! Fia, eu estou é vendo a sua gastura em frente ao espelho, porque você está
tão nervosa fia, você é linda por demais.
Ela sorri, se olha no espelho mais uma vez e finalmente saímos de casa.
***
Moramos na favela da rocinha, Rio de Janeiro. Aqui tem dias calmos e dias
turbulentos.
Às vezes do nada pode começar um confronto, então, sempre que saímos de casa,
ficamos alerta.
No meio do caminho, faltando poucos metros para chegar ao ponto do ônibus, vejo
Vera descendo de um luxuoso carro. Paro e sugo o ar com força, ela está linda por
demais. O curto vestido adere ao seu corpo como se fosse a sua pele.
Engulo em seco e volto a andar, fito Mariana um pouco a frente e respiro aliviado ao
notar que ela está tão envolta em seus pensamentos que não repara em nada à sua
volta.
Nós nos aproximamos do local onde Vera está, ela está com o corpo apoiado pelos
braços, com a cabeça dentro do carro e segue conversando com o motorista.
Minha intenção era: aproveitar que Mariana estava distraída, passar direto e fingir
descaradamente que não a vi.
Porém, ela me avistou.
Vejo Vera virar a cabeça, com o corpo ainda inclinado e me olhar sobre os ombros.
Ela pisca um olho e eu vergonhosamente tropeço.
― Tudo bem, painho?
― Sim, sim... Tropecei em uma pedra.
Mariana olha para o chão depois me olha intrigada. Eu tenho certeza que ela não
viu pedra alguma e eu estava tão avexado que nem me atrevi a olhar para o chão.
― Vamos fia, vamos, senão a gente vai chegar atrasado para o noivado de Dona
Bianca ― insisto e ela continua a andar.
Sigo em frente ainda com a intenção de passar direto por Vera.
Mas Vera, não é o tipo de mulher que se deixa passar despercebida, ela eleva o
tronco e põe a mão na cintura como dissesse.
“Vai passar sem falar comigo é?”
Pois eu tenho é certeza que se eu passasse por ela sem a cumprimentar, essas
seriam as palavras que ela falaria em alto e bom som.
Por que sei disso? Porque já ouvi muitas vezes e estava disposto a ouvir mais uma
e desviar dela, que nesse momento vem rebolando o quadril em nossa direção.
Chego até a suar frio.
― Mari meu anjinho, você está tão linda. ― Vera abraça e beija Mariana.
Esse é um dos motivos que me faz gostar tanto dessa mulher, não só pela beleza,
mas por todo carinho que ela demonstrou por todos esses anos sentir pela minha
Mariana.
Ela abraça Mariana de olhos fechados, aquele tipo de abraço carregado de afeto.
Eu sorrio.
Então ela abre os olhos, me olha e mais uma vez tenho que me lembrar de como se
respira, eu tenho certeza absoluta que estou vermelho feito um pimentão.
Vera tem os olhos amendoados e ela tem aquele tipo de olhar que cativa e ele me
envolve a tal ponto que tive que balançar a cabeça para colocar as ideias no lugar.
― Você está muito bonito, Ari ― comenta ainda abraçada à Mariana, me fitando da
cabeça aos pés, como se tivesse me despindo, me deixando mais acanhado do que eu já
estava.
― Painho está um gato, não está, tia Vera? ― Mariana vai e coloca mais lenha na
fogueira.
― Ari está simplesmente maravilhoso ― ela fala vagarosamente e eu engulo em
seco.
Vera é a única pessoa da face da Terra que me chama de Ari, mas eu já perdi as
contas de quantas vezes eu mandei essa mulher parar com essa besteira e me chamar
pelo meu nome inteiro.
Há dez anos desisti de brigar, hoje apenas bufo quando ela me chama pelo apelido.
― Ari, não fica bem um homem tão bonito como você ficar bufando.
― Oxi, eu sou um cabra veio, mas eu já desisti de fazer você me chamar de Arino.
― Ora, deixa de ser bobo Ari, nós temos a mesma idade, 40 anos não é velho não,
eu por exemplo estou na flor da idade. ― Ela joga os braços para cima e ondula o corpo.
Engulo em seco e desvio meus olhos do dela e fixo no carro, o homem segue a
esperando placidamente.
E qual é o doido que não esperaria por essa mulher?
Só eu!
― Vera teu amigo está te esperando no carro. ― Minha voz sai mais grossa do que
eu queria.
― Ciúmes, Ari? ― Vera soa debochada ― Não precisa, ele é o designer da minha
fantasia da escola de samba. ― Ela se aproxima de mim e sussurra ao meu ouvido. ―
Você sabe quem eu quero.
O seu perfume adocicado me envolve e meu corpo todo estremece.
Volto a engolir em seco e viro meu rosto para Mariana.
― Vamos fia, senão vamos chegar atrasados ao jantar de dona Bianca.
Creio que meu tom meio desesperado tocou Mariana, ela se aproxima de Vera a
abraça, eu me despeço com um aceno e finalmente seguimos para a festa de dona
Bianca.
”Eu quero a sorte de um amor
tranquilo
Com sabor de fruta mordida”
Cazuza
Capítulo 2

Chegando ao prédio de dona Bianca, fico abismado com tamanho luxo.


Confesso que estava acanhado quando Bianca abriu a porta de seu apartamento,
acompanhada do senhor Fernando.
Bianca é uma das mulheres mais lindas que eu já vi.
Ela é negra, olhos esverdeados, gordinha e é linda que só. O sorriso que seu
Fernando carrega nos lábios e o aperto que ele dá em sua cintura, demonstra o quanto
ele está apaixonado e orgulhoso da mulher ao seu lado.
Mas nem sempre foi assim.
Acompanhei o romance deles de longe. Seu Fernando é daqueles tipos de homens
que as mulheres viram a cabeça para olhar. Branco, alto, atlético e principalmente muito
rico. Ele é o CEO da empresa em que sou faxineiro.
Antes seu Fernando era um homem muito preconceituoso, mas dona Bianca o fez
passar o pão que o diabo amassou para conquistá-la, deu até pena do homem nessa
época, andava todo cabisbaixo e maltrapilho pela empresa.
Mas é nunca que o Fernando de antigamente, convidaria um simples faxineiro para
a sua festa de noivado. O que o amor não faz com uma pessoa preconceituosa, não é
mesmo?
Este sentimento muda as pessoas e muitas vezes é para o bem, pelo menos no
caso do seu Fernando, já de outras pessoas...
Mariana deu o presentinho que comprou para dona Bianca, algo simples e singelo,
contudo, Bianca o recebeu como se fosse algo de muito valor.
Ao contrário do que eu imaginava, a festa era para poucos convidados, confesso
que estava apreensivo de como seria esta, já que é uma festa de grã-fino. Bianca nos
pediu que ficássemos à vontade e saiu de mãos dadas com Fernando.
Olho em volta e meus olhos param em seu Pablo, viro minha cabeça e vejo as
reações de Mariana.
Ela está pálida e com uma expressão apreensiva.
E não é para menos, ontem na parte da tarde seu Pablo fez um escarcéu com a
noiva, no salão da empresa, e terminou o seu noivado aos berros, na frente de todo
mundo, quando a noiva ofendeu Mariana.
E, no entanto, está ele aqui agora, agarrado com a mulher.
Antes que eu consiga perguntar se a minha filha quer ir embora, Bianca enlaça a
sua cintura, me pede licença e as duas começam a conversar.
Desvio meu olhar para seu Pablo e vejo que ele está olhando fixamente para minha
Mariana.
Pois, se esse cabra está achando que minha filha não tem ninguém que lute por
ela, ele está muito enganado.
Não vou falar nada aqui por respeito à Bianca, mas amanhã... ele que me aguarde.
Seu Fernando toca meu ombro e me chama para uma roda de conversa.
Assunto: Futebol
A prosa estava boa por demais.
Em determinado momento, olho para um canto e vejo uma linda mulher de
vermelho parada, ela estava escorada em uma pilastra, a verdade é que parecia que a
qualquer momento ela iria cair de cara no chão.
Fiquei com tanta dó dela, que pedi licença e fui em sua direção com a intenção de
ajudá-la.
Seu nome era Maria.
Sorriso fácil, meigo e ao mesmo tempo brincalhão, do tipo que te convida a rir junto,
num sabe.
Maria é pequena, magrinha, cabelos pretos e foi uma agradável surpresa saber que
ela é do interior da Bahia.
Uma nevoa de tristeza apagou um pouco do brilho do seu olhar ao falar do seu
lugar de nascença.
Foi algo rápido, ela virou o rosto para tentar disfarçar e poucos segundos depois,
me olhou como um enorme sorriso nos lábios.
Conheço aquele olhar, é o mesmo que eu vejo no espelho.
É o olhar de quem já sofreu muito na vida, e o sorriso que Maria deu foi de uma
pessoa que por mais que a vida a tenha maltratado, ela segue ali, ainda acreditando que
coisas boas podem acontecer.
Eu sorri sentindo uma onda de bons sentimentos tomar contar do meu coração.
Carinho, ternura e amizade...
A conversa com Maria está sendo tão agradável e engraçada que por diversas
vezes me vi gargalhando.
Nem vi as horas passando, há muito tempo que não me sentia tão relaxado perto
de uma mulher.
Ouço Mariana me chamando e quando viro meu rosto para fitá-la, meu sorriso
morre aos poucos em meus lábios.
Mariana está com os olhos rasos de água e trêmula, é óbvio que algo a abalou
profundamente. Chego a sentir remorso por estar tão envolto na conversa com Maria que
por algumas horas me esqueci de tudo ao meu redor.
Despeço-me de Maria.
Abraço minha filha e saímos da casa de Bianca de cabeça baixa.
Por mais que eu perguntasse, Mariana se recusava a me dizer o que tinha
acontecido.
À noite deitado em minha cama, com o coração angustiado, eu tomo uma decisão.
Amanhã vou ter uma conversa com seu Pablo!
Viro de lado fecho meus olhos e tento dormir, quando as imagens de Maria e seu
bom humor invadem minha mente me fazendo sorrir.
Será que algum dia a verei novamente?
” O meu amor tem um jeito
Manso que é só seu, que
Rouba os meus sentidos, viola
os meus ouvidos com tantos
segredos lindos e
indecentes”
Chico Buarque
Capítulo 3
Cheguei à empresa um pouco mais cedo que o horário habitual com a intenção de
adiantar o trabalho, para poder conseguir conversar com Pablo ainda hoje.
Só consegui ter um tempinho livre antes do almoço.
Dirigi-me até a sala de Pablo com o coração transbordando de raiva.
Minha Mariana estava arrasada.
Recordo-me que há alguns dias em uma conversa franca abri meu coração, disse
para ela que, se ela quisesse ficar com seu Pablo, eu não seria empecilho, mesmo
sabendo que ele não gosta de mim.
Queria ver minha filha feliz, e se Pablo me tratasse mal, não iria me importar, tanto
que tratasse minha filha bem.
Mas para a minha total confusão, ontem à noite ele ficou o tempo todo grudado na
sua noiva, mesmo depois de deixar claro o seu interesse por Mariana.
Paro em frente da secretária do seu Pablo que me olha com curiosidade.
― Boa tarde.
― Boa tarde, em que posso te ajudar? ― questiona gentil.
― Gostaria de falar com o senhor Pablo, é um assunto muito urgente e particular.
Ela assente e faz uma ligação.
― O senhor pode entrar ― informa assim que põe o telefone no gancho.
Antes de entrar respiro fundo.
A conversa com seu Pablo foi algo difícil de se levar. A arrogância e a prepotência,
se faziam presente a cada vez que ele abria a boca. Seu Pablo tentou várias vezes me
humilhar, mas eu não estava ali por mim e sim pela minha filha.
Então, nada do que ele falava ao meu respeito me atingia. O que eu queria era que
ele entendesse, como era minha vida e o que eu fiz por Mariana.
E eu acho que atingi meu objetivo.
Ao final o convidei para jantar e deixei claro que, se não viesse, ele poderia
esquecer minha filha.
Conheço Mariana, sei que apesar de doce e meiga ela é muito tinhosa.
Se seu Pablo não andar do jeito que ela quer, os dois nunca ficarão juntos, quis
deixar bem claro para ele que, Mariana tem um pai que ama e briga muito por ela.
Saio do escritório com um sorriso nos lábios, não tenho a menor dúvida que Pablo
irá jantar lá em casa.
Com um sorriso travesso, peço à Mariana para fazer um jantar tipicamente
nordestino.
Seu Pablo não sabe o que o aguarda.
Volto ao meu serviço com o humor renovado e é com agradável surpresa que vejo
Maria e Michele entrando na recepção da empresa.
Dou um passo em sua direção, mas paro.
Aqui eu sou um simples faxineiro e, no momento, estou bem diferente de como
estava vestido na festa de noivado de dona Bianca.
Eu a observo de longe e sorrio, Maria sem as roupas grã-finas fica muito mais
bonita. Prendo a respiração quando percebo que ela me nota e acena.
Para minha enorme surpresa, Maria caminha em minha direção, carregando um
sorriso enorme nos lábios.
― Arino, que bom te encontrar, estava com medo de não te achar ― ela para de
falar e busca o ar e meu sorriso aumenta.
― E muito bom te reencontrar Maria, mas como você sabia que eu trabalhava aqui?
― Oxi, perguntei à Bianca. ― Maria pisca um olho e faz uma careta engraçada.
― E eu que estava triste por achar que nunca mais iria te ver.
― Eita! Que você ficou doidinho de vontade de me ver, não foi? Eu sabia que o
batom vermelho e o salto alto dariam certo.
Sorrio tentando esconder que não entendi nada do que ela disse.
― Não se preocupe, porque vou grudar em você feito carrapicho. ― Maria volta a
piscar o olho e dessa vez foi impossível não gargalhar.
Quando Maria pediu meu zap fiquei acanhado em lhe dizer que não tinha muito
estudo e não sabia mexer com essas tecnologias.
Maria sorriu, um sorriso lento, meio melancólico e no fim fez um gesto afirmativo e
abaixou a cabeça.
― Eu estou indo rápido demais, não é mesmo?
― Não ― seguro sua mão. ― Meu celular é desses antigos, eu até já pensei em
comprar um mais moderno, mas a verdade é que eu não tenho o costume de trocar
mensagens com ninguém, nunca fiz isso, e tenho certeza que não saberia usar um
aparelho tão moderno ― confesso meio envergonhado.
― Eu posso te ensinar a mexer, se você quiser é claro.
― Se for para não perder contato com você, então eu quero sim.
Com as bochechas rosadas, Maria sorri.
― Olhe, toma meu número, e eu vou pedir minha fia para me ajudar a comprar um
aparelho desses novos.
― Eu posso te ajudar nisso, tipo a gente se encontra amanhã e vamos no shopping,
mas só se você quiser ― sugere esperançosa.
― Pois eu vou é amar ― digo e anoto o seu telefone em um pedaço de papel que
ela me dá. ― Eu te ligo mais tarde.
Maria beija meu rosto, acena e vai embora.
Elevo a mão ao local que ela beijou e sorrio.
***
Desço do ônibus distraído, passei toda a viagem conversando por telefone com
Maria e rindo das coisas que ela falava. Maria trouxe uma leveza à minha vida.
E foi assim com um sorriso nos lábios que encontrei Nay e Vera.
Nayara é filha de Vera, e melhor amiga de Mariana. Troco algumas palavras com
Nay e cumprimento Vera com um aceno.
― Arino, você poderia dar uma olhada em uma lâmpada lá em casa? ― Vera
pergunta me dirigindo a palavra pela primeira vez desde que nos encontramos.
Franzi o cenho, Vera só me chama de Arino quando está com raiva.
― Ah tio, por favor, está tudo escuro no meu quarto ― Nay suplica.
― Claro, vamos lá dar uma olhadinha.
Nay se despede, Vera e eu seguimos em direção à sua casa em silêncio, coisa que
eu acho muito estranho, pois, Vera é daquele tipo de pessoa que não consegue ficar
quieta.
― Cadê as crianças? ― indago assim que entramos em sua casa.
Além de Nay, Vera tem mais dois filhos, que são meu dengo, gosto deles por
demais.
― Eu acabei de deixá-los em uma festinha ― explica indo em direção ao quarto da
Nay, assinto e a sigo em silêncio.
Troco a lâmpada e ao sair Vera impede a minha saída, parando em frente a porta.
― Dá licença Vera, tenho que ir para casa.
― Por que você estava sorrindo daquele jeito?
― Oxi, mulher que jeito? ― faço-me de desentendido.
― Não se faça de bobo. ― Fico em silêncio e ela caminha em minha direção.
Prendo a respiração e vejo em câmera lenta ela elevar a mão e colocá-la no meu
peito. Pulo assustado e dou um passo para trás com o meu coração batendo
descompassado.
Desvio de Vera com a intenção de sair do quarto, me surpreendo quando ela segura
meu braço, gira meu corpo e me empurra contra a parede.
― Oxi mulher, você ficou maluca, foi? ― Minha voz não passa de um sussurro.
Suas mãos passeiam pelo meu corpo roubando meu fôlego. Fecho meus olhos e
faço um pedido.
― Por favor, não faça isso ― suplico.
Sinto seu hálito mentolado próximo ao meu ouvido.
― Por muitos anos eu esperei, pacientemente um sinal que você estava voltando
para a vida.
― Pois eu estou é bem vivo. ― Minha voz soa trêmula.
― Não Arino. ― Ela faz um ligeiro carinho em meu pescoço e beija a região que
tocou. ― Não está, ou melhor, não estava.
Vera aproxima seu corpo do meu e seu cheiro me pega em cheio.
― Por favor, se afaste. ― Volto a pedir com os olhos fechados. Tenho certeza que
se pôr a mão nela, nem que seja para afastá-la, não daria certo, não teria forças para
tirar.
Sinto uma mordida no meu lábio inferior e abro meus olhos e vejo Vera me fitando
enquanto suga meu lábio inferior.
Arfo e ela introduz a língua em minha boca.
Tem tantos anos que não beijo alguém na boca, que acho que desaprendi a fazer
isso. Deixo Vera me guiar, seu beijo é lento e sensual.
Fecho meus olhos e sinto Vera pegar minhas mãos e pôr na sua cintura.
Sinto-a contornar meu pescoço e ouço o gemido que ela emite quando seguro sua
cintura com força.
Acho que meu aperto foi muito forte.
― Não pense, só sinta ― sugere contra minha boca e aprofunda o beijo.
E eu sinto.
Sinto meu coração batendo acelerado.
Sinto o arrepio que passa pelo seu corpo e atravessar o meu.
Sinto sua mão acariciar minha nuca fazendo deliciosos movimentos circulares.
Vera ondula o corpo contra o meu e eu arfo, puxo seu corpo contra o meu e finco
meus dedos em sua cintura.
O gemido que Vera emite não é de prazer.
Solto-a rápido e prendo meus braços rente ao corpo com a respiração
descompensada.
― Me desculpe, eu... me desculpe. ― Abro a porta e saio do quarto e da casa de
Vera o mais rápido possível.
Faz mais de 22 anos que não toco em uma mulher e Vera me pegou desprevenido.
Faço o caminho para casa com um aperto no coração.
Eu fui bruto, não soube medir minha força e machuquei Vera ao abraçar sua cintura.
Paro na frente de minha casa e respiro fundo, ponho um sorriso nos lábios e entro
em casa. Encontro Mariana acabando de preparar o jantar. Sorrio, ela não faz ideia de
quem vem para o jantar.
”Cada vez
Que eu sinto um beijo seu
Na minha face
Eu luto pra manter
O meu disfarce
E não deixar tão claro
que te quero”
Chitãozinho e Chororo
Capítulo 4
Como eu previa, seu Pablo veio. A soberba estava explícita a cada vez que falava
algo, mas ele estava tentando e eu não facilitei para ele.
Eu o fiz comer sarapatel, pensei que ele iria pôr os bofes para fora. Afinal de contas,
um homem sofisticado como ele, não iria gostar de uma comida típica nordestina.
E para minha surpresa, Pablo comeu e lambeu os beiços. Quando comentei que ele
tem o pé no Nordeste, o homem engasgou. Enquanto Mariana ia acudi-lo eu ria com
gosto.
Deixei os dois sozinhos e segui para o meu quarto. Deitei na cama e as lembranças
do beijo que Vera me deu me pegam em cheio. Meu corpo treme de desejo, mas a
recordação do seu gemido de dor me faz apertar os olhos de remorso.
Na manhã seguinte saio de casa um pouco mais cedo e sigo em direção à casa de
Vera. O acanhamento me acompanha a cada passo, toco a companhia e espero
angustiado.
Vera aparece pouco tempo depois com um sorriso imenso nos lábios.
― Entra Ari. ― Ela dá um passo para trás me convidando para entrar.
Até penso em recusar, mas o local onde moramos o que mais tem é gente
fofoqueira, então assinto e entro em sua casa, dou alguns passos e viro meu corpo em
sua direção.
Vera fecha a porta e dá alguns passos em minha direção, dou um passo para trás
antes que ela chegue perto de mim.
Vera para, abaixa a cabeça, suspira e eu me apresso a falar.
― Eu vim pedir desculpas pelo que houve ontem.
― Você está me pedindo desculpas por eu ter beijado você? ― indaga irritada.
― Sim, não, quero dizer ― suspiro, fecho meus olhos tentando fazer meu coração
acalmar. ― Eu peço desculpas por ter machucado você.
― Você não me machucou, Ari. ― Vera branda a voz.
― Sim, eu machuquei. ― Abaixo minha cabeça envergonhado. ― Quando apertei
sua cintura não medi a minha força e seu gemido foi de dor, não de prazer ― explico
sentindo uma gastura me consumindo por dentro.
― Não seja bobo, Ari. Você sabe que em um momento de paixão uma pegada mais
forte é muito bem-vinda. ― Vera soa sensual e dá um passo em minha direção.
Desvio dela e vou para o outro lado da sala.
― Eu não sei, Vera, não tenho momentos de paixão há muito tempo e acho que me
esqueci como era.
― Então me deixa te lembrar.
― Não posso, Vera.
― Não pode, ou não quer.
― Não posso, nunca mais quero sentir o que senti.
― Eu não te faria sofrer, Ari.
“A mãe de Mariana também prometeu nunca me abandonar”
Não ouso dizer em voz alta, mas Vera suspira alto.
― Eu não vou esperar para sempre, Ari.
― Você nunca me esperou Vera.
Ela desviou os olhos dos meus.
― Vamos seguir nossa vida assim, como amigos. Eu te quero bem por demais,
mais do que você possa imaginar, mas essa coisa de coração, de perder o controle, o ar
e o raciocínio eu não quero mais isso na minha vida, Vera. Quero terminar meus dias com
a vida calma e tranquila do jeitinho que ela está. E você...você.
Vera me interrompe com ambas as mãos na cintura.
― Eu o que, Ari? ― Vera me empurra em direção a parede e novamente me vejo
encurralado por essa mulher.
Ela morde meu lábio inferior e todo meu corpo treme.
― Você soa como se fosse mais velho que seus 40 anos.
Abro e fecho a boca, sem saber como rebater, me calo.
― Temos a mesma idade, eu pareço velha para você, Ari? ― indaga colando o
corpo no meu.
― Na...não! ― Balbucio e engulo em seco.
Ela sorri e olha para a minha boca com a clara intenção de me beijar. Tirando forças
não sei de onde, a afasto do meu corpo.
― Não, Vera. ― Tento ser mais enérgico.
― Não faça isso com a gente, Ari.
― Eu não posso, não suportaria passar por tudo aquilo novamente. ― Minha voz
não passa de um sussurro.
Vera suspira e soa como uma derrota.
― Eu desisto! Durante todos esses anos eu alimentei uma paixão por você, todos
os homens com que me envolvi, foi para te fazer ciúmes e você sabe disso.
Não sou capaz de negar e fico em silêncio sentindo uma gastura me corroer por
dentro.
― Mas a partir de hoje eu desisto, vou realmente dar uma chance ao próximo
homem que eu me envolver.
― Me desculpe Vera, nunca tive a intenção de te magoar.
Caminho em direção a porta com o coração doendo.
― Arino. ― Paro ao ouvi-la me chamando pelo meu nome, não pelo apelido que
me deu. ― Se algum dia você mudar de ideia, terá que vir até a mim, aí sim eu vou
aceitar o seu pedido de desculpa por ter me feito esperar por tantos anos.
Saio da casa de Vera em silêncio, e durante todo percurso para o trabalho suas
palavras me acompanham.
” E umas das coisas que aprendi é
que se deve viver apesar de.
Apesar de, se deve comer.
Apesar de, se deve amar.
Inclusive muitas vezes é o próprio apesar
de que nos empurra para frente .”
Clarice Lispector
Capítulo 5
O namoro de Mariana e Pablo é uma preocupação constante.
Eles estão há um mês juntos e minha filha preferiu que ninguém soubesse, eu a
entendo.
Ela também ainda não confia totalmente em seu Pablo, mas não posso negar que
ele não esteja tentando.
Quase todo domingo Mariana arrasta o homem para o centro de tradições
nordestinas.
Mas é engraçado por demais, ver seu Pablo todo atrapalhado naquele lugar que me
lembra tanto a minha terra.
Também não posso negar que ele ame a minha filha, seu Pablo faz de um tudo que
Mariana quer, seu olhar de adoração para a minha filha é a única coisa que me dá
esperança que tudo irá dar certo.
Ele também está me tratando melhor, não viramos melhores amigos, longe disso,
mas ele me trata com respeito e ama minha filha, então para mim, basta.
Nessas últimas quatros semanas, vi muito pouco Vera, eu acho que ela está me
evitando.
Nas poucas vezes que nos encontramos, ela foi fria comigo e isso me machucou
por demais.
Vera está fazendo exatamente o que eu pedi, só não esperava que fosse doer
tanto, mas guardei tudinho dentro de mim, ninguém sabia o quanto me feria por dentro
vê-la me ignorando.
Maria foi uma presença constante em minha vida nas últimas semanas. Ri muito,
me diverti por demais. Maria tem me dado algumas aulas, para falar e ler melhor.
Até Mariana notou que mudei meu jeito de falar, ela questionou se era por causa de
Pablo e eu não pude negar. Não quero que minha filha passe vergonha só porque seu pai
não sabe falar direito.
Então eu fui atrás de tentar melhorar um pouquinho, me cuidar, e andar com roupas
melhorzinhas.
Há anos que não presto a atenção em minha aparência, o árduo trabalho do dia a
dia não deixava, mas agora, com minha Mariana já crescida e dando seus passos na
vida, comecei a fazer esse agrado em mim.
Mariana não gostou nada de saber meus motivos, sei o quanto minha filha me ama
e se orgulha de mim.
Mas bem lá no fundo a verdade é que eu queria mudar não só com receio de
constranger minha filha, mas por mim também.
E assim os dias foram passando, Maria acalentando meu coração e Mariana
sempre com um sorriso bobo no rosto.
Até que Pablo me pediu para não mais o chamar de senhor, e me convidou para
jantar em sua residência.
Naquele dia eu senti uma felicidade tão grande dentro do meu peito que mal cabia
em mim, eu tinha certeza absoluta que Pablo iria pedir a mão de minha filha em
casamento.
Eu até cheguei a pedir para Maria me ajudar, eu confesso que também estava com
vontade de perguntar se ela queria namorar comigo.
Maria era uma pessoa calma e sossegada, ela seria uma boa companheira.
Não me fazia perder o fôlego e nem balançava meu mundo, depois da mãe da
Mariana, prometi para mim que nunca mais vou me sentir assim.
Maria seria uma boa escolha, ela também é do Nordeste, vai gostar de voltar para
nossa terra. Eu tenho um dinheirinho guardado e há um tempo venho querendo comprar
um terreno e voltar para a minha terra.
Com esse pensamento, eu e Mariana seguimos para o jantar. A casa de Pablo era
tudo aquilo que eu imaginava, exalando luxo em cada canto, em determinado momento,
me dirijo ao banheiro e até ali estava explícito o quanto Pablo era rico.
Em minha mente vem tudo o que passei com Mariana, a mentira que contei pelo
bem dela e meu coração aperta com medo de ela sofrer.
Minha filha é uma menina humilde, não está acostumada a todo esse luxo.
Saio do banheiro e ponho um sorriso nos lábios. Estou com medo, confesso, mas
não quero que minha filha desconfie que estou com essa gastura, às vezes, muitas
vezes, fingimos que está tudo bem para o bem de quem amamos.
Com o sorriso posto, sigo em direção à sala, mas pelo caminho ouço uma voz que
faz meu coração acelerar, sinto um arrepio ruim pelo corpo e minha testa fica molhada de
suor. É um tom de voz que não ouço faz muito tempo, mas nunca esqueci.
Paro e levo uma mão ao peito e sinto meu coração bater acelerado. Fecho meus
olhos e respiro fundo para tentar me acalmar.
― Deve ser minha cabeça pregando uma peça em mim. Eu pensei nela agora há
pouquinho e minha mente está brincando comigo ― murmuro de olhos fechados, mas a
voz não para.
Acelero o passo tentando chegar o mais rápido possível à sala, a cada passo sinto
a batida do meu coração mais forte, potente.
Um suor frio banha meu rosto ― um passo.
Estou com medo ― dois passos.
Estou ansioso ― três passos.
Estou temeroso ― quatro passos.
Estou... ― Chego à sala e perco a linha de pensamento ao vê-la.
Alyssa Kannenberg
― Alyssa ― sussurro, assombrado com a visão em minha frente.
Ela me olha assustada.
― Pablo... você... você não disse que Arino estaria presente. ― Ela se atrapalha ao
falar com Pablo.
― Foi você que achou ela, seu Pablo? ― questiono com raiva.
― Pai... Pai, ela... ela está dizendo que é minha mãe. ― Minha filha está sentada
no sofá pálida me olhando assustada.
Olho rápido em sua direção, mas logo volto meu olhar para o meu fantasma.
Alyssa.
― O que você veio fazer aqui?
― Pablo me disse que Mariana precisava da minha ajuda ― esclarece de cabeça
baixa.
― Pois você não está alguns anos atrasada, não?
― Ah pelo amor de Deus, Arino! Há dez anos que eu ajudo vocês financeiramente.
― Mas como é que é? Cê tá é doida!
― Há dez anos eu procurei sua família, em João Pessoa, e comecei a enviar
dinheiro para vocês, através deles ― revela com voz trêmula. ― Vocês nunca receberam
nada? ― questiona, duvidosa.
― Pois eu nunca vi a cor do seu dinheiro! E tem mais! Você disse dez anos? Há
dez anos? É isso mesmo? Cê sabe quantos anos Mariana tem? Não? Pois eu te digo, 22
anos! Você esperou doze anos para ir procurar a fia que você abandonou em casa
sozinha. ― Fecho meus olhos tentando conter a emoção ― Pois é, nunca que eu vou me
esquecer daquele dia, em que eu cheguei em casa e encontrei minha fia, bebezinha de
colo, chorando toda sujinha no berço e um bilhete seu. Tu se lembra, disso? ― Tremia
tanto que cerrei o punho para me conter.
― Mariana, por favor, vamos conversar em particular. ― Pablo chama Mariana que
olha a cena pálida.
― Fia. ― Dou um passo em sua direção, mas ela levanta e balança a cabeça em
negação.
― Vou conversar com Pablo em outro cômodo, enquanto o senhor conversa com...
com ela ― aponta para a Alyssa ― Daqui a pouco vamos embora. ― Ela sai meio
cambaleante e entra em um quarto seguida por Pablo.
― Ela se tornou uma linda mulher. ― Alyssa fala e eu a olho de cima a baixo.
Ela está linda como sempre, coberta do luxo, mas com o jeito frágil que um dia eu
dei a vida para proteger.
Como amei essa mulher!
― Pelo que entendi, há dez anos você sabe onde eu e Mariana estávamos e nunca
quis saber como ela estava passando. Por que apareceu aqui agora?
― Já disse, Pablo me falou que ela precisava da minha ajuda. Ele sabe ser bem
convincente. ― Sorriu de um jeito que embrulhou o meu estômago.
― E tu já
o conhecia, é? Eu não estou entendendo mais é nada. ― Ando de um lado para
outro arretado de minha vida.
― O conheci tem uns quinze dias, ele entrou em contato comigo, disse que me
achou pela internet, mas que também tinha contratado um detetive, algo assim. Me
contou da sua paixão pela nossa filha... E eu me recordei como era sentir essa primeira
emoção. ― Sua voz soa sonhadora e meu coração perde um compasso.
Primeira emoção, foi isso o que eu fui para ela. Eu já sabia, mas ouvir isso depois
de tantos anos... dá um incômodo estranho no peito.
E ela continuou alheia ao meu desconforto.
― Com palavras, ele me mostrou o quanto eu poderia ajudar Mariana, que eu
poderia realmente ajudá-la. Nunca a procurei porque não me achava digna o suficiente
para tal aproximação. Eu sabia que você seria mais que o suficiente para ela. Eu era
imatura, egoísta, inconsequente e não medi a proporção dos meus atos. Mas, quando
esse estranho me disse o quanto ela é maravilhosa... isso é mérito seu, Arino ― Uma
lágrima cai do seu rosto e começa a subir uma quentura pelo meu corpo ― Ele me disse
que queria levá-la para conhecer o mundo, pôr o céu e as estrelas aos seus pés. Que iria
tratá-la como uma rainha, venerá-la, amá-la e cobri-la de lindas joias... Levá-la para
conhecer lindos lugares refinados, mas ela não tinha o refinamento necessário para tal...
e eu poderia ajudá-la. Então, eu vim e mais uma vez eu não pensei... eu apenas...
apenas queria que minha filha tivesse o que eu não tive, amor e riqueza ao mesmo
tempo.
― Você achou, não só você, mas seu Pablo... Vocês acharam que... Meu Deus! Era
por isso todas aquelas perguntas cada vez que me via e eu besta achando que ele estava
querendo se dar bem comigo, por causa da minha fia... E o tempo todo ele estava
querendo me passar uma rasteira. ― Ponho a mão na cabeça.
― Ele disse que você mentiu para nossa filha.
― Mariana não é sua fia! É minha fia... Minha! ― afirmo com lágrimas nos olhos ―
Você disse dez anos... Há dez anos você se lembrou de que tinha parido uma menina...
Depois de doze anos de abandono e mesmo sabendo onde ela estava, sim, porque eu
nunca mudei de endereço... Você nunca, nunca veio procurar ela. ― Cada palavra que
sai da minha boca é carregada de mágoa e ressentimento.
― Arino, me deixe explicar...
― Tem nada que explicar, num sabe. Pelo menos não para mim. A época que eu
queria alguma explicação passou, faz é tempo. Quero saber de nada de sua vida, não.
Nem seus motivos para fazer o que fez. Quero saber não, a única coisa que eu quero é
que suma de minha frente, antes que eu cometa um desatino ― peço ofegante exalando
raiva pelos poros.
― Arino eu...― diz com os olhos marejados, depois pega a bolsa e sai.
Eu me sento no sofá sentindo uma dor tão profunda na alma que a vontade é de me
rasgar todo para ver se ela passava.
Vontade de gritar.
De quebrar alguma coisa.
De tentar de alguma forma fazer esse sentimento angustiante passar...
Mas não posso, pelo menos não agora. Vou respirar fundo e guardar esse
sentimento dentro de mim, porque eu sei. Oh Meu Deus! Eu sei que minha filha vai voltar
daquele quarto, tão destruída quanto eu fiquei há vinte e dois anos, quando a mãe dela
foi embora.
Agora eu não posso sofrer, porque ela precisa de mim.
Então, eu puxo o ar fundo, reprimo toda gastura que estou sentindo, levanto a
cabeça e fico com os olhos grudados na porta, esperando minha filha sair.
”Que as minhas lágrimas
Corram assim para bem
longe, para meu amor
Nunca saiba que um dia
Chorei por ele.”
Paulo Coelho
Capítulo 6
Eu nunca fiz tanto esforço para segurar meus sentimentos, eu sou uma confusão
só. Como Pablo descobriu Alyssa, a minha família pegava o dinheiro que ela diz ter
mandado?
São tantas perguntas sem respostas, eu queria quebrar algo, socar algo, mas estou
aqui, amparando minha filha que está desolada.
Saímos da casa de Pablo e seguimos em silêncio até a nossa casa.
A conversa com Mariana foi uma das coisas mais difíceis que eu já fiz em minha
vida.
― Por que, pai? Por que o senhor mentiu para mim? ― A voz de minha filha não
passou de um sussurro sofrido.
Eu fecho meus olhos inspiro profundamente e com cabeça baixa começo a falar:
― Eu sempre imaginei quando teria essa conversa com você, num sabe?! Primeiro
eu pensei que seria quando você ainda era pequenininha, mas você veio machucada
demais de João Pessoa. Depois pensei em te revelar quando te levei pela primeira vez
para você conhecer nossa terra, mas aí encontramos com nossos parentes e deu aquela
confusão que você já sabe. E tudo que eu vivi com Alyssa voltou em minha mente. ―
Sinto uma lágrima banhar meu rosto, mas nem me dou ao trabalho de limpá-la.
Tomo fôlego e volto a falar com a voz embargada.
― Parte do que te contei foi verdade, viu?! Quando conheci sua mãe, eu ainda era
moleque, fomos amigos e aos poucos ela se tornou meu mundo, ela tinha meu coração
em suas mãos. ― Olho para minhas mãos calejadas e continuo. ― Seus pais não
aceitaram nosso namoro e ela fugiu de casa para viver comigo. Eu tinha um dinheiro
guardado e fomos morar em um bairro muito humilde, muito diferente da mansão que ela
vivia.
Volto a respirar fundo e no processo tusso algumas vezes, elevo minhas mãos que
agora estão trêmulas.
― Sabe fia, por um tempo nós fomos realmente felizes. Eu quero que você saiba
que você foi feita em um momento muito feliz em minha vida, onde o amor era minha
companhia constante e eu achava que ele iria ficar sempre ao meu lado, num sabe?! Mas
não foi assim que aconteceu, não, fia. Sua mãe estava acostumada ao luxo e o dinheiro
que eu tinha durou pouco, logo ela teve que começar a trabalhar. Mas nunca o dinheiro
dava, aí vieram as brigas. Ela queria roupas chiques, ir a lugares bonitos e eu não podia
pagar por aquilo, num sabe?!
Fecho meus olhos, e um soluço escapa dos meus lábios.
― Quando recebia, a levava para tomar sorvete, dar um passeio na pracinha, coisa
que antes ela gostava, mas com o tempo começou a achar coisa muito pouca. Mas, fia,
como eu amava aquela mulher... Então, eu arranjei outro trabalho, mas mesmo com dois
empregos, não tinha condições de bancar os luxos de Alyssa. Aos poucos eu vi o amor
dela... Amor não, amor quem sentia era eu! A paixão dela ir embora. Mas eu me segurava
na esperança de que quando você nascesse, as coisas voltariam a ser como antes.
Porque para mim, ela ainda era meu sol...
Fecho minhas mãos com força e falo entre soluços.
― Você nasceu e as coisas pioraram... Até que um dia eu cheguei em casa e te
encontrei no berço toda sujinha e um papel ao lado. Quando eu li aquele bilhete, eu sabia
que ela tinha me deixado, nos deixado. Ah, minha fia, aquilo destroçou meu coração. Mas
mesmo depois de ler aquele bilhete eu fui à sua casa, com você nos braços. Fui
escorraçado de lá, e toda a minha família que trabalhava ali, também foi.
Limpo o meu rosto grosseiramente e respiro fundo.
― Segui em frente, dois anos se passaram e nunca mais ouvi falar de sua mãe,
também não fui procurar. Logo depois vim para o Rio, juntei um dinheiro e quando fui te
buscar...
Fico de joelhos na frente de minha fia e imploro seu perdão.
― Eu menti porque não queria que você se sentisse uma rejeitada fia, eu te amo
por demais. Eu tentei ser pai e mãe, te proteger de tudo eu nunca poderia imaginar que
veria aquela mulher de novo... Me desculpe, minha fia, por favor, me perdoa.
O pranto me dominou e eu curvei o meu corpo.
Sinto os braços de minha filha me enlaçando, me acalentando, ela eleva e limpa
meu rosto.
― Eu te desculpo, painho, o senhor errou tentando acertar. Deu sua vida por mim,
todo dia se sacrifica por mim. O senhor foi o melhor pai e mãe que eu poderia ter tido.
Não vou mentir e dizer que não estou magoada, porque eu estou. Mas, acima de tudo, eu
amo o senhor e sei que o que o senhor fez, foi para o meu bem.
Incapaz de falar faço um gesto afirmativo, limpo o rosto, beijo sua testa, levanto e
vou em direção ao meu quarto, antes de chegar, paro e olho para Mariana.
― Eu desejo do fundo do meu coração que você não seja como eu, que amei
intensamente apenas uma mulher em minha vida.
Entro em meu quarto, tiro minhas roupas e deito na cama, e ali no escuro do meu
quarto eu deixo sair tudo o que estava preso por tantos anos.
Eu nunca tive tempo para sofrer, eu tinha que trabalhar e sustentar minha filha.
Mas ver Alyssa novamente, me levou de volta àquele momento, em que encontrei
minha filha, sozinha e suja no berço com apenas um bilhete e tudo o que aconteceu
depois disso.
Vejo o sol nascer pela janela, passei a noite em claro tentando organizar meus
pensamentos e tomei uma decisão, vou voltar para João Pessoa, quero tirar a limpo essa
história e vou convidar Maria para ir comigo.
”Amar a si mesmo é o
Começo de um romance
Para toda a vida”.
Oscar Wilde
Capítulo 7
Os dias que seguiram foram muitos complicados, tanto para mim quanto para
Mariana, Pablo sumiu. Há duas semanas que não aparece na empresa, coisa que eu dei
graças a Deus.
Minha filha faz de um tudo para demonstrar que estava bem, mas eu sei, meu
Deus, eu bem sei como deve estar o seu coraçãozinho.
Quando seu Pablo reapareceu surpreendeu a todos ao voltar casado com Angélica,
sua ex-noiva, e, pior, o safado ainda teve a coragem de vir me perguntar como estava
Mariana.
Mas a minha vontade era de jogar tudo na cara dele, mas estava no meu local de
trabalho e ele é meu superior, então apenas pedi para manter distância de Mariana e
nunca mais falar comigo.
Na manhã seguinte meu coração se partiu ao ver Mariana, chorando na cozinha.
Revelei para ela meus planos de voltar para João Pessoa e pedi para ela ir comigo
e ela me disse que iria pensar.
Naquele dia fui trabalhar aperreado por demais, e mais uma vez Pablo tentou falar
comigo, só que dessa vez ele ouviu poucas e boas.
Ao chegar em casa encontrei Mariana olhando para o nada, e ela me informou com
uma voz abatida que aceitou meu pedido de irmos embora.
Antes de comunicar na empresa seguimos para a casa de Bianca, eu devo muito a
ela e seria justo ela ser a primeira pessoa a saber da nossa decisão.
Mariana não sabe de minha amizade com Maria, como ela mora com Michele,
aproveito e a convido para ir com a gente e revelo para minha filha nossa amizade.
Ao chegarmos Mariana enviou uma mensagem para Bianca avisando que
estávamos na portaria e queríamos conversar com ela, Bianca avisa que está no
apartamento de Michele e libera nossa entrada.
Eu subo feliz por irmos ao apartamento de Michele e assim falo logo com Maria...
Mas nada aconteceu como eu previa.
Todos na sala ficaram surpresos ao revelar minha intenção de casar com Maria,
Mariana questionou o porquê não revelei antes, disse que Maria era muito nova para
mim, Bianca e Michele questionaram a Maria, perguntaram se ela teria coragem de
abandoná-las.
Maria, não aceitou meu pedido. Disse-me que me via apenas como amigo, e não
queria voltar para um local onde foi tão infeliz.
Bianca, Michele e Maria convenceram Mariana a ficar e não abaixar a cabeça.
Salientaram que ela não fez nada de errado e não teria o porquê largar, faculdade,
cursos, trabalho e amigos, porque um homem a magoou
Confesso que senti um orgulho tremendo da minha filha, mas também fiquei
com o coração apreensivo.
Moramos em uma comunidade e não queria deixar minha filha lá sozinha.
Eu não podia ficar, eu tinha que ir e por meu passado a limpo.
Bianca ofereceu seu apartamento, mas como ela só iria se mudar em algumas
semanas, Michele ofereceu para que Mariana ficasse em sua cobertura.
Para um pai ver pessoas, querendo ajudar e demonstrando
que realmente se importam com seu filho é a coisa mais linda de se ver.
E elas se importavam com Mariana.
Ficou acertado que Mariana ficaria comigo até eu viajar e logo em seguida ela se
mudaria para o apartamento de Michele.
Dali eu segui para a empresa e Mariana foi direto para casa, Bianca tinha dito para
ela tirar o dia de folga para se recompor, que ela falaria com Pablo.
Paro em frente a empresa que durante tantos anos trabalhei, tomo fôlego e entro,
vou direto para o RH e informo minha decisão. E para minha grande surpresa, eles me
informam que seu Fernando tinha entrado em contato e informado que, para eu não
perder meus direitos eles, iriam me demitir.
Não tenho a menor dúvida que isso é coisa de dona Bianca.
Na gastura de querer voltar para minha terra, nem medi as consequências de pedir
demissão de um emprego o qual trabalho há tantos anos.
Sorrindo assino a documentação.
Na saída da empresa avisto Maria sentada em um banco, assim que ela me vê ela
caminha em minha direção com os olhos rasos d’água.
― Arino, eu queria mais uma vez te pedir desculpas, eu confesso que no começo
eu realmente pensei que poderíamos ter algo a mais, mas o que sinto por você é só
amizade, e eu quero muito mais que isso em um relacionamento. ― Ela segura minha
mão. ― Não quero perder sua amizade, Arino, por favor me desculpe, por não poder
aceitar o seu pedido.
Sorrio, um sorriso desanimado.
O que Maria procura é o que eu corro há anos.
Ao invés de responder, a abraço e sinto ela congelar em meus braços. É a primeira
vez que eu abraço Maria, aos poucos ela se solta e eu sinto seus braços me envolverem.
― Oxi, não se preocupe, mesmo longe, quero que você saiba que tem um amigo e
eu espero sinceramente que você encontre o que procura.
Despeço-me de Maria com um sorriso no rosto, agora eu vejo que eu nunca poderia
dar a ela o que ela deseja.
Foi melhor assim.
Sigo em direção a outra empresa que trabalho como porteiro e também, peço
demissão.
No caminho de casa decido contar a Vera, que estou voltando para a minha casa,
apesar do nosso desentendimento, foram muitos anos, um apoiando o outro e eu tenho
que me despedir dela.
” Ai, amor
Será que tu divide a dor
Do teu peito cansado
Com alguém que não vai te sarar?
Meu amor
Eu vivo no aguardo
De ver você voltando
Cruzando a porta, parararara”
AnaVitória
Capítulo 8
Paro na frente da casa de Vera respiro fundo, solto o ar devagar e toco a
campainha. A essa hora sei que as crianças estão na escola e Nay no trabalho.
Vera atende pouco tempo depois, ela estava linda como sempre.
Com um sorriso de puro contentamento no rosto, ela me convida para entrar.
― Eu sabia que você iria mudar de ideia.
Ela mal fecha a porta e se joga nos meus braços e eu a abraço forte, nem que seja
pela última vez, eu quero sentir o seu calor.
Inspiro profundamente sentindo o cheiro do seu cabelo, a aconchego mais próximo
do meu corpo, a sinto estremecer, aproximo meu rosto do seu ouvido e sussurro.
― Eu estou voltando para a minha terra, Vera, eu vim me despedir de você. ― Meu
tom de voz é sofrido, não consigo esconder a dor que estou carregando no peito.
Sinto Vera endurecer em meus braços e depois ela se afastar, não tento segurá-la,
meus braços caem como se fossem pesos mortos e eu olho para o chão.
― O quê? Como assim voltando para sua terra? ― indaga confusa.
Elevo meu rosto e minha voz não passa de um sussurro.
― Eu pedi demissão dos meus empregos, tenho algumas coisas a resolver em
João Pessoa, e estou voltando para minha terra. Eu vim apenas me despedir, não poderia
ir sem me despedir de você.
Vera cambaleia para trás e senta no sofá, ela passa um tempo olhando para o chão
e quando eleva a cabeça eu vejo ali refletido o mesmo olhar que eu vi quando me olhei
no espelho há 22 anos.
Vera está sofrendo e eu me sinto um cabra da peste por ser o motivo do seu
sofrimento.
Ajoelhe-me em sua frente e pego suas mãos, Vera desvia os olhos dos meus e fita
nossas mãos juntas.
― Eu não posso te dar o que você quer, Vera. ― Repito a mesma frase de algumas
semanas atrás.
― Não, Ari, você não quer. ― Sua voz não passa de um murmúrio.
― Eu quero que você saiba que eu vou, mais vou levando você em meu coração.
― Pela primeira vez declaro meus sentimentos.
― Então fica. ― Ela eleva o rosto e me olha.
― Eu não posso, tem muitas coisas para resolver na minha terra. ― Suspiro e
inclino a cabeça. ― Alyssa voltou e disse que há anos ajuda financeiramente minha
família achando que estava dando dinheiro para mim e para Mariana.
― Sua ex voltou? ― pergunta incrédula, Vera sabe de toda a minha infeliz história.
― Sim, Pablo a encontrou e foi um furdunço só.
― E por isso que você vai voltar para sua terra, para voltar para ela?
― Mas é nunca que eu volto para aquela mulher. Eu vou porque, como disse antes,
ela está dizendo que há dez anos deixa dinheiro com minha família para nos ajudar, só
que eu nunca vi a cor desse dinheiro.
― Você vai voltar?
― Eu vou deixar minha filha aqui, mas é claro que eu vou voltar.
― Só por ela?
― Vera...
― Tudo bem. ― Vera funga e sacode os cabelos. ― Eu não vou te esperar. ―
Decreta pela segunda vez.
― Eu quero que você seja feliz.
Beijo sua testa e me despeço de Vera com o coração partido.
***
Os dias que se seguiram foram uma correria só, Pablo tentou por diversas vezes
entrar em contato comigo, ele queria se explicar. Como se eu tivesse algum interesse no
que ele tivesse a dizer.
Nay dormiu com Mariana todas as noites, acho que elas estavam se preparando
para separação, essas duas sempre foram grudadas, se conhecem desde pequenas.
Não voltei a ver minha filha chorando, o que foi um alento para o meu coração, mas
no fundo, bem lá fundo, eu sei que ela ainda sofre.
Alyssa me ligou e meu corpo inteiro congelou ao ouvir sua voz, só atendi porque
não sabia quem era, pois me ligou de um número privado.
Ela nem precisou se identificar, há coisas que não mudam e o tom rouco e sensual
de Alyssa é uma delas, mas há coisas que a vida faz mudar a base de porrada, como os
meus sentimentos por ela.
Não posso dizer que ainda não perco o ar perto dela, o que antes era de paixão,
hoje em dia é de pura raiva.
Terminei a ligação assim que eu ouvi meu nome ser pronunciado, passei um bom
tempo olhando para o aparelho, pensando seriamente em destruí-lo, para nunca mais
perder o ar ao ouvir sua voz. Mas desisto ao me lembrar o quanto trabalhei para
conseguir ter minhas coisinhas.
Desde esse dia todas as vezes que eu vejo a descrição “número privado” no meu
celular meu coração traiçoeiro dá um pulo, e logo depois uma raiva me consome por
dentro.
Só vou falar com ela depois que tirar a limpo a história que ela contou.
E chegou o dia da viagem, me despedir de minha filha foi uma das coisas mais
difíceis que já fiz em minha vida. A última vez que nos separamos, minha menina sofreu
por demais.
Mas hoje, Mariana já não é mais uma criança indefesa, ela é uma moça que me
enche de orgulho por estar enfrentando a vida de cabeça erguida.
― Até breve painho, vê se não se aborrece muito lá tá, e não se esquece de tomar
muita água e cuidar da alimentação. ― Ela beija minha testa e um sorriso brinca em
meus lábios.
― Oh, minha fia, eu que deveria de estar falando essas coisas para você. ― Sorrio
com os olhos rasos de água.
Sou uma manteiga derretida quando o assunto é Mariana.
― Vai com o coração em paz, painho, eu vou ficar bem.
Não sei dizer quanto tempo ficamos abraçados, um falando para o outro se cuidar.
Embarco para minha terra meio apreensivo, não sei a situação que irei encontrar
por lá.
“E por esperar demais,
Sonhar demais,
Criar expectativas demais,
Sempre acabamos nos
Decepcionando e nos
Machucando cada vez
Mais.”
Dalai Lama
Capítulo 9
O táxi para em frente de minha casa, que em nada lembra a humilde casa de
outrora.
Tem exatamente 18 anos que não entro nessa casa, a última vez foi quando vim ver
minha filha e encontrei ela toda judiada e extremamente magra, tive que levá-la para o
hospital e naquele dia jurei nunca mais voltar aqui.
E, no entanto, estou eu aqui agora, segurando o portão tão forte que meus dedos
chegam estar brancos, o que antes era uma humilde casa, hoje mais parece uma mansão
de quatro andares.
Respiro com dificuldade enquanto observo os carros luxuosos parados na garagem,
na lateral uma enorme piscina e um gramado bem cuidado. Giro meu corpo e olho em
volta, todas as casas continuam humildes, como antigamente, só a minha que está nesse
luxo.
― Mas o que foi que aconteceu aqui, meu Deus ― sussurro e volto a olhar para a
casa.
Ainda conservando um pouco de esperança, toco a campainha e fico na espera que
um estranho atenda e diga que essa casa não é a minha que deixei com meus parentes
há 18 anos.
Mas isso não acontece, pelo portão, vejo minha irmã, Josefa abrindo a porta da
casa e ficando parada igual a uma estátua.
Os anos a fizeram muito bem.
Atrás dela surge meu irmão, Ailton demorei uns bons segundos para reconhecê-lo,
ele mudou por demais, o menino franzino deu lugar a um homem robusto.
Ele sussurra algo no ouvido de nossa irmã e ela responde com os olhos fixos nos
meus, ele vira a cabeça em minha direção assustado e tenta fechar a porta, mais o meu
grito o impede.
― Seu cabra safado! Se você fechar a porta eu chamo a polícia!
Minha irmã sai porta a fora e a cada passo que ela dá e evidente o seu nervosismo.
― Arino, oxente homem, é você mesmo? ― indaga com um meio sorriso.
― Pois sou eu mesmo, e eu vim aqui porque quero esclarecer algumas coisas, num
sabe.
Mal ela abre o portão e eu já caminho com passos decididos em direção a casa.
Ao entrar estanco, o luxo do lado de fora é nada perto do daqui de dentro.
― O que você faz aqui, Arino ― meu irmão questiona?
― Quem mora aqui, além de vocês? E como vocês conseguiram tudo isso? ― A
cada palavra que sai da minha boca é acompanhada de muita raiva.
― E... E... ― Interrompo meu irmão.
― Ailton, você nunca foi cabra de gaguejar, não vá começar agora, ande logo
ponha tudo para fora.
― Se aquiete Arino, aqui mora a minha família e a de Ailton ― minha irmã explica.
― E os outros?
Eles ficam mudos.
Eu caminho pela sala, e as palavras de Alyssa me vêm à mente.
― Alyssa está sustentando vocês? Pelo amor de Deus me diga que isso é mentira.
― Peço sem olhar para eles.
― Eu fiquei desempregado há alguns anos e...
Enquanto ele tenta se justificar a minha gastura aumenta cada minuto que passa,
porque em nenhum momento eles negaram.
― Eu trabalho em dois empregos há mais de 18 anos, já passei de um tudo para
não faltar comida na mesa da minha filha. Por diversas vezes dormi com o estômago
doendo de fome, para conseguir pagar a mensalidade do cursinho dela... E vocês aqui,
usufruindo de um direito que era dela! ― minha voz não passa de um sussurro.
― E você teria aceitado o dinheiro daquela mulher, Arino? ― minha irmã indaga.
― Mas é claro que não! Eu teria rasgado o dinheiro e jogado tudo na cara daquela
rapariga.
― Então por que está tão chateado? Eu tenho filhos que estavam passando
necessidades quando ela chegou aqui oferecendo dinheiro. Você perguntou dos nossos
irmãos? Pois cada um foi cuidar da sua vida, estão espalhados pelos estados desse
Brasil de meu Deus, ninguém quis nos ajudar, só ela.
― Vocês deveriam ter recusado o dinheiro! Ou vocês se esqueceram o que a
família dela fez com a gente?
― E foi exatamente por isso que aceitamos o dinheiro. Eles nos devem e muito! ―
Meu irmão rebate prepotente.
― Mas eu não posso acreditar, que você está falando isso. Meu Padim Pade Ciço,
se nossa mãe estivesse viva iria morrer de desgosto, pois agora eu pergunto, como que
você pretende pagar isso? ― indago cruzando os braços para conter a vontade que me
corrói por dentro.
Mas violência não vai ajudar de nada agora, além do mais eu prometi para minha
menina que iria tratar tudo de cabeça fria.
Mas a última a coisa que eu tenho no momento é cabeça fria, então eu apenas
tento a todo custo controlar a voz e meus impulsos de violência.
― Pagar? ― ambos falam e me olham como se eu tivesse ficando louco.
― Sim, pagar! Pois Alyssa nos encontrou e jogou tudinho na minha cara, disse que
nos sustenta há anos, sendo que eu nunca vi a cor desse dinheiro e pode ter certeza que
ela vai cobrar de vocês. ― Vejo ambos ficarem pálidos e o medo se apoderar dos seus
olhos.
― Mas, mas... como ela te encontrou? ― minha irmã pergunta gaguejando.
― Como ela me encontrou não vem ao caso, o que eu quero saber e como vocês
vão limpar o meu nome e o da minha filha? Porque caso não saibam o que vocês fizeram
foi crime, vocês podem até serem presos e eu não vou fazer é um nada para ajudar
vocês. Pelo amor de Deus, olha o luxo que vocês vivem enganando aquela mulher, vocês
não têm um pingo de vergonha nessas caras, eu tenho é vergonha de chamar vocês de
irmãos. Agora mais do que nunca eu vejo que eu tinha razão da decisão que eu tomei há
18 anos quando decidi me afastar de vocês, pois agora vocês morreram para mim. Eu
vou falar toda a verdade para Alyssa, e vocês que se virem para pagar tudo, e mesmo
pagando, eu tenho quase certeza que ainda vão ser processados. Eu tenho é vergonha
de vocês. ― Cuspo cada palavra com ódio emanando pelos meus poros.
Vejo meu irmão segurando os cabelos em desespero e andando de um lado para o
outro, enquanto minha irmã senta no sofá e desaba a chorar.
Não aguento mais estar no mesmo ambiente que eles, saio daquela casa, batendo
a porta com tanta força que ela chega a tremer.
Na saída vejo o portão sendo aberto e um carro luxuoso passando por ele, pouco
instantes depois, o carro estaciona próximo da garagem e uma menina muito bem vestida
sai do carro reclamando:
― Painho, eu já decidi onde vou passar minhas férias esse ano, quero ir para
Inglaterra, quero comprar roupas para a próxima estação lá. ― Ela para em minha frente
e me olha de cima a baixo, aquele tipo de olhar que todo pobre e humilde já recebeu, um
olhar que te diminui. ― Você é o novo empregado da casa? Por favor, entre pela entrada
de serviço.
Mas meu espanto foi tamanho que nem tive reação.
Sinto mexerem em meus ombros, giro meu corpo e vejo minha irmã aos prantos.
― Arino, por favor, nos ajude. ― Minha irmã soluça de joelhos em minha frente.
― Ajuda? E vocês sabem lá o que isso significa? Vocês não pensaram em mim e
em minha filha, enquanto viviam no luxo e eu e minha menina passávamos o pão que o
diabo amassou no Rio de Janeiro. ― Levanto o braço indicando tudo ao redor e fito a
menina que me tratou como empregado.
― Sou o novo empregado da casa não, num sabe. Você pode ter crescido no luxo,
mas é uma mal-educada, minha filha cresceu em uma humilde comunidade no Rio de
Janeiro, mas é nunca que ela trataria um estranho assim. ― Viro meu rosto para minha
irmã que segue soluçando. ― Eu não vou arredar um dedo para ajudar vocês, pois agora
eu quero é que vocês se lasquem!
Saio dali decidido a não olhar mais para trás.
”Quando alguém encontra
seu caminho precisa ter coragem
suficiente para dar passos errados.
As decepções, as derrotas,
o desanimo são ferramentas
que Deus utiliza para
mostrar a estrada.”
Paulo Coelho
Capítulo 10
Na manhã seguinte acordei com uma inquietação no meu peito, passei a manhã
agitado e algo tocou em meu coração para voltar na minha antiga casa.
Queria saber na conta de quem Alyssa depositava o dinheiro e depois de ter todas
as informações iria na polícia.
Pois ao chegar lá, não vi um único carro na garagem, o portão estava aberto, assim
como a porta da sala.
Dentro da casa, algumas coisas jogadas ao chão e armários abertos e vazios.
― Eles fugiram, esses cabras safados fugiram!
Saio dali e sigo para o hotel, mal fecho a porta do quarto do hotel o qual estou
hospedado e já vou tirando as minhas roupas e as jogando de forma aleatória enquanto
caminho em direção ao banheiro.
Acho que nunca em minha vida necessitei tanto de um banho.
Não que eu esteja suado ou fedendo, não exatamente, a sujeira que eu sinto é na
alma.
Entro debaixo da água gelada, arfo ao sentir o contato frio com a minha pele, me
ensaboo com extremo vigor e quando me dou por satisfeito, fico um bom tempo com os
olhos fechados com meu rosto virado para a água.
Não sei ao certo quanto tempo fiquei ali tentando organizar meus pensamentos e
decidir que passo iria tomar de agora em diante.
Eu não gastei um tostão sequer, mas minha família usufrui do dinheiro em meu
nome.
Mesmo não sabendo de nada, me sinto na obrigação de limpar meu nome.
Com um suspiro, desligo o chuveiro, me seco visto a primeira roupa que encontro,
pego o celular e sento na cama olhando para o aparelho.
― Vou ter que entrar em contato com aquele cabra safado do Pablo ― murmuro,
começando a digitar o número do infeliz.
O telefone mal começa a tocar e ele atende.
― Senhor Arino?
Mas olhe que eu tive que me segurar para não xingá-lo assim que ele atendeu.
― Você pode, por favor, me passar o telefone de Alyssa? ― questionei não
querendo muita conversa.
A ligação fica em silêncio por uns instantes, chego a achar que ele desligou.
― O senhor está fora do Rio?
― Oxi? E como você sabe disso?
― Bem... eu... e.... bem... ― Ele titubeia e logo em seguido o ouço respirar fundo.
― Eu... Eu prefiro não responder, mas o senhor está em João Pessoa.
― Pois não me enrole, que eu já estou aperreado por demais, fale logo como você
sabe onde estou.
― Eu instalei um programa nos aparelhos seu e de Mariana, eu sempre sei onde estão.

Levo um bom tempo, absorvendo essa informação, mas no momento resolvo


ignorar, vou resolver um problema de cada vez e, no momento meu foco e Alyssa.
― Sim, vim aqui tirar essa história de Alyssa a limpo e infelizmente minha família
pegou o dinheiro dela esses anos todos e hoje descobri que eles fugiram, eu vou pagar
centavo por centavo para limpar meu nome, é por isso que eu quero o telefone dela, o
senhor pode me passar faz favor.
― Compreendo...
― Pois eu estou é pouco me lixando para o que o senhor entende ou não. Eu
confiei em você Pablo, confiei que você não iria machucar Mariana e, no entanto, vim
para cá com o coração desolado, pois deixei minha filha com o coração partido aí no Rio.
― Me desculpe. Eu... eu me divorciei, mais uma vez me desculpe.
― Pois eu não quero suas desculpas, e muito menos quero saber de sua vida, eu
só quero o telefone de Alyssa para tratar um parcelamento com aquela uma. Pelo tanto
de luxo que vi, acho que vou levar anos pagando, mais quero limpar meu nome e o da
minha filha.
― Eu... Eu... No momento não estou com o número dela, em menos de duas horas
te retorno e lhe dou o número.
― Eu vou ficar na espera do número, quero resolver isso o quanto antes e, não se
mete a besta de ir atrás de Mariana apenas porque não estou no Rio viu, minha filha ficou
aos cuidados de dona Bianca e de Michele, e eu duvido que elas deixem o senhor
sequer chegar perto dela!
Termino a ligação com a raiva correndo feito lava em minhas veias.
Puxo o ar várias vezes para tentar me acalmar, me jogo na cama e fico na espera
do retorno de Pablo.
Duas horas depois, Pablo retorna e me passa o número de Alyssa. Nossa ligação
foi rápida, ele parecia estar com pressa, eu até preferi assim, não quero muita conversa
com ele.
Levo um tempo olhando para o número antes de finalmente ligar para Alyssa.
― Alô. ― A suave voz de Alyssa me faz prender a respiração.
― Alyssa. ― Minha voz não passa de um murmúrio.
Eu tenho raiva de mim mesmo pelas reações que sinto ao ouvir a voz de Alyssa.
Eu queria não sentir nada, eu queria ignorar como se eu nunca a tivesse amado,
como se ela nunca tivesse me magoado.
Mas não consigo.
Por instantes apenas ouço a sua respiração que parece estar desregulada, e eu
tomo meu tempo para estabilizar a minha.
― Eu fui em minha antiga casa. ― Resolvo ser direto.
― Em nossa antiga casa? ― indaga e novamente eu prendo a respiração.
Prefiro ignorar seu comentário e continuo meu relato.
― Eu vi que, infelizmente, minha família ficou com o dinheiro que você achava que
ia para mim e minha filha. ― Inspiro profundamente antes de continuar a falar. ― Eu
quero deixar bem claro, que eu nunca, mais é nunca que iria aceitar um único centavo
vindo de você.
― Arino...
Resolvo abrir meu coração.
― O que eu queria era outra coisa, minha filha queria outra coisa. Não dinheiro!
Valor nenhum supri a falta que você fez na vida de minha filha esses anos todos, nenhum
dinheiro paga todas as noites de desespero que eu passei sem saber como iria cuidar da
minha fia sozinho.
― Me desculpe Arino, eu era muito imatura.
― Eu queria sua presença, precisava dela, ansiava. Mesmo quando eu não queria
te ver pela frente nem pintada de ouro, eu ainda guardava uma esperança que um dia
você voltasse pela minha fia.
― Nossa filha...
― Não se atreva a chamar Mariana de fia! ― Eu a corto. ― Mariana deixou de ser
sua fia no dia que você a deixou sozinha no berço e saiu de casa. Eu como um bobo que
demorei anos para entender isso.
Ouço seu soluço, inspiro e solto o ar com força.
― Mas eu consegui viu, Mariana me enche de orgulho. É uma menina muito linda
por dentro e por fora, não me arrependo de um nada que eu fiz pela minha fia, faria tudo
de novo! A única coisa que eu me arrependo foi ter deixado você ficar tanto tempo
grudada em meu coração, eu deixei de viver como um homem por sua causa, não me
privei por causa de minha fia, foi por você, por medo de sofrer novamente.
― Arino, a gente pode tentar novamente, eu mudei. ― Rio, um sorriso triste e
amargo.
― Nunca mais eu vou te dar a chance de me machucar novamente. Eu te liguei
apenas para saber o valor exato que você deu à minha família e dar um jeito de te
devolver tudo.
― Não precisa, Arino.
― Pois eu faço é questão!
― Não precisa porque, Pablo pagou tudo a uma hora. ― Revela em um sussurro.
― Como é? ― indago não crendo em meus ouvidos?
― Pablo quitou toda a dívida da sua família, e eu acho que ele está indo aí para
conversar com você.
― Pablo?! Mas, por que ele faria isso?
― Creio que seja por causa da nossa... de Mariana. ― Noto que ela trava antes de
falar nossa filha.
― Então minha conversa agora é com Pablo, nós dois não temos mais nada para
conversarmos.
― Arino, por favor, vamos nos encontrar para conversarmos, gostaria de me
explicar.
― Como eu te disse na casa de Pablo, o tempo de explicações já passou. Passar
bem, Alyssa.
Termino a ligação com um suspiro lastimoso e com a absoluta certeza de finalmente
ter posto um ponto final nessa história, pelo menos eu acho.
Agora minha conversa é com Pablo.
”Quem luta com monstros deve
velar por quer, ao fazê-lo, não
Se transforme também em
Mostro.”
Friedrich Nietzsche
Capítulo 11
Há situações na vida que somos obrigados a fazer algo que não queremos.
No decorrer dos anos, passei várias vezes por isso, e, novamente me encontro
nessa situação.
Estou no restaurante do hotel esperando Pablo, que ontem à noite me ligou e pediu
para conversar comigo.
Eu não queria ver esse cabra em minha frente, não queria conversar com ele, no
entanto, ao ressarcir Alyssa, ele me pois em uma situação que eu não tenho como não
falar com ele.
Franzi o cenho ao observar Pablo chegando ao restaurante, vejo que ele corre o
lugar com olhos com certeza me procurando, no exato momento que me encontra, ele
abaixa a cabeça e começa a caminhar em minha direção sem fazer contato direto com os
olhos.
― Bom dia, senhor Arino. ― Ele me cumprimenta puxando uma cadeira e sentando
a minha frente.
― Bom dia. ― Minha voz não passa de um rosnado.
― Fico extremamente feliz do senhor me dar a oportunidade de conversarmos.
― E você lá me deixou alternativas depois de pagar a dívida de Alyssa?
― Eu não tenho palavras para expressar todo o meu pesar pelo inconveniente que
eu causei. Fui eu que trouxe esse problema para sua vida e a de Mariana, então, nada
mais justo eu tentar contornar a situação da melhor maneira possível.
― Inconveniente... Lindas palavras, Pablo. Mas nenhuma delas conserta o mal que
você fez à minha fia.
― Eu amo Mariana, mais que a mim mesmo. ― Sua voz soa tão sofrida que sou
incapaz de retrucar.
― Pois bem, eu aceitei conversar com você para tratarmos do valor que o senhor
pagou à Alyssa.
― Como mencionei anteriormente, não fiz mais que a minha obrigação eu estava
em falta com o senhor e com Mariana.
― Mas se você pensa que pagando o que meus irmãos roubaram, vai conseguir
chegar perto de Mariana, você está muito enganado ― aviso com a raiva correndo rápido
em meu sangue.
― Veja bem, apesar de eu amar desesperadamente Mariana, tenho a consciência
do quanto a magoei. Mariana está refazendo a vida dela, com uma pessoa que eu creio
que não seja tão quebrado quanto eu.
― E o que isso significa?
Pablo me olha como se por dentro estivesse morto e com os olhos marejados me
explica: ― Eu não vou mais me aproximar de Mariana, seja pessoalmente ou por meios
digitais.
Confesso que sua declaração me deixou surpreso, imaginava que ele iria usar o
fato de ter pago a dívida para se reaproximar de Mariana.
Resolvo ficar em silêncio e ver até onde ele vai.
― Pela sua expressão o senhor não acredita em mim, não é mesmo?
― Mas uma coisa eu sempre quis te perguntar, porque você tem tanta raiva de
mim? ― questiono ignorando sua pergunta.
Pablo abaixa a cabeça e sorri.
― Você me remete a um passado que eu queria manter enterrado.
― Oxi, queria, não quer mais?
― Não, não quero. Eu finalmente me dei conta que se eu não me resolver com o
meu passado nunca terei paz.
― Pois, eu não estou entendendo é nada.
― Eu vou lhe explicar.
― Olha Pablo, a única coisa que eu quero é resolver sobre os valores, num sabe.
― Gostaria de lhe fazer uma proposta.
― Que proposta?
― O senhor quita a dívida que julga ter comigo, se me ouvir.
― Oxi, e eu já não estou aqui, te ouvindo?
― Me desculpe, não me fiz compreender. Gostaria que o senhor visitasse um lugar
comigo e ouvisse o que eu tenho a dizer.
― E assim minha dívida estaria paga?
― Sim.
― E você vai pedir para eu falar para Mariana voltar com você?
― Não, como afirmei a momentos atrás, não vou mais ficar no caminho de Mariana.
Passo um tempo olhando para ele e algo em sua expressão me toca por dentro.
― Tudo bem, vamos logo a esse tal lugar ― informo me levantando.
― Bem, o lugar o qual quero lhe mostrar não fica aqui em João Pessoa e sim em
Recife, mais precisamente em Pilar, o lugar em que eu nasci.
Desabo na cadeira e foi difícil esconder minha surpresa.
― Mas eu sempre soube que você tinha um pé no Nordeste. ― Rio com gosto e
minha gargalhada só aumenta ao ver Pablo acanhado.
***
Na manhã seguinte, pegamos um voo para Recife logo cedo, Pablo nos hospeda
em um hotel de luxo, eu reclamei, mas ele pouco se importou e disse que iria pagar tudo.
Não gostei muito, mas aceitei.
Quando o táxi parou em um lugar humilde eu não entendi o que estávamos fazendo
ali.
Pablo começou a falar com voz baixa e sofrida.
― Sou filho de uma mulher da vida, senhor Arino, eu nasci nesse prostíbulo...
O relato de Pablo de todas as dificuldades que ele passou, me quebram por dentro.
Ainda criança ele sofreu abusos e violências que nenhuma criança deveria passar e
seu sofrimento foi da infância à vida adulta.
Olho para Pablo de forma diferente, vejo um homem que sofreu e diferente de mim
nunca teve uma pessoa que o amou ou uma pessoa para amar.
Eu apesar de todas as dificuldades, eu tive, minha Mariana e ela me deu forças, foi
a luz que me guiou entre a escuridão.
Todas as vezes que achei que iria fraquejar, que não iria conseguir, eu olhava para
a minha filha, respirava fundo, fazia uma oração e seguia.
Mas Pablo não teve nada disso, ele endureceu o coração e deixou a raiva e o
rancor tomar conta.
Eu mesmo sem muitas instruções sempre tive uma palavra amiga para oferecer a
alguém, mas agora, ouvindo tudo que esse menino passou eu não tenho palavras para
falar.
Então eu fico em silêncio por um tempo, depois me aproximo e toco seu ombro.
― Foi isso que aconteceu comigo, depois que fui para Boston eu vi a necessidade
de esquecer de tudo e mudar. Foi preciso para vencer. ― Ele gira o corpo em minha
direção e limpa as suas lágrimas ― Eu não estou te revelando o meu passado para o
senhor sentir pena, não foi com essa intenção, como eu também sei que o senhor
adentrou em meu escritório há alguns meses e me contou o seu passado, não para me
causar pena. O seu motivo foi outro e o meu foi para apenas te mostrar o porquê eu sou
tão quebrado e por mais que eu ame Mariana, mais que a mim mesmo, eu vou desistir
dela.
― Pois, eu estou é sem palavras.
― Eu não quero sua pena, senhor Arino.
― Agora eu entendo melhor o senhor, mas isso não muda o fato de você ter errado.
Trazer Alyssa de volta às nossas vidas foi um erro terrível.
― Concordo, agora eu sei disso, contudo na época eu erroneamente achei que
estaria ajudando Mariana, veja bem, eu não tenho vergonha de Mariana, de forma
alguma. Foi Mariana que não quis assumir o nosso relacionamento e eu julguei que era
por insegurança. Então, pensei que talvez a mãe a ajudasse. Por favor, me perdoe. ―
Pablo segura as minhas mãos e as apertas com força.
― Eu... Eu...― balbucio, nunca me imaginei em uma situação igual a essa. — Eu
não sei nem o que falar.
Pablo abaixa a cabeça, vira o corpo e olha para a vila de casas humildes onde
algumas mulheres estão encostadas no muro.
Local esse que ele viu sua mãe ser assassinada e sofreu uma terrível violência
física.
— O senhor não precisa falar nada, eu só queria... — Sua voz fica embargada e o
vejo apertar as mãos.
Em minha frente não vejo o homem rico e preconceituoso que por meses me
humilhou, vejo um homem destruído e desolado.
Agora eu entendo um pouco Pablo, ele tem muitos traumas, muitas questões mal
resolvidas.
Mas no fundo é apenas um rapaz assustado a procura de um Norte e esse Norte,
poderia ter sido Mariana, se ele não tivesse a magoado tanto.
Em contrapartida, conheço bem minha menina e sei o quanto tinhosa ela pode ser.
Ambos erraram, não foi por falta de amor e sim de entrega, de ceder, de confiança.
Sem isso, por mais que se ame, não dá certo, eu bem sei disso, passei por isso na
pele.
Dou um passo em direção à Pablo e ponho a mão em seu ombro.
— Vamos embora daqui esse não é mais seu mundo, você venceu muitas batalhas.
— Mas perdi, Mariana. — Sua voz não passa de um sussurro.
— Sabe Pablo, eu gostei por demais da sua atitude de lutar tanto para conversar
comigo, você ganhou o meu respeito por isso. Mas em relação a Mariana, eu não vou
interferir.
— Eu não te pedi para fazer isso.
— Você tem que lutar por ela, da mesma forma que lutou para me fazer te entender.
Há alguns meses adentrei em seu escritório aperreado por demais, e eu queria a todo
custo que você entendesse meu ponto de vista, e hoje eu entendo o seu.
Naquela tarde, em frente ao local que trazia tanta tristeza para Pablo, nós demos as
mãos e selamos a paz e uma promessa silenciosa para um novo futuro.
Naquela noite recebi uma ligação de Mariana e de longe se notava o quanto jururu
estava.
Informei que tudo já estava resolvido por aqui, mas evitei dar maiores detalhes,
novamente disse que estaria ao seu lado sempre, mas relembre que o amor é algo difícil
de se levar...
No dia seguinte voltei para João Pessoa e Pablo seguiu para o Rio.
Eu queria por meus pensamentos e coração em ordem.
”Não posso escolher como me
sinto, mas posso escolher o que
fazer a respeito.”
Willian Shakespeare
Capítulo 12
O tempo fez seu trabalho e, pois, as coisas em seus devidos lugares, não foi
surpresa que em alguns dias após minha conversa com Mariana, recebi uma ligação dela
me informando que ela e Pablo tinham se entendido e que eles estavam vindo para João
Pessoa.
Pablo pediu a mão da minha filha em casamento e eu concedi, agora eu sei que ele
vai tratar ela bem.
Eles me convidaram para ir com eles para Recife, Pablo queria mostrar onde
nasceu para Mariana, não aceitei.
Essa é uma coisa para os dois fazerem juntos, vai fazer bem a eles e de fato fez.
Algumas semanas depois voltei para o Rio de Janeiro, a princípio eu achei que ao
vir para João Pessoa iria esquecer o que deixei para trás, mas todas as noites a
saudades de Vera me apertava o peito.
Esse tempo que fiquei fora serviu para eu ver o quanto Vera é importante em minha
vida, vim com a intenção de pedi-la em casamento.
Então, assim que saí do avião, ignorei as dores no corpo por ter tido um voo
cancelado e ter passado 8 horas em pé na espera do próximo voo, passei em uma
floricultura, comprei um buquê de rosas vermelhas e segui para a Rocinha.
Antes de ir à casa de Vera, fui em casa e deixei as minhas malas, nem parei para
beber água, tamanha gastura que estava de vê-la, segui para sua casa com certa
urgência.
Não me incomodei com os olhares que recebi pelo caminho, afinal, nunca me viram
com rosas antes.
Tomei fôlego e bati na porta dela, mas ao contrário do que imaginava, não foi Vera
que abriu a porta e sim um homem, alto forte, muito bonito com os cabelos molhados
denunciando um recente banho.
Meu sorriso murchou um pouco, mas ainda conservava um pouco de esperança.
― A Vera está? ― perguntei com um fio de voz.
― Amor ― o homem grita em plenos pulmões. ― Tem um senhor aqui te
chamando.
― Atende para mim amor, ainda não saí do banho. ― Vera grita de volta.
― O que o senhor deseja? ― o homem pergunta desviando os olhos de mim para o
buquê. ― O senhor quer entrar e esperar Vera sair do banho.
Eu nunca fiquei tão constrangido em minha vida.
― E... não, não era nada de importante, outra hora falo com ela.
Saio dali o mais rápido que minhas pernas cansadas me permitiram.
Chego a casa, ponho o buquê em cima da mesa e desabo no sofá emitindo um
longo suspiro.
― Por causa do meu medo de amar, deixei Vera escapar pelas minhas mãos. ―
Jogo a cabeça para trás olho para o teto e sinto uma lágrima solitária cair.
Logo em seguida Mariana chega com Pablo, eu trato de esconder meus
sentimentos e sorrio como se nada estivesse acontecendo.
Já se tornou um hábito, fiz isso por tantos anos que é algo normal, não demonstrar
para Mariana o quanto estou sofrendo.
***
No dia seguinte estava sentado no sofá olhando para o nada querendo descobrir o
que iria fazer da minha vida.
Tenho uma pequena economia guardada, e quero investir em um pequeno negócio,
mas não tenho a menor ideia por onde começar.
E foi assim, pensando o que iria fazer da minha vida, que recebi uma ligação de
Maria, a princípio fiquei receoso, não sabia como falar com ela, mas Maria, com seu jeito
extrovertido logo me deixou à vontade.
E jogando conversa fora que ela me fez uma proposta que iria mudar a minha vida
para melhor.
Maria me convidou para ser seu sócio em uma loja de chás, produtos e artigos
nordestinos.
Algo que nós dois entendemos muito, bem, não entendo quase nada de chá, mas
ela me garantiu que disso entendia muito, e eu acreditei.
Passamos as próximas semanas procurando um lugar, os aluguéis estavam caros,
e mesmo juntando nossas duas economias, ficaria apertado comprar os produtos e o
aluguel até a loja começar a dar lucro.
Foi então que Pablo em um domingo me convidou para almoçar e ao invés de irmos
para sua casa ou ao um restaurante, fomos para uma loja em Botafogo.
Eu demorei a entender o que estávamos fazendo ali, foi quando ele me deu uma
pasta e me disse que comprou a loja para mim.
Rapaz, foi uma discussão das boas, eu não queria de forma alguma aceitar, mas aí
Pablo teimoso que só, jogou baixo e envolveu Mariana.
Ele me disse que ela estava aperreada por demais por ver o quanto eu e Maria
estávamos preocupados e que ele fez isso para ver Mariana feliz, que no final das contas,
era o que nos dois queríamos, ver Mariana feliz.
Eu cedi, por Mariana.
Afinal amar é isso, um dia você cede e no outro você faz valer a sua vontade.
Ergui minha mão esperando que, Pablo iria apertá-la, mas ele me surpreendeu ao
me puxar para um abraço.
Não, não nos tornamos amigos. Apenas nos respeitamos mutuamente e amamos
Mariana.
E isso para mim bastava.
Um mês depois eu e Maria inauguramos nossa loja com uma festinha, a única coisa
que fez diminuir meu sorriso foi ver Vera chegar com o mesmo homem que eu vi na sua
casa.
Foi difícil por demais sorrir como se nada tivesse acontecendo, como se por dentro
meu coração não sangrava ao ver a mulher que eu amo com outro.
Fui gentil e educado, até mesmo tirei foto.
Mas ao chegar em casa, deixei escapar uma lágrima ao me recordar que ela foi
embora com ele e não comigo, e que tudo isso era culpa minha.
“ A verdadeira medida de um
homem não se vê na forma
como se comporta em momentos
de conforto e conveniência,
mas em como se mantém em
tempos de controvérsia e
desafio.”
Martin Luther King
Capítulo 13
Caminho com Mariana, em direção ao altar e a vejo entregar o buquê de flores à
dona Bianca, e logo em seguida virar o rosto para mim e sorrir.
Meu coração quase explode de emoção, meu sorriso é tão largo que chega a doer a
mandíbula.
A cerimônia é linda por demais, o amor que emana dos dois faz a todos suspirar.
Acho que não tem uma única viva alma nessa igreja que não esteja emocionado,
discretamente pego o lenço em meu bolso e corro a igreja com os olhos e prendo a
respiração ao avistar a mãe de Mariana, sentada no último banco da igreja.
Nossos olhares se encontram e ela sorri. Não retribuo, não conseguiria.
Franzo o cenho e desvio meus olhos do dela e faço uma prece a Padim Pade Ciço
que não deixe que essa mulher estrague a felicidade de minha filha.
Graças a Deus tudo correu bem, fico um tempo na porta da igreja vendo minha filha
e Pablo seguirem para o local que será realizado a festa.
― Arino. ― Fecho meus olhos ao reconhecer a doce voz aveludada de Alyssa. ―
Podemos conversar.
― Não, não temos mais nada a conversar, o tempo de conversa passou, esperei
mais de 20 anos por essa conversa, desde o dia em que você abandonou Mariana no
berço, sozinha em nossa casa.
Eu a ouço suspirar e seu perfume chega até mim, me fazendo consciente do quão
próxima ela está.
― Por favor, Arino, eu que queria explicar... Pablo, quando quitou a dívida, me
contou tudo o que realmente aconteceu e eu queria te dar esse dinheiro.
Uma raiva subia pelo meu íntimo queimando tudo por dentro.
Giro meu corpo e a encaro.
Alyssa regula idade comigo.
Ambos temos 40 anos, no entanto, enquanto os anos de trabalho e noites em claro
preocupado em como iria cuidar de uma filha sozinho me deram algumas rugas e alguns
fios grisalhos. A ela o tempo foi um bom companheiro, Alyssa continua tão linda quanto
há 22 anos, no dia em que ela deixou a nossa filha e a mim, deixando apenas um bilhete
e indo embora sem olhar para trás.
― Não há nada mais o que explicar não, Alyssa, eu te disse isso por telefone
quando estava em João Pessoa.
Sinto sua avaliação em mim, ela me olha de cima a baixo.
Houve um tempo em que um simples olhar dela botava fogo em meu corpo, mas
agora não sinto nada e agradeço a Deus por isso.
Eu achei que nunca iria deixar de amar essa mulher.
Sofri por ela.
Chorei por ela.
Mas agora, ela não significa mais nada para mim.
― Você se tornou um homem muito bonito, Arino.
Bufo, balanço a cabeça negativamente, inclino a cabeça e olho minhas mãos
calejadas.
― Siga sua vida, Alyssa, e deixe as nossas em paz, você já fez muito estrago.
Ela não me responde, mas em seu olhar eu vejo que ela irá fazer exatamente ao
contrário.
Viro meu corpo e sigo em direção a saída.
Hoje é dia de festa e decidido caminho para o carro que está me esperando para
me levar para a festa de casamento de minha filha, não de pensar em coisas tristes.
A festa foi realizada em um refinado clube na zona sul do Rio de Janeiro, luxo
cercado para todos os lados.
Desde que cheguei, Maria grudou em mim feito um carrapicho, ela segura meu
braço como se eu fosse uma tábua de salvação.
― Arino, você me avisa quando for andar, senão eu vou me desequilibrar e cair de
bunda no chão. ― Foi impossível não rir disso.
― Maria, me diga o porquê você veio de salto, se não sabe andar com eles?
Questiono o óbvio.
― Oxente homem, você se esqueceu que eu estou aqui atrás de um homem bom
para casar, eu tenho que vir de salto alto e batom vermelho. ― Maria fala a frase que vem
dizendo desde que a festa começou.
Quando voltei achei que minha amizade com Maria tivesse esfriado, mas foi com
enorme alegria que recebi seu telefona no dia seguinte da minha volta e desde então
nunca mais perdemos contato.
Graças ao meu bom Deus, desde que abrimos nossa loja tem ido muito bem, a
ponto de já termos que renovar os nossos estoques.
Não tenho a pretensão de ficar rico, só de não trabalhar mais em dois empregos e
ter uma renda estável, para mim, já está bom por demais.
Desvio os olhos de Maria, quando vejo Vera passando com o namorado.
Solto o ar devagar em um profundo lamento.
― Pois eu ainda acho que você deveria ir falar com ela. ― Maria sugere olhando
na direção de Vera.
Um dia antes da abertura da nossa loja, em um momento de descontração, abri
meu coração para Maria, e contei toda a minha vida, inclusive meus sentimentos por
Vera.
― Eu demorei muito a me decidir, ela tá feliz, não vou atrapalhar. ― Minha voz não
passa de um murmuro lastimoso.
Foi difícil por demais esses últimos meses vendo Vera, reconstruindo sua vida com
outro, mas eu sei que não tenho o direito de atrapalhar.
Desvio os olhos dela e fixo em minha filha, minha Mariana está tão linda. Ela e
Pablo estão exalando felicidade pelos poros.
Os dois estão construindo o mundo deles e isso me deixa muito feliz.
Peço desculpas à Maria e a deixo sentada na mesma mesa que estão Bianca e
alguns amigos delas e sigo em direção ao jardim.
― Finalmente te encontrei sozinho, Arino. ― Suspiro ao ouvir a voz de Alyssa.
” E na hora que eu te beijei
Foi melhor do que eu imaginei
Se eu soubesse tinha feito antes
No fundo sempre fomos
Bons amantes
É o fim daquele medo bobo”
Maiara e Maraisa
Capítulo 14
― Quando você irá desistir Alyssa? Eu já perdi as contas de quantas vezes eu te
disse para manter distância, para seguir a sua vida e me deixar em paz ― falo de costas
para ela.
― Me prova que não podemos recomeçar.
― Mas mulher, presta a atenção no que você está falando, você ficou é louca.
Ela segura meu braço e eu me solto do seu aperto puxando meu braço com um
forte puxão.
― Não me toque ― exijo firme.
Ela faz que não me ouve, e tem o descaramento de envolver o meu pescoço e
encostar seus lábios nos meus e me dar um beijo casto.
Eu acho que ela pensou que eu iria ter alguma reação, mas eu não senti nada com
a sua aproximação. Não senti o sangue correr mais rápido em minhas veias e muito
menos meu coração deu cambalhotas.
Finalmente, eu não senti nada.
Mantive meu braço rente ao meu corpo e fixei meus olhos nela, levou um tempo
até ela compreender que não mais me afetava.
Ela franziu o cenho e novamente pressionou os lábios e o corpo rente ao meu,
mas não surtiu nenhum efeito.
Sinto-a suspirar contra a minha boca em sinal de derrota, ela dá um passo para
trás e murmura.
― Você me esqueceu.
― E você finalmente entendeu, segue sua vida Alyssa, e nos deixe em paz.
Vejo Alyssa virando o corpo e ao invés de entrar no salão, segue em direção a
saída.
Suspiro aliviado por pôr um ponto final nessa infeliz história.
Volto a andar pelo jardim e vejo uma pessoa que parece estar chorando,
preocupado, me aproximo e me surpreendo ao ver que é Vera, aperto o passo e me
aproximo dela.
― Vera o que houve? Por que você está chorando?
Ela vira em minha direção, limpa o rosto rapidamente, logo em seguida levanta e
tenta passar por mim, mas eu seguro seu braço impedindo sua fuga.
― Vera, o que houve? ― volto a questionar.
Ela me surpreende ao começar a me bater.
― Oxi mulher, ficou louca, foi? ― pergunto segurando ambos os braços e os
mantendo afastados. ― Por que você está me batendo?
― Porque você merece! ― ela grita próximo ao meu rosto.
― Oxente, mas o que eu te fiz?
― Eu nunca imaginei que um dia fosse te chamar de safado, mas é exatamente
isso que você é. ― vocifera nervosa.
― Vixe Maria, agora é que eu não estou entendendo mais é nada.
― Não se faça de desentendido Arino, eu vi.
― O que você viu, Vera? Pelo amor de Deus.
― Eu vi você aos beijos com sua ex, se esqueceu da namorada, foi? ― questiona
debochada e logo em seguida começa a me dar chutes.
― Mas que namorada? Eu não tenho namorada!
― A Maria!
― Oxi, mas a Maria, não é minha namorada, ela é somente minha amiga e sócia.
― Oh, ela... vocês não estão juntos? ― Vera pergunta me olhando intrigada.
― Não!
― Ah, tá. ― Vera olha para todos os lados menos para mim.
E eu me dou conta que isso tudo não passou de uma cena de ciúmes.
Algo começa a borbulhar no meu íntimo, mordo o interior da minha bochecha e com
a esperança renovada questiono sobre o seu companheiro.
― O seu namorado deve estar preocupado, não é mesmo, vamos, vou te levar até
ele. ― Jogo verde e fico ansioso esperando sua resposta.
― Ele não é meu namorado, ele é o designer da escola de samba e está fazendo a
minha fantasia desse ano. ― Ela abaixa a cabeça e dá um sorriso desanimado. ― Ele e
eu gostamos da mesma fruta.
― Mas, hein? ― Eu ainda estou processando a informação que ele não é
namorado dela e tentando conter a euforia que sobe no meu íntimo.
― Ele é gay.
― Oxi, então vocês não estão juntos? ― Faço a pergunta que corrói meu íntimo.
― Não.
Não penso e nem raciocínio, assim que a compreensão que eles realmente não
estão juntos chega até mim, é um misto de emoção que oprime meu peito de tal forma
que a puxo para meus braços e a abraço tão forte que ela solta um gemido e logo em
seguida chuta minha canela.
― Mas mulher, pare de chutar. ― Imploro agachando e segurando minha canela.
Vera assim que se vê solta, dá mais alguns tapas em meus ombros e logo depois
gira o corpo e sai andando apressada.
Ergo meu corpo, vou atrás dela mancando, enlaço sua cintura e aproximo seu corpo
do meu.
Encosto meu rosto em seus cabelos, respiro fundo e sorrio contra seu cabelo.
― Não sei o que tinha na água de João Pessoa, mas você voltou muito safado para
o meu gosto. Não tem nem 20 minutos, você estava agarrado com a sua ex e agora está
grudado em mim. ― Vera exala raiva pelos poros e bate em minhas mãos.
― Desiste, não vou te soltar é nunca.
― Não brinca comigo, Arino. ― Suas mãos caem rente ao corpo e sua voz soa
triste.
Giro seu corpo, seguro seu rosto com ambas as mãos e a beijo.
Sinto seu corpo estremecendo e abraço sua cintura aprofundando o beijo, quando
termina suspiro contra sua boca.
― Não brinca comigo, Ari. ― Volta a pedir com voz embargada
― Me desculpa ter demorado tanto, é que eu tinha coisas a resolver dentro de mim,
num sabe.
― E resolveu essas coisas?
― Sim ― respondo fazendo um carinho em seu rosto.
― Então, você quer namorar comigo, é isso?
― Não.
― Eu não acredito. ― Vera me empurra e tenta se afastar, mas eu seguro seu
braço.
― Eu não quero namorar você, eu quero me casar com você ― explico, apressado.
Eu a abraço e sussurro em seu ouvido.
― Eu te quero em minha vida por demais, quero seu cheiro em meu travesseiro,
quero sentir meu coração dando cambalhotas e minhas pernas tremendo a cada vez que
você sorrir ou piscar o olho para mim.
Afasto-me e sorrio ao notar que ela está emocionada, limpo suas lágrimas, beijo
sua testa, suas bochechas e sua boca.
― Quero me casar com você e passar o resto dos meus dias me desculpando por
ter demorado tanto. Eu amo você, Vera.
Vera abre e fecha a boca, mas nada fala, ela funga e não tenta controlar as
lágrimas, que descem livremente.
― Quero que você me deixe cuidar do seu coração, não sou besta de tentar cuidar
da sua vida. ― Ambos sorrimos. ― Não vou por empecilho em relação ao samba, sei que
é a sua grande paixão, só não garanto ir, você sabe que meu gosto musical é bem
diferente de samba, mas vou torcer e muito por você e vou tentar controlar o meu ciúme,
a cada vez que um cabra te olhar. Você é linda por demais e eu sei que é impossível um
cabra não te desejar.
Vera abaixa a cabeça, eu a elevo e volto a limpar suas lágrimas.
― Eu quero ser seu amigo, seu homem e seu amante, só peço que você tenha um
pouquinho de paciência comigo, faz tempo por demais que não me envolvo com ninguém
e eu desaprendi como se faz. ― confesso meio acanhado. ― Peço também que você
entenda que Maria é apenas minha amiga, num sabe, nada mais que isso. Eu amo e
quero apenas você.
― Eu não sei nem o que falar. ― Vera chora e ri ao mesmo tempo.
― Diz que sim, que aceita ser minha esposa ― peço sorrindo meio acanhado.
― Sim. ― Vera se joga em meus braços e eu a abraço tão forte que ela geme,
quando vou soltá-la, ela aperta meu pescoço e sussurra ao meu ouvido.
― Nunca mais me solte. ― Ela morde meu ombro me roubando um gemido.
Com uma gargalha a aperto mais forte contra meu corpo.
A vida às vezes é engraçada, nos põe em situações que nos fazem refletir em como
estamos vivendo, no meu caso, esse momento de reflexão foi quando me vi de frente
com todas as desgraças que aconteceram na vida de Pablo e o que isso fez com ele.
E eu me dei conta, que comigo, aconteceu algo parecido, por muitos anos eu fui
apenas uma casca que sobrevivia, que lutava, que brigava diariamente por um futuro
para minha filha.
Vivi por ela, lutei por ela e não me arrependo um só minuto, faria tudinho
novamente.
Fui pai e mãe, às vezes me via tão desesperado que achava que não iria
conseguir...
Mas eu consegui.
Minha filha hoje é uma moça feita que segue seus caminhos sozinha.
Por muitos anos eu apenas me via como pai de Mariana, e sempre fui orgulhoso por
demais por ser pai dela.
Mas hoje, eu me vejo como um homem, um homem apaixonado por Vera, sem
nenhum medo de amar e de ser amado.
”Cada qual sabe amar
a seu modo; o modo, pouco importa;
o essencial é que saiba amar.”
Machado de Assis
Epílogo
Quatro anos depois
Se alguém me dissesse há alguns anos que eu estaria na concentração de uma
escola de samba, segurando plumas e paetês, eu chamaria de louco para baixo.
Eu amo uma boa sofrência esse sim é meu estilo musical, mas o amor tem dessas
coisas, então eu estou aqui, sorrindo feito um bobo vendo minha esposa se preparar para
entrar na avenida.
Vera está linda por demais.
Quando finalmente fica pronta, ela me dá um leve beijo na boca e somente ali eu
vejo o quanto ela está nervosa.
― Você está linda por demais, meu amor. ― Ela sorri emocionada e apenas acena.
Esse é o seu momento de brilhar, momento o qual ela batalha o ano todo e eu estou
aqui para aplaudi-la.
Ao final do desfile, encontro Vera se debulhando em lágrimas, mas não pense que é
de tristeza, não mesmo. Vera chora de felicidade, por sua escola do coração ter ido bem,
de ela ter ido bem e eu fico muito feliz por ela.
Eu a vejo sendo cercada por jornalistas e me afasto. Vou para um canto, esperá-la
terminar as entrevistas e eu sei que ela não vai arredar o pé da avenida até o último
integrante da escola passar pela Apoteose.
Eu e Vera nos casamos algumas semanas depois que eu a pedi em casamento,
não somos mais tão jovens para ficar esperando, eu já a tinha feito esperar demais,
então, assim que os papéis ficaram prontos, nos casamos no civil e fomos jantar em um
restaurante com a família e alguns amigos.
No jantar, Pablo me chamou em um canto e me disse que iria nos dar uma casa de
presente, mas dessa vez eu fiz valer a minha vontade e não aceitei, e graças a Deus ele
entendeu.
Vera é nascida e criada na comunidade, ela é engajada e faz vários trabalhos
comunitários na comunidade, mas é nunca que ela aceitaria ir para um condomínio grã-
fino, eu nem sequer cheguei a comentar com ela a oferta de Pablo.
Nós dois vendemos nossas casinhas e compramos uma, mas perto do asfalto, mas
não saímos da comunidade.
Minha loja com Maria vai de vento e popa, no momento ela está viajando, diz ela
que foi seguir seu coração e agarrar seu homem bom!
Maria sempre me rende boas risadas e graças a Deus, logo no começo, Vera viu
que entre Maria e eu era somente amizade e elas também ficaram amigas a ponto de
Vera dar aulas de samba à Maria...
Não deu muito certo, Maria não leva jeito pro samba, mas ela acha que sim, então
eu apenas sorrio e nada falo.
Nunca mais tive notícia de Alyssa, o que agradeci e muito a Deus.
Minha Mariana está grávida, mas eu não sei nem descrever a emoção que senti ao
saber que minha filha, vai ter um filho.
Não tenho vergonha de falar que chorei feito uma criança, tamanha a alegria que
senti.
Ela está feliz e eu estou feliz por ela.
Ela e Pablo se completam e ele finalmente tem um norte, um não, agora dois,
Mariana e o filho.
Mariana está viajando e eu estou com o coração na mão de preocupação, mas não
interfiro em sua vida.
Foi difícil no começo, por anos era somente eu e ela, e minha vida era ela, e
quando ela casou, nossa, foi difícil por demais.
Vera me ajudou, teve muita paciência comigo em todos os sentidos.
Eu e ela vivemos bem, muito bem, eu nunca em minha vida, poderia imaginar que
seria tão feliz.
Há duas semanas voltamos de viagem, fomos visitar minha terra, todo ano vamos,
ensinei Vera a dançar Arrocha, no começo estava meio enferrujado, mas aos poucos, fui
me lembrando como era.
Nós temos um bom arranjo, as vezes eu vou ao samba e outras ela vai ao forró
comigo.
Um dia um cede e no outro faz valer a sua vontade.
Eu processei meus irmãos, a sentença foi pagamento de cestas básicas, eu fiquei
com muita raiva, a vida, finalmente estava sendo generosa comigo e eu não queria
nenhum pensamento ruim em minha cabeça, então, eu deixei para lá.
Vera se joga em meus braços me trazendo de volta à realidade.
― Por que o sorriso? ― ela pergunta me dando um singelo beijo.
― Porque estou feliz, você me faz feliz. Você está dolorida?
Apesar de ela amar o samba eu sei o quanto o desfile é cansativo, eu nunca me
atreveria a tentar.
― Ari, meu pé está me matando. ― Ela reclama e eu olho para baixo e vejo os
filetes de sangue saindo dos seus pés.
― Vamos embora? Em casa eu faço uma massagem. ― O dia já estava
amanhecendo a escola dela foi a última a desfilar.
― Só massagem? ― Ela pisca o olho e morde o lábio inferior sugestiva e eu sorrio
acanhado.
Mesmo depois de quatro anos de casados, ainda me surpreende o fogo dessa
mulher, mas não posso dizer que não gosto, na verdade, eu amo.
― E mais o que você quiser ― sussurro em seu ouvido.
― Hum... Isso muito me interessa. ― Sorrindo seguimos em direção à nossa casa.
Copyright © 2020 Vania Freire
Capa: Barbara Dameto
Revisão: L.S. Santos
Revisão Final: Maria josé e Natalia Souza
Diagramação: Vania Freire
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
_________________________
**MARIA**
Série: Será que é Amor?
Livro 4
Vania Freire
1ª Edição — 2020
___________________________
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,
através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da
autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal
Mensagem da autora

Quando comecei a escrever o livro de Maria, eu pensei que seria


apenas uma comédia romântica muito engraçada, afinal Maria queria
casar.
Mas pensa em uma personagem que tinha muito mais coisas pra
contar?!
Então veio as mudanças, mudou o nome, mudou a capa e
principalmente a história.
Maria queria narrar suas desventuras em série bem engraçadas,
mas também queria contar como teve coragem de sair de um casamento
onde a violência doméstica, física e mental se fazia presente diariamente.
Ela queria dizer que, mesmo com medo, ela mergulhou no
desconhecido e foi atrás de um novo futuro, de uma vida melhor.
Ela queria retratar, que passou por muitas dificuldades, mas que por
mais que tenha ficado triste por um tempo, descobriu a garra e a vontade
de viver e ela decidiu ser feliz nem que fosse na marra!
E principalmente ela queria falar que mesmo depois que sua alma foi
despedaçada, ela colou pedacinho por pedacinho, voltou a acreditar no
amor e foi atrás dele, afinal ela tinha que achar um homem bom para
chamar de seu
O livro de Maria me levou a um carrossel de emoções, das lágrimas
ao riso.
É uma história linda de superação, porém, desde já eu já aviso que
contém gatilhos emocionais.
Essa é a última história da série Será que é amor?
Prólogo
Maria
Esse é sem a menor sombra de dúvidas um dos momentos mais
embaraçosos da minha vida! E olha que de passar vergonha eu entendo,
está para nascer uma pessoa que passa por tantos constrangimentos
quanto eu.

― Fique à vontade ― ele grita caminhando pelo corredor. ― Vou


tomar um banho e já volto.

― Meu Deus do céu, como eu me meti nesta situação? ― murmuro


desolada.

Fecho meus olhos enquanto sinto meu rosto queimar de vergonha,


gemo de pura frustração, ponho as mãos na cabeça e a balanço.

― O que eu faço, o que eu faço, o que eu faço? ― Sigo murmurando


como se fosse um mantra.

Fixo meus olhos na cozinha e vejo a bagunça que ela se encontra.

― Ele tentou cozinhar para mim e eu, toscamente, estraguei tudo! ―


sussurro triste.

Me levanto e começo a andar de um lado para o outro, de repente,


paro quando uma ideia cruza minha mente.

― Oxente, vou fazer o que sei fazer de melhor. Vou arrumar as


coisas enquanto preparo um sanduíche, depois vou dar uma desculpa
esfarrapada e sair de fininho. ― Com o plano traçado em minha mente,
tiro o bendito salto que me colocou nesta situação constrangedora, retiro
também o casaco de pele fajuta. ― Nunca mais na vida visto ele. ― Se
não tivesse espirrado, não teria tropeçado nos meus próprios pés e tudo
estaria bem.

Com um suspiro triste, começo a trabalhar. Os anos trabalhando com


serviços gerais me deram a agilidade necessária para rapidamente
organizar a bagunça. Logo em seguida, começo a fazer o sanduíche
quando, do nada, me dou conta que ele está no banho.
― Meu Deus! ― sussurro pondo as mãos sobre a boca. ― Neste
exato momento ele está pelado, se ensaboando a poucos metros de mim.
Poderia facilmente ir até lá e olhar toda aquela belezura de homem.

Mordo meu dedo só de imaginar a cena.

― Maria, Maria, tome tento mulher! Você já causou muitos


problemas para o homem hoje. ― Fecho meus olhos e sugo o ar com
força. ― Vamos seguir o plano, organizar as coisas, fazer um lanchinho e
meter o pé.

Decidida, volto à tarefa, porém minha mente me trai e novamente


imagino-o pelado com o corpo ensaboado e, distraída, corto o dedo.

― Oh, desgraça!

― Maria?! Você se machucou?

Desvio meus olhos do dedo ensanguentado e giro meu rosto em


direção ao corredor.

Não estava preparada para o que meus olhos veem.

― Misericórdia!

― Você está sangrando! ― Vejo-o correr em minha direção com o


corpo molhado e enrolado em uma toalha branca.

― E.. e... ― Não conseguia falar uma única palavra coerente.

Eu tinha até me esquecido que tinha dedo, quanto mais que ele
estava sangrando! Fiquei tão abobada com ele seminu na minha frente,
que até senti os indícios de uma vertigem.

Ele me surpreende ao segurar minha cintura e me pôr sentada no


balcão, depois corre em direção ao banheiro e volta com uma caixinha de
primeiros socorros.

Eu olho toda a cena, encantada.

Enquanto ele cuida do meu ferimento, sigo atentamente uma gota de


água que desce do seu rosto, passa pelo seu pescoço e peito e continua
seu caminho até a toalha.
Ah, como eu queria ser essa gota de água e me enroscar nesse
homem.

Gemo alto quando vejo outra gota seguir o mesmo trajeto da anterior.

― Tadinha, está doendo? ― Beija meu dedo.

― Muito ― minha voz não passa de um sussurro.

Mas a última coisa que sinto é dor.

Ele beija a palma da minha mão e eu arfo. Nunca estive tão excitada
em minha vida. Baixo minha cabeça para conter meu constrangimento.

― Ei, não precisa ficar com vergonha. ― Eu nem me atrevo a falar


um “ai” sequer.

Ele eleva meu queixo, faz um ligeiro carinho em meu rosto, tira meu
cabelo do pescoço e se aproxima da minha face.

Minha respiração acelera, meu coração bate descompensado, meus


olhos estão arregalados. Engulo em seco e, não sabendo como reagir,
mordo meu lábio inferior e espero o seu próximo movimento.

Ele não me beija. Ao invés disso, enlaça minha cintura e, com um


firme puxão, aproxima meu corpo do seu, tão perto que sinto seu corpo
molhado grudado ao meu, e em seguida sussurra ao meu ouvido:

― Xii, não precisa ficar com vergonha, acidentes acontecem ― sua


voz soa rouca e sedutora. Sinto um arrepio que me percorre da ponta do
pé até a raiz do meu cabelo.

Sinto seus dedos tocarem levemente minha pele, fazendo um


delicioso carinho que vai da minha nuca até a base da minha coluna, e eu
arfo, mordo meu lábio mais forte para evitar que um gemido escape.

Fico tão excitada que estou a ponto de gozar.

Completamente alheio ao meu estado de excitação, me abraça mais


forte e sinto minha intimidade em contato com a tolha, fazendo uma fricção
absurdamente deliciosa. Ele aperta minha cintura e, para minha total e
completa ruína, começa a dar pequenos beijos em meu pescoço.
Um gemido involuntário escapa dos meus lábios, abro mais minhas
pernas no exato momento em que ele aproxima meu corpo do seu. O nó
da tolha vai exatamente em cima do meu clitóris, fazendo pressão,
roubando meu fôlego, me deixando mais úmida, mais excitada, levando-
me ao clímax, para minha completa destruição. Sinto-o sugar o meu
pescoço e logo em seguida o mordendo e eu gozo.

Eu, simplesmente, gozo.

Ele embala meu corpo que treme por inteiro depois do êxtase.
Demora alguns bons minutos até minha respiração se estabilizar, e o
constrangimento vem com força.

Quando acho que minha noite não pode ficar pior, ela fica. Que tipo
de pessoa goza com um simples beijo no pescoço e um mero abraço?

Meu Deus do céu, como eu saio desta situação?

Ele se afasta, beija minha testa e eu não tenho coragem de olhar em


seu rosto, me pega no colo e me coloca sentada no sofá.

― Vou tirar o sabão do corpo e já volto, aí nós vamos conversar


sobre o que acabou de acontecer, ok?

Apenas faço um ligeiro meneio afirmativo.

Assim que ele vira as costas, me levanto com a intenção de sair


correndo, mas ele caminha em direção à porta, introduz a chave, vira a
cabeça e, com a sobrancelha levantada, gira o objeto, olhando em minha
direção.

Sem uma única palavra, faz seu caminho para o banheiro e eu


desabo no sofá, pensando no que vou fazer de minha vida.
Capítulo 1
Maria
7 anos antes...

Observo a mesa recém posta com certa apreensão, torço minhas


mãos, não contendo o nervosismo.

Assim que Antônio se senta, o sirvo com esmero, como ele gosta.
Contorno a mesa e me sento ao seu lado. Engulo em seco e minha voz
não passa de um sussurro:

― Eu quero o divórcio ― murmuro sem ter coragem de olhar em sua


direção.

O som seco do garfo tocando o prato ecoa pela cozinha, minha


respiração acelera, com medo do que virá a seguir.

O ar foi roubado dos meus pulmões ao sentir o primeiro soco em


minha face. Me desequilibro da cadeira e caio no chão da cozinha.
Balbucio, mas nenhuma palavra sai pelos meus lábios.

Desvio do meu marido e corro os olhos pela cozinha. No chão, está


espalhada a sopa que passei horas preparando. Volto a fixar meus olhos
nele no momento exato em que Antônio segura meus cabelos e os puxa
em sua direção.

Grito alto ao sentir mais um soco sendo desferido em meu rosto.

― Sua lesada, já te disse várias vezes como gosto da minha sopa.


― Cada palavra que ele pronuncia é acompanhada por um tapa. ― Oxi,
viu o que você me fez fazer? Ande, arrume tudo isso, quando eu voltar, à
noite, quero um jantar decente ― ameaça, com o rosto próximo ao meu,
ignorando completamente o meu pedido de divórcio, em seguida, me
empurra e novamente caio sentada no chão.

Meu rosto arde, minha cabeça dói, meu corpo inteiro está trêmulo,
elevo uma mão a minha face e finalmente deixo as lágrimas caírem.

Me casei muito cedo e, ao contrário do que eu imaginava, não foi um


conto de fadas.
Com certa dificuldade, me levanto, sigo em direção ao banheiro e ao
me olhar no espelho, fecho meus olhos e os mantenho fechados. Abro a
torneira, encho minhas mãos de água e jogo em meu rosto.

Tateio até achar a toalha e devagar a uso no meu rosto, fungo,


deixando meus múrmuros serem abafados pela toalha.

Saio do banheiro sem voltar a fitar meu rosto no espelho. Munida de


utensílios de limpeza, em silêncio, começo a organizar a cozinha.

A música alegre que toca na rádio local contradiz meu estado de


espírito. Incomodada, mudo de estação e paro em uma que comenta a
novela das 20h.

Sorrio com certa amargura.

Há cerca de um ano, eu amava assistir à novela, me imaginava


casando e vivendo aquelas cenas retratadas no folhetim, mas nada
aconteceu como esperava.

Quando Antônio me pediu em casamento, eu tinha 17 anos, queria


fugir da miséria na qual vivia. Ele era bem mais velho e eu erroneamente
achava que isso seria um bom indício, que meu futuro marido me trataria
bem.

Durante nosso breve namoro, Antônio se mostrou carinhoso e


atencioso. Nossa cerimônia de casamento foi simples. No local onde
nasci, era comum as mulheres se casarem cedo e comigo não foi
diferente.

Lembro-me de minha mãe falar que na primeira vez de uma mulher,


não era bom, mas era só eu virar o rosto, não demonstrar nenhuma
reação, que a dor passava.

E foi exatamente o que eu fiz enquanto meu marido arremetia sem


dó dentro de mim. Virei o rosto e tentei impedir que ele visse as lágrimas
que banhavam meu rosto.

Não disse um “ai” naquela noite, nem nas outras que se seguiram.

Com o tempo, vi que a minha vida de casada não era nem um pouco
parecida com as que via nas novelas. E no dia em que levei o primeiro
tapa na cara parei de assisti-las.
Balanço a cabeça e volto a minha realidade. Desligo o rádio e volto à
limpeza da cozinha, porém novamente me vejo envolta em memórias
tristes.

Infelizmente, essa não foi a primeira vez que Antônio me agrediu.


Foram muitos chutes, socos e puxões de cabelo. A cada vez que um ato
de violência era cometido por Antônio, vinha em seguida um pedido de
desculpas. Entretanto, no decorrer dos anos, ele deixou de se desculpar.

Perdi as contas de quantas vezes pedi para minha mãe me deixar


voltar para casa. E sempre ouvia as mesmas coisas: mulher casada tem
que resolver seus problemas em casa. Em sua mente a culpa era minha
de meu marido me agredir, eu que não estava sendo uma boa esposa e
não estava cumprindo com as minhas obrigações direito.

Demorei cinco anos para compreender que a culpa não era minha e
sim dele.

― Eu vou sair dessa vida, custe o que custar ― sussurro como uma
prece fervorosa.

Retomando o controle das minhas emoções, organizo tudo, preparo


o jantar e aguardo seu retorno.

Não faço contato com seus olhos quando Antônio se senta à mesa.
O sirvo como de costume e novamente peço o divórcio.

Dessa vez, antes que ele me tocasse, saí da cadeira e me pus atrás
dela procurando alguma proteção, o que de fato não foi de grande ajuda.

Não me recordo bem do que houve, me lembro apenas dele levantar


o braço e desferir socos em minha face. Em seguida, tudo ficou escuro.

***

Levou quase duas semanas até eu conseguir abrir meus olhos sem
gemer. O simples ato de piscar me era extremamente difícil. Levou mais
uma semana até eu conseguir ficar de pé.

Minha mãe não veio me ver uma única vez.

Naquele dia, decidi que iria fugir e que ninguém ali nunca mais me
veria.
Pelos próximos quatro meses, agi como se nada tivesse acontecido,
não voltei a mencionar a palavra divórcio.

Antônio tinha de costume me dar dinheiro para compras semanais e


sempre que ele tinha esses, como ele mesmo dizia, descontroles,
aumentava consideravelmente a soma que me dava, outrora eu devolvia
cada centavo que sobrava, porém comecei a guardar.

Quando vi que o dinheiro que juntei era o suficiente para uma


passagem de ônibus e para viver por algum tempo até conseguir um
emprego, acordei cedo e inventei uma desculpa de que iria visitar minha
mãe, contudo tomei um caminho diferente.

Munida de poucas peças de roupas, fugi daquele lugar. Não me


despedi de ninguém.

Sabia que o ônibus para a capital só passaria no dia seguinte e


assim que eles dessem minha falta o primeiro lugar onde procurariam
seria na parada do ônibus. Então, adentrei pela noite e segui andando até
a cidade vizinha.

O medo era meu companheiro a cada passo que eu dava, todavia o


pavor de voltar era maior, então continuei a andar.

No arraiar do dia na cidade de Lagoinha, eu estava em um estado


lastimável. Logo ao amanhecer, o ônibus para a capital chegou. Passei
mais uma noite na rodoviária até finalmente conseguir embarcar no ônibus
para o Rio de Janeiro.

Lágrimas banhavam meu rosto quando saí do ônibus e pisei na nova


cidade.

― Eu vou ser feliz nem que seja na marra! ― murmuro, sentindo


lágrimas banharem meu rosto.

Sugo o ar, ajeito minha mochila e com passos indecisos, caminho em


direção a um novo futuro.
Capítulo 2
Maria
Um ano depois

A dona da pensão em que eu aluguei o quarto, me indicou um


serviço de faxineira e desde então trabalhei em vários lugares.

Fui roubada, passei fome, mas nem uma única vez pensei em voltar
para meu ex-marido.

Depois de um tempo desempregada, comecei a trabalhar em um


posto de gasolina e ali me vi novamente em um terreno hostil. Por ser a
única mulher no local, ouvia todos os tipos de grosserias dos clientes; não
que eu fosse uma mulher que chamava a atenção, muito longe disse,
contudo, para alguns tipos de homens, a aparência da mulher pouco
importa, principalmente quando o objetivo é humilhá-la.

Porque era assim que eu me sentia a cada vez que ouvia uma
grosseria, me sentia humilhada e, de certa forma, agredida.

Depois de tudo o que passei, achei erroneamente que nunca mais


me sentiria assim. Essa situação só afirmou a minha decisão de nunca
mais me aproximar de um homem.

Era difícil, complicado, por muitas vezes humilhante, porém tinha que
sobreviver e eu não passei tudo o que passei para morrer de fome no Rio
de Janeiro. Tinha que trabalhar.

Há muitos anos, guardei em algum lugar no meu coração a ilusão de


que um dia encontraria um homem perfeito, que me apaixonaria e ele me
tiraria dessa vida.

Mas isso nunca ocorreu.

Foi uma mulher, muito especial, que me ensinou que eu não preciso
de um homem para me salvar, que posso ser a minha própria salvadora, e
principalmente, que não posso abaixar a cabeça para ninguém.

Essa mulher se chama Bianca Soares.


Nunca sequer passou pela minha mente que iria conhecer alguém
como Bianca. Cresci vendo mulheres serem submissas aos homens e
quando tentei fazer valer as minhas vontades, apanhei até aprender a ficar
calada, a abaixar a cabeça e a ser dominada.

Conheci Bianca em um momento muito constrangedor, ela estava


abastecendo o carro no posto de gasolina em que eu trabalhava e flagrou
meu chefe me assediando enquanto meus companheiros de trabalho se
divertiam com o meu constrangimento.

Bianca me tirou daquela situação humilhante e me levou a uma


delegacia para prestar queixa, eu tremia tanto que não mal consegui
relatar o ocorrido.

Quando fomos liberadas, estava tão envergonhada que olhava para


todos os lugares, menos para ela.

― Maria, me fale o seu endereço, vou levá-la até a sua casa ―


Bianca pediu, pronunciando de forma calma e pausada, me olhando com
nítida preocupação.

― Vixe, mas a senhora já fez demais por mim ― minha voz não
passava de um sussurro.

Bianca não retruca, por um momento apenas me observa em


silêncio, toma uma forte lufada de ar, fecha os olhos e o solta devagar.

― O que aconteceu? ― Bianca para de falar, como se tivesse


escolhendo as palavras. ― Você trabalha no posto há muito tempo? Aquilo
sempre acontecia? ― questiona, me fitando com preocupação.

― Eles nunca me tocaram, apenas falavam fariam ― tento amenizar


a situação.

Bianca me surpreendeu ao segurar as minhas mãos e apertá-las


levemente.

― Maria, a culpa não é sua, é deles. A partir do momento que


disseram que fariam algo, eles já estavam errados. ― As lágrimas
inundaram meus olhos, pisquei algumas vezes para impedir que elas
caíssem livremente, engoli em seco e não falei nada. Não tinha o que
retrucar, ela estava certa e eu sabia disso.
E ela continuou:

― Me diga seu endereço, meu anjo, vou te levar até a sua casa ―
pede novamente.

Sabe quando você encontra um bichinho que foi muito judiado e


assim que você tenta oferecer um pouco de atenção ele se assusta? É
assim que me sinto agora, um bicho acuado e assustado.

― Oxente, não precisa ― Fito o chão incomodada com a atenção


que estava recebendo, não estou acostumada com isso.

― Quantos anos você tem? ― Não parecia que Bianca desistiria tão
fácil.

― 23 anos ― murmuro ainda com os olhos fixos no chão e a cabeça


baixa.

― Parece ter menos, bem menos ― sua voz soa calma e eu sorrio
sem vontade.

― Pois me sinto muito velha e cansada, já vivi mais coisas que eu


gostaria nesses meus anos de vida. ― As palavras escapolem da minha
boca e em cada uma é evidente a minha tristeza.

― Você jantou? ― Antes que eu responda, meu estômago ronca e


eu elevo a mão a minha barriga. ― Já que não quer que eu te leve em
casa, vou te levar para jantar. ― Ela pisca um olho e caminha em direção
ao seu carro.

Por um momento não sei qual reação tomar.

― Por que está fazendo isso? Por que está sendo tão legal comigo?
― indago torcendo as mãos.

Bianca para e responde, sem olhar para mim:

― Nem todos que te estenderão a mão, será para te machucar.

― Não foi isso que a vida me ensinou até agora.

Bianca gira o corpo e dá alguns passos em minha direção.


― É exatamente por esse motivo que estou fazendo isso, você me
parece uma menina que já foi muito machucada pela vida, aceite esse
pequeno gesto, vamos apenas jantar, tudo bem? ― tenta me convencer,
com voz calma e um sorriso. E consegue.

Fico abismada quando Bianca para o carro em frente a uma luxuosa


churrascaria.

― Ave Maria, pensei que você iria me levar para fazer um lanche.

― Olhe para o meu tamanho e veja se eu tenho cara de quem faz


lanchinho ― Bianca levanta uma sobrancelha e fala em tom de
brincadeira, logo em seguida solta uma sonora gargalhada.

Bianca é uma mulher alta, sofisticada e gordinha. Muito, mas muito


bonita. Ela é negra e tem impressionantes olhos esverdeados. No caminho
até a mesa, noto vários olhares em sua direção.

Ela é realmente impressionante, cada passo que dá é envolto de


muita confiança e atrai os olhares como imã.

Nunca na vida comi tão bem, não me fiz de rogada e comi tudo o que
o garçom botava na minha frente. Vai saber quando terei outra
oportunidade dessas? Principalmente agora que estou desempregada. Até
conseguir outro emprego, não sei como será a minha vida.

No decorrer do jantar, Bianca fez algumas perguntas sobre minha


vida e eu me senti confortável para falar tudo o que houve comigo. Ela é
uma boa ouvinte.

Foi uma maravilhoso passar esse tempo com ela.

― O que você vai fazer agora? Sabe que não pode voltar a trabalhar
naquele lugar ― Bianca questiona no estacionamento da churrascaria e
noto que ela evitou me perguntar novamente se eu quero uma carona.

Fico em silêncio. Não tinha uma resposta, não sabia o que faria da
minha vida.

Ela emite um longo suspiro e logo em seguida me entrega um cartão.


Pego-o e leio. Nele está escrito: “Bianca Soares, gerente de contas da
empresa Martin’s”. Elevo meu olhar em sua direção.
― Amanhã me ligue, eu vou te ajudar.
Capítulo 3
Maria
Deitada em minha cama, relembro os últimos acontecimentos. Ergo
meu braço e fito o cartão em minhas mãos.

Em meu íntimo, duas emoções conflitam, esperança e descrença.


Nunca em minha vida ouvi as palavras que ela proferiu.

"Eu vou te ajudar".

Não vi o dia amanhecer, porque passei a noite acordada olhando


para o cartão, por fim, por volta do meio dia, resolvi ligar e, para minha
surpresa, Bianca cumpriu a promessa que me fez.

Ela realmente me ajudou.

A princípio, a sua intenção era conseguir um emprego para mim na


empresa que ela trabalha, mas como eu não tinha muito estudo, não deu
muito certo. Já estava com um sorriso desanimado no rosto quando ela
perguntou se eu sabia cozinhar e faxinar; após a minha resposta
afirmativa, Bianca sugeriu que eu trabalhasse em sua residência.

Logo em seguida, comecei a trabalhar em seu apartamento e ali


conheci Michele Barcellos, vizinha e melhor amiga de Bianca.

Nunca, mas nunca em minha vida conheci alguém como Michele. No


começo, foi difícil acreditar que Bianca e Michele eram amigas, elas eram
tão diferentes.

Enquanto Bianca era a calmaria e gentileza em pessoa, Michele era


um verdadeiro furacão. Michele parece um sol, com sua risada e jeito
extrovertido, ilumina tudo por onde passa.

Bianca a persuadiu a também me ajudar e assim comecei a trabalhar


no apartamento de ambas, ganhando quase dez vezes mais do que
ganhava no meu último trabalho.

Inicialmente, não sabia o que fazer com tanto dinheiro, afinal, como
nunca tive muitos recursos, fiquei meio abobada. Novamente Bianca veio
ao meu socorro e me aconselhou a começar uma poupança e quando
notou minha total ignorância sobre o assunto, me explicou como
funcionava e me levou a um banco.

Alguns anos depois, Bianca e Michele me ajudaram a comprar meu


apartamento. Chorei feito criança quando peguei a chave em minhas
mãos.

Não poderia classificar Bianca e Michele como apenas minhas


patroas, mesmo porque elas nunca me trataram assim, desde o começo,
sempre me senti querida.

Às vezes, em nossas vidas aparecem pessoas que são como anjos


enviados do céu e elas são isso para mim.

Foi com minhas amigas que eu voltei a sorrir, foi com elas que voltei
a assistir novelas e a suspirar com filmes e livros românticos.

Foi com elas que eu aprendi que, às vezes, na vida, aparecem


pessoas que podem, sim, nos estender a mão e nos ajudar.

Foi por causa da amizade delas que guardei o meu passado em uma
caixinha e o escondi bem no fundo do meu ser e voltei a acreditar que eu
poderia, sim, ser feliz.

O tempo fez seu trabalho e curou algumas feridas...

Cinco anos depois

― Mas, mulher, você não vai sair, não? ― pergunto com uma mão
na cintura e a outra na vassoura.

É impossível arrumar o apartamento de Michele com ela em casa.

― Maria, sua louca, o que você está fazendo aqui? ― Michele


reclama descendo as escadas, vestida com um pijama de pintinho
amarelo.

Mas olhe, nunca vi uma mulher rica tão doida quanto Michele! Dentro
de casa ela anda vestida de tudo, qualquer personagem que você possa
imaginar.

― Hoje não era seu dia na casa de Bianca? ― Michele indaga, se


jogando no sofá.
― Mas, mulher, você não tem noção do que eu vi na casa de Bianca,
um homem! ― exclamo, ainda chocada com a cena que presenciei.

― Eita! ― Ganho a atenção dela, que segura minha mão e me puxa


para o sofá. ― Mona! Conta tudo!

― Mas eu pensei que iria ter um tiricutico no coração, pois eu estava


lá arrumando a cozinha, como de costume, e do nada me aparece um
homem lindo, de cueca.

― Não creio! ― Michele eleva as mãos a sua boca.

― Pois eu não sabia o que fazer. Eu olhei, olhei de novo, voltei a


olhar e depois desci o sarrafo nele. Mas olhe, bati nele demais com a
vassoura! ― Faço movimentos com as mãos demostrando o que fiz.

― Maria do céu, Bianca nunca traz um cara para sua casa e quando
traz você mete a porrada no homem. ― Michele desaba a gargalhar.

― Oxi, mas eu pensei que era um assaltante, mas aí Bianca


apareceu e esclareceu tudo, então fiquei com dó de ter batido em um
homem tão lindo. O seu nome é Fernando...

Sigo com meu relato e Michele continua rindo.

No decorrer dos meses, Fernando se demonstrou um verdadeiro


galã. Lindo, sexy, gentil e extremamente romântico, um tanto quanto doido,
mas era tão lindo que compensava. Ele só não era mais perfeito que
Márcio, namorado de Michele. Márcio é atencioso, amoroso e ganhou
minha admiração ao assumir a paternidade do filho de Michele.

Ver essas duas mulheres que tanto admiro e sei o quanto já sofreram
em suas vidas amorosas, e que por conta disso há alguns anos desistiram
do amor, abrirem seus corações para o amor e ver esses homens que
tanto batalham para conquistá-las, me fez novamente voltar a ter o sonho
de um dia encontrar um cara perfeito para mim.

Então, discretamente, comecei a anotar tudo o que elas tinham feito


para deixar esses homens loucos.

Michele sempre usava batom vermelho e tinha bocão!

Bianca, sempre muito bem vestida e de salto.


Ambas nunca abaixam a cabeça para homem nenhum.

Ambas são naturalmente sensuais, aí a situação complicou um


pouco, porque de sensual tenho é nada...

Depois de tudo anotadinho em meu caderno, comecei a pôr em


prática, afinal eu também quero encontrar um homem bom desses, como
Michele diz, quero virar os olhinhos.

O problema é que, bem, não tenho bocão, mas posso pôr batom e
fazer bico, vai que dá certo.

Também não sei usar salto e muito menos sou sofisticada. Mas a
internet está aí para a ajudar a gente, não é mesmo?

No decorrer dos anos, Bianca me incentivou a fazer vários cursos.


Nunca me deixou pagar por nenhum e eu fiz todos os que ela indicou. Já
Michele também me indicou alguns e, infelizmente, não fiz nenhum.

Na época julgava sem sentido fazer um curso de maquiagem e


modelagem, completamente sem sentido.

Se eu tivesse feito o tal do curso, a parte de pôr salto e andar de


cabeça erguida seria fácil.

Mas isso não iria me impedir de encontrar meu homem perfeito!


Assim que revelei meu desejo para Michele, ela me incentivou e Bianca
também apoiou.

Tenho certeza de que vou encontrar aquele homem que me fará virar
os olhinhos.
Capítulo 4
Maria
A oportunidade de pôr em prática tudo o que eu vinha escrevendo
em meu caderninho surgiu no noivado de Bianca com Fernando.

Me produzi com esmero para a ocasião e como nunca tinha me


vestido dessa forma, passei algumas boas horas em frente ao notebook
vendo inúmeros tutoriais de beleza e maquiagem até que eu estivesse
pronta. Quando finalmente me olhei no espelho, mal me reconheci.

A imagem que vi refletida me deixou surpresa; o vestido longo


vermelho, adornado por pequenos cristais, cai perfeitamente em meu
corpo. Olho para o chão, elevo o pé, volto a fitar o espelho e constato que
a sandália de salto alto alongou minhas pernas. Meus cabelos estão soltos
e escovados, maquiagem marcante e sofisticada fecha com chave do ouro
o look.

Mordo o lábio inferior e sorrio lentamente.

Linda e sexy.

Vagorosamente, passo a mão pelo meu vestido e paro na altura da


cintura. Meu sorriso falha ao sentir o enchimento do sutiã. Giro meu corpo
e admiro o avantajado bumbum que adquiri em uma loja ao comprar a
calcinha com enchimento.

Tento recuperar meu sorriso, mas falho miseravelmente. Sugo o ar


com força.

― O importante é que agora tenho peito e bunda ― murmuro fitando


meu reflexo no espelho. Mordo o interior da minha bochecha e toda a
segurança de momentos antes escoa por água abaixo, desvio do espelho
e sou tirada dos meus pensamentos por uma batida na porta.

Michele entra no quarto, mas para ao me ver.

― Maria, você está linda! Toda trabalhada na reluzência.

― Oxi! E essa palavra existe?


― Não sei, mas que você está trabalhada na reluzência, está! ―
retruca e ambas rimos.

― Você está tão linda de vermelho. ― Levo ambas mãos ao rosto


emocionada. ― Sua barriga está crescendo, está linda por demais!

― Para, tá?! Eu estou à base de maracujá, ando uma pilha de


nervos e chorando por tudo ― Michele pede, fungando.

Sorrio e olho para o espelho.

― Nem pense ― Michele pede, se aproximando de mim.

― O quê? ― Giro meu corpo e questiono curiosa.

― Pode parar de pensar besteira, tá?! Você está linda, Mona ― diz,
girando ao meu redor.

― Oxente, e como você sabe o que eu estou pensando? ― tento


soar divertida.

― Eu te conheço, Maria, sei que apesar de toda essa produção, por


dentro você segue insegura e principalmente com medo. ― Michele
segura minhas mãos e faz um ligeiro carinho.

Há algum tempo, revelei meu medo do passado a Michele. Ela tem


razão, bem lá no fundo, ainda conservo o medo de um relacionamento.

― Pense em Fernando, aquele homem é muito doido, mas tenho


que admitir que é muito legal. ― Sei que o tom de voz que Michele usa, é
com o intuito de me fazer esquecer momentos tristes.

Michele é assim, sempre tenta fazer todos ficarem bem ao seu redor.
Inspiro profundamente, solto o ar devagar e sorrio sem mostrar os dentes.

― E Márcio, hein? Como você mesma fala, aquele chocolate


derretido ― jogo as palavras e sorrio com gosto ao ver sua reação.

― Márcio... Hm, Márcio... Enfim! Vamos focar em Fernando! Um


homem que chegou todo se querendo e agora anda por aí de quatro por
Bianca ― desvia do assunto. ― Você merece uma pessoa que a faça feliz.
― Mas eu sou feliz! Tenho você e Bianca em minha vida, tenho um
pé de meia, eu venci! Eu sou feliz! ― afirmo categoricamente, só não sei
se é para ela ou pra mim mesma.

― E eu estou muito feliz e principalmente orgulhosa de ver toda a


sua luta e vitória. Mas em algo você tem razão, você não precisa de
homem nenhum para ser feliz, apenas para virar os olhinhos. Porque, meu
amor, você pode até virar os olhinhos sozinha, mas com alguém com
pegada, que te pega de jeito, te joga na parede e te chama de lagartixa é
muito, mas muito melhor. Eu desejo que um dia você conheça alguém que
com apenas um olhar te faça tremer dos pés à cabeça. ― Michele pisca
um olho e logo em seguida solta uma sonora gargalhada que me convida
a rir junto.

― Eu estou cheia de medo, contudo estou decidida a tentar; se não


der certo, desisto de vez, mas pelo menos não vou ficar com essa dúvida
na mente me atormentando. O “e se?” é terrível.

Michele segura minha mão e nós sentamos juntas na cama.

― Você sabe que por muitos anos eu só tive relacionamentos vazios.


Bem, a verdade que era uma fuga, se não me envolver, eu não sofro. Aí
veio o destino e pah! E mostrou que eu não posso controlar tudo, e acabei
grávida. Foi difícil no começo, você viu o quão complicado foi para eu
aceitar a gravidez, principalmente porque serei mãe solteira, todavia,
agora eu não me imagino sem meu bebê e ele ainda nem nasceu ―
Michele faz uma pausa e volta a falar, ainda emocionada ― Falei tudo isso
apenas para te mostrar que às vezes dar um passo para o desconhecido
pode ser algo maravilhoso. Não tenha medo de ser feliz, e se alguém te
magoar, fala comigo que eu mando alguém dar umas porradas nele. ―
Michele fica com o rosto banhado em lágrimas e o meu não está diferente.

― Você é muito doida, mas eu te amo e prometo que eu vou fazer de


um tudo para encontrar um amor. Eu não vou desistir. ― Meus braços
cercam o pescoço de Michele e, por um tempo que não sei mensurar,
ficamos ali emocionadas, mas cada uma por um motivo diferente.

― Ah, pronto! Agora estamos parecendo uns ursos panda, vamos ter
que refazer toda a nossa maquiagem. ― Michele aponta para o seu rosto
e logo em seguida para o meu.

Rio ao constatar que ela tem razão.


Ela levanta e se encaminha para a porta.

― Michele. ― Ela gira o corpo e me fita em silêncio. ― Faço minhas


as suas palavras, não desista do amor, dê uma chance ao Márcio.

― Veremos, Maria, veremos. Ele tem que rebolar muito para


conquistar essa gravidinha aqui. Posso ser magra, alta e desprovida de
bunda, mas dou um caldo! ― Michele pisca um olho e sai, me deixando
com um sorriso nos lábios.
Capítulo 5
Maria
Por conhecer Bianca há muitos anos, sei o quão reservada ela é. Eu
tinha plena consciência que o jantar de noivado seria algo íntimo e
pessoal, uma reunião para amigos e alguns poucos conhecidos.

Porém esse fato não me impediu de me vestir como se fosse para


um jantar de gala e não para algo mais comedido.

Sentia como se fosse minha grande estreia, como se a partir daquele


momento eu, finalmente, fosse começar de novo e, de certa forma, era o
que iria acontecer.

Tudo estava lindo e perfeito, só tinha um detalhe, eu nunca andei de


salto na vida, e na minha ignorância, supus erroneamente que ao calçar
um lindo par de sapatos sairia andando linda e elegantemente, como se
pisasse em nuvens.

Ledo engano.

Assim que dei os primeiros passos, notei que não seria algo tão fácil
como imaginava, até cogitei trocar os saltos 15 ― do jeito que sou
baixinha, só um salto bem alto para compor a nova Maria ―, por algo mais
confortável, porém as sandálias ficaram tão lindas que suguei o ar, pondo
para dentro uma boa dose de confiança e segui caminhando para a sala
aos tropeços.

Logo reparei que as paredes seriam minhas grandes aliadas essa


noite.

Então tracei um plano: me segurar nas paredes enquanto faço carão.

Com o peito cheio de confiança e com os pés sambando igual a uma


passista de escola de samba, consigo a façanha de chegar à escada, paro
e engulo em seco.

― Misericórdia.

Meus olhos quase saem de órbita ao ver a escada. Meu Deus, me


esqueci da merda da escada que passei os últimos 5 anos limpando.
― Agora lascou-se tudo. ― Um suspiro desanimado escapa dentre
meus lábios.

Se foi uma luta vir andando do quarto até aqui, imagina como será
descer a escada.

Já até posso me ver lá embaixo caída no chão estatelada; causa da


morte: caiu da escada porque não sabia andar de salto.

― Por que você está olhando para escada com essa cara
engraçada, Maria? ― a voz de Fernando chega até mim e, com ela, meu
sorriso volta.

― Ah, seu Fernando, só o senhor para me salvar. ― Elevo uma mão


em sua direção e ele me olha intrigado, depois segura minha mão.

― Te salvar como, Maria? Você está passando mal? ― questiona,


demostrando verdadeiro interesse.

― Oxente! Agora eu estou bem demais, a única coisa que preciso é


que você me ajude a descer essas escadas sem que quebre meu pescoço
no processo. ― Ofereço meu melhor sorriso e Fernando desvia seu olhar
do meu rosto, fita a escada e novamente me olha.

― Seu problema é a escada? ― indaga cético.

Bufo ao me dar conta que vou ter que contar toda a história para ele.

― Veja bem, vou fazer um breve relato, visse.

― Ok. ― Fenando não disfarça que está tentando segurar o riso.

― O problema é que eu não sei andar de salto e hoje estou com


saltos. ― Vejo Fernando olhar para meus pés e depois inclinar a cabeça
para o lado. ― Enfim, apenas quero seu braço amigo, literalmente, um
apoio para descer a bendita escada. ― Sorrio satisfeita com a explicação
e Fernando tem a cara de pau de rir da minha cara.

― Calma, espere um pouco ― ele para de falar, respira fundo e


novamente explode em uma nova gargalha, e nesse exato momento estou
com uma belíssima cara de cu. ― Eu vou te ajudar, deixa só eu pegar
fôlego. Ai, Maria, só você para me fazer rir no meu noivado, estava tão
nervoso que Bianca me expulsou de casa ― explica, tomando fôlego e me
dando o braço.

Resolvo esquecer que servi de distração para ele e foco no fato de


que ele vai me ajudar.

Com o sorriso novamente posto nos lábios, desço as escadas. Não


me incomodei com os olhares, digamos, admirados em minha direção,
afinal, nunca tinham me visto vestida daquela forma, nem sequer
maquiada.

Fernando tenta esconder o sorriso quando me deixa no final da


escada e eu com minha esperteza começo a esquadrilhar a sala à procura
de locais nos quais posso me apoiar.

E minha noite foi assim, entre risos, bicos, carões e me apoiando em


paredes, moveis ou qualquer coisa que me desse equilíbrio.

Mas nada tinha saído como eu imaginava. Não encontrei meu


homem perfeito entre os convidados de Bianca e Fernando. Já estava
desanimando e doida para tirar as benditas sandálias que estavam
machucando meus pés, quando vejo um belo exemplar de homem
caminhando em minha direção.

Bem, ele é um pouco mais velho do que eu imaginava que seria meu
homem perfeito, mas pensa em um coroa bonito. Sorrio quando ele para
em minha frente, esquecendo completamente da dor no meu pé.

Ele sorri para mim e meu sorriso aumenta.

Seu nome é Arino e desde o momento em que parou a minha frente


a festa melhorou e muito.

Arino, tem um jeito manso de falar, me senti acalentada e ao mesmo


tempo animada.

Em meio a nossa conversa, descobri que ele também era nordestino.


Arino era de João Pessoa, quando ele perguntou de qual lugar no
Nordeste eu era, por um breve momento, me lembrei de onde eu vim e
meu sorriso deu uma leve murchada, mas logo espantei as tristes
lembranças.
Não vou deixar que elas atrapalhem um momento tão agradável. O
olhar que Arino me deu foi como se me entendesse, como se o passado
dele também não tivesse sido fácil.

Ambos sorrimos, guardando dentro de nós segredos que não


queríamos revelar para uma pessoa que talvez significasse um novo
recomeço.

Arino se despede deixando um gostinho de quero mais.

― Aee, Maria, terminou a noite com um gato! ― Michele toca meu


ombro.

― Você o conhece? ― indago não escondendo meu interesse.

― Eu conheço, Maria ― Bianca ganha a minha atenção. ― Ele é o


pai da Mariana.

― Aquela menina que você ajuda?

― Sim, exatamente. Ele é um homem honesto, trabalhador e muito


gentil.

― Ele parece ser um cara muito legal ― murmuro com um sorriso


bobo nos lábios.

― Você sentiu o comichão? ― Michele pergunta levantando a


sobrancelha.

― Michele! ― Bianca a recrimina e segura minha mão.

― O quê?! ― Michele se faz de inocente e eu tento disfarçar o riso.

― Eu dou meu total apoio. Arino é um homem muito gentil. ― Bianca


sorri e aperta minha mão.

― Maria, agora já pode desmontar, mona, vou te contar, você me


rendeu boas risadas com essas pernas bambas. ― Michele curva o corpo
em uma gargalhada.

Bufo e faço o que eu quis fazer a noite toda.

Tiro as malditas sandálias.


Capítulo 6
Maria
Sempre gostei de ficar olhando para o teto antes de dormir, ficava
imaginando como queria que fosse minha vida. Hoje, pela primeira, não
estou fazendo suposições imaginárias, estou suspirando a cada cinco
minutos e com um sorriso imenso nos lábios.

Arino.

Elevo uma mão a minha boca quando um risinho escapa dentre


meus lábios.

― Será que ele é o cara? ― murmuro fitando o teto.

Giro meu corpo na cama, de modo que fique de lado, suspiro e


adormeço pensando em quando iriei encontrá-lo.

***

A oportunidade surgiu no dia seguinte. Michele me convidou ― está


mais para “me intimou” ― a acompanhá-la à empresa que Márcio trabalha
e, para minha grande alegria, Arino também.

A princípio pensei em pôr uma roupa tão glamurosa quanto a que


vesti ontem, porque convenhamos, ela me deu sorte! Contudo, Michele
calmamente me convenceu a vestir algo menos formal, nossa conversa foi
tipo assim:

― Maria, sua louca, surtou foi? Você vai montada para a empresa?
― ela exclamou na porta do meu quarto quando fiz menção de pegar um
vestido cheio de brilhos.

Tenho que confessar, eu amo brilho, amo coisas coloridas. Creio que
seja porque minha vida fora cinzenta por muitos anos, não sei bem ao
certo. De certo mesmo é que, dessa vez, Michele tem razão. Então, visto
um jeans e uma camiseta básica e seguimos para a empresa.

Não demorou muito para encontrar Arino, foi difícil conter o meu
sorriso. O homem estava tão charmoso quanto ontem.
― Arino, que bom te encontrar, estava com medo de não te achar ―
a cada palavra que pronuncio, fica evidente a minha alegria ao vê-lo.

― É muito bom te reencontrar, Maria. Mas como você sabia que eu


trabalhava aqui?

― Oxi, perguntei à Bianca. ― Pisco um olho e sorrio largo.

― E eu que estava triste por achar que nunca mais te veria.

― Eita! Que você ficou doidinho de vontade de me ver, não foi? Eu


sabia que o batom vermelho e o salto alto dariam certo.

Vejo-o sorrir meio desajeitado e passar a mão na cabeça.

― Não se preocupe, porque vou grudar em você feito carrapicho. ―


Volto a piscar o olho e ele me retribui com uma risada.

―Me passa seu zap? ― indago sorrindo ansiosa, mas meu sorriso
falha com a sua demora em responder. Busco o ar com força e solto
rápido. Inclino a cabeça para disfarçar o meu constrangimento. ― Eu
estou indo rápido demais, não é mesmo? ― sussurro, foi impossível
esconder o quão envergonhada eu estava.

― Não. ― Ele segura a minha mão. ― Meu celular é desses antigos,


até já pensei em comprar um mais moderno, mas a verdade é que eu não
tenho o costume de trocar mensagens com ninguém, nunca fiz isso e
tenho certeza de que não saberia usar um aparelho tão moderno ―
confessa com um meio sorriso.

― Posso te ensinar a mexer. Se você quiser, é claro ― ofereço,


sentindo novamente a esperança se reacender.

― Se for para não perder contato com você, então eu quero, sim ―
o modo como ele me olha ao pronunciar tais palavras é tão carinhoso que
mordi minha bochecha e finquei os pés no chão para evitar dar gritinhos e
pulinhos.

― Olhe, toma meu número e eu vou pedir a minha fia para me ajudar
a comprar um aparelho desses novos.

― Eu posso te ajudar nisso. Tipo, a gente se encontra amanhã e


vamos ao shopping, mas só se você quiser ― sugiro esperançosa lhe
dando um pedaço de papel e caneta.

― Pois eu vou é amar ― diz e anota o seu telefone, logo depois me


devolve o papel. ― Eu te ligo mais tarde.

Audaciosa, dou um beijo em seu rosto e sigo em direção a recepção


à procura da sala de Bianca.

***

Nos dias que se seguiram, me encontrei com Arino por diversas


vezes, passávamos horas ao telefone. Nosso assunto nunca acabava.

Era simplesmente maravilhoso poder conversar com alguém que


conhecia o Nordeste. No decorrer dos anos, visitei algumas cidades da
minha região, contudo nenhuma vez tive vontade de voltar para minha
cidade.

Apesar de nossas conversas fluírem, depois de alguns encontros


percebi que Arino, apesar de um homem quase perfeito, não era o meu
homem perfeito. Entre nós dois existia uma amizade maravilhosa, contudo
era só isso, amizade.

Acomodei meu coração ansioso que se entristeceu com esta


descoberta: eu quero Arino apenas como um amigo, não como um
amante.
Capítulo 7
Maria
Enquanto lavava a louça na casa de Michele, minha mente era
povoada por mil e uma possibilidades de contar para Arino que entre nós
dois existia apenas amizade.

Franzo o cenho e busco em minha memória um movimento que ele


tenha feito que me faça crer que Arino pense de forma diferente de mim.

E não encontro.

Somos amigos, e apesar da minha falta de experiência, sei que


somos apenas isso, bons amigos.

Não existe fogo e paixão. Nossa relação é apenas uma boa amizade
que não quero que acabe.

Me jogo no trabalho, tentando encontrar uma maneira de resolver


esse dilema. Quando a campainha toca, não estava preparada para o que
veria.

Não mesmo.

Se eu soubesse, iria psicologicamente preparada, mas fui de peito


aberto e ao abrir a porta, fui atingida em cheio.

Me esqueci como se respira, esqueci até mesmo o meu nome ou


onde estava. Não sei calcular quanto tempo fiquei nesse estado de inercia.

A minha frente estava o homem mais lindo que já vi na vida, e


literalmente com a boca aberta, me dou um nada discreto beliscão.

Vai que enquanto caminhava entre a cozinha e a sala acabei


dormindo e estou sonhando. Não estava.

Solto um fraco gemido e pisco algumas vezes. Ele parece ter saído
direto das novelas mexicanas que tanto amo.

― Maria, sua louca, eu lhe disse que não era para fazer faxina hoje
porque vem o decorador. Maria! Por que você está parada na porta igual a
uma estátua? ― a voz de Michele me faz balançar a cabeça e piscar mais
algumas vezes.

― Mulher, corre aqui agora! Porque não estou crendo nos meus
olhos ― nem mesmo reconheço meu tom de voz;

Está entre algo desesperado e incrédulo.

― Maria, já falei que a cada dia que passa você viaja mais na
maionese. Eu particularmente acho que é a sua convivência com
Fernando, porque aquele ali é louco de pedra. Creio que sou a única
pessoa sã entre vocês. Acho não, tenho certeza! ― Mal dou atenção ao
que Michele pronuncia. Quando ela para ao meu lado e fixa no homem a
nossa frente, noto que minha amiga para de falar.

― Crê em Deus pai! ― Michele murmura e pelo canto do olho vejo


ela pegar o celular e falar algo com Bianca que, sinceramente, não dou a
mínima atenção.

Minha mente está em branco, deu pane total! Minha mandíbula


começar a doer pelo tanto de tempo que minha boca está aberta.

Sinto segurarem meu ombro e me darem uma sacudida, mas não


queria desviar os olhos daquele homem lindo.

Mas Michele não é o tipo de mulher que gosta de ser ignorada, ela
sacode meus ombros com vigor até que eu desvie os olhos do homem dos
meus sonhos e fixo nela.

― Tome tento, mulher! Fecha essa boca, limpa essa baba, e foca no
caderninho! ― Demoro vários segundos até finalmente entender o que ela
quis dizer e me dou conta que estou toda maltrapilha em frente ao homem
dos meus sonhos.

Correndo, fecho a boca, me aprumo e saio em disparada em direção


ao meu quarto.

Mal entro e já vou jogando roupas para todos os lados, mas paro e
busco meu precioso caderninho no qual escrevi tudo que iria fazer quando
encontrasse o homem dos meus sonhos.

Desabo com ele na cama, folheio-o correndo e corro os olhos pelo


quarto, parando no vestido que usei no noivado de Bianca. Nunca me vi
tão bonita e segura como naquela noite.

Nem penso duas vezes, visto o vestido, as sandálias e faço uma


maquiagem correndo, seguindo em direção a sala enquanto me segurando
pelas paredes.

Não, ainda não sei andar de salto, mas uma coisa boba dessas não
vai me impedir de conquistar o homem dos meus sonhos.

Com a animação correndo solta em minhas veias, finalmente chego


à sala, me apoio na parede e dou uma leve piscada para o gato que nesse
momento se encontra entre Bianca, Michele e uma outra mulher.

De onde essa mulher surgiu, não tenho noção! Será que ela veio
junto com ele e eu mal notei?

É bem provável ...

Jogo esse deslize para fundo da minha mente e sorrio tão largo
quanto posso.

Fernando chega e beija Bianca, Michele tenta fazer ele sair e eu sigo
ali sorrindo para Victor, o homem mais lindo do mundo.

Depois de muita ameaça, Michele consegue fazer Fernando sair e


Bianca convida os arquitetos para conhecerem o quarto que será
decorado e eu sigo ali, encostada na parede, sorrindo e piscando.

Tenho certeza de que se eu der um passo, irei cair, então sigo ali, na
pose!

Solto um longo suspiro quando Michele volta.

― Bianca foi mostrar o quarto da sua bebê. Me Acuda aqui, mulher!


Não estou conseguindo andar com o salto alto ― peço não escondendo o
meu desespero.

― Maria, pelo amor de Deus, por que você pôs essa roupa? E o
mais importante, por que você põe salto se não consegue andar com ele?
― indaga, e finjo não ver que ela tenta segurar o riso.

― Você viu a categoria daquele homem? Ele merece salto alto e


roupa de festa. Vou usar tudinho que aprendi no meu caderninho. Esse é
daquele tipo de homem que vai me deixar de pernas bambas ― explico-
me enquanto dou um impulso da parede e me seguro em seus braços.

O caminho até o quarto que será decorado foi feito aos trancos e
barrancos. Ao chegarmos avisto uma cadeira e ao sentar solto o ar
devagar, mas logo me recomponho, cruzo as pernas e volto a sorrir
largamente.

Durante todo o tempo em que Vitor e sua colega de trabalho


permaneceram no quarto, tive uma única expressão.

Sorridente.

Está tudo lindo, até a hora deles se despedirem.

Michele, mais uma vez, discretamente me ajudou a ir para a sala, e


lá Vitor cumprimentou a todos com a intenção de se despedir. Quando ele
se aproximou de mim, consequentemente prendi o fôlego.

― Foi um prazer te conhecer bela. ― Ele segura minha mão e pisca


para mim.

Ele piscou para mim!

Meu cérebro, que já não estava em perfeitas condições entra em


pane.

Mal consigo processar e ele novamente sorri, e com os olhos


arregalados, novamente eu o vi levar minha mão aos seus lábios e beijar.

Uma corrente elétrica passou por todo meu corpo e se instalou direto
na minha calcinha, um arrepio de prazer subiu pelos meus braços,
deixando meus seios ouriçados.

Isso foi muito rápido, mas muito intenso, intenso demais, tão intenso
que não consegui me manter em pé. Cambaleei e me encostei a parede e
simplesmente deixei que meu corpo desabasse no chão.
Capítulo 8
Maria
A vergonha ficou lá atrás no momento em que meus olhos pousaram
nele pela primeira vez, simplesmente não consegui controlar meus
impulsos e, no momento, nem meus membros me obedecem.

Michele me segura do lado direito e Victor pelo outro. Sugo o ar ao


ver seu rosto se aproximar do meu. Prendo a respiração quando ele
assopra bem pertinho do meu rosto, direcionando um ar mentolado em
minha direção. Observo seus olhos castanhos, lindos, expressivos e que
no momento estão fixos em mim.

Simplesmente não sei como reagir, meu corpo e mente, enfim, nada
me obedece. Solto o ar com força quando ele me surpreende ao me pega
em seus braços, deito meu rosto na curva do seu pescoço e seu cheiro me
pega em cheio. Elevo minha outra mão e enlaço o seu pescoço, trazendo-
o para mais perto, e sem nenhum pudor, sorvo seu aroma, enchendo
meus pulmões com seu cheiro. Mordo o lábio inferior para impedir que um
gemido escape.

Victor pousa meu corpo no sofá, mas não quero me separar dele,
estar em seus braços é bom demais.

― Maria, você vai quebrar o pescoço de Victor. ― A voz de Michele


quebra a nevoa de paixão em que eu me encontrava.

Sem nenhuma vontade de largar o pescoço dele e levando alguns


beliscões de Michele, me desprendo de Victor e é com certo
constrangimento que noto o quão assustado ele se encontra.

Jesus, devo ter feito papel de louca.

Devo, não, eu sei que fiz!

― Bofe, dá um desconto, vai. Ela não está acostumada com tudo


isso, não! Os neurônios dela entraram em parafuso quando você a pegou
no colo ― Michele tenta descontrair o clima e ele começa a rir.

Victor me surpreende ao inclinar o corpo em minha direção e beijar


minha testa, prendo a respiração ao sentir seus lábios pousarem em meu
rosto. Minha vontade é de agarrá-lo de modo que ele nunca mais se
separe de mim, contudo, me contenho e deixo um longo suspiro escapar
dentre meus lábios enquanto o vejo ir embora com sua colega.

― Meu Deus, que vergonha! Maria do céu, você surtou? ― Bianca


pergunta, horrorizada.

― Bianca, desista, Victor beijou o rosto de Maria e nesse momento


ela não está entre nós. Provavelmente está viajando na maionese,
imaginando mil safadezas com Victor. ― Prefiro ficar em silêncio, pois é
exatamente isso que estou fazendo.

Imaginando nós dois juntos em um quarto, ele sussurrando qualquer


coisa em meu ouvido. Acho que até se ele disser “vamos ao
supermercado fazer compras” ao meu ouvido já fico excitada.

― Ainda bem que o pai de Mariana não a viu babando pelo Victor.
Ela iria perder um pretendente. Eles ficaram de ir a minha casa, porém,
como sabia que não estaria lá, pedi para eles me procurarem aqui ―
Bianca comenta, rindo.

O comentário de Bianca põe uma ruga em minha testa. Até algumas


horas atrás, minha mente estava voltada para como iria resolver esse
dilema com Arino, mas isso foi antes de conhecer Victor e esquecer até o
meu nome.

Logo depois, a campainha toca, Bianca vai atender e é Mariana que


entra, com o pai logo atrás. Arino, quando me vê caída no sofá, caminha
apressado em minha direção.

Arino começa a questionar o que houve e fico sem graça de revelar


que eu fiz papel de boba porque um homem lindo de morrer beijou minha
mão.

― Ela teve um breve mal-estar ― Bianca explica com um sorriso


sem graça.

― É esse tempo doido. Mas quando voltarmos para João Pessoa,


tudo vai melhorar ― Arino comenta, fazendo carinho na minha cabeça e
ainda estou aérea, tentando pôr meus pensamentos em ordem.

― O quê? ― Bianca e Michele gritam juntas.


― Maria não pode ir embora. O que será da minha vida sem ela,
gente? ― Michele soa desesperada.

― Senhor Arino, Maria não mencionou em nenhum momento que iria


viajar ― Bianca comenta calma, mas torcendo as mãos.

― Depois de nos casarmos, vamos voltar para minha terra. É isso


que viemos falar para a senhora, estamos indo embora. ― Arino volta a
fazer um carinho em meu rosto e eu o encaro, atordoada com a sua
revelação.

― Pai, não sabia que o senhor queria se casar ― Mariana comenta,


chocada.

― Mas é claro que quero, minha filha. Maria é trabalhadora e


humilde e depois de nos casarmos, vamos voltar para Bahia ou João
Pessoa... isso ainda não decidimos, mas não vamos ficar aqui ― ele diz,
convicto, e eu engulo em seco ao me dar conta de que errei ao achar que
ele pensava o mesmo que eu. Erroneamente julguei que ele também
achava que éramos somente amigos.

― Crê em Deus pai! ― Michele exclama, horrorizada.

― Pai, a Maria é muito nova para o senhor... ― Enquanto Mariana


dialoga com o pai, Michele caminha em minha direção e dá uma leve
sacudida em meus ombros.

― Desperta, mulher! Que história é essa de você nos abandonar?

Por breves momentos, apenas olho para eles sem saber o que falar.
Achei que Arino tinha chego à mesma conclusão que eu, que entre nós
dois só teria uma sincera amizade.

Engulo em seco e começo a falar.

― Mas eu não vou! Vim para cá para tentar uma vida melhor. Arino,
você é muito gentil e gosto muito de você. Porém quero mais da vida, não
quero voltar para o lugar de onde vim. Não tenho mais nada lá. Meus pais
já morreram, não tenho nada que me faça querer voltar, só péssimas
lembranças ― explico, triste, e me sento ao lado de Michele.

― Você não tem família aqui também e nem nada que te prenda
aqui. Eu vou te respeitar e te tratar bem, Maria. Eu e minha filha vamos
voltar para o nordeste... minha menina está sofrendo muito. E queria muito
que você fosse com a gente. Viemos agradecer tudo o que a senhora fez
pela gente, dona Bianca. ― Ele se levanta e vai para o lado da filha.
Bianca se senta ao meu lado.

― Arino, tenho algo muito importante que me prende aqui... essas


duas ao meu lado. Bianca e Michele me mostraram um mundo novo, elas
são mais que minhas patroas. Sei que me consideram sua amiga e hoje
em dia eu as considero minha família. E eu nunca iria abandonar as duas
nesse momento tão especial da vida delas ― esclareço, segurando as
mãos de Bianca e Michele.

Não posso dizer que sei de todos os fatos da história de Mariana,


Arino é bem discreto em relação a sua intimidade. Não posso recriminá-lo,
há fatos em minha história que prefiro manter guardado no fundo da minha
memória.

Enfim, pelo que entendi, Mariana está com problemas emocionais,


Michele e Bianca tentam convencer Mariana a vir morar aqui, porém Arino
segue reticente e, para minha completa confusão, me olha com certo
rancor. Vendo que eles continuam indecisos, resolvo intervir.

― Mariana, não deixe que um homem defina quem você é. Seja


forte, conquiste tudo o que você sonhou. Aproveite a oportunidade que
está à sua frente e a agarre com unhas e dentes. Não é todos os dias que
encontramos pessoas querendo nos estender a mão. Eu sei disso, eu
passei por isso, mas eu fugi, passei anos fugindo ― confesso e Mariana
limpa as lágrimas. ― Arino, eu gosto muito de você, mas como amigo. Eu
não quero ficar com uma pessoa apenas porque ele vai me tratar bem e
me respeitar. Eu quero e mereço mais que isso. Essas duas fortes
mulheres me mostraram que mereço mais ― tento ser o mais sincera o
possível. Meus olhos seguem fixos em Arino mesmo depois de parar de
falar.

Após alguns minutos de silêncio, pai e filha se olham, nenhuma


palavra foi proferida, foi uma comunicação muda, daquelas que só
conseguimos com quem temos uma profunda conexão.

Logo em seguida, Mariana confirmou que iria ficar.

Há algum tempo, Michele me pediu morar com ela até o bebê


nascer. Mariana ficará com a gente enquanto o pai dela estiver viajando.
Ou seja, como me comprometi a ficar com Mariana, ela irá morar comigo
na casa de Michele até Bianca se casar e se mudar, daí vamos nos mudar
para lá.
Capítulo 9
Maria
Com tudo acertado cada um seguiu seu caminho e eu fui para o
quarto tirar o vestido, mas com o peito apertado ao me lembrar da
expressão triste que Arino fez ao me fitou.

Inquieta, corro com o trabalho e, à tarde, quando vi que estava


próximo da hora de Arino sair do trabalho, sem pensar duas vezes, rumei
para a empresa. Porém não entrei em contato com ele. Por medo dele se
recusar a me ver, ao chegar, preferi me sentar em um banco, torcendo as
mãos enquanto o espero sair.

Prendo a respiração quando o vejo cruzar a porta de saída


cabisbaixo, tento controlar minhas emoções, mas o medo de perder sua
amizade me faz perder a batalha contra as lágrimas.

― Arino, eu queria mais uma vez te pedir desculpas, confesso que


no começo eu realmente pensei que poderíamos ter algo mais, mas o que
sinto por você é só amizade e quero muito mais que isso em um
relacionamento ― sigo em sua direção, já derramando as palavras. ―
Não quero perder sua amizade, Arino, por favor, me desculpe por não
poder aceitar o seu pedido. ― Seguro sua mão e rezo para que veja o
quão sincera estou sendo.

Ele sorri, um sorriso desanimado, e me surpreende ao puxar meus


braços e me abrigar em um caloroso abraço.

A princípio congelo, não esperava essa reação, e para falar a


verdade é a primeira vez que temos contato físico. Aos poucos, ainda meio
insegura, enlaço sua cintura, retribuindo o abraço.

― Oxi, não se preocupe. Mesmo longe, quero que você saiba que
tem um amigo e eu espero sinceramente que você encontre o que procura
― ele sussurra ao meu ouvido enquanto me embala em seus braços.

Nos despedimos sorrindo e eu desejo que tudo dê certo em sua


viagem e peço que mantenha contato.

Vou para casa com o coração leve, sabendo que não ficou nenhum
mal-entendido...
Um conjunto de acontecimentos culminou em Michele fosse
internada em estado grave. Vê-la no hospital foi algo para o qual eu não
estava preparada.

O tão característico sorriso de Michele estava murcho, carregado de


medo e angústia, o de Márcio não era diferente.

Em meio à tristeza, Michele termina com Márcio, o que acho que foi
uma verdadeira loucura. Mas seu pedido para que eu ficasse de olho nele
me fez ter a certeza de que o término foi um momento de desespero
motivado por toda a dor que está sentindo.

À noite, não consegui pregar o olho e fui à cozinha, mas parei ao


ouvir o choro de Márcio.

No hospital eu o consolei, todavia agora me soa desrespeitoso


interromper esse momento, mesmo que seu lamento me doa por dentro. O
homem estava sofrendo com a mulher e o filho dela, que ele adotou,
correndo risco de morte.

Giro meu corpo, elevo as mãos ao rosto, seco minhas lágrimas e


sigo em direção ao meu quarto. Ao fechar a porta, desisto de lutar contra
as lágrimas e deixo todo lamento emergir. Antes de dormir, faço uma
oração, implorando que tudo fique bem.

Creio que nessa noite nenhum dos amigos de Michele conseguiram


pregar os olhos.

Na manhã seguinte, os médicos nos tranquilizaram, porém confesso


que antes de entrar no quarto de Michele com um sorriso posto dos lábios,
precisei de um momento para deixar toda a angústia do dia anterior do
lado de fora. Michele me recebeu com um sorriso no rosto, meio trêmulo,
mas ele estava lá, junto com a esperança de que tudo iria ficar bem.

***

Por anos, eu ouvi sobre a menina que Bianca ajudava, mas até o seu
noivado, eu julgava erroneamente que era uma criança, mas Mariana é
uma linda mulher e filha de Arino. Só voltei a encontrá-la há alguns dias,
quando ficou decidido que ela viria morar aqui quando seu pai viajasse.
Mas, desde que Michele foi internada, minha mente está focada
somente nisso. Por esse motivo, fico chocada ao abrir a porta e encontrar
ela e Victor.

A moça que se encontra a minha frente, sorrindo para Victor


enquanto ele retribui o sorriso com um brilho especial no olhar, em nada
lembra a mulher indecisa alguns dias atrás, apesar de ainda conservar
uma certa tristeza nos olhos.

Abro meu melhor sorriso e cumprimento Victor, que mal me dirige o


olhar. Suprimo meus sentimentos diante da rejeição e os convido a entrar.
Victor finalmente me olha, rapidamente, mas sua atenção logo volta pra
Mariana.

Ele não fica muito tempo, na verdade, nem chegou a entrar. Se


despede de Mariana com dois beijos no rosto e me envia um breve aceno
de cabeça.

Ah, se ele soubesse como meu coração doeu nesse momento.

****

Mariana é uma menina muito bonita, que apesar de se fazer de forte,


no momento, está com o coração partido e pelo que entendi Victor quer
ser a pessoa que curará a sua dor de amor.

Pelas próximas duas semanas, eu os vi saírem todos os dias, de


fato. Mariana chegou até a ficar mais contente, e qual mulher não estaria
contente ao lado de um homem desses?

Eu, com certeza, ficaria!

Mas o caso deles não foi para frente e ela voltou para o ex e eu,
novamente, a sentir uma fumacinha de esperança.

Enquanto Michele estava no hospital Victor foi várias vezes ao


apartamento, em todas eu tentei me aproximar, puxar conversa, usei todas
as táticas do caderninho, mas nada funcionou. Ele simplesmente não me
olhava como uma pessoa com quem ele pudesse ter um relacionamento.
De fato, acho que Victor nunca realmente prestou atenção em mim e isso
doeu.
Não que me destratasse, longe disso, ele sempre foi gentil e
educado, apenas não me via. Acho que não sei explicar direito. Era como
se eu fosse uma pessoa que não importava se estava ou não ali.

Fiz papel de boba e o pior é que ele nem percebeu. Ou seria melhor?

Então, desisti e mais uma vez tive que dizer ao meu coração que não
foi dessa vez. Mas ao contrário de como foi com Arino, eu realmente o
queria.

Guardei esse sentimento dentro de mim e não voltei a tentar chamar


a sua atenção. Na verdade, até evitava ficar muito próxima a ele quando
Victor ia visitar a obra no quarto da bebê de Michele.

O tempo foi passando, Michele deu à luz a Marina, menina tão linda
quanto ela. Finalmente ela se reconciliou com Márcio e Bianca me pediu
pra ajudá-la a organizar o casamento deles. Foi uma cerimônia linda, feita
na capela do hospital.

Alguns dias depois, Michele e sua filha tiveram alta. Passadas as


primeiras semanas, eu vi a necessidade de deixar o casal sozinho, apesar
deles me garantirem que eu não atrapalhava a intimidade deles. Eu
também queria mudar a minha vida.

Eu precisava disso, havia chegado o momento de sair do casulo de


proteção em que Bianca e Michele me botaram há alguns anos. Jamais
serei capaz de expressar toda a gratidão que tenho por elas.

As duas estão seguindo suas vidas, construindo família e eu também


quero isso para mim, quero abrir minha lojinha e andar com as minhas
próprias pernas.

Em um almoço, contei meus planos para elas. A princípio, achei que


seria uma conversa difícil, mas não foi.

Tanto Bianca quanto Michele aprovaram a minha decisão de abrir


meu próprio negócio.

O dia em que eu saí da casa de Michele foi como fechar um capítulo


importante em minha vida e abrir outro.

Me mudei para o apartamento que comprei com a ajuda delas há


alguns anos e lá vai eu, toda atrapalhada no elevador de serviço, tentando
segurar duas caixas de papelão cheias de potinhos plásticos, quando a
porta do elevador se abre e quem me aparece?

Victor!

Valha-me, Deus!
Capítulo 10
Maria
Minha surpresa foi tamanha que minha boca abriu e os potes caíram
todos no chão do elevador. Engulo um gemido e me abaixo para pôr meus
potinhos dentro das caixas.

Oh, Meu Deus, mais esse homem só me encontra em situações


constrangedoras.

― Maria?! Que surpresa, você quer ajuda? ― Eu nem me atrevo a


elevar o rosto.

― Ah, oi, imagina, não precisa. ― Ergo o tronco, tentando equilibrar


as caixas e orando para que os benditos potes não caiam novamente.

― Deixe-me te ajudar, Bela ― ele sorri e soa voz soa rouca e com
um leve sotaque que não sei identificar, só sei que ela faz meu estômago
dar cambalhotas. ― Deixe-me te ajudar. ― Volta a pedir com a mão
elevada em minha direção.

Ah, meu anjo, eu deixaria você fazer um montão de coisas.

Mordo meu lábio inferior para evitar falar alguma besteira, afinal, eu
prometi esquecer esse homem!

A porta do se elevador abre novamente e, elevando a cabeça,


confirmo que é o meu andar. Dou um passo para fora e me preparo para
uma rápida despedida, mas vejo que Victor me acompanha.

― Para qual apartamento você vai? ― questiona enquanto tira uma


das caixas da minha mão e eu tento inutilmente impedi-lo.

― 402 ― murmuro e caminho em direção ao apartamento em


silêncio, abro a porta, ponho a caixa que segurava no chão e ao me
levantar, noto que ele espia por dentro.

― Você está de mudança? ― indaga, correndo os olhos pelo


apartamento e notando algumas caixas espalhadas pelo chão.

Eu apenas assinto muito confusa com a sua atenção.


― Então seremos vizinhos. ― Ele sorri largo e me entrega a caixa
que ainda se encontrava em suas mãos.

Abro e fecho a boca e sou incapaz de falar algo.

― Meu apartamento é o 406. ― Indica, girando o corpo e logo em


seguida vira-se em minha direção sorrindo e eu demoro alguns bons
segundos olhando para a sua boca, presa em seu sorriso.

― Ah, tá ― eu não tenho a menor dúvida que soei como uma débil
mental.

― Seja muito bem-vinda ao prédio, Bela. Precisando de qualquer


coisa, é só bater na minha porta. ― Ele pisca um olho e gira o corpo como
se nada tivesse acontecido.

Fecho a porta, encosto-me nela e escorrego por ela até o chão,


agarrando firmemente a caixa com os potinhos.

― Misericórdia! ― murmuro com os olhos arregalados. ― Como eu


vou esquecer essa tentação se ele é meu vizinho? E ele me chamou de
Bela, não uma, mas duas vezes!

― Misericórdia! ― Elevo uma mão a boca e camuflo um gritinho.

***

Ligar para Arino foi uma decisão que me tomou algum tempo para
ser posta em prática. Queria oferecer sociedade para abrirmos uma
lojinha. Sabia que ele tinha voltado de viagem e tinha pedido demissão do
trabalho. Então, reunindo coragem, ligo para ele.

Arino, depois que ouviu tudo o que eu tinha em mente para a loja, se
animou e deu várias ideias e assim nasceu nossa sociedade.

E partimos para encontrar o lugar perfeito para a nossa loja.

Eu estava tão envolta no trabalho que mal tinha tempo para pensar,
o que de um lado era muito bom, porque assim não pensava em Victor.

Não voltei a encontrá-lo, confesso que ficava olhando no olho mágico


antes de abrir a porta e também, algumas vezes, descia de escada.
Certo dia, estava distraída, esperando o motorista do aplicativo de
transporte e, do nada, eu me tornei consciente de que ele estava ao meu
lado.

Bem, na verdade meu corpo sentiu. Todos os meus pelos ficaram


ouriçados, e mesmo sem virar o rosto, sabia que ele estava ao meu lado.

― Fugindo de mim, Maria? ― joga a pergunta e soa como uma


brincadeira.

Crê em Deus pai, dai-me forças para não me jogar nesse homem
aqui na calçada do nosso prédio. Amém!

Após a oração silenciosa, inspiro profundamente e virando meu


rosto, o encaro com uma ruga entre meus olhos.

― E por que eu estaria fugindo de você? Para ser bem sincera, o


seu questionamento é bem estranho, visto que quando estava na casa de
Michele você mal notava a minha presença. ― Ergo o queixo e levanto a
sobrancelha.

Mas pensa em uma pessoa orgulhosa? Não demonstrei nem um


bocadinho a vontade doida que eu estava de me agarrar nele feito
carrapicho.

Victor retira os óculos escuros e, nesse exato momento, um carro


buzina. Me assusto e me desequilibro no paralelepípedo, meu vizinho
enlaça minha cintura e seu cheiro me pega em cheio. Fecho os olhos e
sugo o ar com força, tentando guardar aquele aroma na minha memória.

― Cuidado. ― Ele sorri e solta minha cintura.

Retribuo o sorriso e faço um ligeiro meneio afirmativo de cabeça.

― Respondendo a sua pergunta, eu gosto da ideia de você ser


minha vizinha, você me parece ser uma boa pessoa e quero ser seu
amigo.

― Por quê? Por que você quer ser meu amigo?

― Você não quer ser minha amiga Maria?

― Eu não te conheço o suficiente para isso.


― Então toma um café comigo e me conheça. ― Ele sorri de lado e
eu engulo em seco quase saindo do meu personagem de mulher centrada.

― Quando? ― consigo não demonstrar ansiedade na minha voz,


pelo menos eu acho.

― Pode ser hoje, se você quiser.

― Pode ser à tardinha?

― Sim, anota aí meu celular ― ele me passa seu número e logo em


seguida se despede e eu fico olhando o celular com seu número gravado e
me dou um forte beliscão para ter certeza de que não estou sonhando.
Capítulo 11
Maria
Chego ao barzinho que Victor marcou de me encontrar com alguns
minutos de atraso, o nervosismo me acompanha a cada passo. Corro os
olhos pelo local e o avisto sentado em uma mesa. Suspiro ao admirá-lo.
― Como pode um homem ser tão lindo? — murmuro, gemendo
baixinho.
A vibração no bolso da minha calça me indica que chegou uma
mensagem. Busco o celular e vejo que é uma mensagem de Victor me
avisando que já chegou ao barzinho. Respondi que também cheguei.
O vejo abrir um lento sorriso, virar a cabeça em direção à porta e
acenar para mim. Tomo fôlego, engulo a saliva devagar e sigo em sua
direção. Pelo caminho não perco os olhares das mulheres e de alguns
homens em sua direção.
Não posso culpá-los.
― Olá, fico feliz que você veio. ― Ele puxa a cadeira para mim e eu
agradeço com um aceno.
― Confesso que vim porque fiquei curiosa para saber por que você
me convidou.
Ele se senta e inclina a cabeça para a direita.
― Você é bem direta.
― A vida me ensinou que é melhor deixar as coisas às claras. ―
Nem sempre eu sigo essa regra, tipo agora, por exemplo.
― O que eu disse mais cedo é verdade, quero ser seu amigo, não
tenho muitos.
― Você pode ter quem você quiser, Victor. ― Não consigo esconder
a admiração em minhas palavras.
― Não nego, mas isso não é amizade, é desejo e ele se apaga
rápido. Eu quero uma amiga, alguém com quem eu possa conversar, sair
sem me preocupar que a pessoa tente me seduzir ou se jogue em mim.
Me engasgo e ele me oferece um copo com água.
― Você também é bem direto. ― Ofereço um sorrio sem graça e
tomo mais um gole de água.
Victor suspira longamente antes de voltar a falar.
― Eu voltei ao Brasil há algum tempo, 6 meses para ser mais exato,
e fiz duas amigas. Cristina, que você conheceu quando fui pela primeira
vez na casa de Michele, e Mariana, ambas têm compromisso com homens
muitos ciumentos. ― Ele sorri como se me contasse um segredo.
― Ainda não entendi onde quer chegar. Você não tem outros
amigos?
― Uma longa história.
― Bem, se você quer minha amizade, terá que me contar essa longa
história. Além do que mais, não tenho ninguém me esperando em casa. ―
Dou de ombro e tomo mais um pouco de água.
Victor sorri largo e eu amo seu sorriso.
Ele pede ao garçom petiscos, um suco para mim e um chopp para
ele, me olha por algum tempo e depois volta a sorrir, e seu sorriso faz
coisas em meu íntimo. Me ajeito na cadeira e me orgulho de não
demonstrar o quanto um simples sorriso mexe comigo.
Victor toma fôlego, como se o que fosse revelar o incomodasse, e
logo em seguida começa a falar:
― Há cerca de 4 anos, eu larguei minha vida aqui e fui para a Itália.
― Por causa de uma oportunidade de trabalho?
― Não, por causa de um amor.
― Mas, hein? ― Minha voz sai mais alta do que eu gostaria e,
constrangida, disfarçadamente corro meus olhos pelo barzinho e suspiro
ao notar que ninguém está olhando em nossa direção.
― Sim, foi por amor, ou melhor, por causa de uma desilusão
amorosa. Vendi tudo o que tinha e fui tentar a vida em Veneza, na Itália.
Eu queria ir o mais longe possível daquela pessoa e fugir de tudo.
Engulo em seco com o seu relato, porque de certo modo é parecido
com o que ocorreu comigo. Victor não parece notar o quão abalada fiquei
e continua a sua história.
― Enfim, tive sorte, me tornei um pintor com um certo
reconhecimento e há cerca de 7 meses conheci Cristina e ela me
convenceu a retornar ao Brasil e trabalhar com ela.
― Nossa. ― Bebo um bom gole de suco e o fito, querendo saber
onde ele queria chegar.
― A casa de Michele foi um dos primeiros lugares onde trabalhei
desde que voltei e lá te conheci e te achei, digamos, muito irreverente.
Eu acho que ele quis dizer maluca, gemo internamente ao me
lembrar de como me comportei quando o conheci. Não encontrando
palavras, revolvo ficar em silêncio e ele continua a falar.
― Logo de cara, me encantei com Mariana, mesmo sabendo que
deveria manter distância. O coração de Mariana não estava disponível,
tudo em mim dizia “não vá”, mas eu ignorei tudo e tentei conquistá-la... ―
Ele sorri triste, desvia os olhos dos meus e fita o copo de chopp. ― Tenho
uma queda por mulheres que precisam de proteção, o problema é que
normalmente elas estão com o coração fechado.
Nem sempre, eu, por exemplo, estou aqui disponível para você, eu
quis gritar para ele, mas me limito a novamente engolir em seco.
― Eu reencontrei a mulher que me machucou há alguns anos e,
para a minha surpresa, ela estava com o ex de Mariana.
― Eita, porra! É a Angélica? Me desculpa. ― Constrangida, abaixo a
cabeça.
― E põe eita nisso. Você conhece a Angélica.
Como explicar para ele que Angélica é uma lambisgoia safada que
infernizou Bianca e Fernando? Até hoje não entendi por que ela se casou
com Pablo, já que tinha uma paixão não correspondida por Fernando.
― É... então, eu ouvi falar dela. ― Desvio meus olhos dele e enfio
um bocado de petiscos em minha boca.
― Como você sabe, Mariana voltou com o ex, então Angélica está
livre.
Saber que a esnobe Angélica é uma antiga paixão de Victor é uma
grande decepção, não me contenho e faço a pergunta que está me
corroendo:
― E o fato dela estar disponível mexe com você?
― Mais do que eu gostaria.
Desvio meus olhos dos dele e não faço nenhum comentário.
― Me fale de você ― ele fala a última palavra devagar e foi
impossível conter um sorriso bobo.
Victor eleva as mãos ao queixo e me oferece sua total atenção.
Ah, mas se ele soubesse a força que eu tenho que fazer para não
inclinar meu corpo e morder o lábio inferior dele que me parece ser tão,
mas tão gostoso.
Limpo a garganta e desvio dos seus lábios, olhando para o teto.
― Bem, minha história é como de um monte de gente por aí. Vim do
interior a Bahia para o Rio de janeiro à procura de uma vida melhor, tive a
sorte de conhecer Bianca e Michele que, literalmente, mudaram a minha
vida e agora estou começando o meu próprio negócio ao lado de um
amigo.
― Uma história de sucesso.
Faço um meneio afirmativo, evitando revelar tudo o que realmente
houve no meu passado.
― Então, agora que nos conhecemos, podemos ser amigos? ― Ele
sorri. Notei que ele sorri com muita frequência e eu gosto disso.
Victor eleva a mão em minha direção e eu não penso duas vezes
antes de apertá-la.
Ele ainda não me vê como mulher e provavelmente nunca verá, mas
quer ser meu amigo e isso para mim basta.
Posso ter um homem bonito desse como amigo, será um colírio para
meus olhos e, em contrapartida, continuarei a procurar o homem perfeito
para mim.
Capítulo 12
Maria
Quando Victor me ofereceu amizade, eu achei que seria... Bem, eu
nem sei ao certo que pensei, só sei que nunca pensei que seria do tipo
que leva café na porta.

Na primeira vez em que meu vizinho tocou a campainha do meu


apartamento com um copo de café em mãos, eu fiquei um bom tempo
olhando dele para copo de café e o saquinho que ele estendia em minha
direção. Várias e várias vezes.

― Olá, minha amiga ― sua voz soa rouca e ao final me oferece um


sorriso.

Tive que me apoiar na parede para sustentar minhas pernas, eu


ainda estou me acostumando a ser amiga de Victor.

― Oi ― O som que sai dos meus lábios é no mínimo constrangedor,


meu cérebro ainda está abalado com sua voz rouca e sensual me
chamando de amiga.

Victor sorri e eu aprumo meu corpo e arranho a garganta antes de


voltar a falar.

― O que é isso? ― questiono o óbvio já que o cheiro de café é


evidente.

― Eu trouxe café para você.

― Hum... ― Com medo de novamente passar vergonha, me limito a


um leve resmungo.

― Eu aposto que você ainda não tomou café da manhã ― sugeriu,


sacudindo o copo e o saquinho na minha frente.

Desvio meus olhos dele, fito o relógio e noto que são mais de 10 da
manhã e realmente não tomei café da manhã. Sem falar que meu
estômago escolhe esse momento para roncar.

Sorrio sem graça e aceito o copo e o saquinho.


Antes que eu o convidasse para entrar, ele pisca um olho acena e vai
embora, dou um passo em direção à saída e sigo seus passos até ele
entrar em seu apartamento.

Desde esse dia, se tornou frequente ele me trazer café.

Certa noite, deitada em minha cama, com o corpo cansado depois de


mais um dia batendo perna atrás de um ponto para a loja, faço uma lista
mental de tudo o que terei que fazer no dia seguinte.

Suspiro em pura frustração, sentindo o desânimo tomando conta da


minha mente, quando um barulho de mensagem me faz buscar o celular
que está ao lado da cama.

Ao ver o autor da mensagem, me sento na cama e cruzo minhas


pernas.

Victor.

― Valha-me Nossa Senhora ― murmuro, elevando uma mão a boca.

Abro mensagem com dedos trêmulos.

"Oi, amiga"

Um sorriso bobo brota em meus lábios.

"Oi, amigo"

Retribuo a mensagem e me deito na cama com os olhos fixos na


tela.

"Como foi o seu dia?"

Mordo meu lábio inferior e travo uma batalha comigo mesma, sem
saber se sou sincera ou apenas superficial.

Escolho despejar tudo e revelo para ele meus planos para abrir uma
loja com Arino e toda a dificuldade que estamos enfrentando. Em
contrapartida, ele me arranca boas gargalhadas com as histórias das
clientes tentando seduzi-lo ― confesso que rio de nervoso, porque já
estive no lugar dessas mulheres. ― Nossa conversa flui de tal forma que
quando me dou conta já são mais de 4 da manhã.
Acordo com a campainha tocando incessantemente, saio da cama
cheia sono, tropeçando nos pés, e sigo direto para a porta, xingando a
cada passo que dou.

― Tire o dedo da campainha filho de uma peste. ― Abro a porta e


meu queixo quase cai ao me deparar com Victor, com os cabelos
molhados, uma camisa que adere ao seu corpo como uma segunda pele e
calça de moletom.

E como sempre, lindo de morrer, já eu, só pela graça de Deus.

Não quero nem pensar em como estou, toda descompensada com o


cabelo igual a um ninho de urubu e certeza de que estou com marca de
baba no rosto.

Misericórdia, devo estar a imagem do desespero.

Eu engulo em seco uma, duas vezes e sorrio... quero dizer, mostro


os dentes, não posso chamar a expressão que eu fiz ao vê-lo de sorriso,
não mesmo, aquilo foi mostrar os dentes!

Enfim, faço uma expressão de quem não sabe onde enfiar a cara e
sorrio.

Creio que notando o meu constrangimento, Victor não falou


absolutamente nada, apenas me ofereceu o café e o saquinho, depois
virou as costas e foi embora. Eu fechei a porta e finalmente soltei o ar que
nem me dei conta que estava prendendo.

Mal tive tempo de dar um segundo suspiro e novamente a campanha


toca.

Gemo em pura frustração ao espiar pelo olho mágico e ver que é


Victor que visivelmente segura o riso.

― Pera aí, que já abro visse. ― Grito e mordo meu lábio inferior.

Largo o café e o saquinho em cima da mesa, corro para o banho


jogo uma água no rosto escovo os dentes e evito me olhar direto no
espelho para não ficar deprimida, saio andando acelerada para sala
tropeço na mesinha de centro e sigo mancando até porta.

― Oi. ― Seguro um gemido de dor.


― Quando vocês encontrarem a loja, vou lhe dar de presente o
projeto de decoração ― joga tudo de uma vez, desce seu olhar pelo meu
corpo e o vejo mais uma vez segurando o riso.

Eu acho que ele iria fazer a oferta na primeira vez que tocou a
campainha e me ofereceu o café, porém creio que a minha imagem o
desconcentrou a tal ponto que ele apenas me ofereceu os saquinho e saiu.

― Oxi, é sério? ― não escondo a surpresa em cada palavra.

Sei o quanto o trabalho de Victor é caro e eu acho, só acho, que ele


saiba que eu não tenho condição de pagar.

― Sim, será meu presente para você. Um presente de um amigo ―


ele abre um largo sorriso e seu tom de voz rouco faz coisas em meu
íntimo.

Minha felicidade foi tamanha que mais uma vez tive que controlar a
vontade de me jogar em seus braços, felizmente me contive.

― Muito obrigada, amigo.

***

Encontrar uma loja não estava sendo nada fácil, ou era muito caro ou
não era acessível.

Eu e Arino já estávamos ficando doidos quando Pablo, seu genro,


deu-lhe de presente uma loja em um ponto maravilhoso.

E assim nossa loja começou a ganhar vida e decidimos chamá-la de


Nosso Recanto.

Victor fez o projeto de decoração e nos ajudou a pôr tudo em prática.


Toda essa aproximação estava acabando com o meu juízo. Eu e ele nos
falávamos todos os dias e quase todas as noites trocávamos mensagens.

Meu sexy vizinho estava em minha pele, em meus sonhos e delírios,


o problema é que ele não tinha a menor consciência disso.

Os pequenos gestos de atenção estavam confundindo meu coração


ansioso e carente de atenção. Eu estava começando a imaginar que
talvez, apenas talvez, ele estivesse começando a ver, a realmente me ver.
O convite para o cinema me pegou de surpresa e foi prontamente
aceito. Passei todo o dia em uma gastura que não cabia em mim, Arino até
chamou minha atenção, pois estava organizando as coisas em lugares
errados.

Eu e Arino resolvemos não ter empregados, nenhum dos dois temos


medo de pôr a mão na massa e é exatamente isso que estamos fazendo
desde que assinamos o contrato de sociedade.

Nossa loja será inaugurada em alguns dias e trabalho é o que não


falta.

― Maria do céu, cê está com a cabeça onde, mulher? ― Arino busca


um pote de conserva que escapuliu da minha mão e saiu rolando pelo
chão.

― Minha mente está avoada ― Pego o pote e sorrio em


agradecimento. ― Desculpa, viu, vou prestar mais atenção.

Ele retribui com um sorriso compreensivo.

― Que tal ir comigo, minha filha e Pablo na feira esta noite? Assim
você se distrai um pouquinho ― Arino faz o convite e franze a testa. ―
Você parece estar com uma gastura só. ― Completa, me olhando com
preocupação.

Ponho um sorriso em meu rosto a fim de tranquilizá-lo.

― Oxente, e como não deveria de estar, olha para essa loja. Está
ficando uma belezura só ― desvio a atenção de mim.

Seria no mínimo complicado falar para Arino que estou assim por
causa de um ex pretendente de sua filha. Mas Arino é um homem esperto
e experiente e ele segue me fitando em silêncio depois.

Ele balança a cabeça, dá um passo em minha direção e segura


minha mão.

― Quando estiver pronta para conversar, sabe que pode falar de um


tudo comigo, visse ― seu tom de voz me acalma e ele ainda faz um ligeiro
carinho em minha mão.
Abro a boca, mas a fecho logo em seguida, inspiro e solto o ar
devagar.

― Se preocupe não, Arino. Está tudo bem. ― Sorrio largo e aperto


sua mão. ― Se divirtam no centro de tradições nordestinas e na próxima
vez vou, com certeza.

Evito revelar o motivo de não aceitar o convite e ele não insiste.

Arino é assim, um bom amigo.


Capítulo 13
Maria
As inúmeras peças jogadas na cama denunciam o quão ansiosa,
nervosa e principalmente indecisa estou.

Sentei-me na cama e tentei reorganizar meus pensamentos, a


proximidade da hora do meu encontro com Victor estava me tirando do
tino e eu tinha medo de não conseguir me segurar e acabar me jogando
em seus braços.

Viro meu rosto, correndo os olhos pelas roupas espalhadas pela


cama e opto por uma roupa básica.

Calça jeans, blusa branca e tênis, não quero correr o risco de pôr um
salto e cair de cara no chão, e muito menos quero me produzir muito.
Afinal, Victor sempre frisa que somos amigos, mas isso não me impede de
sentir um frio na barriga.

Quando a campainha toca dou um pulo, tamanho o nervosismo.

Ando apressada em direção à porta, mas paro antes de abrir e tento


readquirir o controle das minhas emoções.

― Oi, amiga. ― Victor está encostado no batente da porta com um


sorriso bonito brincando nos seus lábios.

Será que algum dia eu vou deixar de sentir borboletas no meu


estômago ao vê-lo?

Acho que não.

― Oi, vamos? ― consigo que minha voz saia normal.

Só Deus sabe como estou por dentro.

― Claro. ― Ele dá um impulso e um passo para o lado.

Fecho a porta, mordo o interior da bochecha e o acompanho à saída.

Fomos ao cinema e assistimos a uma comédia, como decidi não


esconder nada ― ou quase nada ― de Victor, ele conheceu minha risada.
Minha risada é algo de que não me orgulho muito.

Eu queria rir elegantemente como as mulheres das novelas, ao invés


disso ela parece uma mistura de porco com taquara rachada. Não sei
explicar direito, só sei que é algo bem constrangedor e normalmente as
pessoas riem mais da minha risada que da situação que se desenrola em
torno.

Foi um bom passeio, e ao final ele me deixou em frente a minha


porta.

― Muito obrigada pelo convite, foi a primeira vez que eu fui ao


cinema acompanhada ― revelo meio sem jeito.

Victor, franze o cenho.

― Você não costumava ter encontros, ou sair com amigos?

― Não ― opto por não revelar o motivo e Victor apenas me observa


por mais um tempo, seguro seu olhar.

Ele não questiona o porquê, creio que Victor não quer ser indelicado.
Está respeitando os meus limites e eu gosto disso. Vejo um sorriso lento
se formar em seus lábios.

― Então vamos sair muito, amiga. ― Ele pisca um olho e me dá um


aceno de boa noite.

Foi impossível segurar o suspiro de frustração enquanto o via


seguindo em direção ao seu apartamento, mas eu sabia que seria assim.

Vários outros encontros vieram. Fomos ao teatro, shows, jantamos


juntos, com amigos dele, mas sempre terminava da mesma forma. Com
um aceno de cabeça e um boa noite.

Por muitos anos eu vivi presa, dentro de uma concha, e desde que
eu decidi sair dela, eu achei que seria fácil me relacionar com outras
pessoas, contudo a coisa ruim de quem fica muito tempo dentro de uma
concha é não saber como se portar quando está no meio de muita gente.

Na primeira vez que me encontrei com Victor, ficava olhando para os


lados, desconfortável. Já não me sinto mais assim, já não tenho mais
vergonha da minha risada, pois vejo que ela faz outras pessoas felizes,
nem mesmo fico desconfortável quando estou no meio de pessoas tão
diferentes de mim.

E isso eu agradeço ao Victor, ele não tem noção do quanto me faz


bem.

Eu só tenho que todos os dias avisar ao meu teimoso coração que


somos apenas amigos.

Finalmente chegou o dia da inauguração da loja, decidimos chamá-la


de Nosso Recanto, eu e Arino estamos uma pilha de nervos. Todos os
nossos amigos vieram, mas uma presença era a mais esperada por mim.

Victor.

Ansiosa, a todo momento buscava a porta a sua procura, ele não


vem à loja há algumas semanas e eu estava doida para saber a opinião
sobre como ficou tudo depois de arrumado.

― Maria, sua loja está um escândalo! ― Michele elogia sorrindo e


me abraçando. Assim que ela me solta, Bianca me abraça e sussurra ao
meu ouvido.

― Meus parabéns, está tudo muito lindo. ― Bianca segura meu


rosto em as mãos.

― Nada disso seria possível sem vocês. ― Abraço-as. ― Queria


muito agradecer a Fernando e Márcio, eles me ajudaram demais nesse
último mês, Fernando com as papeladas e Márcio com as compras dos
produtos vindos de todo o Nordeste.

― Márcio ficou muito feliz em ajudar, você sabe que ele ama seus
quitutes e vai ser freguês assíduo. ― Michele soltou uma gargalhada
contagiante. ― Ele está em casa com Marina, eu vim só para te dar um
beijo e já volto para o meu chocolate derretido e meu pacotinho de gente.

― Michele, confessa que você veio só para saber se Maria vai


vender o chá milagroso ― Bianca tenta soar séria, mas falha e termina a
frase rindo.

― Mas é claro! Aquele chá é o poder, Bianca, é poder. Sem ele o


quer seria de mim? ― Michele dá de ombros e todas rimos.
Há alguns meses, Michele chegou em casa reclamando que mal
conseguia se sentar depois de uma noite quente de sexo com Márcio. Eu
fiz uma infusão de chá e ela ficou, literalmente, de molho por algumas
horas nas ervas e depois estava pronta para outra rodada. Desde então
ela chama de chá do poder. Coisas de Michele.

― Maria, meu anjo, Fernando está em uma reunião de negócios e se


der tempo ele passa por aqui. Mas ele comentou que vocês almoçaram
juntos ontem. ― Bianca me olha com atenção e eu faço minha melhor
cara de desentendida.

― Ah, foi para ver coisas da loja ― sorrio tentando convencê-la e


desvio os olhos para Michele que pisca um olho para mim.

Na verdade, Fernando está organizando, secretamente, uma enorme


festa para o casamento dele e de Bianca e pediu a minha ajuda e a de
Michele.

Será interessante ver qual será a reação de Bianca ao descobrir que


o casamento dela não será algo íntimo e pessoal.

― Mas volto a falar, nada, absolutamente nada disso seria possível


sem a ajuda de vocês ― agradeço com as mãos no coração.

― Pode parar, não chora, senão a gente desmonta, tá?! Eu estou


toda trabalhada na maquiagem e se eu chorar vou parecer um panda ―
Michele reclama abanando o rosto.

Foi impossível não sorrir, disfarçadamente desvio os olhos delas e


fito a entrada.

― Quem você está esperando chegar Maria? ― Bianca questiona,


sagaz.

― Eu? Oxi, ninguém ― tento me fazer de desentendida.

― Ah, para, Maria. Está na cara que você está com um comichão só.
― Michele abaixa a cabeça e sussurra em tom de confidência: ― É um
boy magia?

― O quê?! Oxente, é claro que não.

― Maria, Maria... ― Bianca tenta segurar um sorriso.


― Tudo bem, eu estou esperando Victor chegar, ele me perguntou
se poderia trazer acompanhantes e eu acho que é um casal, vocês
conhecem um deles, a Cristina.

― Minha decoradora? ― Michele indaga.

― Sim, ela mesma.

Bianca apenas sorri, já Michele não deixaria essa informação passar


em branco.

― Aê, Maria, a baianinha quietinha de outrora está pegando o


gostosão com cara de galã de novela mexicana. Tu não é fraca, não, em
garota.

― Mulher, mas pare, vocês está me deixando avexada. ― Sinto meu


rosto queimar.

― Você já pode respirar aliviada, Victor Chegou. — Bianca para de


falar e me olha com certa preocupação. ― Porém ele não está sozinho ―
sua voz soa triste.

Giro meu corpo com um sorriso nos lábios, mas ele morre ao notar
que Victor, está acompanhado por Angélica, que está agarrada em seu
braço feito carrapicho.

Engulo em seco e no processo sinto minha garganta arranhar.


Capítulo 14
Maria
Michele me segura pelos ombros e vira meu corpo em sua direção.
Não consigo disfarçar as lágrimas.

― Respira fundo e levanta a cabeça, ajeita os ombros, engole o


choro e se você quiser, eu tiro aquela magrela de perto dele na base do
tapa ― Michele pronuncia tais palavras com um sorriso nos lábios.

― Nunca se esqueça, não é qualquer coisa que nos abala. Então,


respire profundamente, feche os olhos, solte o ar devagar e vá
cumprimentar os seus convidados com um sorriso nos lábios. E jamais
baixe a guarda perto de Angélica, você sabe da minha história com ela ―
Bianca me aconselha segurando minhas mãos e fazendo um singelo
carinho nelas.

― Não só você, né, Bianca. Mariana também penou com Angélica.


Mas de onde essa infeliz conhece o boy magia do Victor? ― Michele
indaga expressando toda a sua confusão.

Sigo o conselho de Bianca, fecho meus olhos e organizo meus


sentimentos.

― Depois eu explico, agora eu vou cumprimentá-los. ― Sorrio


tentando passar uma calma e segurança que no fundo eu não sinto.

― E nós vamos junto, minha mão está coçando para dar na cara
dela há meses. ― Michele esfrega as mãos, demonstrando todo a sua
raiva.

― Calma, Michele, hoje é um dia especial para Maria, nada de


barraco ― Bianca tenta amenizar o clima.

― Tá bom, tá bom. ― Michele solta um suspiro e compreende a


situação.

Ouço as duas conversarem e resolvo não me intrometer.


Prefiro me concentrar em não evidenciar que meu coração está
destroçado. Com um sorriso posto e o corpo trêmulo sigo em direção a
Victor e sua acompanhante.

― Olá, sejam bem-vindos ― me orgulho de meu tom de voz,


contudo mantenho meus braços rentes ao meu corpo.

― Olá, Victor, Angélica ― Bianca os cumprimenta sendo seguida por


Michele.

― Oi gato, oi Angélica ― se eu não estivesse tão triste, teria achado


graça da forma como Michele pronunciou o nome de Angélica.

— Está tudo lindo, Maria. — Ele se vira para Bianca: — Está tudo
bem Bianca? — Em seguida desvia para Michele e pisca um olho para ela.

Pelo tempo que trabalhou na casa de Michele, Victor está mais que
acostumado com o jeito despojado dela.

— Michele, meus parabéns pelo nascimento do seu bebê. Bianca,


você está linda grávida, está feliz com a aproximação do seu casamento.
— A voz de Angélica soa suave e logo depois ela põe um sorriso nos
lábios.

Um silêncio constrangedor se instalou.

Creio que todos ali sabem que Angélica é, ou era, apaixonada por
Fernando, noivo de Bianca, e fez da vida deles um inferno.

Victor limpa a garganta e noto que Angélica olha para ele e sorri,
depois corre os olhos pelo ambiente e os pousa em mim. Ela estreita os
olhos e sinto sua avaliação minuciosa e também o evidente descarte,
como se não precisasse se preocupar, pois não me via como uma
concorrente.

E eu realmente não era. Triste, mas é a realidade.

— Sua loja é bastante charmosa. — Ela sorri, mas seu sorriso não
chega aos meus olhos.

— Oxe, obrigada. Essa loja é nosso orgulho, meu e de Arino, você o


conhece, ele é o pai de Mariana — sinto que meu sotaque sai mais
carregado que de costume, creio que seja pelo nervosismo.
— Sim, eu o conheço. Ele era faxineiro na empresa do meu padrasto
— eu acho, apenas acho, que ela tentou humilhar Arino.

Abro um amplo sorriso.

— Eu também era, trabalhava na casa de Bianca e de Michele.

— Ah. — Angélica desvia o olhar e morde a parte inferior da


bochecha.

— Maria sempre foi muito mais que nossa funcionária, ela é nossa
amiga, Angélica — Bianca fala em um tom calmo e soa como uma
ameaça.

Desvio de Angélica e fito Victor que se mantém em silêncio como se


estivesse analisando toda a cena.

Ele parece sentir meu olhar e me fita, um lento sorriso brota em seu
rosto e eu desço meu olhar e fito sua boca. Angélica escolhe aquele
momento para pousar sua cabeça nos ombros de Victor e eu tenho
vontade de chorar.

— Fiquem à vontade. — Minha voz não passa de um sussurro.

Me afasto, distribuindo um sorriso falso até Bianca segurar meus


braços e discretamente me levar para o estoque.

— Pronto, agora respira. — Bianca faz um ligeiro carinho em meus


braços.

— Eu nem sei por que estou assim. Não temos nada, ele só me
prometeu amizade, esse meu coração babaca que cismou em entender de
uma outra forma. — Evito encará-la e olho para cima.

— Vou usar uma das falas de Michele: esquece e parte para outra,
ele não te merece — Bianca tenta imitar o tom de voz de Michele, falha e
acaba saindo algo muito engraçado que consegue arrancar um sorriso
verdadeiro dos meus lábios.

— Como se esquece, Bianca? Eu juro que estou tentando. —


Desabafo, fechando os olhos em seguida.
— Eu pensei que era uma empolgação de momento, Maria. Não
sabia que era algo tão sério para você.

— Eu também pensei e foi assim no início, mas o tempo passou e


ele me procurou oferecendo amizade eu aceitei e quando vi ele já estava
em minha pele.

— E como Angélica entrou nessa história?

— Ela é ex namorada de Victor.

— Isso é, no mínimo, surpreendente.

— É muito azar para uma pessoa só.

Bianca segura minha mão.

— Maria, se eu tivesse visto qualquer interesse... — Eu a interrompo.

— Ele não me vê como mulher, Bianca, só como amiga, não precisa


medir as palavras.

— Me desculpe, minha amiga, eu sinto muito.

— Eu sei o quanto você torce por mim — Soo sincera e ela busca
minha mão.

— Se fosse diferente, eu te aconselharia a insistir, mas nesse caso o


melhor para você não sofrer é desistir.

— Ah, finalmente encontrei vocês. — Michele entra na sala


esbaforida e eu sorrio para ela. — Maria, eu tenho que ir já estou há três
horas longe do meu pacotinho de gente — Michele sorri ao mencionar a
filha.

— Eu também tenho que ir, daqui a pouco Fernando aparece aqui.


— Bianca revira os olhos.

— Maria esquece o boy magia e se joga na internet, certeza de que


você vai achar um gato dando mole na rede. — Michele dá pequenos
tapinhas em meu ombro e em seguida solta uma sonora gargalhada.

— Obrigada meninas. — Sorrio olhando para as duas.


Me despeço delas e as acompanho até a saída. Victor e Angélica
não ficam por muito tempo. Confesso que respirei aliviada quando eles
saíram.

Resolvo esquecer o que houve, ou pelo menos fingir que não me


abalou tão profundamente, e curto a festa de inauguração da nossa loja.

Percorro a loja cheia e encontro o olhar de Arino, levanto um a taça


de refrigerante e ele me dá uma bebida que não sei identificar, fazemos
um brinde mudo, festejando nosso sucesso.
Capítulo 15
Maria
No decorrer da semana, troco algumas mensagens com Victor, mas
sem a mesma empolgação de antes, e recuso todos os convites para sair.

Certa manhã, acordo com o som da companhia que toca


insistentemente. Gemo em resposta e nem me mexo na cama, meu celular
começa a tocar e eu escolho ignorar várias ligações, porém, notando que
a pessoa não vai desistir, tateio a mesinha do lado da cama e busco o
aparelho.

— Alô — minha voz soa rouca e sonolenta.

— Atende à porta, dorminhoca — uma voz diz em um tom divertido.

Abro os olhos, afasto o aparelho do meu ouvido e volto a aproximá-lo


do meu rosto.

— Victor?

— Abra a porta, seu café está esfriando.

Confusão é pouco para definir o que sinto agora.

Tropeçando, chego até a porta, pouco me importando com como


estava.

Abro a porta e o encontro com um enorme sorriso me esperando.

— Oi? — saiu mais como uma pergunta que um comprimento.

— Seu café. — Olho para o saco e o copo de café e subo o olhar


para ele.

— Hum, obrigada. — Pego o saco e o copo e volto a olhar para ele.

— Me desculpe.

— Exatamente pelo quê? — O que eu queria pergunta é: você voltou


com a Angélica? Mas, obviamente, fiquei quieta.
— Pela noite da festa, você está estranha comigo desde então.
Desculpa por ter saído cedo, minha acompanhante não estava se sentindo
bem.

— Eu entendo — me limito a dizer.

Ele não me dá nenhuma informação sobre o relacionamento com


Angélica.

— Enfim, além do café, vim te perguntar se topa ir ao cinema


comigo. Como é no sábado, podemos ir a um barzinho conversar um
pouco...Você tinha falado que a loja fecha mais cedo aos sábados, não é?

— Sim, fecha sim.

—Então, vamos?

Tomo alguns segundos fitando seus olhos e pensando. Por que ele
está me convidado para sair se provavelmente voltou com Angélica?

— Vixe, me lembrei que tenho compromisso — jogo a primeira coisa


que passa pela minha mente.

— Um compromisso?

— Sim, um encontro romântico — acrescento com um sorriso.

— Romântico? — Victor indaga estreitando os olhos.

— Sim, romântico — confirmo, tentando soar convincente.

— Ok, então deixamos para a próxima. — Me olha com atenção


como se tentasse descobrir se estou mentindo.

— Sim, sim, é melhor.

Meu vizinho se despede com um aceno. Eu fecho a porta, me


indagando de onde vou tirar um encontro romântico para sábado.

Deixo o café e o saquinho na cozinha, sigo para meu quarto em


passos rápidos e ligo para única pessoa que pode me dar alguma ideia.

Michele.
— Mulher do céu, mas eu me enrolei todinha...

Faço um breve resumo de minha conversa com Victor e ela se


diverte com a situação.

— Internet, meu amor, na internet — Michele sugere depois de umas


boas risadas.

— Oxe mulher, mas onde na internet? Você está é ficando doida de


vez. Se na vida real eu não encontro ninguém, imagina na internet.

— Vou te enviar uns sites por mensagem... melhor não, você não vai
saber fazer o negócio direito, faz o seguinte, dá um pulinho aqui que
fazemos juntas. — Michele não espera minha resposta e desliga o telefone

Duas horas depois, estava sentada na poltrona do quarto de Marina


com ela no meu colo.

— Ela cresceu desde a última vez que a vi. — Desde que peguei a
pequena no colo, um sorriso bobo se instalou nos meus lábios e ali ficou.

— Sim, ela cresceu — Michele confirma, cheia de orgulho, entre um


bocejo e outro.

— Michele, mulher, vai descansar um pouco, se deita lá com Márcio


— sugiro, aconchegando Marina em meus braços.

— Imagina, você veio aqui para eu te ajudar. — Ela novamente


boceja.

— Mulher do céu, vai dormir um pouco, quando eu era pequena,


cuidava das crianças de onde morava, sei o quão cansativo essa fase é.
Márcio parecia um zumbi quando cheguei. Vai tirar umas horinhas de sono
que eu fico com Marina. — Volto a sugerir, com os olhos fixos em Marina e
quando levanto o olhar noto que Michele adormeceu encostada na
poltrona de amamentação.

Sorrio e, devagar, me levanto e ponho Marina no berço. Chamo


Michele, que a princípio protesta, mas logo em seguida aceita a minha
oferta e vai para o quarto descansar com Márcio.

Passei uma gostosa tarde cuidando de Marina e no início da noite,


Márcio entra no quarto devagar e sorri ao notar que Marina segue
dormindo placidamente.

— Obrigado, Maria. Realmente precisávamos dormir.

— Oxe, homem, imagina. Sempre que precisar é só me chamar que


fico com essa princesa com maior prazer para vocês descansarem.

Michele chega e logo depois dá de mamar à Marina, em seguida,


Márcio fica com ela enquanto seguimos para o quarto.

Chegando lá, Michele liga o notebook e me mostra vários sites de


namoro online. Tira uma foto minha e preenche o perfil em um site.
Quando ela repete em outro site, a fito com o cenho franzido.

— Mas, mulher, para que me inscrever em mais de um site?

— Maria, vai por mim, quanto mais sites você se inscrever, melhor
será.

Ela me ajuda a baixar os aplicativos dos sites que me inscrevi,


jantamos juntos e no final da noite me despeço.

No caminho para casa, recebo uma notificação de um dos sites.


Ansiosa, abro o aplicativo e quase deixo o celular cair ao ver a foto da
pessoa.

Mas não foi a foto que me fez não falar com ele, afinal não sou lá
uma beldade, e sim o fato de ele ter quatro filhos...

Jogo o celular na bolsa e só volto a mexer nele quando estou em


casa.

Com a curiosidade correndo solta, vasculho o aplicativo e me


encanto com um rapaz.

Seu nome é Rodrigo, ele é bonito, alto, negro, com penetrantes olhos
castanhos e sorriso tão branco que poderia até fazer comercial de pasta
de dente. Vejo que ele está online e mordo os lábios, indecisa se entro ou
não em contato.

— Um não eu já tenho. Então vou usar minha cara de pau e ir atrás


do sim. — Com um sorriso indeciso, clico na foto e envio uma mensagem.
Largo o celular no sofá e fico andando de um lado para o outro, logo
ele vibra, indicando uma mensagem.

Corro busco o celular e sorrio ao ver a foto de Rodrigo piscando, com


um suspiro recosto na cadeira e começo a conversar com ele.
Capítulo 16
Maria
Apesar de muito nervosa, a conversa com Rodrigo fluiu bem. Ele é
daquele tipo de homem de voz mansa, que te tranquiliza, ela é meio rouca
e forte.

Gostei da voz dele, gostei até demais.

Falamos sobre música, filmes, viagens pelo brasil e vinhos. Na parte


dos vinhos eu só ouvi, já que não conheço nadinha sobre a bebida, só sei
definir se é doce ou amarga.

Foram dois dias conversando, parecia que sempre tínhamos algo


para falar um com o outro. Notando nossa química por redes sociais, ele
me convidou para sair e aproveitando a deixa sugeri que nos
encontrássemos no sábado.

Na hora, fiquei muito animada, mas conforme os dias foram


passando, fiquei uma pilha de nervos.

Enviei uma mensagem para minhas amigas, informando sobre o


encontro. Michele me aconselhou a me jogar, já Bianca me pediu para ter
cautela e marcar em um lugar público.

Segui o seu conselho e marquei na praça de alimentação de um


shopping próximo de onde moro.

Me arrumei com esmero, optando por um vestido e uma sandália


com salto não muito alto, afinal, não quero passar vergonha e cair
estabanada em meu primeiro encontro romântico. Pelo menos acho que
será romântico...

Escovei o cabelo e quase queimei o couro cabeludo ao passar a


prancha. Caprichei na maquiagem e ao me olhar no espelho, gosto do
resultado.

Com um sorriso posto no rosto, pego minha bolsa, envio uma


mensagem para minhas amigas avisando que já estou saindo, e ao pôr o
pé para fora do apartamento, vejo Victor, fechando a porta do seu com
uma mão, enquanto a outra segura o celular.

Até penso em dar meia volta e entrar novamente, porém ele escolhe
aquele momento para levantar a cabeça e me olhar. Em seus lábios surge
um lento sorriso e Victor começa a caminhar lentamente em minha
direção.

Eu não deveria retribuir o sorriso com um suspiro.

Meu coração não deveria bater descompensado pelo simples fato de


ele estar lindo vestido com uma calça jeans escura e uma camisa branca
com um sapatênis.

Meu corpo não deveria tremer quando ele, sorrateiramente, segura


minha cintura com a mão livre e beija meu rosto, ainda escutando o que a
pessoa fala ao seu celular.

Eu não deveria me esquecer como se respira quando sinto seus


olhos percorrendo meu corpo e um sorriso matreiro se forma em seu rosto.

Nada disso deveria acontecer.

Mais uma vez, solto um suspiro e sugo o ar com força quando ele
pega uma mecha do meu cabelo e a põe atrás da minha orelha e em seus
lábios eu leio:

— Você está linda — ele não fala, apenas move os lábios bem
devagar para eu entender o que quis dizer.

Momentaneamente prendo a respiração e não consigo reagir, sinto


seus dedos deslocarem vagorosamente pelo meu rosto em uma pequena
caricia e tenho que fazer um esforço enorme para não deitar minha face
em sua mão.

Tenho certeza de que o tempo parou, o único som que ouço é o do


meu coração batendo descompensado contra a parede do meu peito.

Lentamente o vejo aproximar o rosto do meu e tenho a certeza


absoluta de que fiquei vesga focando em seus lábios. Seu sorriso contido
me confirma isso e eu nesse momento estou pouco me lixando.

Victor põe meu cabelo para trás e sussurra ao meu ouvido.


— Respira. — Sua respiração causa um tremor em meu corpo e só
piora quando ele beija um ponto atrás da minha orelha.

Virgem Maria santíssima!

Solto uma forte baforada e puxo o ar com força, ele pisca um olho
para mim, segura minhas mãos ainda escutando o que a outra pessoa
está falando ao telefone.

— Ok, Angélica, em uma hora eu chego aí — soa impaciente e


desliga, terminando a ligação.

Eu paraliso. Sinto um frio percorrer a minha pele e desperto da


nevoa de sedução que me meti desde que ele começou a caminhar em
minha direção.

Respiro fundo, tiro minha mão do seu aperto e com um sorriso sem
graça, busco o celular em minha bolsa. Inclino a cabeça e pelo canto do
olho vejo-o chamar o elevador.

Assim que chega, entramos e ele encosta as costas na parede


metálica e me fita.

— Você está muito linda. Quem é o cara de sorte que vai sair com
você hoje? — indaga com uma sobrancelha levantada e mais uma vez
desliza os olhos sobre mim. — Você nunca se arrumou assim para sair
comigo.

Para preservar minha sanidade mental, resolvo esconder a


informação de que ele me acha linda de vestido em algum lugar da minha
mente.

— Eu te disse que tenho um encontro. — Sorrio tentando transmitir


uma calma que nem de longe sinto.

Dentro de mim está uma bagunça só.

— Um encontro. — Ele impulsiona o corpo e dá alguns passos,


parando ao meu lado. Victor dá um leve empurrão em meus ombros. — E
com quem é o seu encontro? — questiona, me olhando com atenção.

— Você não o conhece — dou de ombros soando evasiva.


— E por que você nunca me falou sobre ele? — insiste, inclinando o
rosto, e mais uma vez seguro a respiração ao vê-lo sorver o aroma que
desprende do meu corpo. — Até o seu perfume mudou. — Conclui com
um franzir de cenho.

— Você também não me contou o que rolou com Angélica — As


palavras escapolem da minha boca antes que eu possa fazer algo para
segurá-las.

Aperto os olhos e o encaro.

— É complicado... — se limita a dizer, desviando os olhos dos meus


e fitando as paredes do elevador.

E, de repente, eu não quero mais saber como foi a reaproximação


deles, não quero imaginá-lo sorrindo para ela como está fazendo agora
enquanto olha para mim.

Meu amigo eleva uma mão e toca meu rosto.

— Promete tomar cuidado? — pede com uma expressão carinhosa


no rosto.

— Sim, você também me promete tomar cuidado? — devolvo,


fitando seus olhos e tentando tomar cuidado para não demonstrar demais
o que sinto.

Victor volta a suspirar e abaixa a mão.

— Acho que já passei da fase do cuidado, minha amiga —se limita a


dizer, com um sorriso triste nos lábios.

— E em que fase você está? — Não consigo segurar minha língua.

— Na fase em que eu começo a me questionar se tomei a decisão


certa. — Pisca um olho para mim, encosta a cabeça na parede do
elevador e dá leves batidas com a cabeça na parede metálica.

Sem saber o que falar, assinto e fico em silêncio.

Saímos do elevador e seguimos caminhos diferentes.

***
Com o coração batendo fora do ritmo costumeiro, entro no shopping
e sigo para a praça da alimentação. Chegando lá, corro os olhos pelo
local. Em minha mente passam mil e uma coisas e começo a me indagar:

Será que agi certo?

Será que não é uma loucura?

E se ele me matar?

— Maria? — Em meio a minha desordem mental, demoro a perceber


que estão chamando o meu nome, só me dou conta quando sinto tocarem
meu ombro.

Me assusto e giro meu corpo em direção ao tom de voz aveludada.

E, meu Deus!

Rodrigo era muito mais bonito ao vivo de que na foto.

Ele abre um lindo sorriso e eu abro e fecho a boca, mas nada sai.

Vagarosamente, percorro seu corpo, começando pelos cabelos


curtos, orelhas, pernas, noto que usa brincos que brilham como
diamantes. Seu rosto é quadrado, másculo e sedutor, boca carnuda e
sorriso de comercial de pasta de dente.

Desço meus olhos e engulo em seco ao notar seu peitoral


avantajado, barriga inexistente e, pela calça justa, noto que tem pernas
grossas e pés enormes.

Subo meu olhar devagar, conferindo todas as suas qualidades e


solto um suspiro ao notar o seu sorriso meigo.

Oh homem lindo.

Confesso que estou com medo de abrir a boca e falar alguma


besteira, tenho um histórico vergonhoso com homens bonitos.

— Olá. — Ele inclina o corpo e me dá um beijo em cada bochecha e


eu sou pega em cheio com o cheiro maravilho que o envolve.

O homem é lindo e cheiroso.


Limpo a garganta e abro a boca para cumprimentá-lo.

Mas nada me preparou para sua próxima fala:

— Muito obrigada pelos elogios. — Ele pisca um olho para mim e eu


me dou conta que eu pensei em voz alta.

Misericórdia!
Capítulo 17
Maria
Dizer que eu estou morrendo de vergonha é eufemismo, meu rosto
chegou a esquentar, tamanho constrangimento. Eu queria era me enfiar
em um buraco e ficar ali bem quietinha, mas como não tinha nenhum
aparente, resolvi oferecer um sorriso sem graça.

— Me desculpa, visse. — Meu sotaque vem com força e ele retribui


com um sorriso.

— Gostei de ouvir — Inclina o pescoço para o lado direito e pisca um


olho, sua voz soa como uma doce melodia.

Procurando evitar me envergonhar mais do que já estou, resolvo


apenas sorrir, um sorriso bem largo.

— Vamos nos sentar, comer alguma coisa e conversar? — indaga e


espera a minha resposta.

Ainda conservando a boca fechada, faço um gesto afirmativo com a


cabeça e seguimos para um restaurante que ficava

localizado na praça de alimentação do shopping e fazemos nossos


pedidos: um copo de suco para mim e um refrigerante para ele.

Rodrigo é um homem falante, em poucas horas ele me contou toda a


sua vida, já eu me limitei a dar poucas informações.

Rodrigo me disse que tem três filhos, com idades entre 2 e 9 anos e
que está separado há 3 meses da mãe do mais novo.

Foi impossível não franzir o cenho e em resposta ele sorri de lado,


aquele tipo de sorriso que dá um comichão no corpo.

— Meu Lucas, o mais velho, é do meu primeiro casamento. Juliano,


do segundo. O mais novo, Pedrinho, é de um relacionamento que não deu
certo, e agora estou novamente querendo encontrar uma pessoa para
amar.
Não sabendo o que dizer sobre essa revelação, apenas dou um
sorriso complacente.

— Você se incomoda? — questiona ao notar o meu silêncio.

— Sobre o fato de você ter filhos não, mas com a informação de que
cada filho seu é de uma mãe, sim — resolvo ser sincera, contudo, tento
amenizar com um sorriso.

Ele me surpreende ao soltar uma gostosa gargalhada.

— Você é bem direta. — Mais uma vez ele sorri daquele jeito que
mexe comigo.

— A vida me ensinou a ser assim. — Observo seu rosto com


atenção.

— Acho que você não vai me dar uma chance. — Eleva uma
sobrancelha e toma um longo gole da sua bebida, com os olhos fixos nos
meus. Ele tem belos olhos.

— E você quer algo sério comigo? — devolvo a pergunta sem


desviar os olhos dos seus.

— Ah, Maria, eu quero muitas coisas com você.

Eita! Que chega causou um rebuliço dentro de mim.

Engulo em seco. Busco o copo do suco com as mãos trêmulas e o


bebo em pequenos goles olhando para tudo, para qualquer lugar, menos
para o lindo negro sensual na minha frente. Não estou acostumada com
uma lindeza dessas dizendo que quer muitas coisas comigo, estou
segurando minha mente firmemente no lugar, porque se der asas à
imaginação ela correrá solta.

Mas tome tento, mulher! Foco no objetivo!

Arranho a garganta, tentando ganhar um pouco de compostura.

— Então, vamos nos encontrar novamente e ver no que dá — me


orgulho do meu tom de voz.
Ele busca minha mão em cima da mesa, fico fascinada ao sentir
suas mãos macias a envolverem e tremo quando seus lábios pousam de
leve nela.

— Eu vou amar te reencontrar.

Virgem santíssima, que eu nem me atrevo a falar. Será que encontrei


um homem para chamar de meu?

***

Alguns dias depois...

Novamente encontro-me olhando no espelho após passar mais de 2


horas trocando de roupa até encontrar uma que gostasse para o meu
segundo encontro com Rodrigo.

Nos últimos dias conversamos diariamente e hoje finalmente vamos


nos reencontrar.

Mais uma vez, marco no mesmo shopping da vez anterior e


novamente sou pega em cheio por sua impressionante beleza.

Ele me recebe com dois beijos no rosto e vamos assistir a um filme.


Quando termina, a conversa flui de forma agradável, ele é gentil, cavaleiro
e a apesar de lindo, falta algo.

Sabe aquela coisa que sentimos quando vemos um cara lindo e


suspiramos, mas depois que a empolgação passa perde o encanto?
Então, Rodrigo é assim para mim. Ele é lindo, sexy, mas só.

O comichão que senti dá última vez foi só porque um cara estava me


dando atenção e eu quero mais que isso, quero alguém que me vire ao
avesso. Corpo e mente.

Sinto ele segurar meu rosto e travo quando ele aproxima o rosto do
meu. Rodrigo sente que me retraí e desvia da minha boca beijando minha
bochecha. Solto a respiração devagar quando ele se afasta.

— Sinto que seremos grandes amigos, Maria.

Sorrio e abaixo a cabeça. Novamente entro na zona de amigos, só


que dessa vez, por vontade própria.
Elevo meu rosto e o observo.

Rodrigo é lindo demais e me encara com um sorriso no rosto.

— Sim, seremos bons amigos.

E foi assim a passagem de Rodrigo em minha vida, me deixou com


um sorriso nos lábios, um suspiro e vida que segue.

Ainda não foi dessa vez.

Ao chegar ao meu prédio, avisto Victor se equilibrando entre duas


caixas de pizzas, duas latinhas de refrigerantes e duas latinhas de cerveja.

Um sorriso involuntário toma conta do meu rosto.

— Oxi, mas você tá é enrolado, homem — digo caminhando em sua


direção, ele solta uma risada e quase desequilibra tudo.

— Chama o elevador para mim? — Ele sorri daquele jeito sexy que
tanto gosto.

Reprimindo uma risada, faço o que ele me pede. Pouco tempo


depois, o elevador chega e a porta se abre. Entro e me desloco para o
lado permitindo sua passagem, em seguida aperto o botão do nosso
andar.

Giro meu corpo e vejo meu sexy vizinho encostado na parede


metálica.

— Como você pretendia chamar o elevador? — Não seguro a risada


ao vê-lo suspirar dramaticamente.

— Se nenhuma alma caridosa aparecesse iria usar meu queixo. —


Ele pisca um olho e eu rio com gosto. — Gosto de ver você assim,
sorrindo — abranda a voz e o sorriso carinhoso que se forma em seus
lábios o deixa ainda mais lindo.

— Gosto de sorrir com você e para você. — Fico presa no seu olhar
com um sorriso bocó nos lábios.

A porta do elevador se abrindo me fez desviar meus olhos dos dele e


o ouço soltar um longo suspiro.
— Quer ajuda? — Ofereço, mordendo os lábios.

Bem, na verdade, eu estava me oferecendo não somente para ajudá-


lo até o seu apartamento; queria comer, beber com ele e também ser a
sua sobremesa.

Sonhar não custa nada.

— Eu iria te pedir ajuda mesmo. — Sorrindo de modo faceiro, pego


as latinhas que estão em cima da embalagem de pizza.

Paramos em frente ao seu apartamento e eu o vejo endurecer como


se algo cruzasse a sua mente.

— Você quer que eu pegue as chaves no bolso da sua calça? — Eu


juro que tentei soar o mais inocente e prestativa possível.

Contudo, o mero pensamento de pôr as mãos dentro da calça de


Victor causou um rebuliço dentro de mim.

— Não precisa, é só...

Ele não completa a frase, a porta abre e Angélica surge linda e plena
e nos olha intrigada.

— E... Eu o estava ajudando com as latinhas — me atrapalho


explicando e empurro as latinhas em sua direção.

— Maria é minha vizinha — ouço a voz de Victor ao meu lado, mas


não me viro.

Meus olhos estavam fixos em um ponto atrás de Angélica, mais


especificamente nas peças de roupas jogadas no chão da sala. Ela segue
meu olhar, depois gira a cabeça para mim e sorri.

— Obrigada por ajudar Maria — Sua voz soa suave, mas o sorriso
pretencioso em seus lábios me mostra qual é o meu lugar.

E, definitivamente, não era ali.

— Já vou indo, bem, boa noite. — Com um sorriso sem graça, viro
meu corpo com a intenção de entrar em meu apartamento o mais rápido o
possível.
— Maria, obrigado — a voz de Victor mais parece uma desculpa.

Paro, mas não me viro.

Faço um gesto afirmativo com a cabeça e sigo para o meu


apartamento, completamente constrangida e com o coração despedaçado.
Capítulo 18
Maria
Desde o episódio com meu vizinho e sua sei lá o que, mudei
completamente a minha rotina para evitar que Victor, me encontrasse em
casa na parte da manhã.

Já que com Rodrigo ficou uma boa amizade, resolvi me aventurar


novamente no site de encontros, julgando que dessa vez seria diferente...

Bem, não foi bem assim que aconteceu.

Meu segundo encontro foi com Alex. Alto, cheio de tatuagens,


paulista, 30 anos, sem filhos, bom de conversa, gosta de praticar esportes
e inclusive trabalha com esportes radicais.

Conversa vai, conversa vem e resolvemos nos encontrar.

Novamente marquei no shopping perto de casa — resolvi que esse


será meu ponto de encontro oficial —, me diverti com ele, mas em nenhum
momento senti borboletas no estômago.

Sugeri um segundo encontro e ele me convidou para uma aventura.

Aí eu já pensei: opa, agora a química vem.

Ledo engano.

A emoção ficou por conta de um salto de asa delta.

Eu sinceramente não sei o que passou pela minha mente para


aceitar saltar naquilo. Estava tentando demonstrar que era uma mulher
ousada, destemida que amava aventuras radicais.

Mas não foi bem isso que ocorreu.

Enquanto Alex — que era instrutor de voo —, me preparava, eu


demonstrava estar segura em minha decisão.

Estávamos na sede da empresa do Alex, que fica na Praia de São


Conrado, zona sul do Rio de Janeiro. Lá foi feito o registro e o início do
treinamento. Eu fiquei muito animada. Em seguida, nos encaminhamos
para a “rampa de voo livre”, meu instrutor foi todo o trajeto garantindo que
o local de decolagem é bem seguro e oferece estrutura de banheiros e um
quiosque de alimentação, etc... E durante todo o percurso eu tiro fotos e
faço selfies.

Assim que chegamos, ponho meu celular na minha pochete e me


asseguro de que ela está firmemente segura em minha cintura, afinal,
meus planos incluíam tirar muitas fotos.

— Você tem certeza, Maria? Não vou ficar chateado se você arregar.
— Pisca com olho e tenta conter um riso.

— Oxente, sou mulher de correr de um desafio não, pode pôr esse


negócio que a gente vai descer aquela montanha voando feito passarinho
— digo, exalando confiança pelos poros, sorrindo largo e ele retribui.

Ouço o pessoal que está por perto bater palmas e meu sorriso só
aumenta. A minha confiança dura até momento em que nos ajeitamos na
asa delta e começaremos a correr.

Mas olha, quando eu vejo o desfiladeiro, meu coração quase sai pela
boca.

Ave Maria.

Eu gritava aos plenos pulmões:

— Pelo amor de Deus, me tire daqui.

— Não dá mais para parar, Maria, relaxe, você vai amar a descida —
Alex grita e começa a correr com mais afinco, enquanto eu tento parar e
sou tomada pelo desespero quando não sinto mais meus pés no chão.

— Meu Deus, não me deixa morrer, não — grito diversas vezes.

— Maria, respira e olhe a paisagem — Alex grita e eu abro os olhos


e vejo o quão alto estamos e volto a fechar os olhos correndo.

E daí em diante é só desespero.

— Meu pai, eu não posso morrer sem encontrar um homem bom


para casar — berro aos prantos. — Jesus, me acusa...
Durando todo o trajeto eu chorei, gritei e clamei.

Quando finalmente meus pés tocaram a areia fofa da praia de São


Conrado, Alex, preocupado, tentando me acalmar, me livrou do aparelho
de segurança.

Eu me ajoelhei na areia e agradeci a Deus por estar viva. Notei as


pessoas em volta, algumas com curiosidade enquanto outras seguravam o
riso e assim que senti que as pernas me obedeciam, comecei a correr
como se não houvesse amanhã. Entrei no primeiro táxi e dei meu
endereço quase sem ar.

Cheguei ao meu prédio descabela, com os olhos esbugalhados e


toda maltrapilha. E, para o meu total e completo desespero, dou de cara
com Victor saindo.

— O que houve com você? — indaga, me olhando assustado.

Até fiz menção de falar algo, mas minha mente foi bombardeada
pelos berros e a vergonha que acabei de passar.

— Nem queira saber. — Desviei dele e entrei no prédio.

Nunca mais vi Alex...

Mas esse não foi nem de longe o meu pior encontro, não mesmo.

Meu próximo encontro foi com um motoqueiro, seu nome era


Marcelo. Novamente marquei no shopping, e dessa vez não foi nem um
pouco legal.

Para começar, ele chegou fumando charuto, a cada meia dúzia de


palavra soltava uma baforada de fumaça no meu rosto. Esse foi o encontro
mais rápido que tive.

Logo depois, conheci Carlos, esse sim foi o pior de todos, porque me
recordava alguém do meu passado. Alguém que eu quero que fique no
passado e que eu não tenho a menor intenção de ver novamente.

Meu ex-marido.

Ele não era só fisicamente parecido. O jeito que tocou meu braço,
agressivo, quando exigiu atenção no momento que que minha mente
escapou para o passado, o arrepio frio que senti na coluna me fez recuar
alguns passos.

— O que foi, não gosta de homem com pulso firme? — Novamente


segura meu braço. Até o tom de voz dele me recorda o de Antônio.

Meu Deus, há quanto tempo eu sequer ouso pensar nesse nome.

— Me desculpe, eu tenho que ir. — Saio do seu aperto e corro do


shopping com o coração batendo descompensado.

Assim que chego em casa, vou direto para o banheiro, tiro minha
roupa, entro na água fria e deixo a água gelada levar toda a angústia que
se apoderou do meu peito.

Não sei determinar quanto tempo fiquei ali, mas desse dia em diante
resolvi não me encontrar com mais ninguém da internet.

Depois de alguns dias desanimada, com o passado atormentando a


minha mente, decidi deixar tudo no passado e me lembrei que eu mereço
e muito ser feliz, então eu radicalizei.

Entrei na academia e decidi me tornar fitness. Michele, quando me


viu com roupa de ginástica, riu tanto que ficou com a barriga doendo,
Bianca foi mais gentil e deu tapinha de incentivo em minhas costas.

Vai que na academia eu encontro um homem bom para me casar.

Só não contava que ser rata de academia fosse tão difícil, mas olha,
musculação, abdominais e alongamentos acabaram comigo.

Sem falar que a roupa justa e fluorescente não ajudava, mas eu


joguei a vergonha — convenhamos que eu não posso ver uma vergonha
que já quero passar — de lado e me mantive firme, forte e dolorida na
academia.

Uma semana depois, eu ainda não estava gostosa — acho que


nunca serei —, estava toda dolorida. E todo santo dia, ao chegar da
academia tinha um pacotinho de bolinho e um copo de café com um emoji
desenhado.

Victor.
Como eu posso esquecer esse homem se ele insiste em se fazer
presente?

Eu, obviamente, bebia o café e comia o bolinho suspirando.

Uma coisa boa a academia me trouxe, reencontrei Marcos. Ele é


obstetra e foi médico de Michele e atualmente de Bianca. O médico fofo-
gato, como é carinhosamente chamado por minha amiga.

Foi uma agradável surpresa encontrá-lo na academia. Notei várias


mulheres suspirando pelo Dr. Marcos, que era gordinho, alto e quando
sorri se forma uma covinha em seu rosto. E como o homem era cheiroso!
Ele te olha de uma forma tão carinhosa, que agora entendo o porquê de
minha amiga ir toda empolgada às consultas médicas.

Não pude conter o sorriso quando ele me convidou para tomar um


café.

Ai, jesus, será que agora vai!?


Capítulo 19
Maria
Na sexta feira, estava ansiosa cuidando da loja e contando os
minutos para o meu encontro com o Dr. fofo, quando recebo uma ligação
de Fernando, noivo de Bianca.

Crê em Deus pai, me esqueci completamente que prometi ajudá-lo a


organizar seu casamento com minha amiga.

Fernando fez um drama que só ele sabe fazer. Sabe aquele dengo
que homem bonito faz e você cai porque o cara é bonito? Então, ele é
mestre nisso. Moral da história: novamente me comprometi a ajudá-lo.
Quando Bianca souber o que ele está aprontando, vai ter um revertério.

Ao final da ligação, engulo em seco ao ver Victor entrar na loja. Pisco


algumas vezes para ter certeza de que é ele. E como estou sozinha na
loja, não tenho nem como fugir para os fundos e pedir a Arino para atendê-
lo.

Oxi, mulher, e por que você iria fugir? Você não fez nada de errado.

Ponho um sorriso no rosto e espero ele se aproximar.

Meu amigo anda com um sorriso nos lábios, chega próximo de mim
e, para minha surpresa, inclina o corpo e beija meu rosto.

E ao sentir seus lábios entrando em contato com a minha pele, fecho


meus olhos e seguro um suspiro. Eu apenas queria que esse momento
durasse para sempre.

Ele desloca os lábios do meu rosto, me abraça e eu deixo o ar que


prendia escapar pelos meus lábios. Fico imóvel, com a boca aberta e os
braços rentes ao corpo.

— Que saudades — sussurra próximo a minha orelha.

E eu tenho a nítida sensação de que meus nervos viraram manteiga


derretida e se ele não estivesse me abraçando tão apertado, eu teria caído
no chão.
Não tenho a menor dúvida disso.

— Não te vejo tem um tempinho. — Devagar ele desfaz o aperto e


sorri, segurando meu rosto.

Estou uma total e completa bagunça por dentro, mas sorrio, tentando
demostrar que está tudo bem.

— Oxi, homem, eu apenas resolvi ser fitness. — Vagarosamente, tiro


suas mãos do meu rosto e vou para atrás do balcão.

O que julguei uma distância segura, contudo, mesmo a essa


distância, seu perfume ainda chega até mim, conturbando meus
pensamentos.

— Mas, hein? — Ele inclina a cabeça para o lado, demonstrando


total confusão.

— Eu quero encontrar um amor — as palavras escapolem da minha


boca antes mesmo que eu consiga segurá-las.

— E vai encontrar em uma academia? — ele soa como se estivesse


se divertindo, e isso me irrita.

— Pois fique você sabendo que eu já tenho um encontro, visse — é


impossível esconder o orgulho em minha fala.

— Outro? — Ele franze o cenho. — O que houve com aquele que


você encontrou?

— Mas, rapaz, pensa em um homem bonito e galinha? — Inclino o


corpo sobre o balcão e falo em tom de confidência. —Enfim, não é o que
eu procuro, mas ele virou um bom amigo.

— E eu sou um bom amigo, Maria? — abranda a voz e eu engulo em


seco.

Neste exato momento, estou me sentindo em uma brincadeira de


gato e rato. No caso, Victor um gato lindo e eu um pequeno ratinho que ele
gosta de brincar.

E não estou gostando nada disso.


— Se não me falha a memória, você deixou bem claro que só queria
amizade comigo, por acaso mudou de ideia? — reúno coragem não sei de
onde e jogo a pergunta em sua cara, sem desviar meus olhos do seu
rosto.

Vejo-o engolir em seco e desviar os olhos dos meus.

Por um tempo que não sei precisar, o observo em silêncio. Quando


ele solta um suspiro, eu sei qual vai ser sua resposta e já preparo a
máscara de "está tudo bem" em meu rosto.

— Nada mudou, Maria.

— Então não brinque comigo, Victor. — Minha voz não passa de um


sussurro.

— Jamais faria isso. — Ele busca minha mão por cima do balcão. —
Eu gosto de sua companhia, gosto de uma forma que eu nem sei explicar.
Gosto de como me sinto quando estou perto de você, gosto da sua risada
e bom humor. Tudo fica mais leve e divertido ao seu lado.

Arfo, abro e fecho a boca, e não sabendo o que dizer, escolho ficar
em silêncio e ele continua:

— Você foi como um sopro forte que levou para longe uma nevoa
muito densa que me envolvia há anos. Não se afaste de mim, Maria, por
favor. — Me perco em seus olhos enquanto ele aperta minha mão sobre o
balcão.

Nunca ouvi palavras tão lindas. Em seus olhos, eu vejo uma emoção
que não sei identificar, mas que faz meu coração bater tão forte que
parece que vai sair pela boca.

Ele leva minha mão aos seus lábios e as beija suavemente.

— Você é minha melhor amiga. — Sorri largo.

Puta que o pariu.

Busco o ar com força, o solto devagar e no processo recolho minhas


mãos e as aperto com força.
— Sabe, Victor, por muitos anos eu não soube o que é gostar de
alguém. Bem, a verdade eu não queria gostar de ninguém, mas agora eu
quero.

— E eu gosto de você, Maria, gosto muito. — Ele tenta mais uma vez
segurar minha mão.

— Mas não gosta do jeito que eu quero que goste — murmuro, com
os olhos fixos nele, fazendo uma força surreal para não deixar as lágrimas
que queimam meus olhos caírem.

Vejo suas mãos caírem rentes ao corpo.

— E está tudo bem, ou melhor, vai ficar tudo bem. Contudo, por
enquanto, eu preciso de espaço para te ver só como amigo, porque no
momento eu não consigo — confesso, com a cabeça baixa olhando para
minhas mãos.

— Não se afaste de mim, por favor, você não tem noção do quão
bem me faz.

— Mas eu também preciso ficar bem e vou ficar — garanto, fugando


e levantando a cabeça. — Só preciso de um tempo.

— Sem me ver.

— Sim, sem ver você.

Nós olhamos em silêncio um para o outro, não sei determinar por


quanto tempo. Inúmeras palavras não ditas deslizam goela abaixo a cada
vez que engolia em seco. Vejo-o abrir e fechar a boca diversas vezes.

Em seu rosto, vejo passar diversas emoções e, naquele momento,


eu tive quase certeza de que Victor sentia algo por mim.

Algo além de amizade.

Mas essa quase certeza não foi o suficiente para me fazer mudar de
ideia.

Sem falar uma única palavra, Victor, contorna o balcão, dá um passo


em minha direção e meu coração começa a bater tão forte que sinto que
sairá pela minha boca.
Em câmera lenta, sinto seus dedos adentrarem em meus cabelos e
eu fito sua boca ansiando, desejando desesperadamente sentir seus
lábios tocando os meus.

Ele encosta o corpo no meu e me sinto estremecer, arfo ao senti-lo


beijar minha testa uma, duas, várias vezes enquanto eu fito o seu queixo
perfeito e seguro a vontade absurda de morder aquela região.

Sua respiração faz cosquinhas no meu rosto, ele desloca os lábios


da minha testa e eu fecho meus olhos, Victor beija minhas pálpebras, cada
uma delas.

Encosta a testa na minha e eu volto a abrir meus olhos e a mergulhar


nos seus e, mais uma vez, eu queria que o mundo parasse nesse exato
momento.

— Maria?

Sinto as mãos de Victor, saírem do meu cabelo e ele novamente


beija minha testa.

Demoro uns bons minutos tentando entender o que houve.

Quando desvio dos seus olhos, vejo Marcos entrando na loja com
um buquê de flores e um sorriso enorme nos lábios.

Desvio meus olhos dele e foco em Victor, que fita Marcos com uma
expressão curiosa. Volto a olhar o médico e coloco um sorriso nos lábios.

— Estava passando por aqui perto e vi essas lindas flores e pensei


em você. — Me oferece as flores, inclina o corpo e beija meu rosto, depois
vira o rosto para Victor e, com um sorriso, questiona.:

— Olá, tudo bem? Sou Marcos, quem é você? — indaga,


estendendo as mãos.

E nesse momento seguro a respiração, silenciosamente orando para


que o que houve a alguns minutos tenha significada algo, que eu tenha
deixado de ser apenas "a amiga", que ele sinta algo a mais. Que ele tenha
me visto. Realmente me visto.

— Sou Victor, amigo de Maria. — Ele segura as mãos de Marcos que


a aperta com força, nem se dando conta que matou todas as esperanças
que meu coração bobo criou.

Para seguir em frente, eu preciso ficar longe e tirá-lo do meu


coração.

Necessito esquecer Victor como homem e vê-lo somente como


amigo.

Marcos desvia os olhos de Victor e me fita. Não aguento sustentar


seu olhar, nesse momento estou sentindo meu coração sendo partido em
vários pedacinhos, tão pequenos que levarei um tempo até juntar tudinho
de novo.

O médico pega minhas mãos e as enlaça com força, desvia do meu


rosto e fita Victor.

— Se ela aceitar, eu quero ser muito mais que amigo, quero ser o
namorado dela.

Com os olhos arregalados o vejo inclinar o corpo e me beijar.


Capítulo 20
Maria
Não sei determinar por quanto tempo os lábios de Marcos ficaram
pressionados contra os meus. Sei que durante esse período minhas veias
bombearam sangue de forma desesperada para o meu coração, fazendo-o
bater descompassado.

Fito seus olhos assim que ele se afasta, buscando entender o que
houve. Ele nada fala, apenas sorri. Mas nesse pequeno gesto, ele me
trouxe a calma que eu precisava, me fazendo sorrir junto.

Ouço Victor limpando a garganta. Giro meu pescoço, vejo-o me fitar


com uma expressão nada agradável e elevo minha sobrancelha.

Meu amigo me olha como se esperasse uma negativa da minha


parte. Volto a olhar para Marcos, um homem lindo, carinhoso e penso: por
que não?

— Maria? — Victor soa impaciente, e quando faço menção de falar


algo, Marcos enlaça minhas mãos, as aperta de leve e sorri.

— Victor, esse é Marcos, meu namorado — informo, sem desviar


meus olhos do Marcos.

— Tem certeza? — sua voz não passa de um sussurro.

Volto meu rosto em sua direção e vejo-o triste, muito triste. Esse
homem não cansa de me confundir.

Eu, mais uma vez, titubeio, e Marcos vem ao meu socorro.

— Creio que ela foi bem clara. — Marcos cerca minha cintura e
aproxima meu corpo do seu e durante todo esse tempo meus olhos não
desviaram de Victor.

— Certo — murmura, dando alguns passos para trás e, pela primeira


vez, Victor se afasta sem se despedir de mim.

Mas não era isso que eu queria? Não foi isso que eu pedi a ele?
Então, por que dói tanto?

Não consigo impedir as lágrimas de caírem, como também não


consigo evitar o pranto que se forma em minha garganta.

Marcos gira meu corpo de modo que fique de frente para ele, segura
meu rosto com suas mãos, limpa minhas lágrimas, beija minha testa e eu
me lembro que há alguns minutos, era Victor que estava fazendo esse
gesto e essa lembrança só faz minhas lágrimas aumentarem.

— Calma, vai passar — afirma, fazendo um casto carinho em meu


rosto.

— Será? —Busco em seus olhos uma certeza que no momento não


sinto.

— Sim, Maria, estou passando por algo parecido — revela, me


deixando intrigada. — Mas esse não é um assunto para o momento — diz
ao ver algumas pessoas entrarem na loja.

Respiro fundo, buscando me recompor. Marcos se afasta e eu


ofereço um sorriso cordial aos clientes.

— Nos vemos à noite? — indaga, segurando minha mão.

— Sim. — Ele volta a beijar minha testa e se despede com um


aceno.

Sorrio sociável e me aproximo dos clientes.

***

Ao contrário do que imaginei, Marcos não me leva a um restaurante


caro e refinado, ele me levou a uma cantina italiana muito aconchegante.

Após sermos servidos, faço a pergunta que passei a tarde inteirinha


pensando.

— Você me pediu em namoro para esquecer alguém? — inquiro e o


vejo sorrir.

— Sim, da mesma forma que você aceitou para esquecer alguém —


ele é direto, contudo, ao falar, soa calmo e delicado.
E eu gostei e muito da sua franqueza. Ele continua:

— Eu me apaixonei por uma pessoa que não me vê como um


homem, me vê como amigo. Como uma pessoa que sempre estará ali
para ela, mas nunca para se envolver. — Ele sorri, triste e eu busco sua
mão em cima da mesa.

Sou incapaz de falar um “ai” sequer, tamanho bolo que se forma em


minha garganta.

— Eu a conheço há anos e durante todo esse tempo a vi sendo feita


de gato e sapato por um ser desprezível e, no momento, está grávida dele
e fazendo de tudo para o infeliz finalmente assumi-la. — Solta um longo
suspiro antes de continuar. — É o clássico caso do “eu gosto dela, que
gosta dele, que usa ela, mas não gosta de ninguém” e eu simplesmente
cansei de fazer parte desse trio, de sofrer calado, quero me livrar desse
amor platônico e pelo que vi na loja, creio que você busca a mesma coisa.

Sua revelação me pega desprevenida.

— Uau, normalmente dizem que eu sou direta, mas você é mais


certeiro que eu — brinco, tentando fazer com que aquele clima ruim se
desfaça.

— Gostei de você, Maria. — Aperta minhas mãos em cima da mesa.

— Eu também, mas...

— Não precisa falar. Eu sei, ou melhor, eu vi. Vamos levando um dia


de cada vez, cada um ajudando o outro a curar suas feridas. O que você
acha? — propõe com um sorriso nos lábios.

E eu penso, por que não?

— Tudo bem, mas olhe, só te digo uma coisa sobre a minha


pessoa... não sou muito normal — dou de ombros e resolvo logo ser
sincera. Ele solta uma gostosa gargalhada e brindamos a um novo
começo.

Não questionei quem era a pessoa e se ele iria ter contato com ela.
Ele também, não perguntou absolutamente nada sobre Victor.

Marcos quis saber tudo sobre mim e eu, dele.


Acho que fizemos um acordo mudo de guardar as tristezas bem no
fundo do coração e buscar com todas as forças ser feliz.

***

Meu relacionamento com Marcos é algo calmo, tranquilo e divertido.


Não tem o fogo que eu imaginei que teria quando eu me relacionasse, mas
é bom.

Ele me levou para conhecer alguns amigos, fomos ao cinema, o levei


à feira de tradições nordestinas e rachei de rir ao vê-lo tentar dançar forró.

Michele ficou eufórica, Bianca muito feliz, Márcio apenas franziu o


cenho, já Fernando acha que Marcos se aproximou de mim por causa de
Bianca e, pior, falou isso na noite que todos jantamos juntos.

Marcos riu, achando que era brincadeira de Fernando. Só ele riu,


porque os demais sabiam que na mente mirabolante de Fernando ele crê
que todos querem roubar a mulher dele.

Ao final, todos riram, foi muito bom encontrar com eles.

E nesse ritmo, se passa um mês...

Os preparativos para o casamento de Bianca, estão a todo vapor.


Fernando, depois que notou que nós dois não iríamos dar conta de fazer
tudo o que ele tinha em mente, resolveu contratar uma organizadora de
casamentos.

Mas olha, ele está deixando a mulher doidinha da Silva.

Desde que comecei a namorar Marcos, Victor deixou de trazer meu


café da manhã, também não o vi mais no elevador ou portaria do prédio.

Acho que ele está me evitando.

O problema é que à noite, deitada em minha cama, mesmo não


querendo, seu toque invade minha mente e faz meu coração bater mais
forte. Porém, logo em seguida, me lembro que ele não me quer e hoje
estou com alguém que me quer, ou pelo menos está tentando me querer,
tanto quanto eu a ele.
Capítulo 21
Maria
Meu reencontro com aconteceu de maneira inesperada.

Tinha acabado de sair do meu apartamento, fechava a porta com o


celular grudado no ouvido, embalada em uma gostosa conversa com
Marcos, quando vejo Victor fechando a porta do seu.

Engulo em seco, paro de falar e apenas ouço Marcos enquanto vejo


Victor caminhar em minha direção.

A cada passo que ele dá, meu coração bate de forma


descompensada, minha pele se arrepia e minha respiração falha.

Será que algum dia eu irei olhar para ele, ou estar perto dele, sem
sentir tudo isso?

Não sei a resposta para essa pergunta e nem sequer tenho tempo
para raciocinar, porque Victor para a minha frente, eleva a mão e toca meu
rosto e eu tenho uma louca vontade de deitar minha cabeça em sua mão.

Ele não fala nada, apenas acaricia meu rosto e sorri, um sorriso
carregado de saudades e vários sentimentos que eu não sei definir.

Ouço Marcos me chamar no celular e desperto do transe que entrei


desde que meu amigo tocou meu rosto.

— Oi, Marcos, eu já vou descer — me despeço e desligo o telefone.

Victor desvia os olhos para o aparelho e vejo seu sorriso mudar junto
com sua mão que vagarosamente sai do meu rosto.

— Oi, amiga. — Sorri de lado, mas sem o brilho que vi em seu olhar
anteriormente e nem me dou ao trabalho de tentar entender sua mudança.

Já desisti de tentar entender Victor.

— Oi, vizinho. — Foi impossível segurar o suspiro.


— Estou distante o suficiente? — faz a pergunta enquanto cruza os
braços e levanta uma sobrancelha.

Sorrio anasalado e abaixo a cabeça, fazendo um meneio afirmativo.

Me recusando a tocar no assunto, desvio dele com a intenção de ir


para o elevador, contudo ele segura meu braço.

— Maria...

— Não, Victor, não vou falar sobre isso. Eu não quero me machucar,
já lhe disse. — Saio do seu aperto e vejo-o coçar a cabeça, frustrado, e eu
me irrito. — Mas, homem, você tem uma mulher linda como a Angélica
como namorada, faça dela sua melhor amiga e me deixe — explodo com o
ciúme correndo solto em minhas veias.

Ele franze o cenho e me olhar intrigado.

— Você acha que eu e a Angélica temos um relacionamento? —


questiona, me olhando com curiosidade.

— E não têm? — indago indignada.

E ele sorri, Victor tem a cara de pau de sorrir largo.

— Pois, olhe, se eu fosse você, tirava esse sorrisinho da cara, visse


— digo, cheia de raiva.

— Maria, eu... — Victor não consegue completar a frase, porque a


porta do elevador apita e Marcos sai dele, para ao ver a cena, depois sorri
e vem em minha direção, enlaça minha cintura, me beija nos lábios e gira
seu rosto para Victor.

— Olá, Victor, tudo bem? — meu namorado o cumprimenta.

Noto que meu amigo intercala o olhar entre nós dois, depois fixa nos
braços de Marcos ao redor da minha cintura, desloca para meus olhos,
nos quais para, por breves segundos, enquanto me olha intensamente e,
em seguida, abaixa a cabeça.

— Sim, Marcos, tudo bem e com você? Pelo que vejo, seguem
juntos — não foi bem uma pergunta, e sim uma constatação.
— Como vê, muito bem — Marcos soa convincente, aperta mais
minha cintura e eu apenas suspiro.

— Sim, eu vejo — Victor responde com os olhos fixos em mim.

— Vamos? — Marcos indaga e eu levo um tempo para responder.

— Sim, hum, sim — Me atrapalho com as palavras, o jeito que Victor


está me olhando me deixa confusa.

Mas quando não estou confusa?

Bufo e giro meu corpo, acompanhando Marcos em direção ao


elevador quando algo cruza minha mente.

— Victor, antes de Marcos chegar você iria me falar algo, o que era?
— indago, curiosa.

Ele sorri, um sorriso triste.

— Nada importante — sua voz soa triste e minha vontade é de


sacudir seus ombros para que ele abra a bendita boca.

— Certo. Você não vai entrar no elevador? — questiono, tentando


ficar mais um pouco perto dele. Assim, quem sabe ele fale.

— Não, me lembrei que esqueci algo em casa. Tenham um bom dia.


— Victor segue em direção a seu apartamento, não me dando chance de
falar mais nada.

— Manhã tensa? — Marcos pergunta e faz um ligeiro carinho em


meu rosto.

Não respondo, não é preciso. Ele sabe o que sinto e neste momento,
eu apenas quero ficar calada já que meu íntimo está gritando, fazendo mil
e uma indagações.

Deito minha cabeça em sua mão, aceitando o carinho de bom grado.

Ele segura meu rosto em suas mãos e me beija de leve nos lábios.
Cerco sua cintura e o abraço, buscando conforto para meu coração tão
abalado. Ele enlaça minha cintura, beija minha cabeça e me embala em
seus braços.
Marcos é tão carinhoso e amoroso. Sempre que estamos juntos,
ficamos assim, grudados, dando e recebendo consolos.

Saímos do elevador e seguimos para a porta de entrada. Vejo


Angélica sair de um carro e subir as escadas em direção à portaria.

Ela caminha em nossa direção sorrindo, não para mim, mas sim para
Marcos.

Mas se essa rapariga pensa que vai roubar outro homem de mim, ela
está é muito enganada, eu dou uma de Michele e enfio a mão na cara
dela.

Eu já estava toda preparada para o barraco quando ela começa a


falar e me desarma:

— Bom dia, Dr. Marcos. Tudo bem? Que bom rever você. Desde
aquele episódio em que fiz aquela loucura, não voltei a lhe ver, serei
eternamente grata por você salvar minha vida. — Ela o abraça enquanto
eu tento segurar meu queixo que quase vai ao chão.

O que será que houve com essa mulher?

Resolvo ficar em silêncio, intercalando meus olhos de um para o


outro.

— Fico feliz em ver que você está bem, Angélica. — Ele a afasta
delicadamente, vira em minha direção, segura minha cintura e se volta
para ela com um sorriso no rosto. — Quero te apresentar Maria, minha
namorada — sua voz soa feliz e eu sorrio.

Angélica inclina a cabeça e franze o cenho.

— Maria, eu a conheço, ela é vizinha do Victor.

— Quer dizer que o Victor que é vizinho de Maria é o mesmo que...

— Sim, aquele que falou com o senhor pelo celular e se


responsabilizou por mim no hospital. O senhor não o conheceu porque
Marcela teve aquele imprevisto. Falando nela, como ela está? — indaga,
me olhando de cima a baixo.
E dessa vez, eu nem sequer dou atenção ao seu olhar atravessado,
estou muito ocupada ligando os pontos e vendo as reações de Marcos,
que engole em seco.

— Essa Marcela que vocês estão falando é a mesma que trabalha


com você e Bianca? — inquiro, com o cenho franzido.

— Sim... — Angélica solta uma gargalhada que me dá arrepios. —


Às vezes, eu me esqueço que você já foi faxineira de Bianca.

Endureço a espinha com o preconceito velado em sua fala, como se


o fato de eu ter sido faxineira fosse motivo de vergonha.

— Fui, e com muito orgulho, pois se tenho tudo o que possuo hoje, é
graças ao meu trabalho e voltaria a ser, caso fosse preciso. Isso jamais
será motivo de vergonha para mim — retruco, com o sangue fervilhando
de raiva.

— Maria tem uma história de sucesso, uma mulher que luta pelas
suas conquistas, e eu sou um felizardo por ela ter aceitado ser minha
namorada — Marcos diz, beija meu rosto e depois olha para Angélica sem
o seu tão característico sorriso carinhoso. — Se nos der licença, nós
temos um compromisso.

— Por acaso, Marcela sabe que você está namorando?

— Marcela é somente minha paciente, não tem que saber da minha


vida amorosa, Angélica. Tenha uma boa tarde.

Marcos segura minhas mãos e caminhamos em direção a seu carro,


ao entrarmos, vejo-o colocar o cinto e depois soltar o ar devagar como se
o tivesse mantido preso por um bom tempo.

— A pessoa que você gosta é a Marcela? — Jogo a pergunta sem


nem sequer pensar.

— Sim — responde, gira o corpo e me olha. — Se você a conhece,


sabe por que eu quero tanto que dê certo entre nós dois.

Eu olho para ele e falo a única coisa que passa pela minha mente no
momento:

— Misericórdia!
Capítulo 22
Maria
É engraçado os encontros que a vida nos proporciona.

Pela minha convivência com Bianca e Michele, há muitos anos eu


ouço falar sobre Marcela e Angélica, minhas amigas sempre as definiram
como pedras em seus sapatos.

Pelo que sei, Marcela é apaixonada por um ex de Bianca e, junto


com Angélica, fez de um tudo para atrapalhar o começo do namoro de
Bianca e Fernando.

Eu nunca entendi isso muito bem, porque na minha mente, se eu


amo um homem e a mulher que ele ama está namorando, eu jamais iria
atrapalhar o relacionamento dela e correr o risco de perder o cara que eu
quero.

Mas foi exatamente isso que Marcela fez.

Por meses, vi essa confusão como mera espectadora, e jamais


poderia imaginar que eu estaria envolvida no meio disso e, no entanto, cá
estou eu namorando o médico de Michele e Bianca e, de quebra, descubro
que ele é apaixonado pela sem noção da Marcela.

— Misericórdia — volto a falar e elevo as mãos à boca.

— Me desculpe — o tom de voz tristonho de Marcos me tira de meus


pensamentos.

— Pelo quê? — Giro meu rosto e vejo que ele está com a cabeça
inclinada e com uma expressão de desalento.

— Por te envolver nisso tudo — esclarece e solta um longo suspiro.

— Mas olhe, não entrei nisso engada, muito pelo contrário, você
deixou bem claro que gostava de uma pessoa e que era algo complicado.
— Busco suas mãos e as aperto tentado transmitir um pouco de conforto.

— Você só não sabia que era tão enrolado. — Sorri tristemente e


cobre minha mão com a sua.
— Meu caso também não é nada fácil, você pôde comprovar há
poucos minutos, quando me encontrou com Victor. — Dou de ombros e
tento minimizar a situação.

— Victor... — Ele solta um longo suspiro. — Maria, ele...

— Não, não fala nada. — Sorrio triste com uma pontada de dor no
coração. — Ele não quis me dizer, então deixa para lá, vamos deixá-los
para lá e continuar tentando, vamos focar em nós.

Marcos inclina o rosto, me beija e liga o carro. Eu giro meu rosto,


olho para a janela e me surpreendo ao ver que Victor nos observa
enquanto Angélica fala com ele. Porém, ele parece não prestar atenção ao
que ela diz, seus olhos estão fixo no carro, em mim.

Sinto meu sorriso morrer em meus lábios e desvio meus olhos dele
quando o veículo começa a se movimentar.

Durante todo o percurso até o clube onde iríamos, não falamos


absolutamente nada. Creio que cada um estivesse imerso em seus
sentimentos, tentando entender como manteríamos nossa mente livre para
conseguirmos seguir juntos.

Seu telefone toca diversas vezes, vejo-o olhar para o aparelho e


endurecer as mãos no volante. Em uma das vezes que toca, vejo o nome
de Marcela no visor. Chego a pensar em aconselhá-lo a atender, mas
escolho ficar em silêncio. Essa é uma batalha dele e eu já tenho a minha
com Victor.

Tenho certeza de que Angélica já foi falar para Marcela, que Marcos
e eu estamos namorando.

Solto um longo suspiro ao notar que chegamos ao nosso destino.

— Maria, me desculpe por... — Novamente o interrompo:

— Hoje é um dia de diversão, sim, porque eu garanto que Fernando


está deixando todo mundo doido nesse ensaio de casamento.

— Só ele para marcar um ensaio um mês antes do casamento.

— Ele quer fazer 4 ensaios até o casamento e tenho certeza de que


a cada ensaio ele vai inventar algo novo, certeza de que vamos rir muito.
Então, por enquanto, esqueça tudo, apenas vamos nos divertir — peço,
acariciando seu rosto.

— Tudo bem, obrigado por ser tão especial. — Ele beija levemente
os meus lábios, sai do carro, o contorna e abre a porta pra mim.

O primeiro ensaio de casamento de Bianca foi tudo o que eu


imaginei, risos e brigas entre Fernando, Michele e a organizadora. A cada
embate, Bianca calmamente se sentava e provava um canapé.

Eu e Marcos nos aproximamos dela e ela se levanta para


cumprimentá-lo.

— Como é bom tê-lo aqui, muito obrigada por vir, fico imensamente
por você está fazendo tão bem a Maria. — Ela acaricia meu rosto de forma
carinhosa e eu enlaço sua cintura.

— Você está bem? — indago quando a vejo se sentar.

— Apenas cansada. — Ela pisca um olho para mim.

— Como você consegue lidar com aqueles dois? — Marcos indaga


olhando-a com atenção.

Creio que ele entrou em modo médico, busca o pulso de Bianca e


silenciosamente analisa sua paciente.

— Dr. Marcos, aqui o senhor não é meu obstetra, e sim meu


convidado. E quanto aos dois, eu prefiro ignorá-los. — Ela dá de ombros,
divertida. — Eu preferiria algo mais íntimo e simples, mas sei o quanto
Maria e eles estão felizes por essa festa.

Fernando brota do nada ao nosso lado.

— O que houve, Bianca, você está se sentindo bem? Nossa filha


está bem? — inquire, preocupado.

É tão bonitinha a preocupação dele.

— Se acalme, Fernando, está tudo bem — Marcos tenta acalmá-lo,


mas não surte o menor efeito, ele segue tenso.
— Relaxe, meu anjo, só queria me sentar e provar esses canapés.
— Bianca inclina o corpo e beija levemente seus lábios e vejo seus
ombros finalmente relaxarem.

— Mona, aquela mulher cismou que quer um monte de damas, vou


dar no meio da cara dela. Já disse que serão apenas 3! Maria, Mariana e
eu, e ponto! — Michele se exalta e em seguida põe as mãos na cintura.

— Michele, pare de ameaçar a mulher! — Márcio, que está com


Marina no colo, a repreende, com um sorriso e uma piscadela que deixa
Michele com as bochechas vermelhas.

É tão lindo vê-los. É isso que eu quero para mim.

Amor, carinho, companheirismo e o desejo à flor da pele.

Olho para Marcos e sorrio, ele observava a cena com divertimento,


mas quando percebe meu olhar, gira o rosto em minha direção e vejo que
está pensando a mesma coisa.

Agora, basta conseguir pôr em prática.

A volta para casa foi feita em um clima descontraído, rindo das


coisas que ocorreram no ensaio de casamento.

— Devo confessar que Fernando tinha razão de marcar mais de um


ensaio. Quem sabe na próxima vez vocês consigam caminhar até o altar,
porque hoje houve de tudo, menos um ensaio.

— Verdade, mas foi divertido toda vida.

— Não tenho como negar. — Sorri largamente.

O toque do seu celular faz o seu sorriso morrer, e mais uma vez ele
ignora.

Ele para na frente do meu prédio e gira o corpo em minha direção.


Me pega desprevenida ao enlaçar meu pescoço e me beijar com um vigor
com o qual nunca me beijou antes. Sua mão passeia pelo meu corpo e eu
puxo seu cabelo, intensificando o beijo.

O toque do seu celular corta o clima e ele encosta a testa na minha e


fita meus olhos.
Vejo lágrimas se formarem em seus olhos e sinto meus olhos
arderem, denunciando o mesmo nos meus, lágrimas que a qualquer
momento cairão.

Ele abre e fecha a boca e eu o beijo o impedindo de falar qualquer


coisa.

Eu sei o que ele está sentindo, ou melhor, o que ele não quer estar
sentindo. Mas o coração traiçoeiro parece não querer fazer o que o nosso
cérebro manda, ele cisma em continuar querendo e amando quem não faz
bem para a gente.

— Que tal almoçarmos juntos amanhã, na minha casa? Eu faço o


almoço — pergunta, acariciando meu rosto.

— Amei a ideia — respondo e novamente o beijo.

Nos despedimos, saio do carro e me despeço; vejo-o ligar o carro e ir


embora.

Antes de dormir, faço uma oração silenciosa, para que nossos


corações ouçam nossas mentes.
Capítulo 23
Maria
Na manhã seguinte, acordo com o som do meu celular tocando. Meu
primeiro pensamento é ignorar e aproveitar o domingo para dormir até
mais tarde, mas o som insistente não me permite.

Sonolenta, busco o aparelho e abro um olho para ver o visor. Minha


intenção era ver quem era e depois desligar o telefone e voltar a dormir,
contudo o nome de Victor piscando em minha tela me faz mudar de ideia.

— Alô — falo entre bocejos.

— Atende à porta, dorminhoca — fala e desliga o telefone.

Pisco algumas vezes, olhando para o aparelho, em seguida saio de


debaixo das cobertas, e caminho apressada em direção à porta, porém,
antes de abrir, encosto minha testa na madeira fria e suspiro.

Eu não deveria abrir, eu deveria ter dito que estava dormindo, ou


melhor, eu nem deveria ter atendido à ligação assim que vi que era
Victor...

Meu coração não deveria bater tão descompensado, minha


respiração não deveria estar tão acelerada e nem minha pele pinicando
somente com a mera possibilidade de vê-lo.

— Abra a porta, Maria — sua voz soa suave. — Estou vendo a


sombra do seu pé pela brecha da porta — diz divertido.

Fico em silêncio e ponho um pé sobre o outro, mordo o lábio inferior,


não sabendo o que fazer.

— Por favor — ele abranda a voz e sua súplica acaba com o pouco
de resistência que eu ainda conservava.

Abro a porta e respiro fundo, sentindo tudo o que não deveria sentir
ao vê-lo encostado no batente com um sorriso no rosto e segurando um
saquinho de rosquinhas e um copo de café.
— Bom dia. — Ele sorri e eu solto o ar que nem me dei conta que
segurava.

— Bom dia — tento soar fria, mas pelo seu sorriso, sei que falho
miseravelmente.

— Trouxe seu café. — Ele apoia o corpo contra a parede e me


entrega o pacote e o saco.

Não confiando em minha voz, eu apenas aceno. Diante do meu


silêncio, ele continua.

— Eu tomei uma decisão ontem à noite.

— Qual?

— Não vou ficar longe.

Sou pega desprevenida e arregalo meus olhos.

— Por quê?

— Porque ontem eu me dei conta de que você entendeu errado o


meu relacionamento com Angélica.

Franzo o cenho e levanto uma sobrancelha

— O que você quer dizer com isso? Você me disse que estava
envolvido com ela.

— De certa forma, estou, mas não estamos em um relacionamento


amoroso.

— Não estou entendendo.

— Passe o dia comigo hoje, como fazíamos quando éramos


próximos, e eu te explico tudo. Sinto falta da sua amizade, Maria.

E ali está o balde de água fria que sempre vinha dele.

— Isso não será possível.

— Por que não?


— Porque ao contrário de você, eu deixei bem claro o que queria e o
que não queria, eu não quero somente a sua amizade, Victor. Se for
assim, prefiro que continuemos como estamos.

— Maria... — ele tenta argumentar, mas eu o corto.

— Além do que mais, você pode não estar em um relacionamento


amoroso com Angélica, mas eu estou com Marcos.

Vejo-o soltar o ar com força e passar as mãos nos cabelos e eu


continuo.

— Você pode não estar namorando Angélica, mas tem uma história
com ela e de alguma forma estão envolvidos, e eu não quero fazer parte
disso.

— Seu namorado também não é cem por cento livre. — Cruza os


braços e franze o cenho.

Eu abaixo a cabeça e faço um meneio negativo. Logo em seguida, a


elevo e tomo um tempo analisado a sua expressão de desagrado antes de
começar a falar:

— Mas ele me quer! Em nenhum momento ele hesitou ou me deixou


em dúvida quanto a isso. Marcos foi sincero comigo e não me escondeu
seus problemas e, o mais importante, ele me quer. Entende a diferença?
— Retruco, irritada.

Ele abre a boca para falar algo, mas eu o interrompo.

— Muito obrigada pelo café, mas não faça mais isso.

— Eu apenas não queria te envolver nas confusões de Angélica. —


Ele tenta me tocar, porém eu dou um passo para trás.

— Você definiu suas prioridades e eu defini as minhas.

— Maria, é tudo um grande mal entendido, me deixe explicar, por


favor. Precisamos conversar e resolver tudo.

— Nós estamos conversando, ou melhor, estávamos, porque tenho


que me arrumar, tenho um compromisso hoje com meu namorado.
Victor me surpreende ao segurar meu rosto em suas mãos e, quando
eu penso que ele vai me beijar, ele encosta a testa na minha e fala bem
juntinho do meu rosto:

— Nossa conversa ainda vai acontecer, quando você quiser, eu


estarei te esperando para resolvermos tudo. — Sinto seu hálito mentolado
no meu rosto e meu corpo todo estremece.

Ele faz um ligeiro carinho no meu rosto, beija meu nariz e depois
minha testa. Gira o corpo e vai embora me deixando literalmente de boca
aberta.

***

Chego à casa de Marcos e não me surpreendo com o quanto o


ambiente é aconchegante, sofisticado e confortável. Ele me recebe com
um largo sorriso no rosto e passamos uma manhã agradável cozinhando
juntos, e vez ou outra trocamos carinhos.

Em nenhum momento falei sobre Victor nem ele de Marcela. É um


acordo mudo e estamos bem assim.

Depois do almoço, ficamos no sofá assistindo a um filme e


namorando, seu celular tocava insistentemente.

— Me desculpe, eu não posso desligá-lo por causa das minhas


pacientes — ele soa sem graça, creio que esteja constrangido, várias
vezes eu vi o nome de Marcela no visor do celular.

— Eu entendo. — Faço um carinho em sua mão.

— Vou fazer mais pipoca para a gente. — Ele segura minha mão e a
beija.

— Vou parar o filme.

— Não precisa, volto já. — Ele inclina o rosto, me beijando


levemente nos lábios.

— Claro que precisa, quero rir com você, sozinha não tem graça. —
Ele volta a me beijar, logo em seguida se levanta e segue em direção à
cozinha. Eu inclino o corpo e busco o controle mais complicado que eu já
vi na minha vida e depois de uns 2 minutos consigo desligar a tv.
Recosto no sofá com um sorriso nos lábios, alguns minutos depois, a
campainha toca.

— Maria, por favor, atenda para mim. Deve ser o pedido que fiz de
comida japonesa — grita da cozinha.

— Mas não era para à noite? — indago, me levantando.

— Eles devem ter errado o horário.

Dando de ombros, sigo em direção à porta, mas nada me preparou


para o que eu encontro ao abri-la. Ao contrário do que Marcos e eu
imaginamos, não era o nosso jantar que estava adiantado, e sim uma
mulher grávida que estava aminha frente.

Ela me olha de cima a baixo e eleva a mão à barriga como se


quisesse protegê-la.

Eu respiro fundo, ponho um sorriso em meus lábios e me preparo


psicologicamente para o que está por vir.
Capítulo 24
Maria
Essa é uma daquelas situação nas quais eu jamais imaginei estar.

— Olá, boa tarde — tento soar o mais gentil possível.

Novamente, seus olhos me contemplam e quando terminam, sua


expressão é de curiosidade.

— Quem é você? — Ela eleva uma sobrancelha, mas sua voz soa
calma.

— Maria e você? — jogo a pergunta já sabendo a resposta.

— Marcela — ela levanta o queixo ao dizer seu nome, talvez


esperando alguma reação de surpresa da minha parte.

Contudo eu continuo com a mesma expressão, com um sorriso posto


no rosto.

— Meu anjo, minha carteira está em cima da mesa — Marcos grita


da cozinha.

Com certa curiosidade, eu vejo Marcela arregalar os olhos e logo em


seguida desviar os olhos como se estivesse confusa.

— Ele costumava me chamar de meu anjo — sussurra, parecendo


desolada.

E nesse momento eu me desarmo, porque a minha frente vejo uma


mulher sem chão e eu conheço muito bem esse sentimento.

— Você quer entrar? — indago com voz branda.

— Eu não sei... Eu... achei que... Eu não sei. — Marcela soa


confusa.

— Maria, não achou a carteira? Ela está... — Marcos não completa a


frase. Curiosa, giro meu corpo e vejo que ele está olhando para Marcela
com o balde de pipoca em sua mão. — Marcela, o que faz aqui? —
pergunta com os olhos arregalados.
— Eu... pensei que... — Marcela leva as mãos ao rosto e chora, e eu
intercalo meus olhos de um para o outro, sem saber o que fazer.

Noto que Marcos faz o mesmo, creio que ele está se sentindo tão
perdido quanto eu, mas seu lado médico fala mais alto e ele põe o balde
na mesinha e caminha em nossa direção.

— Marcela, você está bem? — questiona e eu reviro os olhos.

Mas será que ele não está vendo a mulher se desmanchando em


lágrimas na nossa frente.

— Se acalme, mulher, esse choro todo vai fazer mal para o seu
bebê. Venha, entre e sente-se um pouco. — Seguro seu braço, não lhe
dando a chance de recusar.

A guio em direção ao sofá e Marcos vem logo atrás, ela se senta e


ele se agacha a sua frente.

— Me diz o que houve? — ele pede, segurando suas mãos.

— Eu vou pegar um copo de água com açúcar para ela. — Me


levanto e sigo em direção a cozinha. Chegando lá, pego um copo, ponho
um punhado de açúcar, depois água e enquanto mexo, solto um longo
suspiro. Em seguida, pego o copo e sigo em direção a sala e o que eu vejo
me paralisa.

Uma coisa é saber que Marcos gosta de outra pessoa, da mesma


forma que ele sabe o que eu sinto pelo Victor, mas ver em seus olhos esse
sentimento refletido quando está à frente da pessoa amada, mexe comigo.

Será que é assim que ele se sente quando me vê com Victor?

Vejo-o limpar a garganta e desviar os olhos para mim. Noto o


constrangimento em seus olhos, contudo eu não posso dizer que ele não
me disse, muito pelo contrário, fomos sinceros um com o outro.

— A água — Me aproximo e ergo meu braço, oferecendo a bebida


adocicada.

Marcela agradece e observa Marcos, que se afasta e dá alguns


passos em minha direção. Logo em seguida, enlaça minha cintura e
aproxima meu corpo do seu em uma demonstração clara de que somos
íntimos.

Não sei qual era sua intenção ao fazer isso, muito menos qual a
mensagem que ele queria passar para Marcela, mas pelo que noto, ela foi
recebida com êxito pelo que constato ao ver mais uma lágrima cair pelo
seu rosto. Logo depois, ela põe o copo em cima da mesinha e se levanta.

— Eu preciso ir. — Ela corre em direção à porta, se atrapalha com a


chave e Marcos vai ajudá-la, assim que ele abre, ela sai correndo.

— Marcela — ele grita e logo em seguida me olha como se me


pedisse permissão.

— Vai atrás dela, vou ficar aqui te esperando.

Vejo Marcos sair correndo atrás de Marcela e eu desabo no sofá,


busco meu celular e envio uma mensagem no grupo que eu estou com
Bianca e Michele:

Preciso conversar com vocês.

Logo em seguida, Bianca me liga.

— O que houve? Você está bem? — indaga preocupada.

— Sim, não dá para falar agora, apenas preciso conversar com


vocês, ainda hoje de preferência.

—Você está onde?

— Na casa de Marcos e Marcela acabou de sair daqui.

— Ok, assim que sair daí, vai para o apartamento de Michele, lá nos
encontramos e conversamos.

— Tudo bem, beijos e até mais tarde.

Termino a ligação e pego o balde de pipoca. Cerca de meia hora


depois, Marcos entra e se senta ao meu lado, me pega nos braços e me
senta em seu colo. Ele me abraça tão forte que chega a doer, mas
permaneço em silêncio.
Sei que ele precisa disso, tanto quanto eu precisei de um abraço há
algumas semanas em minha loja quando ele me viu com Victor.

— Eu... — começa, mas o interrompo.

— Xii... fala nada não, visse, vamos apenas ficar assim,


agarradinhos. — Sorrio e volto a abraçá-lo.

Ele assente e pousa a cabeça na curva do meu pescoço.

E eu queria sentir tudo o que eu sinto quando Victor me toca, queria


que meu coração estivesse dando cambalhotas e meu estômago estivesse
povoado de borboletas.

Mas nada disso acontece e creio que com ele ocorra a mesma coisa.

***

Chego ao apartamento de Michele e sorrio ao ver Márcio abrir a


porta com Marina nos braços.

— A cada vez que eu a vejo, ela está mais linda. — Sorrio vendo a
bebê dormindo aninhada no colo do pai.

— Maria, você crê que ela só dorme direito grudada em Márcio? Eu


acho isso um absurdo. — Michele entra no meu campo de visão vestida
com um pijama do frajola.

Eu ando tão envolta em meus problemas que me esqueci o quão


divertido e descontraído é o apartamento de Michele.

O que antes era impecavelmente limpo e, eu me orgulho de que só


era assim por minha causa, no momento, está uma deliciosa desordem,
cheia de brinquedos, que Marina ainda não usa, pela sala.

— Meu Deus, vocês compraram uma loja de brinquedos? — brinco


olhando em volta.

— Mona, meu chocolate e o doido do Fernando saíram para comprar


uns brinquedinhos para Marina e, claro, fizeram merda. — Michele dá de
ombros, se jogando no sofá e estendendo os braços para pedir a filha, que
Márcio lhe entrega com visível má vontade.
— Tudo bem, Maria? — Márcio me abraça forte e eu sorrio.

— Bianca já chegou? — pergunto me sentando ao lado de Michele e


acariciando a cabeça de Marina. Minha amiga inclina o corpo e beija
minha bochecha.

Mal acabo de falar, a campainha toca e Márcio vai atender.

— Eu não entendo por que ela segue tocando a campainha se tem a


chave. — Michele dá de ombros.

— Porque eu sou uma pessoa educada, Michele. Agora você é uma


mulher casada e eu não vou sair entrando pela porta a dentro sem tocar a
campainha. — Bianca caminha em nossa direção, beija a cabeça de
Marina, afaga meu rosto, mostra a língua para Michele e depois senta e se
mexe de várias maneiras até encontrar uma posição.

Sorrio ao vê-la acariciando a avantajada barriga, ela está linda


grávida.

— Amor, você... — Fernando fala entrando logo depois de Bianca.

— Fernando, o que eu quero é que você suma da minha frente por,


no mínimo, uma semana — Bianca soa irritada.

— Eita! Por... — Michele claramente iria soltar um palavrão, mas olha


para Marina e muda de ideia. — Pipoca, o que houve?

— Bianca descobriu algo desnecessário, apenas um mero detalhe


insignificante. — Fernando dá de ombros.

— Vixe, o que tu fez agora, Fernando? — solto, me divertindo com a


situação.

— Você acredita que ele me escondeu que meu ex secretário estava


de conchavo com Carolina para prejudicar nosso relacionamento?

— Não creio! — eu e Michele falamos juntas.


Capítulo 25
Maria
Bianca relata que ao organizar as coisas da mudança, achou um
envelope que chamou sua atenção por conter o nome de Carolina na capa
e diz que se surpreendeu ao ler seu conteúdo.

Lá estava escrito que Rafael, seu ex funcionário, recebeu dinheiro do


pai de Fernando, para separá-los e que contratou Carolina para seduzir
Fernando.

Dizer que ela está indignada é pouco, ela está bufando de raiva.

— E pior, foi o pai dele que pagou a eles — conclui, demostrando


toda a sua raiva. — Quando eu demiti Rafael, minha intuição dizia que o
melhor era o manter longe, porque nos últimos meses algumas atitudes
dele estavam estranhas, mas nunca poderia imaginar que ele fosse tão
baixo.

— Bando de miserentos — digo indignada.

— Eles estavam de marmelada para cima de vocês. — Michela


franze o cenho.

— Marmelada? — eu e Bianca falamos juntas e encaramos Michele.

— Eu queria dizer putaria, mas como não falo mais palavras de baixo
calão, saiu marmelada. — Michele dá de ombros.

— Meu amor, eu apenas não queria que você se preocupasse, não


quero que nada tire sua paz, você está grávida da nossa filha, além do
mais. — Fernando se ajoelha na frente de Bianca e ela o afasta sem dó.
— Bianca, eles já não fazem mais parte das nossas vidas, você já demitiu
Rafael e Márcio demitiu Carolina, fim de história — Fernando tenta mais
uma vez e Bianca novamente o afasta.

— Fernando, eu tinha o direito de saber! — Bianca retruca.

— Deu ruim para você, meu amigo — Márcio que até o momento
estava calado, zomba de Fernando.
— Epa, epa! Tu sabia disso, Márcio? — Michele inquire, com as
sobrancelhas franzidas.

— Veja bem, há assuntos que... — Michele levanta a mão, o


interrompendo.

— Nem vem com essa fala mansa para cima de mim, joga logo a
verdade na cara. — Márcio leva um tempo analisando Michele, depois
solta um longo suspiro e começa a falar.

— Fui eu quem levantou o dossiê e entreguei para Fernando, há


alguns meses — revela, levantando as mãos.

— Mas olhe, nem sei o que falar. — Elevo uma mão à boca e
intercalo meu olhar de Fernando para Márcio.

— Márcio, pega Fernando e some da nossa frente, vá dormir na casa


de Bianca hoje. Concorda, Bianca? — Michele indaga com os olhos
soltando faíscas.

— Por mim, passava uma semana sem olhar na cara dos dois! —
Bianca os fita com uma expressão brava.

— Eu não vou...— Fernando começa e Márcio o interrompe.

— Tudo bem, vamos sair um pouco da frente de vocês para os


ânimos se acalmarem. — Márcio segura o braço de Fernando, que sai
protestando.

Mal eles batem à porta e eu caio na risada.

— Pronto, Maria já os perdoou, é só eles ficarem com cara de


cachorro que caiu da mudança para ela perdoar. Oh mulher frouxa, tem
que ser mais dura, Maria! — Michele me recrimina e eu volto a rir.

— Ah, vá, a cara dos dois foi muito engraçada — comento tentando
segurar o riso, já que as duas me olham revoltadas.

Bianca passa a próxima hora falando o quão indignada estava por


Fernando não contar para ela quem realmente era seu secretário. Eu me
lembro que durante um bom tempo, Michele dizia que o cara estava afim
dela e ela dizia que Michele estava vendo coisas onde não existia. E agora
que descobriu toda armação, está se sentindo duplamente traída.
— Ainda bem que você já o demitiu — relembro assim que ela
termina de desabafar.

— E eu nem posso dar na cara de Carolina novamente, Márcio


também a demitiu. Mas, gente, acho que não contei para vocês, há algum
tempo eu e meu chocolate vimos ela e Pedro juntos, crê nisso?

— Pedro? Aquele ali não presta, faz Marcela de gato e sapato. —


Bianca solta um longo suspiro. — Juro que nunca vou entender Marcela e
como ela aceita passar por tudo que passa com Pedro.

— Eita, será que ele é o pai do filho de Marcela? — divago com uma
sobrancelha levantada.

— Marcela está grávida? — Bianca e Michele perguntam surpresas,


eu solto um longo suspiro e conto toda história para elas.

— Bem, isso é o que sei, e eu acho que ela está grávida de Pedro e
ele não quer saber do bebê — revelo em tom de confidência. — Bianca,
vocês não trabalham juntas? Você não sabia que ela está grávida? —
indago, curiosa.

— Não sabia, Marcela pediu licença há alguns meses e eu não


perguntei o motivo a Fernando e ele também não comentou. — Ela dá de
ombros.

— Eu ainda fico besta por Bianca não ter um mínimo de curiosidade


nesse corpo maravilhoso dela — Michele soa engraçada e Bianca lhe
mostra a língua.

Todas nós rimos e Michele vira o rosto em minha direção.

— E seu Dr. fofo gato é caidinho por ela como você é caidinha pelo
boy master Victor? — Michele indaga com uma sobrancelha.

— Mais ou menos isso — admito sem graça.

— Que merda hein. — Michele dá pequenos tapinhas em meu ombro


e eu bufo.

— E o que você pretende fazer, Maria? — Bianca pergunta


demonstrando preocupação.
— Eu não sei, eu gosto muito de Marcos e sei que ele sente o
mesmo por mim. Ele é carinhoso, faz bem para mim, fazemos bem um
para o outro.

— Mas e o fogo, o tesão, o desejo? Sim, porque até agora eu estou


vendo dois amigos — Michele pergunta e eu abro e fecho a boca, mas sou
incapaz de lhe dar uma resposta.

— Maria há alguns meses quando Arino, te propôs algo parecido


você disse que queria mais da vida. — Bianca me pergunta e novamente
não sei o que falar.

— Mona eu sei que você quer correr do boy magia em cima de muro,
mas será que essa é a melhor alternativa? — Michele indaga e eu sinto a
necessidade de defender meu relacionamento com Marcos.

— Mas eu e o marcos entramos no relacionamento sendo sinceros


um com o outro e, volto a dizer, ele me faz muito bem.

— Mas isso é o suficiente? — Bianca pergunta me olhando com


carinho.

Intercalo o olhar entre elas e mordo meu lábio inferior.

— Tem que ser, Bianca. — Solto um longo suspiro.

— Maria, sinto lhe informar, mas você está vivendo um daqueles


dramas mexicanos que você é tão viciada. Mona, você está vivendo uma
história de novela com direito a mocinho gato indeciso; mocinho fofo gato
com quem não rola química; megera louca varrida e uma quase ex
grávida. E eu quero saber de todos os detalhes sórdidos do desenrolar
dessa história — Michele diz de uma forma que só ela sabe fazer, fazendo
eu e Bianca rir e um clima agradável toma conta do ambiente.

Minha amiga está fazendo o que de melhor sabe fazer, tornar tudo
mais leve e divertido.

Logo em seguida, Michele começa a sugerir várias vinganças para


Márcio e Fernando. Algum tempo depois, volto para minha casa e solto um
longo suspiro ao finalmente me jogar em meu sofá.

Não dá nem 5 minutos e minha campainha toca, pensando ser Victor


abro a porta com a intenção de mandá-lo catar coquinho e me surpreendo
ao ver Marcela na minha frente.

Puta merda!

Vejo-a sorrir tristemente e abaixar a cabeça e me dou conta que falei


em voz alta.

— Desculpe. Por favor, entre — convido e ela me olha com


curiosidade.
Capítulo 26
Maria
Marcela entra, olhando tudo ao redor, parecendo estar deslocada.
Indico o sofá e ela se senta.

— Eu não sei por que estou aqui. — Ela sorri em graça.

— Confesso que essa é a pergunta que eu já ia te fazer. — Sento-


me no sofá de frente para ela.

Ela sorri sem graça, desvia o olhar de mim e fita uma foto minha com
Bianca e Michele. Marcela sorri anasalado e logo em seguida fecha os
olhos como se estivesse tomando tempo ou mesmo coragem para
começar a falar.

— Você quer um copo de água, café ou suco? — pergunto, ainda


sem saber o que falar.

— Água, por favor — pede, ainda com os olhos fixos na foto.

Assinto e me levanto, demoro para voltar à sala, dando o tempo que


eu acho que ela precisa antes de começar a falar. Confesso que estou
muito curiosa para saber o que ela quer comigo, mas, obviamente, sei que
é algo relacionado a Marcos.

Algum tempo depois, volto a sala, lhe entrego o copo, ela agradece e
toma um longo gole, suga um punhado de ar e o solta devagar.

— Vejo que você e Bianca se conhecem — não é bem uma


pergunta, e sim uma constatação.

— Eu trabalhei alguns anos para ela e Michele e hoje em dia somos


amigas. Melhores amigas — saliento me acomodando no sofá. — O que te
traz aqui, Marcela?

— Digamos que a situação agora se tornou muito mais


constrangedora do que já era.

— Não entendi.
— Se você é amiga de Bianca, creio que me conhece. De certa
forma, você está em vantagem, porque eu não sei nada a seu respeito,
apenas que do nada começou a namorar meu melhor amigo e ele nem me
falou nada.

— Sim, sei algumas coisas a seu respeito. E em relação a Marcos,


creio que esse assunto você deveria tratar com ele, não comigo — escolho
ser sincera, nunca gostei muito de rodeios.

— Você o ama? — pergunta em um sussurro.

— Me desculpe, Marcela, mas o meu relacionamento com Marcos só


diz respeito a mim e a ele.

— Ele me amou por anos — ela joga, como se isso fosse um ponto a
seu favor. O que, de fato, era.

— E mesmo sabendo disso, você o ignorou por anos — devolvo e


ela desvia o olhar.

— Era complicado.

— O quê? Um homem lindo, gentil, educado, carinhoso, íntegro e


amoroso te ama por anos. O que, em nome de Deus, era complicado? —
questiono levantando as mãos para o alto.

— Eu tinha uma venda nos olhos.

— E essa venda resolveu cair exatamente agora que ele resolveu


seguir em frente?

— É complicado — volta novamente a falar.

— Exatamente o quê? — replico, perdendo a paciência.

— Veja bem, eu tinha um ideal de homem perfeito e Marcos, apesar


de maravilhoso, não fazia esse perfil.

— Entendo... — Cruzo as pernas, sentindo a raiva invadir minhas


entranhas. — E esse ideal de homem, o cara que você idealizou como o
senhor perfeito, te deixou grávida e, pelo que sei, nunca quis saber de
você e agora também não quer saber do seu filho — jogo tudo em sua
cara sem nenhum pingo de misericórdia.
Vejo que ela fica pálida. Seus lábios tremem e seus olhos se enchem
de água.

Nada disso me dá nem um pingo de pena.

— Por causa desse ideal, você deixou um cara legal sofrer. E o que
isso te trouxe?

— Isso quase me destruiu...

— E agora que Marcos está bem, você o quer? Para quê? Para
brincar com ele, como Pedro fez com você? — a interrompo, mostrando
toda a indagação que sinto.

— Sei que não é da sua conta. Mas, por favor, me deixe contar meu
lado da história, para assim, quem sabe, você poder me entender.

— Não sei se eu consigo compreender você — dou de ombros,


novamente sendo sincera.

— Você pode me julgar, está no seu direito. Mas, por favor, me ouça
— pede, mordendo o lábio inferior.

Eu a observo por um tempo e novamente a curiosidade fala mais alto


e eu faço um gesto afirmativo.

Marcela inclina a cabeça e começa a falar, olhando para o copo:

— Eu amei Pedro com todas as minhas forças e fiz tudo por ele,
perdi minha dignidade por ele e, no fim, ele me deixou. Bem, a verdade é
que ele nunca realmente esteve comigo, ele me usou, depois ficou com a
secretária de Fernando, a Carolina, mas não durou muito tempo. Confesso
que voltei a criar esperanças, porém, quando vi que ele estava interessado
na minha assistente, dei um basta e o deixei. Não posso dizer que a culpa
foi toda dele, eu consenti todas as humilhações por achar que as migalhas
de atenção dele eram melhores do que não ter nada — releva com os
olhos transbordando em lágrimas.

Eu fico tão impactada que escolho ficar em silêncio.

— Pedro levou tudo o que eu tinha, minha felicidade, minha


autoestima e me deixou oca. Mas Marcos sempre esteve ali comigo —
Vejo-lhe sorrir entre lágrimas. — Você realmente acha que eu não sei o
quão especial ele é? O conheço há anos, eu nunca me envolvi, porque ele
sempre foi a parte boa da minha vida, sabe aquela pessoa que quando
você está perto, você se sente bem? Marcos é assim. Eu nunca quis
estragar isso, nunca o maltratei, nunca joguei com ele, sempre fui sincera.
Ele viu o meu pior e continuou ao meu lado, mas eu não conseguia me
livrar da fixação que tinha por Pedro e do que era perfeito aos meus olhos
naquela época, por mais maravilhoso que Marcos fosse, ele não era
perfeito aos meus olhos. — Seus lábios tremem e as lágrimas descem
livremente pelo seu rosto.

Sigo em silêncio ouvindo seu relato.

— Eu era escrava do espelho, escrava do que eu achava belo...

Ela para de falar e soluça. Com mãos trêmulas, eleva o copo a boca
e toma um gole de água. Em seguida, continua:

— Eu realmente achei que minha gravidez iria fazer alguma


diferença, mas Pedro tinha outros planos, ele me pediu para abortar e me
informou que tinha ficado noivo da minha assistente, Nayara. Naquele
momento, eu senti meu mundo ruir, fui tomada por um desespero que
jamais julguei possível sentir. Naquele instante, eu apenas queria que a
dor passasse, mas assim que tomei os remédios para acabar com aquele
desespero, me arrependi e novamente Marcos veio ao meu socorro.
Nunca orei tanto em minha vida como naquela noite, ele passou a noite
comigo e depois disso não o vi mais, ele me encaminhou para outro
obstetra e começou a me manter à distância. Perdi meu porto seguro e, ao
contrário do que eu imaginava, ficar sem o Marcos foi muito mais difícil
que ficar sem o Pedro.

A vejo respirar fundo antes de continuar.

— Nesse período, eu consegui refletir e entender o quão a minha


cabeça está fora de ordem. Comecei a perceber que eu queria Marcos
para sempre em minha vida, mas eu não estava bem comigo para ficar
com ele, eu não faria bem a ele naquela época. Pedi licença no trabalho,
não voltei a procurar Pedro e me internei em uma clínica psiquiátrica. Eu
precisava de ajuda. Passei os últimos meses lá e foi a melhor coisa que eu
fiz para a minha vida. Quando voltei para casa, eu recebi a visita de Pedro
e foi com uma grande alegria no coração que eu vi que ele não tinha mais
poder sobre mim, não me controlava mais, o que eu sentia por ele não
mais me dominava. Eu estava livre, finalmente livre para dar uma chance
para mim e Marcos — termina de falar e me olha.

— Você tem certeza de que não sente mais nada pelo Pedro?

— Não sinto, nem raiva. Eu apenas quero esquecer.

— Eu nem sei o que dizer.

— Se você me disser que ama Marcos, eu vou me afastar, vou me


mudar de cidade e não vou incomodar vocês, a última coisa que eu quero
é tirar a chance de Marcos ser feliz com uma pessoa que o ama e que
nunca o fez esperar — ela fala com lágrimas nos olhos e é impossível não
ficar mexida. — Mas se você não o ama de todo o coração, com toda a
sua alma, eu te imploro encarecidamente que me dê a chance de me
redimir de todos os meus erros. Eu te prometo que vou passar a vida me
esforçando com todas as minhas forças para fazer dele um homem feliz.
Eu o amo. — Marcela se ajoelha a minha frente chorando me deixando
completamente sem fala.
Capítulo 27
Maria
Abro e fecho a boca sem saber o que dizer, engulo em seco, tiro
suas mãos do meu joelho e ainda em silêncio, levanto-me e ando rápido
até a cozinha. Pego papel toalha, volto e, ao invés de destacar algumas
folhas, entrego o rolo inteiro a ela.

Marcela, que ainda está tomada pela emoção, aceita, tira algumas
folhas e limpa o rosto rapidamente.

— Você quer mais um copo de água? — indago, mordendo os lábios.

— Sim, por favor, onde fica o banheiro? — pergunta com voz


embargada.

— A segunda porta à direita — indico e sigo mais uma vez para


cozinha, dessa vez, apoio minhas mãos na pia, inclino minha cabeça e
inspiro fortemente.

Pouco tempo depois, volto para a sala e a encontro sentada torcendo


suas as mãos. Entrego-lhe copo e me sento a sua frente.

— Maria, eu... — eu a interrompo.

— Você, por um acaso, já disse tudo o que me falou para Marcos? —


pergunto e analiso seu rosto com atenção.

— Não... eu não falei, não tive coragem.

— E por que está falando comigo?

— Porque eu sei que já machuquei meu amigo e se o que você


sente por ele for algo muito forte, eu não vou atrapalhar.

— Mesmo amando ele?

— Sim, mesmo o amando. Prefiro vê-lo feliz ao lado de alguém que o


ame, a infeliz entre uma briga e tendo que decidir entre nós duas.

— E você prefere que eu decida? Você não acha que ele vai ficar
muito chateado em não ter essa escolha?
— Não é bem isso, a única coisa que eu peço é que você analise
seu coração e faça o que você acha que será o melhor para você e para
ele. Tenho certeza de que você sabe o quanto ele é especial.

— Sim, ele é muito especial.

— Você o ama?

— Não vou discutir minha relação com Marcos com você.

— Claro, me desculpe.

Ela põe o copo em cima da mesinha, pega sua bolsa, tira um cartão
e me entrega.

— Muito obrigada por me ouvir, Maria e principalmente por não fazer


comentários. — Ela se levanta e noto que segura a alça da bolsa com
força. — Eu peço que quando decidir, você me... — Não a deixo terminar.

— Eu ouvi tudo o que você me disse, irei ponderar, mas eu não


tenho mais absolutamente nada pra falar com você. Como disse, eu não
vou falar sobre Marcos com você e esse é um assunto entre mim e ele. O
que eu tiver que falar, será com ele.

— E como eu irei saber a sua decisão?

— Você se senta e espera, como você fez Marcos esperar por tanto
tempo.

Não sei julgar se estou sendo dura com ela, ainda não sei nem
sequer o que fazer.

— Você tem razão. — Ela me oferece um sorriso sem graça,


aceitando que eu não daria nenhuma informação.

Abro a porta e ela sai, dá um passo para fora, gira o corpo e me olha.

— Por favor, peço que não comente as coisas que te confidenciei —


pede de cabeça baixa.

— Não se preocupe, tudo o que me disse, morre aqui — brando meu


tom de voz.
— Obrigada. — Ela sorri e eu retribuo.

— Marcela? O que faz aqui? — Ouço a voz fina de Angélica e vejo


que ela sai do apartamento de Victor e ele surge logo em seguida.

Era só o que me faltava, eu simplesmente queria desaparecer neste


exato momento.

— Eu vim visitar uma amiga. — Marcela informa e sorri sem graça.

— Maria? A namorada de Marcos é sua amiga? Ora, ora que mundo


pequeno! — Angélica soa debochada.

— E tem algum problema nisso, Angélica? — Victor pergunta em um


tom frio.

— Não, imagina, só achei... — começa, mas Victor a interrompe.

— Creio que tanto Maria, quanto Marcela não estejam interessadas


no que você achou, Angélica — meu vizinho volta a usar o mesmo tom de
voz, me fazendo levantar uma sobrancelha.

— Bem, eu já estou indo. — Marcela acena para mim e segue em


direção ao elevador, acionando o botão de descida logo em seguida.

— Também vamos descer — Angélica diz, indo em direção a


Marcela.

— Eu vou ficar — meu vizinho informa, caminhando em minha


direção.

— Você vai ficar? — Angélica segura seu braço.

— Sim — se limita a dizer e sai do seu aperto.

— Com ela? — indaga, inclinando a cabeça na minha direção.

Se antes a minha vontade era de sair correndo dali e deixá-los


falando sozinhos, agora não saio daqui por um nada, a curiosidade está
me corroendo por dentro.

— Já fiz o que te prometi e já conversamos sobre o assunto. Agora


você segue sozinha. — Não entendi absolutamente nada do que Victor
disse, mas Angélica entende o recado, morde o lábio inferior e gira o corpo
a tempo de entrar no elevador com Marcela.

Victor me olha e sorri, eu retribuo e do nada sinto uma imensa


vontade de chorar.

Ele franze o cenho e caminha em minha direção.

— O que houve? — pergunta, segurando meu rosto com as mãos.

— Eu não sei o que fazer. — Pouso meu rosto no seu peito e sinto
seu coração bater, um ritmo acelerado.

Sinto os dedos de Victor fazerem um delicioso carinho na minha


nuca. Ele beija minha cabeça, traça meu rosto devagar, segura meu
queixo, inclina o rosto e sussurra bem próximo a minha boca.

— Então me escolha — murmura e logo em seguida pressiona seus


lábios contra os meus.

Sinto como se o chão debaixo dos meus pés tivesse sumido e eu


estivesse flutuando. Seus braços enlaçam minha cintura e me puxam para
perto do seu corpo, eu arfo e me afasto.

— Não... não posso. — Levo uma mão a minha boca, ainda não
crendo que Victor me beijou.

Victor me beijou! Ele realmente me beijou!

Ele sorri, eleva a mão e põe meu cabelo atrás da orelha.

—Vou te dar um conselho.

— Dizem que se conselho fosse bom se vendia — tento brincar e tiro


uma risada de seus lábios.

— Mas mesmo assim vou dar — Ele inclina a cabeça e beija minha
testa. — Escolha você, o que te faz feliz, o que te faz sorrir, o que te faz
suspirar. Se ponha em primeiro lugar, sempre. — Ele dá um passo em
minha direção e eu, um para trás, e sinto a porta do meu apartamento em
minhas costas.
Victor se aproxima, invadindo meu espaço pessoal, perto demais
para a minha tão frágil sanidade mental, põe uma mão na porta rente ao
meu rosto e a outra eleva o meu queixo.

— Termina seu namoro e escolha-me — sussurra contra a minha


boca.

— Eu... eu... — balbucio, sentindo meu corpo inteiro tremer.

— Não vou te pressionar, você sabe onde moro. Quando decidir,


venha conversar comigo, estarei te esperando. — Ele beija minha testa,
meu nariz e o canto da minha boca, depois vira as costas e vai embora.

Em meio à névoa de sedução que me encontro surge uma pergunta,


muito pertinente, que invade a minha mente.

— Victor. — Ele vira o corpo e me oferece toda a sua atenção. — Por


que mudou de ideia? Há algumas semanas você não estava nem um
pouco interessado em mim — pergunto com a sobrancelha levantada.

Ele sorri de lado, mordendo o lábio inferior, conseguindo ficar mais


sexy do que normalmente e eu volto a sentir minhas pernas trêmulas. Não
confiando em mim para sustentá-las em pé, volto a me apoiar na porta do
meu apartamento e com a respiração acelerada, vejo-o andar devagar em
minha direção.

A cada passo que ele dá, sinto as borboletas em meu estômago se


agitarem, quando ele chega perto de mim, elas estão que é um reboliço
só.

Sinto seus dedos adentrarem em meus cabelos e vejo-o inclinar a


cabeça. Eu tenho quase absoluta certeza de que se eu abrir a boca, meu
coração sai voando pelo tanto que ele bate descompensado dentro do
meu peito.

Victor beija um ponto atrás da minha orelha, me roubando o fôlego, e


eu faço um esforço sobre-humano para não gemer.

— Antes eu não podia, tinha me comprometido com algo que não


achava justo envolver você, mas agora estou livre, completamente livre
para você. — Ele morde minha orelha, beija meu ombro e volta a girar o
corpo, indo embora.
E eu fico ali, encostada na porta do meu apartamento, olhando para
o nada e sem entender mais absolutamente nada.
Capítulo 28
Maria
Entro no meu apartamento, ando alguns passos e desabo no sofá.
Elevo uma mão trêmula aos meus lábios, ainda não crendo que Victor me
beijou, duas vezes.

Mordo o meu lábio inferior e deito a cabeça no sofá com um sorriso


bobo no rosto, porém ele logo se apaga ao me lembrar de Marcos.

Busco meu celular pela sala e ao achá-lo, digito rapidamente o


número de Marcos e fico andando de um lado para o outro enquanto
chama, mas a ligação cai na caixa postal.

— Ele deve ter tido uma emergência médica. — Mordo meu lábio
inferior e resolvo enviar uma mensagem.

“Por favor, assim que puder, entre em contato comigo, quero te


contar algo.”

— Eu não vou conseguir ficar tranquila enquanto não falar com


Marcos. Preciso contar para ele tudo o que está acontecendo tanto com
Marcela, quanto com Victor — murmuro olhando para o nada com um
medo danado de acabar magoando Marcos.

Depois de uma noite agitada com sonhos conturbados, acordo com


uma ligação dele.

— Que bom que você me ligou. — Suspiro, aliviada, ao ouvir sua


voz.

— Aconteceu alguma coisa, você está bem? — pergunta,


demonstrando preocupação.

— Sim, está tudo bem, mas aconteceram algumas coisas que eu


preciso conversar com você.

— Sobre?

— Marcela e Victor.
Ouço-lhe soltar um longo suspiro.

— Nossos passados não querem nos deixar em paz.

— E é isso que você realmente quer? Quer que o seu passado te


deixe em paz? Por favor, seja sincero.

— Não sei, Maria — sua voz não passa de um murmúrio. — Eu sofri


tanto com a espera — completa em um tom triste.

— Você ainda a ama? — faço a pergunta que me corrói por dentro.

— Meus sentimentos por ela não mudaram, da mesma forma que os


seus pelo Victor não se foram.

Foi a minha vez de suspirar.

— Marcos, precisamos conversar. A que horas posso te encontrar?

— Vamos ter que adiar nossa conversa por alguns dias.

— Por quê?

— Uma paciente que mora nos Estados Unidos terá que realizar uma
cirurgia e eu estou indo para lá hoje à noite.

— Eita! — Falo e ele solta uma gargalhada. — Marcela veio aqui e


Victor me beijou — solto tudo de uma vez, falando muito rápido. Chego a
imaginar que ele não me ouviu.

Marcos fica um tempo em silêncio.

— Ontem, quando voltei para o meu apartamento, eu queria


conversar, queria te falar... Eu e Marcela... — Não o deixo terminar.

— Não precisa falar.

Pela forma que ele voltou ao seu apartamento depois de ter ido atrás
de Marcela, eu sabia que tinha ocorrido algo, ele tentou me falar, mas não
queria saber, não queria aumentar o tormento que eu via em seus olhos,
apenas queria abraçá-lo bem forte, e foi exatamente isso que eu fiz.

— Que situação nos metemos, não é mesmo? — Ele ri.


— Eu estava doidinha para te contar tudinho, estava me corroendo
por dentro. Bem, a verdade é que eu não contei a missa a metade — falo
e ele volta a rir.

— Espera eu voltar e conversamos. Obrigada, Maria, você me faz


muito bem.

— Eu que tenho que te agradecer, Marcos. Prometo que espero você


voltar para conversamos, mas e Macela e Victor?

— Vamos deixá-los esperando como eles fizeram com a gente — ele


diz em tom de confidência e rimos juntos.

— Me liga ou me envia uma mensagem quando chegar lá?

— Sim, assim que pousar, te envio uma mensagem e vamos


mantendo contato enquanto estiver fora do país.

— Veja só, pois você achou que eu ia te deixar em paz? Mas é


nunca.

Marcos volta a rir, passamos mais algum tempo conversando, depois


nos despedimos com a promessa de conversarmos assim que ele voltar.

Solto um longo suspiro.

Vejo as horas e, gemendo, noto que está na hora de me levantar e ir


para a loja.

Tomo um banho rápido, escolho uma roupa, desisto do café e saio


do apartamento com receio de ver Victor, estou até evitando pensar no
que houve ontem, meu cérebro ainda não processou direito o que ocorreu.

Respiro aliviada ao sair do prédio e não ter encontrado Victor.

Chego a loja e encontro Arino com um sorriso largo, Mariana sua


filha está ao seu lado. Cumprimento-os e ela me entrega o convite para o
seu casamento.

— Maria, nós gostaríamos que você aceitasse ser uma das minhas
madrinhas — Mariana pede, meio acanhada. — Você sabe que não tenho
muitos amigos por aqui e... — Eu a abraço forte, a interrompendo.
— Mas, mulher, eu ficaria feliz por demais de ser sua madrinha, mas
que honra. — Sorrio emocionada. — Vixe, Maria, que chega fiquei
emocionada — Nem tento segurar a emoção.

— Você é uma pessoa muito especial, Maria. — Mariana me abraça


e eu olho para Arino, que nos observa com um sorriso no rosto.

Durante muitos anos, eu não tive ninguém que me abraçasse ou me


oferecesse carinho e hoje em dia eu me sinto sortuda por ser cercada de
amigos.

Só quem nunca teve uma única pessoa para contar sabe o quão
especial e importante isso é.

Foi difícil tirar o sorriso do meu rosto naquele dia e ele permaneceu
até a noite, principalmente após falar com Marcos e ele me certificar de
que chegou bem, mas que estava exausto da viagem.

Deitada em minha cama, olho para teto e penso em tudo o que vivi
até chegar onde estou, novamente sorrio e adormeço assim.

Devido algumas complicações com a saúde da paciente, Marcos


está há mais de duas semanas fora do país e durante esse tempo, não vi
meu vizinho e nem Marcela deu as caras. O que eu dei graças a Deus.

Com esse pensamento em mente, saio do meu apartamento e me


surpreendo ao encontrar Victor, com um copo de café e um saquinho em
suas mãos.

— Eu já ia tocar a campainha. — Ele sorri e apoia o ombro na


parede. — Fugindo de mim, Maria? Não te vejo há alguns dias. — Inclina a
cabeça, com a clara intenção de beijar meus lábios, mas eu viro o rosto e
ele beija minha bochecha.

Meu amigo roça a barba no meu rosto e sussurra ao meu ouvido.

— Senti saudades — murmura. Em seguida, dá uma leve mordida


em minha orelha.

— Misericórdia — essa é a única palavra que eu consigo balbuciar


nesse momento.
Engulo em seco e, tirando forças não sei de onde, empurro ele com
as mãos e o afasto, mas meus olhos não desviam de sua boca e nesse
momento ele está sorrindo, aquele sorriso que tanto gosto, que tanto faz
estrago em mim.

— Se continuar me olhando assim... — ameaça em um tom rouco e


vibrante e engulo em seco ao sentir essa vibração no meu íntimo.

— Eu tenho que ir, estou atrasada. — Desvio dele, ando apressada


em direção ao elevador e aperto o botão insistentemente.

Quando eu quero fugir, essa desgraça de elevador demora a vir.

— Espera, seu café. — Sinto o calor do seu corpo próximo ao meu e


seguro um gemido.

Giro meu corpo e evito olhar para sua boca, seus olhos...

Enfim, eu estou literalmente olhando para o chão e o teto.

— Obrigada. — Sorrio e pego o copo de café e o saquinho.

— Você já tem uma resposta para mim? — Novamente ele usa


aquele tom de voz forte, rouco que me faz engolir em seco.

— Não me lembro de você ter feito uma pergunta — me faço de


desentendida.

Ele ri alto e eu sigo com a cara de pau de desentendida.

— E sobre o meu convite para jantar, esse você se lembra? —


pergunta, pondo meu cabelo atrás da orelha.

— Não tenho uma resposta. — Dou um passo para trás e me apoio


na parede ao lado do elevador.

— Vai me fazer esperar por muito tempo. — Ele apoia uma mão na
parede, invade meu espaço pessoal, chegando bem perto de mim, perto
demais para minha sanidade mental que, convenhamos, já não é muito
boa. Victor olha para minha boca de uma forma que deveria ser
considerada pecaminosa e quando inclina a cabeça, ouço o som do
elevador e solto o ar que estava preso em meus pulmões.
— Você me fez esperar por meses, sempre em cima do muro, me
enviando sinais confusos e sempre deixou claro que não estava
interessado, acho que algumas semanas para ouvir um sim ou um não
está de bom tamanho. — Pisco um olho e entro no elevador.

Victor mantém a porta aberta, aperta um botão para mantê-la assim,


segura minha nuca, encosta a testa na minha e murmura contra a minha
boca.

— Foi preciso me comportar daquela forma... Você não tem noção


de quantas vezes eu tive que me segurar para não te beijar, da mesma
forma que eu estou me controlando agora, mas eu sei bem lá no fundo
que mesmo negando, você sentia essa química que nós temos. Ah, Maria,
você está sendo muito má comigo, mas eu espero, você vale a espera. —
Ele pisca o olho, aperta o botão e as porta do elevador se fecham.

— Misericórdia — murmuro olhando a porta fechada com os olhos


arregalados.
Capítulo 29
Maria
Finalmente recebo uma ligação de Marcos me informado que chegou
no dia anterior e ficamos de nos encontrar hoje.

Fiquei feliz e ansiosa ao mesmo tempo, creio que tanto eu quanto ele
sabíamos como terminaria a nossa conversa. Em nós dois como amigos,
não mais como namorados. Durante esse período, pensei e ponderei
sobre tudo. Não vou negar e dizer que a vinda de Marcela aqui não
influenciou na minha decisão ou o fato de Victor demonstrar que quer algo
além de amizade comigo.

Tudo isso influenciou.

Mas o que mais levei em conta foi o que eu realmente queria. Eu e


Marcos tentamos, realmente tentamos, somos quase perfeitos juntos, mas
eu quero mais, eu mereço mais e ele também.

Chego à casa dele na hora marcada e ele me recebe de braços


abertos. Eu me aconchego em seus braços e suspiro feliz.

Como eu gosto dos seus abraços.

Ele segura meu rosto e sorri, fazendo-me sorrir junto. Marcos beija
minha testa e faz um ligeiro carinho em meu rosto.

— Venha, vamos conversar. — Segura minha mão e caminhamos


devagar em direção à sala. Ele beija minhas mãos e diz que vai pegar algo
para bebermos.

— Senti sua falta — falo assim que ele volta e aceito o copo de suco
que me oferece.

— Eu também. — Ele volta a fazer um ligeiro carinho em meu rosto.


— Vamos, me diga o que anda te corroendo por dentro.

— Marcela veio falar comigo. — Analiso seu rosto com atenção.

— Você comentou. O que ela queria? Ela te incomodou? —


questiona demonstrando preocupação.
— Foi, digamos, constrangedor. Bem, ela me falou várias coisas,
mas essas coisas vou deixá-la te contar, caso queira. O mais importante é
que ela disse que te ama e me pediu, ou melhor, me implorou para deixar
vocês viverem uma história.

Marcos fica em silêncio por um momento, depois se levanta e segue


em direção à janela.

— Me desculpe o incomodo, ela não tinha o direito de te importunar


— sua voz não passa de um sussurro.

— Ela está lutando pelo que acha que é a felicidade dela. Mas o que
me importa é o que você acha, você está disposto a dar uma nova chance
a ela? — Me levanto e me aproximo dele.

— Maria, nós temos um compromisso. — Ele gira o corpo e me olha,


eleva a mão e toca meu rosto.

—Marcos, você notou que nem me beijou desde que eu cheguei?


Não estou falando de beijo no rosto ou na testa, mas sim de beijo como
namorados. — Deito minha cabeça em sua mão e sorrio triste.

— Eu... eu... Me desculpa. — Ele aproxima o rosto do meu e me


beija levemente nos lábios.

E mais uma vez eu não sinto nada, nem um quarto do que eu sinto
quando Victor me beija. Mas não quero pensar em meu vizinho agora,
estou tentando evitar pensar em Victor, sinto como se fosse uma traição a
Marcos, depois que resolvemos tudo eu volto a dar vazão a tudo o que
sinto por meu amigo.

— Nós temos tentado, você e eu realmente tentamos, mas nós dois


merecemos mais — afirmo olhando em seus olhos.

— Você vai tentar com Victor?

— Eu acho que sim. Não tenho certeza ainda.

— E se não der certo?

— Pelo menos não vou ficar com a dúvida do “e se”, Marcos. Há


alguns anos, eu mudei minha vida toda em busca de algo melhor e tenho
lutado todos os dias em busca do melhor que a vida possa me dar. Nunca
tive medo, não vai ser agora que vou ter. E se você sente tudo o que eu
acho que sente por Marcela, também não deveria ter medo. Se der tudo
errado, você aceita a derrota, põe uma pedra na história, levanta a cabeça
e segue em frente. Mas não deixe de tentar, não tenha medo. O medo nos
trava, nos deixa fracos, nos imobiliza. Eu sei disso porque por anos fui
refém de uma pessoa por causa do medo — concluo, emocionada.

— Maria... você nunca comentou nada sobre isso. — Ele me fita


preocupado.

Me dou conta de que falei mais do que deveria.

— Isso faz parte do meu passado e, no momento, não vale a pena


tocar no assunto. Eu já superei o meu passado. — Falo com convicção, só
não sei se foi mais para ele ou para mim.

— Mas...

— Eu não posso te obrigar a fazer algo, mas posso te garantir que


você vai passar a vida se arrependendo se não tentar.

— A minha namorada está me empurrando para outra — ele tenta


soar engraçado.

— A sua amiga está te mostrando um caminho que você pode trilhar.

— E o nosso caminho, não há mais possibilidade de trilharmos


juntos?

— Eu gosto demais de você Marcos, mas muito mesmo.

— Mas não tanto quanto você gosta de Victor.

— O que eu sinto por ele é diferente. Da mesma forma, eu sei que


você gosta de mim, mas o que você sente pela Marcela é muito diferente.

— Não tenho como rebater esse fato. Mas quero te fazer uma
pergunta.

— Faça.

— Se Victor não tivesse demonstrado interesse, você ainda me diria


para tentar com Marcela ou continuaríamos tentando? — indaga, me
fitando com atenção.

Eu sorrio e beijo sua mão.

— Eu sempre quis viver um grande amor, mas por anos eu tive que
curar toda a dor que eu trazia dentro de mim. Eu ainda quero viver isso, e
eu nunca atrapalharia a possibilidade de você viver o mesmo com a
pessoa que eu sei que você gosta, como eu sei que se fosse o contrário,
você faria a mesma coisa.

Marcos sorri, segura meu rosto e encosta testa na minha.

— Sempre seremos amigos — sussurro.

— Mas não mais namorados — completa e segura minha mão.

— Não, não mais namorados — confirmo e sinto uma pontada de dor


no peito.

— Eu queria tanto que tivesse dado certo. — Vejo sinceridade em


seu olhar e me emociono.

— Eu também queria, você é simplesmente maravilhoso e eu


realmente acho que, com o tempo, eu me apaixonaria por você — revelo
algo que sinto no fundo do meu coração.

— Eu me sinto da mesma forma. — Com um forte puxão, ele me


aproxima do seu corpo e me abraça.

— Se ele machucar seu coração, me avise — murmura e beija minha


cabeça.

— Se ela machucar seu coração me avise — repito suas palavras e


beijo sua camisa na altura do seu peito.

Não sei determinar quanto tempo ficamos abraçados. Acho que nós
dois estávamos tristes, porque nossa história poderia ter sido muito bonita,
mas infelizmente ou felizmente — ainda não sei definir ao certo —, os
donos dos nossos corações resolveram, ao mesmo tempo, demonstrar
algo que jamais julgamos possível.

Em comum acordo, eu e Marcos resolvemos seguir nossos


corações, mas isso não significa que não sentimos uma pontinha de
tristeza por aquilo que poderia ter acontecido.

Passamos um agradável dia juntos, creio que nenhum dois queria


que terminasse, antes de sair nos abraçamos e prometemos que para
sempre seremos bons amigos.

Chego ao meu prédio com um sorriso triste nos lábios. Enquanto


espero o elevador, sinto um arrepio percorrer meu corpo.

Eu não o vejo chegando, mas seu aroma sexy e amadeirado me


envolve por completo.

—Boa noite. — Victor beija meu ombro e eu dou um pulo.

— Oxi, tu é doido? Quase me matou de susto — ralho, elevando


uma mão ao peito.

O elevador chega e nós entramos.

— Por que essa expressão triste? — indaga pondo meu cabelo atrás
da orelha.

—Marcos e eu terminamos — escolho ser sincera, Victor sorri e


inclina a cabeça com intenção de me beijar e eu desvio.

— Por que ainda foge de mim, Maria. — Ele me olha com atenção.

— Porque eu não consigo acreditar que você queira algo comigo


depois de ter me dito tantas vezes que não queria. — Dou de ombros e
cruzo os braços.

— Maria, mesmo meus lábios dizendo não, eu tenho certeza de que


em seu íntimo você ficava em dúvida, eu nunca me afastei, não conseguia.
Uma vez eu te disse que você me fazia muito bem, só não te disse o
quanto. — Inclina a cabeça e beija o canto da minha boca.

— Você ainda tem muitas coisas para me explicar.

— Então está disposta a me ouvir?

— Sim.

— Ótimo, vamos ao meu apartamento e...


— Não, hoje não.

— Por quê?

— Porque estou triste, eu terminei um relacionamento com um cara


maravilhoso por algo que talvez vá me fazer sofrer e muito, então, hoje eu
apenas quero deitar a cabeça no travesseiro e pensar.

— Já desistiu antes mesmo de começar, Maria? — pergunta com


uma expressão zangada.

— Eu apenas quero alguns dias, nada além disso.

— Ainda com a intenção de me fazer esperar?

— Volto a dizer o mesmo que te falei há alguns dias, você não teve a
menor dúvida antes me fazer esperar.

— E se eu desistir?

— Então eu vou ter tido razão em ponderar muito antes de me


aventurar em algo que desconheço.

Nos fitamos em silêncio por algum tempo.

As portas do elevador se abrem, indicando que chegamos ao nosso


andar.

— Você mudou, Maria.

— O sofrimento faz isso com as pessoas, nos faz mudar. — Giro


meu corpo e caminho em direção ao meu apartamento.

— Maria. — Viro meu corpo e vejo que Victor permanece em frente


ao elevador.

— Eu vou te esperar, tome o seu tempo para pensar e pensar, mas


quando vier até a mim, venha com a cabeça aberta para ouvir tudo o que
eu tenho que te revelar e, principalmente, com a clara intenção de nos dar
uma chance.

Não respondo, apenas faço um movimento afirmativo com a cabeça


e entro em meu apartamento.
Capítulo 30
Maria
Debaixo do chuveiro, sentindo a água morna banhar meu corpo,
penso em tudo o que falei para Marcos e percebo que eu tinha razão, o
medo paralisa. Inclino o corpo, ponho minha cabeça debaixo d’água e
solto um longo suspiro.
Acabo meu banho me visto e sigo para meu quarto, nem penso em
jantar, hoje não consigo comer nada.
Deito-me em minha cama e finalmente deixo minha mente vagar livre
até Victor.
Nas últimas semanas, sempre que pensava nele, resetava o corpo e
o expulsava dos meus pensamentos, mas agora me permito pensar nele e
em tudo que o envolve.
Fecho meus olhos e, antes de adormecer, faço uma oração
silenciosa pedindo que Victor seja tudo o que eu sempre sonhei e que
principalmente não me decepcione mais.
Alguns dias depois, sentada na sala de Michele com Marina no colo,
observo sorrindo Michele comentar com Bianca como será o casamento
dela com Fernando.
— Michele, eu já desisti de falar algo, para o bem da minha saúde
mental, vou deixar você, Fernando e Maria, surtarem à vontade e fazerem
o meu casamento do jeito que vocês querem — Bianca dá de ombros,
recosta no sofá e enfia na boca uma mistura de sorvete com pipoca que
me faz revirar os olhos.
— Pois eu acho essa sua atitude bem coerente, é obvio que eu sou a
melhor pessoa para cuidar de tudo. Fernando e Maria me ajudam às
vezes, mas todos sabem que eu sou a mais sensata. — Michele cruza as
pernas e volta a olhar as várias amostras de decoração que a
cerimonialista enviou.
— Pois eu só quero me envolver na hora da prova da comida, aí sim,
eu que escolho! Meus anos aqui me fizeram mestre em comida chique, eu
gosto mesmo é de comida de povão, mas aprendi a gostar das chiques
também — falo fazendo um carinho na cabeça de Marina que dorme
placidamente em meus braços.
Sinto meu celular vibrar no bolso, acomodo Marina melhor em meu
colo para buscar o celular e vejo que recebi uma mensagem de Victor.
Sigo te esperando
Foi impossível conter um sorriso.
— Bianca, mira nesse sorrisinho safado de Maria. — Michele cutuca
a nossa amiga que me fita com uma sobrancelha levantada.
— Já decidiu o que vai fazer, Maria? — Bianca indaga enchendo
uma colher com a mistura que ela acha deliciosa, enfia na boca e alisa a
avantajada barriga com a outra mão.
No dia seguinte ao meu término com Marcos, eu contei a elas tudo o
que aconteceu, inclusive sobre Marcela, mas evitando as partes que ela
me pediu para não comentar com ninguém.
— Mona, eu já dei minha opinião. Se eu fosse você, já estaria
quicando feliz e contente em cima daquele bofe master gold.
— Eu a entendo, Michele, só eu sei o quanto lidar com Angélica é
complicado.
— Mona, nos junta e dá na cara dela, se atrapalhar, e na cara dele,
se fizer merda. — Michele dá de ombros como se tudo já estivesse
resolvido e eu apenas sorrio.
Meu celular volta a vibrar e eu vejo que é outra mensagem de Victor.
Há alguns dias, eu disse para você escolher o melhor para você,
hoje eu peço que você escolha a mim.
Eu sinto mil e uma borboletas no meu estômago e mordo o lábio
inferior.
— Eu aposto que ele está falando safadagem para ela. — Michele
volta a cutucar Bianca.
— Para, Michele! Mas confesso que essa fase da conquista é muito
gostosa. — Bianca suspira ao sentir sua filha se mexer.
— Verdade, Maria, eu estou muito orgulhosa de você, há alguns
meses você já teria deixado o homem seco e, no entanto, está aqui
pensando com a cabeça e não com a... Enfim, você entendeu.
Foi impossível não rir.
Meu celular volta a vibrar com uma mensagem de Victor.
Eu estou cozinhando, vem jantar comigo, prometo não te
pressionar, estou com saudades de você, Maria.
— Ai, Jesus — murmuro ao ler a última mensagem.
— Ah, pronto, agora ele ganhou, deve ter prometido virar os olhinhos
dela até de manhã, aposto que vai prensar ela na parede e chamá-la de
lagartixa a noite todinha. — Michele cruza os braços
Bianca cospe o sorvete com pipoca tentando conter o riso e eu
explodo em uma forte gargalhada.
— Ah, Michele, você me mata de rir.
— Mete logo o pé daqui e vai lá virar os olhinhos e permita-se ser
feliz — Ela manda apontando para a porta.
— E se ele não for o cara perfeito para mim? — pergunto, com a
indecisão me corroendo por dentro.
— Isso só o tempo vai dizer, meu anjo, mas só pelos sorrisos que ele
te põe no rosto, torço e muito por vocês — Bianca soa calma e sorri para
mim.
— E foi como eu já te disse, se ele fizer merda, eu junto um povo e
meto a porrada nele, simples assim. — Michele tira Marina do meu colo. —
Mostre-nos ser aquela mulher forte e porreta que tanto admiramos e vá em
busca da sua felicidade. Se der tudo errado, estaremos aqui para te ajudar
a levantar, mas não deixe de tentar.
Sorrio ao ouvir de Michele as mesmas palavras que eu falei para
Marcos há alguns dias. Resolvo seguir o conselho de Michele e ir atrás da
minha felicidade.
Ao chegar ao meu prédio, penso em ir direto ao apartamento de
Victor. Não respondi suas mensagens e minha intenção era apenas chegar
lá de surpresa, porém, no elevador, olho meu reflexo e vejo uma mulher
cansada que levantou cedo e trabalhou o dia todo e que no final do dia se
divertiu um pouco na companhia das amigas.
Desisto de ir direto paro o apartamento de Victor e sigo para o meu.
Tomo um bom banho e, depois de tirar quase todas as peças de
roupas do meu guarda roupa, escolho um vestido e um casaco de pele
mais falsa que nota de 30 reais, seco rapidamente meus cabelos e deixo-
os soltos, faço uma maquiagem caprichada e escolho um lindo par de
sandálias de salto alto.
Aí, eu me lembro que não sei andar de salto e solto um suspiro
frustrado, mas volto a me olhar no espelho e me acho linda.
— Maria, é só você ir andando devagarzinho até o apartamento de
Victor. Serão poucos passos em linha reta, não tem erro — digo para mim
mesma.
Convicta de que tudo dará certo, saio do meu apartamento e sigo a
passos de lesma até o apartamento de Victor. Quando finalmente chego,
toco a campainha e enquanto espero penso em mil e uma coisas para
dizer.
Penso em fazer uma cara sexy, mas logo desisto da ideia. Não daria
muito certo.
Penso em me jogar em seus braços, mas também logo desisto.
Antes temos que conversar.
Enquanto faço mil e uma conjeturas, Victor abre a porta e eu vejo
seu sorriso se abrir aos poucos ao me ver. Ele estava vestido com uma
camisa azul e uma calça branca.
Lindo, sexy, gostoso e ainda cozinha.
Deslizo meus olhos sobre ele devagar e reprimo um sorriso.
— Como fico feliz que você tenha vindo. Por favor, entre — ele dá
um passo para trás, me convidando a entrar. Noto que está com uma luva,
segurando uma travessa de vidro com uma lasanha flamejante. — Você
está linda demais. — Ele inclina o corpo para me beijar e eu dou um passo
em sua direção. Com o movimento, um fiapo do falso casaco de pele entra
em meu nariz. Eu espirro, me desequilibro e caio por cima de Victor que
para me segurar, larga a lasanha.
Com um gemido frustrado, eu vejo a travessa e a lasanha
espatifados no chão. Com o rosto vermelho, fito Victor e noto que está
todo sujo de molho da comida. Ele me olha e solta uma alta gargalhada.
Que vergonha.
Capítulo 31
Maria
Esse é, sem a menor sombra de dúvidas, um dos momentos mais
embaraçosos da minha vida! E olha que de passar vergonha eu entendo,
está para nascer uma pessoa que passa por tantos constrangimentos
quanto eu.
― Fique à vontade e não se preocupe, eu não me queimei, apenas
estou todo sujo de molho ― ele grita caminhando pelo corredor ― Vou
tomar um banho e já volto.
― Meu Deus do céu, como eu me meti nessa situação? ― murmuro
desolada.
Fecho meus olhos enquanto sinto meu rosto queimar de vergonha,
gemo de pura frustração, ponho as mãos na cabeça e a balanço.
― O que eu faço, o que eu faço, o que eu faço? ― sigo murmurando
como se fosse um mantra.
Fixo meus olhos na cozinha e vejo a bagunça que ela se encontra.
― Ele tentou cozinhar para mim e eu, toscamente, estraguei tudo! ―
sussurro triste.
Me levanto e começo a andar de um lado para o outro, de repente,
paro, quando uma ideia cruza minha mente.
― Oxente, vou fazer o que sei fazer de melhor, vou arrumar as
coisas enquanto preparo um sanduíche, depois vou dar uma desculpa
esfarrapada e sair de fininho. ― Com o plano traçado em minha mente,
tiro o bendito salto que me colocou nessa situação constrangedora, tiro
também o casaco de pele fajuta. ― Nunca mais na vida visto ele ― Se
não tivesse espirrado, não teria tropeçado nos meus próprios pés e tudo
estaria bem.
Com um suspiro triste, começo a trabalhar. Os anos trabalhando com
serviços gerais me deram a agilidade necessária para rapidamente
organizar a bagunça. Logo em seguida, começo a fazer o sanduíche
quando, do nada, me dou conta de que ele está no banho.
― Meu Deus! ― sussurro, pondo as mãos na boca. ― Nesse exato
momento, ele está pelado, se ensaboando a poucos metros de mim.
Poderia facilmente ir até lá e olhar toda aquela belezura de homem.
Mordo meu dedo só de imaginar a cena.
― Maria, Maria, tome tento, mulher! Você já causou muitos
problemas para o homem hoje. ― Fecho meus olhos e sugo o ar com
força. ― Vamos seguir o plano, organizar as coisas, fazer um lanchinho e
mete o pé.
Decidida, volto à tarefa, porém minha mente me trai e novamente
imagino-o pelado com o corpo ensaboado e, distraída, corto o dedo.
― Oh, desgraça!
― Maria?! Você se machucou?
Desvio meus olhos do dedo ensanguentado e giro meu rosto em
direção ao corredor.
Não estava preparada para o que meus olhos viram.
― Misericórdia!
― Você está sangrando. ― Ele vem correndo em minha direção,
com o corpo molhado e enrolado em uma toalha branca.
― E.. e... ― Não conseguia falar uma única palavra coerente.
Eu tinha até me esquecido que tinha dedo, quanto mais que ele
estava sangrando! Fiquei tão abobada com ele seminu à minha frente, que
até senti os indícios de uma vertigem.
Ele me surpreende ao segurar minha cintura e me pôr sentada no
balcão. Depois, corre em direção ao banheiro e volta com uma caixinha de
primeiros socorros.
Eu olho toda a cena, encantada.
Enquanto ele cuida do meu ferimento, sigo atentamente uma gota de
água que desce do seu rosto, passa pelo seu pescoço e peito e continua
seu caminho até a toalha.
Ah, como eu queria ser essa gota de água e me enroscar nesse
homem.
Gemo alto quando vejo outra gota seguir o mesmo trajeto da anterior.
― Tadinha, está doendo? ― Beija meu dedo.
― Muito ― minha voz não passa de um sussurro.
Mas a última coisa que sinto é dor.
Beija a palma da minha mão e eu arfo. Nunca estive tão excitada em
minha vida. Baixo minha cabeça para conter meu constrangimento.
― Ei, não precisa ficar com vergonha. ― Eu nem me atrevo a falar
um “ai” sequer.
Ele eleva meu queixo, faz um ligeiro carinho em meu rosto, tira meu
cabelo do pescoço e se aproxima da minha face.
Minha respiração acelera, meu coração bate descompensado, meus
olhos estão arregalados. Engulo em seco e, não sabendo como reagir,
mordo meu lábio inferior e espero o seu próximo movimento.
Ele não me beija, ao invés disso, enlaça minha cintura e com um
firme puxão, aproxima meu corpo do seu, tão perto que sinto seu corpo
molhado grudado ao meu. Em seguida, sussurra ao meu ouvido:
― Xii, não precisa ficar com vergonha, acidentes acontecem ― sua
voz soa rouca e sedutora. Sinto um arrepio que começa na ponta do pé e
vai até a raiz do meu cabelo.
Sinto seus dedos tocarem levemente minha pele, fazendo um
delicioso carinho que vai da minha nuca até a base da minha coluna. Eu
arfo e mordo meu lábio mais forte para evitar que um gemido escape.
Fico tão excitada que estou a ponto de gozar.
Completamente alheio ao meu estado de excitação, ele me abraça
mais forte e sinto minha intimidade em contato com a tolha, fazendo uma
fricção absurdamente deliciosa. Ele aperta minha cintura e, para minha
total e completa ruína, começa a dar pequenos beijos em meu pescoço.
Um gemido involuntário escapa dos meus lábios, abro mais minhas
pernas no exato momento em que ele aproxima meu corpo do seu. O nó
da tolha vai exatamente em cima do meu clitóris, fazendo pressão,
roubando meu fôlego, me deixando mais úmida, mais excitada, levando-
me a um poderoso orgasmo, para minha completa ruína. Sinto-o sugar o
meu pescoço e logo em seguida mordê-lo, e eu gozo.
Eu, simplesmente, gozo.
Ele embala meu corpo, que treme por inteiro depois do êxtase.
Demora alguns bons minutos até minha respiração se estabilizar, e o
constrangimento vem com força.
Quando acho que minha noite não pode ficar pior, ela fica. Que tipo
de pessoa goza com um simples beijo no pescoço e um mero abraço?
Meu Deus do céu, como eu saio desta situação?
Ele tira o braço, beija minha testa e não tenho coragem de olhar em
seu rosto, ele me pega no colo e me coloca sentada no sofá.
― Vou tirar o sabão do corpo e já volto, aí, nós vamos conversar
sobre o que acabou de acontecer, ok?
Apenas faço um ligeiro meneio afirmativo.
Assim que ele vira as costas, me levanto com a intenção de sair
correndo, mas ele caminha em direção à porta, introduz a chave, vira a
cabeça e, com a sobrancelha levantada, gira o objeto, olhando em minha
direção.
Sem uma única palavra, faz seu caminho para o banheiro e eu
desabo no sofá, pensando no que fazer da minha vida.
Até cogitei a ideia de sair pela janela e dar um jeito de chegar ao
meu apartamento, mas logo tirei essa ideia insana da minha cabeça, já fiz
merda demais para um dia só.
Então, apenas fico torcendo as minhas mãos esperando-o chegar.
Victor não demora a voltar, ouço a porta do seu quarto bater e
imediatamente fico tensa.
Meu amigo para na divisão entre o corredor e a sala, se encosta na
parede e cruza os braços. Ele está com os cabelos molhados, uma
camiseta branca e uma calça preta e, como sempre, incrivelmente sexy.
— Eu estou com uma terrível dúvida. — Morde o lábio inferior e eu
engulo em seco.
— Qual? — minha voz não passa de uma mistura de vergonha com
excitação.
— Eu não sei se te faço minha agora ou se peço algo para
comermos e conversarmos antes disso. — Ele sorri de lado, daquele jeito
que mexe comigo.
— Eu... eu... — tento balbuciar algumas palavras, mas desisto.
Victor impulsiona o corpo, se afastando da parede e caminha
devagar em minha direção. Ele para bem na minha frente e eu faço uma
força sobre-humana para manter meus olhos nos seus e não os descer
pelo seu corpo.
— Porém eu te prometi que iria esperar o seu tempo. — Ele eleva
uma mão em minha direção, que pego rapidamente, e com um leve puxão,
me levanta do sofá; enlaça minha cintura, introduz uma mão em meu
cabelo e o puxa levemente, roça o nariz no meu e suga meu lábio inferior.
E eu tenho absoluta certeza de que se ele não tivesse me segurado,
eu teria caído durinha no chão.
— Então, Maria, me diz o que você quer — pede, sussurrando ao
meu ouvido entre pequenas mordidas.
Misericórdia!
Capítulo 32
Maria
Victor roça seus lábios nos meus, desloca sua mão da minha nuca,
desce vagorosamente pela minha coluna, para na base da minha bunda,
aproxima mais meu corpo do seu e eu sinto sua ereção.
— Oh! — Esse é o único som que sai dos meus lábios ao senti-lo
duro.
— Você quer conversar agora ou você quer que eu te beije? —
encosta a testa na minha e murmura contra a minha boca, — Eu confesso
que estou louco de vontade de beijar. Me diz o que você quer, Maria. Faço
o que você quiser.
Neste exato momento, meus neurônios entraram em combustão
instantânea, ter esse homem, que por tanto tempo desejei, falando para
mim que está louco de vontade de me beijar e dizendo que faz tudo o que
eu quiser é demais para mim.
Eu juro que estou tentando raciocinar, juro que estou buscando
dentro de mim a mulher sensata e dona das próprias vontades que me
tornei nos últimos meses.
Mas eu simplesmente não consigo resistir a Victor.
Porque ele é a personificação dos meus sonhos mais molhados, ele
é o que eu quero. Então, eu vou assumir todos os riscos de estar fazendo
a maior merda da minha vida e de quebrar meu coração em mil pedaços
impossíveis de consertar.
— Posso te pedir algo?
— Tudo o que você quiser.
— Não machuque meu coração. Por favor — peço com os olhos
fixos nos seus.
— Eu vou cuidar do seu coração como o presente mais valioso que
eu tive a sorte de ganhar. Porque você é isso para mim, Maria, um
presente que a vida me deu. Nunca conheci alguém como você, com toda
a sua graça, inocência, doçura, irreverência e força para ir atrás dos seus
sonhos. Aos poucos, algo mudou dentro de mim, você chamou minha
atenção, me fez a ponto de sentir falta de você todos os dias.
— Você sentiu falta de mim? — Ele volta a encostar a sua testa na
minha e fala olhando em meus olhos.
— Todos os dias. Senti falta do seu sorriso, das suas
excentricidades. Senti ciúmes quando você começou a conhecer outros
caras, eu queria essa luz que emana de você e faz tudo ficar mais calmo,
alegre e tudo parecer certo, só para mim. Eu quero você para mim.
Eu queria poder definir em palavras o que eu sinto neste momento,
mas eu não posso, apenas estou com medo de estar sonhando e acordar
e descobrir que nada disso é verdade.
— Me beije, Victor — peço, tomada pela emoção.
Sinto Victor sorrir contra minha boca e logo ele depois me beija. Sua
língua entra em minha boca, quente, molhada e sensual, causando
arrepios em todo meu corpo.
Suas mãos passeiam pelo meu corpo vagorosamente e eu me
entrego ao seu beijo como se não houvesse amanhã.
— Circula minha cintura com suas pernas — sussurra em meu
ouvido enquanto segura minha cintura com ambas as mãos e me levanta
como se eu fosse uma pena.
Faço o que ele me pede e sinto-o segurar minha bunda com força,
roubando completamente meu ar. Envolvo o seu pescoço e Victor dá
alguns passos, mordo meu lábio ao imaginar que ele está me levando para
cama, mas meu amigo tem outros planos.
Arregalo os olhos ao sentir a parede fria em minhas costas, mas mal
tenho tempo de falar algo, porque ele volta a me beijar, me consumindo e
me levando à loucura.
Começo a sentir a excitação tomar novamente conta do meu corpo
e, inquieta, me remexo na parede. Para minha completa perdição, meu
amigo abre mais as minhas pernas e aproxima o quadril de modo que
nossas intimidades fiquem separadas apenas pelas roupas.
E ele está duro, muito excitado.
Eu abro a boca e sugo o ar já angustiada, sentindo que novamente
vou chegar ao êxtase e eu tenho absoluta certeza de que ele sabe disso.
Victor sorri, um sorriso lento, sensual, safado que me faz ofegar. Ele
suga meu lábio inferior e começa a ondular o quadril.
— Misericórdia — sussurro em pleno desespero, sentindo suas mãos
contornarem meu corpo. Uma delas para na altura do meu seio esquerdo
e a outra na minha nuca.
Ele desloca seus lábios da minha boca, beija meu pescoço. Em
seguida, percorre um caminho de beijos e mordidas até a minha orelha e
sussurra:
— Goza para mim novamente — pede no exato momento em que dá
um forte aperto no bico do meu seio e intensifica os movimentos com o
quadril.
Seus dedos adentram em meus cabelos e ele dá um leve puxão, me
fazendo gemer alto. Sua mão sai do meu seio e segue um caminho
torturante até a minha bunda e a aperta, me deixando imóvel, apenas
sentindo o seu pau roçar na minha calcinha encharcada. Ele morde meu
pescoço, passa a língua devagar por ele, assopra e eu gozo.
Me aperto a ele, com o corpo todo trêmulo, buscando o ar que fugiu
dos meus pulmões, com os olhos fechados e me sentindo nas nuvens.
Encosto minha cabeça na parede com um sorriso bobo no rosto.
Esse homem é porreta, ele me fez gozar duas vezes e nem tirou minha
roupa!
Agora, sim, eu entendo a expressão que Michele tanto fala.
“Me joga na parede e me chama de lagartixa”
E, do nada, começo a rir.
— Por que está rindo? — indaga mordendo minha orelha.
— A gente não ia conversar? — desvio do assunto, abro meus olhos
e fito os seus.
Seus cabelos, ainda úmidos do banho, estão em uma linda
desordem e eu sei que sou responsável por ela.
— Verdade, minha culpa. Confesso que te seduzi, na primeira vez foi
intencional. Mas na segunda, não. — Ele volta a ondular o corpo e eu
aperto seus ombros. — Amo sentir você gozando em meus braços, acho
que vou ficar viciado nisso.
— Quanto a isso eu acho melhor não... — não termino de falar,
porque Victor toma minha boca com tanta paixão que sou incapaz de não
corresponder.
Sinto que estamos nos movendo, mas estou muito ocupada em me
enroscar nele para prestar atenção nisso.
Levo um susto ao cairmos na cama.
Meu amigo apoia os braços na cama e eleva o corpo sobre o meu.
— Vamos conversar aqui, acho mais confortável. — Inclina o corpo e
beija levemente meus lábios.
— Isso não é justo — gemo contra sua boca.
— Eu acho que é. — Morde meu queixo e volta a beijar minha boca.
O vejo sair da cama, tirar sua blusa e a jogar longe. Ele segura
minhas pernas e beija meu tornozelo.
— Por que você ficou com Angélica? Porque me ignorou por tanto
tempo? — Por mais perfeita que esta noite esteja, eu não posso mais
ignorar o que houve.
— Nunca te ignorei.
— Victor?! — Puxo minha perna e sento-me na cama, ele inclina o
corpo e fala perto do meu rosto:
— Eu nunca te ignorei. — Ele ri e se senta ao meu lado — Eu
acordava cedo todos os dias e, detalhe, odeio acordar cedo. Enfim, ia
comprar seu café favorito e já cheguei a ficar meia hora te esperando na
sua porta. Uma vez, tive que vir ao meu apartamento e esquentar o café
correndo no micro-ondas e voltar, quando você abriu a porta me viu ali e
nem desconfiou de nada. Você era a primeira pessoa com que eu falava
de manhã e a última antes de eu dormir. Às vezes, aparecia no seu
trabalho no meio do dia para te chamar para almoçar ou para jantar. Você
acha que um homem que ignora uma mulher faz isso?
— Eu sempre achei estranho você me levar café — murmuro meio
acanhada, essas pequenas atitudes de Victor sempre me confundiram.
— Eu queria estar perto de você, necessitava. Você não tem noção
do quanto eu fiquei perdido quando você pediu para eu me afastar.
— E por que se afastou?
— Porque eu estava enrolado com algo e não achava justo meter
você nisso.
— Em algo com Angélica.
— Sim. E não, não é o que você está pensando.
— É o que, então?
— Alguns dias antes da inauguração da loja, recebi uma ligação de
Angélica. Ela me chamou para conversar, mas naquela época eu já estava
completamente encantado por você. Ela tentou algo que eu não aceitei.
— Tentou te seduzir?
— Sim, eu disse que não dava mais, que não a amava mais e ela fez
algo que acho que nunca na minha vida vou esquecer.
— O quê?
— Ao sair do apartamento dela, eu achei que ela tinha entendido
tudo. Mas algumas horas depois, ela fez uma chamada de vídeo e,
enquanto conversávamos, uma conversa bem tensa, ela cortou os pulsos
em frente da câmera.
— Meu Deus.
— Aquela foi a noite mais terrível da minha vida. Eu liguei para a
emergência e a encontrei no hospital. Naquela noite, eu prometi cuidar e
ficar ao seu lado até que ela estivesse bem. Por isso, eu me mantive a
distância de um braço de você, Maria, mas não tive forças para me afastar.
Eu sei o quão vil e mal Angélica pode ser quando está normal.
Descontrolada eu não tinha ideia do que ela poderia fazer.
— Eu nem sei o que falar.
— Aceite que eu quero você, preciso fazer parte da sua vida. Não só
como amigo, mas como seu namorado, como seu homem, como seu tudo.
— Misericórdia!
Capítulo 33
Maria
Agora que toda aquela nevoa de sedução passou, começo a
raciocinar melhor.
Estou vivendo um conflito interno, uma parte de mim, aquela que
conheceu Victor e quase desmaiou quando ele beijou meu rosto, está com
uma vontade absurda de me jogar em seus braços e arremessar todas
preocupações para o alto.
Porém, a outra parte, aquela que por meses sentia seu coração
angustiado ao se deitar em sua cama, confusa com tantos sinais que
recebia e que por diversas vezes foi magoada, essa parte de mim ainda
está reticente em relação a tudo.
— Não pense tanto, me deixe cuidar de você. — Ele encosta o
ombro no meu, inclina a cabeça e beija minha bochecha.
— Eu mudei, uma série de fatores me fez mudar.
— Uma vez você me disse que queria viver um grande amor.
— E eu ainda quero.
— Então me deixe fazer parte da sua história.
— Eu não sei...
— Sabe o que eu sempre admirei em você?
— O quê?
— Você nunca teve medo. Por que está com medo de nós? Se
entregue sem medo, Maria.
— Eu não consigo. Ouvi muitos nãos para acreditar em um sim
assim tão rápido.
Desvio dos seus olhos, fito minhas mãos e o ouço soltar um grande
suspiro.
— Então me deixe te mostrar, me deixe te dizer sim todos os dias.
Volto a dizer, você é um presente que a vida me deu. Eu apenas tive que
esperar para aceitar, mas agora não há nada que me impeça de ter você
para mim.
Eu apenas suspiro, absorvendo suas palavras e me sentindo
aquecida. Victor busca minha mão e entrelaça nossos dedos. Vejo nossas
mãos unidas e sorrio.
— Eu vou esperar o seu tempo, vamos devagar, mas não abro mão
de algo.
— O quê?
— Isso. — Victor segura meu rosto com as mãos, me beija e eu
suspiro contra a sua boca.
Impulsiona o corpo para que eu me deite em sua cama, em seguida
se afasta, eleva minha perna e beija meu tornozelo.
— Eu quero tocar em você, passei muito tempo me mantendo à
distância, deixa-me te tocar, Maria — pede com a voz rouca, beijando
minhas pernas lentamente.
E novamente eu sou enviada para aquele lugar em que não consigo
racionar ou falar, somente sentir.
Ele segura minhas mãos e tira meu vestido devagar e eu agradeço a
Deus por ter escolhido uma lingerie decente.
— Eu não sou como as... — Ele não me deixa terminar e me beija,
tirando meu sutiã no processo.
— Não, você não é, nenhuma delas é igual a você. — Ele segura
meu queixo e faz um ligeiro carinho em meu rosto. — Nenhuma foi tão
companheira, amiga, autêntica, amorosa e abnegada quanto você, você é
única e muito especial. — Inclina o rosto, beija meus lábios devagar e
sussurra contra eles: — Você é perfeita para mim.
Dou graças a Deus por estar sentada, se não cairia. Certeza.
Victor me empurra de leve, nunca abandonando meus lábios,
desloca sua boca para o meu pescoço e morde um ponto perto da minha
orelha causando arrepios em todo o meu corpo. Beija o vão entre meus
seios, fita meus olhos e, sem desviar, lambe o bico de um dos meus seios
depois o assopra e sorri de lado ao me ver arfar.
Meu coração bate tão rápido que temo que ele possa escapulir pela
boca.
Victor repete o mesmo carinho no outro seio, depois o põe na boca e
chupa vagorosamente.
— Não tenho seios grandes — Isso é a única coisa que passa pela
cabeça enquanto o vejo saboreá-los com os olhos fechados e as vezes
soltando gemidos bem gostosos.
— São perfeitos, gostosos e cabem na minha mão e na minha boca.
— Pisca um olho e volta a chupá-los devagar. Eu quero fechar meus
olhos, mas vê-lo demonstrar tanto prazer é fascinante.
Victor eleva o tronco e me beija sensualmente, depois desce
distribuindo beijos por todo meu corpo até chegar na minha calcinha.
— Tem muito tempo — sussurro.
Ele me olha, sorri de lado daquele jeito que tanto gosto e tira minha
calcinha, beijando cada pedaço de pele exposta. Joga minha calcinha
longe e abre minhas pernas devagar.
— Nunca foi bom — murmuro quase sem voz.
— Eu farei ser maravilhoso. — Ele abre minhas pernas devagar.
— Nunca fizeram isso em mim.
— Fico feliz em ser o primeiro e desejo ser o único — Mal tenho
tempo de compreender o que ele disse, pois sua língua passa
vagorosamente em minha buceta e rouba todo o meu fôlego.
— Oh! — esse é o único som que escapa dentre meus lábios.
— Gostosa pra caralho — ruge contra meu clitóris e logo em seguida
o suga com força.
— Misericórdiaaaa...— Jogo a cabeça para trás, fecho meus olhos,
abro mais minhas pernas e tenho a nítida impressão de que vejo mil
estrelinhas quando sinto seus dedos entrarem em mim em um ritmo
torturantemente lento. Em contra partida, seus lábios seguem me
chupando intensamente.
Eu não demoro a gozar em sua boca uma, duas vezes e ele não
para ou diminui a intensidade, apenas pede para mudarmos de posição e
para me sentar em seu rosto.
Eu nem tive tempo de ficar acanhada ou sequer questionar, minhas
pernas já não me obedeciam. Então, ele se deitou na cama, me segurou
pela cintura, me posicionou em sua boca e me chupou assim.
Eu olho para baixo, fascinada, vendo seus olhos fechados, sua mão
segurando fortemente minha cintura, me mantendo cativa e novamente um
maravilhoso orgasmo toma conta do meu corpo. Eu tombo meu corpo para
a frente, sem forças, ofegante e trêmula.
Victor sai da cama, tira sua calça em uma velocidade recorde e toca
seu pau enquanto me olha.
— Sua buceta está vermelhinha e toda meladinha do jeito que eu
gosto.
Puta merda, nem nos meus sonhos mais obscenos eu imaginei
Victor tão devasso.
Ele veste um preservativo e sobe na cama. Beija meus lábios e eu
sinto meu gosto em sua boca. Ele chupa minha língua como chupou minha
intimidade.
Me surpreende ao entrar em mim devagar, ondulando o quadril, me
tomando com cuidado, com calma, como se eu fosse virgem, e de certa
forma eu era.
Nunca antes tinha sido assim, só tive um homem e ele não me
mostrou o que era prazer, apenas dor.
Victor introduz uma mão entre nós e toca meu clitóris devagar, me
fazendo esquecer de tudo e focar apenas nele.
E ele me dá toda a sua atenção.
Seus olhos estão fixos nos meus, seu pau entra e sai de mim de uma
forma que me faz suspirar a cada vez que ele ondula o quadril.
Sinto como se Victor não estivesse apenas entrando em meu corpo e
sim na minha alma e se aparado de tudo, foi tão forte que senti meu
coração apertar.
— Você sente isso também, sente o quão perfeito somos juntos, me
diz que não estou sentindo isso sozinho.
— Você não está. — Suspiro sentindo um alivio tomar conta do meu
peito.
— Seja minha, Maria — pede contra minha boca.
— Seja meu, Victor — rebato no mesmo tom ofegante.
— Sou todo seu, Maria, será que você não sente? — Para demostrar
o que diz, intensifica os movimentos, me fazendo gemer alto.
— Sua bucetinha apertada e gostosa está me levando à loucura.
Não vou aguentar por muito tempo. Goza para mim, amor? — Paro de
respirar ao ouvir seu pedido.
Mas mal tive tempo de pensar, porque ele acelerou os movimentos
no meu clitóris e estocou mais forte. Logo em seguida, ele goza me
levando junto e me deixando com um sorriso nos lábios.
Exausta e feliz.
Capítulo 34
Victor
Maria dorme exausta em minha cama, inclino minha cabeça e beijo
levemente seus lábios. Ela se remexe, sorri, mas não abre os olhos e
segue dormindo placidamente.
Tiro seu cabelo do rosto e coloco-o atrás da orelha.
Maria é uma mulher com uma beleza singular, pequena em tamanho
e enorme em atitude.
Sua altura não chega ao meu peito, seus olhos são castanhos e
sempre me olham com expetativas, curiosidade e algo mais. Suas mãos
são de uma mulher que lutou para ter tudo o que tem hoje, seu corpo com
curvas delicadas e suaves é simplesmente delicioso. Não teria uma
definição melhor que essa.
Ela é uma mulher surpreendente, com inúmeras facetas, e cada uma
me fascina.
Maria entrou na minha vida como uma leve e despretensiosa brisa.
Eu nunca poderia imaginar que aquela mulher tão extrovertida se tornaria
tão especial para mim.
Aos poucos, ela foi ganhando espaço em minha vida, sem se impor,
sem pedir nada. Apenas doando atenção, carinho, me fazendo rir, feliz, me
fazendo esquecer, curando as dores e decepções do passado.
Sua autenticidade atiçou minha curiosidade e eu quis estar mais
perto, quis sua amizade, a quis em minha vida.
Queria saber seus gostos. Eu realmente queria fazer com que ela se
sentisse bem ao meu lado, tão bem quanto eu me sentia ao seu.
Demorei a entender o que era isso, demorei perceber a mulher que
me olhava com um brilho tão misterioso nos olhos que me mantinha
cativo.
Ela não é uma mulher com gostos caros ou mesmo exibicionista, não
mesmo.
Maria gosta de café com sabores diferentes e bolinho de chuva.
Gosta de tardes ensolaradas para passear na beira da praia, gosta de
comer massas e tomar um bom vinho, mas pouco, porque diz que não
seria boa ideia ficar alcoolizada. Gosta de filmes românticos e novelas
mexicanas para suspirar e ao mesmo tempo sofrer com o drama. Gosta de
conversar com as plantas, com os animais e é dona de uma gargalhada
gostosa, daquelas que te convidam a rir junto até a barriga doer. E ela está
sempre sorrindo, não importa o quão ruim foi seu dia.
Me recordo que uma vez perguntei por que ela sorri tanto. Ela me
disse que só quem sofreu como um cão sarnento sabe reconhecer os
pequenos momentos bons da vida.
Eu parei de reclamar de coisas pequenas depois disso.
Ela gosta de nos fazer bem, tudo fica bem quando Maria está por
perto.
Eu já tive paixões avassaladores, já tive conquistas excitantes e
apenas fodas momentâneas. Mas nunca senti essa calma, essa paz, essa
certeza de que agora está tudo no seu devido lugar, agora tudo dará certo.
E Maria me faz sentir assim, que tudo vai dar certo.
Quando entendi que meus sentimentos tinham mudado, tudo
começou a desmoronar ao meu redor, meu passado interferiu no meu
presente e escolhi me afastar para preservar um possível futuro.
E foi a melhor e ao mesmo tempo a mais difícil decisão que eu já
tomei.
Quando conheci Angélica, me apaixonei perdidamente, mas eu não
era o suficiente para ela.
Não era rico o suficiente e muito menos tinha a posição social que
ela almejava. Era um artista que ainda sem reconhecimento, ou seja, um
zé ninguém.
Eu sofri por aquela mulher de uma forma que eu achei que nunca
mais iria me recuperar e, por anos, me mantive afastado de
relacionamentos sérios.
O destino nos prega peças. Comigo parece que ele quis brincar de
“esconde-esconde”.
Terminei com Angélica depois que ela confessou que embebedou o
sobrinho do seu padrasto, um homem que julgava perfeito — rico e com
elevada posição social. Ela dormiu com ele na intenção de ficar grávida e
assim conseguir levá-lo ao altar.
Ela comentou isso logo depois de transarmos e de eu declarar todo o
meu amor por ela.
Eu fiquei devastado, me afastei dela e, na semana seguinte, a dona
de uma galeria me viu pintando na rua e me convidou para trabalhar em
sua galeria em Veneza. Eu nem sequer pensei duas vezes e aceitei,
encarei aquele convite como um presente divino. E realmente o foi.
Fui feliz vivendo em Veneza, me tornei um pintor de renome e
consegui uma vida financeira estável. Não me tornei milionário, mas hoje
posso me dar alguns luxos e vivo confortavelmente.
Teria vivido o resto da minha vida em Veneza, mas certo dia conheci
uma mulher que mudou meus planos.
Cristina.
Aquela frágil e indefesa mulher ganhou minha admiração e amizade
instantâneas. Cristina, junto com sua sogra, tem uma empresa de
decoração de interiores e foi à Veneza com o intuito de me contratar e me
fazer uma proposta de trabalho.
Aceitei e voltei ao Brasil e, mais uma vez , o destino me pregou uma
peça.
Certo dia, ela me disse que iríamos visitar uma cliente. Até aí, tudo
bem. Só que a cliente em questão era Michele, e ali conheci Bianca e, de
quebra, seu noivo, Fernando.
Ele não tinha ideia de quem eu era, mas eu sabia tudo sobre aquele
homem. Ele era o cara perfeito de Angélica, por causa dele, ela quebrou
meu coração em mil pedaços.
Mas aquele dia ainda me reservava algumas surpresas. Ali conheci
Maria, mas confesso que não lhe dei muita atenção, meus olhos estavam
concentrados em Bianca e Fernando.
Por anos, eu achei que Angélica tinha conseguido se casar com ele,
mas, no entanto, o via ali, ao lado de uma mulher tão diferente dela.
Na saída da casa de Michele, ainda meio atordoado, esbarrei em
Mariana e a fragilidade que eu vi em seu olhar me cativou.
Me interessei por Mariana, pois ela tinha tido seu coração esmagado
e eu me identificava com esse sofrimento.
Porém, mais uma vez, estava ali o destino rindo da minha cara.
O ex de Mariana, Pablo, era o atual marido de Angélica.
Meu reencontro com Angélica foi conturbado. Eu achava
erroneamente que eu não sentiria nada, afinal, passaram-se tantos anos.
Mas não foi isso que aconteceu.
Mesmo não querendo, eu senti tudo o que não queria sentir.
Pablo se separou de Angélica para ficar com Mariana e minha ex
estava livre. Eu finalmente estava na posição social que ela achava
adequada.
Mas, no meio disso tudo, surgiu Maria.
Eu não reparei nela no começo, porque meus olhos sempre
buscavam por mulheres frágeis e Maria não demostrava nenhuma
fragilidade.
Mas, aos poucos, eu fui descobrindo que isso é apenas uma defesa.
Aos poucos, ela foi abrindo meus olhos, me tirando do conflito em que eu
viva. Aos poucos, ela foi me mostrando que o amor pode, sim, ser algo
bom de ser vivido.
Na noite em que Angélica me ligou e cortou os pulsos na chamada
de vídeo, eu vi que ela não me deixaria viver uma história com Maria em
paz. Ela me pediu para ficar ao seu lado até que ela tivesse coragem de
contar à mãe e ao padrasto o que ela fez. Então, me comprometi a levá-la
ao médico, a acompanhá-la na terapia. Eu só não contava que demoraria
tanto ou que Maria resolveria começar a procurar por um amor.
Não foi fácil fingir que não ligava, mas creio que nem sempre soei
convincente. Às vezes, a vontade de vê-la era tanta que eu aparecia na
frente de sua porta com um café e bolinhos, a saudades do seu sorriso me
dominava a tal ponto que aparecia na sua loja para convidá-la para jantar
ou ir ao cinema.
Mantive Maria distante do toque, mas não dos meus olhos e muito
menos do coração.
Sorrindo, me levanto, tomo um rápido banho, volto ao quarto, noto
que ela ainda dorme e eu não consigo definir em palavras o que sinto em
meu peito ao vê-la ali, na minha cama.
— Eu vou cuidar do seu coração, assim como você cuidou do meu.
Mesmo sem saber, você me curou, Maria — sussurro contra sua boca, a
beijo levemente e ela se mexe, mas não acorda.
A envolvo nos meus braços de modo que deite a cabeça em meu
peito e ela me abraça forte, mas continua a dormir.
Beijo sua cabeça e deito a minha no travesseiro com um sorriso
largo nos lábios.
Ela ainda não sabe, mas será a mãe dos meus filhos.
Capítulo 35
Maria
Acordo, mas me recuso a abrir os olhos, quero me segurar no sonho
maravilhoso que tive essa noite.
Eu e Victor juntos. Muito sexo e safadeza entre nós dois.
Solto um longo suspiro, me acomodo no travesseiro e franzo o
cenho.
Um certo incomodo nas minhas partes intimas e um leve ressonar no
que eu julgava ser meu travesseiro me faz abrir os olhos rapidamente.
Misericórdia, não foi um sonho!
Com os olhos arregalados, giro meu rosto e vejo Victor, dormir
placidamente, me envolvendo com os braços.
Meu primeiro pensamento é:
Vou jogar meus cabelos para o lado e o acordar com um sorriso bem
sexy nos lábios.
Mas logo mudo de ideia, de sexy eu não tenho nada! Não saberia o
que falar, não sei como agir. Nunca nada parecido aconteceu comigo e eu
ainda estou achando que é um sonho.
E se ele acordar e me dizer que foi algo de apenas uma noite? E
se...
Do nada um pânico começa a tomar conta de mim.
Segurando a respiração, devagar, tiro seus braços da minha cintura
e saio da cama. Solto o ar devagar ao fitar seu corpo.
Esse homem fez coisas comigo que eu só via em filmes.
Sorrio e guardo em minha memória essa imagem. , Victor está
deitado, um lençol branco cobre apenas sua cintura, seus cabelos
castanhos claros estão revoltos, sua respiração lenta faz seu peito subir e
descer devagar. Os músculos se destacam em seu abdômen definido e
dividido por uma trilha de cabelos sexy como o inferno, suas coxas são
fortes e torneadas, cobertas por pelos claros.
Volto a suspirar. Eu deveria ter chupado, lambido, mordido e
devorado cada pedacinho dele. Mas não fiz nada disso, meu amigo me
mostrou uma faceta que eu não conhecia.
— Mas o homem é porreta mesmo, vixe, Maria — murmuro enquanto
procuro pelas minhas roupas. Acho tudo, menos a calcinha. Com medo de
que ele acorde, visto tudo rapidamente e saio do seu apartamento.
Saio pelo corredor, correndo como se a polícia estivesse atrás de
mim, entro no meu apartamento e solto um longo suspiro.
Sigo direto para o meu banheiro, tiro minhas roupas e fito meu corpo.
— Jesus — Eu estava cheia de marcas de chupões e cada uma
delas significava um orgasmo que Victor me proporcionou.
— Eu sabia que o homem era bom, mas jamais poderia imaginar que
ele fosse tão... tão. Aff, nem sei definir — falo olhando para as marcas em
volta dos meus seios, abdômen e bunda.
Entro no chuveiro e deixo a água morna banhar meu corpo e um
lento sorriso se forma em meus lábios.
Victor é devasso, safado, vigoroso e muito, mas muito bom de cama.
Durante toda a noite, ele teve o cuidado de ter certeza de que eu estava
gostando, tendo prazer.
Toco meus lábios e me lembro do gosto do seu beijo, foi como tocar
um pedaço do céu. Passo as mãos pelo meu corpo e me recordo que ele
beijou, chupou, mordeu cada parte do meu corpo e me proporcionou um
prazer absurdo.
Meu sorriso morre um pouco, porque simplesmente não sei como
será de agora em diante, não sei se foi apenas uma emoção de momento
ou... Não sei de mais nada.
Não sei definir quanto tempo fico no chuveiro, mas é tempo
suficiente para reorganizar meus pensamentos.
Decido que não vou procurar Victor, vou esperar para saber qual
será sua reação. Se ele não vier até a mim, eu mais uma vez vou sofrer,
mas será a última vez que insisto nesta história.
Com tudo acertado em minha cabeça, sigo para o quarto, troco de
roupa e noto que estou atrasada para abrir a loja. Peço um carro pelo
aplicativo e quando saio do meu apartamento, dou uma olhada na porta de
Victor.
Sugo um punhado de ar, solto com força e sigo em direção ao
elevador.
Durante o resto do dia, a ansiedade se fez presente. A cada 5
minutos, eu olhava meu celular em busca de uma mensagem ou uma
ligação de Victor, mas ele não deu sinal de vida.
Arino algumas vezes me perguntava se eu estava bem, porque
estava parecendo meio aérea. Eu nem sequer tive vontade de disfarçar,
apenas ofereci um sorriso.
Creio que ele entendeu que não queria tocar no assunto, então
apenas me abraçou, beijou minha cabeça e disse que quando quisesse
conversar, ele estaria ali para me ouvir. Seu carinho pôs um sorriso sincero
em meus lábios.
À noite, enquanto eu e Arino fechávamos a loja, eu me dei conta de
que, novamente, tinha criado falsas esperanças.
— Maria, você quer ir comigo e minha família amanhã ao centro de
tradições nordestinas? Tem um tempinho que te convidamos e você
sempre recusa — pergunta com um sorriso gentil no rosto.
Quase todo domingo, Arino e sua família vão a feira chamada
popularmente de Feira dos Paraíbas. Às vezes eu os acompanho, é bom
demais estar perto da comida e de algumas tradições de nossa terra.
— Oh, meu amigo, me desculpe, mas este domingo eu só quero
dormir o dia inteirinho. — Faço um ligeiro carinho em seu braço.
— Problemas do coração. Nem precisa negar que eu conheço essa
dor que seus olhos estão refletindo agora.
Nem penso em negar, apenas inclino a cabeça.
— Não deixe essa dor apagar o seu sorriso — pede, levantando meu
rosto.
— Oxi, mas é nunca. Posso ficar triste por um tempo, mas vai
passar. Já passei por coisas que a maioria das mulheres não aguentaria
— afirmo, só não sei se para mim ou para ele.
— A gente não enverga fácil, Maria, somos frouxos não, encaramos
a vida de frente. Sinta a sua dor, aprenda com ela, depois respire fundo,
ponha o seu sorriso nos lábios e siga em frente. Como eu fiz e eu sei que
você também já fez — sugere rente ao meu rosto, segurando meu rosto
com as mãos.
— Oh, meu amigo, muito obrigada pelas lindas palavras —
agradeço, com lágrimas nos olhos.
— Precisa se desculpar não, Maria, eu gosto de você por demais.
— Eu também, Arino. Eu também.
Abraço-lhe forte, nos despedimos e enquanto caminho para o ponto
de ônibus, recebo uma ligação de Michele.
— Mona, vem pra cá. Estamos fazendo um rodizio de pizza, meu
chocolate derretido e Fernando estão na cozinha e brigando pelos
ingredientes que vão pôr nas pizzas. Vem rir com a gente! — Michele
convida e ao fundo eu ouço uma alta gargalhada que reconheço ser de
Bianca.
— Vem, Maria, você vai morrer de rir das pizzas que eles estão
fazendo — Bianca grita ao fundo.
— Eu imagino, deve estar um desastre, a cozinha — tento soar
engraçada, mas não dá muito certo.
— Epa! Que tom de voz triste é esse? — Michele indaga, intrigada.
—Nada não, apenas estou cansada — tento demostrar que está tudo
bem.
— Gata, nem tente mentir para mim, eu te conheço há anos! Foi o
boy mágica que machucou seu coração?
— Michele, eu... — não consigo completar e um soluço escapa
dentre meus lábios. Respiro fundo e completo: — Vai ficar tudo bem,
apenas me enganei. Apenas isso.
— Eu vou dar na cara daquele gato gostoso sem vergonha dos
infernos, vou brotar aí e vou esfregar a cara dele no asfalto quente, vou
tirar as bolinhas dele e fazer ele engolir...
Arregalo os olhos e olho ao redor. Noto que as pessoas que estão no
ponto de ônibus perto de mim me olham intrigada ao ouvirem os gritos de
Michele que segue ameaçando Victor.
— Quando eu acabar com ele, ninguém vai reconhecer aquele
traste. Márcio, pode parar a pizza. Tenho que ir ao prédio de Maria dar na
cara do Victor. — Michele grita desligando o telefone.
— Michele, Michele. — Olho de boca aberta para o aparelho em
minhas mãos.
Misericórdia.
Tento retornar a ligação, mas o celular dá desligado, o de Bianca,
Fernando e Márcio caem na caixa postal.
Solto um longo suspiro e, rezando para que meus amigos tirem essa
louca ideia de Michele da cabeça, desisto de esperar o ônibus, peço um
carro pelo aplicativo de transporte. Ao chegar em casa, tomo um bom
banho e nem penso em jantar. Não conseguiria comer nada.
Sigo para minha cama, mas antes de deitar, verifico minhas
mensagens no meu celular e solto um longo suspiro ao notar que Victor
não me enviou nenhuma mensagem
— É, Maria, novamente não foi dessa vez. — Adormeço, sentindo
uma lágrima banhar meu rosto.
Acordo ouvindo minha campainha tocar insistentemente julgando ser
Michele, abro a porta e me surpreendo.
Capítulo 36
Maria
— Oi, Maria, fugiu de mim hoje de manhã — não é uma pergunta e
sim uma constatação.
Eu abro e fecho a boca e fito-o como se fosse um fantasma. Em meu
coração, eu tinha a certeza absoluta de que ele não viria, eu nem sei qual
reação ter, então eu fico muda.
— Eu trouxe o jantar. — Ele dá um passo adiante, não me dando
outra alternativa a não ser deixá-lo entrar.
Eu fecho a porta e vejo-o caminhar até a mesa e depositar um
pacote com a marca da comida japonesa que eu amo.
Engulo em seco ao vê-lo girar o corpo e caminhar lentamente em
minha direção.
— Eu já estava dormindo e eu achei que... eu pensei... — perco a
capacidade de falar, quando ele segura minha nuca e aproxima meu rosto
do seu.
— O que você pensou Maria? — sussurra perto da minha boca.
— Que você não me queria — revelo abaixando a cabeça.
Ele não fala nada, apenas me beija, um beijo lento, molhado,
gostoso que faz um delicioso arrepio percorrer meu corpo.
— Acho que isso nunca vai acontecer, Maria. — Sorri de lado e suga
meu lábio inferior. Eu me sinto uma marionete em seus braços.
— O que nunca vai acontecer? — murmuro olhando em seus olhos.
— Eu sinto que te quero em minha vida para sempre, Maria.
Volta a me beijar, segura minha cintura, eu enlaço minhas pernas no
seu quadril e caminhamos assim até o sofá. Tento sair do seu colo, mas
ele segura minha cintura, me mantendo cativa.
Segura a barra da minha camisola e tenta tirá-la, mas eu impeço.
— Por que não entrou em contato comigo hoje? — pergunto,
cruzando os braços.
— Por que você não entrou em contato comigo? Você que fugiu de
mim hoje de manhã, Maria, depois da noite maravilhosa que tivemos e de
eu ter te explicado tudo o que houve e o porquê de me manter afastado.
— Oh! — Mordo o interior da minha bochecha.
— Você que me pediu tempo, para ir devagar, eu apenas fiz o que
você me pediu. Só não consegui me manter distante por mais de 24 horas.
— Inclina o corpo e beija meus lábios.
Bem, vendo por esse lado, até que ele não está de todo errado.
— Eita, que na minha mente eu já imaginei mil e uma coisas —
Sorrio sem graça.
— Você tem uma mente muito fértil. — Ele pisca um olho e
novamente tenta tirar minha camisola, e dessa vez não ofereço nenhuma
resistência. — Passei o dia todo querendo senti-los novamente — sua voz
soa rouca e logo em seguida seus lábios estão em meus seios e sua mão
em minha bunda.
— Meu Deus — gemo e jogo a cabeça para trás.
— Você acha que se eu não te quisesse, eu estaria assim. — Ondula
o corpo em contato com o meu e eu sinto o quão duro está. — Passei boa
parte do dia duro, me lembrando como foi gostoso sentir sua bocetinha
molhada ao redor do meu pau.
E aí está a versão depravada de Victor que me rouba os sentidos e
faz meus neurônios entrarem em parafuso.
Eu não falo nada, não conseguiria, apenas sinto.
E eu sinto tudo.
Sinto sua boca sugar meu seio e sua mão apertar firme minha bunda
enquanto ele introduz a outra em minha calcinha e começa a me tocar.
— Hum, molhadinha, do jeito que eu gosto. Vou te fazer gozar muito
hoje. Não só hoje, mas todos os dias, até você não ter mais dúvida do
quanto eu te quero.
Toma meus lábios com volúpia enquanto introduz um dedo em mim.
Sua língua entra em minha boca devagar e do mesmo jeito que seus
dedos, aos poucos o beijo fica mais quente e ele introduz um outro dedo e
intensifica os movimentos, volta a sugar meu seio e eu rebolo no seu colo.
— Goza para mim, meu amor, assim, geme gostoso, goza nos meus
dedos que depois vou te chupar. Estou louco para sentir sua bocetinha
rosada e te fazer delirar em meus lábios.
Suas palavras obscenas em um tom rouco e seu toque me fazem ter
um orgasmo que rouba meu fôlego.
Eu mal tenho tempo de respirar, quando ele me pega no colo, gira o
corpo e me senta no sofá, tira minha calcinha e, sem desviar os olhos dos
meus, passa a língua devagar por minha intimidade.
— Hum, molhadinha, do jeito que eu gosto. — Põe minhas pernas
em seus ombros e segura minha cintura, me mantendo cativa enquanto
me saboreia devagar com os olhos fixos em mim.
Meus dedos apertam o tecido do sofá tão forte que ficam brancos e
Victor introduzi um dedo em mim sem nunca deixar de me chupar.
Tudo o que ele faz me leva à loucura, mas são seus olhos fixos em
mim, sexy, sedutores, demostrando que ele está tendo um prazer absurdo
em me satisfazer, que me levam ao delírio e, mais uma vez, eu gozo em
sua boca.
— Gostosa pra caralho. — Ele beija minha intimidade, eleva o corpo,
toma minha boca e eu sinto minha essência em sua lábios.
Sentindo meu corpo todo tremer, eu deslizo pelo sofá e me sento em
seu colo.
Círculo seu pescoço, enfio meus dedos em seu cabelo e o beijo.
— Me faça sua — sussurro em seu ouvido.
Ele não fala nada, apenas sorri daquele jeito que tanto amo, busca
algo em seu bolso traseiro e eu vejo que é uma camisinha.
Mordo o lábio inferior, achando que ele me pedirá para pôr nele e já
me imagino fazendo merda.
Nunca fiz isso na vida, nunca pus um preservativo em um homem.
Engulo em seco e pra minha sorte ele rasga a embalagem, eu saio
do seu colo apenas por tempo suficiente para ele abaixar a calça e vestir o
preservativo em seu pau.
Victor me segura pela cintura e eu suspendo a respiração ao senti-lo
entrar em mim.
— Porra, Maria! — geme quando finalmente está todo dentro de
mim. — Rebola no meu pau, gostosa — pede mordendo meu lábio inferior.
E por puro instinto, eu começo a me mexer, a buscar mais prazer e
cada vez que me mexo, fica melhor, mais quente, mais gostoso.
Ele inclina minha cabeça e suga meus seios, depois eleva a cabeça
e encosta a testa na minha. Nossos rostos estão tão perto que respiramos
o mesmo ar. Sinto o suor em nossa pele, nossos olhos estão fixos. Ele
sorri e eu retribuo.
— Sente isso, Maria? — indaga sem desviar os olhos dos meus.
— Sinto. — Ofego ao sentir seu abraço forte.
— Não duvide mais de nós, Maria, essa química que temos é forte
demais. Eu sou seu, meu amor, e vou provar isso todos os dias.
Não sei se são suas mãos em meu corpo, a intensidade com que
entra e sai de mim, suas palavras acalentando meu coração ou seus olhos
transmitindo a paz que por tanto tempo eu buscava, mas sinto a emoção
se apoderar fortemente do meu ser e os meus olhos cheios de lágrimas
que nem tento segurar.
— Sou seu, Maria — volta a sussurrar contra a minha boca.
Nos amamos assim, um olhando para os olhos do outro, mas eu não
tive coragem de falar nada. Passei tanto tempo desejando isso que ainda
tenho medo de estar sonhando.
Gozamos juntos, com ele dizendo várias coisas obscenas que ainda
faríamos.
Ofegante, deito a cabeça no seu ombro com um sorriso nos lábios.
Minha respiração mal normalizou e minha campainha começa a tocar
insistentemente.
— Você está esperando a visita de alguém? De Marcos, talvez? —
Me indaga com a sobrancelha levantada e eu arregalo os olhos ao ver
uma fagulha de ciúme em seu olhar.
Mal tenho tempo de falar e a campainha volta a tocar, seguida por
batidas na porta.
— Abra a porta, Maria — Michele grita a plenos pulmões.
Me esqueci completamente de Michele.
Olho para Victor e me lembro que ela quer fazer picadinho dele.
Misericórdia!
Capítulo 37
Maria
Fito Victor com os olhos arregalados e a campainha continua a tocar
insistentemente.
Com um gemido frustrante, me mexo e o sinto dentro de mim, ele
pisca um olho e sorri de lado.
— Maria! — Michele, agora literalmente berra.
— Se você não abrir, ela derruba a porta — Victor brinca enquanto
me tira de seu colo e eu mais uma vez, solto um longo suspiro. — Será
que aconteceu algo? — indaga, indicando a porta com a sobrancelha
enquanto me ajuda a ficar de pé e veste uma calça.
— Bem, eu... bem... — Mordo meus lábios e olho em volta, em busca
da minha camisola.
— Você... — me incentiva a falar.
—Eu meio que disse que, talvez, você tenha novamente quebrado
meu coração — murmuro, mordendo um dedo.
— Maria! — Levo um susto, porque Victor e Michele gritam ao
mesmo tempo.
— Olha, eu te explico depois. Agora, fica no meu quarto até que eu
consiga acalmar Michele. Assim que ela sair, eu te explico tudo, prometo
— enquanto falo empurro Victor em direção ao meu quarto, depois corro
até a sala, busco suas roupas e volto correndo ao quarto.
— Calma, Michele, já vou! — informo aos berros enquanto procuro
minha calcinha e faço uma prece ao meu padim padi Ciço que me ajude a
sair desta situação. Acho a bendita calcinha, atrás do sofá e nem mesmo
quero pensar como ela foi parar lá.
Mais uma vez, corro em direção ao quarto e vejo que Victor segue no
mesmo lugar, com as roupas nas mãos e a boca aberta. Eu sorrio sem
graça, jogo a calcinha no quarto, fecho a porta, corro em direção à porta
da sala. Antes de abrir, tomo fôlego e solto o ar devagar.
Abro a porta e arregalo meus olhos ao ver Michele, Fernando e
Bianca à minha frente.
— Vamos, me mostre onde mora aquele safado, que vou dar na cara
dele!
Vixe, Maria.
— Mas, se acalme, mulher. — Sorrio, sem graça.
— Vamos entrar, Michele, pelo amor de Deus. E pare de rir,
Fernando — Bianca pede, com as mãos nas têmporas, e só agora noto
que Fernando está com o rosto vermelho e segurando o riso, mas não dá
muito certo. E ele explode em uma gargalhada que eu tenho certeza
absoluta de que não é a primeira.
— Isso, venham, entrem, pelo amor de Deus — peço, conduzindo
todos para dentro, e olho pelo corredor para me certificar de que nenhum
vizinho saiu para ver o barraco.
— Bianca, eu não quero entrar, eu quero pegar aquele boy lindo e
maravilhoso, segurar pelos cabelos que tenho certeza de que são sedosos
e esfregar a cara dele no asfalto por ter feito Maria sofrer. Vamos, Maria,
vamos lá na casa dele, que se a vaca da Angélica estiver por lá, eu dou na
cara dela também.
— Jesus. — Olho para a porta do meu quarto, abro e fecho a boca e
não falo nada, apenas mordo o interior da minha bochecha.
E Michele segue falando tudo o que fará com Victor.
— Michele, cadê Marina. — Tento desviar a atenção dela.
— Com Márcio. Acredita que ele não quis vir pra briga? Mas olha,
nunca vi uma pessoa correr de uma briga como esse meu marido. — Ela
põe as mãos na cintura, demostrando toda a sua indignação.
Fernando se joga no sofá e ri como se não houvesse amanhã.
— Bianca, por que você não a segurou? — pergunto, com o
desespero correndo solto em minhas veias.
— Confesso que eu também quero ter um minuto de conversa com
Victor. — Bianca dá de ombros. A mulher, que é a calmaria em pessoa,
simplesmente dá de ombros.
Estou tão lascada.
— Amiga, você conversa com ele depois de eu arregaçar a cara dele
— Michele afirma categórica.
— Fernando, por que você não as segurou em casa? — apelo para
Fernando, que não faz outra coisa senão rir.
— E perder toda esta diversão? Você está é doida — solta, quando
para momentaneamente de rir.
— Anda logo, Maria. Fale logo onde é o apartamento daquele boy
master gold safado dos infernos...
Michele novamente volta a dizer tudo o que pretende fazer com
Victor e eu olho para minha porta, já imaginando ele pulando pela janela,
correndo o mais longe possível de mim.
Eu mal consigo um homem que me faça virar os olhinhos, e já lhe
perco.
— Eu estou bem aqui, Michele. — A voz de Victor soa divertida e
pega a todos de surpresa.
— Eita, porra! — ouço a voz de Fernando tentando segurar o riso,
mas mal lhe dou atenção. Estou muito ocupada olhando para Victor veste
apenas a calça jeans, pés descalços, sem camisa e com os cabelos
úmidos.
O homem tomou banho em meu banheiro!
Ele fixa a atenção em mim, pisca um olho e morde o lábio inferior, e
eu tenho a nítida sensação como se ele tivesse me mordido.
Misericórdia.
— Maria! — Michele me sacode e eu desvio de Victor. — Parem de
fazer sexo com os olhos, porque é obvio que ele te bagunçou todinha. E
eu aqui, achando que você está toda esculhambada porque estava se
acabando de chorar. Aff — Ela se joga no sofá e eu sorrio sem graça.
— Maria, confesso que você nos surpreendeu. — Bianca se senta e
intercala o olhar entre mim e Victor.
— Eu estou passado! — Fernando fala, depois franze o cenho. —
Peraí, isso significa que vou ter que aturar o galã mexicano perto da minha
Mulher? — Fernando passa os braços em torno do ombro de Bianca e eu
elevo as mãos ao rosto, querendo que um buraco se abra e eu
desapareça.
— Fernando! — eu, Michele e Bianca falamos ao mesmo tempo.
— O quê? — ele, claro, se faz de desentendido.
Bianca e Michele dão um tapa nele e eu juro que tenho vontade de
fazer o mesmo.
— Sua mulher é linda, Fernando, mas meus olhos estão fixos em
apenas uma pessoa. — Victor enlaça minha cintura eu uso todas as
minhas forças para não pirar e dar mil e um pulinhos.
— Olhe aqui, boy, tu é sexy como o inferno? É. parece que saiu de
uma novela mexicana? Parece. Mas, se machucar a minha amiga, todas
aquelas ameaças que tu me ouviu fazer serão pouco perto do que farei
com você — Michele ameaça com os olhos fixos em Victor.
— Devo dizer que foi, no mínimo, surpreendente. Mas não posso
negar que meu peito está quase explodindo de alegria por Maria. Contudo,
se você a machucar, não terá lugar no universo que você poderá se
esconder de mim. Isso eu te prometo — Bianca completa sem nem ao
menos piscar.
— Confesso que cheguei aqui achando tudo muito engraçado, mas a
pessoa que você está abraçando é muito, mas muito querida para nós, de
uma forma que talvez você não compreenda. Nós amamos Maria, com
toda a sua irreverência e, claro, maluquice. Você pode achar as ameaças
de Michele engraçadas, as de Bianca um mero aviso, mas eu te prometo
que, se você machucar Maria, eu acabo com você. — Eu nunca vi
Fernando falar assim.
Eu nem mesmo tento conter a minha emoção, mas não tenho tempo
de falar nada, pois Victor me puxa para mais perto do seu peito, como se a
qualquer momento um deles fosse me tirar dele.
— Eu entendo, Fernando, mais do que você possa imaginar. Michele
e Bianca, eu compreendo todo o receio de vocês, mas essa mulher que
está em meus braços, me deu algo que eu não pretendo deixar partir
nunca, só se ela quiser. Ela me deu paz, ela coloriu meu mundo, e eu
pretendo demonstrar, não só a vocês, mas principalmente a ela, que eu a
quero pelo resto da minha vida.
— É, até que o boy magia é bom com palavras. — Michele dá de
ombros.
— Promessas, promessas. — Fernando o olha de cima a baixo com
uma expressão desconfiada.
— Eu achei lindo — Bianca se debulha em lágrimas e eu a
acompanho.
— Oh, hormônio da gravidez, que deixa a gente tudo frouxa. —
Michele joga as mãos para cima. — Vamos embora, meu povo. Vamos
deixar Maria virar mais o olhinho. Mas, oh, estou de olho em você, hein. —
Michele aponta um dedo para Victor que apenas sorri e pisca um olho e
eu, obviamente, suspiro.
Bianca me abraça; Michele diz que vai me ligar depois de amanhã,
porque amanhã ainda estarei tirando o atraso; Fernando faz um carinho
em meu rosto e aperta a mão de Victor com uma expressão séria.
Eles saem do meu apartamento com Michele fazendo gestos de
ameaça para Victor.
Assim que a porta bate, giro meu corpo e olho para Victor.
— Desculpe por isso. Eu... — ele não me deixa terminar, me beija e
eu me derreto em seus braços.
—Xii... não fala nada. — Ele me pega no colo e eu solto uma longa
gargalhada.
— O que você está fazendo? — Rio enquanto caminhamos até meu
quarto. Esperava que fôssemos para a cama, mas vamos direto para o
banheiro. Ele entra no box comigo ainda no colo e liga o chuveiro. — Ai, a
água está gelada! — Rio ao sentir a água fria banhar meu corpo.
— Enquanto tomava banho, imaginei nós dois aqui.
— Eu já chorei muito por você neste chuveiro.
— Eu sinto muito por isso, para compensar, vou te dar boas
lembranças no mesmo lugar.
Eu não falo nada, apenas sorriso.
— Eu prometo, Maria, apagar as lembranças tristes que você tem de
mim — promete e me beija, e eu quero acreditar em cada palavra que sai
da sua boca.
Capítulo 38
Maria
Saio do colo dele e enlaço seu pescoço.
— Eu vou me jogar nisso, sem reservas.
— Eu te seguro.
— Tenho medo de cair e quebrar a cara.
— Eu te seguro, eu estou aqui com você e não vou a lugar nenhum.
Se joga, sem reservas, sem medo, apenas seja minha, que eu já sou seu.
Ele fala olhando nos meus olhos e eu abro aquela caixinha repleta
de sentimentos que tenho dentro do meu peito e deixo todo o meu amor
por ele transbordar.
Victor não falou em amor. Bem, ele falou, mas foi na hora do sexo.
Mas, tudo bem. Se ele falasse que me ama perdidamente, eu não
acreditaria.
— Vamos construir um castelo. Todo dia adicionaremos um tijolo de
confiança, até ele se tornar uma fortaleza e, lá dentro, nós vamos viver a
nossa história — sussurra contra a minha boca.
— Nossa história — murmuro.
— Nossa história — reafirma e toma minha boca. Eu me entrego.
Entrego meu corpo, minha alma e dou tudo de mim, sem reservas,
sem medos, sonhando, orando para que tudo dê certo.
Victor tira minha camisola e joga em um canto do banheiro, junto
com sua calça jeans molhada. Ele pega minha esponja, enche de
sabonete líquido e a cheira antes de passar vagorosamente em meu
corpo.
— Que cheiro gostoso é esse?
— É andiroba.
— Vende em sua loja?
— Sim.
— Gostei da fragrância, mas amo a mistura dele com seu cheiro
natural. — Sorve o aroma próximo a minha orelha. — Esse cheiro só seu
— sussurra. Gira meu rosto e me beija enquanto suas mãos me
ensaboam, depois pega o shampoo e massageia minha cabeça.
Eu estou quase ronronando.
Ele me dá um leve empurrão e eu entro debaixo da água fria.
— Eu odeio água fria — falo, sem fôlego.
— Eu vou te esquentar. — Enlaça minha cintura, a impulsionando
para cima e eu círculo sua cintura no exato momento em que sua boca me
toma e sua língua entra em minha boca em uma dança sensual.
Sinto-o roçar seu pau em minha intimidade.
— Sua bucetinha está quentinha — sussurra contra a minha boca,
causando um reboliço em meu corpo.
Ele rebola devagar, me levando à loucura. Completamente fora de
mim, introduzo uma mão entre nós e encaixo seu pau em minha abertura.
— Porra, Maria, eu não tenho camisinha. Faz isso não, que eu não
resisto a sua buceta gostosa. — Não dou ouvidos e, mandando toda
precaução para o alto, arremeto o quadril até senti-lo todo dentro de mim.
— Neste momento estou me doando a você de corpo e alma e não
quero nenhuma barreira entre nós — murmuro, sentindo-o pulsar dentro
de mim.
— Eu amo...
— Não fala, não agora, não por enquanto — peço e encosto minha
testa na sua. Ele a beija, levanta meu queixo e eu sinto como se ele
mergulhasse dentro dos meus olhos.
— Eu vou lhe mostrar o que eu sinto por você.
E ele mostra.
Fazemos amor no banheiro, devagar, sentindo todas as emoções
que são só nossas, criando intimidade, criando laços, pondo os primeiros
tijolos em nossa fortaleza.
Ele me faz suspirar, delirar e, mais uma vez, chego ao êxtase,
chamando seu nome enquanto ele falava obscenidades em meu ouvido.
— Eu nunca imaginei que você fosse tão safado — revelo ofegante.
Ele solta uma alta gargalhada e sai de dentro de mim devagar.
— Ah, Maria, você ainda não viu nada. — Pisca um olho, gira meu
corpo de modo que eu fique de costas para ele e sussurra ao meu ouvido:
— Em breve, muito em breve, eu vou comer seu cuzinho tão gostoso. —
Endureço o corpo e arregalo os olhos ao senti-lo tocar aquela parte tão
sensível e, para mim, proibida.
— Vixe, santíssima, mas isso é... —Ele me interrompe.
— Não, Maria, em nossa privacidade, nada é proibido. Desde que
você goste, claro, tudo, absolutamente tudo, é permitido. — Vira meu
rosto. — E eu vou garanti que você goste. Empina essa bunda gostosa
para mim — ordena. Faço o que ele me pede, tremendo. Vagorosamente,
ele aperta o bico do meu seio esquerdo, em seguida, desce a mão até
tocar meus clitóris, com a outra mão, introduz um dedo em meu ânus e me
surpreende ao morde meu ombro.
— Misericórdia. — Eu apoio as mãos na parede fria do box e o sinto,
literalmente, em todos os lugares.
— Eu amo a forma como seu corpo reage a mim, amo a sua entrega,
amo sentir você gozar, amo saber que você é tão minha quanto eu seu
sou. Não vou dizer as palavras que estão loucas para escapulir da minha
boca, mas quero que você sinta em cada toque o que carrego em meu
coração — sua voz soa rouca, baixa e sensual e eu novamente me vejo
perdida, caindo em êxtase e ele me segura, embala meu corpo,
sussurrando ao meu ouvido o quanto sou perfeita para ele e eu quero
acreditar em cada palavra que sai de sua boca.
Passamos o fim de semana nesse ritmo, mais nus que vestidos. Às
vezes, eu fazia um sanduiche e em outras ele pedia algo.
Ele não perdia uma oportunidade de me tocar e me fazer delirar.
Ele parecia ansiar por mim e eu amei cada mísero momento que
passamos juntos. No domingo, estávamos em sua cama, eu subia e
descia em seu pau, sentindo o suor escorrer pelo meu corpo, delirando
com os olhos fechados.
— Me olhe, gostosa, abra os olhos e me olha. Quero ver seus olhos
ao sentir sua bucetinha gozar em meu pau — pede, ofegante, enquanto
me toma e aperta o bico dos meus seios.
Abro meus olhos e vejo-o sorrir, aquele sorriso safado, depravado,
que tanto amo.
Chegamos ao orgasmo juntos e eu caio ofegante em sua cama.
— Mas, homem, você é uma máquina de fazer sexo.
— Está reclamando? — Ele levanta uma sobrancelha.
— Mas é claro que não, glória a Deus por isso. Se não fosse minha
mistura de ervas, eu já estaria toda assada.
Victor joga a cabeça para trás e ri com gosto.
Nunca vou me esquecer da sua expressão quando ele me viu encher
uma bacia de água morna, fazer uma infusão com algumas ervas e me
sentar gloriosamente nela.
Fiquei um bom tempo sentada naquela mistura, até sentir minha
intimidade completamente recuperada e pronta para outra rodada sexo.
Ele eleva o tronco e me beija.
— Vou para casa tomar banho, estou pingando de suor.
— Eu tenho banheiro e chuveiro aqui, você sabe, né? — brinca
enquanto eu saio de cima dele.
— Mas eu não tenho roupa. — Inclino meu corpo e o beijo.
— Eu tenho algumas camisas também. Mas confesso que prefiro
que você ande nua pelo meu apartamento. — Ele segura meu rosto entre
as mãos. — Não quero que você vá. Fique aqui, tome seu banho e vista
uma das minhas camisas.
— Se eu tomar banho aqui, você vai no banheiro e, como não resisto
a você, vou ceder, e depois vou ficar toda inchada. Não trouxe minhas
ervas e duvido que você tenha alguma bacia por aqui. — Dou de ombros e
novamente ele joga cabeça para trás e ri.
— Eu tenho banheira — informa, rindo.
— Mas não trouxe minhas ervas.
— Prometo não bolinar você no banho, juro que darei algumas horas
de descanso para sua bocetinha, mas confesso que a imagem dela
inchada e molhadinha já me enche de tesão. — Ele levanta uma
sobrancelha e eu olho para baixo e vejo seu pau ganhando vida.
— Valha-me, Nossa Senhora, que você não é normal, não.
Misericórdia. E fique aí no quarto, que vou tomar um banho e jogar uma
água fria na minha... bem, você sabe.
— Cuide bem da minha buceta — grita enquanto saio correndo do
quarto e, logo em seguida, ouço sua risada.
— Oh, homem fogoso. — Com um sorriso largo, tomo um rápido
banho, a toda hora olhando para porta. Toda vez que promete não vir
tomar banho comigo, ele não descumpre promessa.
Me seco com sua toalha e saio do banheiro enrolada. Ao abrir a
porta, vejo-o com a mão na maçaneta.
— Eu sabia que você não iria cumprir a promessa.
Ele encosta o corpo na parede, levanta as mãos e sorri largamente.
— Fui pego! Em minha defesa, a imagem de você passando a mão
devagar por seu corpo, toda inchada, me foi muito tentadora para resistir.
— Impulsiona o corpo, enlaça minha cintura e me prende na parede. —
Você está me levando à loucura, Maria — sussurra antes de me beijar.
Tira minha toalha, segura minha bunda com e aproxima meu corpo
do seu.
— Vou cumprir minha promessa e te dar um descanso, afinal, tenho
planos para esta noite — sussurra em minha orelha, pisca um olho e dá
um passo para trás. Me olha e morde o lábio inferior enquanto seus olhos
passeiam pelo meu corpo. Passa a língua em seus lábios e fixa os olhos
em minha intimidade, segura seu pau e se toca, me olhando. Eu ofego,
vendo o desejo cru refletido em seu rosto.
Sensualmente, passo as mãos pelo meu corpo e mordo meu lábio
inferior enquanto o observo. Ele dá um passo em minha direção, se
ajoelha a minha frente, põe minha perna em seu ombro, e me olha
enquanto passa língua devagar em minha intimidade.
— Não resisto a você. Não vou conseguir cumprir a minha promessa,
estou sedento para sentir o seu sabor. — Ele me chupa enquanto se toca.
Eu seguro seus ombros e sinto minha respiração acelerar.
Gozamos juntos, ele se masturbando enquanto me chupa.
— Acho que agora eu consigo te deixar algumas horas quietinha —
sussurra contra a minha boca antes de me beijar.
Vejo-o entrar no banheiro, assoviando, e eu fico encostada na
parede recuperando o fôlego.
— Misericórdia.
Assim que recupero minha respiração, aprumo o corpo e sigo em
direção ao seu quarto, em busca de uma roupa.
Visto uma camisa e uma cueca que ficou parecendo um short em
mim.
Busco meu celular e grito.
— Vou pedir comida chinesa!
— Pede algo com mais sustância. Você tem que recuperar as forças
— devolve me fazendo rir.
Peço dois sanduíches artesanais. Alguns minutos depois, Victor volta
com uma toalha na cintura.
— Sabe, Maria, não ajuda muito você ficar me olhando desse jeito.
—Eu ainda tenho certa dificuldade de acreditar que tudo isso é meu.
Ele tira a toalha sem nenhum pudor e, devagar, passa as mãos pelo
seu corpo, fazendo um caminho vagaroso até seu pau.
— Sou todinho seu. — Ele pisca um olho e eu estou quase me
jogando nele, quando a campainha toca. — Primeiro vou te alimentar,
depois vou roubar seu fôlego. Por favor, atenda à porta enquanto eu me
visto — pede, me estendendo sua carteira.
Ele pisca um olho e, sorrindo, saio do quarto em direção à sala.
Ao abrir a porta, não é a comida que me aguarda, e sim Angélica.
Mas, se essa rapariga pensa que vai atrapalhar minha felicidade, ela
está é muito enganada.
Capítulo 39
Maria
Cruzo meus braços e encaro Angélica, ela me olha de cima a baixo e
faço o mesmo com ela.
Angélica faz a linha clássica e sofisticada, ela é alta, mas tão magra
quanto eu. A diferença é que ela é extremamente linda e requintada.
Reprimo um suspiro.
— Maria — sua voz soa fina e irritante, acho que até o simples fato
de ela respirar me irrita.
— Angélica.
— Não vai me convidar a entrar?
— Não. — Dou de ombros e estou pouco me lixando se estou sendo
mal educada.
— Esta casa é do Victor!
Volto a dar de ombro e sorrio irônica, as posições se inverteram e eu
estou exatamente onde deveria estar.
— Angélica, o que você está fazendo aqui? — ouço a voz de Victor
atrás de mim e me assusto quando a lambisgoia passa por mim,
parecendo um furacão.
Eu vejo, de boca aberta, ela correr e se jogar nos braços de Victor.
Engulo em seco, fecho a porta devagar, levo meu tempo com os
olhos fechados, tentando controlar minha respiração, depois giro o corpo
e, de cabeça baixa, caminho em direção ao quarto. Minha intenção é,
simplesmente, desaparecer dali.
Mas Victor tem outros planos.
Ao passar por ele, segura meu braço e afasta Angélica com a mão
livre. Enlaça minha cintura e me mantém rente ao seu corpo, me
segurando firmemente.
Reprimo um suspiro, mas não consigo segurar o sorriso de puro
contentamento que surge em meus lábios.
Vejo Angélica morder o lábio inferior e bufar.
— Eu quero falar com você, Vitinho — ela quase mia, e eu me
seguro para não sacudir seus ombros.
Vitinho?
Jesus, me dê calma e serenidade, caso contrário, vai dar ruim.
Estou com tanta raiva, que meu corpo está tremendo todinho.
— Angélica, Maria é minha namorada e não tenho segredos com ela.
— Victor me aproxima do seu corpo e eu abraço sua cintura fortemente.
Bem, a verdade é que eu queria soltar fogos de artifícios e gritar na
cara dela que aquele homem era meu! Mas me contentei em apenas ficar
agarrada a ele feito carrapicho.
— Mas, Vitinho! — protesta, batendo o pé no chão feito uma criança
mimada. Eu, para provocar, deito minha cabeça no peito de Victor.
Eu estou um nojo, agarrada a ele. Meu sorriso é tão largo que minha
mandíbula chega a doer.
— Angélica, eu te expliquei que as coisas mudariam. Não vou deixar
de ser seu amigo, mas você terá que aceitar que Maria faz parte da minha
vida.
Chupa, mocreia! Juro que quis gritar a plenos pulmões, mas fiz a
fina, fiquei em silêncio e acariciei o peito de Victor.
— Por enquanto?
— Não, Angélica, não é algo passageiro.
— Essa conversa parece um déjà vu, ouvi algo parecido de Pablo,
há alguns meses.
Sinto que Victor endurece a coluna e engulo em seco. Novamente
quis falar algo, mas esta conversa não é minha.
— Volto a dizer, serei seu amigo e, quando precisar, estarei
disponível para te ajudar. Mas agora eu não estou mais sozinho.
Desde que Victor me abraçou, eu fixei meus olhos em Angélica e
observei atentamente todas as reações do seu rosto. Várias emoções
passaram por ele, mas a raiva que eu vejo em seu olhar, que nesse
momento dedica toda a atenção a mim, me causou um arrepio na espinha.
— Nos vemos por aí — ela se dirige a mim em um tom de ameaça.
Em seguida, gira o corpo e caminha em direção à porta, mas para, ao
ouvir Victor chamá-la.
— Angélica, caso queria manter minha amizade, não cometa o erro
de ameaçar minha mulher novamente! — a voz de Victor soa como uma
sentença, baixa, grossa.
— Outro déjà vu. Fernando me disse algo parecido há um ano —
murmura antes de bater à porta tão forte que cai um quadro da parede.
Juro que eu queria ter prestado atenção na violência com a qual ela
fechou a porta, mas minha mente ainda está processando o fato de Victor
ter me chamado de sua mulher.
Misericórdia, que se não tivesse agarrada a ele cairia dura e esticada
no chão.
Circulo seu pescoço com os braços.
— Me desculpe por toda essa... — começa, mas não o deixo
terminar e o beijo com volúpia, introduzindo minha língua em sua boca e,
em seguida, sugando seu lábio inferior. — Você me disse que estava
cansada — murmura contra minha boca, segurando minha bunda e a
puxando ao encontro do seu corpo.
— Tudo passou ao ouvir você me chamar de sua mulher. — Sinto-o
sorrir contra a minha boca, solto uma gargalhada quando ele me pega no
colo e me leva para a cama.
— Então vou fazer minha mulher gozar bem gostoso — promete, me
jogando na cama, e pisca um olho enquanto se deita na cama. — Vire-se
de costas para mim e fique de quatro — pede enquanto tira a roupa.
Ansiosa, faço o que ele me pede e seguro a respiração ao sentir um
casto beijo na base da minha coluna. Solto um forte suspiro quando ele
me chupa forte, falando palavras obscenas e mostrando o seu lado
devasso que tanto amo.
Ele cumpre a sua promessa e me faz gozar várias e várias vezes.
***
Nos próximos dois dias, eu me sentia como se estivesse vivendo um
sonho. Meu relacionamento com Victor era algo que eu jamais poderia
imaginar.
Era sensual e amoroso.
Não dormi uma única noite sozinha, ele não deixava e eu não queria.
Sentíamos fome um do outro, mal nos encostávamos e já
pegávamos fogo.
Victor me revelou seu sonho de abrir uma galeria de arte e eu o
incentivei a realizá-lo.
Fomos padrinhos no casamento de Mariana e a emoção me pegou
forte naquele dia.
Olhares trocados, sorrisos roubados, coração batendo forte e
emoção à flor da pele.
Transamos escondidos no fim da cerimônia, foi a maior e mais
gostosa loucura que cometi em minha vida.
Nesse período, fizemos algumas viagens rápidas, sempre para
lugares onde tinha praia, eu amo praia. E Victor me prometeu me mostrar
várias ao redor do mundo.
Fizemos amor na areia, na rede, ao pôr do sol e ao amanhecer.
Visitamos vários restaurantes. Desde que começamos a namorar,
não cozinhei uma vez sequer. Quando não comíamos fora, ele cozinhava
para mim.
Jantamos algumas vezes com os meus amigos. Bianca e Fernando
convidaram Victor para ser padrinho e meu acompanhante na igreja. E,
obviamente, Fernando fez esse convite por livre e espontânea pressão.
Ao visitar um novo restaurante, reencontramos Marcos e minha
alegria foi tamanha, que abracei meu amigo com força.
Marcos, meu querido amigo.
Foi uma agradável surpresa descobrir que Victor sentiu ciúmes de
Marcos.
Tinha quase dois meses que não o via nem falava com ele.
Engatamos em uma animada conversa, ali na porta do restaurante e,
depois de algum tempo pondo a prosa em dia, Victor arranha a garganta
de forma nada discreta.
Marcos sorri e busca a mão de Marcela, que me olhava sorrindo. Em
seu olhar, eu vejo tantas emoções, tão diferentes da última vez que a vi,
quando ela foi ao meu apartamento implorar para deixar que ficassem
juntos.
Ela está feliz. Desvio os olhos dela e fito meu amigo. Sorrio
largamente ao notar que ele também está feliz.
Pelo visto, eles deixaram o passado para trás e resolveram dar uma
chance para o futuro, para a felicidade.
Abraço mais uma vez Marcos, me despeço do casal e vou para casa
com um Victor emburrado ao meu lado.
Ele fica tão bonitinho ciumento.
Naquele dia ele dormiu em minha cama de costas para mim. Pelo
menos tentou, porque no meio da noite, eu o ataquei sem dó nem piedade.
Imagina se eu ia deixar um homem lindo desses na minha cama
sem, literalmente, devorá-lo.
De jeito nenhum.
Nunca fui tão feliz e eu desejo do fundo do meu coração que essa
felicidade faça morada em minha vida e não me abandone mais.
Capítulo 40
Maria
Finalmente chegou o dia do casamento de Bianca e Fernando.
Minha amiga é a serenidade em pessoa, já Fernando está deixando cada
ser vivente presente na cerimônia meio doido, o homem está uma pilha de
nervos.
Bianca se atrasou um pouco e ele faltou pouco sair do local da
cerimônia e ir buscá-la.
Márcio, Pablo e Victor, tentavam acalmá-lo, Michele quase deu na
cara dele e eu tentava segurar o riso.
O homem só se acalmou quando a música começou, a porta se abriu
e Bianca entrou, linda e gloriosa em um vestido tomara que caia que
evidenciava sua gestação de 7 meses. Ela estava linda por demais.
Foi uma cerimônia emocionante, não teve uma única pessoa que
não se emocionou com as lindas declarações que Fernando e ela fizeram
um para o outro.
Na festa, Victor me convidou para dançar e não me largou mais.
— O que você acha de o nosso ser o próximo? — ele sussurra ao
meu ouvido e eu engulo em seco.
— Próximo o quê? — pergunto em um fio de voz.
— Casamento. — Ele dá de ombros como se fosse a coisa mais
simples do mundo e o meu queixo só não foi ao chão porque ele o
segurou e beijou levemente meus lábios.
— Eita! Mas não é muito cedo? Quero dizer, estamos juntos a menos
de dois meses — balbucio com o coração batendo descompensado
— Mas nos conhecemos há muito mais tempo. Não temos por que
esperar. Eu amo você, Maria, e te quero em minha vida pra sempre. Nós
praticamente vivemos juntos desde que começamos a namorar, apenas
vamos oficializar isso... Você quer casar comigo, Maria?
Ele encosta a testa na minha e sussurra contra a minha boca.
— Me deixa cuidar de você para sempre e garantir que minha vida
sempre tenha cor, sorriso e muito felicidade. Porque é isso que eu estou
vivendo desde que você nos deu uma chance, Maria, e eu não quero
nunca, jamais, que isso acabe. Você é perfeita para mim, Maria. Aceita ser
minha para sempre?
Fungo, sentindo as lágrimas banharem meu rosto e meu coração
quase explodir de tanta alegria.
— Eu amo você — murmura com os olhos fixos nos meus.
Meu corpo está todo trêmulo, meu rosto banhado em lágrimas e não
consigo falar nada, apenas olhar para ele, que sorri e me fita, demostrando
tudo o que sente em seu coração. Eu fecho meus olhos e encho meus
pulmões, me preparando para dar uma resposta, quando Angélica nos
interrompe.
— Olá. Olha só os pombinhos. — Ela está visivelmente alcoolizada.
Angélica veio com o tio de Fernando e pegou a todos de surpresa,
porque ela não foi convidada.
Eu a ignorei com sucesso até esse momento.
— Eu ouvi errado ou você a pediu em casamento? — indaga com
um sorriso debochado, apontando para mim.
— Não ouviu errado, Angélica, pedi Maria em casamento sim e estou
aguardando ansioso pela resposta.
Ela ri, um sorriso sarcástico e me fita de uma forma que me causou
um fio na espinha.
— Amado, ela não pode aceitar, a não ser que você queira que ela
cometa bigamia. Maria já é casada e eu convidei seu marido para festa,
ele deve estar por aí. Querida, devo dizer que você deu um upgrade em
sua vida amorosa ficando com Vitinho, mas devo informar que o seu
marido está ansioso para te rever — ela solta o veneno e eu me esqueço
como se respira.
Então, pelo canto do olho, eu o vejo. Meu coração perde uma batida
e minha mente volta àquele momento, alguns anos trás, quando, ao pedi o
divórcio, Antônio me bateu tanto que perdi a consciência.
Eu sinto meus membros inferiores ficarem moles, tudo fica escuro,
meu corpo treme de puro pavor e eu perco a consciência, ouvindo Victor
me chamar e sabendo que nada mais será como antes.
***
Acordo em uma sala, com Bianca e Michele ao meu lado e Victor
segurando a minha mão.
— Você está bem, meu amor?
— Eu não sei. — Olho em volta respirando com certa dificuldade.
— É verdade o que Angélica falou? — ele indaga em um fio de voz.
E neste exato momento, eu não sei o que falar, abro e fecho a boca,
fito Bianca e em seguida Michele, buscando ajuda.
Elas conhecem toda a minha história.
— Gato, agora não é hora de perguntar isso. Olha, vai lá buscar
alguma coisa para Maria beber, não está vendo que a mulher está a ponto
de desmaiar novamente? — Michele dá pequenos tapinhas no ombro de
Victor e, literalmente, o expulsa da sala.
— Meu Deus. — Sento-me e seguro minha cabeça com as mãos
enquanto apoio meus cotovelos nos meus joelhos, sentindo o desespero
tomar conta do meu corpo. Estou tremendo da cabeça aos pés. — Meu
Deus, Antônio — murmuro, fitando o nada, tentando encontrar uma saída
para o meu pior pesadelo.
— Ele já não está mais na festa, e muito menos Angélica. — Bianca
se senta ao meu lado e me abraça.
— Pablo a levou embora, Maria. Nem ele, nem ela estão aqui —
Michele afirma, suavizando a voz. — Nós estamos aqui com você, nada
vai acontecer.
— Como ele me encontrou depois de tantos anos? — meu assombro
é evidente em cada palavra.
— Provavelmente foi Angélica, ela fez o mesmo com Fernando.
Encontrou várias ex dele junto com Marcela.
— Será que Marcela tem algo a ver com isso? — sugiro em um fio
de voz.
— Creio que não, Marcela está feliz com Dr. Marcos. — Bianca diz,
ainda mantendo os braços ao meu redor.
— Também acho que não, eles nem no brasil estão. — Michele
completa e eu me recordo que Marcos me enviou uma mensagem
avisando que ia esta semana.
— Eu não sei o que vou fazer.
— Você vai enfrentar essa situação de peito aberto e nós estaremos
aqui.
— Você vai para sua lua de mel, nunca que eu vou atrapalhar vocês
— digo para Bianca, que balança a cabeça em negativa.
— Sim, Bianca. Você vai para a sua lua de mel, não vai levar duas
semanas, e eu vou ficar aqui cuidando de tudo, vou pôr segurança em
torno de Maria, se for preciso.
—Ok, mas, qualquer coisa, vocês me avisam que eu volto, ok?
— Pode ir tranquila, eu vou ficar bem. — Tento passar uma
segurança que, de fato, não sinto.
— Tudo bem, mas agora você tem que conversar com Victor.
Ela mal acaba de falar e Victor volta com um copo de água com
açúcar, me entrega e se ajoelha a minha frente. Segura meu rosto em
suas mãos e me beija.
— Vamos para casa conversar — pede, com a testa encostada na
minha.
— Sim, vamos. — Solto um longo suspiro sabendo que nada mais
será como antes.
Capitulo 41
Maria
O caminho até o meu apartamento foi feito em silêncio, eu mal
conseguia respirar. De minha mente não saía a visão do meu ex-marido
acenando para mim com uma taça de champanhe.
Encosto a cabeça no vidro do carro, fecho meus olhos e sinto as
lágrimas banharem meu rosto.
Victor pousa uma mão na minha perna e sinto-o apertar levemente.
Nem me esforço para demonstrar para ele que está tudo bem, neste
momento eu não consigo fingir, não está nada bem.
Victor estaciona na garagem e eu nem espero ele abrir a porta, saio
do carro e me dirijo ao elevador. O silêncio nos acompanha até pararmos
na frente do meu apartamento.
— Victor, eu gostaria de ficar sozinha — minha voz não passa de um
sussurro.
Ele tira as chaves da minha mão e abre a porta do meu apartamento.
— Não há força no universo que me façam ficar longe de você agora,
Maria. Vamos entrar, se você não quiser conversar, tudo bem, eu aguardo
o seu tempo. Mas não vou te deixar sozinha. Ele segura minha cabeça
com, a beija, depois segura minha mão e me puxa levemente para dentro
no meu apartamento.
Olho para tudo meio apática, com a respiração rasa, deixando as
minhas lágrimas correrem livremente.
Victor fecha a porta e enlaça meus ombros.
— Calma, meu amor, você não está sozinha, estou aqui com você.
— Ele me beija levemente nos lábios, me pega no colo e me leva em
direção ao banheiro.
Meu namorado tira minhas roupas devagar, regula a temperatura da
água, sai de suas roupas em tempo recorde e entra no chuveiro comigo e
enquanto me dá banho, fala palavras carinhosas e românticas.
No final, enrola meu corpo em uma tolha e me deixa sozinha por
poucos minutos. Quando volta, está vestido com uma calça de moletom e
segura uma camisola em suas mãos. Ele me seca, veste a peça em meu
corpo, me pega no colo e me leve para a cama.
— Você quer comer alguma coisa? — pergunta, fazendo um ligeiro
carinho em minha cabeça.
— Não... — minha voz não passa de um fraco sussurro.
Ele inclina o corpo, beija minha cabeça e diz que vai tomar um rápido
banho, mas que volta logo. Eu apenas aceno, completamente apática.
Minha mente está presa no passado, minha respiração rasa e o
corpo, trêmulo. Estou com medo de que tudo aquilo volte.
Não sei definir por quanto tempo Victor demora, acho que foi algo
rápido, não sei ao certo.
Sei que ele se deita ao meu lado, seca minhas lágrimas, apoia minha
cabeça em seu peito e me abraça forte. E como eu precisava desse
abraço, desse alento, desse carinho.
Como eu precisava dele.
Solto um longo suspiro e deixo toda angústia que eu carrego em meu
peito sair livremente.
Victor, não fala absolutamente nada, não pede explicação e muito
menos pergunta o porquê do meu pranto, ele apenas fica ali, me dando
apoio e carinho.
Quando consigo ter um pouco de controle das minhas emoções, eu
começo a desabafar.
—Me desculpe... — murmuro.
— Maria... — ele tenta me interromper, mas eu apoio meu queixo em
seu peito. Tento sorrir, porém, falho miseravelmente.
— Me deixe falar, por favor — peço, inclinando a cabeça e beijando
levemente seu peito.
Ele faz um leve carinho em meu rosto, segura meu rosto nas mãos e
beija meus lábios, depois solta um longo suspiro e me fita como se
estivesse aguardando meu tempo.
— Eu conheci Antônio quando tinha 17 anos, me casei com ele
pouco tempo depois. — Sinto Victor ficar tenso e noto que prende a
respiração, mas continuo meu relato. — Eu queria fugir da vida sofrida que
eu levava, mal eu sabia que aquilo era um paraíso perto do que minha
vida se transformaria.
Desvio meus olhos dele, sugo um punhado de ar e volto a falar.
— Não vou mencionar tudo o que houve, confesso que tenho
vergonha e também não me lembro de tudo. — Minha voz não passa de
um sussurro.
E eu minto descaradamente, porque desde que eu vi Antônio eu não
faço outra coisa se não me lembrar dos cinco anos que passamos juntos.
De cada surra, cada humilhação. Eu me lembro de absolutamente
tudo!
Mas finjo que não, a mulher que me tornei está em conflito com a
mulher que eu fui. As coisas que eu permiti que meu ex-marido me fizesse
me deixam envergonhada até o meu último fio de cabelo.
— Eu, literalmente, fugi daquele inferno e não olhei mais para trás.
Passei o pão que o diabo amassou por 1 ano aqui no Rio de Janeiro, até
conhecer Bianca em uma situação constrangedora. Ela e Michele não
apenas me deram um emprego, elas me deram a chance de ter uma vida
na qual eu não vivesse de cabeça baixa, que eu conseguisse me olhar no
espelho uma vida, que eu sentisse orgulho. Elas me deram a oportunidade
de restaurar a minha dignidade e amor próprio. — Concluo, com lágrimas
nos olhos.
Meu namorado nada fala, apenas me observa em silêncio.
— Você está decepcionado por eu não ter revelado que sou casada?
— indago, mordendo meu lábio inferior e limpando as lágrimas que
insistem em cair.
— Eu já tinha uma admiração absurda por você, ela apenas
aumentou. — Victor, volta a segurar meu rosto e beijar fortemente meus
lábios. — E você não é casada, e sim separada! — salienta, me olhando
fixamente nos olhos.
Eu apenas sorrio e faço um gesto afirmativo com a cabeça.
— Segunda-feira, bem cedo, nós vamos procurar um advogado e
resolver essa questão o mais rápido possível. Ele nunca mais vai te
machucar Maria, eu prometo. — Volta a me beijar.
E eu o abraço como se ele fosse meu porto seguro e eu quero, do
fundo do meu coração, acreditar que tudo vai acabar bem.
Mas com Antônio na equação, não consigo acreditar que isso seja
possível.
Capítulo 42
Maria
Depois de uma noite quase em claro, desisto de tentar dormir e saio
da cama devagar, tomando cuidado para não acordar Victor, ele passou a
noite em claro comigo, me acalentando, sussurrando palavras amorosas e
prometendo me proteger.
Um lento sorriso surge em meus lábios ao vê-lo me procurar na
cama, pego um travesseiro e ponho em seu peito.
Vejo que ele o abraça, logo em seguida suspira e volta a dormir.
Saio do quarto sem fazer barulho e sigo em direção ao banheiro.
Não levo muito tempo debaixo do chuveiro, eu não quero pensar, e sim ser
prática.
Em minha cama tem um homem lindo e maravilhoso que me ama, e
eu vou lutar para mantê-lo ali.
Afinal, não foi nada fácil conseguir um homem como Victor.
Sentindo a esperança tomar conta do meu corpo, saio do banho e
caminho decidida em direção ao quarto, notando que Victor segue
dormindo.
Contendo um sorriso, sigo em direção ao guarda roupa e enquanto
escolho que roupa vestir, sinto fortes braços me rodearem, em seguida
sou levada de volta à cama e caio, sorrindo.
— Bom dia. — Victor tira meu cabelo do rosto e me beija levemente
nos lábios.
— Bom dia — retribuo, sorrindo.
— Gosto de ver você sorrir.
— Eu gosto de sorrir para você.
— No que depender de mim, você vai viver assim, sorrindo. — Ele
inclina o rosto e sussurra contra a minha boca: — Você ainda não me deu
uma resposta.
E eu, imediatamente, fico dura e prendo a respiração.
Como, em nome de Deus, esse homem toca no assunto “casamento”
depois de tudo o que eu contei para ele?
— Calma, relaxa. Eu sei que temos algumas pendências a resolver
antes de iniciarmos uma vida juntos. — Ele sorri daquele jeito que tanto
gosto e me desarma completamente.
— Temos? — indago com uma sobrancelha levantada.
— Sim, temos. Ou você acha que vai resolver isso sozinha? —
devolve a pergunta me fazendo engolir em seco
— Eu, para falar a verdade, achava que sim. — Mordo meu lábio
inferior e dou de ombros.
— Sinto lhe informar, Maria, mas estamos juntos no prazer e no
dilema. Ou você quer apenas abusar do meu corpo? — ele tem a coragem
de fazer uma expressão de ultrajado.
— Mas que absurdo! — Rio com gosto.
— Pois eu acho que você apenas quer se aproveitar do prazer que
eu te proporciono, e não quer assumir um compromisso comigo.
— Você não é tudo isso não, Victor — minto descaradamente.
Ele sorri de lado, de um jeito muito safado, e eu me dou conta que de
que estou nua debaixo dele.
Sem emitir uma única palavra, ele beija o vão entre meus seios,
percorre um caminho de beijos molhados até a minha intimide, abre
minhas pernas e as põem em seus ombros ao fixar seus olhos em mim.
— Acho que está na hora de te lembrar o quão bom eu sou. — Ele
pisca um olho e me chupa sem desviar os olhos dos meus.
Apesar de estarmos há quase dois meses juntos, Victor nunca me
amou como hoje.
Impetuoso, insaciável. Parecia querer me marcar como sua, como se
cada membro do meu corpo não soubesse disso.
Fizemos amor olhando nos olhos, cheguei ao orgasmo várias e
várias vezes.
— Eu amo você e eu aceito ser sua por toda minha vida — minha
voz soa rouca e solto um longo gemido ao senti-lo entrar em mim com
vigor.
— Você me completa de uma forma que eu não sei definir em
palavras, eu amo você, Maria.
Passamos boa parte do dia na cama, à tarde, pedimos comida,
dormimos e fomos acordados por Michele, que só parou de ligar quando
eu retornei a ligação e garanti que estava bem. Pouco tempo depois, foi a
vez de Bianca ligar. Novamente garanti que estava bem e ela me disse
que já estavam embarcando para a Grécia, onde passariam a lua de mel,
mas que qualquer coisa que eu precisasse, era para entrar em contato
com ela.
Como eu amo essas mulheres.
À noite, voltamos a nos amar como se sentíssemos fome um do
outro.
De madrugada, eu fiz uso do chazinho do poder. Só Deus sabe o
quanto eu estava precisando.
Na manhã seguinte, acordo tendo a sensação de que estou sendo
observada, abro meus olhos e vejo Victor me fitar com um sorriso nos
lábios.
— Bom dia. — Sorrio ao senti-lo pôr uma mecha de cabelo atrás da
orelha, me beijando em seguida.
— Tenho que confessar que eu tive medo.
— Medo de quê?
— Que depois que eu revelasse todo o meu passado, você não
quisesse mais nada comigo.
— Você achou que meu amor por você fosse fraco?
— Não digo fraco, mas... bem, nem sei direito.
— Ah, Maria, você ainda tem muito pouca fé em mim.
— Eu ainda tenho muito medo de que toda essa felicidade que eu
sinto ao seu lado seja tirada das minhas mãos como em um passe de
mágica. Depois de tudo o que eu passei, tenho medo de que tudo isso
seja apenas um lindo sonho, daqueles que eu sonhava para amenizar os
meus dias sombrios.
— Não é um sonho, Maria, eu confesso que, nas últimas semanas,
pensei a mesma coisa. Tudo está perfeito desde que você entrou em
minha vida. Eu encontrei a paz que eu tanto almejava, voltei a pintar e
daqui a alguns dias vou expor minhas obras, você é meu chaveirinho da
sorte. — Ele aproxima o rosto e roça seu nariz no meu.
— Chaveirinho?
— Sim, meu chaveirinho brilhante e divertido. — Victor morde meu
pescoço e me faz cocegas, me arrancando boas risadas.
Nesse clima descontraído, tomamos banhamos juntos, fazemos
amor debaixo do chuveiro e, quando terminamos, ligo para Michele
pedindo indicação de um bom advogado. Ela passa para Márcio, que
antes de me passar o número de um profissional, quer confirmar que
realmente estou bem e também se põe a minha disposição.
Eu estou começando a achar estranho a preocupação deles.
Disfarçadamente, saio de perto de Victor e sigo até a varanda para
conversar com Márcio.
— Márcio o que vocês estão me escondendo? — resolvo ser direta.
E Márcio, apesar da sua fama de sempre correr dos assuntos,
também foi bem direto.
— Seu ex-marido ficou rondando nosso prédio desde o casamento
de Bianca e Fernando, pediu informações suas ao porteiro, que veio nos
falar. Eu e Michele achamos por bem não comentar nada com você, mas
contratamos uma equipe de segurança que vai ficar na sua cola
discretamente.
— Ai, meu Deus. — Toda a confiança que eu sentia até o presente
momento cai por terra.
Capítulo 43
Maria
Seguro o aparelho de celular com força e sinto meu corpo tremer.
— Me desculpe todo... — Márcio me interrompe.
— Nem termine, Maria, você sabe o quanto todos nós gostamos de
você e estamos extremamente preocupados.
— Eu nem sei o que falar, parece que quando tudo em minha vida
está perfeito, as coisas começam a desmoronar.
— Calma, nada vai desmoronar, estaremos ao seu lado. Vou te
passar o contato de um amigo por mensagem e você o procura o mais
rápido possível.
— Muito obrigada, eu não tenho palavras para agradecer.
— Maria, no momento em que mais precisei de alguém ao meu lado,
quando Michele e minha filha estavam em um estado crítico, você ficou ao
meu lado. No meio do caos em que todos estavam descompensados, você
foi a serenidade que eu precisava, me manteve calmo e me deu
esperança. Você é muito especial para todos nós e é natural que nos
preocupemos com você.
A emoção me domina a tal ponto que eu mal consigo falar.
— Muito obrigada — balbucio, emocionada.
Conversamos por mais algum tempo e, quando ele desliga, fico
perdida em meus pensamentos olhando para a janela.
Passei o fim de semana tentando acreditar que tudo daria certo,
tentando ser positiva e acreditar que conseguiria o divórcio e seguiria uma
vida com Victor. Mas a informação de que Antônio está rondando o prédio
das minhas amigas, me faz voltar para aquele lugar tão aterrorizante em
que vivi no passado.
Imagens das agressões, das violências físicas e mentais invadem a
minha mente, me paralisando.
Sinto os braços de Victor rodearem minha cintura.
— Não se esqueça, vamos resolver isso juntos — murmura perto da
minha orelha, depois gira meu corpo e encosta a testa na minha. — O que
houve, meu amor? Por favor, não me deixe de fora, não se esconda de
mim. — Roça seu nariz no meu e beija levemente meus lábios.
— Por um tempo em minha vida, eu achei que era livre para viver um
grande amor. — Sinto lágrimas banharem meu rosto.
— E você é, Maria! Nós vamos viver este grande amor, nós já
estamos vivendo ele. Eu vou estar onde você estiver, vamos resolver
todos os problemas que surgirem em nossa frente, mas, principalmente,
eu nunca vou sair do seu lado, Maria. Nós vamos viver o nosso amor, eu
te prometo.
Engulo em seco enquanto ele seca minhas lágrimas.
— Eu tenho medo dele — murmuro, deixando sair o que estava
preso em meu peito.
— Eu não vou deixá-lo se aproximar de você — promete, segurando
meu rosto com as mãos.
— Ele roubou meus sonhos, me bateu, me agrediu sexualmente e
minha família achava que era tudo normal, que a culpa era minha, que não
sabia satisfazê-lo. — Tomo fôlego e volto a falar: — Ele me machucou, não
só fisicamente, ele feriu a minha mente e eu demorei anos para voltar a
sorrir.
Vejo Victor fechar os olhos momentaneamente e morder os lábios
com força e, quando me olha, eu vejo toda a tristeza que ele sente em seu
peito refletida em seus olhos.
— E você superou, Maria, você põe um sorrio nos lábios de todos a
sua volta. Meu amor, você colore meu mundo, me faz feliz, você faz a
todos felizes. Você tem uma luz, uma força de viver que é surpreendente.
Meu amor, você é maravilhosa. — Ele volta a encostar a testa na minha e
sussurra contra a minha boca. — Eu nunca vou deixá-lo chegar perto de
você, tocar em você, eu vou te proteger com a minha vida, se for preciso.
— Eu liguei pra Michele para buscar uma indicação de um bom
advogado e Márcio me disse que meu ex-marido estava rondando seu
prédio — revelo entre soluços, e Victor me abraça forte, tão forte que sinto
seu coração bater acelerado.
Chega de mentiras, não posso começar uma vida com Victor em
meios a mentiras.
— Esse escroto filho da puta! — Ele não esconde a revolta em sua
voz. — Eu conheço um advogado perfeito para cuidar do nosso caso.
— Nosso caso? — Me afasto e o encaro com uma sobrancelha
levantada.
— Sim, Maria, nosso caso. Eu já te disse várias vezes que estamos
nisso juntos. — Foi impossível não sorrir entre as lágrimas.
— Quem é esse advogado? — indago enquanto ele limpa minhas
lágrimas.
— Maurício. Você o conheceu há algum tempo, jantamos com ele e
sua esposa, Cristina, algumas vezes. Trabalho com ela em sua empresa
de decoração — explica e eu me recordo do homem loiro, alto, muito
bonito e de sua esposa, baixinha gordinha, extremante linda e simpática.
— Ah... me lembro. Nessa época, você me mantinha no escuro, sem
me dar a certeza se me queria ou não — eu não resisto a implicar com ele.
— Nem me lembre dessa época de perrengue. Foi a fase mais
confusa da minha vida, eu estava descobrindo um sentimento que me
pegou de jeito e, ao mesmo tempo que eu queria vivê-lo em toda sua
intensidade, tinha que me segurar por causa de uma outra pessoa e,
principalmente, por medo de te magoar.
— E você me magoou, agindo assim.
— E, para o meu total desespero, você teve vários encontros e um
namorado nessa época.
— Por acaso, você queria que eu ficasse sentada, chorando
enquanto você consolava sua amiga?
— Você tem razão, eu mereci cada noite acordado imaginando o que
estava fazendo e principalmente com quem você estava, perdi as contas
de quantas vezes senti medo de alguém conquistar seu coração, e isso
quase aconteceu com Marcos. Mas vamos mudar de assunto, porque eu
nem gosto de lembrar dessa época. Agora você é só minha e vou manter
você assim.
— E você é meu?
— E você tem alguma dúvida disso? — indaga me olhando
intensamente.
E em seus olhos eu vejo todo o sentimento que ele sente por mim.
— Não, não tenho dúvidas.
— Ótimo! Agora, vamos entrar em contato com o marido de Cristina.
— Mas ele é bom mesmo?
— Mauricio esperou 10 anos para viver seu amor com Cristina e uma
das artimanhas que ele usou, foi jurídica, eu tenho certeza de que ele vai
entender nosso caso e, principalmente, nos ajudar.
Ele me dá um leve beijo, busca seu celular no bolso da calça e disca
para o marido da sua amiga.
Saímos do meu apartamento com uma reunião marcada para a parte
da tarde com Mauricio.
Assim que passamos pelo porteiro, ele nos chama.
— Oh, dona Maria, tudo bem?
— Sim, senhor Raimundo, e então, sua esposa gostou dos
sabonetes? — pergunto, sorrindo.
O porteiro do prédio em que eu moro é do Nordeste e, desde que
abri a loja, todo mês trago um agrado para ele e sua família e ele fica
muito feliz.
— Oxi, ela gostou por demais. Muito obrigado, visse. Mas olhe, veio
um cabra muito do estranho aqui, no sábado, e também ontem, te
procurando, e hoje de manhazinha eu o vi andando na frente do prédio.
Meu coração bate acelerado.
— Como era esse homem? — pergunto, imaginando que talvez
fosse o tal segurança que Michele disse que botaria na minha cola.
— Era um homem alto, branco, cabelos castanhos, tinha uma pinta
no rosto e parecia ser lá da nossa terra.
— Antônio... — murmuro apavorada.
— E o senhor deu alguma informação sobre Maria? — Victor
questiona, segurando minha cintura com força.
— Mas é claro que não! Imagina se eu faria algo assim. Eu achei
muito estranho e estava esperando ver Maria para contar a ela.
— Muito obrigado, Raimundo — agradeço, ainda muito abalada.
Saímos do prédio abraçados e nos assustamos quando saem dois
homens enormes de um carro preto do outro lado da rua.
Institivamente, Victor me coloca atrás dele.
— Bom dia, senhorita Maria? — pergunta um dos homens.
— Quem gostaria de saber? — Victor retruca, me mantendo atrás
dele.
— Meu nome é Fabiano e o dele é Luiz. Somos membros da equipe
de segurança ELITE, contratados pela senhorita Michele Barcellos para
assegurar a sua segurança.
— Nossa Senhora, que você acabou me roubando alguns anos de
vida saindo desse jeito do carro — tento brincar, mas ainda estou me
tremendo todinha.
— Peço que nos desculpem. Vamos segui-la até o trabalho. — Eles
se afastam e voltam para o carro.
Victor olha para mim e ambos rimos e seguimos em direção a seu
carro. Ele me deixa em frente à loja dizendo que vai na galeria resolver
algumas coisas da sua exposição, mas na parte da tarde vem me buscar
para irmos juntos ao advogado.
Me beija e se despede, vejo-o entrar em seu carro e jogo um beijo
para ele. Quando vai embora, noto o automóvel dos seguranças parado do
outro lado da rua.
Ainda sentindo a angústia me corroer por dentro, abro a loja e envio
uma mensagem para Michele, agradecendo pelos seguranças. Logo em
seguida, Arino chega e iniciamos o expediente na loja.
Deixo meus problemas pessoais de lado e me envolvo no trabalho.
Depois do meio dia, estou conferindo o estoque quando Arino me chama e
diz que tem um cliente me procurando e avisa que vai buscar a nossa
comida no restaurante que fica próximo a nossa loja. Julgando ser mesmo
um cliente, saio distraída com as planilhas na mão.
E novamente sinto como se me fossem roubados alguns dias.
Antônio está a minha frente.
— Finalmente nos reencontramos, minha esposa.
Capítulo 44
Maria
Os papéis que estavam em minhas mãos vão parar no chão no
momento em que eu elevo as mãos ao meu rosto.
— O que foi, Maria, está surpresa em me ver? — Ele inclina a
cabeça de lado, me olhando com o cenho franzido.
E agora, de frente para ele, vejo o quanto envelheceu. Mas a
maldade que eu via em seus olhos naquela época, ela continua ali
presente, e ouso dizer que está muito maior.
Antônio está vestido com um boné e com roupas de um time de
futebol carioca. Ele tirou a barba, que estava presente em seu rosto no
sábado, quando o vi no noivado de Bianca, também pintou seus cabelos
castanhos claros de preto. Se a sua intenção era passar despercebido,
creio que tenha surtido efeito.
— O que você quer aqui, Antônio? — Tiro forças não sei de onde e o
enfrento de cabeça erguida.
Nem sequer penso em me baixar para pegar os papéis que eu
levava, não posso baixar a guarda na sua frente.
— Você tem noção da vergonha que você me fez passar nos últimos
anos? Tem noção do quanto eu te procurei? Por sua causa, eu virei motivo
de chacota na nossa cidade enquanto você vivia como uma puta aqui no
Rio de Janeiro.
— Eu não sou puta! Mas, se fosse, você não teria nada a ver com
isso.
O tapa que eu levo em meu rosto me pega de surpresa e me leva
direto para o chão, ele se abaixa e desfere um, dois, eu parei de contar no
terceiro, soco.
Busco o ar nos meus pulmões com força as lágrimas queimam meus
olhos e se arrastam pela minha face. O gosto de sangue invade minha
boca e eu olho ao redor e vejo os papeis espalhados. Procuro algo que
possa me defender, algo que possa impedi-lo de realizar o próximo
movimento.
Mas eu não fui rápida o suficiente.
Antônio segura meus cabelos e os puxa até que seu rosto tomado
pela raiva fique bem próximo ao meu.
— Eu vi, sua sem vergonha, eu passei a noite de frente para o seu
prédio, você mora com aquele metido a grã-fino de merda. Mas você é
minha mulher e vai voltar comigo.
Ele levanta a mão com a intenção de desferir mais um golpe e eu
apenas fecho meus olhos, esperando o golpe que não veio.
— Solte-a — ouço uma voz grossa ordenar.
Com o ar saindo rápido pelos meus pulmões, desvio de Antônio e
vejo um dos seguranças — reconheço-o como Luiz — Com uma arma
apontada para a cabeça do meu ex-marido, que suspende as mãos. Em
seguida, o outro segurança o derruba com um golpe certeiro.
Fabrício, o segurança que deu um soco em Antônio, se vira em
minha direção e me ajuda a levantar
Daí em diante, a confusão está armada.
Arino chega com nossa comida e ao ver a cena, acha que é um
assalto e parte para cima do segurança armado. Antônio aproveita a
confusão e escapa correndo. Luiz e Fabricio até tentam ir atrás dele, mas
eles informam que ele entrou em um carro que saiu em disparada.
Eu desabo em uma cadeira e Arino surge a minha frente com uma
bolsa térmica gelada Ele ergue minha mão e eu o olho confusa.
— É para o seu rosto — sua voz soa mansa e em sua face está uma
expressão de pena.
— Obrigada. — Tento sorrir, mas meu rosto dói com o movimento e
eu desisto.
— Me desculpe, Maria. Por favor, me perdoe, eu não imaginava que
era seu ex-marido. Quando entrei na loja e vi aqueles homens armados,
eu pensei que eram assaltantes, nunca poderia imaginar que eles estavam
te defendendo.
— Imagina, Arino, você não tinha como saber.
— Oh, minha amiga, por que você não me disse, hoje, que ele tinha
voltado? Eu não teria arredo o pé daqui. Bem, a verdade é que você nem
deveria estar aqui, já deu para notar que esse homem é louco!
— E eu vou novamente parar a minha vida e fugir Arino? Já fiz isso e
comecei uma nova vida aqui. E eu ia comentar com você no final do
expediente, não queria te preocupar logo de manhã.
— Oh, Maria... — Arino me abraça, mas logo me solta, quando gemo
de dor.
— Maria? Mas que porra houve aqui? — Victor entra na loja, que
estava com as portas semiabertas e vem correndo em minha direção.
— Ele veio aqui e... — Não consigo terminar.
— Ele entrou como se fosse um cliente e estava disfarçado. Assim
que notamos uma movimentação estranha, entramos em ação — Luiz, um
dos seguranças, informa.
— Um pouco tarde, não acha? Veja o que esse bandido fez no rosto
dela! — Victor grita a plenos pulmões.
— Eles não têm culpa, meu amor — abrando a voz com a intenção
de acalmá-lo. — Estávamos no canto da loja.
— Seu amigo tem razão — Luiz tenta se desculpar, mas Victor o
interrompe.
— Namorado! — Victor não esconde a raiva.
— Me desculpe, seu namorado tem razão. Deveríamos ter previsto
isso. De agora em diante, um de nós sempre ficará na loja com a senhora
— conclui, pedindo novamente desculpas e perguntando o que queríamos
fazer a seguir, ele nos aconselhou a ir à delegacia mais próxima e prestar
queixa.
Victor ainda tomado pela raiva, pega seu celular e faz uma ligação.
Ouço-o fazer um breve relato e, ao terminar, ele informa que entrou em
contato com Maurício e que ele nos encontrará na delegacia do bairro.
Seguimos todos para delegacia, Arino fecha a loja e faz questão de ir
também.
O trânsito complicado fez com que demorássemos mais que o
esperado para chegar à delegacia. Assim que chegamos, encontramos o
advogado a nossa espera na porta.
Com a vergonha tomando conta do meu corpo, eu entro no recinto
de cabeça baixa e, assim, eu faço todo relato de minha vida e dos últimos
acontecimentos ao delegado.
Revelo para um policial tudo o que houve, foi uma das coisas mais
difíceis que eu já fiz em minha vida.
Victor me surpreende ao também fazer questão de depor. Ele
informa sobre seu relacionamento com Angélica, e revela que foi ela quem
encontrou meu ex-marido e disse onde eu estava. Ainda disse que
suspeitava que fosse ela quem dirigia o carro que facilitou a fuga de
Antônio, e fez questão de passar o endereço, não só de Angélica, mas
também dos seus pais.
Victor exalava raiva por todos os poros e o nosso advogado o
aconselhou a não fazer justiça com as próprias mãos, pois nesse
momento eu precisaria e muito dele.
Em seguida, foi a vez dos seguranças.
Depois de colher nossos depoimentos, fui encaminha para fazer o
exame de corpo de delito.
Lágrimas desciam pelo meu rosto como se não houvesse amanhã,
foi constrangedor e, principalmente, triste.
Eu me sentia uma merda de mulher por não ter conseguido me
defender, por não ter gritado, por novamente ter deixado o medo me
dominar e simplesmente paralisar enquanto Antônio me agredia.
Ao termino do exame, Victor me abraçou delicadamente e beijou
meus cabelos enquanto eu desabei em seu ombro.
Ao sairmos do instituto médico legal, Victor faz questão de que
seguíssemos para o hospital e, mesmo eu garantindo que estava bem, ele
não arredou o pé.
Mas uma vez, passamos por uma situação constrangedora, pois
tivemos que relatar todo o ocorrido aos médicos que olhavam Victor de
forma suspeita. Depois de fazer uma bateria de exames, o médico me
receitou alguns remédios, me aconselhou a pôr compressas de água fria
no hematoma e sugeriu que eu descansasse por alguns dias e, se
sentisse muita dor de cabeça, tivesse vômito ou desmaio, voltasse.
Ao sermos liberados, encontramos Maurício, os seguranças e Arino
nos esperando.
Maurício conseguiu uma medida protetiva, Antônio não poderia se
aproximar de mim.
Os seguranças novamente afirmavam que, dali em diante, ficariam
mais atentos.
Arino me pediu para ficar um tempo em casa, descansar e só voltar
para a loja quando estivesse bem.
Mas eu achava que nunca mais ficaria bem.
Todos tentavam me manter protegida, mas ele encontrou uma forma
de achar uma brecha e me atingir.
E em meu íntimo, eu sabia que ele faria isso novamente.
Capitulo 45
Maria
Ao entrar em casa, vou direto para o banho. Victor tenta entrar
comigo, mas eu peço para ir sozinha. Eu preciso ficar um tempo sozinha.
— Me desculpe — sua voz não passa de um sussurro.
— Você está se desculpando pelo quê? — indago de cabeça baixa.
— Eu não consegui cumprir minha promessa. — Seu lamento me faz
elevar a cabeça e fitá-lo.
— A gente não tinha como prever que ele faria isso, você não teve
culpa. — Observo-o em silêncio por um tempo, depois viro de costas e
sigo em direção ao banheiro.
Sua expressão magoada mexeu comigo, mas naquele momento eu
estava tentando digerir tudo o que houve hoje e era um processo que eu
queria passar sozinha.
Debaixo do chuveiro, sentindo a água fria banhar meu corpo, eu
novamente chorei, meu rosto ferido doía, mas a dor maior era na minha
alma.
Por não ter sido forte, por novamente ter sido fraca, por mais uma
vez ter sido agredida, estava completamente mergulhada na autopiedade.
Ouvia Victor me chamar, pedindo que para entrar, para não o deixar
de fora.
Mas a vergonha não me deixava.
Pelo reflexo da porta de vidro, eu vi meu olho roxo e meu couro
cabeludo doía pelo forte puxão que Antônio me deu.
Eu me sentia uma merda.
Eu sentia vergonha.
Eu queria ficar sozinha.
Ouço um movimento e algumas vozes alteradas, mas não tinha a
mínima vontade de saber o que estava acontecendo.
Eu queria entrar em um buraco e simplesmente desaparecer.
Sou surpreendida pela entrada de Michele no banheiro. Minha nudez
não me preocupa, e sim o hematoma em meu rosto. Eu elevo as mãos até
ele e choro copiosamente.
Michele não diz absolutamente nada. Coisa muito pouco
característica dela.
Ela põe as mãos no vidro do box e chora tanto ou mais que eu.
Não sei dizer quanto tempo ficamos assim. Sei que depois de um
longo tempo, ela desligou o chuveiro, me secou rapidamente e envolveu
meu corpo em um roupão.
Eu me sentia fraca, emocionalmente e fisicamente.
Eu apenas queria acordar desse pesadelo.
— Oh, minha Maria. — Michele seca meu cabelo e eu vejo as
lágrimas descerem livremente por seu rosto.
— Eu pensei que nunca mais passaria por isso, eu achei que estava
livre — murmuro em um fio de voz.
— Você é, meu anjo, eu quase surtei quando os seguranças me
relataram o que houve.
— Eles não deveriam ter lhe contado, isso é tão vergonhoso.
— Não! Maria, a culpa não é sua.
— Eu deveria ter me defendido, eu sei como ele age, eu deveria...
— Maria, você não é culpada, ele é o agressor. O que ele fez é
crime.
Uma parte de mim sabe que tudo isso que Michele está falando, é
verdade, mas existe uma outra parte, que acha que eu poderia ter feito
algo para evitar.
— Você não tem culpa, mona. Por favor, tire isso da cabeça — ela
pede, me olhando com carinho.
Não conseguindo falar nada, faço um movimento afirmativo com a
cabeça.
— Agora levante a cabeça e vamos sair daqui. Seu boy galã
mexicano está com cara de cachorro que caiu da mudança — Michele
tenta brincar.
Volto a fazer um meneio afirmativo, minha amiga abre a porta do
banheiro e Victor entra com uma expressão preocupada.
Tento sorrir, mas meu rosto dói muito, então eu apenas elevo uma
mão e toco seu rosto. Ele segura minha mão e me puxa ao encontro do
seu peito.
Sinto que ele respira fundo e me embala, ouço a porta se fechar e
tenho certeza de que Michele saiu para nos dar privacidade.
— Por favor, não faz mais isso, não me mantenha mais afastado.
— Eu precisava de um momento sozinha.
— Eu fico em silêncio, completamente mudo ao seu lado, mas
sempre ao seu lado. Promete? — pede, me olhando com carinho.
— Prometo.
Algum tempo depois, seguimos para sala e encontramos Márcio e
Michele conversando.
— Onde está Marina? — questiono depois de receber um abraço de
Márcio.
Na verdade, eu queria me afastar do seu olhar de pena e mudar de
assunto quando ele fez menção de comentar algo.
— Pedi a Mariana para passar um olhinho nela — Michele responde,
chamando-me para sentar ao seu lado, eu vou de bom grado e Victor se
senta ao meu lado. — Sei que você não quer falar disso, mas precisamos,
ok?
Solto um longo suspiro antes de fazer um gesto afirmativo.
— Pedimos para mudar e aumentar os seguranças —Márcio informa
e eu abaixo a cabeça.
— Eu gostaria de agradecer o cuidado e carinho de vocês, mas eu
cuido disso de agora em diante. Maria é minha namorada e sua segurança
é de minha responsabilidade. — Victor aperta minha mão e beija minha
cabeça suavemente.
— Victor, eu até entendo o seu lado, realmente entendo, mas quero
que você compreenda que Maria é muito importante para a gente. Caso
queria, você pode contratar uma outra equipe, mas eu não vou abrir mão
de proteger a minha amiga. — Michela não esconde a emoção na voz e eu
seguro sua mão.
— Eu já contratei uma equipe e, até que esse filho da puta seja
preso, eu não sairei do lado de Maria. — Victor enlaça minha cintura e
beija minha cabeça.
— E eu fico muito feliz e mil vezes mais tranquila por saber que você
estará ao lado da minha doida favorita. — Michele segura minha mão.
— Mas porque vocês trocaram a equipe? — indago, fitando Márcio.
— Porque eles cometeram uma falha grave — reponde, me olhando
nos olhos com uma expressão muito chateada.
— Nem pense que a culpa é sua. Eles não foram demitidos, apesar
de eu querer arrancar a cabeça deles por não terem defendido você direito
— Michele completa, bufando.
—Mas, Michele, se eles não estivessem lá... — paro de falar e
desvio meus olhos dela, voltando a fitar o chão.
— Exatamente. Por isso que não pedi para demiti-los. Enfim, uma
nova equipe vai acompanhar você a partir de amanhã e pode engolir
essas desculpas. Uma não, duas, a minha e a de Victor — conclui, soando
bem séria. É tão estranho ver Michele séria.
— Tudo bem, mas eu tenho um pedido a fazer.
— Qual?
— Eu gostaria que Bianca não soubesse de nada do que houve, pelo
menos até ela voltar.
— Você sabe que ela não vai gostar nada disso. Tem certeza disso?
— Márcio levanta uma sobrancelha.
— Sim, tenho certeza disso. Bianca está grávida e está em lua de
mel. Se souber disso agora, ela vai deixar Fernando doido para voltar e
isso pode fazer mal a minha amiga e ao bebê. Eles voltam em alguns dias
e então contamos tudo. E vocês sabem o quanto Fernando é, digamos,
intenso. Ele com certeza não vai seguir as orientações do nosso advogado
e vai pôr o Rio de Janeiro a baixo atrás dele.
— Eu quero pôr o Rio de Janeiro a baixo e furar ele com um milhão
de pregos — Victor demonstra toda a sua raiva. — Mas não vou fazer,
porque você precisa de mim ao seu lado.
— Confesso que também queria arranjar um povo para ir atrás desse
homem. Em relação a Bianca, eu tenho que concordar com você, mas ela
ainda vai ficar chateada — Michele conclui.
— Eu saberei lidar com isso. — Dou de ombros.
— Uma coisa que eu não entendo, como esse homem sabia os
lugares onde você poderia estar? — Michele segura os lábios, pensativa.
— Ele veio aqui no prédio, o porteiro nos disse hoje de manhã —
informo abaixando a cabeça.
Victor solta um longo suspiro.
— Eu acho que Angélica tem algo a ver com isso. A sua
aproximação no casamento de Bianca me leva a crer nisso e informei esse
fato no depoimento que dei na delegacia.
— Aquela vaca! — Michele dá um soco na própria mão.
— Eu já vi Angélica fazer o arco da velha, então não me surpreende
essa informação.
Um silêncio estranho se instala no ambiente, um sentimento
chamado medo se instaura em meu coração.
Me lembro das coisas horríveis que Bianca e Mariana falaram sobre
Angélica.
Pouco tempo depois, Michele e Márcio vão embora e eu e Victor
vamos para a cama.
— Eu queria ter conseguido te proteger hoje — Victor soa triste.
— Você não teria como saber, ninguém teria como saber. Como você
se sente em relação a Angélica? — indago, sentindo seu coração bater.
Victor me abraça mais forte e solta um longo suspiro.
— Fui um idiota por ter abdicado da minha felicidade por um período,
ter ajudado ela e em decorrência ter lhe machucado.
— Eu sinto muito.
— Não faça mais isso.
— O quê?
— Não se desculpe por algo que você não tem culpa, você não é
assim, Maria.
Eu deito minha cabeça em seu peito.
— Eu fui novamente quebrada, eu não sei se consigo voltar a ser a
Maria de antes.
— Eu não tenho a menor dúvida de que conseguirá, eu estarei ao
seu lado a cada passo do processo.
— E se eu não conseguir?
— Eu vou continuar amando você, vou continuar ao seu lado e nós
vamos continuar construindo a nossa muralha e lá dentro, longe do
mundo, quando estivermos só nos dois, eu te faço feliz, vou me esforçar
ao máximo para novamente pôr um sorriso em seus lábios, Maria, e nunca
mais vou deixar ele te machucar. Eu prometo. — Foi impossível não ver a
emoção refletida em seus olhos e eu apenas aceno e deito em seu peito,
com o meu coração um pouco mais acalentado, com a certeza de que,
independente do que acontecer, Victor estará ao meu lado.
Então, de alguma forma tudo, terminará bem.
E é com essa prece em minha mente que eu adormeço enquanto
Victor diz o quanto me ama.
Capítulo 46
Maria
Mais uma noite, passei em claro. Em grande parte, por causa do
meu rosto dolorido. Victor me deu analgésico, colocou compressa de água
fria e ficou comigo o dia todo.
— Você tem que ver como estão as coisas para a sua exposição.
— Eu adiei a exposição.
— O quê?
— Meu amor, você precisa de mim neste momento, eu não vou sair
do seu lado, e muito menos teria cabeça para resolver qualquer coisa em
relação a trabalho no momento.
— Me desculpe por todo o incômodo.
— Não faça isso, não se desculpe. Você é mais importante que tudo
para mim. Eu já tinha desistido de expor, há muito tempo que eu só vendia
quadros por encomendas ou fazia trabalho para empresa de Cristina.
Conseguia manter um bom padrão de vida, então para mim estava tudo
bem. Mas de expor, eu tinha desistido, não tinha confiança em meu
trabalho e você me fez novamente querer expor. Sua admiração por mim,
o seu amor e a sua entrega foram fundamentais para essa decisão e não
teria a mesma emoção sem você lá.
Eu nem tento impedir as lágrimas que descem livremente pelo meu
rosto.
— No momento você não teria condição de ir, no momento você está
triste, no momento você precisa de mim ao seu lado e eu não quero estar
em nenhum lugar que você não esteja. Esta tristeza vai passar, meu amor,
e eu vou ficar ao seu lado a todo momento. — Ele segura meu rosto
delicadamente e me beija.
Abro e fecho a boca, mas não consigo rebater.
— Agora vamos ao meu apartamento, vou preparar um banho de
banheira para você, vou mimar minha namorada o dia todinho — pede, me
dando um leve puxão.
Sem condições de falar, eu apenas faço um ligeiro meneio de
cabeça.
E ele fez exatamente isso, ficou ao meu lado, cuidou de mim. No
decorrer do dia, Michele ligou, Arino ligou, Mariana ligou.
Todos queriam vir me ver, mas eu apenas queria ficar sozinha, ou
melhor, ficar com Victor.
Eu conseguia afastar todos, menos ele, meu namorado não me dava
essa opção.
E foi assim por duas semanas.
A alegria que era tão característica me abandonou, Victor era
maravilhoso, ele tentava me fazer sorrir e até conseguia, eu sorria por ele,
mas não por mim.
E ele sabia disso e dizia que tudo bem, que eu sempre seria o seu
arco-íris, que essa fase iria passar e eu queria acreditar nele.
Nesse período, não saímos de casa, eu tinha medo e Victor falava
que quando eu estivesse confortável, nós iríamos.
Durante esse tempo, não quis fazer amor e ele me disse que
teríamos a vida inteira para nos amar, que algumas semanas ou meses
não o fariam ele desistir de mim, que nada o faria desistir de mim.
E eu acreditei nele.
Seguimos nesse ritmo até uma manhã em que Mariana me ligou
perguntado se ela e Michele poderiam vir me ver. Eu dei uma desculpe e
disse que em breve.
Os hematomas tinham melhorado, agora estavam apenas
arrochados e não uma mancha preta, mas a vergonha ainda me consumia
por dentro. De longe, eu ouvi Michele dizer que iria dar na minha cara e
isso me fez sorrir.
Cerca de meia hora depois, minha campainha toca insistentemente.
Victor tinha saído para comprar alguns mantimentos, então eu estava
sozinha no apartamento.
Meu coração começou a bater acelerado e eu fiquei paralisada de
frente para a porta, olhando-a apavorada.
— Maria, abra a porta, o porteiro me deixou subir. Imagina se ele
teria a audácia de me impedir. Ele não é louco! — Michele grita a plenos
pulmões.
Com os olhos arregalados, eu abro a porta e meu queixo quase cai
ao ver Michele vestida em um dos seus pijamas de personagens infantis.
Ela está vestida de Piu piu, com direito a rabinho.
— Que foi? Você achou que eu viria sofisticada te dar uns sacodes?
É ruim em meu amor, eu apenas saí, deixei Marina com Mariana e vim
para cá — explica, jogando a bolsa no sofá e em seguida pondo as mãos
na cintura.
E foi assim que, pela segunda vez na minha vida, Michele me fez
voltar a sorrir.
Sorrir, não, gargalhar.
Eu curvei o corpo, explodindo em uma gostosa gargalhada.
— Vamos, vai tomar um banho e vamos a um psicólogo. Infelizmente
não vai ser à base de tapa que você vai ficar bem. — Suspira, se jogando
no sofá e cruzando as pernas. — Ande logo que eu quero minha Maria de
volta.
— Eu não preciso ir a um psicólogo. — Me sento no sofá a sua
frente.
— Sim, você precisa. Eu posso ter lhe feito rir, bem, falando nisso,
deixa eu tirar esse pijama. — Diz esticando o corpo e buscando sua bolsa
no canto do sofá.
— Você veio com outra roupa? — indago com um sorriso.
—Mas é claro que sim, eu hein?! — Dá de ombros como se fosse a
coisa mais óbvia do mundo. — Não daria para me trocar, mas eu botei
uma muda de roupa na bolsa.
Nesse momento, a porta abre e Victor entra cheio de bolsas. Ele
estanca ao ver Michele e levanta uma sobrancelha quando nota sua
roupa.
— Gato, vim levar Maria ao psicólogo e tu acredita que ela teve a
cara de pau de rir na da minha cara? — Michele exclama demostrando
indignação.
E então ele me fita e me vê rir, e o seu sorriso me faz sentir mil e
uma borboletas em meu estômago.
Victor larga as bolsas e caminha em minha direção devagar, me
pega no colo e sussurra contra a minha boca:
— Bem vinda de volta, meu amor. — Ele me beija e eu me entrego
completamente.
— Hei! Vamos parar com a sessão pornô que a médica está nos
esperando em 40 minutos. — Michele bate o dedo em seu relógio.
— Você já marcou uma consulta? — Victor indaga, ainda me
segurando em seus braços. — Eu faria isso em alguns dias se ela não
reagisse — informa, virando o rosto para mim e encostando a testa na
minha.
— Gato, eu não brinco em serviço. Ande logo, Maria, vai trocar de
roupa que eu vou ao banheiro tirar o meu pijama de Piu piu. — Ela diz se
levantando.
— Lindo pijama. — Victor tenta segurar um sorriso.
— Meu amor, esse pijama é babado fortíssimo, eu sabia que ele iria
pôr o sorriso de volta na cara de Maria, ela nunca conseguiu se segurar
quando eu o vestia. Para falar a verdade, na primeira vez que nos vimos,
eu estava usando um parecido e ela deu a mesma gargalhada que agora a
pouco — Michele soa emocionada.
Eu saio do colo de Victor e a abraço.
— Obrigada, amiga.
— Vamos parar de chororô e vamos logo ao médico!
Pouco tempo depois, seguimos em direção ao prédio onde ficava o
escritório do psicólogo. No carro, dois seguranças que Victor contratou nos
acompanhavam.
Fomos seguidos por um carro que Michele garantiu que eram os
novos seguranças.
Dois deles subiram com a gente e dois ficaram no carro.
A consulta foi melhor do que eu imaginava, finalmente voltei a falar
do que houve, chorei e comentei sobre sentimento de culpa que anda me
esmagando.
A doutora me explicou que é normal esse sentimento em vítimas de
abuso, que eu estava passando por um processo, primeiro vinha a culpa e
depois a raiva.
Que era melhor do que fingir que não aconteceu.
Aí eu entendi que foi isso que eu fiz por anos, eu escondi tudo o que
houve no passado em um caixa dentro de mim e fingi, como se nada
tivesse acontecido.
E quando Antônio me encontrou, eu não soube lidar com isso.
Foi uma boa consulta e marcamos duas visitas por semana.
Saio da sala da médica com um sorriso aliviado no rosto e sou
recebida de braços abertos por Victor.
— Obrigada — murmuro para Michele, ainda nos braços de Victor.
Ela apenas pisca o olho no jeito Michele de ser.
Começando a ver a luz no fim do túnel, eu saio do prédio de braços
dados com Victor com um segurança a minha frente, Michele a nossa
costa e outro segurança atrás dela.
Eu olhava para Victor e pensava no presente que a vida me deu
quando tudo aconteceu.
Foi tudo muito rápido, talvez eu não tenha percebido antes, porque
eu estava agradecendo muito a Deus por ter Victor em minha vida.
Ouvi alguém me chamar, virei o rosto sorrindo e, do nada, Victor me
puxa para trás dele e eu ouço o tiro.
Em câmera lenta, eu vejo meu amor cair ensanguentado enquanto
os seguranças partem para cima de Antônio.
Eu acho que o grito que eu dei ecoou por quarteirões.
Ouvia de longe a voz de Michele me chamando, perguntando se eu
também tinha sido ferida, mas a minha única reação foi segurar a cabeça
de Victor que estava desacordado, e pressionar o seu abdômen, que não
parava de jorrar sangue.
Um dos seguranças ligou para a ambulância e eu dei graças a Deus
por eles chegarem em pouco tempo.
Dali em diante, tudo passou como se eu estivesse sonhando.
Entramos na ambulância eu, ele e os paramédicos.
Michele e um segurança seguiram comigo enquanto os outros
mantinham Antônio imobilizado à espera da polícia.
Ao entramos no hospital, os paramédicos seguiram com Victor para
uma sala e eu fiquei parada no hall de entrada vendo o amor da minha
vida ser levado com a vida em risco, segurando minha bolsa e a carteira
dele contra meu peito e com minhas mãos cheias de sangue.
— Maria? — Viro meu rosto para onde ouvi alguém me chamar e
vejo Marcela caminhar em minha direção. — Pelo amor de Deus, o que
houve?
— Meu ex-marido atirou no meu namorado — balbucio, respirando
com dificuldade e voltando a olhar para a porta, por onde levaram.
— Amor, por favor, vem aqui no hall, a Maria está aqui e não está
bem — ouço de longe que Marcela está falando ao celular, mas não dou
muita importância. Ela segura meu braço e me leva em direção a uma
cadeira. — Eu chamei o Marcos, vou esperar ele chegar e vou fazer a
ficha de Victor enquanto ele fica com você, ok?
Eu apenas aceno sem conseguir falar nada.
Pouco depois, Marcos aparece na minha frente e eu desabo.
Tento explicar o que houve, mas eu só consigo soluçar.
Sinto Marcela tirar a carteira de Victor do meu braço, me dizendo que
iria fazer a fixa dele e pedindo a Marcos para não me deixar sozinha.
Eu acho que agradeci, não tenho certeza.
— Me ajuda Marcos — peço desesperada.
— Oh, minha amiga, assim que Marcela voltar, eu vou lá dentro ver
como ele está — promete, me abraçando, e eu me aninho em seus braços
e choro copiosamente.
Michele me encontra assim, abraçada a Marcos, chorando.
Ela segura meus ombros e me puxa para ela. Nos abraçamos e
choramos juntas.
— Marcela está voltando, vou deixar vocês com ela e vou lá dentro
me informar do que está acontecendo.
Eu apenas faço um gesto afirmativo, fazendo uma oração fervorosa
para que tudo fique bem.
Capítulo 47
Victor
Dizer que não me incomodou saber que Maria era casada, seria uma
enorme mentira. Contudo, eu não pude expressar tudo o que estava
sentindo, porque vê-la naquele estado, me deixou completamente
desesperado.
A razão dos meus sorrisos estava triste e tinha todos os motivos para
isso.
Desde que Angélica interrompeu nossa dança e informou que o
marido de Maria estava presente na festa, nossa vida virou de cabeça
para baixo.
Me recordo que, antes de sair da festa, Márcio se aproximou
perguntando como eu estava. Ele comentou que Fernando retirou Angélica
e o ex-marido de Maria da festa.
Me recordo que engoli em seco quando ele mencionou a palavra
marido, mesmo que venha com o ex na frente, me incomodou, e muito.
Porém preferi manter o silêncio, Márcio me aconselhou a tomar
cuidado com Angélica, pois ela já tinha complicado e muito a vida de
Fernando e de Bianca e, mais uma vez, preferi ficar em silêncio.
Mal ele sabia, mas eu conhecia e muito Angélica, meu erro foi achar
que ela tinha mudado. Foi ter aceitado ela em minha vida novamente,
mesmo que somente como amiga.
Ao sair do local em que foi realizada a cerimônia de casamento de
Bianca e Fernando, agradeci aos seus amigos por cuidarem da situação e
prometi cuidar de Maria.
O caminho de volta para casa foi feito em silêncio, meu amor estava
com a cabeça encostada no vidro do carro, chorando.
Apesar de estar cheio de questionamentos, eu não queria fazer nada
que a machucasse, ela já parecia quebrada demais e eu apenas queria
esganar as pessoas que a fizeram sofrer tanto.
Maria sempre demonstrou ser um arco-íris ambulante, emanando
boas vibrações e positividade por onde passasse e, para mim, como
artista, conviver com uma pessoa assim é uma fonte constante de
inspiração.
Então, quando ela me contou seu passado, não em detalhes, porque
estava claro que ela preferiu preservar algumas coisas sortidas, a minha
vontade de esganar quem a fez sofrer aumentou, e muito. Mas naquele
momento, a única coisa que eu poderia fazer era abraçá-la e prometer que
nunca sairia do seu lado.
E eu passei o fim de semana demonstrado, de várias formas, o
quanto eu amava.
Apesar de recente, meu relacionamento com Maria é intenso, e eu o
blindei de modo que nada atrapalhasse a nossa felicidade.
E consegui por um tempo.
Por esse motivo, não comentei com Maria as vezes que Angélica
tentou entrar em contato comigo. Eu ignorei todas as mensagens.
Depois de várias semanas ignorando suas mensagens e ligações, eu
achei que ela tinha finalmente seguido a vida. Até o casamento de Bianca.
Ao saber que o ex-marido dela tinha ido ao prédio onde Michele e
Bianca vivem, eu decidi entrar em contato com Maurício. Ele conhece bem
a sensação que estou vivendo, e eu não queria esperar mais para
oficializar meu relacionamento com Maria. Tenho certeza de que ele irá
conseguir o divórcio bem rápido.
A informação de que Michele contratou seguranças para cuidar de
Maria me deu a segurança que eu precisava para deixá-la na sua loja e ir
atrás de quem eu queria muito conversar.
Angélica.
Toco a sua campainha insistentemente e, depois de um bom tempo,
ela me atende.
— Eu sabia que você viria me procurar, Vitinho, assim que voltasse à
razão — sua voz soa melosa e ela inclina o rosto com a clara intenção de
me beijar e eu desvio.
Afasto-lhe e entro no seu apartamento sem ser convidado.
— Você está redondamente engada, Angélica. Eu vim aqui apenas
para lhe dar um aviso, mais um.
— Você não terminou com ela? Mesmo depois de saber que ela é
casada?
— Não, Angélica, nós não terminamos. O que eu sinto pela Maria
não vai acabar por causa de um problema que vamos solucionar juntos.
Eu e ela vamos permanecer juntos e, se depender de mim, para sempre.
— Como você pode?! Ela é casada! — exclama, indignada.
— Eu a amo e ela não é casada, e sim separada. O que eu não
entendo é como você pôde ir atrás do ex-marido dela. Angélica, depois do
tanto que eu te ajudei, fiquei do seu lado, deixei de lado minha vida,
pessoas, para te acompanhar nas sessões de terapia. Eu perdi as contas
de quantas vezes saí de casa desesperado porque você me dizia que
estava no seu limite. Eu era seu amigo, como você pôde fazer isso!
— Eu nunca quis você como amigo! — Suas lágrimas descem
livremente pelo seu rosto, mas em nada me comovem. — Quando te
reencontrei naquele jantar, eu vi ali a chance de um novo recomeço, eu
tinha acabado de me separar de Pablo e você surgiu, vindo do passado.
Você me fez muito feliz e eu queria, quero essa felicidade de volta! — Ela
bate o pé no chão, parecendo uma criança mimada.
E eu queria me dar um soco na cara por ter ficando tanto tempo
longe de Maria para ajudá-la.
— A época em que eu te fiz feliz foi a mesma em que você me
destruiu por dentro. Você tirou tudo de mim, Angélica, me deixou seco,
amargurado, me destruiu emocionalmente e eu saí do país em busca de
um novo futuro, fugindo de um passado angustiante.
— Mas agora seria diferente. Eu seria só sua.
— Agora eu não quero. Agora eu tenho uma mulher que curou cada
pedaço de mim, que me faz feliz, que é a razão dos meus sorrisos, que me
inspira e que eu vou fazer de tudo para manter ao meu lado. Eu amo a
Maria, então, por favor, desista. Se afaste, se você der um único
movimento, eu denuncio você e peço uma medida restritiva — ameaço,
demonstrando toda a raiva que sinto.
— Você não teria coragem de me prejudicar — diz assustada.
— Você magoou a mulher que eu amo, se você a fizer sofrer
novamente, eu acabo com você. — Estreito meus olhos e fito-lhe com
atenção. — Hoje, ficamos sabendo que aquele homem foi ao nosso prédio
e ao prédio de Bianca e Michele. Como ele tem essa informação? Onde
esse homem está? — indago, tentando controlar a minha raiva.
— Eu não sei! Não faço a menor ideia onde ele está. Eu apenas
pesquisei sobre Maria e descobri que ela era casada, então convidei para
a festa de casamento de Bianca.
— Angélica, aquele homem é perigoso, se algo acontecer com
Maria, você será diretamente envolvida. Eu prometo que te faço pagar se
minha Maria sofrer.
— Você está me ameaçando? Victor você nunca falou assim comigo.
— E eu nunca pensei que depois de tudo o que eu fiz para te ajudar,
você faria isso comigo, e nem adianta dizer que não fez nada para me
prejudicar. Você foi à procura do ex-marido da minha namorada com a
clara intenção de me separar de Maria. E eu nunca vou te perdoar por
isso, eu nunca mais quero sequer olhar na sua cara, e volto a dizer, se
Maria sofrer um único arranhão por causa daquele homem que você
trouxe novamente a sua vida, eu farei você pagar do jeito que eu sei que
fará você sofrer.
— O que você quer dizer com isso? — Sua expressão era de pânico.
— Eu vou acabar com o que você mais se orgulha. Volto a dizer, se
acontecer algo com Maria, você irá pagar.
Não espero para saber o que ela iria falar, saio do seu apartamento o
mais rápido que posso. Ficar de frente para ela estava me embrulhando o
estômago.
***
Sigo para a galeria com um bolo na garganta, uma sensação
incomoda. Envio algumas mensagens para Maria e ela me diz que está
tudo bem, mas a sensação não vai embora.
Trabalho, mas mal consigo prestar atenção no trabalho e, quando o
aperto no peito se intensifica, envio mais uma mensagem para Maria, e
dessa vez ela não me responde. Não esperei nem 10 minutos e segui para
sua loja, o trânsito infernal do Rio de Janeiro fez com que o trajeto da
Barra da Tijuca para Botafogo demorasse muito mais do que deveria.
Mas nada me preparou para ver meu amor machucado da forma
como estava. Minha vontade era de voltar ao apartamento de Angélica e
esganá-la até ela me dizer onde está o filho da puta do ex-marido de
Maria.
Mas minha menina, minha baixinha, minha fonte de felicidade,
precisava de mim naquele momento.
Mas eu cumpri a promessa que fiz a Angélica, no depoimento que
dei à polícia, eu relatei todo o seu envolvimento no caso e inclusive que
ela foi atrás do ex de minha namorada.
Enquanto Maria fazia o corpo de delito, eu entrei em contato com o
seu padrasto e contei tudo o que Angélica queria esconder da família. Não
vou dizer que fiquei feliz em quebrar minha promessa, mas ela não podia
mais andar por aí ferindo as pessoas, alguém tinha que contê-la, e somete
a família poderia ajudá-la nesse momento, porque eu, nunca mais quero
ter contato com ela.
***
Demorou duas semanas até que Maria voltasse a sorrir, e dizer que
não fiquei enciumado de não ter sido eu a fazê-la sorrir de maneira tão
espontânea, seria uma enorme mentira, mas tenho uma dívida eterna com
Michele.
Quando Maria saiu da sala do psicólogo, eu a vi respirar fundo e sorri
vendo minha Maria de volta, eu abracei forte, como se não a visse há
muito tempo.
Mas a verdade é que, independente de quanto tempo demorasse, eu
sabia que ela voltaria a ser quem era.
Saímos do prédio fazendo juras de amor e foi quando eu o vi pelo
canto do olho, e ele estava armado. Minha primeira reação foi proteger
Maria, então eu a puxei de modo que ela ficasse atrás de mim e ele atirou.
O impacto da bala me levou ao chão, mas o alívio de saber que meu
amor estava a salvo foi imenso. Dali em diante, eu vi tudo escurecer.
***
Antes de abrir o olho eu ouvi o bit e o choro da minha Maria e eu
sorri e chorei, porque estava vivo e sabia que, de alguma forma, tudo ia
ficar bem.
Capítulo 48
Maria
É difícil dizer o que eu sinto neste momento.
Faz mais de seis horas que Victor está na sala de cirurgia. Faz
exatamente seis horas que eu só sei orar.
Dois policiais vieram falar comigo e, mesmo extremamente abalada,
eu relatei tudo o que houve, inclusive que meu advogado tinha pedido uma
medida cautelar impedindo que Antônio se aproximasse. Eles anotaram
tudo e informaram que, em breve, entrariam em contato.
Pedi a Michele para entrar em contato com Maurício e, em pouco
menos de meia hora, ele e sua esposa, Cristina, chegam ao hospital.
Michele está ao meu lado, ela não sai um minuto sequer. Márcio,
Arino, Marcos e Marcela também estão.
Eles tentam me dar água, algo para comer, mas a única coisa que eu
consigo fazer é orar em silêncio.
Eu não queria falar com ninguém, eu só queria que esse pesadelo
acabasse e que Victor sobreviesse. Ele salvou a minha vida e eu só torço
que isso não tenha custado a sua vida.
Giro meu corpo em direção a Marcos e faço um pedido silencioso.
— Eu vou novamente lá dentro saber como estão as coisas. — Ele
sorri daquele jeito meigo que só ele sabe e se levanta.
Eu perdi as contas de quantas vezes pedi para ele ir ver como
estava a operação.
Algum tempo depois, ele volta com um sorriso nos lábios e eu
finalmente choro, agradecendo a Deus.
Victor sobreviveu à operação, mas está há algumas horas na UTI, eu
fui vê-lo, mas não pude ficar por muito tempo.
Eu não arredei o pé do hospital até novamente poder visitá-lo. Dessa
vez, Marcos me acompanhou. Ver meu namorado daquela forma,
fragilizado e entubado, me machucou demais. Um lamento brotou em
minha garganta e fez meu corpo tremer por inteiro.
Marcos me abraça, tentando me passar algum consolo, e eu aceito
de bom grado. Quando ouço Victor limpar a garganta, eu prendo a
respiração, giro meu corpo e, como em câmera lenta, eu vejo meu amor
abrir os olhos.
E eu corro para ele, beijo seu rosto, choro, soluço e agradeço a Deus
pela graça recebida.
Por alto, ouço Marcos chamar o médico, e quando ele chega
acompanhado da enfermeira, meu amigo me afasta para deixá-lo fazer
seu trabalho.
Angustia era meu segundo nome ao ver os procedimentos sendo
feitos no meu namorado. Notando que eu tremia muito, Marcos me
conduziu para fora da sala até que tudo estivesse feito.
— Será que a retirada do tubo vai machucá-lo? — minha voz não
passa de um sussurro.
— O Dr. Flávio é um médico muito competente e experiente, eu
tenho certeza de que ele terá o máximo de cuidado possível. — Marcos
tenta me acalmar.
— Muito obrigada por está comigo neste momento tão complicado —
agradeço, tentando segurar as minhas lágrimas.
— E onde mais eu poderia estar, minha amiga? Sempre que você
precisar de mim, eu estarei perto de você. — Ele abre os braços e eu o
braço forte.
E ficamos assim, até algum tempo depois a enfermeira informar que
podíamos entrar.
Com o coração batendo descompensado, entro no quarto e vejo-o
me fitar. Em seus olhos, está refletida a mesma emoção que eu sinto. Ele
suspira e eu solto o ar devagar, caminho em sua direção devagar e a cada
passo que dou sinto minhas lágrimas banharem meu rosto.
Me aproximo da cama, seguro sua mão e a levo ao meu peito. Ele
faz menção de falar, mas faz uma careta e eu ponho um dedo em seus
lábios.
— Não, não fala nada — minha voz sai entre soluços. — Eu amo
tanto você, e fiquei com tanto medo de te perder.
Ele suga o ar e o solta de devagar.
— Eu amo você, Maria — murmura com muito esforço.
Ficamos presos um no olhar do outro, nenhuma palavra mais foi
necessária. Entramos naquele lugar tão nosso, no nosso castelo, onde
nada nem ninguém poderia nos abalar.
Beijo levemente seus lábios e faço um leve carinho em seu rosto.
E ele sorri, eu retribuo, soltando um longo suspiro.
**
Nos próximos dias, segui uma rotina entre casa e hospital. Demorou
cinco dias até que Victor saísse da UTI e pudesse ir para o quarto. Cada
dia que passava, ele se mostrava melhor, e o médico me garantiu que a
sua recuperação estava boa, que não era para eu me preocupar.
Obviamente, essa informação entrou em um ouvido e saiu pelo
outro, porque eu mal dormia a noite, de tão preocupada que estava.
Se Victor tossia, eu ia desesperada atrás de uma enfermeira.
Se ele reclamava de dor, eu tocava o botão de emergência como se
não houvesse amanhã.
Se ele desse um leve gemido, eu já gritava por ajuda.
Até ele, certo dia, me pediu que eu me acalmasse.
Mas eu vi o amor da minha vida caindo ensanguentado, depois de
salvar a minha vida. Então era natural que eu estivesse um tanto quanto
mais desequilibrada que o normal.
Quando expliquei isso, ele apenas segurou minha nuca, roçou seus
lábios nos meus e em seguida me deu um beijo e eu apenas sorri.
Ele prestou depoimento e os policiais informaram que tanto Antônio
quanto Angélica estavam presos.
Um desenrolar de acontecimentos fez com que as coisas fossem se
ajeitando aos poucos.
Antônio tentou responder em liberdade, mas não foi concedido. Ele
foi encaminhado para um presidio.
Angélica também tentou, mas conseguiu. Seu advogado alegou que
ela sofria de problemas psicológicos e ela foi encaminhada para um
tratamento, porém não poderia se aproximar nem de mim, nem de Victor.
Isso, foi nosso advogado quem conseguiu.
Creio que o pior para Angélica foi a opinião pública que caiu em cima
dela. Como a tentativa de assassinado ocorreu em uma via pública, o caso
saiu nos jornais, e como ela era um socialite conhecida, foi um prato cheio
para os fofoqueiros.
Em todos os jornais estava estampada a foto de Angélica com a
frase: Socialite surta e é acusada de ser cúmplice de tentativa de
homicídio.
O nome que ela tanto se orgulhava de ter, estava manchado.
E eu tenho certeza de que isso foi o que mais doeu nela, e eu achei
foi pouco!
***
Bianca voltou de viagem e, nossa, ela ficou muito brava por não
termos falado nada. Fernando deu um verdadeiro ataque, mas no dia
seguinte estava no hospital querendo saber se eu precisava de alguma
coisa. Por mais que eu explicasse que não queria incomodar sua lua de
mel, minha amiga ficou 3 dias sem falar comigo, mas todos os dias ia ao
hospital me levar alguma coisa e saber como eu e Victor estamos.
Na manhã do quarto dia, ao chegar ao hospital para visitar Victor,
Bianca estanca ao me ver na porta do quarto dele. Maurício e Cristina
estavam com o meu namorado e eu tinha saído um pouco para tomar um
café.
Não sei se foi o período de silêncio que estava chegando ao fim ou
se a minha cara de cachorro que caiu da mudança que a fez se aproximar,
me abraçar e sussurrar ao meu ouvido.
— Promete nunca mais me deixar fora? — murmura, me abraçando
mais forte.
— Eu prometo. — Enlaço sua cintura e choro.
— Eu tenho muito orgulho de você, Maria. Depois de tudo o que
você passou, está em pé, não desmoronou.
— Ele salvou minha vida, levou um tirou no meu lugar — balbucio
chorando.
— Qualquer homem que ama sua mulher faria o mesmo. E, você,
meu anjo, merece ser amada e adorada.
Eu apenas aceno e sorrio.
De longe, vejo Marcela vir caminhando devagar com Marcos.
— Olá, Bianca — cumprimenta com um sorriso e Bianca retribui. —
Como você está, Maria? Marcos me disse que Victor está se recuperando
bem — indaga, demonstrando um sincero interesse.
— Ele está cada dia melhor e eu estou bem, ou melhor, vou ficar
bem — afirmo depois de soltar um longo suspiro.
— E eu não tenho a menor dúvida disso. — Ela segura minha mão e
dá um leve aperto.
—Ei, meu amigo, que bolsas todas são essas? — Sorrio largo ao
abraçar Marcos e beijar sua bochecha. Noto que ele está suando frio. —
Mas, homem, você está bem?
— Estou uma pilha de nervos. Marcela vai ganhar nossa menina hoje
— ele explica, mal segurando um sorriso.
— Ah, meu Deus! Mas se acalme, hoje tudo vai correr bem e em
breve vocês estarão com um bebê lindo e saudável no colo. Marcos, assim
que nascer, por favor, me envie uma mensagem que eu vou até lá te dar
um abraço e ver seu filho.
— Filha — Marcela informa, sorrindo.
— Ah, é uma menina, a minha também é — Bianca comenta. — Eu
desejo um bom parto e, como Maria já disse, tudo vai dar certo.
— Obrigada, Bianca, eu queria... — Marcela põe a mão na barriga e
Bianca segura sua mão.
— Vamos deixar as coisas do passado no passado. Você está
iniciando uma nova vida, com um homem maravilhoso. — Bianca vira o
rosto para Marcos e sorri. — Eu desejo que sua vida seja cheia de muitas
alegrias.
— Obrigada, Bianca, isso é muito importante para mim. — Marcela
se emociona e Marcos segura sua cintura.
Pouco tempo depois, eles se despendem, de mãos dadas, e sorrio,
feliz que meu amigo finalmente tenha encontrado a sua felicidade.
Eu giro meu corpo, seguro a mão de Bianca, a beijo, entro no quarto
em que Victor está e sorrio ao vê-lo.
— Finalmente você voltou. — Ele sorri de lado e tudo dentro de mim
se aquece.
— Eu estava conversando com Bianca e, em seguida, Marcos e
Marcela chegaram, ela vai ter o bebê hoje.
— Em breve será o nosso. — Ele pisca um olho para mim e eu fico
vermelha.
Ele se ajeita na cama de modo que fique sentado. Eu faço menção
de ajudá-lo, mas ele nega com a cabeça.
— Fico muito feliz que vocês tenham se entendido com a Bianca, e
mais feliz ainda que você esteja aqui neste momento. — Meu namorado
retira uma caixinha preta de debaixo das cobertas e eu dou um grito.
— Ai, meu Deus! — exclamo e Bianca aperta minhas mãos com
força.
Neste exato momento, eu sinto todo o meu corpo tremer.
Acho, tenho quase certeza, que Victor irá me pedir em casamento,
novamente.
E eu que não sou besta de reclamar, longe de mim.
— Maria, o meu amor por você não é à primeira, à segunda e muito
menos à terceira vista. — Ele ri e eu reviro os olhos. — Ele chegou
devagar, de mansinho, tomando conta da minha vida, do meu corpo e da
minha alma. Primeiro, você conquistou meu sorriso, depois, minha
amizade e, por último, meu coração. Meu amor, você coloriu meus dias,
me deu inspiração e me fez novamente acreditar que sim, eu posso ser
feliz e você me faz feliz. Meu anjo, você é uma constante fonte de
inspiração, uma mulher corajosa, guerreira, que apesar de todas as
adversidades da vida, não desistiu de encontrar o amor.
Ele eleva uma mão e eu caminho até ele, chorando copiosamente.
— Me deixe ser seu homem bom — Nesse momento, ouço vários
risos e o meu é um deles. — Me deixe ser seu eterno amante, namorado e
amigo. Casa comigo, Maria, por favor. Eu simplesmente não sei mais viver
sem que você esteja ao meu lado. Eu te amo, meu amor.
— Sim... — essa é a única palavra que consigo sussurrar antes que
ele segure minha mão, coloque o lindo anel em meu anelar e me beije.
Em seguida, ele encosta a testa na minha, sorrindo, e eu retribuo,
sabendo que eu também encontrei a minha felicidade.
Finalmente, agora eu vou realmente me casar.
Capítulo 49
Maria
Victor passou quase um mês internado, quando ele recebeu alta foi,
uma alegria só.
Decidimos que ele ficaria em meu apartamento enquanto se
recuperava. Nossos amigos eram presenças constantes.
Michele ficou empolgada com o casamento e chateada por não estar
presente no dia do pedido.
Bianca disse que ela que deveria estar presente, porque nós
mentimos para ela. Eu, obviamente, escondi a informação que aquele era
o terceiro pedido que Victor tinha me feito. Depois disso, Michele deu de
ombros e disse que iria organizar o casamento.
Victor me olhou assustado e eu sorri largamente.
Quatro meses depois, finalmente Maurício conseguiu o meu divórcio
e ficamos sabendo que o julgamento de Antônio seria em 2 meses.
No dia do julgamento, eu revi minha mãe e minha família e, ao
contrário do que eu imaginava, eles não foram para ficar ao meu lado, e
sim ao lado do meu ex.
Dizer que aquilo não doeu, seria uma enorme mentira. Mas a minha
verdadeira família, aquela que a vida, de bom grado, me deu, estava
presente e me deu todo o apoio que eu precisava.
Antônio foi condenado a 12 anos de prisão, o juiz manteve o
tratamento psiquiátrico de Angélica por mais dois anos e a medida cautelar
que a impede de se aproximar de mim e de Victor.
Ao sair do julgamento, eu nem me dei ao trabalho de olhar para
minha mãe, não queria me magoar mais.
Algumas horas depois, estávamos eu e Victor na frente da praia.
— Acho que agora já podemos marcar a data nosso casamento —
sugere, me abraçando por trás.
— Sim, apesar de Michele já ter tudo planejado. — Rio com gosto.
— Você vai deixar mesmo ela organizar? — Levanta uma
sobrancelha.
— Mas é claro que sim, por anos ela me viu assistir novelas e eu
sempre dizia que queria um casamento daqueles.
— Maria, eu posso pagar o casamento que você quiser.
— Eu sei disso, meu amor. Bianca e Michele são mais que minhas
amigas, são partes da minha família, família do meu coração, e eu me
envolvi na organização do casamento das duas — concluo segurando o
riso. — Confesso que me diverti horrores com o casamento de Michele no
hospital e o de Bianca, bem, esse você viu.
— Tudo bem, já imagino algo bem extravagante.
— Meu amor... vai ter muito babado e colorido, minha vida passou
um período sendo cinza, e agora eu quero tudo muito colorido.
— Se te deixa feliz, então eu aceito até entrar na igreja com uma
melancia na cabeça.
Rio com gosto, sabendo que ele faria isso se eu pedisse, mas ao
pensar em minha mãe, meu sorriso morre um pouco.
— Minha mãe não estará em meu casamento e eu não poderei me
casar na igreja.
Victor levanta meu queixo, beija meus lábios, introduz as mãos no
meu cabelo e encosta a testa na minha.
— No nosso casamento, eu só quero pessoas que nos ame e nos
querem bem. — Volta a me beijar e sussurra contra a minha boca. — Nós
dois vamos formar nossa família, teremos nossos filhos, nós vamos cuidar
um do outro. Dentro da nossa fortaleza.
— Nossa fortaleza. — Sorrio contra seus lábios.

***
Cinco meses depois, nos casamos em uma luxuosa cerimônia no
Hotel Copacabana Palace. Foi o casamento dos meus sonhos, com muito
brilho, cores e música.
Meu vestido parecia de princesa e eu andei todo o caminho até o
altar sem cair de cara no chão.
Ok, eu fiz um curso intensivo para andar de salto sem passar
vergonha. Obviamente, durante esse período, eu vivia cheia de
hematomas, porque pensa em uma pessoa que caiu feito banana pobre
quando a professora disse que eu estava pronta para pôr um salto quinze?
Vixe que eu mais parecia um boneco do posto, eu mais caia que ficava em
pé, mas eu consegui, e valeu cada centavo gasto.
Bianca e Michele foram minhas madrinhas.
Fernando e Márcio foram os padrinhos.
Arino entrou comigo na igreja, e eu agradeço a Deus pela
maquiadora que Bianca contratou, porque a mulher pôs um reboco tão
poderoso na minha cara, que nem o litro de lágrimas que eu derramei
desde o momento em que me vi pronta até parar no altar na frente de
Victor, fez eu parecer uma verdadeira palhaça.
Eu estava linda.
Victor estava lindo.
E eu nunca, enquanto viver, me esquecerei da forma como ele me
olhou ao me ver caminhar em sua direção, os seus olhos marejados. Nem
a forma como ele quebrou o protocolo e não me esperou chegar até o
altar.
Juro que meu coração quase saiu pela garganta ao vê-lo caminhar,
sorrindo daquele jeito que eu tanto amo, e me encontrar no meio do
caminho.
Jamais vou esquecer as palavras que ele disse ao meu amigo Arino:
— Muito obrigada por trazê-la até aqui, Arino, mas daqui em diante,
nós vamos caminhar juntos. — Ele apertou mão de Arino, que sorria
verdadeiramente.
Eu nem sequer fiz menção de falar algo, eu estava muito ocupada
em não me desmanchar em lágrimas.
Meu noivo piscou para mim, elevou o braço, e eu o enlacei.
E, dali em diante, caminhamos juntos, todos os nossos amigos
ficaram de pé e era visível o quanto todos estavam emocionados.
A cada passo que nós dávamos para frente, deixávamos nosso
passado para trás, cada tristeza, sofrimento, dor e amargura, tudo ficou
para trás.
Não foi uma caminhada fácil até aqui e, por mais que por algum
tempo eu tenha desistido do amor, eu nunca, jamais, desistirei de ir atrás
de um futuro melhor.
Tudo o que eu passei foi triste, mas valeu a pena e, se hoje eu estou
feliz, foi porque, há alguns anos, eu dei um basta e fui em busca da minha
felicidade.
Epílogo

Eu e Victor passamos nossa lua de mel viajando pela Europa por


três semanas e quando eu conheci Veneza, me apaixonei completamente.
Meu marido confidenciou que um dia quer fazer uma exposição em
Veneza e eu já me imaginei toda chique ao lado dele.
Só tinha um, porém, eu não falava um “ai” em italiano e muito menos
em inglês.
Assim que voltamos, eu rapidamente me inscrevi em dois cursos, um
de inglês e outro de italiano.
Minha loja com Arino era minha grande preocupação, principalmente
porque o nosso negócio cresceu tanto que resolvemos abrir outro ponto.
Mas meu amigo me tranquilizou e me garantiu que conseguiríamos
manter a sociedade, mesmo eu morando fora do país. Já que agora
tínhamos tanto trabalho, tivemos que contratar funcionários e um contador
para cuidar das nossas contas. Ficou decidido que, enquanto eu não
viajasse, não iria tirar férias e ele iria aproveitar esse tempo para curtir sua
esposa em uma lua de mel bem longa.
Meu amigo está feliz e eu, muito feliz por ele.
Revelar as minhas amigas os nossos planos de ficar um tempo
morando em Veneza, foi, no mínimo, complicado.
Todo mundo sabe que eu amo um drama, esse fato não é segredo
para ninguém.
Então, no dia que contei a Bianca e a Michele que em alguns anos
eu iria morar fora do país, foi um chororô danado, parecia que eu ia sair
dali a qualquer momento e viajar.
Demorou dois anos até que tudo e todos os quadros de Victor
ficassem prontos e mais seis meses até que finalmente entrássemos
dentro do avião.
Bem, pelo menos eu tentei entrar naquele dia.
Porque, na despedida, eu comecei a me sentir mal e a vomitar como
se não houvesse amanhã enquanto eu entrava em desespero ouvindo o
alerta de que o nosso voo estava para sair.
Perdi o voo e fui encaminhada para o centro médico e, lá, eu tive
uma das notícias mais maravilhosas da minha vida.
Eu estava grávida.
Depois de mais algumas horas e uns bons reais gastos,
finalmente seguimos para Veneza.
Seis meses depois...
Sinto meu filho dar um forte chute e sorrio antes de levar minha mão
a minha avantajada barriga, levanto a cabeça e meu sorriso aumenta ao
notar que Victor ao invés de dar atenção ao casal que está conversando
com ele sobre um quadro que estão interessados em comprar, ele me olha
com uma expressão preocupada.
Eu pisco um olho, tentando tranquilizá-lo e sorrio ao notar que surte
efeito e ele volta a dar atenção aos clientes.
Corro os olhos pela galeria cheia e meu peito se enche de orgulho
pelo sucesso do meu marido. Meus olhos recaem na porta e noto que eles
ainda não chegaram.
Meus amigos, nossos amigos.
Foi difícil segurar a emoção quando eu os vi entrar na galeria.
Os primeiros a chegar foram Cristina, Mauricio e seus filhos.
Seguidos por Michele, grávida de gêmeos, ao lado de Márcio, que
estava com Miguel no colo e de mãos dadas com Marina.
Em seguida, entra Pablo com Mariana, também grávida.
Logo depois, entram Fernando, de mãos dadas com sua filha, e
Bianca, como sempre linda e glamurosa e, para minha surpresa, também
grávida.
— Vixe, Maria, parecemos até uma convenção de mulheres grávidas.
— Solto uma forte gargalhada e abraço a todos.
— Michele vai abrir uma creche. — Bianca pisca um olho enquanto
beija minha cabeça.
—Que absurdo, só porque eu gosto de me esbaldar em meu
chocolate derretido. — Michele pisca um olho para Márcio, que retribui.
— Maria, tem algum lugar para minha mulher se sentar? Acabamos
de enfrentar um voo muito longo e ela está grávida. — Fernando pergunta,
olhando para os lados.
Todos, absolutamente todos, suspiram.
— Fernando, pare de ser tosco. Você fretou um avião e ele fez 3
paradas, demorou quase 2 dias para chegarmos aqui.
— Mas minha mulher está grávida! Na verdade, vocês todas estão.
— Fernando olha para nossas barrigas, com os olhos arregalados.
Bianca suga o ar com força e se prepara pra dar uma bronca em
Fernando, mas sua filha surpreende a todos.
— Papai, mamãe e as titias estão bem, mas eu estou com sede e
quero ver aquele quadro ali. — Fernanda puxa o pai que, antes de fazer o
que sua filhar quer, mais uma vez pergunta a Bianca se ela está realmente
bem.
Foi impossível segurar o sorriso vendo aquele homem enorme todo
bobo com sua filha.
— Que saudade eu estava de vocês. — Abraço minhas amigas.
Victor assim que percebe que nossos amigos chegaram, se
aproxima com um sorriso enorme nos lábios.
Foi maravilhoso tê-los aqui, pena que durou pouco tempo, apenas
uma semana.
Tive meu primeiro filho em Veneza, demos o nome de Carlos Daniel.
Sim, foi em homenagem a minha novela mexicana favorita, “A
usurpadora”. Obviamente, Victor rachou de rir, mas aceitou e sou uma
felizarda por ser casada com um homem que ama as minhas loucuras.
Michele, quando soube, riu tanto que se engasgou, não pelo nome
em si, mas sim pelos motivos que me fizeram escolher esse nome. Nem
Bianca segurou o riso.
Eu achei muito lindo, meu Carlos Daniel, seria tão lindo como o pai, e
o nome é simplesmente perfeito!
Sete meses depois, voltamos para o Brasil.
Dois anos depois tive minha Teresa, foi um parto complicado e eu e
Victor decidimos não ter mais filhos.
Um ano depois, nos mudamos para uma casa no mesmo condomínio
que Bianca morava.
Quando Antônio foi solto, eu fiquei com medo, foi impossível não
sentir. Mas Maurício comentou que ele formou uma família enquanto
estava na cadeia e assim que foi solto, voltou para a nossa cidade natal.
Acho que sempre vou ter medo dele.
Tem mais de dez anos que não ouço falar sobre Angélica, a última
notícia que tive, foi que ela iria fazer uma viagem pela Europa, creio que
tenha ficado por lá.
Os anos foram se passando, entre muitos desafios e aprendizados,
nossos filhos crescendo e o amor aumentando a cada dia.
Meu relacionamento com Victor é muito mais do que eu poderia
supor.
Meu lindo, sexy e sensual marido é um bom pai e um amante
sedutor.
No decorrer dos anos, cumprimos nossos sonhos, construímos
nossa fortaleza e ali tivemos nossa família.
Mas tudo isso só foi possível porque, mesmo com medo, fui atrás da
minha felicidade.
Fim.
Copyright © 2020 Vania Freire
Capa: Cenna Nunes
Revisão: Flávia Saldanha
Revisão Final: Natalia Souza
Diagramação: Vania Freire
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
_________________________
**SEMPRE FOI VOCÊ**
Série: Será que é Amor?
CONTO
Vania Freire
1ª Edição — 2020
_________________________
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,
através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da
autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal
Sinopse
Marcos sempre foi apaixonado por Marcela e, por anos, viveu na zona de amigo; por
anos, Marcela achou que o melhor era mantê-lo a distância. Afinal, ele não fazia o perfil
do homem que ela queria ao seu lado, mesmo seu coração dizendo o contrário.
Até que seu mundo veio abaixo.
Ela finalmente entendeu que tudo o que sempre acreditou estava errado, porém, agora
pode ser tarde demais.
Me apaixonei assim que a vi

Marcos

― Papai! Eu me machuquei. ― Isabela choraminga me mostrando o dedo com um


pequeno arranhão.
― Oh, bebê do papai. ― Inclino meu corpo de modo que fique na mesma altura
que ela e beijo seu dedo. A vejo morder o lábio inferior e seus lindos olhos castanhos, tão
parecidos com os da mãe, brilham cheios de lágrimas que minha filha luta bravamente
para não deixar cair.
― Tá doendo, papai. ― Minha filha perde a luta contra as lágrimas e se joga em
meus braços, e eu a afago tentando esconder um sorriso.
― Papai vai cuidar do seu dodói ― prometo. Me levanto com ela agarrada ao meu
pescoço, busco minha esposa com os olhos e a vejo me observando com olhos
carinhosos.
Mas nem sempre foi assim: por um longo período, eu amei essa mulher e ela me
via apenas como um amigo. Nada mais.
Me recordo do exato momento em que me apaixonei por Marcela...

20 anos atrás.

Olho para o teto e um sorriso brinca em meus lábios ao me recordar que faltam 6
meses para começar a minha residência médica. Quero me especializar em obstetrícia e
seguir a carreira do meu pai.
Desvio meus olhos do teto, giro minha cabeça e busco o retrato do meu pai.
Acaricio a antiga moldura e sussurro:
― Estou quase conseguindo, pai, falta pouco ― murmuro sugando uma boa
quantidade de ar junto a uma grande dose de determinação. Impulsiono meu corpo, saio
da cama e levanto uma sobrancelha ao me olhar no espelho.
― É, meu amigo, mesmo com seu sorriso simpático, você não vai conseguir uma
namorada com essa barriga. ― Rio do meu comentário ridículo enquanto aliso minha
avantajada barriga. ― Como se eu tivesse tempo para namorar, Deus me livre de me
apaixonar. ― Bufo no exato momento em que meu despertador toca indicando que se
ficar divagando, iriei me atrasar, coisa que não posso me dar o luxo de fazer.
Com um suspiro, caminho em direção ao guarda-roupa, pensando em tudo o que
tenho que fazer hoje, uma das coisas é passar no banco e sacar dinheiro para a semana.
Meu pai, ao falecer, me deixou uma pequena herança, nada que me deixasse rico,
mas que garantiu meus estudos e meu sustento sem grandes extravagâncias. Para
economizar, eu divido um apartamento com 4 colegas de faculdade. Todos estudamos
medicina, e o imóvel é próximo à faculdade e praticamente em frente ao hospital onde
pretendo fazer residência. Assim, encurtei bastante os custos e isso deu uma boa folga
em meu orçamento, o que eu compenso com comida, simplesmente não consigo evitar.
Tem coisa melhor do que comer? Tem sim, fazer sexo, mas como não ando fazendo, o
negócio é comer mesmo.
Sorrindo, saio do quarto e caminho de cabeça baixa, memorizando meus
compromissos, em direção ao banheiro quando quase sou atropelado.
― Ei! Olha por onde... ― Não completo a frase, simplesmente não consigo.
Sempre me considerei um cara inteligente, com um vasto vocabulário, e isso
sempre me ajudou a conquistar as mulheres, mas, neste momento, eu estou
completamente sem fala.
Puxo o ar com força, sentindo meu coração bater em um ritmo acelerado, engulo
em seco. Abro e fecho a boca e nada sai, nem uma única palavra.
Em minha frente, tem a mulher mais linda que eu já vi em minha vida. Ela é o tipo
estereótipo de mulher perfeita, e o mais engraçado é que esse tipo de mulher nunca me
atraiu, sempre fui do tipo que curte mais conteúdo que o visual.
Devagar, sem conseguir me controlar, desço meu olhar por ela: loira, alta, seios
grandes, cintura fina, pernas grossas. Ela veste uma blusa curtinha rosa e short branco.
Engulo em seco.
Vagorosamente volto a fitar seus olhos, respiro fundo e seu aroma me atinge como
um trem desgovernado fazendo um enorme estrago em meu peito.
― Me desculpe, fofinho, estou com pressa. ― Inclina o corpo, beija meu rosto e
caminha rebolando em direção à saída. Eu acompanho seus passos ainda de boca
aberta.
― Jesus ― murmuro, impressionado.
― Gostou dela? ― Ouço Carlos, meu colega de apartamento, indagar. Ele está
com um pote de iogurte na mão e seu olhar é avaliativo.
― Quem é ela? ― Consigo recuperar a minha voz depois de arranhar a garganta
algumas vezes.
― Marcela, estuda publicidade. Gostou dela? ― informa e volta a indagar.
― Ela estuda na mesma faculdade que a gente? Eu nunca a vi ― murmuro
ignorando sua pergunta.
― Há três anos, Carlos! Você que não vê nada na sua frente que não sejam livros.
― Bufa, gira o corpo e caminha em direção à cozinha.
Mordo meu lábio inferior, jogo um olho no relógio pendurado na parede do
corredor, faço um rápido cálculo e decido que posso perder alguns minutos para saber
mais sobre a mulher que me desestabilizou completamente.
Sigo em direção à cozinha, abro a geladeira e, de forma despretensiosa, pergunto:
― É a primeira vez que ela vem aqui? ― Pelo canto de olho, vejo o sorriso faceiro
do meu colega.
― Não. ― Não perco o riso de zombaria, mas sigo como se não estivesse
percebendo. ―Tem um tempinho que Júlio fica com ela.
― Ah, Júlio. ― Tento disfarçar meu desapontamento com um sorriso. Não tenho
certeza se deu certo e nem mesmo estou muito preocupado. ― Bem, estou atrasado.
Faço um aceno com a cabeça, giro meu corpo, caminho em direção ao banheiro e
Carlos fala algo que me faz sorrir:
― Ela pelo jeito gostou de você, pelo menos foi simpática, já eu e os outros caras
só levamos coices. ― Solta uma gargalhada e eu entro no banheiro com um sorriso bobo
no rosto.
***
No decorrer dos dias, tentei tirar aquela mulher da minha cabeça, mas ela ocupava
minha mente nos momentos mais inoportunos.
Saber que ela tem algum caso com Júlio me desmotivou completamente.
Júlio é um dos meus companheiros de apartamento, um dos caras mais escrotos
que eu já tive o desprazer de conhecer, apenas o tolero porque é conveniente para
ambos. Ele é aquele tipo de homem que preza muito mais pelo físico que pela mente e
todas as mulheres que ele fica não são capazes de ter uma única conversa coerente.
Dizem que idiotas se atraem, todas as mulheres que eu já vi com ele até hoje
estavam atrás do seu dinheiro ou perfil físico. Eu não tenho nem uma coisa nem outra, e
foi uma enorme decepção saber que Marcela, está entre elas.
Até o simples ato de murmurar seu nome me é prazeroso.
― Só o que me faltava é ter uma paixão platônica pela namorada do escroto do
Júlio ― me recrimino e reviro os olhos ao escutar uma batida na porta.
― Pô, Marcos abre a porta, me ajuda a imprimir um negócio. ― Só pensar nele
que o cara aparece.
― Estou ocupado, Júlio, vá em uma lan house e, na próxima vez, não esquece da
porra da tinta da impressora. ― Jogo toda a minha frustração para fora.
― Xi, Marcela, ele está de ovo virado, não vai dar para te ajudar. ― Ouço sua voz
conversando com alguém e ao escutar o nome de Marcela meu coração bate acelerado.
Antes que eu sequer pense, me levanto e caminho apressado em direção à porta.
Abro rápido e ela está lá: a mulher que ocupa meus pensamentos nos últimos dias.
― Oi, fofinho. ― Seu sorriso faz algumas coisas revirarem em meu íntimo.
― Oi. ― Consigo formular uma única palavra e seu sorriso aumenta, e eu juro que
sinto meu coração perder uma batida.
― Me ajuda, por favor? ― pede fazendo bico e eu me concentro em seus lábios
pintados em um tom de rosa claro.
― Claro. ― Nem mesmo tento recusar, sei que não conseguiria.
Marcela invade meu quarto trazendo consigo seu adocicado perfume.
― Poxa, se vai ajudar ela, imprima umas paradas para mim, estou todo enrola... ―
Júlio começa a falar e eu fecho meus olhos me dando conta de que, para estar perto
dela, terei que suportar sua presença.
― Gatinho, ele já está fazendo esse favor para mim, não vamos abusar. ― Sua
voz soa manhosa.
― Tá bom, né, quando acabar me encontra no meu quarto. ― Júlio bate a porta
com força e eu suspiro aliviado e volto a olhar para ela. Fico preso em seu sorriso.
― Oi ― murmuro. Eu me sinto um completo idiota perto dessa mulher.
― Oi de novo, vamos nos apresentar formalmente? ― Ela ri e eu gosto do som da
sua risada. ― Meu nome é Marcela. ― Estende a mão em minha direção e eu
rapidamente a aperto.
― Marcos, meu nome é Marcos.
―Prazer, Marcos. ― Abranda o tom de voz sem soltar minha mão.
― Prazer, Marcela. ― Minha voz soa rouca.
― Então, me ajuda? ― pergunta balançando o pendrive com a mão livre e só
então me dou conta de que ainda estou segurando a sua mão.
Solto-lhe rapidamente e sorrio sem graça.
― Claro. ― Esfrego as mãos na calça tentando afastar o nervosismo, pego o
pequeno objeto e sigo em direção a minha mesa.
Introduzo-o no computador e mordo meu lábio inferior enquanto espero ter acesso
aos arquivos, o tempo todo consciente da mulher que nesse momento se senta em minha
cama e cruza as pernas.
Jesus, como vou dormir nessa cama sem pensar nela?
― O que você quer que eu imprima? ― questiono, observando que ela olha tudo
ao redor, depois pousa seus olhos castanhos em mim e sorri.
― Gosto do seu quarto, é bem organizado ― elogia e eu sorrio largo.
Marcela franze o cenho, inclina o corpo, apoia os cotovelos nas pernas e ampara
seu queixo em suas mãos, então fala algo que me faz ficar vermelho, e eu nunca fico
vermelho:
― Eu gosto das suas covinhas, são tão fofas. ― Engulo em seco e,
involuntariamente, levo as mãos ao meu rosto e simplesmente não consigo controlar o
sorriso. ― São os dois primeiros arquivos. Júlio me garantiu que sua impressora estava
ok, se não nem teria vindo, odeio deixar meus trabalhos para última hora ― explica, e
meu sorriso morre aos poucos com à menção do nome do meu colega de apartamento.
― Compreendo. ― Volto a olhar para o computador e jogo o adolescente
apaixonado para escanteio. Eu sou um homem adulto e não tenho tempo para namorar e
muito menos conseguir disputar essa mulher com Júlio.
Rapidamente dou o comando para imprimir o documento e me levanto para ficar
perto da impressora que fica no final na mesa, um pouco distante da cama.
Assim que estou com os papéis em minhas mãos, eu giro meu corpo e entrego os
documentos.
Marcela segue sentada na cama, pega os papéis, pousa-os em suas pernas e me
olha como se não tivesse a menor pressa de sair.
E eu simplesmente não sei como agir ou o que falar, desde que eu conheci essa
mulher, eu ajo feito um bobo em sua frente, então, eu me sento na cadeira e olho para
ela.
― Você também faz medicina. ― Não foi bem uma pergunta, e sim uma afirmação,
e eu apenas assenti, sem saber ao certo onde ela queria chegar.
Marcela pousa os papéis na cama, levanta e caminha em direção a minha estante.
― Qual especialidade pretende seguir?
―Obstetrícia.
― Já está fazendo residência?
― Começo em alguns meses.
― Vai continuar morando aqui?
― Sim.
― O que um cara como você faz morando com eles? ― Ela indica a porta com a
cabeça, sorrindo.
― É mais barato dividir um apartamento próximo à faculdade e ao hospital onde
pretendo fazer minha residência ― explico e vejo seu sorriso diminuir.
― Entendo. ― Ela caminha em direção à cama e pega seus papéis. ― Eu tenho
que ir.
― Eu sei. ― Sorrio e abaixo o olhar.
― Eu gostei de te conhecer.
― Eu também, gostei demais.
― Espero te encontrar mais vezes. ― É impossível não sorrir e eu prendo a
respiração quando a vejo caminhar em minha direção, elevar uma mão e tocar meu rosto.
― Lindas covinhas. ― Pisca um olho, gira o corpo e sai do quarto levando meu
coração junto.
A terrível zona da amizade

20 anos atrás

Marcos

Sempre me considerei um homem focado, o que eu queria, ia atrás e conseguia. E


agora estava vivendo uma pura frustração: eu queria Marcela, mas não podia ir atrás
dela.
Então eu tracei um plano: evitá-la. Simples assim, o que os olhos não veem, o
coração não sente.
Mas não foi tão fácil quanto eu imaginei.
A quantidade de vezes que esbarrei com ela no apartamento beiraria ao cômico se
não fosse desesperador.
Estava cada dia mais difícil disfarçar meu interesse para os meus colegas.
Certo dia, estava na sala, coisa que quase nunca faço, prefiro meu quarto, mas
nesse dia estava um calor terrível e o ventilador do quarto não dava vazão. Como era
sábado, todos, menos eu, tinham saído para a balada, então, depois de zapear pelos
canais da TV a cabo, encontrei um filme interessante e me joguei no sofá da sala.
Vinte minutos depois a campainha toca.
― Quem, em nome de Deus, viria aqui agora? ― resmungo, caminhando em
direção à porta. ― Só pode ser uma das mulheres dos caras. ― Já puto, nem olho no
olho mágico e abro a porta. Me surpreendo ao encontrar Marcela.
― Oi. ― Cumprimenta com um sorriso e eu franzo o cenho.
― O Júlio não está. ― É a primeira coisa que vem em minha mente.
― Posso entrar?
― Ah, claro, desculpa. ― Dou um passo para trás e coço a cabeça, sem graça.
― Eu sei que ele não está, terminamos há uma semana. ― Dá de ombros como
se o fato não tivesse muita importância.
― Ah. ― E o idiota se faz presente e novamente não consigo dizer nada coerente.
― Você está assistindo filme, posso ver com você? ― Indica a televisão e meu
queixo quase cai.
― Você quer assistir ao filme comigo? ― indago, não acreditando no que ouvi.
― Sim, posso?
― Ah, claro.
Marcela não espera um convite, joga a bolsa no sofá pequeno e se senta no lugar
que eu estava. Faço menção de me sentar no outro, mas ela bate no sofá, me chamando
para sentar ao seu lado e eu me sento desajeitado, sou um homem grande e estou
tentando não ser muito espaçoso.
― Ei, relaxa. ― Pisca um olho para mim.
― Eu estou tudo, menos relaxado.
― Por que, não gosta da minha companhia?
― Gosto! ― retruco rapidamente e ela sorri.
― Então, relaxa. Nas últimas vezes que vim aqui, tive a impressão de que estava
me evitando.
― Impressão sua ― minto descaradamente.
― Fico feliz. ― Ela sorri e eu me perco em seu sorriso.
― Por que veio aqui, Marcela? ― pergunto sem conseguir me conter.
― Porque eu quero ser sua amiga, quero você como amigo.
― Amigo. ― Sinto como se tivesse levado um balde de água congelada em minha
cabeça.
― Quando te encontrei no corredor, há algumas semanas, senti que criamos uma
conexão ― Uma felicidade absurda me invade ao saber que não senti tudo aquilo
sozinho. ― Um carinho tão abundante, que nem sei explicar, como se fosse meu irmão
mais velho, sabe?
― Sei... ― Olho para frente para tentar disfarçar meu desapontamento.
― Eu não tenho amigos, Marcos, nem homem e muito menos mulheres. Homens
apenas uso; as mulheres, ou me invejam ou me veem como concorrente ― solta e me
surpreendo com a forma crua com a qual fala.
― Você é bem direta.
― Aí é que está, nunca sou direta ou mesmo sincera.
― Não entendi.
― Não meço esforços para ter o que eu quero.
― E o que você quer?
― Quero me casar com um homem rico e lindo, com uma boa posição social,
quero ter sucesso em minha carreira e quero continuar gostosa eternamente ― joga sem
nem ao menos piscar.
― Porra!
― Você perguntou e eu respondi.
― Vai me dizer tudo o que eu perguntar?
― Se você prometer ser meu amigo, sempre serei sincera com você. Em troca,
quero a mesma sinceridade.
― Uau. ― Olho para frente e aperto ambas as mãos, vendo qualquer possibilidade
de ter a mulher que está ao meu lado para mim voar pela janela.
― Aceita ser meu amigo, Marcos?
Eu apenas suspiro e ela continua:
― Eu quero, pela primeira vez na vida, poder ficar ao lado de um homem sem me
preocupar em seduzi-lo, sem mudar minha personalidade e me fazer de idiota para
agradá-lo.
Eu a olho, ela não está mentindo, sua expressão é séria e está toda concentrada
em meu rosto. Não sei o que se passa em sua mente, não sei o que essa mulher pensa,
mas acredito em cada palavra que sai da sua boca. E bem lá no fundo dos seus olhos, eu
vejo uma fragilidade que ela tenta a todo custo esconder, e mesmo com medo de cometer
a maior loucura da minha vida, eu aceito o seu convite.
― Tudo bem, vamos ser amigos. ― Ela sorri e eu retribuo, sabendo que dali em
diante terei que reprimir qualquer sentimento romântico que tenho por essa mulher; Eu,
oficialmente, entrei na temível zona da amizade.
Eu apenas fixo meus olhos nela, não sabendo como agir e esperando seu próximo
passo.
― Vamos ver o filme. ― Ela pisca um olho, eu assinto e olho para frente.
Desse dia em diante, as visitas de Marcela se tornam frequentes, quando não nos
víamos, nos falamos por telefone diariamente.
Conversamos sobre tudo e me surpreende o quanto nossos gostos são parecidos.
Marcela não era apenas uma mulher bonita, era também muito inteligente e
estrategista, sabia o que queria e onde queria chegar e ela sonhava alto.
O tempo foi passando, iniciei minha residência e nessa época nos distanciamos
um pouco. Eu não tinha tempo nem para mim, quanto mais para dar atenção a alguém,
porém, sempre que recebia uma mensagem sua, meu coração ainda batia acelerado.
Pequenos gestos faziam com que eu não me esquecesse dela: presentes em
datas comemorativas, ligações no meio do plantão para perguntar se eu tinha bebido
água, coisas bobas, mas que para mim eram tão preciosas.
Quando faltavam 2 anos para minha residência terminar, Marcela me ligou e disse
que tinha algo muito importante para me contar.
Fui ao seu encontro com o coração apreensivo, fazia alguns meses que não nos
víamos pessoalmente, só conversávamos por redes sociais, e eu achei que estaria
preparado. Estava namorando com uma enfermeira e seguindo minha vida, contudo, foi
só vê-la que meu coração bateu descompensado e minhas mãos ficaram úmidas.
Mesmo depois de alguns anos, eu ainda me sentia como um estúpido adolescente
ao vê-la.
Eu engoli em seco ao assistir ela se levantar da cadeira do restaurante com um
sorriso largo, caminhar em minha direção e se jogar em meus braços.
― Que saudades ― sussurra próximo a minha orelha, roubando meu fôlego, e eu
fico sem ação, tentando controlar as reações do meu corpo. Aos poucos, elevo meus
braços e a abraço forte, tão forte que ela geme, mas não reclama e não se afasta.
Depois de um tempo, a contragosto, afrouxo o aperto no seu corpo, mas Marcela
não me solta. Ela tomba o corpo para trás, segura de que eu irei segurá-la e eu não
decepciono, apoiei minhas mãos em suas costas e ela sorri daquele jeito que me faz
suspirar.
― Vem, tenho um monte de coisas para te contar. ― Pisca um olho e se afasta e
eu tomo fôlego antes de segui-la.
Nos sentamos, fazemos nossos pedidos e conversamos sobre coisas cotidianas.
― Você se mudou? ― indaga, buscando um copo de água na mesa, ignorando
completamente o delicioso prato de massa a sua frente.
Marcela nunca sai da rígida dieta que segue, ela sempre está em busca do corpo
prefeito e eu apenas a acho perfeita de qualquer jeito.
― Sim, mês passado, eu já quase não aparecia por lá, praticamente morava no
hospital. ― Dou de ombros e em seguida abocanho uma boa quantidade de massa do
meu prato.
Há um mês, quando senti que minha situação financeira estava mais flexível, me
mudei para um pequeno apartamento perto do hospital que trabalhava.
― Ou na casa da namorada. ― Seu tom é acusatório e eu busco o guardanapo,
limpo meus lábios e escondo um sorriso antes de falar:
― Mas o que de tão importante você tinha para me falar? ― Vejo-lhe fazer um
bico, umas das coisas que mais irrita Marcela é eu não comentar meus casos amorosos
como ela faz com os dela.
Não tenho nenhuma necessidade de revelar minha intimidade para ninguém e, se
estou em um relacionamento, não acho certo comentar, mas não julgo quando ela o faz.
Marcela gosta de desabafar suas desventuras amorosas e diz que só se sente à vontade
para fazer isso comigo.
Se ela soubesse o quanto é desanimador ouvir sobre suas conquistas e saber que
eu nunca serei uma delas...
― Você às vezes é tão chato. ― Minha amiga bufa, sabendo que não irei dar
maiores detalhes.
― Mas é por causa dessa chatice que você gosta tanto de mim e somos amigos.
― Volto a minha atenção para meu prato e a ouço gargalhar.
Marcela pode não sentir as mesmas coisas que eu, mas eu sei que ela gosta de
mim, como amigo, mas gosta.
― Nisso você tem razão. Enfim, vou passar um tempo nos Estados Unidos. Alguns
anos, se tudo der certo ― comenta e eu engulo a comida com dificuldade.
Elevo meu olhar e a vejo brincar com a comida.
― Por quê?
― Consegui um estágio em uma empresa de publicidade em Nova York ― explica
sorrindo de lado.
E eu sei o que esse sorriso significa: que ela usou meios não muito ortodoxos para
conseguir esse estágio. Mas evito fazer quaisquer julgamentos.
― Vou sentir sua falta. ― Busca minha mão sobre a mesa e mais uma vez ela me
quebra.
― Eu também, Marcela, mais do que você imagina. ― São em momentos assim
que eu deixo fluir tudo o que guardo em meu peito.
Terminamos de jantar em silêncio, cada um em seu universo particular.
Na despedia, minha amiga faz um pequeno carinho em meu rosto.
― Você vai me levar ao aeroporto?
― Sim, vou sim.
A acompanho até o taxi e vou caminhando em direção ao meu apartamento,
desisto de ir para casa da minha namorada, hoje não seria uma boa companhia e não
seria justo ficar com uma pessoa enquanto penso em outra.
No dia em que Marcela embarcou, eu cedi meu dia a outro médico em troca de
cobrir 3 plantões dele. Alguns minutos antes da hora marcada, estava em frente ao seu
prédio, com um carro que aluguei especialmente para a ocasião, esperando-a descer.
Como sempre, minha amiga estava linda. Não nos falamos muito, apenas
entramos no carro e seguimos para o aeroporto em silêncio.
Quando seu voo foi chamado, Marcela se virou para mim e sorriu, depois se jogou
em meus braços.
― Não se esqueça de mim ― murmura e ao se afastar, vejo seus olhos cheios de
lágrimas.
― Nunca ― asseguro enquanto elevo uma mão e limpo seu rosto.
― Promete? Você sabe que é a única pessoa que eu tenho nesse mundo, não
sabe? ― Deita sua cabeça em minhas mãos enquanto deixa as lágrimas caírem
livremente.
Marcela é órfã de mãe e não se dá bem com o pai, um alcoólatra que a fez sair de
casa aos 16 anos e desde então ela batalhou sozinha, até nos tornarmos amigos.
Daquele dia em diante ela me fez sua família e Marcela sabe que eu sempre torci por ela.
― Vai em busca dos seus sonhos e quando voltar estarei aqui te esperando, como
sempre estive. ― Minhas palavras continham tantas coisas não reveladas, meus
segredos que estavam quase escapulindo pelos meus lábios.
A vejo abrir e fechar a boca, seu olhar recai em meus lábios e meu coração bate
tão forte que parece que vai escapulir pela boca. Vejo coisas em seu olhar que nunca vi,
sentimentos nunca antes mostrados. Seguro a respiração, esperando algo, uma única
palavra, qualquer indício de que não era apenas um amigo para ela.
Mas ele não veio.
Engulo em seco e solto a respiração devagar quando a vejo fechar os olhos com
força e fazer um gesto negativo.
Marcela não precisou falar nada, ela fez sua escolha naquele momento e eu
apenas senti uma vontade absurda de chorar como nunca senti antes.
Mas segurei, da mesma forma como segurei a vontade de dizer que a amava.
Eu apenas a puxei para meus braços e a apertei forte. Ela não me afastou, cercou
minha cintura e ficamos assim até seu voo ser chamado novamente.
Minha amiga se afastou devagar, sorriu de lado, fez um aceno e nenhum de nós
dois falou nada. Não sei se conseguiria.
Fiquei parado vendo-lhe caminhar devagar de cabeça baixa e ir em busca de seus
sonhos.
Objetivos acima dos sentimentos

Marcela
Desde muito cedo eu descobri que meu corpo, rosto e cabelos chamam a atenção
e, nessa mesma época, também descobri que com os meus atributos físicos juntos a um
tom meloso, eu conseguiria muitas coisas.
Conseguia muitas notas na escola, conseguia que os caras pagassem coisas
caras para mim, conseguia muitas coisas materiais, mas nada disso me fazia sentir
completa.
Minha mãe era a única pessoa que me entendia, ela também sentia essa
necessidade de atingir a perfeição e se sentia tão frustrada quanto eu, como se estivesse
eternamente correndo por um objetivo inalcançável.
Nunca me entendi com meu pai, não tenho nem uma única recordação carinhosa
ou amorosa com ele, nossa relação piorou depois que minha mãe faleceu. Naquele
momento, eu me senti completamente sozinha no mundo.
Dois anos depois, saí de casa, tinha 16 anos na época, meu pai não fez um único
movimento para me impedir. Fui morar com meu namorado, um cara que eu achei que
poderia me dar uma condição melhor de vida, porém, logo que a nostalgia passou, vi que
ele queria me tornar uma dona de casa e não queria isso para a minha vida.
Um convite inusitado me fez começar a trabalhar como modelo, não durou muito,
mas juntei uma grana legal. Conheci um homem mais velho que bancou minha faculdade
e me enchia de luxos, também não durou muito, mas cumpri meu objetivo.
Meus relacionamentos nunca duram, sei lá, acho que o encanto acaba rápido e
logo eu estou em busca de alguém que pode me oferecer mais.
Pensava assim até conhecer um cara completamente fora dos meus padrões.
Esbarrei nele no corredor do apartamento do ricaço idiota com quem estava saindo.
Ele não me tocou. A princípio, reconheci de imediato seu olhar de assombro ao me
ver, os homens normalmente tem essa reação ao meu respeito, mas aí, eu fitei seus
olhos e fiquei presa neles, algo que nunca tinha acontecido. Quando ele sorriu, algo
aconteceu dentro de mim.
Por breves momentos, o frio que sempre me preenchia foi substituído por algo que
eu não sabia identificar. Seus olhos transmitiam uma paz tão abundante que me
desestabilizou e eu fiz o melhor que sei fazer, abaixei meu tom de voz, paquerei um
pouco e, ao sair da frente dele, meu sorriso morreu.
Naquele dia fui direto para minha casa, abalada, não entendendo o que tinha
acontecido comigo.
Aquele homem que eu não sabia nem sequer o nome, que era tão diferente do que
eu julgava perfeito, me fez sentir coisas com apenas um sorriso que nenhum outro me
fez.
Recusei alguns convites do Júlio, não queria correr o risco de encontrar aquele
homem novamente.
Mas a curiosidade falou mais alto, quem sabe, mesmo sendo tão diferente do tipo
de homem que gosto, ele não é rico o suficiente para me fazer esquecer sua aparência
física? Quem sabe aquele brilho no seu olhar me faça apagar toda a escuridão que eu
tenho por dentro?
Ao chegar no apartamento, comentei de forma preconceituosa e zombeteira com
Júlio sobre ter esbarrado em um gordinho na última vez que tinha ido ali, não queria
levantar suspeita sobre meu possível interesse.
Ele me revelou que era um estudante de medicina nerd e enquanto falava,
apalpava meu corpo e eu inventei que precisava imprimir uns papéis e que ele talvez
pudesse me ajudar.
Júlio me levou ao quarto de Marcos e eu apenas queria que aquela primeira
impressão que tanto me abalou tivesse ficado lá atrás, mas não foi isso que aconteceu.
Ao abrir a porta, novamente senti tudo aquilo, mais uma vez ele confundiu minha
cabeça.
Entrei em seu quarto e senti que havia algum tipo de rixa entre Marcos e Júlio, dei
uma desculpa esfarrapada para meu ficante, queria ficar sozinha com o homem que tanto
mexeu comigo.
Um sorriso involuntário brotou em meus lábios ao vê-lo nervoso. Suas bochechas
rosadas com covinhas, a expressão cativante e amorosa me encantavam de uma
maneira que eu não conseguia entender.
Ele me entregou os papéis, mas eu não fui embora, não, ainda queria saber mais
dele. Olhei com interesse para seu quarto, fiz algumas perguntas tentando descobrir mais
dele e, para o meu total desânimo, pelas entrelinhas descobri que ele não era rico.
Fora do meu perfil físico e pobre era demais para mim, mesmo que tenha me
encantado, não seguiria adiante.
Me despedi de Marcos com um incômodo no peito. Segui para o quarto de Júlio e,
assim que entrei, ele me presentou com uma pulseira cravejada de diamantes, porém,
enquanto ele me tocava, não era nele que eu pensava.
Daquele dia em diante, mesmo querendo terminar com Júlio, eu continuava indo
ao apartamento feito um masoquista que tem curiosidade por algo que sabe que não é o
melhor para ele.
Algum tempo depois, conheci um cara mais rico que Júlio e terminei com ele, mas
não queria me afastar de Marcos. Então, em um ato impulsivo, fui ao seu apartamento em
um horário que eu sabia que Júlio não estaria, já que tinha acabado de me enviar uma
mensagem em uma boate, rodeado de mulheres, como se eu me importasse onde ele
enfiava a porra do pau dele.
Fui recebida pelo sorriso que tanto me encanta e um olhar curioso.
Pela primeira vez na vida, fui honesta com alguém. Não enganei, não usei meu
corpo, não seduzi. Eu o queria de alguma forma em minha vida, nem que fosse como
amigo.
Marcos aceitou meu pedido de amizade, e eu fingi não ver que ele queria mais,
como eu também fingi para mim mesma nos anos seguintes que eu merecia mais.
Não vou fingir que o encanto por ele morreu quando o conheci mais a fundo, muito
pelo contrário: aumentou. Meu amigo era a minha parte boa, Marcos se tornou vital na
minha vida, a pessoa a quem eu recorria para contar as merdas que ocorriam, e não
eram poucas.
E meu amigo sempre me recebeu de braços abertos, e como era bom estar em
seus braços, sentir seu calor, seu toque, mesmo que em leves carícias em minhas costas.
Eu queria tanto que ele fosse diferente fisicamente ou que pelo menos fosse rico,
mas não era. Eu perdi as contas de quantas vezes pensei em jogar tudo o que eu julgava
perfeito para o alto para ficar com ele.
Marcos me olhava de uma forma como nenhum homem me olhou, mas nunca
disse em nenhuma palavra que queria algo comigo, não precisava, estava explicito em
cada toque, cada gesto de carinho.
Por muito tempo eu busquei homens que o tirasse da minha mente, por anos, vivi
frustrada tendo conquistas profissionais e materiais, buscando sempre atingir a perfeição.
Corpo perfeito, cabelo perfeito, boa posição social e, principalmente, rico. Eu
queria um homem assim ao meu lado.
Me recordo que quando viajei para NY, fui com um medo surreal de que quando
voltasse, algo em Marcos tivesse mudado e ele já não me olhasse daquela forma. Fiquei
3 anos fora, durante esse tempo, nós falávamos sempre que eu encontrava tempo.
Eu não sei descrever o incômodo que eu sentia no peito toda vez que ouvia a voz
de alguma mulher perto dele, mas posso afirmar que não gostava nem um pouco. Meu
amigo sempre foi muito discreto em relação a sua vida amorosa, então eu nunca
realmente sabia quando ele estava namorando ou não, não sei qual seria minha reação.
Sei que é muita hipocrisia da minha parte, mas simplesmente não conseguia agir
de outra forma.
Quando consegui certa estabilidade financeira, não muita, mas o suficiente para
não aguentar homem chato e principalmente depois de aceitar uma proposta de trabalho
por méritos próprios, eu voltei para o Brasil e a primeira coisa que eu quis foi ver Marcos,
e ele estava no aeroporto me esperando.
Foi difícil controlar a vontade que eu tinha em me jogar em seus braços, mas me
contive.
― Que saudades! ― ele sussurrou ao meu ouvido enquanto me abraçava daquele
jeito que eu tanto gostava e acalmou meu coração que estava temeroso com receio de tê-
lo perdido depois de tantos anos sem nos ver.
Eu me afastei para olhar seu rosto. Marcos continuava o mesmo, seu sorriso tão
amoroso ainda estava ali, eu não sei dizer por quanto tempo eu apenas o olhei, ele era o
que tinha de mais precioso na merda da minha vida e tinha uma grande aptidão de
estragar a porra toda, e eu apenas não queria machucá-lo, não podia correr o risco de
perdê-lo.
Porque eu sabia que iria machucá-lo, eu sabia que ainda buscava o homem
perfeito para ficar ao meu lado e eu sabia que, se desse razão ao que desejava, eu iria
ferrar com tudo porque é isso que eu faço de melhor.
Então eu apenas o abracei e chorei e ele me acalentou como sempre fazia, e eu,
mais uma vez, engoli a vontade que eu tinha de tentar algo a mais com meu amigo.
Na semana seguinte, eu iniciei o trabalho em uma empresa de marketing, julguei
erroneamente que igual a todos os lugares em que eu trabalhei iria conseguir levar as
coisas com meu jeito sexy e meu corpo.
Ledo engado. Na Martins, eu conheci a pessoa que eu mais odiei na vida e quem
mais me ensinou o quanto eu estava errada: Bianca Soares!
Ela é a personificação de tudo o que eu julgava imperfeito: era gorda e tinha um
nariz em pé que eu não entendia o porquê. Na minha cabeça não entrava como alguém
com aquele corpo podia se sentir bem consigo mesma. Então, por um tempo, eu achei
que era puro teatro, e eu entendia muito bem disso. Afinal, sou mestre em disfarçar o que
realmente sinto.
Mas, para minha surpresa, depois de dois anos, ela continuava com a mesma
atitude.
Até então, aquilo só me incomodava, não havia raiva envolvida, até que eu conheci
Pedro Camargo.
O homem que, para mim, era a personificação da perfeição.
Corpo e rosto perfeitos, boa posição social e podre de rico. A empolgação que eu
senti ao conhecer aquele homem foi surreal, Pedro era tudo o que eu sonhava em um
homem e eu investi com tudo. Fui charmosa e sexy, não deu certo. Dei uma de inocente e
tímida, também não surtiu efeito. Fiz o tipo que eu sabia que todo homem rico e poderoso
amava: a frágil desprotegida. E nada aconteceu, ele simplesmente não me via e, para
meu assombro, demostrou interesse por Bianca.
Eu surtei, simplesmente não entendia como aquele homem perfeito iria preferir ela,
uma mulher gorda que vivia dando patada nele, a mim, que aos olhos da sociedade sou
perfeita.
Eu fiz de tudo para atrapalhar o romance deles, que para minha felicidade não
durou muito, e eu finalmente vi a oportunidade de conquistá-lo.
Pedro Camargo tinha se tornando uma obsessão para mim.
Consegui levá-lo para a cama, não vou dizer que senti prazer, porque nunca soube
o que era isso, mas a satisfação de saber que finalmente tinha aquele homem foi melhor
que qualquer orgasmo que eu poderia ter tido.
Mas nada saiu como eu planejava. Ao contrário do que eu imaginava, ele não ficou
aos meus pés depois que transamos, eu tentei várias outras vezes e em todas ele me
dispensava depois de algumas horas, até que um dia simplesmente parou de atender a
minhas ligações.
E eu não lidei bem com a rejeição.
Pouco tempo depois, um outro homem chamou a minha atenção. Ainda não tinha
me recuperado emocionalmente por ter sido dispensada pelo Pedro quando um novo
CEO assumiu a empresa que eu trabalhava, Fernando Lacerda.
Novamente achei que com aquele daria certo, ele era mais perfeito que Pedro e,
novamente, outro cara que eu queria para mim, que eu julgava perfeito, se interessava
por Bianca Soares.
Quando vi aquele cara de quatro por ela eu senti uma raiva surreal. Naquele dia,
liguei para Marcos, ele sempre me ouvia, mas daquela vez foi diferente.
― Eu não acredito que aquele homem maravilhoso está interessado naquela
mulher. ― Rosno antes de engolir uma boa quantidade de álcool.
― E qual é o problema com ela? Pelo que você fala, ela é muito competente.
― É o segundo homem que ela me rouba. ― Mal lhe dou atenção, tamanha a
raiva que sinto.
― Ela deve ser muito interessante. ― Fito-o como se não acreditasse no que ele
disse e ele pisca em tom de brincadeira, só que eu não estou no clima de brincadeira.
― Ela é gorda ― grito, não dando a mínima atenção a quem está ouvindo.
― Caso você nunca tenha percebido, eu também sou gordo, Marcela, e isso nunca
me impediu de ficar com uma mulher. ― Ele soa magoado.
― Não? Tem certeza? ― Meu tom é maldoso e eu vejo o exato momento em que
ele entende o que eu quis dizer.
Primeiro seus olhos se arregalam, depois ele abaixa a cabeça, solta um longo
suspiro e levanta a mão chamando o garçom.
Merda, merda, merda.
― Desculpa, eu estou de cabeça quente e falei besteira. ― Tento buscar sua mão
sobre a mesa e, pela primeira vez, ele se afasta.
Naquele momento, eu prendi a respiração e o olhei apreensiva.
― Marcos, vamos esquecer isso, por favor ― imploro abrandando meu tom de
voz.
― O que você ainda não entendeu, Marcela, é que quando você ama uma pessoa,
verdadeiramente ama, não importa como essa pessoa é fisicamente ou economicamente,
você manda tudo para o alto e fica com essa pessoa, e que se dane o que o resto do
mundo vai achar. Um dia você vai aprender isso, a vida vai te ensinar. ― Entrega o cartão
ao garçom, pagando a conta.
― Marcos ― sussurro assustada.
― Você sabe o quanto eu gosto de você, mesmo sabendo que muitas vezes não é
a melhor pessoa do mundo. Nunca julguei seus atos, mas hoje você me atingiu de uma
forma como nunca pensei que faria.
― Mas eu não falei nada de você, e sim de Bianca. Eu tenho ódio dessa mulher,
ela sempre me faz perder os homens.
― Marcela, eu nem mesmo conheço essa mulher, mas eu não posso ouvir você
ser gordofóbica sem me sentir atingindo. Acho melhor ficarmos afastados por enquanto,
desejo o melhor para você, Marcela ― diz enquanto inclina o corpo e beija minha cabeça
no exato momento em que uma lágrima desce pelo meu rosto.
Não viro o rosto para ver Marcos indo embora, não conseguiria. Em minha mente,
só consigo pensar que tudo é culpa de Bianca.
Às vezes, a vida ensina da pior maneira

Marcela

Deitada em minha cama, fechei meus olhos e senti uma lágrima descer pelo meu
rosto, não tentei limpá-la, logo outras a acompanharam.
Seguro meu celular fortemente contra meu peito, tentei várias vezes entrar em
contato com Marcos, e ele não atendeu a nenhuma das minhas ligações ou visualizou
minhas mensagens.
Respiro fundo e prendo a respiração por alguns segundos, depois a solto devagar,
buscando me acalmar, organizar meus pensamentos, mas nada funciona.
Em minha mente, a única culpada de tudo que está acontecendo é Bianca. Sem
sequer raciocinar, ligo para Pedro.
― O que você quer, Marcela? ― atende com seu tão costumeiro jeito grosseiro de
me tratar.
Tão diferente de Marcos que, com sua voz carinhosa, acalenta meu coração. O
simples pensamento nele me faz engolir em seco e mais algumas lágrimas descerem
pelo meu rosto.
― Se você não falar logo, eu vou desligar! ― ameaça, e eu não tenho a menor
dúvida de que ele faria isso.
Arranho a garganta. Volto a falar devagar:
― Você ainda quer separar Bianca e Fernando? ― Minha voz não passa de um
sussurro doloroso.
― Por quê? Você irá me ajudar? ― Noto o evidente interesse.
― Sim.
― Você sabe que eu quero ficar com Bianca. Não vá fazer isso pensando que vai
me conquistar. Isso não vai acontecer!
― Eu sei.
― Você quer o idiota do Fernando?
― Meus motivos não te interessam.
― Se voltar a falar assim novamente comigo, eu nunca mais olho na sua cara! ―
Seu tom de advertência faz novas lágrimas descerem pelo meu rosto e novamente engulo
em seco e assumo o personagem que ele gosta, a doce e apaixonada.
― Desculpa, amor, eu apenas quero te agradar.
― Venha ao meu apartamento agora e me mostre o quanto você quer me agradar.
― Pedro desliga o telefone.
Afasto o aparelho do meu rosto e o olho por algum tempo, entro nas minhas redes
sociais e procuro por Marcos. Não o acho.
Ele obviamente me bloqueou.
Sentindo que algo morreu dentro de mim, seco minhas lágrimas, deixo o celular de
lado, junto com minha dignidade e amor próprio, e pego minha bolsa. De cabeça baixa,
saio do meu apartamento e a intenção é de ir para o apartamento de Pedro.
***
Não sei dizer ao certo em qual momento Pedro se tornou uma obsessão. Talvez
fosse por não ter mais Marcos por perto, sua sensatez, carinho e atenção faziam eu me
manter longe do buraco negro, mas assim que ele se afastou, eu mergulhei nele
completamente.
Sem sua luz para me guiar, eu fui cada vez mais fundo, mais baixo.
Às vezes, no meio da noite, olhava meu celular e buscava o contato de Marcos,
mas não tinha coragem de ligar ou enviar mensagem, não poderia. Marcos sempre
esteve ao meu lado nos meus piores momentos, e eu tinha vergonha das coisas que
estava fazendo, não conseguiria olhar nos olhos tão carinhosos do meu amigo.
Contudo, mais uma vez ele se mostrou melhor que eu, ao me enviar uma
mensagem em uma madruga perguntando se eu estava bem. Outras seguiram dali em
diante e em uma noite em que Pedro me humilhou e me expulsou do seu apartamento,
eu apareci no de Marcos. Apenas nos olhamos e ele me puxou para seu abraço. Chorei
copiosamente, mas algo tinha mudado: Marcos mantinha uma distância de mim e, pela
primeira vez, me senti desconfortável. Daquele dia em diante, só nos comunicávamos por
mensagem, algo tinha se apagado, ou talvez algo tivesse morrido dentro de mim.
E isso apenas fez com que me entregasse à relação que eu tinha com Pedro de
corpo e alma. Não posso, de forma alguma, pôr a culpa dos meus atos em Pedro, eu sou
culpada de cada mísera coisa que fiz desde que aceitei seu acordo de ficarmos juntos
enquanto tentávamos separar Bianca e Fernando, porém, não importava o que fazíamos,
nada abalava Bianca e Fernando.
A devoção e amor que ele tinha por ela não entravam em minha cabeça e, em
dado momento, eu ousei sonhar com aquilo.
Fantasiei em minha mente confusa que Pedro iria reconhecer tudo o que eu estava
fazendo e se apaixonaria por mim como eu achava que estava apaixonada por ele.
Não, aquilo nem de longe poderia ser chamado de amor, era a mais pura loucura.
Em nome desse pseudo amor, eu extrapolei todos os meus limites, fui humilhada,
sofri agressões verbais, pressões psicológicas, a ponto de me olhar no espelho e não me
reconhecer mais. E durante tudo aquilo, eu achava que merecia, que apenas estava
recebendo todo o mal que já fiz às pessoas.
Eu aguentei, eu esperei, eu suportei até o dia que descobri estar grávida. Não foi
planejada e muito menos fiz algo para manipular, apenas aconteceu.
Me recordo que enviei uma mensagem empolgada para Pedro, tinha umas 2
semanas que não nos víamos, desde que Fernando e Bianca anunciaram que estavam
noivos e Bianca anunciou sua gravidez.
Ali ele viu que não conseguiríamos mais separá-los e se afastou. Bem, a verdade é
que eu vinha notando um interesse da sua parte pela secretária de Fernando, mas
apenas fingi que não via, como eu fingia que não via muitas coisas.
Pedro não respondeu minha mensagem, em vez disso apareceu em minha casa.
Quando o porteiro informou que ele estava subindo, eu sorri, não de felicidade, ou
empolgação, há muito tempo não sentia nenhum desses sentimentos, meu sorriso foi
apenas uma reação mecânica sem nenhuma emoção envolvida.
Julgava não conseguir sentir mais nada.
Abri a porta e Pedro entrou, não me olhou nos olhos, ele nunca me olhava, como
se sentisse nojo de mim. Não me importei com seu olhar, apenas já estava acostumada.
― Querido, que bom que você veio. ― Tentei me aproximar, mas ele me
interrompeu elevando uma mão.
― Que porra de gravidez é essa, Marcela? ― Não esconde sua raiva e eu fecho
meus olhos, cansada demais para tentar agradá-lo.
― Eu não planejei, se é isso que você está pensando, apenas aconteceu. ―
Minha voz soa triste.
― Eu quero que você tire, que aborte. Eu não quero essa criança, não quero ter
nenhum vínculo com você ― grita, segurando meus braços com força e em seguida os
sacudindo e eu me sinto uma boneca de pano.
Enquanto ele diz que ama outra e o quanto sou desprezível, me pergunto o que eu
fiz da minha vida.
Foi por isso que eu passei a vida buscando?
Esse é o homem perfeito que eu almejei?
Foi por isso que eu joguei meu orgulho e autoestima na lata de lixo?
Foi a isso que eu dediquei os últimos meses da minha vida?
Pedro me joga no chão como se eu fosse menos que nada e, antes de bater a
porta, ameaça acabar comigo se eu não tirar a criança.
Eu não olho para vê-lo saindo, não sei definir quanto tempo fiquei ali, só sei que,
quando tento me levantar, minhas pernas estão dormentes. Então eu me estico no chão e
olho para o teto buscando um motivo para continuar ali, e não encontro nenhum.
Vasculho dentro de mim qualquer sentimento em relação à criança que carrego em
meu ventre e também não encontro nenhum.
― Para que pôr uma criança no mundo para sofrer como eu sofri? ― murmuro
olhando para o teto. ― Para que continuar vivendo se eu só faço mal a todos ao meu
redor? ― sussurro, sentindo grossas lágrimas escorrerem pelo meu rosto.
Giro meu corpo e engatinho até o banheiro, pego a caixa com tranquilizantes e a
cada comprimido que destaco da cartela, uma coisa de ruim que eu fiz vem a minha
mente, a cada comprimido que eu bebo é um perdão que eu peço.
Ingiro toda a cartela.
Saio do banheiro sem me olhar no espelho, não tenho coragem. Caminho em
direção ao meu quarto me segurando nas paredes, me jogo na cama e busco meu celular
na mesinha. Aperto-o por um tempo em meu peito, tomando coragem de me despedir da
única pessoa que me fez bem na vida.
Marcos atende no segundo toque.
― Marcela? Aconteceu alguma coisa? ― Seu tom preocupado faz mais algumas
lágrimas descerem.
― Me desculpa por tudo, eu só queria dizer que você foi a melhor parte da minha
vida, mas eu simplesmente não posso mais continuar.
― Marcela o que você fez? ― indaga alarmado.
― Eu não deveria ter aparecido no seu apartamento há anos, eu sempre soube o
que você sentia por mim, eu apenas deveria ter deixado você seguir, não deveria ter sido
a parte ruim da sua vida.
― Onde você está, Marcela?
― Em meu apartamento. Adeus, Marcos ― balbucio e, sem forças para segurar o
celular, deixo minha mão tombar na cama. De longe, ouço Marcos gritando, mas não
consigo reagir, ou não quero, eu apenas mergulho na escuridão reconfortante.
Não sei dizer o que houve dali em diante, apenas que acordei no hospital, com a
garganta doendo horrores, e que Marcos estava ao meu lado, dormindo com a cabeça
pousada na cama do hospital.
Devagar, toquei seu cabelo e ele levantou a cabeça assustado.
― Você está sentindo alguma coisa? ― perguntou, pegando meu pulso e
verificando meus sinais vitais.
Passo meus olhos pelo quarto e franzo o cenho ao ver algumas cegonhas
desenhadas na parede. Marcos segue meus olhos e volta a aferir minha pressão, o tempo
todo desviando seus olhos do meu rosto.
― Devido a sua gestação, você está internada na ala obstetrícia, esse quarto está
equipado para monitorar tanto a você quanto ao seu bebê ― esclarece e eu assinto
compreendendo que ele já sabe da minha gravidez.
Em silêncio, vejo uma enfermeira entrar no quarto e lhe entregar alguns papéis, ele
os analisa sem se dar conta de que a enfermeira, em vez de ir embora, segue olhando-o
embasbacada.
― Obrigado, Fernanda ― Marcos agradece sorrindo e suas covinhas fazem a
enfermeira sorrir ainda mais largo.
Vejo aquela interação enquanto tento engolir saliva e ela desce arranhando a
garganta.
― Sua garganta está dolorida porque tiveram que fazer uma lavagem estomacal,
graças a Deus que cheguei a tempo ao seu apartamento e o medicamento ainda não
tinha entrado em sua corrente sanguínea ― informa de modo profissional, sem me olhar
nos olhos.
Marcos está agindo como se eu fosse sua paciente e eu não posso culpá-lo por
isso.
― Vejo pelos exames que você está grávida, pelo nível de HCG você está por
volta de 7 ou 8 semanas, vou fazer uma ultrassonografia para ver como está o feto ―
esclarece enquanto abre a camisola do hospital, expondo minha barriga.
Passa um gel e, em seguida, mexe com um aparelho em minha barriga. Desvio os
olhos dele e sem sentir nada, olho a tela do computador, onde aparece uma imagem em
borrão. Ele faz alguns ajustes e, em uma tela preta com tons cinzas, aparece algo
pequeno como um grão de feijão.
Franzo meu cenho e busco seu rosto como resposta, tento falar algo, mas nada
sai, minha garganta ainda dói muito.
― Está sentindo muita dor na garganta? ― pergunta olhando a região do meu
pescoço e eu faço um gesto afirmativo. ― Vou passar um remédio que irá aliviar. ―
Repito o gesto e olho para tela e novamente para ele de forma interrogativa.
― Você está com 8 semanas e dois dias de gestação, pelo que vejo, o feto está
bem, mas você terá que monitorar o bebê no decorrer da gravidez. Você quer ouvir o
coração dele? ― questiona com voz branda e eu desvio os olhos dele e fito o teto.
Eu queria ouvir? Não sabia essa resposta.
Mas nem tive muito tempo para me indagar, porque a sala foi invadida por um
vigoroso som e, nesse momento, meu coração perdeu uma batida e eu novamente engoli
em seco ignorando a dor. Virei meu rosto para Marcos sentindo meus olhos se encherem
de lágrimas.
― Esse é o batimento cárdico do seu bebê. Ainda não dá para saber o sexo dele,
o obstetra que irá te acompanhar lhe informará. ― Ele fez uma pausa, limpou e guardou o
aparelho e buscou folhas descartáveis para limpar minha barriga, e eu segurei sua mão,
queria falar tantas coisas, mas não conseguia.
Marcos respirou fundo e, de cabeça baixa, continuou a limpar minha barriga.
― Eu sempre estive ao seu lado, nos piores momentos da sua vida, e você tentou
tirar sua própria vida porque um idiota não te queria mais. Não tenho mais estrutura para
ver isso. Você não tem noção do medo surreal que eu senti até chegar à sua casa e te
encontrar desmaiada na cama. A sua sorte é que eu já saí de casa acionando a
ambulância e alguns minutos depois que cheguei ao seu apartamento, eles te
socorreram. Eu perdi as contas de quantas orações fiz esta noite, pedi para amigos
atenderem meus pacientes porque eu simplesmente não conseguia, meus pensamentos
estavam todos voltados para você. Eu desejo que você fique bem, mas não posso mais
ficar por perto, não posso mais. ― Sinto suas lágrimas pingarem em minhas mãos e eu
fecho meus olhos aceitando o inevitável.
Marcos termina de limpar minhas mãos, passa um tempo de costas para mim e eu
o ouço soltar o ar devagar.
― Vou deixar o telefone de um terapeuta e de uma obstetra amiga minha, por
favor, procure ajuda. ― Deixa os cartões com os dados dos profissionais e eu acompanho
seus movimentos.
Caminha até aporta, segura a maçaneta, mas não sai.
― Eu amo você, Marcela, por isso não posso ficar e ver você tirando sua vida por
causa de um canalha ― fala bem baixinho, mas eu ouço, ele depois sai sem se virar para
mim.
Eu queria me levantar da cama e gritar que não foi por causa de Pedro, foi por
tudo...
Também queria dizer que eu o queria, mas não fiz, não achei certo depois de tudo.
Sentindo grossas lágrimas escorrerem pela minha face, giro meu rosto e busco os
cartões na mesinha ao lado da cama.
Junto a eles tem uma foto do meu bebê e, naquele momento, me sentindo
completamente sozinha, eu decido algo: eu vou procurar ajuda, vou ficar bem por mim,
por meu filho e por Marcos.
Me despedindo de você
Marcos
Quando saí daquele quarto de hospital, eu precisei ficar sozinho, necessitava. Fui
direto para casa, tomei um longo banho, depois fui dormir, dormi o dia todo. À noite, cobri
o plantão de meu amigo que tinha me ajudado na noite anterior.
A todo momento, a vontade de entrar em contato com Marcela me dominava, mas
me controlei, eu tinha que pôr um ponto final nessa relação tóxica, mesmo a amando,
tinha que me afastar.
Não vou dizer que foi fácil, porque não foi, a dor em meu peito sem saber de
notícias suas era terrível, mas eu não podia mais ser seu estepe, não mais.
Os meses foram passando e, com o tempo, a dor foi amenizando. Mas o
esquecimento não veio; às vezes, me pegava pensando nela. Marcela não entrou em
contato comigo e eu evitava perguntar aos profissionais que eu a indiquei sobre ela.
Somente uma vez perguntei se ela estava fazendo pré-natal e a obstetra me confirmou,
depois disso, nunca mais mencionei seu nome, mas ela continuava viva em meus
pensamentos.
Eu achava que nunca iria esquecer, até que um belo dia, na academia, eu
reencontrei uma pessoa muito especial: Maria.
Ela é aquele tipo de pessoa que exala alegria por onde passa e, igual a mim, Maria
também estava tentando esquecer uma pessoa. Então era um bom acordo, ninguém
estava enganando ninguém, éramos somente dois corações machucados buscando
carinho e atenção.
E eu sei que tanto ela quanto eu queríamos que nossa relação desse certo, nós
tentamos duramente, mas, às vezes, por mais maravilhosa que a pessoa seja, seu
coração traiçoeiro não responde aos comandos do seu cérebro e foi isso que aconteceu.
Mas não admiti, continuamos, até que depois de meses sem ter notícias, Marcela surgiu
em minha casa no dia em que Maria estava lá.
O ar foi roubado dos meus pulmões ao chegar na frente da porta e ver Marcela
olhando Maria com olhos confusos. Bebi da sua imagem, meu coração apertou de
saudades, minhas mãos pinicaram de vontade de tocá-la.
Sendo gentil, Maria a guiou para dentro e ela se sentou sem desviar os olhos dos
meus, eu me agachei a sua frente e ela pôs a mão na barriga.
― Me diz o que houve? ― Minha voz não passava de um sussurro.
— Eu vou pegar um copo de água com açúcar para ela ― diz Maria, se
encaminhando para a cozinha, creio que ela queria dar privacidade para conversarmos.
― Está tudo bem com o bebê? ― questiono pondo minha mão em cima da sua.
Marcela faz um movimento afirmativo de cabeça e me olha, não fala nada e eu
mergulho nos seus olhos, tantas palavras brotando em minha garganta e eu engulo em
seco fazendo-as descer goela à baixo, não é o momento de questionar, eu só quero
saber se ela está bem.
― Eu demorei demais, não foi? Perdi você ― murmura e abaixa a cabeça. Prendo
a respiração e depois solto devagar, não acreditando no que ela está falando.
Vejo uma lágrima descer por seu rosto e a limpo antes de começar a falar:
― Marcela... ― Não consigo concluir e ela segura minhas mãos, as apertando
forte, desvio meus olhos dos dela e olho nossas mãos juntas.
Eu esperei tanto por isso, sonhei tanto, desejei tanto.
― A água. ― A voz de Maria chega até a mim, me despertando.
Marcela agradece e me olha. Sei que tenho que tomar uma decisão agora: ou volto
a sofrer com Marcela ou continuo tentando com Maria.
Fito seus olhos e neles está um pedido mudo que por anos eu quis ver, mas o
medo de voltar àquela situação fala mais alto e eu desvio dos seus olhos. Levanto-me,
caminho em direção à Maria e abraço sua cintura, deixando claro minha decisão.
— Eu preciso ir. — Marcela corre em direção à porta, se atrapalha com a chave e
eu vou ajudá-la. Assim que abro, ela sai correndo.
— Marcela! — grito e logo em seguida viro meu rosto para Maria fazendo-lhe um
pedido mudo.
— Vai atrás dela, vou ficar aqui te esperando. ― Sorri e eu não perco nenhum
segundo antes de sair correndo atrás dela.
Noto que ela já entrou no elevador e desço pelas escadas o mais rápido que eu
posso e chego no estacionamento esbaforido. Nem ao menos perco um tempo para
recuperar o fôlego, ando pelo estacionamento a sua procura e a encontro com a cabeça
encostada no carro.
Fecho meus olhos e inspiro profundamente tentando acalmar as batidas do meu
coração.
Me aproximo devagar. Como se sentisse minha presença, ela gira o corpo e me
observa caminhar em sua direção.
Paro próximo dela e é ela quem dá um passo se aproximando e eu dou outro até
não ter mais espaço entre nós dois.
Lágrimas descem pelo seu rosto e acho que pelo meu também. Elevo uma mão e
limpo seu rosto, fazendo-lhe um ligeiro carinho. Ela deita a cabeça em minhas mãos,
depois enlaça minha cintura e aproxima meu corpo do seu, meu coração bate acelerado.
― Por favor, me deixe te abraçar só um pouco ― murmura deitando a cabeça em
meu ombro.
Por breves segundos, eu fico sem ação, então a vontade de tê-la em meus braços
nem que seja pela última vez fala mais alto e eu a abraço forte. Ela suspira, suas lágrimas
molham minha camisa e devagar percorro o caminho até a sua cabeça e acaricio seus
cabelos, tentando confortá-la.
Marcela se afasta e me olha, morde o lábio inferior e sussurra:
― Eu deixei você escapar, como fui burra, não é verdade? ― Sorri e novas
lágrimas descem pelo seu rosto.
― Você está melhor, fez o tratamento? ― indago, segurando seu rosto com as
duas mãos e fitando seus olhos.
― Me internei em uma clínica. Eu precisava curar minha mente e me perdoar
antes de vir atrás de você. Vou ter uma menina, estou próximo de fazer 6 meses.
― Eu sei. ― Sorrio me sentindo feliz em saber que ela está bem.
Seguimos abraçados e eu sei que uma hora terei que deixá-la ir, eu fiz uma
escolha e Marcela não se inclui nela.
Mas é tão difícil deixá-la ir.
Acho que ela pensa a mesma coisa, pois não faz nenhum movimento para se
afastar, em vez disso fita minha boca e inclina rosto em minha direção.
― Marcela... ― advirto, afastando o rosto.
― Um beijo de despedida, só um. Por favor, em nome de tudo o que não vivemos
por estupidez minha. Somente um beijo ― pede, sem tentar conter as lágrimas, e eu sou
incapaz de negar, mesmo porque desejei isso por anos.
Segurei seu rosto e me aproximei dela, meus lábios tocaram os seus no momento
exato em que aproximei seu corpo do meu e ela tirou as mãos da minha cintura e enlaçou
meu pescoço.
Foi um beijo perfeito, sua língua entrou em minha boca e logo em seguida ouvi seu
gemido, senti seu rosto molhado e novamente eu não sei definir se as lágrimas são
minhas ou suas. Marcela segurou meus cabelos, me mantendo no lugar, e eu não tinha a
mínima vontade de sair dali. Nos separamos para buscar ar e, novamente, voltamos a
nos beijar.
Com o coração em frangalhos, me afastei de Marcela, que seguiu com os braços
estendidos, mas não fez nenhum movimente para me prender.
― Fica bem, cuida da sua filha ― peço com a voz embargada.
― Marcos... ― ela começa a falar, mas para e engole em seco.
― O quê? ― pergunto com a voz embargada.
― Desejo que você seja feliz, eu não vou atrapalhar, não poderia fazer isso com
você e, não se preocupe, vou cuidar da minha filha. Aceitei um emprego fora do Brasil e
vou começar de novo, mas saiba que nunca vou me esquecer de você. ― Ela sorri,
morde o lábio inferior, entra no carro e vai embora.
Demoro um tempo na garagem, e mesmo sabendo que essa era a melhor decisão
a tomar, dói demais.
Em busca da minha felicidade

Marcela

Ao sair do hospital, a primeira coisa que quis fazer foi ir atrás de Marcos, mas eu
não poderia, não depois de tudo que eu fiz. Primeiro, precisava me perdoar, precisa
consertar algumas coisas dentro de mim, antes de ir a sua procura.
Pedi licença na empresa e me internei em uma clínica para tratamentos
psicológicos.
Não foi um processo fácil, foi doloroso e levou mais tempo do que eu poderia
imaginar.
Reconhecer que eu não era perfeita como imaginava, que estava em um
relacionamento abusivo com Pedro e que eu era uma pessoa tóxica para Marcos, não foi
algo fácil de aceitar.
Mas foi preciso encarar os fatos, aceitar meus erros e procurar ficar bem.
E quando isso começou a acontecer, eu fui aceitando minha gravidez, mas o amor
pela minha filha só começou quando eu a senti mexer dentro de mim. Naquele momento,
eu soube que eu queria ficar bem não só por mim, mas por ela.
Dali em diante eu tomei algumas decisões: pedi demissão da empresa, não queria
voltar para lá, me afastei de todos e foquei na minha saúde mental.
Ao sair da clínica, eu me sentia outra, com uma gana de viver, de fazer diferente,
de levar minha vida em outra direção, de criar minha filha com outros valores.
Alguns dias depois de voltar, recebi um convite para trabalhar em uma empresa em
Boston e a primeira pessoa a quem eu quis contar foi Marcos e, novamente, eu freei
meus anseios. Antes, eu teria que resolver minha situação com Pedro, quando fosse até
Marcos, eu não queria ir com nenhuma pessoa na consciência, queria me entregar de
corpo e alma.
Para minha enorme surpresa, não precisei procurar Pedro, em uma manhã, ele
bateu em minha porta.
Seu olhar ao ver minha barriga foi de assombro, creio que ele achou que eu tinha
perdido o bebê, mas isso não me importou, o que ele sentia não me interessava, não
mais. O que me interessava era o que eu sentia e eu não sentia nada.
Aquela louca necessidade de agradá-lo, de vê-lo feliz, não existia mais. Eu sorri,
me deu vontade de chorar, de gritar.
Eu estava livre.
― Marcela, eu quero... ― O interrompo.
― Não me interessa o que você quer, Pedro, não mais. ― Não altero meu tom de
voz e muito menos a modifico para agradá-lo.
― Você ficou maluca? Desde quando você me trata assim? ― Eleva o queixo,
agressivo, e eu bufo.
― Volto a falar: eu não quero saber o que você veio me dizer, a única coisa que eu
quero é que você assine um documento abrindo mão da paternidade da minha filha ―
esclareço soando firme.
― Olha, não vou fingir e dizer que a sua gravidez não é uma pedra em meu
caminho, eu vim te oferecer uma soma em dinheiro... ― Novamente eu o interrompo.
― A única coisa que eu quero é que você abra mão da paternidade e de assumir
quaisquer direitos sobre minha filha. Não quero dinheiro, não quero mais te ver em minha
frente, será que eu estou sendo clara?
― Tem certeza de que só quer isso? ― pergunta me olhando desconfiado.
― Sim ― confirmo, com os olhos fixos no seu.
― Irei mandar meus advogados redigir um documento no qual você irá assinar e
nele estará claro que no futuro não irá procurar os direitos da criança ― solta em um tom
de ameaça.
― Se nesse documento estiver bem claro que você abdica de todo e qualquer
direito sobre minha filha, eu assino feliz e sorridente ― devolvo.
Pedro franze o cenho, creio que ele não esperava essa minha reação. Achou que
iria jogar o documento na minha cara e que eu iria pedir para ele pensar melhor.
O que ele ainda não sabe é que tudo o que eu passei me fez repensar minha vida,
o que antes era o ideal, agora, não faz mais sentido.
Eu vou me tornar uma pessoa que minha filha sinta orgulho de ter como mãe, esse
será meu objetivo.
Pedro saiu da minha casa e da minha vida batendo a porta e eu suspirei em alívio.
Naquele mesmo dia, à noite, recebi de um portador um documento no qual Pedro exigia
que eu nunca procurasse meus direitos e em contra partida abria mão da paternidade de
minha filha. Após analisar o documento e enviar para um advogado, o assinei e o
reenviei.
Agora eu estava livre para trilhar meu futuro e eu queria que Marcos fizesse parte
dele.
No dia seguinte, munida de uma enorme esperança, fui à casa de Marcos,
contudo, quem atendeu à porta foi uma mulher e, quando eu ouvi Marcos a chamando de
anjo, eu perdi meu chão.
Abalada, vi a interação entre eles. Marcos estava seguindo sua vida e eu não fazia
mais parte dela.
Quando ouvi ele me chamando no estacionamento, eu deveria ter ido embora e
não mais procurá-lo, deveria ter seguido meu caminho e ter deixado ele em paz, mas não
consegui, eu queria vê-lo nem que fosse uma última vez.
Então eu o abracei e ele me puxou para mais perto, eu não perdi o estremecimento
do seu corpo. Mesmo com medo da sua recusa, eu pedi por um beijo, o primeiro e último,
e ele me beijou.
E eu acho que pelo resto da minha vida vou me arrepender por não tê-lo beijado
antes, porque naquele momento eu finalmente me senti completa, senti que tudo estava
em seu devido lugar, que o vazio que sempre senti em minha alma e me fez ir ao fundo
do poço finalmente tinha sido preenchido.
Sempre foi ele, eu que nunca quis admitir isso e paguei o pior preço.
Aquela noite eu passei em claro, chorando, lamentando por ter sido tão burra, tão
idiota.
Eu decidi tentar mais uma vez, uma última vez, mas não com Marcos, e sim com
sua atual companheira. Se ela me dissesse que o ama, que nunca iria magoá-lo, eu
sumira, não o procuraria mais, eu apenas queria ter a certeza de que ele seria feliz com
uma mulher que o amava.
Maria me recebeu receosa, o que era esperado. Fui sincera, lhe contei o quão
baixo eu cheguei por causa de um sentimento que eu achei que era amor e que, no
entanto, era apenas uma necessidade que nunca iria conseguir suprir, pelo menos não
com a pessoa que eu estava, nunca com Pedro.
Perguntei se ela o amava, ela não me respondeu, mas garantiu que nunca iria
magoar o coração de Marcos como eu magoei.
E mais uma vez eu desmoronei, porque não poderia contestar, Maria não falou
nenhuma mentira, eu realmente magoei Marcos.
Com lágrimas nos olhos, saí da casa de Maria e decidi me afastar de Marcos, não
iria atrapalhar sua vida.
Eu continuo amando você
Marcos
Quando Maria me disse que Marcela foi a sua casa, eu prendi a respiração, ouvi
seu relato com meu coração batendo descompensado e, ao terminar, eu soltei o ar
devagar.
Eu realmente queria acreditar que Marcela tinha mudado, principalmente depois do
beijo, mas não conseguia, não depois de tudo que houve.
Então, quando um colega mencionou que teria que viajar para cuidar de uma
amiga nossa em comum, que também era médica e passava por uma gestação de risco e
estava nos Estados Unidos, eu não pensei duas vezes em trocar de lugar com ele.
Precisava desse tempo, caso contrário, eu iria à procura de Marcela. Eu precisava
saber se não era apenas uma empolgação momentânea, eu tinha que ter certeza e esse
tempo seria bem-vindo.
Eu e Maria decidimos conversar sobre o nosso relacionamento quando eu
voltasse. Ela confessou que Victor, o homem por quem ela era apaixonada, estava
começando a demostrar que também sentia algo por ela. E eu sabia que era apenas
questão de tempo para ele perceber a maravilhosa mulher que estava perdendo.
Passo algumas semanas no Estados Unidos, não por causa do parto, que foi feito
alguns dias depois que cheguei, mas porque pedi por umas pequenas férias, eu
precisava desse tempo para decidir o que fazer.
Será que valeria a pena iniciar algo com Marcela, a mulher que eu sempre amei e
que muito me magoou?
E se no futuro ela se arrepender e me deixar?
Não sei como iria reconstruir meu coração se isso ocorresse, só eu sei como foi
difícil me manter afastado dela nos últimos meses.
Quando retornei, ainda não tinha uma decisão em mente, a primeira pessoa para
quem eu liguei foi Maria. Passamos uma tarde maravilhosa.
Mencionei a Maria meu medo de me aventurar em um relacionamento com
Marcela, e ela muito sabiamente me disse que se não tentasse, eu iria passar o resto da
minha vida me questionando sobre como teria sido minha vida se eu tivesse ousado dar
uma nova chance ao amor.
E eu a aconcheguei em meus braços. Não sei determinar quanto tempo ficamos
abraçados. Acho que nós dois estávamos tristes, porque nossa história poderia ter sido
muito bonita, mas infelizmente ou felizmente — ainda não sei definir ao certo —, os donos
dos nossos corações resolveram, ao mesmo tempo, demonstrar algo que jamais julgamos
possível.
Em comum acordo, eu e Maria resolvemos seguir nossos corações, mas isso não
significa que não sentimos uma pontinha de tristeza por aquilo que poderia ter
acontecido.
Assim que Maria saiu, peguei minha carteira e fui até o apartamento de Marcela
antes que eu desistisse. Toquei a campainha meio apreensivo e ela me recebeu meio
descabelada, com um vestido curto evidenciando sua gestação.
E ela estava linda.
― Oi. ― Sorrio e ela arregala os olhos e passa as mãos nos cabelos rapidamente.
― Marcos, oi, entra ― pede, dando um passo para trás. ― Desculpa a bagunça,
eu estava embalando as coisas e acabei pegando no sono no sofá ― explica
constrangida e só então eu reparo nas caixas ao seu redor.
― Você irá se mudar?
― Sim, eu comentei com você que aceitei uma proposta de trabalho em Boston. ―
Esclarece, mordendo o lábio inferior. ― O que você veio fazer aqui, Marcos? ― pergunta
apertando as mãos.
Marcela parece nervosa e insegura e eu nunca a vi assim na vida.
― Maria me disse que você foi visitá-la. ― Não foi bem uma pergunta, e sim a
contestação de um fato.
― Sim... eu... bem... fui conversar com ela ― confessa, tirando algumas caixas de
cima da mesinha. ― Eu não vou atrapalhar, você deixou isso bem claro com Maria e ela
foi muito gentil ao me receber... eu... apenas desculpa... apenas queria saber... ―
assegura, não me olhando nos olhos.
Seguro seu braço quando ela faz o movimento de pegar mais uma caixa.
― Marcela, o que você disse a Maria? ― indago. Engulo em seco ao senti-la
estremecendo ao meu toque.
― Perguntei se ela te amava. Eu apenas queria saber se ela nunca iria te magoar
como eu te magoei, Marcos ― murmura de cabeça baixa e eu vejo algumas lágrimas
descerem pelo seu rosto.
Elevo seu rosto e finalmente fito seus olhos.
― Por que você queria saber isso, Marcela? ― Eu não iria facilitar, eu queria
respostas, queria ter as certezas que meu coração tanto necessitava.
― Porque eu queria saber se ela te amava, e se ela tivesse uma única dúvida de
que não era amor, pedi que ela me deixasse consertar meus erros.
― E se existisse essa dúvida, o que você faria?
― Se tivesse um único indício de que vocês não se amam, eu iria te pedir uma
chance e iria passar o resto da minha vida tentando, de todas as formas que eu pudesse,
te fazer feliz. ― Sua voz soa embargada e lágrimas grossas descem pelo seu rosto.
― Por que, Marcela? ― pergunto em um fio de voz.
― Porque eu amo você ― sussurra e eu sinto como se o tempo tivesse parado
naquele exato momento.
Não sei dizer quanto tempo a olhei e ela não desviou o olhar, não fraquejou
nenhum segundo sequer.
― Eu tenho uma vida estável, mas não sou rico. ― Solto, sem desviar os olhos
dos seus.
― Eu sei ― concorda suavemente.
― Eu não sou perfeito fisicamente, nem de longe.
― Eu sei ― volta a afirmar, sorrindo.
― Não tenho bons contatos sociais e muito menos gosto de noitadas e boates.
― Eu sei. ― Faz um gesto de cabeça concordando.
― Por que agora, Marcela?
― Porque depois de ter ido ao fundo do poço, eu entendi que absolutamente nada
das coisas que você mencionou é importante. Mas você é, sempre foi, Marcos, desde a
primeira vez que eu te vi, eu te quis por perto, mesmo que fosse como amigo, eu te quis
por perto. Eu paguei pelos meus erros e apenas quero uma chance de fazer diferente, eu
prometo não te decepcionar. Eu amo você, Marcos.
Sem ação, a vejo se aproximar, traçar meu rosto com um dedo, inclinar o rosto e
sussurrar contra a minha boca.
― Me dê a chance de te fazer feliz, meu amor. Porque eu sei, agora mais que
nunca, que só iria me sentir completa com você ao meu lado. Eu amo você, Marcos...
Antes de ela terminar a frase, eu a beijo e, novamente, eu apenas queria que o
mundo parece e que aquele momento durasse para sempre. Marcela circula meu
pescoço e eu enlaço sua cintura. Sinto suas lágrimas e eu tenho quase certeza de que as
minhas estão junto.
Meu coração bate descompensado, sinto seu corpo estremecer, ouço seu gemido
e minha pele inteira arrepia.
Nunca foi assim com ninguém que eu fiquei até hoje.
Paramos para recuperar o fôlego e ela está sorrindo e eu, também. Voltamos a nos
beijar, eu ainda tenho vários questionamentos, mas agora não quero nenhuma resposta,
quero apenas essa mulher em meus braços e eu tenho sérias dúvidas se algum dia vou
deixá-la se afastar de mim.
― Me faça sua mulher, Marcos ― pede contra meus lábios antes de me beijar
apaixonadamente.
Marcela segura minha mão e me leva em direção ao seu quarto.
― Desculpa a bagunça, eu já tinha encaixotado. ― Seguro sua cintura e
delicadamente a aproximo do meu corpo e a beijo. Ela se derrete em meus braços.
Devagar, desfaço o nó que ela deu em seus cabelos e eles caem como uma
cortina loira, beijo seus ombros e encosto minha testa na sua.
― Como está sua gestação, sua obstetra te disse se tem algum problema você
fazer amor? ― indago com voz rouca e ela sorri.
― Como sempre pensando em mim primeiro.
― Eu quero muito fazer amor com você, mas preciso saber se está tudo bem.
― Está tudo bem e eu nunca fiz isso.
― O que?
― Amor, nunca fiz amor.
E foi minha vez de sorrir. Devagar, tiro seu vestido, a deixando apenas de calcinha,
e seguro a respiração ao ver seus seios fartos.
Seguro seu rosto nas mãos, sugo seu lábio inferior, escorrego os lábios para seu
pescoço, mordo-o, depois assopro e ela geme. Giro seu corpo de modo que ela fique de
costas para mim, acaricio as laterais do seu corpo, viro seu rosto e a beijo enquanto o
percorro lentamente, passando por seus seios, aproximando seu corpo até minha ereção.
Chegando em sua calcinha, introduzo um dedo em sua intimidade e gemo contra sua
boca ao encontrá-la molhada.
Marcela rebola nos meus dedos e suga minha língua enquanto eu a acaricio. Com
a mão livre, seguro seu seio e, devagar, giro o bico enquanto introduzo mais um dedo
nela.
Ela goza e então contra minha boca, chamando meu nome e melando minha mão
e eu simplesmente amo cada segundo.
Trêmula, ela se senta na cama. Me ajoelho a sua frente e, devagar, tiro sua
calcinha e abro suas pernas. Ao ver sua intimidade úmida, aproximo meu rosto e a chupo
sem pressa.
Marcela segura meus cabelos, rebola na minha boca e não demora a novamente
atingir um orgasmo.
Ela se deita na cama, ofegante, com as pernas trêmulas, e eu as beijo antes de me
deitar ao seu lado ainda completamente vestido.
― Precisamos conversar.
― Meu amor, antes eu preciso recuperar o fôlego que você me roubou ― diz
enquanto busca o ar com força e eu vejo que seu corpo ainda tem pequenos tremores
pós orgasmo e eu sorrio feliz por ter proporcionado aquele prazer a ela.
Marcela gira o corpo ficando de lado na cama e me olha.
Não falamos nada, apenas sorrimos.
Aquele momento era perfeito demais, não sei definir quanto tempo ficamos assim, até que
ela começou a piscar até adormecer e eu suspirei, sentindo uma paz abundante em meu
peito.
Vivendo um sonho
Marcos

Marcela dormiu por um bom tempo. Em dado momento, traço o contorno do seu
rosto, livrando-o do cabelo que estava sobre ele. Com a intenção de deixá-la continuar
descansando, escorrego na cama, mas ela segura meus braços.
― Ei, você vai aonde? Vai embora? ― pergunta, apreensiva, se levantando.
― Acho que não sei se consigo sair mais do seu lado, Marcela. ― A deito na
cama, inclino meu corpo, em seguida a beijo e a sinto suspirar contra meus lábios.
― Desculpa ter dormido depois de...― Ela sorri sem graça.
― Coisas de grávida, eu entendo um cadinho disso.
― Me esqueci que você é obstetra.
Eu apenas sorrio e acaricio seus cabelos, escorrego as mãos para sua barriga e a
acaricio.
― Vocês já escolheram um nome? ― Sondo, querendo saber mais sobre o pai da
criança.
― Eu ainda não escolhi um nome e propus ao progenitor um acordo: eu não
procuro os direitos da minha filha, em contra partida, ele abre mão da paternidade ―
explica, me surpreendendo.
― E você está bem com isso?
― Eu que propus, porque ele meio que achou que eu estava cedendo as suas
vontades. Eu quero ser um exemplo para minha filha, Marcos.
― Fico feliz em saber, Marcela.
― E você e Maria, você veio e está aqui comigo porque decidiu me dar uma
chance?
― Eu e Maria decidimos ser apenas amigos, a quero para sempre em minha vida.
― Deixo bem claro que não me afastarei de Maria.
― E nós dois?
― O que você quer, Marcela?
― Te quero para sempre, você me aceita, mesmo estando grávida de outro?
― Eu sempre te amei, Marcela, e acho que você sempre soube disso, não sou
muito bom em mentir. Eu não quero uma aventura, quero meu “feliz para sempre” com
você.
― Eu prometo não mais te magoar.
― Eu prometo nunca te deixar ir.
― Não vou, não importa o quanto a vida nos teste.
― Eu quero ser o pai dos seus filhos, todos, inclusive essa que ainda nem nasceu.
― Ela não poderia ter melhor pai que você.
― Eu amo você, Marcela.
Seguro seu rosto, a beijo e ela se entrega. Nosso beijo fica mais sensual e Marcela
escorrega pelo meu corpo.
― Eu estou nua e você, não. E eu simplesmente não acho isso justo ― diz, tirando
minha camisa e, sorrindo, sai da cama, abre minha calça e a puxa, me deixando de
meias.
Sobe em cima de mim e rebola na minha ereção.
― Sabe outra coisa que grávida tem muito? ― indaga sussurrando.
― O quê? ― pergunto em um fio de voz.
― Tesão. ― Inclina e me beija enquanto segura minha ereção e a introduz em sua
intimidade devagar.
Suspiramos juntos enquanto ela se ajusta ao meu tamanho, me ajeito na cama, de
modo que fique sentado, e ela começa a quicar no meu colo, roubando meu fôlego. Com
uma mão, seguro sua bunda enquanto a outra introduzo nos seus cabelos e a beijo.
Foi melhor do que algum dia já imaginei, nossos corpos suados, tremores, olhares
apaixonados, sorrisos secretos, juras de amor e, por fim, o orgasmo arrebatando nossos
corpos.
Suspirando ofegante, ela encosta a cabeça na minha e eu vejo lágrimas descendo
do seu rosto.
― Você está triste? ― indago apreensivo.
― Não, estou muito feliz.
― Então, por que as lágrimas?
― Porque eu estou sentindo raiva de mim mesma por ter demorado tanto tempo
para admitir que você é o homem perfeito para mim. ― Marcela segura meu rosto, me
beija nos lábios e sussurra, me olhando nos olhos: ― Me desculpa por ter lhe feito
esperar tanto tempo.
E eu apenas não consigo falar nada, não consigo, pois um bolo se forma em minha
garganta.
― Tenho uma pergunta para te fazer ― diz enquanto me ajeito na cama e ela
pousa a cabeça em meu peito.
― Qual? ― pergunto, acariciando seus cabelos.
― Você quer namorar comigo?
― Não. ― Ela me olha assustada e se senta na cama.
― Mas... ― Não a deixo terminar e a beijo.
― Não quero namorar com você, Marcela, eu quero me casar com você. ― E ela
sorri e se joga em meus braços e, novamente, fazemos amor.
Para sempre
Dias atuais

Marcos
― Papai! Eu me machuquei! ― Isabela choraminga, me mostrando o dedo com
um pequeno arranhão.
― Oh, bebê do papai! ― Inclino meu corpo de modo que fique na mesma altura
que ela e beijo seu dedo. A vejo morder o lábio inferior e seus lindos olhos castanhos, tão
parecidos com os da mãe, brilham cheios de lágrimas que minha filha luta bravamente
para não deixar cair.
― Tá doendo, papai. ― Minha filha perde a luta contra as lágrimas e se joga em
meus braços, e eu a afago tentando esconder um sorriso.
― Papai vai cuidar do seu dodói ― prometo. Me levanto com ela agarrada ao meu
pescoço, busco minha esposa com os olhos e a vejo me olhando com olhos carinhosos.
Mas nem sempre foi assim. Por um longo período, eu amei essa mulher e ela me
via apenas como um amigo. Nada mais.
Me recordo do exato momento em que me apaixonei por Marcela. Foram anos
esperando que ela me olhasse, que me visse, realmente me visse.
Há 15 anos, nos casamos e, desde então, muitas coisas aconteceram, mas não
teve um único dia em que um de nós pensou em desistir.
― Eu nem mesmo vou dizer que você a mima demais, você faz isso com todos os
nossos filhos. ― Ela se ajeita na rede e alisa a avantajada barriga.
Inclino meu corpo com cuidado para não deixar nossa filha cair e a beijo.
― Ai, vocês dois não param de se agarrar. ― Maria Eduarda sorri ao entrar na sala
e se jogar no sofá mandando beijo para mim e sua mãe.
Adotei Maria Eduarda assim que ela nasceu e seu nome é em homenagem a
minha amiga Maria.
― Mãe, minhas amigas vêm dormir aqui hoje, ok? ― Como típica adolescente, não
consegue ficar muito tempo parada, logo se levanta e segue em direção ao seu quarto.
― Pelo amor de Deus, fala para elas não gritarem, amanhã eu tenho prova e tenho
que estudar. ― João, nosso filho de 11 anos, entra na sala reclamando.
― Filho, pega, por favor, a maleta de primeiros socorros.
― Quem se machucou, pai? ― questiona, franzindo o cenho.
― Eu, aqui meu dodói. ― Isabela, que tem apenas 4 anos, mostra seu dedo
arranhado. Desde que descobrimos que teríamos mais um filho, ela tem andado
querendo mais atenção, sabendo que seu posto de filha caçula está prestes a terminar.
João revira os olhos e vai em busca da minha maleta. Limpo o machucado e ponho
um curativo de desenho e ela sai do meu colo e corre animada em direção ao quarto da
irmã. E eu fecho meus olhos, já prevendo os ataques de Maria Eduarda quando Isabela
começar a mexer nas suas coisas.
Minha caçula é uma pequena encrenqueira.
― Você sabe que ela foi lá mexer nos pôsteres da Duda, só para ver ela dando
ataque. ― Marcela não disfarça o sorriso. Nós tentamos a todo custo não achar graça da
situação, mas que é bem divertido ver a interação das crianças, ah, isso é.
A vejo se levantar, caminhar devagar em minha direção, sentar em meu colo,
circular meu pescoço com os braços e me beijar.
― Nós temos que parar de fazer filhos, Marcos ― diz, rindo, e eu gargalho com
gosto.
― Tenho que concordar com você, acho que 4 é um bom número.
― Eu também acho, faltam poucos dias para conhecermos nosso menino ― diz
sorrindo enquanto acaricio sua barriga. ― Eu amo tanto você e a família que você me
deu.
― Eu amo mais. ― Inclina o rosto e me beija, depois escorrega os lábios no meu
ouvido e sussurra. ― Sabe o que uma mulher grávida tem muito? ― Pisca um olho,
faceira.
― O quê? ― pergunto, já sabendo a resposta.
― Tesão. ― Suga meu lábio inferior.
― Crianças, papai e mamãe vão conversar particularmente no quarto. ― Ela solta
uma risadinha e andamos apresados para o quarto para nos amar.
Nunca é demais ou o suficiente. Algumas horas depois, ofegantes, Marcela deita a
cabeça no meu peito e sussurra:
― Eu nunca imaginei que seria tão feliz.
― Eu vivo um sonho com você.
― Você é o meu felizes para sempre, meu amor.
Sorrio e a beijo. Em seguida, deito a cabeça no travesseiro, feliz por ter a família
que eu tenho, com a mulher que eu amo.
Agradecimento

Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus, pois sem ele nada


seria possível. E a minha amada e luz da minha vida, minha filha, Gabi.

As minhas lindas, maravilhosas e poderosas do grupo do zap, as


parceiras e amigas literárias e aos leitores do wattpad, que com suas
lindas mensagens todos os dias me incentivam a escrever. Muito obrigada.
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[1]
Música Sugar- Mairon 5 Sugar

“Açúcar
Sim, por favor
Porque não vem colocá-lo em mim?
Estou bem aqui, pois eu preciso
De um pouquinho de amor e simpatia
Sim, você me mostrou um bom amor
Faz tudo ficar bem
Preciso adoçar um pouco a minha vida
Açúcar
Sim, por favor
Porque não vem colocá-lo em mim?
Meus pedaços
Você une
Não me deixe esperando, esperando
Venha aqui e me dê um pouquinho
Quando estou sem você
Fico tão inseguro
Você é a única coisa, única coisa
Que me faz viver”

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