Você está na página 1de 363

 

 
 
 
 
Copyright © 2021 Isabella Silveira
 
 
Capa: Giauli Design
Revisão: Kreativ Editorial
Diagramação: Kreativ Editorial
Ilustrações: J. P. Forte
 
 
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens,
lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
 
É proibida a reprodução total e parcial desta obra de
qualquer forma ou quaisquer meios eletrônicos, mecânico e
processo xerográfico, sem autorização por escrito dos
editores.
 
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido
na lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
 
Sinopse
Playlist
Notas da autora
Dedicatória
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Outras obras
Entre em contato
Quatorze anos a separam da menina que teve o seu
coração partido para a mulher que adora pisar no coração
dos outros.
Marcos Bessa voltou para o Brasil em busca de redenção.

Há anos ele deixou para trás uma menina confusa e


apaixonada em uma cidadezinha do interior, sabendo que
isso seria o melhor para os dois e foi se aventurar no
exterior. Com a sua volta para o Brasil, encontra uma
proposta irrecusável de trabalho na empresa que Clara
Machado fundou.
O que ele não esperava era que a menina de olhos claros e
sorriso fácil, depois de tantos anos se tornaria a mulher
linda, sensual, ardilosa, com um humor ácido e nenhuma
paciência para as suas cantadas baratas.

O pior? Ele se vê intimado pela mulher que o leva a loucura:


em três meses o adendo em seu contrato acaba e ela
poderá demiti-lo como planeja fazer desde o seu retorno.
Marcos tem um prazo para reconquistar a mulher por quem
sempre foi apaixonado e que ainda guarda mágoa pelo
passado, embora não seja totalmente indiferente às suas
investidas.

 
Será que ela conseguirá resistir?
 

 
Para ouvir:
1 | Abra o app do Spotify;
2 | Vá na aba Pesquisar;
3 | Toque sobre o ícone da câmera;
4 | Aponte para o código abaixo:
 

 
Essa é uma playlist colaborativa.
Se você achar que alguma música combina com a história e
não encontrá-la aí, fique à vontade para adicioná-la.
 
Olá, goxtosa (o),
Obrigada por ter escolhido Cedendo à tentação e dado uma
chance a esse livro tão esperado. Escrever a história da
Clara e do Marcos foi uma montanha russa de emoções, e
finalmente lançá-lo é algo mágico para mim.

 
Para quem já acompanha meus outros trabalhos, bem sabe
que eu só fiz até hoje as minhas meninas com L, uma
tradição boba que acabei de quebrar. Por isso, quando as
leitoras me questionaram em Entre Posts e Amores, Top
Model e tantas outras obras que a Clara Machado apareceu
como coadjuvante, a minha resposta era sempre a mesma:
não tenho intenção de escrever esse livro no momento.

 
Até que meu coração pulsou mais forte e a história nasceu
em um mês e meio. Ela me arrancou risadas, suspiros e até
mesmo algumas lágrimas, tamanha intensidade que vivi ao
escrevê-la.
 
Espero que você possa aproveitar esse tempo com esses
personagens incríveis, e que goste desse livro tanto quanto
eu. Ah! E se você achar que eu mereço, avalie o livro, por
favor, evitando spoilers. Isso ajuda muito os autores
iniciantes.

 
PS: Caso você tenha pego essa obra de forma ilegal por
qualquer outro meio que não seja a Amazon/Kindle
Unlimited, saiba que esse tipo de compartilhamento não foi
autorizado por mim e dessa forma, atrapalha o meu
trabalho, além de ferir os meus direitos.

 
Aproveite,
 
Com amor, Isabella Silveira
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico esse livro para todas as mulheres que desejam e
podem ser donas do seu próprio império, mas que mesmo
sendo empoderadas e girl boss, sejam doces e abram
espaço em seu coração para o amor.
 
Esse é o momento mais decisivo em toda a minha
carreira. Tenho que provar para os malditos investidores que
eu sei, sim, gerir a empresa que eu mesma criei.
Pedro Alcoforado é o CEO há mais de três anos, e
nesse meio tempo a Brumpel cresceu com a velocidade de
um foguete. Até mesmo eu tenho que reconhecer o quão
vital foi a sua permanência por aqui. Sua visão para os
negócios foi impressionante e aprendi muito com ele em
todas as decisões que tomou. Mas, agora, meu primo vai se
mudar para Milão e eu vou continuar aqui, de preferência na
posição que sempre almejei.
Me preparei para caramba por todos esses anos para
conquistar a confiança desses velhos barrigudos. Eu, depois
de ter construído tudo o que construí, voltei para sala de
aula para me profissionalizar. Eles sabem que sou a melhor
opção para o cargo, eu sei disso, todo mundo sabe. Agora é
a minha hora e eu preciso fazer a melhor apresentação da
minha vida.
Respiro fundo, confiante, e calço o meu scarpin preto
da sorte. Meu terninho preto ajustado passa uma seriedade
que geralmente não costumo transmitir, e prendo os meus
cabelos em um coque frouxo. 
Apresentação pessoal é tudo. 
Se quero que eles me vejam como alguém confiável,
séria e profissional, preciso me vestir desta forma. É
necessário, e eu sei disso.
Abro a porta e entro sorrateiramente na sala do Pedro,
ganhando um sorriso acolhedor e um abraço apertado.
— Você é capaz. Hoje não vamos competir, eu vou te
apoiar — ele brinca com a situação e eu confirmo com a
cabeça.
— Cansei de perder pra você, Pedroca, pode ir embora
feliz para Milão — digo brincando, mas nós dois sabemos
que tem um fundinho de verdade nessa história. 
— A sua apresentação está perfeita. Mantenha a
calma, não abaixe o queixo para ninguém, principalmente
para aquele intragável do Borges, e escute tudo o que eles
falarem. Você vai sair da reunião para tomar posse dessa
sala. Pode ficar tranquila, já deu tudo certo — ele fala
apertando meus ombros, e apesar dos saltos, sou baixinha,
e por isso me sinto uma criança recebendo conselhos. 
— Tudo bem, vai dar tudo certo. Tô pronta, podemos ir
— digo e me encaminho para a porta que dá direto para a
sala de reuniões.
Antes que eu gire a maçaneta, Pedro segura o meu
pulso e não fala nada, apenas olha para a pessoa parada na
outra porta que dá para o corredor, com um buquê de
margaridas gigantesco nas mãos.
— Ele quer falar com você — meu primo diz, dando de
ombros. 
— Eu estou ocupada — falo para os dois, deixando
clara a minha irritação.
O que eu menos preciso agora são essas borboletas
irritantes no estômago todas as vezes que vejo o cachorro,
safado e sem vergonha do Marcos.
— Apenas um presente de boa sorte. Sei que você vai
conseguir, mas queria te desejar força antes de ir enfrentar
os tubarões, Clarinha. — Seus olhos tempestuosos e seu
clássico sorriso de lado me deixam completamente
desconcertada.
Ando em sua direção, mesmo a contragosto, e recebo
as flores com um sorriso tímido.
— Não me chama de Clarinha! — digo antes de lhe
dar um beijo rápido na bochecha.
Pois é. 
Não sei o que me deu! Acho que em momentos
decisivos eu me torno emotiva.
— Vocês são insuportáveis — Pedro reclama e eu
fecho a cara, deixando as flores com cuidado em cima da
sua mesa e balançando os braços para me acalmar.
— Ah! Cala a sua boca e vamos logo com isso! —
reclamo, mas sinto as minhas bochechas esquentarem.
Abrimos juntos a porta, deixando Marcos para trás, e
encontramos a sala de reuniões cheias de membros do
conselho. Fátima, minha secretária, já arrumou o slide e
entregou para todos os presentes as folhas de
apresentação, restando para mim apenas a função de
apresentar o meu plano de ação e implorar indiretamente
que não coloquem outro homem com mais experiência em
meu lugar.
— Bom dia, senhoras, senhores, a reunião de hoje é
para decidir o futuro da Brumpel. Como vocês sabem, estou
de mudança para Milão e, consequentemente, deixando o
cargo e quero apoiar a dona e idealizadora da empresa a
assumir o cargo de CEO. Ela está preparada para isso e vai
mostrar a vocês quais são os planos para o futuro da
empresa.
— Bom dia! — digo com uma voz falha, mas respiro
fundo e continuo, buscando passar a confiança necessária.
— Vim provar que sou capaz e que tenho ótimos planos
para o futuro da Brumpel. Vamos começar a apresentação.
Nos vinte e cinco minutos seguintes, falo sobre o meu
plano de ação e como penso em dar continuidade ao
trabalho bem feito de Pedro. Além de todas as melhorias
que gostaria de fazer. Acabo a apresentação com um
sentimento tão forte de dever cumprido que me sinto em
paz.
Eu dei o meu melhor e tenho consciência disso.
A sabatina começa e respondo as perguntas com
tranquilidade, até ser bombardeada por um homem de
cinquenta e seis anos, um bigode gigantesco e um
machismo fora do comum.
— Como uma mulher de vinte e poucos anos saberia
gerenciar uma empresa desse porte? Apesar dessa
apresentação bem feita, que eu tenho certeza que seu
primo fez para você, não confio nem um pouco que saiba
colocar tudo isso em prática. Além do mais, o seu papel é
com os lápis de cor e canetinhas, não lidando com os
negócios — Tomas Borges diz e eu começo a tremer de
nervoso. Apesar de perceber, pela feição dos outros
membros do conselho, que eles não acreditam que isso
pode ser possível, fico temerosa. O homem é poderoso e
pode influenciar os outros contra mim.
— Senhor Borges, eu nunca faria isso! — Pedro se
mostra ofendido — Clara Machado, apesar de ser minha
prima, é uma excelente profissional. Vale lembrar, inclusive,
que a maioria das ações é dela, porque a mesma fundou a
empresa do zero. Ofende a minha índole você achar que eu
faria algo para enganá-los. 
Ele sai em minha defesa de uma forma bem mais
classuda do que eu havia imaginado fazer. Agradeço em um
gesto sutil com a cabeça, mas antes de conseguir abrir a
boca para me defender, ele contrapõe.
— Bom, mas eu tenho um sobrinho que estudou nos
Estados Unidos e tenho certeza que adoraria o cargo e faria
um bom trabalho — ele diz, mostrando as verdadeiras
garrinhas.
Antes que eu possa protestar como uma criança
mimada, Diego Albuquerque, marido da minha melhor
amiga e primeiro acionista da Brumpel, toma a voz para si.
— Tenho certeza de que o seu sobrinho é muito
competente, mas nessa reunião vamos discutir sobre a
Clara assumir ou não o cargo de CEO da Brumpel. O meu
voto é sim — ele diz sério, mas sinto muita gratidão pelo
meu amigo de longa data.
Os outros acionistas se dividem entre os votos, mas
no fim, por uma diferença de três votos, conquisto o meu
lugar de direito.
Finalmente.
Clara Machado é a nova CEO da Brumpel.
 

 
Meus pulmões queimam quando eu puxo o ar como se
estivessem em brasas. Essa é a minha corrida matinal do
ódio, como apelidei algum tempo atrás. Já que eu não posso
matar um, preciso queimar as solas dos tênis, as calorias e
tentar aplacar um pouquinho a raiva que sinto. Correr às
seis horas da manhã no Ibirapuera é um privilégio que
adquiri h pouco tempo, depois que consegui comprar o meu
tão sonhado apezinho aqui por perto.
Encho os meus pulmões com o ar menos poluído da
cidade e me sento ao lado de dona Judite, como faço quase
todos os dias. Sim, ela é uma ouvinte incrível no auge dos
seus noventa e três anos.
— Bom dia, dona Ju, tudo bem com a senhora? —
pergunto, me sentando ao seu lado. Ela abre um sorriso
banguelo para mim e faço um leve carinho em sua mão. —
Hoje é um dia muito importante, sabia? Vou recuperar a
minha empresa e voltar para o meu lugar de direito, como
CEO da Brumpel. Finalmente vou botar o cachorro pra correr
e dar um pé na bunda dele. A senhora se lembra que eu
contei tudo anteontem, quando estava indo para a reunião
decisiva?
— Não me lembro bem, minha filha, me conta de
novo? — ela responde em seu tom de voz maternal e eu
respiro fundo, pronta para repassar tudo de novo para ela.
Quem sabe assim ela não se lembra na próxima? Ou
talvez eu consiga colocar os meus pensamentos em ordem
dessa vez?
A enfermeira que costuma passear com ela todos os
dias neste horário me cumprimenta com um aceno de
cabeça e nos dá certa privacidade. Sim, eu sou a única
amiga que ela tem. Temos uma diferença básica de mais ou
menos setenta anos? Temos . Mas, fazer o quê, se ela é uma
das poucas pessoas que me escutam sem interrupções? Até
mesmo uma psicóloga daria mais opinião do que dona
Judite. E, lógico, depois disso eu ainda ganho um abraço
quentinho, um conselho e um lembrete da minha própria
vovó que há muito tempo faleceu.
— Claro que eu conto — digo segurando a sua mão. —
Bom, tudo começou quando eu era uma garotinha inocente,
e muito, muito tímida. Quando eu visitava a minha vovó e
brincava com o meu primo mais velho, eu tinha um crush
no seu melhor amigo. Sim, eu era uma menininha boba e
iludida, que não conseguia ver um homem bonito sem ficar
loucamente apaixonada. Digamos que ele na época também
mostrou certo interesse em mim, e eu burra acreditei que o
que ele sentia era real — reviro os olhos e continuo meu
monólogo — Bom, então o que poderia ter acontecido com
a estúpida Clarinha? Sim, ela perdeu tudo com o menino
bonito de olhos azuis. E, pior, nem se importou de ser em
um carro velho, com um cheiro de cachorro molhado nos
bancos. Ela só se importou com as palavras bonitas, e em
como o sorriso dele era brilhante… e claro, nos beijos
incríveis que estavam acontecendo naquele momento.
— Minha menina, que despudoramento! — dona Judite
diz, horrorizada — Quantos anos você tinha nessa época?
Com essa carinha de menina…
— Ah, dona Ju, eu tinha quinze anos. Sei que não foi o
auge do augíssimo, mas eu estava apaixonada — respondo
com vergonha —, e ele tinha dezenove. Eu sei que a
senhora vai falar que eu era muito novinha, e hoje eu
também acho que era, mas enfim… Aconteceu. E depois
disso, você sabe o que o safado fez? Fingiu que eu não
existia, mudou de cidade e deixou meu coração idiota em
pedaços. O pior de tudo é que eu não podia contar como eu
fui burra desse jeito pra ninguém. Acho que nem a minha
melhor amiga Laís sabe de todos os podres dessa época. Ela
é mais falante do que eu, sabe? Então tento deixar o drama
só pra mim e ajudar no que posso sempre.
"Enfim, voltei para a minha vidinha pacata e tentei
viver os próximos anos como se nada tivesse acontecido.
Toda vez que eu ouvia falar que o garoto que partiu meu
coração estava por perto eu fazia questão de fugir. E eu
consegui fugir por muito tempo. Passei na USP e consegui
convencer os meus pais na marra que eu queria ir estudar
na capital. Claro, eu precisei fugir para fazer a matrícula até
eles caírem na real que eu não iria desistir. Não tinha
trezentos reais no bolso, mas a vontade de fugir do interior
e dele era maior do que qualquer medo. Nesse meio tempo,
conheci a Laís, e apesar de ter conseguido um muquifo
provisório para morar até fazer as pazes com eles, para que
liberassem a grana, resolvi ficar na pensão com ela. Você
não tem ideia do quanto essa mulher aprontou, dona Ju!
Cada coisa que ninguém conseguiria imaginar, e em todo
esse tempo eu fui batalhando para conseguir vencer na
vida. Criei a minha marca e dei tudo de mim para conseguir
ser renomada
E eu consegui, viu dona Ju? Minha carreira deslanchou
quando nos formamos. A Laís tem grande participação
nisso, afinal de contas, ela até bateu em um bandido que
tentou roubar meus tecidos. Mas, mais do que isso, ela
nunca me deixou desistir. E quando a sua empreitada
decolou, foi a maior divulgadora da minha marca, e a partir
daí foi tudo bem orgânico… Eu fui crescendo e crescendo,
até que os investidores resolveram me dar uma rasteira."
— Mentira! O que aconteceu? — ela exclamou,
chocada.
— Dona Ju, a senhora não acredita! — digo,
estreitando os olhos. — Eles me derrubaram do comando da
minha própria empresa porque eu era mulherzinha demais
para ocupar o cargo de CEO.
— Você não é mulherzinha demais, onde já se viu?! —
ela protesta, indignada.
— Pois é. Na realidade, disseram as seguintes
palavras: você é diretora criativa da marca, mas não
conseguirá lidar com a burocracia de gerir uma empresa,
isso é coisa para um homem fazer — digo em voz alta as
palavras amargas que eu recebi por e-mail tempos atrás,
revirando os olhos. — Pelo menos eu poderia escolher o tal
do homem para ocupar o meu lugar de CEO. O mais
confiável, e competente também, era Pedro Alcoforado.
— E quem é esse? — ela me pergunta desconfiada.
— Bom, ele é o meu primo… aquele que sempre
brincávamos juntos quando éramos crianças — respondo
com os ombros murchos. — Não posso reclamar. Ele foi,
sim, um ótimo bônus para a empresa, me ajudou a
consolidar a marca e, principalmente, a acalmar o mercado
que estava instável. Mas, sabe o que o cretino fez, dona Ju,
na primeira semana de reinado na empresa? — falo
indignada. — Contratou o traste que quebrou meu coração
em um milhão de pedacinhos.
— Mentira! Que babado! — ela responde, ávida por
maiores informações.
— Sim! E, não satisfeito, colocou ele como diretor do
setor jurídico, ou seja, teria que aguentá-lo o tempo inteiro
na diretoria, ao meu lado. Ele está mais lindo que nunca,
cheio de gracinhas, com aquele sorrisinho irritante e
destinado a me enlouquecer. Eu juro! — Ela me olha
desconfiada e eu sinto que preciso me defender. — Ele
simplesmente dá em cima de todas as meninas da
empresa! Parece disposto a me tirar do sério o tempo
inteirinho. Além do mais, ele finge que nunca nada
aconteceu e que ele nunca foi embora e partiu meu
coração. Mas, principalmente, o cretino não tem medo de
morrer. Por que ele fica cem por cento do tempo que eu
estou dando bobeira tentando me beijar! Eu tive meus
casinhos, é lógico, mas não deixei nada abalar o meu foco,
muito menos entrar no meu coração. Deus me livre de
homem me empacando e me dispersando como aquele
traste fez! Agora ele aparece de novo, se achando o rei da
cocada preta e ainda tem a audácia de tentar algo de novo
comigo… Tenho certeza que é só para partir meu coração
de novo e rir disso com Pedro e seus outros amigos.
— Minha menina, ele não pode estar arrependido? —
Dona Judite amolece o coração, e eu nego furiosamente
com a cabeça.
— De jeito nenhum! Mesmo se estiver, eu não vou
deixar isso acontecer. Agora mais do que nunca. Sabe por
quê? — Abro um sorriso de tubarão e ela se aproxima
ansiosa para saber o motivo. — Por que Pedro vai embora
para Milão e eu vou voltar para o meu posto de direito. Eu
vou ser novamente a CEO da Brumpel, e assim que eu me
sentar naquela cadeira, vou assinar uma carta de demissão
muito esperada. Ele vai ficar bem longe de mim, e nunca
mais vou precisar olhar pra cara dele e lembrar da Clara
fraca e boba que eu fui quando era mais nova.
— Você não acha que ele pode mesmo estar querendo
uma nova chance, e afastá-lo não vai fazer você perder essa
nova oportunidade para o amor? — ela pergunta e eu
contenho uma resposta um pouquinho mal educada. 
É claro que isso não vai acontecer, afinal, eu e ele não
temos a menor chance de dar certo, e deixá-lo por perto é
perigoso demais para mim. Não posso ceder a essa
tentação de jeito nenhum.
— Não, dona Judite, não existe espaço para homem
nenhum em minha vida! Muito menos para um que já teve o
seu momento e desperdiçou me deixando totalmente
quebrada. A partir de amanhã não terá mais nenhum
Marcos Bessa ameaçando a minha sanidade, muito menos
dentro da minha empresa. Ele vai estar fora da Brumpel e
da minha vida para sempre. Mas, hoje, é dia de comemorar
mais essa conquista.
Me levanto em um pulo e dou um beijo na bochecha
da senhora que me acolheu desde o primeiro momento que
bateu os olhos em mim. Ela faz um carinho em meu ombro
e murmura um "Deus te abençoe", antes de eu me virar e
sair correndo dali.
 

 
Calço os meus sapatos de salto mais altos, ajusto o
meu terninho vinho que fiz especialmente para esse dia
especial, e deixo os meus cabelos soltos. Esse é o meu
momento de mostrar poder, e nunca estive tão satisfeita
em colocar as minhas garrinhas para fora. A empresa é
minha, e vou recuperá-la assim que meu amado, e
rabugento, priminho for embora.
Cruzo o saguão da Brumpel, cumprimentando todo
mundo como de costume, e recebo mais do que olhares
amigáveis, algo como admiração também. Todos sabem o
quanto eu queria voltar para a liderança da empresa, e
finalmente conseguir é um trunfo e tanto.
Eu mereço estar aqui e esse é o meu lugar.
Assim que as portas do elevador se abrem, vejo uma
calmaria incomum e fico intrigada. Todo mundo já deveria
estar fazendo barulho, como sempre.
— Bom dia, Fátima, tudo bem? — pergunto para a
minha secretária. — Pronta para ser promovida a secretária
de uma CEO?
Ela abre um sorriso contido, mas confirma com a
cabeça ansiosa.
— Claro, senhorita Clara! Tenho certeza que você fará
o melhor trabalho possível.
— Obrigada! — respondo com certa gratidão. Não são
todos que acreditam mesmo nessas palavras, mas eu vou
provar o contrário. — Cadê todo mundo?
— O senhor Marcos convocou uma festinha de
despedida para Pedro no Rooftop do prédio hoje à noite,
então todos estão se organizando para isso. Inclusive, soube
de duas ou três mulheres que voltaram para casa pra trocar
de roupa e estar à altura da festa.
Fico boquiaberta por alguns segundos, mas confirmo
com a cabeça para não gerar polêmica. É claro que eu não
fui avisada dessa festinha, e muito menos aprovei isso, mas
não vou dar a eles esse gostinho. A partir de amanhã Pedro
vai embora e Marcos estará na rua. Eu não me importo em
ter gastos com a rescisão deste contrato, esse, sim, vai ser
um dinheiro que eu vou pagar feliz.
Por que eu sou a última a saber de tudo, mesmo? Por
que Marcos sempre sente essa necessidade de me
enlouquecer?
— Tudo bem, vou estar na minha sala e não quero ser
interrompida — digo pra ela, que assente com a cabeça. —
Ah, e por favor, me avise uns vinte minutos antes da tal
festinha, para eu me organizar. Se alguém precisar falar
comigo e for muito urgente, não precisa nem avisar, pode
pedir pra pessoa entrar.
— Certo. — Ela anota furiosamente no bloquinho e eu
abro um sorriso entrando na minha sala pequena pela
última vez. 
Tudo bem, confesso que a minha sala não é nada
pequena, e sem contar que é muito bem decorada. Mas,
isso não vem ao caso. Ela vai continuar aqui, do mesmo
jeito, só que agora outra pessoa virá me ajudar a criar as
coleções. Por falar nisso, preciso escolher urgentemente a
pessoa que vai me ajudar com esses detalhes.
Abro as pastas de portfólios e encaro todos os croquis,
rabiscando enquanto penso. A proposta ao contratar outra
pessoa para ser diretora criativa era literalmente tirar um
pouco do fardo dos meus ombros e me apoiar nessa área da
empresa. Apesar disso, não consigo ter certeza sobre
nenhum design. Ou melhor, não consigo me decidir entre
eles. Todos parecem extremamente talentosos e entendem
o conceito da marca, o que dificulta, e muito, a escolha. 
Tiro os meus sapatos, prendo o meu cabelo em um
coque frouxo e tiro o blazer para não amassar. Está na hora
de criar. 
Me perco entre tantos desenhos, e enquanto o lápis
escorrega pelo papel criando modelos de vestidos bonitos,
terninhos ajustados e diferentes, roupas do dia a dia,
enquanto minha mente voa longe. É a única parte do dia em
que eu me sinto verdadeiramente em paz. 
Não tenho a menor ideia de quanto tempo se passou,
mas quando escuto duas batidinhas ritmadas na porta e
vejo essa se abrir sem esperar permissão, sei
instantaneamente que é Marcos decidindo me atormentar.
O perfume enlouquecedor chega antes dele e eu fecho os
olhos tentando ser forte, porque sei bem o que vem a
seguir.
— Bom dia, flor do dia! — ele diz, colocando a cabeça
para dentro e avaliando a situação, ou o meu humor, antes
de decidir se entra mesmo ou não.
Felizmente ele aprendeu, após eu ter jogado o
apontador elétrico em sua cabeça em um dia
particularmente estressante.
Fazer o quê se ele me assustou? Isso não configura,
tecnicamente, danos físicos e morais, certo?
Não é como se eu fosse perguntar para o advogado
da empresa sobre isso, até porque, esse advogado é ele
mesmo... por enquanto.
— A que devo o desprazer, logo de manhã? —
pergunto sem vontade de fingir simpatia hoje.
— Ai, doeu! — ele diz, sem se importar com a minha
resposta mal educada, entrando na sala. — Bom, já se
passa das uma da tarde e eu vim te convidar para um
almoço, já que tenho certeza que a princesa não comeu
nada até agora.
— Não tô com fome — respondo, cruzando os braços.
Analisar Marcos Bessa é sempre muito difícil pra
minha sanidade mental, e por isso, constantemente eu evito
olhar em sua direção. É muito complicado se concentrar em
alguma coisa quando o homem mais bonito do mundo está
na sua frente. Seus cabelos pretos bagunçados, o sorriso
mais sacana que já vi e os olhos azuis tempestuosos são o
pacote completo para minha perdição. Principalmente
quando ele resolve não esconder muito do corpo esguio
com as suas calças coladas que não deixam quase nada
para a imaginação.
Estreito os olhos, e ele levanta os braços em
rendição.
— Não tenho nenhuma segunda intenção, eu juro! Só
quero alimentar a nova CEO da empresa, para que ela não
caia dura desmaiada — responde, estendendo a mão na
minha direção.
Qual é a chance de eu aceitar essa mãozinha?
O convite para almoçar? Talvez. Andar de mãos dadas
com ele por aí? Nunca.
— Não vou deixar o escritório, posso pedir um ifood .
Se quiser me acompanhar, até aceito a sua companhia —
respondo levantando uma sobrancelha em desafio, e vejo
que ele até tenta, mas não consegue disfarçar. Seu olhar
voa direto para o meu decote e Marcos engole seco antes
de voltar a olhar nos meus olhos, sem graça. 
— Vou pedir. O que quer comer? — ele pergunta e eu
dou de ombros.
— Qualquer coisa, eu não tenho frescura — respondo,
voltando a olhar para os desenhos, em um sinal claro de
que não quero mais a sua presença. Apesar disso, ele tem
outros planos.
— Em que a nossa gênia está trabalhando hoje? — ele
pergunta, se aproximando.
O perfume amadeirado e forte me invade e eu fecho
os olhos, tentando me manter sã.
Só mais um dia, não posso vacilar. Amanhã ele não
vai estar mais aqui.
Enquanto repito meu mantra, Marcos cruza a sala e se
posiciona atrás de mim, chegando muito perto. Perto até
demais do meu pescoço. Me arrepio inteira ao sentir sua
respiração no meu cangote e dou um passo para frente,
ficando entre ele e a mesa. Maldito!
— Tentando escolher meu sucessor ou sucessora —
respondo um pouco mais contida, com os músculos rígidos
—, mas está difícil entender qual deles vai ser o perfeito
para a marca — respondo, mostrando as pastas misturadas
aos meus desenhos. Ele analisa os croquis, se aproximando
ainda mais de mim e eu fecho os olhos tentando me
concentrar. Aproveitadorzinho de uma figa.
Por que eu deixei mesmo ele estar nessa posição?
Dou dois passos para o lado, me livrando da sua
presença confusa e angustiante, o que não passa
despercebido por ele, que parece magoado. Por alguns
segundos ficamos com os olhos fixos nos desenhos e
quando ele fala, sua voz parece cheia de segundas e
terceiras intenções.
— Bom, isso é simples, Clarinha. Todos são bons para
a marca, tem capacidade e qualidade técnica — ele
responde, finalmente olhando em meus olhos. — Dito isso,
você precisa saber que não precisa de ninguém para fazer
os desenhos das novas coleções. Em poucas horas você
criou o quê? Vinte novos designs? Esse é o seu talento. O
que você tem que pensar é qual dessas pessoas poderia te
completar, e além disso, aliviar o seu fardo. Você vai
precisar de alguém assim quando assumir a liderança da
empresa.
Pisco algumas vezes, olhando fixamente para ele, com
as suas palavras rondando a minha mente. “O que você tem
que pensar é qual dessas pessoas poderia te completar, e
além disso, aliviar o seu fardo.” O que ele quis dizer com
isso? Não foi uma insinuação de que ele poderia ser essa
pessoa em minha vida, certo? Ok, eu já estou ficando zonza
com o seu perfume e proximidade.
— Já disse para parar de me chamar de Clarinha. Eu
não sou mais uma menininha boba — alfineto, e ele se
encolhe —, mas, obrigada. Vou pensar sobre isso.
Vejo em seus olhos o quanto odiou a minha fala, mas
não perde a pose e a cabeça erguida quando me responde.
— Como quiser, Clara.
Dessa vez sinto que pisei em seu calo, porque, apesar
de estar com a sua boca muito próxima da minha, ele não
tenta nenhuma gracinha. Pelo contrário, se afasta e me
deixa sozinha e um pouquinho frustrada. 
 
O almoço correu tão bem quanto poderia ser. Tentei
com afinco me manter firme enquanto o cachorro fez de
tudo para que eu me sentisse mais tranquila e relaxada. Se
alguém me perguntar, eu nego com veemência, mas ele
realmente consegue elevar o meu humor com as suas
piadas e seu jeito feliz de ser. Além de, claro, ser uma das
poucas pessoas que se lembra que eu preciso comer e que
gosto de comida de gente, não aquela besteira de saladinha
com um fiapinho de frango. Apesar de ser um intrometido, é
um intrometido que pelo menos me alimenta, e disso eu
não posso reclamar, mesmo se eu quisesse. Afinal, eu
nunca escondi de ninguém o quanto a comida influencia o
meu humor. Mas, mesmo me alimentando, não posso
ignorar o fato de que ele é perigoso para mim, e por isso
precisa ir embora daqui o mais rápido possível, para que eu
consiga colocar a minha cabeça no lugar.
O resto da tarde me dividi entre desenhar e procurar
pela outra pessoa que me completasse nos desenhos. Por
mais que me doa admitir, Marcos tem razão, esse é o
caminho certo. Não preciso nem dizer que é sofrível dizer
isso, mesmo que seja em pensamento.
Assim que Fátima me liga avisando que faltam vinte
minutos para a festinha de despedida do meu primo, abro o
primeiro sorriso do dia. Pedro vai viver com o amor da sua
vida, fez um ótimo trabalho, mas tchau e bença , agora é a
minha vez.
Caminho entre os funcionários com um sorriso aberto
no rosto, e quando avisto Pedro Alcoforado em seu porte
ridiculamente atlético, cabelos loiros e sorriso brilhante, vou
em sua direção. Assim que me vê, ele abre os braços, me
pegando em um abraço de urso. 
— Vou sentir muito a sua falta, Clarinha! — ele diz e
eu me aconchego em seus braços protetores por mais
alguns segundos, antes de soltá-lo e adotar minha postura
perfeita — Porém, tenho plena confiança de que você é apta
para gerir essa empresa de olhos fechados.
— As coisas vão ser menos movimentadas por aqui
sem vocês — digo, dando de ombros.
Seus olhos astutos me examinam por alguns
segundos e olha para o Marcos de relance, confirmando o
que estou dizendo. Faço um leve aceno com a cabeça, e o
galinha cafajeste que está cantando alguém do financeiro
nem percebe quando Pedro me afasta pelo braço.
— Você vai mandá-lo embora? Está louca? — ele
pergunta em voz baixa, contido. — Quem acha que é a
melhor pessoa para colocar isso aqui em ordem quando
você estiver ocupada demais?
— Qualquer um, Pedro! — digo firme — Ele é seu
amigo e seu advogado de confiança. Eu nunca quis esse
cara aqui, mal suporto olhar pra cara dele. Não tem a menor
possibilidade de mantê-lo no corpo de funcionários por livre
e espontânea vontade. — Cruzo os braços e começo a bater
o meu salto no chão em um tique nervoso horroroso.
— Você não pode fazer isso! — Pedro responde,
categórico. — Além do mais, eu fiz uma alteração no
contrato de trabalho dos funcionários antes de organizar as
coisas para a minha saída. Por pelo menos um ano, você vai
precisar mantê-los aqui, a não ser que configure justa
causa.
Vejo vermelho tamanha a minha raiva. Como ele
ousou fazer algo assim?
— Por que você foi imbecil a ponto de fazer isso,
posso saber? — pergunto tão furiosa que ele dá um passo
para trás.
— Por que fiquei com medo de você abrir mão de um
ótimo funcionário por um capricho adolescente — ele diz
petulante, cruzando os braços com um sorrisinho sabichão. 
— E não pensou que isso prejudicaria toda a empresa?
E se um funcionário não estiver sendo bom para a nossa
equipe, vou precisar mantê-lo aqui por que você fez um
adendo ridículo para proteger a pele do seu amiguinho? —
cuspo as palavras com tanta raiva que ele tem a decência
de parecer constrangido.
— Na realidade, eu não fiz isso. Estava blefando para
ver a sua reação — ele diz dando de ombros e nesse
momento quero arrancar a sua cabeça fora. — Mas, nada
me impede nessas próximas horas ainda como CEO fazer
um adendo no contrato dele em específico. Ou falar sobre
essa decisão repentina com os investidores, que podem
muito bem te obrigar a contratar outro homem mais velho
para sentar na sua cadeira de direito.
Fico lívida e dou dois passos para trás com a mão
espalmada no peito. 
— Você não pode fazer isso comigo! — praticamente
grito, chamando a atenção de algumas pessoas próximas,
principalmente de Marcos, o motivo da briga em questão. —
Eu te coloquei na minha empresa, te ajudei a reconquistar a
mulher da sua vida. Coloque-se no seu lugar, Pedro! —
cuspo as palavras, irada. — Você não vai me ameaçar dessa
forma, eu não vou deixar! A empresa é minha, não se
esqueça disso.
Ele me estuda e apenas confirma com a cabeça,
sabendo que perdeu a briga. Mas, eu tenho certeza que ele
está pronto para a guerra. O bom nessa história é que
quando ele estiver em Milão, vivendo seu conto de fadas, eu
vou estar aqui no Brasil, vivendo o meu feliz pra sempre,
sentada na poltrona presidencial de couro e comandando o
meu império.
— Perdi alguma coisa? — Marcos pergunta, se
posicionando ao meu lado, olhando fixamente para Pedro. —
Por que está sendo um babaca com ela? 
Olho para ele com uma sobrancelha levantada e Pedro
solta uma gargalhada alta, sem responder a nenhum dos
dois.
— Explique pro seu cão de guarda o porquê estamos
discutindo, Clarinha — o cretino diz, simplesmente virando
as costas, e me deixando sozinha com o safado, galinha e
sem vergonha que me encara com olhos curiosos.
— Eu não preciso que você me defenda — digo
entredentes, ansiosa para dar as costas pra ele também e
me virar para ir embora. 
— Clarinha, espera! O que ele estava falando? Eu
posso te ajudar se precisar — Marcos segura levemente
meu braço e eu sinto um aperto no meu ventre que nada
tem a ver com a sua proximidade. 
É, eu definitivamente estou precisando desestressar.
— Segunda-feira você estará demitido — digo na lata,
porque não preciso bajular ninguém, muito menos esse
homem perturbador que é um espelho do passado para
mim. Um espelho da época que eu era fraca. Me
desvencilho do seu aperto, e solto entredentes — E eu não
sou Clarinha para você, Marcos.
Saio furiosa batendo os pés, e percebo tardiamente
que os outros funcionários estão nos olhando. Tento me
controlar, e manter a minha cabeça erguida antes de descer
pelo elevador até a minha sala e me trancar dentro dela. 
Quem Pedro pensa que é para me ameaçar desse
jeito?
Por que Marcos precisa ser tão malditamente
enxerido?
Por que quando ele me toca eu sinto uma comichão
por todo o meu corpo? 
Ah! Quem eu quero enganar? Isso é tesão acumulado
e eu sei muito bem como resolver, ou melhor, gastar toda
essa energia. 
Preciso do Ricardo para me desestressar. Afinal, PA's
servem para isso, certo?
 
Volto a ficar descalça, tiro meu blazer, prendo os
cabelos e desconto toda a minha frustração em uma mini
coleção de inverno particularmente dark, ao mesmo tempo
que a festa continua rolando no andar de cima. Por que eu
não consigo me divertir como uma pessoa normal? Esse
homem me deixa tão fora de mim que acabo descontando e
me punindo. Quem deveria estar isolado e cheio de ódio
enquanto eu me divertia, era ele. Mas, Marcos realmente é
um cachorro. Enquanto eu estou aqui espumando de raiva,
ele, com certeza, está cantando alguém da empresa, sem
nenhuma ideia de como eu o odeio.
Mais ou menos três horas depois, o meu lápis 3B
trabalha em um contorno particularmente difícil quando
escuto o apito do elevador no andar vazio e começo a ficar
alerta.
Quem será que está aqui?
Incorporando o espírito fofoqueiro da Laís, minha
melhor amiga, me sinto na obrigação de averiguar o que
está acontecendo. Poucas pessoas têm acesso a esse andar,
e se for algum engraçadinho aproveitando a distração da
festa, eu preciso averiguar. Caminho pé ante pé até a minha
porta, e abro uma frestinha para ver quem está passeando
pelo andar da diretoria. Quando vejo Pedro e Marcos em
uma conversa enérgica, relaxo os meus ombros. Não é
ninguém diferente, posso ficar tranquila, mas não consigo
dizer que posso ficar feliz.
Eles sempre fazem isso.
A birita deve ter entrado e a falação de “eu te amo”
para cá, “meu melhor amigo” para lá, deve ter começado e
eu definitivamente não estou preparada para esse tipo de
melação uma hora dessas. Mas, quando escuto um “ela não
pode fazer isso comigo” de uma voz bem arrasada do
cachorro sem vergonha, e Pedro pedindo calma, sei que eles
estão falando de mim.
Quem em sã consciência conseguiria manter a pose e
ficar em sua sala quietinha sabendo que seu quase ex-
namorado e seu primo estão falando de você pelas costas?
Definitivamente, não consigo, é muito mais forte do que eu.
A sala do CEO tem duas portas de entrada, a do
corredor que é muito mais utilizada, e a que liga a sala de
reuniões, na qual eu me esgueiro pra dentro para ouvir a
conversa alheia atrás da porta, nada orgulhosa da minha
atitude. A vozinha da Laís Castro canta em minha cabeça:
“situações extremas pedem medidas desesperadas”, e eu,
que sempre critiquei internamente seu jeito deturpado de
resolver os problemas, me vejo com o ouvido colado na
madeira porta, tentando ouvir a conversa que acontece
dentro do escritório ao lado. Pois é! A vida nos prega cada
peça, que parece mentira.
— Eu não posso ser demitido, Pedro, ela vai estragar
tudo! — Marcos protesta, aparentemente desesperado pelo
seu tom de voz.
— Aquieta o cu, pois eu não vou deixar isso
acontecer! — Pedro diz com a sua voz confiante e eu
estreito os olhos, odiando o rumo dessa conversa. — Você
vai ficar na empresa, eu lido com a Clara — seu tom de voz
autoritário me faz revirar os olhos tão fortemente, que
tenho a sensação de que logo verei meu cérebro.
— Você sabe que ela me odeia, não tem muito o que
eu possa fazer — o cachorro responde e eu empino o nariz,
satisfeita.
É muito bom que ele tenha percebido, não que eu
esteja sendo discreta.
— Foda-se, isso não é importante! — meu primo
responde, aparentemente bastante insensível. — Agora, o
que você precisa fazer é conquistar a garota, cara. Não tem
meias palavras para te dizer isso, mas vai ter que cair
matando. Consigo te manter na empresa por três meses
através de um adendo no seu contrato de trabalho, é o que
o conselho me permite fazer. Depois disso, você estará à
sua própria sorte. Não perca sua chance como eu quase
perdi com a Luíza, e não deixe a Clara atrapalhar tudo.
Vocês dois merecem ser felizes, independente de emprego.
Use os três meses para conquistá-la, depois você encontra
outro lugar para trabalhar se for necessário.
Prendo a respiração, com vontade de entrar na sala
esperneando, mas me controlo o suficiente para continuar a
ouvir, sem cagar com o meu disfarce. De quem esses
imbecis estão falando?
— Você acha que em três meses eu consigo domá-la?
— Marcos responde, e eu fecho a minha mão em punho.
Quem o cachorro pensa que é para sair falando que a
pobre coitada da menina é um cavalo para domá-la? Eu,
hein, que falta de classe.
— Vai ter que conseguir — Pedro diz, categórico —, e
eu sugiro que comece a pensar em um plano rápido, porque
seu tempo já está passando, irmão. Só posso te desejar boa
sorte, porque você vai precisar.
Escuto alguns tapinhas, provavelmente nas costas, e
eles se despedem, fechando audivelmente a porta.
Assim que escuto novamente o aviso do elevador,
consigo voltar a respirar com normalidade e solto um bufo
ainda controlado, virada no ódio. 
Que filhos de uma boa e amada mãe! 
Saio correndo em direção à minha sala, e assim que
fecho a porta e consigo respirar direito, reproduzo uma
típica cena de novela das oito, escorregando pela porta com
a cabeça entre as duas mãos. Só falta a trilha sonora
melancólica para deixar o clima completo.
Sentada no chão frio, repriso palavra por palavra em
minha mente, tentando achar um sentido para essa
conversa estúpida. Pedro está obstinado a manter Marcos
na empresa, e, obviamente, não pelo motivo de ser uma
pessoa de confiança para me ajudar. Definitivamente, é
porque o cachorro está se engraçando com algum rabo de
saia, e a menina está sendo esperta o suficiente para não
cair nas graças dos olhos azuis. Para completar, eu sou a
carrasca tentando destruir o amor alheio, o que, diga-se de
passagem, não é nada justo. Principalmente porque, se
Marcos quiser se casar semana que vem com uma
dançarina de strip, eu não me importo nadinha. Não
mesmo.
Quase gargalho sozinha, sabendo muito bem que isso
é a mentira mais deslavada do mundo. É lógico que eu me
importo, mais do que me importo, estou praticamente me
tornando verde de inveja e roubando o lugar da Bruxa Má
do Oeste ao ouvir essa conversa e saber que ele tem outra
mulher no radar.
Por que ele tem que me afetar tanto, mesmo depois
de tantos anos?
Por que ele, do nada, resolveu sossegar e parar com a
cachorrada e a galinhagem por um rabo de saia qualquer,
sem o mínimo de curadoria?
Finalmente eu admito para mim mesma a verdade
mais amarga de todas.
Ciúmes.
Essa é uma palavrinha muito cruel e que está em meu
dicionário há algum tempo. Na realidade, desde quando
Marcos Bessa voltou para a minha vida e resolveu me
atormentar a porra do tempo inteiro.
Como poderia ser diferente?
Me levanto, limpo as lágrimas que caíram sem serem
convidadas e aprumo a postura. Bom, se eu vou ser
obrigada a mantê-lo aqui por três meses e Marcos quer
conquistar uma tal mocinha indefesa para depois partir o
coração dela, é a minha obrigação impedir esse desastre.
 
As portas do elevador se abrem e eu entro
marchando, em um misto de vitória e revolta. Sei bem o
que me espera hoje, mas como não posso revelar que
escutei uma certa conversa atrás da porta, tenho que
aguardar o cachorro vir até o meu escritório contar que o
cretino do meu primo fez um adendo no seu contrato.
Olho para Fátima, que já começou a sua mudança de
mesa, e abro um sorriso feliz. Agora ela não é a secretária
da diretora de criação, e sim, da CEO da empresa. Olho para
a minha antiga porta e abro um sorriso feliz ao me virar de
costas para ela e ir em direção a minha sala de direito.
— Bom dia, Fátima! Assim que você terminar, por
favor, venha até o meu escritório para passarmos algumas
tarefas. Além disso, assim que o senhor Bessa chegar, me
avise, chame alguém do RH e mande-o entrar — digo,
sabendo que vou passar vergonha, mas que não posso fazer
nada.
— Sim, senhorita. Mais alguma coisa? — ela pergunta
com um sorriso no rosto.
— Não, muito obrigada.
— Que o retorno ao seu cargo de direito seja cheio de
conquistas! — ela diz e eu abro um sorriso enorme pra ela.
Entro na minha sala com um sentimento de posse e
pertencimento. Olho a incrível vista de São Paulo e solto um
suspiro tão feliz antes de me sentar na cadeira presidencial,
que me sinto uma adolescente.
A Brumpel é minha de novo. 
Por muito tempo a idealização dessa empresa foi só
um sonho distante. Tão distante que eu mal acreditei
quando comecei a receber as encomendas de todos os
lugares do Brasil querendo uma peça desenhada, costurada
e embalada por mim. Laís Castro, minha melhor amiga, me
ajudou tanto nesse período, e na realidade em todo o
processo, que não consigo sentir nada além de gratidão por
ela ser única e nunca medir esforços para me ajudar. Há
seis anos eu estou lutando para ter o meu lugar ao sol, e foi
muito difícil ver tudo o que eu lutei tanto para construir ser
parcialmente tirado de mim quando fui forçada a colocar
alguém mais experiente para assumir o meu lugar.
Eu me especializei. Fiz uma nova graduação, estudei,
fiquei atenta, participei de tudo e nunca abri mão de estar
presente nas decisões, apenas esperando o momento certo.
Não que eu quisesse puxar o tapete do meu primo, mas
sempre soube que ele não ficaria na Brumpel para sempre.
Ele não é apaixonado por cada canto dessa empresa e a
marca não é a sua razão de viver. Bom, pelo menos não da
mesma forma que ela é a minha.
Abro o meu e-mail e começo a colocar a mão na
massa, ansiosa para me inteirar de tudo e trabalhar pesado,
quando escuto uma batida na porta. 
— Senhorita Clara, o senhor Marcos chegou. Posso
pedir para entrar? — Fátima pergunta e eu confirmo com a
cabeça antes de responder.
— Sim, por favor!
Antes de ele cruzar a porta, consigo sentir o seu
perfume inebriante e fecho os olhos por alguns segundos,
tentando colocar a cabeça no lugar. 
— Bom dia, flor do dia! — O cachorro interesseiro
entra com um buquê enorme de rosas vermelhas e me
estende, antes de continuar a falar — Flores para uma flor!
Que sua ocupação no cargo de CEO seja muito próspera.
Olho para ele de cima a baixo, e antes que o meu
coração idiota amoleça, lembro da conversa de sexta-feira e
meu semblante se fecha. 
— Você ainda será demitido, não precisa nem pensar
em começar a me adular. Não vou cair nessa! — digo, mas
me coloco em pé da mesma forma e tomo as flores das suas
mãos, antes de levá-las ao nariz para sentir o seu perfume.
— Mas, obrigada, de qualquer forma.
Vejo seus olhos curiosos me inspecionarem e o sorriso
preguiçoso, pelo qual um dia já fui muito apaixonada, surge
em seus lábios. Mas isso é passado, é claro.
Ele dá alguns passos em minha direção, antes de me
segurar pela cintura e falar no meu ouvido.
— Sorte a sua que eu não vou a lugar nenhum,
Clarinha — ele diz, com a sua boca muito próxima da minha.
— Como assim? — Eu sei como, mas não posso sair do
personagem. Apesar disso, não tenho forças para sair do
seu abraço e me afastar do seu hálito tentador.
— Bom, tem um adendo no meu contrato de
trabalho… fizemos essa alteração antes do Pedro deixar a
empresa, obviamente, é cem por cento legal. E você só
pode me demitir nos próximos três meses pagando uma
pequena multa de cem salários completos para mim. —
Nossos narizes se colam e eu sinto dificuldade em respirar
com os seus olhos cravados nos meus.
Não sei como consigo pensar com essa proximidade
entre nós, mas em algum canto da minha mente uma voz
revoltada afirma que o filho da puta do Pedro realmente
pensou em tudo. Ele sabe que eu nunca abriria um rombo
desse porte por capricho. Sua boca cola na minha, como já
aconteceu algumas vezes e eu quase desfaleço com seu
beijo intimidante. É bom demais para resistir de primeira,
por isso aproveito um pouco, antes de morder seu lábio com
força e me afastar alguns passos quando ele me solta.
Respiro fundo tentando clarear as ideias, sem dar o
braço a torcer de como essa proximidade me deixa
completamente pirada. Deixo as flores em cima da minha
mesa e cruzo os braços, o avaliando por alguns segundos.
Se ele não fosse tão malditamente irritante, eu não teria
problemas em mantê-lo na empresa. E claro, tem a questão
desses beijos mentirosos que me fazem perder a linha de
raciocínio constantemente.
Apesar de ser um cachorro safado e sem vergonha,
Marcos é um bom advogado e tem muito poder de
persuasão, por isso preciso tomar o dobro de cuidado com
ele.
— Isso é um erro. Você ficar aqui não vai fazer bem a
ninguém! — digo, dando mais dois passos para trás. — Ok!
Serão três meses e nem um dia a mais! Enquanto isso, o
trabalho te espera. E além disso, lembre-se de que tenho
acesso a todas as câmeras da empresa agora e se eu ver
algum desvio de conduta, não vou hesitar em te dar uma
justa causa. Isso que acabou de acontecer aqui, apesar de
não significar absolutamente nada, não vai se repetir.
O mesmo discurso de derrota de novo. Sempre falo
isso e quando vejo, já estou perdida em sua proximidade,
mergulhada em sua aura de desejo e tentação.
Sua expressão se torna mais séria e finalmente abro
um sorrisinho vitorioso. Minhas ameaças não foram
totalmente em vão, aparentemente. Se ele quiser
conquistar a pobre coitada debaixo do teto dessa empresa,
vai precisar ser muito criativo, porque, honestamente, não
vou facilitar. Além de, claro, se ele quer algo com outra
mulher, não é nada inteligente me atacar dessa forma. 
— O que você quer dizer com isso? 
— Eu quero dizer que, apesar de não termos mais a
regra que proíbe relacionamentos entre funcionários, eu sei
muito bem como você age. Não quero confusões na minha
empresa, não quero brigas por sua causa, não aceito você
sendo um galinha aqui. Se você agir dessa forma comigo e
com mais umas seis, sete mulheres, vou te demitir por justa
causa — digo cada palavra com um sabor diferente na boca.
Marcos nunca me deu motivos explícitos para falar
com ele dessa forma, mas eu sei dos convites para um
chopp no fim do expediente. Se ele faz isso assim, não
quero nem pensar no que ele faz escondido. Nunca falei o
que penso sobre ele em voz alta, mas agora eu não tenho
mais Pedro aqui para defendê-lo e me prejudicar de alguma
forma. Está na hora de dizer algumas verdades.
— É isso que pensa de mim? — ele pergunta,
parecendo verdadeiramente abalado. Um fingido, por assim
dizer.
— Não é o que eu penso, é o que eu sei — respondo,
dando de ombros e ele faz questão de se aproximar um
pouco mais antes de falar, olhando em meus olhos:
— Bom, você é muito burra e está muito enganada.
Mas, cabe a mim provar que eu estou certo e você errada,
Clarinha.
Como assim eu estou errada? E, pior, como assim eu
sou muito burra? Quem ele pensa que é?
— Eu já disse para não me chamar assim! —
respondo, sem querer perguntar exatamente do que ele
está falando. 
Nem morta vou dar o braço a torcer.
— Você sempre diz um monte de coisas e é a pessoa
com mais opinião que eu conheço. Apesar disso, a versão
de que mais gosto é da Clarinha que eu conheci muito
tempo atrás. Quero reencontrá-la aí dentro — sua voz
sussurrada inebria os meus sentidos, mas fecho os olhos
por alguns segundos antes de abri-los para fulminá-lo.
— Aquela menina não existe mais. 
— Eu acho que você está errada e não vou sossegar
até provar o meu ponto — diz, me prendendo em seu olhar.
— Bom, pode procurar o quanto quiser, eu não tenho
medo de você. A menina que fui, você destruiu, a mulher
que eu sou agora é fruto da minha coragem e experiência. A
Clarinha não existe mais. 
Marcos dá dois passos para trás, em choque pelo que
eu disse. Sim, bonitão, nós nunca falamos sobre o passado,
mas ele existe e eu não esqueci. Por mais que tenha
aparecido quatorze anos depois na minha frente, fingindo
que nada nunca havia acontecido, as coisas não são assim e
chegou a hora de colocarmos as cartas na mesa.
— Você não faz a menor ideia do que está falando. —
Marcos passa a mãos por seus cabelos pretos, em um claro
tique nervoso, mas apruma a postura e continua a falar com
uma voz mais contida — De qualquer forma, a menina doce
existe, sim, e eu vou usar esses três meses para provar que
você está errada.
— Eu nunca estou errada — respondo, sem muita
convicção.
— Quase nunca, mas dessa vez você está. Nós dois
temos um passado conturbado, mas não quer dizer que isso
vai se manter para sempre. Eu sei que não vai.
Nossos rostos estão tão próximos que consigo sentir
sua respiração acelerada. Olho por um milésimo de segundo
para a sua boca e dou mais um passo para trás, ficando
presa entre ele e a mesa.
— Acho que vai ter que se contentar com a decepção,
pois de você eu não quero nada além de distância.
 
Observá-la todos os dias nesses últimos anos
trabalhando na Brumpel foi difícil. Saber que ela me odiava
tanto a ponto de ficar duas semanas afastada da empresa
quando me viu pela primeira vez depois de quatorze anos,
foi complicado. Mas, ouvir de sua boca que eu acabei com a
menina doce que ela era e que por isso ela se tornou quem
é hoje, foi destruidor.
Apesar disso, saber que ela venceu na vida, criou a
Brumpel e saiu daquela cidadezinha é um alento. Foi o certo
a fazer e eu sempre soube que seria assim, não importa o
que ela ache ou o que digam, eu sei que se não tivesse
tomado aquela atitude, ela seria presa e infeliz. Essa
afirmação é o único alento que eu tenho para não perder a
cabeça e fazer uma loucura. Eu sei que no fundo foi melhor
desse jeito. Tem que ter sido.
A menina do interior, tímida e apaixonada precisava
voar. Se eu tivesse me mantido ao seu lado, muito
provavelmente ela não teria conquistado São Paulo, e hoje
não estaria sentada naquela cadeira presidencial. A
Brumpel possivelmente seria só mais um sonho e ela estaria
infeliz atrás de um balcão de farmácia, vivendo uma vida
medíocre, muito diferente de tudo o que ela sonhou. Além
de, claro, inexperientes e tão novos como éramos,
eventualmente tudo iria por água a baixo. É inevitável, e
uma estatística também, os casais que começam muito
novos raramente são felizes depois de cinco, dez anos.
É isso que Pedro me falou tempos atrás, quando me
instruiu a sair da vida da sua pequena e amada priminha, e
foi também o que ele disse quando me contratou para estar
ao lado dela depois de tantos anos. Antes de mim ele
percebeu que éramos infelizes sozinhos, e que
precisávamos um do outro para sermos felizes.
“O tempo passou, está na hora de você voltar.”
Me afundei em mais mulheres do que poderia pensar
em todos esses anos, tentando suprir por algum tempo a
vontade de estar com ela. Mas nada adiantou, Clara sempre
rondou meus pensamentos. Meus amigos da faculdade não
se cansavam de me falar sobre isso: como uma menina que
eu não via há anos ainda era capaz de manipular à distância
todas as minhas ações? Mas eu entendia, porque não podia
ser diferente. 
Clara é única no mundo.
O fascínio pela menina loira de sorriso fácil foi tão
forte que, mesmo depois de anos, eu não a esqueci. Afinal,
como esquecer suas curvas delicadas, o olhar faceiro e o
porte pequeno da mulher incrível que tive a sorte de ter por
perto? Aquela menina, como ela gosta de frisar, não existe
mais. A mulher que ela se tornou é ainda mais admirável.
Os cabelos, antes muito longos, hoje param na altura dos
seus ombros. Os olhos azuis acinzentados estão mais
espertos e provocadores. O corpo pequeno, apesar de
magro, é bem definido pela sua corrida matinal e a sua
atitude provocante são o pacote completo para me deixar
completamente louco.
Eu sabia que tinha feito a coisa certa, pelo menos
pensava assim, e isso já era o bastante para não ir atrás
dela, como um cachorrinho abandonado pedindo perdão.
Mas, agora não existe mais nada que me impeça de correr
atrás do que eu quero e sempre quis.
Agora ela conquistou tudo o que sonhou a vida inteira,
e eu sei que o que ela ainda sonha, conseguiremos alcançar
juntos.
Como ela disse, chegou a hora do safado parar as
atividades. Me cansei dos beijos roubados e de todas as
provocações sem chegar aos finalmentes durante todo esse
tempo que estive na Brumpel. Vou sossegar, sim, e com
alguma sorte, rápido, mas isso só vai acontecer por causa
de uma única mulher.
Clara Machado vai ser minha, custe o que custar.
 
Há três dias, o cachorro interesseiro tem me
paparicado, achando que eu vou ceder e esquecer a ideia
de demiti-lo. Bom, pelo menos é o que parece, com todos os
presentes e mimos que ele tem trazido para mim. Logo eu,
que nunca fui de cair em suborno e muito menos no charme
barato de um salafrário como ele.
Do nada, um almoço do meu restaurante preferido,
quentinho na minha mesa?
Vale massagem pro fim de semana?
Bolsinha da Prada de boas-vindas ao cargo?
Quem ele quer enganar? Eu não caio nessa!
Tenho acompanhado o cachorro pelas câmeras, mas
além do seu tradicional sorrisinho preguiçoso de lado, ele
não tem feito nenhum movimento estranho para cima de
ninguém. Isso me leva a pensar que ele, com certeza,
conseguiu outro jeito de se comunicar com ela. Não é
possível que do nada ele esteja se segurando por aqui…
nunca foi disso. Eu até poderia fingir que isso basta pra
mim, mas a quem eu quero enganar? Isso nunca vai
acontecer. Vou ter que sondar por aí até descobrir e ter uma
conversinha de mulher pra mulher, explicando porque o
cachorro interesseiro é um traste e não vale o tempo dela. É
claro que cabe a mim fazer a bonita ver a razão, afinal, eu
não poderia deixá-la no escuro. Não seria ético da minha
parte.
Giro o lápis entre meus dedos e continuo a desenhar
furiosamente, enquanto minha cabeça gira, ansiosa.
Quando escuto um barulho alto, quase tenho uma parada
cardíaca, com o coração disparado no peito.
— Clara, recebi um convite especial. — Marcos abre a
porta do meu escritório, me fazendo levar um baita susto e
revirar os olhos. 
Apressada, fecho as câmeras por onde eu estava o
vigiando, antes de responder:
— Espero que seja especial mesmo, pra valer o meu
tempo — respondo, morrendo de curiosidade, mesmo sem
demonstrar. Nem morta vou dar a ele esse gostinho de
perceber que me afeta.
— A nossa embaixadora nos convidou para apadrinhar
do casamento do ano — ele diz, com um sorriso enorme,
como o do gato da Alice em seu rosto.
Sobre o que esse cara está falando?
Demoro a raciocinar sobre o que ele quer dizer, e
quando entendo, arregalo os olhos.
— Não! — digo desesperada, reabrindo o e-mail que
recebi hoje mais cedo da minha querida, e doidinha, Lia
Reed. Ela não mencionou em momento nenhum um
acompanhante, muito menos um acompanhante desse
tipo. 
— Sim! — ele responde animado. — Claro que
seremos quebra-galhos da prima que ficou doente e não vai
poder participar — ele dá de ombros e continua —, mas
uma viagem para Los Angeles para o casamento do ano não
é nada mal, né?
Por que ela faria isso comigo? Só pode ser uma
pegadinha de mau gosto!
— Você não pode estar falando sério. Pior, ela não
pode estar falando sério! — grito, começando a ficar
histérica, hiperventilando e cheia de ansiedade. 
Por que essas coisas acontecem comigo?
Claro que eu já iria no casamento da Lia, afinal de
contas, estou produzindo os vestidos… Não só o dela, mas
também as madrinhas e as mães dos noivos. Nossa parceria
tem dado muito certo, e depois de ter indicado a Laís como
cerimonialista, imaginei que receberia um convite. E isso
aconteceu há três meses, com um delicado "plus one" que
eu já estava determinada a não usar. Quem carrega um
acompanhante para uma festa onde vão ter milhares de
homens bonitos e famosos de Hollywood? Não uma pessoa
solteira, obviamente.
Quando recebi o e-mail mais cedo, com o convite de
última hora para substituir uma madrinha, fiquei
extremamente lisonjeada e achei que acompanharia o
cortejo com algum homem qualquer que eu nunca vi na
vida, com sorte, solteiro também, para uma paquera sem
compromisso. Inclusive, estava agora mesmo trabalhando
em um modelo pra mim, correndo contra o tempo para a
produção sair bem feita, mas esse tiro eu não estava
prevendo.
A mulher quer bancar o cupido, e o pior, não
conseguimos sentir raiva dela. Lia Reed é tão espontânea
que se torna uma força do universo, e agora, uma força do
universo bem maligna.
"Espero que nesse momento em que estaremos
celebrando o amor, você possa encontrar algo parecido com
o que eu e o marido temos."
Suas palavras agora fazem mais sentido do que
nunca. Aquela tratantezinha de uma figa.
— Puxa, imaginei que você ficaria mais feliz em ter
um gostosão como eu ao seu lado! — ele diz, abrindo
aquele sorriso insuportável e maravilhoso na mesma
medida.
Nem se acha… aff.
— Não se empolga não! Vamos ficar lado a lado
apenas durante a cerimônia. — respondo entredentes. — E
trate de se barbear, cortar o cabelo e se vestir como eu
mandar, porque não quero você mulambento ao meu lado
nas fotos.
A quem eu quero enganar? Marcos é impecável em
seus ternos, e eu nunca vi seu cabelo desalinhado ou sua
barba mal feita. Nenhuma vez sequer.
Examino sem pudor nenhum seu corpo alto e esguio,
com um terno perfeitamente ajustado e o cabelo bem
cortado, e me prendo alguns segundos na lembrança de
quando eu o vi como veio ao mundo muito tempo atrás. O
cachorro é como um bom vinho, quanto mais velho, melhor.
Pra que essa ignorância, né? Que raiva!
Safado. Cachorro. Sem vergonha.
— Acabou a inspeção, ou melhor, apreciação? — ele
pergunta, me deixando levemente sem graça.
— Sua gravata está torta — digo simplesmente,
mesmo sendo uma mentira deslavada — Vou mandar por e-
mail o terno que quero que você compre e vou mandar
produzir a gravata com o mesmo tecido do meu vestido.
Agora pode sair, tenho muita coisa para fazer.
Ao contrário do que eu pedi, e com certeza com
disposição para me enlouquecer completamente, ele
caminha em minha direção e beija a minha bochecha, sem
motivo nenhum aparente.
— Você vai ficar linda com esse vestido — ele aponta
para os papéis —, mas eu tenho certeza que ficaria linda
com qualquer roupa, ou até mesmo sem elas. Estou ansioso
para esse evento, afinal, vai ser a nossa primeira viagem
juntos e sozinhos. — Ele movimenta as sobrancelhas pra
cima e pra baixo e eu cruzo os braços em um biquinho bem
infantil. — Antes que reclame, eu já pedi para a Fátima
comprar uma passagem no mesmo voo que o seu, e claro,
pegar um quarto no mesmo hotel. 
— É claro que você fez isso! — respondo, revirando os
olhos.
— Se anime, Clarinha! Esse vai ser o primeiro
casamento da temporada anual, afinal de contas, todos os
nossos amigos estão com casamento marcado para esse
ano. Quem sabe até o final do ano você esteja com o meu
marcado também?
— Ai, nem me lembre disso que eu já quero chorar
lembrando das insinuações da minha família! — digo sem
rodeios — Agora vai embora, que eu preciso trabalhar.
— Como quiser, Clarinha — meu apelido infantil é uma
provocação em seus lábios, e eu aperto os meus em uma
linha fina. Odeio que ele me chame assim, e é exatamente
por isso que ele fica determinado a me chamar dessa forma
sempre que possível.
Contudo, salvo as minhas forças, porque essa é uma
batalha que não vale a pena lutar agora. No momento,
preciso me controlar para não arrancar meus cabelos e ligar
para a Lia xingando-a de todos os nomes possíveis.
O momento realmente é de celebrar o amor, mas eu,
com certeza não vou encontrar com Marcos o que ela e Ian
tem. Definitivamente, não.
 
— Fátima, onde estão os relatórios financeiros do
último mês? — pergunto pela quarta vez na última semana.
Ela tem estado muito ocupada, mas isso é de suma
importância. Outras coisas podem esperar, isso não pode
falhar. — Eu preciso avaliar essa parte urgentemente para
entender o que fazer com os lucros nos próximos meses…
Em quais áreas investir. Então, para tudo o que estiver
fazendo e me traz esses relatórios.
Seu olhar assustado me deixa incomodada. Eu não fui
uma megera, fui? Não precisava parecer uma gatinha
assustada também.
— Sim, senhora, vou pegar agora. 
Fátima pega o elevador e eu entro em minha sala,
ansiosa para observar as câmeras e ver se Marcos está ou
não passeando pelos corredores e dando em cima de
alguém novo. Desde que tive esse tipo de privilégio, não vi
nada de interessante e tenho estado particularmente
frustrada e brava com isso. Por que ele não deixa claro
quem é a tal fulana? Assim fica muito mais fácil saber como
agir e o que fazer.
Acompanho pelo monitor Fátima se encontrar com o
senhor Borges, do conselho, e trocar algumas palavras com
um sorriso tímido no rosto, e quase sinto vontade de
vomitar. Coitada, não deve saber o quão intragável aquele
senhor é. Preciso me lembrar de avisá-la sobre isso.
Passo os olhos correndo pelo setor jurídico e encontro
o cachorro em uma reunião com o seu gerente,
compenetrado. Seu olhar nem vacila quando uma mulher
muito bonita entra na sala, entregando papéis para todos, e
eu solto um bufo audível. Se ele estivesse me dando
munição para acabar com essa palhaçada, eu ficaria mais
do que feliz em demiti-lo por justa causa. Mas, não vou ficar
me lamentando, um dia pego ele no flagra, tenho certeza
disso. 
Me distraio com a sua imagem na câmera e me
assusto quando Fátima abre a porta, me entregando uma
pasta cheia de folhas. Sua expressão é de puro pânico, e
como não olha em meus olhos, provavelmente
envergonhada com a demora em me entregar o bendito
relatório, deixo o aviso para depois. Ela é grandinha, sabe
lidar com homens intragáveis, e eu posso acabar deixando-
a constrangida.
— Desculpe a demora. Está tudo aí — Fátima diz com
a voz trêmula, parecendo muito nervosa, e eu me sinto
culpada por ter sido tão dura.
— Muito obrigada, e pode ficar tranquila. Está tudo
bem. — Abro um sorriso apaziguador e ela confirma
algumas vezes com a cabeça antes de sair.
Essa mulher precisa de um calmante.
 

 
Horas depois, a minha cabeça roda e tenho certeza
que há alguma coisa muito errada com esses números,
apenas não consegui distinguir o que é. As contas não
batem e, apesar de ter um bom dinheiro em caixa, esses
rombos não fazem sentido. Falta aproximadamente um
milhão e setecentos mil reais, e eu fiz essa conta mil e uma
vezes.
Como todo esse dinheiro pode ter sumido em apenas
duas semanas?
Fiquei imersa nesses relatórios durante toda a tarde, e
agora, com a cabeça girando e doendo, por já se passar das
sete horas da noite, não consigo entender onde foi parar
todo esse dinheiro. Não faz sentido. Nada faz sentido neste
relatório.
Que ódio me sentir burra dessa forma.
A porta se abre, e eu franzo o cenho quando vejo
Marcos entrar com uma xícara de café em mãos. Por que ele
sempre precisa aparecer nas piores horas com esse olhar
preocupado, me oferecendo comida ou café? Poxa, é difícil
recusar quando o meu estômago está envolvido no
processo.
— Qual é o problema? Não foi embora ainda, nem saiu
para pegar o seu tradicional cafezinho das cinco da tarde.
Fiquei preocupado… vai que você tinha batido as botas
enfurnada aqui dentro da sua Claracaverna ? — Marcos diz
se aproximando e me estende a xícara, que eu pego com
ansiedade. 
Por mais que não queira dar o braço a torcer, talvez
ele consiga enxergar algo que eu não esteja vendo. Pelo
menos, no momento é a única opção disponível. Além do
quê, me dói admitir que talvez ele seja uma das pessoas
mais confiáveis dentro dessa empresa.
— Estou analisando alguns relatórios financeiros, e
Marcos… não estão batendo as contas nas últimas duas
semanas — digo em voz baixa e ele fecha a porta
rapidamente, conferindo se há alguém no corredor. Ele
franze o cenho antes de se sentar na cadeira em frente à
minha mesa, pegando os papéis das minhas mãos.
— Como assim não estão batendo? — ele pergunta
desconfiado. — Você não está insinuando que Pedro roubou
a empresa antes de sair, não é? Por que como advogado,
tenho que te lembrar que você não tem provas…
Ele fica tão obstinado a defender o amigo que fico
surpresa. Marcos sequer pensou na possibilidade de Pedro
ser desonesto, e isso eu tenho que admitir, é muito honrado
de sua parte. Eu também não consigo pensar no meu amigo
e primo me roubando na cara dura. Não é do feitio dele e,
sinceramente, essa hipótese nunca existiu.
— Não estou pensando que Pedro me roubou, isso
nem tinha passado pela minha cabeça. Mas alguma coisa
está errada, não é possível que eu esteja ficando louca! —
digo frustrada, com a cabeça entre as mãos. 
Abro a minha gaveta e pego o analgésico de um
grama, bebendo com o café que o cachorro trouxe pra mim.
Pelo menos a dor de cabeça deve passar com um remédio
forte como esse. Assim, vou conseguir ficar até mais tarde
tentando encontrar alguma lógica nessa loucura, e a cafeína
vai me ajudar a ficar acordada.
— Ei, maneira aí no remédio, sua hipocondríaca!
Tenho certeza de que não comeu nada, e se você quer uma
opinião sincera, podemos ficar juntos aqui examinando
esses relatórios, mas isso requer mais tempo do que você
imagina — ele diz, dando uma olhada e pegando a
calculadora para fazer as contas que eu já cansei de repetir.
— Na minha opinião, parece que alguém pegou a
oportunidade da troca de gestão e aproveitou para
embolsar uma graninha. Muito mal feito, pra ser sincero.
Qualquer um que pegasse esses relatórios iria ver que tem
algo errado.
Seu pensamento foi exatamente igual ao meu. 
Algum filho da puta achou que a oportunidade era boa
e aproveitou. Além de não tomar cuidado nenhum,
acreditando que quando descobrissem, a culpa iria cair nas
costas do Pedro e ninguém investigaria a fundo para
entender o que realmente aconteceu.
— O que eu vou fazer? — pergunto cansada, com a
cabeça entre as mãos. — Assumir uma bomba dessa no
começo da gestão, sem um culpado para apontar, é provar
pro conselho que sou incompetente. E, eu não vou colocar a
culpa em Pedro, sei que ele não fez isso.
— Você não vai fazer nada sozinha — Marcos
responde, segurando a minha mão. — Nós vamos descobrir
quem é esse filho da puta e eu vou meter ele na cadeia sem
direito a fiança e recuperar o dinheiro da Brumpel. Confia
em mim, eu tenho um plano.
Ele diz e seus olhos brilham pelo desafio, me deixando
um pouco menos tensa, contudo, bastante ansiosa. Isso
quer dizer que eu realmente não estou doida, e que alguém
está nos roubando, mas além disso, quer dizer que Marcos
está disposto a entrar nessa loucura de investigação
comigo.
— Tudo bem, nós vamos achar o culpado — digo,
dando um apertozinho em sua mão.
Nada pode ficar pior do que isso, pode?
 
— Gente, eu fico duas semanas sem te ver e você tem
todas essas bombas para me contar? Que isso? — Laís
pergunta completamente chocada, tentando alimentar
minha afilhada.
— Pra você ver, eu só tomo no forevis mesmo! —
respondo mal-humorada, bebendo um gole generoso da
minha coca gelada.
— Dinda, o que é forevis ? — uma Luísa muito esperta
e com a boca toda suja de manga pergunta. 
Laís me olha feio e eu dou de ombros, envergonhada.
Poxa, eu nem falei palavrão justamente porque sei que ela
está na fase de repetir tudo. 
E agora? Como explicar?
— É uma coisa muito feia, Lulu! — digo como se
contasse um segredo, e ela, em sua expressão infantil, fica
surpresa, fazendo Laís e eu segurarmos o riso.
— E por que você falou? — ela pergunta baixo, com
em um segredo.
— Por que a dindinha às vezes fala coisas que não
deveria. 
— Se a dindinha fala, eu também posso falar! — ela
diz muito séria, se levantando da mesa e correndo para
dentro de casa — forevis, forevis!
— Clara! Agora ela não vai parar de falar isso,
inclusive na escolinha, e a culpa vai ser toda sua! — Laís
ralha.
Fico envergonhada e me desculpo com a minha
melhor amiga, que não consegue manter a expressão brava
por muito tempo.
— Eu sempre soube que o gostoso do Marcos queria
uma reconciliação com você... — ela diz com um sorriso
enorme no rosto. — E aí? Qual é o plano para fazê-lo sofrer?
— Primeiro, ele não é um gostoso! — digo brava, mas
no momento que nossos olhares se encontram, caímos na
gargalhada — Ok, ele é um gostoso — preciso admitir, tanto
para ela, quanto para mim. — Mas, eu não tenho nenhum
plano para fazer com que ele sofra. Pelo contrário, meu
plano é mandá-lo para bem longe de mim e voltar a minha
vidinha nos eixos. Encontros esporádicos com o Ricardo,
minha empresa sob meu poder e meu tempo dedicado
apenas aos meus croquis.
— Você sempre foi uma velha chata de sessenta anos,
né? — ela revira os olhos antes de começar. — Se fosse eu
já teria feito esse homem de gato e sapato. Usado e
abusado, e depois jogado fora. Por que é um traste.
Podemos dizer que Laís Castro, como uma boa amiga
que é, não é muito fã do cachorro, safado, sem vergonha .
Por muitos anos não contei tudo sobre a minha vida
em Piracicaba e o meu passado conturbado com ele. Foi
traumático, e era de se esperar que eu esquecesse com o
tempo. Pelo menos eu pensei que seria dessa forma.
Pra que remoer o passado, se não podemos fazer
nada a respeito disso?
Só contei exatamente o que aconteceu para ela
quando me deparei com ele no trabalho e tive um surto
psicótico que resultou em um coma alcoólico. Não me
orgulho, mas não me recrimino. Só um grande porre para
esquecer, por pelo menos alguns segundos, que eu iria
trabalhar e ver o cachorro todos os dias na minha empresa. 
Só a Laís sabe que eu tive muitas fases.
Na faculdade, eu era "a beijoqueira", tentando
esquecer o cachorro com qualquer outro cafajeste que
cruzasse o meu caminho. Depois eu virei "a celibatária". Me
fechei pra qualquer tipo de homem e foquei completamente
em meu trabalho. Só aí vieram os rolinhos mais fixos, que
me deixavam empolgada, mas não entravam no coração.
Há alguns anos, eu assumi o meu selo oficial de encalhada e
estou extremamente satisfeita com essa posição.
Mulheres bem sucedidas não precisam de homem
nenhum. E, quando eu acho que posso remotamente
precisar, eu consigo alguém que supra as minhas
necessidades. Com vinte e nove anos, eu já sei muito bem o
que me agrada, onde conseguir o que eu quero e o mais
importante, o que eu não quero.
Não posso me apegar a ninguém, não quero ter
obrigações e muito menos sofrer por algum macho qualquer
que não me mereça. Nunca estive melhor, obrigada.
— Ele está querendo me comprar para continuar com
o emprego quando os três meses acabarem — respondo
com um certo delay por causa dos meus devaneios.
— Mentira! — Como a boa fofoqueira que é, ela não
me decepciona. — E você? 
— É claro que eu aceitei, não sou burra — respondo,
mostrando a minha mais nova bolsa Prada para ela —, mas,
é claro que não vai funcionar.
Ela examina a bolsa preta por alguns segundos e seu
olhar muda de admiração para algum outro tipo de coisa
que não consigo decifrar.
— Tem certeza que ele continua o cachorro sem
vergonha de antes? — ela pergunta e eu confirmo sem nem
pensar.
— É óbvio!
— Só que você nunca viu ele com ninguém, certo? —
ela pergunta retoricamente, já sabendo a resposta.
— Por que ele é bom em esconder essas coisas, isso
não quer dizer que ele não seja o cachorro sem vergonha de
antes. — Me armo, pronta pra briga.
Era só o que me faltava, a Laís querer defender
aquele cachorro interesseiro!
— Bom, eu acho que ele está muito apaixonado por
você. E digo mais, ninguém dá uma bolsa de quase dez mil
reais apenas para tentar manter o emprego. Ele é um
advogado foda, que com uma carta de recomendação do
Pedro consegue emprego em qualquer lugar, não precisa se
humilhar.
Penso um pouco sobre a sua afirmação, procurando
algo que justifique essa atitude e quando encontro, abro um
sorriso malicioso.
— Mas nesse outro emprego ele não teria algo muito
importante: alguém que ele quisesse atazanar a vida. No
caso, eu. 
— Nisso eu concordo, mas não acho que seja com o
intuito de atazanar a sua vida, e sim, de fazer parte dela —
ela responde, fazendo um carinho em minha mão. — Pensa
nisso.
Respiro fundo, sem saber se devo ou não contar a ela
o que está acontecendo na empresa. Diego, seu marido, é
um acionista, e se ela contar para ele e ele resolver
averiguar as coisas, eu posso perder o meu cargo recém-
conquistado. A indecisão me corrói e ela parece perceber,
porque pergunta sutilmente.
— Qual é o problema, amiga? Pode me falar, eu não
vou te julgar. Deu uns pegas nele de novo? — ela solta e eu
gargalho, aflita. Se ela soubesse que eu dei, sim, poderia
até me recriminar, mas nesse caso o buraco é bem mais
embaixo.
— Você consegue guardar segredo? — pergunto em
tom de cumplicidade.
— Claro que consigo! Que pergunta é essa? Não
conhece a minha história? — ela diz e eu confirmo com a
cabeça. 
Laís por muito tempo mentiu a sua vida inteira, é
claro que ela sabe guardar um segredo.
— Por favor, até de Diego — digo, respirando fundo. —
Antes de mandar o cachorro embora, eu tenho que resolver
um problema mais sério do que tudo isso — digo em um
tom mais baixo.
— Desembucha logo! Eu tô aqui morrendo de
curiosidade, o que está acontecendo? Você está grávida? —
ela pergunta chocada e eu balanço furiosamente a cabeça
em negativa.
— Claro que não. É mais sério do que isso. Descobri
um rombo no caixa da empresa e Marcos está me ajudando
a entender o que aconteceu e achar o culpado.
— Estamos falando de quanto, Clara? — ela pergunta
séria.
— Quase dois milhões. 
— Puta que pariu! — ela solta e eu recrimino com o
olhar, apontando para a Luísa.
— Eu e Marcos vamos descobrir quem foi que fez essa
merda, mas, por favor, não conta pra ninguém! Preciso de
um tempo antes de contar para o conselho sobre isso.
— Nossa, amiga, que horror! — ela diz ainda chocada.
— Pode contar comigo pro que precisar. Eu não vou contar
pra ninguém.
 
As últimas duas semanas foram um completo e
verdadeiro caos em minha vida. As demandas de uma CEO
não são nada fáceis, por assim dizer. Milhares de reuniões
com uma reapresentação do corpo de funcionários,
relatórios de expansão da empresa e suas filiais, análises de
papéis, planilhas e, principalmente, de muitos designs.
O rombo no cofre tirou o meu sono e cobrou horas e
horas de trabalho a mais tentando achar um culpado antes
que todos descubram o que aconteceu e as coisas saiam
ainda mais do controle. Marcos tem me ajudado tanto que
nem consigo mais fingir indiferença. Suas investigações nos
setores para colher informações são muito mais úteis do
que as minhas, já que todos me olham com desconfiança
devido ao meu cargo. Ser galanteador foi uma benção,
nesse caso, apesar de odiar com todas as forças observá-lo
na câmera jogando charme para as mulheres e tentando
descobrir alguma coisa. Infelizmente, tudo foi um belíssimo
beco sem saída. As pistas levam a pessoas fantasmas.
Como alguém de férias na Europa poderia alterar alguns
relatórios? Quem fez isso, fez muito bem pensado.
As entregas de vestidos sob medida saíram do meu
controle e, com o casamento iminente, tudo se
potencializou. Eu, definitivamente, preciso contratar alguém
para me auxiliar nessa parte criativa o mais rápido possível.
Entre tantas entrevistas, mal consegui escolher alguma
pessoa interessante ou minimamente empolgante. Todos
são extremamente talentosos, mas o santo ainda não bateu,
e eu estou começando a duvidar se ele um dia vai
realmente bater com o de outra pessoa. Isso tem me dado
um desespero danado, porque se com essa busca pelo
ladrãozinho de meia tigela, não tenho conseguido produzir
nada, o que está me deixando levemente preocupada.
Lia, apesar de fingir que não sabia que eu e Marcos
não nos dávamos bem, em nossa última chamada de vídeo
quis saber tudo sobre ele. A safada está dando uma de
cupido e nem tem a cara de pau de disfarçar. O casamento
acontece em dois dias e eu não poderia estar mais nervosa.
Como sobreviver com sanidade a uma viagem internacional
apenas com o cachorro a tiracolo? Como largar todo esse
furacão para trás e ir me divertir em Los Angeles?
São nove e meia da noite, estou com os contratos
assinados, vestidos conferidos e tudo certo para transportá-
los amanhã. Respiro fundo e aperto mais uma vez a bolinha
antiestresse antes de soltá-la em cima da mesa e levantar,
me alongando.
Quem disse que mulheres bonitas não são
competentes?
Agora é hora de me desestressar e eu sei o modo
perfeito para fazer isso acontecer. Não tenho dúvidas que se
eu continuar dessa forma vou acabar explodindo e fazendo
uma grande besteira. Por isso, eu preciso de diversão.
Calço os meus sapatos novamente, pego a minha
bolsa, e quando estou prestes a entrar no elevador, Marcos
sai correndo esbaforido da sua sala tentando me alcançar.
— Espera! — sua voz imponente ordena e ele entra
comigo no elevador, respirando com certa dificuldade.
— Está fazendo o quê aqui até esse horário?
Descobriu alguma coisa? — pergunto, apertando o botão do
térreo e cruzando os braços, mas meus olhos estão
arregalados e meu coração dispara.
A proximidade, o seu perfume e essa caixa de lata
combinadas são um forte potencializador de sentimentos.
Por mais que meu cérebro proteste, meu corpo está mais do
que aceso, ansioso por ele. Ou melhor dizendo, ansioso por
um toque que pode vir de qualquer pessoa. Mas como ele é
o mais próximo...
— Esperando você me dar uma carona, é lógico! —
ele diz com o seu sorriso de lado mais perigoso. — Na
verdade, infelizmente ainda não descobri nada…
Solto um bufo alto, antes de sair correndo do elevador
assim que as portas se abrem.
— Bom, sinto te decepcionar, mas eu não estou indo
para casa — respondo, dando de ombros.
Caminho alguns passos lhe dando as costas, mas
aparentemente o cachorro interesseiro tem outros planos.
— E você vai pra onde? Posso ir junto! — ele diz,
segurando em meu braço.
Solto uma risada sonora e Marcos me olha, sem
entender qual é a graça.
— Estou indo para um encontro, e tenho absoluta
certeza que nós não estamos confortáveis com o
voyeurismo, então, sugiro que seja o cachorro de sempre e
procure alguém em um boteco desses qualquer para suprir
as suas necessidades — digo isso, saboreando cada palavra.
Sua expressão assassina e suas mãos em punho são
mais do que indícios que ele se sente perturbado com essa
informação.
— Quem é ele? — sua voz baixa é perigosamente
séria, e seu ciúme me deixa exultante. O cachorro se
importa, afinal.
Bom, que arranje outro poste para mijar.
— Um certo modelo de cuecas por aí… aceitei o
conselho de uma amiga há um tempo — digo o alfinetando.
— Não que eu precise te dar alguma satisfação — digo,
sentindo o gostinho de cada palavra.
— O caralho que não deve! — ele grita alto, jogando
os braços pra cima. — Eu vou quebrar o maxilar desse filho
da puta no chute e aí ele não vai conseguir trabalho
nenhum, apenas para pensar duas vezes antes de se meter
com a mulher dos outros.
Sua reação me deixa lívida. Não imaginei que
provocá-lo fosse tão divertido, e fazer ele perder o controle
é ainda melhor. Apesar disso, ele não poderia estar mais
errado. Eu não sou mulher dele, nem de homem nenhum.
— Veja bem, você não vai fazer absolutamente
nenhuma dessas merdas que disse. Primeiro, porque eu não
sou sua mulher para você agir como esse homem das
cavernas, e deixando muito claro aqui, nunca vou ser.
Segundo, porque eu não vou deixar — digo e vejo seus
olhos se estreitarem. — Não sei nem porque eu estou
perdendo meu tempo aqui com você, mas apenas deixando
claro, eu comando a minha vida em todos os sentidos.
Agora me dê licença que eu preciso ir.
Não me dou o trabalho de esperá-lo e saio
caminhando em direção ao meu carro, deixando para trás
um Marcos bem confuso, enfurecido e pensativo.
 

 
— Boa noite, Clara! — Ricardo diz, assim que entra no
quarto de hotel escolhido por mim para o nosso encontro de
hoje.
Meu PA (pau amigo), por assim dizer, foi um grande
achado. Quando Luíza sugeriu, tempos atrás, um encontro
com o famoso modelo de cuecas em uma espécie de
brincadeira, eu achei que não daria certo. Mas, por acaso
nos encontramos em uma campanha e eu o convidei para
tomar um café. Quase nada na vida é coincidência, então
não pude deixar passar essa oportunidade. 
Papo vai, papo vem, percebi que Ricardo e eu nos
entenderíamos muito bem. Afinal de contas, eu descobri um
lado meu que poucos homens aceitam com facilidade. Eu
preciso de total controle para me sentir bem. Já ele, é um
coelhinho indefeso, disposto a fazer todas as minhas
vontades.
— Boa noite! — digo, jogando minha bolsa de
qualquer jeito na primeira poltrona que vejo.
Caminho em sua direção e o beijo com vontade.
Apesar da minha pouca altura perto do homem enorme e
sensual, ele se inclina, ficando completamente ao meu
dispor. Mesmo não sentindo absolutamente nada além de
um pequeno tremor nas minhas partes baixas, continuo
com o objetivo de me satisfazer e lavar as preocupações em
uma espiral de prazer.
— Nossa, você tá demais hoje, Clarinha! — ele diz,
enterrando sua cabeça em meu pescoço e deixando uma
trilha molhada pelo local.
Me afasto um pouco olhando em seus olhos e o
repreendo. O que eu menos preciso agora é me lembrar de
Marcos, com a sua boca carnuda me chamando por esse
apelido.
— Não me chame assim.
— Como quiser, minha rainha! — Ele volta a me
beijar, e por mais que o homem seja lindo como o pecado, é
só fechar os olhos que eu me lembro de um certo cachorro
que não tira o meu apelido da boca.
Olho para ele por alguns segundos, pensando de onde
raios saiu essa história de “minha rainha”, e quando ele faz
menção de desabotoar a minha camisa, caio na real. Eu não
tô no clima, e muito provavelmente, não vou entrar tão
cedo.
— Para! — falo firme e ele para na hora, deixando os
braços caírem ao lado do corpo. Sua cabeça abaixa e a sua
postura muda completamente. 
Merda! Tinha me esquecido desse detalhe: é só falar
um pouquinho mais firme que fica completamente rendido.
Ironicamente, foi exatamente por esse motivo que eu topei
sair com ele em um primeiro momento.
Bom, mas se ele está aqui, tão disposto, não posso
acabar com a sua graça, certo? Seria como tirar doce de
criança…
— Se toque — digo em voz baixa e Ricardo vai pra
cama sem pedir maiores explicações.
Ele abre o zíper da sua calça e começa a fazer como
eu pedi, olhando em meus olhos, esperando outras ordens.
Mas, elas não chegam nunca. Cruzo os braços com a visão à
minha frente, e vejo que pelo menos alguém vai se divertir
um pouco hoje. 
Pelo menos um de nós.
— Clara? — ele pergunta indeciso, e eu confirmo com
a cabeça.
— Agora — digo séria e é o necessário para que ele
alcance sozinho o seu próprio clímax.
Enquanto Ricardo ainda está de olhos fechados,
voltando a respirar normalmente, abotoo os dois botões da
minha blusa e pego a bolsa que Marcos me deu no começo
da semana.
— Desculpe, lindo, hoje você vai ficar só na mão
mesmo! — digo antes de abrir a porta do quarto e sair em
direção ao bar do hotel.
Se não vai ser me afogando no corpo gostoso de
Ricardo que eu vou tirar o cachorro interesseiro da cabeça,
que seja pelo menos em um copo de tequila.
 
A primeira viagem após o retorno para o meu
antigo/novo cargo tem sido bem estressante para mim. As
milhares de coisas que estou tendo que fazer ocuparam
todas as horas do meu dia. Me dividir entre os dois cargos
tem sugado cada mínima gota de energia que eu poderia
ter em meu corpo, mas estou conseguindo. Além de, claro,
manter em sigilo as buscas pelo culpado pelo desfalque no
caixa.
Análises de relatório, noites e noites até mais tarde
tentando entender onde esse dinheiro foi parar, e muitos
momentos próximos demais de Marcos para a minha
sanidade mental. O pior de tudo: eu nem posso reclamar.
Ele tem me ajudado muito sem pedir nada a mais, e até as
brincadeiras e os beijos roubados que me tiram do sério tem
sido menos frequentes. O último, por exemplo, três dias
atrás, durou tão pouco que eu tive dúvidas se foi ou não
real. 
Ah! Mais uma vez eu estou aqui pensando no cachorro
sem vergonha, ao invés de estar pensando na minha mais
nova contratação.
Quando Diana surgiu para a entrevista, eu soube que
ela era a pessoa certa para o cargo. Seus cabelos roxos, sua
felicidade e seu sorriso iluminado me fizeram pensar que
poderíamos trabalhar muito bem juntas. Além de ela ser
extremamente eficiente, o que é um excelente ponto
comigo.
Fazer o quê se somos workaholics ?
Ser uma CEO é tomar conta da saúde da empresa em
todos os cantos. Problema no marketing? Cai no meu colo.
Uma bomba com alguma filial? Sou eu quem precisa
resolver. A produção está com problema na matéria-prima?
A Clara é responsável.
Estou, inclusive, muito surpresa de ninguém ter
percebido o que está acontecendo com o financeiro. Essa,
definitivamente, é a calmaria antes da tempestade, porque
quando explodir a bomba, com certeza eu vou estar com ela
no colo e me arrebentar inteira.
Se alguém me perguntar se eu não gosto do que faço
ou se estou arrependida, vou dizer com total certeza que,
não, muito pelo contrário, eu amo! Amo saber tudo o que
acontece em cada processo, amo colocar a cabeça para
pensar e resolver os problemas. Por incrível que pareça, isso
me faz feliz.
O tempo passa voando, e quando me vejo carregando
cinco malas pelo aeroporto, me amaldiçoo por não ter
aceitado a carona de Marcos quando tive oportunidade. Pelo
menos ele estaria carregando os dez vestidos nas costas e
eu poderia tirar vantagem disso. Consigo colocar tudo em
um carrinho e saio empurrando-o pelo saguão, indo em
direção a fila do check in .
— Não se preocupe, o seu príncipe no cavalo branco
já chegou — Marcos diz atrás de mim em meu ouvido, me
prendendo entre o carrinho e seu abdômen aparentemente
bem definido.
— Não estou preocupada — respondo rosnando. —
Pode me dar algum espaço pessoal? Eu estou sentindo
daqui a sua animação e isso não tem nada de principesco —
digo determinada a constrangê-lo, mas ele abre um sorriso
enorme antes de me liberar.
— Como quiser, apesar de eu ter certeza que você
gostou. O que acha de esperar no café enquanto eu
despacho as malas? — ele responde e eu torço o nariz.
— Pode ir, mas nada de café. Você já viu quanto custa
um cafezinho no aeroporto? Praticamente um rim no
mercado negro — digo, gesticulando com as mãos.
— Quem diria que a Clarinha permaneceria pão dura?
— ele pergunta me provocando.
— Bom, eu continuo não sendo burra, se é isso que
você quer dizer! Aprendi muito sobre economia quando eu
ainda estava dando o meu sangue para criar a Brumpel do
zero, então, não… sem cafezinhos por aqui!
— Como quiser — ele diz, dando de ombros. — Já
volto.
Me sento em uma poltrona desconfortável e checo as
redes sociais, enquanto ele faz o trabalho pesado. Bom,
finalmente para alguma coisa ele tinha que prestar, não é?
Observo as pessoas andando apressadas pelo saguão
enquanto não entram para a sala de espera. Despedidas de
famílias, namorados, pessoas que vão passar um tempo
distante... Se eu fosse me mudar de país, provavelmente só
a Laís, e com sorte as suas irmãs iriam se despedir de mim.
Realmente, a vida de uma mulher forte e independente
pode ser solitária, afinal de contas, para conseguir tudo o
que sempre quis, eu precisei abrir mão de muitas coisas…
inclusive cortar laços. 
— Um milhão de dólares pelos seus pensamentos —
Marcos diz, enfiando um copo de café bem debaixo do meu
nariz.
— Te disse que era besteira gastar com um café no
aeroporto, além do mais, você nem tem dinheiro e está
mendigando um emprego… se controle — digo, mas não
recuso, tomando um gole generoso.
O cachorro ignora tudo o que eu digo e abre um
sorriso ainda maior em minha direção.
— Bom, vamos passar horas e horas em um voo
juntinhos. Depois disso, vamos ficar no mesmo hotel, fazer
as mesmas coisas, ir à mesma festa… enfim, você me
entendeu. O que acha de darmos uma trégua nessa guerra?
Um fim de semana sem brigas e sem quebrar a cabeça com
o probleminha que estamos enfrentando — ele diz, se
referindo ao roubo e a nós dois, me oferecendo um aperto
de mãos.
— Só durante a viagem? Para tentarmos nos suportar
um pouco mais? — pergunto, com uma sobrancelha
levantada.
— Eu preferia para sempre, mas se você quiser dessa
forma… — ele responde com um sorriso lindo em seu rosto
e eu reviro os olhos antes de apertar a sua mão.
— Sem gracinhas.
— Ok, Clarinha, sem gracinhas… não vou fazer nada
que você não queira — ele diz e beija a minha mão de
forma pornográfica, antes de eu puxá-la com tudo. 
— Bom, então temos um acordo, mas não me chama
de Clarinha!
 

 
A viagem de avião foi muito mais agradável do que eu
esperava. O cachorro sabe ser um bom entretenimento, e
confesso que suas histórias do tempo de faculdade foram
muito divertidas. Apesar de esconder a todo custo suas
presepadas com mulheres, eu sei a verdade, ele é um
cafajeste de marca maior. Safado, cachorro, sem vergonha,
e por isso retribuí na mesma moeda. Se ele pensou que eu
fiquei chorando por ele pelos últimos quatorze anos, esse foi
o meu momento de provar que ele estava errado. Sua crise
de ciúmes quando eu comecei a contar as minhas histórias
foram épicas. Fazer o quê se eu realmente me diverti muito
no meu tempo de faculdade?
E quando chegamos, ele cuidou de tudo até a
chegada no hotel, me poupando de um trabalho cansativo,
o que devo admitir, foi ótimo. Check in feito, quartos lado a
lado, cama enorme e perfeita para uma boa noite de sono. E
era isso que eu teria feito, se não tivesse começado a
escutar barulhos impróprios duas horas depois de
entrarmos no quarto de hotel. 
Não sei onde eu estava com a cabeça quando resolvi
aceitar essa trégua e achei que ele poderia se comportar
como uma pessoa normal, e não como o cachorro que é.
Depois de mais de cinco minutos de barulhos que deixariam
a menina do gemidão do whatsapp constrangida, resolvo
fazer alguma coisa.
Calço os meus chinelos e vou bater em sua porta,
para pedir, pelo menos, um pouco de descrição. Não precisa
exibir as conquistas baratas na minha cara, até porque, eu
não estou nem aí para isso. Mas, até que eu gostaria de
saber como ele conseguiu um rabo de saia tão rápido,
porque nada disso faz sentido. Eu só tomei banho e passei
meu creminho antes que as coisas ficassem animadas
demais do outro lado.
Saio do meu quarto batendo o pé e bufando furiosa,
até alcançar a porta do seu quarto e tocar a campainha
insistentemente. Os gemidos constrangedores continuam,
mas isso não condiz com o Marcos sonolento, usando
apenas uma cueca boxer preta, que abre a porta e me dá
uma boa segunda olhada.
— Por que a vagabunda ainda tá gemendo? Isso é
pornô? — pergunto confusa. Presumi que os gemidos
viessem do seu quarto, porque é exatamente o tipo de coisa
que eu o imagino fazendo em todas as oportunidades que
tem. Agora, vendo que o cachorro não é o dono do ato
ilegal, pelo menos não dessa vez, fico completamente sem
graça.
— Bom, não é… mas com essa camisola que você
está usando poderia ser — ele diz com um sorrisinho de
lado e eu reviro os olhos, só agora tomando consciência que
eu estou usando uma camisola de renda branca muito
transparente.
— Eu suponho então que a atriz de filme adulto é
minha outra vizinha. Passar bem, Marcos, boa noite! — digo,
indo em direção a outra porta, tentando engolir a minha
vergonha.
Por que eu não vesti um robe mesmo? Aliás, por que
eu não trouxe um robe para a viagem? Por que eu resolvi
sair do quarto, em primeiro lugar?
— Enlouqueceu? Você não vai bater na porta desse
pervertido vestida assim! — ele parece furioso e eu reviro
os olhos. — Troco de quarto com você. 
— Isso não vai dar certo — digo e escutamos sons
ainda mais altos do quarto vizinho, fazendo com que as
minhas bochechas fiquem coradas.
— Eu posso ir falar com ele, se preferir… mas não vai
ser de um jeito gentil — o cachorro interesseiro avisa, e eu
tenho certeza que o seu jeito nada gentil poderia expulsá-lo
hotel, então, para evitar a fadiga, simplesmente pego a
chave da sua mão e troco pela minha.
— Boa noite! — digo entrando em seu quarto, e o
empurrando para fora.
— Boa noite pra você também, Clarinha! — ele diz do
lado de fora, com a voz abafada.
 
 
Casamentos são mágicos. Essa é a verdade, a mais
verdadeira de todas. E não é porque eu amo desenhar esse
tipo de vestido e vê-los na prática cumprindo o seu papel,
ou talvez porque seja a melhor oportunidade depois de uma
premiére de ver todo mundo bem vestido e arrumado. E
sim, porque eu definitivamente amo a aura de felicidade.
Talvez isso tenha brotado em mim de tanto ouvir a
Laís falar nos casamentos que ela organiza, mas fato é, amo
a música, vestidos, os docinhos, os drinks, os vestidos (sim,
amo mesmo os vestidos), e claro, a predisposição de
homens solteiros a procurarem algo sem compromisso.
Afinal de contas, tem lugar melhor do que um casamento
para você se dar bem, sem precisar passar por toda a parte
do flerte antes?
Como Lia Reed aceitou essa loucura de prazos comigo
sendo a sua estilista, eu não sei. Mas o seu otimismo e
confiança em mim e na Brumpel são incríveis de
acompanhar. Me sinto lisonjeada. Tanta coisa poderia dar
errado, cheguei literalmente um dia antes com todos os
vestidos importantes do casamento na mala, mas,
felizmente, todos intactos e nenhum extraviado. Justamente
por isso precisei acordar bem mais cedo do que o normal
para conseguir conferir um por um, além de organizar tudo
para ir pro local onde todas as madrinhas, e, obviamente a
noiva, vão se arrumar.
O despertador toca e quando lembro da noite
passada, que todos eles estão no meu antigo quarto, assim
como uma roupa decente para eu ficar andando pelos
corredores do hotel, solto um grito alto de nervoso.
Que merda.
Abro a porta e pé ante pé vou até o quarto ao lado
esperando que Marcos não tenha um sono muito pesado.
Dou uma batidinha na porta e espero dois minutos antes de
meter o dedo na campainha. Marcos abre a porta com uma
expressão sonolenta, apenas de cueca e com a barraca bem
armada. Perco a linha de raciocínio por alguns segundos e,
aparentemente, ele também, porque ficamos nos encarando
com olhos bem desejosos.
Dou uma tossidinha antes de começar a falar:
— Bom dia! — digo, cruzando os braços, tentando
tampar um pouco do meu decote e da renda transparente.
— Posso entrar? 
— Claro — ele diz, virando de costas pra mim e
fechando a porta, nos trancando sozinhos no quarto.
— E aí? Dormiu bem? — pergunto um pouco
sarcástica e vejo de relance ele tentando abaixar com a
mão a sua parte animadinha. Me viro de costas, levemente
constrangida e resolvo me justificar. Longe de mim ele
imaginar que eu invadi o meu quarto que passou a ser dele
para tirar uma casquinha. — Deixa pra lá! Na verdade, eu
preciso me trocar e sair correndo pra levar os vestidos e
passar, para que quando todas as madrinhas chegarem,
tudo já esteja perfeito. Então, sinto muito te acordar cedo.
— Tudo bem, certo — vejo sua voz afetada e não
consigo distinguir o seu timbre.
Me viro para conferir se ele está acompanhando o que
eu estou falando e encontro o cachorro me secando de uma
forma que eu não sei se me sinto lisonjeada, envergonha ou
puta. Pego um vestido qualquer e saio correndo pra dentro
do banheiro da suíte, ansiosa para me trocar.
Maldita seja eu, que gosto de camisolas de piranha,
tendo ou não alguém para vê-las.
— Vou tomar banho, fique a vontade pra voltar pro
seu quarto, ou voltar a dormir. Como quiser! — grito,
sabendo bem que estou sendo uma covarde em não encará-
lo.
Quando saio do banheiro, depois de um banho bem
gelado e relaxante, encontro um bilhete em cima da cama
com a letra horrível de Marcos rabiscada.
 
“Preferi ir embora antes de fazer alguma besteira. Você com
esse pedacinho de pano chamado camisola é uma tentação
que eu não sei se consigo resistir.
Te encontro no casamento, vou ser o mais bonito entre os
padrinhos.
Marcos”
 
Leio algumas vezes o mesmo bilhete, tentando conter
o sorriso ridículo em meu rosto. Por que esse cachorro tem
esse poder sobre mim? Nunca vai passar essa atração
ridícula? Esse desejo acumulado? Credo! Já se passou tanto
tempo.
Resolvo ignorar esses pensamentos, assim como
resolvo ignorar também o turbilhão de sentimentos e
sensações que estão dentro do meu peito e começo a
carregar mala por mala até chegar na portaria do hotel,
prestes a pedir um táxi. 
Hoje a missão é ser madrinha de casamento e não
pirar com as loucuras de Lia Reed, muito menos com os
sentimentos conflituosos dentro do meu peito.
 

 
Chego no espaço digno de uma princesa Disney e vejo
a majestosidade do salão escolhido pela minha
embaixadora. Tudo é tão luxuoso que eu me sinto pequena
e muito impressionada. A equipe está montando as mesas,
concentrada, e um mocinho simpático me oferece ajuda
para levar os vestidos para o camarim próprio para o dia da
noiva. Assim que cruzo as portas francesas e entro nos
bastidores, vejo a minha melhor amiga fazendo o que faz de
melhor, organizando tudo.
— Cadê o bolo? Vai chegar quando? — ela grita com
alguém em seu fone, enquanto corre em minha direção para
me dar um abraço.
— Clarinha, graças a Deus você chegou com os
vestidos! — Laís diz abrindo um sorriso e soltando um
suspiro de alívio. — Achei que a Lia iria infartar mais cedo
quando cheguei para organizar os últimos detalhes.
Olho para ela desconfiada. São oito e meia da manhã,
o casamento está marcado para às oito da noite. Que horas
essas duas chegaram aqui?
— Tudo bem, estão todos aqui, lindos e perfeitos,
prontos para todas as madrinhas e para a noiva, é claro. Por
falar nisso... cadê ela? — pergunto olhando ao redor toda a
bagunça já instalada para receber as maquiadoras e
cabeleireiros.
— Ah, está fazendo uma aula de boxe para
desestressar… — Levanto as sobrancelhas em surpresa e
ela confirma com a cabeça. — Pois é, ela é assim.
— Não vai ser eu quem vou interromper então — digo
para Laís com um sorriso cúmplice. — E aí? Pirando como
sempre?
— Que nada… hoje em dia eu só pego os louros, o
trabalho pesado fica com as meninas da equipe. Mas,
confesso que essa vida dupla tem me deixado exausta… —
ela responde, se sentando em um sofazinho e dando duas
palminhas no estofado, indicando que eu me sente também.
— Você já não precisa aceitar qualquer coisa para
pagar o aluguel e ajudar a sua família… Talvez esteja na
hora de aceitar que já pagou a "dívida" da gratidão que
você tem pelo cerimonial e focar em ser influencer… — digo
mais uma vez o que sempre falo para a minha amiga. Ela
precisa relaxar e priorizar o que mais gosta.
— Talvez você tenha razão — ela diz pensativa e eu
abro um sorriso, confirmando com a cabeça. — Bom, mas
eu preciso cumprir a agenda, então vou dar uma circulada
olhando se está tudo certo e te encontro já já.
— Combinado.
 

 
O vestido rodado no estilo princesa com mangas
ombro a ombro e aplicações de flores de tecido em todos os
tons de rosa, faz jus a atriz embaixadora da marca. A
cintura extremamente marcada, a maquiagem perfeita e o
penteado semi preso dão o ar de contos de fadas que ela
idealizou. Ver Lia pronta, com o vestido que sonhamos
juntas por tanto tempo é mágico, e posso dizer que não sou
a única encantada com o resultado.
Cada madrinha teve um modelo desenhado
especialmente para ela, seguindo a paleta de tons de rosa
que a noiva pediu. O desafio para mim foi transmitir através
do vestido a personalidade de cada uma, além de, claro,
combinar os modelos e deixar harmônico entre cada uma.
Vendo a fileira de meninas lado a lado para a foto,
posso dizer que consegui. Algumas eu já conhecia pelos
eventos e amizade de Lia, outras conheci só no momento
da primeira reunião, e apesar de não ter participado
ativamente da organização de todos os detalhes extras com
ela, me sinto honrada em ser madrinha de uma pessoa tão
querida por todos. 
À distância, vejo Laís gritando com meia dúzia de
pessoas e me lembro do primeiro vestido de noiva que fiz e
o quanto amei cada segundo daquele desafio.
— Você conseguiu me fazer usar rosa sem que eu
quisesse vomitar, parabéns! — Layla diz com um sorrisinho
implicante no rosto e vejo Lia fazer um biquinho antes de
responder com os braços cruzados:
— A Clara é perfeita, não teria como não gostar de
usar um vestido dela. Sorte a sua que os modelos foram sob
medida!
— Não vamos discutir no seu casamento — a modelo
responde mostrando a língua para a noiva, que não se abala
e posa para mais um clique.
Escutamos a pequena discussão e eu abro um sorriso
satisfeito. Se ela gostou, estou feliz.
— Você fez um ótimo trabalho, Clarinha, parabéns! —
Layla fala mais baixo, apenas para que eu escute e confirmo
com a cabeça, abrindo um sorriso.
— Fico feliz que tenha gostado! 
Por fim escolhemos um tom de rosa marsala, mais
fechado, em um modelo fluído como uma deusa grega, o
decote frontal e nas costas a deixa sexy e instigante, e
confesso que foi um dos que eu mais gostei. Bom, claro que
logo após o meu e o da noiva. 
— Como estão as coisas agora? A mídia ainda está no
seu pé? — pergunto curiosa. 
Quando ela foi visitar a Brumpel no Brasil para fazer a
prova do vestido, o caos ainda estava instalado em sua
vida. A mídia estava louca atrás dela, os contratos haviam
sido cancelados e ela estava simplesmente fugindo como
uma louca de qualquer paparazzi. 
— Agora finalmente as coisas se acalmaram e está
tudo bem — ela diz e fala um pouco mais baixo, cúmplice.
— Estou praticamente em uma reabilitação, você não tem
ideia do que as pessoas fazem quando elas não sabem que
estão sendo filmadas!
— Posso imaginar — digo com um sorriso nos lábios,
mas a sua frase fica marcada em minha mente.
Se alguém me gravasse escondido, o que será que
teria contra mim? 
Me olho uma última vez no espelho e abro um sorriso
confiante. O tom de rosa choque combina muito bem com a
minha pele clara, e o decote v com a alça fina mostra
bastante pele e fiz um rabo de cavalo em meus cabelos
loiros. A cintura marcada e a fenda enorme a lá Angelina
Jolie deixam o vestido simples, mas bonito, elegante e sexy.
Com quinze dias eu não poderia ter feito nada muito mais
elaborado do que isso, e apesar de tudo, combinou
perfeitamente comigo. 
A entrada dos padrinhos é liberada para as fotos e
quando percebo, estou engolindo uma taça de champanhe
inteira, apenas para não ficar procurando como uma idiota o
homem que perturbou os meus pensamentos o dia inteiro.
Apesar disso, o perfume do cachorro inunda os meus
sentidos e me vejo presa em seu olhar quando ele circula a
mão em minha cintura e beija o meu pescoço de raspão.
— Você está linda, Clarinha! Por hora, vou beijar o seu
pescoço para não estragar a maquiagem antes da
cerimônia — ele diz, com um sorriso nos lábios.
Dou um tapinha em seu braço e o recrimino com o
olhar.
— Abusado!
 
— Não me olhe assim e muito menos me beije dessa
forma — digo me afastando e tentando manter a distância
adequada — Além de, claro, não me chamar de Clarinha!
— Não vai rolar! — Marcos diz dando de ombros e eu
reviro os olhos.
— Por que você precisa ser tão insuportável mesmo?
— pergunto, jogando os braços pra cima, chamando
atenção das pessoas ao nosso redor. Pelo menos estamos
falando em português e metade das pessoas aqui não
entende muito bem o que isso quer dizer.
— Não se esqueça, estamos em um acordo de paz
nesse momento e essa trégua dura até entrarmos no avião
de volta. Por isso, sugiro aceitar meu tratamento exemplar.
— Você se acha mesmo, né? — respondo cruzando os
braços, mas não consigo manter por muito tempo a pose, já
que a fotógrafa começa a instruir diversos tipos de poses
com os padrinhos e a noiva.
Em poucos minutos, somos atropelados pelas
cerimonialistas que nos organizam em fila para entrar.
Como imaginei que seria, Lia preferiu entrar na igreja
sozinha, carregando em seu terço uma foto de seu pai, e a
simbologia me deixa levemente emocionada. Pelo menos o
suficiente para que o cachorro ao meu lado tire sarro dos
meus olhos marejados.
A cerimônia começa belíssima, e Ian Romano, em seu
terno cinza-chumbo, chora como um bebê quando vê a
amada entrar, sem se preocupar com quem está olhando.
Esse, sim, é um casal que se completa muito bem. Marcos
segura minha mão como um perfeito cavalheiro o tempo
inteiro. Quando é a hora do sim, me vejo divagando,
pensando no meu próprio casamento… o que não é normal,
já que não quero casar e muito menos tenho um noivo em
potencial. Será que vou caminhar por livre e espontânea
vontade até alguém que eu ame?
Quando a cerimônia acaba e todas as nossas
obrigações como padrinhos também, a festa finalmente
começa. Abro um sorriso maroto para Marcos e solto a sua
mão antes de falar:
— Bom saber que você consegue se comportar, mas
agora, fui! — digo, antes de dar as costas para ele, indo em
direção ao bar.
— Como assim, fui? — ele pergunta, segurando meu
braço e me obrigando a parar para responder.
— Eu vou pegar um drink, circular por aí e achar um
gatinho para fazer meus vizinhos de quarto pagarem na
mesma moeda hoje a noite — respondo o óbvio e ele parece
perder a cor.
— Você só pode estar brincando! — seu tom
assustado demonstra o quão lívido ele está. — Esqueceu
que eu também sou seu vizinho?
— Ah! — respondo um pouco decepcionada, mas
tento não demonstrar. É lógico que ele não estava com uma
espécie de ciúme, e sim, preocupado com a sua boa noite
de sono. — Eu posso ir para o quarto do dito cujo também,
não se preocupe! — meu tom de voz é magoado e eu nem
sei exatamente o porquê, apenas comprovando que eu
preciso muito de uma vodka.
Saio andando, apesar de escutar um "Clarinha, espere
aí", e vou em direção ao bar. É, eu definitivamente preciso
de álcool. O barman é o típico americano padrão, loiro de
olhos azuis, e antes que eu faça o meu pedido, ele me
entrega um shot de absinto, me fazendo abrir um sorriso
grande. 
— Para você, que parece estar precisando — ele diz
em um sorriso brilhante e eu confirmo com a cabeça, me
aproximando um pouco mais.
— Muito obrigada… qual é o seu nome mesmo? —
pergunto abrindo um sorriso grande, deixando claro o que
eu quero: que no caso é dar uns pegas no banheiro.
— Patrick — ele responde com um olhar cheio de
surpresa e desejo também. Alguém o chama fazendo um
pedido, e Marcos aparece ao meu lado com um sorrisinho
irritante, digno de um empata foda.
— O barman? Sério? Com tanto ator de Hollywood por
aqui? — ele pergunta incrédulo e eu mantenho meu olhar
virado para a frente, decidindo ignorá-lo. — Bom, se você
quer encher a cara, eu também quero — ele diz e antes que
eu possa protestar e mandá-lo a merda, ele completa,
apelando para o meu lado mais competitivo. — Até porque,
eu sei que você não consegue competir comigo.
— Como é? — respondo, sem entender o que ele quer
dizer.
— É claro que eu consigo beber muito mais do que a
pequena Clarinha, inocente e imaculada — o cachorro
zomba e eu faço um bico indignada.
— Eu não sou pequena, inocente e muito menos
imaculada — respondo entrando em seu jogo e ele levanta
uma sobrancelha, me olhando de cima a baixo. — Tudo
bem… pequena eu posso ser, mas isso é uma condição
fisiológica, não de personalidade. É claro que eu consigo
beber mais do que você, não seja ridículo. 
— Então, Clarinha, eu te desafio — ele diz, levantando
o seu próprio copo de shot, e eu abro um sorriso de lado.
— É bom estar pronto para perder.
 

 
Cinco shots de absinto depois, Marcos e eu estávamos
rindo como loucos.
— Você é um cantor horrível! — reclamo quando vejo
ele cantarolar uma música do Elton John. 
— Falou a próxima Anitta! — ele alfineta, me dando
um cutucão na cintura. Começo a rir descontroladamente,
em uma crise séria de cócegas, e ele vê a oportunidade
perfeita para me atacar. 
Seus dedos habilidosos para o mal fazem tanta
cosquinha que eu rio alto, perdendo o fôlego e implorando
para que ele pare. Quando não aguento mais, o cachorro
me solta, fazendo com que eu cambaleie, quase caindo, se
não fosse pelos seus braços que me seguram firme.
Seus olhos focam nos meus e eu vejo tanto desejo
que prendo a respiração por alguns segundos.
— Não ouse — digo em um sussurro, que ele
obviamente não respeita.
Sua boca cola na minha e neste momento o meu
coração para, minha respiração fica pesada e me sinto
como a Branca de Neve, despertando de um sono profundo.
Beijar Marcos é literalmente um vício. Seus lábios são
macios, mas ao mesmo tempo exigentes, tomando tudo de
mim. Nossas línguas dançam em uma sintonia perfeita e
sua mão segura firme o meu rabo de cavalo, não me dando
outra opção a não ser dar tudo de mim nesse beijo ilegal.
Sinto seus dedos cravarem em meu quadril, tão possessivos
que quando ele roça a parte de pele exposta pela fenda,
tenho um vislumbre do que pode acontecer e,
principalmente, de onde estamos. No meio de um salão de
festas, no casamento de uma estrela famosa, nos Estados
Unidos. Dessa vez eu não tenho forças para pedir para ele
parar, muito menos vontade para isso. Já resisti por tempo
demais às suas investidas, e não tem momento melhor para
ceder a essa tentação do que em uma festa, com coragem
líquida queimando em minhas veias.
— Marcos… — digo entre os seus lábios, mas ele
resolve me ignorar, depositando uma trilha de beijos no
meu pescoço. Solto um gemido baixo, contrariada, mas
consigo falar antes de me perder na camada de luxúria —
Estamos em um lugar aberto, cheio de gente, seu cachorro.
— Cachorro, é? — ele pergunta, abrindo um sorriso
tão safado que faz com que as minhas partes íntimas
implorem pela continuação desse beijo. Apesar disso, ele dá
um passo para trás e me libera do seu abraço, alinhando a
sua postura. — Acho que combina, já que eu fico te
seguindo e babando por você o tempo inteiro igual a um
São Bernardo.
Apesar de contrariada, sua brincadeira consegue me
arrancar um sorriso. Se é pelo álcool correndo em minhas
veias ou um ridículo tesão acumulado, eu não sei, mas jogo
todas as minhas convicções para o alto e, revirando os
olhos, me aproximo novamente, ficando inebriada pelo seu
perfume.
Falo no pé de seu ouvido, com a minha voz mais sexy
e dominadora possível:
— Estamos em um local público, mas nada nos
impede de irmos para o banheiro — digo antes de morder o
lóbulo da sua orelha, fazendo-o arrepiar.
— Você… — ele começa a dizer alguma coisa, mas
saio andando em direção a um banheiro mais afastado da
pista de dança, onde provavelmente não haverá muitas
pessoas.
Marcos me segue a uma curta distância, e assim que
entro no banheiro masculino, ele arregala os olhos e corre
para conferir se tem outros homens ali, provavelmente com
o pinto pra fora.
— Podia ser no feminino… — ele reclama de braços
cruzados, quando consegue respirar e percebe que não tem
ninguém.
— Não podia. Homens raramente usam as cabines…
já as mulheres achariam estranho uma trancada por muito
tempo — respondo, revirando os olhos e abrindo uma
cabine ainda sem usar. — Além de, claro, elas serem um
pouquinho mais limpas, pelo menos no começo da festa —
digo, segurando a porta e olhando pra ele. — Vai querer
ficar reclamando ou entrar aqui comigo e me comer
gostoso?
— Não precisa pedir duas vezes.
 
Se Marcos tinha alguma dúvida, elas evaporaram
assim que ele cruzou a porta da cabine e a fechou atrás de
si. Com um pé, ele abaixa a tampa do sanitário, colocando a
sua mão firme em minha cintura, colando seu corpo no
meu. Me prensando na parede com certa brutalidade, ele
abre um sorriso deslumbrado antes de colar novamente as
nossas bocas, exigindo tudo o que eu estou mais do que
disposta a lhe dar.
O seu beijo é bruto e sensual, muito diferente dos
homens a que estou acostumada a me relacionar, que são
submissos e gostam que eu comande. Marcos impõe o ritmo
e dita as regras, me deixando completamente louca de
tesão. A sua mão passeia pelas minhas costas e na curva da
minha bunda, antes de se aventurar pela fenda enorme do
meu vestido e me tocar com tanta delicadeza e adoração
que me deixa sem ar.
Esse é o primeiro beijo que eu realmente correspondo
com todo o meu ser desde quando ele voltou. Houveram
muitos, mas todos interrompidos por mim com um tapa na
cara ou uma mordida bem dada nos lábios. Eu nunca pedi
por mais, e nunca senti verdadeiramente tudo o que ele
tem a me oferecer.
— Eu quis fazer isso desde quando te vi de novo
depois de tanto tempo — sussurra em meu ouvido, e sem
esperar nenhuma resposta, ele molha o dedo em sua boca e
o enfia sem cerimônia nenhuma em minha entrada ansiosa
e sedenta por ele.
Solto um gemido baixo e mordo seu ombro tentando
não fazer barulho, fechando os olhos com força. Se só com
um dedo ele consegue me tirar do eixo, o que será de mim
amanhã?
Como se estivessem esperando o timing perfeito,
escutamos a porta do banheiro abrir e alguém entrar.
Aparentemente, a pessoa fala no celular, alheia a qualquer
movimentação estranha dentro da cabine. Nós dois nos
olhamos e enquanto em sua boca há um sorrisinho irritante,
eu passo a língua nos meus lábios e o ataco sem cerimônia. 
Não é um desconhecido que vai me impedir de
continuar a matar a vontade que eu estava dele. O homem
foi produzido pelo tinhoso para me tentar de todas as
formas, e se já estou no inferno, é melhor abraçar o capeta.
E eu, literalmente faço isso, me agarrando a ele enquanto
recebo suas investidas, sentindo todo o prazer possível que
o contato íntimo pode me proporcionar. E, enquanto
escutamos o estranho falar em inglês do outro lado da
cabine do banheiro, gozo em seus dedos, perdendo os
sentidos em meio aos beijos.
Eu não sei quanto tempo ficamos assim, abraçados,
em silêncio, com os lábios colados e a respiração pesada.
Mas, quando o estranho sai do banheiro nos deixando à sós
novamente, solto um suspiro alto, ainda inebriada pelo
prazer.
— Você gostou disso, não gostou? — pergunto a ele,
reunindo o resto de forças que tenho.
— Com você? É claro que eu gostei — ele responde,
retirando os dedos e me deixando com uma sensação de
vazio incômoda. — Mas, acho que se continuarmos aqui
dentro, não vamos conseguir controlar o barulho. Quando
eu te comer de novo, Clarinha, vai ser tão bruto, que você
não vai conseguir segurar os seus gritos. 
Olho pra ele surpresa e depois de alguns segundos
começo a dar risada. Que audácia!
— Eu posso garantir com toda a certeza que quem vai
gritar vai ser você. Implorando por mais — respondo antes
de me afastar um pouco e ajeitar o meu vestido. 
O clímax recente deixou o meu corpo ainda mais
aceso e o sentimento é de que eu nunca vou ter o suficiente
dele, mas por hora, preciso de mais. Aparentemente, ele
tem o mesmo pensamento que eu, porque dá uma boa
ajeitada no seu amigo que ainda está preso dentro da calça
e abre a porta da cabine.
— Eu vou na frente e você vem em seguida — sua voz
segura e imperativa faz com que eu não faça mais nada
além de confirmar com a cabeça. — Se não quiser sair
carregada dessa festa, você vem logo atrás de mim. Estou
falando sério, não vou hesitar em te pegar no colo e sair
correndo daqui.
Abro um sorrisinho debochado, apenas para irritá-lo e
me olho no espelho, limpando o canto da boca borrado de
batom.
— Se eu não quisesse, isso não teria acontecido —
digo, revirando os olhos —, mas antes de ir, preciso fazer
uma coisinha — digo, abrindo a porta e saindo antes de ele
dar a conferida básica, apenas para não ser a mocinha
obediente.
Eu não posso perder a oportunidade perfeita de deixar
o cachorro interesseiro louco. Me disperso dele entre tantas
pessoas na pista de dança e o deixo perdido, enquanto volto
para o mesmo bar de drinks e localizo Patrick, antes de
ajeitar o meu decote e abrir o meu sorriso mais malicioso.
— Você quer outra dose de absinto, linda? — ele
pergunta, dando uma conferida nem um pouco discreta em
meus seios. — Pode pegar um pouco mais leve, você e seu
amigo já beberam muito…
O safado, como o bom cafajeste que é, nem disfarça
que sabe que eu estava com Marcos há poucos segundos e,
menos ainda, que não dá a mínima para isso.
— Eu não acho, na realidade, vim te pedir a garrafa —
digo sem meias palavras. 
— Você sabe que não posso fazer isso… — ele diz com
uma voz arrastada e eu dou de ombros, com uma expressão
nada inocente. — Mas…
— Eu sei, você consegue dar um jeitinho — respondo,
calculando suas palavras e quanto tempo tenho até Marcos
aparecer dando um show. — Um beijo por uma garrafa?
Patrick calcula o quão ruim isso pode dar para ele e
eu, sinceramente, não penso em nada além da garrafa
verde que vai me deixar louca enquanto rebolo no pau do
Marcos a noite toda. Como não tem ninguém por perto, ele
se aproxima colando seu rosto a centímetros do meu e
coloca a garrafa entre nós dois.
Seguro a garrafa, querendo o meu pedido sem lhe dar
a recompensa, mas ele abre um sorriso cretino no rosto
antes de roubar um selinho rápido e se afastar.
— Foi um prazer fazer negócio com você — diz, indo
para o outro lado do balcão grande sem que eu possa
respondê-lo.
Sinto uma mão apertar firme a minha cintura, com
uma força maior do que a necessária, e sei que Marcos viu
essa pequena cena. Sem querer pisar ainda mais em seu
calo, me viro com a garrafa em mãos, abrindo um sorriso
travesso. Seu olhar é puro ódio, mas resolvo ignorá-lo,
balançando a garrafa em frente ao seu nariz.
— Consegui algo com o meu charme e beleza para
delivery — respondo dando de ombros e saio rebolando em
direção à saída. 
Ele fica parado por alguns segundos tentando
assimilar o que está acontecendo, e quando percebe que eu
já dei alguns passos e que corre o risco de me perder
novamente, sai correndo para me alcançar.
— Você só pode estar louca ou querendo que eu
arrume uma briga feia por sua causa. O que te deu na
cabeça para beijar aquele filho da puta na minha frente? —
diz, segurando em meu braço e me forçando a parar.
— Eu estava a fim! Foi só um selinho, também, pelo
amor de Deus! Não é como se fossemos namorados e eu
estivesse te traindo! — reclamo, colocando o dedo na ferida.
— E digo mais, se ficar dando esse show de quem mija mais
longe, pego essa garrafa maravilhosa e acho outra
companhia para a noite. Qual vai ser?
— Você está brincando com fogo — ele fala baixo
soltando o meu braço e respirando fundo.
— Na verdade, você está — respondo firme — Isso
aqui não passa de um acordo que fizemos de trégua, alguns
shots de uma bebida potente e uma vontade momentânea
— digo, sabendo que essas são meias verdades. Não preciso
de bebida nenhuma para sentir vontade de beijá-lo vinte e
quatro horas por dia, mas ele nunca vai saber disso. Esse
cachorro só sabe a língua da vadiagem e quanto mais
protegida eu estiver, melhor.
— Sendo assim, estou ansioso para brincar com você
— ele diz, depois de alguns segundos.
Pela sua expressão, sei que ele está a ponto de
explodir, extremamente nervoso. Mas é bom que ele
entenda também que eu não sou a mesma Clara
apaixonada de antes.
— Sendo assim, não sei porque estamos perdendo
tempo com essa discussão — digo, cruzando os braços e
batendo o pé —, eu quero mais!
 
O caminho para o hotel dentro do táxi abafado foi um
teste de paciência, apesar da pouca distância. Os olhares
desejosos, a mão possessiva em minha coxa e o sussurro de
palavras sacanas em meu ouvido foram o combo perfeito
para que, assim que eu descesse do veículo, sentisse a
minha calcinha pequena completamente encharcada. O
volume entre as pernas de Marcos também deixou claro o
quanto ele estava ansioso e desejoso por mim.
De mãos dadas caminhamos até o elevador e quando
finalmente paramos no andar correto, quase saímos
correndo em direção ao quarto, ambos desesperados para o
que viria a seguir.
Marcos tira a chave do seu quarto, mas eu pego a do
meu em um sorriso arteiro.
— Vamos mostrar pros vizinhos como se faz. Essa
noite são eles que não vão dormir!
— Então abre logo essa merda, Clarinha. Não vejo a
hora de me afundar em você! — ele responde antes de
tomar a chave da minha mão e abrir o quarto por ele
mesmo.
Assim que cruzamos o batente, sua mão possessiva
segura meus cabelos com força e sua boca cola na minha;
nossas línguas enlouquecidas em uma dança sensual de
sensações. Cambaleamos quarto adentro e quando consigo
colocar a minha bolsa e a garrafa de absinto em cima da
mesa, ele já chutou seus sapatos para longe. 
— Você é deliciosa, puta que pariu, eu estou tão duro
que mal consigo me controlar! — diz e instantaneamente
coloco a mão em seu documento , dando uma boa conferida
que não me decepciona. 
Sua língua dança com a minha em um compasso
único e acabo soltando um leve gemido entre o beijo. Esse
ato desperta um Marcos sensual e sem pudor, algo que eu
nunca vi antes. Sem falarmos mais nada, ele me ergue,
segurando minha bunda sem parar de me beijar. Enrosco
minhas pernas em sua cintura, jogando meus braços ao seu
redor e ele me carrega como se eu fosse uma pluma até a
beirada da cama. Marcos então me deita bruscamente e
consigo ver toda a vivacidade e luxúria que sente por mim.
Ele desce lentamente o zíper lateral do meu vestido, sem se
importar com mais nada além de nós dois.
— É o corpo mais macio e perfeito que eu já vi em
toda a minha vida. Não sei como consegui ficar tanto tempo
longe de você! — ele diz quando termina de arremessar
vários de metros de um tecido muito trabalhado, de
qualquer jeito no chão. Ameaço xingá-lo, mas foda-se o
vestido, nesse momento eu quero tudo o que ele está
pensando em me oferecer.
Sem me dar chance para uma resposta, Marcos me
beija com tanta fome que me pergunto porque não cedi e fiz
isso antes. Seus beijos só param para que ele retire a
camisa social, arrancando todos os botões de uma só vez e
revelando seu tórax definido.
— Você também não é nada mal — comento.
Eu me movo e consigo me sentar na cama,
desabotoando lentamente sua calça e expondo seu membro
ainda coberto pela cueca boxer. Ele beija meu colo,
segurando meus seios com força.
— Você tem os seios mais bonitos que eu já vi.
Rosados, cheios, perfeitos.
Sem pedir nenhuma permissão, ele abocanha o direito
com uma precisão fora do comum, fazendo com que eu
solte um gemido alto. Seu sorriso me diz que eu vou dar
muitos outros gemidos como esse esta noite, e espero
muito que os vizinhos sem noção de ontem estejam aqui
para ouvi-los. Ele então alterna entre meus seios esquerdo e
direito e quando me morde com força, fazendo com que um
arrepio atravesse meu corpo, sei que alcançou o seu
objetivo.
— Você aparentemente está gostando, não é,
Clarinha?
— Cala a boca e continua a fazer o seu trabalho!
Marcos tira a minha calcinha com destreza e morde a
parte interna da minha coxa. Então me explora com a
língua, me enlouquecendo e sugando tudo de mim. Suas
investidas são ritmadas e certeiras, de alguém que sabe
muito bem o que está fazendo e que quer me proporcionar
o melhor prazer possível.
— Não se mexa, Clara — diz, interrompendo
minimamente a minha tortura apenas para me dar uma
ordem.
Como estou obstinada a não aceitar nenhuma ordem,
principalmente uma que venha dele, começo a rebolar na
sua cara, ditando como quero e o obrigando a fazer do meu
jeito. Marcos suga com tudo o meu ponto mais sensível e o
morde, fazendo com que um misto de dor e prazer
transpasse o meu corpo. A sensação é tão intensa que
convulsiono e o clímax vem tão rápido que me deixa
impressionada.
O sorriso arrogante que dá quando me olha, faz com
que eu revire os olhos e avance em cima dele, querendo
retribuir. Ele me permite tirar a sua cueca e olho para seu
membro longo e duro que está me chamando para que eu
lhe chupe, mas quando me abaixo, o cachorro ergue o meu
corpo com uma só mão, me freando.
— Não — diz ele, autoritário. — Você vai subir em
mim. Eu quero te sentir.
Sem me dar chance de contestar, ele coloca
rapidamente um preservativo e faz com que eu o monte.
Sinto-o me penetrar aos poucos, me preenchendo, me
apertando. Arfo e mordo seu ombro, tentando externar
todas as sensações que estou sentindo. Ele então segura o
meu quadril com força e me penetra fundo, espalhando
adrenalina em meu sangue. Vejo em seu olhar o quanto me
deseja, me venera, e sei, neste momento, que eu estou
fodida e arruinada. 
Como viver sem isso pro resto da vida?
Apenas pelo olhar nos conectamos e não consigo ficar
um minuto sequer sem beijá-lo.
Me movo como se a minha vida dependesse disso,
completamente inebriada pelos sentimentos. Marcos volta a
chupar o meu seio, fazendo com que as sensações sejam
praticamente impossíveis de conter.
É bruto, primitivo e forte, mas ao mesmo tempo existe
uma conexão de pensamentos, confiança e prazer. Ele
morde novamente o meu mamilo e eu solto
involuntariamente um gemido alto e satisfeito. Marcos sorri
safado, sabendo o quanto está me levando à loucura.
Quatorze anos se passaram e eu não me lembrava o quão
facilmente seu gosto poderia me viciar.
O prazer é tão absurdamente grande que não tenho
mais forças para me segurar. Agarro seus ombros com as
duas mãos, fincando minhas unhas em sua pele já
totalmente arranhada, murmurando seu nome tão baixo que
não tenho certeza se ele consegue me escutar. Convulsiono
em seu colo e um orgasmo fulminante toma conta de mim.
Ele abre um sorriso enorme e investe mais algumas vezes,
prolongando o meu gozo e encontrando a própria libertação
enquanto fala o meu nome.
Marcos carinhosamente se retira de dentro de mim e
me deita na cama, fazendo com que eu caia esparramada
ao seu lado. Ele beija a minha testa e passa a mão pelos
meus cabelos, me olhando com tanta devoção que chego a
achar engraçado.
— Perfeito! Exatamente como me lembrava, Clarinha
— diz ele, dando um beijo leve em meus lábios.
— Está falando assim por quê? — pergunto, me
virando de bruços e olhando em seus olhos. — Estamos
apenas começando... e eu já falei para não me chamar de
Clarinha!
 

 
Eu tinha grandes expectativas quando finalmente a
Clara cedesse, mas nunca imaginei que fosse ser tão bom.
Puta que pariu! Que boceta vodú, não é possível.
Seus cabelos loiros estão emaranhados, sua
respiração ainda é suave no meu peito e ela está em um
sono tão tranquilo que seria maldade acordá-la. Bom, até
porque eu não sei o que esperar quando ela estiver
desperta, sóbria e consciente de tudo o que fizemos ontem.
Não que eu pudesse recriminá-la de alguma forma. Eu sei
que transamos enquanto ela estava alcoolizada e se acordar
me odiando ainda mais por isso, não vou poder fazer nada
além de pedir desculpas e tentar me redimir de alguma
forma.
E como se a diaba lesse meus pensamentos, Clara
empina a bunda e começa a se espreguiçar, despertando do
seu sono profundo. Sei qual é o exato momento em que ela
acorda, mas ainda não abre os olhos, provavelmente
lembrando de tudo o que fizemos ontem e lhe dou a chance
de fugir se tiver vontade. Por isso, fecho os olhos e finjo que
estou dormindo enquanto ela lida com todas as suas
emoções e crises de consciência. 
Sou apalpado e escuto uma risadinha quando ela
percebe o quão pronto o meu amigo já está para outra,
seguido de um suspiro alto.
É, ela definitivamente está arrependida.
Antes que eu possa sentir decepção, percebo que sua
mão alcança o meu pau com vontade e começa um
movimento ritmado, me obrigando a “acordar” da minha
encenação.
— Bom dia! — ela diz, mordendo o lábio com a sua
expressão mais safada no rosto.
— Se esse é o seu jeito de me desejar bom dia, não
tenho outra escolha a não ser dormirmos juntos todos os
dias — digo sério, mas me contorço com a sua destreza.
— Na verdade eu queria acordar sentando na sua
cara, mas pensei que você poderia sufocar — ela diz dando
de ombros e continua sua tortura.
— Você é enlouquecedora — digo como uma
constatação, antes de atacá-la com vontade.
— Só quando estou inspirada — e com essa frase sem
vergonha e sem pudor algum, Clara me leva
completamente à loucura.
— Bom, Clarinha, então só me resta uma coisa a fazer
— digo e ela me olha curiosa, mordendo seus lábios
carnudos.
Com um só movimento a jogo na cama, fazendo seus
cabelos loiros se esparramarem sobre o lençol. Sua risada
sonora é combustível para que eu dê o melhor de mim na
busca do seu prazer, e por isso circulo seus seios redondos
e gostosos com a minha língua, antes de traçar uma trilha
de beijos até o lugar que mais me interessa.
Quando alcanço o pote de ouro, me sinto um menino
travesso, antes de começar a chupar, dando tudo de mim.
Ela se remexe apertando os lençóis e isso me dá o
combustível a mais para que eu dê o melhor de mim. É isso
que ela merece, sempre. 
Seus gemidos começam a aumentar e quando enfio
um dedo alcançando o seu ponto mais sensível, a vejo
derreter em meus braços.
E o melhor de tudo: eu sei que esse é só o começo de
um dia incrível. 
Nunca imaginei que iríamos conseguir nos entender,
mas agora, com ela me levando ao ápice da loucura por
livre e espontânea vontade e completamente sóbria,
começo a ter uma leve esperança.
Esperança é uma arma forte, mas que consegue
destruir até mesmo o coração forte e desesperado.
Será que dessa vez conseguiremos chegar a um
acordo permanente e finalmente ficarmos juntos?
 
Marcos é um amante atencioso, dedicado, viril e
incansável, isso ninguém pode negar. Não que eu tenha
conversado com outras pessoas por aí para saber a opinião,
como em uma pesquisa do IBOPE, eu simplesmente sei.
Fato é, sou a presidente desse clube há mais de uma
década, então, também sei com propriedade o que vem
depois do mar de rosas: uma tempestade brava, com raios,
trovões e muitas lágrimas. Por isso precisei blindar o meu
coração, foi o lógico e certo a se fazer. Eu não vou cair
nessa ladainha de novo e, definitivamente, não vou deixá-lo
estar sob a minha pele. Não agora que eu batalhei muito
para ter a minha vida sem ficar à sua sombra. Digo e repito:
a menina boba que eu fui ficou para trás, não posso
reacender essa chama e inocentemente acreditar que tudo
mudou.
Foi um fim de semana, apenas uma trégua, e agora
voltamos para a vida real sem maiores danos colaterais.
Com certeza, esse foi o melhor caminho a se traçar,
uma vez que quando eu acordei com aquela dor de cabeça
horrível que só o absinto sabe nos dar, pelada e com ele ao
meu lado, não saí correndo como uma louca. Muito pelo
contrário, avancei sedenta como se ele fosse a última Coca
cola do deserto. Resistir era o que eu deveria ter feito, mas
como não sucumbir a trilha de beijos que ele distribuiu em
meu ombro? Ou ao “bom dia” preguiçoso seguido de um
rastro de saliva bem minha zona mais ao sul? Eu não sou
tão forte assim, pelo menos não nesses termos. Marcos é
como se fosse a minha criptonita, feito exatamente para
mim. Seu corpo no meu, sua pele na minha, tudo parece
perfeito, como se fossemos feitos um para o outro.
Exatamente por isso resolvi me entregar aos desejos
mais primitivos, fingindo ser uma completa estranha
durante o fim de semana. Afinal de contas, foi ele quem me
ofereceu essa trégua e, certamente, ele vai querer quebrá-
la assim que pisarmos na Brumpel novamente hoje. Dessa
vez, ao menos as expectativas estão alinhadas e eu sei o
que esperar. 
Dessa forma, meu coração já está preparado e não
sofro mais com essa queda. Uns pegas de vez em quando,
ok, mas me iludir achando que isso pode durar mais do que
alguns minutos de tesão? Não mais.
A volta para casa foi mais difícil do que imaginei que
seria. Deixar o quarto depois de um dia inteiro colada ao
seu corpo nu foi como se eu estivesse acordando de um
sonho, e o voo de volta foi cheio de silêncio e pensamentos
melancólicos. Eu pensando em como fui burra por ter me
deixado envolver novamente, sem nada para me proteger e
ele provavelmente buscando uma brecha para me dispensar
sem ser demitido. Mal sabe ele que um coração calejado
suporta tudo sem sofrer. Bom, sem sofrer muito, pelo
menos.
Meus pulmões queimam enquanto faço a corrida
matinal do ódio. Só assim consigo colocar os pensamentos
no lugar e me entender um pouquinho. O corpo dói e
queima, mas a alma sai intacta e a cabeça limpa. Encontro
dona Judite no banquinho de sempre e vou correndo em sua
direção. Faz muito tempo que não a vejo, e com certeza ela
terá um bom conselho para me dar, de acordo com as
reviravoltas que a novela da minha vida deu.
— Bom dia, dona Ju, tudo bem com a senhora? — digo
me sentando ao seu lado e lhe dando um abraço rápido.
— Bom dia, minha filha, tudo bem sim e com você?
Aprontando muito? — ela pergunta com um sorrisinho sábio
no rosto.
— Nossa Senhora Aparecida do Norte! Você nem
imagina! — respondo enfatizando o quão lascada estou e
ela abre um sorrisinho que só os mais velhos possuem.
— Bom, então você tem que me contar esse babado,
minha menina — ela diz paciente, colocando a sua mão na
minha…
— Você lembra da minha história, dona Ju? —
pergunto apenas para confirmar o que eu já sei, e ela
balança a cabeça em negativa.
— Não lembro, mas adoraria ouvir… desde o começo,
detalhe por detalhe — ela responde.
— Bom, vai ser bom te contar tudo de novo, até para
que eu coloque a minha cabeça no lugar — digo, sabendo
que essa é a mais pura verdade. — Quando eu era uma
criança, ia visitar a casa da minha avó com frequência…
 

 
Dormir essa noite sem o corpo macio e os cabelos
cheirosos de Clara foi difícil. Mais difícil ainda foi me
despedir dela no aeroporto com um beijo sem graça na
bochecha e o sentimento de perda me assolando. Ela fez
questão que fosse dessa forma e eu simplesmente não
consigo dizer não. Para o bem ou para o mal, Clara me tem
em suas mãos.
Quem diria que eu estaria rendido dessa forma por
uma mulher? Com certeza nenhum colega de faculdade
meu. 
Definitivamente, os dias de vadiagem acabaram. 
Como poderia ser diferente depois desse furacão que
passou por cima de mim?  
Me olho no espelho ainda de toalha, observando a
mordida que ela deu em meu abdômen e passo o perfume
que secretamente eu sei que ela gosta. Hoje precisamos
conversar e preciso de todas as armas possíveis para
amolecer aquela casca dura. Olho para a gravata cor-de-
rosa que usei no casamento e que brincamos tanto durante
o fim de semana com um sorriso no saudoso rosto. A
escolho sem pensar muito e começo a me vestir para o
trabalho, determinado a usá-la apenas para ver em sua
expressão se ela vai se lembrar de todos os nós que ela
aprendeu a fazer para amarrar os meus pulsos e me
dominar por completo, como sei que ela gosta de fazer de
vez em quando. Além do mais, a hora de retribuir foi muito
divertida, com aquela bunda redondinha para o ar e minha
mão deixando-a vermelha, antes de me afundar nela com
vontade.
Se antes eu tinha apenas a lembrança de uma noite
incrível com a garota que eu gostei durante toda a minha
adolescência, agora eu sei como é estar com a mulher
enlouquecedora de cabelos cor de mel e olhos azuis
inquisidores. Seu corpo se encaixou perfeitamente ao meu,
sua pele é como se fosse feita especialmente pra mim, seu
cheiro me deixou desconcertado e sua boca destinada a me
enlouquecer. Essa combinação foi o que bastou para me
deixar mais uma vez louco por ela.
Checo em meu celular a confirmação do pedido das
flores que fiz e coloquei o endereço de entrega na empresa
e abro um sorriso. Rosas cor-de-rosa podem não ser a
primeira opção de quem está querendo arrancar suspiros de
alguém, mas tenho certeza que ela vai entender. Rosa como
o vestido, a gravata, o casamento e nosso fim de semana.
Toda mulher gosta de flores e tenho certeza que dessas,
particularmente, ela vai gostar.
Apesar das nossas diferenças, consegui ver em seu
olhar que ela também estava gostando, se envolvendo… se
libertando do rancor e das mágoas do passado. Sei que não
vai ser fácil provar para ela que nós podemos, sim, ficar
juntos e deixar o passado para trás. Só preciso ter paciência
e persistir.
Hoje precisamos conversar e colocar tudo em pratos
limpos, e se puder ter o auxílio de algumas flores para
amaciar o seu coração e, principalmente, ativar as
memórias de como somos bons juntos, eu obviamente vou
usá-las.
Ela vai ser minha de novo, e dessa vez eu não vou
cometer o mesmo erro de deixá-la para trás, muito pelo
contrário, se Clara me quiser, o para sempre será pouco
para nós dois.
 
Dona Judite é uma romântica, só pode ser isso. 
Como aquela senhorinha simpática e tão parecida
com a minha avó pode estar mancomunada com o cachorro
se eles nem se conhecem? Que espécie de conselho foi
esse? 
"Aceite que ele possa ter mudado e abra o seu
coração para uma nova possibilidade de amor." 
Como eu poderia fazer isso sem escrever otária na
minha testa ao mesmo tempo?
Caminho revoltada pela recepção da empresa, com
meus saltos pretos fazendo mais barulho do que o desejado.
Distribuo meia dúzia de “bom dias” e assim que o elevador
para no último andar, percebo que sou a primeira a chegar.
Anoto de qualquer jeito um bilhete para Fátima, pedindo
para que assim que Marcos chegar, ela peça para que ele
venha até a minha sala. Eu nunca fui uma mulher muito
paciente, e a cada ano que passa, tenho me tornado mais
objetiva. Se preciso resolver algo, eu vou resolver
imediatamente. Só assim posso acalmar o meu coração e a
minha cabeça para focar no trabalho.
Começo a avaliar alguns relatórios quando escuto
uma leve batidinha na porta.
— Bom dia, senhorita Clara, o senhor Marcos chegou.
Posso pedir para que ele entre? — minha secretária diz, um
pouco receosa. 
Com certeza nossa animosidade já rodou na boca da
empresa inteira e, como o safado é muito melhor do que eu
em jogar charme nas pessoas, ele consegue a compaixão
de todos por aqui. Quando esse prazo acabar e eu
finalmente puder demiti-lo, tenho até medo do que pode
acontecer. Com certeza as pessoas irão organizar um
motim.
— Claro, Fátima, por favor — respondo, focando meus
pensamentos no que realmente interessa. Ela acena com a
cabeça e abre passagem para que ele passe.
Marcos cruza a porta em sua postura perfeita e seu
perfume invade a minha sala. Seu cabelo ainda molhado
mostra que o cachorro acabou de sair do banho e a gravata
cor-de-rosa é uma piada sem graça e sórdida. Estreito os
olhos antes de começar a falar.
— Sente-se — digo e ele caminha, se sentando à
minha frente. 
— Bom dia, Clarinha. Dormiu bem? — ele diz e sem
esperar a minha resposta, emenda — Eu poderia ter
dormido melhor… depois de duas noites de sono tão boas, a
minha cama pareceu sem graça demais.
— Dormi muito bem, obrigada! Minha cama é ótima,
ainda mais depois de uma viagem cansativa — respondo
entrando em seu jogo, mas ao mesmo tempo me recrimino
por isso. 
Não estamos aqui para nos alfinetarmos, pelo menos
não dessa vez. Precisamos deixar de usar meias palavras,
para que fique bem claro os nossos objetivos e,
principalmente, o nosso futuro, que obviamente não seguirá
junto um do outro.
— Certo — ele diz reticente, esperando que eu
comece a falar.
Covarde .
— Bom, eu te chamei aqui para deixarmos bem clara
a nossa situação — começo, tomando fôlego — O que
aconteceu no casamento foi fruto de uma noite de carência
regada a álcool, após uma trégua oferecida por você.
Ele me interrompe e posso ver em seu olhar o quão
incomodado ele está.
— Não foi uma noite de carência movida a álcool
merda nenhuma! Pode até ter começado assim, mas não foi
o que aconteceu e você sabe muito bem disso! No dia
seguinte estávamos mais do que sóbrios e foi nele que as
coisas realmente esquentaram. — O cachorro cruza os
braços e seu olhar poderia me queimar, tamanha é a sua
raiva. Não que ele esteja mentindo, mas eu nunca vou dar o
braço a torcer.
— Estou ciente — respondo a contragosto —, apesar
disso, não muda o fato que estávamos, sim, em um acordo
de trégua, e agora não estamos mais. 
— Você decidiu isso e está só me comunicando? Por
que não vi em momento nenhum alguém me perguntando a
minha opinião! — ele fala se levantando e vindo em minha
direção.
Rolo a cadeira para trás, colando ela na parede, e me
levanto também para ficarmos em equiparação de altura,
ou tentando, pelo menos, já que ele é muito mais alto do
que eu.
— Na verdade, essa foi uma ideia sua. Estou apenas
te lembrando que agora estamos em nosso ambiente de
trabalho e que não existe mais acordo algum, muito menos
a possibilidade de algo parecido acontecer novamente —
respondo, olhando em seus olhos.
Vejo raiva, deboche, decepção e um pouquinho de
tristeza em seu semblante, com certeza provenientes da
surpresa de eu ter tomado a primeira atitude e dessa vez
lhe dado um pé na bunda. Não iria esperar até o fim do dia
e receber um SMS como da última vez.
É o que dizem, uma mulher precavida vale por duas.
— Eu não estava querendo exatamente esses termos
quando propus aquela maldita trégua — ele diz se
aproximando ainda mais e circulando o braço pela minha
cintura, colando seu corpo ao meu. — Vai me dizer que não
sente nada com essa proximidade?
O cachorro se esfrega descaradamente em mim,
colando nossos narizes e me prendendo em seu olhar. Eu
apenas o encaro, tentando resistir o máximo à vontade de
estreitar ainda mais a distância e aprofundar no beijo que
seria a minha ruína.
— Eu sinto muitas coisas, Marcos. Raiva, rancor,
angústia… ativa tantas memórias que você nem pode
imaginar… — respondo baixo, com a voz entrecortada. —
Mas, mais do que isso, eu sinto que você está brincando
comigo e não vou deixar isso acontecer. A Brumpel é minha,
você está aqui porque ainda não acabou aquele adendo
ridículo e agora vai me soltar antes de fazer alguma
besteira que vá me fazer assinar a sua justa causa. Um
beijo sem consentimento é assédio, e assédio, além de
crime, é a desculpa perfeita para que eu te chute daqui.
Ele me solta atordoado e inspiro audivelmente,
tentando colocar a cabeça no lugar. Apelar para seu lado
advogado e sensato pode ter sido jogo duro, mas era a
única forma de me proteger. Chega de beijos roubados e
sentimento de culpa logo em seguida, não consigo mais
viver dessa forma. Essas migalhas até bastaram por algum
tempo, mas agora que realmente conheci e me lambuzei do
pacote completo, não posso sucumbir ao desejo. Se ele me
beijar de novo, com tantas memórias frescas em minha
mente, não vou conseguir me segurar.
— Por que você está fazendo isso? — o cachorro
pergunta, dando dois passos para trás.
— Por que nós dois não temos nada e eu pretendo
continuar assim — digo na lata, ignorando aquela vozinha
interna que me recrimina, dizendo que, sim, eu quero, sim,
muitas coisas a mais.
— Vim nessa manhã pensando que poderíamos tentar
nos acertar, Clara, mas vejo que isso não vai acontecer. Se
precisar de mim, vou estar na minha sala — diz, dando as
costas para mim e batendo a porta ao sair. 
Respiro fundo, tentando controlar o tremor ridículo em
minhas mãos, o frio na barriga e a sensação de que fiz uma
bela de uma cagada. Acompanho pelas câmeras do corredor
sua cabeça baixa e o afago no ombro que ele recebe de
Fátima. Essa traidorazinha de uma figa. Alguns segundos
depois, ele entra em sua sala batendo audivelmente a porta
e me dando um vislumbre de como está com raiva por ter
sido contrariado.
 

 
Tudo deu errado.
Na realidade, muito mais errado do que imaginei. Era
para eu ter entrado segurando o buquê de flores, fazendo
uma piadinha espirituosa e ela responder a provocação.
Claro, depois disso iríamos ter uma pequena discussão
sobre limites e ética no trabalho, mas isso não me impediria
de nada. Eu a teria beijado, e se estivéssemos
particularmente com vontade o suficiente para nos
aventurarmos, iríamos fazer como Pedro e a Luísa, e
usaríamos o sofá de uma forma nada ortodoxa.
Apesar de ter o vislumbre do que poderíamos ser
juntos, ela ainda vive presa nesse sentimento de rancor e
não tenho como consertar as coisas. Por mais que eu tente,
e muito, ela precisa querer também.
Soco a minha mesa com tanta raiva que a minha mão
começa a latejar, justamente quando o telefone toca,
solicitando a minha presença na recepção. Que ótimo!
Desço os elevadores com a cabeça a mil. O senhor
Borges parece surpreso ao me encontrar na caixa metálica
e o cumprimento com poucas palavras. Sem paciência para
esse velho enxerido que fica rondando a empresa sem ter
nenhum cargo efetivo. Já Fátima, que também nos
acompanha, parece estar passando mal, branca igual papel.
Se essa mulher desmaiar aqui ao meu lado eu tô fodido, não
sei nada de primeiros socorros. 
Só me faltava essa mesmo.
Minha cabeça roda em pensamentos, tentando buscar
uma brecha em tudo o que Clara falou, mas não consigo.
Ela está completamente decidida. O elevador para no térreo
e eu finalmente respiro fundo quando ninguém me segue,
ambos indo em direção a garagem.
Pelo menos não tenho que forçar simpatia e amizade
com ninguém. 
Se é que voltamos à estaca zero, e eu tenho menos
tempo ainda na empresa para fazer as coisas darem certo e
preciso de um plano. Um plano bom para que ela perceba
por si só que não pode pisar em mim e sair intacta. O meu
contra-ataque precisa ser bom, e no fim, é ela quem vai
estar implorando para que eu a beije.
— Senhor Marcos, esse entregador veio trazer flores
— o porteiro simpático responde, mostrando o motoboy que
carrega o buquê enorme ainda de capacete.
— O pagamento deu problema, preciso que passe
aqui na maquininha — ele diz e eu tiro o cartão do bolso,
querendo resolver logo a situação.
Provavelmente isso é golpe, mas é melhor pagar do
que causar tumulto na recepção chamando atenção para o
diretor com aviso prévio que comprou flores gigantes para a
CEO que acabou de lhe dar um pé na bunda. Se elas
tivessem chegado antes, pelo menos, talvez conseguiriam
amolecer o coração de pedra da Clarinha… agora, é lixo.
— Aqui, prontinho — respondo, passando o cartão e
dispensando o motoboy. — Quantos por cento de chance de
isso ter sido golpe, seu Jacir? — pergunto, tentando manter
o bom humor para o porteiro.
— Acredito que noventa por cento, amigo — ele diz, e
como o bom fofoqueiro que é, pergunta — Está querendo
impressionar alguém da empresa?
Fico tentado a chamá-lo para um boteco e contar toda
a história, mas sei que uma hora depois toda a empresa
saberia o quão patético eu sou. Por isso, respondo um
simples: “é para uma amiga”, e me perco em pensamentos,
indo em direção ao elevador destinado a subir e me livrar
disso antes de causar um maior constrangimento.
Esbarro em Louise, uma recém-contratada do setor
financeiro e ela protege sua barriga com tanto cuidado que
eu simplesmente sei que é uma gravidez.
— Ainda está mantendo segredo? — puxo assunto
quando as portas metálicas se fecham e ela me olha
assustada.
— Como o senhor sabe? Alguém já espalhou? Vocês
estão pensando em me demitir? Por que se for essa a
resposta, eu estou, sim, grávida — a moça se defende e eu
não consigo não gargalhar, achando graça da sua
expressão.
— Ei, calma... Nada disso vai acontecer, pode ficar
tranquila — respondo, abrindo um sorriso tranquilizador. —
Só sou observador, mas se for segredo, pode contar comigo.
— Pisco para ela, que adota um tom vermelho em suas
bochechas.
Mulheres! Contenho a minha vontade de revirar os
olhos e lhe estendo o buquê, antes sem utilidade.
— Pra você. Parabéns pela novidade — respondo, lhe
estendendo as flores.
Qual a possibilidade de eu entrar como um
cachorrinho com o rabo entre as pernas e oferecer o buquê
para Clara? É provável que ela jogue no chão e sapateie por
cima. A tal Louise fica extremamente envergonhada, mas
abre um sorriso tímido e segura o buquê parecendo feliz.
— Muito obrigada, senhor Marcos, nunca tinha
ganhado flores assim! — ela diz e eu dou de ombros,
colocando a mão nos bolsos.
— Sem problemas. 
Assim que o elevador se abre, ela sai correndo como
um cachorrinho assustado para o seu andar, murmurando
outro obrigada baixo.
Por que as mulheres são tão difíceis?
 

 
O cachorro só me provou que eu estou
completamente certa. 
Quem ele pensa que é para vir querendo me beijar de
manhã e duas horas depois dar flores para a tal peguete? E,
apesar de tentar disfarçar, sei muito bem que eles devem
ter marcado o encontro no elevador para não gerar
burburinho quando ele fosse entregar em sua sala. Marcos
até pode ser esperto, mas eu sou mais.
Qual é a da Fátima que não volta nunca com os
relatórios que eu pedi? Parece que estava até passando mal
de tanto estresse mais cedo. Credo em Cruz , esse homem
está enlouquecendo todas nós. Com certeza a culpa é do
Marcos.
Checo novamente na câmera e vejo a minha
secretária saindo de um carro preto e dou de ombros. Por
mais que seja em horário de trabalho, ela pode se divertir
um pouquinho de vez em quando. Não posso negar que
tenho exigido mais do que o normal nessa função. Se ela
está de namorico, não sou eu quem vai constrangê-la em
um confronto… a mulher sempre foi boa para mim. Além
disso, não é como se eu mesma não tivesse dado uns
beijinhos durante o horário de trabalho. Contanto que a
pessoa do carro não seja Marcos, está tudo certo.
Diana precisa de uma secretária também. É isso… vou
pedir para que ela faça uma seleção e escolha alguém para
ajudar, assim, Fátima fica menos sobrecarregada. Justo é
justo. Além disso, se essa mulher desmaiar de nervoso nos
corredores e quebrar os dentes, eu vou ter que arcar com
tudo. 
Minha cabeça volta os pensamentos para o moreno de
olhos azuis e seu olhar magoado de mais cedo. Fingido de
uma figa!
Quebro o lápis em minha mão, soltando um bufo
audível de revolta.
Por que ele me afeta tanto? Que diabos eu estou
fazendo da minha vida? Isso não está normal.
Em meu estado geral, eu sou uma mulher fácil de
lidar, amiga de todos, dócil, gentil… ele consegue me tirar
do sério de uma forma, que não sei como ainda não fui
internada em um hospício. Esse caos mental é difícil de
entender, e se eu não me entendo, não conheço ninguém
que possa fazer algo por mim.
Acompanho pela câmera seus passos pela empresa e
só relaxo os meus ombros quando ele entra em sua sala,
parecendo chateado.
Impossível entender esse homem, meu Deus! Acabou
de se encontrar com a tal mulher, era de se esperar que
estivesse ao menos um pouquinho feliz.  
Três horas depois, estou olhando para o mesmo
relatório sem entender o que fazer para conseguir voltar a
focar no trabalho. Resolver essa questão do rombo no caixa
da empresa está tão difícil que estou quase perdendo as
esperanças. Eu e Marcos não chegamos a lugar algum, e
fica difícil sem ter com quem contar e conversar. Eu,
definitivamente, preciso resolver isso, e talvez a única
solução seja abrir o jogo com os investidores do conselho e
aceitar que não sou suficientemente capaz de gerir a
empresa. Alguém me roubou debaixo do meu próprio nariz e
eu não percebi, além de não conseguir descobrir até agora
quem foi o puto que fez isso.
Quem sabe com uma visita pessoalmente ao
financeiro eu não consiga ter uma nova perspectiva?
Ah, a quem eu quero enganar? Mais do que uma nova
perspectiva sobre esse caso, eu preciso ver com os meus
próprios olhos a mulher que o cachorro está querendo
desgraçar a vida, no mínimo para avisá-la.
Isso é sororidade.
Me levanto e assim que saio da sala, Fátima vem ao
meu encalço.
— Precisa de algo, senhorita?
— Vou fazer uma visita surpresa aos setores para ver
como está o funcionamento das coisas pela Brumpel. Mas
não precisa se preocupar em me acompanhar — respondo
um pouco sem graça, já chamando o elevador. 
— Não, senhorita, meu trabalho está adiantado e se
você precisar de ajuda para anotar algo, eu posso ser útil. —
Seu desespero em me ajudar só me prova que ela está
aprontando alguma, mas não vou ser indelicada e dizer que
suspeito que ela tenha algum casinho com alguém por aqui.
Afinal de contas, a regra de proibição de
relacionamentos entre funcionários já não existe mais.
— Tudo bem, então.
Sem querer causar estranhamento, aceito a
companhia de Fátima e juntas realmente visitamos setor por
setor, comigo procurando clandestinamente pelo buquê de
flores imenso e a dona dele. Assim que entramos no setor
financeiro, mais de uma hora depois, vejo a agitação e as
flores antes mesmo de encontrar o gerente responsável por
aqui. A mulher tem um sorriso enorme no rosto e conversa
animada com duas amigas. Elas parecem gargalhar sobre
alguma coisa, e quando uma delas me vê, fica claro que
toma um baita susto, cutucando as outras duas que param
de rir imediatamente.
— Bom dia, Clara, a que devemos a honra? — Victor
Borges, o gerente do setor, vem em minha direção,
estendendo a mão que eu não hesito em apertar.
— Fazendo uma visita de rotina por todos os andares,
quero me aproximar um pouco mais de vocês… como estão
as coisas por aqui? — pergunto e ele começa a falar sobre
gráficos, artes e um milhão de outras coisas que ninguém
poderia entender com precisão porque não faz sentido
algum.
Parece errado, como se fosse um teatro mal contado e
começo a questionar a competência de todos os membros
do setor, já que as contas não batem pra mim e para Victor
tudo parece ir às mil maravilhas. Apesar disso, ele mantém
um sorriso lupino nos lábios e uma postura predadora de
quem poderia me atacar a qualquer momento.
Já notei seus olhares cobiçosos, mas como não nos
encontramos com frequência pela empresa, isso nunca me
incomodou como agora. Eu poderia vomitar com esse cara
no meu encalço todos os dias. Graças a Deus fico andares
acima dele, bem longe das suas garrinhas nojentas.
Muitos minutos depois, continuo reprimindo um
bocejo alto, até ele ter a brilhante ideia de me apresentar
novamente para os novos membros. Me apresento a um por
um, enquanto observo tudo ao meu redor, e quando
chegamos no grupinho de amigas não tão sorridentes
agora, estendo a mão para a tal Louise, analisando-a. 
— Eu sou Clara, muito prazer, sei que você é nova e
ainda não nos esbarramos por aí — respondo, ainda
segurando sua mão, deixando-a um pouco constrangida. —
Lindas flores! O namorado quis agradar pelo aniversário? —
pergunto à queima roupa, fingindo ser uma mulher animada
pelas flores e afetada como nos filmes. Ela fica surpresa,
mas me responde de supetão.
— Não é meu aniversário… e na verdade, foi uma
surpresa… — Louise responde misteriosa, e sei que não vou
conseguir arrancar mais nada dela sem parecer invasiva e
quebrar o meu disfarce. 
— Bom, com certeza ele deve gostar muito de você —
respondo e já passo para a próxima, sem dar a ela chance
de resposta.
Com certeza foi uma surpresa, é a cara do cachorro
fazer isso! Apronta todas no fim de semana e logo segunda-
feira chega arrependido entregando flores e fazendo juras
de amor.
Patético.
Mais apresentações são feitas e, quando estamos
quase indo para o próximo setor, Vitor me convida para uma
confraternização de despedida do diretor Carlos Augusto, na
sexta-feira. Ele vai para a filial do Rio de Janeiro colocar as
coisas em ordem por lá, aparentemente uma ideia de Pedro
antes da sua gestão terminar. Fico pensando se é realmente
o momento certo para ele sair e deixar Victor como seu
sucessor aqui, mas não quis levantar mais suspeitas, por
isso não reclamei. Agora, frente a frente com o futuro chefe
do setor financeiro, fico com raiva de não ter seguido em
frente com a minha intuição. Pelo menos em Carlos Augusto
eu confio, é um dos colaboradores mais antigos, que tive o
prazer de fazer por mim mesma o processo seletivo. De
qualquer forma, se torna impossível recusar um convite
para a sua despedida, e isso pode dar um motivo a mais
para bater papo com as pessoas por aí e ver se encontro
alguma coisa mais suspeita.
— O senhor Bessa já confirmou a presença
representando a diretoria, mas iremos adorar contar com a
senhorita também — ele diz, e isso basta para que eu olhe
para Fátima, que corre o olho em minha agenda antes de
murmurar que estarei livre a contra gosto. Aparentemente,
ela não gosta muito desse senhor também.
— Claro, conte comigo — digo antes de ir embora
correndo.
É lógico que o cachorro iria na confraternização do
chefe da namoradinha. Será que, pelo menos, enquanto
está com ela, ele sondou alguma coisa importante para
resolver o nosso caso, ou estava ocupado demais?
Continuo a visita com a cabeça rodando em uma
espiral de pensamentos.
Por que eu não largo o osso e paro com essa tortura?
Já não basta ter sofrido tanto por ele anos atrás?  
Preciso focar no que é mais importante, ou seja, a
Brumpel.
 
Clara: "Preciso muito da sua ajuda, venha até a
minha sala assim que acabar o expediente "
 
Envio uma mensagem para Marcos, e ele não me
decepciona ao responder prontamente:
 
Marcos: "Conte comigo"
 
Estou cavando o mais fundo possível e finalmente
comecei a achar alguma coisa substancial. Não é fácil tentar
entender sobre todo o fluxo de caixa de uma empresa cheia
de filiais, e eu não sou formada em economia, poxa. Por isso
contratei pessoas para esse trabalho, e saber que elas não
são confiáveis me deixa extremamente frustrada. É confuso,
desesperador e muitas vezes me sinto burra em achar que
conseguiria fazer tudo isso sozinha. Mas, ninguém
consegue, não sou só eu, e por isso… só por isso, eu me
sinto no direito de pedir ajuda.
Marcos pode ter todos os defeitos do mundo, mas ele
é um homem de confiança. Hoje vejo que fazer tudo sozinha
e conseguir resolver esse mistério sem ajuda está fora de
cogitação, eu preciso dele. Mas, mesmo querendo e
precisando de ajuda para tentar decifrar um pouco mais
esse quebra-cabeças, confesso para mim mesma que
Marcos, com as suas piadinhas e sua proximidade, tem feito
mais falta do que eu gostaria de admitir.
Depois da nossa discussão pós-viagem, ele se
manteve mais fechado e distante, me deixando frustrada e
parecendo uma mulher reclamona.
Se eu peço para ele se afastar e ele realmente se
afasta, porque acho isso ruim? Alguém consegue entender a
incoerência?
Olho no relógio e assim que Fátima entra no elevador,
pronta para ir embora, Marcos vem sorrateiramente e entra
em minha sala. Se eu não estivesse o observando pelas
câmeras, com absoluta certeza teria levado um baita susto,
e não entendo o porquê de sua atitude.
— Boa noite, Clarinha — ele diz, entrando e fechando
a porta rapidamente.
Hoje o cachorro interesseiro está mais gostoso do que
o normal. Seu cabelo, geralmente arrumado, está
bagunçado, depois de um dia inteiro de tique nervoso,
provavelmente. Sua camisa social cor-de-rosa está com as
mangas dobradas e sem a gravata, e o blazer o faz parecer
pronto para ir a um happy hour arrasar todos os corações.
Provavelmente é o que ele vai fazer quando sair do meu
escritório mesmo, não duvido nada.
— Por que está agindo estranho desse jeito? — digo,
desligando o monitor para que ele não me pegue espiando
no flagra.
— Você notou como a Fátima está estranha? Não sei
se é coisa da minha cabeça, mas ela está totalmente
assustada. Parece que viu fantasma o tempo inteiro — ele
diz levantando uma sobrancelha e eu não consigo conter o
sorriso ao ver a sua expressão —, não estou gostando disso,
aí tem.
— Eu acho que ela está de namorinho com alguém,
mas não quer que ninguém descubra, por isso está agindo
de forma estranha — digo, dando de ombros. — Enfim, isso
não é importante… descobri uma coisa.
Marcos então, como sempre destinado a me
enlouquecer, puxa uma cadeira de visitantes e a arrasta
para ficar ao meu lado, olhando os papéis espalhados pela
mesa. O safado não tem noção nenhuma de como me afeta,
ou se tem, finge direitinho que não liga, porque parece não
se importar nem um pouco com a nossa proximidade. Muito
pelo contrário, ele parece gostar até demais da forma como
me mantém desnorteada.
O seu perfume me deixa zonza e quando seu braço se
encosta no meu, fico completamente arrepiada, como a
porra de uma adolescente. Respiro fundo, parecendo
irritada, mas sabendo que no fundo a irritação é com a
inquietude das minhas partes baixas.
— Bom, finalmente eu consegui ver uma ligação
nesses furos — digo, tentando focar no mais importante. —
Foi bem pensado, sabe… existe uma ligação. Os oitenta mil
que sumiram da compra de tecidos no dia cinco foi dez por
cento da compra. Já os 32 mil que sumiram dos aviamentos
comprados no dia nove foram dez por cento também. E
esse padrão se repete. Ou a pessoa que está fazendo isso
tem TOC, ou realmente criaram um padrão… agora resta
saber o porquê disso.
Ele analisa os papéis por mais algum tempo e faz
umas contas, antes de concordar com a cabeça.
— Conseguiu descobrir alguma coisa sobre as contas
de destino? Claro que elas provavelmente são de laranjas,
mas, enfim… esse é o primeiro passo para tentarmos
rastrear os culpados.
— Estou atrás disso! Tenho uma visita marcada ao
banco amanhã — digo, soltando um suspiro e me
debruçando em cima da mesa, cansada. — Só queria que as
coisas fossem um pouquinho mais fáceis pra mim. Sei que é
pedir demais, mas desde quando eu vim para São Paulo
tudo foi tão difícil que eu mereço, sabe? Dias de glória
também...
Marcos tira uma mecha de cabelo do meu rosto,
colocando-a atrás da orelha. Nossos olhares se conectam, e
é como se ele fosse o único no mundo pra mim, fazendo
meu corpo inteiro se acender.
Cadê os beijos roubados e as piadinhas pornográficas
quando eu mais preciso me distrair?  
Seus olhos azuis tentam me dizer alguma coisa, mas
fico presa em meus próprios pensamentos, imersa demais
para tentar entender o que de fato está acontecendo.
— Você está linda hoje — ele diz e eu reviro os olhos,
abrindo um sorriso preguiçoso.
— Estou nada, seu bajulador de uma figa! — respondo
em tom de brincadeira, tentando parecer indiferente, mas
sinto minhas bochechas arderem, provavelmente
vermelhas, denunciando a minha vergonha.
Seu rosto se aproxima do meu por alguns centímetros,
e sei que seu olhar pede uma permissão velada para que eu
deixe ele se aproximar. Demoro alguns segundos em uma
briga interna.
Eu quero, e muito, mas não devo. 
Nessa indecisão, ele percebe a minha hesitação e dá
um sorriso de lábios fechados magoado, antes de beijar a
minha testa e fazer um carinho leve em minhas costas. 
— Você precisa ir pra casa descansar, Clarinha! Nada
de horas e horas depois do expediente tentando dar conta
de abraçar o mundo hoje, ok? — ele diz, se afastando um
pouco, me deixando sedenta por seus beijos e triste pela
distância.
— Tudo bem. Você também merece uma boa noite de
sono — digo, me aproximando novamente e olhando no
fundo dos seus olhos.
Nossos rostos estão tão próximos, que se eu me
mover alguns centímetros, nossas bocas estarão coladas.
Sinto que preciso mais do que nunca do seu toque, saindo
de órbita e deixando para trás todas as preocupações de
lado. Pelo menos por um segundo.
Ele percebe o que eu quero e pela primeira vez não
me dá de mão beijada. Pelo contrário, abre um sorriso
extremamente provocador antes de negar com a cabeça.
Um movimento tão sutil que poderia dizer que eu imaginei,
se não estivesse tão concentrada nele e em todo e qualquer
movimento seu.
— Eu só vou tocar em você de novo quando você
pedir — ele diz ainda mais próximo, em um roçar de lábios
tão sutil que parece que nem existiu.
— Não sei do que você está falando — digo baixo,
mas não me afasto.
— Então, você vai continuar se enganando... e eu vou
embora — ele diz firme, se afastando por completo, antes
de afastar a cadeira novamente e se levantar.
Acompanho com o cenho franzido a sua saída, e sem
dizer uma só palavra ele sai da minha sala, fechando a
porta com força. 
Sem olhar para trás.
Maldito.
 
A semana passa voando e em um segundo estamos
no fim do expediente. Apesar de todas as provocações, o
cachorro interesseiro tem estado distante, e por mais que
eu tenha pedido por isso, não consigo deixar de pensar que
ele está muito mais ocupado em conquistar a tal mulher do
que em ficar chateado comigo.
Depois daquele momento desastroso em que eu
praticamente implorei por um beijo em um momento de
fraqueza e carência e ele negou, estou ainda mais confusa. 
O que mudou? Por que ele não me agarrou como
sempre fez quando teve a oportunidade?
Ser rejeitada me deixa tão incomodada que passei a
criar desculpas para me encontrar com ele no fim de tarde
todos os dias, pedindo ajuda para coisas tão simples, que
fiquei com medo de ele me achar burra. Sua boa vontade
em me ajudar é perturbadora, e por mais que seja uma
tortura estar próxima a ele, sentindo o seu perfume, nossa
conversa tem sido profissional na maior parte do tempo. As
suas provocações, definitivamente, cessaram, e por mais
que eu tenha pedido, isso me deixa profundamente irritada.
Sim, eu não poderia ser mais contraditória.
Se eu odeio tanto suas piadinhas, por que sinto
saudade delas toda hora?
No fundo, eu sei o motivo de ele resolver parar com as
investidas descaradas em mim. Louise Figueiredo, esse é o
nome dela.
Não que eu tenha passado horas analisando o seu
currículo e todos os seus feitos no financeiro. Muito menos
observado a mulher em seu cubículo no setor aberto da sua
área pelas câmeras de segurança. Além de, é claro, não ter
seguido pelas câmeras os passos de Marcos, a fim de saber
se ele encontra a tal namorada durante o horário de
trabalho… Bom, esse ciúme ridículo tem me tirado
completamente do sério.
Eu não sou assim, essa não sou eu!
Quando Pedro estava por perto, éramos um trio,
fazíamos as coisas juntos, e por mais que ele tenha a Luíza
para nos deixar de vela às vezes, ela em si é uma
companhia incrível, então eu nunca ficava desconfortável
ou sozinha com ele. Agora, tudo nessa empresa gira em
torno dos olhos azuis tempestuosos de Marcos, e no quanto
eu quero matá-lo o tempo inteiro. Ou beijá-lo. Ou os dois.
Desenho furiosamente uma mini coleção estilo punk,
traduzindo perfeitamente o meu humor, porém, sem
coerência nenhuma com a minha marca, quando vejo uma
ligação de vídeo perdida da Luíza em meu celular.
Por falar nela… ou pensar…
Que saudade dessa amiga doidinha!  
Mesmo com um começo conturbado, me afeiçoei
àquela mulher de uma forma incrível. A atual namorada do
meu primo, e a razão dele ter escolhido sair do cargo de
CEO da Brumpel para viver o amor, é um doce de pessoa.
Apesar de um pouquinho desastrada, ela mostra todos os
dias sua força, e essa característica foi a que eu mais adorei
conhecer. Quando Pedro a contratou, eu estava passando
por uma semana caótica. Havia perdido novamente a
votação para voltar à presidência e Marcos estava me
levando ao limite do ódio.
Lembro que houve uma suposição pelos corredores de
que ela era uma suposta namorada de alguém da diretoria,
e no fundo, a contratação foi mesmo estranha e muito
suspeita. A coitada apareceu completamente arrebentada,
toda roxa na entrevista… além disso, não tinha experiência
nenhuma no cargo, na época fazia sentido os murmurinhos.
Além de, claro, entre Pedro e Marcos, obviamente todos
pensaram em Marcos na primeira opção, já que Pedro era
todo certinho e mal-humorado demais.
A surpresa foi grande quando percebemos que
estávamos todos errados, e passada essa primeira
impressão ruim, adorei conhecê-la. Eu deveria ter pensado
melhor, o cachorro nunca levaria uma mulher para o
trabalho, isso acabaria com os seus esquemas de
vadiagem… Mas que nesse dia eu fiquei louca de raiva, ah,
isso eu fiquei sim.
Como faz alguns dias que não conversamos, ligo de
volta, ansiosa para saber das novidades, e ela atende no
primeiro minuto por vídeo. Seu sorriso enorme no rosto
mostra que algo muito bom aconteceu, e antes que eu
possa cumprimentá-la, ela grita em plenos pulmões:
— Casei! — sua voz aguda me deixa tonta por alguns
segundos e ela enfia o anel extravagante em frente a
câmera para que eu veja com mais detalhes a sua aliança.
— Como assim? Sozinhos? Com que vestido? Por que
eu não fui convidada? — pergunto revoltada, mostrando um
bico enorme.
— Ah, você conhece o seu primo! — Ela revira os
olhos. — Ele me pediu em casamento em um piquenique e
do nada se levantou me arrastando para o cartório. Casei de
calça jeans, mas ele me prometeu que vamos fazer uma
festa também, de princesa, no ano que vem.
Processo a informação e fico de queixo caído por
alguns segundos.
Nem sei o que dizer. Mal reconheço meu primo
impulsivo nessa sua versão apaixonada. Fico feliz pela Luíza
e por ele, é claro, mas aquela pontinha de inveja também
me assola. Eu sei que nunca vou ter um relacionamento
como eles têm. Na realidade, nem sei se um dia vou ter
algum relacionamento que se preze. O selo de encalhada
chegou e ficou, infelizmente.
— Estou muito feliz por vocês! — digo do fundo do
coração e ela abre um sorriso emocionada.
— Bom, como pulamos etapas, Pedro quis chamar
alguns parentes próximos para uma pequena festinha em
comemoração ao noivado. Vamos apresentar os padrinhos
também… algo bem informal, na cidade natal dele. Aliás, de
vocês, né? Como não tenho muitos parentes além da minha
tia e a minha amiga Rafa, decidimos por ser no interior. O
casamento vai ser aqui em Milão, mas ainda temos muitos
detalhes para pensar.
Sou pega duplamente de surpresa, pois nunca
imaginei que Pedro seria um cara que faria questão de
chamar os parentes para o noivado. Muito menos que eu
voltaria para Piracicaba para uma comemoração dessas,
além de uma visita anual esporádica. Não somos tão ligados
aos parentes desde quando a vovó faleceu. Ela era o nosso
elo.
— Conta comigo para o que precisar, vou mandar
fazer um vestido lindo pra você — respondo e antes que ela
proteste, completo — faço questão, é o meu presente de
noivado e casamento pra vocês.
— Tudo bem, já adianto de antemão que quero a
minha madrinha perfeita, então já pode começar a pensar
em tudo! — Seu sorriso não deixa dúvidas que eu vou ser
uma das pessoas que ela vai chamar para o cargo, e eu,
além de me sentir lisonjeada, fico com um frio na barriga
em pensar qual será o meu par.
— Nossa, muito obrigada, fico feliz em saber que
vocês confiam em mim para ser madrinha desse momento
tão especial! — respondo e hesito um pouco antes de
completar — Já sabe quem será o meu par?
— Ué, o Marcos, é claro! — ela responde, como se
fosse algo tão óbvio que não poderia pensar em nenhuma
outra pessoa.
Faço uma careta involuntária e ela gargalha, feliz,
antes de soprar um beijo e se despedir com a promessa de
nos encontrarmos em pouco mais de um mês na tal festa de
noivado.
Fico olhando para a tela do celular em um misto de
ansiedade e apreensão. No último evento de casamento, eu
e Marcos fizemos coisas que não deveriam ser ditas, muito
menos feitas, completamente diferente da conduta e
postura que eu quero ter em minha vida. Não posso ser
leviana dessa forma, não posso me deixar levar pelos olhos
azuis e o tanquinho delicioso.
Na mesma medida em que a notícia me deixa
ansiosa, me deixa apreensiva. Foi em Piracicaba que ele
partiu o meu coração, e voltar para lá ao seu lado, mesmo
que seja como padrinhos do noivado do meu primo, é
doloroso. Apesar de tudo isso, engulo todas as ressalvas e
me obrigo a ficar feliz pelos dois. Não é hora de ser egoísta
e pensar em mim, muito pelo contrário, é hora de desenhar
o vestido de noivado da minha amiga e me aprontar para a
festa de despedida de um bom colaborador.
Chega de Marcos rondando os meus pensamentos, eu
preciso me concentrar em algo mais.
 
Para quem acha que diretores ganham um bom
salário e não trabalham muito, uma surpresa: vocês estão
errados. Além de todo o fluxo do setor jurídico, tive que
ajudar a Clarinha em tantos contratos e processos que
ficamos praticamente todos os dias até depois do horário,
sem descanso nenhum. Lógico que me sinto lisonjeado por
ela dividir o cargo da investigação da falcatrua comigo, mas
preciso dizer que não é fácil ficar ao lado dela sem
enlouquecer no processo.
Aquela mulher ainda vai infartar de tanto trabalhar. 
Nunca vi uma obstinação como essa, e não preciso
nem deixar claro aqui o quão sexy ela fica concentrada
tentando fazer as contas… já que matemática nunca foi
muito o seu forte. Além de tudo o que ela está enfrentando,
sem se deixar abater.
Poucos conseguiriam manter a calma e a frieza.
Apesar da sua respiração sempre ficar pesada, e de,
eventualmente, notar que ela se arrepia quando estamos
perto um do outro, não me atrevi a investir dentro da
empresa. Não depois da ameaça de me denunciar por
assédio. Logo eu que não aceito esse tipo de coisa de jeito
nenhum. Sou um homem de princípios e exatamente por
saber disso, ela alfinetou o meu ponto fraco. Eu nunca a
forçaria a fazer algo que não quisesse, muito menos dentro
da empresa.
Por isso, apesar de saber que se eu forçasse a barra
ela iria ceder, principalmente por todos os sinais e olhares
que trocamos, eu nunca vou fazer isso. Se for para ficar com
a Clara, quero que as coisas sejam do jeito certo, de
preferência com ela tomando a iniciativa, como foi no
casamento. Assim não vai restar dúvidas de que estamos na
mesma página, e que ela me quer tanto quanto eu a quero.
— Mais um, meu chapa! — Bato a minha caneca de
chopp no balcão, indicando para o bartender o meu pedido,
e ele me atende de prontidão.
Pelo menos um choppinho para me ajudar, já que
minhas bolas estão praticamente azuis. Não dá pra se
contentar com qualquer coisa depois de me afundar na
melhor boceta do mundo. O resultado é esse: desde o
casamento da Reed-Romano eu estou mais na seca do que
o deserto do Saara, e o pior de tudo: eu nem me importo
com isso. Pelo menos eu tenho um banheiro na minha sala,
e se alguém perguntar eu vou negar, mas é só ver a diaba
no corredor que eu preciso ir correndo pra ele me aliviar.
Isso acontece umas três vezes ao dia, no mínimo.
Simplesmente fico em um estado tão duro o tempo
todo, que já me acostumei.
O garçom me entrega a caneca com o líquido dourado
e saio circulando pelo bar, enquanto o pagode toca ao
fundo. É a despedida do Carlos Augusto e não teria outro
lugar para escolher se não esse barzinho próximo ao
trabalho. É literalmente a sua cara.
Eu adoro o cara! Sempre precisamos conversar dentro
da empresa e ele é uma das pessoas mais agradáveis por
ali. 
Isso só deixa claro o quão difícil vai ser pro merdinha
o Victor Borges conseguir fazer alguma coisa que preste no
setor. Sua pompa me deixa puto; é como se ele fosse
melhor que todo mundo, o que está longe de ser verdade.
Evito sempre estar na mesma roda que ele e conversar
sobre algum assunto, porque fico com vontade de quebrar o
seu nariz com o monte de asneira que sai daquela boca.
Isso sem contar em suas investidas descaradas na Clara,
que pode até não perceber, mas toda vez que ele bota os
olhos nela, parece que vai arrancar um pedaço. Não é
normal e eu não gosto de assistir. Sempre acabo arrastando
ela pra longe, apenas para conter com a minha vontade de
socar a cara do infeliz.
Olho ao redor, no bar amplo e arejado, e vejo os
funcionários da Brumpel em uma típica reunião da empresa,
todo mundo conversa, bebe e algumas mulheres até mesmo
se arriscam a dançar, mas tudo extremamente comedido.
Aquele clima de tensão no ar, um passo em falso o chefe
pode te demitir.
Agradeço aos céus por não ter esse problema, já que
a única pessoa que pode efetivamente me demitir já vai
fazer isso assim que o adendo acabar em pouco mais de
duas semanas, independente da minha conduta dentro ou
fora da empresa. O que, pensando bem, é irônico, já que ela
não está aqui e é a única pessoa por quem eu gostaria de
mandar a conduta tomar no cu e cair pra dentro.
Converso um pouco com o Carlos — que apesar de
parecer o Agostinho Carrara, é um cara muito engraçado e
gente boa — enquanto o bar vai enchendo e as pessoas vão
se soltando. Uma hora se passa em um piscar de olhos e
quando preciso esvaziar a bexiga, peço licença, percebendo
que já perdi a conta de quantos chopes tomei.
Dou de ombros, tentando andar em linha reta, e
quando saio do banheiro, encontro a tal Louise falando no
telefone próximo ao banheiro feminino com uma voz muito
aborrecida.
— Como assim ele foi pra Istambul? É sério isso?
Aquele traste preferiu ir morar do outro lado do mundo ao
invés de assumir a paternidade do filho dele? — diz
revoltada, e eu, que até tentei não escutar, fico puto e paro
ao seu lado, ouvindo a conversa inteira. — Você sabe
porque o Caio é assim, não sabe? A senhora é uma bruxa
que protegeu e passou a mão na cabeça do bebezinho a
vida inteira. Agora ele não tem responsabilidade — ela
escuta alguém falar do lado da linha e a interrompe,
gritando mais alto — Eu não quero dinheiro porra nenhuma!
Quero que meu filho tenha um pai presente, mas filho da
puta como o Caio é, nunca vai ser pai. Se ficasse também
eu teria que ser mãe de dois, e isso eu tô fora. Agora o que
eu quero saber é como ele vai conseguir se virar e limpar a
bunda em Istambul sem a mãezinha para fazer esse
trabalho. Passar bem!
— Essa sim foi uma resposta de respeito — digo, sem
pensar muito.
Eu literalmente estava a espionando, e em cinco
segundos ela notaria a minha presença de qualquer jeito,
não custa nada fazer piada para que Lou não se sinta tão
constrangida.
A garota parece que vai passar mal de tanta
vergonha, e antes que ela caia desmaiada, eu a seguro.
Parece que estou vendo um fantasma, de tão pálida que
Louise fica, e por isso me assusto, arrastando-a para uma
mesa livre. Peço uma água, e aos poucos a cor do seu rosto
vai voltando ao normal, e ela vai recobrando os sentidos.
— Meu Deus, que susto! — sua voz ainda é fraca, e eu
tento abrir um sorriso acolhedor. 
O que essa mulher mais precisa é de apoio, não de
julgamentos.
— Como eu posso te ajudar? — pergunto, sendo
objetivo. Nunca foi o meu forte ficar rodeando o assunto.
— Não preciso de nada, senhor Marcos, está tudo
bem! — ela responde olhando para os lados, ainda
envergonhada. 
— Vamos parar de formalidades, já somos
praticamente amigos. E eu tô tão puto com o que eu ouvi
desse seu namoradinho de merda que, se me autorizar, eu
vou quebrar a cara do filho da puta pessoalmente — digo e
vejo um sorriso tímido em seu rosto.
— Você é até um cara bem legal, viu? Para um homem
— ela completa baixo e eu gargalho alto.
— Para um homem?
— Ah, você sabe… homens são porcos — ela diz com
desprezo e eu confirmo com a cabeça.
— Bom, há quem chame de cachorro também — digo,
lembrando que já ouvi a Clara murmurar mais de uma vez
algo similar com cachorro interesseiro se referindo a mim.
— Com certeza, quem disse isso é uma pessoa sábia.
— Lou confirma com a cabeça e dá um gole generoso em
sua água. — Bom, agora me resta ser mãe solteira e ver os
casais felizes por aí.
— Não fala besteira, você é uma gata, lógico que vai
encontrar alguém decente nesse mundão! Se não for agora,
pode ser amigo do seu filho, imagina como eles vão ficar
loucos com a mãe coroa do coleguinha? — brinco e vejo ela
ruborizar.
— Até parece... ainda não sei se vai ser menino ou
menina — ela diz acariciando a barriga e eu abro um sorriso
involuntário. 
Cara, como eu adoro crianças.
— Posso? — pergunto já com a mão estendida e ela
confirma com a cabeça antes de eu fazer um carinho sutil.
— Bom, eu obviamente não sou pai, mas posso ser
um baita de um tiozão! O mais legal de todos, na verdade.
Quero ajudar no que for necessário, pode contar comigo.
— Nem tenho como agradecer… — ela responde
ainda sem graça e completa.
— Bom, na realidade, eu tenho uma ideia de como
você pode me ajudar — digo já pensando em como seria útil
ter uma aliada dentro do setor. Vai que Lou consegue ver
algo que nós dois não conseguimos até agora.
Ela me olha desconfiada, mas como percebe que eu
não vou falar mais nada agora, confirma com a cabeça e
muda de assunto. 
— Você não tem planos de ser pai?
— Eu até tenho, mas antes preciso conseguir
conquistar a futura mamãe… e ela é osso duro, viu?
Louise fixa o olhar no outro lado do bar, e sua
expressão fica um pouco desconfortável.
— Ah, entendi. Por acaso a futura mamãe seria a
nossa chefa? — ela pergunta à queima roupa e eu não
entendo nada, apenas confirmo com a cabeça, atordoado.
Será que o pessoal já está fofocando sobre isso por
aí? Não temos nada, como poderiam saber?
— Como… — começo a perguntar e ela responde um
pouco mais baixo. 
— Por que o olhar dela é de quem vai me matar a
qualquer momento.
— Ah, merda! — respondo, sem saber exatamente o
que fazer.
 
Entro no bar e vejo o setor inteiro do financeiro já
animado, conversando e se divertindo. Na mesma hora o
sentimento de orgulho invade o meu peito. Como é bom ver
como a Brumpel cresceu. O que começou apenas comigo e
com uma pequena ajuda da Laís se tornou uma empresa
grande, cheia de funcionários e amizades.
Abro o meu melhor sorriso cumprimentando a todos,
e, apesar de ser bem recebida, vejo a distância e o respeito
que tem comigo. Eu não sou mais uma das diretoras que
por acaso fundou a empresa e tem majoritariedade nas
ações, agora eu sou a chefe do chefe do chefe.
Isso é muito bom e muito ruim de inúmeras maneiras.
Vasculho o lugar com o olhar, procurando a única
pessoa que me interessa, e o diretor, dono da festa, me
encontra no caminho com o seu melhor sorriso, usando uma
gravata estampada que em nada combina com a sua
camisa social. Carlos Augusto tem um estilo bem peculiar
para quem trabalha em uma boutique de roupas
descoladas, mas, apesar disso, é um excelente profissional.
— Que bom que você veio, Clara! — ele exclama, me
dando um abraço rápido. — Vou sentir falta da agitação de
São Paulo, e claro, da empresa. A Brumpel se tornou minha
segunda casa.
— Ah, não fale assim! Você está indo para outra filial,
não é como se não fosse nunca mais voltar. Estaremos de
braços abertos para te receber sempre!
Embalamos então em uma conversa animada sobre o
que fazer no Rio de Janeiro, e alguns homens do setor se
aproximam, entrando na roda também. Mesmo com a
conversa animada e divertida, fico o tempo inteiro
procurando o cachorro com o olhar. Sei que não marcamos
de nos encontrar aqui, mas Victor disse que ele estava
confirmado, e se eu bem o conheço, Marcos nunca recusa
um bom chopp gelado.
Não é possível que eu usei o meu vestido branco de
“secretária sexy” todo ajustado no corpo pra nada. Eu
mereço no mínimo um segundo olhar do único homem que
me interessa. Meu ego agradece, obrigada. De nada!
Longe de mim querer encontrá-lo ou provocá-lo, mas
se, por acaso eu não estiver fazendo nada e tropeçar com
ele para dentro do banheiro de novo, foi o vestido. Ou o
álcool. Ou apenas para provar para mim mesma que ele não
me superou tão rápido depois da nossa pequena discussão
em meu escritório. Essa distância me confunde e nunca sei
dizer o que esperar. Se antes ele estava tão determinado a
me deixar louca, o que mudou em tão pouco tempo? Perdeu
o interesse em mim?
Bom, não que eu tenha que me preocupar com isso, já
que ele não está em lugar algum no meu campo de visão.
Começo então a procurar a menina das flores e
percebo que ela também não está por aqui e me sinto
gelada. Será que eles estão juntos no banheiro? Não que eu
ligue para algo do tipo, porém, cabe a mim contar a ela
tudo o que pode acontecer se ela resolver se entregar para
o cachorro. É uma questão de princípios, no fim, cabe a ela
decidir se quer continuar nessa barca furada ou não.
Um aviso e nada mais.
Quase gargalho sozinha com os meus pensamentos.
Quem eu quero enganar? É claro que eu ligo. Muito
mais do que isso, eu acho que poderia ter um treco agora
mesmo se entrasse no banheiro e escutasse o gemido rouco
dele. Ou um suspiro mais pesado de quem acabou de gozar
com aqueles dedos maravilhosos.
Acho que estou virando masoquista, porque ficar
pensando nisso é uma completa tortura para uma mente
ansiosa. Ficar revivendo essa insanidade em minha cabeça
quase me dá uma crise de ansiedade e viro o meu copo de
caipirinha apenas para ter uma desculpa e sair daqui.
Eu preciso ir ao banheiro para conferir essa situação,
só para cessar um pouco o aperto em meu peito.
Aproveito a primeira deixa, e apesar dos protestos de
um inconveniente e extremamente odioso Victor, que tenta
me prender em seus braços em meio a piadinhas machistas
e investidas sem sentido, saio andando com a desculpa de
ir ao banheiro. Olho para todos os cantinhos no caminho,
em busca de um flagra que eu não quero dar.
Entro no banheiro feminino e inspeciono cabine por
cabine, encontrando todas vazias. Graças a Deus!
Relaxo um pouco e me olho no espelho, tentando
entender quando eu me tornei essa mulher completamente
louca, procurando casais alheios dentro das cabines de
banheiro de um bar qualquer. Quem deveria estar
arrastando um gostoso para dentro de uma dessas no sigilo
deveria ser eu.
Os meus olhos esverdeados estão arregalados e a
expressão assustada reflete bem o que se passa em meu
coração. Posso até tentar me enganar, mas as coisas não
são tão fáceis assim. Fato é, eu não estou sabendo lidar
com os sentimentos que Marcos desperta em mim, e isso
me assusta em muitos níveis.
Ele é a única pessoa que tem o poder de me quebrar
completamente de novo, e mesmo assim, eu não consigo
me desligar dele e do fato de que perco o meu juízo com
aquela boca tão perto da minha a porra do tempo inteiro.
Resolvo parar com essa loucura de inspeção e tomar
um shot antes de ir para casa.
Chega de tortura para mim! Uma comédia romântica
é muito mais segura nesse momento. Acompanhada do meu
vibrador, então? Sucesso total! 
É nesse momento que todas as minhas convicções e o
meu emocional vão por água abaixo.
No caminho do bar, em uma mesa distante, vejo
Marcos e a menina das flores conversarem intimamente.
Apesar de se manterem um pouco afastados, vejo no olhar
da mulher como ela está encantada e apaixonada.
Exatamente o mesmo olhar que eu recrimino quando
encontro em meu rosto.
Ele está de costas pra mim, mas seus ombros estão
relaxados e ele parece rir de alguma coisa. Até esse
momento eu poderia ter me iludido achando que os dois
estavam conversando como amigos… ou qualquer merda
que eu poderia dizer para justificar essa cena e dormir à
noite. Não é como se ele não pudesse dar flores e conversar
com uma amiga em um cantinho de um bar lotado.
Porém, eu não estava preparada para o que viria a
seguir. 
Como se estivéssemos em câmera lenta, vejo a mão
dele acariciar a barriga ainda plana dela, e ambos trocarem
um sorriso cúmplice que eu e ele nunca trocamos, por
exemplo.
Eles conversam sobre alguma coisa, imersos um no
outro, provavelmente fazendo juras de amor eterno ou
qualquer merda do tipo, e então ela me flagra espiando os
dois. Fico completamente sem ação, ainda presa na cena
que acabei de presenciar. Antes que eu possa fingir que não
vi nada ou sair correndo e me dispersar entre a multidão,
sei que fui pega espiando. Não dá para fugir nesse
momento, ela sabe que eu sei e acabou de contar pra ele
que estou aqui.
Marcos então vira para trás e olha pra mim com uma
expressão assustada e chocada, como se eu não pudesse
ter invadido o momento, ou pior, como se tivesse
descoberto o maior segredo de todos. O que, no caso, eu
realmente descobri.
É por isso que ele estava tentando com tanto afinco
permanecer na empresa. Marcos vai ser pai e não quer
perder o emprego para sustentar o seu filho.
O pior de tudo não é nem isso. O pior de tudo é
perceber que se ele vai ser pai, eles já estão juntos há mais
tempo. Isso me torna uma amante destruidora de lares.
Eu sou amante do Marcos.
 
Agradeci muito quando consegui sair do bar antes de
o Marcos me alcançar. Mais ainda quando entrei dentro do
táxi e ele deu partida correndo.
Pensando bem agora, fugir foi a parte fácil, o difícil é
aceitar tudo o que está acontecendo na minha vida.
As milhares de ligações e mensagens do tipo "não é o
que você está pensando" e "precisamos conversar" não me
deixaram nem um pouco mais tranquila. Pelo contrário, se
ele quer tanto se justificar, isso quer dizer que o cachorro
sabe que tem culpa no cartório. De qualquer forma, precisei
responder e fingir que nada estava acontecendo, apenas
para ver se ele largava um pouco o osso e me deixava em
paz.
 
Clara: Marcos, não precisa me dar nenhuma
explicação, o que você precisa fazer é o seu trabalho
direito. Afinal de contas, não temos compromisso nenhum e
Louise parece ser uma pessoa legal. Bom fim de semana .

 
Se Marcos acreditou ou não nessa indiferença, não sei
dizer, mas as mensagens pararam. E foi nesse momento
que eu chorei de soluçar e senti meu coração quase parar
em meu peito. É errado querer que ele me escolha de
inúmeras maneiras, mas pior de tudo é saber que se isso
acontecesse, não estaria preparada para abrir o meu
coração e deixá-lo entrar. Não com todo esse histórico, e
muito menos nessa situação.
Me amaldiçoo por ser um serzinho tão curioso. Se eu
não estivesse tão focada em saber o que acontecia entre os
dois, poderia ter me tornado ignorante por um tempo maior
e assim não estaria sofrendo como uma condenada agora.
Mas, pensando bem, um filho é um filho, e quanto mais o
tempo passa, mais a barriga, e depois a criança, cresce. Se
eu tivesse me envolvido um pouquinho mais com o
cachorro, as coisas poderiam ser mais difíceis ainda.
No fim, a maior certeza do mundo é: eu sempre soube
que ele não prestava, e cabe apenas a mim entender que
ele não me enganou em momento nenhum… eu é que me
deixei levar levianamente por um sentimento que nunca se
curou em meu peito. 
Quando nos envolvemos quatorze anos atrás, eu era
uma menina e meninas são idiotas. O sentimento é volátil,
tudo é muito intenso e a responsabilidade emocional que
ele deveria ter tido comigo, por ser mais velho e o meu
primeiro amor, era um pouco maior do que hoje. Ele foi
responsável por ir embora e nem sequer me dar tchau.
Hoje em dia fui eu quem me deixei levar. Eu, como
mulher e bem decidida, aceitei aquela trégua maldita. Pior
do que isso, avancei em cima dele inúmeras vezes, sem
pensar no que poderia acontecer com o meu coração
calejado depois de encostar a minha boca na dele, seu
corpo no meu. Sem pensar em mais nada além do agora…
esquecendo que desde sempre eu sabia que ele estava
apaixonado por outra pessoa. Afinal de contas, ele deixou
bem claro para o Pedro naquela conversa.
Amar Marcos é uma doença.
Eu só preciso aceitar que as coisas são assim e seguir
a minha vida como se não tivesse acontecido nada. Bom,
pelo menos é isso que eu tenho me falado a cada segundo
dos últimos quatro dias.
O final de semana não foi o suficiente para que eu
colocasse a cabeça no lugar, por isso, resolvi me dar uma
folga merecida e trabalhar de home office. Pelo menos em
casa posso beber o meu vinho, chorar quando me der
vontade e, principalmente, não cruzar no corredor com o
inominável por um tempo. Pelo menos até a dor maior
passar.
Afinal de contas, ela não pode durar para sempre.
 

 
Três e quarenta e cinco da tarde de uma quarta-feira. 
Esse é o auge da minha semana. O delivery do
mercado chega com tudo o que uma garota pode precisar.
Vinho tinto, sorvete de flocos, batata frita, pizza congelada
e uma caixa de bombons de chocolate. Bombons esses que
eu já devorei pouco menos da metade em cinco minutos.
Meu pijama flanelado só mostra a decadência em
pessoa que estou no momento, e o celular que uso o tempo
inteiro normalmente, agora está bem escondido debaixo de
alguma almofada no sofá. Não preciso ver as milhares de
ligações e mensagens do Marcos tentando puxar algum
assunto para saber se eu estou bem… muito menos minha
melhor amiga Laís, que soube pela fofoqueira da Fátima,
minha secretária, que estou em casa e já me ligou milhares
de vezes para checar como estou, querendo saber o que
aconteceu. Tudo realmente profissional é tratado por e-mail,
e só esses que eu tenho respondido nos últimos dias. Me
apego a esse fato para poder ignorar todas as pessoas do
mundo em paz, sem ficar imaginando que a empresa vai
falir a qualquer momento por uma falha na minha gestão.
Por que ninguém acredita que eu quero só tirar uns
dois dias de folga?
Minha fama de workaholic é tão terrível assim?
Seria muito mais fácil se as pessoas acreditassem
nisso com mais facilidade, assim eu poderia ficar em casa
chorando em paz, economizando minhas desculpas. Sei
que, apesar disso, não posso deixar tudo largado às traças.
Preciso resolver a situação na empresa e preciso achar o
culpado antes da próxima reunião trimestral com o
conselho. Sorte a minha que descobri tudo muito rápido,
porque mesmo com esse tempo ainda não encontrei nada
que me leve a um culpado. Isso é só mais um ponto que
tem me deixado com tanta dor de cabeça que me sinto
prestes a explodir.
A campainha toca e eu cogito fingir que não estou em
casa, mas pode muito bem ser o entregador das milhares
de compras online que fiz. Fazer o quê, se uma mulher na
fossa tem as suas prioridades? Rodei o site de todas as lojas
que gosto procurando achadinhos e promoções dos mais
diversos produtos… skincare , roupas, sapatos, produtos de
cabelo, perfumes, esmaltes, bolsas. Enfim, já deu pra
imaginar que o rombo no meu cartão de crédito foi grande.
Por isso, saio me arrastando do sofá até a porta e abro sem
cerimônia, já pensando qual dos presentes que eu mesma
me dei vou ganhar hoje.
Abro a porta e encontro uma mulher alta,
extremamente bem vestida, com os braços cruzados e o
salto batendo irritantemente no chão. Nem disfarço a minha
cara de choro quando a vejo e já armo o bico, pensando em
como vou me defender.
Se a Laís parou no meio da tarde de uma quarta-feira
para vir até a minha casa, para provavelmente armar uma
intervenção, devo estar na fossa mesmo.
Minha melhor amiga me olha de cima a baixo, torce o
nariz e limpa o chocolate do meu queixo antes de me
perguntar em um tom de interrogatório:
— Que merda aconteceu com você?
— Eu… ele… — Começo a chorar descontroladamente
de novo, e ela me abraça, fazendo um carinho em minhas
costas.
— Vem, vamos conversar… você precisa de colo —
Laís diz, acariciando meus cabelos e fechando a porta com
o pé atrás de si.
Após uma inspeção nada discreta na minha casa
bagunçada, nós nos sentamos no sofá e ela espera
pacientemente até que eu consiga controlar um pouco o
choro e a voz, mesmo que embargada, saia.
— Eu transei com Marcos — solto na lata e ela me
olha como se já soubesse, me deixando confusa.
— Você não foi discreta no casamento da Lia, amiga.
Todo mundo que estava lá sabe disso… — ela comenta e só
confirmo com a cabeça, tentando absorver a informação.
Nem me dou ao trabalho de tentar parecer surpresa
ou envergonhada. Não tenho energia para isso.
— Por que você não falou nada? — pergunto,
franzindo a testa.
— Bom, porque eu estava esperando você se sentir
confortável para me falar. Se tem uma coisa que aprendi em
todos esses anos foi que não posso te acuar, porque você
dá sempre um jeitinho de fugir — ela diz e acaricia o meu
ombro. — Mas, sempre vou estar por você, da mesma forma
que você esteve por mim. Não preciso nem dizer o quanto
sou grata por tudo o que você fez em minha vida, Clara.
Nunca forçaria você a me contar sobre algo que te deixe
desconfortável.
Assimilo as suas palavras e me lembro de todos esses
anos que ela foi muito mais do que a minha amiga, foi
minha irmã também. É claro que a Laís iria ser a única
pessoa a saber como lidar comigo, a única que me entende
de verdade.
— Bom... foi mágico de verdade. Mas, acho que deve
ser igual como qualquer droga… se elas não fossem boas,
ninguém seria dependente químico. Marcos é incrível, e
quando estamos juntos, a minha pele na dele… parece que
eu estou literalmente embriagada. E, assim como a pior
droga do mundo, ele é nocivo para a minha saúde.
Cruzo os braços e ela apenas concorda com a cabeça,
esperando que eu continue a falar.
— Quando voltamos para o Brasil, deixei claro que não
iríamos nos envolver mais do que aquilo. Um lance de um
final de semana em um acordo de trégua e nada mais —
respiro fundo e tampo o meu rosto com as mãos, sem
querer admitir, tanto para ela, quanto para mim, a maior
verdade de todas: —, mas eu senti falta dele a cada
segundo. Mais do que isso, era como se eu fosse obrigada a
estar ao seu lado, mesmo sem tocá-lo… conversando
assuntos extremamente profissionais… aquele rombo na
empresa, que eu ainda estou longe de descobrir. Uma
dependência louca que eu não estava pronta para aceitar!
Na verdade, ainda não estou.
— Eu entendo amiga… e não te julgo — ela diz e faz
uma de suas tradicionais piadinhas para quebrar o clima e
deixar a conversa mais leve — Quem em sã consciência
ficaria perto de uma bolsa da Chanel e resistiria pelo menos
ao toque? Eu, com certeza levaria para casa. O Marcos é a
mesma coisa, apesar de ser um safado. Aquele carisma
conquista qualquer uma.
Solto uma risada ainda sem graça e engulo em seco
quando lembro da pior parte, aquela que me destruiu em
um milhão de pedaços.
— Bom, sexta-feira fomos em um bar… estava rolando
uma despedida do diretor de setor do financeiro — digo com
a voz em um sussurro —, Marcos estava com a mulher que
ele quer conquistar. Aquela, da conversa que eu escutei...
— Isso não faz sentido, amiga! — ela diz, tentando ser
paciente, mas percebo que seu ódio de irmã mais velha e
protetora já passou na frente dos bois. — Como você sabe
que é ela e não uma piranha qualquer que ele pegou
durante um momento de fraqueza?
Está estampado na sua cara o quanto ela também
recrimina essa atitude e me preparo psicologicamente para
contar o grã finale que eu ainda não lhe disse.
— Bom, eu sei porque já vi os dois juntos antes na
empresa… — engulo em seco e respiro fundo antes de jogar
a bomba — Ele vai ser pai, Laís! — digo em um sussurro,
afundando meu rosto em seu peito, chorando tudo de novo
como se fosse a primeira vez.
Escuto ela soltar um palavrão alto, mas me abraça
ainda mais forte e me permite sofrer tudo o que eu preciso
naquele momento. Afinal de contas, isso é a única coisa que
me restou. Sofrimento, tristeza, pesar e a certeza de que fui
enganada mais uma vez pela única pessoa que eu um dia
resolvi amar. 
Ficamos nessa posição por tanto tempo que cochilei,
cansada de tanto chorar, e quando acordei, encontrei a casa
arrumada, as compras guardadas e um filme de ação na
televisão. Laís, com seus dois empregos, marido, filha, duas
irmãs mais novas para ficar de olho aqui em São Paulo e
toda a loucura de gerenciar o seu tempo resolveu ficar e me
ajudar no apoio moral. Cara, como eu amo essa mulher!
— Obrigada por ficar — digo ainda sonolenta e
encontro o seu melhor sorriso no rosto. 
— É o mínimo, Clara… amigas são pra isso — ela diz,
e me entrega um pote cheio de sorvete. — Agora, vamos
para o mais importante, o que você vai fazer a respeito
disso?
Encho a minha boca com uma colherada generosa e
começo a pensar no assunto, sem saber exatamente o que
fazer.
— Bom, o adendo está acabando de qualquer forma…
depois disso, eu ainda não sei! — digo, dando de ombros.
— Você vai ter coragem de jogá-lo na rua, com um
filho para sustentar, mesmo que seja a base de pensão? —
ela questiona e eu realmente paro para pensar como seria
isso. 
Eu não conseguiria dormir à noite sabendo que por
minha causa alguém está passando dificuldade, ainda mais
o filho de alguém que eu, querendo ou não, me importo
muito.
Uma criança é pra vida inteira e mesmo não tendo
filhos, sei o quão caro são as coisas… principalmente
porque minha afilhada é a luz dos meus olhos e ajudei Laís
a comprar tudo relacionado a Lulu.
— Não posso jogá-lo na rua, mesmo sabendo que ele
provavelmente ficaria pouco tempo desempregado. Marcos
é bom no que faz e não tenho nenhuma razão além do meu
coração partido para demiti-lo… — me conformo com essa
afirmação e solto um suspiro alto. — Ele vai ter que ficar e
eu vou precisar aprender a lidar com essa situação o mais
rápido possível para que não atrapalhe o meu trabalho. Isso
é pra sempre, nada vai mudar.
Vejo que ela aprova a minha decisão e me dá um
abraço apertado, confirmando com a cabeça.
— Estou aqui pra segurar sua mão sempre que
precisar, amiga, você sabe disso — ela diz, e eu abro um
pequeno sorriso, confirmando com a cabeça. — Agora tire o
resto da semana de folga e, no fim de semana, teremos
uma festa do pijama. Você está precisando de um pouco da
família Castro para se animar, o trabalho não vai fugir e
nenhuma bomba vai explodir naquele prédio.
— Eu já prevejo uma bagunça sem fim! — digo, mas
abro um sorriso enorme. — Estou com saudade de uma
dose cavalar das meninas com L.
— Elas estão impossíveis… você foi recentemente
naquele apartamento? Virou uma zona de guerra misturada
com açúcar! — Laís começa então a contar um pouco mais
sobre como a vida das suas irmãs mais novas, Loara e Luna,
tem estado caótica.
Aparentemente, o ciúme da irmã mais velha se tornou
algo ainda maior com a sobrinha. Agora, as duas além de
brigarem por tudo, também brigam pela Luísa, filha da
minha amiga. Apesar de serem completamente opostas, as
irmãs são engraçadas e muito divertidas. Já passamos
ótimos momentos juntas, depois do estranhamento inicial, e
posso dizer que eu as amo como se fossem minhas irmãs
mais novas também.
— Combinado então, vocês vêm sábado para cá e
vamos tentar esquecer desse embuste! Até porque, preciso
vencer um noivado na minha cidade natal ao lado dele.
— Tenho certeza que você vai conseguir!
 

 
— A Clara já chegou? — pergunto para Fátima sem
sequer lhe dar um bom dia, muito diferente da educação
que sempre tive com todos na empresa.
Me policio para ter mais educação, mas é difícil com
essa ansiedade batendo em minha porta o tempo inteiro.
Além disso, Fátima tem estado estranha, e por mais que
Clara ache que é um simples rolo dentro da empresa, não
estou muito convencido disso.  
Depois daquela mensagem ridícula, a coisinha
irritante, pequena e loira, dona de todos os meus
pensamentos, nunca mais falou nada ou apareceu na
empresa. Há exatos seis dias. Imaginei que ela, com
absoluta certeza, não iria acreditar em mim por mensagens,
então já estava preparado para me ajoelhar aos seus pés e
implorar que a criatura pelo menos me escutasse na
segunda-feira… Mas isso não aconteceu, porque ela não
deu as caras por aqui.
Hoje, quinta-feira, meu humor está milhares de vezes
pior do que segunda, minha barba por fazer denuncia que
estou apenas existindo, e não por vontade própria. Ela, pela
sua expressão, se compadece, mas apenas balança a
cabeça em negativa.
— A senhorita Clara avisou que só volta segunda. Está
passando por um processo criativo e prefere ficar em casa
— diz, mas tenho certeza de que nem ela acredita nessa
mentira. 
Afinal, pra quê ela contratou a menina de cabelo azul,
Diana, para assumir a parte criativa dos desenhos se vai
abraçar tudo para si?
— Vou estar na minha sala, só me contate se for de
extrema necessidade, ok? — digo e já vou abrindo a porta,
não antes de Fátima se levantar e vir ao meu encalço.
— Senhor Marcos, tem uma pessoa te esperando
desde cedo na sua sala. Senhora Castro-Albuquerque
insistiu muito, não tive como negar — ela diz e eu franzo a
testa.
Se a Laís está me esperando, tudo é muito pior do que
eu imaginava.
— Tudo bem, não tem problema Fátima, vou ver o que
ela precisa — digo e respiro fundo antes de entrar.
Se a mulher está tão furiosa a ponto de mandar a
melhor amiga vir falar comigo, eu tô literalmente fodido.
Laís Castro-Albuquerque, que prefere usar apenas o
nome de solteira, está vasculhando meu escritório e nem se
abala ao me ver entrando e a pegando no flagra. Se esse
não fosse o jeito dela e eu não estivesse acostumado a
conviver com a sua maluquice, ficaria mais puto do que eu
estou agora. Assim que percebe minha aproximação, coloca
a mão na cintura e me fulmina com o olhar, como se quem
estivesse fazendo algo errado e ilegal fosse eu.
— Cadê o DNA? Ultrassom? Exames periódicos da
safada? — ela simplesmente solta essa frase, quebrando os
protocolos de cumprimento.
— Eu estou um pouco perdido aqui… do que se trata?
— pergunto, largando a minha pasta no sofá e olhando pra
ela perdido. 
— Não me venha com essa cara de cachorro sem
dono, que não sabe a merda que aprontou. Você sabe muito
bem do que eu estou falando, papai — ela cospe com tanto
desprezo a última palavra que cogito a ideia de realmente
ser pai, mas a última pessoa com quem eu transei foi a
Clara, e ela com certeza não se referiria a amiga como
safada, então dou de ombros e prefiro não falar nada que
me comprometa.
— Não entendi.
— Vou refrescar a sua memória, porque deve ter tanto
bastardo seu espalhado pelo mundo que não está se
recordando a qual estou me referindo — ela diz, irada,
dando alguns passos em minha direção. — Mocinha do
financeiro, grávida, seu filho, bar na sexta-feira. Recordou?
Caralho.
Puta que pariu.  
Clara acredita mesmo que eu sou pai do bebê da
mulher que vi umas três vezes na vida. Pior de tudo, se
importa tanto que a Laís está aqui querendo recuperar um
pouco da honra dela, com certeza sem ela ter ciência disso.
Começo a gargalhar.
Fico completamente sem reação e me dá uma crise de
riso tão forte que logo estou me dobrando de rir e caindo no
sofá. Laís me olha julgadora, mas todas as vezes que tento
me recuperar para respondê-la de alguma forma, volto a rir
descontroladamente.
O riso, então, se transforma em lágrimas.
Logo eu, um homem tão grande, com a minha boa
fama de ser engraçado, e pior, sem nenhum pingo de álcool
no sangue, estou chorando de soluçar largado no tapete
sujo do meu escritório. Tem como ser mais patético?
Chorando por uma suposição mal feita que pode foder ainda
mais a minha vida.
— Eu sou um merda mesmo! — consigo dizer em meio
às lágrimas e Laís se aproxima um pouco mais, tentando
entender que diabos está acontecendo comigo. 
Provavelmente, o que ela menos esperava era
encontrar um cara com 1,90m de altura chorando
descontroladamente por uma boceta. Se um dia eu tirei
sarro e ri do Pedro, sei que estou pagando com juros e
correção monetária os meus pecados agora. O cara pelo
menos estava bêbado.
— Eu não vou ser pai — digo depois de algum tempo e
Laís parece se compadecer um pouco.
— Não? Mas por que está chorando tão desesperado
assim então?
— Por que não sei mais o que fazer para conquistar a
Clara! Pra ela me perdoar pelo moleque que fui aos
dezenove anos. Para tirá-la da minha cabeça. Ou para parar
de ter ereções toda vez que a vejo no corredor — digo sem
filtro e noto que ela fica um pouco constrangida, mas
confirma com a cabeça, mostrando que entendeu.
— Se você não é o pai, quem é? — ela pergunta
insistindo no assunto e eu resmungo alto antes de
respondê-la. 
— Dá para parar de focar nesse pirralho e me ajudar
com os meus problemas? — falo, mas ela franze a testa e
eu solto um longo suspiro antes de começar a contar toda a
história. — Bom, a Louise é nova na empresa e eu me
encontrei com ela na portaria uma vez, quando fui pegar
um buquê que eu tinha comprado para a Clara pouco antes
de ela falar que iria me processar por assédio . — Laís
levanta as sobrancelhas, surpresa, mas não diz nada e me
instrui a continuar — Enfim, percebi que ela estava grávida
e em vez de jogar as flores no lixo, dei pra ela. Só isso, nada
de mais.
— Só isso nada né, Marcos? Você estava em um
cantinho escondido do bar, fazendo carinho na barriga de
uma mulher e ambos sorrindo apaixonados. Pelo menos foi
o que a Clara me contou.
— Sorrindo apaixonados? Realmente, as pessoas só
enxergam o que querem! — solto uma risada sarcástica e
continuo — Bom, ela estava brigando com a ex-sogra
porque o pai do bebê se mandou para Istambul. A menina
acabou passando mal e eu a ajudei, e ainda, para mostrar
como os babacas bonzinhos só se ferram, ofereci minha
ajuda a ela e a Clara acabou vendo esse momento. 
— Foi só isso? — Laís pergunta, querendo deixar tudo
transparente e eu limpo meu rosto na manga da minha
camisa social.
— Foi, porra, eu não mentiria para você.
— Então, meu amigo, você está muito ferrado mesmo!
Vai precisar de muito mais do que mensagens e flores para
recuperar a confiança e conseguir fazer com que ela se abra
novamente para a possibilidade de te namorar.
Olho para ela, assimilando tudo o que disse e
confirmo com a cabeça.
— Peraí. Ela já cogitou isso? Então ainda tenho
alguma chance? — pergunto, apenas para confirmar se
entendi direito.
— Óbvio. E eu vou te ajudar! — Laís diz, abrindo um
sorriso grande e dando dois tapinhas nas minhas costas,
com a postura satisfeita de quem acabou de dar um check
em uma das suas tarefas matinais.
Se ainda há esperança, eu é que não vou ser bobo de
não agarrá-la.
 
 
— Está decidido, vamos assistir Meninas Malvadas,
comer pipoca e pizza de milho e bacon, com brigadeiro de
sobremesa — Loara diz, abrindo um sorriso enorme no
rosto, antes de cruzar o batente da minha casa.
Olho disfarçadamente para Laís, que dá de ombros,
me abraçando antes de entrar.
— Você só pode ter bebido — Luna revira os olhos e
eu contenho uma risadinha. — Vamos ver Jogos Vorazes,
com biscoito recheado e hambúrguer do McDonald's, com
sorvete de sobremesa — ela diz, me abraçando apertado
antes de eu fechar a porta.
— Nossa, vocês são péssimas em se decidir, pelo
amor de Deus! — Laís diz, se jogando no sofá e pegando o
controle da televisão. — Vamos assistir Harry Potter, comer
pipoca e hambúrguer do McDonald’s, com torta de limão
que eu encomendei. Pronto!
— Assim não tem nem graça… — digo, entrando na
onda. — Pelo menos a bebida eu escolho.
Abro a geladeira e encontro a garrafa de vinho pela
metade e bebo uma golada do próprio gargalo, fazendo as
três irmãs torcerem o nariz ao olharem pra mim.
Loara, Luna e eu moramos juntas por um tempo,
depois que a Laís se casou e elas vieram do interior de
Minas Gerais estudar. O que antes era uma relação baseada
em um ciúme descabido, se tornou uma amizade incrível.
Amo tanto essas três que só de tê-las aqui meu coração já
fica menos apertado. 
O jeitinho empreendedor e desprendido de Loara me
ajudou em muitas partes da minha vida… algumas ideias
incríveis de crescimento para a Brumpel vieram dela, por
livre e espontânea vontade de me ajudar. Inclusive, posso
dizer que foi assistindo seu jeito de ser que comecei a ter
coragem e ousar a fazer algumas coisas que antes eu nunca
nem tinha pensado, como me envolver com estranhos, por
exemplo. Ela é a mulher mais desprendida que eu já conheci
em toda a minha vida. Sempre usando as suas roupas
diferentes e muitas vezes curtas ou decotadas demais, não
dando a mínima para o que falam. Sua confiança sempre foi
invejável.
Luna é o completo oposto da irmã e por isso não me
admira discordarem em absolutamente tudo. Seu jeito
romântico e até mesmo iludido de ser, vendo apenas o lado
bom de tudo, me deixa completamente em choque. Eu, que
não me considero uma pessoa pessimista, viro Hardy ao seu
lado com o seu tradicional “Oh céus! Oh vida! Oh azar!” Ter
sua aura de bondade no ambiente torna tudo muito mais
leve, e seu sorriso enorme no rosto me passa a certeza de
que tudo vai melhorar, mesmo sem dizer nada, e isso é
bom, porque acalma o meu coração e dá esperança de dias
melhores. 
— Vem pro sofá, Clarinha, logo tudo fica bem!
Enquanto isso, estamos aqui por você — Luna diz e até
mesmo Loara concorda com ela, confirmando com a cabeça.
— Isso mesmo, amiga! Larga esse vinho porque você
tem algo muito melhor para amenizar a dor — Laís diz com
um sorriso enigmático e Loara tira um doce caseiro da
bolsa, balançando em minha direção.
— O novo sabor da Luna de Açúcar — Luna diz,
parecendo que vai desmaiar de tanta emoção.
Como resistir aos seus doces caseiros? Impossível!
— Você e seus doces perfeitos… — digo recriminando,
mas já abrindo uma gaveta da cozinha para pegar as
colheres para comermos. Volto para o sofá com a garrafa de
vinho à tiracolo e pergunto — Esse é de quê?
— Goiabada trufada com castanha de caju… não sei
se está bom, ainda estamos fazendo testes e… — Luna diz
envergonhada e Loara dá uma cotovelada na sua costela.
— Está incrível! O teste é só pra saber a consistência
da goiabada, mas o sabor é divino! — a irmã mais velha diz
e enfia uma colherada considerável na boca. — Assim que
essa pirralha pegar o diploma, vamos investir mais na
empresa. Pelo menos o social media já está começando a
fazer bem feito... Inclusive, depois vamos conversar, porque
queremos você como investidora…
— Loara! — Laís recrimina e eu caio na gargalhada. —
Clarinha, ignora essa mercenária porque isso é papo para
outra hora. Agora, vamos assistir seu filme preferido, fazer
as unhas e fofocar comendo doce da Luna de Açúcar!
Me aconchego em um abraço triplo e juntas
colocamos Harry Potter para passar na televisão enquanto
fofocamos sobre as novidades do dia a dia. Se Laís colocou
as irmãs a par de tudo o que aconteceu, eu não sei, mas
elas não fazem perguntas, e eu gosto ainda mais delas por
isso. Mesmo mais novas, as duas são inteligentes, animadas
e espirituosas, e isso faz com que eu me sinta acolhida e
pela primeira vez na semana, feliz. 
Amizades assim não tem preço. 
Horas e vinhos depois, estamos cantando em um
karaokê improvisado as melhores músicas do anos 2000
quando sinto meu estômago embrulhar e vou correndo para
o banheiro colocar tudo pra fora. Apenas Laís percebe meu
delito e depois de algum tempo vem até o banheiro me
oferecendo uma toalha para limpar a minha boca.
— Tá tudo bem? — ela pergunta preocupada e eu
assinto com a cabeça, limpando uma lágrima teimosa que
escapa sem querer.
— Só comi e bebi porcaria nesses últimos dias, meu
corpo tá pedindo arrego. Não corri, nem conversei com a
dona Judite… me ferrei inteira essa semana, cruz credo! —
digo indo até a pia e pegando a minha pasta de dente.
Laís pensa um pouco antes de me falar algo, e se eu
não conhecesse tão bem a minha melhor amiga, poderia
até passar batido, mas eu sei que ela está escondendo
alguma coisa.
— Vai, desembucha — digo sem meias palavras. Ela
sai do banheiro torcendo as mãos no colo e entrando no
meu closet para se esconder de um possível confronto.
— Não é nada… é que achei essa história muito mal
contada… e eu acho que você deveria dar uma chance e
conversar com ele — ela diz tudo rápido e eu levanto uma
sobrancelha desconfiada.
— Você está mesmo defendendo aquele cachorro
interesseiro, Laís? Que tipo de amiga você é? — Fico puta
com a sua fala, mas ela não se abala nem um pouco e se
senta na cama esperando que eu me sente ao seu lado.
— A amiga que quer te ver feliz, não apenas ver você
ter razão. Às vezes, a verdade é tão diferente do que
estamos treinados a enxergar, que coisas importantes
passam batido — antes que eu possa protestar, ela segura a
minha mão com mais força e continua a falar — Não estou
defendendo o Marcos, muito menos estou contra você,
Clarinha! Eu apenas quero te ver feliz e sei que,
independentemente de como for, vai ser bom pra você ter
esse desfecho. Inclusive, digo mais, acho que você precisa
dele para seguir em frente. Está há quatorze anos presa a
uma pessoa por falta de um encerramento. Espero que você
seja corajosa o suficiente para fazer isso por você. Vai que
você se surpreende com a verdade e resolve dar uma
chance para o amor?
— Não existe essa possibilidade — corto sua conversa
de iludida, mas fico com a pulguinha atrás da orelha.
Será que é possível eu estar tão errada assim em meu
julgamento e não ser nada como estou pensando?
 
Mais uma segunda chega e com ela a depressão. 
Sim, estou parafraseando a ícone acessível Kelly Key,
mas depois de correr e não encontrar a dona Judite para
desabafar, precisei vir para empresa encarar a vida real.
Eu lutei para estar aqui, tenho tudo o que sempre
almejei na vida e não posso estagnar em uma fossa sem
fim. Tenho muito trabalho para colocar em ordem e uma
investigação para continuar. Uma semana chorando por um
casinho que eu nunca soube dizer exatamente em que pé
estava na minha vida não pode ser normal. Já era para ter
passado e seguido em frente. Por isso, e só por isso, quando
entro na Brumpel, resolvo deixar tudo para trás e seguir em
frente, fingindo estar perfeitamente bem.
Quem sabe, fingindo muito, as coisas realmente não
começam a acontecer?
Para chegar chegando e colocar todo o meu astral e
autoestima para o alto, resolvo investir em um vestido
vermelho-sangue midi, com um bustiê bem acinturado e um
scarpin nude. Se não for para causar, eu nem vou.
Sei que existem murmurinhos de que eu estava na
pior, e como ninguém realmente precisa saber disso,
resolvo mostrar no externo a minha melhor versão.
Tenho uma ocasião específica? Não.
Quero me vestir bem? Sim.
Esse é o espírito.
Fátima abre um sorriso ao me ver e se levanta vindo
em minha direção já com a agenda em mãos.
— Bom retorno, senhorita Clara. Você gostaria de
passar sua agenda agora ou tem algum outro plano? — ela
pergunta e antes que eu possa responder, escutamos uma
movimentação estranha.
Marcos abre a sua porta esbaforido e quando bate o
olho em mim, vejo milhares de emoções em seu olhar.
— Você voltou! — ele acusa, e não entendo ao certo
se ele está feliz ou chateado.
— Bom, como a empresa é minha… eu obviamente
teria que voltar em algum momento — alfineto, mas respiro
fundo, lembrando do pacto que eu fiz comigo mesma. —
Fátima, eu vou conversar com o senhor Bessa em minha
sala por alguns minutos e depois passamos a agenda, ok? —
digo para a minha secretária e olho para ele, que se
apruma, levantando o queixo antes de me seguir, sem que
eu precise dizer mais nada.
Assim que fecho a porta me viro em sua direção, lhe
dando uma segunda olhada.
Ele está péssimo.
Não que um dia Marcos possa ser considerado feio,
porque isso é simplesmente impossível, mas o seu cabelo
bem penteado e sua barba sempre alinhada não estão
presentes hoje. Olheiras profundas, roupas mal passadas,
cabelo bagunçado para todos os lados e uma barba de
mendigo.
O que aconteceu com ele? Foi atropelado por um
trator?
— Você está péssimo.
— E você, maravilhosa como sempre — ele diz sem se
abalar ou me contestar, fazendo apenas com que eu
levante a sobrancelha desconfiada. — Clara, precisamos
conversar… — ele diz e parece aflito para dizer o que quer
que tenha marcado no seu script.
Corto qualquer tipo de explicação barata e respiro
fundo antes de dizer firme, evitando olhar em seus olhos. Só
Deus sabe como é difícil pra mim olhar nesse mar azul e
não me perder pra sempre.
— Bom, só estou te comunicando que tomei uma
decisão. Quero que você mude de andar e fique com o setor
jurídico. Apesar disso, resolvi não demiti-lo. Pode ficar
tranquilo quanto ao seu emprego, sei que você vai ter
muitas contas a pagar daqui pra frente — digo sarcástica
alfinetando, tentando não mostrar o quão magoada estou.
Sem me dar tempo para pensar em qualquer coisa ou
evitá-lo de alguma forma, Marcos cruza a sala, encurtando a
nossa distância. Sua boca cola na minha e é como se
milhares de fogos de artifício explodissem entre nós.
O beijo é pecaminoso.
Tento evitar, me desvencilhar de seus braços, mas
não consigo resistir e cedo a tentação.
Minhas mãos voam para os seus cabelos e eu puxo
com força, querendo fazê-lo sofrer de alguma forma. Isso
não é apenas uma dança sensual de línguas, é mais…
Mordo seu lábio com força e só paro quando sinto
gosto de sangue, mas nem isso o impede de tomar tudo de
mim. 
É bruto, sexy, urgente e sensual.
Suas mãos passeiam pelo meu corpo e sinto sua
ereção colada à minha barriga, mostrando o quão ansioso
ele está por mim e isso me faz sentir extremamente
poderosa. Descolo a sua boca da minha com um puxão de
cabelo, mas o mantenho ocupado, trilhando pelo seu
pescoço beijos marcados de vermelho.
Sua mão circula a minha bunda e quando ele faz
menção de subir meu vestido por completo, enterrando dois
dedos em mim, sou pega de surpresa. Antes que possa
gemer alto ou fazer algum barulho que nos denuncie, ele
coloca novamente sua boca na minha, abafando qualquer
ruído impróprio.
Minha cabeça gira em milhares de pensamentos e não
consigo pensar em mais nada além de todas as sensações
que ele me proporciona. Voltando para a sua pose
dominadora de sempre, ele segura meus cabelos e faz o
que quiser comigo, me obrigando a lhe dar tudo o que
tenho.
Seus movimentos circulares com os dedos me deixam
completamente louca e em poucos segundos me
desmancho em sua mão com os joelhos fracos. Marcos me
apoia enquanto colo a minha testa em seu peito, tentando
recuperar a minha respiração com a cabeça ainda zonza por
causa do clímax.
Delicadamente, ele retira seus dedos, arrumando a
calcinha no lugar e com o sorriso mais safado do mundo, os
leva à boca, sentindo o meu gosto e tornando essa cena
ainda mais pornográfica do que antes. Por incrível que
pareça.
Sem me dar a chance de pensar sobre o que
aconteceu, ele começa a falar no pé do meu ouvido,
prendendo o seu corpo ao meu:
— Eu não vou ser pai, Clara. Eu não tenho
absolutamente nada com a Louise e com mais ninguém —
ele diz, parecendo sincero, mas essas palavras são
exatamente o que um bom mentiroso diria. Tento sair do
seu abraço, mas ele cola ainda mais o seu corpo no meu,
falando sério e olhando no fundo dos meus olhos — Eu
quero você.
Sua fala me deixa desconcertada e olho para baixo
tentando entender exatamente o que ele está me dizendo.
Como eu posso acreditar nisso, sendo que há tantas
evidências que me provam o contrário?
— Não sei do que você está falando — digo em uma
voz baixa e respiro fundo antes de completar —, isso foi
mais um deslize que não voltará a acontecer. — Olho para
ele que parece completamente sem chão e dou um passo
para trás, tomando coragem para fazer o que precisa ser
feito. — Agora, saia da minha sala e já pode começar a
mudança para o seu setor. Afinal de contas, todos os outros
diretores ficam com os seus respectivos funcionários.
Marketing, Produção, Qualidade, Financeiro, Recursos
Humanos… E agora, o setor Jurídico também. Qualquer
coisa que eu precisar, te envio um e-mail.
— Clara… não é possível… — ele começa a protestar,
mas o censuro com o olhar e ele se cala.
— Você conseguiu manter o seu emprego, então,
parabéns! Agora se me der licença, preciso trabalhar. Sobre
aquele assunto, se tiver alguma atualização, te chamo. —
Não espero para ver onde ou como ele vai se arrumar, mas
entro no meu banheiro privativo com a respiração ainda
entrecortada.
Isso não poderia ter acontecido de novo. 
Burra.
Fraca.
Inconsequente.  
Fico revivendo em minha memória as palavras de
Marcos, tentando entender se elas são reais ou não.
“Eu não vou ser pai, Clara. Eu não tenho
absolutamente nada com a Louise e com mais ninguém. Eu
quero você, nunca percebeu isso antes?”
Será possível que isso é verdade e eu realmente não
sou uma amante fraca de merda?
 

 
Tô cansado. Mas, mais do que cansado, eu tô puto.
Porra, já perdi as contas de quanto tempo estou
tentando fazer com que Clara me dê uma chance, e toda
vez que acho que vou conseguir vencer essa batalha, a
diaba vem e pisa em mim com aquele salto alto e as pernas
torneadas.
Aliás, mais do que cansado, eu tô muito fodido.
Todas as mulheres de quem me aproximei desde
quando vim trabalhar na Brumpel e coloquei meus olhos em
Clara novamente, parecem erradas. Altas demais, magras
demais, morenas demais, submissas demais. 
Do que adianta ser pequena, loira e macia se não tem
a boca afiada e não me tira do sério e me deixa louco ao
mesmo tempo?
Agora, eLivros no andar cheio de advogados, vendo
todas essas mulheres de terninho sem graça, fico pensando:
por que minha cabeça de baixo não pensa no fácil?
Qualquer uma dessas, talvez com exceção das
casadas, ficaria mais do que feliz em aliviar o Junior. Mas
não, o filho da puta só quer uma boceta específica, e a
única que não está disposta a ceder.
Cara, eu sou um bosta mesmo.  
Olho para o convite piscando no meu e-mail, me
lembrando do noivado que vai acontecer no fim de semana
e tomo uma decisão.
Se em Piracicaba, nossa cidade natal, não
conseguirmos nos resolver e ficarmos finalmente juntos, eu
vou mandar tudo pra puta que pariu e me mandar daqui.
Não vou ficar na Brumpel, correndo igual a um
cachorro atrás de uma mulher que me despreza. Essa vai
ser a minha cartada final e eu espero muito que dê tudo
certo.
Voltar para casa é sempre um misto de sentimentos
em mim. A cidade em que eu nasci, cheia de árvores, áreas
verdes e quedas d’água me deixa nostálgica. Eu amo a
minha família e sempre vou protegê-la como posso, mas
não somos tão próximos como os Castro, por exemplo.
Não sei dizer se isso acontece pelo fato de eu ter
passado a maior parte da minha vida em escolas de período
integral ou com a minha avó enquanto meus pais davam
duro trabalhando, ou se por eu ter me mandado para São
Paulo na primeira oportunidade sem assumir os negócios da
família.
Acho que eles nunca vão me perdoar por não ter
seguido a carreira de farmacêutica e ficado na vidinha
pacata da cidade de interior como a filha única modelo que
eu sempre fui, ou pelo menos que eles sempre me
treinaram para ser.
Principalmente se for levar em conta o curso pouco
convencional que eu escolhi para o meu destino: moda.
Na realidade, chegar toda colorida, vestindo roupas da
minha própria marca e saber que existem pessoas nessa
cidade que se mataram para conseguir peças exclusivas
quando eu estava no começo é um bom amaciador de ego
pra mim. Eu venci, apesar da mesada ridícula que meus
pais me davam para eu me manter nos primeiros anos de
faculdade e do zero investimento que fizeram nos meus
sonhos.
Confesso que mesmo que eu não tivesse vencido e
conquistado a Brumpel, eu provavelmente iria continuar
sendo vendedora em alguma loja de shopping para o resto
da vida. Digamos que simplesmente ficar atrás de um
balcão usando branco em um look monocromático todos os
dias, oferecendo remédios para idosos hipertensos não é o
auge para mim como é para os meus pais. No shopping pelo
menos eu poderia me vestir bem. 
Dirijo pelas ruas relembrando minha infância, e
quando chego na casa dos meus pais, sou recepcionada por
Boris e seus latidos incessantes. O labrador velhinho se
lembrou de mim e apesar de não enxergar mais, vem
sentindo o meu cheiro e pula em minhas pernas quando
abro o portão de casa.
Mamãe e papai aparecem para me receber e eu dou
um abraço demorado em cada um. Apesar dos pesares, eles
são meus pais e eu os amo de paixão.
— Estava com saudade, você sumiu! — mamãe
reclama e eu reviro os olhos, abrindo um sorriso grande
para ela.
— A senhora sabe que eu tenho um trabalho puxado…
Ainda mais agora com a saída de Pedro — digo
pacientemente, abraçando meu pai e entrando em casa. —
Além do mais, São Paulo é logo ali e minha casa está aberta
para vocês quando quiserem.
— Não fala besteira, Clara, não podemos deixar a
farmácia ás traças! — papai se intromete, me abraçando
forte, e beija a minha testa em seu modo de dizer que me
ama.
Evito a briga, porque é mais do que claro quais são as
prioridades deles e não posso dizer que concordo, mas
também não posso julgar. Duas farmácias de bairro ficarem
na mão dos funcionários por um fim de semana é um crime,
uma empresa enorme com várias filiais pelo Brasil, não.
Enfim, a hipocrisia.
— Por que não desceu com as malas? — minha mãe
pergunta, assim que me sento no sofá.
— Reservei um hotel, prefiro não dar trabalho. Mas
vim dar um abraço em vocês e tomar um cafezinho.
— Claro que não! Até parece que daria trabalho… —
ela reclama e papai dá risada de sua expressão brava. —
Gastar dinheiro com hotel sabendo que tem uma casa
confortável e seu quartinho te esperando aqui. 
— Mãe, na próxima eu fico. Prometo — digo, apenas
para apaziguar a situação, sabendo que na próxima vez que
vier visitar, com certeza ficarei no mesmo hotel de sempre.
Paz, privacidade e conforto... sem chance de abrir mão
disso.
Minha mãe então corre para a cozinha e vai passar
um café para servir com a rosquinha caseira que eu tanto
amo, para batermos papo até o horário da festa. Enquanto
isso, puxo conversa com meu pai, para matar a saudade.
— Animados para o noivado de mais tarde? —
pergunto para eles, que franzem a testa, invocados.
— Pra quê noivar se já casaram? — mamãe alfineta e
eu contenho o riso.
— Nem deu tempo de conhecer a menina, saber da
família dela… Sei não! — meu pai diz desconfiado e eu abro
ainda mais o sorriso.
Tinha certeza que as reações seriam exatamente
assim.
Os dois são desconfiados.
— Eu conheço a Luíza. Os dois se conheceram lá na
empresa. Ótima pessoa. Um amor mesmo… tenho certeza
que vocês vão adorá-la!
— Vamos combinar que é uma menina, né, Clarinha?
O Pedroca que se deu bem na crise de meia idade dele…
agora se vai ser boa mãe, boa esposa… aí eu já não sei.
Tem uma cara de Barbie que não deve nem saber lavar uma
louça — meu pai diz em seu discurso conservador e jogo a
bomba apenas para rir de sua reação.
— Bom, o Pedro que tem que ser bom marido, né? Já
que ainda não se recolocou lá em Milão e está sendo dono
de casa enquanto ela trabalha — digo e mordo o lábio ao
ver a expressão do meu pai.
Comentário machista a gente não pode deixar passar,
para ver se ele aprende a não ser tão retrógrado. Sei o quão
esforçada e batalhadora Luíza sempre foi, ela merece
chocar um pouco a sociedade de vez em quando sendo
extremamente bem sucedida no trabalho que, inclusive, eu
a ajudei a conseguir. A top model em ascensão é
extremamente esforçada e profissional, e se torna
impossível não defendê-la. Mesmo sendo meu pai, sei
reconhecer e avaliar atitudes erradas, e, definitivamente,
não vou passar a mão na cabeça. De qualquer forma, amo e
respeito minha família, mas o certo é certo. Não podem
julgar as pessoas sem ao menos conhecê-las antes.
— Não fala assim do seu primo, filha… quem mandou
demitir o Pedrinho foi você, coitado! — mamãe diz puxando
o saco do seu sobrinho preferido.
— O Pedrinho quem quis sair… e se for pra começar
com essa história, eu vou embora. A empresa é minha,
mãe.
Sabe a história da tia que fica competindo com os
feitos dos primos? Eu e o Pedrinho, que por acaso é vários
anos mais velho que eu, sempre tivemos que conviver com
os nossos pais nessa competição boba. Minha mãe e minha
tia, mãe dele, sempre foram assim… insuportáveis com
essas suposições.
“Pedrinho fala inglês fluente”
“A Clarinha foi autodidata”
“Pedrinho vai morar no exterior”
“Clarinha começou a sua própria empresa”
Nossa vó sempre conversou conosco para nunca
ligarmos para essas coisas e crescemos muito amigos,
apesar dos pesares. Afinal de contas, foi ele quem trouxe o
cachorro interesseiro para minha vida e por isso há
controvérsias na intensidade do quão amigos somos… mas,
enfim, família é família. Pedro Alcoforado é o mais próximo
de um irmão que eu tenho, e é minha função defendê-lo
sempre que posso, quando ele não está sendo intrometido
na minha vida, é claro.
— Já vi que vamos nos estressar e é melhor mudar de
assunto — mamãe intervém e começa a contar todas as
fofocas do bairro, principalmente sobre os casamentos que
estão por vir. 
Meu selo de solteirona está cada vez mais forte, isso
nem mesmo eu posso negar.
 
Com uma ajudinha do Pedro, eu consegui recuperar
meu carro antigo da época de moleque. O velho, que
comprou por uma mixaria, resolveu vendê-lo de volta. Com
muito custo, dizendo que ele valorizou depois de todo esse
tempo. No fim, mandamos lavar, e eu fiquei surpreso
quando vi ele novamente e tive sua chave em mãos.
Quem diria que o Opala que eu amava encerar ainda
estaria inteirão?
Essa volta pra casa reativou milhares de lembranças e
quando peguei as chaves e dei partida na ignição, tudo
pareceu nostálgico demais. A nítida memória vem em
minha mente: eu dirigindo como um louco pelas ruas da
cidade e me mandando depois da intimação do meu melhor
amigo. Ele foi firme, disse que realmente seria o melhor
para Clara e que eu já tinha feito merda o suficiente
transando com ela em um carro fodido ao invés de dar uma
noite especial. Pra mim, foi incrível, mas isso entrou em
minha mente e concordei com ele. No fim, fui covarde, mas
pretendo recuperar o tempo perdido.
Hoje vou contar com a sorte e dar um empurrãozinho
ao destino, talvez ela se lembre dos momentos bons, e não
dos ruins. Estou usando o mesmo perfume, a mesma
gravata cor de rosa e até mesmo a mesma música que
estava tocando em nossa primeira vez. Tudo pensado em
fazer com que ela ceda de uma vez por todas e escute o
que eu tenho a dizer. Pelo menos uma vez, mesmo que o
medo de se entregar seja grande. Ela precisa ser corajosa
também, se entregar ao presente, sem ficar presa ao
passado.
Cada dia que passa tenho mais consciência de que
não dá para ficar nessa situação, nem fugir do que eu sinto
e quero para o meu futuro. Por mais que o receio de ser
rejeitado para sempre seja grande, é melhor ter certeza do
que viver pensando no “e se?”.
Se ela me culpa por não ter sido verdadeiro na época,
preciso ser verdadeiro agora. Chega de protelar o inevitável,
hoje vamos ter uma conclusão desse relacionamento de
uma vida inteira.
Clara gostando ou não.
 
A decoração de extremo bom gosto e a felicidade no
rosto da minha amiga fazem tudo valer a pena. Quem diria
que eu ficaria tão feliz por ver a felicidade estampada em
seu rosto?
As flores azuis e o seu vestido acinturado no tom mais
claro da paleta lhe dão o ar de princesa tão almejado, e
quando ela corre para me abraçar mostrando o seu anel
enorme e ostensivo abro o meu melhor sorriso.
— Você viu? Eu consegui! Domei a fera, agora ele está
domesticado! — a modelo altíssima diz, com um sorriso
enorme no rosto.
— Claro que você conseguiu, eu nunca duvidei do
poder de um homem apaixonado — respondo e ela solta um
suspiro olhando para o seu marido/noivo. Ainda não me
acostumei a essa situação inusitada.
— Bom, você tem uma grande participação nisso!
Sem os seus conselhos, o cabeça dura não teria se dado
conta que eu sou mesmo a mulher da vida dele. E, por
saber agora o poder de um homem apaixonado, vou
aproveitar que estamos assim… juntinhas, pessoalmente
outra vez, e dizer algo que eu sempre fui discreta demais
para falar: Marcos.
Instantaneamente faço uma careta pra ela e cruzo os
braços na defensiva.
— Clara, ele é completamente louco por você. Tem
tanto tempo já… e é tão óbvio! Por que você não dá uma
chance pro amor também? — ela pergunta e vejo a boa
intenção no seu olhar, mas me recuso a acreditar em suas
palavras.
— Eu já dei e não deu muito certo — digo firme e ela
pressiona os lábios em uma linha fina.
— Você era uma menina, não conta… — ela começa a
argumentar, mas Pedro aparece, circulando a mão em sua
cintura com o sorriso mais bonito que eu já vi em seu rosto.
— Oi, Clarinha! — ele diz para me provocar e eu jogo
meus braços ao seu redor, fazendo com que ele solte Luíza
de forma forçada.
— Ei, Pedroca! E aí? Já se acostumou à vida em Milão?
— pergunto e ele dá de ombros, confirmando com a cabeça.
— Luíza está lá, então é onde eu tenho que estar
também — ele responde, simples assim. Minha amiga fica
radiante e com as bochechas vermelhas ao mesmo tempo.
Fico feliz ao ver que eles finalmente se acertaram e
estão bem juntos. Isso é o principal para mim.
— Seu príncipe encantado chegou! — Pedro diz,
interrompendo os meus pensamentos, e antes que eu possa
rebater, me viro e vejo Marcos.
Meu coração dá uma cambalhota e eu não imaginei
que ficaria com saudade do cachorro depois de exilá-lo para
os andares debaixo. Afinal de contas, foram apenas alguns
dias. Finjo indiferença, mas não consigo desviar o olhar da
maldita gravata cor-de-rosa. Ele vem em nossa direção com
o seu típico sorriso sedutor, sem se importar em
cumprimentar mais ninguém pelo caminho.
Assim que ficamos cara a cara, consigo me
desprender dessa intensidade louca que existe toda vez que
bato meu olho no seu. Vejo sua postura mudar e ele virar
para Luíza, que mantém um sorriso enorme em seu rosto.
— Você veio! Que bom, estávamos morrendo de
saudade! — ela diz, abraçando forte o amigo e, mesmo
irracionalmente, sinto uma pontinha de ciúmes. 
Vejo Pedro flexionar o punho e percebo que não sou a
única com esse sentimento irracional, afinal. Assim que eles
se soltam e trocam algumas palavras gentis, os melhores
amigos se cumprimentam com um abraço rápido e uma
troca de olhares significativa, mas não falam nada um com
o outro, deixando-nos curiosas.
— Bom, vou roubar a madrinha por alguns minutinhos
porque tenho que tratar um assunto importante com ela —
ele diz e eu respiro fundo antes de dar um pequeno tchau
para o casal e seguir para o bar com o cachorro
extremamente perfumado.
Fico atenta no mesmo momento. Será que ele
descobriu alguma coisa?
— Como você está? Sei que estar aqui nunca é fácil
para você. Sua mãe já começou com a conversa da
farmácia? — ele pergunta e fico sem saber o que responder.
O cachorro me conhece bem demais.
Solto um bufo alto e reviro os olhos.
— Claro que já. Mas hoje o assunto da vez é o
escândalo do Pedrinho. Casou sem noivar, fez uma festa de
noivado já casado… — soltamos uma risada cúmplice juntos
— Pior do que isso é que ele largou tudo para viver com a
Luíza e ser dono de casa. 
— O que eles, com certeza, deram um jeitinho de falar
que é culpa sua? — ele supõe e eu confirmo com a cabeça. 
— Obviamente
— Vou dar um oi para os tios mais tarde, antes eu
quero conversar com você sobre uma coisa — ele diz e
começo a prestar mais atenção, já pensando ser algo sobre
a Brumpel. 
— O que é? Desembucha logo — pergunto, chegando
mais perto, curiosa.
— Vamos lá para fora? — sua expressão corporal
parece nervosa e eu confirmo com a cabeça rapidamente,
seguindo-o até o estacionamento.
Marcos com certeza descobriu alguma coisa que não
pode ser falada em um lugar tão aberto e pela sua
expressão aflita, é algo sério. Fico instantaneamente
nervosa também, e sigo a passos mais rápidos até o
estacionamento, ansiosa para saber o que é.
Meus pés se enterram no chão, me sinto gelada e o
tempo parece parar quando eu vejo o carro vermelho
horroroso que me traz tantas lembranças. Não pode ser o
mesmo. Sinto meus olhos se encherem de lágrimas que,
sem autorização, escorrem pelo meu rosto, me deixando
cheia de raiva.
— O que isso está fazendo aqui, Marcos? — pergunto
com a voz baixa, tentando não olhar em sua direção. O que
eu menos preciso no momento é que ele me veja chorando.
— Nós precisamos conversar. E vamos fazer isso
dentro desse carro velho e inútil. Então, por favor, seja
compreensiva e entre no carro — sua voz mandona me dá
vontade de rir.
Quem ele pensa que é pra falar assim comigo?
— Nem morta, vou voltar pra festa! Você me enganou
fingindo ser algo importante. Achei que tinha descoberto
algo da empresa — digo virando as costas e ele corre em
minha direção e me pega no colo como se eu fosse um saco
de batatas, não me dando nenhuma escolha.
— Sinto muito que seja assim, mas você não me deu
nenhuma outra opção e eu cansei de ser paciente. Você vai
ter que me escutar! — Marcos abre a porta do lado do
carona do carro antigo e me joga lá dentro de qualquer
maneira.
Surpreendentemente o carro é o mesmo, e só noto
isso quando tento abrir a porta e ela se mantém
emperrada… exatamente como sempre aconteceu quando
eu era menina. Antes era romântico e cavalheiro ter que
esperar ele sair do carro e abrir a porta para mim, hoje em
dia é só irritante não ter poder de escolha.
Assim que ele se senta no banco do motorista e dá
partida no carro, cruzo os braços, puta. O cretino então
coloca para tocar uma música de uma das minhas bandas
preferidas, como sempre fazíamos quando éramos mais
novos, e instantaneamente eu sei o que ele pretende.
 
But someday
Mas algum dia
I will find my way back
Eu vou encontrar meu caminho de volta
To where your name
Para onde o seu nome
Is written in the sand
Está escrito na areia
 
Cause I remember every sunset
Porque eu lembro de cada pôr do sol
I remember every word you said
Lembro-me de cada palavra que você disse
We were never gonna say goodbye
Nós desejávamos nunca dizer adeus
Singing la-ta-ta-ta-ta
Cante la-ta-ta-ta-ta
 
“Summer Paradise” - Simple Plan
 
— Desculpe fazer isso com você, mas precisamos
mesmo conversar — ele diz e parece nervoso. Sua
expressão sempre é tão relaxada que vê-lo dessa forma me
deixa tensa também.
Observo o caminho que ele faz em silêncio, tentando
entender que merda está acontecendo e quando percebo as
curvas que o carro faz, sei que ele está indo para o nosso
cantinho especial de anos atrás. O mirante escondido que
achamos por acaso próximo ao rio que corta a cidade.
Cruzo os braços, faço um bico e tento controlar as
minhas emoções.
Estar nesse carro com ele depois de tantos anos é
uma fonte de lembranças loucas que eu não consigo conter.
Forte demais para que eu sequer consiga falar algo sem ter
a minha voz embargada.
Assim que ele estaciona e conseguimos ter uma visão
da noite estrelada, a cidade pequena ao fundo e o rio
passando abaixo de nós, solto um suspiro. Aqui é bonito
demais, tão bonito quanto eu me lembrava, apesar de anos
e anos terem se passado desde a última vez que estivemos
aqui juntos.
— Você vai ter que me escutar na marra, Clarinha,
quer você queira, ou não! Cansei de esperar você cair na
real de que somos simplesmente perfeitos um para o outro.
Cansei de ficar tentando entender o que se passa em sua
cabeça e coração — sua voz é firme, mas seu olhar é
assustado. Falar tudo isso parece ser uma quebra de
barreiras pra ele também — Não sei o que eu preciso fazer
para provar que sou completamente louco por você. Como
você pode pensar que eu iria ser pai ou que estava
envolvido com outra mulher? A imagem que você tem de
mim é a mais deturpada possível. Eu sou, sim, um cachorro,
mas um cachorro que fica correndo atrás de você.
— Marcos, eu sei que sou uma conquista barata,
quando você conseguir o que quer, vai me descartar. Eu sei
disso! — respondo, engolindo o meu choro preso na
garganta e deixando o orgulho falar mais alto.
— Você nunca perguntou o que aconteceu. Fiquei
esperando o momento em que você fosse entrar igual a um
furacão em minha sala, exigindo explicações do passado,
mas você simplesmente fingiu que não me conhecia, ou
pior, que não se importava. 
Seus olhos me acusam de muitas coisas, mas não me
dou ao trabalho de respondê-lo. Até porque não confio na
minha voz para provar que estou bem.
— Eu teria aberto mão da faculdade por você. Ou pelo
menos de sair da cidade, me contentando com qualquer
coisa por aqui — ele diz e eu estreito os meus olhos,
tentando entender se é ou não verdade essa afirmação.
— Mas não fez isso.
— Não, eu não fiz, principalmente porque Pedro não
deixou. Ele sabia que se eu ficasse e me envolvesse ainda
mais com você, ficaríamos os dois presos aqui, frustrados
por não ter vivido a vida que sempre sonhamos. Eu precisei
ir embora para te dar a chance de viver a sua própria vida
também… você era uma menina, Clarinha! Realmente acha
que se eu tivesse ficado naquela época iríamos estar juntos
até hoje?
Lágrimas escorrem pelo meu rosto e eu não sei o que
dizer. É inacreditável pensar que Pedro teve uma influência
tão forte em minha vida e no meu destino.
Penso em tudo o que passei ao lado de Marcos e tudo
o que aconteceu depois que ele me deixou. Fui morar em
São Paulo, vivi coisas incríveis, conheci pessoas
sensacionais, fundei minha empresa e vi crescer meu
império. 
Tudo tem um porquê, e mesmo não querendo admitir,
Marcos está certo. Se ele tivesse ficado, nada disso teria
acontecido e muito provavelmente não estaríamos juntos
até hoje. Seria otimismo pensar que esse amor sobreviveria
a imaturidade e frustrações da fase adolescente e começo
da adulta.
Apesar de racionalizar tudo isso, o amor que eu sinto
não acabou em todos esses anos.
— Eu não sei o que pensar… — digo reticente e ele
confirma com a cabeça, sem falar mais nada. 
— Não precisa pensar ou responder. Nesse momento,
a única coisa que você precisa fazer é ser minha.
 
Não sei bem como responder a esse pedido, mas
quando ele une as nossas bocas, não consigo fazer nada
além de soltar um suspiro audível e me entregar
completamente.
Estar com ele nesse carro antigo fedendo a cigarro,
nos bancos desconfortáveis que foram refúgio por muito
tempo quando eu era menina, agora, significa romper as
amarras do rancor que me prende ao passado e talvez,
seguir em frente a um futuro.
Não quero pensar em nada, a não ser como parece
tão certa a sua boca na minha. Nossas línguas dançam
juntas e sua mão possessiva vai para os meus cabelos como
sempre acontece todas as vezes que estamos juntos.
Passeio com as minhas mãos pelo seu corpo, sentindo
seus músculos. Quando acho que não consigo mais suportar
a vontade de tê-lo comigo, ele separa nossas bocas e olha
no fundo dos meus olhos. Vejo tanto sentimento que
transborda e com um olhar ele tenta me dizer tudo o que eu
preciso saber.
— Você tem consciência do quão apaixonado eu sou
por você? — ele diz, e por mais que eu queria me entregar
ao momento, sei que espera uma resposta.
Engulo em seco e confirmo com a cabeça, mostrando
que, sim, eu sei o quanto ele gosta de mim. Ninguém se
daria ao trabalho de fazer tudo o que fez e faz se não
nutrisse sentimentos dessa forma. O cachorro me
conquistou de novo e tem me provado que não é tão
cachorro assim.
Ele faz um carinho em meus cabelos e beija a minha
testa antes de beijar de novo a minha boca. Dessa vez o
beijo é completamente entregue a paixão, e suas mãos,
agora mais ousadas, passeiam pelo meu corpo em cima do
vestido de tecido fino prateado.
Marcos, sem pudor algum, abre a fenda no tecido e
encontra a minha calcinha de renda. Estou ansiosa para
sentir todas as sensações que ele sempre me ofereceu e
oferece, então suas carícias começam por cima da lingerie,
criando uma sensação quase insuportável de aguentar.
— Você ainda me mata dessa forma — digo entre
beijos, e ele dá uma risadinha baixa, sabendo o quanto me
enlouquece.
Finalmente o safado afasta para o lado, me dando
exatamente o que eu quero e começa a enfiar dois dedos
em mim. Com o polegar, ele roça o meu clitóris já inchado,
me estimulando ao máximo. Fico perdida entre as
sensações e fecho os olhos, tentando absorver cada um dos
sentimentos que ele me dá.
  Quando começo a me contorcer com sua tortura
deliciosa, já sem forças para me segurar, Marcos para, me
olhando admirado.
— Eu amo como você se entrega completamente. Me
fala o que você quer — ele diz no meu ouvido, me deixando
inteiramente arrepiada.
Minha mão voa para o volume em suas calças e vejo o
sorriso safado se alargar em seu rosto, antes de desafivelar
o cinto e abaixar a calça junto à cueca, liberando seu
mastro, já duro como uma pedra e ansioso por mim.
Começo a acariciá-lo e juntos, damos prazer um ao outro.
— Eu quero você — digo em voz baixa, como se
contasse um delito grave e vejo seus olhos brilharem antes
de jogar o banco para trás ao máximo. Não tem como
mentir, eu estou louca para senti-lo dentro de mim de novo.
Transformar as memórias traumáticas de anos atrás
em novas memórias deliciosas.
Sem pensar duas vezes, pulo para o seu banco,
ficando por cima, cara a cara com ele. A conexão de olhares
é incrível, a nostalgia é quase sufocante e quando desço
meu tronco devagar até chegar ao máximo, fecho os olhos,
imersa nas sensações. O gemido animalesco que sai de sua
garganta é ansioso e mostra o quanto ele também está
vivendo o momento.
Começo então a cavalgá-lo, saindo devagar e
descendo com força, em um ritmo hipnotizante, tanto para
mim, quanto para ele. Vejo sua boca aberta e sinto sua mão
apertando forte a minha bunda, ditando o ritmo, mesmo
sem intenção.
Nós realmente nos completamos. Foi perfeito anos
atrás e está sendo perfeito agora.
De todos os momentos desta loucura, este é de longe
o mais intenso até agora. Seus olhos estão grudados nos
meus, nossa respiração pesada faz com que os vidros do
carro fiquem embaçados de um jeito constrangedor, mas
nós não nos importamos nem um pouco.
— Ah, Clarinha, esperei tanto por esse momento. Para
ter você de novo. Tenho certeza que há quatorze anos você
fez uma macumba pra amarrar o meu pau. Não tem
explicação o quão bom é a sua pele na minha.
— Não me chama de Clarinha! — digo petulante,
apenas para manter a pose.
Marcos gargalha e me empurra pra baixo com força,
me fazendo soltar um gemido alto pelo susto.
— Eu vou continuar te chamando como eu quiser,
Clarinha — ele diz no meu ouvido segurando firme o meu
cabelo. Sua voz rouca deixa o meu corpo todo arrepiado,
mas me recuso a respondê-lo. — Inclusive, vou te chamar
de minha, porque é isso o que você é.
Abro um sorriso e nego com a cabeça apenas para
provocá-lo, mas no fundo sei que estar sentando como uma
louca nele quer dizer exatamente isso.
Eu sou dele. Sempre fui, sempre vou ser.
Ansiosa para me libertar dessa tortura deliciosa, já
ansiosa para o round dois, começo a me movimentar em um
ritmo pulsante, agarrando com uma mão o seu pescoço,
mesmo sem apertá-lo. Se eu sou dele, isso quer dizer que
ele é meu e eu não aceito menos que isso.
— Meu.
— Por completo — a sua resposta me deixa
desconcertada.
Continuo em busca da nossa libertação, e ao escutar
um grito vindo do fundo de sua garganta, sei que ele está
próximo. Meu corpo inteiro começa a formigar e jogo a
cabeça para trás, mergulhando em uma onda de prazer
intensa no momento que sinto que ele chega ao ápice, me
preenchendo com seu líquido quente.
Ficamos parados por algum tempo, absorvendo o
momento e tentando recuperar o fôlego. Quando finalmente
consigo voltar a falar, abro um sorriso preguiçoso,
apertando minha entrada e fazendo-o abrir os olhos. Seu
olhar me diz o quão satisfeito ele parece estar, seu sorriso
traduzindo o meu.
— Você não é nada mal, senhor Bessa... Nada mal
mesmo… — ele solta uma gargalhada e me fita com seus
olhos questionadores.
— Você vai continuar fugindo de mim, Clarinha? — ele
pergunta, ansioso pela minha resposta.
— Sei que tenho as minhas ressalvas, sei também que
preciso tentar. Então, não, eu não vou mais fugir de você —
digo em voz baixa, e o vejo abrir o sorriso mais lindo do
mundo antes de me abraçar apertado, me dando um beijo
apaixonado.
 
Entramos no quarto do hotel, ansiosos para nos
tocarmos novamente. Entre beijos roubados, risadas
contidas e um desejo insano no olhar, eu e ele nos
esgueiramos quarto adentro, já ansiosos para nos livrarmos
dessas roupas.
— Você é delicioso! — digo, abrindo a sua camisa
social, sem me importar nem um pouco com os botões que
saem voando para todos os lados.
— Peraí… essa é a verdadeira Clarinha? Quem é
aquela mal-humorada com quem eu convivo na empresa? —
pergunta brincalhão, e reviro os olhos antes de atacar
novamente a sua boca.
Sem esperar uma permissão, ele me levanta em seus
braços e eu passo as minhas pernas em volta do seu corpo,
me prendendo a ele o máximo possível enquanto nossas
bocas dançam de uma forma deliciosa. Minha mão voa para
os seus cabelos pretos e macios, segurando firme e ditando
o ritmo que eu quero. Enquanto isso, Marcos me guia até a
cama, se deitando em cima de mim. Passeio as mãos entre
seus músculos, subindo por seu peitoral e descendo por
seus braços, ainda parcialmente cobertos com a sua
camisa. Marcos também passeia suas mãos pelo meu corpo,
explorando minhas curvas com avidez e com um olhar
saudoso.
— As minhas bolas estão azuis há tanto tempo que,
provavelmente, nunca vou conseguir me fartar — ele diz e
eu abro um sorriso questionador.
— E a punheta? — pergunto a queima roupa, fazendo
com que ele gargalhe alto.
— Sempre que eu penso demais em você — ele
responde inflando o meu ego e balanço a cabeça em
negativa, sentindo as minhas bochechas esquentarem,
envergonhada.
Ele começa então a descer o zíper do meu vestido,
olhando em meus olhos. É tão pecaminosa a sua expressão
que Marcos faz com que eu me sinta a mulher mais feliz do
mundo. Imersa na camada de luxúria em que esse quarto
nos lançou, não consigo me preocupar com nada além de
sorver ao máximo tudo o que ele me proporciona sem
pensar no amanhã e no que tudo o que está acontecendo
aqui significa para nós dois.
Ele olha fixamente para a minha calcinha rendada
branca, abre um sorriso deliciosamente cretino e começa
então a traçar uma trilha de fogo puro em minha pele,
beijando cada centímetro até chegar perigosamente
próximo da minha parte mais baixa.
Agora é a minha vez.
Puxo ele para mais perto pelo cinto desafivelado,
antes de mandar a sua camisa para o chão do outro lado do
quarto. Seu sorriso de predador não me intimida nem um
pouco, e quando desço sua calça junto com a cueca de uma
só vez, me prendo em seu olhar safado. Seu corpo é a
tradução de “perfeito” para mim.
O abdômen não é musculoso como de um
fisiculturista, mas há definição e força. O seu V lines é
tentador e não resisto, distribuindo beijos por ali. Marcos
parece pronto para continuar todo o tipo de tortura
destinada a mim, e enquanto prossigo com a minha
exploração, ele alcança o meu seio, sugando o mamilo com
força. Seus dentes começam a brincar com mais
intensidade em minha pele, me causando arrepios
deliciosos e não consigo conter um gemido alto.
Nada é simples com ele. Todos os seus atos me levam
à beira da loucura. Definitivamente, esse homem é a
tradução de tentação para mim.
Obstinada a deixá-lo enlouquecido de prazer, levo
vagarosamente o seu pau à boca, passando a língua por
toda a sua extensão e chupando-o com ímpeto.
— Clara, puta que pariu, não faz assim! — ele implora
com a sua característica voz rouca nublada de desejo e isso
me motiva a sugar com mais força, fazendo-o pulsar e
gemer coisas incoerentes.
Sei que ele está próximo da libertação, mas como
pensei que faria, Marcos me afasta algum tempo depois e
sua boca toma a minha com mais ansiedade e desespero.
Seu pau está perigosamente perto da minha coxa e sinto
tanta vontade de tê-lo em mim que não me importo em
parecer desesperada.
Eu quero mais.
Quando Marcos roça seus dedos em minha abertura,
gemo alto de prazer, fechando os olhos com força e
absorvendo tudo o que ele tem a me oferecer.
— Você está tão molhada — ele diz no meu ouvido,
mordendo o lóbulo da minha orelha.
— Por você — consigo sussurrar em meio aos gemidos
e sensações que seus dedos habilidosos me proporcionam.
E quando eu acho que fui ao céu e voltei, convulsionando de
prazer, ele coloca um preservativo e me invade, fazendo
com que eu delire de prazer.
É tão bom ser preenchida, e ter cada centímetro
explorado sob o seu olhar turvo pelo desejo, que não me
prendo a mais nenhum pensamento além do aqui e o agora.
Gemo chamando o seu nome e ele faz o mesmo, abrindo
um sorriso safado em seu rosto.
— Tão deliciosa, cheirosa, macia… Clara, você é
literalmente uma diaba destinada a me enlouquecer.
Me contorço sob seu corpo enquanto ele se move
devagar, absorvendo cada parte do momento e o gravando
em nossas memórias. Ele sai de dentro de mim e entra
novamente, brincando com as sensações que sentimos
quando estamos juntos.
Ter o seu corpo junto ao meu, o sentimento de estar
com os seus braços ao meu redor, seu calor me aquecendo
e seu membro me preenchendo tão gentilmente é mais do
que incrível. E como se tivesse uma necessidade surreal, ele
acelera o ritmo, gemendo alto quando mete com força, mais
rápido, nos tornando um só. De novo e de novo.
Marcos então atinge um ponto meu que faz com que
eu perca a razão, convulsionando e tremendo enquanto ele
beija o meu pescoço, falando o quão linda e maravilhosa eu
sou. Não consigo balbuciar nada coerente, apenas tento
sentir cada sensação e me levar ao máximo do desejo
enquanto estamos unidos de corpo e alma.
Quando recobro os meus sentidos, ele gira os nossos
corpos, me fazendo montar sobre ele. Apoio as mãos em
seu peito e sinto seu coração disparado sob minha palma.
Marcos sabe que eu gosto de estar no poder e nessa
posição ele está em minhas mãos. Me movo e o sinto ainda
mais fundo, fazendo com que eu jogue a cabeça para trás,
inebriada de desejo. Quando ele me preenche por completo,
solto um gemido alto, enlouquecida de prazer.
Acelero o movimento, incapaz de me conter. Não
quero que isso acabe nunca, e ao mesmo tempo, preciso
que acabe, preciso chegar naquele lugar sublime com ele.
Nossos corpos estão suados, suas mãos apertam minha
bunda com força enquanto cavalgo sobre ele, e quando
parece que não vou mais aguentar, rebolo sobre o seu pau
duro, sentindo-o me completar como nunca aconteceu
antes. 
Marcos goza, gritando meu nome e cravando os dedos
em meu corpo. Só ele me faz sentir dessa forma, livre,
sensual... completa . Ele então me guia para os meus
movimentos finais, levando a mão ao meu ponto mais
sensível enquanto me assiste despedaçar em um milhão de
pedaços.
 
Marcos se agarra em mim como se eu fosse fugir a
qualquer momento em seu sono tranquilo. Eu, apesar de
estar completamente exausta, não consigo fechar os meus
olhos e fazer o mesmo. Não sei se é o lugar ou a
intensidade do que estamos vivendo, mas tenho por
convicção que se eu dormir, vou ter um pesadelo terrível.
Não sei de onde tirei essa ideia, mas é sempre assim,
quando algo está muito bom em minha vida, os pesadelos
vêm em uma forma de balancear. Estranho, eu sei.
Faço um leve carinho nos cabelos pretos e
bagunçados dele e começo a aceitar que Marcos realmente
veio para ficar. Não tenho outra forma de dizer isso, mas no
fim, nunca existiu outra pessoa para mim. Sempre foi ele,
sempre será. Apesar de ainda ter receio sobre tudo isso, no
fundo eu sei que devo lhe dar uma chance. Na realidade,
uma chance para nós dois. É o certo a fazer, apesar da
angústia que sinto em meu peito querer que eu
constantemente fuja correndo para as colinas, mergulhada
no rancor por ter sido abandonada a anos atrás.
Agora, sabendo quais foram as suas motivações e o
porquê ele fez isso, me pego avaliando pelo seu ponto de
vista. O melhor amigo exigiu que ele fosse embora estudar
e me deixasse seguir o meu destino, e quando foi a hora
certa, ele o trouxe de volta para mim.
Minha mente voa para anos atrás, quando tudo
aconteceu, me lembrando de cada detalhe do fatídico
momento em que eu tive o meu coração partido. 
Se eu quero ter esse futuro com ele, preciso me
libertar do rancor do passado.
“Acordo em minha cama ainda arranhada pelos galhos
da árvore que escalei ontem à noite e abro
instantaneamente um sorriso enorme.
Sei que não deveria ter fugido para me encontrar com
Marcos, mas não havia a menor possibilidade dos meus pais
me permitirem sair de casa depois da meia-noite. Muito
menos com o amigo inconsequente do Pedrinho, que tem
fama de safado. Ainda mais de carro, para ir pro mirante
fazer as coisas que eu fiz… Enfim, tinha que ser escondido,
não existia outra possibilidade.
E a parte do inconsequente… Bom, isso não me
impediu de me apaixonar por ele, e quanto a parte do
safado… bem… ele tem sido safado só comigo. Abro um
sorriso, passando a mão delicadamente pelo meu pescoço,
me lembrando de como foi mágica a noite de ontem.
Finalmente!
Acho que eu sou apaixonada por ele desde quando eu
o vi pela primeira vez, com sete anos. Claro que com essa
idade tudo o que eu queria era que ele me desse atenção e
me incluísse nas brincadeiras quando eu estava na casa da
vovó. Mas, é lógico que, com o passar do tempo, os
sentimentos foram se intensificando, e a vontade de
atenção para as brincadeiras passou a se tornar vontade
para que ele me notasse. Simples assim.
Pedrinho sempre implicou comigo por isso, e todas as
vezes que eles estavam juntos, brincando no quintal, eu me
escondia dentro de casa e ficava espiando pela janela. Acho
que ele leu o meu diário quando eu tinha doze anos, mas
nunca consegui provar. Enfim, o que importa é que ele
sempre soube que eu tinha uma grande quedinha pelo seu
melhor amigo e não gostava nem um pouquinho disso.
A única vez que eles realmente me incluíam em
alguma coisa era para subir nos galhos mais altos das
árvores para pegar uma bola presa, ou então a fruta mais
madura. E, apesar de muito tímida por estar na presença
daqueles olhos azuis enlouquecedores, eu sempre ia e fazia
tudo o que me pediam, apenas para ver o seu sorriso
satisfeito ao me agradecer.
Até que um dia, tudo mudou. Com quatorze anos,
Marcos, com as suas piadinhas charmosas, me chamou para
assistir um DVD com eles na sala, e apesar de contrariado,
Pedro me deixou sentar ao seu lado. Filme de terror nunca
foi comigo e por mais descolada que eu quisesse parecer,
fiquei muda e completamente apavorada. Me escondi em
seu peito a maior parte do tempo e seu perfume era tão
bom que me distraí completamente ali. Ainda mais quando
ele me abraçou forte e sussurrou no meu ouvido “está tudo
bem, eu estou aqui”. Isso quase me fez desmaiar de
emoção.
Desse dia em diante, ele passou a me enxergar com
outros olhos e eu não poderia estar mais feliz por isso. 
Marcos então me roubou um beijo atrás da
barraquinha de milho da festa junina da escola. Era seu
último ano no colégio, ele poderia estar curtindo com os
amigos, mas preferiu estar comigo. Meu primeiro beijo foi
mágico e depois disso não nos desgrudamos mais, nos
encontrando escondido sempre que podíamos.
Há mais de um ano estamos nesse namorinho
escondido, trocando SMS's e beijos quentes que me deixam
vermelha e calorenta. Agora que ele tem um carro então?
Achamos um mirante perfeito para os nossos encontros.
Mas nada nunca passou e alguns amassos, até ontem.
Ah! Ontem foi perfeito. 
Tudo no momento certo, do jeito que eu sempre
sonhei em ter a minha primeira vez: com o menino que eu
amo, que me trata bem e me respeita. Sim! Eu o amo! E, foi
ontem também que eu disse pela primeira vez em voz alta
para que ele não tenha nenhuma dúvida sobre esse
sentimento. Hoje vamos nos encontrar novamente. Vou
descer pela árvore de novo, entrar escondida em seu carro
e vamos para o nosso lugar especial. 
Sonho acordada o dia inteiro esperando por esse
momento, até que ele não aparece de noite… ou responde
as minhas mensagens. Começo a ficar aflita e preocupada,
quando, depois da meia-noite recebo uma mensagem que
preferiria não ter recebido, assim ficaria na ignorância e não
sofreria tanto.
 
Marcos: Acabou.
 
Preciso pensar em mim e no meu futuro. Vou fazer
faculdade e sair desse buraco que é essa cidade.
Principalmente agora que já consegui o que eu queria e não
preciso de você empacando a minha vida. Segue sua vida
também, porque pra mim, a diversão da conquista acabou.
Já tive o que eu queria, e vou te dizer… não foi tudo isso. 
 
A mensagem de texto fica pairando na minha mente
por alguns segundos até que eu de fato entenda o que está
acontecendo. Ele foi embora e não se deu ao trabalho nem
de me ver pessoalmente e terminar tudo comigo, falando na
minha cara que não queria mais nada.
Minha banda preferida toca ao fundo e uma música
nunca combinou tanto com o que eu estou sentindo no
momento:
 
I fall asleep by the telephone
Durmo em cima do telefone,
It's two o'clock and I'm waiting up alone
São duas da manhã e eu estou sozinho esperando
Tell me, where have you been?
Me diga, por onde você tem andado?
I found a note with another name
Eu encontrei um bilhete com outro nome
You blow a kiss, but it just don't feel the same
Você manda um beijo, mas ele simplesmente não parece o
mesmo
'Cause I can feel that you're gone
Porque eu posso sentir que você se foi
 
I can't bite my tongue forever
Eu não posso morder minha língua para sempre
While you try to play it cool
Enquanto você tenta fazer isso parecer legal
You can hide behind your stories
Você pode se esconder atrás da suas histórias
But don't take me for a fool
Mas não me faça de idiota
 
You can tell me that there's nobody else (But I feel it)
Você pode me dizer que não há mais ninguém (Mas eu
sinto!)
You can tell me that you're home by yourself (But I see it)
Você pode me dizer que você está em casa sozinha (Mas eu
vejo!)
You can look into my eyes and pretend all you want (But I
know, I know)
Você pode olhar nos meus olhos e fingir o que quiser (Mas
eu sei, eu sei)
Your love is just a lie, lie, lie
Seu amor é só uma mentira (mentira, mentira)
 
“Your love is a Lie” - Simple Plan
 
O aperto no meu peito começa a ficar mais forte e
essa foi a primeira das inúmeras crises de ansiedade que
tive depois que isso aconteceu. Além de síndrome do
pânico, problemas de autoestima, e claro… uma depressão
silenciosa que não foi curada direito, porque como a boa
filha de farmacêuticos que eu sou, entrei em alguns
remédios para controle de humor.
Bom, tudo isso até eu passar para a faculdade que eu
mais queria, longe de tudo e de todos e mandar essa
subvida pro inferno. Afinal de contas, se ele seguiu o seu
caminho, fazendo faculdade e não se dando ao trabalho
nem de saber se eu estava bem, eu também deveria fazer o
mesmo.”
Me relembro dolorida de tudo o que passei, mas
agora, vendo por outro ponto de vista, se o que Marcos diz
for verdade, pra ele deve ter sido difícil também. Por que,
infelizmente, se eu estivesse em seu lugar, sei que não
seria apta para deixá-lo na época, mal consigo pensar em
não ter mais Marcos ao meu lado hoje em dia. 
Observo de relance seus lábios rosados e abro um
sorriso saudoso.
Como é possível ele estar ainda mais bonito que o
menino de dezenove anos da minha memória tão viva?
Me solto do seu abraço apertado, ansiosa para ir ao
banheiro ter alguns minutos de privacidade e pego o meu
celular. Pé ante pé para não acordá-lo, entro e tranco a
porta, soltando um suspiro alto e olho meu reflexo no
espelho, sem ainda acreditar em toda essa loucura que é
estar com ele aqui em Piracicaba novamente. Acho que isso
é a tradução daquele antigo ditado: “Não se pode fugir do
seu destino”.
Lavo o rosto para me refrescar e quando ligo o meu
celular, vejo algumas mensagens de aviso de segurança.
Alguém tentou acessar o meu e-mail, o alarme da
minha sala foi desativado depois de cinco tentativas e,
definitivamente, alguma coisa séria aconteceu na Brumpel.
Sem pensar muito, abro as câmeras da empresa pelo
celular, tentando descobrir alguma informação relevante e
não encontro nada em meu andar.
Ninguém bem intencionado tenta invadir a minha sala
e meu e-mail, muito menos na madrugada de sábado para
domingo. Passo o olho por todos os andares e quando chego
no estacionamento, tenho um estalo ao ver um único carro
parado.
Eu acho que sei quem está nos roubando, mas não
posso apontar dedos sem descobrir a verdade, e eu preciso
fazer isso agora.
 
Pé ante pé, volto para o quarto e vou até a minha
mala, visto uma calça jeans, uma camiseta e um tênis,
pronta para a viagem. Olho para Marcos esparramando na
cama e fico com pena de acordá-lo nessas circunstâncias.
Ele parece tão tranquilo e em paz dormindo que resolvo
deixar um bilhete explicando rapidamente o porquê de eu
estar indo embora. Procuro em minha bolsa qualquer
pedaço de papel, mas não consigo encontrar. Pelo menos a
caneta que carrego comigo está aqui, por isso uso o espaço
de um guardanapo para escrever:
 
“Precisei voltar para São Paulo com urgência.
Aconteceu um imprevisto.
Clara”
 
Isso vai ter que bastar, até porque a caneta está
falhando e não tenho outra opção. A explicação curta é o
suficiente e eu espero que ele entenda.
Saio do quarto com um estranho sentimento de perda
apertando o meu peito por deixá-lo para trás, mas preciso
descobrir o que está acontecendo o mais rápido possível.
Assim que entro no carro, a fala de Layla no casamento da
Lia vem em minha memória: 
 
“Estou praticamente em uma reabilitação, você não
tem ideia do que as pessoas fazem quando elas não sabem
que estão sendo filmadas.”
 
O problema maior é que eu tenho acesso a gravações
de todos os meses da empresa pelas câmeras de segurança
e eu já vi aquele carro no estacionamento da empresa
várias vezes. Pior de tudo, eu vi Fátima agindo estranho
bem debaixo do meu nariz e não fiz absolutamente nada.
Não liguei uma coisa com a outra.
Ela começou a agir dessa forma pouco antes da minha
posse do cargo de CEO. Se eu fizer as contas, foi mais ou
menos na época em que as saídas no caixa da empresa
começaram. Como eu disse, não posso acusar ninguém,
mas preciso ter acesso ao meu computador para ver
exatamente o que aconteceu nas câmeras da empresa.
Acelero o máximo possível, sem colocar a minha vida
em risco, com a cabeça a mil por hora. Se Fátima é uma
possível cúmplice, preciso descobrir exatamente quem é a
pessoa que tem feito o trabalho sujo. Ela por si só não teria
acesso às contas da empresa para fazer as transações. Com
certeza alguém lá de cima contou com a sua ajuda, e é por
isso que ela tem aparentado estar tão distraída e tensa.
Agora, a pergunta que não quer calar é: quem faria
isso, bem debaixo do nosso nariz, sem medo nenhum de ser
pego nessa falcatrua?
Soco o volante com raiva e tento respirar fundo para
não fazer nenhuma besteira. Preciso manter a calma e a
frieza nessa situação para conseguir desmascarar esses
filhos de uma puta. Para isso, eu tenho que agir
sorrateiramente. O disfarce ideal nessa situação é usar a
minha melhor arma: parecer uma mulher deslumbrada e
alheia a tudo a minha volta. Só assim eles não vão
desconfiar que eu estou quase conseguindo as provas
necessárias para desmascará-los. Esse fingimento eu sei
que consigo fazer muito bem, afinal de contas, fui criada
para ser invisível… nada além de uma esposa troféu.
Loira burra, lá vou eu.
 

 
Acordo tateando a cama em busca da minha mulher,
ansioso para continuar de onde paramos na noite de ontem.
Finalmente ela se entregou para mim, aceitando que somos
destinados a ficarmos juntos desde o princípio. Sei que
pareço a porra de uma menininha falando dessa forma, mas
é a mais pura verdade. Eu e Clara somos tão bons na cama
e fora dela, que ter ela em meus braços me faz duvidar se
algum dia eu poderia encontrar alguém semelhante. Se
Clara definitivamente não me quisesse, é lógico. A única
resposta possível para isso é: não, seria impossível. 
Abro os olhos, ainda sonolento, não satisfeito por ela
não estar ao meu lado e não a encontro em lugar nenhum.
Me levanto em um pulo, como se tivesse levado um choque,
apenas para constatar que ela realmente saiu do quarto.
Enquanto minha mente viaja para longe, já imaginando
onde ela pode ter ido, e se ela resolveu resistir de novo a
nós dois, encontro um bilhete meia boca, não explicando
absolutamente nada.
Estou voltando para São Paulo por que é urgente?
Como assim, porra?
Resisto ao impulso de largar tudo no hotel, entrar no
carro e sair correndo para exigir explicações, mas tento
pensar racionalmente.
Ela largou a mala e tudo seu para trás, com certeza
foi uma emergência, porque eu duvido que ela faria isso em
um dia normal apenas para fugir de mim. Tem bolsa de grife
aqui, sapatos caríssimos que eu sei que ela gosta… enfim,
preciso ser racional, penso, tentando conter o impulso de
quebrar alguma coisa.
Caralho! Por que tudo tem que ser difícil par mim? Eu
estou vivendo uma espécie de purgatório? 
Sem pensar em mais nada, jogo tudo de qualquer
jeito em sua mala, porque sei que se deixar para trás vou
estar ainda mais fodido, e saio do quarto com a roupa de
ontem. Camisa rasgada e sem botões, calça amassada e um
sapato social terrível, parecendo a porra de um adolescente.
Faço o check out, sabendo que os murmurinhos já vão
começar antes mesmo de eu cruzar a porta do hotel, e
assim que entro em meu carro, ligo para ela. Alguma
explicação essa diaba tem que me dar. Se for algo urgente
ou perigoso, eu preciso saber.
“Esse telefone encontra-se desligado ou fora da área
de cobertura.”
Ótimo. Simplesmente, ótimo!
Começo o caminho de volta para São Paulo, tacando o
foda-se para as minhas coisas que ficaram para trás, ou
para os meus pais que estão me esperando desde ontem
em casa para dormir. Depois eu me viro para conversar com
eles, com certeza os velhos vão entender.
Clara não é assim, inconsequente. Nunca foi para o
resto das coisas, além de mim, é lógico. Se ela saiu
correndo a ponto de largar tudo para trás, inclusive eu,
alguma coisa grave aconteceu.
Será que aconteceu alguma coisa com a Laís? Isso
seria um dos maiores motivos para que ela saísse correndo.
Aquelas duas são como irmãs.
Pego o celular, acelerando em uma curva, pronto para
ligar para ela e saber o que aconteceu, independente do
horário da manhã.
— Alô, Marcos? Você sabe que horas são, cara? — do
outro lado da linha Laís pergunta, mas não tenho tempo
para isso.
— Está tudo bem por aí? — pergunto, ignorando o
Opala velho protestando sobre os meus comandos.
Que bela ideia sair com esse carro ontem para
conquistar a Clara. Que péssima ideia foi colocar essa
carroça velha na estrada. Em uma curva ele praticamente
esperneia para virar, e passar de cem por hora é pedir pro
motor esquentar até fundir.
— Claro que aqui está tudo bem. Por quê? Aconteceu
alguma coisa com a Clara? Seu plano deu errado? — ela
pergunta, parecendo bem mais desperta.
— Aparentemente tinha dado certo, até eu acordar e
ela não estar na cama hoje, deixando um bilhete ridículo
falando que ia para São Paulo — digo puto e acelero um
pouco mais, fazendo o motor rugir mais alto.
— Se não aconteceu nada comigo, foi com a Brumpel,
com certeza — ela diz, me fazendo ver a razão.
— Acho que já sei o que é. Obrigado — digo, pronto
para desligar, mas antes escuto ela gritar ao fundo.
— Cuidado com essa furreca velha na estrada! 
  Será que ela descobriu algo sobre a empresa? É o
mais provável para ela sair correndo desesperada.
Acelero ainda mais na curva, sabendo que o carro não
aguenta mais do que isso, levando-o ao limite. Quando vejo
os faróis grandes de um caminhão à minha frente, piso no
freio tentando parar, mas instantaneamente sei que é tarde
demais. Jogo o carro para a esquerda tentando minimizar os
danos, e a última coisa que eu consigo me lembrar, ou ver,
é a minha cabeça indo de encontro ao volante.
Essa porra não tem airbag .
 
Entro na Brumpel com sede de vingança, mas como
imaginei, o carro preto não estava mais no estacionamento.
Tudo bem, eu tenho filmagens e filmagens para ver e,
provavelmente, não vou gostar de nada do que vou
encontrar.
Estar aqui em pleno domingo de manhã é estranho.
Claro que algumas poucas pessoas trabalham hoje,
ganhando bem mais do que as pessoas que trabalham de
segunda a sexta, mas não cruzo com ninguém no corredor,
o que é um alívio. Calça jeans, all star, camiseta e cabelo
sujo amarrado em um coque baixo não é o look ideal para a
CEO.
E isso levantaria suspeitas. 
Entro no corredor procurando por alguma coisa
diferente, mas não encontro nada fora do lugar. Nem um
papelzinho sequer. Tiro uma foto da organização da mesa
de Fátima e começo a minha busca, sem saber ao certo o
que estou procurando. Em sua mesa tem papéis e mais
papéis inúteis, milimetricamente organizados, os quais tomo
cuidado para mexer, mas não tirar do lugar. Procuro em
suas gavetas e não acho nada. Quando estou prestes a me
bater por desconfiar de alguém que está comigo há tantos
anos, noto a sua inseparável agenda. Cheia de post-its, com
inúmeras e inúmeras anotações, percebo que ela mistura o
profissional com o pessoal, anotando até mesmo os dias de
sua menstruação.
Apesar de milhares e milhares de coisas inúteis, uma
coisa me chama atenção: a única vez que ela usou cor de
caneta vermelha foi para circular a data de certos dias
específicos com uma seta apontada para cima. Isso
aconteceu entre a minha posse como CEO e,
esporadicamente, alguns dias depois disso. Essa marcação
me intriga, mas como não existe nenhuma legenda, tiro foto
de todas as páginas que encontro essa marcação e volto
tudo milimetricamente para o lugar.
Comparo com a foto que tirei antes de mexer em tudo
e vou para a minha sala com a cabeça fervendo. 
O que eu esperava? Encontrar escrito com caneta de
glitter: dia em que eu roubei a Brumpel , em um diário?
Obviamente isso não iria acontecer, mas não custava nada
tentar. 
Olho tudo e parece exatamente como eu deixei antes
de ir para Piracicaba, o que acaba me deixando ainda mais
frustrada. 
Soco o tampo da minha mesa com ódio, e assim que
olho para o lado, me lembro do motivo pelo qual eu saí
correndo como uma louca. Eu tenho acesso a todas as
câmeras da empresa, então, o que me resta fazer é assistir
dia após dia, tentando entender alguma ligação com essa
merda. Começando, é claro, por essa madrugada. Quero
saber o por que alguém invadiu o meu escritório e,
principalmente, quem foi.
Pelo monitor ligado, volto algumas horas e encontro o
carro preto parado no estacionamento. Curiosamente não
dá para ver quem está dentro do veículo e a quem ele
pertence, mas uma Fátima muito diferente, com capuz e
moletom, tenta entrar na minha sala. Apesar de tentar
disfarçar, ela olha diretamente para a câmera, deixando
claro quem é que está fazendo isso e vai embora com as
mãos vazias pela saída de emergência.
Tento ver pela câmera a saída do carro, mas não
consigo pegar placa ou descobrir quem está dirigindo, o que
se torna muito frustrante para mim.
Com o relatório em mãos, volto às filmagens e
começo a assistir dia após dia de rombo no caixa,
procurando algum padrão, agora que já sei o que procurar.
Ela está envolvida, eu tenho certeza disso, mas não consigo
acreditar que é a pessoa que faz todas as movimentações.
Fátima não tem acesso a conta nenhuma da empresa, não
teria como maquiar esses relatórios e depois passar batido.
Além do mais, o carro preto misterioso aparece algumas
vezes, mas não todos os dias, o que quer dizer que ele não
é um funcionário da empresa. Sempre na mesma vaga na
qual as câmeras não pegam direito, sempre fazendo com
que ela entre parecendo apreensiva e saia apavorada. Sua
postura corporal e expressões não enganam ninguém.
Pego uma folha e começo a rabiscar todos os dias que
tirei foto da agenda de Fátima, procurando pelo relatório
financeiro com o furo. Se realmente for o que eu estou
pensando, essa organização será a sua ruína.
16/10 - furo no relatório, setinha para baixo em sua
agenda. 
21/10 - furo no relatório, setinha para baixo em sua
agenda novamente.
E por aí vamos seguindo o padrão, até o último rombo
que descobri, coincidentemente, o dia em que eu a peguei
no flagra pela primeira vez enquanto estava vigiando o
Marcos. O fatídico dia das flores e da ameaça de assédio.
Me reprimo pela inocência que tive ao achar que ela estava
tendo um caso com algum funcionário e respiro fundo
tentando controlar o meu tremor.
Acho que preciso de mais café .
Mal posso esperar contar para o cachorro sem
vergonha, que não é tão cachorro assim, afinal. Ele com
certeza vai enxergar alguma coisa a mais e ter uma ideia
para que eu descubra o mandante. Se eu não cavar mais
fundo, vão demitir a Fátima e deixar enterrada essa história.
Preciso achar mais algumas ligações antes de expor toda
essa merda.
Continuo por mais algum tempo com as minhas
anotações, ansiosa, cansada e, definitivamente, me
sentindo traída. Impossível não se sentir assim quando você
trabalha há anos com a pessoa e ela te apunhala pelas
costas. Eu e Fátima sempre fomos um bom time, sua
eficiência completou a minha desordem, por isso, não
imaginei que ela faria algo assim. Mas é como dizem: “O
pior cego é aquele que não quer ver”.
Quando vou ao banheiro para lavar o rosto, já
sonolenta e com a cabeça girando com tantas informações,
percebo pela janela aberta os primeiros raios de sol da
manhã entrarem por ela, me dando um susto grande.
Não é possível que eu virei o dia e a noite assistindo a
filmagens e anotando tudo como uma louca, não comi nada
e ainda estou de calça jeans e tênis! Daqui a pouco os
funcionários chegam, e se me encontrarem aqui desse jeito,
vão desconfiar. É melhor seguir o meu plano de permanecer
como uma loira burra, que está alheia a toda essa situação.
Dessa forma, ninguém desconfiará de mim, e eu posso ter
mais liberdade para procurar a fundo. Afinal de contas,
parecer fútil é a minha melhor arma agora. Ninguém
desconfia de uma mulher altamente produzida, loira e que
só fala de bolsas e sapatos.
Saio correndo sem pensar em muita coisa, ansiosa
para tomar um banho, parecer apresentável e voltar para a
minha investigação como se nada tivesse acontecido.
Assim que chego em casa e vejo um chupão
particularmente dolorido no meu seio, sinto uma saudade
imensa de Marcos. Será que ele já voltou para São Paulo?
Por que não me ligou assim que acordou? Será que ele ficou
com raiva de mim por não ter esperado ele acordar? O pior
sentimento me abate: e se ele tiver decidido que depois que
eu me entreguei, acabou, como anos atrás?
Revoltada, já pronta para gritar e espernear se for
preciso, pego o meu celular esquecido na bolsa para ligar
para ele. Assim que seguro o aparelho em mãos, percebo
que está descarregado e solto um grande suspiro de alívio.
Ele pode, sim, ter me ligado, eu que não consegui
atender.
Conecto o cabo e esses poucos minutos que se
passam até que o aparelho ligue me deixam em um estado
extremo de ansiedade. Assim que a maçãzinha aparece e as
notificações começam a carregar, sei instantaneamente que
alguma coisa aconteceu.
Milhares de ligações da Laís, do Pedro e da Luíza.
Mensagens e mais mensagens perguntando onde eu estou e
dizendo que precisam falar comigo urgente.
Alguma coisa realmente aconteceu.
Antes que eu consiga processar e tomar alguma
atitude, o aparelho toca de novo em minhas mãos e o nome
de Pedro aparece no visor me assustando. Atendo afoita,
ansiosa para saber o que houve e ele grita do outro lado da
linha:
— Alô? — pergunto apreensiva.
— Onde diabos você estava? Estamos te procurando
há horas! — sua voz parece muito brava e eu me sinto
gelada, porque ele não falaria assim comigo se não fosse
algo realmente importante. — Marcos está em um bloco
cirúrgico, porque saiu correndo igual a um maluco atrás de
você, e se enfiou debaixo de um caminhão. Vem pro
hospital agora!
Sinto que perco o chão e o celular cai da minha mão
antes mesmo que eu consiga responder alguma coisa. Noto
que ele continua falando e me obrigo a me mover,
recuperando o celular e o colando na orelha.
— … porque ele com certeza iria querer você ao lado
quando acordasse, então vem logo pra cá.
— Ele está bem? — sinto minha voz falhar e Pedro
solta um suspiro alto, antes de responder mais contido.
— Eu não sei. Só vem pra cá, ok, Clarinha? Vai dar
tudo certo — ele diz e desliga o telefone, me enviando o
endereço logo em seguida por mensagem.
Marcos está em um bloco cirúrgico. Ele teve um
acidente de carro vindo atrás de mim.
Como eu posso conviver com essa culpa se algo pior
acontecer a ele?
 
Sem condições de dirigir, fiquei à mercê de um Uber ,
que me trouxe desesperado para o hospital quando viu o
meu estado. Acho que nunca chorei tanto em toda a minha
vida, mas agora, abraçada a Laís e a Luíza, uma de cada
lado me dando força, sinto que poderia morrer neste
momento de tanto desespero.
Ele não pode morrer.
Eu me recuso a acreditar que depois de tantos anos
esperando por ele, tentando superá-lo, e quando finalmente
eu e Marcos conseguimos nos resolver, o destino me prega
essa peça. Isso não me parece nem um pouco justo.
Não pode acontecer o pior.
Como todos chegaram depois dele no hospital público
no qual foi trazido, não sabemos ao certo o que está
acontecendo. O inconsequente só conseguiu ser
reconhecido porque o celular estava por perto quando ele
se acidentou. Sua carteira não foi localizada por ninguém,
em lugar nenhum, dificultando assim a sua identificação. 
Imagina morrer como indigente e nunca sabermos
que diabos aconteceu com ele? Meus Deus, que terror!
Sorte que o contato de emergência de Marcos era
Pedro, e assim eles conseguiram falar com o meu primo,
depois que ele já estava instalado no hospital. Apesar de ele
ter dado certa sorte, ainda não conseguimos entender o que
aconteceu. 
Na verdade, a única coisa que eu consigo fazer é
chorar descontrolada.
A cabeça dispara: tanta coisa em vão! Tanto tempo
perdido com bobagens, tanto orgulho para nada. Começo a
lembrar de todos os momentos que poderíamos estar
juntos, mas o rancor falou mais alto. Assim como o meu
coração, só de pensar em não termos mais tempo para criar
novas memórias. As orações aumentam e as lágrimas
descem. 
A vida é um sopro e isso nunca me pareceu tão
correto. Desesperador.
Pedro disse que conversou com o motorista e que
realmente a culpa foi toda de Marcos, que estava
acelerando mais do que o carro aguentava em uma curva
fechada e não viu o caminhão até ser tarde demais. Apesar
disso, ele conseguiu jogar o carro para fora da colisão, e foi
isso que não o deixou morrer na hora.
Graças a Deus.
Agora é aguardar.
A angústia é traiçoeira e apesar de não ter visto nada
sobre o acidente, em minha mente fico imaginando os
piores cenários possíveis. Em um acidente entre um carro e
um caminhão, o carro sempre sai tão detonado, que ter
pessoas saindo vivas e sem nenhuma sequela parece
praticamente um milagre. Me agarro a isso com todas as
forças para conseguir suportar a dor de não saber se ele
está bem.
Vendo minha angústia, Luíza pede para alguém me
dar algum remédio que faz com que a adrenalina em meu
sangue abaixe e eu me sinta praticamente dopada. Eu não
precisava de calmantes, e sim, de respostas, e apesar de
lutar bravamente com os meus olhos que querem fechar,
não sou forte o bastante.
Cochilo por alguns minutos no colo de Laís, que faz
um carinho protetor em meus cabelos, e apago de tão
exausta que estou.
Mais de dois dias sem dormir. O corpo cobra caro o
estresse, e por mais que eu não consiga descansar
verdadeiramente, pelo menos paro de ter que ficar
respondendo a cada cinco minutos que eu estou bem. Me
perco em uma linha tênue entre realidade e sonhos, em um
delírio estranho. Não sei quanto tempo passa, mas quando
Pedro me sacode para que eu acorde, me levanto ainda sem
despertar totalmente para ouvir o que ele tem a dizer.
— Ele está acordado, pode entrar um só no quarto.
Quer ir primeiro? — ele pergunta com delicadeza e eu me
obrigo a abrir os olhos e a acordar.
Se ele está acordado também, isso quer dizer que ele
está bem. No mínimo vivo, e isso já me dá o gás necessário
para que eu me desperte totalmente, confirmando como
uma louca com a cabeça.
— Claro! Por favor, me leva lá — imploro com a voz
ainda embargada.
O hospital em que estamos tem as paredes pintadas
de um amarelo encardido e apesar de sempre ouvir falar
sobre as filas e mais filas que o SUS tem, não vejo tantas
pessoas assim enquanto sigo a enfermeira pelos corredores.
Acima de tudo, preciso ser grata a essas pessoas por
cuidarem com agilidade dele e mesmo odiando não ter
nenhuma resposta nas últimas horas, se ele está vivo, está
tudo bem.
A enfermeira me deixa na porta do quarto e vai cuidar
de outros afazeres, me deixando sozinha e em um estado
de ansiedade louco. Aperto as mãos, aflita, e entro em um
quarto com várias camas separadas por cortinas. Como não
sei exatamente o que esperar, engasgo um soluço quando
vejo um homem enrolado em bandagens, com a perna para
cima.
É muito pior do que eu pensava.
Ah! Meu Deus! Marcos!
— Seu filho da mãe, tá querendo me matar de susto,
é? — digo, me sentando na cama ao seu lado. — Pra quê
andar igual louco naquele carro caindo aos pedaços? Sentiu
tanta saudade que quis parar de sofrer? Tá maluco? —
reclamo, fungando o nariz e coloco com cuidado a mão em
sua perna, sem querer machucá-lo. — Eu acho que nunca
fiquei tão desesperada em toda a minha vida... — começo a
divagar, porque preciso colocar para fora todo esse
sentimento ruim quem está dentro de mim — isso colocou o
nosso relacionamento em perspectiva para mim, sabia? Me
lembrar que a vida é um sopro, que a qualquer momento
você poderia partir e eu teria perdido todos esses últimos
anos vivendo a base do rancor, me fez ver o quão errada eu
estava. Você precisa sair dessa para fazer uma piadinha
sobre a minha aparência e pelo quão chorona eu estou. —
Volto a chorar, e dou de ombros. inconformada. — Poxa,
Marcos, força, meu amor! Se recupere, para eu poder falar
pessoalmente para você, olhando em seus olhos, o que eu
só falei uma vez em toda a minha vida — suspiro e falo
baixinho —, eu amo você.
Me levanto e me aproximo mais dele, chegando perto
do seu rosto, procurando algum lugar entre as bandagens
onde eu possa lhe dar um beijo suave. Mas, quando estou
quase alcançando a sua boca, uma voz muito parecida com
a dele diz, me assustando completamente:
— Se eu fosse você não beijava esse cara. Não faço
ideia de quem ele é e porque está aqui
Me afasto no susto, e balanço a cabeça, tentando
clarear as ideias.
Eu estou sonhando ainda?
— O quê…? — murmuro confusa, e ele solta uma
risada baixa, mas ainda parecendo triste.
— Estou na maca do lado, Clarinha.
Saio desesperada para o lado, deixando o homem
enfaixado dormindo e praticamente arranco as cortinas ao
cravar os olhos em Marcos. Ele está bem acordado, com
seus olhos tempestuosos, e apesar de todo roxo e com o
braço enfaixado, muito melhor do que o seu companheiro
de quarto.
— Seu cretino! Por que me deixou acreditar que você
era o cara do lado? — digo me aproximando e dou um
tapinha em sua perna. Me reprimo ao vê-lo se contorcer,
mas ele se mantém firme com o risinho irritante no rosto.
— Você realmente está horrível, meu Deus! Foi
atropelada? — Sua ideia de piada é realmente de muito mal
gosto e eu reviro os olhos antes de me aproximar dele com
ainda mais cuidado.
Eu preciso apenas checar se ele está realmente bem.
Só isso.
— Engraçadinho! — respondo, abrindo finalmente o
meu primeiro sorriso desde quando cheguei aqui — O que
aconteceu? 
— Tive traumatismo craniano, colocamos seis pinos
nesse braço inútil e eu fiquei na fila de espera da cirurgia de
trauma — ele responde como se não fosse nada demais, e
completa falando mais baixo —, mas pode ficar tranquila, a
mão que faz você desmanchar de prazer é a esquerda.
Sorte a sua que eu sou canhoto. Tá tudo certo.
Seu olhar ainda é triste e tenho certeza que ele está
sofrendo, com bastante dor. Apesar disso, vejo que ele quer
aliviar o máximo possível o fardo pra mim e isso faz com
que eu o ame mil vezes mais.
— Você é impossível! — respondo, ainda mais próxima
— Fez isso só para ser mimado por todos, né? Agora vem cá
e me dá um beijo, porque eu não posso ficar viúva sem
casar. Seria triste nunca usar o vestido branco dos meus
sonhos, ok?
— Eu nunca faria isso com você. — Seu sorriso se
amplia um pouquinho mais, mas quando me aproximo,
quase colando seus lábios nos meus, ele balança a cabeça.
— Agora, antes de fazer todas as suas vontades, se eu não
me engano, ouvi você dizer algo sobre eu me recuperar
para você me dizer algo que só disse uma vez na vida…
Sinto as minhas bochechas esquentarem, e apesar do
acesso em seu braço bom, ele tenta alcançar a minha mão,
segurando-a com o que eu presumo ser força, mesmo com
seu estado tão frágil.
— Ah! Sobre isso… — digo baixo, colando, mesmo que
muito brevemente, a sua boca na minha — Eu amo você,
seu cachorro. Não ouse morrer antes de sermos velhinhos,
cheios de filhos e netos, porque se isso acontecer, eu vou te
caçar até no inferno. 
 
A transferência de Marcos para um hospital mais
próximo da empresa e da minha casa aconteceu um dia
depois que ele acordou da cirurgia. Apesar disso, a sua
recuperação foi mais lenta do que imaginamos, porque a
cicatrização não foi das melhores, infelizmente.
Dessa forma, deixei todas as preocupações com a
empresa em segundo plano e passei a cuidar dele, em
todos os momentos livres que consegui. Nos tornamos o
casal mais meloso daquela unidade médica, e isso me
deixava envergonhada e feliz na mesma proporção. Mas,
fazer o quê se nós não podemos fazer mais nada além de
conversar e dar uns dois ou três beijinhos rápidos?
Precisamos aprender a viver além do sexo e das pegações
loucas, e o carinho desprendido e as conversas inteligentes
e envolventes me cativaram talvez ainda mais.
Quem diria que eu e ele nos tornaríamos um casal,
depois de tanto tempo separados?
É inacreditável que perdemos tanto tempo com
besteiras e rancor. No trabalho, foi mais difícil do que nunca
manter a pose, mas eu acredito que esteja conseguindo.
Com a notícia de Marcos hospitalizado, felizmente consegui
uma desculpa para agir de forma estranha sem levantar
suspeitas, e apesar de não ter letreiros brilhantes escritos
em nossa testa e uma aliança rosa neon em meu dedo,
aparentemente estava claro para todos, muito mais do que
para mim, que pertencemos um ao outro.
— Você quer comer alguma coisa em específico?
Estou saindo da Brumpel e vou comprar o que quiser — digo
do outro lado da linha. Mais alguns dias e ele será liberado
do hospital, mas todos os dias eu o tenho mimado como se
fosse o último, porque no fim, pode realmente ser.
— Ah! Eu gostaria de comer uma coxinha. Na verdade,
pode trazer três — ele diz e eu gargalho.
— Tá bom, seu guloso — alfineto, mas ele completa.
— Convidei uma visita — como o acesso do hospital
ainda não está completamente livre para visitas, fico com
uma pulguinha atrás da orelha, mas resolvo não render o
assunto e aguardar.
— Tá bom. Mais alguma coisa? — contenha o seu
impulso de questionar quem é a pessoa, contenha o seu
impulso de questionar quem é a pessoa. — Quem você
chamou?
— Surpresa — e dizendo isso o safado desliga o
celular em minha cara e eu solto um bufo alto.
Eu quero saber, então é melhor correr. 
Passo na padaria, compro as tais coxinhas, uma coca
grande gelada e subo para seu andar correndo. Se Marcos
não quis me falar quem é a tal visita, tenho cem por cento
de certeza que não vou gostar muito das novidades. Por
isso, quando abro a porta ainda esbaforida e assusto sua
companhia, nem me abalo com o que vejo.
Louise, a razão do mal entendido da paternidade está
segurando a mão do meu namorado com um olhar
pesaroso. Marcos, apesar de ter a sua mão boa na mão de
outra mulher, não parece tão confortável, mas assim que
me vê abre um sorriso grande, chamando atenção da
mulher.
— Clarinha, tudo bem? Como foi o seu dia? — ele
pergunta, e como não faço questão de responder, continua
como se nada tivesse acontecido — Você se lembra da Lou?
A convidei para uma visita.
Observo a mulher que parece que vai desmaiar de
tanto nervoso, mas que balbucia um olá. Estreito os meus
olhos, mas só respondo depois que deixo a coxinha e a Coca
cola em cima da mesa e guardo a minha bolsa.
— Boa noite, Louise, tudo bem? — respondo,
oferecendo a minha mão, que ela hesita, mas aperta sem
jeito.
— Boa noite, dona Clara. — Seu jeito acuado só me
faz pensar que ela realmente tem algo a esconder, mas
ignoro essa pulguinha atrás da orelha. Vou até Marcos, que
tem um olhar tenso, mas ao mesmo tempo ansioso e lhe
dou um selinho mais demorado do que o aceitável.
— Boa noite, amor. Passou bem o dia? — pergunto,
tentando entender alguma coisa nessa situação.
Claro que eu não preciso nem dizer que estou
morrendo de ciúmes, mas ele sabe disso, e se teve o
trabalho de trazê-la aqui de qualquer forma, algum bom
motivo tem.
— Tudo bem. Hoje jogamos bingo com as enfermeiras
— ele diz dando de ombros e eu contenho a risada. Com
certeza ele iria inventar mais alguma loucura para passar o
tempo. — Bom, vocês duas devem estar se perguntando
porque estamos os três aqui reunidos. Como eu não posso
sair do hospital para marcarmos uma reunião, achei melhor
não procrastinar mais. Clarinha, você precisa resolver de
uma vez por todas a situação da Brumpel, e como não
conseguimos cavar mais nada, a Lou vai nos ajudar — ele
diz com tanta confiança que a mulher nos olha surpresa,
tentando entender do que estamos falando.
— Marcos! — o repreendo horrorizada.
Ele não pode contar sobre isso para uma funcionária
qualquer. O pânico em meu olhar diz a ele o quanto eu não
estou nada confortável em expor o que tem acontecido.
— Confia em mim, amor — sua frase me desmonta e
eu cruzo os braços, travando a minha boca em uma linha
fina. — A reunião de resultados está chegando, se você não
tiver nada concreto, só Deus sabe o que vai acontecer.
Desde quando voltamos do noivado da Luíza e do
Pedro, tenho investigado mais a fundo Fátima e todas as
suas companhias na empresa, mas não encontrei
absolutamente nada. Se Marcos tem algum plano, mesmo
que horrível, eu preciso aprender a confiar. 
— Estou perdida aqui — Louise diz, dando alguns
passos para trás, pronta para correr.
— Lou, você confia em mim? — Marcos diz e eu
resmungo, enciumada pela forma que ele fala. Ela confirma
com a cabeça, mas olha com desconfiança em minha
direção — Precisamos da sua ajuda. Espero que possa
contar com você, de verdade. No momento, não vejo outra
salvação para Brumpel além de você.
— Preciso que você descubra quem está roubando a
Brumpel. O filho da puta, ou a filha da puta, é do seu setor,
com certeza. Estamos em um beco sem saída, e uma
pessoa infiltrada no setor seria de grande ajuda. 
Ela olha para ele, como se fosse decidir se é
pegadinha ou verdade, e quando vê que não estamos
brincando, fica completamente chocada.
— Roubo? No financeiro? Sério? — ela questiona, mas
abre um sorrisinho depreciativo antes de dizer. — Claro que
seria no financeiro, dã. — Tento com todas as forças não rir
da sua expressão, mas estou tão cansada emocionalmente
que ter alguém disposta a me ajudar é mais importante do
que o meu ciúme, definitivamente. 
— Bom, já que temos uma nova aliada e membro do
time dos vingadores da Brumpel, pega uma coxinha e
vamos conversar — digo abrindo a caixa do delivery e
oferecendo para os dois a melhor coxinha de São Paulo,
antes de começar a falar.
 
É difícil admitir, mas Louise é realmente uma pessoa
legal, e por mais que doa lá no fundo dizer isso, entenderia
se Marcos realmente quisesse ter algo a mais com ela. Dito
tudo isso, ainda bem que ele não desistiu de mim e
manteve tudo na amizade, porque assim eu posso gostar
dela e ser amiga da garota, sem culpa no cartório e
qualquer sentimento ruim.
Na empresa, obviamente não podemos ter nenhum
tipo de contato ou envolvimento para não levantar
suspeitas. Raramente nos encontramos, mas a mulher é tão
atriz que toda vez que me vê fecha o cenho e passa
rebolando, me ignorando totalmente, apenas para depois
mandar várias figurinhas e emojis rindo. No grupo do
whatsapp ela é a primeira a mandar os memes e os bons
dias mais inusitados.
Louise é de suma importância para que tudo dê certo
e sua missão não é nada simples, mas ela não perde o bom
humor e a positividade de que vamos conseguir. Com esse
pensamento e sua ajuda, eu também tenho esperança que
isso seja verdade e que enfim consigamos solucionar esse
grande mistério problemático.
Mandei para ela a foto parcial do carro preto, e ela
infelizmente não conhece o dono. Mas, apesar disso, contou
algumas informações valiosas sobre como está a dinâmica
no setor com a saída do antigo diretor, Carlos Augusto. Com
isso, consegui ter um vislumbre e munição para entender o
que está acontecendo por lá e assim traçar algumas
estratégias. Preciso ser esperta e ardilosa com quem dou
poder, daqui para frente, isso é muito importante.
Victor Borges, o novo diretor, é muito autoritário, além
de ser um babaca de carteirinha. Aparentemente, é por isso
que tem centralizado a maioria do trabalho em si próprio,
deixando a maioria dos funcionários ociosos e sem muita
abertura para pesquisas de Lou. O homem, que já era difícil
de engolir, agora passou a ser intragável, e se acha melhor
do que Deus, aparentemente. As piadinhas e o assédio são
uma linha tênue. Se antes não gostava nem um pouco do
cara sem noção que jogava uma cantada ou outra pra cima
de mim, saber que ele tem disso como um hábito com as
meninas no seu setor já seria motivo para uma demissão
por justa causa. Apesar disso, ela me contou que ele é
muito esperto e sempre deixa tudo no duplo sentido, para
que não haja real motivo para uma denúncia no RH, por
exemplo. Dessa forma, não posso fazer nada que levante
suspeitas.
Louise nos contou que Fátima raramente apareceu no
setor, exceto a vez que eu fui visitar e outras duas para
pegar relatórios que eu mesma pedi. Já sabia disso, porque
fiquei voltando todas as filmagens e nunca a vi lá, mas ela
me confirmar me deu muito o que pensar. Inclusive, isso é
uma das coisas que mais a chocou nessa história. Fátima
estar envolvida não faz o menor sentido para ninguém,
inclusive para Lou, já que ela não demonstra ter
envolvimento nenhum com ninguém da empresa. De toda
forma, minha espiã está atenta a tudo, e assim que
perceber algum movimento estranho, vai me dizer. 
Entendo que para ela é difícil, porque isso faz de
todos os seus amigos de trabalho suspeitos, mas a verdade
precisa prevalecer. Preciso confiar em sua integridade e que
ela está disposta a me ajudar, porque a reunião do conselho
está chegando e eu não tenho nenhum plano C. 
A situação é crítica: ou conseguimos desmascarar a
pessoa certa, ou o conselho vai me tirar da presidência e
enfiar algum outro almofadinha em meu lugar.
Tranco a minha sala durante o horário de almoço,
desconfiada de tudo e de todos depois do flagra de Fátima
invadindo o meu espaço, e desço pelo elevador com a
cabeça girando, cheia de pensamentos.
Precisamos resolver isso!  
Eu, definitivamente, estou deixando algo passar, e
quase me bato de raiva, por não conseguir saber o que está
acontecendo.
Entro no estacionamento com a cabeça a mil por hora,
e tomo um susto ao ver o carro preto no canto extremo
direito. Se hoje esse carro está aqui, provavelmente haverá
algum outro saque na empresa. Destravo o meu carro e fico
escondida. Preciso ver quem é o envolvido, custe o que
custar. 
— Lou, preciso que você venha até o estacionamento,
urgente — mando uma mensagem de voz e ela me
responde com um simples “ok” .
Tento respirar com calma, mas meu coração está
acelerado de tanta adrenalina. O carro está vazio, não sei
ainda quem é o seu dono, mas tiro uma foto da placa por
precaução. Com ela talvez eu consiga rastrear, se não
conseguir nada substancial, apesar de ter fé que hoje vai
dar tudo certo. Louise entra no estacionamento olhando
para todos os lados, e assim que me vê no carro, corre e
entra no banco do carona segurando a sua barriga.
— Nossa senhora, que emoção, meu filho tá até
pulando — ela diz com um sorriso enorme no rosto. — O que
estamos fazendo aqui?
— Bom, aquele é o carro. — Aponto pro pedacinho de
lataria preto que conseguimos ver daqui e ela confirma com
a cabeça. — Quando a gente ver alguma movimentação,
você vai fingir que está mexendo no celular e filmar quem é
a pessoa de dentro dele pra mim. Por que, mesmo se você
não reconhecer, eu talvez saiba quem é, e depois disso, vou
precisar de mais um favor. — Olho para ela com olhos
pidões e Lou abre um pequeno sorriso antes de confirmar
com a cabeça. — Se as minhas investigações e suposições
forem certas, hoje vai ter mais uma retirada da empresa e
eu preciso saber de tudo no setor. Qualquer movimentação
suspeita, alguém agindo estranho, ou qualquer coisa, eu
preciso saber.
— Ih, o Borges tá com a macaca hoje, cuspindo fogo.
Vai ser difícil conseguir alguma coisa — ela diz e eu estreito
os olhos.
— O que o senhor Borges está fazendo no seu setor?
— pergunto e ela me olha como se eu fosse um ciclope com
um olho só.
— Ué, ele é o diretor. De quem você está falando? —
Louise responde e eu pisco duas vezes antes de entender.
Ela está se referindo ao Victor Borges, não o Borges do
conselho.
Nunca parei para pensar, mas será que há alguma
correlação nisso? O sobrenome é comum, mas não tanto
assim.
— Ah! — Antes que eu possa me explicar, ouvimos
saltos e vemos as luzes do carro preto se acenderem,
denunciando que temos companhia e ele foi destrancado. —
Eles estão aqui, corre, Lou, por favor, filma tudo.
Ela sai do carro com o celular a postos, fingindo
digitar e ainda cumprimenta quem quer que seja. Abaixo
completamente, não querendo ser descoberta enquanto o
carro passa por mim e vai embora. 
Meu coração bate tão rápido que preciso respirar
algumas vezes antes de abrir o whatsapp e assistir ao vídeo
que Lou acabou de me mandar. É agora que eu vou
desmascarar esse filho da puta, e com sorte, bolar um plano
para conseguir provar que eles estão me roubando e
conseguir que a justiça seja feita.
 
Mal consigo acreditar quando abro o vídeo e vejo
quem é o dono do carro preto! A vontade de socar a minha
cabeça no volante é grande por não ter visto a verdade que
estava em minha cara, mas a vontade de entrar batendo
com um rolo de tecido incorporando a Laís Castro é maior.
Como nós nunca enxergamos isso antes?
Victor Borges é o responsável pelos desvios de
dinheiro da empresa.
Isso é algo que faz tanto sentido, que não sei como
não conseguimos ver antes o que estava bem claro. Ele
sempre teve um caráter um pouco duvidoso e agora é o
poder máximo no setor financeiro e por isso tem acesso a
tudo o que acontece lá. Além disso, todas as vezes que vi
ele perto de Fátima, a mulher parecia que iria desmaiar. A
raiva que sinto dele é grande, mas tento controlar e seguir
com o plano para que a gente consiga desmascará-lo. Seria
fácil demais entrar batendo o pé, sem prova nenhuma
contra ele além de um vídeo caseiro muito mal feito com
base em suposições. Não! Eu preciso pegá-lo com a mão na
massa e conto mais do que nunca com a ajuda de Lou; ela é
a pessoa que vai conseguir me salvar dessa barca furada,
tenho certeza.
O que mais me chocou não foi ser Victor o cretino de
mão leve, e sim, quem está por trás, provavelmente, sendo
o cabeça de tudo. O carro preto é do senhor Borges, do
conselho, e isso é algo que eu nunca estive esperando. Os
dois apertando as mãos, com aquele sorrisinho nojento
volta em um loop na minha memória. Aquele senhor odioso
está roubando os próprios lucros da empresa que ele
investe, apenas por ganância de ter mais dinheiro do que já
tem? Não duvido que tenha sido ele o mandante de tudo,
apenas para que ele possa me arrasar na reunião do
conselho e enfiar qualquer sobrinho almofadinha em meu
lugar.
E se… ?
Não… não é possível. Eu não poderia ter sido tão
burra em nunca ter reparado o parentesco entre os dois.
Será possível que Victor Borges seja o tal sobrinho estudado
nos EUA que ele queria colocar em meu lugar no começo de
tudo? Por que se isso for verdade… ele pode estar
deliberadamente roubando a empresa apenas para que em
uma próxima votação eu perca por incompetência. Assim,
ele poderia colocar quem bem entender em meu lugar e ter
o controle da Brumpel, roubando o quanto de dinheiro
quisesse, podendo assim levar o meu sonho e tudo o que eu
construí com tanto esforço a falência.
Pego o celular, ainda confusa demais para ter alguma
conclusão real e faço a única coisa possível depois de
assistir o vídeo em um eterno looping: ligo para Marcos. Ele
atende a chamada de vídeo no primeiro toque e vejo em
seus olhos que ele está preocupado. Apesar de já ter saído
do hospital, sua recuperação está muito lenta, e eu o proibi
de voltar para a empresa por enquanto.
— O que está acontecendo? — ele diz, e talvez seja os
meus olhos arregalados ou talvez seja por eu estar dentro
do carro ainda escondida, mas ele sabe que algo não está
normal.
— Descobrimos tudo, Marcos. Você não vai acreditar
de quem é o carro preto — digo baixo, apesar de estar com
os vidros fechados e não ter ninguém por perto.
— Então fala logo, mulher, se eu piorar e infartar a
culpa é sua! — ele diz, ansioso e eu não consigo nem rir da
sua piada.
— É do senhor Borges, do conselho. Mas, o pior não é
isso, e sim, quem está junto com ele nessa falcatrua toda:
Victor Borges. Como nunca percebemos que os dois são
farinha do mesmo saco, amor? — digo revoltada, e ele tenta
manter a calma, apesar de também estar chocado.
— Você tem certeza disso? — Marcos me olha pasmo.
Sua suspeita é completamente aceitável, mas assim que
balanço afirmativamente a cabeça, ele continua a falar —
Se o carro está aí hoje, provavelmente vai haver outro
saque, se seguir a sua lógica, certo?
— Certo. Também pensei nisso — digo e ele confirma
com a cabeça.
— Para um processo jurídico, precisamos do maior
número de provas possíveis. Você fez bem em filmar isso,
vamos juntar provas para fazermos o registro de ocorrência
e abrir o processo. Precisamos de algo mais concreto, por
isso é fundamental você conseguir algo hoje que ligue
Victor ao roubo. Não tenho dúvidas que você vai conseguir,
só precisava de um empurrãozinho para parar de atirar para
todos os lados e focar no tiro certo. — Ele parece
empolgado e confiante, e mesmo falando termos jurídicos
que não entendo, confirmo com a cabeça, sabendo qual é o
meu próximo passo.
— Tudo bem. Vou fazer o meu máximo e sei que vou
conseguir! — digo para ele, mas afirmando para mim
também em busca de confiança. — Obrigada por estar
sempre comigo e me ajudar.
— Não poderia ser diferente. Amo você e logo volto
para a empresa para te atazanar a vida — ele diz e eu abro
um sorriso grande com a sua provocação.
— Estou contando os minutos.
Quando olho para ele, sinto que ainda há esperança.
 

 
Clara Machado é uma mulher intimidante.
Ninguém que eu conheço pensa o contrário, e olha
que até poderíamos nos enganar pelos seus um metro e
meio de altura e aparência de princesa da Disney fofa. Mas,
há algo em seu olhar que faz com que todos a respeitem e
entendam que ela é praticamente Deus dentro da Brumpel.
Até porque, uma genialidade dessas para criar roupas tão
lindas, vem com grandes responsabilidades, isso é um fato.
O que ninguém me contou é que ela não é uma
patricinha mimada vestida de Prada dos pés à cabeça,
muito pelo contrário, ela é uma guerreira. Digo isso, porque,
enquanto eu achei que estava flertando levemente com
Marcos, ela praticamente me atropelou como um trator.
Nessa, nem Deus poderia me julgar, tenho absoluta certeza.
Quando ele se ofereceu para ajudar no que eu
precisasse relacionado a minha gravidez, eu não acreditei.
Homens realmente são porcos! Como eu poderia imaginar
que dias depois ele me enviaria um vale compras de mais
de dois mil reais da farmácia, para comprar fraldas e tudo o
que o bebê precisasse? Muito menos que se preocuparia
com as minhas consultas médicas… e se o plano de saúde
que a Brumpel oferecia era o suficiente. O safado do Caio se
mandou pro outro lado do mundo, em Istambul, apenas
para não ouvir falar do bebê ou sobre ser pai. Ser mãe solo
é triste e desafiador. Neste ponto, qualquer atençãozinha
vira algo gigante e quando uma pessoa que você mal
conhece te estende a mão como Marcos fez, a chance de
desenvolver um belo de um crush é enorme. 
Apesar disso, ele nunca me olhou com segundas
intenções e quando percebi que Clara era realmente a única
no mundo para ele, caiu a minha ficha. Não posso interferir
no amor verdadeiro e muito menos quero fazer isso. Como
disse, ela é uma mulher intimidante e mesmo se não fosse,
ela é simplesmente uma mulher. Eu nunca escolheria fazer
mal para alguém.
Por isso, engoli qualquer tipo de interesse que tive por
Marcos no passado e quando eles me propuseram entrar
nessa loucura de jogo de espionagem, mergulhei de cabeça.
A verdade é que, quando percebi, já estava no rolo, amiga
do casal, ajudando a desmascarar roubos de milhões
empresariais. Muito melhor do que chorando depressiva em
casa, convenhamos.
É por isso que me repreendo mentalmente quando
penso em desistir, já que eu estou observando atentamente
o rato do meu chefe enquanto ele está olhando fixamente
para a tela do seu computador, compenetrado.
Provavelmente é nesse momento que ele está roubando
mais algum dinheiro da empresa para enviar na sua conta
rechonchuda.
Ah! As belas camadas da grávida chorona do setor.
Ninguém desconfia da sua inteligência. Principalmente se a
pessoa mais importante na equação tiver o cérebro do
tamanho de um amendoim e um machismo gigantesco que
não o deixa enxergar um palmo na frente do seu nariz.
Se o babaca em questão tivesse prestado mais
atenção no meu currículo do que no meu decote quando me
contratou, saberia que estudei em um colégio técnico de
informática no ensino médio apenas por hobbie . Eu sei
montar robôs. Sei criar códigos e programas que ninguém
mais conseguiria decifrar. Criei até o meu próprio joguinho
no mercado de criptomoedas, só porque eu estava
entediada e não queria ficar pensando muito no porco que
me largou quando descobriu que iria ser pai.
Hackear um computador empresarial é algo que faço
de olhos fechados. Ainda mais se o idiota em questão
colocar a senha de 6,5,4,3,2,1, como é o caso. Se
trabalhássemos em um banco, seria muito mais desafiador
e divertido, mas aqui, é tudo tranquilo… até demais. Mesmo
assim, fico compenetrada pensando em tudo o que pode
dar errado enquanto filmo a tela e tudo o que o meu chefe
faz durante o dia de hoje. Apesar de Clara garantir o meu
emprego, não sei o quão perigosos esses homens podem
ser. Por isso, preciso me proteger e parecer o mais inocente
e imbecil possível.
Tento executar o meu trabalho, mas checo de tempos
em tempos tudo o que ele está fazendo, e se realmente o
programa que instalei está funcionando. É de extrema
importância que dê tudo certo. Precisa dar. Preciso ajudar os
meus amigos e, principalmente, desmascarar esse babaca
que por acaso é um bandido também. Virou uma questão de
honra.
Duas semanas atrás ele estava no meu radar, mas
ainda não havíamos descoberto que ele era o imbecil
ladrão, eu apenas sabia que ele era um porco de marca
maior.
“— Poxa, uma mulher tão bonita ficando redonda
desse jeito... Gravidez estraga o corpo e a mente de
qualquer uma. Por isso todas as mães são piradas. Apesar
de ser bonita, quero ver daqui há alguns meses — Victor diz
no setor, conversando com os homens que riem da sua
piada de mau gosto.
Seu sorriso cínico se volta para mim e eu protejo a
minha barriga instantaneamente, com repulsa desse
imbecil.
— Você não acha, Lou? — ele pergunta, trazendo a
atenção de todos para mim e para o meu corpo.
Todos os homens me analisam com repulsa, mas
antes que eu possa respondê-lo de alguma forma, ele vira o
celular em minha direção e mostra uma atriz famosa na
tela. Eu sei que o comentário foi direcionado a mim, mas no
fim, ele tem a maldita foto para falar que foi apenas um mal
entendido.
— Não. Eu acho que ela está linda e a maternidade
faz maravilhas com o corpo de uma mulher. Ao contrário
dos homens que ficam broxas, as mulheres ficam com
muito mais libido. Mas, vocês não entenderiam sobre isso…
deixa para lá! — respondo com um sorrisinho no rosto e
saio andando, reprimindo a vontade de voar em seu
pescoço ou sacudi-lo com força.”
Quem sabe assim, quando estiver na cadeia, ele
simplesmente não resolva aprender a ser gente de novo.
Sempre há chance de redenção, mas na dúvida, que essa
oportunidade possa existir enquanto ele estiver trancado
sem fazer mal algum para a sociedade. 
O expediente acaba e enrolo um pouco em minha
mesa, e quando resta apenas Victor e eu no andar, sei que
preciso sair daqui. Pelo menos para que ele não desconfie
de mim.
— Boa noite, senhor Borges — digo, pegando a minha
bolsa e ficando em pé, enquanto ele está compenetrado em
seu computador.
— Nossa, Lou, olha a hora! — Victor exclama,
enquanto começa a juntar as suas coisas. — Espera aí que
vamos juntos e eu te dou uma carona — ele diz, e sinto um
frio na espinha, ficando instantaneamente ansiosa.
Já era o plano para me esconder no banheiro e
esperá-lo sair para pegar o pen drive que coloquei logo
depois do almoço em seu computador. Droga.
— Não é necessário, estou de carro. Muito obrigada,
até mais! — digo com receio em minha voz e ele percebe,
interpretando de uma maneira completamente diferente.
— Não precisa ter medo de mim, Lou. Eu não mordo
não — ele solta uma risadinha escrota e eu fecho a mão em
punho, tentando lembrar das aulas de defesa pessoal. Será
que isso poderia prejudicar o meu bebê?
— Que isso, senhor Borges… — digo, fingindo estar
assustada e abro a conversa com a Clara, colocando para
gravar um áudio discretamente.
— É sério, eu insisto em te dar uma carona — ele se
aproxima e começa a me guiar pelo cotovelo até o
elevador. 
Enquanto ele chama a caixa metálica, eu aperto o
botão de enviar, torcendo para que Clara apareça e faça
alguma coisa. Olho para a câmera, praticamente
implorando por socorro e vemos os dois elevadores pararem
no último andar. Os segundos parecem horas e o arrepio em
minha espinha é enorme, e quando o elevador começa a
descer, fico ainda mais apreensiva. Se for Fátima, estou
mais fodida ainda.
As portas se abrem e Clara aparece cheia de pastas e
caixas em mãos, com um sorriso vidrado no rosto.
— Ah! Graças a Deus encontrei um homem forte para
me ajudar! Que loucura essa preparação para o próximo
desfile! — ela diz, parecendo uma donzela em perigo e eu
fico de boca aberta. — Meu herói!
Victor segura sem jeito tudo o que ela praticamente
joga em seus braços e aproveito a deixa para voltar
correndo e pegar o nosso trunfo.
— Um minuto, esqueci meu celular na gaveta. Que
cabeça a minha, deve ser a gravidez mesmo! — digo e saio
correndo, sem dar a chance de nenhum dos dois responder.
Vou até a mesa de Victor, tiro o pen drive sem ejetá-lo
com segurança, e torço muito para que ele não tenha
queimado no processo. Era só o que nos faltava. Volto
correndo enquanto ele ainda está se ajeitando com as
caixas que Clara colocou em seus braços, e descemos os
três no elevador apertado. 
Enquanto a dona da empresa e pode-se dizer amiga,
pequena e loira, fala sem parar sobre tecidos com o meu
chefe entediado, Victor, guardo cuidadosamente o celular e
o pen drive em minha bolsa.
Desesperado para se ver livre da conversa fiada que a
mulher arrumou, assim que chegamos na garagem ele
coloca tudo sem jeito no porta-malas e sai em disparada,
mal balbuciando um boa noite pra gente.
— Acho que consegui, Clara! — digo, assim que
assistimos ao carro esportivo vermelho ir embora.
— Eu não sei como dizer o quão grata eu sou por ter
você comigo — ela diz com um sorriso enorme no rosto e
me dá o primeiro abraço sincero.
É nesse momento que eu percebo que perdi um
potencial boy dos sonhos, mas no fim ganhei uma amiga
incrível.
 
Eu confiei que a Lou conseguiria alguma coisa, mas
tinha me esquecido completamente que ela era uma gênia
do mal. Lembro de ter encarado o seu perfil no auge do meu
ciúme e pensei: essa mulher não tem nada a ver com
Marcos. Ele é do direito, ela fez TI por hobbie; como se eu
tivesse algo a ver com ele, já que tive a minha vida
dedicada à moda.
Quando pedi para que ela nos ajudasse, achei que no
máximo faria um vídeo caseiro ou tiraria algumas fotos
escondidas, mas nada me preparou para a obra de arte que
ela conseguiu para desmascarar o imbecil do setor que a
estava assediando ontem. Inclusive, não consigo me
perdoar por deixar acontecer essas atrocidades dentro da
minha empresa. Precisaria fazer alguma coisa,
independente de provas contra ele ou não. Homens assim
não podem ficar impunes. 
Subimos juntas até a minha sala e ela solta um
assobio alto quando entra no meu escritório.
— Uau, enorme e bagunçado. Exatamente como eu
imaginei — ela diz com um sorrisinho debochado e eu reviro
os olhos, rindo também.
— Eu e Diana estávamos realmente organizando o
próximo desfile. Isso não é bagunçado, isso é uma
desordem criativa! — me defendo e ela confirma com a
cabeça, sem acreditar realmente.
— Tuudo bem. O que importa mesmo está nesse pen
drive — ela diz, tirando-o da bolsa e me mostrando. — Se eu
tiver realmente conseguido gravar a tela dele durante toda
a tarde, vamos conseguir assistir. O problema é se a
transação tiver acontecido antes do bigodudo ir embora na
hora do almoço.
— Não, eu tenho fé que vamos conseguir desmascarar
esse safado e vamos recuperar o dinheiro da minha
empresa, Lou — digo confiante e ligo o computador
conectando o dispositivo.
Louise me ajuda a localizar o arquivo e juntas
assistimos as movimentações do filho da puta por toda a
tarde. E-mails trocados em sua conta pessoal com alguma
mulher marcando um encontro, vídeos de futebol no
Youtube, um pouco de um trabalho monótono e exatamente
às quatro e quarenta e sete da tarde conseguimos o nosso
trunfo. Ele abre sorrateiramente o programa do banco e
começa a fazer movimentações normais, até que envia
novecentos mil reais para uma conta nas Ilhas Cayman, no
nome de uma mulher, provavelmente laranja.
Assisto a tudo com dor no estômago e um sentimento
horrível no peito. Como pude deixar isso acontecer por tanto
tempo sem descobrir antes quem era o ambicioso
mandante de toda essa merda? Tento não me deixar abalar.
Conseguimos as provas, agora ele vai pagar na cadeia e
nunca mais vamos ouvir falar dos Borges nessa empresa.
— Realmente conseguimos, Clara! Com essa filmagem
de tela, você pode dizer que a máquina estava em
manutenção ou algo do tipo, e que pegou em flagrante o
desvio de dinheiro — Lou diz e eu ainda me sinto muda
diante da constatação de que eu realmente consigo fazer
alguma coisa. Que agora eu tenho as armas certas para
lutar a batalha que eu estava perdendo de lavada.
Um sentimento de gratidão enorme invade o meu
peito, e ainda sem palavras, abraço a cintura levemente
arredondada pela vida que ela está gerando de surpresa. A
mulher que me ajudou em troca de absolutamente nada e
eu nunca vou conseguir expressar a minha gratidão.
— Muito obrigada mesmo, Lou, sem você eu nunca
teria conseguido — minha voz embargada traz lágrimas aos
meus olhos e ela fica completamente sem graça.
— Dei um empurrãozinho, você quem fez todo o
trabalho pesado — ela diz, limpando discretamente uma
lágrima também. — Ah! E obrigada por me salvar daquele
porco imbecil, ele iria forçar uma carona que eu não estava
nem um pouco a fim de ganhar.
— Isso não vai acontecer mais, eu prometo. Até o fim
da semana, com a reunião do conselho em iminência,
vamos conseguir jogar ele atrás das grades. Eu prometo! —
Retiro o pen drive com cuidado, desligo a máquina e o
guardo dentro da carteira, antes de pegar novamente a
minha bolsa. — Agora, Marcos vai fazer a sua mágica, e
graças a Deus ele é muito bom no que se propôs a fazer,
porque só a gente sabe o quanto precisamos de um
advogado de confiança.
— Sorte a sua que tem um desses para chamar de seu
— ela diz e sinto um pouquinho de mágoa em sua fala, mas
deixo passar.
Sei que foi muito conturbado o término com o traste
do seu ex-namorado e pai do seu filho, mas tudo vai
melhorar. Tenho certeza disso porque ela merece demais.
Lou é uma mulher bonita, divertida, trabalhadora, honesta e
merece, sim, um homem que a trate como a princesa que
ela é. E, como eu adoro um bom romance onde eu possa ser
a fada madrinha, nesse momento me comprometo a tentar
ajudá-la a conseguir o homem dos seus sonhos. É o mínimo
que posso fazer.
Tranco o meu escritório e saímos conversando sobre o
como as coisas vão acontecer nos próximos dias. Um
sentimento ruim me incomoda e só quando dou uma última
olhada ao redor é que me atento que uma coisa me passou
despercebido. Antes de entrarmos no elevador, paro e
percebo que não olhei a agenda de Fátima para checar a
maldita setinha vermelha.
— Lou, espera um pouquinho aí que eu preciso ver
uma coisa — digo para ela, voltando até a mesa de Fátima. 
— Ok — ela responde, saindo do elevador para me
esperar, e a coisa mais bizarra que eu já vi na vida
acontece. 
Ao invés de fechar as portas e esperar o comando
novamente, como deveria acontecer, o elevador mantém as
portas abertas, mas a caixa metálica despenca indo até o
último andar em questão de segundos.
Olho para a minha amiga que protege a barriga com
os olhos arregalados pelo choque e eu também não consigo
acreditar no que acabou de acontecer. Se estivéssemos
dentro dele, com absoluta certeza estaríamos mortas em
um momento desse. Lou cambaleia para trás alguns passos
e cai de bunda no chão, tremendo, e enquanto vou ajudá-la
a se levantar ainda em completo estado de terror, as portas
se fecham como se nada tivesse acontecido.
— Clara… — ela diz e sinto o pânico em sua voz.
— Eu nunca vi isso acontecer, Lou — digo, a
abraçando com força, com os olhos tão arregalados que
poderiam saltar das minhas órbitas.
— Alguém quer muito nos eliminar — ela sussurra e
eu sinto um arrepio na espinha antes de concordar com a
cabeça.
— Mas ninguém vai conseguir — digo, porque sei que
preciso ser forte.
Contudo, sei também que estamos brincando com
fogo e que podemos nos queimar muito feio.
 
Chego em casa com a cabeça a mil por hora e o
sentimento de desespero batendo forte no peito. Não podia
ter envolvido Louise nessa barca, agora preciso conviver
com a ideia de que ela pode realmente estar em perigo por
minha causa. Nunca fiquei tão assustada como aconteceu
hoje com o episódio do elevador, porque sempre achei que
essas coisas aconteciam apenas em filmes de ação.
Em pensar que se a minha intuição não tivesse me
incomodado na hora, poderíamos estar mortas nesse
momento. O arrepio em minha espinha me deixa com um
sentimento de culpa ainda maior. Não sabemos com que
tipo de mau-caratismo estamos brincando, isso foi um
pequeno vislumbre do que pode realmente acontecer
comigo e com as pessoas que eu amo e me apoiam. No fim,
a preocupação de não conseguir impedir que algo pior
aconteça é ainda maior do que eu imaginei.
— Boa noite, Clarinha — Marcos diz, assim que eu
entro na sala e largo as minhas coisas, com a cabeça ainda
girando com tantas informações. Ele franze a testa sabendo
que algo aconteceu assim que bate o olho em mim. — O
que houve?
— Quase morremos hoje — digo em um fio de voz e
me jogo com tudo no sofá ao seu lado, tentando ainda
organizar os pensamentos para explicar exatamente o que
passamos hoje. 
Seu olhar de preocupação é tão grande, que preciso
sentir sua mão na minha, antes de continuar a falar. Só
então percebo o seu short com estampa floral e como ele
está delicioso sem camisa, esparramado no meu sofá. Sem
conseguir me controlar, lhe dou um beijo com tanta vontade
que ele se surpreende antes de retribuir. Nossas línguas
dançam, e enquanto estamos juntos, lábios colados,
próximos, consigo finalmente ir relaxando.
Estou em casa, estou com o homem que eu amo e
apesar de ter tido uma experiência muito traumática, estou
bem.
— Eu e Lou conseguimos as provas hoje. Realmente,
Victor Borges e o senhor Borges bigodudo do conselho estão
juntos em toda a maracutaia, como eu te disse pelo
telefone mais cedo. Ela conseguiu através de um programa
gravar a tela do computador dele, e agora temos em mãos
um vídeo onde ele faz uma transferência de dinheiro
absurda para uma conta laranja — digo e respiro fundo
antes de contar a parte realmente chocante — Mas, quando
estávamos indo embora, saímos do elevador porque eu
tinha esquecido de verificar a agenda de Fátima, para ver
sobre a tal seta vermelha e, em questão de segundos, ele
despencou. Se eu não tivesse tido essa ideia, eu e Louise
estaríamos no fundo do poço da Brumpel, mortinhas. Foi
aterrorizante.
Ele me olha chocado por alguns segundos e me
abraça com toda a sua força, apesar do braço ainda com a
tipoia imobilizadora e das suas contusões. 
— Clara, isso é muito sério. Precisamos denunciar e
contar tudo o que aconteceu para algum delegado de
confiança. Isso não parece falha mecânica, e sim, alguma
armação para realmente eliminar o problema que é você ter
descoberto tudo — ele diz preocupado. — Vou voltar para a
empresa amanhã, não quero nem saber. Você precisa ter
alguém de confiança ao seu lado.
— Não fala besteira, você ainda está de atestado e eu
não vou deixar você fazer esforço à toa. Vou tomar cuidado,
pode ficar tranquilo. Além disso, antes de ir para o trabalho,
vamos para a delegacia fazer a ocorrência e pegar
instruções de como proceder. Vai dar tudo certo, o difícil,
que são as provas, nós já conseguimos. Vou tomar cuidado,
eu prometo — digo, tentando passar o máximo de confiança
possível, mas ao mesmo tempo tentando ser corajosa.
Ainda me sinto traumatizada, mas não posso deixar
transparecer, porque ele precisa se recuperar sem fazer
muito esforço.
— Me preocupei tanto com você que esqueci de
perguntar, a Lou está bem? O bebê…? — ele pergunta
preocupado, e vejo o quanto ele se apegou a ideia de ser
titio do filho da amiga.
— Está, sim. Graças a Deus, porque foi questão de
poucos segundos. Ela ficou muito abalada, mas consegui
fazer com que ela se acalmasse antes de alguma coisa dar
errado com a gravidez por conta do estresse. Descemos as
escadas aos poucos, descalças, para que ela não se
cansasse muito — digo, contando exatamente como
aconteceu, para que ele fique tranquilo. — Não precisa se
sentir culpado, ela não vai mais ser envolvida nessa
bagunça. Acabou! Agora é com a gente.
— Ainda bem. Não queria me sentir culpado, trazer
ela foi uma medida desesperada que felizmente deu certo.
Mas se não tivesse dado, eu com certeza não iria me
perdoar. — Vejo que ele se arrepia, e sinto que o amo cada
dia mais.
Seu jeito protetor com tudo e todos é algo que sempre
me encantou quando mais nova, e agora, vejo ainda mais
aflorado no homem que resolveu viver para lutar pelos
direitos dos outros.
— Vamos conseguir resolver e passar por isso — digo,
tanto para ele quanto para mim. 
— Vai, sim! Enquanto isso, eu tenho uma ótima ideia
para relaxar depois desse dia super estressante que você
teve. Uma massagem pode resolver muitos problemas,
sabia? — Seu sorriso safado não disfarça os pensamentos
impuros que está tendo e abro um sorriso grande ao
constatar que se realmente for assim, no fim do dia eu
posso ter esse homem todo pra mim, com o seu bom humor
e suas piadinhas incríveis.
— Você não vai conseguir fazer massagem nenhuma
com uma mão só, seu cachorro indecente! — digo, abrindo
um sorriso grande. — Vamos trocar esses curativos agora,
para não infeccionar. Seja um paciente bonzinho e se
comporte enquanto pego os materiais.
— Sim, senhora, senhora — ele diz revirando os
olhos, e eu vou até o quarto.
Troco de roupa, colocando um vestido soltinho e pego
a maleta com tudo o que o médico instruiu para que eu
cuidasse dele em casa. Feliz em ser útil e podendo fazer
algo para cuidar do homem que eu tenho certeza que
também faria tudo por mim, volto para a sala.
— Então, vem cá — digo, pegando a pomada para
cicatrização.
Passo com cuidado o remédio pelos seus hematomas
e finalmente começo a ver alguma melhora. O braço
operado ainda é um dilema, mas uma coisa de cada vez.
Vamos cuidando como podemos, e aos poucos tudo vai se
ajeitar. 
Marcos ter sobrevivido ao acidente foi um milagre.
Apesar de limitado por ter alguns pinos metálicos juntando
os ossos do seu braço, ele sair praticamente ileso, apesar
de cheio de hematomas e com o braço arrebentado, sem
qualquer sequela, foi algo realmente impressionante.
Enquanto continuo o meu trabalho meticulosamente,
ele brinca com o seu braço bom com a barra do meu
vestido.
— Marcos… — repreendo, mas quando ele alcança o
meu caminho mais ao sul, fecho os olhos, tentando
absorver as sensações — Você é mau.
— E você ama isso que eu sei — ele responde,
beijando o meu pescoço com saudade.
Aos poucos os curativos vão ficando de lado e mesmo
com cuidado, damos o nosso jeitinho, nos amando até que
dormimos abraçados, ofegantes, cansados e eufóricos por
finalmente visualizarmos a luz no fim do túnel.
Vamos conseguir resolver essa situação de uma vez
por todas, e finalmente ter um pouco de paz para vivermos
nossas vidas com tranquilidade.
 
Antes do dia amanhecer já estamos acordados.
É inevitável quando pensamos que o nosso futuro será
decidido depois de uma conversa que precisa correr bem.
Marcos não tem nenhum amigo próximo que seja delegado,
não temos ninguém com quem poderíamos falar direto e
evitar a fadiga de tentar pegar alguém de bom humor. Mas,
é isso. Confio nele como advogado e confio que a justiça vai
ser feita contra essas pessoas ruins que estão desviando
dinheiro do meu patrimônio e podem ter tentado me matar
no meio do caminho.
Só de lembrar da noite de ontem um arrepio passa
pela minha coluna e cogito nunca mais entrar em um
elevador na vida, tamanho o susto e medo que senti. Será
que Lou também está passando por um trauma parecido?
Ela passou muito mais perto do que eu de ver o fundo
daquele poço. Inclusive, hoje preciso tentar recompensá-la
de alguma forma. Apesar disso, quanto menos envolvidas
estivermos aos olhos dos outros, menos ela será visada. Me
preocupo muito com o bebê que ela carrega em seu ventre.
Louise não está mais sozinha no mundo com essa gestação,
amizades verdadeiras são as que se preocupam com a
família como um todo e essa criança já é tão amada por
Marcos e eu como se realmente fosse nosso sobrinho.
Visto uma roupa sóbria para acompanhar a ocasião:
uma calça jeans com um blazer oversize branco e simples
de corte reto, mocassins e uma bolsa lisa. Tudo o que eu
menos preciso é passar a ideia de poder. Eles precisam
pensar que eu sou inocente e que preciso
desesperadamente da ajuda da polícia, o que, no caso, não
é uma mentira. Marcos, pela primeira vez em algum tempo,
veste uma camisa social cor-de-rosa, deixando o
imobilizador do braço para fora da blusa. Lindo como
sempre, o ajudo a colocar a calça e calçar os sapatos
sociais. Se olhar rapidamente, ele quase parece o mesmo
homem bem-humorado que me deixava louca na empresa,
mas de perto os machucados ainda estão arroxeados,
mostrando o quanto ele provavelmente sofreu e ainda está
sofrendo. 
Tudo é uma fase e logo os hematomas irão se curar, e as
pequenas cicatrizes vão ser história.  
— Ansiosa? — ele pergunta, me oferecendo uma
xícara de café, que eu aceito de prontidão.
— Claro, e você? — pergunto rebatendo, e ele abre
um sorriso alucinado.
— Estava com saudade da emoção de um bom caso.
Vai ser divertido, prometo! — Marcos diz, beijando os meus
cabelos. 
Sem salto, eu e ele temos uma ridícula diferença de
altura, mas com um abraço, ele me faz sentir cem por cento
amparada. Seguro firme o pen drive em mãos, pego as fotos
impressas, todos os relatórios que percebemos os desvios e
coloco tudo em uma pasta. 
— Você sabe que vai dar tudo certo, não sabe? —
pergunta e eu confirmo com a cabeça.
— Eu confio em você.
Saímos em direção a delegacia mais próxima e
enquanto dirijo, faço uma pequena oração para que tudo dê
certo e eu consiga recuperar pelo menos um pouquinho do
dinheiro roubado. Mas, o mais importante de tudo, é que eu
consiga fazer justiça.
Entramos lado a lado na delegacia e assisto a postura
de Marcos mudar. O homem relaxado e brincalhão que
estou vendo em casa com frequência é substituído pelo
cachorro convencido, advogado da Brumpel. Contenho um
sorriso, porque sinto que aquela personalidade real dele é
exclusivamente minha, e isso é mais do que eu poderia
pedir ou sonhar. 
Pedimos para conversar com o delegado e
aguardamos em cadeiras desconfortáveis até sermos
chamados. Bebo tanta água enquanto esperamos que
quando estou prestes a levantar para ir ao banheiro, vejo a
porta cinza se abrir e sermos chamados para entrar na sala
do policial.
Me sinto estranha em estar aqui, como se eu fosse
uma criança diante de um duende do papai Noel que sabe
sobre todos os meus podres. Mas, como sei que tudo isso é
coisa da minha cabeça, respiro fundo e tiro a pasta,
colocando-a em cima da mesa. 
— Bom dia, senhor, tudo bem? — Marcos pergunta,
iniciando a conversa e estendendo a mão para o delegado
Fagundes, segundo a placa.
— Tudo bem. Como posso ajudar? — Curto, grosso e
direto. 
— Temos uma denúncia de desvio de capital da
Brumpel por um funcionário, dentro da empresa. Além
disso, um membro do conselho de investidores está
envolvido no processo. Viemos aqui primeiro, antes de
tomar qualquer atitude, porque sabemos que esse tipo de
coisa pode dificultar o trabalho da justiça. Eles precisam,
além de serem demitidos, é claro, pagarem legalmente
pelos crimes que cometeram — ele diz e eu confirmo com a
cabeça. 
— Aqui estão algumas provas que fizeram com que
suspeitássemos dos desvios e procurássemos mais a fundo
o que exatamente estava acontecendo. Eu sou a CEO da
empresa — digo, me sentindo na obrigação de explicar
melhor.
O delegado pega a pasta e começa a analisar por alto
os arquivos com o cenho fechado.
— Certo, o que o senhor sugere? Vocês vão fazer o
registro da ocorrência e abrir o processo? — ele questiona e
Marcos retruca, dizendo o que tem em mente.
— Claro, viemos fazer isso hoje. Mas, como se tratam
de pessoas muito poderosas, que poderiam facilmente
passar férias prolongadas no fim do mundo, temos como
plano desmascarar esses bandidos e prendê-los em uma
reunião bimestral que teremos semana que vem. Solicito, se
possível, um policial à paisana para essa reunião. Podemos
infiltrá-lo, porque estou convencido de que conseguiremos
uma confissão — Marcos diz empolgado e eu fico surpresa
com o seu plano arrojado. Ele tem certeza absoluta de que
eles vão confessar a culpa no cartório nessa reunião, o que
é muito mais do que eu consigo imaginar.
— O senhor tem muita confiança de que irão
conseguir uma confissão. Se eles realmente são poderosos,
não vão cair em qualquer truque — o delegado diz,
desconfiado.
— Sim, senhor. Sei mexer com o ego de um homem e
isso vai ser a ruína dos dois familiares que estão envolvidos
nesse roubo.
Fico assistindo a conversa como se estivesse vendo
uma partida de ping-pong. Marcos me instruiu antes de
entrarmos a falar o menos possível e deixar que ele cuide e
domine a situação. Não por questão de ego, e sim, pela
posição de advogado e o que ela representa nesta situação.
Por isso, me mantenho firme, com as mãos entrelaçadas no
colo, rezando para que esse tal de Fagundes aceite o meu
pedido e envie um fortão armado para essa reunião do
conselho.
Marcos começa então a explicar o plano e aos poucos
o delegado desconfiado vai relaxando. No fim, ele concorda
em ceder um cabo para nos acompanhar à paisana na
reunião, com o objetivo de pegá-los e prendê-los em
flagrante. 
Depois de vários ajustes e mais de duas horas
conversando dentro da delegacia, saímos de mãos dadas
com uma ansiedade imensa de terminar tudo isso. 
Só assim vamos ter paz e esse tão incrível e esperado
sentimento está mais perto do que imaginamos.
 
Meus pulmões queimam com a corrida matinal do
ódio e sinto o meu corpo protestar por tantos dias sem
praticar o esporte. Com Marcos morando parcialmente
comigo por esses dias, tenho me dedicado mais em estar
com ele do que correr. Hoje, com a cabeça girando com
tantas informações, sinto que preciso recarregar as energias
e os tênis nunca me pareceram tão atrativos. Preciso de
foco, de força, de coragem e sabedoria para resolver todas
as questões e conseguir sair dessa reunião ainda no meu
cargo. E, principalmente, preciso que tudo dê certo para que
esses ladrões filhos da puta paguem com juros tudo o que
me roubaram.
Enquanto a respiração vai ficando mais pesada, vou
me acostumando novamente com o ritmo e, assim que vejo
dona Judite, fico instantaneamente feliz. Faz tempo que não
conversamos e preciso contar para ela todos os babados
que aconteceram em minha vida.
— Bom dia, dona Ju, tudo bem? — pergunto, me
sentando ao seu lado.
A senhora, que apesar de não se lembrar mais de
muita coisa sempre se lembrou de mim, abre um sorriso
grande e segura a minha mão com força.
— Que saudade, minha menina, você me abandonou
por aqui… como estão as coisas? Você se acertou com o seu
namoradinho? — olho para ela surpresa por ter se lembrado
da minha história e ela abre um sorriso maroto.
— Você lembrou, dona Ju? Que sucesso! — digo,
abraçando-a emocionada. — Poxa, fico feliz em saber disso.
Ela fala um pouco mais baixo, se aproximando antes
de fazer uma confissão que me deixa completamente
chocada:
— Eu sempre lembrei, Clarinha, mas achei que você
precisava desabafar antes, então deixava você me contar
tudo de novo — ela diz e eu fico ainda mais surpresa.
— Ahh, a senhora, viu… — digo em um tom de
brincadeira, mas ainda bastante chocada para processar
tudo o que ela disse. — O que te fez mudar de ideia e
acabar com o fingimento?
— Na última vez você contou que se acertou com o
menino que sempre amou. Então, espero que esteja tudo
bem agora — ela diz e pergunta, curiosa — ele saiu do
hospital? Está tudo bem?
— Está, sim, graças a Deus, dona Ju… agora o que me
preocupa é outra coisa… — começo então a contar para a
senhora tudo sobre os roubos e o que eu descobri nesses
últimos dias.
Ela escuta com atenção, e no fim me dá um conselho
que sei que vou levar para o resto da vida: “Não importa
quantas reviravoltas a vida dê, minha pequena, o bem
sempre vai vencer o mal, a verdade vai vencer a mentira e
o amor vai vencer o ódio. Confie, porque já deu tudo certo.”
 

 
O policial à paisana chega no horário combinado e eu
checo pela última vez a minha apresentação para a reunião.
Com a descoberta dos culpados, conversamos com o meu
casal de melhores amigos e contamos tudo para Diego
Albuquerque, marido da Laís. Por ele ser um membro do
conselho e participar ativamente das reuniões, ninguém
acharia estranho ele entrar acompanhado de um
representante legal, por exemplo. Ele ficou indignado por
não ter sido comunicado antes, mas entendeu que não
poderíamos apontar o dedo antes de realmente termos
descoberto algo relevante. Além disso, estava
envergonhada e com medo de ele não me achar capaz de
coordenar a minha própria empresa. Como ele é uma das
melhores pessoas que eu já conheci em toda a minha vida,
aceitou de bom grado o policial ao seu lado, resolvendo um
dos nossos principais problemas.
Marcos veio comigo para a Brumpel, apesar de ainda
estar de atestado, chamando atenção de todos que o viram
passar na empresa. Principalmente porque subiu de mãos
dadas comigo e entrou direto em minha sala, de onde não
saiu mais. 
Sei que estamos levantando algumas suspeitas, mas
não há nada que possamos fazer neste caso. Em poucos
minutos tudo isso vai ter terminado.
— Fátima, está tudo pronto para a reunião? — abro a
porta da minha sala e falo com a minha secretária, que
toma um susto ao me ver.
— Está, sim. Só falta a apresentação do powerpoint
para colocar… — ela diz estendendo a mão e eu balanço a
cabeça em negativa.
— Estou fazendo alguns ajustes, pode deixar que eu
mesma coloco — respondo, abrindo um sorrisinho sem
graça. — Como é a minha primeira reunião com o conselho
sendo CEO, quero apresentar todos os diretores do setor,
por isso Marcos está aqui. Convoque todos, imediatamente.
— Mas, senhora… eles podem ter algum
compromisso… — ela tenta disfarçar, mas eu a corto
imediatamente.
— Acho que existem prioridades, e se eu sou a CEO e
estou mandando eles aparecerem na reunião, se eles não
quiserem perder o emprego, vão aparecer, certo? — digo
firme e ela confirma com a cabeça.
— Certo, certo, vou comunicar a todos agora — ela diz
assustada, pegando o telefone para ligar pra eles.
Ao contrário do que ela espera, fico ao seu lado,
ouvindo cada uma das convocações, e quando chega no
que realmente me interessa, Victor Borges, vejo sua voz
vacilar, mas ela se mantém firme, passando a informação
como foi instruída. Sem lhe dar tempo para passar qualquer
tipo de recado por mensagem, passo tarefas manuais que
precisam de mão ocupadas enquanto mantenho a minha
porta aberta, assistindo tudo o que ela faz.  
Em poucos minutos ela estará com a carta de
demissão por justa causa assinada, assim como Victor
Borges, e vai ser delicioso desmascará-los nessa reunião.
Aos poucos, os diretores vão chegando no corredor
um tanto acanhados e cumprimento a todos, tentando não
transparecer o quão nervosa estou. Marcos é o astro da
festa depois do seu acidente e isso alivia um pouco o fardo,
e distrai os diretores do que está realmente acontecendo.
Um a um, os membros do conselho chegam e se
acomodam em seus lugares de direito na sala de reuniões.
As cadeiras extras alocadas nos cantos causam
estranhamento, mas o burburinho cessa quando todos os
diretores entram se sentam na sala de reuniões.
— Senhora, todos estão em seus lugares, já posso
colocar a apresentação? — Fátima diz, parecendo ansiosa e
eu nego com a cabeça.
— Pode deixar que eu faço isso, mas quero você ao
meu lado o tempo inteiro na reunião tomando notas. — Meu
pedido a pega de surpresa, mas, sem escapatória, ela
confirma com a cabeça e juntas entramos no recinto.
— Bom dia, senhoras, senhores. Bem-vindos a nossa
reunião de resultados — digo, abrindo um sorriso. — Tenho
certeza que ela vai ser muito divertida e esclarecedora.
Todos podem ficar confortáveis que eu só preciso colocar a
apresentação para darmos início.
Digo firme e plugo o pen drive, abrindo rapidamente a
apresentação. Consigo ver o clima de ansiedade e tensão no
ar e passo os olhos em um por um na sala antes de
começarmos. Borges, com seu tradicional bigode enorme,
tem um sorriso presunçoso de quem sabe que vai se dar
bem e eu respiro fundo, contendo a vontade de falar poucas
e boas apontando o dedo em sua cara. Para me acalmar,
olho para o meu amigo Diego, que parece sereno, mas
mantém o olhar atento, e o policial oriental ao seu lado tem
olhos de águia, observando a tudo e a todos. Por fim, meu
olhar fixa em Marcos, que abre um sorriso contido me
dando a força que eu preciso para desmascarar esses
imbecis.
 
— Bom, para começar, quero agradecer a confiança
que todos tiveram em mim na última reunião. Voltar para a
Brumpel como CEO depois do crescimento que ela teve foi
desafiador e muito instigante. Venho tentando fazer o
melhor trabalho possível, e por isso, precisamos falar sobre
uma coisa urgente que vem afetando toda a saúde da nossa
empresa — digo e vejo o clima da sala mudar, todos
prestando atenção no que estou falando e tentando
entender o que está acontecendo. — Os diretores também
foram convocados, para tomar ciência da situação.
Passo o slide e nele está escrito o que choca a todos
na sala. 
“Rombo de mais de três milhões no caixa. Roubo.”
Duas coisas acontecem nesse momento: um
burburinho começa alto, com pessoas revoltadas por eu ter
deixado essa situação acontecer. O senhor Borges-tio cruza
os braços satisfeito e consigo ver um vislumbre de um
sorriso. Fátima parece que vai desmaiar a qualquer
momento e Victor Borges aparenta estar quase entediado.
— Bom, senhores, assim que assumi o cargo, tomei
ciência de que alguém se aproveitou da troca de gestão
para colocar o mau-caratismo para fora e roubar a empresa
— tento manter minha voz calma, contudo, a esse ponto,
me manter amena é quase impossível. — Como não havia
um suspeito, estive calada, investigando onde todas as
provas dariam antes de fazer qualquer tipo de alarde.
— É claro que foi o senhor Alcoforado quem roubou a
empresa — alguém grita e não consigo distinguir
exatamente quem foi.
— Não — respondo firme. — Primeiro, porque confio e
sei da integridade do meu primo, segundo, porque as
retiradas continuaram acontecendo mesmo depois da sua
saída — digo e passo para o próximo slide, onde tem várias
fotos de Fátima agindo de forma suspeita, entrando e saindo
do carro preto, invadindo a minha sala, fotos da sua agenda
com a anotação da retirada e mais algumas coisas que
colocamos para chocar as pessoas que não sabem do
assunto. — Minha ex-secretária, Fátima, é quem está nos
roubando.
Jogá-la na fogueira foi uma estratégia: atingir o elo
mais fraco para conseguir a confissão de que precisávamos.
Eu obviamente sei que ela provavelmente não fez quase
nada nessa operação além de organizar algumas coisas,
mas isso ninguém precisa saber. Assisto seus joelhos
falharem e seus olhos se encherem de lágrimas. Alguém
tenta avançar nela no auge da raiva, mas Diego se coloca
de pé, bloqueando a pessoa e chamo mais uma vez a
atenção de todos.
— Senhores! — falo alto e consigo conter um pouco
da plateia. — Antes de ser demitida e indiciada, presa e
jogada na cadeia sem perspectiva de sair, quero perguntar
— me viro para a mulher que sempre foi uma das
seguranças que tinha dentro dessa empresa e lhe dou uma
última oportunidade de falar. Usei essas palavras mostrando
o seu destino de propósito para assustá-la e acho que
consegui — Você agiu sozinha? Se não, a hora de falar é
agora. Se tiver algum cúmplice, confesse e as coisas vão ser
mais fáceis para você.
Seus olhos estão banhados de lágrimas e ela os
arregala ainda mais. Eu sei que ela é esperta e sabe que se
eu tive coragem de expor tudo é porque cavei mais a fundo.
Trocamos um olhar e percebo quando ela decide falar.
Querendo ou não, Fátima entende a minha dinâmica e é por
isso que o seu choro se torna mais audível e dolorido.
— Eu não queria, eu juro! — ela fala baixo e as
pessoas começam a brigar ainda mais, não deixando que a
gente escute o que está acontecendo. — Mas… eles têm um
poder de persuasão tão forte que achei que não teria
escapatória.
— Do que você está falando? — instigo ainda mais e
ela solta tudo o que todos queriam ouvir.
— O senhor Borges — ela aponta para o bigodudo,
membro do conselho — certo dia disse que eu era muito
bonita e que seu sobrinho precisava de alguém exatamente
como eu. Uma conversa simples, mas que para alguém sem
perspectiva alguma de namorar, foi um bom massageador
de ego. Depois disso, Victor Borges apareceu no meu
almoço com uma desculpa esfarrapada de passar alguns
papéis para o senhor Pedro, na época. Começamos a
conversar e quando eu menos percebi, estávamos em seu
apartamento transando, muito bêbados. — Vejo ela tremer
levemente e sinto ainda repulsa dos dois homens. — No
outro dia, estava obstinada a esquecer tudo o que tinha
acontecido e voltar a viver a minha vida normal… Mas
comecei a ser ameaçada.
— Isso é a maior mentira! — O senhor Borges bate na
mesa com força e se levanta, pronto para tentar intervir e
impedir que ela conte a verdade. Ele se entrega neste ato, e
sinto que mordeu a isca.
Fátima, apesar de intimidada, continua a falar com
rapidez, provavelmente com medo de ser silenciada
novamente. Uma mulher que sofre abuso, quando vê a
oportunidade de ser livre novamente, geralmente a agarra
com força.
— O asqueroso do sobrinho e novo diretor, Victor —
ela aponta para o homem que tenta disfarçar e sair da sala.
Alguém impede a saída da porta e ele se sente acuado,
pronto para brigar se for necessário —, havia filmado a
nossa noite, e estava ameaçando jogar o vídeo para todos
os funcionários da empresa. Além de enviar também para o
meu pastor e todos os membros da igreja que eu frequento.
Não poderia deixar isso acontecer, por isso, entrei no
esquema que esse velho montou — ela diz e aponta para
Borges do conselho, que está vermelho como um pimentão,
pronto para explodir.
— Você, sua vagabunda! — ele grita indo em direção
a Fátima, que se sente acuada entre ele e a parede. —
Estávamos lhe dando uma parte do dinheiro! No primeiro
aperto você fala tudo! Que merda de mulher você é? Só
serve para comer uma vez mesmo. Sua filha da puta, eu
vou te matar!
Consigo a minha confissão e fico exultante de alegria.
Olho para o policial que confirma com a cabeça, indicando
que realmente conseguimos e, no mesmo momento, duas
coisas acontecem: o senhor Borges parte para cima de
Fátima, que solta um grito estrangulado antes de começar a
ser enforcada e Marcos se levanta de prontidão, mesmo
machucado para separar os dois.
Com um soco na cara do velho, com a sua mão boa,
Marcos consegue separá-lo, mas ele se recupera em alguns
segundos e apoia com tudo em seu braço operado, fazendo-
o gritar de dor. A covardia do homem é atingir alguém
machucado e por isso, ele dispersa do seu primeiro alvo,
Fátima, e começa apertar as feridas no braço do meu
namorado.
— Eu vou matar vocês! — o homem grita
descontrolado enquanto Marcos se contorce. — Quase
consegui eliminar essa putinha que se acha a dona do
pedaço com o elevador, vocês dois são alvos mais fáceis.
Uma idiota e um aleijado! Me aguardem! — ele grita, fora
de si e fico chocada com o que diz, demorando alguns
minutos para processar a informação.
O senhor Borges realmente tentou me matar.
O senhor Borges quase matou a Lou.
O senhor Borges está machucando o homem da
minha vida.
Sem pensar em mais nada, tiro o scarpin e com o
salto fino, cravo ele nas costas do homem, fazendo-o soltar
o meu namorado que está uivando de dor.
— Você não vai matar ninguém, seu filho da puta! —
digo, enfiando o sapato ainda mais fundo, com toda a minha
força. — Eu tenho provas contra os dois, e agora uma
belíssima confissão sua e da Fátima. — Aos poucos, ele solta
Marcos e se vira para mim com ódio no olhar, — Vou ficar
feliz em ver tio e sobrinho mofando no fundo da cadeia mais
próxima. — Saboreio as últimas palavras, vendo-o perceber
o óbvio. Sua ira foi a sua desgraça. — Sem fiança.
Meu salto fino enfiado em suas costas deve ser
doloroso, mas, ainda mais doloroso do que isso,
provavelmente está o seu ego em descobrir que ele
realmente vai para a cadeira. Dou-lhe uma joelhada em
suas partes baixas. O policial finalmente toma uma atitude,
pegando um par de algemas, o prendendo. Alguém contém
Victor, o covarde fujão, e quando as coisas estão um pouco
mais controladas, começo a me mover.
Solto um suspiro audível e vou em direção a Marcos
ajudá-lo. Seu braço está encolhido e percebo pela sua
expressão que ele está sentindo muita dor.
— Vem cá! — digo, passando uma mão pela sua
cintura e o guiando até a minha sala do outro lado da porta,
ignorando o pandemônio que se instalou dentro da sala de
reuniões. 
Eles agora podem esperar, meu homem precisa mais
de mim.
Assim que ele se joga no sofazinho e meu olhar
preocupado encontra o dele, Marcos abre um pequeno
sorriso e ignora todas as dores para me falar, em um tom
orgulhoso:
— Você conseguiu! Parabéns! Nunca duvidei da sua
capacidade — sua confirmação é um grande alívio para
mim, e quando realmente entendo que eles vão ser presos
e que tudo realmente acabou, sinto os meus ombros
relaxarem pela primeira vez em muito tempo.
— Não — digo me sentando ao seu lado, e dando um
beijinho rápido em sua boca, evitando machucá-lo ainda
mais. — Nós dois conseguimos.
 
Cuido de Marcos e dou um analgésico para que ele
pare de sentir dor, mas quando percebo que não há mais
nada o que fazer, saio mancando com um pé de sapato só e
entro novamente na sala. A conversa alta, todos
gesticulando e avaliando todos os outros powerpoints que
deixei preparados para caso não fosse tão fácil arrancar
uma confissão estão sendo passados e analisados. Os três
culpados permanecem sentados e algemados e, enquanto
Fátima parece rezar, Victor e Borges conversam baixo,
provavelmente tramando alguma coisa.
— Separem esses dois. Eles estão tramando mais
alguma maldade — digo, chamando atenção das pessoas
que prontamente colocam um em cada extremo da sala.
Recupero meu sapato e percebo que felizmente não o
estraguei, abrindo um pequeno sorrisinho. Diego
Albuquerque, meu amigo de longa data, é o primeiro a vir
ao meu encontro oferecendo a mão e mostrando seu
respeito diante de todos, provavelmente para dar exemplo.
Se eu não o conhecesse tão bem, lhe daria um abraço
apertado, mas como estamos em um ambiente de trabalho
formal, dessa forma é melhor.
— Parabéns, Clara! — ele diz alto, chamando atenção
de todos. — Posso dizer por mim e por todos do conselho,
que você foi exímia em investigar e descobrir por conta
própria este roubo. Tenho plena convicção que você está só
no começo de uma longa e muito próspera gestão. A
Brumpel e nós temos sorte em te ter no comando. — Suas
palavras me comovem e preciso respirar fundo, colocando a
língua no céu da boca para não chorar.
— Muito obrigada, mas só fiz o meu trabalho. Estou
feliz por termos conseguido resolver esse problema — digo,
sem graça. 
Aos poucos, todos os membros do conselho me
oferecem apertos de mão cheios de elogios e tapinhas nas
costas. O sentimento de capacidade é muito poderoso, e
enfim a ficha vai caindo… realmente acabou. Eu consegui
resolver isso da melhor forma possível!
Os diretores parecem deslocados e depois dos
cumprimentos, marcamos uma nova data para a verdadeira
reunião de resultados, fazendo com que todos se dispersem.
A polícia chega com reforços para o policial à paisana e
assisto com os braços cruzados e um sentimento de dever
cumprido os três entrarem nas viaturas em direção aos seus
fatídicos destinos. Prisão.
A notícia se espalha pelos corredores pelos
funcionários como fogo em palha, e assim que volto para o
meu andar, percebo que o telefone de Fátima não para de
tocar. Vários jornalistas ligaram procurando saber o que
estava acontecendo, exigindo exclusivas e fazendo com que
eu fique louca e arranque o aparelho da tomada. Hoje eu
não preciso disso, amanhã resolvemos a questão dos
jornais, da nova secretária, das ações que estão derretendo
hoje e do dinheiro faltando no caixa.
Quando entro em minha sala, pronta para ficar
descalça novamente e finalmente relaxar ao lado de
Marcos, sou surpreendida com uma mini festa com direito a
bolo e presente da minha afilhada.
— Dinda! Você conseguiu, parabéns, forevis pra você
— Luíza, minha afilhada, diz, e olho chocada para Laís, que
parece que vai passar mal de vergonha com o linguajar da
filha que não faz ideia do real significado de forevis .
Ela está abraçada com o seu titio mais legal, Marcos.
Ela o adotou desde o primeiro momento que o viu e como o
safado adora crianças, mesmo quando nos odiávamos, ele
fazia questão em estar presente na vida da Lulu. Fico
enciumada, mas não digo nada, indo abraçar minha melhor
amiga.
— Ela aprendeu isso com você, vai ter que conversar
com a professora dela agora. A menina só fala isso pra todo
mundo — sua tentativa de me dar uma bronca é
completamente falha, porque ela me dá um abraço de urso
e beija o topo da minha cabeça. — Estou orgulhosa de você
e de tudo o que conquistou, amiga!
— Obrigada! — digo tentando não chorar, mas a
adrenalina das últimas horas vai abaixando e eu vou ficando
mais e mais emotiva.
Eu finalmente consegui e agora esse peso pode sair
dos meus ombros e eu posso respirar tranquila.
Começamos a conversar e Diego conta empolgado
sobre como foi legal desmascarar os bandidos, quando Lou
abre a porta esbaforida, com as bochechas vermelhas.
— Soube que uma festinha estava rolando e eu não
podia perder a oportunidade de comer umas coxinhas e
parabenizar nossa heroína — ela diz com uma mão na
barriga e a outra nas costas, bufando. — Nunca mais ando
de elevador, cruz credo. Mas, com a barriga crescendo,
vocês dois vão me visitar no andar. Subir essas escadas é
um sacrifício! — ela diz apontando para Marcos e eu e,
cansada, se senta em uma cadeira.
— Para, você está andando só de escada? Com essa
barriguinha pesada já? Deus me defenderay — Laís diz, já
puxando assunto. — Eu sou Laís. Você está de quantas
semanas? 
E, simples assim, a conversa começa a rolar solta
entre as duas com o papo de maternidade e afins. As duas
se darem bem é um alívio, porque como amiga solteira e
sem filhos, não tenho muito o que compartilhar sobre o
assunto, e elas poderem trocar experiências é algo mágico.
Enquanto Lulu faz as suas estripulias para a plateia
entretida que consiste em Diego, Marcos e eu, me sinto
verdadeiramente feliz. De mãos dadas com o homem da
minha vida, com as pessoas que eu mais amo no mundo, a
empresa nos trilhos novamente consigo visualizar o futuro,
e nele, Marcos preenche cada cantinho com seu bom-humor
e obsessão em me deixar louca.
Quando Pedro me liga, sei que as notícias já
chegaram do outro lado do mundo. Discretamente aponto
para o telefone e vou atender na sala de reuniões para ter
um pouco mais de privacidade.
— Oi, Pedroca, curtindo o clima europeu? — digo em
tom de brincadeira, mas a sua voz gélida do outro lado
mostra que o raiozinho de sol está de péssimo humor.
— Como uma bomba dessas acontece e você não me
conta nada? — Curto e grosso, como sempre.
— Você estava vivendo o seu felizes para sempre do
outro lado do mundo com o amor da sua vida. Queria que
eu fizesse o quê? Ligasse correndo na primeira
oportunidade implorando para você voltar? — digo, e ele
solta um bufo alto. — Está resolvido, não está?
— Está — ele diz, e sua voz se amacia antes de
continuar — Facilmente as suspeitas poderiam cair sobre
mim e você nem sequer me questionou. Obrigado pela
confiança.
— Eu te conheço, Pedro. Sei que você nunca faria isso,
e agora acabou. Resolvemos tudo! — digo feliz e falo um
pouco mais baixo — E agora quem pode começar a viver o
feliz para sempre sou eu — confesso e ele solta uma risada
sonora.
— Vocês se merecem, sabia? — ele diz debochado,
mas no fundo sei que está feliz por mim. — Bom, ele deve
ter contado que eu posso ter interferido na sua vida anos
atrás… mas você sabe que foi pensando no seu bem.
— Eu sei, tudo acontece na hora certa — digo,
querendo enterrar o assunto. — E aí, já tem data marcada
para o casamento? 
Sua voz se amacia antes de falar:
— Daqui a um ano, mais ou menos… Mas nós vamos
nos ver antes disso, é claro! Por falar nisso… tive uma ideia
para o casamento e quero a sua ajuda… 
Pedro então começa a falar sobre sua grande ideia de
ato romântico e eu começo a ajudá-lo a pensar e organizar
tudo, como nos velhos tempos.
 
Assim que chegamos em casa após o dia mais
exaustivo da minha vida profissional, tudo o que eu quero é
tomar um banho quente e uma taça de vinho. O dia foi
tumultuado e cobrou caro nos meus músculos. Marcos vem
logo atrás de mim e apesar de todo o esforço do dia, não
parece nem um pouco cansado ou indisposto. Muito pelo
contrário, assim que tranco a porta, ele envolve a minha
cintura com a sua mão boa e cola seu corpo no meu antes
de roubar um beijo que tiraria qualquer um de órbita
facilmente. 
Juntos em um acordo silencioso de desejo, vamos com
os nossos corpos colados até o quarto. Abro o meu sorriso
mais safado antes de provocá-lo.
— Você com certeza deve estar cansado do dia
exaustivo, vou tomar um banho rápido e te colocar pra
dormir — digo, mordendo os lábios e ele balança a cabeça
em negativa, com certeza tendo uma ideia muito melhor.
Nossos olhares se encontram e ele está me encarando
intensamente, criando uma atração inevitável entre nós. 
— Na realidade, acho que precisamos comemorar.
Dessa vez, sem bolo e crianças… de um jeito muito melhor.
Ele caminha como um predador em minha direção e
eu não consigo evitar. Somos como ímã e metal, atraídos
um pelo outro desde quando eu consigo me lembrar.
Marcos me leva para mais perto do seu corpo e sua
mão boa alcança meu pescoço, traçando um caminho até
minha nuca, me deixando ansiosa e calorenta, sedenta por
ele. Ainda de olhos fechados, sou surpreendida com sua
língua contornando meus lábios. Sua mão agarra meu
cabelo e eu gemo em sua boca, ansiosa por tudo o que ele
quiser me oferecer. Retribuo na mesma intensidade,
puxando seus cabelos curtos, forçando-o a não romper
nosso contato. À procura de ar, nós nos afastamos um
pouco, ofegantes, com nossas testas coladas uma na outra.
Com um sorriso cafajeste nos lábios, ele pega minha
mão e me conduz para perto da cama convidativa. Não
desviando meus olhos dos seus, começo a desabotoar sua
camisa social e com cuidado tiro o imobilizador apenas para
passar a manga. Os músculos dos seus braços, apesar de
não serem enormes, são definidos e deliciosos, dignos de
sua altura e imponência. Seu abdômen gostoso parece
ainda mais atrativo com o seu V lines em evidência a sua
calça social.
Continuo tirando meticulosamente suas roupas, o
deixando apenas com a cueca boxer branca, marcando o
meu brinquedo favorito, pronto para jogo.
— Sua vez, Clarinha — ele diz meu apelido de forma
provocativa e eu aperto os lábios, sem respondê-lo. 
Com ousadia, começo a abrir o zíper lateral do meu
macacão de alfaiataria. Quando fico apenas de sutiã e
calcinha fio-dental, ambos de cor preta e rendados, ele abre
o sorriso mais safado que eu já vi em seu rosto. Sorriso esse
que demonstra tudo o que ele quer fazer comigo.
— Você é perfeita. Ainda mais gostosa do que eu me
lembrava e nunca vou me cansar de te admirar — confessa
com uma voz rouca, aproximando-se de mim.
Sua mão envolve minha cintura e parte em direção à
minha bunda, apertando-a com força. Sua rigidez roça a
minha barriga e eu me sinto inebriada pelo prazer e
expectativa que é tê-lo comigo.
Marcos então abre o meu sutiã com facilidade,
expondo meus seios já intumescidos. Ele joga a peça no
chão e começa a massagear cada seio, apertando os
mamilos levemente. Seus olhos estão vidrados em seus
gestos e isso me deixa ainda mais acesa.
— Lindos, perfeitos pra mim. Cabem perfeitamente
em minha mão — murmura. Descendo sua cabeça, ele
abocanha um dos meus mamilos e o suga com vontade,
deixando-me com um calor absurdo no meio das minhas
pernas. — Esse biquinho rosado delicioso.
— Eu sei — respondo travessa. — Você foi feito pra
mim, e eu pra você, não sabia? — Minha voz soa irônica,
mas não deixa de ser uma verdade.
Ele confirma com a cabeça antes de morder um
mamilo de surpresa.
— Você adora me deixar louco, não é? — o cachorro
pergunta, cheio de desejo. — Olhe o que você faz comigo —
diz, apontando para o volume entre suas pernas.
— Acho que tenho uma boa ideia para resolver esse
problema — digo, mordendo meu lábio inferior.
Marcos consegue criar uma aura de sensualidade tão
forte entre nós dois que me sinto inebriada, louca de
vontade de lhe dar prazer e por isso me ajoelho à sua
frente.
Levanto meus olhos e o encaro com uma expressão
atrevida. Deslizo sua boxer até seus pés e seu sorriso dá
lugar à luxúria. Seus olhos azuis, geralmente tempestuosos,
estão um pouco mais escuros, nublados pelo desejo, e
quando desvio o olhar e encontro seu pau rígido, minha
boca saliva de vontade de sugar tudo o que ele tem a me
oferecer.
Com uma das mãos, começo a masturbá-lo devagar,
ouvindo-o suspirar. Com a outra, massageio suas bolas com
delicadeza e dessa vez ele solta um uivo mais alto, sem
conseguir se controlar. Motivada pela sua reação, lambo o
líquido que escorre na ponta do seu membro e começo a
movimentar dando tudo de mim.
— Clara… Porra! Não para! — Suas palavras são
desconexas e ele perde o controle, mergulhado em um
prazer intenso. 
Continuo massageando seus testículos, sugando seu
pau vorazmente, e com a outra mão, o estimulo no mesmo
ritmo da minha boca, e quando vejo que ele está quase
gozando, tiro da boca e miro em meus seios, que recebem
seus jatos de prazer. Seu olhar chocado cai em meus peitos,
lambuzados com seu gozo e percebo que ele não está nem
perto de estar saciado.
— Puta que pariu, que mulher gostosa do caralho! —
Marcos diz, ainda de olhos fechados. — Você tem a porra de
uma boceta vodú! — sua fala parece uma acusação, mas
sua atitude diz o quanto ele está gostando da nossa
brincadeira.
Tento fazer com que ele tenha o mínimo de esforço
possível, mas ele não tem a mesma ideia. 
Marcos me levanta e com a sua mão boa começa a
estimular meus mamilos totalmente lambuzados. Ele desliza
minha calcinha e enfia dois dedos dentro de mim, me
fazendo gritar de prazer.
— Eu amo ver você assim, entregue pra mim. — Seus
dedos começam a me masturbar com facilidade, já que
estou molhada com minha própria excitação e eu gemo
baixinho.
Aos poucos, vamos caminhando em direção a cama,
cambaleando entre as nossas roupas jogadas, loucos de
prazer. Desde que estamos realmente juntos, não temos nos
aventurado por causa do acidente, fazendo um sexo morno
enquanto ele não melhorava. Mas, hoje, aparentemente, ele
está disposto, sem dor e com vontade de me enlouquecer
de prazer.
Seus dedos habilidosos são substituídos pelo seu pau
grosso, que está ansioso por mim. Ele então se posiciona
em minha entrada e desliza lentamente todo seu
comprimento, me fazendo delirar a cada centímetro, até
alcançar meu ponto mais sensível. Nós dois gememos alto,
juntos, enlouquecidos de prazer, e tendo a certeza de que
nossos corpos possuem o encaixe perfeito.
Marcos então me mostra seu lado mais bruto e
dominador, e apesar de estar com apenas um braço
disponível, ele agarra minha bunda e me penetra fundo, em
um ritmo perfeito.
— Diabo de homem gostoso — falo alto e ele ri em
meu ouvido.
Depois de mais alguns minutos de pura tortura, em
outro movimento calculado ele sai de dentro de mim, se
colocando de joelhos sobre o colchão.
— De quatro, agora! — ele diz, mandão. 
Obedeço ao seu comando, apoiando meus braços na
cabeceira da cama e empino minha bunda em sua direção. 
Ele dá um tapa forte, antes de falar com uma voz
arrastada, me arrepiando inteira:
— Essa é a visão que eu quero ter pro resto da minha
vida, Clara. Você é gostosa demais. Puta merda!
Solto uma risadinha antes de fazer o que ele pede e o
sinto atrás de mim, com seu membro em minha entrada e
sua mão apertando minha cintura. Ele começa a entrar
devagar e solta um rugido alto, demonstrando o quanto isso
o excita também. Tento me conter, mas também gemo alto,
assim que ele se acomoda dentro de mim. Quando não
consegue se controlar mais, Marcos então começa a
empurrar com mais força, fazendo com que eu grite,
enlouquecida de prazer.
Rebolo em seu pau, levando a mão até a minha
intimidade, me estimulando, e ele fica ainda mais
descontrolado. A sensação de tê-lo em mim faz com que eu
chegue ao clímax, soltando um grito, trêmula e ofegante e
ele vem comigo, se libertando também.
— Uau! — ele diz, se jogando de costas no colchão,
provavelmente fraco pelo esforço.
Desabo ao seu lado, ofegante, suada e muito saciada.
Não tenho forças para lidar com nada além do prazer e
constatação que esse dia enorme e louco está prestes a
acabar. Me aconchego em seu peito e Marcos faz um
carinho leve em meus cabelos.
— A partir de agora, tudo vai mudar… na empresa,
entre nós dois... — Tento prestar atenção no que ele diz,
mas meus músculos estão moles e eu ainda estou imersa
em uma névoa de prazer. — Mas uma coisa eu tenho
certeza que nunca vai mudar....
Olho em seus olhos, tentando entender o que ele está
falando e ele abre o sorriso mais lindo que eu já vi antes de
me dizer:
— O que nunca vai mudar é como eu me sinto perto
de você, enlouquecido de tesão e apaixonado.
Sua fala, apesar de safada, me emociona. Isso é tão a
cara dele que não consigo nem discutir. Beijo a sua
bochecha e, olhando nos seus olhos, sorrio também.
— Acho que posso dizer o mesmo. Ao seu lado eu
sempre vou ser a Clarinha boba, deslumbrada, apaixonada
e que te ama com todo o coração. Desde os doze anos, pro
resto da minha vida.
 
Um ano depois…
 
Casar no jardim de um castelo em plena primavera de
Milão é o sonho de qualquer mulher que assistiu algum
filme da Disney. Pedro Alcoforado realizou mais esse sonho
da minha amiga Luíza, proporcionando a todos os
convidados uma cerimônia incrível e cheia de romance,
digna de um felizes para sempre.
Fazer mais um vestido de noiva assinado pela
Brumpel foi uma realização. Principalmente quando a noiva
é uma modelo internacional que conquistou neste pouco
tempo uma carreira tão consolidada. Claro, além do prazer
de vestir uma grande amiga, ainda tem toda a visibilidade
que cai sobre ela.
Os votos foram lindos, emocionantes e a cara dos
dois. A cerimônia maravilhosa, em um cenário incrível, com
a homilia gostosa de assistir… mas… ah! Nada se compara
com a festa. Nessa aí, eles arrasaram.
— O que há com nós dois e os casamentos, hein? —
pergunto, virando uma dose generosa de absinto sobre os
olhos repreensivos de Marcos.
— Você fica uma bela de uma safada e eu sou
obrigado a cuidar para que ninguém veja a sua calcinha no
palco ou que saia ganhando beijos distribuídos por certo
alguém. — Sua fala mal-humorada não condiz com o sorriso
que chega aos seus olhos, e eu lhe ofereço o outro copinho
com o líquido verde.
— Ah! Deixa de ser chato… — reclamo. — Eu mostrei
a calcinha só uma vez, completamente sem querer. Além
disso, se não tivéssemos ido em tantos casamentos no
último ano, as coisas poderiam ser mais emocionantes —
digo dando de ombros, e não perco a oportunidade de
alfinetá-lo — Até porque, nenhum deles foi o meu
casamento mesmo, então estava liberado algumas
loucuras. 
— Pra quê casar se já moramos juntos? — Está aí a
resposta que me mata por dentro.
Desde quando realmente decidimos ficar juntos e o
acidente aconteceu, ele foi passar uns dias lá em casa para
que eu cuidasse dele, e acabamos morando juntos. Esses
dias se transformaram em semanas e quando eu o convidei
para oficializarmos os endereços, Marcos concordou com a
condição de me ajudar a pagar tudo. Tenho vivido por todo
esse tempo o meu próprio conto de fadas, e por mais que
na prática se casar na igreja, com vestido de noiva branco
seja muito mais um capricho do que realidade, eu quero. E,
apesar de todas as minhas indiretas, a ficha não cai, e nada
do cara me pedir em casamento.
Bom, estou cogitando eu mesma marcar tudo, enfiar
um bambolê em seu dedo e avisar para ele aparecer em tal
dia na igreja x.
Afinal de contas, eu nunca fui muito paciente
mesmo...
— Fala isso pros seus sogros, cachorro ! — Recupero a
linha de raciocínio e uso o apelido antigo para mostrar que
não estou satisfeita.
Saio rebolando em direção ao bar, pedindo mais um
shot e ele vem atrás segurando em minha cintura.
— Você está linda com esse vestido roxo colado — sua
voz sussurrada em meu ouvido me arrepia por completo e
eu reviro os olhos antes de me virar para ele, lhe dando um
selinho rápido.
— Daqui a pouco nossas funções como padrinhos vão
acabar e assim que isso acontecer, vamos entrar na cabine
do banheiro mais próximo e eu vou sentar em você. Agora,
se comporte e abra um sorriso grande, porque os noivos
vem aí — digo baixinho, abrindo um sorriso enorme ao ver
Luíza e Pedro de mãos dadas vindo em nossa direção.
— Olha se não é o mais novo preso pelas cuecas para
o resto da vida! — Marcos diz para o amigo, lhe dando um
abraço cheio de tapinhas nas costas e sorrisos. — Agora é
game over mesmo.
Cruzo os braços revoltada e Luíza revira os olhos
antes de vir me dar um abraço.
— Já estamos casados faz tempo, seu babacão — ela
diz antes de se jogar nos braços do meu namorado para um
abraço de urso. — Isso tudo aqui foi só pelas fotos e
filmagens… Ah! E claro, pelo vestido! — ela diz, piscando
pra mim. — Nem vamos ter noite de núpcias, porque o mel
já rolou faz tempo.
Engasgo com a sua fala e começo a rir. 
— Não perde a oportunidade de fazer uma piadinha,
né? — Marcos diz com um sorriso satisfeito. — Está até
parecendo com alguém que eu conheço… — ele completa e
ela sorri de forma conspiratória. Ou seria só impressão
minha?
— Aprendi com o melhor.
Conversamos um pouco sobre coisas triviais e Pedro
nos conta um pouco mais da empresa que ele abriu
recentemente de energia verde. O seu sonho finalmente
saiu do papel, e ver ele à frente do seu próprio projeto é
algo muito legal e satisfatório de assistir. Marcos conversa
um pouco com o amigo e antes que eu possa chegar mais
perto e entender do que se trata, Luíza fala baixo no meu
ouvido.
— E aí? Milão não é o cenário perfeito para uma cena
romântica? — E abençoada pelo timing perfeito, a
cerimonialista fala no microfone anunciando a hora de jogar
o buquê.
— Agora é a sua vez, Lulu! — Marcos diz, empurrando-
a em direção ao palco, onde a banda parou de cantar para
dar espaço para a noiva brilhar nessa tradição boba.
Eu nunca peguei o buquê. Mas, nunca casei também.  
Contudo, para refutar essa tradição ridícula, conheço
várias que pegaram e não casaram porcaria nenhuma e, por
isso, me mantenho estática. Nem morta eu vou me digladiar
com várias encalhadas por um pouquinho de flor que não
significa nada. Percebendo que eu não estou me movendo,
Pedro abraça meus joelhos e me carrega como se eu fosse
um saco de batatas, me colocando, literalmente, de frente
para Luíza, que tem um sorriso enorme no rosto, reluzindo
felicidade.
Merda!
A primeira da fila sempre toma banho de champanhe
e cai no chão empurrada. Pedro vai me pagar com juros por
essa. 
Ela começa a contagem do "é um, é dois e é três " e
eu fico de braços cruzados, espumando de raiva. Vou rasgar
o meu vestido nessa brincadeira e o tecido dele custou três
rins da deep web.
Que saco!
Surpreendendo a todas as meninas que começam a
reclamar por ela não ter arremessado o buquê como manda
a tradição estúpida, minha amiga modelo desce as
escadinhas do palco e me estende as flores com um
sorrisinho cúmplice no rosto. Pego o buquê ainda um pouco
desnorteada e quando vejo os flashes, começo a olhar para
os lados tentando entender o que está acontecendo e
encontro Marcos ajoelhado atrás de mim com um sorriso
irritantemente lindo no rosto e uma caixinha vermelha em
mãos.
— Clarinha, há tantos anos o meu coração é seu, que
oficializarmos essa união vai ser mera formalidade — ele
começa a falar e estreito os olhos em sua direção, pronta
para brigar com o cachorro que está me fazendo passar
vergonha na frente de todo mundo falando merda. Marcos
então continua e eu me derreto com a sua fala — Mas, se eu
puder dizer que te amo para o mundo inteiro ouvir, de todas
as formas possíveis e imagináveis, eu vou fazer. Por que
sempre foi você e sempre será. Seu sorriso de menina, suas
atitudes de mulher. A pessoa que me conquistou quando eu
era um adolescente bobo, que roubou todos os meus
pensamentos desde então e que me enlouquece
totalmente. Amo as nossas brincadeiras, provocações,
rotina e vida juntos, mas, quero também te dar o meu
sobrenome e o meu futuro. Tudo o que você quiser! Eu te
amo há anos e vou amar você ainda mais! — Então, ele
abre a caixinha, mostrando um anel lindo com uma pedra
lilás. A minha cor preferida, a cor da Brumpel, que é a
segunda coisa mais importante para mim, me emocionando
ainda mais pelos detalhes. — Para sempre é suficiente?
Você quer casar comigo?
Continuo olhando chocada por alguns segundos, com
os olhos nublados pelas lágrimas que escorrem silenciosas
pelo meu rosto. Confirmo com a cabeça, sem conseguir
pronunciar as palavras certas e ele coloca o anel em meu
dedo.
— Sim — digo baixinho quando ele se levanta e me
abraça apertado, me dando um beijo apaixonado. 
Escutamos as pessoas gritarem, felizes pelo nosso
momento, mas em meu mundo só há Marcos e eu, vivendo
em nossa bolha de felicidade. Meu noivo, então, leva os
lábios até o meu ouvido e, como não poderia ser diferente,
fala em um sussurro, me obrigando a dar uma risada e
concordar com a cabeça:
— Você quer me encontrar no banheiro agora?
 
FIM
 

Agradeço a você que deu uma chance para Clara e


Marcos e chegou até aqui, no final dessa trajetória.
Obrigada de coração por dedicar um pouquinho do seu
tempo para ler essa obra, e espero que você tenha gostado.
Além disso, não poderia deixar de agradecer algumas
pessoas especiais que fazem os meus dias muito mais
leves, e sem elas essa trajetória não seria tão incrível:

Minhas meninas do Clubinho das Goxtosas, vocês são


o combustível que faltava para os dias que eu não estou tão
confiante em continuar.
 

Priscilla Averati, o que dizer dessa mulher? Obrigada


por me carregar nas costas, surtar comigo, me ajudar a ver
os caminhos mesmo que não sejam tão óbvios e me ajudar
a escrever (praticamente a quatro mãos), Cedendo à
Tentação.
 
Julia Motta, minha leitora fiel, agora beta e amiga.
Obrigada por insistir há quase um ano para que essa
história saísse da minha cabeça e fosse para o papel. Sem
todos os pedidos, e surtos, eu provavelmente não teria
escrito minha menina com C.

 
Mari Sales, uau, quem diria que eu um dia iria
agradecer à Mari Sales em um livro meu?! Obrigada por
toda a sua disposição e sabedoria, você é tão incrível, que
nem sei exatamente o que dizer. Obrigada por compartilhar
todo o seu conhecimento e pela paciência em ajudar em
tudo o que que estiver ao seu alcance.

 
Karine Gomes, obrigada por sempre estar por mim
quando eu preciso, pela revisão perfeita, diagramação feita
com amor e tudo o que temos juntas. Sua amizade é
preciosa.

Erika Lyrio, sis, nem preciso dizer, né? Você esteve


nos agradecimentos de todos os livros e sempre estará.
Torço pelo seu sucesso e sei que você torce pelo meu.
Seremos assim até ficarmos velhinhas. Amo você.
 

Por fim, mas não menos importante, obrigada a minha


família e a Deus. Sem vocês, nada disso seria possível.
 
Isabella Silveira é natural de São Paulo, porém cresceu
na capital de Minas Gerais. Publicitária e comunicóloga,
desde cedo percebeu que a se comunicar era algo muito
além da fala.
Na literatura descobriu inúmeros novos mundos, e
ainda criança sentia a maior felicidade em ter um livro nas
mãos. Ainda nova arriscou alguns rascunhos que nunca
saíram do papel, porém após ler estórias que não
correspondiam às suas expectativas e conversavam com a
mulher decidida que ela sempre quis ser, resolveu colocar
as suas ideias no papel, e posteriormente mostrá-las ao
mundo.
Amante da literatura nacional se aventurou na escrita
por não se conformar com o óbvio e ainda hoje tem o
objetivo de surpreender seus leitores com enredos
diferentes do usual.
Escritora de mulheres fortes, independentes e donas
do seu próprio destino.
 
Entre em contato pelas redes sociais:
Instagram: @isabellasilveiraautora
Página do Facebook: Autora Isabella Silveira
 
Participe do meu grupo de leitoras (es) no WhatsApp
e venha ser um(a) Goxtosa (o):
 
  https://chat.whatsapp.com/LhZKNnvFPoLHkYdwChaB5k
 
 
 
 
 
 
 
 

— Sou apaixonada por você.


— E eu por você, Luiza — a intensidade em sua voz é
grande e sinto meu corpo inteiro se arrepiar com a
contestação de que, sim, ele realmente se sente da mesma
forma.

Nossos olhares entregam o quanto estamos


envolvidos um pelo outro, e sem falar mais nada, Pedro me
puxa pela mão até a parte mais escura e escondida da
varanda, ávido em poder marcar minha pele com o seu
toque e provar que não existirá mais ninguém, nunca.
Afinal, ele com certeza se encarregará disso com os seus
próprios métodos. Loucos de desejo, antecipação e vontade,
colamos nossas bocas, ansiosos pelo contato.
Quando nossos lábios se encontram, realmente
parece que estamos sozinhos e nada mais importa, apenas
eu e ele, juntos. A sensação é surreal e nunca vou me
cansar de tê-lo dessa forma, todo para mim, entregue.

Sem pensar muito, minha mão voa para os seus


cabelos bem penteados, bagunçando-os completamente.
Suas mãos, antes possessivas em minha cintura, se movem
para a minha bunda, apertando-a com força, colando ainda
mais nossos corpos, onde consigo sentir o volume de sua
excitação. Onde antes existia uma calcinha, agora com
certeza existe apenas frangalhos, efeito do que Pedro faz
comigo.
Não nos preocupamos com mais nada. O tempo passa
entre provocações, beijos e mãos um pouco maliciosas, e
com sussurros de promessas sacanas ao pé do ouvido.
Quando estamos prestes a fazer uma loucura, ouvimos a
voz grave de Marcos, parecendo extremamente brava:
— Ora ora, o que é que temos aqui?
 
Meses antes...
 
— Luiza, se concentre! Você não pode ser tão indecisa
assim! Essa é só mais uma das inúmeras entrevistas de
emprego que você já fez. Nada vai mudar por causa de uma
blusa — repito novamente para a minha imagem no
espelho, com o cenho franzido.

Essa insegurança é ridícula. Sacudo a cabeça e


escolho uma blusa azul clara. Não posso ser negativa, vai
dar tudo certo. Azul é a minha cor preferida e combina com
os meus olhos, que são iguais aos de mamãe, Maria
Antônia. É a minha cor da sorte. Completo o visual com uma
calça branca e saio confiante em direção à cozinha, ainda
de chinelos.
No sofá da sala, encontro o meu pai deitado, coberto
por uma manta quentinha, assistindo uma espécie de jornal
da tarde. Tão típico dele que meu coração se enche de amor
e preocupação na mesma medida.

— Tudo bem, filha? — papai pergunta, um pouco aflito


pela minha andança pela casa.
É inevitável, quando eu fico nervosa, ando para me
acalmar. Deve ser por isso que consigo contar cada uma das
minhas costelas, porque se fosse depender de dieta, eu
estaria frita. 

Esquivando-me da pergunta, entro na cozinha e pego


água para fazer um chá. Preciso mesmo manter a minha
cabeça no lugar. Sei que nesses últimos tempos tenho feito
todo tipo de entrevistas, mas essa foi a primeira e única que
eu encontrei na minha área.
Minha falecida mãezinha sempre disse: “Se tudo der
certo, beba um vinho. Se tudo der errado, tome um porre.
Se ainda nada se resolveu, tome um chá". Era o mantra
falado para a minha tia mais nova, quando estava com dor
de cotovelo por um de seus vários amores, mas acho que
essa lição serve pra mim agora. Afinal, nada está perdido, a
entrevista nem aconteceu ainda e posso muito bem beber
um vinho mais tarde.

É hoje , mamãe! Torce aí de cima por mim, pois eu


preciso desse emprego.
Olho para o sofá e meu coração se aperta um
pouquinho, mas mantenho a confiança e ergo a cabeça
firme. Não posso me esquivar da pergunta para sempre,
então resolvo responder da melhor forma:

— Sim, papai. Eu sinto que vai ser hoje que a nossa


vida vai mudar. Tudo vai dar certo. Torça por mim.
— É só isso que eu faço, meu anjo — ele responde,
com a voz embargada.

Pois é! Estou desempregada há oito meses e o


pesadelo só evolui. Quando minha mãezinha querida
faleceu, seu marido estava se recuperando de um longo e
horrível tratamento de câncer. Foi o inferno na terra. Sem a
minha mãe, precisei cuidar do meu pai em tempo integral, e
a nossa situação financeira que um dia já foi muito boa,
agora está cada vez pior.
Eu estava no último período da faculdade quando a
minha vida mudou. Meu estágio não me pagava quase
nada, mas como estudava em uma Universidade Federal,
isso nunca foi um grande problema. Mas quando mamãe,
que há muito tempo era a provedora da família, sofreu um
acidente de carro, tudo foi por água abaixo. Meu pai, que já
estava abalado, hoje, mal consegue andar pela fraqueza
inerente. Depois de tanto tempo, talvez, principalmente por
tudo que vivi, eu não posso perder tempo me lamentando,
preciso ter forças para continuar. Papai ainda não pode
trabalhar, o esforço o deixaria mais debilitado e não posso
nem pensar no que seria da minha vida sem ele, então, é
minha hora de colocar a mão na massa.

A reserva de dinheiro acabou. O estágio não quis me


efetivar, e agora, até o pouco dinheiro que me pagavam faz
falta. Para piorar tudo, estou sozinha. Sou filha única, sem
avós, com tios morando ilegalmente nos Estados Unidos e
que não estão nem aí pra gente, com exceção da tia Márcia,
que também está travando sua própria luta financeira.
Como eu disse, sozinha. Sozinha e cuidando de quem
deveria cuidar de mim.
Luiza, não seja uma pessoa horrível e agradeça a
Deus por ele não ter levado os dois de uma vez só. Ele
escreve certo por linhas certas. Você só não viu ainda qual é
essa linha.

É isso! Preciso confiar que no meu destino há algo


bom reservado.
Me maquio com o que tenho, e acabo deixando meus
olhos muito maiores do que já são. Franzo o cenho para o
espelho. Só me faltava essa agora. Pareço uma criança
assustada ou o gatinho do Shrek , e nenhum dos dois
combina com a imagem de moça séria e decidida de vinte e
três anos que eu gostaria de aparentar. Sou uma recém
formada na faculdade e não no jardim da infância.

Nossa! Eu preciso parar de tremer. Urgente!


Arrumo a minha bolsa, calço uma sandália nude e
estou pronta.
Vou até a cozinha em busca do meu precioso chazinho
e o coloco em um copo de isopor. O meio ambiente que me
perdoe , mas é o que temos pra hoje.

— Tchau, papai. — Ajeito os seus travesseiros, beijo


sua testa e saio correndo para pegar o ônibus.
Confiro o relógio, constatando que falta mais de uma
hora para o horário marcado, mas nunca se sabe, né?
Transporte público em São Paulo é um caos.

No caminho, vejo minhas mãos tremerem


ligeiramente e não entendo o porquê. Tudo bem que sempre
fui um pouco ansiosa, mas isso está parecendo exagerado
demais, até pra mim.
Essa sensação não passa nunca e já estou ficando
preocupada.
Para de paranoia, sua doida! Você é formada na USP.
É qualificada para entrar em uma agência desse porte e
obter sucesso. Ninguém teve notas melhores que você, sua
pequena nerd!
Eu não posso mesmo me desesperar. Estou há tanto
tempo esperando uma boa oportunidade no mercado
publicitário, e não vai ser agora que eu vou estragar tudo.

Agências de grande porte sempre precisam de alguém


que indique. É a lei da vida, não é? Bom, parece que não
para essa vaga. Dei sorte. Assistente de atendimento me
parece uma espécie de subemprego, mas é melhor do que
secretária, a minha entrevista de amanhã. Nessa posição eu
tenho chance de mostrar o meu trabalho e ganhar espaço
dentro da agência. Quem sabe um dia alcanço um posto de
assessoria de planejamento? Não custa nada tentar. Meu
sonho mesmo é trabalhar fazendo pesquisas, acho que
ainda tenho o espírito nerd escolar.

Hoje vai dar certo, tenho certeza. Essa vaga é na


minha área e não serão quatro anos jogados fora para servir
cafezinho para qualquer homem mal educado. Mas se não
for hoje, amanhã estarei confiante do mesmo jeito, eu sou
desse jeito. Muitas derrapadas só querem dizer que um dia
vou conseguir voar na pista, e assim, nada irá me derrubar.
Publicidade me parece uma grande piada neste
período de crise. Ninguém quer investir, sempre havendo
corte de funcionários e gastos. Reviro os olhos e passo um
batom rosa escuro. Rituais da sorte, todo mundo tem um. É
isso.

Chego com quarenta minutos de antecedência e


resolvo esperar no térreo do prédio em busca de coragem, e
claro, tentando treinar a minha mente para todas as
possíveis perguntas que responderei. Paro um momento
para apreciar o local que será o meu futuro ambiente de
trabalho. Sei que a agência em si fica nos últimos quatro
andares do prédio, mas aqui há uma lanchonete super
chique e algumas lojinhas de bugigangas.
Caminho de um lado para o outro, mentalizando as
minhas respostas e falando baixinho.
— Principal qualidade? Bom, definitivamente, força de
vontade. Essa resposta não é nem mentirosa demais, nem é
algo que faça alguém sentir pena. — Solto um risinho
satisfeito, me viro rápido e continuo caminhando para a
direção oposta. — Qual é o seu principal objetivo na
empresa? Ganhar dinheiro não deve ser uma boa resposta,
então, provavelmente, ficarei com algo do tipo: colocar em
prática tudo o que eu aprendi na faculdade e aprender
muito em uma empresa tão renomada e de tanto nome no
mercado. É, essa é uma boa resposta. — Giro rápido para o
outro lado, caminhando no sentido contrário. Espero que
nenhum diretor da agência passe por aqui agora, já que eu
pareço uma barata tonta indo e voltando na mesma direção.
— Bom, qual é o meu pior defeito? Esse todo mundo sabe
que é a ansiedade e a teimosia, mas, acho que vou ficar
com perfeccionismo. Todo mundo fala isso. — Giro de
repente, já mudando de assunto mentalmente, e me choco
com uma montanha de músculos que me faz cair de cara no
chão.
 
 
 
Quer saber como continua essa história? Leia Top Model – A
Modelo do CEO
 
Ainda não conhece as minhas outras obras?
Te convido a ler e depois vir comentar comigo!

 
Achei você em Paris
 
Lara é uma aeromoça que sempre sonhou em conhecer a
cidade Luz.
Feliz, destemida, dedicada, cheia de garra e com o coração
enorme ela passa por cima de todos os obstáculos para
conseguir o seu objetivo, visitar Paris.

Mesmo com as adversidades, e enfrentando preconceitos


pela cor de sua pele, ela não se abala e passa por cima de
todos os percalços para ver a sonhada Torre Eiffel. Mas,
quem diria, que quando ela realmente chegasse em seu
objetivo, o seu coração bateria mais rápido por outro
motivo?

Victor ainda está tentando encontrar o seu lugar no mundo.


Adotado por uma família muito bem sucedida, sempre se
viu como a ovelha negra. Arquiteto cheio de talento, o nerd
atrapalhado resolve se mudar para o outro lado do mundo
em busca de algo mais. Quem diria que ele encontraria o
seu "mais" atropelando a bela donzela, com a sua mala,
correndo para o embarque em um avião?
 

Entre Posts e Amores


 

Laís é uma menina sonhadora.


Quando viu a oportunidade de sair do interior de Minas e
conseguir uma vida melhor para si e para a sua família a
agarrou com unhas e dentes. Hoje, formada em Relações
Públicas pela USP se vê mais quebrada do que nunca. Ela
precisa de dinheiro!

Na ânsia de mostrar para todos de sua cidade do interior


que conseguiu “vencer na vida”, ela resolveu anos atrás
mostrar todas as suas experiências da cidade grande pelas
redes sociais, e foi assim que sua carreira um pouquinho
mentirosa de blogueira começou.

Apesar disso, sem ainda conseguir ganhar dinheiro


efetivamente com a blogueiragem ela parte com tudo para
o seu maior sonho: ser cerimonialista no mercado de
casamentos. Situações extremas pedem medidas
desesperadas, e por isso ela faz de tudo para conseguir o
seu emprego dos sonhos, tentando manter a qualquer custo
a pose de boa vida nas redes sociais.

Ela só não esperava conhecer o homem mais incrível do


mundo durante esse processo, e nem que ele fosse sobrinho
da sua futura chefe.
Diego é o verdadeiro príncipe dos contos de fadas! Lindo e
muito simpático, sua meta de vida e ajudar as pessoas,
sejam elas próximas ou não. Depois de 2 anos em uma
missão na Indonésia ele volta por um ultimato: ele precisa
entrar para os negócios da família. Mas um esbarrão em
uma linda caipirinha faz com que esse trabalho prometa
ficar muito mais leve e divertido.

Entre trapalhadas, casamentos, amores e mentiras, Laís


tenta equilibrar tudo sem se perder no processo. Mas até
quando ela conseguirá sustentar toda a pose sem acabar se
quebrando?
Laís é casamenteira por profissão e blogueira por vocação.
Conheçam essa história e se encantem.

 
Entre Luzes e Romances

Depois de muitas aventuras, Laís conseguiu enfim o seu


"feliz para sempre" com o seu príncipe ativista Diego.
O que ela não sabe é que depois do tão sonhado SIM, é que
as coisas começariam a ficar interessantes.

Época de natal sempre nos reservam grandes surpresas, e


para uma blogueira gravidíssima isso não poderia ser
diferente. Mais apaixonada pelo seu enfim marido do que
nunca, Laís está vivendo seu conto de fadas. Entre
casamentos, vídeos e uma família muito bagunceira
passando o natal pela primeira vez na capital, ela precisará
equilibrar tudo e fazer com que seu bem mais precioso não
sofra no processo. Luíza, sua filha
 

Meu Infinito
 

Alex Zur volta depois de 10 anos para a sua cidade natal em


busca de vingança. Seu maior objetivo é acabar com o
homem que tentou matá-lo ainda adolescente. Ele está
diferente depois de algumas cirurgias reconstrutoras, está
mais forte, mais rico e principalmente, implacável.
Laura, sofreu muito com a morte de seu namorado do
colegial, Igor. Se fechou para o mundo, nunca mais amou
ninguém e, mesmo depois de dez anos, tem como parceira
de vida a depressão. Agora, mais do que nunca, se vê
obrigada a ser forte. Seu pai perdeu toda a sua fortuna, e
ela, em uma missão para ajudar a sua família, embarca em
um negócio perigoso com o maior inimigo do seu pai, Alex
Zur. O que ela não imagina é o segredo que ele esconde.
O senso de obrigação familiar fala mais alto, e ela larga
tudo o que conhece para ir para NY ser a “garantia” para a
sua família.

Até quando Alex conseguirá manter a sua mentira?


Laura vai se apaixonar por Alex, o homem frio e calculista
tão parecido com Igor, ou se manterá fiel à paixão
adolescente inacabada?

 
E se eu me apaixonar por você?

 
Liz é uma médica, cirurgiã obstetra, renomada, dona do seu
próprio nariz e do seu próprio destino. Extremamente
independente, ela tem como objetivo ser feliz e por isso não
aceita migalhas de homem nenhum.

Carlos é um tímido professor de música, que sonha em


encontrar alguém que faça o seu coração suspirar, e ser
digna o suficiente para recitar as mais belas canções de sua
banda preferida. The Beatles.
Um incêndio cruza o caminho dos dois, e une esse casal
improvável. Mas será que isso é o suficiente para mantê-los
unidos?
Venha se aventurar, rir e se apaixonar por Liz e Carlos, ao
som da banda mais famosa de todos os tempos. The
Beatles.

 
Antologia LUNY – Lucy

 
Seja muito bem-vindo à LUNY!

Conhecida não apenas pelos belos jardins ao redor do


campus, mas principalmente por ser considerada uma das
universidades mais renomadas do mundo, a centenária
Liber University of New York é um sonho realizado para
muitos.
Há quem diga que a faculdade é a melhor fase da vida.

Verdade ou não, na LUNY, entre salas de aula, dormitórios,


festas, jogos do Zion — o lendário time de futebol
americano —, fraternidades e encontros no Titans — o bar
mais badalado da região —, o amor acontece.
É tempo de descobertas;

De (re)começar;

Errar e aprender;
Se aceitar;

Fazer amigos;
Sair sem hora para voltar;

Roubar um beijo;
Ser beijada ou beijado;
É tempo de se apaixonar.

E você vai ter a oportunidade de desfrutar desses encontros


especiais, que irão te arrancar suspiros, do início ao fim.
Uma Universidade, onze amores.

Que tal passar um tempinho acompanhado dessa coletânea


de contos românticos que se passam na LUNY?
 

Lola
 

Lorena Salles é bancária, socialite e Belorizontina. Filha de


político famoso, Lola sempre teve sempre a sua vida
devidamente controlada e com os holofotes virados para
ela. Contudo, tudo irá mudar quando ela resolve fazer uma
viagem em busca de autoconhecimento. Jogando para cima
todo o tipo de amarras e mergulhando de cabeça em sua
aventura. O divisor de águas acontece. Ela percebe tudo o
que passou e sabe que não é certo. Dentre todas as suas
descobertas, de uma coisa ela tem certeza: Para ser
plenamente feliz ela precisa fazer justiça contra as
atrocidades que viveu! Embarque nessa aventura
eletrizante, cheia de segredos, mentiras e caça aos políticos
corruptos. Será que Lola conseguirá ser bem-sucedida em
alcançar a liberdade que tanto almeja? Até que ponto vale a
pena fazer justiça com as suas próprias mãos?
 

Por trás dos Bastidores


 
Lia Reed volta para Los Angeles com um único objetivo,
fazer a sua estreia em Hollywood.

Desde a morte traumática de seu pai, um ator famoso da


indústria cinematográfica americana, ela enfrentou uma
mudança para o Brasil e iniciou a sua própria carreira sob os
holofotes.
Hoje, mais velha e espalhafatosa, com nove ex-namorados,
traumas ainda não superados e insegurança em seus
próprios atos, ela tem uma única certeza: sua carreira é o
que mais importa.

 
Ela jurou não se apaixonar e o objetivo era claro: fazer a sua
estreia sem nenhum efeito colateral. Só não contava que
encontraria seu futuro marido no primeiro dia de filmagens.
E, principalmente, com a confusão que ela vai se meter
depois disso.

 
Antologia Era uma vez? – O mergulho da Sereia
 

Era uma vez, um pequeno reino localizado em uma ilha ao


norte da Europa. Um lugar lindo, cheio de belezas naturais e
muitas histórias. Histórias essas que até parecem ter sido
inspiradas em contos de fadas.
Elsker é a terra de um povo muito tradicional e patriota, que
cativa a todos que ali visitam, e, tendo o país como palco
dessa história, oito destinos se cruzarão.
Em uma releitura moderna e adulta dos mais fantásticos
contos de fadas, vocês irão rir e se apaixonar. Afinal, eles
não são feitos apenas para crianças e nunca se é velho
demais para encontrar o amor verdadeiro.
 
Top Model: A modelo do CEO
 
Luiza Franco precisa desesperadamente de dinheiro para
cuidar da casa e pagar o tratamento de câncer de seu pai.
Por isso, tem passado por inúmeras entrevistas frustradas,
até que, por uma obra do destino, é atropelada por uma
montanha de músculos a caminho do seu emprego dos
sonhos.
Pedro Alcoforado tem um único objetivo: trabalhar duro e
fazer valer a pena a vaga de CEO que sua prima lhe
ofereceu. Pelo menos até esbarrar em uma morena linda e
desastrada de olhos azuis.
Em um encontro duplamente inesperado, Luiza se vê
obrigada a ser secretária na tão exclusiva Brumpel, e ter
como chefe o homem tempestuoso que mexe com o seu
coração.
Mas, uma oportunidade surge e ela começa a trabalhar
como modelo, trazendo consigo o pior lado de Pedro.
Quanto mais ela cresce na carreira, mais possessivo ele se
torna.
Será que o amor sobreviverá a tantos percalços?
 
Por trás de um contrato
 
Layla Miller sempre lutou para ter o mundo aos seus pés.
Com a sua carreira de modelo já consolidada, ela decidiu se
aventurar como atriz em busca de novas emoções e um
novo propósito.

 
Desde o seu último término, as coisas não andaram muito
bem pra ela, tanto em seu coração quanto com a mídia. As
fake news repercutiram e ela batalhou demais para
conseguir limpar o seu nome e voltar a ter uma boa
reputação. Para ela, o trabalho é o seu bem mais importante
e nada nem ninguém vai desviar o foco no seu destino.
 

Por isso, quando um figurante contratado para ser o seu


acompanhante em uma premiação cai de joelhos aos seus
pés, dando a impressão de que a estava pedindo em
casamento, ela não vê outra alternativa: precisa participar
dessa loucura de um casamento por contrato.
 
O arranjo que deveria ser simples tem apenas uma
complicação: Tyler Lewis. Sua língua afiada, seus músculos
aparentes e seu humor ácido, fazem com que ela se perca
ainda mais entre mentira e realidade.
 

Você também pode gostar