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Te quero para sempre

Spin-off de Davi – a redenção de um homem


Aline Pádua
Copyright 2018 © Aline Pádua
1° edição – agosto 2018

Todo o enredo é de total domínio da autora, sendo todos os


direitos reservados. Proibida qualquer forma de reprodução total
ou parcial da obra, sem autorização prévia e expressa da autora.

Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Ilustração: Queen Designer


Sumário
Sumário
Importante
Sinopse
Playlist
Prefácio
Prólogo
Capítulo 1
Sete anos antes
Capítulo 2
Sete anos antes
Capítulo 3
Seis anos antes
Capítulo 4
Seis anos antes
Capítulo 5
Seis anos antes
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Epílogo
Nota da autora
Próximo livro
Contatos da autora
Importante

Esse é livro é um spin-off de Davi – a redenção de um


homem, não é necessário ler o livro interior para entender esse,
porém, existem cenas do casal no primeiro livro. Além disso, esse
livro apresenta alguns capítulos intercalados com o passado.
Boa leitura!
Sinopse

O quão caro uma omissão pode custar?


Luíza Monteiro após uma desilusão amorosa se tornou um espírito livre,
não pensando em nada além de uma vida ao extremo, sem arrependimentos, e
a última coisa que esperava era se envolver. Entretanto, seu melhor amigo,
Marcelo, surge em uma de suas noites sem fim, onde tudo o que ela desejava
era o prazer. Porém, naquela noite ela encontrou muito mais nos olhos azuis
profundos do homem que era declarado um romântico – ela encontrou o amor.
Marcelo Carvalho não esperava depois de três anos casado com a
mulher que amava, que de alguma forma, voltaria a ser machucado por ela.
Luíza tinha enlaçado seu coração desde o primeiro olhar trocado, mas por um
longo período pisoteou e rechaçou seus sentimentos. Porém, ele não era
conhecido por desistir do que queria, assim, casou-se com a mulher que
amava. Mas o tempo passou, e de repente, ele viu tudo ao seu redor ruir, e
mais, sua confiança quebrada.
A omissão sobre uma noite no passado acaba por destruir o conto de
fadas que estavam construindo. Marcelo se vê dividido entre a raiva e
vingança... Luíza se vê a cada dia mais longe daquele que jurou amar. Marcelo
faz sua escolha, e Luíza as acata.
Quais serão as consequências?
Playlist
3x4 – Engenheiros do Hawaii
A house we never built – Gabrielle Aplin
Ausência – Marília Mendonça
Baby, you make me crazy – Sam Smith
Barquinho de Papel – Anavitória
Born To Die – Lana Del Rey
Boys like you – Anna Clendening
Dengo - Anavitória
É Isso Aí – Ana Carolina
Gentleman – Anne-Marie
Let it go – James Bay
Love Me Now – John Legend
Lucid Dreams (Forget Me) - Juice Wrld
Na Sua Estante – Pitty
Não Olhe Pra Trás – Capital Inicial
New Rules – Dua Lipa
Photograph – Ed Sheeran
Pra Ser Sincero – Engenheiros do Hawaii
Smoke & Mirrors – Demi Lovato
Sober – Demi Lovato.
Teatro dos Vampiros – Legião Urbana
The A Team – Ed Sheeran
Then – Anne-Marie
Us – James Bay
Worst in me – Julia Michaels
Dedicado a meus leitores...
Prefácio

“No entanto, eu quero que ela saiba


que dormir todas as noites a seu lado
e mesmo as discussões mais banais
eram coisas realmente esplêndidas
e as palavras difíceis
que sempre tive medo de dizer
podem agora ser ditas:
eu te amo.”
Charles Bukowski
Prólogo
“Quando eu te deixar
Vou levar papel em branco

Espalhar por cada canto um barco de papel.”[1]

No futuro

Eu estava perdendo tudo, deixando com que escorregasse


pelos dedos minha própria felicidade. Ela tinha nome e
sobrenome há tanto tempo, que a cegueira da mágoa não
conseguia mais me impedir. Sabia bem o que queria e ela só
podia estar a poucos metros dali. Desci as escadas de nossa
casa, e a cada passo dado, encarei com saudade os momentos
ali estampados em fotografias.
Luíza adorava registrar momentos, assim como espalhá-los
por toda a casa. Segundo ela, a felicidade merecia ser mostrada.
Senti-me ainda mais canalha e estúpido, e mais do que nunca,
precisava ter uma conversa franca com minha boneca. Os últimos
dias se arrastaram, e nada além da minha culpa e saudade
acompanhavam meus pensamentos.
Assim que cheguei próximo a casa principal da fazenda,
que pertencia a seus pais, andei com rapidez até onde ela tinha
se mudado, a casa que antes pertencia a sua melhor amiga.
Porém parei, no instante que ouvi sua voz alta, como num grito.
Mudei de direção rapidamente, seguindo sua voz, e logo me
deparei com o celeiro, que tinha a porta entreaberta.
Retesei no lugar ao vê-la nos braços do atual capataz da
fazenda, num choro estridente, e os olhos perdidos, ao mesmo
tempo que implorava para que ele ficasse ali. Nada mais fazia
sentido. Minha mulher, nos braços de outro, praticamente
entregue. Quando ela levou os lábios aos dele, sequer consegui
continuar olhando. Virei-me de costas, sentindo a dor em meu
peito tão presente.
— Marcelo, por favor... Não me deixe mais!
Virei-me no mesmo instante, e me deparei com ela ainda
encarando o homem, só assim comecei a entender os sinais. O
corpo de Luíza estava trêmulo, seus olhos vagavam perdidos, e
apenas assisti um pouco mais da cena para entender o que
realmente se desenrolava ali.
— Amor, por favor. — ela implorou, e meu coração falhou
uma batida.
Ela olhava para o homem claramente assustado com seus
atos, como se fosse eu. Era como se ela me enxergasse nele, ou
se quisesse me enxergar de alguma forma.
Sem sequer pensar direito entrei no celeiro e caminhei até
eles. O capataz me encarou perplexo e apenas acenei com a
cabeça, sem querer entrar em alguma questão maior. Eu tinha
notado antes de viajar os olhares que dava a minha esposa, o seu
interesse. Porém, não era um assunto para aquele momento. Ele
se afastou, ao mesmo tempo em que tomei Luíza nos braços. Ela
me olhou com encantamento, como se finalmente tivesse me
enxergado.
— Você é tão bonito, Marcelo. — falou ao tocar meu rosto
com carinho, já em meu colo.
Saí com ela do celeiro e segurei as lágrimas. O cheiro de
álcool em seu hálito era óbvio, e lembrei-me claramente da última
vez que a vi de tal forma. Eu, que antes me sentia seu protetor, o
homem capaz de cuidar de todas suas feridas, e de não a deixar
de tal forma, tornei-me a causa de ela se afogar no álcool. Culpei-
me por estar trazendo a destruição da minha mulher.
Entrei em nossa casa, e a passos rápidos a levei até o
banheiro do quarto. A despi com cuidado e a cada momento,
fiquei atento a seus olhos curiosos. Vez ou outra Luíza soltava
algo sem nexo, porém, foquei em apenas em cuidar dela. Assim
como sempre deveria ter feito. Nenhuma mágoa deveria ter nos
levado aquele momento.
Coloquei-a debaixo da ducha fria, e mesmo molhando toda
minha roupa, dei-lhe o apoio necessário. Luíza soltou um grito,
logo caindo na gargalhada. Segundos depois se soltou de meu
corpo, e desceu até o chão, sentando-se. Vê-la naquela posição
frágil, quebrou-me mais ainda. As lágrimas ameaçaram cair de
meus olhos, porém me segurei, desligando a ducha, e ficando à
altura de Luíza.
— O que foi, boneca? — perguntei com calma, tocando de
leve seu rosto.
— Tô com medo.
— De mim? — perguntei assustado, e ela me encarou com
os olhos marejados, e por fim negou com a cabeça. — Do que,
boneca?
— Ainda... Ainda sou sua boneca?
Ela estava longe de estar completamente sóbria, mas
parecia ao menos entender que agora estava de fato a minha
frente. Porém a fragilidade era tão evidente, que apenas consegui
pensar na forma que ela ficou por todos esses dias separados.
Com certeza, destruída como eu.
— Sempre vai ser.
Luíza tocou meu rosto e um sorriso se abriu em seu belo
rosto. As mãos pequenas traçaram meus lábios de leve, e sorri,
finalmente me lembrando claramente o que me fez sofrer tanto
por ela. Luíza era única para mim, e sempre seria. Por aquele
sorriso, tudo valia a pena.
— Vamos sair daqui.
Ajudei-a a levantar e com cuidado a enrolei num roupão.
Sequei seus cabelos já um pouco mais compridos que o
costumeiro, e notei que mais uma vez ela me observava, atenta a
cada passo. Levei-a até nossa cama e a deitei.
Voltei rapidamente para o banheiro e retirei a roupa
molhada, enrolando uma toalha em minha cintura. Segundos
depois estava deitado ao seu lado, e ela me encarando, como se
fosse o seu mundo.
Ela era o meu!
— Eu te amo, boneca. — confessei, depois de tanto tempo,
sentindo-me finalmente leve, e decidido a lutar por ela, e claro,
por nós.
Luíza não disse nada, apenas fechou os olhos e segundos
depois caiu num sono profundo. Não sei ao certo em que
momento aconteceu, mas olhando para a mulher que trazia
sentido em tudo, acabei dormindo, com seu semblante sereno
povoando meus sonhos.

Senti o calor do sol em meu corpo e abri os olhos sem


vontade. Assim que encarei o outro lado da cama vazio, um medo
sem precedentes atingiu meu peito. Levantei meu olhar, e um
alívio tomou conta de meu corpo, ao ver Luíza parada a frente da
varanda, olhando a imensidão da fazenda.
Ela parecia absorta em pensamentos, porém, assim que
faltou um passo para tocá-la, seu olhar encontrou o meu sobre o
ombro. Luíza mantinha um semblante sério, e eu a conhecia o
suficiente para saber que algo estava decidido em sua cabeça.
Naquele momento, temi pelo que fosse.
— Boneca, eu...
— Não. — falou rapidamente, sem fazer questão de me
olhar. — Eu vi, Marcelo. Ficou claro para mim agora, o porquê de
todo seu teatro a respeito de Davi e eu. Nunca foi pelo que
omitimos, sempre foi por sua vontade.
— Do que está falando? — perguntei, completamente
confuso.
— Há quanto tempo? — finalmente se virou, olhando-me
com desprezo. — Há quanto tempo está transando feito um
maldito com ela?
— O que?
Eu estava atônito.
— Ou ontem foi a primeira vez? — riu sem vontade. —
Você é tão patético quanto ela. — deu de ombros. — Faça bom
proveito da sua liberdade, a tem por completo agora.
Ela tentou sair, porém a impedi, tocando seu braço.
— Boneca, não sei o que aconteceu, mas...
— Primeiro de tudo. — levantou um dedo. — Não sou
boneca de ninguém, muito menos a sua. — soltei-a, ficando sem
reação. — Segundo que ninguém falou, eu vi você e Jéssica! —
arregalei os olhos, e tentei falar, mas ela não permitiu. — Mas
quem se importa com isso, afinal? — riu sem vontade, deixando-
me perdido. — Terceiro e mais importante, já não entendo o
porquê decidi brincar de casinha com você... Ah! — sorriu
friamente, deixando-me sem fala. — O tesão, claro! — revirou os
olhos, e foi como ser jogado para fora de sua vida mais uma vez.
— Andei tão desesperada acreditando fielmente que casamento
era para sempre, que resolvi tentar estar com você... Mas não é,
não sem amor.
— O que? — perguntei perdido, sem conseguir acreditar
em uma palavra que saía de sua boca.
— Ah, vamos lá! — cruzou os braços, claramente impondo-
se a minha frente. — Lembra-se de Vitor, não é? — meu corpo
inteiro ficou tenso. — O homem que amei... O único. — senti o ar
falhar no mesmo instante.
— Você está mentindo por algo que eu não...
— Cansei de mentiras e omissões! — falou determinada.
— Vamos aos fatos: o único homem que amei, teve a coragem de
me deixar no dia que deveria ser um dos mais felizes da minha
vida, depois disso amor é algo no qual não acredito. Nunca
passou de uma segunda opção, Marcelo.
Permaneci calado, sem saber o que dizer. Eu não
reconhecia a mulher a minha frente, sequer saberia dizer quem
ela tinha se tornado. Aproveitando de meu momento paralisado,
Luíza saiu do quarto, deixando-me para trás.
Naquele momento, senti todo meu corpo ceder, e caí de
joelhos no chão. Eu realmente a tinha perdido, e assim, permiti-
me chorar.
Capítulo 1

“Mama said there'd be boys like you


Tearin' my heart in two

Doin' what you do best”[2]

No presente

— O que posso dizer? — Luíza se espreguiçou sobre meu


peito, em seguida depositando um leve beijo em meu abdome. —
A cada dia melhor, gostosão.
Olhei-a com a sobrancelha arqueada, e seu olhar de
atrevimento, fez-me pronto para ela no mesmo instante. Era o
poder que Luíza Monteiro tinha sobre mim. Sempre em suas
mãos, destinado a amá-la da forma mais intensa que conhecia.
Ela era a conquista mais difícil que fiz, e de longe, a melhor.
— O que tanto pensa? — perguntou, encarando-me com
afinco.
— Sobre o quanto lutei para conseguir isso. — fiz uma
linha imaginária entre nossos corpos. — Para ter você.
Ela me encarou por um segundo pensativa, como se
lembrasse de algo do passado.
— Mas me tem para sempre, príncipe. — senti-me o
homem mais sortudo diante de seu apelido carinhoso. Ela não era
uma mulher que costumava o fazer, de todas as nuances de
nosso relacionamento, com toda certeza eu era o romântico. —
Sem chance de se livrar.
— E por que cogitaria uma chance dessas? — indaguei
convencido, virando de surpresa seu corpo sob o meu.
Luíza sorriu lindamente, e parei apenas para olhá-la.
Nunca imaginei que depois de tanto tempo amando a mesma
mulher, em algum momento realmente a teria nos braços, nem
mesmo que ela aceitaria ser minha esposa. Mas ali estávamos
nós, nus na nossa cama, em nossa casa, com os corpos colados,
os olhares imersos.
Inalei seu cheiro de flores e em seguida beijei de leve o
pescoço, vendo os pelos de seu corpo se arrepiarem. Ela era tão
sensível a meu toque, e mesmo após três anos de casados,
permanecia da mesma forma. Encarei-a novamente, notando que
também me inspecionava.
Os olhos castanhos grandes estavam nublados pelo
desejo, os cabelos castanhos curtos espalhados pelo travesseiro,
com alguns fios ainda colados a sua testa. A boca carnuda e
rosada naturalmente, tinha-me de joelhos por ela. Cada pequeno
pedaço daquela mulher me tinha. O sorriso atrevido, a forma de
morder o lábio quando estava nervosa, a mania irritante de puxar
o cabelo a qualquer momento. Tudo nela me encantava, e nunca
imaginei que pudesse amar tanto uma pessoa.
— Adoro quando faz isso. — falou num tom baixo, da
forma mais sexy que eu conhecia.
Ela adorava me provocar, e claro, não tinha outra opção a
não ser fazer o mesmo.
— É mesmo? — dei um leve beijo em seus lábios, em
seguida desci para seu colo. Luíza tentou se mexer, mas peguei
suas mãos no mesmo instante, deixando-as presas ao lado de
seu corpo.
— Nem pense nisso, Marcelo. — fingiu estar brava, e
apenas sorri para ela, descendo meus beijos por sua barriga. —
Marcelo Carvalho!
— O que, senhora Carvalho? — perguntei, subindo meus
beijos novamente, e ela me encarou incrédula.
— Eu não tenho seu sobrenome. — provocou, e fiz-me
ofendido, afastando minha boca de seu corpo.
— É mesmo? — indaguei, e ela revirou os olhos.
Típico!
— Apenas me diz uma coisa, boneca. — frente a frente, e
a ponto de deixar todo o desejo tomar conta de meu corpo.
— Diga! — desafiou-me, enlaçando minha cintura com as
pernas.
Ela me tinha cativo. E eu adorava tal prisão.
— Acha mesmo que ter ou não meu sobrenome faz alguma
diferença? — perguntei decidido, e ela me encarou com
curiosidade. — É minha de todas as formas, não importa o nome
que assina.
— E você... — soltou uma de suas mãos e colocou contra
meus lábios, circulando-o. — É apenas meu.
Não existiam mais palavras para aquele momento. Era
apenas nosso, como sempre. Amei Luíza da forma que sempre
fiz, até a exaustão de nossos corpos, e o completo encontro de
nossas almas.

Joguei a papelada sobre a mesa e respirei fundo algumas


vezes, sentindo a exaustão de mais um dia de trabalho. Eu
amava ser advogado, algo que descobri ao acaso que seria o
certo, mas em certos momentos, apenas gostaria de ter um pouco
de férias. Já completavam dois anos desde a última vez que
realmente tinha parado apenas para relaxar.
Encarei o relógio de pulso e decidi que era hora de comer
algo fora, de preferência, algo doce com um café preto bem forte.
Separei alguns papéis e deixei o paletó de lado. Pensei em
chamar minha esposa, porém Luíza estava enrolada com um
cliente fora de nosso escritório. Sabia por cima do que se tratava,
já que nos âmbitos de nossos trabalhos, interferíamos o mínimo
possível.
Passei por minha secretária que parecia tão cansada
quanto eu, aquele último mês tinha sido muito produtivo, mas
todos estávamos no limite.
— Lia. — ela me encarou e as olheiras eram aparentes.
Senti-me um chefe mercenário naquele instante.
— Pode tirar o resto do dia de folga. — eram em torno das
três da tarde, não seria algo tão grandioso, mas torcia para que
ela pudesse descansar um pouco, o tanto que eu não faria logo
após comer algo.
— Mas senhor, eu...
— Quantas vezes preciso te lembrar que nada de senhor?
— ela sorriu sem jeito, corando diante de meu olhar. De certa
forma estava acostumado com tal reação das mulheres, mas
agradecia internamente por Lia ser uma mulher de vinte e três
anos que não me via como algum partido a conquistar. Além de
tudo, era amiga de minha esposa. — Pode descansar.
— Obrigada, senhor... Quer dizer, Marcelo.
Assenti para ela e fui em direção ao elevador. Encostei-me
contra o metal e suspirei fundo, sorrindo ao me lembrar da noite
que passei com Luíza. Aquilo era o que me motivava mais ainda
para querer fugir um pouco do trabalho, poder ficar apenas com
ela, esquecendo um pouco do mundo.
Felizmente a frente do prédio que ficava nosso escritório
tinha uma cafeteria que servia de tudo. Sentei-me no balcão e
pedi rapidamente um café preto, enquanto encarava a grande
vitrine de doces, bolos e muito mais. Fiquei em dúvida entre a
torta holandesa e de limão. Estava cogitando a possibilidade de
comer as duas.
— Se te conheço bem, com certeza vai pedir mais que um
doce.
Olhei para o lado no mesmo instante, ao reconhecer a voz
da mulher que um dia chamei de minha. Jéssica Medeiros parecia
a mesma de anos atrás, quando fomos namorados por um breve
tempo. Os olhos azuis continuavam analisadores, e seu
semblante angelical, mesmo que toda a sua aparência era digna
de uma mulher fatal.
— Ei, Jess! — ela me deu um beijo demorado no rosto, e
fiquei um pouco sem graça. — O que faz por aqui?
Jéssica sempre soube a respeito dos meus sentimentos
por Luíza, mas acabou querendo tentar no passado. Nosso
namoro foi relativamente bom, mas não era algo que me prendia.
Sentia a cada dia mais longe dela, mesmo estando juntos. Já que
meus pensamentos pertenciam a outra mulher.
— Bom, resolvi tomar algo. — deu de ombros, sentando-se
na banqueta ao meu lado. — Um chocolate quente, por favor. —
acabou pedindo.
— Entendeu o que quis dizer, Jess. — encarou-me
interessada. — Não nos vemos há...
— Uns dois meses, Mar. — arqueou a sobrancelha
esquerda. — Vejo que sentiu falta da sua amiga aqui, ou ao
menos lembrou dela.
— Ei! — fiz um sinal com as mãos para que parasse. —
Não precisa me atacar assim, sabe que...
— Na verdade, foi bom te encontrar aqui, precisava
comentar algo que ficou na minha mente. — apoiou o braço sobre
o balcão, olhando-me de forma descontraída. — Soube que
Rivera se casou, não é? E mais, vai ser pai!
— Sim. — respondi, tomando um gole de meu café. —
Desde quando Davi é um assunto que gosta de tratar?
— Só achei engraçado que eu e sua amada temos um
gosto bem parecido para homens. Acabei descobrindo que até
com a amiguinha dela sou parecida.
— O que? — perguntei confuso, já sem entender nada.
— Manuele é casada com Rivera certo? — assenti. —
Bom, nunca fui santa, Mar, e Davi já foi um dos caras que esteve
na minha cama.
Aquele era Jéssica, direta a respeito de tudo.
— Isso é ter um gosto parecido para homens? — revirei os
olhos.
— Bom, você está na lista. — piscou desinteressada e
fiquei sem entender.
— Ei, eu e Manu nunca tivemos nada. — respondi de
relance.
— Mas é casado com Luíza, então ficamos num empate.
— deu de ombros.
— Eu estou confuso aqui. — bebi o restante de meu café, e
ela mexeu um pouco no chocolate quente que tinha acabado de
chegar. Era uma conversa sem pé nem cabeça, mas de alguma
forma, me intrigou.
— Bom, assim como Luíza, tive uma noite com Davi há
muito tempo. Assim como tive noites com você e...
— O que? — perguntei debochado. — Luíza nunca transou
com Davi.
Jéssica me deu um olhar angelical, e agora tudo fazia
sentido em minha mente. Ela tinha um porquê de estar ali, e iria
até o fim.
— Não sabia? — bebeu um gole de seu chocolate. —
Soube meio sem querer que Davi e ela ficaram juntos. Lembra
daquela semana em que ficou louco atrás dela e depois descobriu
que ela estava em Nova Iorque? E pior, ela voltou e disse que te
amava, depois de transar com outro. E claro, você a aceitou de
volta. Como sempre.
— Onde quer chegar com isso, Jess?
— O cara que ela transou é Davi Rivera. — olhei-a
incrédulo.
— Jess, se acha que mentir sobre isso vai fazer com que
eu...
— Olha bem para mim, Marcelo! — levantou-se, apontando
para si. — Sou velha demais para mentir sobre algo, e se ao
menos me conhecesse, sabe que não sou do tipo de pessoa que
mente ou esconde algo. Sempre fui verdadeira com você. Não me
chamo Luíza.
Ela então saiu, deixando-me sem palavras. De onde vinha
aquele papo de doido? Jéssica podia ser a mais sincera possível,
mas ela era capaz de tudo pelo que queria. E eu sempre soube
que ela nunca aceitou nosso término. Acabei comendo as duas
tortas e pensando a respeito de suas palavras.
Luíza e Davi me contariam caso tivessem passado uma
noite juntos... Não contariam?
Sete anos antes
“What are you to do
When the person that you love just says no?
Boy, get yourself together

Move on with your life” [3]

— Luíza, isso é loucura! — falei nervoso, e ela deu de


ombros.
— Não é isso que o amor representa? — olhou-me de
forma carinhosa, e me senti quebrar.
Aquele olhar não significava nada, nada além da amizade
que construímos durante toda uma vida. Luíza tinha sido minha
amiga de infância mesmo com nossa diferença de três anos de
idade. Nossos pais eram melhores amigos, e sempre convivemos
juntos. Ela foi minha primeira paixão adolescente, e agora, a
mulher pela qual era realmente apaixonado. Infelizmente, mesmo
tentando de todas as formas ter um pouco de sua atenção, ela
parecia distante demais. Pensando em aceitar o pedido de
casamento de um namoro que perdurava há dois anos. Dois anos
em que tentava ao máximo arrancar esse amor de meu peito.
Nunca pensei que a deixaria ir longe demais com aquilo,
mas o que poderia fazer? Ela era feliz com Vitor, um sorriso que
vivia estampado em seu rosto. Eu era nada além do melhor
amigo, o qual de vez em quando ela permitia se aproximar. Já
que tudo era tão corrido em nossas vidas, que nunca voltamos a
ser os mesmos.
Eu tinha uma namorada, a qual eu sabia, me amava pelo
que era. Mas não conseguia mais fingir aquilo, mesmo que
tivessem se passado apenas cinco meses desde que assumi algo
com Jéssica. Por um momento, minha cabeça tola pensou que
Luíza notaria que me amava além de amizade, quando me visse
ao lado de outra mulher. Mas não, ela pareceu ainda mais feliz
por aquilo.
Eu era de fato seu melhor amigo, e nunca passaria
daquela figura.
— Mas você lembra do que te disse esses dias? —
perguntei, tentando de alguma forma atravessar sua armadura.
Luíza andava de um lado para outro, refazendo um coque
no alto da cabeça, enquanto escolhia uma roupa para sair. Pelo
que tinha sido informado, de surpresa, era um encontro duplo. Eu
e Jéssica, com ela e Vitor. Não tinha como uma noite ser pior.
— Do que exatamente? — parou, pegando um vestido na
cama e o analisando. — Sobre o escritório de advocacia? —
olhou-me e neguei.
— Sobre... Nós. — soltei de uma vez, engolindo em seco.
Luíza pareceu pensar um pouco a respeito, mas em
seguida sorriu amplamente, como se tentasse ser imparcial diante
daquilo. Entretanto, meu coração pulou no peito, como se a ponto
de ser aceito por ela. Tinha sido uma conversa estranha no
celular, e ela sequer deu muita atenção, mas torcia para que
tivesse entendido onde queria chegar.
— Marcelo, olha...
Estava encostado contra a parede do quarto e com as
mãos nos bolsos, aguardando pacientemente sua demora.
Apenas de tê-la caminhando para mim, fez-me perceber que nada
me faria imune a ela. De alguma forma inexplicável, ela me tinha
nas mãos, e eu apenas, queria que seu amor de amigo, passasse
para um novo estágio.
— Nós somos amigos desde pequenos. — olhei-a sem
entender. — Demos nosso primeiro beijo juntos porque confiamos
um no outro, mas foi há muito tempo. Aquele deslize no seu
aniversário foi...
— Deslize. — soltei sem querer, sentindo a palavra amarga
em minha boca.
O que ela chamava de deslize com tão pouco caso, era o
beijo que trocamos a meses atrás, durante o meu aniversário. Um
beijo que imaginei ser a porta de entrada para assumirmos
nossos sentimentos, e para que ela terminasse aquele namoro.
Mas não, Luíza simplesmente decidiu fingir que aquilo não
aconteceu.
Só assim, resolvi tentar seguir em frente, e passei a
namorar com Jéssica. Agora via, que nem o namoro, tinha me
feito esquecer da mulher a minha frente, mesmo ela sequer se
importando.
— Esqueça o que eu disse. — falei por fim, sem querer me
envergonhar ainda mais. E finalmente ela pareceu entender que
sequer ouvia o que falava. Eu estava um caco.
Virei-me para sair no mesmo instante, sentindo mais uma
vez sua rejeição. Quantas tentativas já se totalizaram desde a
primeira vez que deixei claro que a queria algo além da amizade?
Talvez umas cinco, e agora, com toda certeza, completava a sexta
vez.
— Marcelo. — senti sua mão em meu braço, e como
sempre, todo meu corpo acordou.
Ela tinha um poder sobre mim, o qual não podia evitar. Em
seus olhos, via de certa forma que podia até sentir o mesmo, mas
corria claramente daquilo.
— Eu tenho Vitor e...
— Eu já entendi. — afastei sua mão de meu corpo,
encarando-a determinado. — Mas antes de aceitar se casar com
ele... — sem lhe dar chance para pensar, puxei seu corpo para
perto do meu. Ali, senti o quão perigoso éramos juntos. — Me
encontre no apartamento e vamos conversar.
— Não quero ter esse tipo de conversa com você. — falou,
e notei sinceridade em seu olhar. — Não posso fingir que sinto
algo além, Marcelo. Você é meu amigo. Somos melhores amigos.
— A quem quer enganar, Luíza? — perguntei, já cansado
daquilo. — Amigos não sentem isso um pelo outro. — acusei-a,
mostrando seu corpo todo arrepiado.
Ela se afastou, olhando-me furiosa.
— Sentem o que? Tesão? — falou enfurecida, e senti como
se me atirasse facas direto no peito.
Num segundo ela parecia determinada a continuar falando,
no outro, pareceu notar que foi longe demais.
— Chega! — falei angustiado, antes que pudesse modificar
seu tom. — Esqueça essa porcaria de encontro hoje. Esqueça o
que disse sobre me encontrar antes de aceitar se casar com um
cara que apenas sabe se vangloriar sobre o dinheiro e sobrenome
da sua família! — usei minha melhor arma, pois ela sabia que era
verdade. — Não vou mais ocupar o seu tempo, Luíza. Que seja
muito feliz ao dizer sim para aquele babaca.
Saí de seu apartamento, sem olhar para trás. Eu era um
completo imbecil, e infelizmente, ainda louco por aquela mulher.
Uma mulher que nunca me olhou além, e a qual por ironia do
destino, movia meu mundo.
Capítulo 2

“My everything is not for fun


You‘ve shown me that it‘s all you want
Why can‘t you settle down?

'Cause I could love you I swear down” [4]

No presente

Estacionei o carro e finalmente pude respirar fundo.


Felizmente ainda era tardezinha, e poderia descansar mais
naquele dia. Desci do carro e entrei em casa, deixando os
sapatos de salto de lado, sentindo a madeira de textura e
temperatura perfeitas.
— Deus abençoe o arquiteto dessa casa. — falei sozinha,
e fui até o sofá, jogando minha bolsa de lado.
Assim que encostei a cabeça contra as almofadas, liguei a
televisão e passei por vários canais, sem a mínima vontade de
assistir algum. Eu queria mesmo era dormir. Assim, peguei o
celular e mandei uma mensagem para Marcelo, para que não me
esperasse no escritório, já que terminei uma reunião externa e
estava em casa.
Deixei o celular de lado e resolvi mexer um pouco na
televisão, logo colocando uma de minhas músicas favoritas, a
qual me acalmava, e me fazia lembrar de meu casamento com
Marcelo, já que entrei com ela. Na voz de Ana Carolina era ainda
mais perfeita.
“Eu e você,
não é assim tão complicado, não é difícil perceber
Quem de nós dois
Vai dizer que é impossível, o amor acontecer

Se eu disser que já nem sinto nada


Que a estrada sem você é mais segura
Eu sei, você vai rir da minha cara
Eu já conheço o teu sorriso,
Leio o teu olhar
Teu sorriso é só disfarce
E eu já nem preciso

Sinto dizer
Que amo mesmo, tá ruim pra disfarçar
Entre nós dois
Não cabe mais nenhum segredo,
Além do que já combinamos

No vão das coisas que a gente disse


Não cabe mais sermos somente amigos
E quando eu falo que eu já nem quero
A frase fica pelo avesso
Meio na contramão
E quando finjo que esqueço
Eu não esqueci nada

E cada vez que eu fujo eu me aproximo mais, é é é


e te perder de vista assim é ruim demais
E é por isso que eu atravesso o teu futuro
E faço das lembranças um lugar seguro

Não é que eu queira reviver nenhum passado


E revirar o sentimento, revirado
Mas toda vez que eu procuro uma saida
Acabo entrando sem querer na tua vida

Eu procurei
Qualquer desculpa pra não te encarar
Pra não dizer de novo e sempre a mesma coisa
Falar só por falar
Que eu já nem tô ai pra essa conversa
Que a história de nós dois não me interessa
Se eu tento esconder meias verdades
Você conhece o meu sorriso
Lê o meu olhar
Meu sorriso é só disfarce
Que eu já nem preciso”[5]

Meus olhos pesaram após um dos versos, e acabei os


fechando, crente de que iria apenas descansar. Em poucos
segundos, apaguei ali mesmo.

— Vitor? — perguntei, ao finalmente reconhecer o homem


a minha frente. — O que está acontecendo, amor?
Senti minha cabeça pesar, e fiquei ainda mais presa aquele
momento. Odiava revivê-lo, odiava me lembrar daquilo, ainda
mais por fazer parte de um passado o qual não suportava.
— Eu não posso mais, Lu. — falou com pesar, e o encarei
sem entender.
Era nosso noivado, o dia que deveríamos apenas reafirmar
o que sentíamos. Mas ali estava ele, com a mão na cintura de
minha melhor amiga, que parecia ter pedido a cor. Ambos me
encaravam completamente envergonhados, e demorei alguns
minutos para finalmente entender.
Foi só seguir o olhar de ambos, para saber do que se
tratava. Eles se amavam.
— Mas...
— A gente tentou evitar. — Maria se manifestou, e me
segurei contra a bancada da cozinha, que estava repleta de
comida para os convidados da festa. — Nós nunca nos
envolvemos e...
— Isso é o que? — levantei o tom de voz, olhando-os
incrédula.
Eu era apaixonada por aquele cara. Tinha escolhido ele
para ser meu, no que pensei ser para sempre. Não dei ouvidos ao
meu melhor amigo, sequer dei a chance de Marcelo me contar o
que queria, na noite em que aceitei o pedido de casamento de
Vitor. Ali estava eu, levando um grande tapa na cara.
Pisquei algumas vezes, e tentei me concentrar. É só um
sonho – falei para mim mesma, tentando fugir daquilo. Não
conseguia acordar, muito menos entender o que acontecia,
quando enxergar Vitor ficou difícil assim como Maria.
De repente, pisquei incrédula, sem saber o que era aquela
cena. Era bem pior do que uma lembrança, era a cena que nunca
imaginei ter de presenciar. Marcelo com as mãos na cintura de
Jéssica, ambos sorrindo um para o outro, completamente felizes.
O olhar dele, que era apenas meu, direcionado para ela. A dor em
meu peito era dilaceradora.
— Preciso acordar. — sussurrei, fechando os olhos,
tentando evitar aquilo.
Não, eu não suportaria perder Marcelo! Não depois de
tudo! Eu o amava loucamente.
— Essa é a realidade, querida. — a voz de Jéssica era
ácida, e a encarei, segurando-me para não chorar ou
simplesmente arrancar seus cabelos. — Não tem como fugir.
— Eu a amo. — Marcelo falou de repente, e seus olhos
estavam nos dela. — Amo você, Jéssica!
Arregalei os olhos e tentei me aproximar, gritando a plenos
pulmões: Não!
Foi quando finalmente voltei a realidade, sendo segurada
pelos braços do homem que amava. Marcelo me encarava
assustado, diante da forma que me encontrava. Pisquei algumas
vezes, sem saber onde estava, até minha ficha cair. Foi apenas
um sonho.
Puxei o rosto de Marcelo para o meu, beijando-o com
fervor. Com toda vontade, paixão e amor que sentia. Precisava
sentir que era dele, naquele momento, o tanto quanto ele era
meu. Eu estaria perdida, por completo, se aquela cena se
concretizasse.
Perder Vitor no passado não tinha comparação apenas
com o sonho de Marcelo apaixonado por outra. Não sabia sequer
como meu corpo aguentaria tal impacto. Mas ele estava ali, em
meus braços, correspondendo o beijo com fervor. Nós dois, em
nossa bolha favorita.
— Ei, boneca. — chamou minha atenção, dando-me um
leve selinho. — O que fiz para merecer uma recepção calorosa
como essa?
— Bom... — contornei seus lábios, pois adorava que
fossem carnudos daquela forma.
Marcelo em si, era o próprio pecado. Olhos azuis
profundos, mas completamente sedutores, os cabelos negros que
ele insistia em cortar da forma mais desajeitada que o deixava
ainda mais sexy, a barba por fazer na medida certa, assim como a
pele bronzeada. Abaixo da camisa branca, um peitoral e abdome
de dar inveja, com o corpo parecendo talhado por deuses.
Ele tinha todas as armas possíveis de sedução, e comigo,
não poupava nenhuma delas. Porém, o que mais me fazia amar
aquele homem, estava longe de seu físico. Marcelo tinha um
coração tão grande, que me fazia crer a cada dia, que podemos
ser melhores. Sua índole, caráter e jeito, me enalteciam. Ele era
meu par imperfeito, na medida certa.
— Sem palavras? — indagou, tocando meu rosto.
— Apenas com... — pensei um pouco, e logo minha barriga
roncou. — Fome. Precisamos pedir algo para comer, caso não
queira cozinhar.
— Bom, já adiantei isso. — olhou em direção ao tapete da
sala, onde vi algumas sacolas. — Trouxe comida.
— Graças a Deus! — exclamei feliz e beijei seus lábios. —
Vou comer uma fruta, para jantar mais tarde.
— Como quiser.
Fui em direção a cozinha, e senti os passos de Marcelo
atrás de mim. Peguei uma banana na fruteira, e me encostei
contra a geladeira, enquanto a descascava. Conhecia bem
Marcelo, e pelo seu olhar, existia algo que queria me perguntar.
— Manda! — falei de repente, comendo um pedaço da
banana.
— O que? — fez-se de desentendido e revirei os olhos,
olhando-o em seguida com vontade.
— Sei que quer me dizer algo.
— É que, tem uma coisa que está me incomodando. —
passou as mãos pelos cabelos, sentando-se a frente da ilha da
cozinha. — Prometo que vai poder fazer o que quiser comigo,
depois que eu terminar de falar, e você querer me matar por te
perguntar sobre.
— Gostei dessa ideia. — debochei, sem ter noção do que
ele falava. — Pode começar então, que quando mais cedo você
me irritar, mais rápido vou fazer o que quiser com você.
— Convencida. — dei de ombros.
— Esperta, isso sim.
— Jéssica me encontrou por acaso num café hoje. —
mudei minha posição no mesmo instante, aquela conversa não
me cheirava bem.
— Você e Jéssica no mesmo lugar é qualquer coisa,
menos acaso. — refutei, e Marcelo me encarou com cautela.
— Enfim, ela está como sempre, só que acabou me
falando algo meio estranho.
— Desde quando ela fala algo que tem nexo? — terminei
de comer a banana, e joguei a casca no lixo.
— Boneca! — olhei para Marcelo sem vontade, e o mesmo
continuou. — Ela estava falando sobre você ter os mesmos
gostos que ela para homens, assim como Manu.
— Que papo de doido. — revirei os olhos, ficando à frente
de Marcelo. — Você ainda deu moral para ela?
— Eu não dou moral para ela. — respondeu rapidamente.
— Só que o papo de “doido”... — fez aspas com as mãos. —
Chegou ao ponto de ela me dizer que você transou com Davi.
Travei o corpo no mesmo instante, sentindo minha boca
ficar seca.
— O que? — minha voz saiu fraca, mesmo assim Marcelo
pareceu ouvir.
— Exatamente isso que perguntei. — ele sorriu de lado,
sem desconfiança alguma. — Eu ia saber disso caso tivesse
acontecido. Jéssica só pode estar tentando, mais uma vez, nos
separar.
Fiquei sem fala, e não soube o que dizer para Marcelo. Ele
claramente não acreditava nela, porém, apenas me perguntava
por dentro, onde ela tinha descoberto aquilo. Era um assunto
morto e enterrado, sobre uma noite que passou a não existir,
desde o momento que voltei para Marcelo.
— Boneca?
Ignorei Marcelo e fui direto para o lugar que me fazia
pensar melhor – o escritório. Passei as mãos por meus cabelos
curtos, sem saber ao certo o que dizer, ou como começar a
contar. Era algo do qual não me orgulhava, e Marcelo, sabia em
partes sobre. Porém, depois de ter errado tanto com ele, temia
que aquele fosse um erro, o qual ele não podia perdoar.
O estranho pesadelo que tive me bateu de repente, no
mesmo instante em que encarava a grande janela que dava para
o lago da fazenda, e senti as mãos de Marcelo em meus ombros.
— O que mais ela disse? — perguntei, tentando me
controlar.
— Sério que quer mesmo falar sobre isso? — perguntou
despreocupado, e uma culpa enorme caiu sobre meu ser. Eu era
uma canalha.
— Apenas me conta.
— Bom... — senti seu corpo se afastar, de canto de olho o
vi sentar na poltrona ao lado da estante de livros. — Disse que o
cara que você transou em Nova Iorque foi Davi. — engoli em
seco, com tudo girando ao meu redor. — Mas claro, ambos me
contariam caso...
No instante em que o encarei, Marcelo se calou. Ali estava
o medo que me acometeu no dia de nosso casamento, quando
reencontrei Davi após aquela tórrida noite, onde sequer sabia seu
nome. O medo de perder o homem que amava, por ter transado
com um de seus melhores amigos, que apenas descobri mais
tarde quem era, e ainda por cima, era nosso padrinho de
casamento. Senti-me uma completa imbecil, por não ter revelado
no passado, mas era um impasse no meu presente. Era agora ou
nunca.
O nunca era o qual eu queria, o agora era o que mais temi
em nossos três anos de casados.
— Por que está tão quieta? — perguntou, e eu sabia, ele
me conhecia bem o bastante para entender que tinha algo errado.
— Jéssica apenas mentiu, não é?
— Príncipe, eu... — eu não sabia por onde começar a
contar.
— Luíza. — odiava quando ele me chamava pelo nome, e
naquele instante, minha armadura começou a ruir. — Me diz
porquê está assim.
— Eu... Não sei o que dizer, na verdade. — respirei fundo,
e o encarei. — Essa é uma conversa a qual não pensei ter com
você, não hoje.
Nem em momento algum da vida.
— Me diz de uma vez. — levantou-se, e me encarou com
afinco. — Me diz que não transou com a porra de um dos meus
melhores amigos e nunca me contou!
— Não posso dizer isso. — refutei, levando as mãos à
cabeça.
— O que?
— Marcelo, eu... não posso dizer porquê...
— Porque é verdade. — sua voz saiu baixa, e notei seu
olhar mudar no mesmo instante. — Porque Jéssica não delirou,
muito menos mentiu.
Senti como se duas facas me atravessassem por dentro.
— Marcelo. — tentei tocá-lo ao me aproximar, porém, ele
deu um passo para trás, como se meu toque o queimasse.
Foi então que seu olhar encontrou o meu, e enxerguei nele
algo que mesmo em todos meus erros, nunca tinha transparecido.
Vi mágoa e raiva, profundamente claras. Marcelo parecia
quebrado, e mais uma vez, eu era a culpada.
Sete anos antes
“Don't be his friend
You know you're gonna wake up in his bed in the morning

And if you're under him, you ain't gettin' over him.”[6]

Olhei para o homem que até então pensei que amaria para
sempre, e para a mulher que se dizia minha melhor amiga. A
ânsia veio com força e tentei me conter, diante de tudo que
parecia perfeito. Era o meu jantar de noivado, e tudo ruía, como
se fosse algo predestinado.
— Lu, a gente...
— Cala a boca! — falei incisiva. — Cala a sua maldita
boca, Maria! — praticamente gritei, e ela arregalou os olhos.
O que ela esperava, afinal? Que fosse lhe dar um abraço
de parabéns por ser a mulher amada pelo homem que tinha me
pedido em casamento.
— Por que agora? — olhei-os com nojo. — Por que não me
disseram antes que estavam envolvidos?
— Nós não...
— Não mintam para mim! — olhei-os furiosa, tentando
conter as lágrimas. — Estão na porra da minha casa, e tem a
coragem de me dizer, minutos antes do jantar de noivado
começar, que se amam. Agora vão me dizer onde diabos essa
conversa quer chegar!
— Estou grávida! — Maria se pronunciou e senti minha
cabeça girar.
— O que?
Eu tentava pensar diante de suas palavras, porém a única
coisa que vinha em mente era o fato de ter sido traída pelas
pessoas que mais confiei. Pensava a respeito dos dois anos de
namoro que parecia perfeito, de como tudo conspirava a nosso
favor. Mas ali estava eu, ou melhor, estávamos nós. Vitor, o qual
teve a audácia de me pedir em casamento, ao lado de minha
melhor amiga, que me acompanhou em várias lojas para poder
escolher meu vestido de noiva, mesmo sendo muito cedo para
aquilo.
Aquela falsidade me rondava, e senti nojo de mim mesma.
Vitor tentou se aproximar, e me esquivei, pensando em como
tinha errado desde o início. Ele não era o cara certo, não poderia
ser. Olhei-o com todo meu ódio, e o sentimento puro que nutria
por ele parecia morrer, corroendo-me por dentro. Os olhos
acusadores de Marcelo me vieram em mente, e senti-me ainda
pior. Ele esteve certo desde o começo.
— Desde quando estão me traindo? — perguntei baixo,
tentando me recompor.
— Lu, eu não queria que isso...
— Ah, eu vou dizer o que você queria. — apontei-lhe o
dedo, já perdendo minha paciência. — Queria levar a tola aqui
para o altar, porque com toda certeza os contatos que minha
família tem são indispensáveis. — repeti uma das frases que
Marcelo tinha me dito quando lhe mandei mensagem contando
que aceitei o pedido de casamento, e no fundo, bem lá no fundo,
torci para que ele estivesse errado daquela vez. — Vamos, me
diga se estou errada!
— Eu sinto muito, Lu. — Vitor falou, claramente
angustiado. — Minha família está falindo e eu pensei na forma
mais rápida de conseguir...
— Dinheiro? — levei as mãos aos cabelos, incrédula diante
daquela situação. — Achou mesmo que se casando comigo,
conseguiria algum dinheiro de meus pais? Como você é burro!
— Não o chame disso, Luíza. — Maria falou, e me segurei
para não esganá-la.
— Eu vou quebrar a cara desse moleque! — meu pai se
pronunciou, e só assim me lembrei que tanto ele quanto mamãe
estavam ali.
Eles estavam quietos até então por um simples motivo: eu
era explosiva. Eles sabiam que era capaz de controlar a situação.
Porém, pelo olhar de ambos, estavam a ponto de entrar no meio
daquela confusão e resolver tudo por si só.
— Eu posso com isso, papai. — olhei-o com carinho, e vi
que mamãe o segurava com a mão. — Agora, vamos a vocês.
Eu era uma dama e manteria minha classe diante do
melhor barraco de minha vida.
— Na verdade, a burra é você. — foi a vez de apontar o
dedo para Maria. — Porque com certeza engravidou de propósito
para prender um homem. Ao menos, eu não preciso disso.
Ela tentou dizer algo, porém a olhei com tanta
determinação que a mesma pareceu desistir.
— Pois bem, jantar cancelado. — falei com uma falsa
tranquilidade, que no fundo até eu acreditei.
Olhei ao redor da cozinha, e notei que meus pais me
encaravam em silêncio, pois conheciam bem a filha que tinham.
Eles não se intrometeriam pois me ensinaram direitinho como me
defender. Entretanto, em minha mente, ainda maquinava o que
faria para me vingar de duas pessoas que acabavam de destruir
um dia que seria especial. Ao menos, agora não viveria mais
mentiras.
— Simples assim? — Vitor perguntou, e eu assenti, ficando
ao lado de alguns doces, espalhados pela ilha da cozinha.
— O que pensou? Que eu ia implorar para me escolher? —
ri sem vontade, e vi o rosto dele ficar tenso, assim como o
semblante de Maria mudar. — Deve se achar muito importante.
— Ele é.
Maria tinha que dizer algo para me enfurecer ainda mais, e
sem pensar, apenas peguei a primeira torta que vi e a passos
largos acertei o rosto dela, sem dar chance de Vitor me parar.
Quando ele conseguiu me afastar dela, que tinha o rosto e cabelo
completamente sujos pelo doce, o olhei com escárnio.
No fundo, eu sabia da verdade, estava quebrada. Os olhos
dele nunca pareceram tão distantes, e notei o quanto era louca
por aquele homem. Ele tinha sido único desde o primeiro olhar.
Mas a realidade era clara, ele amava minha melhor amiga, e
ainda teria um filho com ela. Eu não passava de um sobrenome
importante, com uma conta bancária recheada.
Eu era nada para aquele homem, enquanto em minha tola
mente imaginava-me passando o resto de meus dias ao seu lado.
— Sua vadia!
O grito de Maria sequer chamou minha atenção, e apenas
continuei olhando para Vitor, que parecia tão perdido quanto eu.
— Espero que seja feliz, Vitor. — com a mão esquerda,
peguei outra torta, sem que ele pudesse ver. — E que tenha
mesmo feito a escolha certa.
— Lu, eu não sei o que dizer para...
— Não diz nada! — sorri maleficamente, e em meio
segundo, a torta encontrou seu bonito rosto, sujando-o por inteiro.
— Isso não representa um por cento do que quero fazer com os
dois, do que seria capaz... Fora da minha casa agora!
Ambos me olharam sem jeito, e vê-los completamente
sujos, enalteceu meu ego por um instante. Porém no outro, ao
notar a forma como saíram, de mãos dadas, tão unidos, fez-me
entender que toda minha armadura estava no chão. Eu não
significava nada, para nenhum deles. Eu fui abandonada e
descartada no dia em que pensei ser um dos mais felizes de
minha vida.
— Filha...
— Mãe. — virei para Olívia Monteiro, que me encarava
com pesar. A mulher a qual puxei tudo, desde o físico até o mais
profundo de meu ser. Só queria naquele instante ter sua força e
postura inabaláveis. — Pode cancelar tudo para mim? Os
convidados, as empresas...
— Eu faço. — sorri para ela, que tocou meus ombros. —
Você merece mais que isso, querida. Nós sabemos disso! —
olhou de relance para meu pai, que deu um passo para perto de
nós.
— Sua felicidade é longe dessas pessoas, margarida. —
falou com carinho, meu bom e velho pai, que sempre seria meu
herói sem capa.
— Obrigada aos dois, mas eu... Eu preciso ficar sozinha
agora. — falei sem jeito, tentando fugir daquele assunto.
Pior do que ter seu noivo se declarando para sua melhor
amiga grávida dele, era ter tido meus pais assistindo a tudo
aquilo, sem saber como fugir de tal situação. Era um completo
desastre. Um dia para ser esquecido.
— Vou sair. — ambos me olharam preocupados.
— Filha, não...
— Vou apenas ver Marcelo, mãe! — confessei sem jeito
aquela meia verdade. — Ele esteve certo desde o começo.
— Aquele menino sempre está.
E ali estava minha mãe, torcedora número 1 de Marcelo
Carvalho. Ela sequer conseguia disfarçar que o adorava como
genro desde quando éramos crianças.
Saí de casa rapidamente, e por um segundo pensei em
ligar para meu melhor amigo, mas não conseguia, sequer queria
ver alguém. Mas eu precisava extravasar minha mágoa de
alguma forma, e me negava a chorar, negava sofrer daquele jeito
por alguém que não merecia. Alguém que sequer mereceu meu
tempo.
Parei em um bar e pensei nos prós e contras de entrar no
local, no fim de tarde de um domingo que tinha tudo para ser
perfeito. Mas não era, nunca mais seria. Assim, desci do carro e
entrei no local. Sentei-me a frente do balcão e pensei no que
pedir. Lembrei-me de como Marcelo falava a respeito de uísque
ser bom para esquecer as coisas.
— Uma dose de uísque, por favor.
A mulher do outro lado do balcão assentiu, e assim que
terminou de colocar o líquido em meu copo, sorriu de forma
misteriosa.
— O que? — perguntei, sem entender seu olhar.
— Uma moça bonita, num bar, a essas horas num
domingo... O uísque deve estar sendo alguma forma de escapar
da realidade. — acusou e a olhei sem vontade.
— Um dia de merda na minha vida. — virei de uma vez o
líquido e me arrependi no segundo seguinte, quando senti
queimar toda minha garganta. — Porra!
— Além de ser a sua primeira dose. — jogou o pano
branco nos ombros e me encarou. — Se estiver aqui para
esquecer algo, uma dose não vai funcionar, e muito menos se
esse algo for um amor.
— E o que devo tomar para esquecer essa merda? —
perguntei com pesar, sentindo-me uma completa idiota.
— Amor. — deu de ombros. — Só se esquece um grande
amor com outro.
— O que? — perguntei incrédula.
— É assim, moça bonita. — sorriu de lado. — Mais uma
dose?
— Bom, acho que vou precisar de mais umas cinco.
Ela sorriu e me serviu, e fiquei ali, divagando sobre sua
fala, sem saber para onde fugir. Apenas querendo esquecer que
um dia aceitei me casar com Vitor Moraes.

Não tinha passado da terceira dose de uísque, e ali estava,


dentro do elevador do prédio de Marcelo, já em busca do que
realmente poderia me curar daquilo. Ele, Marcelo era perfeito para
aquele momento.
Assim que a porta de seu apartamento foi aberta, o olhar
de surpresa em seu rosto era evidente, assim como a boca
entreaberta. Ele parecia ter esperado por mim o dia todo,
perfeitamente vestido com apenas uma calça de moletom na cor
preta. A quem eu queria enganar? Ele sempre mexeu comigo
além da amizade, era uma atração que controlava a todo custo.
— O que faz aqui, boneca?
Olhei-o rapidamente e sem pensar duas vezes, pulei sobre
seu corpo, unindo nossos lábios. A princípio senti o corpo de
Marcelo retesar, mas aos poucos, sua boca se abriu, e sem
pensar duas vezes, ele correspondeu o beijo. Logo senti minhas
pernas deixando o chão, e sendo levada em seu colo até o
quarto.
Marcelo só parou de me beijar, quando se sentou na cama,
comigo em seu colo. Tentei beijá-lo mais uma vez, porém ele
recuou, olhando-me da forma que não queria. Aquele olhar tinha
muita coisa, a qual sempre evitei por não poder corresponder
como ele queria.
— Você desistiu dessa loucura? — perguntou, claramente
animado. — Desistiu desse casamento por mim? — aquela
pergunta me pegou de surpresa, e não soube como responder,
não tinha a menor ideia do que realmente fazia ali.
A realidade era simples, seguia o conselho de uma mulher
desconhecida do bar, que disse que só um amor pode curar outro.
Mas como poderia curar algo, se não amava Marcelo
suficientemente para corresponder o que ele queria?
Saí de seu colo no mesmo instante e senti a culpa me
invadir. Eu estava trocando os pés pelas mãos, errando com
quem menos deveria, com o único que sempre esteve ao meu
lado e nunca me colocou em segundo plano.
— Eu senti o gosto de uísque no beijo, Luíza. — falou de
repente, como se começasse a compreender algo. — Por que
está aqui?
Seus olhos vacilaram e tentei falar, mas não conseguia. Eu
sabia, acabaria machucando ele, da forma que não queria.
— Vitor engravidou Maria. — contei rapidamente, com os
olhos fechados. — Eles assumiram isso hoje, na minha casa,
minutos antes dos convidados para o jantar chegarem.
Um silêncio ensurdecedor tomou conta do quarto e abri os
olhos, buscando os de Marcelo. Porém a única coisa que
encontrei foi sua cabeça abaixada, como se ele estivesse
tentando não acreditar naquilo.
— Agora me deixa adivinhar. — sua risada era fria,
deixando-me sem reação. — Você bebeu um pouco e pensou em
usar seu melhor amigo para esquecer que foi abandonada pelo
homem que ama? — olhou-me, a dor clara em seu olhar. — Ou
melhor, que foi traída por ele?
— Me perdoa, Marcelo. — falei, finalmente encontrando
minha voz. — Eu agi por impulso e...
— Pensou na sua segunda opção, não é? — levantou-se,
dando passos até mim. Ficando tão próximo que só podia pensar
que ele me beijaria mais uma vez, porém, estava enganada. —
Eu sou um ser humano, Luíza. Não se pode brincar com as
pessoas dessa forma!
— Eu não queria te magoar, ok! — tentei me defender. —
Nunca quis magoar você.
— Meus parabéns, você acabou de conseguir isso. —
bateu palmas, como se fosse o meu gran finale. — Agora pode ir
embora!
— O que? — perguntei surpresa. — Vai me expulsar?
— O que mais quer aqui? — ele parecia perdido. — Já me
usou como queria, ou melhor, chegou perto disso. Mas não vai
conseguir esquecer Vitor me usando!
— Eu só quero meu melhor amigo, porra! — soltei de uma
vez, e notei seus olhos amolecerem. — Eu acabei de sair do dia
mais infernal da minha vida, e não sei o que fazer... A não ser
admitir que você esteve certo desde o começo sobre Vitor... Sobre
Maria.
Marcelo ponderou minhas palavras e segundos depois me
encarou de forma menos dura. Eu estava a ponto de desabar,
mas eu precisava dele, era meu suporte, o único no qual podia
confiar.
Ele então abriu os braços e fui até ele, aceitando seu
carinho. Ali, depois de tudo aquilo, algo fazia sentido. Ainda
éramos Marcelo e eu contra o mundo.
Capítulo 3

“You had it good, you know


I stood by your side
I spent up so much time tryna make you happy

I don't think you ever could be happy.”[7]

No presente

— Por que? — perguntou, claramente quebrado, como se


na tentativa de entender minha omissão. — Por que nunca me
contou?
Sua voz era fria, e seu olhar completamente perdido. Senti-
me tão mal que tive que me apoiar contra a janela, para em
seguida, tentar conter o choro. Era um caminho sem volta, eu
sabia.
— Eu te falei que dormi com outro cara e...
— Mas esqueceu de um pequeno detalhe, porra! —
estourou, pegando o vaso de flores sobre a mesa e
arremessando na parede ao seu lado, fazendo-me pular pelo
susto. — Esqueceu de contar que o cara era um de meus
melhores amigos, e pior, era nosso padrinho de casamento!
— Eu não sabia! — gritei, exausta daquela briga que
sequer tinha começado. — Você nunca tinha me mostrado esse
tal amigo e nunca nos esbarramos por aqui, até porque ele
morava fora do Brasil. Naquela noite, eu sequer sabia o nome
dele! Só o reconheci no dia do nosso casamento e....
— O que? Resolveram repetir a dose?
Senti uma facada em meu peito, e Marcelo parecia
irredutível.
— Não comece por um lado que não vai gostar, Marcelo.
— O que tenho que fazer então? — passou as mãos pelos
cabelos, claramente frustrado. — Correr atrás de você mais uma
vez, implorar para que me escolha como seu, e mais uma vez ser
pisoteado? — fechei os olhos, sem saber o que responder. Aquilo
era passado, mas eu sabia, tinha o machucado demais. — Eu
aceitei tudo e até mesmo prometi nunca mais tocar no assunto,
mas aqui estamos. Você prometeu ser honesta, porém, teve a
coragem de me trair.
— Eu não te traí! — reencontrei minha voz. — Eu jamais
faria isso.
— O fez, no momento que escolheu omitir algo tão
importante. — deu um soco na parede, transtornado de uma
forma que nunca o vi. — Sabe o que está passando na minha
cabeça? Quantas vezes os deixei a sós e... — tentei falar, porém
ele não permitiu. — Não adianta dizer que não o faria. Eu
confiava em você. — confessou, e as lágrimas começaram a
descer por meu rosto. — Eu te dei tudo de mim, Luíza. O que pedi
para você quando finalmente ficamos juntos?
Fiquei em silêncio, sem querer entrar naquele mérito. Eu
sabia bem, tinha quebrado sua confiança por inteira.
— Nem disso se lembra? — sua voz soou ameaçadora. —
Não deve mesmo, já que sequer cumpriu o que prometeu.
— Eu sou sua, continuo sendo. — falei em desespero. —
Não pode acreditar que fui capaz de te trair com seu amigo.
— Eu não posso mais é acreditar na mulher que amo. —
acusou-me, e não consegui mais me controlar, quebrei a sua
frente. — Não consigo olhar para você.
— Foi uma noite sem importância no passado. — tentei
chamar sua atenção. — Se fosse algo importante, eu não teria
voltado.
— Agora eu realmente me pergunto por que voltou. —
virou-se de costas, deixando-me distante o bastante para apenas
sonhar com seu toque. — Acho que sempre teve a certeza que eu
estaria aqui, te esperando.
— Marcelo...
— Mas isso não vem ao caso, não é sua culpa. É toda
minha, por não conseguir me desintoxicar de você! — suas
palavras me feriram profundamente. — Mas então resolveu foder
com outro, e quando descobriu que era meu padrinho de
casamento, fingiu que sequer o conhecia. Por Deus! Eu os
apresentei, torcendo no fundo para que se dessem bem.
— Eu tive medo! — confessei em alto e bom som. — Medo
de me deixasse ao descobrir que estive com Davi. Eu não podia
te perder porque eu te...
— Não! — cortou-me. — Quem ama não omite algo assim.
Eu poderia ter ficado confuso na época, mas nunca me sentiria
tão traído quanto agora. Não consigo acreditar em uma palavra
que sai da sua boca. Não mais!
— Marcelo...
Não consegui dizer nada, e meu choro se tornou
compulsório. Ao contrário de todas as vezes que Marcelo me viu
de tal forma, daquela vez, ele não fazia nada, além de andar de
um lado para o outro no escritório. Ouvi um barulho vindo do lado
de fora, e passos e aproximaram. Meu corpo paralisou, no
momento em que vi Davi Rivera.
Aquele dia podia piorar?
— Não! — Davi se pronunciou rapidamente, olhando para
Marcelo. Com certeza notou a tensão no ar. — Não vamos brigar
por conta disso.
— Então já sabe o que está acontecendo aqui? — Marcelo
tinha toda a fúria estampada em sua face mais uma vez, e senti
que o perdia a cada minuto passado. — Ligou para ele? —
encarou-me possesso, e sequer tive voz para responder. Era
aquilo que ele pensava de mim?
Que em vez de resolver nossos problemas, iria ligar para
Davi, para que o mesmo intercedesse por mim? Eu sequer tinha
um telefone em mãos. Com toda certeza, Marcelo estava fora de
si.
— Feito uma vadia resolveu já ligar para sua ex foda e
traze-lo a minha casa? — me encolhi, sem saber que reação ter
diante de suas palavras. Aquele era um lado de Marcelo que eu
desconhecia, muito longe do príncipe que de fato era. —
Responda, porra!
O grito dele me fez estremecer, porém, ao mesmo tempo,
apenas queria voar em seu pescoço, fazê-lo entender na marra
que aquilo nunca significou nada. Eu omiti o que houve por um
simples motivo – medo. Medo porque o amava demais.
— Não grite com ela, Marcelo. —Davi interviu. — Você não
é assim, amigo.
A conversa dos dois passou como um borrão, enquanto
tentava reencontrar minha força. Era difícil demais encarar que
aquela noite trouxe consequências depois de tantos anos. Só
conseguia me arrepender de ter sido tão fraca, e não admitido o
que aconteceu de fato, no momento que reencontrei Davi.
Só despertei de minha bolha, no momento em que ouvi a
voz de minha melhor amiga, que tinha um semblante preocupado.
Ela passou a mão por meu rosto, limpando algumas lágrimas,
como se para me tirar da própria autodestruição.
— Vou levá-la daqui. — falou firme. — Dê um jeito de
recobrar a sanidade! Quebre o escritório, faça um estrago... Ou
melhor, quebre a cara de Davi. Mas não venha atrás dela agora.
Não agora, Marcelo! — enfrentou Marcelo, enquanto eu sequer
conseguia encontrar força em minhas pernas.
Senti-me completamente indefesa pela primeira vez na
vida. Nos braços de minha melhor amiga, em busca de minha
própria voz, enquanto saíamos de minha casa, e caminhamos a
passos incertos até a casa de meus pais. Felizmente eles
estavam viajando e não me veriam naquele estado. Usei o que
restava de minha força, assim que chegamos a meu antigo
quarto, e olhei para Manu. Ela merecia saber.
— Manu, eu...
— Não, não precisa se explicar. — falou, surpreendendo-
me, assim que entramos no quarto. — Quer me contar o que
houve? Eu ouvi por cima quando cheguei... Mas sei que precisa
de uma amiga, e aqui estou.
Não, eu não queria tocar naquele assunto. Mas Manu
merecia saber daquilo, já que era casada com Davi. De todas as
pessoas que eu tinha na vida, ela era uma das quais não queria
abrir mão. Então apenas decidi falar.
— Lembra quando transei com Marcelo pela primeira vez?
— assentiu, e me sentei na cama, completamente perdida. — Eu
tinha tantas dúvidas, ele mexeu tanto comigo que... Eu não quis
acreditar que estava gostando de alguém. Não depois de tudo. Aí,
quando viajei para Nova Iorque, encontrei um cara e acabei me
envolvendo com ele. Foi no automático, querendo tirar Marcelo do
meu sistema... Mas, não consegui.
— O cara era Davi. — deduziu, e assenti, sentindo-me
horrível.
Por que não foi outro cara qualquer?
Olhei para minha amiga, em busca de julgamento em seu
olhar, porém, ela parecia apenas atenta. Manuele era uma pessoa
rara.
— Eu fui sincera com Marcelo de que tinha estado com
outro cara, mas sequer sabia o nome... Quando reconheci Davi
no nosso casamento, eu não consegui falar. — confessei com
pesar. — Eu tive medo da reação de Marcelo, pois ele não
merecia. E já tinha errado demais com ele.
— Ele só está nervoso. — sentou-se ao meu lado, tocando
meu cabelo. — Logo vai recobrar a consciência e perceber que
não tem importância.
— Você não tem raiva de mim? De não ter te contado
que...
— Foi bem antes de mim, antes de sequer Davi saber da
minha existência e eu da dele. — deu de ombros — Se tivesse
me contado, tudo bem... Senão, não tenho problemas com isso. O
passado é passado, Lu.
— Marcelo não vai me perdoar. — as lágrimas tomaram
conta de minha visão novamente, ao colocar aquela verdade para
fora. — Ele me disse coisas horríveis, Manu.
— Mas como ele descobriu? Já que nem você ou Davi
contaram?
— Jéssica. — só de pronunciar o nome dela, senti todo
meu interior se remoer. Sequer conseguia imaginar de onde ela
tirou tal informação. — Ela até hoje tenta, mesmo ele estando
casado, fazer com que ele a note e me deixe. Não sei como, mas
ela acabou descobrindo sobre isso e... Não consegui negar para
Marcelo.
Não consegui negar, e agora o perdia por completo.
— E fez bem. A melhor saída vai ser conversar com ele.
Vocês se amam, vai dar tudo certo.
Queria eu ter a mesma certeza que ela, diante de todo o
passado que repassava em minha mente, e de todas as vezes em
que quase perdi Marcelo. Aquele dia, estava claro, nunca cheguei
tão perto de tal feito.
— Eu espero, Manu... — suspirei, e levei as mãos à
cabeça, ajeitando-me na cama. — Só quero dormir e esquecer
que esse dia existe.
— Faça isso.
Com o sorriso de minha amiga em mente, virei-me em
direção a janela, e fiquei apenas encarando a imensidão da
fazenda. Manu permaneceu ali por alguns segundos, mas logo
saiu, pois ela sabia, precisava ficar a sós. Assim que senti que ela
se afastou, respirei fundo, encarando o teto. Não sabia que
caminho seguir, ou que tentar fazer para Marcelo entender que
nunca houve nada além daquela noite com Davi.
Uma noite sem importância, que apenas me mostrou o
quanto eu estava presa a um único homem – Marcelo Carvalho.
Seis anos antes
“I know we could fix these kinks
But the worst in me doesn't want to
Work on things
But the best in me wants to love you

But the worst in me doesn't want to.”[8]

Tinha sido um longo tempo longe da noite carioca, mas


estava feliz em voltar, e poder me sentir em casa novamente. Um
ano tinha se passado desde o momento em que descobri sobre a
traição de Vitor e minha melhor amiga, e nesse tempo todo,
aperfeiçoando minha carreira fora do Brasil, apenas entendi que
nunca chegou a ser amor.
Vitor estava mais para um encantamento de primeiro
momento, que por mais machucados que tenha deixado em meu
coração, foi superado em meio a outros homens e festas. Não era
como olhar para trás e sentir saudades, bem longe daquilo. Muito
menos me senti ferida ao saber que eles tinham se casado.
Estava mais para um livramento de uma vida infeliz ao lado de um
homem que nunca de fato amei.
Eu era desacreditada no amor, já tendo o suficiente por
uma vida ao acompanhar de perto o carinho e devoção de meus
pais e padrinhos. De certa forma acreditava que ambos tinham
pegado o que sobrara daquele sentimento, e por isso, pareciam
sempre imersos nele. Eu era apenas mais uma pessoa livre, sem
vontade de me apegar, mesmo que meus pensamentos
atormentassem a respeito de um homem proibido – Marcelo.
Decidi deixar aqueles pensamentos de lado, mesmo com a
saudade absurda no peito de meu melhor amigo. Eu o tinha
evitado ao máximo depois do fiasco da noite em seu apartamento,
onde troquei os pés pelas mãos, e mais uma vez, tinha o
magoado. Ele merecia muito mais do que uma mulher que fugia
do amor. Infelizmente, tinha que admitir que sua namorada,
Jéssica, o amava por completo. E de algum jeito, era perfeita para
ele.
Ele era só meu melhor amigo, tinha que continuar com
aquilo em mente. Sem pensar em algo que pudesse apenas
destruir o que restara da nossa amizade. Foram anos fugindo
daquele homem, evitando ao máximo alimentar suas esperanças
sobre nós. Mas eu era patética agindo de tal forma. Marcelo me
conhecia bem, e desde quando cometemos o deslize de nos
beijar em seu aniversário, depois de algumas garrafas de vinho,
aquilo me atormentava. Ainda mais por ter sentido seu gosto
novamente a um ano atrás, em meu ataque de loucura e
angústia.
Eu não podia deixar com que o desejo que sentia por ele,
estragasse o único que ainda habitava meu coração de forma
significativa. Perder Marcelo não era uma possibilidade. Foquei
então na música que começou a tocar, deixando de lado qualquer
pensamento que pudesse me desconcentrar do objetivo da noite.
Dançar até meus pés não aguentarem mais, e quem sabe, levar
um homem para cama, que seja capaz de me fazer esquecer que
meu melhor amigo morava naquela cidade.

“Feels so good being bad (Oh oh oh oh oh)


There's no way I'm turning back (Oh oh oh oh oh)
Now the pain is my pleasure cause nothing could measure
(Oh oh oh oh oh)

Love is great, love is fine (Oh oh oh oh oh)


Out the box, outta line (Oh oh oh oh oh)
The affliction of the feeling leaves me wanting more (Oh oh
oh oh oh)

Cause I may be bad, but I'm perfectly good at it


Sex in the air, I don't care, I love the smell of it
Sticks and stones may break my bones
But chains and whips excite me.”[9]

Senti então uma mão em minha cintura e sorri, logo um


arrepio percorreu todo meu corpo e não soube nem o que pensar.
Com toda certeza, aquele par era perfeito para a noite. O qual me
fazia sentir da forma que precisava, entorpecida pelo desejo com
um toque. Em segundos seus lábios se encostaram em minha
orelha, e senti novamente aquele arrepio.
— Pensei em mil maneiras de te reencontrar, mas
nenhuma delas consistia nisso.
Aquela voz... Virei-me no mesmo instante e pisquei
perplexa. Agora estava explicado a forma que me corpo reagiu.
Era por ele, como sempre. Estar nos seus braços daquele jeito
era errado, ainda mais depois de tantas vezes renegando
qualquer proximidade. Os olhos azuis estavam ainda mais
profundos, e por um minuto, permiti-me analisá-lo. O corpo
parecia ainda maior, com músculos sobressaindo a camisa branca
que usava. A barba por fazer lhe dava um ar tão sexy que me
senti inerte, diante da forma que emoldurava o queixo quadrado e
um sorriso que faria qualquer pessoa pecar. Eu estava perdida
pela imensidão que Marcelo se tornara, e não sabia como fugir
daquela vez.
Não podia enganá-lo, muito menos a mim.
— Ei, desconhecido. — dei um passo para trás, fingindo
normalidade. — Como vão as coisas?
— Não vai fugir. — tentei abrir a boca para retrucar, porém
uma de suas mãos tocou os meus lábios. — Não vai fugir de mim
hoje.
— Não quero te machucar. — confessei, quando seus
lábios estavam próximos aos meus. Porém, estava praticamente
entregue.
— Então não o faça.
Sem me dar chances de fugir desceu seus lábios para os
meus. Um beijo completamente diferente das outras três vezes.
Tínhamos compartilhado nosso primeiro beijo, algo mais
experimental, tivemos o deslize em seu aniversário há cerca de
um ano e meio, e por fim, o dia que invadi seu apartamento há um
ano. Mas nenhum daqueles beijos poderia ser comparado ao
daquele momento.
Sequer lembrei de meu nome, muito menos onde
estávamos. Marcelo parecia ter construído uma redoma sobre
nós, e nada mais importava. Senti sua mão em meu pescoço,
enquanto ele levava tudo de mim naquele beijo, e notei que não
conseguia e nem queria fugir. Por muito tempo imaginei como
seria estar entregue a ele, e ali estávamos.
Quando nos afastamos pela falta de ar, ele tocou meu
rosto com carinho, porém seus olhos declaravam claramente o
que queria. Soube naquele instante que não existia escapatória
dali em diante. Eu o teria naquela noite.

Marcelo

Olhei mais uma vez para a cama vazia e não consegui


acreditar. Pensei que estava delirando por ela novamente, como
várias vezes ao longo de todos aqueles anos apaixonado. Porém,
o seu cheiro tão característico em meu lençol era um dos sinais
claros que ela realmente esteve ali. Fora o seu cheiro impregnado
em cada parte de meu corpo, as marcas de unha por meu
abdome e ainda mais o seu gosto tão presente em meu ser.
Fechei os olhos, sem conseguir acreditar que tinha sido
deixado para trás. Logo após fazer amor pela primeira vez com
Luíza. Logo após imaginar que finalmente tínhamos nos
entendido, e que de alguma forma ela aceitaria o que sentia por
mim. Sempre foi mais que uma amizade, porém, em sua cabeça
oca, ela parecia crer que não daríamos certo juntos.
Por isso, quando a vi dançando sensualmente na boate, a
única coisa que me veio em mente foi provar que ela estava
errada. Nós éramos muito mais que melhores amigos, ou simples
conhecidos, nós éramos um homem e uma mulher loucos um pelo
outro. Aceitei a contragosto sua partida para outro país, e de certa
forma, senti-me completamente desnecessário. Por um tempo
imaginei que fosse enlouquecer, pois até mesmo sua voz irritante
me fazia falta.
Luíza fugiu para outro país em busca de novos ares, para
esquecer um homem que a machucou. Apenas queria que ela
olhasse um pouquinho para o lado, e enxergasse o homem que
sempre esteve ali por ela. O homem que era capaz de tudo para
fazê-la feliz, e tê-la o seu lado. Porém, ela não olhou.
Horas atrás, naquela boate, ela finalmente demonstrou em
seus olhos o que tanto almejei, e seu corpo correspondeu a tal
ato. Ela me desejava descontrolada e possessivamente, de forma
que nos levou a loucuras por horas. A qual me fez pensar que
tínhamos nos entregado por completo aquele sentimento.
Levantei-me da cama e fui direto para o chuveiro. Abri o
registro e deixei com que água quente levasse embora um pouco
daqueles pensamentos. Porém, no instante em que senti o forte
ardor em minha pele, tive a certeza que aquela mulher tinha
conquistado o que faltava de mim. Meus pensamentos, alma e
coração já eram dela, agora, ela tinha por completo o meu corpo.
Bastava apenas me aceitar.

Luíza

Eu estava perdida diante daquele sentimento que invadiu


meu ser. Andava de um lado para o outro na sala da casa de
meus pais, tentando discernir o que faria dali em diante. Sentei-
me por um momento, e tentei raciocinar.
— Ok, Luíza! — passei as mãos por meus cabelos. —
Pensa direito!
Encostei-me contra o sofá e tentei buscar algum sentido
para tudo aquilo, mas não podia, ou melhor, não queria. Pois de
alguma forma era como se sempre soubesse que quando me
entregasse para Marcelo, aquela sensação surgiria. Uma entrega
total, de uma maneira que me deixou sem escapatória.
Não queria me sentir presa a ninguém, muito menos perder
meu melhor amigo. Mas tinha deixado a noite acontecer, e após
me perder em seus braços, e ter o melhor sexo da minha vida,
ainda tentava fugir do fato de que Marcelo disse que me amava
minutos depois de nossos corpos se acalmarem. Aquilo me
atingia em cheio, pois não consegui responder, nem sabia se um
dia poderia retribuir.
Era o toque dele que me acendia, contudo, não meu
coração.
— Merda! — reclamei, ao ver que meu celular tocava mais
uma vez.
Se não estivesse enganada era a quarta ligação dele, fora
as dez mensagens que deixou em meu celular. Eu não podia
atender, não sabia como lidar com aquilo. Não queria machucá-lo,
mas de algum jeito, como sempre, acabava o fazendo. Então
decidi fazer o certo naquele momento, peguei minha mala no
quarto e corri para o carro, pensando em simplesmente voltar
para Nova Iorque.
Precisava ficar longe de Marcelo, se não apenas acabaria
estragando tudo.
— Ei, sumida! — ouvi a voz tão conhecida, e fechei o
porta-malas em seguida.
Manuele sorria em minha direção e foi impossível não fazer
o mesmo. Ela era uma das empregadas da fazenda, mas tinha se
tornando uma grande amiga, como uma irmã mais nova. De
sorriso fácil e abraço verdadeiro, era uma das poucas pessoas na
qual confiava, a qual me via além de um sobrenome.
Fui até ela e a abracei com força, aceitando seu carinho.
Ela pareceu perceber que tinha algo errado comigo, assim que
nos afastamos, olhando-me de forma curiosa.
— O que tá acontecendo? — perguntou sem rodeios, e
suspirei, sem querer entrar naquele assunto.
— Fiz merda, Manu! — confessei, com vergonha de mim
mesma. — Acabei transando com Marcelo.
Um sorriso enorme se abriu no rosto de Manu, como se ela
aprovasse a ideia. Por Deus, ela era mais uma das pessoas que
queria Marcelo em minha vida mais do que nunca.
— Não me olhe assim! — defendeu-se. — Vocês são
perfeitos um pro outro. Não sei porque ainda enrola e foge dele.
— Porque ele me ama. — falei o óbvio.
— E qual o problema nisso? — perguntou, quase que
debochando de minha cara. — Todo mundo quer um amor
verdadeiro, e Marcelo está aí, lhe dando isso sem pedir nada.
— Ele quer que seja recíproco, Manu. — falei já nervosa.
— Não consigo amá-lo. — soltei de uma vez, e vi Manu arregalar
os olhos. — Não da forma que ele quer, e muito menos como ele
espera.
— Lu, olha...
— Não! — fiz um gesto incompreensível com as mãos,
tentando me explicar. — Eu e Marcelo somos amigos desde
sempre, e é isso. Não é porque transamos que isso muda. Eu só
queria parar de sentir tesão por ele, só isso! — despejei de uma
vez, e Manu pareceu querer se enterrar viva. — O que foi? Eu sei
que nos quer juntos, mas...
— Aposto que vai conseguir.
Não era aquela voz atrás de mim! Não podia!
Virei-me rapidamente e meu coração falhou uma batida.
Marcelo estava há alguns passos de mim, parado ao lado do
carro.
— Marcelo, eu...
— Disse tudo o que precisava ouvir. — olhou-me de forma
cautelosa, como se medisse as próprias palavras. — Com certeza
vai perder o seu tesão por mim, já que não ficaremos próximos
por mais nem um segundo.
Ele então se virou e o vi andar em direção a entrada da
fazenda. Arregalei os olhos, e tentei me mover, mas não
consegui. Parecia perdida naquele momento, sem acreditar que
tudo desabava. Marcelo estava desistindo de mim, era claro. Por
que não conseguia ficar feliz com aquilo?
— Lu, vai atrás dele! — Manuele praticamente gritou e
neguei com a cabeça.
— É melhor assim.
Pelo menos naquele instante, imaginei que seria.
Capítulo 4
“Sei
Que o pra sempre virou pó
E na cabeça deu um nó
Mas eu tô bem consciente
Mas amei

Amei sozinho, mas por dois.”[10]

No presente

Olhei para Davi sem ainda acreditar no que ele tinha


afirmado, muito menos que Luíza tinha compactuado com aquilo.
— Eu confiei em você! — acusei-o, e Davi pareceu
ponderar minhas palavras. — Como teve a coragem de me
esconder isso?
— Não significou nada para mim. — falou nervoso, e sorri
sem vontade. — Muito menos para sua mulher.
— Minha mulher. — zombei de mim mesmo, passando as
mãos pelos cabelos. — Luíza sempre foi qualquer coisa, menos
minha. Agora só tenho a certeza disso.
— Por Deus, Marcelo! — exclamou, claramente irritado. —
Você passou a vida inteira louco por essa mulher, não é possível
que vai estragar tudo só porque...
— Porque ela transou com um dos meus melhores amigos
para me esquecer e não teve a coragem de admitir? Assim como
você! — acusei de uma vez, segurando-me contra a grande mesa
de madeira do escritório. — Eu confiei em você, e simplesmente
me virou as costas.
— Não trate isso como se fosse algo fácil.
— Teria se tornado. — falei num tom gélido, sem conseguir
me controlar. — Muito mais simples se me contassem no
passado, do que descobrir através de uma ex namorada que a
mulher que me casei esconde algo assim!
— Está fazendo uma tempestade...
— Estou farto, Davi! — fui sincero. — Tudo o que pedi para
ela foi sinceridade, e o que ganhei? Uma verdade despejada de
repente, a ponto de me fazer não confiar em duas pessoas que
são importantes para mim.
— Eu sinto muito, Marcelo.
Olhei para Davi com descaso, e não tive o que responder.
Não sabia ao certo como seguir, muito menos como esquecer
aquilo. Tê-lo a minha frente só piorava tal situação, já que apenas
conseguia imaginá-lo com minha mulher nos braços. Algo em
meu interior estava quebrado, e claramente, não confiava em
nenhum dos dois. Não mais.
— Sai daqui, Davi!
Ele não disse nada, apenas ouvi seus passos se
afastando, e me joguei contra a cadeira. Levei as mãos aos
cabelos, tentando entender como cheguei aquela situação.
Sentia-me humilhado e perdido, sem saber por onde seguir.
Apenas esperando no fundo, que algo entre eu e Luíza tivesse
sido verdadeiro.
Olhei para o pequeno bar que ficava no escritório e suspirei
resignado. Eu odiava perder o controle, não confiava em bebida
como solução de algo. Mas queria tirar aquilo de mim, tirar Luíza
de meu sistema. Aquilo não adiantaria, não me faria esquecê-la,
mas sequer pensei duas vezes, fui até o bar e peguei o primeiro
frasco que encontrei.
O abri e bebi diretamente da garrafa. Sentei-me no chão,
relembrando a cada momento as palavras dela, seus votos, a
forma como ela me olhou em nosso casamento, tentando
encontrar algum momento onde ela tenha demonstrado diferença
sobre Davi. Nada me vinha me mente, a não ser o rosto surpresa
dela quando os apresentei, ela era uma boa atriz, tinha que
admitir.
Levei as mãos à cabeça, deixando a garrafa de lado. Eu
queria entender, precisava entender. Por que Luíza não me disse
a verdade? Sempre estive ao seu lado, ignorei minhas mágoas, e
passei por cima de todo meu orgulho. Por ela, era capaz de tudo,
apenas pare vê-la feliz. Por que omitir algo assim?
Eu não entendia.
Peguei a garrafa mais uma vez e continuei a beber,
tentando entender o que tinha acontecido para não confiar em
mim. Eu só conseguia pensar em quais outras mentiras ela tinha
contado, o que tinha omitido. O que eu não sabia da mulher que
amava?
Luíza

Os gritos me assustaram, enquanto a cena de Marcelo com


Jéssica ficava se repassando em minha mente. Eu sentia que o
perdia a cada momento longe, a cada momento que o permitia
ficar a sós com seus pensamentos. O que ele podia estar
cogitando sobre mim? Ou melhor, o que cogitava sobre nós?
O som vinha do lado de fora da casa de meus pais, e me
apressei a descer as escadas. Eu conhecia bem a voz, porém,
nunca a tinha a escutado tão alterada. Quando finalmente abri a
porta da frente, assustei-me ainda mais com o semblante de
Marcelo, e notei que seu nariz sangrava. Ele passava a mão pelo
rosto, como se o inchaço no rosto não importasse, muito menos o
sangue.
Olhei para o cara ao lado e reconheci o segurança que
tinha o semblante impassível como sempre. Não sabia o que
fazer ou o que perguntar, e Marcelo parecia a ponto de atacar o
homem enorme a sua frente. Foi então que seus olhos pousaram
em mim e notei sua expressão mudar. Ele estava transtornado, e
pelas pernas trocadas, completamente bêbado.
— A senhora Rivera me pediu para olhar a casa, senhora
Monteiro. — o segurança informou de repente, como uma barreira
entre eu e Marcelo, que apenas me encarava.
— Obrigada. — sussurrei, entendendo o porquê de estar
ali, e ainda mais, pela atitude que tomou. — Não vamos discutir
agora, Marcelo. Não com você desse jeito!
— É claro que você vai decidir isso. — sorriu com escárnio.
— Sempre a dona da razão, a que me escolheu como seu
brinquedinho! — acusou-me, e notei seus olhos marejados. — Por
que, Luíza? Anos rastejando por você não bastaram? Precisava
mesmo de mais?
Ele parecia tão abatido que sequer consegui responder.
Estava praticamente quebrando a sua frente, e não sabia se
levava a sério ou não suas palavras. Se ele soubesse o que
realmente sentia sobre a noite com Davi, talvez entenderia o que
passei. E ainda mais, o medo que senti quando me deparei com
Davi no nosso casamento. Não queria perdê-lo, e por ironia do
destino aquilo acontecia justamente por não ter contado antes
sobre aquilo.
— Por favor, o leve daqui. — pedi, sem conseguir assistir
mais daquela cena. — Eu vou passar o endereço.
Corri para dentro, escutando os gritos de Marcelo, que
implorava para ficar em casa. Minha mente uma confusão, e não
sabia ao certo o que fazer. Não, ele se arrependeria se ficasse, e
pior, diria coisas que nos separariam para sempre. Nos
conhecíamos bem o bastante para saber que uma briga daquela
era algo sem volta. Eu lutava contra o tempo, e a favor de nós.
Não poderia deixar com que tudo caísse de minhas mãos.
Pensei para onde podia mandá-lo para se acalmar, e nada
me veio em mente. Voltei para fora e notei que ele ainda gritava,
descontrolado. Aquilo me matou por dentro. Ele sequer estava em
sua razão.
— Leve-o para o apartamento de Davi. — falei de uma vez
para o segurança, e vi o semblante de Marcelo piorar. — Por
favor, príncipe. Só vai embora! Não é a melhor hora para nós...
— Nunca foi a melhor hora, não é mesmo? — ele estava
claramente magoado. — Por um momento pensei que tinha medo
de ficar comigo por me amar, mas agora vejo que apenas disse
sim no altar pelo medo de ficar sozinha.
Suas palavras me mataram por dentro e apenas fechei a
porta, ouvindo seus gritos, e em seguida o silêncio tomou conta
do ambiente. Encostei minhas costas na porta, e as lágrimas
desceram com força. Desci por toda a madeira, até ficar sentada
no chão. Olhei ao redor, e lembrei-me de momentos bons,
querendo ficar presa neles. Porém, mais uma vez, minha cabeça
tola, me levou ao momento que cometi aquele erro.
O erro de pensar que uma noite com outro homem, me
faria esquecer o quanto amava Marcelo. Um amor, que por medo,
sempre neguei sentir. Enganando a mim mesma do óbvio, e
naquele instante, encontrei-me perdida em uma omissão maior e
pior. Uma omissão que gerou o caos.
Seis anos antes
“I'm sorry to my future love
For the man that left my bed

For making love the way I saved for you inside my head.”[11]

Olhei para as malas jogadas no chão da sala do


apartamento que tinha me acostumado durante o último ano. Um
ano fora da cidade que amava, de minha família, e do homem que
tinha me tirado a razão. Naquele instante, aquele homem não
saía de minha mente. Tudo o que me vinha em mente era seu
toque, seu cheiro, seu olhar... Marcelo parecia presente em meu
corpo, como se ainda estivéssemos em sua cama.
Coloquei os brincos, e encarei meu reflexo no espelho.
Precisava esquecer aquilo, não teria como seguir em frente
agindo como uma louca por ele. Nós éramos amigos, e minha
mente estava apenas me enganando. Só não conseguia entender
como me deixei levar a ponto de estar sobre e sob seu corpo.
Meu celular tocou e atendi sem olhar, era Cristal. Uma brasileira
que cruzei no elevador quando me mudei para Nova Iorque, e
morava há poucas quadras de minha casa.
— Já estou aqui embaixo, magrela. — falou animada. —
Steve vai estar lá essa noite e...
— Ele vai cair de joelhos por você, com toda certeza. —
tentei animá-la, porém, dentro de mim, nada parecia funcionar
direito. — Já estou descendo!
— Ok, beijo.
Ela desligou, como sempre falando mais rápido do que
pude acompanhar. Meu celular vibrou, e olhei rapidamente a
mensagem, assim que notei o remetente, apenas ignorei. Era
Manuele mais uma vez, e com certeza, a respeito de Marcelo. Um
assunto que queria apenas esquecer e usaria a noite para aquilo.

As luzes confundiam minha mente, assim como a música.


Bebi mais uma dose e tentei me concentrar em apenas viver
aquele dia, como tinha feito nos últimos tempos. A música dizia
algo sobre ser livre e tentei focar apenas naquilo. Sorri para
minha amiga que estava sentada do lado de Steve, e que
felizmente, teria um bom fim de noite.
Eu por outro lado, olhei em direção a pista de dança, e
decidi voltar para lá. Não atrapalharia o casal a minha frente e
poderia finalmente me sentir livre de todas as preocupações.
Fechei os olhos e por um segundo apenas me permiti esquecer
de tudo, porém, logo os olhos azuis de Marcelo invadiram minha
mente.
Abri os olhos no mesmo instante, e encarei ao redor, com
uma única frase em mente: se apenas um amor supera outro...
por que uma noite não podia superar outra? Encontrei o homem
daquela noite, encostado perto do bar da boate, completamente
alheio a todos ao seu redor. Era aquilo que precisava. Um homem
bonito o suficiente para me atrair, e sensato o bastante para me
fazer esquecer a noite com meu melhor amigo.

Olhei ao redor do quarto de hotel e coloquei minhas roupas


rapidamente. O homem que esteve naquela cama comigo tinha
ido ao banheiro, ainda era madrugada, e senti-me completamente
perdida. Nenhum segundo me entregando a outro, fez-me melhor
ou esquecer, apenas carrego a culpa de algo que não sei explicar.
Ao sair daquele quarto, praticamente corri para o elevador.
Ao olhar meu reflexo do espelho, notei o quão destruída parecia.
Pedi um táxi e assim que entrei, olhei as horas em meu celular. A
mensagem de Manuele continuava ali, e finalmente a abri. Cada
palavra senti como se zombasse de mim mesma.

Remetente: Manu
Sei que pediu para não mandar mensagem ou ligar por conta
disso, mas precisa voltar, Lu. Ou ao menos, resolver o que
aconteceu entre vocês. Marcelo vem a fazenda todo dia, e tenta
conseguir seu número comigo. Ele só não pediu o número para
seus pais porque sente vergonha. Agora seus pais acham que ele
é meu namorado, de tanto que vem aqui em casa.
Lu, ligue pra ele! Se não o ama, realmente, deixe ele livre. Ele
parece desesperado.
Deixe ele livre... Aquela era a única parte do texto que
permanecia em minha mente. Mais uma vez chegávamos a um
impasse. Marcelo me queria, como antes, desejando conversar a
respeito do meu maior medo: a atração que sentíamos. Ele tinha
sido meu mundo há tanto tempo, um cara que sempre pude
contar, e mais uma vez, o magoava, pelo medo de ficarmos juntos
e acabar fazendo o mesmo.
Notei mais uma mensagem de Manuele, e arregalei os
olhos assim que comecei a ler. De alguma forma, aquelas
palavras não foram digitadas por ela, e tudo o que fiz foi chorar.
Por estar tão distante da minha verdade, do que tanto queria.

Remetente: Manu
Eu sei, boneca. Sei exatamente o que se passa em sua cabeça.
Sei que se culpa por todas as vezes que me feriu, ao mesmo
tempo, tentando me proteger. Sei que tem medo do amor, mas
deixe eu te contar algo: eu também tenho. Vivo com medo desse
amor que sinto por você, que não se vai, mesmo com tudo que se
passou. Eu não estaria aqui se não te amasse. Por todos os
caminhos tortuosos, tê-la em meus braços apenas mostrou o que
somos. Somos apenas nós, como sempre.
Apenas me deixe ser seu par, me permita te mostrar que não
sou só um amigo, que sou mais. Posso ser o seu “mais”. Sem
culpa pelo que passou, pois já foi. Apenas assuma pra si, o que
eu já sentia antes, e mais, senti ainda mais vivo quando se
entregou a mim. Você me ama, assim como eu te amo. Apenas,
permita-se ser minha. Assim como sou seu.
Assinado: Marcelo Carvalho, seu príncipe.

Era péssima no amor, naquele instante percebi. Esquecer


Vitor tinha sido fácil, até mesmo simples. Mas ali, após uma noite
com um desconhecido, nada fazia mais sentido. Queria ver
Marcelo, olhar em seus olhos e dizer a verdade que tanto neguei,
que tanto me recriminei. Eu o amava não como apenas meu
amigo, não da forma que sempre quis enxergar. Amada cada
parte que me fora entregue, desde o primeiro olhar, até o último
trocado... Como antes, permanecia com seu toque, seu cheiro,
seu olhar... e principalmente, seu amor. Era a realidade, não podia
mais fugir. Eu o amava. Loucamente.
Capítulo 5
“I still see your shadows in my room
Can't take back the love that I gave you
It's to the point where I love and I hate you

And I cannot change you so I must replace you!”[12]

No presente

Acabei passando a noite da casa de Manu, que ficava do


lado oposto à minha, e perto da de meus pais. Não sabia ao certo
o que ela fazia de volta a fazenda, já que tinha se casado com
Davi, o cara que ela amava, e estavam esperando um filho.
Porém, mesmo em toda bagunça que tinha me tornado, após
aquela briga com Marcelo, eu estava lá para minha amiga, assim
como ela por mim.
Após ouvir os porquês de ter se separado de Davi,
consegui entender completamente minha amiga. Davi tinha
errado feio com ela, e pior, a enganado de maneira assustadora.
Não sabia como, mas ao notar o olhar dela, tive a certeza de que
não seria o fim dos dois, já que ambos se amavam, era nítido.
Acabei por contar a ela os detalhes da briga que ela perdeu, e de
como estava confusa.
Não sabia lidar com aquele Marcelo, ele sempre foi
paciente e carinhoso. Vê-lo fora de si era algo que nunca
presenciei, nem mesmo em discussões mais acaloradas entre
nós. Ele era de fato um príncipe encantado, como o apelido que
lhe dei. Assim, não fazia ideia de como seria nosso próximo
encontro. Mas precisava conversar com calma, e lhe mostrar que
tinha errado ao omitir aquilo.
Manuele falava ao telefone com uma das moças da galeria
que levei seus trabalhos, e apenas esperei que encerrasse. Eu
estava morta sobre sua cama, e não entendi como consegui
dormir tão bem e sequer sonhar em tão poucas horas, já que
passamos a madrugada toda conversando.
— Parece que levei uma pancada na cabeça. — falei, me
espreguiçando, e tocando minha testa em seguida. Sentia uma
cefaleia horrível. — Deus do céu! Acho que dormi demais!
— Ainda são nove da manhã. — Manu falou virando o visor
do celular para mim.
Forcei meus olhos a enxergarem de algum jeito, já que a
miopia não me ajudava.
— Sorte que não tenho nenhum cliente hoje. — bufei,
ainda tentando confirmar que eram mesmo nove horas em seu
celular. — Sou míope, não vai dar! — por fim, desisti. Joguei-me
contra o colchão e acabei sorrindo ao sentir a maciez. — Nunca
dormi tão pouco e ainda assim, apaguei por completo.
Manu continuou em silêncio, atenta a algo em seu celular.
Por seu olhar era claro o que tanto lia, algo a respeito de Davi
Rivera. A analisei mais um pouco e percebi as grandes olheiras
que se destacavam em seu rosto.
— Ao contrário de mim, alguém parece que sequer pregou
o olho. — indaguei, e ela deu de ombros.
— Minhas olheiras enormes e olhos inchados não ajudam
a mentir. Passei a noite repassando tudo o que vivi com Davi,
como se tivesse um flashback dos últimos meses.
— E chegou a que conclusão? — perguntei, preocupada
pelo tom de voz desanimador que ela usava. Manuele parecia
quebrada.
— Nenhuma. — sorriu, claramente sem vontade. — Só de
pensar que ele usou a mim, ao nosso filho... Me faz querer nunca
tê-lo conhecido.
— Mas sabe que não tem como fugir dele parasempre, não
é? — fui sincera, e ela ficou um tempo apenas me olhando.
— Sei. — respondeu por fim. — Mas enquanto puder
mantê-lo afastado, será bom. O que temos para conversar é
sobre nosso filho... Nada mais.
— Entendo. — falei com pesar. — Mas, e sobre seu irmão?
Já falou com ele ou a tal Branca?
As confusões na vida de Manu eram tantas, que apenas
queria encontrar uma forma de ajudá-la.
— Estou esperando a mensagem deles. Acho que Branca
ainda precisa de um tempo para se posicionar sobre tudo o que
descobriu. Imagine só como é descobrir que tem uma família que
chorou pela sua morte, sendo que todo esse tempo esteve viva
sem uma lembrança sequer?
— Isso com toda certeza é barra pesada.
— E coloca pesada nisso. — se levantou e veio até a
cama, puxando um lençol e sentou-se à beira. — E você? O que
pretende fazer?
Aquela pergunta era a qual não tinha uma resposta. Pensei
um pouco, e cheguei à conclusão óbvia: teria que conversar com
meu marido e fazê-lo ver o quanto ao amava.
— Bom...
Minha fala foi interrompida no momento em que um
estrondo alto veio da parte debaixo da casa. Troquei um olhar
preocupado com Manu, e me levantei. Fiz sinal com as mãos para
que ela ficasse ali. Ela estava grávida, não podia se estressar
com o que fosse. Um pressentimento ruim me assombrava.
— Fica aí! — exigi. — Grávidas não podem passar por
estresse, você já teve muito!
— Lu, não sabemos... — tentou argumentar e a cortei
rapidamente.
— Fica aí!
Assim que cheguei ao topo da escada, a cena que me
aguardava era assustadora. De todas as formas que imaginei
reencontrar Marcelo, nenhuma delas consistia em vê-lo
completamente fora de si, além do que tinha presenciado no dia
anterior, e a ponto de destruir tudo a sua frente. Paralisei na ponta
da escada, e encarei aquela cena a frente completamente
embasbacada.
Aquele não era o homem com o qual me casei, nem de
longe. O que tinha acontecido com ele?
Davi também estava ali, claramente impedindo Marcelo de
fazer algo pior, do que a porta derrubada no meio da sala de
Manuele. Como ele tinha derrubado uma porta? Lágrimas rolaram
livremente sobre minha face. Não conseguia olhar aquilo e não
quebrar. Ele não era daquele jeito, e parecia completamente
transtornado.
Senti a presença de Manu ao meu lado, e logo ela me
abraçou, claramente preocupada.
— Ei! — falou e aconcheguei-me em seus braços.
— Chega dessa merda, Marcelo! — a voz de Davi era
furiosa. — Olhe ao seu redor, vejo a merda que está causando!
Meu foco era no homem a poucos metros, que tinha um
olhar frio em minha direção. Nada de seus olhos azuis que me
encantavam, longe de tudo o que conhecia dele. Era uma parte
de Marcelo que parecia não me amar.
— Eu olho, e sabe o que vejo? — suas palavras
completamente confusas, e a realidade era óbvia, ele estava
bêbado. — Uma vadia! — seu olhar me perfurou, e senti a dor por
aquelas palavras.
Nunca pensei que o ouviria falando aquilo. Finalmente
entendi as palavras de minha mãe a respeito da dor que vem de
onde menos se espera, daqueles que se ama. Sentei-me na
escada, sem conseguir pensar, sem uma reação. Não conseguia
discernir direito o que acontecia, a não ser acreditar que era um
pesadelo, e logo que acordaria.
Relembrei todo o tempo que temi o amor que sentia por
Marcelo, todos os anos negando a atração que sentíamos.
Marcelo era o único capaz de chegar a meu coração, e agora
tinha a certeza, de destruí-lo.
— Chega! — Manu gritou a frente de Marcelo e arregalei
os olhos, sem estar esperando aquela reação. — Não vai acusa-
la dessa forma! Não vou permitir! Se vai julgar por algo do
passado deveria ser homem suficiente para ouvir a história toda e
enxergar a verdade, não beber feito um cretino e derrubar portas!
Ela é sua esposa e merece respeito!
— Respeito... — Marcelo sorriu sarcasticamente, fazendo-
me quebrar. — Ela não o teve comigo!
Ele estava certo, infelizmente.
Olhei para a cena já pensando em intervir, pelo bem da
minha amiga e do seu bebê. Davi foi mais rápido e se posicionou
a frente dela, encarando Marcelo com afinco.
— Se não respeita Luíza, ao menos respeite Manuele. Ela
está grávida e não pode passar por toda essa merda! Ao menos
tenha um pouco de respeito com ela!
Marcelo pareceu ponderar as palavras de Davi e encarou
de relance a barriga de Manu que já aparecia.
— Não sabe a sorte que tem em se casar com a mulher
certa.
Suas palavras me atingiram de forma assustadora, a qual
não esperava. Neguei com a cabeça, tentando entender o que
acontecia. Marcelo saiu em segundos, e a preocupação do que
aconteceria a partir dali foi com ele. Tudo em minha mente se
embaralhava. Manuele me encarou e neguei com a cabeça, para
que não me seguisse. Subi as escadas rapidamente e fui até seu
quarto.
Sentei-me no chão ao lado da cama, e abracei minhas
pernas, tentando entender onde chegaríamos daquele jeito. Tudo
por conta de uma noite no passado, que não tinha sequer
importância. A não ser o fato de ter me esclarecido que o único
homem que queria em minha vida, era Marcelo. O mesmo que
destruía meu coração naquele instante.

Marcelo

Mais uma vez acordei completamente perdido dentro do


meu antigo apartamento. Pisquei algumas vezes e olhei ao redor,
encontrando várias garrafas vazias de uísque, e alguns cacos de
vidro espalhados pelo chão. Senti uma forte pontada na cabeça e
tentei relembrar o que aconteceu, porém, apenas tinha um breve
vislumbre de tudo em minha mente.
— Merda! — reclamei, e me levantei do sofá, tentando
andar com cuidado, para não pisar nos cacos de vidro.
Eu estava esgotado com tudo. Não conseguia pensar
claramente a respeito de nada, e pela quantidade de garrafas
espalhadas pela sala de estar, e ainda mais por estar no meu
velho apartamento, algo tinha saído muito errado.
Tirei minhas roupas rapidamente e entrei debaixo da ducha
fria. A água fez meu corpo acordar, mas não ajudou em nada na
dor de cabeça. Lembranças me atingiram em cheio, e na última
delas, lembrei-me claramente de Manuele me enfrentando,
claramente aborrecida pelo que fiz. Lembrei-me então da porta de
sua casa, a qual usei toda minha força e derrubei.
— Meu Deus! — levei as mãos aos cabelos, sem conseguir
entender como cheguei aquele estado deplorável.
Comecei então a pensar no que me motivou a beber ainda
mais depois da discussão com Luíza, e de ter toda aquela
verdade cuspida em minha cara. Tinha sido mandado para o
apartamento de Davi, após Luíza me chutar para fora, e de algum
jeito Davi tinha uma cópia da chave do meu antigo apartamento,
devo ter-lhe dado caso precisasse de um lugar no Brasil quando
voltasse do exterior, e me mandou direto para lá com seu
segurança. Eu seria capaz de quebrar a cara dele, se ficasse por
alguns segundos à sua frente, lembrando-me a cada momento
que tinha feito parte daquela omissão sem sentido.
De qualquer forma, mal me lembrava como cheguei ao
apartamento, no qual fiquei ainda mais revoltado e bebi todas as
bebidas alcoólicas que encontrei pela frente, sem sequer olhar a
data de validade. Tinha agido feito uma pessoa sem razão, e mais
uma vez, usado palavras que não gostaria, e pior, agido de forma
que nunca pensei. Eu não era daquele jeito, nunca cheguei a tal
ponto.
A água corria por meu corpo, com a culpa me invadindo
por ter ultrapassado tais limites. Mesmo sabendo que precisava
me desculpar por toda aquela cena, só de pensar em falar com
Luíza, senti-me fraco novamente. Mais uma vez era como se me
deixasse levar pelo amor que sentia, inconscientemente, como se
fosse o total errado da história. Eu era por um lado, por ter bebido
tanto, e agido feito um lunático. Porém, eu não sabia o que viria
de sua boca, o que ela diria a respeito. Por que ela tinha omitido
aquilo?
Luíza sempre foi transparente em tudo em sua vida,
principalmente comigo. Por mais que pudesse me magoar, ela
sempre optou pela honestidade. Apenas conseguia pensar que
aquela noite com Davi significou algo mais para ela, algo em
relação a um de meus melhores amigos que ela então reviu em
nosso casamento. Quão bizarras eram todas aquelas
coincidências?
Desliguei o chuveiro e puxei uma toalha pendurada no box.
Felizmente aquele apartamento ainda era usado pelos meus pais
quando vinham para Rio de Janeiro, e assim, não faltava o
básico, a não ser comida. Sequei-me de qualquer forma, e fui em
direção a meu antigo quarto, abrindo o guarda-roupa em busca de
algo que servisse. Eram roupas antigas, e felizmente, ao pegar
uma camiseta, notei que poderiam caber em meu corpo.
Vesti uma roupa qualquer, basicamente uma calça de
moletom preta e uma camisa branca. Sentei-me na cama e
finalmente me lembrei do celular. Comecei então a vasculhar a
casa atrás dele, pois estava perdendo um dia importante de
trabalho, ao menos pensava ser.
Encontrei o celular caído perto da porta de entrada, e o
peguei. Notei a tela trincada e suspirei resignado. Lembrei-me de
meu reflexo no banheiro. Eu tinha uma mão machucada, uma
parte do rosto roxa, e uma dor incessante no ombro e cabeça,
mas nada se comparava ao caos que me encontrava por dentro.
Ao olhar a data, finalmente consegui entender que realmente
fiquei fora do ar, o suficiente para nem perceber que um dia tinha
se passado.
Nunca me senti tão perdido a respeito de mim, e
principalmente, de Luíza como naquele instante. Comecei a
questionar todos os seus passos, e principalmente como
chegamos aquele ponto. Queria de alguma forma descobrir se ela
realmente me amava, e ao mesmo tempo fazê-la ver que não
estarei sempre ali para sua disposição. Que um relacionamento
de verdade, se baseia na verdade e confiança. Algo que descobri
que não tinha para comigo, e pior, a confiança já não existia.
Ao abrir minhas mensagens, respondi rapidamente minha
secretária, que felizmente remarcou vários compromissos. Em
seguida, olhei para uma delas sem acreditar.

Remetente: Boneca
Eu sei que está magoado, mas precisamos conversar.

Uma única mensagem de Luíza, recebida há alguns


minutos. Ela sequer parecia se importar, muito menos parecia
alguém com medo de me perder. Mas era claro agora, ela sempre
me teve fácil, a seus pés, apenas esperando suas vontades. Ela
não saberia agir diferente. Nem mesmo comigo fora de casa, e
completamente magoado. Porém, as coisas estavam mudadas.
Após essa pancada, eu estava a ponto de simplesmente desistir
do amor de uma vida.
Eu não queria mais ter que sofrer com todas aquelas
dúvidas, e não deixaria com que Luíza não percebesse que errou
a esconder algo como a noite com Davi. Precisava encontrar um
jeito de mostrar a ela que não era um brinquedo, muito menos
algo a sua disposição. Eu era seu marido, o homem no qual ela
devia confiar, e principalmente, ser honesta. Luíza precisava
entender de vez que não era uma brincadeira o que tínhamos, e
que acima de tudo, estava a ponto de me perder.
Seis anos antes
“So come on, let it go
Just let it be
Why don't you be you

And I'll be me?”[13]

Encostada contra a poltrona do avião, todas as lembranças


me atingiram com força. Eu só queria volta para ele, estar com
ele. A cada segundo rezando para que não fosse tarde demais, e
que ele entendesse meu ato compulsório de ter ido para cama
com outro. Eu não queria outro homem, o problema consistia em
não ter aceitado aquele sentimento antes. Aquilo era amor...
Agora eu entendia. Meu peito parecia querer explodir, ao mesmo
tempo em que me segurava para não sorrir feito boba por
finalmente estarmos na mesma página e frequência, e as lágrimas
queriam descer, pelo medo de que Marcelo não me quisesse mais
ao saber de tudo.
Fechei os olhos por alguns segundos e foi como sentir
novamente o toque dele por minha pele. Estava sendo levada
para a nossa noite juntos, e sequer cogitei refrear meus
pensamentos. Pois aquela era minha lembrança mais bonita de
nós.
— Eu acho que...
— Shhh. — ele me pegou em seu colo, e encostou-me
contra a parede do quarto, foi impossível conter um gemido. Eu
esperava qualquer coisa daquele homem, mas não que fosse
feito na medida certa para mim. — Não precisa dizer nada,
boneca.
Calou-me com um beijo lascivo, tendo-me ainda mais
entregue para ele. Nunca, nem em mil vidas, imaginei que
encontraria ele naquela boate. Justo o cara do qual fugia, e o que
mais temia perder. Mas era inevitável, não conseguiria mais fingir
que não me atraía. Ali estávamos nós, sem saber onde um
começava e o outro terminava. Mesmo vestidos, senti meu corpo
queimar sob seu toque.
Ele distribuía beijos por cada canto de meu corpo,
enquanto despia-me de todas as peças. Quando finalmente se viu
satisfeito ao me ver nua, um sorriso prepotente surgiu em seu
rosto, assim como o olhar ainda mais dublado pelo desejo.
Marcelo parecia se controlar, ao mesmo tempo em que sabia
exatamente o que queria fazer. Naquele momento, apenas o
deixei me conduzir, pois minha mente parecia entorpecida por
cada toque dele.
Quando senti a maciez do colchão contra minhas costas,
foquei na visão esplêndida a minha frente. Marcelo já tinha tirado
a camisa, e agora desabotoava a calça. Um sentimento de posse
me atingiu, e me ajoelhei rapidamente na cama, indo até ele.
Ajudei-o a tirar as calças, para em seguida, deixá-lo
completamente nu. Um suspiro escapou de meus lábios, quando
finalmente tive a visão completa do homem que sempre desejei.
Ele não me deixou pensar por muito tempo e me puxou
para um beijo, o qual me desestabilizou por completo. Aos
poucos, ele se deitou sobre mim, e suas mãos firmes e precisas,
tocavam cada parte de meu corpo. Porém, quando nos afastamos
devido à falta de ar, nossos olhares se encontraram, ao mesmo
tempo que nossos corpos estavam pela primeira vez colados,
pele com pele, e todas aquelas sensações inundando meu ser.
Marcelo parecia admirar cada resposta que dava a seu
corpo, e em seguida deixou uma forte mordida em meu pescoço.
Era impossível não querer ainda mais aquele homem.
Um toque em meu ombro fez-me dar um pulo no lugar, e só
assim, acabei voltando a minha realidade. A aeromoça sorriu
enquanto avisava que estávamos prestes a pousar. Suspirei
resignada e agradeci, odiando-a naquele momento por não poder
imergir novamente nas lembranças. Sorri de lado, enquanto
pousava em solo brasileiro, com a esperança preenchendo todo
meu ser.
Eu teria Marcelo... daquela vez, como meu.

Assim que cheguei a frente de seu apartamento, minha


boca secou, meu coração acelerou e tinha certeza, estava
parecendo uma completa maluca. Porém, aquilo não me
importava. Eu estava ali para lhe contar toda a verdade, e lhe
pedir para ser meu. Para sermos nós.
Toquei a campainha e esperei ansiosa, já sem saber ao
certo o que diria, e meu discurso perfeito tinha desparecido de
minha mente. Em menos de dois minutos a porta foi aberta e
Marcelo arregalou os olhos, claramente surpreso ao me ver ali.
— Oi, boneca. — falou, claramente sem entender o que
fazia na sua porta, dando-me espaço para entrar.
Não tinha respondido a mensagem dele, mandada através
do celular de Manu, porque queria fazer uma surpresa. Mas
agora, sob o seu olhar minucioso, me senti apavorada.
— Está muito ocupado? — perguntei, passando as mãos
pela frente de meu jeans.
— Não para você. — piscou em minha direção e cruzou os
braços.
— Ok, eu... Apenas não sei ao certo como dizer isso.
Como era mesmo o que ensaiei?
— Eu não sou uma pessoa perfeita, Marcelo. — tentei
começar. — De todas as minhas tentativas de não te machucar,
eu acabei o fazendo, mesmo sem querer. E dessa vez, sinto que
cometi um dos piores erros. — ele me encarou, claramente sem
entender. — Eu queria te tirar do meu sistema, esquecer aquela
noite juntos. Então eu acabei dormindo com outro cara.
— O que? — ele perguntou, claramente perdido a minha
frente.
— Eu sei que parece uma merda, mas...
— O que faz aqui, Luíza? — perguntou descontente, e
notei seu olhar perdido. — Veio mesmo jogar na minha cara que
dormiu com outro cara para me esquecer?
— Eu vim pedir perdão por ser uma idiota por tanto tempo.
— confessei. — Por agir dessa forma, tentando te afastar e ao
mesmo tempo te esquecer, só que não consigo mais. Porque eu...
Eu demorei tempo demais para perceber o que sentia por você e
tenho medo de te perder, ainda mais agora.
— Ainda mais agora o que? — Marcelo parecia
completamente confuso. — Diz que dormiu com outro cara para
me esquecer e...
— Ainda mais que agora sinto mais medo de te perder,
porque eu te amo. — confessei, finalmente deixando meus
sentimentos livres. Marcelo piscou várias vezes, como se
tentando entender minhas palavras. — É isso, eu te amo como
homem, como meu amante, como meu...
— Seu futuro marido. — olheio-o surpresa e o mesmo
sorriu abertamente, dando dois passos até mim, e tendo-me em
seus braços. — Diz que não estou sonhando e que está mesmo
aqui dizendo que me ama.
— Eu te amo, príncipe. — o olhar dele transparecia todo o
amor que sempre sentiu, e ali entendi, eu estava em casa. — Eu
sinto muito por tudo e...
— Somos eu e você, lembra? — assenti e agarrei-me a
ele, pulando em seus braços.
— Contra o mundo inteiro. — complementei, e logo senti
seus lábios sobre os meus.
Marcelo não me atacara com fome, ele me beijou com
saudade, carinho, amor... Pela primeira vez, aceitei abertamente
aquele sentimento. E consegui entender o que éramos, e o que
seríamos a partir dali. Ele me pertencia, assim como eu a ele.
Assim que ele me tomou para si mais uma vez, naquela mesma
cama, enquanto juras de amor foram feitas, eu tive a certeza –
nunca mais o deixaria ir.
Capítulo 6
“So tell me
Did you ever really love me?
Did you ever really want me?

Now that I see you clearer”[14]

No presente

Minha cabeça ainda pesava diante de tudo que tinha


acontecido, mas ali estava eu, após Marcelo faltar dois dias no
trabalho, à frente da porta de seu antigo apartamento.
Lembranças de nós me acompanhavam, pois ali era de fato onde
tínhamos começado algo. A nossa primeira vez me veio em
mente, e foi impossível não sorrir. Era como se revivesse o
momento, de cada toque, de cada olhar, naquela noite que me
marcou para sempre.
Usei minha chave, a qual Marcelo me deu na época em
que começamos a namorar. As lembranças daquele tempo me
deixavam nostálgica, e senti uma falta absurda dos momentos
bons. Os últimos momentos perto um do outro tinham sido
completamente o contrário. Assim que abri a porta, meu pé bateu
contra uma garrafa de uísque vazia. Franzi o cenho e suspirei,
aquilo já não começava bem.
Tinha mandado uma mensagem para Marcelo e esperava
que ele estivesse disposto a conversar. Ambos precisávamos
deixar as coisas claras. Ele estava agindo impulsivamente, e
claramente bebendo demais. O que diabos estava acontecendo
conosco?
— Pode deixar aí mesmo.
Sua voz rouca me atingiu, e levantei o olhar. Marcelo
estava vestido apenas com um short de moletom preto, e
carregava uma sacola de plástico nas mãos, que estava um
pouco cheia. Não pude evitar querer tocá-lo naquele instante.
Sentia falta dele, devia estar claro meu rosto, pela forma estranha
com que me encarou.
— Oi. — falei, dando passos para perto dele, que
continuava a pegar alguma coisa no chão e colocar na sacola.
Assim que fiquei a dois passos dele, Marcelo finalmente
pareceu querer me encarar, e deixou a sacola de lado. Seu olhar
encontrou o meu e tentei pensar positivo. Ele estava apenas
bravo, mas aquilo passaria. Assim que mostrasse a ele porque
escondi aquela noite.
— Ei, príncipe. — toquei seu rosto e Marcelo permaneceu
parado, apenas me encarando.
Sorri, imaginando que finalmente sua armadura tinha
caído. Foi quando fiquei na ponta dos pés e tentei unir nossos
lábios, que suas mãos seguraram firmemente minha cintura.
— Mas...
— O que achou, Luíza? — perguntou, e só assim notei a
mágoa explícita em seu olhar. — Que ia aparecer aqui, me beijar
e tudo fica bem?
— Marcelo, eu... — ele então afastou minhas mãos de seu
rosto e deu dois passos para trás.
— Eu pensei que estávamos num relacionamento sério, um
casamento, mas vejo que ainda parece uma brincadeira para
você! — acusou-me e fiquei abismada.
O que estava acontecendo?
— Nunca encarei nossa relação como uma brincadeira. —
falei nervosa, e ele me encarou com deboche.
— Então tem que parar de me tratar como seu brinquedo.
— sua voz era ameaçadora, mas sentia claramente o que ele
queria, me magoar. — Eu sempre estive a sua disposição, para
tudo. Apenas pedi que fosse honesta comigo! — olhou-me, e
balançou a cabeça. — Como pode me esconder isso?
— Eu tive medo, ok? — soltei de uma vez. — Depois de
tudo o que passamos para ficar juntos, fiquei com medo de contar
no casamento e...
— Me perder? — riu sem vontade. — Eu poderia ter feito
muita coisa, mas não me perderia por isso.
— Então quer dizer que...
— Não quer dizer nada. — deu de ombros, encostando-se
contra a parede, e cruzando os braços. — Não me disse naquele
dia. Nem mesmo teve a coragem de me contar depois.
— Eu não queria te perder. — falei exasperada. — Como
pode não acreditar em mim?
— Como posso acreditar? — refutou, desencostando-se da
parede e vindo até mim. — Quando me contaria a verdade?
— Eu.... Não sei. — assumi, e Marcelo levou as mãos aos
cabelos, claramente decepcionado. — Eu não queria te magoar.
— Você nunca quer. Mas sabe a diferença do passado
para agora? — não queria ouvir a resposta daquela pergunta,
pois não gostei nem um pouco do olhar que recebia. — Eu
aceitava tudo, mesmo magoado, porque ao menos, você era
sincera. Hoje, não.
— Marcelo, você está nervoso e...
— Eu quero um tempo, Luíza. — falou por fim, e meu corpo
enrijeceu.
— O que? — minha voz quase não saiu.
— Isso mesmo que ouviu.
— Marcelo, você está se precipitando por algo que não
teve importância. — olhei-o decidida. — Eu te amo, sou louca por
você. Como pode simplesmente pedir um tempo de mim? De
nós?
Vi sua postura rígida amolecer um pouco, porém ele se
recompôs rapidamente. Não reconhecia aquele homem, não
saberia dizer em que momento ele tinha se tornado imune a mim.
Nós nos amávamos, por que uma noite insignificante valeria
tanto?
— Olha, eu não vou discutir com você. — olhou-me de
força fria. — Eu agi feito um imbecil nesses últimos dias, e peço
perdão por isso. — ele era tão sincero que senti um frio percorrer
minha espinha. Se estava sendo sincero pedindo perdão pelos
atos compulsórios, não gostaria de vê-lo levar a diante aquele
papo de “vamos dar um tempo”. — Mas eu preciso de um tempo
disso. Não consigo mais confiar em você!
— Sou eu! — apontei para meu peito. — Sua mulher, sua
esposa, sua melhor amiga! Olha para mim e diz que não acredita
que não contei por medo de te perder. — desafiei-o.
— Não adianta vir com seus joguinhos. — suas palavras
me machucavam. — Se me ama tanto quanto diz, apenas
respeite o meu espaço.
— Isso quer dizer que hipoteticamente não somos mais
casados e que simplesmente vamos agir como desconhecidos?
— perguntei revoltada, e ele assentiu. — Você está fora de si!
— Eu só sei que não consigo confiar na mulher que mais
amei na vida!
Aquele verbo sendo dito no passado, foi como uma faca
sendo enfiada em meu coração. Marcelo não podia estar levando
aquilo a sério.
— E agora está a ponto de dizer que não me ama mais, é
isso? — segurei as lágrimas que queriam descer, e Marcelo
parecia inflexível.
— Eu não vou mentir e dizer que não te amo. — falou de
repente. — Mas não consigo olhar para você e não imaginar que
riu de mim durante todo esse tempo em que simplesmente
conviveu na nossa casa com Davi.
— Não consigo reconhecer você, Marcelo! — finalmente
encontrei minha voz e ele sorriu amargo.
— E eu muito menos a você.
— Eu vou embora, não tem como...
— Não vai ditar nada daqui por diante. Eu vou ficar aqui,
no meu apartamento, se quiser continuar sendo minha e me
amar, vai respeitar minha decisão. Enxergue isso como um
recomeço.
— Isso é loucura! — acusei-o. — Somos casados, pelo
amor de Deus! Não devemos resolver isso juntos?
— Assim como você devia ter feito quando reconheceu
Davi no dia do nosso casamento. — falou de forma lenta e
decidida. — Não vou discutir. É pegar ou largar, Luíza!
— Se não aceitar isso, vai pedir o divórcio? — perguntei
alarmada.
— Sem pensar duas vezes. — respondeu sem sequer
pensar.
— Por que? — levei as mãos ao rosto, completamente
confusa. — Isso vale a pena?
— Porque eu não consigo acreditar no seu amor, muito
menos confiar. — olhou-me profundamente, e tudo o que queria
era simplesmente me jogar em seus braços. — Eu não consigo
continuar assim. Lutei anos por nós, o que custa apenas me
esperar?
Não me custava nada, a não ser minha própria sanidade.
Marcelo era meu ponto de paz e equilíbrio. Não queria me
imaginar longe de seus braços, de não tê-lo em nossa casa. Ele
realmente parecia não ter noção do quanto o amava, e o quanto o
queria comigo. De alguma forma, saber sobre aquela noite com
Davi, fazia com que todas as suas inseguranças sobre nosso
amor se sobressaíssem.
— O que posso fazer para que mude de ideia e volte para
casa?
— Agora? — balançou a cabeça em negação. — Nada!
Ele parecia tão decidido que não consegui encontrar
palavras para fazê-lo mudar de ideia. Se era tempo e espaço que
ele precisava, eu o daria. Aquilo me mataria por dentro, por não
poder estar perto do homem que amava. Entretanto, de algum
jeito, tentei me colocar em seu lugar e pensar no que faria. Eu me
sentiria completamente perdida caso Marcelo escondesse algo
com algum grau de semelhança. Ainda assim, todo meu interior
odiava aquela ideia em níveis estratosféricos. Éramos eu e ele
contra o mundo... Não tinha como esquecer, como não ser.
Pensei um pouco em silêncio, sem saber o que responder
e temendo me aproximar novamente e ser rechaçada. Suspirei
profundamente, apenas olhando para o homem que seguia na
tarefa de pegar cacos de vidro espalhados pelo chão. Lembrei-me
de cada pequeno momento juntos, e que realmente, eu tinha
errado com ele. Mais uma vez ele saía machucado, na minha vã
tentativa de não o ferir.
Uma ideia me veio em mente e comecei a pensar em como
reconquistar sua confiança e fazê-lo enxergar meu amor.
Continuávamos trabalhando no mesmo escritório – era um fato.
Algo que nos aproximaria ele querendo ou não. Estava decidido,
ao menos em minha cabeça sonhadora. Faria com que ele se
arrependesse daquela ideia absurda o quanto antes e voltasse
para mim. Para nossa casa. Para nossa vida.
Capítulo 7
“We used to be kids living just for the kicks
In cinema seats learning how to kiss
Running through streets that were painted gold

We never believed we'd grow up like this.”[15]

Eu estava em minha sala tentando focar no caso em


minhas mãos, mas nada fazia sentido. Os últimos tempos em
nossa advocacia estavam corridos, a ponto de mal ver Marcelo no
dia a dia, já que cada um de nós era especializado em uma área.
Entretanto, queria estar à frente de sua sala, que ficava do lado
oposto da minha, e esperá-lo. Ver se de alguma forma ele tinha
mudado de ideia, e pudesse convencê-lo de voltar para casa.
A que pontos tínhamos chegado?
Tirei os óculos de grau e coloquei sobre a mesa. Por fora
eu era a mesma pessoa de sempre, com um sorriso no rosto, o
olhar altivo e os passos decididos. Por dentro, poucas pessoas
sabiam ao certo, mas era uma grande bagunça. Marcelo era uma
delas, porém, duvidava que levasse aquilo em consideração
naquele momento. Ele parecia tão desacreditado de meu amor
que temi de forma absurda que aquela noite custasse mais do
que deveria.
Levei as mãos ao rosto e os cotovelos a mesa. Não tinha
conseguido dormir à noite toda, pensando e repensando meus
atos no passado. As mesmas cenas se passando em minha
mente milhares de vezes, como fiz antes de aceitar o pedido de
casamento de Marcelo. Relembrei os primeiros momentos juntos,
quando o conheci ainda criança. Nos tornamos amigos
rapidamente, e ao longo dos anos aquele sentimento apenas
aumentou.
Lembrei-me de quando finalmente o olhei como homem, na
minha festa de dezesseis anos, quando ele me deu um abraço
forte e sorriso carinhoso, fazendo-me esquecer por completo do
carinha pelo qual era interessada. Marcelo tinha um poder sem
igual sobre mim, desde muito nova. Desde quando eu usava um
cabelo comprido batendo na cintura, e ele vivia de boné por não
conseguir arrumar o cabelo de um jeito estiloso. Passamos por
tantas fases juntos que era impossível olhar para trás e não me
lembrar dele.
Antes eu não entendia ao certo porque não o aceitei de vez
em minha vida, em como não enxerguei e me deixei levar pelo
sentimento recíproco. Meu medo era óbvio, diante da imensidão
que Marcelo significava. Eu era pequena demais num mundo no
qual não era sua parceira, e o queria por perto. O medo de um
relacionamento amoroso estragar tudo foi o que me fez evitar ao
máximo chegarmos ao passo maior como casal.
Mas aquela primeira vez juntos, quando Marcelo me tomou
para si, sem me deixar fugir como de tantas outras vezes, fez-me
ver que apenas adiei o inevitável. Agora, com trinta e dois anos,
era madura o suficiente para assumir que jamais tive chance de
fugir. Pois depois do toque dele sobre meu corpo, nenhum outro
homem teria significado. Foi justamente o que aconteceu. Porém,
era covarde demais diante de sentimentos e acabei tendo que ir
além para descobrir. Esse além agora cobrava caro. Caro demais.
Batidas na porta me chamaram atenção e levantei o olhar.
Lia, nossa secretária entrou, com o seu sorriso singelo de sempre.
Ela parecia notar o clima no escritório, mas não disse palavra
alguma sobre. Apenas começou a falar sobre um novo cliente, e
como a agenda estava para o dia. Quando ela terminou todo seu
relatório, olhei-a de relance, e acabei deixando escapar a
pergunta que tanto me corroía.
— Como está o dia do Marcelo?
Ela me encarou um pouco sem jeito, mas ao mesmo tempo
assentiu. Ela sabia que não era seu trabalho me passar o que
meu marido e seu outro chefe fazia. Porém, de alguma forma
entendia que algo estava estranho. Nós chegávamos juntos ao
trabalho praticamente todos os dias, raros aqueles que envolviam
viagens e compromissos externos.
— Ele não chegou ainda, senhora Monteiro. — falou um
tanto sem jeito, e sorri para ela, demonstrando que estava tudo
bem. — Mas me deu ordens por e-mail de não aceitar nenhum
novo cliente a partir de hoje.
— Já disse um milhão de vezes, mas não custa repetir, é
apenas Luíza. — pisquei, e a encarei com interesse. — Ele tem
muitos casos para terminar?
— Não, senhora... Quer dizer, Luíza. — limpou a garganta,
claramente nervosa. — Ele está finalizando um caso empresarial
e em seguida, apenas os clientes fixos.
Mesmo que já tivéssemos saído para comer juntas e até
mesmo outros compromissos, Lia sempre me tratava com
respeito como sua chefe. Porém, eu já a enxergava como uma
amiga ali dentro.
— Entendo.
Não, eu não entendia!
Marcelo sempre dava seu máximo no trabalho. Por que de
repente ele estava parecendo não querer novos clientes? Algo
estava muito estranho.
— Obrigada, Lia. Sei que não é seu trabalho isso, mas...
Enfim, não é um dia bom para o meu casamento. — confessei
sem querer.
— Eu sinto muito. — ela era muito sincera, dava para ver
em seu olhar inocente. — Espero que tudo fique bem.
— Vai sim.
Ao menos era o que esperava.

As horas pareceram voar, e por um segundo apenas liguei


uma música de fundo e comecei a estudar os novos casos. Eu era
especializada na área de direito da família, mas trabalhando
diretamente com divórcios, em casos muitas vezes delicados e
demorados, fazendo ao máximo para que fossem rápidos e não
estressantes para meus clientes. Porém, muitas vezes era
praticamente impossível melhorar a situação em reuniões e em
todos os trâmites.
Ao mesmo tempo sentia-me realizada em todas as vezes
em que conseguia o melhor para meus clientes, que em sua
maioria eram mulheres que sofreram de forma terrível nas mãos
de um marido abusivo. Os maridos me tiravam do sério em alguns
momentos, assim como seus respectivos advogados. Era algo
que me deixava completamente insana, e me fazia ser ainda
melhor, para poder vencê-los no final. Sem permitir que minhas
clientes desistissem na última hora.
Saí mais uma vez de minha sala e fiquei à paisana a frente
da mesa de Lia. A cada dez minutos pós alguma análise, falava
um pouco com ela. Num objetivo claro de encontrar Marcelo
chegando ou em sua sala. Já eram por volta das 11 horas,
quando finalmente notei uma movimentação diferente na porta
que dava para recepção. Fiz minha melhor pose e sorri sem graça
para Lia que apenas continuou a digitar em seu computador.
Quando a porta finalmente se abriu, um sorriso bobo
despontou em meus lábios, já que ali estava o meu marido, o
homem que queria loucamente de volta a nossa casa. Pensei em
ligar para ele, mandar centenas de mensagens, obrigá-lo a me
ouvir, mas a posição de Marcelo era clara, e temia ultrapassar
algum limite. Se fosse para tê-lo de volta, que fosse provando
meu amor e sua importância em minha vida.
Ele estava ainda mais lindo se fosse possível. Um cara
como ele, de um metro e noventa chamava atenção por onde
passava, ombros largos, músculos bem construídos, um rosto
quadrado e másculo, emoldurado com a barba negra, assim como
seus cabelos que eram penteados propositalmente bagunçados,
e para completar todo o pacote, olhos azuis intensos que
despertavam qualquer mulher. Agora, vendo tudo aquilo dentro de
um terno sob medida, era preciso respirar de forma calculada
para não corar violentamente e deixar a baba escorrer.
Um sorriso se abriu no belo rosto e me prontifiquei em
parecer espontânea, porém, logo notei que não era destinado a
mim. Aos poucos, meu sorriso morreu quando vi um outro homem
entrar pela porta, que era claramente mais jovem. Eu tinha a
impressão de o conhecer de algum lugar. O sorriso contido e
olhos castanhos eram bem característicos, assim como o modo
tímido. Era um homem muito bonito, mas nem de longe me
despertava algo como o que vinha a sua frente.
— Bom dia, Lia. — a voz de Marcelo era baixa, e ele deu
olhar carinhoso para nossa secretária que sorriu em sua direção.
— Esse é Felipe Soares, ele veio conhecer um pouco da rotina do
escritório.
O olhar de Marcelo encontrou o meu e existia uma briga
clara em seu semblante. Resolvi desafiá-lo, enjaulando de alguma
forma toda a saudade que sentia, assim como a vontade de pedi-
lo para ficar. Abri minha melhor expressão de surpresa e estiquei
a mão para Felipe, que me olhava de forma cautelosa.
— Deixe-me pensar... — apertei sua mão, com o olhar
castanho preso ao meu. — Soares, da Advocacia Soares certo?
— ele assentiu um pouco sem jeito. Foi aí que minha memória
resolveu dar à luz, e me lembrei claramente das fotos em redes
sociais dos filhos de Caleb Soares, um dos advogados mais
admirados do Rio de Janeiro, e em minha opinião pessoal, um
dos melhores. — Sou fã do seu pai! — pisquei em sua direção. —
A que devo a honra de sua presença no escritório? Ah, aliás sou
Luíza Monteiro. Sócia do escritório e esposa do Marcelo. — dei de
ombros, e me virei para meu marido, que parecia impassível
diante de meus modos. — Bom dia, querido.
Marcelo me encarou seriamente, e sabia que por dentro
era capaz de querer me esganar. Porém, com Felipe ali, ele não o
faria, e com toda certeza, conseguiria chegar ao meu objetivo.
Tocar em meu homem que parecia a ponto de explodir, mesmo
com a face coberta por uma falsa serenidade.
Dei um passo à frente e beijei de leve a bochecha de
Marcelo, que forçou um sorriso, claramente constrangido. Mal
sabia ele, que se não fosse pelo âmbito profissional, eu o teria
beijado na boca ali mesmo. Sem permitir que fugisse.
— Bom dia, querida. — não deixei de notar o tom jocoso no
apelido. — Felipe quer conhecer a dinâmica que trabalhamos,
pois em pouco tempo começará a cursar direito.
— Vejo um futuro nome no direito da família Soares.
— Obrigada, senhora Monteiro. — Felipe finalmente falou e
abriu um sorriso tímido. — É um prazer conhecê-la. — olhou
rapidamente para Lia. — Digo, conhecê-las. — Lia virou um
verdadeiro tomate, e pareceu querer cavar um buraco e se
esconder. — Meu pai falou sobre quando estagiaram na
advocacia, e me recomendou a conhecer aqui.
— Caleb sendo Caleb. — sorri abertamente.
Se não fosse fascinada pelo par de olhos azuis a minha
frente, com toda certeza, era fácil ter caído de amores pelo meu
ex-chefe. Caleb Soares era um colecionador de corações, mesmo
sendo casado e obviamente, louco pela esposa.
— Espero que goste de ficar conosco hoje. Qualquer coisa
vou estar na minha sala. — ele assentiu.
— Obrigado.
— Vou lhe mostrar alguns casos e como funciona o meu
âmbito de trabalho. — Marcelo falou e apenas assenti, querendo
esquecer que por trás de todo aquele teatro, estávamos em
ruínas. — Tudo bem, Felipe?
— Claro. Até mais, senhora Monteiro. — sorriu em minha
direção e olhou para Lia, que faltava babar por ele. — Senhorita.
Assim que os dois entraram na sala de Marcelo, virei-me
rapidamente para Lia, que parecia hipnotizada com a visão de
Felipe Soares, apresentava o rosto completamente corado. Sorri
abertamente, segurando para não gargalhar.
— Ele é mesmo bonito. — provoquei e ela piscou algumas
vezes, logo demonstrando constrangimento.
— Me desculpe, Luíza. Eu não... Não sei o que me deu. —
confessou embaraçada, e pisquei para ela.
— Homens como esse garoto chamam atenção por onde
passam, ainda mais com todo esse ar de timidez e mistério. —
falei calmamente. — Sua reação a ele apenas me fez lembrar de
quando era mais nova.
— Como assim? — ela perguntou interessada, e finalmente
a vi se soltando um pouco mais comigo.
Amém! Já estava na hora de poder ter uma amizade real
com ela.
— Quando tive que aprender a fingir não sentir nada por
Marcelo, quer dizer, nada além de amizade. — coloquei as duas
mãos sobre a mesa, e encarei a aliança no dedo anelar esquerdo.
— Não importava onde fosse, eu começava a contar em francês
para poder não babar na frente dele.
Aquilo era a mais pura verdade e tive que sorrir, assim
como Lia, que parecia encantada com a história.
— Vocês formam um casal lindo.
Olhei-a com ternura, e tentei não me deixar levar por suas
palavras. Será que mesmo em meio a todo caos ainda era
possível nos enxergar assim? Completavam três dias desde o
momento em que ele saiu bêbado de nossa casa, e aquilo me
matava por dentro. Apenas queria meu marido de volta.
E eu algum momento, bem próximo, o tomaria.
Capítulo 8
“Don’t make me sad, don’t make me cry
Sometimes love is not enough and the road gets tough,

I don’t know why”[16]

Olhei para a cena a minha frente e teria rido caso aquilo


não me matasse por dentro. Vê-lo sorrir para ela, após um dia
todo de tentativas falhas de ficar próxima, era como estar sendo
colocada em segundo plano, ou até mesmo, em plano algum. Os
olhos de Jéssica eram claros e óbvios, ela queria Marcelo, mais
do que qualquer outra coisa.
Suspirei resignada, já sem conseguir ponderar sobre a
racionalidade. Algo dentro de mim sempre indicou ela como
perigo, por ser ardilosa em certos aspectos. Porém, nunca
imaginei que chegaria ao ponto de ser a pessoa a descobrir
informações sobre a minha vida para ferrar com meu casamento.
Pelo jeito, ela era.
Da minha mesa, podia ver claramente ela sorrir e a todo
momento tocar de leve o braço de Marcelo. Minha vontade era de
simplesmente levantar e puxá-la pelos cabelos, para em seguida,
jogar toda minha ira para cima de meu marido. Ele não tinha
maldade ao olhá-la, era fácil de se notar. Porém, não queria correr
risco algum nesse momento separados.
Marcelo era meu, e não abriria mão do que tínhamos.
Muito menos para alguém que sempre tentei manter afastada de
nossas vidas. Terminei de tomar meu cappuccino rapidamente,
para então levantar, e a passo decididos, ir até onde os dois
estavam. No balcão, sentados lado a lado, com sorrisos em suas
faces. Minha pergunta era: Como? Como Marcelo podia sorrir
para ela depois de tudo o que aconteceu entre nós?
Levantei o queixo e vesti minha melhor armadura. Nunca
tive medo de confronto algum, e não me importava com o que
fosse. Como diria minha querida sogra e madrinha, que tem um
gênio bem parecido com o meu: Um boi para não entrar numa
briga, e uma boiada para sair. Naquele instante, nada fez mais
sentido do que aquela frase.
Quando estava a menos de três passos deles, parei, e
esperei o olhar de Marcelo me encontrar. Jéssica estava de
costas para mim, e com toda certeza, se surpreenderia com
minha atitude. Já que nunca me deixei levar por emoções diante
dela. Sempre tive a plena certeza dos sentimentos de Marcelo
para comigo, e não existiam razões para desconfiar. Porém, ela
tinha começado uma pequena batalha por algo que já me
pertencia. Então que aguentasse a guerra até o fim.
Marcelo então virou o rosto para pedir algo mais a uma das
atendentes, e quando olhou novamente para Jéssica, encontrou-
me atrás dela. Dei-lhe meu melhor sorriso e tentei disfarçar o fato
de que vê-lo tão próximo a outra mulher não me atingia. Eu queria
mesmo era tirá-lo dali aos tapas e depois jogá-lo em uma cama e
lhe mostrar tudo o que significávamos um para outro. Que nos
pertencíamos. Ele poderia até sorrir com ela, mas nunca teria o
mesmo sorriso no rosto quando compartilhávamos algo, seja
nossa vida pessoal, brincadeiras, e até mesmo, nossos corpos.
— Ora, então estamos tendo uma segunda reunião hoje?
— joguei a pergunta no ar, e no mesmo instante vi o corpo de
Jéssica ficar tenso.
Ela virou o rosto para trás e me encontrou, enquanto me
escorei com o cotovelo no balcão a frente. Seu olhar era
impassível, porém, era deveria estar se corroendo de raiva por me
ver ali.
Isso mesmo, querida! Sou eu!
— Hoje é a sessão de contar para o Marcelo a respeito de
onde descobriu sobre minha noite com Davi? — perguntei de uma
vez, e ela me encarou com raiva. — Ou é simplesmente a sessão
de se fazer de amiga de um homem casado para tentar ser a
amante? Claro, sonhando que ele, num futuro, a reclame como
sua.
Em seus olhos, apenas consegui notar a raiva que
emanava. Isso, perca o controle comigo! Eu não permitiria que
além de tudo, ela se fizesse de sonsa.
— Luíza, não comece uma cena. — Marcelo falou, e
encarei com toda a falsa calma que me pertencia.
— Uma cena? Eu? — levei a mão ao peito, fazendo-me de
ofendida. — Não sou eu que armo momentos para jogar verdades
no colo dos outros e tentar tomar o lugar de alguém.
— Ao menos eu sou sincera. — ela falou com deboche, e
assim me lembrei porque realmente não gostava dela. Ela me
desafiava.
— Então a cobra fala. — suspirei profundamente. — Não
sei ao certo o que o lindo casal faz aqui, tomando café juntos,
mas espero que tenham esclarecido pontos importantes sobre
seu grande conhecimento em minha vida pessoal.
— Você com toda certeza não era o assunto. — Jéssica
rebateu rapidamente, e dei de ombros.
— Duvido muito. Já que parece saber mais da minha vida,
do que eu mesma. — encarei-a em desafio. — Conte para mim,
como soube exatamente que passei a noite com Davi?
— Luíza. — Marcelo falou decidido, e resolvi ignorá-lo. —
Não é lugar para...
— Para o que? — rebati furiosa, e dei passos para perto
dele, ficando frente a frente. — Para jogar as verdades na mesa?
— desafiei-o. — Não é você quem tanto me cobra por uma
omissão no passado, e agora simplesmente vai fingir que não
importa saber a verdade sobre todo o resto?
— Quem me devia alguma satisfação era você, não
Jéssica. — falou baixo, e desviou o olhar.
Eu odiava vê-lo de tal forma, claramente magoado.
— Acho que isso deixa clara a sua situação, querida. —
virei-me para Jéssica, que me analisou em silêncio. — É tão
importante na vida dele, que ele sequer quer saber onde
descobriu sobre meu passado. Olhe só, é assim mesmo que vai
conquistá-lo!
— Pelo menos não sou eu quem estou perdendo.
— Perdendo? Quem? — ironizei, cruzando meus braços, e
fingi olhar o relógio. — Claro, eu. Estou perdendo tempo aqui,
olhando para essa sua cara de pau, e ainda vendo o meu marido
coibir com suas ações.
— Não tente dar uma volta em toda a história e se fazer de
vítima, Luíza.
Luíza, claro e em bom som. Nada de boneca, e muito
menos outro apelido.
— Nunca me fiz de vítima na vida, não vou começar agora.
— encarei-o com mágoa. — Apenas me admira você, que sempre
falou tanto a respeito de fidelidade, estar num café com sua ex
namorada, rindo feito um imbecil.
— Luíza.
— Mas se é isso que quer, faça bom proveito. Já que
precisa estar com outra mulher para provar a si mesmo que não
se importa comigo. — ficamos a um fio de cabelo de distância. —
Mas ela não sou eu, e querido, eu sou a única capaz de te fazer
feliz.
— Ou me destruir. — rebateu, e me afastei, suspirando
pesadamente.
— Como dizem por aí, o amor e ódio andam lado a lado. —
passei as mãos por meus cabelos. — Espero que saiba o que
está fazendo, Marcelo.
— Você não se enxerga, não é?
A voz de Jéssica me chamou a atenção, e só assim me
lembrei de sua presença.
— Como?
— Ele não te quer por perto mas como uma criança
mimada não consegue aceitar o fato de que errou e precisa se
redimir por isso. Pelo contrário, aparece aqui como se fosse a
dona do mundo, sendo que não passa de uma covarde, que foge
dos próprios sentimentos.
— Oh não! — forcei a reclamação. — Minha consulta na
terapeuta já foi nessa semana. Então, guarde suas palavras de
merda para si mesma!
— Olha aqui...
— Olha aqui você! — cortei sua fala. — Você pode pensar
que me conhece, por saber da minha história com Marcelo. Mas a
realidade é que não faz ideia de quem sou, e muito menos o que
vivi ao lado desse homem. Se quer me acusar de covarde, o faça.
Porém, saiba que é apenas mais uma palavra estúpida que sai da
sua boca. Então não tente analisar minha vida como se realmente
soubesse de algo. Você quer Marcelo, e isso é óbvio, então
analise ele, e esqueça que existo. Ao menos tente conquistar um
homem por si mesma.
— Chega, Luíza! — a voz de Marcelo reverberou por meu
corpo, enquanto Jéssica parecia embasbacada com minhas
palavras.
— Digo o mesmo! — o encarei com raiva. — Sua
amiguinha aí me chama de covarde, mas a verdade é que o
covarde está bem a minha frente. Já que não tem coragem de
tomar nenhuma posição.
— O que? Virou uma disputa sobre quem devo escolher?
— debochou.
— Não, porque sua escolha foi feita há três anos, quando
disse sim no altar. — falei já cansada daquela discussão.
— Da qual me arrependo amargamente.
O olhei assustada, e ponderei suas palavras. Ele parecia
decidido a me machucar, e naquele segundo, o conseguiu de
forma primorosa. Não precisei olhar para Jéssica para imaginar
um sorriso de vencedora em seu rosto. Mas quem ali podia
ganhar algo? Marcelo parecia ganhar raiva, e eu mágoa. Nada ia
pelo caminho certo.
— As palavras assim como atitudes ferem, Marcelo. — o
encarei sem vontade. — Quando se arrepender do que disse
aqui, se já não o estiver fazendo, sabe onde me encontrar.
Seu olhar azul decidido foi a única coisa que levei dali,
após sair do café a passos largos. Aquela era mesmo uma
situação de merda, e após colocar meus pés na rua, olhei
rapidamente pelo ombro, na vaga esperança de que Marcelo
estaria atrás de mim. Ledo engano. As coisas entre nós tinham
mudado, e de alguma forma, estava perto do poço.
Capítulo 9
“Diga a verdade
Ao menos uma vez na vida
Você se apaixonou

Pelos meus erros”[17]

Uma semana depois

A semana passou num piscar de olhos, e no meio de todas


as reuniões infinitas e casos a serem resolvidos, o tempo apenas
pareceu contra mim, enquanto tentava ajudar minha melhor
amiga em sua exposição. Manuele Cardoso começou a trabalhar
como empregada na fazenda há cerca de sete anos, e mesmo
após ter sido tão enganada por pessoas que diziam me amar, foi
impossível não confiar nela. Manuele acabou se tornando a irmã
que nunca tive, e hoje era o dia de prestigiar seu começo de
carreira. Ela achou que conseguiria esconder para sempre o seu
talento ao desenhar, porém, ao descobrir sua vontade sobre, e
ainda mais, que tinha desenhos prontos, falei com todos os
contatos que tinha e consegui com que olhassem para suas
obras.
Como já imaginei, não teria como não ser aceita uma
exposição dela. Manuele era realmente talentosa, porém sua
insegurança deveria estar no ápice. Dia da sua primeira
exposição e ela não sabia o que esperar. Olhei novamente para o
meu celular e pensei se deveria ligar. Sentada na cadeira do meu
escritório, pensei um pouco sobre como Manu se sentiria ao
descobrir o que estava prestes a fazer. Entretanto, em minha
mente, era como protegê-la de abutres. Eu sabia que as pessoas
gostavam de acompanhar vida de empresários ou empresárias de
sucesso, e querendo ou não, Manuele era a esposa de um dos
maiores empresários do país. Suspirei resignada e toquei no
contato. Coloquei a cabeça contra o encosto da cadeira
confortável, e aguardei a voz do outro lado surgir.
— Alô.
— Ei, Davi! — falei um pouco sem jeito, ainda mais depois
de toda confusão que se passou.
Se não fosse aquela noite no passado, nada daquilo
estaria acontecendo. Mas não tínhamos como mudar, apenas
conviver com aquilo. Porém, o que incomodava a respeito dele
não era aquela noite, nem de longe. Aos menos para mim, era
algo enterrado. O problema consistia em ver minha melhor amiga
sofrendo por um homem que a enganou de forma completamente
egoísta, e pior, era nítido que eles se amavam. Só sabia que Davi
teria que rebolar muito para tê-la de volta.
— Está tudo bem? Digo, aconteceu algo com Manuele? —
perguntou, claramente preocupado.
Apaixonado por ela, infelizmente, um grande burro.
— Eles estão ótimos, quer dizer... Bom, da melhor forma
que se pode ficar depois do que ela descobriu. — não pude evitar
a provocação e descontentamento. — Mas estou ligando porque
algumas informações chegaram até mim hoje, a respeito do
sobrenome da sua família.
— Como assim?
— Bom, sabe aqueles paparazzi que amam encontrar furos
a respeito de empresários, e fazem uso da família deles para
conseguir? — ele respondeu um simples “sim”. — Uma amiga
minha que faz parte de uma grande revista me ligou e perguntou
sobre Manuele, o que achei estranho. Logo ela me confessou que
muitas pessoas do meio descobriram que Manuele tem a primeira
exposição hoje, e querem de alguma forma descobrir se todo
aquele amor que você passa pela instagram é real. Segundo ela,
essa forma de amor vende. Mas se encontrarem algo que não
corrobore com isso, vão acabar com sua imagem, e
consequentemente, com a de Manu.
— Merda! — praguejou do outro lado da linha.
— Essa amiga é confiável, e sei que me ligou avisando
porque com certeza quer algum favor em troca. — revirei os
olhos. — Enfim, estou te ligando porque acho que deve ir à
exposição.
— O que? — perguntou de relance. — Eu não sei o que
Manuele te contou, mas...
— Eu sei de tudo. — respondi rapidamente. — Mesmo
assim, acho que deveria, pois vai ajudar a rumores não serem
levantados, e ainda mais nesse começo de carreira dela.
Qualquer coisinha pode denegrir a imagem dela como artista.
— Entendo. — soltou uma respiração pesada. — Eu vou a
exposição.
— Obrigada. — levantei-me da cadeira e fui até a vista da
sacada. — Sei o quanto ela é importante para você, mesmo
depois de tudo o que fez.
— Espero que ela entenda que a amo, algum dia. —
confessou, e paralisei por um instante.
Davi Rivera falando abertamente sobre sentimentos, aquilo
sim era estar completamente apaixonado.
— Ela vai. — sorri para a bela vista. — E espero de
coração que sejam muito felizes.
— Obrigado, Luíza.
— Não por isso. — virei-me e voltei para a sala. — Preciso
ir! — falei ao olhar as horas no relógio sobre a mesa, e quanto
tempo demoraria para chegar na fazenda e preparar Manuele
para a exposição. Felizmente, tínhamos um tempo até que
confortável. — Até mais, Davi!
— Até.
Olhei novamente para o convite sobre a mesa e suspirei
fundo. Um problema estava resolvido, o que envolvia Manuele.
Agora, era o momento de decidir o que fazer a respeito do outro.
Manu tinha me dado o convite para entregar a Marcelo, e não
consegui negar tal pedido, já que apesar dos pesares, ainda
convivíamos diariamente no escritório. Porém, os segundos juntos
nunca foram tão escassos. Eu estava enfiada de cabeça no
trabalho, devido à grande demanda, e por tentar pensar em algo
que não fosse Marcelo e Jéssica juntos, e ainda mais, encarar a
nossa cama, tendo a certeza que o lado dele permaneceria vazio.
Um pedaço meu morria a cada dia em que sentia aquela distância
entre nós aumentar.
Não sabia o que fazer, pois em todo o momento que pude
falar com ele, o fiz. Até mesmo tentei cercá-lo de alguma forma,
mas Marcelo parecia decidido a não ceder. Era claro em seu olhar
a mágoa, e era horrível saber que era a culpada. Porém, eu não
tinha mais armas para usar com ele. Minha maior vontade era
pegá-lo pela orelha e levá-lo para casa. Sem dar chances para
reclamação e muito menos ouvido a suas escolhas. Porém, se o
fizesse, poderia estragar tudo de vez. Seria algo invasivo demais,
até por ele ter me pedido respeito com seu tempo. Porém, quanto
tempos mais seria necessário?
Era a pergunta que valia um milhão de reais.
Peguei o convite em mãos e tentei dar confiança a mim
mesma. Assim, peguei a bolsa sobre a mesa e conferi se não
estava deixando nada ligado no escritório. Em seguida, saí de
minha sala e caminhei a passos incertos até a sala dele. Ainda
era a tarde, e tinha passado a maior parte do dia fora do
escritório. Era um dos dias nos quais não tinha contato algum com
ele. E por Deus, sentia falta até de olhá-lo.
Bati de leve em sua porta e abri em seguida, sem lhe dar
chances para fugir, caso ainda estivesse no escritório. Não me
surpreenderia em não o encontrar, já que Marcelo parecia a cada
dia mais distante de clientes, pelo que observei em torno de Lia.
Ele não tinha mais casos em aberto, e não estava aceitando
novos clientes. Afinal, o que acontecia com ele?
Paralisei com a visão dele, e o ar pareceu escasso de
repente. Marcelo estava encostado na parede com um papel em
mãos, porém, da forma mais pecaminosa que podia imaginar. Ele
não usava o terno, apenas a camisa social azul bebê com alguns
botões abertos e as mangas compridas puxadas até o antebraço.
A gravata estava desalinhada em seu pescoço e apenas consegui
lembrar de todos os momentos em que o fiz, e o ataquei daquela
forma. Seus cabelos ainda mais revoltos do que o normal, dando-
lhe um ar extremamente sexy. Apenas o simples movimento com
os braços de virar a folha nas mãos, fez com que acompanhasse
cada músculo dele em ação. Eu estava completamente de joelhos
por aquele homem.
— Terminou? — perguntou de repente, ainda sem me
olhar. Franzi o cenho, sem entender sua pergunta.
— O que?
— Sua inspeção pelo meu corpo. — falou em deboche, e
me encarou. Ele tinha um olhar duro, porém, era impossível não
notar que adorou a forma como o encarei.
Bom, ao menos com esse Marcelo, que não finge ser
imune a mim, poderia lidar.
— Continua do mesmo jeito. — dei de ombros, e um passo
à frente. — Gostoso.
— O que quer aqui, Luíza? — perguntou, cruzando os
braços, e minha vontade maior era me jogar neles.
Controle-se!
— Manuele pediu para te entregar isso. — lhe estiquei o
convite, e ele rapidamente abriu, um sorriso verdadeiro
despontando em seu rosto. Sentia falta de ter aquele sorriso em
minha direção.
— Obrigado. — falou, colocando o convite sobre sua mesa,
e ficando alguns passos de mim. — Mais alguma coisa?
Ele se escorou contra a mesa e cruzou os braços. A pose
austera não me passou despercebida, e tudo o que queria era
poder responder aquela pergunta com toda sinceridade do meu
âmago. Sorri no segundo seguinte, ao dar dos passos em sua
direção. Não era conhecida por esconder o que queria, muito
menos o que mais desejava. E Marcelo não era alguma coisa ou
qualquer pessoa. Ele era meu homem, e iria tomá-lo de volta para
mim.
— Você! — respondi determinada, e parei a distância
mínima entre nossos corpos.
Marcelo semicerrou o olhar, porém, não lhe dei tempo de
me dar uma resposta inteligente. Passei as mãos ao redor do seu
pescoço e uni nossos lábios. Um simples contato com ele e todo
meu corpo se acendeu, diante da forma como implorava para ser
tocada. Pensei que Marcelo me afastaria no segundo seguinte, já
que não correspondeu o beijo de primeira. Porém, assim que
pensei em me afastar, uma de suas mãos subiu para meu
pescoço, e ali sim, tivemos um beijo de verdade.
Marcelo me beijava com fome e desespero, da forma como
eu também me sentia, mas para ele, parecia ser mais algo
punitivo. Logo ele se desencostou da mesa e me segurou pela
cintura, levantando-me para seu colo, sem parar um segundo de
me beijar. Senti logo a parede contra minhas costas, e o toque
experiente e certeiro de meu marido. Ele não disse nada, apenas
continuou a me beijar, como se estivéssemos presos naquela
névoa só nossa.
O seu gosto, seu toque, seu olhar... Ele era tudo o que
precisava. Assim que nos afastamos pela falta de ar, distribuí
beijos por todo seu pescoço, deixando-o marcado como meu,
como único. Marcelo baixou minha blusa de cetim e logo senti a
aspereza de seus dedos contra os mamilos. Foi impossível evitar
um gemido, e retribuí tal gesto, arranhando-o por dentro da
camisa. Porém, em menos de um segundo me arrependi por não
conseguir me controlar.
Seus olhos azuis me encontraram e não soube dizer o que
aconteceu, porém, toda sua mágoa estava de volta naquele olhar.
Marcelo não disse nada, apenas levantou novamente minha blusa
e se afastou, sem me dar chances para agarrá-lo novamente.
— Amor, olha...
— Não sei lidar com isso. — confessou, de costas para
mim, como se estivesse acabado. — Eu não consigo confiar em
você, pois me escondeu algo tão importante por três anos, e
poderia esconder isso por toda a vida. Sendo que prometemos
ser sinceros um com o outro. — levou as mãos aos cabelos,
claramente abalado. — Não consigo controlar meu corpo perto do
seu, e me sinto um fraco por isso.
— Porque você me ama. — falei baixo de forma terna. — E
eu te amo, não há nada de errado no que fizemos.
— Claro que há! — se virou para mim, e só então notei que
ele estava perdido. — Estou tentando convencer minha mente de
tantas coisas, e no primeiro momento caio novamente por você.
— Mas isso não é algo ruim.
— É pior, é ceder diante do tesão. — paralisei com suas
palavras. — Afinal, sempre foi isso, não é?
— Marcelo, por que está fazendo isso com a gente? —
perguntei já cansada daquilo, de tudo o que acontecia.
Num momento senti que estava tomando meu marido de
volta, no outro era como tê-lo há um braço de distância.
— Porque se tem algo que prezo nessa vida e você sabe, é
a confiança. — rebateu, e balancei a cabeça em negativa, sem
saber o que dizer. — E não confio mais em você, Luíza.
Suas palavras me machucaram, mesmo sendo tão simples.
Pois eu realmente o conhecia, sabia o quanto era importante para
ele que fossemos sinceros a respeito das coisas. Porém, eu não
tinha culpa por temer perdê-lo. Ainda mais depois de tudo o que
passamos. Só queria ser feliz com ele, e não colocar aquela noite
novamente em nosso caminho. Olhei mais uma vez para ele e
resolvi gravar sua imagem em minha memória. Naquele momento
era o máximo que podia fazer.
Sem forças para discutir, dei um passo à frente e fui até
ele, parando a um mínimo espaço de distância. Beijei seu rosto
rapidamente, e ele sequer se mexeu. Marcelo parecia mortificado,
e aquilo me matou por dentro.
— Eu te amo.
Saí da sala sem lhe dizer mais nada e caminhei direto para
o elevador. Estava exausta de tudo aquilo, porém, eu esperaria.
Por Marcelo, uma vida inteira.
Capítulo 10
“Você está saindo da minha vida
E parece que vai demorar
Se não souber voltar ao menos mande notícias
Cê acha que eu sou louca

Mas tudo vai se encaixar”[18]

Olhei para a entrada da grande galeria e pensei se deveria


ou não estar ali. Por um segundo apenas pensei em dar meia
volta e ir para meu apartamento, porém, por Manu, resolvi entrar.
Andei pelas várias pessoas paradas em frente aos quadros, e
infelizmente, não conseguia me concentrar em nada que não
fosse o beijo com Luíza no escritório. De certa forma minha
escolha de tirar férias era o correto, pois assim poderia pensar
melhor a respeito de tudo, e não me sentir tão fraco diante de
Luíza. Sentia-me a cada dia mais tentado a tê-la de volta, porém,
por dentro, parecia mais um garotinho inseguro.
Muitas vezes as pessoas imaginam que apenas mulheres
sofrem com tal coisa, porém, uma vez a confiança quebrada,
acreditava que independente do gênero éramos equitativamente
machucados. Eu não sofria mais pelas escolhas do passado, de
ter corrido feito um louco atrás de minha melhor. Porém, saber
que ela escondeu algo assim, só me fazia repensar do porquê.
Sempre lhe dei todas as provas de que a amava loucamente, e
apenas pedi sua honestidade.
O que se passava em minha mente era se ela tinha se
arrependido. Respirei fundo e me encostei rapidamente contra a
parede que dava para um corredor. Lembrei-me vagamente
daquela noite, onde ela pareceu desesperada em meu
apartamento, pedindo perdão, e eu imaginado que fosse por ter
ido para Nova Iorque sem dizer nada, e ainda mais, pelas
palavras frias que a ouvi falando para Manuele. Porém, ela estava
desesperada porque dormiu com outro cara, e me queria para si.
Eu a aceitei de volta por um simples motivo: ela tinha sido
honesta. Apesar de tudo, ela tinha me contado o que fez, e ainda
mais, assumido seu amor. Porém, agora, perguntava-me se
poderia ou não querer ficar com o tal cara, que era Davi, e quem
sabe ele a renegou. E por isso ela voltou para mim, e quem sabe,
nunca contou a respeito. Talvez por vergonha de admitir que
queria outro homem. Todas aquelas dúvidas rondavam minha
mente, e não sabia por onde seguir. Eu precisava espairecer,
deixar minha mente livre, para me desapegar de toda aquela
insegurança, e principalmente, mágoa.
De relance vi Manuele parada perto de um dos quadros e
resolvi deixar meus problemas de lado. Eu estava ali para apoiá-
la, e não para ficar remoendo o que aconteceu comigo e Luíza.
Logo cheguei a suas costas e fiquei encantado com o desenho.
— Eu sabia que seu talento estava escondido.
Ela então se virou e em seguida me abraçou com carinho.
Era nítido em seu olhar a preocupação com tudo, porém, pelo
pouco que reparei, percebi que a exposição corria perfeitamente
bem.
— Parabéns, Manu! — falei, e beijei levemente seu rosto.
— Obrigada.
Forcei um sorriso, e tentei não demonstrar para ela o caos
que me consumia. Nunca fui muito bom de esconder meus
sentimentos, ainda mais para pessoas próximas. Manuele era
como uma irmã mais nova, a qual ainda me ajudou no passado a
conseguir falar com Luíza, quando tudo o que ela queria era
distância. Porém, não poderia falar com ela sobre nada, já que
eram melhores amigas.
— Por que só chegou agora? — perguntou, e a encarei
atônito. — Luíza não me disse que viria.
O que eu diria? Então, é que sua melhor amiga e que é
minha esposa me beijou. Quase transamos no escritório, porém
não o fizemos porque estou magoado demais com sua omissão.
Assim, fiquei um bom tempo sentado de frente para minha mesa,
olhando o porta-retratos com a foto dela sorrindo, e me sentindo
um fraco em suas mãos. Aquilo ainda era um resumo de toda
situação.
— Ela me avisou sobre a exposição em cima da hora. —
bom, aquilo era uma verdade. — Terminei as coisas no escritório
e corri para cá.
— Entendo. — falou não muito convencida.
Senti sua análise sobre meu corpo e fiquei tenso. Aquele
era o problema de ser íntimo de alguém. Era praticamente
impossível esconder seus próprios demônios.
— Jéssica?
Sua pergunta não fazia sentido algum.
— O que tem ela? — perguntei sem entender.
— A marca no colarinho da sua camisa. — arregalei os
olhos no mesmo instante levando o olhar e mão até o colarinho,
na vã tentativa de enxergar algo ali. — Isso é ridículo, Marcelo!
Assustei-me com sua repreensão.
— Manu, não é o que está pensando. — falei rapidamente.
Eu era qualquer coisa, menos um canalha.
— Esteve com Luíza hoje? — perguntou e desviei o olhar.
Novamente me segurando para não contar a ela a merda em que
estávamos. — Ótimo! Eu não vou fingir que não vi isso.
— Manu, nós não temos mais nada.
Tentei deixar claro aquilo. Eu e Jéssica éramos parte de um
passado, não existia nada entre nós e nem existiria.
— O que? — perguntou num tom ofendido, e fiquei
completamente perdido. incrédula. — Como assim?
Notei Manuele olhar para Luíza que assistia a cena de
longe. Foi então que resolvi mudar o destino daquela conversa.
De alguma forma imbecil, tentava magoar a mulher que amava. A
ponto de entender se ela realmente se importava.
— Eu aceitei Luíza de volta, mas sob minhas condições. —
falei sério, ponderando minhas palavras. — Nada é como antes, e
ela sabe bem disso.
— Está me dizendo, que é casado com minha amiga, que
ama você, e exigiu um relacionamento aberto?
Pisquei algumas vezes, e tentei por um segundo entender
de onde Manuele tirava tais teorias. Porém, olhando de relance
para Luíza e vendo seu olhar atento, resolvi agir da forma mais
egoísta da vida. Nunca tinha feito algo para machucar alguém
propositalmente, porém, o faria naquele instante. Apenas peguei
a deixa e assenti para Manuele, que arregalou os olhos.
— Não consigo acreditar que...
Luíza apareceu, sem dar chance de Manuele continuar a
falar. Olhei-a com descaso, e tentei fingir que aquilo não me feria.
Infelizmente, em seu olhar, apenas encontrei a passividade de
sempre. Luíza sequer se importava comigo. Era claro naquele
instante.
— Nos dê licença, Marcelo. — pediu num tom rude, e
acabei optando por não me martirizar ainda mais.
Talvez minha mente maluca estivesse correta, não passava
de um erro para ela. Um cara que ela decidiu ficar por não poder
ter os outros, no caso de seu ex que a deixou, e quem sabe até
mesmo Davi. Resolvi sair dali naquele instante. Aquela noite já
estava findada, e nunca me senti tão inferior como naquele
momento.

Separei algumas roupas e coloquei sobre a cama,


começando a arrumar minha mala. Não tinha voltado para a
fazenda, nem mesmo para pegar minhas coisas. O que tinha no
apartamento e algumas coisas que comprei foram o suficiente
para passar aquela semana, e agora, teria que comprar mais
algumas, caso ficasse mais tempo que o previsto na casa de
meus pais.
Era daquilo que precisava, estar perto da minha família.
Eles eram a parte que sempre me acalmava, e me fazia enxergar
o certo. Então, após toda a correria para conseguir deixar tudo
pronto durante a semana, eu estava oficialmente de férias. Ainda
levaria alguns casos para estudar, porém, nada que fosse
relevante no momento. Caso algum cliente precisasse ser
atendido prontamente, passei o contato da advocacia Soares,
eles eram competentes ao extremo e com toda certeza
resolveriam o caso. Eu precisava respirar longe de Luíza, e
reencontrar a mim mesmo.
Ouvi um barulho estranho dentro do apartamento e levantei
o olhar, tentando enxergar algo, e pensando se não estava
ouvindo coisas. De repente o barulho passou, e imaginei ser o
vizinho do andar debaixo fazendo alguma arrumação. Fazia muito
tempo que não passava noites em apartamentos, então, era algo
para se acostumar novamente. Coloquei uma música no celular e
decidir já arrumar a mala por completo. De toda forma, era algo
que precisava fazer, já que partiria para o interior de Minas Gerais
no dia seguinte.

“Pra ser sincero


Não espero de você
Mais do que educação
Beijo sem paixão
Crime sem castigo
Aperto de mãos
Apenas bons amigos

Pra ser sincero


Não espero que você
Minta
Não se sinta capaz
De enganar
Quem não engana
A si mesmo

Nós dois temos


Os mesmos defeitos
Sabemos tudo
A nosso respeito
Somos suspeitos
De um crime perfeito
Mas crimes perfeitos
Não deixam suspeitos

Pra ser sincero


Não espero de você
Mais do que educação
Beijo sem paixão
Crime sem castigo
Aperto de mãos
Ainda bons amigos

Pra ser sincero


Não espero que você
Me perdoe
Por ter perdido a calma
Por ter vendido a alma
Ao diabo.”

Uma voz feminina se fez presente e levantei a cabeça,


saindo da névoa que me encontrava. Aquela música me lembrava
ela, que estava ali, parada a minha frente, claramente
emocionada. Assim como eu. Queria dizer que a amava, queria
pegá-la em meus braços e não deixar com que saísse mais.
Porém, olhar para ela tinha se tornado algo doloroso. Eu só
queria voltar a sentir segurança em nós. Precisava estar inteiro
nessa relação mais uma vez.

“Um dia desses


Num desses
Encontros casuais
Talvez eu diga
Minha amiga
Pra ser sincero
Prazer em vê-la
Até mais.”[19]

Ela terminou de cantar o verso e me encarou, claramente


incomodada.
— O que faz aqui? — perguntei, sem querer mais olhá-la.
— Onde tirou aquela merda? Relacionamento aberto
desde quando, Marcelo?
Então ela ouviu... Suspirei resignado. Seu tom mudou
bruscamente, e o nosso momento mágico se desfez. Assim como
em nosso dia a dia, aquela briga tinha Engenheiros do Hawaii no
plano de fundo.
— O que faz aqui? — ignorei sua pergunta, e evitei chegar
naquele assunto.
Não queria assumir que era um completo imbecil, que tinha
falado aquilo apenas para feri-la. Porém, pelo seu modo, apenas
seu ego foi atingido. Aquilo era inacreditável.
— Vim tirar satisfação com meu marido. — falou mais alto.
— Meu! Está ouvindo? Nunca aceitei uma merda dessas,
Marcelo!
— Isso porque não te contei o que fazia. — resolvi entrar
no jogo, e mentir descaradamente. — O que faço da minha vida
não te diz mais respeito!
— Somos casados! — gritou, e finalmente a encarei,
jogando uma peça de roupa com tudo sobre a cama. — É por isso
que estava no café com ela? Revivendo velhos momentos?
— Agora isso importa? — indaguei desgostoso. — Se
esqueceu disso ao esconder que fodeu com Davi! — a acusei, e
seu olhar era pura fúria. — Agora, se quiser ficar comigo, aceite
essa “merda”... — fiz aspas com os dedos. — Ou redija os papéis
do divórcio!
Ela ficou chocada no mesmo instante, e não conseguiu
disfarçar. Ao menos não fez questão daquilo.
— Não consigo acreditar nisso! — sua voz soou mais
baixa, e ela parecia querer explodir. — Não consigo olhar para
você e ver o homem pelo qual me apaixonei.
— Agora entende como me sinto.
Ela então me encarou mais uma vez, fez uma negativa
com a cabeça e pareceu tentada a ir embora. Porém, assim que
virou parte do corpo, encarou-me novamente.
— Me diz que isso é uma mentira. — pediu, claramente
magoada.
Queria a pegar pelos braços e dizer que na realidade ia
viajar para espairecer a mente, para voltar completo para ela.
Porém, não consegui. Senti pela primeira vez a situação fora do
controle, e não sabia o que fazer.
— Eu não te contei nada porque te amo. — confessou. —
Te amo tanto que não queria correr o risco de te perder. O que
preciso fazer para acreditar em mim e entender que sou a mulher
que te ama de forma imensurável?
Ela deu um passo até mim e minha cabeça girou.
— Aceitar minhas condições de continuarmos juntos. — a
mentira era tão óbvia que sentia que jamais convenceria alguém.
— Estamos num relacionamento aberto.
— Sei que está falando isso da boca para fora. — fechei os
olhos, sem saber o que responder. Ela me conhecia. O que podia
esperar? — Sei que não é assim, não um canalha. Pode querer
ficar com seu orgulho e me machucar. Eu sei que mereço, não
devia ter escondido como fiz. Mas apenas me diz o que fazer para
te ter volta.
— Me dê tempo. — pedi num fio de voz, sem querer admitir
que não conseguia fazer nada daquele tipo para magoá-la.
— Ok, vou te dar isso. — ouvia-a respirar fundo, e a
encarei.
Linda. A verdadeira definição de uma deusa. Cada
pequena parte dela era como a perfeição em meio a detalhes
desalinhados. Ela era o que precisava para ser feliz, porém, tinha
se tornado meu inferno pessoal em poucos dias. Porém, por ela,
era capaz de tudo. Apenas precisava me reencontrar, e entender
o porquê aquilo me abalou tanto, e como seria possível confiar
novamente.
— Seja o que for, eu te amo.
Ouvi seus passos se afastarem e sentei-me na cama. Levei
as mãos à cabeça e tentei me compreender. Não conseguia, nem
sabia por onde seguir. A incerteza de sua escolha por mim era o
que me atormentava, mesmo que ela parecesse decidida ao dizer
que me amava. Porém, me senti preso mais uma vez no passado,
o qual precisava enterrar. Usaria esse tempo para aquilo. Enterrar
meus demônios, e reconstruir a confiança com minha mulher.
Capítulo 11
“Loving can hurt
Loving can hurt sometimes

But it's the only thing that I know”[20]

Olhei para os quadros espalhados pela parede sobre


minha infância, enquanto minha mãe praticamente pulava em
meu pescoço. Aquela era Gabriele Carvalho, a mulher que me
ensinou a diferenciar o certo do errado, e com toda certeza,
bateria com força em minha cabeça se soubesse a verdade de
estar em sua casa naquele instante. Eu apenas tinha mandado
uma mensagem e avisando que passaria alguns dias ali. Nem eu
mesmo sabia o tempo que levaria.
— Está tão bonito, pequeno. — falou carinhosa, e tocou
meu rosto. Seus olhos azuis eram como um espelho do meu. Não
seria fácil esconder nada dela, ainda mais mentir sobre Luíza não
estar junto a mim. — E pelo que vejo algo está errado.
— Mãe, eu... Só preciso de um tempo de tudo.
— Aqui também é sua casa, filho. Sabe que sempre vou
estar aqui para ouvir o que precisar contar.
— Obrigado. — ela sorriu e beijou mais uma vez meu
rosto.
— Seu pai está numa ligação com Luiz há mais de meia
hora. — confidenciou e tive que sorrir. — Aqueles dois não se
desgrudam, mesmo o amigo estando em outro país, e sermos
velhos.
— Como se a senhora não vivesse trocando mensagens
com Olívia. — provoquei e ela revirou os olhos.
— É diferente. — deu de ombros. — Aqueles dois só se
conhecem por nossa causa, e por isso se tornaram melhores
amigos, de tanto que os obrigamos a encontro duplos. —
suspirou, como se lembrando de algo. — Foram bons tempos.
— Ei! — falei resignado. — Vira essa boca pra lá, são
ótimos tempos ainda!
— Eu sei, filho. Mas olhe só para sua velha mãe, estou
perto dos 55 anos e pirando por conta disso. — evitei um sorriso,
por notar que ela realmente falava sério.
Mas como ela podia pensar menos de si? Mamãe era uma
das mulheres mais belas que vi na vida. Mesmo com o passar dos
anos e tudo o que vem na bagagem, ela se mantinha com o
mesmo brilho na pele e um sorriso encantador. Era impossível
acertar sua idade apenas por olhá-la.
— Tem que ver seu pai quando resolve entrar numa crise
de idade também. — confessou sorrindo abertamente. — Esses
dias ele colocou na cabeça que vai começar a academia.
— De novo esse papo?
Mamãe começou a subir as escadas da casa, e fui atrás,
ouvindo suas histórias. Papai era o mesmo de sempre, dizia que
ia a academia, pagava o mês adiantado, mas nunca pisava no
lugar. Ele era uma comédia ambulante, e segundo mamãe, agora
queria fortalecer os músculos por conta de todos os rapazes que
ficam babando por ela.
A relação deles sempre foi um exemplo de vida para mim,
e de como um casamento saudável com a pessoa que amamos
era importante. Eles viviam com leveza, mesmo diante das
diferenças, e posso contar nos dedos as vezes em que os vir
brigar por algo sério. Eles eram a causa de eu estar ali, pois me
transmitiam paz, e principalmente, me deixavam livres para
pensar.
Assim que cheguei em meu antigo quarto, mamãe abriu a
porta animada, logo mostrando que tudo estava da forma que
deixei, só que claro, fora limpado.
— Pensamos em transformar em algo mais casal, por
conta da nossa princesa, mas no fim desistimos. Acho que é bom
ter esse quarto na memória. — suspirou, imersa em lembranças.
Eu permaneci preso em sua primeira frase, onde chamou
Luíza de princesa. Mamãe a adorava, por completo. Já que era
madrinha dela, e além de tudo, acompanhou todo crescimento de
Luíza. Por um longo tempo mamãe se sentiu magoada com ela,
por me ver sofrer, mas nunca demonstrou abertamente, apenas
para mim. Mas quando lhe contei que ficamos juntos, faltou já
organizar a festa de noivado. E fora ela, junto a Olívia a organizar
todo o casamento. Eu não tinha tato para aquilo e Luíza muito
menos, então, nossas mães foram as responsáveis por cada
detalhe.
— Filho. — ouvi sua voz firme e pisquei algumas vezes,
voltando a realidade. — Eu conheço essa carinha, e por Luíza
não estar aqui, tenho certeza que algo está errado entre vocês.
— É complicado, mãe. — deixei a mala do lado da cama, e
me sentei.
Mamãe veio até mim, e se sentou ao meu lado.
— Sabe, as coisas nem sempre são como a gente espera.
Relacionamentos são difíceis, filho.
— Eu sei. — levei as mãos aos cabelos, tentando me
acalmar. — Me sinto traído, mãe. Essa a realidade. Mesmo que
Luíza não o tenha feito, ela escondeu algo sério, e isso me
incomoda a ponto de não conseguir olhar para ela.
— Quer falar sobre isso? — tocou minha mão, e sorriu
ternamente. — Sabe que sou a primeira a torcer por vocês dois,
sempre o fiz. Mas nunca me neguei a falar a verdade sobre o que
achava.
— Sempre disse que era besta demais por correr atrás
dela, sem orgulho algum. — falei sem vontade, pois era a mais
pura verdade.
— E nunca menti sobre, mas também admiti a você que fiz
o mesmo pelo seu pai no passado. — assenti, pois conhecia bem
aquela história. — Você sabe um pouco de tudo o que seu pai e
eu passamos até ficar juntos, mas acho que nunca te contei sobre
como seu pai percebeu que me amava, e estava a ponto de me
perder.
— Como assim? — perguntei, sem entender o rumo
daquela conversa.
— Bom, vejo no seu olhar uma mágoa clara. E teve uma
vez na vida que fui capaz de ver isso, e foi nos olhos do homem
que amo perdidamente. — suspirou, claramente apaixonada. —
Nós éramos jovens, e eu era a garota que seu pai evitava assumir
a todo custo... Ele não admitia que sentia a mesma coisa por
vários motivos, e um deles foi que pensou que o esperaria para
sempre.
— Isso eu já sabia. — comentei e ela assentiu.
— O que nunca contei é o que o levou a admitir os
sentimentos. — bateu de leve em minha mão e sorriu. — Ele
quebrou meu coração. Como bem sabe, nós sempre ficávamos
juntos, mas ele nunca me prometeu nada. Era sexo e só isso.
Mas eu queria mais, sempre quis. Seu pai até então tinha sido
meu único homem, e depois de mais uma vez estar nos braços
dele, e acreditar que seria diferente, ele veio com aquele banho
de água fria. Apresentou uma garota como namorada para todo o
nosso círculo de amigos. Naquele instante, decidi que
não seria mais nada dele. Foi então, numa festa que acabei
conhecendo um cara, que tinha acabado de chegar do Rio. Ele
era incrível, gentil, charmoso... Enfim, o tipo de cara que qualquer
mulher se apaixona. Mas ele assim como eu, acabou
confessando que amava outra pessoa, e estava cansado de
sofrer. Nós passamos a noite juntos no meu apartamento da
época. E assim foi seguindo por mais ou menos duas semanas.
Num dia qualquer acordei com um estrondo, da porta do quarto
sendo praticamente arrebentada. Seu pai me pegou com o outro
cara na cama.
— Meu Deus, mãe! — falei assustado. — Mas o que papai
fazia lá, se ele tinha assumido um namoro?
— Ele começou a me seguir e descobriu o porquê de não o
responder mais. Aí resolveu bancar o homem das cavernas.
— E depois? — perguntei abismado. — Você o aceitou de
volta?
— Não, claro que não. — respondeu debochando. — Eu fiz
o inferno sobre ele, e Luiz me ajudou com isso.
— Ah sim, o carinha se chamava... O que? Espera aí! —
praticamente gritei. — Luiz, o melhor amigo do papai? Pai da
Luíza?
— Sim, aquele babaca! — pisquei atordoado em direção a
voz grossa de meu pai, que tinha uma careta no rosto. — Eu
quebrei a cara dele umas cinco vezes na época, até o momento
que sua mãe me aceitou de volta.
— Até o momento em que Luiz e eu armamos um falso
pedido de casamento, e seu pai caiu direitinho. — mamãe
confidenciou sorrindo, e papai bufou. Eu estava em choque. —
Seu pai chorou e aquilo fez meu coração de gelo derreter mais
uma vez... Mais uma vez por ele.
— Vocês são meio malucos, não? — brinquei, e ela
gargalhou.
— Meu pequeno, você convive com a gente a vida toda e
só agora percebeu isso?
— Sua mãe é uma mulher má. — acusou-a, mas tinha um
sorriso claro na face. — Me fez lamentar para o diabo tudo aquilo,
e no fim, ainda me obrigava a ir em encontros duplos, onde Luiz
levava a nova conquista.
— E a nova conquista foi tia Olívia? — perguntei de
relance, e os dois assentiram.
— Luiz era apaixonado por uma vaca, que nunca lhe deu
valor. — mamãe falou com raiva e segurei a gargalhada. —
Então, apresentei minha melhor amiga a ele, e ele caiu de quatro
por ela.
— Essa história fez minha cabeça dar voltas. — confessei
e ela sorriu, tocando meu rosto.
— Estou te contando isso por conta que nem tudo é o que
parece. Olhe para seus pais e vai ver que as coisas podem se
complicar sem necessidade. — deu de ombros. — Mas de algum
jeito, elas encontram seu próprio caminho.
— Eu nunca imaginei que tivesse saído com tio Luiz. — ela
deu de ombros e papai praguejou baixinho.
— Eu odeio essa história.
— E eu odeio o fato de que vivia cada dia enfiado num
rabo de saia. — ela rebateu e papai murchou no mesmo instante.
— Sabe que sinto muito por tudo aquilo, querida.
Mamãe sorriu carinhosa e foi até ele, beijando rapidamente
seus lábios.
— Eu sei, e por isso que eu te amo. — deu-lhe mais um
beijo, e se virou para mim. — Por que os homens da minha vida
ainda não estão abraçados?
— Porque você deve ter tagarelado demais como sempre,
minha garota. — papai falou e veio até mim. — Ei, pequeno! Vem
cá!
De pequeno eu não tinha mais nada, porém aquele apelido
era característico deles. Papai me puxou para um abraço de urso
e senti-me em casa novamente. Os dois eram os alicerces de
minha vida, e a cada dia, sentia mais falta de tê-los por perto.
Porém, eles não abandonariam Minas Gerais, pois era a terra que
sempre amaram, mesmo tendo morado por um longo período no
Rio de Janeiro. E eu tinha um escritório no Rio, de muito sucesso.
As vezes era complicado conciliar a vida pessoal e a profissional.
Felizmente, mesmo com a distância, ainda éramos muito ligados.
— Agora quero saber por que contou a ele sobre Luiz e
você? — papai perguntou ao seu afastar, e mamãe deu de
ombros.
— Apenas dando um exemplo que nem sempre os
relacionamentos são perfeitos.
— A nossa princesa não veio? — ele perguntou abismado
e me encarou.
— Ela... Eu não sei mentir para vocês, mas ainda não
quero entrar nesse assunto. — confessei. — Não estamos bem
um com o outro.
— Filho... Sabe que estou aqui, não é? — assenti para
meu velho pai, que sorriu de lado. — E além do mais, quer casal
melhor para dar conselho do que essa bagunça aqui?
Sorri, pela primeira vez em dias, sentindo-me
verdadeiramente bem. Ouvi um barulho na escada, e em seguida
um grito infantil, e meu corpo jogado contra a cama. Era o ataque
dos pestinhas que mais amava naquele mundo – meus sobrinhos.
— Como vocês cresceram! — falei assustado, e olhei para
os gêmeos de cinco anos, que sorriam alegres.
— Eles só estão dando mais trabalho com o passar do
tempo. — voltei meu olhar para a minha versão feminina, que
sorria de forma contida como sempre. Rebeca era minha
protegida.
Não era nada fácil, eu sabia daquilo. Desde que minha
irmã engravidou, ela se tornou fechada para relacionamentos, e
nunca nos contou quem de fato era o pai. Porém, sempre estive
ali para eles, mesmo com a distância. Muitas vezes as crianças
passavam as férias escolares no Rio, e eu vinha o máximo de
vezes para Minas, apenas para vê-los.
Eles eram a esperança em minha vida, mesmo nos dias
mais difíceis. Ali, naquele quarto, tinha tudo o que precisava para
ser feliz. Porém, de alguma forma, meu pensamento estava longe
novamente. Eu ainda pensava em Luíza.
Capítulo 12

“Sempre precisei de um pouco de atenção


Acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto
E destes dias tão estranhos

Fica a poeira se escondendo pelos cantos.”[21]

Dias depois...

Completavam quinze dias desde que deixei Luíza, e ali


estava eu, mais uma vez sorrindo para as duas garotinhas que já
considerava como minhas. No quinto dia na casa de meus pais,
vencido pelo tédio de não saber o que fazer, minha irmã me
intimou a acompanhá-la no projeto que participava. Ela era
voluntária num abrigo, o qual logo percebi, ser repleto de crianças
acima de cinco anos. Pelo pouco que sabia a respeito, era claro
que a chance de serem adotadas após os dois anos de idade era
rara. Meu coração doeu apenas por notar no olhar daquelas
crianças, a esperança de um dia ter uma família, a qual lhes foi
tirada de diversas formas, seja pelos próprios pais ou pela vida.
De repente eu estava no jardim, onde as crianças
brincavam, e ouvi um choro alto. Assustei-me na mesma hora e
corri em direção a garotinha que segurava com a mão por baixo
do joelho ralado.
— Ei, princesa. — falei, ao me agachar a sua frente, e ela
tinha os olhos castanhos marejados, claramente com dor.
Pensei em falar algo ou até mesmo ajudá-la, porém, no
segundo seguinte, uma menininha idêntica a ela me enfrentou.
Ela parou a minha frente, e colocou uma mão para trás, em clara
proteção pela irmã. Elas eram gêmeas idênticas, com olhos
castanhos grandes, a pele morena, e o penteado nos cabelos
negros que as diferenciava. Uma usava um rabo de cavalo e a
outra uma trança. Assim que olhei de uma para outra, meu
coração acelerou, e não sei dizer o que aconteceu. Senti uma
intensidade em meu peito, e a vontade de protegê-las do mundo.
Elas eram minhas filhas, soube naquele instante.
Pisquei, saindo de meus pensamentos, e foquei nas duas
garotinhas que sorriam alegres ao receber os presentes. Eu tinha
me tornado voluntário daquele orfanato, e ali estava eu, mais uma
vez, com as duas meninas que levaria para casa num futuro não
muito distante. Nada mais passava em minha mente além de
contar a Luíza sobre elas, e esperava que minha boneca
abraçasse aquela ideia, e mais, se sentisse mãe das meninas ao
olhá-las. Era um sonho meu ser pai, e tinha se tornado realidade,
mesmo que sem esperar.
— Senhor Marcelo, eles são muito bonitos. — Lara foi a
primeira a falar, um pouco sem graça, do jeito tímido de sempre,
que era completamente o oposto da irmã.
— São de princesas de verdade, né? — Daniela
perguntou, com os olhinhos brilhando e foi impossível não sorrir.
— Sim, princesa. São de verdade. — ela sorriu
abertamente e rodou no meio do quarto. Sorri, imaginando-a
fazendo aquilo dentro de nossa casa.
Eu precisava voltar para o Rio e resolver os problemas com
Luíza, e assim, o mais rápido possível fazer o pedido de adoção.
Eu sabia bem o quanto era demorado todo o processo, e não
abriria mão de ter aquelas duas meninas de oito anos como
minhas filhas no papel, assim como já eram em meu coração.
Enquanto elas olhavam encantadas para os vestidos, senti
meu celular vibrar no bolso e o peguei. Há poucas horas tinha
ligado novamente o aparelho, e ainda me preparava para ler
todas as mensagens de Luíza, que surpreendendo-me, eram
muitas. Mas naquele momento, era apenas uma mensagem de
minha irmã, contando que estava indo para casa. Olhei para as
duas meninas a minha frente, e apenas queria poder dar-lhes a
mão e levá-las junto. Infelizmente, a vida não era algo fácil. Ao
menos, não judicialmente.
— Eu tenho que ir, minhas meninas. — falei com todo
carinho que sentia. — Mas eu prometo voltar amanhã.
— O senhor jura? — Lara perguntou um pouco
desconfiada e assenti.
— E em breve, prometo que vou fazer de tudo para poder
levá-las comigo. — confessei, e os olhinhos das duas se
arregalaram.
— Vai ser nosso papai? — Daniela perguntou e eu assenti.
Talvez não fosse certo já admitir o que realmente queria,
sabendo de todo tempo que demoraria para realmente ter algum
resultado no processo. Mas era impossível não deixar claro o que
sentia. Elas eram minhas filhas, e de alguma forma, desejei que
um dia elas me enxergassem como pai.
— Eu vou, princesa. — admiti. — Vou voltar para o Rio de
Janeiro logo mais, e aí vou começar todo o processo para que se
tornem minhas filhas.
— A gente vai poder ir na sua casa? — Lara perguntou,
com os olhinhos marejados.
— Vai ser a casa de vocês também.
As duas me encararam com carinho e logo senti quatro
bracinhos ao meu redor. Era o nosso primeiro abraço em
conjunto, e tudo o que pensei foi que as protegeria de qualquer
coisa no mundo. Estava ali agora, para cuidar delas.
Só Deus sabia o que aquelas meninas tinham passado na
vida. O pouco que chegou até o orfanato era praticamente nada.
Elas viviam nas ruas desde o abandono do único parente que
conheciam aos cinco anos de idade, e chegaram ao orfanato com
cerca de seis. Não sabia o que pensar sobre o que poderia ter
acontecido com elas se tivessem permanecido nas ruas. Quando
o orfanato pesquisou mais a respeito das duas, descobriu logo
que a mesma tia que as abandonou era a única família que
restara, que morreu devido a uma overdose. E assim, elas se
tornaram órfãs.
Porém, apenas conseguia pensar que em todas as voltas
que a vida dá, tinha um motivo para estarmos frente a frente. Eu,
principalmente, não teria tirado férias ou ficado tanto tempo na
casa dos meus pais, se aquela bomba de Jéssica não caísse em
meu colo. Toda minha insegurança a respeito de meu casamento,
trouxe-me a melhor novidade de minha vida. E agora, precisava
compartilhá-la. Mostrar a mulher que eu amava, que o passado
ficaria para trás, e que nosso futuro, seríamos mais que dois....
Seríamos quatro. E muito mais.

Luíza

Os dias passavam de forma lenta, e a cada momento


sentia meu corpo se abalar pela distância. Olhei-me no espelho e
suspirei perdida, sequer me reconhecia. Eu já perdia a esperança
de alguma resposta de minhas mensagens. Liguei para seu
número uma dúzia de vezes nos últimos dias, e em todas elas,
obtive o mesmo resultado, o celular estava desligado. Marcelo se
desconectou por completo de tudo, e era claro o que queria, ficar
longe. Já completavam mais de duas semanas desde sua partida,
e a cada segundo pensava em ir para Minas, e o trazer para casa.
Contudo, ele não queria minha inconsequência, e tinha
certeza daquilo através das mensagens de tia Gabriele, que
parecia dividida entre nós dois, mesmo sem saber ao todo o que
aconteceu. Aquilo me doía demais, ter que saber através de
minha madrinha o que acontecia com ele. Li mais uma mensagem
dela, a qual contava que Marcelo logo voltaria para o Rio. Olhei
mais uma vez para meu reflexo e me segurei para não chorar. Eu
estava horrível.
Eu tinha me mudado para a casa de Manuele, e juntas,
tentávamos colar os pedaços de nossos corações. Porém, eu era
a errada em toda a história com Marcelo, ao contrário dela, que
fora enganada. Entretanto, enquanto ela dormia no quarto ao
lado, eu apenas sofria em silêncio, tentando entender quando
aquele inferno chegaria ao fim.
Deite-me na cama com o celular em mãos e a esperança
praticamente perdida.
Peguei o celular mais uma vez e disquei seu número, na
esperança de ouvir sua voz naquela noite. Algo dentro de mim
acusava que precisava dele urgentemente, de seu carinho.
Pela primeira vez em dias, o telefone chamou. Sentei-me
na cama rapidamente, repensando o que dizer. O que o faria
voltar para mim, o mais rápido possível?
— Alô. — suspirei ao ouvir sua voz e simplesmente perdi a
fala. Foi impossível segurar o choro e desabei ali mesmo. —
Luíza?
— Mar... — comecei a gaguejar por conta dos soluços e
tentei me acalmar.
— Eu vou voltar, amor. — suspirei, absorvendo aquelas
palavras com todo amor que sentia, e assim senti que tudo ficaria
bem de novo.
Mesmo que em meu coração algo parecia errado..
— Por favor, eu...
— Eu quero que se cuide, que saiba que sou um imbecil,
mas não vou mais te deixar sozinha.
Sua voz, suas palavras... Tudo aquilo rondando minha
mente. Eu precisava dele, mais do que tudo.
— Volte pra casa, príncipe!
De repente senti algo molhar minhas pernas e quando dei
por mim, estava acordando. Suspirei pesadamente e olhei ao
redor, reconhecendo o quarto de hóspedes da casa de Manuele.
Peguei o celular caído ao meu lado e ali estava a prova de que
não existia ligação alguma para Marcelo. Era mais uma vez,
minha tola cabeça apaixonada, pregando-me uma peça num
sonho. Assim que tentei me levantar, senti uma pequena dor no
abdome, e notei os lençóis brancos completamente sujos. Engoli
em seco, e tentei não pensar muito, acreditando ser minha
menstruação que tinha atrasado naquele mês, o que era algo
comum para mim.
Quando levantei o lençol, me assustei com a quantidade
de líquido vermelho em minhas coxas, e que fazia um círculo sob
mim. Levantei-me sem entender o que acontecia e pelo susto, fui
ao banheiro, tomei um banho rápido, apenas para tirar aquilo,
coloquei um absorvente em seguida, pois ainda sentia algo
estranho, e me vesti em segundos. Peguei minha bolsa atrás da
porta e coloquei no ombro, já indo em direção as escadas.
Mandei uma mensagem para Manuele, para que não se
preocupasse de não me encontrar, e assim, fui para o hospital.
Algo em meu interior acusava que aquela seria a pior noite de
minha vida.
Capítulo 13

“Você quer encontrar a solução


Sem ter nenhum problema
Insistir e se preocupar demais

Cada escolha é um dilema.”[22]

Assim que cheguei em casa depois de passar a tarde com


Daniela e Lara, tudo em minha mente parecia um pouco
bagunçado. Jantei com minha família e aproveitei para ouvir
sobre o dia, e tentar ao menos me sentir bem. Porém, uma parte
minha faltava, era claro como água. A culpa já me invadia, por ter
dado as costas para Luíza, sem lhe dar chances para explicar
algo. Logo eu, o cara que sempre prezou por sensatez, fugi no
momento em que precisávamos conversar. A realidade era que
me sentia um covarde. Um homem incapaz de encarar sua
mulher, com medo de não encontrar o amor que ela dizia sentir.
Sentei-me sobre minha velha cama, que tinha se tornado
minha companheira nos últimos dias e noites insones. Não estava
sendo fácil aquela distância, e assim que peguei o celular e abri
minhas mensagens, notei que Luíza havia mandado cerca de
quinze, o que já me remetia ao número de dias em que
estávamos separados. Resolvi então agir como o homem que
sempre deveria ser e abri as mensagens, uma a uma, tentando
entender a gravidade de minha ação.
Como não esperava, Luíza tinha realmente o feito, escrito
para mim de forma terna todos os dias. A primeira mensagem
atingiu meu peito de forma avassaladora e levei uma das mãos ao
rosto, sentindo-me afundar ali mesmo.

Remetente: Boneca
Eu pensei em muitas coisas para te dizer nesse momento,
mas percebi tarde que nem tudo está sob meu controle e até
mesmo meus comandos. O que mais temia acontecer, aconteceu.
E agora, você está longe demais para poder dizer em seu rosto o
quanto te amo, e o fazer entender que o que me impediu de lhe
contar tudo foi exatamente isso. Um ato covarde e egoísta,
admito. Porém, não sou uma mulher perfeita. Dói admitir que na
maioria das vezes não o mereci, num passado o qual temia a todo
momento meus sentimentos. O magoei profundamente no
passado, por medo de te perder, pois nunca imaginei um mundo
no qual não fossemos nós dois contra ele. E agora, o magoei
justamente por não querer mais errar, e não deixar com que
pensasse, que se casar comigo era uma má escolha. Você teve
mil razões para me deixar, em diversas vezes, mas uma te fez
ficar. O que peço agora, príncipe, é que pense em todas as outras
formas em que lhe mostrei meu amor durante todos esses anos
juntos (parece que foi ontem que começamos a namorar, mas já
se passaram seis anos). Eu sou feliz com você. Você o é comigo?
Ouça essa música, e espero que em algum momento,
encontre a razão que precisa para voltar para mim.
Da sua boneca
Cliquei no áudio que enviara em seguida e assim que a
música começou a tocar, senti meu peito afundar ainda mais.

“You're giving me a million reasons to let you go


You're giving me a million reasons to quit the show
You're givin' me a million reasons
Give me a million reasons
Givin' me a million reasons
About a million reasons”[23]

Eu estava basicamente de joelhos por ela naquele instante,


pois agora via claramente o que precisava. A mágoa me cegou de
forma inconsequente, e quando dei por mim, já não sabia mais
como voltar atrás. Usei de motivos já enterrados para sofrer uma
dor silenciosa, e Luíza não merecia aquilo. Ela tinha errado sim
no passado, mas aquilo acabou no momento em que voltou para
mim. Em que me escolheu. Como pude ser tão cego? Me deixar
levar por uma noite a qual ela me disse repetidas vezes que foi
determinante para voltar a ser minha. Ela já tinha me falado
sobre, quando nos reencontramos, que a cada momento nos
braços de outro homem, ela queria estar nos meus.
Passei para a próxima mensagem, incomodado demais
com minhas próprias ações, mal me reconhecendo. Era a
consequência nítida de agir imprudentemente, sem pensar muito.
Eu queria a paz da minha família, para poder pensar a respeito
dos sentimentos da mulher que amava. Porém, a realidade era
que precisava ficar longe dela para poder pensar, para poder
decidir se acreditava ou não em seu amor. Mas em que momento,
em todos aqueles anos juntos ela tinha me mostrado o contrário?
A realidade era que ela sempre se mostrara completamente
apaixonada. O que diabos eu precisava para acreditar?

Remetente: Boneca
Hoje é o segundo dia longe de você, e isso me faz lembrar
que não me acostumei com a distância. O maior tempo que
consegui fazer isso foi quando fugi para o exterior anos atrás,
querendo curar meu coração e ao mesmo tempo não me entregar
a você. As vezes penso que já confessei tudo a você, todos os
meus momentos de incerteza sobre nós. Porém, agora sei que
falta muito, faltou dizer muito. Mas hoje, quero falar sobre aquela
noite, a qual fiz a pior escolha da minha vida.
Como já te disse algumas vezes, eu me senti perdida nos
braços de outro e sequer encontrei meu prazer. Pois ao olhar para
outro homem, buscava você. Foi um erro ter que ir para cama
com outro para perceber que te amo, e me arrependo
profundamente. Mas o passado está lá, no lugar dele, não posso
mudar. Aquele homem ser alguém que nunca mais veria na vida
ou Davi Rivera não faz diferença alguma para mim, a não ser o
medo que senti de te perder por aquilo.
Será que me entende ou um dia conseguirá me entender?
Talvez eu não seja a mulher mais romântica do mundo, a
mais carinhosa e muito menos a mais aberta a falar sobre
sentimentos. Mas essa sou eu, Marcelo. Errei muito nessa vida,
em todos os âmbitos, mas tento a cada dia ser alguém melhor.
Uma mulher melhor. Não sei até que ponto vai seu julgamento
sobre mim, e se voltará para casa. Mas quero que saiba que de
todos os meus erros, se decidir voltar, minha honestidade será
sua. Sem mais nenhum segredo entre nós.
Apenas volte para casa, príncipe.
Você me prometeu o mundo um dia, hoje, lhe prometo o
meu.
Sua boneca

Respirei fundo ao terminar de ler e algumas lágrimas


começaram a cair. Senti-me fraco por ter agido daquela forma
para com ela. Como se a julgasse, ou até mesmo, acusasse-a de
não ser perfeita. Ela não era, eu sabia. Assim como ninguém
poderia ser. Mas era no conjunto das imperfeições que ela se
tornara a mulher que eu amava. E que agora percebia, tinha
dilacerado o coração.
Por tantos dias me perguntando se ela me amava, e
bastava ligar o celular para perceber, que na realidade, eu não
queria enxergar tal sentimento. Era muito além das mensagens,
éramos nós. Os dias juntos, as conversas, as noites de prazer, as
risadas pela manhã, a comida ruim que fazíamos... Era tudo ao
nosso redor. Os planos para o futuro, o sonho de uma família.
Mesmo que não soubesse, ela era sim perfeita... para mim. Me
doía saber que escondeu a noite com Davi por medo de que ela o
quisesse, e que eu fosse apenas a opção mais fácil.
O que esqueci de considerar era que aquela mulher era
Luíza Monteiro, uma pessoa decidida ao extremo, que nunca
aceitou partes de ninguém, muito menos alguém que não
quisesse. Eu era o homem que ela amava e precisava começar a
agir como tal. Não como um maldito covarde que sai com o rabo
entre as pernas com medo de ser rechaçado. Precisava voltar
para casa e tomar minha mulher de volta. Independente dos
erros, ainda éramos nós contra o mundo.
Voltei minha atenção para o celular e comecei a ler mais
uma das mensagens, que me fez sentir um canalha. Eu realmente
a deixei pensando que tínhamos um relacionamento aberto, e
mesmo ela parecendo forte a respeito daquilo, e certa de que eu
não o faria. Ela claramente se abalara.

Remetente: Boneca
Confesso que hoje tem sido um dia de merda. O outro
advogado quase me enlouqueceu e fiquei a ponto de jogar a
minha pasta na cabeça dele, mas de longe, o trabalho tem sido o
menor problema. Pois ao menos no trabalho, consigo esquecer-
me um pouco do vazio que foi deixado em mim, desde o dia em
que saiu. Pensei em pegar meu carro e partir para Minas, mas
optei por respeitar seu espaço. Você sempre o fez comigo, e
penso ser o mínimo a oferecer. Meus pais ligaram, e menti
descaradamente, para não se preocuparem, e eles felizmente,
caíram. O problema é que todo esse respeito pelo seu espaço
tem me matado, a cada dia, um pedacinho sendo arrancado.
Porque tudo o que consigo pensar é em você com ela. Talvez
agora consiga me colocar no seu lugar. Talvez me imaginar com
outro tenha te machucado a ponto de sair daqui. Mass nunca o
traí, e jamais o faria.
E você? Príncipe? Ou tenho que o chamar de Marcelo? Diz
pra mim que minha mente ardilosa não está acusando o correto,
que não foi pra cama com ela. Meu coração se divide, sem
conseguir acreditar que o cara que mais me amou está com
outra... ou outras. Por um momento foi difícil imaginar que o faria.
Pois eu confio em você, sempre o fiz. Mas agora, tendo-o tão
longe. Apenas o consigo imaginar com ela, e os dois felizes.
Pareço uma idiota, eu sei. Não sou assim. Porém, o desespero
está batendo a porta. Não consigo mais pensar em nada que seja
realmente bom. Muitas vezes quero te xingar por me deixar, e na
outra chorar até convencê-lo a ficar. Bizarro, não é? Mal me
reconheço, porque me mata não o ter aqui. E me seguro para não
escrever mais de uma mensagem por dia, a qual mais uma vez
será ignorada, por querer parecer uma mulher romântica, e lhe
mostrar que sou controlada.
Mas não sou, nem nunca serei. Apenas me diga, caso leia
isso, que não está com ela. Porém, se estiver, seja honesto. Ao
menos você poderá cumprir essa promessa. Tenho mais uma
música que me acompanha, e que nunca pensei que faria sentido
em minha vida, muito menos em relação a nós. Só que tudo o que
consigo fazer por agora é imaginar ser real, e desabar.
Apenas não faça essa música ser real... volte para mim.
Apenas meu, não é?
Pois eu te quero para sempre, príncipe.
Da sua boneca

Toquei com as mãos trêmulas o áudio enviado e tentei me


controlar. Aquilo estava passando de todos os limites. O que eu
tinha feito? Luíza nunca me pareceu tão frágil quanto naquelas
mensagens. Não gostaria de pensar na forma como ela estava
pessoalmente. Em minha tola mente, pensei que ela sequer se
importaria com a distância. Mas não, eu a quebrei com aquela
escolha.

“Broke another glass


In the house we never built
The winter’s always cold enough
Cold enough to kill

Just a little jasmine


Just a little salt in my wounds
What happens if I tell you
To tell the truth

Tell me you love her


And I’ll be gone
Tell me you love her
And my heart will simply run
Just say the words
And I’ll turn around
I’ll be gone without a sound
And burn this house to the ground.”[24]

Ouvi batidas na porta e em seguida ela foi aberta. Minha


irmã entrava com um sorriso o qual morreu assim que me
encarou.
— O que aconteceu, maninho? — perguntou, claramente
preocupada.
— Preciso voltar para casa e ter minha mulher de volta. —
confessei, e ela me encarou com carinho. Veio até meu lado e
tocou meu rosto.
— Nós estávamos conversando sobre as meninas hoje,
certo? Sei que algo aconteceu com você e Luíza. Mas acha que o
certo é voltar por conta da adoção?
Foi então que percebi que em todo aquele tempo lendo as
mensagens não tinha pensado em voltar apenas para lhe contar
sobre o que faria, e ainda mais, falar a respeito das meninas. Era
por ela, por mim... por nós. Não só para sermos uma família, mas
para voltarmos a ser um casal que se amava. Mostrar a ela que
desde sempre foi ela, e para sempre seria.
— Eu a amo, irmã. Deixei coisas do passado me cegarem,
e agi de forma explosiva. Quero minha boneca de volta.
— Então vá tomá-la, irmão. — sorri diante da forma que
falou. — Vocês sempre se amaram, nunca deixou de ser nítido.
— Hoje, percebo que sim. — deixei meu coração falar,
esquecendo-me por completo de meu orgulho besta e minha
razão distorcida. — Mas sinto que a machuquei ao deixá-la
sozinha.
— Ela te ama, acredite quando digo que vão superar isso.
Uma vez, um cara me disse que o amor vai além da distância. Se
ele for real, ele existe. Simples assim. Nenhum quilômetro a mais
dirá contrário.
Foi ali que pela primeira vez em anos vi minha irmã soltar
algo sobre do pai das crianças, e eu tinha minhas suspeitas,
porém, nunca quis confrontá-la a respeito. Era a história dela, e
não poderia simplesmente me intrometer. Apenas torcia para que
ela encontrasse a felicidade, seja com o pai das crianças ou não.
Que ela fosse uma mulher com mais sorrisos e menos mágoa em
seu rosto.
— Não me olhe assim. — falou, claramente chateada. — É
sobre o pai dos meus filhos, mas... Ainda é difícil falar nesse
assunto.
— Eu só quero que seja feliz, pequena.
— E eu, quero sua felicidade. — piscou, saindo daquela
névoa de mágoa. — E não está muito longe daqui. Mais
precisamente, no Rio de Janeiro.
— Obrigado, Rebeca.
A puxei para um abraço e logo ouvi o barulho da porta se
abrindo novamente, e o suspiro de minha mãe se fez presente.
— Abraço de família! — minha mãe gritou, e tive que sorrir,
com Rebeca ainda em meus braços.
Logo senti os braços dela e de meu pai, assim como os
bracinhos dos pequenos ao nosso redor. Ali, percebi o quanto
queria aquilo. E daquela vez, com minha boneca. A qual,
precisava contar a verdade de que jamais a trocaria, e que
mesmo tendo errado ao fugir, eu era seu homem. Nos
pertencíamos, sem chance de nos perder novamente.
Eu estava voltando para casa.
Capítulo 14
“Quando eu te deixar
Vou levar papel em branco

Espalhar por cada canto um barco de papel.”[25]

Cerca de dois dias depois...

Assim que cheguei ao Rio, a primeira coisa que fiz foi ligar
para Luíza. Era fim de tarde, e estava há cerca de trinta minutos
da fazenda. O que me fez mudar rapidamente meu destino, assim
que a chamada foi direto para caixa-postal. Passei no escritório
apenas para saber que Luíza não tinha ido trabalhar nos últimos
dias, o que me fez estranhar por completo. Demorei mais do que
esperava ao Jéssica bater na porta de minha sala, mas logo saí
dali e fui o mais rápido que pude até a fazenda. Corri até nossa
casa e a procurei, mas como já esperava, ela não estava. Um nó
se formou em minha garganta e tentei me acalmar.
Algo dentro de mim apontava que era tarde demais para
voltar. Uma sensação ruim que não sabia explicar de onde vinha,
ou porque estava ali. Apenas me atormentava. Eu estava
perdendo tudo, deixando com que escorregasse pelos dedos
minha própria felicidade. Ela tinha nome e sobrenome há tanto
tempo, que a cegueira da mágoa não conseguia mais me impedir.
Sabia bem o que queria e ela só podia estar a poucos metros dali.
Desci as escadas de nossa casa, e a cada passo dado, encarei
com saudade os momentos ali estampados em fotografias.
Luíza adorava registrar momentos, assim como espalhá-los
por toda a casa. Segundo ela, a felicidade merecia ser mostrada.
Senti-me ainda mais canalha e estúpido, e mais do que nunca,
precisava ter uma conversa franca com minha boneca. Os últimos
dias se arrastaram, e nada além da minha culpa e saudade
acompanhavam meus pensamentos.
Assim que cheguei próximo a casa principal da fazenda,
que pertencia a seus pais, andei com rapidez até onde ela tinha
se mudado, a casa que antes pertencia a sua melhor amiga.
Porém parei, no instante que ouvi sua voz alta, como num grito.
Mudei de direção rapidamente, seguindo sua voz, e logo me
deparei com o celeiro, que tinha a porta entreaberta.
Retesei no lugar ao vê-la nos braços do atual capataz da
fazenda, num choro estridente, e os olhos perdidos, ao mesmo
tempo que implorava para que ele ficasse ali. Nada mais fazia
sentido. Minha mulher, nos braços de outro, praticamente
entregue. Quando ela levou os lábios aos dele, sequer consegui
continuar olhando. Virei-me de costas, sentindo a dor em meu
peito tão presente.
— Marcelo, por favor... Não me deixe mais!
Virei-me no mesmo instante, e me deparei com ela ainda
encarando o homem, só assim comecei a entender os sinais. O
corpo de Luíza estava trêmulo, seus olhos vagavam perdidos, e
apenas assisti um pouco mais da cena para entender o que
realmente se desenrolava ali.
— Amor, por favor. — ela implorou, e meu coração falhou
uma batida.
Ela olhava para o homem claramente assustado com seus
atos, como se fosse eu. Era como se ela me enxergasse nele, ou
se quisesse me enxergar de alguma forma.
Sem sequer pensar direito entrei no celeiro e caminhei até
eles. O capataz me encarou perplexo e apenas acenei com a
cabeça, sem querer entrar em alguma questão maior. Eu tinha
notado antes de viajar os olhares que dava a minha esposa, o seu
interesse. Porém, não era um assunto para aquele momento. Ele
se afastou, ao mesmo tempo em que tomei Luíza nos braços. Ela
me olhou com encantamento, como se finalmente tivesse me
enxergado.
— Você é tão bonito, Marcelo. — falou ao tocar meu rosto
com carinho, já em meu colo.
Saí com ela do celeiro e segurei as lágrimas. O cheiro de
álcool em seu hálito era óbvio, e lembrei-me claramente da última
vez que a vi de tal forma. Eu, que antes me sentia seu protetor, o
homem capaz de cuidar de todas suas feridas, e de não a deixar
de tal forma, tornei-me a causa de ela se afogar no álcool. Culpei-
me por estar trazendo a destruição da minha mulher.
Entrei em nossa casa, e a passos rápidos a levei até o
banheiro do quarto. A despi com cuidado e a cada momento,
fiquei atento a seus olhos curiosos. Vez ou outra Luíza soltava
algo sem nexo, porém, foquei em apenas em cuidar dela. Assim
como sempre deveria ter feito. Nenhuma mágoa deveria ter nos
levado aquele momento.
Coloquei-a debaixo da ducha fria, e mesmo molhando toda
minha roupa, dei-lhe o apoio necessário. Luíza soltou um grito,
logo caindo na gargalhada. Segundos depois se soltou de meu
corpo, e desceu até o chão, sentando-se. Vê-la naquela posição
frágil, quebrou-me mais ainda. As lágrimas ameaçaram cair de
meus olhos, porém me segurei, desligando a ducha, e ficando à
altura de Luíza.
— O que foi, boneca? — perguntei com calma, tocando de
leve seu rosto.
— Tô com medo.
— De mim? — perguntei assustado, e ela me encarou com
os olhos marejados, e por fim negou com a cabeça. — Do que,
boneca?
— Ainda... Ainda sou sua boneca?
Ela estava longe de estar completamente sóbria, mas
parecia ao menos entender que agora estava de fato a minha
frente. Porém a fragilidade era tão evidente, que apenas consegui
pensar na forma que ela ficou por todos esses dias separados.
Com certeza, destruída como eu.
— Sempre vai ser.
Luíza tocou meu rosto e um sorriso se abriu em seu belo
rosto. As mãos pequenas traçaram meus lábios de leve, e sorri,
finalmente me lembrando claramente o que me fez sofrer tanto
por ela. Luíza era única para mim, e sempre seria. Por aquele
sorriso, tudo valia a pena.
— Vamos sair daqui.
Ajudei-a a levantar e com cuidado a enrolei num roupão.
Sequei seus cabelos já um pouco mais compridos que o
costumeiro, e notei que mais uma vez ela me observava, atenta a
cada passo. Levei-a até nossa cama e a deitei.
Voltei rapidamente para o banheiro e retirei a roupa
molhada, enrolando uma toalha em minha cintura. Segundos
depois estava deitado ao seu lado, e ela me encarando, como se
fosse o seu mundo.
Ela era o meu!
— Eu te amo, boneca. — confessei, depois de tanto tempo,
sentindo-me finalmente leve, e decidido a lutar por ela, e claro,
por nós.
Luíza não disse nada, apenas fechou os olhos e segundos
depois caiu num sono profundo. Não sei ao certo em que
momento aconteceu, mas olhando para a mulher que trazia
sentido em tudo, acabei dormindo, com seu semblante sereno
povoando meus sonhos.

Senti o calor do sol em meu corpo e abri os olhos sem


vontade. Assim que encarei o outro lado da cama vazio, um medo
sem precedentes atingiu meu peito. Levantei meu olhar, e um
alívio tomou conta de meu corpo, ao ver Luíza parada a frente da
varanda, olhando a imensidão da fazenda.
Ela parecia absorta em pensamentos, porém, assim que
faltou um passo para tocá-la, seu olhar encontrou o meu sobre o
ombro. Luíza mantinha um semblante sério, e eu a conhecia o
suficiente para saber que algo estava decidido em sua cabeça.
Naquele momento, temi pelo que fosse.
— Boneca, eu...
— Não. — falou rapidamente, sem fazer questão de me
olhar. — Eu vi, Marcelo. Ficou claro para mim agora, o porquê de
todo seu teatro a respeito de Davi e eu. Nunca foi pelo que
omitimos, sempre foi por sua vontade.
— Do que está falando? — perguntei, completamente
confuso.
— Há quanto tempo? — finalmente se virou, olhando-me
com desprezo. — Há quanto tempo está transando feito um
maldito com ela?
— O que?
Eu estava atônito.
— Ou ontem foi a primeira vez? — riu sem vontade. —
Você é tão patético quanto ela. — deu de ombros. — Faça bom
proveito da sua liberdade, a tem por completo agora.
Ela tentou sair, porém a impedi, tocando seu braço.
— Boneca, não sei o que aconteceu, mas...
— Primeiro de tudo. — levantou um dedo. — Não sou
boneca de ninguém, muito menos a sua. — soltei-a, ficando sem
reação. — Segundo que ninguém falou, eu vi você e Jéssica! —
arregalei os olhos, e tentei falar, mas ela não permitiu. — Mas
quem se importa com isso, afinal? — riu sem vontade, deixando-
me perdido. — Terceiro e mais importante, já não entendo o
porquê decidi brincar de casinha com você... Ah! — sorriu
friamente, deixando-me sem fala. — O tesão, claro! — revirou os
olhos, e foi como ser jogado para fora de sua vida mais uma vez.
— Andei tão desesperada acreditando fielmente que casamento
era para sempre, que resolvi tentar estar com você... Mas não é,
não sem amor.
— O que? — perguntei perdido, sem conseguir acreditar
em uma palavra que saía de sua boca.
— Ah, vamos lá! — cruzou os braços, claramente impondo-
se a minha frente. — Lembra-se de Vitor, não é? — meu corpo
inteiro ficou tenso. — O homem que amei... O único. — senti o ar
falhar no mesmo instante.
— Você está mentindo por algo que eu não...
— Cansei de mentiras e omissões! — falou determinada.
— Vamos aos fatos: o único homem que amei, teve a coragem de
me deixar no dia que deveria ser um dos mais felizes da minha
vida, depois disso amor é algo no qual não acredito. Nunca
passou de uma segunda opção, Marcelo.
Permaneci calado, sem saber o que dizer. Eu não
reconhecia a mulher a minha frente, sequer saberia dizer quem
ela tinha se tornado. Aproveitando de meu momento paralisado,
Luíza saiu do quarto, deixando-me para trás.
Naquele momento, senti todo meu corpo ceder, e caí de
joelhos no chão. Eu realmente a tinha perdido, e assim, permiti-
me chorar. Porém, no segundo seguinte, decidi que me lamentar
não a traria de volta. Por Deus, onde estava com a cabeça?
Levantei-me rapidamente e corri para fora de casa.
Disposto a encontrar Luíza onde ela tivesse se enfiado. Ela me
amava, aquelas palavras cruéis tinham algum motivo
desconhecido, porque ela sabia o quanto me afetariam. Não foi
preciso muito para encontrá-la e paralisei com a cena. Ela estava
de joelhos diante do lago, claramente quebrada.
O que tinha acontecido com ela?
Eu corri até seu encontro, porque ela precisava de mim...
porque eu a amava, e nunca mais, pelo resto de nossas vidas, a
deixaria sofrer por algo. Aquela seria minha missão a parti
daquele momento.
Capítulo 15

“But lately, her face seems


Slowly sinking, wasting
Crumbling like pastries
They scream

The worst things in life come free to us.”[26]

Tudo começou com uma omissão, e ali estava eu, perdida


a frente da imensidão azul do lago, aquela dor deixando-me
arrasada, e todo meu coração e mente despedaçados. As
palavras firmes em minha mente, assim como estacas em meu
corpo. Era o fim, tinha acabado.
Por um segundo, tudo o que passamos juntos me veio em
mente. Tudo o que se decorreu naqueles dias, em como nossa
relação se pendurou num fio delicado a ponto de ser desfeito. Eu
era merecedora daquela distância, depois dos anos que se
passaram, desde o primeiro momento em que o rejeitei quando
ainda éramos jovens, e o tempo que levei para entender que meu
coração o pertencia. Mesmo assim, ainda era demais para
suportar.
Ver os lábios dele sendo tomados pelos dela, fizeram-me
querer correr para longe, porém permaneci parada, apenas
assistindo o desfecho. Por fim, senti-me ainda menos merecedora
daquele homem.
— Por que insiste nisso? — Jéssica perguntou, claramente
angustiada.
Eu estava à espreita, olhando pela brecha da porta da sala
de Marcelo em nosso escritório. Não tinha ido trabalhar, mas ao
receber uma mensagem de Lia sobre Marcelo estar ali, não
consegui me conter. Coincidentemente minha consulta médica
tinha acabado e estava a cerca de cinco minutos do escritório. E
ali estava eu.
Ao chegar no escritório e ver Jéssica entrando em sua
sala, fez meu coração falhar uma batida, ainda mais por toda
confusão que eu me tornava. Porém, no fundo de meu ser, ainda
acreditava que Marcelo não era capaz de me trair, mesmo tendo
afirmado que levaria em frente a ideia de um relacionamento
aberto.
Todos aqueles dias aquilo me atormentou, até o momento
em que quebrei por completo. Por minha única e exclusiva culpa,
e eu sabia, não podíamos mais ficar juntos. Porém, ali estava eu,
à frente da sua porta do escritório, apenas por saber de sua volta,
tentando me fazer de indiferente, mas querendo ter algo dele para
guardar em meu coração. Algo para levar depois do fim.
— Eu a amo, Jéssica. — falou, sem olhá-la e senti meu
peito se aquecer. — Luíza errou comigo, mas isso não justifica ter
feito o que fiz.
— Ela te humilhou no passado e...
— Eu aceitei tudo aquilo porque quis, ela não me obrigou a
esperar ou correr atrás. — olhei para aquele homem,
completamente enaltecida com suas palavras. Marcelo era tão
maior do que quando a raiva e mágoa tomavam conta, ele era
incrível. — E não me arrependo de nada, a não ser os momentos
que a magoei.
— Mas ela pisou em você! — Jéssica parecia sem chão. —
Isso é um absurdo!
— Não é porque ela o fez, que tenho que agir da mesma
forma. — ele levantou da sua cadeira, e foi até Jéssica,
segurando em seus ombros. — Eu sinto muito se algum dia te dei
esperanças de ficarmos juntos, Jess. Você é uma grande amiga,
mas eu não posso corresponder como deseja.
— Você é uma marionete nas mãos dela. — eu queria
apenas invadir aquela sala e socar a cara de Jéssica, mas
infelizmente, não consegui fazê-lo. — E ela vai quebrar você mais
uma vez, e não vou estar aqui para ajudar com os cacos.
— Eu aguento, Jess. — ele sorriu, e por um segundo,
apenas desejei aquele sorriso apenas para meu olhar. — Sei
agora como descobriu sobre tudo, mas talvez essa seja sua
chance de...
Marcelo não teve chance de terminar a fala, já que Jéssica
o beijou sem mais nem menos. Arregalei os olhos pela surpresa,
mas permaneci ali, e logo senti um alívio tomar conta de meu
corpo. Marcelo a afastou no segundo depois.
— Jess, eu amo minha esposa. — falou de forma pausada,
deixando-a envergonhada. — Eu sinto muito.
— Não, você não sente.
Ela então se virou de costas para ele, claramente
magoada.
Olhei para os dois sem acreditar, e saí rapidamente dali,
dando um leve aceno para Lia, correndo para o elevador Aquela
era a confirmação de que Marcelo não me traía, porém, não
mudava nada. Não mais. Eu estava quebrada.
Deixei as lágrimas descerem com força, enquanto tentava
me manter em pé diante da imensidão do lago. Estava
completamente sem chão, pensando em simplesmente deixar
meu corpo quebrar – e foi o que fiz. Caí de joelhos diante do lago,
não me importando sequer com a presença de outras pessoas na
fazenda, e muito menos com o fato da chuva que rompia os céus.
Eu era uma mulher quebrada, que via um de meus maiores
sonhos se esvair, o qual sabia ser o mesmo de Marcelo. Nunca
seríamos completos, era o único pensamento presente em minha
mente. Senti-me fraca diante de tudo aquilo, como se fosse
alguma punição do destino.
Chorei por todos os dias que sonhei com aquele futuro
lindo, e por todo o tempo que negligenciei minha própria saúde.
Aprendi da pior forma possível que existiam coisas que estavam
fora do meu controle e muito menos poderia corrigir.
— Eu te amo.
Aquela voz, mais uma vez, parecia me salvar de meio a
solidão que invadia meu ser. A chuva apenas aumentou, mas ali
estava eu, sendo fraca, deixando com que os braços do homem
que amava me embalassem. Marcelo me abraçava como se sua
vida dependesse daquilo, se ele ao menos soubesse que era o
único para mim. E que ali, em seus braços, eu me senti segura
novamente. Como se aquilo fosse um pesadelo, e que em breve
acordaria.
— Precisamos sair daqui. — sua voz era baixa e rouca, e
fechei os olhos, sem querer olhá-lo.
Ele estava a minhas costas, os braços ao redor de minha
cintura.
— Por favor, boneca.
Aquele pedido, eu não podia negar. Virei-me para ele, e foi
quando, em meio a chuva grossa que não permitia uma clara
visão, olhei novamente para aquele homem, e notei seus olhos
me encarando com amor. O meu Marcelo estava de volta. Meu
coração se apertou, pois mais uma vez teria que mandá-lo para
longe, para que não sofresse. Mais uma vez trocando um
sofrimento por outro.
— Eu não posso mais ficar com você. — falei, as palavras
amargas em minha boca. — Não posso.
Tentei forçar minha boca a protagonizar uma cena, mentir
que o vi beijando Jéssica e correspondendo. Mas não consegui,
não olhando para ele daquela forma, e vendo o claro desespero
em seu rosto. Aqueles dias longe tinham sido infernais, como
poderia viver longe dele?
— Vamos sair daqui.
Ele então não me deu escolha, apenas me pegou em seu
colo, embalando-me. Tentei dizer algo, mas não consegui. Em
meio a chuva, e todos os erros que nos acompanhavam, apenas
lágrimas pareciam permitidas para mim. Sofria da forma que
nunca imaginei, e naquele instante, levava Marcelo junto.
Quando finalmente a porta de nossa casa foi aberta,
Marcelo me colocou no chão com cuidado. Nossos olhares
ficaram conectados por alguns segundos, e eu sabia bem o que
queria fazer, porém, apenas sentia a dor em meu peito,
praticamente gritando contra minhas próprias vontades. Queria
beijar aquele homem e dizer que o amava loucamente, que o
tempo longe dele foi meu inferno, porém, que dali para frente, não
podíamos mais ficar juntos. O quão contraditória e louca
pareceria?
— Vou pegar algumas toalhas.
Ele então quebrou nosso contato e foi até o banheiro de
hóspedes. Rapidamente ele voltou com duas toalhas, entregando-
me uma delas.
— Obrigada. — respondi sem saber por onde começar, e
passei a toalha em meus cabelos.
— Eu sei que errei com você. — Marcelo começou a falar,
e respirei fundo, tentando me preparar. Ele me desequilibrava por
completo. — Mas toda essa distância... Essa mentira sobre estar
com outras... Era só uma forma imatura e estúpida de te magoar,
assim como eu estava magoado.
— Você conseguiu. — falei, forçando um sorriso, e ele
assentiu.
— Eu sei, e me arrependo amargamente disso. — ele era
tão sincero, que se tornava ainda mais impossível pensar que
nunca mais teria aquela imensidão azul de seus olhos a minha
frente. — Eu te amo demais, Luíza. — fechei os olhos, tentando
não ceder. — Talvez tenha me visto com Jéssica, mas eu a afastei
no segundo seguinte, não temos nada e...
— Chega! — passei as mãos em meu rosto, tentando
segurar as lágrimas. — Apenas, chega!
— Eu quero consertar as coisas, quero que saiba que
todos esses dias longe, a cada momento das férias malucas que
tirei, não teve um dia sequer que você não esteve em meus
pensamentos. — dei passos para trás, até minhas costas baterem
contra a parede. Precisava de algum tipo de estabilidade, já que
por dentro, era uma completa bagunça. — Pensei sobre nosso
futuro, de como quero compartilhar tudo com você. Lembrei mais
uma vez do nosso sonho de ter filhos gêmeos, e preciso te contar
tanta coisa que imaginei. Se puder me perdoar, eu prometo que
vou fazê-la se apaixonar todos os dias.
Aquelas palavras me quebraram, e não consegui sequer
disfarçar. Meu novo ponto fraco, que apenas deixava claro o quão
infeliz ele seria ao meu lado. Não podíamos mais continuar juntos.
— Eu não posso.
Marcelo parecia sem reação diante de minhas palavras, e
levei as mãos a boca, tentando conter meu desespero nos
soluços do choro. Levei as mãos a minha barriga e só então tive o
vislumbre daquela realidade em que me encontrava.
— Boneca, eu sei que errei, mas...
— Não é você o problema, Marcelo. — olhei-o, por um
momento, tentando não chorar ainda mais. — Sou eu.
— Mas...
— Eu não posso mais confiar em você. — menti de uma
vez, sem coragem de admitir o que me afligia. — Apenas me dê
um tempo.
— Eu te dou o que quiser, boneca.
Eu nunca conseguiria contar a ele o que aconteceu, e não
encontraria as palavras certas para lhe dar o divórcio. Era algo
que precisava ser feito, porém, não naquele momento.
— Eu vou voltar para casa de Manu. — falei num
rompante, e ele me encarou assustado.
— Aqui é sua casa. — falou, claramente atormentado. —
Sei que fui eu quem a deixou para trás mas...
— É por Manu, ela precisa de mim. — aquela não era uma
total mentira. — E eu preciso de distância, Marcelo.
— Eu sinto muito, boneca. Eu... Sei que agi feito um
moleque ao virar as costas e...
Ele começou a falar e foi como colocá-lo no mudo. Minha
mente apenas viajou para o pior momento da minha vida, e por
um segundo, agradeci por Marcelo estar longe naquele instante.
Não conseguia falar sobre aquilo, como seria possível encará-lo,
caso ele tivesse acompanhado cada momento? Tinha me tornado
a pior versão de mim mesma – que era amedrontada todas as
noites pelo mesmo pesadelo.
— Preciso ir, Marcelo.
— Boneca, por favor. Me diz o que tá acontecendo. —
praticamente suplicou.
— Tenho que ir.
Me virei e saí dali, sem mais olhá-lo.
Deixei olhos azuis desamparados, pois não sabia o que lhe
dizer, não sabia como lhe contar. Era algo que me matava por
dentro, e não queria fazer o mesmo com ele. O certo era nos
afastar, e permitir que ele fosse feliz e completo com outra mulher.
Comigo, ele jamais seria.
Entretanto, ele me conhecia bem. Era óbvio que não
estava o deixando apenas pelos dias fora. Foram mais de duas
semanas sem ele, as quais sofri amargamente por aquilo, e o
escrevi durante quinze dias. Porém, depois daquela noite, nada
mais fez sentido, e simplesmente parei. Era recente demais,
completariam apenas três dias. Meu coração, mente e alma
estavam devastados.
Tudo ao meu redor parecia sem cor, e era real. Eu estava
de luto pelo filho que sequer sabia que esperava. Pelo pequeno
ser que não teve a oportunidade de vir ao mundo, o qual teria
todo meu amor, e faria de tudo para que fosse feliz. Eu estava
pisando em cacos de vidro, deixando com que se enfiassem em
minha pele e alma. A perda de um filho era a dor a qual me fazia
querer morrer, que não me permitia ver saída. Naquele instante,
era exatamente o que queria, que tudo se apagasse, e que
pudesse encontrar meu bebê, onde ele estivesse.
Há três dias minha vida se tornou um verdadeiro caos e
não sabia por onde seguir. Pensei que ao olhar para Marcelo
talvez poderia encontrar meu caminho de volta, porém, era
apenas o lembrete de que nosso filho tinha morrido. Por minha
culpa. Por não ter me cuidado de forma correta, por desconhecer
uma doença que me atormentava há muito tempo. Eu perdi um
filho, e agora, deixaria Marcelo livre para seguir seu caminho. Eu
nunca mais seria a mesma.
Capítulo 16

“So I'm gonna love you now, like it's all I have
I know it'll kill me when it's over
I don't wanna think about it

I want you to love me now.”[27]

Meses depois...

— As chances de um outro aborto são altas, Luíza. — meu


novo ginecologista falou e eu assenti, sem saber ao certo como
continuar. — Pelo que me contou de todo o caso, o seu antigo
médico foi negligente e não fez o diagnóstico correto.
— Ele disse que era normal, uma cólica forte como
aquelas. — falei, sentindo-me fraca.
— Mas não é. — o homem a minha frente parecia
enfurecido. — Endometriose é uma doença que precisa ser
tratada, mesmo que ainda seja uma doença misteriosa. Só pelo
que me relatou, eu já desconfiei que a tinha. O erro não foi seu.
Você foi ao médico e tentou descobrir, mas... Eu tenho muitas
pacientes que passaram por isso, acredite em mim quando digo
que ao olhar para você, sei que precisa começar a se cuidar.
— O que quer dizer, doutor?
— Que precisa começar a terapia, Luíza. — desviei o olhar,
sem saber o que dizer. — Você abortou antes mesmo de
completar três semanas e não foi preciso fazer a curetagem. Mas
isso não torna a experiência menos entristecedora. Sei que foi ao
psiquiatra, mas tomar remédios não é a única solução.
— Eu só consigo pensar na culpa que sinto.
— Uma culpa que não é sua. — ele falou serenamente. —
Converse com as pessoas que ama, e fale a respeito. A dor as
vezes precisa ser dita para curar. Estou te dizendo isso porque sei
que o terapeuta que escolher também vai te recomendar tal coisa.
Precisa se libertar disso, minha querida. Sei, por experiência
própria, que perder um filho nos quebra por dentro, e nunca mais
somos os mesmos. Porém, a vida é curta demais... Você é jovem,
e se seguirmos tudo à risca, poderá ter filhos um dia.
Endometriose não te deixou infértil, mas é preciso
acompanharmos cada passo que for tomar.
— O senhor conseguiu superar a perda de seu filho? —
perguntei, com medo de parecer intransigente, mas felizmente,
ele sorriu.
Já completavam mais de dois meses que ia naquele
médico, era como se ele me conhecesse melhor do que mim
mesma. E era a única pessoa, fora o pessoal que me atendeu na
emergência, que sabia que sofri um aborto. Não tinha coragem de
contar a ninguém mais.
Muitas vezes cogitei falar com Manuele a respeito, porém,
ela estava grávida, e temia que aquilo pudesse a deixar
preocupada. Ainda mais porque ela pensaria que me incomodava
o fato de vê-la ali. Mas aquilo sequer passava por minha cabeça,
eu era feliz porque logo teria um afilhado, mesmo que no fundo,
quisesse ser a amiga grávida ao lado dela também. Eu seria, se
aquilo tudo não tivesse acontecido.
— Ele tinha cerca de oito anos quando chegou a falecer –
leucemia. — começou a dizer, e notei a dor em seus olhos. — A
realidade é que depois de um tempo, comecei a pensar o quanto
aquilo foi melhor para ele. Meu filho estava acabado, sequer
conseguia sorrir em alguns dias, devido a todo tratamento.
Quando ele partiu, lembro que minha mulher me disse: ele está
em paz. Demorei anos para entender que a dor é algo egoísta,
que devia olhar para os céus e saber que meu filho estava livre da
doença, mesmo que não pudesse o ver.
— É uma maneira bonita de pensar.
— É o que me conforta em várias datas especiais. —
confessou, e sorri sem jeito. — Mas pense no que te disse, você
tem uma vida pela frente.
Por um segundo pisquei consternada e consegui entender
o que ele queria dizer. Que eu tinha uma vida ainda, e meu filho
não. Eu deveria ir à luta, tentar ser feliz, fazer tudo o que
pudesse, porque tudo pode acabar num piscar de olhos. Porém, a
culpa era minha companheira. Por dentro, eu apenas tinha
certeza de uma coisa – eu tinha feito meu filho perder a vida.

Olhei para os papéis em mãos e suspirei fundo, sem


coragem suficiente para olhá-los mais uma vez. Estavam prontos
e eles findavam minha decisão. Marcelo teria sua liberdade, para
encontrar alguém que fosse inteira. Eu não era mais sua boneca,
nunca mais seria. Aquilo partia meu coração, mas era a realidade.
Não era para estar no escritório naquele dia, pois sempre
que tinha médico, deixava livre apenas para aquilo. Mas ali estava
eu, a frente dos papéis que marcavam o fim. Suspirei e peguei a
bolsa sobre a mesa, coloquei os papéis num envelope, e saí da
sala. Encontrei Lia falando ao telefone, e esperei um pouco.
De relance, olhei para a sala de Marcelo e temi que ele
estivesse ali naquele momento. Seria preferível que não, para que
as coisas fossem mais simples. Mesmo assim, acho que nunca
seriam. Lembrei-me naquele instante de como os dias vinham
sendo e tentei não criar teorias em minha mente.
Marcelo respeitou meu espaço, porém, não paramos de
nos falar. Muitas vezes ele aparecia na casa de Manuele no meio
da noite, apenas para jantar conosco, e minha melhor amiga não
se fazia de rogada, aceitava de bom grado. Ela queria minha
felicidade, porém não tinha ideia, de que era algo perdido.
Marcelo me contava a respeito de seu dia, e eu tentei ao máximo
ser cordial com ele. Porém, era difícil olhá-lo e imaginar que em
pouco tempo não o teria mais.
O nosso amor era algo encrustado em minha alma, mesmo
que tudo ao redor parecesse desalinho. Sua descoberta do
passado, seu tempo fora, a perda de nosso filho, sua volta, e
agora... nosso divórcio. Suspirei, ainda sem saber como
prosseguir com aquilo. Ainda assim, eu ainda o amava demais,
mesmo estando quebrada. Ele era um homem bom, e eu sabia,
merecia mais.
— Oi, Luíza.
Sorri para Lia e logo a encarei.
— Pode deixar isso na mesa de Marcelo? — perguntei,
mostrando-lhe o envelope, e ela assentiu.
Deixei o envelope sobre sua mesa e agradeci. Lia tinha um
olhar perdido e notei algo diferente em seu semblante. Não existia
sequer um sorriso tímido em sua boca.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntei, alarmada ao vê-
la de tal forma.
Há quanto tempo ela estava assim?
— Não. — respondeu um pouco sem jeito. — Quer dizer,
reencontrei alguém que não gostaria.
— Quer falar sobre? — sentei-me na cadeira a sua frente e
ela tentou dizer algo várias vezes, porém, nada saiu de sua boca.
— Claro, se quiser falar, Lia. Sei que é de fora do estado, está
sozinha no Rio. Ainda mais sendo jovem assim, as coisas são
complicadas.
— É um cara. — revelou, levando as mãos aos cabelos. —
Ele sempre me rechaçou por querer ser uma moça da cidade. —
pisquei, sem entender. — Ele é um caubói, desses que usa
camisa xadrez, cinto com fivela, chapéu... Jurou que nunca sairia
da fazenda, muito menos por uma garotinha mimada.
— A garotinha mimada é você? — ela assentiu sem graça.
— Eu tinha dezoito anos na época, e disse a ele para se
mudar comigo para cá. — riu sem graça. — Fui muito burra, de
não ver que ele jamais faria tal coisa. A fazenda era a vida dele, e
não poderia simplesmente fazê-lo largar tudo. Então, eu acabei
vindo sozinha para cá e comecei minha vida adulta.
— Mas vocês brigaram quando saiu do interior? Porque
ainda não entendi o que os separa.
— Ele sempre foi o cara que me encantou. É alguns anos
mais velho, mas nada que atrapalhe minha admiração. —
suspirou, claramente imersa em lembranças. — Em uma de
minhas férias, acabei dormindo com ele, e ele me fez uma
proposta.
Aquilo não ia para um caminho bom.
— Ele pediu para que largasse a faculdade e todo o resto,
e ficasse com ele. Na realidade, ele acabou me intimando a
escolher minha educação ou ele. — arregalei os olhos. — Até
hoje me pergunto por que ele simplesmente não pode ser
paciente e namorado comigo por um tempo, poderíamos nos
encontrar aos fins de semana, nas férias... Mas não, com Bruno
sempre foi tudo ou tudo.
— E você escolheu sua educação.
— Nunca mais o vi depois daquele dia, nem mesmo tive
coragem de procurá-lo. — confessou. — Mas ontem, quando fui a
fazenda levar alguns papéis de Marcelo, eis que esbarro justo no
homem que mais quero esquecer na vida.
— O que? — praticamente gritei. — Quem é ele? Na minha
fazenda?
— Sim. — sorriu sem graça. — Não sei por que, mas ele é
o novo capataz de lá.
— Não! — falei sem querer. — Digo, Bruno... O cara super
legal que conheci é o idiota que te intimou?
— Ele mesmo. — ela deu de ombros. — Mas não é como
se tivéssemos um grande reencontro, longe do que minha mente
tola imaginou. Apenas nos olhamos, sem dizer nada um para o
outro, enquanto esperei Marcelo aparecer para pegar os papéis.
E aí descobri por Marcelo que aquele cara que me encarava era o
capataz.
— Eu estou em choque. — confessei, e ela sorriu.
Meu Deus, se ela soubesse a vergonha que passei com o
cara que ela gostava. Eu queria me enterrar naquele instante.
Porque em uma de minhas conversas com Marcelo, ele me
contou que beijei Bruno pensando ser ele, e todo meu desespero
diante do nosso capataz. Do dia em que bebi além da conta após
ver Jéssica e Marcelo juntos, mesmo ele tendo-a afastado, e
enquanto tudo ao meu redor desmoronava. A vida era uma
caixinha de coincidências, tinha que admitir.
— Acho que preciso confessar uma coisa. — falei sem
graça, e ela me encarou. — Meses atrás, num dia ruim, acabei
bebendo demais e... Bom, eu confundi Bruno com Marcelo. Digo,
acho que meu desespero era tamanho e estava tão bêbada, que
segundo o que Marcelo viu, eu estava implorando para Bruno não
me deixar, imaginando ser Marcelo, chamando-o de Marcelo. —
Lia arregalou os olhos, claramente espantada. — Eu o beijei, algo
como um selinho... Na realidade, não me lembro daquela noite,
apenas partes. — confessei. — Marcelo disse que foi tudo muito
rápido e... Enfim, eu não o beijei por querer ou...
— Luíza, está tudo bem. — sorriu com ternura. — Eu
entendo o que aconteceu, e de maneira alguma tem que se
explicar. Bruno é apenas parte do meu passado.
Era claro pelo olhar que ela ostentava, que ele era o mais
novo presente dela. Quem sabe, até mesmo o futuro.
— De todo modo, me desculpe por isso. — pedi, ela sorriu.
— Não tem porque pedir isso. — piscou em minha direção.
— Obrigada por me ouvir.
— Amigas são para isso.
Saí dali minutos depois, me despedindo dela. Repensei por
vários momentos o fato de ser amiga dela e claro, Manuele.
Porém, eu ouvia a todos ao meu redor, sem querer revelar o que
mais afligia minha alma. Tinha me tornado uma pessoa fechada,
sem sequer perceber. Meu médico poderia estar certo, parte
daquele caminho de reencontrar a mim mesma, era começar a
terapia. Os remédios controlados poderiam ajudar meu corpo,
porém, era preciso muito mais para curar uma alma.

Andei pelo shopping um pouco perdida, sem saber ao certo


o que fazer naquele dia. Temia pela reação de Marcelo aos
papéis, e ainda mais, como ele ficaria depois. O que restara de
meu coração estava a um triz de se quebrar, e a cada segundo
aquilo me remoía. Comprei uma casquinha de sorvete e comecei
a tomar sentada na praça de alimentação. Olhei ao redor todas as
pessoas, e sorri para a felicidade de cada uma delas, estampada
em sua face. O que todos nós escondíamos por trás de um
sorriso?
Era uma área que sempre me interessou entender,
aprender... Saber quais eram os motivos que levaram a
humanidade a fingir seus sentimentos em público, para depois
desabar sozinho no silêncio da noite. Muitas vezes olhei para as
pessoas com vários julgamentos, porém, aos poucos venho
aprendendo a ver que cada um carrega uma bagagem que mal
conhecemos. Quem sou eu para julgar alguém?
Sorri em direção a um garotinho que começou a correr
entre as mesas, ao mesmo tempo em que me levantei para sair.
Andei alguns passos em direção aos enormes corredores do
shopping, porém, antes de olhar a vitrine da primeira loja,
estaquei no lugar. Senti tudo ao meu redor sumir, e apenas a
cena a minha frente acontecia.
Marcelo tinha Jéssica em seus braços, num abraço
carinhoso. Levei as mãos ao peito, tentando espantar tais
sentimentos. Não era justo sentir ciúmes dele, e até mesmo me
sentir mal por aquilo. Porém, ainda éramos casados. O que ele
fazia ali com ela? Ainda mais abraçados de tal forma. Respirei
cerca de cinco vezes antes de dar um passo à frente, sem
conseguir me segurar, e pronta para tirar satisfações.
Meses atrás ele tinha a afastado quando tentou beijá-lo. O
que era diferente agora? Foi quando os dois se afastaram, que
notei as lágrimas nos olhos de Jéssica. Ela parecia claramente
emocionada, e passou a mão levemente na barriga, que só então
notei ter um leve arredondado.
— Nunca imaginei que engravidaria tão cedo.
Paralisei com suas palavras e dei um passo atrás. Ela,
Marcelo, os dois sorrindo um para o outro. Sem sequer me notar.
Era claro o sentimento exposto ali. Não conseguia acreditar
fielmente que o filho era dele, mesmo assim, em toda minha
insegurança, aquilo me apavorava. Ele podia não ter aceitado o
beijo naquele dia, mas as coisas podiam ter mudado naquele
meio tempo.
Levei a mão a cabeça, sentindo-a girar. Marcelo estava
prestes a ser pai? – era a pergunta que se embaralhava em
minha mente. E naquele instante, vendo que ele gostava da
notícia, engoli meu orgulho e saí dali. Ele estava concretizando
um sonho, claramente coma mulher que amava. Percebi ser o
correto o que estava fazendo. O deixarei livre, para finalmente
assumir sua escolha, e de alguma forma, seguiria em frente.
Eu tinha que seguir.
Capítulo 17
“É isso aí
Há quem acredite em milagres
Há quem cometa maldades

Há quem não saiba dizer a verdade.”[28]

Parei ao lado da casa de Manuele, enquanto ela


caminhava em direção do lago. Tinha deixado toda minha mágoa
sair, e contado a ela a respeito da cena que vi. Manuele não tinha
sequer dúvida de que estava vendo tudo errado. Que com toda
certeza, Marcelo estava apenas sendo cordial e dando parabéns
a Jéssica.
Mesmo assim, meu íntimo me fazia sentir fraca. E de
qualquer forma, não saberia mais lidar com aquilo. A insegurança,
o medo, a desconfiança... Tudo ao meu redor me apontava algo
errado, algo para me magoar. Ouvi passos se aproximando, e
assim que levantei o olhar, encontrei Davi parado a frente da
porta da casa. Ele tinha o semblante claramente perdido, e eu
sabia bem o porquê.
Manuele tinha finalmente entregado os documentos com
pedido de divórcio. Ele era um cara diferente do habitual, tinha
notado. Ele tinha medo de agir errado perto dela, de cometer
alguma gafe e a afastar ainda mais. Por isso, ele tinha respeitado
todo aquele tempo que ela pedira, por isso não aparecera na
fazenda ou tentou obrigá-la a voltar. Antes de tudo, ou melhor,
depois de tudo, ele a respeitava profundamente.
De todos os casos perdidos de amor, o deles não era um.
Sabia daquilo só por ver o semblante ansioso no rosto de Davi.
Ele estava ali para tomar sua mulher de volta, e fiquei
imensamente feliz por eles.
— Ei. — chamei, e ele então virou o olhar, encontrando-
me. Senti-me um pouco sem jeito ao olhá-lo, pois fui eu quem fez
os papéis do divórcio, porém, eu sabia que aquilo seria apenas o
gatilho para que finalmente ficassem juntos. — Ela não está.
— Foi andar em volta do lago, acho que está por lá. —
forcei um sorriso. — Não o fiz antes, mas, quando me defendeu
naquele dia em que Marcelo entrou na casa de Manu... —
suspirei, sendo sincera. — Obrigada por aquele dia, Davi.
Era difícil olhar para Davi e não me lembrar de tudo o que
passei até aquele momento. Eu só queria, de alguma forma,
poder ter Marcelo de volta, e que nossa vida fosse a mesma de
antes. Mas eu não podia, não conseguia. As lágrimas vieram, e
não consegui me conter. Estava devastada.
— Não precisa agradecer. — falou rapidamente. — Ele vai
ver que está metendo os pés pelas mãos e...
Paralisei com suas palavras. Davi sabia de algo sobre
Marcelo?
— Ele tem outra! Ou outras... — joguei aquela conversa
para cima de Davi, na vã tentativa de tirar algo dele. Mas Davi era
contido demais para responder a algo assim. — E eu, estou com
os papéis do divórcio prontos. — confessei por fim, e ele
arregalou os olhos, claramente assustado.
— Lu...
— Eu o amo, mas acima de tudo, amo a mim e... — não
suportaria mais falar sobe aquilo. Eu sequer me amava naquele
momento.
— Dona Luíza!
Time perfeito de Bruno! Virei em direção a voz, e ele sorriu
amplamente. Aquele homem distribuía sorrisos para todos, e tinha
que admitir que era um cara legal. Porém, depois de saber sobre
ele com Lia, algo dentro de mim acusou que aquilo era apenas
um disfarce dele. Afinal, todos tínhamos nossos demônios.
— Preciso ir. — levantei-me e bati no ombro de Davi.
Limpei as lágrimas rapidamente e forcei um sorriso. — Não
desista dela, está na cara de ambos que se amam.
— Acha mesmo? Acha que ela me ama? — perguntou
temeroso, e naquele momento, abri um sorriso sincero.
— Vá ver por si mesmo.
Ele então foi, e eu parti em direção a Bruno. Quando parei
ao seu lado, ele começou a falar a respeito de alguns problemas
que vinham ocorrendo, coisa mínima, mas que precisava ser
relatada. Porém, minha cabeça estava longe dali, e infelizmente,
em Marcelo.
— A senhora está bem? — Bruno perguntou de repente, e
me forcei a encará-lo.
— Bom, digamos que amar é algo complicado. — dei de
ombros. — O que você acha disso?
— Eu? — perguntou num fio de voz. — Eu não muito bom
com essas coisas... Digo, sentimentos.
— Conheço alguém que concordaria. — acabei soltando, e
ele arqueou a sobrancelha, claramente confuso. — Desculpe, não
tenho porquê me intrometer nisso e...
— Ela falou de mim? — de repente, a voz dele pareceu
preocupada, e notei que o semblante parecia mais leve.
Bruno não era um homem que passava despercebido. Ele
era um típico caubói e emanava sexualidade por onde ia. Porém,
mesmo com todo ar austero, sendo praticamente vinte
centímetros mais alto do que eu, os músculos claramente
apertados contra a camisa xadrez, e o cabelo mais longo, que lhe
dava um ar sexy junto a pele morena, naquele instante ele
parecia um garotinho perdido a minha frente. O amor realmente
mexia com as pessoas.
— Ela me contou um pouco sobre vocês. — comentei e ele
sorriu. — Parece surpreso de ela falar sobre você.
— Pensei que ela tivesse me esquecido. — confessou.
— Devia falar com ela, colocar os pingos nos “is” e quem
sabe...
— Ter a mulher que amo. — complementou, e sorri para
ele.
Parecia ser o dia dos recomeços, e pelo olhar decidido de
Bruno, não levaria muito tempo para ir atrás dela.
— Pode deixar esse trabalha para amanhã. — pisquei para
ele. — Pelo seu jeito, deve saber ao menos onde ela mora... Vá
falar com ela, homem.
— Patroa, eu...
— Vai. — insisti, ele sorriu, saindo de meu campo de visão
rapidamente.
Caminhei para longe dali, indo em direção a minha casa e
de Marcelo. Queria ao menos pegar algumas coisas minhas,
antes que ele aparecesse. Em meio a névoa de amor que nos
cercava, éramos apenas peças jogadas para fora do tabuleiro.

Marcelo

O divórcio, nas mãos, e ele entendeu. Ela apenas queria


dar-lhe um momento para sofrer, para matá-lo no fim. Tinha
acabado. Olhei mais uma vez para os papéis e reli, sem conseguir
acreditar. Ali, estava o pedido de divórcio da minha mulher. Deixei
os papéis sobre nossa cama, e tentei entender o que acontecia.
Nada em minha mente fazia sentido.
Tinham se passado dois meses desde que voltei para a
fazenda, e mesmo com certa distância, Luíza ainda permitia
minha aproximação. Eu sabia em seu olhar, que algo tinha
acontecido, além do tempo que fiquei longe, além do beijo que viu
Jéssica me dar. Ela tinha uma mágoa profunda, e a cada dia,
aquilo me matava por dentro, por não saber o que fazer para
ajudar.
Eu esperei... para que em algum momento ela se abrisse e
me contasse o que acontecia. Agora, olhando para os papéis,
tudo girava em torno do que mais temia. Talvez eu fosse louco, e
aquela mágoa em seus olhos não fosse nada além de minha
culpa. Eu era o culpado por ela me ignorar, nada mais. Talvez ela
estivesse apaixonada por outro homem, ou até mesmo, percebido
que não me amava.
Deus, aquilo não fazia sentido algum!
Saímos de um casamento feliz para um efeito dominó, que
no final, eu caí. Levei as mãos aos cabelos, pensando no que
fazer, e tentando entender os sinais de que ela estivesse
apaixonada por outro. Não encontrei nada em minha mente, nada
que acusasse tal coisa. Luíza parecia estar voltando aos poucos
para mim. Nós conversámos no escritório, muitas vezes aparecia
na casa de Manu para jantar com elas, e até mesmo falamos um
pouco sobre o que acontecera naqueles quinze dias separados.
Porém, nada muito profundo.
A realidade era clara, era eu quem falava durante as
conversas, eu que tentava me aproximar. Luíza apenas
permanecia com um semblante sereno, porém, aquela mágoa em
seu olhar. E agora, ali estava a resposta – o divórcio.
Ouvi um barulho do lado de fora da porta e levantei o olhar.
Luíza me encarou sem jeito, mas adentrou o cômodo. Ali existiam
tantas lembranças de nós, que era praticamente impossível
compreender como chegamos a tal ponto. Talvez não fossemos
mesmo para ficar juntos. Olhei-a com todo o amor que sentia e
naquele instante, quebrei-me por inteiro.
Eu era dela, ela era minha. Por que não podíamos ficar
juntos?
— Por que? — perguntei, sem conseguir encará-la. — Por
que não podemos ser felizes?
Ouvi seu suspiro e tentei segurar as lágrimas que queriam
descer. Eu não tinha mais forças depois de todo aquele tempo.
Tudo começou comigo, por não saber lidar com algo do passado.
E agora, perdia de fato o nosso futuro. Não sentia que a culpa era
minha ou dela, na realidade, era completamente nossa. Nós dois
tínhamos errado.
— Eu vi você e Jéssica hoje. — a encarei no mesmo
instante, sem entender onde queria chegar. — O filho é seu?
— O que? — minha voz praticamente não saiu. — Eu te
disse logo quando voltei que nunca tive nada com outra mulher.
Depois de você, sempre foi você.
— Por que estava com ela? Tão feliz e...
— Luíza, ela está grávida de Guilherme Rivera, o irmão de
Davi. — falei rapidamente e dei um passo em sua direção,
notando seus olhos marejados. — O que está acontecendo? O
que tá acontecendo com a gente? — perguntei em desespero,
levando as mãos ao peito. — Eu sinto a cada dia que uma parte
minha se vai. Eu não quero te perder, boneca. Eu não aceito isso.
— Vai ser melhor assim. — falou, e limpou rapidamente
uma lágrima que desceu. — Você merece uma mulher como ela,
que te traz sorrisos e...
— Por Deus, a minha mulher é você! — não me contive e
segurei com carinho os dois lados de seu rosto.
Luíza pareceu vencida pela dor e deixou as lágrimas
descerem por seu rosto. Ela parecia tão perdida que não soube o
que dizer, a não ser o quanto a amava.
— Eu sempre te quis. — olhei-a profundamente, e em
seguida encostei nossas testas, fechando os olhos. — Te quero
para sempre.
— Marcelo...
— Não diz que quer me deixar ou que pensa nisso. Eu sei
que as coisas saíram do controle, e que não devia ter fugido
como fiz, para poder colocar meus pensamentos em ordem. Mas
mesmo longe, a única mulher foi você. Sempre foi e sempre será.
— confessei ali a minha alma, e mais uma vez, entreguei meu
coração. — Sou eu, mais uma vez, pedindo uma chance para ser
seu. Para sermos nós.
— Não posso. — sua voz saiu fraca e ela soluçou em meio
ao choro. — Eu não...
— Pode sim. — passei as mãos em seus cabelos e abri os
olhos, encarando-a. — Diz que não me ama, e eu juro, que saio
por essa porta sem olhar para trás.
Ela suspirou e nos grandes olhos castanhos já vermelhos
devido ao choro, encontrei a nossa verdade. Ela sequer precisava
dizer, o sentimento estava ali, entregue.
— É por te amar que estou te dando a chance de ser feliz.
— ela falou e sua boca tremeu, claramente tentando fugir de
alguma lembrança. — Eu...
— Minha felicidade é você. — limpei algumas lágrimas que
desciam, e ela pareceu se desesperar ainda mais. — Me diz o
que está acontecendo, boneca! Eu vou te ajudar, vou te proteger,
vou...
— Você não pode! — falou, e de supetão se afastou,
saindo de meus braços.
Ela se virou de costas e abraçou o próprio corpo. Nossa
situação parecia se encaminhar para um fim sem volta, porém, eu
não permitiria. Éramos nós contra o mundo, sempre seria.
— Ninguém pode, Marcelo.
— Eu sou o cara que te ama, sempre amou. — falei, com o
medo me atingindo, de ser mais uma falha tentativa. — Sempre
quis tudo com você. Para ser a minha mulher, namorada, amante,
esposa, companheira... Tudo, sempre quis tudo. Hoje, eu a
imagino como a mãe dos meus filhos, a...
— Não posso. — ela me cortou rapidamente, insistindo em
dizer aquilo, e a cada segundo eu me sentia ainda mais perdido.
— Por que não pode ser minha? — perguntei
desesperado, e notei seus ombros caírem.
— Não posso ser a mãe dos seus filhos.
Pisquei consternado, sem entender o rumo que aquela
conversa seguia.
— Do que está falando, boneca? — estava ainda mais
perdido. — Se está relacionando isso a Jéssica, eu já disse que...
— Eu perdi o nosso filho. — ela falou de repente, numa voz
tão baixa, que pensei ter imaginado coisas.
O que?
Ela então se virou aos poucos, encarando-me com os
olhos perdidos, com aquela dor explícita em seu semblante.
— Eu o perdi há cerca de dois meses. — confessou e senti
meu corpo paralisar. — Eu acordei com o lençol sujo de sangue...
Era o nosso filho, que eu não sabia que esperava. — meu
coração falhou uma batida e me segurei ao máximo para não
desabar. — Descobri um tempo depois que tenho uma doença
que ocasionou o aborto. Eu matei nosso filho, Marcelo!
A dor me dilacerou por dentro, mas ao vê-la gritar aquilo a
plenos pulmões, eu soube – não podia cair ali. Usei todo o amor
que sentia por ela, e deixei aquela dor escondida em meu âmago.
— Por minha culpa, ele nunca vai nos ver. — seu choro
piorou e ela parecia tão frágil, que apenas fui até ela e trouxe para
meus braços.
Luíza chorava compulsivamente, e senti toda aquela dor se
alastrar por mim, além da culpa por não ter estado com ela, ao
seu lado, quando mais precisou. Mesmo com toda aquela
confissão de culpa, eu sabia, não era algo que ela controlava.
Sequer sabíamos da gravidez... Por Deus, ela se culpava pela
perda do nosso... nosso filho.
— Ele nunca vai sorrir ou ir à escola... Ele... — sentei-me
na cama, com ela em meus braços e Luíza desistiu de falar,
agarrada a mim, chorando de forma incontrolável.
Passei as mãos por seus cabelos, tentando de alguma
forma acalmá-la, ao mesmo tempo que tentava parecer inteiro
para ela. Outra parte minha se quebrou naquele momento.
Nunca, em algum momento daqueles meses, aquilo passou por
minha cabeça. Enquanto em minha tola mente, imaginava que ela
estivesse magoada por algo razoável, ou até mesmo precisasse
de espaço, e ficar próxima a amiga. Minha boneca sofria sozinha
pela perda do nosso filho. Senti-me um completo desgraçado.
Seus soluços diminuíram aos poucos e mesmo ainda
chorando, fiz com que me encarasse. Ela veria em meus olhos as
lágrimas não derramadas, as quais eu deixaria livres em outro
momento. Ali, era o momento de cuidar dela, e deixar claro.
Passaríamos por tudo aquilo juntos.
— Seja o que for que venha a acontecer, eu vou estar ao
seu lado. — falei, e ela me encarou perdida, porém presa em meu
olhar. — Não foi sua culpa, boneca. Foi uma fatalidade. — falar
sobre aquilo sem desabar, era angustiante, pois apenas queria
me sentar abraçado aos joelhos e chorar. Tínhamos perdido um
filho. — Eu e você contra o mundo. Sempre.
— Marcelo, eu...
— Apenas me deixe cuidar de você. — pedi, já sem força
alguma. — Não me deixe, boneca. Apenas...
— Eu te amo. — falou, segurando meu rosto com as duas
mãos. — Sempre vou amar.
— Então fique ao meu lado, e tudo ficará bem.
Em seus olhos eu via um reflexo dos meus. Éramos como
uma parte perdida em meio a dor, duas almas e corações feridos.
Mas tínhamos força juntos para o que viesse. Para as intempéries
e tormentos da vida. Por mais que nada parecesse se encaixar
naquele momento.
Luíza

Senti um leve movimento ao meu lado, mas não consegui


abrir os olhos de imediato. Meu corpo pareceu pesar uma
tonelada, e finalmente, após tanto tempo, tinha pegado facilmente
no sono. A explicação era um tanto quanto óbvia, porém, ainda
não acreditava. Pois só de estar nos braços de Marcelo, o mundo
parecia ser um lugar melhor. Suspirei, e forcei meus olhos a se
abrirem. Encarei a escuridão no quarto, e me ajeitei melhor contra
o travesseiro. Passei a mão levemente ao lado da cama, e
estranhei o vazio. Onde Marcelo estava?
Sentei-me na cama e acendi o abajur, que iluminou
parcialmente o cômodo. Olhei ao redor e uma saudade me
atingiu, de todos os momentos naquele lugar, naquela casa. Era o
nosso cantinho, nosso lar... Como consegui me manter afastada
por tanto tempo? Segurei firme contra os lençóis e ponderei tudo
o que acontecia. Era difícil perceber e assumir onde tínhamos
chegado.
Não era mais um dia a dia saudável, sorrisos fáceis, brigas
corriqueiras, beijos inesperados, momentos inesquecíveis... Tudo
aquilo parecia ter acontecido em outra vida, após a tempestade
que passou sobre nós, derrubando-nos pelo caminho. Porém,
mais uma vez, Marcelo estava ali para mim, e eu tinha que voltar
a ser forte, estar ali para ele.
Levantei-me e fui em direção as escadas, acreditando que
Marcelo estivesse na cozinha. Assim que pisei na sala um barulho
baixo me chamou atenção e senti meu coração afundar no peito.
Procurei-o pela penumbra do cômodo, e a passos incertos
cheguei próxima a ele. Encontrei-o sentado ao lado do braço do
sofá, com as mãos no rosto, e chorando baixinho. Marcelo parecia
um menino perdido, e claramente, não queria que o visse naquele
momento.
— Príncipe.
Ele levantou o olhar, arregalando os olhos ao me ver ali.
Tentou limpar rapidamente as lágrimas, porém, não permiti.
Ajoelhei-me a sua frente e toquei seu rosto, conectando-me com
ele. Juntos éramos fortes. Em seu olhar me encontrei, aquela dor
tão nítida. Ele sofria ali, sozinho, escondido... Da mesma forma
que optei fazer por aqueles meses. Naquele momento percebi o
quanto era errado. Ambos, escolhemos sofrer em silêncio para
não magoar o outro. Para no fim, quebrarmo-nos ainda mais. Era
o limite, tínhamos que findar aquilo.
Perdemos nosso filho, não teria volta. Porém, ainda
estávamos ali, frente a frente, sem querer mais nos separar. Amar
era muito mais do que momentos felizes e dizer “sim” num altar.
Amar era compartilhar o pior e o melhor de si, assim como seus
demônios mais íntimos. Daquele momento em diante nós
mudaríamos o rumo de nossa história. Não voltaríamos a ser os
mesmos, porque o passado, ficara no lugar dele. Porém, um
recomeço de uma história de amor, necessitava de um pedacinho
do que restara do início. E nada substituiria aquela frase, nem em
outras cinco vidas.
— Eu. — falei decidida, finalmente reencontrando minha
força. — Você. — toquei seu peito, bem sobre seu coração. —
Nós. — encostei nossas testas. — Contra o mundo.
— Para sempre, boneca. — ele falou, e permanecemos ali,
sem dizer mais nada.
Palavras tinham seu limite, por mais necessárias que
fossem. Ali, naquela madrugada, onde todas as verdades sobre
nós estavam livres, finalmente nos entregamos a aquele
momento. Depois de tanto tempo escondendo-nos um do outro,
ali estávamos, juntos. Chorando por uma dor que nos dilacerava e
torcendo para que o futuro trouxesse o que mais precisávamos –
paz.
Capítulo 18

“Em você encontrei o meu melhor, e não


Consigo amarrar um outro nó com alguém

Além de ti, meu bem, não sei por que.”[29]

Dias depois...

Eu estava apoiada sobre meu braço, assistindo Marcelo


em seu sono. Era um domingo de chuva, onde nada mais parecia
importar, a não ser a bolha que construímos ali dentro. Toquei de
leve em seus cabelos e o ouvi suspirar no sono, porém, ele
permaneceu dormindo. Aproveitei o momento para tocar seu rosto
e memorizar novamente cada pequena parte. Ele era tão bonito,
que deveria ser proibido.
Mais uma vez passou por minha mente todos os porquês
de estarmos ali, lado a lado. Desde que confessei tudo, e em que
prometemos ao fim da noite que passaríamos por tudo juntos, eu
tinha voltado para casa. De certa forma, era como estar completa
novamente. Estava no lugar que amava, com o homem que
amava. E a cada momento, sentia que me apaixonava ainda mais
por ele. Ele era o cara que escolhi há muito tempo como meu,
porém, era certeiro.
Deitei novamente de costas para a cama e encarei o teto,
lembrando-me da escolha que fiz. Talvez fosse cedo demais, e
não devesse me colocar naquela pressão, porém, era algo que
meu coração dizia ser o certo. Poderia ser tudo uma grande
confusão, mas eu queria fazer parte daquilo, e de algum jeito,
concluir com Marcelo tal sonho. Ele tinha falado bem pouco a
respeito de seus dias num abrigo para crianças, porém, ao falar
os nomes Lara e Daniele, seus olhos brilharam. Fiquei com aquilo
em mente, algo dentro de meu peito acusando que Marcelo tinha
mais a dizer, porém, claramente estava receoso. Foi então que
falei com minha cunhada, que deixou escapar o que Marcelo
tanto queria me dizer quando voltou – ele queria adotar duas
meninas.
A princípio foi como um choque em meu sistema. Mas aos
poucos passei a entender que não tínhamos controle sobre nada,
e concluí que as coisas pareciam ser interligadas. Por que ele as
conheceu justo naquele momento? Justo quando estávamos
separados? Por que ele sentiu que eram suas filhas?
Rebeca tinha sido minha confidente e contado
praticamente tudo, mas ainda assim, gostaria de saber através de
Marcelo, o que realmente ele queria. Não era um momento fácil
para nós, ainda mais a respeito de filhos. Mas se fosse para ser,
por que não? Não era como uma substituição, muito menos algo
a se fazer para curar a dor em nosso peito. Nada me faria
esquecer o que passei. Ainda assim, meu instinto dizia que
precisava saber sobre aquilo, e quem sabe, conhecer as meninas.
Nunca fui religiosa, mas acreditava fielmente que éramos
destinados a conhecer pessoas. E se elas fossem para ser partes
de minha vida agora, talvez também tivessem sido em algum
outro momento. Apenas pela forma como minha cunhada falou,
eu entendi. Marcelo se sentiu ligado a elas, como se fossem dele.
Não sabia explicar nada a respeito daquilo, porém, eu acreditava.
— Sua cabeça vai pegar fogo, boneca.
Sorri ao ouvir sua voz, e ele serpentou sobre meu corpo,
dando-me um leve beijo nos lábios.
— Bom dia, pensadora. — passei a mão por seu rosto, e
ele abriu um lindo sorriso. — O que foi?
— O que? — olhei-o com todo meu amor.
— Por que está me olhando assim? — perguntou,
franzindo o cenho, deixando-o ainda mais lindo.
— Encantada? Apaixonada? Deslumbrada? — provoquei e
ele sorriu abertamente.
— Exatamente. — tocou meu rosto. — Está me olhando do
mesmo jeito que faz quando se declara.
— Eu só estou pensando em como amo estar com você. —
confessei. — E em como quero conhecê-las.
Era agora ou nunca!
— Conhecê-las? — perguntou confuso.
— Daniele e Lara. — ele me encarou sem jeito no mesmo
instante.
— Boneca, eu...
— Falei com Rebeca sobre isso. — ele praguejou baixinho.
— Ei! Eu vi a forma carinhosa com que falou sobre elas, além de
te ver conversando no telefone com uma voz de bobo.
— Eu... Sinto muito, boneca. Não queria te esconder isso,
mas eu não consegui me afastar delas. Sei que é um momento
delicado para falarmos, e não queria simplesmente jogar isso em
seu colo.
— Você as ama, não é? — ele desviou o olhar
rapidamente, e o puxei para mim. — Não precisa me olhar com
culpa.
— Eu me apaixonei por elas assim que as vi. — confessou
e tive que sorrir. — Senti que eram uma parte de mim, para cuidar
e proteger de todo mundo.
— Vamos para Minas! — falei e Marcelo arregalou os
olhos.
— Boneca, não precisa...
— Eu quero conhecê-las, e isso é muito real. —
confidenciei. — Sabe de toda minha situação agora, que posso
sim engravidar um dia, mas que preciso tomar todos os cuidados.
Na minha cabeça, não sei se é algo que vai acontecer. Mas sinto
que tudo na vida tem um porquê.
— Não quero que se sinta pressionada a ir lá.
— Na realidade, eu sinto que preciso fazer isso. — peguei
a palma de sua mão esquerda e levei até meu coração. — Sinto
aqui que preciso disso.
— Eu te amo, minha boneca,
— E eu a você!

— Minha princesa! — tia Gabriele praticamente gritou e me


puxou para um abraço. O tempo poderia passar, e ela continuava
a mesma. Uma mulher que emanava animação. — Olhe só para
você!
— A sua benção, madrinha. — ela beijou meu rosto e
sorriu.
— Senti muita saudade.
— Eu também! — confessei e tentei me conter, sempre era
nostálgico estar na casa deles. Aquele lugar guardava memórias
incríveis. Além de me fazer sentir ainda mais falta de meus pais,
que continuavam a sua viagem por países asiáticos.
— Precisamos ir agora ou não poderão vê-las hoje. —
Rebeca falou parada na porta, com os filhos pulando ao seu
redor.
Ela tinha nos contado a respeito dos horários que
poderíamos ver as crianças, e Marcelo parecia já ter decorado.
Sorri em direção a minha madrinha e segui até a porta. Os
gêmeos pularam a meu redor também, e logo minha madrinha os
chamou, oferecendo algo que eles não negavam – doce de leite.
O caminho até o abrigo foi rápido, e enquanto Marcelo
dirigia, eu me distraía conversando com Rebeca, que falava a
respeito de como era ser voluntária ali. Minha cunhada era uma
mulher incrível, além de forte, porém, era de costume ser
completamente fechada. Quando finalmente estacionamos,
Rebeca praticamente pulou do carro, e tentei abrir a porta em
seguida. Marcelo segurou meu braço e o encarei, sem entender
sua preocupação.
— Sei que mesmo não admitindo, tem uma pressão sobre
você. — ele começou e tentei interrompê-lo, porém, ele não
permitiu. — Mas eu não escolhi isso, boneca. Aconteceu e...
— E vamos conhecê-las. — segurei com carinho sua mão.
— Não te julgo por nada disso.
Praticamente pulei do carro e não dei tempo para Marcelo
me atrasar ainda mais. Segui o caminho para dentro do lugar e
assim que pisei, encontrei Rebeca me esperando.
— Ele tá preocupado, né? — assenti para ela, que sorriu
abertamente. — Vem, vou te levar até elas.
Assim que saímos para um jardim, olhei ao redor e
encontrei várias crianças brincando. Uma nostalgia tocou meu
peito, e num segundo encontrei duas meninas passando por nós
correndo. Não saberia explicar porquê, mas as segui com o olhar,
para encontrar a cena mais linda de toda minha vida.
Marcelo estava de joelhos no chão, com as duas
praticamente agarradas a ele, abraçando-o com saudade. Em
poucos minutos, dois pares de olhos castanhos me encararam, e
segurei as lágrimas que já queriam descer. Não saberia dizer o
que aconteceu, nem tão pouco explicar. Dei passos para perto
deles, e notei que uma delas praticamente se escondia atrás de
Marcelo, enquanto a outra me analisava com admiração.
— Ela vai ser a nossa mamãe?
Marcelo ficou tenso no mesmo instante, ao mesmo tempo
em que dentro de meu coração senti todo o amor do mundo tomar
conta. Ajoelhei-me no chão a frente delas e sorri, deixando com
que algumas lágrimas descessem. Em poucos passos elas
estavam a minha frente e foi impossível conter a emoção. De
alguma forma, elas sentiram o mesmo que eu, abraçando-me
naquele momento. Por cima do ombro, vi Marcelo me encarando,
como se não conseguisse acreditar no que via.
Nem mesmo eu acreditava...
Ali estava a razão para tudo em minha vida, que acabava
de se tornar a realidade mais plena e bonita. Meu parto foi
naquele momento, enquanto era embalada pelo sentimento mais
bonito da vida. Assim que elas se afastaram, Marcelo veio ao
nosso lado, claramente emocionado. Nenhum de nós esperava
aquele momento, sequer passava por nossas mentes.
Mas como meu coração já tinha alertado, era preciso estar
ali, viver aquele momento para entender. Que as coisas bonitas
da vida simplesmente acontecem, e depois de toda tempestade,
sempre vem a calmaria. Ali estava eu, imersa em minha paz,
finalmente encontrada. Levantei-me e toquei o rosto do homem
que amava, sentindo-me grata por tudo, por ele, por nós... porque
mesmo em todo caos que nos acometeu, uma coisa tinha
prevalecido – nosso amor.
Naquele momento eu conheci o amor em seu ápice, sem
saber que medida usar ou como expressar. Lembrando-me de
todas as vezes que imaginei a felicidade, e nunca realmente
encontrei. Ela estava ali, conosco, naquele momento. Porque
dentre todos os percalços, existia uma razão. E naquele instante,
minha razão pertencia as pequeninas que me ganharam com o
olhar, e ao homem que me tinha nos braços, e me dava mais uma
vez a certeza de que ele era único. O qual amaria para sempre.
Epílogo
“Eu amo você. Eu sou quem eu sou por sua causa. Você é toda a razão, toda
a esperança e todos os sonhos que eu já tive na vida, e aconteça o que
acontecer no futuro, cada dia que estamos juntos é o melhor dia da minha vida.
Serei sempre sua. E você, meu querido, será sempre meu.”[30]

Anos depois...

— Todo mundo se acalma! — Daniele falou determinada,


enquanto encarava os irmãos claramente apreensivos.
Estavam todos na sala de espera do hospital,
acompanhados dos avós, a tia e os melhores amigos de seus
pais. Todos ali sabiam da gravidade que era aquele momento, e
estavam quase sucumbindo a ansiedade. Ela era a mais velha
pela diferença mínima de segundos com a irmã gêmea, mas em
seus doze anos, parecia bem mais madura do que sua idade.
Ninguém ali esperava que Luíza viria a engravidar tão
cedo, já que ela deixara claro para a família que não cogitava tão
possibilidade. Ela dizia que era feliz com seus três filhos, Daniele
e Lara as gêmeas que ganharam seu coração, e Lucas, um
garotinho do mesmo abrigo que simplesmente os escolheu como
pais. Era algo sem explicação, eles simplesmente sentiam que
era para ser. E com três filhos, eles pretendiam adotar ainda mais
no futuro.
A surpresa veio no momento em que Luíza descobriu a
gravidez. Não era esperado, e ela sequer sabia dizer como
ocorreu, assim como seu médico, já que ela fazia uso de
anticoncepcional há anos. Porém, em meio a todo o desespero e
preocupação no momento, ela e Marcelo acabaram sorrindo e
entendendo, que se fosse para ser, seria. Foi então que ela
seguiu à risca todos os cuidados durante a gravidez, sendo
paparicada e cuidada tanto pelos filhos quanto pelo marido.
Eles eram felizes, absurdamente. Não teriam como não ser
gratos pela vida que lhes fora dada, e assim, abraçaram com todo
coração aquele momento. Na sala de espera ninguém sabia o
que acontecera no passado, o que ocorreu ficou como um
assunto apenas dela e de Marcelo, pertencente a eles. Mesmo
assim, a preocupação era geral, já que todos sabiam a respeito
da doença de Luíza e o que poderia acontecer durante a
gestação.
Mas agora já era hora do parto. Da sala de espera para a
sala de parto, encontrávamos uma leva de amor gigantesca.
Luíza olhou para Marcelo no mesmo instante em que um choro
estridente tomou conta de todo o lugar. Ela não conseguiu evitar e
chorou de emoção, sem entender como tinha chegado ali. A
enfermeira colocou o filho em seus braços, e Marcelo estava ali,
segurando sua mão. Ambos fixados no pequeno Benjamin, que
gritava a plenos pulmões. Era o filho deles, mais um. Mais uma
parte de sua família que crescia, a qual sequer esperavam.
Luíza olhou para o filho e contou cada dedinho da mão,
sentindo-se perdida diante daquele momento. Ela nunca esperou
passar por aquilo, sequer cogitava. Olhou para Marcelo e puxou-o
para um leve beijo, para coroar aquele momento. Era aquele
homem a força que ela necessitava. Ela sempre soube que era
ele. O cara certo. O cara que fazia o dia mais estressante parecer
um fim de tarde de domingo, a beira do lago, falando nada, e
pensando em tudo. Ele era o cara que fazia a vida ser mais leve,
mais bonita. Ela era a mulher que apenas sabia adiar. Tudo. E
principalmente, sua própria felicidade.
Marcelo tocou com cuidado o rostinho do filho e em
seguida encarou a mulher amada. Olhando para ela, ele soube,
tudo valera a pena. Ninguém escolhe sofrer por amor ou opta por
amar alguém. Mas no fundo, lá no fundo ele sempre soube que
seria ela, o seu céu e inferno. De todas as formas ele aceitara,
mesmo que fosse levado aos extremos. Porém todos têm limites.
Assim como ele. Assim como ela. E o amor nada mais é do que o
encontro perfeito de duas almas nessa linha tênue.

Fim
Nota da autora

Em todos os meus livros busco trazer algo de mim, e


nesse, coloquei meu mais profundo medo, ao mesmo tempo, com
o objetivo de alertar você que lê. Esse livro foi um grande desafio
pessoal para mim, pois assim como mais de sete milhões de
mulheres no Brasil, também tenho endometriose. Você, mulher,
cuide-se! Eu demorei cinco anos da minha vida para perceber que
as dores não eram cólicas, e que estava sofrendo de uma doença
séria. Busque seu médico e faça o tratamento, seja qual for a dor
ou o problema. Nós merecemos nos cuidar e sermos felizes.
Por ter lido até aqui, meu muito obrigada por me dar essa
chance. Esse livro expõe o que sinto sobre a insegurança numa
relação e ao mesmo tempo, o que o medo nos leva a fazer. E de
como muitas vezes nem tudo é o que parece. Muitas vezes
escondemos algo de quem amamos para poupá-lo, mas será que
vale a pena? Espero que Luíza e Marcelo tenham contribuído
para algo em sua vida. E mais uma vez, obrigada!

Aline Pádua
Próximo livro

E ficaram algumas coisinhas em aberto nesse livro...


Principalmente, como Jéssica descobriu o passado de Luíza?
Bom, ao menos já sabemos quem é o pai do filho dela, e digo
mais, Guilherme Rivera está completamente interligado.
O próximo livro será deles, mas ainda não temos um título.
E claro, teremos outros spin-off, assim como um bônus para
falarmos de Lia e seu caubói.
Para ficarem antenadas a respeito disso, basta me
encontrar nas redes sociais (os links estão abaixo).

Muito obrigada!
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Wattpad: @AlinePadua
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Grupo no face: Romanceando com Aline Pádua
Meus outros livros: aqui.

Até a próxima!
[1] Trecho da canção Barquinho De Papel da dupla brasileira Anavitória.

[2] “Mamãe disse que haveria meninos como você


Rasgando meu coração em dois
Fazendo o que você faz melhor.”
Boys Like You - Anna Clendening
[3]
“O que você deve fazer
Quando a pessoa que você ama apenas diz não?
Garoto, se recomponha
Siga adiante com sua vida.”
Baby, you make me crazy – Sam Smith
[4] “Meu tudo não é por diversão
Você me mostrou que é só isso que você quer
Por que você não consegue se estabelecer?
Porque eu poderia te amar, eu juro.”
Gentleman – Anne-Marie
[5] Trecho da canção Quem De Nós Dois da cantora brasileira Ana
Carolina.
[6] “Não seja amiga dele
Você sabe que acordará na cama dele pela manhã
E se você estiver debaixo dele, você não vai superá-lo.”
New Rules – Dua Lipa
[7] “Você teve o melhor, sabe?
Eu fiquei do seu lado
Passei muito tempo tentando te fazer feliz
Eu não acho que você alguma vez possa ser feliz.”
Then – Anne-Marie

[8] “Eu sei que poderíamos corrigir esses erros


Mas o pior dentro de mim não quer
Acertar as coisas
Mas o melhor de mim quer amar você
Mas o pior de mim não quer.”
Worst In Me – Julia Michaels

[9] É tão bom ser má (Oh oh oh oh oh)/De jeito nenhum vou voltar atrás
(Oh oh oh oh oh)/Agora a dor é o meu prazer porque nada pode medir (Oh oh
oh oh oh)/O amor é ótimo, o amor é bom (oh oh oh oh oh)/Com criatividade e
sem limites (Oh oh oh oh oh)/A aflição da sensação me deixa querendo mais
(Oh oh oh oh oh)/Porque eu posso ser má, mas eu sou muito boa nisso/Sexo
no ar, eu não me importo, eu amo o cheiro/Paus e pedras podem quebrar meus
ossos/Mas correntes e chicotes me excitam. S&M – Rihanna.
[10]
Trecho da canção Ausência da cantora brasileira Marília Mendonça.
[11]
“Desculpe, meu futuro amor
Pelo homem que saiu da minha cama
Por fazer amor do jeito que eu havia guardado para você na minha
cabeça.”
Sober – Demi Lovato.
[12] “Eu ainda vejo suas sombras no meu quarto
Não posso ter de volta o amor que te dei
É até o ponto em que eu amo e te odeio
E eu não posso te mudar, então eu devo te substituir.”
Lucid Dreams (Forget Me) - Juice Wrld
[13]
“Então vamos, deixe ir
Apenas deixe acontecer
Por que você não pode ser apenas você?
E eu ser eu mesmo?.”
Let it go – James Bay
[14]
“Então me diga
Você realmente me amou?
Você realmente me quis?
Agora que eu te vejo mais claramente.”
Smoke & Mirrors – Demi Lovato
[15] “Nós costumávamos ser crianças vivendo apenas por diversão
Em assentos de cinema, aprendendo a beijar
Correndo pelas ruas pintadas de ouro
Nós nunca acreditamos que cresceríamos assim.”
Us – James Bay
[16] “Não me deixe triste, não me faça chorar
Às vezes o amor não é o bastante e a estrada fica difícil
Não sei o porquê.”
Born To Die – Lana Del Rey
[17]
Trecho da canção 3x4 da banda brasileira Engenheiros do Hawaii.

[18]
Trecho da canção Na Sua Estante, da cantora brasileira Pitty.
[19]
Trecho da canção intitulada Pra Ser Sincero da banda brasileira de
rock Engenheiros do Hawaii.
[20]
“Amar pode doer
Amar pode doer às vezes
Mas é a única coisa que eu sei.”
Photograph – Ed Sheeran
[21]
Trecho da canção Teatro Dos Vampiros da banda brasileira de rock
Legião Urbana.
[22] Trecho da canção Não olhe para trás da banda brasileira de rock
Capital Inicial.
[23]
“Você está me dando um milhão de razões para te deixar/Você está
me dando um milhão de razões para desistir do show/Você está me dando um
milhão de razões/Me dê um milhão de razões/Me dando um milhão de
razões/Mais ou menos um milhão de razões.” Trecho da canção Million
Reasons da cantora estadunidense Lady Gaga.
[24] “Outro copo quebrado/Na casa que nós nunca construímos/O
inverno é sempre bastante frio/Frio o suficiente para matar/Basta um pouco de
jasmim/Basta um pouco de sal em minhas feridas/O que acontece se eu lhe
disser/Falar a verdade?/Diga-me que a ama/E eu irei embora/Diga-me que a
ama/E meu coração simplesmente fugirá/Apenas digas as palavras/E eu vou
dar a volta/E ir embora sem fazer qualquer barulho/E queimar esta casa até ao
chão”. Trecho da canção A House We Never Built da cantora britânica Gabrielle
Aplin.
[25] Trecho da canção Barquinho De Papel da dupla brasileira Anavitória.

[26] “Mas ultimamente, seu rosto parece estar


Lentamente afundando, se desgastando
Desmanchando como bolos
E eles gritam
As piores coisas da vida vêm de graça para nós.”
The A Team – Ed Sheeran
[27] “Então eu vou te amar agora, como se fosse tudo que me resta
Eu sei que vai me matar quando acabar
Eu não quero pensar sobre isso
Eu quero que você me ame agora.”
Love Me Now – John Legend
[28] Trecho da canção É isso aí da cantora brasileira Ana Carolina.
[29] Trecho da canção Dengo da dupla brasileira AnaVitória.
[30] Citação do livro Diário de uma paixão, escrito por Nicholas Sparks.

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