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© 2016 EVY MACIEL


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tangível ou intangível — sem o prévio consentimento dos
editores.

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as
pessoas.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos
são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.


Eu não acredito em anjos. Sim, isso mesmo que você acabou de ler. Por
que eu acreditaria? Nunca vi um! E sou igual São Tomé, só acredito vendo. Sou
um homem prático, sem frescuras. Comigo é preto no branco, oito ou oitenta, ou
vai ou racha, ou dá ou desce.
É isso mesmo! Ou DÁ, ou DESCE!
— Cai fora Sabrina — digo para a mulher sentada no banco do carona do
meu Porsche. A sonsa que está se fazendo de santinha e se recusa a me pagar um
boquete.
Você deve estar pensando: que grande babaca!
Tudo bem, não me importo.
Mesmo! Eu realmente não me importo.
A Sabrina de anjo só tem a auréola e, acreditem quando eu digo que essa
auréola já foi usada uma porção de vezes, por diferentes caras. Então, por que
cargas d’água essa vadia não quer chupar o meu pau? Se fazer de difícil não irá
me manter interessado, se não quer se lambuzar no pirulito do papai aqui, tem
quem queira.
— Lucas! Como eu vou embora?
Estou revirando os olhos nesse exato momento. A garota sabia
exatamente o que aconteceria se aceitasse a minha carona, eu não a obriguei a
entrar no meu carro, nem fui eu quem tomou a iniciativa. Ela sentou no meu colo
enquanto eu conversava com outra mulher na festa do Caio, ela sussurrou no
meu ouvido “Me dá uma carona? Vai valer cada quilômetro rodado”, ela quem
pegou no meu pau quando parei o carro no sinal vermelho. Então eu me
pergunto: por que prometer algo, se não pretende cumprir?
Ao menos sou sincero, não iludo ninguém. E também não sou o príncipe
no cavalo branco. Simples assim. Sabrina me enganou, Sabrina pode ir se foder.
— Pegue um táxi.
— Mas eu não trouxe dinheiro.
— Pague um boquete pro cara, ele vai aceitar numa boa.
Talvez eu esteja exagerando com a garota. Mas estou muito puto! Não
sou acostumado a ser recusado. A Sabrina é figurinha repetida, ela sabe que sou
bom com os dedos, com a língua e principalmente com o meu pau. Sabe também
que detesto mulher que faz doce.
— Não consigo mais chupar ninguém — diz ela, sem me encarar.
Como assim? Não deve ser tão difícil chupar um pau, quer dizer, nunca
chupei um, mas reparo bem quando uma garota está trabalhando sua boca no
meu.
— Eu te explico gata. Você, eu, sua boca, meu pau, sua língua, minhas
mãos puxando o seu cabelo. A gente já fez isso algumas vezes, não pode ter
desaprendido a fórmula — digo com sarcasmo.
— As últimas três vezes que tentei, acabei vomitando. Foi horrível!
Desculpe, mas se você me acha um babaca, essa é a hora exata para me
achar um completo imbecil. Sim, porque eu não consigo segurar minha risada
diante do que acabo de escutar. Estou rindo incessantemente enquanto Sabrina
parece estar à beira das lágrimas.
— Estou grávida, Lucas!
Como é que é?
Meu sorriso cessa imediatamente.
— Que porra você disse? — pergunto para ter certeza.
Ela finalmente cede às lágrimas e começa a chorar.
Ah, merda! Mulher chorona é foda empatada. O que eu fiz para merecer
isso?
— Estou grávida, tô enjoando à beça e não consigo nem olhar para um
pau que sinto vontade de vomitar.
— Que doideira é essa, Sabrina? Se você sabia que ia enjoar, por que
ficou me instigando?
— Foi mal, Lucas. Eu achei que não aconteceria se fosse com você.
Sempre te achei gostoso demais, você sabe que nunca te digo não.
— Quem é o pai dessa criança? Porque sei muito bem que eu não sou.
Não sou idiota, jamais transaria sem camisinha, e nem comia a Sabrina
com frequência, deve ter rolado duas ou três vezes, nem lembro. Uma punheta
ou uma chupada de vez em quando, mas nem sempre íamos até o fim.
Ela hesitou antes de responder.
— É o Caio.
Engasgo com minha própria saliva.
Será que ouvi direito?
— Ele sabe disso?
— Não, eu não quis contar.
— Por que não?
Ela ri e dá de ombros.
— Acha que ele vai acreditar que é o pai?
Solto o ar, pesadamente.
Meu modo cretino age automaticamente, me perdoe, mas às vezes
primeiro eu falo e só depois penso.
— Se não fosse tão vadia e se deitasse com qualquer um, talvez ele
acreditasse.
Tudo bem, eu sei que peguei pesado demais com a garota.
— Ah, Lucas. Você se acha tão esperto, não é? Eu transo com o Caio há
muito tempo, e só com ele. Seu imbecil. Por mais que fique com outros caras,
porque o idiota do seu amigo não pode ver um rabo de saia e cai matando, nunca
chego ao finalmente com nenhum deles. No máximo um boquete, mas nem isso
eu consigo mais. Tudo culpa daquele imbecil que enfiou um bebê dentro da
minha barriga!
Porra! Isso foi um belo discurso.
O Caio e a Sabrina, pais?
O apocalipse deve estar muito próximo.
Dou a partida no carro e não digo nada, até chegar em frente à casa da
Sabrina. Ela desce em silêncio e eu não faço questão de puxar assunto. Mulheres
são dramáticas por natureza, mulher grávida então? O próprio demônio de saia.
Agora, falando sério: Eu não queria estar na pele do Caio.
Um bebê? Nem fodendo!


Eu não sou uma freira, nunca me imaginei sendo uma. Mesmo que tenha
sido educada em um colégio cheio delas, não ouvi o chamado para a vocação.
Para mim, este ciclo está encerrado.
Concluí o ensino médio com louvor, a maioria das minhas colegas está
indo para a universidade, mas eu não. Primeiramente porque não tenho como
pagar, e mesmo que conseguisse uma bolsa de estudos, meu pai não conseguiria
bancar as despesas com moradia, alimentação e o material didático. E também
há outro motivo, quero passar mais tempo com ele, pois, vivemos longe um do
outro por anos, e foi ele quem batalhou sozinho para me proporcionar a melhor
educação.
Então é isso, estou a caminho de uma cidade nova, mas não tão nova
assim. Foi lá que nasci e fui abandonada pela minha mãe, deixada com meu pai
que foi corajoso e assumiu sozinho a minha criação. Ele é realmente o meu
herói. Grande Bento Sampaio, o homem turrão que tem mãos de fada para cuidar
das flores dos ricaços.
Olho pelo vidro do ônibus, logo estarei chegando à rodoviária. Meu
destino final, a cidade que nasci e não sei por quanto tempo irei permanecer, nem
se irei me adaptar. Espero que sim, viver por anos em uma escola só de garotas
talvez tenha me deixado despreparada para o mundo real, mas nunca pretendi
viver naquele colégio para sempre, nem me enfiar em um convento depois que
finalmente me formasse. Por isso, minha única opção foi retornar.
Tenho esperanças de encontrar um bom emprego, logo faço dezoito anos
e não ficará tão difícil. Quero ajudar o papai, ao menos não dar mais despesas do
que já dou. Quem sabe consigo juntar algum dinheiro para um cursinho pré-
vestibular. Estou confiante.
O ônibus estaciona no terminal rodoviário e eu aguardo todos descerem.
Minha mala é pequena, mas pesada. Algumas roupas e calçados e poucos objetos
pessoais. Deixo-a no guarda volume de uma agência de viagens, para depois
voltar com o papai e pegá-la. Irei até a mansão caminhando. Não avisei ao papai
que viria hoje, pois quero lhe fazer uma surpresa.
Observo o tempo, esteve chovendo por aqui. As ruas estão molhadas e há
algumas poças perto das calçadas. Arrumo minha mochila nas costas e começo a
fazer a rota até a mansão. Havia pesquisado na internet como chegar até lá, não
parecia ser difícil e como diria a irmã Noêmia: “Quem tem boca vai ao rumo”.
Sei que você deve estar aí corrigindo o ditado, mas não se engane, este é o
correto, o trocadilho por Roma veio depois. Palavras da irmã Noêmia.
Estou morrendo de saudade do meu pai. Bento foi pai muito cedo e hoje
aos trinta e seis anos, pode se passar por meu irmão mais velho, embora tenha
orgulho e sempre estufa o peito para me apresentar com sua filha querida.
Não me lembro da mansão Marinho, meu pai começou a trabalhar lá
pouco depois que nasci. Minha mãe foi embora e me deixou com ele, então meu
pai largou os estudos e começou a ajudar meu avô com a jardinagem da mansão,
e ali ficou. Meu avozinho, que Deus o tenha, acabou deixando seu cargo como
herança. Como meu pai havia crescido aos arredores daquela casa, a família
Marinho o tinha em alta estima, isso quem me contou foi minha tia Laurinha,
irmã do meu pai e uma das freiras que leciona na escola católica. Foi ela quem
conseguiu minha vaga e um bom desconto na mensalidade, assim meu pai
conseguiu me manter lá desde o ensino básico até a conclusão do ensino médio.
Mas, voltando ao que eu estava dizendo, após a morte do meu avô, o senhor e a
senhora Marinho, ofereceram o cargo ao meu pai, que já era de confiança e
conhecia perfeitamente o trabalho.
Os anos se passaram e meu pai se acomodou. O que me deixa triste de
verdade, pois ele é tão jovem e muito bonito também. Não desmerecendo a
profissão de jardineiro, mas essa não era a sua ambição na vida. Infelizmente, ser
pai tão cedo o fez abrir mão de muitas coisas e com a doença do meu avô, nos
últimos anos, ficou inviável ele tirar um tempo para cuidar de si mesmo. Por
isso, pretendo arrumar logo um emprego, para que meu pai não precise se
desdobrar por minha causa. Já sou uma mulher, almejo minha independência e
quero muito retribuir ao papai todo o esforço que ele fez por mim.
Aparentemente, estou perto da mansão. Ao menos me lembro de ter visto
essa rua, no Google Street View. Acredito que mais três quadras à frente,
avistarei o muro gigantesco e o portão de ferro que dá acesso à propriedade.
O bairro mais nobre da cidade está repleto de belas construções. Casarões
milionários, imponentes e luxuosos, uma vitrine para a conta bancária de seus
proprietários. Estou embasbacada com tanta riqueza escancarada, confesso que
intimidada também.
Como sairei vivendo no meio dessa gente montada na grana?


Lucas Marinho nunca foi um exemplo a ser seguido. Egoísta, autoritário,
mimado e egocêntrico. É assim que o jornal local o tem descrevido ultimamente.
Mérito todo dele, o único herdeiro da família Marinho, o filhinho da mamãe e
garoto prodígio do papai. Sim, o ego deste homem foi muito bem alimentado
durante toda sua vida e ele sabe usar cada ponto a seu favor, até mesmo os
negativos. Por este motivo, Lucas é odiado, admirado e invejado. Mas não se
engane. O homem tem seu valor.
Após deixar Sabrina em casa aos prantos, Lucas desistiu de terminar seu
dia de festa entre as pernas de uma mulher. O desastre com a garota grávida o
deixou desmotivado para qualquer atividade sexual, optou por voltar para a casa,
onde tomaria um banho e pretendia dormir umas boas doze horas.
Seu Porsche era uma verdadeira máquina, a velocidade estava dentro do
limite permitido para uma rodovia, mas Lucas trafegava em uma via local, onde
deveria estar à no máximo 30km/h. Mas foda-se! A estrada estava vazia devido
ao feriado e todos os seus vizinhos estavam viajando, passando um tempo em
suas casas no litoral ou no campo. Além disso, a polícia local era composta por
alguns de seus amigos, o que não deveria interferir em nada, pois uma infração é
uma infração, mas vamos ser sinceros, interferia.
O rádio tocava em alto e bom som, uma parceria de Ludacris com Usher
e David Guetta. Lucas cantarolava Rest Of My Life e balançava a cabeça no
ritmo agitado. O loirinho de olhos azuis, se amarrava em um bom hip hop
americano.
“Dizem que o que não me mata pode me tornar mais forte
Então dois drinques à noite devem me ajudar a viver mais
Solto uma fumaça só para testar meus pulmões
Para que seguir calmamente pela vida
Para chegar seguro à morte? ”
Havia chovido algumas horas atrás, a estrada ainda estava úmida. Mas
para Lucas, isso não era um incentivo a diminuir a velocidade, continuou no
mesmo ritmo, em breve estaria em casa. Seu iPhone começou a tocar, mas Lucas
não percebeu pelo toque e sim pela tela acesa, no banco do carona. Quem ouviria
um celular tocar, com o rádio ligado no último volume? Não Lucas, certamente.
Mas o movimento involuntário do aparelho, devido ao vibracall, despertou sua
atenção. Desviou os olhos da estrada por alguns segundos, o suficiente para
pegar o iPhone do banco.
Como poucos segundos de desatenção podem causar estrago! O chafariz
de água a sua frente, o assustou. Foi pego desprevenido ao desviar o Porsche
para o acostamento, do outro lado da pista, justamente em uma das poças de
água que havia se acumulado, por causa da chuva. Deixou a capota do carro
aberta e, droga! Estava ensopado. Foi tudo muito rápido, mas logo recuperou o
controle do volante e freou.
— Puta merda!
Foi um belo susto.
— Oh, não... — resmungou uma voz feminina.
Nora estava encharcada. Esteve tão focada nas belezas arquitetônicas que
encontrava pelo trajeto, que não viu o carro se aproximar demais da calçada.
Para seu azar, justamente em uma das poças formadas pela chuva.
Engoliu o choro, era apenas água. Graças ao bom Deus, nada de grave
havia acontecido, o motorista desgovernado conseguiu parar o carro e um
desastre maior foi evitado. Mas ela estava assustada, suas pernas tremiam e
precisou se escorar no muro atrás de si para recuperar o equilíbrio e desacelerar
seu coração, que estava prestes a sair pela boca.
Colocou a mão no peito, sentindo os batimentos e tentando retomar a
calma. Olhou para o carro à sua frente, onde um homem de cabelo loiro
reclamava sobre o banco de couro legítimo e algo mais, que ela não entendeu,
devido à música alta tocando no rádio.
Ele sequer a havia notado. E se tivesse subido na calçada? Ela teria sido
atropelada e só Deus sabe o que poderia ter acontecido. Fez o sinal da cruz em
uma oração silenciosa, agradecendo ao Pai por tê-la poupado de maior desgraça.
— Seu maluco! — protestou ela, para chamar a atenção do homem.
Lucas ouviu o xingamento e franziu a testa. Desligou o rádio e olhou
para a calçada, onde a viu. A garota de cabelo castanho e olhos assustados, com
o vestido molhado colado ao seu corpo, que por sinal era perfeito. Passou a
língua pelos lábios em um gesto involuntário, força do hábito sempre que via
diante de si uma transa em potencial. Sorriu, sabendo que aquela era uma de suas
armas infalíveis de sedução. Mulher alguma resistia ao seu sorriso de
Hollywood.
Nora engoliu em seco, o homem parecia divertido ao vê-la daquele jeito.
Estaria rindo dela ou para ela? Manteve-se distante, mas não conseguiu retomar
a caminhada, o que seria sensato de se fazer. Não havia mais ninguém por
aquelas bandas e já era fim de tarde.
— Falou comigo, delícia?
Irritou-se com o descaramento do sujeito.
— Está vendo outro maluco irresponsável por aqui, além de você?
Não deveria estar provocando o desconhecido, mas Nora estava possessa
com o descaramento dele em agir como se não a tivesse ensopado com água suja
e quase a atropelado.
Lucas parou de sorrir imediatamente, diante da maneira agressiva que a
garota respondeu. Olhou para além do belo par de pernas que a jovem possuía e
sim, finalmente viu o que causou tanta revolta na moça. Ela estava tão suja
quanto o couro importado, do banco de seu Porsche. Por sua culpa, de fato. Ele
havia sido o responsável pela lambança.
— Perdão querida, não foi minha intenção molhá-la.
Mas ao reparar naquele par de pernas, Lucas teve outro pensamento. Se
fosse realmente para deixar a jovem molhada, ele queria fazer de outra forma.
Mordeu os lábios e conseguiu evitar o sorriso malicioso a tempo, não queria dar
a impressão de que estava debochando dela.
Nora nunca foi do tipo agressiva. Sempre serena e delicada, tratava a
todos com educação e respeito. Mas esteve muito tempo em um ambiente
cercado de outras mulheres, onde todas se tratavam como amigas e raramente
havia algum conflito. Não queria ser rude com o homem, mesmo que por dentro
estivesse muito chateada. Não queria chegar até seu pai vestida com roupa suja e
molhada, conhecendo ele, a encheria de perguntas e iria querer tirar satisfações
com o responsável. Melhor evitar transtornos desnecessários, pensou.
Lucas saiu do carro e foi até a bela jovem, ela era ainda mais encantadora
de perto. Infelizmente ele a havia acertado em cheio, a garota estava toda
molhada, desde o longo cabelo castanho até sua roupa. Tentou buscar na
memória o rosto dela. Tinha certeza que nunca a viu antes, devia ser nova no
bairro ou estava apenas de passagem. Ela também não parecia saber quem ele
era, coisa difícil de acontecer pelas redondezas, já que Lucas era praticamente
uma celebridade local.
— Qual o seu nome? — perguntou ele, observando-a com atenção.
Ela não estava receptiva para uma conversa amigável.
Na verdade, Nora mal conseguia raciocinar direito. Perdeu-se na íris
daquele homem e no profundo azul de seus olhos. Se existia a perfeição humana,
Nora pensou que provavelmente havia uma grande possibilidade de ela estar
diante do raro exemplar.
— O gato comeu a sua língua? — perguntou Lucas, desejando
secretamente ser o tal gato.
— O meu nome é Nora.
Ela o observou com curiosidade, como se ele fosse algum espécime em
extinção, e Lucas focou em seus olhos castanhos por alguns segundos,
correspondendo-a. Ela também parecia ser diferente, pensou ele. Então lembrou
do que sempre dizia sobre não acreditar em anjos, a não ser que visse um à sua
frente. Balançou a cabeça, achando absurdo o pensamento que lhe veio à mente.
Não, ela definitivamente não era um anjo. Parecia uma ninfa, uma bruxinha
prestes a enfeitiçá-lo.
Por sorte, Lucas era um homem sensato e nunca foi adepto a crenças
supersticiosas. Mulher alguma exercia poder sobre ele, o que estava
presenciando não era encantamento místico por alguma divindade ou força da
natureza. Era tesão. Apenas seus hormônios masculinos detectando a presença
de uma mulher gostosa.


Tento controlar, na maioria das vezes, a mania de pensar com a cabeça de
baixo, ao invés do meu cérebro. Sim, é um problema deixar o próprio pau pensar
no lugar da minha mente. Esse pode ser meu maior defeito e me envergonha
assumir, mas não sou hipócrita para dizer o contrário. Eu amo bocetas. Na
verdade, acredito que seja viciado nelas. Dizem que o primeiro passo para se
livrar de um vício é assumir que o tem, então, pensando melhor, talvez eu não
seja tão obcecado assim, apenas as aprecio sem muita moderação — você
percebeu que se for mesmo um vício, não tenho a mínima intenção de deixá-lo,
certo? Ótimo! Eu estava tentando ser irônico aqui.
Mas a culpa não é minha, não sou como um usuário de drogas que faz de
tudo e corre atrás do seu objeto de necessidade. É bem o contrário, é como se a
própria droga viesse atrás de mim e fizesse questão de ser experimentada. Sim, é
isso mesmo o que você está pensando: chove boceta na minha horta! Eu não
preciso ir muito longe para encontrar sexo, basta apenas estar disposto a foder a
noite inteira, as oportunidades surgem sem grandes dificuldades, eu analiso as
opções e é isso aí! Simplesmente acontece.
Talvez eu tenha um dom.
Já imaginou, o encantador de bocetas? Como naquele conto de fadas que
o flautista encanta os ratos com sua música, eu encanto vaginas com o meu pau.
Tudo bem, devo estar exagerando em minha analogia, mas você já deve
ter percebido que sou um cara bonito, tenho sex appeal, e bem, sou totalmente
ciente do meu poder de sedução. Isso é crime? Então pare de revirar os olhos e
não pense no quanto sou um babaca convencido, porque a culpa de egos tão
grandes como o meu, é de vocês mulheres que se enfeitam com roupas, sapatos,
maquiagem e joias, para nos impressionar. E vocês impressionam,
principalmente, se sabem da importância de um boquete bem feito e a hora exata
de dar o fora sem ser inconveniente, afinal, não irei pedi-la em casamento só
porque transamos depois de alguns drinques e um bom papo.
Aqui vai uma dica para evitar decepções futuras: aprenda a curtir o
momento, não fique criando caraminholas na cabeça, maquinando e construindo
um relacionamento que nem existe, só porque o cara te chamou de gostosa na
hora do sexo e te deu apelidos carinhosos durante a noite. Tudo bem! Vou
entregar o ouro a você: Nós temos medo de dizer o nome errado, por isso
apelidamos você de “gatinha”, “minha linda”, ”princesa”, “gostosa”, “meu
anjo”... Pense que somos cretinos insensíveis ao fazermos isso, mas no fundo,
estamos pensando no seu bem-estar. Não queremos vê-la chateada caso o seu
nome seja “Carolina” e na hora do orgasmo sai “Aline”, sem querer... Apenas
procure ver pelo lado positivo.
Certo, não queria ter divagado tanto, mas um assunto levou a outro e
acabei me dispersando. Minha grande fraqueza está me dominando, não deveria
estar tão duro dentro das calças, não quando uma garota me encara assustada e
observo seus lábios começarem a tremer por estar molhada.
Eu deveria ajudá-la, certo?
É um momento apropriado para ser gentil e não um tarado. Sou o
culpado por ela estar encharcada e suja. E chateada.
— Oi, Nora. Eu sou o Lucas. — Aproximo-me dela, na calçada.
Tenho certeza que ela recuaria um passo, se já não estivesse escorada no
muro.
Será que estou assustando-a?
— Foi mal. — Tento uma nova abordagem. — Eu me distraí com o
celular e acabei fazendo merda.
Ela sorriu de leve, acho que não queria rir, mas não conseguiu evitar.
— Podia ter me atropelado. — Sua voz suavizou-se.
Nora aparentava estar mais calma.
— Eu sinto muito, mesmo. — Uso uma expressão cabisbaixa, tentando
mostrar a ela meu arrependimento. Não que eu esteja arrependido. Bem, de certa
forma estou. Posso não ser o cavalheiro de armadura, mas jamais machucaria
uma pessoa intencionalmente, foi imprudência da minha parte e nada que eu
dissesse justificaria. — Quer uma carona? Posso deixá-la em sua casa, assim
você não anda por aí suja e molhada.
Ela morde seus lábios de uma maneira tão sexy.
Eu preciso parar com isso!
— Estava indo ver meu pai. Não é exatamente a casa dele, mas ele mora
lá.
Franzo a testa. Que explicação confusa.
— Eu te levo.
Ela já não me encara com desconfiança, o que é bom, mas parece
envergonhada. Talvez seja tímida, eu não sei. Essa garota me intriga de uma
forma que não consigo descrever.
— Tenho que voltar para a rodoviária, não é tão longe. Irei a pé.
— Por que vai embora? Não ia ver seu pai?
Ela dá de ombros, mas a maneira como está segurando a alça da mochila
com demasiada força, entrega seu nervosismo.
— Deixei minha mala na rodoviária, é pesada e não consegui trazer.
Preciso trocar de roupa, meu pai vai pirar se souber que um doido passou
correndo e me molhou na calçada.
— Ei, não sou um doido!
Ela ficou vermelha, instantaneamente. Parece envergonhada ao se dar
conta do que disse sobre mim. Acho que nunca vi uma mulher ficar encabulada
na minha frente, não de verdade. As mulheres que conheço costumam ser
dissimuladas, mas Nora parece diferente de qualquer uma delas, ela havia corado
e o fato era... Fofo?
Desperto dos meus pensamentos quando ela começa a andar na direção
contrária, está retomando o caminho para a rodoviária. Se fosse outra mulher ou
outra ocasião, diferente de eu ser um desastrado e quase tê-la atropelado, teria
lhe dado às costas e ido embora. Mas aqui estou, correndo atrás de uma
desconhecida, pegando-a pelo braço e fazendo-a me olhar nos olhos, gesto que
me arrependo profundamente. Ela parece devorar minha alma e desvendar meus
segredos, o que é bem ruim, porque meus segredos são sujos para olhos tão
inocentes.
Cacete!
— Deixa eu te ajudar — peço, tentando não sucumbir ao desejo de
colocá-la em meus ombros, como um saco de batatas, e jogá-la no banco do meu
carro.


Acho que não devo aceitar a carona desse homem. Ele me intimida de
uma maneira que não consigo entender. Puxo meu braço de sua mão e ajeito a
mochila em minhas costas. Suspiro, cansada. Tudo o que mais quero é tomar um
banho quente e trocar de roupa.
— Eu nem conheço você — digo, tentando fazê-lo ir embora. — Está
desculpado pela lambança, mas posso ir caminhando até a rodoviária.
Viro às costas e volto a caminhar, sinto seu olhar em mim, mas ignoro.
Ouço passos se aproximando e fico nervosa.
— Não sou um bandido — ele diz, parecendo indignado com a minha
desconfiança. — Todos me conhecem por aqui, o que prova que você é
forasteira. Quem é o seu pai? Talvez eu o conheça. Se sentiria melhor se eu o
conhecesse?
Pelo visto, ele não vai parar de insistir. Acho que não custa nada eu lhe
dizer quem é meu pai. Paro de andar e me viro para olhá-lo novamente. Ele me
assusta, mas ao mesmo tempo ... Não sei.
— Sou filha do Bento Sampaio, ele trabalha na casa da família Marinho,
como jardineiro.
Lucas me olha espantado, como se eu tivesse falado um grande absurdo.
Então o inesperado acontece, ele começa a rir descontroladamente. Pisco os
olhos rapidamente, tentando acordar de um sonho maluco, mas é real. Esse
homem está rindo do meu pai!
Cruzo os braços e o encaro furiosa.
Quem ele pensa que é para rir do meu pai ou de mim?
— Você não pode ser filha do Bento — ele diz entre suas risadas. — Ele
não tem idade para ser pai de uma mulher do seu tamanho. O cara tem o quê?
Trinta? E você? Deve ter uns vinte e poucos anos.
É minha vez de começar a rir, deixando-o confuso. Não acredito que ele
pensa que sou mais velha. Tudo bem, meu corpo é bem desenvolvido e acho que
sou mais madura do que muita garota por aí, mas vinte e poucos? Que exagero!
Não faz sentido ele pensar que Bento e eu não somos pai e filha.
— Bento é meu pai — digo séria. Ele tem que entender que não estou de
brincadeira. — Ele tem trinta e seis, e eu, dezessete.
O riso de Lucas cessa instantaneamente. Ele me encara sério, até demais.
Acho que percebeu que não estou brincando.
— Você é uma menina...
— Sou sim — respondo, achando graça.
— Veio sozinha até aqui?
Dou de ombros.
— Uhum. Como diz a irmã Noêmia, quem tem boca vai ao rumo...
Ele ri de novo e começo a ficar irritada.
— Por que tá rindo? Tenho cara de palhaça, por acaso?
Lucas percebe que estou chateada, levanta as mãos ao alto.
— Calma aí, garota. Não tô te zoando. Eu achei engraçado o que disse, o
ditado certo é: quem tem boca vaia Roma.
Reviro os olhos.
Esse Mauricinho filho da mãe, quer me dar aulas?
— Vai à Roma ou ao rumo, dá no mesmo! Isso é coisa da irmã Noêmia.
Eu cheguei onde queria, fui perguntando e já estava a caminho da casa dos
Marinhos, para ver meu pai. Até você aparecer e me estragar toda.
— Eu já pedi desculpas, cacete! Vaia Roma, no sentido de vaiar, não de ir
à Roma. Mas que droga! Por que estou aqui discutindo com você?
Dou um passo para trás.
— Ei! Já deu sua aula de ditados populares e está desculpado pelo quase
atropelamento. Mas vou recusar sua carona.
— Por quê?
Porque você me assusta...
— Porque você é um estranho e... Eu não fui com a sua cara.
Acho que exagerei, mas não volto atrás.
Ele parece não acreditar que eu disse o que disse, mas logo se recompõe
e coloca as mãos na cintura.
— Tudo bem, menina. Fiz minha parte como um cidadão responsável,
mas já que você é mais irritante que motor afogado, eu vou embora.
Eu quem deveria estar irritada, não ele. Mas não quero encrencas, estou
em uma cidade nova e esse cara pode ser alguém importante, pois dinheiro é
óbvio que ele tem, e minha tia Laurinha me contou que as pessoas quando
possuem dinheiro demais, acham que são donas do mundo e até mesmo de
outras pessoas. O melhor a fazer é voltar para a rodoviária, trocar de roupa e
depois procurar meu pai. Viro às costas novamente e apresso o passo.
Espero não o ver tão cedo, pois provavelmente nos esbarraríamos por aí.
Cidade pequena, todo mundo conhece todo mundo.
Ouço o motor do carro e me seguro para não olhar para trás, ele foi
embora e só quero esquecer o incidente.


Levou mais tempo que o planejado, mas Nora conseguiu encontrar o
enorme portão de ferro com o brasão da família Marinho. Havia uma guarita e
ela se aproximou para conversar com o homem responsável pela segurança.
— Boa tarde, eu posso falar com o Bento Sampaio? — pediu a garota,
cruzando os dedos para que logo encontrasse seu pai.
— A senhorita, quem é? — interrogou o senhor de cabelo grisalho,
observando-a com curiosidade.
Nora sorriu, envergonhada. Ela sabia que nem todos estavam cientes do
fato de Bento ser pai.
— Sou a filha dele, quis fazer surpresa e não avisei que estava chegando.
Pode chamá-lo, por gentileza?
— Jesus, Maria e José, e eu lá sabia que o Bento tinha uma filha?
O senhor Gerônimo acabara de iniciar seu turno na guarita da mansão
Marinho, ficaria ali até a meia-noite. Conhecia Bento Sampaio, eram colegas e
se davam bem, mas não amigos tão íntimos a ponto de conhecer a história
familiar do jardineiro. A menina diante de si era bastante jovem, mas Bento não
aparentava ter mais de quarenta anos, menos que isso até.
— Sou Nora, filha do Bento — reforçou a garota.
Ele sorriu para ela, demonstrando simpatia. A menina era bonita e bem-
educada. O sol estava quase se pondo e provavelmente Bento estava terminando
de guardar as ferramentas, ele trabalhava nos sábados às vezes. Discou o número
do celular do jardineiro e aguardou.
Bento estava cansado, havia cortado a grama de grande parte do terreno.
No dia seguinte pretendia terminar o serviço de corte e iniciar a aparagem dos
arbustos, não tinha nada para fazer durante o feriado e optou por adiantar o
serviço. Pensou em visitar sua irmã Laurinha e talvez buscar sua filha Nora, mas
ainda não tinha preparado o quarto para que ela ficasse bem instalada, queria
fazer uma surpresa. Torceu para que não chovesse, mas havia conferido na
previsão do telejornal local que o dia seria de muito sol. Embora os
meteorologistas nem sempre acertassem, ele estava confiante. O celular que
carregava no bolso de seu macacão, para a comunicação entre os funcionários da
mansão Marinho, começou a vibrar. Era da portaria.
— Gerônimo?
Sabia que o senhor Gerônimo era o responsável pelo turno da noite, eram
colegas há mais de cinco anos e Bento gostava de conversar com ele quando
tinha oportunidade.
— Boa tarde, Bento. Tem uma menina aqui na portaria, disse que é sua
filha.
O coração de Bento acelerou. Sua filha, na mansão? Ele não estava
sabendo de nada, havia conversado com Nora há alguns dias e ela não tinha lhe
comunicado que viria. Não estava preparado para recebê-la como ela merecia.
Queria que sua Nora tivesse um quarto de princesa, mesmo que não pudesse
proporcionar grande luxo a ela, faria o que estivesse ao seu alcance. Mas tudo o
que tinha em casa no momento era um colchonete velho, em uma cama de
solteiro muito antiga e um cobertor extra.
— Nora? — perguntou incrédulo. — Posso falar com ela, Gerônimo?
— Claro!
Levou poucos segundos para Bento ouvir a voz de sua amada filha do
outro lado da linha. Era mesmo verdade, Nora estava de volta!
— Pai, desculpe não ter avisado. Eu quis fazer uma surpresa.
Bento sorriu, emocionado. Fazia alguns meses que não a via.
— Minha querida, você é sempre bem-vinda. Vou buscá-la na portaria,
me espere.
Terminou de guardar as ferramentas e após lavar suas mãos e o rosto
suado, Bento correu para encontrar Nora na guarita. A garota estava sentada ao
lado do senhor Gerônimo, que descascava uma laranja enquanto sua filha
chupava uma já descascada. A menina sorriu quando viu o pai se aproximar,
levantou-se e correu para abraçá-lo. Desta vez, Nora vestia uma calça de
moletom e uma regata. Havia trocado de roupas e colocado uma reserva em sua
mochila, antes de retomar o caminho à procura de seu pai. Prendeu o cabelo em
um rabo de cavalo, para disfarçar que estavam sujos e fez de tudo para que o pai
não desconfiasse do banho de lama que havia tomado. Aparentemente, ele nem
reparou.
— Que saudade da minha princesa!
Bento era sorriso de orelha a orelha, assim como Nora. Ela deixou a
laranja cair no chão, mas não desgrudou do abraço forte do pai.
— Vim para ficar, pai. Agora o senhor vai enjoar de mim — brincou
Nora.
— Como se fosse possível enjoar de você.
Bento e Nora se despediram de Gerônimo, após uma apresentação
formal, e o jardineiro levou sua filha até o casebre na parte de trás do enorme
terreno.
— Trouxe só essa mochila? — Bento sabia que a filha tinha poucas
roupas, mas não imaginou que caberiam tudo em uma única mochila. Seu sorriso
se foi, triste por não conseguir dar a ela muito mais.
Nora percebeu a tristeza do pai, mas tentou disfarçar o incomodo. Iria
procurar um emprego o quanto antes, seu pai não precisava se desdobrar para dar
a ela as roupas que gostaria de ter. Nunca foi de luxo, sempre valorizou o que
ganhava. Principalmente os presentes de valores sentimentais, como cartas,
fotografias e alguns botões de rosa. Guardava tudo em uma caixa de madeira, a
única coisa que sua mãe deixou para trás antes de ir embora.
— Deixei a mala na rodoviária, estava pesada demais. Podemos buscá-la
amanhã? Eu paguei um guarda-volumes.
Bento sorriu, um pouco mais tranquilo.
— Pego a caminhonete amanhã cedo e busco para você.
— Obrigada pai.
Estavam sentados à mesa da cozinha. A casa era pequena, mas bonita e
confortável, possuía dois quartos, um banheiro e uma cozinha conjugada com a
sala de estar. Era de alvenaria, pintada de branco por dentro e um tom de azul
claro por fora. Nora havia achado a casa um charme, como uma casinha de
bonecas. Possuía uma pequena varanda, onde uma rede estava pendurada, alguns
vasos de plantas bem cuidadas estavam espalhados por todo o ambiente. Ela se
sentiu à vontade ali, no lar de seu pai e agora o seu também. Mesmo vivendo
sozinho, Bento cuidava muito bem de sua casa, e agora Nora poderia ajudá-lo e
tomar as tarefas domésticas como sua obrigação.


A imponente mansão da família Marinho era o lar de Lucas desde que
nascera, assim como de seu pai, seu avô, bisavô e tataravô. Embora fosse antiga,
os cuidados e restaurações deixaram a imensa casa com aparência de nova.
Lucas amava aquele lugar, lhe remetia boas lembranças da infância e também
era parte de sua história. Sua família havia levantado um império e a mansão era
apenas um dos muitos bens que herdaria de seus antepassados. Viviam ali ele e
seus pais, Alfredo e Isabella Marinho. Os avós já haviam partido para o outro
plano e assim como Lucas, Alfredo era filho único. Os empregados viviam em
uma ala separada, circulando por ali apenas no horário estabelecido.
Estava deitado em sua cama, irritado pela noite mal dormida. Frustrado e
em contradição, seu corpo queimava de desejo quando sua mente reproduzia a
imagem de uma garota de cabelo e olhos castanhos. Seu pau pulsava dentro da
cueca, implorando por alívio, mas Lucas recusava-se a ceder o impulso de tocar-
se pensando naquela menina.
— Dezessete anos? Com aquele corpo suculento? — perguntou em voz
alta, sem obter resposta.
Ele sabia que era verdade, simplesmente porque não imaginava que uma
pessoa de olhar tão transparente como o de Nora, pudesse dizer alguma mentira.
Lucas estava intrigado pela maneira como seus pensamentos voavam com pressa
em direção à garota, não entendia o motivo de tal obsessão, sim, ele mesmo
havia empregado tal palavra para descrever sua cisma com a jovem que quase
atropelara.
Fechou os olhos e tentou esquecê-la, mas ali estava a imagem da jovem
usando seu vestido floral, encharcado e colado ao seu corpo delgado, encarando-
o com volúpia e desnudando-o com um sorriso de ninfa das águas. Foi o
suficiente para que Lucas abaixasse sua mão para dentro de sua cueca. Pegou seu
membro e o acariciou enquanto respirava com a boca aberta e a cabeça jogada
para trás.
— Gostosa pra caralho — murmurou, imaginando os lábios rosados de
Nora em volta do seu pau, sugando-o com vontade, devorando sua carne e
engolindo tudo o que ele tinha para lhe dar.
Quando o líquido esparramou por sua mão, trazendo-lhe o alívio
momentâneo, Lucas sentiu-se envergonhado por ter sucumbido a uma fantasia.
Nunca precisou de artifícios para se satisfazer com a mulher desejada, se ele
quisesse alguém em sua cama, conseguia, não se contentava com a imagem
projetada de uma ilusão.
Definitivamente, pensou que estava enlouquecendo.


Noite de merda. É isso mesmo, uma grande e longa noite de merda.
É domingo e geralmente sou muito animado aos domingos, mas
certamente não hoje. Cacete, hoje eu só quero ficar quieto e não conversar com
ninguém. Preciso colocar a cabeça em ordem e explicar para o amigo entre
minhas pernas, que o dono da porra toda sou eu. Eu sou o cara, o que manda na
parada, o que dá a palavra final. Então, enquanto meu pau não aprende a me
obedecer, estou recluso em minha própria casa. Chega de farra por um tempo, ao
menos até voltar a ser dono do meu próprio desejo.
Quer saber? Um banho de piscina pode me fazer bem. Está calor e ainda
não são nove horas da manhã. Meus pais provavelmente estão dormindo e há
pouca movimentação dos empregados. Domingo é folga da maioria.
Dou meu primeiro mergulho e a água gelada faz minhas bolas
encolherem até quase implodirem em meu corpo. Porra! Talvez não esteja tão
calor quanto eu imaginava. Dou algumas braçadas pela piscina até me acostumar
com a temperatura, o que finalmente, não demora a acontecer. Menos mal,
queria relaxar e não me autoflagelar.
Sento na borda da piscina e recupero meu fôlego.
— Bom dia, senhor Lucas.
Sorrio debochado.
— Não faça eu me sentir um velho, Bento. Bom dia para você também.
Ali está o cara, o culpado pela minha noite mal dormida. Por que esse
homem tinha que ter uma filha tão gostosa? Devia ter usado camisinha ao invés
de ser o responsável por colocar no mundo uma pessoa tão...
Ah! Eu devo estar pirando de vez.
— É a força do hábito doutor — responde o jardineiro.
Doutor! Está aí outra coisa que detesto. Eu não sou médico, se é o que
você está pensando. Mas tenho meu diploma em engenharia mecânica para
deixar meu pai orgulhoso por não ter um filho vagabundo.
Ei, não vá pensando merda a meu respeito. Não sou um Mauricinho
folgado. Dou duro também, sabia? E não estou me referindo ao que você
testemunhou na noite passada, tô falando de trabalhar. Sim, eu trabalho e muito.
Tá achando que isso aqui é apenas um corpo bonito e sarado, com um par de
incríveis olhos azuis? Eu coloco a mão na graxa, muitas vezes.
Eu te surpreendi agora, não foi?
— Bento, é verdade que você tem uma filha?
Bento sorri, parece orgulhoso.
— Notícia corre rápido, por aqui. — Deu de ombros. — Já tá todo
mundo sabendo que a Nora veio morar comigo?
Ei, ei, ei!
Como assim, morar?
Pensei que a fedelha estivesse apenas de passagem.
— Não tô sabendo de nada — aviso. Falar daquela garota me desperta
um calor do caralho. — Eu a encontrei ontem, a caminho da mansão. Ela disse
que era sua filha e eu ri da menina, cara, eu nem fazia ideia que você tinha filha
daquele tamanho.
É, eu devia ser ator. Hollywood me amaria com certeza.
— Fui pai muito jovem — contou. — A mãe dela me deixou logo após o
parto. Você era um menino. Nora estava estudando em um colégio de freiras,
mas concluiu o ensino médio tem uns meses. Conversei com seu pai e ele
permitiu que ela vivesse aqui comigo.
Oh, não! Isso não pode estar acontecendo. Ela não pode morar na minha
casa, eu não posso vê-la todos os dias andando por esse pátio com aquelas
pernas incríveis e aquele sorriso de menina sapeca.
Engulo em seco, preciso ser mais sensato, eu sou um homem de vinte e
oito anos, não um adolescente punheteiro de treze.
Espere aí, eu ouvi direito?
— Freiras? Sua filha vai ser freira?
Lembra-se de minhas bolas encolhidas pelo frio? Elas estão tentando se
enforcar, agora.
A gargalhada do Bento me tranquiliza.
— Não, era uma escola só para garotas, dirigida por freiras — explica. —
Minha irmã é uma das freiras que leciona lá, eu consegui uma vaga para Nora
desde a primeira série, por isso você nunca a viu, tenho ido visitá-la ao longo dos
anos.
Balanço meus braços na água, tentando disfarçar minha curiosidade
excessiva.
— Vai trabalhar hoje? — pergunto, mudando de assunto.
Bento não é besta, ele sabe que sou mulherengo e ficar perguntando
sobre sua filha não é uma boa pedida.
— Mais tarde, eu vim falar com o seu pai. Quero pedir a caminhonete
emprestada, preciso ir à rodoviária buscar a mala da Nora.
— Pode pegar — autorizo.
— Obrigado patrão, não vou demorar.
— Leve o tempo que precisar.
Bento acena um tchau e vai em direção à garagem.
Sim, estou completamente fodido.


Estou encantada com meu novo lar. Ainda é cedo e meu pai saiu para
buscar minha mala na rodoviária, preferi ficar em casa e aproveitei para lavar a
louça do café da manhã e ajeitar a casa. Não havia muito o que fazer, meu pai é
um homem organizado e nossa casa está impecável.
Observo a propriedade a minha volta, estou sentada na rede pendurada na
pequena varanda da casa, balançando-me enquanto penso no que posso fazer
para me distrair.
Não quero ficar rondando a propriedade, meu pai é um funcionário e
mesmo que more aqui, não me sinto à vontade para andar pelos arredores como
se esse lugar também me pertencesse.
Existe uma chácara mais ao fundo do terreno, muitas árvores frutíferas
que meu pai plantou e cultivou ao longo dos anos. Ele disse que eu podia pegar
qualquer fruta que quisesse.
Sorri, lembrando das vezes que me visitava no colégio e levava goiaba
branca para me presentear. Em parte, porque era minha fruta favorita, mas
também porque não tinha condições de me dar presentes caros. Meu pai recebe
um bom salário como jardineiro, porque ele faz muito mais que cuidar do jardim
e seus patrões reconhecem o seu trabalho. Mas ele passou anos pagando a
mensalidade do colégio interno e custeando meu material escolar, além de
roupas, calçados e tudo o que era necessário para eu viver bem. A escola era
frequentada por garotas ricas e meu pai não queria que eu me sentisse diminuída,
mesmo que eu insistisse que não precisava estar ao mesmo nível de minhas
colegas.
Levanto-me e calço um par de chinelos. Estou vestida com uma bermuda
jeans e uma bata de algodão. O objetivo já está traçado e caminho em direção à
goiabeira da qual meu pai tanto se gabava.
— Isso vai ser divertido.
Deixo os chinelos perto do tronco e me impulsiono no galho mais baixo,
ele aguentará o meu peso. Subo logo e exploro os galhos mais altos, maravilhada
por ver o pé carregado de goiabas. Eu vou me esbaldar.
Sento-me em um galho mais grosso e seguro, tendo certeza de que ele
não corre o risco de quebrar. Seleciono algumas frutas não muito maduras e uso
minha bata para segurá-las.
Esfrego a primeira goiaba em meu jeans, antes de dar a primeira
mordida. É uma delícia, do jeitinho que me lembrava. Fazia um bom tempo que
não as comia, desde a última época da fruta.
Ouço passos se aproximando e tento olhar ente os galhos para ver de
quem se trata, permaneço em silêncio, mas sorrio travessa, imaginando o susto
que darei em meu pai.
— Você? — pergunto surpresa, ao ver o rosto conhecido do jovem que
quase me atropelou no dia anterior.
Ele se assusta com a minha voz e olha para cima, encontrando-me. Assim
que seu olhar encontra o meu, vejo-o sorrir. Está com as mãos na cintura e
parece ainda mais atraente do que eu poderia me lembrar.
Seu nome é Lucas, eu lembro que ele havia se apresentado. Mas o que
está fazendo aqui?
— Ei, Nora!
Ele lembra o meu nome e não parece chateado comigo. Nossa despedida
não havia sido a mais amigável, não pensei que tornaria a vê-lo tão cedo, muito
menos aqui, na propriedade dos Marinhos.
— O que faz aí em cima, garota? — pergunta, ainda com aquele sorriso
de artista de cinema.
— Comendo goiaba. — Mostro a ele minha goiaba mordida e em
seguida coloco o último pedaço da fruta em minha boca.
Sem prestar atenção, solto a mão que segura minha bata e logo minhas
goiabas selecionadas escorregam pelo tecido e caem, não no chão, mas em cima
do homem. Quase me afogo ao engolir o pedaço que havia mastigado, mas
consigo me recuperar a tempo. A tempo do afogamento, mas não de evitar a
risada ao vê-lo desviar-se das frutas. Uma delas cai exatamente no centro de sua
testa e acho que doeu pois ele fica passando a mão na região, parecendo bastante
incomodado.
— Pega leve aí, Nora!
Solto uma gargalhada e me arrisco bater palmas. É muito engraçado a
careta que ele faz, não consigo parar de rir.
— Não estou achando graça nenhuma — diz ele, irritado.
Minha risada não cessa e lágrimas começam a surgir em meus olhos.
— Você bem que mereceu — revido, ainda entre uma risada e outra.
Para meu azar, desequilibro-me do galho em que estou e não consigo
voltar à posição segura de antes. Sim, eu vou cair e o medo assola-me.
Dou um grito e fecho os olhos, preparando-me para sentir o impacto de
meu corpo contra o gramado. Droga, mesmo que não seja uma grande altura, sei
que vai doer.
Sou surpreendida quando dois braços fortes me seguram com força,
usando seu próprio corpo para amortecer minha queda. O que para mim foi
reconfortante, mas certamente, para Lucas, dolorido.
— Ei doçura, peguei você.
Tento sair de cima dele para que possa se levantar, estamos caídos no
gramado úmido e seus braços me prendem pela cintura. Ele não parece fazer
questão de me soltar tão cedo. Meu cabelo está solto e esconde o seu rosto de
minha vista, consigo desprender uma de minhas mãos e jogo minhas madeixas
para trás dos ombros, tendo a visão de seus incríveis e hipnotizantes olhos azuis.
Por Deus...
Esse homem tem os olhos mais lindos que já vi na vida.
Sinto-me paralisada, olhando-o com demasiada atenção. Sua respiração
se mistura com a minha, estamos muito próximos e acho que nunca estive tão
perto de um homem como agora.
Engulo em seco, mas não consigo me mover ou desviar meus olhos.
Existe uma energia que me prende a ele, parece tão certo estar ali.
— Quando é o seu aniversário? — ele me pergunta, fazendo-me sair do
transe.
— Em dois meses, por quê?
— Serão os dois meses mais infernais da minha vida.
Molho meus lábios com a língua, em um gesto involuntário. Minha
respiração está pesada e não entendo porque meu corpo parece se eletrizar. É
uma sensação tão estranha, mas ao mesmo tempo boa. Eu não sei explicar.
Caramba, é algo novo para mim e tenho a leve impressão de que tem a ver com o
fato de eu estar muito próxima de Lucas.
Sinto algo duro em minha perna, que está entre as pernas dele. O rubor
surge instantaneamente em meu rosto e sim, posso ser inexperiente, mas não sou
tão ingênua quanto pareço.
Lucas está excitado. Muito excitado.
— Oh meu Deus... — murmuro.
Suas mãos desprendem minha cintura e agora cobrem o seu rosto, ele
suspira frustrado.
— Levante-se, Nora.
— Tudo bem.
Levanto-me desajeitadamente e ele permanece deitado na grama, com o
rosto ainda coberto pelas mãos. Olho para o volume em sua calça e aquela
sensação elétrica ainda percorre meu corpo. Está calor além da conta, também.
Lucas levanta-se habilmente e limpa sua calça jeans, retirando as folhas
que haviam grudado na roupa.
— Agora estamos quites — diz ele, aproximando-se de mim. — Na
verdade, você me deve uma. Eu te molhei com o carro, você me jogou goiabas
na cabeça...
— Eu não jog...
— ... Mas eu te salvei de se esborrachar no chão. E veja só o estado em
que você me deixou?
Imediatamente meus olhos vão para o volume de sua calça, ainda em
bastante evidência.
— Todo molhado da grama e sujo dessas folhas fedorentas. — Completa
Lucas, sorrindo maliciosamente. — Isso é culpa sua, Nora.
Lucas aponta para o jeans, mas a impressão que tenho é que ele não está
se referindo a sujeira da calça, mas sua excitação.
— Desculpe — peço, desviando o olhar. — Não foi minha intenção.
— Certo, não foi a minha também.
Sem dizer mais nada, ele me dá as costas e vai embora.


Para Lucas, não ter o controle de seu próprio corpo era revoltante. Ele
sempre foi seguro de si e ciente de sua sexualidade, sabia usar o charme e beleza
a seu favor e transformou a arte da conquista em um dos seus passatempos
prediletos. Mas sabia que as sensações que Nora lhe proporcionava, eram algo
muito além do que já havia vivenciado. E isso o assustou.
A garota era menor de idade e filha de um funcionário antigo da casa.
Não apenas um simples funcionário, mas Bento Sampaio, um dos homens mais
decentes e gente boa que Lucas conhecia e por quem tinha enorme apreço.
Qualquer tipo de envolvimento com ela seria ultrapassar um limite além do
permitido. Ela era proibida para ele por um número X de razões.
Tê-la tão próxima a seu corpo o fez pensar nas inúmeras possibilidades.
Poderia tomá-la ali mesmo, naquele gramado úmido, sem pudor algum. Seu
membro deixou claro o quanto a queria, naquela manhã quando despertou
pulsante e mais tarde, quando a teve em seus braços ao cair da goiabeira.
Uma menina levada que trepava em árvores.
Fechou os olhos com força, amaldiçoando-se por estar pensando
obscenidades com uma garota. Mas ela não parecia uma menina, Nora tinha
corpo de mulher. O quão insano era este desejo que o consumia?
Observou a caminhonete aproximar-se. Era Bento, chegando da
rodoviária. Entrou às pressas para dentro da mansão, não queria encarar o
homem. Precisava de um banho frio e também de distrações para o domingo e a
segunda-feira de feriado. Não podia ficar ali, iria enlouquecer.


Nora estava sentada na rede quando seu pai chegou segurando sua mala.
Levantou-se e abraçou o pai, agradecendo por ter buscado seus pertences. Foram
para dentro da casa e Bento acomodou a mala da filha em cima da cama
provisória dela.
— O que fez enquanto estive fora? — perguntou à menina.
— Fui até a goiabeira.
Ele riu.
— Espero que não tenha comido demais, você sabe que pode causar
prisão de ventre, não sabe? Não quero que passe mal.
— Comi apenas uma, eu juro!
— Ótimo. O que quer fazer hoje? Não sei exatamente o que garotas da
sua idade gostam de fazer para se distrair. Tricô, talvez?
Nora gargalhou tanto que suas têmporas doeram.
— Tricô, pai? Tá falando sério?
Bento revirou os olhos.
— Eu disse que não sabia o que garotas costumam fazer. — Coçou a
nuca, parecendo desconfortável.
Nora deu um tapinha no ombro do pai.
— Não se preocupe, pai. Arrumarei minhas coisas no lugar, aproveitarei
para lavar algumas roupas que estavam guardadas há muito tempo. Não vou te
dar trabalho, e também não sei o que o senhor costuma fazer aos fins de semana.
Bento deu de ombros. Não costumava fazer grandes coisas quando estava
de folga.
— Nada demais. Ainda tenho algum trabalho para fazer — explicou. —
Geralmente vou até a lanchonete do centrinho, no domingo à tarde, para assistir
aos jogos do Campeonato Estadual. Lá tomo um chope e converso com alguns
amigos. Depois volto para casa, pego meu violão e fico sentado na rede,
tocando.
Nora sorriu, encantada.
— Eu não sabia que o senhor tocava violão.
— Nunca contei a você?
— Não.
— Desculpe filha, acho que nunca tive a oportunidade de tocar no
assunto.
— Que tal, depois do almoço, o senhor me ensinar a tocar violão?
Adoraria aprender.
Os olhos de Bento brilharam em expectativa. Sentia-se muito feliz por
Nora estar ali com ele, seria gratificante que pudesse lhe ensinar a tocar violão.
— Claro, minha menina.
Ser pai solteiro nunca foi uma tarefa fácil, ser responsável por outra vida
além da sua foi algo que pegou Bento de surpresa, principalmente quando sua
amada Adelina o deixou sozinho com a criança.
Adelina era uma linda jovem, tinha apenas dezessete anos quando
engravidou e Bento não a deixou desamparada. Ele a pediu em casamento,
mesmo que a diferença entre as classes sociais fosse gritante. Sabia que os pais
de Adelina o detestavam e que ela sempre foi muito acima de seu nível social,
mas a amava e era correspondido, o que tinha de tão errado naquele amor que
fazia com que ninguém os aceitasse?
Mas destino foi cruel com Bento, Adelina passou a gravidez em um sítio
de sua família, pois ninguém além dos pais dela e o pai e a irmã de Bento,
sabiam sobre o bebê que estava a caminho. Após um parto complicado, veio a
grande surpresa: Bento e Adelina eram pais de uma linda menina. Foi Adelina
quem escolheu o nome de Nora, homenageando uma de suas escritoras favoritas,
Nora Roberts. Bento gostou do nome e quando pegou a menina em seus braços,
simplesmente compreendeu que aquele pequeno pedacinho de gente havia
roubado o seu coração e que daria a própria vida para que ela fosse feliz. No dia
seguinte, a grande decepção de Bento: Adelina havia ido embora no meio da
noite, deixando um bilhete. Naquele pequeno pedaço de papel, estavam as
palavras que despedaçaram o coração de Bento para o amor. Ela não suportava
olhar para a pequena criança, não desejava ser mãe, não desejava ser esposa.
Queria viver sua vida e recomeçar, esquecendo-se dos erros que havia cometido.
Bento era um erro para ela, e Nora um erro maior ainda. Foi a partir daquele dia
que abdicou de todos os seus sonhos, tornando Nora sua prioridade na vida.
Não foi fácil, teve que largar a faculdade e arrumar um emprego.
Conseguiu moradia com seu pai, na mansão da família Marinho, onde havia se
criado antes de terminar o ensino médio e ir morar num dormitório de faculdade,
em uma cidade próxima. Sua irmã mais velha, Laura, era freira e lecionava em
um colégio interno para garotas. Seu pai, já viúvo, vivia sozinho no pequeno
casebre, mas fez de tudo para que Bento e a pequena Nora pudessem viver com
ele. Quando o pai de Bento adoeceu, parecia que o mundo havia desabado em
suas costas, precisava dar conta do trabalho na propriedade dos Marinho e
pagava uma enfermeira para cuidar do pai e olhar sua bebezinha. Quando seu pai
faleceu, o cargo de jardineiro ficou com Bento, que teve a oportunidade de um
salário melhor para pagar alguém que olhasse sua menina durante a semana.
Dois anos depois surgiu a vaga em uma creche municipal, e quando Nora
completou sete anos de idade, conseguiu colocá-la no colégio interno, onde sua
irmã Laurinha ficaria responsável pela sobrinha.
Se fosse possível, Bento jamais deixaria Nora estudar tão longe,
principalmente porque não tinha condições de pagar o transporte para que a filha
voltasse para casa todos os fins de semana. Nora ficou muitas vezes na escola,
pois ele também não conseguia visitá-la sempre. Laurinha lhe dava suporte, mas
em sua consciência, Bento sabia que a filha sentia falta dele, e ele a sua. Sempre
foram muito ligados e agora com Nora de volta a casa, queria fortalecer o laço
entre pai e filha. Queria ser seu amigo, seu porto seguro, queria que ela visse
nele um pai com quem pudesse contar sempre que precisasse, alguém que jamais
a abandonaria. Bento era pai, era mãe, avô e avó. Bento era tudo o que Nora
tinha na vida, além de sua tia Laurinha.


— Está em casa? — perguntou Lucas, assim que Caio atendeu o celular.
— Sim, numa ressaca fodida — respondeu o amigo, com a voz
estrangulada.
Lucas riu. Seu amigo gostava de farra tanto quanto ele.
— Que tal uma corrida? Preciso relaxar — sugeriu.
— Estou na bad, brother.
Lucas lembrou-se de Sabrina e do pequeno problema que ela e Caio
tinham pela frente. Se Caio acreditava que estava na bad, como dizia quando se
sentia mal, ele não fazia ideia do que estava por vir quando descobrisse que
Sabrina estava esperando um bebê. Mas não seria Lucas o mensageiro da boa
nova.
— Você não precisa dirigir, eu piloto. Preciso de alguém para conversar.
— Espero que não seja sobre mulher.
— Por quê?
— Cara, quando um homem precisa conversar com outro homem sobre
mulher, é porque a coisa está ficando séria.
— Não tem coisa nenhuma. Só preciso desabafar.
— Tudo bem, eu te encontro no autódromo em uma hora.
— Fechado.
Lucas não estava mentindo. De fato, não havia nada entre ele e Nora,
apenas uma leve obsessão da parte dele em relação à garota. Embora acreditasse
que ela também se sentia atraída por ele, só não tinha tanta consciência do fato.
Lembrou-se da garota de olhos castanhos e sorriso travesso. Ela parecia
inocente e ao mesmo tempo tinha uma astúcia que o deixava maluco. Uma
pequena bruxinha que o havia enfeitiçado de alguma maneira desconhecida.
Finalizou a ligação e foi para a garagem. Gostava de ir ao autódromo no
município vizinho, lá podia extrapolar na velocidade sem se preocupar com o
fluxo do trânsito ou grandes obstáculos, a pista era feita especialmente para
amantes da velocidade e Lucas certamente era um deles.
A paixão pelo automobilismo surgiu na infância, quando seu pai, e de vez
em quando o avô, o levavam para assistir corridas de Fórmula 1 e Stock-car.
Pilotava kart indoor quando pequeno, mas nunca quis se tornar um profissional.
A paixão verdadeira de Lucas não era exatamente a pilotagem, mas a mecânica
do carro. Herdeiro de uma grande franquia de auto mecânica talvez a maior do
país, Lucas não era o tipo de patrão que ficava atrás de uma mesa remexendo em
papéis. Gostava de vestir seu velho macacão e sujar as mãos de graxa. Era o
gerente da matriz, localizada no município vizinho do vilarejo em que morava.
Todos os dias dirigia seu Porsche por quarenta minutos e após estacioná-lo à
frente da auto mecânica, o filhinho do papai se tornava um dos funcionários,
tratando a todos os colegas como iguais e sendo respeitado pelos mesmos.
Quem via apenas o playboy Lucas Marinho, não acreditava que o mesmo
jovem arrogante e irritantemente charmoso, era capaz de exercer um tipo de
trabalho que sujasse as mãos. Mal sabiam que aquele rosto bonito e dono de
olhos azuis profundos era o responsável pela preparação e montagem de motores
de competição, para uma forte equipe nacional. Poucos sabiam, na verdade.
Lucas não era o tipo de homem que gostava de se gabar no âmbito profissional.
Competência e discrição andavam de mãos dadas tratando-se de seu trabalho. A
única extravagância que exigia, era que pudesse pilotar uma vez ou outra na
pista do autódromo. E ele apreciava cada segundo como se fosse o último.
Enquanto trafegava pela rodovia, a caminho do autódromo, o celular de
Lucas tocou. Depois do ocorrido no dia anterior, sua consciência apitou para que
não corresse um risco desnecessário.
Mas para que serve a consciência?
Oh, sim. É claro. Para ser ignorada.
— Alô?
— Luquinhas!
Por que não verificou o identificador de chamadas antes? Teria evitado o
transtorno. Por que Bárbara continuava ligando, se foi ela quem terminou o
relacionamento entre eles?
— Ei, Bá. O que você quer?
Lucas não tinha paciência para chantagem emocional de ex-namorada.
No caso de Bárbara, ex-noiva. Não a via há quase cinco meses, desde quando ela
esteve na mansão Marinho, fazendo um escândalo na frente dos seus pais e
saindo de lá com uma Louis Vuitton cheia de roupas e sapatos que deixava por
lá. Tudo bem, talvez Bárbara tivesse um pouco de razão em estar revoltada e
muito irada com ele. Que culpa Lucas tinha se aquela loira gostosa da festa era
uma modelo famosa? Ele não sabia que a moça era a queridinha dos paparazzi,
quando se hospedou com ela em um hotel de luxo, na capital. Lucas a conheceu
em um camarote durante uma das corridas do Campeonato Nacional. Alguns
drinques e uma conversa animada, uma mão aqui e outra ali, simplesmente
aconteceu. Como sempre acontecia quando Lucas viajava. Mas daquela vez, foi
um pouco menos discreto ao sair em uma foto ao lado da modelo, nos sites de
fofoca sensacionalista. Oh, sim, ele assumia a responsabilidade. Não era bom em
relacionamentos, sempre foi um péssimo noivo, mas atualmente era um
excelente ex-namorado. Daquele que não ligava e não perturbava a ex,
prometendo que se voltassem tudo seria diferente, porque sinceramente, para
Lucas, ser livre era uma dádiva dos deuses.
— Meu Cartier, deixei no seu closet.
— Qual Cartier, Bárbara? Seja especifica.
— A gargantilha que me deu de aniversário, Luquinhas.
— Pensei que não quisesse me ver, nem pintado de ouro.
— E não quero, mas amo aquela joia e não vou deixá-la para você, como
um souvenir do nosso relacionamento fracassado.
Oh, sim. Bárbara sabia exatamente como se comportar como uma vaca
maldita. Lucas procurou em sua memória o motivo pelo qual decidiu pedi-la em
casamento algum dia, talvez tivesse sido um momento de insensatez. Com
certeza, havia sido um momento de insensatez.
— Pode ir buscá-la, eu não estou na mansão.
Houve um minuto de silêncio do outro lado da linha, não que Lucas se
importasse, estava atento ao trânsito.
— Tudo bem, eu irei — confirmou Bárbara, com a voz embargada.
A ex-noiva de Lucas ainda o amava, embora soubesse que uma
reconciliação estava fora de cogitação. Conhecia-o perfeitamente para saber que
ele não era o tipo de homem que sossegaria e formaria uma família, Lucas era
excêntrico e egoísta demais para se prender a uma única mulher, ele não pensava
nos corações que partia, mas nas bocetas que seriam o motivo de seus orgasmos.
— Ótimo, tchau Bárbara.
Lucas finalizou a ligação, sem se importar em uma despedida adequada.
Bárbara era uma mulher educada, refinada e inteligente. Merecia alguém que
pudesse fazê-la realmente feliz. Ele não alimentaria falsas esperanças. Ser curto
e grosso evitava transtornos desnecessários.
Dez minutos depois estacionou seu Porsche na vaga exclusiva e
encontrou Caio, que já o aguardava. Cumprimentaram-se e após vestirem os
macacões e colocarem os acessórios de segurança, Lucas verificou o carro
preparado para ele e logo estavam dando voltas na pista.
O barulho estridente do motor era música para seus ouvidos. Caio não
gostava de pilotar, mas adorava a sensação da velocidade, sempre que
acompanhava Lucas em suas corridas. Eles eram ótimos amigos, talvez os
melhores. Sabia que correr era uma maneira de Lucas extravasar o estresse, seu
amigo não era muito de falar sobre o que se passava dentro de sua mente e seu
coração. Quando lhe pedia para ir ao autódromo para “conversarem”, sabia que a
conversa era resumida a muitas voltas naquela pista.
Quando parou nos boxes, Lucas estava menos tenso. Pilotar o
transportava para uma espécie de limbo, onde ele refletia sobre sua vida e de
certa forma encontrava respostas para perguntas silenciosas do seu coração.
— Você está esquisito, hoje — comentou Caio, no vestiário.
Estavam retirando os equipamentos e o macacão de corrida.
— Você sabia que o jardineiro da mansão, tem uma filha?
Caio fez uma careta.
— E porque eu saberia de uma informação dessas? Conheço o Bento
Sampaio apenas das visitas que faço à sua casa, não sou amigo do cara. O que
isso tem a ver com a sua testa enrugada?
Lucas ligou o chuveiro e deixou a água percorrer seu corpo, levando
consigo o suor grudado em sua pele.
— A maldita é a coisa mais linda que eu já vi.
Caio riu, ligando o chuveiro ao lado e entrando no banho.
— Esse Bento deve dormir no formol, o cara tem filha adulta?
— Aí é que está o problema, é uma garota.
— Como assim, uma garota?
Lucas desligou o chuveiro e pegou a toalha de banho que havia
pendurado na divisória.
— Ela tem dezessete anos — revelou a Caio.
— Tá maluco, brother?
— Eu tô, tô maluco por aquela fedelha. E odeio me sentir assim, porque
sempre tenho o que quero, principalmente se tratando de mulheres. Mas ela?
Fora de cogitação. Só precisava desabafar com alguém. Eu a conheci ontem e
essa maldita está me tirando o sono.
— Isso é encrenca na certa, Lucas. Já ouviu falar em pedofilia?
Lucas sentiu um calafrio percorrer seu corpo ao ouvir aquela palavra.
Vestiu-se às pressas, ansioso para ir embora.
— Não fala merda, Caio. Não é como se eu sentisse tesão por
menininhas. E eu não estou assediando a garota, ela é linda, gostosa e eu queria
me enterrar dentro dela e ficar ali até me aliviar. Mas isso, até descobrir que é
filha de um cara que respeito pra cacete, e o fato de que é uma adolescente.
Querer é uma coisa, poder e fazer, são outras bem diferentes.
— Fique longe dela, Lucas. O que os olhos não veem, o seu pau não
sente.
Ah, Caio. Você nem imagina que seu amigo Lucas não precisava vê-la
para desejá-la, porque sua mente projetava a imagem de Nora assim que ele
fechava os olhos, deixando-o duro como rocha.


Eu preciso transar. Afogar o ganso, molhar o biscoito, meter pra dentro!
Trepar! Foder! Copular! Acasalar!
Você entendeu? Ótimo.
Não revire os olhos, não diga “esse cara só pensa naquilo”, porque você
tem razão. No momento é nisso que estou pensando.
Por quê?
Porque preciso. Simplesmente porque preciso.
Decido não voltar para casa. Chego ao flat que mantenho na cidade
vizinha, geralmente onde levo as mulheres com quem vou para a cama. O quê?
Achou que eu as levasse para a mansão? Há, há, há! Faça-me rir contando outra
piada. Eu sou um babaca, mas não sou burro. Não misturo o lazer sexual com
minha vida pessoal.
Há uma danceteria badalada no centro da cidade e tenho um camarote
VIP reservado para todos os domingos. As noites são boas quando decido ir até a
La Lola, jamais volto para o flat desacompanhado. E hoje eu preciso realmente
de companhia.
Durmo um pouco antes de tomar um banho de verdade e me arrumar.
Visto uma calça jeans e minhas botas militares favoritas, uma camiseta preta e
minha jaqueta de couro. Jogo meu cabelo para trás, ao melhor estilo James
Dean, as mulheres adoram a pinta de bad boy e eu? Eu adoro as mulheres. Pego
a chave do meu Porsche, em cima da mesa, e vou ao meu destino.
Caio já está no camarote e tamanha é minha surpresa ao vê-lo abraçado
com Sabrina.
Será que ela contou?
A garota me encara de um jeito esquisito e concluo que não, ele ainda
não sabe.
Cumprimento meu amigo com um hang loose e dou um beijo no rosto da
Sabrina. O lugar ainda não está bombando, mas em breve estará cheio. A música
é um technopop anos 80 e sinceramente me irrita um pouco, mas não saí para
apreciar a set list do DJ residente. Há um balde de gelo com latas de energético e
uma garrafa cheia de uísque em cima de uma mesinha. Sirvo-me de uísque puro
e viro o copo, bebendo o conteúdo em um só gole.
— Vai com calma, garanhão — alerta Sabrina. Encaro-a com o
semblante sério, deixando claro que não estou para brincadeira e que ela sabe
que eu sei, então se quer o meu silêncio, espero que não foda com a minha
paciência. Acho que Sabrina entendeu o recado, pois fica quieta enquanto Caio e
eu conversamos.
— Daqui a pouco o resto da turma chega — avisa Caio, quando pergunto
onde estão nossos amigos.
Somos um grupo seleto, o filho do prefeito, o filho do delegado e mais
alguns caras, todos eles herdeiros de empresas locais. Todos os “bam bans” do
pedaço. Uma verdadeira panelinha de ouro, e ouso dizer que, sou a tampa da
panela. Sirvo-me de mais uma dose de uísque sem gelo e novamente viro em um
único gole. Fecho os olhos com força, sentindo o líquido rasgando minha
garganta.
— Tá tudo bem com você? — pergunta Caio.
— É, pode ser.
— Pode ser o quê?
— Não sei — resmungo. — Qualquer coisa, tá legal? Pode ser qualquer
coisa, ou melhor, qualquer uma.
A risada do meu amigo chama minha atenção.
— Tá rindo de quê? Palhaço! — questiono.
Não me levem a mal, mas Caio e eu temos esse jeito peculiar e adorável
de conversar. Palhaço, não é nem de longe, uma ofensa ao meu amigo. Ele sabe
que não deve me encher de perguntas, mas isso não significa que ele ficará
quieto.
Maldito curioso.
— Você precisa transar, parceiro. Vá à caça!
— E você precisa cuidar da sua vida, parceiro.
— É, eu sei. Mas não sou eu quem está de mau humor agora.
— Mas vai ficar se não calar a porra da boca.
Sabrina me olha com receio.
Merda! O que estou pensando?
Usar a gravidez da garota para irritar o Caio, só porque ele sabe que
estou sexualmente frustrado? Não sou tão canalha assim.
Respiro fundo e preparo outra dose de uísque, Caio e Sabrina me
observam em silêncio. Inteligente da parte deles, não estou afim de receber
conselhos de quem quer que seja. Deixo meu copo em cima de mesa e vou até a
parte da área VIP que tem vista para a pista de dança no andar de baixo. Estou no
melhor ponto da casa noturna, dali consigo ver as entradas, o bar, o pequeno
palco para as ocasiões em que há show ao vivo, e a pick-up do DJ.
Preciso encontrar uma mulher à minha altura. Não, não, nem sou tão
exigente assim. Bem, talvez eu seja, mas minhas exigências não são tão
excepcionais quanto você possa estar imaginando. Eu gosto de vadias. Não
exatamente prostitutas, porque acho que sou bom o bastante para comer uma
mulher sem ter que dar dinheiro a ela, afinal, eu quero gozar muito, mas também
proporciono o melhor para quem quer que tenha me feito um cara feliz durante
uma noite de trepada. Gosto de retribuir o favor, isso gera uma boa fama entre o
círculo de amizade feminino, e cara, se você quer ter opções em noites solitárias,
é bom saber como tratar uma mulher na cama. Elas gostam de sexo tanto quanto
nós homens e se saciadas adequadamente... Boatos se espalham. Certo?
Quem vai ser a putinha da vez?
Olho em volta, a procura de alguém que me chame à atenção, minha
exigência principal é que a escolhida seja um espírito livre, como eu, onde a
necessidade de uma ligação emocional esteja descartada, mas o fogo da luxúria
percorra sua veia tanto quanto em mim, afinal, é de sexo que estamos falando
aqui. Por isso prefiro as vadias sem coração, mulheres que curtem uma boa noite
de trepação sem criar vínculos emocionais, sem pedir ou dar o número do
telefone, sem querer dormir abraçado depois da noite de curtição, ou esfregar
minhas costas durante o banho. Sexo no banho, para mim, é íntimo demais. E eu
dispenso.
— Ah, merda. O que ela tá fazendo aqui?
Acho que estou ficando doido de vez. Alucinando com a bruxinha recém-
saída da escola de freiras.
Como Nora conseguiu entrar na danceteria?
Minha pergunta mental é respondida logo. Bento Sampaio está com ela.
Ele parece diferente quando não está vestido com sua roupa de trabalho. Nora
veio para a balada com o pai, o quão esquisito isso pode ser? Bento é um cara
legal e é jovem. Sabe que a filha está na idade de sair e ir a festas, e quem
melhor do que ele para mostrar a ela e ao mesmo tempo zelar por sua segurança?
Cara, Bento é um pai do caralho. Grande homem. Como Nora está
bonita...
Sinto-me hipnotizado. Ela se veste de maneira simples, mas não perde
para nenhuma mulher aqui presente. Ao contrário, parece se destacar, como se
uma aura brilhante a rodeasse. Mas talvez isso seja consequência das doses de
uísque que ingeri rapidamente.
É, pode ser.
Sinto a presença de Caio ao meu lado e o olho de esguelha.
— Ela tá aqui — digo, sem tirar os olhos de Nora e Bento.
— Ela quem, cara?
— A Nora.
— Nora de quem?
Lembro-me de não ter revelado ao Caio o nome da bruxinha.
— A filha do Bento Sampaio, o nome dela é Nora e ela está aqui com o
pai.
— Ele trouxe a filha para uma balada? Uau, ele merece o prêmio de pai
mais legal de todos.
— É sim.
— Onde eles estão?
Apontei em direção à pista, onde Bento e Nora dançavam, um pouco
envergonhados, mas pareciam estar se divertindo. Ela está vestindo uma calça
jeans escura e uma blusa regata branca. Há um colar chamando a atenção para o
seu pescoço à mostra, pois seu cabelo está preso em um rabo de cavalo.
Imediatamente minha mente fervilha na fantasia de tê-la de quatro em uma
cama, comigo por cima dela, puxando-a pelo cabelo enquanto me empurro para
dentro dela. Sinto meu pau latejando dentro da calça. Cacete! Essa menina mexe
demais com os meus hormônios.
—Ela é linda, não parece uma adolescente — observa Caio. — Embora
seja perceptível como é retraída. Diferente das mulheres com quem você está
acostumado.
— Nora é diferente de qualquer uma delas.
— Cara, você está me assustando.
Olho para meu amigo, não entendendo sua referência.
— Por quê?
— Parece apaixonado.
Balanço minha cabeça, negativamente.
— Essa não é a palavra. Eu não me apaixono por ninguém.
— Então, qual é a palavra certa?
— Enfeitiçado. Tudo não passa de uma obsessão maluca.
— E o que pensa em fazer a respeito?
— Achar alguém que supra a minha necessidade de sexo, ir para o flat e
transar até meu pau estar em carne viva.


Acho que tenho o melhor pai do mundo. Não porque ele se ofereceu para
me levar à uma danceteria na cidade vizinha, mas por ele se esforçar e se dedicar
a mim. Sou uma garota de dezessete anos e não conheço ninguém além de meu
pai, tudo bem que ainda é recente, mas valorizo o que ele está fazendo por mim.
—Tem uma danceteria na cidade vizinha, chama-se La Lola. Eu nunca
fui, mas dizem que é bem legal. Quer conhecê-la?
Estamos na varanda de casa, meu pai havia começado a me ensinar tocar
violão. Foi muito legal, eu era meio desajeitada no começo, mas acho que estou
pegando o jeito da coisa.
— Nunca me imaginei saindo para uma balada com o meu pai.
— Tem vergonha de mim?
— O quê? Claro que não. Nada disso. Mas não é todo pai que se oferece
para sair com a filha, principalmente para lugares agitados. Eu nunca saí à noite,
muito menos em um tipo de festa como essa. Acho que será ótimo estar na sua
companhia, mas aceito com uma condição.
— E qual é?
— O senhor precisa se divertir também. Nada de ficar me vigiando ou
me tratando como criança. Tudo bem? Já sou bem grandinha e tenho a cabeça no
lugar.
Meu pai ri, achando graça, mas oferece a mão para que eu a aperte, então
fechamos o acordo. Ele sai para falar com o Sr. Marinho, para pedir autorização
do uso da caminhonete. Enquanto isso eu tomo um banho e demoro bastante
tempo para decidir minha roupa, não porque há indecisão sobre o que usar, mas
pela falta de opção. Escolho uma calça jeans escura e uma regatinha branca,
prendo meu cabelo em um rabo de cavalo e passo uma maquiagem leve. Nunca
precisei me maquiar enquanto estava na escola, mas havia ganhado o básico
como pó compacto, rímel e blush, de uma das minhas colegas de quarto, a
Suzana. Não gosto de usar batom. Abro minha caixinha de acrílico e pego um
colar de prata Bali, presente de Marina, outra colega de quarto. Calço uma
sandália, salto quinze, e estou pronta.
Encontro meu pai na sala e ele está tão bonito. Meu pai é lindo, vamos
combinar. Eu acho que terei problemas com as mulheres olhando para ele o
tempo todo. Espero que não, pois não quero segurar vela para meu próprio pai.
Seria cômico se não fosse trágico. Não quando eu estiver sozinha, sem nenhuma
amiga ou até mesmo um namorado.
—Uau! Pai, o senhor está um gato!
Ele ri sem jeito e coça a cabeça enquanto encara o chão, está ficando
vermelho.
— Por favor, não precisa exagerar, Nora. É só jeans e camiseta, não há
nada de incrível nisso.
— Ah, pai. Vai por mim. Há sim. Mas espero que as mulheres nessa
danceteria sejam umas damas e não se atirem para cima do senhor. Posso ser
bastante ciumenta.
— Você está linda, filha. Nem acredito que estou te levando para uma
balada.
— A propósito, obrigada.
— Pelo quê?
— Por ser o melhor pai do mundo. O senhor está se esforçando para que
eu me sinta bem, morando aqui. E eu estou pai. Ainda é tudo muito novo, mas
em breve conhecerei pessoas e farei amizades, então o senhor poderá ficar mais
tranquilo.
Meu pai se aproxima e me segura pelos ombros.
— Você é a minha princesa e estou muito feliz por tê-la morando
comigo. Quero que sinta o quanto é bem-vinda. E mesmo que eu seja um pobre
coitado que não faz nada além de trabalhar e assistir aos jogos de futebol em
uma lanchonete, você terá liberdade de fazer o que quiser. Claro, dentro dos
limites da sua idade e do que é correto. Mas confio na sua índole, querida. Por
isso, hoje estou levando você para sair, porque é jovem e merece aproveitar sua
idade.
Abraço meu pai e sinto a retribuição do carinho.
— Sei que o senhor tem se esforçado muito para me receber aqui, pai.
Prometo não te dar trabalho.
— Isso é ótimo, até porque ainda sou novo para ter cabelo branco.
Levamos quase uma hora para chegar à cidade vizinha, meu pai é
bastante cauteloso no trânsito e respeita os limites de velocidade. Não que eu
tenha algum problema com isso. Ele estaciona próximo à casa noturna chamada
La Lola, um casarão enorme, de pedra, que se parece com um castelo medieval.
É linda. Caminhamos lado a lado e meu pai me pega pela mão quando chegamos
perto da entrada. Ele desvia do caminho e vamos até uma porta lateral.
— Meu amigo trabalha aqui, foi ele quem ofereceu a entrada — explica
ele.
— Legal.
Passamos pela segurança e meu pai cumprimenta o amigo, apresentando-
me como sua filha. Engraçado como as pessoas custam a acreditar que ele é
mesmo o meu pai.
Por dentro, a La Lola é ainda mais impressionante. Olho ao redor,
embasbacada, para as pessoas ali dentro. Não está em sua lotação máxima, mas
tem um bom número de pessoas. Mulheres lindas, vestidas com roupas
pequenas e maquiadas com esmero, calçando salto alto e desfilando para
chamarem a atenção dos homens que circulam entre a pista de dança, o bar e as
áreas reservadas para camarotes. A música não é exatamente o que gosto de
ouvir, sequer conheço o que está tocando, mas não me importo, estou contente
por estar aqui. Quero que seja uma noite divertida para mim e para meu pai.
Seguro a mão dele e o puxo em direção à pista de dança.
— Vamos lá pai, vamos dançar!
— Sabe, eu gosto quando você me chama de pai — comenta ele,
acompanhando meus passos. — Mas me sinto um velho quando me chama de
senhor. Vamos mudar isso, ok? Me chame por você.
— Tudo bem, mas posso chamá-lo de pai? Ou também quer que te
chame pelo nome?
Ele ri, e nega veementemente.
— Sou seu pai. Me chame de pai.
— Ótimo, pai. Porque ficaria chateada se quisesse me esconder das
pessoas.
— Não fale idiotices menina, você é inteligente demais para isso.
Sorrio, meu pai é mesmo hilário.
Estamos dançando e reparo nas mulheres que tentam chamar a atenção
dele. Engraçado, ele não percebe o quanto é cobiçado. Talvez elas pensam que
sou uma ninfeta interessada em seduzi-lo? Mas quer saber? Não me importo.
Ficamos ali durante umas cinco músicas. Meu pai está mais descontraído
e eu também. Paro de pensar que posso estar sendo desengonçada. Ninguém me
conhece aqui mesmo e só consegui entrar no La Lola porque estou acompanhada
do meu pai, pois não é permitida a entrada de jovens menores de dezoito anos.
Eu devia saber que não seria um hábito frequentar esse ambiente, até porque,
pretendo arrumar um emprego logo.
— Está com sede? Quer água ou refrigerante?
Meu pai parece cansado de dançar, essa é a verdade. Sorrio, ele não está
acostumado a sair. Bem, nem eu.
— Estou sim, podemos nos sentar no bar? — pergunto, sabendo que ele
se sentirá aliviado.
— Claro, vamos lá.
Pegando-me pela mão, meu pai me leva até o bar e pede refrigerante.
Como ele está dirigindo, prefere não ingerir bebida alcoólica.
— O que achou do lugar? É maneiro, não é?
Sorrio.
— É sim, pai. Muito maneiro. Obrigada por me trazer.
— Eu agradeço por ter aceitado o convite, é bom sair acompanhado. Não
sei há quanto tempo não faço isso.
— Por que não, pai? Você é jovem e esteve sozinho durante todos esses
anos. Você sabe, depois que o vovô se foi, e eu fiquei no colégio interno.
— Nunca tive vontade, até agora eu acho. Você é a luz da minha vida,
filha. Agora que está aqui, é como se realmente fizesse sentido viver além da
rotina que construí ao longo do tempo.
— Isso é bom, não é?
— Isso é ótimo.
Sabe quando você tem a impressão de estar sendo observada, mas não
consegue encontrar o observador? Pois bem, acho que estou me sentindo assim.
Olho em volta, disfarçadamente, mas não encontro nada diferente do comum
para um lugar como o La Lola. Ou como eu imagino que seja.
— Preciso ir ao banheiro — digo ao meu pai.
— Tudo bem, eu irei acompanhá-la.
Toco o braço do meu pai, tranquilizando-o.
— Fique aqui e guarde o nosso lugar, não vou demorar.
Ele parece indeciso sobre me deixar ir sozinha, mas concorda.
Caminho em direção aos banheiros e surpreendentemente, não está muito
cheio. Olho-me no espelho e uso um papel toalha para secar o suor em minha
testa, está muito quente dentro do La Lola. Ouço o barulho de alguém em uma
das cabines do banheiro, parece estar vomitando, o que deve ser normal para
uma boate, já que as pessoas têm em mente que o ideal de diversão é sair para
dançar e encher a cara. Meu instinto natural de me preocupar com o próximo, me
faz ir até a cabine e bater na porta.
— Olá — chamo. — Está tudo bem? Precisa de ajuda?
Quem quer que seja não me responde. Está ocupada de mais colocando
tudo para fora. Aguardo, preocupada, talvez a moça precise de ajuda. Quando a
porta se abre, vejo a garota pálida sair da cabine e caminhar em direção a pia.
Ela lava o rosto e faz gargarejo para tirar o gosto ruim da boca, eu a observo,
ainda aguardando para saber como ela está. Tem outras moças no banheiro, mas
elas não se importam.
— Foi você quem perguntou por mim? — diz ela, se aproximando.
Assinto em silêncio.
— Estou melhor agora, você tem um chiclete?
Lembro-me do pacote de goma de mascar que costumo levar sempre
comigo, havia colocado no bolso traseiro do jeans. Ofereço a ela que agradece
com um sorriso.
— Obrigada. Foi gentil da sua parte se preocupar comigo.
— Não precisa agradecer — digo sendo sincera. — Fico feliz que esteja
bem.
— Sabe, não estou bêbada se é o que está pensando.
— Oh não, eu não tenho nada a ver com isso.
Ela sorri.
— Eu sei, mas acho que preciso desabafar entende? E como não nos
conhecemos, talvez seja o ideal eu contar para uma estranha que estou grávida e
não tenho coragem de contar ao pai do meu bebê.
Sou pega de surpresa com a revelação da moça. Acabamos de nos
conhecer e ela despeja o balde de informações em cima de mim. Coitada. Deve
ser horrível estar passando por isso sozinha.
— Por que não contou a ele?
Ficamos encostadas na parede do banheiro e ignoramos as garotas que
entram e saem. Ela cruza os braços, e alterna entre falar e fazer bolhas com o
chiclete.
— Digamos que eu não seja o exemplo de namorada perfeita. Sequer
somos namorados, mas há meses temos transado e sim, fomos imprudentes
algumas vezes. Mas ele está sempre curtindo com uma garota nova e para não
ficar por baixo, acabo saindo com outros caras também, embora não tenha
dormido com eles, você sabe o que quero dizer.
— Na verdade, eu não sei. Só tenho dezessete anos e nunca tive um
namorado. Nunca beijei um cara, quem dirá dormir com um.
A expressão de espanto da garota quase me faz rir. Por certo ela acredita
que sou uma alienígena.
— Você é uma santa — comenta.
Começo a rir.
— Não exagere. Cresci em um colégio de freiras, é meu segundo dia na
cidade e minha vida está praticamente começando agora. Tudo tem seu tempo,
ainda sou nova.
— O que faz no La Lola? Como conseguiu entrar?
— Acredite se quiser, mas o meu pai me trouxe aqui.
— Seu pai? Isso é estranho, mas legal.
— Você deveria ser sincera com o pai do seu bebê. Conte logo para ele, e
seja o que Deus quiser. Se não aceitar ou duvidar de você, ele será o maior
babaca. Você é linda e parece ser uma garota legal.
— É, pode até ser, mas não sou o tipo de garota para casar, entende?
Acho que é por isso que ele não me leva a sério.
— Então se leve a sério, em primeiro lugar. Você vai ser mãe, e as
pessoas mudam. Conte a ele e comece a pensar no seu bebê. Tenho certeza que
será uma ótima mãe.
— Será? Eu só tenho dezenove anos.
— Acredite em mim. O meu pai me criou sozinho, ele largou tudo para
cuidar de mim. Foi pai aos dezenove anos e abandonado pela minha mãe.
Acredite, foi difícil, mas não impossível.
— Qual seu nome, mocinha?
Sorrio para ela e estendo minha mão.
— O meu nome é Nora.
— Obrigada pelos conselhos, Nora. E prazer em conhecê-la. Meu nome é
Sabrina e você pode me considerar sua mais nova amiga.


Bento Sampaio sentiu-se feliz por sua filha ter aceitado o convite de ir
até a La Lola. Ele havia pensado nisso durante o dia para surpreendê-la.
Passaram boa parte da tarde juntos, enquanto ele lhe ensinava a tocar violão.
Nora era excelente aprendiz, talvez tivessem o dom da música em comum,
pensou enquanto a observava. Seu antigo amigo da faculdade, Ítalo, era
responsável pela equipe de segurança da La Lola e em diversas ocasiões, quando
se encontravam na lanchonete para assistir aos jogos de futebol, ele o havia
convidado para ir à boate. Bento nunca sentiu a necessidade de ter uma vida
social, mesmo sendo jovem e solteiro. Algo nele havia sido partido quando
Adelina o deixou, e apesar de ser um homem e ter suas necessidades, não era o
tipo de cara que gostava de sair para “caçar” mulheres. Sempre encontrava
alguém na lanchonete no centro da cidade, não que procurasse, mas a
oportunidade surgia e em algumas ocasiões ele não as desperdiçava. O
Alcapone’s era um ambiente tranquilo, com decoração rústica, os móveis
amadeirados e a iluminação precária formavam uma bela equipe, deixando o
clima de taverna ainda mais presente. Havia mesas de sinuca, alvos espalhados
em locais estratégicos para a prática de dardos, mesas bem localizadas com
iluminação diferenciada e um Jukebox para quem quisesse se arriscar a escolher
a trilha sonora do local. E era ali, naquele lugar, que Bento encontrava
companhia agradável, uma vez ou outra. Mas nada além de sexo casual, jamais
permitiu que qualquer uma delas chegasse perto do seu coração. Porque Bento
Sampaio acreditava que já não possuía um. Mas com a volta de Nora para sua
vida, ele queria proporcionar a filha algo diferente. Ela era uma linda menina e
estava se tornando uma mulher, mesmo que fosse protetor com ela, sabia que a
filha iria se tornar independente um dia, e ele queria mostrar a ela que não era
apenas seu pai, mas um amigo em quem ela poderia confiar. Portanto, seria ele a
levá-la em sua primeira balada noturna.
Estava voltando da mansão após pedir autorização para seu patrão,
Alfredo Marinho, para usar a caminhonete de serviço. O Sr. Marinho estava
ansioso para conhecer sua filha, assim como Isabella Marinho, sua esposa. Ele
prometeu apresentar Nora a eles no dia seguinte. Segurava em sua mão o
chaveiro com a chave da caminhonete enquanto passava pela área da piscina. Às
vezes Lucas, o único filho de seu patrão, dava grandes festas ali. Bento observou
de longe muitas vezes enquanto a elite local se divertia com a música alta,
bebidas caras e trajes de banho. Um mundo bem diferente do seu, mas nada que
lhe fizesse falta. Era solitário por opção e tudo o que lhe importava era sua
princesa Nora.
— Ei você, pode me ajudar?
A voz feminina parecia-lhe conhecida, mas Bento não se lembrava de
onde ouvira. Olhou para a bela dama, parada na outra extremidade da piscina,
tentando chamar sua atenção enquanto abanava as mãos. Ele sorriu, o gesto da
mulher era engraçado, como se estivesse em um deserto escaldante em busca de
socorro. Quanto exagero!
— Pois não, senhorita. Qual é o problema?
— O pneu do meu carro furou e o senhor da portaria disse que não há
borracharia aqui perto. Também não podia sair de lá para me ajudar a trocar.
Droga, eu não pretendia demorar muito por aqui.
Quem era ela afinal? Tinha certeza que a conhecia, porém, a memória lhe
faltava.
Aproximou-se de onde ela estava. A senhorita o olhou de cima a baixo,
especulando-o. Ele vestia jeans surrado e uma camiseta velha, seu cabelo loiro
estava desgrenhado e jogado para trás, como de costume, era um tique, estava
sempre penteando o cabelo para trás com os dedos.
Bento a avaliou também, mas intimidou-se com a elegância da jovem
mulher. Seu cabelo bem hidratado, em tom castanho no corte Chanel, brilhava
com a luz do sol, contrastando com o esverdeado dos seus olhos. A franja
rebelde a deixava com aparência jovem e era impossível para Bento deduzir a
idade da moça. Era deslumbrante, de fato. Mas muita areia para o seu
caminhãozinho, como costumavam dizer seus amigos no Alcapone’s, quando
encontravam uma mulher linda demais a ponto de ser inalcançável. Não que
pretendesse algo com ela, Bento não era tolo. Sabia perfeitamente o abismo que
havia entre ele e mulheres daquela classe. Afinal, apaixonou-se perdidamente
por uma delas, uma vez, o que resultou em uma vida solitária e a
responsabilidade pela filha que foi abandonada logo após o nascimento.
— Sim, onde está seu carro? — perguntou solicito.
— Ali. — Apontou em direção ao New Beetle preto, estacionado
próximo a uma árvore, na entrada da mansão.
Verificou o pneu dianteiro, estava totalmente murcho. A mulher lhe
entregou a chave do automóvel para que ele pegasse o estepe e as ferramentas
necessárias para fazer a troca do pneu. Estavam em silêncio, mas Bento sentiu os
olhos dela lhe observando a todo o momento. O suor em sua testa avisava-lhe
que estava ficando constrangido com a situação. O quão estranho era aquilo?
— Qual é o seu nome? — perguntou ela.
Ainda trabalhando com o macaco para levantar o carro, ele respondeu
sem lhe dirigir o olhar. Assim era melhor, pensou ele. Nada de contato visual.
— Sou o Bento, responsável pela limpeza e manutenção dos jardins da
propriedade.
Não tinha vergonha do seu trabalho, era digno e lhe trazia o sustento.
— Não me recordo de tê-lo visto nas ocasiões em que aqui estive —
ponderou a mulher, com sua voz suave.
— Também não me lembro da senhorita, embora sua voz não me seja
estranha.
Pegou a chave de rodas e concentrou-se em desparafusar. Qualquer coisa
era melhor do que olhar para ela. Nunca havia se sentido tão desconfortável na
presença de uma mulher antes. Nem com Adelina. Surpreendeu-se quando ela se
abaixou, ficando próxima a ele, observando enquanto fazia o trabalho. Bento
quase se atrapalhou com os parafusos.
— Eu me chamo Bárbara. Estive aqui poucas vezes, enquanto namorava
Lucas.
Oh, sim. Agora ele havia se lembrado de quem ela era. A ex-noiva do
chefe.
Embora não a tivesse visto antes, a voz era inesquecível.
Bento engasgou ao se lembrar.
Em uma noite, chegando muito tarde após algumas rodadas de cerveja no
Alcapone’s, Bento estacionou a caminhonete na garagem de serviço e caminhou
sorrateiramente para sua casa, aos fundos da propriedade. No percurso, ouviu
vozes e ficou atento. Caminhou em direção à voz feminina e paralisou ao flagrar
entre os arbustos uma das cenas que mais o chocou durante seus anos de serviços
prestados à família: Lucas estava fazendo sexo com a namorada, encostado em
uma árvore. Ela parecia estar gostando, pois gemia alto e ele até ouviu um “Ai
meu Deus, não para! ”. Levou dias para que conseguisse encarar o patrão com
naturalidade.
Droga, agora sabia de onde conhecia aquela voz suave como um veludo.
Permaneceu em silêncio e efetuou a troca do pneu, guardou o material,
ignorando a mulher que o olhava atenta.
— Prontinho, dona.
Tudo o que Bento queria era ir para casa, tomar um banho frio e esquecer
aquela mulher.
Ela pestanejou.
— Quanto eu te devo? — perguntou ela, tirando da bolsa pendurada em
seu ombro, uma carteira chique.
— Como é que é? — Ele não acreditou no que estava ouvindo.
— Quanto irá me cobrar pelo serviço prestado?
Ele riu, balançando a cabeça.
— Não me deve nada, dona.
— Meu nome é Bárbara, e eu quero pagar.
Bento colocou a mão na cintura e a encarou de modo desafiador.
— Só quis ajudar a moça com o pneu do carro, não estou interessado no
seu dinheiro. Com licença.
— Mas eu...
E sem permitir que ela lhe questionasse, Bento deu-lhe as costas e
caminhou depressa para casa.


Enquanto estava no bar, aguardando Nora voltar do banheiro, Bento
pediu outro refrigerante. Não queria beber nada alcoólico, estava dirigindo e não
daria mau exemplo à filha, ingerindo álcool para depois pegar na boleia. A
música alta o estava deixando maluco, ele não estava habituado àquela rotina.
Caramba, havia muito tempo que não sabia o que era ir à uma boate. Ao menos,
estava sendo divertido fazer companhia à Nora, a menina estava realmente
contente por ele tê-la levado à La Lola. A parte chata era ter que ignorar os
olhares das mulheres, ele não estava ali para paquerar. Outra parte desagradável
era aturar os olhares dos homens para cima de sua menina, mas ele sabia que
Nora tinha a cabeça no lugar e que um dia ela teria um namorado. Sua filha era
bonita e estava prestes a completar dezoito anos, não poderia prendê-la em uma
gaiola, por mais que quisesse protegê-la e evitar que sua princesa tivesse o
coração partido. Eram coisas que a vida fazia questão de ensinar, e tudo o que
ele podia fazer era se preparar para ser seu porto seguro quando as mágoas
surgissem no decorrer de sua vida adulta.
Bento era um bom pai. Muito melhor do que pensou que seria.
— Olha quem eu encontrei. O jardineiro bonitão.
Não, ela não. Pensou.
Virou-se para embasbacar-se com a beleza de Bárbara. Ela estava
maravilhosa em um macacão preto, frente única. As pernas esguias cobertas pelo
tecido, mas o decote exagerado chamava atenção para os seios. Ela não usava
sutiã. Seu sorriso maroto denotava provocação e Bento ficou alerta.
Sim, ela havia bebido, com certeza, além da conta.
— Boa noite, dona Bárbara.
Ela gargalhou, jogando a cabeça para trás. Bento observou seu pescoço e
apertou a mão com força, para enviar uma mensagem ao cérebro, através da dor
causada pelas unhas cravadas na pele, que ele deveria se comportar. Não era um
menino, não era impulsivo. Era um homem e não se deixaria seduzir por um
pescoço atraente e seios aparentemente perfeitos. Ela estava brincando com ele.
Estava óbvio demais. Provavelmente a senhorita estava acostumada a ter tudo
sob controle, e ele não se deixava controlar.
Sem pedir licença, Bárbara ocupou a banqueta que era de Nora, mas
Bento não se sentiu confortável para mandá-la embora. Ele não era um
brutamonte. Sabia como tratar uma mulher, até porque, não gostaria que
tratassem sua filha com grosseria.
— Eu lhe devo uma cerveja — disse desafiadora.
— Não estou bebendo esta noite, e você não me deve nada.
— Não seja grosseiro, estou lhe oferecendo uma bebida.
— Não seja teimosa, eu disse que não estou bebendo essa noite. —
Mostrou-lhe a lata de refrigerante que estava tomando.
— Você é tão turrão — reclamou Bárbara.
— Estou dirigindo, não quero beber nada alcoólico.
— Sério? Acho que além de turrão, você é um senhor certinho.
Ela o estava provocando, Bento sabia disso. Mas não entendia o porquê.
— Não estou sozinho — revelou evasivamente. — Portanto sou
responsável pela vida de outra pessoa enquanto dirijo. Costumo beber chope
quando estou na minha cidade, posso ir a pé para casa, ou de carro, o que leva
cinco ou dez minutos. Mas aqui? Não, prefiro ser prudente.
Bárbara olhou para o homem à sua frente. Ele a intrigava de uma maneira
que não sabia explicar. Estranho, pensou ela. Não era o tipo de mulher que
tomava iniciativa em relação a um homem, gostava de ser cortejada. Fazia
questão. Fazia-se de difícil, tinha seus joguinhos de sedução, tudo para que a arte
da conquista fosse degustada de maneira adequada ao seu paladar refinado.
Bento era uma iguaria exótica, um homem belo demais para não ser percebido,
porém, simples demais para lhe despertar interesse. O que a pegou de surpresa,
pois sentiu uma atração imediata por ele. Talvez a culpa fosse de seu belo rosto.
Ou seu corpo bronzeado. Aquele pedaço de homem tinha provavelmente um
metro e noventa, e músculos bem distribuídos, resultado do trabalho braçal.
Droga! Ele a estava evitando.
Como um homem como ele poderia evitar uma mulher como ela?
Não fazia sentido algum.
Bárbara sempre gostou de desafios. Não estava acostumada a ser
recusada, e ela decidiu naquele momento que queria Bento, ao menos uma vez.
Que problema teria? Nenhum.
Ninguém do seu círculo social precisava saber que ela solicitou a atenção
de um belo serviçal.
Estava decidido.
Ela o queria, e sendo assim, ela o teria.


Lucas não havia encontrado ninguém que lhe despertasse os sentidos, ou
melhor, seu pau. Nenhuma daquelas vadias interesseiras estava lhe dando tesão.
E ele queria, precisava transar. A masturbação não era uma opção para aquela
noite. Tinha que se libertar, afundando-se em uma boceta. Era uma questão de
honra para ele.
Voltou a observar a pista de dança no andar de baixo. Não encontrou
Nora e nem seu pai. Onde diabos estariam eles? Droga, não queria saber. Não
podia. Ela não seria a solução para o seu problema. Na verdade, era seu calvário.
Passou a mão pelo rosto, frustrado. Caio aproximou-se novamente e o
encarou preocupado. Foi quando a viu novamente, voltando para a pista
acompanhada de Sabrina. Elas se conheciam? Desde quando? Franziu a testa,
observando em silêncio enquanto as duas pareciam se divertir com a música.
Nora era tão linda. Seu corpo remexia em sintonia com a música, ela rebolava
sem vulgarizar, apenas balançando o corpo no ritmo perfeito. E Lucas não
deixou de reparar nos olhares masculinos em sua direção. Eles a cobiçavam.
Desejavam-na para si.
Não, ele não permitiria. Ela seria dele, de mais ninguém.
— Eu quero — disse em voz alta.
— Quer o quê? — perguntou Caio, sem saber do que o amigo estava
falando.
— Ela, a filha do jardineiro. — Apontou em direção à pista de dança,
onde sua linda bruxinha balançava o quadril.
— Para quê, Lucas?
— Para fodê-la, até que nenhum de nós dois consiga andar.
— Tá maluco? Ela é uma menina!
Lucas encarou seu amigo, irritado por ter sido lembrado do empecilho
que lhe separava momentaneamente da garota.
— Em breve ela completa a maioridade, então vou pegá-la para mim. E
quando digo pegá-la, você sabe exatamente do que estou falando.


Sabrina é muito divertida. Conversamos no banheiro feminino e ela me
convidou para a pista de dança. Sei que meu pai está se esforçando para que eu
me divirta, mas não quero fazê-lo dançar mais do que suportaria.
Caminho até o bar para contar que fiz uma amiga e quero dançar mais
um pouco, se ele quiser, pode me esperar no bar. Não quero demorar muito
tempo, não estou acostumada a ficar acordada até tarde e a música alta me deixa
atordoada. Concluo que não sou o tipo de garota noturna.
Sabrina foi até a área VIP, avisar o cara com quem veio que ficará no
primeiro andar, me fazendo companhia. Acho que ela quer evitá-lo por um
tempo, deve estar tomando coragem para contar sobre a gravidez. Espero que
eles se entendam e tudo corra bem quando Caio descobrir que será pai. Não o
conheço, mas espero que seja um cara legal, gosto da Sabrina e quero que ela
seja feliz. Todo mundo merece ser feliz, afinal.
Ao me aproximar, reparo que há uma mulher muito próxima de meu pai.
Ela é alta e magra, não de uma maneira exagerada, mas elegante. Meu pai parece
desconfortável ao lado dela. Paro abruptamente, sem saber o que fazer.
Devo me aproximar? Chamá-lo de pai? Será que ele está paquerando?
Felizmente, meu pai me observa por entre o ombro da mulher, que
permanece olhando para ele. Ele me dirige um sorriso confiante, o que me deixa
feliz por saber que posso me aproximar.
— Voltei — digo, apoiando minhas mãos em seu ombro, carinhosamente.
Meu pai sorri e beija minha testa.
Encaro a mulher e lhe dirijo um sorriso em simpatia. Ela parece estar
reparando em cada detalhe de minha roupa. Sei que não sou chique como ela,
mas estou vestida apropriadamente. De todo o jeito, ela me intimida. Embora me
olhe da cabeça aos pés, não há desdém em sua inspeção, a moça provavelmente
está curiosa ao meu respeito. Talvez pense que sou sua rival.
— Vocês dois. — Ela aponta com o dedo indicador para meu pai e depois
para mim. — São namorados ou algo assim?
Engasgo.
Meu pai começa a rir e eu acabo o acompanhando.
— Nora só tem dezessete anos, senhorita — explica meu pai.
Ela pestanejou, antes de continuar especulando.
— Mas isso não responde a minha pergunta, Bento.
— Sou Nora — apresento-me estendendo minha mão para ela, para
cumprimentá-la adequadamente.
Ela hesita um instante, mas aceita. Seu aperto é firme e seu sorriso,
apesar de desconfiado, não é arrogante.
— Prazer em conhecê-la, Nora. Sou Bárbara.
— Você é amiga do meu pai? — pergunto, sem me conter.
Droga! Será que eu não devia ter contado?
Arregalo os olhos para meu pai, que continua tranquilo, sem se abalar
com o que eu havia acabado de falar. Bárbara arqueia as sobrancelhas.
— Quem é o seu pai? — pergunta, sem entender o que eu havia falado.
Antes que eu possa responder, meu pai intervém:
— Eu sou o pai da Nora, Bárbara.
A expressão de espanto no rosto de Bárbara é cômica. Controlo-me para
não rir.
— Está de brincadeira comigo? — pergunta, denotando irritação na voz
suave.
— Por que eu brincaria com algo assim? — devolve meu pai. — Mas
não me surpreende o seu espanto, quase todos reagem assim quando descobrem
que tenho uma filha adolescente. O fato é que fui pai muito cedo, mas sim, Nora
é minha filha.
— Desde que nasci — brinco, tentando descontrair um pouco o clima
tenso.
— Uau, isso é realmente impressionante — diz Bárbara.
Penso que talvez os dois queiram conversar à sós.
— Pai, eu conheci uma garota muito legal, enquanto estava no banheiro.
Foi por isso que demorei. O nome dela é Sabrina e me convidou para dançar
mais um pouco, antes de ela ir embora. O senhor pode ficar por aqui, e daqui uns
vinte minutos eu retorno, pode ser?
Parece que meu pai está com medo de ficar sozinho com Bárbara. O que
é engraçado. Mas a maneira como ela olha para meu pai, é evidente que está
interessada nele. Ela é bonita e aparentemente simpática. Por que não? Meu pai é
jovem, bonito e solteiro.
— Tudo bem, amor. Vai lá. Quando voltar, iremos para casa, tá?
— Uhum!
Beijo-o na bochecha e viro-me para Bárbara.
— Até outro dia, Bárbara. Foi um prazer conhecê-la.
— Igualmente, mocinha.
Caminho entre as pessoas até o ponto em que combinei com Sabrina. Ela
pega minha mão e juntas vamos para o centro da pista de dança, a boate agora
está mais cheia, mesmo assim há espaço para dançarmos.
Distraio-me enquanto me deixo embalar pela música, quando finalmente
percebo Sabrina dançando com um homem muito bonito. Ele não estava ali
antes, nem o vi chegar.
Será o tal do Caio?
Aproximo-me, com receio. O homem faz um gesto com a cabeça,
apontando para mim, e Sabrina se vira para me ver. Ela sorri e me puxa pela
mão.
— Nora, venha aqui. Quero te apresentar o Caio, meu amigo.
Amigo? Uau, que maneira de apresentar o pai do próprio filho.
Eles realmente precisam definir as coisas.
Caio é lindo, o cabelo castanho claro e a barba cerrada no mesmo tom.
Ele deve ter em torno de um metro e noventa, uns trinta centímetros a mais que
Sabrina. Os braços musculosos, mas não de forma exagerada, abraçam minha
nova amiga de maneira possessiva, ele parece gostar dela. Será que ela não
percebe? Caio deve ter uns trinta anos, alguns a mais que ela. Eles formam um
belo par. Mesmo com Sabrina me segurando com uma das mãos, Caio a mantém
em seu abraço. Sorrio para ele e aceno com a cabeça.
— Oi Caio, sou a Nora.
Ele franze a testa por um momento, mas logo sorri.
— Prazer em conhecê-la, Nora. Você é nova por aqui? Não me lembro de
tê-la visto antes.
Assinto com a cabeça.
— Moro na cidade vizinha, é a primeira vez que saio à noite, confesso. É
tudo muito novo para mim.
Sabrina acaricia o rosto de Caio.
— Não disse que ela é uma pessoa rara? Estou encantada com a garota.
Caio beija a bochecha de Sabrina. Fico sem graça, sentindo que estou
sobrando.
Eles agem como um casal apaixonado.
— Sei de alguém que deve se sentir da mesma maneira — comenta Caio,
em um tom misterioso.
O que será que ele quer dizer com isso?
— Acho que vou indo nessa — digo, sentindo-me envergonhada. Não sei
como agir diante do casal.
— Por quê? — pergunta Sabrina.
— Meu pai está no bar e tem uma mulher conversando com ele. Mas
acho que ele está apavorado.
Sabrina e Caio riem com vontade, me fazendo rir também.
— Fique conosco — diz Caio. — Seu pai tem que aprender a se virar
sozinho.
— Finalmente achei vocês — diz uma voz masculina, alto o suficiente
para se sobressair sobre a música alta.
Viro-me para ver quem é, e minha boca se abre, em surpresa ao
reconhecê-lo.
— Lucas? — pergunto, involuntariamente.
— Nora. — Ele sorri, daquele jeito cínico habitual. Não parece surpreso
ao me encontrar. — O destino parece conspirar a nosso favor.


Eu até queria me manter afastado da tentação, mas algo parece me atrair
para esta garota. Nora está ainda mais linda do que no dia anterior, quando a
encontrei em cima de uma árvore. Ela está surpresa por me encontrar no La
Lola, mas o que ela não sabe é que em cidade pequena, todo mundo se esbarra.
Tento não olhar para seus seios perfeitos, por debaixo de sua regata branca.
Encaro-a nos olhos, seus lindos olhos cor de mel, que insistem em me hipnotizar
com sua magia de bruxa sedutora.
Como consegue ser tão sexy, sem ao menos tentar?
— Vocês se conhecem? — pergunta Sabrina, encarando Nora e eu.
— A Nora mora na propriedade da minha família, com o pai — explico
para Sabrina, que está abraçada ao Caio.
Quanto ao meu amigo, ele me olha com um sorriso debochado, o filho da
mãe sabe que ela é a garota que está enlouquecendo minha mente.
Nora, por sua vez, me olha espantada.
Será que ela não sabe que sou o dono da mansão?
— Sua família? — pergunta.
Confirmo, acenando com a cabeça.
— Meus pais e eu. Pensei que soubesse.
— Não sabia.
Sabrina e Caio voltam a dançar, nos deixando à vontade para conversar.
Apesar da música alta, é como se estivesse somente nós dois e ninguém mais em
nossa volta, conseguia ouvi-la perfeitamente.
— Eu estava lá hoje cedo — comento.
Ela dá de ombros.
— Só não liguei os fatos.
Essa menina está sempre com a resposta na ponta da língua.
— Onde está o Bento? — pergunto. Ela veio com ele, por que Bento
deixaria a filha sozinha?
— Como sabe que meu pai está aqui?
Sorrio.
— Ele não a deixaria vir aqui sozinha.
Ela morde os lábios, mas concorda com a cabeça.
— No bar, daqui a pouco vamos embora — responde.
— É a primeira vez que sai à noite, não é?
— Uhum.
Seus olhos cor de mel não desviam, ela está focada em mim. Sinto minha
cueca ficar apertada.
— Quer dançar? — pergunto sem pensar.
Ela hesita e eu me aproximo dela, toco o seu queixo com uma das mãos e
observo sua pele se arrepiar. Sorrio, satisfeito com a reação de seu corpo ao meu
toque. Nora pode não saber, mas ela me quer. Chego mais perto e falo em seu
ouvido.
— Não tenha medo, Nora. Eu não mordo. A não ser que você queira.
Seus lábios estremecem e eu sorrio novamente. Bom saber, não sou o
único a ficar perturbado.
— Relaxa, bruxinha. Eu não vou ultrapassar os limites.
— Bruxinha?
— Oh, sim. Você é uma maldita bruxinha, me enfeitiçou e não consigo
parar de pensar em você.
Ela dá um passo para trás, na defensiva.
— Escute aqui, eu não te dei liberdade alguma para falar assim comigo.
Seu sem vergonha!
Sem vergonha? Por Deus! Essa garota existe mesmo?
Começo a rir.
— Você não sabe falar palavrão? — pergunto, ainda rindo.
— Por que você é tão chato?
— Chato não é palavrão, Nora.
Ela bufa, coloca as mãos na cintura e me encara desafiadora.
— Pode parar com essas insinuações? Você tá jogando charme pra cima
de mim, não está?
Encaro-a estupefato. Essa menina não tem filtro.
Porra!
Olho de relance e observo Sabrina e Caio saírem de perto de nós. Muito
inteligente por parte do meu amigo, me deixar sozinho com a Nora.
Tecnicamente não estamos sozinhos, já que a pista de dança está cheia de
pessoas à nossa volta. Bem, você entendeu o que eu quis dizer.
O Neandertal dentro de mim quer colocá-la sobre meus ombros e levá-la
para minha caverna, deixá-la sob meus cuidados e ser o único a tocá-la. Eu sei
que não é civilizado e nada saudável pensar isso, ainda mais se tratando de uma
garota menor de idade. Mas não é como se eu fosse um abusador de menores.
Nora tem quase dezoito anos, é uma mulher, mesmo que a lei diga o contrário. E
ela me deseja, embora não admita. Eu jamais faria qualquer coisa que a
machucasse. Não sou um maldito corruptor. Não irei molestá-la. É apenas um
jogo de palavras, algo que eu estou acostumado a fazer com as mulheres que me
atraem.
Merda, mas ela não é como as outras. É?
Nora está com as bochechas vermelhas, o que a deixa ainda mais linda.
— O que te faz pensar isso, docinho? — pergunto, provocando-a.
Ela parece intimidada agora.
Viu só? Se ela acha que vai me fazer de gato e sapato só porque tem uma
boceta entre as pernas, está muito enganada.
Bruxinha! Sou eu quem move as peças do jogo, não você.
— O jeito como fala comigo, parece que tudo o que sai da sua boca tem
duplo sentido — explica.
Levanto meu dedo indicador e gesticulo um não.
— Isso é coisa da sua cabecinha, Nora. Pare de ser maliciosa.
Sua boca se abre, mas ela não diz nada.
Consegui pegá-la desarmada, afinal.
Talvez eu deva agir diferente. Se eu me insinuar para ela, vou deixá-la
assustada. Nora não confia em mim. Eu preciso que ela acredite que não estou
mal-intencionado. Até porque, minhas intenções com elas são as melhores, ao
menos no meu ponto de vista.
Decido mudar minha estratégia.
Manter-me afastado não é uma opção, já que meu pau decidiu ter vida
própria e não se interessa por ninguém mais além dessa fedelha com carinha de
santa.
Novo plano.
— O que foi? — pergunto. — Sou um homem adulto. Olhe para mim, eu
não preciso jogar indiretas para nenhuma mulher. Muito menos para uma menina
que acabou de sair das fraldas. Pensou o quê? Que eu estava tentando alguma
coisa com você? Eu tenho vinte e oito anos, Nora, não sou um garotinho do
colegial.
— Eu não estava...
— Estava sim! — acuso-a. — Não vou negar, te acho linda. Mas não faz
meu tipo. Só estava tentando ser legal, já que quase te atropelei e por acaso, você
é filha de um dos meus funcionários. Eu sou assim com todas. Não pense que
você é diferente.
Tudo bem. Estou pegando pesado. Mas mulher é assim, quanto mais
desdenhamos, mais elas gamam. Quem sabe com Nora não seja assim também?
Ela está toda cheia de si, achando que eu estou dando em cima dela
descaradamente, mesmo que eu esteja, não darei a ela o gostinho da vitória.
Cara, essa bruxinha não faz ideia de como costumo agir quando dou em
cima de uma mulher. “Sem Vergonha” é um elogio, pode apostar.
Recuso-me a levar esporro de uma menina.
Foda-se.
— Acho melhor você voltar para o bar. Seu papaizinho deve estar
preocupado.
Sem dizer nada, ela vira as costas e sai apressadamente.
Observo-a até que desaparece entre as pessoas.
— Sua malcriada — murmuro para mim mesmo. — Nora, Nora. Não é
uma questão de escolha, mas uma questão de tempo. No momento em que eu
determinar, você será minha.
Mas agora eu preciso de alguém que possa chupar o meu pau.


Lucas Marinho tinha seus próprios princípios. Um deles era não perder a
cabeça por causa de mulher. Mas desde que conhecera Nora, as regras
começaram a serem quebradas contra sua vontade. Havia se masturbado usando-
a como sua musa, havia confessado que não conseguia parar de pensar nela e
teve que ouvi-la chamá-lo de sem vergonha — por falta de adjetivo melhor —
estava zanzando pela La Lola em busca de uma conquista em potencial, porém
nenhuma mulher lhe atraía. Ele sabia perfeitamente quem poderia saciar seus
desejos mais ocultos, mas ela lhe era proibida. Ao menos por dois meses.
Conseguiria permanecer no celibato por dois longos e infindáveis meses?
Claro que não.
Completar a maioridade não significava que Nora iria ceder e entregar-se
a Lucas. Era um tiro no escuro, mesmo tendo certeza que ela também o desejava.
Nora era ingênua, uma menina do interior, criada em um colégio de freiras e
protegida por um pai que era exemplo de caráter e conduta. Bento Sampaio
conhecia a fama de Lucas Marinho. Ele não permitiria que a filha se envolvesse
com um playboy mulherengo, e Lucas não queria nada além de uma transa
casual. Ele desejava aquela garota para desfrutar de suas fantasias, não para levá-
la ao altar e torná-la a mãe de seus filhos.
Valia o risco?
Talvez não.
Precisava tirá-la da cabeça.
Encontrava-se em uma verdadeira encruzilhada de dúvidas. Sentia-se
contraditório o tempo todo. Ele a desejava, mas sabia que era arriscado demais.
Qual caminho a seguir? O da razão? Ou o do seu pau? Porque em grande parte
do momento, Lucas estava pensando com a cabeça de baixo.
— Sumiu, Lucas — comentou Daniel, filho do prefeito de seu município.
— Quem foi a gata de hoje?
Daniel era petulante, não se importava em parecer inconveniente.
Quando Lucas levava uma mulher para a cama, Daniel fazia questão de saber
quem era somente para dizer se já havia experimentado ou para pedir uma
recomendação. Eles trocavam figurinhas, por assim dizer. Não que Lucas se
importasse. Nenhuma delas importava.
— Estava procurando pelo Caio — mentiu.
Desde que Nora havia lhe dado as costas, Lucas esteve circulando pela
boate a procura de uma companhia agradável, mas em nada resultou sua busca.
Não viu Sabrina e Caio desde que lhe deixaram a sós com a filha do jardineiro.
Retornou ao camarote, onde encontrou os amigos, uns dançando e outros
sentados com belas garotas no colo. O de sempre, como sempre.
— Eles já foram, Caio estava sério. Sabrina parecia ter chorado. Não sei
o que aconteceu.
Lucas ficou tenso pelo amigo. Será que Sabrina lhe contou sobre a
gravidez? Os dois pareciam apaixonados, não saíam um de perto do outro e
Lucas nunca viu Caio tão atencioso com uma mulher antes.
A família Antunes constituía a elite regional e Caio, assim como Lucas,
foi criado para suceder os pais. Ambos frequentaram a mesma escola particular e
seguiram juntos para a universidade, porém seu amigo especializou-se na área
administrativa e assumiu um cargo de importância na indústria têxtil que levava
o nome da família. Caio Antunes era um jovem herdeiro de vinte e sete anos,
bonito, rico, solteiro. Que mulher não se sentiria atraída?
Sabrina Blanco era filha de uma viúva muito conhecida no município, a
dona da lanchonete Alcapone’s, Eulália. Embora a fama do bar e lanchonete
fosse ótima, a da filha da dona era um pouco comprometedora. Quase todos os
amigos de Lucas haviam saído com a moça e conhecido seus talentos orais.
Lucas também, claro. Sabrina e ele eram velhos amigos. Mas recentemente, Caio
e ela estavam se encontrando com muita frequência, saindo juntos de algumas
festas, aparecendo juntos em outras. Nada convencional, nem para ela e muito
menos para ele. Lucas apenas observava sem dar muita importância, pois volta e
meia eles eram vistos em companhias diferentes.
Mas agora que sabia da gravidez de Sabrina, Lucas ficou preocupado
com o amigo.
Sacou o iPhone do bolso de sua jaqueta e ligou para Caio.
Caixa Postal.
— Merda. Ele não atende.
— Não seja empata foda, Lucas. O Caio deve estar sendo chupado com
esmero pela boca deliciosa da Sabrina.
Lucas encarou o filho do prefeito, com cara de poucos amigos.
— Você ainda está aqui, Daniel? Vá trepar, me deixe em paz!
— O que foi Lucas? Vai descontar sua frustração em mim, cara? Não
falei nada que não fosse verdade. Todo mundo sabe que a Sabrina é a mestre dos
boquetes, você mesmo já disse isso, então não fode.
Lucas bufou, irritado e saiu do camarote antes que iniciasse uma briga
com Daniel. Estava irritado pela conversa com Nora e não queria arrumar
confusão por causa de Sabrina, com quem não tinha nenhum vínculo. Caio que
se preocupasse em defender sua garota. Aquilo não lhe dizia respeito.


Nora estava em seu quarto, deitada, tentando dormir. Chegaram da boate
há quase uma hora e ela foi para o banho. Seu pai estava na sala, assistindo
algum filme na televisão, mas ela preferiu deitar-se. Queria tirar de sua pele o
toque de Lucas, queria esquecer que ele esteve tão perto e principalmente o que
lhe disse ao pé do ouvido.
Como poderia ter lhe dito que não conseguia parar de pensar nela e
depois agir como um brutamonte? Dizer que só estava sendo legal e que agia
assim com todas. Que bipolar convencido!
Fechou os olhos, queria apagá-lo de sua memória. Mas como poderia?
Havia descoberto que ele vivia ali, na mansão Marinho. Não apenas residia, mas
era filho dos donos. Que loucura. Ela o desejou secretamente, mas agora o que
sentia era raiva, mágoa. Ele era um imbecil. Com certeza devia estar acostumado
com as mulheres beijando seus pés. Mas ela não era como todas as mulheres.
Podia ser ingênua, mas não era idiota. Mesmo que nunca tivesse beijado um
rapaz antes, sabia que estava atraída por ele, mas isso não significava que
cederia a tentação. Lucas era um homem, Nora uma garota. Por que ele a
desejaria se podia ter qualquer mulher que quisesse? Sentiu-se diminuída quando
disse que ela tinha acabado de sair das fraldas. Não era um bebê, nem uma
garotinha. Estava as vésperas de completar a maioridade, podia ser virgem, mas
ainda assim, era uma mulher. Percebera como os homens a cobiçaram quando
estava na La Lola. Mesmo que não se sentisse atraída por nenhum deles, e
alguns olhares lhe causassem repulsa, ela não podia negar que se sentira bonita
ao chamar a atenção do sexo oposto.
Precisava arrumar um emprego, conhecer pessoas novas, jovens de sua
idade com quem pudesse interagir. Não queria mais se sentir deslocada. Seu pai
era incrível, mas não poderia monopolizá-lo para sempre.
Foi pensando nisso que Nora adormeceu.


Bento Sampaio estava exausto. Foi divertido levar sua filha para dançar,
embora não quisesse repetir a façanha. Nora era uma garota e aquela não seria a
única vez que sairia a noite. Mas para ele, a carreira estava encerrada. Gostava
de suas noites tranquilas no Alcapone’s, quando o mais ousado que fazia era
arriscar-se na mesa de sinuca e escolher alguma canção no Jukebox da
lanchonete... Música alta, bebidas e um ambiente escuro cheio de luzes piscando
não era seu lugar favorito na Terra. Não mais.
Mas não era o ambiente do La Lola que o preocupava. Os pensamentos
estavam direcionados para a bela mulher de cabelo curto e lábios tentadores. O
que Bárbara havia visto em um homem como ele? Sem dinheiro, sem roupas
caras, sequer tinha o próprio carro. Todo o dinheiro que conseguia guardar
estava sendo colocado em uma poupança para bancar os estudos de Nora, que
havia adiado a faculdade por ele não ter condições de bancar a estadia da filha
em um campus longe de casa. Sua menina era inteligente e conseguiria uma
bolsa de estudos integral, mas não havia muito dinheiro disponível, foram anos
pagando o colégio católico e agora que Nora havia concluído o ensino médio,
Bento poderia guardar o dinheiro que era usado para a mensalidade, para bancar
os gastos com a faculdade quando ela começasse a estudar. E queria um ensino
de qualidade para Nora, ela merecia o melhor, e por ela ele economizava cada
centavo. Mais um ano e poderia colocar seu plano em ação. Era sua única
ambição na vida. Quanto a Bárbara, sabia que ela era uma mulher estudada, de
família rica e com prestígio na região. Não precisava contar moedas para beber
uma cerveja, nem saber se o dinheiro separado para a gasolina era suficiente para
a viagem de ida e volta.
A dama e o vagabundo, versão nua e crua. Sem a magia da Disney.
Sentiu-se atraído. Bárbara era linda, inteligente, desafiadora, interessante.
Mas ele sabia que era passageiro. Conhecia o olhar de desejo ao proibido. Há
dezenove anos, quando era adolescente, uma menina o olhou daquele mesmo
jeito. Tinha apenas dezessete anos quando conheceu Adelina. Eles estudavam no
mesmo colégio particular, seu pai fazia questão de lhe dar a melhor educação e
Bento era um dos melhores alunos da classe. Adelina, filha do prefeito na época,
era a garota mais cobiçada por todos os rapazes, mas Bento nunca se aproximou.
Ele sabia que eram de mundos diferentes, que entre todas as opções ele seria o
menos viável. Mas estava enganado. Adelina o quis assim que colocou os olhos
sobre ele. E foi ali que soube que sua vida nunca mais seria a mesma. Não foi
fácil superar a dor de ver a mulher de sua vida ir embora, abandonando-o e a
própria filha, porque se achava jovem demais para assumir a responsabilidade.
Adelina foi embora em busca de sua segunda chance para ser feliz, mas deixou
Bento e Nora abandonados à própria sorte. Ele não tinha mais esperanças de uma
segunda chance, porém faria de tudo para que Nora tivesse. E era justamente por
isso, que Bento não iria se deixar levar pelo charme de Bárbara. Porque ele não
seria o objeto de desejo de uma menina rica. Não seria tratado como um
brinquedo novo e descartado quando não fosse mais novidade.
Sem segunda chance, sem segundo erro.


Bárbara ainda estava surpresa com o fato de Bento Sampaio ser pai de
uma adolescente de dezessete anos. Um pai solteiro, quem diria? Ela estava
muito curiosa sobre a mãe da garota, mas não quis ser inconveniente em
perguntar. Provavelmente seria viúvo.
A conversa no bar foi como estar pisando em cacos de vidro. Bento era
fechado e ela não sabia o que poderia tornar a conversa interessante. Mesmo que
quisesse seduzi-lo, não seria tão descarada, queria saber mais sobre ele, não
apenas usufruí-lo. Mas apesar de conversar, sorrir e flertar, Bento Sampaio era
uma caixa blindada. O que fazia Bárbara ficar ainda mais interessada. Ele a
excitava, a deixava louca para se jogar em cima dele, era um desejo tão primitivo
que surpreendeu a própria Bárbara, mas ela não desistiria com tanta facilidade.


Lucas acordou com uma terrível dor de cabeça. Sem encontrar
companhia para aliviar suas frustrações sexuais, ele optou por voltar à mansão
Marinho. Detestaria dormir no flat desacompanhado, era como assumir uma
derrota e ele era um vencedor. Abriu os olhos e olhou em volta, seu quarto
estava escuro, graças às cortinas blackout, mas não tinha noção de que horas
eram. Levantou-se, ainda no escuro, e caminhou até o banheiro. O banho frio
serviu para lhe acordar. Vestiu uma regata preta e uma calça de moletom e
desceu as escadarias da mansão, descalço.
Encontrou seus pais na sala de jantar, a mesa posta para o almoço o fez
perceber o quanto havia dormido.
— Bom dia, família — disse preguiçosamente, sentando-se à esquerda de
seu pai, ficando de frente para sua mãe.
Isabella sorriu para o filho e Alfredo revirou os olhos.
— Nunca o vi dormir tanto em uma segunda-feira — observou o pai,
tranquilamente.
Lucas deu uma risadinha.
— Hoje é feriado, a oficina está fechada e não tenho nenhum projeto para
entregar. Tomei a liberdade de tirar um dia de folga. Tudo bem?
O relacionamento entre pai e filho sempre foi amigável. Alfredo sabia
que apesar da fama de playboy, Lucas era muito responsável com o trabalho.
— Claro filho. Sem problemas. Até seu velho pai deu-se ao luxo de
acordar mais tarde, não tanto quanto você, mas o suficiente para me sentir dez
anos mais jovem.
Isabella riu, e após limpar os lábios com o guardanapo de seda, disse:
— Meus meninos preguiçosos, apenas eu acordo com as galinhas?
— Mãe, a senhora dorme logo que o sol se põe. Como não vai acordar
cedo?
— Quanto exagero Lucas!
— Só um pouquinho. Estou brincando, mãe.
Lucas reparou que na mesa haviam dois lugares preparados. Pestanejou.
— Iremos receber visitas? — Geralmente seus pais lhe comunicavam
com antecedência.
Isabella sorriu parecia animada.
— Oh, sim. Conhecemos a filha do Bento, Nora. Ela é tão encantadora!
Os convidamos para o almoço, eles foram até o lavabo e em breve se sentarão à
mesa conosco.
Lucas ajeitou-se na cadeira, sentindo-se desconfortável. Não estava
preparado para ver Nora tão cedo. Estava de pijama! Não que fosse relevante,
sua casa era o único lugar onde não precisava se preocupar com a postura de
homem de negócios. Embora morassem em uma casa enorme e sua família fosse
de prestígio, Alfredo e Isabella gostavam da simplicidade e não ostentavam
riqueza vinte e quatro horas por dia. A mansão foi passada de geração para
geração, mas seus pais e ele gostavam de ficar à vontade e faziam de tudo para
que a casa imponente não se tornasse apenas um ambiente digno de editoriais
nas revistas de decoração, mas um lar onde habitava uma pequena família de três
pessoas.
A verdade é que Lucas queria fugir de Nora. O efeito da bebida havia ido
embora e com ele toda a sua atitude de “sou bom demais para você”. Ele estava
arrependido das coisas que dissera a ela, sabia que ela devia estar odiando-o e
detestava-se por isso.
— Ótimo. — Sorriu, disfarçando o constrangimento.
Não demorou muito para que Bento e Nora surgissem na sala de jantar.
Ela arregalou os olhos, surpresa ao vê-lo ali. Ele agiu como se não se abalasse,
embora por dentro estivesse nervoso. Sim, isso mesmo, Lucas Marinho estava
nervoso por causa de uma garota, que segundo ele mesmo dissera, acabara de
sair das fraldas.
— Aí estão vocês. — Levantou-se Alfredo, indicando os lugares à mesa.
— Sentem-se conosco.
— Obrigado, senhor Alfredo — agradeceu Bento.
— Obrigada — disse Nora, ao mesmo tempo.
Nora parecia tão nervosa quanto Lucas. Sentara-se ao lado de Isabella.
Primeiro Nora e depois Bento. Lucas podia vê-la perfeitamente dali. A garota
vestia uma jardineira jeans, com uma camiseta preta por baixo. O cabelo estava
preso em um coque e Lucas abafou um sorriso. Ela estava maravilhosa. Tão
singular.
O almoço foi servido após os cumprimentos habituais, seguindo a regra
de etiqueta. Bento e Nora, aos poucos, sentiram-se bem recebidos e já não havia
constrangimento por estarem sentados à mesa dos patrões.
Lucas se concentrou em seu risoto funghi e evitou olhar na direção dela.
Ouviu em silêncio a conversa de Isabella com os convidados. Não conseguiu
encará-la, sentia-se um imbecil.
— Nora, querida. Bento me contou que você não irá para universidade
este ano, somente no próximo. Qual curso pretende fazer?
— Eu ainda não sei, senhora. Estive pensando em fazer pedagogia ou
secretariado executivo. Preciso me decidir. Minha meta atualmente é conseguir
um emprego, depois iniciar os estudos.
Lucas quase engasgou. Conseguiu disfarçar e bebeu um gole de água.
— Um trabalho? — perguntou antes que pudesse se conter.
Todos à mesa o encararam, sem entender sua reação brusca.
— Sim, um trabalho. Embora não seja maior de idade, posso ter minha
carteira assinada. Preciso de um emprego, para as despesas da faculdade.
— Tenho certeza que irá encontrar alguma coisa — disse Isabella em
apoio à Nora. — Posso ver com minhas amigas se elas precisam de alguém em
seus negócios. Algumas são donas de restaurantes, lojas, escritórios. Poderemos
encontrar algo para você fazer. Se não for aqui, na cidade vizinha.
Nora sorriu, sem jeito. Estava envergonhada por ter que sentar-se à mesa
na presença de Lucas. Estava magoada por suas palavras ácidas na noite anterior.
Além disso, ela não queria que ele soubesse nada a seu respeito, como planos
para faculdade ou que estava em busca de trabalho. Ele pareceu assustado
quando mencionou a procura por um emprego. O que ele pensava? Que era
como ele, que poderia se dar ao luxo de viver em festas caras e sair por aí
respingando água nas pessoas, sem se importar com as consequências?
Não, ela não nasceu em berço de ouro.
Bento Sampaio permaneceu em silêncio enquanto sua filha conversava
com os patrões. Ele não sabia o que dizer. Sentiu-se impotente porque a própria
filha tinha que arrumar um emprego para custear os estudos porque ele não
podia lhe proporcionar. A comida foi engolida com dificuldade, seu orgulho
ferido. Talvez não tivesse sido uma boa ideia aceitar aquele almoço.
Lucas não se conformava com a ideia de Nora ter que trabalhar. Tudo
bem que as pessoas trabalhavam para viver, e nem todos tinham uma vida como
a dele, embora fizesse questão de colaborar nos negócios da família e dava o
sangue na oficina mecânica. Mas saber que sua adorável bruxinha teria que adiar
os estudos para arrumar um emprego, lhe causava um desconforto absoluto em
seu coração. Encarou Bento, viu nos olhos daquele homem a tristeza por não
poder realizar um dos sonhos de sua menina. Engoliu em seco. Droga. Queria
poder fazer algo para ajudá-los, mas sabia que ambos recusariam qualquer tipo
de oferta. Bento jamais aceitaria que outro homem pagasse a faculdade de sua
filha. Nora jamais aceitaria que ele fosse o responsável por isso. Ela o odiava
depois da noite passada e a culpa era toda dele.
— Você pode trabalhar na oficina — disse em voz alta, olhando
diretamente para Nora.
— Como é que é? — Alfredo perguntou, sem entender o que o filho
estava dizendo. — Uma garota na oficina? Fazendo o quê?
— Não entendi, filho — disse Isabella.
— Minha filha não consegue nem trocar um pneu de bicicleta, Lucas. O
que ela pode fazer em uma oficina? — brincou Bento, tentando descontrair.
Nora ficou em silêncio.
— Precisamos de uma telefonista — apontou Lucas, olhando para os pais
em busca de apoio. — Ramona está sobrecarregada, uma telefonista seria de
grande ajuda para ela, no escritório.
— Telefonista? — Os olhos de Nora brilharam de interesse.
Lucas sorriu, satisfeito por ter conseguido chamar sua atenção. A menina
parecia ignorá-lo desde que o percebera na mesa. Nora estava interessada no
emprego.
— Sim, atender as ligações e anotar recados ou fazer a transferência das
chamadas. Isso toma um bom tempo da Ramona. Ela pode te ensinar algumas
tarefas, você ganha experiência e podemos acertar um salário. Não é grande
coisa, mas acho que pode ajudar.
— Excelente ideia, filho — concordou Alfredo. — Ramona anda muito
rabugenta, e sou eu quem tem que ouvi-la resmungar no escritório. — Olhou
para Nora. — O que acha menina? Quer o emprego?
Nora encarou o pai com expectativa. Queria muito um emprego e não
sabia exatamente do que se tratava a tal oficina, mas esperava de coração que
seu pai fosse a favor dela trabalhar como telefonista.
— Pai? — Nora queria a opinião do pai.
Bento remexeu-se na cadeira, havia terminado o risoto e estava satisfeito.
Afastou seu prato, indicando que não tornaria a comer.
— É uma excelente oportunidade. Você pode ir de ônibus até a cidade
vizinha, eu a levo na rodoviária e te espero lá, quando for à hora de voltar para
casa. — Bento encarou Lucas. — Ela ganhará o vale transporte?
Lucas confirmou com um aceno de cabeça.
— Posso levá-la e trazê-la — ofereceu, solicito. — Trabalho na oficina e
chego cedo para abri-la com Ramona. Meu pai vai um pouco mais tarde, mas
não há problema de Nora ir e voltar comigo. Há uma cozinha destinada aos
funcionários, ela pode levar comida e almoçar lá. Ramona faz isso todos os dias.
Acho que as duas se darão bem.
Nora se retraiu. A ideia de ir e voltar com Lucas todos os dias, não lhe
caiu bem. Será que ele havia feito de caso pensado? Não, com certeza não. Por
que ele faria isso?
— Por mim tudo bem, filha — disse Bento. — Se você faz tanta questão
de trabalhar fora, essa é uma boa oportunidade para começar.
Nora sorriu e tentou conter sua ansiedade. Estava muito animada por ter
recebido uma oportunidade.
— Quando eu posso começar? — perguntou ela.
— Se você puder, pode me acompanhar amanhã, te apresento à Ramona
e vocês passam o dia juntas, no fim do dia, conversamos para ver o que foi
decidido. De motores eu entendo, mas naquele escritório quem manda é ela e o
meu pai.
Nora não quis perguntar para não ser enxerida, mas ficou curiosa sobre o
que Lucas disse a respeito de motores e o fato de não trabalhar no escritório.
Olhou mais uma vez para seu pai, que lhe sorria em apoio e então tomou sua
decisão:
— Amanhã está ótimo.
— Encontre-me aqui às sete horas.
— Obrigada, senhor Lucas.
O sorriso de Lucas se desvaneceu.
Senhor? Ela o chamara de Senhor.
Como se ele fosse muito mais velho que ela!
Bem, ele era, mas isso não vinha ao caso.
Sentiu-se ofendido.
— Por favor, tire o senhor e meu nome da mesma frase. O velhote aqui é
o meu pai — disse, tentando soar engraçado.
Isabella e Alfredo riram da piada do filho, Nora sentiu-se enrubescer.
— Desculpe, Lucas.
— Assim é melhor.
Após o almoço ser recolhido, a família Marinho e sua visita desfrutaram
de uma sobremesa deliciosa. Peras marinadas em uma calda de vinho tinto, o
que para Lucas, era o paraíso na Terra. Alfredo e Isabella monopolizaram Bento
em uma conversa sobre jardinagem e algumas plantas exóticas que gostariam de
cultivar na propriedade. Lucas levantou-se e chamou Nora, com a desculpa de
lhe mostrar a biblioteca da família. Ninguém pareceu objetar sobre os dois
ficarem sozinhos. Nora quis recusar o convite, mas havia acabado de ganhar uma
oportunidade de emprego, por sugestão de Lucas, mesmo chateada com ele, não
quis ser indelicada.
Ao adentrarem na imensa biblioteca, Nora espantou-se com o tamanho
do lugar. A sala era ampla e escura, as paredes ostentavam prateleiras feitas sob
medida para preencher todo o espaço. Uma cortina de veludo cor de vinho
impedia a claridade de chegar ao ambiente, protegendo os inúmeros exemplares
de livros. Havia poltronas de couro em marrom escuro e uma mesa pesada, em
cerejeira, no que aparentava ser um escritório antigo. Ela sentiu-se deslocada,
parecia que estava no cenário de uma novela de época.
— É lindo aqui, não é? — perguntou Lucas, tentando puxar assunto.
Nora fez que sim, com a cabeça. Ainda não sabia o que dizer.
Lucas observou cada expressão no rosto da garota, ela estava
impressionada com a biblioteca.
— Quero me desculpar por ontem, sei que fui um grande babaca.
Ela parou de olhar os livros e o encarou, não esperava que ele fosse tocar
no assunto, muito menos se desculpar.
Lucas não deixou espaço, para que ela argumentasse.
— Eu tinha bebido demais, estava sexualmente frustrado e descontei em
você. Não fui exatamente um príncipe.
Nora quase engasgou ao ouvir “sexualmente frustrado” sair da boca dele.
Observou o homem à sua frente. Ele vestia uma regata preta colada ao seu corpo,
e uma calça de moletom larga. Também estava com os pés descalços.
Completamente à vontade em sua casa e ela ali, sentindo-se uma intrusa. Aquele
não era seu ambiente, estava em desvantagem.
— Não vai dizer nada? — perguntou Lucas, ansioso para ouvi-la.
— Não sei o que dizer, Lucas. Você me deixa confusa.
Ele deu uma risadinha e se aproximou dela. Ela não recuou.
— Por que, Nora?
Ela molhou os lábios com a língua e ele amaldiçoou mentalmente, pois
sabia que estava ficando duro e ela logo perceberia o volume em sua calça.
— Sei que não foi coisa da minha cabeça, você se insinuar para mim —
começou ela. — Não sou tão ingênua quanto pareço.
Ele deu mais um passo à frente. Ela ainda não recuou.
— Não é?
Ele semicerrou os olhos e ela sentiu sua pele arrepiar. Reparou o volume
protuberante na calça de moletom e teve a certeza do que imaginava: Lucas a
desejava como mulher. Ele podia dizer que não, mas agora sabia que sim.
E o que poderia fazer com essa informação?
Também o desejava, embora soubesse que brincar com fogo era perigoso
e Lucas estava há anos luz à frente dela, no quesito experiência. E ainda estava
chateada, não é porque ele estava diante dela, com aqueles olhos azuis sedutores
e seu sorriso de fazer qualquer mulher suspirar, que Nora cederia.
Lucas estava certo de que poderia conquistá-la?
Nora mostraria a ele que estava errado.
— Não, eu não sou. Você não disfarça tão bem quanto acredita. — Sorriu
maliciosamente, olhando descaradamente para a ereção dele.
Lucas acompanhou o olhar de Nora e sorriu cinicamente.
— Um “eu te amo” pode ser falso, mas um pau duro é bem sincero, não
acha? — Citou uma frase que havia recebido pela internet e achado engraçada.
Não conhecia o autor, mas concordava com a lógica.
Nora entreabriu os lábios.
— Você é bem direto — acusou, mas não denotou irritação na voz.
Estava segura de si.
Lucas deu mais um passo à frente e novamente, Nora permaneceu onde
estava.
— Você quer que eu seja direto? Ontem foi uma merda fodida. Estou tão
obcecado por você que não consigo medir as palavras. Isso é uma droga sabia?
Nós nos conhecemos há três dias e olha como estou?
— O que você quer de mim? — perguntou ela, encarando o jovem de
olhos brilhantes.
Ele a cobiçou da cabeça aos pés. A menina não fazia ideia dos
pensamentos sujos que percorriam sua mente naquele instante.
Talvez tivesse.
— Tudo, eu quero tudo de você. Desde essa boquinha rosada, até sua
bocetinha intocada. Quero ser o homem que vai te devorar por inteira e te
transformar em uma mulher de verdade.
— Você acha que eu ainda sou virgem? — ela perguntou sorrindo. —
Talvez o ingênuo aqui seja você, Lucas.


Não acredito no que ela acaba de insinuar com sua pergunta insolente.
Minha boca se abre e tenho a impressão de que meu queixo bateu no chão de
mármore.
Ela não pode estar falando sério!
Solto uma risada desprovida de humor.
— Você só pode estar brincando — debocho.
Ela continua parada na minha frente, sem recuar um passo sequer. Estive
me aproximando dela lentamente, agindo como uma raposa diante de sua caça,
pronto para dar o bote a qualquer momento, mas ela me desarmou por completo.
Nora aponta o dedo indicador em meu peito, empurrando-me para trás
desafiadoramente.
— É você quem está brincando comigo esse tempo todo, Lucas — acusa-
me, e com razão. — Mas agora eu sei exatamente o que quer de mim.
Se ela pensa que me vai pôr em desvantagem, está muito enganada.
— E agora que sabe, vai me dar o que quero? — pergunto, olhando-a
diretamente nos olhos.
Ela pisca nervosamente e se entrega. Eu sabia que metade daquela
postura era pose. Nora quase me enganou, mas eu ainda estou no controle.
Seu sorriso não alcança os lábios.
— É a ideia do proibido, não é? — Dá de ombros. — A garotinha
inocente, intocada. Saber que será o primeiro te faz sentir poderoso, Lucas? —
Deu mais um passo à frente, me empurrando. — Sinto muito se tirei a sua
diversão, mas alguém chegou na sua frente e tirou o que você queria tirar de
mim.
— Você está mentindo! — altero o tom de voz.
Não posso acreditar que Nora esteve com outro homem. Recuso-me.
— Não estou. — Devolve no mesmo tom. — Mas o que isso importa?
Você só dirige carro zero quilômetro?
— Você está brincando com fogo menina — alerto.
Ela se afasta de mim e caminha em direção à porta da biblioteca.
— Foi você quem provocou.
Viro-me em sua direção.
— Eu sei que é mentira, Nora.
Ela sorri.
— Só há uma maneira de saber.
Não consigo acreditar que a garota na minha frente é a mesma por quem
estive obcecado nos últimos dias.
Desde quando Nora é assim, tão atrevida?
Estou tão duro e tão irritado que se não estivesse em minha casa, com
meus pais e o pai dela na sala de estar, juro que a teria deixado de quatro no chão
e a tomaria para mim. Ensinaria essa menina malcriada a não mentir
descaradamente, a não provocar deliberadamente, achando que pode me
manipular como bem entender.
— Espero que esta informação não mude o fato de que você me ofereceu
um emprego. — Ouço-a dizer e volto minha atenção para ela novamente. — Não
quero ter que explicar aos nossos pais o motivo pelo qual não sou mais
qualificada para o cargo.
Respiro fundo e me controlo para não ir até ela.
Quem essa garota pensa que é?
— O emprego é seu, pirralha.
— Até amanhã então, patrão. — Fecha a porta atrás de si.
Bufo de raiva.
A partir de amanhã, minha paz naquela oficina chega ao fim.


Então é isso. Ele me vê como um prêmio. Quanta arrogância!
Lucas não gosta de mim, como poderia se não me conhece? O que ele vê
é um corpo que o atrai e a possibilidade de ser o primeiro a me possuir como
mulher. Não há sentimento envolvido, é pura luxúria. Não sou um espécime em
extinção, existem outras mulheres virgens por aí, tenho dezessete anos e vivi em
um ambiente cercado por outras mulheres, nunca interagi com garotos da minha
idade. Sequer dei um beijo na boca, quanto mais ir para a cama com algum. Mas
não sou criança, sou uma mulher inexperiente.
A cada encontro que temos, sinto-me encurralada. Sua beleza masculina,
seu sorriso sedutor, seus olhos que parecem me devorar por inteira. Ele me faz
sentir coisas que jamais senti antes, desperta meu corpo e invade meus sonhos
mais secretos. Lucas penetrou em meu subconsciente e tem me atormentado,
fazendo-me ansiar por seu toque. Tenho medo do que esses pensamentos podem
fazer com minha sanidade.
Não o entendo. Eu o vi lutando contra seu desejo, a princípio, pensei que
estivesse imaginando coisas, mas o vento mudou de direção e Lucas começou a
se aproximar, como uma tempestade pronta para fazer estrago. Ele provoca, joga
com as palavras, insinua, joga charme. Eu não quero demonstrar impotência
diante dele. Por mais que me sinta atraída, não vou ceder ao impulso de me
entregar para alguém que quer apenas se divertir comigo.
Dizer a ele que não sou mais virgem foi a ideia que tive para pegá-lo de
surpresa. Uma grande mentira, de fato. Grande parte do tempo eu vivi no colégio
de freiras e, quando minhas amigas saíam para suas casas nas férias, eu
permanecia lá. Não tive oportunidade de conhecer outras pessoas. Rapazes?
Nem pensar! Minhas colegas costumavam se reunir a noite, no quarto, para
contarem suas aventuras, durantes as férias. Eu não tinha nada a declarar, porém
ouvia atenta aos relatos. Todas haviam perdido a virgindade aos dezesseis anos,
enquanto eu seguia meus dias em meio aos romances literários, sonhando com
um homem que um dia, faria meu coração bater mais forte e despertasse em mim
o desejo de me entregar.
Uma das coisas que aprendi com minha colega de quarto, no colégio de
freiras, é que um homem não deve saber o poder que exerce sobre uma mulher.
Marina era experiente para a sua idade e não se envergonhava de compartilhar
suas aventuras amorosas, foi bom ter memorizado tudo o que ela havia revelado.
E eu faria bom uso dos seus ensinamentos. Talvez eu deva entrar em contato
com ela e pedir ajuda.
Não posso mostrar ao Lucas o quanto ele me afeta, ou ele virá com tudo
para cima de mim. Preciso me munir de forças e informações para poder lidar
com um homem com “H” maiúsculo, como de fato ele é.
Caminho de volta à sala de estar e encontro meu pai conversando com o
senhor Alfredo e a senhora Isabella. Não quero permanecer aqui, preciso ir para
o meu quarto, repassar em minha mente todas as palavras que troquei com
Lucas, a mentira que contei, a maneira como agi, como se fosse corajosa como
demonstrei, embora por dentro estivesse tremendo na base. Espero que ele tenha
acreditado no que eu disse e que a falsa informação tenha abalado seu ego
masculino.
Começo a trabalhar no dia seguinte e estou ansiosa. Terei que vê-lo todos
os dias, por isso, preciso me preparar e levantar minha armadura.
Ele me vê como uma menina pura e ingênua. Mas eu não quero ser essa
garota para sempre. Recuso-me.


Foi uma segunda-feira difícil para Lucas e Nora. Cada um em seu
respectivo quarto, pensando no rumo que a conversa da biblioteca havia tomado.
Lucas arrependeu-se de ter se exposto daquela maneira vulgar, Nora arrependeu-
se de ter demonstrado ser alguém que não era. O ponteiro do relógio pareceu
andar sem pressa e quando anoiteceu, Nora percebeu a inquietação do seu pai
quando estavam na sala assistindo televisão.
— Pai, porque você não vai para o Alcapone’s?
Bento estava tentando prestar atenção na telenovela, mas não fazia ideia
do que estava acontecendo entre os personagens.
— Não quero deixá-la sozinha — justificou-se para a filha.
Ainda estava se habituando a ter companhia em casa.
Nora desligou a televisão.
— Eu não sou um bebê, pai. O senhor pode perfeitamente me deixar em
casa sozinha.
Bento sorriu para a filha.
— Obrigado por me lembrar disso.
Era impressionante como sua filha adolescente era madura. Por ter sido
abandonada pela mãe ainda recém-nascida e passado grande parte de sua vida
em um colégio interno, Bento teve receio de que Nora adquirisse algum tipo de
remorso e se rebelasse. Geralmente, a fase da adolescência era um período de
descobertas e crise existencial, mas para sua sorte, Nora era uma boa menina,
centrada, aparentemente bem resolvida com suas convicções.
— Pode ir, pai.
Bento levantou-se e passou a mão pelos jeans, como se quisesse
desamarrotá-lo, não que estivesse amassado, era apenas um gesto de nervosismo.
Mas por que estava nervoso? Nem mesmo ele sabia, apenas sentia dentro de si
um desconforto, como se estivesse pressentindo algo. Porém, não sabia se era
uma sensação boa ou ruim, o que o deixava frustrado. Beber algumas cervejas
poderia ser a solução que estava precisando, em seus pensamentos uma linda
mulher de cabelo curto e lábios desejosos não parava de olhá-lo de modo
provocante. Bárbara, patricinha mimada.
Desde quando uma mulher habitava sua mente com tanta frequência?
Balançou a cabeça, afastando-a para o subconsciente.
— Tudo bem, eu vou. Mas não voltarei tarde, amanhã tenho muito
trabalho.
Nora abraçou o pai e desligou a televisão, encaminhou-se para o seu
quarto e buscou embaixo do travesseiro o livro que estava lendo. Tratava-se de
um romance de Nicholas Sparks, chamado Um Amor Para Recordar, seu livro
favorito no momento. Já o lera diversas vezes, assistiu ao filme com suas amigas
e era secretamente apaixonada por Shane West, ator que interpretava Landon
Carter, o personagem principal da obra. Nora também era fã de Mandy Moore e
sabia cantarolar todas as músicas que a atriz e cantora interpretou no filme.
Também foi através do filme que descobriu a banda Switchfoot, uma das suas
preferidas.
Deitando em sua cama confortavelmente, Nora colocou os fones de
ouvido e ativou o aplicativo de música de seu celular, havia selecionado a trilha
sonora do filme para ouvir enquanto relia o livro. “You” começou a soar em seus
ouvidos e ela se distraiu com a canção e parou de prestar atenção no capítulo.

“Sempre há algo no caminho
Sempre há algo se interpondo
Mas não sou eu
É você
É você”
Batidas em sua janela, ao lado da cama, desviaram a atenção de Nora.
Ela se sobressaltou, fechou o livro e tirou os fones para ter certeza de que não
havia sido sua imaginação. As batidas persistiram, não eram estridentes, mas
com certeza não se tratava de galhos de árvore batendo por causa do vento.
Era alguém. Mas quem?
— Quem está aí? — perguntou ela.
— Sou eu, Lucas.
Sua coloração esvaiu-se de seu rosto e Nora retesou seu corpo ao ouvir
aquela voz que a torturava com emoções e sensações distintas, porém igualmente
intensas. Ela ainda não sabia identificar o que era, mas cada vez que Lucas se
fazia presente, Nora precisava fazer grande esforço para não sucumbir ao seu
charme.
O que será que ele estava fazendo ali? Pensou ela.
— Por que está em minha janela? — perguntou, espiando entre as frestas
da madeira.
Estava escuro, não conseguiu vê-lo.
— Será que pode abrir? Preciso conversar com você.
Abriu-a com relutância. Engoliu em seco, disfarçando o quanto vê-lo
deixou-a balançada. Lucas vestia um conjunto de moletom preto, calça e jaqueta
com capuz. Seus olhos azuis destacavam-se no escuro, ao refletirem a luz que
vinha de seu quarto. Aquele homem era tão bonito que Nora não conseguiu
evitar ficar vermelha feito um pimentão, por admirar sua aparência física.
Eram nove horas da noite, seu pai havia recém-saído de casa e ela já
tinha tomado banho e vestido seu pijama para dormir. Sentiu-se ridícula. Não
conseguia entender o que Lucas viu nela, quando poderia ter aos seus pés
qualquer mulher que quisesse. Na verdade, ela sabia, era a sua inexperiência. Ele
a via como um desafio. Nora pensou que ao insinuar que não era mais virgem,
Lucas perderia o interesse, porém ali estava ele, furtivamente na janela de seu
quarto.
Encaravam-se em silêncio, ele sorria para ela ternamente e ela tentava
decifrar o que aquele olhar significava. Oh sim, claro. Ela usava uma calça e
blusa de algodão, rosa bebê com estampa de lacinhos em rosa pink.
Lucas sorriu, um sorriso torto com o canto dos lábios. Nora estava uma
gracinha naquele pijama. Por mais que tivesse ansioso para conversar com ela,
ou que a desejasse de uma maneira obsessiva, vê-la vestida como uma menina
despertou-lhe o desejo de apenas deitar-se ao seu lado na cama, abraçá-la de
“conchinha” e zelar por seu sono durante uma noite inteira.
Mas que porra de pensamento era aquele?
Observou-a enquanto ela se levantou, ficando de pé em cima de sua
cama. Surpreendeu-se quando Nora se sentou na janela, com as pernas para o
lado de fora. Estava com os pés descalço, não usava meias e pode ver o quão
delicado eram seus pés. Sentiu um desejo imenso de massageá-los e beijá-los
com adoração.
Droga Lucas! Quer parar de pensar nessas coisas cafonas?
— Por que não bateu na porta? — perguntou Nora, quebrando o silêncio
entre eles.
Lucas deu um passo à frente.
Nora não recuou.
Ele sorriu de modo travesso e ela arqueou as sobrancelhas.
— Vi pela janela do meu quarto quando o Bento saiu com a caminhonete.
Queria te ver, mas não quis correr o risco de alguém me pegar batendo na porta
de sua casa — explicou-lhe, um tanto constrangido.
Lucas estava agindo como um adolescente encabulado, sem se dar conta.
— Já está tarde, Lucas. Amanhã cedo nós iríamos nos ver de qualquer
maneira.
Deu um passo à frente, ficando a centímetros dela.
— Mas eu queria te ver agora, Nora. Também quero me desculpar pela
maneira como te tratei hoje cedo. Não sei o que está acontecendo comigo, droga!
— Parecia angustiado. — Você é linda, me fascina de um jeito que não sei
explicar. Sinto-me atraído e não faz ideia de como isso me deixa puto. Puto
comigo mesmo, por agir como um adolescente que não consegue controlar os
hormônios, puto com você, por ter uma espécie de imã que insiste em me atrair
para perto. Tem sido um inferno desde que te conheci, garota. Eu tenho vinte e
oito anos, Nora. Sou um homem feito. Você é só uma menina, caramba! O seu
pai é um dos poucos homens que admiro. Sinto-me um cretino por pensar as
coisas que penso sobre você e ter que conversar com ele, agindo naturalmente,
como se fosse completamente normal eu desejar a filha do cara ajoelhada na
minha frente, chupando o meu pau.
Nora abriu sua boca, chocada com as palavras de Lucas. Já devia ter
percebido que ele era uma pessoa direta e que muitas vezes não media as
expressões vulgares. Mas ela havia mostrado a ele o seu lado adulto e
experiente, mesmo que muito dele fosse fachada.
— Viu só? — perguntou Lucas com um sorriso debochado. — Eu tento
consertar uma merda, mas acabo fazendo outra. Perdoe-me, Nora.
Lucas virou-se de costas para Nora e começou a ir embora.
— Espere — disse ela, fazendo com que ele parasse seus passos
imediatamente.
Lucas olhou para trás e seu olhar encontrou o de Nora.
— Eu também penso coisas sobre você — confessou, tentando se mostrar
segura de si.
Ele se reaproximou, chegando mais perto do que antes.
— Que tipo de coisas? — perguntou ele, especulando.
Ela engoliu em seco. Lucas estava indo embora, mas Nora o chamou de
volta, então se viu na obrigação de esticar a conversa. Lucas estava sendo franco
com ela, não era justo que não fizesse o mesmo.
— Aquele dia, na goiabeira, por exemplo.
Ele riu.
— Você pensa sobre jogar goiabas na minha cabeça?
Ela revirou os olhos e cruzou os braços, em um gesto defensivo.
— Não, seu tonto. Mas penso sobre como foi sentir seu corpo colado ao
meu, como aconteceu quando caí da árvore.
Lucas gostou de ouvir o que a garota acabara de dizer. Deu um passo à
frente, e mais outro. Nora abriu suas pernas automaticamente e Lucas deu mais
dois passos, aconchegando-se entre elas. Depositou as mãos na cintura dela.
Nora tirou-lhe o capuz deixando-o cair atrás do pescoço. Lucas sorriu com o
gesto casual, pareciam confortáveis na presença um do outro. Apesar da
atmosfera sexual lhes rondando, ambos permaneceram em silêncio. Nora
descansou suas mãos sobre os ombros de Lucas.
— Você é culpada por me fazer sentir um menino.
Ela sorriu.
— Você é culpado por me fazer sentir uma mulher.
A partir dali seus corpos agiram por vontade própria e o beijo aconteceu
espontaneamente. Não se podia dizer qual dos dois havia iniciado, foi uma ação
conjunta. Lábios se chocaram com força e enquanto ele a puxava para si, pela
cintura, ela fazia o mesmo com ele, pelo pescoço.
Lucas manteve Nora sentada na janela, mas permaneceu colado a ela o
quanto era possível. Sua língua invadiu a boca da garota que a sugou com
volúpia. Era como se a boca de Nora fosse feita sob medida para a dele,
beijavam-se em sincronia, devoravam-se com lascívia, exploravam-se com
luxúria e deliciavam-se com o sabor um do outro. Para Lucas, Nora tinha sabor
de morango. Para Nora, Lucas tinha sabor de hortelã. Não queriam se afastar um
do outro, mas precisavam respirar. Lucas acalmou o beijo, mas permaneceu
beijando-a, distribuindo selinhos por seus lábios inchados, em seguida por seu
queixo, bochechas, nariz e finalmente a testa. Nora manteve os olhos fechados,
tentando regularizar sua respiração. Aquele foi seu primeiro beijo, mas nunca
admitiria para ele. Manteria a sua postura de garota experiente, a sua mentira
havia sido lançada e ela não voltaria atrás.
— Esse beijo foi foda pra caralho, Nora. Você me deixa louco.
Ela sorriu, sentiu-se orgulhosa. Lucas não percebeu que ela nunca havia
beijado antes.
— O que acontece agora? — perguntou ela.
Lucas soltou suas mãos da cintura dela, mas manteve-se perto. Nora
sentiu falta de ter as mãos dele sobre seu corpo, retirou os braços em volta do
seu pescoço e deixou-os cair sobre suas pernas.
— Preciso de um banho frio, urgente — respondeu Lucas, ainda
ofegante.
Nora sentiu-se chateada, mas disfarçou. Não iria demonstrar fraqueza
diante dele.
— Boa noite, então — sugeriu, tentando se afastar dele para descer da
janela e retornar para o seu quarto.
As mãos de Lucas voltaram a prender sua cintura, impedindo-a de se
afastar.
— Tem noção do quanto isso foi errado, Nora? — perguntou, fitando-a
seriamente. — Você é menor de idade, e eu tenho praticamente o dobro da sua.
— Você não tem o dobro da minha idade, não exagere! E não me forçou
a nada! Quando um não quer, dois não fazem.
Ele sacudiu a cabeça em negativa.
— Nem sempre, menina — desdenhou. — Você não pode ser tão ingênua
a ponto de acreditar nisso. O mundo não é assim tão perfeito.
— O que aconteceu agora a pouco, foi porque nós dois agimos. Eu quis
isso tanto quanto você, Lucas. Não sou uma criança e sei que não me vê como
uma. Então me poupe do papo furado de sentir culpado! Você bateu na minha
janela, droga! Por que veio aqui, afinal?
Lucas passou as mãos pelo cabelo.
— Porque eu queria me desculpar por ter agido feito um idiota.
— Então pare de continuar agindo como um! Em menos de dois meses
eu completo dezoito anos, não sou criança, já disse isso. Você não é um aliciador
de menores, o que aconteceu foi porque eu também quis, não é o fim do mundo!
Olhe para mim, Lucas. Eu estou falando com você, então não seja covarde e me
olhe nos olhos.
Lucas começou a rir, mas encontrou seu olhar com o dela.
Nora podia ser uma garota, mas era dona de uma maturidade que o
impressionava. Passou a mão pelo rosto dela, carinhosamente.
— O que eu vou fazer? — perguntou, sentindo-se confuso.
De uma coisa Lucas tinha certeza: Aquele beijo não foi o suficiente, sua
sede de Nora apenas se intensificou depois de provar seus lábios.
Nora segurou o rosto dele entre suas mãos e sorriu.
— Vá tomar um banho frio. Eu preciso dormir. Amanhã é meu primeiro
dia no emprego, sabe?
Lucas retribuiu o sorriso e colocou suas mãos sobre as de Nora, que
permaneciam em seu rosto. Aquele gesto carinhoso o pegou de surpresa, mas
aqueceu seu coração de uma maneira que ele não soube explicar, mas que lhe era
reconfortante.
— Boa sorte no seu primeiro dia, espero que o seu chefe não seja um pé
no saco — brincou, piscando para ela.
Nora ficou séria, de repente.
— Lucas, eu preciso desse trabalho. Darei o melhor de mim, isso é muito
importante.
Lucas pestanejou, não entendeu o porquê de Nora estar lhe dizendo
aquilo.
— O que quer dizer com isso? — perguntou ele.
— O que aconteceu entre nós não pode interferir no meu emprego —
alertou.
— Tudo bem, Nora. Acho que mal vamos nos ver. Eu não trabalho no
escritório, sou mecânico.
Nora ficou surpresa com a revelação de Lucas.
— Mecânico? Jura?
Ele sorriu.
— Pensou que eu fosse um mauricinho que usa terno e fica atrás de uma
mesa de escritório, revirando papelada o dia inteiro? Eu sou mais o tipo de
mauricinho que gosta de usar macacão e me sujar de graxa.
— Uau.
— As mulheres se amarram em um mecânico. — Piscou, fazendo graça.
Sem se darem conta, eles ainda estavam com as mãos unidas no rosto de
Lucas.
Nora ficou séria, de repente.
— O que é isso entre nós, Lucas? — perguntou receosa.
Lucas deu-lhe um selinho rápido nos lábios dela, que não teve tempo de
retribuir.
— Vamos descobrir aos poucos, tudo bem para você? — perguntou a ela.
Nora anuiu em silêncio, retirando suas mãos do rosto dele.
— Vá tomar o seu banho, eu preciso tentar dormir — desconversou ela.
— Tentar? — perguntou maliciosamente.
— Estou ansiosa por causa de amanhã. — Nora deu de ombros.
— Sei. Eu não tenho nada a ver com sua ansiedade? — perguntou
esperançoso.
— Talvez, um pouquinho.
— Ótimo! Já é o suficiente para me deixar ansioso também.
Sorriram um para o outro e Lucas afastou-se, acenou um tchau para
Nora, e sumiu entre as árvores.
Nora o observou desaparecer entre as árvores, entrou em seu quarto e
fechou a janela. Deitou-se se cobriu com o edredom. Colocou os dedos sobre
seus lábios e sorriu de um jeito sonhador. Havia dado seu primeiro beijo, e não
foi em nenhum garotinho tão inexperiente quanto ela. Foi com um homem de
verdade, um homem que despertava nela sensações indescritíveis. Toda a sua
força de vontade em mostrar a Lucas que não era uma menina boba, dobrou de
tamanho. Ela queria ser uma mulher à altura daquele homem. Não fazia ideia de
como as coisas entre eles iriam prosseguir, mas sentiu toda a sua convicção de
mais cedo ir por água abaixo.
Seria impossível resistir a Lucas Marinho.


Só há uma certeza neste momento: Estou completamente de quatro por
aquela garota.
Não estava em meus planos sucumbir à Nora quando me dirigi
furtivamente para a janela de seu quarto, mas era fato que eu precisava vê-la
antes de dormir. Agora estou aqui, deitado em minha cama, completamente nu,
duro feito pedra mesmo após tomar um banho frio para tentar apagar esse fogo
que me consome sempre que penso nela. O problema é que antes tudo não
passava de imaginação, agora sei o gosto de seus lábios, senti sua pele contra a
minha e o quanto seu corpo correspondeu ao meu.
Droga, se já estava difícil resistir a ela, como será daqui para frente?
Tento dormir, mas estou agitado. Meu pau pulsando sobre minha barriga,
por culpa daquela bruxinha. Toco-me fechando os olhos e imaginando sua boca
em torno do meu pau, chupando-me com volúpia, sugando-me com tanto desejo
quanto beijou meus lábios. Eu sei que você deve estar pensando o quanto sou um
filho da puta pervertido, mas porra, eu não tenho argumentos para me defender,
sabe por quê? Por que eu sou sim, um filho da puta pervertido.
Ok. Vamos tirar a minha mãe dessa conversa. Minha coroa não tem nada
a ver com meus pensamentos obscenos com a filha do jardineiro.
Depois de gozar em minha mão, lavo-me e me afundo na cama,
dormindo logo em seguida.
Sou um maldito punheteiro que não consegue comer mais nenhuma
mulher, porque uma adolescente de dezessete anos ocupa todos os meus
pensamentos.
Saibam que não me orgulho disso. De jeito nenhum.
Acordo cedo, como de costume, antes do despertador me alertar.
Levanto-me e tomo um banho, visto minha habitual boxer preta, jeans e
coturnos, uma camiseta preta sem estampa — eu odeio camisetas com qualquer
tipo de logomarca — e penteio meu cabelo com os dedos. Gosto quando o vento
o seca enquanto dirijo meu Porsche, deixa meus fios com aparência rebelde.
Pode ser que seja vaidade de minha parte, mas estarei mentindo se disser que
não dou a mínima para a minha aparência.
Cara, olhe para mim. Eu sou lindo pra caralho. Gosto de estar bonito,
você não pode me julgar porque sinceramente, também me acha um pedaço de
mal caminho, não é mesmo? Sem hipocrisia, estamos apenas sendo sinceros um
com o outro, não se sinta constrangida por concordar que eu sou um homem
lindo. Mas tudo bem, deixemos a sessão “alimente o meu ego” de lado.
Tomo café com meus pais, comentamos sobre o primeiro dia de Nora
como telefonista. Ramona ainda não sabe que terá uma pessoa para ajudá-la, já
estou vendo o sorriso daquela morena simpática. Ramona é muito querida por
todos na oficina, a chamamos de “Vovózona” porque ela praticamente adotou
toda a equipe como seus netinhos. Ramona trabalha com meu pai há mais de
vinte anos, é quase um patrimônio da nossa oficina matriz, foi uma das que
apoiou a ideia de meu pai em transformar nossa oficina em uma franquia, hoje,
uma das mais famosas do país.
Faltam cinco minutos para as sete horas e me despeço de meus pais.
Encontro Nora assim que saio pela porta da frente, ela está sentada na escadaria
de entrada e ainda não percebeu minha presença. Observo-a de costas. Ela tem o
cabelo preso em um rabo de cavalo e meu pau desperta imediatamente. Sei que
estou sendo repetitivo, mas sempre que a vejo de cabelo preso, é inevitável
pensar em colocá-la de quatro e puxar o seu rabo de cavalo para trás, tomando
sua boca na minha enquanto meto fundo dentro dela. Sinto minha boca salivar e
passo a língua sobre meus lábios.
Muito cedo para isso, eu sei.
— Bom dia, Nora — cumprimento-a, fazendo com que ela olhe para trás
e se levante às pressas a me ver.
— Bom dia, Lucas — cumprimenta-me com um sorriso tímido.
Coço minha cabeça, desconfortável, sem saber como agir com ela depois
do que aconteceu ontem.
— Está aqui há muito tempo? — pergunto, tentando puxar assunto.
Deixe-me esclarecer uma coisa: Não é porque admiti para mim que estou
de quatro por ela, que irei ficar babando cada vez ela estiver na minha frente. Eu
posso me masturbar todas as noites antes de dormir, desde que a conheci, posso
não conseguir comer nenhuma mulher, posso pensar nela em grande parte do
meu dia, mas ainda assim eu tenho que transparecer autocontrole. Não vou
entregar o jogo e mostrar a ela que praticamente me tem nas mãos. Cara, uma
mulher não pode saber que tem esse poder todo sobre um homem, isso fode
completamente a nossa vida. Elas nos fazem de gato e sapato, se quiserem. Esse
é o poder que uma boceta tem sobre um homem que aprecia o sexo oposto.
— Cheguei quase agora — responde normalmente.
Deixe-me esclarecer outra coisa: Pensei que ela fosse me olhar de um
jeito diferente esta manhã. Nada de olhos brilhantes, sorriso de orelha a orelha,
respiração acelerada. A garota está normal. E eu me achando o “foda da parada”,
por fingir que posso ser indiferente, mas a menina está jogando um balde de
água fria no meu ego, agora.
Sua bruxinha maldita!
— Pronta para o primeiro dia? — pergunto, descendo a escada, sendo
acompanhado por ela.
Caminhamos até a garagem.
— Sim. — Continua indiferente. — Mais uma vez, muito obrigada pela
oportunidade, Lucas. Esse emprego é importante para mim. Valeu mesmo.
— Não precisa agradecer, apenas mostre serviço e não me decepcione,
ok? — pergunto sem encará-la.
— Uhum.
Abro a porta do carona para Nora, e espero ela se acomodar antes de
fechar a porta e me encaminhar para o banco do motorista. Dou a partida no
carro e o rádio liga automaticamente em uma estação local. Eu não conheço a
música, mas observo de soslaio que Nora está sorrindo e cantarolando baixinho
enquanto observa a estrada.
— Que banda é essa? — pergunto curioso.
— Switchfoot. Chama-se I Dare You To Move, a música. É uma das
minhas favoritas da banda — revela sorrindo.
Assinto em silêncio, e mantenho-me concentrado no trânsito.
Será que essa merda vai dar certo? Quero dizer, nós tivemos um lance na
noite passada e agora estamos nos comportando como se nada tivesse
acontecido. Não quero demonstrar o quanto nosso beijo mexeu comigo, mas não
suporto vê-la indiferente a mim.
Que porra isso significa?
Só pode significar que eu estou ficando louco.


Os ensinamentos que minha colega Marina passou na época de colégio
interno, estão sendo úteis agora. Eu estava realmente ansiosa pelo primeiro dia
de trabalho, mas antes disso, muito nervosa para saber como seria encontrar
Lucas logo pela manhã para irmos juntos até a oficina.
Apesar de me pegar de surpresa, aparecendo na frente da mansão sem
que eu o percebesse e me preparasse, consegui aparentar calma diante dele.
Marina sempre deixou claro que, o reencontro depois de um beijo deve ser
cauteloso. Nós mulheres, por natureza, temos a ideia de fantasiar com o príncipe
encantado e nos antecipar. Enquanto estamos pensando em como será o modelo
do nosso vestido de casamento e quais serão os nomes dos nossos filhos, os
homens estão pensando se a mulher curte ou não sexo anal. Palavras dela, não
minhas. Eu nunca fiz sexo tradicional, quem dirá anal.
Mas voltando aos ensinamentos, Marina aconselhou a observar com
atenção, a maneira como o homem reage no reencontro:
“Faça ‘cara de paisagem’. Espere ele tomar a iniciativa e observe a
maneira como a cumprimenta. A partir daí você percebe se ele está feliz em vê-
la, ou se prefere fingir que nada aconteceu. Então você age da mesma maneira,
mesmo que por dentro esteja decepcionada ou muito puta por ele ser um
imbecil. ”
Acho que ainda não estou no ponto de perder a minha cabeça, por causa
de um homem. Confesso que me senti triste por ele não me tocar ou dar algum
sinal de que queria me ver, mas optei por seguir o conselho de Marina e agi com
ele com o mesmo polimento. Lucas não foi grosseiro, mas acho que eu esperava
um pouquinho mais de comoção de sua parte.
Erro meu, eu sei. Antecipei e me dei mal.
Mas fui esperta e não dei bandeira.
Mereço um ponto a meu favor, certo?
A viagem foi silenciosa, ele apenas puxou assunto sobre uma das músicas
que tocou quando o rádio do carro ligou automaticamente. Depois disso não
disse mais nada e eu também não quis puxar assunto.
Chegamos à cidade vizinha e observo com verdadeira curiosidade, pois
quando estive aqui na noite do La Lola, não consegui ver muita coisa. A cidade é
bonita. Há prédios gigantes e lindamente arquitetados, parecem verdadeiros
monumentos de arte, não apenas prédios. No que parece ser o centro, há uma
praça muito bonita, com uma igreja enorme cheia de vitrais coloridos, árvores
antigas e um jardim muito florido e bem cuidado. Ótimo lugar para passear
durante um fim de semana, sentar-se em um dos muitos bancos espalhados pelas
sombras das árvores e ficar batendo papo com amigos sem ver o dia passar.
Sorri. Em breve eu faria novas amizades e poderia ter essa opção de passatempo.
Lucas estaciona seu Porsche em frente a um grande pavilhão. A oficina
que carrega o nome de sua família é enorme. Ele desce do carro e antes que eu
consiga sair, abre a porta para mim. Encaro-o, mas não consigo ver seus olhos,
pois Lucas está usando óculos escuros, modelo aviador.
Sigo-o. É ele quem abre a oficina.
— Não sou um bom guia turístico, Nora — explica. — Irei apresentá-la à
Ramona, que chega daqui a pouco e ela se encarregará de te mostrar todas as
dependências. Tudo bem?
Ele está à minha frente, mas me observa sobre o ombro, e concordo com
a cabeça.
Olho em volta e admiro o quanto tudo é organizado. A impressão que eu
tinha de uma oficina era algo bem diferente do que está diante de mim. Subimos
uma escadaria que dá acesso ao andar de cima do pavilhão, Lucas destranca a
porta e faz uma mesura para que eu entre no escritório.
— É aqui que você irá trabalhar — diz tranquilamente.
O ambiente é arejado, cheio de janelas cobertas por persianas em tons de
marfim, há dois aparelhos de ar-condicionado, três mesas de escritório, dois
armários de arquivos, um balcão com água mineral refrigerada e uma cafeteira.
Parece agradável, eu gosto.
Estou observando ao redor quando sinto Lucas me abraçar por trás,
puxando-me para si. Seu cheiro é tão delicioso, e tento não suspirar ao me
deliciar com sua colônia masculina. Fecho meus olhos e sinto seus lábios
tocarem a pele do meu pescoço.
— Você é tão cheirosa, Nora — sussurra ao pé do meu ouvido.
Não sei o que dizer, sou pega de surpresa com sua aproximação e
repentina mudança de atitude. Ele habilidosamente me vira, deixando-me de
frente para ele, sua mão macia levanta meu queixo e ele sorri daquele jeito que
me faz derreter por dentro.
— Agora um beijo de boa sorte — fala, beijando-me em seguida.
Não penso em me afastar, é praticamente impossível. Lucas é uma força
da natureza, eu sou fraca, tenho que admitir. Depois que o beijei na noite
passada, não consigo frear meu corpo se ele insiste em se aproximar de mim. A
iniciativa é dele, ao menos isso me conforta, e não me deixa sentir fracassada por
não resistir ao seu charme. Retribuo o beijo que começou lento, mas que em
segundos se torna intenso demais. Tudo com Lucas parece ser assim.
Ele se afasta com relutância e me olha nos olhos, vejo o fogo do desejo e
sou forte por conter um sorriso de satisfação. É muito bom saber que não é
apenas ele que mexe comigo, mas que eu desperto nele algo tão forte quanto o
que ele desperta em mim, mesmo que isso não passe de atração, é recíproco.
— Boa sorte, Nora.
Oh sim, eu vou precisar.
Desejem-me sorte, porque será quase impossível não me apaixonar por
este homem.


Nora adaptou-se rapidamente a sua rotina no escritório da oficina.
Ramona era uma senhora simpaticíssima e após duas horas de convivência, Nora
já a considerava a “Vovózona” que os funcionários tanto adoravam. Ela era
espirituosa, tinha bom humor e ficou imensamente agradecida por ganhar uma
assistente. Ramona chegou alguns minutos depois que Lucas deixou-a sozinha
no escritório, para abrir o restante da oficina e aguardar a chegada dos
funcionários. O entrosamento entre elas foi instantâneo e a manhã passou sem
que Nora percebesse o relógio correr.
Havia se esquecido de preparar o almoço, mas levou dinheiro e decidiu
fazer um lanche em alguma lanchonete perto do pavilhão. Ramona a indicou
uma, na esquina oposta da oficina. Nora agradeceu e foi caminhando até lá. Não
viu Lucas depois que ele lhe apresentou à Ramona, mas não queria ser indiscreta
e perguntar para sua nova colega de trabalho onde ele costumava fazer as
refeições diárias. Sentou-se em uma das mesas e observou o cardápio, eles
serviam almoço também, era um prato feito com arroz, feijão, batata frita e bife
de carne bovina. O prato vinha acompanhado de salada de alface, tomate e
cenoura ralada. O preço era acessível e Nora pediu um suco de laranja para
acompanhar. Enquanto esperava seu pedido chegar, observou a rua e avistou
Lucas do outro lado da calçada, caminhando ao lado de Caio.


Lucas sentiu o corpo formigando durante toda a manhã. Os funcionários
estavam curiosos para ver quem era a nova telefonista e assistente da
“Vovózona”, mas graças aos céus, Nora não precisava circular pela oficina
durante o expediente. Ele adorava seus colegas de trabalho, apesar de ser o dono
e o gerente da oficina como mecânico chefe, tratava a todos com respeito e não
era o tipo que gostava de ser superior por causa de uma pirâmide de hierarquia.
Mas sabia como eram os caras, eles adoravam apreciar um belo rabo de saia, e
Nora era, definitivamente, o seu rabo de saia. Não queria compartilhá-la com os
colegas, queria ser o único a desejá-la. Se pudesse colocá-la em uma caixinha
para preservá-la, certamente o faria. Pensou em convidá-la para o almoço, pois
não a viu trazer nenhuma vasilha de alimento consigo, porém, ao fecharem a
oficina ao meio-dia, Lucas foi surpreendido por Caio. Seu amigo estava com
uma cara péssima, olheiras profundas e rosto abatido, algo certamente não estava
bem.
— Ei, brother, ainda não é Halloween. Para que a fantasia de zumbi? —
brincou Lucas, tentando descontrair.
Cumprimentaram-se com o habitual abraço de macho e tapinha nas
costas.
—Estou me sentindo um bosta, man. Vamos almoçar?
Seus planos de almoçar com a bruxinha foram anulados. Amigos sempre
vinham antes das mulheres, era uma regra de ouro e Lucas respeitava o manual.
— Vamos.
Caio mal tocou na comida. Estavam em um restaurante de comida típica
italiana, onde Lucas costumava comer todos os dias, o ambiente era simples,
porém limpo e a comida caseira feita com muito capricho. Ele sabia apreciar as
coisas boas da vida, mas sabia que nem sempre o caro e o luxo eram
necessariamente bons, aquele restaurante era modesto, mas na opinião de Lucas
servia as melhores massas da região. Escolheu talharim ao molho branco e filé
de picanha ao molho gorgonzola, estava ansioso por uma caneca de chope bem
gelado, mas como ainda precisaria voltar para a oficina no turno da tarde, deixou
o desejo de lado, e preferiu um suco de abacaxi com hortelã.
— Não vai me contar por que está com essa cara péssima? — indagou ao
amigo.
Caio especulou a comida em seu prato e tentou comer, havia escolhido o
mesmo prato que Lucas e o amigo parecia estar se deliciando com a iguaria.
Esforçou-se para comer, assim poderia adiar o assunto que queria desabafar.
Sabia que ao contar seria repreendido por sua estupidez. Eram amigos há
tantos anos, sempre foram sinceros um com o outro, essa era uma característica
fundamental naquela amizade, mesmo que doesse ouvir a verdade, ambos a
faziam.
Terminaram o almoço e Lucas pagou a conta. Caminharam em silêncio
de volta para o pavilhão, os funcionários estavam na área de lazer, uma sala
especial com micro-ondas, geladeira e pia, além de uma grande mesa. Ali
podiam esquentar suas refeições e também descansar, pois também tinha sofás
dispostos por todo o ambiente. Era um dos requisitos principais na franquia que
criaram para a oficina, os funcionários mereciam um espaço adequado para o
horário de descanso.
— Cara, quer me dizer logo que porra está acontecendo com você? —
Lucas estava sem paciência, pois sabia o que Caio queria lhe contar, não
entendia o porquê de o amigo divagar tanto para lhe dizer.
Caio passou as mãos pelo cabelo e começou a andar de um lado para o
outro, nervosamente.
— A Sabrina está grávida — revelou desesperado. — E segundo ela, esse
filho é meu!
Lucas ficou sem ação, ele já sabia sobre a gravidez de Sabrina, mas ela
havia lhe pedido segredo e ele detestaria revelar ao amigo que já sabia do fato.
Odiava ter que esconder a verdade, mas não era algo que pudesse interferir no
relacionamento deles. Sempre haveria a cumplicidade, aquele fato era
irrelevante, tratava-se de algo que Lucas não tinha o direito de revelar ao amigo,
a não ser a pessoa envolvida, Sabrina.
Franziu a testa e fitou Caio, que ainda circulava pela oficina.
— E é? — perguntou.
O amigo soltou a respiração pesada, antes de lhe responder.
— Pode ser. Mas é óbvio que irei pedir um exame de DNA. — Riu,
desprovido de humor. — Como pude cair nessa cara? Que idiotice! Aquela vadia
transa com qualquer um e eu fui vacilar justamente com ela. Caí em um dos
golpes mais antigos e baixos.
Caio realmente não estava aceitando bem a gravidez de Sabrina, mas
acusar a garota de golpe do baú ou golpe da barriga era exagero. Lucas se viu na
obrigação de defender a garota.
— Ei, brother. Pense com clareza. A Sabrina não é uma pobre coitada,
dar golpe do baú não é algo que acredito que ela possa ter interesse em fazer. E
golpe da barriga? É sério que você está especulando isso? Estamos no século
vinte e um, Caio. Sabrina sabe que não se prende um homem com um bebê. Ela
pode até ser a vadia que você diz, mas a garota não é burra.
— Não sei o que pensar! Estou no chão com essa notícia. Eu tenho quase
trinta anos, não pensava em me casar ou constituir família e agora isso? A porra
de um bebê? Meus pais irão me matar!
— Caio, você mesmo disse, tem quase trinta. Não é uma criança que vive
debaixo da saia de sua mãe. É adulto, um excelente profissional, tem uma
carreira estável. Seus pais podem até ficar decepcionados, mas não quer dizer
que eles irão expulsá-lo de casa ou cortar a sua mesada. Por favor, homem!
Pense com clareza. Não é o fim do mundo.
Caio riu, mas Lucas sabia que o amigo estava prestes a se debulhar em
lágrimas.
— É o fim do meu mundo, Lucas! Porra! Um filho com a Sabrina? O que
todos irão pensar de mim? Certamente que eu fui o trouxa que transou sem
camisinha, com a mulher que já deu pra quase todos os solteirões da cidade.
— Eu nunca pensei que você pudesse ser tão babaca, Caio!
Lucas e Caio voltaram-se em direção à porta do pavilhão, onde Nora
havia acabado de entrar. A garota estava com uma expressão furiosa e as mãos
na cintura demonstravam que ela não iria recuar.
— Nora? O que faz aqui? — perguntou Caio, confuso, alternando o olhar
entre a garota e Lucas.
Ela se aproximou.
— Não interessa o que faço aqui. — Balançou a cabeça e apontou o dedo
em riste, na direção de Caio. — Escute aqui, homem. A Sabrina é uma moça
muito bacana, não merece que fale assim dela. Ouvindo você agora, eu não
consigo acreditar que se trata do cara apaixonado que conheci naquela boate.
Quando eu a conheci no banheiro do La Lola, ela estava chorando desesperada
porque não sabia como te contar sobre o bebê. Sabrina tinha certeza que você
não ia acreditar nela, pelo fato dela sair com outros caras enquanto você a
deixava de lado pra “galinhar” por aí. Vocês homens são tão machistas.
Enquanto se gaba por ter comido metade das garotas da cidade, ela não pode sair
com outros homens para tentar esquecer o babaca que não a valoriza como ela
deseja? Seu hipócrita!
Lucas e Caio estavam perplexos, encarando a garota como se ela fosse
um extraterreste. Lucas já conhecia o lado agressivo de Nora, mas surpreendeu-
se ainda mais por vê-la defender Sabrina com unhas e dentes.
— Você não sabe da missa a metade, Nora — revidou Caio, tentando se
defender.
Nora riu.
— Você é que não sabe de nada. Se toca, Caio. Há quanto tempo você e a
Sabrina se conhecem? Há quanto tempo esse relacionamento ioiô de vocês
acontece às escondidas? Ela me contou tudo. Você sabe que ela não era esse
retrato de vadia que você e os outros caras pintam. Então pare e pense um pouco,
quem a fez agir assim? — Arqueou as sobrancelhas e deu-lhe um sorrido
sarcástico. — Acho que sabe muito bem, a Sabrina te devolveu na mesma moeda
tudo o que fez para ela. Mas como você é homem, saiu com o troféu de garanhão
e ela por ser mulher, ganhou o troféu de vadia.
— Nora, por favor... — Lucas tentou acalmá-la, mas recuou quando a
garota lhe dirigiu um olhar fulminante.
— Deixem-me falar, droga! — Nora alterou o tom de voz. Aproximou-se
de Caio e continuou a lhe apontar o dedo, próximo a face. — Tome vergonha na
sua cara, Caio. Se foi homem o bastante para se enfiar entre as pernas dela, seja
homem e assuma a sua responsabilidade. Seu filhinho de papai, mimado. Vê se
cresce!
Após fazer o seu desabafo em defesa de Sabrina, Nora passou por Caio e
Lucas, indo em direção a escadaria de acesso ao escritório. No meio do trajeto,
reparou que os mecânicos da oficina estavam amontoados em uma porta, aos
fundos do pavilhão. Sentiu-se enrubescer na presença dos homens que a
encaravam de olhos arregalados, surpresos por sua atitude diante do patrão e seu
melhor amigo.
— Oi pessoal. — Acenou e dirigiu-lhes um sorriso tímido. — Sou a
Nora, a nova telefonista.
— Oi Nora! — disseram em coro, ainda perplexos pela ousadia da
garota.
Constrangida, subiu a escada com pressa e escorou-se na porta após
fechá-la.
Caio encarou Lucas, sem entender o que havia acabado de acontecer.
— Que porra foi essa, Lucas? O que essa garota faz aqui?
Lucas engoliu em seco antes de responder.
— Nora está trabalhando no escritório, ajudando a “Vovózona”. Hoje é
seu primeiro dia.
— Caramba! Vai segurar a onda ao tê-la tão perto assim?
Suspirou, desanimado.
— Vamos nos preocupar com o seu drama, depois pensamos no meu, tá
legal?
— Essa fedelha me deu um esporro daqueles, man. Nem a minha mãe
fala daquele jeito comigo.
Lucas sorriu, mesmo que Caio fosse seu melhor amigo, sentiu-se
orgulhoso por Nora. Sua bruxinha havia falado umas belas verdades para Caio.
— O que você vai fazer?
— Eu preciso pensar — respondeu Caio. — Mesmo que tenha sido foda
ouvir o que Nora me jogou na cara, a garota tem um pouco de razão. Minha
situação com a Sabrina estendeu-se por muito tempo, acho que nunca dei uma
chance para nós dois. Gosto dela sabe? Mas é complicado...
— Talvez sejam vocês dois que complicam demais. Esfrie a cabeça,
Caio. A Sabrina está passando por um momento delicado, se você que é o pai
está desse jeito, imagine ela? A maior parte do peso está sobre ela, e não é justo
que carregue sozinha.
— Eu sei, man. Que merda. A gente estava se dando bem pra caralho.
Você viu, domingo? Eu estava com ela numa boa. Então fomos para meu
apartamento e ela jogou a bomba no meu colo.
— Como você reagiu?
Caio fechou os olhos.
— Da pior maneira possível.
— E o que vai fazer, agora?
— Correr atrás do prejuízo.
Lucas não entendeu o que o amigo quis dizer com aquela metáfora,
porém não quis especular mais. Estava preocupado com Nora, queria subir e ver
como ela estava se sentindo após sua sessão de lição de moral.
— Vou indo nessa — avisou Caio, aproximando-se e abraçando Lucas.
— Tenho que pensar com clareza antes de tomar qualquer decisão.
— Vai lá, brother. Sabe que pode contar comigo.
— Sempre.
Assim que Caio saiu pela porta do pavilhão, Lucas correu até o escritório
e abriu a porta com pressa, quase derrubando Nora no chão. Ela estava escorada
na porta e levou um susto quando ele a empurrou com força.
— Droga, Nora! Você está bem?
A garota se recompôs e o fitou, sem demonstrar emoções.
Essa menina é dura na queda!
— Estou ótima.
Lucas optou por não se aproximar dela. Fechou a porta atrás de si e a
chaveou, encostou-se a ela e observou sua bruxinha zangada.
— O que foi aquilo lá embaixo? — questionou Lucas.
— Você estava lá, sabe exatamente o que foi aquilo. Uma dose de
realidade na cara do idiota do seu amigo.
Ele sorriu.
— Desde quando você tem um palavreado tão afiado? — desafiou. —
Pensei que em uma escola dirigida por freiras, as meninas fossem comportadas.
Seu vocabulário e atrevimento vêm me surpreendendo a cada dia, desde que a
conheci.
Ela revirou os olhos.
— Eu posso ter sido educada em uma escola de freiras, mas não em um
convento. Não sou uma santa, Lucas.
— Ah, não é mesmo, Nora.
Fitaram-se em silêncio, a atmosfera sexual surgindo aos poucos. Lucas
deu dois passos à frente, mas Nora permaneceu paralisada no meio do escritório.
— Vai me contar? — perguntou ele.
— Contar o quê?
— Quem foi o seu primeiro? Quando aconteceu?
Nora pestanejou. Como mudaram o rumo da conversa tão rápido?
— Isso não é da sua conta.
— É sim, por que um filho da puta roubou o meu lugar e eu quero saber
quem foi.
Ela riu.
— Não seja ridículo. Eu não te conhecia, Lucas. Você não tinha e não
tem nenhum direito sobre o meu corpo.
Lucas deu mais dois passos à frente, ficando muito próximo a ela.
— Não? Pois eu acho que tenho, Nora.
As mãos dele envolveram-na pela cintura. Nora sentiu sua respiração
falhar. Lucas estava muito atraente naquele macacão sujo de graxa. O cheiro de
óleo misturado a sua essência natural o deixavam ainda mais sexy. Ela não
queria sucumbir, estava no seu ambiente de trabalho, mas como resistir ao toque
daquelas mãos grandes e macias em seu corpo?
Ele era bem mais alto que ela, sentia-se uma formiguinha diante dele,
mas ao contrário de antes, Nora não o sentia intimidá-la. Pelo contrário, ter
Lucas tão perto de si era como se ele fosse um cavaleiro de armadura, disposto a
protegê-la de qualquer perigo.
— Deixe-me esclarecer uma coisa, Nora. — Tocou seu queixo, fazendo-a
olhá-lo diretamente nos olhos. — Não estou para brincadeiras. Tentei me manter
distante, sei que é perigoso, mas agora é tarde demais, não consigo ficar longe de
você. Então, eu digo: tenho todo o direito sobre o seu corpo, a partir do momento
que você me deixou beijá-la naquela janela. Não tenha dúvidas, tão logo você
completar dezoito anos, será minha. Eu sei que você quer isso tanto quanto eu.
Nora recuou um passo. As palavras de Lucas eram precisas e ele estava
falando sério. Sentiu receio, algo em seu tom de voz era possessivo, quase como
se não lhe desse escolha. Talvez estivesse brincando com fogo fazendo a linha de
garota ousada e experiente. Poderia se queimar feio.
— Você é como o Caio, não é? — Optou por mudar de assunto, tentando
descobrir mais sobre o homem à sua frente, se queria lutar de igual para igual,
precisava de armas. Não sabia nada sobre Lucas Marinho.
Lucas franziu a testa, não entendeu a pergunta que Nora havia acabado
de fazer.
— Do que está falando?
— Você é lindo, rico, sedutor. É óbvio que as mulheres devem se jogar
em cima de você, Lucas.
— E o que isso tem a ver com nós dois?
— Tudo. Não vou ser mais uma na sua lista. Não quero ser uma Sabrina,
me entregar acreditando que podemos nos envolver e depois de você conseguir o
que deseja, tratar-me como se eu fosse uma desconhecida e partir para outra.
Acho que mereço muito mais. Não quero ter o meu coração partido e revidar
saindo com outros, para tentar esquecê-lo.
Lucas riu e se afastou.
— O que pensou que aconteceria, Nora? Que eu fosse pedi-la em
casamento?
— Pensei que não seria vista como um pedaço de carne, que você deseja
provar e recomendar aos seus amigos. Quando a Sabrina me contou sobre Caio e
o seu grupo de amigos riquinhos e safados, não pensei que você fosse o tipo de
cara que fizesse parte disso. Mas estava enganada. Vocês são iguais, só que eu
sou diferente. Não dou a mínima para o status de vocês. Nunca precisei disso.
— Você passou praticamente a vida inteira em um colégio interno, Nora.
A vida não é um conto de fadas. Eu nunca disse que era um monge ou um santo.
Sinto-me atraído por você, mas em momento algum te fiz promessas, fiz? Então
não venha me julgar só porque eu tenho dinheiro e um estilo de vida que você
considera leviano. Poupe-me da sua liçãozinha de moral. E siga o conselho que
você mesma deu ao Caio: Vê se cresce garota!
Lucas destrancou a porta e saiu furioso do escritório. Nora permaneceu
estática, absorvendo todas as palavras que foram proferidas naquela discussão.
Como foi que haviam chegado aquele ponto?
Mas, foi melhor assim, pensou ela. Lucas era muito mais do que Nora
podia almejar. Deixou-se levar por seus beijos e carícias, mas ele tinha razão,
nunca lhe prometeu nada. Ela quem havia cometido o erro de fantasiar.
Lembrou-se de Marina, e seu aviso sobre os homens.
Ah, quer saber. Que se dane Marina e seus conselhos!
Nora chegou à conclusão de que não precisava fingir ser o que não era.
Porque não sabia nada sobre relacionamentos além das páginas dos romances
que lia. Tentou aparentar experiência e segurança, mas na hora de agir como
adulta comportou-se como uma garotinha sonhadora.


Em que momento as coisas desandaram mais uma vez entre Nora e eu?
Puta que pariu! Nós estávamos falando do Caio, e em segundos aquela bruxinha
virou o jogo, deixando-me irritado, o que consequentemente significa que falo
muito mais merda que o habitual. É minha autodefesa, usar as palavras para ferir,
sair por cima em uma discussão. Droga! Nós estávamos indo tão bem e de
repente voltamos à estaca zero.
Mas por que estou surpreso? Garotas adolescentes possuem a mente
romantizada automaticamente, e Nora não é diferente. Ela é ingênua demais.
Mesmo que hoje em dia as jovens de sua idade sejam experientes e cheias de
malícia, com ela não é assim. Mesmo após confessar que não é mais virgem, não
acredito que Nora tenha saído por aí transando as escondidas com muitos caras.
Provavelmente ela perdeu a virgindade com algum garoto de sua idade,
acreditando estar apaixonada e vivenciando uma linda história de amor.
É assim com as garotas, não é?
Ela diz que é diferente, mas acusa-me de ser igual ao Caio, o que não
deixa de ser verdade. Eu a conheço há menos de uma semana, o que você pensou
que aconteceria? Que me apaixonaria perdidamente por uma menininha e me
ajoelharia aos pés dela? Oh, por favor. Seja menos sonhadora, não me
decepcione com tanta ilusão sentimentalista.
Eu não sou o tipo de homem que rasteja aos pés das mulheres, muito
menos de uma garota.
Então, por que estou me sentindo um grande bosta?
Desço a escada com pressa, chego ao térreo e me deparo com meus
colegas me observando com demasiada atenção. Estão espremidos na porta da
sala de lazer. Franzo a testa, mas sorrio. É engraçado ver um bando de machos se
comportando como mocinhas curiosas e fofoqueiras.
— Perguntem logo — digo sorrindo.
— Você demitiu a garota? — pergunta Ivan, um dos mecânicos em
treinamento.
— O quê? Não! Claro que não.
— Caraca, ela é bem estressadinha — comenta Savério, meu funcionário
mais antigo.
— E linda — complementa Pietro, o Don Juan.
Reviro meus olhos.
— A menina está proibida para qualquer um de vocês. Entenderam bem?
Até os funcionários que observam em silêncio compreendem a seriedade
nas minhas palavras.
— Sim senhor — dizem em uníssono.
— Não quero ninguém se engraçando para cima da Nora — continuo, em
tom de sermão. — Ela faz parte da nossa equipe, merece respeito.
— Claro, chefe.
— Tá certo, tá certo.
— Nem tá mais aqui quem falou!
Todos disfarçam e voltam resmungando para a sala de lazer, o horário de
almoço está quase chegando ao fim.
Vou até o banheiro e lavo meu rosto.
Droga! Preciso me acalmar.
Nunca me senti tão volúvel. Uma hora estou determinado a me manter
longe dela, em outra, obcecado por tê-la a qualquer custo. Entendo que me
envolver com ela é perigoso, seu pai é funcionário da minha família há anos,
tenho quase o dobro da idade dela, ela é menor de idade. Obstáculos mais do que
suficientes para que eu permaneça distante. Mas, tudo se torna irrelevante
quando me lembro daqueles olhos cor de mel, seu rabo de cavalo que me excita
pra porra, e o sorriso de menina levada derruba qualquer muralha de
autocontrole que me proponho a erguer.
Escoro-me na parede do banheiro.
Eu fui um ogro com ela. Mais uma vez.
Mas ela me tira do sério!
Como conseguirei que Nora me desculpe, depois do que disse a ela?
Praticamente assumi que sou um safado, e que tudo o que quero é me
aproveitar do seu corpo. O que não deixa de ser verdade, mas há muito mais que
desejo carnal.
Droga! Como assim, muito mais que desejo carnal? Que merda eu estou
pensando?
Está difícil me controlar perto dela. De manhã eu estava tentando ser o
todo poderoso, mantendo uma linha de “não estou nem aí para você”, mas ela
fez o mesmo e então o que fiz? Simplesmente a puxei para mim em um beijo de
boa sorte. Boa sorte é o cacete! Aquele beijo foi de puro tesão e vontade de tê-la,
sorte não tinha nada a ver com aquilo. Era um beijo de afirmação para que Nora
compreendesse que eu a queria e que não sossegaria enquanto não a tivesse por
completo.
— Você está acabando com a minha sanidade, Nora...
Estou de cabeça quente agora, não adianta ir até lá e tentar reverter o
conflito que ambos criamos. Mais tarde, quando estivermos sozinhos em meu
carro, indo para a casa, conversaremos e tudo se resolverá.
Ao menos é o que eu espero.


Tento me acalmar. Eu nunca estive tão sobrecarregada de raiva antes,
nem mesmo quando Lucas quase me atropelou e me encharcou de água suja,
nem das outras vezes que discutimos e ele foi um babaca comigo. Desta vez foi
pior porque a culpa foi minha. Eu mesma me iludi acreditando que as coisas
entre nós estavam se encaminhando para algo especial. Como fui tão burra? Por
que tento transparecer adulta e centrada, mas quando chega a hora de agir eu só
consigo mentir ou meter os pés pelas mãos? Agora ele acredita que não sou
virgem e que estava esperando algum tipo de relacionamento sério por parte
dele.
Não posso continuar com isso, não é saudável, não é correto. Ele é mais
velho do que eu, não tem idade para ser meu pai, mas considerando que ainda
sou menor de idade, isso pode vir a ser um problema. Ele pertence a uma classe
social muito superior à minha, além disso, meu pai trabalha para a família dele e
agora, eu também. As pessoas tentam dizer que o mundo está moderno e muita
coisa está diferente, mas alguns paradigmas são difíceis de serem
desconsiderados.
Respiro fundo e engulo o choro. Cogito a possibilidade de ligar para a
Marina e lhe pedir alguns conselhos, mas descarto logo em seguida. Não sou
como ela, até gostaria de ser, mas sei que não sou. Eu tenho alguns princípios e
eles batem de frente com o estilo de vida que Lucas está habituado. Eu não quero
uma aventura, não quero ser um passatempo ou um brinquedo novo que ganha
demasiada atenção, mas que em breve se torna desinteressante e é substituído.
Não consigo ser uma garota descolada que só quer curtir o que a vida tem de
bom para oferecer sem se preocupar com nada. Eu me preocupo com meu
coração, com os meus sentimentos e minhas ilusões românticas. Quero meu
príncipe encantado, não precisa ser perfeito, desejo apenas que me trate com
carinho e aceite retribuir o amor que eu, com toda a certeza do mundo, darei a
ele. Quero entregar meu coração a alguém que cuide dele, não que o despedace e
parta para a próxima conquista. Por isso, decido acordar para a realidade de que
com Lucas, nenhum dos meus sonhos secretos se tornará realidade, quanto mais
cedo eu aceitar isso, melhor.


Tomo algumas decisões ao longo da tarde. Converso com a senhora
Ramona e o senhor Alfredo, que elogiam o meu desempenho e confirmam a
minha contratação. Receberei um salário mínimo e terei minha carteira de
trabalho assinada como auxiliar administrativo. Estou tão feliz por finalmente
estar empregada, por sorte, não demorou muito tempo e isso soa positivo aos
meus planos de fazer um pé de meia para a faculdade no início do segundo
semestre. Estamos chegando ao final de março e faço aniversário na segunda
quinzena de maio, por incrível que pareça não me sinto ansiosa. Acho que já me
considero adulta desde os quinze anos de idade, portanto ter dezoito anos não
será nenhum rito de passagem, apenas uma constatação legal de que já sou
responsável pelos meus atos.
— Seja oficialmente bem-vinda à equipe Fast Mariner’s —
cumprimenta-me o senhor Alfredo, estendendo-me a mão em um cumprimento
formal.
— Obrigada pela confiança e oportunidade, senhor.
O pai de Lucas é um homem excepcional, tão diferente do filho, que
parece ter “titica” de galinha na cabeça. Certo, posso ter usado uma hipérbole
aqui, mas estou chateada, e uma mulher quando está chateada tem todo o direito
de menosprezar um homem. Até que Lucas me prove o contrário, ele é acéfalo e
imbecil.
Ramona é uma pessoa maravilhosa, sinto que vou me apegar a ela
facilmente. Nunca tive convivência com meus avós, os paternos são falecidos e
os maternos eu nunca conheci. Não sei quem são, pois, meu pai omitiu esta
informação, revelou mais tarde que eles nunca demonstraram interesse em fazer
parte da minha vida. Aos doze anos, quando finalmente descobri a verdade sobre
minha mãe ter me abandonado e não morrido — como eu acreditava — meu pai
perguntou se eu gostaria de procurar meus avós e talvez tentar uma aproximação
com minha mãe. Mas para quê? Eles não quiseram saber de mim, por que eu iria
querer saber deles? Não vou arriscar a possibilidade de ser rejeitada uma
segunda vez, amo meu pai e minha tia Laurinha, eles são mais do que
suficientes. Um dia terei minha própria família e jamais farei ao meu filho o que
minha progenitora fez comigo.
Passei o restante da tarde focada em aprender o trabalho, mas às vezes,
minha mente divagava para a conversa entre Caio e Lucas e me senti
incomodada, preocupada com Sabrina. Como será que ela estava se sentindo,
depois de contar ao Caio sobre o bebê e ele ter sido um idiota completo? Deve
ser por isso que Lucas e Caio parecem ser tão amigos, os dois são farinha do
mesmo saco.
Fico irritada novamente e lembro-me de que o final do expediente está
chegando. Sorrio, sentindo-me com uma “carta na manga”. Espero que ele “caia
do cavalo” quando vier me chamar para ir embora. Mas se ele pensa que pode
falar daquele jeito comigo e depois agir como se nada tivesse acontecido, está
enganado. Eu posso não ser tão autoconfiante e corajosa como demonstrei a ele
em algumas ocasiões, mas não preciso mais fingir, porque eu quero ser essa
garota, farei de tudo para ser. Sem artifícios, apenas eu mesma, moldando a
mulher que pretendo ser. E começarei mostrando a Lucas que eu não sou uma
menina boba, que ele não pode me fazer de “gato e sapato” quando bem
entender.
Recordo-me de um trecho da música interpretada por Frejat e Barão
Vermelho e sorrio.
“Se você quer brigar
e acha que com isso estou sofrendo.
Se enganou meu bem,
pode vir quente que eu estou fervendo.”
Lucas Marinho, você não perde por esperar.


Lucas não estava de bom humor naquela tarde de terça-feira. O dia que
havia começado aparentemente agradável acabou se tornando cheio de palavras
que não deviam ter saído de sua boca. Sempre foi o tipo de homem que não se
arrependia de falar o que pensa, embora muitas vezes não pensasse muito bem
antes de falar. Sua impulsividade muitas vezes gerou conflitos desnecessários e
ele era completamente ciente disso. Mas Lucas também sabia reconhecer quando
estava errado, também não era orgulhoso ao extremo, se tivesse que pedir
desculpas e voltar atrás em suas convicções, ele voltava. Não porque queria
agradar, mas por acreditar que a vida permitia as pessoas mudarem suas
opiniões, e ele só voltava atrás se realmente acreditasse que valia a pena, não
porque as pessoas não conseguiram compreender seu jeito de pensar ou agir. Por
Fim, ele estava se sentindo mal por ter gritado com Nora, por dizer de um jeito
nada sensível que estava interessado nela, mas não pensava em ter um
relacionamento sério.
Havia muito que pensar sobre o assunto, ele se contradizia o tempo todo
quando se tratava da garota. Lucas desejava Nora, embora soubesse que poderia
se meter em encrenca caso fosse mal interpretado se alguém descobrisse.
Quando disse a si mesmo, de cabeça quente, que tinha o dobro de sua idade,
estava exagerando. Não era exatamente o dobro, pois se isso fosse verdade
poderia ser pai da menina. Bento Sampaio tinha o dobro da idade da filha.
Pensar que se ele tivesse a mesma idade de Bento, o fez sentir-se ainda pior, pois
o pai da garota jamais aceitaria que um homem com a mesma idade que a sua se
envolvesse com Nora. Bento era um homem tradicional e conhecia a reputação
de conquistador que Lucas tinha pela região. É, seria mesmo impossível fazer o
homem aceitá-lo como genro, caso tivesse intenção de ter Nora como sua
namorada.
Talvez devesse se manter longe dela, tirar sua obsessão da cabeça e
procurar alguém mais próximo de sua realidade, tentar ficar um tempo com a
mesma companhia. Revezava demais, sabia disso, era dessa maneira que se
mantinha solteiro. Estar na companhia de uma mesma pessoa por muitas vezes
poderia ser considerado como um relacionamento bem perto de estável, e depois
de Bárbara, Lucas não quis se prender a mais ninguém. Se pensasse com clareza,
nem com Bárbara ele pretendia ter ido tão longe. Não queria ir longe com
ninguém.
Desistiu de mexer no projeto em que estava trabalhando, para uma
grande equipe automobilística, não estava focado e qualquer cálculo errado
poderia ser um grande desastre. Supervisionou a equipe, deu algumas dicas para
Ivan, o funcionário que ainda estava em treinamento. O garoto era esforçado e
gostava do trabalho, para Lucas, não bastava apenas querer trabalhar, mas amar
aquilo que se escolheu fazer.
— Quantos anos você tem, Ivan?
— Dezenove, patrão — respondeu o garoto, com firmeza nas palavras.
— Está estudando?
— Sim, estou no segundo semestre de engenharia mecânica. Estudo a
noite na faculdade local.
Lucas deu uma “tapinha” nas costas do jovem.
— Isso mesmo rapaz, nada de ficar para trás. Você está indo muito bem
aqui na oficina, depois do período de experiência, podemos ver uma ajuda com
os seus estudos. Vou falar com meu pai.
Ivan abriu um sorriso largo, imensamente feliz com a possibilidade. Já
era um grande passo ver que um dos chefes estava interessado em lhe ajudar.
Sabia que Lucas era formado no mesmo curso e que ele prestava serviço para
uma grande empresa que mantinha uma equipe profissional de corrida
automobilística. Era seu exemplo de profissional competente, saber que poderia
ter a chance de aprender com um dos melhores o deixava em êxtase.
— Valeu mesmo, chefe. Nem sei o que dizer...
— Não precisa dizer nada, só continue fazendo o seu trabalho com
competência e tire boas notas.
— Pode deixar, chefe!
O fim do expediente estava próximo, Lucas foi até o vestiário trocar de
roupa e se preparou para encontrar Nora. Eles iriam embora juntos e usaria esse
momento para conversar com a garota. Alfredo, o pai de Lucas, havia saído
horas antes para verificar uma filial. Ramona e Nora estavam sozinhas no
escritório. Assim que trocou de roupa e lavou as mãos e o rosto, Lucas subiu a
escada e adentrou na ala administrativa da Fast Mariner’s. Encontrou Ramona
sentada em seu lugar habitual, porém não viu Nora em lugar algum naquele
espaço fechado.
— Ei Ramona — chamou sorridente. — Não fique até tarde. O sinal
daqui a pouco irá tocar.
A senhora encarou o homem à sua frente, tinha grande afeto por Lucas
Marinho. Ele era um jovem muito bonito e com excelente senso de humor,
Ramona sabia que ele tinha fama de conquistador e também de cafajeste, mas
não conseguia repreendê-lo, Lucas era tão encantador com ela e estava sempre
disposto a ajudá-la, demonstrava preocupação pelo seu bem-estar dentro e fora
da oficina. Não considerava Lucas apenas o seu chefe, ele era o seu neto loirinho
preferido, já que ela era de descendência angolana e todos os seus netos eram
morenos, mesmo dois de seus filhos sendo casados com mulheres caucasianas.
— Meu querido, eu já estou quase acabando. Vou conseguir ir embora
cedo, pois agora tenho uma assistente que me é de grande ajuda. — Ramona
levantou-se e caminhou em direção a Lucas. Abriu os braços em um gesto que
ele já conhecida, iria ser abraçado com tanto carinho que se emocionaria. Era o
que sempre acontecia quando se deixava acalentar pela “Vovózona”. — Muito
obrigada por trazer a menina Nora, fiquei sabendo que a ideia foi sua. Esta velha
aqui já não é a mesma.
Retribuiu o abraço e beijou-lhe a testa.
— Faço tudo por você, mulher — brincou Lucas.
Sentiu-se um pouco culpado, pois sabia que a verdadeira intenção por
trás de tudo era manter Nora por perto, e ajudá-la indiretamente com a
faculdade. Mas, Lucas ponderou que soube unir o útil ao agradável e que acertou
em cheio naquela decisão. Nora estava empregada e Ramona finalmente teria um
pouco de sossego na rotina de trabalho.
— Onde está a Nora? — perguntou, tentando manter-se indiferente.
Ramona era uma senhora muito perspicaz, sabia que todo cuidado era pouco.
Desfizeram-se do abraço.
— A menina já foi embora.
Lucas sentiu algo semelhante a um soco no estômago.
— Embora? Como?
O alarme soou estridente pelo pavilhão, era o toque de recolher. O
expediente havia encerrado e os funcionários estavam indo embora.
Sentiu-se nervoso ao saber que a garota já havia ido. Como ele não a viu
sair?
— Seu pai e eu conversamos com ela, a menina está contratada e será
uma funcionária registrada. Também daremos o vale transporte e organizamos os
horários para que ela possa pegar o ônibus sem grandes transtornos. Ela chegará
às nove da manhã, e sairá às cinco da tarde. Terá uma hora de almoço.
Lucas tentou ao máximo prestar atenção ao que Ramona lhe dizia, mas
sua mente estava maquinando sem parar.
— Quer dizer que ela saiu há uma hora?
A senhora anuiu.
— Tudo bem, Ramona. Você pode fechar a oficina, para mim? Lá
embaixo está tudo certo, basta ativar os alarmes e trancar a porta do pavilhão.
— Claro que sim, menino. Eu já fiz isso muitas vezes.
— Obrigado, “Vovózona”. Você é a melhor.
Despediu-se da senhora com um beijo na testa e correu até o
estacionamento. Ao dar a partida no carro, Lucas cogitou a possibilidade de ligar
para Nora e verificar onde ela estava, mas deu-se conta de que sequer possuía o
número do seu telefone.
— Mas que merda! — espinoteou.
Algo lhe dizia que a garota havia feito de propósito. Eles haviam
combinado de ir e voltar todos os dias juntos, mas depois da briga, Lucas
concluiu que ela estava mesmo chateada para não querer ir embora com ele.
Respirou pesadamente, focou sua atenção no trânsito.
Talvez fosse melhor assim. Ponderou. Aquela história já tinha ido longe
demais. Nunca uma mulher, em tão pouco tempo, desestruturou seu corpo e
mente como Nora havia sido capaz de fazer. E ela não fez nada demais. Apenas
o fitava com seus olhos cor de mel, cheio de promessas inocentes e um sorriso
cativante. Depois de tê-la beijado, temia não ser forte o bastante para esperar que
a garota completasse a maioridade.
— Puta que pariu! — Enervou-se.
Sabia que estava soando desesperado, assemelhava-se a um viciado em
drogas, enlouquecendo por não poder usufruir daquilo que lhe poderia trazer o
alívio almejado. Era insano, porque nunca foi assim tão obcecado por uma
mulher. Estava sendo intransigente e sabia que mais cedo ou mais tarde
prejudicaria a si mesmo.


Nora desceu do ponto de ônibus em frente ao Alcapone’s. Havia
conseguido comprar um bloco de vale transporte na agência local e aproveitou
para checar os horários semanais. Estava feliz por ter conseguido o emprego,
passaria pelos três meses de experiência e depois receberia um aumento de
salário, estava satisfeita pelo que conquistou. Sentiu-se privilegiada por ter uma
hora reduzida do seu expediente, para que conseguisse pegar o ônibus e chegar
em casa cedo. Mas Ramona lhe garantiu que não haveria problemas, pois
pensariam em alguma maneira dela recompensar essas horas. Nora não queria
que lhe beneficiassem de alguma maneira, por ser jovem demais ou até mesmo
por sentirem que estavam fazendo um favor ao seu pai. Ela não tinha medo de
trabalhar, se precisasse chegar um pouco mais tarde em casa, chegaria sem
problemas. Porém já estava decidido: iria para o trabalho e voltaria para casa de
ônibus.
O senhor Alfredo indagou Nora do porquê recusar a carona de Lucas, até
se ofereceu para trazê-la, mas a garota foi insistente e disse que não queria
nenhum tipo de regalia, pois estava na hora de começar a ser independente e
aprender a se virar sozinha. O senhor Alfredo não insistiu, pois, admirou a
tenacidade da menina.
A tarde foi de muito trabalho, ajudando Ramona a organizar alguns
arquivos pendentes e fazendo ligações de cobrança. Era bom ter com o que se
ocupar, assim sua mente não pensava demais em quem não devia. A pontada de
tristeza permeava no fundo do coração, mas a razão lhe orientava a ignorar o
sentimento, Lucas estava certo a seu modo, porque não lhe fez promessas, mas a
sutileza não era sua maior qualidade. Quando chegou a hora de ir embora, Nora
conseguiu sair da oficina sem ser percebida pelos colegas, e para seu alívio, por
Lucas. Havia uma porta nos fundos do pavilhão, ela teve que fazer um trajeto um
pouco mais longo até chegar à estrada principal, mas era a única maneira de não
se encontrar com Lucas.
Já no ônibus, telefonou para Sabrina. Elas haviam compartilhado o
número de telefone na noite em que se conheceram na La Lola.
— Nora! — Sabrina atendeu ao segundo toque. Estava feliz por receber a
ligação de sua mais nova amiga. Ao menos sabia que Nora era uma das poucas
pessoas que lhe apoiavam incondicionalmente, bem, somente ela e sua mãe.
Caio não havia aceitado bem a notícia de sua gravidez. Sabrina fechou os olhos,
engolindo a tristeza e focando toda a atenção na amiga.
— Ei, como você está? — indagou Nora.
— Eu e o Caio brigamos feio, estou me sentindo tão mal.
— Escuta, preciso ver você. Quero muito conversar contigo. Estou indo
para casa, você mora perto da lanchonete da sua mãe?
— Sim, nosso apartamento fica em cima do Alcapone’s, o prédio é da
minha mãe.
— Posso ir aí?
— Claro! Preciso tanto desabafar com alguém, Nora...
— Ah, minha querida. Eu também preciso.
— Ótimo. Te espero para chorarmos uma no ombro da outra.
Nora soltou uma gargalhada, lembrou-se que estava no ônibus e sentiu-se
envergonhada.
— Até daqui a pouco.


Caio estava em seu quarto, deitado na cama king size e cercado pela
escuridão. Precisava pensar com clareza, dar um rumo a sua vida, pesar os prós e
os contras na balança, descobrir em que momento de sua vida permitiu-se ser
manipulado pela vontade dos pais.
Pensou em Sabrina, a garota que o deixava louco de muitas maneiras. O
seu jeito atrevido, o corpo escultural, a maneira como lhe acariciava o cabelo
enquanto pensava que ele estava dormindo, a habilidade inegável no sexo oral,
sua respiração leve enquanto dormiam abraçados. As unhas afiadas que lhe
arranhavam as costas enquanto ele se afundava dentro dela, a risada alta e cheia
de bom humor quando ele tentava dizer algo engraçado. O choro engolido
sempre que ele a decepcionava, a indiferença com que o tratava quando chegava
a alguma festa e o via com outra mulher. Sabrina era forte, ousada e destemida.
Poucos a conheciam de verdade, mas Caio sabia que fazia parte dessa minoria.
Quando estavam juntos ela desabrochava e enquanto estavam isolados de tudo e
de todos, formavam o par mais perfeito que poderia existir.
Mas então ele acordava para a realidade. O pai o preparou para ser seu
sucessor, a mãe o mimou como se ele fosse um cristal raro. Mulher alguma era
digna de possuir o coração de seu filho, a não ser é claro, que ela escolhesse sua
pretendente. E Carmem Antunes jamais escolheria Sabrina Blanco.
Não fosse sua mãe, que era realmente o grande empecilho, havia ainda a
reputação de Sabrina entre os solteiros da região. Ele sabia que ela era incrível
com a boca, mas muitos outros também estavam cientes do talento que a moça
possuía. Sabrina não era conhecida por ser um modelo de virtude, era totalmente
o oposto. E Caio tentava não dar ouvidos aos boatos, porque sabia que
indiretamente, muitas vezes diretamente, foi o culpado por ela ter circulado tanto
entre a roda de amigos.
O tempo passou rápido demais, quando a conheceu ela era uma garota
inocente. Foi ele quem a seduziu, lhe fez promessas, mentiu para conseguir o
que tanto queria. Ela era mesmo virgem, ele pensou que era mentira, mas não.
Sabrina entregou-se a Caio acreditando que gostava dela e que ficariam juntos.
Mas ele não a culpou por criar falsas expectativas, pois foi o responsável por
semeá-las. Sim, ele estava ciente de que foi algo muito errado. Sabe que foi um
cretino idiota.
Se pudesse voltar no tempo teria feito tudo diferente.
Mas era tarde demais.
Seduziu uma garota, deu as costas a ela. Ele pediu desculpas, ela o
desculpou. Deu-lhe esperanças apenas para tê-la em sua cama novamente, ele
ensinou algumas brincadeiras sacanas, ela era uma excelente aluna. Fez a garota
chorar, disse que não se amarrava a ninguém e que ela deveria fazer o mesmo,
que a vida era curta demais para ficar se prendendo a convenções e ideias
ultrapassadas de moralismo. Depois de tanto chorar, a garota aprendeu a lição.
Desligou-se das emoções e assuntos do coração, deixou-se levar apenas pela
luxúria e usou o sexo como uma válvula de escape para esquecer o coração em
pedaços dentro do peito.
Caio sabia que havia transformado uma boa menina em garota má.
E cometeu o pior dos pecados: apaixonou-se perdidamente por ela.
Agora ela estava esperando um filho seu.
Sim, ele não tinha dúvidas de que aquele bebê no ventre de Sabrina era
seu filho.
Não, ele não seria covarde desta vez.
Seu pai lhe educou para ser um homem de bem, sua mãe lhe ensinou que
a mulher amada merecia ser tratada como uma rainha, pois ela seria o seu braço
direito nas batalhas da vida e um homem que soubesse valorizar sua mulher, era
um homem afortunado.
Levantou-se da cama, decidido.
Ele era um homem afortunado, não?
Apaixonou-se, encontrou sua rainha.
Ela seria muito mais que seu braço direito, seria a mãe dos seus filhos.
Tudo o que Caio precisava fazer, era sair da inércia e tomar as rédeas de
sua própria vida.
Precisava encontrar Sabrina, pedir perdão, e torcer para ser perdoado.
Mais uma vez.


— Ainda não acredito que você deu um “chega pra lá” no Caio, por
minha causa.
Estou no quarto de Sabrina, sua mãe está cuidando do Alcapone’s e
prometemos a ela que desceríamos em breve.
— Sei que não tenho nada a ver com o assunto de vocês, mas fiquei tão
chateada — explico.
Sabrina sorri e me puxa para um abraço, estamos sentadas em sua cama e
havia acabado de contar a ela tudo o que aconteceu hoje cedo. Também a
coloquei ciente da minha situação com Lucas, não estou conseguindo lidar bem
com isso sozinha, preciso muito de alguém para me ouvir e me aconselhar.
— Nora, você é minha amiga — afirma Sabrina. — Embora eu te
conheça há pouquíssimo tempo, você fez por mim o que nenhuma outra garota
fez, me defendeu. Isso prova que posso confiar em você e que te devo essa
mesma fidelidade.
— Obrigada.
— Não me agradeça ainda, talvez fique chateada comigo.
Franzo a testa.
— Por quê?
— Não quero te enganar, você já conhece minha história com o Caio. Eu
tenho dezenove, ele tem vinte e sete. Nós estamos nesse vai e vem desde que eu
tinha dezessete anos. Ninguém sabe, muitos pensam que ficamos há alguns
meses, mas nada sério. Ele nunca me levou a sério, mas sempre o amei. Cada
vez que se aproximava eu acreditava que poderia fazê-lo me amar. Esse foi o
meu erro, Nora. Homens como Caio não podem ser persuadidos, eles fazem suas
próprias regras. Demorei muito tempo para me dar conta disso, e veja onde fui
parar!
— Ainda não entendi.
— Eu tenho fama de vadia entre os caras daqui, mas eu busquei isso.
Enquanto Caio é o “pegador”, eu sou a “piranha” safada. E só para você saber,
também já fiquei com o Lucas. Posso te garantir que ele é igualzinho ao melhor
amigo.
Ouvir da própria Sabrina que ela já ficou com Lucas, desperta um
sentimento esquisito dentro de mim. Não gosto de saber disso, mas é bom que eu
saiba por ela e não por qualquer outra pessoa. Somos amigas, essa sinceridade é
essencial para nosso vínculo se fortalecer. Detestaria que alguém usasse esta
informação contra mim, apenas para me afetar de alguma forma. Mesmo que
ninguém saiba sobre o breve envolvimento entre Lucas e eu, não gostaria de ser
pega de surpresa.
Engulo em seco.
— Ficou com ele, como? — pergunto corajosamente.
Ela morde os lábios, mas percebo que segura uma risada.
— Já transei com ele, Nora. Foi uma vez só, ou duas. E não vou mentir, o
cara é um deus do sexo. Nas outras vezes, eu o chupei e em troca ele me deu
orgasmos incríveis. Lucas tem dedos mágicos e uma língua...
Fecho meus olhos, tento afastar qualquer possibilidade de imaginar as
cenas que Sabrina acaba de me descrever. Sinto meu estômago revirar. Estou
com... Nojo!
— Por favor, pare! — peço, engolindo as lágrimas.
Sabrina me encara com espanto e pesar.
— Ah, droga! Nora, por favor, me perdoe... Não pensei que isso pudesse
te fazer sentir mal, quero dizer, você nem gosta dele, certo?
Não sei o que dizer, me sinto perdida e tão triste.
— Eu...
— Ah, não... Você está se apaixonando por ele — constata Sabrina, por si
mesma.
Não confirmo, porém não me dou ao trabalho de negar.
— Nora, você tem dezessete anos. O Lucas, vinte e oito. Ah, e daqui a
alguns dias ele fará vinte e nove. A festa está agendada para o sábado da próxima
semana, ele alugou o Alcapone’s especialmente para esta ocasião.
— Eu sei que existe uma grande diferença de idade — menciono.
— Mas não é só isso, querida. Eu me preocupo com você, pela maneira
que reagiu quando eu descrevi o sexo com Lucas, deu para perceber que você é
completamente inexperiente no assunto. Você ainda é virgem, Nora?
Afirmo, envergonhada, com um gesto de cabeça.
— Então o meu conselho é o seguinte: Fuja para as colinas, amiga! Curta
a sua idade, você é jovem e sua primeira vez tem que ser especial, com um
carinha bacana que trate você como uma princesa. O Lucas nunca será essa
pessoa. Já perdi as contas de quantas garotas vi chorando por causa daquele
babaca. Ele não é má pessoa, mas relacionamento não é o perfil do Lucas, e você
é uma moça direita, dessas que o garoto precisa pedir permissão ao seu pai para
namorar você, com direito a aliança de prata simbolizando compromisso. Você é
para casar, menina. Não para viver chorando pelos cantos ou fechando os olhos
para imaginar o homem dos seus sonhos enquanto beija um desconhecido. Não
cometa meus erros, Nora. Seja esperta e pula fora.
Tarde demais, minhas lágrimas estão escorrendo incessantemente pelo
meu rosto. Vejo a preocupação de Sabrina e sinto sua tristeza, por Caio, por ela,
pela situação delicada que está vivenciando. Mesmo com seus problemas, ela
está preocupada comigo e tentando me ajudar, fazendo-me enxergar a realidade
da situação: Lucas e eu somos totalmente sem futuro.
Não que eu tivesse alguma esperança, mas ouvir alguém me apresentar
uma lista dos “N” motivos pelo qual estamos fadados ao fracasso, foi um chute
no meu castelo de areia.
— Eu sinto muito, Sabrina. Queria tanto poder fazer algo por você, para
te ver feliz e não chorando por causa do Caio.
— Você pode fazer, Nora. Seja mais esperta do que eu e não caia na teia
de sedução do Lucas.
Assinto, abraçando-a novamente.
— Eu não vou cair, prometo.


Ainda estou furioso e decido não ir para a casa. Minha mãe perceberá
que não estou bem, prefiro evitar suas indagações e não a deixar preocupada.
Talvez beber uma caneca de chope me faça relaxar, no horário de almoço eu não
pude, mas o expediente encerrou e não é como se eu pretendesse encher a cara
em plena terça-feira.
Estaciono em frente ao Alcapone’s, não há nenhum outro carro aqui, deve
ser porque acabou de abrir e provavelmente sou o primeiro cliente da noite.
Entro e avisto Eulália no balcão principal. Ela é a dona do estabelecimento,
também é a mãe de Sabrina. Aproximo-me e sento em uma banqueta.
— Boa noite Eulália — cumprimento-a.
Ela me olha desconfiada, mas abre um sorriso simpático e se aproxima.
— Boa noite, Lucas. Nunca te vi por aqui no início da semana, estou
surpresa.
Suspiro profundamente antes de responder.
— Dia estressante, preciso de uma caneca de chope bem gelado.
— É para já, querido.
Aguardo ela me servir e tomo três goles seguidos, deixando o líquido
gelado refrescar minha garganta e trazer-me a sensação de bem-estar.
Eulália retoma seus afazeres, orientando os funcionários da cozinha. O
Alcapone’s, além de servir tipos variados de bebidas também tem no cardápio
pratos deliciosos. Nosso município é pequeno e a lanchonete é praticamente o
point preferido para um happy hour.
Estou mais calmo agora. Preciso pensar com clareza, em como
prosseguir daqui por diante. Sei que insistir em algo com Nora é arriscado, digo
isso o tempo todo, mas não tempo suficiente para me convencer de realmente
tomar uma decisão definitiva. Talvez agora seja o momento certo, ela sabe sobre
minha reputação leviana, eu mesmo fiz questão de colocar isso às claras para ela,
então tudo o que preciso fazer é me manter distante, parar de procurá-la como
um cachorrinho sem dono, abanando o rabinho para ganhar atenção.
Ouço risadas atrás de mim e me distraio de meus devaneios. Olho por
sobre o ombro e meu olhar automaticamente se fixa em Nora, ao lado de
Sabrina. Engulo em seco, ela para de rir e assume uma expressão neutra, fria até.
Não sei porque, mas algo dentro de mim se sente mal por saber que foi por
minha causa que ela parou de expressar sua alegria. Volto a olhar para minha
caneca de chope, focado no pensamento anterior.
É melhor assim...
Termino minha bebida e peço para Eulália repor minha caneca. Pretendo
ir embora depois dessa, tomar um banho frio e ir cedo para a cama.
As garotas estão sentadas perto do balcão, consigo vê-las cochichando,
elas parecem não querer que eu ouça a conversa. Que ridículo! Como se eu
quisesse mesmo ouvir.
Meu celular toca. Olho no identificador de chamadas, é a Bárbara.
— Mas que porra é essa, Babi? Vai começar a me encher o saco, de uma
hora para outra? — pergunto, sem conseguir controlar minha raiva.
— Acalme-se Luquinhas! — diz ela, sem se incomodar com meu tom
arrogante. — Estou ligando em paz.
— Vou fingir que acredito.
— Preciso de algumas informações sobre o seu jardineiro.
Pestanejo ao ouvir a pergunta.
— Como é que é?
— Você me ouviu.
— Pensei ter alucinado.
— Não me enrole, Lucas. Conte-me algo relevante sobre o Bento,
preciso saber mais sobre ele.
Respiro fundo, tentando não ser um escroto com ela.
Tentar não significa exatamente conseguir.
— O que você está tramando, mulher? — pergunto com veemência. —
Bento é um cara legal, de origem humilde e não sei o que você pretende, mas
aviso de antemão, pula fora. Ele não é um objeto.
Bárbara gargalha do outro lado da linha.
— Luquinhas, Luquinhas. Eu percebi que Bento não é um objeto, ele é
um belo exemplar de homem e estou interessada em saber mais sobre ele. Você
poderia ser um bom amigo e me ajudar.
Amigo? Porra! Eu não sou a porcaria de um amigo.
Não dela.
Balanço a cabeça em negativa, mesmo que ela não consiga ver. Bárbara é
tão mimada e mesquinha, com certeza quer brincar com os sentimentos de
Bento. O que mais surpreende é ela procurar por ele, geralmente gosta de ser
conquistada e não o contrário.
— O que eu ganharia com isso? — pergunto com sarcasmo.
Alguns segundos de silêncio.
— Eu fico te devendo um favor. Só preciso de alguma informação
relevante.
Um favor. No que Bárbara pode me ser útil? Não, eu não quero transar
com ela novamente. Esse não é o tipo de favor que tenho em mente, mas uma
pessoa influente como Babi pode me ser útil em algum momento.
Certo. Se a Babi quer brincar de princesa e plebeu, o problema é todo
dela. Não vou interferir.
Decido responder:
— Ele frequenta um barzinho há umas quadras da mansão. Você
conhece, o Alcapone’s. Já o encontrei diversas vezes aos sábados à noite e
domingo à tarde. Eu não sei como está sua rotina agora que a filha veio morar
com ele, mas tenho certeza que você não vai desistir, não é mesmo?
— Acertou em cheio, Luquinhas.
— Babi, Babi. Só não faz besteira, tá?
— O que foi, Lucas? Preocupado comigo?
Minha vez de dar uma risada.
— Preocupado com ele, isso sim.
— Obrigada pela dica, quando precisar de um favor, ligue-me. Tchaaau!
Desligou.
Isso foi estranho.
Termino minha caneca de chope e tiro dinheiro da carteira para pagar a
conta. Olho de relance para a mesa onde as garotas estavam, mas não vejo Nora.
Em que momento ela saiu?
Sabrina se aproxima e eu aceno com a cabeça. Ela retribui o gesto e vai
para trás do balcão, pega o dinheiro e abre a caixa registradora para me dar o
troco. A música ao fundo alivia o clima de tensão entre nós. Aproximo-me para
facilitar a entrega.
— Como você está? — pergunto.
Pego o troco e o guardo na carteira.
— Como você imagina que eu estou? — pergunta ela, mas sem soar
agressiva. Sabrina está abatida, sinto pena da garota. — Deve saber que Caio não
aceitou muito bem a notícia da minha gravidez.
— Eu sinto muito, Sabrina.
Ela dá de ombros.
— Tanto faz, Lucas.
— Estou sendo sincero. Caio está confuso agora, mas ele vai pensar com
clareza e vocês poderão resolver isso amigavelmente.
— Resolver isso amigavelmente? O que isso significa, afinal?
Reviro os olhos, e passo as mãos pelo cabelo.
Por que as mulheres complicam tudo?
— Não sei, só estava tentando ser legal com você.
— Tudo bem Lucas, você não precisa ser legal comigo. Mas espero que
seja legal com a Nora.
— O quê? Como assim?
— Não repete com a Nora o que aconteceu entre Caio e eu. Você viu que
isso não acaba nada bem. E é ela quem vai sofrer quando você partir para o
próximo rabo de saia.
Bufo de raiva.
Quem essa garota pensa que é para me dar lição de moral?
— Escute aqui Sabrina, não vem com esse papinho de merda para cima
de mim! — Altero minha voz. — O Caio nunca te obrigou a nada, você deu
porque quis, sempre deu porque quis. Lembro-me muito bem das vezes que você
abaixou as minhas calças sem eu ter que fazer esforço. Então não se faça de
vítima agora que engravidou!
Ela não se acua diante da minha explosão de palavras.
— Não estou me fazendo de vítima, seu idiota! Eu aprendi a minha lição
muito bem, sei que o que está acontecendo agora é consequência das escolhas
erradas que fiz, não quero isso para a minha amiga.
Rio, debochado.
— Vocês mal se conhecem!
— Vocês também! — revida. — Pare com essa merda, Lucas. Deixa a
menina em paz. Não estrague a vida dela.
— Eu não obriguei Nora a nada!
— Você mexe com ela, sabe disso. Então pare de alimentar o que quer
que seja que está pensando em fazer com ela.
— Eu não estou alimentando nada! E pare de gritar comigo, droga!
— Pare você de gritar com ela, Lucas!
Só pode ser brincadeira...
Olho para trás e encontro o olhar de Caio, furioso.
O que ele está fazendo aqui?
Oh, sim. Deve ter vindo resolver a merda em que se meteu com a
Sabrina.
— Estou de saída — digo, acalmando-me. Não quero brigar com meu
melhor amigo. Principalmente por causa de mulher.
Não peço desculpas a Sabrina, porque não acho que devo. Ela foi uma
idiota comigo, posso muito bem ser um idiota com ela.
Dou um tapinha nas costas do Caio antes de sair dali.
Entro no Porsche e dou a partida. Decido ir devagar, pois bebi e estou
irritado. Não é uma boa combinação. O farol do carro está aceso e logo avisto
um movimento na calçada.
É ela. Indo para a casa sozinha, à noite.
Que porra de garota estúpida ela é?
Freio o carro bruscamente, bem próximo à calçada. Ela se assusta e me
fita com os olhos arregalados. Está com medo.
É bom que esteja.
E se fosse um pervertido?
Um tarado que quisesse abusar dela?
Essa menina está brincando com a sorte.
— Entra nesse carro agora, Nora!


Nora olhou para o homem no carro, observando-a com expressão irritada.
Mais uma vez Lucas Marinho atravessava seu caminho. Desde que chegara
aquela cidade, tudo o que Nora desejava era conseguir um emprego para custear
seus estudos, também queria se aproximar ainda mais de seu pai, de quem esteve
afastada por muitos anos. Não pensava que um homem pudesse surgir em sua
vida tão repentinamente e deixá-la tão consciente de seu próprio corpo, estava
despertando para a sexualidade e não apenas isso, seus sentimentos começavam
a ficar confusos e eram tão intensos que a assustavam. Mas sabia que era
proibido, que havia uma grande diferença entre eles, de idade, classe social,
personalidade. Não se deixaria levar por suas ilusões românticas e sonhadoras,
antes de tudo, Nora era adulta e sensata. Aos olhos de muitos poderia ser uma
adolescente, uma jovem que ainda tinha muito que aprender da vida, mas ela
sabia discernir o certo do errado e sua índole sempre fora impecável. Também
não era uma garota irresponsável e por isso, só por isso, aceitou a carona sem
pestanejar. Estava escuro e ela teve pressa em sair do Alcapone’s sem que Lucas
a percebesse, aproveitou enquanto ele falava ao telefone para se despedir de
Sabrina. A mansão da família Marinho não ficava muito longe, em vinte minutos
estaria avistando os portões de ferro, mas percebeu sua imprudência quando não
viu ninguém andando pela calçada. A cidade era pequena e aparentemente
pacata, todos se conheciam pelo nome e tratavam-se cordialmente, mas o mundo
não era uma utopia, pessoas dispostas a fazer o mal surgiam de onde menos se
esperasse.
Abriu a porta do carro e sem dizer nada se sentou no banco do carona.
Lucas havia vociferado para ela entrar, não foi um convite cordial, mas
praticamente uma exigência. Nora poderia ter ignorado e continuado sua
caminhada, deixando-o acompanhado de seu próprio ego, mas reconsiderou.
Estava ciente de que seria arriscado dar oportunidade ao acaso, seu pai a estava
esperando em casa e já imaginava que ela voltaria da cidade vizinha
acompanhada de Lucas. O celular descarregou logo depois que chegou à casa de
Sabrina, ela não se comunicou com Bento, pois não pretendia demorar, mas a
conversa foi longa e quando se deu conta já havia escurecido consideravelmente.
Com o carro em movimento, Lucas esperava enfrentar uma nova batalha
de teimosia com Nora, mas ela continuou em silêncio. Reduziu o pé no
acelerador, pois não queria chegar tão rápido em casa, queria conversar com ela,
mesmo depois de ter refletido e concordado com sua consciência de que o certo
seria ele se manter longe. Mas o que seria mais uma contradição, depois de
tantas?
— O que deu na sua cabeça para sair sozinha há essa hora? — vociferou.
Nora permaneceu em um silêncio inabalável, os braços descansados
sobre as pernas, enquanto olhava para a estrada. Seria um trajeto pequeno,
pensou com positividade. Tudo o que mais desejava era correr para o seu quarto
e desabar na cama.
— Aqui não é o convento onde você viveu por anos, Nora. — Continuou
Lucas, com a voz mais amena.
Nora continuou quieta mesmo que por dentro estivesse a ponto de gritar
com ele, não iria despejar sua raiva novamente. Sabia que de certa maneira
Lucas estava certo, foi um ato impensado sair sozinha do Alcapone’s, mas, ela
não daria essa vitória para ele. Assumiu seu erro em silêncio, afinal, não havia
um ditado que dizia que quem cala consente?
— Não vai falar comigo, é isso?
Lucas bufou, tentando não perder a paciência, contou mentalmente até
dez. Estavam chegando perto da mansão. Havia pouquíssimo tempo para falar
com Nora sobre a discussão na oficina. Novamente, Lucas estacionou o Porsche
no acostamento, mas deixou o carro ligado. Nora o olhou com desconfiança,
porém não se moveu ou disse qualquer coisa.
Era agora ou nunca, pensou Lucas.
— Escute, Nora. Eu sei que não sou muito bom com as palavras, peço
desculpas por ter sido estúpido com você hoje cedo, mas não me arrependo do
que disse. É tudo verdade, não sou um santo. E não te fiz promessa nenhuma.
Sinto muito se em algum momento lhe dei falsas esperanças. Talvez se eu fosse
mais jovem, as coisas pudessem ser diferentes. Não posso mudar meu passado, e
não quero planejar um futuro. Sou de viver o presente, desfrutar da vida sem
grandes cobranças e ver o que acontece. Você me atrai muito, mas é nova
demais, inocente demais. Pode me odiar agora, eu espero que me odeie mesmo,
porque assim terei um motivo para ficar longe de você. Só Deus sabe o quanto
isso parece impossível, mas é o certo.
O silêncio pairou entre eles, Nora o fitou com atenção tentando decifrar
em seu olhar azul profundo se o que Lucas acabara de dizer era realmente
verdade ou um mero artifício. O que ele esperava dela, ao se assumir como um
homem que não gostava de planejar o futuro e apenas queria se divertir no
presente? Nora ponderou cada palavra e finalmente optou por uma resposta clara
e objetiva.
— Não odeio você — disse confiante, mas sem demonstrar emoção.
Lucas fechou os olhos, apreciou ouvir aquela voz dizendo que não
alimentava sentimentos ruins para com ele. Quando tornou a fitar Nora, ela
parecia calma demais. Concluiu que a menina possuía outras facetas que ainda
desconhecia, sentiu-se tentado a desvendá-las, mas logo reprimiu o desejo.
Estava sendo adulto depois de muito tempo agindo como um garoto tolo.
Anuiu em silêncio, aceitando aquela revelação como uma concordância.
Concentrou-se novamente no seu carro e logo os portões da mansão Marinho se
abriram para que ele entrasse. Era o turno do senhor Gerônimo, que
cumprimentou o patrão e Nora com um sorriso e um aceno cordial. Lucas foi em
direção às garagens e quando desligou o carro, a garota apressou-se em
desafivelar o cinto e abrir a porta. Levantou-se, mas foi impedida de sair, pois
Lucas a segurou pelo braço delicadamente.
— Se de alguma forma eu te forcei a qualquer coisa, saiba que nunca foi
minha intenção te obrigar a algo que não quisesse. Jamais te obrigaria, Nora. Sei
que passei dos limites, mas nunca fiz isso antes. Você me atraiu desde o início e
quando soube que tinha apenas dezessete anos, quase enlouqueci.
Nora se desvencilhou do toque de Lucas e conseguiu ficar de pé. Estava
sendo forte para não desabar na frente dele, mas também se sentia na obrigação
de não o deixar acreditar que estava “tirando o corpo fora” e dando um jeitinho
de limpar sua consciência.
Afinal, ela estudou em um colégio de freiras, mas não era discípula da
Madre Tereza de Calcutá.
— Se quer absolvição dos seus pecados, Lucas, procure um padre e faça
uma confissão. Eu sei exatamente o que aconteceu entre nós. Assim como sei
que acabou. Pare de tentar encontrar uma justificativa e concentre-se em me
deixar em paz.
Sem deixa para ele argumentar, Nora segurou sua bolsa a tiracolo e saiu.
Lucas permaneceu estático em seu assento de motorista por alguns
instantes, não conseguiu dizer nada. Depois assimilou palavra por palavra do que
Nora havia lhe falado e algo dentro de si se despedaçou.
Não soube dizer o que era.
Seu coração?
Não, Lucas tinha certeza que era o seu orgulho ferido.


Quando Caio se aproximou do balcão do Alcapone’s, em nenhum
momento seus olhos desviaram de Sabrina. A notícia da gravidez era recente,
mas ele podia perceber que a garota irradiava uma beleza diferente na sua atual
condição. Mesmo com seu semblante triste, ela estava linda.
— Oi — disse, tentando encontrar uma maneira de começar a falar tudo
o que pensou durante o trajeto até ali. Sentou-se em uma banqueta e tamborilou
os dedos nervosamente no balcão.
Sabrina estava mexendo na caixa registradora, sua mãe orientava a
equipe da cozinha e nenhum cliente havia entrado ainda, com exceção de Lucas,
que já havia ido embora.
Por que Caio estava ali? pensou ela. Depois da última conversa,
acreditou que não o encontraria tão cedo. Ele foi bem claro quando disse que não
iria cair naquele truque barato de gravidez indesejada.
— A amostra de DNA será colhida assim que o bebê nascer, não antes
disso. Então volte daqui a alguns meses.
Droga!
Ela estava muito chateada, ponderou Caio. Mas sabia que era o mais
provável. Não desistiria na primeira tentativa, agora que estava decidido a obter
o perdão de Sabrina.
Quando finalmente percebeu que amava aquela garota, Caio se sentiu
feliz e ao mesmo tempo apreensivo. Não podia voltar no tempo, sabia que muito
do que ela fez foi em revide de seus próprios atos. Ela queria um amor, ele
queria um corpo para saciá-lo na cama. Ela queria conversar, conhecê-lo melhor,
ele queria que a boca dela abrisse apenas para beijar os seus lábios ou chupar o
seu pau. Caio nunca deu uma verdadeira oportunidade a ela, mas por quê? Não
conseguia entender o quão estúpido ele foi. Havia se passado pouco mais de dois
anos desde que a seduzira pela primeira vez, nesse período, foram idas e vindas.
No início a garota teve esperanças de que ele pudesse assumir um
relacionamento com ela, mas depois ele a fez ver um novo lado da história.
Então, Caio criou um monstro. Recomendá-la aos seus amigos foi uma maneira
de tirar a garota insistente do seu pé. Agora, ele a amava e teria que passar por
cima dessas lembranças. Alguns de seus amigos mais próximos, inclusive seu
melhor amigo Lucas, se envolveram de alguma forma com Sabrina. Não seria
fácil lidar com isso, Caio tinha uma reputação a zelar...
Mas que reputação?
À noite enquanto deitava em sua cama, sozinho, não era sua reputação
que lhe abraçava e sussurrava “boa noite” de um jeito sexy e ao mesmo tempo
carinhoso.
— Não quero fazer nenhum exame de DNA, sei que esse filho é meu.
Ouvir Caio confirmando a paternidade do bebê que ela esperava, deixou
Sabrina vulnerável. Ela o amava, sempre o amou. Temeu revelar-lhe sobre a
gravidez em um momento em que ambos estavam se divertindo juntos,
aparentemente felizes como um casal apaixonado. Foi a primeira vez que Caio
lhe deu a oportunidade de ser mais que a garota com quem ele fodia e depois
deixava de lado. Talvez se não estivesse grávida, teriam passado mais tempo
juntos e ela tivesse a chance de conquistá-lo definitivamente. Agora que seria
mãe, não pensava em si como prioridade. Seu bebê era o novo centro do
universo, tudo giraria em torno dele. Seu coração partido, e a mágoa pelo amor
não correspondido foram deixados de lado.
Já não lhe importava que Caio não a amasse...
Certo, isso era uma grande mentira, claro que se importava, mas não
seria por este motivo que ela deixaria de seguir em frente para se tornar uma boa
mãe para seu filho.
Sabrina decidiu que não procuraria Caio novamente, que não valia a pena
esforçar-se tanto para se sentir amada, quando a outra pessoa não estava
interessada em contribuir com amor.
Sabrina fechou a gaveta da caixa registradora e se aproximou do balcão.
Vestia uma calça de moletom e baby look com uma estampa engraçada do Pato
Donald. A barriga não estava evidente, mas como sempre foi magra, notava-se o
arredondamento do ventre que agora abrigava um feto. Em breve suas roupas
não lhe serviriam mais, mas por enquanto, vestia-se confortavelmente. Colocou
as mãos no bolso da calça e fitou Caio. Não queria brigar, ele não parecia
disposto a isso, talvez Lucas tivesse razão, Caio poderia ter pensado com clareza
e se conversassem cordialmente, poderiam resolver amigavelmente a situação.
— E como você chegou a essa conclusão? — perguntou Sabrina. —
Andou conversando com seus amigos? Fazendo a checagem no calendário?
Realmente não queria brigar, mas estava magoada demais para levar a
conversa a um nível desprovido de ironias.
Caio engoliu em seco.
— Pare com isso, Sá. Você não está facilitando as coisas.
— Não estou? Logo eu que sempre fui tão fácil para você.
— Você jogou uma bomba no meu colo, Sá. Como queria que eu
reagisse?
Ela revirou os olhos.
— Como você faz nos negócios, parasse e analisasse os pontos antes de
tomar decisões ou dizer qualquer coisa. Mas você preferiu transferir a culpa toda
para cima de mim.
— Eu sei, mas estou aqui. Fui precipitado e grosseiro, pensei muito antes
de vir falar com você. Se eu tivesse alguma dúvida, teria lhe dado as costas, mas
estou reconhecendo que fui imbecil e te pedindo uma chance.
— Uma chance? De que, exatamente?
Caio hesitou, não por dúvida, mas por medo de ser rejeitado. Se ele
fosse, entenderia a garota.
— De tudo. De sermos amigos, amantes, pais de uma criança linda. —
Deu-lhe um sorrisinho charmoso. — Olhe só para nós, somos lindos. Esse bebê
vai ser perfeito! E muito amado também, Sá. Porque eu já amo essa criança. E
também amo você.
As pernas de Sabrina vacilaram e ela precisou se escorar no balcão. Caio
se assustou ao ver que ela estava pálida e correu para dentro do balcão, tomando-
a em seus braços. Eulália viu a cena e correu em socorro da filha.
— Querida, você está se sentindo bem? — perguntou, passando a mão
pelo rosto da filha enquanto Caio a amparava.
— Foi uma vertigem, estou bem — respondeu Sabrina.
Eulália encarou Caio com severidade.
— O que está fazendo aqui? — indagou descontente.
— Vim conversar com sua filha!
—E veja o que aconteceu? A menina passou mal.
— Já estou bem, mãe — interveio Sabrina.
— Os clientes começarão a chegar daqui a pouco — comentou Eulália.
— Não quero discussão no meu bar, muito menos sobre um assunto tão delicado.
— Encarou Caio novamente. — Leve Sabrina lá para cima e, por favor,
conversem civilizadamente. Não me façam sair daqui para apaziguar briga,
nenhum de vocês gostará disso.
Caio anuiu em silêncio e em segundos pegou Sabrina no colo, a garota
debateu-se em seus braços.
— Já disse que estou bem, Caio. Posso ir andando.
Eulália sorriu, gostou de ver os dois juntos daquele jeito. Pensou que
talvez houvesse um final feliz para sua menininha. Apoiaria qualquer decisão
que Sabrina tomasse, desde que ela e o bebê ficassem bem.
— Subam logo, não façam uma cena aqui. Vai gerar burburinho entre os
clientes. — Acenou para eles.
— Vamos, Sá — disse Caio, saindo de trás do balcão, levando a garota
no colo.
— Eu posso ir andando.
Caio parou um instante e encontrou seu olhar com o de Sabrina. Beijou-
lhe a testa, pegando-a desprevenida.
— Deixe-me cuidar de você, sua cabeça dura.
— Por que isso, agora?
— Eu já disse. Porque te amo, e porque você será a mãe de todos os
meus filhos.


Não sei onde eu estava com a cabeça quando cogitei, lá no fundinho do
coração, que Lucas e eu pudéssemos nos entender de alguma forma. Só tenho
percebido minhas intensões sentimentalistas depois que algo ruim acontece. Não
gosto de ser assim, não sei lidar com esses sentimentos que se formam em mim.
Eu mal cheguei aqui e estou me deixando confundir por um homem que está
acostumado a ter as mulheres aos seus pés. Mas quem sou eu para julgá-lo? O
que sei da vida, afinal?
Quase tropeço no caminho até minha casa, mas recupero o equilíbrio e
me preocupo em manter a calma. Foi meu primeiro dia de emprego e meu pai
provavelmente irá me interrogar, querendo saber como foi. Por dentro sinto um
desejo enorme de gritar, extravasar minha raiva, minha angústia. Odeio me sentir
desta maneira, mas não consigo impedir essas emoções dominarem meu coração,
tudo o que posso fazer a respeito é reprimi-las até que me tranque em meu
quarto.
Entro em casa e encontro papai na cozinha, ele está preparando o jantar.
— Nora! Venha ver o que estou preparando para nós — chama meu pai.
Sinto o cheiro de bife acebolado e chego mais perto do fogão.
— Muita fome — digo sorrindo para ele.
Meu pai se aproxima e beija minha testa.
— Está quase pronto, amor. Fiz a mais para você levar amanhã. Esqueci
de preparar o seu almoço para hoje. Desculpe.
— Pai, eu posso preparar nosso jantar. Hoje me atrasei porque estava na
casa da Sabrina, a filha da Eulália. Conhece, né?
— Sim, você a conheceu no sábado.
— Ela está passando por um momento delicado, fui conversar com ela.
— Fico feliz que esteja fazendo amizades, filha.
— Estou sim, pai.
Ah, se ele soubesse como minha vida esteve atribulada desde que
cheguei aqui. Mas não quero preocupá-lo. Conhecer Lucas seria inevitável, ele é
o dono de tudo à minha volta. Meu pai trabalha para sua família há anos, o que
eu faria para evitá-lo por completo? Seria praticamente impossível. Mas as
coisas seriam diferentes a partir de agora. Lucas estava claramente arrependido
por tudo o que houve entre nós, sentia-se culpado de certa forma, pelo fato de eu
ser menor de idade. Não que ele tivesse abusado de mim, tenho plena
consciência de que não fui forçada a nada. Eu quero ser tratada como uma
mulher, então seria hipocrisia de minha parte agora que encerramos o que quer
que nós tenhamos começado, que eu me fizesse de vítima.
Enquanto papai termina de preparar a janta, lavo as mãos na pia da
cozinha e coloco a mesa. Jantamos e aproveito para repassar a ele o meu dia na
Fast Mariner’s.
— Estou muito orgulhoso de você, filha. Seu primeiro emprego,
parabéns!
Sorrio, me sinto feliz por tê-lo dado um motivo de orgulho.
— Obrigada pai.
— Ah, eu preparei uma surpresa para você, espero que goste.
Arregalo os olhos, surpresa.
O que poderia ser?
— Termine o jantar, depois eu te mostro.
Concordo com um gesto de cabeça.
— Sabe que há uma universidade na cidade vizinha? — pergunta meu
pai, mas logo em seguida começa a rir. — É claro que não sabe. Eu moro aqui há
anos e fiquei sabendo hoje. Recebi um panfleto de divulgação na rua, fui até lá
verificar. Eles têm uma ótima estrutura e há os dois cursos que você tem
interesse. Há vagas para bolsa integral e parcial, o histórico escolar pode ser
levado em consideração, juntamente com uma prova de avaliação. É uma
universidade particular, conceituada, que possui extensão aqui. Você não
precisará viver em um campus, o que torna as despesas reduzidas.
Ao assimilar o que meu pai diz, por um momento esqueço toda a tristeza
que sinto por dentro, meu sorriso de expectativa se expande e tento morder os
lábios para contê-lo, mas não consigo, ele tem vontade própria. Meu histórico
escolar é impecável e acredito que posso tirar uma boa nota em uma avaliação.
Sou capaz.
— Era essa a surpresa? — pergunto eufórica. — Pai, isso é incrível!
Posso me preparar para ingressar no segundo semestre. Obrigada por me contar
esta novidade.
Meu pai retribui o sorriso, tão feliz quanto eu. Sei que ele se sente
ressentido pelo fato de eu ainda não estar na faculdade. Menos uma
preocupação.
— Eu tenho dinheiro guardado, filha. Economizei esses anos todos para
bancar seus estudos no colégio interno, mas também para que você pudesse ter
uma segurança caso acontecesse algo comigo. Nunca se sabe, não é?
Bato três vezes na madeira.
— Credo, pai. Não fala uma coisa dessas! O senhor é jovem demais para
morrer, vire essa boca pra lá!
Ele ri, achando graça do meu gesto supersticioso.
— Para morrer, basta estar vivo.
— Para viver, também. Então vamos parar de falar de coisa ruim, por
favor.
— Certo, filha. Mas como eu ia dizendo, tenho esse dinheiro guardado, o
suficiente para pagar dois anos de mensalidade, além do material didático. Se
conseguir a bolsa, seja integral ou parcial, e acredito plenamente que você é
capaz disso, o dinheiro fica guardando para você usá-lo quando precisar.
— Pai, eu estou trabalhando agora. Irei me esforçar para conseguir a
bolsa, mas de todo o modo, o dinheiro que receber pelo meu trabalho é para
suprir as despesas da faculdade. Estou animada por saber que poderei estudar
aqui perto e não ficar mais quatro anos afastada do senhor.
Foi a vez de o meu pai revirar os olhos. Isso foi engraçado.
— Já liberei você de usar o termo “senhor”, comigo. Assim eu me sinto
um velho.
Começo a rir.
— Você não é um velho, é o pai mais gato do mundo!
— E você a filha mais “puxa-saco” do mundo!
Dou de ombros.
— Não me importo nenhum pouco. — Sorrio convencida.
— Se quiser, eu te levo para conhecer as dependências da universidade
em um dia desta semana. Te busco na oficina quando seu turno acabar e vamos.
Bato palmas, empolgada.
— Sim! Sim! Sim!
— Você trouxe vida à minha existência, Nora. Ter você aqui é um
presente de Deus.
— Ah, pai...
Ouvir essas palavras de meu pai, é o gatilho que faltava para minhas
lágrimas desabarem. Esse homem é tudo o que tenho na vida, além de tia
Laurinha. Bento Sampaio é meu exemplo de ser humano, nunca se rendeu as
dificuldades que a vida lhe impôs. Foi guerreiro e me criou quando minha mãe o
abandonou, deixando-me recém-nascida aos seus cuidados.
Meu pai se levanta e se aproxima de minha cadeira, ajoelha-se no chão e
me puxa para um abraço. Retribuo, quero que ele sinta todo o amor que tenho
por ele. O quanto sou grata por não ter desistido de mim quando tudo parecia ir
contra ele.
— Não chore, minha menina. Tudo o que faço é justamente para não vê-
la derramar nenhuma lágrima.
É impossível controlar as emoções diante de suas palavras carinhosas. Eu
estou chorando de alegria, por saber que tenho em minha vida uma pessoa tão
especial e incrível como pai. Estou chorando de raiva por saber que minha mãe
foi uma covarde e deixou todo o peso da responsabilidade para cima dele, que
por seu abandono e meu nascimento, Bento Sampaio, o lindo garoto de dezoito
anos, teve que abdicar de todos os seus sonhos e hoje faz de tudo o que estiver
ao seu alcance para realizar os meus. Sinto-me péssima por ter tido pressa em
terminar o jantar para finalmente me trancar no quarto e chorar por um homem
que não me considera especial, como o que me abraça neste exato momento.
Como me arrependo de estar contando cada minuto para me retirar. Tudo o que
quero agora é abraçar meu pai e esquecer que existe um mundo lá fora, um
mundo que não é perfeito e pessoas que não irão me colocar como prioridade,
que sequer se importam com o que sinto em meu coração. Eu não posso chorar
por essas pessoas. Eu não posso chorar por ele.
— Venha, querida — chama meu pai, afastando-se e me oferecendo sua
mão. — Quero mostrar sua surpresa.
Enxugo minhas lágrimas e franzo a testa.
Pensei que a surpresa fosse à notícia sobre a faculdade.
Levanto-me e meu pai me leva até a porta de meu quarto.
— Espero que goste. A vendedora me ajudou a escolher, porque sou
péssimo para assuntos de decoração.
— Ai meu Deus... — murmuro em expectativa.
Meu pai abre a porta do quarto lentamente e deslumbro-me ao perceber a
surpresa que ele preparou para mim. Cubro minha boca com as mãos, sem
acreditar.
— E então, gostou?
O quarto foi todo redecorado. Guarda-roupa, cama, penteadeira, criado-
mudo e até uma escrivaninha com computador, ocupam o ambiente. Em tons de
pérola, tão delicado e feminino. Tudo o que jamais sonhei, pois seria longe da
minha realidade.
— É perfeito — murmuro ao me recuperar da surpresa.
Pulo em meu pai, para um abraço. Beijo-o inúmeras vezes nas
bochechas.
— Você não deveria ter gastado tanto comigo, papai. Mas obrigada,
obrigada, obrigada!
— Pare de falar em dinheiro, mocinha. Eu trabalhei durante todos esses
anos para poder lhe dar uma boa vida. E agora que está aqui comigo, é isso que
pretendo fazer. Deixe-me mimá-la um pouco. Pode fazer este imenso favor, ao
seu velho pai?
Assinto.
— Velho? — Sorrio. — Claro que sim, você é o melhor. Já disse.
Abraçamo-nos uma última vez, papai insiste para que eu descanse e veja
se meu quarto está organizado do jeito que gosto. Abro meu guarda-roupa e fico
espantada ao ver que tudo está absolutamente organizado. Troco de roupa e visto
meu pijama, estou tão cansada e acabo deixando o banho para o dia seguinte.
Observo meu quarto mais uma vez. Caramba, papai passou boas horas deixando
tudo pronto. Nenhuma loja entrega, e monta móveis com tanta rapidez assim.
Vou ao banheiro e escovo os dentes, papai já se retirou para seu quarto.
Deito-me em minha cama nova, muito mais macia e confortável que o velho
colchonete. Abraço meu travesseiro e olho para o forro. Queria que ali fosse um
céu cheio de estrelas, para eu me perder na infinidade de astros reluzentes e
esquecer tudo que fere o meu coração.
— Deixe pra lá, Nora. Deixe pra lá tudo o que não te faz bem. Deixe o
Lucas pra lá.
Fecho os olhos e mentalizo o novo mantra, até pegar no sono:
Deixe o Lucas pra lá. Deixe o Lucas pra lá. Deixe o Lucas pra lá. Deixe
o Lucas pra lá...


Sei que tomei a decisão certa, que continuar um jogo de sedução com
uma garota como Nora poderia me meter em problemas. Mas saber disso não
quer dizer que consigo simplesmente esquecê-la, por isso aqui estou eu, sentado
no box do banheiro deixando a água morna cair sobre mim, refletindo sobre os
últimos dias e tentando descobrir qual o segredo dessa obsessão. Não é uma
beleza rara e magnífica, Nora é uma menina bonita e tem um lindo corpo, mas já
estive com mulheres muito mais gostosas do que ela. Seus olhos cor de mel me
chamam a atenção, seu cabelo castanho quando preso em um rabo de cavalo é
capaz de alimentar as fantasias mais depravadas e seus lábios são delicados, mas
capazes de me devorar com uma intensidade que jamais senti com qualquer
outra. Então, fica ainda mais complicado entender o que me envolveu nessa teia
de sedução. Fui eu quem tomou a iniciativa, fui eu quem jogou com as palavras
e a encurralou, fui eu quem deu o primeiro passo para a perdição. É por isso que
me sinto culpado. Se desde o início eu tivesse me mantido no controle, hoje eu
não estaria me sentindo tão mal.
Mas vai passar, sei que vai. Acho que é a ideia de não ter conseguido o
que tanto almejei assim que coloquei meus olhos sobre ela. Eu queria seu corpo
sob o meu, queria sugar seus mamilos com força, fazê-la gemer meu nome tão
alto que eu precisaria cobrir sua boca com uma das mãos, enquanto me
encaixaria perfeitamente entre suas pernas e me deliciaria com sua boceta
apertada.
Droga! Estou duro de novo.
Levanto-me assustado e desligo o chuveiro. Seco-me rapidamente e não
toco meu pau para não ceder ao impulso de me masturbar mais uma vez
pensando nela. Eu não vou sucumbir dessa vez.
Visto uma cueca e uma calça de moletom e deito-me na cama. Pego o
controle no criado-mudo e ligo o ar-condicionado, me enrolo em um edredom,
fecho meus olhos com força e lanço um desafio pessoal: Não abrir os olhos até
que o dia clareie.


Eu venci o desafio, não abri meus olhos até cair no sono. Mas não foi
fácil. Isso me deu confiança para levantar e seguir minha rotina, pois provei que
se eu me esforçar consigo exatamente o que quero. E agora eu quero tomar café
com meus amados pais e passar o resto do dia trabalhando em um novo motor
para competições. É quarta-feira e pretendo dormir no flat, talvez ligue para
alguma amiga e não passe a noite, sozinho. Preciso e vou retomar minha rotina.
Não é possível que em menos de uma semana, apenas por conhecer uma garota,
eu tenha me transformado em outro ser humano. Ainda sou Lucas Marinho,
semana que vem é meu aniversário e preciso focar em organizar minha festa e
deixar para lá qualquer coisa que me tire à razão.


Tenho um escritório no pavilhão da oficina. Não quis que fosse junto ao
administrativo, pois queria um toque pessoal em minha própria sala e quando
quisesse ficar sozinho para desenvolver meus projetos, um ambiente que me
deixa confortável ajuda muito.
Passei toda a parte da manhã, trancafiado dentro dele.
Sei que você deve estar imaginando coisas. Mas não, eu não estou
fugindo da Nora. O meu mundo não gira em torno dela, então pare de criar
ilusões a respeito disso e acredite quando digo que estou trabalhando em algo
novo e preciso de total concentração.
Meu celular toca. É o Daniel. Desde domingo, no LaLolla, não falo com
ele.
— Fala Daniel — Atendo, mantendo a naturalidade.
Não sou mulherzinha, não vou ficar de “mimimi” porque um amigo me
tirou do sério. As mulheres deviam aprender isso conosco. Eu ainda estou puto,
mas não vou fazer disso um roteiro de novela e me estender no assunto. Seria um
desgaste desnecessário.
— E aí, parceiro — diz animado. — Seu aniversário está chegando! Você
disse que fecharia o Alcapone’s especialmente para essa comemoração.
Sim, não foi uma pergunta. Daniel sabe de tudo isso, então ele está
divagando.
Aluguei o Alcapone’s para o sábado da próxima semana, meu aniversário
é no domingo, mas pretendo passá-lo com meus pais. A festa será para os amigos
com quem costumo ir a festas e antigos colegas da faculdade. Meus pais
conhecem o meu estilo e preferem — graças a Deus — não participarem dessa
ocasião.
— Você não me contou nenhuma novidade até agora, Daniel. Vá direto
ao ponto, por favor.
Ouço a gargalhada dele, acabo por sorrir também.
— Sempre tão sútil, Lucas! Quero saber se eu posso levar algumas
meninas.
— Claro que sim. Você sabe exatamente do que gosto em minhas festas
de aniversário.
— Beleza, então. Eu só queria confirmar, sabe como é.
— É eu sei.
— Você falou com o Caio? Ele não atende minhas ligações.
— Ele está resolvendo uma encrenca.
— Está certo. Até mais.
— Até.
Finalizo a ligação e retomo meu trabalho.


O expediente chega ao fim e me preparo para fechar a oficina. Ramona
está de saída, meu pai ainda se encontra no escritório, e Nora saiu no horário
determinado para que pegasse o ônibus para casa. Os funcionários terminam de
arrumar tudo no lugar e se despedem uns dos outros.
— Até amanhã, Lucas.
— Até amanhã, Ramona.
Vou até a mesa de meu pai e me sento em uma cadeira, ficando de frente
para ele. Meu pai para imediatamente de checar os papéis nos quais estava
atento, e me olha com expectativa.
— O que foi? — pergunto, sem entender nada.
Meu pai tira os óculos e passa as mãos pelo rosto.
— Eu é que te pergunto, filho. O que foi?
Franzo a testa.
— Como assim?
— O que aconteceu entre você e a Nora? — Vai direto ao ponto.
—Nada.
Ele anui.
— Nada — repete. — Tem certeza? Porque na segunda-feira ficou
combinado que você daria carona para a menina, ontem ela inventou mil
justificativas para vir de ônibus, hoje você se enfiou no escritório durante todo o
expediente, nem vestiu seu macacão para trabalhar. A menina esteve cabisbaixa
o dia inteiro. Então, não pense que acredito quando me diz que nada aconteceu,
Lucas.
Engulo em seco.
— O senhor quer me dizer, exatamente, o que está pensando?
— Eu prefiro não tirar conclusões, tenho um filho adulto e responsável e
sei que ele irá me dizer, exatamente, que porra aconteceu.
Aí está meu pai. Só para você saber, ele é a melhor pessoa do mundo.
Mas não é otário, e não gosta que ninguém o trate como se ele fosse um. Muito
menos seu próprio filho. Se você pensou que estive o dia todo isolado por causa
da Nora, agora você sabe realmente, por causa de quem eu evitei subir nesse
escritório.
— Não consigo dizer. — Sou sincero.
Estou envergonhado, abaixo minha cabeça para não ter que encarar meu
pai.
— Você não fez...
— Foi só um beijo! — interrompo antes que ele faça a pergunta em voz
alta. — Dois beijos. Droga!
Meu pai se levanta abruptamente e me encara furioso.
— Não acredito que teve coragem de abusar daquela menina! — gritou.
Levanto-me rapidamente, assustado com a irritação do meu pai e com a
possibilidade de ele estar pensando o pior de mim.
— Eu não fiz! — grito de volta, desesperado. Meu pai precisa acreditar
em mim. — Não abusei da garota, pelo amor de Deus, pai! O senhor me
conhece.
— Conheço mesmo? — debocha. — Acho que não bem o bastante.
— Eu não forcei a Nora. Nós sentimos uma atração mútua, a iniciativa
partiu de mim, mas em nenhum momento eu a obriguei, simplesmente
aconteceu. Sinto muito.
Meu pai se senta novamente, apoia os cotovelos na mesa e cobre o rosto
com as mãos.
— Você tem inúmeras mulheres aos seus pés. Porra, Lucas! Ela é menor
de idade!
Fecho meus olhos com força, como se tivesse acabado de levar uma
bofetada de meu pai.
— E não apenas a questão da idade, ela é filha do Bento, nosso
colaborador há anos. Tem noção da merda que fez?
Assinto ainda de olhos fechados.
— Bento confiou em nós, permitiu que Nora trabalhasse em um local
cheio de homens. Permitiu que ela pegasse carona com você.
— Eu sei, pai.
— Então por que não controlou seus hormônios?
Abro meus olhos e encaro meu pai. Vejo a decepção em sua expressão e
isso me parte o coração. Sempre fui motivo de orgulho para ele e minha mãe.
Mesmo sabendo da fama que tenho com as mulheres, nunca os decepcionei.
Nem mesmo quando Babi rompeu o noivado comigo ao descobrir minhas
traições.
Mas agora, eu percebo que ultrapassei um limite.
O que posso fazer para consertar isso?
— Eu não consigo.
— Que porra você está dizendo, Lucas?
Minha vez de passar as mãos pelo meu rosto.
Se há uma pessoa no mundo que merece minha total honestidade, é meu
pai.
— Não consigo tirar ela da minha cabeça.
— É claro que consegue. Você é um homem adulto, dono das suas
vontades. — Diz com severidade.
— Não quando se trata dela, pai. Eu acho que estou ficando louco —
assumo. — Não consigo explicar o que é, mas desde que vi Nora pela primeira
vez, ela não sai da minha cabeça. Acha que não sei o quanto isso é errado? Não é
como se eu tivesse uma escolha, quero dizer, sei que tenho e fiz o que é certo.
Mas me manter afastado não significa que ela saiu da minha mente. — Aponto
com o dedo para minha cabeça. — Ela está aqui, o tempo todo. Contra a minha
vontade. Então, acho que é ela quem está abusando de mim e não o contrário.
Ouço meu pai suspirar.
— Não acredito no que acabei de ouvir. Isso é insano, meu filho.
— Eu sei. Droga! Eu sei! Na verdade, eu não sei. Estou confuso pra
caralho.
— Não filho. Você está se apaixonando.




Ouvir o pai dizer que ele estava se apaixonando por Nora, fez Lucas
hiperventilar.
Não podia ser.
Apaixonado?
— Lucas, respire! — gritou o pai, preocupado. — Não vá ter um ataque
de pânico, rapaz! Não é como se você fosse um ser humano sem coração. Era
esperado que um dia fosse se apaixonar por alguém. Acho até que demorou
bastante.
Ele forçou-se a respirar no ritmo adequado. Sua boca seca estava
adormecendo.
— Ela é só uma menina — disse com esforço.
— Não se escolhe por quem se apaixona. Acontece de uma hora para
outra. De repente, você é fisgado e não consegue mais viver sem aquela pessoa.
Lucas encarou o pai e espantou-se ao vê-lo sorrindo. Havia acabado de
levar uma bronca por ter se envolvido com Nora, mas agora o pai lhe encarava
de modo divertido, como se zombasse do fato dele supostamente estar
apaixonado por alguém. Por Nora Sampaio.
— Eu não estou apaixonado, pai. Consigo perfeitamente viver sem a
Nora — disse ele, tentando acreditar nas próprias palavras. — É apenas um tipo
de obsessão maluca.
Alfredo desfez o sorriso e olhou para seu filho com seriedade. Lucas
estava apaixonado pela garota, mas recusava-se a enxergar a verdade estampada
em sua face, sempre que a mencionava. O que não era uma coisa boa, já havia
empecilho o bastante para que ele e a menina se envolvessem. Se o filho
declarasse confiantemente que amava Nora, Alfredo como pai o apoiaria
incondicionalmente, pois sabia que Lucas honraria um relacionamento baseado
em amor. Mas a insegurança e o medo nos olhos do seu único filho o deixavam
hesitante. Não podia confiar que o julgamento de Lucas seria coerente. O filho
estava confuso, seus sentimentos pareciam bastante contraditórios, o que não era
seguro, concluiu Alfredo. Precisava intervir antes que algo ruim acontecesse,
fosse para Lucas ou para Nora.
— Você irá para a Alemanha — disse a Lucas, com veemência.
Lucas recuperou seu autocontrole instantaneamente.
— Tá de brincadeira?
— Não quero você perto dela, não enquanto se comportar como um
adolescente.
— Eu não tenho mais catorze anos, pai. Não saí de carro escondido com
uma garota do ginásio. Cometi um erro e estou ciente disso, não vai tornar a
acontecer. Você não precisa me castigar.
Alfredo levantou-se e se aproximou do filho.
— Ela faz dezoito anos em dois meses, lembro-me de Ramona comentar
comigo quando digitalizou as cópias dos documentos dela para o contrato de
experiência. Você vai para a Alemanha e só volta depois que Nora for
legalmente maior de idade.
A risada de Lucas saiu sem que pudesse controlar. Não estava achando
engraçado, mas preferiu rir para não ceder ao impulso de jogar algum objeto na
parede. Estava irritado, furioso. O que seu pai estava pensando quando decidiu
mandá-lo para a Europa?
— Isso não faz sentido, pai — argumentou. — O senhor tem medo que
eu faça mal a ela? Não sou a porra de um estuprador!
— Lucas! — gritou Alfredo. — Veja bem como fala comigo, rapaz! Está
decidido. Planejei seu presente de aniversário há meses, irá conhecer algumas
empresas do Grupo Volkswagen. Especificamente Audi, Bentley, Ducati,
Lamborghini e sua idolatrada Porsche. Ficará longe de Nora e pensará com
clareza nos seus sentimentos e quando voltar, se ainda sentir algo por ela, eu
apoio você. Se for a porra de uma obsessão, ficar longe é o mais seguro. Para ela
e para você. Não acredito que queira fazer mal a garota, filho. Eu confio no seu
caráter. Só não quero que magoe essa menina e faça algo que possa se
arrepender depois. Você não percebe, mas está transtornado e isso pode te cegar.
— Não sou um descontrolado, o senhor está exagerando, pai. Pelo amor
de Deus! Não consigo acreditar nisso, meu próprio pai duvidando de mim. Isso é
uma grande merda!
Lucas estava chateado com Alfredo. O pai estava sendo protetor ao
extremo, tomando medidas de precaução, que para Lucas eram desnecessárias.
Assumia que sentia uma forte atração pela garota, mas nada a ponto de não se
conter e acabar ultrapassando um caminho sem volta. Seu desejo não beirava a
insanidade, era dono de suas faculdades mentais. O que sentia por Nora não era
uma perversão pelo fato da garota ser jovem demais. Simplesmente aconteceu.
Desde que a viu, algo nele havia mudado. Ela foi a primeira garota que chamou
sua atenção. Sempre gostou de mulheres mais desenvolvidas e experientes,
principalmente por gostar de sexo sem compromisso, mulheres mais novas se
apegavam com facilidade e Lucas costumava fugir delas como o diabo fugia da
cruz. Mas Nora foi a exceção à regra, totalmente imprevisível. Não sabia
explicar, era raro, improvável e imprudente. Porém, acima de qualquer coisa, era
o sentimento mais real que já havia sentido, e recusava-se a assumir que o que
sentia, era doentio ou de certa forma, perigoso.
Será que ele seria capaz de fazer mal a ela?
Não, sabia que não seria capaz.
Gostava muito de Nora, queria seu bem. Odiava vê-la chateada, por isso
sempre que agia como um babaca ele se sentia péssimo. Jamais faria algo que a
machucasse, não intencionalmente.
— Veja lá como fala comigo, rapaz — ralhou Alfredo. — Eu sou o seu
pai, não os seus amiguinhos de farra. A viagem estava planejada, era uma
surpresa para o seu aniversário. Não duraria tanto tempo, mas você pode
aproveitar e ficar lá mais algumas semanas. Esfrie a cabeça, recupere o seu
equilíbrio emocional. Tire um tempo para você e descubra o que de fato sente
por ela. É só o que te peço, Lucas. Não vou te obrigar, mas quero que pense no
assunto e por fim, decida o que achar melhor. Mas se ficar aqui, quero você
longe dela e me certificarei disso.
Lucas arqueou as sobrancelhas.
— Exatamente como, você pretende me manter longe dela?
— Eu mando essa menina para fora do país.
— Você não disse o que eu acho que ouvi você dizer. — A voz de Lucas
soou decepcionada.
Alfredo sabia que estava tomando medidas extremas, não era uma
situação tão grave. O filho estava apaixonado, apenas não reconhecia o fato. Mas
preferia pecar pelo excesso de zelo a tentar amenizar o estrago depois de feito.
— Ou você vai para a Alemanha e fica por lá até Nora completar a
maioridade, ou ofereço a ela uma bolsa de estudos em uma universidade fora do
país. A escolha é sua. Dois meses, contra quatro ou cinco anos.
Lucas fechou os olhos com força, sentiu que as lágrimas cairiam sem que
pudesse controlá-las. Nunca chorou na frente do pai, a não ser quando seu
amado avô falecera, e ele era apenas um adolescente. Não pensou que ao revelar
sua atração por Nora, estaria assinando uma sentença de punição. Jamais
desrespeitou seu pai e jamais o faria. Por este motivo, nem sequer pensou duas
vezes antes de tomar sua decisão.
— Irei para a Alemanha com uma condição. Viajo no domingo à noite.
Planejei uma festa com meus amigos e nunca passei um aniversário longe do
senhor e da mamãe, não vou quebrar essa tradição. Eu fico aqui mais uma
semana e depois vou embora.
Alfredo sentiu-se culpado por estar pressionando o filho a tomar uma
decisão tão difícil. Mas não voltaria atrás. Sabia que estava fazendo aquilo pelo
bem de Lucas, quem sabe no futuro o filho lhe agradecesse a intervenção.
— Não estou mandando você embora, filho. É apenas uma viagem de
férias — justificou-se, tentando amenizar o clima entre eles.
Mas Lucas estava realmente magoado com o pai, não conseguia evitar o
olhar de decepção.
— Não é uma viagem de férias. É um exílio.


Quando Sabrina acordou na manhã seguinte, Caio estava deitado ao seu
lado na cama de solteiro. Virou-se para ficar de frente para ele e observá-lo
enquanto dormia. Caio era tão bonito, adorava quando ele deixava a barba por
fazer, era desleixado e ao mesmo tempo sensual. Seu cabelo castanho claro,
quase em um tom de loiro, era uniforme a cor da barba. Combinado ao azul
desbotado de seus olhos, a pele clara com um leve bronzeado o esculpia
beirando a perfeição. Acariciou sua face, sentindo a barba arranhar suavemente
seus dedos. Dormindo ele parecia tão tranquilo. Poderia passar o dia inteiro ali,
admirando-o.
O amou desde a primeira vez que o viu. Ele sempre teve carisma com as
mulheres. A aparência ajudava muito, mas Caio tinha lábia e sabia envolver.
Usava suas armas de sedução para conseguir o que desejava. Quem desejava. E
quando ele desejou Sabrina, ela não teve para onde fugir.
Foram dois longos anos e agora estavam ali, deitados lado a lado. E não
apenas isso, seriam pais. Ele disse que a amava. Apesar de estar morrendo de
medo, ela acreditou.
Sentia-se magoada ainda, Caio não aceitou bem a notícia no início e
despertou em Sabrina um desespero descomunal. Era jovem demais para ser
mãe, não sabia se conseguiria passar por isso sem o apoio dele. Eulália criou
Sabrina sozinha, a menina tinha apenas dez anos quando perdera o pai em um
acidente automobilístico. Desde então, Eulália cuidou da filha e gerenciou o
Alcapone’s com mãos de ferro. Sabrina espelhava-se na própria mãe, pois queria
que seu bebê fosse protegido e se sentisse amado, mesmo que o pai não estivesse
presente, assim como ela própria nunca se sentiu desamparada, pois a mãe esteve
com ela em todos os momentos de sua vida, inclusive nas fases que derramou
lágrimas pelo amor não correspondido que sentia por Caio. Mas agora ele a
correspondia. E no momento em que ela mais precisava dele.
Poderia ser orgulhosa e mandá-lo embora. Poderia ter gritado com ele e
jogado em cima dele todas as frustrações acumuladas durante anos, mas estava
cansada daquele jogo. Estava disposta a esquecê-lo de uma vez por todas e focar
sua atenção no bebê, mas então, Caio reapareceu e deixou claro o quanto se
sentia preparado para encarar tudo por ela e o filho que esperavam. Conhecia seu
passado, sabia dos erros que ela cometera, tinha participação em alguns deles
também. E não a julgou. Perdoaram-se em silêncio, mas fizeram questão de
afirmarem em voz alta o quanto estavam dispostos a fazer o relacionamento dar
certo dali em diante. Queriam ser felizes e lutariam juntos para alcançar a
felicidade tão desejada. Ela estava em paz agora, finalmente sua vida estava indo
para uma direção certa. Sentia que sim e não importava o que os outros
pensassem desde que Caio estivesse ao seu lado para apoiá-la.
Ele sorriu ainda de olhos fechados.
— Estou acordado — revelou em tom brincalhão.
— Está? Pois não parece.
— Mas estou, tem quase trinta minutos e você não para de me olhar.
— Você está de olhos fechados, não sabe o que está dizendo.
— Sinto seus olhos sobre mim, eles são quentes. É como se emitisse
raios solares em minha direção.
Ela beijou-lhe o rosto e ele finalmente abriu os olhos.
— Bom dia — murmurou Sabrina.
— Bom dia.
— Você não deveria estar no trabalho? — perguntou ela. — Quero dizer,
são nove horas da manhã de uma quarta-feira. Seus pais sabem que não dormiu
em casa?
Caio sentou-se na cama, apenas para se posicionar em cima de Sabrina.
Ajeitou-a de costas para o colchão e levantou os braços dela para cima da
cabeça, prendendo-os com uma única mão. A outra iniciou uma leve carícia pela
lateral do corpo da garota, deixando-a arrepiada de excitação. Fitaram-se
intensamente, tentando desvendar a alma um do outro. Finalmente haviam se
permitido sentir o amor sem barreiras, deixando-se levar pelo puro e simples
desejo de estarem juntos. Aquilo era raro, pensou Caio. De todas as maneiras
que imaginou o seu final feliz, aquele era muito mais real e perfeito.
— Você é minha prioridade agora — disse sem pestanejar. — Quero ver
meu filho, podemos agendar uma ultrassonografia?
Ela sorriu e ele segurou-se para não a beijar, um beijo levaria a outras
coisas e ele estava mesmo ansioso para saber do bebê.
— Fiz isso na semana passada, mas posso agendar outra consulta.
— Você foi sem mim? — perguntou chateado.
— Desculpe, Caio. Mas eu precisava saber se estava tudo bem com o
meu filho, e ainda não tinha coragem para te contar.
— Nosso filho, Sá. Perdoe-me por ter sido um babaca prepotente,
prometo que a partir de agora, tudo o que diz respeito a você e a essa criança, é o
que mais me importa. Basta me ligar e eu paro tudo o que estiver fazendo. Eu
Juro.
— Caio, eu entendo que você tem as suas responsabilidades.
— Nosso filho é minha responsabilidade.
— Eu sei que se sente culpado pela maneira como agiu comigo. Mas não
pode compensar isso me sufocando. Nós temos nossas vidas independentes,
entendo que você tem um trabalho e compromissos do qual não faço parte. Não
estou exigindo que pare sua vida, e viva exclusivamente em função de mim e do
bebê. Mas quero ter a certeza de que posso confiar em você, que esse amor que
diz sentir por mim é real e que no momento em que eu precisar, me prove, esteja
lá para mim. É isso o que mais preciso.
Caio pensou em cada palavra que Sabrina lhe disse. Ele estava sentado
sobre as pernas dela e ainda a mantinha presa. Observou o cabelo loiro da garota
esparramado pelo travesseiro, era longo e ondulado, estava um pouco
embaraçado, mas para ele era incrível. Os olhos castanhos tinham um brilho
especial e quando ela sorria, as covinhas se formavam em sua bochecha. O que
sempre o atraiu em Sabrina foi seu jeito moleca e livre de ser, e agora a queria
somente para si. Sua moleca. Sua garota.
— Não sei como eu demorei a enxergar o quanto amo você...
Os olhos dela marejaram, os hormônios estavam à flor da pele, desde que
descobrira a gravidez. Sabrina chorava por qualquer coisa, mas para sua alegria,
o choro agora era de felicidade. Permitiu-se chorar, porque não conseguiria
mesmo se conter.
— Eu vou estar sempre aqui para você, Sá. Não chora, por favor.
Mas seu pedido não foi acatado. A garota debulhou-se em lágrimas.
Angustiado, Caio soltou-lhe os braços e abaixou-se para perto dela, procurando
seus lábios trêmulos a fim de tranquilizá-la com um beijo. Desta vez funcionou.
Caio exercia certo magnetismo sobre Sabrina, tê-lo tão perto, sentir seu
toque, seu cheiro, era inebriante e nunca conseguia resistir. Ele a abraçou e
aprofundou o beijo, logo estavam trocando carícias, retirando as peças de roupa
que os impediam de um contato mais íntimo.
— Você me deixa tão duro, Sá...
Ambos estavam nus e Caio estava pronto para ela, mas queria mostrar a
Sabrina o quanto a garota era especial e suas necessidades vinham antes das
dele. Sabia o quanto ela gostava das preliminares, então lhe sugou um dos
mamilos, a mão direita desceu para sua boceta e ele não se fez de rogado,
penetrou dois dedos dentro dela, massageando aquele lugarzinho especial que a
deixava nas nuvens. Sabrina estava enlouquecida de tesão, Caio era tão bom com
as mãos, era impossível conter o seu quadril no colchão, impulsionava-o contra a
mão dele buscando por mais e mais prazer. A sensação deliciosa a cada investida
profunda que Caio lhe proporcionava deixou-lhe delirante, ela gemia palavras
desconexas enquanto sentia os dentes de Caio roçando seu mamilo eriçado. O
orgasmo veio com tudo, sem que ela pudesse se preparar para conter-se e fazê-lo
durar mais. Chamou por ele, puxando-lhe o cabelo com força enquanto se
libertava. O sexo com Caio era maravilhoso, no ato ou na masturbação que o
precedia, ele sabia exatamente como deixar Sabrina ansiosa por mais. E agora
sim ela estava pronta para recebê-lo dentro dela.
— Adoro ver você gozar, Sá. Parece uma gatinha manhosa.
— Caio...
— Eu sei amor, já estou indo.
Quando finalmente entrou nela, ambos esqueceram completamente do
mundo fora daquele quarto. Sempre que possuíam um ao outro, Sabrina e Caio
deixavam-se envolver por completo. Engraçado como demoraram tanto tempo
para perceber que só se sentiam assim, quando estavam juntos. Ele não se dava
conta de que era o corpo dela que o saciava por completo, procurou em muitas
outras, mas nunca encontrou a essência daquilo que apenas Sabrina era capaz de
lhe proporcionar. Já a garota não se dava conta que ninguém poderia substituí-lo,
porque desde o início fora dele e a partir de então, não seria de mais ninguém.
Sabrina atingiu o orgasmo novamente, desta vez ainda mais intenso.
Logo depois foi a vez de ele chegar ao clímax. Os corpos suados, entrelaçados
na cama de solteiro, a respiração entrecortada, a sensação de alívio e acima de
tudo, satisfação por estarem novamente juntos.
Caio abraçou Sabrina, beijou seu cabelo e movimentou-se para ficar por
cima dela como havia feito logo que acordou naquela manhã.
— Não consigo mais me imaginar acordando sem você ao meu lado. —
Confessou ele com a voz embargada. Estava emocionado, não reconhecia a si
mesmo, mas estava orgulhoso de ter finalmente aceitado a sua verdade. Queria
Sabrina com todas as suas forças. — Case comigo, Sá. Seja minha mulher e fica
comigo para sempre.
Novamente, pensou Sabrina, o destino estava recompensando-a por todo
o tempo que passou sofrendo por aquele homem. Finalmente Caio havia caído
em si, não era mais um garotão irresponsável que só queria curtir sem pensar em
ter um relacionamento sério.
Ela podia tentar lhe pregar uma lição? Poderia, mas seria hipócrita.
Ver o homem diante de si se declarando, confessando seu amor e pedindo
que fosse sua companheira para o resto da vida, fazendo exatamente tudo o que
ela sempre sonhou desde que se entregara a ele pela primeira vez. E dizer não?
Para quê? Para estender ainda mais o sofrimento de ambas as partes?
Sabrina não era tão boba a este ponto.
Não chutaria sua felicidade para escanteio por causa de orgulho besta.
Na vida, às vezes, temos que pensar e repensar o que realmente vale a
pena. Ela queria ter uma família ao lado do homem que amava, queria um futuro
feliz e para que isso fosse possível, o passado deveria ficar exatamente onde
estava: lá atrás!
— Eu caso.
E esse seria o recomeço.


Não vejo Lucas há dois dias. É sexta-feira e o expediente na oficina está
quase terminando. Meu pai ficou de vir me buscar para irmos juntos na
universidade. Resolvi ficar até às seis horas, pois como não pegarei ônibus, não
acho necessário sair mais cedo.
Estou cada dia mais acostumada com a rotina da oficina, Ramona está
muito contente pela ajuda que vem recebendo, e até o senhor Alfredo tem me
elogiado. Não sei se o desaparecimento de Lucas tem a ver com nossa última
conversa, mas tento não pensar no assunto embora muitas vezes a lembrança
daquele sorriso sem vergonha, e seus olhos azuis especuladores surgem em
minha mente espontaneamente.
Sabrina me ligou na quinta-feira para contar como ela e Caio haviam
feito as pazes, e que ele a pediu em casamento e ela aceitou. Fiquei feliz por
eles, mesmo que tenha me desentendido com Caio, só o fiz pelo bem de Sabrina.
Finalmente ele tomou juízo e percebeu que estava prestes a cometer uma grande
idiotice. Jogar a felicidade fora e agir como se nada importasse além de si
mesmo, faria Caio se arrepender mais tarde, mas ele foi esperto e soube reverter
à situação. Torço muito pela felicidade do casal e espero de coração que ele não
tenha guardado mágoa de mim. Combinei com ela de passar hoje à noite no
Alcapone’s para conversarmos pessoalmente, como meu pai é cliente do bar, uni
o útil ao agradável e combinei com ele para irmos juntos.
O senhor Alfredo organiza sua mesa e levanta-se, despedindo-se de
Ramona e de mim, ele vai embora logo em seguida. Olho no relógio e faltam
cinco minutos para às seis horas.
— Você pode ir, Nora — dispensa-me Ramona.
Sorrio para ela e termino de guardar alguns papéis dentro da gaveta de
arquivo.
— Tenha um bom fim de semana, Ramona.
Desço a escada e caminho até a sala de recreação, onde ficam os
armários dos funcionários, para pegar minha bolsa. Cumprimento alguns
mecânicos que passam por mim, indo em direção à saída do pavilhão. Sinto-me
envergonhada na frente de tantos homens, mas eles em momento algum me
fazem sentir desconfortável, pelo contrário, são gentis e bastante respeitosos.
Entro na sala e abro o armário que foi designado para mim, ouço alguém
se aproximar e viro-me em direção a porta. É o Ivan, o mecânico novato, ainda
em período de experiência. Ele é muito legal, conversamos hoje por alguns
minutos durante o horário de almoço. Certo, ele não é apenas legal, mas bonito
também. O cabelo castanho escuro é cumprido, e ele geralmente usa um elástico
para prendê-lo atrás do pescoço, mas agora está solto. Ele usa um cavanhaque
desenhado de um jeito moderninho. É magro e um pouco mais alto que eu, a
pele bronzeada e os olhos pretos parecem duas jabuticabas maduras, seu sorriso
é simpático e ele parece ser o tipo de carinha que faz amizade com todos a sua
volta. Sim, eu sei.
Acho que reparei demais nas características do garoto.
— Oi, Nora — cumprimenta-me.
Sorrio e aceno um oi com a mão.
Reparo que Ivan está limpo, e sem o macacão, uniforme da oficina.
— Ei! — digo, envergonhada.
Estamos sozinhos na sala de recreação. Ivan abre seu armário e tira uma
mochila com estampa camuflada, estilo uniforme de exército.
— Hora de ir para faculdade — comenta, decifrando meu olhar curioso
em sua direção.
— Qual curso você faz? — pergunto interessada. Pego minha bolsa e em
seguida tranco meu armário com o cadeado. Caminho para a porta e Ivan me
acompanha, andamos lentamente em direção à saída do pavilhão.
— Engenharia mecânica.
— Legal, estou ansiosa para voltar a estudar. Terminei o ensino médio
ano passado, mas ainda não iniciei o superior. Meu pai vem me buscar hoje para
que eu conheça as dependências da universidade.
— A estrutura é ótima, os professores são excelentes. Você vai adorar. E
quando começar, me avisa, posso ser o seu guia até você se adaptar. Conheço
aquela universidade como a palma da minha mão.
Sorrio contente por ele ter se oferecido.
— Valeu Ivan. Pode ter certeza que vou me lembrar dessa oferta!
— Bem, eu tenho que ir. Não quero chegar atrasado. Tenha um bom fim
de semana, Nora.
Sem que eu tenha tempo para desviar, Ivan se aproxima rapidamente e
estala um beijo rápido em meu roso, afastando-se e indo em direção ao centro da
cidade.
— Posso saber que oferta é essa?
Dou um pulo ao ouvir a voz de Lucas atrás de mim. Viro-me e o encaro,
sem saber o que dizer. Ele parece tão diferente do que estou acostumada a ver.
Está apático. Franzo a testa e dou um passo para trás, para manter uma distância
segura.
— Não é da sua conta — retruco.
Lucas coloca a mão na cintura e gesticula a cabeça em um sim.
— É da minha conta quando se trata de dois dos meus funcionários,
conversando no ambiente de trabalho.
Reviro os olhos. Ele só pode estar de brincadeira.
Que cara chato!
— O expediente terminou e nós estamos do lado de fora da oficina,
Lucas. E não estávamos conversando sobre trabalho, então não é da sua conta.
Ele abre a boca para dizer alguma coisa, mas desiste. Balança a cabeça
em negativa e passa as costas da mão direita na testa, secando o suor.
— Tanto faz... — resmunga. — É melhor que eu não saiba, mesmo.
Dou de ombros.
— Finalmente concordamos em algo.
O silêncio paira sobre nós, mas continuamos nos olhando intensamente.
— Se eu fosse embora por um tempo, você sentiria a minha falta? —
perguntou Lucas, parecendo ansioso pela minha resposta.
Sou pega desprevenida, não sei o que dizer.
Eu sentiria a sua falta?
Não é como se ele fosse importante para mim.
— Eu não sei — murmuro confusa.
Ele anui em silêncio.
— Tudo bem, não é como se eu me importasse com a sua resposta.
Esquece isso.
Sinto uma pontada em meu coração, como se fosse um alarme para algo
que eu estava deixando passar despercebido.
Por que essa pergunta me incomodou tanto?
Lucas chacoalha um molho de chaves na mão e sem dizer nada, passa por
mim e vai em direção ao seu carro. Ouço o alarme ser destravado e viro-me para
observá-lo se sentar no banco do motorista.
— Lucas! — chamo em voz alta, sem conseguir me conter.
Foi um gesto incontrolável. Ele olha em minha direção.
— Eu sentiria sim — digo, com a voz engasgada.
O que eu estou fazendo? Por que eu disse isso?
Tarde demais, as palavras foram ditas e eu não posso simplesmente
recolhê-las de volta.
Eu não devia ter dito isso.
Droga!
Lucas dá à partida no carro e vai embora.
Às vezes, nem eu me entendo!


Eu não quero ir para a Alemanha, me afastar e não ter a oportunidade de
pelo menos vê-la de longe. Mas está difícil lidar com essa miríade de
sentimentos conflitantes dentro de mim.
Reconheço minha loucura.
É oficial: Estou louco.
Se você me conhecesse há sete dias, numa sexta-feira comum como
qualquer outra, eu estaria animado por ter encerrado o expediente e pronto para
ir ao meu flat, beber uma dose de uísque puro, sem gelo, e descansar para mais
tarde ir até a La Lola encontrar meus amigos e uma foda em potencial. Sim, eu
penso bastante com a cabeça de baixo. Sou jovem, solteiro e tenho um apetite
sexual que precisa ser saciado. Qual é o problema nisso?
Mas em alguns dias, tudo virou de pernas para o ar. Minha mente só
pensa em uma garota, meu pau só levanta por uma garota, minha vida está
mudando por causa de uma garota.
Nora Sampaio, sua bruxinha.
Vê-la tão descontraída conversando com Ivan me deixou puto. O rapaz é
gente boa, mas odiei vê-los tão próximos. Nora é linda e Ivan é jovem, eles
poderiam se entender e...
Não, eu não vou pensar nessa merda!
Não sei o que deu em mim para perguntar se ela sentiria minha falta, nós
mal nos conhecemos, por que ela sentiria? Mas então sua resposta indiferente me
fez perceber que talvez eu esteja muito mais envolvido do que pretendo admitir,
e que ela pode não se sentir da mesma forma. Não quero que esta atração seja
unilateral. Não quero que ela ceda por se sentir pressionada, coagida de alguma
maneira. Sei que posso ser persuasivo, que Nora já confessou sentir atração por
mim, mas não acredito que seja saudável para nenhum de nós que esse jogo de
quero e não quero, continue.
E é por isso que desisto de dizer qualquer coisa da qual posso me
arrepender, e vou para meu carro. Na verdade, já me arrependi de dizer a ela que
sua resposta não me importava. Tudo sobre ela me importa. Destravo o alarme e
me acomodo no banco do motorista, coloco o cinto de segurança antes de
encaixar a chave na ignição.
— Lucas!
Ouço Nora me chamar e meu coração dispara, olho para ela.
— Eu sentiria sim.
Ouvi-la dizer que vai sentir minha falta, mesmo que ela pense que tenha
sido uma pergunta hipotética, faz meu coração bater mais forte. Eu sei que algo
em mim está mudando, e essa constatação está me assustando e ao mesmo tempo
me dando forças para fazer as coisas do jeito certo. Então, ao invés de ir até ela e
novamente agir por impulso, penso primeiramente com a razão e não digo nada,
dou a partida no carro e saio.
Dirijo até meu flat, estaciono o carro em minha garagem privativa e subo.
Assim que entro, preparo uma dose de uísque e bebo em um gole só. Pego a
garrafa e deixo o copo em cima do frigobar. Vou até minha cama e me sento,
segurando a garrafa em uma mão e o controle remoto com a outra. Só preciso me
distrair com qualquer merda que esteja passando na televisão, não presto atenção
ao canal, nem ao programa, só deixo que as vozes entrem em minha cabeça e
sufoquem o eco que sussurra, torturando-me:
Eu sentiria sim. Eu sentiria sim. Eu sentiria sim. Eu sentiria sim. Eu
sentiria sim. Eu sentiria sim.
Mais um gole e as vozes na cabeça. Outro gole e troco de canal, mais
vozes na cabeça. Mais um gole, e outro, e só mais um.
Engraçado, eu me sinto leve agora. Deito-me e continuo abraçado a
garrafa de uísque. Sei que preciso de um banho, mas não quero (leia-se não
consigo) me levantar agora. Levanto minha cabeça e tomo mais um gole. As
vozes já parecem distorcidas aos meus ouvidos. O eco que me perturbava
desaparece e sinto que estou em paz agora.
Desde a conversa que tive com meu pai, estou dormindo aqui no flat.
Tenho ligado para minha mãe todos os dias, inventei desculpas e me senti mal
por ter mentido, mas grato porque papai não contou nada a ela sobre meu
envolvimento passageiro com Nora, e a decisão de me mandar para a Alemanha
por dois meses. Do jeito que a minha mãe é antiquada, ia querer que eu me
casasse com a garota. Já não basta meu pai me mandando para o outro lado do
mundo, tudo o que não preciso é minha mãe me empurrando para o altar de uma
igreja vestindo um fraque ridículo.
Abro meus olhos, droga! Tudo está girando, talvez se eu tomar mais um
gole as paredes param de rodar. Desisto, coloco a garrafa quase vazia no chão e
deito-me novamente. Fecho meus olhos e a escuridão toma conta.


Perco a noção do tempo de quanto tempo eu dormi, abro os olhos e está
tudo escuro. Nem me dei conta que as luzes estavam apagadas quando cheguei e
apenas a iluminação da janela de vidro clareava o ambiente. Ouço batidas na
porta, alguém insistente está querendo entrar.
— Já vou! — Grito.
Em um impulso, levanto-me da cama e sinto meu estômago embrulhar.
Caminho até a porta e abro, sem olhar no “olho mágico”.
— Você está um lixo!
Sorrio debochado. É o Caio.
— Fala a “merdinha” que há dois dias estava na mesma situação.
Caio entra e fecha a porta atrás de si, fazendo-me um imenso favor. Volto
a sentar na cama.
— Mas agora eu sou um homem comprometido com a mulher que ama e
vou ser pai. Estou ótimo, caso queira saber.
— Como é que é? — grito. — Ai! Minha cabeça dói...
— Pedi a Sabrina em casamento, ela aceitou. Então é isso, vamos nos
casar em três meses.
— Dá para voltar a fita? — ironizo. — Perdi um detalhe importante do
filme. Aquela em que você me conta que sonhou que pediu a Sabrina em
casamento e que no sonho iam se casar em três meses. Volte lá, eu só quero
confirmar a parte do sonho.
Caio me encara irritado e eu levanto minhas mãos ao alto. Ele se senta ao
meu lado.
— Você está bêbado — acusa-me.
Dou de ombros, sentindo minha a cabeça explodir.
— Talvez.
— Está fedendo a uísque.
— Quer me dar banho? — revido com rispidez.
Porra! Eu sei que bebi, sei que preciso tomar um banho e sei que Caio
não é a minha mãe para ficar me dando sermão ou lição de moral.
— Man, baixa a guarda — diz Caio. — Só estou dizendo o óbvio. O que
foi que aconteceu para você beber desse jeito, em casa?
Respiro fundo, desanimado. O Caio tem razão, estou sendo um imbecil.
— Meu pai sabe que estou apaixonado pela Nora — digo da boca para
fora. Percebo a merda que acabo de dizer ao meu melhor amigo e balanço a
cabeça, tentando colocar os pensamentos em ordem. Maldito uísque! — Quero
dizer, ele sabe que eu sinto uma forte atração pela Nora.
Caio começa a rir descontroladamente, jogando-se para trás, deitando na
minha cama.
— Será que você pode voltar a fita, naquela parte em que você assume
que está apaixonado pela filha do jardineiro? — zomba de mim, tentando
segurar o riso.
Decido “jogar a real” com meu melhor amigo. Deito-me para trás,
cobrindo meus olhos com o braço direito.
— Eu estou completamente fodido, man.
— Apaixonado e fodido, não são exatamente sinônimos — diz Caio, a
voz da razão.
— Apaixonado é diferente de amar, certo? Quero dizer, paixão é algo
relacionado ao corpo, ao sexo, a conexão física entre duas pessoas que possuem
afinidades. É isso, não é?
— Eu acho que sim.
— Então posso estar apaixonado por aquela menina. — confesso
desolado. — Sim, eu estou. Admito. Talvez admitir isso facilite as coisas, é
desgastante tentar mentir para si mesmo.
— Ótimo, é um grande passo vindo de você. Melhor ainda, vindo de
você bêbado.
— Então é isso que sente pela Sabrina? — pergunto.
— Também, mas o meu lance com a Sá é maior que isso. Nós temos uma
história juntos. E meus sentimentos por ela ultrapassam o sexo, demorei para
perceber, mas é como se eu não pudesse viver sem ela. É muito “foda” e ao
mesmo tempo tão incrível. Isso é amor e eu estou feliz, Lucas. É isso.
— Quem é você e o que fez com meu amigo Caio, porra? — digo em
tom de brincadeira.
— Eu apenas acordei para a vida, man. Tenho quase vinte e oito anos e
ainda moro com meus pais, nunca tive um relacionamento sério e jamais me vi
como um homem casado. Mas o que eu seria então? Um coroa solteirão que não
leva ninguém a sério? Não quero ficar sozinho, tive uma puta sorte com a
Sabrina e quase estraguei tudo.
— Tô feliz por você. A Sabrina é gente boa, e bem, você sabe...
— Sei o quê?
— Você sabe, Caio.
— Porra Lucas, sei o quê?
— Não me faça dizer isso em voz alta, merda — resmungo.
— Fala logo, idiota!
— Você sabe, ela chupa tão gostoso...
Caio levanta-se abruptamente e me puxa logo em seguida, pela gola da
camiseta, fazendo-me esforçar-me para ficar de pé.
— Nunca mais fala da minha mulher, seu babaca! — grita. — Vá tomar a
porra de um banho e vamos sair para comer alguma coisa.
Minha cabeça vai explodir, é sério. Caio não me deixa falar, arrasta-me a
força até o banheiro e me coloca para dentro box, ligando o chuveiro. A água
gelada cai em cima de mim, com roupa e eu quero dar um soco no meu melhor
amigo.
— Porra Caio!
— Isso é por elogiar o boquete da Sabrina, seu “cuzão” — ri da minha
cara.
De um jeito desengonçado, consigo tirar minha camiseta. Aceito o banho
frio, preciso ficar sóbrio o suficiente para ser visto em público.
— Foi mal, cara. Eu tô bêbado — justifico.
— Pois trate de ficar sóbrio.
Tiro minha calça jeans e jogo ela molhada em cima do Caio.
— Sai daqui, não vou ficar pelado na sua frente. Vai que você também
fica com vontade de me chupar, hein? — debocho.
— Vá se foder, Lucas!
Caio sai do banheiro e fecha a porta. Sento-me no chão e deixo a água
cair em minha cabeça, tentando recuperar minha sobriedade.
Meu melhor amigo está apaixonado. Não, ele está amando. E isso parece
fazer tão bem a ele.
E quanto a mim? O que esse sentimento que tenho por Nora irá me
trazer?
Não quero sentir o vazio que sinto toda vez que penso que ficarei dois
meses sem olhar para aquela garota. Eu não sei exatamente o quanto isso é ruim,
mas não quero ter que descobrir.


Bento estacionou a caminhonete no pátio da universidade. Nora estava
extasiada para conhecer as dependências da instituição, mesmo que só pudesse
começar as aulas no início do segundo semestre, via seu sonho cada vez mais
perto de ser realizado. Caminharam lado a lado enquanto o pai da garota ia lhe
falando sobre tudo o que ficou sabendo, quando esteve ali da última vez.
Levou pouco mais de trinta minutos para que ela conhecesse tudo.
Observou os alunos indo e vindo, entrando e saindo e circulando pelo campus.
Como ela queria fazer parte daquilo!
— Não vou ter que esperar seis meses — diz a garota, animadamente. —
Você se informou sobre a data da prova?
Estavam sentados em uma mesa, na área reservada para as refeições dos
alunos. Era uma cantina que servia vitaminas e sucos naturais, café expresso e
sanduíches variados, pastéis assados e fritos, pão de queijo e algumas variedades
em iogurtes e bolos caseiros. Nora e seu pai estavam fazendo um lanche
enquanto conversavam sobre a possibilidade de ela ingressar na instituição de
ensino superior.
— Em junho. As aulas retornam em julho e quem passa na avaliação,
ingressa nesse período também.
— Pouco mais de três meses, então.
— O suficiente para você estudar e passar — disse Bento, após tomar um
gole do seu suco de laranja.
— Sim, vou me dedicar muito.
— Quer fazer cursinho?
— Não precisa, pai. Eu posso estudar em casa.
— Você é quem sabe, se quiser, podemos matricular você em um.
Nora acena um não com a cabeça e toma um gole de seu café expresso.
Gostava de passar um tempo com seu pai, sentia que podia conversar com ele
sobre qualquer coisa, porém, o que estava guardando dentro de si sobre Lucas,
era um assunto que não podia mencionar com ele. Para ela, era tão difícil ter que
guardar seus sentimentos dentro de si, havia conversado com Sabrina e ela lhe
alertara sobre ele, mesmo assim, não podia controlar o coração de ter vontade
própria, o que era angustiante, pois mesmo ali, sentada na cantina da
universidade, feliz por ver um sonho tão próximo de se realizar, Nora não se
sentia completa. Estava triste e odiava ter que disfarçar essa agonia.
— Ora, vejam! Que surpresa mais agradável encontrá-los aqui!
Pai e filha olharam para a linda mulher que se aproximava sorridente.
Bárbara Lanco de Castro, aquela que atormentava os pensamentos de Bento
Sampaio desde a noite no LaLolla, estava ainda mais bonita do que ele poderia
se lembrar. Isso porque Bárbara vestia jeans skinny preto, o que deixava seu
quadril delineado e as curvas sedutoras em evidência. Ela era o que chamavam
de “falsa magra”, tinha um corpo esbelto e estava sempre bem vestida. Para
complementar, a camisa de seda branca, feita sob medida, deixava-lhe elegante e
ao mesmo tempo destacava seus seios pequenos e perfeitos, com o decote
discreto causado pelo botão aberto. Não eram volumosos e exagerados como
muitos homens prefeririam, mas aos olhos de Bento tinham o tamanho perfeito
para encaixá-los em suas duas mãos.
— Bárbara! — Nora parecia feliz em rever a mulher.
— Olá, mocinha. Será que posso me sentar com vocês? — Perguntou ela,
alternando o olhar entre Bento e Nora.
— Por favor, sente-se conosco — convidou Bento, levantando-se e
arrastando a cadeira em um gesto cavalheiresco.
Bárbara ficou encantada com a atitude do jardineiro, Bento sempre a
surpreendia e isso era agradável e ao mesmo tempo assustador. Ela queria
seduzi-lo por puro capricho, mas não podia deixar de reparar nas qualidades que
aquele homem possuía além da beleza rústica. Um pai atencioso e um homem
extraordinário.
— Então, o que fazem por aqui? — perguntou Bárbara, sem esconder a
curiosidade.
Foi Bento que lhe respondeu:
— Trouxe Nora para conhecer a universidade, não sabia que havia uma
na cidade, se eu soubesse antes teria providenciado para ela ter ingressado no
primeiro semestre.
— Esta instituição está na cidade há três anos. Por onde você andou este
tempo todo? — brincou Bárbara.
— Trabalhando muito, sujando as mãos de terra, para bancar os estudos
da minha filha. Você sabe o que é trabalhar duro, senhorita? — respondeu o
jardineiro, soando um pouco arrogante.
Bárbara perdeu o sorriso de imediato, sentindo-se constrangida por ele
ter falado com ela naquele tom ríspido. Não estava acostumada a ser tratada
daquela maneira, a não ser por Lucas, mas ela já havia aprendido a lidar com o
ex-noivo.
— Você estuda aqui, Bárbara? — interveio Nora, tentando amenizar o
clima tenso que se instalou entre a moça e seu pai.
Bárbara não conseguiu disfarçar o quanto se sentia desconfortável, em
momento algum quis ofender Bento, mas ele parecia sempre estar na defensiva
quando ela estava por perto. Talvez, pensou ela, não fosse uma boa ideia tentar
algo com ele. O homem era turrão e estava mais do que óbvio que vivia
plenamente para o bem-estar de sua filha. Ela não precisava se sujeitar a nenhum
tipo de humilhação para ter um homem aos seus pés. Podia estar exagerando,
talvez ele nem tivesse feito de propósito, mas não gostou da maneira como
Bento havia lhe respondido, e suas intenções haviam caído por terra. Não
passaria por aquilo novamente. Tentou se manter firme e sorriu para Nora, que
percebera o quanto ela estava chateada com a resposta do pai. A menina não
tinha culpa, portanto não lhe custava nada ser cordial com ela.
— Você pode me chamar de Babi, Nora. E não, eu não estudo aqui. Eu
trabalho aqui.
— Sério? Você é professora?
Bárbara achou engraçada a pergunta, começou a rir.
— Oh, não! Eu não tenho o menor jeito para lecionar, embora meu pai
seja um excelente professor. Sou filha do reitor desta universidade, e também
uma das donas da instituição. É um legado de família. Mas meu trabalho é na
área administrativa.
— Uau! Que incrível!
— Viu só? Eu não sou uma patricinha mimada. — disse em tom de
brincadeira, olhando para Nora, mas a mensagem estava sendo enviada para o
pai da garota, cujo ela não conseguia olhar nos olhos. — Trabalho duro também,
embora não sujo minhas mãos de terra.
Bento remexeu-se na cadeira, sentindo-se desconfortável. Nora sentia-se
envergonhada pelo pai.
— Não quero tomar mais do tempo de vocês — desconversou Bárbara,
levantando-se. — Hoje é sexta-feira e preciso assumir o meu posto de socialite.
Tchauzinho, pessoal — acenou com a mão e tratou de sair logo dali.
Nora encarou o pai, chateada.
— O senhor não precisava ser tão ríspido com ela, pai!
Bento franziu a testa.
— O que foi que eu fiz?
Nora revirou os olhos.
— Ah, por favor! Não se faça de sonso, não é do seu feitio. Vá atrás dela
e se desculpe.
— Ei, eu sou o pai nesta relação.
Nora deu de ombros.
— Mas quem agiu feito criança pirracenta, foi o senhor. Corre lá, pai. Vá
se desculpar com a Babi. Eu espero aqui.
Bento bufou. Não costumava ser tão teimoso, mas sabia que havia sido
arrogante com a moça. Bárbara era linda, rica e parecia uma boneca de porcelana
importada. Mas isso não significava ser um enfeite para se exibir em uma
estante. Ele deu a entender que ela não fazia nada da vida, apenas ostentava sua
riqueza de herdeira, usando um tom ríspido para lhe impor que trabalhava duro,
como se isso o fizesse melhor que ela. A verdade, Bento assumiu para si mesmo,
foi que fez questão de colocar um abismo entre os dois. Mas não devia ter sido
daquela maneira, estava arrependido e sentindo-se um babaca.
Levantou-se e correu, sem a menor cerimônia, até alcançar Bárbara. Ela
continuou caminhando em direção ao estacionamento da universidade, sem olhá-
lo, embora soubesse que ele a estava acompanhando.
— Desculpe-me, eu fui um idiota lá na cantina. Não devia ter falado
naquele tom, com você.
Ela parou e o fitou, sentindo o corpo inteiro arrepiar-se apenas por
respirar o perfume masculino tão próximo. Mas lembrou-se que não ia ser
tratada como uma boneca de luxo sem valor intelectual.
— Eu posso ser fútil em grande parte do meu tempo, mas não conclua
algo a meu respeito sem antes me conhecer — revidou no mesmo tom de
arrogância que ele usara na cantina. — Dinheiro não nasce em árvore, Bento.
Minha família trabalhou anos para possuir o que tem, então não venha para cima
de mim, com papinho de pobre coitado que suja as mãos para trabalhar. Nós dois
trabalhamos honesta e dignamente. Não tenho culpa por ter nascido em berço de
ouro. Eu sou egoísta, mimada e dona das minhas vontades. Mas se eu precisasse
sujar minhas mãos de terra para ganhar a vida, sujaria.
— Você está exagerando, senhorita Bárbara.
— É, pode ser. Mas não gostei do que me disse, nem do tom que falou
comigo.
— Estou me desculpando!
— Ah, tudo bem. — Deu de ombros. — Não sei aonde eu estava com a
cabeça quando me senti atraída por você. Acho que foi pelo desafio, mas a
brincadeira perdeu a graça. Eu percebi que você é um homem íntegro e que eu
estava indo longe demais por um capricho bobo. Você tem uma filha linda, é um
ótimo pai. Por fim, eu estava mesmo agindo como uma patricinha mimada.
Queria a sensação do proibido, agora estou aqui me humilhando enquanto digo a
verdade. Você tem toda a razão em querer me manter longe, só não insinue que
eu não faço nada na vida.
Bárbara virou-se e continuou caminhando em direção ao seu carro. Parou
para procurar a chave dentro da bolsa, e ouviu passos se aproximando.
— Então é isso, você queria brincar comigo? — perguntou ele, irritado.
Ela continuou procurando pela chave, ignorando-o.
— Nossa conversa encerrou — disse ela, após encontrar a chave e
destravar o alarme do New Beetle.
— Não sou um brinquedo, Bárbara. Eu sou uma pessoa.
Ela deu de ombros.
— Tanto faz. Eu só estava interessada em sexo, mas já desisti da ideia.
Agora se me der licença, eu estou de saída. Vá cortar grama, Bento. Adeus.
Ele ficou perplexo com a súbita mudança de atitude daquela mulher. De
receptiva à chateada, para egoísta e desdenhosa. Bárbara Lanco de Castro podia
ser linda por fora, mas por dentro era cheia de imperfeições. Ele se manteve
distante, pois de certa maneira a havia colocado em um pedestal, como uma
relíquia preciosa, achava-a superior a ele, mas ela não era. Já esteve envolvido
com uma mulher de classe alta, e por experiência própria, sabia que
relacionamentos entre pessoas de mundos tão distintos como eles, não acabavam
bem. Mas Bárbara deixou claro que o interesse nele era puramente sexual, então,
mesmo com raiva por se sentir um objeto de desejo, algo dentro de Bento se
sentiu desafiado.


Nora observou o pai correr para alcançar Babi. Ele foi rude com a moça
e ela se sentiu envergonhada, pela primeira vez, pela atitude de seu pai.
Bebericou seu café e manteve-se pensativa, concentrando na imagem projetada
em sua mente, de Lucas indo embora da oficina, depois dela responder-lhe que
sentiria sua falta caso ele fosse embora para longe.
Por que ele havia feito àquela pergunta? Será que pretendia mesmo ir
embora? Será que ela era a culpada dele tomar uma decisão como esta? Mil
perguntas se formavam em sua mente, mas ela não sabia como descobrir as
respostas.
— Ei, bom te ver — disse Ivan, pegando-a de surpresa. Ela sorriu-lhe e
novamente, sem que pudesse reagir, o garoto se aproximou e beijou-lhe a
bochecha rapidamente, em um gesto de cumprimento amigável.
— Oi — cumprimentou-o, sem saber o que dizer.
Ele se sentou onde antes Bento estava, repousou as mãos em cima da
mesa e fez um gesto com a cabeça, para que o garçom da cantina viesse lhe
atender.
— Desculpe, nem perguntei se podia sentar aqui. Mas estou morrendo de
fome e quero aproveitar o intervalo para fazer um lanche. Tudo bem de eu ficar
aqui?
— Claro, fique à vontade. Meu pai foi conversar com uma amiga, mas já
deve estar voltando para irmos embora.
— O que achou da universidade?
— Maravilhosa, não vejo a hora de estudar aqui. Espero que seja
possível.
— Vou torcer por isso.
O garçom apareceu e Ivan fez seu pedido, suco de laranja e pão de
queijo.
— Vai tentar bolsa? — questionou Ivan.
— Uhum.
— Eu consegui bolsa parcial, pago apenas metade da mensalidade. O que
é uma benção, pois eu não teria como bancar tudo. Ainda estou em período de
experiência na oficina.
— Eu também estou então não quero me arriscar enquanto não tiver
certeza. Se conseguir a bolsa integral ou parcial, será ótimo. Vou estudar muito
para tirar uma boa nota na avaliação.
— Se precisar de ajuda, pode contar comigo. Eu fiz a prova e tirei nota
máxima, só não consegui bolsa integral porque o meu curso não tem essa opção.
Que curso pretende fazer?
— Eu estava na dúvida, mas já me decidi por secretariado executivo.
Ivan sorriu e observou Nora. A garota era tão bonita e lhe passava uma
tranquilidade sem igual. Ele não tinha a conhecido em seu melhor momento,
pois ela havia acabado de discutir com o patrão e seu amigo, Caio Antunes. Mas
depois, teve a certeza de que era uma menina legal e tranquila, que o incidente
no primeiro dia foi algo fora dos padrões, e isso o fez admirá-la. Nora era bonita,
simpática e “na dela”. Ele se via curioso para conhecer mais da garota, queria ter
a oportunidade de encontrá-la mais vezes fora da oficina e a faculdade seria o
local ideal.
Não teve tempo de continuar a conversa, o garçom trouxe o seu pedido e
logo em seguida um homem se aproximou.
— Está tudo bem, por aqui? — perguntou o sujeito.
Ivan franziu o cenho, confuso.
— Está sim — respondeu-lhe cordialmente.
— Pai, este é o Ivan — interveio Nora, tranquilamente. — Ele trabalha
na oficia e estuda aqui.
Pai? Aquele era o pai da Nora? Pensou Ivan.
Achou-o jovem demais para ser pai de uma adolescente de dezessete
anos, mas certamente todos achavam aquilo, concluiu.
Levantou-se e estendeu-lhe a mão, sem intimidar-se.
— Muito prazer, senhor.
Bento analisou o jovem à sua frente, ele tinha o cabelo comprido e uma
barba esquisita, coisa da moda atual, mas aparentemente era um jovem estudante
e desde que não tivesse más intenções com sua filha, ele seria agradável. Chega
de tratar as pessoas mal, depois de Bárbara e a surpresa que ela trouxe com sua
revelação, Bento só queria ir embora logo. Aceitou o aperto de mão do garoto e
sorriu-lhe amistosamente.
— Bento Sampaio, muito prazer.
Ivan já ouvira falar de Bento Sampaio, mas nunca o conheceu
pessoalmente. Tornou a sentar-se e comeu seu lanche, o intervalo seria breve e
logo voltaria para a sala de aula.
— Nora, querida. Temos que ir, você quer passar no Alcapone’s para
conversar com a Sabrina, certo?
— Sim, pai. Bem lembrado. — Nora virou-se para Ivan. — Obrigada por
me fazer companhia, segunda-feira nos vemos na oficina. Tenha uma boa aula,
Ivan.
— Até segunda-feira, Nora. — Virou-se para Bento. — Prazer em
conhecê-lo, senhor.
— Até outro dia, Ivan — despediu-se Bento.
Pai e filha caminharam lado a lado até o estacionamento, em silêncio. Já
na caminhonete, a caminho do Alcapone’s, Nora resolveu conversar com o pai.
— O Ivan é muito legal, pai. O senhor gostou dele?
Bento estava atento ao trânsito, mas sentiu-se confortável para conversar
com a filha e quebrar o silêncio que o agonizava.
— Ele parece um bom rapaz. Você gosta dele?
— Sim, mas não do jeito que o senhor está imaginando. Ele é meu colega
do trabalho e um rosto conhecido na universidade, é bom saber que não estarei
sozinha quando começar. Acho que nós podemos ser amigos. O senhor
aprovaria?
— Por que não? Eu confio em você, filha. Não pense que não conheço a
fama de Sabrina entre os rapazes, mas jamais a julguei e impedi que vocês se
tornassem próximas, pois sei que ela é uma menina do bem, e que você não faria
nada que pudesse gerar falatório na cidade.
Nora engoliu em seco.
— Que tipo de falatório, pai?
— Sabe, eu realmente não me importo com o que as pessoas dizem. Mas
me preocupo com o que você pode sentir se as pessoas falarem algo a seu
respeito. Eu amo a filha que tenho, eu a eduquei, mesmo à distância, juntamente
com sua tia, para que soubesse a diferença entre o certo e o errado. Acredito que
você tem consciência disso, e que antes de tomar decisões, pesará na balança as
consequências que elas podem trazer para sua vida.
— Como o quê, por exemplo?
— Como uma gravidez indesejada, uma doença sexualmente
transmissível, ou um coração partido.
Nora sentiu-se enrubescer. O pai estava entrando em um tema
constrangedor para ela. Nessas horas, sentia falta de uma presença feminina, que
não fosse sua tia freira, para que pudesse desabafar. Ela não queria que essa
pessoa fosse sua mãe, já estava conformada pelo abandono. Mas talvez alguém
que pudesse ser tão próxima quanto.
Sorriu ao se lembrar de Babi.
— Eu não quero conversar sobre sexo, com você, pai.
Bento riu, nervosamente.
— Eu fico feliz por isso, filha. Mas saiba que pode contar comigo para o
que precisar, eu sou o seu pai e é meu dever conversar com você sobre certos
assuntos. Nunca irei reprimi-la. Eu sei que você é uma jovem bonita e que não
tem vocação para feira, como a sua tia, então tenho que me conformar que um
dia você terá um namorado, um marido, e irá constituir família.
Bento sabia o que a repressão, e excesso de zelo causaram a Adelina. Ela
se rebelou contra os pais e viu nele a válvula de escape. Mas quando chegou o
momento de finalmente romper o cordão umbilical que a prendia aos pais
superprotetores, ela preferiu abrir mão da própria filha e continuar sua vida
como se a gravidez e ele, nunca tivessem acontecido. Foram embora para outro
país, recomeçaram a vida e continuaram tratando Adelina como uma boneca
maleável.
Nora sentia-se mal, por não ter coragem de conversar com o pai sobre os
novos sentimentos a respeito de Lucas. Preferiu mudar o rumo da conversa.
— Você se desculpou com a Babi?
Bento respirou fundo antes de responder.
— Sim, mas não nos entendemos.
— Por que não?
— Porque a senhorita Bárbara não é uma pessoa legal.
— Ela te tratou mal?
— Acho que ela me colocou no meu devido lugar.
— Que seria? — Incentivou o pai a continuar.
— Vestindo macacão e botas de borracha enquanto corto a grama da
mansão Marinho.
— Pai! — repreendeu-o.
— Estou falando sério. Mas tudo bem, eu fiz a minha parte. Mulheres
como a senhorita Bárbara merecem homens como Lucas Marinho. Talvez eles se
acertem um dia.
Nora sentiu uma pontada em seu coração. Era algum tipo de “alerta
perigo”?
— Por que o senhor está falando isso, pai? — perguntou receosa.
— Porque a sua querida Babi era noiva do patrão Lucas.




Permaneci em silêncio durante o restante do trajeto até o Alcapone’s.
Confesso que fiquei chateada ao descobrir que Babi e Lucas haviam sido noivos,
mas não questionei o porquê eles não haviam se casado. Algo dentro de mim
sentiu uma pontada de decepção, não sei explicar...
Mas o que eu poderia querer? Que Lucas fosse casto? Um celibatário?
Um homem puro que nunca tivesse se envolvido com outra mulher? Quão
ridícula eu seria se desejasse isso?
Dez anos nos separam, sei que não sou uma criança agora, mas em
determinada fase da vida eu brincava de boneca e ele já era um homem. De
qualquer maneira, não tenho que ficar pensando nisso ou chateada por descobrir
algo relacionado ao passado dele, mesmo que esse passado não seja muito
distante. Nós não temos nada, já havíamos conversado e colocado um ponto final
na atração insana que sentimos um pelo outro. Além disso, havia Sabrina. Minha
nova melhor amiga confessou que esteve envolvida com Lucas algumas vezes.
Essas pessoas têm um passado, eu estou chegando a suas vidas agora, eles não
têm culpa e eu não sou ninguém para julgá-los.
Foi só outra grande surpresa.
Meu pai estaciona em frente ao Alcapone’s. Entramos lado a lado e
caminhamos para o balcão. É sexta-feira e o local está movimentado, e Eulália
está no caixa, fechando a conta de algum cliente. Vejo Sabrina segurando uma
bandeja e indo até uma das mesas de sinuca, servindo alguns homens com
canecas de chope. Eles a encaram descaradamente, mas ela não lhes dá atenção,
a não ser a cordialidade de um bom atendimento profissional.
Sentamos em duas banquetas que estão livres e Eulália nos cumprimenta:
— Boa noite, sintam-se à vontade! Hoje estamos na correria, pois perdi
uma funcionária.
— Quem morreu? — papai perguntou, preocupado.
Eulália riu.
— Ninguém morreu, Bento. Vire essa boca pra lá! Samanta pediu
demissão, está de mudança para outro estado. Não pôde cumprir o aviso prévio,
foi repentino. Agora estou desfalcada. Sabrina está me ajudando, mas agora que
ela e Caio resolveram se casar, ele não quer vê-la no bar. Sorte que minha filha
bateu o pé com ele e ao menos por hoje, conseguiu ficar comigo. Mas preciso
arrumar outra menina para substituir Samanta. Ela trabalhava aqui de sexta a
domingo, mas fazia toda a diferença, pois são os dias de mais movimento.
Observo Sabrina retornar para trás do balcão. Ela me vê e se aproxima
para me cumprimentar, dirige um sorriso ao meu pai e um aceno com a cabeça.
— Que história é essa de você e o Caio se casarem? — pergunto
surpresa.
Ela sorri largamente, impossível esconder sua felicidade.
— Nós conversamos e resolvemos tudo, ele me pediu perdão e assumiu
toda a responsabilidade comigo e com nosso bebê. Cansei de ficar brigando,
Nora. Eu só quero ser feliz e cuidar do meu filho, se o homem que eu sempre
amei quer ficar comigo e me apoiar, então aceito isso de braços abertos.
Seguro as mãos de Sabrina sobre o balcão. Estou muito feliz por ela.
— Isso é incrível, Sá! Você merece essa felicidade, torço muito por você.
— Parabéns, Sabrina — disse meu pai, interrompendo nossa conversa.
— Bom saber que o Caio Antunes honrou o compromisso que tem com você e o
filho que esperam. Desejo-lhes felicidade.
— Obrigada, Bento.
— Quer beber alguma coisa, Bento? — perguntou Eulália.
Meu pai parece frustrado desde que saímos da universidade, acredito que
não tenha sido agradável a conversa que ele teve com a senhorita Bárbara. Sim,
agora eu não consigo mais chamá-la de Babi. Simples assim.
— Estou dirigindo com a Nora, não quero ser imprudente, nem dar mal
exemplo a ela.
Conforto meu pai com um tapinha nas costas.
— Uma caneca de chope não vai alterar seu senso de direção, pai. E
nossa casa não fica tão longe assim. Eu finjo que é guaraná, não me sentirei
influenciada.
Meu pai sorri e balança a cabeça.
— Sabe, você é adulta demais para o seu tamanho, menina. — Bagunça
meu cabelo. — Tudo bem, Eulália, pode me servir uma caneca.
De súbito, uma ideia percorre meus pensamentos. Não sei se o meu pai
estará de acordo, mas não custa tentar.
— Estive pensando, eu poderia substituir a Samanta aqui no bar. Sexta,
sábado e domingo não me prejudicam no trabalho da oficina, e assim consigo
juntar mais dinheiro. — Deixo a sugestão no ar, tanto para Eulália quanto para
meu pai. Eu realmente adoraria trabalhar no bar. Conheceria mais pessoas e
também teria uma boa economia para a faculdade e meus gastos pessoais.
Sabrina pareceu gostar da ideia, Eulália também, mas encarou meu pai,
aguardando a opinião dele.
— Você já tem um trabalho, Nora. E quando iniciar a faculdade, você
estará sobrecarregada — argumentou meu pai.
Suspirei, não quero contrariá-lo, mas realmente gostaria de trabalhar no
Alcapone’s.
— Por favor, pai! — Peço. Nunca precisei apelar para chantagem
emocional, mas acho que eu seria capaz disso se precisasse. — Pelo menos até
que a Eulália encontre alguém, então?
— Nora é uma menina responsável — argumenta Eulália, ajudando-me a
convencê-lo. — Acho que se ela perceber que está fazendo mais do que pode
suportar, irá abrir mão do trabalho. Bem, estou mesmo precisando de ajuda aqui
no bar, então não irei descartar a chance de ter Nora na equipe, mas você é o pai
dela e eu não irei interferir.
— Até que horas ela precisa ficar? Eu teria que buscá-la todas as noites.
— disse papai.
— Eu me encarrego de deixar meus funcionários em casa, ao fim do
expediente. Não se preocupe, Nora estará em casa no domingo, mais tardar à
meia-noite. Mas na sexta e no sábado, eu sempre fecho à uma da manhã, então
até às duas horas ela estará em casa.
— Deixe-me fazer um teste, pai — insisti. — Se o senhor não gostar que
eu trabalhe à noite, eu desisto da ideia. Só me dê uma chance de provar que sou
capaz, até que a Eulália encontre outra pessoa.
Papai semicerrou os olhos e bebeu mais um gole de seu chope gelado.
Depois me sorriu.
— Garota, o que eu não faço por você?
— Isso é um sim? — pergunto com expectativa.
— Uma experiência — salienta. — Este fim de semana, pode ser?
Olho para Eulália, buscando sua aprovação.
— Por mim tudo bem — concorda ela.
Levanto da banqueta e dou pulinhos de felicidade.
— Obrigada, obrigada, obrigada. Posso começar? É só me ensinar que eu
aprendo rapidinho!
— Eu te explico, amiga — disse Sabrina, que até o momento só nos
observava. — Vamos ao vestiário, vou te entregar uma camiseta do Alcapone’s e
o avental.
Antes de ir, beijo meu pai no rosto.
— O senhor vai ficar e me vigiar? — pergunto.
— Não, eu vou para casa assim que terminar de beber este chope. A
Eulália disse que leva os funcionários para casa, em segurança, este é meu voto
de confiança a ela e a você.
— Porque você é o melhor pai do mundo!
Abraçamo-nos e sigo Sabrina, até os fundos do bar, onde se encontra o
vestiário dos funcionários.
— Você vai adorar trabalhar aqui, Nora — diz Sabrina, animadamente.
— O pessoal é gente boa, ninguém desrespeita as garçonetes, apesar de nos
devorarem com os olhos. Mamãe sempre fez questão de manter a imagem do
Alcapone’s como um ambiente descontraído, mas não vulgar. Todos a respeitam
e a temem, porque vamos combinar, minha mãe é osso duro de roer.
Entramos no vestiário e Sabrina me entrega a camiseta, é de gola polo,
preta, com o nome do bar em sua letra bem trabalhada, bordada do lado direito
na parte da frente. O avental é igualmente preto e com o mesmo tipo de bordado,
porém de maior tamanho, centralizado no bolso onde caneta e bloco de
anotações são acomodados.
Não me importo de trocar de roupa na frente de Sabrina, apenas me viro
de costas enquanto retiro a minha camiseta para substituir pelo uniforme.
— Assim que sua mãe disse que precisava de alguém, pensei em me
oferecer. Quero muito juntar dinheiro e deixar meu pai livre de
responsabilidades, acredita que ele montou um quarto para mim? Parece de
princesa! Deve ter custado um dinheirão — conto a ela.
— Seu pai é muito legal, você tem sorte, Nora! Espero que Caio seja
metade do homem que o seu pai é. Isso me deixará imensamente tranquila, pois
sinto que preciso dessa proteção dele, sabe? Meu pai morreu e foi triste, não
quero que meu bebê cresça sem a presença paterna, agora tudo está perfeito e
espero que continue assim.
Vesti a camiseta e virei-me para ela.
— Espero que o Caio não me odeie, nossa discussão na terça-feira foi
bem desagradável.
— Ah, mas foi graças a ela que o Caio acordou para vida. Devo isso a
você, Nora.
— Não deve nada, Sabrina. Você me aconselhou quanto ao Lucas,
esqueceu?
— Isso não foi nada, perto do que você fez por mim.
Sentei-me em uma cadeira e Sabrina fez o mesmo.
— Olha, eu não queria falar novamente sobre isso — falo, sentindo-me
constrangida. — Mas não tenho com quem desabafar, além de você.
A expressão de Sabrina torna-se preocupada.
— Somos amigas, você pode me contar tudo o que quiser.
— Eu só não quero que me repreenda, porque sei que já me disse tudo o
que eu precisava saber. Mas acontece que não consigo reprimir meus
sentimentos.
— Sentimentos? Está falando do Lucas?
Anuo em silêncio.
— Gosta mesmo dele? — pergunta-me.
— Sei que não deveria, pois nada de positivo me leva para isso. Mas não
é como se eu pudesse simplesmente arrancá-lo de dentro de mim. Isso é loucura,
não é? A gente mal se conhece. E ele não é exatamente um modelo de príncipe
dos sonhos.
— Eu sabia que o Caio era encrenca, e mesmo assim eu insisti, não foi?
Quem sou eu para dizer que o que você sente é errado?
— Mas aquele dia...
—... Aquele dia — interrompeu-me — eu estava muito chateada com o
Caio e a nossa confusão. Eu não queria que você passasse por algo parecido,
Nora. Droga! Ainda não quero, mas eu vejo nos seus olhos como parece sofrer
por sentir o que sente. Não se sinta culpada, a gente não tem culpa por amar os
babacas.
— Eu não o amo, eu...
— Mas gosta dele.
— Sim. E sei que não devo. Mas hoje, ele me perguntou se eu sentiria a
sua falta caso ele fosse embora. Tentei fugir da resposta, mas no fim, confessei
que sentiria. E ainda descobri que a Bárbara e ele foram noivos.
Sabrina franze a testa.
— Você conhece a Bárbara?
— Uhum, eu acho que está rolando um clima entre ela e o meu pai.
Sabrina começa a rir, deixando-me confusa.
— Aquela patricinha mimada? Com o Bento? Gente, que mundo
pequeno.
— Eu a acho legal, e estava torcendo para que meu pai e ela pudessem se
conhecer melhor. Sei lá, queria que o meu pai não ficasse o tempo todo focado
no trabalho e em mim.
— Nora querida. Às vezes você me surpreende por ser tão adulta, outras
vezes por ser tão ingênua.
Suspiro, desanimada.
— É eu sei.
— A Bárbara e o Lucas romperam há alguns meses. Ele não era um
namorado fiel, então ela descobriu um dos deslizes dele e rompeu o noivado.
Lucas traia Bárbara. Isso eu realmente não esperava ouvir. Sinto as
lágrimas querendo tomar conta dos meus olhos e os esfrego com as mãos,
tentando não ceder a elas.
— Sou mesmo uma idiota. É claro que ele não me levaria a sério, sou
uma menina boba! — repreendo-me.
Sabrina levanta e me puxa pela mão, fazendo eu me levantar também.
— As pessoas podem mudar, Nora. Eu acredito que o Caio mudou, por
se descobrir apaixonado por mim. Não acho certo ceder acreditando que poderia
mudá-lo, foi o meu principal erro com o Caio. O Lucas sempre foi mulherengo,
a relação da Babi com ele era mais por aparência do que por amor. Então,
acredito que se ele realmente gostar de você, irá levá-la a sério. Mas apenas se
ele se abrir com você, falar o que sente e o que pretende. Nada menos que isso.
Não se deixe enganar, nem se iluda achando que poderá mudá-lo. Ele tem que
fazer isso sozinho. Se puder suportar, esperar para ver o que acontece, não
desista. Mas se for muita bagagem para você carregar, faça o que for preciso e
tente arrancar isso do seu coração.
Engulo em seco.
— E como eu consigo isso?
Ela sorri, com ternura.
— Nada melhor para curar um amor, do que outro amor.


Não rolou jantar, depois do banho eu só tinha força o suficiente para me
jogar na cama e dormir. Caio acabou me ajudando e depois foi embora. Ele ia se
encontrar com a Sabrina no Alcapone’s. É, parece que a coisa entre eles está
realmente séria. Meu amigo vai se casar!
Acordo sentindo uma tremenda dor de cabeça, a luz do sol invade o
quarto e abro os olhos com dificuldade, sento-me na cama, mas meu estômago
se agita e sinto a bile subir pela minha garganta. Corro para o banheiro e chego a
tempo de me ajoelhar no chão e eliminar toda a porcaria que bebi a noite
passada, na privada.
Passo a manhã toda deitado, bebendo água e resolvendo algumas
questões de trabalho em meu laptop. Peço o almoço no quarto, pelo serviço de
delivery de um fast-food e depois de me entupir com hambúrguer e batata frita,
sinto-me novo em folha. Ligo para o Caio e combinamos de ir até o autódromo,
preciso correr para relaxar e contar a ele sobre minha viagem para a Alemanha
na próxima semana. Meu aniversário é no domingo que vem e minha festa está
agendada para o sábado, no Alcapone’s, não faço ideia de como as coisas ficarão
agora que a Sabrina e o Caio estão noivos. Espero que ela não esteja servindo as
mesas nesta noite, ou vai ser foda. O Daniel ficou de levar algumas garotas e,
bem, ela pode dar uma de ciumenta para cima do cara. Agora eles são um casal e
terão um filho, não sei como o Caio vai se comportar em minha festa, eu só
espero que não arrumem confusão. Pretendo conversar com ele sobre isso, é
claro.


Pilotar é minha segunda paixão. Motores automobilismos com certeza é a
primeira. Pilotar um carro que possui um motor que ajudei a projetar e montar?
Orgasmo múltiplo. Até o Caio se arriscou em dar algumas voltas, sozinho, o que
deve ter sido bom para ele. Quando estou pilotando, em alta velocidade, é como
se estivesse em um universo só meu, um lugar onde todos os problemas são
esquecidos e eu estou totalmente no controle da situação. É assim que me sinto
nesse momento. Depois da noite passada, a bebedeira e toda aquela merda sobre
estar apaixonado, vir até aqui e me desligar de tudo é como receber um prêmio.
A vida poderia ser assim sempre, cada vez que algum problema surge, eu
aceleraria até me distanciar. Mas como não é possível, basta que eu faça isso por
alguns minutos e recupere meu equilíbrio praticando meu esporte favorito.
— Sabe que a minha festa de aniversário é no próximo sábado, no
Alcapone’s, não é? — pergunto ao meu melhor amigo, enquanto saímos do
vestiário do autódromo.
— Mas é claro, não perco por nada.
— E a Sabrina?
— Ela vai estar lá, a mãe dela é a dona do bar.
— Tá de boa com isso? Quero dizer, o Daniel vai levar umas gatinhas e
sabe que ele capricha.
Caio dá de ombros.
— Tanto faz, man. Eu já tenho a minha garota.
Encaro meu amigo e arregalo os olhos.
— Uau, o bicho do amor te mordeu para valer.
Ele anui, todo sorridente.
— Eu não me importo que você zoe de mim, tô de boa com isso.
Bato palmas, para provocá-lo.
— Man, quando crescer eu quero ser igual a você.
— Ainda dá tempo de você tomar juízo, parceiro. Ou se esqueceu o que
me disse ontem?
Dou de ombros, disfarçando o meu desconforto. Chegamos ao
estacionamento e destravo o alarme do Porsche. Caio e eu sentamos, dou a
partida no motor.
— Não esqueci — confesso. — É estranho eu admitir isso para mim
mesmo, quem dirá para outra pessoa, sabe? Ela é tão jovem, mas não é isso que
me incomoda. O que me deixa puto é o fato de que simplesmente não consigo
parar de pensar nela um minuto sequer. Eu sinto que a minha existência foi
abalada. A Nora é como o meteoro que extinguiu os dinossauros.
Caio começa a rir sem parar.
— Que merda você está falando, man? — pergunta, tentando controlar o
riso histérico. — Não tinha uma analogia melhor para fazer? Que porcaria...
Presto atenção na estrada, estou indo para minha casa, ver minha mãe. Se
eu não dormir em casa esta noite, com certeza ela vai perceber que tem algo
muito errado comigo.
— Você ri, mas veja bem, eu estava despreparado e ela simplesmente
surgiu e devastou tudo à minha volta. Ela extinguiu da minha mente qualquer
mulher pela qual eu já estive interessado. Ela fez uma limpeza geral nas minhas
emoções. É isso, man. Não tem mais ninguém além dela invadindo os meus
pensamentos, nenhuma dinossaurinha gostosa que já me fez um boquete antes.
Não sobrou ninguém. Boom! Escafederam-se.
— Essa é a maior merda que já ouvi, saindo da sua boca. E por favor, não
fala mais de boquete comigo. Esse assunto é proibido entre nós. Tô falando
muito sério.
— Certo. Bem, eu não sou bom em falar das coisas do coração.
Sinceramente, estou admirado que a Sabrina e você resolveram tudo numa boa.
E tô feliz por vocês.
— Minha mãe quase teve um ataque cardíaco quando eu contei que ia me
casar com a Sabrina, e que ela será avó. Foi barra pesada fazê-la aceitar que o
filhinho querido não era o modelo de perfeição que ela tanto desejava. Mas eu
estou feliz, eu sei que estou fazendo a coisa certa e por isso enfrento o que for
preciso.
— Invejo a sua coragem.
— Inveja por quê? O que te impede de tentar fazer dar certo com a Nora?
Balanço a cabeça, em um gesto negativo.
— Não sou bom com relacionamentos. Você lembra como era quando eu
namorava a Babi?
— Você gostava da Babi como gosta da Nora?
Rio, debochando do que Caio acaba de perguntar.
— Não chega nem perto.
— Você tá amarradão na dela.
— É, eu tô sim.
— Vai deixar passar em branco? E se ela for a sua garota? Não faz a
merda que eu fiz, Lucas. Não vire as costas para a felicidade.
— Vou para a Alemanha, depois do meu aniversário — revelo. — Meu
pai quer que eu volte depois que a Nora tiver dezoito anos completos.
— Isso é fodido...
— Fiquei puto no começo, mas ele tem razão. Tenho me comportado
como um adolescente que não sabe manter o pau dentro da cueca. Já foi difícil
admitir o que sinto por aquela garota, mas o que posso fazer a respeito? Levá-la
para cama e trepar feito um louco? E depois? Mesmo que ela complete a
maioridade, isso não me dá o direito de usá-la para o meu “bel” prazer. Tá legal,
eu sei que já fiz isso com várias mulheres, mas não quero fazer isso. Nora é
diferente, e não quero ser um merda para ela.
— Por isso vai fugir para outro continente?
— Não é uma fuga, é um período de meditação.
— Conta outra, amigo, você está morrendo de medo.
— Quer saber? Você tem razão, man. Eu tô me borrando de medo.


Deixei Caio em frente ao Alcapone’s e fui para a casa. Tomei um banho e
desci para passar um tempo com minha mãe. Papai está viajando, mas volta
antes do meu aniversário. Eu e mamãe assistimos a um filme juntos e depois
jantamos. Ela se recolheu para dormir e fiquei na sala, sozinho.
Já é tarde, quase uma da madrugada. Estou me sentindo inquieto e sei
que se for me deitar agora não conseguirei pregar o olho. Decido tomar um
banho de piscina, levanto-me e vou para fora de casa, sinto o ar fresco e olho
para o céu estrelado. Está uma noite agradável, nem fria e nem quente demais,
boa o suficiente para que eu possa nadar um pouco. Tiro toda minha roupa e a
coloco em uma espreguiçadeira, me jogo na piscina e sinto meu corpo se
acostumar com a água rapidamente. Está excelente. Dou algumas braçadas e
nado, fazendo a volta na piscina. Quando finalmente sinto meu fôlego se acabar,
paro e retorno à superfície, passo as mãos pelo rosto para tirar a água que escorre
de meu cabelo.
Então a vejo, parada, com o olhar hipnotizante em minha direção. Nora
está tão perto da piscina, como se tivesse acabado de chegar da rua, a caminho
de sua casa. Franzo a testa, confuso.
— Onde estava até essa hora? — pergunto, tentando soar casual. Sei o
quanto ela pode ser agressiva e não quero iniciar uma discussão.
— Trabalhando.
Mergulho até a borda da piscina, ficando mais próximo dela.
— Como assim, trabalhando? — Não entendo o que ela quer dizer.
— Estou trabalhando no Alcapone’s. Nada concreto. Este fim de semana
é uma experiência. Papai ainda não está satisfeito com minha ideia de ter dois
empregos.
— Eu também não estou — digo sem pensar. Mas é verdade, porra. —
Por que você precisa de dois empregos?
Nora se move e tenho certeza que ela vai me deixar aqui, falando
sozinho. Mas ela me surpreende, como sempre. Caminha até as espreguiçadeiras
e senta-se ao lado daquela onde as minhas roupas estão. Reparo que ela observa
as peças, e arregala os olhos ao se dar conta que minha cueca também está ali.
Seguro um sorriso.
Ah, bruxinha. Como eu adoro te ver constrangida...
— Fui à universidade local, hoje — revela. — Papai me levou até lá.
Quero juntar grana para poder iniciar os estudos no próximo semestre.
— Nora, sabe o quanto isso magoa seu pai? Ele se sente mal por não
poder pagar a sua faculdade. E agora você quer trabalhar em dois empregos?
Ela parece refletir no que acabo de dizer.
— Mas ele não contestou. Eu só quero diminuir o fardo das costas dele,
entende? O meu pai sempre trabalhou para pagar a minha escola, guardou
dinheiro para a faculdade e me comprou um quarto tão bonito. Ele é o melhor.
Também se informou sobre a faculdade e disse que tem dinheiro para custear
dois anos de curso, o que é ótimo. Mas enquanto eu estudo o que ele vai fazer?
Trabalhar, trabalhar e trabalhar. Para mim, não para ele.
— Ei mocinha — digo, tentando ser gentil. — É isso o que os pais
fazem, eles cuidam dos seus bebês. E você é a bebezinha do Bento. Deixa-o
cuidar de você. Faça a sua parte e estude, tire boas notas e forme-se em uma
profissão. Vai dar tanto orgulho para esse cara. E então será a sua vez de
retribuir, mostrar que graças aos esforços dele, você se tornou uma pessoa de
bem e que consegue andar com as próprias pernas.
Nora me encara sem dizer nada, mas percebo o quanto minhas palavras
lhe emocionaram. Bem, não foi nada de mais, só disse a ela o que minha mãe
costumava me dizer quando eu ingressei na universidade. O fato de eu estar
prestes a completar vinte e nove anos, e ainda morar com os meus pais, não
precisa ser levado em consideração neste momento. Eu amo a minha família, e
enquanto não constituir a minha própria, ficarei com os meus velhos.
— Isso que você disse é tão bonito — murmura ela, ainda sem desviar o
olhar do meu.
— É sincero, querida.
Ela morde o lábio e sinto o meu pau despertar debaixo d´água.
Eu pelado, perto dessa garota. É tão errado.
— Eu dei a minha palavra que ficaria até a Eulália encontrar uma pessoa,
de todo o jeito, com a faculdade, não poderia continuar lá. Talvez eu fique, um
mês apenas.
— Tá de garçonete? — pergunto, tentando disfarçar o ciúme. Não quero
nem pensar em Nora servindo bebidas, para um bando de urubus esfomeados por
carne fresca.
— Não. A Eulália e o meu pai entraram em um acordo, como ainda sou
menor de idade, ficarei no balcão, lavando os copos e trabalhando no caixa. Eles
não querem que eu sirva bebidas.
Menos mal, tenho vontade de dizer.
— Mas pensa no que te falei. Tenho certeza que o Bento não quer te
impedir de tomar suas próprias decisões, mas se sente mal por ver a filha em
dois empregos. No dia em que fiz a proposta para você trabalhar na oficina, eu vi
a relutância nos olhos dele. Mas ele deixou porque você, mocinha, é bem
perseverante e ele não quis tirar o brilho dos seus olhos.
Ela sorri, parece gostar do que eu acabo de dizer.
— Você é legal, quando se comporta como um adulto — comenta,
despretensiosamente.
Sorrio. Estou louco para sair desta piscina e tomá-la em meus braços.
Quero mostrar a ela que sou gente grande, se é que vocês me entendem. Mas não
o faço, porque acima de tudo, quero mostrar a mim que posso me controlar
diante dela.
— Obrigado — agradeço.
O silêncio paira sobre nós, mas nossos olhos permanecem conectados.
Ela morde os lábios mais uma vez.
— Você está pelado aí dentro? — pergunta ela.
Sorrio.
— Estou sim.
— Oh... — Ela está chocada com a minha resposta e vejo seu rosto
enrubescer.
— Não pensou que eu usasse duas cuecas, não é? — Dou-lhe uma
piscadela. — Você viu que aí em cima está um traje completo.
Agora ela sorri e desvia o olhar. Minha respiração acelera, meu pau está
pulsando e eu estou prestes a sair daqui. Basta que ela me peça, é claro.
— O que você sente, Nora? — pergunto sem me conter.
— Como assim? — Ela parece confusa.
— Eu estou pelado. Você já sabia e mesmo assim me perguntou. Por
quê?
Seu rosto enrubesceu ainda mais. Linda, toda envergonhada.
— Eu não sei, desculpe. — Levanta-se e sei que ela pretende ir embora.
— Não vá — peço com veemência. — Sente aqui, mais perto de mim.
Estamos conversando, Nora. E nem gritamos um com o outro. Consegue manter
a civilidade entre a gente? Estou mesmo tentando.
Ela hesita, mas se senta no chão, na beirada da piscina. Dobra as pernas
na posição de lótus, como diria uma professora de ioga. Observo suas pernas
torneadas, no jeans preto, e seus seios perfeitos contornados pela regata de
algodão, na mesma cor da calça. Nora deixa sua pequena bolsa à tiracolo e apoia
as mãos em seus joelhos. Só falta começar a meditação.
— Vamos brincar? — digo com um sorriso travesso.
Ela me olha desconfiada.
— Brincar do quê?
— Vamos brincar de ser sincero um com o outro. Proponho três
perguntas, sem mentiras e sem julgamentos. Nós sabemos o que está
acontecendo entre a gente. Eu sei que nossa última conversa foi um desastre
total, que o certo era que nem voltássemos a conversar, mas vamos esquecer
tudo, por dez minutos, e recomeçar.
— E depois?
— Depois a gente toma uma decisão. Definitiva.
Vejo que Nora está em uma batalha interna com seus pensamentos. Estou
apreensivo, com medo de ela fugir e a nossa chance de conversar seja anulada.
Quero e preciso resolver as coisas entre nós, porque me sinto corajoso agora e se
adiar, talvez não haja uma nova oportunidade.
— Tudo bem, quem começa: você ou eu? — responde-me com uma
pergunta.
É agora ou nunca, Lucas. Ou dá, ou desce.


— Quer começar? — perguntou Lucas, para a garota a sua frente.
Tudo estava se encaminhando para que eles pudessem, definitivamente,
resolver as questões em aberto. Ao menos era o que o homem esperava, pois
depois de tanto negar a verdade a si mesmo, finalmente estava disposto a se
arriscar em algo novo para sua vida, algo sério e se possível, duradouro.
Nora anuiu timidamente. Podia ter ido embora dali, mas desde que
chegara a sua cidade natal, seu caminho cruzava o de Lucas, mesmo que tentasse
fugir. Talvez, pensou ela, aquela fosse a última oportunidade. Não seria covarde,
para depois se arrepender. Precisava saber o que era aquilo entre Lucas e ela.
Além disso, estava difícil não pensar em como ele seria da cintura para baixo.
Estava totalmente nu dentro da piscina, ela seria hipócrita se dissesse que não
queria se juntar a ele.
— Vá em frente, pergunte o que quiser.
Pensou no que poderia perguntar. Eles estavam ali, frente-a-frente, em
um jogo da verdade. As respostas seriam responsáveis pela decisão final de
ambos.
— Eu sei que você foi noivo da Bárbara, e que não era fiel a ela. Por que
estava em um relacionamento sério, se não queria ser monogâmico?
Lucas engoliu em seco e pensou um “puta que pariu”. A garota estava
mesmo levando a sério aquele jogo. Perguntou-se mentalmente como ela poderia
ter obtido aquela informação, mas logo se recordou que Nora e Sabrina eram
amigas agora, e talvez a noiva de Caio andasse falando mais coisas do que
deveria. Mas fora ele quem havia feito a proposta, então nada mais justo do que
ser sincero e não desviar da verdade. Afundou-se na piscina, permanecendo
submerso por alguns segundos, logo retornou à superfície e encarou uma Nora
preocupada, sorriu-lhe e passou as mãos pelo rosto, respirou fundo e finalmente
começou a responder:
— Eu e Babi terminamos há alguns meses. Fomos namorados por um
ano ou mais, sabe que eu realmente não me lembro? Para ser sincero, nem sei
como a pedi em casamento, quer dizer, eu me lembro do dia, mas não lembro o
porquê. Nunca pensei antecipadamente em traí-la, mas aconteceu algumas vezes,
nas primeiras, confesso que me senti um cretino, mas depois acabou se tornando
um hábito. É uma merda, eu sei. Não foi legal da minha parte, nem honesto.
Estou ciente pra caralho que eu fui o pior namorado de todos os tempos. Mas ela
foi minha primeira e única namorada, me dei conta que não gostava dela o
suficiente para entrar em um relacionamento duradouro. Quando Babi descobriu
meu deslize, terminou comigo e eu simplesmente aceitei, deixei que me
chamasse de todos os adjetivos esdrúxulos que eu merecia. Também deixei que
me acertasse com alguns objetos e até mesmo tolerei alguns tabefes na cara. Viu
só? Eu fui um completo canalha com ela, mas fui um canalha sincero no final. A
verdade é que, depois dessa experiência, eu não quis namorar mais ninguém.
Sem promessas, sem decepções. Sei que magoei a Babi, mas aprendi a nunca
mais enganar outra pessoa.
Ele falou sem parar, quase sem respirar também. Nora o fitou
boquiaberta com a sinceridade de Lucas, não esperava que ele falasse tão
abertamente sobre o assunto, sem ao menos questionar-lhe como ela sabia
daquela informação. Sentiu asco pela resposta dele, era horrível se dar conta que
o homem por quem estava começando a ter sentimentos, não tinha respeito por
nenhuma mulher. Recuperou-se do choque e tentou manter sua expressão
indiferente. Havia mais duas perguntas a serem feitas, mesmo que seu coração
estivesse se despedaçando com uma única resposta, ela iria até o fim naquela
“brincadeira”.
— Por mais que tentamos ficar longe um do outro, algo sempre nos traz
para perto, percebeu? — Ela riu, sentindo-se nervosa. — Não responda, foi uma
pergunta retórica. O que sente em relação a mim, de verdade? O que passa pela
sua cabeça quando pensa em nós? — Esta pergunta foi feita com a voz trêmula.
Nora estava com medo de ouvir palavras que a ferissem ainda mais.
Lucas sorriu, tentando passar conforto a ela. As mãos que estavam
apoiadas na beirada da piscina, lentamente se moveram até as canelas da garota.
Ela se remexeu, ao sentir o toque das mãos molhadas sobre o jeans, mas permitiu
que ele permanecesse ali.
— Foram duas perguntas — retrucou Lucas, sem repreendê-la. Estava
tentando deixar o clima mais descontraído, embora estivesse tão nervoso quanto
ela.
— Elas fazem parte de um contexto, não podem ser separadas —
argumentou ela, com perspicácia.
— Você é inteligente e madura demais para a sua idade. É uma das
qualidades que mais amo em você.
Nora passou a língua pelos lábios secos.
Lucas queria ele mesmo umedecer os lábios dela.
— Não fuja da pergunta.
Acariciando com suavidade as canelas de Nora, Lucas pensou bem antes
de colocar em palavras os seus sentimentos. Não queria arriscar. Sabia que
aquela pergunta era crucial.
— Quando eu te vi pela primeira vez, naquele fatídico dia em que te
encharquei toda, meu primeiro pensamento foi que suas pernas eram incríveis e
que eu adoraria passar uma noite inteirinha com minha cara enfiada entre suas
coxas.
A garota poderia facilmente ser confundida com um tomate maduro,
estava tão vermelha quanto um. Lucas não media as palavras, era descarado e
absurdamente sincero.
— Eu não posso mentir para você, Nora. Você me enfeitiçou, me deixou
cheio de tesão e eu só consegui dormir depois de me masturbar, pensando em
você me chupando bem gostoso.
— Lucas!
— Deixe-me falar, eu quero começar do começo — disse impaciente. —
Sei que não estou sendo um cavalheiro, mas minha intenção aqui é explicar a
você o quanto me senti atraído. O quanto o seu corpo me enlouqueceu à primeira
vista. Sei que você ainda é menor de idade, e isso pesou na minha consciência,
me senti um pedófilo, sei lá. Mas depois refleti que não a desejei pelo fato de
você ser uma adolescente, eu nunca me senti atraído por alguém tão jovem,
então eu sei que não é nenhuma doença ou perversão. Também não senti que
estava abusando de você, porque também se sentiu atraída por mim. Foi mútuo e
consensual. Foi você como mulher que me chamou a atenção, a sua beleza
simples e ao mesmo tempo estonteante. Entrei em conflito porque pesei na
balança os prós e contras de tentar algo com você. Sua idade, minha idade, seu
pai, sua inocência, o fato de que não levo ninguém a sério e que me envolver
com você poderia trazer problemas dos grandes, caso fossemos descobertos.
Enfim, não havia nada de positivo, a não ser a minha realização pessoal e sexual
de te comer.
— Nada disso mudou — replicou Nora, quase em um sussurro. —Tudo o
que pesou na balança de forma negativa, ainda existe.
— Mas o lado positivo ganhou peso e está se sobrepondo ao negativo. Eu
tenho sentimentos por você, Nora. Sentimentos que nunca tive por mulher
alguma em meus quase vinte e nove anos. Tem algo de especial e muito positivo
nisso, não é? — Ele balançou a cabeça. — Não responda, ainda não é a sua vez.
Eu pensei em uma louca obsessão, e não descarto isso ainda. Você não sai da
minha cabeça, eu te desejo desenfreadamente, me sinto um merda cada vez que
brigamos e morri de ciúmes quando vi você e o Ivan conversando. Eu tomei um
porre por sua causa! Nunca fiquei de porre por causa de mulher, isso foi a
proclamação da minha derrota como o ser humano solteiro e mulherengo que
sempre me orgulhei de ser.
— Você está me deixando confusa, Lucas.
Lucas pestanejou. Sabia que estava divagando demais.
— Tô tentando explicar que me apaixonei por você, porra! — desabafou,
sentindo-se angustiado.
Oh droga, eu acabei de me declarar pra ela...
Os olhos de Nora se arregalaram com o que Lucas acabara de confessar.
Ele disse, mesmo de um jeito nada romântico, que estava apaixonado por ela.
Caramba! Nunca, ninguém esteve apaixonado por ela antes. Aquilo era... Não
sabia descrever, mas sentiu seu coração se inundar com um tipo de sensação
imensurável, como se ele fosse transbordar algo deliciosamente perfeito. O que
poderia ser esta sensação? Que nome poderia dar ao que estava sentindo naquele
momento?
— O que se passa pela minha cabeça — continuou Lucas — quando
penso em nós, é o desejo de descobrir com você o que é isso que temos. Quero
entender o porquê eu não consigo tirar você da minha cabeça, e porquê me sinto
tão incompleto quando você não está presente, porque sei que ainda não me
pertence, mas quero muito que seja minha. E quero muito ser seu.
— O que está disposto a fazer em relação a esses sentimentos? — Nora
estava sobrecarregada de informações, mas ainda queria saber até onde ele
chegaria com sua sinceridade.
Não reconhecia o homem que estava diante de si, acariciando sem
malícia suas canelas, mas deixando-lhe a sensação de que poderia entrar em
combustão a qualquer momento.
— Estou disposto a te provar que posso merecer a sua confiança, o seu
respeito, e principalmente, o seu coração.
Uma lágrima escorreu de seu rosto, foi inevitável tentar controlar, mas
Nora sequer tentou. Lucas sentiu o desejo incontrolável de secar a lágrima, mas
estava nu dentro da piscina e não conseguia chegar perto o bastante para
alcançar o rosto da garota.
— Eu não sei o que dizer... — murmurou ela.
Ele a fitou com ternura.
— Pois é melhor pensar, porque agora é minha vez de fazer as perguntas.
Ela sorriu e concordou, assentindo silenciosamente com a cabeça.
— Você acredita quando eu digo que estou disposto a te levar a sério,
caso você me dê uma oportunidade? — perguntou Lucas.
Nora hesitou.
Acreditaria nele? Poderia confiar que Lucas seria fiel a ela caso
estivessem em um relacionamento? Que ele a respeitaria e não a faria sofrer? Era
um verdadeiro tiro no escuro, se levasse em consideração o currículo de
relacionamentos inexistentes e fracassados que ele possuía. Mas então, lembrou-
se do que Sabrina lhe dissera na noite anterior, que se o próprio Lucas estivesse
disposto a mudar por ela, sem que ela lhe forçasse a isso, haveria uma chance,
porém, ela teria que fazer uma escolha também.
Ela estava pronta?
— Eu estou disposta a acreditar.
Lucas pareceu decepcionado com a resposta.
— Foi uma resposta evasiva — argumentou ele.
— Foi sincera.
Ele anuiu.
— A segunda pergunta, você me respondeu na sexta-feira. Quando te
perguntei se sentiria a minha falta se eu fosse embora, você disse que sentiria.
Nora sentiu-se tensa, Lucas estava abordando aquele assunto novamente.
— Você vai embora? — questionou-o.
Lucas sorriu de um jeito enigmático.
— Sua vez de perguntar acabou. Agora, minha última pergunta, Nora:
você esperaria por mim?
Esperar? Por que ela teria que esperá-lo?
Nora se agitou, nervosamente. Algo ali não parecia se encaixar.
— É isso então? Você vai embora e quer que eu te espere? — questionou
Nora.
Lucas bufou, frustrado. Puxou Nora para perto de si, fazendo com que a
garota esticasse as pernas e as deixasse afundar dentro da piscina, mas ela não se
importou em molhar a calça e o par de tênis, e ele não parou de olhá-la nos olhos
mesmo tendo-a de pernas abertas tão perto de seu rosto. Pousou as mãos em suas
coxas, mas sem acariciá-las, apenas segurando-as com firmeza. Nora segurou
Lucas por seus respectivos pulsos, sentindo a energia da atração vibrar entre
eles.
— Eu fui sincero em todas as suas perguntas, mas você está evitando as
respostas que preciso ouvir da sua boca...
Ela virou a mão direita de Lucas para cima e entrelaçou seus dedos nela.
Lucas sentiu o coração apertado, queria ouvir de Nora as palavras que precisava
para se manter firme em seu propósito. Estava disposto a agir da forma correta,
ser um bom homem e merecê-la, arriscar-se novamente em um relacionamento,
mas fazê-lo dar certo. Queria aquilo, mas precisava de um incentivo.
— Desculpe — sussurrou a garota, tornando a fitá-lo. — Eu quero
acreditar que nós podemos fazer isso. Não posso dar certeza porque tudo é muito
novo para mim, Lucas. Tenho medo de me machucar, mas também tenho
sentimentos por você, e se está disposto a se comprometer e fazer dar certo, sim,
eu espero. O tempo que for preciso, desde que seja verdadeiro.
Lucas sorriu, não conseguiu conter sua euforia ao ouvi-la. Talvez, a
felicidade estivesse batendo à sua porta. Talvez fosse merecedor de uma
oportunidade, nunca pensou que fosse se apaixonar por alguém, não esteve
fugindo do sentimento, mas não acreditava que fosse possível. Há uma semana,
não acreditava que pudesse ser fiel a uma única mulher, mas agora, ele só
conseguia pensar em Nora e nenhuma outra vencia a redoma que aquela garota
erguera em seu coração. Ninguém entrava, mas ela não saía de lá.
— É verdadeiro, Nora. Você é a bruxinha que enfeitiçou meu coração.
Não há outra verdade além dessa. Eu só preciso que seja paciente e me espere.
Nora franziu a testa, novamente ele tocara no assunto de esperar.
— Esperar o quê, exatamente? — perguntou, enquanto acariciava o
cabelo molhado de Lucas.
Ele não queria contar sobre a Alemanha porque ela poderia facilmente
fazê-lo mudar de ideia. Lucas queria antes de tudo provar a si mesmo que estava
no controle, que gostava dela e estava disposto a assumir um compromisso, mas
antes, precisava manter distância e esperar que Nora atingisse a maioridade
legal. Mesmo sendo menor de idade, o relacionamento deles não era proibido
legalmente, mas havia muito mais do que uma lei autorizando ou não o
envolvimento entre um adulto e um adolescente. Embora estivesse muito perto
de ser considerada adulta, Nora foi educada em um colégio religioso e seu pai
era bastante protetor, havia um relacionamento de amizade entre a família
Sampaio e a família Marinho, a diferença de idade, a fama de Lucas com as
mulheres, tudo contribuindo para que a relação deles não fosse vista com bons
olhos. Lucas precisava de tempo para mudar sua reputação, pois acatando o
pedido do seu pai, ganharia o apoio dele e automaticamente o de sua mãe. Se os
dois estivessem ao seu lado e Nora já não fosse menor de idade, alguns
empecilhos seriam derrubados e a probabilidade de serem aceitos como um casal
aumentaria.
— O momento certo. Isso é tudo o que posso dizer. Confia em mim?
Estranhamente, ela confiava.
— Sim.
— Então por enquanto, a gente espera.
— Tá.
Fitaram-se, selando uma promessa silenciosa. Nora confiou seu coração
aquele homem, sabia que era arriscado, que poderia se magoar, mas preferiu
mergulhar de cabeça a se arrepender sem ter tentado. Não entendeu de fato o
pedido de espera, mas não iria pressioná-lo, fora Lucas quem tomara a iniciativa
de tentar fazer dar certo. Ela era inexperiente demais em assuntos do coração,
mas sentia-se diferente desde que ele aparecera em sua vida. A garota acreditava
em destino, também acreditava em redenção, e daria a Lucas essa oportunidade.
Veria até onde poderiam chegar juntos, tentaria manter sua cabeça no lugar,
mesmo que seu corpo se desmanchasse todo, sempre que ele a tocasse.
Eles estavam tão próximos, o corpo dele gelado por estar dentro da água
por bastante tempo. Havia se passado muito mais que dez minutos, Nora
precisava voltar para casa e Lucas sair daquela piscina.
— Sabe nadar? — perguntou Lucas.
— Uhum...
— Deixe a sua bolsa aí no chão — pediu ele, com um sorrisinho sacana.
Ela semicerrou os olhos.
— Eu não vou nadar com você, Lucas.
O sorriso do homem aumentou.
— Não vamos nadar, só quero que chegue mais perto.
Ela o encarou com desconfiança.
Era inacreditável que estivessem ali, em plena madrugada, à beira da
piscina, conversando como duas pessoas civilizadas.
— Promete? — insistiu ela.
— Não vamos nadar, tire a sua bolsa e chegue mais perto.
Nora prendeu a respiração, sentiu seu ventre acalorado, em antecipação.
Sentia falta do corpo de Lucas colado ao seu, saber que ele estava sem roupa e
tão perto, despertava-lhe sensações maravilhosas em seu interior. Ela sabia que
ele a excitava, Lucas não precisava se esforçar muito para que ela ficasse
suscetível ao seu charme. Tirou a bolsa e deixou-a no chão. Logo depois, Lucas
a puxou, com delicadeza, para mais perto. Muito perto. O rosto dele estava entre
suas pernas e ela sentiu sua vagina pulsar em expectativa.
Como seria se ele a tocasse ali? Ou se a beijasse ali?
Marina havia contado uma de suas experiências, com o sexo oral. Ela
disse que todo homem que se preze, deveria saber dar prazer a uma mulher com
a língua. Se o beijo de Lucas era tão incrível como ela considerava, sabia que
seria perfeito se ele a beijasse no meio das pernas.
— Você está ficando vermelha, Nora. — observou ele, com malícia na
voz. — Está tendo algum pensamento erótico?
Os olhos da garota se arregalaram, surpresa por ter sido desmascarada.
— Não, eu...
Ele riu, desarmando-a por completo.
— Você é uma péssima mentirosa, bruxinha.
Se tivesse uma opção do último vermelho na tabela de cores, esta seria a
cor exata para descrevê-la naquele momento.
Lucas arrastou sua mão, atrevidamente, até a virilha de Nora. Com o
polegar, acariciou a parte interna da coxa, fazendo com que ela fechasse as
pernas, por instinto. Ele riu, achando graça e ao mesmo tempo se excitando
novamente. A respiração entrecortada, somada a vermelhidão de sua face,
deixou Nora vulnerável e Lucas estava muito satisfeito com aquele avanço. Era
muito bom saber que ele não era o único que se descontrolava por ela.
Continuou acariciando, e a outra mão que agora segurava o passante da calça
jeans, puxou a garota para mais perto, molhando o tecido acima do joelho.
— Nós não vamos nadar — repetiu Lucas. — Mas eu vou mergulhar na
sua boca, bruxinha. Venha aqui.
Ela segurou em seus ombros enquanto ele lhe puxou para dentro da
piscina, foi grande o esforço para não gritar e chamar a atenção para eles, mas
Nora conseguiu se controlar, mesmo que a sensação da água gelada em todo o
seu corpo a fizesse respirar descompassadamente. Lucas a abraçou firme e a
manteve colada ao seu corpo. Assim que se acostumou à temperatura, percebeu
algo duro sendo pressionado contra sua barriga.
Não queria se assustar, já o sentira antes, mas agora era diferente, Lucas
estava nu e mesmo que não olhasse para o volume, Nora sabia perfeitamente que
o homem à sua frente foi agraciado por Deus. Muito agraciado. Sentindo-se
corajosa, ela enroscou suas pernas em torno da cintura de Lucas, fazendo-o
gemer e repousar a cabeça em seu ombro, mordendo-o levemente.
— Puta que pariu, Nora...
A garota esperou que ele a olhasse novamente, o que levou algum tempo.
Lucas estava morrendo de tesão. As pernas de Nora em volta de si
pressionavam o seu pau na entrada protegida pela maldita calça jeans. Um
maldito cinto de castidade impedindo-o de tomar para si o que tanto almejava
desde que a conhecera. Mas manteve-se firme em seu propósito, tinha que
esperar, era o certo a fazer. Ele esperaria, principalmente agora que ela havia lhe
prometido esperar também. Recuperou a sanidade, ou parte suficiente dela, e só
então tomou coragem de fitá-la novamente. Cobiçou seus lábios entreabertos,
misturou sua respiração com a dela, sentiu seus corpos se aquecendo na água, e
então permitiu-se perder-se nela por alguns instantes.
Não conseguiu dizer nada, então fez o que tanto teve vontade, prendeu
sua mão na nuca dela e a puxou para si, tomando sua boca em um beijo
desesperado e cheio de fome e volúpia. Ela era boa naquilo, assim que seus
lábios se colaram, Lucas sentiu a língua de Nora invadir sua boca e explorá-lo
sem pudor algum. Era por isso que ela era diferente, não queria executar nenhum
desempenho pornográfico a fim de seduzi-lo, ela agia por instinto, deixando o
desejo fluir e saciando-o de maneira crua. Ele deu um passo à frente,
pressionando-a contra a parede da piscina, assim conseguiu equilíbrio e retirou
uma de suas mãos da cintura dela, explorando o corpo que tanto desejava
possuir. Subiu a mão lentamente, por dentro da regata encharcada, tremendo com
o toque de pele contra pele, seus dedos fazendo o reconhecimento do abdômen
macio, subindo para as costelas e logo alcançando um dos seios. Eram pequenos,
mas lindamente naturais. Havia o sutiã, impedindo-o de explorar com mais
vontade, mesmo assim ele seguiu em frente até conseguir invadir o espaço
protegido pelo acessório feminino.
Nora estava queimando por dentro, o sabor de Lucas era maravilhoso,
viciante. Queria beijá-lo o suficiente para que seu gosto permanecesse consigo
para sempre, mas infelizmente não era assim que funcionava. Quando ele tocou
um dos seios, ela gemeu contra sua boca, adorando a sensação da mão dele
beliscando o seu mamilo entumecido pelo frio da água, ou arrepiado pelo toque
dos seus dedos lhe apertando para provocá-la. Tudo aquilo que ele despertava
nela era indescritível, sentia-se num paraíso flutuante, em um sonho que não
queria acordar. Mas então Lucas interrompeu o beijo, e afastou-se com um
pouco de cautela, assustando-a.
— Eu adoraria te comer nessa piscina, Nora. É o que faria se não me
importasse tanto contigo, mas me importo. Então é melhor você ir para casa. O
momento certo lembra? É isso que vamos esperar, e então quando ele chegar, eu
vou fazer amor com você.
Ela sorriu para ele, sentindo-se especial. Algo em Lucas havia mudado,
Nora viu a fome e o desejo lascivo em seus olhos, mas também viu ternura e um
brilho especial que ainda não conseguia decifrar, sabia apenas que era o bastante
para acreditar e esperar por ele.


Meu coração está quase saindo pela boca! Não foi fácil me afastar de
Lucas, não depois de tudo o que dissemos um para o outro e do que fizemos na
piscina. Meu corpo flameja e flutua sempre que estou em seus braços, o que não
aconteceu muitas vezes, mas o suficiente para eu perceber que há algo de
especial quando estamos juntos.
Não quero agir como uma garotinha sonhadora, mas...
Às vezes garotas precisam sonhar um pouco. Não?
Estou ensopada, pois entrei na piscina de roupa e tênis. Onde eu estava
com a cabeça?
No mundo da lua, talvez...
Entro em casa e não me sinto preparada para mentir ao meu pai, é óbvio
que ele irá perguntar o que houve quando me encontrar neste estado deplorável.
Devia ter pensado nisso antes, tarde demais, Nora.
A casa está silenciosa, não ouço o barulho da TV. Tiro a chave de dentro
da minha pequena bolsa e abro a porta, cautelosamente. Espio por entre a porta
vejo que a luz da sala está apagada, mas a da cozinha acesa. É assim que o papai
costuma deixar quando vamos dormir. Entro e tranco a porta, caminho passo a
passo até o banheiro e consigo não fazer barulho.
Como diria a tia Laurinha: “Mais sorte do que juízo”.
Mas eu não posso ficar contando com a sorte.
Enquanto tiro minhas roupas molhadas, ligo o chuveiro para a água
esquentar, ela demora um pouco e embora a noite não esteja fria, eu prefiro
tomar um banho quente. Entro no pequeno box e pego o sabonete, faço bastante
espuma na esponja e a esfrego pelo meu corpo. Estou tentando não pensar nos
lábios de Lucas contra a minha pele, nem da sua mão curiosa explorando meu
corpo. Também não quero pensar em como tive coragem de me enroscar nele
daquela maneira e o devorar com meus beijos famintos, isso provou não só a ele,
mas a mim também, que por mais que eu seja inexperiente, sou uma mulher e
tenho minhas necessidades.
Ao me dar conta disso, eu paro de me esfregar e escoro-me na parede do
chuveiro.
— Ah droga...
Não desmenti minha virgindade para ele.
Como posso fazer isso?
Lucas abriu seu coração para mim, revelou estar apaixonado e disposto a
tentar algo sério comigo. Isso me emociona e embora o medo de ser magoada
ainda permeie meus pensamentos, dei-lhe um voto de confiança. Ele me deseja
ardentemente e isso ficou claro ao senti-lo, sem roupa, na piscina esta noite.
Deixei-me levar tão fácil, quase me esquecendo de tudo à minha volta. Foi
Lucas quem tomou as rédeas da situação, ele decidiu parar quando
provavelmente eu não o teria parado. Sequer pensei no porteiro da mansão, ou
no meu pai e os de Lucas, ou qualquer outro funcionário que pudesse circular
por ali naquela hora e nos encontrar em uma situação bastante comprometedora.
Como fomos descuidados! Mas principalmente, como eu fui descuidada!
Não posso cometer erros dessa magnitude, deixando a sorte guiar meu
destino. Quero e vou esperar por Lucas, seja lá o que ele tem em mente, tenho
certeza que é para o nosso bem.
Acordo do meu transe e volto para o banho. Passo shampoo no cabelo e o
esfrego, em seguida enxáguo e aplico o condicionador, hidrato os fios e enxáguo
novamente, faço minha higiene íntima e desligo o chuveiro. Seco-me e enrolo-
me na toalha de banho, mas antes de sair do banheiro, certifico-me de colocar
minhas roupas molhadas dentro do cesto, misturando-as com as outras peças.
Estou sendo paranoica, agora, mesmo que o momento crucial para ter agido
deste jeito tivesse passado.
Já em meu quarto, visto meu pijama e deito na cama com o cabelo
molhado. Não quero fazer barulho usando o secador. Abusar da sorte não é do
meu feitio.
O sono demora a chegar, sinto-me eufórica. Passo em minha mente cada
palavra, cada olhar, cada beijo. É tão bom e ao mesmo tempo tão assustador.
Isso é o amor, afinal?
Quanto tempo uma pessoa leva para se apaixonar por alguém?
Apaixonar e amar é a mesma coisa?
Como saber que não estou caindo em uma armadilha da vida?
Eu posso superar uma desilusão?
Eu posso ter tido a sorte de encontrar o amor verdadeiro, logo na
primeira tentativa?
Lucas pode realmente mudar, para ficar comigo?
Eu posso estar sendo ingênua... E essa não é uma interrogação, mas
quase uma certeza.
Mil perguntas são elaboradas enquanto mantenho os olhos fechados e
tento dormir. Viro-me de um lado para o outro, alterno posições buscando a mais
confortável para que meu corpo desligue e adormeça até amanhecer, mas nada
disso acontece.
Sento-me na cama e passo as mãos pelo rosto, tentando afastar os
pensamentos ruins. Sei que estou com medo, pois é tudo tão novo para mim.
Mas não tenho dúvidas, de que tomei a decisão certa ao dar uma chance para a
felicidade.
Ouço meu celular vibrando, embaixo do travesseiro. O pego e verifico.
Trata-se de uma mensagem de um número desconhecido.
Deve ser engano, ou a operadora fazendo algum marketing.
— Oh meu Deus! É ele!
Leio a mensagem umas dez vezes seguidas, para ter certeza que não
estou tendo alucinações.
>>> Não paro de pensar em seus beijos.
Sorrio e digito uma mensagem de volta.
Nora>>> Quem é?
>>> Você andou beijando mais alguém?
Se eu sorrir mais, é capaz do meu maxilar se deslocar.
Nora>>> Não!
>>> Então você sabe quem é.
Nora>>> Como conseguiu meu número?
>>> Na oficina, há alguns dias.
Uau, ele tinha meu número antes de nos entendermos...
Nora>>>Eu também não paro de pensar...
>>> De pensar no quê?
Nora>>> Em nós dois, na piscina.
>>> Você foi incrível.
Minha nossa! O que eu digo?
Nora>>>Você também.
>>> Da próxima vez que eu estiver nu...
Nora>>> O QUÊ?
>>> ... no mesmo ambiente que você...
Oh meu Deus!
>>>... não te deixarei ir embora. Ficará comigo a noite toda.
Eu preciso dizer a verdade a ele.
Digito a mensagem, mas desisto de enviá-la. Estava frente-a-frente com
Lucas quando o deixei acreditar que eu não era mais virgem, não seria adulto de
minha parte contar a verdade por mensagens de texto. Antes que eu conseguisse
pensar em uma resposta adequada, meu celular vibra com uma nova mensagem.
>>> Boa noite bruxinha. E não esqueça: Espere por mim!
>>> E sonhe comigo... pelado!
Lucas pode mudar seu jeito mulherengo de ser, para tentar um
relacionamento sério comigo. Mas se há algo nele que certamente não irá mudar
é seu vocabulário sujo e mente maliciosa. Ele definitivamente nasceu para o
pecado e sexo, aparentemente, é o seu sobrenome. Mais cedo ou mais tarde eu
terei que contar a verdade. Ele vai ter que pegar leve comigo. Apesar de querer
muito estar com ele e me entregar, sei que ficarei nervosa na primeira vez.
Dou-lhe boa noite e guardo meu celular novamente, embaixo do
travesseiro. Deito-me na cama e fecho os olhos. Continuo sorrindo, deixei de
lado as apreensões que estavam me inquietando. Conversar com Lucas por
mensagem me deixou mais tranquila sobre a escolha que fiz. Eu só precisava ser
honesta com ele, assim como ele foi comigo.


Desligo meu celular para não ceder à tentação de passar o restante da
noite enviando mensagens para Nora. Eu não quero me comportar como um
adolescente bobo, apaixonado pela primeira vez. Mesmo que nos últimos dias eu
tenha me descontrolado e tornado obsessivo, comportando-me como um garoto
de fato, agora eu sinto que finalmente estou pensando com clareza e preciso me
manter assim.
Estou apaixonado. Dei-me conta disso e por mais que seja assustador,
quero viver esse momento. Porém, não pretendo agir no calor da emoção e
somente mais tarde perceber que fui impulsivo. Espero que essa semana passe
rapidamente e que os dois meses que ficarei longe dela, passe mais rápido ainda.
Vai ser uma tortura? Sim! Mas estou ainda mais convicto de que essa distância é
necessária. É como se eu fosse um viciado e precisasse me desintoxicar da
droga, limpar meu organismo para tentar um recomeço livre da dependência.
Mas Nora não é como uma droga, eu não preciso me desintoxicar dela, nem
recomeçar sem ela, pelo contrário, preciso me manter distante para colocar meus
sentimentos em ordem e voltar preparado para enfrentar o que for preciso,
provar a todos que o que sinto é real e não um capricho. Droga! Sei que é real,
pois algo tão intenso não pode ser fugaz. Vou encontrar o equilíbrio entre a
paixão e a sanidade e poderei tê-la por completo.
— Vai dar tudo certo, Lucas. Dê tempo ao tempo, cara... — murmuro
para mim mesmo, antes de cair no sono.


Acordo abruptamente, ao som de fortes batidas na porta do meu quarto.
Abro os olhos e sento-me na cama. As batidas persistem e agora consigo
perceber a voz de minha mãe misturada ao som das batidas.
— Lucas, querido. Acorde!
Levanto-me apressadamente e corro para abrir a porta, minha mãe parece
bem, então por que diabos ela está me acordando se não é uma emergência?
— Que horas são? — pergunto sonolento, coçando meus olhos
preguiçosamente.
— Vá vestir uma roupa, menino! — ralha. — Isso é jeito de vir atender
sua mãe?
Reviro os olhos.
Dona Isabella, e seu recato!
— Mãe, eu estou de cueca no meu quarto, sozinho e com a porta
trancada. E a senhora já me viu pelado, afinal, quem me deu banho durante os
meus primeiros anos?
Ela ri e me abraça.
— Você pode pegar um resfriado, querido — tenta se justificar.
Beijo seu cabelo e desfaço-me do abraço. Caminho até meu closet e pego
uma calça de moletom.
— Tenho certeza que não vou adoecer só porque abri a porta, seminu,
mãe. Você é protetora demais. — Visto minha calça e volto para o quarto.
Encontro minha mãe sentada em minha cama.
— Você não saiu ontem, por quê? — perguntou.
Franzi a testa.
Será que ela me viu com a Nora ontem?
Dei de ombros, tentando disfarçar o meu desconforto com a indagação
dela.
— Eu não queria te deixar sozinha. Você sempre fica sensível quando o
papai viaja e eu te fiz companhia, lembra?
— Adorei cada segundo, filho.
— Já sabe o meu motivo, então...
Reparo que minha mãe está vestida elegantemente e maquiada, de uma
maneira que não costuma fazer quando pretende ficar em casa.
— A senhora vai a algum lugar? — questiono, sentando-me ao seu lado.
— Sim, foi por isso que te acordei. O seu celular está desligado? Tentei
te ligar, mas você não atendia então fiquei preocupada e resolvi te acordar.
— Quer que eu vá com você?
— Oh, não é preciso. Só vim te comunicar. Hoje é domingo e não há
ninguém na mansão, dei folga a todos os funcionários da casa, apenas o senhor
Gerônimo está cuidando da portaria. Irei a uma exposição de plantas
ornamentais e Bento será meu acompanhante. Pretendo voltar depois do almoço,
então você está sozinho. A não ser que queira ir comigo, mas provavelmente
Bárbara estará lá, já que o evento tem o apoio da universidade.
Minha mãe sabe perfeitamente que procuro me manter longe de Bárbara,
desde o nosso rompimento. A maneira como terminamos não foi muito
amigável, então eu prefiro evitar qualquer transtorno desnecessário. Mesmo que
tenhamos nos falado algumas vezes por telefone, não descarto a possibilidade de
Babi dar chilique em um encontro “cara a cara”. Ela ficou muito magoada
comigo quando descobriu minha traição, mas eu não a culpo.
— Certo, acho que ficarei em casa. Caio está noivo da Sabrina e agora
que eles estão grávidos, não se desgrudam mais. Acho que ele devia entender
que ser pai não significa necessariamente se tornar um gêmeo siamês da mãe de
seu filho, mas ele está mais interessado em compensar o tempo em que foi um
babaca com ela.
Minha mãe ri e dá um tapinha em meu ombro.
— Caio está apaixonado, fico feliz por ele. Quem sabe um dia você
descubra o que é isso?
Sorrio, mas dou de ombros. Ainda não estou preparado para conversar
com minha mãe sobre Nora.
— É, quem sabe um dia,
— Talvez encontre alguém, em sua temporada na Europa.
Suspiro, desanimadamente.
— Mãe, pare de bancar a casamenteira. A última vez que bancou a
cupido, eu quase me casei com a Bárbara. Ia ser o maior erro da minha vida.
— Não diga isso, querido. Eu só quero que seja feliz. Seu pai e eu não
viveremos para sempre, eu queria deixar você encaminhado antes de partir deste
mundo.
Puxo minha mãe para um abraço e beijo seu cabelo.
— Você e o papai viverão muitos anos, e me ajudarão a criar os dez
filhos que pretendo ter um dia.
— Por Deus, Lucas! Dez filhos? — pergunta, chocada. — Espero que
eles sejam de uma única esposa. Não me decepcione.
— É claro que serão, dona Isabella. Por que acha que ainda não me
casei? É difícil encontrar uma pretendente que aceite ser mãe de dez crianças.
Ela ri, ainda abraçada a mim.
— Você pretende montar um time de futebol, ou algo assim? —
pergunta, entrando na brincadeira.
— Preciso de muitos herdeiros para gerenciar as oficinas.
— Você é um sedutor! — Desfizemo-nos do abraço. — Mas agora,
falando sério, eu desejo o melhor para você, Lucas. Espero estar viva para
conhecer sua outra metade, aquela que finalmente conquistará o seu amor e se
tornará sua companheira para o resto da vida. Quero para você o que eu e seu pai
temos.
— Eu também quero, mãe. Não duvide disso.
Ela pestanejou, surpreendendo-se com minha resposta.
— Quem é você, e o que fez com meu filho galanteador?
— É mãe, acho que finalmente o seu bebê está se tornando um
homenzinho.
Minha mãe se levanta e beija minha testa, antes de se encaminhar para o
corredor.
— Já estava na hora — diz ela. — Eu tenho que ir, Bento está me
esperando. Eu devo retornar até às três da tarde.
— Divirta-se.
— Tchau.
Minha mãe se vai e deito-me novamente.
Penso na breve conversa que tivemos.
Desde quando me tornei um homem que sonha em se casar e ter dez
filhos?


Nora acordou tarde naquela manhã de domingo, estranhamente seu pai
não a chamou. Verificou em seu celular o horário e constatou que passava das
dez horas. Levantou-se preguiçosamente e abriu o guarda-roupa, escolheu um
vestido floral — o mesmo que usara no dia em que conheceu Lucas — e prendeu
seu cabelo no habitual rabo de cavalo. Calçou os chinelos e encaminhou-se para
a cozinha.
Nem sinal de Bento.
— Pai? — Foi até o quarto do pai.
Chamou por ele mais duas vezes enquanto batia na porta. A casa estava
silenciosa, então Nora concluiu que ele devia estar na rua. Retornou para a
cozinha decidida a preparar um bule de café, ao reparar na garrafa térmica em
cima da mesa, Nora avistou um pedaço de papel com a caligrafia de seu pai.
Filha:
Fui à uma exposição de plantas ornamentais com
a senhora Isabella.
Deixei comida preparada para você na geladeira.
Tem café novinho na garrafa térmica.
Pensei em acordá-la, mas você parecia um
anjinho dormindo.
Devo estar de volta pelas três horas da tarde, se
passar deste horário, te ligo.
Nora dobrou o bilhete e o deixou em cima da mesa, preparou uma caneca
com café e leite e sentou-se na sala para assistir um pouco de televisão. Dormira
tarde na noite anterior e o motivo de sua insônia não saía de seus pensamentos
desde que acordara. Não fazia ideia de como as coisas seriam dali por diante,
mas estava crente de que tudo daria certo. Tomou seu café despreocupadamente
e após terminá-lo, lavou a caneca e a guardou no armário. Lembrou-se das
roupas molhadas e resolveu lavá-las. Seu tênis também precisava de sol para
secar. Nora se entreteve com os afazeres domésticos, levando o cesto de roupa
suja até a área na parte de trás da casa, onde havia uma máquina de lavar roupas
e um pequeno tanque. Por sorte, as roupas não haviam mofado, ela as colocou na
máquina, juntamente com os produtos de limpeza e ativou o comando de
lavagem. Enquanto a lavadora fazia seu trabalho, Nora foi pendurar os tênis no
varal.
— Esse vestido foi o causador de pensamentos muito sujos a seu
respeito.
Ela deu um pulo, ao ouvir a voz de Lucas atrás de si. Deixou um dos
tênis cair no chão, antes de conseguir prendê-lo. Abaixou-se para o pegar e o
pendurou ao lado de seu par.
— Caramba, você me deu um susto danado!
Virando-se, a garota fixou seu olhar no homem de sorriso safado.
Não levou muito tempo para Lucas se dar conta que Nora e ele estavam
sozinhos na mansão. O universo finalmente estava conspirando ao seu favor, ele
aproveitaria todas as oportunidades possíveis para se encontrar com ela, antes de
sua viagem para a Alemanha. Vê-la usando aquele vestido fez seu pau pulsar
dentro da cueca. Ele estava tentando não se deixar levar pela luxúria, querendo
provar a si mesmo que os sentimentos que nutria pela garota, ultrapassavam a
barreira do sexo. Lucas desejava Nora com fúria, porém tinha certeza que não
era apenas atração física. Mas algumas reações não podiam ser controladas e seu
pau tinha vontade própria quando se tratava de Nora.
Ele deu dois passos à frente e ela não recuou.
— Perdão, não foi minha intenção assustá-la. O que está fazendo?
Ela deu de ombros.
— Estava colocando minhas roupas para lavar.
Lucas rompeu a distância entre os dois e puxou Nora pela cintura,
prendendo-a ao seu corpo.
— Que tal passar o restante da manhã comigo? — Lucas beijou-lhe a
ponta do nariz.
A garota arqueou as sobrancelhas, desconfiada.
— Fazendo o quê? — indagou Nora.
— O que você quer fazer? — Seu sorriso era ainda mais malicioso.
Ela engoliu em seco.
— E-eu não sei.
— Por que você está gaguejando, Nora? — Lucas apertou-lhe um pouco
mais a cintura.
— É que... — hesitou na resposta.
— Vamos lá, bruxinha — incentivou Lucas. — Temos que aprofundar a
conexão entre nós, então você não pode ter vergonha de me dizer o que está
pensando.
Ela riu, sentindo-se encabulada.
— Não me leve a mal, Lucas. Mas as coisas que você fala, sempre
pendem para o lado sexual.
Lucas afastou a garota, com delicadeza. Fitou-a com seriedade e viu
insegurança nos olhos dela. Percebeu que seu jeito atrevido a intimidava, mas o
fato era que ele estava acostumado com mulheres mais velhas, ousadas e
acostumadas a tomarem a iniciativa ou participarem do seu jogo de sedução.
Mas Nora era diferente, ela sentia-se intimidada com as insinuações dele. Era
uma mulher linda e com um corpo bastante atraente aos seus olhos, o seduzia
sem fazer esforço algum, mas não era ciente do poder que exercia sobre ele. Essa
inocência era o que mais lhe cativava, talvez o fizesse desejá-la com muito mais
ímpeto. Fora por este motivo que Lucas aceitou a sugestão de seu pai de ir para a
Alemanha, queria provar a si mesmo e que poderia esperar. Agora precisava
provar a ela que estava realmente disposto a fazer isso.
Segurou o rosto da garota entre suas mãos.
— Eu gosto muito de você, Nora. Não apenas porque te acho bonita e
gostosa, mas porque algo em você tocou profundamente em mim. Não sei dar
um nome ao que sinto, mas estou disposto a descobrir o que é.
— Você disse que estava apaixonado por mim... — murmurou Nora,
confusa.
— Eu estou muito apaixonado por você, mas não quero começar uma
história movida por paixão. Embora sinta que seja tarde demais, pois tudo
começou com uma forte atração física. Mas vou te provar que é mais que isso.
A garota tocou-lhe as mãos, que ainda seguravam seu rosto.
— Como?
— Eu te pedi que me esperasse, falei que o momento certo iria chegar. É
assim que vou provar para mim, e para você, que podemos dar certo.
Nora deu um passo para trás, se desfazendo do toque de Lucas.
— Você fala de uma maneira enigmática. Eu preciso saber o que está
realmente acontecendo, Lucas.
Ele sabia que o momento de contar a ela sobre a viagem havia chegado.
— Estou de viagem marcada para a Alemanha — revelou, sentindo sua
garganta ficar seca. Observou a reação de Nora, seus olhos se arregalaram em
surpresa e sua boca se entreabriu levemente, mas não emitiu som algum. Decidiu
dizer tudo de uma vez. — Meu aniversário é no próximo domingo, meu voo está
agendado para a segunda-feira. Viajo no domingo à noite para a capital, assim
chego a tempo, no aeroporto.
Nora não conseguiu dizer nada, estava tentando absorver tudo o que
Lucas lhe dizia, mas ainda não assimilara o porquê daquela viagem influenciaria
no relacionamento deles.
A não ser que...
— Quanto tempo você ficará fora? — perguntou ela, começando a
entender tudo.
Lucas desviou o olhar.
— Dois meses — disse, sentindo sua voz falhar. Era um assunto delicado
para ele, apesar de já ter aceitado, ainda era difícil pensar que ficaria sessenta
dias sem vê-la ou tocá-la.
— Oh...
— Na verdade — continuou Lucas. — Eu só retorno depois que você
tiver completado a maioridade legal.
— Por quê?
— Porque será um empecilho a menos para enfrentar.
— Empecilho? — Perguntou magoada.
Lucas estendeu a mão para Nora, o olhar suplicante para que ela
segurasse. Nora olhou para a mão de Lucas estendida em sua direção, mas
hesitou aceitá-la.
— Venha comigo até minha casa, confie em mim, não há nenhuma
intenção sexual por trás do convite. Vamos conversar sobre a viagem e
aproveitarmos para nos conhecer melhor, agora que estabelecemos uma relação
sem brigas e provocações. Deixe-me explicar a você o que preciso fazer para que
a gente dê certo como um casal.
As palavras de Lucas foram convincentes e serviu para acalentar Nora, a
garota aceitou a mão que lhe foi estendida e Lucas aproveitou para puxá-la
novamente para perto, colando seu corpo ao dela.
— Mas antes, eu quero um beijo... — disse ele, reivindicando a boca da
garota para si.
Cada vez que se beijavam, a conexão entre eles se fortalecia. Nora sentia
seu corpo derreter e o coração aquecer dentro do peito. Estava vivenciando um
dos momentos mais felizes de sua vida, a descoberta do amor.
Lucas fechou os olhos e deixou-se levar pela sensação de estar no
paraíso, ter Nora em seus braços e ter o privilégio de saborear seus lábios, não
somente o consumia de desejo, mais lhe proporcionava uma espécie de êxtase
divino. Como se finalmente fosse abençoado com um sentimento raro e digno de
sua dedicação e respeito. Sim, seu pau estava duro dentro das calças e ele sentia
uma necessidade enorme estar dentro dela, mas compreendeu que esse era o seu
antigo “eu” querendo se sobressair, a natureza lasciva de sua personalidade não
entendia que as coisas precisavam ser diferentes a partir de agora, pois antes do
sexo, havia um laço emocional que o ligava a ela. E por este motivo, afastou-se
lentamente e interrompeu o beijo.
— Vamos ter o nosso primeiro encontro, Nora. Hoje eu serei um
cavalheiro.
Ela sorriu para ele, e Lucas retribuiu o gesto. Adorava quando ela lhe
olhava daquela maneira. Como sentiria falta desses momentos, ainda era tão
recente e enfrentaria uma longa pausa.


Bento manobrou a caminhonete no estacionamento da universidade e
desligou o carro, aguardou a senhora Isabella estacionar na vaga ao lado, em seu
Audi A1 Sportback prateado. Ele aceitou acompanhá-la na exposição de plantas
ornamentais, para juntos escolherem algumas espécies para cultivar na mansão.
Deixou um bilhete para Nora, avisando que retornaria na parte da tarde.
Desceu da caminhonete e acionou o alarme, caminhou até o Audi e abriu
a porta para sua patroa, em um gesto de cavalheirismo. A senhora havia insistido
que viessem em carros separados, queria que Bento transportasse as plantas que
ela compraria. O senhor Alfredo geralmente conduzia o carro, então para
Isabella dirigir quando tinha oportunidade era quase uma terapia.
— Obrigada querido, você como sempre muito gentil — cumprimentou
Isabella, descendo do carro.
— É uma honra, senhora.
Caminharam lado a lado até um dos ginásios da universidade. Algumas
estufas foram montadas, para abrigar as plantas sem danificá-las.
Não era a primeira vez de Bento em uma exposição como essa, ele havia
acompanhado a senhora Isabella em incontáveis eventos. Os dois
compartilhavam a paixão pela botânica e para ele não era incômodo algum, fazer
companhia para sua patroa. Eram dois amigos compartilhando um gosto em
comum.
Bento nutria uma paixão particular pelas Orquídeas, a aparência sensível
da planta escondia a força de sua sobrevivência, plantas acostumadas com o
calor e sobreviventes às altitudes variadas, desde o nível do mar até as regiões
mais altas, porém não devem ser expostas ao sol e nem regadas em demasia. Era
uma contradição o tempo todo. Forte e frágil em doses altamente semelhantes.
Ele adorava cultivá-las e possuía uma pequena coleção em sua casa. Ao avistar
uma estufa cheia de orquídeas, de todas as cores e tamanhos, Bento encarou a
senhora Isabella, que lhe sorriu, acompanhando-o até lá.
— Eu sabia que essa seria a sua primeira parada — observou a patroa,
enquanto apreciavam uma linda variedade de híbridas phalaenopsis. A espécie
de origem asiática florescia quase o ano inteiro, porém precisava de um
ambiente onde a umidade do ar fosse mais alta. Bento poderia mantê-la dentro
de casa, na sombra, perto de outras plantas, assim sua chance de florescer seria
mais alta.
— Ainda não tenho uma dessas — explicou Bento, analisando a
coloração das plantas. — Acho que vou dar uma para Nora. Ela gosta de plantas,
assim como eu. Talvez eu deva ensiná-la a cultivar orquídeas.
— Tenho certeza que ela irá adorar, sua menina é muito esperta e logo
aprenderá a manusear as plantas com a delicadeza que elas exigem. Filho de
peixe, peixinho é. Você aprendeu com o seu pai, nada mais justo que passe o
conhecimento para a próxima geração.
Bento riu, fazia sentido o que Isabella dizia.
— Assim como Lucas herdou a paixão pelos motores automobilísticos —
comentou com a patroa. — É a quarta geração.
— Exatamente, querido.
Continuaram passeando entre os corredores, mas logo Isabella foi
reconhecida e sua atenção exigida por alguns amigos, deixando Bento à vontade
para circular pelo evento. Parou na estufa de bromélias e observou com atenção
a infinidade de espécies.
— Olá, jardineiro — sussurrou a voz feminina em seu ouvido, deixando-
o em alerta.
Bento virou-se, sem demonstrar surpresa ao encontrá-la.
— Olá, senhorita Bárbara.
— Nossa, quanta formalidade.
— Nós não somos amigos, só quis ser educado.
A mulher lhe dirigiu um sorriso sarcástico.
— Claro, claro. Eu tentei ser sua amiga, mas não deu certo.
Bento não conseguia entender onde Bárbara estava querendo chegar, com
seu tom provocativo.
— Você queria se divertir comigo, pelo que me lembro. — Bento decidiu
entrar no jogo de provocações para ver até onde ela iria. — Amizade não era o
que você tinha em mente.
Ela riu, gostou de ver Bento descontraído. A tensão sexual entre eles era
quase palpável, quem os visse poderia não perceber, mas eles com certeza
sabiam que estavam brincando com fogo e pareciam não estar com medo de se
queimarem.
— Nunca ouviu falar em amizade colorida? Amigos com benefícios? —
Bárbara continuou.
Sentia-se ansiosa para saber até que ponto Bento teria coragem de
avançar. Ela certamente não tinha medo de ir até o fim. Já não se sentia tão
irritada e o perfume dele começou a distraí-la. Foi suficiente para esvair
qualquer mágoa ou raiva que nutria por Bento, e trouxe à tona a atração inicial.
Aquele homem tinha um “quê” de mistério, ela gostava daquilo. Bento era lindo
de uma maneira rústica, sedutor de um jeito rude, atraente de forma perigosa. E
ela o desejava como nunca havia desejado outro. Nem Lucas.
Bento ponderou a pergunta de Bárbara e hesitou antes de elaborar sua
resposta. Observou-a com atenção e seu olhar fixou quase que imediatamente em
seu decote. Ela estava maravilhosa como sempre, em um vestido longo de malha
Bali, na cor preta. Havia uma rachadura estratégica do lado esquerdo, deixando
parte de sua perna esguia à mostra. A pela clara de Bárbara aparentava maciez, e
Bento umedeceu os lábios e em seguida engoliu em seco. Estava se excitando e
não queria perder o controle. Não queria dar o braço a torcer para aquela
patricinha mimada. Quase caíra no seu jogo, mas não seria tolo o bastante. Ele
sabia que para ela era tudo diversão.
Mas, e para ele?
— Você parece estar em conflito, garotão. Está gostando do que vê?
Bento sentiu seu rosto ficar vermelho. Ela havia conseguido constrangê-
lo com sua pergunta descarada. Mas Bárbara estava certa, ele estava realmente
em conflito. Ao mesmo tempo em que não queria cair naquele jogo de sedução
sem futuro, desejava-a com ardor. Queria sentir o gosto de sua pele, a textura, o
aroma, as reações ao seu toque. Ele não era o tipo de homem que ignorava uma
transa em potencial, mas nunca fez parte de um jogo como aquele. Não sabia que
consequências sua decisão traria. Mas de uma coisa Bento tinha certeza: ela era
incrivelmente perigosa, tanto quanto tentadora.
— Pensei que tivesse desistido da ideia. — Lembrou-se da conversa que
tiveram.
Ela deu-lhe uma piscadela.
— Eu posso ter repensado minha decisão, mas não pense que vou
implorar por você, Bento. Hoje pode ser o seu dia de sorte, se você não for
medroso, é claro.
Bento ficou sem reação diante da forma direta com que Bárbara deixou
suas intenções às claras. Ela o queria, mas não insistiria se ele recusasse. A
escolha estava nas mãos dele.
Bárbara plantou sua sementinha na consciência de Bento, agora bastava
ele tomar a decisão. Acenou-lhe um tchau e deixou-o ali com as bromélias.
Avistou um grupo de homens e aproximou-se para cumprimentá-los, sim, ela
queria que Bento lhe visse e sentisse ciúmes. Uma atitude infantil, mas
necessária para fazê-lo tomar sua decisão. Bárbara queria mostrar a Bento que
ele não era a única opção, que deveria se sentir privilegiado por ela estar tão
interessada nele.
— Olá rapazes.
Sua voz melódica era atraente aos ouvidos masculinos, ela sabia como se
comportar, como seduzir sem demonstrar interesse. Com Bento Sampaio poderia
não funcionar, mas sempre funcionava com os outros.
Daniel aproximou-se e segurou Bárbara pela cintura, puxando-a para um
beijo na bochecha, que propositalmente por parte dele, alcançou o canto dos
lábios da moça. Afastou-se e o olhar de cobiça percorreu todo o corpo de
Bárbara.
— Cada vez que eu vejo você, está ainda mais deliciosa, Babi —
galanteou Daniel, sem pudor algum.
Bárbara riu, por dentro sentindo asco, mas por fora demonstrando estar
lisonjeada.
— Sempre tão sútil, Daniel.
Ele deu de ombros.
Wellington, o filho do delegado, e Felipe, um dos professores da
universidade, cumprimentaram Bárbara com respeito, apertando-lhe a mão e
beijando-lhe a bochecha rapidamente. Conversaram por alguns minutos, apenas
o suficiente para ela tentar alguma reação de Bento, porém, quando olhou na
direção da estufa de bromélias, não o encontrou.
Sentiu-se decepcionada e após disfarçar alguns minutos, despediu-se dos
três homens e continuou circulando pelo ginásio, buscando sem que reparassem
em sua ansiedade, o homem que lhe despertara um súbito desejo.
Onde estaria Bento?
Passou mais de uma hora, nem sinal do jardineiro. Bárbara sentiu-se
frustrada, tendo que sorrir e conversar com muitas pessoas, seu pai, o reitor da
universidade, não pudera comparecer no evento e ela estava ali para representá-
lo em nome da instituição. Não via a hora de poder fugir alguns instantes para o
seu escritório. Quando finalmente conseguiu desvencilhar-se dos diálogos, ela
discretamente se retirou do ginásio e caminhou pelo campus, indo em direção ao
bloco administrativo. Ao chegar à sua sala, retirou a chave da bolsa de mão que
carregava e a colocou na fechadura.
— Eu posso fazer você implorar, duvida?
Arrepiou-se da cabeça aos pés, a voz sussurrada do homem que esteve
desaparecido na última hora, invadiu seus sentidos e causou-lhe umidade em sua
calcinha.
— Onde você estava? — Bárbara não conseguiu evitar a pergunta.
— Sentiu a minha falta? — Bento pressionou seu corpo contra o dela,
fazendo sua ereção roçar contra a sua bunda.
— Talvez. — Pressionou sua testa contra a porta.
— Eu fui comprar camisinha.
Oh...
Ele havia se decidido, e ela não soube o que dizer.
Ficaram em silêncio, mas logo Bárbara recobrou os sentidos. Ela estava
na porta de seu escritório e podiam ser vistos naquela posição comprometedora.
Abriu a porta e entrou apressadamente, Bento acompanhou-lhe sem pedir
licença. Não que fosse necessário, se ele não o fizesse, ela certamente o teria
puxado pelo colarinho da camisa.
Bárbara jogou o molho de chaves na direção de Bento e ele o agarrou no
ar. Trancou a porta do escritório e então se virou para ela. Sem dizer nada,
começou a abrir os botões da camisa, um por um, sem que seu olhar desviasse
do dela. Ela ficou estática, no meio do escritório, hipnotizada pelo atrevimento
do jardineiro sexy que finalmente havia tomado uma decisão.
— Vamos esclarecer alguns pontos — disse ele, terminando de
desabotoar a camisa. — Você quer brincar comigo, tudo bem. Eu vou deixar. Vai
ser bom para nós dois. — Tirou a camisa e a jogou no chão, em seguida,
desafivelou o cinto da calça, retirando-o lentamente. — Mas antes, sou eu quem
vai brincar um pouco. E quando você finalmente implorar, eu te como.
Jogando o cinto no chão, Bento se aproximou de Bárbara e a puxou pela
cintura, com força, sem dar-lhe chance de escapar. Não que ela quisesse, estava
tão excitada e ainda absorvendo as palavras que ele acabara de proferir. Jamais
pensou que ele seria capaz de falar daquele jeito, com aquele olhar atrevido,
dominante, safado. Aquilo a surpreendeu e deixou-a ainda mais louca e faminta
por ele.
— Seu jardineiro arrogante — murmurou, provocando-o.
Ele sorriu e deu-lhe uma palmada na bunda, fazendo-a pular de surpresa.
— Sua patricinha mimada.
Em segundos estavam se devorando, a disputa de línguas explorando a
boca um do outro com fome e fúria. Bento ergueu Bárbara e a fez entrelaçar suas
pernas em torno dele. Puxou o vestido da moça para cima e ao jogá-lo no chão,
com ajuda dela, soltou um gemido de prazer ao ver os seios desnudos. Ela não
usava sutiã e Bento não demorou em ter um de seus mamilos na boca.
— Ai...
Enquanto chupava e dava suaves mordiscadas, alternando entre um seio e
outro, Bárbara mordia o pescoço de Bento, sugando-o com a mesma volúpia que
ele a chupava. Ela queria marcá-lo, sentiu a necessidade de deixar nele a
lembrança do que estavam prestes a fazer. Sentiu uma palmada forte em sua
bunda e tentou afastá-lo, mas ele era mais forte que ela, conseguia sustentá-la no
colo ainda de pé, no meio do escritório.
— Você me bateu!
Ele riu.
— Pare de me morder, vai deixar marcas — revidou ele.
— Essa é a intenção.
— Tudo bem, se é o que deseja. Mas terá a palma da minha mão
estampada na sua bunda gostosa. — Dito isso, Bento deu-lhe outra palmada.
Não era forte o suficiente para deixar marca, na verdade, a sensação de
leve ardência causava em Bárbara um frisson delicioso. A mistura da dor e do
prazer era inusitada, mas totalmente bem-vinda.
Bento gostava de sexo, não o tinha sempre, pois era difícil encontrar
alguém que tivesse interesse apenas no ato, sem qualquer envolvimento
emocional. Mas Bárbara o esteve provocando e ele não era de ferro. Apesar do
seu drama no passado, ao se envolver com uma mulher de classe alta, sabia que
a situação atual era diferente, eles estavam focados apenas no prazer carnal, nada
de sentimentos compartilhados. Se parasse para pensar, sequer gostava dela,
achava-a atraente, mas não uma pessoa agradável. Então, teve a certeza de que
seu coração estava seguro e poderia levar aquele jogo adiante, sem medo de se
dar mal.
Beijou-a novamente e andou até uma poltrona de couro, no canto da sala.
Colocou Bárbara sentada e abriu suas pernas. Ela vestia apenas uma minúscula
calcinha rosa, e ele sorriu ao constatar que a umidade havia ultrapassado o
tecido. Seu ego inflou, satisfeito por ver a prova de que ela o desejava.
— Você está encharcada...
Bento fazia questão de desconcertá-la. Bárbara enrubesceu. Não havia se
relacionado com mais ninguém, desde que rompera o noivado com Lucas.
Ninguém despertou o seu interesse, após a decepção da descoberta de traição.
Havia se fechado em uma bolha, até conhecer o jardineiro. Mas não pensaria em
Lucas nesse momento, já não o amava, porém, a expectativa de estar com outro
homem, depois de tanto tempo sem alguém, foi o que fizera se lembrar do ex,
nada de especial, disso ela tinha certeza.
— Você é um descarado!
Ele não revidou, ajoelhou-se diante dela e com pressa tirou sua calcinha.
Bárbara não protestou, estava fascinada por ele. Bento ainda vestia o jeans, mas
sua ereção era visível. Ela ansiava por vê-lo completamente nu, mas ele não
demonstrava a menor intenção de se despir.
— Não vai tirar a calça?
Ele negou com a cabeça.
— Primeiro, vou brincar um pouco — sussurrou com a voz rouca.
Não levou muito tempo para Bárbara descobrir qual seria a brincadeira.
Bento se aproximou dela e quando ela pensou que seria beijada novamente, ele
abaixou sua cabeça e afundou-se entre suas pernas. Ela gritou quando sentiu a
língua dele lhe invadir, acariciando seus pontos sensíveis, sugando e beijando
seus lábios vaginais, procurando o ponto erógeno que lhe proporcionaria o ápice
do prazer.
— Bento...
Ele apertou-lhe uma das coxas enquanto a outra mão trabalhava em seu
clitóris. Bárbara puxou-lhe o cabelo e remexeu as pernas, tentando encontrar o
fim de sua agonia. Precisava do orgasmo, estava sentindo-o se aproximar, mas
percebeu que Bento a estava privando de atingi-lo.
— Por quê? — perguntou entre um gemido e outro. Ele a estava
torturando, parando quando ela estava cada vez mais perto de gozar.
— Você ainda não implorou... — revelou-lhe, com um sorriso vitorioso.
Bárbara queria bater nele, sentiu a fúria tomar conta, mas assim que
Bento enterrou um dedo dentro dela, fazendo movimentos estimulantes, Bárbara
esqueceu qualquer raiva.
Ela só queria prazer, e se tivesse que implorar por isso, ela imploraria.
— Bento! — Gemeu, sentindo que estava perto novamente.
— Hummm.
— Por favor...
— Por favor, o quê?
— Me faça gozar!
Ele riu e tirou o dedo de dentro dela.
— Você não manda em mim...
— Eu imploro!
Ele riu.
— Música para os meus ouvidos...
— Cale a boca, Bento!
— Eu vou calar...
Quando Bento retomou as carícias, Bárbara deixou-se levar pelas
sensações. A língua dele devorava-a, e desta vez permitiu que ela atingisse o
Nirvana. Sim, porque o orgasmo que Bento Sampaio, o jardineiro, proporcionou
a ela, foi transcendental. Gritou o nome dele e arqueou o corpo, deleitando-se
com cada espasmo.
Bento sentiu o controle esvair-se ao vê-la gozando, tão perfeita, em sua
boca. Bárbara era uma flor que havia acabado de desabrochar e ele fora o
responsável pelo momento incrível. Ela se abriu para ele, permitiu-lhe desfrutá-
la e se derramou sobre ele. Aquilo quase foi suficiente para que ele mesmo
gozasse em sua calça.
Enquanto ela se recuperava, Bento levantou-se e abriu o zíper da calça,
retirou a carteira do bolso traseiro e tirou de dentro dela um preservativo. Jogou
a carteira no chão e abaixou a calça até o joelho, juntamente com a cueca. Seu
pau estava a ponto de bala, precisava estar dentro de Bárbara com urgência.
Rasgou a embalagem e rapidamente envolveu a proteção de látex em seu
membro. Reparou na mulher à sua frente e sorriu ao constatar que ela ainda o
desejava, mesmo depois de ter se satisfeito.
— O que foi? Está gostando do que vê? — provocou-a.
Bárbara passou a língua pelos lábios e então se levantou aproximando
seu corpo do dele.
— Muito.
Bárbara estava acostumada com o bom e o melhor, não queria comparar,
mas um leve nervosismo tomou conta dela, juntamente com a expectativa.
Depois de Lucas, desejou que suas próximas experiências fossem igualmente ou
mais prazerosas. Por enquanto, Bento estava cobrindo todas as expectativas.
Ele a pegou no colo novamente e ela envolveu os braços em torno do seu
pescoço, tomando os lábios dele para si. Bento a beijou com delicadeza por
alguns instantes, virou-se e então se aconchegou à poltrona onde ela esteve
anteriormente. Bárbara queria fazê-lo implorar por ela, mas não queria mais
brincar. Sem dar tempo para novas provocações, ela se levantou apenas o
suficiente para ajeitar o pênis dele em sua entrada.
— Vem, devagarzinho — pediu ele.
Descendo lentamente, ela sentiu cada centímetro dele deslizar para
dentro de si, preenchendo-a por completo e trazendo-lhe novamente a sensação
de prazer.
Aquilo era novo. Aquela sensação, a intimidade que compartilhavam.
Isso era bom, era desconhecido, mas incrivelmente perfeito. Gemeram em
uníssono, um se acostumando com a invasão do outro. Abraçaram-se forte e se
entreolharam. A respiração pesada, uma energia compartilhada.
— Babi...
Bento fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, apoiando-a na poltrona.
— Agora acelera — pediu novamente, segurando-a firmemente pelo
quadril.
Enquanto Bárbara deslizava para dentro e para fora, Bento se deixava
levar pela onda de prazer que o ato estava lhe proporcionando. Ela era apertada,
mas estava tão molhada e pronta para ele. Era como se fossem duas peças de um
quebra-cabeça, que se encaixavam com perfeição.
Era só sexo. Sexo do bom.
Bom pra caralho.
Incrível.
Maravilhoso.
Perfeito.
Mas apenas sexo.


Estranhamente, nunca me imaginei tendo encontros com garotos. A
verdade é que enquanto eu estava no colégio interno, não mantinha uma rotina
de adolescente, nutrindo paixonites e saindo para encontros furtivos, toda aquela
coisa clichê de filmes ou livros young adult. Foquei muito nos estudos, em
deixar meu pai orgulhoso e ter conhecimento e preparo para ingressar na
faculdade, de preferência com uma bolsa de estudos integral. Mas estando aqui
no mundo real, vi que nem sempre os planos que as pessoas traçam para suas
vidas acontecem exatamente como elas imaginavam. Não pensei que eu me
apaixonaria de forma repentina, por uma pessoa improvável e quase impossível.
E agora estou aqui, sentada no mármore de um balcão de cozinha enquanto
observo não um garoto, mas um homem, preparando o almoço de domingo,
tentando me impressionar.
— Tem certeza que não precisa de ajuda? — Ofereço mais uma vez
enquanto observo Lucas lavando um ramo de alfaces frescas.
— Você é minha convidada especial.
Sorriu.
— Isso é fofo da sua parte, moço.
Ele termina de lavar e coloca as folhas em uma bacia plástica.
— A lasanha está quase no ponto, deve estar uma delícia, porque não fui
eu quem preparou. Então pode ficar tranquila, pois não há possibilidades de eu
estragar uma simples salada de alface.
— Tudo bem!
Desde que entramos na casa principal, Lucas não se afastou de mim.
Conversamos enquanto permanecemos abraçados, nos beijamos até que
perdermos o fôlego e quando o clima esquentava, ele se afastava, mantendo uma
zona segura e respeitosa.
Confesso que me surpreendi com o autocontrole dele, e que também senti
uma pontada de decepção. Estar perto de Lucas me despertava sensações
incríveis, o cheiro dele tão delicioso e acolhedor, fazia-me querer prender meus
braços em torno de seu pescoço e o abraçar forte, aconchegar minha cabeça em
seu ombro e inalar seu perfume até perder os sentidos. Meu coração batendo
contra seu peito e o calor de sua pele contra a minha, o seu abraço protetor, sua
mão curiosa, mas cautelosa, evitando explorar demais e me deixando com
expectativas.
Fazia-me lembrar de que eu ainda omitia uma verdade e que não sabia
como abordar o assunto. Talvez o medo de o repelir, caso ele descubra que ainda
sou inexperiente sexualmente.
Lucas ainda não me contou detalhes sobre a viagem para a Alemanha,
mas isso me deixou ainda mais receosa. Se ele irá se afastar até que eu atinja a
maioridade é porque quer ser correto comigo. As convenções sociais nos
impedem de assumirmos um relacionamento agora, principalmente por nos
conhecermos a pouquíssimo tempo. E mesmo que eu o deseje loucamente, não
posso me entregar de bandeja. Nós acabamos de nos acertar, nos conhecemos há
menos de um mês. Tenho medo de me precipitar, embora meu corpo clame pelo
dele.
A primeira vez de uma garota deve ser especial, não é?
Admiro a intenção de Lucas provar seu valor, e por isso compreendo a
decisão de se manter longe. A saudade irá gritar mais alto, principalmente
porque temos pouco tempo para estarmos juntos e ainda em segredo. Mas tenho
fé de que há males que vem para o bem, como minha tia Laurinha costuma dizer.
Esse distanciamento servirá para nos pôr à prova e nos dar a certeza de que
nosso sentimento é verdadeiro, que podemos superar isso e muito mais.
— Terra chamando Nora!
Pisco os olhos rapidamente, despertando-me dos pensamentos. Lucas
está organizando a mesa para o almoço.
— Desculpe-me. Por um momento eu acho que me desliguei —
argumento.
— Sobre o que você estava pensando?
Dou de ombros.
— Sobre a sua viagem para a Alemanha.
Seu semblante tornou-se inexpressivo.
— Eu não quero falar sobre isso agora. Depois do almoço, ok? Estou
tentando ser gentil, fofo, ou qualquer coisa que um homem tenta ser durante um
encontro, menos um tarado.
Pulo do balcão e aproximo-me dele. Estou mais confiante agora, já o
sinto meu e gosto de estar perto dele. Eu mesma tomo a iniciativa e o puxo para
um beijo. Ele me abraça e aprofunda o ato, invadindo minha boca com sua
língua exploradora e apertando-me contra si, como se quisesse nos fundir em um
só ser. Quando finalmente nos afastamos, sorrio para ele e me afasto, vou até
uma das cadeiras e sento-me para aguardar o almoço ser servido. Apoio meus
cotovelos na mesa e recosto meu rosto em minhas mãos, Lucas continua parado,
me observando. Dou uma piscadela para ele, tentando jogar charme ou qualquer
coisa do tipo.
— Eu gosto do Lucas tarado — provoco. — Mas o Lucas fofo também
está me surpreendendo.
Ele me encara com os olhos semicerrados.
— É só o começo, bruxinha. Aos poucos eu vou te revelando todas as
faces que posso ter. É uma melhor que a outra, pode apostar.


Essa garota está acabando comigo.
Não me reconheço mais.
Passamos uma manhã agradável, como dois namorados. Quando
namorava a Babi eu não costumava passar muito tempo livre com ela, então
estar com a Nora é algo novo, mesmo que eu não seja um garoto. Mas, o que
mais me surpreende é o quanto ela parece uma mulher, e não uma menina de 17
anos.
A ingenuidade faz parte do pacote, Nora é tímida e na maioria das vezes
fica com o rosto avermelhado. Acho graça, mas é algo tão bonito. Mesmo assim,
ela é madura e tem uma postura tão adulta quanto uma mulher da minha idade.
Eu pelo contrário, muitas vezes ajo com infantilidade. Mas isso faz parte da
minha personalidade, do estilo de vida cujo estou acostumado a levar. Sou
mimado, sempre consigo o que quero de um jeito ou de outro, e esse tipo de
coisa mexe com o ego de uma pessoa, com o meu certamente mexeu.
Agora não consigo entender como de uma hora para a outra, tornei-me o
cara que fica em casa num domingo, deitado no sofá, abraçado de conchinha
com uma garota, assistindo filme na televisão. Filme de mulherzinha.
Que porra esse tal de Nicholas Sparks tem na cabeça?
Nora parecia um bebê chorão enquanto o Ryan Gosling e a gostosa da
Rachel McAdams passavam por poucas e boas em Diários de Uma Paixão.
Sério, como vocês mulheres podem gostar de algo assim? É gostar de sofrer!
Nunca mais assistirei a um filme desses, eu já fiz o meu sacrifício. Nenhum
homem deveria passar por isso. Por que somos nós a aceitar o filme que as
mulheres escolhem? Hoje foi para agradar a bruxinha, mas se eu tiver que fazer
isso novamente, podem apostar que será algo com muita velocidade e ação,
talvez sangue. Pode ser que eu a leve no cinema, algum dia.
Que patético.
Daniel se envergonharia de mim se me visse agora. O Caio talvez ficaria
orgulhoso, ele está numa fase apaixonada e deve querer a mesma coisa para
mim, principalmente levando em conta que Sabrina e Nora estão se tornando
amigas.
Veja eu aqui de novo, pensando em encontros de casais — e não estou
me referindo a swing — e programas de índio. Só pode ter sido bruxaria.
Nora está dormindo em meus braços. Estamos estirados no sofá de minha
casa, o filme acabou — Deus é Pai — e desliguei a televisão. Faz alguns
minutos que estou aqui, olhando para ela e pensando em como a vida pode
pregar peças nas pessoas, em mim. Em circunstâncias normais, estaria dormindo,
de ressaca pela farra na noite anterior. Ou no flat, transando com alguma
desconhecida. Talvez em uma festa na beira da piscina, organizada por um de
meus amigos figurões.
Ah! Tenho que esclarecer, posso ser um tarado, safado ou seja lá como
vocês mulheres preferem chamar um homem, que curte o sexo como uma
atividade física e ao mesmo tempo de lazer. Mas não sou estúpido, nem
descuidado. Uso proteção e faço exames regularmente, sou um homem saudável
e preocupado com o bem-estar do meu pau — e meu corpo — Tá legal? Por isso
fiquei surpreso ao descobrir sobre a gravidez da Sabrina. Ela e o Caio foram
descuidados, se envolviam com outras pessoas e não usavam proteção quando
estavam juntos. Por sorte, aqueles dois se amam. Um bebê não é algo que possa
ser descartado, trata-se de uma vida. Não sei o que faria se acontecesse comigo.
Talvez seja por isso que eu tenha mudado um pouco, aconteceu muito
coisa nesse curto espaço de tempo. Ainda sou o mesmo Lucas, mas cheguei a
uma conclusão: preciso pegar leve.
Tenho praticamente vinte e nove anos, um trabalho que amo, pais que me
adoram e apoiam o bastante para que eu ainda não consiga criar asas e sair de
casa, companheiros de festas para os momentos de diversão, amigos que
entendem o meu estilo de vida, mulheres que gostam do jeito que sou. Reclamar
da vida, para quê?
Mas então, surgem novas incertezas.
Nunca pensei em um futuro mais distante, a velhice dos meus pais,
minha responsabilidade com os negócios, estabilidade emocional, possibilidade
de constituir família.
Nada de planos, apenas curtindo a vida no agora.
O que mudou?
Acho que tudo, ou quase tudo.
Para começar, essa menina em meus braços.
Ela surgiu do nada, mas entrou com tudo.
Nora foi tipo um soco no estômago, dado sem que você perceba a
intenção do agressor.
Eu sei que vocês se “amarram” nas minhas analogias. Talvez um dia eu
escreva um livro usando-as para aconselhamentos pessoais. Lucas Marinho, o
guru. Quem seria Augusto Cury perto de mim?
É, estou divagando há não sei quanto tempo.
Querem saber por que, exatamente?
Nora está tão perto. Nossos corpos produzindo calor, mas devidamente
vestidos. Estou usando uma almofada para cobrir minha ereção e ouvindo a voz
do anjinho no meu ombro direito, aconselhando-me a ser o príncipe encantado,
enquanto o diabinho em meu ombro esquerdo sussurra-me provocativamente,
tentando-me a agir como o lobo mau.
Eu, particularmente prefiro o lobo mau. E vocês?
O lobo mau é muito mais legal, mais divertido, mais faminto.
Mas no final das histórias, com quem a mocinha fica?
O maldito príncipe encantado.
— O que eu não faço por você, hein? — Sussurro, enquanto ela se
aconchega para mais perto de mim.


Definitivamente, o melhor sexo da minha vida.
Nunca mais verei Bento Sampaio como antes. Recatado, bruto, sempre
na defensiva. Ele ainda é assim, mas agora conheço o seu melhor lado.
Sensacional.
Depois de me fazer implorar, deixei-me levar pela delícia de estar sob o
seu domínio. Cavalgá-lo em uma poltrona do meu escritório, foi insano. A
fantasia mais louca. Sou muito focada no trabalho, priorizo minhas
responsabilidades, porém, deixar tudo de lado por algumas horas foi arrebatador.
Nós nos perdemos um no outro, deixando as diferenças do lado de fora e
experimentamos posições, velocidades e intensidades que nossos corpos
permitiram. Batizei com sexo cada canto deste escritório.
E então, depois de exaustos, Bento se vestiu e foi embora. E aqui estou
eu, um trapo de mulher. Cabelo desgrenhado, maquiagem borrada, lábios
inchados de tanto beijá-lo e chupá-lo...
Acho que a falta de sexo recente me fez querer realizar com Bento, todas
as minhas curiosidades eróticas. Mas eu sabia que seria uma única vez, então
aproveitei cada segundo.
Por fim, consegui o que tanto queria desde que coloquei meus olhos
sobre ele. Uma boa transa. Mas enganei-me quando pensei que ele seria meu
brinquedo. Já entendi que com Bento Sampaio não se brinca. Ele pode ser um
exemplo de pai, um homem pacato e solitário, mas não um santo que merece ser
canonizado. Bento também é pecado e eu adorei cada segundo da minha
perdição.
Talvez eu não me importe de ter que implorar novamente...




Termino de colocar o último vaso de planta na carroceria da caminhonete
e cubro-a com um tecido leve, para não sufocá-las. Estou cheirando a sexo e não
sei se é porque estou consciente do que fiz com Bárbara naquele escritório, ou
porque realmente é possível que alguém perceba algo. Preciso chegar em casa
rápido e estou rezando para que Nora não repare em mim, talvez ela esteja em
seu quarto e eu consiga ir direto para o banheiro.
Não é como se estivesse escrito em minha testa que acabei de fazer o
sexo mais louco da minha vida, mas seria impossível que não tivesse ficado
nenhuma evidência da minha aventura. Aquela patricinha mimada mordeu meu
pescoço e ombro, por sorte a gola da minha camisa disfarçou bem. Pena que ela
não pode sair por aí mostrando a bunda, pois as palmadas que dei nela também
deixaram marcas. Acho que nunca fui tão bruto no sexo, mas seria hipócrita de
minha parte dizer que não gostei do que fiz. Bárbara pensou que iria brincar
comigo, que eu me deslumbraria porque uma dama fina como ela estava
interessada em um simples jardineiro. Ela me provocou e eu revidei a altura.
Jamais me deixaria dominar por uma mulher como ela, que acha que por ter
dinheiro pode usar as pessoas para seu bel-prazer. Sim, é deste jeito que eu a
vejo. O sexo não mudou nada.
Com Adelina eu fazia amor, era romântico, delicado, apaixonado. Fui o
primeiro homem na vida dela e ela minha primeira mulher. Seria a única, se não
tivesse me abandonado. Eu a amei com todas as forças do meu coração, superei
o preconceito que sofria por ser pobre e ignorava as provocações dos nossos
colegas, ou as inúmeras vezes que os pais dela ou alguém de seu nível social e
econômico tentava me diminuir por ser o filho do jardineiro e bolsista na
universidade. Ela era tudo para mim e eu tentei ser o melhor para ela. Quando
Nora nasceu, acreditei que minha felicidade estava plena, a mulher que eu amava
tinha me dado uma filha linda e saudável, mesmo que não tivéssemos planejado,
a benção foi aceita de bom grado, embora os pais dela e a própria Adelina
tivessem vergonha de assumir a gravidez em público. Eu estava fazendo planos
para vivermos juntos, compraria um anel de noivado e a tornaria minha esposa,
como mandava o figurino. Jamais pensei que sofreria um golpe do destino,
Adelina foi embora e deixou-me sozinho com nossa filha, não se sentia
preparada para a maternidade e jogou sobre mim a responsabilidade de cuidar
sozinho de um bebê. Eu, o garoto pobre, filho do jardineiro, o bolsista da
faculdade. Como sustentaria uma criança recém-nascida? Com condições
financeiras para dar à Nora uma vida de princesa, os pais de Adelina também se
recusavam a aceitar a neta na família, foram embora da cidade e nunca
retornaram para conhecê-la. Depois de sofrer esta grande decepção, minha vida
tomou um rumo diferente e amor de verdade, somente o que eu sentia pela
minha filha.
Nenhuma mulher conseguiu ser especial, depois de Adelina. Não porque
ela significa alguma coisa, mas porque me destruiu por dentro, fez com que eu
não conseguisse confiar em ninguém mais. Nora é a única para quem eu me doo
por inteiro. Desisti do amor de homem, desisti de encontrar uma companheira. O
único amor que eu sinto por uma mulher, é o paterno, pela minha filha, e o
fraterno, pela minha irmã.
Envolver-me com mulheres sem manter um compromisso ao longo
desses anos foi fácil, nenhuma delas mexeram comigo. Atração física,
necessidade masculina, sim. Mas sentimentos? Nenhuma delas.
Eu não sei o que aconteceu naquele escritório, mas foi diferente de tudo o
que já vivi com uma mulher. Se isso é bom ou é ruim, não sei distinguir. Mas
não quero perder tempo pensando nisso, foi ótimo, mas não irá se repetir.
Mulheres como Bárbara não se envolvem com homens como eu. Existe uma
ponte gigantesca que separa o meu mundo do dela, e não pretendo me arriscar a
atravessá-la. Também não permitirei que ela tente, pois se Bárbara gostou de
brincar, que encontre outro brinquedo.


Eles estavam brincando um pouco com a sorte, mas aparentemente a
sorte estava ao lado deles. Lucas e Nora passaram um tempo agradável juntos,
conversando e se conhecendo melhor. Ela contou sua história familiar, o drama
de ter sido abandonada pela mãe. Ele falou sobre a paixão pela velocidade e os
motores de carros. Nora compartilhou seu gosto por livros e filmes românticos,
Lucas segurou o riso, mas não conseguiu, ela ficou chateada e ele a puxou para
um abraço e a beijou. Ela deixou-se levar pelo carinho dele e o perdoou. Ele não
falou sobre as inúmeras mulheres, as noites regadas a muita bebida e sexo e nem
sobre o relacionamento com Bárbara. Ela não falou que mentira sobre a questão
da virgindade, pois não tinha coragem de abordar o assunto delicado.
Havia pouca semelhança, mas muita vontade de ficar perto. Ele conhecia
o mundo, ela estava começando a conhecer a vida. Aos olhos de todos, podiam
ser improváveis, um fracasso amoroso em potencial, um desastre do destino que
gosta de brincar com o coração dos apaixonados. Mas juntos, sem saber, eram
uma força da natureza e estavam muito próximos de devastarem todos os
preconceitos e convenções impostas pela sociedade. Tudo o que precisava ser
feito era confiar um no outro.
Despediram-se quando no relógio marcava duas horas da tarde. Nora foi
para a casa e trancou-se no quarto. Tivera uma conversa séria com Lucas a
respeito da viagem à Alemanha. Ele revelou que seu pai estava sabendo dos seus
sentimentos e o fez perceber que uma distância era temporariamente necessária,
ao menos até que ela completasse a maioridade legal. Nora relutou inicialmente,
mas aceitou. Não entendia o porquê se afastar, agora que estavam se conhecendo
se dando bem. Porém, o homem por quem estava apaixonada sentia-se inseguro
sobre conseguir o apoio dos pais, e do próprio Bento, quando decidisse assumir
um relacionamento sério com ela. E era o que Lucas tinha em mente. Namoro,
fidelidade, companheirismo. Sentia-se atraído demais e tinha medo de se
precipitar, pela primeira vez, queria fazer tudo corretamente, como exigia o
figurino. Por fim, depois de um debate de argumentos, ambos entraram em
comum acordo: ele iria, ela o esperaria. Quando retornasse, reuniriam seus pais
em um jantar e contariam sobre o relacionamento. Durante o período de exílio
— como Lucas preferia chamar —, manteriam contato através do aplicativo de
mensagens do celular. Fariam funcionar e provariam a si mesmos, antes de
qualquer outra pessoa, que eram capazes de fazer dar certo.
Como havia dado sua palavra para Eulália, Nora foi para o Alcapone’s no
horário combinado. Conversara com o pai, antes de sair de casa, sobre desistir da
ideia de ter dois empregos. Bento ficou feliz e aparentemente aliviado por ela ter
mudado de ideia. Antes de iniciar o expediente, Nora comunicou a mãe de
Sabrina para que ela disponibilizasse a vaga à outra pessoa, mas que continuaria
ali até que ela encontrasse uma substituta, Eulália a compreendeu e pediu-lhe
que ficasse para o próximo fim de semana, pois fecharia o bar no sábado para
uma festa particular.
O aniversário de vinte e nove anos, de Lucas.
Resolvido os pormenores, a garota assumiu o posto atrás do balcão, logo
o estabelecimento começou a encher de clientes e o clima amistoso pairou por
ali. Música, conversas animadas, bebidas, jogos, danças. Havia um pouco de
tudo, todos se conheciam e se respeitavam.
Nora nem percebeu quando Sabrina chegou, viu a amiga sentada em uma
banqueta ao lado de fora do balcão e tomou um leve susto.
— Ei, não te vi chegar. Como estão as coisas?
Sabrina sorriu para a amiga, parecia que não se viam há séculos. Mas
hipérbole à parte, ela estava preocupada com Nora.
— Muito bem, na verdade. Caio não sai lá de casa, está um grude. Mas
eu gosto de ser mimada e ter a atenção só para mim.
— É tão bom te ver assim.
Sabrina desceu da banqueta e dirigiu-se para a parte de dentro do balcão,
ao se aproximar de Nora, olhou diretamente nos olhos da garota, tentando buscar
a verdade em sua resposta.
— Você está diferente hoje, o que aconteceu? — indagou, analisando
cada linha de expressão de Nora.
Nora tentou conter o sorriso, mas mesmo que timidamente, ele se revelou
em seus lábios.
— Estou apaixonada.
Sabrina pestanejou.
— Por quem? — Ela já sabia a resposta.
Nora não hesitou.
— Lucas — sussurrou quase inaudível.
Alguns clientes se aproximaram do balcão para fechar a conta, Sabrina se
afastou para que Nora fizesse o atendimento e assim que a amiga desocupou, ela
tornou a se aproximar.
— Aconteceu alguma coisa entre vocês, depois do que conversamos na
sexta-feira?
Nora ponderou sobre contar ou não a amiga tudo o que acontecera na
noite anterior. Parecia tão errado compartilhar com alguém o momento decisivo
entre ela e Lucas. Não, ela não macularia aquela lembrança. Dispensaria os
conselhos de Sabrina desta vez, ouviria o seu coração e somente ele.
— O que está insinuando, Sabrina? — Decidiu virar o jogo.
— Nada! — respondeu na defensiva. — Só que... Ah, deixa pra lá!
Nora não gostou do jeito que Sabrina desconversou.
— Pode ir falando — exigiu.
— Sábado que vem é aniversário do Lucas, eu comentei isso com você.
O aniversário é domingo, mas a festa aqui no Alcapone’s é antes.
Nora deu de ombros.
— Ah sim, sua mãe pediu que eu viesse ajudar. Será meu último fim de
semana aqui, desisti de ter dois empregos.
— Por quê? — Pestanejou.
— Sei que o papai não gostou, mas não quis podar minhas asas
imaginárias. Ele tem me dado autonomia para tomar minhas decisões, mas acho
que exagerei querendo arrecadar dinheiro para os estudos, de todo o jeito
possível. Então eu o deixarei participar como ele planejou.
Também ocultara que fora por incentivo de Lucas que tomara a decisão
de não trabalhar a noite. Ele a fizera abrir os olhos e perceber que mesmo sem
intenção, estava magoando seu pai, fazendo-o sentir-se incapaz.
Mais clientes surgiram para fechar a conta.
— Retomando o assunto. — Sabrina aproximou-se novamente quando
Nora estava livre. — Não quero encher sua cabecinha de minhocas, mas as
festas de aniversário do Lucas não são exatamente regadas a bolo e refrigerante.
Nora sentiu um nó na garganta. Sabia que Sabrina não estava mal-
intencionada, que se preocupava com ela. Por que a amiga estava dizendo
aquilo?
— Eu só quero que esteja preparada caso aconteça alguma coisa que lhe
desagrade.
— Que tipo de coisa?
— Mulheres, bebidas, as besteiras que ele consegue dizer da boca para
fora, para se enaltecer perante os amigos riquinhos, mimados e descaradamente
cafajestes.
O coração de Nora pareceu se encolher dentro do peito, como se ele fosse
uma bola de papel e alguém o tivesse amassando para jogar fora. Aquele a quem
Sabrina acabara de descrever era o mesmo homem que preparou almoço, assistiu
romance e a acolheu nos braços enquanto ela dormia no sofá de sua casa. A
amiga estava lhe alertando sobre o Lucas que ela conhecia há anos, deixando-a
insegura sobre o Lucas que acabara de conhecer, aquele que na noite anterior
declarou-se apaixonado por ela. O medo assolou-a e sentiu as lágrimas se
apoderarem de seus olhos.
— Por favor, não chore — implorou Sabrina, olhando por sobre o ombro
de Nora, que estava de costas para o balcão. — Não agora, pelo menos.
Mas ela não conseguia esconder sua angústia.
— Boa noite, senhoritas! — A voz de Caio era amistosa.
Nora virou-se para cumprimentar Caio, mas seus olhos arregalaram ao
ver Lucas do lado de seu amigo. Ele sorria para ela, mas ao perceber suas feições
entristecidas, ficou sério instantaneamente.
Foi à gota d’água para que ela perdesse a compostura.
— Sabrina, pode cuidar do caixa um instante? Eu já volto!
Engolindo o choro, Nora não esperou a resposta de sua amiga, apressou o
passo e não olhou para Lucas quando passou por ele, fugindo em direção à sala
dos funcionários.
— Mas que porra foi essa? — perguntou Caio, revezando o olhar entre
Lucas e Sabrina.
Lucas fulminou Sabrina com o olhar.
Algo não estava bem. Queria saber o que havia acontecido para que Nora
se comportasse daquela maneira, antes de ir atrás dela e tentar confortá-la.
— O que disse a ela, Sabrina? — perguntou, sem fazer questão de
entonar simpatia.
A, agora, noiva de seu melhor amigo assumiu uma postura desafiadora, e
o encarou com o mesmo olhar intimidante que ele dirigia a ela. Sabrina também
era osso duro de roer, ponderou Lucas. A garota estava claramente preparada
para defender a si e sua amiga.
— Eu disse a verdade, que ela devia estar preparada para o seu
aniversário. Pois suas festas não são famosas pelo recato.
Lucas sentiu o sangue subir à cabeça.
— Que porra eu fiz, para você se tornar a minha relações públicas do
inferno?
Caio segurou o braço de Lucas com força.
— Não grite com a minha mulher! — sibilou.
Lucas riu, sarcástico.
— Vocês são patéticos — cuspiu as palavras ácidas. — Há menos de um
mês eu estava dando carona para ela, em troca de boquete — sussurrou
raivosamente. Por sorte a música e a conversa ao redor, não permitia que os
outros ouvissem. — Seu babaca! Você estava ocupado demais comendo outra e
não dava a mínima, para o jeito como eu ou qualquer outro tratava a Sabrina.
Caio não acreditou no que acabara de ouvir do seu melhor amigo, estava
a ponto de socar a cara de Lucas, mas o amigo continuou despejando as palavras
contra ele e sua noiva.
— Não venha para cima de mim com essa merda, Sabrina — vociferou
entredentes, mantendo a voz fria e a mais silenciosa possível. — Se o Caio
mudou por você e você por ele, por que eu não posso mudar também?
— Eu não... — ela tentou argumentar.
Mas Lucas não permitiu. Era a vez de ele deixar claro que não iria aceitar
ninguém se metendo no relacionamento dele com Nora.
— Pare de pensar que vou agir com a Nora, do mesmo jeito que o Caio
agiu com você. Ao contrário dele, percebi a tempo o quanto gosto daquela
garota. — Puxou o braço das mãos de Caio, que o encarava chocado, e apontou
o dedo na direção de Sabrina. — Eu não irei magoá-la ou fazer qualquer coisa
que incite Nora a se tornar uma vadiazinha. Coloca isso na sua cabeça, eu não
sou o Caio e a Nora não é você.
Lucas não esperou uma reação de nenhum dos dois, deixou-os estáticos
ali e foi para os fundos do bar, aonde se localizava os banheiros e a sala restrita
aos funcionários. Instintivamente entrou sem bater, sentindo que a garota estaria
ali dentro. E acertou. Nora estava sentada no banco de madeira escorado em uma
parede, os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos cobrindo seu rosto, com a
cabeça abaixada.
Ela estava chorando baixinho.
Ah, merda...
Vê-la tão vulnerável fez Lucas sentir uma agonia estranha em seu peito.
Trancou a porta com a chave e foi até ela. Abaixou-se o suficiente para segurá-la
nos braços e levantá-la, pegando-a de surpresa. Nora fitou-o assustada, mas ele
não a soltou.
— Depois de ontem, do que conversamos. Vai sentar aqui e chorar, só
porque uma ex-periguete te falou do meu passado?
Sua voz era firme, mas ao mesmo tempo suave. Lucas não queria brigar,
mas precisava que Nora compreendesse que ele não iria decepcioná-la. Entendia
que, pelo fato dela ser jovem e inexperiente, a insegurança feminina ainda
sobressaia a autoestima.
Nora suspirou, sentiu-se constrangida por ter sido flagrada chorando.
Secou as lágrimas com as costas das mãos e tentou reerguer-se emocionalmente.
Lucas estava certo, o que Sabrina disse sobre ele estava relacionado ao passado.
Eles viviam o presente, planejavam um futuro.
Tentou sorrir, mas não obteve sucesso. De todo o modo, negou com a
cabeça.
— Não o quê, Nora?
— Não vou mais chorar, não vou ligar para o seu passado. Eu não estava
nele.
Lucas sorriu satisfeito. Aquela era sua garota durona voltando ao posto.
— Eu, você. Daqui pra frente, sem olhar para trás — disse a ela, com
convicção.
— Tá.
Ele sentou no banco e puxou-a para seu colo.
— Haverá mulheres na minha festa, meus amigos, algumas poucas
amigas. Terá bebida, música. Pessoas fazendo coisas que talvez você não esteja
acostumada a assistir, fora da televisão. Mas não será nenhuma orgia. A Eulália
jamais permitiria que eu fizesse algo assim no seu bar.
— Mas você já fez, em outros lugares. — Não foi uma pergunta.
— Você quer uma confirmação?
Ela negou com a cabeça.
— Boa garota.
— Desculpe, eu agi como uma menininha chorona.
Ele não pode deixar de sorrir.
— Você é uma menininha — sussurrou. Sua voz denotando excitação.
Nora percebeu quando o olhar de Lucas se tornou mais sombrio, as
pupilas dilatando-se, o olhar de desejo que ela havia acostumado a presenciar,
fitando-a com adoração.
Lucas segurou a mão direita dela, roçando o polegar insistentemente no
centro da palma. Umedeceu os lábios com a língua e sorriu para ela. Daquele
jeito.
— No meu aniversário, quando você me encontrar rodeado por aquelas
mulheres, porque eu não vou mentir, elas estarão em cima. Tenha em mente que
nenhuma delas tem a capacidade que você possuiu de forma natural, de me
deixar assim...
Para que Nora entendesse o que ele estava querendo dizer, Lucas levou a
mão dela para o meio de suas pernas, onde a protuberância em seu jeans era mais
do que evidente. E então ele pressionou a mão dela ali, fazendo com que Nora
sentisse através do tato como o deixava excitado, sem sequer fazer algo para
incitá-lo.
— Oh...
Sua respiração tornou-se pesada e ela engoliu em seco. Foi impossível
não olhar para onde sua mão estava. Mal podia acreditar que estava tocando um
homem... Ali.
Oh céus! Bem ali!
— Desde que te conheci, mesmo quando não estamos assim tão perto,
em meus pensamentos mais sujos, é você que me desperta desta maneira.
Ela mordeu o lábio inferior e tentou controlar a respiração. Seus olhares
se encontraram e Lucas foi aproximando seu rosto do dela, a ponto de suas bocas
roçarem suavemente.
— Aperte, sinta. É seu Nora. É todinho seu.
E despindo-se de qualquer pudor, Nora deixou-se levar pela paixão que
Lucas lhe despertava. Com a mão livre, segurou ele pela nuca e o puxou de
encontro a sua boca. Ele não demorou a assumir o comando do beijo, mas ela
não se incomodou deixou que ele lhe guiasse naquele caminho de desejo e
sedução do qual estava aprendendo a explorar e gostar cada vez mais.
Ela apertou, sentiu, e queria muito mais...
— Tudo bem, bruxinha... — sussurrou com a voz rouca de tesão. — É
melhor a gente parar por aqui, eu não vou te comer dentro de um vestiário.
— Lucas! — Nora deu-lhe um tapa na testa.
— Desculpe. — Ele riu. — Não dá para ser um cavalheiro quando você
está apertando meu pau desse jeito.
Nora corou e tirou a mão rapidamente, evitando olhar para Lucas.
Como fora tão ousada? Aquele foi um avanço muito grande para ela.
Levantou-se e ficou de costas para ele. Havia chegado o momento de
revelar a sua inexperiência. Mas ao abrir a boca para falar, não conseguiu.
Pensou que seria humilhante, pois fora tão desafiadora no dia em que deu a
entender sobre a perda de sua virgindade, acreditava que por causa daquele dia
Lucas mudou com ela, começou a vê-la de outra maneira, não mais como um
desafio.
Sentiu o corpo dele abraçando e desistiu covardemente.
— Estou brincando com você, Nora.
— Eu sei, só não estou acostumada a falar tão abertamente sobre essas
coisas.
— Sobre sexo.
— Sim, sobre sexo.
Lucas mordeu o lóbulo da orelha de Nora, ela se arrepiou e encolheu nos
braços dele.
— Nós temos uma química muito forte. A maneira como você reage ao
meu toque e como eu fico, apenas de pensar em você, isso é incrível. A gente
não fez nada ainda, mas sei que quando acontecer, será maravilhoso.
Ela se afastou, sentindo-se mal por não contar a verdade.
Lucas sentiu o desconforto de Nora. Gostava do jeito tímido da garota,
mas às vezes chegava a ser frustrante. Ela já havia se envolvido sexualmente
com alguém antes dele, como poderia ser tão envergonhada assim?
A não ser que a primeira experiência dela não tenha sido satisfatória,
ponderou Lucas. Pensou em perguntar para Nora, mas optou por encerrar o
assunto. Eles ainda não tinham intimidade o bastante para que perguntasse sobre
seu primeiro parceiro. Ele próprio não se sentia confortável em falar sobre
qualquer mulher com quem já se envolvera, perto dela.
— É melhor você voltar para o caixa — sugeriu. — Conversei com a
Sabrina, ela não tem o direito de interferir na nossa relação.
Nora o fitou novamente.
— Sabrina está sensível com a gravidez, Lucas. Você não foi ríspido com
ela, foi? — perguntou preocupada. Sabia que Lucas não media as palavras
quando estava irritado com alguém, certamente fora agressivo com sua amiga,
dizendo-lhe palavras dolorosas. Ela mesma já havia conhecido aquele lado dele e
não queria vê-lo tão cedo novamente.
Lucas respirou fundo, tentando não perder a calma. Aprendera que para
lidar com Nora, não podia usar de grosseria. Na verdade, sabia que deveria ser
assim com qualquer mulher, mas ele não seria hipócrita. Não se importava com
nenhuma outra, apenas com aquela menina.
— Nora, eu sei que você gosta dela. Mas eu conheço a Sabrina há mais
tempo que você. Se existe alguém que não pode me julgar, é o Caio e ela. Cada
um com sua própria história, eles estão recomeçando a deles depois de tantos
tropeços. Nós estamos começando a nossa e eu farei de tudo para não pisar na
bola com você. Acredita em mim?
Ela anuiu confiante. Mantiveram a distância corporal para preservar o
autocontrole.
— Eu acredito em você. Mas entendo a Sabrina, eu prefiro estar ciente
dessas informações por mais que me magoe. É seu passado, vou aprender a lidar
com ele. Mas odeio ser limitada por desconhecer essa parte do seu mundo e me
sentir tão despreparada.
Lucas eliminou o espaço entre eles e a abraçou novamente.
— É exatamente por isso que gosto de você, porque vamos descobrir
juntos, um mundo novo. Um equilíbrio entre o meu e o seu.
— Você é especial pra mim, Lucas. — Ela sentiu a necessidade de dizer
algo a ele, pois desde que se entenderam realmente, Lucas estava sempre
tentando fazê-la entender que era para valer. Mas ela nunca soube usar as
palavras para demonstrar os seus verdadeiros sentimentos. Sentimentos que
afloravam a cada dia e ela não sabia mais como esconder. — Eu me apaixonei
e... — Mordeu os lábios e abaixou o olhar. — E quero ficar com você.
Lucas sentiu imensa felicidade ao ouvi-la falar sobre o que sente por ele.
Beijou-lhe a testa e a apertou contra si.
— Nós estamos juntos. Caso não saiba ainda, você é minha namorada
secreta. E quando eu voltar da Alemanha, eu vou gritar para todos saberem que
você é minha.
— E eu vou te esperar, porque você é meu também.


Sabrina sentou-se em uma das banquetas e tentou se acalmar. Não queria
ficar nervosa e passar toda a sua frustração para o bebê. Caio estava do lado
dela, acariciando suas costas e dizendo-lhe carinhosamente para ficar tranquila e
não se exaltar.
Não teve má intenção, queria proteger Nora. Sabia que a amiga
desconhecia a realidade do mundo em que Lucas vivia. Ela mesma já fora assim,
cometeu erros por amor e queria que Nora não passasse por algo semelhante.
Jamais passou por sua cabeça que Lucas Marinho pudesse estar realmente
apaixonado por alguém, mas ao que tudo indicava, não foi apenas Caio quem
despertou para o amor. Se soubesse que os sentimentos dele por Nora eram
sinceros, jamais se colocaria entre eles.
— Eu a magoei — disse mais para si mesma do que para Caio.
— Você gosta dela, quis protegê-la.
Sabrina balançou a cabeça, inconformada.
— Perguntei a ela se tinha acontecido alguma coisa entre eles, Nora disse
que não. Então como eu iria prever que Lucas estava levando a garota a sério?
Se ela tivesse me contado...
Caio abraçou Sabrina. Estavam em um canto reservado dentro do balcão.
Eulália estava cuidando do balcão, perguntou por Nora e Sabrina disse que a
amiga estava no banheiro, esperava que não demorasse muito ou poderia ser
repreendida.
— Nora é uma menina reservada — argumentou Caio. — Ela pode ter
ficado com medo, eu não sei dizer. Não a conheço. Mas acredito que você não
teve intenção de prejudicá-los. Lucas tem razão, eles não são a gente. Então que
tal um trato?
Ela pestanejou.
— Que trato?
— Focaremos em nós e no nosso filho, temos um casamento para
preparar e uma mãe ciumenta para amansar, que por sinal é a minha. Deixemos
que Lucas e Nora resolvam-se. Você apoia sua amiga e eu o meu amigo, mas
nossa prioridade é a nossa vida.
— Trato feito!
Ele ofereceu a mão para que ela aceitasse o gesto, selaram acordo e em
seguida abraçaram-se. Sabrina sentiu-se melhor, o homem que amava a estava
apoiando e a cada dia a seu lado, redimia-se do passado conturbado que tiveram.
Torceria pela felicidade de Nora e rezaria por ela, para que não sofresse nada
parecido com o que sofrera por Caio. Precisava desculpar-se com Lucas também.


Nora retornou ao seu posto no caixa, pedindo desculpas à Eulália pela
demora. Acabou tendo que mentir uma dor de barriga e detestou-se por isso.
Sabrina a acobertou, dizendo que ia ao banheiro, portanto, pela demora, foi a
única desculpa que lhe veio à mente. Sentiu-se grata a amiga pelo apoio. Não
queria levar bronca no trabalho e nem ser descoberta conversando com Lucas em
um ambiente fechado. Saíra do vestiário, desacompanhada, e tentou agir
naturalmente. Caio deixou Sabrina sozinha e foi em direção aos banheiros. Nora
não sabia como agir, sentiu-se constrangida pelo clima desagradável que gerou
entre eles.
O movimento no Alcapone’s foi diminuindo ao longo da noite. Apesar de
ainda estar nervosa, Nora concentrou-se no trabalho e conseguiu se distrair da
tensão. Em determinado momento, avistou Caio e Lucas indo embora. Nenhum
dos dois olhou para o balcão, estavam sérios demais.
Sabrina aproximou-se quando Nora estava terminando de fechar o caixa.
Os garçons varriam o chão e limpavam as mesas, preparando-se para fechar o
estabelecimento.
— Lucas parece tão apaixonado quanto você — disse Sabrina, tentando
puxar assunto.
— Estamos nos dando uma chance, ele parece disposto a fazer dar certo
— revelou Nora.
— Eu nunca pensei que isso pudesse acontecer um dia, fui pega de
surpresa. Desculpe-me por dizer aquelas coisas.
Nora encarou a amiga e compadeceu-se dela. Sabrina estava realmente
arrependida. Mas ela não tinha culpa, tinha?
— Obrigada por se preocupar comigo, Sá. Eu me deixei levar pela
insegurança, não fiquei chateada com você. Tem sido minha grande amiga, em
tão pouco tempo.
Sorriram uma para outra e uniram-se em um abraço. Foi impossível
conter as lágrimas das garotas melodramáticas, cada uma vivia seu próprio
drama pessoal e os sentimentos estavam à flor da pele. De maneiras diferentes, a
vida estava trazendo novidades para Nora e Sabrina e agora elas tinham uma à
outra para se amparar.


Caio deixou Nora e Sabrina à vontade para conversarem. Estava
preocupado com Sabrina, mas ela recuperou a calma e sentiu-se mais confortável
de deixá-la sozinha para ir conversar com seu melhor amigo. Foi até o vestiário
destinado aos funcionários da lanchonete e bateu duas vezes antes de entrar e
encontrar Lucas sentado em um banco de madeira, escorado na parede e
encarando o forro pouco atraente.
— Este é um bom momento para você me dizer umas verdades, seu
babaca. — Caio não foi agressivo com Lucas, apenas quis chamar a atenção do
amigo para si, e tornar possível um clima para conversa. Entrou no vestiário e o
trancou, foi até Lucas e sentou-se ao seu lado no banco.
Lucas deu de ombros, não tirou os olhos do forro daquele cômodo.
— Você não precisa se tornar um chato, só porque será pai — provocou o
amigo.
Caio riu.
— A Sá vive dizendo o quanto sou exagerado, mas sei que ela gosta.
— É claro que gosta, depois de tanto tempo te dividindo com outras,
Sabrina quer descobrir como é te ter só para ela.
Caio não respondeu. Ficou repassando em sua mente, as palavras que
Lucas dissera para Sabrina. Lucas não disse nada, continuou olhando para cima,
pensativo.
— Você quis dizer o que disse? — perguntou Caio. — Sobre eu e Sabrina
sermos patéticos?
Lucas deu de ombros.
— De certa forma sim. Vocês não podem simplesmente apagar toda a
merda do passado. Fiquei muito puto com a Sabrina. Porra! Sei que estou longe
de ser canonizado pela igreja, mas ela não precisava plantar as malditas
sementes da dúvida, em Nora. Tenho me esforçado pra cacete, querendo provar
para aquela garota que as minhas intenções com ela são sérias. E Sabrina fodeu
tudo em minutos.
— Eu não sabia da sua mudança de planos — apontou Caio.
Lucas finalmente olhou para o amigo.
— Você não sabe de uma porção de coisas. Mas entendo o seu lado, não
pretendo disputar sua atenção com uma gestante. Só não esqueça que você é
como um irmão para mim, e às vezes, vou precisar que me coloque no banho
depois da bebedeira. Foi assim que eu me dei conta dos sentimentos que tenho
por Nora.
— De nada, então — provocou.
Riram e levantaram-se ao mesmo tempo.
— Vamos lá para casa — convidou Lucas. — Preciso desabafar com
alguém. A cada dia que o meu aniversário se aproxima, minha mente parece que
vai explodir. Não sei se conseguirei ficar tanto tempo longe dela.
Lucas destrancou a porta, mas antes que pudesse abri-la, Caio o puxou
pelo ombro e o virou, atingindo o olho de Lucas com um soco de direita, não
muito forte, mas o bastante para doer.
— Mas que porra foi essa Caio? — gritou, sentindo a dor latejar
rapidamente.
Caio apontou o dedo em riste, no nariz de Lucas.
— Nunca mais pronuncie as palavras boquete e Sabrina, na mesma frase
— disse com firmeza. — Agora podemos ir. Você precisa andar rápido ou Nora
irá perceber seu olho inchado. Seu “cuzão”.
Lucas sorriu, apesar do seu olho estar se fechando, devido ao inchaço.
Felizmente, a amizade entre ele e Caio não havia se abalado.




A semana passa rapidamente, minha rotina está estabelecida e a cada dia
eu sinto que faço parte de tudo isso. Esta cidade, meu lar, meu emprego, os
colegas de trabalho, o relacionamento com meu pai. Tudo parece se encaixar
perfeitamente e isso me dá segurança e uma tremenda paz interior. Minha vida
está acontecendo e aos poucos eu vou realizando meus sonhos.
Depois da conversa que tive com Lucas, no Alcapone’s, mantivemos
contato por mensagens no celular. Contou-me que Caio deu-lhe um soco no olho
e causou um hematoma. Ele não permitiu que eu o visse com o olho roxo, nem
na oficina eu consegui vê-lo, permaneceu em seu escritório desenvolvendo
algum projeto e me evitou. Fiquei um pouco chateada.
Estou com saudades e a aproximação de seu aniversário me deixa
apreensiva. Eu estarei lá, mas não como gostaria. Nosso relacionamento é
secreto e aos olhos de todos os presentes, Lucas ainda é o solteiro convicto que
adora festas. E esta é a sua festa.
É sexta-feira e estou em meu quarto, deitada na cama, encarando o
celular.
Será que envio uma mensagem para ele?
Eu já devia ter perdido o medo de tomar iniciativas, Lucas tem me
deixando à vontade e demonstrado seu interesse. Ser retraída, mais cedo ou mais
tarde, poderá pesar contra mim na balança. Ele é um homem feito e eu ainda
estou me descobrindo mulher. Tenho conversado com Sabrina sobre como me
sinto e o quanto Lucas tem sido respeitoso comigo, evitando até mesmo o seu
linguajar vulgar. Com exceção da noite de domingo, quando ele me fez tocá-lo
de maneira tão íntima, nossas conversas estão restritas a assuntos casuais, onde
tentamos conhecer um ao outro à distância. É praticamente um treinamento para
a longa viagem que ele fará.
Não consigo aceitar esta viagem, eu tento, mas só de pensar que
ficaremos longe todos esses dias, me dá vontade de fazer algo para impedi-lo. Eu
só não sei o quê.
Sendo consumida pela coragem, digito uma mensagem para Lucas.
Nora>>> Toc,toc,toc.
Soei infantil, eu sei. Mas não fazia ideia do que eu poderia mandar.
Observo o aparelho com expectativa, mas a resposta não vem. Desisto de
esperá-lo e coloco o celular debaixo do travesseiro. Pego o livro que estou lendo
e abro na página que parei. Se Lucas está ocupado, fazendo sei lá o que, posso
dirigir toda a minha atenção para mais um livro de Nicholas Sparks. Estou
relendo “Querido John” pela terceira vez.
Meu celular vibra logo em seguida, não dando tempo de eu prosseguir a
leitura. De imediato eu fecho o livro e faço a troca, pego o celular debaixo do
travesseiro e guardo o livro novamente. Verifico a caixa de entrada e sorrio,
satisfeita ao ver a resposta de Lucas.
Lucas>>> Quem é?
Nora>>> É a sua namorada.
Lucas>>> E o que a minha namorada está fazendo acordada a esta hora?
Esqueci-me de mencionar. São dez e meia da noite e eu não consigo
dormir.
Nora>>> Pensando em você.
Lucas>>> Pelado?
Nora>>> Comigo.
Lucas>>> Pelado com você?
Nora>>> Lucas!
Lucas>>> Nora!
Ele está me provocando, de fato. Decido não responder.
Lucas>>> Eu estou na mansão, no meu quarto. Quero te ver.
Meu coração dispara.
Nora>>> Você fugiu de mim a semana inteira.
Lucas>>> Eu fugi de mim a semana inteira, é diferente.
Nora>>> Como assim?
Lucas>>> Eu me comportei direitinho, Nora. Não me faça falar o que
não devo.
Por que será que suas palavras me fazem querer descobrir suas
intenções? Eu posso deixar o assunto de lado, pois sei que vindo de Lucas, é
malícia na certa. Mas adoro quando ele é assim comigo, me faz sentir desejada,
interessante. Mulher. Desperta uma chama dentro de mim.
Nora>>> Eu quero saber.
Lucas>>> Depois de domingo, sinto que não posso ficar tão perto ou irei
ceder à tentação de te fazer minha. Quero respeitar meu propósito de esperar,
mas meu corpo entra em conflito com a minha mente.
Engulo em seco. Eu também sinto essa necessidade, meu corpo está cada
vez mais desperto para os desejos da carne e Lucas exerce uma atração muito
forte sobre mim. Meu medo é que algo nessa viagem o faça refletir sobre tudo e
ele desista de me levar a sério. Sinto-me culpada por ter essa migalha de dúvida
e é apenas por este pequeno fragmento, que me permito não pedir que ele fique.
Apesar de estar sendo contraditória, agora eu entendo a necessidade desta
distância. Ela é necessária. Mas não agora, agora eu só quero ficar perto dele e
aproveitar o pouco tempo que nos resta.
Meu pai está no Alcapone’s, hoje é dia de campeonato de sinuca e ele
está participando das rodadas da noite. Ainda me resta algum tempo sozinha em
casa, antes dele chegar.
Digito a mensagem apressadamente, na expectativa de que Lucas aceite.
Nora>>> Pare de fugir de mim, Lucas. Estou sozinha em casa, venha
bater na minha janela.


Deus é testemunha do quanto tenho sido forte. Esta semana foi uma
tortura auto imposta, para que eu não cometa a loucura que tanto desejo. É
admirável ver o quanto amadureci nessas últimas semanas. Eu já não sou o
mesmo cara, bem, talvez eu seja, mas agora tenho um novo propósito em minha
vida.
Meu pai chegou de viagem e tive uma conversa franca com ele, abri meu
coração e revelei meus sentimentos por Nora, pedi seu apoio e mantive a decisão
de ir para a Alemanha. Meu pai, como o esperado, apoiou-me e disse estar
orgulhoso de mim, por eu ter finalmente aceitado o presente que a vida havia me
dado, que nem todos têm a sorte de encontrar o amor e ser correspondido. Eu
não sei se é amor, mas com certeza o que sinto pode estar se encaminhando para
algo assim, não estou com pressa de descobrir e prefiro não remoer o assunto.
Estou bem agora e o que vier daqui para frente será bem-vindo, se for para
acrescentar em minha felicidade. Não fujo dessa palavra, porém a pronunciarei
apenas no dia que tiver certeza da sua veracidade.
Estou em meu quarto, na mansão. Pensei em dormir no flat, mas passei a
semana inteira dormindo lá, minha mãe detesta quando durmo fora de casa e
como estou de viagem marcada, optei por passar mais um tempo com meus pais.
Viajo no domingo à noite, e voo na segunda-feira rumo à Europa.
Estive trocando mensagens com Nora durante os dias em que não a vi,
senti-me um adolescente e isso foi diferente, de um jeito bom. A maneira como
eu costumava me envolver com as mulheres, desde cedo, sempre foi em âmbito
sexual. Descobri que era atraente aos olhos femininos muito cedo e usei minha
aparência a meu favor. Nunca fui tímido, perdi minha virgindade aos quinze
anos com uma universitária, prima do Daniel. Ela tinha vinte e um anos e aquele
foi o melhor verão da minha vida. E foi apenas o pontapé inicial de um longo
período de devassidão. Agora, com quase vinte e nove anos, aqui estou, em meu
quarto, sozinho, pensando em atender ou não ao pedido de minha namorada
menor de idade, para ir sorrateiramente encontrá-la na janela de seu quarto.
Lembram-se do anjinho e o diabinho que ficavam me aporrinhando no
outro dia? Eles estão aqui novamente, em uma luta acirrada para ver quem leva a
melhor. No outro dia o anjinho venceu e acabei me comportando. Mas hoje?
Bem, hoje estou apertando o botão do foda-se para o anjinho filho da mãe.
Quero e preciso ver Nora e irei até lá.
Levanto-me e visto meu conjunto de moletom. É noite e assim aproveito
para me esgueirar entre as árvores até o quarto dela. Não pretendo demorar, mas
quero tê-la em meus braços por alguns minutos e beijá-la até que me falte o ar.
Coloco o celular no bolso da blusa e saio sorrateiramente, pelos corredores da
mansão. Consigo sair sem ser percebido, não sei se meus pais estão acordados,
mas não os vi pela casa. Desço a escada e me dirijo aos fundos da mansão,
passando pela piscina.
Ouço um gemido em meio aos arbustos e me sobressalto.
Que porra está acontecendo?
Ando em direção ao barulho e assimilo o som, alguém está vomitando.
Pensando que pudesse ser um dos funcionários, aproximo-me para verificar
quem precisa de ajuda. Surpreendo-me ao me deparar com Bento Sampaio,
caído de joelhos na grama, vomitando sem parar.
— Bento? — Tento chamar sua atenção para mim, mas ele não parece ter
me ouvido.
Caminho até ele e tento levantá-lo, ele parou de passar mal. Mas está
grogue.
— O que houve com você, cara? — pergunto preocupado.
Nunca, durante todos os anos que conheço Bento, o vi alterado pela
bebida. Mas agora, diante de mim, o vejo no seu pior estado. Ele não está apenas
embriagado, está podre de bêbado. Tem algo muito errado.
— Aquela maldita! — murmurou entre lágrimas.
Cacete. Ele está chorando feito um bebê.
Meu corpo fica tenso ao me dar conta que ele está se referindo a uma
mulher.
— Aconteceu alguma coisa? — pergunto, com receio de entregar minha
preocupação em relação à Nora. — de quem você está falando, cara?
— Adelina — diz com a voz enrolada.
Respiro, aliviado. Sim, é egoísmo de minha parte sentir tranquilidade
quando tem um homem à minha frente, passando mal. Porém saber que não há
nenhum tipo de conflito entre Nora e Bento deixa-me mais confortável, pois
estou às vésperas de ir embora por um tempo. Assim, uma preocupação a menos
para levar na bagagem.
Ajudo Bento a se levantar, ele está realmente incapacitado. Tento arrastá-
lo para sua casa e demoramos um bom tempo nesta tarefa. Ele tenta caminhar
enquanto resmunga debilmente sobre a tal da Adelina, enfatizando o quanto ela é
uma maldita desgraçada. Cara, essa mulher deve ter fodido com o psicológico
dele. Acho que nem eu bebi tanto assim quando me dei conta do que sinto pela
Nora. Oh, tudo bem, talvez eu tenha bebido na mesma proporção, apenas fui
esperto o bastante para fazer isso em um local seguro.
Chegamos à área de sua casa e bato na porta.
Droga, não foi assim que imaginei o meu encontro com Nora.
Leva alguns minutos para ela abrir a porta da sala, e a expressão de
pânico invade sua face ao deparar-se com o pai no estado lastimável. Estou
segurando um dos braços de Bento por sobre o meu ombro, ele esforça-se para
manter-se firme no chão, mas ao ver a filha diante de si, perde as forças. Seguro
Bento no colo, o que me dá um trabalho danado. Ele é tão grande quanto eu e
parado, pesa pra caralho.
— Meu Deus! O que houve com o meu pai?
Nora está transtornada e observo seus olhos marejarem. Droga! Detesto
vê-la tão frágil e sensibilizada. Se eu pudesse, evitaria qualquer tipo de situação
que pudesse magoá-la.
— Acabei de encontrá-lo, estava vomitando.
Ela abre a porta e sinaliza para que eu entre com seu pai, tenta me ajudar,
mas em vão. Prefiro carregá-lo sozinho para evitar machucá-la.
— É melhor você ficar longe, querida — alerto-a. — Ele está bêbado e
muito puto com uma tal de Adelina, pode não reconhecê-la e te machucar.
Nora fica ainda mais espantada com o que digo. Vejo-a abrir outra porta e
percebo que é o banheiro.
— Você pode colocá-lo no chuveiro, para um banho frio, por favor?
Assinto, já levando Bento para o banheiro. Nora fica do lado de fora,
pois, o cômodo é pequeno. Coloco Bento sentado no chão do box e ligo o
chuveiro após colocar na temperatura fria. Ele parece reagir, ao sentir frio, e isso
soa animador.
— Eu não sabia que meu pai costumava beber desse jeito — diz Nora,
decepcionada.
Olho para ela e sinto vontade de abraçá-la.
— Nunca vi o seu pai bêbado, nem rumores de que ele tenha esse hábito
— revelo, tentando confortá-la. — Talvez esteja chateado com essa Adelina.
Você sabe se ele estava namorando alguém?
Nora respira pesadamente antes de me responder.
— Adelina é a minha mãe.
— Eita! — Coço minha nuca, sentindo-me desconfortável.
Fui colocado sem querer em meio ao olho do furacão. O drama familiar
da minha namorada.
— Sei pouca coisa sobre isso, apenas o necessário. Ela não me quis,
deixou-me com o papai e foi embora com os pais dela, como se nunca estivesse
grávida. — Ela já havia me contado, mas estava repetindo. — Nunca senti
necessidade de saber mais sobre ela, eu amo minha tia Laurinha como se fosse a
minha mãe.
Não sei o que dizer para demonstrar meu apoio.
Bento começa a tossir debaixo d’água e vou até o box, ajudá-lo.
— Feche a porta, deixe que eu cuido dele — aviso. — Prepare um café
bem forte, ele vai precisar.
Nora faz o que eu pedi e fico sozinho com Bento.
— Certo — murmuro para mim mesmo, esforçando-me para tirar a
camisa dele. — Agora entendo como o Caio se sentiu naquela noite.


— Como ele está? — Nora me pergunta, após eu deixar Bento em seu
quarto, enrolado nu em um cobertor.
Depois do banho, ele cooperou um pouco e tomou o café que sua filha
fez. Retirou a calça e a cueca molhada, mas não quis se vestir. Murmurou um
pedido de desculpas para a filha e logo depois apagou.
Fecho a porta do quarto e me aproximo dela.
— Ele vai ficar bem, mas vai acordar com uma puta ressaca.
Ela anui.
— Não entendo o que houve — murmura.
Vou até ela e a acolho em meus braços, senti-la contra mim neste
momento não desperta desejo sexual, mas uma onda de emoções tão fortes que
deixa minhas pernas bambas. É por isso que Nora é tão especial, ela consegue
me desestruturar de uma forma que nenhuma outra faz. E eu sei que algo assim
não pode ser considerado errado. Por isso, acredito que estarmos juntos era para
acontecer.
— Eu meio que o compreendo — digo para tranquilizá-la. — Eu fiz isso
dias atrás, um dia antes de conversarmos na piscina. Foi o Caio quem me ajudou.
Eu estava no flat.
— Você bebeu por minha causa? — perguntou surpresa.
Beijei-lhe o topo da cabeça.
— Pode-se dizer que sim.
Senti um beliscão em meu braço direito, afastei-me um pouco dela.
— Não faça isso de novo! — esbravejou a garota.
Dou-lhe um puxão de cabelo, mas nada exagerado. Ela arregala os olhos,
surpresa. Sorrio para provocá-la.
— Que mania feia que as mulheres têm, de reagir com agressividade. —
Dou de ombros. — Não faça isso de novo! — Pisco para ela, jogando charme.
Nora me abraça novamente e eu retribuo. Adoro cheirar o cabelo dela, é
tão delicioso. Talvez eu compre o shampoo que ela usa, para levar comigo para a
Alemanha.
— Obrigada por tudo, Lucas.
— Eu que agradeço, bruxinha. Você chegou para ficar e mudou a minha
história.


Bento Sampaio abriu os olhos na manhã de sábado e viu o quarto girar ao
seu redor. Descontara todas as frustrações na bebida e quando não conseguira
distinguir qual era o copo e qual a sombra dele, Eulália o mandou embora. Sem
condições para dirigir, Bento foi para casa arrastando-se pela estrada e fez um
esforço danado para disfarçar a bebedeira para o senhor Gerônimo, que
percebeu, mas fingiu que não tinha reparado. Quanto mais próximo de sua casa
estava, mais o corpo parecia pesado e o estômago se agitava. Não se lembrava de
como havia chegado até sua cama e do porque estava nu.
Oh céus...
Olhou em volta, novamente vendo tudo girar, porém conseguiu distinguir
as paredes e os móveis e deu-se conta de que estava sozinho. Nenhuma mulher.
Não que pudesse ter alguma mulher em sua cama, jamais levara alguma delas
ali. Era o seu lar, o lar de sua filha. Não havia espaço para uma terceira pessoa.
Não havia espaço para ninguém mais em sua vida. Então suas lembranças
lentamente vieram à tona.
Nunca bebera daquele jeito, mas após anos lidando sozinho com a
criação de Nora, reprimira extravasar suas frustrações e se tornara um exemplo
de homem para a filha admirar. Mas agora, quando tudo parecia bem, com Nora
prestes a comemorar seus dezoito anos, um fantasma do passado decidiu
assombrá-lo e ameaçar sua paz de espírito.
Adelina.
Ela não tinha direito algum sobre a filha. Não havia porque se preocupar.
Mas Bento se preocupava. Adelina e a família tinham dinheiro e Nora sempre
teve uma vida sem luxo. O medo de que sua filha preferisse ficar com a mãe
para aproveitar uma vida com maiores oportunidades, tomou conta com a notícia
de que ela estava de volta.
Sim, isso mesmo. Adelina estava de volta à cidade.
Fora Eulália a portadora da notícia. Ninguém sabia que Nora era filha da
ex-namorada de Bento Sampaio. Para eles, Adelina havia ido embora após se
desiludir com o namorado universitário que teve uma filha fora do
relacionamento. Ele não fazia questão de desmascarar a verdade, para ele tudo o
que importava era cuidar de sua vida e que os outros tirassem suas próprias
conclusões. Mas com Adelina de volta, não sabia como reagiria quando a
encontrasse. Não fazia ideia do porquê depois de tantos anos, ela retornara.
Justamente quando Nora se tornara uma adulta e não precisava de tantos
cuidados, pois estava aos poucos adquirindo sua independência.
Bebeu para tentar esquecer, como se fosse possível. Agora estava
acordado, com uma forte ressaca e a sensação de que sua vida estava próxima de
sair da zona de conforto.
Ouviu a batida na porta e foi como se alguém tivesse martelado em sua
cabeça.
— Pai?
Nora tentou não falar muito alto, mas passava das dez horas da manhã e
nada de seu pai acordar. Preparou café forte para que ele tomasse novamente.
Estava preocupada e assustada, nunca vira o pai naquele estado e sentia a
necessidade de verificá-lo. Lucas foi embora logo que o sol nascera, após passar
a noite com ela, ambos deitados no sofá da sala. Foi reconfortante tê-lo tão perto
em um momento em que se sentia frágil, ele não quis deixá-la sozinha com o pai
no estado em que se encontrava, permaneceram abraçados e conversando por
horas, trocaram carícias e beijos delicados até que adormeceram vencidos pelo
cansaço. A cada dia Nora se sentia ainda mais ligada ao homem que vivia na
enorme mansão. Lucas estava se tornando necessário, importante, essencial. Isso
a confortava e amedrontava ao mesmo tempo.
— Só um minuto, querida — murmurou Bento, sentando-se na cama.
— Eu te espero na cozinha, pai!
— Dez minutos e estarei novo em folha, ou quase.
Bento Sampaio levantou-se e fechou os olhos rapidamente, para evitar
que a vertigem lhe causasse náuseas. Caminhou até o guarda-roupa e procurou
por uma cueca, jeans e camiseta. Vestiu-se preguiçosamente e aos poucos foi se
sentindo melhor. Saiu do quarto e encontrou Nora na cozinha, sentada à mesa,
servindo-se de café.
— Bom dia, pai — cumprimentou com a voz suave, denotando
tranquilidade.
Ele se sentiu envergonhado, sua filha estava tentando agir naturalmente
para não o constranger. Sentou-se à mesa, ficando de frente para Nora, que lhe
ofereceu uma caneca com o líquido fumegante. Assoprou algumas vezes antes
de finalmente bebericar o café forte que ela havia lhe preparado.
— Perdoe-me, filha...
Ela não queria demonstrar fragilidade diante de seu pai, mas ouvi-lo tão
vulnerável balançou a força que estava tentando mostrar. Nora estendeu a mão
sobre a mesa, tocando a de seu pai que não segurava a caneca de café. Bento
deixou-se acalentar pela filha.
— Estou envergonhado. Você jamais deveria ter presenciado algo assim.
Para não sucumbir ao choro, Bento continuou tomando seu café. Nora
conseguiu segurar as lágrimas, mas fitou o pai com compaixão, compreendia que
ele era apenas um ser humano suscetível a falhas.
— Não tenho que perdoá-lo, pai — disse a ele. — Todas as pessoas têm
momentos de fragilidade, o senhor não tem o porquê se sentir envergonhado.
— Tenho sim, eu deveria ser mais responsável, sei o que acontece
quando se bebe além da conta e mesmo assim extrapolei. Não pensei em você,
na preocupação que lhe causaria quando me encontrasse bêbado.
Nora ficou em silêncio, pensando no que poderia perguntar ao pai. Sabia
que algo o incomodou, para que descontasse na bebida daquele jeito.
— O senhor costuma beber desse jeito, com frequência? — perguntou
cautelosamente.
Bento remexeu-se desconfortavelmente na cadeira, terminou de beber o
café e soltou a caneca em cima da mesa, uniu sua mão livre à de Nora, lhe
confortando. Fitou-a com seriedade, queria mostrar a ela que estava sendo
sincero em suas palavras.
— Nunca bebi desse jeito, nem quando era mais novo e sua mãe nos
abandonou. Prometo que não irá se repetir.
— Pai, eu acredito no senhor. Só fiquei preocupada, o que houve?
Bento hesitou, não sabia como revelar à Nora que Adelina estava de
volta. Também não sabia se a mulher teria o interesse de conhecer a filha.
Sentia-se em um beco sem saída, o passado vindo à tona forçando-o a se
posicionar defensivamente. Depois de pensar sobre o assunto, Bento decidiu não
revelar nada a Nora até que se encontrasse pessoalmente com a mãe da garota.
— Prefiro não tocar no assunto — desconversou, evitando mentir para
ela. — Garanto que não acontecerá novamente, só me sinto desconfortável para
conversar sobre isso com você.
Ela sorriu, apertando ainda mais as mãos dele, passando-lhe confiança.
— Tudo bem, vamos virar essa página. — Soltou-lhe as mãos e levantou-
se. — Hoje à noite é meu último dia de trabalho no Alcapone’s, eu prometi à
Eulália que ajudaria, pois é aniversário do Lucas e ele fechou o bar para sua
festa. Tudo bem se eu for. Já se sente bem?
Bento não gostou da ideia, ter Nora trabalhando em um evento fechado
no Alcapone’s, principalmente uma festa de Lucas Marinho. O jovem era famoso
na região por suas festas extravagantes. Porém, não queria ser o pai chato que
proíbe a filha de tudo. Eulália jamais permitiria que Nora trabalhasse em um
ambiente desrespeitoso, além disso, a filha tinha juízo e ele confiava na menina.
A contragosto, sorriu para ela e anuiu sua permissão.
— Tenho certeza que até a tarde estarei melhor.
— Obrigada pelo voto de confiança, pai. O senhor tem sido incrível
comigo. Não sei se mereço essa liberdade que me proporciona, mas agradeço de
coração.
Bento levantou-se, e foi até a filha puxando-a para um abraço.
— Você está entrando na vida adulta, e ficou presa por tempo demais
naquele colégio. Mas pode ter certeza, no momento em que eu acreditar que
devo vetar alguma coisa, para o seu próprio bem, eu o farei e espero que
compreenda.
Desfizeram-se do abraço e Nora encarou o pai, pensativa.
Será que ele estava desconfiado de alguma coisa, sobre Lucas e ela
estarem envolvidos?
Detestava esconder o romance do pai, mas sabia que era necessário ao
menos temporariamente. Lucas precisava de tempo para munir-se de uma boa
reputação e adquirir nova postura diante de sua antiga fama de bon vivant. Não
chegava a ser considerado um boêmio, mas muitos dos seus amigos eram e a
expressão “diga-me com quem andas e te direi quem és” perpetuava na
sociedade como uma erva daninha.
— Acho que quando isso acontecer, poderemos lidar com a situação
juntos — argumentou Nora, sabendo que em determinado momento, teria que
conversar com o pai sobre Lucas. Estava ciente de que não seria fácil, mas
estava mais do que disposta a lutar por sua felicidade. Não saberia o que fazer se
o pai lhe impedisse de ficar com o homem por quem estava apaixonada, nunca
se imaginou rebelando-se contra seu progenitor, não queria que as coisas
desandassem a este ponto. Ao se dar conta de que nem tudo poderia ser como
sonhava, Nora sentiu uma angústia dentro de seu coração.
— A sua maturidade às vezes me espanta. Você é uma menina prodígio.
Tenho a sorte de ser seu pai.
Enquanto Nora caminhava em direção ao seu quarto, Bento teve um
relapso de memória sobre a noite anterior. Pestanejou ao se dar conta que
acordara nu, e de banho tomado. Aquele era o ápice de sua vergonha.
— Filha, como eu fui parar no meu quarto, pelado?
Por Deus, que ela não lhe dissesse o que estava pensando ter ocorrido.
— Não se lembra? — perguntou ela, mas ao ver a expressão confusa no
rosto do pai, percebeu que Bento não fazia ideia de como havia voltado para a
casa. — Lucas te encontrou vomitando no pátio, te trouxe para casa, deu banho
no senhor e o colocou na cama. Ele também ficou no sofá, até o sol nascer, para
ter certeza de que não precisaria socorrê-lo ou algo assim.
A garota optou por revelar parcialmente a verdade. Omitira que ficara na
sala, dormindo com o patrão de seu pai, no sofá, enquanto ele estava desmaiado
após a bebedeira. Era uma maneira de fazê-lo enxergar Lucas com bons olhos,
essa atitude do namorado para com seu pai poderia contar a favor deles.
Bento sentiu o estômago embrulhar, a náusea tomou conta e sabia que
precisava correr para o banheiro ou sujaria o chão da cozinha. Enquanto
desintoxicava seu organismo, refletia na porcaria de noite que tivera. Saber que
Lucas Marinho o trouxera para casa e o ajudara em um momento de fraqueza,
deixou-o aliviado. Por um momento, temeu que a filha tivesse passado pelo
constrangimento de banhá-lo e colocá-lo na cama no estado em que se
encontrava. Deixando o orgulho de lado, Bento Sampaio reconheceu que
precisava se desculpar com o patrão e lhe agradecer o socorro prestado.
— Pai, está tudo bem? — perguntou Nora, próxima a porta do banheiro,
que estava entreaberta.
Bento gemeu, ainda se sentindo enjoado.
— Efeitos colaterais de uma noite de merda — murmurou para si. —
Está tudo bem, filha. — Disse em voz alta para tranquilizar a garota.
Não, não está tudo bem. Porra nenhuma!


Lucas não conseguiu dormir novamente após retornar à mansão. Tomou
um banho frio para recompor-se e quase não tocou seu órgão genital, para não se
deixar levar pelas lembranças de Nora em seus braços. Estiveram juntos por toda
a noite, mas nada do que tinha em mente quando foi até sua casa, aconteceu.
Merecia o Oscar de melhor ator, por ser tão controlado perto dela e interpretar o
príncipe encantado com maestria. Até mesmo a masturbação estava evitando,
para não macular o momento que tiveram naquele sofá. Vestiu uma calça de
moletom limpa, na cor cinza, e uma regata de algodão, na cor preta. A mania de
andar descalço pela mansão era incontrolável, mesmo sabendo que dona Isabella
Marinho iria lhe puxar a orelha por estar suscetível a um resfriado. Coisa de mãe
coruja.
Ao sentar-se à mesa para o café da manhã, Lucas cumprimentou os pais e
serviu-se de suco de laranja e sanduíche natural, preparado ao seu gosto.
— Tudo pronto para sua festa de aniversário? — questionou Isabella,
demonstrando demasiado interesse.
Lucas deu de ombros. Já não estava tão empolgado para a festa, se
tivesse conhecido Nora há mais tempo, preferiria fazer algo com a garota ao
invés de reunir todas aquelas pessoas que estariam presentes à noite, no
Alcapone’s. Não que deixaria os amigos de lado por uma namorada, mas aos
poucos ele estava mudando suas prioridades e se abrindo para uma nova visão
sobre as coisas, as pessoas. Incrível o que o amor pode fazer, não? E Lucas
Marinho sequer percebia isso, estava mudando gradativamente por causa dos
novos sentimentos, mas ainda não sabia reconhecê-los totalmente.
— Sim — respondeu à sua mãe. — Não há muito com o que se
preocupar, deixei Eulália responsável por comida e bebida, e meu amigo Daniel,
como de costume, ficou de convidar todo o pessoal.
Isabella soltou uma risadinha.
— E qual a sua participação, na organização?
Ele deu de ombros.
— Sou o aniversariante, tudo o que preciso fazer é dar as caras na festa.
O resto o pessoal se vira.
— E a viagem — mencionou Alfredo, iniciando sua participação na
conversa. — Está tudo certo?
Lucas fitou o pai, seriamente. Apesar de já terem conversado sobre o
assunto, Alfredo ainda tinha dúvidas se o filho conseguiria cumprir a palavra de
se afastar temporariamente.
— Sim pai, a Vovózona já cuidou de todo o roteiro de viagem. Saio
amanhã à noite, para a capital, meu voo é segunda-feira pela manhã. Mas isso
vocês já sabem.
Isabella remexeu-se na cadeira, sentindo-se desconfortável.
— Ainda não entendi o porquê de você ficar dois meses fora. É tempo
demais, querido.
Lucas e Alfredo entreolharam-se.
— Não são apenas férias, mãe. Também aproveitarei para me
especializar em algumas novidades. Prometo ligar para senhora com bastante
frequência.
Isabella sorriu e soprou um beijo para Lucas. Era muito apegada ao filho,
ele nunca ficara tanto tempo longe.
— Se você não ligar, eu me encarregarei de fazê-lo.


Quando Bento foi ao encontro de Lucas, não sabia ao certo como iria
desculpar-se com o patrão. Caminhou em passos firmes, determinado a resolver
a pendência. Foi até a piscina, pois conhecia os costumes do homem e naquele
horário, Lucas aproveitava para nadar.
Ao se aproximar, Bento abaixou-se e esperou Lucas chegar até ali.
— Caralho, Bento! Que susto! — gritou Lucas, ao emergir da água,
apoiando os braços na borda da piscina, dando de cara com o pai de sua
namorada.
Bento deu uma risadinha, achando graça da expressão assustada de
Lucas. Logo se lembrou do porque estava ali e novamente sentiu-se
constrangido.
— Perdão, patrão. Não foi minha intenção assustá-lo. Vim me desculpar
por ontem à noite e agradecer por ter zelado pela minha filha, enquanto eu estava
bêbado.
Lucas pestanejou.
Quem merda fodida...
— Cara, você estava muito mal — desviou do assunto correspondente à
Nora.
— Nunca fui disso, patrão. Ainda mais agora, com a Nora em casa. Foi
um grande erro e não irá se repetir. Estou envergonhado.
Lucas admirou Bento por sua coragem em admitir o erro e lhe pedir
desculpas. Além de um ótimo funcionário, o jardineiro também era considerado
um amigo da família. O que Bento fazia fora do expediente não lhe dizia
respeito, mas ele era pai de Nora, e Lucas jamais permitiria que a sua garota
tivesse que se preocupar com um pai alcoólatra. Saber que Bento não tinha vício
e aquela foi uma situação isolada, deixou-o mais tranquilo.
— Relaxe, Bento. Fiquei preocupado com você, mas sei que é um cara
decente. Espero que não se repita. Sua filha ficou muito preocupada contigo.
— Já conversei com a Nora, foi ela quem me contou sobre a sua ajuda.
Eu não me lembro de muita coisa.
— Tudo bem, vamos esquecer isso. Sim?
— Certo.
Bento se levantou e Lucas saiu da piscina. Os homens apertaram as
mãos, em um gesto amistoso.
— Nora vai trabalhar na sua festa de aniversário. Haverá algo
inapropriado esta noite?
Lucas engasgou e arregalou os olhos.
— O que é inapropriado para você, Bento?
— Perdoe-me, patrão. Mas você sabe a fama que tem na região, suas
festas são famosas. Não quero que a Nora passe por algum constrangimento e
seus amigos são atrevidos. Ela ainda é menor de idade e fico receoso de deixá-la
à mercê desses rapazes.
— Porra, Bento! Você fala como se eu fosse um pervertido e meus
amigos uns maníacos sexuais. Jamais permitiria que algum deles se aproximasse
da sua filha com má intenção. — Omitiu os reais motivos para tal. —Acredito
que Eulália não a chamaria se pensasse que a menina corresse algum risco. Nós
somos jovens e gostamos de farra, mas somos pessoas civilizadas.
Bento desviou o olhar. Sentiu-se desconfortável por falar tão abertamente
com o patrão, sobre seu comportamento. Mas sua filha estava envolvida e ele
quis ter certeza de que não estaria permitindo que ela frequentasse um ambiente
de risco. Nora era ingênua demais, só queria protegê-la.
— Só quero o melhor para a minha menina, patrão.
— Por Deus, homem! Pare de me chamar de patrão. — Lucas irritou-se.
Detestava que Bento o lembrasse a todo instante que havia uma
hierarquia entre eles. Tratava-se de mais um empecilho em seu relacionamento
com Nora. Odiava convenções sociais.
— É a força do hábito — justificou Bento.
— Habitue-se a me chamar de Lucas, por favor.
O jardineiro anuiu em silêncio.
— Preciso ir, tenho que ir ao Alcapone’s verificar como estão os
preparativos da festa. Fique tranquilo, Bento. Eu estarei de olho na Nora, nada
de ruim irá acontecer a ela.
— Obrigado, Lucas.
Lucas não estava fazendo aquilo por Bento. Ele era o principal
interessado pelo bem-estar de Nora.


Caio chegou ao Alcapone’s perto do meio-dia, combinara de almoçar
com Sabrina e Eulália. A movimentação de funcionários no estabelecimento
devia-se à festa de aniversário do seu melhor amigo. Encontrou Sabrina varrendo
o chão da lanchonete.
— O que está fazendo com essa vassoura na mão, Sabrina Blanco?
A garota fitou o noivo, sorrindo. Mas Caio não retribuiu e ela sabia o
porquê. Ele não queria que ela fizesse esforço físico. Para descontrair, Sabrina
colocou a vassoura entre as pernas e sorriu para ele, com malícia.
— Estava me preparando para dar um passeio — respondeu.
Caio não segurou a risada.
— Essa desculpa não colou, você não é uma bruxa. — Aproximou-se
dela e retirou a vassoura de suas mãos. — Já pedi que evitasse esforço físico, Sá.
— Engraçado, quando você dorme lá em casa, não se importa nenhum
pouco do esforço físico que fazemos na minha cama.
— Não é esforço, é exercício de alongamento. — Piscou para ela.
Abraçaram-se e Caio a beijou apaixonadamente. Quando estava com
Sabrina, sentia-se o homem mais feliz do mundo. Como era bom estar com a
pessoa amada, e como demorou a perceber que Sabrina era a sua metade. Por
mais que estivesse por perto, nunca parecia o suficiente. Não via a hora de tê-la
como esposa e acordar ao seu lado todos os dias.
Uma tosse forçada os tirou do limbo de amor. Afastaram-se com
relutância e viraram-se para se deparar com Lucas. Sabrina ficou retraída, ainda
não conversara com ele sobre o incidente da semana anterior.
— Como estão os pombinhos apaixonados? — perguntou Lucas.
— Famintos — respondeu Caio. — Já almoçou?
— Na verdade, não.
— Almoce conosco — convidou Sabrina.
Lucas arqueou as sobrancelhas, em uma pergunta silenciosa. Ele estava
ciente de que a relação com Sabrina estava abalada, desde a discussão que
tiveram. Não guardava nenhum rancor, até porque a garota era noiva de seu
melhor amigo e também a nova melhor amiga de sua namorada.
Caio ficou tenso, esperou uma resposta ácida de Lucas e preparou-se para
defender a noiva.
— Eu te devo desculpas, Lucas — continuou Sabrina. — Não tinha o
direito de me meter no seu relacionamento com a Nora, mas as coisas não eram
exatamente como imaginei. Eu estava preocupada com ela, mas fui injusta com
você. Estou arrependida e gostaria que você acreditasse que não irei interferir
novamente.
Lucas se aproximou do casal, a passos lentos.
— Tudo bem, menina. Esquece isso.
Ela anuiu com a cabeça.
— Posso participar da sua festa, hoje à noite? — perguntou Sabrina, para
ter certeza.
— Claro que sim, Sá. Você é dona do Alcapone’s e noiva do Caio, e
apesar de termos nos estranhado semana passada, é uma amiga. Será bem-vinda.
— Obrigada.
— Também quero que me ajude a ficar de olho em Nora. Ela vai precisar
de você, para não se intimidar com meus convidados. Gostaria que pedisse a ela
para vir sem uniforme, assim não chamará a atenção dos caras, sabe como eles
adoram provocar as garçonetes. Quero Nora à paisana, como se fosse minha
convidada.
— Ela não deveria ser? — perguntou Caio, confuso.
Lucas respirou pesadamente, antes de responder.
— Deveria, mas ainda não é o momento de expor nosso relacionamento.
Vocês sabem que é muito recente e infelizmente as coisas não funcionam para
nós, como funcionam para vocês.
Sabrina e Caio concordaram com Lucas.
— Tudo bem. Avisarei a ela.
O celular de Sabrina tocou e ela atendeu em seguida. A ligação foi rápida
e ao ser finalizada, ela guardou o celular no bolso do jeans.
— Mamãe está nos chamando para subir, o almoço está pronto.


Nora olhou-se no espelho mais uma vez. Vestiu-se de maneira simples,
pois mesmo não havendo a necessidade de usar uniforme na noite de sábado, não
quis chamar a atenção de ninguém durante a festa de aniversário de Lucas. Jeans
escuro, justo ao corpo, uma camisa de flanela xadrez em tons de vermelho e
azul. Calçou seu par de All Star e prendeu o cabelo em seu costumeiro rabo de
cavalo. Optou por uma maquiagem leve, não costumava se maquiar para ir
trabalhar, mas como era o aniversário de seu namorado, quis estar bonita para
que ele a admirasse. Em seu interior, a insegurança ao constatar que certamente
haveria lindas mulheres presentes na festa, foi mais um motivo.
Encontrou seu pai sentado no sofá, assistindo televisão. Bento desviou o
olhar da tela para verificar a filha. Sorriu satisfeito ao ver que ela estava vestida
de maneira adequada para passar despercebida diante das demais convidadas da
festa. Embora a beleza de Nora não necessitasse de artifícios para se destacar,
vê-la vestida com jeans e camisa o deixou mais tranquilo.
— Você está linda, filha.
— Valeu, pai.
Bento se levantou e pegou o molho de chaves em cima da mesa de
centro.
— Eu te levo, já busquei a caminhonete no Alcapone’s.
— Vamos então.
Durante o trajeto, Nora tentou disfarçar o nervosismo e ansiedade.
Quando Bento estacionou na frente do Alcapone’s, a garota respirou aliviada ao
ver que os convidados não haviam chegado. Somente o Porsche de Lucas, o Jipe
de Caio e um New Beetle preto, estavam estacionados. Ela desceu da
caminhonete e acenou um tchau para o pai, que permaneceu estacionado. Ao ir
em direção do bar, Nora deparou-se com Bárbara saindo do local e sentiu um
frio na barriga. Gostava muito de Babi, mas desde que soubera do noivado com
Lucas, tinha receio de que a moça ainda fosse apaixonada por ele.
Bárbara avistou Nora chegando ao Alcapone’s, mas o que mais lhe
chamou a atenção foi a caminhonete estacionada ao lado de seu carro e o
motorista dentro dela. Sorriu, satisfeita, fazia algum tempo que não o via, a
última vez havia sido espetacular e a deixou com “gostinho de quero mais”,
porém Bento era um homem muito reservado e Babi não tinha desculpa alguma
para ir até a mansão, com pretensão de encontrá-lo por acaso. Deixou nas mãos
do destino, que parecia estar a seu favor.
— Nora, querida. Veio para a festa do Luquinhas? — Puxou assunto com
a garota, estranhando sua presença no bar onde seria comemorado o aniversário
de seu ex-noivo.
A garota lhe sorriu timidamente e parou para cumprimentá-la.
Abraçaram-se amistosamente e Babi deu-lhe um beijinho rápido na bochecha.
Não apenas por se sentir atraída pelo pai da menina, realmente gostava de Nora.
Tinha muita simpatia pela garota, até mesmo estava providenciando uma
oportunidade de ela ingressar na universidade antes do segundo semestre.
— Vim a trabalho, na verdade, esta é a última noite que trabalho no
Alcapone’s. Inicialmente pensei que fosse uma boa ideia para juntar dinheiro,
mas reconsiderei. Não posso me sobrecarregar.
— Você é uma menina esforçada, querida. Sabe, precisamos marcar um
dia e conversar sobre a faculdade.
Nora pestanejou, não entendia o porquê Babi teria interesse em falar com
ela sobre aquilo.
— Sobre o que, exatamente? — perguntou, tentando conseguir maiores
informações.
Babi deu de ombros, não deixou passar despercebido o fato de Bento
ainda não ter ido embora.
— Estive vendo a possibilidade de você entrar ainda no primeiro
semestre, mas não quero falar sobre isso agora. Assim que eu tiver algo
definitivo, marcamos uma reunião, você fala com seu pai e conversaremos
melhor. Tudo bem?
A garota anuiu, sentindo-se animada com a possibilidade. Esquecendo
seu receio em relação à Babi e Lucas, Nora se aproximou da moça e lhe deu um
abraço de agradecimento.
— Você é incrível, Babi. Muito obrigada por me ajudar.
— Farei o possível, querida. Agora preciso ir. — Desfizeram-se do
abraço. — Apesar de não ter sido convidada para esta festa, fiz questão de
parabenizar o Luquinhas pessoalmente. — Deu uma piscadela para a garota,
como gesto de cumplicidade. — A verdade é que eu quis provocá-lo. Ele pensa
que ainda gosto dele, morre de medo que eu vire uma ex-noiva pé no saco. —
Gargalhou, divertindo-se.
Nora engoliu em seco.
— E você ainda gosta? — Nora ousou perguntar.
Babi arregalou os olhos, como se tivesse acabado de ouvir um grande
disparate.
— Vire essa boca para lá, menina! Lucas é página virada. Apesar da
nossa história ter sido um fracasso, tenho muito carinho por aquele babaca. Eu
sei que ele não é má pessoa, nós apenas não fomos feitos um para o outro.
O alívio que Nora sentiu ao ouvir da própria Bárbara que não havia mais
sentimentos por Lucas, foi gritante. Ela sorriu para a moça novamente, mas na
verdade estava deixando sua felicidade transparecer. Uma ex-noiva apaixonada
era tudo o que Nora não precisava para acrescentar a vasta lista dos fatores que a
impediam de ficar com Lucas Marinho.
Despediram-se e assim que Nora entrou no estabelecimento, Bárbara foi
até a caminhonete ainda estacionada. Precisava vê-lo, falar com ele, sentir seu
cheiro de homem, incitá-lo a algo mais.
— Ei, jardineiro. Bom te ver! — Sorriu-lhe despretensiosamente.
Bento semicerrou os olhos, desde que vira Bárbara saindo do Alcapone’s,
não conseguiu dar a partida no carro. Como se uma força invisível o estagnasse
ali, para que ele pudesse observá-la por mais tempo.
— Oi, patricinha.
Ela riu, achava sexy quando ele a chamava daquele jeito.
— Veio para a festa do Lucas? — perguntou Bárbara. Não quis chamá-lo
de Luquinhas para que Bento não pensasse que os dois ainda eram íntimos.
— Não, apenas trazer a Nora para seu último dia no trabalho.
— Ah sim, ela me contou. Você deve estar aliviado.
— Mais do que imagina — confidenciou-lhe.
O silêncio pairou sobre eles, mas a atmosfera sexual, a energia que seus
corpos exalavam quando estavam próximos era possível ser detectada.
Bento estava duro de desejo, queria Bárbara com uma intensidade fora do
comum. Todos os motivos que criara para não sucumbir a ela novamente caíram
por terra, precisava estar dentro dela mais uma vez. Era um desejo bruto, insano.
Seu olhar focou no decote que a moça adorava exibir. Bárbara estava linda como
sempre, usando uma saia lápis na cor vermelha e um top preto que deixava parte
de sua barriga à mostra, o umbigo coberto pelo cós alto de sua saia, deixava-a
elegante e sensual, sem vulgaridade alguma. Os malditos sapatos de salto, que
lhe deixavam louco, eram um acessório à parte.
Droga! Não podia deixar o momento passar.
— Entre logo nesse carro Bárbara, eu sei que você também quer.
Ela pensou em estender o momento, mas logo mudou de ideia. Sabia que
Bento não era como os homens com quem estava acostumada. Se fizesse jogo
duro, ele lhe daria as costas, e de todas as partes do corpo másculo do jardineiro
sexy, não era esta a parte pela qual ela tanto estava interessada no momento. Não
disse nada, apenas lhe sorriu e rapidamente encaminhou-se para o lado do
carona. Bento abriu a porta para ela e assim que Bárbara colocou o cinto de
segurança, ele deu a partida e foi em direção ao motel mais próximo.


Lucas viu Nora entrando no Alcapone’s e seu pau deu sinal de vida
imediatamente. Estava morrendo de tesão desde a noite passada e recusara-se a
se masturbar. Ela estava deliciosa naquele jeans apertado e o cabelo preso,
causava um efeito devastador no pobre homem. Seus convidados ainda não
haviam chegado, com exceção de Caio e Sabrina. Bárbara havia acabado de sair
dali, provavelmente as duas se cruzaram pelo caminho, mas Babi era passado e
ao contrário do que ele pensara, ela não nutria mais nenhum tipo de sentimento
romântico por ele. Não depois do que lhe fizera, seria tola se ainda sentisse algo.
Era um alívio e um problema a menos para encarar. Foi até a namorada e pegou
pela mão, sem dizer nada. Caminhou até os fundos do bar, levando-a até uma
porta no fim do corredor, onde havia pilhas de caixas com cascos de cerveja, era
o pátio onde as descargas de mercadorias eram feitas.
— O que... — Nora tentou perguntar o que ele estava fazendo, mas Lucas
a impediu com um beijo. Pressionou-a contra a parede do bar e devorou seus
lábios.
A garota deixou-se levar pelo desejo e automaticamente suas mãos foram
até o cabelo de Lucas, puxando-o com vontade, não querendo soltá-lo nunca
mais. Lucas pressionou seu membro contra a cintura da menina, buscando um
pouco de alívio, inutilmente. Não era esse tipo de contato que lhe proporcionaria
o céu que tanto pretendia atingir com ela. Tinham pouco tempo juntos, no dia
seguinte ele daria início ao seu exílio e se manteria afastado dela. Nunca pensou
que seria fácil, mas a cada hora que passava a angústia aumentava e a vontade de
desistir lhe invadia.
— Quero te roubar para mim, garota...
— Pode roubar, eu deixo.
Ele riu. Ela era corajosa.
— Vai, me deixe aqui sozinho — pediu ele. — Preciso pensar em
velhinhas desdentadas querendo me chupar. Só assim meu pau ficará mortinho,
dentro das calças.
Nora riu e empurrou Lucas, dando-lhe um tapinha no ombro.
— Estarei de olho em você — alertou a garota.
Ele lhe deu uma piscadela e jogou-lhe um beijo.
— E eu farei a mesma coisa a seu respeito, bruxinha.


Nada do que passou pela cabeça de Nora, ao imaginar como seria a festa
de aniversário de Lucas, se consolidou. Nenhuma mulher seminua, nenhum casal
se agarrando explicitamente, ninguém bebendo descompassadamente ou fazendo
strip-tease em cima da mesa. Música alta sim, mulheres lindas e bem vestidas,
homens bonitos e cheios de charme, conversa alta, risadas, alguns flertes. Nada
que pudesse considerar anormal. O aniversariante perambulava entre as diversas
rodas que se formavam pelo ambiente, interagindo com seus convidados,
cumprimentando, abraçando. Lucas era muito querido por todos, principalmente
pelas mulheres.
Nora sentiu uma pontada de inveja, elas pareciam venerá-lo, quase
babavam em cima dele, mas por incrível que pareça, Lucas sequer percebeu os
sinais que emitiam. Nora estava focada em observar cada gesto que
demonstrasse que o namorado pudesse estar passando dos limites, mas para seu
alívio, tudo estava perfeitamente equilibrado. Sentiu-se culpada também, por ter
certa dúvida sobre a índole de Lucas perante os convidados. Mesmo que tivesse
fé no relacionamento, o medo e a insegurança teimavam em pairar sobre sua
cabecinha jovem e inexperiente. O que ele viu nela, afinal? Todas ali eram
lindas, estonteantes, pareciam modelos saídas de capas de revistas sobre boa
forma e estética. Por vezes, seus olhares se encontravam e Lucas lhe dava
piscadelas e um sorriso disfarçado. Seu coração parecia que ia sair pela boca e
sua autoconfiança renascia. Alguns homens tentaram puxar assunto com ela,
saber seu nome, de onde veio, mas Nora manteve-se profissional e suas respostas
sempre foram monossilábicas e evasivas, foi até um pouco apática, para não dar
a impressão de estar interessada por qualquer um deles. Realmente não estava.
Eulália enfiou-se na cozinha, uma das cozinheiras acabou deixando-lhe
na mão, de última hora, e para que tudo saísse como o previsto, ela tomou as
rédeas da situação. Os garçons estavam circulando com os aperitivos para os
convidados, Nora e Sabrina cuidavam da parte do chope, e mais três garçonetes
circulavam com diferentes tipos de bebidas. Tudo conforme o planejado.
Sabrina, assim como Nora, não estava de uniforme. Além de ajudar na
festa também era uma das convidadas. Estava receosa no início, pois apesar de
ter prometido não dar palpite no relacionamento recente de Nora e Lucas,
preparou-se para amparar sua amiga, caso acontecesse algo inesperado. Estava
ajudando Nora encher as canecas de chope para os convidados, do lado de dentro
do balcão. Não quis se afastar da amiga e de onde estava podiam conversar sem
que os convidados se aproximassem. Ela conhecia praticamente todos,
cumprimentara algumas das mulheres ali presentes e também os homens.
Nenhum dos amigos de Caio, exceto Lucas, sabia sobre o noivado e a gravidez.
Fazia pouco tempo que se acertaram e era a primeira vez que iam juntos em um
evento. Estava nervosa, sabia que sua imagem perante aquelas pessoas não era
das melhores. Muitos ali presenciaram seus momentos de solteirice bem
aproveitada, alguns deles compartilharam muito mais do que apenas um copo de
cerveja. Mas ela não se deixaria intimidar, tinha um passado, fato, mas seu foco
estava no presente e no futuro que lhe aguardava, como mãe e futura esposa do
homem que tanto amava.
Caio estava cercado por seus amigos, conversava, sorria, distraía-se por
breves momentos. Mas sua atenção logo se voltava para a noiva. Sabrina estava
linda, usava um vestido floral curto, deixando suas pernas à mostra. Devido à
gravidez, os seios estavam maiores e mesmo que ainda não fosse visível, ele
enxergava o volume de sua barriga. Engraçado, para todos os presentes ela
continuava sendo a mesma de sempre, mas não para ele. Sabrina era sua noiva, a
mãe de seu bebê, sua futura esposa. E mesmo que alguns dos homens que
estivessem ali presentes se envolveram com ela, Caio não se importava. Pois ele
também esteve envolvido com algumas daquelas mulheres. A página foi virada e
agora eles escreviam sua própria história.
— Com tanta mulher gostosa nessa festa, você não tira o olho da Sabrina,
Caião!
Caio fitou Daniel, o senhor inconveniente. Ele sempre dava um jeito de
fazer suas provocações idiotas.
— Sabrina é a única que me interessa — respondeu com convicção.
— Credo! Até parece que está apaixonado — desdenhou o filho do
prefeito.
— E se eu estiver, Daniel? Que porra você tem a ver com isso? — Estava
perdendo a paciência.
Daniel soltou uma gargalhada.
— Logo por quem? Aquela boquinha já passou pelo pau de quase todo
mundo nessa festa.
Em questão de segundos, Caio segurou Daniel pela gola da camisa de
grife e o jogou com firmeza contra uma parede. Os convidados em volta se
alertaram e o burburinho tornou-se algazarra.
— Se falar merda de novo, eu te quebro a cara, Daniel. Sabrina está
comigo agora e não admito que a desrespeite. Seu merdinha do caralho.
Daniel levantou as mãos para o alto, nervosamente.
— Foi mal, cara. Não sabia que vocês estavam juntos! Até ontem, você
dizia para a gente que ela era uma putinha assanhada, como eu ia adivinhar que
está de quatro por ela?
O golpe foi desferido sem dó, nem piedade. Caio sentiu-se satisfeito por
deixar o rosto de Daniel marcado. Logo sentiu braços à sua volta, puxando-o
para longe do cretino. O homem ria descaradamente, zombando de sua fúria. Ele
sempre teve um pé atrás com o Daniel, mas relevava seus comentários maldosos
e atitudes escrotas, apenas por não ser o alvo direto das provocações. Daquela
vez foi diferente, envolveu Sabrina e zombou dele diante de todos. Não deixaria
que Daniel saísse ileso.
— Seu imbecil! Meça suas palavras quando falar da minha mulher!
— Acalme-se Caio — pediu Lucas, segurando-o com firmeza. — Não
estraga tudo, man.
— Ele se acha melhor que todo mundo! Quem ele pensa que é? —
vociferou Caio, tentando se soltar para agredir Daniel novamente.
— Não banque o bom moço para cima de mim, Caio — retrucou Daniel,
sem se intimidar. — Eu não disse nenhuma mentira. Se você quer levar a garota
a sério, problema seu. Mas isso não significa que Sabrina se tornou uma santinha
da noite para o dia. Não sou o único que pensa assim, então melhor se
acostumar.
— Já chega!
Todos voltaram sua atenção para Sabrina. A garota invadira a roda que se
formou no canto do bar e alternou o olhar entre Caio e Daniel.
— Posso ser uma putinha assanhada, mas você não tem o que falar a meu
respeito, Daniel! Afinal, quando me ofereceu dinheiro para te chupar, eu não
aceitei. Pois não faço caridade, pau pequeno, nem pagando eu chupo.
As vaias e risadas aumentaram, Daniel ficou vermelho e fitou a garota
com ódio.
— Podem parar com o barraco, ou mando todo mundo embora! — Foi a
vez de Eulália intervir.
Os convidados começaram a se dispersar e Daniel saiu acompanhado de
três amigos, escoltando-o para fora do Alcapone’s.
— Caio e Sabrina, eu acho que essa festa já deu para vocês. — disse
Eulália, antes de voltar para a cozinha.
Aquela era a deixa para os dois se retirarem da festa. Sabrina segurou as
lágrimas e foi a passos firmes até o balcão, onde Nora estava sozinha.
— O que houve? — perguntou Nora, preocupada.
— Fica calma, Nora. Não teve nada a ver com o Lucas. O problema sou
eu e o meu passado pecaminoso.
Nora franziu a testa, não fazia ideia do que havia acontecido, estava
atendendo aos convidados e apenas viu quando algumas pessoas se aglomeraram
em um canto do bar. Parecia briga.
— Vamos para casa, Sá. — Caio surgiu atrás da noiva e lhe abraçou pela
cintura.
— Eu vou para casa, Caio. Você, eu não sei. — Sabrina desvencilhou-se
do homem e saiu em direção à rua.
Caio ficou estupefato, não compreendeu por que a garota lhe deixara ali.
— Vá atrás dela, Caio — aconselhou Nora, preocupada com a amiga.
Sem dizer nada, Caio saiu apressadamente para alcançar Sabrina.
— Nossa, que confusão... — murmurou uma voz masculina, conhecida.
— Ivan? Que surpresa te ver aqui hoje! — Nora sorriu para o colega de
trabalho, que retribuiu ainda mais animado.
— Cheguei há pouco tempo, o suficiente para presenciar o Caio dando
um soco no filho do prefeito.
— Oh meu Deus!
— Ele bem que mereceu. O Daniel não é flor que se cheire.
— Quer chope? — Nora ofereceu.
— Sim, por favor.
Assim que entregou o copo descartável para Ivan, o olhar de Nora
percorreu todo o bar, em busca de Lucas. Porém não o viu em lugar algum.
— Está procurando alguém? — interrogou Ivan.
Ela deu de ombros, tentando disfarçar.
— Ninguém. Só conferindo se está tudo ok.
— Não sabia que você trabalhava aqui — comentou Ivan.
A verdade é que Nora não comentava sua vida particular com ninguém.
Ivan e ela conversavam durante o horário de almoço na oficina, mas nada
pessoal, os assuntos giravam em torno da faculdade, na maioria das vezes.
— É só por hoje.
Mais uma vez, Nora procurou por Lucas entre os convidados e não o
encontrou.
Alguns convidados apareceram no balcão e pediram chope. Estava
sozinha, tentando dar conta de atender a todos. Depois que Sabrina foi embora,
nenhum dos garçons apareceu para ajudá-la.
— Só um minutinho pessoal, que eu ainda não consigo me dividir em
duas — disse ela, tentando descontrair diante da situação.
— Eu é que te divido em duas, se te pego, menina... — Alguém
murmurou, na fila que se formava atrás do balcão.
Nora paralisou ao ouvir aquilo. Pensou em tirar satisfações com o
engraçadinho, mas repensou. Além de ser o aniversário de seu namorado,
também estava trabalhando e não faria nada que pudesse prejudicar a reputação
do Alcapone’s. Continuou servindo os copos como se não tivesse ouvido aquele
comentário esdrúxulo.
— Ei, deixe-me ajudá-la — ofereceu Ivan, já ao seu lado. — Se eu ficar
aqui com você, esses engraçadinhos irão sossegar o rabo deles.
Nora sentiu-se agradecida e aceitou de bom grado a ajuda de Ivan.
— Tudo bem, eu encho os copos e você entrega. Tudo bem?
— Deixa comigo, gatinha!
Conseguiram dar conta do serviço e Nora sentiu-se mais segura na
companhia de Ivan. Eles conversavam e riam nos intervalos, e aos poucos ela foi
se sentindo muito mais à vontade. O garoto era ótima pessoa e ela o considerava
um amigo, mesmo que não fosse como Sabrina em nível de cumplicidade. Nora
gostava de Ivan e confiava nele. A única coisa que incomodava a garota, naquela
festa, era o sumiço repentino de Lucas.
Lucas seguiu Ricardo, Eric e João Paulo, os três amigos que seguravam
Daniel. Viu quando Caio seguiu Sabrina em direção à casa da moça e sentiu-se
mais tranquilo, o amigo e a noiva logo se entenderiam. O que não podia permitir
é que Daniel continuasse agindo como um babaca. Sempre relevaram o
comportamento do homem, mas o filho do prefeito estava ultrapassando os
limites e, desde aquela noite no La Lola, Lucas estava saturado do
comportamento do amigo.
— Me soltem, porra! Não fui eu quem saiu batendo em alguém —
vociferou Daniel, remexendo-se para que os amigos o soltassem.
— Soltem-no e voltem para a festa. Obrigado pela força, pessoal —
agradeceu, Lucas.
Estavam nos fundos do Alcapone’s. Assim que os rapazes voltaram para
dentro, Lucas esperou Daniel dizer alguma coisa, mas o homem permaneceu em
silêncio.
— Por que você é assim, cara? — perguntou Lucas, quebrando o
silêncio.
— Assim como? Qual é Lucas. Vai querer me dar lição de moral?
— Nada disso, man. Mas você está sempre tirando onda com a gente,
principalmente se tratando de mulheres. Relevamos porque é nosso amigo, mas
hoje você insultou o Caio, mesmo ele pedindo que não falasse da Sabrina.
Daniel bufou, irritando-se com aquela conversa. Começou a andar de um
lado para o outro, tentando ficar calmo. Gostava do Caio, gostava de Lucas
também, não queria arrumar mais confusão.
— Como eu ia saber que ele está apaixonado pela puta da Sabrina? O
Caio sempre fez aquela menina de gato e sapato. Não dá para levar a sério o que
ele diz.
— O lance deles é sério, man.
Daniel riu.
— O mundo dá voltas...
— Chega de confusão na minha festa, tá legal? Não somos garotos do
colegial, nós somos homens porra!
— Está certo, vamos voltar para a festa. Eu tenho uma surpresinha para
você!
Lucas pestanejou. Que surpresinha Daniel teria preparado? Teve a
intuição de que não gostaria do que estava por vir.
— Que merda você aprontou para mim, Daniel?
O filho do prefeito sorriu com malícia.
— Nada que você não esteja acostumado.
Esse é o problema, porra!
Daniel entrou no Alcapone’s e Lucas o seguiu. Assim que o amigo se
aproximou do balcão, Lucas presenciou de longe uma cena que lhe desagradou:
Nora e Ivan lado a lado, próximos demais. Ele dizia algo ao pé do seu ouvido e
ela tentou segurar o riso, mas não conseguiu. Daniel a chamou e Nora franziu a
testa, mas logo anuiu para ele e lhe entregou uma garrafa de tequila. Ivan ajudou
a garota a dispor os copinhos e Daniel preparou os shots, formando uma fila na
horizontal.
— Gatinhas solteiras, venham até aqui! — gritou Daniel, despertando a
atenção dos convidados. — Chegou a hora de cantar os parabéns para o nosso
amigão, Lucas Marinho! E esse ano, as velinhas serão diferentes.
As mulheres se aglomeraram em torno de Daniel, que parecia estar
gostando de ser o centro das atenções. Lucas ainda estava sob o efeito da raiva
que sentiu ao ver Ivan e Nora tão íntimos, publicamente. Exatamente do jeito
que ele queria. Permaneceu escorado em um pilar, observando o show que seu
amigo estava proporcionando aos convidados.
— Vamos lá amorzinhos, mostrem os tanquinhos para nós. Quem quiser
segurar uma velinha para o Lucão, vai ter que tirar a blusa.
Lucas ficou tenso de repente. As coisas estavam caminhando para um
lado nada bom. Não agora que estava comprometido secretamente com a menina
atrás daquele balcão, ao lado de um dos seus funcionários mais queridos.
Aproximou-se lentamente, tentando entender qual era o plano de Daniel.
— Estão vendo esses shots de tequila? — O filho do prefeito gesticulou,
de forma teatral. — Vinte e nove doses, representando cada ano de vida do nosso
aniversariante. E vocês, minhas meninas lindas, serão o bolo!
Os aplausos surgiram em polvorosa. As garotas começaram a tirar a
blusa e Daniel a distribuir os shots.
— Coloquem o shot entre os peitos, meninas! Isso mesmo, nosso Lucão
beberá todas as velinhas direto dos seus cupcakes! Quem sabe hoje não é a noite
de sorte de uma de vocês? Ou mais de uma?
— Que merda... — murmurou Lucas para si mesmo.
Nora sentiu o corpo paralisar ao ouvir o que o amigo de Lucas acabara de
dizer.
— O que será que ele vai fazer, Ivan?
— Isso não vai prestar — murmurou o rapaz. — Vinte e nove shots de
tequila? O Lucas vai cair em coma alcoólico. Esses caras são muito doidos,
agora entendi porque as festas deles são famosas.
— Venha até aqui Lucão! — chamou Daniel. — Aqui está seu presente
de aniversário! A gente canta os parabéns e você assopra as velas! Neste caso,
terá que beber cada shot de tequila, diretamente dos peitinhos deliciosos dessas
gatinhas. Não vale segurar com a mão, isso fica para mais tarde.
Novamente os assovios, palmas e algazarra tomaram conta do ambiente.
Lucas se aproximou, mas estava focado em Nora. Ele viu a angustia nos olhos da
menina e seu coração amoleceu, deixando a raiva causada pelo ciúme de lado.
— Quer foder com o meu fígado, man? — perguntou, tentando não
demonstrar desconforto na frente dos amigos.
— O que foi Lucas, vai “arregar”? — provocou Eric.
— Tá com medinho da mamãe sentir o bafo de tequila. Vai ficar sem
sobremesa por um mês! — Ricardo continuou com a chacota.
— Lucas fugindo de mulher? Essa é nova! — gritou João Paulo.
Todos os convidados estavam em volta de Lucas, atiçando o homem em
relação ao desafio que Daniel lhe propusera. Sentindo-se entre a cruz e a espada,
Lucas fitou Nora mais uma vez e conseguiu ler seus lábios quando ela
murmurou um “não” sem emitir som algum.
— Vamos lá pessoal! Parabéns pra você... — Daniel puxou o coro, todos
começaram a cantar os parabéns para incitar Lucas a cumprir o desafio.
Sem saber o que fazer, Lucas deu um passo à frente em direção à
primeira mulher da fila. Reconheceu Marcinha, uma das que já levara para o flat.
Logo depois prestou atenção nas outras que estavam atrás dela. Se fosse em
outros tempos, ele cumpriria o desafio de bom grado.
Mas os tempos haviam mudado.
Ele não era mais o homem que costumava ser.
Quando se deu conta de que não ia fazer o que todos ali presentes
esperavam, Lucas procurou a única pessoa que lhe importava, a única que não
queria que ele cometesse aquela loucura.
Lucas Marinho, um homem de vinte e nove anos, dono de seu nariz, de
suas vontades. Não precisava provar nada para nenhuma daquelas pessoas, pois
nenhuma delas era a dona do seu coração. Apenas ela, Nora Sampaio.
Mas onde ela estava? Não a viu em lugar algum. Nem ela, nem Ivan.
— Merda!
Afastou-se das mulheres, ignorou os parabéns. Foi até o balcão e
encontrou duas garçonetes. Nenhum sinal de Nora. Nenhum sinal de Ivan.
Correu até a sala de funcionários do Alcapone’s, onde Nora se refugiou da última
vez, mas a sala estava vazia. Foi até os fundos do bar, onde se encontraram no
início da noite, mas foi em vão.
— Aonde você se meteu, bruxinha?
Será que ela foi embora? Será que Ivan a levou dali?
Mil perguntas se passavam pela mente de Lucas, ele apressou-se em sair
dali para ir procurá-la. Não podia permitir que algo que não aconteceu,
estragasse tudo o que estavam construindo juntos naquele relacionamento.
— O que deu em você, man? — perguntou Daniel, barrando Lucas no
caminho.
— Sai fora, Daniel. Eu tenho que sair logo daqui. — Tentou se
desvencilhar.
— Sem apagar as velinhas?
Lucas conseguiu se soltar e empurrou Daniel, apenas o suficiente para
que ele saísse da sua frente.
— Foda-se as velinhas!
Sem se importar em abandonar sua própria festa, Lucas caminhou a
passos largos até seu Porsche. Havia bebido, mas não o bastante para ser um
motorista perigoso. Precisava encontrar Nora o mais rápido possível. Deu a
partida no carro e pegou a estrada, seguindo o trajeto que levava para a mansão
de sua família. Não havia nenhum carro na estrada, o que deixou Lucas ainda
mais nervoso. Mas após alguns metros, avistou na calçada, escorados em um
muro, aqueles a quem procurava desesperadamente. Tentando assimilar a cena
diante de si, sentindo ódio e a fúria o consumir por dentro, Lucas encostou o
carro e em tempo recorde correu para afastar Ivan de Nora. Não conseguia
acreditar no que acabara de presenciar: sua namorada pressionada contra o muro,
sendo beijada pelo rapaz a quem tinha enorme apreço.
— Não toque nela, seu merdinha! — vociferou ele, puxando Ivan pelo
braço.
Com toda a sua força, Lucas arremessou o garoto para o chão, e foi em
sua direção disposto a enchê-lo de pancadas.
— Por favor, Lucas! Não! — implorou Nora, derramando-se em
lágrimas.
Ivan se levantou, mas se manteve afastado. Lucas fitou sua namorada,
sentindo-se traído. Estava odiando-a naquele momento, sua respiração pesada, a
adrenalina em seu corpo, o aperto em seu coração ao ver sua garota nos braços
de outro.
— Está defendendo ele? — gritou, apontando o dedo para ela.
— Não é isso, Lucas! E-eu...
— Cara, foi só um beijo! — interveio Ivan. — Ela nem...
— O que você está fazendo aqui ainda? — O olhar de Lucas na direção
de Ivan era quase assassino. — Some daqui!
Ivan levantou as duas mãos, rendendo-se à Lucas.
— Tudo bem, eu vou! Mas e ela? — Apontou para Nora. — Eu ia levá-la
para casa.
Lucas deu um passo na direção de Ivan, que recuou. Nora aproximou-se
do namorado para tentar acalmá-lo e explicar o equívoco, mas o olhar de Lucas
deixou-a temerosa. Ele jamais a olhara com tanta raiva.
— Fique longe, Nora! — pediu Lucas, com a voz desprovida de qualquer
emoção. — Não toque em mim, não chega perto de mim. — Voltou sua atenção
para Ivan. — Se manda daqui moleque, ou eu soco a sua cara!
— Mas e ela?
— Ela não tem nada a ver com você!
— Pode ir Ivan — pediu Nora, entre as lágrimas. — Lucas vai me levar
para casa, não se preocupe.
— Ele vai contar para o seu pai. Não é culpa sua...
— Ele não vai contar, Ivan. Pode ir.
O garoto alternou o olhar entre Nora, magoada e chorosa, e Lucas,
furioso e prestes a agredi-lo. Não sabia o que fazer, mas para evitar maiores
transtornos, além do que já causara à garota, Ivan foi embora, caminhando em
direção à rodoviária. A festa para ele já havia terminado. Infelizmente para Nora
também, por sua culpa.
Lucas observou Ivan se distanciar. Respirou fundo e fechou os olhos,
tentando recuperar sua calma. Estava muito alterado, o turbilhão de emoções
deixando-o instável. A dor em seu peito deixando-o vulnerável e suscetível a
falar ou fazer alguma besteira.
— Lucas, por favor...
— Cale essa boca!
— Mas eu...
— Entra logo nesse carro e fique quieta, Nora. Não quero ouvir a sua
voz, nem a sua respiração. Só fique quieta, porra!
A garota não sabia mais o que fazer, ver Lucas daquele jeito partia seu
coração. Queria explicar que seu coração pertencia a ele, e somente a ele. Mas o
homem que amava não parecia ser aquele que lhe mandara se calar. O Lucas por
quem se apaixonara não estava ali. Sem dizer nada, Nora foi até o Porsche
estacionado e sentou-se no banco do carona. Tudo o que conseguia fazer era
rezar e pedir aos céus que seu Lucas voltasse para ela.


Meu Deus! Isso não pode estar acontecendo comigo, com a gente. Lucas
precisa me ouvir, mas a maneira como gritou comigo me deixou sem palavras,
até mesmo com medo. Ele está muito alterado e não sei como lidar com esse
Lucas. Estamos chegando à mansão e ele para o carro, aguardando os portões se
abrirem. Olho para a guarita e não vejo o senhor Gerônimo, felizmente é outro
que está fazendo o turno da noite. O senhor Gerônimo é muito querido e
praticamente me adotou como sua neta, me ver no carro de Lucas à esta hora da
noite, com certeza o deixaria intrigado e talvez o fato poderia chegar até meu
pai. Não gosto que notícias se espalhem sem que eu seja a portadora dela, trata-
se da minha vida e sou eu quem irá dizer ao papai que Lucas me trouxe para
casa.
Ele entra na propriedade e os portões se fecham, está um silêncio
absoluto, nem mesmo o rádio que tanto gosta de ouvir, está ligado. Minhas
lágrimas cessaram, esgotei todas elas durante o trajeto. Pensei em cada detalhe
do que aconteceu e sei que errei feio em alguns momentos, se tivesse
permanecido no Alcapone’s, o incidente entre Ivan e eu seria evitado e toda a dor
que sinto agora não existiria. Ou seria ainda pior. Ver Lucas encarando aquelas
mulheres, principalmente a primeira da fila, despertou em mim um ciúme
terrível, ele parecia estar travando uma batalha interna e quando seu sorrisinho
apareceu nos lábios, senti minha derrota ser declarada. Ele não desistiria do
desafio na frente de todas aquelas pessoas. E eu não sou forte o bastante para vê-
lo agir como o homem que ele disse não existir mais. Saí correndo de lá, cega
pelas lágrimas, sem pensar no perigo que era andar sozinha à noite.
Quando Ivan me alcançou e pediu que me acalmasse, desabei ainda mais.
Ele não entendia o porquê eu chorava desesperadamente e comecei a murmurar
perguntas sem sentido, querendo saber porque minha vida estava se
transformando em uma bagunça, quando tudo parecia um conto de fadas
moderno. Escorei-me no muro e apoiei minhas mãos no joelho, sentindo o
fôlego me faltar. Nunca me senti tão desesperada e isso me assustou, me tornar
essa pessoa instável quando eu me orgulhava de ter a cabeça no lugar. Ivan pediu
que eu me acalmasse e se aproximou, abraçou-me e disse que ia ficar tudo bem.
Tentei me acalmar e quando fui desfazer o abraço, ele me surpreendeu, prendeu-
me contra o muro e me beijou. Jamais esperava que ele pudesse fazer algo assim,
nunca lhe dei abertura para pensar que eu estava interessada nele. Imediatamente
eu tentei me afastar, mas devido ao abraço, estava presa a ele e isso dificultou
que eu me afastasse. Foi então que Lucas apareceu e o mal-entendido se formou.
Agora eu preciso explicar que não o traí, antes que pense que sou como essas
mulheres com a qual está acostumado a lidar.
— Desça do carro.
Nem percebi que entramos na garagem. Ouço o portão elétrico se
fechando e a cada minuto parece que meu mundo vai desmoronar ainda mais.
Lucas está frio e distante, seus olhos azuis cristalinos cheios de raiva.
— Deixe-me explicar, por favor.
Não posso simplesmente virar as costas e ir embora. Cometi esse erro no
Alcapone’s, mas aprendi a lição. Temos que resolver esse assunto agora, ou pode
ser o fim da minha história de amor, que mal começou. Olho para Lucas, ele está
com os braços e a cabeça apoiados no volante, como se tentasse se esconder de
mim.
— Nada explica o que eu vi, Nora.
Meus lábios estremeceram e senti que iria chorar novamente. Engoli em
seco e me mantive firme ao meu propósito.
— Eu não o beijei. Sequer permiti que Ivan me beijasse. Estava tentando
me afastar dele quando você chegou! Precisa acreditar em mim, Lucas! Jamais
faria isso com você.
Ele não diz nada, continua com o rosto enterrado no volante.
— Eu sei que é difícil você confiar — tentei um novo argumento. — Mas
pense um pouco, nunca te dei motivos para acreditar que estou interessada em
outra pessoa. Só existe você no meu coração. Desde sempre é só você Lucas.
Cada segundo de silêncio era como se ele se afastasse cada vez mais de
mim. Senti que o estava perdendo, que o laço entre nós estava se desfazendo aos
poucos.
— Nunca foi difícil confiar em você, Nora. — Levantou o olhar para
mim e ver os resquícios de lágrimas em seus olhos me fez sentir a pior das
pessoas. — Sempre fui eu o indigno de confiança. O que tenta provar a você, aos
meus pais, e até a mim mesmo, que posso levar um relacionamento adiante, pois
se gosto tanto de alguém, não devo ser um cretino.
— Eu confio em você...
— O caralho que você confia! — grita, tornando a me fitar com raiva. —
Se confiasse em mim não teria saído daquele bar. Teria ficado e presenciado o
momento em que pulei fora.
— Você não bebeu? — pergunto, realmente me sentindo surpresa.
Ele ri, mas não é aquele tipo de risada que você dá quando acha algo
engraçado. É aquela risada forçada.
— Se confia tanto em mim como diz, acha que devo responder essa
pergunta? — Sua frieza comigo me fere por dentro. — Acabei de dizer que pulei
fora, menina! Isso não é suficiente para você? Estou cansado para porra! Passei a
festa inteira contigo em meus pensamentos, me policiando para não te
decepcionar, não que eu quisesse fazer algo errado, mas não quis te dar motivos
para insegurança. E o que você fez? Ficou de papinho com o Ivan, atrás do
balcão. Cochichando e rindo como dois namoradinhos. E na primeira
oportunidade de presenciar que ao invés dos meus amigos e da farra com a qual
estou acostumado, eu te escolhi, onde é que você estava? Saiu correndo como
uma criança amedrontada. Então, como quer que acredite que confia em mim?
— Eu só...
— Você não faz ideia da proporção que isso toma em nossas vidas, Nora.
— Lucas, por favor...
— Presenciar você nos braços de outro. — Fecha os olhos com força. —
Acabou comigo, você tem o poder de me destruir e não se dá conta disso. É tão
difícil enxergar que a porra dos meus sentimentos, são reais?
Minhas lágrimas tornam a cair. As palavras de Lucas perfuram meu
coração, tudo o que ele tem feito por nós é muito maior do que eu tenho feito.
Devo reconhecer que desta vez ele é o dono da razão. Considerar-me adulta
porque estou às vésperas de atingir a maioridade não chega perto do que é a
verdadeira maturidade. Sou uma garota que pensa que é gente grande, mas no
fundo sou apenas uma menininha assustada.
— Eu sinto muito — murmuro, com a voz trêmula.
Lucas me olha com pesar, vejo a decepção em sua face. Eu daria
qualquer coisa para provar a ele que o amo e que acredito em nós. Cometi um
grande erro e agora não sei como posso consertar as coisas.
— Como posso levar isso adiante? — Pergunta ele, deixando uma
lágrima cair. — Ir para longe, me manter afastado até você completar dezoito
anos. Voltar e tentar mostrar ao seu pai que as minhas intenções com você são
sérias. Provar aos descrentes que estou disposto a mudar, que já mudei. Não
posso enfrentar isso sozinho, você tem que aprender a lutar por nós. Se o que
aconteceu naquele bar é muito para você enfrentar, como será quando chegar o
momento de revelar nosso namoro para todos? Como posso ser forte se você se
acovardar?
Assinto, em silêncio. Ele tem razão. Nada do que eu disser irá justificar
minhas ações. Minha inexperiência em relacionamentos? Eu não posso usar esse
fator sempre. Estou em um relacionamento agora, e se desejo que ele prospere,
preciso fazer por merecer.
— Vai para casa, Nora. Seu pai deve estar te esperando.
— E a gente? — pergunto aflita.
Lucas volta a se apoiar no volante e não me olha mais.
— Teremos dois meses para pensar se isso vale mesmo a pena.
— Está terminando comigo?
Ele não responde e minhas lágrimas persistem em cair.
Solto-me do cinto de segurança e abro a porta do carro, Lucas continua
imóvel.
Meus Deus! Ele está desistindo de mim, por minha culpa! Não posso
permitir que isso aconteça.
Caminho decidida até a frente do Porsche, desabotoo minha camisa,
deixando à mostra o meu sutiã. Não se trata de nenhuma lingerie chique, apenas
um sutiã simples, preto com poá em branco. Abro o botão de minha calça jeans e
desço o zíper. Lucas permanece em silêncio e não vê o que estou fazendo.
— Eu não vou embora — digo com determinação. — E eu não quero que
você vá nessa viagem, Lucas. Quero que fique e enfrentaremos juntos o que vier
pela frente. Também quero que pare de me tratar como uma menininha, e passe a
me ver como uma mulher.
Ele não se move e minha autoconfiança começa a se abalar.
Não! Eu não posso desistir tão fácil!
— Olhe para mim, Lucas. Quem está sendo o covarde agora?
A palavra “covarde” parece tê-lo despertado. Lucas olha em minha
direção e a frieza de antes aos poucos vai se dissipando. Eu sei que ele me
deseja, nunca escondeu de mim o quanto meu corpo o afeta. Se para ter sua
atenção eu preciso usar este fator ao meu favor, eu o farei. Está na hora de agir
como uma mulher de verdade e mostrar ao homem que amo, que sou corajosa o
bastante para lutar por nós.
— Vai mesmo me mandar embora com o gosto de outro na minha boca?
Você não pode me deixar, Lucas Marinho. Eu amo você.


Meu coração bate forte, parecendo uma bomba relógio pronta para
explodir a qualquer momento. Em questão de alguns minutos, o paraíso no qual
eu pensei que me encontrava tornou-se um inferno. Briguei com um amigo, fugi
de minha própria festa de aniversário e encontrei a garota por quem estou
perdidamente enlouquecido, nos braços de outro. Nunca estive preparado para
algo assim, eu sempre soube que estar com Nora às escondidas não é a maneira
mais correta de levar este relacionamento, mas vocês são testemunhas de que
tenho tentado fazer o que é certo. Tenho todos os defeitos do mundo, mas
minhas intenções com essa menina são as melhores, e quando vi Ivan beijando-a,
deixei que o ciúme me cegasse. Não se trata de confiança, eu sempre confiei
nela, mas eu vi o que vi, não há como negar. Larguei tudo para trás e fui atrás
dela e então a vi com outro. Ninguém com sangue nas veias conseguiria manter
a calma diante de uma situação dessas, senti-me traído, enganado, e agora
percebo como fui uma merda de homem quando traí Bárbara. Ela não merecia
sentir o que senti esta noite, e eu fiz isso com ela mais de uma vez.
Sim, isso deve ser um castigo divino. Deus está me punindo pelo ser
humano escroto que fui ou talvez ainda seja. Colocou um anjo em minha vida e
me fez perceber o quanto tenho cometido erros ao longo dos anos, e então o ser
mais inocente que conheço, também cometeu um erro. Sei que eu decepcionei
muita gente e a única pessoa que pensei que não me decepcionaria, deixou-me
nesta situação. Não acredito que estou chorando por ela, não acredito que essa
dor que sinto por dentro é tão insuportável que me faz querer gritar e dizer
palavras dolorosas para que ela se sinta da mesma maneira. Isso me torna uma
pessoa ruim e eu não quero ser uma pessoa ruim.
— Eu não vou embora. E eu não quero que você vá nesta viagem, Lucas.
Quero que fique e enfrentaremos juntos o que vier pela frente. Também quero
que pare de me tratar como uma menininha, e passe a me ver como uma mulher.
O que essa garota está dizendo? Eu sempre a vi como uma mulher, porra!
Desde o primeiro momento eu a vi como mulher e a desejei para mim. Talvez
esse tenha sido o meu maior erro. Eu deveria tê-la visto como uma menina e por
consequência deste fato, me mantido afastado. Mas não, persisti até corrompê-la,
até fazê-la me ver como um homem e corresponder às minhas expectativas.
— Olhe para mim, Lucas. Quem está sendo o covarde agora?
A garota está brincando com fogo. Alguém precisa mostrar a ela que esse
tipo de jogo não se faz, a não ser que você pretenda levá-lo até o fim. E ela é
correta demais para seguir adiante com esse tipo de provocação.
Levanto minha cabeça do volante e olho para frente do meu carro, onde
ouvi sua voz.
Puta que pariu!
Nora está com a camisa aberta e aquele maldito sutiã estilo bonequinha,
parece implorar para ser rasgado. O zíper da calça também está aberto e posso
ver sua calcinha querendo aparecer. Inevitavelmente o meu pau ganha vida,
minha raiva mistura-se ao tesão e me odeio ainda mais por não conseguir
controlar meus impulsos sexuais. Ela quer e está conseguindo me enlouquecer.
— Vai mesmo me mandar embora com o gosto de outro na minha boca?
Você não pode me deixar, Lucas Marinho. Eu amo você.
Não acredito no que acabo de ouvir. Isso só pode ser um pesadelo, um
sonho, sei lá! Que porcaria de destino é esse que brinca com a gente como se
fossemos marionetes? Que porra essa menina sabe da vida para dizer tão
abertamente que me ama?
Eu tenho que estar alucinando.
Encaro-a em silêncio e espero algo acontecer. Talvez eu acorde de
repente em meu quarto, ou no flat, constatando que bebi as vinte e nove doses de
tequila. Ou talvez ela comece a rir de mim, dizendo que tudo não passou de uma
brincadeira, um jeito mórbido te me pregar uma peça, como presente de
aniversário.
Mas o que eu estou dizendo? Não se trata de imaginação, está realmente
acontecendo.
Levanto-me e ando até ela, minha respiração falha porque ela me tirar o
fôlego. Nora não possui um padrão de beleza convencional, ela pode ser
considerada magra demais, sem grandes atributos por ainda ser muito jovem e
não ter um corpo tão desenvolvido, mas aos meus olhos ela é perfeita. Sua pele
exposta desta maneira só me dá a certeza de que eu realmente a desejo com
voracidade. Mesmo estando muito puto com ela e toda a situação à nossa volta,
meu corpo responde de imediato ao seu. Uma dádiva, mas ao mesmo tempo a
pior das maldições.
— O que você está fazendo, mocinha? — pergunto, tentando me manter
sensato. Um de nós precisa ser o adulto agora. E ela não é a melhor candidata.
— Estou tentando te fazer ficar, me ouvir, não desistir de nós.
Ela está chorando e eu odeio vê-la chorar. Aproximo-me ainda mais,
ficamos frente a frente e posso sentir o calor de sua pele. Estamos quase nos
tocando e me sinto orgulhoso do meu autocontrole. Ela está por um fio e é bom
que ela se vista logo.
— Eu te disse para ir pra casa, Nora.
Ela rompe o último centímetro de distância entre nós e meu pau se aperta
ainda mais dentro das calças. Fecho os olhos, evitando encarar os seios perfeitos,
tão expostos, deixando-me sedento por degustá-los.
— Eu não vou. — Ela responde com teimosia. — Você não pode me
deixar.
Continuo de olhos fechados, mas sinto quando suas mãos tocam meu
peito, ela com certeza pode ouvir a batida frenética do meu coração.
— Sem confiança, não há esperança para nós — digo, tentando me
manter firme.
— Sei que errei Lucas, mas quero te provar que confio em você. Não
quero mais te decepcionar.
— Não é tirando a roupa para mim que irá mostrar o seu valor, menina.
— Para de me chamar de menina! — grita, socando-me com
agressividade.
Abro meus olhos e a seguro pelos pulsos, com firmeza. Como pode ser
tão destemida? Como ousa me enfrentar assim?
— Então pare de se comportar como uma! — Devolvo no mesmo tom.
Tudo bem, sei que peguei pesado agora.
— Desculpe — peço rapidamente, tentando consertar as coisas. — Você
está me enfrentando e eu não penso direito nessas horas, sabe disso. — Dou dois
passos para trás e solto seus pulsos. — Ainda estou puto com o lance do Ivan,
com o fato de você ter ido embora do bar. Você não pode simplesmente tirar a
roupa e se oferecer desse jeito. Você vale muito mais que isso, Nora. Não é justo
me aproveitar desta situação. Então vá pra casa.
Ela morde os lábios e engole o choro, mas não arruma as roupas no lugar.
Nora senta-se no capô do carro e me olha de um jeito... obsceno.
— Eu quero você e quero agora. Sei que você também me quer, Lucas...
Nego com a cabeça.
— Não assim. Eu não faria amor com você, eu te comeria. Não seria pelo
prazer de estar com você. Seria um cachorro mijando no poste, marcando seu
território.
Ao invés de se sentir acuada, Nora tira a camisa e a joga no chão. Dou
um passo à frente e estou tão perto, mais um pouquinho e posso tocá-la. Ela se
aproxima e passa a mão pelo meu rosto, acarinhando-me.
É o meu fim...
Estar tão perto e sentir seu toque em minha pele, desmorona minha
barreira de autocontrole. Quando sua boca se aproxima da minha, tudo o que
consigo fazer é devorá-la. Sinto a necessidade insana de fazê-la esquecer a porra
do beijo que aquele garoto magricela deu contra a sua vontade. Sinto a
necessidade mesquinha de marcá-la como minha mulher, para que ela possa
sentir na pele como é ter meu corpo contra seu, como é ser preenchida
inteiramente por mim. E eu não consigo frear meus desejos, não consigo pensar
com clareza, pois o tesão misturado à raiva, complementado pelo meu machismo
idiota, vencem qualquer razão. É emoção demais para ser contida.
Impulsiono o corpo de Nora, enrosco suas pernas em torno de minha
cintura. Ela geme alto quando mordo seus lábios e isso desperta ainda mais o
meu tesão. Escoro-a contra o capô do carro e me mantenho pressionado contra
ela, meu pau roça em seu jeans aberto, deixando-me desesperado para tê-la pele
contra pele. Nora toma a iniciativa e começa a tirar minha camiseta, ajudo-a para
que possamos ter um contato mais íntimo. Ela joga minha camiseta no chão, ao
lado da sua, e puxa-me novamente para um beijo. Estou faminto, não quero
apenas beijá-la, quero provar sua pele e cada pedacinho do seu corpo delicioso.
Não é uma tarefa difícil, logo consigo abrir a pequena fivela do seu sutiã. O
pequeno par de seios está exposto, à minha mercê. Ela respira ofegante, mas não
vejo medo em seus olhos e isso me impulsiona a continuar. Nora pediu por isso,
deixou bem claro que me deseja então não há erro em termos um do outro o que
tanto queremos.
— Você é minha perdição... — murmuro antes de tomar um de seus
delicados mamilos em minha boca.
Os gemidos dela são música para meus ouvidos. Sugo com vontade,
passo a língua em torno da auréola, provocando-a antes de mordiscar o biquinho
entumecido.
— Gostosa pra caralho...
Ela puxa meu cabelo com força, sei que está se derretendo com o prazer
que lhe proporciono. Descubro que aquela é uma de suas zonas erógenas. Nem
toda mulher sente tesão ao ser acariciada nos seios, mas Nora ama isso e eu
torno cada momento uma tortura deliciosa. Ela se contorce embaixo de mim,
impulsiona sua pélvis contra meu pau, sente a necessidade de alívio, tanto
quanto eu. É por isso que ela é tão perfeita, porque nossos corpos respondem
facilmente um ao outro.
Abaixo uma das mãos, acaricio sua cintura e logo eu chego aonde quero:
sua calça. Nora me surpreende ainda mais, levanta seu corpo, facilitando para
que eu abaixe o jeans juntamente com a calcinha, descendo-as até os joelhos.
Olho para sua bocetinha, está tão molhada e ainda nem trabalhei nela. Passo a
língua pelos lábios e meu desejo é mergulhar entre suas pernas e chupá-la com
força para fazê-la gritar o meu nome enquanto goza loucamente em minha boca.
— Eu vou te chupar tão gostoso, que você irá esquecer o próprio nome.
No fundo da minha consciência, eu sei que não é desse jeito que as coisas
deveriam acontecer. Mas eu tentei de todas as formas agir corretamente com ela,
eu tentei provar que posso ser um bom companheiro e tenho feito de tudo para
que ela confie em mim. Em algum ponto eu falhei, mas de todo o jeito, Nora
ainda me quer. Ela tomou a iniciativa sem que eu a induzisse a isso. E eu a
desejo desde a primeira vez que a vi. No ponto em que chegamos, ou avançamos
um passo ou jogamo-nos em queda livre e torcemos para que um grande número
de pedaços se juntem depois, para um recomeço incompleto.
Inclino-me em direção ao meu paraíso e caio de boca em sua boceta.
Introduzo minha língua e quase gozo em minhas calças ao sentir seu sabor, ela
geme alto puxa meu cabelo com mais força, impulsionando-me a continuar. Não
há como isso ser apenas sexo, é tão diferente de todas às vezes que estive com
outra. Ela é definitivamente diferente. Ela foi feita especialmente para o meu
deleite. Não há uma maneira de eu me afastar dela, depois disso. Nora me
pertence e ninguém me impedirá de ficar com ela.
— Mais! — Ela pede e eu dou. Continuo estimulando seu ponto G com a
língua e ela se contorce cada vez mais, está cada vez mais perto do seu prazer e
eu quero que ela chegue logo. Porque assim que ela atingir o seu ápice, será a
minha vez de me deleitar.
— Lucas... Oh, meu Deus!
Sorrio, satisfeito ao vê-la gozando com tanta volúpia. Mordisco seu
clitóris mais uma vez, para deixá-la ainda mais delirante. Nora se derrete em
minha boca, deixando-se levar pelo seu desejo e entregando-se a mim sem pudor
algum. Não, ela não é uma menina. Ela é a mulher mais deliciosa com quem já
estive.
Subo lentamente, trilhando um caminho de beijos em seu corpo. Ela
ainda não se recuperou do orgasmo e este é o momento perfeito para mim.
Abaixo minhas calças com pressa, apenas o suficiente para o meu pau saltar para
fora. Não há tempo a perder, preciso disso com urgência. É uma necessidade
insana que me domina e faz com que eu pare de pensar com a razão. Em outro
momento eu poderei ser o seu príncipe encantado, poderei amá-la com paciência
e adoração, poderei ser delicado, carinhoso e romântico. Mas agora eu sou pura
luxúria e desejo contido. Quero meter nela tão fundo, com força para fazê-la
gritar ainda mais alto do que quando gozou em minha boca. Eu vou foder sua
boceta do mesmo jeito que ela fodeu meu cérebro.
— Minha vez, bruxinha — sussurro em seu ouvido, antes de virá-la de
frente para o capô do carro.
Nora ainda está ofegante, espalma as duas mãos contra o carro e meu pau
roça em sua bunda macia. O líquido pré-ejaculatório desliza pela glande e sei
que não vou durar muito. Seguro firme em seu rabo de cavalo, puxo sua cabeça
para trás, exatamente do jeito que imaginei inúmeras vezes, enquanto me
masturbava no banheiro. Ajeito meu pau em sua entrada e arremeto com tudo.
— Ah!
O grito dela é esganiçado, como se tivesse sentido dor. Permaneço dentro
dela e tento me manter são. Nora é muito apertada e senti cada centímetro de seu
interior se alargando para me receber. Seu corpo está tenso e eu acaricio seu
clitóris com a mão livre, a outra ainda segura o maldito rabo de cavalo.
— Eu sei que sou grande, mas você se acostuma, bruxinha. Está tudo
bem? — Pergunto. Apesar de estar louco para me movimentar, preocupo-me
com seu bem-estar. Tem que ser bom para nós dois.
Ela anui, e solta um gemido fraco. Continuo parado, logo ela se acostuma
ao meu tamanho.
— Continua. — Ela pede, com a voz entrecortada.
Solto seu cabelo e acaricio seus seios, lentamente eu me movo para fora e
novamente para dentro. Sinto seu desconforto, mas aos poucos ela vai se
soltando e começa a se mexer, sincronizando seus movimentos com o meu.
Ela é boa nisso. Caralho! Ela é muito boa.
Essa menina é definitivamente a assinatura da minha sentença de morte.
Nora empina sua bunda gostosa, me incitando ainda mais. Aperto-a ainda
mais contra mim e sinto que meu alívio está perto.
— Porra!
Estoco mais duas vezes antes de me derramar dentro dela. A sensação
que tenho é de atingir o nirvana, meu estado de libertação. Porém minha busca
não é espiritual, mas puramente carnal. Minha respiração acelerada se confunde
com a dela, e cuido para não jogar meu peso todo contra ela.
— Agora você é minha, Nora. Só minha.
— Só sua...
Meu pau semiereto desliza para fora com facilidade. Afasto-me para
virá-la de frente para mim. Estive tão focado em realizar minha fantasia, que não
me dei conta que a possuí sem sequer olhar em seus olhos. Queria este tipo de
ligação com ela, mas ficará para as próximas vezes.
A garagem da mansão fica distante da casa, assim não havia como
sermos ouvidos. A acústica do ambiente também é favorável. A luz está acessa, e
levanto-me para me limpar enquanto Nora se vira de frente para mim.
— Oh merda, isso é sangue! — Olho para o meu pau e tento entender
como eu posso ter me machucado. Mas nada em mim dói, então só pode ter sido
ela.
Encaro Nora, preocupado e vejo algumas manchas de sangue entre suas
coxas. Não é nada exagerado, mas porra! Isso significa que eu a machuquei.
Visto minha cueca e calça apressadamente, sem me preocupar em limpar-me.
Aproximo-me dela e a examino, tentando saber como eu consegui fazê-la
sangrar daquele jeito.
Arqueio as sobrancelhas.
— Está menstruada? — Pergunto sem nenhum constrangimento.
A garota fica vermelha instantaneamente e me olha com receio.
— Não!
Fico tenso.
— Eu sei que meu pau é grande, mas não a ponto de machucar. Você é
apertada, mas devia ter me pedido pra parar... — Começo a ficar nervoso.
Observo-a enquanto ela sobe sua calcinha e fecha o zíper da calça.
Quando caminha até sua camisa, e tenta se abaixar no chão, vejo o desconforto
com que se movimenta.
— Caramba, Nora! Eu machuquei você...
— Lucas, pare! — Ela pede, elevando o tom de voz. — Eu estou bem!
— Se estivesse bem, não estaria sangrando!
Nora desvia seu olhar do meu e vira-se de costas para mim. Abaixa-se e
pega minha camiseta do chão, segurando-a em seguida contra seu rosto.
— Isso pode acontecer com uma mulher, na sua primeira vez.
Eu não posso ser tão imbecil.
Eu perceberia se fosse a primeira vez dela...
Como eu não perceberia?
Meu Deus! Eu deveria perceber!
— Você não mentiria sobre algo assim. Mentiria, Nora?
Ela se vira e as lágrimas em seus olhos a denunciam.
Não acredito!
— Eu ia te contar!
— Quando?
Seu queixo estremece. Ela aperta minha camiseta conta seu corpo, como
se aquele pedaço de tecido a protegesse de algo. Não sei o que dizer. Parece que
estou anestesiado, é uma sensação muito estranha.
— Lucas...
— Eu fui um cavalo com você! — Grito. Começo a rir. — Eu “arrombei”
você. Eu violei a sua inocência. Puta merda, Nora! Onde você estava com a
cabeça?
— Que diferença faz? Aconteceu e foi bom para mim. Para você
também. Doeu, mas não foi ruim, Lucas. Jamais permitiria que você me
machucasse.
Essa menina só pode ter um parafuso a menos na cabeça. Onde está a
Nora madura e responsável?
— E como você ia me impedir? Do mesmo jeito que impediu o Ivan de
te beijar? — grito, extravasando minha revolta contra sua mentira.
Passo as mãos pelo meu cabelo. Não sei explicar como me sinto agora.
Estou muito puto com ela, por sua irresponsabilidade, pela mentira. Sempre quis
ser o primeiro homem de sua vida, mas se soubesse que Nora ainda era virgem,
não teria cedido com facilidade. O pior de tudo é essa culpa dentro de mim, me
corroendo, fazendo-me dar conta que tirei a virgindade dela em cima de um
carro, numa garagem, sem sequer olhá-la nos olhos e fazê-la enxergar o quanto é
especial para mim. Aos poucos a realidade vai tomando forma e a proporção dos
meus sentimentos é tão imensa que eu não sinto os meus pés no chão. Eu amo
essa menina. Eu a amo tanto e não me conformo em ter lhe roubado um dos
momentos mais importantes na vida de uma mulher.
Eu a amo, mas não consigo lidar com isso agora.
Oh meu Deus! O que eu fiz?
— Foi perfeito assim, Lucas. Você não tem que agir como se tivesse feito
algo contra a minha vontade.
— Não foi certo, Nora. Você me manipulou e eu como um idiota, que só
pensa com a cabeça de baixo, caí como um patinho.
Ela tenta se aproximar, mas eu recuo. Não quero tocá-la depois do que
fiz.
— Lucas, por favor...
— Isso foi tão... Indecente, imoral... Perigoso.
Estou chorando feito uma criança mimada, não acredito nisso!
Eu tenho que sair daqui o mais rápido possível. Preciso me afastar dela.
— Fique longe, Nora. — Peço, sentindo o meu coração rasgar por dentro.
— Eu preciso recuperar a minha sanidade. Não posso lutar por nós, agindo dessa
maneira. Estou instável e isso vai foder tudo.
Olho para ela uma última vez, memorizo cada traço de seu rosto perfeito.
O amor que sinto por essa menina é minha bênção e minha maldição. Ela me fez
arrepender-me de todos os pecados que já cometi, e quando acreditei ter
conseguido a redenção, ela me fez cometer o pior de todos os pecados.
— Você prometeu que ia me esperar. — Digo a ela, enquanto caminho
para a porta na lateral da garagem. — Eu vou confiar em você.
Deixo-a sozinha e vou às pressas para minha casa. Entro sem fazer
barulho e consigo chegar ao meu quarto sem que minha mãe apareça para
perguntar sobre a festa. Não saberia que desculpa inventaria para explicar o
motivo de estar chegando em casa sem camiseta. Tranco a porta do quarto e me
jogo na cama.
Fui do céu ao inferno em questão de segundos.
Então, para piorar ainda mais a situação, lembro de um detalhe muito
importante.
— A porra da camisinha!
Como pude ser tão estúpido?
Sento-me na cama, nervoso. Reviro o bolso do jeans e encontro meu
celular, procuro o número entre os contatos e aguardo ela atender. Ao quarto
toque, ouço sua voz sonolenta.
— Babi, lembra-se daquele favor que ficou me devendo? Está na hora de
quitar sua dívida.



Não acredito que estou em um quarto de motel com Bento Sampaio. Se
na primeira vez que transamos fiquei viciada em seu toque, depois desta noite eu
não sei o que será de mim. Como é possível me tornar tão obcecada por sexo?
Mas não qualquer sexo, não com qualquer pessoa. Sexo com Bento.
Tornei-me uma “Bentomaníaca”.
Seguro minha risada ao ter essa constatação idiota. Esse homem me
enlouquece, consegue me fazer esquecer de tudo e concentrar-me apenas em nós
dois. A bolha que críamos a nossa volta quando estamos juntos, esquecendo as
diferenças e até mesmo nosso pequeno desafeto, é algo realmente inexplicável.
Admiro-o como homem, como pai. Mas, sei que Bento acredita que sou uma
mulher superficial, a princípio não me importei, porém estou sentindo a
necessidade de mostrar a ele que sou muito mais.
Bárbara Lanco de Castro não é somente uma patricinha mimada, mas
uma mulher independente e que não tem medo de lutar pelo que quer. Certo, não
continuarei a falar de mim na terceira pessoa. Eu sei o que quero, quero ele,
Bento, só para mim. Não posso aceitar que se envolva com outras mulheres, pois
somente o enxergo a minha frente, nenhum outro me interessa.
Aqui, agora, deitada nesta cama em uma suíte de luxo, em um motel
requintado, que ele fez questão de me trazer, encaro com adoração o homem que
dorme profundamente ao meu lado. Tão lindo, tão perfeito. Seu corpo grande
ocupa grande parte da cama king size, seus braços definidos pelo serviço braçal
estão em volta de minha cintura. Após horas de sexo, banho, conversa e mais
sexo, Bento se permitiu dormir. Estávamos exaustos após nossa maratona erótica
alucinante, mas por algum motivo eu não consegui dormir tranquilamente. O
medo de que ele acordasse antes e fosse embora, abateu-se sobre mim, confesso.
Não sei como será quando Bento acordar e tivermos que sair desse ninho. Lá
fora ele é o jardineiro da família Marinho e eu sou a patricinha que ele tanto
detesta. Será impossível fazê-lo me ver com outros olhos?
Ouço meu celular vibrar embaixo do travesseiro. Outra loucura da
madrugada. Quando percebi que Bento estava dormindo profundamente,
desvencilhei-me de seu corpo e peguei meu celular na bolsa. Não riam de mim,
mas tirei algumas fotografias. Vocês não têm noção do quanto esse homem é
delicioso, e dormindo, sem nenhuma de suas barreiras de autoproteção, Bento é
a forma humana de um deus greco-romano. Por sorte, tem o sono pesado e
consigo me afastar para atender ao telefone.
— Alô — cochicho, para não abusar da sorte.
— Babi, lembra-se daquele favor que ficou me devendo? Está na hora de
quitar sua dívida.
— Lucas? Só um minuto. — Na pressa, esqueci-me de verificar o
identificador de chamadas.
Tem algo muito errado. Lucas jamais me ligaria a esta hora da
madrugada.
Levanto-me e vou até o banheiro para ter mais privacidade. Tudo o que
não preciso é que Bento me pegue conversando com meu ex-noivo, às três da
manhã, enquanto ainda estou ao seu lado na cama. Fecho a porta e sento-me na
tampa da privada.
— O que deu em você para me ligar?
— Preciso da sua ajuda, Bárbara. Eu fiz merda, das grandes. Não sei o
que fazer, eu...
A angustia em sua voz deixou-me em alerta.
— Você matou alguém? Pelo amor de Deus, Lucas! O que você fez?
— Não posso falar ao telefone. Pode vir até minha casa? — Ele está
chorando? — Porra Babi! Eu não te chamaria se não fosse sério.
Apesar de nossa história não ter acabado de maneira agradável, Lucas é
uma das pessoas por quem tenho imenso carinho. Se ele está desesperado a
ponto de me ligar e deixar seu orgulho idiota de lado para me pedir ajuda, não
sou capaz de virar as costas por conta de vingança pelo que me fez no passado.
Não sou esse tipo de pessoa.
— Eu irei. Mas levarei em torno de uma hora para chegar.
— Pode trazer algo com você?
— Do que você precisa?
— Pílula do dia seguinte.
Lucas Marinho desesperado e pedindo pílula do dia seguinte. Por essa eu
não esperava.
— Seu irresponsável! — sussurro, repreendendo-o.
— Babi, é sério. Preciso da sua ajuda, porra!
— Tudo bem, estou indo.
Desligo o celular e ainda perplexa, volto para o quarto. Encontro minha
roupa espalhada no chão e a visto com pressa, fazendo o possível para não
acordar Bento. Droga! Estou deixando o homem que me proporciona os
melhores orgasmos, para encontrar o homem que me proporcionou a maior
desilusão de minha vida.
Após pegar um táxi até o Alcapone’s, parando no caminho em uma
farmácia 24h, conduzo meu carro para a propriedade dos Marinho. O porteiro
aguardava minha entrada, sendo avisado com antecedência por Lucas. Estaciono
meu carro e entro na mansão. Lucas enviou mensagem, comunicando-me que a
porta estaria aberta.
Caminho silenciosamente até seu quarto, rezando para que sua mãe não
esteja circulando pela mansão. Isabella tem sono leve e às vezes perambula pela
casa. Uma vez, quando ainda era noiva de Lucas e passei a noite em um dos
quartos de hóspedes, ela me pegou no flagra no momento que tentei ir para o
quarto dele. Foi uma situação constrangedora, como mãe protetora e antiquada,
Isabella não permitia que dormíssemos juntos em sua casa sem estarmos
casados. Se ela me flagrar agora que não tenho nenhum vínculo com Lucas, com
certeza armará um escândalo.
Abro a porta sorrateiramente e não encontro Lucas. Ouço o barulho do
chuveiro e um resmungo baixinho. Curiosa, ando até a porta do banheiro, que
está aberta, e vejo uma cena que me parte o coração: Lucas sentado no chão do
box, chorando com a cabeça entre os joelhos, enquanto a água quente cai sobre
seu corpo. Compadeço-me de seu sofrimento, deixo minha bolsa cair no chão e
vou até ele. Desligo o chuveiro, pego uma toalha de banho pendurada no vidro
do box e abaixo-me para cobri-lo. Lucas é dono de um corpo lindo e muito
atraente, que um dia foi a minha perdição, mas hoje tudo o que consigo ver é um
homem assustado e um amigo que precisa do meu apoio. Não sinto nenhum
desejo sexual, o que é estranho, mas ao mesmo tempo reconfortante. E
apavorante também, pois significa que estou mais envolvida com Bento do que
imaginei.
— Ei, Luquinhas. Vamos sair desta sauna?
Minha voz suave o desperta e ele levanta sua cabeça, fitando-me com um
olhar de derrota.
— Estraguei tudo Babi, você tem que ajudar...
Concordo com a cabeça e o ajudo a se levantar. Vamos até seu quarto e
viro-me de costas para que Lucas se seque. Ele vai até seu closet, aproveito para
pegar minha bolsa e sento-me em sua cama para aguardá-lo. Observo-o com
pesar, agora ele veste uma calça de moletom branca, mas permanece sem
camisa. Esse é o estilo Lucas, percebo que ele não mudou muita coisa.
— Vai me contar o que houve?
Ele se senta ao meu lado, mas logo se joga para trás na cama. Cobre o
rosto com as duas mãos e entendo que quer esconder os olhos vermelhos por
suas lágrimas.
— Eu me apaixonei por uma pessoa. Uma garota — diz ele, ainda com as
mãos cobrindo seu rosto.
Sorrio.
— Você está chorando porque se apaixonou por uma mulher? —
pergunto com humor. — Não acredito que me chamou até aqui para dizer isso.
— Começo a me irritar. — Isso é algum tipo de piada? Quer me testar para ver
se ainda sou aquela idiota apaixonada por você?
Rapidamente, Lucas torna a se sentar e me encara com seriedade.
— Estou completamente apaixonado pela Nora.
Oh meu Deus... Tenho a leve impressão que disse isso em voz alta, mas
era para ser apenas um pensamento. Cubro minha boca com as mãos,
rapidamente. Aos poucos, assimilo sua revelação e começo a entender seu
desespero.
— A pílula do dia seguinte... — murmuro, deixando minhas mãos cair
sobre minhas pernas. — Você é um filho da puta!
Levanto-me, sentindo meus nervos à flor da pele.
— Ela só tem dezessete anos, Lucas! — sussurro, pois, apesar de irritada,
não quero acordar seus pais. — O Bento vai te matar quando descobrir. Por
favor, me diz que não forçou a barra...
— Não fiz o que está pensando! — revida, levantando-se. — Nora
também me ama, ela quis tanto quanto eu. Droga! Eu tentei ser forte, mas ela
veio com tudo e... Não usei proteção e para piorar, foi a primeira vez dela. A
maldita era virgem e não me disse nada!
— A menina tem dezessete anos, Lucas! Passou metade da vida em um
colégio de freiras. Por que diabos você imaginou que ela não seria virgem?
— Ela disse que não era.
Nora mentir sobre a virgindade é algo que realmente não consigo
acreditar. Mas Lucas jamais mentiria sobre isso e seu desespero é bastante
revelador.
— Não sei porque ela mentiu, Lucas. Mas virgindade não é um tabu
como costumava ser. Você disse que está apaixonado e é correspondido. Foi
irresponsável da sua parte não usar camisinha, você tem quase trinta anos, apesar
de se comportar como um adolescente. Como pode ser tão irresponsável?
Ele passa a mão pelo cabelo, quase arrancando fio a fio da cabeça.
— Eu estava muito puto, droga! É uma longa história.
Sentei-me novamente em sua cama.
— Acalme essa bunda, Lucas. Sente-se e me conte tudo desde o início.
Somente assim poderei te ajudar.


Não consigo acreditar que o Lucas à minha frente é o mesmo por quem
me apaixonei um dia. Apesar de nunca der dito que o amava, realmente acreditei
que era amor. Minha decepção ao descobrir suas traições deixou-me destruída,
mas com o passar dos meses e vendo como ele não se envolvia seriamente com
ninguém, cheguei à conclusão que o problema de Lucas Marinho era nunca ter
se apaixonado. Quando se ama, não pensamos em machucar a pessoa ou magoá-
la com ações impensadas, ou até mesmo planejadas. Ele nunca me amou, nunca
amou ninguém. Até agora. O homem que chora, deitado sobre minhas pernas
como uma criança assustada, não é o mesmo de antes. Este homem ama uma
menina, e sente-se a pior pessoa do mundo porque tirou dela sua inocência de
uma maneira nada especial.
Eu poderia recriminá-lo por sua reação quando descobriu a mentira de
Nora e a maneira como consumaram o ato. Os dois tiveram sua parcela de culpa,
mas quem sou eu para apontar os erros de alguém? Tudo o que posso fazer por
Lucas é tentar abrir seus olhos e fazê-lo enxergar que se realmente ama a
menina, precisa agir como um homem de verdade e não como um babaca
impulsivo.
— Fui bruto com ela, Babi. Meti com força, sem pensar em nada, apenas
no desejo de tê-la para mim. E depois continuei mesmo sentindo que ela era
apertada demais e...
— Não precisa entrar em detalhes, por favor. Como não desconfiou de
nada?
— Nunca comi uma virgem! Como eu poderia saber?
— E você se acha tão experiente... — Meu ar de deboche o ofendeu.
— Eu me achava tantas coisas, mas nas últimas semanas tenho percebido
que toda minha experiência com as mulheres não me valeu de nada, pois não sei
como agir com a única que realmente é importante para mim.
— Bem-vindo ao mundo real, Lucas Marinho.
— Merda...
— Vai mesmo fazer essa viagem, sem resolver as coisas com ela?
Ele balança a cabeça, confuso.
— Não sei de mais nada, Babi.
Verifico meu celular, são sete horas da manhã. O tempo passou e ficamos
horas conversando. Daqui a pouco a mãe de Lucas acorda e isso pode me causar
problemas. Levanto-me e caminho até a porta.
— Vou até a casa dela. Nora precisa conversar com uma mulher, levarei a
pílula e a convencerei a ir comigo ao ginecologista amanhã. Não estrague tudo
Lucas, pense em tudo o que aconteceu, nas coisas que você disse a ela e repense
a decisão de ir para a Alemanha. Agora que o mal foi feito, não existe a
necessidade de você se afastar. Se realmente a ama, seja homem e vá conversar
com pai da garota. Mas antes de qualquer coisa, fale com ela e conserte a merda
que você fez.
Ele anui em silêncio e se levanta. Surpreendo-me quando Lucas me puxa
para um abraço. Resisto de início, mas acabo cedendo e retribuo o gesto
carinhoso.
— Obrigado por tudo, Babi. Eu fui um merda com você e mesmo assim
está me ajudando. Espero que um dia me perdoe por tudo o que te fiz, e que
encontre um homem que te ama do jeito que você merece.
— Talvez eu tenha encontrado este homem, ele só precisa se apaixonar
por mim — confesso.
Nos afastamos e Lucas me olha com curiosidade.
— Bento Sampaio?
— O próprio. — Abro a porta e viro-me para ele uma última vez. —
Feliz aniversário, Luquinhas.


A sorte parece estar ao meu favor nesta manhã de domingo. Consigo sair
da mansão sem que Isabella ou Alfredo me encontrassem. Desço a escada e sigo
as recomendações de Lucas para chegar até a casa de Nora. Avisto a propriedade
e meus passos travam no chão. Sinto-me nervosa. Será que Bento está em casa?
Qual será sua reação ao me ver ali?
Respiro fundo e continuo em frente. Subo o pequeno degrau da área e
bato na porta de entrada. Minhas mãos apertam minha bolsa com força, para
tentar descontar meu nervosismo em algo. A porta se abre e a visão de Bento
Sampaio, de banho tomado e exalando o cheirinho de sabonete, quase me faz
perder os sentidos. Ele me olha de um jeito profundo, mas confuso, não sabe
porque estou diante de sua porta e com certeza está intrigado. Felizmente, não
parece irritado. Felizmente não, pois isso significa que ele não se importou por
eu ter ido embora sem me despedir.
— O que está fazendo aqui, Bárbara?
Sua voz é rude, mas não recuo. Este homem acha que pode me
amedrontar agindo com grosseria, mas sei que se sente perturbado com a minha
presença e esta é à sua maneira de se proteger. Bento Sampaio acha que pode
esconder seu verdadeiro eu, de mim. Mas está muito enganado. Posso ver quem
ele é de verdade, e gosto muito do que vejo.
Em um ato de atrevimento, empurro-o com meu ombro e entro em sua
casa. Também sei ser grosseira quando quero e petulância pode ser meu
sobrenome, quando me sinto tentada a entrar em uma discussão.
— Vim falar com a sua filha — respondo, desafiadoramente.
Ele arqueia as sobrancelhas, provavelmente não entende o porquê preciso
conversar com Nora às sete da manhã.
— Ela está dormindo.
Dou de ombros.
— Tenho certeza que ela não está dormindo, pode chamá-la. Ela irá me
receber.
Antes que Bento pudesse me responder, uma porta se abre e posso ver
Nora. Coitadinha, a menina parece ter chorado o oceano Atlântico.
— Deixa ela entrar, pai — pede com a voz, fraca.
Bento se aproxima da filha.
— O que aconteceu, Nora? Está tudo bem com você? — Ele está aflito e
sinto-me mal por saber do que se trata enquanto ele permanece na ignorância
sobre o relacionamento da filha com Lucas.
— Estou com cólica, mas já tomei remédio. — A garota olha para mim.
— Você pode entrar, Babi?
Olho para Bento e aguardo sua aprovação.
— Tudo bem, pode ir — autoriza.
— Há uma padaria perto da rodoviária, você pode me esperar lá? —
pergunto, rezando para que ele aceite. — Precisamos conversar também.
Bento está relutante, desconfiado. Sinto que meu plano não irá funcionar.
— Está bem, eu te espero lá.
— Obrigada.
Aguardo Bento sair de casa e me encaminho para o quarto de Nora. Ela
me permite a passagem e sem pedir licença, sento-me em sua cama. Mal consigo
acreditar que vou falar sobre sexo com a filha do homem com quem ando
transando e a mulher por quem meu ex-noivo está terrivelmente apaixonado.
— Muito bem Nora, chegou a hora de uma conversa de mulher para
mulher.


O que será que Bárbara quer conversar com Nora? E comigo?
Essa mulher me tira do sério. Talvez tenha chegado o momento de
colocar um fim nessa história que nem deveria ter começado. Era para ser apenas
uma transa e bastou repetirmos a dose, para ela se sentir corajosa o bastante para
me desafiar. Não posso permitir que Bárbara entre sorrateiramente em minha
vida. Tê-la dentro de minha casa, conversando não sei o quê com minha filha,
depois de passarmos a noite em um motel compartilhando momentos de prazer,
não é algo que me deixe confortável. Além disso, ela saiu do motel sozinha, sem
se despedir de mim e provavelmente pegando um táxi. Quando acordei e não a
vi ao meu lado, não pude recriminá-la. Da outra vez eu lhe dei as costas também.
Olho por olho, dente por dente. Foi o que pensei a princípio. Mas ao
chegar à mansão, vi seu carro estacionado no jardim. Era cedo demais e todos
naquela casa estavam dormindo. O que ela foi fazer ali? Sei perfeitamente que
Bárbara e Lucas não têm mais nada em comum, ao menos era no que eu
acreditava. Minha cabeça está confusa, essa mulher mexe comigo mais do que
deveria e me sinto fora do controle de minhas emoções.
Caminho até a garagem e uso a caminhonete para me transportar até o
centro da cidade. Esperarei por ela, mas esta será nossa última conversa. Não
quero que nossa relação se torne pessoal a ponto de ela querer opinar na criação
de minha filha. Nora não precisa de uma mãe agora, ela tem a mim e isso é
suficiente.
Estaciono na frente da padaria e me encaminho para uma mesa ao canto,
não quero chamar a atenção e sei que quando Bárbara chegar e se sentar comigo,
os olhares especulativos serão voltados para nós imediatamente. Ela tem esse
poder, todos param para admirá-la, principalmente os homens.
Verifico o cardápio e peço para a atendente me trazer um café preto, sem
açúcar, e duas baguetes recheadas com maionese e mortadela. Aguardo meu
pedido e aceno para alguns conhecidos que entram e saem. A senhora que me
atendeu traz meu café e pães. Concentro-me em repor minhas energias. A noite
foi exaustiva e após dormir como pedra, acordei faminto.
— Finalmente te encontrei, Bento Sampaio.
Essa voz, não pode ser...
Engulo o pedaço do pão que parece descer como caco de vidro em minha
garganta.
— Adelina.
Reconheço-a de imediato. Ela está bastante mudada, mas ainda é possível
ver na mulher a menina que um dia ela foi. Seu cabelo e olhos castanhos,
herança que passou para a filha, a pele clara e delicada, sobrancelhas bem
desenhadas e os traços de seu rosto podem me dar uma noção de como Nora
ficará daqui há alguns anos. Adelina é linda demais, mas meu corpo não reage ao
seu como antigamente. Ela não me atrai, não me desperta nenhuma emoção além
da raiva. Isso é algo que não consigo evitar.
Sem pedir licença, a mulher do meu passado senta-se à minha frente e
cruza as mãos em cima da mesa. Perco a fome instantaneamente. Reparo alguns
olhares curiosos em nossa direção, mas ignoro. Para todas essas pessoas, eu fui o
traidor que engravidou uma desconhecia enquanto era namorado da menina rica.
Eles não conhecem a nossa história, a enxergam como a vítima e eu como o sem
vergonha, mesmo nunca tendo tocado no assunto, vejo o julgamento em seus
olhares.
— Você está ainda mais lindo, Bentinho. O tempo fez bem a você.
O sorriso doce não me convence, existe uma armadura invisível que me
protege de qualquer tentativa dela se aproximar usando seu charme feminino.
— O que está fazendo aqui, Adelina?
Ela continua sorrindo, como se minha reação fria não a atingisse. É um
lado dela que eu desconheço, jamais presenciei a Adelina dissimulada, mas são
anos sem nos vermos e ela é realmente uma estranha para mim.
— Vim conhecer minha filhinha linda.
Linda?
— Como sabe a aparência da minha filha?
— Eu andei investigando, Nora é minha filha também.
Fecho meus punhos com força, para não socar a mesa e armar um
escândalo.
— Ela deixou de ser sua filha no dia em que você foi embora. Esqueceu?
Um nome em uma certidão de nascimento não diz muita coisa sobre você ser a
mãe dela.
— Diz muita coisa sim, Bentinho. Nora é minha filha e eu irei conhecê-
la, quer você queira ou não.
— Por que está fazendo isso agora?
Seu olhar vacilou um pouco.
— É meu direito de mãe, conviver com ela.
— Foda-se o seu direito de mãe. Você devia ter pensado no seu dever de
mãe, antes de abandoná-la. Ela não precisa de você.
A risada de escárnio que Adelina soltou causou-me arrepios.
Definitivamente esta não é a mulher que um dia eu amei. Ou eu fui muito
enganado no passado. Como ela pode ter se tornado tão diferente daquela garota
meiga? Sinto-me um idiota por ter me deixado levar pelo amor que acreditei
sentir por ela. Os anos de sofrimento me fizeram ver que Adelina nunca me
amou de verdade, que não passei de um capricho bobo.
— Meus pais morreram, estou sozinha no mundo, Bento.
Seu semblante triste não me convence. É como se ela tentasse demonstrar
sofrimento pela perda dos pais, mas ainda assim parece tão artificial. Meu Deus!
Eu devo estar enlouquecendo. Tudo o que ela faz é visto aos meus olhos como
uma atitude planejada. Eu não posso estar tão negativo assim a seu respeito,
posso? Isso é justo com ela? Mas, e quanto a mim? É justo comigo que ela
apareça agora e tente se aproximar da minha filha?
— Eu sinto muito, Adelina.
— Nora é a única família que me resta, quero passar um tempo com ela,
conhecê-la. Preciso me redimir com a nossa filha. Tenho tanto a oferecer...
— Dinheiro? — desdenho. — Nora não é esse tipo de pessoa. O seu
dinheiro não será suficiente para pagar os anos de sua ausência na vida dela.
— Você não pode me jogar contra ela! — Alterou o tom de voz.
Finalmente, ela estava demonstrando uma emoção real. Apesar de
disfarçar muito bem, Adelina estava nervosa e perdendo o seu jogo de cintura.
— Jamais faria isso, eu sou o pai dela, você é a mãe. Mas cabe a Nora a
decisão de conhecer você. Ela nunca me pediu isso e não serei eu a forçar a
barra, muito menos te ajudarei a se aproximar.
Posso estar sendo muito duro com ela, mas as mágoas do passado vêm à
tona e não consigo ser condescendente com Adelina. Meu coração não a perdoa
e sei que é um caminho sem volta.
— Ou você conversa com ela e fala sobre a minha volta, ou darei um
jeito de me aproximar dela por conta própria, o que pode ser desagradável para
você.
Surpreendo-me com sua petulância.
— Está me ameaçando, Adelina?
— Estou avisando, Bento, ou você conversa com Nora e fica ciente de
que iremos nos encontrar em algum lugar combinado por seu intermédio, ou
tomarei minhas providências para conhecê-la, sem a sua permissão.
Encaro-a, mas logo desvio para meu café. Não consigo sustentar meu
olhar para ela, minha raiva cresce e fico com medo de fazer algo imprudente.
Aceno para a atendente e peço que me traga um novo café e substitua minha
xícara. Irei ignorá-la, quem sabe assim ela vai embora.
Tomo meu café e concentro-me em mastigar meu sanduíche, a fome e
nula, mas preciso me concentrar em algo que não seja essa mulher. Talvez ela se
canse e saia daqui.
— Responda-me, Bentinho. Irá falar com a Nora sobre meu retorno?
Termino meu segundo sanduíche e tomo meu último gole de café.
— Você ainda está aqui — digo, olhando-a com desprezo.
— E ficarei, até que você pare de agir como uma criança birrenta e me
responda logo.
— Bom dia, querido! Demorei? — Bárbara se aproxima e me dá um
beijo rápido nos lábios. Surpreendo-me com a sua ousadia em demonstrar
publicamente algum tipo de afeto por mim.
Querido?
Franzo a testa e finalmente me dou conta do que ela está fazendo:
Marcando território.
Entro em seu jogo, afinal, Adelina me despertou tanta raiva que meu
desejo em a desestruturar suprime a vontade de dizer à Bárbara que não temos
nada um com o outro.
— Acabei tomando café sozinho, me perdoe — digo, sorrindo para ela
envergonhado.
Talvez eu devesse tê-la esperado, sequer pensei sobre isso.
— Tudo bem, você pode ficar me olhando comer. — Ela é tão
espontânea, praticamente ignora Adelina e isso me deixa orgulhoso dessa
patricinha mimada.
Quando Bárbara se dá ao trabalho de encarar Adelina, as duas travam um
duelo silencioso. Minha patricinha não se deixa intimidar. Talvez porque elas
sejam parecidas, constato. Tanto Adelina quanto Bárbara são mulheres lindas,
ricas e donas de si. A afronta de egos é quase palpável. Odeio ser o possível pivô
desta batalha.
— Quem é a sua amiga, Bento? — pergunta Bárbara, sorridente.
Meu Deus, dê-me forças!
— Sou Adelina, mãe da Nora.
Meu corpo se retesa na cadeira, observo as duas mulheres de pé,
cumprimentando-se como velhas amigas. O aperto de mãos e os sorrisinhos
amistosos podem enganar qualquer um dos presentes, mas é a pura falsidade
feminina em ação.
— Sou Bárbara, mulher do Bento e madrasta da Nora. Tudo bem com
você, Adelina?
Engasgo com o que acabo de ouvir.
Bárbara senta-se e acena para a atendente, ela pede uma xícara de café
com leite e adoçante. Adelina torna a se sentar à mesa e não parece disposta a ir
embora.
— Reparei que vocês não usam aliança, estão casados há muito tempo?
— pergunta Adelina.
Bárbara ri, e me olha, o divertimento estampado em seu rosto.
— Não somos oficialmente casados, mas vivemos juntos há alguns anos.
— Bentinho sempre foi tão certinho, viver com alguém e não ser casado
é algo que não imagino ele fazendo.
— Certamente ele mudou muito depois que você foi embora, querida.
Mas estamos bem do jeito que está, um anel não é nada comparado à
cumplicidade de um casal. — Bárbara tem suas respostas na ponta da língua e eu
comemoro por dentro a satisfação de ver Adelina intimidada.
De repente ela se levanta e sorri, tentando manter sua postura inatingível.
— Preciso ir, foi um prazer conhecê-la, Bárbara. — Seu sorriso se esvai
quando ela olha para mim. — Aguardo o seu retorno, ou eu mesma tomarei as
devidas providências. — Deixa um cartão em cima da mesa e sem se despedir,
vai embora.
— Mulherzinha intragável... — comenta Bárbara, pingando gotinhas de
adoçante em sua xícara.
Não consigo conter meu sorriso. Confesso que apesar de toda a tensão do
momento, gostei da atitude de Bárbara. Uma mulher defendendo o seu homem,
foi o que me pareceu.
— O que foi isso? — pergunto, gesticulando. — Quer dizer que vivemos
juntos há alguns anos?
Ela sorri descaradamente e toma um gole de seu café.
— Sou uma excelente atriz, não acha? — Pisca para mim. — Porque
minha vontade era pegar essa mulher pelo cabelo e jogá-la na calçada. Mas eu
tenho classe, jamais desceria do meu salto por alguém como ela.
— Como ela? Você a conhece? — pergunto, desconfiado.
Bárbara dá de ombros.
— Não a conheço, mas uma mulher que abandona a própria filha por
egoísmo, não vale o chão que pisa.
— Adelina quer conhecer Nora.
Ela me olha, apreensiva.
— O que você pensa sobre isso, Bento?
Suspiro, desanimadamente.
— É uma decisão que cabe à Nora, ela tem idade para fazer sua escolha.
Meu maior medo é que Adelina consiga convencê-la a ir embora, algo assim.
Bárbara me surpreende ao segurar minha mão, o gesto de carinho me
pega desprevenido e mexe com algo dentro de mim. Um sentimento que sei
exatamente o que significa, mas que há muito tempo eu não sentia por ninguém.
— Sua filha é uma menina maravilhosa, ela sabe o pai incrível que tem.
Jamais duvide do amor dela por você. Nora fará o que é certo, porque não há
outra opção a não ser você.
— Há Adelina.
— Como eu disse, querido. Não há outra opção a não ser você.
Sem pensar duas vezes, aproximo-me de Bárbara e lhe dou um beijo
rápido. Ao me afastar, sinto os olhares especulativos em cima de nós e isso me
incomoda.
— Somos a atração do momento — digo, sentindo-me irritadiço.
— Você não deve nada à essas pessoas, Bento Sampaio. Então deixe que
pensem o que quiserem sobre nós. Isso tem a ver com você e eu, apenas.
Observo-a atentamente enquanto ela toma outro gole do seu café.
— Eu não quero entrar em um relacionamento, Babi.
Reparo em seu semblante e percebo a leve mudança. Ela sim é
verdadeira, tenta disfarçar mas sei que a magoei com minhas palavras.
— Não precisamos dar um nome ao que temos — argumenta, com a voz
firme. — Mas saiba que você é o único com quem estou envolvida de maneira
íntima, e enquanto você tiver a intenção de estar comigo desta maneira, peço que
não se envolva com mais ninguém. Gosto de estar com você, não vou te cobrar
nada, apenas faço essa pequena exigência. Somos dois adultos e podemos lidar
com isso, correto?
Eu estava decidido a colocar um basta nessa história, mas depois do que
a patricinha me disse e sua postura perante Adelina, minhas barreiras levantadas
contra ela caíram por terra. Gosto de sua voz, sua presença, seu sabor em minha
boca, sua pele contra a minha. Nossos corpos se encaixam com perfeição e cada
segundo com ela é sublime. Tenho me mantido fechado durante anos, mas com a
volta de Adelina e a constatação de que não tenho nenhum sentimento pela mãe
de minha filha, talvez seja um sinal de que a vida está me dando uma nova
oportunidade de viver. E eu não quero desperdiçá-la.
— Corretíssimo, patricinha. — Sorrio para ela e beijo sua mão.
— Ótimo. E que tal você passar o dia comigo, hoje? Nora está em casa,
repousando. Conversamos e tudo o que ela precisa agora é ficar um tempo
sozinha.
— Por quê? — Estranho suas palavras. — Está tudo bem com ela?
Algum problema que eu deva ficar sabendo?
— Apenas um coração partido, querido. Mas ela é jovem e em breve
estará sorrindo novamente.
Levanto-me.
— Acho melhor voltar para casa, preciso falar com ela sobre Adelina.
Bárbara levanta e se aproxima, apoia suas mãos em meu ombro.
— Aceite um conselho: Esqueça Adelina por hoje. Amanhã você
conversa com sua filha sobre isso. Nora está bem, confie em mim. Pode fazer
isso?
— Por incrível que pareça, eu posso sim.
Beijo sua testa e sinto como a muito tempo não sentia, que estou fazendo
a coisa certa ao me dar uma oportunidade com Babi.


— Estive com o Luquinhas, ele me contou tudo — começou Bárbara,
deixando Nora apreensiva.
— Tudo o quê? — Estava sentada na cama, ao lado de Babi.
— Você já deve conhecê-lo o suficiente para saber que ele fala o que
pensa e sente. Então, eu sei de tudo mesmo, desde o quase atropelamento até a
confusão de ontem.
Nora encolheu-se na cama.
Lucas havia descrito o ocorrido da noite anterior como uma “confusão”?
— Meu Deus, que vergonha. — Cobriu o rosto com as mãos.
— Não tem do que se envergonhar Nora.
— Eu menti para ele e quando descobriu, ficou furioso comigo. Eu
praticamente o obriguei. Deve estar me odiando agora.
Bárbara riu, não conseguindo se conter.
Era estranho demais ser a mediadora de Lucas e Nora, mas o casal
improvável estava passando por um período delicado, e depois de presenciar o
desespero de Lucas e a evidente culpa que Nora estava sentindo, Bárbara
percebeu que os dois realmente se gostavam e estavam sofrendo.
— Ele não odeia você, Nora. Na verdade, ele está se odiando agora.
A menina não conseguiu conter suas lágrimas por muito tempo.
— A culpa é toda minha. Fui embora do Alcapone’s, pensei que ele fosse
beber aquelas doses, sequer esperei que tomasse a primeira. Ivan me seguiu e
quando dei por mim, estava me beijando. Eu ia me afastar, mas foi tudo muito
rápido e Lucas chegou em seguida, ele ficou tão fora de controle. Tive medo.
— Lucas tem um temperamento explosivo, Nora. Nunca o vi tão
emocionalmente abalado como agora. O ciúme, a raiva pelo sentimento de
traição, são coisas que ele nunca havia sentido antes. Era ele quem traía, nunca o
contrário.
— Mas eu não o traí!
— Sei que não, e ele também. Lucas ama você, Nora. Ele não está
sabendo lidar com isso, só precisa de um tempo para colocar os pensamentos em
ordem.
Nora suspirou, secou suas lágrimas com a manga de sua blusa, mas o
choro era incessante.
— Ele não quer me ver, por isso te mandou aqui?
Bárbara chegou mais perto da menina, puxando-a para um abraço.
— Não chore, vai ficar tudo bem. Vocês serão muito felizes, só precisam
enfrentar algumas pequenas batalhas. Lucas pediu que eu viesse, pois há um
assunto que talvez você prefira conversar com uma mulher. Ele quer o seu bem,
está preocupado contigo. Lucas pensa que te machucou.
Ao se afastarem, Nora viu compaixão nos olhos de Bárbara.
— O que me machucou foi ele ter ido embora, sem que tivéssemos a
oportunidade de conversar.
— Nora, não é que eu o esteja defendendo, mas conhecendo Lucas como
conheço, o melhor que ele fez foi se afastar. Aquele homem é tão irritante que
quando quer, consegue ser cruel com as palavras. Talvez se tivesse ficado, as
coisas poderiam ter se agravado e aí sim seria um caminho sem volta.
Nora anuiu em silêncio, absorvendo cada palavra que Bárbara dizia.
Quando viu Lucas lhe dar as costas, mal acreditara que seu mundo
perfeito estava se esvaindo. Havia se entregado ao homem que amava, embora
não tenha sido como ela imaginou um dia, não havia se arrependido de sua
escolha, apenas arrependeu-se de ter mentido sobre a virgindade, mas era
impossível voltar atrás e tudo o que podia fazer era rezar para que Lucas lhe
desse uma nova chance.
Bárbara abriu sua bolsa e retirou a pequena caixa de remédio.
— Aqui, tome isso.
Nora pegou a caixa e verificou a embalagem:
Pilem – levonorgestrel 0,75mg. Uso adulto. Contém 2 comprimidos.
— O que é isso?
— Pílula do dia seguinte. Certamente já ouviu falar.
— Oh meu Deus! — Suas mãos tremiam.
Como pôde ser tão imprudente?
Não haviam feito sexo seguro.
Poderia estar grávida!
— Escute, Lucas faz exames regularmente e está limpo de qualquer
doença. Acredito que você também esteja limpa, mas sugiro que aceite ir comigo
ao ginecologista, amanhã, para fazer exames de rotina e ser orientada pelo
médico. Pode começar a tomar pílula anticoncepcional, assim que o seu ciclo
menstrual iniciar novamente.
Nora ainda estava tentando assimilar a possibilidade de uma gravidez
indesejada.
— Tomara que não seja daqui a nove meses — murmurou, aflita.
— Tome a pílula. Quanto mais rápido, melhor. Não faz muito tempo
desde o ato. Você pode tomar as duas juntas se quiser, não há problema. Ou toma
uma agora e a outra daqui há doze horas. Sua menstruação deve descer em
alguns dias, uma semana no máximo.
— E se não descer? — Havia desespero em sua voz.
— Aí eu compro o teste de gravidez, mas não se aflija antes da hora.
— O que eu fiz, Babi? — As lágrimas tornaram a cair. — Como vou para
a universidade se estiver grávida? Meu pai vai ficar tão decepcionado comigo,
Lucas vai achar que foi um golpe, só porque é rico e eu...
— Ei, ei, ei! Pare com isso!
O pânico tomou conta de Nora, a menina rasgou a caixa de Pilem
apressadamente e retirou a cartela, pegou os dois comprimidos e os enfiou na
boca, com pressa. Levantou-se e correu até a cozinha, serviu-se de um copo
d’água e engoliu como se estivesse engolindo pregos. Bárbara seguiu os passos
da garota, sentindo-se aflita por presenciar tamanho desespero.
— Não posso ficar grávida. E-eu não posso, Babi!
— Vai ficar tudo bem Nora. Confie em Deus, Ele fará o que for melhor
para você. Se a maternidade estiver no seu caminho, mesmo que
prematuramente, tenha certeza que você estará preparada para ser mãe de um
lindo bebê. Afinal, você tem o melhor pai do mundo e ele te ajudará. Também
tem o Lucas...
— Ele vai me odiar ainda mais.
— Ele não odeia você, querida. Tire essas “caraminholas” da cabeça.
Voltando para o quarto, sentindo-se derrotada, Nora deitou-se na cama e
deixou as lágrimas falarem por sua tristeza.
— Como eu queria voltar no tempo...
Ele ainda me quer?
Ele vai para a Alemanha, mesmo depois do que aconteceu entre nós?
Ele me perdoará por ter mentido sobre a virgindade?
E se eu estiver grávida?
A garota tinha plena consciência de suas decisões erradas e das
consequências que elas trouxeram aos dois. Fora precipitada, imprudente, agiu
por desespero somado ao amor que sentia por Lucas. A noite tornou-se um
pesadelo e Nora tentava assimilar tudo. Sabia que devia ter contado sobre a
virgindade, mas no calor do momento e no desespero de reconciliar-se com o
homem que ama, tudo o que conseguiu pensar foi em uma maneira de provar a
ele que tinha sua confiança. Entregar-se a Lucas era algo que Nora queria fazer,
talvez aquele não fosse o momento certo, mas seria inevitável. Cada vez que
seus corpos se aproximavam, uma chama inflamável crescia dentro dela. Ter
pressionado Lucas e o provocado até que ele cedesse, foi errado, ela sabia que
havia ultrapassado um limite irreversível. Mas, quando Lucas lhe beijou onde
ninguém tinha lhe beijado e lhe proporcionou sensações que nunca havia
sentido, Nora deixou o receio e qualquer medo para trás. Sentiu-se feminina,
mulher de verdade, e mesmo que tenha sido de um jeito bruto, o prazer de estar
com Lucas pela primeira vez foi tão sublime que ela jamais esqueceria. Aquela
foi sua primeira vez, com o homem que amava e no momento em que escolheu.
Poderia não ser como uma garota romântica sonharia, mas foi perfeito do jeito
que foi. Até o momento em que ele descobriu sua mentira e lhe virou as costas.
Agora, com a possibilidade de uma gravidez, a jovem de dezessete anos estava
apavorada, sem saber o que o futuro lhe reservava.
— Sei que está nervosa e com medo. — Bárbara sentou na cama de
solteiro e acarinhou as costas de Nora, tentando lhe passar tranquilidade. — Mas
preciso perguntar, você está machucada, doeu muito?
Nora negou com um gesto de cabeça.
— N-ão estou machucada, não fisicamente.
— É normal doer e sangrar na primeira vez, Nora.
— Não quero conversar sobre isso com você, Babi. Me desculpe, mas
você é ex-noiva dele e não me sinto confortável.
— Perdão, só estou preocupada. Aceite que eu te leve ao médico
amanhã. Não preciso te acompanhar na consulta, aguardo na sala de espera.
Ninguém ficará sabendo, prometo.
— Tudo bem. Obrigada por vir. Eu só preciso ficar sozinha, agora.
— Amanhã eu venho te buscar, Lucas me passou o número do seu
celular. Eu te ligo.
— Certo.
Não conseguindo conter o impulso, Bárbara se aproximou de Nora e lhe
beijou o cabelo, em um gesto maternal. Levantou-se e deixou o quarto da
menina, que ainda chorava. Ao sair da casa, digitou uma mensagem para Lucas,
antes de chegar ao seu carro e ir ao encontro de Bento, na padaria.

Babi>>> Ela está sozinha. Seja um homem decente, faça o que tem que
ser feito. Do Bento cuido eu, não se preocupe.
Luquinhas>>> Obrigado!


Enquanto aguardava notícias de Bárbara, Lucas ponderou suas ações
durante a madrugada e tentou colocar a cabeça no lugar. Precisava tomar uma
decisão definitiva e ir de encontro aos novos ideais. Havia finalmente chegado a
uma conclusão e quando leu a mensagem de Babi, agradeceu-lhe pela ajuda.
Depois de tudo, sua ex-noiva lhe prestara um imenso favor, mas agora, tudo
dependeria exclusivamente dele. Levantou-se da cama e foi até seu closet, vestiu
uma regata branca e colocou a carteira no bolso traseiro de seu moletom, calçou
um par de chinelos e foi rumo ao seu destino.
Ao chegar na sala de estar, encontrou sua mãe sentada, assistindo a um
programa matinal. Tentou passar despercebido, mas não aconteceu. Isabella
jamais deixaria de notá-lo.
— Bom dia, aniversariante. Não quis tomar café conosco?
Lucas aproximou-se de sua mãe e beijou-lhe a testa.
— Bom dia, minha rainha. Estou sem fome.
— Como foi sua festa de aniversário, ontem?
Oh sim, sua maldita festa de aniversário. Havia esquecido
completamente.
— Acho que estou perdendo o jeito da coisa. Não foi nada de mais.
— Isso é novidade, vindo de você.
Lucas fitou sua mãe, sentindo-se angustiado por estar escondendo os
sentimentos dela. Ajoelhou-se a sua frente e segurou o rosto de Isabella entre
suas mãos.
— Tem muita coisa nova em mim, mãe.
— Por que diz isso, meu amor?
— Em breve a senhora saberá o porquê. — Beijou-lhe a testa mais uma
vez e levantou-se. — Preciso ir.
— Lucas, onde você vai?
— Resolver minha vida, mãe. De uma vez por todas.
Sem dar ouvidos ao chamado de Isabella, Lucas se apressou em descer a
escada e foi em direção à casa de Nora. Ao invés de ir pela área e bater na porta,
Lucas desviou para a lateral, onde avistou a janela do quarto da garota, aberta.
Tentou ser silencioso e quando estava perto o bastante, conseguiu ouvir soluços
de alguém que estava abafando o choro.
Ah, merda...
Sem pensar em se anunciar, Lucas equilibrou-se e pulou a janela, caindo
em cima da cama de Nora, assustando-a. A garota se agitou, sentando-se
bruscamente. Quando seus olhos finalmente se encontraram, ela não acreditou
que era real, que Lucas estava ali, a sua frente, em sua cama. Mais lágrimas
teimosas caíram e sua respiração estava fraca.
— Ei, bruxinha... chora não, vai!
Ela não conseguiu dizer nada, ainda pensava que era uma miragem, um
sonho. Mas quando Lucas se aproximou e lhe tomou nos braços, deixou-se levar
pela ilusão de sua presença e se permitiu senti-lo mais uma vez. Parecia tão real.
— Você está mesmo aqui? Não me odeia?
Ele afastou o rosto da menina para que pudesse fitá-la nos olhos e
mostrar toda a veracidade do que lhe diria a seguir:
— Por que eu te odiaria? Você é a melhor coisa que aconteceu em minha
vida, Nora.
O coração dela se inundou de esperança, que pudesse acordar logo e algo
semelhante aconteceria.
— Como eu queria que isso fosse verdade...
Sentiu as mãos de Lucas tocarem seu rosto, parecia tão real.
— Ainda não confia em mim, bruxinha? — A voz dele soou
decepcionada, triste.
— E-eu, só queria que não fosse um sonho.
— Espere aí, você acha que isso é um sonho?
Ela anuiu e uma lágrima escorreu em sua face avermelhada. Os olhos
inchados partiram o coração de Lucas. Enquanto esteve transtornado em seu
quarto, sofrendo por ter sido um canalha com Nora, ela esteve se sentindo tão
mal ou ainda pior que ele.
— Não é um sonho, Nora. Eu estou aqui, de verdade. — Beijou-lhe a
ponta do nariz.
Nora acariciou a face de Lucas, comprovando que se tratava dele mesmo.
Assustada, pulou para trás, afastando-se de seu toque.
— Lucas, eu... — As malditas lágrimas continuavam a lhe encharcar o
rosto. Sentia-se fraca, cansada, desolada, mas ao que parecia, ainda existia
líquido em seu corpo para serem convertidos em choro. — Me perdoe, eu... não
foi de propósito, não pensei nisso... você tem que acreditar em mim.
Lucas pestanejou, Nora parecia transtornada, fora de si.
— Psiu, está tudo bem, amor. — Puxou-a para perto novamente e a
aninhou em seus braços. — Sou eu que preciso te pedir perdão. Fui eu que
estraguei tudo...
— Eu menti.
— E eu fugi.
— Eu ia te contar, não foi de caso pensado.
— Nora, se acalme, por favor.
Ela o apertou contra si, com medo que fosse embora a qualquer
momento.
— Você não pode ir para a Alemanha, não pode me deixar sozinha. Por
favor...
— Não vou a lugar nenhum, sem você. Se ainda me quiser, depois do que
te fiz.
Foi a vez da garota segurar o rosto do homem entre suas mãos.
— Eu amo você, Lucas.
Ele sorriu, feliz por ouvir a frase novamente. Ela havia declarado seu
amor, momentos antes de se entregar naquela garagem e o mundo desabar ao seu
redor. Estava tão cheio de raiva que não absorvera as palavras como elas
mereciam, mas desta vez, olhando-a diretamente nos olhos e sentindo todo o
poder que o sentimento exercia sobre ele, Lucas teve certeza de que estava
tomando a atitude certa.
— Não vou para a Alemanha, meu lugar é aqui. E chega de esperar,
nossa história não tem mais prazo para começar. Falarei com o seu pai hoje e
chega de segredo. Eu te amo, bruxinha. E a gente vai ficar junto.
— Oh meu Deus...
— Eu não acreditava em anjo, mas hoje tenho certeza que alguém lá em
cima te mandou para mim.
Nora mal conseguia acreditar que Lucas estava ali e que a amava
também. Depois de temer perdê-lo e chorar tudo o que podia e não podia,
finalmente suas lágrimas cessaram e um sorriso brotou em seus lábios. Sem
medo de ser rejeitada, aproximou sua boca da dele e o beijou como se não
houvesse o amanhã. O desespero e a saudade, tornou o beijo ainda mais intenso
que os trocados em outros encontros. Estavam sentados na cama de solteiro, e
Nora mexeu-se apenas o suficiente para ficar de frente para Lucas e encaixar
suas penas entre as dele. Os braços de Lucas prenderam sua cintura
possessivamente e Nora continuou acariciando o rosto dele enquanto o beijava
faminta. Queria ter certeza de que ele não se afastaria.
Lucas sentiu seu corpo entrar em erupção novamente, assim que seus
lábios tocaram os de Nora. Sua garota estava novamente em seus braços,
entregue à paixão que os unia sempre que estavam tão perto um do outro. O
mundo parou de girar, o tempo parou de contar e nada à sua volta lhe importava,
a não ser a mulher que amava. Seu pau ganhou vida, como sempre acontecia
quando estava com ela. Sentiu-se culpado por estar desejando-a com tanta fome,
mesmo depois do que acontecera durante a madrugada, na garagem da mansão.
Foi então que a realidade veio à tona mais uma vez, fazendo-o se sentir culpado
pela maneira bruta e superficial com a qual tomou a virgindade de Nora.
Distanciou-se com certa dificuldade, encerrando o beijo e tentando retomar a
clareza de seus pensamentos. A garota o fitou, havia confusão e receio em seu
olhar, mas para tranquilizá-la, Lucas acariciou seu rosto delicado e beijou-lhe a
ponta do nariz. Como gostava daquele gesto, uma maneira carinhosa de expor
seu sentimento de proteção em relação a ela.
— Como você está? — perguntou, preocupado. — Sente dor,
desconforto?
O rosto da garota enrubesceu, mas ele não a pouparia daquela conversa.
Haviam ultrapassado uma barreira e dado um passo gigantesco naquele
relacionamento tão prematuro, mas não era possível reverter o acontecido e tudo
o que precisavam era conversar, superar e seguir adiante, mais unidos do que
nunca. Precisavam se fortalecer para enfrentarem juntos o que quer que viesse
pela frente. Reparando na janela aberta, Lucas tratou logo de fechá-la para ter
mais privacidade com ela.
— Não tenha vergonha de mim, Nora. Você é minha mulher.
Ela negou em um gesto de cabeça.
— Eu me sinto diferente, mas não sinto dor. Só sei que algo mudou em
mim.
— Quero que vá ao médico amanhã, pedi para a Babi te levar. Desculpe
por envolver a Bárbara nisso, mas tirando minha mãe, não há outra pessoa em
quem confio, para pedir algo assim.
Nora lembrou-se da possibilidade que a assombrava.
— E se eu estiver grávida, Lucas? — O pânico em sua voz era evidente.
— Como eu pude ser tão burra?
Com o dedo indicador, Lucas levantou o queixo de Nora e a fez olhá-lo
nos olhos.
— Eu fui o irresponsável. Tinha camisinha na carteira e no porta luvas do
carro. Não fui prudente, não pensei nas consequências. Fiz tudo errado, Nora. —
Balançou a cabeça freneticamente, transtornado. — Sequer olhei nos seus olhos,
fui um cretino...
— Lucas! Eu fui para cima de você, te provoquei...
— Está me defendendo, bruxinha?
— Eu não vou atribuir a culpa do que houve, a você. Eu puxei o gatilho.
— Se você estiver grávida, nós estaremos grávidos. Entendeu? Não será
você esperando um filho. Será nós. Nosso filho. A gente fez isso junto.
— Desculpe, eu não pensei em nada disso...
— Tomou a pílula?
— Uhum.
— A gente espera e seja o que Deus quiser, pequenina. Não pensa mais
nisso.
— Meu pai...
Lucas deu de ombros e riu, beijando a testa de Nora.
— Tirando o fato de eu estar apavorado, com a possibilidade de ele
querer arrancar meu pau e me tornar um eunuco, acho que mais cedo ou mais
tarde ele terá que aceitar. A gente se ama, o que há de errado nisso?
— Tem razão. Mas estou nervosa e...
Ele não permitiu que ela continuasse, beijou-lhe novamente e esqueceu
todas as preocupações.
Nora sentiu o corpo inteiro se arrepiar, o calor em seu ventre se
aprofundando e o desejo crescendo a cada segundo, fazendo-lhe esquecer tudo o
que lhe afligia. Suas mãos percorreram o corpo de Lucas, por cima da regata
branca, mas logo não foi suficiente e a garota ousou ir mais além, invadiu a pele
por baixo da camiseta, sentindo o calor emanando em cada célula do corpo de
Lucas. Nora pressionou seu corpo ainda mais contra o dele, dando os sinais de
que queria pertencer novamente ao homem que amava. Lucas entendeu o recado
e para dar livre acesso à Nora, tirou sua regata e a jogou no chão. A garota
cobiçou o abdômen perfeito e passou a língua pelos lábios, como se estivesse
prestes a provar algo delicioso.
— Você é tão lindo... — Sem pudor algum, Nora tocou-lhe os ombros e
beijou o peito desnudo de Lucas. O cheiro de sabonete a inebriou e o calor de
sua pele a deixou ainda mais acesa.
Estavam sentados na cama em uma posição não muito confortável. Em
um gesto rápido, Lucas segurou Nora pela cintura e se remexeu na cama, ficando
de pé tempo o suficiente para tirar os chinelos e em seguida deitou sua garota de
costas no colchão. Pairando sobre ela, admirou encantado o brilho que iluminava
o olhar de menina mulher. Jamais presenciara algo assim com outra. Era por este
e outros motivos, que Lucas tinha completa certeza do seu amor por Nora. Ela
era diferente, o que sentia por ela era diferente de qualquer coisa que já sentira
antes, e fitá-la nos olhos e ver algo tão puro e verdadeiro, lhe fazia questionar se
era realmente merecedor de uma dádiva tão grande. Após anos sem se importar
com o sentimento de qualquer mulher, encontrara alguém por quem finalmente
valia a pena todas as concessões. Tudo o que lhe importava era a felicidade da
garota a sua frente.
— Deixe-me te amar do jeito certo, Nora. Do jeito que você merece.
— Sim...
Era tudo o que ele precisava ouvir. Lucas separou as pernas de Nora, e se
encaixou entre ela. A garota vestia uma calça de algodão, parte de um conjunto
de roupa de dormir. Ele tirou a blusa dela, deixando-a nua da cintura para cima.
Não havia reparado que estava sem sutiã, porque pela primeira vez na vida,
Lucas olhava uma mulher diretamente nos olhos e não em seu decote. Prendeu a
respiração ao vê-la tão exposta, tão entregue. Nora não se sentia envergonhada
diante de Lucas. Agora, mais do que nunca, ela queria estar com ele, pertencer a
ele. Seus mamilos estavam enrijecidos, reação causada pela excitação que sentia
e expectativa do que estava por vir.
— Você é linda.
Sem mais delongas, Lucas iniciou uma trilha de beijos pela barriga de
Nora, alternando entre mordidas leves e sucções. A garota gemia, deliciando-se
com cada sensação nova. Quando a língua de Lucas alcançou um dos mamilos,
Nora arqueou seu corpo e apertou os ombros de Lucas, arranhando levemente a
pele macia. Queria aproveitar cada segundo daquele momento sublime, mais um
que seria inesquecível em sua vida. Beijou o pescoço de Lucas, e mordiscou sua
orelha, fazendo com que ele soltasse um gemido.
— Você me deixa louco, Nora. — Tomou-lhe o outro mamilo, dando-lhe
igual atenção.
A sensação de tê-lo tão próximo, de maneira tão íntima, era indescritível.
Nora fechou os olhos e deixou-se levar pelo instinto, traçou beijos pelo bíceps
braquial e logo suas mãos desceram até o cós da calça de moletom. Lucas parou
imediatamente e a encarou surpreso.
— Quero te ver nu.
Ele sorriu, satisfeito com a iniciativa da garota. Rapidamente, saiu de
cima dela e deitou-se de costas na cama.
— Sou todo seu. Se quiser me ver pelado, terá que me despir.
Ela gostou do desafio. Estava sendo diferente dessa vez e queria
aproveitar, conhecer, explorar. Sentindo-se corajosa, Nora ficou de pé em sua
cama, admirando o corpo de Lucas esticado. Ele estava muito excitado, a
protuberância evidente sob o moletom a deixou ainda mais curiosa para vê-lo
sem roupa.
— Está gostando da vista aí em cima, bruxinha?
— Estou amando.
Mas ela não havia se levantado para apreciá-lo, fora apenas um bônus.
Nora ficou de pé para tirar seu pijama, e assim o fez, lentamente, sem desviar os
olhos de Lucas. Ele a devorava apenas com os olhos e isso a deixou mais
confiante para deixar o tecido de algodão cair aos seus pés. Ficou apenas com
sua calcinha rosa, com um minúsculo lacinho lilás.
— Puta que pariu! Isso foi sexy pra porra. Venha aqui, Nora.
E ela foi, abaixou-se sobre ele, sentando em cima de sua ereção e
gemendo ao sentir a deliciosa pressão.
— Você me surpreende cada vez mais — disse Lucas, tentando se sentar
na cama, mas sendo impedido por Nora, que começou a beijá-lo no abdômen
enquanto ameaçava puxar a calça de moletom para baixo.
Lucas permitiu ser explorado, queria deixá-la à vontade, curtir cada
segundo. Era a vez de Nora fazer suas descobertas. Colocou os braços para cima,
atrás da cabeça, e fechou os olhos, deixando-se levar pelo rastro dos lábios dela
por sua pele.
— Ah... — Gemeu quando os dentes de Nora mordiscaram um de seus
mamilos e as unhas arranharam sua costela.
O rastro das unhas foi cada vez mais para baixo, chegando novamente a
sua cintura. Sentiu o tecido da calça escorregando e arqueou o corpo para
facilitar o trabalho de Nora.
— Oh, sim...
Ela tirou a cueca, juntamente com a calça. Sentia seu pau pulsando sobre
a pele quente e não resistiu a curiosidade. Fitou-a no exato momento em que
Nora contemplava sua majestosa ereção. Os peitos de Nora ficavam magníficos
enquanto ela respirava pesadamente, admirando o homem diante de si, Lucas
lutou contra o desejo insano de tomá-los em sua boca novamente. Seria paciente.
— Você é tão... — Nora buscou em sua mente, a palavra adequada para
descrevê-lo.
Lucas dirigiu-lhe um sorriso safado, não conseguindo evitar provocá-la.
— Grande? Suculento? Caralhudo?
— Babaca! — Revidou Nora, rindo da expressão falsamente ofendida
que Lucas fizera.
— Um babaca caralhudo, posso lidar com isso. — Sorriu cinicamente.
— Talvez eu deva amordaçar você, cobrir a sua boca com uma das
minhas meias.
Ele fez uma careta.
— Isso não foi sexy.
— Seu ego também não é.
— Perdoe-me, bruxinha. Vamos voltar ao clima romântico, esqueça o
que eu disse.
— Quero tocar você — confessou, engolindo em seco.
— Eu quero que você me toque. Como eu disse antes, sou todo seu.
Nora assentiu e não se fez de rogada. Espalmou suas mãos nas coxas de
Lucas, massageando-as com deliberada lentidão. Aos poucos, a coragem lhe
dominou e subiu as mãos para a virilha, chegando finalmente aonde mais lhe
interessava. O pênis de Lucas era grande, de espessura grossa e veias aparentes.
Assim que o segurou com firmeza, ele arqueou o corpo.
— Ai, caralho...
— Como eu faço? — Perguntou ela. Queria agradá-lo, sentia essa
necessidade.
Lucas evitou dizer qualquer coisa que pudesse soar pretensioso, ainda
não sabia até que ponto poderia ser espontâneo com ela. Nora era inexperiente e
depois da primeira vez desastrosa, seria cuidadoso. Ao invés de instruí-la, ele
apoiou o peso do corpo em um dos braços e com a mão livre, tocou a dela,
movimentando-a lentamente, de baixo para cima, para que ela encontrasse o
ritmo perfeito na masturbação.
— Continue, é exatamente assim... — Jogou a cabeça para trás e
entreabriu os lábios, tentando manter a respiração ritmada.
— Isso é bom?
— Maravilhoso...
Nora adorou cada gemido de satisfação que Lucas soltava, ao ser
acariciado por ela. Queria proporcionar prazer a ele, mostrar que estava disposta
a aprender tudo o que poderia ensiná-la.
— Chega! — Gritou ele, assustando-a, fazendo-a parar imediatamente.
— Não quero gozar na sua mão, bruxinha. Você está me enlouquecendo.
Lucas sentou-se na cama e agarrou a garota, invertendo as posições.
Pairando novamente sobre Nora, apressou-se em tirar a calcinha dela, e
contemplou seu corpo.
— Eu te amo Nora Sampaio.
Antes que ela pudesse responder de volta, Lucas abaixou-se rapidamente
e abriu as pernas da garota, aprofundando sua língua no núcleo naturalmente
lubrificado. Nora estava tão excitada quanto ele, Lucas continuou estimulando o
clitóris com a língua e a garota lhe puxou o cabelo, enquanto apertava a cabeça
dele com as pernas.
— Isso é bom... — Ainda melhor que da primeira vez, pensou ela.
Não tardou em atingir o clímax gemendo o nome de Lucas enquanto se
contorcia na cama.
Lucas se afastou para pegar um envelope de camisinha na carteira.
Mesmo que houvesse a possibilidade de Nora estar grávida, ainda confiava na
eficácia da pílula do dia seguinte. Não erraria novamente, não debocharia do
destino. Rasgou a embalagem e deslizou a proteção de látex por sua extensão
rígida. Reparou que Nora não tirava os olhos da cena. Sua garota era curiosa e
isso o deixaria ainda mais louco por ela. Deitou-se sobre ela e lhe beijou,
fazendo-a sentir o sabor de seu próprio prazer. Acariciou os seios perfeitamente
moldados para suas mãos e deslizou um dedo para dentro dela, querendo sentir
sua lubrificação e ter certeza de que não estava machucada. O gemido que Nora
soltou deixou Lucas mais seguro para continuar. Encerrou o beijo e acariciou sua
bochecha, traçando os lábios com o polegar.
— Memorize cada segundo, Nora. Porque essa é a primeira vez que
faremos amor. A primeira de muitas. Está pronta?
— Sempre estive pronta para você, Lucas.
— Não feche os olhos, quero te olhar o tempo todo.
Dando-lhe um beijo rápido nos lábios, Lucas encaixou seu membro na
entrada de Nora, começando a penetrá-la devagar, para que ela se acostumasse
com o seu tamanho e pudesse apreciar cada segundo. Suas mãos entrelaçaram as
dela e os olhares se encontraram, o sorriso nos lábios e a cumplicidade recíproca.
— Eu te amo, Nora.
— Pode vir, Lucas. Eu não vou quebrar.
Ele anuiu, penetrando-a até que seu membro estivesse completamente
dentro dela. Os dois gemeram, juntos, sentindo a conexão de corpos e almas tão
intensamente.
— Eu te amo, Lucas. Você pode continuar, agora.
Ele riu.
— Sem pressa, bruxinha...
Ser preenchida novamente por Lucas, de maneira delicada e lenta, deu a
Nora uma nova perspectiva sobre sexo. Estavam fazendo amor e a sincronização
dos movimentos de seus corpos era sublime. Aos poucos, Lucas acelerou o
ritmo, mas jamais deixou de olhá-la, beijá-la, acariciá-la. Seu coração se inundou
de amor, sentiu-se preenchida e completa. Nada mais lhe faltava. Com Lucas ao
seu lado, Nora sentia-se realizada. A felicidade finalmente havia se estabelecido
em sua vida.
Ao atingir o orgasmo novamente, a garota gemeu o nome de Lucas e ele
encostou sua testa na dela, continuando as estocadas ritmadas até atingir sua
própria libertação. Exaustos e saciados, permaneceram abraçados até Lucas se
retirar de dentro dela.
— Preciso jogar a camisinha fora. — Beijou a testa dela e em seguida
levantou, indo para o banheiro.
Nora observou cada detalhe do corpo de Lucas, que caminhou pela casa,
nu. Quando retornou, ela não pôde deixar de olhar seu membro, semiereto.
Por que tanta perfeição em um único ser humano?
— Vai embora? — perguntou, sentindo-se decepcionada ao vê-lo vestir a
cueca e em seguida pegar sua calça de moletom.
— Pode apostar que não, só estou me vestindo. Não posso me deitar ao
seu lado, sem nenhuma roupa. Você pode se assustar com a inconveniência do
Lucão aqui embaixo.
— Oh...
— Pegue. — Entregou a ela suas roupas. — É melhor você se vestir
também.
Nora se levantou e vestiu suas roupas. Já vestidos, estavam de frente um
para o outro, ao lado da cama de solteiro. Lucas a puxou para um abraço e beijou
o topo de sua cabeça, Nora envolveu os braços em torno de sua cintura
apertando-o contra si.
— Vai dar tudo certo, Nora. Confia em mim.
— Eu sei, Lucas. Eu confio em você.


São duas horas da tarde e passei a manhã inteira nessa cama, no mesmo
motel de antes, desfrutando dos momentos mais incríveis com Bárbara. Há algo
nela que me vicia de uma maneira inexplicável, e não se trata apenas de sexo,
que também é excelente. Essa patricinha é muito mais do que imaginei. Ela é
inteligente, astuta e desafiadora. Linda, bem-humorada e muito carinhosa. É
difícil se manter impassível diante dela, depois de certo tempo de convivência.
Meu Deus, estou me deixando levar... Não posso me apaixonar por ela,
por ninguém.
Onde eu estava com a cabeça quando aceitei passar um dia inteiro em sua
companhia? Mesmo transtornado com a volta de Adelina, sei que não deveria
usar Bárbara como uma válvula de escape, além disso, há algo errado com
minha filha e não conversei com Nora ainda, para saber do que se trata. Mesmo
que seja um coração partido, como disse Babi, eu quero que minha filha tenha
confiança em mim para me contar o que lhe aflige. Olho para Bárbara, que
dorme profundamente. Estou tão exausto quanto ela, mas algo me mantém
acordado. Uma inquietação, não sei explicar, é como se fosse um sexto sentido.
— Tão linda, você...
Quando acordei na madrugada e vi que Bárbara não estava ao meu lado
na cama, sabia que não poderia dizer nada. Mas eu queria ter conversado nesta
manhã, sobre o porquê de ela ter ido embora e o que fazia na mansão Marinho,
tão cedo. Não quero lhe exigir nada e acreditei quando disse que não estava se
envolvendo com mais ninguém, além de mim. Mas isso me intriga e não consigo
evitar. Somado ao fato de ela aparecer em minha casa, para falar com Nora,
tendo a certeza de que minha filha a receberia tão cedo. Algo está fugindo aos
meus olhos e isso me deixa tenso.
— O que você está me escondendo, patricinha?
E ainda tem Adelina. Preciso conversar sobre a volta dela, com Nora.
Levanto-me sorrateiramente e começo a vestir minhas roupas. Por mais que seja
tentador passar o resto do domingo em uma cama, com Bárbara, preciso seguir
meu coração. Tenho que me afastar um pouco para não demonstrar afeto demais,
estamos juntos de uma maneira descompromissada e é assim que pretendo
continuar. Não quero fazer perguntas que possam demonstrar ciúmes, também
não quero demonstrar que estou cada vez mais afetado por ela. Então, o melhor
que tenho a fazer no momento é ir embora e deixá-la dormindo, exatamente
como fez comigo mais cedo. Não é nenhum revide ou vingança. É apenas uma
saída de emergência. Deixo dinheiro para pagar a diária do quarto, em cima do
criado-mudo, e rabisco um bilhete apressado:
“Preciso ir. Nos vemos outro dia. Beijos. ”
São quase três horas da tarde quando eu estaciono a caminhonete no
pátio da mansão Marinho. Caminho até minha casa e estranho ao ver tudo
fechado. Nesse horário, Nora já teria aberto as janelas para arejar. Entro na sala
e não a vejo.
Ela disse que estava com cólica, dever estar dormindo.
A porta do quarto está fechada, mas ela não tem o hábito de trancar. Dou
uma batidinha de leve, para avisar minha entrada e abro a porta apenas o
suficiente para espiá-la.
— Oh meu Deus! — Não consigo acreditar no que estou vendo. — Que
merda é essa?
Escancaro a porta com força e vou com fúria em direção a cama de
minha filha.
Lucas me encara perplexo, vejo pânico em seus olhos, Nora está tão
assustada quanto ele. Estavam deitados, abraçados com uma intimidade que
jamais imaginei ser possível. O que esse mulherengo filho da mãe, pensa que
está fazendo no quarto da minha filha?
— Vamos conversar, Bento — diz Lucas, levantando-se e erguendo as
mãos para cima, como se fosse um bandido pego no ato do crime.
Não consigo conter minha raiva, aproximo-me rapidamente e seguro o
tecido de sua regata, tentando imobilizá-lo.
— O que fez com a minha filha? — grito, sem conseguir me conter. —
Que porra deu na sua cabeça para seduzir uma adolescente? Seu fodido de
merda!
A regata fina me impede de segurá-lo com mais força. Prendo minha mão
direita em volta de seu pescoço e o aperto. Eu não vou matá-lo, embora minha
cólera seja assassina.
Como ele teve coragem? Meu Deus, ela é só uma menina.
— Pai, por favor! Pare com isso.
O desespero no pedido de Nora me faz tirar os olhos de cima do traste de
homem e encará-la com demasiada surpresa. Ela o está defendendo?
— Não se meta Nora, isso é assunto entre eu e esse marmanjo aqui!
Tento manter a calma para não ser agressivo com ela, mas a adrenalina
percorre meu corpo e estou me segurando para não socar a cara desse imbecil.
— Me solte, cara. Vamos conversar numa boa.
— Numa boa? Está pensando que eu sou moleque, Lucas? Minha filha
tem dezessete anos, como você quer que eu reaja vendo um mulherengo, onze
anos mais velho, deitado na cama dela?!
— Pai, por favor, você está me assustando. Solte ele!
Fecho os olhos, com raiva.
Meu Deus, isso não pode estar acontecendo...
— Vá para a sala, Nora. Agora — mando.
— Pai...
— Eu disse vá para a sala, filha. Agora.
A angustia nos olhos de Nora, deixou-me péssimo. Eu não queria que ela
presenciasse algo que fugisse do meu controle. Estou muito decepcionado com
ela, pois era evidente que Nora gostava mesmo de Lucas. Mas eu o conheço há
anos e sei que ele não tem compromisso nenhum com mulheres, não as leva a
sério.
— Vai Nora, obedeça seu pai.
Observei minha filha sair do quarto e fechar a porta atrás de si. Soltei
Lucas, empurrando-o com força para trás, ele se desequilibrou, mas logo se
recompôs. Meu olhar se desviou para a cama de solteiro, onde os lençóis
emaranhados me fizeram sentir uma raiva ainda maior.
— Até onde você levou essa brincadeira, Lucas?
— Bento, eu amo a sua filha.
— Você não ama ninguém! — grito. — Não posso te acusar de ter
abusado da Nora, porque vejo nos olhos dela o quanto está apaixonada. Jamais
pensei que você fosse tão inescrupuloso, a ponto de seduzir uma criança.
— A Nora não é uma criança, Bento. Porra! Você ouviu o que eu disse?
Eu amo a sua filha! Amo de verdade, entendeu?
— Ama? Até quando? Até ela te dar o que você quer? Não pense que irá
brincar com os sentimentos da minha filha, seu marmanjo folgado. Eu não
permito que se aproxime de Nora, novamente. Você me entendeu?
Tento não gritar para não assustar a Nora. Foda-se que Lucas seja meu
patrão, para o diabo com essa merda toda. O que ele fez destruiu todo o respeito
que eu tinha...
— Você não pode me pedir isso, droga! — Lucas começa a andar de um
lado para o outro. Parece nervoso. — Meu pai queria me mandar para a
Alemanha e eu não fui, não posso ficar longe dela. Quero que você permita o
nosso namoro, minhas intenções com Nora são as melhores. Eu juro, Bento. Por
tudo que é mais sagrado, eu juro que amo a sua filha, porra!
Não consigo acreditar como ele pode ser tão cara de pau para insistir que
eu aceite esse despautério.
— Não vou permitir que minha filha se torne o seu brinquedinho favorito
do momento. Que Deus me perdoe, Lucas Marinho. Mas se você tocar nela de
novo, eu juro que mato você.
— Bento, não fala isso...
— Nora vai para longe daqui, e eu só não peço demissão porque vou ter
que trabalhar como um condenado para mantê-la. Mas aqui ela não fica.
— Eu caso com ela! — Segura-me pelos ombros, apertando-me. Fito
seus olhos e o desespero que vejo neles, com a possibilidade de eu mandar Nora
para longe, isso me assusta. Ele parece consternado de verdade. — Eu caso, só
não afaste ela de mim.
Empurro ele para não o agredir ainda mais.
— Vai ficar longe dela! Ouviu o que eu disse? — grito, descontrolando-
me.
— Ah, eu não vou mesmo. Ela é minha.
Não consigo conter minha raiva e parto para cima dele. Dou-lhe um soco
de dianteira sem mirar, atingindo-lhe a têmpora. Lucas tenta se defender,
segurando minhas duas mãos.
— Pelo amor de Deus! Parem com isso!
A voz de Bárbara reverbera pelo quarto, deixando-me sem ação por
alguns segundos, o suficiente para que Lucas consiga de afastar de mim.
Subitamente, assimilo a realidade: A patricinha sabe de tudo. Ela já sabia e não
me contou nada, pelo contrário, fez com que eu permanecesse fora de casa para
que Nora ficasse sozinha.
— Você sabia...
Bárbara muda sua postura de pronta para o ataque, para pronta para fugir.
Seu olhar desafiador dá lugar ao culpado e é nesse momento que eu constato a
verdade: Sim, ela realmente sabia.
— Mentirosa.
— Bento... — Sua voz falha, termina de lhe denunciar.
— Como teve coragem de me esconder uma coisa dessas, Bárbara? Você
foi noiva dele, sabe como Lucas trata as mulheres, como se fossem descartáveis!
— Não fale assim com ela, Bento! — bradou Lucas.
— Cale a boca, Lucas! Você já pode ir embora, meu recado está dado.
Mas não pense que ficará assim, ainda hoje falarei com o seu pai. — Olho para
Bárbara. — Você pode ir embora também.
— Esfrie a cabeça, homem. Esse assunto não morre aqui, eu amo a Nora
e você terá que aceitar isso.
— Nunca!
— É o que vamos ver...
Tento me aproximar dele, novamente, disposto a dar uma lição que ele
jamais esquecerá. Mas Lucas é mais rápido e sai do quarto. Bárbara me segura e
só não a empurro porque eu jamais machucaria uma mulher, por mais que eu a
odiasse neste momento.
— Vá embora, preciso ter uma conversa séria com Nora.
— Bento, eu não era a pessoa certa para contar sobre eles... não tinha o
direito de interferir.
— Não tinha o direito de interferir? E o convite para passar o dia fora, foi
o quê? Com certeza não foi só pelo sexo, você estava dando cobertura para eles.
Meu Deus! Como pude ser tão burro?
Passo as mãos pelo cabelo, em um gesto de frustração.
— Bárbara, eu me precipitei. Essa coisa entre nós, acaba agora. Não
confio mais em você.
A surpresa e tristeza em seu rosto é evidente.
— Não faz isso...
— Saia daqui.
Ela me encara, está engolindo o choro, é perceptível. Meu Deus, essa
expressão tristonha me mata por dentro. Mas é o certo a fazer. Mais cedo ou
mais tarde a gente ia se encrencar. Quanto antes terminar, mais fácil de superar.
— Tudo bem, eu vou. Mas pense bem no que irá fazer. Lucas ama Nora,
como nunca amou ninguém. E ela também o ama. Você não pode afastá-los só
porque acha que sabe o que é melhor para ela.
— Ele é onze anos mais velho. E o que ela sabe da vida? É apenas uma
menina.
Ela se aproxima e toca meu rosto. Fecho os olhos, para não sucumbir ao
desejo desesperado de beijá-la.
— Você tem quantos anos, Bento Sampaio?
— Trinta e Seis.
Ela anui, pensativamente.
— Sabe quantos anos eu tenho? — Pergunta.
Está aí uma das coisas que eu não sei sobre ela.
— O que isso importa, agora?
— Eu tenho vinte e seis anos, Bento Sampaio. Dez a menos que você. Já
pensou se nos conhecêssemos antes, há uma década atrás? Seria muito
semelhante a Nora e Lucas, agora.
Engulo em seco.
Droga! Como eu nunca me perguntei sobre a idade de Bárbara?
— É diferente. — Argumento, mantendo minha voz ríspida.
— Sim, é diferente. Nos conhecemos tarde demais, e antes disso
sofremos decepções com as pessoas que acreditávamos amar. Lucas ama sua
filha, e ela sente o mesmo. Talvez seja cedo demais, por ela ainda ser menor de
idade, mas, isso também poderia acontecer no futuro. Lucas teria trinta e seis
anos e alguns relacionamentos fracassados. Nora teria vinte e sete e seria uma
professora ou secretária executiva. E então, um belo dia, eles se esbarrariam e se
apaixonariam. Porque tinha que acontecer.
— Logo ele se encantará por outra. Nora é apenas uma novidade.
Ela se afasta e caminha até a porta do quarto.
— Ah, Bento Sampaio. Você se acha tão vivido, não é? Mas o que sabe
sobre o amor? Não sabe nada, ou perceberia apenas de olhar para aqueles dois.
Eu sinto muito ter escondido o fato, por algumas horas, pois descobri há pouco
tempo. Sobre omissão, espero que não cometa o mesmo erro que eu. Converse
com Nora, sobre o assunto pendente, de hoje cedo. Não espere que ela descubra
por conta própria, ela pode odiar você, como você está me odiando agora.
Adeus, jardineiro.
Suas palavras se aprofundam em minha mente e coração, com uma força
avassaladora. Quando consigo assimilar cada uma delas, é tarde demais. Bárbara
foi embora.
— Meu Deus... O que eu faço agora?


Quando peguei no sono, senti os braços de Bento me abraçando com
carinho. Deixei-me levar pela exaustão e dormi demais. Um grande erro. Ao
acordar e me dar conta de que estava sozinha no motel, meu coração sentiu a
apreensão de imediato, como se algo muito ruim estivesse prestes a acontecer.
— Oh, meu Deus!
A primeira coisa que veio à minha mente, foi que Lucas e Nora pudessem
estar juntos e Bento descobriria tudo da pior maneira possível. Quando
finalmente cheguei a mansão Marinho, caminhei às pressas para a casa de Bento.
Ouvi os gritos assim que coloquei meus pés na área da casa e sem pensar em
bater na porta, entrei sem ser convidada. Encontrei Nora na sala, aos prantos,
mas não consegui lhe dizer nenhuma palavra de conforto. Corri para o seu quarto
e me ocupei de apartar uma briga entre Bento e Lucas.
Seu olhar de decepção quando descobriu sobre eu já saber da verdade, foi
algo que nunca tinha presenciado em Bento. Ele realmente estava muito
chateado comigo, realmente me odiando. Machucou-me profundamente ser o
alvo de tanto desprezo, mas era compreensível até certo ponto, ele estava muito
surpreso por flagrar o filho de seus patrões com sua filha.
Tentei conversar, me defender, mas ele estava convicto em suas crenças.
Não adiantava persistir com uma pessoa de cabeça quente, seria ainda mais
desgastante e talvez eu ouvisse ainda mais coisas que preferiria nunca ter
ouvido. Aquele turrão sabia ser muito duro com as palavras.
Mesmo que esteja doendo em mim, virei-lhe as costas. Nós tínhamos
acabado de dar um passo importante em nossa relação, eu tinha esperanças de
progredir e aos poucos fazê-lo romper suas barreiras de autodefesa sentimental.
Mas tudo havia ido por água abaixo.
Eu sou Bárbara Lanco de Castro. Corro atrás do que quero e luto por
meus ideais. Mas sei que para tudo existe um limite. Para Bento, eu rompi a
confiança que ele depositou em mim, desmerecendo a chance que havia me
dado. Então tudo bem, irei respeitar o seu desejo. Fui até onde eu poderia ir. Mas
não ultrapassarei o limite.
Definitivamente, a história entre Bento Sampaio e eu, chegou ao fim
antes mesmo de começar.
Saio sem me despedir de Nora, e sem a esperança de Bento correr atrás
de mim. Já o conheço suficientemente bem, para saber que ele jamais virá. E é
por isso que eu desisto de insistir nessa história.
Estávamos fadados ao fracasso.
— Você está bem?
Assim que chego ao jardim, destravo o alarme do meu carro e me
sobressalto ao ouvir a voz de Lucas. Ele se aproxima e reparo os olhos
vermelhos. Alguém andou enxugando lágrimas recentes.
— Vou ficar — garanto, tentando soar convincente. — E você? O que
pretende fazer agora?
Seu suspiro exasperado demonstra sua alma em conflito interno.
— Ele disse que irá mandá-la para longe. Não posso permitir. Vou falar
com meu pai, primeiro. Depois vou tentar conversar com Bento, mais uma vez.
— Não meta os pés pelas mãos, Luquinhas.
Seu olhar desviou-se do meu.
— Eu sei. Só não está sendo fácil, lidar com tudo isso.
Sorrio para ele e me aproximo para abraçá-lo.
— Perdão por não ter avisado sobre a volta de Bento. Acabei dormindo
demais...
Lucas se afasta do abraço e me fita com preocupação.
— Como ficou vocês dois?
Nego com a cabeça e abro a porta do meu New Beetle, preparando-me
para ir embora.
— Não ficou. Mas tudo bem, eu supero. Bento Sampaio é cabeça dura
demais.
— Sinto muito Babi, a culpa foi minha, envolvi você no meu problema...
— Lucas! A culpa é minha. Bento é um homem cheio de fantasmas do
passado. Eu me meti aonde não fui chamada, aprendi a lição. Agora você,
querido, ama essa garota. Então faça o que for preciso para baixar a crista
daquele homem, e fazê-lo enxergar que está cometendo um equívoco, separando
Nora de você. Lute por ela, Lucas.
— Eu lutarei. Nem que para isso eu precise levá-la embora daqui.
Sorrio. Lucas é intenso demais quando se trata de Nora.
— Não vá sequestrar a garota, por favor.
Ele pisca e abre um sorriso maroto.
— Boa ideia, Babi. Obrigado!
Entro no carro e não continuo dando asas para sua imaginação. Conheço
Lucas, sei que ele não faria algo tão imprudente como roubar Nora, ou algo
semelhante. Apesar de ser imaturo e irresponsável em algumas ocasiões, Lucas
Marinho tem um limite.
— Amanhã eu volto, levarei Nora ao médico. Qualquer mudança de
cenário, nessa história maluca, você me ligue. Tudo bem?
— Pode deixar, Babi. E mais uma vez, muito obrigado.
Dou de ombros.
— Agora é você quem me deve uns favores.
Pego a estrada e tento me manter firme. Não quero me permitir
desmoronar por causa de um homem turrão que não está disposto a se dar uma
chance de ser feliz.
— Eu vou ser feliz, jardineiro, e bem longe de você e seus problemas.
Cansei!



Ouvir meu pai e Lucas discutindo, sem poder fazer nada para apaziguar a
situação, deixou-me com a sensação de impotência. Não foi assim que eu
imaginei que seria, o momento em que finalmente meu pai saberia sobre Lucas e
eu. Agora, enquanto permaneço estática no centro da sala de estar, chorando
feito uma menininha boba, os dois homens da minha vida estão discutindo em
um tom nada amigável.
Eu seria ingênua demais se pensasse que meu pai aceitaria de primeira o
meu envolvimento com Lucas. Sei que ele tem um passado não muito louvável,
no que se trata de relacionamentos, mas eu conheci um Lucas diferente e
gostaria muito que meu pai desse uma chance a ele, assim como eu dei. O que
deveria ser o dia mais feliz da minha vida, novamente se torna um pesadelo.
Começo a acreditar que talvez eu não mereça tamanha felicidade. Que tudo não
passa de uma lição que a vida está me dando, para que eu amadureça e aprenda a
ser mais forte.
— Nora vai para longe daqui, e eu só não peço demissão porque vou ter
que trabalhar como um condenado para mantê-la. Mas aqui ela não fica.
Eu não quero ir embora! Meu pai quer me deixar, novamente? Ele não
pode ser tão arredio comigo porque me apaixonei. Isso não é justo.
— Eu caso com ela! Eu caso, só não afaste ela de mim.
Oh, Lucas! O que você está dizendo?
— Vai ficar longe dela! Ouviu o que eu disse? — Meu pai grita.
Nunca o vi tão alterado, estou realmente com medo do que pode
acontecer naquele quarto. Lucas é o patrão do meu pai, mesmo que seu
envolvimento comigo o tenha deixado furioso, meu pai deveria pensar um pouco
antes de agir. Lucas e eu não estávamos fazendo nada quando ele chegou, apenas
dormindo. E se meu pai tivesse chegado antes e interrompido nosso momento,
por mais vergonhoso que seria para mim, teria que admitir que eu era tão
culpada quanto Lucas. Não fui forçada a nada, eu queria e faria tudo de novo.
— Ah, eu não vou mesmo. Ela é minha.
Lucas está tão convicto do que quer e isso me deixa feliz, apesar de
temerosa. Eu não queria que eles brigassem. Mas já tomei minha decisão e farei
o que for preciso para viver minha própria história. Eu amo meu pai, mas
também amo Lucas e com ele aprendi a ser uma mulher, aprendi a ver a vida
com outros olhos e não pode ser errado amar alguém como eu o amo. Meu pai
terá que entender e respeitar minha escolha.
Ouço um barulho estridente e começo a chorar. Eles estão brigando?
Tão rapidamente me dou conta do que está acontecendo, a porta da sala
se abre e Bárbara invade a casa, correndo para o meu quarto. Estou em choque,
não consigo sair do lugar.
— Pelo amor de Deus! Parem com isso!
Não consigo compreender o que acontece a seguir. Meu pai parece estar
chateado com Bárbara, as vozes ainda estão alteradas e Lucas sai pela porta,
exasperado. Ele me olha com um desespero que me aterroriza, sem conseguir me
conter, o abraço com toda a minha força e sou amparada por seus braços
protetores.
— Vai dar tudo certo, bruxinha. Ele não vai te tirar de mim — Sussurra
em meu ouvido.
— Eu não vou embora, Lucas. Não quero ir.
Lucas se afasta e levanta meu rosto, para fitá-lo nos olhos.
— Deixe seu pai esfriar a cabeça e eu volto para falar com ele.
— Tudo bem.
Segurando meu rosto entre suas mãos, Lucas me beija rapidamente.
— Eu te amo, Nora.
— Também te amo, Lucas.
Assim que ele vai embora, seco minhas lágrimas e reúno minhas forças.
Preciso ser corajosa, tenho que falar com meu pai e fazê-lo entender que sou
responsável por minhas escolhas, e escolho Lucas. Ando até o banheiro e lavo
meu rosto, pego um elástico dentro do armário de parede e prendo meu cabelo
em um rabo de cavalo, escovo meus dentes e volto para a sala, no momento em
que Bárbara sai do meu quarto, sem dizer nada, e vai embora. Respiro fundo e
me preparo para enfrentar meu pai. Sento-me no sofá da sala e fico encarando a
porta do meu quarto, aguardando ele sair.
Por favor, Deus, me dê forças.
Papai sai do quarto e me encara, a expressão do seu rosto não me diz
nada. Não consigo decifrá-lo e isso é muito ruim, pois não faço ideia de como
começarei a me explicar.
— Arrume suas coisas, vou te levar para ficar alguns dias com sua tia —
diz, com a voz calma e totalmente sem emoção.
Nego com a cabeça.
— Eu não vou — digo, tentando não falhar minha voz.
Meu pai me encara surpreso, espantado. Acho que ele não esperava que
eu fosse contra um pedido seu.
— Filha, uma vez eu disse que se fosse preciso, tomaria a decisão que
achasse melhor para você. Te dei liberdade demais, acreditei que saberia
discernir as coisas, mas veja o que aconteceu?
— Eu me apaixonei, esse tipo de coisa não se escolhe.
— Você não entende. Lucas não é a pessoa certa para você. Está se
aproveitando da sua ingenuidade.
Levanto-me e tento me manter firme para defender o que acredito.
— Lucas me ama, pai. Eu sei que ele tem um passado duvidoso, mas
provou o quanto mudou por minha causa, merece meu voto de confiança e o seu
também.
— Está cega, filha. Ele te envolveu.
— Não sou mais criança pai, sei dos meus sentimentos.
— Você é tão jovem, está vivendo o primeiro amor pela primeira vez,
mas haverá outras oportunidades.
— Eu amo o Lucas, pai. E não acredito que amarei outra pessoa, mais do
que o amo. Quero a oportunidade de viver essa história.
— Não posso permitir. Você escondeu de mim, trouxe ele para o seu
quarto enquanto eu estava fora. O quanto você mentiu para mim, filha?
A mágoa em sua voz era palpável, senti-me a pior das filhas por não ter
lhe revelado antes.
— Não menti, pai. Foi acontecendo aos poucos e não tive a chance de
conversar com o senhor, Lucas veio aqui hoje justamente para conversar sobre
isso.
— E acabaram pegando no sono? — Papai senta na mesa de centro e
passa as mãos pelo rosto. Parece cansado.
Sento-me no sofá novamente, evitando fitá-lo nos olhos, sinto-me
envergonhada, não quero falar sobre algo tão íntimo com meu pai. Acho que
esse é o único momento em que sinto falta de uma mãe.
— Pai...
— Nora, eu fui relapso com você em muitas coisas, confesso. Mas não
permitirei que cometa este erro, você é jovem demais, terá muitas oportunidades
na vida. A faculdade, uma carreira, a chance de conhecer um rapaz da sua idade
que poderá fazê-la feliz. Pode ser que hoje você me odeie por podá-la, mas lá na
frente, irá me agradecer por esta intervenção.
— Só peço que dê uma chance a Lucas, ele quer conversar com o senhor.
— Não! — Alterou o tom de voz, descontrolando-se.
Levanto-me.
— Eu não quero me rebelar, pai. Mas não irei embora desta vez. Eu já
não sou uma criança que o senhor pode mandar para longe porque não sabe
como lidar comigo.
Arrependo-me do que digo, assim que termino de falar. Cubro minha
boca com as mãos e sinto seu olhar triste em cima de mim. Sei que o magoei.
— Você não está sendo justa comigo, filha.
— Perdão, pai. Não quis dizer o que disse, mas o senhor também não
está sendo justo com Lucas.
— Sei que é difícil para você compreender, Nora. Mas é para o seu bem.
— Não quero falar com o senhor, agora — digo, indo em direção ao meu
quarto.
— Esse assunto não acabou, Nora.
Olho para trás, fitando-o uma última vez antes de entrar no meu quarto.
— Com certeza, está só começando.
Fecho a porta e viro a chave, trancando-a, escoro-me nela e deixo-me
escorregar no chão, sentando-me sem a menor vontade de sair dali.
— Não posso escolher um dos dois... não é justo.


— Aonde está o papai? — perguntei à mamãe ao encontrá-la na varanda,
lendo um livro.
— O que houve, filho?
Dona Isabella sabe me ler como ninguém.
Passei as mãos pelo cabelo e tentei olhá-la nos olhos, mas não consegui.
— Preciso conversar com o pai, é urgente.
— Lucas, o que está me escondendo? — Levantou-se vindo em minha
direção.
Ah merda, não quero contar sobre Nora. Não enquanto esse assunto
estiver mal resolvido.
— Não posso falar, não ainda.
— Lucas Marinho, eu não admito que esconda algo de mim.
Rio e dou-lhe uma picadela.
— Não pense que sabe tudo sobre mim, mamãe. Eu sou um poço de
mistérios.
Abracei-a, buscando conforto.
— Não adianta disfarçar, sei que tem algo errado. Mas eu espero você me
contar. Só quero que fique bem, meu amor.
— Eu vou ficar, mãe. Não se preocupe. Sabe onde está o papai?
— Na biblioteca.
Beijo-lhe o topo da cabeça e me afasto.
— Obrigado.
Viro-me para ir até meu pai.
— Lucas!
Olho para minha mãe, que me encara aflita.
— Eu te amo, meu bebê.
Sorrio. Ela é sempre tão carinhosa comigo.
— Também te amo, minha rainha.
Caminho apressadamente até a biblioteca, encontro papai concentrado,
lendo alguns papéis. Nem percebe minha presença.
— Pai, precisamos conversar.
Não consigo disfarçar meu desespero. Eu sei que parece patético, um
homem da minha idade estar agindo como um adolescente. Mas porra! Essa
droga de amor é novidade para mim e eu confesso: não sei como agir. Preciso de
ajuda.
Meu pai desvia o olhar dos papéis e me encara, percebendo
imediatamente o quanto estou tenso.
— O que aconteceu, filho?
— Preciso de ajuda. Bento não aceita meu relacionamento com a Nora,
quer mandá-la para longe de mim.
— O quê? Você está louco?
Bufo, tentando controlar minha frustração. Não posso me descontrolar na
frente do meu pai, a última vez que o fiz ele quis me mandar para a Alemanha.
Aliás, ele ainda acha que irei nesta viagem.
— Ele sabe de tudo. Mas não aceita. O que eu faço? — Aproximo-me de
sua mesa, mas não consigo me sentar. Estou hiperativo, querendo uma solução
urgente.
— Lucas, desde quando você está em um relacionamento com essa
menina? — Seu tom áspero não me passou despercebido, ele está puto comigo,
mas tenta se manter calmo. — O que aconteceu com o período de espera? E
como foi que Bento descobriu?
Fecho meus olhos, preparo-me para ouvir sua repreensão.
— Ele nos flagrou no quarto dela e surtou. Tentei me explicar, disse que
a amava e que minhas intenções eram as melhores. Falei até que me casaria com
ela. Mas Bento não me ouve, está irredutível e eu não sei o que fazer...
Começo a andar de um lado para o outro. Meu pai se levanta e imita meu
gesto de nervosismo.
— Será que é tão difícil manter esse pau dentro das calças? A garota é
menor de idade, seu irresponsável!
— Ele não pegou a gente transando, droga! Estávamos vestidos, apenas
caímos no sono.
— Eu disse que ficaria do seu lado, mas pedi que esperasse! Era pedir
demais que reprimisse a libido por uns meses? Pelo amor de Deus Lucas! Você
só complicou as coisas.
Suspiro pesadamente e encaro meu pai.
Ele está certo. Mas o que eu poderia fazer? Não fui forte o bastante para
resistir à Nora. Agora preciso arcar com as consequências. Quero acertar tudo e
ser feliz com a minha garota. É pedir demais?
— Não vou para a Alemanha. Eu simplesmente não consigo ficar longe
dela, muito menos agora que Bento sabe de tudo.
— Ficar longe depois de jogar a merda no ventilador, não terá eficácia
nenhuma, meu filho. Você cometeu um grande erro. Devia ter esperado, agora
Bento está em sua razão e você perdeu a chance de fazer as coisas direito.
— Eu só quero ser feliz com a porra da mulher da minha vida! Por que
isso é tão difícil de aceitar?
— Você está se comportando como um garoto mimado! Eu não te criei
para se comportar desse jeito. Encare os fatos, você errou, agora tem que encarar
as consequências.
— Bento não pode me proibir de ficar com ela. Estamos no século vinte
e um, porra! Ela me ama e também quer ficar comigo.
— Fácil falar filho. Na prática não é assim que funciona. Bento é um
homem fechado, protetor em relação à filha. Você não é exatamente um modelo
de pretendente ideal.
Revirei os olhos.
— Obrigado, pai. Você é meu maior incentivador. — Debocho.
— Seja realista, Lucas. Eu não sou cego, conheço muito bem o filho que
tenho. Semanas atrás você não queria saber de mulher alguma pegando no seu
pé. Agora está vidrado nessa menina, não fala em outra coisa.
— Eu a amo, não existe mais ninguém.
— Nunca pensei que esse dia fosse chegar.
Encaro meu pai e vejo a descrença em seus olhos.
— Mas chegou, pai. Nora é tudo para mim. Por favor, me ajude.
Aguardo enquanto ele fica pensativo, andando de um lado para o outro.
— Falarei com Bento.
Sinto como se o meu coração fosse sair pela boca.
Porra! Eu sei que fui fraco ao não resistir meus impulsos e tomá-la para
mim. Não consegui cumprir meu acordo com papai e a Alemanha está fora de
cogitação, principalmente com a possibilidade de Nora estar esperando um filho
meu. Eu sei que soa egoísta, mas uma parte de mim secretamente deseja que ela
esteja grávida, pois, se isso acontecer, não haverá impedimentos para ficarmos
juntos. Eu amo e não tenho receio de assumi-la perante todos, na verdade é o que
mais quero. Se for preciso, caso-me com ela para reparar o mal que fiz. Bento é
um homem tradicional e sei que deseja o melhor para sua filha, tem medo de que
Nora passe por algo semelhante ao que ele passou e é totalmente compreensível
o seu instinto paterno e protetor. Mas, Nora não é uma criança, ela é dona de
suas vontades e corresponde aos meus sentimentos. Ele tem que esfriar a cabeça
e respeitar a escolha da filha.
Meu pai está quieto, me observando.
Decido soltar a bomba e me preparar para ouvir mais reprimendas.
— Ela pode estar grávida — digo, sem encará-lo.
— O que você fez? — Seu grito ecoa pela biblioteca.
Sorrio nervosamente.
— Ah, pai. Você sabe exatamente como as mulheres engravidam. E Nora
não fez uma inseminação artificial.
Tenho certeza que se eu não fosse tão alto e mais forte que ele, e tivesse
uns dez anos a menos, meu pai estaria em cima de mim agora, me estapeando.
— Pelo amor de Deus! Não estou te reconhecendo, homem! Desde
quando você tem “titica de galinha”, no lugar de um cérebro?
— É eu sei, fui um estúpido. Mas não tem como voltar atrás. Ela tomou a
pílula, mas pode ser que não faça efeito. Estou pronto para o que vier.
Meu pai balança a cabeça, em negativo.
— Fala isso porque é homem. Não pensou na garota? Os sonhos de uma
faculdade, uma carreira? Nora tem ambições, é uma menina esforçada. Uma
gravidez adiaria tudo isso. Por Deus Lucas, não faça mais nenhuma besteira até
que eu converse com Bento ou juro que lavo minhas mãos.
— Tudo bem.
— Vá para o flat. Durma lá esta noite e amanhã conversamos. Falarei
com Bento ainda hoje.
Sinto-me mais calmo. Ter o apoio de meu pai, mesmo após seus puxões
de orelha, é algo reconfortante. Não saberia quais decisões tomar sem ele para
me aconselhar. Aproximo-me dele e o puxo para um abraço, emociono-me ao
senti-lo retribuir. Apesar de estar chateado com minhas atitudes, meu pai está
sempre comigo.
— Tome juízo, Lucas. Essa menina merece um homem de bem.
— Eu sei, pai. Eu sei.


Passo o restante da tarde com minha mãe. Ela mandou preparar um
banquete para o café da tarde, com tortas e doces variados. Procurei ser o mais
atencioso possível com ela, revelei que não iria mais para a Alemanha e lhe
acalmei, dizendo que em breve contaria a ela o que estava acontecendo em
minha vida. Eu sei que se contar agora, ela irá interferir e meu pai ficará ainda
mais puto comigo. Dona Isabella tem uma tenacidade irritante e ao mesmo
tempo admirável.
Está escurecendo e decido não ir tarde para o flat, até porque meu pai
enrolou a tarde inteira e não foi falar com Bento, tenho quase certeza que é
porque esperava o homem aparecer na mansão, o que graças aos céus não
aconteceu. Minha mãe teria um ataque de nervos se presenciasse qualquer
desavença entre Bento e eu.
Tomo um banho e me visto, com pressa. Arrumo uma valise com mudas
de roupas, para alguns dias. Talvez seja melhor passar a semana fora, até que
tudo se resolva. De qualquer maneira, verei Nora na oficina. Pego meu celular e
digito uma mensagem para ela:
Lucas >>> Estou indo para o flat, meu pai irá conversar com o seu. Em
breve tudo se resolverá. Te amo bruxinha.
Cliquei em enviar e fechei a valise, procurei a chave do carro e preparei-
me para sair. Senti meu celular vibrar no bolso da calça, verifiquei o visor e
sorri. Era uma mensagem de Nora.
Nora >>> Espero que seu pai consiga algum avanço. Eu também te amo.
Guardo o celular e saio. Despeço-me de minha mãe e recebo um abraço
apertado.
— Cuide-se, meu amor.
— Mãe, estou indo para a cidade vizinha. Não para a Alemanha.
— Cuide-se, mesmo assim, oras!
— Eu te ligo assim que chegar, dona Isabella.
A vontade de ir até a casa de Bento e tentar uma última conversa, é
grande. Mas decido não meter os pés pelas mãos. Ao menos desta vez irei fazer
o que meu pai pediu. Entro no Porsche e saio da propriedade de minha família.
Ao acessar a rodovia intermunicipal, acelero o Porsche para desfrutar da
velocidade. Sempre amei carros velozes, embora a adrenalina percorra meu
corpo enquanto piloto, a sensação que tenho é de paz e liberdade. Estabilizo ao
atingir cento e vinte quilômetros por hora e mantenho-me atento ao trânsito. Está
escuro, não há carros na pista contrária e ultrapasso os poucos que surgem à
minha frente durante o trajeto. No rádio, a voz de Nelly, cantando Just A Dream,
me faz pensar em Nora.
— Vai dar tudo certo, Nora. Confie em mim.
— Eu sei, Lucas. Eu confio em você.
Quando estou dirigindo, cara, eu juro
Eu vejo o rosto dela a cada curva
Tento acabar com o meu disfarce, posso deixar queimar
E espero que ela perceba
Que ela é a única que eu desejo
Eu sinto falta dela, quando é que vou aprender?
A luz de meu celular acende no banco do carona. Eu deveria saber que
não é boa ideia me distrair enquanto dirijo, mas ler o nome de Nora no visor, em
uma ligação, é o suficiente para me desestabilizar. Estico o braço para pegar o
iPhone e uma luz forte cega-me os olhos, em um ato de reflexo giro o volante
para a direita, tentando desviar para o acostamento, mas não consigo impedir o
impacto.


Nora não conseguiu dormir naquela noite, a insônia furtou-lhe a
tranquilidade e a inquietude tornou-se sua companheira durante a madrugada.
Levantou-se pouco antes do sol nascer, sentindo-se estranhamente ansiosa. Iria
ao médico ginecologista, Bárbara a levaria e depois a deixaria na oficina. E só
então veria Lucas.
Tentara ligar para ele na noite anterior, sentindo-se melancólica por seu
pai estar dificultando o relacionamento dos dois. Alfredo Marinho tentara
conversar com Bento, mas ele o havia dispensado, com educação e polimento.
Respeitava o patrão e pediu-lhe que soubesse separar as situações, pois como o
pai de Nora, e não como um funcionário, ele se recusava a conversar sobre o
ocorrido naquela tarde. Justificou estar de cabeça quente e, portanto, não seria o
momento propício para um diálogo.
A menina tentara mais uma vez conversar com o pai, mas não imaginou
que Bento seria tão cabeça dura.
— No futuro, irá me agradecer por ter impedido a burrada que estava
prestes a cometer — disse ele.
Mal sabia que ela já havia cometido tal “burrada”. Mentiu sobre a
virgindade, provocou e seduziu Lucas até que ele não pudesse mais resistir. Foi
descuidada e sequer lembrou-se de exigir o uso da camisinha e a dúvida sobre
uma gravidez indesejada lhe corroía de culpa.
O que faria se estivesse esperando um filho de Lucas?
Ele disse que a apoiaria, que o filho era deles, não apenas dela. Sentia-se
segura em relação a isso, mas não era apenas isso que a preocupava. Estava às
vésperas de completar dezoito anos, em breve ingressaria na faculdade e focaria
nos estudos para construir uma carreira de sucesso, fosse qual fosse a profissão
que escolhesse seguir. Um filho a faria adiar novamente seus sonhos. Seria
amado, certamente, jamais seria como sua mãe. Não abandonaria uma criança
para se colocar em primeiro lugar, porque se fosse confirmado a gravidez, nada
além do bebê seria sua prioridade.
Por isso estava com medo.
Pensou que Lucas retornaria à ligação, mas não aconteceu. Tentou
dormir, mas o sono não lhe privilegiou.
Colocou água para ferver na chaleira, decidida a coar café. Seu pai ainda
dormia. Talvez ao acordar, poderiam ter uma nova conversa. Bento iniciava o
expediente cedo. Levantava-se às seis da manhã e às sete horas já estava
cuidando de suas funções.
Após colocar o café na garrafa térmica, Nora se sentou à mesa e serviu-se
de uma xícara de café preto. Bebericou a bebida e tentou não se preocupar com a
consulta. Ao fim daquela semana sua menstruação desceria e tudo voltaria ao
normal. Iniciaria a pílula anticoncepcional para prevenir-se, e poderia se entregar
a Lucas novamente, quantas vezes quisesse.
Sorriu ao lembrar-se do quão sublime fora a segunda vez que estiveram
juntos. Ele fora tão carinhoso e preocupado, algo que ela jamais pensaria ser
possível, pois Lucas era intenso em tudo e na primeira vez, sua luxúria misturada
à raiva, a mostrou outro lado da sexualidade. Um lado mais selvagem. Gostara
dos dois, não podia negar, de maneiras completamente diferentes, as duas vezes
em que fora a mulher de Lucas Marinho, no sentido da carne, foram especiais.
Ela era dele. E ele era dela.
Ouviu um barulho e virou-se para encarar o pai. Infelizmente, pareciam
dois estranhos. Tudo o que Nora desejava é que pudessem conversar novamente,
ter uma chance de provar a ele que Lucas havia mudado e queriam um futuro
juntos. Ter a bênção de seu pai era imprescindível, mas persistiria até ele lhe dar
uma oportunidade. Desistir de Lucas não era uma opção, isso Nora jamais faria.
— Bom dia, filha.
Bento tomou a iniciativa de cumprimentar Nora, para mostrar que apesar
de decepcionado e chateado com ela, não a ignoraria em sua própria casa. A
quebra de confiança não seria restaurada com facilidade, a filha ainda insistia em
fazê-lo dissuadir da posição que tomara ao se impor contra o relacionamento
dela com o filho dos patrões. Mas, estava firme em suas convicções. Zelava pelo
bem de Nora, sabia que logo a menina perceberia o erro e superaria, seguiria em
frente. Para isso, precisava manter-se leal ao que acreditava, mesmo que para
isso tivesse que ir contra o que prometera ao se tornar pai: Não intervir nas
decisões de sua filha, quando ela se tornasse mulher. Nora poderia cometer seus
erros e aprender com eles, mas para um erro tão grave como aquele, não poderia
simplesmente fechar os olhos e fingir que não viu sua filha escorregar na beirada
de um precipício.
Sim, porque Lucas Marinho era a porra de um precipício.
— Bom dia, pai. Fiz café.
Ele serviu-se e ficaram em silêncio, de frente um para o outro, à mesa.
Ficaram mais de dez minutos assim, pensando em como engatar uma conversa,
mas sem sucesso. De repente, batidas frenéticas na porta da sala fizeram ambos
se sobressaltar. Bento encarou a filha, com uma expressão severa.
— Fique aqui.
A menina engoliu em seco, surpresa com a atitude brusca de seu pai.
Observou Bento se levantar e ir às pressas abrir a porta, antes que a pessoa do
lado de fora a arrebentasse.
— Está maluca, por acaso? — bradou ao se deparar com Bárbara.
Ela estava com os olhos inchados, aparentemente, de tanto chorar. Ele
constatou isso por ver que as lágrimas ainda insistiam em cair no canto dos
olhos. A linda mulher que mexia com sua libido e também seu coração, não se
parecia muito com a da manhã anterior. Parecia cansada, além de extremamente
triste.
Bárbara sofria por algo e, presenciar algo assim o feriu. Principalmente
porque existia uma pequena possibilidade de ele ser o culpado. Mas, ela não se
desesperaria por ele, não é? Até porque, ponderou Bento, quem lhe omitiu
verdades foi ela. Ele apenas reagiu como qualquer pessoa que se sentisse
enganada, reagiria. Não gostava de mentiras e omissões, iniciar um
relacionamento, mesmo que este não fosse voltado ao âmbito sentimental,
apenas sexual, com a confiança abalada, era apenas o início do fracasso. Apesar
de se comover ao vê-la assim, Bento não mudou de ideia. E sua estratégia para
afastá-la, como sempre, era ser rude.
— Preciso falar com a Nora, é urgente. — Bárbara ignorou a súbita
vontade de estapear Bento e fazê-lo engolir sua crista de galo. Se ele pensava
que ela iria permitir tratá-la daquele jeito, estava enganado.
Mas havia algo muito mais importante para ser feito. Importante e
extremamente doloroso. Não queria ser portadora de más notícias, mas a família
de Lucas estava envolvida demais em lamentações e desespero, e Alfredo sequer
recordou-se que havia alguém na vida de seu filho, que se preocupava tanto
quanto eles. Alguém que ao perdê-lo, sofreria como se parte de si lhe tivesse
sido tirada.
Não sabia como contar a Nora, mas pedia a Deus que lhe provesse
coragem e discernimento para conduzir a notícia com cuidado.
Também havia outra notícia, mas esta teria que ser passada a Bento, sem
que a garota ouvisse.
— Por que, de um dia para o outro, você decidiu se preocupar tanto com
a minha filha?
Ela o fitou com desprezo, ele não esperava tal reação.
— Eu não estou aqui para discutir com você os motivos pelo qual
considero Nora uma boa garota. Nem o porquê gosto e me preocupo com ela. —
Sua voz saiu dura, exatamente como ela gostaria.
Bento engoliu em seco, sua armadura de indiferença rompendo-se diante
da constatação de que Bárbara não se sentiu nenhum pouco abalada com a
maneira como ele a repudiou. Pelo contrário, era ela quem o estava repudiando.
Estranhamente, a atitude o magoou. Mas tratou logo de esconder esse
sentimento.
— Não será a mulher dos recados — cortou-a. — Se pensa que vou
permitir esse leva e traz, está enganada. Diga a Lucas para deixar de agir como
um adolescente. Isso aqui é mundo real, não uma releitura de Romeu e Julieta!
— Se ele sobreviver, eu digo! Seu imbecil! — gritou Bárbara, esgotando
sua paciência com o jardineiro. — Onde está a Nora?
O espanto na face de Bento não a compadeceu. Irritada, empurrou o
jardineiro com toda sua força e entrou na casa, esbarrando com Nora, que havia
saído correndo ao ouvir o que ela disse.
A garota tinha imenso respeito e obediência ao pai, apesar de nos últimos
dias ter se comportado de maneiras que ele repreenderia, porém, acatou quando
Bento pediu que permanecesse à mesa enquanto ele verificava quem estava
batendo na porta. Acreditou que seria Lucas, mas ouvir a voz de Bárbara
alterada, só a fez ter mais certeza de que algo entre ela e seu pai estava
acontecendo. Porém, o desespero tornou-se incontrolável quando a ex-noiva de
Lucas disse algo sobre sobrevivência.
— Cadê o Lucas, Babi? Ele está bem? — perguntou, deixando que as
lágrimas irrompessem. O corpo trêmulo pressentia algo ruim.
— Nora, querida. Eu sinto muito...
— Não! — gritou, imaginando o pior. As pernas fraquejaram, mas a
garota tentou ser forte e apoiou-se nos ombros de Bárbara, que a amparou.
— Eu queria ter vindo antes, mas não soube há muito tempo. Vim te
buscar.
— Diga logo o que aconteceu, Babi!
Mas Bárbara não conseguia dizer as palavras, era como se ao pronunciá-
las em voz alta, a tragédia se consolidaria.
— Ele sofreu um acidente ontem à noite...
As forças de Nora se esvaíram e a garota se permitiu cair no chão.
— Não! É mentira! — gritou.
Bento assistia a cena, desolado, não sabia o que dizer, ou como agir.
Talvez nem fosse real...
Meu Deus...
— Eu queria que fosse, querida. Mas é verdade.
— Não, não, não, não...
Ver o desespero da menina deixou Bárbara pior do que estava, mas
precisava ser forte e amparar a garota.
— Ele está morrendo, Nora...
— Isso é mentira! Eu não acredito em você! Por que está fazendo isso,
Babi?
Nora preferia acreditar que Bárbara estava sendo cruel e mentindo sobre
algo tão grave. Mas no fundo, sabia que a mulher dizia a verdade. Mas se
recusasse a acreditar, talvez houvesse alguma possibilidade de não ser real.
Lucas não podia morrer. Ele era dela...
Bárbara desatou a chorar tanto quanto Nora. Bento não conseguiu se
manter impassível diante do sofrimento da ex-amante, aproximou-se dela, que
estava sentada no chão, acariciando o cabelo de Nora enquanto a menina se
derramava em lágrimas em seus braços, e abaixando-se, abraçou-a.
Imediatamente, sentiu o corpo de Bárbara se retesar. A patricinha o fitou e ele
teve a certeza de que algo se perdeu.
— Solte-me. Eu não quero que você toque em mim, nunca mais, Bento
Sampaio.
— Babi...
— Meu nome é Bárbara, e eu pedi para você se afastar.
Sentindo a punhalada profunda em seu coração, Bento se afastou tão
rápido quanto teria se afastado de uma cerca elétrica. O choque ao ouvi-la, foi
imensurável. A dor que sentiu, inenarrável. Sem saber como agir, Bento se
sentou no sofá, sentindo-se acuado e completamente sem ação. Observou com
pesar enquanto Bárbara embalava Nora em seus braços, e murmurava “Eu sinto
muito, menina”. Foi impossível controlar as lágrimas, por mais que tentasse ser
forte, Bento estava realmente abalado com a notícia, mas principalmente, com a
reação de sua filha. Lucas estava morrendo e Nora demonstrando toda a
fragilidade que Bento temia presenciar, quando o filho dos patrões a
abandonasse por outra conquista. Não era assim que ele desejava que terminasse.
Por Deus! Quando disse ao homem que o mataria, não estava sendo verdadeiro,
apenas deixou-se dominar pela raiva.
— Vou levá-la ao hospital, para se despedir... — sussurrou Bárbara.
— Ele não vai morrer, Babi! Deus não pode tirá-lo de mim agora...
— Eu sinto tanto...
Bárbara não sabia mais o que dizer para acalmar a dor de Nora, tudo o
que podia fazer era ficar ali, sentada no chão, embalando-a até que a menina
tivesse forças para se levantar e ir ao hospital local, onde Lucas estava internado
na UTI.
Recebera a ligação às onze da noite, de uma amiga enfermeira,
anunciando a tragédia com o ex-noivo, na rodovia intermunipal. O Porsche de
Lucas se chocara contra a Hilux de Daniel. O filho do prefeito e a namorada
foram à óbito no local do acidente. Lucas teve uma parada cardiorrespiratória
durante o trajeto da ambulância para o centro cirúrgico, mas foi reanimado. O
choque ao receber a notícia deixou Bárbara desnorteada, ao encontrar Alfredo e
Isabella no hospital, fora informada de que o filho único do senhor e senhora
Marinho esteve em cirurgia para conter uma hemorragia abdominal. Isabella
precisou ser sedada ao ter uma crise nervosa diante das circunstâncias de seu
filho e Bárbara permaneceu cuidando da ex-sogra para que Alfredo pudesse se
manter firme.
O médico responsável pelo caso de Lucas revelou que o estado dele era
grave e por isso ele foi induzido ao coma, para diminuir a atividade cerebral
devido à um edema que estava causando uma isquemia, que segundo a
explicação do doutor, tratava-se do bloqueio do sangue até uma parte do cérebro.
O inchaço podia deixar sequelas, se ele sobrevivesse, mas, não havia como
afirmar com certeza. A contusão no pulmão, provocou insuficiência respiratória,
fazendo com que Lucas dependesse de aparelhos para respirar.
A fé de Bárbara foi se esvaindo aos poucos assim que a notícia de uma
segunda parada cardiorrespiratória foi anunciada. Ela saiu às pressas do hospital
para ir até a propriedade dos Marinho, buscar Nora. Jamais se perdoaria caso a
menina não tivesse tempo de se despedir. Ao mesmo tempo em que
desacreditava das chances de Lucas, rezava incessantemente para que um
milagre acontecesse.
— Babi! Espere!
Bárbara parou ao ouvir a voz de Eulália, a dona do Alcapone’s.
Provavelmente já sabia o que acontecera com Lucas. Cidade pequena, as notícias
se espalhavam com muita facilidade.
— Eu soube do Lucas, sinto muito. Como ele está?
— Nada bem... — Fechou os olhos e sacudiu a cabeça, tentando afastar a
frase que pensara em dizer.
— Caio está desesperado por notícias, mas não quis preocupar Sabrina,
se ele viesse ela perceberia que algo está errado então me prontifiquei a vir.
Bárbara reparou que Eulália estava bastante abalada, segurando-se para
não chorar. Não sabia que ela era tão próxima de Lucas, para sofrer tão
visivelmente.
— Hoje foi um dia de tantas desgraças... — murmurou a mãe de Sabrina.
— Estou indo para a mansão, vou buscar Nora. Ela ainda não sabe...
Eulália pestanejou.
— Meus Deus! — Eulália cobriu a boca com as mãos, engolindo o
choro. — Eu sempre desconfiei que era ela.
— Sim. — Confessou Bárbara, não vendo motivos para esconder a
verdade.
— Você precisa contar ao Bento, não tenho coragem...
Bárbara amparou Eulália e a orientou para encontrar a senhora Isabella
no hospital. Ficou responsável de ser a portadora de duas notícias. Uma ao pai e
outra a filha.
E ali estava ela.
— Vamos Nora, eu te levo. Seja forte, menina.
Nora fitou Bárbara, ainda inconsolável. Mas precisava levantar daquele
chão e ir até o amor de sua vida.
— Vamos. — Levantou-se com a ajuda de Bárbara.
— Nora, filha...
— A culpa é toda sua! — gritou a garota, fitando o pai com raiva.
Bento deixou que ela o acusasse, pois ele mesmo se sentia culpado.
— Pode levá-la — autorizou Bento. — Cuide dela, por favor.
O olhar suplicante de Bento fez o coração de Bárbara se apertar. Mesmo
magoada com ele e o tratando com indiferença, era inegável que seus
sentimentos por ele eram fortes demais. Vê-lo assim, tão frágil, acabava com ela.
Principalmente depois do que lhe diria.
Nora foi trocar de roupa para ir ao hospital. Enquanto isso, Bárbara
permaneceu de pé e Bento continuou sentado no sofá. Ele estava cabisbaixo e
não havia uma maneira agradável de lhe dar a notícia.
— Tenho que falar com você, podemos ir ali fora um instante?
Bento fitou Bárbara e apesar do clima mórbido, uma esperança se
ascendeu dentro dele. Talvez ela não o odiasse totalmente. Levantou-se e acenou
para que ela fosse na frente. Fechando a porta atrás de si, observou a mulher à
sua frente, de braços cruzados, evitando o contato visual.
— O carro que se chocou com o de Lucas, era do filho do prefeito.
Daniel morreu.
Bento pestanejou. Conhecia o filho do prefeito, mas não eram amigos.
— Uma tragédia... — murmurou, para não ser rude com ela.
— Havia uma mulher no carro com ele, que também não sobreviveu. —
Respirou fundo antes de completar a frase. — Essa mulher, Bento, era a Adelina.
O choque ao ouvir o que Bárbara acabara de lhe dizer, deixou Bento sem
chão.
Bárbara não sentiu nenhum peso saindo de suas costas ao revelar a Bento
o que Eulália não teve coragem de dizer. De início, pensou que a dona do
Alcapone’s estava se referindo ao romance de Lucas e Nora, mas ela não
desconfiava do envolvimento dos dois, desconfiara que Adelina era a mãe de
Nora.
Como Bento contaria para Nora que sua mãe voltou para conhecê-la, mas
morreu no mesmo acidente que Lucas havia sofrido?


Deitada em minha cama, fecho os olhos e rezo para acordar logo desse
pesadelo. Cinco dias se passaram desde o acidente que transformou minha vida
em um completo limbo de tristeza.
Lucas se encontra em estado grave, mas responde positivamente aos
tratamentos. Devido a uma insuficiência renal, já passou por duas sessões de
hemodiálise, com duração de oito horas cada, mas respondeu aos procedimentos
sem complicações. A fratura no fêmur terá que ser corrigida com processo
cirúrgico, mas não é a prioridade no momento. Não teve mais parada
cardiorrespiratória, porém ainda está em coma induzido, pois o inchaço no
cérebro não diminuiu.
Dois dias atrás fui ao hospital vê-lo e fui informada de sua transferência
para um hospital da capital. Todo o traslado foi cercado de cuidados para evitar
complicações, a enfermeira amiga de Bárbara nos atualizou, pois não fomos
avisadas. Babi ficou tão surpresa quanto eu, pois o senhor Alfredo lhe garantiu
que a manteria informada. A senhora Isabella não falava comigo, estava muito
transtornada e passava grande parte do tempo sob efeito de calmantes. O pai de
Lucas me liberou do trabalho na oficina, não foi uma demissão, mas pediu que
eu me mantivesse afastada por um tempo, até que estivesse emocionalmente
estabilizada. Eu só melhoraria quando Lucas acordasse e eu tivesse certeza de
que voltaria para mim.
A convivência com meu pai está abalada. Eu sei que ele não é culpado
pelo acidente de Lucas, mas no momento de raiva e desespero ao receber a
notícia, descontei minha tristeza nele. Papai se sente culpado, mas não consigo
conversar e fazê-lo entender que foi apenas uma circunstância da vida. Está
fechado em sua própria concha, assim como eu.
Quando me contou sobre minha mãe, eu estava tão abalada com o estado
crítico de Lucas que não soube ao certo como reagir diante da notícia que ela
voltou para me conhecer, mas tragicamente foi uma das vítimas no acidente que
envolvia Lucas. Pode parecer insensível de minha parte, mas não a via como
minha mãe. Não a odiava, porém tive outra figura materna em minha vida,
minha tia Laurinha. Adelina sempre foi uma desconhecida para mim, tudo o que
eu sabia sobre ela era seu nome e o fato de que me abandonou logo depois do
meu nascimento, pois não se sentia preparada para ser mãe. Jamais desejaria a
morte para qualquer pessoa, por pior que ela tenha sido com ou para alguém,
mas não consigo imaginar como teria sido um encontro com ela, em vida. Não a
perdoei, seria hipócrita demais eu dizer que o fiz só porque ela morreu. Não fui
ao seu enterro, familiares de segundo grau reclamaram o corpo e ela foi
sepultada na cripta de sua família, com os pais e avós. Estou completamente
adormecida de sentimentos de compaixão, para qualquer pessoa que não seja o
Lucas. Pode ser egoísmo demais, mas sinceramente? Não me importo com mais
nada. Só quero o meu amor de volta.
Não consigo comer, não sinto fome. A insônia tornou-se minha
companheira, tenho praticamente jejuado e feito vigília, focando minhas energias
em orações. Meu pai tem sido atencioso comigo, tentando me fazer comer e
pedindo para que eu me cuide, pois se não o fizer, acabarei adoecendo. Mesmo
que nossa relação esteja distante, eu ainda o amo e ele ainda cuida de mim.
Somos pai e filha e temos um ao outro.
Babi tem sido uma boa amiga, liga para saber como estou, me informa de
qualquer novidade, mesmo que essas sejam praticamente inexistentes. Esses
cinco dias parecem cinco anos. Sinto que estou a ponto de enlouquecer.
Alguém bate na porta do meu quarto, mas não respondo. Quero que
pensem que estou dormindo, não desejo ver ninguém. Se fosse Babi, para me
dizer algo sobre Lucas, já teria entrado no quarto tão logo desse a primeira
batida. Então eu não quero ver ninguém.
Ouço a porta se abrir e alguém se aproxima, sinto quando senta ao meu
lado na cama e abro meus olhos.
É Sabrina.
— Oi querida — sussurra enquanto acaricia meu ombro. — Perdão por
não ter aparecido antes, mas só fiquei sabendo de tudo hoje. — Pude ver as
lágrimas escorrendo em sua face. — Obriguei o Caio a me trazer, depois de bater
nele, por ter me escondido toda essa merda.
Sento-me na cama e a abraço forte. Deixo-me vencer novamente pelas
lágrimas e choramos juntas. Perco a noção de quanto tempo permanecemos
assim, mas é reconfortante ter minha melhor amiga comigo neste momento.
— Ele vai sair dessa, Nora. Eu sei que vai...
Sim, é tudo o que eu mais quero...


Sabrina está no quarto com Nora e sinto-me um pouco mais tranquilo ao
constatar que minha filha aceitou conversar com alguém. A casa está silenciosa
nos últimos dias e tudo o que ouço durante a madrugada é o resmungo dela
enquanto tenta reprimir o choro. Parte meu o coração vê-la tão desolada e sinto-
me impotente por não conseguir acalentá-la e reconfortá-la em seu momento de
lástima. Ela deve me odiar e isso me destrói por dentro. Tudo o que eu mais
queria era ver o sorriso novamente no seu rosto feliz. A menina cheia de sonhos
e perseguidora de seus ideais está irreconhecível desde que soubera do acidente.
Caio está sentado no sofá, aguardando a noiva. Ele parece abatido, mas
tenta se manter forte. Lucas é seu melhor amigo e o angustia não poder estar por
perto. Sabrina está grávida e ele tem se mostrado um homem responsável e
zeloso pela família que se inicia. Lembro-me perfeitamente de como ele era
antes de se comprometer com a filha de Eulália.
Igual a Lucas.
Engulo em seco ao me dar conta da realidade.
Empresários de sucesso, não apenas por serem herdeiros de famílias
ricas, mas por serem bons no que fazem, Lucas e Caio são bastante conhecidos
na região. Gostam de festas e vivem cercados de mulheres. Assumidamente
mulherengos, não se envolvem em relacionamentos sérios. Lucas teve uma
noiva, a quem conheço muito bem, mas após o rompimento com Bárbara, ele
não se comprometeu com mais ninguém. São dois jogadores que não parecem
preocupados em mudar o status de solteiros convictos.
Ao menos era o que eu acreditava. Mas então, ao ver o modo como Caio
age ao lado de Sabrina, percebo que estou errado em duvidar que ele poderia ter
mudado tão rapidamente.
Droga! Eu mesmo mudei muito quando Adelina engravidou.
Mas nem todo homem cria juízo quando se torna pai.
A verdade é que o amor causa essa mudança.
Meu amor por Adelina fez com que eu me comprometesse em estar com
ela. Meu amor por Nora fez com que eu superasse todos os obstáculos que a vida
me impôs, para proporcionar a ela o melhor.
Caio ama Sabrina. Vejo isso em seus olhos, no modo como ele a idolatra
apenas com um sorriso. Eu já senti algo semelhante, talvez não tão intenso
quanto ele, mas sei perfeitamente o que deve estar sentindo. E sim, esse
sentimento é capaz de mudar um homem completamente.
Sento-me ao lado de Caio, que continua sem dizer nada. A lembrança de
minha discussão com Lucas surge em minha mente, sua reação quando eu disse
que mandaria Nora embora, dizendo que se casaria com ela e demonstrando um
desespero que jamais imaginei presenciar, deu-me a certeza do que me recusei a
enxergar.
— Lucas ama minha filha, de verdade. Não é?
Apesar de ser uma pergunta, eu sei que é a constatação de um fato.
— Ele beija o chão que ela pisa. — Respondeu Caio, após instantes de
silêncio sepulcral. — Lucas a ama mais do que poderia imaginar ser possível.
Ouvimos a porta do quarto de Nora se abrir e Sabrina sai, secando os
olhos com a manga de sua blusa. Caio se levanta e vai até ela, os dois se
abraçam e sinto-me um intruso dentro de minha própria casa.
— Por favor, Bento. Não deixe de me ligar, estou preocupada com Nora.
Virei sempre que puder, mas sei que ela não vai tomar a inciativa de me ligar,
conto com você.
— Obrigada por vir Sabrina. Nora gosta muito de você, eu vou ligar, não
se preocupe.
Acompanho os dois até a porta, Sabrina se despede com um aceno e sai
na frente. Caio vai logo atrás, mas para no caminho de repente.
— Não se sinta culpado pelo acidente. Foi uma fatalidade. — Diz. — Se
não fosse Lucas, poderia ser qualquer outro. Segundo a perícia, Daniel estava
com níveis altíssimos de álcool no sangue. A Hilux invadiu a pista contrária bem
perto de uma curva. Lucas sempre amou alta velocidade, mas tinha o péssimo
hábito de se distrair com o celular. Não sei se foi o que aconteceu, não há como
saber. Mas ele é um ótimo motorista. Nem sempre há explicações para as
surpresas que a vida nos reserva, Bento. Cuide da Nora, sua filha precisa de
você. Remoer-se de culpa não muda nada.
Permaneci de pé na varanda, mesmo depois de Caio desaparecer de
minha vista. Suas palavras me lembraram Bárbara, ela é quem tem o costume de
falar coisas que me fazem pensar e repensar minha linha de raciocínio.
Subitamente, vou até o quarto de Nora e entro sem bater. Ajoelho-me no
chão, ao lado da cama e acaricio seu cabelo, observando-a com os olhos
marejados.
— Por favor, perdoe o seu pai...


Quero te odiar. Preciso te odiar. A partir de hoje eu vou te odiar. Te odeio
por me deixar, por dizer que me ama e não voltar para mim como prometeu...
Hoje é meu aniversário. Deveria ser um dia de festa, certo?
Mas não é.
Eu não quero bolo, nem balões, nem abraços e parabéns.
Eu só quero os “muitos anos de vida” para o homem que eu amo.
São quase dois meses de angústia, aguardando a notícia de que Lucas
finalmente acordou do coma.
Minha vida mudou muito em um curto espaço de tempo, mal posso
acreditar. Mesmo com tudo o que tem acontecido, eu não deixo de pensar nele
por um segundo sequer, parece uma vida inteira tentando me adaptar sem sua
presença constante. Mas meu amor aumenta a cada dia, contrariando a todos que
acreditavam que logo eu retomaria minha vida, principalmente depois de tudo o
que tem acontecido.
Para começar, meu pai e eu finalmente nos acertamos. Ele tem sido meu
porto seguro enquanto espero a volta de Lucas. Pedi perdão por tê-lo culpado do
acidente e por não ter sido sincera desde o início, quando me envolvi com Lucas.
Papai se abriu comigo, falou do passado e como sofreu com o abandono de
minha mãe. Eu conhecia parte da história, mas choramos juntos enquanto ele
compartilhou todas as mágoas e medos.
O que me surpreendeu e comoveu, foi sua confissão de que agora
acreditava no amor que Lucas dizia sentir por mim e estava arrependido de não
ter lhe dado uma oportunidade, sentindo-se culpado por ter dificultado tudo.
Compreendi que meu pai era movido por excesso de zelo, devido a seus traumas
do passado. Aos poucos, retomamos nossa cumplicidade, ele tem me levado à
capital sempre que possível, para que eu visite Lucas, mas vejo em seus olhos
sua angústia cada vez que me acompanha. Sei que é difícil para ele assimilar que
não é o culpado, mas papai precisa se dar conta disso sozinho. Recentemente,
confessou-me seu breve envolvimento com Babi. Eu já desconfiava, ambos se
comportavam de maneira estranha na frente um do outro. Bárbara o tratava com
polidez, sempre tão distante e fria, recusava-se a tocar no assunto comigo. Nos
tornamos amigas e graças a ela estou às vésperas de iniciar a faculdade.
As voltas que o mundo dá, é surpreendente.
Na segunda semana, depois do acidente, um advogado entrou em contato
com meu pai. Ele representava a família de minha falecida mãe. Meus avós
faleceram pouco antes dela retornar à cidade, deixando parte da herança para ela.
Grande parte da fortuna de meus avós foi doada a instituições de caridade, mas
uma parte considerável foi destinada a mim, para que usufruísse dela ao
completar vinte e um anos, antes disso, meu tutor seria responsável pela
administração do dinheiro que deveria ser usado apenas para prover meus
estudos. Essa foi a maneira que encontraram de se redimirem de tudo o que me
privaram ao irem embora com minha mãe. Porém, dinheiro algum restauraria a
família que me foi tirada, a falta de amor por mim e a falta de compaixão por
meu pai. Não sendo o bastante para nos deixar embasbacados, o advogado
revelou que minha mãe possuía dívidas altíssimas por levar um estilo de vida
luxuoso, sem moderação alguma. Praticamente falida, usou o pouco dinheiro que
lhe restava para retornar ao Brasil. Pediu um prazo de espera para que ela
pudesse me conhecer. Compadecido pela perda e toda a situação em que Adelina
se encontrava, o advogado da família permitiu que ela viesse e nos contasse
pessoalmente sobre a morte dos meus avós e a herança que me deixaram. Alguns
dias depois de chegar à cidade, minha mãe entrou em contato com o advogado,
questionando se haveria a possiblidade de se tornar minha tutora legal. Dar-me
conta que mesmo depois de dezoito anos, minha mãe sequer se importava
comigo, magoou-me profundamente. Tudo o que ela queria era o dinheiro que
foi destinado a mim.
Eu não queria dinheiro algum. Mas depois de muito pensar, optei por
aceitá-lo. Passei minha vida toda dependendo de meu pai, que moveu mundo e
fundos para me proporcionar o melhor. Agora era a minha vez de retribuir. E
somente por isso decidi que usaria o dinheiro da herança para pagar minha
faculdade, para que papai pudesse usar o que tinha guardado para retomar seus
estudos ou começar um negócio próprio. Foi difícil convencê-lo, ele é orgulhoso
e a mágoa sempre falava mais alto. Foram dias debatendo e argumentando, até
que finalmente aceitou. Depois de tantas dificuldades, meu pai merece uma
chance de recomeço, se para isso eu tenho que engolir meu orgulho e aceitar um
dinheiro que me foi destinado por remorso, faço sem pestanejar. Dinheiro não
traz felicidade, mas proporciona benefícios. Não fiz por mim, mas por ele.
Ninguém soube informar a ligação de Daniel com minha mãe. Em um
primeiro momento, acreditaram tratar de sua namorada, mas Daniel não estava
em nenhum relacionamento e os dois nunca foram vistos juntos. Na tarde de
domingo, antes do acidente, o filho do prefeito estava em uma festa particular e
foi visto com algumas garotas, mas nenhuma delas era minha mãe, deixando um
espaço em branco em toda a história.
Cada dia que passou foi um “X” no calendário. Tentei alimentar a ilusão
de que Lucas estava na Alemanha e em breve estaria de volta e finalmente tudo
será resolvido. Mas meu aniversário chegou e ele não está aqui para
comemorarmos juntos. A mansão Marinho tem estado silenciosa com a ausência
dos patrões. Alfredo e Isabella mudaram-se para a capital, temporariamente, para
acompanhar o tratamento de Lucas. Conversei muito com a mãe dele, contei
toda a nossa história para ela e ganhei o seu apoio e carinho. Dona Isabella é
uma mulher muito querida, mas tem se mostrado bastante frágil desde que Lucas
está internado, preocupo-me muito com ela. O senhor Alfredo é mais fechado,
apesar de sempre me tratar com educação e gentileza. Quando Lucas foi
transferido para a capital, ele não comunicou Bárbara propositalmente, estava
transtornado com tudo o que acontecera e achou melhor que eu me mantivesse
longe, para esquecer. Pediu-me desculpas ao se dar conta que eu não desistiria de
Lucas, desde então, sua atitude mudou comigo. Se pudesse, eu ficaria no hospital
todos os dias ou permaneceria na capital fazendo companhia à Isabella. Mas eles
não permitem e também não quero bater de frente com meu pai. Contento-me
em receber notícias por telefone, e visitá-lo sempre que posso.
Por ter sofrido um acidente muito grave, onde as probabilidades de
sobrevivência eram quase nulas, o organismo ficou muito abalado, em estado de
pré-óbito, e a insuficiência dos rins foi um dos agravantes de seu estado. O
tratamento com hemodiálise continuou por quase um mês, filtrando as impurezas
do sangue. Os batimentos cardíacos, a pressão arterial e a temperatura do corpo
são monitoradas constantemente, além de um aparelho colocado na traqueia para
ventilar e controlar a pressão do ar jogado nos pulmões. A alimentação está
sendo feita pela veia e hidratação do corpo também é feita através de soro.
Ontem estive com ele.
Vê-lo inerte em uma cama despedaçou meu emocional. Tentei ser forte e
não chorei em sua presença, mesmo que não pudesse me ver. Sussurrei palavras
carinhosas e disse o quanto o amo e espero por ele. Acariciei a cicatriz em seu
rosto, que ficou após os pontos serem retirados recentemente. Ela deve ter uns
dez centímetros, ocupando seu maxilar direito. Não pude permanecer muito
tempo ao seu lado, mas antes de ir embora, depositei um beijo em cima da
cicatriz e sussurrei em seu ouvido:
— Mesmo com todos me dizendo para seguir em frente, estou aqui te
esperando. Porque ao contrário de você, eu cumpro minhas promessas. Eu disse
que te esperaria, que confio em você. Então, por favor, Lucas. Faça a sua parte,
volte para mim...
Agora estou aqui, sentada no chão do banheiro, debaixo do chuveiro,
acariciando minha barriga e imaginando como poderíamos formar uma linda
família.
Invejo Sabrina e Caio, a cada dia mais felizes com o desenvolvimento do
bebê que esperavam. Mesmo com a ausência de Lucas, eles continuam suas
vidas e eu tento sorrir quando estou com eles, desejando secretamente que eu dia
eu possa desfrutar da mesma alegria que estão vivendo.
Mas minha felicidade foi apenas adiada, é no que procuro acreditar. Não
estava em meu destino ser mãe tão jovem, enquanto o pai do meu bebê lutava
pela vida em uma cama de hospital. Quando minha menstruação desceu, em
exatos sete dias depois de eu ter tomado a pílula, o alívio que eu devia ter
sentido ao ter certeza de que não estava grávida, foi substituído pelo pesar de
não ter dentro de mim um pedaço de Lucas para me lembrar dele pelo resto da
vida.
Esperar, esperar e esperar. Era tudo o que eu podia fazer.
Por favor, Deus, chega de me castigar. Traga-o de volta para mim.


É aniversário de Nora, mas ela não quis comemorar. Completamente
compreensível. Mas a deixei em casa, na companhia de Sabrina e Caio. Eles
estavam sendo imprescindíveis nessa fase de nossas vidas. Minha menina
tornou-se uma mulher, claro que uma data específica não marcava essa transição.
Mas simbolicamente sim. Nora sempre foi madura demais para sua idade,
mesmo que para muitas coisas ainda fosse ingênua. Tenho muito orgulho de ser
seu pai, mas sou covarde por não conseguir estar com ela agora.
Por mais que todos me digam o contrário, não consigo parar de me sentir
culpado pelo estado em que Lucas se encontra. Se eu tivesse sido mais tolerável,
as coisas poderiam ser diferentes agora. É impossível controlar esse sentimento
que me corrói por dentro, a sensação de ser responsável, mesmo que
indiretamente, pela tragédia na vida de minha filha e meus patrões.
— Uma dose de uísque, duplo, puro e sem gelo — peço para Eulália,
sentado em uma das banquetas em frente ao balcão do Alcapone’s.
— Vai dar uma de bebum agora, Bento? Esse não é você.
Reviro os olhos para minha amiga, e faço um gesto com a mão,
apontando para a bebida na prateleira.
— Prefere que eu gaste meu salário no seu bar, ou em um boteco
qualquer, dessa cidade?
Engolindo em seco, e provavelmente querendo me socar, Eulália começa
a preparar minha bebida.
— Sabrina e Caio foram para sua casa, por que não está com sua filha, no
aniversário dela?
Entrega-me a bebida e seguro o copo, olhando atentamente para o líquido
como se fosse a cura para todos os meus problemas. Infelizmente só tinha o
poder de me entorpecer, mas não apagar minhas lembranças ou desfazer da
minha dor.
— Para quê? Para ela lembrar que se não fosse eu, Lucas estaria ao seu
lado agora?
— Bento, você está exagerando...
— Você não tem nada a ver com isso, Eulália! — grito com ela. Para
evitar mais discussão, concentro-me em minha bebida e a ignoro completamente.
Eulália se afasta durante alguns instantes, indo para a cozinha da
lanchonete. Termino de beber minha dose e assim que ela retorna, coloco meu
copo no balcão.
— Mais uma — peço.
— Bento...
Levanto-me e retiro dinheiro do meu bolso.
— Eu vou para outro lugar.
— Tudo bem, tudo bem. Se quer encher a cara, que seja debaixo dos
meus olhos. Seu cabeça dura...
E assim minha noite começa. Sento-me novamente e me concentro na
bebida.
A verdade é que os dias se passaram e percebi que algo mudou dentro de
mim. Adelina se foi, mas não sofri sua perda. Descobri a farsa sobre querer
conhecer a filha e apenas tive a confirmação de que a mulher que um dia amei,
não merecia que eu perdesse meu tempo sofrendo pelo passado. Sinto-me como
se estivesse cego por muito tempo, me fechado para a vida, deixando que a
mágoa corroesse meu coração e dominasse meus sentidos. Tomei decisões
movido pela raiva, não quis ouvir Lucas, fui irredutível com Nora e tratei
Bárbara com aspereza e desprezo. Eu que sempre fui tão pacato, deixei-me
desestruturar emocionalmente e cometi um erro atrás do outro. Agora o que me
resta é aprender a lidar com a culpa.
Eulália coloca a garrafa de uísque à minha frente e volta para a cozinha.
É segunda-feira e não há mais ninguém além de mim aqui. Encho o copo e volto
a beber. Fecho meus olhos e concentro-me na queimação em minha garganta ao
engolir a bebida quente.
— Já chega! Eu não posso ser a voz da razão sempre, entendeu?
Olho para trás e minha boca se abre ao vê-la.
Não estou bêbado ainda, então ela está mesmo aqui.
Bárbara está tão linda em uma calça jeans apertada e bota de camurça, de
cano longo. A regata preta, colada ao corpo, me excita de imediato. Ela está sem
sutiã e os mamilos se destacam embaixo do tecido fino.
Oh Deus, como eu a quero...
A saudade é minha companheira desde que cometi a burrada de afastá-la.
Agora qualquer pingo de atenção que ela direciona a mim, é como um maldito
prêmio de loteria.
— Veio comemorar comigo? — pergunto, erguendo a garrafa. Sorrio
para provocá-la. Não vou ser rude com ela, não consigo mais esconder o quanto
a sua indiferença tem me afetado. Tentei me aproximar dela para pedir
desculpas, mas Bárbara é tão turrona quanto eu.
— Vou te enfiar a mão na cara, Bento Sampaio, se você não criar juízo!


Estava pronta para sair de casa quando recebi a ligação de Eulália.
Trocamos números de celular desde o dia em que a encontrei no hospital, mas
até o momento nunca tinha me ligado.
— Alô, Eulália? Aconteceu alguma coisa, posso ajudar?
— Desculpe te ligar assim, Bárbara. Mas Bento está aqui no Alcapone’s e
não pretende ir embora antes de acabar com pelo menos uma garrafa de uísque.
Estou preocupada, nem sei porque te liguei, na verdade. Só não queria
incomodar Nora no dia do aniversário.
Droga!
— Tudo bem, Eulália. Não deixe ele sair daí. Eu chego em vinte minutos.
Bento Sampaio não sai de meus pensamentos, por mais que tente afastá-
lo. Tentei esquecê-lo, mas vê-lo frequentemente dificulta todo o processo de
superação. Ainda estou magoada com a maneira que me tratou, triste por tudo o
que ocorrera desde o maldito dia em que o mundo caiu sobre nossas cabeças.
Decidi virar a página e deixá-lo em paz, mas, parte de mim é masoquista e
insiste em relembrar cada um de nossos poucos momentos.
Com Lucas em coma, tenho me mantido por perto para amparar Nora. A
menina está desolada e não tem nenhuma amiga além de Sabrina, que com a
gravidez tem sido superprotegida por Caio, este se divide entre poupar a noiva
de toda a confusão em volta de Nora e Lucas e prestar apoio a família do melhor
amigo. Nos tornamos muito próximas e nutro um carinho muito especial pela
garota, inclusive, consegui que ela fizesse a prova de admissão na universidade e
em breve ela iniciará o curso de secretariado executivo.
Dirijo até o município vizinho e estaciono em frente ao Alcapone’s. Não
há ninguém além dele no bar, sentado de frente para o balcão.
O Jukebox toca Let Her Go, do Passanger e algo dentro de mim desejou
intensamente que Bento estivesse tão mal quanto eu, por ter me afastado.
Olhando para o fundo do seu copo
Esperando que um dia faça um sonho durar
Mas sonhos chegam devagar e passam muito rápido
Você a vê quando fecha os olhos
Talvez um dia você entenda porquê
Tudo o que você toca certamente morre

Mas, você só precisa da luz quando está escurecendo
Só sente falta do sol, quando começa a nevar
Só sabe que a ama quando a deixar ir
Só sabe que estava bem quando está se sentindo pra baixo
Só odeia a estrada quando está com saudade de casa
Só sabe que a ama quando a deixar ir
— Já chega! Eu não posso ser a voz da razão sempre, entendeu?
Minha voz é ríspida, sinto a raiva tomar conta de mim ao vê-lo se
destruir deliberadamente. Ainda por cima, me provoca ao perguntar se vim
comemorar com ele.
— Vou te enfiar a mão na cara, Bento Sampaio, se você não criar juízo!
— Aproximo-me, tentando não me deixar seduzir por seus olhos penetrantes.
Droga! Por que ele tem que me olhar desse jeito? Como se precisasse
desesperadamente da minha atenção?
Sua risada me irrita, mas sei que está fazendo de propósito. A arma de
defesa que Bento usa para camuflar suas emoções já foi decifrada por mim há
tempos. Mas ele usa a provocação ao invés de ser rude, me pegando
desprevenida. Saberia lidar melhor com ele tentando me tratar mal.
— Enquanto Lucas está em uma cama de hospital, você está aqui, vivo,
cheio de saúde, e faz o quê? Desperdiça?
Sua expressão se fecha e sei que atingi um ponto fraco. Sinto-me mal,
mas logo me recomponho. É hoje que falo tudo o que tenho vontade.
— Você cometeu um erro, Bento. Agora levanta essa bunda daí e para de
se fazer de coitado, pelo amor de Deus! Sua filha está em casa, no dia do
aniversário, sozinha porque o pai decidiu que afogar as mágoas era o melhor a
fazer...
— Ela não está sozinha, Caio e Sabr...
— Foda-se! Você está lá? Não está, droga!
— Babi... — murmura, os olhos fechados, a expressão de dor.
— Pensei que você era o melhor pai do mundo. Mas a cada dia me
decepciono mais.
— Não diga isso, porra!
Chego mais perto e observo Eulália na porta da cozinha, testemunhando
nossa discussão. Frente a frente, consigo sentir seu hálito de uísque. Toco seu
peito com o dedo indicador, forçando para causar dor física.
— Então pare de se comportar como um babaca! Não pode voltar no
tempo, mas não se afunde ainda mais nos erros, Bento Sampaio. Você é muito
melhor que isso, ao menos era no que eu acreditava.
Seus olhos fixam nos meus e meu coração começa a bater
descompassado.
Não posso sucumbir...
Dou um passo para trás. Preciso ir embora, não posso ficar aqui nem
mais um segundo.
— Cuide-se, jardineiro.
Viro-me de costas e vou em direção à saída. Sinto meus olhos marejarem
e apresso o passo. Chego ao estacionamento e destravo o alarme do meu carro,
mas ao abrir a porta, meu braço é puxado com força e meu corpo bate de frente
com o de Bento.
— Não fuja de mim, patricinha...
Sua voz chorosa me surpreende e o encaro sem saber o que dizer. Meu
corpo se aquece ao tê-lo tão perto e meus sentidos se abalam ao inalar seu
perfume. Esse homem me faz perder a razão, esquecer quem sou.
— Me aceite de volta, seja minha novamente, Bárbara.
Não acredito no que estou ouvido.
— Você está bêbado, Bento...
— Não estou. Sei muito bem o que estou falando, droga!
Nossos lábios se chocam em um beijo urgente e deixo-me levar pelo
momento. Como senti falta do seu toque, seu gosto. Suas mãos passeiam pelo
meu corpo, despertando-me para o desejo de me entregar a ele mais uma vez.
Sou tão fraca...
Bento se afasta e se abaixa e eu arregalo os olhos, surpresa.
— Você quer que eu me ajoelhe? Eu me ajoelho. Faço tudo o que você
quiser, mas fica comigo Babi.
Cubro minha boca com as mãos.
Não consigo acreditar...
— Não faça isso, Bento...
— Eu faço, porque você merece, merece um homem que beije o chão
que você pisa. Deixe-me ser esse homem, Bárbara.
Fecho meus olhos, sentindo-me derrotada. Não posso mais mentir para
mim mesma.
Estou irremediavelmente apaixonada por Bento Sampaio.
Abaixo-me e fico de joelhos, seguro seu rosto entre minhas mãos e olho
fixamente em seus olhos.
— Não desperdice essa linda boquinha com o chão, jardineiro. Apenas
me beije, e então, eu fico com você. Mas não vai ser casual. E você quem tem
que parar de fugir, Bento.
Ele anui em silêncio, aproxima seus lábios dos meus e sorri.
— Não preciso mais fugir, Babi. Finalmente encontrei o meu lugar...



— Vocês não precisam ficar aqui, comigo. Estou bem.
Nora tentou demover Sabrina e Caio da ideia de passarem o aniversário
com ela. Gostava muito da companhia dos amigos, mas naquele momento tudo o
que desejava era ficar em sua cama, deitada, quieta, esperando.
— Trouxemos pizza e você não vai conseguir nos expulsar. Sou uma
mulher grávida, vai me negar uma mesa para jantar?
Sabrina usou do bom humor para convencer Nora a passar algum tempo
com eles. Sabia que a amiga estaria deprimida em seu aniversário, jamais a
deixaria sozinha naquele momento. Caio foi incrível ao sugerir que levassem
pizza e refrigerante. O jantar ocorreu em silêncio, não houve comemoração e
ninguém teve coragem de puxar assunto. Sabrina e Nora limparam a cozinha e
Caio aguardou na sala. Ao se unirem a ele, Nora tentou não ser tão introspectiva,
os amigos estavam se esforçando para não a deixar sucumbir à tristeza, deveria
se esforçar também.
— Obrigada por virem, sei que estou sendo uma chata, mas realmente
aprecio a presença de vocês.
Sabrina e Caio abraçaram Nora e a garota começou a chorar. Era a única
coisa que sabia fazer bem nos últimos tempos.
Após assistirem um filme e a garota se sentir mais animada, o casal de
noivos decidiu que aquele era o momento de conversarem sobre um assunto
importante.
— Nora, querida. Eu e Caio queremos lhe fazer um convite. Na verdade,
são dois convites.
— Tudo bem, pode falar! — Estava curiosa para saber do que se tratava.
— Minha barriga está começando a aparecer, você sabe como esse povo
adora uma fofoca e apesar de eu estar me lixando para o que pensam ou dizem, a
mãe do Caio é meio neurótica com essas coisas.
Nora prendeu a risada, mas divertiu-se ao ver Caio arregalando os olhos
em uma expressão de espanto ao ouvir sua noiva mencionar sua mãe. Sabrina e
sua sogra não se davam muito bem.
— Sá... — começou Caio, preparando a defesa de sua mãe.
— Não venha defender ela, Caio! Ou pode ir embora. Durmo aqui com a
Nora, o que você acha?
Nora começou a rir, achando a cena engraçada. Sabrina sabia exatamente
como impor suas vontades. Caio revirou os olhos, mas beijou o rosto de sua
noiva e acabou por dar de ombros, deixando seu argumento de lado.
— Você vai contar a ela ou não, Sá? — Mudou de assunto, para não
aprofundar uma possível discussão.
— Certo! — O sorriso da garota era vitorioso. — Marcamos a data do
casamento para daqui há um mês e meio. Não será um grande evento, Caio e eu
nem queríamos uma festa, você sabe, porque Lucas está ausente. Queríamos
mesmo esperar, mas estamos sendo pressionados pela família.
— Sá, você não precisa se justificar comigo — interveio Nora. — Quem
sabe Lucas acorde até lá? Sei que o tratamento é intensivo e terá a fase de
recuperação, mas quando ele acordar, ficará muito feliz por vocês.
— Acreditamos que ele irá acordar, Nora — reforçou Caio. — É isso o
que queremos dizer, não estamos seguindo em frente, como se ele não fizesse
mais parte de nossas vidas.
— Vai sim, Caio. Eu sei que vai.
— Ótimo! — disse Sabrina, transparecendo alívio. — Porque você será a
minha madrinha de casamento! E não aceito um não como resposta.
— Isso é sério? Eu?
— Quem mais poderia ser? Você é minha melhor amiga, Nora!
— Mas você tem outras amigas, terá mais madrinhas?
Sabrina acenou que não.
— Não quero mais ninguém, será uma cerimônia íntima. Eu não tinha
amigas de verdade, você é a única que nunca me julgou. Quero que seja você.
— Obrigada, Sá! — Nora se levantou e foi até onde a amiga estava
sentada, ajoelhou-se no chão e a abraçou. — Sinto-me honrada em ser sua
madrinha.
— É bom que se sinta mesmo! — brincou Sabrina. — Quero você
deslumbrante, nada dessa carinha triste. Sei que sente falta dele, mas precisa
ficar bem. Eu sei que não está comendo direito, nem dormindo.
Nora revirou os olhos.
— Meu pai está me saindo um tremendo fofoqueiro!
— Ele está preocupado — argumentou Caio. — Escute, meu padrinho
será um primo de segundo grau. Minha mãe quem escolheu. Eu queria o Lucas,
só para você saber.
— Tudo bem — anuiu a garota.
— Mas o segundo convite é para você e o Lucas — revelou Sabrina.
Nora pestanejou.
— Mais um?
— Sabrina e eu queremos que você e Lucas sejam padrinhos do nosso
bebê, Nora.
Nora não esperava um convite como aquele, era uma honra ser digna do
carinho e confiança do casal, que privilegiou Lucas e ela como padrinhos do
filho que esperavam. Houve mais abraços, demonstração de gratidão e então
Sabrina ajudou Nora a se levantar do chão e ambas ficaram de pé.
— Temos que ir agora, você vai ficar bem sozinha?
A garota anuiu em silêncio. Queria dizer que só ficaria bem quando
Lucas acordasse, mas não quis se tornar repetitiva demais. O clima estava
agradável e não demonstraria sua fraqueza emocional mais uma vez, aquele era
o momento de Caio e Sabrina, eles mereciam tamanha felicidade.
— Papai não deve demorar, amanhã ele trabalha cedo.
Despediram-se com um abraço apertado e Nora os acompanhou até a
porta. Após irem embora, a garota fez sua higiene noturna e foi para o quarto.
Antes de deitar, ajoelhou-se no chão e fez sua oração.
Por incrível que pudesse parecer, naquela noite, Nora dormiu pesada e
tranquilamente.


— Ei bruxinha, está esperando alguém?
Aquela voz!
Ela pensou estar alucinando, o que seria o ápice de sua insanidade. Nos
últimos meses sonhara e pensara ouvir sua voz novamente, lhe chamando de
bruxinha e dizendo que lhe amava. Mas eram frutos de sua imaginação corroída
pela saudade e a dor de não ter quem amava ao seu lado. A vida estava
descolorindo aos poucos e muito da paisagem que enxergava à sua volta havia
se tornado cinza e sem graça. Nunca mais seria a mesma coisa se ele não
estivesse por perto para colorir o cenário com seu sorriso safado.
Mordeu um pedaço da goiaba e recostou sua cabeça no tronco ao qual
estava apoiada, fechou os olhos e mastigou em silêncio, tentando sentir o sabor
de sua fruta preferida, em vão. Era como ingerir isopor. Executava um gesto
mecânico, necessário, mas totalmente sem vontade.
— Vai me ignorar?
De novo!
Abriu os olhos e quase caiu ao vê-lo.
Era real. Lucas estava mesmo ali.
— Oh meu Deus!
Os olhos da garota inundaram-se de lágrimas e ela pulou da árvore, com
pressa, descuidando sua atenção. O vestido longo a fez tropeçar e cair na grama
úmida, mas rapidamente e começou a correr na direção do homem por quem
havia esperado durante todos aqueles meses.
— É você!
As lágrimas rolavam livremente por sua face, mas Nora não se
importava, estava radiante de felicidade ao ver Lucas novamente de pé. A
cicatriz em seu rosto ainda estava ali, menos evidente que antes, mas bastante
visível. Perdera a conta de quantas vezes acariciou a marca em sua pele, todas
às vezes que o visitara no hospital durante o período de coma.
Lucas também chorava, mas sorria para ela. Ainda precisava do apoio
de uma bengala, devido a fratura no fêmur.
Por que ninguém a avisara que ele estava de volta?
Deixou o pensamento de lado e continuou correndo.
— Nora! — Gritou Bento, fazendo a garota parar de repente. — Não
faça isso, filha!
Por quê? Bento havia acreditado que Lucas a amava verdadeiramente.
Por que estava lhe dizendo para não ir?
— Eu sinto muito pai, mas a vida me deu uma segunda chance, ao lado
do homem que amo. Não irei desperdiçá-la.
A garota virou as costas para o pai e correu em direção ao homem de
sua vida. Lucas lhe esperava de braços abertos e assim que o envolveu, ela não
quis mais soltá-lo.
— Ei, minha bruxinha. Senti tanto a sua falta...
— Você voltou para mim...
— E você me esperou.
Os olhares se cruzaram ao se afastarem um pouco. Lucas inclinou o
rosto em sua direção e Nora sorriu, na expectativa do tão sonhado beijo de
boas-vindas. Seus lábios estavam quase se tocando, quando a visão turva de
Nora fez Lucas desaparecer de sua frente, uma vertigem a invadiu
gradativamente e tudo se tornou completa escuridão.
— Lucas! — gritou Nora, sentando-se na cama ao despertar de um sonho
que parecia tão real.
Mais uma semana se passou e os sonhos continuavam com mais
frequência que antes.
Nora se levantou e foi fazer sua higiene matinal. Era sábado e ela
prometera ir com Sabrina fazer a prova do vestido de noiva e escolher o seu
vestido de madrinha.
O relógio indicava dez horas e seu pai provavelmente já havia saído para
trabalhar. Aos sábados, Bento costumava fazer uma checagem de toda a
propriedade. Mas havia uma nova realidade que poderia significar uma mudança
de rotina: Bárbara. Ficara muito feliz quando o pai e a amiga assumiram
publicamente que gostavam um do outro e estavam tentando um relacionamento.
Por respeito à Nora, Bento não passava a noite com Babi em sua casa, mas
chegava tarde todos os dias e entrava sorrateiramente, como se fosse um filho
adolescente que saíra escondido dos pais. Nora achava a situação engraçada, mas
não comentava com o pai para não o constranger.
Todos a sua volta a tratavam como se fosse de açúcar e estivesse muito
perto de derreter, o que lhe incomodava, pois não era errado que seus amigos e
família fossem felizes enquanto ela estava triste. Nunca pediu que
compartilhassem seu período de espera, mas a sensação que tinha quando estava
diante de cada um deles, é que os sorrisos eram contidos e a espontaneidade
controlada com precisão. Por isso preferia ficar sozinha.
Mas não havia como escapar da prova de vestido, prometera à Sabrina e
sua amiga era ótima com chantagem emocional. Felizmente, Sabrina não ficaria
grávida para sempre, pensou Nora, com bom humor. Ou Caio estaria
encrencado.
Vestiu uma calça jeans, regata branca e camisa de flanela xadrez. O
inseparável All Star entrou praticamente sozinho nos pés e após prender seu
cabelo em um rabo de cavalo, estava pronta para ir. Decidiu não tomar café em
casa, faria um lanche enquanto esperasse Sabrina no provador. Pegou sua bolsa e
trancou a casa, seguindo a pé pela trilha que a levaria diretamente para a entrada
da mansão.
Ao passar pela área da piscina, Nora desviou o olhar da água cristalina.
As lembranças da noite em que se renderam a forte atração que sentiam um pelo
outro, veio-lhe à mente. Fechou os olhos e respirou fundo, controlando suas
emoções. O barulho de um carro estacionando despertou sua atenção. Combinara
com Sabrina de encontrá-la no Alcapone’s. Mas não era Sabrina, era Bárbara. A
mulher saiu do carro às pressas, parecia nervosa. Nora caminhou na direção do
carro e assim que Babi a viu, correu de encontro a garota.
— Vamos logo! Ele acordou!
O coração de Nora parecia que ia sair pela boca.
Bárbara jamais brincaria com algo tão sério. Era mesmo verdade.
— Oh, meu Deus! — Nora abraçou Bárbara, sorrindo e chorando ao
mesmo tempo.
— Já avisei seu pai, ele sabe que te levarei para a capital.
Afastaram-se do abraço e Nora franziu a testa.
— Estou sendo a última a saber, não é? — perguntou, sentindo-se
levemente magoada.
Babi desviou o olhar.
— Alfredo me ligou, pediu que eu te contasse.
— Já reparou que eles colocam o fardo todo, em cima de você? —
Sentiu-se incomodada.
— Nora, querida...
A garota levantou as duas mãos para o alto.
— Tudo bem, me desculpe. — As lágrimas romperam. — Meus nervos
estão à flor da pele. Preciso vê-lo!
Entraram no carro e Bárbara deu a partida. Manteve-se em silêncio, sem
saber o que dizer para amenizar o clima desconfortável. Nora recostou a cabeça
no vidro do carro, olhando para a paisagem lá fora, em movimento.
— Segundo o que Alfredo me informou, Lucas apresenta melhora
progressiva neurológica, está acordado, tem movimentos voluntários e apresenta
sinais de comunicação.
A garota voltou sua atenção para a namorada de seu pai. Apesar de serem
amigas e de Bárbara estar em um relacionamento recente com Bento, em
situações como aquela, quando Babi era informada de tudo e encarregada de
comunicá-la, Nora não conseguia conter a mágoa por vê-la como a ex-noiva de
Lucas. Era como se os pais dele não a enxergassem como namorada, a mulher
com quem ele decidira ficar. A insegurança tomava conta e Nora tinha que
aprender a lidar com tal sentimento. Gostava de Babi, tinha imenso carinho pelos
pais de Lucas, mas eles precisavam parar de vê-la como uma garotinha frágil.
— A ressonância magnética mostrou que o inchaço diminuiu e as
funções respiratórias apresentaram uma melhora significativa. Os rins estavam
fora de perigo após as sessões de hemodiálise e os médicos reduziram os
medicamentos que o mantinham sedado, tem pouco mais de uma semana. —
Bárbara explicava tudo com muita calma, enquanto seguia para a rodovia
interestadual, informando à Nora tudo o que Alfredo havia lhe informado.
— Todo esse tempo? Por que não me contaram quando eu estive no
hospital? — Havia raiva em seu tom de voz.
Como foi que esconderam tantas informações, por tanto tempo?
— Só fiquei sabendo hoje, Nora. Jamais esconderia isso de você.
Nora engoliu em seco.
— Ele não acordou hoje, foi?
Babi hesitou antes de confirmar. Não entendia porque Alfredo se
mantinha tão arredio quando se tratava de informar o estado de saúde de Lucas.
Pensou que tivessem superado situações como aquela, desde a transferência de
hospital.
— Tem três dias. — Confirmou o que Nora já suspeitava. — Alfredo
disse que estava esperando ter notícias mais consistentes antes de nos informar.
Como Lucas permaneceu sedado por muito tempo, demorou para acordar.
Tiveram que esperar os sedativos saírem da circulação sanguínea para definir se
haviam sequelas neurológicas. Alfredo não quis nos dar falsas esperanças.
Nora riu, mas sentiu a mágoa pesar seu coração.
— Sempre tive esperanças, droga! Isso não está certo Babi. A partir de
hoje, não saio mais daquele hospital enquanto Lucas estiver lá.
— Não fique assim, Nora. Lucas está de volta, poderá vê-lo em breve.
— Eu não volto mais para casa, Babi. Estou falando sério. Enquanto
Lucas estiver naquele hospital, eu fico lá também.
— A recuperação será lenta, menina. Você não pode morar no hospital.
Nora cruzou os braços, fazendo beicinho. Sabia que parecia uma
garotinha mimada, mas não se importava.
— É o que veremos. Eles não podem me impedir.
Ela sabia que não deveria descontar suas frustrações em cima de Bárbara,
ela era a pessoa que mais lhe ajudava com a situação de Lucas. Tentou manter a
calma.
— Eu só quero vê-lo, por favor, Babi.
— Vamos lá.
A viagem seria longa e cansativa, mas não importava. Finalmente os
olhos de Lucas se abriram. Finalmente ele voltara para ela. Nada mais
importava. Se as pessoas acreditavam que ela era uma garotinha indefesa,
problema deles. Lucas estava de volta e o resto do mundo tornou-se irrelevante.
A partir daquele momento, Nora tomou sua decisão e ninguém a manteria
afastada do homem que amava e esperou por tanto tempo. Ninguém.


Estou vivo. Meu bom Deus, sim! Estou vivo porra!
Quando meus olhos se abriram e a confusão se instalou em minha mente,
levou tempo para eu começar a entender onde estava e porque estava ali. Meu
corpo inerte, a dor na perna esquerda. Minha cabeça enfaixada e eu com certeza
respirava com a ajuda de algum aparelho.
Sim, aos poucos fui tomando consciência de que eu estava muito ferrado.
Mas logo outra constatação confortou minha agonia: Eu estava vivo, quando
muito provavelmente eu não deveria estar. Não sabia há quanto tempo estava ali,
mas tinha a sensação de que não foi pouco tempo.
Cento e vinte quilômetros por hora. Fechei os olhos ao me lembrar do
porquê. A luz forte que cegou meus olhos surgiu como um dejàvu e comecei a
me sentir agitado.
Um carro se enfiou na minha frente!
Era a constatação do óbvio: Foi um milagre eu ter sobrevivido.
Minha memória... ela estava boa, aparentemente. Sabia que sofri um
acidente e que estava fodido em uma cama de hospital. Mas não conseguia me
forçar a lembrar mais do que isso. Então, quando minha mãe entrou no quarto e
me viu acordado, foi aquela confusão. Logo a sala foi preenchida pela equipe
médica e enfermeiros, deixando-me atordoado, confuso e irritado. Minha mãe
chorava e agradecia a Deus por ter permitido que eu voltasse e tudo o que eu
conseguia pensar era que não via a hora de sair daquela merda.
Passei por uma série de avaliações e exames, conversei com o médico
responsável pelo meu caso, ou melhor, ele conversou comigo. Eu não consegui
falar muita coisa, devido a traqueostomia fechada, mas o doutor esclareceu que
aos poucos tudo se normalizaria, aparentemente, minha fala, visão e audição não
haviam sofrido sequelas. Fiquei desacordado por dois meses, induzido ao coma
por meio de fortes sedativos, enquanto tratavam o edema cerebral e o mal
funcionamento dos rins. Um dos meus maiores medos era a possibilidade de não
voltar a andar, mas esse medo cessou quando respondi aos estímulos em minhas
pernas e pés. A fratura no fêmur será corrigida através de cirurgia, eu terei que
usar muletas por um tempo, sessões de fisioterapia e contar com a assistência de
uma bengala até melhorar, na melhor das hipóteses em quatro ou cinco meses eu
estarei recuperado. Mas por enquanto, sei que não vou embora tão cedo desse
hospital.
Praticamente renasci e agora tenho que voltar ao mundo real, devagar.
Não vi meus pais no primeiro dia, pois após todo o procedimento de
rotina, senti-me exausto e apaguei. Tive sonhos conturbados, memórias
voltando, flashes de situações diversas, lembranças de um passado distante, um
não tão distante assim e alguns sonhos de como seria o meu futuro. A vida que
levei, sem preocupações financeiras, o carinho de meus pais e avô, a paixão
pelos motores e a velocidade, a época da faculdade e toda a curtição, minha
formatura, meu primeiro dia na Fast Mariner’s, a primeira vez que traí Bárbara,
o dia em que a pedi em casamento, minha última traição, a descoberta e o
término do relacionamento. Meses de muita farra, sexo casual e nenhuma
preocupação além da minha carreira profissional. Eu sabia exatamente como
aproveitar a vida.
Foi então que seu rosto surgiu e algo dentro de mim resplandeceu de
alegria. Parecia um anjo, um lindo anjo de cabelo castanho e olhos de mesma
cor, pele clara e tão perfeita, o sorriso tímido e um perfume inebriante. Poderia
ser um sonho, mas consegui sentir sua essência, como se fosse algo muito
familiar. E era. Sim! Eu sabia que não estava vendo um anjo do céu, mas aquela
garota a minha frente, de certa forma era um anjo, um anjo que mudou a minha
vida completamente e me fez um novo homem.
— Nora...
Não sei se falei as palavras em voz alta realmente, ou se fazia parte do
sonho, mas ela estava tão linda e seus olhos cheios de amor me fitavam com
adoração. Foi então que me dei conta, ela estava me esperando, e foi por isso que
eu voltei. Voltei por e para ela. A minha bruxinha. Abri meus olhos, despertando
do sonho, uma angústia abateu-se sobre mim.
Tenho que vê-la. Preciso vê-la!
De repente, mais lembranças vieram à tona, deixando-me ainda mais
atordoado. Meu relacionamento com Nora não foi aceito pelo seu pai, nós
brigamos e ele me proibiu de chegar perto de sua filha, meu pai ficou de
conversar com Bento para tentar resolver a situação, mas Nora não desistiu de
mim, nem eu dela. Ficaríamos juntos independente do que acontecesse.
E então aconteceu o acidente...
O mais irônico é que a conheci em um acidente com meu carro, pelo
mesmo motivo: a porra do celular. E um segundo acidente quase me separou
dela para sempre.
Naquele mesmo dia, recebi a visita de meus pais. A emoção de vê-los
novamente e perceber em seus semblantes o quanto estavam abatidos, embora
sorrissem e chorassem de felicidade, deixou-me emocionalmente instável. Ainda
com dificuldades na fala, evitei me esforçar demais. Minha mãe me abraçou e
beijou, disse o quanto sentiu minha falta e o quanto havia rezado para que eu
ficasse bem logo. Papai contou-me que haviam se mudado para um apartamento,
temporariamente, assim poderiam estar sempre por perto. Foi uma hora que
passou rápido, mas me deixou ansioso para sair logo dali. Eu não quis tocar no
nome de Nora, na frente da mamãe, mas quando meus pais se despediram, pedi
que papai ficasse mais um pouco. Percebi a troca de olhares cúmplices, mas não
fiz perguntas. Tão logo mamãe beijou minha testa e saiu, papai se aproximou e
sentou-se na cadeira antes ocupada por ela.
— Como está a Nora? — perguntei, com dificuldade. — Por que ela
ainda não veio me ver?
A expressão de papai tornou-se séria. Desconfiei que algo estava errado.
Fiquei em alerta.
— Nora esteve aqui há pouco mais de uma semana. Desde que foi
transferido para cá, ela vem a cada quinze dias.
Pestanejei.
— Não foi o que eu perguntei.
Alfredo deu de ombros.
— Ela está bem.
— Pai, sabe como é ruim falar com essa merda na minha garganta? Quer
mesmo que eu pergunte de novo? — Minha paciência esvaia-se a cada segundo.
Meu pai estava me enrolando.
— Ainda não contamos que você acordou.
— Como é? — Remexo-me na cama, agitado.
— Por favor, Lucas. Fique parado! — pediu nervosamente.
— Por que não contou a ela, ainda? — Subitamente, lembrei-me de que
havia a possibilidade de Nora estar grávida. — É por causa do bebê? Ela está
grávida?
— Acalme-se, deixe-me falar! Não, a Nora não está grávida.
Saber daquilo me deixou triste. No fundo, eu queria que tivéssemos um
filho.
— Então, por quê? — insisti.
Meu pai se levantou e começou a andar de um lado para o outro. Um
velho hábito dos homens de nossa família.
— Acho que você deveria repensar essa história toda. Viu no que deu?
Você quase morreu, filho! — Disse exasperado. — Talvez seja a vida mostrando
que o melhor é cada um seguir por um caminho diferente. Ela é jovem, está
apaixonada sim, mas vai superar com o tempo. E você? Tem que se preocupar
com o processo recuperação, que será longo. Não acho que devam insistir nisso.
E esse acidente foi a gota d’água!
Quando meu pai despejou aquele negativismo todo para cima de mim,
fiquei atordoado. Ele era a única pessoa com quem eu podia contar para me
apoiar. Minha mãe, por mais que eu fosse a menina de seus olhos, — isso soou
estranho, mas vocês entenderam, não é? — ela seria influenciada pelo meu pai e
tentaria me fazer mudar de ideia, exatamente com meu pai fez naquele momento.
Foi difícil assimilar o quanto eu permiti, ao longo dos meus anos de vida,
a interferência dos meus pais em minha vida. Amá-los e respeitá-los é meu dever
como filho, e também reflexo da maneira como me criaram. Eles são meu porto
seguro e eu sempre me espelhei neles para ser quem sou — tirando o lado
devasso, que é algo completamente meu, característica da minha individualidade
como um ser humano —, mas ter quase trinta anos e ainda ser o filhinho da
mamãe, talvez tenha dado a eles a impressão de que eu não estou pronto para
tomar as rédeas da minha vida. Eu posso cometer erros e, Deus sabe o quanto eu
já errei nessa vida, mas preciso fazê-lo, pois é errando que se aprende. Mas se
tem algo na vida de que eu tenho certeza, é que amar Nora foi a coisa mais
correta que já fiz. Quando pedi Bárbara em casamento, deixei-me levar pelo
desejo de meus pais em me verem sossegado, constituindo uma família, e para
agradá-los, sem perceber, quase cometi o maior erro de todos.
Meu pai me fitou, preocupado, esperando minha reação. Eu queria
levantar da cama, esmurrar uma parede — não o meu pai, jamais faria algo
assim — e extravasar toda a minha irritação, indignação com o que acabara de
ouvir. Mas minha situação não permitia. Droga!
Não demorou muito para eu tomar algumas decisões.
— Eu quero Nora aqui comigo, amanhã. — Disse, tentando não me
esforçar demais. Droga! Eu devia estar descansando minhas cordas vocais! — E
foda-se se o pai dela não aceita ou se você acha que eu devo esquecê-la. Foda-se
toda essa merda.
— Lucas!
— Não pai. Eu te amo, te respeito, mas chega. Nora já é maior de idade,
se ela quer ficar comigo, vai ficar. Eu enfrento tudo o que for preciso, mas chega
de pedir que o papai resolva as coisas para mim. Se eu tivesse feito isso desde...
— Paro para me recompor. Respiro um pouco antes de retomar. — Desde o
início, talvez tivesse evitado um monte de erros. Mas agora chega. Ninguém
mais vai se meter na minha história com a Nora.
Fechei os olhos e senti a exaustão tomar conta de mim, mas tinha falado
o que queria e esperei meu pai dizer qualquer coisa. Assim que saísse do
hospital, procuraria um lugar para ficar, uma casa só para mim. Estava mais do
que na hora de voar com as próprias asas e sair da barra da saia da mamãe.
— Só quero o melhor para você, Lucas.
— Nora é o melhor para mim.
Ele anuiu.
— Tudo bem, eu ligo para ela, amanhã. Você já falou demais, está
visivelmente cansado. Descanse e amanhã ela estará aqui com você.
Revirei os olhos. Mais uma vez o senhor Alfredo estava decidindo as
coisas para mim, mas aceitei a última intervenção, pois realmente estava me
sentindo cansado e não queria que Nora me visse daquele jeito.
— Amanhã, nem um dia a mais. Eu a quero aqui, comigo.
— Ela estará.
Assim que meu pai saiu, fechei meus olhos e me deixei levar pelo
cansaço.
Contei as horas para o dia passar, estava ansioso para revê-la.
Agora estou aqui, esperando minha bruxinha entrar por aquela porta.
Sei que teremos muito o que enfrentar, mas estou mais forte do que
nunca, por incrível que pareça.
Ouço o barulho da porta se abrindo e meu coração para por alguns
segundos.
É ela! Porra! Ela está usando aquela roupa! A mesma do meu
aniversário. A mesma de nossa desastrosa primeira vez.
Ela não diz nada, mas seu sorriso diz tudo e eu tento conter minhas
lágrimas, mas não consigo.
Sou um bebê chorão, confesso! Podem me zoar. Mas depois de tudo,
acho que mereço expelir algumas lágrimas, não posso? Foda-se! É claro que eu
posso.
— Venha aqui, bruxinha...
Ela vem devagar, uma tortura, mas eu compreendo, é difícil assimilar que
finalmente estamos nos vendo, depois de quase termos sido separados por
circunstâncias da vida.
— Oi, amor... — Ela diz, me alcançando e tentando me abraçar com
cuidado. — Bem-vindo de volta.
Seus lábios tocam o meu, em um beijo calmo.
Como é bom tê-la comigo! Porra! Eu amo essa garota mais que tudo
nessa vida.
— Te amo, bruxinha... — Digo, quando nos afastamos. Seus olhos estão
fixos nos meus e ela sorri.
— Pode ter certeza, eu te amo muito mais!



Naquela manhã de sábado, Sabrina estava radiante eu seu vestido de
noiva. A gravidez a deixara ainda mais linda. Caio, o noivo apaixonado e
orgulhoso pela família que estava iniciando com a mulher de sua vida, era todo
sorriso. A cerimônia foi pequena, mas com direito a tudo o que a garota sonhara.
Casou-se de branco na pequena igreja local, onde havia sido batizada quando
nascera e onde batizaria o seu filho quando nascesse. O menino que se chamaria
Gabriel, recebeu o nome do anjo mensageiro, pois fora ele que trouxe aos jovens
pais, a mensagem de que o amor supera tudo e que um recomeço é possível,
quando as pessoas estão dispostas e de coração aberto.
Nora e Lucas foram os padrinhos na cerimônia. O melhor amigo de Caio
recebeu alta do hospital e, mesmo recuperando-se da cirurgia na diáfise do
fêmur, fez questão de entrar na igreja e ficar ao lado do noivo, usando muletas
para se apoiar. Nora entrou ao seu lado e o acompanhou até o local reservado
para os padrinhos. Estava orgulhosa de seu namorado, ele se mostrara um
verdadeiro guerreiro nas semanas que se passaram após a cirurgia de inserção da
haste intramedular.
Após a cerimônia religiosa, a recepção aos convidados aconteceu no La
Lola, por insistência dos noivos. A danceteria foi cenário de muitas idas e vindas
do casal e, queriam fechar com chave de ouro.
— Hora de a noiva jogar o buquê! — Alguém gritou.
Algumas primas de Caio e Sabrina se reuniram no centro do salão,
aguardando a noiva jogar as flores. Nora e Bárbara também foram, por
insistência dos namorados. Assim que Sabrina jogou o buquê para o alto, sem
esforço algum, Babi o agarrou. Foi necessário abraçá-lo e sair do círculo
formado por mulheres histéricas — com exceção de Nora — a procura das flores
que lhe proporcionariam um casamento futuro.
— Eita! — disse Lucas, encarando Bento com um sorriso malicioso. —
Vai ter que casar, sogrão.
Bento revirou os olhos para Lucas, mas logo sorriu também.
— Antes eu, do que você — respondeu-lhe Bento. — Nora é nova
demais para se casar agora, então espero que não se importe de namorar por uns
longos cinco anos, já que ela inicia a faculdade mês que vem.
Lucas gargalhou, mas sabia que Bento estava falando sério. Observaram
as mulheres de suas vidas se aproximarem. Bárbara estava radiante, segurando o
buquê de flores como quem segurava um troféu.
— Veja só, jardineiro. Agora você não me escapa!
Bento se levantou e abraçou a namorada, beijando-a com vontade.
— Essa nunca foi minha intenção, patricinha. Você me pegou de jeito.
— Venha, vamos dançar! — Pegou-o pela mão, mas antes de ir para a
pista de dança, entregou o buquê de flores para Nora, que estava sentada na
cadeira antes ocupada por Bento, ao lado de Lucas. — Fique com ele, por um
tempinho, Nora. — Piscou-lhe, com cumplicidade.
Nora segurou o buquê e acenou para o pai e a amiga. Era tão bom vê-los
juntos e felizes.
Lucas tocou o braço de Nora e pediu-lhe que arrastasse a cadeira para
mais perto. Ela o fez e Lucas a puxou para um abraço.
— Você sabe que um dia será você, não sabe? — perguntou Lucas,
fitando-a intensamente.
— Um dia será eu? Como assim, Lucas?
Ele sorriu e beijou-lhe a ponta do nariz.
— Vestido de noiva, jogando o buquê de flores para alguma amiga
“encalhada”. Tonar-se minha esposa. Essa coisa toda.
Os olhos da garota resplandeceram de alegria.
— Você quer fazer isso, mesmo? Sabe, a gente podia se casar apenas no
civil...
— Não, não e não. Sou tradicional, quero vestir um terno caro e suar
como um porco, nervoso, achando que você irá me deixar plantado no altar ao
mudar de ideia. Quero passar por isso, adorei ver o Caio se borrando de medo,
preciso experimentar a sensação.
Nora riu, beijando-lhe a face.
— Não tem nada a ver comigo, em um vestido de noiva, então?
— Ah sim, tem essa parte também. E a lua de mel, claro. — Suspirou
pesadamente. — Isso está me matando, bruxinha.
Ela queria rir, mas conseguiu se controlar.
— Não diga isso, Lucas. É temporário.
— Já posso ser um padre...
— Não exagere.
— Mas é verdade.
— Lucas, você está se recuperando de um acidente grave. Está vivo, logo
tudo volta ao normal.
— Sabe que estou anotando em um caderno, todas às vezes que tenho
vontade de fazer amor com você? Porque quando o médico me liberar, bruxinha,
bruxinha, se prepare para uma maratona.
— Você é impossível, Lucas Marinho!
— Eu sou um homem apaixonado, e completamente louco pela minha
namorada. Não é como se eu pudesse evitar, a culpa é sua. Você me enfeitiçou,
Nora.
A garota beijou-lhe para calar sua boca. Adorava quando Lucas
explanava seus sentimentos, e ele sempre o fazia, desde que voltaram a ficar
juntos.
Cada dia tornou-se uma nova conquista.
Nora permaneceu com Lucas todos os dias desde que esteve com ele no
hospital. Bárbara se prontificou a buscar roupas para a garota e também
providenciou um quarto de hotel, a pedido de Lucas. Não quis ficar no
apartamento dos pais do namorado, após uma pequena discussão sobre as
omissões do senhor Alfredo, a respeito de Lucas. Apesar de terem superado e
mantido um relacionamento pacífico, a garota não quis dar oportunidade ao casal
de tentá-la dissuadir da ideia de ficar. Ambos decidiram que não permitiriam a
interferência de mais ninguém no namoro. E assim aconteceu.
Bento esteve no hospital, com o incentivo de Bárbara, e desculpou-se
com Lucas. Foi uma conversa reveladora entre sogro e genro, para Lucas, uma
grande surpresa poder contar com o apoio de Bento, mas uma grande vitória.
Surpresa também foi saber que finalmente Bárbara e seu jardineiro estavam
seriamente envolvidos. Lucas gostava muito da ex que se tornou sua melhor
amiga, torcia muito pela felicidade de Babi e, ver que Bento estava disposto a
fazê-la feliz, deixou-lhe muito satisfeito.
Com o dinheiro que tinha guardado, Bento pediu demissão e estava
montando seu próprio negócio. Além da floricultura, também se envolveu em
um projeto na universidade, em parceria com a prefeitura, coordenado por
Bárbara, para ensinar jardinagem e botânica às crianças do CRAS (Centro de
Referência de Assistência Social). Alugara uma casa pequena, mas confortável,
e estava feliz com as mudanças que a vida lhe proporcionara.
Nora morava com o pai na casa recém-alugada, mas passava boa parte de
seu tempo com Lucas, ajudando-o a se adaptar à uma nova rotina. Ele
permaneceu na mansão após ter alta do hospital, apenas por algumas semanas.
Revelou que pretendia se mudar, o que inicialmente chateou Isabella, mas após
uma conversa franca com o filho, a senhora Marinho entendeu as razões de
Lucas e o ajudou a encontrar uma casa que o acomodasse confortavelmente
durante o período de recuperação. A relação com os pais continuou forte, mas
com alguns limites impostos. Lucas não permitiu que eles interferissem em suas
escolhas, e surpreendentemente, os pais entenderam seus motivos e acataram seu
pedido.
A vida estava encaixando cada peça em seu devido lugar, finalmente.
— Você quer, não quer? — Perguntou Lucas, ao se afastarem com
relutância.
Nora sorriu maliciosamente.
— O que eu quero?
— Se tornar minha esposa, algum dia.
A insegurança na expressão de Lucas, a comoveu. Nora segurou o rosto
de Lucas entre suas mãos, acariciando a cicatriz da bochecha, com o polegar.
— É claro que eu quero, Lucas. Eu quero tudo com você, para sempre.
— Eu te amo, Nora Sampaio.
— Eu sei. Também te amo, Lucas Marinho.


Bárbara entrou na casa e o encontrou na sala, caminhando nervosamente
de um lado para o outro. Pestanejou, ele parecia irritado. Ela havia acordado
cedo e foi até a padaria fazer algumas compras, com a intenção de surpreendê-lo
no café da manhã. Raramente conseguia fazer algo, pois Bento sempre a
surpreendia antes. Desde que passaram a dormir na casa dele, Bento a mimava
com café na cama. O homem era um perfeito cavalheiro, fora do quarto. Entre
quatro paredes e uma cama, Bento Sampaio era selvagem e insaciável. Não que
ela estivesse reclamando.
— Por que você não para um segundo e respira? — perguntou ela, com a
voz amena.
Ele parou e encarou a namorada, angustiado. Não queria surtar na frente
dela, mas a descoberta o deixara aflito. Precisava desabafar com alguém.
— Nora está grávida! — Soltou a notícia, sem delongas.
— O quê? C-como?
Ele soltou uma risada descarregada de qualquer traço de humor.
— Você sabe exatamente como.
Ela revirou os olhos. Sentou-se no sofá e sinalizou para que Bento fizesse
o mesmo.
— Como é que você descobriu? Ela te contou?
Bento respirou pesadamente antes de responder.
— Encontrei o teste de gravidez ao retirar o lixo do banheiro, na semana
passada.
— Isso é nojento — disse Bárbara, segurando o riso.
Ele estava fazendo uma confusão.
— A sacola é quase transparente, eu vi a embalagem — justificou. — Sei
muito bem o que é um teste de gravidez.
Ela deu de ombros.
— Tenho certeza que sabe, querido.
Ficaram em silêncio por um tempo, Bárbara acariciou as costas de Bento
tentando tranquilizá-lo.
— Ela ainda nem terminou a faculdade! Onde eu estava com a cabeça
quando permiti que ela passasse a semana toda sozinha com ele, naquela casa?
— Sentiu-se culpado.
Nora passava a semana fora de casa, pois trabalhava na oficina e a noite
ia para a faculdade. Bento permitiu que Lucas e ela compartilhassem a casa que
ele mantinha na cidade vizinha. Sabia que sua filha era adulta e que muito
provavelmente tinha uma vida sexual ativa, mas não gostava de pensar nisso.
Confiava em Nora e acreditava que ela era responsável, uma gravidez
precipitada nunca lhe passou pela cabeça, afinal, sua filha almejava concluir o
curso antes de casar-se com Lucas.
— Bento, se acalme!
— Eu sou jovem demais para ser avô — lamentou-se, mas sabia que
estava mentindo. A verdade é que Bento temia por Nora, não queria que sua
garotinha passasse algo semelhante ao que ele passou com Adelina.
E se Lucas fugisse da responsabilidade?
Ele ajudaria a cuidar do neto, mas não poderia fazer muita coisa pelo
coração partido da filha, a não ser dar uma boa surra no filho da mãe que a
engravidara.
— Pare com isso, você seria um avô bem gostosinho — brincou Bárbara.
Bento fitou-a, deixando claro que não estava achando nenhuma graça
naquela situação.
— Droga, Babi! Não me provoque agora, eu estou irritado.
Novamente o silêncio. Bárbara finalmente tomou coragem para contar a
verdade.
— E para ser pai, você acha que está jovem ou velho demais? —
perguntou ela.
— Não entendi.
— Pare de pensar em como pretende castrar o Lucas — ralhou Bárbara.
— A Nora não está grávida. Sou eu.
Em segundos, a melanina esvaiu-se do rosto de Bento, deixando-o com
aparência fantasmagórica. Ele estava tão branco quanto um sabão de coco.
— Como?
— Você sabe exatamente como, jardineiro.
Bento estava perplexo, nunca pensou na possibilidade de ser pai
novamente.
— Tem certeza? — Não custava nada perguntar de novo, ele pensou.
— Sim, fiz o teste de farmácia. Mas estava esperando o resultado do
exame de sangue, antes de te contar.
Ele sorriu para ela, sentindo-se emocionado. Passou a mão delicadamente
pelo rosto da mulher que esperava um filho seu.
— Como você está se sentindo? — perguntou a ela.
Bárbara sentiu-se mais tranquila, Bento se acalmou e estava
aparentemente lidando bem com a notícia de sua gravidez.
— Eu acho que bem. Quer dizer, no começo fiquei apavorada, mas
depois me acalmei e pensei melhor. Você jamais viraria as costas para um filho
seu. Então acho que podemos fazer isso, eu posso fazer isso. Desde que você
esteja comigo. Bem, se não estiver comigo também...
Bento segurou o rosto dela entre suas mãos e a interrompeu com um
beijo estalado. Ao descolar sua boca da dela, beijou-lhe a testa e a puxou para
um abraço.
— Não fale besteira Bárbara! É claro que estarei com você. Afinal, eu
não deixaria uma patricinha mimada encher um filho meu de manias besta.
— Bento!
— Estou brincando, amor.
Bárbara riu e deu um tapinha nas costas de Bento. Desfizeram-se do
abraço e fitaram-se, ambos emocionados.
— Estou feliz — afirmou Bento. — Ser pai novamente é uma bênção.
— Você terá que me ajudar, eu serei mãe de primeira viagem.
— A gravidez te fará ainda mais linda, Babi.
Ela revirou os olhos para ele.
— Engordarei horrores! E se eu não conseguir voltar ao normal, ainda
vai gostar de mim? — resmungou, sentindo a insegurança.
Bento sorriu para ela e a puxou para seu colo.
— Estamos juntos há dois anos, Babi. Não chegaríamos até aqui se eu
não gostasse de você, e mesmo que não tenha dito antes, acho que sempre
demonstrei em ações o quanto você é especial para mim. Vai além da sua
aparência física. Você está me dando um lindo presente, um filho. Isso me faz te
amar ainda mais.
Foi à vez de Bárbara empalidecer. Bento e ela nunca haviam falado sobre
amor. Sempre diziam o quanto gostavam um do outro e estavam apaixonados,
mas amor? Eles ainda não haviam pronunciado a palavra tão temida e esperada.
— Você me ama? — perguntou ela, não conseguindo agir como se aquela
declaração fosse algo comum em uma conversa entre eles.
Bento anuiu, sorrindo, e beijou-a rapidamente nos lábios.
— Eu amo você, Bárbara Lanco de Castro. Já devia ter percebido.
Ela sorriu, seu semblante resplandecendo de alegria.
— Devia ter sido mais claro, ao longo desse tempo em que estamos
juntos.
— Não sou muito bom em demonstrar, eu acho.
Bárbara sorriu de um jeito travesso.
— Se tem algo que você sabe fazer muito bem, é demonstrar, querido
jardineiro. Talvez eu tenha demorado a entender, ou estava aguardando uma
confirmação verbal.
Bento surpreendeu Babi ao levantar-se do sofá, segurando-a firmemente
em seus braços.
— Deixe-me demonstrar, no nosso quarto. Também vou gemer no seu
ouvido o quanto te amo, enquanto estiver estrando e saindo de dentro de você.
Ele caminhou até o quarto e trancou a porta, ainda a segurando. Jogou-a
na cama, como adorava fazer, e então se juntou a ela.
— Sabe, Bento. Eu também te amo.
— Eu sei.
— Como você sabe?
— Às vezes você fala quando está dormindo.
Ela enrubesceu.
— Eu faço isso? — perguntou perplexa.
— Já faz um tempo.
— Muito tempo? — Arregalou os olhos.
— O suficiente para eu saber que é verdade.
— Oh meu Deus! — Escondeu seu rosto entre as próprias mãos.
Bento remexeu-se, ficando por cima de Bárbara. Apoiou os cotovelos na
cama, para não jogar o peso de seu corpo contra ela.
— A gente se ama, qual o problema nisso? — questionou ele.
— Eu nunca disse “eu te amo” a nenhum homem. Já pensei ter amado,
porém nunca disse as palavras.
— Porque eles não eram a pessoa certa para você, mas eu sou.
Bárbara sentiu-se imensamente grata a Deus, por Ele ter lhe
proporcionado tamanha felicidade. Tinha ao seu lado como companheiro,
amante e amigo, um homem maravilhoso. Seria mãe pela primeira vez e
apreciaria cada momento desta nova etapa.
Amaram-se sem pressa, deliciando-se com cada carícia. Ela jamais se
sentiu tão mulher como se sentia naquele momento, e foi gritando o nome dele
que atingiu o êxtase. Já deitados, descansando após o ato de amor, Bento
aninhou Bárbara em seus braços e beijou-lhe o topo da cabeça. Ela acariciava
seu peito e aconchegava-se cada vez mais para perto.
— Você precisa se casar comigo, Babi — murmurou Bento, com a voz
sonolenta. — Eu não posso permitir que seja mãe solteira, além disso, também
não quero ser pai solteiro novamente.
Ela riu e deu uma cotovelada nas costelas dele.
— Só por isso pretende se casar comigo? Nossa, Bento. Você é tão
antiquado!
— Deixe de ser boba. Nós somos praticamente casados, você vive aqui
comigo há meses. O que me surpreende, minha casa é muito pequena.
— Tem tudo o que preciso. Uma cama, um banheiro e um homem
delicioso que cozinha para mim e me proporciona orgasmos incríveis.
Bento fez com que Bárbara lhe fitasse diretamente nos olhos.
— Case comigo, Babi. Eu amo você.
Não havia o que pensar, ela sabia a resposta.
— Eu caso, porque também te amo.
— Ótimo!
— Ótimo!
— Fale com os seus pais, quero pedir a sua mão o quanto antes.
— O quê? — Ela sentou-se, encarando-o estupefata.
— Comigo é assim, patricinha. Tudo nos conformes, igreja, véu e
grinalda, jogar o buquê e aquele arroz na cabeça quando saímos da igreja. Pacote
completo.
Seus olhos lacrimejaram. Bárbara não sabia se era por causa dos
hormônios da gravidez, ou por Bento estar sendo tudo o que ela sempre sonhou.
Abraçou o namorado com força e distribuiu beijos por todo o seu rosto. Ele riu e
começou a fazer o mesmo que ela.
— Meu pai adora você, ele é tão grato porque acha que você colocou
juízo na minha cabeça.
O sorriso de Bento tornou-se radiante.
— Então é melhor a gente casar logo, assim ele não descobre que além
de juízo na sua cabeça, eu também coloquei um bebê dentro da sua barriga.


— Meu Deus Sá, assim você acaba comigo! — Gemeu Caio, enquanto
sua esposa chupava a glande de seu pau, com volúpia.
Adorava quando Sabrina o acordava daquela maneira. Após dois anos de
casados, Caio não poderia estar mais feliz por sua escolha. A vida ao lado da
mulher que escolheu para ser sua, era cheia de realizações.
Na cama, como sempre, a química era inegável, o sexo continuava
incrível, mesmo depois do nascimento de Gabriel. Sabrina era esposa dedicada e
uma mãe exemplar. Não se parecia em nada com a garota espevitada que ele
conhecera aos dezessete anos, tornou-se uma mulher linda, bem resolvida e
confiante. Ele amou aquela menina a quem fez sofrer no passado, mas amava
ainda mais a atual Sabrina, a mulher que o fazia feliz a cada segundo de suas
vidas.
— Vou gozar... — Avisou, para que ela fizesse sua escolha. Mas ele já a
conhecia o bastante para saber que Sabrina engoliria até a última gota. E assim
ela fez. — Minha nossa. Isso sim é um beijo de bom dia!
Ela surgiu por debaixo dos lençóis, passando a língua pelos lábios, lhe
dando o sorriso safado que ele tanto amava.
— Bom dia, papai.
Ele adorava quando ela o chamava assim.
— Bom dia, mamãe.
Abraçaram-se e iniciaram uma sequência de beijos e carícias. Caio
escorregou sua mão para o meio das pernas de Sabrina, que deu abertura para
recebê-lo. Enterrou dois dedos em seu núcleo, fazendo-a soltar um gemido,
incitando-o a continuar com os movimentos.
— Minha vez de retribuir... — sussurrou ao pé do ouvido de sua esposa.
— Oh, sim...
Sabrina deixou-se levar pela sensação deliciosa que era ter os dedos de
Caio deslizando para dentro e para fora de sua entrada molhada.
De repente, uma batida na porta do quarto assustou o casal.
— Mama, papa?
Entreolharam-se e sorriram um para o outro.
Gabriel era um garotinho muito fofo e amável, e acordava tão cedo
quanto os pais.
— Eu amo o nosso filho, com todas as minhas forças — disse Caio,
ainda com os dedos dentro de Sabrina. — Mas esse pestinha é um tremendo
empata foda!
Sabrina riu e balançou a cabeça em negativa.
— Você já gozou, meu amor. Então quem saiu prejudicada, fui eu. Você
fica me devendo um orgasmo, querido.
Caio anuiu, tirando os dedos de dentro de Sabrina, trazendo-os até sua
boca e chupando-os com vontade.
— Você estava no ponto, querida.
— Mama? Tá aí?
— Sim, Biel! Mamãe já está indo. — E olhando para Caio sussurrou. —
Vista uma cueca, por favor.
— Você manda, patroa! — Levantou-se e procurou a cueca que deixara
no chão.
Sabrina vestia uma camisola, mas estava sem calcinha. Ajeitou-se e foi
até a porta do quarto, abrindo-a para que Gabriel pudesse entrar. Caio deitou-se
novamente na cama, esperando o filho pular em cima dele, como era de praxe
todas as manhãs.
— Bom dia, pequeno príncipe! — Sabrina pegou o filho no colo, o
garotinho abraçou-lhe e beijou seu queixo.
— Bom dia, mama.
Levando o menino para a cama, Sabrina colocou Gabriel em cima de
Caio, que puxou o filho para um abraço e beijo carinhoso. Gabriel soltava
risadinhas fofas e os pais o admiravam com adoração.
— Papa, a mama contou do meu imãozinho?
Sabrina arregalou os olhos, encarando o filho e Caio, sem saber o que
dizer.
Caio a encarou com a testa franzida, mas logo entendeu o que Gabriel
estava querendo dizer.
— Que irmãozinho, Biel? Conte para o papa. — Incentivou o filho a
contar, sem tirar os olhos de Sabrina, que segurava um sorriso.
— Mama disse que tem um imãozinho na barriga dela.
O garotinho falava devagar, atropelando-se nas palavras, mas Caio
entendia perfeitamente o que o filho estava lhe dizendo.
— É verdade, mama? — perguntou Caio, imitando a voz do filho.
Sabrina aproximou-se do marido e acariciou seu rosto.
— É verdade sim, papa. Eu ia te contar hoje à noite, em um jantar
especial, mas nosso bebê é um menino fofoqueiro.
Caio sorriu e deu um beijo rápido na esposa.
— Biel não é focoqueiro, mama — resmungou o menino, com voz
chorosa.
— É fofoqueiro, bebê. Não focoqueiro.
— Biel não é isso. — Defendeu Caio, beijando o filho na testa. — Ele é
amigão do papa.
— É! — Comemorou Gabriel, batendo palmas freneticamente.
— Tudo bem, tudo bem! — Rendeu-se Sabrina, aconchegando-se ao lado
de Caio segurando a mãozinha de seu filho. — Biel não é fofoqueiro e terá um
irmãozinho ou irmãzinha, daqui há oito meses.
— Isso é incrível, Sá. Nossa família crescendo... — Caio não conseguiu
concluir, a emoção tomando conta. — Obrigado.
— Eu que agradeço, Caio. Te amo.


Nora prendeu as pernas em torno da cintura de Lucas, a água caía sobre
os corpos quentes, o vapor tomando conta de todo o banheiro. A ideia de
tomarem banho juntos e estarem prontos mais cedo para o trabalho, não foi
realmente uma boa opção. Iam se atrasar, era um fato.
— Morde o meu ombro, bruxinha — pediu ele, continuando as estocadas
firmes. — Morde com força, vai!
O sexo com Nora era sempre intenso. Com o tempo, a garota tímida foi
se tornando uma mulher fogosa.
— Estou quase... — Gemeu, sentindo o orgasmo se aproximar.
Arranhando as costas de Lucas, Nora fez o que ele pediu. Com as
estocadas firmes, ela gozaria rápido, era sempre assim quando transavam no
chuveiro. Tomar banho juntos sempre terminava daquele jeito.
— Gostosa! — Mordeu o lóbulo da orelha de Nora, sabendo exatamente
o efeito que o ato causava nela.
— Ah...
A explosão de prazer foi tão intensa que a mordida foi mais forte do que
pretendia, mas Lucas adorava. Era um de seus fetiches. Ser marcado por Nora
era algo que lhe trazia imenso prazer.
Nora sentiu as pernas fraquejarem, mas Lucas a segurou firme e estocou
mais três vezes antes de atingir o clímax. Respiraram pesadamente com as testas
recostadas uma na outra, enquanto desfrutavam a sensação deliciosa de estarem
saciados um do outro, temporariamente. A chama da atração não se apagava
nunca, Lucas e Nora estavam sempre queimando de desejo um pelo outro.
Trabalharem no mesmo ambiente era quase uma tortura, mas ambos eram
profissionais e mantinham distância durante o expediente. Lucas permanecia em
seu escritório ou no pavilhão da oficina, enquanto Nora trabalhava no andar de
cima, cuidando da parte administrativa com Alfredo e a nova assistente, Daniela.
Com a aposentadoria definitiva da Vovózona, Nora ficara responsável por grande
parte do trabalho e Alfredo contratou uma estagiária para ajudá-los.
Lucas depositou Nora com cuidado, no chão, pegou o sabonete e esponja
e começou a esfregar o corpo de sua namorada, com gentileza e demasiada
atenção. Adorava esses momentos íntimos com ela, a cada dia se via mais
apaixonando. Era uma sensação incrível saber que depois de tudo, ali estavam,
felizes.
Sua garota passava boa parte do tempo com ele em sua casa, pois
trabalhava na oficina e a noite fazia faculdade, indo para a casa do pai somente
aos fins de semana, onde supostamente ainda residia. A maior parte das coisas de
Nora estava na casa de Lucas, que ficava à algumas quadras da oficina. Bento
permitiu que ela ficasse com ele, mas ambos sabiam que a decisão cabia mesmo
à garota, embora ela buscasse o apoio do pai.
Em dois anos e alguns meses de relacionamento, Lucas nunca se
imaginou estando com alguém por tanto tempo, até Nora. Com ela, era como se
estivessem juntos a vida toda, já não se imaginava em um mundo onde ela não
existisse, o que era maravilhoso e ao mesmo tempo apavorante. Mas apesar dos
medos, Lucas aproveitava cada dia de sua vida ao lado da mulher que amava,
grato pela segunda chance. Foram meses se recuperando do acidente que quase
tirara a sua vida, mas em momento algum esteve sozinho, o apoio da família,
amigos e principalmente, sua mulher, foram imprescindíveis. A única lembrança
daquela noite trágica, era uma cicatriz no rosto, que mesmo sendo possível
retirar com cirurgia plástica, ele optou por deixá-la. Seria sua lembrança diária
de que em um piscar de olhos, a vida pode mudar e te tirar tudo, ou te dar uma
nova oportunidade de fazer as coisas de um jeito certo.
— Acho que a Dani está apaixonada — comentou Nora, enquanto vestia
sua roupa, no quarto.
— Quem é Dani? — perguntou Lucas, observando a namorada se vestir,
enquanto se secava com uma toalha de banho.
— A estagiária que trabalha comigo, na oficina, Lucas.
Ele deu de ombros.
— Ah sim. Perdão. Ela está de namorico com o Ivan, eu vi os dois
juntos, uma noite dessas, quando fui te buscar na universidade.
— Sério?
— Uhum. Estavam no maior amasso, dentro do carro dele.
Nora riu.
— Eu estava desconfiada, mas ela é tão reservada.
— Só com você, porque com o Ivan, pelo jeito que se agarravam, ela não
parecia nenhum pouco reservada.
Terminando de se vestir, Nora se aproximou de Lucas e deu um beliscão
em seu braço.
— Vista-se logo, Lucas! Estamos atrasados — ralhou. — E pare de ficar
espiando a vida amorosa dos outros, que coisa feia!
Ele riu.
— Está bem, bruxinha. Espere-me na sala, ou vamos para um segundo
round. — Apontou para o membro rijo. — Estou pronto para outra.
— Lucas, você é impossível!
— Mas você adora!
Ela não conseguiu conter a risada.
— Vista-se, homem!
— Vou trabalhar de pau duro, por sua culpa!
— Use o truque da velhinha, te chupando sem dentadura. — gritou ela,
da sala.
— Parabéns Nora! Você acabou de me broxar.
— Vista-se! — repetiu.
— Vou aconselhar o Ivan a colocar película naquele carro...
— Não mude de assunto, Lucas Marinho. Eu estou indo para a oficina,
sozinha. Todos saberão porque chegamos atrasados, droga!
Ele sorriu e começou a se vestir.
Ótimo, é assim que eu gosto. Todos sabendo que você é minha,
bruxinha... Pensou, mas não foi maluco de dizer em voz alta.
O incidente com Ivan foi esquecido. Apesar de Lucas ser possessivo, ele
não culpava Ivan de ter se interessado por Nora, ambos eram jovens e o rapaz
não sabia sobre o relacionamento dele com Nora. Foi uma infelicidade, algo que
desestruturou Lucas na época e gerou um efeito bola de neve em sua relação
com ela. Mas serviu de lição. Assim como Nora sequer lembrava que Bárbara
um dia foi noiva de Lucas. Lucas deixou o beijo de Ivan, no passado. O rapaz
era um ótimo aprendiz, os dois se davam muito bem. Lucas estava com Nora e
todos na oficina sabiam e respeitavam a garota, tratavam-na como se ela fosse
uma das donas, e morriam de medo que ele interpretasse errado qualquer
gentileza deles para com ela. Lucas achava divertido e sentia-se o homem mais
sortudo do mundo, por ela o ter escolhido.
— Está pronto? — perguntou ela, aparecendo na porta do quarto.
Lucas se aproximou e a segurou pela cintura, acariciou seu rosto e
beijou-lhe a ponta do nariz.
— Para você? Sempre, meu amor!

2 anos depois...
Levanto-me assim que o seu nome é chamado para receber o tão sonhado
diploma. Ela está linda e o sorriso no rosto a deixa ainda mais perfeita. Sim,
minha bruxinha está se formando e eu estou aqui, na primeira fileira. Ser o
melhor amigo de uma das donas da universidade, tem suas vantagens. Todos se
levantam e batem palma para prestigiar a aluna destaque, ela para e sorri para o
fotógrafo, ao lado de Bárbara e do Reitor. Logo ela desce e volta a sentar em seu
lugar e eu a perco de vista. Mas antes disso, nossos olhares se cruzaram e eu
consegui dizer para que ela lesse meus lábios: “eu te amo”.
Ao meu lado direito está Bento, segurando seu filho, Benício, no colo. O
irmãozinho de Nora tem os traços do pai, cabelo loiro e olhos acinzentados, mas
sua carinha de sapeca é contagiante. Impossível olhar para ele e resistir aos seus
encantos. O pestinha é muito fofo.
À minha esquerda está Caio, segurando meu afilhado, Gabriel, que já
está bem grandinho para ficar no colo, mas diga isso ao meu amigo babão,
parece que ele ainda não se deu conta. Ao seu lado está Sabrina, com a linda
Evelin, em seu colo, a pequenina tem a idade de Benício, ambos tiveram a sorte
de nascer no mesmo dia. Seria o destino conspirando? Eu acredito em todas as
possibilidades.
Eu admiro a linda família que Caio e Sabrina formaram, tornaram-se pais
maravilhosos e continuam se amando ao longo dos quatro anos em que estão
casados. Antes deles, meus pais eram o único casal que me fazia acreditar que o
amor verdadeiro existia, mas eu imaginava não ser possível encontrá-lo. Tudo
bem, eu não tenho problema nenhum em dizer que estava errado. Ainda bem!
O buquê de flores que Bárbara pegou no casamento de Sabrina, lhe deu
sorte. Dois anos depois, ela e Bento se casaram, e sete meses após a cerimônia,
nasceu Benício. Não, eu não acredito que tenha sido um parto prematuro. Bento
e Bárbara acham que os pais dela caíram nessa. Coitados.
E foi na festa de casamento do meu sogro e da minha melhor amiga, que
Nora pegou o buquê. Talvez eu tenha colaborado para que isso acontecesse.
Custou-me algum dinheiro para subornar todas aquelas solteironas, mas no final,
valeu a pena. O sorriso de felicidade que ela deu ao pegar as flores, era do tipo
que dinheiro nenhum no mundo poderia pagar. E ele estava sendo direcionado a
mim. Quer mais sorte que essa?
Eu sou um filho da puta sortudo! Desculpe, mãe.
Aliás, meus pais estão aqui também, na fileira de trás. Ivan e Daniela
também, juntamente com Eulália, Vovózona e Gerônimo. Testemunhas
orgulhosas do grande momento de Nora.
Após toda a chatice da colação de grau, as tradicionais fotos para o
álbum de formatura e o jantar em um restaurante, voltamos para o salão do baile
e sentamos na mesa reservada para os convidados da formada Nora Sampaio.
Ela está ainda mais linda em seu vestido longo, vermelho, bordado com
pedrarias. O cabelo está preso em um penteado chique, que eu pretendo desfazer
mais tarde. Passarei bons minutos tirando a incontável quantidade de grampos
que deve estar escondido no meio de suas madeixas, mas eu sou um homem
paciente e persistente — muito mais persistente do que paciente, diga-se de
passagem — então poderei puxá-los do jeito que eu gosto, enquanto meto para
dentro de sua boceta linda.
Certo, não é um bom momento para ficar de pau duro. Tem crianças e
idosos aqui presentes. Mas eu não pensarei em nenhuma velhinha chupando meu
pau, sem dentaduras. Estou nervoso demais para isso.
Hoje é o grande dia, finalmente! Depois de quatro anos, eu poderei
mostrar a porra do anel de brilhantes que comprei para ela.
Minha primeira tentativa foi no casamento de Caio e Sabrina, mas após
Bento me lembrar de que Nora ingressaria na universidade, eu pisei no freio e
concluí que aquele não era o momento certo. A segunda tentativa foi no
casamento de Bento e Bárbara, mas confesso que fiquei com medo do sogrão me
dar uns cascudos por estragar seu momento, direcionando a atenção de todos
para Nora e eu. Naquela época, minha bruxinha estava na metade do seu curso
de secretariado executivo, então, segurei o anel mais uma vez. Mas como diz o
ditado: “um é pouco, dois é bom, três é demais”! Chegou o momento certo de
pedi-la em casamento e ninguém me impedirá dessa vez!
Os formados são chamados para iniciar o baile, dançando uma valsa
brega com os pais. Observo Bento dançar com Nora e a sensação que tenho é
que meu coração irá sair pela boca, eu sou o próximo. Não sou um bom
dançarino, mas o que eu não faço por ela?
É a minha vez e me aproximo da minha garota. Iniciamos passos lentos e
até que eu não sou tão ruim.
— Você está tremendo, Lucas.
Dou de ombros.
— Impressão sua, querida.
— Mesmo?
— Certamente. Acho que, quem está tremendo é você.
Ela ri e meu coração acelera ainda mais.
— Boa tentativa, moço. Mas é você quem está nervoso, não eu.
— Prove — desafio-a.
Ela me beija rapidamente e tudo à minha volta desaparece.
— Você está linda e eu estou muito orgulhoso de você.
Nora enrubesce, eu adoro quando isso acontece.
— Obrigada, por tudo.
— Tudo bem, vamos parar com esse papo. Não quer borrar sua
maquiagem, quer?
Ela sorri e morde os lábios.
— Não agora. Talvez mais tarde, no chuveiro.
Minha vez de sorrir. Aproximo-me e sussurro em seu ouvido:
— Com certeza, mais tarde. No carro, antes do chuveiro.
A música chata termina. Graças aos céus.
— Boa noite a todos, sejam bem-vindos ao baile de formatura da turma
de Secretariado Executivo...
Oh merda, é agora!
Sim, eu também paguei um bom dinheiro para o vocalista da banda me
fazer um favor.
— A primeira canção de hoje é muito especial! Foi escolhida por um dos
convidados presentes, para uma das formadas de hoje. Nora Sampaio, She Will
Be Loved, do Maroon5, especialmente para você.
Nora me encara surpresa e vejo que as lágrimas estão prestes a romper
em seus olhos. As pessoas batem palmas e começam a olhar para nós. Esta é a
hora. A banda começa a tocar a música que escolhi, para ser trilha sonora do
momento mais especial de nossas vidas. Eu sei que deveria ter escolhido alguma
do Switchfoot, a banda preferida dela. Mas quer saber? Essa é a minha história e
não um livro do Nicholas Sparks! Porque se fosse, certamente eu teria morrido
naquele acidente, então, quem escolhe a porra da trilha sonora, sou eu!
Ajoelho-me diante dela e retiro o anel do bolso, estendendo-o em sua
direção. Sorrio ao vê-la cobrir a boca com as mãos.
— Nora Sampaio, você sempre será amada. Quer se casar comigo?
— Sim, sim e sim! — Responde, sorrindo e chorando ao mesmo tempo.
Levanto-me sorrio para ela, maliciosamente.
— Eu disse que era você quem estava tremendo... — provoco, admirando
o quanto o anel fica perfeito em seu dedo.
Nora me abraça e prendo meus braços em torno dela. A banda continua
seu show, os formados e convidados continuam seu baile e nós permanecemos
ali, em um momento só nosso e de mais ninguém.
Ao nos afastarmos, beijo-a mais uma vez antes de falar em seu ouvido,
tentando soar mais alto que a música.
— Esse é um bom momento para irmos embora, borrar a sua maquiagem.
Concorda?
Seu sorriso me diz tudo o que eu preciso saber.
Sim, ela concorda.
— Saindo à francesa em três, dois, um...

♥ FIM ♥

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conhecerem essa história. É muito importante para
mim e você estará colaborando!

Muito obrigada por ler!

Beijinhos,

Evy.

Evy Maciel é gaúcha, nascida em Osório-


RS, no dia 5 de abril de 1989. Criada desde os 3 anos
de idade em Içara-SC, reside no município nos dias
atuais.
Escreveu seu primeiro romance em 2012,
intitulado O HOMEM DOS MEUS LIVROS, mas só
começou a se autopublicar na Amazon em dezembro
de 2014.
Atualmente se dedica exclusivamente a
escrever e publicar seus livros. Recentemente assumiu
a autoria de dois livros e dois contos escritos sob o
pseudônimo Tara Lynn O’Brian, no qual escreve de
forma diferente do seu estilo habitual.



WATTPAD:
@TaraLynnObrian
FACEBOOK:
FANPAGE – EVY MACIEL
GRUPO SECRETO – EVY MACIEL
PERFIL – EVY MACIEL
GRUPO SECRETO – INDECENTE IMORAL E PERIGOSO
PERFIL – TARA LYNN O’BRIAN

INSTRAGRAM:
@autora.evymaciel
@evymaciel
@migadoslivros
@taralynnbr
TWITTER:
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WEBSITE:
www.evymaciel.com.br





5 MANEIRAS DIFERENTES DE SE APAIXONAR
Reunido em 1 volume único, os 5 contos da série "Contos Sobre Encontros" que
também estão disponíveis separadamente na Amazon.


MEU QUERIDO CHEFINHO:


Bárbara nutre uma paixão platônica por Layon. Ela poderia dar sinais de seu interesse,
se ele não fosse o chefe. Mas como suportar vê-lo flertando com cada rabo de saia que
aparece e seus vários momentos de sala trancada com a namorada supermodelo, Mônica?
Finalmente, uma oportunidade única surge e ela toma uma decisão: Layon será dela,
nem que seja por uma única vez.
Sua carta de demissão está redigida e Bárbara está pronta para colocar o seu plano em
prática.


MEU QUERIDO DOUTOR:
Catarina conheceu Lucas em uma situação inesperada. Ele era o cardiologista mais
lindo que ela já havia conhecido. Para sua sorte, ele entendia das coisas do coração, e o dela
não parava de acelerar cada vez que ele se aproximava.
Um instante, um olhar, e uma vontade súbita de ficar perto. Tirar uma casquinha não
vai ser suficiente para ela, Catarina quer Lucas por inteiro, não pela metade.
Como dizer adeus quando se quer dizer “fica comigo”?




MEU QUERIDO VIZINHO:
Lua é uma garota de sorte. Com a casa só para ela por dois dias, tudo o que quer fazer é
aproveitar seu tempo livre para espionar por de trás das cortinas, seu mais novo vizinho,
tomar banho de piscina. O detalhe é que o vizinho, parece não gostar de trajes de banho
enquanto nada.
O que Lua poder fazer a respeito? Ela é uma apreciadora da beleza masculina...


MEU QUERIDO COWBOY:
Milena e Cassiano se cresceram juntos na fazenda Wonderland, mas por circunstâncias
da vida acabaram se afastando. Ela foi embora para São Paulo e não retornou à Santa Rita de
Caldas. Oito anos se passaram quando finalmente ela toma coragem e volta ao lugar que
tanto ama. E Cassiano ainda está lá, já não é mais o garoto que ela chamava de "babão", ele
havia se tornado um lindo e sexy cowboy de Wonderland.


MEU QUERIDO ESTRANHO: O GAROTO DO BAR

O amor pode aparecer em qualquer hora, em qualquer lugar ...



VOLUME ÚNICO

VOCÊ PODE ADQUIRIR OS CONTOS TAMBÉM EM VOLUME ÚNICO.



BOX
O HOMEM DOS MEUS LIVROS
O HOMEM DA MINHA VIDA
{SÉRIE HOMENS QUE AMAMOS – VOL.:1 & 1.5}
O Livro & o Conto Especial com o casal protagonista, unidos em um único volume. O HOMEM DOS
MEUS LIVROS & O HOMEM DA MINHA VIDA, fazem parte da série HOMENS QUE AMAMOS, onde
os próximos livros contarão a história de seus amigos.
SINOPSE - O HOMEM DOS MEUS LIVROS – VOL.:1
Leitora compulsiva de romances, a jovem Jules Clarkson, sempre sonhou em ter uma aventura como
as dos livros que lia. Tudo muda quando ela recebe alguns e-mails misteriosos, nada convencionais, de um
suposto admirador, que a impressiona com palavras fortes, frases de impacto e algumas promessas bastante
ousadas.
Que mal há entrar na brincadeira?
Nenhum! É nisso que ela acredita.
Entre tantas coisas, ela era muito boa em fugir, talvez esse fosse o motivo pelo qual aceita brincar
com um desconhecido, era muito mais fácil quando não tinha que olhar diretamente nos olhos da pessoa, e
talvez por isso, seus relacionamentos não fluíssem como ela esperava, pois criava expectativas demais por
um homem que só existia nas páginas de histórias fictícias.
Quando aparentemente o universo conspira a seu favor, jogando um homem lindo e totalmente real
em sua vida, Jules não sabe o que fazer a respeito. Contudo, o que Jules queria de verdade, era encontrar
alguém que a surpreendesse, que a conquistasse de maneira inesperada e que não usasse apenas métodos
clichês de aproximação. Alguns meses se passaram desde que Jules Clarkson encontrou o homem dos seus
livros. A jovem californiana que sonhava ser independente dos pais, começando sua vida adulta na cidade
de Nova Iorque, começa a se chatear com a opinião de algumas pessoas a respeito de suas realizações. Com
um ótimo emprego, um namorado que a ama e amigos com quem pode contar sempre que precisar, ela pesa
na balança o que realmente vale a pena se importar.
Mas é quando o homem misterioso deseja encontrá-la que surge a grande dúvida: Se render a um
completo desconhecido e viver sua aventura literária, ou cair na realidade de que isso pode ser muito
arriscado? Será possível encontrar o homem dos seus livros?
SINOPSE - O HOMEM DA MINHA VIDA VOL.:1,5
Alguns meses se passaram desde que Jules Clarkson encontrou o homem dos seus livros. A jovem
californiana que sonhava ser independente dos pais, começando sua vida adulta na cidade de Nova Iorque,
começa a se chatear com a opinião de algumas pessoas a respeito de suas realizações. Com um ótimo
emprego, um namorado que a ama e amigos com quem pode contar sempre que precisar, ela pesa na
balança o que realmente vale a pena se importar.


BOX
ESSE HOMEM É MEU
ESSE HOMEM SEMPRE SERÁ MEU

{SÉRIE HOMENS QUE AMAMOS – VOL.:2 & 2.5 }



O Livro & o Conto Especial com o casal protagonista, unidos em um único volume. ESSE HOMEM
É MEU & ESSE HOMEM SEMPRE SERÁ MEU, fazem parte da série HOMENS QUE AMAMOS.
SINOPSE - ESSE HOMEM É MEU:
Ela foi prometida a ele antes mesmo de nascer, cresceu sabendo a quem pertencia e, aos quinze anos,
finalmente, o conheceu.
Quando Hani viu pela primeira vez seu noivo, Zayn El Safy, mudou de ideia sobre desistir do
casamento. Ele despertou dentro dela uma paixão desconhecida. Mas Zayn não a queria como esposa, e a
constatação do fato a deixou imensamente amargurada, principalmente após presenciar uma das cenas que
marcou sua vida e definiu grande parte dos seus planos para o futuro. Ela o queria e ele seria somente dela.
Mas o que fazer para não ser apenas mais uma em sua cama?
Assim que reencontrou sua noiva prometida, Zayn não imaginou que a dona dos olhos de azeviche
pudesse ser tão dona de si. Hani havia se transformado em uma linda mulher, definitivamente, não era mais
aquela menina magricela e desengonçada a quem ele humilhou no passado. Ele a desejava, mas sabia que
por trás daquele sorriso enigmático, estava uma mulher marcada pela mágoa por aquilo que lhe fizera.
Pode o amor crescer em meio à disputa de egos?
Zayn El Safy é orgulhoso, arrogante e prepotente.
Hani Mitchell é teimosa, perspicaz e vingativa.
O confronto entre duas pessoas que se atraem, mas ao mesmo tempo se repelem, poderá ter um final
feliz?
SINOPSE - ESSE HOMEM SEMPRE SERÁ MEU:
Hani Mitchell não queria um casamento por conveniência, mas desejava para si o homem com quem
deveria se casar para honrar um acordo entre duas famílias.
Zayn El Safy passou anos tentando se acostumar com a ideia de um casamento arranjado pelos pais e,
quando finalmente se apaixonou por sua noiva prometida, ao mesmo tempo em que era correspondido,
tornar-se sua esposa estava longe dos planos da mulher que amava.
O acordo foi desfeito, as circunstâncias mudaram e um amor nasceu. Mas seria o casamento um final
feliz ideal para este conto de fadas moderno?


O HOMEM DE SANTORINI
{SÉRIE HOMENS QUE AMAMOS – VOL.:3}
Um homem, uma mulher e um desejo incontrolável.
De férias na Ilha de Santorini, para o noivado da irmã postiça com um magnata grego, Lauren Hilton
só queria curtir alguns dias de sombra e água fresca. Mas um encontro caloroso no elevador do hotel, com
um hóspede para lá de sedutor, a fez cair em tentação.
Mas e se ele fosse um destruidor de corações?
Alexios Kallias estava cansado de presenciar os casamentos fracassados de seu pai, mas ali estava ele
para mais um noivado fadado a um futuro divórcio. Porém, uma noite cheia de promessas eróticas com a
hospede de olhos cor de esmeralda, fez o jovem herdeiro apreciar sua estadia no litoral.
Mas e se ela fosse uma caçadora de fortunas?
Ser órfã, ter uma madrasta e duas meio-irmãs rabugentas, não transformavam Lauren em uma gata
borralheira. Ela sequer possuía um sapatinho de cristal, mas quando o homem de Santorini bateu na porta de
seu quarto, perguntando se ela era a dona do scarpin vermelho que lhe deu um chute por baixo da mesa
durante um jantar, ela soube que sua aventura nas ilhas gregas não seriam a releitura moderna de um conto
de fadas.
Seria muito, muito melhor...



O QUE ACONTECE EM VEGAS
FICA EM VEGAS
Quatro pecados, uma noite.
Selina Fuentes acreditou quando lhe disseram que "o que acontece em Vegas, fica em Vegas". Porém,
não foi exatamente assim.
Se soubesse que sua vida estava prestes a dar uma guinada por se aventurar na cidade do pecado, ela
repensaria suas escolhas.
Ou talvez não.
Las Vegas trouxe muita encrenca na bagagem, mas também três homens lindos, intensos e
misteriosos.
Um mafioso italiano.
Um irlandês arrogante.
Um espanhol com pinta de bad boy, disposto a protegê-la de qualquer perigo.
Tudo o que Selina precisava, era fazer a escolha certa e torcer para que sua vida entrasse nos eixos
novamente.
A roda da fortuna gira constantemente, a sorte está em jogo e o amor pode ser um pote de ouro no fim
do arco-íris. Vai depender de como ela irá encarar a situação.
Contudo, nada é o que parece ser e Selina pode estar muito longe de encontrar a solução para todos os
seus problemas.

COM AMOR, GREG


“A vida é cheia de amores e um deles será o certo, aquele que vai se encaixar perfeitamente no seu
coração.”
Até onde uma decepção pode ser responsável por suas escolhas futuras? É possível traçar objetivos
baseando-se em evitar sentimentos? Você conseguiria se impedir de amar por já ter sofrido alguma vez por
amor?
Concentrada nos estudos e no trabalho, em sua carreira promissora como especialista em Estudos
Medievais, Talia Price finalmente consegue o tão sonhado emprego no Museu Britânico. Organizar uma
grande exposição de relíquias medievais é a oportunidade perfeita para enriquecer ainda mais seu currículo,
auxiliar o curador responsável seria de grande importância e ela mal acreditava que estava finalmente
acontecendo. Tinha lutado muito para chegar até ali, sabia que não seria fácil, mas não desistiria.
Gregory Cadore jamais conseguiu esquecer seu amor do passado, mas seguiu em frente com a certeza
de ter feito o melhor pela mulher que amava, ela tinha muitos passos para dar, muitos degraus para subir.
Com uma diferença de nove anos entre eles, Greg sabia que precisava deixá-la livre, ele já tinha alcançado
muitos dos seus objetivos e não queria impedir a jovem universitária de alçar voos mais altos. Ele sabia que
um relacionamento entre aluna e professor não seria bem visto e suas carreiras prejudicadas. Por isso foi
embora, escolhendo Londres como seu novo lar, deixando Lia no auge de sua juventude.
Dez anos depois, uma mulher misteriosa chama sua atenção em um dos eventos realizados pela
administração do Museu Britânico, do qual era um dos curadores. Surpreso ao descobrir que a bela dama
será sua colega de trabalho, Gregory cogita duas possibilidades: ou o destino está lhe oferecendo uma nova
chance para ser feliz, ou finalmente resolveu castigá-lo por ter tomado uma decisão que resultou em sua
vida solitária.
“Seja feliz e nunca se esqueça: Simplifique, não complique!
Com amor, Greg.”

UM PRESENTE DO PASSADO
E se dez anos depois de sofrer a maior desilusão da sua vida, você reencontrasse por
acaso, o homem que te fez sofrer?
E se ele estivesse mais lindo, mais sexy e mais encantador do que antes?
E se você sentisse um desejo enorme de fazê-lo sentir na pele, um pouco do que ele te
fez sofrer no passado?
Lívia tornou-se uma mulher de sucesso, admirada por seu pulso firme nos negócios,
mantinha uma postura rígida e se isolou em sua própria bolha. Não possuía amigos, não se
envolvia emocionalmente. Para ela, sua empresa, a irmã mais velha e o sobrinho adolescente
eram o que mais possuía de precioso na vida. Após uma grande decepção amorosa e a trágica
perda dos pais, Lívia deixou de acreditar na possibilidade de ser feliz.
Breno Velasques do Prado estava de volta, de uma maneira inesperada. Trouxe à tona
todos os sentimentos do passado, inclusive a mágoa e a raiva que Lívia escondia dentro de
seu coração por ter sido um brinquedo nas mãos do garoto que tanto amou.
Ela estava disposta a fazê-lo entender, que a garota de dez anos atrás não existia mais.
Ela superou e seguiu em frente. Mas antes, teria que provar a si mesma que tudo o que dizia
não sentir por Breno, era realmente verdade

SOB AS ASAS DO ANJO


Um pássaro?
Um avião?
O Super-Homem?
Mil coisas se passaram na mente de Luiza, quando em sua viagem de férias ela viu algo
caindo do céu e, inevitavelmente, atropelou o Ovni.
Para sua surpresa, o objeto voador não identificado era um homem!
E estava completamente nu!
Ela tinha certeza que algo estava muito errado, mas suas desconfianças ganharam força
quando viu o enorme par de asas que ele possuía, mesmo que o próprio não as enxergasse.
Para piorar, ele não se lembrava de nada. Nem quem era, nem o que era.
O que devia ser sua tão sonhada viagem de férias, rapidamente se tornou a maior aventura de
sua vida. E também uma linda, divertida e emocionante história de amor.
Você se comprometeria a amar a mesma pessoa para sempre?
E se a vida dela dependesse do seu amor incondicional?


PROTEJA-ME
Algo misterioso e cruel espreitava as florestas gélidas da Escandinávia...
Desde que deixou seu país, alguns anos atrás, Anya não se importava com nada além
de viver sua vida de garota comum.
Depois da morte trágica da melhor amiga e sozinha em Berlim, tudo o que ela podia
fazer era cuidar de si mesma e tentar um recomeço, até que o passado a procurou na forma de
um homem tão letal quanto sedutor, capaz de trazer todos os seus fantasmas de volta à vida.
“Os homens do Norte protegem suas mulheres” ― A frase se formou em sua mente
de forma imediata, mas aquele à sua frente nada tinha a ver com o garoto de olhos
esverdeados que cresceu ao seu lado.
Depois da estranha morte de seu pai, Anya teve que retornar à Suécia ao encontro de
sua família materna. Atirada nos braços de um belo jovem de olhos azuis, a garota órfã
precisava descobrir em quem confiar.
Os laços de sangue são maiores que os laços da alma?
E as obrigações, são maiores que o amor?
Quando um mundo novo se abriu diante dos seus olhos, Anya percebeu que as lendas
que ouvia em volta da lareira não eram tão fantasiosas assim.
Em um mundo de sombras e escuridão, o desejo é a arma mais mortífera...
Você tem medo do desconhecido?
Proteja-se!

ENCONTROS E DESENCONTROS

Kassy foi desafiada por suas amigas, como nunca foge de um desafio, mesmo a contragosto, ela
aceita. Iria se sentar no colo do Papai Noel do shopping, para ser fotografada como uma criança.

Sony estava substituindo o Papai Noel por algumas horas. Aquilo era diferente de qualquer trabalho
que havia feito como modelo.

Uma provocação deliberada por parte dela.

Uma proposta tentadora por parte dele.

Uma aventura às vésperas do natal e um sentimento que surge inesperadamente, unindo duas pessoas
que se encontraram nos acasos da vida.

INSACIÁVEL IMORTAL E PERIGOSO


Romance sobrenatural, escrito por EVY MACIEL sob o pseudônimo de TARA LYNN
O'BRIAN

"O Conde Drácula nunca esteve tão sexy como nesta história."

"Erotismo e fantasia fundidos em um enredo intrigante. Uma história sexy, com uma pitada
de mistério e uma dose de sobrenatural, de forma a instigar o leitor a devorar o livro e
desvendar todos os segredos por trás do Conde Drácula."

Viktória Mészáros descobriu-se herdeira de uma antiga mansão abandonada, em uma


cidadela medieval na Romênia. Decidida a conhecer a história de seus ancestrais, ela viaja
para a Transilvânia e decide passar alguns dias na assustadora Mansão Zsigmond.
Ao caminhar pela imponente propriedade, Viktória é seduzida pela imagem de um belo
homem retratado em uma pintura, na belíssima sala vermelha. Mas quando o homem do
quadro invade seus sonhos noturnos, despertando-lhe a libido, e realizando suas fantasias
mais secretas, Viktória se assusta com a intensidade do seu desejo pelo desconhecido.
O que ela não sabe é que seus sonhos tórridos estão cada vez mais perto de se tornarem reais.
O homem que ela imaginava ser alguém do passado surge no presente e é ainda mais
irresistível que a pintura pendurada na parede. E ele a quer para si.
Insaciável, imortal e perigoso, o Conde Drácula desperta novamente. Desta vez, no
século XXI.
— Você não pode fugir de mim, porque o seu destino está em minhas mãos. Você é
minha e eu faço com você o que me der vontade.
— Quem você pensa que é para falar assim comigo?
— Eu sou Vlad Drakulya, o filho do dragão. O último Drácula.


INDECENTE IMORAL E PERIGOSO


Esse livro é da autoria de EVY MACIEL, sob o pseudônimo TARA LYNN O'BRIAN.
O pseudônimo foi criado para diferenciar os diferentes tipos de escrita da autora, que já
publica outros livros na Amazon seguindo uma outra linha de narrativa.
Aqui você encontra a mistura de narração em 1 e terceira pessoa.

SINOPSE :
Ela era proibida, mas tudo o que é proibido é mais gostoso. Não é o que diz o ditado?
Lucas Marinho adorava encontrar uma brecha para justificar suas ações.
— Não é uma questão de escolha, mas uma questão de tempo. No momento em que eu
determinar, você será minha.
Lucas Marinho está acostumado a ter suas vontades realizadas. Filho único, aos vinte e
oito anos, é herdeiro de uma franquia milionária de oficinas mecânicas para carros de luxo,
ele ama velocidade e é apaixonado pelas mulheres. Dedicado nos negócios e insaciável na
cama, jamais aceita um não como resposta.
Nora é uma garota simples, filha de pai solteiro, um gentil jardineiro que trabalha há
anos na mansão da família Marinho. Após concluir o ensino médio em um colégio de freiras,
ela vai morar com o pai em uma casa aos fundos da mansão imponente. Sem condições para
pagar a faculdade, tudo o que Nora deseja é arrumar um emprego e juntar dinheiro para
custear seus estudos.
Ao conhecer Nora, Lucas viu-se obcecado pela garota. O fato de ela ter dezessete anos não o
impediu de desejá-la. Ele não conseguia impedir que sua mente e corpo inflamassem cada
vez que a encontrava.
Nora sabia que Lucas era problema, ele não fazia questão de dizer o contrário. Ao
mesmo tempo em que os sentimentos que começava a sentir por ele a assustavam, ela não
conseguia ficar longe.
Indecente, imoral e perigoso, traz a história de duas pessoas completamente opostas,
mas dispostas a driblar suas diferenças para viver uma paixão irrefreável.


LIBIDINOSA


Explorar seus desejos mais secretos e desinibir sua sensualidade, não estava nos planos de Samanta
quando chegou a casa de seu pai, para uma semana de férias. Paco, o vizinho de sorriso sedutor e olhos
negros carregados de cobiça, lhe recepcionou de uma maneira inesquecível.
— O que pretende fazer agora que sabe que sou solteiro e moro sozinho, Samy?
— Por que a pergunta, Paco? Você gostaria que eu fizesse algo a respeito?
— Eu gostaria sim, gostaria muito. Muito mesmo.

Um conto por EVY MACIEL sob o pseudônimo Tara Lynn O'Brian.

GAROTO PROBLEMA


“Essa não é uma grande história. É apenas a minha história.
Nada de incomum ou extraordinário, somente uma garota americana ingressando na universidade
com um ano de atraso, em outro continente. Sem pais ou amigos por perto, duas malas, objetos pessoais e
algumas lembranças de pouca importância.
Nada de interessante, mesmo.
Será um recomeço, minha chance de fazer diferente, de tentar ser melhor e pela primeira vez
descobrir quem eu sou ou quem quero ser.”
Foi o que escrevi em meu caderno enquanto o táxi ia rumo à New Cross.
Não imaginava que ao deixar todos os meus problemas para trás eu encontraria outro para substituí-los à
altura. Também não fazia ideia de que ele teria um nome e sobrenome.
Hunter Stevens.
O garoto britânico tinha todos os adjetivos que eu detestava e se esforçava ao máximo para ser
desagradável a fim de que o odiasse. Também era talentoso para escrever músicas que transbordavam
emoções contraditórias, assim como tinha o dom de me tirar do sério com as porcarias que saíam de sua
boca suja.
Em momento algum cogitei a hipótese de me sentir atraída por suas tatuagens e o sorriso diabólico.
Mas admirava a fidelidade aos amigos e o instinto protetor quando se tratava de sua irmã gêmea.
Contra todas as probabilidades, eu me apaixonei.
Desde então, Hunter Stevens se tornou o meu problema favorito.

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