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Vinícius de Moraes
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@albaluccas
Morar no Condado de Dublin tem muitas vantagens que Londres
jamais vai me proporcionar, uma delas é o fato que sempre estarei bem mais
à vontade aqui, porque é meu lar, é onde cresci.
Não importa meu status social, a minha conta bancária ou a minha
posição enquanto CEO de um grande conglomerado, sempre poderei ser eu
mesmo aqui, onde as pessoas sabem quem eu sou, me conhecem para além
das mídias sociais e manchetes de jornais, irão me cumprimentar e não
tentarão tirar nenhum proveito disso.
É o que mais gosto daqui. Sou apenas mais um morador nascido e
criado em Dublin.
Andar pelas ruas de paralelepípedos, curtir os pequenos parques após
um jogo de golfe ou então ir a pubs com meus irmãos e beber sem ninguém
se aproximar da gente com um gravador, ou nos acusando pelo aquecimento
global.
Porra, esse último ano está sendo um saco!
Mas é o preço a pagar quando se é o mais velho dos herdeiros e
assume o cargo de CEO da maior petrolífera europeia.
Eu sempre soube que a cobrança sobre mim seria alta, mas, pelo
menos, eu tenho a convicção que estou fazendo a coisa certa. Desde
criança, fui educado para ser um líder, o que se concretizou na realização do
sonho dos meus pais que adotei ainda muito jovem como o meu também.
— Vai querer mais uma rodada, senhor Jeremy? — o bartender
pergunta enquanto passa o pano no balcão e vê que meu copo de uísque já
está quase seco.
Olho para o líquido âmbar e reflito, “este é meu segundo copo e não
posso exagerar porque amanhã vou buscar Julian para passar os festejos de
final de ano conosco”.
É uma tradição nossa, porém, esse ano sei que será diferente porque é
bem provável que ele não volte mais para o colégio interno.
Admito que ultimamente isso tem sido uma grande questão para mim.
Só consigo pensar em como meus irmãos me matariam se eu
persistisse com a ideia de deixá-lo no internato e em como Julian e eu
teríamos um relacionamento totalmente diferente do que tenho com o meu
pai.
E eu sabia exatamente quem é o culpado.
Preciso tirar meu filho de lá, mas se eu tirar, sei que não poderei ser o
melhor pai para Julian porque…
Bem... porra!
Sinto que não tenho sido bom em nada há anos no que diz respeito a
ele e tudo isso porque Sofia, a minha falecida esposa, nos deixou cedo
demais.
Ela fazia tudo parecer mais fácil.
Eu consegui seguir em frente e, dentro do possível, superar a sua
morte. Afinal, já se passaram catorze anos desde que ela se foi.
Nesses anos, certamente aprendi muita coisa e não sou mais o mesmo
homem. Porém, tem uma coisa que nunca muda em mim e isso afasta as
pessoas que querem tentar, nem que seja minimamente, alguma relação
afetuosa comigo.
— Não, pode fechar a conta — respondo ao barista.
Dou o último gole da bebida e deixo o copo sobre a superfície do
balcão com firmeza.
Não sou muito de encher a cara, gosto de experimentar algumas
bebidas, degustá-las, mas nunca exagerar igual a meu irmão, Noah.
Embora nos últimos meses, desde que Liam, meu sobrinho, nasceu,
Noah tem mudado alguns hábitos em prol da sua família. Beber apenas
socialmente foi uma dessas mudanças.
Pago a conta e então me despeço do barista familiar. Me levanto da
cadeira e olho ao redor, só para ter certeza de que não estou esquecendo de
nada.
Admito que, algumas vezes, quero apenas me sentir menos CEO e
mais uma pessoa como todas as outras. Quero passar despercebido na
multidão frequentar bares, fazer caminhadas pelo centro e me misturar à
multidão ignorando qualquer separação de classes sociais. Esses são
prazeres que eu não me nego.
Noah diz com frequência que não consegue me entender por eu ser
um homem com hábitos bem marcados, sou pontual em todos os meus
compromissos, costumo quase sempre usar ternos de alfaiatarias
tradicionais e, quando quer me importunar, meu irmão diz que tenho uma
aparência que me faria facilmente ser confundido com um membro da
Família Real.
Ele acredita que eu poderia ser menos rígido comigo mesmo e com os
outros, mas a verdade é que me esforço para não exigir de ninguém algo
que eu mesmo não realizaria. Ser um chefe justo é algo importante para
mim.
Antes de passar pela porta, um senhor de meia idade que está sentado
em uma banqueta, assistindo um grupo de amigos jogar dardos, me
intercepta para avisar:
— Está chovendo lá fora, rapaz.
Olho para baixo e percebo que há muitas pegadas úmidas no chão
escuro.
— Obrigado por avisar — agradeço e dou um sorriso gentil.
— Não é bom molhar esse Brook’s Brothers, não é? — diz sobre o
meu terno.
Admito que fico impressionado por ele saber disso, por ter me
avaliado na luz fraca e intimista do bar.
— Como sabe que é um Brook’s Brother? — pergunto curioso.
— Trabalhei por muitos anos em uma alfaiataria. A gente fica
familiarizado com cada tipo de costura.
Isso é impressionante.
Um olhar observador.
Isso faz muita diferença na hora dos estudos também e é o tipo de
coisa que me faz gostar de andar em lugares improváveis; pois acabo
aprendendo também e conhecimento nunca é demais.
— Tem um olhar muito apurado, senhor — elogio e então aceno para
ele. — Tenha uma ótima noite.
Abro a porta e sou agraciado com o vento gélido e noturno. As
gotículas da água da chuva molhando meu rosto e meu terno preto.
Lá fora, a rua brilha refletindo as pálidas luzes dos postes, não há
ninguém no pavimento e o silêncio junto com o frio dão um ar solitário e
taciturno.
As luzes de Natal são as únicas coisas que dão um ar feliz ao cenário.
Modéstia à parte, é um cenário decadente para um cara como eu. Mas
há uma paz ali que não consigo encontrar em um restaurante super
badalado, ou então em alguma esquina de Londres.
Geralmente, sou perseguido por pequenos grupos defensores do meio
ambiente, mas é algo que já aprendi a lidar.
Não agradamos todo mundo, não é mesmo?
— … É MELHOR TROCAR OU ENTÃO VAI PERDER A ÚNICA
GARÇONETE QUE LHE RESTA!
Saio dos meus pensamentos quando gritam ao meu lado.
Olho curioso para a direita, de onde vem a voz e me deparo com uma
bela moça de cabelo castanho e grosso, preso em um rabo de cavalo. Ela
deixa o beco do pub e parece estar muito irritada com alguém.
“Sofia...”
— Você está fazendo tempestade em copo d’água — a outra pessoa
diz para ela, e é um homem. — Não tem o direito de pedir isso também.
— Então sinto muito, porque não posso mais continuar aqui! — ela
devolve.
— Eu sinto mais ainda, porque mais uma dessa e você estará na rua!
Dizendo isso, logo em seguida se ouve o som de uma porta batendo
com força e a garota se espanta, mesmo que o barulho fosse iminente. Ela
se vira de frente para a rua de braços cruzados e não se importa de estar
pegando chuva.
Está imóvel, mas seu semblante triste.
— Oi, tudo bem aí? — pergunto ainda de longe.
Ela me olha de canto e finge não me ver ou ouvir. Se mantém de
perfil para mim, mostrando ter um nariz perfeitamente arrebitadinho e
curvilíneo.
Ok, ela está certa.
Sou só um estranho e nem é do meu costume abordar pessoas na rua
desse jeito. Mas ela é uma mulher, está sozinha e provavelmente passando
por algum tipo de sufoco.
Recebi uma boa educação dos meus pais, o suficiente, para saber que
uma dama em apuros deveria ao menos se certificar de que ela não é
invisível e de que o problema está sendo visto por outros.
Mas como ela não diz nada, acho que por algum momento eu tenha
falado baixo demais. Afinal de contas, os pingos que caem se sobressaem a
cada segundo que passa, mostrando que a chuva vai ficar mais forte daqui
uns minutos.
— Tem espaço aqui embaixo, se quiser sair da chuva… — insisto
mais um pouco.
— Olha, eu tô bem, tá legal? — ela responde antes mesmo que eu
termine de dizer algo.
Ela não parece irritada, muito menos uma ignorante, ela só tenta de
todos os jeitos não soar um dos dois.
Fico imóvel, pois acho que mereci a resposta seca.
A verdade é que ninguém está pronto para responder gentileza com
gentileza, mas se a pessoa já não está tendo um bom dia, como esta garota,
esse tipo de resposta rude não é de se estranhar.
Ela está no modo defensivo, mas só quero ajudar. Então, permaneço
ali para me certificar de que ela está bem.
— Não é porque você está usando um terno caro que vou te dar bola.
— Continua a moça, parecendo que diz isso mais para ela do que para mim,
como se estivesse tentando provar alguma coisa para si mesma. — Por que
será que todo homem pensa que as mulheres são como peixes ansiosos para
serem capturados com linha e anzol?
Penso por três segundos, mas acabo rindo. Disfarço, claro, para que
ela não ache que estou rindo dela.
— Só estou tentando ajudá-la. Não sei o que está acontecendo, então
pensei que uma gentileza pudesse melhorar a sua noite.
Quando a olho, ela continua encarando a rua e balança a cabeça de
um lado para o outro, como se estivesse discordando impacientemente de
mim.
— Não ajudou, amigo — enfatiza. — Mas agradeço a tentativa.
— E há alguma maneira de ajudar?
Ela ri desacreditada e então olha para mim.
Porra, ela é linda pra cacete!
Parece até uma boneca de tão perfeita e mesmo sob a meia luz
consigo distinguir perfeitamente seus traços suaves e, ao mesmo tempo, tão
fortes. Como os olhos, a boca carnuda e o queixo arrebitado e bem
delineado.
Parece uma princesa embora não fale como uma.
— Seja lá o que você quer, nem tente. Não estou nem um pouco
interessada. — avisa e pelo seu tom, é como se ela não estivesse nem um
pouco surpresa com o tipo de proposta que acredita que eu estava prestes a
fazer.
— E o que faz você pensar que quero algo com você? — pergunto
curioso.
Isso faz com que ela me olhe de cima a baixo, em uma rápida
avaliação que nenhuma mulher foi capaz de fazer antes, tanto que me sinto
até um pouco desconfortável.
— Conheço o seu tipo. São homens que por usarem ternos e gravatas
e terem um carro legal, tem poder sobre tudo e todos. E há poucas razões
para estarem em lugares como este, em um lugarzinho tão escondido do
condado.
— Tipo o quê? — Tiro as mãos dos bolsos da calça e cruzo os braços.
Tudo o que ela diz pode estar me ofendendo, mas
surpreendentemente, me deixa curioso. Acho que é a primeira vez que de
fato converso com alguém desde o momento em que cheguei aqui, há uma
hora.
Ela dá de ombros e olha para o céu escuro, como se as respostas
estivessem lá.
— Traição, fetiches ou se escondendo de alguém. — Então olha para
mim, com aqueles olhos amendoados e tão penetrantes. — Ou então
afundando alguma mágoa, que ninguém mais pode ver. Acertei algum
motivo?
Não respondo de imediato, mas ela dá um sorrisinho arrogante
quando o meu silêncio parece dizer muito.
Eu me aproximo dela e quando quer recuar, aviso:
— Por favor, apenas saia dessa chuva. Não vou te fazer mal algum, já
tenho problemas demais. Só que você está certa e não vou dizer em qual
dos motivos, pois não pretendo expor a minha vida para uma completa
estranha.
A garota arqueia as sobrancelhas, como se eu tivesse dito algo óbvio.
— Agora me entende? Você é um estranho para mim. Não vou e nem
quero dar corda pra você.
— Já está fazendo isso, boneca — respaldo percebendo suas
bochechas ruborizando no mesmo instante e com certeza não é pelo frio.
— Boneca?
— Prefere que a chame você de rato molhado?
— Rato molhado?! — ela repete chocada e sorrio.
E claro, não direi que sua blusa branca úmida está deixando seu sutiã
rosa visível. Mas também não encaro descaradamente ao ponto de deixá-la
envergonhada, ou pensando que sou um pervertido.
Mas, porra, que belo par de seios!
— Que abusado! — Ela dá uma risadinha e então se vira.
— Eu não quis ser invasivo ou nada do tipo. Apenas fiquei
preocupado com seu estado e quis ajudar — digo sorrindo, mas confesso
que estou surpreso comigo mesmo, já que, geralmente, dispenso
brincadeiras.
Não costumo provocar desconhecidas por diversão. Essa deve ser a
primeira vez.
De modo geral, sou extremamente reservado, mas há algo nela que
me impele a querer saber mais a seu respeito.
— Bom, desconhecido, agradeço a sua vontade de me ajudar, mas não
há nada a ser feito. Eu já estou acostumada com essas injustiças que
acontecem no local de trabalho, e como sou apenas uma funcionária, devo
ficar engolindo sapo ou, então, como você ouviu, estarei na rua.
Agora ela explica de uma forma mais tranquila, como se estivesse
aliviada, ou esquecido do que a chamei minutos atrás.
— Você não é apenas uma funcionária, faz parte de um todo. Sem
você, esse lugar não funcionaria.
Seu sorriso se amplia um pouco, mas seus olhos continuam tristes.
— Eu queria que meu chefe pensasse a mesma coisa.
— Posso conversar com ele e convencê-lo, se quiser.
— Nem se incomode. — Ela faz um gesto com a mão, banalizando a
questão. — Será uma perda de tempo. O meu chefe é cabeça dura, ele só
vai se mancar quando perder tudo e espero que não demore.
— Parece justo, mas aí você ficaria sem emprego também, não é?
— Mas ainda assim, ele sairia perdendo — avalia. — Não estou
jogando uma praga ou desejando mal a ele, mas o karma funciona e se ele
continuar desse jeito, irá perder até os fornecedores.
Isso me fez desejar nunca mais colocar os pés ali.
Ainda não sei o que está acontecendo, mas só de ouvi-la falar já fico
com o estômago embrulhado.
Nem consigo imaginar a companhia da minha família com uma
reputação dessas, por isso tratamos nossos funcionários como
colaboradores, partes fundamentais da engrenagem.
— De fato. E o que você faz lá? Não vi você servindo — pergunto
franzindo o cenho, mas ela fica vermelha de novo.
— Eu já tinha terminado meu expediente e fiquei na dispensa
chorando depois que um babaca passou a mão em mim. Eu não queria que
alguém me vissem com o rosto inchado, mas todos ali sabiam o que estava
acontecendo.
Olho em direção ao pub.
Porra!
Ouvir aquilo me fez sentir algo irracional. Uma vontade
inexplicável de entrar uma última vez naquele pub pra descobrir quem foi o
miserável e fazê-lo engolir os dentes a socos. E eu nem sou um homem
violento.
— Qual é o seu nome?
Penso que poderia oferecer a ela um emprego na mansão O´Donnell,
ou até mesmo, na sede da companhia em Londres, de acordo com as
qualificações que ela possuir. No entanto, em resposta, a garota apenas
balança a cabeça negativamente.
— Meu nome não é da sua conta. Esqueça, não preciso de sua
piedade.
— Como é que é? — ela precisava ser tão insolente?
— Você provavelmente vai dizer que tem uma empresa e agora quer
me oferecer um trabalho muito melhor do que o meu atual, não é mesmo?
Mas da primeira vez que me fizeram uma proposta como essa e, trouxa,
aceitei, acredite, quase fui traficada.
Meu cérebro recebe o choque dessa informação e por um instante
tento processa erro que acabei de ouvir. Tomo fôlego antes de deixar claro:
— Sei que não nos conhecemos e, segundo o que você acaba de
afirmar, passou por situações que te colocaram em risco. Eu cogitei sim de
oferecer uma oportunidade de emprego. Contudo, entendo que confiar em
um estranho é algo difícil pra você. Só posso dizer que jamais faria mal
intencionalmente a alguém, independente do sexo.
— E acredito em você. Acredito que realmente acha que isso é
verdade. — ela diz me olhando bem no fundo dos meus olhos como se
tentasse e quase conseguisse enxergar a minha alma. E é quando sinto uma
conexão se estabelecer entre nós. Mas o que é isso? O que essa garota me
faz sentir?
E, de algum modo, percebo que ela também sente essa ligação
intensa entre nós. É quase palpável. Talvez, por isso ela ainda está aqui
falando comigo ao invés de ir embora, mas ela desvia o olhar,
repentinamente.
— Mas sempre começa assim, então vou me abster de boas
intenções, por ora. Afinal, de boas intenções o inferno está cheio, não é
mesmo? — a moça retoma seu tom desconfiado — Entenda, não estou o
acusando de nada, apenas sendo precavida.
E então, ela começa a andar na direção contrária. Se afastando de
mim.
— Aonde está indo? — pergunto enquanto continuo parado debaixo
de uma pequena cobertura.
— PARA CASA! — ela grita quando ganha uma certa distância. —
TENHA UMA BOA NOITE, ESTRANHO.
Eu não irei atrás dela, como eu disse, tenho problemas maiores que
essa moça desaforada. Ofereci ajuda, mas ela não aceitou. Fim da história.
Não estou aborrecido por isso, muito pelo contrário, ela só se
mostrou ser uma mulher firme e que sabe o que é melhor pra si.
Não posso julgá-la por ser cuidadosa, pois ela está absolutamente
certa.
No entanto, indo exatamente na contramão do que acabei de dizer
que faria, entro no meu carro e, por alguma razão que eu não consigo fazer
sentido, a acompanho a uma distância razoável. Não quero que ela pense
que sou algum pervertido ou stalker, só fiquei realmente preocupado com
seu estado depois do que ela disse ter passado. Queria ter certeza que ela
ficaria bem e que chegaria ao seu destino em segurança. Era algo que eu
simplesmente precisava ter certeza.
Paro um quarteirão antes do ponto onde ela está esperando o ônibus,
e quando o pega, sigo o transporte até chegar em um bairro residencial.
Fico com o carro desligado e quieto, até o ônibus partir e perceber
que ela anda até uma casa modesta e destranca a porta com a sua chave.
Antes dela entrar, aquela moça que presumo ter pouco mais de vinte
anos, se vira na minha direção. Ela acena se despedindo, como se o tempo
todo soubesse que a seguia, e então entra. Eu não consegui acenar de volta
depois de ser flagrado e vou embora me sentindo completamente ridículo.
Um grande idiota.
Se não conhecesse Jane, diria que a proposta era uma cilada pelo
simples fato da função que vou ter de cuidar de um cachorro.
Passear, é uma coisa, mas, cuidar?!
Eu só consigo pensar em como alguém decide ter um cachorro se mal
pode cuidar dele.
Mas não estou reclamando, afinal se foi a Jane que me indicou este
serviço, confiarei cegamente nela.
E nos dias que seguiram à sua proposta, não trabalhei mais como
faxineira, apenas esperei a sua ligação, como ela bem me instruiu a fazer.
Foi então que recebi o endereço e a data exata de quando começaria.
Agora estou diante da enorme porta de entrada da enorme mansão,
fazendo a casa da família Bergman parecer um barraco perto daqui.
A única coisa que ouvi falar, é que os moradores são donos de uma
petrolífera, mas não param aqui devido ao trabalho e passam mais tempo
em Londres. Não fiz questão de pesquisar sobre eles, mas sobre o tipo de
cachorro que teria de lidar.
— Audrey! — Jane se ilumina ao me ver, erguendo seus braços na
minha direção conforme se aproxima para um abraço. — Seja bem-vinda!
— Obrigada, Jane. — Eu a abraço, mas não consigo fingir costume
com o vestíbulo enorme, que mais parece um castelo. — Uau, aqui é lindo.
O chão de mármore brilha, o lustre no centro parece uma joia
pendendo sobre nossas cabeças e tudo aqui reluz em dourado, lembrando
ouro.
— Mas é tão silenciosa — comento.
— Os dias agitados aqui são raros — ela explica. — Mas logo será
verão e Julian estará aqui.
— Quem é Julian?
Seu sorriso abre mais ainda.
Jane começa a andar em direção a um outro cômodo da casa, onde há
poltronas e sofás, uma enorme lareira e uma estante que vai do chão ao teto.
— É o filho do Jeremy, o mais velho dos irmãos. Jeremy, Noah e Ian.
Nessa ordem. Julian ama o Theo, então eles irão brincar bastante.
— Imagino que nesse meio tempo estarei dispensada das minhas
tarefas — reflito.
— Não sabemos ao certo, Audrey. Pode ser que eles fiquem em
Londres, não sei ainda a programação da família para as férias de verão.
— Entendo. — Olho para a cornija da lareira e vejo alguns porta-
retratos. — É a família O’Donnell? — Vou me aproximando e logo atrás de
mim, Jane confirma:
— Sim, mas precisa ser atualizada. Agora tem Meredith e Liam na
família, mulher e filho do Noah.
Olho para as fotos que parecem ser a ordem cronológica deles.
Imagino que sejam naturalmente irlandeses, pois quando mais novos
possuíam muitas das características. Na adolescência, já eram rapazes
bonitos que deveriam deixar muitas meninas apaixonadas. E, agora, no
futuro, parecem homens feitos, de negócios e que venceram na vida.
Um deles é ruivo, quase loiro, o outro tem o cabelo escuro e parece
ser o mais novo, e o terceiro…
O terceiro…
Fico parada por alguns segundos.
Não pode ser ele.
Me aproximo e não satisfeita, pego o quadro com as mãos para olhar
mais de perto.
— Meus meninos são lindos, não é? — Jane pergunta toda boba.
Balbucio alguma coisa, mas não consigo acreditar no que meus olhos
veem.
— Quem é quem aqui, Jane? — pergunto como se estivesse apenas
curiosa.
— Oh, vejamos. — Ela se aproxima e analisa a foto. — Este mais
novo é o Ian, o ruivo é o Noah e este altão com pinta de galã de novela é o
Jeremy.
Jeremy...
É ele.
O homem que conversou comigo naquela noite desastrosa no Temple
Bar, no meu antigo trabalho. Ele foi legal comigo e o tratei como trataria
qualquer um dos cretinos que me assediavam no pub porque achei que no
final das contas ele seria igual a todos.
Mas, bem lá no fundo, algo me dizia que ele era diferente. Não foram
suas roupas caras, nem o perfume delicioso que vinha dele e parecia até
hoje impresso na minha mente, mas foi algo em seus olhos. Quando aqueles
olhos se prenderam aos meus, senti meu coração disparar e vi neles
sinceridade.
Mesmo assim, o tratei da forma mais rude que pude. Era desse jeito
que eu aprendi a lidar com homens estranhos que me abordam. Eles sempre
querem tirar algo de mim e minha vontade não parece importar para
maioria das vezes
Mas aquele desconhecido, estava preocupado com meu bem-estar. E o
que eu mais me impressionou naquela nossa conversa sob a chuva foi que
em nenhum momento ele tentou me tocar.
Mas, agora, vim parar na sua mansão, porque ele é o CEO da
Petrolífera O´Donnell. Um bilionário. Meu Deus! O que esse homem fazia
ali naquela noite?
Fico tão em choque que nem percebo quando o cachorro entra na sala
superfeliz para me receber. Deixo o porta-retratos de lado e começo a fazer
carinho nele.
É um Golden Retriever e parece contente em me conhecer.
Mesmo que esteja afagando com as mãos seus pelos sedosos e
brilhantes, não consigo tirar os olhos das fotos por descobrir finalmente
quem é o homem misterioso...
O único que ficou por tanto tempo em meus pensamentos.
Acordo mais cedo do que o normal.
Os últimos dias foram estressantes e não tive tempo o suficiente para
praticar qualquer atividade física.
Lá, no fundo, sei que a falta disso é o que vem me causando grande
incômodo em minha rotina.
Então, hoje, resolvi mudar.
Tomo um banho rápido só para despertar o corpo e visto uma calça de
moletom com blusa de desporto.
É verão e apesar de ainda estar clareando o dia, já sei que ficará
quente nas próximas horas, principalmente quando estiver suado.
Saio do meu apartamento que fica em Chelsea e sigo com destino à
Hyde Park, pois não irei demorar mais que uma hora para chegar.
As calçadas ainda estão vazias, embora, em geral essa parte de
Londres seja bem tranquila.
Passo por muitas casas de luxo e carros caros que fazem as ruas
parecerem uma vitrine.
Mas estou focado em meus pés.
Penso em como eles são fortes e ágeis, me permitindo ter como hobby
a liberdade de correr.
Não faço pausas e não desacelero meu ritmo, nem mesmo quando o
coração está batendo a mil por hora, ou quando os pulmões estão ardendo à
procura de qualquer fôlego existente.
Dou tudo de mim, na corrida, porque sempre é assim.
O primogênito, o irmão mais velho, CEO da maior petrolífera
europeia...
Nasci com este destino e desde muito novo, antes mesmo de aprender
a ler, já fui avisado sobre as minhas responsabilidades futuras. Então, tudo o
que fiz até aqui, todas as minhas conquistas, não foi porque nasci
privilegiado, foi porque agarrei meu destino.
Não deixei de lutar até que conseguisse concluir todas as etapas que
necessitava.
Pensar em como cheguei até aqui é o que me motiva a pegar mais
impulso na corrida. Não gosto de pensar em derrotas e motivos baixos
como combustão, pois já usei deste artifício antes e hoje ele não é mais útil
para mim.
Quando chego ao Hyde Park, paro perto do parquinho das crianças
que está vazio.
Eu e os guardas somos os únicos aqui.
Respiro fundo, arfando com dificuldade, afinal já tenho trinta e oito
anos e é um deleite que ainda tenha tanto fôlego.
Modéstia à parte, dos meus irmãos eu sou o menos sedentário. Gosto
de praticar esportes e atividades ao ar livre, como velejar, esquiar e até
mesmo caçar. São coisas que me fazem desconectar da realidade e me sentir
pleno.
Tomo água do bebedouro público.
Se a minha mãe ainda estivesse viva, ela me mataria por isso, mas não
tenho frescuras, estou cansado e com sede, e essa é a única fonte de água
limpa disponível.
Me deito na grama, debaixo da sombra de uma árvore e aqui fico.
Olho o meu relógio para verificar minha atividade e meu desempenho e, por
incrível que pareça, ainda fui lento.
Achou graça?
Afinal de contas é irônico em como estamos dando tudo de si,
achando que está tudo indo melhor do que se esperava para quando ver o
resultado, descobrir que poderia ter sido melhor, ou que já houve vezes
melhores do que isso.
É frustrante.
Mas nem todos os dias são iguais aos outros e preciso realmente levar
isso em consideração, principalmente no âmbito do trabalho.
Hoje, tenho algumas reuniões importantes antes de darmos largada às
férias de verão e não sei como o dia vai correr, mas preciso colocar meus
pés para trabalharem já.
Volto para casa andando, as vezes, dou uma corridinha, e, então,
caminho. Fico intercalando entre um e outro, até chegar em casa e ir direto
para meu telefone e verificar a caixa de mensagens enquanto preparo meu
café da manhã.
Alguns avisos de Mandy sobre as reuniões de hoje, meu pai
perguntando quando vou para Dublin e o último pin é um aviso da diretora
da escola preparatória do meu filho, um lembretezinho de que as férias irão
começar.
Como se precisasse de mais avisos.
Desde o Natal, Julian vem falando sobre como quer sair daquele
colégio e não quer voltar para lá depois das férias. Todo final de semana
quando eu ligava para saber se estava tudo bem, ele fazia questão de me
lembrar. Então, uns dias antes dele entrar oficialmente de férias, já deixei o
jatinho pronto para buscá-lo em Durham e levá-lo para Dublin, onde
passaremos as férias.
Bem, onde eu ficarei.
Quando termino de tomar meu café, subo para o quarto e vou para o
banheiro.
Apenas uma chuveirada gelada me despertará e tirará toda essa
canseira que a corrida me deu.
Eu me sinto revigorado.
Seria melhor ainda se tivesse como dar uma trepada, ou bater uma
punheta, mas nem isso.
Tem sido tempos difíceis para mim, em termos sexuais. Isso porque
não sou igual aos meus irmãos e não trato sexo como algo banal. Sexo, para
mim, sempre vai ser como não só a união de dois corpos, mas também a
junção de duas almas e não quero que qualquer pessoa esteja conectada a
minha.
Ironicamente, não sou o mais romântico ou o mais expressivo dos
três.
Sentimentos é algo que não estou habituado a expressar; um dia já
estive, era fácil, no entanto, desde que Sofia, a minha falecida esposa, se
foi, as coisas não foram mais fáceis.
Não porque estive recluso, mas porque as pessoas só tendem a piorar.
Eu não culpo o amor, culpo as pessoas por não saberem amar.
Desde Sofia, meu coração não esteve em mais nenhum outro lugar,
mas observo e sei quando não é o momento certo para me entregar.
Assim tem sido há malditos catorze anos...
Às vezes, me divirto um pouco em segredo, não gosto nem mesmo de
contar aos meus irmãos sobre as minhas relações supérfluas que servem
apenas para satisfazer os sacrilégios dos meus desejos.
Mas, às vezes, quando estou sozinho, tudo o que penso é em uma
boca carnuda, macia, suave e uma língua sagaz em volta do meu pau duro.
Penso nos olhos, no par de olhos cor de mel e no rostinho de boneca se
contorcendo em prazer.
Meu pau chega a latejar e quando me dou conta, já estou
completamente focado em me dar prazer pensando naquele rosto.
Porra, o quanto isso é errado?
Devo ser um completo fodido da cabeça, mesmo!
Mas, em minha defesa, mal sei o seu nome e mal a conheço. Apesar
de saber muito pouco, é o suficiente para saber que ela jamais se orgulharia
deste ato, que só estaria provando que sou mais um dos caras de terno e
gravata que a importunam.
Isso me enoja, pois, não quero ser esse tipo de canalha.
Mas, por que ela?
Por que nos últimos meses tudo o que estive pensando foi naquela
jovem misteriosa?
Acho que pelo fato de não saber quem ela é, me faz sentir menos
culpado quando agarro meu pau e me toco pensando nela. Contudo, queria
saber de quem ela se trata.
Fui outras vezes naquele maldito pub, mas em nenhuma das vezes a
reencontrei. Talvez tenha sido despedida, ou teve a coragem de se demitir.
Não sei.
De qualquer forma, não voltei mais lá e preferi viver uma obsessão
secreta, um desejo e curiosidade platônica pela moça do pubzinho em
Dublin.
E me surpreende que meu interesse esteja em alguém que mal sei o
nome.
Eu poderia acordar para a vida, se ela não aparecesse em meus
sonhos.
Aquela boneca é meu maldito e delicioso segredo.
Quando estou vestido para o trabalho, de terno e gravata, assumindo a
imagem de CEO bem-sucedido e poderoso ao ponto de intimidar qualquer
um, nem parece que enfrento tais problemas pessoais. No entanto, por estar
há catorze anos sem assumir um relacionamento sério, meu status civil já
foi tema de matérias de revistas, o que chega a ser questionável o conteúdo
dessas editoras.
De qualquer forma, no trabalho é onde esqueço esses mínimos
problemas. Então, vou para meu escritório e sigo com a programação do
dia.
— Ele não faz ideia de que estou o esperando — digo a Noah pelo
celular.
— Com certeza o garoto vai ficar muito feliz e criar altas
expectativas, então é bom que você dê o que ele quer — meu irmão diz,
muito provavelmente em Burford, fugindo um pouco da agitação da cidade
com a família.
— Errata, não vou dar isso porque ele quer, vou dar isso porque
Julian merece e porque vou tentar consertar as coisas entre nós, causadas
por mim mesmo — corrijo e ouço meu irmão bufar do outro lado da linha.
— Bom, pelo menos você tem consciência disso.
— Não sou esse canalha que você acha que sou, irmão. — Ouço sua
risadinha que diz concordar, mas o cretino nega:
— Eu nunca disse tamanha blasfêmia, é você mesmo quem está
dizendo.
Quando olho pela janela, vejo o jatinho em que Julian está, pousando
e sinto meu coração bater forte.
Estou ansioso por sua reação.
— Ele chegou — aviso. — Me deseje sorte.
Noah bufa e por mais que estamos distantes, posso vislumbrar seus
olhos revirando.
— É seu filho, vou desejar a você paciência, porque sorte você já tem
e muita, meu irmão.
— Tenho minhas dúvidas sobre isso. Vejo você em breve.
Desligo o celular assim que meu irmão se despede enquanto não
consigo tirar os olhos do jatinho. Vejo descerem a escada e poucos
segundos depois Julian surgir, em seu encalço vem Jane, a nossa
governanta.
Ambos estão sorridentes.
Parece que a viagem foi agradável, ou, talvez Julian já esteja
esperançoso por nunca mais voltar para aquele colégio interno.
Quando os dois já estão próximos o suficiente, me apresso para sair
do SUV e fazer a surpresa. Fico parado, com as mãos enfiadas nos bolsos
da calça jeans, mantendo um sorriso amigável.
Assim que me vê, Julian parece surpreso, mas não muito. Ele pisca
atônito e analisa a situação, o que me deixa nervoso.
Jurava que teria uma reação mais espontânea e alegre da sua parte,
mas tudo o que recebo é uma reação fria e um pouco indiferente.
Onde está aquele sorriso de poucos segundos atrás?
— Bem-vindo de volta! — vocifero tentando quebrar o gelo.
Julian me dá um sorriso amarelado, sem ânimo algum.
— Obrigado.
— Achei que estaria mais animado — comento.
— Estou animado.
— Bem, não é o que parece — ressalto e olho rapidamente para Jane,
que demonstra estar alheia, mas sei que seus ouvidos estão bem atentos.
Então Julian pisca seus olhos azuis, provenientes da sua falecida mãe,
fazendo o brilho do sol iluminar suas pestanas ruivas.
Um traço bem forte da nossa família que apenas Noah, e agora Liam,
foram capazes de herdar.
Ao me analisar de cima a baixo, meu filho indaga:
— Quantas reuniões milionárias o senhor teve que cancelar para estar
aqui?
Ah...
Ah, então, é isso.
Solto um suspiro.
Não me surpreende que ele tenha essa dúvida, afinal entendo que já
errei muito tentando acertar com meu filho.
Eu o magoei quando achei que estava arrebentando e mesmo com
todos os meus esforços, a falta de sinceridade em meus atos chegou a ser
mais pungente que a minha ausência.
Por isso Julian está desse jeito.
Solto um pigarro antes de responder com um certo orgulho:
— Nenhuma, porque estou de férias para curtir o verão com você. —
Sinto um prazer em dizer isso, principalmente quando seus olhos se
iluminam e mesmo assim, Julian se contém.
Ele balança a cabeça e encara os tênis All Star, tão típico do seu tio,
Ian.
— Hum, legal.
Ele vai até o porta-malas e guarda as suas coisas enquanto continuo
parado e lanço um olhar de socorro para Jane, que trabalha há anos para a
nossa família.
— Ele está cansado da viagem e quando digerir tudo, irá ficar
bastante animado — ela justifica com o seu jeitinho de mãezona.
— Imagino que não seja atípico que o filho venha a herdar traços de
personalidade do pai — comento me sentindo envergonhado.
Jane dá uma risadinha descrente.
— Não seja tão cruel com si mesmo, senhor Jeremy — diz
docemente.
Ela é tão amável e íntima da família, que a gente se recusa a fazer
qualquer programação sem envolvê-la. Jane participa de tudo, e agora ela e
meu pai não ficarão tão sozinhos na mansão de Dublin.
Ela completa:
— Julian está em fase de crescimento, é a pré-adolescência, como o
senhor bem deve saber.
— Sim, Jane. Infelizmente sei como é essa fase. E se você bem
lembra, por isso tenho motivos o suficiente para não ter orgulho dela.
Jane começa a rir em concordância.
Junto a Noah, eu aprontava todas.
Papai vive dizendo que o que tenho de quieto agora, não era na minha
adolescência, e isso é um fato.
Como que para chamar atenção, Julian entra no carro e bate com
força a porta. Olhamos na sua direção então ele abaixa a janela e pergunta:
— Vamos?
— Vamos — respondo assentindo e entro no lado do motorista.
Meus irmãos e eu não gostamos muito de ter motoristas particulares,
usamos apenas em momentos bem específicos, como eventos. Gostamos de
ter a liberdade de guiar por onde quisermos ir, sem estar dando ordens e
mais ordens.
Saímos do aeroporto e seguimos em direção a mansão que fica em
Malahide, a dezesseis quilômetros do centro de Dublin, ao norte da capital.
Um lugar calmo, com campos e mais perto do mar, nos
proporcionando praias incríveis para usufruir no verão.
A minha parte favorita é o porto, onde tenho meu barco ancorado e o
clube de Golfe.
Durante o trajeto, Julian não diz muita coisa, até porque tenho
pensado em deixar o melhor para o final. Todos já sabem da notícia, menos
ele, porque essa será uma surpresa.
Mas não penso muito e nem crio expectativas depois do nosso
reencontro não ter sido dos melhores.
Só quando estamos perto de casa, Julian parece se lembrar de algo:
— E o Theo?
Theo, é o bendito cachorro que Ian me deu de presente no último
Natal e que Julian amou.
— Jane me relatou que foi contratada uma cuidadora de cães
recentemente — explico.
Confesso que não sei muita coisa sobre o cachorro até porque não é
como se ele fosse a minha maior preocupação nos últimos tempos.
E sim, eu amo cães, mas não me apego mais muito a eles, desde que
meu último cão morreu de saudade de Sofia depois que ela faleceu. E tudo
o que conseguia pensar era: “Porra, como queria poder acabar com toda
essa dor assim...”.
No entanto, tive de enterrar a dor com o tempo e não deixá-la acabar
comigo.
— Ele ficou grande muito rápido e sou velha, não consigo dar conta
dele sozinha. Tivemos de contratar alguém para servir somente ao cão —
Jane complementa.
— Mas… Um cuidador de cães?! — Julian indaga profundamente
incrédulo, fazendo Jane sorrir. — Tipo, cuidador de idoso?
Desta vez, Jane e eu rimos.
Mas confesso que também estou curioso para saber mais sobre isso.
— É, tipo isso, Julian. Ela faz companhia a ele, o dia todo — Jane
explica melhor. — Theo ama passear, então ela sai com ele umas três vezes
ao dia.
— Talvez a gente não precise mais dos serviços dela agora que
estamos aqui — pronuncio.
— Mas o cachorro continuará precisando quando formos embora —
Julian comenta e há um pouco de tristeza em sua voz.
Não digo mais nada, muito menos Jane porque já sabemos o quão
Julian está equivocado.
E quando chegamos à mansão, o portão duplo de ferro torcido abre
assim que digito o código de segurança.
A trilha de terra batida que nos leva até a mansão é flanqueada por
enormes árvores pomposas, que fazem alusão a uma floresta ao nosso redor.
Dentro de nossas terras há diversas trilhas onde podemos nos
aventurar.
O carro contorna o chafariz que está ligado nessa manhã e ficará
assim até o final do verão.
Deixo o carro em ponto morto e então Jane sai, dizendo que vai
chamar o nosso segurança para ajudar com as malas, mas, na verdade, ela
só está me dando espaço e tempo enquanto dou a notícia a Julian.
— O cachorro terá a gente — concluo a conversa sobre o cachorro.
— Ele terá a você, Julian.
Meu filho me olha atônito, com o cenho franzido.
— O que o senhor quer dizer? — pergunta um pouco nervoso, como
se já tivesse esperança do que está por vir.
— Você não vai mais voltar para aquele colégio em Durham —
anuncio calmamente para que ele tenha tempo de digerir a notícia. — Você
vai morar comigo, Julian. Vamos para Londres e levaremos Theo com a
gente.
Espero que ele abra um sorriso, que pule em meus braços e tenha
qualquer reação empolgante. No entanto, para a minha grande surpresa,
Julian continua inexpressivo, sem demonstrar um pingo de alegria com a
surpresa.
Confesso que isso me abala ao ponto de me irritar.
— O que foi, filho? Não gostou da novidade?
— Sim, gostei. Mas me pergunto se não continuará a mesma coisa —
justifica.
— A mesma coisa? — repito as suas palavras.
— Sim.
— Que coisa?
Antes que ele possa responder, um latido incontrolável explode no
vestíbulo da mansão, ecoando como um chamado animado, roubando a
atenção de Julian de mim.
Bom, pelo menos alguém está animado nessa casa.
— Theo! — Julian exclama subindo a escada.
Ele e o cachorro se encontram ainda na soleira da porta dupla.
Os pelos dourados do cachorro se confundem ao cabelo loiro de
Julian, que mesmo de joelhos no chão, fica menor que o cachorro que pula
em cima dele como se fosse um brinquedo novo.
Estou subindo a escada calmamente, quando ouço uma voz dizer por
trás da parede, escondida:
— Ele ama quando a casa está cheia.
Meu coração vai de zero a mil.
“Não é possível!
Eu conheço essa voz!”
Me apresso para entrar, mas sem parecer afobado. Tento não
demonstrar muito choque também, mas é inevitável quando entro e a
primeira pessoa que vejo é ela.
A minha boneca...
A moça chateada do bar.
Ela é real e agora está mais linda do que nunca à luz do dia, com o
longo cabelo ondulado solto, caindo como cascata na frente dos seios fartos
que se exibem pelo decote do seu vestido romântico.
Estou prendendo meu fôlego, mas algo no meio das minhas calças
também se aperta.
“Aqui não, amigão.”
— Você… — digo.
Seus olhos castanhos que estão bem mais vivos e hipnotizantes nesta
manhã, me envolvem quando se arregalam em surpresa.
— Eu?
Ela não está me reconhecendo?!
Não esperava me ver?
Há tantas fotos minhas nessa casa!
A surpresa disso me deixa paralisado, tanto que quando me dou conta,
ela está fazendo uma reverência enquanto diz formalmente:
— É um prazer conhecê-lo, senhor Jeremy.
Ela se lembra de mim...
Posso ver isso em seus olhos e na curva do seu sorriso, mas, por
algum motivo, decidiu agir como se eu fosse um estranho, apenas o seu
patrão.
— Senhor Jeremy, esta é Audrey Smith, a cuidadora do Theo — Jane
diz, a apresentando.
Audrey Smith...
Agora tenho um nome para associar a pessoa.
Estico a mão para tornar mais física a apresentação e fico ansioso em
sentir o seu toque, o tão sonhado toque que sem conhecer antes, me levou a
loucura em muitas das vezes em que a imaginei me tocando com carinho e
sensualidade.
— É um prazer conhecê-la, Audrey.
Seu nome desliza deliciosamente em minha língua, como se a
estivesse passando em outro canto do seu corpo.
Essa comparação faz o meu corpo se arrepiar.
E quando ela retribui o cumprimento, sinto o toque suave da sua mão
macia e fico tenso.
— Igualmente, senhor Jeremy — ela diz com a voz suave e morna
como uma manhã florida de primavera.
Seu sorriso, mesmo que de um jeito silencioso, diz que está contente
em me ver.
E por isso, sorrio de volta, pois é recíproco.
Ele me reconheceu!
E isso me surpreende, porque não sou interessante o suficiente ao
ponto de ser lembrada. Não dei motivos o suficiente para pensar em mim e
aposto que um homem, como ele, deve viver coisas incríveis ao ponto de
tomar aquela ocasião em que nos vimos pela primeira vez algo supérfluo,
que ficaria esquecido no fundo do seu inconsciente.
Mas, no segundo em que ele me viu, foi como ter despertado alguma
coisa dentro de si.
Eu vi seus olhos brilharem e a sua força em conter a reação. Imagino
que pelo filho e a governanta estarem presente, Jeremy evitou uma reação
mais exacerbada, somente para não ter que explicar de onde nos
conhecemos. Talvez, ele não queira demonstrar que andou trocando
palavras com alguém como eu.
Só que os poucos minutos de interação é o suficiente para achar que
estou errada sobre ele.
Jeremy sobe com Julian para o andar de cima, mas seu olhar me
encontra duas vezes enquanto sobe a escada.
— Parece que ele gostou de você — Jane comenta e desvio o olhar
que o segue durante o caminho.
— O quê?
Ela sorri.
— Jeremy é um homem bondoso e simples. Ele trata todo mundo
bem, mas nunca o vi olhar dessa forma para qualquer pessoa.
— Que forma? — pergunto franzindo o cenho.
— Curiosidade… Interesse.
— Talvez ele esteja desconfiado da minha pessoa.
“Não, não! Ele lembrou de mim... Nossos caminhos se cruzaram mais
uma vez”, torno a pensar.
— Ah, não. Jeremy não é de julgar ninguém. Não sem baseamentos.
— De qualquer forma, acho que não vou durar, não é? Eles chegaram
e não sou mais útil aqui.
Jane toca meu rosto com a sua mão delicada e fria.
— Oh, minha querida, não seja pessimista. Aposto que o senhor
Jeremy não vai deixá-la sem emprego, ou sem folga remunerada. Ele vai
dar um jeito.
Jane se afasta e continuo olhando em direção à escada, para onde
Jeremy sumiu no corredor dos quartos.
Agora que ele está aqui, meu coração fica super acelerado e não gosto
disso por razões óbvias: um, ele e eu somos de realidades muito distantes e
isso nunca dá certo, só em filmes; dois, sou apenas quem cuida do cachorro
e três, o tanto de mulher linda que ele deve ter por aí, anula todas as minhas
chances.
Não que já esteja pensando em algo, mas Jeremy é um homem muito
lindo e é impossível não pensar em como seria estar em seus braços, ser
tocada por ele. E o melhor, ele está solteiro e não há nada de errado em
pensar nisso, ainda mais quando eu também estou mais sozinha do que
todos os solteiros de Dublin.
Saio atrás do Theo.
Estou trabalhando há três semanas nessa mansão enquanto cuido dele
e nem sabia que dava para ter uma rotina com um animal de estimação.
Basicamente, chego e a primeira coisa que faço é verificar se a tigela
dele está servida, uma com água e a outra com ração. Depois saímos para
caminhar, todos os dias e todas as manhãs.
Ele adora e eu também, pois curtimos juntos o sol da manhã.
Depois voltamos e ele toma banho, não todo dia, mas duas vezes na
semana porque ele ama brincar ao ar livre e está sempre cavando buracos.
A minha rotina é ficar fazendo companhia para ele, porque é um
cachorro que não gosta de estar só e a mansão por si só é imensa e vazia.
Isso o deixou doente nos primeiros dias em que veio para cá, segundo
Jane.
E os outros funcionários não podiam deixar seus afazeres para lidar
com ele, por isso estou aqui.
Quando chego a parte detrás da mansão, o vejo correndo no jardim
com Julian.
Acho que ele deve ter descido pelo elevador de emergência que
instalaram na residência há um ano. Como o patriarca da família está muito
debilitado, foi preciso instalar um para ele se locomover pela mansão.
Theo parece estar muito feliz com a chegada do seu amigo, Julian,
que é a cópia exata do pai, exceto pelo cabelo loiro, quase ruivo.
Eu me encosto no batente da porta e fico admirando o cenário a
minha frente, onde tanto o menino quanto o cachorro parecem se sentir
livres.
Sorrio.
Jane tinha razão, precisava de um trabalho assim, leve e que não me
trouxesse problemas.
Não sei até quando vai durar, mas quero curtir ao máximo.
Estou tão concentrada neles dois que nem percebo uma segunda
presença ao meu lado, com um metro e noventa de altura e tão cheiroso que
preciso evitar o revirar de olhos enquanto sou rapidamente enfeitiçada.
— De todas as situações, essa é a que eu menos esperava reencontrá-
la — Jeremy confessa.
Dou um sorriso, incapaz de conseguir olhar para ele ainda porque sei
que quando fizer isso, terei uma reação anormal. Além do mais, seus olhos
estão sobre mim como brasas.
Eu me sinto exposta de alguma forma, só porque ele está me vendo.
“Então quer dizer que não sou invisível?
Que nada daquilo é coisa da minha cabeça?”
— E você cogitava em me reencontrar? — pergunto, mas logo me
arrependo.
“Que tipo de pergunta é essa?!”
Ele é praticamente o meu patrão e não posso flertar com ele.
No entanto, para a minha surpresa, Jeremy responde:
— O tempo todo.
Viro para ele abruptamente, sem conseguir esconder a surpresa que
sinto ao ouvir as suas palavras. Ele me olha de um jeito sério e dá um
sorrisinho tímido de lado, como se soubesse o efeito que isso causa em
mim.
— Eu costumava me perguntar o que havia acontecido com a garota
daquela noite. Se ela havia pedido as contas, ou se continuava sendo
atazanada no local de trabalho.
Fico olhando para ele e acabo me sentindo confortável, o suficiente
para falar mais também.
— Você me seguiu naquela noite — lembro.
Jeremy pisca e então desvia o olhar envergonhado, como se tivesse
sido flagrado.
E bem, ele foi.
— Eu queria ter certeza de que você chegaria bem — explica, me
deixando quase sem fôlego.
— Mas, por quê? — Quero saber…
Eu quero saber há quase sete meses a razão disso.
Jeremy enfia as mãos dentro dos bolsos da calça jeans. Ele está
vestido de um jeito casual, com blusa de manga comprida e arregaçada até
os cotovelos, tênis Nike nos pés e um relógio caríssimo no punho direito.
Por fim, ele dá de ombros e toca os lábios ainda pensativo, para
chegar a uma conclusão:
— Não sei. Talvez por ser tarde da noite, estava chovendo e você era
uma mulher sozinha que estava passando por um momento ruim.
— Estou acostumada, sabe? — digo como se fosse uma questão
banal.
Mas Jeremy me olha de canto, um pouco descrente, como se estivesse
analisando também toda a minha vida através da única frase minha.
— Só porque está acostumada não significa que precise ser sempre
assim — pontua.
Não posso evitar um sorrisinho, afinal ninguém nunca me disse isso
antes.
Abaixo a cabeça ao perceber que esse homem está preocupado
comigo, afinal ele não tinha motivos e continua não tendo.
Outra coisa que sou acostumada é ter que lidar com homens
disfarçando o seu mau caráter. Não que Jeremy seja um mau-caráter ou
tenha um caráter duvidoso, ele realmente parece ser uma pessoa do bem,
porém, a vida me ensinou a viver na defensiva.
Desconfiar é o meu mecanismo de defesa.
— Tudo bem, não trabalho lá há um tempão mesmo. Eu só fico aqui
cuidando do cachorro, ao menos cuidava. — Olho para ele por debaixo da
minha franja longa que cai na frente do meu rosto e o vejo franzir o cenho.
É incrível como ele sempre fica tão atento em cada coisa que digo.
— Como assim, cuidava? — questiona.
Fico um pouco confusa no início e, então, balbucio:
— Jane me contou que com a chegada de vocês, o Theo vai ter
companhia agora. Então, teoricamente, meus serviços estão suspensos até o
final do verão, imagino.
— Não! — ele exaspera, para a minha surpresa.
Ele olha para mim e eu olho para ele.
Acho que nós dois ficamos surpresos demais com a sua reação.
Jeremy então apruma os ombros e solta um pigarreio, como se isso
pudesse disfarçar o que acabou de acontecer.
— Quer dizer, não há necessidade de você deixar o serviço agora,
Audrey. A intenção é curtir as férias ao máximo com meu filho e me
reaproximar dele. Claro que o cachorro estará conosco, mas nem sempre, eu
acho.
Fico olhando para ele e não resisto quando a copiosa pergunta que me
faço desde quando comecei esse trabalho, me surgiu:
— Desculpa, senhor Jeremy. Mas como o senhor resolve ter um
cachorro se não tem tempo de cuidar de um?
Ele solta um suspiro e se vira, ficando de frente para mim, assumindo
uma postura mais implacável e poderosa.
Eu quase fico sem ar quando me dou conta da potência do homem
diante de mim.
— Foi um presente do meu irmão mais novo, justamente para me
provocar. E, por favor, Audrey, não me chame de senhor.
— Mas o senhor é o meu patrão — enfatizo.
Sacudindo a cabeça, Jeremy explica:
— Eu sei, mas não consigo nos ver dessa forma.
— De que forma, então?
Tenho quase certeza de que vejo sua pele ficar vermelha, mas Jeremy
sabe disfarçar com excelência, só que notei antes mesmo dele se dar conta
da sua expressão corporal.
Eu também não facilitei e não sei o motivo de ter feito essa pergunta
que pode ser bastante sugestiva, principalmente quando há uma atmosfera
diferente entre nós dois, ao ponto de ser palpável.
Jeremy parece respirar fundo e pensar em uma resposta que faça mais
sentido.
E eu não sei o porquê, mas meu coração bate forte, como se esperasse
que ele dissesse alguma coisa que fosse digna de conto de fadas.
Mas como não estamos em nenhuma história romântica da Disney, ele
apenas diz:
— Amigos. Nos conhecemos de uma forma tão casual. Talvez faça
mais sentido que seja assim e não nada formal. Ouço todo santo dia isso,
então tudo o que preciso agora é de algo… Diferente — finaliza me
olhando profundamente, como se eu fosse a diferença em sua rotina.
Mas, talvez, seja apenas uma conclusão minha precipitada, pois não
devo mesmo fazer o estilo dele.
— Ah, entendo. Bom, posso tentar. Não sou acostumada a ter patrões
gentis que gostam de manter uma relação boa com seus empregados —
revelo.
— Este é o primeiro passo para o sucesso, querida, Audrey. Uma boa
relação com pessoas que o ajudam a crescer. Todo mundo tem de crescer
junto a você também.
Ele é CEO de uma petrolífera e deve estar acostumado a lidar com
coisas motivacionais assim.
No entanto, mesmo que não entenda nada do mundo business, sei que
ele está certo, pois, agora sinto que sou capaz de catar cada pulga que
apareça no Theo.
— É inspirador, senhor… Jeremy — corrijo quando lembro da sua
exigência.
— Perfeito, Audrey.
Ele gosta de falar o meu nome e o pronuncia com gosto, deixando
seus lábios se moverem com sensualidade e um tanto convidativos.
— PAI, VEM CÁ! — Julian grita ao fundo, enquanto Theo está em
seu encalço.
Jeremy olha em sua direção e faz um gesto com mão para o filho
esperar. Então, sua atenção volta para mim, uma última vez antes de ir até o
filho.
— Estou feliz em vê-la aqui — ele admite. — Feliz mesmo.
Contenho o sorriso largo, pois, não quero parecer exagerada. Mas
também não me contenho em dizer:
— Eu também.
O meu patrão…
Jeremy sorri com os olhos e, então, desce a varanda e a escada, até
alcançar o filho no jardim.
Fico olhando para a cena em que eles parecem ser bastante felizes e
unidos. Sinto uma sensação de paz, algo que não sinto há tempos e sorrio
como se isso se espalhasse por todo o meu corpo.
Então Jeremy se vira, me olha de longe, acena e sorri.
Eu poderia passar o dia todo o vendo fazer isso.
A última coisa que poderia cogitar no mundo, era encontrar aquela
garota na minha casa.
Audrey...
É tão bom associá-la agora a um nome, pois sinto que finalmente tudo
é real.
Mas, infelizmente, este fato me deixa um pouco inquieto e não
consigo evitar, pois, a perdição está sob o mesmo teto que eu.
Eu me senti sujo e um canalha quando olhei para o olhar doce dela.
Agora mesmo, sob a luz do dia, Audrey parece perfeitamente como
uma princesa, uma boneca de porcelana.
Estou somente encantado por ela, mas lembro dos meus pensamentos
impuros quando estava me sentindo sozinho demais.
Aquilo tudo foi errado e tenho consciência disso.
Além do mais, e se ela já tem alguém?
Não posso desejar uma mulher que já é comprometida. Mas, aquele
olhar de pidona, o lábio sendo mordido discretamente e seu corpo contido
só significa uma coisa: ela também sente algo.
E não faço ideia do que seja.
Talvez seja atração?
Porra, ela pode sentir até mesmo repulsa por mim!
Preciso me controlar...
Não consigo identificar o motivo por me sentir assim por ela tão
rapidamente, e esse detalhe é o que me mantém na defensiva, tanto que
tento escapar dos olhos de corça durante o resto do dia.
Julian deseja ficar com o cachorro, então deixo que ele curta primeiro
o animal. Audrey também está com eles, então não quero arriscar.
Aproveito para passar algumas horas com meu pai, que agora quase
não sai da cama.
Nos últimos meses, meu pai esteve internado devido seu problema no
coração. Um pouco depois do falecimento da minha mãe, veio a notícia que
nosso pai estava doente do coração, insuficiência cardíaca.
Aquilo foi um choque para nós, porque estava tudo bem, ou ao menos
achávamos.
Papai também sempre foi um exemplo saudável na nossa família.
Porém, isso é resultado de maus hábitos de quando mais jovem e agora a
conta veio.
Desde então, por precaução, ele decidiu deixar a responsabilidade da
petrolífera nas mãos dos três filhos.
O seu quarto é grande e as janelas da sacada vivem abertas, deixando
que o ar fresco entre. Tem uma cadeira de rodas ao lado da sua cama, mas
ele quase não a usa, somente quando vai para o banheiro.
Dói só de olhar e pensar que é muito possível que ele já tenha se
rendido de alguma maneira ao trágico fim ao qual todos somos destinados.
Meu pai não é um homem tão velho assim para se encontrar de forma
tão debilitada, porém, a agitação da vida de um petrolífero o fez ignorar a
saúde, principalmente depois que a mamãe se foi.
E apesar de não falar nada aos seus filhos, consigo facilmente
imaginar os seus motivos para deixar que o fim o abrace de algum jeito. O
amor da sua vida o espera, em algum plano astral que não podemos ver,
mas sentir.
Eu me sento na beira da cama, próximo a ele, que está sentado,
mantendo um sorriso comprimido formando a sua boca em uma linha muito
fina.
— Faz muito tempo que vocês chegaram? — ele pergunta alheio aos
cumprimentos.
— Não está nem com meia hora. Eu não vim antes porque a Jane
disse que o senhor estava dormindo — explico já que só agora estou o
vendo.
— Acordei com os latidos do cachorro e com os gritos do Julian.
— Sinto muito.
Papai faz um gesto com a mão.
— Não, tudo bem. Eu realmente gosto quando a casa está cheia de
gente, parece que ela fica mais viva, ou alguma coisa do tipo. Mas tem sido
assim já há algum tempo.
— Como assim? — pergunto franzindo o cenho.
— A moça nova que cuida do cão. — Ele aponta no rumo da janela,
de onde não só ouvimos os latidos e a voz alta do meu filho, mas como
também a risada gostosa e sonora de Audrey. — Sinceramente, é muito
bom acordar e ouvir a risada dela quando o cachorro decide brincar. Traz
uma tranquilidade imensa para mim.
Fico inerte com a sua revelação, mas, curioso também.
— E o senhor já a conheceu?
— Oh, sim. Nos conhecemos, mas não nos encontramos muito. Eu
não diria que ela é tímida, é uma mulher muito gentil e de atitude. Porém, o
dever dela não é cuidar de mim, mas do cachorro.
— Entendo.
— Vai mandá-la embora, agora que estão aqui?
Dou um sorriso desdenhoso, me levanto e enquanto contorno a cama
do meu pai, acrescento:
— Não. Ainda mais agora que descobri que ela faz bem ao senhor.
Além do mais, o cachorro continuará precisando dela.
“Será mesmo o cachorro?”
Quando chego perto da janela, apoio o braço no batente e enfio uma
mão no bolso enquanto assisto aqui de cima Audrey correndo com o meu
filho e o cachorro.
Essa é a desculpa mais óbvia, só que, por outro lado, o motivo de não
a dispensar agora está relacionado a interesses pessoais. Pois, percebi que
papai não é o único interessado na risada de Audrey, mas eu também.
— E quanto aos seus irmãos?
Mesmo que ele tenha mudado de assunto, a minha atenção continua
única e plena na mulher de longo cabelo castanho que corre pela grama do
nosso jardim, livremente.
— Ian está se preparando para uma conferência que vai acontecer
daqui três meses no Qatar e Noah está com a família em Burford. Eles
darão uma passada aqui antes de irem para a Califórnia — explico.
— E você?
Solto um suspiro enquanto repenso em minha agenda para as férias de
verão.
Ficaria aqui com Julian e então iríamos para Londres onde ficaríamos
por mais duas semanas. Mas agora preciso pensar melhor, não porque
houve um contratempo, mas porque talvez não tenha forças para sair de
Dublin sem um motivo maior do que o motivo que me fará ficar.
Pigarreio, porque pensando bem, não estou desesperado para
conquistar Audrey, no entanto, estou no mínimo curioso para entender o
que foi tudo aquilo que aconteceu.
Os olhares, os sorrisos e a conversa.
— Não sei quando volto para Londres — concluo. — Talvez eu fique
até o final das férias.
— Isso seria inédito — papai comenta e me viro para olhá-lo. —
Fique à vontade, meu filho. — Ele sorri, como se quisesse insinuar um
outro tipo de coisa.
Afinal de contas, aqui também é a minha casa e, por que não ficaria à
vontade?
Talvez meu pai já tenha percebido algo que ainda não vi. Mas não
posso levantar suspeitas de uma coisa que pode estar apenas na minha
cabeça, então dou apenas um aceno de cabeça para ele.
No final da noite, todas as minhas tentativas de não pensar em Audrey
vão por água abaixo, isso porque ela aparece em meus sonhos.
Cada detalhe do seu rosto está na minha mente e já não há mais volta.
Eu acordo e durmo, mas repetidamente costumo a voltar para o
mesmo sonho e ela sempre está lá.
Desta vez, Audrey está em meus sonhos de um jeito mais concreto e
por sua causa não durmo direito.
Vejo o dia amanhecer, dar sete da manhã e ela sair vestida de desporto
para caminhar com o Theo.
Essa é a rotina deles, afinal reconheço quando alguém está
acostumado a fazer a mesma atividade todo santo dia.
Mas hoje me recuso a participar, pois, não quero parecer desesperado.
Eu não estou desesperado.
Além do mais, preciso saber se ela tem alguém e, lá no fundo, espero
que não tenha.
Me junto a Julian e Jane na sala de jantar para o café da manhã.
A mesa está recheada e o ambiente bem iluminado com as cortinas e
janelas abertas, deixando um clima agradável rondar aqui dentro.
Olho para fora, esperando que ela volte da caminhada.
Será que ela já tomou café da manhã?
Jane não a deixaria fazer uma caminhada sob esse sol escaldante
sabendo que está de estômago vazio.
Observo que a jarra de suco de laranja não está cheia, o que significa
que alguém se alimentou aqui antes de nós.
— Algum problema, senhor Jeremy? — Jane pergunta, sentada do
outro lado da mesa enquanto corta uns pães. — Parece distante.
— Isso não deveria ser normal da parte dele? — Julian indaga em tom
provocativo.
Eu apenas movo meu olhar em sua direção.
— Estar distante em pensamentos não é normal para você? — rebato.
— É exatamente o que estou tentando saber do senhor.
Pisco confuso para meu filho de catorze anos.
Meu Deus, como ele parece estar impossível!
Mas isso é culpa minha.
É por isso que estamos aqui, para viver essas férias em família e ter
tempo de consertar tudo, antes que essa relação piore.
Dou então de ombros.
— Eu sou um homem muito atarefado, Julian, minha cabeça não para.
— Esse é o problema. Sempre pensando nessas tarefas, no trabalho e
trabalho.
— O que faz você pensar que não é a minha tarefa, Julian? — indago
e ele fica inexpressivo. — Ser pai não é um dom que surge
automaticamente com a notícia de que será um, é um aprendizado
constante.
— É um aprendizado quando o coloca em prática e não sei se o
senhor tem tanta assim.
Bato o punho sobre a mesa e me esforço para não apontar o dedo na
cara do meu filho. Deixo minha mão sobre a mesa e fecho os olhos
enquanto respiro fundo e contemplo o silêncio assustador dos dois perante a
minha reação.
Mas ele acaba de falar que não tenho experiência como pai.
— Vamos consertar isso, Julian, e vou precisar da sua colaboração —
digo por fim, mantendo a calma.
Quando abro os olhos, vejo meu filho se levantando com os punhos
firmes e um olhar inflexível sobre mim.
— Mas eu não fiz nada. — Ele se vira e se retira do cômodo.
— Julian! — Jane ainda faz questão de chamá-lo, mas faço um gesto
para ela parar, pois, sei que não adiantará de nada.
— Ele está muito chateado comigo, não vai facilitar, Jane — explico,
já me sentindo exausto.
— Mas, ele não comeu nada. — Aponta para o prato intocado do meu
filho.
— Julian já tem catorze anos e quando sentir fome irá procurar por
comida. Quero melhorar o meu relacionamento com o meu filho e não o
tornar um garoto mimado.
— E como o senhor pretende fazer isso?
Antes de pensar em uma resposta, o latido do meu cachorro invade a
casa. Olho com expectativa para a porta dupla aberta do cômodo que dá
para o corredor.
Primeiro, o vejo passando, e então, Audrey.
Seguro o copo com firmeza e ela para assim que me vê.
Observo que ela está só de legging preta que marca seu bumbum
redondinho e empinado.
Pressiono a coxa uma contra a outra para aquietar meu amigão lá
embaixo, mas ela está toda suada, com alguns fios de cabelo grudando na
testa; ofegante e seus seios sobem e descem no ritmo da sua respiração
excitante.
— Bom dia, senhor Jeremy — ela diz.
— Bom dia, Audrey. Já tomou café da manhã? — Indico a mesa e ela
olha para o conteúdo.
— Já, senhor. Mas obrigada mesmo assim. Agora só preciso de um
banho — explica com um sorriso sem jeito, como se ela estivesse se dado
conta de que é informação demais.
— Costuma sair toda manhã para caminhar? — pergunto curioso,
porque talvez me junte a ela.
Na verdade, seria uma ótima desculpa para passar mais tempo ao seu
lado.
Audrey pisca várias vezes, como se estivesse analisando o que eu
disse.
— Aah… É, acho que sim — responde.
— Audrey corre todas as manhãs com o Theo e estão sempre
mudando a rota — Jane explica.
— Mas nem temos tantas trilhas aqui na nossa propriedade —
comento, incrédulo.
— Eu nem sempre as uso — Audrey revela e me viro para ela um
pouco abismado.
Ela sorri sem jeito e acrescenta:
— Gosto de explorar a área, se não se importa.
— Qualquer parte da nossa propriedade que não seja demarcada pela
trilha é de acesso extremamente perigoso, Audrey.
Ela ruboriza.
— Bem, eu sei. Mas Theo é um excelente cão guia e nos divertimos
no caminho também — tenta explicar.
Fico olhando para ela, me segurando para não usar palavras rudes.
Mas quanta irresponsabilidade!
Ela pode se machucar muito feio e tudo o que pensa é em diversão.
Que coisa mais chata!
Conheço diversões melhores e gostaria que me permitisse mostrar a
ela.
— Só tome cuidado, Audrey.
Ela balança a cabeça em concordância.
— Eu tomarei, senhor Jeremy, com licença.
Audrey se retira, mas continuo olhando para o lugar onde ela estava
poucos segundos atrás.
Pelo visto, ela é proibida e teimosa, pois continua me chamando de
“senhor”.
Volto para meu café da manhã e flagro Jane sorrindo de um jeito
sugestivo para mim.
— O quê? — pergunto.
— Nada, estou apenas olhando.
— Gosta do que vê, Jane? — pergunto abrindo os braços, agindo feito
o Noah enquanto a provoco.
Jane é como uma mãe para nós, mas ela adora nos encher de elogios.
Noah e Ian às vezes ficam sem camisa na frente dela de propósito porque
sabem que isso a deixa muito vermelha e é engraçado vê-la sem jeito.
— Eu ando vendo outro tipo de coisa, Jeremy. Mas não irei tirar
conclusões precipitadas.
— Vou fingir que não entendi as suas intenções. — Dou um gole do
meu suco, enquanto ela sorri.
— Não são sobre as minhas intenções, são sobre as suas. Mas se quer
um conselho, seja você mesmo.
— Você está mesmo insinuando essas coisas? — Cruzo os braços e
ela faz uma carinha de quem está falando com o vento. — Que atrevida,
Jane!
— Oh, querido, Jeremy, sou apenas uma velha. Não me leve tão a
sério, sabe que gosto de brincar com você e seus irmãos.
Isso é uma verdade.
Já que estamos tendo essa conversa, me inclino mais ainda para perto
da mesa, como se eu fosse contar um segredo a ela.
Mas, na verdade, só estou curioso:
— Onde a encontrou? A Audrey.
— Ela é filha de uma amiga minha. Éramos vizinhas, antes de me
mudar de vez pra cá.
— Então ela já trabalhava com animais antes?
Jane faz uma careta e balança a cabeça negando.
— Garçonete e depois como diarista. Mas a coitada não teve muita
sorte, sabe? Era sempre tratada mal, mas é culpa dessa gente infeliz.
Aperto a mandíbula quando uma onda intensa passa por mim. Posso
ver aquela mesma garota molhada da chuva, completamente chateada por
ser destratada, como se já estivesse farta de tudo.
— Então aqui ela está tendo o tratamento que merece, suponho.
— Exatamente! Nunca vi Audrey tão feliz. Ela gosta do que faz, e,
principalmente, por a tratarem bem.
Isso já é um alívio.
Mas diante desses fatos, agora sinto que devo conversar melhor com
Audrey sobre o que aconteceu naquela noite, o que faziam a ela.
Eu só quero garantir que nada daquilo irá se repetir nunca mais. Não
enquanto eu estiver aqui e ela estiver sob a minha responsabilidade como
minha funcionária.
Jane então se levanta e pega o prato de Julian.
— Irei levar para Julian, não suporto ver gente sem comer.
— Obrigado, Jane.
Eu não sei ao certo sobre o que estou agradecendo, mas ela assente.
Quando Jane sai do cômodo, respiro aliviado e bastante irritado
comigo mesmo. Não queria deixar nada óbvio, mas parece que Jane já
percebeu o que está acontecendo aqui.
Eu também não posso julgá-la, pois nos conhece melhor que nós
mesmos.
Foi ela quem me ajudou a descobrir que Noah estava apaixonado por
Meredith e todos os conselhos que dei ao meu irmão foram baseados no
olhar analítico da nossa governanta.
Agora, sou eu que estou sob a sua mira e já sei que ela irá analisar
cada possibilidade.
Jane está na cozinha quando peço permissão para mexer nas coisas.
— Fique à vontade! — ela diz sorrindo com os olhinhos,
principalmente quando conto o que farei.
A cozinha dá duas da cozinha dos Bergman.
Pensando bem, faz tempo que não ouço nada sobre eles, desde o dia
em que saí, quer dizer, roubei o pote de biscoitos deles.
Naquela tarde, já em casa, contei todos que ainda tinham e vi que
tinham quatrocentos e noventa euros.
Bom, era motivo o suficiente para a senhora Bergman mandar a
polícia ir atrás de mim, mas ela não fez isso.
Deixei o pote dentro do armário lá de casa e contei para minha mãe
que havia ganhado.
Mas acho que ela gostou mais da notícia de que havia ganhado uma
oportunidade de trabalhar para os petrolíferos que viviam discretamente em
Malahide.
Há uma ilha bem no meio da cozinha, com várias panelas de cobre
penduradas no alto. Os eletrodomésticos são todos planejados para
combinar com o resto das mobílias de tom marfim. Encontro com a ajuda
de Jane, os milhos de pipoca imprensado, desses que vem com quase um
quilo de sódio e estouro dois deles no micro-ondas.
Pego uma vasilha grande e jogo tudo dentro. Está fumegante, mas não
vou para a sala de TV de imediato.
Vejo que Jane está de bobeira, sentada à ilha, descascando algumas
tangerinas que ela disse ser para o café da manhã do dia seguinte.
— Quer ajuda? — pergunto e ela abre um sorriso.
— Não, querida. Tudo bem. Eu gosto de distrair a mente com essas
atividades — explica animada.
Assinto para ela, mas não saio. Há uma coisa me perturbando, não
algo que seria digno de tirar o meu sono, mas uma curiosidade que ficou
piscando na minha cabeça depois do que Jeremy falou sobre não ser um
bom pai, ou sobre Julian ter ido para o internato.
Tamborilo os dedos na superfície de pedra da ilha, olho cheia de
hesitação para Jane e arranjo coragem.
— Hum, Jane?
— Sim? — Ela me olha, esperando que eu fale algo.
— O que aconteceu com a mãe do Julian? — Eu me sinto gelada
quando pergunto.
Sei que estou sendo inconveniente, mas é melhor perguntar a ela do
que a Julian ou Jeremy.
Ela franze as sobrancelhas feitas a lápis, porque Jane é uma mulher
vaidosa. Dá para ver isso em suas vestes elegantes, os acessórios vintage,
mas nada disso a impede de colocar a mão na massa.
Se eu não a conhecesse, acharia que era a mãe de Jeremy.
— Você não sabe mesmo?
Balanço a cabeça e ela larga o que faz.
— Oh, céus, isso é novidade. Mas também não posso culpá-la. Você
só tinha oito anos quando tudo aconteceu.
Fico mais curiosa ainda.
— Mas, basicamente, Jeremy vivia um casamento muito feliz com
Sofia. Demorou sete anos para que ele a pedisse em casamento. Jeremy
disse que só faria isso quando tivesse uma estabilidade no trabalho, mesmo
sendo herdeiro e cheio de privilégios por ser filho do dono de uma
petrolífera.
Jane não está mais só me contando sobre o que aconteceu com Sofia,
mas, a história de Jeremy com ela.
Sinto uma pontada de ciúmes.
Imagina você ser amada por um homem como ele. Garotas, como eu,
podem no máximo, apenas imaginar mesmo.
— Veio a gravidez e todos estavam felizes com a chegada do menino.
Mas não contávamos com uma eclampsia inesperada, que acabaria por tirar
a vida de Sofia. Ela faleceu poucos minutos após Julian ter nascido. Foi a
coisa mais triste e Jeremy ficou devastado por meses, anos.
— Posso imaginar. Foi por isso que ele não conseguiu criar sozinho o
filho?
— Também. Mas o luto de Jeremy foi a negação e depressão. Acho
que ele via Julian e lembrava que o início dele foi difícil, além de ser o fim
da mulher que ele amava.
Meu coração se aperta e fecho os olhos.
Será que Julian se culpa de alguma forma por isso?
Meu Deus, espero que não.
— Isso é muito triste, Jane.
— É sim, mas anos já se passaram e tudo o que Jeremy precisa fazer
agora é consertar o relacionamento com o Julian.
Não sei o motivo, mas acabo perguntando:
— É por isso que Jeremy não tem ninguém? Por que ele ainda a ama?
Ela fica pensativa, mas logo faz uma careta.
— Não mesmo. Jeremy só não encontrou alguém que fosse tão boa
como Sofia, além do mais, tem Julian. Ele não pode somente escolher
alguém porque quer, ele tem que escolher alguém sabendo que seu mundo
também gira em torno de outro ser. Apesar de tudo, Jeremy faria tudo pelo
filho e isso o menino não vê.
Olho na direção da sala de TV e imagino os dois jogando videogame,
um pouco mais próximos graças ao encorajamento que dei ao orgulhoso do
Julian.
— Entendo — digo pensativa.
— Mas, por que a pergunta, querida?
Dou de ombros e rapidamente invento uma desculpa:
— Eu não sou muito atualizada com essas coisas e queria saber para
não dar uma bola fora com o Julian principalmente, sabe?
— Ah, é claro. — Ela sorri, compreendendo o que havia dito.
— Bom, vou lá assistir aqueles dois jogarem, quer ir comigo? Acho
que é um pouco violento.
— Talvez apareça lá depois e faça companhia a você.
— Tudo bem. Obrigada por ter me atualizado, Jane, com uma
informação tão antiga.
— Estou aqui para isso. — Ela pisca e pisco de volta.
Volto para a sala de TV e os dois estão tão concentrados que nem me
veem chegar. Eu me sento no chão, sobre o carpete e deixo o balde de
pipoca sobre a mesa, onde todos tem acesso fácil ao conteúdo.
Fico olhando os dois jogarem, parecendo eufóricos e muito animados
enquanto continuo a comer pipoca, quietinha.
Nem parece que há algo a ser reparado entre pai e filho.
Passo a conhecer a risada de Jeremy e sorrio também nas vezes em
que ele se esforça para não proferir palavrões perto do filho.
Ele está tão relaxado que nem parece ser o CEO de uma petrolífera.
Em certo momento, estou tão concentrada no jogo que nem percebo
quando Jeremy me chama.
— Audrey? — cantarola. — Vamos jogar uma partida? — Indica o
controle, mas fico tensa.
— Oh, não! Obrigada, mas vou passar, realmente não sei jogar essa
coisa. Primeiro, porque sou totalmente contra violência.
— Não parece — Julian diz. — Chega estava vidrada na tela, em cada
nocaute.
— Bom, eu tinha escolha? — pergunto.
— Julian coloca o Mario Kart para você — Jeremy sugere.
Antes que relute, Julian já está trocando o jogo.
— Tudo bem — concordo.
Eu me levanto e me sento no sofá junto a eles, mas fico ao lado de
Jeremy, que agora está no meio de nós três. Ele me passa seu controle e,
então, começa a me explicar a função de cada botão.
É uma surpresa que um homem implacável dos negócios como ele
saiba essas coisas.
Mas essa não é a questão, porque enquanto me ensina, seus dedos
roçam nos meus, seus ombros largos se esquivam para mais perto de mim e
seu corpo inteiro está bem perto do meu.
Quase vou à loucura quando seu joelho encosta no meu. Travo no
mesmo instante, e fico torcendo para ele não ter percebido a minha reação.
Depois que entendo as funções dos botões, Julian ainda me dá a
chance de uma partida teste, onde testarei a minha habilidade.
Vou bem e assim que pego o ritmo, o jogo de verdade começa.
Sou eu contra Julian, mas a sensação de estar perdendo me deixa mais
nervosa.
Em algum momento, dou um gritinho e me encolho toda. Jeremy
então passa seu braço esquerdo por trás de mim e suas mãos pousam sobre
as minhas.
Fico paralisada e nem sei mais como se joga isso.
Mas aqui está, Jeremy O’Donnell, CEO de uma petrolífera, lindo e
tudo de bom, me ajudando a não perder para o seu filho de catorze anos que
está mais que se aproximando de mim, nos últimos dias.
A realidade é tão estranha que prendo o fôlego. Geralmente, esse tipo
de acontecimento só vem ao acaso na minha imaginação.
Mas agora é real.
Viro o rosto na direção de Jeremy.
Próximos...
Estamos muito, muito próximos.
Daqui sinto como se estivesse em seus braços de um jeito casual e
não por causa de uma partida de jogo. Ele me olha rapidamente, mas
quando se dá conta de que estou olhando para ele, volta a me olhar,
deixando de dar atenção ao jogo.
— Você é bom nisso — digo olhando em seus lábios.
Jeremy sorri.
— Sou bom em muitas coisas, Audrey — ele afirma.
Um calor se instala no meio das minhas pernas e o vazio grita por
algum tipo de preenchimento que ainda não conheço.
— Bom?! — Julian exaspera. — Ele está perdendo!
Jeremy me olha mais uma vez, volta a sua atenção para a TV e tira
seus braços de mim, quando o personagem de Julian vence e este começa a
pular com a vitória.
— UHU! EU SOU O MELHOR! — ele grita.
— Sexta que vem, vou massacrar você — Jeremy alerta e Julian faz
careta, nem um pouco assustado.
Ficamos ali assistindo Julian jogar um jogo de zumbis enquanto
comemos pipoca. Tento me distrair no celular, mas não dá para evitar o que
acabou de acontecer entre Jeremy e eu.
Aquela tensão louca e quente que surgiu e fica pairando sobre nós.
— Quer que eu leve você para casa? — Jeremy pergunta quando saio
da sala e me despeço deles, com a minha bolsa já no ombro.
—Não precisa, vou ganhar uma carona agora — aviso.
— Do seu namorado? — pergunta sério, mas dou uma risadinha.
— Eu não tenho namorado.
— Ah. — Ele enfia as mãos nos bolsos da calça. — Eu vou
acompanhar você.
Jeremy me guia até a frente da casa, enquanto ao longe uma
caminhonete prata com o farol alto se aproxima da propriedade. Já está de
noite e foi a primeira vez que fiquei até tarde na mansão.
— Obrigado por hoje, Audrey, significou muito para mim. Foi uma
ótima maneira de iniciar a minha aproximação com Julian.
Sorrio para ele, contente por saber disso.
— De nada, Jeremy. Pode contar comigo sempre que quiser.
Ele começa a sorrir.
— O quê?
Ele passa a língua no lábio inferior e eu me arrepio, pois, ela parece
ser atrevida.
— Você me chamou de Jeremy.
— Esse é o seu nome, não é?
O carro se aproxima.
— Sim, e o chame quando quiser — avisa.
Balanço a cabeça, concordando.
A caminhonete para em frente à escada e desço um degrau antes de
me despedir.
— Até segunda.
— Segunda? — Ele fica incrédulo.
— Não sou paga para estar aqui nos finais de semana, Jeremy —
aviso com humor e ele parece então se dar conta de que folgo nos finais de
semana.
— Vou começar a repensar nisso, Audrey.
Eu quase perco o controle das minhas pernas.
“Ele me quer por perto!”
— Até segunda.
Aceno para ele e entro na caminhonete do senhor Douglas, meu
antigo chefe e amigo da minha mãe.
O interior do carro está escuro e frio, e nem preciso olhar para o lado
para saber que ele está com seu famoso chapéu branco e as roupas
quadriculadas de fazendeiro.
— Então, o O’Donnell é seu novo chefe? — a pergunta retórica nos
mantêm parados.
— Sim. Podemos ir embora logo? — Fico olhando para fora da janela
que tem insulfilme escuro, e, mesmo assim, Jeremy permanece parado ali,
como um vigilante.
O senhor Douglas dá uma risadinha.
— Esse cara deve ter muita grana.
Olho feio para ele.
— Nem pense nisso. Vamos embora daqui e você me fala o que tanto
queria me contar.
— Não tenha pressa, menina. Não são boas notícias, para você.
Ele dá então a partida no mesmo instante em que Jeremy parece
pronto para verificar se está tudo bem.
Sinto uma forte ânsia no estômago.
Por mais que o senhor Douglas não seja um homem perigoso, sei para
quais fins as pessoas o procuram.
Eu sei como ele e minha mãe se tornaram conhecidos e isso não me
agrada nem um pouco.
A noite de jogos foi um sucesso, mas o que se aconteceu depois
daquela noite foi puro desastre.
Julian começou a passar mais tempo com o cachorro e não é nada
legal comigo, sempre me ignorando. Ele evita os mesmos cômodos que eu,
ou então está sempre de cara fechada para mim.
Uma semana se passou e já estou pegando uma moral com o seu
comportamento mesquinho.
Mas não posso me render facilmente.
No final de semana, rezei para ver Audrey logo na segunda. Não por
um instinto inapropriado, ou pela vontade de sucumbir ao desejo em ver
seus olhos grandes de avelã, ou até por sentir seu cheiro doce de morango.
Não!
É quase como uma bússola e sei o que estou procurando nela.
Na segunda-feira, logo quando acordo, antes mesmo do dia
amanhecer, a primeira coisa que faço é tomar um banho e vestir uma roupa
apropriada para praticar exercícios físicos.
Uma calça de desporto e uma blusa cinza de malha.
Calço meus tênis de corrida e coloco meu relógio digital que sempre
calcula meus passos, a quilometragem e as batidas do meu coração.
Eu me alongo, tomo meu café da manhã e espero. Por um momento,
penso: “Não preciso fazer isso”.
Poderia solicitar uma reunião mais formal com ela, poderia até
mesmo procurar alguém mais especialista na área, mas quero tudo o muito
discreto possível e com Audrey conseguirei isso.
Além do mais, tenho outras intenções por detrás do real motivo.
Isso faz de mim, um cretino, mas não posso fugir dos desejos, da
vontade de um homem solitário há anos que milagrosamente se viu
finalmente tão interessado em uma mulher diferente de todas as
possibilidades que já se pensou.
Espero pacientemente por ela enquanto eu me alongo mais um pouco
na sala de estar. Pela janela, vejo o dia amanhecer cinza e ir formando
nuvens densas da chuva que promete cair em alguns minutos.
Por um momento, imagino que ela não vá optar por caminhar com o
cachorro nessa manhã. Mas, para a minha surpresa, lá está ela, saindo com
Theo na manhã nublada.
Santo Deus, eu nem a vi chegar!
Audrey foi silenciosa, mas o cão foi mais ainda, pois não deixou
rastro algum de animação quando a sua pessoa favorita chegou.
Eu me apresso a ir para o lado de fora antes que ela pegue mais
distância.
Por sorte, os passos de Audrey são curtos.
Talvez, ela esteja hesitante sobre prosseguir com a caminhada. No
entanto, continua e eu a sigo.
Estamos indo para longe da mansão e das árvores do jardim. Ela evita
as trilhas demarcadas e a sigo feito um stalker maluco.
Preciso acelerar meus passos, senão nunca irei alcançá-la. E quando
estou mais perto, Theo para olhando na minha direção e começa a latir.
Isso chama a atenção de Audrey que se vira.
Ela está usando legging com um casaco cinza que revela a regata rosa
por debaixo do pano mais grosso. Seu cabelo está preso em um rabo de
cavalo nessa manhã, mas sempre volumoso e tão bonito de se ver. É
engraçado, porque ela não parece gastar milhares de euros com a aparência
dos fios e são naturalmente lindos.
— Pensei que nunca a alcançaria — digo sem parar meus passos até
ela. — Bom dia.
— Bom dia. O que faz aqui? — pergunta genuinamente.
Olho ao redor e paro, analisando a vastidão da nossa propriedade.
Esqueci do quão grande ela é.
— Costumo correr todas as manhãs em Londres e queria manter essa
rotina aqui. Precisam de mais um acompanhante? — pergunto como quem
não quer nada.
Ela olha para o cachorro.
— O que acha, Theo? Aceita mais um integrante no nosso pequeno
grupo? — ela pergunta ao cão e fico olhando para ele.
Mesmo que animais não tenham o talento de falar, eles se expressam
de alguma forma, por isso fico ansioso pela reação do meu cachorro, que eu
mal consigo cuidar direito.
O cão balança o rabo, então dá um latido e coloca a língua para fora,
como se estivesse pronto para a diversão.
— Acho que isso é um sim — Audrey diz.
— Mas é você? Quer que eu vá junto também? — pergunto com mais
expectativa ainda.
Ela arqueia as sobrancelhas em surpresa. Na verdade, deve estar
assustada por pedir permissão a ela.
Mas gosto da forma como fica quando faço perguntas inesperadas.
Audrey fica tão tímida, a pele meio avermelhada e ela tem o costume
de morder o lábio quando fica indecisa.
Fico a imaginar seus olhos revirando quando…
“Merda, não posso ter esses pensamentos agora!”
— Bem, para a sua sorte hoje vamos pegar a estrada principal. Vamos
até a segunda propriedade, o que dá uns três quilômetros de ida e volta. Vai
ser coisa rápida — explica e então olha para o céu. — Acho que vai chover,
então não é bom arriscar um caminho mais longo.
Aceno com a cabeça e começamos a caminhar lado a lado. Audrey
segura a coleira do Theo, mas sei que ele é um cachorro livre. Talvez, em
dias de chuva, ela não confie tanto assim nele sozinho.
— Então você curte praticar atividade física? — pergunto quando ela
parece bem entusiasmada ao me explicar o trajeto.
— Sim e não — responde pensativa. — Eu apenas sempre fui muito
proativa, em tudo, desde criança. Então ficar parada não é algo que curta
muito.
— Ah, entendo.
— E você? Se trouxe roupa para praticar atividade física, é porque
curte.
Maneio a cabeça enquanto penso no assunto.
— Na verdade, nem tanto. Eu gosto mesmo é de correr, mas as outras
atividades físicas… Prefiro esportes, em um geral.
— E isso não se enquadra em atividade física? — indaga
profundamente.
— Bem, se você considerar velejar, golfe e pilotar…
— São atividades físicas refinadas — emenda. — Espera, você
pilota?!
Sua surpresa exacerbada me arranca um sorriso sem graça.
Poucas pessoas conseguem isso, porque muitas delas fingem estarem
surpresas para me bajular e raríssimas fingem surpresa espontânea, como
Audrey faz na maioria das vezes comigo.
Eu acho isso muito satisfatório, pois me sinto único, especial, como
se estivesse fazendo tudo pela primeira vez. Quer dizer, como se alguém
realmente ficasse orgulhoso e interessado nas coisas que faço e ela me passa
essa sensação.
— Sim, tenho permissão para pilotar aeronaves — admito.
— Uau… — Ela parece estar muito surpresa e pergunta: — Tem
alguma coisa que você não sabe fazer?
Olho incrédulo para ela.
— Porque uma pessoa que pilota aeronaves sabe fazer praticamente
tudo! — explica e sorrio de novo.
— Não é bem assim. Eu não sei cantar, por exemplo.
Audrey solta uma risadinha anasalada e encara o chão de terra batida
por onde andamos.
Começa a cair chuviscos muito finos, então me concentrei em não
sair da nossa conversa.
— O quê? — pergunto curioso por qualquer reação dela.
— É engraçado. Você não é bom em coisas que sou excepcionalmente
ótima, modéstia à parte.
É a minha vez de ficar surpreso.
— Então você canta?
Ela me olha de um jeito convencido.
— Está olhando para uma pessoa que praticamente cresceu na igreja e
era obrigada a participar dos corais. Foi lá que descobri esse talento.
— Isso é muito interessante. Espero algum dia vê-la cantar.
— Será que posso dizer o mesmo sobre velejar ou pilotar com você?
Não há muita confiança em seu tom de voz e ela brinca, como se isso
nunca fosse possível de acontecer.
— Posso ver um dia para fazer isso. — Sinto minha pele
superaquecer com a ideia de velejar e pilotar com Audrey ao meu lado.
Quando ela me olha dessa vez, há um pouco de hesitação e
desconfiança em seu olhar.
Ela não sabe se acredita em mim.
O que a faz pensar que isso não se tornará possível?!
— Você me levaria, mesmo? — pergunta ainda desacreditada.
— Por que não levaria? Gosto da sua companhia — revelo, até
porque não gosto de esconder nada.
É como se eu fosse um garotinho ressentido.
— Mas… Por quê?
— Bem, se contar a você perde a graça.
A verdade é que ainda não consigo decifrar o que estou sentindo, mas
sei que gosto tê-la por perto.
Costumo ser um lobo solitário, não gosto de grude e nem de estar
sempre acompanhado, mas a presença de Audrey é tão tranquila que
passaria horas, dias ao seu lado. Tudo por esse momento de paz que ela me
transmite e, às vezes, vai além disso.
E é esse “além” que não consigo dizer a ela.
— Acha que vou me aproveitar disso?
— Não foi isso o que quis dizer. Mas há essências que não podem ser
desvendadas, não rapidamente.
— Entendo.
Não, acho que ela não entende, mas resolve aceitar.
— Além do mais, meu filho adora você — ressalto e isso a faz abrir
um sorriso adorável. — Você já deve ter percebido que Julian e eu não
temos uma boa relação. — Faço com que o tom da conversa mude e até
mesmo Audrey muda.
Não sei o que acontece, mas parece que ela tem uma conexão com
meu filho, como se o compreendesse ou tivesse visto qualquer coisa que
ainda não fui capaz de ver.
— Acho que isso pode ser mudado. Você só precisa se esforçar um
pouco mais. A noite do videogame não parecia que vocês tinham uma
relação ruim. Foi algo totalmente descontraído.
— Porque você estava lá. Tentei repetir a dose no final de semana,
mas não obtive sucesso — confesso me sentindo frustrado, ignorando a
chuva fraca que começa a cair. — Às vezes, acho que ele me odeia.
— Não diga isso! — ela se exaspera. — Julian quer chamar a sua
atenção, ver até onde você vai por ele e se faz de difícil por isso.
— Eu daria a minha vida pelo meu filho, Audrey — revelo, sentindo
meu coração dar um nó.
— Faça Julian perceber isso — aconselha. — Quer dizer, faça Julian
perceber que é o seu mundo.
— Como farei isso, se tudo o que faz é se afastar de mim?
— Insista. A gente só insiste naquilo que realmente amamos e vale à
pena lutar. Se quiser, eu ajudo você.
Olho para ela.
Era nesse ponto que queria chegar, mas não sabia como.
Seria muito inconveniente da minha parte e aposto que Julian se
sentiria ofendido se eu contratasse alguém especializado que ajuda pais a
lidarem com filhos adolescentes.
Só que Audrey cuida do Theo e eles ficaram próximos muito rápido.
Ele nunca desconfiaria disso, do empenho que Audrey colocaria sobre esse
assunto.
— Você faria mesmo isso? — pergunto só para ter certeza.
— Eu já estou aqui, não estou? Não me custa nada ajudar. Além do
mais, quando voltarmos, tenho certeza de que Julian já estará nos
esperando.
— Esperando vocês — enfatizo.
— Saia mais do quarto, deixe o celular de lado e as ligações. Se
concentre no aqui e agora, que ele vai ver uma brecha para deixar você
entrar, e vice-versa.
— Falando desse jeito, parece até que sou o adolescente revoltado
aqui — comento e Audrey gargalha.
A risada que adentra meus tímpanos e se instala na minha cabeça,
percorre por todo meu corpo como uma dose extra de endorfina. Minha tez
se arrepia e sorrio de volta com a sensação proporcionada, pelo contágio de
sua risada gostosa e verdadeira.
Parece uma canção, a sua voz é doce e harmônica.
Juro que quase posso ouvi-la cantar.
Bem, eu quero ouvi-la cantar.
E nesse momento de descontração, Theo dá uma guinada súbita,
puxando Audrey em um sifão. Ele late em alerta, olhando para dentro da
floresta quieta.
— O que foi, Theo? — ela pergunta.
Fico atento também, mas confiante, afinal essa área é a mais segura
de Dublin. Porém, há muitos animais silvestres por aqui.
O cão choraminga e mais uma vez se inquieta. Quando estou prestes a
assumir o controle da coleira para segurá-lo, com medo que acabe
machucando a Audrey, ele dá mais um puxão e desta vez é tão forte que ela
tropeça e o solta por um deslize, então a seguro pelo braço.
— Tudo bem? — pergunto e ela apenas balança a cabeça.
— THEO! — grita para o cachorro que já corre adentrando a mata.
Audrey faz menção de que o seguirá, mas a mantenho no lugar.
— O que está pensando em fazer? — pergunto.
— É bom irmos atrás dele! Pode ser perigoso.
— Bom, então deixe que eu faço isso.
Ela me olha de um jeito irritado e pela primeira vez, vejo seus olhos
virarem chumbo de tão duros que ficam.
— Esse é o meu trabalho, cuidar do cachorro.
— Mas estou aqui, posso ajudar. Tem algum problema nisso? —
pergunto, pois, a sua reação inesperada me incomoda.
— Eu só não gosto muito de homens me dizendo o que fazer. — Ela é
direta.
— Por causa do seu antigo trabalho? — pergunto sem receio.
Em resposta, Audrey desvia o olhar e foge do meu agarre.
— Só vamos atrás dele, tá legal? Podemos fazer isso em conjunto —
enfatiza, já indo sem medo na direção da mata.
Seja o que for, parece que Audrey não gosta muito de tocar no
assunto e não posso julgá-la por isso.
Todo mundo tem segredos e o passado às vezes é um monte de
bagunça onde você não quer que ninguém mexa.
Eu não quero mexer na bagunça dela, mas gostaria muito de entendê-
la.
Sigo Audrey para dentro da mata. Na verdade, é uma parte da floresta
que compõe toda a vegetação de Malahide. É uma área preservada, muito
bonita de ser ver, devo admitir, porém, com seus perigos iminentes, claro.
— THEO! — Audrey grita. — VEM AQUI, GAROTO!
— THEO! — Dou suporte e aproveito para assobiar, já que não tenho
tanta intimidade assim com o cão.
Talvez ele nem me obedeça, mas quero ajudar Audrey e não quero
que nenhum mal aconteça ao cachorro também.
— O que aconteceu com o seu último trabalho? — pergunto
esporadicamente, enquanto descemos a mata, não seguindo nada em
específico, apenas nos infiltrando cada vez mais para dentro da área.
— Por que você insiste tanto em saber disso?
— Porque foi onde a vi pela primeira vez.
— Bom, mas isso não faz sentido, porque meu último trabalho foi
como diarista.
— O quê? — Não posso conter a surpresa.
Jane não havia me contado sobre isso, nem mesmo Audrey, mas ela
quase não fala nada sobre sua vida.
— Sabe os Bergman, da segunda rua logo na entrada da vila?
Ela está a dois passos à minha frente e parece tão ágil em seus passos,
como se já tivesse mapeado cada parte da floresta antes, sabendo
exatamente onde pisar.
— Sim, eu sei — respondo.
— Antes de vir trabalhar aqui, eu trabalhei para eles. Na verdade, eu
trabalhava para outras famílias também, porém, mais para eles. Eu limpava
privadas, arrumava cama e escovava os rejuntes do chão. Era um trabalho
honesto, apesar da trabalheira.
— E o que aconteceu? — Fico curioso.
— Eu roubei um pote de biscoitos da casa deles — declara
simplesmente, com toda a naturalidade do mundo.
Mas eu não acredito nisso.
— Você o quê?!
— Isso mesmo. A senhora Bergman foi uma escrota comigo por
causa de um biscoito e revidei da melhor maneira que ela merecia. Não me
orgulho disso, mas quando lembro das palavras dela, não me arrependo de
nada.
— Ela não prestou queixa contra você? — Estou mais curioso do que
espantado com a revelação em si.
Audrey sorri e ainda descendo, olha para mim, por cima do ombro
para firmar:
— Não, mas espero mesmo que ela venha.
Sinto um pouco de raiva em suas palavras e de repente me vejo mais
curioso ainda para saber o que a senhora Bergman fez a ela. No entanto,
quando Audrey pisa, tenho tempo apenas de ouvir algo se partindo, ela
caindo e gritando.
— AUDREY!
Tento alcançá-la, mas ela desce rápido demais, bolando em meio as
folhagens e o meu coração falta sair pela boca. Tenho tanto medo que quase
travo, mas será pior se isso acontecer. Então, continuo correndo até ela, mas
não esperei tomar o mesmo destino.
Tropeço em algo duro e pontudo, talvez, uma pequena pedra, no
entanto, foi o suficiente para alcançar Audrey rápido demais.
Caio por cima dela e agarro meu corpo ao seu como um escudo. A
cena toda seria engraçada, se não estivéssemos correndo o risco de sair
mortos daqui, ou pelo menos desacordados.
Faço um esforço para que nossos corpos não deem de encontro com o
tronco de uma árvore que está logo no fim. Finco meus dedos na terra e isso
dói como inferno, tanto que solto um rugido.
Mas paramos.
Meu coração está acelerado a mil por hora devido ao susto. Porém, há
outra coisa que me deixa completamente louco nessa situação...
Uma Audrey sob mim, toda descabelada, suja de terra e folhas, com o
medo estampado no seu rosto angelical e o corpo completamente preso ao
meu.
Estou respirando com dificuldade e ela também, isso faz com que
seus seios fartos rocem no meu peitoral aquecido.
Nossos corpos estão bem colados e em qualquer outra situação seria
no mínimo para lá de interessante.
E está sendo.
Mas não quero parecer um louco.
Só que, porra, ela é tão gostosa e está me olhando de um jeito como
se estivesse pensando na mesma coisa que eu.
Não sobre ela, mas sobre mim.
Expectativa e desejo espreitam seu olhar.
Tenho trinta e oito anos, não tive muitos relacionamentos, mas já me
envolvi com algumas mulheres para reconhecer esse tipo de expressão
corporal. E sei que Audrey está tentando me dizer alguma coisa, ou pelo
menos, esconder.
— Cuidado onde pisa — digo por fim.
Nesse instante, a chuva engrossa, e mesmo debaixo das copas de
algumas árvores, é inevitável o banho que começamos a tomar.
Continuo em cima dela e não faço menção em sair enquanto nossos
corpos são molhados, as roupas. E mesmo com a chuva, posso sentir nossos
corpos se aquecendo.
— E-eu… — Ela tenta dizer algo.
Santo Deus, seus lábios avermelhados, sendo tocados pelas gotas da
chuva me deixam com inveja, pois queria ser eu a tocá-los.
— Cuidado, Audrey.
Mas já é tarde demais, porque me vejo sendo atraído por seus lábios
rosados e bem desenhados.
Eu me aproximo e ela não faz nada para me deter.
“Porra!”
Audrey está completamente paralisada debaixo de mim, mas de
repente sinto seu joelho se mover poucos centímetros para cima, e isso faz
com que ela roce o joelho no meu pau.
Não sei se é um acidente, mas acontece.
Eu quero tocar o seu corpo...
Quero senti-la, prová-la…
Eu quero tantas coisas...
Mas uma delas, é beijá-la.
E, para a minha surpresa, Audrey toma a iniciativa.
Seus lábios tocam os meus muito rapidamente, por três segundos, e
então se afasta, me deixando completamente em choque.
Audrey se afasta com olhinhos pidões.
Eu não sei dizer o quanto ela estava desejando isso, mas aconteceu.
Ela quer mais e com certeza darei a ela.
Eu a beijo com mais vontade e puxo seus lábios para mim, como se
estivesse puxando todo o seu fôlego. Provo seus lábios macios e gostosos,
que seria capaz de travar guerras só para senti-lo.
Percebo que ela está se entregando, que está cedendo a mim e isso me
deixa excitado pra caramba.
Quando enfio a língua dentro da sua boca e começamos uma dança
sensual em nosso beijo molhado, Audrey levanta uma perna, a direita,
envolvendo o meu corpo.
Puta merda!
Toco a lateral do seu corpo, subindo até o limite dos seus seios.
Não quero ultrapassar os limites, ou parecer um desesperado. Mas a
essa altura do campeonato, talvez ela já até esteja sentindo a protuberância
do meu pau roçando no pé da sua barriga.
Ao gemer dentro da minha boca, sinto que serei capaz de comê-la
aqui mesmo. No meio do mato.
Mas aí lembro que ela pode estar com alguma fratura, que talvez o
seu gemido seja de dor e que ela esteja me deixando chegar até aqui porque
está indefesa devido os metros abaixo que saiu rolando.
Lembrar disso me faz me sentir um idiota.
Estou sendo um idiota com ela.
Saio de cima dela rapidamente, como se tivesse levado um choque.
— Me desculpa — digo enquanto a vejo se erguer. — Você caiu e
tudo o que faço é ser um desastre também e ainda te beijar.
— Tudo bem, foi culpa minha. Eu o beijei — diz vermelha.
Eu não sei dizer se está assim devido à queda, pelo que acabou de
acontecer ou pelo constrangimento de agora.
Levanto e dou minha mão para ajudá-la.
— Você está bem?
Ela olha para o corpo.
— Sim, eu acho.
— Bom, podemos ir atrás de um médico para ver isso melhor.
— Tá tudo bem, mesmo, Jeremy. Não se preocupe com isso — frisa.
— Só vamos continuar procurando o Theo.
É um aviso discreto.
“Não vamos falar do beijo, ok?”
Acho que seria mais constrangedor.
Bem, ao menos penso ser por esse motivo.
E a forma como ela segue como se nada tivesse acontecido só revela
isso mais ainda.
E como um homem adulto que sou, apenas sigo em frente também.
Eu indagarei, mas não agora. Irei respeitar seu espaço e o seu
desconforto momentâneo. Isto é, se for a porra de algum desconforto, o que
duvido muito, pois aconteceu algo tão forte ali que ainda me vejo preso no
chão sobre ela, enquanto a beijava.
Além do mais, logo encontramos Theo.
Não encontramos a razão do que o deixou daquele jeito, mas tratamos
de voltar para a mansão porque ainda chove muito e não queríamos pegar
um resfriado com as nossas roupas molhadas.
Quando vejo Audrey subir para trocar de roupa, tenho a sensação de
ter estragado tudo.
De todas as formas possíveis.
Esmurro a parede do meu quarto, mas não com tanta força.
“Imbecil!”
Só espero que nada fique estranho entre nós dois.
Quando Theo escapou, fiquei desesperada. Imaginei que algum
animal grande e selvagem havia o atraído para dentro da floresta e depois
mesmo tentando bloquear o pensamento, não conseguia parar de imaginá-lo
machucado.
Havíamos criado um certo vínculo nas últimas semanas, antes mesmo
das férias de verão começarem.
O que me surpreendeu muito porque nunca fui tão próxima de
nenhum animal.
Jeremy estava comigo e ele parecia tão submerso na nossa conversa,
que mal conseguia acreditar que a fuga de Theo havia atrapalhado tudo.
Quer dizer, ele havia mesmo se chateado por isso?!
Por um momento foi o que pareceu.
Mas aí ele veio com todo aquele seu cavalheirismo de “Deixe que eu
vou” e minha reação pareceu assustá-lo, mas não sei se o pegou mais de
surpresa do que a mim.
Estive por tanto tempo aguentando abusos machistas naquele pub no
Temple Bar, que isso agora está de certa forma enraizado em mim.
Ter fugido para dentro da floresta e sair a procura do cachorro foi a
melhor desculpa que poderia ter para esquecer a forma como levantei a voz
na direção de Jeremy.
Aquilo era inaceitável, sem razão alguma. E ele tinha todos os
motivos para querer me mandar embora, se quisesse. No entanto, Jeremy só
mostrava mais curiosidade por mim, pela minha vida.
Ele fazia perguntas, talvez tantas quanto eu.
E confesso que é quase inacreditável que um homem do seu porte e
status veja algo interessante em mim.
Pensando bem, as vezes, acho que pode ser algum tipo de teste, só
para saber o tipo de pessoa a quem ele confia estar na mesma casa que ele e
a sua família.
Mas quando eu caí e saí rolando terra a baixo, o ouvi me chamar.
Tão desesperado!
Eu jurava que estava comendo terra e folhas, que meus joelhos
ralaram nas pedras e que alguns galhos me furaram. Por um instante, pensei
que fosse morrer, contudo, quando dei por mim, Jeremy já estava agarrado
em meu corpo e eu presa ao seu.
Quando enfim paramos, porque ele fez com que isso acontecesse,
estava respirando com muita dificuldade e sentia meu corpo completamente
dolorido.
Eu não seria capaz de mover um centímetro do meu corpo. Mas
parecia haver uma exceção.
Aquele homem em cima de mim, não facilitava nada. Seu peso contra
o meu corpo era excitante, assim com seu cheiro misturado a sua presença e
toda a energia naquele momento me deixava completamente tonta,
embriagada, fora de mim.
— Cuidado, Audrey — ele disse.
Eu podia ouvir a sua voz como um canto de feitiço, o seu olhar
penetrante em mim, como se quisesse ir além do que se via.
Eu só podia estar maluca quando decidi que deveria beijá-lo!
Só que o mais louco de tudo foi ele ter correspondido e me tocado.
Pela primeira vez, um homem havia me tocado e eu tinha gostado.
Bom, eu gemi, quando ele segurou meu seio e senti que de repente eu
queria sua boca ali.
Não sei o que deu na minha cabeça e quero batê-la contra a parede
por isso.
Me pergunto se tudo aquilo, por algum segundo, pareceu uma
tentativa minha de seduzir o Jeremy.
Por mais que estivesse de alguma forma enfeitiçada e surpresa por
sentir as coisas que ele me fez sentir, eu sabia que tudo aquilo era errado.
Eu o beijei e tenho fugido deste acontecimento como quem sonega o
imposto. E nem sei o que é pior, tê-lo beijado e gostado, ou se foi como
senti a sua ereção roçar contra mim, e em resposta, o meu joelho tocá-lo em
um movimento ímpeto.
Fiquei vermelha de vergonha!
Eu mal conseguia olhá-lo!
No final, saí com a desculpa de que deveria, e tinha mesmo, que
encontrar Theo.
Mas depois que o encontrei, apenas perambulando pela floresta,
completamente perdido, voltamos para a mansão.
Eu ignorava a dor no meu corpo e os machucados conquistados,
assim como ignorei os olhares curiosos e de surpresa de alguns funcionários
quando passei por eles toda suja de terra e folhagem, o cabelo uma bagunça,
e a postura de quem é culpada.
Eu sabia que Jeremy vinha logo atrás de mim.
Na verdade, ele nem se importou se vinha da mesma direção que eu,
com o mesmo aspecto visual e com seus funcionários testemunhando tudo.
Apenas deixei o cachorro no quarto de hóspedes que foi designado
para mim, e me tranquei com as minhas coisas que trago todos os dias em
uma mochila.
Peguei uma toalha e o sequei, tirando o excesso de água do seu pelo.
Tomo um banho e fico debaixo do chuveiro por uns bons minutos
enquanto penso em tudo o que aconteceu, revivendo cada momento.
O meu corpo parece ser a minha última preocupação.
Bom, não há nenhuma dor estranha que ganhe a minha atenção mais
do que o inesperado beijo em Jeremy O’Donnell, CEO e rico pra caramba.
Além de lindo, lindo!
Tão lindo que parece ter saído de uma novela.
E aquele volume marcado na calça…
Nossa!
Ele estava tão duro!
Lembro que o núcleo, no meio das minhas pernas, pegou fogo no
mesmo instante, mas algo travou dentro de mim, surpresa demais com todas
as reações físicas que demonstrei naquele momento.
Como olharei para ele agora?
Será que Julian perceberá que algo estranho aconteceu?
Que droga, como me odeio por ter feito o que fiz!
De repente, ouço batidas à porta e me agarro a toalha enrolada no
meu corpo, pensando ser ele.
— Audrey?
É Jane e nem sei o que sentir em relação a isso.
Mas eu deveria estar aliviada, não deveria?
— Sim?
— Querida, vista-se que o médico já está a caminho.
Médico?
— Você está bem? — ela pergunta.
— Sim, eu estou — respondo me olhando no espelho.
Aparentemente não há nenhum machucado grave evidente.
— Bom, o senhor Jeremy disse que você caiu feio, então é bom ser
avaliada por um médico. Ele já está a caminho.
Fico sem me mover por alguns segundos.
Não sei o que isso significa, nem sei se estou tão ruim assim ao ponto
de ser avaliada por um médico.
Mesmo assim, Jeremy achou que seria necessário.
Bom, ele está certo, afinal isso pode ser classificado como um
acidente de trabalho, já que estou em horário de serviço.
Mas a culpa foi completamente minha, por ter sido tão desatenta.
Procuro na minha bolsa a muda de roupa que sempre trago para vestir
depois das caminhadas matinais com o Theo. Coloco um short e uma regata
de babados, pois, a chuva fraca que cai é acompanhada pelos raios de sol.
Não está nublado, é a famosa chuva de verão.
Depois que escovo o cabelo, saio do quarto e espero. Fico sentadinha
na cama com o Theo, como uma menininha que aprontou uma e agora só
espera o momento da bronca.
No entanto, primeiro a advertência vem acompanhada de um médico.
O homem todo de branco entra no quarto quando Jeremy abre a porta.
Eu só consigo ter olhos para ele, mas tento disfarçar.
Ele já está de banho tomado, veste jeans e uma blusa de mangas
curtas.
Não sei o porquê ainda me surpreendo em não o ver de terno e
gravata.
— Então você é a moça que caiu em uma cena dramática dentro da
floresta? — o médico pergunta com um sorriso no rosto.
Cena dramática?!
Olho dele para Jeremy depois olho para o médico de novo, soltando
um pigarreio.
— Eu pisei em falso.
“Está mais para, caí nos lábios do CEO!”
Ele se posiciona na minha frente e ficou me olhando de baixo para
cima, como se eu fosse algum tipo de exposição. Em resposta, me encolho,
afinal não gosto de homens me olhando desse jeito, principalmente
estranhos, mesmo que seja por termos de saúde.
Mas, ironicamente, não me sinto assim quando flagro Jeremy me
secando com os olhos.
— Na maioria dos casos, pisar em falso causa uma torção de
tornozelo muito séria — o médico avisa.
— Não sinto que seja o meu caso. Estou bem, é sério. A minha roupa
me impediu que tivesse qualquer arranhão e lembrei de proteger a cabeça
na hora.
Jeremy me olha desconfiado.
— Bom, de qualquer forma, é bom testarmos todas as possibilidades
— o médico informa.
— Ok.
Ele pega um dos bancos do conjunto do divã, se senta de frente para
mim e pede para que eu faça alguns movimentos com as pernas, cada uma
delas por vez.
Preciso fazer sentada e em pé.
Jeremy fica parado no canto, observando tudo como um
acompanhante atento e preocupado.
Ele me vigia como um cão de guarda.
Seus olhos não saem de mim, parece estar muito focado em todos os
meus movimentos e atento a tudo o que o médico diz a respeito do que vê
em mim.
— Ela parece estar bem mesmo — conclui por fim.
Dou um sorrisinho.
— Já estou acostumada a levar tombos — comento e sinto que eles
ficam me olhando de jeito curioso. — Metaforicamente falando, sabe? Eu
realmente não sou tão desastrada assim.
— Mas peço que tome cuidado, senhorita — o médico diz enquanto
se levanta, segurando a sua malinha com os seus utensílios médicos. —
Outra queda e não sei se seu corpo irá resistir. Somos como o tronco forte
de uma árvore, no primeiro momento podemos não ceder, mas depois se
perde algumas lascas. Seu pé pode ter se safado, mas receio que outra
pisada em falso e a coisa realmente fique feia.
Olho incrédula para ele e sinto que Jeremy também fica tenso no
canto do quarto.
Por que ele se importa tanto?
— Tudo bem, não costumo ser muito imprudente assim — saliento.
— Ótimo. Bom, acho que isso é tudo — o médico diz mais para
Jeremy do que para mim.
— Obrigado, doutor. Estaremos por aqui nas férias de verão —
Jeremy informa sendo todo cortês.
— Que legal, senhor Jeremy. Espero de verdade que o senhor não
volte a me ligar, se é que me entende. Espero que não aconteça nada — o
homem brinca. — Mas, qualquer coisa, sabe como me encontrar. Até mais,
senhorita.
— Obrigada, tchau. — Aceno para ele e dou um sorrisinho.
Jane surge no quarto, pelo jeito estava esperando no corredor e disse
que acompanharia o médico até a saída. Jeremy permanece, me sento de
volta na beira da cama e seguro com firmeza à beira porque estou nervosa
demais. Se ficar em pé, será capaz dele ver as minhas pernas tremerem e já
estou tensa demais com tudo isso.
Para completar, Jeremy fecha a porta do quarto, então encosta as
costas nela e enfia as mãos nos bolsos enquanto me olha atentamente. Sinto
a minha boca seca, mas parece que seu toque ainda queima meu corpo e o
seu beijo parece um peso constante contra meus lábios.
Passo a língua no meu lábio inferior e o mordo.
— Eu nem perguntei se você estava bem — digo tomando a iniciativa
para quebrar o silêncio, para a minha surpresa. — Está tudo bem?
— Já estou acostumado a levar tombos também, Audrey. Mas estou
bem — ele enfatiza.
Seu olhar está firme e as palavras tão seguras quanto as minhas.
— Tive medo de que tivesse se machucado, a queda foi muito feia.
— Causando uma cena dramática — repito o que o médico disse e
Jeremy dá um sorrisinho de lado.
— Foi digno de filme, o que me preocupou mais ainda.
Abaixo o olhar e sinto meu rosto esquentar.
— E você não riu em nenhum momento de mim?
Ele franze o cenho.
— Por que teria rido de você, Audrey?
Dou de ombros e um silêncio se forma de novo.
Desvio o olhar muito rápido do seu, pois, não consigo olhá-lo por
tempo demais, porque sei onde minha mente me levará. Olho para o chão,
afinal não posso me fazer de boba agora.
— Quero pedir desculpas pelo meu comportamento, Jeremy. —
Procuro seus olhos, para que ele saiba que é real. — Eu não deveria ter feito
o que fiz.
Seus olhos escuros se estreitam para mim, confusos.
— O que você fez, Audrey?
Fico tão surpresa que sorrio nervosa.
— E-eu… Nós… Você sabe…
Jeremy toma distância da porta e começa a andar na minha direção,
com as mãos enfiadas nos bolsos da calça.
Mas posso muito bem visualizar um leão vindo em minha direção, um
líder nato, um rei, capaz de intimidar qualquer predador.
Só que não sou uma predadora, sou facilmente uma presa. Um
cordeiro que Jeremy teria facilmente em suas garras, em seus dentes, em
sua língua…
— Quero que me diga em voz alta.
Não, na verdade, isso está mais para uma ordem.
Ele está parado diante de mim, onde posso olhar para ele aqui de
baixo, parecendo uma submissa.
Aperto as coxas uma contra a outra e evito olhar para a sua calça,
mesmo lembrando o momento tão inadequado de como senti seu membro
tão duro.
Rapidamente abaixo a cabeça quando sinto que estou ruborizando.
Droga, odeio abaixar a cabeça pra homem!
Mas não sei o que está acontecendo comigo nesse momento.
Será que é porque isso tudo é tão errado?
— Quer que a situação toda fique mais constrangedora ainda para
mim? — pergunto de volta.
— Constrangedora? — repete como se não soubesse o significado da
palavra.
Bato as mãos sobre minhas pernas e me levanto no mesmo instante.
Ele não se move, o que faz com que a distância entre nós dois seja mínima.
— Eu me arrependo do que fiz, Jeremy. Não sei qual motivo me fez
beijar você.
— Você me beijou porque queria — ele frisa, para a minha surpresa,
porque pelo modo que diz, não parece estar zangado, como imaginei que
ficaria com toda a situação embaraçosa. — Somos dois adultos, Audrey.
Não vou agir feito um menino covarde e negar o que aconteceu naquele
momento. Você sentiu e eu senti. Você quis e eu quis. Deu no que deu.
Agora vem me dizer que está arrependida?
Fico paralisada, e agora, simplesmente não consigo desviar o olhar do
dele, porque Jeremy é capaz de me surpreender cada vez mais, destruindo
todo o estereótipo que inventei na minha cabeça de que gente rica não
presta e que homens de terno e gravata gostam de se aproveitar do poder
visual.
Pisco várias vezes antes de responder, preocupada com as
consequências que pensei que aquilo teria:
— Eu só não quero que uma atitude impulsiva minha resulte em algo
que não me agrade.
— Não vou demitir você só porque me beijou — ele assegura em um
tom tranquilo. — Foi só um beijo, certo?
Eu o encaro profundamente.
Um homem desses deve ter todo tipo de mulher aos seus pés. Deve
ter tantas e já levou todo tipo para casa que quando beija uma mulher,
parece que fez apenas um cumprimento de mão.
Fico com essa impressão.
No entanto, Jeremy não me parece ser esse homem que estou a
pensar, afinal já teve uma mulher que faleceu durante o parto.
Jeremy é tão maduro, já passou por tanta coisa, que um beijo pode ser
considerado o menor dos seus problemas.
Mas a sua expressão corporal é o meu álibi.
Jeremy pode dizer o que quiser, mas o seu corpo jamais, jamais
negará.
Então não, não foi só um beijo.
Como ele mesmo disse, eu senti e ele sentiu.
Mas, sentimos o quê?
Desejo?
Atração?
Isso é tão humano quanto cair!
Mas, não pelo homem que tem meus serviços. Não para alguém tão
diferente dele como eu.
Ainda assim, balanço a cabeça e digo:
— Sim, foi apenas um beijo.
Jeremy fica me olhando por um longo tempo, como se ele não
acreditasse nas minhas palavras. Até que estala a língua no céu da boca e
adverte:
— Escute, Audrey. Eu também agi, você não foi a única, então não se
culpe. A menos que tenha sido ruim demais. Foi ruim para você?
Sinto minhas bochechas virarem duas labaredas de tanto que elas
aquecem. Movo a boca, mas não consigo formular uma resposta.
Jeremy pode ter toda postura de um príncipe, um homem com modos
e princípios. No entanto, vejo um brilho de diversão espreitar em seu olhar,
como se ele estivesse se divertindo com o meu estado atual. Não por
maldade, talvez, porque ele me ache muito inocente, ou inexperiente
demais.
Bom, aqui vai uma curiosidade sobre mim, posso ser nova ainda com
meus vinte e dois anos, mas já vivi muita coisa.
Sou inexperiente, sim, com essa coisa de sedução e tudo mais, mas sei
como ficar na defensiva com homens que tentam de alguma forma chamar a
minha atenção.
E é isso o que Jeremy quer.
Por mais que ele não precise de esforço algum para isso, lá está ele
me fazendo esse tipo de pergunta para descobrir algo que, se ele for
inteligente de fato, já percebeu.
Cruzo os braços e pergunto de volta:
— Sabe, você só quer saber o que senti, ou como me sinto em relação
ao que aconteceu, mas não fala muito sobre o que você acha. Então, me
diga, foi ruim para você?
Desta vez, sinto que a pessoa a ficar sem reação é ele, mas de um jeito
charmoso. Ele não fica envergonhado ou intimidado, mas surpreso.
Talvez, com o meu posicionamento, suponho.
— Não, não foi, Audrey — ele quase sibila as palavras,
corajosamente e ainda emenda: — Depois de rolar na terra com você,
aquilo não poderia ter terminado de forma melhor. Com um beijo.
— Poderia ter terminado de muitos jeitos.
— Sim, mas eu gostei desse.
Meu coração bate tão forte que tenho medo dele perceber.
— Por que diz isso? Parece até que está flertando comigo.
— Mas, e se eu estiver? Faz tempo que não faço isso, então, não sei
se estou fazendo do modo certo, me desculpa. Porém, é uma forma de dizer
que acho você muito atraente, Audrey. Desde quando vi você naquela noite
no bar, tão chateada com alguma coisa.
“Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus!”
Isso está mesmo acontecendo?
Jeremy então deixa de me olhar e encara seus pés ao admitir:
— Sabe, quando se tem uma rotina programada, de repente acontece
uma coisa que muda tudo e você passa a pensar naquilo como se fosse a
coisa mais incrível que aconteceu a você? Foi isso o que senti. Eu não
consegui parar de pensar em você pelos malditos meses que seguiram,
Audrey. Eu fui até o pub várias vezes na esperança de encontrá-la, mesmo
depois de descobrir que você não trabalhava mais ali. E agora você está
aqui.
É como entrar em uma dessas histórias que a gente vê nos filmes.
Mas Jeremy não parece estar apaixonado, talvez, ele esteja só feliz em me
reencontrar, animado o suficiente para considerar o beijo algo ingênuo da
minha parte e da dele também.
Mas, droga, por que estou em tanta negação?!
Por que simplesmente não consigo aceitar que isso pode ser real?
Bom, no final das contas, acho que isso é simples de saber.
Jeremy então finaliza, esticando a mão até meu rosto, onde acaricia
gentilmente com o seu polegar na minha bochecha e diz:
— Isso tudo é para dizer a você que estou feliz que esteja aqui,
Audrey. Não porque quero flertar com você, porque eu não quero. Flertar é
coisa de menino. Quando quero algo, pego para mim e faço minha
propriedade. Não fico fazendo joguinhos. De qualquer forma, estou feliz
que seja você.
Fico olhando para ele sem acreditar no que escutei.
O ar arde em meus pulmões, ao mesmo tempo que sinto uma
hiperventilação acontecendo dentro de mim.
Jeremy conseguiu uma coisa que homem nenhum foi capaz de causar:
a minha mais pura atenção e carinho, daquela que você sente e abraça.
Suas palavras parecem tão reais, que tudo o que mais quero agora é
abraçá-lo porque faz tempo que não me sinto tão importante assim.
Independente da conotação que isso tem, gosto de ser importante para
alguém, gosto da sensação de ter marcado a vida de alguém de forma
positiva.
Ele para de fazer carinho em mim e ficou esperando alguma reação.
As palavras de Jeremy são sucintas, ele não vai hesitar, ele não vai
fazer enrolações quando for acontecer o que aconteceu mais cedo e isso me
deixa empolgada por dentro.
Mas juro que estou tentando fingir o máximo de costume possível.
— Vamos, diga alguma coisa — diz um pouco preocupado.
— E-eu… Não sei, me desculpa. Acho que você me deixou sem
reação. Eu não esperava por isso.
Ele dá um sorrisinho adorável desses que acentuam o seu maxilar e só
deixa mais bonita ainda a sua barba.
— Tudo bem, só precisava dizer isso, senão ia acabar explodindo.
Espero que não se assuste com a minha sinceridade. Não sou muito de me
expressar e quando faço isso, é como se fosse um trem desgovernado.
Balanço a cabeça, pisco várias vezes e suspiro profundamente.
— Eu só não esperava mesmo que fosse tudo isso. Talvez uma
lembrança, porque você lembrou de mim. Mas essas coisas que você me
falou agora… E agora? O que acontece?
Ele dá de ombros.
— Agora você continua por aqui, trabalhando, sendo uma companhia
adorável no verão. Pretendo conhecer mais de você, Audrey. Não importa o
que isso significa, quero apenas que continue aqui, o tempo que for. Julian e
eu precisamos de você.
Abro um sorriso e meu coração fica tão aquecido, tão leve, que acho
que irei chorar de felicidade pelas suas doces palavras no final. Porque
ninguém, além da minha própria mãe, foi capaz de demonstrar tanto
interesse assim por mim.
Nesse instante, eu me sinto importante.
De fato, me aproximei demais de Julian. Mas, Jeremy…
É como se ele tentasse descobrir a razão da minha existência em sua
vida.
E não vou mentir, gosto muito disso.
— Obrigada por isso, Jeremy. Está tudo bem, de verdade — digo, o
tranquilizando sobre tudo.
— Ok, então. — Ele assente com a cabeça e por um momento parece
meio deslocado, sem saber o que fazer ou dizer. Então começa a se
movimentar: — Irei deixá-la descansando. Você precisa disso, não é?
— Eu tenho que trabalhar.
— Não se preocupe. Julian já acordou, ele ficará com Theo.
Não gosto muito de ficar impossibilitada de trabalhar. Além do mais,
já estou aqui, e bem, não custa nada exercer a minha função.
Mas não posso evitar o fato de que caí e sai rolando na terra íngreme
daquela floresta.
Eu preciso de um descanso, sim.
— Obrigada, Jeremy — agradeço de novo.
Ele sai do quarto e me dá mais uma olhada, é como se ele não
quisesse partir, ou esperasse algum convite para ficar.
Tenho que confessar que me sinto tentada a isso, mas não posso me
dar ao luxo. Mesmo com todas as suas palavras, não posso ceder de novo,
ou então parecerei uma desesperada.
E desesperada não estou.
Só um pouco curiosa…
Interessada nos beijos de Jeremy e o que aqueles lábios macios são
capazes de fazer.
Ainda não sei se fiz a coisa certa. Definitivamente, não era o certo a
se fazer, mas as consequências disso me deixa um pouco assustado.
Até agora não senti que Audrey tenha ficado totalmente estranha
comigo, mas os olhares, a energia que fica quando estamos perto ou no
mesmo cômodo…
Isso é inegável!
E por mais que eu confesse gostar...
Porra, como eu gosto da sensação!
Não posso deixar que outras pessoas percebam isso. Não quero que
pareça ser inadequado, não quero meus funcionários olhando torto para
mim.
Meus irmãos…
Droga, o que os meus irmãos dirão?!
Ian e Noah são muitos bons em observar e notariam logo, logo.
Por isso, talvez precise evitar, mas não quero.
Só que sou um homem que sabe assumir os danos e compromissos. A
verdade é que não devo e não quero me esconder feito um covarde. Tenho
que arregaçar as mangas e agir. Aliás, tenho um filho adolescente para lidar
e Julian é a minha principal responsabilidade aqui.
Devo focar mais nisso e por isso decido recomeçar.
— JULIAN, ACORDA! — grito enquanto bato à porta do quarto do
meu filho. — Você tem cinco minutos pra descer e vir tomar o café da
manhã. Temos muita coisa a fazer!
Ele resmunga e desço.
Meu filho pode estar chateado, mas ele não é desobediente. Educação
nunca faltou a ele. Às vezes, ele pode parecer um menino rebelde, mas sabe
reconhecer o seu lugar e o dos mais velhos.
Vou para a mesa do café da manhã que como sempre está um
espetáculo.
Jane sabe mesmo como tornar a manhã de alguém especialmente
incrível só pela forma como prepara a mesa.
Não demora muito, Julian aparece, de pijama, cabelo bagunçado, com
a cara amassada e de poucos amigos por ter sido acordado no melhor do
sono.
— Bom dia — digo.
— Bom dia — ele responde e sua animação é contagiante, para não
dizer o contrário.
— Achei que no internato vocês tinham o hábito de acordar cedo —
comento.
— É por isso que tenho dormido até tarde — responde e se senta.
— É, faz sentido. Vamos, alimente-se bem. Temos um longo dia pela
frente. — Tento transparecer entusiasmo.
— Temos? — pergunta indiferente.
Dou um gole no meu café puro, capaz de deixar acordado até um
cavalo por mais de quarenta e duas horas.
— Fiz planos para nós dois hoje. Golfe. O que acha?
— Parece chato.
Dou um sorriso de lado.
— É, eu pensava a mesma coisa quando tinha a sua idade e o seu avô
tentava me arrastar para os campos de golfe.
— Então, por que não fazemos outra coisa?
Por mais que isso expresse o seu desinteresse nos meus planos, não
me deixa chateado, porque ainda assim, Julian gostaria de fazer algo.
E não diria não a ele, pois é um jeito de recomeçarmos.
— Tudo bem, o que você tem em mente? Sou todo ouvidos.
Subitamente a sua postura muda e é como se ele tivesse finalmente
acordado.
Apesar de já ter catorze anos, vejo nele o ânimo genuíno daquele
garotinho de oito anos que ainda se divertia com tudo.
— Vamos para a praia. O tio Ian e o tio Noah chegam hoje, não é?
Podemos todos ir à praia.
— Seus tios chegam hoje?! — Fico incrédulo, pois não sabia dessa
informação e ela me pegou de jeito.
— Dizendo o tio Ian. Ele me ligou ontem.
— Que traíras! Não fiquei sabendo de nada. Se era surpresa, você
acabou de estragar tudo.
Ele ri e começa a mexer nos ovos mexidos que Jane preparou para
ele.
— Não era surpresa, mas o tio Ian disse que o senhor dorme cedo,
então achou melhor contar a notícia para mim.
— E que horas eles chegam? — Ainda estou bastante surpreso.
Meus irmãos...
A chegada deles aqui muda tudo, de um jeito mais desesperador e
impossível, porque logo sei a que tipo de situação estarei fadado com eles.
— Daqui duas horas.
Olho no relógio.
Às dez?
Bom, pelo menos dá tempo de ir à praia, almoçar no melhor
restaurante à beira mar e então voltar para casa.
— Eu sei que seus tios vão topar. Eles topam tudo.
— Vamos chamar a Audrey também — Julian sugere subitamente e
meu corpo gela.
— Audrey? Por quê? — pergunto tentando não demonstrar a minha
súbita mudança de postura, como se tivesse sido atado.
— Porque vamos levar o Theo e ele gosta dela. Será divertido
bagunçar na areia com o Theo e a Audrey por perto. Além do mais, talvez a
noiva do titio Noah goste dela e as duas façam amizade. Assim, Meredith
não ficará sozinha.
Puta merda, o garoto é um gênio!
Modéstia à parte, tinha que ser o meu filho.
Ele já pensou em tudo, e, para ser sincero, acabou ajudando a minha
vida ao facilitar uma forma de Audrey estar por perto, sem que eu pareça a
merda de um pervertido.
— Que sorriso é esse? — Julian pergunta todo desconfiado.
Só então me dou conta de que estou sorrindo feito um idiota.
Que merda está acontecendo comigo?
Ok, talvez a situação tenha me agradado, mas isso me deixa surpreso
de qualquer forma.
— Estava aqui pensando em como você é parecido comigo. — O que
é verdade e me deixava de certa forma orgulhoso, afinal não tenho nenhum
histórico ruim na minha vida, a não ser toda fofoca que circulou ao meu
respeito quando fiquei viúvo. — Pensa à frente e rápido, nos detalhes, prós
e contras. Isso é muito bom e será seu verdadeiro aliado na sua vida
profissional.
— Mas não quero ser um CEO.
— Tudo bem, não é a sua obrigação muito menos uma herança de
família que você precisa carregar, se não quiser. — Apoio os cotovelos
sobre a mesa e entrelaço os dedos em frente ao rosto, uma postura frequente
que costumo adotar nas salas de reuniões na hora de ouvir acionistas ou a
equipe da empresa. — Mas se você não quer estar no ramo dos negócios, o
que vai querer?
— Eu ainda não sei. Já deveria saber?
Observo que apesar de perguntar, ele não parece estar muito
preocupado.
— Quanto antes saber, melhor. Mas você tem a vida toda pra isso. O
seu tio Ian é um exemplo. Ele queria ser um rockstar, teve até uma banda na
adolescência, mas sempre foi muito bom em TI. Então, resolveu levar as
suas habilidades e conhecimentos para o ramo profissional.
— Não quero uma banda, não quero mexer com computador e muito
menos ser empresário — meu filho frisa.
— Ótimo, seja o que você quiser, desde que seja uma pessoa do bem.
A minha maior preocupação como pai é que você seja uma boa pessoa,
Julian.
Ele me dá um sorriso acanhado, mas não entendo o que isso quer
dizer.
E quando ele está prestes a me revelar, Theo late e entra. Em seu
encalço vem Audrey, cansada, usando a roupa de exercício físico. Desta
vez, está com um short frouxo que revela suas pernas brancas e lisinhas.
Desvio o olhar, mas não posso evitar o pensamento dos meus dedos
percorrendo aqueles longos centímetros, que ainda assim não a torna uma
pessoa muito alta.
— Ah, bom dia. — Ela parece estar meio sem jeito e já sabia o
porquê.
— Você não tinha se acidentado ontem? — Julian é direto.
Confesso que também fico me perguntando a mesma coisa quando
vejo que ela está voltando de mais uma caminhada matinal.
— E bom dia — Julian completa.
— Bom dia, Audrey. — É a minha vez de falar. Adoto uma postura
mais rígida, pois quero mostrar a ela que está tudo “normal”. — Achei que
o médico tinha dito para evitar esforços nos pés.
— Só estávamos caminhando pela propriedade, nada de mais — ela
explica, mantendo os braços para trás em uma postura formal, como se
soubesse que foi uma menina muito desobediente.
“Hummmm, interessante!”
— Acho que teria rido muito se visse, desculpa. Ainda bem que não
estava lá — Julian diz, rindo.
— Ela caiu, poderia ter se machucado muito feio e não tem nenhuma
graça nisso — digo.
— Calma, pai. Eu sei. A Audrey sabe que estou brincando também.
Olho para os dois e vejo que ela faz uma cara engraçada para ele,
como se desaprovasse e estivesse segurando uma risada ao mesmo tempo.
O quão amigos eles já estão?
Porra, é até irônico que meu filho já conquistou uma relação que eu
terei de ralar muito para conseguir.
Mas ele não tem a mesma posição que eu.
Eu sou o chefe, é natural que patrão e funcionário não se misture, não
fiquem amigos e troquem segredos. Mas, por um momento, achei que tinha
deixado isso claro na conversa que tive com Audrey depois que o médico
saiu.
— Aí, Audrey? Gostaria de ir para a praia com a gente mais tarde? —
Julian logo muda de assunto.
Seu olhar vem diretamente para mim, e, por um segundo, me vejo
sem reação.
Não esperava que ela fosse recorrer a mim.
— Meus irmãos chegam hoje e Julian quer dar uma passeada com a
família toda reunida.
— E-eu…
— Vamos! Diz que sim! — Julian insiste.
— Eu nem tenho roupa de praia aqui comigo — ela explica.
Julian me olha, como se pedisse silenciosamente para que eu fizesse
alguma coisa.
— O nosso motorista leva você até a sua casa para pegar o que
precisa, não se preocupe.
— Obrigada. Então, teria de fazer isso agora?
— Acho melhor. Logo mais meus irmãos estarão aqui e creio que
então não perderemos um minuto a mais.
— Ok. Eu vou… — Ela parece um pouco perdida.
— Theo! — Julian chama o cão para ajudar. — Pode ir lá, Audrey.
Ela dá um sorriso animado e então a vejo saindo, mas ainda assim o
seu rastro fica. A sua presença é tão tangível, que mesmo quando não está
mais aqui, ainda é fresca como uma tinta.
Igual à manhã de uma primavera.
Com o olhar distante e Julian concentrado em fazer carinho no
cachorro, penso alto:
— Você gosta da Audrey, Julian?
— Gosto, ela é legal e cuida bem do Theo. — Uma resposta bem
genuína, eu diria. — Mas, por que a pergunta?
— Nada. — Dou de ombros, mas ouço uma risadinha dele.
— Está com ciúmes porque me dei bem com ela e o senhor não?
Olho então abismado para meu filho e um pouco nervoso também
porque por isso não esperava.
— Que conversa é essa, Julian? — Tento me esquivar.
— Por que seria importante saber se eu gosto dela? Ela poderia muito
bem ser a minha irmã, ou a minha professora de artes, sei lá.
— Não foi com essa conotação a razão da minha pergunta, menino!
Só então percebo que meu filho já pode conversar sobre garotas
comigo, porque ele já tem idade para namorar se quiser.
Mas essa situação acaba tomando um rumo curioso.
Eu não queria saber se ele gostava de Audrey amorosamente, isso era
impossível e um crime.
Mas, de repente, acho interessante perguntar, porque estou curioso
com ela e desde que Julian nasceu, nunca apresentei uma namorada a ele
porque um; nunca tive uma depois da mãe dele e dois; as mulheres com
quem fiquei não passaram para essa fase, onde a introduzia na minha
família.
Mas Audrey já está aqui e parece ser ótimo que meu filho goste da
mulher que não tenho parado de pensar nos últimos meses.
Não vou negar que isso já parece o estopim para eu fantasiar
momentos com Audrey. E que já ser aceita pelo meu filho mudaria tudo,
principalmente me deixaria mais confortável e seguro para me envolver, se
ela quisesse.
Que droga, aqui estou pensando de novo sobre isso!
Nunca levei meus pensamentos tão adiante assim, confesso.
— Pai, vejo o modo como o senhor olha pra ela. — Julian é direto e
juro que sinto meu café da manhã querer voltar.
Meu filho me olha como se eu fosse bobo e ingênuo.
— Está interessado na Audrey.
Suspiro fortemente e arqueio uma sobrancelha. Penso em voltar para
o meu café da manhã, mas de repente nem consigo mais comer.
Um garoto de catorze anos acabou de desmascarar e isso me deixa
incomodado, mas não menos surpreso e orgulhoso.
Julian é um O’Donnell nato!
Tomo um gole longo do meu café antes de resolver contar a verdade
para ele, mas de um jeito discreto.
— Tem razão, acho Audrey uma menina interessante. Você sabia que
a conheci há muito tempo?
— Sério?! — Seus olhos chegam a brilhar.
Sim, é isso mesmo, Julian e eu estamos tendo a nossa primeira
conversa longa há anos.
— Ela trabalhava em um pubzinho no Temple Bar, estava chovendo
muito e o turno dela estava acabando. Ela estava zangada por algum
motivo. Conversamos um pouco, ofereci carona e ela não aceitou, mas a
segui só para ter certeza de que chegaria bem, afinal estava muito tarde.
— E depois?
Dou de ombros.
— Nunca mais a vi, até vir pra cá. Mas é legal saber que ela está bem
agora, em um trabalho seguro.
— O senhor se importa.
— Eu me importo com todos os meus funcionários — saliento e volto
a minha atenção para o meu café da manhã.
Talvez, se Julian me ver comendo, ele pare de fazer perguntas que me
comprometam, ou que revelem demais.
Ele parece entender isso e aceitar o que eu disse.
Além do mais, pode ter sido apenas um delírio meu, mas acho que o
vi ficar desanimado, como se não tivesse ouvido o tipo de resposta que
esperava.
Que droga, o que ele está querendo insinuar com isso?
Eu até perguntaria, mas acho que sobre este assunto chegamos no
nosso limite.
Terminamos o café da manhã e Julian volta para o quarto.
Estou orgulhoso do nosso avanço, da nossa conversa matinal, em
como percebi que sou capaz de decifrar meu filho e em como ele me
conhece também, mesmo tendo pouco contato durante os anos.
Poucas horas mais tarde, meus irmãos chegam, Ian e Noah com
Meredith e Liam, que fez um ano há pouco tempo.
Eu os recebo na porta da mansão, de braços cruzados, lançando a eles
um olhar de poucos amigos. Até mesmo o nosso pai, acamado, sabia disso
mais do que eu, que meus irmãos resolveram antecipar a vinda deles para a
mansão.
Ian é o primeiro a subir.
Cínico!
— Qual o problema, Jeremy? Caiu da cama hoje? O leite do seu café
estava azedo?
— Desde quando eu durmo cedo, Ian? — pergunto de volta.
— Ah, só queríamos fazer surpresa. Passar o verão em família, sabe?
Até porque essa é a única forma de aproveitarmos o verão sem que tudo
fique uma correria depois — meu irmão mais novo explica.
Atrás dele, Noah vem subindo com uma bolsa amarela, que suspeito
ser do filho.
— Caramba, Noah! Por que vocês não trouxeram uma babá? — Ian
pergunta ao ver o nosso irmão subir com as coisas de Liam.
Noah nos olha, incrédulo.
— Julian disse que já tinha uma babá aqui — Noah diz.
— O quê?! — exaspero.
— O pirralho disse exatamente isso — Noah completa.
Paro para assimilar por um segundo.
Audrey...
— Temos uma pessoa que cuida do cachorro e ela não é babá.
Ian ri e diz:
— Ah, mas seria interessante.
— Cala a boca, seu idiota! — Noah resmunga para Ian, que é um
cretino de primeira com suas provocações.
E confesso, o tipo de coisa que Julian fez, lembra muito o tipo de
coisa que Ian normalmente faria, ou fez muito em sua adolescência.
— O que vocês já estão praguejando aí? Mal chegamos — Meredith
diz conforme sobe com o meu sobrinho nos braços.
O menino está crescendo muito rápido, começou a andar com onze
meses e vem se mostrando ser um bebê muito esperto.
Eu não poupo tempo e abraço os dois ao mesmo tempo.
Minha grande e velha amiga, Meredith, que quando me matava de
estudar na biblioteca para o meu mestrado, ela estava trabalhando e ralando
como universitária.
Bem, Noah já pode me agradecer por tê-la apresentado a ele, e então
ter formado a sua linda família do jeito que ele sempre sonhou.
— É bom ver você. Como Noah tem se saído?
Os dois estão noivos e vem se planejando para o casamento na
próxima primavera.
— Um excelente noivo e pai. Não há nada do que reclamar — ela
responde e é perceptível a sua felicidade.
— Sendo assim fico mais aliviado — digo e Noah revira os olhos.
— Como se eu desse motivos para se preocupar. Eu já dei trabalho,
mas hoje não dou mais. Sou pai de família e um futuro esposo exemplar.
Espero que vocês me deem orgulho quando for a vez de vocês, viu? — ele
zomba e Meredith suspira, como se já estivesse acostumada com a
arrogância narcisista de Noah. — Mas e o papai?
Entramos na casa.
— Está bem, já tomou o café da manhã e se voluntariou a se juntar a
nós para ir até Killiney Beach — anuncio. — Espero que estejam cientes
disso, foi Julian quem decidiu.
— Ah, estamos sim — Ian diz.
— E como vai indo a relação de vocês? — Noah pergunta.
Ele sempre foi o principal a opinar sobre a forma como decidi criar e
educar Julian. Noah sempre achou que estivesse o enjaulando, mas eu
achava que era uma forma dele crescer com uma base boa em educação, já
que eu mesmo não tinha tempo e muito menos emocional para lidar com a
paternidade solo naqueles primeiros anos. Eu fui, por muito tempo, um
viúvo amargurado e preferia que Julian não vivesse isso.
Mas aqui está agora o resultado.
Paramos no vestíbulo quando resolvo responder.
— Acho que estamos progredindo, lentamente, mas acho também
que…
Faço uma pausa, medindo as palavras antes de acabar revelando
demais, pois, diria que contarei com Audrey para isso, só que eles não
sabem quem ela é, além de cuidar do cachorro.
— Que… — Ian espera.
Noah espera.
Meredith espera.
— Algumas coisas podem cooperar para que acabe sendo rápido e
natural — concluo de uma forma implícita.
— Essa é a intenção, não é? — Noah indaga.
Estou prestes a dizer ao meu irmão que não sou expert em ser um cara
legal, de sorrisos frequentes ou facilmente impressionável, quando Ian solta
um assobio ligeiro e discreto, seguindo da mesma frase:
— Que gracinha!
Antes de me virar, já sei do que se trata e sinto o sangue bombear em
meus tímpanos, mas preciso não demonstrar que esse gesto não faz meu
sangue esquentar.
Audrey está saindo da cozinha, carregando uma caixa que parece ter
brinquedos dentro. Ela fica nos olhando com tamanha curiosidade, surpresa
pelas novas pessoas na mansão.
Ao se aproximar pronta para subir a escada, Noah a intercepta antes
mesmo.
— Você deve ser quem cuida do cachorro.
Ela vai diminuindo os passos e sorri.
— Oi, sou eu sim.
Noah dá uma risadinha e diz:
— Está vendo o trabalho que causou, Ian?
— Pelo visto não foi uma coisa tão ruim assim — Ian deduz.
Canalha!
Ele está flertando com a Audrey.
A minha Audrey!
E ela sorri para ele, mas porque está sendo simpática, e talvez já tenha
associado os rostos.
O parapeito da lareira está cheio de foto nossa, então ela já deve ter os
reconhecido.
Ainda assim, tomo a dianteira, pois tenho que mostrar que sou o chefe
e preciso fazer as honras em apresentá-la para a minha família,
principalmente, deixar claro para Ian que ele deve manter suas garras longe
dela.
— Esta é Audrey, supostamente a babá que Julian mencionou, mas
ela cuida do Theo. Mesmo assim, faz parte da nossa equipe — digo firme,
sentindo a minha mandíbula endurecer a cada palavra.
Meus irmãos ficam olhando para mim, me estudando, mas não desvio
o olhar principalmente de Ian, que é um solteirão e pode fazer o que bem
entender.
Meredith dá um passo à frente e estende a mão para cumprimentá-la.
— Olá, Audrey. Eu sou Meredith, é um prazer em conhecê-la.
— Igualmente. O seu filho é lindo — Audrey diz com a face mais
doce do mundo.
Ela gosta de crianças?
Parece.
— Olha, não entendi esse lance de babá, mas se você quiser posso
ajudar pelo tempo em que você ficar aqui — Audrey diz de forma gentil
— Você não se incomodaria? — Meredith pergunta.
— Não, de jeito nenhum! — Audrey responde.
— Ficaríamos muito agradecidos, Audrey — Noah diz. — Mere não
é muito adepta a ideia de contratarmos uma babá. Por mim, teríamos duas!
— Eu passei anos querendo ser mãe e agora que sou, não posso
vivenciar isso? — a minha cunhada indaga, como uma mãe leoa, feroz.
— Ok, eu só estava dizendo. — Noah ergue os braços como quem
fica rendido.
— Estou indo lá pra cima — Audrey avisa, para mim.
— Tudo bem. Daqui a pouco já estaremos de saída — digo.
Ela sobe os degraus e a acompanhei com o olhar, só então me dando
conta que ela está com um vestido curto de saída de banho na cor verde e
sandálias nos pés, pronta para ir à praia.
Quando volto à minha posição normal, Ian me olha um tanto
desconfiado e pergunta:
— Tá rolando algum lance?
Fico sério, pois ainda estou irritado com ele.
— Não. Conheci Audrey há uma semana, praticamente. Além do
mais, não sou vocês.
— Olha o que você fala. — Noah já vai ficando na defensiva, mas
Meredith dá um sorrisinho, como se soubesse que aquilo era inegável.
— Só peço que mantenha o respeito — digo mais para Ian. — Julian
se deu muito bem com ela, então tente não estragar isso.
— Eu? Estragar?!
Por um instante, acho que ele se sentiu ofendido, mas logo fala:
— Se eu a tornar tia dele, aposto que ainda me agradeceria.
Na minha mente, o soco bem no nariz. No entanto, apenas contenho
toda ira em meus dedos.
Canalha!
Agradeço mentalmente quando Theo entrou com Julian.
— Ei, garotão! — Noah o cumprimenta e apenas me afasto para
evitar sentir mais raiva.
Meu filho é bem recebido pelos tios e ele fica maravilhado com Liam,
seu primo, tanto que não o solta até Meredith o pedir de volta para arrumá-
lo para a irmos à praia.
Depois disso, fico me perguntando como Julian se comportaria diante
de irmãos mais novos. Não que eu tenha pensado em ter mais filhos, mas,
às vezes, ele se demonstra ser carente de companhia, e talvez irmãos mais
novos suprissem isso de alguma forma.
A minha mãe tem uma dívida muito grande, não é porque ela é uma
irresponsável e que não soube lidar com o financeiro, mas porque ela já
acreditou muito um dia no amor. Ou pelo menos, no que demonstraram a
ela ser o amor verdadeiro.
E o meu pai é o grande cretino nessa história toda.
Ele sumiu com dezenas de dívidas e a maioria que ele fez no nome da
mamãe, eram as mais altas.
Empréstimos e jogos de azar que nunca deram em nada.
Em dado momento, pensei que ele apostaria nossas cabeças e foi o
que faltou.
Mamãe pensa que ele sumiu para não pagar a dívidas e eu concordo
com isso, mas também acho que ele tinha outra mulher.
E a resposta para isso era a forma desprezível como tratava a minha
mãe.
Talvez, um dos motivos para não ter me interessado muito por
relacionamentos até agora, é porque tinha medo de cair na lábia de caras
como o meu pai.
Por isso é preciso ter muito cuidado, pois eles estão por aí, só
esperando a mulher mais frágil para prometer o mundo, e, no final, só dar
decepções.
Não entendo como o ser humano pode ser tão imundo a esse nível.
O meu pai tinha um empréstimo pendente com o senhor Douglas,
avaliado em doze mil euros.
Na verdade, era dois mil, mas os juros foram correndo e continuam.
A vez em que me buscou no trabalho, foi para dizer em como estava a
situação. Mamãe havia escondido aquela informação de mim, e agora,
graças a essa bomba que caiu em nossos ombros, preciso lidar com um
segundo emprego.
Voltar a trabalhar no pub não era uma opção, mas o senhor Douglas é
amigo do dono e me fez pensar bem antes de voltar.
— Escute, menina. Eles adoram você, te acham uma gracinha. O
cretino do Steven está inclinado a pagar o dobro para você só para tê-la de
volta — ele me avisou naquela mesma noite também.
— Não vou me prostituir, se é isso o que você está tentando dizer. —
Fui logo direta, porque com homens daquele nível, só tinha uma escolha,
ser tão ruim que eles me odiariam ao ponto de me esquecer.
— Esquece essa porra de prostituição. Steven não é um cafetão,
ainda. Mas, veja. Você é bonita. Ele diz que o seu rosto era o que atraía
homens para o pub.
— Pois que ele vá à falência. Posso me virar de outro jeito para
conseguir essa grana.
— Ou então, tire vantagem já que ele está tão desesperado por você
— sugeriu. — Steven quer pagar o dobro, mas ofereça o seu trabalho pelo
quádruplo.
— A única pessoa que vai querer tirar vantagem disso vai ser ele —
ressaltei enojada. — Me pagando esse valor, ele vai achar que sou a puta
particular dele.
O senhor Douglas fez uma careta quando fui tão baixa.
— Eu não sabia que essa boquinha proferia tal obscenidade!
— Você não me conhece!
Naquela noite, chorei feito uma desgraçada debaixo do chuveiro, pois
nunca me senti tão suja, fácil e objetificada.
Eu quis sumir.
Eu quis estar com Julian e Theo, ou só olhar para os olhos de Jeremy,
sentir a sua tranquilidade, ouvir a sua voz e o seu jeito educado de lidar com
tudo.
Ele é tão raro!
E é decepcionante admitir que, mesmo depois de tudo, tive que ceder.
Voltei para o pub, porque mais nenhum outro lugar me aceitou, precisava
daquela grana o quanto antes e Steven não me recusaria.
Bem, ele se recusou a pagar o quádruplo, mas não o triplo.
Idiota desesperado, mas não tanto quanto eu.
Sou tão boba, mas não me aquieto enquanto não arco com minhas
responsabilidades.
Para a minha infelicidade, sou obrigada agora a usar um uniforme
humilhante.
Descobri que isso foi uma estratégia para incentivar a vinda de mais
homens para o bar e que estava funcionando, mas, segundo Steven, as
meninas são acanhadas e os homens gostam da ousadia, igual a minha.
Ousadia?
Ele de fato confundiu meu modo defensivo como um modo sedutor à
parte e isso embrulhava o meu estômago.
O novo uniforme consiste basicamente em um conjunto de couro
marrom, com o top tomara-que-caia, a saia curtíssima e um par de botas que
vai até abaixo dos joelhos.
Eu odeio isso ao extremo, mas é necessário porque agora o pub tem
uma pegada mais country e precisamos seguir o tema.
Pelo menos só nessa noite faturei cento e cinquenta euros em gorjeta.
Enquanto termino meu expediente penso nos olhares imundos para as
minhas coxas, e no roçar “desproposital” na minha bunda que fui
submetida.
É engraçado, porque se fosse Jeremy, não acharia nem um pouco
ruim.
Então, todo tempo que saí rodando pelo pub, pensei nele. Pensei em
seus olhos em mim e em como aquilo me fazia sentir confiante e não um
pedaço de carne.
Quando meu turno está prestes a acabar, uma coisa muito embaraçosa
acontece. Ian, o irmão mais novo de Jeremy, aparece na porta do bar.
Ele está com as mãos nos bolsos e atento, como se estivesse
procurando alguém, até que nossos olhares se encontram.
Eu fico completamente paralisada e seus ombros relaxam, como se
ele tivesse encontrado o que queria.
Cinco minutos depois que troco de roupa no almoxarifado, me
despeço das outras meninas e ignoro o adeus de Steven, saio pelas portas do
fundo, já sabendo o que encontrarei.
Ian está apoiado em sua Mercedez, pernas cruzadas e as mãos nos
bolsos da calça jeans.
Ele parece esperar alguém, no caso, eu.
— O que faz aqui? — Não posso evitar, até porque me sinto no
direito de perguntar.
Ele suspira forte antes de explicar.
— Um amigo meu me mandou uma foto e perguntou se a garota
daquela foto era a mesma que estava trabalhando na minha casa.
— Como ele sabia que era eu?
— Trabalhar para um O’Donnell é como ganhar na loteria. Todo
mundo descobre em algum momento.
Cruzo os braços, ainda não convencida e completamente perdida na
situação.
— E então… — Espero por mais explicação.
Ian se agita.
— Vamos, levo você até a sua casa.
— O quê? Mas, por quê? Não se dê ao trabalho.
— Porque é o que Jeremy gostaria que eu fizesse.
A noite estava quente, mas foi como sentir meus ossos congelarem.
— Você contou a ele?
— Não, mas conheço o meu irmão.
Balanço a cabeça, ainda muito confusa.
— Isso não faz sentido…
— Meu irmão gosta de você, Audrey, Julian também. E somos
ensinados a cuidar dos nossos.
— Não sou uma de vocês. Não… N-não faço parte disso.
— Ah, então você prefere voltar sozinha? Sendo que você pode ser
seguida a qualquer momento por um homem com más intenções —
especula.
Penso em quando que fui seguida por Jeremy, mas ele fez por
segurança e não porque queria me machucar.
— Eu prefiro que você não conte nada ao Jeremy. Eu disse a ele que
não voltaria mais para esse lugar.
Ian fica me olhando, como se tentasse extrair alguma coisa de mim,
no silêncio. Mas ele apenas se afasta do carro e se aproxima de mim.
Dos irmãos, ele é o mais diferente, parece um daqueles caras
underground que toca em bandas no centro de Londres e que mora em loft.
Mas também não tem nada a ver, porque essa comparação só acontece
quando se julga pela barba grande e o cabelo escuro, desgrenhado pelos
cachos.
Mas Ian se veste bem, cheira bem e parece ser muito inteligente,
apesar das piadinhas que faz e do espírito entusiasta de uma pessoa que
ainda está na casa dos vinte e poucos anos.
Quando se aproxima, Ian murmura:
— Não vou dizer nada se você aceitar a minha carona.
Fico olhando para ele e respiro fundo, pois não tenho escolha,
mesmo.
— Tudo bem. Mas você vai ter de me prometer também que não
contará nada!
Ele faz uma cara de pensativo que é um tanto suspeita.
Ian parece aquele tipo de cara que adora aprontar e que é impossível
ficar entediado na sua companhia. Lembro da forma como ele me olhou
mais cedo quando cheguei, lembro dele se divertir com o irmão ao provocá-
lo toda vez que se dirigia a mim, como se eu tivesse me tornado uma piada
interna para os dois.
— Prometo — ele diz, mas não acredito.
Entramos no seu carro e de repente já estamos bem longe do Temple
Bar.
— E então, por que você voltou pra esse lugar? — ele pergunta
depois de uns cinco minutos até sair daquela agitação noturna da Temple
Bar.
— Dívidas. Você reconhece essa palavra? — Sou grossa, admito.
Mas como eu disse, não tenho tempo e paciência para homens
enxeridos. Não que Ian seja igual aos homens do pub, mas sei que terei de
ser esperta ao seu lado.
— Ah, não seja tão difícil. Seja mais direta. Que dívidas?
Não disse?
Ele está me provocando!
— Se eu contar, terá de pagá-las. Até porque isso não é problema seu.
— Me diga o valor, que eu pago. Jeremy pagaria até o dobro, conheço
o irmão que tenho.
— É, você já disse isso. Então me diga, qual é a dele? Já que o
conhece tão bem.
Ian dá de ombros.
— Sobre o quê?
— Sobre… Bem, você disse…
— Ah, já entendi. — Ele muda a marcha no câmbio automático e não
tira os olhos da pista. — Sobre vocês e todo esse lance que todo mundo já
sacou porque ninguém é besta.
— Não tem lance nenhum — retruco, mas nem eu tenho certeza
disso.
— Se fosse uma questão apenas sexual, Jeremy já teria resolvido isso
de alguma forma e você parece que não é esse tipo de mulher. Parece ter
algo a mais, algo que faz tempo que nenhum de nós sentimos a ele em
relação a uma mulher — o irmão revela e tento evitar o choque na minha
reação.
— Isso parece tão difícil de ser real.
— Olha, não sou muito de dar conselhos, mas seja o que for, não
enrole o Jeremy. Ele é CEO, gosta de pessoas decididas, que vão lá e fazem
acontecer.
— O que está insinuando com isso?
— Chame meu irmão para transar.
— Ahg! — Reviro os olhos e bufo profundamente. — Essa é a ideia
mais ridícula.
— Pelo menos sana de vez com isso tudo. O que você prefere, viver
nessa tensão até o final do verão, ou curtir o verão?
O carro dobra a esquina e entra na rua da minha casa.
Que droga, andar em carro de luxo é como andar na velocidade da
luz.
Ian então completa:
— Como os americanos dizem, o que acontece no verão, fica no
verão.
— Não é sobre isso. Jeremy é meu patrão de qualquer jeito e preciso
manter o profissionalismo.
O carro para em frente à minha casa, mas ele não desliga o motor.
— Desculpa te dizer isso, mas você só cuida do cachorro. Mas acabou
que tem se tornado uma peça importante para a construção da relação
afetiva entre Jeremy e Julian. Você e o Jeremy são uma equipe agora.
— Isso é o que você acha.
— Olha, a minha opinião conta muito, tá. Eu cresci com todo mundo
achando que era o mais desligado da família, mas isso era só o meu plano
de estratégia em não ser notado. Mas sei muito.
— Então devo me preocupar com você? — Arqueio uma sobrancelha
enquanto demonstro desconfiança ao seu respeito.
— Não. Você, Audrey, acaba de ganhar um amigo. — Ele me dá a sua
mão para apertar.
— Por quê?
— Porque eu amo os meus irmãos e gosto do efeito que você causa
em Jeremy. Mas claro, não irei admitir isso a ele tão cedo. Primeiro, quero
fazê-lo ter ciúmes.
Eu rio dos seus planos.
— Por que você faria isso? Parece horrível.
— Todo mundo precisa de um encorajamento, não é?
Aperto então a mão dele e deixo claro:
— Não concordo com os seus planos, mas gostaria que fosse meu
amigo. Eu adoraria ter carona todas as noites.
— E eu queria ser casado com a Megan Fox.
Então o destemido Ian pensa em casamento?
Ok.
Não quero tirar proveito dessa amizade que está se formando, mas
não lembro a última vez em que precisei contar com um amigo. E, agora,
aceitei o convite da pessoa mais improvável no mundo. Talvez Ian seja
como eu e não tenha tantos amigos.
De qualquer jeito, os O'Donnell são interessantes de todas as formas.
Voltei a correr pela manhã com Audrey e Theo. Porém, ela não foi
muito longe e ficou nos parâmetros da nossa propriedade, fazendo o
percurso em círculos no campo do mesmo formato.
Mas estava sempre à frente, evitando conversas comigo, me evitando.
Ela fez isso por mais três manhãs e comecei a pensar que talvez
estivesse se dado conta de que eu estava sendo só mais um cara chato que
não sabia se controlar perto dela.
Aquilo me deixou desmotivado e de mau humor.
Por alguma razão, não soube chegar até ela e perguntar o problema.
Pela primeira vez, tinha medo de descobrir o problema, porque sabia que
não teria conserto e não queria que as coisas ficassem estranhas entre nós
dois.
Ainda assim, respeitei a sua decisão.
Se ela não queria falar ou me olhar, eu não a forçaria a nada.
No entanto, durante os quatro dias que se passaram, vi Audrey e Ian
mais juntos do que nunca.
Ele a fazia rir, daquele tipo de risada que o som causava um arrepio
nos ossos de tão bonita; às vezes, parecia que eles conversavam em
sussurros, para ninguém os ouvir.
Eu não sabia que merda era aquela, mas não estava gostando nem um
pouco.
Antes do final de semana chegar, Meredith convida Audrey para um
passeio à margem do rio Liffey.
Vão as duas, Liam e Julian enquanto eu e meus irmãos ficamos em
casa. Noah tem uma reunião por conferência a fazer, e como Ian está de
bobeira, não evito em ir atrás dele.
Eu o encontro na biblioteca, um cômodo grande e com três estantes
enormes cheias de livros.
Há bem no centro, uma sinuca. A luz pálida que pende sob ela, é a
única coisa a iluminar todo ambiente, já que as cortinas das janelas estão
fechadas.
Pego o decanter de uísque que o meu pai mantém aqui e abasteço com
o uísque mais caro e antigo.
Sirvo Ian com uma dose e depois outra para mim.
— Qual a graça em jogar sinuca sozinho? — pergunto o vendo jogar,
ficando do outro lado da sinuca.
— Não lido com a merda de competidores, simples assim —
responde sem desviar sua atenção da próxima tacada. — Mas eu poderia só
estar treinando, não é?
Dou de ombros.
— Eu não sei. Quando você tem hábitos estranhos, isso chega a ser a
coisa mais comum que você está fazendo — reflito.
— Ah, é? — Ele taca a bola de número seis no buraco e então se volta
para mim. — Eu não sabia disso. Cite uma delas.
— Agir feito um canalha com o seu irmão — eu quase rosno,
sentindo o álcool adentrar em minhas veias.
— Você não está sendo específico. Falando desse jeito parece até que
fiz algo a você.
— Não venha com esse papo agora, Ian. Você sabe muito bem aonde
quero chegar. — Mantenho a minha tranquilidade, mas o meu irmão ama
uma provocação.
— Enquanto você não for direto, eu também não serei.
O sangue ferve dentro de mim e preciso me controlar, senão serei
capaz de quebrar o copo de vidro na minha mão, ou avançar no pescoço do
meu irmão.
Mas não sou esse tipo de cara, por mais que ele estremeça dentro de
mim.
— Se afasta da Audrey, porra.
Ele já está se preparando para dar outra tacada, mas para no mesmo
instante e mexe o taco na minha direção enquanto faz a sua observação:
— Aí está a verdadeira natureza da coisa toda que queria ver desde
que cheguei. Você não estava facilitando com toda aquela desculpa, o que
foi uma surpresa. Você não é de esconder o jogo.
— Quem disse que estou escondendo o jogo? Já tratei deste assunto
com a Audrey.
— Não tratou, não. Senão vocês não ficavam igual dois bobos sempre
que estão perto.
— As minhas medidas de lidar com essa situação são diferentes das
suas, Ian. Não pode me dizer como fazer isso.
Meu irmão então avança.
— A minha opinião não vale só porque sou o mais novo? Ah, foda-se,
Jeremy! A Audrey não é sua.
Ela não é minha...
Escutar isso é como um soco no meu estômago, mas desejo que isso
não seja um fato a me incomodar.
— Isso não diz respeito sobre desrespeitá-la.
— Não, você só está com medo que eu a leve primeiro para a cama.
Solto o copo que se espatifa no chão e o cheiro de uísque preenche o
ar em questão de segundos.
Mas tudo isso para ter o pescoço de Ian em minha mão enquanto o
prendo contra a sinuca. Ele segura meu punho, mas não com força, pois
sabe que eu jamais o machucarei.
— Cogita em fazer isso que você vai se arrepender, Ian — aviso com
a voz rouca, sombria.
Meu irmão dá um sorrisinho.
— Não se preocupe, ela não faz o meu tipo. Só estamos virando
amigos… E estou sendo um bom irmão pra você. — Ele me empurra então
e cambaleio para trás. Ian olha consternado para o assoalho. — Porra, olha
a bagunça que você fez!
— Você sempre foi um bom irmão, Ian. Mas não sei que merda está
acontecendo com você, eu nem sequer esperaria algo de Noah. — Deixo
claro a minha indignação.
Ele toca no seu pescoço, como se estivesse colocando alguma coisa
no lugar.
— Jeremy, notei assim que cheguei que você e Audrey tinham
alguma coisa. Tentei me aproximar dela para descobrir alguma coisa a mais,
e, porra… Audrey vai me matar por isso, mas ela voltou a trabalhar no pub
do Temple Bar.
Um zumbido preenche meus tímpanos e fico estático.
— O quê?
— Eu tenho a acompanhado toda noite no trabalho, pela segurança
dela e por você também. Tentei convencê-la a não voltar, mas ela é teimosa,
não quer o nosso dinheiro.
— Ela me disse que não voltaria.
— Mas voltou, está com umas dívidas bem grandes.
— E quando pretendiam me dizer isso, porra?
— Tive de prometer que não contaria, mas eu sabia que esse dia
chegaria logo. Olha, hoje ela trabalha, então se você aparecer por lá, talvez
consiga conversar com ela.
— O que ela já contou a você? — pergunto curioso.
Sei que após o passeio, Audrey já ficará na sua casa e não demorará
para escurecer, mas já quero pegar o meu carro e esperá-la na frente do
maldito bar. No entanto, aproveito o tempo para conversar com Ian.
O cretino deu uma de investigador nos últimos dias, enquanto eu
morria de ciúmes por aquela súbita aproximação dos dois.
Meu irmão então me contou que tentou até mesmo convencer o dono
do pub, um tal de Steven, a deixar Audrey em paz. Mas parece que o
cretino tem uma espécie de obsessão maluca por ela, assim como alguns
dos seus fiéis clientes.
E isso parece soar tão ruim para mim.
Principalmente, quando ele menciona um uniforme que não passa de
duas faixas de tecidos, praticamente, sexualizando propositalmente as
funcionárias.
Trinco os dentes só de imaginar Audrey submetida a isso.
— Olha, mas não pensa que é fácil lidar com ela. Audrey é legal com
você, mas comigo ela é como um cão feroz — Ian comenta.
— Bem, você merece. Ninguém mandou ser tão enxerido.
— Sabe, achei que você agradeceria por isso.
Ian está escorado na mesa de sinuca e eu sentado no divã. Olho para
ele por alguns segundos e então me dou conta de que ele está certo, por
tudo que fez até agora, em como manteve Audrey salva, por ela e por mim,
enquanto eu não estava a par de nada.
Só que agora sei e se não agir imediatamente, não estarei honrando
meu nome e a minha imagem.
Então me levanto seguido de um suspiro exausto.
— Você tem razão. Obrigado e desculpe qualquer coisa, Ian.
— Ah, não esquenta. Irmãos servem para essas coisas, não é? Conte
comigo. Eu gostei de Audrey também, e sei lá, posso estar delirando, mas
acho que vocês formam um belo casal.
Sorrio em resposta.
Não é como se não tivesse nos imaginado juntos também. Isso agora,
acontece quase constantemente.
— Às vezes me pergunto se vou me apaixonar por uma funcionária
como aconteceu com Noah e você.
— Não estou apaixonado — digo rápido demais.
Ian me olha maneando a cabeça, como se não acreditasse no que falei.
E bem, é verdade.
Eu não paro de pensar nela nesses últimos meses, mas não digo ser
paixão.
É precipitado demais.
Eu só a quero.
Preciso dela porque…
Não tem explicação, apenas sinto que tem de ser assim.
Que o seu corpo implora pelo meu e tudo o que quero é fazê-la ficar
saciada.
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