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Direitos autorais do texto original copyright © 2023, GRACI

ROCHA, COMO ENLOUQUECER O MEU CHEFE, UMA


SEGUNDA CHANCE PARA AMAR.

Capa: Brenda Ripardo e Graci Rocha


Diagramação: Brenda Ripardo
Preparação de texto/Editor: Graci Rocha

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desse livro pode ser
utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes — tangíveis ou
intangíveis — sem autori-zação por escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº
9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Cathy
Meu chefe é um pé no saco.
O que ele tem de lindo e sensual, tem de insuportável, gritão e
rabugento.
Landon Scott é tão irritante que é até difícil descrever. Ele se acha
superior a tudo ao redor e pensa que todos devemos reverenciá-lo como se
fosse algum tipo de entidade divina e sobrenatural. Só que ele não passa de
um cara chato, amargurado e provavelmente de coração partido.
O que não justifica seu jeito rude de tratar todo mundo ao redor. E o
mais irritante é que quanto mais ele tenta me tirar do sério, mais eu quero
dar o troco. Simplesmente não consigo evitar.
Landon
Com certeza ela está aprontando. É só o que faz desde que chegou
aqui, mudar as coisas de lugar e me desafiar. Bagunçar a minha vida e me
responder como bem entende.
Estranha, atrevida e respondona.
Algo nessa mulher mexe com meu corpo e com meu estado de
espírito. Talvez seja o fato de ela não ter medo de mim ou o fato de não se
importar de perder o emprego se, com isso, ela puder me responder como
mereço.
E eu sei bem que mereço cada uma das suas respostinhas malcriadas.
Eu não sou alienado, só... não consigo deixar de sentir raiva.
Essa mulher ainda vai me enlouquecer...
Catherine Pierce é a nova secretária do temido Landon Scott, um
empresário lindo, sensual e com mania de gritar com todos. Ele é a
representação de todo o mau humor que existe no mundo, enquanto ela
parece um verdadeiro arco-íris.
Ele não pode demiti-la.
Ela precisa de um recomeço.
Os dois não se suportam e, também, não conseguem ficar longe um
do outro.
Entre amores perdidos e corações partidos, esses dois teimosos vão
descobrir que a vida pode sempre nos dar uma segunda chance para amar e
é melhor aproveitá-la.

ATENÇÃO, este livro contém cenas não recomendadas para


menores de dezoito anos.
The Weather Girls - It's Raining Men
Arcadian - Petit à petit
Josef Salvat - Open Season
Amir ft. Indila – carrousel
Eminem, Sia - I Love You, But. (ft. Mia Pfirrman) DJ Møkdust
Remix
Let's Get Loud - Jennifer Lopez
Dua Lipa - Love Again
Earl - All That Glitters
Halsey, SUGA – Lilith
Sting - Desert Rose
Jnr Choi - TO THE MOON (Drill Remix).
Majestic x Boney M. - Rasputin (2022 Remix).
Metallica - Seek & Destroy
Beatles - Lucy In The Sky With Diamonds.
Alessia Cara - Scars To Your Beautiful
“Se você quer viver sua vida
Viva de verdade e não a desperdice
Cada sentimento, cada batida...”
(Let’s get Loud, Jennifer Lopez).

“Você é linda, rebelde, eu sou imortal


É você quem abre tudo o que minha pele esconde
Eu tenho medo de você como uma atração sublime
Um segundo antes da ação...
Eu não jogo, não é um jogo
Aí você se envolve quando me ama
Vai ter que me preservar
Até o último suspiro...”
(Amir ft. Indila – Carrousel).
Não tenho qualquer dúvida de que o sujeito de cabelo arrepiado na
minha frente me reconheceu. Que merda. Achei que dois anos seria tempo
suficiente para que eu caísse no esquecimento, mas, pelo jeito, não é o
caso.
— Você é...? — ele pergunta, arqueando a sobrancelha.
— Não.
— É, é sim, você é ela.
— Não, eu não sou — insisto, mas vamos ser francas: tô ferrada, o
cabelinho arrepiado já sabe quem eu sou e não está com cara de que vai
deixar pra lá.
— É, você é ela sim. Tenho certeza — ele insiste também e eu respiro
fundo, forçando um sorriso nem um pouco convincente.
— Não, não sou. Eu sou eu.
— E isso quer dizer o quê?
— Que ela é ela e eu sou eu.
Começo a rir e ele, compreendendo a insanidade da situação, também
ri. Tudo bem, fui desmascarada na minha primeira entrevista de emprego
oficial, mas isso não quer dizer que vou desistir assim tão fácil. Eu quero o
emprego, preciso disso, preciso de uma coisa nova. Uma vida nova.
— Tudo bem, sou eu.
— Eu sabia.
Suspiro, sentindo que minha chance de recomeçar está escorrendo
pelos meus dedos. Eu devia ter pintado o cabelo, ninguém diria que sou eu
se estivesse de cabelo roxo, azul ou com um corte estilo punk. Se bem que
ia ser difícil passar da portaria lá embaixo com o cabelo punk, esta empresa
parece um pouco convencional, ou melhor, tradicional em alguns aspectos,
enfim, melhor deixar isso pra lá.
— Por que você quer trabalhar aqui? Por que um cargo tão baixo?
— Por que não? — pergunto, sentindo meu coração bater forte.
— Bom, secretária executiva não é exatamente a vaga que se encaixa
para o seu currículo, o currículo verdadeiro.
— Currículo é só um papel. — resmungo.
— Um papel que me diz que você poderia ser a minha chefe e não
uma secretária.
— Você precisa de uma chefe? — pergunto, começando a ficar
rabugenta.
— Não.
— Então tá resolvido. Você precisa de uma secretária, eu preciso de
um emprego... falo três idiomas, tenho graduação, acho que podemos nos
ajudar.
Alexander, meu entrevistador, coça a barba e pensa por um momento.
Respiro fundo enquanto espero que ele decida se vai me contratar ou não.
Eu sei que poderia ter vindo por meios mais apropriados. Podia ter ido
direto ao dono da empresa e pedido uma vaga até no maldito conselho de
acionistas, mas o que eu quero é justamente o oposto. O que eu quero é uma
vida simples, sem confusão, caos e sem que ninguém saiba quem eu sou.

— Bom, a pessoa para quem você vai trabalhar não é exatamente fácil
de lidar... — ele começa e eu abro um grande sorriso, sabendo que consegui
o emprego. — Ele pode ser... complicado.
— Eu não ligo, posso dar conta de qualquer coisa, qualquer pessoa.
— Nisso eu acredito — Alexander declara, dando uma risadinha. —
De qualquer maneira, isso vai ser bem interessante.
— Obrigada, obrigada por me dar essa chance. — Estico a mão e ele
aperta. — Posso só pedir um favor?
— Claro, por que não? — retruca, ainda sorrindo.
— Você se importa de não contar a ninguém quem eu sou?
— Por isso está usando o nome de solteira da sua mãe? Não quer que
ninguém a reconheça?
Assinto e ele aperta as sobrancelhas de novo.
— Tudo bem, mas se você estiver...
— Não se preocupe, eu só quero uma vida nova.
— Então, neste caso, seja bem-vinda.
— Mal posso esperar pra começar.
Divórcio é uma merda.
Não, não é pior do que ficar casado com uma traidora, mas ainda é
uma merda.
Primeiro ela quer os pratos que ganhamos de presente de casamento,
depois está exigindo os quadros, os talheres e até a porra da lava-louça.
Quer saber, que se dane, ela pode comer essa porcaria toda.
— Não quero nada — digo, encarando o olhar magoado da mulher
para quem jurei todo meu amor.
— Mas Landon... — ela sussurra, só que meu olhar furioso deixa
claro que não quero porra nenhuma. Não quero absolutamente nada da
minha ex-mulher. Só preciso que isso acabe logo.
— Fique com o que quiser, quero apenas que saia da minha casa.
— Nossa casa — ela revida, tentando arrumar briga.
— Minha casa. Comprada com o meu dinheiro antes de nos casarmos.
Quero você fora até semana que vem.
— Landon, por favor... vamos conversar. Eu... eu sinto muito.
— Devia ter pensado nisso antes de dormir com o maldito personal
trainer. — É, bem clichê, eu sei, mas foi exatamente isso que aconteceu.
Minha esposa, a mulher que jurou fidelidade diante do padre, me traiu
com um instrutor de ginástica com menos músculos do que eu.
— Você também... — ela fala, me fazendo erguer os olhos novamente
na sua direção. Ao sentir minha fúria silenciosa, ela respira fundo e molha
os lábios. — Você também errou.
— Eu não traí você.
— Mas me excluiu da sua vida.
— Excluir você da minha vida é o que farei agora.
Assim que termino de falar, pego meu casaco na guarda da cadeira e
saio. Não quero ficar nem mais um segundo nesse lugar, diante da mulher
com quem pensei que passaria o resto dos meus dias.
Ela me traiu.
Nosso casamento acabou.
E o meu dia já começou terrível.
E ao que parece, não vai melhorar muito mais. É o que me dou conta
ao chegar no escritório e encontrar uma garota colorida na mesa onde,
supostamente, deveria haver uma secretária para mim.
Pequena, com cabelos compridos e ondulados que descem até as
costas, ela parece se harmonizar com o ambiente. Embora esteja usando
uma calça verde escuro e uma blusa cor-de-rosa.
— Boa tarde, senhor Scott, sou sua nova secretária. — Ela vem toda
sorridente na minha direção, estendendo a mão, que eu ignoro por pura
impaciência.
— Quem é você? — pergunto, virando-me para a minha sala.
Escuto o som dos saltos vindo atrás de mim.
— Catherine Pierce — ela diz, depois que jogo meu casaco em uma
cadeira e me sento atrás da mesa.
— Você tem experiência como secretária?
— Não.
— Tem formação?
— Sim.
— Fala mais algum idioma?
— Três e meio... não sou muito boa em alemão.
— Qual seu último emprego?
— Trabalhei em um abrigo de animais — responde rapidamente, mas
algo no seu tom me diz que não quer se aprofundar no tema.
— E o que a fez mudar de ramo?
A secretária dá de ombros e suspira.
— Às vezes é bom mudar.
— Você não acha que passou da idade pra uma mudança de carreira?
— pergunto e ela alteia as sobrancelhas.
— E você não é muito velho pra ter uma babá? — retruca, deixando-
me atônito pela ousadia.
— Eu sou o chefe — declaro e ela sorri, mas não é um sorriso
amigável.
— E mesmo assim eu tenho uma lista de tarefas que me fazem
parecer sua babá — crispa de volta, olhando-me no fundo dos olhos e sem
qualquer medo. — Agora, se não tiver mais motivos pra me chamar de
velha, tenho que buscar seu sanduíche de tofu defumado. Seja lá o que for
isso.
Completamente sem reação, vejo a mulher bonita e atrevida sair da
minha sala sem voltar a me olhar, sacudindo a bunda empinada e a cascata
que ondula nas costas.
Quando minha avó disse que eu teria apenas mais uma chance e que
se eu infernizasse outra secretária me colocaria em férias forçadas de um
ano, não imaginei que ela estivesse planejando se vingar de mim, mas ao
que parece é isso que está acontecendo aqui. E Alexander, o gestor dos
recursos humanos, é o cúmplice da minha avó.
Algo me diz que essa última chance pode ser também a minha
sentença final.
Antes de sair, dou uma olhada no espelho e suspiro. Talvez eu deva
desistir, não é como se eu precisasse trabalhar nem nada disso. Eu só estou
cansada de estar em casa. Preciso me sentir útil, preciso fazer algo diferente
e com pessoas que não se impressionem por eu ser quem eu sou, por quem
eu fui.
Na verdade, o que eu preciso mesmo é de uma vida nova, de
preferência uma em que ninguém me conheça e sem cães indefesos que
precisem ser salvos. Não consigo lidar com mais nenhum babaca que
machuca animais.
Meu telefone toca, o nome que pisca na tela é Kathleen, minha irmã
mais nova e muito mais temperamental.
— Você vai mesmo fazer isso? — minha irmã pergunta quando
atendo o telefone.
— Vou — digo, mas minha voz sai incerta.
— Se quer voltar ao trabalho, nós podemos dar um jeito... podemos
arranjar algo pra você, sem que precise passar por essa bobagem toda de
entrevistas.
Suspiro, ansiosa e tensa.
— Já passei na entrevista — resmungo e minha irmã faz um muxoxo.
— Além disso, não quero sua piedade.
— Não é piedade, Cathy, nós somos família. Você não precisa
arrumar um emprego... você já tentou isso.
— O abrigo de animais não conta, só durei dois dias lá.
Ela suspira pesado, porque é verdade, durei exatos dois dias no abrigo
de animais e praticamente fui expulsa depois de xingar um sujeito que
queria um pet que fosse exatamente igual a uma planta de plástico e não
desse trabalho algum. Odeio gente cretina, ainda mais quando dizem que
devemos educar os cães e as crianças com disciplina e pancadas.
— Vamos, Cathy, você já fez tanto por mim, deixa eu fazer algo por
você.
E, simples assim, minha irmã liga um bendito interruptor dentro de
mim, aquele que faz a minha determinação bater o pé e ir até o fim.
— Preciso disso, Kathleen. Preciso mesmo disso — respondo e ela
não diz nada por algum tempo. Então eu continuo com minha
argumentação. — Tenho que fazer isso por mim, do meu jeito.
— Então só me resta desejar boa sorte.
— Obrigada, sei que vai dar tudo certo.
Não vai dar nada certo.
Tenho certeza disso quando o babaca a quem chamam de senhor Scott
me pergunta se não estou velha demais para mudar de carreira.
Primeiro que não fiquei tempo o bastante no abrigo de animais para
chamar de carreira e segundo que ele não tem nada a ver com isso.
Nunca é tarde pra começarmos de novo.
Além disso, eu vou fazer trinta e dois anos, não é como se eu fosse
uma centenária nem nada assim.
Quem precisa de três idiomas e meio para buscar café puro e amargo
e sanduíche de tofu defumado? E quem é que come esse negócio? Credo!
Dou uma boa olhada no sanduíche, tendo certeza de que é o tipo de
coisa que um protetor dos animais comeria, e isso eu poderia respeitar, mas
Landon Scott não faz esse tipo. Na verdade, sua cara emburrada me faz
pensar que ele é o tipo de cara que chuta os animaizinhos indefesos que
cruzam o seu caminho.
E se for esse o caso, talvez ele descubra que todo mundo tem um lado
bom e um lado mau. No meu caso, o meu lado mau pode ser um pé no saco.
Bato na porta da sala dele e entro.
— Com licença — falo, colocando um copo de suco e o sanduíche em
um aparador, perto de uma garrafa de whisky caro.
Landon ergue os olhos do computador e me focaliza. É a primeira vez
que dou uma boa olhada nele e acabo prendendo minha respiração. O
homem é a versão empresarial de um Deus. Grande, com os cabelos cheios
e bagunçados que contradizem a imagem metódica e arrogante. A barba
grossa envolve um maxilar marcante e um lábio inferior carnudo onde uma
garota poderia se perder.
Os olhos escuros escondem alguma coisa e apesar de ele me encarar
com uma expressão carrancuda, com uma curvinha bem entre as
sobrancelhas, é, sem qualquer sombra de dúvidas, o homem mais marcante
e sensual que já vi na vida.
Isso deveria ser proibido, é muito difícil odiar o chefe quando ele é
uma parede de músculos com um rosto astuto e perfeito. É praticamente um
viking de origem turca.
Com o corpo pegando fogo, eu solto o ar com força e me controlo
para não acabar dando mais uma boa secada no grandalhão rabugento.
— Você escutou? — ele pergunta e eu volto a mim, engasgando com
um susto.
— Desculpe, o que disse?
— Você sempre desliga assim do nada? — Landon pergunta, com
uma atenção perscrutadora que é quase invasiva.
— Não, só estava pensando se esqueci de alguma coisa... — minto
descaradamente, mas se ele percebe, não deixa transparecer.
— Você esqueceu o café, me trouxe suco.
— Ah, não esqueci, fiz uma troca estratégica — declaro, sabendo que
ele não vai gostar nada. — Suco natural tem vitamina C e o açúcar da fruta
vai trazer energia para manter o ritmo de trabalho. Ao contrário do café, que
dá um pico de energia e depois rouba sua atenção e humor.
— Mas eu pedi café — ele retruca.
— Café em excesso causa úlcera. — Cruzo os braços na frente do
peito. — Ainda mais em alguém estressado.
— Não sou estressado — ele resmunga, contrariado.
— Você quer dizer que não é pouco estressado e sim muito... —
rebato, sem pensar duas vezes, e me arrependo no instante seguinte,
apertando os lábios para me impedir de continuar falando.
— Tome cuidado com suas palavras, senhorita Pierce, eu sou seu
chefe.
— Exatamente. E meu papel é zelar por você, não destruir sua saúde
o entupindo de café amargo e forte.
— Essa decisão não é sua.
— Mas você não pode me obrigar a compactuar com o seu plano de
acabar com a sua própria vida aos poucos... — Penso por um instante e
então me viro, colocando minhas mãos na cintura e o focalizando bem nos
olhos. — Não me diga que você fuma também? Me recuso a trabalhar com
um suicida.
— Como é? — ele pergunta atônito.
— Você fuma?
— Não.
— Ótimo, então está tudo bem — respondo, saindo da sala.
— De onde foi que você saiu? — ele pergunta mais pra si mesmo,
mas como não sou do tipo que segura a minha língua, eu me viro com um
sorriso no rosto e respondo.
— De um abrigo de animais.
Isso só pode ser uma brincadeira de mau gosto, uma conspiração entre
minha avó e Alexander. Não tem outra explicação.
A secretária atrevida mal começou no cargo e já me retrucou várias
vezes, trocou meu café por suco e ainda me chamou de suicida.
Aperto o botão do elevador, mas antes que a porta abra, vejo
Catherine vindo na minha direção, numa corridinha engraçada que a faz
parecer uma pequena maratonista.
— O que eu digo se perguntarem por você? — ela solta um gritinho,
acenando. — Segura a porcaria da porta, preciso falar com você.
— Fecha. Fecha. Fecha. — Aperto o botão de fechar a porta do
elevador, torcendo que a tecnologia do edifício seja mais rápida do que
minha nova secretária.
A porta está prestes a se fechar completamente quando vejo a mão
pequena de unhas pretas atravessando. A maldita porta se abre por causa do
sensor de movimento.
Engulo um suspiro impaciente quando a vejo cruzar os braços na
frente do peito e empinar o queixo na minha direção, encostando-se no
metal frio e impedindo o elevador de me tirar do alcance de suas respostas
atrevidas.
— Então, o que eu digo se perguntarem por você?
— Diga que eu morri — crispo irritado.
— Tá bom. — Ela dá um passo para trás, deixando que a porta
recomece o processo de fechar.
Algo no olhar diabólico que ela me dá, apenas um instante antes de eu
ficar fechado no elevador, me diz que ela vai realmente dizer que eu morri.
Preciso dar um jeito nessa criatura antes que acabe ainda mais com o
meu dia.
Assim que paro no andar do RH, os recursos humanos, todos os
olhares se voltam para mim. É claro que eu já vim aqui antes, especialmente
para gritar com Alexander e obrigá-lo a demitir minhas secretárias, então, é
basicamente isso que todo mundo espera.
Sigo até a sala dele e não espero que a secretária me anuncie, na
verdade, o olhar que ela me dá é de medo puro e não faz menção nenhuma
de se mexer para me impedir de passar.
Abro a porta num rompante, pronto para explodir.
— No que diabos você estava pensando? — pergunto e congelo no
lugar ao ver quem está sentado na frente dele.
Quem está sentada.
— Vovó — falo, engolindo em seco.
— Landon, querido, já ia subir para vê-lo...
Vou até a minha avó e ela se levanta, passando os braços ao meu redor
e me puxando para um abraço exagerado. Do jeito que ela sempre gostou.
— Você está lindo como sempre — ela diz, segurando meu rosto entre
suas mãos. — Mesmo com esse vinco entre as sobrancelhas.
Ela toca a linha tensa entre minhas sobrancelhas e eu sorrio,
desconcertado. Minha avó sempre foi espontânea e viva, sempre disse o que
pensa e nunca mediu esforços para cuidar da família. Ela sabe bem como
me desmontar e não precisa de grandes gestos para isso.
— O que aconteceu? — ela pergunta e eu desvio do seu olhar
inquisitivo.
— Não aconteceu nada.
— Você sempre mentiu muito mal, querido, fale, o que há de errado?
— Minha secretária é... irritante.
— Mas ela acabou de começar... não é possível que já tenha cometido
algum erro... — Alexander fala e minha avó alterna entre o olhar divertido
do seu homem de confiança e o meu olhar contrariado.
— Ela trocou meu café por suco e disse que não é minha babá.
Alexander solta uma risada barulhenta que me faz bufar.
— E você veio fazer queixa dela como uma criança que reclama da
babá por não fazer suas vontades? — Minha avó me encara com uma
expressão impaciente.
— Eu vim avisar ao Alexander que deve demiti-la imediatamente.
— Ah, que ótima notícia. — Vovó abre um sorriso grande. — Quer
dizer que decidiu tirar um ano sabático para descansar e desestressar? Está
pensando em viajar?
— Não vou tirar sabático nenhum — resmungo.
— Então não vai demitir a moça — vovó é incisiva.
— Essa deveria ser uma decisão minha, vovó. A senhora está
querendo me castrar nos negócios?
— Meu querido, se o problema fosse o seu... — Ela olha na direção
dos meus países baixos e sorri. — Eu ficaria feliz de resolver, mas o
problema é o seu temperamento ruim.
— Vovó...
— Escuta, Landon, sofremos dois processos por causa dos seus
surtos, não vou permitir que a empresa que lutei para construir fique
marcada como um lugar ruim para mulheres trabalharem. O único jeito de
você demitir essa secretária é tirando um ano para descansar e tratar sua
raiva, do contrário, só se ela colocar fogo no prédio.
— Ela nem é uma boa secretária, acabou de começar e já implicou
com meu sanduíche, minhas coisas... — tento argumentar, mas minha avó
não amolece o olhar.
— Trocar o café por suco pode ser uma decisão muito saudável, você
deveria agradecer a ela.
— Vocês só podem estar querendo me enlouquecer — resmungo e a
minha avó me puxa para outro dos seus abraços expansivos.
— Amo você, querido, só quero o melhor pra você e nossa família.
— Vou acabar ficando maluco.
— Espero que sim.
Assim que mais um arranjo de flores e um cartão de condolências
chega, eu coloco sobre a mesa do senhor Landon “diga que eu morri” Scott.
Ele vai me matar, eu sei que vai. Mas que culpa eu tenho?
Foi ele que me mandou dizer que morreu.
Imagine só, ele saiu e não voltou pelo restante do dia, então passei a
tarde atendendo ligações e declarando seu óbito.
As causas foram as mais variadas, é claro.
“Ah, a senhora não sabia que beber café demais pode causar úlcera?
Pois é, eu tentei avisar ao senhor Scott, mas ele era viciado em cafeína, o
corpo não aguentou.”
“A causa da morte? Sanduíche de tofu defumado. Ele engasgou e
ninguém conseguiu salvá-lo, uma verdadeira tragédia. Eu também acho, é
mais seguro comer um bom filé”
“Síndrome do estresse agudo.”
“Foi atropelado ao tentar chutar um cãozinho no meio da rua.”
É por isso que eu não duro no emprego, primeiro quase dei um murro
em um sujeito que falou que ia bater no seu cão, e agora, acabo de
assassinar meu chefe cretino.
Ele merece, eu sei, mas isso provavelmente vai me custar a nova vida,
vai custar meu recomeço secreto. Um que tinha tudo pra dar certo já que
parece que meu chefe não me reconheceu e não tem ideia de quem eu sou.
Em minha defesa, ninguém tem culpa que ele sai da cama com o pé
esquerdo. Aquele sujeito é muito rude e merece uma lição.
Me sentindo praticamente uma justiceira das secretárias indefesas,
passei o dia de ontem declarando o óbito do homem que acha que todos
devem beijar o chão onde pisa.
E agora que os arranjos e as condolências começaram a chegar na
portaria, ninguém sabia para onde mandar, então mandaram para sala dele e
eu fiz questão de organizar tudo lá. Pode até ser que eu acabe demitida
depois disso, mas vai ter valido muito a pena.
Quando o elevador apita e eu o vejo caminhando todo elegante no seu
terno bem cortado e no corpo de viking turco, eu prendo a respiração e
mordo o lábio.
— Meu crachá trancou na portaria, providencie outro — ele diz,
passando por mim.
— Sim, senhor, e... bom dia.
Landon para e me lança um olhar apertado, cheio de desconfiança.
— Bom dia, Catherine. — O jeito firme e másculo como sua voz soa
o meu nome me faz engolir um gemido. É intrigante como eu não vou com
a cara dele, mas seu olhar e sua voz rouca me fazem sentir arrepios em toda
parte.
Sorrio de um jeito doce, mas isso não vai salvar a minha pele, tenho
certeza de que ele vai ter um troço e vou acabar na rua.
Quando eu comecei meu negócio, anos atrás, meu jeito irreverente
ganhou o mundo e me levou ao topo. Por um bom tempo, as pessoas me
amavam por isso, mas não é o caso de Landon Scott, ele não gosta nem um
pouco da minha língua afiada e do meu jeito de ver as coisas.
Se bem que ele ainda nem me conhece e algo me diz que as coisas
vão piorar muito quando me conhecer e souber quem eu sou e o que eu fiz.
— Mas que porra é essa? — ele grita da sala dele.
Ops. Ele achou as flores... e os cartões.
Respiro fundo e sigo até a sala.
— São condolências — digo, entrando só com metade do meu corpo
no escritório. — Você morreu, lembra?
Sem acreditar, ele pega o primeiro cartão e lê, depois pega outro e
outro e mais outro.
— Parece que eu morri mesmo — fala e cai na gargalhada de um jeito
inesperado e desconcertante. — Você pode, pelo menos, me dizer a causa
da minha morte?
— Você estava tão estressado que sua úlcera estomacal atacou
enquanto chutava um cãozinho no meio da rua, comendo um sanduíche de
tofu defumado e por isso acabou morrendo atropelado.
Ele ri ainda mais alto.
Landon fica bonito sorrindo. Ele tem um rosto grande e forte e a
expressão dura de antes o deixa muito masculino e lindo, mas o sorriso
seria capaz de derreter a calota polar.
— Você é uma diabinha — ele declara, começando a tirar os arranjos
de cima da mesa. — Pelo menos vou ter um pouco de paz.
— Deixa que eu cuido disso — começo a retirar as flores da mesa.
Ele assente e seu olhar profundo esquadrinha meu rosto de um jeito
poderoso e estonteante. Landon Scott é um mistério, quando mais pensei
que ele ia surtar, ele simplesmente riu.
Sem jeito, recolho todos os arranjos de flores e deixo em cima da
minha mesa, vou cuidar delas depois. Os cartões, eu empilho em cima da
mesa dele.
— O que vai fazer com isso? — pergunto e ele arqueia as
sobrancelhas de um jeito quase devasso de tão sexy.
— Eu não vou fazer nada.
— Certo, certo, deixa que eu desfaço o mal-entendido — resmungo,
indo com a mão até os cartões.
Landon me impede de pegá-los, roçando os dedos grossos nos meus e
enviando uma onda de eletricidade por todo meu braço.
Com a respiração pesada, ergo meus olhos e encontro os dele.
— Vamos deixar assim por alguns dias — fala, quebrando o instante
estranho e quente entre nós.
— Tudo bem. — Recolho minha mão e engulo um suspiro.
Não, não posso estar atraída pelo meu chefe.
Isso seria tremendamente errado.
Eu não sou uma traidora.
Tudo bem, como diria a minha irmã: olhar não tira pedaço e Landon
Scott é uma visão e tanto.
Sem voltar a olhar para o homem que acaba de sacudir as coisas
dentro de mim, giro nos calcanhares e saio da sala, carregando três dos doze
arranjos que chegaram até agora.
— Já volto pra pegar os outros — explico e ele apenas resmunga, já
concentrado no computador.
Faço mais três viagens para dar conta de todos os arranjos e deixo os
cartões de condolências exatamente onde estavam, na mesa de Landon. Ele
também não volta a olhar pra mim, pelo menos não que eu perceba.
Depois de fechar a porta do escritório dele, dou uma boa olhada em
cima da minha mesa e coloco minhas mãos na cintura, pensando na loucura
que eu fiz ao dizer que ele morreu pra todo mundo que ligou atrás dele.
— O que eu faço com vocês? — pergunto baixinho, olhando com
cautela para um arranjo de flores brancas.
De repente, o mundo todo ao redor se ilumina diante dos meus
olhos. Como se até então eu não tivesse consciência da quantidade de gente
que circula de um lado para o outro no andar.
— Hum... acho que tenho uma ideia — falo pra mim mesma,
sabendo que se ele estiver me observando através das paredes de vidro do
seu escritório, vai ter certeza de que não bato bem.
Pego três dos arranjos e começo a andar por todo o andar,
transitando entre as mesas e postos de trabalho.
A primeira flor vai parar em uma sala de reuniões que fica do lado
oposto da sala de Landon, também com paredes envidraçadas e uma boa
iluminação por causa de uma janela grande.
A flor seguinte vai para a recepcionista do andar.
— Você gosta de flores? — pergunto e a mulher ergue os olhos com
ares de desconfiança.
Não fomos formalmente apresentadas ainda, mas isso não me
impede de abrir um sorriso grande. Ela deve ter pelo menos dez centímetros
a mais do que eu de altura e parece uma executiva de alto nível, com uma
elegância natural e genuína.
— Então, flores?
— Por quê? — ela pergunta com a mesma voz fria que me recebeu
quando cheguei.
— O senhor Scott pediu que eu providenciasse algumas flores para
o escritório. Você gosta?
Ela assente, começando a abrir um sorriso discreto.
— Não tem alergia? Ele não vai ficar bravo nem nada assim.
— Alergia pra flores? Nem pensar. Posso ficar com a cor-de-rosa?
— Claro, ela é toda sua. Acho até que combina com a sua mesa —
falo, percebendo que ela tem um grampeador fofo, num tom salmão
delicado.
— Eu gosto de tons de rosa — a recepcionista explica, estendendo a
mão por cima do balcão. — Eu sou Petra, muito prazer.
— É bom saber, não vai ser difícil acertar no presente — solto e ela
sorri mais amplo agora. — Eu sou Cathy, a nova secretária do chefão.
— Você é a nova vítima, isso sim — solta e então morde o lábio,
constrangida.
— Ele é sempre mau com as secretárias? — pergunto, num tom de
confidência.
— Você quer a verdade ou uma mentirinha bondosa? — pergunta e
eu suspiro, imaginando o tanto de coisa que posso acabar descobrindo.
— A verdade dura e crua, pode mandar — faço uma careta e imito
uma faca imaginária entrando no meu peito. — Eu aguento.
Rindo, ela assente.
— Tudo bem, mas não conte a ninguém que eu falei.
— Ai, meu Deus, não me diga que ele é um assassino em série.
— Não, mas a empresa precisou fazer um acordo bem caro com a
última secretária e com uma antes também, só não sei bem o motivo.
— Nossa, mas o que ele fez pra essa última?
— Ele gritou tanto que a garota ficou traumatizada. Dizem que ela
nem sai de casa por medo de encontrá-lo na rua.
— Mentira! — Coloco as flores em cima do balcão porque estão
começando a pesar nos meus braços e me aproximo dela para escutar
melhor. — Eu nunca ia imaginar.
— Então, a avó do Landon é dona de tudo e depois do processo
ficou muito chateada.
— Também pudera.
— Ela sempre se orgulhou de ser uma boa empresária, praticamente
criou um império sozinha depois que ficou viúva do primeiro marido.
Imagina como ela ficou,
— É, eu posso imaginar — declaro e a verdade é que eu realmente
sei como ela deve ter se sentido.
— Ela deixou bem claro que se ele demitir ou surtar com mais uma
secretária, no caso você, ele vai precisar tirar férias de um ano.
— Isso poderia ser bom, ele é meio tenso mesmo.
— É, mas não tem nada que ele ame mais do que trabalhar.
— Então ele tem que ser bonzinho comigo?
— É o que parece.
Com uma estranha alegria brotando dentro do meu peito, eu
simplesmente não consigo evitar de sorrir.
— Isso vai ser muito interessante.
Depois que o último executivo deixa a sala de reuniões, sinto como se
todo o meu corpo retesasse. Não é uma coisa simples falar de cortes no
orçamento, ainda mais quando todos parecem estar decididos a culpar
alguém, eu.
Irritado e rabugento, viro na direção da única pessoa que parece não
estar nem aí para o orçamento da empresa e menos ainda para o meu humor.
Catherine abre um sorriso doce que me faz esquecer o motivo de eu
estar tão irritado. Ela caminha na minha direção e me entrega um copo de
suco.
Um maldito copo de suco.
— Vai por mim, você vai me agradecer daqui um tempo — ela diz,
como se adivinhando o que estou pensando.
— Duvido muito — resmungo, pegando o copo de suco e saindo da
sala de reuniões. — Desmarque o restante do meu dia.
— Tudo bem — ela diz, dando passinhos apressados para me
acompanhar.
Passo por uma das mesas e uma das novas advogadas abre um sorriso
discreto pra mim.
— Boa tarde, senhor Landon e... obrigada pelas flores. Boa tarde,
Cathy.
— Oi, Miranda, como está seu gato? — Catherine para no meio do
corredor, deixando-me completamente atônito.
— Muito melhor, aquela receita caseira que você me indicou abriu o
apetite dele.
— Fico feliz de saber, depois vou te mandar um link sobre florais para
gatos, você acredita que tem até calmante?
— Sério? — A tal Miranda pergunta e eu continuo parado,
observando a interação das duas sem entender sequer por que continuo
aqui.
— Bom, a gente conversa depois — Catherine sorri e a outra mulher
ergue os olhos pra mim, migrando depois para o arranjo de flores sobre a
mesa. É aí que eu entendo do que se trata.
Minha secretária arbitrária, não satisfeita em dizer que morri para um
bando de contatos da minha agenda, resolveu distribuir as minhas flores de
condolências para o andar todo.
— Quantas? — pergunto em voz baixa depois que ela se põe a andar
outra vez.
— Quantas o quê?
— Quantas flores recebemos?
— Vinte e três.
— E você distribuiu todas no andar?
— Claro que não, também mandei uma para a sala dos zeladores, para
as recepcionistas dos andares e uma para a portaria.
Então do nada ela para, pouco antes de chegarmos à porta do meu
escritório, e se vira na minha direção, apertando um pouco os olhos.
— Posso perguntar uma coisa?
— Algo me diz que você vai perguntar mesmo se eu disser que não.
— É, acho que sim. — Ela concorda com um aceno. — O que você
fez para a Joanna?
— Quem?
— Joanna Carlson do departamento comercial.
— Ah, ela...
— Sim, ela. O que rolou entre vocês?
— Não rolou nada — resmungo, tentando me desvencilhar do
assunto.
— Então por que ela devolveu as flores e mandou você se ferrar? Ou
melhor, mandou você enfiar naquele lugar.
— Não foi nada — Volto a caminhar na direção do meu escritório,
mas Catherine segue ao meu encalço.
— Com toda certeza foi alguma coisa, a mulher só faltou entrar pelo
meu telefone e me dar uma surra.
— Ela estava muito brava?
— Olha, digamos que ela tem um repertório de xingamentos de
respeito.
— Vou ligar pra ela, aquela mulher não tem direito de atacar a minha
secretária.
— Claro, porque só você pode fazer isso — ela crispa, entrando atrás
de mim na minha sala. — Não preciso que você me defenda, sei cuidar de
mim.
— Já percebi isso. — Sento na minha cadeira e ligo o computador. —
Mais alguma coisa, senhorita Pierce?
— Sim, quero saber o que aconteceu entre vocês, pra decidir se fico
do lado dela ou do seu.
— Você fica do meu lado, eu sou seu chefe.
— Um chefe com a fama de maltratar as secretárias... talvez eu deva
fazer uma visitinha pra Joanna.
Suspiro, me sentindo preso à armadilha dessa diabinha.
— Saímos pra jantar e foi um desastre.
Ela volta, nitidamente animada com a conversa.
— Me fale mais.
— Não seja uma fofoqueira, Catherine.
— Quando você fala meu nome assim, parece que vai cair o prédio —
ela resmunga, puxando a cadeira na frente da minha mesa e se sentando. —
Vamos, desembucha.
— Você me deixa em paz se eu contar?
— Prometo que sim.
Por que será que não acredito nisso?
— Droga. — Suspiro e ela sorri, sabendo que ganhou a merda da
discussão. — O jantar era pra tratar assuntos de negócios, mas ela
confundiu as coisas.
— Ah, ela achou que o poderoso chefão queria algo além do cardápio.
— Catherine se diverte, apoiando os cotovelos na mesa e firmando o queixo
nas palmas. — Me conte mais.
— Quando ficou claro que eu não estava interessado em nada mais,
ela ficou... desapontada.
— Tudo bem, mas ficar desapontada não é exatamente um motivo pra
mandar você enfiar as flores... o que exatamente você disse pra ela?
— Que não estava interessado em comê-la.
— Você usou essa palavra? — a secretária pergunta, começando a
corar.
— Carlson perguntou se eu queria ir pra casa dela ou pra minha. Fui
honesto e disse que não comia as mulheres da empresa. Misturar negócios e
sexo não funciona.
— E o que ela fez?
— Me mandou enfiar meus negócios no mesmo lugar que mandou as
flores.
Catherine solta uma risada alta e descoordenada, é fofa e estranha na
mesma proporção e eu me vejo sorrindo com ela, pela segunda vez essa
semana.
— Bom, agora já sei que nunca mais vou mandar flores pra ela.
Minha secretária curiosa e atrevida se levanta da cadeira e ruma para
fora da sala, há um brilho ferino no seu olhar que enche todo o ambiente. A
energia dela é incrível e seu jeito astuto me faz pensar em quanto deve ser
ardente.
Afasto o pensamento quando algo me ocorre.
— Então, vai ficar do meu lado ou do dela?
Catherine sorri e dá de ombros.
— Jamais ficaria do lado de alguém que dispensa flores.
— Você é uma diabinha — falo baixo quando ela sai.
Essa mulher pode não saber, mas tem algo de muito intenso e forte,
algo que me desestabiliza totalmente.
Não posso.
Não misturo sexo e trabalho.
Minha secretária não é uma opção, mesmo que tenha uma bunda
gostosa e um olhar desafiador.
O melhor que posso fazer é tratá-la como qualquer outra secretária. O
problema é que ela não é como as outras, não mesmo.
Meu chefe é um pé no saco.
O que ele tem de lindo e sensual, tem de insuportável, gritão e
rabugento.
Ele pode ser muito bom com números e todo mundo diz que os
investimentos que a empresa faz por causa dele geraram muitos lucros e
respectivamente aumentos salariais no último ano, mas isso não justifica a
falta de paciência dele para lidar com as pessoas.
— Eu já disse que isso está errado. — Ele praticamente berra com
um analista de uns vinte anos.
— Desculpe, senhor Scott — o homenzinho mais baixo e muito
assustado fala, encolhendo-se.
— Refaça os malditos cálculos e me traga essa merda quando
estiver certa.
— Sim, senhor — o rapaz sai, todo vermelho e assustado.
Suspiro, sabendo que vai ser um longo e árduo dia ao lado do humor
azedo dele.
Assim que ele me vê através da parede de vidro, fecha a cara e eu
sorrio. Vai sobrar pra mim, ah, se vai.
— Me traga um café e nem pense em trocar por suco ou vou acabar
demitindo você — ele rosna lá de dentro.
Eu sei que ele não vai me demitir, mas não estou muito a fim de
entrar em outro embate, ainda mais depois de finalmente começarmos a
melhorar a nossa relação.
Se é que podemos chamar isso de relação.
Preparo o café e levo, ao invés de comprar na cafeteria da esquina.
Há uma pequena cozinha no fim do corredor e todo mundo a usa, não faz
sentido me fazer andar por aí feito uma louca por causa de café.
Além disso, coloquei na conta de Landon café suficiente para
abastecer todo o escritório, todos ficaram felizes com o “agrado” do chefe e
ele ainda economizou um bom dinheiro.
Também sou boa com números e em matéria de custo-benefício,
fazer um agrado aos funcionários pode render um sentimento de
valorização, mesmo que simples.
— Seu café, senhor Scott — falo ao entrar na sala e encontrar um
olhar estressado para o celular.
— Obrigado, deixe aí.
Coloco na mesa e me viro para sair. Antes que eu chegue na porta,
porém, Landon já está grunhindo.
— Mas que porra é essa?
— Café. Você disse que não queria suco — falo, me virando
devagar.
— Você encheu essa porcaria de açúcar. — Ele berra, me fazendo
respirar bem fundo para não o mandar para o inferno. — Amargo. Eu tomo
café puro e sem açúcar. Por que é tão difícil fazer uma coisa que seja do
jeito que eu pedi? Qual é a dificuldade de entender?
— Desculpe.
— Por que será que eu não acredito no seu pedido? — ele pergunta,
apertando os olhos ainda mais irritado.
— Porque você está de mau-humor? — arrisco e ele grunhe outra
vez.
— Saia. — Ele berra.
— Sim, senhor — resmungo.
— E leve a merda do café. Só me traga outro quando entender que
eu tomo puro e sem açúcar.
— Entendi, amargo como você.
— O quê?
— Amargo é como você quer — falo, torcendo para não ativar o
modo chefe louco que acaba sendo processado.
Eu posso suportar seus rompantes e tentar fazer desse escritório um
ambiente um pouco mais saudável para quem trabalha neste andar, mas se
ele cruzar a linha do que sou capaz de lidar, não vou hesitar em fazê-lo se
arrepender, mesmo que tenha que expor quem sou e acabar processando
esse cabeça-dura.
Grande coisa um café com açúcar.
Acho que é isso que falta na vida dele, talvez assim não fosse tão
chato e estressado.
Alguns dias depois
Landon Scott é tão irritante que é até difícil descrever. Ele se acha
superior a tudo ao redor e pensa que todos devemos reverenciá-lo como se
fosse algum tipo de entidade divina e sobrenatural. Só que ele não passa de
um cara chato, amargurado e provavelmente de coração partido.
O que não justifica seu jeito rude de tratar todo mundo ao redor. E o
mais irritante é que quanto mais ele tenta me tirar do sério, mais eu quero
dar o troco. Simplesmente não consigo evitar.
Logo que a reunião acaba, todo mundo vai saindo e ele fica lá, com
cara de quem comeu algo estragado. Algo me diz que não devo, mas
também não consigo evitar e entro na sala.
— Posso ajudar com alguma coisa? — pergunto e ele me esquadrinha
de cima abaixo. Seus olhos pairam sobre meus pés e algo me diz que ele vai
reclamar dos meus sapatos.
Meus sapatos de cupcake.
— Que sapato é esse?
— Gostou? Comprei numa liquidação... bom, mais ou menos, mas
não quero falar dessa fase, só posso dizer que gastei muito em leilões online
— desconverso, sabendo que ele está incomodado com o meu gosto para
cores desde que comecei aqui.
— Isso aqui é um escritório sério, vista-se adequadamente — crispa,
descontando em mim seu ódio universal por mulheres.
— Tô pelada por acaso? — devolvo, sem estar realmente irritada, só
impaciente com sua babaquice de sempre.
— Não, mas isso... isso é ridículo. — Ele aponta para os meus sapatos
e para a minha roupa como se fosse o fim do mundo o fato de uma pessoa
gostar de ser criativa.
Em outro momento, eu explicaria os motivos que me levam a querer
ter esse tipo de experiência. Em outro momento, não, para outra pessoa,
uma que não fosse tão chata e cheia de julgamentos.
— Falou o cara que usa sempre as mesmas cores. Preto. Preto. Preto
— Explodo, jogando as mãos para cima e me virando para sair da sala de
reuniões.
— Aonde vai? Não me deixe falando sozinho. — Ele vem atrás de
mim.
— Escuta bem uma coisa, você é meu chefe, não meu consultor de
moda. — Eu me viro pra ele e aponto minha unha preta na sua direção. —
Eu trabalho direito, faço todas as suas vontades e o respeito, então não
venha querer me transformar em um... um chato como você.
— Alguém já disse que você é irritante?
— Já e eu continuo não dando a mínima — retruco e isso faz Landon
grunhir irritado.
— Você ainda vai me enlouquecer. — Ele se vira e vai na direção da
sua sala, marchando.
— Você já parece meio louco — grito e ele só dá outro grunhido
como resposta.
5 anos antes
Quando a porta do meu escritório se abre, escuto um insuflar de ar
profundo. Sei exatamente a quem pertence esse som, e sei também por que
ele acaba de fazer isso.
Estou com as duas palmas no chão, esticando todo meu corpo num
formato de triângulo e isso faz com que minha bunda fique empinada na
direção da porta.
Adam não costuma entrar sem bater, mas quando o faz, quase sempre
me pega em alguma situação vergonhosa.
— Alguém já disse que você tem manias estranhas?
— Ah, pode apostar que sim — declaro, recolhendo meu corpo um
pouco mais e segurando meus dois tornozelos. Espio por entre minhas
pernas, piorando a imagem que ele deve estar tendo de mim. — Então,
sócio, o que quer?
— É estranho ouvir você me chamando de sócio — ele resmunga,
tentando desviar os olhos da minha posição estranha. — Você vai ficar
assim por quanto tempo ainda?
— Por quê? Isso o incomoda?
— É estranho falar de números quando sua bunda tá na minha cara —
ele retruca rapidamente, mas posso ver o momento em que se arrepende
disso, pois desvia os olhos e as bochechas ficam coradas.
Começo a desenrolar meu corpo como aprendi nas aulas de yoga e
respiro fundo, demorando um pouco além do necessário. Eu sei, estou
sendo uma abusada e ele facilmente poderia me processar por assédio, mas
não consigo evitar, tem algo em Adam que me faz querer avançar a linha.
— Me desculpe, não foi minha intenção — falo, mas até mesmo para
mim isso soa como uma tremenda mentira.
Adam parece notar e abre um sorriso de covinhas que derrete ainda
mais a minha força de vontade.
— Foi sim — escuto-o retrucar e sorrio.
— Como?
— Foi sua intenção sim, Catherine — Adam avança um passo na
minha direção.
Quando nos conhecemos na faculdade, achei que acabaríamos nos
tornando algo mais, mas aconteceram tantas coisas e nossos caminhos
tomaram direções tão diferentes que acabei desistindo dessa possibilidade.
Adam namorava com a mesma garota desde o ensino médio e eu... eu
namorei com uma quantidade considerável de nerds e até alguns jogadores
de futebol americano. O que posso fazer se tenho uma queda por garotos
com cara de malvados?
Nós nos tornamos amigos e acabamos descobrindo a mesma paixão
pela ciência. Isso nos levou a um projeto que só nos aproximou ainda mais.
E agora nós somos sócios.
E o meu sócio lindo, inteligente e gato está solteiro.
E eu estou louca para avançar a linha proibida entre nós.
— Tudo bem, foi minha intenção — confesso, encarando-o de frente.
— Por quê? — ele pergunta, dando mais um passo na minha direção e
me fazendo sentir um estranho revirar no estômago.
— A pergunta certa é: Por que não?
— Por que não? — faz a pergunta e há algo de feroz no seu olhar
intenso e profundo.
Não posso negar que Adam é um dos homens mais bonitos e
inteligentes que já conheci, sua forma de olhar para o mundo me enche de
vontade de descobrir tudo o que podemos criar, quando falamos de ciência,
saúde e pessoas, sinto como se eu fosse capaz de resolver todos os
problemas da face da terra.
Talvez eu seja.
Talvez não.
Só sei que não quero que essa sensação passe.
— Porque somos sócios.
Ele sorri com o canto dos lábios e eu penso por um instante, buscando
na minha mente por motivos válidos para não darmos o passo seguinte.
— Porque vamos curar o câncer e misturar trabalho e prazer nunca é
uma coisa boa...?
— Isso é verdade, mas acho que podemos lidar com isso — ele fala e
isso faz meu coração se encher de uma sensação nova e inesperada.
— Porque você ama sua ex e talvez queira voltar com ela...? —
continuo listando, um pouco ansiosa.
— Não amo — ele fala, colocando as mãos nos bolsos da calça e
parecendo um pouco tímido.
— Não?
— Não. — Adam dá o passo seguinte e para bem na minha frente.
Seus olhos estão profundos e a forma como ele me olha faz todo meu corpo
esquentar. — Terminamos porque não era amor, Cathy. Terminamos porque
acabou, porque ambos queremos seguir caminhos diferentes.
— Tudo bem, esse item está riscado da lista — retruco, de repente me
sentindo inibida. — Também não pode ser considerado como um motivo
pra fazermos isso.
— Fazermos o quê? — ele pergunta de um jeito sedutor.
— Misturarmos negócios e prazer — respondo, criando coragem para
voltar a olhar nos belos olhos claros.
— Acho que posso resolver isso.
— Ah, é? — Eu cruzo os braços e lançando um olhar desafiador.
— Porque um dos motivos para eu estar sozinho hoje é porque não
consigo tirar uma certa nerd da minha cabeça.
— Hum...
— Uma nerd linda e um pouco doida. E sabe, ela já tá na minha
mente há muito tempo.
Suspiro, sem nenhum tipo de resistência porque a verdade é que ele
também está na minha cabeça há muito tempo.
— Quanto tempo? — pergunto e Adam finalmente cruza a linha entre
nós.
— Desde o dia que te conheci — ele responde com firmeza, passando
as mãos pela minha cintura e me trazendo para junto do seu corpo.
— Não sei se devemos — sussurro, mas a mão dele vem até meu
rosto.
— A decisão é sua, Catherine, mas se depender de mim, você nunca
mais vai sair do meu lado ou da minha vida.
Assim que ele termina de falar, eu me lanço para os seus braços,
enganchando-me no seu pescoço e me entregando para o que quer que
esteja rolando entre nós.
As mãos dele mergulham no meu cabelo e eu solto a respiração com
força, sentindo cada parte do meu corpo começando a esquentar.
— Vou considerar isso como uma permissão — ele sussurra no meu
ouvido, depois mordisca a ponta da minha orelha e eu solto um gemido.
— Ok — respondo, sentindo-me envolver nos braços e na energia
dele. — Isso é uma permissão.
— Ótimo — ele diz, esmagando meus lábios com os seus e me
invadindo com a língua sedenta.
— Agora não tem mais volta, nós cruzamos a linha — falo quando
nossas bocas se afastam.
— A culpa é da sua ginástica doida, ela me fez criar coragem.
— Você quer dizer que só porque empinei minha bunda você criou
coragem de dar o passo seguinte? — pergunto, resmungando.
— Alguém já disse que você tem uma ótima bunda?
Assim que o elevador abre a porta, eu escuto algo que me faz
congelar. Um tipo de gemido e um riso alto. Logo, outros gemidos enchem
o ar e eu me vejo procurando de onde vem o barulho.
— Isso, assim mesmo. — A voz dela me faz virar na direção do som.
— Assim? — alguém pergunta.
— Isso, deem tudo de si. Vamos lá.
Com certeza ela está aprontando. É só o que faz desde que chegou
aqui, mudar as coisas de lugar e me desafiar. Bagunçar a minha vida e me
responder como bem entende.
— Isso mesmo, vamos lá — Catherine comanda, animada.
— O que é que tá acontecendo? — pergunto ao me aproximar de um
mensageiro que está parado no corredor.
O sujeito leva algum tempo para notar que o peguei espiando. Meus
olhos seguem os seus e então eu vejo.
Todos os funcionários do andar estão na sala de reuniões. Catherine
está na frente, agachando e levantando com agilidade e movimentos
exagerados.
— Bunda pra trás, como se fossem sentar numa cadeira — ela declara
e repete o gesto. — Vamos lá, ativando o cérebro. Não esqueçam dos
braços, pra frente e pra trás, eles são importantes.
— Vou ativar minha dor nas costas — um dos velhos do arquivo
resmunga e ela ri alto.
— Não seja rabugento, vamos lá, abaixe só até onde consegue. E
acreditem, o dia vai ser muito mais produtivo depois disso.
— Só o meu salário que não vai ser mais produtivo — Carl, gerente
de contas a receber, resmunga e todos caem na risada.
— Pense pelo lado positivo, pelo menos o seu dia vai ser mais
divertido e menos estressante.
— Que merda ela tá fazendo? — resmungo e o moleque da
correspondência me observa por baixo das sobrancelhas grossas.
— Eu não sei, mas é uma visão e tanto — fala, referindo-se ao fato de
minha secretária estar agachando e empinando a bunda perfeita.
— Essa mulher ainda vai me arrumar um processo — reclamo e ele
estala a língua, sem dar a mínima.
— Eu não acredito nisso. — A voz de Alexander me faz soltar um
chiado de susto. — Ela é boa, fez todo mundo chegar mais cedo pra
começar um alongamento.
— Ela é maluca.
— Não exagere, Landon, a garota é motivada.
— Estranha, atrevida e respondona.
— Parece uma descrição muito familiar, não acha? — Ele me
provoca. — Além do mais, atividade física moderada melhora mesmo o
desempenho cognitivo. É ciência pura.
— Você tá adorando isso, não é? — reclamo e ele sorri.
Desgraçado, ele está mesmo gostando disso.
— Sua avó me disse para contratar uma boa secretária, pra mim, ela
parece perfeita.
— Isso se a descrição do cargo exigir habilidade de me enlouquecer.
— Você pode demiti-la, mas daí vai ter que tirar férias de um ano
inteiro e não vai poder contratar mais ninguém para substituí-la pelos
próximos dez anos. A decisão é da dona da empresa, resolva com ela.
— Minha avó quer me punir. — Suspiro, sabendo que fiz por
merecer. Nós praticamente fomos processados porque berrei com a última
secretária. Com as duas últimas secretárias.
— Já deu uma olhada no currículo dela? Viu onde se formou?
— Não tive tempo.
— Pois deveria, ela é boa. Só precisa de uma chance.
— E eu preciso de um bom remédio pra dor de cabeça, é só isso que
ela me dá.

Catherine bate na porta e entra. Ergo meus olhos de uma planilha e


dou de cara com um sorriso capaz de derreter um iceberg. Ela é
absolutamente linda e tem um olhar travesso que provoca uma rebelião
dentro do meu estômago.
Algo nessa mulher mexe com meu corpo e com meu estado de
espírito. Talvez seja o fato de ela não ter medo de mim ou o fato de não se
importar de perder o emprego se, com isso, ela puder me responder como
mereço.
E eu sei bem que mereço cada uma das suas respostinhas malcriadas.
Eu não sou alienado, só... não consigo deixar de sentir raiva.
— Você está bem? — Morde o lábio inferior ao perceber que estou
esquadrinhando seu rosto.
— Estou e você? — pergunto por educação e ela sorri mais
abertamente.
— Bem, com o cérebro ativado — declara, mas sem comentar sobre o
projetinho de alongamento no escritório.
Algo me diz que ela faz essas coisas porque realmente se importa e
não para receber crédito ou aparecer.
Consigo ver por trás da fachada colorida e de bem com a vida que
existe uma mulher inteligente. Muito inteligente para ficar aturando meus
rompantes.
Tento me conter, mas ela parece gostar de me tirar do sério. Quem em
sã consciência usa um sapato como aquele?
Algo me diz que ela faz essas coisas de propósito.
E isso deveria me deixar furioso, mas... não deixa. Não mais do que o
normal.
— Você trouxe suco? — pergunto, voltando minha atenção para as
mãos dela.
— Trouxe. — Ela me entrega o copo.
— Você nunca mais vai me trazer café?
— Não depois das quatro da tarde.
— Eu deveria demiti-la — declaro, suspirando e pegando o copo.
— Você sabe que a ideia por trás do conceito de ter uma secretária é
melhorar sua qualidade de vida no trabalho, não sabe? Eu cuido de coisas
que facilitam ou melhoram a sua vida — ela declara, toda animada. —
Evitar que você tenha uma crise de ansiedade ou um infarto antes dos
quarenta é parte disso.
— Eu tenho boa saúde, não vou infartar — devolvo.
— Nunca se sabe, ainda mais com o nível de cortisol que você tem.
— Como você sabe sobre o meu cortisol? — resmungo, tomando o
maldito suco.
— Não sei, mas não precisa ser muito inteligente pra somar: gritos,
mau-humor, estresse constante... você deve ter cortisol suficiente para
abastecer um campo de futebol.
— Você, em compensação, não tem nada de cortisol, não é?
— Eu tenho, mas já criei estratégias pra melhorar minha qualidade de
vida — ela retruca, se preparando pra sair.
— Me diga uma pelo menos — peço e lá está o sorriso de derreter o
gelo do mundo todo, logo o sorriso se transforma em algo quase diabólico.
— Não levar desaforo pra casa — ela fala de uma só vez. — Você não
tem ideia de como pode ser terapêutico responder como se deve pras
pessoas.
— E pro chefe...
— Especialmente para o meu chefe.
Tiro os sapatos assim que abro a porta do meu apartamento e entro.
É bom estar em casa, ainda mais depois de passar o dia andando de um lado
para o outro, pegando café, suco, sanduíche de tofu, vitamina hipercalórica,
marcando e desmarcando reuniões e ouvindo um zilhão de reclamações ao
telefone.
Ou Landon está reclamando no meu ouvido ou estão reclamando dele
pra mim, também no meu ouvido.
Caminho pela casa, largando meu casaco em cima da poltrona da sala
e indo direto para a adega que fica sob a ilha, na cozinha.
O que eu gosto de São Francisco é isso, o espaço agradável que
consigo ter. Diferente de outros lugares em que teria de me amontoar em
um apartamento, aqui posso viver em uma casa bonita, agradável e com
uma adega debaixo da minha ilha.
E eu tenho uma ilha.
Pequena e linda, mas ainda é uma ilha.
Mesmo que não seja muito boa cozinhando.
Pego uma garrafa de vinho sem me dar ao trabalho de analisar muito,
sirvo metade de uma taça e arrio no sofá. Estico meus pés por cima da mesa
de centro, sem ligar para as revistas e artigos que estão jogados sobre ela e
fecho meus olhos, sorvendo um gole grande do vinho.
Eu sei que vinho seco faz bem para a saúde e vinho suave é uma
sentença de diabetes no meu futuro, mas não consigo nem pensar em lidar
com mais alguma coisa amarga hoje. Landon Scott já saturou minha
capacidade por uma eternidade.
Costumo beber vinhos que são demi-sec, ou seja, nem amargos
demais, nem doces demais. Só que hoje eu me sinto estranhamente
satisfeita por ter pegado um vinho doce sem me dar conta.
— Se aquele chato comesse um pouco mais de açúcar talvez fosse
menos ranzinza — resmungo para mim mesma.
Depois de beber o restante do vinho, levanto corajosamente e sigo até
a área de serviço, pego o regador pequeno e começo a minha tarefa de
molhar minha pequena coleção de plantas.
Começo pelos meus cactos em cima da estante. Eles não gostam de
excesso de água, então tomo o cuidado de não abusar. Confiro a aparência
do substrato, porque plantinhas também precisam ser nutridas e bem
cuidadas.
Paul McCartney, meu cacto mais velho, está com um aspecto
estranho, então concentro minha atenção em adubar um pouco sua terra.
Melhor prevenir do que remediar. Se ele não melhorar, vou trocar a terra e
torcer pelo melhor.
De vez em quando, isso é tudo o que podemos fazer.
Confiro os meus outros Beatles e depois passo para Janis Joplin, uma
plantinha que trouxe de uma viagem que fiz ao Brasil... com Adam. Nós
estávamos passeando pelo sul do país, conhecendo lugares paradisíacos
quando eu vi uma dessas lojas de plantas. Foi meio que amor à primeira
vista.
Não é uma planta rara nem nada assim, mas quando a vi, eu sabia que
ela tinha que ser minha.
Foi um inferno conseguir a certificação necessária para trazer minha
Begônia, mas Adam conseguiu e acabou transformando isso em uma
memória que nunca serei capaz de esquecer. Uma das boas lembranças.
— Também sinto falta dele, Janis — falo, molhando diretamente a
terra e tomando o cuidado para não colocar muita água. Essa é outra que
não curte ficar encharcada.
Depois de cuidar de todos os meus roqueiros favoritos e, também, dos
mais controversos, molho minha Dolly Parton, uma prímula vermelha que
logo vai precisar de um vaso maior.
Assim que termino de regar as plantas, meu telefone celular toca. É
como se minha irmã caçula tivesse algum tipo de vidência e soubesse
exatamente quando e como me achar.
— Você sempre sabe quando ligar — falo assim que atendo a vídeo
chamada.
— Isso foi sarcasmo? — Ela me espia toda desconfiada.
— Não, acabei de molhar minhas plantas.
— Ah, e como estão os Backstreet boys? — pergunta, me fazendo
voltar os olhos para um pequeno conjunto com cinco suculentas.
— Nick sempre dá um pouco de trabalho, mas parece que está indo
bem agora. Então, o que quer? Está tudo bem com o papai?
— Sim, ranzinza por causa de um acordo que não deu certo.
— Mentira, estou ótimo. — Ouço a voz do meu pai ao fundo. —
Saudade de você, querida.
— Também estou, pai — respondo, sorrindo quando Kathleen vira o
telefone e mostra meu pai cozinhando na nossa antiga casa.
— Você vem para o meu jantar de aniversário? — ele pergunta, me
lembrando que é em alguns dias.
— Acho que meu chefe não vai me liberar, mas vou tentar — declaro
e meu pai bufa.
— Querida, você sempre foi a chefe...
— Por favor, pai, agora não — eu o interrompo e ele suspira.
— Tudo bem, vou voltar para o meu assado. Amo você.
— Amo você.
Minha irmã volta para o telefone e a expressão no seu rosto é astuta,
exatamente a mesma que ela fazia quando era menina e queria saber sobre
meus namorados da escola.
— Você vai mesmo me fazer perguntar? — ela resmunga.
— Estou gostando do meu emprego.
— E como é seu chefe? Ele sabe quem você é?
— Não... e desconfio que ele me odeia.
Minha irmã se anima com o que acabo de dizer.
— Pera, vou pra sala — ela fala, toda misteriosa. — Agora sim, me
conta mais sobre esse chefe que te odeia.
— Não tem nada pra falar, ele é... amargo.
— E como ele é? Velho, novo, bonito, feio...?
— Não é nada demais — minto e Kathleen arregala os olhos.
— Você está mentindo.
— Tá, tá, ele é jovem, na casa dos trinta e cinco, trinta e seis.
— E...?
— E é a porcaria de um viking turco.
Minha irmã solta uma gargalhada alta.
— Ele é todo estressado e rabugento, tá sempre gritando com alguém,
mas é difícil ficar com raiva quando ele me olha como... como se soubesse
tudo de mim.
— Uau, intenso.
— Pior é que ele é tão lindo que chega a ser um pecado.
— Como você disse que era o nome dele mesmo?
— Landon Scott.
Kit Kat, como chamo minha irmã desde que ela se entupia de
chocolate aos cinco anos, larga o celular em pé e se vira para o lado, então
eu escuto o som dos seus dedos frenéticos no laptop.
— Puta merda, Cathy. Você não estava mentindo — ela pega o celular
e me mostra uma notícia sobre Landon.
— É, eu disse, um maldito viking turco.
— É estranho, mas combina com o que você falou — ela responde,
ainda com os olhos presos à imagem na tela. — Escuta isso: herdeiro da
mundialmente famosa Hope, a marca de roupas mais popular entre os
jovens, Landon Scott, conhecido por não dar entrevistas é um recluso e
charmoso empresário, ele acaba de concretizar um negócio milionário. Ao
que tudo indica, o bilionário é o responsável pela compra e recuperação de
uma rede de lojas que estava à beira da falência, inserindo a marca criada
por sua avó em três novos países da Europa.
— Ele é bom com números, o resto quem faz é a irmã dele. Ela é
quem está na Europa... — retruco e minha irmã se vira na minha direção.
— Homens sempre levam o crédito.
— Nesse caso, ele meio que merece, ele fechou o negócio e a irmã
dele vai implementar as coisas — defendo, sem saber por que estou fazendo
isso. — Bom, foi o que a Miranda me contou outro dia.
— Miranda?
— É uma das advogadas do escritório, garota legal.
— Catherine Brooks, você está fazendo amizades?
— Falando assim parece que sou um monstro — reclamo e ela sorri.
— E não me chame assim, agora é Catherine Pierce.
— Você não pode me culpar, passou quase dois anos enfurnada numa
casa sem falar com ninguém. Fazer amigos é uma coisa boa. — Ela suspira
e eu assinto.
— Obrigada por cuidar de mim, Kit Kat e... sinto muito se fui um pé
no saco.
— Você teve seus motivos.
— Agora tenho motivos pra odiar o mundo, mas não odeio mais.
— Por causa do chefe bonitão?
— Bonitão barra insuportável.
— O que ele fez pra você?
— Reclamou dos meus sapatos, acredita?
— Que sapatos? — ela pergunta, toda cheia de desconfiança.
Mordo o lábio e então começo a rir.
— Os sapatos de cupcake que comprei pra festa à fantasia do
escritório, aquela festa, lembra? — arregalo os olhos, fazendo-a se lembrar
do porre que tomou.
— Você usou aquilo no trabalho?
— Eu usei e foi... divertido — admito e minha irmã ri. — Não pensei
que ele ia se chatear tanto, achei que seria engraçado, que alegraria as
pessoas e Deus sabe que aquele lugar precisa de alegria.
— Então você está gostando da nova vida?
— É muito estranho eu dizer que sim?
— Mesmo com o chefe babaca?
— Especialmente por ele.
A porra do crachá trava de novo. É a milésima vez que fico trancado
na catraca, na frente de um monte de subalternos que não escondem que
estão se divertindo muito por eu estar passando por todo esse
constrangimento. Eu nem deveria ter que passar nessa merda de portaria,
deveria ter um elevador privativo que vai direto para a minha sala, mas
minha avó acha que todos os funcionários da sua empresa devem nos ver
como pessoas comuns, com obrigações comuns. É um inferno isso.
— Quem eu tenho que matar para conseguir um crachá novo? —
Explodo e o segurança dá de ombros.
— Sua secretária já fez o pedido para um novo, só está demorando
um pouco mais pra chegar. — A voz de Alexander, um dos gestores do
RH[1] me faz virar. — Bom dia, Landon.
— Bom dia, Alexander — respondo, mal-humorado.
Alexander é o responsável pela contratação dela, a criatura mais
bonita, irritante e insana do planeta, a quem eu chamo de secretária. Eu
devia saber depois da última garota que eu demiti, que ele arrumaria logo
uma capaz de me deixar completamente louco.
Nós nos conhecemos há muitos anos e posso apostar que ele está se
divertindo muito com a minha desgraça.
— Por falar em secretária... — Alexander chama minha atenção. Dou
um passo para o lado para que os outros funcionários passem e sigo-o com
os olhos.
Catherine está passando pela porta giratória e está... encharcada.
Assim que entra no prédio, ela se sacode inteira, assim como um
cachorro faz quando toma banho e fica com os pelos molhados. Ela é tão...
absurda e caótica.
Todo mundo sorri para ela, enquanto parece deslizar da entrada até
onde Alexander e eu estamos, assistindo seu pequeno desfile ensopado e
gracioso.
— Bom dia, chefe, bom dia, Alex — ela fala, parando perto de mim.
Meus olhos correm dos cabelos pingando até o queixo, o busto... as
mãos. Ela tem um guarda-chuva.
— Você está encharcada — falo o óbvio, sem conseguir pensar direito
quando essa diabinha me encara com os olhos grandes e curiosos.
— Tá chovendo — ela declara, como se eu devesse achar que isso
explica tudo.
— E o guarda-chuva? — pergunto, notando que ele está seco.
— E acabar com a graça toda da vida? Fica pra você. — Ela passa o
guarda-chuva para minha mão, pega o crachá e se afasta. — Até mais, Alex,
foi bom ver você.
— Bom ver você, Cathy.
Grunho, segurando o guarda-chuva da minha secretária atrevida.
— Essa mulher ainda vai me enlouquecer — resmungo e encontro o
olhar divertido do homem que é responsável por colocá-la na minha vida.
— A culpa é sua.
Alexander ergue as sobrancelhas, nitidamente se divertindo com a
merda toda.
— Ela é mesmo estranha, mas todo mundo a ama — ele declara,
pegando meu crachá e esfregando no casaco. — Estática.
Enquanto Alexander me ajuda a vencer a catraca, eu espero que ele
continue, quando não o faz, resmungo.
— Não é possível que todo mundo a ame.
— Mas amam. — Ele é enfático. — Não tem um departamento que
não esteja torcendo pra você fazer uma merda grande pra poder roubá-la.
— Tudo isso por uma secretária?
— Você não sabe mesmo quem é ela, não é?
— A minha secretária? — ironizo e ele ri.
— Sabia que ia ser interessante.

Tem algo errado com ela.


Será que escapou de alguma instituição psiquiátrica?
As palavras de Alexander ainda ricocheteiam na minha cabeça. “Você
não sabe mesmo quem é ela, não é?”
O que diabos ele quis dizer com isso?
Nem sei quanto tempo perco observando-a da minha sala. Catherine
Pierce é um mistério, cheia de vida e sempre bem-humorada, ela parece um
pequeno ponto de luz no meu dia cinzento.
Um ponto de luz barulhento e colorido que sempre tem uma resposta
atrevida na ponta da língua e que anda de um lado para o outro, arrancando
sorrisos por onde passa e transformando todos os meus funcionários em
cúmplices das suas loucuras.
Só hoje já vi três funcionários com suco de laranja na mão e uma com
uma garrafa de água com pelo menos dois livros.
Ela está agitando as coisas, é impossível não notar a estranheza disso.
Penso em ligar para Alexander e averiguar melhor essa história, mas
então eu me lembro que recebi um e-mail com as informações dela, no dia
da sua contratação. Começo a digitar com rapidez, procurando na imensa
lista de coisas que descartei sem dar muita importância.
Quando encontro o e-mail do nosso chefe de recursos humanos, não
consigo deixar de me surpreender.
Catherine é formada pela Universidade de Stanford em
bioengenharia, com mestrado em computação biomédica. Além disso, ela
possui uma enorme lista de cursos de Harvard e do MIT, todos relacionados
com as tecnologias voltadas para a saúde, biologia e comportamento
humano.
O histórico acadêmico da minha secretária é exemplar e isso explica
as excentricidades e a mania por sucos, mas não explica outra coisa. Não
explica o que ela está fazendo aqui.
Primeiro que ela é nova demais para todo esse conhecimento, o que
me leva a pensar que ela é uma dessas pessoas superdotadas que geralmente
dominam o mundo, ou seja, Catherine não se encaixa na função de
secretária de jeito nenhum.
Depois, corro meus olhos pela parte da experiência profissional e noto
a estranheza.
Ela listou uma série de pesquisas acadêmicas em que esteve envolvida
durante a graduação e a pós, além de um emprego como auxiliar num
abrigo de animais. Há uma lacuna de cinco anos entre uma coisa e outra.
O que ela fez nesse tempo?
O que levou uma cientista toda saudável e de bem com a vida a querer
ser uma secretária em uma empresa de roupas?
O que a fez mudar tão abruptamente?
Que merda ela fez pra precisar mudar de vida tão completamente?
Como se pressentindo meu olhar insistente sobre ela, Catherine ergue
os olhos do computador e me lança um olhar profundo.
De repente, cada pedaço do meu corpo reage por conta própria, desde
um arrepio na minha nuca até um revirar rebelde dentro do meu estômago.
Os lábios delicados dela se movem num sorriso discreto e cordial e
ela deita um pouco a cabeça para o lado, analisando minha expressão.
Me pego mordendo o lábio inferior e prendendo a respiração, como se
esperando pelo que ela está prestes a fazer, vir me enlouquecer.
Definitivamente, ela vai me enlouquecer.
Ele passou o dia inteiro me olhando de um jeito estranho. Algo me diz
que está desconfiando de mim, mas que não tem ideia de quem eu sou, pelo
menos ainda não, ou já teria surtado e me chutado daqui.
Suspiro, sentindo meus nervos tensos e um cansaço mental profundo.
Eu podia abrir o jogo, mas as pessoas começariam a me olhar de um
jeito esquisito, me tratariam diferente e não quero isso.
Parte do projeto de ter uma nova vida é justamente recomeçar, ser
uma pessoa comum, sem tratamento diferenciado, sem olhares curiosos e
sem expectativas.
Depois de tudo, o que eu menos preciso é que me vejam como a
antiga Catherine.
Dediquei anos da minha vida pra fazer a diferença, pra ajudar as
pessoas e a única que precisou de mim foi a que eu... matei.
Sem Adam, não tem por que ser a Catherine Brooks de antes. O
mundo não precisa mais dela. Não tem mais espaço para ela na minha vida,
e nem tenho mais motivos pra ser aquela pessoa.
— Você está bem? — Escuto a voz de Miranda se aproximando.
Viro na direção dela e respondo com um sorriso cordial. Ela sempre
acaba retribuindo com um sorriso grande e genuíno. É uma boa qualidade
sua, ainda mais para uma jovem advogada.
— Você não parece bem — ela declara ao se aproximar da minha
mesa.
— Por que você acha isso? — pergunto, tentando não olhar para a
sala do meu chefe.
— Você estava olhando pra ele... com uma careta.
— Ah.
— Então, o que houve? Ele tratou você mal? — ela pergunta num tom
cúmplice e baixo, como se estivesse prestes a ir dar uma lição nele em
minha defesa.
— Se fosse esse o caso, eu saberia como me defender, o problema é
justamente o oposto.
Miranda arqueia as sobrancelhas, confusa.
— Você está achando ruim por que ele não a maltratou?
— Estou achando o silêncio dele muito estranho.
Minha colega de trabalho se vira na direção da sala e no mesmo
instante em que nós duas olhamos para Landon, ele ergue os olhos e nos
focaliza.
— Ele tem um jeito... — ela sussurra.
— Esse é o meu ponto.
— Ele sempre olha pra você assim? — ela pergunta, colocando a mão
no peito de um jeito exagerado.
— Às vezes... — respondo, tentando não entrar muito no assunto do
jeito como Landon me olha. Ele pode ser muito difícil de decifrar de vez em
quando. — Hoje ele passou o dia assim.
— Talvez ele esteja começando a se acostumar com você.
— Não sei, não...
— Ou ele gosta de você.
— Ou está prestes a me demitir.
Miranda suspira e acena, negando com um gesto delicado e sutil.
— Acho que não.
É a minha vez de fazer uma careta de confusão.
— Todo mundo comenta, Cathy, sobre o jeito como você o enfrenta.
É a primeira vez na história que alguém retrucou o senhor “Coloco fogo no
mundo se eu quiser” e sobreviveu no emprego.
Dou de ombros.
— Ele não pode me demitir, a avó vai fazer com que saia de férias por
um bom tempo — admito e ela sorri.
— É o que dizem. — Concorda com um meneio. — Mas acho que
tem algo mais.
— Algo mais? Tipo... um ódio mortal?
— Não. — Miranda ri, me desconcertando um pouco. — Acho que
você o desestabiliza de algum jeito e ele não sabe lidar com isso.
— Só espero que isso não o faça me chutar daqui.
— Não me diga que você gosta de trabalhar com ele — ela solta num
tom de divertimento que é muito evidente.
— Ele não é tão mau... só um pouco neurótico.
— Você é doida, eu não duraria dois dias se tivesse que aturá-lo tão de
perto.
Dou de ombros e suspiro.
Apesar da insanidade da coisa, eu sinto que posso me dar bem aqui,
Landon tem seu jeito intenso e um pouco impulsivo, mas acho que algo o
machucou e por isso ele está tão de mal com a vida.
— Acho que ele só está triste, não acredito que seja assim de verdade.
— Penso em voz alta.
— É, pode ser, mas ainda assim eu não queria estar na sua pele. —
Miranda dá uma última olhada para Landon e então me lança um olhar
astuto. — Algumas pessoas do escritório vão sair pra beber, quer vir com a
gente?
— Acho que vou ficar por aqui, ele vai trabalhar até tarde e eu já pedi
o jantar, mas obrigada.
— Bom, você tem meu número, me liga se mudar de ideia, não vamos
estar muito longe daqui de qualquer maneira.
— Obrigada — respondo e a vejo se afastar.
Landon Scott é um mistério, aquele cabelo rebelde e o olhar profundo
não se encaixam na pose de destruidor do mundo, exterminador de
secretárias indefesas. O que será que há de errado com ele?
O que será que aconteceu que o deixou assim?

Quando o jantar finalmente chega, pago a entrega e bato na porta do


escritório dele. Landon fechou as cortinas e está “sozinho” no seu
mundinho envidraçado de números, mas ele não reclama quando entro.
— Seu jantar.
— Não me lembro de ter pedido — ele fala e eu suspiro.
— Não pediu, mas já que vai ficar até tarde, precisa comer. — Coloco
a embalagem sobre a mesa e me preparo para sair do escritório.
— Catherine — Landon chama, me fazendo sentir um arrepio desde a
base da minha coluna até a nuca. Quando ele fala meu nome desse jeito,
parece que o mundo ao redor se desmancha.
— Sim, senhor Scott...? — Eu me viro, mordendo o lábio e contendo
a estranha sensação que percorre meu corpo. Não, não, não. Não posso ficar
atraída por esse grosseirão.
— Você se preocupa muito com saúde e bem-estar, não é? — Ele me
analisa com uma expressão especulativa.
— É importante — respondo, dando de ombros e sem querer
prolongar a conversa.
— Já pensou em trabalhar na área da saúde? — Landon pergunta, os
olhos focados nos meus de um jeito invasivo.
Ele sabe.
Merda.
— Por quê? Por causa da minha formação? — arrisco, sondando para
ver até onde ele descobriu. Espero que não muito.
— Não apenas por isso, mas porque você leva jeito com esse tipo de
coisa.
— Acho que não — respondo, seca. Não quero continuar com esse
assunto. Não quero e não vou explicar sobre a merda que eu fiz e sobre
como não mereço trabalhar em algo que possa ser tão importante para as
pessoas. — Mais alguma coisa?
— Você está liberada, pode ir se quiser — ele responde, ainda
analisando meu rosto.
— Vou ficar na minha mesa, caso precise de algo mais.
— Tudo bem, então peça seu jantar... é por minha conta — ele fala
quando chego perto da porta e estou prestes a sair.
— Já fiz isso.
— É claro que fez.
Quatro anos antes
— Você vai usar isso? — Adam pergunta enquanto abre um sorriso
grande e quadrado.
— É claro que eu vou — declaro, toda animada. — Vou passar o dia
todo sentindo seu cheiro. — Aliso a camisa dele e a prendo dentro da minha
saia, criando um look diferente do que habitualmente uso, mas que me faz
sentir elegante e sexy na mesma medida.
— Tenho que admitir que você fica linda com a minha camisa — ele
confessa, vindo até mim e passando os braços ao meu redor.
— E você tem um cheiro muito bom.
— E toda aquela conversa sobre não misturar negócios e romance? —
Ele me encara com uma expressão que transita entre o divertimento e a
curiosidade.
— Acho que todo mundo já sabe o que rola entre nós — admito e ele
sorri mais abertamente.
— Ótimo, porque eu não aguentava mais esconder do mundo que amo
você. — Adam segura meu rosto entre as suas mãos, um olhar profundo e
cheio de significados.
— O que disse? — pergunto, um pouco chocada.
— Eu disse que amo você.
Escutá-lo dizendo que me ama enche meu coração e eu me sinto
prestes a transbordar.
— Eu também te amo — cantarolo, passando meus braços ao redor
do pescoço dele e esmagando seus lábios com os meus.
O beijo começa casto, mas quando Adam envolve minha cintura e me
puxa contra si, se transforma em um pequeno incêndio. Quando dou por
mim, estou arrancando a camisa dele e a minha.
— Vamos nos atrasar — ele diz, mas sem tirar as mãos do meu corpo.
— Melhor ainda, diremos que estamos doentes e vamos matar serviço
hoje — respondo, desabotoando meu sutiã.
— Adoro esse seu lado travesso. — Adam assente, vindo com uma
das mãos até o bico dos meus seios. — Você sabe como me convencer.
Assim que ele termina de falar, sua mão cobre meu seio e ele o aperta
de leve, arrancando um gemido manhoso de mim.
— Não é difícil, você é um safado — provoco e ele passa os braços
pelas minhas pernas e me iça no seu colo.
— Você vai ver quem é o safado, Catherine.
— Isso é uma ameaça, Adam? — pergunto, no mesmo tom
provocativo.
— Promessa — ele me deita de costas na cama e pula por cima de
mim. — Hoje, vou fazer você ver estrelas.
— Uau, mal posso esperar — retruco, mas algo no olhar dele me faz
entrar em alerta.
Adam se levanta da cama e respira pesado.
— O que foi? — pergunto, sentando na cama em alerta. Há algo
estranho no seu jeito. Tem alguma coisa errada.
— Eu... eu não sei... eu... — Adam começa a tremer e não consegue
mais falar.
Vou na sua direção, mas não tenho força o bastante para impedi-lo de
cair, convulsionando bem no meio do nosso quarto.
— Adam! Adam!
Termino a quarta série de flexões e arrio no chão, sentindo o suor
correr por toda a extensão da minha coluna e pingar.
Meus músculos dos ombros estão tensos e sei que nem se eu fizer
outra dúzia de exercícios essa sensação vai passar. Minha irritação não tem
a ver apenas com o fato de eu estar brigando para me divorciar da mulher
com quem eu deveria passar todos os meus dias, com quem, em tese, eu
deveria enfrentar todos os momentos, dos mais felizes aos mais tristes.
E para piorar tudo, alguns dos projetos do escritório estão sendo mais
complexos do que o esperado e ainda tem ela. Ela que parece fazer questão
de me deixar fora dos eixos.
Catherine Pierce.
Uma nerd da ciência que decidiu que queria ser minha secretária.
Será que isso é algum plano da minha avó para me enlouquecer?
Catherine bem poderia ser a filha de alguma amiga dela, disposta a
me torturar para me ensinar uma lição sobre como tratar as pessoas, mesmo
as incompetentes.
Bom, se for esse o caso, não posso negar que mereço ou dizer que não
tem qualquer efeito. Cada resposta endiabrada ou olhar astuto que ela me
lança bagunça mais as coisas dentro de mim.
E as coisas já estão bagunçadas demais.
Meu celular toca no momento em que me preparo para tomar banho.
Afasto os pensamentos que me levam a querer desvendar o mistério que
cerca minha secretária e atendo a vídeo chamada da minha irmã.
— Salut beau goss[2] — Holly fala com a voz sonora e animada.
Depois de uma conversa rápida sobre amenidades e sobre a diferença
de horário entre Paris, onde ela está, e São Francisco, onde estou, nós
finalmente entramos no assunto que interessa, a implementação da nossa
marca em três países da Europa, incluindo Paris.
Quando damos início a esse tipo de processo, minha irmã viaja para
conhecer melhor as regiões e nós criamos um processo de adaptação,
considerando temperatura local, cultura e hábitos e matérias primas.
É mais do que fazer pesquisa, é entender como tornar a nossa marca
uma parte do lugar, como fazê-la somar na vida das pessoas que se tornarão
nossos clientes. Minha avó sempre nos ensinou que é mais sobre fazer a
diferença na vida das pessoas do que apenas vender roupas.
Quando finalmente sinto que as coisas estão em dia e posso voltar pra
minha vida, minha irmã ergue as sobrancelhas e me encara com uma
expressão de curiosidade.
— Então, não vai me contar?
— Contar o quê?
— Sobre a garota que está enlouquecendo você, é claro.
— Quem?
— Sua secretária, Landon — ela retruca, impaciente.
— Como é que você sabe sobre minha secretária?
— Tenho informantes muito competentes — Minha irmã responde e
eu apenas suspiro.
— A vovó não guarda nada pra ela — reclamo e Holly apenas sorri.
— Eu nunca disse que meu informante é a vovó — ela declara, toda
convencida. — Mas é um informante igualmente bom.
— Também não negou.
— Porque desse jeito é mais fácil de despistar você, ou vai dizer que
se descobrir quem são meus informantes não vai aterrorizá-los?
— Falando desse jeito parece que sou um monstro.
Minha irmã estala a língua.
— Você seria o monstro mais bonito do mundo se fosse esse o caso
— ela solta, o sorriso doce de irmã caçula brotando nos lábios. — Então...
não vai me contar?
— Não tem nada pra contar, ela é... doida.
— Me disseram que ela é um pouco diferente.
— A mulher foi trabalhar usando um sapato que parecia um bolo. Ela
é completamente insana.
— Ou é só uma pessoa criativa... ou quer apenas irritar você — minha
irmã fala fazendo pouco caso. — O que é que incomoda tanto nela,
Landon?
— Tirando a mania de me trazer suco quando peço café? Ou o hábito
de me responder com atrevimento toda vez? Ou tirando o fato de que
recebemos vinte e três flores e mensagens de condolências porque ela disse
que eu morri para fornecedores e clientes? Nada me incomoda.
Holly cai na gargalhada.
— Meu Deus, você está caidinho por ela.
— Eu o quê? É claro que não, não diga bobagens.
— Quando me disseram eu não acreditei.
— Quando disseram o quê?
— Que finalmente você tinha uma oponente à altura... só não pensei
que isso ia acontecer.
— Você não está fazendo muito sentido, Holly. — Bufo, mas eu sei
exatamente o que ela quer dizer.
— Você sempre foi meio devagar mesmo, mas algo me diz que vai
acabar caindo em si.
— Falou a expert em vida e relacionamentos.
— Não, irmãozão, falou a expert em Landon Scott, não se esqueça de
que cresci com você.
— Isso não quer dizer nada.
— Ah, é? Vejamos. Você está furioso por causa do seu divórcio,
aquela vaca te traiu no momento em que você estava sofrendo por causa
do...
— Chega, Holly — eu a interrompo antes que continue. — Já chega.
— Tudo bem sofrer, Landon, só não deixe isso paralisar sua vida.
Esfrego meu rosto, cansado do rumo que a conversa está tomando.
— Será que você pode parar de se meter na minha vida? Você não me
vê dando palpite na sua, vê? Em que mundo a minha secretária colorida e
doidinha seria da conta de alguém?
— Num mundo onde sua irmã mais nova te ama e não aguenta mais
ver você sofrer.
— Também amo você — me vejo falando e recebo como resposta um
sorriso grande e doce.
— Eu sabia que em algum lugar por baixo da carapaça dura e
carrancuda, meu irmão ainda estava aí.
— Não tenha tanta certeza disso.
— Tudo bem, agora vamos falar do que importa.
— Finalmente.
— Quando você vai chamar a secretária pra sair?
Solto um grunhido. Quando pensei que finalmente falaríamos do que
importa, minha irmã mais nova volta com o assunto “meu inferno pessoal
tem nome e sobrenome e é Catherine Pierce”.
— Nunca, é uma boa resposta? — pergunto e ela nega com um aceno.
— Nem em um milhão de anos.
— Por quê?
— Porque ela usa sapatos estranhos, culpa o café pelo meu humor e
sempre reclama do meu sanduíche. Porque ela tem sempre uma resposta
abusada e nunca se importa de me dizer o que pensa. Além disso, Holly,
Catherine é minha secretária e isso seria antiético.
— Antiético seria se você a assediasse, um jantar entre dois adultos
que estão atraídos um pelo outro não tem nada de mais.
— Ela não está atraída por mim. Na verdade, acho que me odeia.
— Mesmo no seu pior, ninguém odeia você.
— Não tenha tanta certeza.
— Além disso, se ela odiar, você só precisa mostrar as covinhas e um
sorriso.
— Você está insuportável hoje — reclamo. — Podemos concordar em
mudar de assunto? Ou vou demitir Catherine amanhã mesmo, nem que pra
isso eu precise tirar férias de dez anos.
— E depois a insuportável sou eu.
Eu não estou caído por Catherine.
Holly e quem quer que seja seu maldito informante estão errados.
Ela é doida, totalmente fora da casa e eu jamais conseguiria me
relacionar com alguém tão... colorida.
Mesmo que seja linda, respondona e muito inteligente.
Provavelmente mais inteligente do que eu.
Com certeza não estou. Repito mentalmente pela milésima vez, mas
minha determinação falha assim que a vejo sorrindo.
Ela e Miranda, uma das advogadas de litígios financeiros, estão
conversando como se já se conhecessem há anos, é natural e preciso de
muito esforço para não ficar parecendo um adolescente diante de uma
garota bonita por quem pode ou não estar sentindo um crush. Espero que
não.
Com certeza não.
Não.
De jeito nenhum.
Definitivamente não.
Tá, tudo bem, talvez eu esteja um pouco.
Ou muito.
Escuto-as se despedindo e então ergo os olhos pra Catherine outra
vez. Ela sorri ao me pegar espiando, mas então, como se acabasse de se dar
conta do que está fazendo, ela endireita a postura e coloca as mãos na
cintura, séria.
É aí que eu noto.
Catherine está usando um vestido florido e sapatilhas baixas. A roupa
cai perfeita em suas curvas, exceto por... uma barriga de grávida.
Minha secretária está grávida? Onde ela estava escondendo aquele
barrigão?
Será que estou ficando louco?
Notando meu olhar fixo para o ventre redondo, ela entra na minha
sala sem que eu precise chamá-la.
— Tudo bem, senhor Scott? — pergunta, radiante de um jeito que é
muito desconcertante.
— Vo-cê? Porra! — Solto, sem conseguir formular uma resposta ou
pergunta mais coerente.
Catherine arqueia as sobrancelhas, os olhos movendo-se e
acompanhando os meus, que descem direto para sua barriga de sete ou oito
meses.
— Ah, você notou — ela fala, colocando as mãos na barriga.
— Você não me disse que estava grávida — despejo, ainda confuso
demais com a barriga que apareceu misteriosamente onde não havia nada
até ontem. — Eu... não percebi.
Catherine solta uma gargalhada alta e divertida.
— Isso faria você gritar menos... ser menos estressado?
— Provavelmente não — admito, sem conseguir coordenar meus
pensamentos, sentindo uma dor cortante que me alfineta bem no meio do
peito. — Acho melhor você trabalhar com outra pessoa.
— Você não gosta de grávidas também? — Ela me encara com uma
expressão endiabrada enquanto coloca as mãos na cintura, na defensiva. —
Pois saiba que só saio daqui se você me demitir.
— Não vou demiti-la — retruco.
— Então teremos que nos aturar.
— Você deveria se preocupar com a saúde do seu bebê, já que vive
pensando na minha.
— E você deveria ser menos rabugento.
— Catherine, estou falando isso para o seu bem, pelo bem da criança.
Ela suspira pesado e acena.
— Não tem criança nenhuma, Landon — diz, me chamando pelo meu
primeiro nome de um jeito profundo e cansado. — É só um exercício de
empatia. Você deveria experimentar, faria bem pra...
— Como é?
— Não estou grávida. É um TREINAMENTO DE EMPATIA. Sabe,
pessoas poderosas costumam ignorar todos ao redor. Então nós estamos
fazendo essa dinâmica, hoje somos nós, amanhã serão os homens da
empresa. Miranda está usando tampões de ouvido, até resolveu aprender a
língua de sinais.
— Isso é uma brincadeira?
— Claro que não. Você sabia que um ambiente corporativo de
qualidade também é sinônimo de compreender e respeitar as limitações dos
outros? Estamos replicando uma experiência já feita em muitas empresas.
Você deveria tentar, podia aprender algo sobre comportamento humano e
bons modos.
— Você é impossível — explodo, jogando meus braços para o alto. —
Doida, respondona e... doida.
— Não sou doida, não fale assim — ela crispa, irritada.
— Você me deixou pensando que estava grávida.
— Ah, claro, porque estou carregando um alien de certo, num dia não
tenho barriga nenhuma e no outro estou prestes a ganhar um bebê. —
Catherine coloca a mão na barriga. — Por que isso o incomoda tanto?
— Não é da sua conta.
— É sim, você está gritando comigo, então tenho direito de saber.
— Esqueça. — Respiro fundo, virando-me para a janela.
— Esse não é você. — Ela resolve cutucar. — O que aconteceu? O
que te machucou tanto pra ficar desse jeito, com todo esse ódio?
— Não me provoque, Catherine.
— Não estou provocando, estou fazendo uma pergunta séria.
— Não vamos falar sobre isso.
— Tudo bem. — Ela suspira outra vez. — Vamos fazer uma coisa,
um exercício. Você coloca a barriga por uma hora e eu prometo que trago
café amargo e forte sem reclamar por uma semana inteira.
— Você quer fazer um acordo? Um acordo em que a sua parte é fazer
justamente o que é paga pra fazer?
— Basicamente é isso — ela declara, animada outra vez.
— Vou ficar com o suco.
— Tudo bem, é uma vitória também.
Catherine se prepara para sair da sala, mas então para e se vira de
supetão na minha direção.
— Você quer tocar? — pergunta, me fazendo olhar de novo para a
barriga que agora sei que é falsa.
— O quê?
— Ah, não seja tímido, olha que legal, parece de verdade. — Ela
corta a nossa distância e para bem na minha frente. — Vamos, sinta.
— Eu não quero sentir — Aperto meus punhos ao lado do corpo.
— Toque.
— Não.
— Sim.
— Catherine!
— Landon!
— Não.
— Toque na porcaria da barriga ou vou passar o dia falando pra todo
mundo que ligar que você quer me demitir porque estou grávida.
— Mas você não está grávida.
— Assim como você não estava morto. É só um detalhe técnico.
— Você é maluca.
— E você é um medroso. — Ela me acusa com o dedo enriste. —
Está com medo de tocar na minha barriga.
— Pra acabar processado por assédio? Não mesmo.
— Não vou processá-lo, só estou querendo que você sinta a porcaria
da minha barriga.
— Já disse não.
— Tudo bem, as pessoas vão adorar ouvir que você quer demitir uma
grávida. Imagina o que elas dirão quando souberem que o poderoso Landon
Scott é preconceituoso e malvado.
— Catherine — Resmungo pela milésima vez, mas ela apenas sorri,
estendendo a mão. — Merda! Você é uma diabinha.
Minha secretária completamente doida pega a minha mão e coloca
sobre a barriga falsa. Prendo a respiração por um momento e então relaxo.
— Legal, não é? — ela pergunta, pegando minha outra mão e
colocando na barriga falsa como se de algum jeito eu pudesse sentir um
bebê ali. — Parece de verdade.
— Parece mesmo — admito e cutuco a barriga, sentindo a maciez que
a faz parecer real. — É incrível o que fazem hoje em dia.
— Então, que nome daremos ao nosso bebê?
— Landon! — Uma voz familiar me faz virar de susto, sem tirar as
mãos da barriga.
— Nicole.
— Nicole? — Catherine pergunta, as mãos ainda sobre as minhas, na
cena mais constrangedora do universo. — Quem é Nicole?
— Eu sou a esposa dele — minha ex responde, os olhos focados nas
minhas mãos sobre a barriga de Catherine.
— Ex-esposa — retruco, tirando as mãos da barriga falsa.
— Ainda não.
Depois de finalmente convencer o senhor “não vou tocar sua barriga
falsa pra não ser processado por assédio”, todo o rosto dele se ilumina. É
como se, de repente, o mau humor desse lugar a uma coisa nova. Um
Landon novo, curioso e interessante.
— Então, que nome daremos ao nosso bebê? — provoco e ele se
prepara para me dar uma resposta quando a voz irritada de uma mulher
chega aos nossos ouvidos.
— Landon! — ela fala de um jeito agudo e alto.
Viro devagar e vejo uma beldade em forma de mulher. Ela é loura e
alta, com o corpo magro e perfeito e se veste de um jeito tedioso, em tons
de cinza e bege.
— Nicole.
— Nicole? — pergunto, só então me dando conta da situação. Landon
e eu numa intimidade que não nos pertence, mesmo que seja muito boa. —
Quem é Nicole?
— Eu sou a esposa dele — ela responde com rispidez, olhando direto
para minha barriga falsa. Merda.
A coisa não poderia ficar mais estranha nem mesmo se eu me
esforçasse muito para isso. Primeiro, ela entrou sem ser convidada, pegando
Landon com as duas mãos na minha barriga falsa e enquanto eu perguntava
o nome que daríamos ao nosso bebê imaginário.
— Ex-esposa — Landon retruca com o mesmo tom rude dela, tirando
as mãos da minha barriga de empatia.
— Ainda não — ela devolve.
— Só porque você ainda não assinou os papéis — ele crispa de volta,
os olhos determinados.
— Você sabe por que — ela sussurra, a voz quase minguando. — Mas
agora entendo.
Landon e eu não abrimos a boca.
— É por isso que você não quer dar uma chance... é por causa disso
— ela olha pra minha barriga de grávida e eu acabo ficando na defensiva.
Eu sei, eu sei, não estou grávida, mas ela, assim como Landon até
cinco minutos atrás, não faz ideia de que é uma barriga falsa.
Que direito ela tem para falar assim do meu bebê?
Meu bebê é imaginário, eu sei, mas é meu e ponto final.
— Você fez todo aquele discurso sobre honestidade, confiança,
quando tinha seu próprio segredinho sórdido.
— Desde quando um bebê é sórdido? — pergunto enquanto cruzo os
braços na frente do peito. — Um bebê é uma coisa boa, não ruim.
Ela solta uma risada irônica.
— Acho que finalmente você encontrou alguém que quer a mesma
coisa que você — a loura acusa e Landon retesa ao meu lado. Sua energia
muda e sinto que preciso fazer alguma coisa.
— Não estamos mais juntos porque você me traiu — ele responde,
me surpreendendo por sua postura tão fria.
— Você também tem culpa, estava ausente, mal olhava pra mim.
— Você sabe o porquê disso. — Ele respira pesado e Nicole se
encolhe um pouco, mordendo o lábio inferior de um jeito nervoso.
— Podemos conversar, Landon? A sós...
— Como você pode ver, estou ocupado — ele diz. — Não temos mais
nada pra falar.
— Temos que falar da nossa casa.
— Minha casa. Já disse que quero você fora de lá.
— Pra quê? Pra levar sua amante e o bastardo dela?
Arregalo meus olhos, consternada, chocada e brava.
Ok.
Ela pediu.
Agora é comigo.
— Meu filho nunca será um bastardo, sabe por quê? — pergunto,
irritada do mesmo jeito que ficaria caso estivesse mesmo grávida. —
Porque você e Landon estão se separando e depois nós nos casaremos, e
sim, ele quer a casa de volta pelo simples fato de que é dele e você é uma
vaca traidora.
— Catherine — Landon sussurra, confuso com o meu discurso sem
pé nem cabeça.
— Você traiu e agora vem bancar a inocente? Bom, saiba que Landon
e eu estamos felizes e nosso bebê será muito amado. Não é, querido?
Pego a mão de Landon e ele a aperta de leve, entrando no jogo, então
acena concordando comigo de um jeito torto e um pouco desajeitado.
— É assim então, Landon? Você quer terminar nosso casamento e
tudo que tivemos de bom por ela?
— Por nós — provoco, passando a mão na barriga com carinho.
Meu Deus, se eu fosse uma atriz, agora estaria recebendo um Oscar
por essa atuação. Duvido que alguém não acredite que estou grávida mesmo
depois disso.
A ex-esposa de Landon olha ao redor e então, numa velocidade
incomum para alguém em cima de saltos tão finos, caminha até a mesa dele
e pega o copo de suco que eu trouxe hoje mais cedo.
— Agora você toma suco? — ela pergunta com um tom arrogante e
frustrado.
— Faz bem pra saúde — ele responde com um jeito seco de quem não
deve mais qualquer tipo de explicação para a pessoa com quem se
relacionou. Só ela ainda não entendeu isso.
— É, veremos — ela diz, vindo até mim.
Tudo acontece numa fração de segundo, quase não me dou conta.
Primeiro ela ergue o copo e em seguida joga o líquido cor de laranja na
minha direção, só que nesse mesmo instante, Landon me puxa de um jeito
protetor e recebe quase todo o suco no próprio peito.
Espantada pela reação protetora dele, Nicole deixa o copo cair e cobre
a boca com as mãos.
— Catherine, você está bem? — ele pergunta, se virando pra mim e
checando meu rosto.
— Estou seca — admito e começo a rir. — Meu Deus, você está...
todo amarelo.
Landon começa a rir também e quando nos damos conta, estamos
quase abraçados e gargalhando da confusão. É tão gostoso ouvir o som da
risada rouca dele que eu me esqueço que acabo de piorar a coisa do seu
divórcio só porque não consegui deixar de me meter em assuntos que não
me dizem respeito.
— Landon, eu...
— Quer saber, fique com a casa, eu posso comprar outra pra nós.
Apenas assine os papéis.
— Mas, Landon...
— Vá embora, Nicole, ou vou chamar a segurança.
Chocada com a atitude do ex-marido, Nicole gira nos calcanhares e
vai embora, levando com ela toda a energia tensa e estressante que seria
capaz de provocar um terremoto.
— Isso explica muita coisa — digo, indo fechar a porta do escritório e
a cortina na frente da parede envidraçada.
— Meu humor?
— Tudo.
— Como assim, tudo? — Landon pergunta enquanto eu caminho até
um armário que fica no banheiro do seu escritório e pego uma camisa.
— Seu humor, seu ódio pelas mulheres, sua impaciência — grito de
onde estou.
— Não odeio as mulheres — ele fala quando entro no escritório e o
pego terminando de tirar a camisa manchada de suco.
Chocada com a visão, estaco no lugar e levo um bom tempo
apreciando a imagem. Landon Scott é praticamente uma muralha de
músculos bronzeada. O tanquinho é de molhar a calcinha de qualquer
mulher e as covinhas laterais, formam um V que mergulha na calça e indica
o caminho para um mundo de sensações.
O peito perfeito é como um bendito convite e eu poderia me perder
ali, alisando os gomos, provando as ondulações, sentindo o calor da sua
pele.
Ondas de calor percorrem meu corpo e fazem o ponto no meio das
minhas pernas latejar. Esse homem é quente e está me queimando sem nem
mesmo precisar me tocar.
— Catherine, a camisa — ele pede, me fazendo esticar o braço e
passar a camisa para a sua mão. — Você já pode ir se quiser... a menos que
queira ficar olhando.
Assim que me dou conta de que fui flagrada praticamente babando
pelo corpo definido e forte do meu chefe, respiro fundo e mordo o lábio
inferior, tentando focar em algo além dele.
— Então... — ele insiste.
— Proposta tentadora, mas preciso ir... tomar um banho gelado. —
Solto sem pensar direito enquanto praticamente corro para fora do
escritório.
A última coisa que escuto antes de escapar me deixa com o corpo
todo pegando fogo.
— Talvez eu precise de um também.

Tirar a barriga de empatia me dá um tremendo alívio. Não só no


corpo já cansado de andar por aí com dez quilos a mais, mas também na
minha mente.
Eu me meti em uma confusão com a ex do meu chefe que acha que
estou esperando um bebê dele, o fiz perder a casa pela qual estavam
brigando e ainda tomar um banho de suco, que ele nem pediu que eu
trouxesse, claro.
Tenho muito o que fazer, mas só quero dar o fora daqui.
Ver Landon sem camisa provocou um verdadeiro efeito dominó no
meu corpo e agora só consigo pensar naquele bendito V, nos gomos do seu
abdômen, na sua risada rouca e sexy e no fato de que ele gostou de me
deixar sem jeito por causa da delícia que é o seu corpão.
Depois de beber toda a minha garrafa de água, eu resmungo comigo
mesma.
Não posso.
Não posso estar atraída pelo meu chefe rude e nada amigável.
Não posso sentir que ele também está atraído por mim.
Não. Posso. Querê-lo.
Então por que diabos não consigo parar de pensar que ele seria capaz
de me fazer ver estrelas? Tão intenso e bruto... tão feroz. O jeito rude de
Landon só me faz imaginar que ele deve ser impiedoso no quesito de fazer
uma mulher ter um bom orgasmo.
E Deus sabe o quanto venho precisando de um.
Não. Chega, Catherine, seu chefe babaca não vai te dar um orgasmo.
Landon Scott é meu chefe.
Um chefe gostoso pra caramba.
Droga.
— Você está com cara de que precisa um café — Miranda fala, me
arrancando com um tranco do meu devaneio nada sutil.
— E você nunca esteve mais certa. — Suspiro, saindo de detrás da
minha mesa. — Como foi seu dia com os tampões de ouvido?
— Eles não me impediram de ficar sabendo das fofocas.
— Espero que nenhuma delas diga respeito a mim — resmungo,
enquanto ela praticamente me arrasta para a sala do café.
— Todas elas dizem respeito a você e ao seu chefe.
— Merda.
Nós nos sentamos ao redor da mesa redonda depois de Miranda
fechar a porta e eu me servir de suco de laranja. Enquanto eu resmungo de
mau humor, ela abastece sua caneca com uma quantidade perigosa de café e
começa a me fazer perguntas aleatórias sobre meu dia de grávida.
— Ouvi dizer que você arrumou um pai para o seu filho — ela
declara, mordendo os lábios para conter o riso.
— Ah, não. Não me diga que mais alguém do andar já sabe o que
aconteceu.
— A essa altura, meu bem, o edifício inteiro já sabe que você colocou
a megera pra correr com sua barriga falsa.
— Que confusão — reclamo, sem conseguir beber meu suco.
— O garoto da correspondência estava passando bem na hora, ele viu
até o banho de suco.
Deito minha cabeça e encosto a testa na mesa, grunhindo e gemendo
baixo. Tô ferrada, Landon vai me matar quando souber que todos estão
falando de nós e do nosso bebê falso.
— Quero detalhes, Cathy. Muitos detalhes.
Depois de narrar com riqueza de detalhes sobre toda a cena com a ex
de Landon, encaro o olhar divertido da minha colega de andar.
— Você podia pelo menos fingir que não está se divertindo com a
minha tragédia? — peço e ela ri alto.
— Sinto muito, mas não consigo — ela declara, ainda animada. —
Você tem que admitir que é uma situação cômica.
— Eu o fiz perder a casa dele, Miranda, não é engraçado.
— Algo me diz que valeu a pena. — Ela pensa por um momento. —
Sabe, aquela mulher é culpada por ele ser assim.
— Rabugento?
Miranda acena concordando.
— O que você sabe? — É minha vez de inquiri-la.
— Não sei de nada — mente na maior cara de pau.
— Vamos, contei toda a minha confusão e você não vai me dizer
nada?
Apertando os olhos, ela suspira.
— Ele é gostoso sem camisa?
— Se eu contar você me diz o que sabe?
— Tudinho. — Miranda leva os dois indicadores na frente dos lábios,
fazendo um X com eles.
— Ele é praticamente um viking turco.
— Viking turco? Nem sabia que isso era possível.
— Não era.
— Então ele é gato?
— Parece uma parede de músculos toda sarada, com um tanquinho
onde a gente poderia morrer lavando roupa que ainda ia fazer isso feliz.
— Uau.
— E tem aquele V perfeito que vai direto pra calça... meu Deus,
quase infartei.
— Ah, droga, queria ter escolhido a barriga falsa ao invés dos
tampões de ouvido. — Minha amiga sacode a cabeça numa negativa
inconformada.
— Sua vez.
— Tudo bem, mas você não ouviu de mim.
— Sem problema.
— Parece que ela não queria filhos e quando engravidou decidiu
resolver a situação por conta própria.
— Resolver?
— É...
— Ela fez um aborto? — pergunto e Miranda assente.
— E ainda por cima sem consultar o Landon. Parece que ele estava
todo feliz com a gravidez e ela simplesmente foi lá e fez.
— Ah, meu Deus, por isso ele ficou daquele jeito quando viu a
barriga falsa. Agora faz sentido.
Miranda se aproxima um pouco mais de mim e baixa a voz.
— Parece que depois disso ela ainda o traiu com o instrutor da
academia.
— Puta merda!
— Ouvi dizer que o seu chefe era bem menos irritado antes disso —
Miranda completa.
— Posso imaginar.
— Então, segredo.
— Tá, tá, nem precisa dizer — retruco, bebendo meu gole de suco e
pensando por um momento. Agora faz todo o sentido.
— Então, o que você vai fazer agora que sabe de tudo?
— Acho que infernizá-lo um pouco menos.
Assim que entro na minha sala percebo que tem algo diferente. Não
sei o que é, mas aquela secretária maluca deve ter aprontado alguma coisa.
Alexander não perde por esperar, vou acabar com ele no jogo da empresa,
vai pagar caro por ter colocado essa diabinha na minha vida.
— Bom dia, senhor Scott, seu café — ela fala, passando o copo de
café pra viagem para as minhas mãos e me dando um dos seus sorrisos de
derreter iceberg. — Puro e amargo como você gosta.
Deveria ser proibido estar sempre feliz, ainda mais quando ela faz
essas caretas de reprovação. Essa baixinha atrevida está me julgando porque
prefiro café amargo, como se isso de alguma maneira explicasse meu estado
de espírito.
— Obrigado — resmungo, caminhando com o café até a minha mesa
e, finalmente, percebendo o que é que tem de diferente. — Por que diabos
tem uma planta na minha mesa?
— Plantas são boas para alegrar o ambiente.
— Você quer dizer o meu ambiente? O meu escritório — resmungo e
ela sorri. Maldito sorriso que me faz sentir como um idiota turrão.
Então faço a única coisa que consigo, fecho a cara como um idiota
turrão faria.
— Essa planta em questão é conhecida por filtrar o ar, há muitas
pesquisas científicas que comprovam que pessoas que respiram melhor,
vivem melhor. Além do mais... o verde é uma cor que traz felicidade.
— Tudo isso por causa de uma planta? — pergunto, com a minha
natural arrogância.
— Quem sabe melhora essa cara de quem comeu e não gostou — fala
baixinho enquanto se vira e ruma para a porta. Mas eu escuto muito bem e
isso é a gota d’água para o meu humor.
— Você é muito atrevida — revido.
— É, meu pai já me disse várias vezes.
— Você sabe que posso te demitir por isso, não sabe?
— E quem é que vai aturar os seus ataques?
— Eu contrato outra.
— Boa sorte com isso.
Catherine gira nos calcanhares e continua rumando para fora.
— Porra, Catherine, não me deixe falando sozinho — esbravejo e ela
se vira, com um olhar que não tem nada de doce ou meigo. Ela está irritada.
Bem-vinda ao meu mundo, diabinha.
— Você me demitiu, estou indo embora.
— E vai deixar a maldita planta?
— É, você tem razão, ela vai acabar morrendo intoxicada com esse
seu mau humor.
Trincando os dentes, ela marcha até a minha mesa, pega o pequeno
vaso com a planta e sai.
Não levo nem meio segundo para me dar conta da burrada que estou
fazendo. Ela é a última secretária que terei, minha avó deixou isso bem
claro e não posso demiti-la a menos que ela coloque fogo no prédio ou
minha avó vai me colocar em férias forçadas.
— Porra! Porra! Porra! — resmungo, saindo da minha sala e dando de
cara com a secretária atrevida, arrumando suas coisas. — Você fica.
— Como é? — Ela aperta os olhos, nada satisfeita.
— Não está demitida.
— Tudo bem, então eu mesma me demito.
— Você o quê?
— É isso, você chega aqui, berra o que quer e pensa que vou ficar?
Nem se me pagasse vinte vezes o meu salário.
— Vinte vezes é muito, mas eu dobro o seu salário.
Ela coloca as mãos na cintura.
— Não pedi um aumento. — Me encara com ares determinados. Essa
garota vai me deixar louco. — Quero três coisas: número um, você não
grita comigo, pelo menos não antes do meio-dia, isso faz mal ao meu chi...
— Seu o quê?
— Meu chi, minha essência... enfim, quer que eu fique ou não?
— Tudo bem, sem gritos até o meio-dia. Qual é a segunda coisa?
— Pelo menos uma vez na vida você vai tomar café com açúcar. Eu
sei, açúcar é péssimo pra saúde, mas aposto que você vai ficar muito menos
rabugento com um pouco de doce na sua vida.
— E terceiro? — pergunto, começando a ficar muito arrependido.
— Maurice Gibb fica.
— Quem?
— O cacto.
— A planta se chama Maurice Gibb?
— Sim.
— Igual ao vocalista do Bee Gees? — pergunto, incrédulo.
— Talvez você não seja um total caso perdido — ela declara,
esticando as mãos com o vaso de planta.
Pego Maurice Gibb e rumo para a minha sala. Merda.
Estou absoluta e completamente ferrado na mão dessa diabinha.

Quando meu telefone toca e vejo o número de Nicole, sinto crescer a


impaciência e recuso a chamada no mesmo instante. Ela insiste, ligando
mais três ou quatro vezes antes de finalmente desistir.
Não demora nem cinco minutos para que eu receba a ligação do
advogado da minha ex-mulher. A traidora ainda não se deu por satisfeita a
respeito da nossa antiga casa, lugar que eu comprei antes mesmo de ela
entrar na minha vida.
— O que ela quer agora? — atendo de forma brusca e o homem
suspira do outro lado da linha.
— Minha cliente quer conversar, senhor Scott.
— Já disse que não temos nada mais pra falar.
— É importante.
— Tudo sempre é urgente ou importante quando diz respeito a Nicole.
Quando sua cliente deixar de ser tão mimada, talvez aí ela entenda que o
mundo não gira em torno dela.
O advogado de Nicole suspira pesado e então coça a garganta. Tão
certo quanto o fato de que o mundo é redondo, eu sei que a traidora quer
algo mais.
— Acho que vocês deveriam conversar... — ele tenta.
— Ela quer mais dinheiro, é isso?
— Não é dinheiro que a sua esposa quer.
— Não a chame assim, Nicole não é mais minha esposa. Fale de uma
vez o que ela quer, tenho mais o que fazer do que ficar lidando com as
mesquinharias dela.
— Escuta, Landon, vou ser direto com você porque sei que seu tempo
é precioso. Vamos entrar com uma petição pedindo a anulação do divórcio.
Minha cliente está certa de que com terapia e diálogo, suas diferenças não
serão tão irremediáveis.
— Mas que merda é essa que você tá falando? — explodo, gritando
para que todo o universo escute.
— A senhora Scott se sentiu abandonada emocionalmente e fez o que
fez pra chamar sua atenção, tenho certeza de que qualquer juiz é capaz de
entender isso.
— E será que qualquer juiz é capaz de entender que ela matou o meu
filho?
— É o corpo dela, Landon, nos dias de hoje são as mulheres que
decidem isso.
— Nós éramos um casal, porra! Nós éramos um casal. — Grito com
toda a fúria que ainda está fervendo dentro de mim. — Não tem juiz no
mundo que me obrigue a continuar com a mulher que matou meu filho.
Desligo o telefone e urrando de raiva, espatifo meu celular contra a
parede.
Assim que me viro na direção da porta, encontro Catherine encostada
no batente, olhando pra mim com uma profundidade que é avassaladora.
Ela não diz nada, mas também não desvia os olhos de mim.
Passo a mão nos meus cabelos e os empurro para trás como se os
estivesse penteando com os dedos. Esse é o último resquício do meu antigo
eu, aquele que não quebrava coisas e não era processado por explodir com
as secretárias.
— Não é um bom momento — falo, quando ela entra e fecha a porta.
— Eu sei — diz, partindo para fechar a cortina e me fechando no
escritório.
Catherine então para bem na minha frente e ergue as duas mãos.
— Vou tocar em você, Landon — diz com a voz baixa e firme.
Assinto sem entender bem o que está acontecendo.
Ela então segura meu rosto com as duas mãos e me faz focalizar seus
lindos e grandes olhos.
— Você vai ficar bem — é tudo que diz, aumentando as batidas do
meu coração e me fazendo respirar bem fundo. — Você vai ficar bem,
Landon.
Concordo, sem desviar do olhar determinado.
Mesmo depois de quase a demitir hoje cedo, ela ainda é capaz desse
tipo de gesto, esse tipo de cuidado.
— Vamos sair daqui, eu tenho uma ideia — Catherine determina,
ainda me olhando no fundo dos olhos.
— Por quê? — pergunto, tentando entender o que há de tão profundo
nessa mulher que consegue me tranquilizar num minuto e me enlouquecer
no seguinte.
— Porque você vai pirar se ficar aqui hoje.
— Por que você quer me ajudar, Catherine? Eu... não mereço.
— Você não quebrou o vaso do Maurice Gibb — ela declara, tirando
as mãos do meu rosto e guiando meus olhos para o pequeno cacto que está
em cima da mesa.
— É a planta mais feia que eu já vi — admito e ela estala a língua.
— É um cactus colonnaire, e é o mais indicado pra se ter aqui,
primeiro porque ele precisa de poucos cuidados e segundo porque filtra o ar.
— Você sempre gostou de plantas?
— Sempre — ela declara, ainda apreciando o cacto. — Plantas, cactos
em especial, são resilientes e capazes de deixar tudo mais bonito.
— Não esse cacto, vai por mim.
— Não dê bola pra ele, Maurice, meu chefe não sabe nada de bons
modos.
— Você está falando mal de mim pra planta? — rio, sem conseguir
acreditar.
— Existem estudos que comprovam que as plantas reagem aos
estímulos externos, como elogios, xingamentos e até música.
— Não me diga — provoco e ela faz uma careta. — Quer dizer que se
eu ficar elogiando o seu cacto ele vai acabar ficando mais bonito?
— Beleza é um ponto de vista. — Catherine coloca as duas mãos na
cintura e me fuzila com os olhos marotos.
— Ah, é? Me dê um exemplo.
— Nem todo mundo acha você bonito — ela defende seu ponto, mas
o jeito como me olha me diz que ela não é uma dessas pessoas. — Além do
mais, beleza é só um padrão imposto pela sociedade, o que importa é o que
você tem por dentro, as coisas boas que faz pro mundo.
— Você é tão nerd — declaro e Catherine sorri, como se eu acabasse
de elogiá-la. Algo me diz que é exatamente isso que ela entendeu.
— Então, tá pronto?
— Aonde vamos?
— Fazer uma nerdice... algo do tipo — ela responde, toda pensativa.
— Algo me diz que vou me arrepender.
— Não seja dramático.
Sem me dar muitas explicações, Catherine me leva até o
estacionamento e me repreende toda vez que faço algum comentário
sarcástico ou a acuso de estar tentando me sequestrar.
— Olha, se eu quisesse sequestrar alguém seria o George Clooney.
— Quer dizer que você gosta dos mais velhos? — provoco, seguindo-
a por cima das faixas amarelas do chão, que demarcam as vagas de
estacionamento.
— Não, mas pra ele eu abriria uma exceção — ela responde sem
preâmbulos, encostando-se em um carro pequeno e estranho.
— Não me diga que essa coisinha minúscula é o seu carro. —
Aproximo-me do carro pequeno e ecológico.
— Claro que não, eu jamais dirigiria um híbrido. Esse é o carro da
Miranda.
— Então você prefere carros de verdade? — pergunto e ela grunhe.
— Se por carro de verdade você quer dizer um automóvel totalmente
elétrico e sem poluentes, então a resposta é sim.
— Não vejo nada assim por aqui. — Olho ao redor.
— É porque não venho de carro.
— Como você vem trabalhar então?
— Caminhando ou de bicicleta.
— Então mora perto?
Ela assente, começando a tirar a fivela do sapato de salto alto.
— O que está fazendo, Catherine?
— Improvisando. — Ela tira os dois sapatos e coloca os pés no chão.
— Vamos, é sua vez.
— Eu não vou tirar meus sapatos nesse lugar imundo.
— Você é tão mimado, tira logo esses sapatos, Landon — ela manda e
eu acabo fazendo exatamente o que ela quer só para que não fique me
atormentando.
— Diabinha — resmungo, mas ela não dá nem bola.
— Agora sim — Catherine crispa quando finalmente estou com os
pés no chão. — Vamos caminhar de olhos fechados.
Ela me puxa e nós nos afastamos um pouco do carro estranho da sua
amiga advogada.
— O que é isso? Um ritual maluco para mexer com a minha
imunidade?
— Você é tão chato, só fecha os olhos e caminha.
Catherine espera, mas eu aceno para que ela faça isso primeiro. Com
um suspiro exagerado, ela fecha os olhos e começa a caminhar.
— Sua vez, vamos lá — me instiga, toda animada.
— Droga, você é tão estranha.
— Viva o momento, Landon, esqueça o resto e relaxe.
— Ah, claro. — Começo a andar de olhos fechados bem no meio do
estacionamento da empresa da minha família, sentindo-me um idiota
completo. — Porque andar de pés descalços no chão frio e sujo vai ser
muito relaxante mesmo — ironizo.
— Funcionou para o Richard Gere e pra Julia Roberts.
— Como é? — estaco no lugar e encontro o semblante carrancudo da
minha secretária.
— No filme Uma Linda Mulher... funcionou.
— Isso porque eles estavam na porcaria de um parque, pisando na
grama.
— E você está vendo grama em algum lugar aqui? — ela retruca. —
Às vezes precisamos improvisar.
— Você ainda vai me enlouquecer — resmungo, pegando Catherine
pela mão e a puxando na direção do meu carro. — Já que vamos fazer a
porcaria da cena do filme, vamos fazer direito.
— Por mim tudo bem.
Landon dirige por algum tempo em completo silêncio, então me
concentro em olhar para fora da janela. O outono é a melhor época de São
Francisco. Sem a neblina que costuma cobrir toda a baía durante o verão, no
outono, o sol consegue deixar os dias lindos e propícios para um passeio no
meio do dia.
Sem contar que há pelo menos duas semanas de calor que deixam
tudo ainda melhor, claro.
— Pra onde estamos indo? — pergunto, quando vejo Landon tomar a
direção do bairro latino, o Mission.
— Você vai ver — ele responde todo misterioso.
— Ok. Eu gosto de um pouco de mistério.
Não levo muito tempo para entender para onde estamos indo. O bairro
Mission é um dos mais animados hoje em dia e nele tem um dos melhores
locais para quem gosta de fazer piquenique ou passar algumas horas ao ar
livre.
Landon estaciona o carro e abre a porta para mim, num gesto natural
que me surpreende um pouco. Para um ogro rabugento, isso é muito doce.
— Agora sim, senhorita vou fazer a cena do filme no estacionamento.
— Não seja melodramático — repreendo e ele sorri, pegando-me pela
mão e me puxando na direção do parque.
O Dolores Park é grande e cheio de vida, o dia ensolarado deixa o
gramado ainda mais brilhante e o cheiro de verde preenche todo meu peito.
Assim que piso sobre a grama, tiro meus sapatos e fecho os olhos,
aspirando bem forte o frescor do dia.
— Você tem razão — falo, ainda de olhos fechados.
— Isso é novidade — ele provoca, me fazendo abrir os olhos e o
pegando de pés descalços na grama, os olhos também fechados. — Mas
você também tem razão, Catherine, isso é mesmo bom.
— Eu sei. — Volto a fechar os olhos.
Nós ficamos parados sobre a grama por um bom tempo, nada precisa
ser dito, a natureza é o bastante para acabar com a tensão e o estresse. É tão
gostoso estar assim, no meio do dia, nem posso acreditar que ele topou e
que está mesmo curtindo.
— Acho que deveríamos implementar o dia da grama na empresa —
falo, abrindo meus olhos e acabando com a tranquilidade do meu chefe.
— Ah, é? E como seria isso?
— Todos seríamos obrigados a trabalhar no parque uma vez por
semana.
— Seria uma bagunça.
— Talvez da primeira vez, mas depois as pessoas se acostumariam. —
Dou de ombros.
Landon fica me observando por um momento, então ele suspira e
acena de um lado para o outro, incrédulo.
— Estou falando sério — resmungo e ele assente.
— Eu notei.
— Pense no benefício que isso traria para a saúde dos funcionários.
Principalmente pra saúde mental.
— Isso se as pessoas não acabassem se distraindo mais do que
trabalhando, seria uma perda de produtividade.
— Você sabe que as pessoas se distraem em qualquer lugar, não sabe?
— pergunto, sentando-me sobre a grama sequinha e apreciando a vida que
corre plena pelo parque.
— Mas em um ambiente delimitado é mais fácil de controlar as
distrações. — Ele se senta ao meu lado. — Sem contar que toda vez que
alguém precisasse pegar um relatório impresso ou uma caneta, seria um
caos.
— Só pra esclarecer... toda vez que você grita como se o mundo
estivesse acabando, você eleva o nível de distração no andar inteiro, sem
contar o estresse.
— Eu nem grito tanto assim, quem está sendo melodramática agora?
Viro-me para Landon e algo na expressão dele me faz pensar que ele
está sendo condescendente. Isso é um pouco irritante. É mais uma das
coisas que tanto me irritam no meu chefe.
— Você tem uma visão distorcida de si mesmo — declaro, rabugenta.
— Como é?
— As pessoas morrem de medo de você no escritório.
— Não vejo motivos pra isso.
— Não? Você tá falando sério mesmo?
— É claro, Catherine. Eu faço meu trabalho e a única coisa que exijo
é que os outros façam o seu corretamente.
Jogo as mãos para o alto e solto um grunhido.
— O que você faz é atropelar todo mundo como se fosse um
caminhão sem freio, pronto, falei. Tô até aliviada.
Landon bufa.
— De qualquer maneira, as coisas vão continuar exatamente como
estão.
Alguns dias depois
— Não acredito que você me convenceu — reclamo pela terceira vez,
quando vejo Catherine agitando as coisas no escritório.
— Me agradeça depois, agora estou ocupada — ela responde com sua
habitual malcriação.
— Diabinha.
— Vamos lá, gente, sem tumulto. Vamos provar pro chefe que somos
bons em adversidades. — Ela anda de um lado para o outro no escritório.
— Não esqueçam dos seus laptops, agendas e o que mais precisarem pra
trabalhar.
— Meu Deus, Cathy, esse suspense tá me matando — Miranda fala,
toda sorridente.
Catherine pisca e sorri para a colega de trabalho, as duas agem como
se já se conhecessem há séculos.
— Protetor solar, água, mantas... — Catherine repassa sua listinha. —
Ah, não posso esquecer os sanduíches e o café.
— Quer dizer que meus funcionários podem tomar quanto café
quiserem, mas eu não?
Intercepto Catherine antes de ela escapar na direção da copa.
— Seus funcionários não parecem prestes a ter um infarte por estresse
e ansiedade — ela sussurra, os olhos afiados focando-se nos meus. — Mas
não se preocupe, separei uma garrafa inteira de suco pra você.
Catherine caminha para a copa e pouco antes de sumir lá dentro, ela
se vira para mim e para os funcionários. Como se esperando que sua
pequena e espevitada general dê as ordens, todos se viram pra ela em
silêncio.
— Não esqueçam de ir ao banheiro, vamos passar a tarde fora.
Ela se some por um momento e quando me viro para voltar ao
escritório, encontro Alexander parado na frente da minha porta.
— Seja o que for, o seguro cobre — declaro e ele sorri.
— Não vim reclamar, só checando — responde misterioso.
— Checando?
— Ah, você não sabe?
Nego com um meneio.
— Não se fala em outra coisa no prédio inteiro. Todo mundo está...
surpreso.
— Por que vamos trabalhar externamente?
— Porque você, o terror das secretárias, é justamente quem está
levando todos pra fazer algo diferente.
— Não se anime, isso é coisa dela, não minha — resmungo, indo
pegar meu casaco e minhas próprias coisas.
— Imaginei que fosse. — Ele descruza os braços e entra na sala. —
Mas você permitiu, então, acho que em parte você também merece o
crédito.
— Eu não tive escolha, ela me chantageou — reclamo e Alexander
aperta os olhos, desconfiado. — Decidiu que ou vamos todos trabalhar no
parque ou que ela passaria o dia todo falando aos meus contatos que estou
internado entre a vida e a morte por causa de um tumor cerebral causado
por excesso de cortisol.
O responsável por colocar a diabinha na minha vida começa a rir.
— E você cedeu?
— Ela sabe como infernizar. Há pouco tempo apareceu com uma
barriga falsa e disse pra minha ex que vamos nos casar.
Ele gargalha mais alto.
— Sabe, eu o conheço há muito tempo e tenho que admitir que nunca
vi ninguém lidar com você como ela faz.
— Isso porque não posso demiti-la.
— Você pode, mas teria que tirar um longo ano sabático.
— É, é, ou seja, vamos trabalhar na porcaria do Dolores Park.
— Pense pelo lado positivo, todo mundo parece animado com isso.
— Vai ser um inferno, isso sim.
— É uma experiência, pode dar certo ou dar errado.
— Se der errado, pelo menos ela vai me deixar em paz, mas se der
certo... — Saio do escritório. — Nunca mais saberei o que essa palavra
significa.
— Ela parece uma professora do jardim de infância, preparando as
crianças pra um passeio escolar.
Meus olhos seguem os de Alexander e eu a vejo, zanzando animada e
com as mãos cheias de coisa.
— Você estava certo — falo. — Todos a amam.
Por incrível que pareça, trabalhar no Dolores Park foi uma boa
decisão. Quando a van locada pela empresa parou perto do parque e todos
começaram a descer, pude sentir a aura ao redor mudar completamente.
O dia ensolarado e o clima ameno também têm parte nisso.
Catherine ajudou os funcionários a se acomodarem sobre mantas e até
abriu alguns guarda-sóis que nem sei de onde vieram. Provavelmente
comprados com o cartão corporativo, ou seja, eu vou pagar a conta. Minha
empresa vai pagar a conta.
Depois que me acomodei e coloquei fones de ouvido, consegui
começar a trabalhar nos últimos relatórios financeiros. Não vou mentir
porque não faço o tipo que engana a si mesmo, o lugar é inspirador e
criatividade é sempre bem-vinda no trabalho.
Durante as horas seguintes, minha secretária virou secretária de todos
e ela se encarregou pessoalmente de abastecer copos de água, café e
fornecer sanduíches pra todos. Quando finalmente atende ao último
funcionário, ela vem toda serelepe pra perto de mim.
— Um suco geladinho e um sanduíche de tofu pra vossa majestade —
diz, sentando-se ao meu lado na manta.
— Você nunca cansa?
— Não, tenho um bom condicionamento e sempre gostei de pessoas
— responde.
— Estou falando de me provocar, Catherine.
— Também não me canso disso, é meu novo passatempo.
— Eu deveria demiti-la.
— Você já tentou isso, lembra?
— É verdade — resmungo e ela sorri daquele jeito caloroso que seria
capaz de derreter a calota polar.
Sem nenhuma crise ou caos, tenho que admitir que o experimento de
Catherine não causou nenhum dano ao dia. Todo mundo focou em trabalhar,
fazendo pequenas pausas para se esticar e apreciar o dia.
E ninguém teve medo de vir falar comigo, tirando dúvidas e trazendo
sugestões. Foi interessante, para dizer o mínimo.
Quando o final do dia começa a tecer tons de laranja no céu e uma
brisa mais fria balança os cabelos de Catherine, sinto um nó se afrouxar na
minha garganta. Ela está ao telefone, providenciando a volta para o
escritório e sorrindo.
Ela sempre está sorrindo, como se curvar seus lindos lábios fosse um
pré-requisito para o cargo.
Não leva nem quinze minutos para que todos estejam prontos e
esperando enquanto a van estaciona perto da calçada.
— Ótima ideia, hein, senhor Scott — um dos contadores diz enquanto
entra no transporte. Nem lembro o nome do sujeito direito.
— Obrigada por esse dia maravilhoso, senhor Scott — outra pessoa
fala.
— Quando faremos isso de novo, chefe? — Miranda, com quem já
estou muito mais familiarizado por causa de Catherine, pergunta.
— Em breve... — respondo, sem ter realmente ideia do que dizer.
— Todos adoram você — Catherine declara ao se juntar a mim,
ouvindo os agradecimentos.
— Eles gostam é de você.
A secretária coloca as duas mãos na cintura e me encara com aquele
seu ar implicante.
— Aceite os créditos, sem você nada disso seria possível.
— Tudo bem, eles me amam então.
Sorrindo, Catherine se senta e escorrega para o lado.
— Vamos, chefe?
Suspirando, entro na van e puxo a porta, sentindo-me estranhamente
apertado no espaço pequeno e sendo envolvido pelo perfume suave da
diabinha.
— Se continuar assim, logo todos vão mesmo amar você — minha
secretária sussurra no meu ouvido, mandando uma onda de eletricidade por
todo meu corpo.
— Ou vão acabar me mandando para um hospício.
— Bom, nesse caso, não está muito longe pra isso — ela retruca,
rindo.
— Diabinha, diabinha, você vai pagar por isso.
É interessante como aquela expressão “depois da tempestade vem a
bonança” também funciona no sentido contrário.
Depois de um dia de trabalho maravilhoso no parque e de todo mundo
na empresa estar comentando sobre como Landon está mais calmo, ele
simplesmente desanda em grande estilo.
E é preciso de apenas cinco minutos ao telefone para isso. Ele
simplesmente explode, gritando com qualquer um que ouse passar perto da
sua porta. Nem me arrisco a levar seu suco, ou ele vai acabar me
despachando dessa para uma melhor, no caso, vai acabar me demitindo.
— Catherine, venha aqui agora mesmo. — Ele berra lá de dentro e a
única coisa que vejo é uma porção de cabeças espiando na minha direção.
Suspirando, eu caminho sem pressa até o escritório.
— Entre e feche a merda da porta.
— Você prometeu não gritar antes do meio-dia — declaro quando
entro na sala dele. — Isso faz mal...
— É, é, faz mal pro seu chi, já sei — ele retruca, rangendo os dentes
numa expressão de tormento.
— Primeiro que eu não tenho culpa do que quer que esteja te
perturbando e, segundo que isso acaba com o equilíbrio do andar inteiro,
deixa todo mundo tenso e ninguém produz direito.
— Você se acha tão esperta, não é? — ele me acusa. — Até parece
que sabe mais de negócios do que eu e, no entanto, eu sou seu chefe e você
é a minha secretária.
— Exatamente, sou sua secretária e não a porcaria do terapeuta.
Ninguém está me pagando pra aguentar seus surtos e não tem chi que
aguente.
Como se acabasse de se dar conta de algo, ele respira fundo e solta o
ar dos pulmões com força.
— Tá vendo, até eu já estou surtando — resmungo enquanto
massageio minhas têmporas.
Vencido pelo tom de reprimenda da minha resposta, ele simplesmente
deixa que as coisas saiam.
— Minha ex está me processando por abandono emocional — admite,
indo se sentar no seu lugar e esfregando o rosto de um jeito cansado. — Ela
não vai desistir.
— E o que ela quer? Mais dinheiro? — pergunto, sentando-me na
frente dele e esperando com paciência.
— Já ofereci isso.
— Então ela só está querendo atenção?
— Exatamente.
— Tudo bem, vamos dar o que ela quer. — Dou de ombros,
começando a pensar no que faremos. — Acho que tenho uma ideia, mas
não sei se você vai gostar.
— O que tem em mente?
— Um furo de reportagem.
— Não, não mesmo.
— Vamos lá, Landon, todo mundo sabe que você é um recluso que
nunca dá entrevistas, talvez a gente possa vazar uma nota pra imprensa e
jogar a confusão pro colo dela.
— Ela só vai acabar virando todo mundo contra mim, Catherine,
aquela mulher é uma vitimista de marca maior.
Suspiro e penso.
— Tudo bem, sem matérias sensacionalistas então.
— Meu advogado vai anexar ao processo as provas da traição — ele
admite e seus olhos se espremem de um jeito triste.
— Sinto muito — solto sem pensar, me compadecendo do que ele
passou na mão da mulher com quem deveria passar o resto dos seus dias e
viver uma linda história de amor, isso se a vida fosse perfeita, com finais
felizes em todas as vezes.
Mas nós sabemos que as coisas não são assim e finais felizes são mais
raros do que finais de merda onde você acaba matando a pessoa que ama e
entrando em guerra com a vida e o mundo.
Enfim...
— Talvez isso resolva, mas se não foi pra começar uma guerra com a
sua ex que você me chamou aqui, o que é? — pergunto, afastando os
pensamentos que dizem respeito mais a mim e a minha dor do que a
respeito de Landon.
— Preciso que saia pra comprar um presente de aniversário pra minha
avó. Ela vai fazer oitenta anos em uma semana.
— Sua avó vai fazer oitenta anos e você quer mandar uma estranha
comprar um presente pra ela? — Encaro-o, sem conseguir acreditar numa
coisa dessas.
— Você não é uma estranha, Catherine, você é minha secretária.
— Não, nem vem com essa. Vamos. — Levanto-me, chamando-o. —
Anda, vamos lá. Eu posso até ajudar na escolha, mas quem vai comprar é
você.
— Não posso sair, tenho uma reunião.
— Não tem, não. Quando você começou a gritar, eu reagendei todos
os seus compromissos.
— Sem a minha autorização? — Ele aperta os olhos, irritado.
— Sou a sua secretária, lembra? Eu faço o que bem entendo com a
sua agenda, é pra isso que sou paga.
Indignado, Landon se levanta e pega a parte de cima do terno.
— Tudo bem, diabinha, vamos comprar o presente.
— Achei que teria que arrastar você — declaro, saindo da sala numa
corridinha. — Espera só um pouco, vou pegar minha bolsa e avisar na
recepção que estamos saindo.
Não espero por ele, simplesmente pego o telefone e aviso a
recepcionista. Ao mesmo tempo em que falo com ela, já vou vestindo meu
casaco, pegando a minha bolsa e dou início ao processo de desligamento do
computador. Termino tudo e dou de cara com uma expressão quase
diabólica do meu chefe.
— Tudo bem, mas saiba que vamos passar em uma cafeteria antes. Se
tenho que passar a próxima hora comprando coisas com você, vou fazer
isso com um copo grande de café sem açúcar.
— Você precisa arrumar um grupo de apoio, isso já virou um vício.
Landon estala a língua e me segue corredor afora.
— Falou a senhorita vida natural, mas que gosta de comer carne.
— Como você sabe que eu como carne? — Paro diante dele, surpresa
com essa novidade.
— Porque toda vez que você me traz sanduíche de tofu você faz uma
cara feia que só um carnívoro faria.
Suspiro, vencida.
— Sou uma vegana não praticante, o que posso fazer? — Dou de
ombros. — Pelo menos eu compenso reciclando o lixo, e comendo muita
salada. Além do mais, quase não tomo café e não poluo o meio ambiente
com um carro emissor de gases fedorentos.
— Você sempre tem resposta pra tudo? — ele reclama enquanto dou
um tchauzinho de relance para a recepcionista.
— Não, mas quase sempre. É o mal de ser um gênio.
— Ah, claro, agora você é um gênio? — ele soa um pouco mais
arrogante do que eu estou acostumada e isso é irritante pra caramba.
— Para o seu governo eu sou mesmo. Meu QI é de 189, mais do que
o do Einstein, se quer saber.
A porta do elevador se abre e nós dois entramos. Eu, emburrada, e
Landon com a cara de quem está prestes a dizer algo que vai me irritar
profundamente. Se ele pensa que vai me infernizar nesse elevador, está bem
enganado, eu não costumo deixar barato.
— Me diga uma coisa, Catherine, o que um gênio como você faz
trabalhando como minha secretária?
Viro-me bem séria para ele.
— Essa é a pergunta de um zilhão de dólares, senhor Scott —
devolvo, com deboche.
— Falei sério. — Ele aperta o botão que nos leva para o
estacionamento.
— Eu também.
Depois de ver Landon comprar um copo enorme com café puro e
amargo, eu peço um chá gelado e nós seguimos para um shopping próximo.
Ele está calado, mas não parece chateado com o fato de eu praticamente
obrigá-lo a sair para comprar um presente para a avó.
Até porque é a única coisa que faz sentido. A avó é uma das pessoas
mais importantes de uma família, ela merece se sentir assim. Bom, foi
assim que eu aprendi com a criação dos meus pais. Sempre devemos
valorizar quem amamos.
Nós zanzamos pelo shopping inteiro e o meu chefe bebedor de café
compulsivo não encontrou nenhum presente que, segundo ele, combinasse
com o temperamento e a inteligência da avó.
Então eu tomo a decisão inusitada de nos levar a uma feira hippie que
está acontecendo há alguns quilômetros de onde trabalhamos.
A princípio, Landon resmunga bastante, mas conforme começamos a
andar pelas fileiras de peças diferentonas e artesanais, ele começa a relaxar.
— Olha isso aqui, Landon — falo, mostrando uma manta de lã com
motivo de luas e bananas.
— O que é essa coisa? — ele resmunga, sentindo os pontos feitos à
mão.
— É pra cama.
— É terrível — ele retruca.
— Isso porque você não gosta de nada que tenha cor ou vida — falo,
mas a verdade é que a manta é meio estranha mesmo. Quem coloca bananas
ao lado de luas?
— É isso que você pensa de mim? — ele pergunta, com uma
expressão consternada.
— É o que você passa pra todo mundo que o conhece.
— Você não sabe nada sobre mim — ele resmunga.
— Você pode ter razão. — Dou de ombros porque isso é verdade. Eu
não sei nada sobre ele ou sobre seus gostos. — Mas você tem que admitir
que pode ser um pouco tenso, ou melhor, muito tenso.
— Nem sempre — ele discorda, me fazendo percorrer seu rosto com
meus olhos, em busca de alguma informação escondida. — Não
me olhe assim, eu posso ser divertido. — Ele arqueia as sobrancelhas.
— Sei.
— Posso ser relaxado.
— Se você diz... — provoco e ele bufa.
— Você vai ver.
Assim que termina de falar, Landon sai marchando no meio do
corredor de bancas. Há todo tipo de coisa nesse lugar, de antiguidades
baratas a coisas bizarras e até delicados trabalhos manuais que combinam
com personalidades coloridas e intensas.
Sigo atrás dele.
— Tudo bem, prove que pode ser relaxado e eu paro de implicar com
seu café amargo.
— Isso é um desafio?
— Pode apostar, chefe — falo pouco antes de estender a mão para que
ele aperte.
— Vou acabar com você, diabinha — ele declara, abrindo um sorriso
mordaz e competitivo.
É claro que ele vai levar esse desafio para o seu lado empresário que
gosta de vencer. Imagina só se um homem como ele aceitaria o desafio com
o objetivo de se divertir, pura e simplesmente.
Landon continua andando, dessa vez com um semblante todo cheio de
si.
— Prepare-se, você será destroçada — ele declara, ao parar em frente
a uma banca de chapéus e experimentar uma sobre a cabeleira escura.
— Você é bem arrogante, já está achando que vai me vencer e nem
começamos ainda. — Aponto meu indicador, tentando conter o meu próprio
lado competitivo. O mesmo que quer acabar com ele e ficar com toda a
glória.
Tudo bem, mesmo sendo competitivo e um pouco, ou muito, cheio de
si, Landon consegue ser uma companhia muito agradável e divertida.
Depois de finalmente relaxar e entrar na proposta da nossa saída, ele
realmente se entrega à busca pelo presente perfeito.
Nós passamos as duas horas seguintes rindo ao experimentarmos as
coisas mais aleatórias como uma boina dos anos 1960, um casaco marrom
de franjas cheirando a poeira, sei lá de que época, e um tipo de capacete
antiabdução alienígena.
Tenho que admitir que não é a pior tarde da minha vida, pelo
contrário, Landon é realmente divertido e pode ser muito charmoso, mesmo
que nem perceba.
Lindo, sexy, com um olhar astuto e um queixo onde eu poderia me
perder. É uma combinação difícil de lidar.
— Acho que encontrei — ele fala, todo animado.
— E o que é?
— Um disco de vinil.
— De quem?
— Beatles.
— Hum... boa escolha.
Landon arqueia as sobrancelhas e me olha de um jeito bem profundo.
— Melhor do que uma pulseira de diamantes?
— Não me diga que é isso que você costuma dar pra sua avó —
reclamo, cruzando meus braços.
— Que mulher não gosta de ganhar diamantes, Catherine?
— Todas que têm dinheiro suficiente pra comprar seus próprios
diamantes — retruco. — Presente tem que ser pensado. Do contrário, se
torna só uma formalidade sem importância.
— Pensado? — ele pergunta enquanto paga pelo disco.
— É, se você vai dar um presente para alguém especial, a pessoa
precisa sentir que você tá fazendo isso com carinho. O presente serve pra
mostrar que você pensou nela, que se preocupou em dar algo que a fará
lembrar do sentimento que ambos têm.
— Até que faz sentido.
— É claro que faz.
Assim que abro a porta da casa da minha avó, sou arrebatado pelo
perfume das flores que ficam em um aparador não muito longe do armário
de casacos.
Na minha família, nós raramente esperamos o dia do aniversário para
dar o presente, ainda mais porque minha avó é dada a festas enormes,
regadas a muito barulho e gente e nessas ocasiões é bem difícil conseguir
um momento de paz para falar com ela.
Diferente de mim, que prefiro uma vida reservada e sem fotógrafos ou
qualquer tipo de agitação, minha avó lida bem com a sociedade e é adorada
pela maior parte das pessoas que conhece.
Minha ex amava o glamour desses momentos e sempre que podia
tentava nos colocar em capas de colunas sociais, outro motivo pelo qual
passávamos a maior parte do tempo brigados. Algo me diz que toda a
insistência dela, hoje em dia, é mais por falta de fazer parte da poderosa
família Scott do que de fato do que tínhamos.
No começo eu pensei que o que havia entre nós era especial, que
fôssemos sintonizados e perfeitos um para o outro, mas a dura realidade das
nossas diferenças me acertou um tapa bem no meio da cara quando percebi
que não era nada disso.
Não foi só o que ela fez no final, foi todo o conjunto de coisas, das
traições até a necessidade de estar sempre na mídia. E, por fim, ela decidiu
que não teríamos a nossa família e fez o que bem queria, selando o nosso
casamento como um fracasso total ao tomar, sozinha, a decisão de
interromper a gravidez.
Perdi meu filho naquele momento, perdi a mulher que eu amava e
com quem achei que passaria o resto da minha vida.
Tudo o que eu menos preciso é de uma festa de aniversário grande e
agitada como só a minha avó sabe fazer.
— Querido, você chegou tão cedo — a minha avó diz, ao me
encontrar parado no hall de entrada. — O que foi, Landon, congelou aí?
— Vovó — falo, indo até a mulher que praticamente me ensinou a ser
quem eu sou, que cuidou de mim e da minha irmã depois que nossos pais se
foram.
— Como você está, meu menino?
Passo meus braços ao redor dela e a iço do chão.
— Trouxe seu presente — respondo, puxando o embrulho de dentro
da minha pasta e entregando para as mãos bem cuidadas dela.
— Sem joias esse ano? — pergunta, com um tom de divertimento na
voz.
— Alguém me disse que o presente precisa ser escolhido com muita
atenção. Quem tem que ser muito pensado.
Minha avó abre o embrulho e encontra o disco dos Beatles, ela analisa
a embalagem com cuidado e então sorri.
— Esse eu ainda não tinha — diz, erguendo os olhos vivos e fortes
pra mim. — Seja quem for que disse isso, tem toda razão.
— Mesmo sendo um disco velho? — pergunto, com as sobrancelhas
curvadas.
— Meu querido, são os Beatles — ela responde como se isso
explicasse tudo e me abraçando outra vez. — Vamos ao escritório ouvi-lo.
Sigo minha avó até seu escritório e ela segue direto para uma antiga
vitrola, que cuida como se fosse um bem muito precioso.
Quando ela coloca o disco de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band
e posiciona a agulha, não leva muito tempo para que Lucy in the sky with
diamonds encha o ambiente todo com sua melodia.
Imagine-se em um barco num rio
Com árvores de tangerina e céus de marmelada
Alguém lhe chama, você responde lentamente
Uma garota com olhos de caleidoscópio
Flores de celofane amarelas e verdes
Crescendo por sobre sua cabeça
Procure a menina com o sol em seus olhos
E ela se foi
Lucy no céu com diamantes
Lucy no céu com diamantes
Lucy no céu com diamantes
— E, no fim, você me deu um belo diamante — vovó conclui quando
a música ganha o refrão e começa a pulsar. — Adorei o presente, querido,
obrigada.
Depois que Edith, uma das empregadas da casa, nos serve café, minha
avó fica em silêncio por algum tempo, terminando de apreciar as músicas
do disco. Não imaginei que ela pudesse gostar tanto de receber um presente,
ainda mais que é algo bem velho, comprado em uma feira de rua.
Catherine é uma verdadeira bagunça caótica, mas ela tem razão, um
presente pensado demonstra muito mais do que qualquer pulseira ou anel de
diamantes. E é mesmo muito bom ver minha avó de olhos fechados,
apreciando as melodias da sua banda favorita.
— Aquela diabinha estava certa — solto, quebrando o silêncio e
fazendo minha avó me olhar de forma inquisitiva.
— Quem?
— Catherine Pierce, a minha secretária.
— Então ela é a responsável por isso?
— Por isso e por quase me enlouquecer. — Solto o ar dos meus
pulmões com força. — A senhora vai adorá-la.
— Aposto que sim — ela diz. — E vamos providenciar que isso
aconteça no meu aniversário.
Surpreendendo-me, minha avó abre um sorriso leve ao sair do seu
lugar na mesa e me puxar para um sofá de leitura perto das grandes janelas
que dão para o jardim. Ela empurra o exemplar que provavelmente andou
lendo e nós nos sentamos.
— Quero você no meu aniversário, Landon.
— A senhora sabe que eu detesto festas — tento argumentar, mas
minha avó segura na minha mão com um jeito terno e decidido.
— Eu sei, mas estou fazendo oitenta anos, quantos momentos assim
ainda terei para comemorar com a minha família?
— Muitos — resmungo porque odeio quando ela fala desse jeito.
— Você pode fazer uma exceção por mim? Eu quero que você e sua
irmã estejam aqui. É importante pra mim.
— Tudo bem, vovó. Eu virei ao seu aniversário.
— Ótimo e traga sua secretária, mal posso esperar pra conhecer a
garota que botou você nos eixos.
— Vovó! — reclamo, mas ela gargalha.
— Vamos, você tem que concordar que não é qualquer mulher que
troca seu café por suco e você não a demite.
— Demiti-la seria o mesmo que me demitir, a senhora deixou isso
bem claro.
— É tudo pro seu bem, querido — ela diz, com um sorriso travesso
que não me convence nem um pouco.

Catherine está estranhamente quieta hoje.


Não me deu nem uma única resposta afiada, nem sequer discutiu
quando pedi café e não resmungou do meu sanduíche de tofu. Ela
simplesmente me entregou o que pedi e saiu das minhas vistas assim que
pôde.
Espero por um longo tempo para que ela volte a ser o furacão de
sempre, mas isso não acontece e antes do meio da tarde, já estou
formulando um monte de teorias sobre o que pode estar incomodando-a.
— Catherine, venha aqui, por favor — peço por telefone e ela ergue
os olhos da sua mesa e me lança um olhar cansado.
— Sim, precisa de alguma coisa? — pergunta ao entrar na sala.
Percebo que ela está contorcendo os dedos de um jeito nervoso, mas
não parece nem um pouco tentada a me contar o que tem de errado.
— Minha avó quer que você vá ao aniversário dela.
— Eu? Mas... por quê? — Ela dá alguns passos na minha direção.
— Porque gostou do presente que compramos juntos — conto uma
meia verdade.
Catherine suspira.
— Acho que não é uma boa ideia — diz. — Eu... não gosto muito
dessas coisas.
— Ótimo, assim eu não serei o único que vai odiar estar no meio
daquela gente.
Apesar dos ares soturnos, ela está mais bonita do que nunca, usando
um conjunto de terninho rosa escuro e com uma blusa preta que a envolve
em um abraço sensual. Algo me diz que qualquer coisa que ela usar a fará
ficar absolutamente linda.
— Você está bem? — pergunto ao notar o olhar triste que ela sustenta.
— Estou, mas obrigada por perguntar. Você precisa de algo mais?
— Não, tudo bem.
— Com licença.
Definitivamente tem algo acontecendo. Sei que Catherine está na
minha vida há pouco tempo, mas já a conheço o suficiente para saber que
essa não é ela.
Essa versão quieta que não me responde quando pode e que me traz
exatamente o que eu peço não é normal.
O que é que está acontecendo?
Quatro anos antes
Aperto minhas mãos no colo enquanto espero que o médico retire os
olhos do computador e foque em nós.
Sentindo minha perna tremendo por conta própria, por causa do
nervosismo, Adam coloca sua mão sobre as minhas e me dá um leve aperto.
Ergo meus olhos e vejo o sorriso doce do homem que amo. Ele está
me consolando, mas quem deveria tentar confortá-lo sou eu. É ele quem
precisa de apoio, mas é justamente o contrário que está acontecendo.
— Vai ficar tudo bem — ele balbucia sem emitir nem um único som.
Assinto, mas a dor que me corta o coração é como um presságio que
não me deixa respirar com tranquilidade. Eu sei que tem algo errado com
ele, mas não sei como ser forte e apoiá-lo.
Vai ficar tudo bem. Repito para mim mesma.
Mesmo que os sintomas de Adam me digam que tem algo errado,
quero acreditar que vai ficar mesmo tudo bem como ele insiste em dizer,
que não é nada além de excesso de trabalho e falta de férias. Nós vamos
passar por isso juntos e seguir nossa vida adiante.
Assim que o médico tira os olhos da tela e foca em nós, eu sei que
não é isso que vai acontecer.
— Sinto muito, Adam, mas a tomografia confirmou nossas suspeitas.
— Suspeitas? — pergunto para Adam e pelo olhar dele, percebo que
ele e o médico já tinham ideia do que está acontecendo. — O que é?
— Calma, Cathy, deixa o médico falar.
Assinto e volto minha atenção para o homem grisalho à nossa frente.
— Doença de Huntington — o médico fala, martelando minha
esperança com uma força brutal.
— O quê? — pergunto, sentindo o ar fugindo dos meus pulmões. —
Mas é tão rara... como é possível?
— Na tomografia pudemos perceber um avanço significativo da
degeneração dos gânglios basais.
— Avançado quanto, doutor? — Adam pergunta com a voz calma.
— Mais do que eu esperaria em alguém tão jovem e saudável.
Levanto da cadeira, tomada por uma sensação desesperadora e brutal.
Não posso acreditar que isso está acontecendo.
— É uma doença incurável — Adam declara, pensativo, então se vira
pra mim e sinto todo meu mundo ruir quando dou de cara com a expressão
triste do homem que amo. — Você está bem, Cathy?
— Como você pode estar preocupado comigo agora? — pergunto,
numa confusão caótica que não sei bem como lidar. Meu coração espanca o
peito e explode em batidas altas nos meus ouvidos.
Não posso perder Adam. Não posso.
— Não vamos nos desesperar, o Adam é jovem e temos muitas
alternativas de tratamentos.
— Tratamentos paliativos? — pergunto com a voz áspera.
— Infelizmente sim, Huntington não tem cura, mas sempre podemos
tornar sua...
— Temos que fazer um exame genético, esse pode ser um resultado
incorreto — interrompo o médico. — Vamos providenciar um mapeamento.
— O médico não tá errado, Cathy — Adam se levanta e vem até mim.
— Ele não tá errado, querida.
— Não posso perder você, Adam — sussurro quando ele passa os
braços ao meu redor.
— Você não vai me perder.
Respiro fundo e me sento outra vez.
— Tudo bem, o que faremos?
— Vamos fazer mais alguns exames e providenciar uma medicação
que vai ajudar com os sintomas.
— Quanto tempo eu tenho, doutor? — Adam pergunta ao se sentar do
meu lado. Ele pega a minha mão.
— Não tem como precisar isso.
— Eu quero um número — o homem que amo pede, mas o médico
solta um suspiro pesado. — Quanto tempo até os piores sintomas como
demência, por exemplo?
— Geralmente de doze a treze anos, mas no seu caso, a degeneração
está bem avançada.
Coloco a mão no meu peito e me obrigo a respirar devagar, enquanto
uma onda de adrenalina me faz perder o controle. Tudo vai ficando
embaçado e eu forço mais minha recuperação.
— Respira devagar, Cathy, nós estamos bem — Adam sussurra e eu
sinto sua mão na minha, me trazendo de volta.
— Vamos achar algo, eu sei que vamos — declaro, controlando a
vontade de chorar. — Vou achar algo.
E, assim, eu decido que minha vida a partir de agora não será mais
dedicada às pesquisas do câncer como inicialmente planejamos. Meu foco
agora será salvar o homem com quem planejo passar o resto dos meus dias.
Não vou perder Adam.
Não vou desistir.
O que é que estou fazendo aqui? Penso comigo mesmo quando abro o
portão e entro. Hoje quando cheguei no trabalho e não encontrei Catherine,
Miranda me disse que ela ligou e avisou que estava doente.
Tecnicamente, eu não deveria estar aqui, mas depois que vi a
expressão estranha no rosto da advogada e nova amiga da minha secretária,
percebi que algo realmente está acontecendo. Ela sabe de alguma coisa, mas
pelo jeito não quis me contar.
Nos últimos dois dias, Catherine se distanciou e se calou, o que
deveria ser bom pra caralho se considerar que ela quase me enlouquece toda
vez que abre aquela boca perfeita. Mas não, eu não pude deixar para lá e ir
cuidar da minha vida. Tive que fazer a mesma coisa que ela faz comigo.
Xeretar sua vida.
E, agora, aqui estou, abrindo o portão do sobrado onde ela mora e
entrando sem ser convidado. Bato na porta, mas não tenho nenhuma
resposta.
Em minha defesa, tentei ligar, mas ela não atendeu nenhuma das
minhas chamadas e como notei sua estranheza dos últimos dias, resolvi
aparecer. Aparecer trazendo sopa, é claro.
Se ela está doente como Miranda disse, então sopa faz sentido.
Bato na porta pela segunda vez e ninguém responde. A música alta do
Metallica me faz pensar que a diabinha está aprontando alguma das suas.
Quando insisto em bater e ninguém atende, empurro de leve e a porta
cede. Então eu entro.
Entro e sinto o cheiro dela, o que acaba me fazendo sentir um
estranho puxão dentro do peito.
Caminho por um pequeno corredor e paro na sala, bem diante da cena
mais inusitada de todos os tempos.
Minha secretária, supostamente doente, está se sacudindo inteira no
meio da sala. Os cabelos ondulados balançam para cima e para baixo e ela
parece estar no meio de uma roda punk imaginária. E o pior, ela é muito
desafinada.
A voz que faz ao repetir o refrão chega a ser um crime contra os
tímpanos de qualquer ser humano na face da terra.
E, apesar disso, ela também é a visão mais estonteante e genuína que
eu já vi. Linda, solta, completamente fora de si. Absolutamente perfeita.
Enquanto o Metallica toca a um volume quase ensurdecedor, ela faz
uma voz distorcida e acompanha a letra, sem parar de sacudir o corpo e a
cabeça.
Nossas mentes estão pegando fogo
Com vontade de matar
E não vai passar
Até que nossos sonhos sejam completados
Há apenas uma coisa
Em nossas mentes
Não tente fugir
Pois você é quem devemos encontrar
Correndo
Em nosso caminho
Escondendo
Você irá pagar
Morrendo
Mil mortes
Procurando
Procurar e destruir
— Procurandooooooo, procurar e destruuuuuuir — ela canta e então
passa os olhos de relance e me vê. — Puta merda!
Catherine coloca as mãos no peito e respira com força, os cabelos
estão úmidos de suor e ela parece realmente surpresa com a minha visita.
— Para alguém que está doente, você parece bem-disposta — declaro,
passando a embalagem de sopa para suas mãos.
— Estou expurgando minha doença — ela diz, abrindo a embalagem
da sopa e cheirando o conteúdo. — Hum, parece bom.
Algo na sua voz me soa um pouco engrolado e desconfio que ela
andou bebendo. A senhorita super saudável encheu a cara, isso sim.
— Miranda disse que você estava doente, achei que sopa poderia
ajudar.
Minha secretária ergue uma sobrancelha e assente.
— O que foi? — pergunto para o olhar desconfiado.
— Isso foi gentil — ela caminha até a sala e se senta no sofá, tirando
de dentro da embalagem os talheres plásticos que vieram com a compra. —
Você trouxe até colher.
— Você bebeu? — pergunto, mas ela de ombros e me ignora. — O
quanto você bebeu?
— Muito? — Catherine engrola e soluça. — Muuuuuiiiiitoooooooo.
Pois é, ela bebeu e parece que não foi pouco.
— Quer? — pergunta, mostrando a sopa e eu aceno que não.
— Não me diga que sua doença é alcoolismo.
— Não, minha doença é pior. Muito pior. — Ela suspira e volta sua
atenção para a sopa.
Catherine não quer falar, posso ver sua relutância em se abrir, sua
distração alcoólica é só um dispositivo de proteção. Tento não insistir e
aproveito para dar uma olhada no lugar.
Sobre a mesa de centro, muitas revistas científicas de todo o tipo
jazem. Depois de muito folheadas, foram abandonadas sobre a mesa como
parte inerte da decoração.
Algo sobre biotecnologia chama minha atenção, mas não tenho tempo
de pensar a respeito, pois quando me viro para o lado, dou de cara com algo
que é a cara de Catherine.
— Mais cactos? — pergunto, inspecionando a bela estante de material
envelhecido que está cheia de plantas.
— Ah, sim. Esse na sua frente é o Paul McCartney. Mas não dê papo,
ele anda um pouco rabugento. Quase tanto quanto você.
— Obrigada — resmungo e ela sorri torto. — Estes quem são? —
Aponto para pequenas suculentas que estão enfileiradas em um suporte
retangular de vasos. Muito bonito, por sinal.
— Os Backstreet boys. E, ao lado, Janis Joplin na sua melhor forma
— ela aponta para outra plantinha.
— Mistura interessante de gêneros.
— Ah, sim, também tenho a Enya e o Sting.
— Nenhum Bee Gees?
Catherine sacode a cabeça de um lado para o outro, negando.
— Curioso. E como é que você escolhe os nomes? — pergunto, indo
me sentar ao seu lado.
— Quando eu encontro uma planta e sinto que temos uma conexão,
eu a trago pra cá, o nome surge naturalmente.
— Como se a planta escolhesse o próprio nome e você sentisse?
— Não, claro que não. Posso ser diferente, mas não doida. — Ela
aponta com a colher na direção do meu rosto. — Nerd, não maluca.
— Certo. Certo.
— É mais como... ah, você tem cara de Nick Jonas ou Beyoncé.
— Entendi. E eu tenho cara de quê? — arrisco e ela arqueia as
sobrancelhas com desconfiança outra vez.
— Você veio me demitir? — pergunta, largando a sopa em cima das
revistas científicas, na mesa de centro.
A casa de Catherine não é muito grande, mas tem um toque de
refinamento que não se encontra em qualquer lugar, as cores vivas
contrastam e criam uma aura inteligente e sensual, viva e elegante em
mesma proporção. Ela é um verdadeiro mistério para mim, não posso negar.
Instigante, linda e muito caótica.
— Não, vim trazer sopa e me certificar de que está bem.
— Por quê?
— Porque você tem andado estranha nos últimos dias. Muito quieta e
comportada.
— E isso é ruim? Achei que odiasse o meu jeito. — Ela cruza os
braços na frente do corpo e então eu percebo que está usando um tipo de
pijama com estampa de caveirinhas mexicanas.
— Digamos que já estou me acostumando.
— Hum. Tudo bem. Em alguns dias eu volto ao normal e você pode
tentar me demitir de novo.
— Você sabe que eu não posso — respondo e ela sorri. — Você sabe,
não é?
Catherine assente, mordendo o lábio inferior.
— Não achei que fosse verdade — confessa. — Mas gostei de saber.
— Então você não foi contratada pra me infernizar?
— Não, eu fui contratada pra ser sua secretária, infernizar é um bônus
— ela declara, rindo. — Meu Deus, preciso beber mais.
A secretária travessa vai até a cozinha, do outro lado do cômodo, e
pega uma garrafa de whisky. Caminha abraçada a ela, mas sem tirar os
olhos de mim.
— O que você tá fazendo aqui, afinal? — pergunta, levando a garrafa
aos lábios e virando uma quantidade significativa do líquido dourado. —
Ui, que forte. — Estremece.
— Vim me certificar de que você vai sobreviver a essa doença
misteriosa.
— Eu vou, sempre sobrevivo.
— Quer dizer que você já teve essa doença antes?
— Já e vou ter todo ano, até morrer.
— E qual o nome da doença?
Catherine volta a se sentar do meu lado, depois vira mais um pouco
da bebida garganta abaixo e fica algum tempo em silêncio. Então, com os
olhos rasos de água, ela suspira pesado.
— Coração partido.
Mesmo com o meu conselho para não beber mais, Catherine
praticamente tomou meia garrafa de whisky, e agora está me olhando de um
jeito torto que é até bonitinho, mas preocupante.
— Acho que a sopa não me caiu muito bem — ela diz, cambaleando
para o quarto. — Preciso me deitar.
— A sopa?
— Estava boa, mas algo está revirando no meu estômago — ela diz,
amolecendo na minha frente.
Seguro Catherine nos meus braços e ela suspira, os olhos focados nos
meus.
— Até que você é forte — ela engrola, o hálito alcoólico me
acertando em cheio. — Forte e bonito, um problema. — Catherine cutuca
meu peito com o indicador, testando meus músculos.
— E você é leve — retruco e ela sorri, completando com um Rã Rã
em seguida.
Ajudo Catherine a chegar até o quarto e ela cambaleia, rindo e
falando coisas sem sentido sobre eu ter a palavra Problema escrita na minha
testa. E, também, sobre o meu tanquinho sujo de suco de laranja. Pelo jeito
alguém gostou de me ver sem camisa.
— Álcool é uma péssima ideia para saúde — declara, quando eu a
deito na cama grande.
O quarto de Catherine é aconchegante e repleto do seu cheiro, quase
como se ela borrifasse seu perfume por todo o lado.
As cortinas escuras contrastam com as paredes claras e a decoração
serena, moderna, mas sem exageros.
— Gostei do seu quarto, diabinha.
— Por que você me chama assim, Landon?
— Porque você me deixa maluco às vezes — admito e ela sorri torto.
Cubro Catherine com cuidado e ela suspira.
— Você é bom em cuidar das pessoas — ela diz, puxando a coberta
até os ombros. — Obrigada.
— De nada.
Levanto para sair do quarto, mas Catherine segura minha mão.
— Sabe de uma coisa...?
— Não, o quê?
— Você tem cara de viking turco.
— Viking turco, é?
— É, nem sabia que isso era possível — ela engrola.
— Nem eu — respondo e Catherine sorri suave, os olhos começando
a se fechar.
— Você é um bom homem, sinto muito pelo que você perdeu — diz.
— Eu sei como é.
Eu me sento na beirada da cama e controlo minha respiração,
Catherine está vulnerável e triste, mesmo bancando a sabichona que curte
rock e que sempre tem uma resposta na ponta da língua, consigo ver que ela
está devastada por algo.
— E o que você perdeu, diabinha? — pergunto mais para mim
mesmo.
De olhos fechados, ela abre os lábios e suspira.
— Perdi tudo.
Uma maldita dor de cabeça é o que recebo como presente pela bebida,
quando finalmente abro os olhos.
Como se isso não bastasse, as lembranças me açoitam a cabeça e me
roubam o ar dos pulmões. Merda. Landon Scott esteve aqui e eu o chamei
de viking turco.
Vou ao banheiro e tomo uma ducha rápida, a dor latejante da ressaca é
o suficiente para me deixar ainda mais mal-humorada.
Passou.
Passou.
O maldito dia de ontem passou.
Agora, eu vou colar meus pecados e voltar ao meu processo de cura.
Meu terapeuta me mandaria pra Marte se soubesse como passei o dia de
ontem, como comemorei o aniversário de morte do homem que eu tanto
amei.
Adam ficaria tão bravo comigo.
Nada vai trazer o que eu perdi de volta. Nenhuma maldita garrafa de
whisky vai apagar a dor que me dilacera por dentro. Ninguém vai devolvê-
lo para mim.
— O que foi que deu em mim? — resmungo ao sair do quarto.
— Ressaca — a voz de Landon me faz tomar um susto.
Com um gritinho e a mão no coração, eu praticamente pulo.
— Meu Deus, você quase me matou de susto — reclamo e ele sorri.
Landon está parado do outro lado da minha ilha e é quando me dou
conta dos sons ao redor. Algo está estalando e chiando no meu fogão.
— Você tá fazendo café? — pergunto, olhando para a cafeteira que
não uso há muito tempo.
— Eu sei que você prefere suco de laranja, mas de ressaca, o café vai
ajudar mais.
— Graças a Deus, tô mesmo precisando — falo, avançando até a ilha
e pegando uma caneca.
Sirvo o café e coloco açúcar diante de um olhar cheio de crítica do
meu chefe.
— Açúcar demais, isso vai acabar em diabetes — ele reclama,
servindo um prato com ovos e bacon.
— É isso ou passar o dia amarga e resmungona, você decide —
retruco, estendendo a mão com a caneca para que ele a pegue.
— Quer mais açúcar, senhorita? — Landon provoca e eu acabo rindo.
— Ai, não posso rir, minha cabeça tá explodindo.
Landon aponta para o lado e eu vejo uma pequena combinação de
analgésicos.
— Isso e muita água durante o dia de hoje. Amanhã você vai estar
novinha, pronta para me deixar maluco.
— Obrigada.
Tomo um pouco do café e belisco a comida. Meu estômago irritado se
rebela contra mim, mas eu insisto em comer o bacon todo. Pelo menos o
bendito bacon.
— Você passou a noite aqui?
Ele assente, surpreendendo-me ainda mais.
— Passei o fim da tarde e a noite, na verdade — Landon admite. —
Você bem que podia ter um sofá mais confortável. — Ele se estica,
deixando o corpo perfeito numa postura que o faz ficar ainda mais alto,
grande e parecido com um viking. Um viking turco sexy e muito gostoso.
Cubro minha boca com a mão, chocada com a informação.
— Caramba. Você dormiu mesmo aqui.
Landon assente, mas não parece chateado com a situação, na verdade,
o olhar que ele me dá é de curiosidade e preocupação.
— Você está bem? — pergunta, bebericando o próprio café.
— Vou ficar — respondo o mais honestamente que consigo. — Por
que você ficou?
— Porque você precisava.
— Eu dormi o tempo todo.
— Que espécie de pessoa eu seria se saísse e deixasse você sozinha e
doente?
— Alguém que não tem obrigação nenhuma — falo, mas me
arrependo ao dar de cara com sua expressão. — Mas obrigada por ter
ficado, foi muito gentil.
Landon dá a volta na ilha e inspeciona meu rosto com delicadeza,
examinando minhas olheiras.
— Gentil o bastante para um viking turco? — provoca e eu solto um
grunhido.
Ai, meu Deus, não foi um sonho e eu falei mesmo isso.
— Você não vai deixar isso passar, não é?
— Não mesmo — ele sorri, fazendo os lábios carnudos dançarem
sensualmente no rosto perfeitamente marcado.
E se Landon bravo e grunhindo é lindo, a versão dele sorrindo é de
encher os olhos e molhar a calcinha.
Respiro fundo e ganho alguma distância entre nós, não posso ficar
assim tão perto desse homem quente ou vou acabar me queimando.
Landon Scott é como uma chama quente capaz de incendiar o corpo
de uma mulher. E, algo me diz, que talvez o meu corpo esteja querendo
pegar fogo com ele.
— Preciso passar em casa e tomar um banho — ele fala, notando
minha resistência à nossa aproximação.
— Tudo bem, depois do café vou pro escritório — sussurro e o meu
chefe nega com um meneio.
— Tire uns dias pra se recuperar e, por favor, jogue fora o whisky.
Solto outro grunhido consternado.
— Cuide-se, diabinha, vejo você em alguns dias.
— Amanhã — grito quando ele está perto da porta. — Você não vai
se livrar de mim assim tão fácil, amanhã eu volto.

Sentar na minha cadeira é estranhamente reconfortante.


Passei o dia de ontem remoendo e sentindo a dor que ainda insiste em
inflamar meu peito, mas não posso voltar aos últimos dois anos e me
afundar outra vez. A única coisa que posso fazer é seguir adiante.
E com esse pensamento pulsando na cabeça, eu começo meu dia.
Antes, porém, percebo que tem algo diferente na minha mesa.
Dois pequenos cactos estão em um arranjo delicado.
Puxo a embalagem fofa para perto e percebo que há uma pequena
plaquinha fincada na terra de cada um deles. Barry Gibb no cacto mais alto
e robusto e Robin Gibb no mais fino e pequeno.
Junto com a dupla de irmãos cactos Bee Gees, tem um bilhetinho.
“Mais filtradores de ar”
Landon.
Só pode ter sido ele. Além de ter cuidado de mim no meu pior
momento, ainda completou os Bee Gees do escritório.
Animada e sem conseguir conter meu sorriso grande, pego os dois
cactos e tiro eles da embalagem, levando-os para um pequeno passeio
dentro do escritório do meu chefe gritão, sexy e... fofo.
Posiciono os dois cactos juntos com Maurice Gibb e a família fica
completa e linda, deixando o ambiente mais bonito e mais feliz.
— Flores e cactos sempre alegram o dia — declaro pra mim mesma.
— Flores, cactos e diabinhas — uma voz me faz virar de susto. —
Combinação interessante.
— Land... Senhor Scott — solto, surpresa.
— Você parece melhor.
— E estou — digo, me afastando dos cactos. — Obrigada por cuidar
de mim e pelos Bee Gees.
— Que bom que gostou, agora... tenho algo mais pra você — ele fala,
cortando a nossa distância e se aproximando bem de mim.
— E-e o-q-que é? — eu me atrapalho para falar, sentindo a força da
proximidade dele. Sua aura quente e dominante é como um ímã que me
envolve e me atrai e preciso de muito esforço para não amolecer.
Landon ergue a mão e percebo que está segurando um copo de suco,
desses para viagem. Ele abre um sorriso de covinhas e me entrega.
— Você parecia interessada nisso — crispa enquanto me dá uma
olhada profunda e intensa que aquece meu corpo e minha pele, provocando
pontos sensíveis e me deixando com a sensação de que meu chefe está
pronto para me devorar.
— Isso quer dizer que você concorda comigo sobre suco ser mais
saudável do que café?
Com um olhar devasso, ele mordisca o lábio inferior e sorri.
Pecaminoso.
Sexy.
Quente.
— Isso quer dizer que se for pra curar sua doença, eu topo molhar o
meu tanquinho com suco outra vez — ele sussurra, me arrepiando inteira.
— O quê?
— Você disse... suco de laranja e o meu tanquinho são bons remédios.
Tudo pela saúde da minha secretária.
Landon entrega o copo e me deixa estacada no lugar. Seu olhar
maroto é o bastante para me fazer ficar vermelha como um tomate, a
respiração saindo cortante e o coração batendo depressa.
— Devo começar a tirar? — ele pousa a mão no botão da camisa.
— Se eu disser sim você vai me demitir?
— Não.
— E me processar por assédio?
— Não.
Suspiro, sentindo o ponto entre as minhas pernas latejando pela
ansiedade e desejo. Volto meus olhos para o meu chefe e seu sorriso de
derreter o gelo do universo me faz sentir um estranho salto dentro do peito.
— Acho... acho melhor eu tomar meu suco na minha mesa.
— Tudo bem, mas se mudar de ideia...
Mas o que é que deu nele?
Será que isso é algum tipo de revanche por causa dos nossos embates?
Landon Scott está tentando se vingar de mim?
Não. Acho que não.
Algo me diz que não é isso.
Mas então o que é?
O que foi que deu no meu chefe?
Tê-la nos meus braços, mesmo que apenas para evitar que se
espatifasse no chão, bêbada, despertou alguma coisa dentro de mim.
Catherine e seu olhar atrevido fizeram algo profundo e esquecido subir a
superfície e me arrebatar.
Eu sei, isso é errado de muitas maneiras, mas não consigo evitar.
Quanto mais tento me manter longe da diabinha, mais ela vem na minha
mente e tumultua tudo.
Linda.
Genuína.
Diferente de tudo e todos.
Quando ergo meus olhos da tela do computador, imediatamente me
sinto puxado na direção dela.
Como se pressentindo, ela se vira no momento exato e seus olhos
caem sobre a minha boca. Então mordisca os próprios lábios e sorri, tímida.
Tão atrevida num momento e corada de timidez no outro. Isso é
mesmo muito inusitado e instigante.
Algo dentro de mim se agita quando a vejo pegar o telefone e levar ao
ouvido. Assim que o meu aparelho toca, eu o atendo e sinto uma onda
estranha revirar meu estômago.
— Posso ajudar em alguma coisa, senhor Scott? — a voz suave me
inflama e faz meu pau latejar, pedindo para provocá-la e tirá-la da zona de
conforto do mesmo jeito que faz comigo.
— Al-almoço — é tudo que sai da minha boca, depois de um
momento apreciando o olhar sensual da minha diabinha.
— Vou providenciar imediatamente.
— Obrigado.
— Ah... Landon.
— Sim, Catherine?
— Obrigada por estar sendo gentil.
— Não fiz nada.
— Exatamente, você não gritou nem uma única vez.
Ergo meus olhos pela parede de vidro e espio o sorriso travesso da
minha secretária. Ela sabe exatamente como bagunçar as coisas dentro do
meu peito, fazendo-o martelar com força e implorar por um pouco da sua
atenção.
— Está com saudade dos meus gritos, diabinha? — provoco e ela
morde o lábio inferior, sem imaginar o quanto isso agita as coisas dentro de
mim.
— Não, eu gosto quando você é um bom rapaz — ela devolve,
igualmente provocativa e sexy.
Puta merda, isso acaba com o meu bom senso.
Nesse momento, meu cérebro não pensa em nada além de ir até ela e
deitá-la na mesa para sentir o gosto da sua pele. Catherine não faz ideia do
que provoca em mim, nem em como me sinto muito perto de perder o
controle quando ela me desafia.
Suas respostas têm o intuito de me fazer ser uma pessoa melhor, mas
no fim, elas só instigam mais e mais o meu lado brusco e faminto. Como
uma fera, me sinto tentado a devorá-la.
— Vou esperar pelo almoço — digo, tentando não a imaginar como o
prato principal. Um delicioso e sexy pedaço de prazer.
— Certo. — Ela desliga, mas seus olhos continuam focados nos
meus.
Algo me diz que ela sabe o que está rolando, ou melhor, que ela está
sentindo o mesmo que eu. Catherine também está tentada e, mesmo que
isso não seja uma boa ideia de nenhum jeito, ela também está cedendo.
Vamos lá, diabinha, me mostre o quanto é resistente.

Quando Catherine entra no meu escritório, eu já estou completamente


desconectado das demandas do dia. Essa criaturinha pequena e atrevida
conseguiu realizar uma das coisas que eu sempre considerei impossível.
Roubar toda minha vontade de trabalhar e me fazer pensar apenas nela.
Na sua pele perfeita.
Nos cabelos caindo em cascata pelos ombros.
No contorno do corpo e nas curvas envolvidas pelo terninho elegante.
— Seu almoço, chefe — ela diz, largando a embalagem do restaurante
de sempre sobre a mesa.
Ao invés de sair, Catherine puxa a cadeira que fica na frente da minha
mesa e se senta.
— Vamos conversar — diz, pegando uma segunda embalagem e a
abrindo.
— Ok — respondo, um pouco confuso.
Antes de começar a falar o que a está perturbando, Catherine me
instiga a abrir meu almoço e nós comemos por algum tempo, sem dizer
nada ou sequer trocar algum olhar.
Quando já estou achando que ela desistiu do que tinha em mente,
Catherine limpa os lábios com um guardanapo e me lança um olhar astuto.
— É o seguinte.
— Hum.
— Você e eu somos bem grandinhos para saber que tem algo rolando
aqui.
— Certo — digo, surpreso com a forma direta e objetiva dela. Isso é
ainda mais instigante.
— Eu nunca deveria ter falado que você parece um viking turco e...
nem falado do seu tanquinho.
— Ah, quer dizer que você não gosta do meu tanquinho, então? —
resolvo bancar o babaca, mas ela não cai na armadilha.
— Eu gosto e esse é o problema.
Espero em silêncio enquanto os olhos perfeitos e vivos esquadrinham
meu rosto. Catherine suspira e então retoma a linha de raciocínio.
— Você é meu chefe.
— Sou.
— Misturar prazer e negócios geralmente não dá certo.
— Concordo.
— Então o que é que faremos?
— Como assim?
— Se você prometer não mostrar mais seu tanquinho por aqui, eu
prometo não olhar.
— Então... se eu resolvesse tirar a camisa agora, você acabaria
olhando?
— Olhando, secando, babando... provavelmente tudo junto — ela
admite e eu acabo rindo.
— Alguém já disse que você é muito estranha?
— Não.
— Mentira, você sabe que é diferente.
— Diferente e estranho não são a mesma coisa — ela resmunga,
voltando a comer e me ignorando por completo.
— Tudo bem, vamos falar de negócios — declaro, assumindo a
negociação.
— Negócios?
— Sim, você quer fazer um acordo, vamos estipular os termos.
Catherine aperta os olhos com desconfiança. Seu rosto perfeito e
astuto me observa com uma atenção perscrutadora.
— Tudo bem, primeiro termo: sem exibições de tanquinho.
— A menos que seja necessário — declaro e ela me lança um dos
seus olhares endiabrados. — Se cair suco na minha camisa, por exemplo.
— Mas só se for um acidente.
— Certo.
— Ok, o que mais?
— Segundo termo: você vai ao aniversário da minha avó comigo —
falo e ela bufa.
— Não gosto de eventos assim — responde, o olhar perdido.
— É isso ou vou estipular uma ordem e de que o meu novo uniforme
na empresa será andar sem camisa.
— Você não faria isso.
— Quer apostar?
— Por que está fazendo isso?
— Porque minha avó convidou você — respondo simplesmente, mas
Catherine não parece acreditar nem um pouco.
Eu preciso aprender a mentir melhor.
— Tudo bem, vou pensar sobre isso. Terceiro termo: Sem mordidas
no lábio inferior, isso é enlouquecedor.
— Como? Assim? — pergunto, mordendo o lábio. Catherine remexe
na cadeira e eu gosto muito da reação que isso provoca. — Nunca notei que
fazia isso. Tudo bem, vou me policiar, mas você também não pode usar uma
voz sexy pra perguntar coisas como: Posso ajudar, senhor Scott?
— Eu não faço voz sexy.
Arqueio as sobrancelhas e ela respira fundo.
— Certo, sem voz sexy — diz, sabendo que não vai me convencer do
contrário. — Mais alguma coisa?
— Uma dança.
— O quê?
— No aniversário da minha avó, você vai dançar comigo pelo menos
uma vez.
— E se eu não souber dançar e acabar pisando no seu pé.
— Posso lidar com isso.
Ela suspira.
— Vamos, Catherine, uma dança não arranca pedaço de ninguém.
— Só que vai meio que contra ao nosso acordo, não acha? — ela
pergunta, toda carrancuda.
— Não, porque esse é o meu jeito de garantir que você vá ao
aniversário da minha avó. Ela é uma boa pessoa e gostou do disco, sabe que
você teve parte na ideia e quer conhecê-la, só isso.
— Me sinto como um animal de circo — resmunga. — Tudo bem,
uma dança, mas nada de fotos ou rodas de amigos.
— Nunca imaginei que o meu pequeno raio de sol tinha medo de
gente — provoco e ela aperta os olhos outra vez.
— Não me provoque, chefe, ou vou passar o dia todo ligando pra
você com a voz de uma atendente de tele sexo.
— Eu adoraria isso — devolvo e ela fica vermelha. — Assim como
estou começando a gostar de ver que nem é muito difícil de deixá-la
vermelha, senhorita Pierce.
Catherine grunhe e então se levanta.
— A partir de agora vou chamá-lo só de Landon, afinal, você já me
viu no fundo do poço e nós praticamente tivemos um bebê imaginário
juntos.
— Mas eu vou continuar te chamando de diabinha.
Trabalhar com Landon Scott tem se mostrado um desafio maior do
que eu esperava.
É claro que lidar com seu lado irritado e de mal com a vida é difícil,
mas lidar com seu lado sexy é um milhão de vezes mais complexo.
Ele jura que está seguindo o nosso acordo, mas toda vez que volto
minha atenção na direção da sua sala, ele está me observando.
E seu olhar é tudo, menos inocente.
Algo na forma como ele me observa me faz sentir que estou em
ebulição, prestes a explodir. Seus olhos são implacáveis e eu mal consigo
respirar quando sinto que eles estão presos a mim.
Termino de reagendar uma reunião e sinto um estranho formigamento
no meu peito. Imediatamente levanto os olhos e lá está ele, mordendo o
lábio enquanto me observa.
Isso é enervante.
Volto minha atenção para o computador e não torno a virar na direção
dele.
Pronto, assim é melhor.
Focar no que tenho que fazer vai me fazer esquecer que meu chefe
insuportável é, na verdade, um deus quente e lindo, que não esconde que
está atraído por mim.
Ai, Deus, aquele homem seria capaz de me pegar no colo e me fazer
ver estrelas, eu sei que sim, sinto isso só pela expressão que ele faz quando
me lança aqueles olhos devoradores.
— Certo, essa merda não tá funcionando — resmungo e saio do meu
lugar.
Entro no escritório dele em um rompante, pronta para mandá-lo para
o inferno, mas congelo no lugar quando o vejo.
Landon está sem camisa e seu sorriso se ilumina quando ele me vê
babando.
— Temos um acordo — falo depois de um tempo sem conseguir
pensar direito.
— E?
— E você está sem camisa.
— E?
— Você prometeu que não faria isso.
— Salvo se tivesse uma emergência.
Ele indica a camisa em cima de uma poltrona e eu vejo suco de
laranja em toda a roupa, como... não, não pode ser.
— Você jogou suco na camisa de proposito? — pergunto, notando
que o copo foi virado na roupa depois que ela foi tirada do corpo.
— Não — ele mente descaradamente.
— Landon Scott. — Aponto o dedo indicar para ele. — Você vai
pagar caro por isso.
— Espero que sim — ele retruca.
— Você ganhou essa, viking, mas a guerra não acabou — declaro
guerra, saindo do escritório numa marcha vergonhosa e irritada.
Ele não perde por esperar, vai pagar caro por isso.
Só preciso bolar um plano.

Uma das coisas boas de não se depender do salário para viver é que
posso tramar uma vingança contra o meu chefe, sem me preocupar com
uma possível demissão ou com gastos que não se pode arcar.
A Catherine do passado jamais gastaria dinheiro com uma
disputazinha boba com o chefe, ela sequer teria um chefe, mas a Cathy do
passado não existe mais. Ela morreu junto com Adam.
A nova Catherine é capaz de infernizar o chefe encomendando online
muitas lingeries sensuais e mandando entregar nos horários mais
inoportunos do dia.
A primeira embalagem chega durante uma pequena reunião que ele
tem com um dos gestores de TI, responsável pelos sistemas das lojas
HOPE.
A caixinha de presente é preta e tem um grande laço vermelho ao
redor. Deixo-a na mesa de Landon e não digo nada. Enquanto isso, o sujeito
atarracado com quem ele conversa lança um olhar curioso para a
embalagem.
— Não sabia que era seu aniversário — escuto-o falar para Landon,
que me lança um olhar cheio de desconfiança.
— E não é.
Com um sorrisinho de vitória, saio da sala e assumo meu lugar,
espiando de vez em quando na direção da sala dele, só para pegá-lo me
olhando com as sobrancelhas vincadas. Em menos de quinze minutos, meu
chefe praticamente dispensa o homem para fora do seu escritório com
alguma desculpa que parece não convencer o sujeito.
Assim que ele vai embora, Landon corta a distância entre ele o
presentinho. Algo no seu olhar me diz que ele sabe que estou aprontando.
Ele abre a caixa e puxa o papel fino de dentro, revelando uma lingerie
preta toda rendada, com fitinhas e laços.
Com as duas mãos, ele inspeciona o tecido de renda e respira fundo.
Seu olhar feroz me pega completamente desprevenida, e assim que nossos
olhos se cruzam, eu sei que fui longe demais.
— Presentinho legal — a voz de Alex me sobressalta, fazendo
Landon desviar os olhos de mim e encarar o gestor do RH. — Namorada
nova, Landon?
Alex contém a vontade de rir quando Landon, em câmera lenta, se
toca que está praticamente hasteando a lingerie como se fosse uma
bandeira.
Meu chefe se atrapalha um pouco e a guarda de volta na caixa.
— O que quer? — pergunta, a voz engasgada e rouca.
— Me entregaram isso por engano — Alex abre um sorriso divertido
quando se dá conta de que a caixa que está carregando é igual à que Landon
está segurando com firmeza.
Meu Deus, acabo de criar o caos na empresa.
Meu chefe vai me matar.
Landon pega a caixa e dá uma olhada no cartão. Tem apenas seu
nome e ele o larga em cima da mesa.
— Mais alguma coisa? — o viking turco pergunta todo carrancudo.
— Não vai abrir? — Alex cruza os braços e não parece nem um
pouco tentado a se afastar. Ele está se divertindo muito.
— Não.
— Vamos lá, eu poderia ter aberto no meu escritório.
— Você e eu sabemos o que tem aqui — meu chefe responde seco, e
Alex me lança um olhar muito astuto.
É claro que ele sabe que isso é coisa minha.
Sou a única pessoa nessa empresa que não pode ser demitida.
Baixo meus olhos e tento disfarçar, mas sinto minha pele quente
enquanto meu coração acelera. Eu sei que ele está olhando para mim.
Depois de se livrar de Alex sem abrir a caixa, Landon bate a porta e
fecha a cortina, impedindo que eu veja sua reação ao ver a outra lingerie.
Eu deveria ter parado na primeira, só que estava muito competitiva e
decidida a ter minha vingancinha pessoal.
Vai ser um dia bem difícil.
A terceira lingerie chega bem na hora em que estou prestes a sair do
escritório, para uma merecida pausa para o café enquanto Landon faz uma
videoconferência com a irmã em Paris e mais uma série de executivos.
Espio a reação dele ao ver a embalagem sendo deixada por um dos
rapazes da correspondência.
Landon fica vermelho e sem jeito quando a irmã pergunta o que tem
no presente. Ele tenta desconversar, mas seu olhar me diz que ele está
começando a ficar incomodado.
Com um sorrisinho de vitória, eu sigo até a copa que fica no final do
corredor. Miranda vem logo atrás de mim e se coloca na função de fazer a
cafeteira funcionar, enquanto eu preparo uns sanduíches para nós.
— Então, que que tá rolando?
— Como assim? — pergunto, mas até eu consigo perceber a nota de
bom humor na minha voz.
— Primeiro que você está toda sorridente, e segundo... não parou de
chegar presentinhos para o seu chefe hoje. É alguma ocasião especial?
— Ah, sim, muito especial — declaro, caindo na gargalhada.
— Meu Deus, Cathy, o que você aprontou?
— Eu? Nada — tento desviar do assunto, sentando à mesa e focando
a atenção em preparar nosso lanche.
— Qual é? Você tá com cara de quem começou uma guerra.
— Na verdade, quem começou a guerra foi ele, eu apenas sou melhor
em contra-ataque.
— Isso é tipo aquele negócio das flores? Você disse pra alguém que
ele está de aniversário ou que morreu outra vez?
— Não, os presentes eu mesma comprei.
Miranda se senta na minha frente e apoia o queixo na mão, esperando
que eu conte o que está rolando.
— Se eu falar, você vai ter que jurar pela sua vida que não vai contar
pra mais ninguém.
— Então é sério mesmo.
— Muito.
— Certo, eu juro, agora comece a falar.
Com um suspiro vencido, eu narro a história toda, desde a aparição de
Landon na minha casa até sua provocação com o suco, depois, conto do
acordo que fizemos e de como ele ficou exibindo seu tanquinho com a
desculpa de ter se sujado de suco outra vez, uma mentira deslavada.
— Revanche, entende? — falo.
— Meu Deus, isso é tão insano, mas ao mesmo tempo é a cara de
vocês dois.
— Nossa cara? Como assim?
— Vocês dois têm essa coisa... essa energia intensa, sabe. É como se
fossem ímãs que se atraem. Além disso, você é a única pessoa aqui que não
tem medo de enfrentá-lo.
— Isso porque ele não pode me demitir.
— Ele não demitiria você nem mesmo se pudesse, o chefe tá caidinho
por você. Acho que vocês têm uma ligação.
— Não confunda atração com outra coisa.
— Só porque você não quer admitir, não significa que não seja
verdade.
— Você está me saindo uma bela alcoviteira, hein — reclamo e ela
estala a língua.
— Cathy, em algum momento você vai ter que seguir com a sua vida
e ser feliz — ela solta e então comprime os lábios com as duas mãos,
arrependida. — Me desculpe, eu não quis dizer isso.
Suspiro.
— Então você sabe?
— Sei, mas não quis ser invasiva.
— Você sabe quem eu sou e o que eu fiz. — Engulo o caroço que se
forma na minha garganta. — E ainda assim me chama de amiga?
Miranda pousa a mão delicada sobre a minha e me faz olhá-la direto
nos olhos grandes e redondos.
— Você fez o que achou que era certo, não é?
— Sim — respondo, a voz saindo cortante e dolorosa.
— Então, por que eu não seria sua amiga? — Ela toca com carinho
minha mão, me fazendo sentir toda a sua compaixão. — Não sou muito
boa em fazer amigos, Cathy, e não vou perder uma das poucas que eu fiz.
— Mas o que eu fiz foi errado, Miranda. Um crime.
— Não sei exatamente o que aconteceu, só o que saiu nas notícias,
mas eu tenho certeza de que você não cometeu nenhum crime. O que você
fez foi amar.
Com uma pontada de dor me cortando de dentro para fora, eu a deixo
me puxar para um abraço e me apertar forte.
— Você é muito especial, Cathy, não importa o que tenham feito você
pensar.
— Acho que você acaba de se tornar a minha melhor amiga, Miranda
— falo, fazendo-a rir.
— Eu nunca tive uma melhor amiga, meu Deus, será que devemos
começar a trançar nossos cabelos?
Rio junto com ela.
— Melhor fazer isso depois do expediente, algo me diz que o senhor
Scott já está bastante bravo comigo por hoje.
Quando volto para a minha mesa, encontro a porta de Landon
fechada. A cortina também está do mesmo jeito e por isso não tenho ideia
de como ele está a respeito dos meus presentinhos.
Assumo meu lugar e fico esperando.
Meu chefe não aparece por um bom tempo, mas quando a porta se
abre, todo meu corpo explode de ansiedade.
— Catherine — ele chama, sem aparecer para que eu o veja.
— Ai, meu Deus, é hoje que ele me chuta daqui — sussurro para mim
mesma, enquanto me levanto e sigo para a sala de Landon.
Assim que cruzo a porta, todo o sangue do meu corpo vai parar nos
dedos do meu pé. Meu chefe está parado diante da mesa e há pelo menos
oito lingeries esticadas sobre ela.
Preto, branco, cor-de-rosa, vermelho, azul escuro, verde, roxo e
amarelo claro.
Os olhos dele vão das lingeries para o meu rosto e há um brilho felino
neles, o que me faz sentir esquentar dos pés até a cabeça.
Com o meio das minhas pernas latejando, eu me esforço muito para
não olhar pra ele.
— Suponho que isso pertença a você — ele fala com a voz rouca.
— Pertence a você — declaro, criando coragem para encará-lo.
— E você espera que eu use isso quando? — a voz dele soa um pouco
mais divertida agora e seu olhar é de pura satisfação.
Dou de ombros.
Landon dá um passo para dentro do meu espaço pessoal.
— Pensei que tínhamos combinado sem provocações — fala com a
voz de trovão que me arrepia até nos lugares mais escondidos.
— Você começou. — Cruzo os braços diante dos meus peitos.
— Acho que só tem uma solução pra nós agora — ele declara, os
olhos faiscando.
— Você me demitir?
— Não, mas nós esquecermos o nosso acordo.
— Algumas poucas lingeries são suficientes pra minar sua força de
vontade, chefe?
— Você quer dizer: oito lingeries de renda?
Sorrio, sabendo que venci a batalha.
— É só roupa — provoco mais um pouco.
— Roupa que deve cair muito bem em você. O que acha de fazer um
pequeno desfile de moda?
— Isso poderia ser considerado assédio — provoco e ele ri.
— Isso e você babando pelo meu abdômen — retruca, animado e
convencido.
— Em minha defesa, você é grande e alto, é difícil não notar — tento
soar comportada, mas isso o faz rir ainda mais alto.
— Diabinha deveria ser seu segundo nome.
— Eu não tenho um segundo nome — respondo, mordendo o lábio e
tentando conter a vontade de falar outra coisa.
— Então, vamos esquecer o nosso acordo e aproveitar os meus
presentes?
— Uau, isso foi bem direto. — Começo a rir numa mistura entre me
sentir ousada e me sentir muito em pânico. — De repente ficou tão quente
aqui.
Me abanando, sigo para a porta.
— Vamos fazer seguinte, escolha uma lingerie e eu vou usá-la no
aniversário da sua avó.
— E eu poderei ver?
— Veremos.
Quando estaciono na frente do duplex de Catherine, sinto um estranho
salto dentro do meu peito. Eu sei que estou arriscando demais, mas não
consigo evitar, desde que a diabinha me enviou aquelas lingeries que não
penso em outra coisa que não seja sentir o gosto da sua boca.
Saio do carro tentando não pensar que ela pode estar usando a lingerie
que eu escolhi. Tentando lidar com o começo de uma ereção que vai acabar
me colocando em uma enrascada.
Bato na porta e não espero para entrar.
— Já tô quase pronta — ela grita de dentro do quarto.
— Tudo bem, cheguei cedo — respondo, perdendo algum tempo
diante das plantas artistas da minha secretária.
— Agora sim, pronta — ela fala e eu me viro.
A visão de Catherine me deixa sem ar.
Ela está mergulhada num vestido preto que contorna os seios em um
decote em forma de coração e que a abraça até os quadris, absolutamente
linda. Perfeita.
Baixo meus olhos lentamente, devorando a imagem sensual que está
diante de mim. O vestido elegante desce até o chão, deixando à mostra a
ponta dos saltos altos.
— Uau, você tá uma delícia — falo, sem conseguir conter minha
língua.
— Você também não está nada mal — ela retruca, passando a mão na
cabeleira ondulada de um jeito sexy. — Podemos ir?
— Ainda não — respondo, cortando a nossa distância e passando meu
braço pela cintura dela.
Catherine respira fundo e solta um gemido baixo, reagindo ao meu
toque com uma intensidade que é enlouquecedora. Com a mão na lombar
dela, eu a puxo para perto e planto um beijo na sua bochecha.
Com a mão livre, subo até seu ombro e afasto um pouco vestido,
procurando por uma resposta.
— O que está fazendo? — ela sussurra.
— Descobrindo se você está usando a minha lingerie — respondo,
sem desviar os olhos do contorno dos seios.
Ela engole um suspiro, deitando um pouco o pescoço e me dando
acesso. Afasto o tecido do vestido e encontro a alça do sutiã.
— Vermelho — solto, surpreso que ela tenha aceitado a sugestão.
— O que foi? Não acreditou quando eu falei pra escolher a cor?
— Você não parece do tipo que permite que alguém escolha sua roupa
íntima.
— Tem razão. — Ela se vira, ficando de frente pra mim e pousando
uma das mãos no meu peito. — Mas resolvi abrir uma exceção.
— Ah, diabinha, você não tem ideia do que tá fazendo comigo —
admito e os olhos delas ficam profundos e sexys. Catherine morde o lábio
inferior.
— É melhor irmos, antes que a gente acabe fazendo algo que vai
complicar tudo.
— Tudo bem.
No percurso da casa de Catherine até a da minha avó, ela não fala
mais do que meia dúzia de palavras. Eu, por minha vez, não consigo parar
de imaginá-la na lingerie vermelha.
Meus pensamentos mais sacanas resolvem me infernizar por todo o
trajeto e eu a imagino em cada uma das peças que ela me enviou para me
provocar. Preto, cor-de-rosa... cada uma delas fica perfeita na imagem que
formulei sobre o corpo dela.
Se Catherine soubesse como me deixa bem perto de perder o controle.
— Você está bem? — ela pergunta quando eu passo pela portaria e
paro o carro na frente da porta.
— Por que a pergunta?
— Você passou o caminho todo suspirando.
— Acabo de descobrir que tenho muita imaginação — confesso,
saindo do carro e indo até a porta dela.
Abro e cedo a mão para Catherine, só então percebendo que ela está
carregando um pequeno embrulho de presente.
— Só espero que não seja outra lingerie — digo, olhando para o
presente nas mãos dela.
Catherine solta uma risada alta, depois, ela se aproxima ainda mais.
— Só pra você saber, vermelho combina comigo — sussurra no meu
ouvido, mandando ondas de eletricidade para cada maldita terminação
nervosa do meu corpo.
— Diabinha, diabinha, você ainda vai me enlouquecer.
— Já disse, você meio que já parece louco — ela replica, dando de
ombros de um jeito descontraído e lindo.
Depois de entrarmos na casa, guio Catherine até o jardim, onde uma
tenda grande com palco e pista de dança foi montada. Há mesas cheias de
convidados por todo o lado e pequenos grupinhos de executivos e
funcionários que conversam animadamente.
As luzes do gramado criam uma aura bonita e aconchegante, embora
haja muita gente que eu nunca nem vi na vida.
Vovó não é do tipo que faz grandes eventos ou cria comoção com a
mídia, mas o seu aniversário é sempre uma ocasião e tanto.
Nós cumprimentamos algumas pessoas enquanto procuro minha avó.
Catherine caminha tensa ao meu lado e posso ver que ela não gosta desse
tipo de coisa tanto quanto eu.
— Minha avó está ali — indico e ela insufla o ar com força. Eu a guio
até a matriarca da minha família e nós chegamos no momento exato em que
vovó e Holly se viram na nossa direção.
— Landon, querido, por um momento achei que não viria — vovó diz
e eu sorrio.
— Dei minha palavra.
— Você deve ser a Catherine — Holly fala, estendendo a mão para
que minha secretária a pegue. — Eu sou Holly, a irmã simpática do Landon.
Catherine aperta a mão da minha irmã e sorri, aproximando-se dela e
da minha avó.
— Você sabe que isso nem é tão difícil, não é? — ela pisca, atrevida.
— Todo mundo é mais simpático que ele.
Minha avó solta uma gargalhada alta.
— Garota, já gostei de você — minha irmã acompanha o complô
contra mim.
— Três contra um é covardia — resmungo e as três nem dão bola
para o meu drama.
— Isso é pra senhora — Catherine se volta totalmente para a minha
avó e entrega o pequeno presente. — Landon me disse que a senhora gosta
dos Beatles.
— Eu amo — vovó responde. — Mas por favor, não me chame de
senhora, isso me faz sentir com dez anos a mais. É apenas Mary.
— Ok, Mary.
Vovó abre o pequeno embrulho e tira uma caixinha de madeira de
dentro. Ela é antiga e entalhada. Dentro da caixa há um pequeno pedaço de
papel plastificado, protegido da ação do tempo.
— É verdadeiro? — vovó pergunta e então eu vejo do que realmente
se trata.
É um autógrafo de Paul McCartney.
— É sim, tem uma certificação, veja. — Catherine tira um envelope
de dentro da caixinha de madeira e passa para as mãos da vovó que
encontra o certificado de um especialista.
— Uau, isso... isso é perfeito. Acho que eu não deveria aceitar, deve
ser a coisa mais valiosa nessa casa toda.
— Nem tanto — Catherine sorri, envergonhada. — Mas fico muito
feliz que gostou.
— Caramba, é verdadeiro — Holly solta com seu jeito extravagante
depois de examinar o certificado. — Como você conseguiu isso? Passamos
anos tentando encontrar um que não fosse falsificado.
Catherine dá de ombros.
— Digamos que eu conheço alguém, que conhece alguém que tinha.
— Isso é meio evasivo até pra você — sussurro no ouvido dela e isso
a faz erguer os olhos na minha direção.
Seu sorriso é quase imperceptível e some tão rápido quanto aparece.
Mas não consigo evitar de me prender nos seus olhos. Catherine é diferente
de todas as pessoas que já conheci e seu jeito me faz querer ser melhor só
para vê-la me olhando assim.
Mas também me faz querer ser o mesmo só para vê-la respondendo
daquele jeito travesso e espevitado.
— Vamos dançar? — Catherine pergunta quando a música na pista de
dança fica mais lenta.
Nós deixamos os olhares atentos da minha avó e de Holly. Puxo
Catherine pela mão e ela não impõe nenhuma resistência, me deixando
guiá-la por entre as pessoas até a pista.
Alguns curiosos ficam prestando atenção em nós, mas tento não focar
nisso. Só quero viver o momento, deixar que a minha estranha secretária
desperte coisas que achei que nunca mais seria capaz de sentir e ver aonde
isso vai me levar.
Paramos na pista e eu a puxo para os meus braços, encaixando minha
mão na sua lombar. Catherine cabe perfeitamente nos meus braços e o
suspiro que dá me instiga a querer tê-la ainda mais perto.
— Tenho uma confissão a fazer — sussurro no ouvido dela.
Por baixo dos cílios volumosos, ela me lança um daqueles seus
olhares profundos e inquisidores.
— Quero muito esquecer nosso acordo — admito e ela morde o lábio.
— Isso é muito arriscado, as coisas podem acabar mal.
— Já não começaram muito bem, não tem como ficarem piores —
provoco e ela dá um sorrisinho.
— Você está tentando negociar comigo?
— Está funcionando? — respondo com outra pergunta.
— Talvez...
Assim que Catherine termina de falar, eu a colo ao meu corpo e
seguro seu rosto com as minhas duas mãos, acabando a nossa dança quando
grudo minha boca na sua.
Quando os lábios dele esmagam os meus, sinto um arrepio que
percorre toda a minha coluna, desde a base, na lombar, até os pelinhos da
nuca. A sensação se espalha em ondas pelo meu corpo, aquecendo cada
parte de mim.
A mão dele dança nas minhas costas, me segurando com uma pegada
firme que só inflama ainda mais o meu desejo.
— Landon — sussurro em um gemido quando ele baixa a cabeça e
enfia o nariz no meu pescoço.
— Sim, Catherine? — pergunta baixinho perto do meu ouvido e
provocando uma sensação de eletricidade bem no meio das minhas pernas.
É difícil demais de conter a explosão de sensações que meu chefe provoca
em mim.
A boca dele mordisca a pele do meu pescoço e o lóbulo da minha
orelha e depois volta aos meus lábios.
É tão sutil e sensual que não consigo me conter, então envolvo meus
braços no seu pescoço e o puxo para outro beijo.
Abro meus lábios e permito que ele me invada com a língua
implacável. Ela busca pela minha e exige que eu me entregue, ritmando
nosso contato como se ambos fizéssemos parte de uma engrenagem
perfeita.
Pegamos fogo na pista de dança e nada mais importa.
Mordisco o lábio inferior do homem que parecia me odiar até pouco
tempo e ele reage apertando meus quadris com as mãos fortes e me fazendo
roçar na sua ereção.
Estamos diante de muitos olhos curiosos, mas nada mais faz sentido,
ninguém tem importância quando tudo o que sentimos é como fogo puro e
feroz. Um calor tão poderoso que é impossível afastar.
— Quero você, Catherine — ele sussurra com a voz rouca e sensual
no meu ouvido e eu amoleço nos seus braços.
Ergo meus olhos, sem conseguir resistir mais ao desejo e assinto.
— Também quero você.
— Ótimo, vamos sair daqui. — Ele me puxa pela pista de dança e nós
nem mesmo olhamos ao redor enquanto nos afastamos de todos. Eu sei que
não deveria ter deixado chegar a tanto, mas não me importo. Só quero sentir
mais dessa sensação.
Só quero um pouco mais de Landon Scott.
O apartamento de Landon fica em uma das áreas mais nobres de São
Francisco, no alto das colinas, em Nob Hill, entre o centro e o conhecido
Fisherman’s Wharf. Não posso dizer que fico surpresa com isso. Landon
tem bom gosto e, ao contrário de mim que não dou a menor bola para o
dinheiro na minha conta bancária, ele gosta de aproveitar as coisas que seu
dinheiro tem para oferecer, como um carro de luxo e uma cobertura.
O lugar é refinado, mas aconchegante, o que é bem curioso, já que ele
parece praticamente viver no escritório.
Assim que ele acende as luzes, ergo meus olhos para as portas duplas
de vidro, que dão para uma varanda que deve ser maior do que a sala do
meu sobrado. A vista é absolutamente linda e me faz suspirar.
Enquanto observo São Francisco pelo ponto de vista da varanda de
Landon, sinto sua aproximação lenta e felina. Meu estômago toma um
pequeno sobressalto quando ele enfia o nariz no meu pescoço e me abraça
por trás.
— Gostando da vista? — pergunta, mordiscando o lóbulo da minha
orelha.
— Muito — sussurro, virando-me para ele e passando meus braços
pelo seu pescoço.
Quando nossos olhos se encontram, sei, sem qualquer sombra de
dúvida, que Landon Scott é muito mais do que as aparências dizem. Há algo
de selvagem no castanho profundo dos seus olhos que me puxa para ele
como um ímã.
A atração é poderosa, mas também é mais do que isso.
É mais do que apenas desejo.
Existe uma conexão, algo muito além do que sou capaz de explicar.
— Você virou minha vida de cabeça pra baixo — ele diz e então
esmaga meus lábios com sua boca carnuda.
Minhas mãos correm da sua nuca até seu rosto, passando pelo maxilar
forte que me leva por um ritmo intenso e feroz.
Não há nada de meigo ou delicado, Landon exige tudo de mim com
sua boca implacável. Enquanto me invade e me envolve, suas mãos descem
da minha cintura e se assentam na curva da minha bunda e quadris.
Solto um gemido quando ele me puxa contra sua ereção.
— Quero você, diabinha, quero muito — diz, mordiscando meu
queixo e mergulhando com a boca na curva do meu pescoço.
Então eu me entrego.
Sem pensar no que vem depois ou nas consequências do que estamos
fazendo. Quero apenas esse momento.
— Espera — sussurro, espalmando a mão no peito de Landon e
ganhando apenas alguns centímetros de distância entre nós.
Ele me lança um olhar confuso, mas não se move, respeitando o meu
afastamento breve. Viro de costas e seguro meus cabelos.
— O zíper — peço e ele grunhe quando se dá conta do que se trata,
avançando até mim e baixando o zíper numa velocidade incrível.
Depois disso, Landon pousa as mãos nas alças do meu vestido e puxa
ambas para o lado, pelo ombro, baixando o tecido lentamente.
O vestido vai parar nos meus pés e eu fico apenas de lingerie.
A lingerie vermelha que ele escolheu.
— Você cumpriu com a sua promessa — ele fala com a voz rouca e
excitada.
Viro para ele e percebo seus olhos dilatados de desejo, isso me
esquenta ainda mais.
Depois que Landon me dá uma olhada de cima até embaixo, eu me
aproximo e começo a ajudá-lo a se despir.
Primeiro o terno, depois a camisa, expondo um peitoral que me faz
acreditar mesmo que ele é um viking turco.
Sua pele bronzeada, seus músculos definidos, o contorno do corpo
perfeito.
Landon é o homem mais sexy que eu já vi.
Nossos olhares se cruzam e, nesse momento, sei que não tem mais
volta.
Eu vou até o fim.
Nós iremos até o fim.
A lingerie de renda vermelha abraça o corpo perfeito da minha
diabinha. Ela espera enquanto eu termino de tirar meus sapatos e os
empurro para o lado, baixando a calça em seguida e dando uma visão das
minhas pernas e cueca.
— Belas coxas. — Catherine morde o lábio inferior.
Corto nossa distância e a envolvo nos meus braços, puxando-a para
me dar acesso à sua boca.
As mãos da minha secretária mergulham nos meus cabelos, cheias da
mesma fome que sinto. Quando ela geme baixinho, ao sentir minha mão
firme na curva da sua bunda, sinto que perco de uma vez por todas o que
ainda restava da minha resistência.
Quero Catherine como nunca quis uma mulher antes e, a menos que
ela me peça para parar, vou até o fim. Não importa o que pode acontecer
amanhã, esta noite, eu a quero pra mim.
Com as duas mãos na bunda dela, iço Catherine nos meus braços e ela
envolve as pernas na minha cintura, a boca ainda grudada na minha e as
duas mãos no meu rosto.
— Landon — ela geme, quando eu caminho com ela enganchada a
mim. — Quero você.
— Diabinha, você não tem ideia de como me deixa falando assim. —
Eu rumo para o meu quarto, empurrando a porta com o pé, para não perder
nem uma parte do nosso contato.
Deito-a de costas na minha cama e aprecio o corpo perfeito e sensual
que me convida.
— Linda e perfeita.
Ela lambe os lábios e eu avanço, cobrindo-a com meu corpo e
afastando suas pernas, para me encaixar entre elas.
Roço minha ereção na beirada da calcinha e ela geme, fechando os
olhos e me puxando pelos ombros.
Com a minha boca, exploro a pele entre a curva do pescoço e os seios,
raspando os dentes devagar enquanto saboreio seu gosto. Catherine é
deliciosa e eu mal posso esperar para me enfiar entre suas pernas e ouvir
mais dos seus gemidos.
Raspo os dentes na borda da taça do sutiã e ela arqueja, contornando
meu corpo com as pernas e roçando no meu pau, que lateja dentro da cueca.
Tiro seu seio de dentro da lingerie e exponho o mamilo pequeno e
duro. O rosado da aréola fica todo arrepiado quando passo a ponta da
língua.
— Delícia — sussurro contra a pele quente, abocanhando o bico do
seio e começando a chupá-lo. — Você não tem ideia de como pensei em
fazer isso — admito, partindo para o outro seio.
Começo a chupar o outro mamilo e Catherine enfia uma das mãos nos
meus cabelos e o puxa. Tão ardente e entregue.
Ajudo-a a tirar o sutiã e admiro a beleza perfeita dos seus seios,
lambendo-os até que ela começa a gemer.
— Ah, Landon, isso é muito bom — sussurra, a voz toda manhosa e
sexy.
Isso me estimula a percorrer seu corpo com a minha língua e eu desço
pelo ventre lisinho, mordiscando a pele e a arranhando de leve com a minha
barba.
Quando chego perto do meu alvo, migro com a boca para a parte
interna da coxa dela, mordendo de leve e arrancando outro gemido
impressionante.
Sento sobre minhas pernas e aprecio a visão de Catherine com as
pernas abertas ao meu redor. Exposta e linda.
Gostosa pra caralho.
Entregue pra mim.
E eu vou me deliciar.
Com o dedo, roço a parte debaixo da calcinha e sinto a umidade. Isso
faz meu pau latejar, carente para estar dentro dela.
Arranco a calcinha de um jeito brusco que a faz arquejar. Então passo
o dedo direto na pele quente e excitada. Ela aperta o lençol com força e iça
um pouco os quadris, mostrando o quanto está pronta para mim. Eu enfio
meu dedo na boceta molhada.
— Porra, Catherine, você tá toda melada pra mim.
Ela geme, completamente entregue.
Coloco outro dedo na fenda e começo a massagear seu clitóris com
meu polegar, enquanto entro e saio de dentro dela.
É uma loucura o que isso faz comigo.
Dentro da cueca, meu pau empurra cheio de ansiedade, latejando pelo
desejo, enquanto meu coração bombeia o sangue com força e o faz acelerar
as batidas.
— Ah, Landon... — ela chama meu nome, ditando o ritmo em que eu
a penetro com meus dedos. Exigindo de mim o prazer que quer receber.
Tomado pelo desejo mais animal, sinto que não existe a menor chance
de lutar contra o que está acontecendo. Quero Catherine, quero senti-la.
Passo minha língua pela bocetinha inteira, desde a fenda até o ponto
mais inchado, repetindo esse gesto e tirando meus dedos para poder sentir
de fato o gosto da mulher que tumultuou minha vida e mudou tudo. A
bocetinha deliciosa se contorce com o toque da minha língua.
E eu só paro quando encontro o clitóris intumescido.
Lambo-o, impondo pressão e sentindo todo seu mel correr pela minha
garganta.
É viciante.
É uma delícia.
E eu quero muito mais.
— Gostosa demais — rosno contra a pele quente e inchada. Quando
Cathy choraminga, sei que não posso mais esperar. — Preciso entrar em
você, Catherine.
Ela ergue a cabeça, os olhos profundos e dilatados, a boca vermelha e
suplicante.
Pairo sobre o corpo perfeito, mergulhando minha boca no seu pescoço
delineado e chupando a pele com força. Me sentindo uma fera, quero
marcá-la como minha, enquanto saboreio o gosto de cada um dos seus
pedaços.
Catherine é livre e sempre será uma mulher de opinião, mas nesse
instante, tão entregue e sexy, só consigo senti-la como sendo minha.
Completamente minha.
Me encaixo entre suas pernas e posiciono meu pau ansioso na fenda
molhada. Ela geme mais, incitando meu corpo contra o seu e
choramingando de vontade.
— Landon, por favor — pede, impelindo os quadris contra a minha
pélvis.
Me empurro para dentro dela bem devagar, permitindo que ela tome
seu tempo para se acostumar comigo.
Enquanto isso, beijo seu pescoço e queixo, chegando aos lábios no
mesmo instante em que nossas mãos se encaixam sobre a cama.
Ela aperta meus dedos entrelaçados aos seus, começando a
impulsionar o próprio corpo e ditando o ritmo.
Nós sintonizamos nossos movimentos e eu começo a entrar e sair da
boceta apertada que me deixa louco.
O ritmo é intenso e brusco e vai me roubando o controle a cada nova
estocada.
As mãos de Catherine vão para as minhas costas e ela enfia as unhas
no mesmo instante em que fecha os olhos, gemendo alto e me fazendo
mergulhar na sua aura eletrizante.
— Caramba, Landon, eu... eu vou...
— Goza, linda, goza no meu pau — peço no seu ouvido, sentindo o
efeito que isso tem sobre ela.
Catherine é arisca e ardente na mesma medida. Sua língua afiada
sempre me deixou com a sensação de que ela deveria ser uma gatinha
selvagem na cama. Agora, tenho certeza de que ela é quente como fogo
puro e eu quero muito me queimar.
— Mais forte — ela choraminga e eu firmo meus antebraços na cama,
empurrando meu pau mais forte e abrindo o espaço que preciso. Ela se
contorce, esfregando a boceta enquanto eu me enterro nela.
Seus gemidos manhosos vão se perdendo em meio aos meus próprios
grunhidos. Como dois animais sedentos, nós encontramos o prazer.
Ela cruza as pernas na minha cintura e abocanha minha clavícula,
implorando para que eu continue metendo com força.
— Goza, linda, goza pra mim — eu peço outra vez e ela me aperta
com a bocetinha deliciosa, derrubando qualquer muro e me fazendo
entregar a ela tudo o que tenho.
Cada gosta do meu prazer.
E do meu desejo.
Fecho os olhos, sentindo a onda de prazer que me percorre inteiro.
Nesse momento, sou açoitado pela lembrança da primeira vez que a
vi, toda sorridente e colorida, respondendo que não era velha para mudar de
carreira se eu não era velho para ter uma babá.
Estoco mais forte.
Lembro da nossa primeira discussão sobre o café.
Estoco outra vez, arrancando outro dos gemidos de Catherine.
A imagem do seu sapato estranho vem logo em seguida, me fazendo
sentir uma estranha necessidade de ter mais dela do que apenas seu
orgasmo.
Beijo Catherine, que reage mordiscando meu lábio inferior.
E, então, como se num último suspiro de força da minha mente, todas
as lingeries que a diabinha mandou me entregar surgem na minha cabeça,
assim como o nosso momento de filme no parque e sua declaração
embriagada sobre meu tanquinho, eu arquejo e entrego a ela o resto que
ainda pertencia a mim.
Minha alma.
Rugindo, eu gozo sem controle dentro da diabinha, ouvindo-a gemer e
me apertar com a bocetinha. Mesmo entregue, mantenho as estocadas, até
sentir o aperto que ela me dá quando encontra seu próprio prazer.
Nos embalamos mais um pouco, até que perco as forças e rolo para o
lado, abrindo os braços para que ela se aproxime. Foi bom pra caralho e
assustador de um jeito muito difícil de explicar.
Em um momento estou me entregando ao prazer e ao desejo e, no
seguinte, estou entregando tudo que há em mim para ela. Absolutamente
tudo.
Não para o seu corpo ou para o prazer, mas para ela.
— Sabe o que me ocorreu agora? — Catherine pergunta, se
aninhando aos meus braços.
— Não me diga que está com vontade de tomar um suco — provoco e
ela ri alto e leve.
— Não, é mais sério do que isso.
Puxo seu queixo e a faço me olhar nos olhos.
— O que foi?
— Não usamos preservativo.
Droga, nem pensei nisso. Estava tão profundamente envolvido que
sequer lembrei do mais importante.
— É verdade, mas eu estou limpo, sempre me cuidei e meus exames
estão em dia.
Ela suspira e assente, ponderando sobre alguma coisa. Como se
medindo as palavras que vai usar comigo.
— Bom, eu não fico com ninguém há... um tempo. Também estou
limpa.
— Um tempo? Quanto? — eu pergunto, me divertindo com a
repentina timidez.
— Algum — ela desconversa, começando a tocar de leve o meu
tanquinho que não pôde explorar muito antes, porque eu estava louco para
senti-la.
— Alguns meses? — insisto no assunto, o sorriso lascivo moldando
meu rosto.
— Um pouco mais — vejo as bochechas dela corando.
— Um ano?
— Dois — admite entredentes.
— Puta merda! — crispo, apoiando-me nos cotovelos para observar o
rosto tomado pela timidez. — Como isso é possível?
— Não sou boa em relacionamentos — ela se esquiva, mas algo me
diz que é mais do que isso. Algo me diz que tem a ver com seu coração
partido.
— Não posso prometer muito porque sei que sou difícil, mas não vou
machucá-la — digo, sentindo um sentimento grande e estranho se apoderar
de mim. — Não vou magoá-la.
— Vou tentar fazer o mesmo.
Eu aposto que sim.
Quatro anos antes
— Uau, nunca imaginei que você pudesse ficar ainda mais linda do
que é — a voz dele me sobressalta.
Viro na direção da porta e vejo meu futuro marido encostado no
batente. Ele está usando um terno feito sob medida e, embora tenha perdido
algum peso nos últimos meses, ainda fica perfeito nele. Os cabelos
repicados e o sorriso sensual me brindam com uma onda de calor por todo o
corpo.
Adam sempre fica lindo de terno, mesmo quando os cabelos estão
bagunçados ou a barba por fazer. É como se ele praticamente tivesse
nascido para usar qualquer coisa em qualquer ocasião.
Só que essa não é uma ocasião qualquer. É o nosso casamento.
— Você está lindo — digo, indo até ele e passando meus braços no
seu pescoço. — Perfeito.
— Pronta para se tornar minha esposa?
Assinto, mas um caroço se forma na minha garganta e, com os lábios
prensados, tento conter as lágrimas que querem acabar com a minha
maquiagem de noiva. Uma delas escapa e corre pelo meu rosto. Adam a
limpa com o polegar depois de me puxar para os seus braços.
— Queria ter mais tempo, pra nós casarmos na igreja — ele sussurra,
beijando a palma da minha mão com seu jeito carinhoso e fofo.
— Nós não vamos desistir, Adam — solto em um ruído que mais
parece um ganido do que a minha voz.
Eu sei o que ele pensa, mas não estou pronta para entregar os pontos
ainda.
— Não estou desistindo, amor, estou apenas seguindo com a minha
vida — ele sorri, mas há um tom de tristeza no seu sorriso e isso parte ainda
mais meu coração.
— Nós não estamos nos casando pelos motivos certos, Adam. Você só
quer um escape.
— Estou me casando porque amo você, Catherine. Não venha me
dizer que isso não é o motivo certo — ele crispa, chateado. — Se você quer
desistir, fale por você mesma e não me culpe.
— Não quero desistir, eu amo você — falo, ganhando alguma
distância do homem que amo para que ele me veja no vestido.
Não é um vestido de noiva no sentido tradicional, mas é o mais perto
que sou capaz de chegar disso nas atuais circunstâncias. É um vestido
branco elegante, que me faz sentir bonita e uma futura esposa.
— Eu quero ser sua esposa, mas saiba que isso não vai mudar nada.
Não vou desistir.
— Não pedi que desistisse, pedi que fosse minha esposa.
— Então está claro que vou continuar com a minha pesquisa? Eu vou
achar uma cura pra você, custe o que custar pra mim.
Adam corta nossa distância e me prende no seu abraço.
— Eu te amo, Catherine Brooks, você pode, por favor, parar de me
torturar e ir até o juiz dizer sim? Não quero esperar nem mais um dia pro
mundo saber que você é minha.
— E você é meu. — Eu afundo no seu abraço e suspiro.
— Eu sou seu, todo seu.
Ergo meus olhos marejados e encontro o sorriso doce de Adam. Ele
planta um beijo suave nos meus lábios.
— Pronta?
— Pronta.
— Ótimo, mal posso esperar por nossa lua de mel.
— Você é um safado, Adam.
— E você é o quê? Um anjinho?
— Não, eu sou a sua futura esposa.
— Adoro como isso soa — ele declara, me pegando pela mão. —
Putz, esqueci onde coloquei a chave do carro.
— No seu bolso. — Rio.
— Certo, certo, vamos lá acabar com essa espera. Vamos lá fazer de
você a minha mulher.
Antes de sair, paro no meio da sala do nosso apartamento e o faço me
encarar de frente.
— Eu digo sim, Adam. Mil vezes eu digo sim pra você e pro nosso
amor. Eu te amo.
— Eu te amo, Catherine.
Quando abro os olhos e me dou conta do que fiz, todo meu corpo
retesa. Fui fraca, traí Adam e tudo pelo que lutamos. Não resisti ao desejo
por Landon e agora estou aqui, presa sobre os músculos do seu braço e
sentindo o compasso da sua respiração.
Traí todo o amor que juramos diante de um juiz.
Até que a morte os separe, diria o padre se tivéssemos casado diante
de um. E, embora não tenhamos casado com um padre, eu fiz isso, não foi?
Eu o matei e o perdi para sempre.
Fecho os olhos e respiro fundo.
Landon parece tão tranquilo, os cabelos rebelados sobre o travesseiro
e o corpo relaxado, me envolvendo em um tipo de casulo quente e
agradável.
Eu gostaria de poder me dar ao luxo de ficar aqui com ele.
Eu fui esse tipo de garota, do tipo que dorme até o dia seguinte, mas
não posso mais ser assim. Não há mais espaço para esse tipo de sentimento
no meu coração.
Além disso, prometi não magoar Landon, quando ele prometeu o
mesmo por mim. Isso significa ir embora agora e não prolongar o que não
pode acontecer entre nós.
Ele é meu chefe.
Eu sou apenas a secretária.
Nós não temos nada em comum e não podemos mandar pelos ares
uma relação de trabalho que já não é perfeita.
Se bem que perfeição é superestimada.
Eu me arrasto para fora da cama, tentando escapar do aconchego
sonolento dos seus braços.
Assim que consigo sair e piso no chão de madeira, sinto-o se mover
de leve.
— Aonde pensa que vai, diabinha? — ele pergunta com a voz rouca.
— Eu preciso ir.
— Saindo de fininho? — Landon se senta na cama e me lança um
olhar divertido.
— Sim, sinto muito — respondo, mas sem conseguir explicar mais.
— Isso nunca deveria ter acontecido.
— Por quê?
— Porque você é meu chefe.
— Você está demitida — ele declara, saindo só de cueca e vindo na
minha direção.
Depois de transarmos pela segunda vez na madrugada passada, ele
vestiu a cueca e preparou um lanche para nós. No fim, nós passamos algum
tempo conversando até que eu peguei no sono nos seus braços.
— Você não pode me demitir. Ainda mais agora que sua avó me adora
— eu falo, desaforada, enquanto tento achar minha calcinha e sutiã em
algum lugar do quarto.
— Quando fala assim, me dá vontade de deitar você na cama e dar
umas palmadas nesse rabo gostoso — ele declara, avançando na minha
direção com mais determinação.
— Você não... — começo a protestar, mas é tarde demais, Landon já
me prendeu nos seus braços e, sem qualquer esforço, me arrasta de volta
para cama.
Ele me coloca de quatro e se encaixa entre as minhas pernas, roçando
o pau já ereto e firme na minha entrada. Solto um gemido, sentindo crescer
a excitação e a umidade em mim.
Landon aperta minha bunda com uma mão e com a outra, ele me dá
uma palmada que me faz dar um gritinho de sobressalto.
— Você achou que eu não faria — ele declara cheio de si.
Eu me viro e fico de pé na cama.
— Você é mau — falo, passando minhas mãos nos seus cabelos e
puxando-o contra meu peito. — Agora tem que me compensar.
— Compensar? — pergunta, a voz inflamada e sexy.
— Cada palmada é um orgasmo que vou querer.
— Diabinha, eu vou fazer você gritar de tanto prazer — ele retruca,
apertando minha bunda com as duas mãos e me dando outra palmada em
seguida.
Me jogo nos seus braços e contorno a cintura dele com as pernas,
esquecendo completamente do meu objetivo de fugir.
— Antes, eu vou precisar de um banho — falo, apontando para a
porta do banheiro na suíte. — Vamos?
— Seu desejo é uma ordem, senhorita.
— Sabe, posso acabar gostando desse seu lado obediente.
— Veremos.
Landon me leva até o banheiro e empurra a porta com o pé, só para
não tirar as mãos da minha bunda.
Ele roça os dedos na pele já úmida entre as minhas pernas, buscando a
entrada e rugindo ao me sentir molhada.
— Você me deixa louco — ele diz, me colocando sentada em cima do
armário da pia e afastando minhas pernas de um jeito brusco.
Landon coloca dois dedos e eu deito um pouco, encostando no
espelho e o sentindo me penetrar com ritmo.
O polegar dele vai direto ao meu ponto sensível e ele o pressiona toda
vez que seus dedos mergulham dentro de mim.
— Landon... — choramingo, quando o prazer de ver e sentir um
homem tão gostoso me tocando é demais para suportar sozinha.
— Porra, Catherine — rosna. — Gemendo assim eu perco o controle.
Meus olhos descem pelo abdômen definido e suado de Landon,
pairando sobre o pau que me deixou dolorida há pouco tempo. Ele é grande
e já está duro, pronto para me levar por um caminho de prazer puro e
insano.
Desço de cima da pia e o empurro contra a parede.
— Hora de perder o controle, grandão — falo, pousando a mão no
abdômen dele e roçando as minhas unhas nos gomos.
Um.
Dois.
Três.
Três gomos de um lado e três do outro.
— Você é tão gostoso — provoco, envolvendo o pau com a minha
mão. A extensão dura pulsa de leve com o meu toque.
Quente.
Intenso.
Feroz.
O olhar de Landon me instiga a provocar ainda mais. Então, eu desço
com meus dedos até as bolas e massageio de leve, baixando meu corpo e
ficando de joelhos na frente dele.
— Segura os meus cabelos — peço e isso o faz conter um grunhido
com muito esforço.
Landon enfia a mão nos meus cabelos e os prende em forma de um
grande rabo de cavalo, segurando com firmeza, mas sem forçar demais.
Quando sinto a expectativa dele, molho meus lábios e me aproximo
da cabeça do pau, lambendo bem lentamente e provocando a glande com a
minha língua.
Vou descendo com a língua e percorrendo a extensão, deixando-o bem
molhado com a mistura da minha saliva e do pré-gozo.
Eu faço o percurso de volta, brinco mais um pouco com a cabeça e,
então, o mergulho dentro dos meus lábios, começando um vai e vem
molhado e quente.
Com uma das minhas mãos, seguro na coxa torneada dele e, com a
outra, aperto as bolas e começo uma carícia, enquanto aumento o ritmo em
que o chupo.
Landon grunhe e eu sinto mais um pouco do pré-gozo correr pela
minha garganta, me deixando ainda mais excitada.
— Diabinha... assim eu não aguento.
— Ótimo — declaro, aumento a fricção da minha mão e lambendo-o
ainda mais. — Você pode resistir ou se entregar, a decisão é sua.
Chupo mais um pouco e ele acaba fechando os olhos, segurando meus
cabelos, mas sem impor qualquer pressão. Eu aproveito que estou no
controle e o domino com a minha boca e minhas mãos, sentindo seu gosto
delicioso e aproveitando cada segundo.
— Catherine — ele grunhe, me fazendo levantar e me empurrando
com delicadeza para dentro do box.
Landon liga o chuveiro e dosa a temperatura. Então, mergulha meu
corpo sob a água e me vira de costas.
Sua boca paira sobre meus ombros e pescoço e ele chupa a minha
pele sem qualquer cuidado, me fazendo sentir crescer a necessidade de tê-lo
me tocando nos pontos mais sensíveis.
Minha bunda roça na ereção e ele escorrega a mão pelo meu quadril.
Depois vai, devagar, buscando o caminho no meio das minhas pernas, até
achar o ponto sensível que ele pressiona com vigor, massageando-o em
movimentos circulares.
Fecho os olhos e posiciono minhas mãos na parede, precisando de
esforço para não amolecer.
Sem tirar os dedos que me incitam a gozar, Landon posiciona o pau
bem na entrada e, devagarinho, vai mergulhando dentro de mim.
— Essa bocetinha já tá toda meladinha pra mim — ele sussurra e
morde a curva do meu pescoço.
Começo a gemer conforme ele me preenche mais e mais.
— Rebola no meu pau, Catherine, e goza pra mim — ele pede e eu
começo a rebolar, me entregando inteiramente ao prazer.
É como se todo meu corpo vibrasse, seguindo pelo caminho que ele
leva com o pau que me abre e me completa.
— Meu Deus, Landon, eu vou gozar — choramingo, deixando que o
prazer me arrebate em ondas, numa espiral envolvente e sexy que não dá
qualquer margem para escapatória.
Eu gozo gemendo bem alto o nome dele e isso o faz empurrar-se com
mais força, rugindo conforme encontra o próprio prazer.
— Deliciosa — sussurra, puxando os dedos do meu clitóris e levando
aos lábios. — Gostosa pra caralho.
— Isso é sexy — falo, mordendo meu lábio.
— Encaixe perfeito — ele diz, ao tirar o pau de dentro de mim e me
envolver num abraço. — Me prometa uma coisa, Catherine.
— O que é? — pergunto, deitando minha cabeça no seu peitoral forte
e deixando que as batidas apressadas do seu coração encham meus sentidos.
— Prometa que vai passar essa noite comigo. Não vá embora,
diabinha.
— Você é meu chefe... não devíamos.
— Amanhã nós pensaremos nisso, vamos só ficar juntos essa noite,
ou melhor, esse final de semana e aproveitar. — Ele ergue meu queixo com
carinho e me faz olhá-lo por baixo dos meus cílios molhados. — Promete,
diabinha. Promete que não vai embora.
Beijo o lábio cheio e suculento e suspiro.
— Prometo.
Vê-la ir embora é praticamente uma tortura, ainda mais depois de
passar praticamente o final de semana todo me enterrando no meio das suas
pernas e comendo a bocetinha gostosa.
Catherine é tão teimosa.
Ela já está decidida que não importa que o nosso entrosamento seja
ainda mais forte do que nossas discussões, a química e a atração também
não importam. Ela está decidida a se afastar de mim, se isso significar que
vai continuar no emprego.
Mesmo que tenha sido perfeito.
Mesmo que eu não consiga parar de pensar nela.
Pareço um adolescente, sofrendo por uma garota bonita que está me
rejeitando. Isso não vai ficar assim, não vai mesmo.
Essa diabinha me deixou provar seu sabor delicioso e agora eu quero
muito mais disso e não vou desistir assim tão fácil.
Então passo o resto do meu final de semana pensando em maneiras de
convencer minha secretária de que o que temos é melhor do que seu cargo.
Penso em suborná-la com uma promoção, mas acho que isso só a
faria se afastar mais e ainda acabaria sendo processado ou acabasse levando
um chute na bunda, Catherine não é do tipo que leva desaforo para casa.
Talvez eu deva demiti-la... e acabar com outra secretária doida na
minha vida? Melhor não fazer isso.
O jeito é ignorar o fato de que somos chefe e secretária e não deixar a
diabinha escapar da minha vida.
Acho que tenho uma ideia.
Chego antes de todo mundo ao escritório e a primeira coisa que faço é
colocar o máximo de tarefas em dia. De repente, me sinto animado e
renovado e poderia trabalhar em alto nível de eficiência o dia todo, ainda
mais sabendo que ela logo deve chegar.
Minha diabinha não perde por esperar.
Quando Catherine chega, estou com a cortina da sala fechada e a
porta também. Sei que ela vai ficar curiosa e provavelmente vai chegar
cheia de coisas para falar, mas não tenho planos de escutar nenhuma
desculpa que justifique nosso afastamento.
— Catherine, você pode vir aqui? — peço por telefone e ela assente,
um pouco mais calada do que o normal.
Assim que entra na minha sala, Catherine estaca no lugar ao se dar
conta de que estou sem camisa e começando a desabotoar a minha calça.
— O-o qu-que está fazendo? — ela pergunta atrapalhada.
— Trocando de roupa — minto e ela dá uma olhada ao redor,
procurando a roupa que vai vestir.
— Mentira — crispa e seus olhos percorrem meu corpo numa fração
de segundo.
Por causa do seu olhar faminto, meu pau lateja na cueca e eu me vejo
praticamente arrancando minha calça.
— Verdade — minto outra vez e ela sacode a cabeça numa negativa
inconformada. — A menos que você prefira que eu não vista nada.
— Aí está — ela declara num tom vitorioso. — Sabia que é uma
armação.
— Juro que não — continuo com minhas mentiras descaradas, mas
desta vez eu avanço na direção dela e a envolvo nos meus braços. — Tudo
bem, é mentira.
— Landon — ela geme meu nome e isso me deixa louco.
Puxo Catherine para a minha mesa e a deito de costas, sem dar tempo
para que ela pense.
— Estou com saudade da sua bocetinha — falo, puxando o vestidinho
executivo dela para cima e expondo uma calcinha preta que ressalta a pele
alva. — Tão gostosa.
— Landon... não podemos.
— Podemos — discordo e ela geme quando afasto a calcinha e passo
meu dedo. — Você não quer? Meladinha assim eu acho que quer.
Ela geme outra vez e eu tiro meus dedos, pairando sobre ela e
puxando o seio de dentro do vestido.
Chupo o bico duro com força e ela enfia a mão nos meus cabelos,
enviando ondas de desejo por cada uma das minhas terminações nervosas.
— Diga que não quer e eu paro, Cathy — falo, torcendo para que
minha boca seja mais convincente no seu mamilo.
Chupo o outro seio e ela geme alto.
— Droga, Landon, você é...
— Implacável? — provoco.
Grunhindo, Catherine sai de cima da mesa e me empurra contra a
cadeira.
— Você vai pagar por isso.
Ela praticamente arranca a minha cueca e a joga no chão, tomada por
uma fome que põe fogo no meu corpo.
Catherine se posiciona no meu colo, sentando devagar sobre o meu
pau e me engolindo inteiro.
— Porra, Catherine, isso é bom — grunho, puxando a ponta de trás do
seu cabelo e assentando minha outra mão na sua lombar, para ditar o nosso
ritmo.
Cathy contorna meu pescoço com os braços, sem parar de subir e
descer. Ela morde meu ombro devagar, molhando a pele já quente pela
nossa proximidade.
— Com força, Landon — pede no meu ouvido e sua voz não passa de
um sussurro.
Eu levanto da cadeira e, com ela ainda enganchada ao meu pau, nos
levo para o sofá que fica na outra ponta da sala. Eu me sento e recosto na
guarda.
Ela então firma as mãos no encosto e continua subindo e descendo,
gemendo meu nome e me levando a loucura.
Quando Catherine fecha os olhos, eu começo a me empurrar com
mais velocidade para dentro dela, aumentando a fricção que meu corpo faz
no seu ponto sensível, enquanto a preencho com toda a minha extensão.
— Landon! — ela chama meu nome seguidas vezes e isso desperta
meu lado mais selvagem.
— Olha pra mim, Cathy — peço e ela abre os olhos profundos e
nublados.
Viro Catherine e a deito de costas, pairando com meu corpo e a
invadindo com meu pau. Entro e saio, em busca da minha própria
satisfação, quase desesperado de necessidade.
Ela me aperta dentro da bocetinha, gemendo manhosa quando goza
para mim. É inebriante e delicioso.
É... diferente de tudo que já senti.
Solto um som rouco quando tudo em mim pulsa para dentro dela. Eu
jorro, sentindo meu coração bater com força e percebendo algo que vai
mudar tudo.
É mais do que sexo.
É mais do que qualquer coisa que já senti antes.
Estou apaixonado por Catherine.
Saio de dentro dela zonzo com a descoberta que acabo de fazer.
Eu amo a minha secretária. Amo a diabinha que bagunçou a minha
vida.
Aninho-a nos meus braços, mas ela resmunga e se levanta. Vai até o
meu banheiro e volta algum tempo depois, o vestido já no devido lugar.
— Isso é jogo sujo, Landon Scott — ela me acusa com o dedo enriste.
Sento no sofá, pronto para uma discussão.
— Por quê?
— Porque você sabe que tenho um fraco pelo seu tanquinho e usou
isso pra transar comigo.
— Você podia ter me parado — declaro, recostando tranquilamente
no sofá e cruzando as pernas.
Pelado, convencido e... apaixonado.
Ela grunhe, irritada comigo e com ela mesma.
— Você sabe que quer isso.
— Não podemos, Landon — Catherine anda de um lado para o outro.
— Podemos sim.
— Você é meu chefe.
— E nós somos adultos.
— Não é ético.
— Foda-se a ética, Catherine. EU. QUERO. VOCÊ. Que parte disso é
difícil de entender?
— Isso tem que parar.
— Tudo bem — mudo a tática. — É só você resistir ao meu
tanquinho.
— Eu poderia processar você por assédio — ela resmunga, pegando
minha camisa da cadeira e jogando em mim. — Cubra esse maldito
tanquinho.
Levanto e pego a camisa, mas não a visto. O que faço é o oposto.
Ainda nu, seguro a mão de Catherine e a trago para os meus braços.
O cabelo ondulado rebelde cai sobre os olhos e eu puxo uma mecha
com cuidado, colocando-a atrás da orelha dela e finalmente encontrando
seus lindos olhos.
— Você só precisa admitir que quer isso tanto quanto eu.
— Não posso — ela sussurra e há uma nota de dor na sua voz que me
preocupa.
— Do que tem medo, Cathy?
Ela suspira e deita a testa no meu peito.
— Por favor, Landon, não insista mais. Nós temos que fingir que
nunca aconteceu e seguir adiante.
— É o que você quer? — pergunto e ela assente, fazendo um nó se
formar na minha garganta. — Tudo bem, vamos fingir que nunca
aconteceu.
— Obrigada.
Catherine se afasta de mim e segue até a porta.
— Catherine... — chamo antes que ela saia.
— Sim?
— Vou fingir que não aconteceu, mas não vou fingir que não quero
que aconteça de novo.
— Landon...
— Quero você diabinha e não costumo desistir do que eu quero.

Passo metade do meu dia inquieto e distraído.


E a culpa é dela, que revirou minha vida do avesso, me fez amá-la e
agora me diz que não posso tê-la.
Não sei o que a machucou a ponto de fazê-la fugir do que sente, e
sim, eu tenho certeza de que ela também está sentindo isso. Catherine
Pierce sente alguma coisa por mim. Bom, agora só preciso convencê-la a
superar o que a está impedindo e se entregar ao que podemos ter.
Ou ela pode se demitir e sair da minha vida e, neste caso, o recado
ficará claro e eu me afastarei.
Enquanto ela não fizer isso, não vou desistir.
Pego o telefone e aperto o ramal dela.
— Catherine, venha à minha sala.
— Você está vestido? — pergunta com a voz cheia de desconfiança.
— Sim — respondo, rindo.
Ela sabe que não vou desistir dela.
— Mentiroso. Sua voz não me engana, aposto que está sem camisa.
— Catherine.
— Landon, nós combinamos. Temos que parar com isso — a diabinha
insiste, mas eu posso ser ainda mais persistente e teimoso do que ela.
— Catherine Pierce, venha já aqui ou vou sair nu do meu escritório e
mostrar pro andar todo o que é que você está rejeitando.
— Você não faria isso.
— Quer apostar?
— Droga, isso é chantagem — ela grunhe e eu rio.
— É, parece que o feitiço virou contra a feiticeira.
— Como assim?
— Não esqueça de todas as vezes que me obrigou a fazer o que eu
não queria. Venha aqui e é melhor estar sem calcinha, porque quero lamber
essa sua bocetinha gostosa toda.
— Ah, Deus — ela geme baixinho e sinto que estou vencendo essa
batalha.
— Vamos, diabinha, você sabe que quer.
— É a última vez.
— Certo. Última vez de hoje.
Ando de um lado para o outro, tentando obrigar meu corpo a ficar em
casa e não sair correndo atrás dela.
Catherine está tentando resistir e sei que se eu deixar, ela vai se
afastar e manter nossa relação o mais profissional que puder, só que não
posso aceitar isso.
Eu quero muito mais.
Quero tudo com ela.
Cada uma das complicações, das maluquices e discussões.
Prefiro passar o dia discutindo por causa do café e do sanduíche do
que ficar sem ela por um minuto que seja.
Certo.
É isso.
Eu a amo e preciso fazê-la entender que também pode me amar, que
não tenho a intenção de magoá-la e que, apesar do meu humor terrível, sou
capaz de fazê-la feliz.
Decidido, visto minha jaqueta e pego a chave do carro e a carteira de
cima da mesa. Vou atrás dela exatamente como faria um adolescente
vivendo seu primeiro amor. Vou lá derrubar as barreiras de
Catherine e fazê-la minha.
Assim que abro a porta do apartamento, eu a vejo parada com a mão
no ar. Linda como sempre, mas com uma expressão um pouco maluca no
rosto.
— Eu ia bater — diz, a voz baixa e cortada. — Eu acho.
— Vem — puxo ela pra dentro do meu apartamento e ela não impõe
resistência. — Eu ia mesmo falar com você.
— É?
— Como nós trabalhamos juntos, precisamos esclarecer as coisas —
falo, indicando o sofá e ela se senta, ainda tensa e com as mãos no colo.
— Que bom que você pensa assim — diz, apertando os dedos. — Não
podemos estragar o ambiente de trabalho, é melhor pararmos agora,
enquanto ninguém se machuca.
— Parar? — pergunto, sentando-me ao lado dela.
— Não era isso que você ia dizer?
Respiro fundo e encaro os olhos grandes e caóticos de Catherine. Ela
está ainda mais linda esta noite, com os cabelos amarrados e caindo em
cascata nas costas. A maquiagem leve a faz parecer uma princesa de contos
de fada, uma princesa moderna, vestindo uma calça jeans e uma jaquetinha
de couro por cima de uma camiseta justa. Sexy pra caramba.
— Acho que não fui bastante claro no escritório — decido partir para
o ataque. A diabinha não vai se livrar de mim tão cedo. — Eu quero você,
Catherine. Quero mesmo você.
— Landon... — ela sussurra contrariada. — Isso não é possível.
— Eu sei que você está com medo e não vou mentir, também tô.
Minha ex me traiu de muitas maneiras e isso me ferrou por muito tempo,
mas eu nunca senti o que sinto por você. É louco, fora de controle e não
quero que acabe.
— Você gosta de mim — ela fala, um pouco mais confiante.
— Muito mesmo. E quero ver onde isso vai levar a gente.
— Me desculpe, Landon, você é um bom homem, mas eu não posso
— ela fala, levantando-se abruptamente do meu sofá e rumando para a
porta.
— Então é assim? Você vai fugir como uma covarde?
— Eu não sou covarde — ela retruca.
— Então fique.
— Não posso.
— Pode.
— Por que tudo tem que ser sempre difícil com você? — Catherine
coloca as mãos na cintura e me lança um olhar enviesado.
— Só é difícil porque você está sendo teimosa.
— Eu estou sendo teimosa? Quem é que está insistindo tanto? — ela
aponta o dedo pra mim. — Você é um turrão.
— E você é uma diabinha.
— Droga, Landon!
— Catherine!
Quando dou por mim, Catherine está nos meus braços, cedendo os
lábios para que eu mergulhe entre eles e cave com a minha língua. Ela geme
quando nossas línguas se encontram e eu enfio uma mão na sua nuca, no
meio da cabeleira rebelde.
Minha outra mão vai parar nas costas da diabinha e se assenta com
perfeição no corpo vibrante e intenso.
As mãos dela vêm para os meus cabelos e ela me arranca um
grunhido quando chupa meu lábio inferior, enviando ondas de eletricidade
por cada músculo ansioso por contato.
— Fica — assopro nos seus lábios.
— Não — ela teima, voltando a me beijar.
— Fica, Catherine — insisto, partindo para a curva do seu pescoço e
mordiscando a pele quente e arrepiada. — Fica comigo.
— Não posso — ela sussurra, gemendo baixo quando sente meus
dentes raspando na pele e me apertando contra seu peito.
— Fica — peço e dessa vez ela não resiste, me deixando passar meus
braços por suas pernas e a içando do chão. — Fica comigo — insisto mais
uma vez.
Ela se segura no meu pescoço enquanto eu a carrego para o meu
quarto. De repente, todas as minhas certezas perdem a importância e só sei
de uma coisa. Catherine em minha vida é certo.
É certo tê-la nos meus braços.
E eu não vou desistir.
Deito-a de costas na cama e me afasto um pouco, para observá-la com
atenção.
Catherine mantém os olhos em mim e eu começo a me despir.
Primeiro tiro minha camisa, desabotoando aos poucos e deixando a
mostra o meu abdômen e músculos. Ela remexe na cama, mas não faz
menção de sair.
Em seguida, tiro meus sapatos e os deixo num canto, arranco as meias
sem qualquer cuidado e parto para as calças.
Fico apenas com a cueca boxer e minha ereção empurra contra o
tecido, se destacando de imediato. Catherine lambe os lábios quando seus
olhos descem até o meu pau.
Sexy, ela se senta na cama e tira a jaqueta, jogando-a do outro lado da
cama. Depois tira a blusa e exibe o sutiã branco de meia taça, com uma
renda na borda que a faz ficar ainda mais sensual.
Caminho até ela quando se levanta e começa a tirar a calça, exibindo
uma calcinha pequena e de renda, que envolve a bocetinha gostosa e me
deixa ansioso.
— Eu fico — ela diz, preenchendo meu coração com um sentimento
novo e profundo.
Catherine vem até mim e envolve os dedos na borda da minha cueca,
baixando-a até que ela se cai nos meus pés. Com a mão firme, ela cobre a
minha extensão e começa a acariciar, num movimento lento e ritmado de
sobe e desce.
Minha mão vai para os cabelos dela e eu puxo seu rosto para que
nossas bocas se encontrem. A boca dela se abre e me dá acesso e eu a
invado com a minha língua, iniciando um movimento brusco e sedento.
Catherine mantém a mão no meu pau e deixa escapar um gemido
quando eu me inclino um pouco e enfio minha mão na sua boceta.
Molhada, ela afasta as pernas e eu enfio dois dedos, entrando no ritmo
em que ela faz o vai e vem no meu pau.
Nós sintonizamos e tudo o que existe agora é o som do prazer que
somos capazes de provocar um no outro. Até que ela vai amolecendo na
minha mão, gemendo mais ansiosa.
— Deita na cama, Cathy, quero te chupar — rosno e ela geme,
praticamente se arrastando para a minha cama e se deitando de costas.
Catherine abre as pernas e vai com os dedos até o clitóris,
movimentando-o com um pouco de pressão e enquanto sua outra mão
aperta o bico do seio. É excitante pra caramba vê-la se tocando pra mim.
Subo na cama e me encaixo entre suas pernas, baixando meu rosto e
lambendo a parte interna das coxas dela. Isso a faz gemer mais alto e
choramingar, me dando permissão para prosseguir com a língua e levá-la à
loucura.
Passo a língua desde a fenda melada até o ponto mais sensível, que a
faz se contorcer e arquear os quadris.
— Caramba, Landon, isso é tortura — ela choraminga.
— Quer que eu pare? — provoco, me afastando do clitóris inchado.
— Nem pense em fazer isso — ela reage apertando com força o
lençol ao lado do corpo. — Eu quero mais.
Volto com a minha boca ao clitóris e o chupo, depois imponho
pressão com a língua e começo a lamber, sabendo que isso a deixa muito
mais excitada e completamente entregue a mim.
O sabor de Catherine se mistura com a minha saliva conforme a
empurro para uma onda de prazer que a faz se contorcer inteira, gemendo
mais alto e sem controle.
— Landon, por favor — ela pede, a voz amolecida.
Eu enfio dois dedos na bocetinha outra vez, juntando o vai e vem com
o movimento da minha língua.
— Abra os olhos, quero que você me veja te fodendo com a boca e
com os meus dedos — rosno e ela geme, mas faz o que peço. — Goza pra
mim, Cathy. Goza bem gostoso na minha cara.
Catherine começa a impulsionar o quadril para cima, aumentando o
contato da minha boca e dedos com o seu corpo. Seus olhos nublados pelo
prazer se entregam e ela os fecha no mesmo instante em que a boceta aperta
meus dedos dentro.
Com a mão livre, acaricio meu pau, que já está implorando para entrar
nela.
Catherine leva alguns instantes para se recompor, mas isso não me faz
tirar os dedos de dentro dela, pelo contrário, mantenho o vai e vem, só que
de um jeito lento e ritmado, intenso e possessivo.
— Minha vez — Cathy fala, sentando-se na cama e me empurrando
com as costas e a cabeça para o travesseiro. — Minha vez de sentir seu
gosto.
— Sou todo seu, diabinha.
— Então vou aproveitar — ela declara, afastando minhas pernas e se
posicionando entre elas.
Catherine se senta na minha cintura e não encosta no meu pau, me
torturando de propósito. Então, inesperadamente, ela se deita no meu peito,
roçando os seios durinhos na minha pele de um jeito erótico.
Sua boca vem até a minha e ela morde e chupa meu lábio inferior,
migrando para o meu queixo e depois para o meu pescoço. Segue plantando
beijos pela curvatura, até que paira sobre meu ombro e o morde de leve.
Contenho um grunhido de tesão, me obrigando a permitir que ela nos
conduza do jeito que está fazendo e no seu tempo, mesmo que a
necessidade de me afundar na sua boceta deliciosa seja avassaladora.
Ela desce com a boca pelo meu peito e vai seguindo pelo abdômen,
plantando beijos molhados e dando mordidinhas leves. Isso vai me
empurrando cada vez mais para o abismo profundo do prazer, me fazendo
cruzar a linha de onde não se pode mais voltar.
E eu me entrego.
Quando ela mordisca a parte interna da minha coxa e acaricia minhas
bolas, sinto que estou prestes a explodir e jorrar.
— Porra, Catherine, isso é gostoso pra caramba.
Assim que termino de falar, ela passa a língua quente na cabeça do
meu pau, enviando uma onda de prazer que percorre cada uma das
terminações nervosas do meu corpo.
Grunhindo, eu seguro os cabelos dela e tento não impor força,
mantendo o ritmo que ela mesma dita, ao lamber meu pré-gozo e depois
mergulhar meu pau todo na sua boca.
É bom demais.
É quente.
Impossível de conter.
A junção do toque nas minhas bolas e a boca quente que faz um vai e
vem longo e profundo me leva para além da linha de chegada e quando me
dou conta, estou jorrando minha porra dentro dos lábios perfeitos da minha
diabinha.
Ela permanece chupando mais um pouco, diminuindo a velocidade e
mantendo a sensação pelo máximo de tempo que é possível.
Isso é incrível e quando abro os olhos, sinto que estou pronto para
enfrentar qualquer desafio por essa mulher.
Nada vai me fazer abrir mão dessa sensação de estar com alguém que
preenche meu desejo e meu coração.
— Me desculpe, Catherine — digo, puxando-a para os meus braços e
a fazendo me encarar de frente. — Mas não posso deixar que você se afaste.
— O que isso quer dizer? — ela pergunta, com a voz baixa e suave.
— Que vou fazer qualquer coisa pra ter você na minha vida.
Não acredito que eu fiz de novo.
Quanto mais digo que vou me afastar e que não vou mais ceder e
transar com Landon, mais eu faço justamente isso. Me sinto uma fraca
quando diz respeito a dizer não.
Ele também não facilita a minha vida, vamos ser honestas.
Lindo, sexy e decidido a me deixar maluquinha, ele não perde uma
oportunidade para me tentar com aquele corpo perfeito e a pegada firme.
E, Santo Deus, que pegada é essa que ele tem que me faz amolecer
completamente?
Resmungo comigo mesma enquanto jogo meus sapatos para o lado e
rumo para a cozinha. Coloco água para esquentar e pego uma caneca para
preparar um chá.
Meu celular toca e a foto de Kit Kat, minha irmã caçula e intrometida,
aparece na tela. Aperto o botão e posiciono o celular em cima do armário,
para poder continuar com o que estou fazendo enquanto conversamos.
— É bom que você tenha um excelente motivo para não ter
respondido nenhuma das minhas mensagens — ela reclama quando aparece
na tela. O rosto perfeito e rabugento de sempre.
— Estava ocupada, não tive tempo de ver as mensagens ainda, mas ia
fazer isso depois, com um chá — me esquivo do assunto. — Quer um chá?
— provoco e ela estala a língua.
— O que está escondendo, Cathy? — Ela aperta os olhos e sei que
não vai me deixar escapar.
— Eu estava com alguém... pronto, falei — declaro, pegando a água
quente e despejando na caneca, sobre o pacotinho de chá.
— Mentira!
— Verdade.
— Com quem estava?
— Com o meu chefe — decido admitir o problema, talvez minha irmã
possa me ajudar.
— O bonitão mal-humorado?
Pego o celular e a minha caneca e caminho até o sofá. Puxo uma
manta sobre as minhas pernas e então encaro minha irmã.
— Ele mesmo.
— Maninha, dessa vez você se superou — ela cantarola, toda
animada. — E, aí, como foi? Vocês ficaram?
Solto um grunhido que a faz rir.
— Você transou com o seu chefe estressado?
— Transei e agora não sei como me livrar dele — confesso e minha
irmã solta uma gargalhada ainda maior.
— E por que você quer se livrar dele?
— Porque ele é meu chefe, Kit Kat.
— Um chefe gostoso.
— E bom de cama — resmungo. — É tão difícil dizer não.
Minha irmã dá outra das suas gargalhadas divertidas.
— Escuta bem o que eu vou te dizer, Cathy. Você é jovem, linda,
inteligente e livre.
— Não sou livre — crispo de volta. — Não sou, não posso trair o
Adam.
— Não é traição seguir adiante. Você tem esse direito.
— Não.
Kathleen respira fundo e solta um suspiro profundo.
— Eu sei que você ainda sofre, mas a vida segue o seu rumo e você
não pode perder as oportunidades.
— Oportunidades?
— Para alguém com a sua inteligência, de vez em quando você
demora a perceber as coisas — ela implica. — Vamos lá. Como você se
sente quando briga ou discute com o seu chefe?
— Desafiada.
— Como ele te faz sentir quando se aproxima ou quando a olha?
— Quente.
— E quando ele não a olha?
Penso por um momento.
— Meu Deus, estou apaixonada pelo meu chefe.
— Touché! — Minha irmã comemora.
— Ai, não. Não. Não. Não posso.
— Claro que pode e merece. Você merece toda felicidade do mundo,
maninha. Só precisa se permitir.
Me permitir.
Eu preciso me permitir.
Alguns dias depois
Landon tira a camisa e firma os punhos no chão, se preparando para
fazer flexões.
— Não foi isso que eu quis dizer quando falei pra você se exercitar —
reclamo, me derretendo para os músculos desenhados nas costas perfeitas
do meu chefe barra rolo barra sei lá mais o quê.
— Você disse que eu devo me exercitar, eu faço flexões com peso. E
como não estou nem na academia e nem em casa, você será meu pesinho.
— Se eu subir nas suas costas você vai acabar machucado. — Coloco
as duas mãos na cintura, tentando argumentar com um homem sem camisa
que não cansa de me levar à loucura. — Pare de me provocar.
— Você não pesa quase nada — ele retruca, se levantando e vindo na
minha direção, para me pegar no colo.
Dou uma corridinha pela sala, apontando meu indicador e apertando
minhas sobrancelhas.
— O bastante para tirar sua coluna do lugar — crispo, mas ele ri alto
e gostoso.
— Não seja convencida, diabinha, eu consigo.
— O que eu ganho se você não conseguir? — Cruzo os braços,
sabendo que ele vai acabar conseguindo o que quer, porque sou mole e
sempre cedo quando se trata de deixar Landon tocar em mim, decido que
vou, pelo menos, tirar algum proveito da situação.
— O que quer? — ele me encara divertido.
— Quero que você use a barriga da empatia por um dia — solto sem
nem pensar direito.
Landon estala a língua e nega com um meneio.
— Imagina que lindo, executivo grávido. — Ele faz um gesto que
imita uma barriga falsa na frente dos músculos do abdômen.
— Você sabe que é ciência, né? Não seja tão preconceituoso —
resmungo. — E vista a camiseta, pelo amor de Deus, isso é tortura.
— Não é preconceito, Cathy, eu só não me vejo grávido em um futuro
próximo. — Ele alisa a barriga dura e desenhada.
— Se você tem medo... — decido apelar para o enorme orgulho do
meu chefe.
— Tudo bem, mas se eu ganhar, você vai trabalhar sem calcinha por
uma semana e não vai tentar me impedir de te chupar pelo menos uma vez
ao dia — ele decide, cruzando os braços de um jeito rabugento e sexy e me
fazendo apertar as pernas pelo desejo que rapidamente aparece quando ele
fala coisas assim.
O calor percorre cada pedaço da minha pele e se afunda entre as
minhas pernas, fazendo o ponto sensível latejar de desejo. Não seja um
traidor corpo, controle-se.
— Isso é muito mais do que eu pedi — argumento.
— Você pode pedir qualquer coisa... posso trabalhar sem cueca se
quiser — solta sem qualquer pudor ou vergonha.
— Landon Scott, você é um tarado — acuso-o e ele solta outra
gargalhada divertida.
— Não, eu sou inteligente. Sei o que quero e não jogo pra perder.
— Quer dizer que eu sou um jogo pra você? — faço um bico e isso o
deixa mais determinado ainda.
— Quer dizer que convencer a você a não escapar de mim é um
desafio que eu não pretendo perder.
— Veremos se você é tão forte quanto diz. — Aponto para o chão. —
Vamos lá, chefão, me mostre do que é capaz.
— Tudo bem, diabinha, já pras minhas costas. — Ele se lança com
agilidade para o chão, ficando com o dorso firme para que eu me sente nas
suas costas. — Isso sim é jeito de começar o dia.
Começo a rir, tentando me equilibrar em cima das costas fortes do
homem que vem, pouco a pouco, se infiltrando no meu coração e
desmontando todas as barreiras que criei quando perdi minha primeira
chance de amor.
— Ah, Deus, você vai me derrubar — solto em forma de um gritinho
quando ele se ajeita e eu balanço.
— Confia em mim, Cathy?
— Confio.
— Ótimo. — Ele começa a fazer flexões e eu começo a rir ainda
mais.
Então, como se a coisa toda já não fosse maluca demais, a porta se
abre num rompante e a pessoa que eu vejo me faz cair de bunda no chão,
tamanho o susto.
— Landon Scott, o que está acontecendo aqui? — é a voz de Mary
Hope Scott, a avó de Landon e dona da empresa.
— Vovó?! — Ele pula e fica de pé em um único impulso. Depois vem
até mim e me ajuda a levantar.
— Landon...
— Pois é, Landon, o que está acontecendo aqui? — Decido infernizá-
lo, fazendo uma cara diabólica que me faz merecer o apelido que ele me
deu.
— Ativação do cérebro — ele praticamente despeja as palavras e eu
acabo tendo certeza de que ele sabe do meu projetinho com o pessoal do
escritório. Ele sabe da ginástica que fazemos.
— O quê? — ela pergunta, transitando o olhar dele para mim. Dou de
ombros e me faço de desentendida. Ele que se resolva com a avó, não quero
acabar no olho da rua por dormir com meu chefe.
Meu Deus, isso é tão clichê.
Mas é um clichê tão bom.
— Exercícios pela manhã ajudam a melhorar o desempenho do dia...
— ele se apressa a explicar.
— Desempenho, é? — A avó de Landon dá uma olhada de cima
abaixo, pairando brevemente na ereção e depois desviando o olhar. Pois é,
fomos pegos no flagra.
— E ajudam na criatividade, na manutenção da boa pressão arterial
— decido ajudá-lo antes que ele acabe confessando a verdade e nos meta
numa situação ainda mais complicada.
— Tudo em nome de um ambiente de trabalho saudável e para que eu
não acabe infartando — ele parece um menino tentando enganar a avó que
acaba de pegá-lo roubando um doce antes do jantar.
Pra não perder a deixa, eu apenas assinto solene.
— Meu Deus, os jovens de hoje têm cada coisa.
— Bom, se está tudo resolvido e vocês puderem me dar licença —
aproveito a deixa e me mando, deixando os dois sozinhos para resolver seja
lá o que for.
Cerca de uma hora depois, Mary sai da sala do neto e parece estar
muito disposta. Eu sorrio, tentando esconder meu constrangimento.
Ela para perto da minha mesa e comenta sobre ter colocado o meu
presente em um quadro maior, exposto no meio da sua sala.
— Eu sei que é cafona, mas passei da idade de dar bola pra
convenções — diz, pensativa.
— Eu faria a mesma coisa.
Eu gosto dos Beatles e adorei quando encontrei o autografo com
certificado, mas não sou tão fã quanto ela e fico muito feliz de saber que
meu presente realmente a deixou mais feliz.
— Me diga uma coisa, Catherine, Landon sabe quem você é? — ela
me lança um olhar sereno.
— A senhora sabe? — pergunto engolindo em seco, ao me dar conta
de que ela está falando do meu passado. — A senhora sabe quem eu sou.
— Sei.
— Há quanto tempo?
— Desde sempre. Nada acontece na minha empresa ou na vida dos
meus netos sem que eu saiba — declara, mas não há julgamentos no seu
olhar e isso me deixa confusa.
— E não vai me demitir?
— Não, você é secretária do meu neto, não minha.
— Obrigada — sussurro, olhando pela parede envidraçada e pegando
os olhos atentos de Landon focados no computador a sua frente.
Lindo, inteligente, e com um coração que ainda é um enigma pra
mim.
— Por que todo esse mistério? — ela chama minha atenção.
— É complicado — é tudo que sai pela minha boca.
— Complicado demais para arriscar tudo? — é a vez de Mary se virar
na direção do neto e eu entendo. Ela sabe o que está acontecendo entre nós
e algo me diz que ela sabe o que eu sinto.
Ou pelo menos desconfia.
— Eu... ele não vai entender — admito meu medo em voz alta pela
primeira vez.
— Landon é um bom homem, Catherine. Se você está apaixonada
pelo meu neto, não esconda coisas dele, ainda mais as importantes, não
espere demais. Meu neto não é bom em confiar nas pessoas.
É isso, então?
Eu sei que estou apaixonada por Landon, mas é só isso?
Não. Não é só uma paixão.
Eu o amo.
Eu realmente o amo.
— Eu vou contar. Só não achei a oportunidade — barganho.
— Vocês terão uma boa oportunidade durante a viagem.
— Viagem?
— Sim. Vocês vão dar início em um projeto pessoal. Vamos comprar
uma concorrente. Aproveite e pense bem, Catherine. O amor não pode ser
desperdiçado, mesmo quando algumas verdades podem ser dolorosas.
— A senhora tem razão e... obrigada, senhora Scott, por me dar a
chance de dizer a ele do meu jeito.
— Já disse que é só Mary.
— Certo, obrigada, Mary.
A avó de Landon vai embora e me deixa ali, com o coração batendo
feito um louco dentro do meu peito. Revirando meu estômago e me fazendo
sentir medo.
Medo de perder Landon.
Medo do que estou sentindo por ele.
Medo.
Medo.
E medo.
Como fui deixar que as coisas chegassem tão longe?
Como permiti que ele se enraizasse tão profundamente no meu
coração e me fizesse amá-lo assim?
E o que é que eu vou fazer?
Landon nunca mais vai confiar em mim.
É tão raro achar alguém que não sabe quem eu sou. O que eu fiz saiu
nos jornais depois que fui processada pela família de Adam. Foi um
escândalo que me custou um pedaço da alma e me obrigou a fazer terapia.
A lembrança do meu terapeuta me dizendo para recomeçar e procurar
um lugar onde eu fosse apenas Catherine e não a cientista premiada que
inventou um equipamento capaz de detectar marcadores genéticos do
câncer com um grau de precisão inigualável me acerta como uma chicotada
forte e dolorosa, praticamente roubando todo o ar dos meus pulmões.
Eu procurei.
E aqui foi o único lugar capaz de me fazer sentir como se Adam
pudesse se tornar uma boa lembrança e não mais o meu maior pecado,
minha maior dor.
Eu abri mão de tudo para lutar contra a doença de Huntington e salvar
o homem que eu amava. Não conseguir, não o salvar me destruiu.
Ser a responsável por sua morte foi o que me fez querer desistir de
vez e me afundou em um abismo sem fim.
Pensei que nunca pararia de cair.
Até que minha irmã me fez ver terapeuta diferente em todos os
sentidos e ele resolveu me desafiar. Como se achar um local onde eu
pudesse recomeçar tivesse se tornado meu objetivo, meu propósito.
Minha primeira tentativa de trabalhar foi em um abrigo de animais,
mas acabei arrumando uma confusão que quase me mandou para a cadeia.
E, então, veio a oportunidade de entrar na Hope.
Por algum motivo que não sei explicar, Alexander gostou de mim e
decidiu me dar a chance que eu precisava para recomeçar.
Landon surgiu com seu jeito turrão e carrancudo, desafiando cada um
dos meus nervos e me fazendo querer irritá-lo mais e mais, só para o ver
fora da sua zona de conforto. Ainda mais depois de descobrir que ele era
obrigado a trabalhar comigo.
Eu queria irritá-lo.
E queria seus raros sorrisos. Seu jeito astuto. A voz.
Em que momento a atração e a implicância se tornaram amor?
Não faço ideia.
E, também, não sei se eu mudaria algo se pudesse voltar atrás.
Landon também me faz sair da minha zona de conforto, tanto quanto
eu o irrito e o faço se adaptar ao novo. Pela primeira vez em muito tempo,
sinto algo além da dor e todo dia cresce a vontade de viver de novo.
Sinto amor.
Eu o amo e preciso contar a verdade.
Catherine me encara irredutível. Ela está decidida a mandar qualquer
outra pessoa comigo na viagem e só de ouvir a palavra Palo Alto a faz
ranger os dentes.
— O que é que há com você? — pergunto, puxando os pés dela para o
meu colo e massageando.
Quando saímos do escritório, ela estava tão estressada e chateada com
a viagem para o Vale do Silício que mudei meus planos de levá-la para
jantar e a trouxe direto para o meu apartamento.
Desde que decidiu parar de fugir de mim e de tentar me afastar, que
nossa rotina se transformou. De brigas ferrenhas no escritório a sexo
molhado no escritório, na minha casa e na dela.
Acho que gosto muito dessa fase.
— Vamos, diabinha, vai ser muito bom. Depois de resolver a questão
da compra nós podemos tirar alguns dias pra descansar.
— Férias? — ela pergunta, ainda com a expressão carrancuda no
rosto.
— Dias de descanso... — contra-argumento e ela resmunga algo que
não entendo bem.
Depois do jantar, eu a puxei para o sofá e nós estamos assim desde
então. Discutindo sobre ela viajar comigo ou não.
— Você estudou em Stanford, não foi?
— Sim.
— Então conhece a cidade, sabe o que vamos ver lá.
— Exatamente. — Ela aponta o indicador pra mim. — Pare de tentar
me convencer.
— Vamos negociar, Catherine. Me diga o que quer para ir comigo.
— Landon Scott, você está tentando me subornar?
— Estou. Eis minha proposta. Vamos inserir na prática do escritório o
trabalho esterno no parque.
— Isso é pouco. — Ela cruza os braços sobre os seios. — Leve a
Miranda, ela é advogada e vai ajudar muito mais do que eu.
— Mas eu quero você, porque é você que vai ficar nua na minha
cama.
Ela remexe e sinto que estou chegando ao ponto.
— Tudo bem, parque e dinâmica da barriga falsa de vez em quando.
— Droga, você está me manipulando, Landon Scott.
— Parque, barriga falsa e cactos por todo o escritório.
Ela grunhe e sei que ganhei a batalha.
— Vou gostar muito de comprar uma empresa de dia e me afundar na
sua boceta gostosa a noite.
— É bom que você me faça gritar de tanto prazer, seu teimoso, ou vou
fazer greve.
Rindo, puxo a diabinha para os meus braços e a beijo. Eu ainda a
sinto tensa e não consigo deixar de me perguntar o que pode ter acontecido
nos seus anos em Palo Alto que a deixou assim, tão resistente a voltar à
cidade.
Não acredito que acabei cedendo e aceitei viajar com Landon para
Palo Alto. Não acredito. Como é que eu pude fazer isso comigo mesma?
Como posso voltar ao lugar onde tive meus melhores e meus piores
momentos?
Termino de desfazer minha mala e me sento na cama. Landon está no
chuveiro e depois vamos sair para jantar.
Não é que eu tenha medo de encontrar meu pai ou minha irmã, que
ainda moram na cidade e ainda gerenciam minha empresa, ou algum dos
meus antigos funcionários. É só que estar nessa cidade me faz sentir uma
dor imensa, uma ansiedade profunda.
— Você está tão calada — Landon fala ao entrar no quarto. Sua voz
grave me sobressalta e eu levo a mão ao peito, sentindo as batidas fortes
pelo susto. — Você está bem, diabinha?
— Temos que conversar, mas não consigo fazer isso agora — falo,
determinando que em algum momento nós teremos que entrar no pior
assunto da minha vida. Eu precisarei contar a verdade.
— Tudo bem, amanhã depois que eu assinar o contrato, nós podemos
tirar algumas horas pra passear e conversar, serve pra você? — ele propõe
com carinho.
— Sim, obrigada.
Landon me abraça e eu me permito esquecer por algum tempo o que
está me atormentando. Nos seus braços, eu sinto que sou capaz mesmo de
seguir adiante, sou capaz de voltar ao que me fez desconstruir toda a minha
vida e sair inteira depois.
Amanhã vou contar para Landon toda a minha história e ele poderá
decidir se eu ainda valho a pena. Se ele vai querer continuar a história que
começamos ou se deve seguir sem mim.
Depois de jantarmos no quarto e de transarmos no chuveiro porque
Landon não podia esperar até chegar à cama, nós deitamos juntos e ele me
puxa para os seus braços. Eu me aninho e fico algum tempo brincando com
os pelos do seu peito, não são muitos, mas são escuros e densos e gosto de
passar meus dedos entre eles, sentindo a pele quente sob a palma da minha
mão.
— Gosto de ter você assim — Landon fala.
— Eu também — respondo, sentindo o coração compassado do
homem que derrubou minhas barreiras.
— Não quero que acabe, Cathy — ele continua. — Não importa o que
você vai me dizer amanhã, não vou me afastar.
Suspiro, torcendo para que isso seja mesmo verdade e que o que ainda
vou contar não mude seu modo de me ver e o quanto quer ficar comigo.
— Eu te amo, diabinha — ele sussurra, com a respiração pesada e eu
percebo que ele está caindo no sono.
— Espero que você ainda me ame amanhã.
Não sei quanto tempo fiquei remoendo todas as coisas, mas em algum
momento a exaustão tomou conta de mim e eu acabei pegando no sono.
Quando finalmente abro meus olhos, encontro o lugar ao meu lado
vazio. Passo a mão pelo travesseiro e pelo lençol e sinto que está frio. Ele já
foi para o escritório.
Queria que tivéssemos tido tempo para conversar antes da viagem,
mas não tive a coragem necessária para contar tudo. Só que não posso mais
adiar, preciso contar a verdade sobre quem sou e tudo o que fiz. Se vou
mesmo seguir adiante e dizer que o amo, também vou dizer do que sou
capaz por amor.
Ele precisa saber que matei Adam e ter a oportunidade de decidir se
quer me aceitar com todos os meus defeitos, com minha língua sem filtro e
com as minhas dores e pecados. Precisa ter a oportunidade de partir se o
que sentir por mim não for bastante forte para entender o que eu fiz.
Sento na cama e então vejo um bilhete sobre a mesa de cabeceira.
Pego o recado de Landon e não consigo deixar de sorrir.
“Alguém já disse que você parece um anjinho quando dorme?
Imaginei que não. Te vejo no escritório da filial, diabinha. Com amor,
Landon.”
Tudo bem, vamos encarar o dia. Não posso passar o resto da viagem
escondida no quarto.
Eu consigo.
Eu consigo contar a verdade.
Tomo uma ducha rápida e então sigo para o escritório da filial da
Hope em Palo Alto.
Não gosto nem de andar por essas ruas, tudo me faz lembrar de Adam
e da dor de vê-lo morrer. A dor de ser a responsável por isso.
O edifício da empresa fica na área central da cidade, perto de
Downtown Palo Alto Farmer's Market, o mercado de pulgas muito
conhecido por todo mundo da região. Aproveito para pegar um chá em uma
cafeteria no caminho e o bebo enquanto ando pela cidade que um dia eu
amei tanto.
Tenho que admitir que senti saudade até do cheiro de Palo Alto, mas
estar aqui provoca uma mistura de sentimentos. De saudade e amor à uma
dor latente e profunda.
Chego ao prédio da filial da Hope não muito depois e logo sou
encaminhada para o andar onde Landon está se encontrando com uma
advogada que representa a concorrente que será comprada.
Com a correria da viagem e a novidade de estar em um novo
relacionamento com meu chefe, acabei não me inteirando muito sobre a
aquisição. Agora, por causa disso, terei muito o que fazer para auxiliar
Landon e ainda lidar com o que preciso contar.
Saio do elevador sentindo um frio no meu estômago, como uma
sensação de que algo muito ruim vai acontecer.
E o meu instinto não poderia estar mais certo.
Quando chego perto da sala onde o homem por quem me apaixonei
está se despedindo da advogada, vejo algo que faz todo meu corpo congelar.
Meu coração estoura em batidas nos meus ouvidos, as mãos gelam e
sinto que as minhas pernas perdem as forças.
A advogada termina de apertar a mão de Landon e os dois se viram na
minha direção. Ele sorri ao me ver e ela... ela fixa os olhos em mim em
choque.
Claire.
A voz, o jeito de andar, o olhar intenso.
É ela.
— Chegou na hora certa — Landon fala, caminhando na minha
direção e beijando meu rosto. — Você está bem?
Não consigo abrir a boca e isso o deixa em alerta.
— Cathy...
— Catherine Brooks — Claire fala, parando na minha frente.
— Catherine Pierce — Landon a corrige e isso a faz olhá-lo com uma
expressão confusa. — Vocês se conhecem?
— Sim, Catherine foi minha cunhada.
Meu sangue congela dentro do meu corpo e sinto que minha visão
fica turva. Não consigo falar, me mexer ou expressar qualquer ruído.
— Uau, essa é nova — Landon sorri, mas há algo de duro no seu
semblante.
— Oi Claire — é tudo que sai da minha boca.
— Você parece bem, Cathy, é bom te ver.
— Você também — gaguejo.
— Bom, preciso ir, vamos nos ver quando for possível — ela fala,
pegando minha mão e me dando um olhar significativo. — Temos que
conversar.
Claire não me acusa como fez há muito tempo, mas também não
demonstra mais familiaridade do que o de duas conhecidas distantes.
Eu assinto e ela se afasta, se despedindo rapidamente de Landon.
Assim que estamos sozinhos, o olhar dele muda de tranquilo para algo
grande, duro e rude.
— Catherine Brooks?
Assinto, criando forças para começar a falar.
— Aquela Catherine Brooks?
— Sim.
— A cientista que foi processada pela família do marido morto?
— Sim.
Dou um passo na direção de Landon, me preparando para contar, mas
ele recua, os olhos vincados e uma expressão de fúria no belo rosto. Ele
anda de um lado para o outro por um tempo, sem olhar pra mim.
— Como eu não vi? Como não reconheci? Você saiu em todos os
jornais.
Eu sei que chegou a hora de contar a verdade, mas lembrar é como
passar uma faca afiada em todo o meu corpo, de dentro pra fora.
— Landon... — começo, mas quando ele me encara novamente, sei
que não vai ser capaz de me perdoar. A fúria e a mágoa se misturam no
rosto forte e perfeito.
Eu sei que o perdi.
— Quem é você, afinal?
Cerca de dois anos antes
Adam ergue o olhar triste pra mim. Ele mal consegue se mover desde
que a doença se agravou e isso me faz sentir ainda mais derrotada.
Passei os dois últimos anos lutando para encontrar uma saída para sua
condição. Retardar os efeitos, curá-lo. Qualquer coisa capaz de nos dar um
pouco mais de esperança. Mas eu fracassei.
— Tudo bem, Cathy — ele fala com a voz um pouco enrolada, com
dificuldade por causa da pouca mobilidade, ele ergue a mão até os meus
olhos e enxuga minhas lágrimas. — É minha decisão.
— Não é tão tarde, Adam, por favor não desista ainda — suplico,
olhando o arredor e sentindo uma dor brutal me açoitar o corpo todo. — Me
dá mais um tempo, eu vou conseguir.
— Eu sei que vai, mas estou cansado, Cathy.
— Adam... por favor. — Eu seguro seu rosto pálido. — Por favor, não
me abandona.
— Não vou te abandonar, você é o amor da minha vida, só vou tirar
um tempo pra descansar e um dia... quando você for bem velhinha, vamos
nos ver de novo.
— Eu sou cientista, não acredito nisso — choro, debruçada sobre seu
peito.
Adam acaricia meu cabelo e dá uma risadinha.
— Você pode acreditar um pouquinho? Por mim? — pergunta e eu
ergo meu rosto.
Ele está deitado numa dessas camas de hospital que são grandes e
confortáveis. O tecido branco do lençol está molhado pelas minhas lágrimas
e apesar de ser ele a estar partindo, é também ele que está me consolando.
— Você continua com o mesmo olhar — reclamo, limpando meus
olhos turvos. — Lindo, charmoso e um vendedor nato.
— Só você acha isso — ele reclama. — Só você me acha bonito.
— Mentiroso, você sabe que é o homem mais sexy e lindo do mundo.
— Eu beijo os lábios macios e cansados. — Não posso ficar sem você, não
posso.
— É temporário — ele sussurra, a voz mais fraca a cada momento.
— Não, não é. — Choro ainda mais copiosamente, sabendo que estou
prestes a perder o amor para sempre. — Não sei viver sem você, Adam.
— Não me peça pra ficar, Catherine, é a minha escolha — ele fala
mais incisivo agora, enquanto limpo meu rosto outra vez e tento focalizá-lo
com os olhos turvos. — Você é forte e tem que manter sua promessa e me
deixar partir.
— Não sei se consigo.
— Você consegue, amor. Você é a mulher mais capaz que eu conheço.
Recomeço a chorar, sentindo que perco as forças diante de tudo.
Adam já tomou sua decisão e, como sua esposa, só me resta respeitá-la e
apoiá-lo.
Mesmo que sua família tenha me implorando para impedi-lo, mesmo
que tudo em mim queira que ele continue aqui. É o certo a ser feito.
Seu estado se deteriorou demais desde que o diagnóstico foi feito e
posso compreender que um homem como ele, com uma capacidade
intelectual alta, se sentiu ao perceber que suas habilidades e conhecimentos
começaram a se perder, assim como o domínio do próprio corpo.
Mas não é uma coisa simples. Abrir mão do amor, pelo bem de quem
amamos não é assim tão fácil e isso me destrói.
Arranca um pedaço da minha alma.
— Vamos, querida, me ajude — ele pede e eu suspiro. — Eu vivi
como quis, agora quero partir nos mesmos termos.
Assentindo, abro a bolsa e tiro o medicamento. Mantenho o frasco
preso entre meus dedos trêmulos, sem coragem de seguir adiante.
A diferença entre o suicídio assistido e a eutanásia é sobre quem
aplica a medicação que vai levar a óbito a pessoa. Na eutanásia, é uma
equipe médica especializada, no suicídio assistido, é o próprio paciente.
No nosso caso, estamos em uma clínica que vai nos dar assistência,
mas será Adam quem tomará o remédio com a minha ajuda, ou seja, vou
assassinar meu marido para que ele não sofra mais.
Mesmo querendo dizer não, eu cedo o remédio quando ele estende a
mão.
— Ainda podemos desistir disso, amor, ainda podemos lutar pela sua
vida.
— Eu te amo, Catherine — ele fala, os olhos focados nos meus
enquanto toma a medicação que vai tirá-lo da minha vida para sempre.
Quando eu o vejo, todo meu corpo retesa e a dor me dilacera de
dentro para fora. Ele está indo embora.
Estou perdendo o amor da minha vida.
— Prometa uma coisa, minha cientista. Não desista das pessoas e da
vida, ou vou ficar muito bravo.
— Eu te amo, Adam — me lanço para os braços dele e me entrego às
lagrimas.
Nós nos beijamos uma última vez e então eu sinto a vida dele se
esvair.
Adam não sofre, seu rosto parece tranquilo quando me lança o último
olhar e se entrega para o silêncio.
Ele se vai.
E eu fico.
— Eu te amo — falo, beijando o homem que amo pela última vez. —
Eu te amo, Adam.
Com o coração em pedaços e sem conseguir mais perceber as coisas
ao redor, eu levanto e cambaleio. Todo o ar escapa dos meus pulmões e meu
coração acelera.
As pernas amolecem e eu me entrego a toda dor de perdê-lo.
Quando dou por mim, braços fortes estão me impedindo de cair no
chão.
Eu choro com toda a força que há em mim.
— Papai tá aqui, querida, pode chorar — ouço a voz do meu pai e
então ergo os olhos.
Ele está com lágrimas nos olhos e minha irmã está ao nosso lado,
chorando junto comigo.
— Eu o perdi — é tudo que sai da minha boca e então eu volto a
chorar com força, sem me importar com mais nada. — Eu o perdi.
Dias depois
A porta do quarto na casa do meu pai é aberta com força. Estalando
contra a parede e me fazendo chiar num resmungo.
Eu nem mesmo ergo minha cabeça do travesseiro.
Não quero ver ninguém, não quero ouvir nada. Só quero que a dor vá
embora.
— Me deixa em paz — sussurro.
— Deixar você em paz? Você matou o meu irmão, sua desgraçada —
a voz da minha cunhada me faz sobressaltar. — Você matou o Adam e acha
que vai sair livre?
Eu me sento com dificuldade e a vejo.
Claire está destruída assim como eu. Os cabelos louros estão
bagunçados e os olhos inchados e vermelhos. Ela também o perdeu e
também está sofrendo.
— Por quê? — pergunta, os olhos esquadrinhando meu rosto em
busca de respostas.
— Ele queria isso.
— Ele não estava pensando direito.
— Ele estava sim, Claire.
— Isso foi tão conveniente pra você, acabou a preocupação, o
trabalho de cuidar de um marido doente...
— É isso que você acha? É isso que pensa de mim?
— Você matou o meu irmão, Catherine.
— Eu sei. — Começo a chorar. — Mas ele estava sofrendo demais.
Eu fiz por amor.
— Nós vamos processar você, vou acabar com a sua raça.
Ela se vira e vai embora, batendo a porta do quarto sem me dar tempo
de explicar e sem a oportunidade de sofrermos juntas pela imensa perda que
acabamos de passar.
Limpo as lágrimas com as costas da mão e pego a caixa na mesa de
cabeceira ao lado. Tiro de dentro um envelope deixado para Claire por
Adam. Não tive tempo de entregar a ela.
Eu poderia enviar pelo correio, mas que espécie de pessoa eu seria se
fizesse isso? Guardo o envelope depois de apreciar a caligrafia do meu
amor e volto a mergulhar sob as cobertas.
Vou resolver isso depois. Agora, não quero sentir a vida em mim.
Quero partir com Adam.
Quero sofrer pela perda e deixar de existir, mesmo que só por um
instante.
Meses depois
— Inocente.
Quando o juiz dá o veredicto, sinto meu coração espancar o peito com
força.
— Suicídio assistido é uma prática legal neste estado — minha
advogada argumentou enquanto juntava as provas de que Adam estava
lúcido quando tomou essa decisão. Foi o suficiente para convencer o juiz,
mas isso em nada mudou o ódio como a família de Adam ainda me olha.
Eu não posso culpá-los, afinal, também me odeio por ter permitido
que ele morresse.
Eu deveria ter lutado, deveria ter feito mais, estudado mais.
Depois de ouvir que sou inocente e não devo nenhuma indenização
para a família do meu marido e que também não devo ser processada
penalmente, eu não presto muito a atenção no que acontece a seguir.
Quando a doença de Adam avançou e ele começou a se sentir
perdendo o controle, abandonei de vez minha empresa e foquei unicamente
em tentar encontrar uma saída para a sua condição. Nada mais tinha
importância, nenhum prêmio, invenção ou propósito.
Só me restava lutar por ele e por sua vida.
À medida que nada acontecia e eu me sentia mais desesperada, Adam
me fez perceber que eu estava perdendo nossos últimos momentos, então
meus dias passaram a ser dedicados a ficar ao seu lado, e minhas noites, aos
estudos e pesquisas.
Talvez se eu tivesse passado mais horas...
Em algum momento dos meus devaneios, eu me afasto da minha
família e sigo para o banheiro, tentando respirar um pouco e tentando
afastar toda a dor que me envolve em um vazio frio e mortal.
Tudo parece trancado dentro do meu peito.
A morte.
A tristeza.
Tudo está me sufocando.
Entro no banheiro do tribunal e sigo direto para a pia. Enquanto deixo
a água correr pelas minhas mãos, ergo os olhos e percebo como minha
aparência está.
Meus olhos estão fundos e olheiras grandes os envolvem, num abraço
triste que me faz perceber o tamanho da minha perda.
Também estou mais magra e meu rosto parece ainda mais fino por
isso.
— Você venceu — uma voz me faz sobressaltar.
— Claire — sussurro, ao vê-la saindo da cabine e vindo até a pia.
— Já pode comemorar, Cathy. Você matou o meu irmão e vai sair
livre.
Não respondo ao ataque. Claire sempre foi próxima de Adam e sei
que ela está sofrendo. Sei que perdê-lo a está machucando muito e por isso
deixo que me culpe e despeje sua dor.
Quando percebe que não vou reagir, ela se vira na direção da porta,
lágrimas correndo pelo rosto bonito que tanto me faz pensar no homem que
amo e que perdi.
Então eu me lembro.
Abro a bolsa e tiro a carta de Adam de dentro, vou até minha ex-
cunhada e estendo a mão.
— O que é isso?
— Não tenho ideia, Adam me pediu que entregasse quando fosse
possível.
— Isso não vai mudar...
— Eu sei — interrompo-a e ela suspira, pegando o envelope lacrado
das minhas mãos.
— Você não abriu?
— É seu e da sua família.
Sem dizer mais nada, eu me afasto dela, dando espaço para que leia a
carta do irmão sem que eu roube o seu momento.
Não vou mentir e dizer que não fiquei tentada. Eu fiquei.
Ler suas últimas palavras me encheria o coração de amor e... de dor.
Mas ele me pediu que entregasse a ela e eu o fiz. Cumpri com a minha
parte, mesmo que isso tenha roubado um pedaço importante da alma.
Assim que cruzo a porta do banheiro, o irmão mais novo de Adam
bloqueia minha passagem. Ele tem os olhos grandes e claros como do meu
marido e a boca fina tem o mesmo contorno, mas o maxilar é levemente
mais marcado e as covinhas ao lado dos lábios também se acentuam mais
quando ele fala.
— Oi Cathy — ele fala baixo, os olhos escaneando meu rosto. —
Você tá bem?
Assinto, mas nós dois sabemos que é uma mentira.
— Ela tá lá dentro?
— Está.
— Sinto muito por tudo — ele diz, me puxando para um abraço
inesperado. — Não odiamos você, só... está doendo.
— Eu sei — minha voz sai em um fiapo, quase sem força. —
Também sinto falta dele.
Connor faz carinho nos meus cabelos e beija a minha testa de um jeito
terno que é o bastante para me desmontar ainda mais.
— Cuide-se, Cathy, você ainda é minha família.
— Obrigada, Connor. Vá, Claire vai precisar de você.
Ele ergue uma sobrancelha confusa, lembrando ainda mais Adam e
me fazendo sentir um aperto terrível e dilacerante.
Assinto e indico a entrada do banheiro. Sem esperar que eu dê mais
explicações, ele se lança lá para dentro.
O que escuto a seguir faz meu coração corroer um pouco mais. O
choro de Claire é tão alto e sofrido que me sinto ainda mais culpada por
tudo.
Eu deveria ter feito mais.
Eu devia ter salvado Adam.

Um ano depois da morte de Adam


— Será que você pode fechar a maldita cortina? — resmungo quando
a luz forte do dia acerta meu rosto e faz meus olhos doerem.
— Já chega, Cathy, é hora de sair da cama — a voz da minha irmã
entra de um jeito cortante e chicoteia minha cabeça dolorida.
— Shiiiiii, tá falando muito alto.
— Você bebeu por acaso? Tá de ressaca?
— Não — resmungo outra vez e ela estala a língua.
— Então se levante agora mesmo — ordena, mas eu puxo a coberta
para cima do meu rosto. — Eu sei que você tá sofrendo, mas está na hora de
sair da cama.
— Não quero, me deixa em paz Kit Kat.
— Já chega, Catherine. Você cuidou de mim quando precisei, agora
vou cuidar de você, nem que pra isso eu tenha que arrancar você dessa
depressão.
— Não estou deprimida, veja. — Tiro meu rosto de debaixo da
coberta e abro um sorriso falso e quadrado. Isso só a irrita mais.
Kathleen se senta na beirada da minha cama.
— Eu te amo, Cathy, mas não suporto mais ver toda essa dor.
— Sinto muito — é a única coisa que consigo dizer.
— Preciso que você faça uma coisa por mim.
— Qualquer coisa por você, Kit Kat.
Minha irmã suspira e sinto que quem está fazendo algo aqui, é ela por
mim. Ela está sendo a irmã mais forte e mais velha, a responsável, apesar de
ser quatro mais nova do que eu.
— Quero que você vá ver uma pessoa... um terapeuta.
— Pode esquecer. — Volto a mergulhar no travesseiro e tento puxar a
coberta para cobrir meu rosto, mas Kathleen me impede.
— Já perdi a mamãe, não vou perder você, Catherine. Então, levante
dessa merda de cama agora mesmo, vá tomar um banho e trocar de roupa.
— Não!
— É isso ou vou me mudar pra sua casa e você vai acabar
descobrindo como eu posso ser chata.
— Droga, você consegue ser tão irritante. — Pulo da cama e vou para
o banheiro. — Odeio você.
— Diga isso depois de conhecer o sujeito, ele é todo diferente, o tipo
de gente com quem você se relaciona.
— O que isso quer dizer? — grito enquanto tiro minha roupa e me
enfio no chuveiro.
— Ele é inteligente e pensa fora da caixa.
— Ou seja, é doido.
— É bom no que faz.
— Que merda, Kathleen, o que foi que você inventou agora?
— Eu? Nada, só estou resolvendo uma demanda social. O mundo
precisa de você, Cathy.
O mundo não precisa de mim, precisa de alguém que não sou mais
capaz de ser, não depois de tudo.
Mais um ano depois
— Você quer me ferrar?
Robert, meu terapeuta, abre um sorriso divertido quando vê o impacto
que sua fala tem em mim.
— Você sabe que não, Catherine.
— Então por que diabos quer me abandonar?
— Porque você está pronta para continuar.
— Não, não estou. Nem perto disso — reclamo, afundando na
poltrona e respirando pesado. — Não posso seguir sozinha.
— Sua vida não pode ser codependente dos nossos encontros — ele
me repreende com paciência.
— Alguém já disse que você é o psicólogo mais estranho e
controverso do mundo?
— Você. — Ele sorri outra vez e isso é enervante.
Vencida, eu suspiro pesado outra vez e então o encaro.
— E o que é que eu faço agora?
— Você segue adiante.
— Como?
— Recomeçando.
— Não sei fazer isso.
— Você me disse que aquela Catherine do passado, que se dedicava a
criar coisas que salvariam vidas, não existe mais, certo?
— Sim.
— Então seja a nova você. Uma nova Catherine.
— Você sabe que isso não é possível, eu sempre fui esquisita e com
manias, ninguém muda assim.
— Ué, você não mudou?
— Eu abandonei minha profissão — retruco entredentes, admitindo a
verdade. Droga de terapeuta, ele sempre tem um jeito de me fazer dizer o
que quer. — Mas no fundo ainda sou a mesma.
— Você pode ser o que quiser, Cathy, só precisa se permitir.
— Como eu faço isso? Mudando de nome? Assumindo o nome de
solteira da minha mãe?
— É um começo.
— E o que eu vou fazer? Sair por aí? Viajar pelo mundo e redescobrir
o prazer de viver?
— Que tal começar com um novo emprego?
— Um novo emprego? — De repente, tudo dentro de mim se ilumina.
— Um emprego onde ninguém saiba quem eu sou e o que eu fiz?
— Um emprego onde você possa descobrir quem é agora, um
recomeço.
— Um recomeço...
Landon escuta minha história com um silêncio mortífero.
Não escondo nada, contando toda a verdade sobre mim e sobre o que
passei até chegarmos aqui. Nem mesmo quando não consigo mais conter as
lágrimas e elas começam a correr pelo meu rosto ele muda sua expressão de
pedra.
— Você me enganou direitinho — diz quando finalmente paro de
falar.
— Não enganei, eu... eu ia contar.
— Quando? Quando nós fôssemos nos casar? Ou quem sabe no dia
que tivéssemos um filho...?
— Landon, por favor. — Eu tento me aproximar, mas ele recua.
— Achei que você fosse diferente, mas é como outra qualquer, uma
traidora, mentirosa.
Fico em silêncio, sem conseguir exprimir qualquer palavra.
— Como é que eu pude me deixar enganar assim? — Landon grunhe,
magoado e raivoso.
— Landon...
— Não, Catherine. Você deveria ter me dito quem era. O que pensou
que ia acontecer? Que a grande e famosa cientista do país ia se tornar minha
secretária e estaria tudo bem? Que me faria amá-la pra depois jogar na
minha cara que foi conivente com a morte do marido?
— Não fui conivente, eu fiz o que era certo pra ele — retruco,
sentindo intensamente ao ataque dele. — Talvez você não concorde, mas eu
fiz o certo. Adam estava morrendo e preferiu partir antes de tudo ficar ainda
pior. Suicídio assistido é o nome do que ele fez. E sim, eu o apoiei porque
era o meu dever, porque eu o amava mais do que tudo.
— E qual será a desculpa quando decidir fazer um aborto por conta
própria? — ele me acusa e isso me deixa furiosa.
— Não fale como se você me conhecesse. Eu jamais machucaria um
bebê. Adam estava morrendo e precisava de ajuda. Eu não sou a sua ex, não
me trate como ela.
— Eu realmente não conheço você.
Landon pega o casaco sobre a cadeira e se afasta, sem voltar a olhar
pra mim. Quando ele me deixa sozinha, batendo a porta com força ao sair,
eu deixo meu corpo cair sobre uma cadeira e me entrego às lágrimas.
Choro com toda a força que existe nos meus pulmões. Por Adam, por
Landon e principalmente por mim mesma.
Quando não há mais nada para colocar para fora, eu busco meu
celular dentro da bolsa e pressiono a tela quando encontro o nome do meu
pai.
— Oi, querida, estava pensando em você — ele fala todo animado.
— Pai — chamo, chorando outra vez. — Pai, você pode vir me
buscar?
— O que aconteceu, Catherine? — ele pergunta alarmado.
— Eu só preciso ir pra casa, pai. A minha vida desabou outra vez.
Passo alguns dias enfurnado dentro do meu apartamento, sem querer
ver ninguém ou sequer dando atenção aos assuntos da empresa. Holly pode
cuidar de tudo com a ajuda de Alex.
E da vovó.
Depois de tudo, acho que preciso mesmo das férias que minha avó
tanto insistiu que eu tirasse. Acho que nenhum tempo vai ser suficiente para
curar a merda que me aconteceu dessa vez.
Catherine me enganou com maestria e todos sabiam quem ela era e
ninguém me disse.
Preferiram deixá-la brincar com meus sentimentos a me contar a
verdade.
Ela me traiu.
Mentiu.
Ninguém jamais foi capaz de me destruir como ela fez.
Logo a única mulher em quem acreditei que poderia confiar foi a que
me deu o maior de todos os golpes. Um soco em cheio na boca do
estômago.
Como é que eu não a reconheci? Em que momento me tornei essa
pessoa que se deixa levar pelos sentimentos e não consegue conter as
coisas?
Furioso comigo mesmo, me jogo em cima da cama e enfio o
travesseiro em cima do meu rosto. Urro de raiva, de mágoa e de... saudade.
Faz apenas algumas horas que nós terminamos e meu coração já está
fraquejando e chamando por ela.
Catherine se tornou meu inferno pessoal e eu me sinto acabado.
Não sei quantas horas perco tentando dormir, virando de um lado para
o outro e remoendo a briga que me fez deixar Catherine em Palo Alto e
terminar o que mal começamos.
Achei que finalmente tinha encontrado a mulher da minha vida, achei
que tinha encontrado meu caminho e o lugar do meu coração e por isso é
que dói tanto. Eu estava enganado.
Tão enganado.
Cansado de remoer, eu me levanto da cama, pego o laptop e sigo para
a sala, coloco-o em cima da ilha e aperto o botão de ligar. Enquanto ele faz
o processo, eu vou até a cafeteira.
Pelo menos vou poder tomar a merda do meu café em paz.
É claro que não consigo me concentrar em nada que diz respeito ao
trabalho, então abro a aba de pesquisas da internet e digito o nome
Catherine Pierce.
Nada aparece e então eu me lembro, o nome dela é Catherine Brooks.
Catherine Pierce Brooks, a mulher que acaba de me ferrar outra vez.
Uma série de matérias enchem a minha tela:
Capa da Forbes aos vinte e cinco anos.
Cientista que revolucionou a detecção do câncer.
Prêmios de todos os tipos.
Uma das mulheres mais influentes da década.
Em todas as matérias, Catherine parece retraída na foto, embora esteja
tão linda quanto é agora.
Colorida.
Excêntrica.
Doce.
Ela mentiu, escondeu que ajudou o marido a ter o descanso que
precisava quando já não suportava mais os avanços da doença. Não sei por
que não confiou em mim, não sei por que guardou isso.
Mas isso acabou com o que poderíamos ter.
Ela... partiu meu coração.
Sigo pesquisando e, então, começam as notícias sobre a tragédia que
se abateu na vida da jovem cientista milionária e que a fez mudar de vida e
esconder seu nome verdadeiro para recomeçar.
A doença do sócio e companheiro e como isso a fez abandonar seus
negócios e projetos e focar na busca pela cura da doença de Huntingon.
O casamento discreto no civil e sem cerimônia.
O suicídio assistido dele e a reclusão dela.
O processo que a família do marido falecido promoveu contra ela.
Sua inocência.
Ela perdeu tudo.
Catherine tinha tudo o que uma nerd como ela poderia desejar, a
carreira dos sonhos, um negócio de sucesso, alguém que amava e, então,
perdeu tudo.
Uma coisa todas as notícias e matérias de fofocas têm em comum,
todas mostram como a vida machucou Catherine.
E eu fiz o que jurei que não faria, eu a machuquei também.
Dias depois
Esmurro com força o boneco de treinos que nem se mexe.
Eu a perdi.
Fiz o que prometi em nossa primeira noite, eu a machuquei. Sem
sequer me dar ao trabalho de escutar tudo o que tinha a dizer, de entender os
motivos pelos quais ela fez o que fez. E principalmente o motivo por ter me
escondido a verdade.
— Sou um idiota — reclamo comigo mesmo, arrancando as luvas e
jogando-as no chão.
— Eu não usaria palavras melhores — a voz de Holly me faz virar de
sobressalto.
— Como entrou?
— Adivinha — ela fala sorrindo e erguendo uma chave para que eu
veja.
— Desde quando você tem a chave do meu apartamento.
— Já faz um tempo — ela admite, olhando na direção da porta. Então
vejo minha avó surgir com seu terninho branco elegante e o cabelo curto
grisalho. — Um dia você vai entender.
— É melhor deixar pra lá, já tenho coisas demais na cabeça —
resmungo, tentando não pensar nos motivos que fizeram minha irmã caçula
fazer uma cópia da minha chave.
— Então, já parou de se torturar? — ela pergunta, vindo até mim e
estacando na minha frente, com as duas mãos na cintura.
— Não enche — crispo do mesmo jeito que fazia quando éramos
mais novos e ela ficava me perturbando por algo já decidido.
Holly fecha o punho e me dá um soco leve no ombro.
— Ai, merda. Por que fez isso?
— Pra você parar de ser idiota.
Ela ergue a mão e me dá outro soquinho inesperado, me fazendo
grunhir irritado.
— E esse é por ter perdido a Catherine, seu cabeça dura.
— Isso não é da sua conta.
— É sim, Landon. A primeira mulher de quem você gosta desde a
megera e você a perde? Isso foi muito, muito idiota mesmo.
— Holly — eu a repreendo e ela range os dentes, fechando o punho
outra vez.
— Não me faça bater mais em você.
Minha irmã se afasta e dá lugar para minha avó se aproximar. Ela me
olha de cima até embaixo, analisando-me com seu olhar que descobre tudo.
— Não me diga que também vai bater mim, vovó — pergunto,
tentando tirar a tensão do ar.
— Não fale bobagens, Landon, nunca ergui a mão pra você antes, não
será agora que farei.
— Ótimo.
— A menos que você não mude de ideia e vá atrás daquela moça.
— Mas que diabos, vocês resolveram se juntar a ela pra me
enlouquecer, é?
— Não querido, nós resolvemos colocar juízo na sua cabeça — vovó
declara, segurando meu rosto com as duas mãos e me fazendo encará-la de
frente.
— Ela mentiu, acabou a confiança... — insisto no meu motivo, mas
não me sinto mais tão convencido por ele, não desde que comecei a sentir
falta da diabinha.
— Landon Scott, preste atenção em uma coisa. Catherine abriu mão
de toda a vida dela para recomeçar. A perda dela foi tão devastadora que ela
teve que se reinventar totalmente.
— Eu sei e entendo os motivos, mas... ela deveria ter me contado.
— E vai dizer que você não teria feito a mesma coisa? Não a teria
julgado com sua enorme e exigente lista de princípios — Holly me acusa.
— Do que está falando?
— Do senhor todo poderoso que está acima de todos e que sempre
sabe o que é certo pra qualquer um. Menos pra si mesmo — Holly continua,
me deixando atônito com seu ataque. — Você é meu irmão e estou aqui
porque te amo, Landon, mas não se engane, você julga todo mundo e
ninguém está à altura do seu padrão.
— Meu padrão?
— Exatamente.
— A senhora pode me ajudar aqui? — peço pra vovó que escuta
nossa discussão sem se meter. — Eu não sou assim.
— Quando você era menino, cerca de um ano depois da morte dos
seus pais, você me fez jogar fora todas as bebidas alcóolicas de casa e
decidiu que ninguém mais beberia uma gota de álcool em nossa
família.
— Isso foi há muito tempo.
— Então você bebe? — Holly ergue as sobrancelhas em descrença.
— De vez em quando, um copo de whisky.
— E já tomou um porre alguma vez? — minha irmã continua,
tentando validar o argumento da minha avó.
— Não — admito.
— Exatamente. Você controla tudo e acha que todos devemos atender
às suas expectativas.
— Então... agora é minha culpa se Nicole me traiu e Catherine
mentiu? — Explodo, na defensiva.
— Não, irmãozão, claro que não. — Holly me abraça pela cintura,
acabando com a minha estrutura. É uma maldita montanha russa de
sentimentos e hoje minha irmã é a condutora.
— O que quer, Holly?
— Quero que você entenda que nem tudo está sob controle e está tudo
bem. Catherine mentiu e você pode perdoá-la ou esquecê-la. Mas não pode
mergulhar naquele ciclo outra vez, é autodestrutivo e afasta todo mundo.
— Escute sua irmã, querido, pela primeira vez na vida ela não está
dizendo bobagens — vovó declara, indo se sentar no sofá.
— Obrigada pelo apoio, vovó — minha irmã resmunga e vai se sentar
ao lado dela. — Eu sei que ela escondeu algo importante, mas você precisa
saber a história toda pra entender.
— Eu sei o que aconteceu — admito e Holly suspira alto. —
Catherine me contou tudo.
— Então se coloque no lugar dela. Ela perdeu alguém que amava e
ficou destruída.
— Eu sei. — Vou até elas e me sento ao lado da minha irmã. — E sei
que vocês têm razão.
Vovó me lança um olhar de esguelha e um sorriso breve.
— Escute, meu querido, a vida é curta e passageira. A gente não tem
tempo pra ficar remoendo. Escolha ser feliz.
— Não sei se consigo, vovó. É difícil pra mim.
— Sei que sua confiança foi abalada quando seu pai cometeu o erro
de dirigir embriagado, sei que a perda dele e de sua mãe o fez ser muito
mais exigente com você mesmo, mas se permita tentar. Os erros vão
acontecer, mas os acertos vão compensar.
— Ah, droga, vocês combinaram acabar comigo, não foi? — Puxo as
duas mulheres mais importantes da minha vida para um abraço apertado. —
Amo vocês.
— Eu também, mas vá atrás de Catherine, não quero o Landon mal-
humorado e magoado de volta, quero o Landon feliz.
— Vou pensar. Juro que vou tentar — prometo e elas se levantam.
Depois de uma despedida breve, eu sigo minha avó e minha irmã
tagarela até a porta do apartamento.
Antes de sair, porém, minha avó me dá um beijo na bochecha e me dá
um dos seus intensos olhares, daqueles que dizem mais do que qualquer
palavra é capaz.
— Não sei se Nicole um dia amou você, querido. Não vou mentir e
dizer que você parecia feliz quando estava com ela. Vocês tentaram e se ela
amou você, foi há muito tempo, mas essa jovem, Catherine, ela ama você. E
você a ama.
— Eu a amo, vovó.
— Vocês são felizes juntos — vovó fala e então me dá outro abraço
grande e forte. — Vá ser feliz com sua Catherine. Vá atrás dela antes que se
arrependa. O amor não bate na nossa porta todo dia. — Não é sempre que
temos segundas chances, não desperdice a sua chance por medo.
A mesa dela está vazia.
Catherine não está aqui.
Quando saí de casa para vir trabalhar, eu sabia que a encontraria
assim, vazia, mas não imaginei o quanto isso me faria sentir mal. É como se
de repente um buraco invadisse meu peito e me fizesse sentir um vazio que
nunca senti antes, nem nos meus piores momentos.
Ela se foi.
Com a ponta dos dedos, pressiono o ponto no meu peito onde sinto
uma dor aguda. Eu a deixei partir.
Tento me convencer de que a mentira de Catherine é a prova de que
não posso confiar em outra mulher, mas a verdade é que não estou bem
certo disso.
Não sei se foi realmente isso que me fez desistir dela depois de saber
da sua história.
Desde que minha avó foi me ver que sinto que estou abrindo mão de
uma parte de mim por medo. Talvez ela esteja certa e eu esteja me tornando
um covarde, mas não sei se sou capaz de lidar com isso. Não sei se sou
capaz de superar a mentira.
Entro na minha sala, tentando não olhar na direção da mesa dela.
Preciso ocupar minha mente, não posso ficar remoendo ou vou enlouquecer
ainda mais do que ela já me enlouqueceu.
Evito olhar para Maurice Gibb e os irmãos, porque até mesmo os
malditos cactos me fazem lembrar da diabinha que virou minha vida do
avesso. Então paro diante da minha mesa e sinto a minha bile subir pela
garganta à medida que meu coração espanca o peito com muita força.
Diante do teclado do meu computador, está um copo de suco de
laranja, coberto com um guardanapo.
— Mas que porra é essa? — é o que escapa pelos meus lábios quando
finalmente consigo abrir a boca.
— É o seu suco de laranja, senhor Scott — escuto uma voz atrás de
mim.
Ao me virar, dou de cara com uma jovem de uns vinte e poucos anos,
alta, elegante e com um olhar esperançoso.
— Boa tarde, senhor, sou sua nova secretária.
— Quem mandou trazer suco? — pergunto, sem dar a menor atenção
ao fato de que agora tenho outra secretária.
— Nin-ninguém — ela se atrapalha para falar, recuando um pouco.
— Não comece com uma mentira ou vai se arrepender de ter me
conhecido — explodo e ela solta um gritinho de susto. — Quem mandou
trazer a merda do suco?
— Ninguém — ela insiste, um pouco mais confiante, então se vira e
sai.
Ao voltar para sua mesa, ela se senta e me lança um olhar magoado.
Depois se levanta e estende os braços para o alto, alongando-se. Na
sequência, a garota começa a sorrir de um jeito estranho que é, no mínimo,
muito bizarro.
— Meu Deus, Alex me mandou outra maldita Catherine.
Olhando para mim com a boca em formato de meia lua, num sorriso
falso que a faz parecer meio doida, a garota assopra o ar e se alonga outra
vez. Então pega algo na sua mesa e volta até a minha sala.
— Ninguém me mandou fazer nada, mas sua antiga secretária me
deixou uma carta e uma lista de sugestões.
Ela me entrega as duas folhas grampeadas e eu vejo a lista de tarefas.
Um – Se Landon sair e não disser se volta ou onde poderá ser
encontrado, diga que ele morreu para quem perguntar, quando as flores e
condolências chegarem, distribua pela empresa, todos adoram isso.
Diabinha.
Dois – Landon patrocina o café do andar, certifique-se de que não
falte biscoitos também. Mime a equipe e eles vão aguentar as tempestades.
Diabinha que quer me enlouquecer mesmo.
Três – A lista de restaurantes para pedir o jantar dele está na pasta:
“Alimente a fera”. Sempre que ele ficar até mais tarde, peça o seu jantar
por conta dele.
Diabinha ao quadrado.
Quatro – Uma vez por quinzena, providencie a van e o lanche dos
funcionários para que trabalhem no parque, o Alex do RH pode ajudar
você com isso. Ele é ótimo, mesmo quando Landon insiste que não.
Sigo lendo e não consigo deixar de sorrir. Dez itens variados.
Catherine deixou uma listinha petulante com o que ela acha que é certo para
a minha empresa e para os meus funcionários. E para mim.
De maneira geral, é um guia que vai permitir que a nova secretária
mantenha seu legado e não mude demais o ritmo das coisas, além disso, é
um ótimo material em matéria de piada, já que cada item contém alguma
tirada sarcástica que é a cara dela.
Assim que viro a página, encontro uma carta escrita com uma
caligrafia muito bem desenvolvida. É claro que ela escreveu à mão,
Catherine nunca deixaria uma carta fria e impessoal digitada e impressa
para sua substituta.
Cara colega,
Seja bem-vinda ao novo cargo. Você está começando uma jornada
diferente de tudo que já viveu, então saiba que poderá haver erros e muitos
desvios no percurso, mas será lindo e uma grande experiência, mesmo nos
momentos mais adversos.
Permita-se descobrir tudo que há de bom neste lugar e valerá a pena
vencer os desafios.
Agora vamos ao que interessa.
Como você perceberá nos próximos dias, o senhor Landon Scott é um
homem importante e um pouco, ou melhor, muito estressado. Em parte, por
minha causa. Mas saiba que nada do que ele disser é culpa sua e você não
deve permitir que nem ele nem ninguém estrague o seu dia.
Quando as coisas estiverem ruins, levante-se, estique seus braços,
respire bem fundo e abra um grande sorriso, mesmo que não seja
verdadeiro, você verá o milagre que isso fará com você.
A Miranda está coordenando a ginástica laboral e é uma ótima
amiga e aliada, nos piores dias, ela saberá como cuidar de tudo. Ah, não
esqueça de elogiar os olhos dela, eles são realmente lindos.
Outra coisa que você deve saber é que não importa o que ele disser
ou quantas vezes berrar, o senhor Scott não deve tomar café depois das 15
horas ou vai acabar infartando ou deixando você doida. Suco de laranja e
suco verde podem ajudar a manter os níveis de cortisol dele em dia. E o
sanduíche de tofu defumado, seja lá o que esse troço for, faz parte do
pacote.
Mantenha-o alimentado, pois o humor dele piora muito quando está
com fome. E saiba que, mesmo com os rompantes, Landon Scott é um bom
homem, muito inteligente e gentil (de vez em quando).
Ah, mais uma coisa, não esqueça de molhar o Maurice Gibb e os
irmãos, adube-os a cada três meses. Eles fazem um ótimo trabalho ao
deixar o nosso dia mais bonito e o ar mais filtrado.
Seja forte e, não importa o que aconteça, saiba que você é
maravilhosa e capaz.
P.S. Se ele gritar antes do meio-dia, mande-o se ferrar.
Com carinho,
Catherine.
Merda, Catherine.
Merda.
Merda.
— Essa mulher ainda vai me deixar louco — crispo, sentindo meu
coração bater ainda mais forte.
— Desculpe, o que disse, senhor Scott? — a secretária pergunta com
ares de divertimento.
— Se ela pensa que vai sair impune depois de virar a minha vida do
avesso, aquela diabinha está muito enganada. — Devolvo a carta para a
secretária e pego meu casaco dentro do escritório.
Ela não vai se safar dessa.
Se ela realmente pensa que vai me enlouquecer e se livrar de mim,
está mesmo enganada ao meu respeito e, ainda que eu leve a vida inteira pra
isso, ela vai pagar pelo que me fez.
Catherine aniquilou cada uma das minhas barreiras, colocou abaixo os
muros que construí para me proteger e destruiu qualquer chance de eu não a
amar. Agora, ela terá que lidar com os meus sentimentos pelo resto da vida,
porque não vou perdê-la.
— Desculpe, senhor Scott, mas... — A secretária corre atrás de mim
enquanto eu caminho para o elevador. — O que digo se perguntarem por
você?
— Diga o que quiser — resmungo ao entrar no elevador.
Com um sorrisinho divertido no rosto, a garota dá de ombros.
— Tudo bem, vou dizer que o senhor morreu. Adoro flores.
Catherine, você vai pagar caro por isso, vai ter que me amar enquanto
viver, diabinha.
Desço de elevador até o andar do estacionamento remoendo um
discurso que, em tese, deve convencer a mulher que amo a me perdoar pela
forma como a tratei e aceitar voltar pra minha vida, mas que na prática,
provavelmente, vai acabar fazendo-a me dar um chute na bunda.
Catherine é inteligente demais para cair em qualquer baboseira, então
preciso pensar e muito bem nas palavras que vou usar.
Olho para o espelho atrás de mim e suspiro. Estou mesmo acabado.
Tenho olheiras e parece que perdi uns cinco ou seis quilos desde a última
vez que me olhei no espelho. Além disso, meus cabelos estão desgrenhados,
o que me dá um certo ar de insano. Mais do que o normal.
— A culpa é sua, Catherine — resmungo pouco antes de o elevador
apitar e a porta se abrir.
Assim que eu a cruzo, esbarro em Alexander, que me lança um olhar
de esguelha.
— Tudo bem, Landon? — ele pergunta quando praticamente passo
voando na direção do meu carro.
A pergunta é como um maldito gatilho, que me faz parar e voltar até
ele.
— A culpa é sua. — Aponto meu dedo. — A culpa é toda sua.
— Posso, pelo menos, saber do que estou sendo acusado?
— Você colocou aquela diabinha na minha vida, sabia exatamente
quem ela era e adorou cada momento em que ela me levou à loucura.
Alexander sorri.
— Bom, suponho que está tudo resolvido, Cathy foi embora e você
tem uma nova secretária.
— Esse é o maldito problema, não posso viver sem ela — explodo e o
chefe dos recursos humanos começa a rir. — Do que está rindo, droga?
— De você, é claro.
— Ah, obrigado, está ajudando muito.
Alexander cruza os braços diante do corpo e suspira profundamente.
— Vai fazer o que agora, Landon?
— Vou atrás dela, é claro, e você vai me ajudar a convencê-la a voltar
ou vou, eu mesmo, colocar fogo na empresa.
— E o que eu poderia dizer a ela? Ah, desculpe o Landon, ele é um
babaca com todo mundo, mas está apaixonado por você.
— Não sei o que diremos, mas vamos atrás dela.
— Vamos? — Alex me encara com uma expressão de dúvida.
— Vamos, agora mesmo.
Puxo Alexander comigo e ele resmunga algo sobre ter um dia cheio.
— Entre na porra do carro, Alex, ou vou transferir meu escritório para
o seu andar e vamos trabalhar lado a lado, todo santo dia.
— Você não faria isso. — Ele curva as sobrancelhas.
— Quer apostar? — pergunto, lembrando de todas as vezes que
Catherine me chantageou para fazer algo do seu jeito e não do meu. Parece
que andei aprendendo a lição, afinal.
— Merda! É bom que você a ame mesmo, Landon, ou eu vou acabar
me demitindo também.
— Eu amo, eu realmente amo — admito e ele acaba sorrindo
enquanto entra no carro e se senta no banco do passageiro.
— Tudo bem, vamos buscar sua garota.
— Ótimo.
Afivelo o cinto de segurança e dou a partida no meu carro, antes que
consiga me distanciar muito da minha vaga, porém, vejo pelo retrovisor
uma silhueta magra e elegante, correndo toda destrambelhada em cima de
um par de saltos altos.
— Ei, esperem por mim — é a voz de Miranda que chega aos meus
ouvidos.
Paro o carro e espero que ela nos alcance, assim que o faz, ela coloca
as mãos na cintura de um jeito dramático.
— É verdade? — ela atropela as palavras, toda esbaforida. — É
verdade que você vai buscar a Cathy?
— Como é que você sabe? — pergunto, confuso.
— Sua nova secretária — ela declara, respirando forte. — Eu tava
indo brigar com você porque sinceramente, você seria um idiota se não
fosse atrás dela, mas então a garota nova me disse que você saiu feito louco,
falando que a Cathy não vai se safar.
— Me lembre de demiti-la na volta — resmungo e Miranda coloca as
duas mãos no vão da porta e se curva, me olhando bem nos olhos.
— É melhor que você esteja indo fazer as pazes com ela, ou vou
descer do meu salto e dar uma surra em você — ela crispa e parece estar
falando sério.
— Eu sou seu chefe — reclamo e ela estala a língua.
— Pode até ser, mas eu sou totalmente team Cathy.
— Ah, é? Bom, senhorita time Cathy, se quer saber a verdade, eu
planejo ir atrás da sua amiga e implorar pra que ela me perdoe.
— Ainda bem, achei que teria que começar a usar os golpes de kung
fu que aprendi na defesa pessoal.
— As mulheres dessa empresa são estonteantes — Alexander solta,
rindo.
— Alex?! — Miranda se vira para a direção dele.
— Pois é, sobrou pra mim — Alex se queixa.
Miranda alterna o olhar entre meu companheiro de aventura e eu e,
então, toma uma decisão.
— Quer saber, vou com vocês, nem pensar que vou deixar você
estragar tudo com a minha amiga — diz, abrindo a porta de trás e
afundando no banco.
— Quanto mais gente, melhor — crispo, irritado, mas sem cabeça
para discutir.
— Enquanto você dirige, vamos pensar em todas as coisas que você
vai dizer pra que a minha amiga te perdoe.

— Você não pode dizer apenas isso — Miranda me repreende quando


paro o carro no sinal vermelho.
— Eu não posso dizer que a amo? — pergunto, virando-me para trás e
dando de cara com o olhar indignado da companheira de viagem.
— Você precisa pedir desculpas. Dizer algo romântico...
— Algo romântico?
— É uma boa ideia — Alex se intromete na conversa. — Agora que
tá decidido, você pode deixar a gente aqui.
— Não mesmo, nós vamos com ele — Miranda crispa.
— Você não está ajudando, Miranda.
— E você está querendo se livrar, vamos, Alex, ajude o Landon a
pensar em algo bem romântico que convença Cathy a perdoá-lo.
— Ele pode dizer que sente muito por ter sido um babaca.
— Eu não fui um babaca — retruco, tentando me defender enquanto
dou a partida e continuo dirigindo para a casa de Catherine.
— Você foi pior do que babaca. Primeiro que você nem escutou a
história dela direito e... depois a abandonou no pior momento. Você terá
muita sorte se ela não der um chute na sua bunda.
— Ela seria capaz disso — Alex completa e os dois começam a rir.
— Vocês deveriam ter vindo pra me ajudar e não me fazer sentir pior
do que já estou — resmungo.
— Tudo bem, vamos pensar — Miranda diz, ficando em silêncio por
um momento. — Catherine, sinto muito por ter sido babaca, eu errei ao
deixá-la sozinha quando toda a sua dor veio à tona, agora, pra me redimir,
vou passar a vida sendo um chefe bonzinho...
— Miranda! — eu a repreendo e ela estala a língua.
— Tá, tá. Já entendi — ela responde, rabugenta.
— Cathy, eu errei porque não soube compreender que você tinha uma
dor tão grande que precisava recomeçar do zero e que precisava de tempo
para compartilhar comigo o que viveu. Se você puder me perdoar, eu
prometo passar a vida fazendo de você a mulher mais feliz do mundo. A
mais amada — falo e Miranda suspira.
— Uau, isso foi lindo. Não sabia que se sentia assim — ela declara.
— Ainda bem que você acordou.
— É... precisei de algum tempo pra entender que ela não mentiu pra
me trair ou me enganar, ela escondeu quem era porque precisava de tempo
pra se curar e confiar em mim.
Estaciono na frente do sobrado e saio correndo do carro, mas quando
chego até a porta, ela se abre e uma mulher de cabelos ondulados e longos
escapa de dentro da casa, carregando uma mala de viagem.
— Quem é você? — pergunto e ela se vira, tomando um susto e
dando um gritinho, com a mão no coração e o jeito dramático, não tenho
dúvidas de que ela é parente de Cathy. — Você é irmã da Catherine?
— Sou e você é o imbecil que magoou a minha irmã.
— Culpado — admito e ela larga a mala no chão, aproximando-se de
mim com seu jeito espevitado que a faz parecer demais com a irmã.
— Pois se prepare para levar a surra da sua vida, grandalhão — ela
cutuca meu peito com o indicador. — Minha irmã levou dois anos para
voltar a ser ela mesma e você colocou tudo abaixo. Vou acabar com você!
Eu desvio do dedo indicador matador e ergo as mãos em rendição.
— Você está certa.
— Você a deixou lá, revivendo a pior dor do mundo, sozinha,
indefesa, machucada — A irmã de Catherine me olha com pura reprovação.
Ela está mesmo irritada e fica parecida com Cathy quando está assim,
lutando por algo em que acredita. — Eu apoiei você, falei que ela deveria
dar uma chance e você foi lá e ferrou tudo.
— É verdade. Eu sei que não há desculpas para ter deixado sua irmã
sozinha em Palo Alto, mas me senti traído e não pude entender o lado dela.
A garota pequena e atrevida me olha com desconfiança.
— E por acaso agora entende?
— Não tenho certeza. Queria que ela tivesse confiado em mim, eu
teria compreendido, mas ela escolheu guardar pra si o passado.
— Era um direito dela.
— Era e eu sei disso agora.
— Landon, minha irmã estava decidida a contar a verdade, foi isso
que ela foi fazer naquele dia. Ela ia reviver a pior dor da vida dela para dar
a você a escolha de estar com ela ou desistir.
Engulo em seco.
— Eu não sabia disso.
— Você acha que ela queria perder o Adam? Que ela queria que ele
morresse? Minha irmã morreu um pouco quando ele se foi, mas ela o
ajudou, fez o que tinha de fazer. — Ela suspira de um jeito cansado. —
Porque a Catherine é assim, ela ama tanto que prefere sofrer e guardar pra si
a dor do que permitir que alguém que ama sofra. Ela viu o marido morrer
pra que ele pudesse descansar como tanto queria. Sofreu sozinha e foi
culpada pela família dele. Preferiu passar por isso a compartilhar com eles
que tinha sido uma decisão única de Adam morrer daquele jeito e que ela
vinha tentando achar uma cura pra sua doença.
Sinto um caroço se formar na minha garganta.
— Não venha aqui me dizer que você se sentiu traído. O que você fez
com a minha irmã é que foi traição.
— Eu sei.
— E o que vai fazer agora? — ela pergunta, limpando uma lágrima
dos belos olhos. — Porque você vai ter que consertar a merda que fez.
Quero minha irmã feliz e por algum motivo que só o universo é capaz de
explicar, você a faz feliz quando não está pisando na bola.
— Preciso encontrá-la. Preciso pedir perdão e dizer o que sinto.
— Você a ama?
— Amo, amo como nunca amei ninguém.
— Ela está na casa do nosso pai, em Palo Alto.
— Obrigada, invocadinha — digo, abraçando a irmã da mulher que
amo. — Você é igualzinha a ela.
— Isso é um elogio e tanto.
— Eu sei.
— Então, você vai atrás dela? — Alex aparece no meu campo de
visão e eu me lembro de que ele e Miranda vieram comigo.
Ela, por sua vez, está parada ao lado de Alex, os olhos vermelhos de
lágrimas e uma mão no peito. Aposto que escutaram a bronca que tomei da
irmã de Cathy, com razão.
— Eu vou atrás dela e vocês estão certos, eu fui um babaca. Mas até
um babaca pode aprender a lição, não é?
— Espero que sim. — Miranda funga.
— Eu vou atrás dela.
Eu vou buscar a mulher que amo, a minha diabinha.
A mulher parada na minha frente não lembra em nada a jovem
universitária que eu conheci e que me acusou de ter matado seu irmão.
Ela está mais serena, o olhar já não é carregado de ódio como da
última vez que nos vimos.
— Obrigada por me receber, Catherine — fala, a voz calma e
profunda.
Assinto, sem conseguir exprimir um ruído sequer.
Meu pai acaba de sair da sala para fazer um chá e nos deixa a sós,
mas isso não muda a tensão que sinto se espalhar pelos meus músculos. Sei
que Claire tem suas dores e que perder Adam cobrou um preço muito alto,
mas ela não foi a única que perdeu e eu também mereço poder sentir minha
dor.
— Tentei te procurar depois daquele encontro no tribunal, mas você
sumiu do mapa.
— Precisava de um novo começo — opto pela sinceridade, estou
cansada demais para meias verdades.
— Posso imaginar... eu preciso dizer uma coisa, mas não é fácil, ainda
mais depois de tudo o que eu fiz você passar com o processo e as coisas que
disse.
Ela remexe na poltrona, apertando as mãos de um jeito nervoso.
— Li a carta de Adam e devo desculpas a você.
As palavras de Claire me pegam completamente desprevenida. É
como se eu tomasse outro golpe.
— Eu fui muito dura, Cathy e sei que não mereço perdão, mas espero
que talvez um dia você possa não me odiar muito. Nós duas perdemos o
Adam e sei que você sofreu muito. Eu realmente sinto muito.
As lágrimas ganham meu rosto e eu sinto que todo o ar foge dos meus
pulmões.
Claire percebe a minha reação e vem até mim. Ela me puxa para um
abraço e eu não imponho resistência.
— Me perdoa, Claire, eu também não queria que ele morresse.
— Eu sei. — Ela me abraça mais apertado e nós duas nos permitimos
finalmente viver o luto que temos em comum.
Choramos por algum tempo desse jeito, sem nenhuma barreira,
deixando que a dor da perda de Adam exploda em cada uma das lágrimas.
Quando dou por mim, meu pai está parado na porta da sala,
observando-nos com lágrimas nos olhos.
— Meu Deus, estou acabada — Claire declara, sorrindo e limpando o
rosto com o dorso da mão.
— Eu me sinto um trapo — confesso e meu pai vem até nós duas.
Ele coloca a bandeja com chá e biscoitos sobre a mesa de centro e
então me puxa para um abraço, ele faz o mesmo com Claire e nós acabamos
virando um grande e emocionado amontoado de braços e lágrimas.
— Pronto, agora chega de choro, comam meus biscoitos antes que
Kathleen chegue, aquela garota é uma devoradora de biscoitos. Quando
estiver pronta, querida, tem alguém esperando para falar com você na
varanda.
— Alguém? — pergunto, confusa.
— Sim, ele pediu pra avisar que é seu chefe babaca que veio implorar
por perdão.
— Landon está na varanda? Desde quando?
— Faz alguns minutos, mas eu não quis interromper vocês, tinham
que resolver as coisas e eu tinha algumas verdades pra dizer para aquele
rapaz.
— Landon Scott da Hope? — Claire pergunta, as sobrancelhas
erguidas. — Então vocês são um casal?
— É complicado — respondo e ela segura minha mão na sua.
— Tá tudo bem seguir em frente, Cathy, o Adam não queria que você
ficasse sofrendo. Ele ia querer que você fosse feliz.
Assinto e Claire e eu nos despedimos. Ela opta por sair pela porta dos
fundos e eu sigo até a varanda.
Assim que me vê, Landon se levanta da cadeira de madeira e respira
profundamente. Ele parece nervoso.
Sei que foram apenas poucos dias, mas a saudade é tanta que preciso
controlar meu corpo para não correr para os braços dele.
— Eu não vim sozinho — fala, virando-se para o lado e mostrando
uma caixa onde estão os cactos Bee Gees. — Trouxe reforços.
— Estou vendo — tento soar com frieza, mas meu coração bate
depressa e nervoso, ansioso.
— Eu sei que os nossos filtradores de ar não podem compensar a
merda que eu fiz. Eu errei Catherine e agora vejo isso.
— Escondi a verdade de você, mas...
— Você ia me contar — ele fala e eu concordo com um aceno. — Eu
não deveria ter te deixado sozinha e vou passar o resto da vida me sentindo
culpado por isso. Mas não posso desistir de você, diabinha, eu te amo mais
do que tudo e se você me permitir voltar pra sua vida, vou passar o resto
dos meus dias merecendo o seu perdão.
Suspiro.
— Senta, Landon, por favor. — Indico a cadeira grande e de madeira
que fica na varanda do meu pai e cada um de nós assume um lugar. —
Antes de tudo, eu preciso começar com a verdade.
— Certo — ele soa um pouco inseguro e meio que é fofo ver um
homem grande como ele assim, com medo do que eu possa dizer.
— Meu nome é Catherine Brooks. Pierce é o nome de solteira da
minha mãe e meu segundo nome, digamos assim. Decidi usá-lo quando
precisei recomeçar. Fui cientista de biotecnologia, montei uma empresa de
sucesso e fiz coisas boas, mas essa sou eu agora, uma secretária. Fui casada
com meu sócio e o amava muito, mas meu marido morreu. Ele escolheu o
suicídio assistido por causa do avanço acelerado da doença de Huntington.
Não foi minha escolha e eu lutei muito para salvá-lo, mas no final, tudo o
que pude fazer foi amá-lo e vê-lo partir.
— Sinto muito — ele fala, pegando minha mão na sua.
— Esse é o tipo de pessoa que eu sou — falo e o encaro de frente. —
Eu não sou uma traidora e, também, não sou perfeita, mas sou capaz de
amar o bastante para dar tudo de mim.
— Eu sei e sinto muito por ter feito o que disse que não ia fazer, eu
machuquei você.
— Sei que teve seus motivos para ficar magoado, mas me abandonou
quando eu precisava de você. E isso partiu meu coração.
— Cathy.
— Espera — eu o impeço de seguir falando. — Eu te amo, Landon, e
prometo não mentir ou esconder qualquer coisa de você se prometer que
nunca mais vai me magoar como fez. Se um dia seu sentimento mudar, você
e eu vamos sentar e ter uma conversa como essa, mas não aceitarei que as
coisas aconteçam do jeito que foi, com você partindo machucado e me
deixando pra trás ferida. Você consegue prometer isso?
— Eu prometo — fala e eu suspiro. — Prometo nunca mais ser idiota
a ponto de perder, nem ficar cego de raiva. Prometo escutar tudo que você
quiser me dizer e passar a vida toda te compensando pela burrice.
— Posso prometer isso também — falo e ele sorri, um sorriso doce e
acalentador.
— Senti muito a sua falta, diabinha — ele diz, passando os braços ao
redor do meu corpo e me puxando contra o seu peito. — Caramba, achei
que você ia chutar a minha bunda e me expulsar daqui.
— Eu não faria isso na frente do Bee Gees — declaro e ele volta os
olhos para os meus.
— Eu te amo, Catherine. Eu te amo pra caramba e com cara parte do
meu corpo.
— Eu também amo você, Landon Scott. Mas saiba, vou encher aquele
escritório de plantas filtradoras de ar.
— Nesse caso, vou encher de lingeries novas pra você, diabinha.
Landon pousa as duas mãos no meu rosto e então me beija.
O beijo começa cálido e doce, mas então a saudade toma conta de
tudo e coloca fogo, me fazendo arquejar pelo desejo que cresce em mim.
— Espera aí — Landon se afasta um pouco. — Você não pode voltar
a ser minha secretária, seria completamente antiético.
— Isso não pareceu impedi-lo antes.
— É, mas antes eu não estava pensando em me casar com você.
Chocada com a informação, prenso meus lábios e espero que ele
continue.
— Além do mais, diabinha, seu QI maior do que o do Einstein não
pode ser desperdiçado assim.
— E o que sugere, senhor Scott?
— Casamento, férias prolongadas e depois... depois a gente pensa a
respeito.
— Podemos começar pelas férias?
— Não mesmo, nós vamos começar com a reconciliação.
— Alguém já disse que você é bom em barganhar?
— Quer dizer que você concorda? — ele me puxa para os seus
braços.
— Veremos.
Algum tempo depois
Cathy abre um sorriso muito típico, o mesmo tipo de sorriso que ela
faz quando está aprontando alguma coisa ou quando vai me desafiar a
contrariá-la.
— Então, vai me dizer o que está fazendo? — pergunto, vendo-a
sentada na minha cadeira e com as pernas esticadas sobre a mesa.
Desde que ela disse sim e eu a levei ao altar que minha vida nunca
mais foi a mesma. Catherine não apenas me fez ter vontade de viver outra
vez como me ensinou a confiar nas pessoas, no amor dela.
— Estou fazendo uma entrevista de emprego.
— Ah, é? — Sorrio e assumo a cadeira que fica na frente da mesa. —
E quem é que vamos contratar ou você quer voltar para o cargo de minha
secretária? Não ia ser ruim.
Catherine sorri, satisfeita com a provocação. Ela montou uma nova
empresa, focada em qualidade de vida no ambiente de trabalho e, claro, já
agitou São Francisco com seu jeito de pensar fora dos padrões.
Apesar de o prédio da sua empresa ser ao lado da matriz da Hope,
tenho que admitir que sinto falta da minha diabinha aprontando no
escritório.
— Você será o entrevistado e é bom que sua entrevista seja muito boa,
senhor Scott — ela interrompe meu devaneio.
— Você já disse sim na frente do padre, querida, não tem como voltar
atrás.
— Não tenho a menor pretensão de voltar atrás, chefão — ela baixa
as pernas e se apoia na mesa. — Mas você vai se candidatar a um cargo em
breve.
— Vou?
— Sim. Vamos começar.
— Tudo bem. — Recosto na cadeira e pouso minhas mãos atrás da
nuca. — Vamos lá, chefa.
— Adoro quando você me provoca assim.
— Isso é uma entrevista ou uma rapidinha no escritório?
— Primeira pergunta: Me diga, senhor Scott, segundas, quartas e
sextas ou terças, quintas, sábados e domingos?
— Depende para que seria essa escolha. Sexo, jantar em família ou
corrida no parque...?
— Ficar acordado à noite — ela declara solene.
— Com você ou por você?
— Ambos.
— Todos as noites.
— Boa resposta. — Ela abre um sorrisinho meigo que me faz sentir o
homem mais sortudo da face da terra. — Próxima pergunta.
— Certo — respondo, entrando no jogo.
— Vômito ou fezes? O que é pior?
— Que tipo de pergunta é essa?
— Digamos que alguém vomite em você ou...
— Ou que alguém cague em mim? — Pergunto, incrédulo. — É sério,
amor, o que é que você tá aprontando?
— Não estou aprontando nada, nós dois aprontamos juntos.
Com o sorriso doce dela, eu finalmente entendo que estou fazendo a
pergunta errada.
— Então, o que é pior? — ela insiste.
— Antes me responda uma coisa. Essa entrevista é para qual cargo
mesmo, diabinha?
— Papai do ano.
Meu coração dá um salto no momento em que a escuto dizer isso.
— O que quer dizer?
— Que quero ter uma família com você, se você também quiser isso.
E se estiver disposto a dividir as trocas de fraldas, as crises de vômito e as
noites em claro.
— É claro que sim — eu praticamente voo por cima da mesa e a puxo
para os meus braços. — Com você eu enfrento qualquer coisa e vou a
qualquer lugar.
— Ainda bem, porque estou esperando um bebê — ela fala.
— Eu vou ser pai?
— Vai.
— Eu vou ser pai — grito bem alto, sentindo meu coração explodir
em pancadas felizes no peito.
Levanto Catherine do chão e a beijo com força, esmagando sua boca
deliciosa com a minha e a fazendo gemer contra meus lábios.
— Eu te amo, Landon Scott. Te amo com todo meu coração.
— Eu te amo, também, diabinha.
— E estamos prontos pra amar nosso pequeno vikinzinho?
— Ou uma diabinha doida por sucos.
— Ou os dois? — ela declara, rindo.
— Melhor ainda se forem três ou quatro.
— Combinado. — É a vez dela de me puxar para um beijo. — Mal
posso esperar pra ter muitos pequenos Landons correndo pela nossa casa.
Eu sei que as coisas não começaram como a gente esperava, sei que
tivemos muitos momentos de loucura e disputas que nem sempre pareceram
que terminariam bem, mas no fim, nós dois não precisávamos de alguém
que concordasse conosco, mas sim pessoas que nos fizessem sermos nós
mesmos.
Que nos desafiassem a viver a vida e merecê-la.
Da minha parte, eu sei que precisava aprender a ser eu mesmo outra
vez, a curar o meu medo de confiar e me entregar de corpo e alma para o
amor.
E posso ver que, ainda que a dor de ter perdido alguém que amava
tanto a faça cair em lágrimas de vez em quando, Cathy está se curando cada
vez mais e está se permitindo ser feliz.
Eu sei, sem qualquer sombra de dúvidas, que eu a amo e ela me ama.
E nós seremos pais de alguns pestinhas que vão enlouquecer nossas
famílias.
Catherine precisou me enlouquecer para que eu pudesse ter uma
segunda chance para amar.
E estou pronto para enlouquecer com nossos filhos.
Seis anos depois
O barulho de algo se quebrando chama minha atenção. Saio pela porta
dos fundos e sigo para o jardim. A cena que eu vejo é comovente.
Landon está sentado no chão bem no meio do jardim. As pernas estão
cruzadas e em cada uma delas está um dos nossos filhos.
A pequena Hope de três anos tem as mãos sujas de terra e ergue um
dedinho na direção dos olhos do pai. Adam, meu garotinho de cinco anos,
está na outra perna, assistindo a cena com muita atenção.
Meus olhos partem deles e vão parar no chão, onde um vaso de
cerâmica está espatifado. A terra preta está espalhada.
— O que aconteceu aqui? — pergunto, sobressaltando os três.
— Quebrei o Maurice Gibb, mamãe, me desculpe — Adam fala com
a voz inocente.
— Nós já o resgatamos — Landon explica, indicando com a cabeça
onde está meu cacto. Até mesmo Maurice Gibb cresceu e acabamos
trazendo ele e seus irmãos para casa, quando decidimos mudar de vaso e
dar mais espaço para que eles pudessem ser eles mesmos. — Ele está bem.
Landon pisca e eu sorrio.
— Você é meu herói— digo, me aproximando do meu marido e
plantando um beijo na sua nuca.
Seus cabelos estão curtos, pois ele perdeu uma aposta com Holly
sobre o sexo do bebê dela e acabou tendo que cortar os cabelos.
Mal posso esperar para que cresçam e voltem a se rebelar nos nossos
travesseiros. Apesar disso, ele ainda é o homem mais lindo que eu já
conheci.
Lindo.
Gostoso.
E um ótimo pai e marido.
Eu me aproximo de Adam e o puxo para um abraço.
— Por que sua irmã é a única com a mão suja de terra de cacto? —
pergunto e meu filho dá de ombros.
— Ipinho — Hope fala com a vozinha infantil, mostrando o dedinho.
— Papai tirou, querida, veja — Landon mostra e ela sorri.
— Me diga uma coisa, Hope, como é que o Maurice Gibb foi parar no
chão? — pergunto e ela abre o sorriso grande e meigo, os dentinhos brancos
brilhando com o sol do outono. — Foi você quem quebrou o vaso do
Maurice?
Minha garotinha assente e sorri.
— Tudo bem, mas vamos ter mais cuidado da próxima vez, porque as
plantinhas são vivas, lembram?
Ela concorda, erguendo as mãos sujas de terra e começando a
tagarelar sobre as plantinhas e tudo que aprendeu sobre cuidar do meio
ambiente.
— E você, garotinho, foi corajoso assumir a culpa e proteger sua
irmã, mas não se esqueça de que todos nós precisamos nos responsabilizar
pelo que fazemos.
— Você fala como se ele fosse um adulto e entendesse tudo —
Landon sussurra no meu ouvido.
— Ele entende — respondo. — Não é, Adam?
— Sim, mamãe.
— Algo me diz que teremos outro nerdzinho em casa — Landon
declara, todo feliz. — E uma diabinha.
— Talvez mais de um — falo e pego a mão do meu marido. — Mais
alguns...
Seus dedos grandes envolvem os meus e ele sorri e esse gesto é capaz
de aquecer um planeta gelado.
— Nós bem que poderíamos seguir aquele plano de encher a casa
com mais diabinhas e mais rabugentinhos — continuo e o sorriso dele se
ilumina ainda mais.
— Já falei que você tem sempre razão?
— Hoje ainda não. — Sorrio e meus filhos começam a pular ao nosso
redor.
— A mamãe tá sempre certa, não é?
— Mamãe. Mamãe. Mamãe — meus filhos cantam, comemorando
sem saber bem por que motivo.
Caramba, eu nunca imaginei que alguém pudesse sentir tanta
felicidade e tanto amor. Mas agora eu sei que é possível.
A vida pode machucar de vez em quando e tirar pessoas que farão
falta para sempre, mas ela também retribui à sua maneira. E quando temos
uma segunda chance para amar, é preciso viver isso e merecer esse
sentimento e as pessoas que virão com ele.
Landon é minha segunda chance e eu o amo mais do que tudo.
Ele e nossos pequenos comedores de sanduíche de tofu defumado,
seja lá o que esse troço for.
A seguir reservei dois bônus especiais.
O primeiro é do meu livro A Vidente, uma comédia romântica com
muitas risadas e algumas lágrimas. E o segundo bônus é de um dos meus
próximos lançamentos. Espero que aprecie a leitura e obrigada por me
acompanhar até aqui.
Leonardo
Depois de mais quinze minutos enfrentando uma versão pessoal de
fim do mundo, ou seja, o café da manhã com minhas filhas de doze, dez e
sete anos, finalmente consegui sair de casa. Atrasado, estressado, com o
terno amarrotado, me sentindo caótico, exausto e consciente de que a
semana mal começou.
Quando pedi transferência para a Comarca[3] da região, eu sabia que
morar em uma cidade pequena podia ser complicado, sabia que recomeçar
com três filhas ainda marcadas pelo trauma ia requerer muita paciência e
esforço, mas Nova Aurora, uma das cidades que compõem o distrito
judiciário, é linda e tranquila, tem uma boa escola e paisagens verdes de
tirar o fôlego.
Para a mudança, eu fiz uso da licença de transferência e aproveitei
todos os meus trinta dias para organizar as coisas e acompanhar as meninas
nos seus primeiros dias. Eu devia saber que a calmaria das primeiras
semanas logo daria lugar para a rotina truculenta de ser o pai solteiro de três
garotinhas de temperamento forte.
Com a cabeça voando na complexa tarefa de ser o único juiz para
quatro pequenas cidades e o pai de três furacões, sigo dirigindo sem pensar
demais em tudo que anda me tirando o sono.
Faz três meses que ela se foi e mesmo assim ainda assombra meus
piores pesadelos, meu lado mais estressado. A culpa ribomba na minha
cabeça e coração, como eu pude ser tão cego? Como pude deixar que tudo
aquilo acontecesse?
Nunca vou me perdoar.
A chuva engrossa um pouco, aciono o limpador de para-brisas e pego
a saída que me levará para o fórum. As ruas não são tão ruins, mas o clima
não está ajudando em nada o meu humor que já não está lá grande coisa.
Passo pela entrada com pressa e estaciono na vaga reservada para o
juiz titular da comarca, minha vaga.
Pego minha pasta, os papeis que lancei de qualquer jeito sobre o
banco do passageiro, e claro, como não poderia faltar, meto a mão direto em
uma gosma grudenta do que um dia parece ter sido um chiclete. Quando eu
descobrir qual das três engraçadinhas colou a maldita porcaria no banco,
vou ficar muito feliz em condená-la a uma pena de restrição de televisão
por uma semana, no mínimo.
Chacoalho a mão, mas a coisa nojenta não desgruda. Acho um cupom
fiscal de supermercado e o uso para limpar os dedos. Quem disse que
meninas são mais calmas, delicadas e que dão menos trabalho, com toda
certeza nunca teve uma em casa.
Termino de pegar minhas coisas e me apresso para o prédio. A chuva
está mais amena, mas isso não vai me impedir de ficar encharcado se
continuar me enrolando.
— Uma flor pra levar pra esposa, rapaz? — Um estranho me
intercepta quando estou terminando de subir os degraus que dão para a
entrada do fórum. Aceno que não e passo rápido por ele.
Caminho com rapidez para as portas de vidro. E como se o meu dia
não pudesse ficar pior, sinto um esbarrão de um lado. Esse povo não olha
por onde anda, não?
Não tenho nem tempo de pensar direito e esbarro em outra pessoa.
— Com licença — digo, seguindo meu caminho sem me dar ao
trabalho de olhá-la.
— Ei, cuidado por onde anda — a mulher crispa, me fazendo parar,
girar nos calcanhares e olhar direto para um lindo par de olhos castanhos e
um nariz arrebitado.
Eu me aproximo da garota, ela deve ser pelo menos dez anos mais
jovem do que eu e uns bons vinte centímetros menor também.
— O que foi que você disse? — Encaro-a, e sei que devo estar
fazendo uma expressão irada, porque o jeito que ela me devolve o olhar é
igualmente endiabrado.
— Isso que você ouviu. — Ergue o dedo indicador na direção dos
meus olhos. Um cheiro de mata selvagem se espalha, como se ela tivesse
passado a noite na relva, respiro fundo, absorvendo a imagem linda e
furiosa a menos de dois passos de mim. — Primeiro você quase me
atropelou de carro, me encharcou com água de uma poça imunda e agora
quase me arrasta nessa sua pressa toda.
— Eu... não percebi, me desculpe.
Merda. Faz sentido ela estar brava.
— Quem você pensa que é pra agir feito um louco?
Os olhos dela se estreitam e essa simples frase é suficiente para atiçar
um lado arrogante em mim.
— Eu sou o juiz.
— Isso não justifica... — diz, dando de ombros como se eu não
tivesse dito nada demais.
Dou uma boa olhada na mulher pequena à minha frente, ela está com
um desses vestidos floridos cheios de pontas assimétricas. Os cabelos
ondulados formam cachos nas pontas e ela é absurdamente linda. Algo na
minha inspeção parece incomodá-la, porque a garota estufa o peito e me
encara de frente. Ela está pronta para um embate.
— E você quem é? — pergunto, baixando um pouco meu rosto e
aspirando o cheiro de frescor do ar.
Ela sustenta o mesmo olhar afiado de quando me chamou de louco
— Eu sou a ré.
É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro,
possuidor de uma conta bancária recheada e com a aparência de um astro de
cinema está procurando problemas.
JP Passatori é a própria descrição dessa palavra.
Ele exala charme e sedução enquanto anda pelo escritório, seguindo
nossa editora rabugenta e nada amigável.
Em alguns minutos, todos estaremos enfurnados na sala de reuniões,
tentando provar nosso valor e empurrar alguma ideia para a pauta de
amanhã. Menos ele, porque quando o principal colunista fala, tudo parece
se transformar.
As pessoas suspiram quando ele passa.
As mulheres só faltam lamber o chão que ele pisa.
Tudo é só flores.
Eca.
Só que não.
Pra mim, JP não passa de um babaca riquinho que não tem mais o
que fazer da sua vida chata e tediosa. E que ele pode enfiar sua coluna sobre
masculinidade naquele lugar.
Prefiro morrer a suspirar de amor como todas as minhas colegas.
Ou melhor, prefiro que ele morra ou imploda, sei lá. Tanto faz,
desde que ele suma da redação e eu possa, finalmente, começar a escrever
sobre coisas sérias que podem mudar o mundo.

[1]
Departamento de recursos humanos.
[2]
“E aí, bonitão?” Em francês.
[3]
Cidade ou conjunto de cidades que fazem parte de um distrito judicial e é atendido por um fórum. Em regra, o juiz deve morar
na comarca ou no máximo a 50 quilômetros dela.

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