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Ética e deontologia da

Solicitadoria – Caso Prático

Ano letivo 2017/2018 (2º Stre)


Licenciatura de Solicitadoria
Cláudio Serra
cserra@ipca.pt
Roberta Fechado, solicitadora desde 1990, foi contactada por Joaquim Obstáculo, que pretendia doar
aos filhos Augusto e Jéssica a casa onde vivia, reservando para si o direito de aí residir enquanto
fosse vivo.
Antes de consultar Roberta, Joaquim pediu conselho a um advogado amigo, o qual lhe sugeriu que
procedesse à partilha dos bens por morte da sua falecida mulher, ficando a casa para os dois filhos,
em raiz, e constituindo usufruto vitalício a favor dele, Joaquim.
Para começar a tratar do assunto e preparar a documentação necessária para a marcação da
escritura, o advogado pediu ao Joaquim 750 euros, dizendo-lhe que iria demorar uns três ou quatro
meses.
Como Joaquim se sentia muito adoentado e com medo de morrer antes de ter o assunto resolvido,
contactou Roberta que, em três dias, obteve certidão do registo predial, caderneta predial e elaborou
documento particular autenticado para a doação.
Redigiu também uma declaração na qual os filhos reconheciam o direito de Joaquim a habitar e a
usufruir da casa enquanto fosse vivo, comprometendo-se a cuidar dele em caso de doença.
De imediato, procedeu também ao registo da casa a favor de Augusto e de Jéssica.

Ética e deontologia da Solicitadoria - Ano letivo 2017/2018 Docente: Cláudio


Serra
1.ª ETAPA:

Elabore a nota de despesas e honorários, bem como a carta a enviar ao

cliente,

enunciando os princípios, fatores e legislação a ter em conta para este

efeito.

Ética e deontologia da Solicitadoria - Ano letivo 2017/2018 Docente: Cláudio


Serra
Proposta:

A resolução desta etapa pressupõe a elaboração de carta dirigida ao cliente no sentido de


lhe apresentar a nota de despesas e honorários.
Na elaboração da conta, não existindo qualquer regulamento específico aplicável, deve ser
observado o disposto no Regulamento dos laudos sobre honorários de solicitadores
(Regulamento n.º 330/2017), especialmente o artigo 4.º.
Os solicitadores têm direito a honorários em regime de profissão liberal remunerada, nos
termos do disposto nos artigos 136 n.os 1 e 2 do EOSAE, 1.º e ss. da Lei n.º 49/2004, de
24 de agosto e 1158.º do Código Civil – contrato de mandato.
Os honorários correspondem, assim, à compensação económica que deve ser paga em
dinheiro, como resulta do n.º 1 do artigo 149.º do EOSAE.
Por outro lado, na fixação dos seus honorários, o solicitador deve atender aos critérios
previstos no n.º 3 do mesmo artigo 149.º.
Como resulta do n.º 4 do artigo 149.º do EOSAE, os actos fundados em usos profissionais
(atos próprios e habitualmente praticados pelos solicitadores) os honorários podem/devem
ser espelhados em tabela.

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Serra
2.ª ETAPA:
Admita que Joaquim encontrou-se com o advogado seu amigo, o qual lhe disse o seguinte:
«O que você fez não foi nada do que eu lhe disse! Era para se fazer a partilha no notário e
não era para me vir dizer que fez uns papéis numa solicitadora! Olhe: não pague, e vamos já
participar à Ordem!»
«Mais a mais isto até é tudo nulo! O título nem fala em licença de habitabilidade, nem no
certificado energético, nem sei como é que ela conseguiu registar isto!».
Admitindo que Joaquim participou disciplinarmente de Roberta e que esta foi notificada pelo
conselho superior da OSAE, diga que argumento de defesa pode a solicitadora apresentar?

Ética e deontologia da Solicitadoria - Ano letivo 2017/2018 Docente: Cláudio


Serra
Proposta
Trata-se, aqui, de referir as eventuais infrações disciplinares cometidas pela solicitadora,
com a identificação do órgão com competência para a instauração, tramitação e decisão do
procedimento e processo disciplinar, bem como as eventuais circunstâncias atenuantes que
suportem a defesa do comportamento da solicitadora.
Considerações prévias: refira-se, em primeiro lugar, os direitos/deveres de independência
subjacentes ao exercício da profissão, além dos outros deveres (designadamente) de
integridade, lealdade e cortesia referidos no Estatuto (cf. Artigo 121.º n.os 1, 2 e 3 do
EOSAE), bem como o dever de urbanidade previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 124.º do
EOSAE, com aplicação específica para o caso concreto na alínea e) do mesmo número e
artigo e também a alínea c) do n.º 2 do artigo 124.º do EOSAE.
Cont…

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Serra
Cont…

Impunha-se, pois, que a solicitadora tivesse informado e pedisse a nota de despesas e


honorários ao advogado contactado anteriormente pelo cliente, que era o profissional forense a
quem o caso já havia sido cometido.
Como não o fez, tais omissões são suscetíveis de integrar ilícito de natureza disciplinar, face ao
preceituado no n.º 1 do artigo 181.º do EOSAE.
O processo disciplinar vem regulado nos artigos 185.º e ss. do EOSAE, sendo o conselho
superior o órgão competente para a sua tramitação nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo
33.º do mesmo diploma [vide artigos e fases essenciais do procedimento no EOSAE].
Em sua defesa, a solicitadora pode alegar circunstâncias atenuantes (as previstas no artigo 191.º
n.º 2 do EOSAE) bem como, eventualmente, o «estado de necessidade» motivado pelos receios
e a urgência invocados pelo cliente (cf. artigos 335.º - colisão de direitos - e 339.º n.º 1 – estado
de necessidade - ambos do CC).

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3.ª Etapa:
Descreva o procedimento a seguir, caso a notificação que Roberta recebeu
seja proferida pelo conselho profissional de solicitadores da OSAE.

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Serra
Proposta:
A definição de laudo e a sua tramitação estão previstas no Regulamento dos
laudos sobre honorários de solicitadores (Regulamento 330/2017), cf. artigo 2.º
com o novo Estatuto, a competência para a sua emissão passou a ser do
conselho profissional nos termos do disposto no artigo 45.º alínea g) do
EOSAE.

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Serra
4.ª ETAPA:
Supondo que a questão vai ser discutida em Tribunal e que o depoimento de
Roberta vai ser elemento-chave para a decisão lhe ser favorável, redija o
requerimento que lhe
permitirá prestar tal depoimento.

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Serra
Proposta
Nesta etapa, deve o(a) solicitador(a) elaborar o requerimento no sentido de solicitar o levantamento
do sigilo profissional, o qual deve ser dirigido ao bastonário, nos termos do disposto na alínea h) do
n.º 1 do artigo 20.º do EOSAE.
Porém, agora, no atual Estatuto, prevê-se que esta competência pode ser delegada nos termos do
disposto no n.º 3 daquela disposição legal, nos membros do conselho geral.
O artigo 127.º do EOSAE, embora sobre a epígrafe de “segredo profissional”, refere-se, na verdade,
ao «dever de reserva», uma vez que é genérico e aplicável aos profissionais dos diferentes colégios.
Mais do que um carácter reservado, a consulta jurídica, deve ter um carácter sigiloso (ou mesmo
secreto).
Assim, é no artigo 141.º do EOSAE que se regula especificamente o segredo profissional do
solicitador, sendo que o n.º 6 do mesmo artigo de especial importância para o caso.
Cont…

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www.osae.pt - Ano
| geral@osae.pt letivo
| Rua Artilha2017/2018
1, n.º 63, 1250-038 Lisboa | Tel.: 21 389 42 00 Docente: Cláudio
Serra
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É imperioso que o solicitador exponha detalhadamente a situação em causa e


que demonstre a «absoluta necessidade» de, perante aquelas circunstâncias,
prestar depoimento ou declarações sobre situações profissionais.
Estes são pressupostos essenciais para que possa ser deferido o pedido de
levantamento da obrigação de sigilo, circunstância esta que constituí uma
situação absolutamente excecional face à regra geral.
Note-se que esta obrigação de sigilo abrange, quer os funcionários do
solicitador, quer os solicitadores estagiários, nos termos do disposto no n.º 9 do
artigo 141.º e no artigo 134.º n.º 2 alíneas b) e i) e n.º 3, todos do EOSAE.

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5.ª Etapa:

Argumente, contrapondo as vantagens e desvantagens da solução técnica


encontrada por Roberta, face à preconizada pelo advogado, incluindo a
suspeita de eventuais inobservâncias da certificação energética e licença
de utilização.

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Conforme se pode extrair do artigo 119.º do EOSAE, a solução que melhor defende os
interesses do cliente, nem sempre é aquela que este imaginou.
Compete ao solicitador explicar-lhe os benefícios/consequências e os riscos do negócio jurídico
pretendido, apresentando-lhe a melhor solução técnica (ou «equivalente») para atingir os
objectivos que se têm em vista, sendo certo que, o resultado final deve estar de acordo com a
vontade expressa pelo cliente.
Acresce, ainda, que, ao titular um negócio jurídico por documento particular autenticado, o
solicitador deixa de estar unicamente do «lado» do cliente, para assumir um papel equidistante
das partes tal como o notário (ou, até mesmo, o juiz).
Assim, não basta a defesa dos direitos e interesses do cliente, é preciso adequar esses
interesses aos princípios da igualdade e da legalidade que se sobrepõem.
Cont…

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Do ponto de vista técnico, a solução encontrada (de entre as possíveis) parece mais simples e
mais «económica», transmitindo os direitos indivisos de Joaquim relativos ao imóvel (isentos de
IS [e IMT] por se tratar de uma doação aos filhos – artigo 6.º do CIS) – doação por parte de
Joaquim às filhas dos direitos indivisos que detém no referido imóvel (1/2 + 1/6).
No entanto, importa desde já referir que a declaração de constituição de usufruto ou uso e
habitação deveria ser objeto de registo, no sentido de assegurar o direito do cliente e impedir a
sua alienação, podendo ser oposto a terceiros.
Quanto à declaração de compromisso no sentido de cuidar dos pais em caso de doença, foi
«serviço desnecessário» cf. artigos 1874.º e 2009 e ss. do Código Civil (CC)..

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Apesar de o enunciado ser omisso a esse respeito, aparentemente, a


solução concreta que foi encontrada por Roberta Fechado, também
dispensou a apresentação de certificado energético, bem como da licença
de utilização, cf. DL n.º 118/2013, de 20 de agosto, e artigo 22.º do DL n.º
116/2008, de 4 de julho e do DL n.º 281/99, de 26 de julho. Todavia, no
que à licença de utilização diz respeito, dependendo do negócio jurídico
concreto subjacente à titulação e cf. a legislação supra referida, essa
também poderia/deveria ser uma crítica a apontar.

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