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Deontologia

Profissional do
Advogado:

Teoria
versus
Prática

Formação CE2022/2023

Moura Santos
Advogado e formador do Conselho Regional de
Lisboa da Ordem dos Advogados

(mourasantos-6649l@advogados.oa.pt)
Bibliografia

Fernando Sousa Magalhães – Estatuto da Ordem dos Advogados -


Anotado e Comentado;
Orlando Guedes da Costa – O Direito Profissional do Advogado;
António Arnaut - EOA Anotado e Iniciação à Advocacia;
Carlos Mateus – Deontologia Profissional – Contributo para a
formação dos Advogados Portugueses;
Manuel Ramirez Fernandes - Direito Profissional do Advogado (Quid
Juris);
Valério Bexiga – Manual de Deontologia Forense (esgotado);
Alfredo Gaspar – EOA Anotado (esgotado);
Deontologia Profissional dos Advogados, Conselho Regional de
Lisboa, 2019.

Legislação imprescindível para acompanharem as sessões:


- EOA, respectivos Regulamentos e legislação complementar;
- CDAE;
- CPC;
- CPP.

Nota: os presentes apontamentos não dispensam a consulta das


obras originais e constituem um meio auxiliar de estudo com base
nas aulas práticas de formação, contendo, nalguns casos e por se
acharem relevantes, reproduções expressas das obras e autores
citados, pelo que todas as contribuições de outros autores estão
devidamente assinaladas e referenciadas.
Siglas e Abreviaturas

Todas as referências aqui feitas à legislação, sem se mencionar o


diploma respectivo, respeitam ao Estatuto da Ordem dos Advogados,
adiante designado pela abreviatura EOA.
A referência a Advogado e a Advogado estagiários é feita pelas
abreviaturas A. e AE., respectivamente.
ASAP – Associação das Sociedades de Advogados de Portugal
AdC - Autoridade da Concorrência
APP – Associação Pública Profissional
BCFT - Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo
CC- Código Civil
CDAE – Código Deontológicos dos Advogados Europeus
CDAPA - Comissão de Defesa dos Actos Próprios dos Advogados
CG – Conselho Geral
CPC – Código de Processo Civil
CP – Código Penal
CPP – Código de Processo Penal
CRC – Conselho Regional de Coimbra da OA
CRL- Conselho Regional de Lisboa da OA
CRPt – Conselho Regional do Porto da OA
CRP – Constituição da República Portuguesa
CT – Código de Trabalho
EM – Estado Membro da União Europeia
LAPAS – Lei dos Actos Próprios dos Advogados
LAPP - Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro (Lei das Associações Públicas
Profissionais)
LOSJ – Lei da Organização do Sistema Judiciário
LSP – Lei das Sociedades Profissionais
RDSP – Regulamento de Dispensa do Segredo Profissional
RLH – Regulamento dos Laudos dos Honorários
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
TRC – Tribunal da Relação de Coimbra
TRE – Tribunal da Relação de Évora
TRG – Tribunal da Relação de Guimarães
TRL – Tribunal da Relação de Lisboa
TRP – Tribunal da Relação do Porto
1. O Princípio da confiança

É uma matéria que deve ser complementada com a que será aflorada
adiante a propósito da relação entre A. e cliente.
Voltamos à pergunta atrás formulada: de que esperamos do
advogado? A confiança.
A confiança, por um lado, nasce da autoridade que lhe advém do
conhecimento técnico (arts. 81º nº 1, 98º nº 2 e 100º, nº1, al. b).
Por outro, o de estar vinculado à deontologia (por exemplo, respeitar
o segredo profissional) sendo que o exercício da profissão está
regulamentado em função da confiança (arts. 97º e 98º).
Sem essas qualidades do A. não há confiança.
Acresce que só pode existir confiança se a honorabilidade, a
honestidade e a integridade do A. existirem perante o cliente.
Para além de virtudes profissionais, são obrigações profissionais (cfr.
art. 2.2. CDAE).
Decorre do art. 97º que o A. não pode agir como agente encoberto,
no âmbito da investigação criminal (ver Parecer do CDL, consulta nº
29/2009, em que se pretendia ver esclarecida a seguinte questão:
Em que circunstâncias, e sob que regras, um advogado no exercício
da sua actividade profissional pode actuar em concertação com as
autoridades judiciárias, desempenhando o papel de agente
“encoberto”, em processo pendente onde está formalmente
constituído mandatário?).
A confiança é, por conseguinte, indissociável do dever de
integridade, que proíbe uma actuação oposta aos compromissos do
A. para com o Direito e a Justiça (art. 88º): exp.: proposta desonesta
do cliente ao A. que vai contra o Direito e a Justiça (defender um
sequestro praticado pelo cliente – se o A. aceita, está a violar esse
dever, bem como os deveres para a com a comunidade (art. 90º, nº
1 e 2, als. a), c) e d).
A confiança é também o suporte essencial do segredo profissional
(ponto 2.3.1. do CDAE).

A confiança começa na livre escolha do mandatário - arts. 97º, 98º,


nº 1, 67º, nº 2 e 90º, nº 2, al. h), estando vedado ao A. a aceitação do
patrocínio quando este não tenha sido pessoal e livremente
mandatado pelo seu cliente, nomeadamente para evitar a angariação
de clientela.
Obviamente que essa regra sofre a excepção no tocante ao regime
das nomeações de advogados oficiosos, decorrentes do instituto do
acesso ao direito.
O A. deve manter uma relação pessoal com o cliente, tendo em vista
garantir, nomeadamente, os deveres deontológicos de informação,
acompanhamento e tratamento do caso com zelo e diligência,
aconselhamento e harmonização do conflito (art. 100º).
Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda, diz o provérbio
popular.
O Advogado deve aconselhar o cliente não só para facilitar como
para procurar que as partes se componham, aconselhando-lhe
prudência e moderação, acalmando-lhe os seus ódios e paixões.

É livremente revogável o mandato (arts. 1170º CC e 47º CPC), mas


já não a renúncia ao mesmo por parte do A.

Artigo 1170.º
(Revogabilidade do mandato)

1. O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não


obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de
revogação.

2. (…)

Ao passo que o A. só pode renunciar ao mandato quando exista


motivo justificado (art. 100º, al. e) face ao interesse público da
profissão.
O mandato forense é um contrato típico, com especificidades, como
o limite à publicidade, à discussão das questões pendentes, proibição
da angariação de clientela, o regime de impedimentos e
incompatibilidades, a proteção do segredo profissional, regras sobre
honorários, obrigatoriedade de inscrição na OA, deveres para com a
comunidade, etc.

Artigo 47.º CPC


Revogação e renúncia do mandato
1 - A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio
processo e são notificadas tanto ao mandatário ou ao mandante,
como à parte contrária.

2 - Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da


notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a
renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência
dos efeitos previstos no número seguinte.
3 - Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado,
se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo
mandatário no prazo de 20 dias:

a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente;


b) O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do
executado ou do requerido, aproveitando-se os atos anteriormente
praticados;
c) Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação
de qualquer ação, se a falta for do requerente, opoente ou
embargante.

4 - Sendo o patrocínio obrigatório, se o réu, o reconvindo, o


executado ou o requerido não puderem ser notificados, é nomeado
oficiosamente mandatário, nos termos do n.º 3 do artigo 51.º.
5 - O advogado nomeado nos termos do número anterior tem direito
a exame do processo, pelo prazo de 10 dias.
6 - Se o réu tiver deduzido reconvenção, esta fica sem efeito quando
for dele a falta a que se refere o n.º 3; sendo a falta do autor, segue
só o pedido reconvencional, decorridos que sejam 10 dias sobre a
suspensão da ação.

É motivo justificado de renúncia ao mandato a salvaguarda dos


deveres que decorrem, nomeadamente, para com a integridade,
independência e para com a comunidade (arts. 88º, 89º e 90º) – cfr.
hipótese de exame de 16-10-2020, bem como a falta de pagamento
de provisões a título de honorários e ou despesas.
No entanto, o A. é livre de aceitar clientes, dado ser um profissional
liberal e face à sua independência.
O cliente pode pedir uma segunda opinião jurídica, mas tal pode ser
motivo justificativo para cessar o patrocínio, se o A. não sabe, nem
autorizou.
Cfr. também hipóteses de exame de 18/12/2015 e 30-10-2020.

2. A Independência do advogado

Art. 89º:
O advogado deve agir de forma livre de qualquer pressão,
designadamente do seu cliente.
Quanto a este deve defender os legítimos interesses, mas sem
prejuízo das normas legais e deontológicas que regem a sua
actividade profissional – art. 92º, nº 2 EOA.
Os advogados mais antigos costumam dizer que o principal
adversário do A. é o cliente. Sem querer generalizar, é um facto que
muitas vezes deparamos com atitudes de ingratidão e de má índole
da parte deles. Se o desfecho da sua causa lhe fôr favorável, o A. é
elevado aos píncaros. Mas se tal não acontece, mesmo por razões
alheias à actuação do A., arriscamo-nos a ouvir que este foi
“comprado” pela parte contrária, ou agiu, em qualquer caso, contra
os interesses do cliente e por isso foi prejudicado.
Existem clientes que parecem fazer da litigância modo de vida,
mesmo contra os seus advogados. O Conselho de Deontologia de
Lisboa tem situações em que uma mesma pessoa apresenta
compulsivamente participações contra vários advogados, chegando
a haver quem o fez 43 vezes (!) contra outros tantos advogados.
O A. confronta-se igualmente com a falta de pagamento dos seus
honorários e despesas por parte de alguns desses clientes.
O A. deve obediência à lei (art. 90º) é um servidor da justiça, tendo
deveres para com a comunidade (exp. não aceitar patrocínios de
causas que considere injustas (art. 90º nº 2 a) e b) ou de não
entorpecer a descoberta da a verdade, proibição da quota litis (art.
106º), goza de autonomia técnica (art. 76º nº 1) e pode exercer o
direito de protesto (art. 80º).
A independência e a liberdade do A. perante qualquer entidade
pública ou privada são essenciais para a defesa dos direitos
humanos – art. 81º, nº 1 - liberdades e garantias dos cidadãos.
A liberdade de expressão e de actuação no exercício do patrocínio e
do mandato forense é um instrumento dessa mesma independência
do advogado (art. 110º, nº 2 e 150º, nº 2 CPC e 326º CPP) e que
decorrem das imunidades necessárias ao exercício eficaz do
mandato, constitucionalmente consagradas.
A actividade do A. não pode reger-se por princípios de subordinação
ou de vinculação hierárquica nem por deveres de obediência, que
possam coarctar a liberdade e independência no momento de tomar
decisões e na forma de actuar (artigo 81º n.º 2). O exercício da
advocacia será, então, incompatível com actividades ou funções que
possam coarctar a independência do Advogado.
A independência é diferente da imparcialidade - característica que
não é do advogado, pois defende a causa do cliente - mas o A. deve
exigir correcção por parte do cliente, sendo isento (art. 97º, nº 2).
Decorre também do dever de isenção a proibição da falar com as
testemunhas de forma a distorcer a prova e alterar a verdade dos
factos.
Deve ser independente perante o cliente, magistrados, colegas, etc.,
actuando sempre segundo a sua consciência e os valores éticos da
sociedade.
Daí resulta a confiança do cliente e da comunidade.
O Advogado não é do cliente, mas dos interesses legítimos do
cliente.

Veja-se também, como corolário do princípio da independência, o


estatuído nos arts. 66º, nº 3, 69º, 73º, 81º, nº 2 e 4, 100, nº 1, al. a),
c) e d), pontos 2.1. e 1.2. do CDAE e arts. 12º, nº 3 e 13º, nº 1 e 2 da
LOSJ.
Cfr. hipóteses de exame: 18-12-2015 e 30-10-2020.

3. O Direito de Protesto
Art. 80º (regulamenta o direito, os seus termos e os efeitos).
É um direito/dever quando ocorre o impedimento do exercício do
direito de patrocínio por parte do A.
O requerimento pode vir a ser deferido ou indeferido pelo juiz, mas
não pode ser recusada a sua formulação. Se recusada a sua
formulação, então é que deverá ser exercido o acto de protesto, que
não pode deixar de constar da acta.
É um acto formal de arguição de uma nulidade e não um acto de
desabafo mais ou menos veemente por parte do A.
Vale desde logo como arguição da nulidade consubstanciada no
impedimento ao exercício do seu dever de patrocínio, mas também
pode valer como arguição da eventual nulidade que pela via do
requerimento se pretendia arguir. Atente-se que há irregularidades
cometidas na audiência que devem ser arguidas de imediato, sob
pena de perda de eficácia e ficar suprida (art. 123º CPP).
Aliás, o impedimento ao exercício do patrocínio constitui uma
irregularidade (art. 123º CPP). Por isso, no protesto deve constar a
matéria do requerimento e o objecto que tinha em vista.
O direito de protesto vale para todos os actos e diligências em que o
A. intervenha, quer perante o juiz, quer perante o ministério público.
Arts. 66º, nº 3, 69º, 89º, 100º, nº 1, al. b) – dever deontológico;
Arts. 12º e 13º da LOSJ (Lei nº 62/2013 de 26-08); e
Art. 362º, nº 2 do CPP:
“2 - O presidente pode ordenar que a transcrição dos requerimentos
e protestos verbais seja feita somente depois da sentença, se os
considerar dilatórios”.
(o que obriga o juiz a ouvir o protesto, consignar em acta a sua
decisão e ordenar a sua transcrição depois da sentença, se
considerar que o mesmo é dilatório – Germano Marques da Silva,
Direito de Protesto, Protesto ao abrigo da lei, disponível na net).

As situações previstas nos arts. 150º CPC e 326º CPP, excluem o


exercício do direito de protesto, sob pena de tudo valer para o
exercício do patrocínio.

Cfr. hipótese de exame: 18-12-2015.

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