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Deontologia

Profissional do
Advogado:

Teoria
versus
Prática

Formação CE2022/2023

Moura Santos
Advogado e formador do Conselho Regional de
Lisboa da Ordem dos Advogados

(mourasantos-6649l@advogados.oa.pt)
Bibliografia

Fernando Sousa Magalhães – Estatuto da Ordem dos Advogados -


Anotado e Comentado;
Orlando Guedes da Costa – O Direito Profissional do Advogado;
António Arnaut - EOA Anotado e Iniciação à Advocacia;
Carlos Mateus – Deontologia Profissional – Contributo para a
formação dos Advogados Portugueses;
Manuel Ramirez Fernandes - Direito Profissional do Advogado (Quid
Juris);
Valério Bexiga – Manual de Deontologia Forense (esgotado);
Alfredo Gaspar – EOA Anotado (esgotado);
Deontologia Profissional dos Advogados, Conselho Regional de
Lisboa, 2019.

Legislação imprescindível para acompanharem as sessões:


- EOA, respectivos Regulamentos e legislação complementar;
- CDAE;
- CPC;
- CPP.

Nota: os presentes apontamentos não dispensam a consulta das


obras originais e constituem um meio auxiliar de estudo com base
nas aulas práticas de formação, contendo, nalguns casos e por se
acharem relevantes, reproduções expressas das obras e autores
citados, pelo que todas as contribuições de outros autores estão
devidamente assinaladas e referenciadas.
Siglas e Abreviaturas

Todas as referências aqui feitas à legislação, sem se mencionar o


diploma respectivo, respeitam ao Estatuto da Ordem dos Advogados,
adiante designado pela abreviatura EOA.
A referência a Advogado e a Advogado estagiários é feita pelas
abreviaturas A. e AE., respectivamente.
ASAP – Associação das Sociedades de Advogados de Portugal
AdC - Autoridade da Concorrência
APP – Associação Pública Profissional
BCFT - Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo
CC- Código Civil
CDAE – Código Deontológicos dos Advogados Europeus
CDAPA - Comissão de Defesa dos Actos Próprios dos Advogados
CG – Conselho Geral
CPC – Código de Processo Civil
CP – Código Penal
CPP – Código de Processo Penal
CRC – Conselho Regional de Coimbra da OA
CRL- Conselho Regional de Lisboa da OA
CRPt – Conselho Regional do Porto da OA
CRP – Constituição da República Portuguesa
CT – Código de Trabalho
EM – Estado Membro da União Europeia
LAPAS – Lei dos Actos Próprios dos Advogados
LAPP - Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro (Lei das Associações Públicas
Profissionais)
LOSJ – Lei da Organização do Sistema Judiciário
LSP – Lei das Sociedades Profissionais
RDSP – Regulamento de Dispensa do Segredo Profissional
RLH – Regulamento dos Laudos dos Honorários
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
TRC – Tribunal da Relação de Coimbra
TRE – Tribunal da Relação de Évora
TRG – Tribunal da Relação de Guimarães
TRL – Tribunal da Relação de Lisboa
TRP – Tribunal da Relação do Porto
1. O Princípio da Integridade

Como refere o escutado António Arnaut (EOA Anotado, pág. 89, nota
5), “A conduta do A. pode afectar a sua dignidade profissional,
quando for publicamente desprimorosa, desonrosa ou lesiva da
classe”.

Ver art. 88º - dever de integridade/comportamento público.


A actuação do A. em cumprimento das regras éticas, prestigia o
próprio e a profissão.
A seriedade do A. é, sem dúvida, a par da sua competência técnica-
profissional, um elemento essencial para poder ser respeitado e
procurado pela comunidade e fazer assentar a relação com o cliente
na base da confiança.
O contrário representa o descrédito da pessoa, da classe e da justiça
perante os cidadãos.
(exemplos: advogado assassino, alcoólico, burlão, chantagista,
arruaceiro, etc.) – ver pág. 11.
A advocacia livre, porque praticada em concorrência, encerra em si
um perigo: se não existirem regras de conduta colectivamente
assumidas, pode pôr em causa a profissão. O A. existe para servir a
justiça e para isso tem de haver regras.
“O A. serve a justiça. Se não, é um mercenário.” (António Arnaut).
Veja-se o art. 90º, nº 2, al. b), inserido no elenco dos deveres para
com a comunidade e que visa proteger o dever de integridade (art.
88º).

Os tribunais e quaisquer autoridades podem participar do A. à OA:


arts. 121º e 150º, nº 4 CPC (por força do sistema colegial da
advocacia que vigora em Portugal).
O nosso Estatuto contempla um processo especial administrativo de
averiguação de inidoneidade para o exercício da profissão (arts. 177º
a 179º e 188º), sempre que estiver em causa o dever de integridade
ou probidade a que se refere o art. 88º.
2. A Deontologia na vertente dos direitos profissionais

Mas a Deontologia Profissional do Advogado não é só constituída por


deveres, mas também por direitos e prerrogativas, criados para
permitir o livre exercício da profissão.
Exemplos: arts. 20º e 208º da CRP, arts. 66º, nº 3, 69º, 72º, nº 1, o
de alegar sentado em bancada própria (72º, nº 2) pois é um elemento
essencial na administração da justiça, prioridade no atendimento,
direito de ingresso nas secretarias (hoje em dia em desuso por
questões práticas) e à consulta dos processos (art. 79º), o regime de
imposição de selos, arrolamentos e buscas em escritórios ou
sociedades de advogados, bem como o de apreensão documentos
com vista à preservação do segredo profissional (arts. 75º e 76º), o
direito de comunicar pessoal e reservadamente com os presos (art.
78º) – cfr. hipótese de exame de 02-11-2020.
O A. pode requerer a intervenção da OA para defesa dos seus
direitos ou dos legítimos interesses da classe, como por exemplo, a
dignidade da advocacia (art. 71º e 5º).

Em 01-03-2021, pág. do CRL:

Comunicado - Impedimento do Exercício da Advocacia

“Transportadora aérea impediu trabalhador de se fazer acompanhar


por advogado nas negociações com vista à revogação do contrato de
trabalho

A Direção de Recursos Humanos da TAP impediu recentemente um


Advogado de acompanhar o seu constituinte na defesa dos seus
direitos. Trata-se de um tripulante de cabine que está em processo
negocial no âmbito das “medidas voluntárias” anunciadas pela
companhia aérea, mais concretamente uma “revogação por mútuo
acordo”.

Após manifestar a intenção de se fazer acompanhar pelo seu


advogado, o trabalhador recebeu, por telefone, a seguinte nota da
Direção de Recursos Humanos: “Não falamos com advogados”.

Perante esta situação, que condenamos, foi reportada ao Conselho


Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados pelo Ilustre Colega que
foi impedido de cumprir o dever perante o seu cliente.

Nos termos da Lei Fundamental, assiste a qualquer cidadão a


possibilidade de se fazer acompanhar por Advogado perante
qualquer autoridade, independentemente da sua natureza pública ou
privada. A nossa Constituição é bastante clara e não deixa margem
para segundas interpretações.
Também os artigos 66.º, n.º 3 e 69.º do Estatuto Profissional da
Ordem dos Advogados materializam tal direito ou prerrogativa.
Torna-se evidente, olhando para conjugação dos invocados
normativos legais, que, por um lado, o cidadão tem o direito a fazer-
se acompanhar por Advogado perante qualquer autoridade e, por
outro, que o Advogado tem consignado o direito correspondente de
acompanhar qualquer cidadão perante qualquer autoridade, pública
ou privada.
Já a TAP não tem o direito de impedir que tal aconteça.
Neste contexto, e por entender que os factos que nos foram
reportados consubstanciam, por um lado, violação dos invocados
comandos legais e, por outro, violação de um direito dos cidadãos
conferido pela Constituição, o CRLisboa dirigiu uma comunicação à
Direção de Recursos Humanos da TAP para que sejam tomadas
medidas por forma a que, doravante, esta situação ilícita e que põe
em causa a administração da justiça que ao Advogado incumbe não
volte a ocorrer e, em particular, por forma a que o Ilustre Causídico
possa exercer cabalmente o mandato de que foi incumbido (…).
João Massano
Presidente”

Outros direitos:
- Direito de protesto (art. 80º), caso contrário: Juiz não permite que o
A. faça um requerimento para o ofender (art. 150º CPC).
- Ver o conteúdo informativo constante do verso da cédula
profissional do A.
- Art. 184º (direito de reunião nas salas dos tribunais).

3. A Advocacia como actividade de interesse público e de


utilidade social
“Os que deturpam a verdade, moldando-a aos seus interesses
mesquinhos, ou tripudiam o ordenamento com interpretações
tendenciosas, são verdadeiros contrabandistas do foro, mais
perigosos do que vulgares falsificadores, porque estes traficam
mercadorias e assumem o risco da descoberta, enquanto os outros
ofendem os valores sagrados da Justiça e movem-se com total
impunidade.”

António Arnaut, in “Ossos do Ofício”

(cfr. também o Preâmbulo do CDAE).


Num estado de direito moderno, a função jurisdicional acompanha a
legislativa, por ser essencial à aplicação da lei e à defesa daqueles
que recorrem à justiça, socorrendo-se do serviço do advogado. A
justiça é, enquanto valor supremo de uma sociedade pluralista,
democrática e pacífica, um pilar da vida em sociedade, que necessita
de ser protegida.
Já Francisco Salgado Zenha dizia que “ninguém sabe o que é a
Justiça. Mas todos sabem o que é a injustiça.”
Logo, o A. deve ser recto e cumpridor da lei, quer no plano
profissional, quer no plano pessoal, visto ser indispensável à boa
administração da justiça, ao seu acesso e pelo conhecimento dos
direitos, liberdades e garantias, que são elementos estruturantes do
Estado de Direito e à sua defesa.
O interesse público justifica a obrigatoriedade de inscrição numa
Associação Pública Profissional (OA) para que possa exercer (art.
66º), não poder recusar o patrocínio ou defesa oficiosa sem motivo
(art. 90º, nº 2, al. f), não recusar a orientação do estagiário, como
patrono (arts. 91º, f) e 90º) e, em geral, o respeito pelos deveres para
com a Comunidade e a Ordem (o A. como servidor da justiça e que
deve obediência à lei).
Vejam-se também afloramentos do princípio do interesse público nos
arts. 3º. 7º, 70º, 72º, 100º, nº 2, 110º e 120º.

Atente-se que a advocacia é a única profissão liberal a ter


acolhimento na CRP (arts. 20º e 208º) e a ter deveres para com a
comunidade (art. 90º EOA).
Por isso, a propalada liberalização da profissão (o exercício da
profissão por terceiros não advogados, independentemente de
possuir ou não uma licenciatura em Direito e estando apenas
subordinada a um código de conduta) defendida por entidades como
a OCDE e a Autoridade da Concorrência, não constitui a melhor
forma de defesa dos interesses e direitos fundamentais dos cidadãos
e atenta contra a essência da advocacia.
A defesa não pode ser assegurada por qualquer um. Não é
meramente técnica e burocrata; é de causas e tem um carácter
humanista. É independente.
Logo, o estatuto tem de garantir a competência técnico-ciêntifica,
independência, honorabilidade, dignidade e responsabilidade
profissional (por exp. na questão dos honorários).
A essencialidade social do Advogado é evidente na necessidade de
intervenção de Advogado em praticamente todas as causas cíveis
(artigos 32º e 60º do Código de Processo Civil) e, como defensor do
arguido, em todos os processos criminais (artigos 61º, nº1, al. d), 62º
e 64º do Código de Processo Penal), bem como na jurisdição
administrativa.
O A. exerce essa função social enquanto representante dos cidadãos
junto da administração da justiça e da administração pública.
Um processo judicial desenrola-se em obediência a normas jurídicas.
Daí decorre a exigência de representação dos cidadãos por pessoa
idónea legalmente habilitada no conhecimento do direito – por via de
regra o advogado – que possa agir com zelo na defesa dos interesses
do seu representado. E a par disso, decorrem também deveres
deontológicos, face à necessidade de isenção e integridade do
advogado, que devem acompanhar a assunção plena do patrocínio
técnico-jurídico, por forma a assegurar a confiança necessária dos
cidadãos no funcionamento da justiça.

A independência e a liberdade do A. são essenciais para a defesa


dos direitos humanos – art. 81º, nº 1 - liberdades e garantias dos
cidadãos - pelo que está a sua actividade subordinada a normas
imperativas e éticas (arts. 83º, nº 1, 88º, 89º, 97º, 106º e 110º, nº 2).
Contudo, “em contrapartida das prerrogativas concedidas, a lei impõe
aos advogados não apenas uma adequada idoneidade científica e
técnica, mas também deontológica, que se encontra devidamente
regulada. Vale isto por dizer que as prerrogativas conferidas têm
como reverso exigências de disciplina profissional imposta e
controlada por razões de interesse geral”, Santos, Filipe Matias, in “O
Advogado interno (in-house lawyer): estatuto e particularidades do
segredo profissional, in Estudos sobre Law Enforcement, Compliance
e Direito Penal, Almedina, 2018, pág. 181.”

Por isso a Deontologia é um ramo de direito profissional autónomo,


com normas tipificadas e não um simples regulamento de deveres,
sendo uma lei emanada da AR (art. 165º, nº 1, al. s) CRP) e as
correspondentes infrações dão origem a um processo disciplinar, que
é da competência exclusiva do OA. Essas normas jurídicas estão
explanadas, designada e principalmente nos arts. 66º 60º e 88º a
113º.
Quais os órgãos competentes para julgarem as infrações
disciplinares?
- os Conselhos de Deontologia, em primeira instância, com incidência
regional (art. 56º EOA);
- o Conselho Superior, como regra geral, em segunda instância,
sendo o supremo órgão jurisdicional dos Advogados, de âmbito
nacional (art. 42º e segs. EOA).
A responsabilidade disciplinar do A. (art. 115º e segs.) é um
imperativo da tutela do interesse público prosseguido.
O A. é o intermediário entre os cidadãos e a função jurisdicional do
Estado, evitando conflitos extrajudicialmente (cfr. art. 100º, nº 1, al.
c) ou representando o seu patrocinado em juízo, com competência e
com consciência ética e integridade.
O A. faz a ponte entre o cliente e a Justiça. Não deve fazer entre
aquele e o mundo criminal.
Daí decorre que o respeito pela função social do A. é uma condição
essencial para a garantia do estado de direito democrático (por isso
o consagrado no art. 208º CRP.
Se os tribunais são o garante de um Estado de Direito, os advogados
desempenham um papel essencial para esse desiderato.
Contudo, o A. não faz parte do aparelho judiciário, mas do sistema
judicial, isto é, os Advogados fazem parte dos Tribunais enquanto
órgãos de soberania, sendo necessários ao seu funcionamento.
“Fazemos parte da identidade de um Estado de Direito são e seguro.
Por isso, reiteramos a importância do papel do Advogado enquanto
operador judiciário e agente da Justiça, o qual é determinante para
os cidadãos e, por conseguinte, para toda a sociedade!” –
Comunicado do CRL de 18-01-2021.
Para isso o A. tem de ser sério, ter autoridade moral (exp. do A. que
emite cheques sem provisão: choca a comunidade; A. que se
embriaga publica e frequentemente: não se pode esquecer que a
nossa actividade é normalmente exercida nos tribunais e outros
locais públicos. Estamos assim sujeitos ao juízo crítico dos demais
intervenientes na lide.
Assim, os actos da vida privada do A. em princípio só a ele dizem
respeito: só podem desencadear um processo disciplinar se
constituírem um comportamento público que implique
desconsideração, lese a profissão e a Ordem (ver art. 88º, nº 1), sob
pena de se pôr em causa o direito constitucional à protecção da
intimidade da vida privada ou o direito ao livre desenvolvimento da
personalidade (art. 26º CRP).
Também daí decorrem os deveres de urbanidade e o de correção
(arts. 95º e 110º), que são o contraponto do direito consagrado no
art. 69º.
A defesa da Advocacia faz-se pela valorização da profissão e da
imagem do Advogado. Cabe ao próprio A. a responsabilidade de dar
o melhor contributo para melhorar a reputação e dignidade da classe.
No dia a dia, o A. encontra obstáculos no exercício da sua missão.
A dicotomia interesse dos cidadãos versus ideais da justiça que são
o leitmotiv da profissão nem sempre se harmoniza entre si, colocando
o A. numa situação dilemática.
Por um lado, está mandato para defender o cliente, a sua causa. Não
pode actuar contra este; por outro, está subordinado a normas
imperativas e éticas arts. 88º, nº 1, 60º, 97º, 106º e 110º, nº 2. Nesse
dilema tem especial acuidade o princípio da independência do A. de
que se abordará mais tarde.
Acresce que o A. enfrenta a má vontade por parte de alguns
funcionários e magistrados.
O A. não deve ser visto como um empecilho.
Afastar o A. (através da desjudicialização, entendida como a criação
de instrumentos e formas de resolução de conflitos não jurisdicional
em que os cidadãos estão desacompanhados de técnicos de direito,
podendo aqueles ficar fragilizados na resolução do conflito e que é
justificada por razões de combate à morosidade e à elevada
pendência processual) traz sempre prejuízos para o cidadão e para
a própria justiça, menorizando-a.
É, pois, necessária uma mudança de mentalidades (exp.: juiz que
folheia o processo ou conversa com o colega alheio ao que o o A.,
naquele momento, alega) e, como forma de não diminuir os direitos
das partes, garantir que o recurso a sistemas alternativos de
resolução de conflitos possibilite a presença obrigatória de Advogado
ou Solicitador.

4. O Advogado

“Onde reina a força, o direito não tem lugar”.


(provérbio popular)

O que se espera essencialmente de um juiz? Imparcialidade.


E de um advogado? Confiança.
E o que defende o A.?
“Ad-vocatus”, remonta ao direito romano e provém do latim: aquele
que é chamado para defender.
Logo é essencialmente um defensor (termo usado em P. Penal – art.
64ºdo CPP). Isso vinca o carácter humanista da profissão e a sua
vocação de conselheiro do cliente.
Antes de haver advogados já havia crime. Nesse tempo o juiz era o
senhor, o rei, o imperador, que julgava pessoas de classe inferior.
Nessa altura não havia distinção entre crime e ilícito civil, e as pessoas
julgadas não se sabiam defender. Sendo a audiência pública, as pessoas
da assistência podiam intervir. As que o faziam, actuavam
gratuitamente, motivados por um espírito de solidariedade, e faziam
parte das classes superiores, pois só assim seriam respeitadas. Foi
precisamente assim que surgir a figura do advogado defensor-
orador. Mas já naquele tempo, aquelas pessoas tinham regras. Surgiram os
primeiros advogados, cuja função era fazer justiça.
Em Portugal, o início da advocacia seguiu dentro dos mesmos
parâmetros. Os primeiros advogados eram conhecidos por
arrazoadores (apresentavam as suas razões) ou vozeiros (davam voz
àqueles que não se podiam defender).
O A. lida com direitos, interesses vitais dos clientes, pessoas
singulares ou colectivas, que lhe confiam a honra, a liberdade e a
fazenda.
"Abbati, medico, potronoque intima pande.":
(“Ao médico, ao advogado e ao padre se dever dizer sempre a
verdade...”) lá diz o provérbio.
O ensinamento é antigo e sábio. Ao médico diz a verdade para que
este te cuide do corpo, ao padre para que te cuide da alma e ao
advogado para que preserves o património e a liberdade.

Foi com o Decreto 15:344 de 12-04-1928 (Estatuto Judiciário) que o


A. começou a identificar-se com uma cédula profissional.

No dia 1 de novembro de 1923, inscreveu-se no Conselho Distrital de


Lisboa da Ordem dos Advogados a Dr.ª Regina Quintanilha, primeira
advogada portuguesa.
A função dos advogados – Luiz Menezes Leitão
“No passado sábado, José António Saraiva publicou no jornal SOL
um artigo questionando a função dos advogados. O artigo é, a vários
títulos, lamentável, primeiro porque pretende reduzir a advocacia à
defesa de causas, quando nunca foi essa a sua exclusiva função, e
segundo porque acha que, mesmo na defesa de causas, o advogado,
afinal, nem sequer deveria defender a causa, mas antes defender a
verdade, não pedindo a absolvição do seu constituinte quando ele
fosse culpado.
Há neste artigo enormes confusões. Em primeiro lugar, o art.º 1.o da
lei 49/2004, de 24 de Agosto, é claríssimo no sentido de que os actos
próprios do advogado não abrangem apenas o mandato forense e a
consulta jurídica, mas também a elaboração de contratos e a prática
dos actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou
extinção de negócios jurídicos (designadamente os praticados junto
de conservatórias e cartórios notariais), a negociação tendente à
cobrança de créditos e o exercício do mandato no âmbito de
reclamação ou impugnação de actos administrativos ou tributários. E
ainda bem que assim sucede pois, se esses actos fossem praticados
por profissionais não qualificados nem sujeitos a uma deontologia
própria, os cidadãos seriam altamente lesados pela sua actuação.
Já relativamente à defesa das causas, José António Saraiva parece
esquecer que o arguido só tem o dever de responder com verdade
às perguntas sobre a sua identidade (art.º 61º, nº 6, b) CPP) e que o
advogado tem por lei um dever de sigilo profissional (art.º 92º do
EOA), não podendo naturalmente actuar em tribunal em sentido
contrário à posição do seu constituinte, que lhe compete defender. E
por muito que José António Saraiva apreciasse ver os arguidos
sumariamente condenados, apenas porque a opinião pública fez
esse juízo com base em notícias de jornais, num Estado de direito,
os julgamentos fazem-se nos tribunais, com todas as garantias de
defesa. E a primeira garantia de uma defesa é precisamente a de que
os cidadãos sejam representados competentemente por um
advogado, que efectivamente os defenda, em vez de ajudar à sua
condenação.
Pelo contrário, ao Ministério Público compete exercer a acção penal
orientada pelo princípio da legalidade, sendo para esse efeito que
apresenta a acusação. Mas o Ministério Público é composto por
magistrados, que têm o dever de inclusivamente propor a absolvição
dos arguidos se não houver provas de que praticaram o crime. É por
isso que vemos com grande apreensão a recente notícia de que
foram dadas instruções a magistrados para que não pedissem a
absolvição dos arguidos nos processos mediáticos, como se o facto
de um processo ser mediático justificasse uma alteração do
comportamento processual de um magistrado perante as provas
produzidas em julgamento.
Só que a função dos magistrados é diferente da dos advogados e a
estes compete defender o seu constituinte, independente do juízo
que a opinião pública faz dele. Já houve muitos processos em que o
arguido estava condenado na comunicação social e na opinião
pública e foi depois absolvido em tribunal, porque teve um advogado
que o soube defender. Recordemos o dramático caso de Asia Bibi, a
mulher cristã condenada à morte no Paquistão porque tinha bebido
água de uma fonte reservada a muçulmanos, o que foi considerado
um acto de blasfémia, que suscitou indignação geral. Essa mulher
passou oito anos no corredor da morte e só foi libertada no início
deste ano porque o seu advogado Saif-ul-Malook, muçulmano,
conseguiu reverter a sua condenação com fundamento na
insuficiência de provas. É essa a função nobre do advogado: lutar
pela justiça e defender o seu cliente, mesmo quando uma turba
pretende a sua condenação.
É preciso, por isso, que todos respeitem o trabalho dos advogados
em defesa dos seus constituintes, independentemente da avaliação
que a opinião pública faça dos factos pelos quais os visados são
acusados. Ninguém está livre de um dia ter qualquer problema
judicial e, nessa altura, quererá seguramente ter um advogado que o
defenda eficazmente em tribunal”.

Jornal I, 03/12/2019
https://ionline.sapo.pt/artigo/678892/-a-funcao-dos-advogados?seccao=Opiniao_i

“Os advogados protegem a verdade?


Os advogados hoje não se empenham em fazer ‘melhor justiça’
mas sim em ‘iludir a justiça’. Atafulham os tribunais com papelada,
defendem causas que sabem ser erradas.

A profissão de advogado, como muitas outras, começou numa


‘necessidade’ mas transformou-se numa ‘extravagância’.

Os advogados, dito de uma forma simples, tornaram-se necessários


para defender os cidadãos de condenações injustas – demonstrando
a sua inocência ou, pelo menos, apresentando atenuantes para
ações à margem da lei.

Era esta a função ‘nobre’ da advocacia.

Mas com o passar do tempo os advogados passaram a criar


‘necessidades’.
A inventar formas de se tornarem necessários em todos os assuntos.
E agora para tudo é preciso um advogado: para fazer um contrato,
para tratar de um negócio, para levantar um processo disciplinar,
para negociar um despedimento, para tratar de um divórcio, para
fazer uma partilha, para reivindicar uma herança, para meter um
requerimento, para fazer uma queixa, para discutir a tutela de um
cão, etc., etc., etc.

Hoje, até é de ‘bom-tom’ as pessoas dizerem «o meu advogado»,


como dizem «o meu médico».
A função nobre da advocacia – a defesa de causas – ocupa uma
ínfima parte do trabalho dos advogados. Por isso, há jovens que se
sentem enganados quando começam a exercer a profissão:
imaginavam-na como nas séries televisivas, com os advogados de
defesa e acusação a fazerem brilhantes alegações em salas de
tribunal repletas de gente atenta e expectante, e acabam a fazer
trabalho burocrático metidos num minúsculo gabinete.

Além desta ‘desvalorização’ do papel do advogado, houve uma


‘degeneração’ da função do advogado.

A lógica da advocacia era possibilitar que se fizesse ‘melhor justiça’.


Defendendo o ponto de vista do acusado, o advogado possibilitava
ao juiz ver os dois lados do problema e decidir melhor.
Mas os advogados hoje não se empenham em fazer ‘melhor justiça’
mas sim em ‘iludir a justiça’.

Primeiro, metem requerimentos e mais requerimentos para atrasar


ao máximo os processos. Atafulham os tribunais com papelada,
dificultando o trabalho dos juízes. E depois defendem causas que
sabem ser erradas.

É claro que todas as pessoas – mesmo os criminosos – têm direito a


um advogado que as defenda.

Mas uma coisa é tentar mostrar o ponto de vista do arguido,


apresentar as atenuantes de um crime, outra coisa muito diferente é
defender o indefensável, fazer do tribunal parvo, usar argumentos
nos quais nem eles próprios acreditam.

Fiquei estupefacto ao ouvir Mónica Quintela defender a inocência de


Pedro Dias. É impossível que ela achasse que Pedro Dias era
inocente. Assim, estava simplesmente a representar um papel. E a
tentar objetivamente que não se fizesse justiça. Estava a baralhar o
juiz, tentando que se absolvesse um homem responsável por crimes
brutais – como ela própria não poderia deixar de achar.

Do mesmo modo, não acredito que a juíza da ‘viúva Rosa’ acredite


na sua inocência. A tese de que foram uns angolanos a matar o
marido roça o patético. O seu fingimento a colar papeis nas paredes
dando o marido como desaparecido, quando já sabia que ele estava
morto, é suficientemente eloquente para mostrar o seu caráter e a
sua culpabilidade.
Também não acredito que a advogada que defendeu a mulher que
matou a mãe adotiva acreditasse na sua inocência; ou que os
advogados dos energúmenos que foram a Alcochete acreditem na
inocência dos seus clientes; ou que os advogados de Sócrates
achem que ele é inocente.

Julgo que todos eles representam um papel.

Cabe na cabeça de alguém que um indivíduo, por muito amigo que


seja de outro, lhe passe para as mãos centenas de milhares de euros
sem qualquer documento comprovativo? E que a mãe de Sócrates
tivesse um milhão de contos fechado num «enorme cofre» e lhe
desse aos 10 mil euros para ele ir de férias (numa altura em que ela
própria vivia com dificuldades)? E que ele fosse para férias com 10
mil euros em notas nos bolsos? Alguém pode acreditar nesta
história?

Julgo que estes advogados, e outros, estão a fazer um mau papel.


Em vez de contribuírem para se fazer melhor justiça, estão a tentar
que não se faça justiça.

Estão a desacreditar-se.

Se apresentassem argumentos justificativos de certas ações dos


seus constituintes; se mostrassem um ponto de vista diferente da
acusação levando o juiz a considerar circunstâncias atenuantes, tudo
isso seria legítimo e compreensível.

Mas pedirem a absolvição de réus que são obviamente culpados,


isso é que não faz sentido.

Ao fazerem-no, perdem toda a credibilidade.

E ao fazerem-no em todos os casos, tornam esse pedido irrelevante.


Pedirem ou não pedirem a absolvição torna-se igual ao litro.
Desvalorizam a defesa e acabam no limite por não ajudar os
constituintes.
É já o que se passa com os advogados de Rosa Grilo e José
Sócrates.”
José António Saraiva, 03-12-2020
https://sol.sapo.pt/artigo/678960/os-advogados-protegem-a-verdade-

Ana Gomes diz que escritórios de advogados são “verdadeiras


associações criminosas”. Proença de Carvalho responde

“A ex-eurodeputada socialista Ana Gomes veio afirmar publicamente


que algumas sociedades de advogados são “verdadeiras
associações criminosas” por participarem em esquemas de
transferências de capital para contas offshores. Esta declaração foi
dada no comentário na SIC Notícias, no domingo passado.
“Alguns escritórios de advogados portugueses – e mais uma vez, eu
faço a ressalva, não são todos os advogados (…) -, que são
verdadeiras, eu diria, quase associações criminosas”, referiu a antiga
eurodeputada. Esta afirmação veio no seguimento das revelações
feitas pelo consórcio internacional que expôs o ‘Luanda Leaks’.
Face a esta declaração, Daniel Proença de Carvalho já se
pronunciou publicamente. Para o advogado, Ana Gomes tem
“muitas” dificuldades com a “verdade”, “rigor” e “isenção”. Daniel
Proença de Carvalho, foi o orador convidado do debate inserido no
âmbito do ciclo de conferências “Fim de Tarde na Sedes”, promovido
pela SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e
Social.
“Essa afirmação feita dessa forma genérica, que é evidente que não
corresponde à mínima realidade, e é feita de uma forma muito ligeira,
para não dizer leviana, como em muitos casos”, referiu Daniel
Proença de Carvalho.
Para o antigo presidente da Uría Menéndez-Proença de Carvalho
“sempre que se opina e se comenta, com falta de rigor, com pouco
respeito pela verdade, procurando generalizações e procurando
fazer acusações infundadas ou apenas com base em perceções
muito subjetivas, corre-se o risco de contribuir para o populismo”.
Proença de Carvalho referiu ainda, em contexto ‘Luanda Leaks’, que
os advogados e sociedades portuguesas têm nos dias de hoje
critérios de “rigor” e de “cumprimento” das normas. “O escritório onde
eu trabalhei tem padrões da maior exigência e do maior respeito por
regras deontológicas e éticas”, concluiu.
Em janeiro, depois de conhecido o Luanda Leaks, Jorge Brito
Pereira, advogado de anos de Isabel dos Santos, renunciou ao cargo
de chairman na Nos, e saiu do escritório de advogados Uría
Menendéz – Proença de Carvalho, onde era sócio. Atualmente, tem
atividade suspensa.
Durante o debate, Proença de Carvalho falou ainda de Rui Pinto, o
denunciante do Football Leaks, Luanda Leaks. “Sou absolutamente
contra a utilização de provas obtidas de forma criminosa. No dia em
que isso fosse possível, as polícias podiam perfeitamente utilizar um
bandido qualquer para entrar em minha casa, arrombar o cofre e tirar
os documentos dos meus clientes”, disse.
“Qual é a diferença entre arrombar uma casa e roubar os documentos
e entrar no correio eletrónico e fazer a mesma coisa? É exatamente
igual”, vincou o ex-jurista. “Isso é uma coisa, outra é os polícias
investigarem de acordo com os meios que a lei lhes proporciona.
Porque se abrirmos a porta a soluções deste tipo, acabou o Estado
de Direito, é o caos e é a inexistência dos direitos fundamentais das
pessoas”.
In Advocatus, 18-02-2020
https://eco.sapo.pt/2020/02/18/ana-gomes-diz-que-escritorios-sao-
verdadeiras-associacoes-criminosas-proenca-de-carvalho-
responde/

https://www.pordata.pt/Portugal/Advogados+total+e+por+sexo-245

Decidiu o Ac. do STJ de 16-12-2016 que “nos termos do artigo 70.º,


n.º 1, do Código de Processo Penal, o ofendido que seja advogado e
pretenda constituir-se assistente, em processo penal, tem de estar
representado nos autos por outro advogado.” Prevaleceu o
entendimento de que é “inegável que o ofendido assistente, embora
advogado, estará em princípio pior colocado para intervir serena e
desapaixonadamente no processo, em comparação com outro
advogado que o estivesse a representar.”
https://dre.pt/dre/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/15-2016-
105322293

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