Você está na página 1de 6

10/02/2024, 16:13 OAB | Ordem dos Advogados do Brasil | Conselho Federal

Imprimir

A natureza contramajoritária da advocacia sob a perspectiva da ética


profissional
quinta-feira, 06 de abril de 2017 às 03:44

Brasília – O portal jurídico Migalhas publicou nesta quinta-feira (6) a terceira parte do artigo de autoria do diretor-tesoureiro
do Conselho Federal da OAB, Antonio Oneildo Ferreira, "A natureza contramajoritária da advocacia sob a perspectiva da
ética profissional". “O cidadão ou as minorias, contanto que representados em juízo, encontram na figura da advogada ou
do advogado um suporte diante da irascível arbitrariedade que acomete a opinião pública e o julgamento popular”, escreve
o autor. Leia abaixo o texto:
A natureza contramajoritária da advocacia sob a perspectiva da ética profissional¹
Por Antonio Oneildo Ferreira, diretor tesoureiro do CFOAB
Sobejantes os argumentos teóricos e históricos, sobressaem também argumentos de índole ético-jurídico-normativa
relativos às diretrizes impostas ao agir da advocacia. A natureza contramajoritária de defesa, muitas vezes confirmada na
história, confluiu para a criação de uma consciência ética comum à advocacia, de que fazem parte os imperativos de
valentia indômita e defesa incondicional dos direitos franqueados pelo Estado democrático, dos direitos das minorias, dos
oprimidos e dos desvalidos. Por toda parte onde haja pressupostos e garantias para seu exercício, a advocacia é regida por
padrões éticos que sublinham esses valores, de um modo ou de outro, no âmbito de uma moral profissional ou de uma
legislação voltada à classe. Em linhas gerais, essa ética republicana compele o advogado ou a advogada a dedicar-se à
causa sem temer a antipatia que ela gera, a adversidade da situação ou a opinião pública. Oportuna é a célebre frase de
Sobral Pinto: "a advocacia não é profissão para covardes".
Diplomas constitucionais, legais e infralegais se encarregam de fixar a advocacia em uma posição essencialmente
contramajoritária, em função de portar a dimensão de ser indispensável à administração da Justiça. Nesse tom dispõe o
direito constitucional brasileiro: "Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus
atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Tão indispensável é a advocacia para a ordem pública
que a "Constituição Cidadã" de 1988 lhe dedicou uma seção especial (seção III – Da Advocacia) dentro do capítulo das
"Funções Essenciais à Justiça" (Capítulo IV). Há uma série de outras referências à advocacia dispersas pelo texto
constitucional (2). A essencialidade da advocacia para o direito de defesa está consagrada no art. 5º, sendo garantia
fundamental do cidadão o direito inalienável de, ao ser submetido a prisão, falar diretamente com seu advogado, direito
consectário da garantia de ampla defesa: "LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer
calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado".
Grande evidência do protagonismo concedido pela Constituição em prol da advocacia na promoção do Estado democrático
de direito é a possibilidade de propor ações do controle concentrado de constitucionalidade (ação direta de
inconstitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ação declaratória de constitucionalidade, arguição
por descumprimento de preceito fundamental) concedida ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 103,
VII). Com isso, o órgão máximo de representação da advocacia é positivamente reconhecido como um agente central para
a defesa da ordem constitucional e dos direitos fundamentais.
Tal "ideologia democrática jusgarantista" se espraiou pela legislação que regulamenta os princípios que dão conformidade
ao "espírito constitucional" de um Estado democrático de direito. As leis e resoluções sublegais que regem a advocacia,
logo, não ficaram imunes a essa influência; muito pelo contrário, detectamos a prevalência iterativa de uma visão
contramajoritária no Estatuto da Advocacia e da OAB (EAOAB, lei 8.906/94) e no Código de Ética e Disciplina da OAB
(CED, Resolução 02/15). Dentre os preceitos que indicam essa tendência, vale citar:
a) Indispensabilidade da advocacia para a administração da Justiça no Estado democrático de direito. Em cumprimento ao
disposto no art. 133 da Constituição, o EAOAB preceitua: "Art. 2º: O advogado é indispensável à administração da justiça. §
1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social. § 2º No processo judicial, o
advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos

https://www.oab.org.br/util/print/54957?print=Noticia 1/6
10/02/2024, 16:13 OAB | Ordem dos Advogados do Brasil | Conselho Federal

constituem múnus público. § 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos
limites desta lei".
Esse item reúne as características essenciais da advocacia: indispensabilidade, inviolabilidade, função social e
independência. Um dos artigos inaugurais do Estatuto, ratifica os princípios constitucionais da indispensabilidade e da
inviolabilidade da advocacia, incorporando elementos idênticos à redação constitucional. Coloca em evidência o encargo, a
função pública da advocacia. O advogado realiza função social quando concretiza a aplicação do direito, obtém a prestação
jurisdicional e participa da construção da justiça social (3). Cabe frisar que a indispensabilidade é uma garantia da parte, e
não do profissional. Em virtude do princípio da igualdade, que se materializa no direito processual através do princípio da
paridade de armas, é preciso que a parte tenha seus interesses representados por um profissional tecnicamente
capacitado, munido de conhecimento jurídico e experiência forense. Tendo em vista essa perspectiva, "(...) a atividade
judicial do advogado não visa, apenas ou primariamente, à satisfação e interesses privados, mas à realização da justiça,
finalidade última de todo processo litigioso" (4).
Decorre desse princípio a subordinação funcional da advocacia à disciplina da classe, que jaz vinculada à observância de
princípios éticos profissionais de "zelo, probidade, dedicação e espírito cívico". Acima do interesse privado está o serviço à
Justiça, e o escopo de realização da Justiça é, por seu turno, um interesse social. A advocacia detém a capacidade
postulatória desencadeadora da atuação jurisdicional (nemo iudex sine actore – reza o famoso brocardo romano), de tal
sorte que funciona como intermediária entre a parte e o juiz e, no limite, entre o cidadão e o Estado, ao emprestar ao cliente
o conhecimento necessário para defender-se e triunfar na demanda. Nesse sentido manifestou-se de modo lapidar o
Eminente Ministro Celso de Mello: "O Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do Advogado, cuja atuação, livre
e independente, há de ser permanentemente assegurada pelos juízes e pelos Tribunais, sob pena de subversão das
franquias democráticas e de aniquilação dos direitos do cidadão" (5).
b) Função político-institucional da Ordem dos Advogados do Brasil, em razão do múnus público exercido pela advocacia.
Considerada sua indispensabilidade para a ordem jurídica, a corporação oficial de representação da advocacia – a OAB – é
revestida de função político-institucional, na medida em que cuida de disciplinar e fiscalizar uma atividade
incontestavelmente pública: a advocacia. Acerca dos fins da organização, disciplina o EAOAB: "Art. 44: A Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I -
defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar
pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições
jurídicas; II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a
República Federativa do Brasil. § 1º A OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou
hierárquico".
Daí se depreende a finalidade pública e institucional da Ordem na esfera política. Concerne à OAB combater o
desvirtuamento dos parâmetros do Estado democrático de direito, dos direitos humanos e da justiça social, de modo a
contribuir para a melhoria das instituições. Por isso se prevê em seu favor total desvinculação da política partidária e da
estrutura administrativa do Estado (6). A independência é a própria essência da OAB (7); é condição de possibilidade de seu
trabalho em defesa da Constituição, pelo qual a Entidade pode mobilizar a própria advocacia e a sociedade civil na
vigilância e na denúncia de violações dos princípios constitucionais, ajuizando, inclusive, ações constitucionais diretamente
propostas ao STF, hipótese em que exercerá com mais vigor e amplitude sua função contramajoritária.
c) Independência absoluta da advocacia em suas atribuições de defensora do cidadão. Sendo a OAB independente e
desvinculada de subordinação, com a mesma razão o são a advogada ou o advogado que atuam em determinada causa.
Nem a típica hierarquia da relação de emprego nem o liame das relações de prestação de serviço são suficientes para
proscrever essa independência. Conforme o EAOAB: "Art. 18. A relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira
a isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à advocacia". De mesma inclinação é o CED: "Art. 4º: O
advogado, ainda que vinculado ao cliente ou constituinte, mediante relação empregatícia ou por contrato de prestação
permanente de serviços, ou como integrante de departamento jurídico, ou de órgão de assessoria jurídica, público ou
privado, deve zelar pela sua liberdade e independência".
A orientação técnica da causa é de inteira competência do advogado ou da advogada a que ela foi confiada. Mesmo na
condição de empregado, continua sujeito aos ditames éticos que regem a profissão, exigindo-se-lhe a recusa às ordens que

https://www.oab.org.br/util/print/54957?print=Noticia 2/6
10/02/2024, 16:13 OAB | Ordem dos Advogados do Brasil | Conselho Federal

contrariem os preceitos éticos estampados no EAOAB e no CED. Negligenciado o dever de independência, a prática da
função contramajoritária que cabe à advocacia restará de todo impossível.
d) Previsão de prerrogativas profissionais que convergem para a promoção dos direitos de cidadania. O Estado democrático
invoca uma série de direitos, exercitáveis na condição de prerrogativas profissionais, que são, em última análise, direitos de
todos os cidadãos envolvidos na prestação da Justiça. Para assegurar a igualdade processual, o Estatuto adverte: "Art. 6º:
Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-
se com consideração e respeito recíprocos. Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da
justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e
condições adequadas a seu desempenho". Qualquer desatenção à paridade de armas pode comprometer enormemente os
direitos constitucionais do cidadão.
O mesmo diploma legal prevê, ainda, uma série de prerrogativas profissionais relativas à natureza contramajoritária da
advocacia, dentre as quais podemos sublinhar: "Art. 7º: São direitos do advogado: (...) X - usar da palavra, pela ordem, em
qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos,
documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas;
XI - reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito
de lei, regulamento ou regimento; XII - falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva da
Administração Pública ou do Poder Legislativo; (...) § 2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria,
difamação ou desacato (8) puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora
dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer".
As prerrogativas criam um muro de proteção da advocacia com relação à força potencialmente subjugadora do Poder
Público. Por isso são um direito exclusivo e indispensável, um direito-dever plasmado no interesse social (9). A
inviolabilidade de matriz constitucional, reforçada pela legislação, confere à advocacia imunidade profissional por
manifestações, palavras e atos que possam ser ofensivos a autoridades públicas ou quaisquer pessoas. Nos dizeres
percucientes de José Roberto Batochio, ex-Presidente do Conselho Federal da OAB: "... a natureza eminentemente
conflitiva da atividade do advogado frequentemente o coloca diante de situações que o obrigam a expender argumentos à
primeira vista ofensivos, ou eventualmente adotar conduta insurgente" (10). A imunidade guarda coerência com o princípio
da igualdade dos participantes na prestação jurisdicional; resguarda a liberdade de expressão, o sigilo profissional e os
meios de trabalho (11). As prerrogativas que brotam da imunidade, nunca é demais ressaltar, não foram introduzidas em
prol do interesse particular do cliente ou tampouco do seu patrono, antes a serviço do interesse público pressuposto pelo
direito de defesa.
A liberdade de palavra da advocacia, por sua vez, é seu meio de atuação profissional por excelência. É por meio da palavra
– escrita ou oral – que a advocacia contribui para o esclarecimento dos fatos e dos direitos e para a formação da convicção
dos julgadores, sempre intervindo em prol dos interesses juridicamente legítimos das partes. Isso pode ser feito via
sustentação oral, intervenções sumárias, reclamações contra inobservância de preceito de lei, e uso do direito de acesso à
justiça e de peticionar nos autos. Isenta de liberdade para usar a palavra conforme sua consciência, a atuação
contramajoritária da advocacia em defesa dos direitos torna-se impraticável.
e) Sistematização de um Código de Ética para a advocacia, o qual impõe deveres éticos de conduta à classe. O Estatuto
prevê que o disciplinamento ético da advocacia será aprofundado por um Código de Ética e Disciplina a ser elaborado pela
própria categoria: "Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e
Disciplina. Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina regula os deveres do advogado para com a comunidade, o
cliente, o outro profissional e, ainda, a publicidade, a recusa do patrocínio, o dever de assistência jurídica, o dever geral de
urbanidade e os respectivos procedimentos disciplinares". Sem prejuízo dessa delegação, o EAOAB prescreve os cânones
norteadores dessa empreitada, reforçando os imperativos de dignidade e independência: "Art. 31: O advogado deve
proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia. § 1º O
advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância. § 2º Nenhum receio de
desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no
exercício da profissão".
Ética, cuja origem etimológica remonta ao grego ethos, significa, nessa pontual acepção, costume. Normas éticas são
destarte diretrizes de conduta que obrigatoriamente deverão presidir a postura do profissional. Os deveres insculpidos no

https://www.oab.org.br/util/print/54957?print=Noticia 3/6
10/02/2024, 16:13 OAB | Ordem dos Advogados do Brasil | Conselho Federal

CED não são meramente normas de bom comportamento: conquanto tenham evidente conteúdo ético, perfazem-se como
normas jurídicas dotadas de obrigatoriedade e cujo descumprimento acarreta sanções jurídicas disciplinares. Toda a
vivência da advocacia está atravessada por rígidos padrões éticos, por "lugares-comuns objetivamente captados nas
condutas qualificadas como corretas, adequadas ou exemplares" (12). O Preâmbulo do CED antevê uma síntese dos mais
elementares imperativos éticos da conduta da advocacia. É uma sinopse principiológica do próprio Código, de caráter
propedêutico e pedagógico com relação ao texto vindouro e à conduta ética prescrita, e que exorta a classe ao seu
cumprimento (13). Vale transcrevê-lo ipsis litteris:
O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, ao instituir o Código de Ética e Disciplina, norteou-
se por princípios que formam a consciência profissional do advogado e representam imperativos de sua conduta, os quais
se traduzem nos seguintes mandamentos: lutar sem receio pelo primado da Justiça; pugnar pelo cumprimento da
Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que o ordenamento jurídico seja interpretado com retidão, em perfeita
sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do bem comum; ser fiel à verdade para poder servir à Justiça
como um de seus elementos essenciais; proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais e em todos os atos
do seu ofício; empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio, dando ao constituinte o amparo do Direito, e
proporcionando-lhe a realização prática de seus legítimos interesses; comportar-se, nesse mister, com independência e
altivez, defendendo com o mesmo denodo humildes e poderosos; exercer a advocacia com o indispensável senso
profissional, mas também com desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho material sobreleve a finalidade
social do seu trabalho; aprimorar-se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a tornar-se
merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade pessoal; agir,
em suma, com a dignidade e a correção dos profissionais que honram e engrandecem a sua classe (14).
f) Estabelecimento de deveres jurídicos que regulam a conduta da advocacia. Os deveres jurídicos prenunciados pelo
Preâmbulo são detalhados ao longo do CED. Os seguintes dizem respeito diretamente à natureza contramajoritária da
advocacia: "Art. 2º: O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito,
dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe
exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.
Parágrafo único. São deveres do advogado: I - preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão,
zelando pelo caráter de essencialidade e indispensabilidade da advocacia; II - atuar com destemor, independência,
honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé; (...) V - contribuir para o aprimoramento das instituições, do
Direito e das leis; (...) IX - pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos direitos individuais,
coletivos e difusos; X - adotar conduta consentânea com o papel de elemento indispensável à administração da Justiça;
(...)."
O CED estatui deveres que o profissional tem consigo mesmo, com seus colegas de profissão, sua corporação e a
comunidade em geral. O principal dever pessoal do advogado ou da advogada é ter consciência de que sua profissão é
muito mais do que um simples meio de subsistência, mas parte indispensável do sistema de Justiça, razão pela qual a
Constituição atribui sobressaltada função pública à advocacia, bem como inviolável compromisso com a cidadania e com o
ordenamento jurídico, acima de qualquer compromisso corporativo (15).
g) Dever da advocacia de lutar pela promoção da igualdade. Entre os mais elevados mandamentos da advocacia está seu
dever de pugnar pelo princípio constitucional da igualdade, princípio que o CED fez questão de enfatizar: "Art. 3º: O
advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas
e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos".
A promoção da igualdade é finalidade institucional de primeira grandeza atribuída à Ordem. Deixa-se aí subentender uma
exata compreensão do Direito como "meio destinado a assegurar a isonomia jurídica e a igualdade social" (16). Esse artigo
convida a advocacia a integrar a labuta pela concretização do Preâmbulo da Constituição (17). Se a igualdade é um
elemento comum a toda concepção de justiça, lutar pela Justiça – missão vital da advocacia – necessariamente passa pela
luta por igualdade. Impende aos advogados a desafiadora tarefa de concorrer para o pleno alcance da justiça social, rumo à
redução das desigualdades sociais e regionais, como decreta o art. 3º da Constituição (18).
h) Estabelecimento de padrões éticos para a defesa criminal. A defesa criminal consiste, em certo aspecto, em situação
excepcional dentro da advocacia. O Código de Ética com razão preceitua: "Art. 23: É direito e dever do advogado assumir a
defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado. Parágrafo único. Não há causa criminal

https://www.oab.org.br/util/print/54957?print=Noticia 4/6
10/02/2024, 16:13 OAB | Ordem dos Advogados do Brasil | Conselho Federal

indigna de defesa, cumprindo ao advogado agir, como defensor, no sentido de que a todos seja concedido tratamento
condizente com a dignidade da pessoa humana, sob a égide das garantias constitucionais".
No que tange aos processos criminais, recomenda-se que o advogado não prejulgue o cliente nem projete juízos moralistas
sobre o suposto crime cometido. Não se advoga pelo crime, e sim pela observância dos direitos e garantias fundamentais
do infrator, o que também significa o respeito à efetividade da ordem jurídica. Quando atua em juízo criminal, a advocacia
nem de longe é conivente com os erros que possam ter sido efetuados pelo acusado, pois age com o escopo de evitar o
desmantelamento do sistema de direitos e garantias processuais, sem o qual não há fidelidade ao Estado democrático de
direito. A questão foi posta com a maior acurácia concebível por Rui Barbosa, em celebrada e irretocável carta endereçada
a Evaristo de Morais. A isto pouco se tem a acrescentar:
Para aceitar a causa, não é preciso que o advogado creia na inocência do acusado. Basta que ele se proponha fazer com
que este seja julgado segundo o devido processo legal e goze de todo o amparo a que a sua liberdade faça jus. E, mesmo
sem a convicção de sua inocência, não estará impedido de postular-lhe a absolvição (...). A defesa não quer o panegírico da
culpa, ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente, ou criminoso, a voz dos seus direitos
legais. Eis por que, seja quem for o acusado, e por mais horrenda que seja a acusação, o patrocínio do advogado, assim
entendido e exercido assim, terá foros de meritório, e se recomendará como útil à sociedade (19).
i) Destaque à função promotora dos direitos humanos outorgada à advocacia e à OAB. Logo no inciso I do supracitado art.
44, que trata das finalidades gerais da OAB, lê-se que compete à Entidade: "I - defender a Constituição, a ordem jurídica do
Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida
administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas". A advocacia encontra-se, pois, entre
as instituições incumbidas de zelar pela primazia dos direitos humanos do Estado democrático de direito, sempre pronta a
defender o cidadão diante do poder e da arbitrariedade.
Em resumo, a advocacia atua de forma contramajoritária na medida em que defende em juízo os direitos de seus
constituintes contra as violações e acusações consumadas pelo Poder Público. Dessa perspectiva, pode-se dizer que o
cidadão ou as minorias, contanto que representados em juízo, encontram na figura da advogada ou do advogado um
suporte diante da irascível arbitrariedade que acomete a opinião pública e o julgamento popular. A histórica luta da
advocacia pelos direitos incorporou-se em códigos que estabelecem, com o caráter cogente de obrigatoriedade jurídica, a
eticidade das condutas que deverão ser preservadas e das que deverão ser proscritas pelos profissionais da classe. As
normas fundamentais da profissão, no Brasil, encontram guarida na Constituição, no EAOAB (lei 8906/94) e no CED
(Resolução 02/15). Dispersas por esses diplomas, podem ser realçadas as seguintes diretrizes que propugnam pela defesa
da democracia, da Constituição e do Estado democrático de direito: a) indispensabilidade da advocacia para a
administração da Justiça no Estado democrático de direito; b) função político-institucional da Ordem dos Advogados do
Brasil, em razão do múnus público exercido pela advocacia; c) independência absoluta da advocacia em suas atribuições
de defensora do cidadão; d) previsão de prerrogativas profissionais que convergem para a promoção dos direitos de
cidadania; e) sistematização de um Código de Ética para a advocacia, o qual impõe deveres éticos de conduta à classe; f)
estabelecimento de deveres jurídicos que regulam a conduta da advocacia; g) dever da advocacia de lutar pela promoção
da igualdade; h) estabelecimento de padrões éticos para a defesa criminal; e i) destaque à função promotora dos direitos
humanos outorgada à advocacia e à OAB. Todos esses princípios jurídicos de intenso conteúdo ético apontam para o
elemento contramajoritário inerente à própria razão de existir da advocacia.
____________
1 Este artigo integra uma trilogia a respeito da natureza contramajoritária da advocacia. Seus componentes intitulam-se “A
natureza contramajoritária da advocacia sob a perspectiva da teoria democrática”, “A natureza contramajoritária da
advocacia através da história” e “A natureza contramajoritária da advocacia sob a perspectiva da ética profissional”. Cada
qual enfoca uma abordagem do mesmo fenômeno, respectivamente: doutrinária e teórica; histórica; e ético-normativa.
Recomenda-se que sejam lidos em conjunto para uma mais ampla visão da temática.
2 Sua essencialidade para o funcionamento da jurisdição se evidencia também no fato de que um percentual das vagas dos
Tribunais será reservado a membros da advocacia (juntamente a membros do Ministério Público) dotados de notório saber
jurídico e reputação ilibada (um quinto dos Tribunais Regionais Federais, Tribunais dos Estados, Distrito Federal e Territórios
– art. 94 da CF; do Tribunal Superior do Trabalho – art. 111-A, I da CF; dos Tribunais Regionais do Trabalho – art. 115, I da
CF; do Superior Tribunal Militar – art. 123, I; e dois dentre sete membros do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais

https://www.oab.org.br/util/print/54957?print=Noticia 5/6
10/02/2024, 16:13 OAB | Ordem dos Advogados do Brasil | Conselho Federal

Regionais Eleitorais – art. 119, II e §1º, III da CF; e um terço dos componentes do Superior Tribunal de Justiça – art. 104, II).
A razão desses dispositivos é a expectativa de que a sensibilidade e a experiência adquiridas pelos advogados na defesa
dos jurisdicionados venham a contribuir para a melhora da qualidade da prestação jurisdicional, porque a advocacia
conhece de perto os dramas do cidadão e, assim, desenvolve por eles uma empatia que só tem a acrescentar justiça à
sentença.
3 LOBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
4 Ibidem, p. 44
5 Min. Celso de Mello, na medida cautelar em Mandado de Segurança 30.906-DF, em 05.10.2011.
6 A propósito da discussão sobre a peculiar natureza jurídica da OAB, remeto para minha publicação “As instituições sui
generis da República”. Acesso em: 16/02/2017.
7 RAMOS, Gisela Gondin. Estatuto da advocacia: comentários e jurisprudência selecionada. 6ª ed. rev. e amp. Belo
Horizonte: Fórum, 2013. (p. 504)
8 O trecho "desacato" foi declarado inconstitucional na ADIN 1.127-8.
9 LOBO, Op. Cit., p. 65.
10 Apud LOBO, p. 70.
11 RAMOS, Op. Cit., pp. 45-48.
12 LOBO, p. 195.
13 MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Comentários ao código de ética e disciplina da OAB: análise do Código 2015, pelo
relator do anteprojeto e da sistematização final do texto. Rio de Janeiro: Forense, 2016. (p. 29)
14 RESOLUÇÃO N. 02/2015 (DOU, S.1, 04.11.2015, p. 77) "Aprova o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos
Advogados do Brasil – OAB. (CED)". (grifo nosso).
15 MEDINA, Op. Cit., p. 35, p. 41.
16 Ibidem, p. 46.
17 Preâmbulo da Constituição Federal de 1988, in verbis: "Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia
Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL".
18 Art. 3º da Constituição Federal de 1988, in verbis: "Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e
a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
19 BARBOSA, Op. Cit., p. 36.

SAS Quadra 5 - Lote 1 - Bloco M - Brasília - DF | CEP 70070-939 | Fone: +55 61 2193.9600

https://www.oab.org.br/util/print/54957?print=Noticia 6/6

Você também pode gostar