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15/08/2021 A inviolabilidade do advogado e as buscas em escritórios de advocacia

A inviolabilidade do advogado e as buscas


em escritórios de advocacia
Marco Antonio Marques da Silva

A inviolabilidade do advogado que deveria ser absoluta, até para garantia e respeito ao
Estado Democrático de Direito, foi por vezes desprezada de várias formas.
quarta-feira, 26 de maio de 2010

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A inviolabilidade do advogado e as buscas em escritórios de advocacia


Marco Antonio Marques da Silva*

A inviolabilidade do advogado que deveria ser absoluta, até para


garantia e respeito ao Estado Democrático de Direito, foi por vezes
desprezada de várias formas. A dignidade da pessoa humana é o
reconhecimento constitucional dos limites da esfera de intervenção do
Estado na vida do cidadão e por esta razão os direitos fundamentais, no
âmbito do poder de punir do Estado, dela decorrem.

Assim, o acesso à justiça, como direito fundamental, para ser pleno e


eficaz deve ter assegurada a defesa técnica, por operadores de direito
habilitados para esse mister.

A Constituição Federal Brasileira (clique aqui) no artigo 133, dispõe que: "O advogado é indispensável à
administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos
termos da lei."

Além disso, na legislação ordinária brasileira está explícito que o advogado deve: "ter respeitada, em
nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de
trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive
telefônicas ou afins, salvo caso de busca e apreensão determinada por magistrado e acompanhada de
representante da OAB (artigo 7º, inciso II, da lei 8.906/94 - clique aqui)."

Entretanto, essa inviolabilidade por vezes é questionada por órgãos policiais, inclusive por membros do
MP, que atribuem aos advogados privilégios ilegais; sugerem alguns, afronta ao princípio da isonomia,
podendo ser um impedimento às investigações.

A mencionada inviolabilidade que deveria ser absoluta, até para garantia e respeito ao Estado
Democrático de Direito, acabou sendo desprezada em certas ocasiões.

Primeiro, através de interceptações telefônicas e utilização das conversas privadas entre advogado-
cliente como meio de prova desfavorável ao averiguado. Segundo, por intermédio de invasões de
escritórios de advocacia, colocando em risco a privacidade que deveria nortear a relação com os
contratantes.

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15/08/2021 A inviolabilidade do advogado e as buscas em escritórios de advocacia

Esses acontecimentos geraram uma revolta da classe dos advogados, pois ações desnecessárias de
polícia judiciária puseram em risco o exercício da profissão; colocaram uma infundada suspeita sobre os
advogados que passaram a ser considerados criminosos.

No Estado Democrático de Direito não se pode admitir tamanho abuso. As instituições públicas devem
ser fortes o suficiente para compreender que podem desenvolver com eficiência sua missão de
investigar, processar e julgar condutas criminosas, sem ferir a ética, sem desrespeitar as leis e sem
aniquilar o direito de defesa, em especial a livre atuação do advogado.

O ponto básico do reconhecimento do Direito à liberdade, no sentido apresentado, decorre do


fundamento da dignidade humana, sendo qualquer excesso por parte do poder público odioso.

Muitos dos advogados que tiveram seus escritórios invadidos não cometeram crimes; raramente estavam
envolvidos nos fatos criminosos apurados. Apenas patrocinavam os interesses, de forma profissional, de
algum investigado.

A contrário sensu, aqueles advogados que estiverem envolvidos em crimes não possuem o direito de
inviolabilidade absoluta, porque não se pode confundir atuação com qualificação profissional. Esta
qualificação, de per si, não é significado de isenção de responsabilidade ou impunidade.

Em face dessas ocorrências houve uma mobilização da OAB, sendo editada a lei 11.767/08 (clique aqui),
que alterou o artigo 7º do Estatuto da Advocacia, com o intuito de fazer se respeitar a inviolabilidade do
local e dos instrumentos de trabalho do advogado, não importando se em escritório próprio e ou em
departamento jurídico interno de empresa, já que a lei não fez qualquer distinção.

Além desta inviolabilidade específica, atualmente declarada por lei ordinária, a Constituição Federal já
dispunha no seu artigo 5º, incisos X e XI, a garantia da inviolabilidade e intimidade e do domicílio dos
cidadãos.

Para fins dessa inviolabilidade, os escritórios de advocacia hão de ser acobertados e considerados locais
não abertos ao público, onde se exerce lícita profissão (CP, artigo 150, § 4º, III - clique aqui).

Em boa hora foi promulgada a nova legislação, impondo "a inviolabilidade de seu escritório ou local de
trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica,
telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia."

A única hipótese para a relativização da inviolabilidade é no caso do advogado ser autor de crime. Não
há possibilidade de extensão in malan par-tem, como o que genericamente se praticara.

Especificamente, diga-se que o § 6º e o inciso II do artigo 7º da lei 8.906/94 - que são normas válidas e
vigentes no ordenamento jurídico brasileiro - não violam o princípio da isonomia consagrado pelo caput
do artigo 5º da CF/88.

A norma sob enfoque abrange uma categoria de pessoas: os advogados. Além disso, adota como critério
discriminador o exercício da profissão de advogado, que é tido pela Constituição Federal como função
essencial à Justiça (artigo 133).

Assim, a busca e apreensão efetivada em desacordo com a lei, passa a ser tida como prova proibida,
indevida e de uso vedado (Supremo Tribunal Federal Brasileiro, Habeas Corpus nº 90376, Relator
Ministro Celso de Mello).

Inviável qualquer tentativa de mitigação da inviolabilidade e do sigilo profissional do advogado, porque


afrontaria diretamente o princípio da legalidade.

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A esse respeito, já escrevemos que o princípio da legalidade é, no Estado Democrático de Direito,


consequência direta do fundamento da dignidade da pessoa humana, pois remonta à idéia de proteção e
desenvolvimento da pessoa, que o tem como referencial.

Não nos esqueçamos que o uso do poder é lícito. Seu abuso é que é ilícito. Todo ato resultante de abuso
é intolerável e não pode e nem deve ser admitido, por excesso ou desvio de poder.

Portanto, caso seja realizada alguma diligência, uma busca e apreensão sem os requisitos exigidos pela
lei, a prova colhida será considerada como obtida por meios ilícitos, em violação a regra constitucional.

A Carta Magna Brasileira é taxativa (artigo 5º, inciso LVI); qualquer violação, inobstante a fonte e a
forma, é qualificada como ilícita. É o que também se vê implementado pelo artigo 11 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que hoje integra o ordenamento
jurídico brasileiro.

À guisa de conclusão, anotamos que a inviolabilidade do advogado deve ser sempre preservada e
prestigiada, sob pena de se colocar em risco o Estado Democrático de Direito e a própria essência da
Justiça.

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