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23 de Janeiro de 2024

Análise do Projeto de Lei nº


420/2011
(In)constitucionalidade do Projeto de Lei que visa
tipificar a litigância de má-fé em juizados especiais
Publicado por Armando Candido da Cruz Junior há 8 anos

I. DA DELIMITAÇÃO DA MATÉRIA OBJETO DO PRESENTE PARECER


A consulta visa o apontamento da nossa posição jurídica acerca
das nuances que envolvem o Projeto de Lei nº 420/2011, que ti-
pifica a litigância de má-fé em juizados especiais, de autoria do
Deputado Federal Carlos Bezerra.

Para tanto se observam os institutos jurídicos envolvidos, bem


como o correto procedimento a ser adotado, objetivando evitar
qualquer ilegalidade.

As análises e procedimentos apresentados tratam, tão somente,


acerca do posicionamento jurídico, não havendo que se falar em
julgamento vinculativo, uma vez que a consulta apresenta ape-
nas um parecer sobre o tema, inexistindo qualquer decisão, haja
vista que esta, deverá ocorrer exclusivamente a cargo da
consulente.

II. RELATÓRIO DO PROJETO DE LEI


Trata-se de Projeto de Lei que visa apenar a litigância de má-fé
nos juizados especiais cíveis e criminais. Para tanto, “acresce” o
artigo 359-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
– Código Penal, com a seguinte redação:

“Art. 359-A. Propor ação cível ou penal perante juizado


especial, caracterizada como litigância de má-fé:

Pena – detenção de um a dois anos, e multa.”

Referido Projeto de Lei foi apresentado em 16 de fevereiro de


2011 pelo Deputado Federal Carlos Bezerra, que, para justificar
a propositura, afirmou:

Os juizados especiais foram introduzidos no ordenamento jurí-


dico brasileiro com o objetivo de imprimir maior celeridade aos
julgamentos e facilitar o acesso à justiça.
Os juizados cíveis trazem a vantagem de permitir a
propositura da ação diretamente pela parte, sem a in-
tervenção de advogado, quanto o valor da causa não
exceder vinte salários mínimos, o que estimula o exercí-
cio da cidadania e o resguardo dos direitos juridica-
mente tutelados.

Todavia, tem-se observado o abuso por parte de alguns


jurisdicionados, que se valem dos juizados especiais
para promoverem perseguições pessoais, como instru-
mentos de vingança contra desafetos ou mesmo para
tentar obter vantagens indevidas.

Isto não só desvirtua a finalidade dos juizados, como


serve de obstáculo à administração da justiça, sobre-
carregando as varas dos juizados especiais.

O art. 55 da Lei nº 9.099/95 prevê o pagamento de cus-


tas e honorários, quando houver a litigância de má-fé.
Todavia, esse dispositivo, por si só, não é suficiente
para desestimular a propositura de ações temerosas.

Para inculcar maior temor nas partes que ingressam


perante os juizados especiais de forma irresponsável e
leviana, é necessário tipificar a litigância de má-fé,
prevendo tal conduta como crime, sujeito ao apena-
mento compatível com a gravidade do delito.

Assim, incluímos no Código Penal dispositivo que consi-


dera a litigância de má-fé perante os juizados especiais
cíveis e criminais como crime contra a administração
da justiça, estabelecendo a pena de detenção, além de
multa.
Desse modo, esperamos contribuir para o aprimora-
mento da justiça no Brasil, impedindo a utilização dos
juizados especiais como instrumento de perseguição, de
vingança e de busca de ganho fácil.

O Projeto foi encaminhado para Comissão de Constituição e


Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, sendo desig-
nado Relator o eminente Deputado Fábio Trad, que emitiu pare-
cer pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa e,
no mérito, opinou pela aprovação, com a seguinte alteração:

“Litigância de má-fé

Art. 338-A. Propor ação cível ou penal perante juizado


especial caracterizada como litigância de má-fé.

Pena – detenção de um a dois anos, e multa.”

Como não houve a votação da proposição até o fim da legisla-


tura, o Projeto de Lei, em 31 de janeiro de 2015, foi arquivado,
nos termos do art. 105, do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, e, em 03 de fevereiro de 2015, com fulcro no pará-
grafo único do mesmo dispositivo, o Deputado Carlos Bezerra
solicitou o desarquivamento.

O Projeto de Lei foi desarquivado e encaminhado novamente


para Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câ-
mara dos Deputados, agora sob a relatoria do eminente Depu-
tado Rodrigo Pacheco, que emitiu parecer pela inconstituciona-
lidade, injuridicidade, má técnica legislativa e, no mérito, pela
rejeição.

O Autor do Projeto, Deputado Carlos Bezerra, apresentou re-


querimento de retirada de proposição de iniciativa individual,
que foi deferido pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados,
nos termos do art. 104, combinado com o art. 114, VII, ambos do
Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

III. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA


Estabelece o art. 22 da Constituição da República que “compete
privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial,
penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, es-
pacial e do trabalho; (…)”.

Por sua vez, o art. 48 da Carta Maior dispõe que “cabe ao Con-
gresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não
exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor so-
bre todas as matérias de competência da União (…)”

Além disso, prescreve o art. 61 da Carta Magna que “a iniciativa


das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro
ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou
do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo
Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Ge-
ral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos
nesta Constituição”.

Destarte, verifica-se que o Projeto de Lei nº 420/2011, de Rela-


toria do Deputado Carlos Bezerra, foi oferecido por pessoa com-
petente para tanto, razão pela qual fica atendida a exigência de
preenchimento do requisito formal de constitucionalidade para
oferta da proposição.

IV. INCONSTITUCIONALIDADE DO PRO‐


JETO DE LEI
Conforme acima narrado, o Projeto de Lei nº 420/2011 visa tipi-
ficar a litigância de má-fé nos juizados especiais. Para tanto, o
Autor justifica a criminalização sob o argumento de que tal me-
dida representaria um desestímulo à propositura de ações teme-
rárias, culminando “maior temor nas partes que ingressam pe-
rante os juizados especiais de forma irresponsável e leviana”.

Pois bem! O art. 9º da Lei nº 9.099/95 prevê que “nas causas de


valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pesso-
almente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor su-
perior, a assistência é obrigatória”.

Assim, pelo que se extrai da justificativa do Projeto de Lei, a cri-


minalização visa atingir aquelas pessoas que ajuízam ações pe-
rante o juizado especial sem advogando, se beneficiando do que
estabelece o dispositivo retro mencionado.

É bem verdade que existem alguns jurisdicionados que abusam


dos benefícios concedidos pela Lei nº 9.099/95 e se valem dos
juizados especiais para promoverem perseguições pessoais,
como instrumentos de vingança contra desafetos ou mesmo
para tentar obter vantagens indevidas. Mas, isso se refere à me-
nor parte das jurisdicionados.

A norma que se pretende criar com o Projeto de Lei nº 420/2011


viola o princípio constitucional da Inafastabilidade da Jurisdi-
ção, também conhecido como “direito de ação”, que é um direito
público subjetivo do cidadão, expresso na Constituição Federal
de 1988 em seu art. 5º, inc. XXXV.

O princípio da inafastabilidade da jurisdição é a principal garan-


tia dos direitos subjetivos. Fundamenta-se também no princípio
da separação de poderes, reconhecido pela doutrina como ga-
rantia das garantias constitucionais.

Segundo esclarecimentos de Alexandre de MORAES:


O Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade de
ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de
prestação judicial requerido pela parte de forma regu-
lar, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é
princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que a
toda violação de um direito responde uma ação corre-
lativa, independentemente de lei especial que a outor-
gue. (MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fun-
damentais. Teoria Geral. Comentários aos arts. 1o à 5o
da Constituição da Republica Federativa do Brasil.
Doutrina e Jurisprudência. 2. Ed. São Paulo: Atlas S.
A., 1998, p. 197.)

Prescreve o artigo 5º, inc. XXXV da Constituição da República


que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito”. Assim, referido dispositivo possibilita que
o jurisdicionado ingresse em ingresso em juízo para assegurar
direitos simplesmente ameaçados, ou seja, a Constituição am-
plia o direito de acesso ao Judiciário, antes da concretização da
lesão.

De acordo com Luiz Alberto David de ARAÚJO e Vidal Serrano


NUNES Júnior, convém destacar que:
A mensagem normativa foi clara ao colocar sob o
manto da atividade jurisdicional tanto a lesão como a
ameaça a direito. Assim, conclui-se que o dispositivo
constitucional citado, ao proteger a ameaça a direito,
dotou o Poder Judiciário de um poder geral de cautela,
ou seja, mesmo à míngua de disposição infraconstituci-
onal expressa, deve-se presumir o poder de concessão
de medidas liminares ou cautelares como forma de res-
guardo do indivíduo das ameaças a direitos. (ARAÚJO,
Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano.
Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
1998, p. 104).

Dessa forma, verifica-se que a criminalização da litigância de


má-fé nos juizados especiais cíveis e criminais afetará a liber-
dade dos litigantes, uma vez que se criará um constrangimento
àquele que decidir postular em juízo, até mesmo porque a parte
demandada, inclusive, sempre poderá defender-se atacando o
autor como litigante de má-fé.

Destarte, conclui-se, desde logo, que a norma que se pretende


criar é materialmente inconstitucional por ofender direito fun-
damental previsto no art. 5º, inc. XXXV, da Constituição da
República.

V. PROPOSIÇÃO INJURÍDICA
Além do que acima foi exposto, há que se observar que a propo-
sição ora analisada é injurídica, ou seja, contraria preceitos jurí-
dicos consolidados no nosso ordenamento, consoante será adi-
ante demonstrado.

O Capítulo III, do Título XI, da Parte Especial, do Código Penal,


trata dos Crimes contra a Administração da Justiça. No referido
capítulo há os crimes de denunciação caluniosa e de comunica-
ção falsa de crime ou de contravenção, tipificados, respectiva-
mente, nos artigos 339 e 340 do Código Penal, verbis:

Denunciação caluniosa

Art. 339. Dar causa à instauração de investigação poli-


cial, de processo judicial, instauração de investigação
administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade
administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de
que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei nº 10.028,
de 2000)

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se


serve de anonimato ou de nome suposto.

§ 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é


de prática de contravenção.

Comunicação falsa de crime ou de contravenção

Art. 340 - Provocar a ação de autoridade, comuni-


cando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção
que sabe não se ter verificado:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Além dos tipos penais acima descritos, ainda há que se levar em


conta que o art. 55 da Lei 9.099/95 prevê que nos casos em que
a parte litiga de má-fé serão devidos custas e honorários advoca-
tícios. Vejamos:
Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o
vencido em custas e honorários de advogado, ressalva-
dos os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o
recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de
advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte
por cento do valor de condenação ou, não havendo con-
denação, do valor corrigido da causa.

Inobstante, ainda há que se observar que a norma processual


também regulamenta a matéria de forma exitosa. Prevê os arts.
17 e 18, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - o Código de
Processo Civil – CPC, que:
Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de


lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do


processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente


ou ato do processo;

Vl - provocar incidentes manifestamente infundados.

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente


protelatório.

Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento,


condenará o litigante de má-fé a pagar multa não exce-
dente a um por cento sobre o valor da causa e a indeni-
zar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu,
mais os honorários advocatícios e todas as despesas
que efetuou.

§ 1º Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé,


o juiz condenará cada um na proporção do seu respec-
tivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que
se coligaram para lesar a parte contrária.

§ 2º O valor da indenização será desde logo fixado pelo


juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento)
sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.
Desse modo, não há dúvidas de que a norma vigente reprime
com suficiência, as condutas que atentam contra os deveres das
partes em várias situações durante o curso do processo, razão
pela qual o bem jurídico que se visa proteger já é salvaguardado
por outros dispositivos de lei, tornando-se baldada a proposição
contida no PL nº 420/2011.

VI. AUSÊNCIA DE TÉCNICA LEGISLATIVA


A Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, dispõe
sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das
leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Consti-
tuição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos
normativos que menciona.

Primeiramente, oportuno observar que a numeração dada ao ar-


tigo que se pretende criar (359-A) já existe no ordenamento ju-
rídico brasileiro e consta do rol dos crimes contra as finanças
públicas, previsto no Capítulo IV, do Título XI, da Parte Espe-
cial, do Código Penal. Portanto, a numeração do tipo penal que
se pretende criar está equivocada.

Além disso, prescreve o art. 5º da Lei Complementar nº


95/1998 que “a ementa será grafada por meio de caracteres que
a realcem e explicitará, de modo conciso e sob a forma de título,
o objeto da lei”.

Assim, verifica-se que a redação original da ementa é imprecisa


e não faz referência ao acréscimo de novo tipo ao Código Penal,
razão pela qual não foi observado o que estabelece o dispositivo
retro transcrito.

Ademais, destaca-se que o art. 7º da Lei Complementar nº


95/1998 dispõe que: “o primeiro artigo do texto indicará o ob-
jeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os se-
guintes princípios: I - excetuadas as codificações, cada lei tra-
tará de um único objeto; II - a lei não conterá matéria estranha a
seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou
conexão; III - o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de
forma tão específica quanto o possibilite o conhecimento técnico
ou científico da área respectiva; IV - o mesmo assunto não po-
derá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a
subseqüente se destine a complementar lei considerada básica,
vinculando-se a esta por remissão expressa”.

Destarte, verifica-se que o artigo 1º da proposição encontra-se


incompleto, pois não indica o objeto da lei e o respectivo âmbito
de sua aplicação, descumprindo também o que estabelece o dis-
positivo retro mencionado.

V. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, salvo melhor juízo, conclui-se que. Apesar
de o Projeto de Lei nº 420/2011 ser formalmente constitucional,
é materialmente inconstitucional por ofender direito fundamen-
tal previsto no art. 5º, inc. XXXV da Constituição da República.

Além disso, conclui-se que trata de proposição injurídica, uma


vez que outros dispositivos legais, com êxito, protegem o bem
jurídico que se pretende proteger com o citado projeto de lei.

Por fim, conclui-se que o Projeto de Lei nº 420/2011 não aten-


deu com precisão as normas constantes da Lei Complementar
nº 95, de 26 de fevereiro de 1998.

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/analise-do-projeto-de-lei-n-420-


2011/294040262
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