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TEORIA DO PROCESSO CIVIL

Acesso à Justiça
O artigo 20.º CRP e a proibição geral da autotutela
O artigo 20º da CRP representa o direito de Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional Efetiva.
Este tem várias vertentes ou “sub-direitos”, nomeadamente: o direito à informação e à consulta
jurídica; e o direito ao acesso aos tribunais, independentemente das condições financeiras – é uma
realidade complexa. O facto de este estar previsto na CRP significa que terá um valor reforçado: ou
seja, o acesso ao direito (primeira dimensão) e aos tribunais (segunda dimensão) é um direito
fundamental, constitucionalmente consagrado.
Relativamente ao acesso ao direito (nº1 – primeira dimensão), o intuito deste é assegurar que
todos têm à sua disposição meios que lhes permitam não só conhecer, mas exercer os seus interesses
e direitos legalmente protegidos. Por sua vez, o nº2 refere duas formas de concretizar esse direito: 1)
patrocínio judiciário, ou seja, a possibilidade de ter um representante (ex: advogado) para o ajudar na
interpretação das normas e na sua proteção; e 2) acesso à informação e consulta jurídicas.
No entanto, estes meios serão objeção de conformação pelo legislador ordinário – “nos termos da lei”
–, mas dentro de certas balizas. Por outras palavras, existem limites ao que o legislador ordinário pode
fazer, nomeadamente:
➔ É obrigatório, por imposição constitucional (princípio da proibição da denegação de Justiça por
insuficiência de meios económicos), existirem mecanismos que permitam o acesso gratuito ao
patrocínio judiciário, destinados para ajudar os mais carenciados – nomeadamente, o sistema de
apoio judiciário, que prevê a possibilidade de pessoas com rendimentos reduzidos terem, na
mesma, um advogado.

➔ Não são admissíveis imposições excessivas ou arbitrárias de constituição de advogado: ou seja,


no âmbito do patrocínio jurídico, e fora dos casos de apoio judiciário, as partes têm o direito de
escolher livremente o seu advogado, dado a relação de confiança existente entre este o cliente.
o No entanto, esta constituição será obrigatória nos casos impostos pela lei (artigo 40º, nº1
CPC): por exemplo, nos casos em que o valor da causa é mais de 5000€, é preciso constituir
advogado. Isto, porque o legislador tende a entender que quanto maior o valor, mais complexa
será a ação – ora, consequentemente, quanto mais complexa seja a ação, mais seja necessário
que a parte esteja representante por alguém competente.
▪ Assim, por um lado, isto justifica-se por uma necessidade de boa administração da
justiça; e, por outro lado, para que os próprios interesses das partes sejam assegurados.

Relativamente ao acesso aos tribunais (nº1 – segunda dimensão), este relaciona-se com a
proibição da autotutela: ou seja, as pessoas não podem fazer justiça pelas próprias mãos, logo
precisam de ter sítios próprios aos quais recorrer no caso de existir um litígio – nomeadamente, os
tribunais estaduais, para assegurar que o Direito legislado (formal) é efetivo. Assim, por regra, os
direitos e interesses devem ser assegurados por via dos tribunais, só sendo admissível o recurso à
força nos casos previstos na lei (artigo 1º CPC) – por exemplo, a ação direta (artigos 336º e 1036º
CC): se o locador estiver em mora e houver urgência na reparação, existe um direito à autotutela.
O direito de acesso aos tribunais comporta quatro dimensões essenciais (artigo 2º, nº 1 CPC):
1. Direito de ação: As partes têm o direito de recorrer aos tribunais. Este direito pressupõe, ainda,
um direito das partes a um processo que siga as garantias do processo equitativo (artigo 20º, nº4
CRP), entre as quais: independência e imparcialidade na escolha dos juízes; direito à licitude da
prova; direito à decisão em prazo razoável; e direito à igualdade das partes e ao contraditório.
o Esta exigência constitucional de um processo equitativo serve para que a decisão judicial
tomada não conseguir ser tão facilmente contestada, assim como para reforçar a confiança no
sistema judicial. Assim, a legitimação da decisão depende, entre outros aspetos, da própria
forma como o próprio processo é decorrido – exigindo-se que a parte vencida, apesar de não
concordar com a decisão, conseguir perceber o porquê da mesma.

2. Direito ao processo: As partes têm o direito de que os tribunais desenvolvam o processo – sendo
que o processo tem de ser equitativo.

3. Direito à decisão da causa: As partes têm o direito a que tal processo desemboque numa decisão
– nomeadamente, de decidir que a causa é procedente (“sim”), improcedente (“não”), ou que não
é da competência do tribunal a que foi submetida.

4. Direito à execução da decisão: As partes têm o direito de que essa decisão seja efetivamente
concretizada – isto, porque o direito à decisão nada seria se não houvesse mecanismos para
suprimir o incumprimento das partes perante a mesma, pelo que terá de existir a possibilidade de
tal decisão ser cumprida de forma coerciva.

O processo civil é, acima de tudo, um instrumento, ao serviço das normas do direito


substantivo – isto porque, se surgir um conflito relativo a estas, terá de haver um processo que o
permita resolver. Assim, o direito processual civil é o conjunto das normas que regulam a atuação em
juízo das partes e do tribunal, e a marcha do processo desde o seu início até à prolação da decisão.
Existe uma relação óbvia de instrumentalidade entre o direito processual civil e o direito substantivo.

Outras conceções de acesso à justiça – Richard Susskind


No entanto, esta conceção de justiça formulada na CRP não é a única. Nomeadamente, existe
ainda a doutrina de Richard Susskind, segundo a qual o acesso à justiça compreende quatro vertentes:
1. Resolução de litígios: Os tribunais existem para resolver litígios entre os cidadãos, sendo que
estes devem continuar a servir maioritariamente para isso;
2. Contenção de litígios: No entanto, muitas vezes, o sistema judicial não só não consegue conter
o litígio, mas, pelo contrário, agrava o mesmo, dado que o seu modelo mete as duas partes numa
“competição” onde apenas uma pode sair vitoriosa. Assim, o novo modelo de acesso à justiça
deve evitar sobretudo que os litígios regressem a fases anteriores (ex: as partes não se falarem);
3. Prevenção de litígios: Da mesma maneira que na saúde se deve prevenir (através das vacinas),
também no direito se deve prevenir, na medida em que as pessoas conheçam os seus direitos e
deveres, para evitar que o litígio aconteça em primeiro lugar; e a
4. Promoção de saúde jurídica: Dever-se-á aumentar a literacia jurídica, de forma a permitir que
as partes percebam quais os benefícios que o direito lhes pode trazer.
Enquanto a primeira função está claramente prevista no nosso ordenamento jurídico, através
do direito ao acesso aos tribunais, tal não poderá ser dito das restantes vertentes. As ideias de
promoção de saúde jurídica e prevenção de litígios fazem lembrar, no nosso ordenamento, os direitos
consagrados à informação e à consulta jurídica, assim como o acesso ao patrocínio jurídico – no
entanto, tal reflexo não tem tanta relevância como Susskind pretende atribuir. Já a contenção de
litígios é a vertente menos desenvolvida no nosso ordenamento, dado que, em Portugal, ainda se vê
o processo como uma luta entre duas partes – sendo que a mediação pode ser uma boa forma de conter
os litígios, evitando que as relações entre as partes saiam prejudicadas.

Direito de ação
No artigo 2º CPC, nº2, a lei estabelece o direito à ação: como já se viu, este é o direito
conferido a todos (no processo civil, o autor) de provocar a intervenção de um tribunal com vista a
fazer valer os seus direitos ou interesses legalmente protegidos contra alguém (no processo civil, réu).
Em matéria cível, os tribunais só podem intervir na sequência de iniciativa das partes (artigo 3º, nº1
CPC), nomeadamente através da apresentação de uma petição inicial. Portanto, não há processos
oficiosos, iniciados pelo tribunal. No entanto, os factos mediáticos podem ser conhecidos pelo
tribunal, nos termos do artigo 412º, nº1 CPC.
No entanto, o direito de ação não é absoluto, pelo que existem limitações ao direito de ação,
por exemplo:
➔ Questões de caducidade de prazos: Por exemplo, o fornecedor de água tem 6 meses para propor
ação sobre o incumprimento – decorrido esse prazo, o seu direito à ação deixa de existir.
➔ Questões de obrigatoriedade de recurso prévio a meios extrajudiciais: Por exemplo, uma regra
que diga que as partes têm de recorrer à mediação antes de recorrer a um tribunal – isto não barra
o acesso aos tribunais, mas é apenas um “degrau” que se tem de ultrapassar para poder ter o direito
à ação (utilizado, aqui, como last resort).
➔ Questões de custas com a justiça – que não podem ser excessivas, dado que isso pode pôr em
causa o próprio direito à ação.

Espécies de ação
1. Ações declarativas e executivas (artigo 10º, nº1 CPC):
A ação declarativa visa a declaração de direitos que já existem ou que a parte pretende
constituir (ex: pretensão à declaração de reconhecimento de pensão de alimentos – o autor pode
apenas querer ver reconhecido que o réu tem essa obrigação ou, ainda, querer ver reconhecido que tal
pensão deva ser maior, inserindo alterações à sua situação jurídica).
Esta pode ser de vários tipos, nomeadamente (artigo 10º, nº 2 e 3 CPC):
➔ Ação de simples apreciação: Nestas, o autor pede ao tribunal que declare a existência ou
inexistência de um direito (ex: declare que o autor é proprietário de determinada coisa ou que o
réu não é proprietário de determinada coisa) ou dum facto jurídico (ex: declare que a celebração
de determinado contrato de empreitada, que o réu afirma ter tido lugar, na realidade não se
verificou; ou que determinado contrato é nulo, ou válido).
o É uma ação de utilização rara: Reveste manifesta utilidade em casos de indefinição da
realidade jurídica, onde se pretende obter o reconhecimento dum direito – por exemplo, por
necessidade de sentença justificação de direito real ou de posse para o efeito de inscrição de
registo –; mas tem dado lugar a dificuldades em outros casos, em que a sua utilidade é menos
nítida. Com ela a declaração do direito encontra-se no seu “estado mais puro”.

➔ Ação de condenação: Nestas, além de se pretender que o tribunal emita aquele juízo declarativo,
dele se pretende também que condene o réu na prestação duma coisa ou de um facto (ex: o autor,
afirmando-se proprietário ou possuidor, pretende que o réu seja condenado a restituir-lhe a coisa
própria ou possuída; ou, afirmando-se credor, pretende que o réu seja condenado a efetuar a
prestação devida).
o O pedido de declaração prévia do direito pode ser expresso – ou seja, o autor pede que o
tribunal declare que ele é proprietário e, posteriormente, que condene o réu na restituição –,
caso em que se verifica uma cumulação de pedidos (artigo 555º CPC); ou pode ser tácito – ou
seja, o autor limita-se a pedir a condenação do réu, sendo o juízo prévio de apreciação um
mero pressuposto lógico do juízo condenatório pretendido.
▪ Isto, porque para chegar à condenação, o tribunal tem de concluir anteriormente que existe
um direito ou facto jurídico, quer o pedido seja feito ou não.

o A ação de condenação pode ter lugar na previsão da violação do direito, dando lugar a uma
intimação ao réu para que se abstenha de o violar (ex: artigo 1276º CC) ou à sua condenação
a satisfazer a prestação no momento do vencimento (ex: artigos 557º e 610º CPC).
▪ Esta condenação judicial do devedor prestar pressupõe que haja voluntariedade por parte
este de cumprir a ação condenada. Ora, caso não cumpra voluntariamente, poderá haver
uma ação executiva, com este título executivo (artigo 703º, nº1, alínea a).

o Caso do artigo 610º CPC: Em determinados casos, quando seja previsível que, no momento
do cumprimento, o devedor possa não estar em condições de cumprir, pode-se propor uma
ação declarativa cujo objetivo seja condenar o devedor a cumprir no momento devido, mesmo
não estando a ação vencida.
▪ Esta ação não antecipa o vencimento da obrigação, mas apenas obriga o réu a cumprir no
momento do vencimento da obrigação. Tal é útil porque a ação executiva só pode ser
interposta depois do vencimento da obrigação, pois só aí é que há incumprimento da
obrigação – assim, com esta ação declarativa, o réu fica, desde logo, obrigado a cumprir;
pelo que, se chegado o vencimento, não cumprir, o autor já tem o título executivo.

➔ Ação constitutiva: Nestas, exerce-se um direito potestativo. Ou seja, perante o pedido de alteração
das situações jurídicas das partes, o juiz, pela sentença, cria novas situações jurídicas entre elas,
constituindo, impedindo, modificando ou extinguindo direitos e deveres – que, embora fundados
em situações jurídicas anteriores, só nascem com a própria sentença (ex: o autor pede ao tribunal
que, com determinado fundamento, declare a dissolução, por divórcio, do seu casamento com a
ré; que seja fixada uma pensão de alimentos; que, com fundamento em erro, seja anulado um
negócio jurídico que celebrou com o réu; etc.).
o Outro exemplo de uma ação constitutiva será a situação de A, proprietário de um prédio
encravado, requerer ao tribunal a constituição de uma servidão de passagem sobre o prédio
rustico vizinho (artigo 1550º do CC).

A ação executiva (nº4) visa a realização coativa de uma prestação devida. Isto significa que,
no título executivo, está-se perante uma situação em que o réu não cumpriu voluntariamente situações
jurídicas cuja existência já é mais certa – sendo que o tribunal terá, então, de fazer esse cumprimento
existir de forma coerciva (por exemplo, através da penhora de bens). Assim, a ação executiva parte
de um prévio reconhecimento das situações jurídicas das partes, pretendendo-se assegurar o
cumprimento forçado dessas situações – é um mecanismo de garantia (ex: um contrato de mútuo
bancário, celebrado por escritura pública – logo, existe prova concreta que esse direito existe –, não
está a ser cumprido, pelo que existe uma ação executiva e penhora do imóvel).
Os tipos de títulos executivos existentes estão no artigo 703º, nº1 CPC. O exemplo dado acima, de
contrato de mútuo bancário, insere-se na alínea b), relativa a documentos autenticados – pelo que nem
todos os documentos (nomeadamente, os documentos exclusivamente particulares) são títulos
executivos. Existindo qualquer um dos casos das alínea b), c) e d), não é necessário passar por uma
ação declarativa, podendo apresentar qualquer um destes documentos para obter uma ação executiva
– caso contrário, será necessária uma ação declarativa condenatória, de acordo com a alínea a).

Em conclusão…

O quadro de finalidades do processo civil vem confirmar a sua instrumentalidade relativamente ao


direito substantivo: o direito de ação, como vertente fundamental do direito à jurisdição é o direito
de recorrer aos tribunais pedindo a tutela dum interesse protegido pelo direito material – ora, o tipo
de pedido formulado pelo autor, condicionando a espécie de providência que o tribunal deverá
emitir, constitui a escolha da forma de tutela judiciária pretendida para a realização do interesse que
se afirma juridicamente protegido pelas normas de direito material.

2. Procedimentos cautelares:
Os procedimentos cautelares são uma manifestação do direito a uma tutela jurisdicional
efetiva (artigos 20º CRP e 2º, nº2 CPC), que visam acautelar o efeito útil da ação declarativa ou
executiva, assegurando a efetividade do direito que nela se pretenda fazer valer (362º, nº1 CPC).
Estas visam, assim, responder ao risco da demora do processo (periculum in mora), em que a demora
provoca consequências graves. Baseiam-se na aparência do direito invocado pelo requerente (fumus
boni iuris), pelo que exigem um grau de convicção menor do que o que se exige numa ação
declarativa.
As providências cautelares servem, então, para as situações em que a urgência da ação não é
compatível com a demora das ações declarativas ou executivas. Por serem um meio de urgência,
envolvem uma apreciação sumária do direito – pelo que, em regra, a providência cautelar apenas
produz efeitos provisórios, até ser decidida a ação declarativa ou executiva (ação principal). A
providência cautelar pode tanto ser proposta antes ou na pendência da ação declarativa. No entanto,
quando a providência venha a ser decretada e depois venha a ser declarada injustificada, aplica-se o
artigo 374º, nº1 CPC.
As providências cautelares podem ser conservatórias – quando se quer conservar o
património do devedor, para que este não tenha a capacidade de praticar atos de alienação (ex: arresto,
como meio de conservação da garantia patrimonial) – ou antecipatórias – quando o efeito pretendido
é antecipar o efeito da ação declarativa.
Por exemplo, numa situação de valor anormal na conta da água, o autor reclama; no entanto,
e por não pagar o valor absurdo, recebe uma segunda carta a avisar que o serviço vai ser cortado. Ora,
sem uma providência cautelar, o autor teria de pagar a conta original e continuar com o processo. No
entanto, com a providencia cautelar, justificada pela urgência da situação, existe um compasso de
tempo que o deixa proceder com o processo.
NOTA: Denota-se que os procedimentos cautelares são um meio processual, e as providências são
um resultado desse meio.

3. Processo de insolvência (artigo 3º, nº1 e 2 CIRE):


A situação de insolvência traduz-se, em geral, na impossibilidade do devedor de cumprir com
as suas obrigações vencidas, nomeadamente por não ter património para o fazer. Por outras palavras,
há uma incapacidade, em termos económicos, de o devedor alguma vez na vida pagar todas as dívidas
que tem. Para certas pessoas coletivas, será a manifesta superioridade do passivo em relação ao ativo.
Esta tem por intuito a satisfação dos interesses dos credores, a qual pode ser obtida por dois
meios: 1) aprovação de um plano de insolvência, ou seja, com acordo dos credores; ou 2) liquidação
do património do devedor e repatriação do produto pelos credores. O segundo é mais usado, porque
é o primeiro pressupõe a aprovação dos credores, o que muitas vezes não é possível.

Exercícios:
1. António (A) comprou um telefone na Wirken. Deixou-o cair e o ecrã partiu-se. Pretende iniciar
uma ação para que lhe deem um novo. Pode propor ação?
Denota-se, aqui, que uma coisa é o direito à ação; outra é o sucesso desse direito à ação. Ou
seja, o direito à ação não se encontra limitado pelo facto de a ação ter de ser considerada “justificada”
para ir para tribunal; este apenas exige que se alegue a satisfação de um direito ou interesse legalmente
protegido, que possa ser apreciado.
Assim, se A entende que tem direito à substituição do telemóvel, e esse direito ou interesse legalmente
protegido é tutelado, então A poderá propor ação para isso – alegando como direito ou interesse
legalmente protegido o direito à substituição do. Outra questão é saber se terá uma decisão favorável,
sendo claro que a causa não será procedente; mas isso não significa que a A esteja vedada a hipótese
de submeter a causa (por mais mal fundada que seja) a um tribunal.
2. Maria (M) comprou online uma carteira em pele de crocodilo que há muito ambicionava ter.
Poupou para ela durante muitos meses e finalmente chegou. No entanto, quando abriu a caixa
logo percebeu que não era de pele verdadeira de crocodilo, mas de uma imitação muito má.
Entrou de imediato em contacto com a empresa vendedora que lhe disse que a política de respeito
pelos direitos dos animais não lhes permitia aceitar a matança de animais e, logo, vender malas
em pele de crocodilo. M propôs ação contra a empresa, mas esta defendeu-se com base numa
cláusula constante do contrato em que M estava obrigada a propor ação contra a empresa no
máximo de 10 dias, o que já passou. Esta cláusula é válida?
A cláusula que a empresa invoca limita o direito de ação da Maria, sendo uma “cláusulas de
non petendo”. A doutrina maioritária entende que estas não são permitidas, com base no artigo 2310º
CC, segundo o qual, no âmbito do testamento, o testador não pode acordar pela não impugnação –
retirando-se, daqui, que o direito de acesso é irrenunciável, sendo um direito público e fundamental.
De qualquer das formas, neste caso, a cláusula seria sempre inválida. Por um lado, apesar de ser uma
garantia de natureza universal e geral, o direito de acesso aos tribunais não exclui o estabelecimento
de prazos de caducidade para levar questões a tribunal – desde que, no entanto, tais prazos não sejam
arbitrariamente curtos, dificultando irrazoavelmente a ação judicial, como acontece no caso de M,
que apenas tem 10 dias para proceder com o seu direito de ação. Por outro, esta cláusula foi celebrada
num momento em que o litígio ainda nem tinha surgido, pelo que não faz sentido a mesma existir,
dado que as partes ainda nem sabem se o contrato irá correr como planeado ou se terão a necessidade
de recorrer aos tribunais.
Logo, esta cláusula não é válida, pelo que Maria poderia propor, efetivamente, a ação.

3. M e A são sócios de uma empresa de congelados, denominada Congelados, Lda. A empresa


contratou Construções, SA. para construir uma instalação industrial. O valor da obra é
450.000€. A obra deveria estar pronta no dia 1 de junho de 2020, estando previstas multas
contratuais caso houvesse atrasos. O Contrato incluiu também a emissão de uma garantia
bancária da Congelados a favor da Construções. A obra só foi concluída em 2 de fevereiro de
2021. Congelados só pagou 350.000€ porque entende que Construções lhe deve 100.000€ de
multas. A Construções entende que não são devidas multas, pois o atraso se ficou a dever-se à
alteração de circunstâncias causadas pela pandemia da COVID 19. Construções sabe que a
situação económica da Congelados é má, estando preocupada com a possibilidade efetiva de
cobrança desta dívida. Imaginando que é advogado de uma e de outra parte, que meios
processuais poderia utilizar para assegurar os direitos dos seus clientes?
Existe, aqui, uma ação de simples apreciação, porque o que se pretende é que se conheça o
direito da Congelados de receber os 100.000€. Temos, então, uma situação de incerteza, porque a
Construções insiste que a Congelados deve algo, e a Congelados diz que não. O que a Congelados
quer é que o tribunal reconheça é que ela nada deve, porque operou uma compensação.
Já do lado da Construções, existe uma ação de condenação (que tem implícita a simples
apreciação), pretendendo que a Congelados seja condenada a pagar. Só caso esta não pague, é que se
entra com uma ação executiva, de cumprimento forçoso.
No entanto, será que a ação de condenação seria suficiente? Provavelmente não, dado que a
Congelados não parece estar de livre vontade para cumprir a prestação. Assim, justifica-se aqui um
procedimento cautelar, com o objetivo de apreender bens os bens da Congelados, através do arresto,
para que o património seja garantido e o cumprimento seja assegurado.
Direito de defesa
Tal como o autor tem o direito de intentar ação com base nos seus direitos e interesses
legalmente protegidos, o réu também tem o direito de se defender dessa ação. Assim, o direito de
defesa é, no fundo, o reverso do direito de ação.
Para isto, o réu terá de ser notificado da ação intentada contra si, assim como dos elementos
essenciais do processo, de forma a saber do que se trata. Tem de lhe ser concedido um prazo razoável
para que se consiga defender, baseado nos elementos essenciais notificados antes.
O réu terá de ser ouvido em audição prévia, não podendo ser tomadas medidas contra o mesmo
sem que este seja ouvido anteriormente. Este terá de ter o direito a poder ter um advogado, não sendo
impossibilitado pela insuficiência de meios económicos. Terá, ainda, o direito de inverter as situações
em determinados casos – ou seja, em certas situações, o direito permite ao réu que ele próprio
introduza ações contra o autor.
Finalmente, nos casos em que não seja apresentada a defesa, o réu tem o direito de que as
consequências de tal não apresentação não sejam excessivamente rigorosas.

Conhecimento do processo
Só se pode defender quem, por um lado, 1) tiver conhecimento efetivo da existência do
processo (dado que, antes disso, não sabe que este está a decorrer); e, por outro lado, 2) tiver acesso
aos elementos necessários para o fazer, como o que é intendido contra a pessoa e o prazo para
apresentar defesa. Ora, em processo civil, o ato pelo qual se faz isto pela primeira vez é a “citação”
(artigo 219º CPC) – sendo que, a partir do momento em que o conhecimento é dado, o réu deixa de
ser citado e passa a ser notificado.
Os elementos que devem constar da citação estão expostos no artigo 227º CPC. Assim, o réu
tem de ter acesso a: 1) Duplicado da petição inicial, que é a peça processual em que o autor deduz o
pedido para intervenção do tribunal; 2) Cópia dos documentos; 3) Identificação do tribunal; 4) Prazo
dentro do qual pode apresentar a defesa; 5) Necessidade de patrocínio judiciário, nos casos em que
tal exista; e 6) Consequências da falta de resposta.
A falta de qualquer destes elementos conduz à nulidade da citação (artigo 191º, nº1 CPC) e dos atos
que dela dependam (artigo 195º, nº2 CPC), com a necessidade eventual de ter de se repetir os mesmos
– por exemplo, se a um ato de citação não se juntar o duplicado e a cópia, e se tal for descoberto no
momento da sentença, a consequência será a nulidade da sentença, e ter-se-á de repetir tudo o que
veio a seguir dessa citação inválida.
Antigamente, as pessoas singulares eram citadas através do contacto pessoal do funcionário
com o agente judiciário; agora, tal é feito através de carta registada com aviso de receção, sendo
esta a modalidade preferencial (artigo 228º CPC).
No entanto, há a possibilidade de esta não surtir efeito; aí, existirá uma citação por agente de
execução ou funcionário judicial, através do contacto pessoal e direto com o mesmo, no domicílio
ou no trabalho da mesma (artigo 231º CPC). Caso o réu recuse aceitar os documentos, estes ficarão
disponíveis na secretaria judicial, podendo o mesmo levantá-los lá; no entanto, o réu considera-se
citado mesmo que isso não aconteça.
Esta modalidade pode ser frustrada se não se conseguir encontrar a pessoa. Nestas situações, existe a
citação com hora certa (artigo 232º CPC), em que o agente de execução deixa nota com alguém
(colega de trabalho, empregada, etc.) com indicação de uma hora certa para a diligência, voltando
depois nessa data e nessa hora para realizar a citação. Caso a pessoa designada não transmita essa
nota, incorre num crime de desobediência (nº5) – a não ser que o réu se recuse a receber esta nota,
para atrasar a justiça, por exemplo.
Se nada disto resultar, aí sim existe a citação edital (artigos 240º-244º CPC), utilizada
maioritariamente para casos onde o réu se encontra em lugar incerto. Esta é publicada numa página
informática de acesso público (artigo 240º, nº1 CPC), e afixada na porta da última residência da
pessoa (nº2). É uma modalidade cujas garantias de cognoscidade são muito baixas: citar-se alguém
que não se sabe onde está neste momento, no último sítio onde se pensou que esta estava, é uma
forma precária de se dar o conhecimento desta ação. Esta é a última forma possível de se citar a pessoa
– depois disto, não se tenta mais.
Algumas destas modalidades implicam a certeza do conhecimento – por exemplo, na citação
por carta registada, se esta vier assinada pelo réu, considera-se que o mesmo foi citado. No entanto,
na generalidade dos outros casos, existe uma presunção do conhecimento, o que implica que o citante,
em algumas situações, possa afastar a mesma: para isto, este terá de demonstrar que não tomou
conhecimento do facto, por facto que não lhe seja imputável.
No entanto, apenas situações extremas irão ilidir esta presunção: terramotos, situação de coma de
anos, entre outros – por exemplo, o simples facto de se ter ausentado para um país estrangeiro não é
o suficiente para ilidir tal presunção, na medida em que a pessoa não cuidou saber da citação: este,
prevendo que iria ser citado, teria de arranjar mecanismos para a citação lhe poder ser comunicada.
Sem ser essas situações, existe falta de citação nos restantes casos do artigo 188º, nº1 CPC, estando
o regime nos artigos 188º, alínea e); 696º, alínea e); e 729º, alínea d) CPC – sendo que este aplica-se,
também, à citação edital, por conjunção dos últimos dois artigos mencionados.
➔ Nomeadamente, segundo o artigo 696º, alínea e) CPC, se o processo já tiver terminado quando a
pessoa ilida esta presunção, a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de recurso quando,
não tendo o réu participado no processo, se demonstre que não houve citação (ex: coma de 9
anos), não existindo limites temporais a este direito.
o Denota-se, no entanto, que casos assim são excecionais.

Audiência prévia como regra


Outro aspeto essencial do direito de defesa é a audiência prévia como regra: o réu deve, por
regra, ser ouvido antes de contra ele ser proferida uma sentença (artigo 3º, nº2 CPC). A audiência
prévia basta-se com o prazo que é concedido de trinta dias para a pessoa se defender, podendo ser
oral ou escrita.
Isto é feito porque, sendo o réu ouvido antes de proferir a decisão, assegura-se que o juiz tem
as duas visões do caso, tendo-se preenchido o princípio do contraditório: possibilidade de as partes
exprimirem a sua perspetiva sobre tudo o que acontece durante o processo, nomeadamente a
argumentação utilizada, os meios de prova utilizados, etc. Da mesma maneira que o autor tem o
direito de o tribunal considerar a sua versão e argumentos, também o réu tem o mesmo direito. No
entanto, mesmo nos casos em que há um desvio, há sempre um contraditório.
Esta audiência prévia poderá, assim, ser dispensado nas situações de: 1) providências
cautelares (artigos 366º, nº1 e 393º, nº1 CPC), quando esteja em causa a efetividade do direito a
acautelar – sendo que o procedimento cautelar é provisório, necessitante de confirmação (ex: receber
uma carta das águas a dizer que, se não pagar, irá cortar-se a água; não poderá existir audiência da
empresa porque, no tempo em que isso iria acontecer, já a água estaria cortada); ou 2) ações
executivas, em que o título executivo seja uma sentença judicial (artigos 550º, nº2, alínea a) e 855º,
nº3 CPC). Existe, ainda, os casos do arresto (artigo 378º CPC), nos casos de desapropriação de algo
de forma violenta; isto, porque se o réu soubesse disso, iria esconder ou desencaminhar o bem.
➔ Conclui-se, no entanto, que o contraditório não é dispensado, mas apenas diferido, dado que o réu
será sempre ouvido, nem que seja depois da decisão (caso do arresto) – isto, porque é um processo
estrutural e essencial do processo, com tutela constitucional.

Consequências da falta de contestação


Por regra, na ação declarativa, o réu dispõe de 30 dias para se defender (artigo 569º, nº1 CPC),
através da contestação (alegações escritas). No entanto, a falta de contestação do réu tem sempre
consequências – a questão será, então, saber quais.
A primeira será sempre o facto de o tribunal ir verificar se a citação foi bem feita (artigo 566º CPC).
A segunda já é discutível. Nomeadamente, poder-se-ia verificar um efeito cominatório pleno, em
que o juiz não aprecia mais nada e julga automaticamente a ação como procedente, sendo o réu
condenado; ou um efeito cominatório semi-pleno, em que os factos alegados pelo autor se
consideram assentes e ação é julgada procedente SE esses factos levarem à procedência do pedido.
Ora, a primeira possibilidade privilegia o autor muito mais, na medida em que não tem em conta
outros argumentos: independentemente de os factos serem todos mentira, a ação continua a ser
julgada como procedente. A segunda possibilidade já implica que todos os factos que existam,
assentes como provados, levem à procedência do pedido – na medida em que não pode faltar nada no
argumento para que a matéria de direito se aplique.
A lei portuguesa consagra, em geral, um efeito cominatório semi-pleno (artigo 567º, nº1 CPC).
Assim: há efeitos da falta de resposta, nomeadamente a possibilidade de a ação ser procedente tendo
em conta os factos, e apenas os factos apresentados – factos, esses, que são dados como assentes; mas
que não são automaticamente capazes de dar a imediata procedência da ação.
Em alguns casos, a falta de resposta nem este efeito tem. Por exemplo, G vende algo com S: se G não
responder, mas S responder, considera-se que existiu contestação, pelo que o efeito cominatório semi-
pleno não se verifica. Também não se verifica este efeito da revelia quando estão em causa negócios
formais, dado que a lei exige um documento escrito para que tal facto se torne provado – por exemplo,
a exigência de escritura pública para uma compra e venda de imóveis (artigo 568º CPC – exceções).

Exercícios:
5. A Easyfly SA vendeu a Maria uma viagem de avião para a Indonésia, que esta não pagou. Decide,
assim, propor ação contra Maria para que esta seja condenada a pagar o valor da passagem.
Maria nunca teve conhecimento do processo, pelo que não pode dizer que não pagou a viagem
porque nunca chegou a embarcar, dado que no dia anterior à data marcada testou positivo à
COVID 19. Por isso, foi condenada e agora vê a sua conta bancária penhorada, sem nunca ter
sabido do processo. Parece-lhe justa esta situação? Porquê?
Esta situação não parece justa, dado que a regra pressupõe que M deveria ter conhecimento
do processo – assim, e estando perante uma ação executiva (penhora), pode defender-se por oposição
à execução, nos termos do artigo 729º, alínea d) CPC – nomeadamente, argumentando a falta de
conhecimento quanto à alínea e) do artigo 696º.
NOTA: Se se estivesse perante uma ação declarativa, seria apenas só pelo artigo 696º, alínea e) CPC.

6. Imagine agora que a Maria teve conhecimento do processo, mas se esqueceu de apresentar a sua
defesa. Foi condenada e viu a sua conta penhorada. Parece-lhe justa a situação? Porquê?
Aqui, não existindo uma apresentação de defesa, e não se verificando nenhuma das exceções
do artigo 568º CPC, aplica-se a regra do efeito cominatório semi-pleno (artigo 567º, nº1 CPC). Assim,
será necessário perceber se apenas com os factos apresentados (considerados como verdadeiros),
poderia a ação ser tomada como procedente.
Neste caso, se se chegasse à conclusão de que os factos alegados, uma vez demonstrados, eram
suficientes para condenar M, a ação seria julgada como procedente; caso contrário, seria julgada como
improcedente. Ora, a Easyfly apenas poderá alegar que M comprou e não pagou a viagem de avião –
logo a ação seria, muito provavelmente, julgada procedente, pois abstratamente M teria de ter pagado
por aquilo que reservou. M, esquecendo-se de apresentar defesa depois de ter sido citada, terá de arcar
com as consequências disso (nomeadamente, o facto de a ação ser julgada como procedente) –
princípio da autorresponsabilidade: as partes sofrem as consequências jurídicas prejudiciais da sua
negligência ou inépcia na condução do processo, que fazem a seu próprio risco.

Proibição de denegação de Justiça por insuficiência de meios económicos


Segundo o artigo 20º, nº1 CRP, a Justiça não pode “ser denegada por insuficiência de meios
económicos”. Ou seja, nem o autor nem o réu podem ter como entrave ao acesso aos tribunais a
insuficiência de meios económicos, pelo que é necessário a existência de mecanismos que permitam
aos mais desfavorecidos fazer valer os seus direitos em tribunal – nomeadamente, o sistema de apoio
judiciário. A insuficiência de meios económicos é uma noção relativamente indeterminada,
consentindo uma larga margem de discricionariedade legislativa.
➔ Isto não determina, no entanto, a gratuitidade (nem sequer a gratuitidade tendencial) da justiça,
como se vê na saúde ou na educação.

Apoio judiciário
Este é o principal mecanismo, existindo várias modalidades (artigo 16º, nº1 da Lei nº34/2004)
que podem ser pedidas cumulativamente, se fizer sentido:
➔ Dispensa da taxa de justiça e outros encargos com o processo;
➔ Pagamento faseado da taxa de justiça e outros encargos com o processo;
➔ Nomeação e pagamento da compensação do advogado;
➔ Nomeação e pagamento faseado da compensação do advogado;
➔ Atribuição de agente de execução.
Denota-se que nos dois casos de nomeação, o beneficiário não pode escolher o advogado: este é
escolhido de forma oficiosa, pela Ordem de Advogados, dentro da lista dos advogados inscritos no
sistema. Isto nem sempre resulta da melhor maneira; pelo que o beneficiário tem o direito de pedir a
substituição do advogado por outro (artigo 32º, nº1 da Lei nº34/2004).
Todas as pessoas singulares e coletivas sem fins coletivos – ex: uma associação de direito
público – (artigo 7º da Lei nº34/2004) que se encontrem numa situação de insuficiência económica
(artigos 8º e 8º-A da Lei nº34/2004) tem direito a apoio judiciário. Atualmente, também as pessoas
coletivas com fins lucrativos em situação de insuficiência económica têm este direito, tendo o artigo
7º, nº3, primeira parte da Lei nº34/2004 sido declarado inconstitucional com força obrigatória geral.
➔ A incapacidade económica que justifica a concessão deste apoio deve, concretamente, ser “aferida
tendo em conta os custos concretos de cada ação e a disponibilidade da parte que o solicita, não
estando excluído que seja concedido, em maior ou menor medida, a cidadãos com capacidade
económica bem superior à média, se o valor da causa assim o justificar”.
O pedido de avaliação e da possibilidade ou não de receber o apoio judiciário é gratuito,
podendo ser apresentado pelo próprio interessado (artigo 19º). A decisão cabe à Segurança Social
(artigo 20º) e deve ser tomada no prazo de 30 dias, sob pena de deferimento tácito (artigo 25º, nº1 e
2). A decisão que indefira o apoio judiciário é recorrível para os tribunais (artigos 27º e 28º).
Quanto aos efeitos que este procedimento tem na ação judicial, denota-se que, quando o autor
propõe uma ação em tribunal, é necessário provar o pagamento da taxa de justiça inicial; ora, no caso
do apoio judiciário, será necessário aguardar pela decisão da Segurança Social. No entanto, em caso
de urgência, o autor pode propor a ação sem prévio pagamento da taxa de justiça, desde que comprove
a apresentação do pedido (artigo 552º, nº9 CPC). Quanto ao réu, este não escolhe o momento da
proposição da ação. Assim, este pode sempre contestar sem proceder ao prévio pagamento da taxa de
justiça, desde que comprove a apresentação do pedido (artigo 570º, nº1 CPC). Quando esteja em
causa a nomeação do advogado, o prazo em curso interrompe-se com a junção do comprovativo da
aprovação do pedido (artigo 24º, nº4 da Lei nº34/2004).
Existindo uma recusa do pedido, tanto o réu como o autor terão de pagar as custas até 10 dias depois
do indeferimento, sob pena de a ação terminar ali (artigo 552º, nº 10 CPC). No que toca à contestação,
é desentranhada quando o réu, não tendo, à data da apresentação, comprovado o pagamento, persista
na omissão após convite do juiz (Decreto-Lei 183/200 de 10 de agosto).
As custas processuais (artigo 529º CPC) abrangem as taxas de justiça (artigo 530º CPC) –
montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e da
complexidade do caso –; os encargos (artigo 532º CPC) – todas as despesas resultantes da condução
do processo, devidos por determinadas diligencias processuais –; as custas de parte (artigo 533º CPC)
– compreende o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em
virtude da condenação da parte contrária –; e, ainda, a taxa sancionatória, excecionalmente aplicada
pelo juiz quando um ato da parte tenha sido praticado com negligência (artigo 531º CPC).
Ressalvadas as situações de insuficiência de meios económicos, o legislador goza de ampla liberdade
na fixação do montante das custas, na exigência do pagamento de cópias de peças processuais e no
estabelecimento de isenções. A lei não pode, no entanto, adotar soluções de tal modo onerosas que,
na prática, impeçam o cidadão médio de aceder à justiça – por exemplo, não podem ser
arbitrariamente mais altas em determinados tipos de processos, por exemplo.
➔ De notar que o artigo 274º CPC declara (em cumprimento do artigo 20º CRP) expressamente
inadmissíveis derrogações ao direito à jurisdição – nomeadamente, por falta de pagamento de
impostos, como antes acontecia.
Exercícios:
7. Imagine agora que a razão pela qual Maria não se defendeu foi porque não tem dinheiro para
pagar as custas dos tribunais e contratar um advogado. Tal situação deixa-a muito zangada e
até já pensou escrever ao Presidente da República! Tem Maria razão?
O acesso aos tribunais implica o pagamento de custas judiciais – nomeadamente, a taxa de
justiça (artigo 530º CPC), cujo valor é função do valor da causa, apurado nos termos dos artigos 296º
a 310º CPC e do artigo 12º do Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei nº 34/2008). O
acesso aos tribunais dá, também, lugar à obrigatoriedade da constituição de advogado nas ações
declarativas que consentem sempre recurso, independentemente do valor; ou que são imediatamente
propostas na Relação ou Supremo; ou nas ações executivas de valor compreendido entre as alçadas
da comarca e da Relação (artigos 40º e 58º CPC) – sendo facultativa a constituição de advogado ou
solicitador nos restantes casos (artigos 42º CPC).
No entanto, o acesso aos tribunais não pode ser posto em causa por entraves económicos
(artigo 20º CRP), quer para o autor, como para o réu. Tal implica que haja a concessão de apoio
judiciário a quem dele careça e a proibição de disposições de lei ordinária que limitem o direito à
jurisdição por não satisfação de obrigações alheias ao objeto do processo.
A parte que, então, careça de meios económicos suficientes para fazer face a estas despesas pode, em
qualquer estado da causa e para a propor ou para com ela seguir até ao final, solicitar apoio judiciário,
consistente na dispensa, total ou parcial, de taxa de justiça e de pagamento de outros encargos, ou no
seu diferimento; assim como na dispensa de pagamento dos serviços do patrono concedido e na
atribuição de agente de execução (artigo 16º da Lei 34/2004). Este apoio é concedido pelos serviços
de segurança social, com recurso para o tribunal.
Conclui-se, assim, que a lei estabelece meios, através do apoio judiciário, para Maria ter acesso. No
entanto, e como foi visto, este apoio não funciona de forma perfeita – e, por isso, nem sempre
podemos dizer que não há uma denegação de justiça por insuficiência de meios económicos.

Meios de Acesso à Justiça


Importa, primeiro, fazer uma distinção entre métodos adjudicatórios e métodos não
adjudicatórios. Os métodos não adjudicatórios traduzem-se na circunstância em que o litígio será
resolvido nos termos que as parte assim decidam; enquanto nos métodos adjudicatórios, o litígio será
resolvido por um terceiro, tendo a sua decisão força vinculativa (ex: métodos judiciais estaduais ou
arbitrais).
Outra distinção importante será a feita entre os métodos judiciais e os métodos alternativos
de litígios (também referidos como ADR: alternative dispute resolution). O sentido desta
alternatividade teve a sua origem na “crise da justiça”: há uma crise quantitativa, dado que o número
de processos tem vindo a aumentar muito substancialmente; e, por outro lado, há uma crise
qualitativa, dado a resposta do sistema aos litígios tem vindo a ser diferente àquela que as partes
começam a pretender.
A abordagem alternativa destes meios pressupõe, pelo menos, uma das seguintes
características: 1) estimula a resolução do litígio por acordo; 2) tem em conta o protagonismo das
partes – ora em busca da solução, ora na busca das regras –; ou 3) tem uma abordagem baseada nos
interesses –ou seja, focada na razão pela qual as partes pretendem o que pretendem.
➔ Na arbitragem, as partes é que definem as regras do processo, na medida em que decidem que
aquele terceiro poderá resolver o conflito através da convenção de arbitragem – protagonismo das
partes –; enquanto a mediação e a negociação têm as três características.
Assim, os aspetos que deverão ser consideradas na escolha de um método de resolução de
litígios são:
➔ Celeridade, relacionado com a urgência do caso: Por exemplo, a mediação e a negociação tendem
a ser mais céleres do que os tribunais
➔ Confidencialidade vs. publicidade da ação: Por exemplo, nos casos relacionados com
multinacionais ou com um consumidor que queira denunciar algo, as empresas terão o interesse
de manter o processo confidencial;
➔ Manutenção do poder decisório (ex: mediação ou negociação) vs. a sua atribuição a um terceiro
neutro (ex: tribunais judiciais ou arbitrais);
➔ Custos do objeto sobre o qual se quer decidir;
➔ Potencial de manutenção da relação, que é maior nos meios de resolução alternativa não
adjudicativos, dado não irem escalar a situação;
➔ Efeito de precedente – o que não existe na mediação, dado que as decisões são não públicas;
➔ Criatividade da solução, fazendo-se frente à tal “crise qualitativa da justiça”;
➔ Papel que a parte quer ter no processo.

Exercícios:
8. M e A são casados há 8 anos e têm dois filhos, B, de 5 anos e S de 3. O casamento não está a
correr bem e as discussões no casal são inúmeras. M, aliás, está desconfiada que A a trai com
uma antiga namorada, T, o que a deixa num estado de enorme ansiedade. Por seu lado, A está
cansado das acusações de M e sente-se permanentemente posto em causa. Já fizeram terapia de
casal, mas a situação não melhorou e A decidiu avançar para o divórcio. Há inúmeras questões
a resolver, desde os temas relacionados com os filhos até aos bens que compõem o seu
património, muito em especial a Congelados, Lda., empresa que é de ambos e onde ambos
trabalham. Reflita sobre meios de resolução de litígios que conhece e como poderão ser os mais
indicados para o caso do nosso casal.
Conclui-se, aqui, que a negociação não seria o método mais adequado, devido às constantes
discussões: a negociação não pressupõe a intervenção de um terceiro, normalmente decorrendo
exclusivamente entre as duas pessoas; neste casos, as partes não parecem entender-se sozinhas, logo
precisariam de um terceiro interveniente.
No entanto, recorrer para tribunal (quer arbitral, quer judicial) também não parece ser a melhor
solução, dado que, nestes, casos, pretende-se preservar a manutenção da relação e proteger os filhos
de um processo traumatizante – que coloca os pais em posições opostas e de “competição” por ganhar
a ação; além de ser, muitas vezes, excessivamente moroso.
Assim, a melhor opção seria a mediação, não só pelas exigências atrás mencionadas, mas
também pela criatividade na solução; e para evitar os custos judiciais.
Métodos não adjudicatórios
Negociação
A negociação decorre entre as partes em litígio, não implicando a intervenção de um terceiro
– o que não significa que as partes não podem estar representadas (ex: numa grande negociação
comercial, as partes podem estar representadas). Existem dois modelos de negociação: 1) negociação
competitiva (ou posicional); e 2) negociação cooperativa (ou baseada nos interesses).

Na negociação competitiva, as partes negoceiam com base em posições, ou seja, naquilo que
elas pretendem, sem nunca explicarem porque é que querem aquilo – tornando-se gradualmente mais
inflexíveis (ex: negociação em feiras). Por exemplo, A pretende vender um quadro por 850.000€,
enquanto B pretende comprar o quadro por 500.000€: as ofertas e as contraofertas irão suceder-se, e
das duas umas – ou as partes a uma certa altura chegam a um acordo; ou então as partes não se
encontram no meio e ficam só nesta fase.
Assim, as principais características desta modalidade são:
➔ Comunicação limitada entre as partes, existindo apenas o “vai-e-vem” das ofertas e contraofertas;
➔ Cada parte procura maximizar os seus ganhos, por regra à custa da outra;
➔ Só avança mediante cedências mútuas, e não se existirem “impasses” relativos a limites.
As principais desvantagens são:
➔ As táticas de pressão podem agravar o conflito e romper a relação, nomeadamente através dos
ultimatos ou desinformação;
➔ As parte ficam amarradas às posições, e os interesses não são relevados – sendo que estes até
podiam ser relevantes para chegar ao acordo (ex: o vendedor não sabe porque é que o comprador
quer comprar aquilo);
➔ Privilegia soluções que não assentam em critérios objetivos, não se conseguindo explicar a
terceiros como é que se chegou a esta solução (ex: porque é que foi este preço, e não o outro) –
ou seja, questões como o que está estabelecido na lei, preços de mercado, etc. não entram aqui.

Já a negociação cooperativa separa as pessoas do problema (ex: no divórcio, o problema a


resolver será a guarda dos filhos; outra coisa é a falta de comunicação e de confiança entre as partes
– estes problemas terão de ser resolvidos segundo critérios diferentes). Isto, porque tem um ênfase
nos interesses, tentando perceber porque é que cada parte quer o que quer – ou seja, o que está
subjacente à sua posição. Assim, a partir do momento em que existe essa revelação dos interesses, a
possibilidade de opções para resolver o conflito expande-se, existindo uma maior criação de opções
para solucionar o conflito. Por fim, essa solução irá sempre ser adotada com base em critérios
objetivos (ex: a lei, o valor de mercado dos bens, dados oficiais, estudos psicológicos, etc.).
➔ Quanto aos interesses, fala-se, aqui, da ideia do “iceberg”: as posições é o que está à superfície –
o que é que eu quero? –, enquanto os interesses são o que está submerso, aquilo que não se vê;
podendo existir vários interesses numa mesma posição – porque é que eu quero isto?

Mediação
A mediação é um procedimento confidencial – importante para as partes poderem partilhar
as suas motivações – e voluntário em que as partes, mantendo o poder decisório – nomeadamente,
cabe às partes decidir se querem começar a mediação, se a querem continuar (ou não) e com que
acordo é que a terminam – são auxiliadas sempre por um terceiro independente e imparcial na procura
de uma solução para o conflito. Esta é a principal diferença entre a mediação e a negociação (que, por
regra, decorre apenas entre as partes).
Os princípios basilares desta são:
➔ Natureza voluntária: Por regra, cabe às partes decidir, juntamente, se querem recorrer à mediação
(artigo 4º da Lei da Mediação) – diferente do que acontece na ação judicial, onde o autor começa
a ação e o réu é citado posteriormente. A convenção de mediação faz com que as partes tenham
uma primeira sessão de pré-mediação, onde estas são informadas sobre o que é a mediação e quais
as suas regras. Esta primeira sessão é obrigatória (nº2 e 3), podendo as partes depois optar por
não seguir com a mediação.
o Denota-se que, aqui, as partes não renunciam ao seu direito à ação, dado que, caso não
cheguem a acordo, podem ser remeter o litígio para tribunal.

➔ Confidencialidade: O que acontece na mediação, não sai da mediação (ex: admitir que está a trair
no cônjuge), não podendo as informações partilhadas no âmbito desta serem utilizadas em ação
judicial ou até serem reproduzidas a qualquer outra pessoa fora daquela sala – artigo 5º da Lei da
Mediação. No entanto, existe exceções a esta regra, apenas em situações muito excecionais (ex:
uma parte dá um murro à outra – crime de ofensa à integridade física, que não pode ser encoberto
pela mediação).

➔ Igualdade: As partes devem, durante a mediação, ser colocadas em posição simétrica, com as
mesmas possibilidades – artigo 6º, nº1 da Lei da Mediação.

➔ Intervenção de um terceiro independente e imparcial – artigos 6º, nº2 e 7º da Lei da Mediação.

Exercícios:
9. No contrato que M celebrou com a Easyfly, consta a seguinte cláusula: “Qualquer litígio entre
as Partes será em primeiro lugar resolvido por mediação.” Tendo a Easyfly iniciado ação contra
M, conforme caso e. acima, como deve o juiz decidir?
Está, aqui, em causa uma cláusula em forma escrita, uma vez que consta do contrato; além de
que diz respeito a um litígio eventual de uma relação contratual. Significa isto que os três requisitos
do artigo 12º, nº1 da Lei da Mediação estão preenchidos, sendo a convenção de mediação válida.
Assim, segundo o nº4 do mesmo artigo, o tribunal judicial, perante a convocação dessa cláusula, deve
remeter as partes para a mediação.

Métodos não adjudicativos


Os tribunais são o órgão de soberania com competência para exercer a função jurisdicional
(artigos 110º, nº1 e 202º, nº1 CRP). Assim, os atos de administração de justiça cabem apenas aos
tribunais – princípio da reserva de jurisdição. No entanto, a lei pode criar mecanismos não
jurisdicional de resolução de conflitos (artigo 202º, nº4 CRP), como a mediação.
Existem diferentes categorias de tribunais: tribunal constitucional; tribunais judiciais; tribunais
administrativos e fiscais; tribunal de Contas (artigo 209º, nº1 CRP). A CRP admite, ainda, a criação
de outros tribunais, que atualmente existem: tribunais arbitrais, julgados de paz, tribunais marítimos.

Tribunais judiciais
Os tribunais judiciais são tribunais comuns, tendo competência residual – ou seja,
competência em todas as matérias que não estejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (artigo 211º,
nº1 CRP), nomeadamente: competência em matéria civil e criminal, mas também em matérias de
família, de insolvência, processo de execução, laboral, etc. Existem diferentes tipos de tribunais
judiciais (artigo 210º CRP), tais como o Supremo Tribunal de Justiça, o órgão de cúpula; Tribunais
de Relação, de 2ª instância; e as Comarcas, ou tribunais de 1ª instância – existindo uma organização
tripartida dos tribunais judiciais.
As ações são normalmente propostas nos tribunais de 1ª instância, e só excecionalmente é que são
propostas nos outros dois (ex: ação de responsabilidade contra juízes de tribunais inferiores). Os
tribunais da relação são, então, importantes para existir a possibilidade de colocar a primeira decisão
judicial em causam no âmbito do direito ao recurso. No entanto, este direito apenas existe para casos
de valores da causa ou indemnizatórios acima de 5000€ euros (artigos 296º e ss. CPC –
designadamente, artigo 297º, nº1).
➔ Esta questão tem sido muito colocada em questão. Entende-se, então, que o legislador ordinário
não pode, de todo, eliminar este direito; mas, dentro de certos limites, admite-se que este possa
regular o direito ao recurso, por razões da boa administração da justiça – isto porque, caso não o
pudesse fazer, a Relação iria ficar entupida com todos os casos possíveis, não conseguindo
desempenhar a sua função.
Já o Supremo Tribunal de Justiça justifica a sua existência pelas suas funções de uniformização de
jurisprudência (artigo 671º, nº3 CPC). No entanto, a lei também admite, em algumas situações, o
recurso para o Supremo de ações cujo valor da causa é acima de 30.000€ e, cumulativamente, esteja
em causa uma decisão do Tribunal de Relação que: 1) contradiga a decisão da primeira instância; 2)
confirma a decisão da primeira instância, mas com voto de vencido; ou 3) confirma a decisão, mas
com fundamentação essencialmente diferente.
Relativamente aos tribunais de primeira instância, estes podem ser tribunais de comarca e
tribunais de competência alargada. Estes últimos são tribunais que, por um lado, se dedicam a uma
matéria específica; e, por outro, que têm uma competência não para uma comarca, mas para várias
(todas) as comarcas – artigo 83º da Lei da Organização dos Tribunais.
Nos tribunais de comarca (artigo 81º, nº1 LOSJ), existe ainda a distinção entre os tribunais de
instância central (ações acima de 50.000€) e de instância local (ações até 50.000€).
➔ As instâncias centrais têm, por sua vez, secções de competência especializada, que incluem as
secções cível e criminais – no entanto, estas secções são as únicas que existem automaticamente
nos 23 tribunais de comarcas; já as restantes secções de competência especializada podem ou não
existir nas comarcas, não existindo as mesmas em todas. As secções de competência especializada
podem incluir juízos de trabalho, de comércio, de família e menores ou de execução.

➔ Já nas instâncias locais, existem secções de competência genérica – de competência subsidiária:


isto é, não havendo tribunal de competência especializada em determinada comarca, a ação deve
entrar no juízo de competência genérica – e secções de proximidade – tribunais pequenos, com
uma secretaria na qual se fazem pequenos procedimentos, não tendo muitas competências,
estando sempre afetos a um local (são mais postos de atendimento do que um tribunal).
Os tribunais têm uma gestão tripartida: Presidente da Comarca; Magistrado do Ministério
Público e Administrador de Justiça. As comarcas são as circunscrições base da divisão territorial e
em cada uma delas podem existir vários tribunais, quando o volume ou a natureza do serviço o
justificarem.
Importa notar que a sede e os municípios abrangidos por cada comarca constam do anexo II da Lei
n.º 62/2013. Em 2014 ocorreu uma reorganização nacional dos tribunais de primeira instância,
passando a existir 23 tribunais de comarca em todo o país (Açores, Aveiro, Beja, Braga, Bragança,
Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Lisboa, Lisboa Norte, Lisboa Oeste, Madeira,
Portalegre, Porto, Porto Este, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu) – distritos,
mais regiões autónomas e mais em Lisboa e Porto.
A comarca de Lisboa tem sede no concelho de Lisboa e abrange os concelhos de Alcochete, Almada,
Barreiro, Lisboa, Moita, Montijo e Seixal. Já a comarca do Porto tem sede no concelho do Porto e
abrange os concelhos de Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Santo Tirso, Trofa,
Valongo, Vila do Conde e Vila Nova de Gaia.
NOTA: Como determinar quem é o tribunal com competência nos exercícios? A primeira coisa a
fazer é determinar a competência – por exemplo, numa execução específica de um contrato-promessa,
é matéria cível, logo seria a ordem dos tribunais judiciais. Dentro dos tribunais judiciais, esta ação
vai ser iniciada na 1ª instância, nomeadamente o tribunal que tiver competência para a ação que se
procura – neste caso, é o cumprimento da obrigação (artigo 71º CPC). Assim, provavelmente ir-se-ia
para a instância central, porque o valor da causa provavelmente seria superior a 50mil euros.

Tribunais arbitrais
A arbitragem é um meio de resolução de conflitos em que as partes, por acordo, atribuem o
poder de decisão do litígio a um terceiro ou terceiros. Por outras palavras, “a arbitragem voluntária é
contratual na sua origem, privada na sua natureza, e jurisdicional na sua função”:
➔ Contratual e privada: Assenta num contrato celebrado entre as partes – sem este não há arbitragem
voluntária –; e não tem poder para aplicar medidas coercivas, nem para executar as suas
condenações;
➔ Jurisdicional: As suas decisões são vinculativas, como se tivessem sido proferidas por tribunais
estaduais, e passíveis de ser executadas (embora apenas por tribunais estaduais, os únicos que têm
o poder de fazer cumprir coercivamente).
Existem duas espécies de arbitragem: 1) institucionalizada e 2) ad hoc.
Na arbitragem institucionalizada, existe suporte institucional, ou seja, o litígio é resolvido de
acordo com regulamentos de centros de arbitragem, que têm carácter de permanência – ou seja, será
no âmbito do centro de arbitragem que se irá gerar o tribunal arbitral, com os árbitros constantes da
lista do mesmo (sendo que as partes podem escolher dentro da mesma). O tribunal pode, também, ter
este carácter de permanência ou não, existindo os dois modelos.
Na arbitragem ad hoc, não existe suporte institucional: o tribunal é criado pelas partes para decidir
aquele litígio específico, não existindo uma instituição por detrás do mesmo – as partes decidem
prever que o litígio é resolvido por árbitros a nomear, criando elas um tribunal específico, que depois
irá ser extinto quando a decisão por proferida.
Convenção de Arbitragem:
A convenção de arbitragem é o contrato pelo qual as partes decidem submeter um determinado
litígio a um tribunal arbitral. Esta competência está limitada ao específico da convenção arbitral – ou
seja, mesmo em contratos de objeto plural, se apenas um dos objetos for determinado, apenas esse
poderá ser visto pelo tribunal.
Esta convenção pode ser uma cláusula compromissória – que tem por objeto litígios
eventuais (ex: contratos de desporto) – ou um compromisso arbitral – que tem por objeto um litígio
atual, existente (ex: divisão das quotas). Além disso, poderá existir a figura da convenção por
remissão, onde as partes acordam que quaisquer eventuais litígios serão resolvidos nos termos de uma
cláusula que, no seu conteúdo, tem uma convenção.
Independentemente da modalidade, a sua validade enquanto convenção de arbitragem
pressupõe a observância de certos requisitos específicos, nomeadamente:

1. Forma escrita
Segundo o artigo 2º, nº4 da Lei de Arbitragem Voluntária, a lei apenas exige que a convenção
seja em forma escrita, e não que seja assinada pelas partes – assim, independentemente de se saber se
esta tem a força probatória (ou seja, se vale como documento particular, devido à assinatura
eletrónica, que poderá levar a casos de fraude), a convenção arbitrária existe quando tem forma
escrita, não sendo exigível que este, para existir, seja particular.
Se a convenção não tiver esta forma escrita, a convenção é nula nos termos do artigo 3º LAV.

2. Determinação do objeto
Além disso, deverá sempre constar da convenção o objeto. Na cláusula compromissória, só é
necessário identificar a relação jurídica sobra a qual os litígios poderão acontecer – não podendo dizer
apenas “todos” os litígios, é necessário especificar a relação. No compromisso arbitral, já é necessário
determinar o litígio, além da relação jurídica.
Na falta deste requisito, a convenção é nula nos termos do artigo 2º, nº6 LAV. Isto, porque a
determinação do objeto é importante para saber quais os litígios abrangidos pela competência dos
tribunais – assim como para perceber os efeitos decorrentes da definição da convenção.

3. Arbitrabilidade
Segundo o artigo 1º LAV, o litígio tem de ser passível de poder ser resolvido por arbitragem
voluntária – excluindo, assim, casos de arbitragem necessária (ex: casos de desporto, direitos de autor)
ou casos que caibam em exclusivo aos tribunais judiciais (ex: processos criminais, execuções, e
processos de insolvência).
A arbitrabilidade dos restantes litígios pressupõe a sua natureza patrimonial ou a
disponibilidade do direito em causa (artigo 1º, nº1 e nº2 LAV). Ou seja, existe um critério principal,
o critério da patrimonialidade, onde se exige que esteja em causa um interesse pecuniário ou
económico – sendo caso de ação declarativa ou de execução específica. Este é um critério muito
amplo, estabelecendo que a grande maioria dos litígios será arbitrável – excluindo direitos de
personalidade e matéria relacionada com família, mas não muito mais matérias. Isto, porque depois
existe, o critério subsidiário da disponibilidade do direito, segundo o qual o direito é disponível (para
este efeito) quando o titular possa renunciar ao seu exercício em juízo.
NOTA: O Estado, quando atue destituído dos seus poderes de jus imperiu – como um privado, no
âmbito da gestão privada –, poderá ser parte em convenções de arbitragem. Também o poderá ser
mediante autorização específica da lei (ex: artigo 180º CPTA) – isto, porque a arbitragem acaba por
ser a decisão por um privado.

Exercício:
13. Lembra-se do litígio entre a Congelados Lda e a Construções SA (caso d.)? Imagine que as
partes tinham incluído no contrato de empreitada a seguinte cláusula: “Todos os litígios que
possam surgir deste Contrato serão decididos por arbitragem.” Que significa isto?
Estamos perante uma convenção arbitrária, na modalidade de cláusula compromissória. Esta
cláusula é válida, na medida em que tem a forma escrita; assim como o objeto é disponível e existe
interesse patrimonial.

Competência dos Tribunais Arbitrais:


Relativamente à competência dos tribunais arbitrais, uma convenção de arbitragem válida tem
como consequência a atribuição de competência ao tribunal arbitral – pelo que se uma de as partes
iniciar o processo, a outra parte está sujeita à arbitragem. Por outras palavras, a convenção gera, em
qualquer uma das partes, um direito potestativo de iniciar a constituição do tribunal arbitral e,
consequentemente, que irá sujeitar a outra parte a isso – efeito positivo da convenção de arbitragem.
Assim, as partes apenas podem renunciar à mesma se tiverem de acordo relativamente a essa
renunciação (tal como qualquer outro contrato).
Além disso, existe, também o efeito negativo da convenção da arbitragem (artigo 15º, nº1
LAV): a parte pode, perante o tribunal judicial a que a outra parte recorreu, dizer que existe uma
convenção de arbitragem e, consequentemente, que o litígio deve ser resolvido por arbitragem. No
entanto, tal assunto não é de conhecimento oficioso do tribunal em questão judicial – pelo que se
nenhuma das partes invocar a convenção, renuncia tacitamente (uma, a propor à ação; a outra, a não
invocar a contestação) à convenção de arbitragem, e o litígio será resolvido pelo tribunal judicial.
Será o tribunal arbitral que tem competência para apreciar a sua própria competência –
princípio da competência da competência (artigo 18º, nº1 a 3 da LAV). Além disso, o tribunal
continua a ser competente para julgar aquele litígio, mesmo que o contrato onde a convenção que lhe
dá essa competência esteja inserido seja, em si, nulo – autonomia da convenção de arbitragem.

Exercício:
14. Construções inicia processo no tribunal da comarca de Lisboa. Deve o juiz extinguir o processo?
Aqui, ter-se-ia o efeito negativo da convenção de arbitragem: o juiz irá suspender a instância
e remeter o caso para o tribunal arbitral, SE a Congelados alegar a exceção da preterição do tribunal
arbitral voluntário (artigo 96º, alínea b) CPC) – fundamento de incompetência absoluta do tribunal.
Denota-se, no entanto, que a jurisprudência entende que, antes de remeter, o juiz judicial apenas deve
averiguar se a convenção é válida e eficaz superficialmente, atendendo apenas à manifesta
inexistência ou nulidade da convenção, por razões de economia processual.
Caso conclua pela validade da convenção, então é que suspende a instância, e constitui-se o tribunal
arbitral. Se a convenção, por exemplo, não for reduzia a escrito, tal será manifestamente (não é
necessária prova) nula, pelo que o tribunal judicial provavelmente julgaria logo a mesma como nula.
Se já fosse um vício de vontade que causasse essa nulidade, tal não seria manifestamente nula, pois
seria necessário que se provasse esse vício – ora, em caso de dúvidas, o juiz judicial ira mandar para
o tribunal arbitral, pois ele é que tem prioridade na apreciação da sua competência.
Caso o réu não invoque esta exceção, o juiz deverá considerar que as partes renunciaram à convenção
arbitral, e o processo deve prosseguir na instância.

Constituição do Tribunal:
Se as partes nada acordaram sobre isso, o tribunal será composto por três árbitros (artigo 8º,
nº2 LAV). Podem, no entanto, as partes acordarem num número superior ou inferior, desde que ímpar
(artigo 8º, nº1 LAV).
No entanto, a convenção de arbitragem não pode prever que uma das partes indique mais ´
árbitros do que a outra, dado ao princípio da igualdade: as partes têm de ter a mesma influência na
constituição do tribunal; ora, se isto pudesse ser feito, as partes não teriam a mesma possibilidade de
influenciar essa constituição. Assim, a regra geral é que as partes escolhem um número igual de
árbitros, e depois o árbitro “ímpar” terá de ser escolhido por esses árbitros.
Visando a regra supletiva de três árbitros, o tribunal será composto por um árbitro escolhido por uma
parte, outro escolhido pela outra parte, e um terceiro árbitro escolhido por esses dois árbitros já
escolhidos – sendo a mesma técnica utilizada para números superiores de árbitros. Se for apenas um
árbitro, as partes podem convencionar, logo, quem será o árbitro; ou podem convencionar as
qualidades que querem no árbitro escolhido.
NOTA: A nível da decisão, se os três árbitros não estiverem de acordo, quem terá a palavra final será
o presidente – nomeadamente, aquele que foi escolhido pelos árbitros escolhidos.
A parte que pretende iniciar a arbitragem deve dar conhecimento disso à outra parte (artigo
33º LAV) e, caso não tenha havido determinação anterior, as partes designam os árbitros neste
momento (artigo 10º, nº1 LAV). Se uma das partes não designar o árbitro que lhe cabe nos 30 dias
depois de a outra parte ser considerada notificada (preferencialmente por meio que possa ser provado
posteriormente), o mesmo será designado pelo Tribunal da Relação – tendo de isso ser requerido
pelas partes, não sendo de conhecimento oficioso (artigo 59º, nº1, alínea a) LAV).

Impugnação da Sentença Arbitral:


A sentença arbitral deve, em regra, ser fundamentada, a não ser que as partes afastem essa
necessidade (artigo 42º, nº3 LAV). O prazo para decisão supletivo é de 12 meses, podendo este ser
prorrogado por iniciativa das partes – dado que o prazo serve para proteger as mesmas; mas se estas
quiserem elas mesmas arrastar o processo, podem fazê-lo, no seio da autonomia das partes – ou do
tribunal arbitral. Nesta última, as partes podem, por acordo, opor-se a essa prorrogação, visto que,
mais uma vez, o objetivo desse prazo supletivo é salvaguardar as mesmas.
As partes podem, ainda, decidir um prazo superior ou inferior aos 12 meses, devendo este último ser
acordado antes dos árbitros aceitarem o caso – se tal não acontecer, as partes ficarão sujeitas a que o
mesmo não seja cumprido (ex: prazo de 1 dia).
Se a sentença for notificada às partes após o decurso do prazo, a mesma poderá ser impugnada,
(artigo 43º, nº3 LAV). Isto porque mal decorra o prazo, o tribunal perde o poder para decidir o litígio,
dado extinguir-se o poder jurisdicional – ora, se decidir sem esse poder, essa decisão pode ser objeto
de ação de anulação. No entanto, a convenção de arbitragem continua válida, tendo as partes de
refazer todo o processo, mas podendo-o fazer com os mesmos árbitros.
Há três meios de impugnação da sentença arbitral: 1) oposição à execução; 2) recurso; e 3)
ação de anulação. Na falta de previsão expressa na convenção de arbitragem, a ação de anulação
poderá sempre ser utilizada (artigo 46º, nº5 LAV), já que este direito é irrenunciável, de forma a se
assegurar os mínimos sem os quais o Estado não pode legitimar as decisões privadas. Contrariamente,
o recurso não poderá ser utilizado (artigo 39º, nº4 LAV), existindo a possibilidade dessa renúncia
pois o recurso já só se avalia o mérito – tendo sido uma escolha das partes recorrer a esse tribunal
para uma decisão e não aos tribunais judiciais. Por fim, a oposição à execução, não podendo ser
sujeito a renúncia, também não pode ser utilizada quando o tribunal judicial já se pronunciou sobre a
não invalidade (anulação) da sentença por aquele fundamento; e o prazo de 60 dias para a anulação
da sentença já tenha decorrido.
Relativamente a aspetos gerais sobre a ação de anulação, o prazo para a fazer é de 60 dias
contados da notificação da sentença (artigo 46º, nº6 LAV), e o tribunal competente para a aferir é o
Tribunal da Relação do lugar da arbitragem (artigo 59º, alínea g) LAV). Os fundamentos de anulação
estão previstos no artigo 46º, nº3 LAV, sendo taxativos – ou seja, só pode haver uma ação de anulação
se estiver em causa um destes casos.
Quanto aos fundamentos de anulação dependentes da alegação das partes, existe (artigo 46º, nº3,
alínea a) LAV):
➔ Invalidade da convenção de arbitragem por questões de forma;
➔ Violação de um princípio fundamental com influência decisiva da decisão, como o princípio da
igualdade, o do contraditório ou o da defesa – análise casuística, pois essa violação terá de ter
contribuído efetivamente para uma decisão diferente;
➔ Litígios não abrangidos pela convenção de arbitragem – questões de incompetência;
➔ Irregularidade na constituição do tribunal ou no processo com influência decisiva na decisão;
➔ Excesso ou omissão da pronúncia, em que o tribunal condena naquilo que não é pedido ou não
aprecia todos os pedidos feitos;
➔ Inobservância dos requisitos formais na sentença (ex: fundamentação);
➔ Incumprimento do prazo para decisão.

Quanto aos fundamentos de conhecimento oficioso, não dependente da alegação das partes, existem
(artigo 46º, nº3, alínea b) LAV):
➔ Litígios que não sejam passíveis de ser arbitráveis (ex: insolvência);
➔ Violação da ordem pública internacional: Corresponde aos valores que o Estado nunca prescinde,
em caso algum, independentemente de onde os factos tenham sido praticados (ex: princípio da
boa-fé; princípio da não discriminação; situações de indemnizações punitivas, e não apenas para
os danos; situações sobre tráfego de drogas ou corrupção).
o Existem regras de ordem públicas, que são todas imperativas; depois, mais estrita, existe a
ordem pública nacional, relativamente aos princípios essenciais para o Estado Português; e,
depois, ainda mais estrito que essa ordem nacional, existe a ordem pública internacional.
NOTA: No entanto, se a parte tiver conhecimento de um certo fundamento de anulação no decurso
da arbitragem e não o invocar, também não o pode fazer na ação de anulação, contando que a mesma
tinha a possibilidade de fazer essa invocação e não o fez (artigo 46º, nº4 LAV).

Exercícios:
15. No fim do processo, o tribunal arbitral profere uma sentença que condena a Congelados.
Congelados nunca participou do processo e discorda da decisão. Está vinculada a ela?
Aqui, pode existir a situação de falta de citação, não tendo C o conhecimento sobre o processo
– ora, se não tiver participado no processo por falta dessa citação, existe fundamento de anulação,
nos termos do artigo 46º, nº3, alínea a) e subalínea ii) LAV, relativo à violação dos princípios
fundamentais do direito da defesa, com base no artigo 30º, nº1 da LAV. Isto, na medida em que havia
influência na resolução do litígio, porque C não chegou a ter a possibilidade de persuadir o árbitro.
Se C tiver sido efetivamente citada, mas escolheu não participar no processo, será necessário
recorrer ao artigo 35º, nº2 LAV: as alegações do demandado serão aceites. A LAV introduz uma
alteração face ao que estava previsto no CPC, nomeadamente não havendo efeito cominatório
semipleno, que faria com que os dados alegados na petição inicial fossem dados como provados
(artigo 567º, nº1 CPC).

Julgados de Paz
Os Julgados de Paz são tribunais (artigo 209º CRP) que concentram num único local vários
meios de resolução de litígios: mediação, conciliação e adjudicação por um tribunal estadual. Estas
três fases estão, então, compreendidas nos julgados de paz: existe um primeiro momento em que se
procura a conciliação das partes; depois, se, de todo, não for possível chegar a acordo, passa-se ao
tribunal estadual.
A lógica dos Julgados de Paz é muito próxima dos tribunais “multi-portas”: há várias portas para que,
dependendo do litígio, se possa escolher a mais adequada. A lei parte do princípio de que a mediação
será o primeiro passo – sendo que, no entanto, as partes podem prescindir da mesma.
Quanto à distribuição territorial, existem 25 Julgados de Paz a funcionar em Portugal. Estes
podem abranger um único concelho (caso dos Julgados de Paz de Cascais ou de Vila Nova de Gaia)
ou vários concelhos (caso do Julgado de Paz do Oeste). No entanto, os Julgados de Paz não têm uma
abrangência nacional: não há, por exemplo, nenhum na Região Autónoma dos Açores nem em vários
concelhos do interior (ex: toda a região do Alentejo).
Quantos aos princípios estruturantes (artigo 2º Lei dos Julgados de Paz), existe:
➔ Estímulo ao acordo (artigos 49º, nº1 e 26º, nº1 LJP): A mediação não é obrigatória, podendo as
partes aceitá-la ou não na fase de pré-mediação (em que este meio é apresentado às partes); no
entanto, tem sempre de haver a conciliação, nomeadamente no início da audiência de julgamento.

➔ Participação das partes (artigos 38º, nº1, e 57º, nº1 LJP), na medida em que as partes são sempre
ouvidas em audiência, tendo até de estar presencialmente nos mesmos – diferente do que acontece
nos tribunais judiciais, onde as partes querem-se afastadas e emotivas (devendo ser devidamente
representadas pelos seus advogados, que prosseguem os seus interesses=;
➔ Simplicidade e oralidade: Exemplos disso será o facto de as partes poderem apresentar a ação
oralmente na secretaria, que depois traduz o que a pessoa disse a escrito – diferente do que
acontece nos tribunais judiciais, onde se tem de apresentar a ação por escrito –; ou o facto de a
prova poder ser apresentada no próprio dia da audiência.

Quanto à competência dos Julgados de Paz, estes têm competência para ações de valor até
15000€ (artigo 8º LJP). Relativamente à matéria, têm competência de matéria civil, nomeadamente
sobre litígios de entrega de coisas móveis, responsabilidade civil extracontratual, propriedade
horizontal e algumas ações de cumprimento (artigo 9º LJP); e, ainda matéria criminal. A ratio legis
disto será o afastamento da litigância de massa, já que o essencial da Justiça de Paz é a sua filosofia
de proximidade – algo impossível de realizar se o número de processos for avassalador.
➔ As matérias procuram claramente um determinado tipo de litigância: conflitos entre pessoas
singulares, disputas de proximidade, problemas entre cidadãos.
Quanto à competência cautelar, esta está dependente da competência material (artigos 9º e ss. LJP):
possibilidade de propositura de procedimento cautelar, anterior à propositura da ação principal.
Quanto à competência territorial (artigos 11º, 12º 3 13º), é da competência territorial o Julgado de
Paz do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou o do domicílio do réu, sendo o critério à
escolha do credor – ora, a aplicação destas regras determinará se a ação pode ou não ser proposta num
Julgado de Paz, dado que este não tem territorialidade nacional. No caso de ação destinada a
responsabilidade civil fundada em facto ilícito ou no risco (nº2 do artigo 12º), o Julgado de Paz será
o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu.
NOTA: A competência dos Julgados de Paz será alternativa, por interpretação de um acórdão
uniformizador de jurisprudência do STJ que determinou tal alternatividade. No entanto, a professora
Mariana França Gouveia defende que esta competência é exclusiva, na medida em que, se as partes
forem aos Julgados de Paz, não poderão intentar ação nos tribunais judiciais.

Relativamente aos custos, caso as partes cheguem a acordo na mediação, esta é 25 euros. Caso
haja decisão, a parte vencida paga uma taxa de até 70 euros, dependendo o valor em concreto da
medida em que tenha ficado vencida. A taxa é paga no final do processo.

Princípios do processo equitativo


Segundo o artigo 6º CEDH, as garantias processuais que se encontram expressamente
previstas são: 1) independência e imparcialidade dos tribunais; 2) decisão em prazo razoável; 3)
publicidade do processo; 4) processo equitativo; e 5) circunstância de o tribunal estar estabelecido
pela lei. Existem outras garantias que também devem ser asseguradas – nomeadamente, princípio do
contraditório, da igualdade, da fundamentação –, mas que estão inseridas na cláusula “processo
equitativo” e, portanto, retiradas da mesma pela jurisprudência.
A nossa CRP é ainda mais lacónica, no seu artigo 20º, nº4: este apenas assegura,
expressamente, a decisão em prazo razoável e mediante um processo equitativo. Já outras garantias
que estão previstas na CRP e que são reflexo do processo equitativo são: 1) publicidade do processo
(artigo 206º CRP) – que não se aplica, no entanto, aos meios de resolução alternativos, mas apenas
aos tribunais judiciais –; 2) independência dos tribunais (artigo 203º CRP); e 3) princípio da
fundamentação (artigo 205º, nº1), que não se aplica à maior parte dos meios alternativos. Há, depois,
uma série de garantias não expressas, mas que se retiram, mais uma vez, da cláusula geral do processo
equitativo: princípio da igualdade processual, do contraditório, e da imparcialidade do juiz.
O processo equitativo reúne, assim, as condições imprescindíveis a uma decisão justa num Estado
de Direito Democrático, como é Portugal.

Independência e imparcialidade do terceiro


Juiz – Tribunais Judiciais
Tal princípio obriga a que o juiz, por um lado, não possa estar sujeito a pressões internas e
externas; e, por outro lado, que este tenha de estar alheio à relação entre as partes e ao objeto. A
independência dos tribunais tem, assim, uma dupla vertente:
➔ Interna, dentro da própria ordem jurisdicional: Os tribunais não estão sujeitos a ordens,
recomendações ou instrução de um tribunal superior – com exceção do dever de acatar as decisões
de recurso.
➔ Externa, face aos restantes poderes: Os tribunais não podem ser condicionados pelos restantes
poderes do Estado. Alguns exemplos disto será a forma de distribuição dos processos, que deve
ser aleatória (artigo 217º CRP); assim como o princípio da inamovibilidade e irresponsabilidade
dos juízes (artigo 216º, nº1 e 2 CRP) – exceto nos casos em que o juiz atue com dolo ou culpa
grave no exercício da sua função jurisdicional (casos em que é o Estado que se responsabiliza,
tendo, depois, o direito de regresso para com o juiz).
A imparcialidade do juiz implica a sua equidistância face às partes e ao litígio e explica – por
exemplo – os seguintes regimes:
➔ O impedimento (artigos 115º e 117º CPC), que é uma lista “roxa” – na medida em que, quando
estiver naquelas situações, o juiz não pode, de todo, julgar aquela causa (ex: quando seja parte um
familiar do juiz).
➔ As suspeições (artigo 120º CPC, nos termos dos artigos 122º, nº1 e 123º CPC), que são aquelas
que podem suscitar dúvidas, mas o juiz não é obrigado a ser escusado.
➔ Compatibilidade do exercício de funções do juiz (artigo 216º, nºs 3 a 5 CRP) – por exemplo, os
juízes não podem ser parte de órgãos sociais de clubes desportivos.

Exercícios:
16. Parece-lhe admissível uma decisão por “moeda ao ar”? Porquê?
Não, na medida em que vai contra a maior parte dos princípios já falados. Ou seja, apesar de
poder assegurar algumas garantias – nomeadamente, a imparcialidade e a decisão em tempo razoável
(apenas a nível de excessos, mas não a nível de prazo razoável de garantir as garantias processuais)
–, não seriam assegurados o princípio do contraditório – ou seja, de as partes sejam ouvidas antes da
decisão, sendo uma das vertentes do direito de defesa – ou o da decisão fundamentada.
17. Explique o que é o princípio do juiz natural. Este princípio existe na arbitragem?
O princípio do juiz natural, prevista no artigo 32, nº9 CRP, determina que a competência do
juiz no processo penal deve ser fixada numa lei geral, abstrata e anterior, para evitar que sejam criados
tribunais de exceção, ou para que o juiz escolha a sua causa.
No processo civil, não há propriamente este princípio; mas existem as regras de distribuição
(artigos 203º e ss. CPC – designadamente, artigo 204º, nº1). Assim, a distribuição deve assegurar 1)
a aleatoriedade – no sentido em que não depende da vontade das partes, mas sim da distribuição – e
2) a igualdade na distribuição no serviço, a nível de nº de processos.
Na arbitragem, são as partes que escolhem os juízes, pelo que não existe este princípio de juiz natural.

Árbitro – Tribunais Arbitrais


O dever de independência e imparcialidade do árbitro decorre do artigo 9º, nº3 da LAV. Esta
regra resulta, também, do artigo 6º, nº2 do Código Deontológico da Associação Portuguesa de
Arbitragem – especialmente quando se fala sobre os “árbitros de parte”: ou seja, os que são
designados pelas partes. Estes estão, também, sujeitos a este dever de independência e imparcialidade,
independentemente de terem serem escolhidos pelas partes, dado que estes não estão a representar as
mesmas – não são os seus mandatários.
No entanto, será este dever equiparável na sua intensidade ao do árbitro-presidente? Há quem entenda
que o árbitro de parte está num meio-termo entre o presidente e a dependência, pois na prática terá,
no fundo, a incumbência de fazer com que a posição da parte que o escolheu seja vista pelo tribunal.
Há, também, quem defenda a total independência e imparcialidade dos mesmos, tal como é requerido
ao árbitro presidente.
O professor defende a segunda versão, na medida em que o facto de os árbitros serem imparciais
justifica e dá credibilidade, aos olhos do Estado, à sentença arbitral, que é privada na sua natureza.
Além disso, a primeira versão acabaria por não fazer muito sentido na medida em que, caso contrário,
o árbitro parte iria “resvalar” para a posição de advogado da parte perante um único árbitro presidente,
não sendo esse o objetivo da arbitragem.
NOTA: As partes acordam os termos e modos da remuneração dos árbitros (artigo 17º LAV).

Quanto à nomeação dos árbitros, existem dois momentos importantes.


Em primeiro lugar, o árbitro tem o dever de revelação, ou seja, o dever de revelar todas as
situações que possam ser passíveis de gerar dúvida sobre a sua imparcialidade – artigo 13º LAV e
artigo 7º, nº5 do Código Deontológico. Este dever de revelação permanece durante todo o processo
arbitral; ou seja, existe no momento de aceitação, mas não desaparece com a mesma.
Segundo o Código Deontológico, antes de aceitar o encargo, o árbitro deve prestar informação sobre:
a) qualquer relação profissional ou pessoal que considere relevante que este mantenha ou tenha
mantido com as partes, com os seus representantes legais, com terceiros financiadores, se os houver,
ou com outros intervenientes na arbitragem; b) qualquer interesse económico ou financeiro, direto ou
indireto, no desfecho do litígio; ou c) qualquer conhecimento que tenha do objeto da disputa.
Além disso, as IBA Guidelines on Conflict of Interests in International Commercial Arbitration, que
apresenta três listas que elencam factos que podem ou não pôr em causa a independência do árbitro:
➔ A lista vermelha compreendo os factos que mais claramente trazem dúvidas sobre a posição
independente do árbitro, estando dividida numa lista de fundamentos que não podem ser afastados
nem por acordo das partes (non-waivable red list) e noutra que podem levar à nomeação do
árbitro, mas apenas se ambas as partes nisso concordarem (waivable red list).
o Encontram-se aqui factos como o árbitro ser representante da parte ou ter um interesse
financeiro direto no resultado da ação.

➔ Já a lista verde é comporta por situações que não põem em causa a isenção dos árbitros.
o Dela constam factos como o árbitro ter publicado um artigo académico relativo a uma matéria
que é objeto da arbitragem ou ter sido membro de um tribunal arbitral anterior em conjunto
com o advogado de uma das partes.

➔ Por fim, a lista laranja contém situações que podem levantar dúvidas e, portanto, exigem uma
análise concreta do caso.
o Por exemplo, o árbitro foi consultor de uma das partes nos últimos três anos ou o árbitro foi
nomeado pela mesma parte duas ou mais vezes.
No entanto, no caso concreto, estas Guidelines utilizadas não dispensam a análise do caso concreto –
por exemplo, se uma destas coisas já tiver acontecido há 10 anos atrás, se calhar já não existe a
possibilidade de o dever de imparcialidade estar em causa. Ou seja, é necessário que esta dúvida seja
fundada com base nos factos do caso.
Em segundo lugar, as partes poderem recusar o árbitro escolhido. Se nada for previsto na
convenção de arbitragem sobre isso, aplica-se o artigo 14º, nº2 LAV: caso o árbitro não se escuse
voluntariamente, é o tribunal arbitral que terá competência para averiguar disso – podendo a decisão
ser recorrida para tribunal estadual. Este tribunal arbitral é o mesmo nomeado, o que significa que o
arbítrio posto em causa (que pode, igualmente, ser o árbitro presidente) irá integrar no tribunal que
decide – e não apenas em sede de “audiência de interessados” –, participando na decisão. Esta escolha
acaba por não fazer muito sentido, sendo recusada por vários centros de arbitragem.

ICSID Case No. ARB/10/9:


Neste caso, está-se perante uma arbitragem de investimento entre a Venezuela e uma empresa
de construção, em que ambos recusaram os árbitros da outra parte. No entanto, e independentemente
da decisão, o professor acha que, no caso da árbitra da Venezuela, os impedimentos existentes seriam
considerados justificados em Portugal. Nomeadamente, esta era uma pessoa nomeada pela Venezuela
para casos de investimento, sendo que já tinha sido nomeada pelo escritório de advogados que
atualmente representa a Venezuela. Além disso, as questões eram pelo menos semelhantes àquelas
que ela já tinha trabalhado, também nomeada pela Venezuela; e, sobretudo, no exercício da sua
discricionariedade, a árbitra não revelou essas nomeações anteriores. Ora, aqui, poderia então haver
as “fundadas dúvidas”, ao abrigo do ordenamento português, para afastar esta árbitra.

Mediador – Mediação
Para o mediador, estão previstos os princípios da independência e da imparcialidade nos
artigos 6º, nº2 e 7º da LM. Também existe o dever de revelação, sendo que, no caso do mediador, a
lei é mais concreta, prevendo um conjunto de circunstâncias que devem sempre ser reveladas às partes
(artigo 27º, nº4 LM) – nomeadamente: a existência de relações prévias profissionais, pessoais ou
familiares; bem como a existência de um interesse económico direto ou indireto no objeto do litígio.
➔ Haverá outros casos (não previstos na lei) em que o dever de revelação também se justifica? Sim,
“pelo menos” e “designadamente” – o elenco é exemplificativo.
Será que o mediador deve recusar a nomeação ou escusar-se sempre que se verifique uma
destas circunstâncias? Por um lado, a professora Mariana França Gouveia entende que, por regra,
sim, independentemente das circunstâncias do caso em questão. Outra parte da doutrina defende que
não, na medida em que o mediador revela este possível impedimento e, depois, devolve a palavra às
partes – se estas concordarem, deve o mediador, depois, fazer uma introspeção sobre se esse
impedimento irá interferir com o seu dever de imparcialidade e independência. Isto, porque o
princípio fundamental da mediação é a voluntariedade e participação das partes.

Igualdade processual e contraditório


Princípio do contraditório
O princípio do contraditório é, também (tal como a imparcialidade e a igualdade), um
princípio comum aos meios jurisdicionais e não jurisdicionais de resolução de litígios – artigo 3º
CPC; artigo 6º, nº1 LM; e artigo 30º, nº1 alínea c) LAV. Este deve ser exercido antes da tomada da
decisão, nomeadamente:
➔ Na fase dos articulados, por escrito, na petição inicial e na contestação – artigos 552º e 572º;
➔ Na fase da audiência prévia, onde se faz a resposta às exceções (ex: as exceções perentórias, que
correspondem à invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos
factos articulados pelo autor e cuja verificação determina a absolvição total ou parcial do pedido
– artigo 576º CPC). É, por regra, oral e tem lugar em audiência;
➔ Oralmente, na audiência final (artigo 604º, nº3, alínea e) CPC).
O juiz não está limitado pela qualificação jurídica dos factos feita pelas partes – artigo 5º, nº3
do CPC – regra iura novit curia: cabe ao tribunal conhecer do direito, pelo que este pode “corrigir”
as alegações das partes no que toca à matéria de direito. Por exemplo, se as partes acharem que está
em causa um contrato de comodato (estando em acordo sobre isso); mas o juiz achar que está em
causa um contrato de depósito – baseando-se nos mesmos factos –, este poderá qualificar o mesmo
como um contrato de depósito.
Denota-se, no entanto, que existem situações em que tal correção oficiosa não poderá ser feita:
nomeadamente, em situações de anulabilidade e prescrição, dado que carecem de invocação pelas
partes. Assim, se as partes não invocarem estes, o tribunal não pode conhecer a título oficioso, ainda
que todos os factos apontem para isso.
Caso o juiz pretenda alterar essa qualificação, o que deverá fazer? Existem duas conceções sobre
como deve proceder:
➔ Conceção restrita, segundo a qual só se deve ouvir as partes antes de fazer a alteração quando tal
alteração não fosse previsível para as mesmas, de acordo com critérios de normalidade (ex:
jurisprudência);

➔ Conceção ampla (doutrina maioritária), segundo a qual, por regra, sempre que altere, o juiz deve
ouvir as partes, para que estas se possam defender desse novo facto. No fundo, isto é para
assegurar que as partes não são surpreendidas na decisão com um enquadramento que não tiveram
em conta, e com o qual não puderam exercer o seu contraditório – ou seja, o tribunal está proibido
de proferir “decisões surpresa”. Alguns argumentos a fazer desta tese são:
o No entanto, o artigo 3º, nº3 fala-nos precisamente do critério da manifesta desnecessidade e
também o facto de “por regra” dever recorrer à audiência das partes.

O princípio do contraditório comporta, ainda, o direito de a parte produzir quaisquer meios de


prova legalmente admissíveis – a prova é lícita, pelo que as partes a podem apresentar.
No entanto, este direito à prova não é ilimitado:
➔ Quando a lei ou as partes exigem a forma específica para negócio, ou quando a lei atribua força
probatória plena a algum documento, o facto não poderá ter prova de testemunha – no primeiro
caso, não existindo documento, o facto simplesmente não existe; no segundo caso, está-se perante
um meio de prova com eficácia reforçada.
➔ A apresentação de prova testemunhal tem limites quantitativos, por razões de economia
processual – tanto o réu como o autor têm limites no nº de testemunhas que podem ter.
➔ As provas só podem ser apresentadas até ao encerramento da discussão da matéria de facto em
primeira instância – limite temporal. Isto é muito importante, na medida em que os documentos
(existentes) devem ser apresentados com a peça que alegam os factos (ex: cópia do contrato), de
forma a evitar que a parte guarde o documento para aquele momento decisivo, atuando com má-
fé processual.

Relativamente ao arresto, está-se perante alguém que vem invocar que é titular de um direito
de crédito sobre outra, e que pretende que esse seja apreciado no tribunal – e, além disso, que acredita
existir um receio fundado de que a garantia para esse direito de crédito poderá desaparecer antes da
decisão (ex: antes da decisão, o devedor doa os bens). Assim, a providência cautelar pretende
remediar isto, permitindo a apreensão judicial dos bens e evitar a sua oneração, alienação ou licitação.
Por isto, o arresto tem lugar sem contraditório: precisamente para evitar que, com a notificação, o
devedor aliene os bens. No entanto, não existe uma “dispensa”, mas sim um deferimento do mesmo,
dado que não tem lugar antes da decisão, mas sim depois desta, podendo o mesmo tribunal reapreciá-
la perante a defesa do réu demonstrada (provando que não existe um receio justificado, perante novos
argumentos). Este também se poderá defender através do recurso quando, perante os mesmos
argumentos, não concorda com a decisão tomada – sendo outro tribunal que irá ver do recurso.

Princípio da igualdade processual


O princípio da igualdade processual é comum aos meios jurisdicionais e não jurisdicionais de
resolução de meios de litígios, assim como o princípio do contraditório. Encontra-se previsto no artigo
4º CPC, mas também no artigo 6º, nº1 LM; e artigo 30º, nº1, alínea b) da LAV.
Existem duas conceções de igualdade processual:
➔ Igualdade intraprocessual ou igualdade formal, onde se assegura, no âmbito do processo, que
as partes, se estiverem numa posição equiparável, tenham os mesmos meios e as mesmas
consequências/sanções – ou seja, que tenham o mesmo estatuto perante o juiz;
➔ Igualdade extraprocessual ou igualdade substancial, onde se defende que, além de se garantir
o mesmo estatuto, há também a necessidade de correção de assimetrias que resultem de fatores
exteriores ao processo (ex: relações assimétricas, estruturalmente desequilibradas, entre
empregador e empregado ou entre consumidor e vendedor; assim como quaisquer diferenças entre
as condições económicas das partes).
No fundo, a discussão entre qual a conceção a adotar vem da utilização da expressão “estatuto de
igualdade substancial das partes” no artigo 4º CPC. O professor tende a defender que tal expressão
remete para o facto de se exigir ao juiz um tratamento idêntico sempre que as partes estejam em
situação equiparável no processo (ex: em matéria de prazos para a prática dos atos); e um tratamento
distinto sempre que estas estejam em posições distintas (ex: no que respeita à delimitação do pedido
a apreciar pelo tribunal; ou no que respeita às sanções dadas, na medida do que foi pedido).
Assim, tal tratamento apenas abrange os processos: ou seja, o juiz não deve ter em conta condições
extraprocessuais – a não ser que a lei o diga para fazer, como no caso do artigo 590º, nº4 CPC.
Consequentemente, as restantes assimetrias extraprocessuais serão respondidas através da figura do
sistema de apoio judiciário, de forma que o juiz não tenha de atuar e, consequentemente, pôr em causa
a sua imparcialidade e independência.

Exercícios:
18. Recorda-se do caso que opõe António a Wirken relativo a um telemóvel com ecrã partido (caso
b.)? Imagine que esse caso dá entrada e o juíz percebe-se da enorme diferença de qualidade entre
o advogado de António e a equipa de advogados (de um grande escritório nacional) da Wirken.
No seu entender, o juiz deve intervir para equilibrar a posição de António?
Aqui, existe uma relação assimétrica desequilibrada, sendo uma relação entre consumidor e
vendedor. Não estando assegurado o princípio da igualdade, será que o juiz deveria intervir? A
resposta dependerá da conceção que se defende; denota-se, no entanto, que a segunda poderá infringir
a imparcialidade do juiz, nomeadamente a favor de A (ex: se este interviesse a fazer com que A
mudasse de advogado – sendo diferente se este meramente o avisasse de que a outra equipa é muito
boa).
➔ De notar que, nesta situação, existe, ainda, o artigo 139º, nº8 CPC: determinação da redução ou
dispensa da multa em caso de assimetrias económicas.

Decisão em prazo razoável


Este princípio (artigo 20º, nº3 CRP; artigo 6º, nº1 CEDH; e artigo 2º, nº2 CPC) visa
salvaguardar não só os interesses das partes, mas também interesses relativamente à boa
administração da justiça.
Por um lado, apesar de a fundamentação ser um direito essencial das partes, esse direito esgota-se
naquilo que seja necessário para que as partes percebam a decisão – o juiz deve limitar-se, então, a
esse necessário, dado que, além de prolongar o processo, acaba por fazer a decisão incompreensível.
Por outro lado, tal limitação temporal é particularmente relevante no âmbito dos tribunais estaduais,
porque é um sistema público: assim, a boa administração da justiça implica que a decisão seja
proferida num prazo adequado para tomar essa decisão, mas não se arrastar mais do que isso. Já nos
tribunais arbitrais, se este prazo se expirar, o tribunal em questão deixa de ter competência para
decidir.
➔ Denota-se que o processo de ação executiva demora mais tempo porque implica, não a apreensão
dos bens, como a sua venda – assim, sempre que há necessidade de vender, as coisas normalmente
demoram mais tempo.
Este direito existe, por um lado, porque o autor precisa do seu direito satisfeito ou assegurado
num tempo definido – se tal não acontecer, as consequências podem tornar-se de tal maneira
irreversíveis que a decisão, quando vier, simplesmente deixará de ter efeito (“justiça atrasada é
justiça negada”). Por outro lado, existe porque o réu acaba por estar sempre neste “limbo” da posição
de não ser culpado, mas também não ser inocente, pelo que terá muito interesse em que essa situação
de incerteza acabe rapidamente. Por fim, visará, ainda, o interesse público: a justiça é um bem escasso,
pelo que se a justiça demorar muito e ocupar os meios judiciais durante bastante tempo, outras pessoas
que queiram aceder não o vão poder fazer; ou irão fazê-lo também de forma muito atrasada.
No entanto, e apesar desta garantia, o TEDH já condenou Portugal 144 vezes pela
inobservância da mesma. Um caso-exemplo será o Caso Mateus Pereira da Silva c. Portugal,
acórdão de 25 de julho de 2017: aqui, estava-se perante uma ação de despejo, que durou 10 anos a
ter uma decisão final. Durante esse tempo, ambas as partes morreram, tendo sido necessário procurar
os herdeiros (tendo um deles até morrido, também), além de o processo ter ficado parado durante 2
anos. Além disso, estava também a decorrer um processo de execução da ação declarativa.
Baseando-se nesta decisão, os critérios a ser utilizados para densificar o conceito de “prazo razoável”
são:
➔ Complexidade: As causas podem ser complexas tendo em conta o número de factos, o número
de partes, o número de testemunhas, o número de norma a produzir, etc. Neste caso, a causa não
tinha nenhuma especial complexidade.

➔ Conduta do requerente junto das autoridades, nomeadamente se este contribuiu para agravar o
atraso. Neste caso, conclui-se que não.

➔ Conduta dos tribunais nacionais: Neste caso, houve períodos de dois anos em que o processo
não andou, e o tribunal português não conseguiu explicar o porquê dessa inatividade.

➔ Interesses em litígio: Neste caso, isto não foi analisado – mas os interesses justificam, de facto,
uma especial celeridade (não se tratando, por exemplo, um vulgar direito de crédito – sem ser,
por exemplo, o direito a alimentos).
Estando preenchidos os quatros critérios, o Estado português foi condenado ao pagamento de uma
indeminização por danos não patrimoniais, no valor de €6.400; e no pagamento, a título de custas e
despesas, no montante de €1.000, e demais encargos.
Realça-se, por fim, que a circunstância de a decisão atrasada dar razão à parte não é relevante
para aferir da observância (ou não) desta garantia: independentemente da decisão ser ou não
favorável, o estado de indecisão prolongou-se demasiado, com todos os problemas (ex: situação de
incerteza, os interesses não foram acautelados, os danos que esse arrasto fez) que isso trouxe.

Ilicitude da prova
A prova ilícita é aquela cuja obtenção ou produção consubstancie a prática de um ato ilícito
(ex: gravar uma comunicação telefónica sem o consentimento das partes). Enquadra-se tal matéria,
aqui, no artigo 32º, nº8 CRP (garantias do processo criminal), que deverá ser analogicamente aplicado
ao processo civil, de acordo com a posição da doutrina maioritária. Vários argumentos são usados
para tal aplicação:
➔ A regra do artigo 32º não é uma regra excecional, mas sim uma regra especial, pelo que não há
proibição de aplicação;
➔ Não há nenhuma razão para que uma intromissão abusiva não seja relevante nos processos civis;
➔ O artigo 417º, nº3, alínea b) CPC refere as situações em que as partes estão dispensadas do dever
de colaborar para a descoberta da verdade – ora, nestas situações, interpreta-se a recusa é legítima,
porque esta prova é ilícita.
Será que o conceito de “abusiva intromissão” na vida privada, no domicílio, na
correspondência ou nas telecomunicações deve ser preenchido tendo em conta a intromissão em
causa? Ou os interesses de quem realizou a intromissão?
A doutrina e a jurisprudência têm entendido que esta questão tem de ser tratada diferente no processo
civil e no processo penal. Por um lado, porque no processo penal, os interesses em questão conseguem
ser hierarquizados, enquanto no processo civil, o artigo 4º impõe a igualdade das partes: ambas as
partes têm de ter igualdade a nível dos seus interesses, não podendo ser sacrificados os interesses de
uma perante os interesses de outra. Por outro lado, se se admitisse que, como regra geral, tal prova
era uma prova lícita, ir-se-ia estar a permitir que algo ilícito no direito material, fosse lícito no
processo. Assim, dever-se-á ter em conta a intromissão em causa, e nada mais.
Significa isto que toda a prova deste âmbito será ilícita a não ser que exista uma causa de exclusão
da ilicitude: nomeadamente, 1) se o ofendido em questão tivesse dado o seu consentimento; OU 2)
se o facto só possa ser provado através deste meio de prova, sendo difícil de prová-lo de outra forma
(ex: teste de ADN para paternidade – superiores interesses das crianças) – isto, se tal meio de prova
passar um juízo de proporcionalidade, tendo de ser adequado ao fim (ex: o fim “proteção do bom
nome” tem de ser adequado ao meio “utilização de gravação não consentida”).
Concluindo, a regra em processo civil será a da impossibilidade de utilização da prova ilícita
– nomeadamente, se esta for por intromissão abusiva. As exceções a tal regra prendem-se com o facto
de a parte que pretenda apresentar a prova ilícita conseguir demonstrar que há uma causa de exclusão
da ilicitude – sendo que o juízo de proporcionalidade, por sua vez, intervém apenas no momento de
aferir a existência de tal causa de exclusão.

Acórdão nº 263/97 do Tribunal Constitucional, processo nº179/95


Neste acórdão, estava em questão a situação de existir uma máquina fotográfica
(assumidamente de ambos os cônjuges, mas mais utilizada pelo réu), onde a autora descobriu
determinadas fotografias que demonstravam o marido em cenas íntimas com a amante. Coloca-se,
então, a questão de que se estas fotografias seriam provas lícitas de se utilizarem no processo de
divórcio culposo – nomeadamente, por parte da autora, para provar que o divórcio foi culpa do réu e,
consequentemente, conseguir dissolver o casamento (caso antes de existir divórcio sem mútuo
consentimento).
Um dos argumentos que foi considerado neste acórdão para a prova ser lícita foi que o
processo, sendo um processo de divórcio, não é totalmente público, pelo que não estava aqui em causa
a intimidade da vida privada e familiar: “A proteção desses direitos – defende-se na argumentação
desenvolvida – é eficazmente assegurada pelo Código de Processo Civil que, no seu artigo 168º,
restringe drasticamente a possibilidade de consulta de um qualquer processo de divórcio pendente
ou arquivado – o processo só pode ser mostrado, na secretaria, às partes e seus mandatários – e que,
no artigo 174º, apenas tolera a emissão de certidão de qualquer ato ou termo judicial do mesmo
processo desde que o admita despacho do juiz, após justificação, em requerimento escrito, da sua
necessidade”.
No entanto, atualmente, a jurisprudência mais recente tem considerado que o que é relevante para
saber se uma prova é ilícita é saber se existe uma intromissão abusiva. Ora, neste caso, por um lado,
poderá ter havido uma intromissão abusiva, dado o réu não ter dado autorização à autora para que
esta revelasse as fotos – tendo até tentado reaver a mesma. Por outro lado, a circunstância de o réu e
o autor serem casados atenua a privacidade de cada um, algo que poderia ser considerado para a
licitude da prova.
Se se determinasse que a prova fosse lícita, ficar-se-ia por aqui. No entanto, se se determinasse que a
prova fosse ilícita, o passo seguinte será perceber se existe uma causa de exclusão de ilicitude,
nomeadamente: 1) se existe consentimento do lesado para utilizar tal prova ilícita no processo; ou 2)
se existe um estado de necessidade probatório, congruente com o critério da proporcionalidade.
Segundo o professor, não havia claramente consentimento do réu para usar este meio de prova,
tendo sido o processo recorrido precisamente devido ao uso da mesma. Assim, teria de existir um
estado de necessidade probatório – que se configura como existindo, dado que não era possível à
autora provar que o réu a traía sem essas fotos. Mas será que tal fim (provar a infidelidade) foi
adequado ao meio (utilização das fotografias)?
Por um lado, existe a ideia de que, se se adotar uma conceção estrita do critério de proporcionalidade
a aplicar neste âmbito, ir-se-ia chegar à conclusão que quase nada o passaria e, consequentemente,
nada chegaria a ser provado. Por outro lado, aqui o TC fixou-se apenas no direito à imagem e na
intromissão à vida privada do réu e não da amante –algo que também se deveria ter em conta, dado
que esta seria um terceiro ao processo, não estando inserida como parte no mesmo.

Exercícios:
27. No litígio entre Maria e António, aquela apresentou como prova (i) uma mensagem de voz que
António lhe deixou no seu telefone, onde a ameaçava de lhe fazer a vida negra para sempre; (ii)
uma gravação realizada por uma câmara escondida no carro de António por Maria, em que
António está acompanhado por Sara. António está incrédulo com estas atitudes de Maria. Pode
o juiz considerar estas provas?
Neste caso, a primeira prova de mensagem de voz seria, numa primeira análise, lícita: apesar
de ser uma mensagem direcionada apenas a Maria, o conteúdo da mesma envolve a prática de um
crime – crime de ameaça – pelo que, se se aplicasse logicamente o regime da carta missiva, a
confidencialidade da mensagem cede. Assim, não estaria em causa uma “intromissão abusiva”.
Já a segunda prova, relativa à gravação realizada por uma câmara escondida, será claramente
ilícita, dado António não ter dado consentimento para a gravação, assim como Sara. Ora, sendo ilícita,
ter-se-ia, então, de verificar se existe uma causa de exclusão de ilicitude: por um lado, António não
consentiu a que a gravação fosse utilizada como prova no processo; por outro, não existe um estado
de necessidade probatório, dado que a primeira prova da mensagem de voz é lícita – ou seja, há outro
meio de prova passível de ser utilizado. Assim, a segunda prova é ilícita, não podendo ser utilizada
no processo pela autora.
28. Na sua opinião, caso tivesse havido consentimento de António quanto à gravação no carro, o juiz
deveria decidir diferentemente? E se estes meios de prova fossem os únicos disponíveis para
prova dos factos? Fundamente a sua posição em decisões (as mais recentes possíveis) da
jurisprudência portuguesa.
Caso tivesse havido consentimento de António face à gravação, a prova seria lícita, dado não
existir uma intromissão abusiva. Caso tal gravação continuasse a ser ilícita, mas fosse o único meio
disponível para a prova dos factos, aqui já existiria o estado de necessidade probatório, pelo que a
ilicitude da mesma iria depender da aplicação do critério da proporcionalidade: o fim teria de ser
adequado ao meio. Neste sentido, o facto de Maria ter, ela mesmo, escondido a câmara com o intuito
de gravar já pesaria de forma diferente do que a situação em que ela encontrava, acidentalmente,
aquela gravação; no entanto, seria também necessário perceber se esta escondeu a câmara para usar
as imagens exclusivamente como prova – caso em que provavelmente existiria proporcionalidade –;
ou se a escondeu para usar as imagens para outro tipo de divulgação e, depois, é que se deu na intenção
de as usar como prova – caso em que provavelmente não existiria proporcionalidade.

Princípio do dispositivo
Sendo a função do processo civil a composição de litígios envolvendo interesses privados, o
princípio da autonomia privada justifica o papel de destaque das partes no âmbito do mesmo ainda
que com um crescente protagonismo do juiz. Tal protagonismo é passível de ser verificado quando
se compara o atual regime, com o do antigo Código Civil.
No modelo anterior – o modelo liberal –, o juiz era visto apenas como um árbitro, existindo muito
mais “competição” entre as partes para ganhar a ação. Isto baseava-se na lógica do processo servir
apenas para tutelar direitos privados, pelo que as partes, que melhor conhecem o litígio, devem
resolver o mesmo, estando o juiz apenas a verificar se as regras gerais estão a ser cumpridas.
Já no modelo autoritário, o juiz tem mais poderes, pois a tónica está na ideia de que o processo civil
é sobretudo uma coisa pública: o principal interesse a tutelar é a administração pública, deixando o
litígio de ser das partes. O juiz autoritário, típico de um estado autoritário, é altivo e distante.
O modelo atual cooperativo é uma “síntese” entre estas duas tendências. A finalidade do processo
volta a ser os interesses das partes; mas o juiz também terá importantes poderes de direção do
processo, que deverão ser exercidos numa lógica de cooperação entre as partes. e tendo em conta o
litígio apresentado ao tribunal. Este juiz cooperativo está mais perto das partes.

Dimensões do dispositivo
Em primeiro lugar, existe o impulso processual inicial (artigo 3º, nº1 do CPC). Isto significa
que ao autor cabe solicitar a tutela jurisdicional, não existindo processos oficiosos. Ou seja, o tribunal
só julga quando as partes assim o requererem – através da petição inicial – e no limite do que pediram
– também nessa petição inicial –, não podendo o mesmo se substituir neste impulso processual inicial.

Em segundo lugar, existe a delimitação das partes no processo (artigo 285º, nº2 CPC):
nomeadamente, a identificação do autor, na petição inicial, tanto da sua identidade como do a réu
(artigo 552, nº1, alínea a) CPC). Assim, o juiz não pode tomar a iniciativa de chamar o terceiro a
intervir – com a exceção do artigo 325º, nº1 CPC. Somente pode, e deve, convidar as partes à prática
dos atos necessários à modificação subjetiva da instância, quando sejam necessários à regularização
dela (artigo 6º, nº2 CPC).

Em terceiro lugar, existe a suspensão do processo: ou seja, as partes podem acordar na


suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam 3 meses (artigo 272º, nº4
CPC). Contudo, o tribunal também tem poder discricionário de ordenar a suspensão da instância
(artigo 272º, nº1 CPC), além de outros casos previstos na lei (artigo 269º, nº1 CPC).

Em quarto lugar, existe a desistência da instância, ou seja, a parte (nomeadamente, o autor)


pode declarar expressamente que quer renunciar à ação proposta, sem simultaneamente renunciar ao
direito que através dela pretendeu fazer valer (artigo 285º, nº2 CPC).

Em quinto lugar, existe a delimitação do pedido, na medida em que o pedido delimita o


objeto dentro do qual o litígio não pode sair (artigo 609º, nº1 CPC) – ou seja, o objeto fora do qual
este não pode julgar –, cabendo a determinação do pedido só às partes, e não ao tribunal.
Por exemplo, na ação proposta por Construções contra Congelados, aquela pediu que esta fosse
condenada a pagar o valor que entende estar em dívida (100.000€). O Tribunal decidiu, porém,
condenar a Congelados a fornecer aos funcionários da Construções produtos alimentícios durante
os próximos 3 anos até atingir esse valor. Que lhe parece esta decisão?
Neste caso, o juiz poderia ter decidido de três formas: ou 1) que a ação improcedia, e que a Congelados
nada teria de pagar; ou 2) que a ação procederia totalmente, tendo a congelados que pagar os
100.000€; ou ainda 3) que a ação procedia em parte, tendo a Congelados de pagar um valor entre 0 e
o teto máximo de 100.000€. No entanto, o tribunal não poderia condenar a pagar em produtos
alimentícios, como fez, dado que o que o autor quereria era o pagamento da dívida – ou seja, a
satisfação do seu direito de crédito – em dinheiro. Este também não poderia, por exemplo, condenar
a Congelados a pagar uma quantia superior àquela requerida pela Construções, nomeadamente
qualquer valor acima dos 100.000€.
➔ NOTA: Os pedidos genéricos (artigo 556º CP) são uma exceção à regra de que os pedidos
indemnizatórios têm sempre de ser líquidos (ou seja, em dinheiro).

Em sexto lugar, existe a alegação dos factos (artigo 5º CPC), na medida em que os factos
principais apenas podem ser alegados pelas partes, não podendo ser conhecidos pelo juiz se não o
forem. Já os factos instrumentais e os factos notórios podem ser alegados tanto pelas partes como
pelo juiz, se resultarem da produção de prova (artigo 5, nº2, alíneas a) e c) CPC).
Importa perceber a distinção entre factos principais, factos instrumentais e factos notórios. Os factos
principais são os que constituem a causa de pedir, alegada pelo autor – ou seja, são os factos
constitutivos da situação que se está a invocar – e as exceções, alegadas pelo réu – ou seja, tudo aquilo
com que o réu se defende dessa invocação de situação. Já os factos instrumentais são os factos
probatórios, com o objetivo de permitir, por dedução, chegar aos factos principais. Por fim, os factos
notários são os factos que não precisam de alegação das partes ou prova para existirem, dado serem
factos de conhecimento geral – mas dependentes das circunstâncias –, não podendo existir razões
para duvidar da sua veracidade.
Por exemplo, imagine-se a situação em que A pretende anular um contrato de compra e venda com
B, de um quadro que pensava ser da Paula Rego, mas que não o é – pretendendo, portanto, anular
com base no vício de erro sobre o objeto.
➔ Aqui, os factos principais são os requisitos (factos constitutivos) para haver esse erro (situação
invocada por A), descritos na lei; assim como, do lado de B, os requisitos para a sanação da
anulabilidade, nomeadamente o prazo descrito na lei.
➔ Um facto instrumental será, por exemplo, a circunstância de o quadro não está assinado, sendo
que Paula Rego assina todos os seus quadros – algo que provará a causa do pedido –; ou ainda a
circunstância de o comprador ter ido a um avaliador de arte e descoberto do erro muito tempo
depois de ter invocado a anulabilidade – algo que provará a exceção.
➔ Um facto notário seria o facto de Paula Rego ser uma pintora conceituada.
o Outros exemplos são: em casos de acidente de aviação, a circunstância de a velocidade
máxima ser 120 km/h; num caso contra o Cristiano Ronaldo, a circunstância de este ser
jogador de futebol; em casos em Portugal, a circunstância de Marcelo Rebelo de Sousa ser o
Presidente da República.
Já os factos complementares e concretizadores são factos principais, de acordo pela doutrina
maioritária, dado servirem para esclarecer ou aditar os factos principais inicialmente alegados. Assim,
são um complemento ou concretização da causa de pedir. Quanto a quem os pode alegar, segundo
uma interpretação do artigo 5º, nº2, alínea b) CPC, estes podem ser alegados tanto pelas partes como
podem ser adquiridos pelo juiz, tendo este apenas que facultar às partes a possibilidade de estas se
pronunciarem sobre os mesmos – isto, porque a norma do código anterior expressamente fazia
depender estes factos da sua manifestação das partes; mas tal consideração foi apagada. Por outro
lado, há quem interprete que, quando a lei estabelece que o juiz deve ouvir as partes antes de
considerar estes factos, que isso significa que tais factos apenas podem ser alegados pelas partes –
isto, porque sendo factos principais, as partes têm um monopólio de alegação das mesmas,
determinado pela lei.

Princípio do Inquisitório
O princípio do inquisitório é um princípio estruturante que determina que o juiz tem
amplíssimos poderes em matéria de prova – tendo, ao lado das partes, iniciativa no âmbito da prova
(artigo 411º CPC). Significa isto que, ainda que as partes não tenham apresentado um determinado
meio de prova, o juiz pode determinar a produção dessa prova (ex: pode chamar uma testemunha não
chamada pelas partes, que considere ser importante na descoberta da verdade).
Esta atribuição de importantes poderes de iniciativa probatória ao juiz justifica-se pela justa
composição do litígio, promovendo uma aproximação entre a realidade intraprocessual e a
extraprocessual. Ou seja, o juiz tem estes poderes para assegurar a melhor correspondência, dentro
do que é possível, entre o que está no processo e o que aconteceu fora deste, garantindo que a decisão
seja o mais adequada possível tendo em conta o que se passou (a “verdade”).
Os poderes de iniciativa probatória oficiosa são, depois, reiterados quanto à generalidade dos
meios de prova, nomeadamente à prova documental (artigo 436º, nº1 CPC), à prova pericial (artigo
447º CPC), e à prova testemunhal (Artigo 526º CPC) – em todas estas, o juiz pode determiná-la, ainda
que nenhuma das partes a tenha admitido, tendo poderes oficiosos.
A única situação em que estes poderes oficiosos não existem será relativamente às declarações de
parte – situações em que a parte vai expor a sua versão dos factos, com força probatória reduzida –,
dado que estas dependem apenas da vontade da parte que as irá fazer. Não pode, assim, o juiz
determinar que a parte seja ouvida dessa forma – apesar de poder determinar o depoimento de parte,
porque esta determina a confissão dos factos alegados.

Exercícios:
31. Ainda no âmbito desta ação, o juiz ordena (i) a realização de uma perícia às obras realizadas
para determinar os danos provocados pelo seu atraso; (ii) a obtenção de um parecer de um
professor de direito sobre o regime da alteração das circunstâncias e a situação pandémica
vivida. Que lhe parecem estas iniciativas?
Relativamente à primeira prova, de realização de uma perícia às obras realizadas, em geral,
de acordo com a cláusula do artigo 411º CPC – princípio do inquisitório – seria sempre admissível
ao juiz determinar a perícia. Existe, ainda, o artigo 477º CPC, que determina a mesma coisa, se bem
que aplicável a casos específicos, dado ser uma regra especial.
No entanto, além disso, será necessário olhar para o facto sobre o qual vai recair tal prova, e saber se
o juiz pode conhecer do mesmo. Estando perante uma ação com o objeto de satisfação do direito à
indemnização, este implicará a satisfação de alguns requisitos – dentro deles, a existência de danos.
Significa, isto, que tais requisitos, incluindo a existência de danos, serão os factos principais, factos
esses que só podem ser alegados pelas partes. Assim, o juiz poderá ordenar tal perícia às obras SE os
danos tiverem sido alegados pelas partes como existentes, pois seria apenas nesse caso que o juiz
poderia licitamente conhecer de tal prova – não o podendo fazer se forma oficiosa se, por exemplo,
as parte apenas tivessem alegado uma dívida, e não danos.
Relativamente à segunda prova, de obtenção de um parecer sobre o regime da alteração das
circunstâncias, existe uma discussão doutrinária sobre se tal prova é um documento ou um parecer.
Se se considerar que é um parecer, o juiz tem poderes oficiosos para conhecer da prova, pelos termos
do artigo 411º CPC, cláusula geral do princípio do inquisitório. Se se considerar que é um documento,
o juiz também terá esses poderes, não só no âmbito do artigo 411º CPC, como também no âmbito do
artigo 426º CPC – que se refere expressamente sobre pareceres de documentos, mas que está pensado
para ser junto ao processo pelas partes – do e 436º CPC – que se refere a pareceres técnicos, mas que
está pensado para ser junto ao processo pelo juiz.
Isto, mais uma vez, apenas se o facto “alteração das circunstâncias”, onde recai a prova, tiver sido
alegado pelas partes, dado ser um facto principal, enquanto elemento de exclusão de ilicitude – ou
seja, de exclusão do direito de indemnização (exceção do réu).

Princípio da Gestão Processual


A gestão processual concretiza-se na atribuição de poderes de direção ativa do processo ao
juiz. Os poderes de gestão formal do processo podem ser agrupados em quatro dimensões:
1. Poder de impulso processual subsequente (artigo 6º, nº1 CPC)
Enquanto o impulso processual inicial afirma que o tribunal só se pronuncia perante a
proposição da ação pelas partes, o impulso processual subsequente diz que, uma vez proposta a ação,
cabe ao juiz, em regra, dinamizar continuamente o processo, não precisando de andar constantemente
à procura do “feedback” das partes ou de esperar para estas darem corda ao processo. Por exemplo,
se o processo se suspendeu durante 3 meses para que as partes cheguem em acordo e, passado esse
prazo, as partes não disserem nada, o tribunal assume que não existiu acordo e o processo irá
continuar. Ou se o processo ficar parado, por exemplo, durante 1 ano, dado estar a decorrer outra
ação, o juiz terá de procurar saber pelas partes ou pelo tribunal qual o estado dessa ação.
No entanto, há situações em que tal impulso subsequente depende das partes: por exemplo,
no caso anterior do TEDH, o falecimento das partes determina a suspensão do processo, só se podendo
prosseguir com o processo quando haja habilitação dos herdeiros – que, por sua vez, só pode ser feita
pelas próprias partes sobreviventes ou pelos seus sucessores (artigo 351º, nº1 CPC).
NOTA: Se o processo estiver suspenso por mais de 6 meses, considera-se terminado (art. 281º, nº1).

2. Suprimento da falta de pressupostos processuais sanáveis (artigo 6º, nº2 CPC)


Os pressupostos processuais são os requisitos processuais que têm de estar preenchidos para
que o juiz aprecie o pedido e profira uma decisão (ex: constituição de advogado, quando obrigatório;
ou incompetência). Estes estão, em geral, previstos no artigo 577º CPC.
Alguns destes pressupostos são sanáveis, enquanto outros não. Dentro dos sanáveis, o juiz
providenciará oficiosamente pelo suprimento da falta do pressuposto em questão; ou, quando a
sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, irá convidar estas a praticá-lo. Por
exemplo, na falta de constituição do advogado, o juiz não pode nomear ele próprio o advogado para
a parte, dado que a relação entre advogado-cliente se baseia numa especial relação de confiança –
assim, o juiz deverá apenas convidar a parte a fazê-lo. Ou, em casos de incompetência, o tribunal
incompetente deve remeter o processo para o tribunal competente (artigo 105º, nº3 CPC).

3. Simplificação e agilização (artigo 6º, nº1 CPC)


O principal mecanismo de simplificar e agilizar é a adequação formal: adaptação da forma
legal, abstrata e geral (tramitação do processos, forma e conteúdo dos atos – artigos 552º a 612º CPC)
às especificidades da causa. Esta envolve uma abordagem crítica e casuística das regras processuais
por parte do juiz, no sentido de determinar a forma mais adequada e eficiente ao caso concreto. Por
outras palavras, a adequação formal implica a aplicação das regras adequadas àquele caso e o
afastamento daquelas que não sejam adequadas ao caso – a adequação formal é, então, a adequação
daquilo que está previsto na lei, bastante detalhado, para cada caso em concreto.
No entanto, na prática, não é comum haver adequação formal, dado existir uma enorme
resistência a alterar um regime tão pormenorizado e utilizado. Além disso, os juízes acabam por ter
receio do que o recurso possa decidir, caso decidam em contrário deste regime – isto, porque a
abertura que é dada ao juiz poderá ser vista como excessiva, não existindo uma regra a dizer quais as
regras processuais imperativas que não podem ser afastadas.

4. Recusa de atos e diligências impertinentes ou dilatórias (artigo 6º, nº1 CPC)

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