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É um conjunto de princípios estruturantes e das respetivas normas que os concretizam, que regulam a
organização, o funcionamento e os limites do poder público do Estado Social de Direito, ou seja, do
poder político, assim como estabelecem os direitos fundamentais – direitos consagrados na
Constituição e cuja esfera o Estado não pode quebrar, assegurando-a através do Direito – e o estatuto
jurídico dos indivíduos que pertencem à respetiva comunidade política.
É o contexto mais vasto e a base de todo o Direito, onde se integra e é fortemente influenciado pela
conjuntura política dominante de cada tempo. O conteúdo da Constituição tem de ser “flexível”, de
forma a se adaptar aos tempos, mas também tem de ser uma força constante para dar estabilidade ao
ordenamento jurídico.
Transversalidade:
O Direito Constitucional desenha as grandes opções da comunidade política, algo que faz com que
atravesse todos os temas da sociedade, ou seja, todo o ordenamento jurídico, de um modo geral. Isto
dificulta a harmonização com as zonas fronteiriças de outros ramos de Direito, sobretudo no que
concerne à interpretação de conceitos.
Ex: Todo o processo penal é direito constitucional (DC) aplicado, na medida em que existe um
conceito de DC – direito à integridade física, artigo 25º –, que é traduzido no processo penal, com a
proibição de tortura e maus tratos para obtenção de provas (artigo 32º).
Carácter político / politicidade:
O objeto do Direito Constitucional é o estatuto do poder político, ou seja, define a forma de governo e
a sua forma de organização em linhas gerais, nomeadamente como é que os diferentes órgãos se
organizam de forma autónoma e como se relacionam entre si. Existe, neste âmbito, uma dificuldade
em distinguir o que deve ser deixado ao livre jogo da atividade política e o que necessita da intervenção
do DC.
Ex: O DC limita o poder político, por exemplo, através da limitação da liberdade de associação –
artigo 46º/4.
Carácter estadual:
O Direito Constitucional é organizado dentro do próprio Estado, e não por privados. Além disso, é o
mais estadual dos ramos jurídicos porque é a expressão máxima e a representação da soberania
estadual, na medida em que modela os outros ordenamentos jurídicos que não têm origem estadual. O
DC limita ainda, nos casos de Estados que têm vários ordenamentos jurídicos (pluralismo jurídico),
nomeadamente de acordo com os costumes que são aplicados paralelamente, a organização das fontes
de direito existentes.
Ex: Artigo 2º - Função de organização da comunidade de um ponto de vista político.
Legalidade:
O Direito Constitucional é influenciado por uma conceção legalista, na medida em que a lei tem uma
maior importância como fonte de direito positivo do que outras fontes como o costume ou a
jurisprudência.
É o resultado de uma intenção particular de disciplinar e limitar o direito público, associado a uma ideia
de contratualismo (John Locke).
Carácter fragmentário:
O Direito Constitucional regula de forma geral e mínima, concretizando apenas ideias e os
fundamentos essenciais da comunidade e deixando ao legislador ordinário a função de regular de
forma específica cada ramo do direito através de legislação complementar. Isto deve-se ao facto de,
quanto mais geral e menos pormenorizada (a nível processual) a Constituição for, mais tempo irá
durar, pois é compatível com vários princípios de justiça/ direito que, ao longo do tempo, podem vir a
surgir na comunidade, algo que lhe confere uma estabilidade importantíssima enquanto lei
estruturante.
Ex: Artigo 26º/3, onde se garante um princípio fundamental geral (dignidade pessoal e a
identidade genética do ser humano), que depois será aplicado e desenvolvido pelo legislador (“a
lei”) nos outros ramos de direito – proibição de toda a clonagem a não ser a não reprodutiva,
ligada a doenças.
Juventude:
O Direito Constitucional é um ramo de Direito recente quando comparados com outros ramos,
envolvendo conceitos que provêm das Revoluções Liberais. Isto implica que exista um risco de
debilidade dogmática, na medida em que, visto que os conceitos são recentes, não foram tão bem
testados como outros.
Ex: Artigo 72º, que protege as pessoas de terceira e quarta idade, que consagra, no fundo, um
conceito relativamente novo – a proteção contra a discriminação em razão da idade (“ageismo”).
Abertura:
O Direito Constitucional não é um sistema normativo fechado, é permeável aos influxos de outros
ramos normativos internacionais e internos – os direitos da constituição não excluem as normas de,
por exemplo, a União Europeia. Tem um carácter fragmentado, transversal e plurimaterial, na medida
em que define as bases de cada ramo do direito que depois vão ser desenvolvidos em diplomas
normativos (leis, decretos de lei, códigos, etc.).
EX: Artigo 16º, que consagra não só os direitos fundamentais constitucionais como atribuí um valor
constitucional aos Direitos Humanos aplicáveis de Direito Internacional – cláusula de abertura do
DC no sentido da proteção máxima e respeito da dignidade e da personalidade.
DC Económico:
Normas constitucionais que versam sobre a organização económica da sociedade, determinando e
regulando a intervenção do poder público (Estado) nos regimes económico, financeiro e fiscal,
nomeadamente as normas descritas nos artigos da parte II: “Organização económica” da CRP.
DC Organizatório:
Princípios e normas constitucionais que fixam a disciplina do poder público, nomeadamente a sua
constituição, organização, funcionamento, separação e interdependência dos poderes entre os órgãos
de soberania, atribuição de poder aos governos locais e dos arquipélagos, etc.
Ex: Artigo 235º, que expressa o poder local e a sua constituição enquanto forma de poder público
próxima da população.
DC Garantístico:
Conjunto de normas que estabelecem os mecanismos destinados à garantia do respeito da
Constituição e à defesa da sua prevalência sobre os atos jurídico-públicos que lhe sejam contrários,
concretizando o princípio da conformidade constitucional.
Ex: Artigo 280º, que expressa o controlo difuso da constitucionalidade, ou seja, que qualquer
tribunal pode controlar a constitucionalidade.
Disciplinas constitucionais autónomas – ramos do Direito Constitucional
DC internacional:
Regula as questões do relacionamento entre o ordenamento jurídico constitucional e o ordenamento
jurídico supranacional (organizações como a ONU, EU, NATO, CPLP, Conselho da Europa, etc.), na
perspetiva de participação na formação e incorporação do DIP no Direito Interno – ou seja, diz que os
diplomas internacionais só vigoram em Portugal depois de um conjunto de procedimentos,
dependentemente da fonte de Direito, existindo regras diferentes para organizações diferentes – e de
critérios orientadores da ação do Estado nas grandes questões que se colocam à sociedade
internacional (v.g., nas relações entre Estados e organizações internacionais).
Ex: Artigo 8º, onde o Direito Português “acolhe”, mediante determinados passos e procedimentos,
as normas internacionais do DIP, passando estes a ser integrados no nosso ordenamento jurídico.
DC económico:
Regula e orienta a organização da economia, tanto no âmbito privado como nos instrumentos através
dos quais o poder público nela intervém – explicita como se estrutura a economia, qual o papel do
Estado na mesma, como se processa a circulação de capitais e a distribuição de rendimentos, etc.
Ex: Artigo 87º, que estipula que o investimento estrangeiro deve ser feito de acordo com o
respeito dos direitos dos portugueses.
DC ambiental:
Regula questões que visam a proteção de ambiente, inicialmente ligado ao controlo à poluição e, mais
atualmente, à paragem de destruição sistemática de espécies e habitats. Confere novos direitos aos
cidadãos, nomeadamente às gerações futuras, de disporem de recursos necessários para a sua
sobrevivência. Para isto, impõe deveres e esquemas de atuação ao poder público, de forma a que o
Estado intervenha e assegure estes direitos.
Ex: Artigo 68º, que estipula a titularidade coletiva do direito a um ambiente de vida
“ecologicamente equilibrado”, tendo todos por isso o dever de preservar o património e, em
última análise, de proteger a pátria.
DC eleitoral:
Organiza-se em torno do ato eleitoral, na medida em que descreve o modo fulcral de designação dos
governantes – por exemplo, descreve quem pode votar (círculo eleitoral), descreve as pessoas que se
podem candidatar (incompatibilidades), etc. Atende também à dinâmica do procedimento eleitoral e
dos momentos deste, de forma a assegurar que os resultados são transparentes e justos. Estuda ainda
o direito de voto.
Ex: Artigo 49º, que estipula quais os cidadãos dotados de direito de sufrágio enquanto direito
pessoal (ninguém pode votar por ninguém, e vota-se em quem quer), constituindo um dever cívico
mas não obrigatório.
DC dos partidos políticos:
Regula questões não só sobre a origem, organização e financiamento dos partidos políticos – tendo de
obedecer, na sua conceção de justiça, à Constituição e aos seus direitos fundamentais consagrados –
mas também sobre o seu estatuto jurídico na sua conexão com os órgãos do poder público (por
exemplo, a limitação na nomeação de cargos a pessoas especializadas) e enquanto expressão da
liberdade de pensamento político dos cidadãos, equilibrando a sua representação do pluralismo do
povo com as limitações a que estão sujeitos.
Ex: Artigo 51º, que estipula uma das limitações dos partidos políticos, nomeadamente o requisito
jurídico de laicidade.
DC parlamentar:
Determina o estatuto do Parlamento, nomeadamente a sua estrutura e modo de funcionamento, assim
como as relações que mantém com outros órgãos do poder público, por exemplo, com o Governo.
Regula ainda toda a atividade parlamentar, definindo quais as suas competências.
Ex: Artigo 147º, que determina a AR como órgão representativo dos cidadãos portugueses.
DC procedimental:
Regula o procedimento legislativo, ou seja, a produção dos atos jurídico-públicos de feição
procedimental, sobretudo os atos legislativos – determina as normas e regras que se aplicam ao
processo da criação das leis, nomeadamente para esta entrar em vigor legítimo.
Ex: Artigo 168º, que determina que o processo de discussão das leis envolve um “debate na
generalidade [por toda a AR] e outro na especialidade [pelas comissões]”.
DC processual:
Regula os mecanismos processuais de fiscalização da constitucionalidade das leis, associados à ideia de
justiça constitucional. Regula a forma como os tribunais se estruturam, como os processos se
organizam. Ajudam a cumprir as normas substantivas (direito do trabalho, direito penal, direito fiscal,
etc.).
EX: Artigo 277º.
DC de segurança:
Organiza a atividade das forças armadas e policiais, não só enquanto parte integrante das estruturas de
proteção do Estado, como na ótica de garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos,
nomeadamente do direito jurídico de segurança e, consequentemente, da liberdade para o exercício
de todos os outros.
Ex: Artigo 275º, que estipula a função das Forças Armadas enquanto defensoras da República.
DC de exceção:
Princípios e normas aplicáveis em situações excecionais que, por motivos vários, podem envolver uma
suspensão do exercício de direitos fundamentais (artigo 19º) em nome de interesses comuns, com
exceção de alguns direitos fundamentais expressos na Constituição. Reforçam, assim, o poder público
contra os direitos dos cidadãos.
As relações do Direito Constitucional com os ramos do Direito
Todos os ramos do Direito estão subordinados ao Direito Constitucional, pelo que todos têm de
cumprir as orientações que se encontram na Constituição, ou seja, têm de existir o princípio da
conformidade constitucional (supremacia hierárquico-formal). Devido a isto, pode-se dizer que o DC
está presente em todos os ramos de Direito da nossa ordem jurídica, visto que todos partem de um
“tronco comum” – cada ramo de Direito tem o seu fundamento nas normas, princípios e valores gerais
no Direito Constitucional, concretizando as mesmas no âmbito de cada matéria de forma específica e
não geral.
Partindo da ideia de que o ordenamento jurídico é dividido entre Direito Público – onde pode ser
encontrado a expressão de um império do Estado, relação vertical entre o Estado e o público, em que
este último se encontra numa posição de inferioridade perante a autoridade do Estado – e Direito
Privado – onde prevalecem relações horizontais, relações em que se estabelece a autonomia da
vontade das pessoas, tendencialmente igualitárias –, podemos concluir que o Direito Constitucional,
dado que regula o poder público e a sua relação com os cidadãos nos diferentes ramos de direito,
persegue os interesses públicos (embora não exista uma conceção transpersonalista do direito, ou seja,
o DC é centrado no cidadão concreto e não num “cidadão modelo”), limita a esfera de atuação poder
privado, tem relações mais intensas com o Direito Público. No entanto, este também se encontra
presente no Direito Privado, na medida em que assegura os fundamentos das relações de autonomia e
paridade que se estabelecem, no âmbito do exercício de uma liberdade e autodeterminação negocial.
Verifica-se, no entanto, que esta conceção de divisão entre Direito Público e Direito Privado está,
em certa medida, ultrapassada, na medida em que os ramos de direito que tradicionalmente eram
considerados ramos de direito público puro neste momento já não o são (ex: o Estado já faz muitos
contratos como se fosse um agente económico como qualquer outro, sem poder de império).
Direito Público:
Direito Administrativo
O DC vai fixar as grandes linhas orientadoras dos principais temas deste Direito, que regula a
organização e o funcionamento da administração público. Assim, este determina como é que o Direito
Administrativo se estrutura, quais os princípios fundamentais a que obedece essa estruturação e quais
são os principais capítulos do Direito Administrativo, assim como termos da intervenção jurisdicional na
averiguação da juridicidade administrativa.
Existe uma grande sobreposição entre os dois, na medida em que grande parte do Direito
Administrativo é DC aplicado, ou seja, concretiza o que se encontra na Constituição. Um exemplo disto
é a aplicação do princípio da igualdade e da transparência entre os cidadãos no acesso à função pública
através de concursos públicos, onde todos os cidadãos estão numa situação de igualdade para um
emprego. Isto implica ainda a aplicação de princípios como o princípio de mérito, assim como também
vai determinar a possibilidade de impugnação de muitos contratos de muitos concursos se estes
princípios não forem respeitados.
Direito Penal
Este tem uma forte influência do DC porque o DC vai definir na constituição quais são os bens jurídicos
fundamentais da comunidade que têm de ser protegidos – ou seja, aquilo que é essencial no nosso
ordenamento jurídico proteger relativamente a cada cidadão como, por exemplo, o direito à vida –,
bens jurídicos esses que vão ser assegurados pelo legislador ordinário, que os concretiza ao criar tipos
legais de crime que vão assegurar a sua proteção – por exemplo, criminalizando o homicídio.
A influência do DC também é verificada pelo facto de este ramo ser amplamente limitado pelos direitos
invioláveis que o DC reconhece aos cidadãos. Exemplos disso são:
O direito à integridade física e moral, concretizado pelo Direito Penal através da invalidação de
provas que foram obtidas através de tortura ou coação;
O direito à liberdade, o que faz com que o DP só possa intervir em último recurso – princípio de
subsidiariedade –, porque condiciona o exercício deste direito fundamental;
O direito de podermos contradizer as acusações que nos fazem com provas reais.
Direito Contraordenacional
Este ramo tem fundamento constitucional na medida em que assegura a proteção de garantias
fundamentais do cidadão, embora relacionadas com ilícitos menos graves – por exemplo, atribuir uma
sanção para aqueles que conduzem com taxas de álcool no sangue para assegurar a proteção do direito
à vida de cada cidadão, que podia ser violado através de um acidente de carro culposo.
Direito Judiciário
Tem influência do DC porque este estabelece as linhas mestre do seu ordenamento e da relação dos
órgãos judiciários com os restantes órgãos – por exemplo, define o modo como vão organizar os
tribunais e os seus poderes, estabelece a possibilidade de recorrer para a instância seguinte como
forma de prevenir decisões injustas e, consequentemente, para a defesa dos direitos das pessoas.
Direito Processual
Tem fundamento no DC na medida em que este impõe certos direitos fundamentais de cunho
processual, sendo alguns exemplos:
Acesso ao Direito = todos os cidadãos têm o direito de acionar o sistema jurisdicional no sentido de
assegurar uma proteção efetiva dos seus outros direitos fundamentais (artigo 20º/1).
Princípio de igualdade de armas = a pessoa tem que ter capacidades para se defender,
nomeadamente através de um advogado, não podendo ser discriminado por não ter capacidades
económicas para o efeito – protege os cidadãos contra a autoridade e o poder de Império do
Estado, que o acusa (artigo 20º/1).
Princípio da transparência, consagrado no artigo 20º/2.
Direito à integridade física, protegido no artigo 20º2 – “fazer-se acompanhar por um advogado
perante qualquer autoridade”, de forma a se proteger contra quaisquer abusos que possam
eventualmente ser praticados por essa autoridade relativamente a essa pessoa.
Através das normas de DC, está-se a defender o cidadão, a criar uma esfera de liberdade face ao poder
público na sua veste de autoridade tributária, e a assegurar que o princípio da segurança jurídica e da
confiança são garantidos.
Direito da Economia
O DC vai definir as grandes linhas do regime económico que temos no âmbito de um Estado social, ou
seja, define como é que os setores da economia são constituídos e de que forma se relacionam os
diferentes tipos de agentes que trabalham no âmbito económico.
Esta organização económica social assenta, assim, em princípios fundamentais consagrados na
Constituição (artigo 80º) como o princípio da “subordinação do poder económico ao poder político
democrático”, baseado na ideia de legitimação do poder político como expressão da vontade do povo,
que lhe dá o poder de limitar o poder económico, obedecendo, por isso, à ideia de justiça presente na
Constituição e que permite, por exemplo, justificar expropriações estatais como um meio para a
concretização do bem comum.
Direito Privado:
Direito da Personalidade
Tem fundamento no DC porque, ao estudar os direitos das pessoas durante toda a sua vida, concretiza
princípios e direito como o princípio da igualdade, (13º), à integridade pessoal (25º), o direito à
identidade pessoal (26º/1), etc.
Direito de Trabalho
Tem fundamento no DC na medida em que foi constituído historicamente para proteger a parte
contratual mais fraca – os trabalhadores, porque só têm a sua força de trabalho para vender e
encontram-se numa situação económica pior –, protegendo assim os seus direitos fundamentais e
assegurando que eles são respeitados (59º). Além disso, este concretiza ainda direitos como o do
respeito à intimidade e à vida privada no âmbito da relação jurídica laboral, direito este assente no
direito fundamental consagrado na Constituição, a dignidade e integridade da pessoa humana (25º/1).
Direito de Autor
Tem fundamento no DC porque concretiza direitos e princípios fundamentais consagrados na
Constituição, nomeadamente a liberdade de criação (42º) e de expressão (37º/1) nas suas diferentes
vertentes.
Estes direitos todos são depois desenvolvidos no âmbito dos vários ramos de direito, na medida em
que o fundamento de todas as normas relativas à identidade pessoal, ao desenvolvimento da
personalidade (que é um dos principais direitos que nós temos no nosso ordenamento jurídico e que
significa que todos nós somos livres de desenvolver a nossa personalidade como bem entendermos
sem dirigismos estatais ou modelo de cidadão) se encontra na Constituição. Isto dá origem depois a
uma quantidade imensa de diplomas que nos protegem consoante os grupos onde estejamos inseridos
nas nossas vidas contra qualquer forma de discriminação.
Ex: Direito ao nome – protege as pessoas do crime de usurpação de identidade ou da falsificação de
documentos, sendo que este está na CRP e é concretizado no Código Civil, tendo ampla
jurisprudência.
Perspetiva exegética
Tentativa de encontrar uma resposta através da interpretação das normas constitucionais
recorrendo aos vários elementos de interpretação – acórdãos do tribunal, doutrina, e
jurisprudência –, atendendo, por um lado, ao elemento literal, interpretando qual o sentido das
palavras utilizadas e os conceitos que lhes estão subjacentes, e, por outro, ao elemento subjetivo,
interpretando a intenção do legislador ao adotar aquela norma, estudando os trabalhos
preparatórios da constituição na Assembleia Constituinte e verificar se sofreu ou não alterações.
Para além disso, devemos ainda enquadrar a nossa interpretação norma tendo em conta a
integração da norma na lógica sistemática global do ordenamento jurídico, ou seja, devemos
interpretar a norma à luz dos princípios que compõem o sistema jurídico-constitucional no seu
todo, de modo a não formularmos uma solução que ofenda um princípio fundamental
constitucional e que, por isso, seria considerada inválida – integração das suas lacunas.
Perspetiva dogmática
Tentativa de encontrar uma resposta através da avaliação dos dados diretamente obtidos das
fontes constitucionais (doutrina ou jurisprudência) pela sua respetiva inserção nessa lógica
sistemática global, caracterizada pelo princípio da conformidade constitucional, e confrontando-os
com os princípios fundamentais que compõem o sistema constitucional.
Perspetiva teorética
Formulação de orientações úteis em vários espaços constitucionais, de natureza técnica ou
valorativa, considerando a reforma do DC positivo, através da interpretação das várias perspetivas
teóricas possíveis, tentando reformular o direito constitucional positivo à luz dessas teorias, que
em regra estão associadas a teorias da justiça – ou seja, olha-se para a Constituição e verifica-se se
esta é desejável face à realidade que se tem num determinado momento.
É esta perspetiva que vai permitir dizer que a Constituição tem de ser revista num determinado
sentido, visto que, quando se propõe qualquer projeto de revisão constitucional, existe sempre
uma conceção de justiça subjacente à mesma, que muitas vezes é diferente daquela que está
consagrada na Constituição – podendo esta ser de natureza valorativa (no sentido de dizer que as
soluções que estão na Constituição já não correspondem ao conceito de justiça que temos hoje e
que, por esse motivo, devem ser alteradas ), ou de natureza técnica (no sentido de dizer que
determinada solução que está no texto constitucional é tecnicamente menos correta face ao
conjunto).
Ciência política
Estuda os comportamentos das instituições e dos seus respetivos titulares, incluindo aspetos do
sistema de partidos, o sistema eleitoral, o sistema de governo, os regimes políticos. É fundamental para
o DC na medida em que permite verificar se as soluções constitucionais são adequadas para o respeito
de princípios, se os sistemas são bons. Não se consegue ter uma Constituição eficaz que ignore o que
esta revela, porque será uma constituição completamente desadequada da comunidade a que se
aplica.
Filosofia Política
Estuda os limites do fenómeno político, sobretudo estadual, nomeadamente no que toca aos direitos
das pessoas, procurando saber qual a relação entre os cidadãos e o poder político, em que medida é
que o Estado pode interferir na nossa esfera de exercício dos direitos fundamentais, etc. – pretende
questionar tudo aquilo que é imposto pelo poder político. É fundamental para o DC na medida em que
permite tanto analisar criticamente como justificar as soluções jurídicas adotadas em termos da esfera
de ação estatal e na limitação de direitos fundamentais, que tem se ser sempre bem justificada.
Política constitucional
Pondera as vantagens e desvantagens das alterações constitucionais, de forma a determinar que
soluções constitucionais são mais adequadas num determinado momento. Esta ponderação, em regra,
tem lugar antes de qualquer alteração da constituição, visto que, antes de a fazer e tendo em conta à
seriedade dessa alteração para todo o ordenamento jurídico e as suas consequências, é fundamental
que as soluções a adotar sejam bem ponderadas.
Ex: Passar da saúde gratuita para saúde tendencialmente gratuita, com pagamento das taxas
moderadoras – questões sobre procura, valor das taxas, exclusão de pessoas, etc.
Constitucionalismo económico
Procura ganhos de eficiência minimizando os custos e maximizando os benefícios e pergunta até que
ponto as opções constitucionais são aceitáveis na composição dos interesses em presença, ou seja, em
que medida é que as soluções constitucionais são boas para o bom funcionamento da economia,
considerando questões como os custos da justiça (ou seja, todos os custos inerentes ao processo
legislativo, o qual sai do bolso dos contribuintes através dos impostos cobrados) ou o custo de
oportunidade (o custo de se legislar sobre uma matéria e não sobre outra).
É importante para o DC na medida em que estes custos afetam a vida das pessoas na sociedade, sendo
que teremos melhores ou piores resultados económicos mediante o modo como estruturarmos a parte
da justiça, legislativa e até dos tribunais. Por exemplo, se uma ação num tribunal administrativo
demorar em média 7 a 8 anos, haverão consequências económicas negativas, devido tanto aos custos
do funcionamento do sistema de justiça como aos custos da continuação de práticas que não são
práticas desejáveis do ponto de vista do funcionamento da sociedade.
Ciência da linguagem
Permite perceber como utilizar uma palavra e como controlar, com ela, o discurso. O estudo da
linguagem constitucional é importante, na medida em que os textos constitucionais tem um grande
nível proclamatório, definindo aquilo que é o fundamento de todo o ordenamento jurídico num
determinado momento, a conceção de justiça que está subjacente à Constituição, ideia muito
importante e cuja ciência da linguagem ajuda a descobrir. As várias formas de utilizar a linguagem e a
natureza de discurso têm consequências normativas diferentes, nomeadamente no modo como vamos
ordenar a realidade através da adoção de diplomas, pelo que temos que ser o mais preciso e conciso
possível.
Ex: Preâmbulo da CRP, onde encontramos uma linguagem profundamente simbólica que apela a
conceitos suprapositivos e grandes conceções de justiça, que irão prevenir interpretações do texto
constitucional contrárias aos ideais impressos no preâmbulo.
Estatística e matemática
Os seus conceitos são importantes para a compreensão das normas constitucionais sobre sistemas
eleitorais ou para a definição das maiorias deliberativas. Além disso, estas disciplinas permitem-nos
conhecer melhor a sociedade portuguesa, de forma a identificarmos grupos em que se justificam
normas específicas de proteção constitucional e que grupos é que apenas precisam de proteção
através de uma norma genérica. Caso contrário, corremos o risco de adotar soluções que não são
adequadas às necessidades da população num determinado momento.
Ex: Não se justifica inserir a proteção de pessoas albinas na CRP, visto que a percentagem de
população portuguesa que é albina é muito pequena.
História
Sem uma análise histórica, não se consegue entender muitas das soluções jurídico-constitucionais que
temos, visto que o DC é um dos ramos do Direito mais influenciado pela História, relacionado com
ruturas e revoluções. Assim, a história é fundamental para justificar a existência de um determinado
texto constitucional que, muitas vezes, leva à alteração completa do sistema jurídico anteriormente
verificado.
Sociologia
É importante na medida em que estuda os comportamentos coletivos, verificando a sua ocorrência e,
consequentemente, fornecendo-nos informações importantes quanto à adequação social de certas
instituições jurídico-constitucionais – ou seja, vai nos dizer se a sociedade mudou ao longo do tempo, e
se essa mudança implica que determinadas normas constitucionais deixem de fazer sentido e seja
necessário alterá-las ou não, ou ainda se aquilo que o legislador constitucional cria na adoção de uma
norma foi acompanhado pela sua aplicação no plano social ou não, etc.
Ex: Se a sociologia nos diz que, em regra, as pessoas juntam-se com outras com o mesmo nível de
ensino e cultura, podemos partir do pressupostos que cada parte do casal ganha mais ou menos o
mesmo, algo que no ajudará a decidir sobre matérias fiscais, do IRS conjunto ou separado, etc.
Economia
É fundamental porque se encontra associada à ideia de afetação eficiente de recursos escassos para a
satisfação das necessidades coletivas, na medida em que a afetação económica dos nossos recursos vai
conduzir a um determinado tipo de sociedade, e as escolhas que são feitas no âmbito da Constituição
vão conduzir a determinado tipo de políticas públicas que podem ou não ser benéficas para o bom
funcionamento da economia. Assim, sendo os recursos escassos, as necessidades coletivas que serão
satisfeitas serão diferentes em função das diferentes opções politico-constitucionais (opções gerais
para que a Constituição seja compatível com a mudança de programas políticos nas eleições), pelo que
essas opções têm que ter por base um bom conhecimento da economia.
Antropologia
É fundamental para o DC porque este é um discurso normativo que parte do princípio que o Homem
vive em sociedade, pelo que é necessário compreender o comportamento humano nas civilizações
tradicionais e comparar os seus diferentes estádios de evolução, de forma a determinar se existe
necessidade de manter, remodelar ou extinguir instituições e normas constitucionais mais antigas, para
que estas consigam acompanhar a dita evolução do comportamento humano.
Ex: Devido a este estudo, podemos concluir que o poder contrair casamento e constituir família
ainda é muito importante para a população, pelo que o legislador constitucional achou importante
proteger esse direito na CRP – artigo 36º/1.
Geografia e astrofísica
São úteis para a delimitação de conceitos jurídico-constitucionais, na medida em que o território
delimita a aplicação de uma certa ordem jurídica. Também é importante no âmbito do Direito
Internacional Público e do Direito do Espaço, na medida em que nos ajuda a delimitar e estabelecer
regimes diferentes para zonas diferentes quer do ponto de vista do Direito Marítimo, quer do ponto de
vista do Direito Espacial. Isto depois tem repercussões em termos de segurança, de exploração de
recursos marítimos, de políticas das pescas, de qual a ordem jurídica aplicada quando acontece um
crime num avião, etc.
Ex: Tratado das Nações Unidas, que vem determinar quem é que pode ter direito sobre a
exploração do espaço exterior, como a lua, acordando-se que essa exploração não poderia ser só
de um país e que esta poderia ser feita por toda a Humanidade (gerações presentes e futuras) –
surgimento do conceito de património comum da humanidade = a utilização de certos recursos só
pode ser feita tendo em mente o bem da Humanidade e a satisfação das necessidades das
gerações futuras.
Quando não existe este poder político, a sociedade dirige-se num destes caminhos:
Anomia ou Anarquia: Ausência de poder político e, consequentemente, de um ordenamento
jurídico que regule devidamente as relações entre as pessoas, o que leva ao caos e à
impossibilidade da maior parte das pessoas de exercer os seus direitos, visto que não existe um
controlo do respeito por esse exercício por parte de terceiros.
Ditadura ou Totalitarismo: Onde o poder político é arbitrário, na medida em que o DC vai impor
comandos, seja através de normas ou de princípios, que lhe vão permitir uma limitação
desproporcional e indevida dos direitos fundamentais das pessoas, o que leva ao não respeito pela
esfera privada e por esses direitos fundamentais. O poder deixa de ser legítimo, na medida em que
deixa de expressar a vontade do povo.
Poder social
São padrões de etiqueta social, ou seja, são as normas que estabelecem as relações entre as pessoas,
normas de civilidade ou de trato social. É um poder muito importante nas nossas sociedades, pois o
cumprimento destas normas é muito valorizado, não só porque estas têm como valor fundamental o
respeito pelo outro, mas também porque facilitam o acesso a vários direitos.
Embora as pessoas sejam inteiramente livres de se comportar como quiserem, quem seguir estas
regras com mais cuidado tem mais probabilidade de alcançar determinados bens e serviços do que
quem as ignora completamente – sendo que estes, por regra, não são objetos de qualquer sanção
jurídica, mas sim de sanções sociais como marginalização ou exclusão.
Poder religioso
É um poder muitíssimo importante nas nossas sociedades na medida em que expressa a vontade das
organizações religiosas através do estabelecimento de um conjunto de normas disciplinadoras da
atitude dos crentes, verificado através de instituições como as igrejas, que dão ordens normativas que,
em princípio, não são dotadas de valor jurídico. Visa estabelecer as relações não apenas entre os fiéis,
como também as relações que estes devem ter com um ente sobrenatural, devendo-se comportar em
conformidade com as expectativas desse mesmo ente.
Ex: O facto da maior parte dos feriados que temos serem feriados religiosos.
Poder económico
É muito importante na medida em que a capacidade de influência atribuída aos agentes económicos na
produção de bens e serviços é tanto maior quanto mais concentrados estiverem os meios de produção
– ou seja, quem tem o poder económico, tem o poder de condicionar as decisões jurídico-políticas e,
consequentemente, a liberdade e os direitos dos outros.
Ex: Multinacionais e as suas implicações no mercado, relativamente às pequenas empresas.
Poder militar
Importante na medida em que as Forças Armadas é uma instituição social que forma pessoas capazes
de orientar as opiniões. Foi através do poder militar que se derrubou o regime ditatorial português, e
na origem da CRP está uma forte influência do poder militar e dos acordos com o MFA – o poder militar
que deu as linhas orientadoras para a sua redação, condicionando-a até à primeira revisão
constitucional.
Poder cultural
É fundamental, na medida em que saber o que é considerado culturalmente correto numa sociedade,
num determinado momento – saber a “mentalidade” – vai permitir aplicar determinadas normas,
sobretudo no âmbito dos direitos fundamentais, das relações jurídicas entre as pessoas e da
regulamentação das atividades económicas e dos diferentes ramos do Direito. As ruturas sociais e de
mentalidades tiveram quase sempre origem na cultura, aumentando assim ainda mais o seu poder.
Poder desportivo
É fundamental, tendo em conta a capacidade atrativa do fenómeno desportivo, em particular do
futebol, assim como dos praticantes e dirigentes desportivos, como o Ronaldo. Este poder está
frequentemente ligado ao poder político, ao exercício do poder judicial (ex: casos de corrupção com
bilhetes para o Benfica), etc. O poder desportivo está ainda bastante presente na nossa sociedade,
conseguindo unir pessoas de diferentes visões políticas em torno de um clube favorito. É autónomo do
poder cultural porque tem uma força na nossa sociedade muito grande, podendo ser utilizado de várias
maneiras – por exemplo, para reforçar a ideia de nacionalismo –, e porque mexe muito com as massas,
existindo, por isso, sempre recursos e verbas para investir no mesmo.
Poder científico
É fundamental pois cada vez mais a Ciência e a Técnica condicionam decisões políticas, económicas e
sociais, visto que, por um lado, existem progressos científicos e técnicos que alteram muito o modo
como vamos adotar políticas de concretização de direitos fundamentais, e, por outro, o que é científico
e técnico cria novas ameaças para os mesmos direitos fundamentais.
Ex: Revolução das telecomunicações, que trouxe mudanças e alterações significativas para o
enquadramento jurídico de tudo o que nos rodeia, com novas ameaças ao direito à privacidade,
novas formas de fazer guerra, etc.